0 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN) CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES (CCHLA) DEPARTAMENTO DE LETRAS (DLET) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM (PPGEL) EMILIANA SOUZA SOARES DISPOSITIVOS ENUNCIATIVOS NA SENTENÇA JUDICIAL CONDENATÓRIA DE CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL INFANTOJUVENIL NATAL – RN 2017 1 EMILIANA SOUZA SOARES DISPOSITIVOS ENUNCIATIVOS NA SENTENÇA JUDICIAL CONDENATÓRIA DE CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL INFANTO-JUVENIL Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Estudos da Linguagem. Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva Orientadora: Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues. NATAL – RN 2017 2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA 3 EMILIANA SOUZA SOARES DISPOSITIVOS ENUNCIATIVOS NA SENTENÇA JUDICIAL CONDENATÓRIA DE CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL INFANTOJUVENIL Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Estudos da Linguagem. BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues – UFRN Orientadora _____________________________________________________ Prof. Dr. Luis Álvaro Sgadari Passeggi – UFRN Examinador interno _______________________________________________________ Profa. Dra. Alessandra Castilho Ferreira da Costa – UFRN Examinadora interna _______________________________________________________ Profa. Dra. Maria Elias Soares – UFC Examinadora externa ______________________________________________ Profa. Dra. Sueli Cristina Marquesi – UNICSUL Examinadora externa NATAL – RN 2017 4 AGRADECIMENTOS É oportuno demonstrar aqui a minha gratidão a Deus, em quem confio, por estar em minha companhia a todo momento e, assim, ter me concedido a fé, a força, a luz, a coragem e a sustentação, o afago, o refúgio e a paz nos momentos mais árduos e desanimadores durante as travessias das veredas mais turbulentas de minha vida nos últimos tempos em que eu dizia ser até “impossível” a realização desta etapa acadêmica. Gratidão a Deus, à Nossa Senhora e a toda força do plano espiritual que me ajudaram a seguir, a revigorar a fé e a conquistar esta dádiva: minha defesa de Doutorado. Aleluia e Glória sejam dadas! Um agradecimento bem especial à professora, amiga/orientadora amada e querida Maria das Graças Soares Rodrigues que, com sua generosidade infinita, me apresentou à Responsabilidade Enunciativa, ao discurso jurídico e ao mundo acadêmico, sempre com dedicação, competência e empenho na orientação deste trabalho. Quero agradecer pelas lições valiosas, pelo estímulo constante, pelas orações, pela compreensão e por ter me ensinado a caminhar pelas veredas acadêmicas, bem como por ter me transmitido confiança para a realização das árduas tarefas acadêmico-científicas. Agradeço ainda pelo encorajamento nos mais difíceis momentos em busca do meu crescimento na minha carreira profissional “Ifriana” e na minha vida pessoal. Por todo ensinamento a mim reservado, por meio de aulas/conversas, traduções, viagens, e-mails, orientações e pelos livros e revistas raros que trouxe de outros países, aos quais dificilmente teria acesso, não fosse o desprendimento da amiga/orientadora, registro meu sincero apreço. Estendo minha gratidão à banca do Exame de qualificação, os professores: Luis Álvaro Sgadari Passeggi, Rosalice Pinto e Sueli Cristina Marquesi, por terem generosamente aceitado participar dessa fase de minha trajetória acadêmica, contribuindo com críticas e sugestões significativas para a realização e avanço deste trabalho. Um agradecimento especial à banca da Defesa, os professores: Luis Álvaro Sgadari Passeggi, Alessandra Castilho, Maria Elias e Sueli Cristina Marquesi. Muito me alegram com a honra de tê- los como avaliadores e interlocutores deste trabalho. Agradeço também pelas contribuições valiosas para o avanço desta pesquisa. À família amada, paciente, alegre e apoiadora de minha labuta pessoa l, profissional e acadêmica, destaco meu agradecimento e dedicatória, que aceitou e respeitou minhas ausências, mesmo sem compreender os desafios do mundo acadêmico. Agradeço por serem sempre minha maior fonte de amor e força. Vocês também são minha fonte de inspiração para 5 que eu possa continuar seguindo o caminho e recomeçar sempre. Sou grata pelo amor, pelo apoio, pelas orações, pelo estímulo, pelo zelo, pela força e pelo incentivo nos momentos mais árduos e difíceis de minha vida. Graças a Deus pelos amigos-anjos tão afáveis e cheios de amor, por todas as contribuições e diálogos: Felipe Morais de Melo, Edivaldo Andrade, Célia Medeiros e Rosângela Bernardino. Amigos que caminham ao meu lado, trocando experiências, ajudando- me, incentivando-me e apoiando-me nas horas mais difíceis dessa travessia acadêmica- profissional, mesmo com tantas ocupações na labuta da vida. O agradecimento especial se estende ao meu querido, amigo- irmão Henrique, presente de Deus, fonte de amor fraternal e força espiritual, pelo carinho, pelo apoio, pelo zelo, pela força e pelo incentivo nos momentos de cansaço e de desânimo no decorrer dessa fase final de minha trajetória acadêmica. A todos os colegas do Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos pelo apoio, incentivo e parceria, especialmente: Flávio, Angélica, Rildeci, Alba, Iranilson, Socorro, Romena, Elis, Fátima, Euclides, Hális, Nouraide, Vivi e Vitória. Aos meus amigos do Curso de Letras, em especial, do grupo amorzade, entre eles: Valeska Limeira, Edito, Lipon, Fran e Ricardo Yamashita. Agradeço o apoio recebido dos colegas, amigos e alunos do IFRN, pela compreensão e estímulo, bem como o apoio institucional “Ifrniano”, especialmente os amigos do grupo de Língua Portuguesa e meus amados alunos do integrado e superior. Grata aos amigos “ifrianos”, que me ajudaram a fazer essa travessia, dentre eles: Aurélia, Wagno, Lucas, Dayveson, Iran, Alcindo, Fernanda, Gilmara e Joyce. Agradeço à coordenação e aos funcionários da secretaria do PPGEL e do Departamento de Letras pela atenção, docemente dada a mim. À Universidade Federal do Rio Grande do Norte pelo bom acolhimento e oportunidades de crescimento acadêmico-profissional que tive desde a minha graduação. Ao Projeto Leitura + Neurociências, em especial, à professora Ângela Naschold pela oportunidade e crescimento profissional. Aos amigos do Conselho Tutelar da Região Oeste de Natal pela força nessa trajetória, em especial ao amigo Marcílio de Oliveira, presente de Deus nesta fase de minha vida. À equipe da I e II Vara da Infância e Juventude da comarca de Natal pelo apoio neste percurso acadêmico. Por fim, a todos os que de alguma forma contribuíram para a realização desta pesquisa, a minha sincera gratidão. 6 Aos amores de minha vida: minha família e meus alunos, em especial, aos meus avós e ao meu pai, que, independente do sentido “ser doutora”, sempre sonhavam em ter uma neta-filha Doutora. Agora, com a honra e a Glória de Nosso Senhor Jesus Cristo, de fato e de direito. 7 Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; Tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; Tempo de matar, e tempo de curar; Tempo de derrubar, e tempo de edificar; Tempo de chorar, e tempo de rir; Tempo de prantear, e tempo de dançar; Tempo de espalhar pedras, e tempo de juntar pedras; Tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; Tempo de buscar, e tempo de perder; Tempo de guardar, e tempo de lançar fora; Tempo de rasgar, e tempo de coser; Tempo de estar calado, e tempo de falar; Tempo de amar, e tempo de odiar; Tempo de guerra, e tempo de paz. [...]. (ECLESIASTES 3:1-22) Chegou o meu tempo de recomeçar, de me recompor e de renovar. 8 RESUMO Dispositivos enunciativos na sentença judicial condenatória de crimes contra a dignidade sexual infanto-juvenil Esta pesquisa tem por objetivo geral investigar dispositivos enunciativos concernentes à orientação argumentativa e a (não) assunção da responsabilidade enunciativa. Para tanto, analisamos a sentença judicial condenatória de crimes cometidos contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes, no âmbito da família. Estabelecemos como objetivos específicos identificar, descrever, analisar e interpretar: (i) o plano de texto do gênero judicial em estudo, com foco na estrutura composicional; (ii) a construção textual-enunciativa dos pontos de vista (PDV) e da (não) assunção da responsabilidade enunciativa em sentenças condenatórias de crimes contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes, considerando as marcas e categorias textuais e enunciativas que revelam o (des)engajamento com o dito de outrem, mobilizadas por L1/E1 (locutor-enunciador primeiro/juiz); (iii) as estratégias textuais e enunciativas, bem como expressões linguísticas que podem vir a contribuir para a orientação argumentativa do gênero discursivo/textual em estudo e (iv) os posicionamentos desencadeados pelas posturas enunciativas assumidas pelo L1/E1 (juiz) na gestão do gerenciamento e hierarquização dos conteúdos proposicionais dos PDV evocados por L1/E1 e imputados a enunciadores segundos (e2) a serviço da orientação argumentativa. O quadro teórico que fundamenta esta tese se constitui dos postulados da Análise Textual dos Discursos – ATD (ADAM, 2011), em diálogo com teorias linguístico-enunciativas e com as contribuições teóricas e analíticas do campo linguístico-discursivo da argumentação. Para tanto, além dos pressupostos adamianos, seguimos os estudos de Rabatel (2008, 2011, 2015, 2016), acerca do PDV, da responsabilidade enunciativa, dos posicionamentos, das posturas e instâncias enunciativas, de Guentchéva (1994, 1996, 2011, 2014) sobre o quadro mediativo (as estratégias de (não) assunção e de distanciamento com o dito de outrem) e trabalhos sobre aspectos linguísticos da argumentação e do discurso jurídico, entre eles, Pinto (2010), Gomes (2014), Lourenço (2013, 2015), Bittar (2015), Rodriguez (2005). Quanto aos aspectos metodológicos, trata-se de uma pesquisa documental, que segue procedimentos da pesquisa qualitativa, de base descritiva e interpretativista. Nosso corpus é constituído de 6 (seis) sentenças judiciais condenatórias que tratam de crimes hediondos contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes até 14 anos de idade, tendo como agressores o pai ou o padrasto (estupro de vulnerável). Essas sentenças foram prolatadas no período de 2011 a 2013 por uma Vara da Infância e Juventude da Comarca de Natal. Os resultados da análise evidenciam dois movimentos realizados pelo juiz na gestão dos PDV: (1) a imputação e (2) a assunção da responsabilidade enunciativa. Nos contextos de ocorrências de posturas enunciativas, no âmbito do fenômeno de (não) assunção da responsabilidade enunciativa no gênero sentença judicial condenatória, os mecanismos linguísticos mais evocados por L1/E1 (locutor enunciador primeiro), no caso o juiz, foram: discurso reportado (o discurso indireto e o discurso direto), o quadro mediativo (a modalização em discurso segundo, mediação perceptiva, mediação epistêmica), as marcas tipográficas (negrito e itálico), sinal gráfico (aspas), índices de pessoa, as expressões verbais em primeira pessoa, as expressões modais (lexemas avaliativos, expressões adjetivadas e advérbios) e os operadores argumentativos. O uso desses dispositivos textual-enunciativos e argumentativos, no gênero jurídico em análise, revela posicionamentos enunciativo-argumentativos de L1/E1 em relação aos PDV de e2 que direcionam a construção argumentativa para a condenação do réu, a saber: o acordo, por meio 9 da hierarquização e da coenunciação de um PDV comum e partilhado por L1/E1 (concordância entre o PDV de L1/E1 e e2); o desacordo, por meio de dispositivos textuais e linguístico-enunciativos que refutam o PDV de e2 e a pseudoneutralidade, por meio de estratégias de distanciamento, principalmente, em alguns contextos do uso do mediativo, especificamente da mediação perceptiva e mediação epistêmica , revelando, no plano textual enunciativo-argumentativo, uma pseudoneutralidade de L1/E1 em relação ao PDV imputados aos enunciadores segundos. Nos contextos de responsabilização, observamos indícios da hierarquização de PDV como estratégia argumentativa. A aná lise revela também que o gerenciamento das vozes e a hierarquização dos PDV são mecanismos argumentativos marcados na construção textual, ou seja, a seleção dos PDV imputados a e2 (enunciadores segundos) realizada por L1/E1 orienta a interpretação e a construção argumentativa em favor da condenação do réu. Portanto, a gestão de vozes, no plano textual-enunciativo, configura-se, na dinâmica textual, como estratégia argumentativa, motivada por um projeto de dizer voltado à persuasão e à produção de efeitos de sentido. PALAVRAS-CHAVE: Análise Textual dos Discursos. Análise enunciativa. Dispositivos enunciativos. Ponto de vista. Responsabilidade enunciativa. Orientação argumentativa. Gerenciamento de vozes. Discurso jurídico. Sentença condenatória. Dignidade sexual. 10 ABSTRACT Enunciative devices in sentencing court’s judgment of crimes against the sexual dignity of children and adolescents This research has the main objective to investigate enunciative devices concerning the argumentative orientation and the (non-) assumption of commitment. For this purpose, we analyzed the sentencing court’s judgment of crimes commited against the sexual dignity of children and adolescents within the family. We set, as specific objectives, to identify, describe, analyze and interpret: (i) the textual plan of the judicial genre under study, focusing on the compositional structure; (ii) the textual-enunciative construction of points of view (PDV) and (non-) assumption of commitment in sentencing court’s judgment of crimes against the sexual dignity of children and adolescents, by considering the textual and enunciative marks and categories – which reveal the (dis)engagement with other people’s utterance – mobilized by S1/E1 (first speaker-enunciator/the judge); (iii) the textual and enunciative strategies as well as the linguistic expressions that may contribute to the argumentative orientation of the discursive/textual genre under study and (iv) the positions triggered by enunciative positions taken on by the S1/E1 (the judge) in the management of the running and the hierarchization of the POV’s propositional contents evoked by S1/E1 and attributed to second enuncciators (E2) at the service of the argumentative orientation. The theoretical framework that supports this thesis is constituted by the postulates from the Textual Discourse Analysis – TDA (ADAM, 2011), in dialogue with linguistic and enunciative theories and with the theoretical and analytical contributions from the linguistic and discursive field of the argumentation. Therefore, in addition to the Adam’s assumptions, we follow the Rabatel’s studies (2008, 2011, 2015, 2016) about the PDV, the enunciative responsibility, the positions, the enunciative postures and instances, Guentchéva’s ideas (1994, 1996, 2011, 2014 ) on the mediative framework (strategies of (non-) assumption and distance from the other people’s utterrance) and works about linguistic aspects of argumention and legal discourse, among them Pinto (2010), Gomes (2014), Lourenço (2013, 2015), Bittar (2015), Rodriguez (2005). As for the methodological aspects, this tesis is a documentary research, following procedures of qualitative research with descriptive and interpretative basis. Our corpus consists of six (6) sentencing court’s judgements dealing with heinous crimes against the sexual dignity of children and adolescents under 14 years old, having their father or stepfather as their offender (rape of vulnerable). These sentences were handed down during the period from 2011 to 2013 by Juvenile Courts of the District of Natal. The analysis results show two movements made by the judge in the management of the POV: (1) the attribution and (2) the assumption of the enunciative responsibility. In the contexts of occurrences of enunciative postures within the phenomenon of the (non) assumption of the enunciative responsibility in the genre sentencing court’s judgement, the most evoked linguistic mechanisms by S1/E1 (first speaker-enunciator, represented by the judge in this study) were: reported speech (indirect speech and direct speech), the mediative framework (modalization in reported speech [in enunciation with “according to”, “in agreement with”, “for”], perceptive mediation, epistemic mediation), typographical marks (bold and italic), graphic sign (quotes), subject marks, verbal expressions, modal expressions (evaluative lexemes, adjective expressions and adverbs) and argumentative operators. The use of these textual-enunciative and argumentative devices, in the legal genre under analisys, reveals enunciative-argumentative positions of L1/E1 in relation to the PDV of e2 that direct the 11 argumentative construction to the defendant’s conviction, namely: the agreement by means of the hierarchization and coenunciation of a common PDV and shared by L1/E1 (agreement between the PDV of L1/E1 and E2); the disagreement by means of textual and linguistic- enunciative devices that refute the PDV of e2 and pseudo-neutrality through strategies of distance, mainly in some contexts where mediation is used, specifically the perceptive and the epistemic mediation, revealing, in the textual and enunciative-argumentative plan, a pseudo- neutrality of S1/E1 in relation to the pov attributed to the second enunciators. In responsability contexts, we found evidence of the hierarchization of pov as argumentative strategy. The analysis also reveals that the management of the voices and the hierarchization of PDV are argumentative mechanisms marked in the textual construction, i.e., the selection of the PDV imputated to E2 (second enunciator) was made by L1/E1 and guides the interpretation and the argumentative construction in favor of the defendant’s conviction. Therefore, the management of voices, in the textual-enunciative plan, works, in the textual dynamics, as an argumentative strategy, motivated by a project of speech focoused on the persuasion and the production of meaning effects. KEYWORDS: Textual Analysis of Discourse. Enunciative analysis. Enunciative devices. Point of view. Commitment. Argumentative orientation. The management of voices. Legal discourse. Sentencing court’s judgement. Sexual dignity. 12 RESUMEN Dispositivos enunciativos en la sentencia judicial condenatoria de delitos contra la dignidad sexual de los niños y adolecentes Esta investigación tiene como objetivo general investigar dispositivos enunciativos relativos a la orientación argumentativa y a la (no) asunción de la responsabilidad enunciativa. Para ello, se analizó la sentencia judicial de condena de los delitos cometidos contra la dignidad sexual de los niños y adolescentes en el ámbito familiar. Establecemos como objetivos específicos identifican, describir, analizar e interpretar: (i) el plan de texto del género judicial, centrándose en la estructura composicional; (ii) la construcción textual-enunciativa de puntos de vista (PDV) y de la (no) asunción de la responsabilidad enunciativa en la sentencia judicial de condena de los delitos contra la dignidad sexual de los niños y adolescentes, teniendo en cuenta las marcas y categorías textuales y enunciativas que revelan el empeño con el dicho del otro, movilizadas por el L1/E1 (locutor-enunciador primero/el juez); (iii) las estrategias textuales y enunciativas, como expresiones lingüísticas que pueden venir a contribuir para la orientación argumentativa del género discursivo/textual en estudio; (iv) los posicionamientos desencadenados por las posturas enunciativas asumidas por el L1/E1 (el juez) en el manejo de la gestión y jerarquización de los contenidos proposicionales de los PDV evocados por L1/E1 y los imputados a enunciadores segundos (E2) a servicio de la orientación argumentativa. El marco teórico que fundamenta esta tesis se constituye por los postulados del Análisis Textual de los Discursos – ATD (ADAM, 2011), en diálogo con teorías lingüístico-enunciativas y con las contribuciones teóricas y analíticas del campo lingüístico-discursivo de la argumentación. Para ello, además de los supuestos adamianos, seguimos los estudios de Rabatel (2008, 2011, 2015, 2016) sobre el PDV, de las responsabilidades enunciativas, de los posicionamientos, de las posturas e instancias enunciativas, y Guentchéva (1994, 1996, 2011, 2014) sobre el cuadro mediativo (las estrategias de (no) asunción y de distanc iamiento con el dicho del otro), además de trabajos acerca de aspectos lingüísticos de la argumentación y del discurso jurídico, entre ellos, Pinto (2010), Gomes (2014), Lourenço (2013, 2015), Bittar (2015), Rodríguez (2005). En cuanto a los aspectos metodológicos, se trata de una investigación documental, que sigue procedimientos de la investigación cualitativa, de base descriptiva e interpretativa. Nuestro corpus consta de 6 (seis) sentencias judiciales condenatorias que tratan de crímenes atroces contra la dignidad sexual de los niños y adolescentes hasta los 14 años de edad, teniendo como agresores el padre o padrastro (violación de vulnerables). Estas condenas fueron dictadas en el período entre 2011 y 2013 por una Defensoría de la Niñez y Juventud de la región de Natal. Los resultados del análisis evidencian dos movimientos realizados por el juez en el manejo de los PDV: (1) la imputación y (2) la asunción de la responsabilidad enunciativa. En los contextos en que ocurren posturas enunciativas, en el ámbito del fenómeno de (no) asunción de la responsabilidad en el género sentencia judicial condenatoria, los mecanismos lingüístico más evocado por L1/E1 (locutor/enunciador primero, el juez, en el caso de este estudio) fueron: discurso reportado (el discurso directo y discurso indirecto), el cuadro mediativo (modalización en discurso secundario, la mediación perceptiva y la 13 mediación epistémica), las marcas tipográficas (negrita y cursiva), signo gráfico (comillas), índices de personas, las expresiones verbales, las expresiones modales (lexemas evaluativos, expresiones adjetivas y adverbios ) y los operadores argumentativos. El uso de estos dispositivos textual-enunciativos y argumentativos, en el género jurídico en análisis, revela posicionamientos enunciativo-argumentativos de L1/E1 en relación a los PDV de E2 que dirigen la construcción argumentativa para la condenación del acusado, a saber: el acuerdo, a través de la jerarquización y de la coenunciación de un PDV común y compartido por L1/E1 (acuerdo entre el punto de vista de la L1/E1 y E2); el desacuerdo, a través de dispositivos textuales y lingüístico-enunciativos que refutan el punto de vista de E2; y la pseudoneutralidade, mediante estrategias de distanciamiento, principalmente en algunos contextos del uso del mediativo, específicamente de la mediación perceptiva y la medición epistémica revelando, en el plano textual enunciativo-argumentativo, una pseudoneutralidade de L1/E1 en relación con el PDV imputado a los enunciadores segundos. En los contexto de responsabilidad, vemos evidencia de la jerarquización de PDV como estrategia argumentativa. El análisis también muestra que la gestión de las voces y la jerarquización de los PDV son mecanismos argumentativos marcados en la construcción textual, es decir, la selección de los PDV imputados a E2 (enunciadores segundos) realizada por L1/E1 orienta a la interpretación y la construcción argumentativa en favor de la condena del acusado. Por lo tanto, el manejo de voces, en el plan textual-enunciativo, se configura, en la dinámica textual, como estrategia argumentativa, motivado por un proyecto enfocado a la persuasión y la producción de efectos con sentido. PALABRAS CLAVE: Análisis Textual de los Discursos. Análisis enunciativo. Dispositivos enunciativos. Puntos de vista. Responsabilidad enunciativa. Orientación argumentativa. Manejo de voces. Discurso jurídico. Sentencia judicial de condena. Dignidad sexual. 14 LISTA DE FIGURAS E ESQUEMAS Figura 1 – Esquema I da argumentação para Adam Figura 2 – Esquema II da argumentação para Adam Figura 3 – Visão da contra-argumentação Figura 4 – Visão da argumentação com base em Toulmin Figura 5 – Visão esquemática da argumentação proposta por Grize Figura 6 – Visão esquemática da sequência Argumentativa de Adam Figura 7 – Níveis de análise de discurso e de análise de texto Figura 8 – As três dimensões da proposição-enunciado Figura 9 – Tipos de plano de texto Figura 10 – Levantamento histórico dos estudos da polifonia Figura 11 – Relações de heterogeneidade discursiva Figura 12 – Visão do pdv para ScaPoLine Figura 13 – A representação da responsabilidade enunciativa para a ScaPoLine Figura 14 – Tipos de PdV apresentados em Adam (2011) Figura 15 – Instâncias enunciativas Figura 16 – Dimensão enunciativa: esquema da relação de (não)-assunção da RE Figura 17 – A hierarquização das vozes e o acordo na OrArg da SJCEV1 Figura 18 – A hierarquização das vozes e o acordo na OrArg da SJCEV2 Figura 19 – A hierarquização das vozes e o acordo na OrArg da SJCEV3 Figura 20 – A hierarquização das vozes e o acordo na OrArg da SJCEV4 Figura 21 – A hierarquização das vozes e o acordo na OrArg da SJCEV5 Figura 22 – A hierarquização das vozes e o acordo na OrArg da SJCEV6 Figura 23 – Construção do (des)acordo dos PDV na OrArg da SJCEV1 Figura 24 – Construção do (des)acordo dos PDV na OrArg da SJCEV2 Figura 25 – Construção do (des)acordo dos PDV na OrArg da SJCEV3 Figura 26 – Construção do (des)acordo dos PDV na OrArg da SJCEV4 Figura 27 – Construção do (des)acordo dos PDV na OrArg da SJCEV5 Figura 28 – Construção do (des)acordo dos PDV na OrArg da SJCEV6 Figura 29 – Sincronia entre os PDV da OrArg da SJCEV1 Figura 30 – Sincronia entre os PDV da OrArg da SJCEV2 Figura 31 – Sincronia entre os PDV da OrArg da SJCEV3 Figura 32 – Sincronia entre os PDV da OrArg da SJCEV4 Figura 33 – Sincronia entre os PDV da OrArg da SJCEV5 Figura 34 – Sincronia entre os PDV da OrArg da SJCEV6 Figura 35 – O gerenciamento e os posicionamentos entre as vozes na SJCEV1 Figura 36 – O gerenciamento e os posicionamentos entre as vozes na SJCEV2 Figura 37 – O gerenciamento e os posicionamentos entre as vozes na SJCEV3 Figura 38 – O gerenciamento e os posicionamentos entre as vozes na SJCEV4 Figura 39 – O gerenciamento e os posicionamentos entre as vozes na SJCEV5 Figura 40 – O gerenciamento e os posicionamentos entre as vozes na SJCEV6 Esquema 1 – Relações e dimensões do plano enunciativo-argumentativo Esquema 2 – Categorias de análise textual-enunciativa 67 68 68 69 69 70 86 89 100 115 119 125 125 127 135 137 255 256 256 257 257 258 260 260 261 261 262 262 263 263 264 264 265 265 266 267 268 269 270 271 155 156 15 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Características do discurso jurídico Quadro 2 – Estudos sobre os gêneros em diferentes perspectivas discursivo-textuais Quadro 3 – Características gerais do plano de texto da sentença judicial condenatória Quadro 4 – Síntese de marcas linguísticas e categorias de (não) assunção da RE Quadro 5 – Categorias de análise linguístico-textual e enunciativa do PDV e da RE Quadro 6 – Categorias textuais e marcas linguísticas selecionadas para as análises Quadro 7 – Quantidade de sentenças prolatadas até 2013 Quadro 8 – Sentenças judiciais coletadas em sequência cronológica (2008-2013) Quadro 9 – Tipo de crime Quadro 10 – Idade das vítimas das sentenças selecionadas Quadro 11 – Levantamento de agressores Quadro 12 – Sentenças condenatórias selecionadas de acordo com critérios apresentados Quadro 13 – Quantidade de laudas de cada sentença selecionada (1-15 páginas) Quadro 14 – Número de laudas das sentenças selecionadas para análises com recodificação Quadro 15 – Exemplificação do plano de texto de nosso corpus Quadro 16 – Síntese do plano de texto da sentença do corpus Quadro 17 – Quadro sinótico plano do texto da sentença judicial condenatória Quadro 18 – Ocorrências da estrutura composicional do plano do texto da sentença Quadro 19 – Síntese dos e2 mobilizados por L1/E1 para a OrArg Quadro 20 – Quadro sinótico exemplificação de movimentos enunciativos Quadro 21 – Marcas linguísticas indicadoras de hierarquização de PDV Quadro 22 – Elementos linguísticos e avaliativos nos posicionamentos de L1/E1 Quadro 23 – Quadro sinótico das marcas linguísticas de quadro mediativo Quadro 24 – Os operadores e as relações de sentidos indicadoras de OrArg e de RE Quadro 25 – Os operadores e as relações de sentidos indicadoras de OrArg e de RE 55 95 111 154 156 157 175 177 181 181 181 182 182 182 191 203 204 204 273 274 276 288 289 291 293 16 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ATD – Análise Textual dos Discursos AD – Análise de Discurso CPC – Código do Processo Civil CP – Código Penal DD – Discurso direto DI – Discurso indireto DISJURI-Simpósio Internacional de Estudos sobre o Discurso Jurídico (DISJURI) E – enunciador ECA – Estatuto da criança e do adolescente e2 – Enunciador segundo L – Locutor LT – Linguística Textual L1/E1 – Primeiro locutor-enunciador (juiz) l2/e2 – Segundo locutor enunciador (outras fontes enunciativas) L – locutor L1 – locutor primeiro MED – Mediativo ME – Mediação epistêmica MP – Mediação Perceptiva N5 – Nível da estrutura composicional/Plano de texto N7 – Nível da enunciação N8 – Nível de análise da orientação argumentativa Oc. – ocorrências OrArg – Orientação argumentativa PdV – Sigla usada por Adam (2011) (ADAM, [2008] 2011) 1 PDV – Sigla usada por Rabatel (2009, 2015, 2016 e outros trabalhos) pdv – Sigla usada pela Teoria Escandinava da Polifonia Linguística (ScaPoLine) 1 Advertimos que a sigla tem flutuação na grafia. O termo ponto de vista pode variar de acordo com o teórico. Rabatel usa PDV (em letras maiúsculas ), a ScaPoLine usa pdv (letras minúsculas), por sua vez Adam utiliza PdV. Em nossas análises, seguimos a perspectiva rabateliana (PDV) para uniformizar, considerando o foco da análise. 17 PT – Plano de texto PTD – Plano de texto do Dispositivo PTE – Plano de texto da ementa PTF – Plano de texto da fundamentação PTR – Plano de texto relatório quase- RE – quase Responsabilidade Enunciativa RE – Responsabilidade enunciativa ScaPoLine – Teoria Escandinava da Polifonia Linguística s-d – ser discursivo SJC – Sentença judicial condenatória SJCEV – Sentença judicial condenatória estupro de vulnerável STF – Supremo Tribunal Federal TJRN – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte TJSC – Tribunal de Justiça de Santa Catarina TJRJ – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJSP–Tribunal de Justiça de São Paulo UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte 18 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 20 1 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................................. 49 1.1 DISCURSO JURÍDICO: LINGUAGEM E DIREITO .......................................................... 50 1.2 ESTUDOS DA ARGUMENTAÇÃO E A RELAÇÃO COM O DISCURSO JURÍDICO ..... 57 1.3 PRESSUPOSTOS DA LINGUÍSTICA ENUNCIATIVA ..................................................... 77 1.4 POSTULADOS DA ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS .......................................... 83 1.5 REVISITAÇÃO TEÓRICA: GÊNERO DISCURSIVO/TEXTUAL ..................................... 91 1.6 PLANO DE TEXTO: CONVENCIONAL OU OCASIONAL .............................................. 97 1.7 PLANO DE TEXTO DA SENTENÇA JUDICIAL CONDENATÓRIA ............................. 101 1.8 INICIANDO O DIÁLOGO SOBRE A RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA ............. 112 1.8.1 Polifonia (vozes), dialogismo e heterogeneidade na linguagem: acepções basilares e (inter)relações para o estudo da RE/PDV ............................................................................. 112 1.9 RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA E PONTO DE VISTA – DIÁLOGOS POSSÍVEIS NOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS ........................................................................................... 121 1.9.1 Fenômeno linguístico Responsabilidade enunciativa ................................................... 121 1.9.2 Perspectiva da ScaPoLine ............................................................................................. 122 1.9.3 Perspectiva textual adamiana: categorias de análise da dimensão enunciativa .......... 125 1.9.4 Pressupostos enunciativos rabatelianos para o estudo do PDV e da RE: categorias de análise linguístico-enunciativa ............................................................................................... 129 1.9.4.1 Concepção de PDV e tipos ............................................................................................ 129 1.9.4.2 Instâncias, posicionamentos, posturas, dimensões e movimentos enunciativos .............. 134 1.10 NOÇÃO DO QUADRO MEDIATIVO DE GUENTCHÉVA ........................................... 146 1.11 ARTICULANDO AS BASES TEÓRICAS PARA AS ANÁLISES .................................. 152 2 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA............................................................ 167 2.1 ABORDAGEM DA PESQUISA E PROCEDIMENTOS PARA A CONSTITUIÇÃO, DELIMITAÇÃO, SELEÇÃO E ANÁLISE DO CORPUS ........................................................ 167 2.1.1 Classificação da abordagem da pesquisa ...................................................................... 167 2.2 OBJETO DE ESTUDO, COMPOSIÇÃO E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DO CORPUS ..... 169 2.3 PROCEDIMENTOS DE DESCRIÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS . 183 3 ANÁLISE DOS DADOS ..................................................................................................... 189 3.1 RETOMANDO AS CATEGORIAS PARA A ANÁLISE LINGUÍSTICA E TEXTUAL- ENUNCIATIVA ...................................................................................................................... 189 19 3.2 CARACTERIZAÇÃO DO PLANO DE TEXTO DO GÊNERO DISCURSIVO/TEXTUAL SENTENÇA CONDENATÓRIA – ACEPÇÕES E ESTRUTURA COMPOSICIONAL .......... 190 3.3 ANÁLISE DOS DISPOSITIVOS ENUNCIATIVOS DA SENTENÇA CONDENATÓRIA: PLANO ENUNCIATIVO-ARGUMENTATIVO ..................................................................... 207 3.3.1 Análise dos PDV e da (não) assunção da RE na perspectiva linguístico-textual e argumentativa da dimensão enunciativa ............................................................................... 207 3.4 SÍNTESE DAS ANÁLISES ............................................................................................... 255 3.4.1 Esquematização do gerenciamento e posicionamentos enunciativos de (des)acordo e hierarquização dos conteúdos proposicionais dos PDV em favor da OrArg de L1/E1 ....... 255 3.4.1.1 Esquematização hierarquização dos PDV...................................................................... 255 3.4.1.2 Gerenciamento, sincronia e posicionamentos enunciativo-argumentativos dos PDV ..... 259 3.4.2 Síntese dos e2 (fontes do saber) mobilizados e posicionamentos enunciativos em prol da OrArg de L1/E1...................................................................................................................... 273 3.4.3 Movimentos, tipos de PDV e posicionamentos enunciativos em contextos de imputação e assunção da RE.................................................................................................................... 274 3.4.3.1 Movimentos enunciativos ............................................................................................. 274 3.4.3.2 Tipos de PDV, contextos de imputação de PDV a e2 e posturas e posicionamentos enunciativos assumidos por L1/E1 ........................................................................................... 276 3.4.4 Síntese de marcas e categorias textuais e enunciativas articuladas à OrArg .............. 287 3.4.5 Indicadores de quadro mediativo e fontes do saber ..................................................... 291 3.4.6 Estratégias e expressões que marcam a RE em prol da OrArg .................................. 293 3.4.6.1 Conectores da OrArg e da (não) assunção da RE........................................................... 293 CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 297 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 302 ANEXO................................................................................................................................... 316 20 INTRODUÇÃO [...] o Direito, mais que qualquer outro saber, é servo da linguagem. Como Direito posto é linguagem, sendo em nossos dias de evidência palmar constituir-se de quanto editado e comunicado, mediante a linguagem escrita, por quem com poderes para tanto. Também linguagem é o Direito aplicado ao caso concreto, sob a forma de decisão judicial ou administrativa. Dissociar o Direito da Linguagem será privá-lo de sua própria existência, porque, ontologicamente, ele é linguagem e somente linguagem. (CALMON DE PASSOS, 2001, p.63-64). O texto é, certamente, um objeto empírico tão complexo que sua descrição poderia justificar o recurso a diferentes teorias, mas é de uma teoria desse objeto e de suas relações com o domínio mais vasto do discurso em geral que temos necessidade, para dar aos empréstimos eventuais de conceitos das diferentes ciências da linguagem, um novo quadro e uma indispensável coerência. (ADAM, 2011, p. 25). Esta tese desenvolve-se no âmbito dos postulados da análise textual dos discursos, da análise enunciativa e dos efeitos argumentativos dos enunciados, na interface dos estudos Linguagem e Direito. À vista disso, nosso intuito é responder às seguintes questões de pesquisa: (i) Como se apresenta o plano de texto do gênero judicial condenatória, com foco na estrutura composicional? (ii) Como ocorre, no nível linguístico, os dispositivos enunciativos 2na construção textual-enunciativa do PDV e da (não) assunção da responsabilidade enunciativa de sentenças condenatórias de crimes contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes, considerando as marcas linguísticas e categorias textuais e enunciativas que revelam o (des)engajamento com o dito de outrem, mobilizadas por L1/E1?; (iii) De que 2 Em linhas gerais, os dispositivos enunciativos estão interligados aos mecanis mos linguísticos no nível da dimensão enunciativa materializados textualmente. Seguimos Rodrigues (2016) que considera três dispositivos enunciativos inter-relacionados: o ponto de vista (PDV), a responsabilidade enunciativa e a visada argumentativa. Além d isso, ratificamos, no sentido amplo, que a abordagem enunciativa [...] não se limita a um determinado nível da língua, mas atravessa todo o estudo da língua, isto é, a enunciação está presente em todos os níveis da análise linguística (FLORES, 2010, p. 398). Através dos estudos dos dispositivos enunciativos descrevemos os mecanismos, as marcas e as operações que revelam a relação da enunciação com as marcas do sujeito com seu próprio enunciado, bem como o processo de produção de sentido no discurso (FLORES et al, 2010). 21 maneira as estratégias textuais e enunciativas, bem como expressões linguísticas podem vir a contribuir para a orientação argumentativa no gênero sentença judicial condenatória de crimes cometidos contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes (estupro de vulnerável)? e (iv) Quais posicionamentos desencadeados pelas posturas enunciativas assumidas pelo L1/E1 (juiz) na gestão do gerenciamento e hierarquização dos conteúdos proposicionais dos pontos de vista (PDV) evocados por L1/E1 e imputados a enunciadores segundos (e2) a serviço da orientação argumentativa? Estabelecemos como objetivo geral investigar dispositivos enunciativos concernentes à orientação argumentativa e a (não) assunção da responsabilidade enunciativa. Para tanto, analisamos a sentença judicial condenatória de crimes cometidos contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes, no âmbito da família. Delineamos como objetivos específicos identificar, descrever, analisar e interpretar: (i) o plano de texto do gênero judicial em estudo, com foco na estrutura composicional; (ii) no nível linguístico, os dispositivos enunciativos da construção textual-enunciativa dos pontos de vista (PDV) e da (não) assunção da responsabilidade enunciativa em sentenças condenatórias de crimes contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes, considerando as marcas e categorias textuais e enunciativas que revelam o (des)engajamento com o dito de outrem, mobilizadas por L1/E1 (locutor- enunciador primeiro/juiz); (iii) as estratégias textuais e enunciativas, bem como expressões linguísticas que podem vir a contribuir para a orientação argumentativa do gênero discursivo em estudo e (iv) os posicionamentos desencadeados pelas posturas enunciativas assumidas pelo L1/E1 (juiz) na gestão do gerenciamento e hierarquização dos conteúdos proposicionais dos PDV evocados por L1/E1 e imputados a enunciadores segundos (e2) a serviço da orientação argumentativa. Partimos da hipótese de que as escolhas linguísticas realizadas e o gerenciamento das vozes dos PDV evocados por L1/E1 e imputados a enunciadores segundos (e2) no jogo enunciativo, como ter um ponto de vista, assumir ou não assumir a responsabilidade enunciativa pelo conteúdo proposicional do PDV, considerando o valor enunciativo- argumentativo na materialidade da tessitura textual, revela que o locutor-enunciador primeiro está utilizando mecanismos da língua, que demarcam a orientação argumentativa do discurso jurídico em função de um direcionamento utilizado para atingir um determinado propósito argumentativo. Ou seja, os mecanismos linguísticos permitem reforçar a adesão ou, ao contrário, marcam o distanciamento e a não-adesão do juiz ao PDV do réu, do MP, da defesa e da testemunha, dentre outros enunciadores. 22 Do ponto de vista teórico, fundamentamo-nos nas propostas da Análise Textual dos Discursos ─ ATD (ADAM, 2011, 2012), em diálogo com teorias linguísticas enunciativas e com as contribuições teóricas e analíticas do campo linguístico-discursivo da argumentação. Para tanto, seguimos também os postulados da Teoria do Ponto de Vista e Responsabilidade Enunciativa (RABATEL, 2008, 2009, 2011, 2013, 2015, 2016), do Quadro Mediativo (GUENTCHÉVA, 1993, 1994, 1996, 2011), além dos trabalhos sobre aspectos linguísticos da Argumentação e do Discurso Jurídico (PINTO, 2010, 2014, 2016), (GOMES, 2014), (LOURENÇO, 2008, 2011, 2012, 2013 e 2015), (CABRAL, 2014), (BITTAR, 2015), dentre outros. Além desses contributos teóricos, seguimos trabalhos de outros autores, dentre eles, Bakhtin (1992, 2003), no que concerne à interação, à enunciação, à polifonia, ao dialogismo e aos gêneros discursivos; Marcuschi (2005) sobre os gêneros textuais; Benveniste (1989, 2005, 2006), Flores (2009, 2013) e Authier-Revuz (2004, 2011) no que diz respeito à enunciação, à subjetividade da linguagem, à heterogeneidade discursiva e ao dialogismo; Passeggi et al (2010), Rodrigues (2016), Bernardino (2015) dentre outros sobre o discurso jurídico e sobre a responsabilidade enunciativa. Quanto aos aspectos metodológicos, trata-se de uma pesquisa documental, que segue procedimentos da pesquisa qualitativa, de base descritiva e interpretativa. Nosso corpus3 é constituído de sentenças judiciais condenatórias que tratam de crimes praticados no âmbito familiar contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes, tendo como agressores o pai ou padrasto, prolatadas no período de 2011 a 2013 pela II Vara da Infância e Juventude da Comarca de Natal. No que se refere aos procedimentos de análise, utilizamos categorias e marcas linguístico-textuais e enunciativas propostas por Adam (2011), Rabatel (2003, 2005, 2008, 2009, 2011, 2013, 2015, 2016) e Guentchéva (2011, 2014) que permitem identificar o grau de responsabilidade enunciativa de uma proposição: índices de pessoas, expressões verbais, modalidades sintático-semânticas/elementos modalizadores: advérbios, lexemas avaliativos, tipos de representação da fala/ discurso reportado (discurso direto, indireto e modalização em discurso segundo, indicação de quadros mediadores), conectores, indicação de um suporte de percepções e de pensamentos relatados, posicionamentos assumidos pelo Locutor 1/Enunciador 1 desencadeados pelas posturas enunciativas e tipos de pontos de vista, 3 O detalhamento do corpus será efetuado na seção do percurso metodológico da pesquisa. 23 articuladas ao estudo do plano de texto e da orientação argumentativa da sentença condenatória de estupro de vulnerável. Assim, nossa investigação focaliza a responsabilização por parte de quem profere a sentença, ou seja, o juiz, uma vez que este assume o que é enunciado, visto que, em princípio, ao se utilizar da forma verbal “decido”, assume a responsabilidade pelo dito. Quanto a essa assunção, cabe, porém, questionar se é mesmo ele a fonte do dizer ou se essa pode ser atribuída a outrem? Afinal, a produção de uma sentença implica, certamente, a preocupação com a construção do discurso, com a linguagem, com a estrutura do texto, dentre outros fatores relevantes, uma vez que é um gênero essencialmente dialógico, parte de vozes anteriores, já que se embasa em outros gêneros, leis e relatos que compõem os autos do processo em análise. Para dar conta dos objetivos apresentados, recorremos a procedimentos de análise que supõem levantamentos detalhados das ocorrências de fenômenos linguísticos da responsabilidade enunciativa e da orientação argumentativa, analisadas conforme as marcas e categorias textuais e linguístico-enunciativas descritas em Adam (2011), Rabatel (2011, 2015, 2016) e Guentchéva (1993, 1994, 2011, 2014) e detalhadas ao longo deste trabalho. Dessa maneira, articulamos o estudo do:  Plano de texto;  PDV;  Responsabilidade Enunciativa;  Mediativo;  Orientação argumentativa. Destacamos que este trabalho filia-se ao grupo de pesquisa em Análise Textual dos Discursos (ATD – PPgEL/UFRN)4, que desenvolve estudos de análise textual nos mais diversos domínios discursivos (político, acadêmico, midiático e jurídico) e nas mais diversas dimensões: sequencial-composicional, enunciativa, argumentativa e semântica, com o propósito de descrever, interpretar e analisar práticas discursivas concretas, contribuindo, dessa maneira, teórica e metodologicamente, para os estudos linguísticos do texto. 4 Consideramos o grande leque de subáreas que a Linguística abarca, dentre as quais destacamos a Linguís tica Textual e a Linguística da Enunciação, correntes teóricas que direcionam e fundamentam a ATD. Desenvolvemos essa pesquisa de doutoramento, orientada pela professora Maria das Graças Soares Rodrigues. 24 Nesse sentido, esta tese intitulada Dispositivos enunciativos na sentença judicial condenatória de crimes contra a dignidade sexual infanto-juvenil apresenta-se como mais um estudo junto ao referido grupo, com vistas a contribuir para as pesquisas no campo da ATD, especificamente, no campo de descrição, análise e interpretação linguístico-textual da dimensão composicional-sequencial (plano de texto), dimensão enunciativa (vozes, PDV e responsabilidade enunciativa) e dimensão dos atos de discurso (visada, orientação argumentativa). As questões a que nos propomos responder foram instigadas por alguns estudos desenvolvidos no contexto do grupo de pesquisa Análise Textual dos Discursos, do qual fazemos parte. Uma das nossas motivações iniciais partiu, inclusive, dos questionamentos decorrentes da elaboração de nossa dissertação de mestrado, intitulada: A (não) assunção da responsabilidade enunciativa no gênero acadêmico artigo científico produzido por alunos do curso de Letras, em que analisamos a Responsabilidade Enunciativa no gênero artigo científico, trabalho cujos resultados motivaram-nos a uma reflexão no que tange ao gerenciamento de vozes no texto acadêmico e que nos incentivaram, pois, a desenvolver mais estudos referentes a essa área de pesquisa em outro gênero discursivo/textual5, como também em outro domínio discursivo, no caso, a sentença judicial circunscrito ao domínio jurídico. Sob o quadro da perspectiva de Adam (2011), diversas pesquisas estão emergindo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em nível de mestrado e de doutorado, especificamente sob o eixo temático dos Estudos Linguísticos do texto no qual esta pesquisa se vincula. No âmbito do Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos (ATD), várias pesquisas têm sido desenvolvidas, focalizando o nível enunciativo de textos políticos, jornalísticos, acadêmicos, didáticos, jurídicos6, dentre outros, de impacto social e relevância histórica. Nesse viés, nosso trabalho se articula aos trabalhos que tratam especificamente das noções da ATD, com foco na noção de responsabilidade enunciativa e orientação argumentativa no discurso jurídico, com foco na dimensão enunciativo-argumentativa. Nossa 5 Tomamos por base o diálogo entre os estudos bakht inianos sobre os gêneros discursivos e os estudos marcuschianos sobre os gêneros textuais, articulado aos contributos adamianos no âmbito da ATD e LT (Linguística Textual). Em decorrência disso, neste trabalho, nos referimos aos gêneros numa perspectiva discursivo-textual, ou seja, gênero discursivo/textual, com foco nos aspectos linguístico -textuais. No corpo deste trabalho, procuramos realizar uma abordagem conciliadora dialógica. Pinto (2010) e Rojo (2005) afirmam que devido a enfoques variados, denomina m os gêneros de forma diferente. 6 Destacamos alguns trabalhos vinculados ao grupo ATD dedicados à investigação da Responsabilidade Enunciativa em gêneros discursivos/textuais de diferentes domín ios: Bernard ino (2015, Medeiros (2015) e Fernandes (2012) sobre o discurso acadêmico; Fonseca (2014) sobre o discurso político; Jales (2015) sobre o discurso didático; Lourenço (2013) sobre o discurso jurídico; Chacon (2013) sobre o discurso literário; Costa (2015) sobre discurso jornalístico e produção do artigo de opinião no Vestibular da UFRN. 25 investigação concentra-se no domínio discursivo dos textos jurídicos, dando continuidade aos trabalhos desenvolvidos pelo citado grupo de pesquisa. Em razão dessa articulação proposta, nossa pesquisa se justifica por contribuir para os estudos no campo da interface Linguagem e Direito, com foco nos fenômenos linguístico- textuais inerentes ao estudo do texto jurídico, pois, de acordo com Rodrigues (2016, p. 129), o “discurso jurídico ainda é pouco explorado em uma perspectiva linguística”. Constatamos, ainda, que a ATD continua sendo um quadro teórico que carece de investigações nos estudos da Linguística brasileira, tendo, no entanto, profícuo trabalho no âmbito da UFRN. Daí surge mais um motivo para o desenvolvimento de nossa pesquisa, com vistas a contribuir com os estudos teóricos e análises empíricas com base na abordagem da ATD e Linguística do Texto, para a compreensão dos processos de construção do sentido do texto. Ademais, a temática específica desta pesquisa situa-se no contexto de um novo olhar para a análise de textos empíricos, o da ATD, a qual recentemente começa a ser colocada em atuação em universidades brasileiras e de modo mais notório no Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, especificamente pelo grupo ATD da UFRN. No tocante a isso, Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010, p.187) enfatizam que: [...] é preciso ter sempre presente que os níveis de análise textual constituem o ponto de vista do analista e, se corretamente estabelecidos, são apenas o reverso dos processos de construção do sentido textual. As modalidades segundo as quais esses processos se constituem e se configuram para a produção co(n)textual de sentido são questões cruciais para a linguística do texto e que necessitam de mais estudos teóricos e análises empíricas. Nessa linha de raciocínio, vale lembrar que Pinto (2010, p. 83-85) ratifica que “o estudo da argumentação, numa perspectiva textual condicionada por questões relativas ao gênero, é relativamente recente” e pouco investigado. Neste trabalho, explicitamos que o direito é indissociável da argumentação, pois sua responsabilidade é tecer argumentos. Dessa forma, a argumentação tem uso contínuo na ciência do direito. Ou seja, praticar o direito é argumentar, uma vez que se questiona o porquê do concedido ou negado, e isso se faz com argumentos, com a utilização da palavra. Asseveramos que o raciocínio jurídico pode ser reconstruído por diversas formas linguísticas, dentre elas as expressões argumentativas. Nesta investigação, focamos especificamente na sentença, que é um ato jurídico, mas também um ato comunicativo e de integração humana, inserida no contexto de um processo judicial, isto é, de um conflito. 26 Nessa conjectura, cabe ainda destacar que nossa pesquisa, mesmo situando-se no direcionamento de outras investigações cujo foco recai também sobre o texto jurídico e os níveis de análise propostos pela ATD, especificamente, a sentença judicial condenatória, o levantamento do estado da arte revela que tanto os objetos de estudo quanto os caminhos teórico-metodológicos de análise dos dados são diferenciados. Ainda quando observadas semelhanças no postulado teórico abordado, as circunstâncias contextuais de coleta, seleção, descrição, análise e interpretação dos dados não são os mesmos. Nessa perspectiva, vale ressaltar que escolhemos um corpus inédito, de relevância social, que também carece de análise, e que tem como temática um crime hediondo: a violência sexual contra a dignidade infanto-juvenil. Desse modo, destacamos o caráter inovador de nossa tese frente aos trabalhos desenvolvidos nesse nicho acadêmico-científico. Acresça-se a isso a articulação na análise textual de diferentes níveis, propostos por Adam (2011). Desse modo, neste estudo, ao mesmo tempo que visamos contribuir para as pesquisas em Análise Textual dos Discursos, buscamos contemplar uma questão pouco observada nos trabalhos até então realizados, isto é, a articulação de níveis de análise textuais (enunciativo- argumentativo e composicional) propostos pela ATD, focalizando quatro eixos: texto, gênero, enunciação e discurso. Há outros fatores que justificam nossa pesquisa que também estão associados ao corpus selecionado para a análise. O primeiro deles diz respeito ao gênero, à tipificação do crime (violência sexual), a partir dos quais selecionamos os textos do corpus, isto é, decidimos pelo gênero sentença judicial condenatória por ser um dos gêneros forenses mais importantes. Nessa discussão, dada à relevância legal em um processo judicial, quer seja ele penal ou cível, a sentença é considerada um gênero discursivo/textual que se caracteriza por sintetizar os aspectos mais importantes de um processo, possuindo a capacidade de modificar a realidade dos indivíduos, uma vez que suas decisões afetam diretamente a vida dos cidadãos envolvidos no processo. Ademais, segundo Montolío (2011, p. 75), o gênero sentença é o “gênero jurídico ma is ambicioso, complexo e interessante, já que em seu seio inclui grande variedade de tipos de discurso e numerosos fragmentos pertencentes a outros gêneros jurídicos”. Além disso, justifica-se a opção pelo gênero sentença judicial para a constituição do corpus, por ser esse gênero discursivo/textual constituído a partir da análise e compreensão de outras vozes que o estruturam, tais como o depoimento de testemunhas, alegações no 27 inquérito policial, denúncia ofertada pelo Ministério Público entre outras. Isto é, o juiz observa todas as peças (gêneros discursivos/textuais)7 que constituem os autos do processo legal, desde sua instauração à conclusão com a sentença. Profere o julgamento fazendo o uso linguístico da forma verbal na 1ª pessoa do singular. Dessa maneira, observamos que, no momento em que o juiz profere a sentença, ele assume o seu papel de julgador, aquele que tem autoridade legitimada. Nesse direcionamento, indagamos até que ponto o juiz pode ser a fonte primeira do dizer e, ao mesmo tempo, ser o responsável pelo dito, uma vez que ele parte de vozes do discurso alheio que compõem os textos do caderno processual, entre eles, termos de depoimento, petições, inquérito policial, despachos e pareceres especializados8. Por essa razão, Montolío e López Samaniego (2008) salientam o caráter intertextual da sentença judicial, o que acarreta uma “heterogeneidade de vozes”, dificultando tanto a redação quanto a interpretação da sentença. Nesse enfoque, Montolío (2011) preconiza que a sentença é respaldada pela tradição, fato que, para muitos analistas, é a causa principal da complexidade sintática desse gênero discursivo. Desse modo, nossa investigação ganha relevância, uma vez que estudar os PDV e a articulação com os propósitos argumentativos do jurista pode oferecer orientações mais claras para que o cidadão entenda melhor os textos que “afetam diretamente a sua vida e seu patrimônio”. (MONTOLÍO, 2011, p. 89). Nessa mesma linha, cabe pensar que os textos do âmbito jurídico conquistaram a hegemonia do dizer institucional, o valor dos atos sociais de forma legitimada e praticamente inquestionável, e que a compreensão desses textos garante o exercício da cidadania. Daí mais uma vez a importância da aplicação da teoria dos gêneros discursivos aos estudos do disc urso 7 Pela abordagem de Pinto (2010, p.143), as peças jurídicas, dentre elas, as sentenças, apresentam estabilidade a partir da recorrência de unidades linguísticas. As peças são gêneros denominados instituídos. Eles são pouco permeáveis a mudanças e apresentam características estruturais mais rígidas. 8 Trata-se de gêneros discursivos/textuais do domínio juríd ico. Modelos de textos com alto grau de estabilidade constitutiva (PINTO, 2010, 2014). Os aspectos sobre gêneros textuais/discursivos serão por nós detalhados na seção teórica. No âmbito das perspectivas discursivo-textuais, citamos os trabalhos bakhtinianos, adamianos e mascuschianos. Retomamos os postulados bakhtinianos por terem in fluenciado os estudos teóricos dos demais autores que seguiremos. Não é nosso intento fazer uma análise exaustiva sobre os gêneros. Restringimo -nos apenas a contextualizar as questões teóricas no âmbito da ATD para a caracterização da sentença judicial condenatória de crime contra a dignidade sexual infanto-juvenil, articu lado ao estudo do plano de texto, com foco na estrutura composicional. Deixamos de lado o aprofundamento das implicações teóricas e analíticas dos diferentes pesquisadores sobre o tema em tela. Reconhecemos que existem flutuações teóricas entre as denominações gênero(s) do discurso e de texto. Como será demonstrado, autores como Bakht in e Adam utilizam a primeira denominação; enquanto que Marcuschi, denomina gênero textual. Como focamos em uma análise de perspectiva linguístico-textual e discursiva da dimensão enunciativa, art iculamos e conciliamos as visões teóricas e optamos pela denominação gênero discursivo/textual. Para um aprofundamento sobre a recapitulação dos estudos em perspectivas discursivo-textuais sobre gênero, indicamos Pinto (2010). 28 jurídico, pois “toda sentença é um ato performativo da linguagem” 9 e “deve ser escrita para que se apresente em sua concretude” (BITTAR, 2015, p. 304). Nesse prisma, a sentença é um “ato de linguagem decisório e performativo de linguagem” (BITTAR, 2015, p. 304-305), que objetiva produzir efeitos “não discursivos”, isto é, produzir efeitos “extra-autos”, modificando “coisas do mundo e estados do mundo”. Para esse autor, o discurso jurídico é um discurso que se impõe, por derivar de uma estrutura de poder sobre a qual se assenta e ao mesmo tempo a faz funcionar. Centrada nessa perspectiva Colares (2010) explica que no Direito, a linguagem estabelece relações entre pessoas e grupos sociais, faz emergir e desaparecer entidades, concede e usurpa a liberdade, absolve e condena o réu. Cabe ainda ressaltar que para essa autora a sentença é um ato jurídico constituído através de um ato de fala, ou seja, realiza-se um ato performativo de fala, uma ação que determina mudanças no mundo legalmente estruturado. Assim, consoante Rodrigues et al (2014), constatamos o amplo espectro no cruzamento entre linguagem e discurso jurídico, pois deriva das relações entre pessoas e grupos, em práticas sociais institucionalizadas. Concebemos que as autoridades institucionalmente constituídas “legislam, executam, administram, orientam a vida das pessoas, através de uma imensa variedade de normas que se materializam na e por intermédio da linguagem, com primazia da linguagem verbal” (RODRIGUES, 2014, p.243). Nesse panorama, López Samaniego (2006, p. 62) considera que é [...] necessário reconhecer que a organização das sentenças judiciais é muito complexa, já que manipulam uma grande quantidade de informação e conteúdos diversos. Como culminação do processo judicial, a sentença deve (i) referir-se a etapas anteriores do pleito; (ii) incluir um grande número de vozes, como a dos implicados, dos juristas, dos especialistas, dos legisladores, etc.; (iii) desenvolver as ponderações que permitem alcançar uma decisão; e (iv) fundamentar seus argumentos com citações de autoridade, procedentes de textos legais ou jurídicos. Nessa trilha, López Samaniego e Montolío (2011, p. 75) ressaltam dois pontos importantes sobre a sentença: o ponto de vista social e o linguístico, considerando que: 9 Os estudos de Bittar (2015) se relacionam com os estudos de J. L Austin sobre os atos de fala, conforme veremos na seção que trata da Linguagem e Direito. Trask (2011, p. 227) baseia-se nos pressupostos austinianos e define um ato performat ivo como um enunciado que é por si só um ato de fazer algo. TRASK, R, L. Dicionário de linguagem e linguística. São Paulo: Contexto, 2011. 29 (do) ponto de vista social, a sentença é o documento mais relevante do processo judicial, dado que reveste uma transcendência inegável tanto para o cidadão (sobre cuja vida e patrimônio resolve) como para a própria jurisprudência. [...] (do) ponto de vista linguístico, a sentença é o maior e mais complexo dos gêneros do âmbito jurídico, o que faz com que as patologias da escrita apareçam nela de modo mais representativo. De fato, nas sentenças emergem de maneira recorrente todas as inexatidões de expressão identificadas como características dos textos deste âmbito; mas, além disso, ocorrem nela fenômenos textuais próprios. Assim, por exemplo, apesar de que outros textos jurídicos utilizem de modo característico fragmentos descritivos, narrativos ou argumentativos, somente na sentença coabitam simultaneamente e se imbricam entre si esses tipos de sequências textuais [...]. Podemos dizer que nos últimos anos tem crescido o interesse pelo estudo do texto jurídico, tanto pelos operadores do direito quanto pelos linguistas, assim como também pelas pessoas comuns não iniciadas na linguagem jurídica. Consoante Lourenço (2013, 2015), tal interesse possui origens diversas, uma vez que os operadores do direito se dedicam ao tema pela sua relação profissional cotidiana com os gêneros que circulam no domínio jurídico, limitando-se a discussões travadas pela Hermenêutica jurídica, que concebe a língua na sua imanência. Já os linguistas, pelo interesse enquanto cientistas em analisar, descrever e interpretar como se dá o funcionamento da linguagem no âmbito judicial, contribuem, assim, com a formação dos profissionais da área, já que a Linguística oferece meios que perpassam os interesses, em geral, de investigação do profissional do direito. Dessa maneira, o linguista interessa-se pela análise da linguagem jurídica, uma vez que esta constitui uma importante área no âmbito da comunicação. Assim, promover o estudo dos gêneros jurídicos escritos implica descrever e sistematizar, determinando os objetivos do pesquisador, elementos caracterizadores desse tipo de texto/discurso, que, por sua vez, é detentor de características próprias, obedece a exigências previstas na legislação e tem um caráter prático. Assim, considerando a relevância social dos gêneros jurídicos, é de fundamental importância que esses mesmos textos portem clareza, concisão e objetividade, bem como os demais fatores de textualidade. Vale ressaltar que os trabalhos supracitados compõem uma instigante linha de estudos sobre o Discurso Jurídico sob a ótica da Linguística a que deve ser dada continuidade. No contexto de pesquisas desenvolvidas abrangendo as duas áreas de conhecimento, aqui correlacionadas, Lourenço (2013, p.104) destaca as pesquisas realizadas pela Linguística Forense, que é área de estudos linguísticos interessada pelo 30 [...] uso e o funcionamento da linguagem no contexto jurídico, objetivando o fornecimento de provas, através do uso da linguagem, que sirvam para solucionar demandas judiciais, e para tanto, reclamam a validação pelos tribunais de laudos periciais confeccionados por linguistas. Vale destacar o surgimento da disciplina acadêmica Linguística Forense, por volta de 1949, oriunda dos países de língua inglesa e criada a partir das demandas do judiciário que solicitava a atuação dos linguistas como testemunhas especializadas para atuar em duas situações de interpretação da linguagem nas cortes: (a) o que um dado texto “diz”? e (b) quem é o autor deste texto?, consoante lembra Coulthard (2008, p. 226). Colares (2014) elucida que o termo Linguística Forense, que completou 67 anos, foi usado pela primeira vez pelo sueco Jan Svartvik, professor de Inglês da Universidade de Lund, para nomear sua análise das declarações à corte de Londres, feitas por Timothy John Evans, no período entre 30 de novembro a 02 de dezembro de 1949. Em 1968, o professor publicou “The Evans Statements a case for forensic linguistics”, a partir do estudo desses depoimentos proferidos, ante a corte de Londres, por Timothy John Evans. Jan Svartvik explicita as partes polêmicas de uma série de quatro depoimentos prestados à polícia por Evans, que o incriminavam como assassino de sua mulher e de sua filha. A análise linguística evidencia que as declarações tinham um estilo gramatical diferente do estilo das partes incontestes do depoimento do acusado. Caldas-Coulthard (2014, p.1)10, discorrendo sobre a Linguística Forense, assinala que, no escopo dos estudos da linguagem, a Linguística Forense se consolida a passos rápidos como uma nova área possível para profissionais da área de Letras e abre espaços, no mercado de trabalho, até agora muito restrito à atuação como professores/as e ou tradutores/as, para especialistas em linguagem. Advinda dos estudos discursivos em contextos profissionais, a Linguística Forense é uma disciplina acadêmica recém-criada, muito atuante em países de língua inglesa. A Linguística Forense pode contribuir para instruir profissionais legais na maneira como “distinguir” gêneros discursivos, assim como guiá- los/as na simplificação de textos inacessíveis aos/às envolvidos/as no processo jurídico. Ademais, pode produzir uma 10 CALDAS-COULTHARD, C. R. ReVEL na Escola: O que é a Linguística Forense?. ReVEL, vol. 12, n. 23, 2014. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2015. 31 comunicação mais eficaz e democrática, assim como direciona para a relevância do estudo forense e do intercâmbio terminológico entre os profissionais do Direito e da Linguagem. Nessa concepção, concordamos com a autora, pois também entendemos que o foco dos estudos da Linguística Forense é a linguagem escrita de documentos jurídicos. Tal área analisa a linguagem legal e suas características peculiares, como também tem foco em pesquisas que buscam distinguir linguisticamente ‘estatutos’ e ‘contratos’ de outros tipos de comunicação. Para ela, o/a analista forense descreve os problemas que surgem quando profissionais da área jurídica usam documentos escritos para se comunicar entre seus pares ou com um público leigo. A autora salienta ainda que a Linguística Forense é recente no Brasil, tendo como um dos principais estudiosos o Prof. Dr. Malcolm Coulthard, um dos fundadores da área no âmbito internacional, que foi o primeiro presidente da Associação Internacional de Linguística Forense11. Destaca também que um dos centros mais importantes de estudos nesse campo fica na Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC, onde há um sólido grupo de pesquisadores/as tradutores jurídicos/as, advogados/as e pesquisadores/as de estudos linguísticos. Caldas-Coulthard (2014, p.1) relata que essa universidade sediou o I Congresso Internacional Linguagem e Direito: Construindo Pontes (dezembro de 2013). Nesse evento, estiveram presentes pesquisadores/as renomados/as na área de Linguística Forense que, em seu sentido mais amplo, “abrange todas as áreas onde o direito e a linguagem se entrecruzam e se encontram”. (COLARES, 2015, p.16). Vale ressaltar que um dos desafios para profissionais de Letras é justamente “darem entrada” nos discursos legais em todos os sentidos – não só como analistas, mas como participantes de tal discurso. Essa autora considera que, para tal, faz-se preciso que graduandos/as de Letras estudem o código linguístico com seriedade, para que possam, de igual para igual, dialogar e argumentar com profissionais das áreas legais com o mesmo poder de análise e confiança. Dessa maneira, terá o fortalecimento da articulação entre profissionais das duas áreas que repercutirá em impactos na sociedade bras ileira, tão carente ainda de um poder legal confiável. Considerando tal perspectiva, vale mencionar que a 11 Caldas-Coulthard (2014, p.1) chama a atenção para a criação da Associação Internacional de Linguistas Forenses (International Association of Forensic Linguists, IAFL), fundada em 1993, na Grã-Bretanha, a qual revela a importância desse campo de estudo, pelo fato de já ter mais de 300 membros entre acadêmicos, advogados e policiais. 32 [...] Linguística Forense é a interface entre linguagem, crime e lei, onde lei inclui a aplicação da lei, a matéria jurídica, a legislação, disputas ou procedimentos legais, e até mesmo disputas que só envolvem potencialmente alguma infração da lei ou alguma necessidade de encontrar uma solução legal. (OLSON, s/d, p. 02 apud SILVA; MEL, 2015, p.75). Nesse viés, a Linguística Forense tem como finalidade investigar a respeito da linguagem utilizada em âmbito judicial, bem como contribuir para a solução de algum crime no qual alguma prova tenha a linguagem como componente. Mencionamos ainda a definição realizada por Caparinha (2010) no que tange à Linguística Jurídica. Para ela, Linguística Jurídica é “aplicação de metodologias e teorias linguísticas a questões de natureza legal e judiciária” (CARAPINHA, 2010, p. 02). As razões mencionadas nos levam a propor estudos que focalizam práticas linguísticas jurídicas situadas e elaboradas por indivíduos em situações reais de comunicação. Nessa visão, ressaltamos a importância desse estudo também no que concerne à necessidade de estudos que possam contribuir para a formação dos operadores do Direito, bem como para a formação de alunos da graduação, pois este trabalho busca ofertar um estudo sobre os elementos composicionais e linguísticos do texto de domínio jurídico. Acerca disso, Pimenta (2007, p.27) considera que a comunidade discursiva jurídica, ao redigir seus textos, recorre a modelos, exemplos e fórmulas já preparadas, o que induz ao erro e à má redação destes textos. [...]. Devido a este problema é que este estudo é proposto com intuito de contribuir com aqueles que desconhecem a ciência cujo objeto de estudo é seu instrumento de trabalho (a língua/ linguagem) buscando uma melhor compreensão e utilização de descobertas da Lingüística (sic) que podem contribuir para melhor operacionalizar [...] (o) trabalho (dos operadores do Direito), por meio da conscientização sobre contribuições que tal ciência pode nos oferecer. [...]. Temos observado, como já mencionamos, que um dos grandes problemas que se detecta hoje na área do Direito é o desconhecimento, por parte de seus operadores dos mecanismos de funcionamento intrínsecos às diversas categorias de texto, que são por nós utilizados. Podemos dizer que os variados gêneros textuais, característicos da área do Direito, são instrumentos sem os quais não pode haver a operacionalização do trabalho forense. Isto pode se tornar um problema grave, uma vez que o mau desenvolvimento desses gêneros (que formam as peças processuais) pode exercer influência direta no processo jurídico, inclusive na sentença jurídica proferida. É por meio da redação desses gêneros textuais que os fatos serão narrados e descritos e, ao serem narrados e descritos, serão reconstituídos; verdades serão reconstruídas e os fatos interpretados pelas partes envolvidas nos processos. 33 Rodriguez (2005) ratifica a relevância do diálogo entre a Linguagem e o Direito, por reconhecer que essa interface contribui para o desenvolvimento do potencial argumentativo do operador do Direito em suas atividades profissionais. Nessa reflexão, o autor afirma ainda que a experiência na atividade jurídica tem mostrado a classe de operadores do Direito algo como a massificação da atividade: os advogados e juízes, com demandas e lides em excesso, utilizam-se de recursos tecnológicos para reproduzir argumentações copiadas de textos já existentes, visando dar celeridade ao processo. Diante do exposto, acreditamos que nosso trabalho é relevante não só para os linguistas como também para os operadores do Direito, daí nosso interesse em identificar, descrever, analisar e interpretar como se materializa a Responsabilidade Enunciativa e a construção argumentativa na circulação do discurso jurídico. Por isso, concordamos com Lourenço (2011, p.2) quando assevera serem necessárias pesquisas que contribuam no trabalho dos operadores do Direito, além disso com sua formação, uma vez que se reflete durante o processo de produção textual sobre as várias maneiras de materialização da responsabilidade enunciativa no corpo textual, como por exemplo, as fontes de diversos saberes que são veiculadas pelo texto jurídico, possibilitando produtores e leitores localizá-las e distingui-las, mesmo que essas marcas não sejam tão fáceis de serem reveladas, ou ainda, refletir sobre o entendimento e zona de dependência existente entre uma fonte de saber (mediação epistêmica) e posteriormente sua percepção (mediação perceptiva) ─ quando se lança a citação de doutrina e/ou jurisprudência, e mesmo o texto legal, não se fazendo o devido juízo de valor que conecte harmonicamente texto citado e o texto recepcionador, prática essa que dificulta a compreensão, e, portanto, a coerência. Ainda, contribui para a construção da crítica ao texto jurídico, considerando-se que essa área é pouco explorada, no que concerne [...] (aos gêneros de) uso dominante no cenário jurídico. Nesse ângulo, este estudo torna-se também relevante, pois é mais uma contribuição para a crítica do texto jurídico, tendo em vista que empreende uma abordagem de análise textual e dialógica do ponto de vista, suscitando questões da Linguística, como também discutindo questões de linguagem inerentes à escrita especializada, contribuindo, dessa maneira, com o trabalho dos operadores do Direito. Ou seja, esta pesquisa busca contribuir para fortalecer e dar continuidade aos estudos realizados na área dos estudos linguísticos do texto e do discurso jurídico. Nesse caminho teórico-metodológico a ser trilhado, verificamos que é possível direcionar os resultados da nossa análise textual-discursiva para a reflexão das práticas de ensino e produção de textos jurídicos para os cursos de Direito. 34 Quanto à opção por essa temática de investigação, vale mencionar também que segue razões acadêmico-profissionais. Das razões acadêmicas, além das considerações expostas, destacamos que a escolha do tema de pesquisa se deu, também, a partir da discussão dos trabalhos apresentados sobre o discurso jurídico durante a XXIV Jornada Nacional do Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste, promovida pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em setembro de 2012, quando assistimos à mesa-redonda intitulada "O discurso jurídico em perspectivas linguísticas” e participamos do minicurso sobre o discurso jurídico, intitulado “La modernización y clarificación del discurso jurídico español. Algumas propuestas”, ministrado pelas professoras Dra. Estrella Montolío Durán e Dra. Maria Ángeles García Asensio. Das razões profissionais, assinalamos que o interesse pela questão decorre também da nossa atuação como professora de Língua Portuguesa e pela experiência no mandato de Conselheira Tutelar da Região Oeste de Natal12, atividade em que manuseamos, constantemente, gêneros do meio jurídico, entre eles, sentenças de processos-crime, que tratam de violação de direitos de crianças e de adolescentes. Esse interesse se justifica pela percepção da dificuldade de compreensão que as pessoas demonstram em relação a esse gênero que, por se tratar de um gênero do meio jurídico, apresenta, pela própria constituição, uma linguagem de difícil acesso a pessoas leigas no assunto, principalmente, no que concerne às dificuldades de reconhecimento de outras vozes que não a do jur ista, que é a pessoa que profere a sentença. Incita-nos, também, a refletir de que maneira os estudos da linguagem, mais pontualmente, os estudos da Responsabilidade Enunciativa, no âmbito da Análise Textual dos Discursos, podem contribuir para a clarificação do reconhecimento das fontes do dizer na sentença judicial. Portanto, acreditamos que esta será uma contribuição para a área de pesquisa nesse campo, bem como contribuirá para a clarificação do texto jurídico, uma vez que os interessados nas peças jurídicas, dentre eles, os próprios sujeitos envolvidos, como por exemplo, os réus e as partes litigantes, podem não dispor ainda do conhecimento necessário dos elementos linguístico-textuais e técnicos que compõem esse gênero. 12 O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069, de 13 de ju lho de 1990, em seu Art. 131 define o Conselho Tutelar como órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. 35 No limiar dessa perspectiva, Colares (2009, p.471)13, analisando sentenças, explica que: a ausência de uma sólida fundamentação ocasiona tanto a dificuldade de entendimento por parte de seus destinatários, quanto o consequente prejuízo ao exercício do direito de recurso. Para recorrer a outro grau de jurisdição, a parte vencida precisa verificar se seus argumentos foram considerados e em que pontos a fundamentação da sentença pode ser combatida. Equivocadamente, muitos preconizam que as decisões judiciais devam ser pautadas pela estrita objetividade, como se fosse possível uma manifestação linguística, em linguagem ordinária, abster-se do caráter argumentativo. As produções linguístico-discursivas, ainda que não o intentem explicitamente, são determinadas por ideologias, crenças e valores que impregnam o discurso de seu enunciador de um grau – mínimo que seja – de subjetividade. (Grifos nossos) Observamos, nas palavras de Colares (2009), que, em alguns momentos, existe certa dificuldade de compreensão do gênero em tela por parte de seus destinatários, uma vez que podem ocorrer problemas de não clarificação da fundamentação jurídica na sentença, podendo acarretar prejuízos a alguma das partes envolvidas. A fundamentação é uma das partes da sentença. Nela, o juiz embasa sua decisão, tomando como ponto de partida as vozes institucionais e as demais vozes presentes no processo. Reportamo-nos às contribuições de Rodrigues (2014, p. 245) para citarmos que “desvelar a linguagem jurídica, buscando compreender os eixos centrais das normas que nos mobilizam, é uma tarefa valiosa, porque pode contribuir para que sejam assegurados direitos e deveres, porém é inesgotável, porque há muito a ser dito, a ser interpretado”. Citando Durán (2011, p.2) explicamos que o discurso jurídico é um discurso profissional submetido aos imperativos que a lei exige, explicitamente, para aqueles documentos de maior repercussão social, entre os quais se encontram as sentenças judiciais. Mas, apesar das exigências estilísticas e textuais do discurso jurídico e da presunção de competência discursiva especializada, nem sempre “os textos jurídicos resultam tão claros e acessíveis como seria desejável, especialmente se consideramos a importante repercussão social e pessoal que têm sobre a vida dos cidadãos”. 13 COLARES, V. Linguagem e Direito no Brasil. Disponível em: . Acesso 10 mar. 2015. 36 Ademais, observamos que ainda são raros os trabalhos que abordam o estudo do gênero sentença judicial numa perspectiva de análise textual, mesmo sendo um dos gêneros mais importantes do meio jurídico e tendo uma importante função sócio-comunicativa. Nesse gênero discursivo/textual, o jurista se apropria da linguagem, para encaminhar a conclusão processual, dando deferimento ou não ao pedido do advogado ou do Ministério Público ou do Defensor Público. Ou seja, é nesse ato que o juiz profere sentença condenatória para resolver o conflito posto pelas partes. Nesse sentido, emerge também desse contexto a importância desta pesquisa, uma vez que parte da desafiadora temática relacionada às dificuldades de compreensão dos textos jurídicos pelo cidadão brasileiro. Desse modo, reconhecemos que esta pesquisa se torna relevante, também, por se enquadrar no âmbito do projeto de convênio internacional, em andamento, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a Universidade Aberta de Barcelona, sob a coordenação do lado brasileiro, da professora e pesquisadora Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues, e do lado espanhol, da professora e pesquisadora Dra. Estrella Montolío Durán. Esse projeto se intitula “A clarificação do discurso jurídico no âmbito hispanofalante (Espanha) e lusofalante (Brasil): um projeto internacional de democratização, transparência e inovação”. O projeto de convênio internacional tem a proposta de investigar, pelo viés da Análise Textual dos Discursos, nos vários níveis de análise que a ATD propõe – sequencial- composicional, enunciativo, semântico e argumentativo, que se subsidia na Linguística de Texto e em Teorias da Enunciação, a situação atual do discurso jurídico no Brasil e na Espanha, combinando aspectos teóricos e práticos concernentes a mecanismos que estruturam diferentes gêneros discursivos/textuais do domínio jurídico (administrativo, constitucional, previdenciário, trabalhista, internacional, penal, civil, ambiental, tributário, entre outros), tanto da modalidade falada como da escrita, entre eles, citamos: sentenças, petições iniciais, testamentos, boletins de ocorrência, inquérito policial, dentre outros. Na trilha das discussões até aqui apresentadas, explicitamos que, ao propormos o estudo do texto jurídico, tendo como foco uma investigação na perspectiva da análise textual dos discursos, estamos ofertando ao texto jurídico uma nova leitura em vez de uma visão restrita apenas ao âmbito da hermenêutica jurídica. No domínio do discurso jurídico, observamos pesquisas em âmbito local, nacional e internacional assentadas em uma diversidade de abordagens teóricas. Em nível local, citamos alguns trabalhos de doutorado desenvolvidos no âmbito da Análise Textual dos Discursos, por 37 exemplo, os de Lourenço (2008, 2013, 2015),14 o de Gomes (2014) e, recentemente, destacamos os trabalhos de pesquisa de mestrado de Fonseca (2016), bem como a pesquisa de Silva (2016). Destacamos o primeiro trabalho realizado pelo grupo de pesquisa: a dissertação de mestrado de Lourenço (2008), sob a orientação da professora Maria das Graças Soares Rodrigues, que analisa a argumentação jurídica na Petição Inicial, a partir do estudo dos operadores argumentativos e modalizadores. Sendo que a este, elencamos outros trabalhos desenvolvidos no âmbito daquele grupo de pesquisa e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Do mesmo modo, diversos outros trabalhos produzidos no âmbito do PPgEL/UFRN nos dão uma amostra e representatividade da pertinência e relevância desses estudos, dentre eles listamos alguns trabalhos vinculados ao Grupo de pesquisa supracitado e desenvolvidos a partir de 200815, ano em que foi traduzido para o português do Brasil o livro de Adam, intitulado: A Linguística Textual: Introdução a Análise Textual dos Discursos. Então, ainda que resumidamente, a seguir apresentamos alguns trabalhos relevantes desenvolvidos no âmbito do grupo de pesquisa ATD. A tese de doutoramento de Lourenço (2013), intitulada Análise Textual dos Discursos: a responsabilidade enunciativa no texto jurídico que é fundamentada na Análise Textual dos Discursos (ADAM, 2011), tem como objetivos descrever, analisar e interpretar a Responsabilidade Enunciativa (RE) em petições iniciais, gênero discursivo circunscrito ao domínio jurídico, e ancora a discussão no campo da Linguística, mais precisamente, na ATD, cujas bases teóricas decorrem da Linguística Textual (LT) e da Linguística Enunciativa, ao analisar o modo como o autor dos textos, objeto de análise, faz uso das estratégias discursivas que indicam a RE. A autora selecionou como categorias de análise duas das categorias suscitadas por Adam (2011), como marcas linguísticas que caracterizam a materialidade textual indicando o grau de RE dos enunciados proposicionais: os diferentes tipos de representação da fala e as indicações de quadros mediadores. Lourenço (2013) baseou-se também nos estudos acerca do ponto de vista realizados por Rabatel (2003, 2009, 2010), no que concerne à abordagem enunciativa, inserindo o estudo do PDV no arcabouço das teorias polifônicas e dialógicas para estudar a RE, a partir dos diferentes tipos de representação da fala que compreendem as 14LOURENÇO, M. V. N. S. Análise textual dos discursos: responsabilidade enunciativa no texto jurídico. Curitiba: CRV, 2015. 15 Destacamos que em nossa pesquisa seguiremos a segunda edição revisada e ampliada (ADAM, 2011). 38 formas de transmissão do discurso e o papel do sujeito enunciador, no tocante à responsabilidade e à imputação pelos conteúdos proposicionais. Igualmente, estudou as indicações de quadros mediadores, observando os postulados de Guentchéva (1994, 1996), que desenvolvem a noção de categoria gramatical do mediativo (MED) a qual permite marcar linguisticamente o distanciamento ou desengajamento do enunciador diante das informações expressas. Em relação à metodologia, a referida autora adotou a pesquisa de base qualitativa e de natureza interpretativista. O corpus da pesquisa foi constituído por Petições Iniciais, que ensejaram ações oriundas da Vara Cível da Comarca de Currais Novos (RN). Os resultados da análise evidenciaram o uso do discurso citado como um atenuador da responsabilidade do produtor do texto com o que é dito, ao mesmo tempo que visa um discurso de autoridade objetivando imprimir um caráter legal, fundado nos princípios do direito, buscando, pois, autenticação ao que se diz. Da mesma forma, expressa “escolhas” feitas pelo produtor do texto pretendendo validar e persuadir o destinatário da veracidade dos fatos reportados e das ideias apresentadas. Assim, o estudo dá destaque à importância documental e interacional dessa prática e ao mesmo tempo expõe dificuldades de natureza composicional e normativa no que concerne aos aspectos legais e linguísticos. Citamos também o trabalho de Gomes (2014), em sua tese de doutoramento intitulada A responsabilidade enunciativa na sentença judicial condenatória, sob a ótica da ATD (ADAM, 2011), na qual foi investigada a responsabilidade enunciativa por meio de uma escala que compreende esse fenômeno a partir de quatro gradações, cada uma com um tipo de ponto de vista (PDV) e com marcas que podem determinar a assunção ou o distanciamento do ponto de vista, em 13 sentenças condenatórias provenientes de processos criminais oriundos da comarca de Currais Novos-RN, encerrados no ano de 2012. Como conclusões, o autor destaca que as unidades discursivas são perspectivadas por meio da assunção ou não dos PDV pelas instâncias enunciativas, o que orienta a organização argumentativa do produtor do te xto e seus propósitos comunicativos. Com isso, observou que o juiz cria e/ou modifica valores e crenças, induz e/ou orienta seu interlocutor, podendo demonstrar objetividade e/ou preservar sua face por meio de construções mediatizadas ou ainda se engajar pelo dito através da assunção da responsabilidade enunciativa do conteúdo proposicional do enunciado. Corroborando os estudos da ATD, a dissertação de mestrado de Lopes (2014), intitulada A representação discursiva da vítima e do agressor no gênero sentença judicial, visa identificar e descrever o fenômeno da representação discursiva da vítima e do agressor, elegendo como corpus uma sentença judicial, de natureza penal, coletada eletronicamente do 39 sítio do Tribunal de Justiça de São Paulo – Poder Judiciário, com a temática da violência contra a mulher. O estudo obteve como resultados que a construção da representação discursiva dos sujeitos (vítima e agressor) se dá a partir de pontos de vista de enunciadores distintos, que podem aproximar-se ou distanciar-se de acordo com a orientação argumentativa do texto. Neste percurso, vale mencionar a dissertação de Fonseca (2016), intitulada Os operadores argumentativos como estratégia linguística e discursiva da argumentação na sentença judicial, que estudou a argumentação na sentença judicial, com objetivo de identificar, descrever e explicar o funcionamento dos operadores argumentativos na orientação argumentativa. A pesquisa foi embasada nos constructos adotados pela ATD – Analise Textual dos Discursos – Adam (2011), nos estudos sobre a Retórica de Aristóteles (1959) e Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) e em outros trabalhos como os de Alves (2005), Capez (2008), Charaudeau (2012), Keller e Bastos (2015), Koch (2009; 2011), Rodrigues, Silva-Neto e Passeggi (2010), Trubilhano e Henriques (2013). Nesse trabalho, Fonseca (2016) fez uso do método dedutivo- indutivo, tendo como corpus uma sentença judicial de natureza condenatória, expedida em 10 de setembro de 2014 e extraída do s ítio online da Justiça Federal do Rio Grande do Norte (JFRN). Os resultados revelaram que os operadores argumentativos exerceram papéis decisivos na organização das estratégias argumentativas do texto e do discurso, orientando os coenunciadores para a conclusão desejada pelo enunciador. Os resultados mostram também que o uso dos operadores argumentativos permite construções silogísticas na forma de apresentação dos argumentos e na construção da argumentação. Além disso, operadores como: “mas”, “até”, “já”, “embora” etc. ajudaram a identificar na análise dos dados o ponto de vista (PdV) do enunciador, a quebra de expectativa em relação ao enunciado anterior e/ou a escala de valor dada ao argumento. O estudo destacou que, com o uso dos operadores argumentativos, o enunciador introduziu argumentos capazes de demonstrar-justificar uma tese e refutar uma tese adversária rumo a uma conclusão buscada pelo próprio enunciador. Por fim, destacamos a dissertação de Silva (2016), intitulada: O gênero sentença judicial: um estudo exploratório, que adotou como pressupostos a abordagem da Análise Textual dos Discursos (ATD) e inseriu-se no âmbito teórico geral da Linguística Textual. A pesquisa estudou o fenômeno da genericidade em sentenças judiciais, gênero textual/discursivo circunscrito ao domínio jurídico a partir da sua estrutura composicional e do seu plano de texto, com base no enfoque desenvolvido por Adam (2011), bem como nas noções de gênero textual/discursivo adotadas por Marcuschi (2002, 2008), Bazerman (2005) e 40 nas proposições para estabelecer a genericidade, a partir dos estudos de Adam e Heidmann (2011b), Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010, 2012, 2014), dentre outros. Tratou-se de pesquisa de natureza documental sob uma perspectiva indutivo-dedutiva, de caráter qualitativo e descritivo. Esse estudo investigou um corpus de vinte sentenças judiciais de natureza criminal, coletadas do sítio do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte – Poder Judiciário, em consulta de Julgados de 1º. Grau dentre os períodos de 2013 a 2014. Nas análises, constatou-se que a sentença judicial possui várias potencialidades genéricas que a atravessam em seus níveis textuais e transtextuais, estabelecendo um diálogo intergenérico (ADAM; HEIDMANN, 2011), sendo uma prática normatizada, cognitiva e socialmente instituída, podendo conter variações, mas tendo elementos cristalizados e com uma tradicionalidade funcional que não foi eliminada com o tempo. Observamos que já foram defendidas no PPgEL 4 (quatro) dissertações e 2 (duas) teses dedicadas à investigação da responsabilidade enunciativa, de modo articulado à argumentação e à representação discursiva, tendo como corpus de análise textos concretos do discurso jurídico. Seguindo, portanto, essa mesma linha, nossa investigação se situa nesse panorama de pesquisas, com foco na análise enunciativa de textos concretos e na noção de responsabilidade enunciativa, pelo fato da aproximação entre os objetivos propostos nessa tese e os objetivos das investigações desenvolvidas no âmbito do grupo. No âmbito nacional e internacional, atualmente, observamos o despontar de eventos científicos voltados à disseminação de pesquisas relativas ao Discurso Jur ídico com foco nos estudos linguísticos, conforme atestamos com os trabalhos socializados, em 2014 e 2015, no I e II Simpósio Internacional de Estudos sobre o Discurso Jurídico (DISJURI) e no Congresso da Associação Linguagem & Direito (ALIDI), realizados na UFRN. Tomando-se como base a relevância do tema e o despontar de pesquisas nesse campo, não poderíamos deixar de mencionar as contribuições desse evento para os estudos na interface Linguagem e Direito. Daí a razão para reservarmos um espaço, nessa pesquisa, para a contextualização do desenvolvimento do DISJURI. No I DISJURI, os organizadores afirmam que profissionais do mundo jurídico, pes- quisadores, professores e alunos de diferentes áreas do conhecimento, (estão) interessados na relação linguagem/discurso jurídico, “em múltiplas perspectivas, observando regularidades, singularidades e interfaces” (RODRIGUES; PASSEGGI; SILVA NETO, 2014, p.14).16 16 RODRIGUES, M. G. S; PASSEGGI, L. SILVA NETO, J. G. (Orgs.). 1º DISJURI: Simpósio Internacional de Estudos sobre o Discurso Jurídico: Caderno de resumos. Natal: EDUFRN, 2014. 41 Nessa direção, a linguagem jurídica e/ou discurso jurídico são vistos como uma “linguagem/um discurso especializado, em situações comunicativas específicas que exigem dos interlocutores conhecimentos de legislação e, sobretudo, uma postura pragmática e interativa para que possam interpretar e aplicar a legislação”. (RODRIGUES ; PASSEGGI; SILVA NETO, 2014, p.14). Os trabalhos apresentados, no referido evento, evidenciaram diferentes questões e fenômenos linguísticos, nos mais variados gêneros discursivos/textuais do domínio jurídico, revelando, assim, as inúmeras possibilidades de pesquisas que esse campo do saber, ainda pouco explorado, disponibiliza. O I DISJURI ofereceu pontos de vista pelo olhar de filósofos, juízes, jornalistas, médicos, linguistas, entre outros. Em decorrência disso, os trabalhos do evento tiveram uma ancoragem teórica plural, acarretando um mérito acadêmico, “por reconhecer as múltiplas possibilidades de se tratar um objeto de descrição, análise e interpretação linguística, textual e discursiva” (RODRIGUES; PASSEGGI; SILVA NETO, 2014, p.8). No que tange ao II DISJURI, na introdução do livro de resumos 17, os organizadores (RODRIGUES et al, 2015, p.12) ressaltam “quão inesgotáveis são o Discurso Jurídico e a relação Linguagem e Direito” e destacam que os trabalhos do evento na interface entre a Linguagem e o Direito focalizam diferentes gêneros discursivos/textuais do âmbito do discurso jurídico, como, por exemplo, Sentenças de Pronúncia, Condenatória, Depoimentos de Testemunhas, de Declarantes, Testamentos, Acórdãos, Petições Iniciais, entre outros. Elucidam ainda que o evento reuniu pesquisadores (alunos de graduação, de pós-graduação, docentes, médicos e juízes) vinculados a grupos de pesquisa e/ou programas de pós-graduação e/ou cursos de graduação e/ou Instituições do Poder Judiciário, tanto nacional, quanto internacional. No que diz respeito às temáticas abordadas, podemos salientar que foram as mais variadas, dentre elas: Linguística Forense, Argumentação em Sentenças Judiciais, em perspectiva tanto sincrônica quanto diacrônica, Direito Processual e Hermenêutica. Em virtude disso, constatamos direcionamentos teóricos diversificados, como podermos observar: Análise Textual dos Discursos (ATD), Teoria dos Atos de Discursos (TAD), Tradições Discursivas (TD), Análise Crítica do Discurso (ACD), Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), Teorias da Enunciação (TE), no que diz respeito à argumentação, à heterogeneidade 17 RODRIGUES, M. G. S. et al (Orgs). Livro de resumos eletrônico do II Simpósio Internacional de estudos sobre o discurso jurídico/III Congresso da Associação de Linguagem & Direito. Natal, RN: EDUFRN, 2015. 42 enunciativa, à responsabilidade enunciativa (assunção e mediação), à representação discursiva, entre outras abordagens que são usadas como lentes teóricas para descrição, análise interpretação dos gêneros discursivos/textuais do Direito. Quanto ao percurso da evolução dos estudos na interface Linguagem e Direito, em conferência na abertura do I DISJURI (2014), realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Colares (2014) disse que, no Brasil, nos anos 1980, havia apenas a dissertação de mestrado de Valda Oliveira Fagundes, intitulada O Discurso no Júri: Aspectos Linguísticos e Retóricos, publicada pela Cortez, em 1987. Colares (2014) destaca a defesa de sua dissertação de mestrado intitulada A Decisão Interpretativa da Fala em Depoimentos Judiciais (1992), na Pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco. Colares (2014) assevera que o trabalho de sua dissertação de mestrado demonstra que a consignação de depoimentos judiciais decorre de decisões interpretativas efetuadas durante a tomada dos depoimentos pelo juiz. Os dados analisados foram coletados durante Audiências de Instrução e Julgamento na justiça pernambucana. A análise, sob a ótica da Análise do Discurso Jurídico, foi dividida em dois momentos: o primeiro, observacional, que compreende a descrição etnográfica do evento e a tomada de depoimento; e o segundo, descritivo-explicativo, o qual culmina com a classificação das transformações processadas a partir do depoimento, no ato da elaboração do documento da audiência. As análises evidenciaram que o registro escrito do depoimento oral apresenta certas discrepâncias sob o ponto de vista proposicional (no plano do conteúdo) atribuíveis às condições de produção da fala, já que a própria estrutura do evento impõe mediação do texto- depoimento para o texto-documento. Essa passagem implica processos de organização da textualidade que possibilitam decisões interpretativas. As investigações dessa pesquisadora encontram-se no âmbito da Análise do Discurso Jurídico, que é o estudo da natureza, função e consequências do uso da linguagem em contextos jurídicos. Situações em que as duas partes negociam a ordem social e um terceiro interactante detém o poder institucionalizado e, coercitivamente, impõe ou aplica normas suscetíveis a sanções. (COLARES, 1992, p. 08). Colares (2010) apresenta o grupo de pesquisa Linguagem e Direito, o qual busca discutir a construção do discurso jurídico no âmbito da doutrina, da jurisprudência e nas diferentes situações de interação na justiça. Os estudos do grupo são direcionados a partir do pressuposto de que o domínio da relação entre a linguagem e a atividade jurisdicional se inscreve numa prática necessariamente transdisciplinar. Ou seja, as pesquisas desenvolvem 43 investigações concebendo a linguagem como atividade sociocultural e seu funcionamento no Direito. Consideram-se tanto os estudos hermenêuticos de interpretação dogmática quanto as abordagens linguístico-discursivas, nas quais se destacam o papel das relações interpessoais, o papel do sujeito produtor do discurso jurídico, as estruturas de participação e os contextos sociais imediatos que interferem nos diversos processos de produção e circulação de sentido das ações linguísticas, desenvolvidas no âmbito do funcionamento jurídico. Esse grupo tem como meta promover uma ação acadêmica transdisciplinar. No ano de 2005, Colares (2010) destaca a edição do periódico Veredas, Revista de Estudos Linguísticos que publicou um dos primeiros exemplares, em território nacional, acerca de pesquisa de linguistas dedicados ao estudo da linguagem em contextos jurídicos, contribuindo para que o ramo da linguística forense, já sedimentado em outros países, se consolidasse no Brasil. O número especial contou com artigos de: Malcom Coulthard; Virgínia Colares; Paulo Cortes Gago e Sônia Bittencourt Silveira; Edson Carlos Romualdo; Leonardo Pinheiro Mozdzenski; Isa Mara da Rosa Alves, Rove Luiza de Oliveira Chishman, Paulo Miguel Torres Duarte Quaresma, Celina Frade e Maria Helena Cruz Pistori1. Do mesmo modo, vale mencionar a publicação organizada por Colares, no ano de 2010, intitulada Linguagem e Direito, a qual reuniu trabalhos que operam diretamente com a interface Linguagem/Direito, pois incorporou trabalhos de linguistas e de juristas, ou seja, pesquisa no campo da jurislinguista, que é considerada ação acadêmica transdisciplinar e se consolidou na busca pela compreensão da realidade jurídica, articulando elementos que passam entre, além e através das disciplinas, numa busca de dar conta da complexidade na interface Direito/Linguagem. Essa autora destaca ainda que a linha de pesquisa Linguagem & Direito consiste na construção de metodologias pela aplicação de princípios e teorias aos dados autênticos coletados no âmbito jurídico. Em 2012, no Brasil, mais especificamente no Recife-PE, surgiu a Associação de Linguagem & Direito – ALIDI, a qual reúne pesquisadores, profissionais, estudantes e pessoas interessadas nos mais diversos e plurais estudos da Linguagem em suas interfaces com o Direito. Os associados da ALIDI estão espalhados por Brasil, Portugal e outros países e buscam a divulgação, fortalecimento e expansão dos estudos e debates na área, através da organização de congressos anuais e publicações de livros, revistas e periódicos. As pesquisas e debates da ALIDI se dão em sete eixos temáticos18: 18 EIXOS TEMÁTICOS-ALIDI. Disponível em:< http://www.alid i.com.br/sobre.html>. Acesso em: 10 jun. 2016. 44 I. Discurso Jurídico: realiza a análise do discurso nos mais diversos contextos, a partir de distintas abordagens do discurso; II. Hermenêutica, processo judicial & linguagem: estabelece o diálogo entre as Teorias do Processo e a Análise Crítica do Discurso Jurídico (ACDJ) a partir da análise de dados autênticos coletados nos diversos tribunais; III. Argumentação Jurídica e Retórica no Direito: relação discursiva que liga um ou vários argumentos a uma determinada conclusão, identificando pressupostos semânticos, ideias subentendidas e premissas subjacentes; IV. Direito e Literatura: abordagem que discute assuntos da sociedade contemporânea que perpassam pela área do Direito por meio de narrativas literárias. Estuda as interseções entre as várias teorias literárias e jurídicas; V. Interação em contextos legais: análise de interrogatórios nas delegacias, em audiências de instrução e julgamento e nos tribunais, problemas de testemunhas vulneráveis, uso de intérpretes etc; VI. Linguística Forense: trata do estudo da linguagem como evidência, como nos casos de direitos autorais e plágio, identificação de locutor e comparação de vozes, questões de publicidade, marcas, advertências de produtos de consumo, disputas contratuais e demais gêneros textuais envolvidos numa lide ante o judiciário. Nesses casos os linguistas atuam como peritos na justiça; e VII. Linguagem computacional e os desafios para o Direito: estuda a influência da informática e da internet na sociedade a ponto de gerar novas formas de relações que terminam por realizar diversas transformações no próprio Direito. Modificações de conceitos já institucionalizados, modificações contratuais (textos e relações jurídicas) e modificações da própria designação quanto ao Direito (Direito Digital, Eletrônico ou telemático?) que cuidará desse novo contexto e seus procedimentos (Processo Judicial Eletrônico). A ALIDI iniciou, oficialmente, seus trabalhos em 2013, durante encontro na Universidade Católica no Recife, organizado pela Profa. Dra. Virginia Colares de Figueiredo, atual presidente da Associação que tem o Prof. Dr. Malcolm Coulthard como presidente de honra. O evento congregou uma comunidade científica internacional e nacional verdadeiramente interdisciplinar (pesquisadores/as e profissionais acadêmicos, agentes de polícia, tradutores e intérpretes legais, professores/as de linguagem, advogados/as e estudantes de ambas as áreas) que compartilhou suas pesquisas e suas produções mais recentes. Observamos que as pesquisas na área dos Estudos da Linguagem têm proporcionado contribuições relevantes para a área de conhecimento do Direito, como, por exemplo, o trabalho de Pimenta (2012), em sua dissertação intitulada: Textos forenses: um estudo de seus gêneros textuais e sua relevância para o gênero “sentença”, sob a orientação do professor 45 Luiz Carlos Travaglia. A pesquisa dessa autora teve como finalidade investigar as várias categorias de texto forenses criminal: tipos, gêneros e espécies, seguindo os pressupostos de Travaglia (2003; 2007). Nessa dissertação, foi realizado um estudo qualitativo, em 10 (dez) processos criminais, no qual se destacam a análise e a caracterização do gênero “sentença” por meio das marcas presentes na materialidade linguística, considerando os pressupostos teóricos da Teoria dos Atos de Fala (AUSTIN, 1962), da Teoria da Ação Comunicativa (HABERMAS, 1983, 2003) e as teorias sobre a argumentação, assim como pelo postulado teórico de Comunidades Discursivas (SWALES, 1990). Soma-se a essas pesquisas citadas, a de Brito (2008), intitulada O discurso jurídico: uma análise das vozes num processo-crime. Nesse estudo, a autora analisa peças de um processo-crime de atentado violento ao pudor, instaurado em 2001, na Vara Criminal de uma Comarca do Estado do Paraná, com base nos paradigmas da Análise do Discurso, em que se destacam os pressupostos de Foucault (1971), de Brandão (1997), de Bakhtin (1988), Ducrot (1987) entre outros. Acrescentamos o estudo de Cabral (2015), intitulado Enunciação e intersubjetividade em processos civis: conflito e argumentação linguisticamente marcados. Nesse trabalho, a autora observa as estratégias argumentativas utilizadas pelos locutores, marcando tanto a aproximação relativamente ao próprio discurso como o distanciamento em relação ao conteúdo do discurso da parte contrária. A pesquisa se baseia nos estudos de Amossy (2014) Kerbrat-Orecchioni ([1998] 1997). O resultado das análises revela que, na situação de enunciação dos Processos Civis, as partes necessitam assumir posições claras, tendo também em vista o discurso da parte contrária, considerando inclusive por antecipação a possibilidade de um discurso contrário ao seu. Nesse contexto, a enunciação de cada uma das partes se constrói em oposição aos posicionamentos da outra parte, por meio de estratégias que marcam o contraditório; encontra-se assim uma situação de argumentação típica, na qual o domínio epistêmico e o domínio avaliativo, muitas vezes, se sobrepõem. Em 2015, foi lançada a obra Linguagem e Direito: os eixos temáticos, organizada por Malcolm Coulthard, Virgínia Colares e Rui Sousa-Silva, patrocinada pela Associação de Linguagem & Direito (ALIDI). Tal obra, construída a partir do diálogo entre esses dois domínios de saber, reúne trabalho de quarenta pesquisadores, desde os sêniores aos iniciantes, com o propósito de estreitar o diálogo e estabelecer eixos temáticos nessa interface. O livro objetiva construir coletivamente procedimentos teórico-metodológicos que subsidiem as reflexões acadêmicas sobre o discurso jurídico e judicial e sobre os papéis institucionais 46 desempenhados pelo Poder Judiciário no Brasil, cujos atos processuais são mediados pela linguagem e têm a linguagem como suporte. Colares (2015, p.17)19, na obra Linguagem e Direito: os eixos temáticos, afirma que [...] o Brasil vive uma efervescência nesta interface dos estudos da Linguagem e do Direito pela demanda emergente de conhecimento da natureza da linguagem em uso no âmbito jurídico. Um dos fatores mo- bilizadores é a Lei n° 13.105/15, o Novo Código de Processo Civil brasileiro que exige dos juristas (juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público) maior conhecimento da interação interpessoal, pois são estimulados a ouvir e promover a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos. Na mesma direção, corroborando tais pesquisas, merecem destaque duas obras lançadas recentemente, no Brasil e em Portugal, focalizando o campo interdisciplinar de estudo no âmbito Linguagem e Direito e evidenciando a relevância desses estudos. São elas, respectivamente: (i) a obra organizada por Pinto, Cabral e Rodrigues (2016)20, intitulada Linguagem e Direito: perspectivas teóricas e práticas; e (ii) a obra organizada por Pinto e Rodrigues (2016)21, intitulada: Textos e discursos no direito e na política: análises e perspectivas interdisciplinares. Ambas consideram a importância da relação entre a linguagem e a atividade do Direito, como também estabelecem diálogos plurais entre essas duas áreas, contribuindo, desse modo, para o desenvolvimento do campo de estudo em tela, reunindo trabalhos de cunho interdisciplinar, com foco na análise linguístico-textual e dos aspectos argumentativos do texto jurídico em diferentes perspectivas. Ademais, trazem contribuições relevantes para docentes que trabalham com a linguagem jurídica em cursos de Português/Redação para graduando de curso de Direito. Portanto, observamos uma efervescência no desenvolvimento de pesquisas no âmbito da interface dos estudos da Linguagem e do Direito, pela demanda emergente de conhecimento da natureza da linguagem em uso no âmbito jurídico e por ser um vasto campo de trabalho pouco explorado no Brasil. Desse modo, podemos constatar que tais pesquisas contribuem com as discussões do discurso jurídico, tendo em vista que essa temática fornece amplo campo de estudo para linguistas, interessados em analisar o funcionamento da linguagem em questão. 19 COLARES,V. Interfaces: terceira margem do rio. In.______COULTHARD, M.; COLARES V.; SOUSA- SILVA, R. (Orgs.). E-book Linguagem & Direito: os eixos temát icos. Recife: ALIDI, 2015, p.15-17. 20 PINTO, R; CABRAL, A. L. T; RODRIGUES, M.G. S. (Orgs). Linguagem e Direito: perspectivas teóricas e práticas. São Paulo : Contexto, 2016. 21 PINTO, R; RODRIGUES, M.G.S. (Orgs). Textos e discursos no direito e na política: análises e perspectivas interdisciplinares. Coimbra: Ed itora Rui Grácio, 2016. 47 Diante do que vimos nos trabalhos aqui apresentados, sobretudo os desenvolvidos na abordagem da ATD, verificamos que os objetos de estudo teóricos e análises empíricas mostram-se ainda promissores e sinalizam possibilidades de pesquisas científicas que visem desenvolver aspectos teóricos a partir da análise de textos oriundos das mais diversas práticas sociais das esferas da comunicação humana. Com base nesse contexto, acreditamos que os estudos da linguagem, enquanto área de conhecimento, em suas investigações científicas, têm proporcionado ao Direito contribuições significativas, e, seguindo essa vertente, asseveramos que outras investigações científicas certamente virão, tendo em vista que a temática em tela fornece amplo campo de estudo para linguistas e estudiosos do Direito, interessados em analisar o funcionamento da linguagem no discurso jurídico. Diante desse percurso, para dar conta dos objetivos propostos, este trabalho estrutura- se em 3 capítulos, além desta apresentação introdutória e da conclusão. As discussões teóricas e metodológicas e o trabalho de análise dos dados, aqui construídos, conferiram a esta tese, que ora apresentamos, uma organização que se estrutura em capítulos, descritos a seguir. No capítulo 1, iniciamos a discussão da abordagem teórica que fundamenta nosso estudo, bem como tecemos considerações sobre as características do discurso jurídico na interface Linguagem e Direito. Em seguida, verticalizamos nossa atenção para contextualização dos estudos da argumentação e a relação com o discurso jurídico, especificamente da retórica aos estudos linguísticos. Ademais, apontamos o que entendemos por orientação argumentativa. Além disso, contextualizamos a abordagem teórica ATD, proposta teórico-metodológica de análise de textos, elaborada por Adam (2011), apresentamos as filiações teóricas dessa abordagem com a Linguística da Enunciação e as acepções teóricas (enunciação, subjetividade, polifonia, dialogismo, heterogeneidade) que dialogam e se relacionam com a responsabilidade enunciativa e seus principais conceitos e categorias de análises (PDV, tipos de PDV, posicionamento enunciativos, marcas linguísticas), discutindo as diferentes perspectivas que conceituam o fenômeno da responsabilidade enunciativa. Tratamos também nesse capítulo o nível de análise textual enunciativo e a dimensão ilocucionária da visada argumentativa. Posteriormente, discutimos a respeito dos gêneros discursivos/textuais, o plano de texto e a sentença judicial. Por fim, apresentamos uma articulação teórica em relação às categorias que servem de fundamento teórico-metodológico para a análise. 48 No capítulo 2, apresentamos a abordagem metodológica adotada na pesquisa, tecendo considerações sobre o percurso metodológico da pesquisa, destacando a natureza, os critérios e os procedimentos para a constituição e seleção do corpus, bem como apresentamos o contexto de produção das sentenças que constituem o corpus, os procedimentos de análise e, por fim, a retomada das categorias de análise da pesquisa. No capítulo 3, dedicamo-nos à apresentação do plano de texto da sentença e à realização da descrição, análise e interpretação dos elementos textuais que se fazem presentes nos dados oriundos das sentenças. Além disso, apresentamos uma síntese das análises dos elementos linguísticos. Nas demais partes, constam a conclusão na qual discutimos os resultados alcançados, o que se pode, a nosso ver, contribuir para novas pesquisas que se voltem para a análise textual-discursiva, mas especificamente na interface Linguagem e Direito – tendência que cada vez mais recebe atenção nos estudos das práticas discursivas contemporâneas. 49 1 REFERENCIAL TEÓRICO Neste capítulo, apresentamos considerações sobre as características do Discurso Jurídico, na interface Linguagem e Direito. Pontuamos também a contextualização dos estudos da argumentação, especificamente da retórica aos estudos linguísticos, a partir de Pinto (2010)22, dentre outros. Bem como apresentamos o que entendemos por orientação argumentativa articulada ao Discurso Jurídico. Além disso, verticalizamos nossa atenção para uma discussão breve a respeito do gênero discursivo/textual, do plano de texto e da sentença judicial condenatória. Igualmente, contextualizamos a abordagem teórica ATD, proposta teórico- metodológica de análise de textos elaborada por Adam (2011)23. Aqui, apontamos também as filiações teóricas dessa abordagem com base na Linguística da Enunciação e as acepções basilares e teóricas que dialogam com a responsabilidade enunciativa e seus principais conceitos e categorias de análises (PDV, tipos de PDV, posicionamentos enunciativos, marcas linguísticas), discutindo algumas perspectivas que conceituam o fenômeno da responsabilidade enunciativa. Articulamos ainda os aspectos específicos do seu processamento, tais como a heterogeneidade que caracteriza a constituição e a hierarquia das posições enunciativas intrinsicamente relacionadas à tessitura do discurso jurídico, ao plano de texto e à orientação argumentativa, através das relações locutor/enunciador, hierarquização dos enunciadores, numa perspectiva textual, enunciativa e interacional da argumentação. Vale destacar que apresentamos, em perspectivas teóricas inter-relacionadas, as principais noções de (não) assunção da responsabilidade enunciativa e ponto de vista, com foco na perspectiva da abordagem enunciativa e interacionista rabateliana e na abordagem textual adamiana, delimitando aquelas que seguimos, relacionando-as com os conceitos de polifonia, dialogismo e heterogeneidade enunciativa. Nesse sentido, buscamos respaldo na concepção dialógica dos enunciados, conforme Bakhtin (1997, 2007), e nas postulações teóricas cunhadas por Authier-Revuz (2004) sobre a heterogeneidade enunciativa, dentre outros. Ademais, elencamos as categorias que servem de fundamento teórico-metodológico para a análise textual-enunciativa. Retomamos e elencamos as categorias de acordo com os postulados teóricos de Adam (2011), de Rabatel (2008, 2009, 2011, 2013, 2015, 2016), 22 PINTO, R. Como argumentar e persuadir? Prática polít ica, juríd ica, jornalística. Lisboa: Quid Juris Sociedade Editora, 2010. 23 ADAM, Jean-Michel. A Linguística textual: introdução à análise textual dos discursos . Tradução Maria das Graças Soares Rodrigues et al. 2.ed. rev. e aum. São Paulo : Cortez, 2011. 50 Guentchéva (199324, 1994, 1996, 2011), articulados aos contributos de Authier-Revuz (2004) e Bakhtin (2003), dentre outros. 1.1 DISCURSO JURÍDICO: LINGUAGEM E DIREITO O Direito é uma profissão de palavras. David Mellinkoff (1963). Como Mellinkoff (1963), na epígrafe dessa seção, vemos que é pela linguagem que todo ser humano pode, se lhe forem dadas condições, reivindicar seus direitos e, assim, adquirir sua cidadania pelo uso da linguagem nas práticas sociais institucionalizadas. O discurso jurídico é uma manifestação da língua geral em contextos específicos. Nas palavras de Calvi (2013, p. 20), “utilizar a palavra discurso, definitivamente, significa colocar a atenção nos fatores comunicativos e pragmáticos, considerando a variedade das situações nas quais se produzem a comunicação especializada e suas distintas funções”. Sob essa ótica, acreditamos que o Direito é essencialmente um fenômeno linguístico. Porém, trata-se também de “um sistema normativo que tem como objetivo básico regular a conduta humana e é através da linguagem que esta conduta é regulada e as normas utilizadas são decodificadas em função de eventos de natureza jurídica” (PINTO, 2014, p.1). Nessa direção, vale dizer que é [...] por meio da linguagem (oral ou escrita) que um jurista, em seu exercício profissional, transpõe os fatos de natureza jurídica para os processos judiciais, fazendo incidir a norma sobre casos concretos. Além disso, o Direito, sendo gerido por sistemas prescritivos (normas) que têm como finalidade direcionar a conduta humana, é formalizado através de documentos com alto grau de institucionalidade (Pinto, 2010). Estes apresentam, prioritariamente, características r´eguladas ´ pela própria instituição jurídica, mas também podem vir a ter algumas especificidades em função do agente social envolvido (jurista responsável pela produção do texto oral ou escrito). Na verdade, existem escolhas estilísticas (mais de caráter coletivo ou individual) e organizacionais perpetradas quando da produção dos documentos jurídicos. (PINTO, 2014, p.1). 24 GUENTCHÉVA, Z. La categorie du médiat em bulgare dans une perspctive typologique. Revue des Études Slaves , n.65, p.57-72, 1993. 51 Frente ao exposto, nessa mesma direção, conforme Montolío (2011, p.70), corroboramos a ideia de que “está fora de dúvidas que os textos jurídicos são textos de especialidade e, em consequência, como qualquer documento de um âmbito específico de conhecimento, implicam um conteúdo complexo, que, neste caso, requer do receptor certo conhecimento das leis e de seu funcionamento”. Os textos circunscritos ao domínio do discurso jurídico possuem características e linguagem específicas. De acordo com Bittar (2015), não podemos considerar qualquer discurso sobre questões jurídicas de discurso jurídico. Para ele, o discurso jurídico é contextualizado, “se produz no seio da vida social” e é “capaz de produzir influências sobre os demais universos de discurso que o circundam” (BITTAR, 2015, p.176 -177). Esse autor apresenta as seguintes características para o discurso jurídico: i) é uma linguagem técnica; ii) constrói-se a partir de experiências da vida ordinária; iii) ocorre intraculturalmente; iv) possui ideologia, v) exerce poder, vi) seu caráter é, normalmente, performativo, e sua apresentação se faz, fundamentalmente, por meio de pressupostos lógico-deônticos (BITTAR, 2015, p.183). Segundo Cornu (2005, p.207), “o discurso jurídico pertence, pois, ao uso da língua. [...] Ele é um emprego da língua”. Trata-se de um tipo de discurso ainda considerado obscuro para uma grande parte de cidadãos da sociedade que não desenvolveu competências necessárias para interpretar muitas das normas jurídicas que “afetam diretamente em suas vidas de cidadãos livres em uma sociedade democrática”. (VIVANCOS, 2012, p. 203). Colares (2010, p.14), com quem concordamos, discorre que a linguagem jurídica não é homogênea nem unívoca, consiste em várias realizações dessa linguagem em diferentes tipos de textos produzidos por múltiplos autores e dirigidos a uma grande variedade de destinatários. Essa autora afirma que na doutrina, por exemplo, é o jurista que fala sobre o Direito, usando uma metalinguagem para emitir comentários sobre conceitos e desenvolver teorias sobre a aplicação de princípios jurídicos. Já no contexto do processo decisório, o juiz, em pleno uso de suas atribuições, declara atos válidos, sentencia indivíduos culpado s ou inocentes. No tocante à legislação, o legislador constrói entidades jurídicas, distribuindo poderes, ordenando, permitindo ou proibindo comportamentos. Bittar (2015, p.288)25 preconiza que o discurso decisório se estrutura a partir de uma “diversidade de discursos de naturezas diferentes e experiências humanas de sentido jurídico ” 25 BITTAR, E. C. B. Linguagem jurídica: semiótica, discurso e direito. 6. ed. rev., atual. e mod. São Paulo: Saraiva, 2015. 52 (BITTAR, 2015, p. 294), trazidas aos olhos da autoridade decisória por meio da linguagem escrita e marcada pela valoração de posicionamento de sujeitos e ideologias. Esse autor acrescenta ainda que é o discurso decisório uma das espécies do discurso jurídico e é “uma prática textual de cunho performativo”, sendo “capaz de modificar a situação jurídica de um sujeito” (BITTAR, 2015, p. 288-289). Ou seja, é “capaz de criar uma nova realidade de linguagem dentro do universo jurídico" e de exercer uma “ação jurídica” (criando, modificando, extinguindo direitos etc) pelo fato de sua enunciação ter um poder discursivo de elocução que deriva do discurso normativo cujos fundamentos são extraídos para sustentar o dispositivo da decisão, por meio de uma linguagem “técnica, abstrata e objetiva” (BITTAR, 2015, p. 300). Nessa visão de pensamento, Bittar (2015, p.304) acrescenta ainda que o ato decisório (a decisão) é um ato performativo de linguagem que resulta de uma enunciação contextual própria pela qual se manifesta a autoridade decisória do juiz. Esse autor considera ainda que a sentença judicial apresenta um valor material concreto, socialmente engajado e sustentado institucionalmente, constituindo, desconstituindo, declarando e condenando. Vista por esse prisma, o referido autor reconhece que a sentença é “um ato performativo de linguagem” (Idem, Ibidem, p. 304-305) e deve ser emitida por um órgão investido no poder de julgar, dotado de autoridade, assim como competente (poder-fazer), dotada de publicidade, bem como, encontrar-se inserida no contexto de um processo e de um conflito material existente na esfera jurisdicional, devendo obedecer aos trâmites processuais (procedimento prefixado por lei que determina o momento da enunciação do ato decisório). Nessa acepção, considera ainda que é um discurso peculiar que permite atuar “sobre estados do mundo e coisas do mundo”, ou seja, “atos de linguagem aptos à formação de enunciados performativos jurídicos”, dizendo, em linguagem jurídica, comandos normativos e produzindo efeitos mais que discursivos por meio de enunciados linguísticos e reconhecendo “este ou aquele argumento como prevalecente” (BITTAR, 2015, p.306). Nessa linha de pensamento, Soto (2001, p. 26-27) define a sentença condenatória como Todas aquelas que impõem o cumprimento de uma prestação, sendo este cumprimento tanto em sentido positivo como negativo (fazer ou não fazer). [...] Requisito necessário para existência da sentença condenatória é um dano a ser reparado que, não sendo constatado, não há o que indenizar e, consequentemente, não haverá um conteúdo que caracterize a sentença como condenatória ou até mesmo que justifique a sua existência. Soto (2001, p. 42) ainda postula que 53 Tem-se que a causa da sentença é a demanda fundamentada na pretensão que, por sua vez, busca seu motivo no interesse. Este deve estar respaldado no binômio utilidade e necessidade, pois o interesse processual é condição genérica de ação. Surge, assim, o principal efeito da sentença: a satisfação de interesses. A sentença tem como objetivo a imposição da norma ao concreto, substituindo, desta forma, tanto a vontade das partes nas ações de conhecimento, quanto a sua própria atividade nas ações executivas. [...] O efeito da sentença é, como dito, atuar na realidade, na relação material, impondo a ordem jurídica de forma concreta na garantia dos bens econômicos e morais. Assim, entendemos a sentença condenatória como um ato performativo, de um discurso de poder dotado de autoridade que pode modificar a realidade dos sujeitos envolvidos no conflito da lide a ser julgada pelo magistrado. Bittar (2015, p. 182) assinala que o discurso jurídico se apresenta em quatro modalidades, cada uma com particularidades textuais e funções jurídico-discursivas diferentes, a saber: “normativo, burocrático, o decisório e o científico”. Em virtude do recorte de nosso trabalho, focamos nas particularidades linguísticas do discurso decisório, ou seja, na sentença judicial condenatória e nas questões do Processo de Direito Penal. No tocante às funções jurídico-discursivas do Discurso jurídico, Bittar (2015, p. 182) destaca quatro tipos, a saber: i) Função cogente: exercida pelo discurso normativo que tem a característica modal de poder-fazer-dever. Trata-se de textos normativos, leis, decretos etc, e corresponde às tarefas de comandar condutas, eleger valores preponderantes, recriminar/incentivar atividades; ii) Função ordinatória: exercida pelo discurso burocrático que tem a característica modal de poder-fazer-fazer. Trata-se de decisões de expediente, andamento burocrático-procedimental e contraditório dialógico. Corresponde às atividades de regularização, acompanhamento, ordenação e impulso dos procedimentos, orientando os cursus dos ritos institucionais e das formas de contraditório discursivo; iii) Função decisória: exercida pelo discurso decisório que tem a característica modal de poder-fazer-dever, nas esferas administrativas e judiciárias (sentenças, acórdãos etc). Corresponde às atividades aplicativa, conclusiva e concretizadora dos parâmetros normativos; e por último, iv) Função cognitivo-interpretativa: exercida pelo discurso científico que tem a característica modal de poder-fazer-saber. Trata-se de lições doutrinárias, ensinamentos teóricos, críticas etc. Corresponde às atividades de conhecimento, distinção, classificação, orientação, informação, interpretação, explicação, sistematização e crítica dos demais discursos apresentados. 54 Assim, o autor considera que o discurso decisório jurídico põe fim a um procedimento, pronunciando-se sobre uma demanda, um pedido, uma reclamação ou um conflito, locuciona- se, apresentando-se como discurso. É visto como texto escrito no corpo dos autos, a partir de uma linguagem especializada e técnica, que age ilocutoriamente por meio de atos linguísticos e da vontade decisória da autoridade, quem movimenta a letra do discurso normativo, por meio de atitude pragmática de autoridade a qual produz efeitos mundanos desencadeados por efeitos discursivos ao pronunciar-se e publicar-se, interferindo sobre condutas sociais de forma perlocucionária. Cabe ainda ressaltar que Bittar (2015, p.308) afirma que ato jurídico de linguagem “é um ato de acordo com as prescrições de um sistema linguístico e jurídico para a efetivação de uma vinculação entre sujeitos e para o aporte de resultados e consequências jurídicas”. Bittar (2015, p. 185) leva em conta que o discurso jurídico se desenvolve a partir de experiências da vida comum, contextualizadas nas mais diversas culturas e considerando os aspectos históricos. Compreende que também é um discurso de dominação social marcado por valores culturais. Menciona que o discurso jurídico, de forma esquemática, caracteriza-se por ter elementos linguísticos, juridicidade e pressupõe posicionamentos ideológicos, agregado de valores e visões de mundo. Trata-se de uma linguagem composta por: linguagem natural>>linguagem formal>>sintática contextual dos signos jurídicos>> discurso normativo>>discurso burocrático>> discurso decisório>> supratextualidade científica. Bittar (2015, p. 307), baseando-se em princípios austinianos, postula que o discurso jurídico se encontra carregado de elementos linguísticos e extralinguísticos, os quais podem ser resumidos nas seguintes categoriais: a) Categoria da locução: corresponde ao que se locuciona linguisticamente com o discurso, por meio de palavras; b) Categoria da ilocução: corresponde ao que se intenciona com o discurso; c) Categoria da perlocução: corresponde ao que se provoca com o discurso. Na mesma direção, Alexy (2001) contextualiza a argumentação jurídica baseando-se nos postulados de Austin sobre a Teoria do Ato do Discurso que ocorre na enunciação (CABRAL, 2010). Atos de discurso são ações que são executadas quando algo é dito, com base em regras (condições) de felicidade (atos de discurso podem falhar ou ser bem- sucedidos). Tais regras articulam-se de forma direta com os efeitos performativos da 55 linguagem que consideram as regras convencionais que autorizam as pessoas apropriadas a agir por meio de atos performativos, que no caso específico de nosso trabalho, no contexto do processo judicial, o juiz é a pessoa apropriada para julgar, obedecendo às regras processuais e acredita na força do seu julgamento, pois está investido de poder pelo estado e tem a intenção de julgar, cumprindo seu papel institucional (CABRAL, 2010). Os atos de discurso (ou de fala) são realizados por meio da língua que desencadeiam efeitos comunicativos. Os enunciados veiculam sentido e ações por meio de forças. Nessa perspectiva, os atos se classificam como: ato locutório (locucional) que consiste na expressão de uma sentença com um significado específico; ato ilocucionário (ilocucional), isto é, o que se faz ao dizer (depende de convenções) e ato perlocucionário (perlocucional) que é provocar efeitos ao se expressar. Quanto às características da linguagem do discurso jurídico, Cornu (2005) destaca as seguintes características: ► uma linguagem plural; ► uma linguagem de especialidade; ► uma linguagem de grupo; ► uma linguagem profissional; ► uma linguagem cultural, tradicional e histórica; ► uma linguagem pública, social e cívica; ► uma linguagem técnica; ► uma linguagem plurifuncional; ► uma linguagem pluridimensional. Vale ressaltar que Gomes (2014, p.44) também elenca, de forma sintética, as principais características do discurso jurídico, nos níveis pragmático-enunciativo, morfossintático e léxico-semântico. A seguir, apresentamos tais características: Quadro 1 – Características do discurso jurídico Pragmático-enunciativo Morfossintático Léxico-semântico ► é um discurso especializado; ► é possuidor de um grande poder sócio, histórico, linguístico, político e cultura l; ► é fortemente ideológico; ► é conservador; ► é essencialmente argumentativo; ► é complexo e marcado pela ► parágrafos e períodos longos, de grande complexidade e com abundância de orações intercaladas; ► alteração na ordem habitual da oração; ► uso abusivo de subordinação; ► presença forte de tecnicismos, arcaísmos e latinismos; ► forte atividade neológica; ► frequência no uso de siglas e de abreviações; ► uso abusivo e, às vezes, equivocado de maiúsculas; 56 opacidade; ► exerce poder; ► busca a neutralidade e a objetividade; ► raramente se adequa aos aspectos socioculturais dos cidadãos com os quais interage, o que acarreta erros por inadequação ao registro da língua; ► uso abusivo de pronomes relativos, de particípios e de gerúndios; ► uso frequente de nominalização, de adjetivação e de adverbialização; ► uso frequente de construções impessoais e de estruturas passivas; ► forte presença de locuções; ► uso de fórmulas e estruturas prontas; ► uso de estruturas repetitivas; ► uso de estruturas estereotipadas; ► sintaxe arcaica; ► é um discurso denso e escuro; ► é prioritariamente formal, embora determinados gêneros do âmbito jurídico apresentem uma mescla de registros. Fonte: Gomes (2014, p. 44) Como percebemos, Bittar (2015, p. 175) explicita que a linguagem jurídica se manifesta valendo-se dos elementos de uma linguagem verbal (língua natural), grafando-se por meio da escrita. Esse autor elucida que “o discurso jurídico não é descontextualizado”, ele é produzido nas práticas da vida social. Trata-se de um discurso mais que prescritivo e normativo. Nessa ótica, Benvenuto (2010, p.8)26 explica que, se [...] é por meio da linguagem que o Direito se estabelece – gerando vínculos jurídicos entre pessoas e grupos sociais, fazendo surgir e desaparecer entidades, concedendo e usurpando a liberdade, absolvendo e condenando réus, gerando e extinguindo institutos, poderes, princípios e procedimentos legais – não parece adequado persistir excluindo a linguagem do conhecimento jurídico. Convém, ainda, ressaltar que Pinto (2010) ratifica que os manuais de prática textual jurídica recomendam que os documentos processuais sejam redigidos de forma objetiva, clara, precisa, enxuta, sem exibicionismos, buscando a comunicação técnica e direta. Na linguagem forense, há fórmulas consagradas pelo uso e pela práxis. Os manuais, de modo geral, 26 BENVENUTO, J. Prefácio. In: COLARES, Virg ínia (Org). Linguagem e direito. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010. 57 elucidam regras aos alunos de Direito, nos cursos de Prática forense para a redação de qualquer peça processual. Colares (2010), na obra Linguagem & Direito, considera que o solo epistemológico para a reflexão da interface entre linguagem e direito, é fértil, destacando, nas palavras de Mellinkoff (1963, apud COLARES, 2010, p.10), que “[...] a justiça é uma profissão de palavras e as palavras da lei são, de fato, a própria lei [...]”. Após delinearmos os aspectos sobre o Discurso Jurídico, passamos a complementar as questões teóricas com algumas noções dos Estudos Linguísticos e Jurídicos da argumentação, da responsabilidade enunciativa, do ponto de vista, focalizando o gênero sentença judicial condenatória, seu plano de texto e seus elementos linguístico-textuais. Por fim, passemos para a apresentação da relação entre argumentação e discurso jurídico, destacando algumas discussões da Argumentação desde a antiguidade (Retórica) aos estudos atuais no âmbito dos estudos linguísticos. 1.2 ESTUDOS DA ARGUMENTAÇÃO E A RELAÇÃO COM O DISCURSO JURÍDICO Diversos são os estudos que tratam argumentação pelo viés histórico, teórico e analítico, delineando desde a origem dos pressupostos da Retórica até uma visão mais atual da argumentação, dentre eles destacamos as pesquisas de Plantin (200127, 2008), Paulinelli (2014), Adam (2011), Pinto (2010), Amossy (2005, 2007, 2011), Fiorin (2015), Rodriguez (2005), Cabral e Guaranha (2014), dentre outros. No contexto de uma perspectiva interdisciplinar, Pinto (2010) realiza um amplo apanhado teórico de abordagens e percurso histórico dos estudos da Argumentação, desde a retórica clássica até as abordagens linguístico-textuais. Essa autora recorre ao contributo de diversas perspectivas teóricas (Retórica, Nova-Retórica, Pragmático-semântica e Linguístico- Textual), oriundas de várias áreas das Ciências, para desenvolver condições para a análise de textos. De acordo com o trabalho de Pinto (2010, p. 11), [...] a argumentação sempre esteve associada à história do homem em sua práxis social. A própria vida democrática de nossas sociedades, desde a Antiguidade, caracterizou-se pela capacidade que os indivíduos têm de debater, defender, contrapor e refutar ideias, ou seja, de argumentar, substituindo o confronto bélico pela discussão ou pelo debate. Apesar de 27PLANTIN, C. L’argumentation entre discours et interaction. In:______. TOVAR, José Jesús d Bustos (Cord.). Lengua, discurso, texto: I Simpósio Internacional de Análise do Discurso, v.1, Espanha; Visor, 2001, p.71-92. Disponível em:< http://icar.univ-lyon2.fr/membres/cplantin/publications.htm>. Acesso em: 15 jul. 2015. 58 toda essa importância da argumentação como meio de intervenção interaccional e discursivo, ressaltada desde os primórdios, o seu estudo, se limitou, ao longo de décadas, a seguir modelos de análise que privilegiavam uma simplificação metodológica. (PINTO, 2010, p.11). Pinto (2010) afirma que as práticas argumentativas linguísticas atuais têm os seus fundamentos na teoria e técnica de produção/recepção de discurso da antiguidade clássica, ou seja, os estudos relacionados à argumentação remetem-nos à herança aristotélica, sistematizadora dos estudos retóricos que é de suma importância para as teorias atuais sobre a argumentação. Na Nova Retórica, observa-se que ocorreu uma atualização e ressignificações de alguns preceitos aristotélicos. Atribui-se a Aristóteles, na Antiguidade clássica, o desenvolvimento dos estudos da retórica que gozava de grande prestígio no meio social, po is estava em consonância com o perfil democrático da sociedade ateniense. Como vimos, os estudos da argumentação têm origem na tradição greco-romana, sendo Aristóteles, com os pressupostos da Retórica, seu principal precursor. Nesse contexto, Plantin (2008) também elucida sobre as origens da argumentação, afirmando que [...] a argumentação foi inicialmente pensada como componente dos sistemas lógico, retórico e dialético, conjunto disciplinar cuja desconstrução foi completada no fim do século XIX. A construção de um pensamento autônomo da argumentação nos anos 1950 foi, sem sombra de dúvida, profundamente estimulada pela vontade de encontrar uma noção de “discurso sensato”, por oposição aos discursos fanáticos dos totalitarismos. As visões generalizadas da argumentação que emergiram nos anos 1970 tomaram perspectivas bem diferentes. (PLANTIN, 2008, p. 8). Nesse arcabouço, Paulinelli (2014) elucida que as considerações filosóficas aristotélicas a respeito da argumentação, aliadas aos elementos próprios das Ciências da Linguagem, contribuíram para o surgimento das teorias da argumentação propostas. Ou seja, cada campo, com suas particularidades, com seus fundamentos e implicações, elegendo pontos de interesse específicos e trabalhando com orientações diferentes, apropriando-se do conhecimento legado pelos clássicos e criando ramificações que podem, em graus diferentes, contribuir para o aporte da argumentação no seu sentido mais amplo e atual. Plantin (2001, p. 71-92) observou que as pesquisas a respeito da Retórica e da Argumentação se desenvolvem nos mais diversos campos disciplinares: os recentes trabalhos são concernentes à linguística (da língua, da enunciação e das interações) e também aos campos tradicionalmente ligados à argumentação, como a lógica, a retórica, a dialética, assim 59 como o direito e a filosofia. O referido autor defende que “esses diferentes domínios não têm, forçosamente, a mesma definição de argumentação e os mesmos métodos de trabalho”. Pinto (2010, p.34-35) considera que as contribuições dos estudos aristotélicos são relevantes para as teorias atuais sobre a argumentação. Para ela, os postulados de Aristóteles apontam que os argumentos são utilizados em função da adaptação ao público, conforme os gêneros28: judicial, deliberativo e epidíctico. O Judicial correspondia aos “discursos proferidos frente a juiz, atendendo aos interesses de cada uma das partes opostas envolvidas em um processo e o sítio institucional era o tribunal”. Tal gênero “objetivava a definição, pelo juiz, do certo ou errado em relação a um fato ocorrido”. No tocante ao gênero Deliberativo, ocorria, institucionalmente, em assembleias ou conselhos, visando determinar o que convinha realizar na comunidade e incluía as práticas discursivas empregadas quando da declaração de uma guerra ou, ainda, quando da necessidade de construção de algumas obras públicas. Já o gênero epidíctico ou demonstrativo “englobava os discursos de celebração (tanto de festas quanto de lutos)”. (PINTO, 2010, p. 34-35). No que tange à definição de retórica, na visão do raciocínio argumentativo de Aristóteles, a pesquisadora lembra que é a arte de persuadir relativamente às coisas comuns sob o ângulo do justo e do injusto, bem como a “capacidade de extrair de qualquer tipo de assunto o grau de persuasão que ele comporta” e que era um “instrumento” que poderia ser usado a serviço tanto do bem quanto do mal)”, baseado em três tipos de provas, a saber: i) ethos: centrada na imagem do orador construído discursivamente; ii) logos: baseia-se no próprio discurso e iii) pathos: ancora-se nas paixões/emoções provocadas no auditório pelo discurso. (PINTO, 2010, p. 36-37). 28 Pinto (2010) pontua que os estudos da problemática dos gêneros originou-se na Antiguidade. Ou seja, o estudo do termo gênero obteve seu ponto de partida, no mundo ocidental, a partir do emprego do termo por Aristóteles para definição das partes da tragédia grega, composta de três elementos: começo, meio e fim. Isso mostra o interesse em classificar os gêneros do discurso. Observamos que a classificação aristotélica, inclu ía três tipos de discurso: (1) discurso deliberativo; (2) discurso judiciário; (3) discurso demonstrativo. Para Aristóteles, os ouvintes do discurso também possuíam três tipos de classificação: a pessoa que fala, o assunto de que se fala e a pessoa a quem se fala. Conforme o objetivo de cada pronunciamento, determinadas funções eram elencadas. Para o discurso deliberativo, tinha-se a classificação aconselhamento/desaconselhamento. Para a segunda classificação atribuída ao discurso judiciário era feita: acusação/defesa. No que se refere à terceira classificação, ter-se-ia o elogio/censura para o discurso demonstrativo. A perspectiva teórica de Aristóteles, baseando -se na retórica, apresentava observações no que tange ao tempo verbal de cada tipo de discurso, pois, segundo ele, “cada um destes gêneros tem por objeto uma parte do tempo que lhe é próprio” (ARISTÓTELES, s.d., p. 39 apud VIAN, 1997, p. 34). O gênero deliberativo utilizar-se-ia do futuro, pelo fato da deliberação que seria feita; já para o gênero judiciário seria utilizado o tempo passado, levando, pois, em conta as acusações que se referissem a algo já acontecido; por fim, para o último gênero demonstrativo, o tempo que seria usado e ra o presente, uma vez que, para elogiar ou censurar, fala -se essencialmente do estado presente das coisas. Considerando as perspectivas dos estudos textuais, tratamos dos gêneros na seção gênero discursivo/textual. 60 Muitos autores que tratam da conceituação de argumentação que se mostram afinadas com os posicionamentos que delimitamos para nossas análises poderiam ser mencionados e evocados. Como exemplo, citemos a abordagem de Breton (1996), para quem “a argumentação pertence à família das ações humanas que têm como objetivo convencer. [...] [Sua especificidade é] pôr em ação um raciocínio em uma situação de comunicação” (BRETON, 1996, p. 3 [1999, p. 7]). Enquanto que para Alvarado e Yeannoteguy (2007, p. 64), “argumentar é dirigir ao outro (um interlocutor) um argumento, é dizer uma boa razão para admitir uma conclusão e induzir as condutas pertinentes”. Já nas palavras do autor Bonini (2005), argumentar é “direcionar a atividade verbal para o convencimento do outro ou, mais especificamente, é a construção por um falante de um discurso que visa modificar a visão de outro sobre determinado objeto, alterando, assim, o seu discurso”. (BONINI, 2005, p, 220-221)29. Em uma perspectiva mais ampla sobre o conceito de argumentação, Amossy (2011) compreende a argumentação como a tentativa de modificar, de reorientar, ou mais simplesmente, de reforçar, pelos recursos da linguagem, a visão das coisas da parte do alocutário. Meyer (2005, p.15 apud AMOSSY, 2011, p.131) define que argumentar consiste em encontrar os meios para provocar uma unicidade de resposta, uma adesão do interlocutor à sua resposta, e assim, suprimir a alternativa de seus pontos de vista originais, isto é, a pergunta que encarna essas alternativas (MEYER, 2005, p. 15). Situado nesse percurso histórico, o estudo de Amossy (2011) considera que o discurso em situação argumentativamente orientado comporta em si mesmo uma tentativa de fazer ver as coisas de uma determinada maneira e agir sobre o outro. A posição contrária não precisa ser apresentada na íntegra, na medida em que a palavra é sempre uma resposta à palavra do outro, uma reação ao dito anterior que ela confirma, modifica ou rejeita. Para Amossy (2011), no contexto dos estudos linguísticos, cabe ao analista descrever as modalidades da argumentação verbal da mesma forma que os outros processos linguageiros, numa estreita relação com eles. Para a autora, é preciso distinguir entre a intenção e a dimensão argumentativa. Mesmo que, por sua natureza dialógica, o discurso comporte, como qualidade intrínseca, a capacidade de agir sobre o outro, de influenciá- lo, é 29 BONINI, A. A noção de sequência textual na análise pragmático-textual de Jean- Michel Adam. In:______. MEURER, J. L.; BONINI, A. MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. 61 preciso diferenciar entre a estratégia de persuasão programada e a tendência de todo discurso a orientar os modos de ver do(s) parceiro(s). Nas observações de Pinto (2010, p12), alicerçadas pela Teoria do Texto, é preciso notar que os gêneros argumentativos têm finalidade e função persuasivas, ou seja, “buscam a adesão de um interlocutor a determinada ideia”. Tais gêneros podem ser objetos de descrições diferenciadas, em conformidade com as diferentes práticas sociais em que estão inseridos e com os mais diversificados recursos textuais escolhidos pelo agente produtor do texto. Seguindo esse quadro teórico-metodológico, percebemos que os postulados da Nova Retórica buscaram atualizar os preceitos aristotélicos na esfera dos estudos linguísticos e pragmáticos. Vale destacar que o ressurgimento dos estudos da retórica argumentativa foi retomado a partir da segunda metade do século XX por estudiosos como Perelman e Toulmin. Tais autores da Nova retórica preocuparam-se com as técnicas argumentativas do discurso escrito, diferentemente dos teóricos clássicos que focaram no discurso oral. Na abordagem dos estudos da Nova Retórica, de Chaïm Perelman, filósofo e jurista, e da argumentação no discurso, de Ruth Amossy, é possível correlacionar os principais aspectos de cada corpo teórico. Dessa forma, ao articular os postulados filosóficos de Perelman e as contribuições da Análise do Discurso, Amossy (2005, 2007, 2011) promove um notável avanço no campo dos estudos da argumentação, fornecendo ao campo dos Estudos da Linguagem um referencial teórico-metodológico que permite a realização de uma ampla análise linguístico-discursiva de diversos corpora de natureza persuasiva. Platin (2008, p. 8)30 afirma que a argumentação “foi inicialmente pensada como componente dos sistemas lógico, retórico e dialético”. Para ele, a acepção de argumentação recebeu notoriedade por volta de 1958, momento em que dois estudos retóricos surgiram: “Os usos do argumento”, de Toulmin, publicado na Inglaterra e “O tratado da argumentação: a nova retórica”, de Perelman e Olbrechts-Tyteca, publicado na Bélgica. A obra perelmaniana, segundo Amossy (2011), impactou o cenário linguístico dos anos de 1960 e 1970, mas com ênfase nos estudos sobre o gênero judiciário e o discurso filosófico, repercutindo em contextos circunscritos e especializados de filósofos do Direito, buscando aliar os elementos da Retórica de Aristóteles a uma visão atualizada do assunto, empenhando a elaboração de uma Nova Retórica. Dessa maneira, assumimos que o discurso se tornou o objeto central de diversas tendências da Linguística moderna, como a Análise do Discurso, a Teoria do Texto e a Semântica Argumentativa, dentre outras. 30 PLANTIN, C. A argumentação. Tradução Marcos Marcionilo. São Paulo : Parábola Editorial: 2008. 62 Por sua vez, nesse contexto, vimos que os estudos perelmanianos ressaltam que a argumentação visa a provocar ou incrementar a “adesão dos espíritos” às teses apresentadas ao seu assentimento, caracterizando-se como um ato de persuasão. É notório que os trabalhos desse autor deram impulso aos estudos sobre a argumentação. Nessa linha, nas palavras de Pinto (2010), a argumentação é “elaborada e co-orientada em função da adesão de um público”. (PINTO, 2010, p. 46¨). Essa autora assevera que os estudiosos da Nova-Retórica destacam três tipos de auditórios a serem considerados na construção argumentativa, a saber: universal, individual e o íntimo (PINTO, 2010). No campo das teorias dos estudos linguísticos contemporâneos, Amossy (2007, 2015), cujos esforços têm sido direcionados no sentido de propor uma articulação dos postulados da Nova Retórica aos instrumentos de uma análise linguística, com foco no viés textual- discursivo, apresenta avanços consideráveis para as pesquisas em argumentação. Essa autora é considerada a sucessora de Perelman na recuperação dos estudos retóricos, ao propor uma teoria de análise da argumentação em uma vertente textual-discursiva, partindo de clássicas considerações filosóficas e aliando-as aos elementos próprios das Ciências da Linguagem. Em suas pesquisas, Amossy (2005, 2007, 2011) tem buscado uma redefinição da retórica perelmaniana como um dos ramos da Linguística do Discurso, ao fornecer- lhe instrumental teórico-metodológico adequado ao estudo concreto do discurso argumentativo. Essa autora postula que a obra de Perelman encontra-se bastante articulada aos recursos da linguística do discurso nas suas vertentes enunciativa e pragmática, no que se refere à atenção dada à situação de enunciação, à função do alocutário, ao saber comum e aos pressupostos que autorizam a interação verbal, assim como à eficácia da palavra definida em termos de ação. Em seus estudos, a pesquisadora identifica que a obra perelmaniana possui pressupostos do quadro enunciativo de Benveniste (1989). Nessa mesma direção, Amossy (2007, p. 128)31 postula que a argumentação “[...] depende das possibilidades da língua e das condições sociais e institucionais q ue determinam parcialmente o sujeito, fora dos quais a orientação ou a dimensão argumentativa do discurso não pode ser apreendida com discernimento”. Segundo essa autora, a Retórica, da qual se alimenta os pressupostos perelmanianos e também a linguística da enunciação, analisa a linguagem "em situação", na sua dimensão 31 AMOSSY, R. O lugar da argumentação na análise do discurso: abordagens e desafios contemporâneos. Tradução de Adriana Zavaglia. Filologia e linguística portuguesa, São Paulo, n. 9, p. 121-146, 2007. Disponível em: < file:///C:/Users/pc/Downloads/59776-77213-1-PB%20(1).pdf>. Acesso em 10 mar. 2016. 63 intersubjetiva, em que o eu implica um tu, mesmo quando este não esteja explicitado por marcas linguísticas. Nesse prisma, de acordo com Paulinelli (2014, p.397-398)32, a perspectiva retórica adotada pela Nova Retórica, considera que todo enunciado é direcionado no sentido do alocutário “com vistas a orientá- lo nos modos de ver e de pensar. O sujeito falante aciona o aparelho formal da enunciação não só para se comunicar, mas também para agir sobre o indivíduo a quem se dirige”, ou seja, os raciocínios, na argumentação, são desenvolvidos “por um locutor em função de um alocutário, nomeados respectivamente, por Perelman (1987), de orador e auditório, a exemplo da denominação que essas duas instâncias receberam na retórica clássica”. Nessa ótica, outro ponto que destacamos são os pressupostos do Tratado da argumentação, no qual Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996)33 mostram que todo o processo argumentativo, desde a escolha das premissas até as palavras empregadas pelo orador no seu projeto de dizer persuasivo, é sujeito à incidência de valores, por isso a argumentação, para eles, é uma lógica dos juízos de valor. Esses autores mostram que, na seleção de epítetos e de qualificações para um determinado objeto, há uma orientação argumentativa, ou seja, as escolhas estão a serviço de um propósito argumentativo direcionado. Por seu turno, Pinto (2010) tratando dos estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1988) ressalta que a argumentação corresponde ao conjunto de recursos verbais utilizados por um orador de forma a incitar o auditório a aderir a uma tese. Nessa perspectiva, Amossy (2002)34 considera que a incidência dos valores e, consequentemente, da subjetividade na língua, é estudada de forma mais pontual pela linguística, através da pesquisa dos procedimentos linguísticos (modalizadores, termos avaliativos etc.) pelos quais o locutor imprime sua marca à enunciação, se inscreve na mensagem e se situa em relação ao outro. Paulinelli (2014, p.405), com base em Amossy (2002), destaca que essa marca pode ser encontrada pela análise linguística dos substantivos axiológicos (positivos ou negativos), dos adjetivos afetivos (aqueles que enunciam, ao mesmo tempo, uma propriedade do objeto que eles determinam e uma reação emocional do sujeito 32 PAULINELLI, M. de P. T. Retórica, argumentação e discurso em retrospectiva. Linguagem em (Dis)curso – Lemd, Tubarão, SC, v. 14, n. 2, p. 391-409, maio/ago. 2014. Disponível em: . Acesso 20 jan. 2016. 33 PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Pau lo: Mart ins Fontes, 1996. 34 AMOSSY, R. Nouvelle rhétorique et linguistique du discours. In: KOREN, R.; AMOSSY, R. (Orgs.) Après Perelman: quelles polit iques pour les nouvelles rhétoriques? Paris: L'Harmattan, 2002. p. 153 -171. 64 falante diante desse objeto) e dos verbos ocasional ou intrinsecamente subjetivos. Analisar a linguagem e como ela se inscreve argumentativamente e concretamente no discurso, revelando a esquematização que restitui um raciocínio abstrato, permite ver como funciona, efetivamente, a estratégia de persuasão em dada situação de comunicação. Nesse enfoque, de acordo com Amossy (2011, p.132), reconhecemos que o o discurso argumentativo não se desenrola no espaço abstrato da lógica pura, mas em uma situação de comunicação em que o locutor apresenta seu ponto de vista na língua natural com todos os seus recursos, que compreendem tanto o uso de conectores ou de dêiticos [...]. Nesse aparato, essa autora considera e acrescenta outra condição intrínseca à linguagem: a da interação. Através de que um locutor leva em conta o alocutário sobre quem quer agir e em proveito de quem ele mobiliza um conjunto de recursos linguísticos e de estratégias discursivas mais ou menos programados. Em suas reflexões, Amossy (2011) entende que a argumentação se situa no quadro de um dispositivo de enunciação, na qual “o locutor deve adaptar-se ao seu alocutário, ou mais exatamente, à imagem que ele projetou” (nos termos de Perelman, o auditório é sempre uma construção do orador) (AMOSSY, 2011, p. 133). É nessa perspectiva comunicacional e sóciohistórica que se faz necessário estudar a maneira como a argumentação se inscreve no âmbito textual-discursivo e no jogo do interdiscurso, considerando a escolha dos termos linguísticos, conectores, valor do implícito, o modo como o texto assimila a fala do outro pelas numerosas vias do discurso relatado, do discurso direto, dentre outros recursos linguístico-enunciativos mobilizados que são relevantes para conferir maior força argumentativa aos textos. Diante de tais observações é possível indagar se toda enunciação carrega dentro de si um caráter argumentativo. A princípio, considera-se que o ato de utilizar a palavra nem sempre se destina a convencer alguém de alguma coisa. No nosso cotidiano, é possível encontrar textos que não possuem orientação estritamente argumentativa. Entretanto, mesmo não tendo a intenção de convencer, podemos depreender que na situação comunicativa buscamos exercer alguma influência, orientando as maneiras de ver e de pensar sobre o mundo e as coisas. Dessa forma, a argumentação é concebida como algo inseparável do funcionamento global do discurso, contribuindo para que os analistas da linguagem possam examinar a inscrição da argumentação na materialidade linguageira e em uma situação de comunicação concreta. 65 Tratar da argumentação, com base nessa reflexão, nos conduz também a outras observações de Amossy (2011) em diálogo com os postulados de Authier-Revuz (2004) sobre a relação da heterogeneidade da linguagem e a relação com os constructos da argumentação. Nesse contexto, a autora afirma que: a heterogeneidade constitutiva é um dos fundamentos da fala argumentativa na medida em que esta, necessariamente, reage à palavra do outro, quer seja para retomá-la, modificá-la ou refutá-la. [...] É preciso examinar a organização textual que determina o emprego da argumentação e a maneira como o locutor escolheu dispor os elementos de seu discurso com vistas a seu auditório. (AMOSSY, 2011, p. 133). Na visão de Amossy (2011, p. 138)35, levamos em conta que os estudos sobre a argumentação podem também incidir sobre o proveito que a argumentação pode tirar de alguns dispositivos da enunciação. A autora destaca que o apagamento enunciativo, que é, atualmente, objeto de importantes trabalhos nas Ciências da Linguagem, permite evidenciar as vantagens que o locutor obtém pela tentativa de neutralizar sua fala, tentando apagar, o mais eficazmente possível, sua subjetividade. Apoiando-se nos trabalhos de Vion, Alain Rabatel destaca as marcas formais do apagamento enunciativo para articulá-lo com os efeitos da argumentação indireta que ele permite [...]. Com podemos perceber, Amossy (2005)36 registra também a importância dos estudos bakhtinianos, com foco no dialogismo, para a argumentação. A autora discorre que os discursos tanto utilizam a seu modo as técnicas argumentativas descritas nos tratados de argumentação e nos manuais de retórica - como o entimema, a analogia, a definição, as figuras de estilo etc. - como empregam meios particulares encontrados nos recursos da língua, da arte da narrativa ou do estilo - como o parenthèse, o discurso reportado, o encaixe de vozes narrativas, o ritmo, a escritura branca, etc. Aos tipos de argumentos e às figuras retóricas se juntam assim numerosos e diversificados meios verbais. (AMOSSY, 2005, p. 167, grifos nossos). 35 AMOSSY, R. Argumentação e Análise do Discurso: perspectivas teóricas e recortes disciplinares. Tradução de Eduardo Lopes Piris e Moisés Olímpio Ferreira. EID&A - Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação, Ilhéus, n.1, p. 129-144, nov. 2011. Disponível em:.Acesso em 10 mai. 2016. 36 AMOSSY, R. Rhétorique et analyse du discours. Pour une approche socio -discursive des textes. In: ADAM, J. M.; HEIDMANN, U. (Orgs.). Sciences du texte et analyse de discours . Etudes de Lettres, 2005. 66 Pinto (2010), na obra Como argumentar e persuadir: prática política, jurídica e jornalística, destaca que o surgimento da Argumentação, nas teorias linguísticas, teve como principais fundadores Ducrot e Anscombre, na década de 70, com foco na questão da argumentação na língua (ANL), numa abordagem pragmático-semântica. Em seguida, a autora ressalta a argumentação na perspectiva dos estudos polifônicos e chega à abordagem da Argumentação nos Textos (doravante ANT) com base nos teóricos da Linguística Textual. Retomando os estudos de Pinto (2010, p.83) acerca dos estudos da argumentação, apoiados em uma visão do ato de argumentar no âmbito de uma dimensão social, pragmática, cognitiva e discursivo-textual, na qual destaca a correlação de fatores situacionais e a materialização linguístico-textual, compreendemos que a ANT tem o foco nos “parâmetros relacionados à textualidade e à discursividade”. Percebemos que as considerações de Pinto (2010, p.83) nos leva ao entendimento de que o estudo da argumentação, numa perspectiva textual condicionada pelas questões relativas aos gêneros, “é recente e (ainda) pouco explorado”. A partir de Pinto (2010), constatamos que os trabalhos de Adam, em 1992 e 1999, deram início às pesquisas que correlacionam os aspectos da argumentação com organização dos textos. As palavras de Pinto (2010, p. 84), sobre a acepção adamiana a respeito do conceito de argumentação, conduzem-nos a uma compreensão de que “o termo argumentação pode estar relacionado ao efeito persuasivo de determinado discurso quanto a uma modalidade de sequências prototípicas”, que são blocos de unidades estruturalmente com certa regularidade composicional nos textos. A autora destaca ainda que é possível notar diferenças de “efeitos persuasivos dos discursos em função das construções textuais”, bem como que “algumas escolhas efetuadas no nível linguístico podem influenciar na construção das imagens” (PINTO, 2010, p.85) dos produtores de textos frente ao auditório. Retornando à discussão, afirmamos que Pinto (2010, p.89), ancorada nos pressupostos de Adam (1992, 1999), entende que a argumentação assume “duas dimensões distintas e complementares”, tanto no nível do discurso quanto no nível da organização da textualidade. Considerando esses posicionamentos adamianos, explicamos que o nível do discurso corresponde ao nível da interação social, ou seja, quando falamos ou escrevemos, estamos a tentar compartilhar uma opinião e a tentar passar certas representações acerca de determinados assuntos a um auditório, buscando provocar uma certa adesão. O nível da textualidade trata-se da organização de esquemas cognitivos prototípicos junto ao locutor. 67 Embora Adam considere essas duas dimensões, os trabalhos dele focam no nível textual, visando descrever o “raciocínio argumentativo” traduzido textualmente. Defendemos, com base nas reflexões de Pinto (2010, p. 10), que a perspectiva adamiana considera a sequência argumentativa como uma “relação estabelecida entre argumento(s) – dados – e conclusão, sendo que um enunciado pode assumir qualquer um destes papéis”. Além disso, explica que a lei de passagem do argumento para a conclusão se faz por mecanismos inferenciais, de forma semelhante às noções de topoi, propostas por Ducrot e Anscombre. Nessa vertente, vale elucidar que a relação entre o argumento e a conclusão “pode ser fundamentada por uma garantia (explicita ou implícita), e também pode ser contrariada, a partir de uma refutação ou exceção, possibilitando a existência de uma contra-argumentação” (PINTO, 2010, p.89). Em Adam (2001, 2009), temos, esquematicamente, a seguinte proposta para a argumentação: Figura 1 – Esquema I da argumentação para Adam Fonte: Adam (2009, p.147) Nessa linha de pensamento, a argumentação, de forma resumida, também é vista, de acordo com Adam (2001, p.107 apud PINTO, 2010, p.90), conforme o esquema a seguir: 68 Figura 2 – Esquema II da argumentação para Adam Fonte: Adam (2001, p.107 apud PINTO, 2010, p.90) Na sequência argumentativa, observamos também, no plano textual, a seguinte forma prototípica: INTRODUÇÃO ----- ARGUMENTOS ----- CONCLUSÃO Na abordagem linguístico-textual da argumentação, vale destacar a operação contra- argumentativa que, esquematicamente, de acordo com Adam (2001, p.107 apud PINTO, 2010, p.90), temos o seguinte: Figura 3 – Visão da contra-argumentação Fonte: Adaptado de Adam (2001, p.107 apud PINTO, 2010, p.90) Construção de argumentos, garantia de suporte ou sustentação do texto. 69 Nessa figura, observamos a refutação, processo textual no qual anulam-se os argumentos contrários à tese defendida (os contra-argumentos). É importante chamarmos a atenção para a visão do modelo de argumentação de Toulmin (1993, 2001), que se propõe a descrever a maneira pela qual os enunciados estão dispostos ou arranjados entre si – que ele chama de “célula argumentativa”. Tal concepção inspirou a acepção adamiana sobre a sequência prototípica (PINTO, 2010, p.92), conforme nota-se no esquema a seguir: Figura 4 – Visão da argumentação com base em Toulmin Fonte: Adaptado de Toulmin ([1958] 1993 apud ADAM, 2009, p 138) Como podemos perceber, de acordo com as contribuições da abordagem de Adam (2009, 2011), a sequência argumentativa é unidade que entra na composição dos textos argumentativos. Corroborando tal viés, destacamos as palavras de Grize (1996 apud ADAM, 2009, p. 135) sobre o viés argumentativo de um discurso, que consiste “antes de tudo nos propósitos daquele que o produz”. Vale destacar os esquemas a seguir, pois reproduzem a proposta de Grize (1996) e de Adam (2009) sobre a argumentação, de forma esquemática: Figura 5 – Visão esquemática da argumentação proposta por Grize Fonte: Grize (1996 apud ADAM, 2009, p 138) 70 Figura 6 – Visão esquemática da sequência Argumentativa de Adam Fonte: Adam (2009, p.148) Na figura 6, vimos que a sequência argumentativa apresenta correspondências com o esquema da célula argumentativa de Toulmin que teve uma significativa influência para a proposta adamiana, tendo como elementos em comum os dados, a sustentação e a conclusão. Nos esquemas, notamos também que a proposta de Adam se baseia no fato de que os dados estão apoiados em uma garantia, para a qual podemos ter um determinado suporte, temos também a possibilidade de uma contra-argumentação para podermos chegar à tese ou conclusão. Nesses termos, confirmamos que a argumentação, na visão de Adam (2009, 2011), tem foco nos componentes internos do texto, ou seja, diz respeito a “todos os aspectos relativos à organização linguístico textual do texto” (PINTO, 2010, p.168). Considerando ainda os direcionamentos sobre a argumentação no âmbito linguístico- textual, cumpre destacar que Adam (2011), ao tratar da sequência argumentativa, observa que a passagem de um período argumentativo (série de proposições ligadas por conectores argumentativos) ocorre por meio de um modelo de composição de sequência argumentativa que contempla a contra-argumentação. Nessa visão, percebemos um nível dialógico ou contra-argumentativo em que “a argumentação é negociada com um contra-argumentador real ou potencial” (PASSEGGI et al, 2010, p.291). Convém salientar que, no Brasil, estudiosos como Fiorin (2015, p.9)37 dedicam-se aos estudos sobre a argumentação. Para esse autor, a argumentação é uma característica básica do discurso e afirma que trabalhos sobre a argumentação ainda não são abundantes. Esse 37 FIORIN, J. L. Argumentação. São Paulo: Contexto, 2015. 71 pesquisador destaca que foi com Ducrot e Anscombre que a questão da argumentação parece ter se tornado moda nos estudos da linguagem (FIORIN, 2015, p.9). Nesse sentido, o “aparecimento da argumentação, seu uso intensivo, sua codificação faz parte da marcha civilizatória do ser humano, da extraordinária aventura do homem sobre a terra”. (FIORIN, 2015, p.11). Dando continuidade aos estudos sobre a argumentação, Fiorin (2015, p. 9) atesta que “todo discurso tem uma dimensão argumentativa” e menciona que alguns discursos se apresentam explicitamente como argumentativos, como por exemplo: o discurso jurídico. Cabe destacar que esse autor em seu trabalho apresenta que a [...] vida em sociedade trouxe para os seres humanos um aprendizado extremamente importante: não se poderiam resolver todas as questões pela força, era preciso usar a palavra para persuadir os outros a fazer alguma coisa. Por isso, o aparecimento da argumentação está ligado à vida em sociedade e, principalmente ao surgimento das primeiras democracias [...]. (FIORIN, 2015, p. 9). Vale chamar a atenção para a visão de que sem [...] argumentação, o Direito é inerte e inoperante, pois fica paralisado nas letras da lei, no papel. A partir do momento em que se exercita o Direito, - e é essa a função de todo profissional que nessa área atua-, a argumentação passa a ser imprescindível. Ela surge de várias fontes: da doutrina dos professores que interpretam e analisam o ordenamento jurídico, das peças dos advogados que articulam teses para adequar seu caso concreto a um outro cânone da lei, da decisão dos juízes que justificam a adoção de determinado resultado para um caso concreto. (RODRÍGUEZ, 2005, p. 6) 38 . Nesse percurso, é importante mencionar que, no âmbito dos estudos jurídicos, o processo penal consiste em um complexo ato que se sucede no tempo e no espaço, com a finalidade de solucionar os conflitos de interesse regulados por lei, a fim de recompor a paz jurídica e fazer a justiça social. Em sentido amplo, Carnelutti (2004, p. 21) defende que o processo penal “consiste no conjunto de atos em que se resume (também) o castigo do réu”. No que tange aos estudos que tratam da argumentação nas práticas jurídicas, Cabral e Guaranha (2014, p. 23-24)39 elucidam que nas: 38 RODRÍGUEZ, V. G. Argumentação jurídica: técnica de persuasão e lógica informal. 4. ed. São Paulo : Ed itora WMF Martins Fontes, 2005. 39 CABRAL, A. L. T.; GUARANHA, M. F. O conceito de justiça: argumentação e dialogismo. Baktiniana: Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 19-34, jan/jul 2014. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2176-45732014000100003&script=sci_arttext>.Acesso em: 14 mar. 2016. 72 [...] práticas jurídicas, a argumentação ocupa lugar de destaque, cumprindo papel preponderante, pela necessidade de se convencer e pelas constantes tomadas de decisões que envolvem o trabalho de advogados, juízes e juristas. Com efeito, conforme ensina Perelman (1999), o Direito se elabora por meio das controvérsias, da argumentação que mostra que os argumentos usados pelo adversário são irrelevantes, arbitrários, inoportunos, inválidos e que a solução proposta por ele é injusta. Partindo desse princípio, de acordo com Cabral e Guaranha (2014, p. 27), “[...] podemos dizer que a Justiça, que compreende fórmulas nem sempre consoantes, é um objeto discursivo e, como tal, está atravessado pelo desacordo”. Nesse sentido, é o desacordo, ou seja, o litígio, o fio condutor da argumentação no gênero jurídico sentença judicial. Nessa direção, é válido trazermos as palavras de Plantin (2008, p. 89) quando declara: “Recorremos à argumentação quando as crenças, hipóteses e leis são instáveis, insuficientes ou de má qualidade e submetidas a um princípio contínuo de revisão”. Ademais, Plantin assevera: “Na argumentação, há irredutivelmente o enunciativo e o interacional”. (2008, p. 65). Desse modo, vale assinalar que, no Direito, no âmbito de uma sociedade de valores democráticos, a lei constitui a manifestação da vontade da coletividade, para regular a vida dos cidadãos e a atividade dos órgãos públicos. Está sob a ação da lei a conservação dos sujeitos jurídicos de forma pacífica. Compreendemos que é pelo Direito que o Estado não permite o particular fazer justiça com as próprias mãos, porém o cidadão tem o direito de convocar o Estado a fazer atuar a lei para ter atendida uma sua pretensão, isto é, o direito do cidadão de propor uma ação. No entanto, esse é um direito abstrato, pois pode ser exercido por quem tenha ou não razão, o que será apurado apenas na sentença. Ainda que o Estado enquanto aplicador da lei esteja envolvido como prestador de sua atividade jurisdicional, isto é, num caso concreto. É importante salientar que o direito de ação se liga, assim, a um caso concreto, a uma “lide” e, pois, a uma “pretensão”. A “lide” se estabelece entre dois sujeitos, ambos interessados, mas com interesses antagônicos. No que tange à função de dirimir a “lide” com justiça, ou seja, conforme a lei que regula o conflito, cabe a um terceiro sujeito desinteressado e “impessoal”, isto é, o Estado, representado pela pessoa do juiz. Nesse escopo, Magalhães (2005) considera que a lide é a ausência de consenso entre as partes processuais. Trata-se do objeto litigioso baseado em um fato penal que consiste numa conduta considerada lesiva as relações sociais. Assim, compreendemos também como “conflito de interesses qualificado pela pretensão de um sujeito processual e pela resistência do outro”. (JARDIM, 2007, p. 22). 73 Depreendemos que, no processo judicial, cabe a cada uma das partes na ação expor os fatos de maneira a convencer o juiz, que detém o direito, de que seu ponto de vista deve prevalecer. Nos autos processuais, somente o juiz determinará quem é o detentor do direito. Assim, podemos dizer que os processos, no âmbito do Direito Penal, visam: “fixar critérios mínimos de comportamento social” (HERKENHOFF, 1996, p 107)40, bem como, exercer papel político e pedagógico, elencando para a sociedade quais as condutas devem ser evitadas, fixando penas, definindo crimes e hierarquizando valores sociais fundamentais para a instauração da justiça social. Na mesma direção, cabe reproduzir as palavras de Carnelutti (2004, p.28-29), para quem a finalidade dos processos “consiste em assegurar a paz social [...]” e excluir a resolução dos conflitos de interesses mediante a guerra, operando sobre as causas e sobre os delitos, buscando a “prevenção” e “repressão” do delito. Frente ao exposto, acreditamos que a orientação argumentativa41 consiste em direcionar a atividade verbal a serviço dos propósitos comunicativos do sujeito produtor do texto, isto é, um ato linguístico que se utiliza de estratégias para a elaboração do discurso argumentativo e envolve fundamentalmente as intenções do sujeito produtor. Por esse ângulo, destacamos ainda que [...] o Direito, mais que qualquer outro saber, é servo da linguagem. Como Direito posto é linguagem, sendo em nossos dias de evidência palmar constituir-se de quanto editado e comunicado, mediante a linguagem escrita, por quem com poderes para tanto. Também linguagem é o Direito aplicado ao caso concreto, sob a forma de decisão judicial ou administrativa. Dissociar o Direito da Linguagem será privá-lo de sua própria existência, porque, ontologicamente, ele é linguagem e somente linguagem. (CALMON DE PASSOS, 2001, p.63-64) 42 . Acrescenta-se a isso os direcionamentos da Argumentação Jurídica para que o juiz possa prolatar a decisão. Nessa linha de reflexão, Perelman (2004) preconiza que [...] se o direito é um instrumento flexível e capaz de adaptar-se aos valores considerados prioritários pelo juiz, não será necessário, em tal perspectiva, 40 HERKENHOFF, J. B. Para onde vai o Direito? Reflexões sobre o papel do Direito e do jurista. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1996. 41 Pinto (2010, p. 187) afirma que os estudos de Ducrot e Ascombre (1988) co locaram “em evidência a noção de orientação argumentativa como parte integrante da língua, estando relacionada com o encadeamento lógico dos enunciados” e as escolhas linguístico-textuais. 42 CALMON DE PASSOS, J. J. Instrumentalidade do processo e devido processo legal. Revista de processo, v. 102, São Pau lo, 2001. 74 que o juiz decida em função de diretrizes vindas do governo, mas em função dos valores dominantes na sociedade, sendo sua missão conciliar com esses valores as leis e as instituições estabelecidas, de modo que ponha em evidência não apenas a legalidade, mas também o caráter razoável e aceitável de suas decisões. É por isso que se deve diversificar a análise do raciocínio jurídico conforme as diversas funções que deve desempenhar se aplica e as diversas instâncias que constituem o aparelho judiciário. (PERELMAN, 2004, p. 200) 43 . Ademais, na direção desse entendimento, de acordo com Koch (2011, p.17),44 acreditamos que a interação social por meio da língua caracteriza-se fundamentalmente, pela argumentatividade. Como ser dotado de razão e vontade, o homem, constantemente, avalia, julga, critica, isto é, forma juízos de valor. Por outro lado, por meio do discurso - a ação verbal dotada de intencionalidade – tenta influir sobre o comportamento do outro ou fazer com que compartilhe determinadas de suas opiniões. É por esta razão que se pode afirmar que o ato de argumentar, isto é, de orientar o discurso no sentido de determinadas conclusões, constitui o ato linguístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais ampla do termo. A neutralidade é apenas um mito: o discurso que se pretende neutro, ingênuo, contém também uma ideologia – a da sua própria objetividade. No tocante aos propósitos da construção argumentativa, corroborando a visão de argumentação que assumimos, vale dizer que a intenção argumentativa se sustenta em grande medida nas palavras distantes (nas vozes de distintos enunciadores, seja para negá-las, como argumento antiorientado, ou para apoiar nelas o próprio ponto de vista, como argumento coorientado), com o que se consegue legitimar o próprio critério e dirigir a opinião do receptor para determinadas conclusões que se mostram, desta maneira, como válidas e verdadeiras. (ESCRIBANO, 2009, p. 47-48) 45 . Admitimos que a capacidade argumentativa é uma ação de linguagem que remete a “uma oposição discursiva e gera interdependência entre sujeitos não apenas pela alternância de turnos, mas sobretudo pela polarização de posições enunciativas, o que necessariamente decorre das relações de poder”. (AZEVEDO, 2016, p.175). 43 PERELMAN, C. Lógica jurídica: a nova retórica. Tradução de Verg ínia K. Pupi. São Paulo : Mart ins Fontes, 2004. 44 KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. 13. ed. São Pau lo: Cortez, 2011. 45 ESCRIBANO, A. Las voces del texto como recurso persuasivo. Madrid : Arco Libros, 2009. 75 A partir da Nova Retórica, cremos que os estudos sobre a argumentação repousam em perspectivas linguísticas, com foco no “papel discursivo das orientações impostas pela linguagem” (PLANTIN, 2008, p. 25), uma vez que “todo enunciado possui um valor argumentativo, mesmo uma simples descrição desprovida de conectores argumentativos”. (ADAM, 2011, p.122). Com base em Pinto (2010, p.200), ratificamos que, em sentido amplo, “a argumentação linguística corresponde às escolhas perpetradas pelo agente produtor do texto na produção de determinado gênero”, bem como aos diversos encadeamentos argumentativos inferidos textualmente e relacionados à organização do texto. Desse ponto de vista, ratificamos também que a argumentação linguística é um modo de organização linguístico- textual e argumentativo a qual revela o percurso planejado, de acordo com as intenções de dizer do produtor na defesa de um ponto de vista. No processo de produção, na tessitura textual, o produtor faz usos de estratégias que orientam o eixo argumentativo na defesa da tese e, consequentemente, a compreensão textual. Nesse percurso, o discurso argumentativo propõe persuadir o interlocutor, ou seja, conseguir adesão, por meio da organização textual, marcando os direcionamentos argumentativos por meio de escolhas linguísticas evocadas no fio textual-discursivo, dentre elas: marcadores textuais de subjetividades, conectivos argumentativos e contra- argumentativos que orientam a arquitetura textual-argumentativa em favor da pretensão do autor, ou seja, uma visada discursiva marcada na construção textual pelas atitudes enunciativas e uma “[...] (co)enunciação intencional que é marcada pelo efeito que ela é suscetível produzir”. (CHARAUDEAU, 2004, p. 1).46 46Comungamos do pensamento de Charaudeau (2004). Esse autor afirma que “os tipos de visada são definidos por um duplo critério: a intenção pragmática do eu em relação com a posição que ele ocupa como enunciador na relação de força que o liga ao tu; a posição que da mesma forma tu deve ocupar”. O referido autor aponta seis das principais visadas, a saber: “(i) a visada de “prescrição”: eu quer “mandar fazer” (faire faire), e ele tem autoridade de poder sancionar ; tu se encontra, então, em posição de “dever fazer”. (ii) a v isada de “solicitação” : eu quer “saber”, e ele está, então, em posição de inferioridade de saber diante do tu mas legitimado em sua demanda ; tu está em posição de “dever responder” à solicitação.(iii) a v isada de “incitação” : eu quer “mandar fazer” (faire faire), mas, não estando em posição de autoridade, não pode senão incitar a fazer ; ele deve, então “fazer acreditar” (por persuasão ou sedução) ao tu que ele será o beneficiário de seu próprio ato ; tu está, então, em posição de “dever acreditar” que se ele age, é para o seu bem. (iv) a visada de “informação” : eu quer “fazer saber”, e ele está legitimado em sua posição de saber ; tu se encontra na posição de “dever saber” alguma coisa sobre a existência dos fatos, ou sobre o porque ou o como de seu surgimento.(v) a visada de “instrução” : eu quer “fazer saber-fazer”, e ele se encontra ao mesmo tempo em posição de autoridade de saber e de legitimação para transmit ir o saber ; tu está em posição de “dever saber fazer” segundo um modelo (ou modo de emprego) que é proposto por eu.(vi) a visada de “demonstração” : eu quer “estabelecer a verdade e mostrar as provas” segundo uma certa posição de autoridade de saber (cientista, especialista, expert) ; tu está em 76 Nesse sentido, afirmamos que o “Direito se caracteriza essencialmente por sua atividade argumentativa, o que implica dizer que a prática jurídica opera com recursos linguísticos e discursivos para produzir determinados efeitos de sentidos e estes, por sua vez, orientam atos e decisões [...]”. (FETZNER; PALADINO, 2008, p.11 apud SOUZA; GIERING, 2016, p.181)47. No sentido amplo, compartilhamos também da visão de uma “argumentação generalizada” ou “inerente”, constitutiva do próprio enunciar, conforme ratifica Passeggi 48(2016, p. 2877) a partir do viés de que “argumentar equivale a enunciar algumas proposições que decidimos encadear. Reciprocamente, enunciar equivale a argumentar, pelo simples fato de que decidimos falar e desenvolver um determinado sentido em detrimento de outros.” (VIGNAUX, 1981; 1988, apud PLANTIN, 2004, p. 52-53)49. Somado a isso, cremos que daí decorre a necessidade de que o operador de qualquer uma das instâncias do Direito conheça e saiba dominar os recursos linguísticos em conjunto com outros de natureza diversa que colaboram para a técnica de provocar ou intensificar a adesão do seu interlocutor às teses que defende por meio das estratégias argumentativas, bem como por meio de “cenários enunciativos com alternância de graus de proximidade e distanciamento.” (SANTOS et al, 2016, p.165)50. Portanto, concluímos, frente ao exposto, que a prática do Direito consiste em argumentar, pois, para Rodriguez (2005), a argumentação é tão imprescindível ao operador do Direito quanto o conhecimento jurídico. Argumentação é o instrumento de trabalho, principalmente nas lides forenses. Em suma, os argumentos são os caminhos da aplicação do Direito. posição de ter que receber e “ter que avaliar” uma verdade e, então, ter a capacidade de fazê -lo”. CHARAUDEAU, Patrick. Visadas discursivas, gêneros situacionais e construção textual. Disponível em:< http://www.patrick-charaudeau.com/Visadas-discursivas-generos.html>. 2004. 47 SOUZA, J. C; GIERING, M. E. Bastidores da argumentação em textos de opinião do Direito. In : PINTO, R. CABRAL, A. L. T.; RODRIGUES, M. G. S. (Orgs). Linguagem e Direito: perspectivas teóricas e práticas. São Paulo: Contexto, 2016, p.179-196. 48 PASSEGGI, L. Uma abordagem do discurso jurídico do ponto de vista da linguística do texto e do discurso In: Anais do III Seminário Internacional de Es tudos Sobre Discurso e Argumentação (III S EDiAr). Ilhéus: Ed itus, 2016, p.2874-2885. Disponível em:< http://octeventos.com.br/sediar/anais.php>. Acesso em: 10 ago. 2016. 49 PLANTIN, C. Argumentação. In:______ CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. São Paulo : Contexto, 2008, p. 52-57. 50 SANTOS, L.W; PINTO, R.; CABRAL, A. L. T.. Referenciação em textos jurídicos: da argumentação da língua à argumentação no gênero. In: PINTO, R; CABRAL, A. L. T.; RODRIGUES, M. G. S (Orgs). Linguagem e Direito: perspectivas teóricas e práticas. São Paulo : Contexto, 2016, p.164-178. 77 Por último, seguindo os estudos de Lourenço (2013, 2015), destacamos que é possível desvendar, através dos recursos linguísticos, as estratégias argumentativas e o jogo polifônico no discurso jurídico. Nesse âmbito, compreendemos o discurso jurídico como o lugar da argumentação, ou seja, o ambiente do litigioso é, por excelência, o lugar do embate de ideias. 1.3 PRESSUPOSTOS DA LINGUÍSTICA ENUNCIATIVA É sabido que “as teorias da enunciação receberam uma leitura particular no cenário linguístico brasileiro”, tendo como foco as questões pragmáticas, o texto e as perspectivas discursivas, conforme Flores et al (2009, p.12). Nessa direção, é consensual que há traços comuns que as aproxima, permitindo que se fale numa linguística da enunciação, situando-as em um mesmo campo do conhecimento. Muitos estudiosos são fundadores dos pressupostos epistemológicos do campo enunciativo, pois contribuíram para o desenvolvimento do aparato metodológico da Linguística Enunciativa, dentre eles destacamos autores como Bakthin (1992), Benveniste (1989, 2006, 2006), Culioli (1971), Authier-Revuz (1990, 2004, 2011), Ducrot (1987)51, Adam (2011) e Rabatel (2005, 2008, 2009, 2013, 2015, 2016). No âmbito dos estudos no Brasil, o campo dos fenômenos enunciativos surgiu mediado por outras disciplinas dos estudos da linguagem articuladas à apropriação e à reelaboração dos termos e definições dos autores supracitados. No contexto dos estudos linguísticos no campo da linguística da enunciação no Brasil, destacamos os estudos de Flores e de Teixeira (2008), Flores et al (2009), Cabral (2010), Flores (2013) e Cabral e Santos (2016), dentre outros. Cabe ressaltar que os estudos da enunciação em sentido amplo consideram que todos os níveis de análise linguística podem ser desenvolvidos na perspectiva da enunciação, bem como pontuamos que investigar “a linguagem do prisma de uma teoria da enunciação é estudá- la do ponto de vista do sentido, sim, mas isso não significa que os demais níveis de análise linguística não sejam contemplados pelas teorias enunciativas (FLORES et al, 2009, p.20)”. A Linguística Enunciativa tem aberturas no âmbito dos estudos enunciativos, isto é, coexistem potencialidades de interlocução com outras abordagens enunciativas da linguagem 51 Nos contributos ducrotianos, encontramos os pressupostos da Teoria Polifônica da Enunciação no âmbito da Argumentação na Língua. 78 que possuem traços comuns e (inter)relações com outras disciplinas, pelo fato de ter um objeto de estudo heterogêneo, ou seja, tratar de questões como a subjetividade, o dialogismo e a modalização. Em outras palavras, trata de fenômenos relativos ao uso da língua e por isso tem interfaces e intersecções com as diferentes áreas além da Linguística, tendo incorporado conceitos oriundos de diferentes teorias da enunciação (Benveniste, Bakhtin, dentre outros). Nesse contexto, destacamos que “algumas perspectivas da Linguística Textual recorrem a mecanismos enunciativos [...] para abordar questões referentes à problemática do texto.” (FLORES; TEIXEIRA, 2008, p. 94). Nessa ótica, a Linguística da enunciação “toma para si não apenas o estudo das marcas formais no enunciado, mas refere-se ao processo de sua produção”: ao sujeito, ao tempo e ao espaço. Desse modo, Flores e Teixeira (2008, p. 109) afirmam que a Linguística da enunciação é o estudo do dito, do enunciado e pode ser entendida como um ponto de chegada para onde convergem diferentes teorias. Também “deve centrar-se no estudo das representações do sujeito que enuncia e não no próprio sujeito, objeto de outras áreas.” (FLORES; TEIXEIRA, 2008, p. 107). No que tange aos pressupostos da Linguística Enunciativa, juntamente com Cabral (2014, p. 160), defendemos que o trabalho do linguista da Enunciação consiste [...] no interesse em identificar como o sujeito se comporta frente a seu enunciado, comprometendo- se com ele ou dele se afastando, trabalho que realiza por meio do levantamento de marcas linguísticas e também no “reconhecimento dos índices linguísticos que instituem as relações entre os locutores e o enunciado e os interlocutores entre si”. Corroborando tal direcionamento, a respeito dos instrumentos de realização da enunciação, nos pressupostos benvenistianos, no Aparelho formal da enunciação, consideramos que, enquanto realização individual, a enunciação pode ser definida, em relação à língua, como um processo de apropriação pelo qual a língua é assumida pelo locutor para se propor como sujeito. O locutor se apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição de locutor52 por meio de índices específicos, de um lado e por meio de procedimentos acessórios, de outro. Nessa perspectiva, segundo Flores (2013), o locutor se apropria da língua, do sistema, para produzir, em atos singulares, um aparelho de enunciação que é, por sua vez, constituído 52 Consoante Flores (2013, p. 124), é indivíduo definido pela construção linguística particular de que ele se serve quando se enuncia. Essa construção linguística é constituída por indicadores como eu e tu, que não existem a não ser na medida em que são atualizados na instância de discurso, em que marcam para cada uma das suas próprias instâncias o processo de apropriação pelo locutor. (FLORES, 2013, p.124). 79 pelos índices específicos (categorias de pessoa, tempo e espaço) e pelos procedimentos acessórios (ligados à singularidade que cada enunciação evoca). Na enunciação, encontramos indicadores de subjetividade que são formas da língua cujo traço distintivo é o de se definirem somente com relação à instância de discurso na qual são produzidos. Pertencem a várias classes de palavras (pronomes, advérbios, verbos, entre outras) e de distribuem de acordo com a noção expressa: indicadores de pessoa, indicadores de tempo e indicadores de espaço (lugar). (FLORES, 2013, p. 124). Nesse sentido, concordamos que a língua oferece infinitas possibilidades de escolhas e combinações linguísticas, fazendo com que o locutor-enunciador primeiro (L1/E1) marque de alguma forma seu enunciado, manifestando a expressão de aproximação ou distanciamento do locutor frente ao conteúdo de seu enunciado, atestando ou não seu grau de adesão a ele, ou a (não) assunção da responsabilidade enunciativa no que tange ao conteúdo proposicional, de acordo com seus propósitos comunicativos, a fim de direcionar a orientação argumentativa do texto. Vê-se que Benveniste (1989) destaca a questão do sujeito constituído na linguagem e pela linguagem, na relação entre o eu-tu, afirmando que a linguagem é, portanto, a possibilidade da subjetividade, pelo fato de conter sempre as formas linguísticas apropriadas à sua expressão. De algum modo, a linguagem propõe formas vazias das quais cada locutor, no exercício do discurso, se apropria, fazendo sempre revelar sua pessoa e o outro na enunciação. Nesse viés de abordagem, algo que devemos considerar, segundo Cabral e Santos (2016), baseando-se nos pressupostos de Benveniste (1989), é a enunciação como uma instância inerente ao discurso, constituída em um contexto que possibilita e precede a comunicação, seja pela linguagem oral ou seja pela escrita. A enunciação perpassa a noção de pessoa, tempo e espaço e configura-se em três maneiras: (i) uma realização vocal, (ii) conversão da língua em discurso, (iii) o colocar em funcionamento a língua, de modo que, antes da enunciação, a língua não é senão possibilidade da língua. Depois da enunciação, a língua é “efetuada em uma instância de discurso, que emana de um locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita uma outra enunciação de retorno”. (BENVENISTE, 1989, p. 83-84). Desse modo, o enunciado é produto do processo da enunciação, tem existência em um dado momento e supõe a conversão individual da língua em discurso. 80 Seguindo um olhar enunciativo sobre o discurso, podemos formular que a teoria da enunciação benvenistiana é um campo fértil para fundamentar não só a relação da linguagem com a subjetividade, todavia a construção de recursos metodológicos que permitam investigar como a subjetividade se materializa linguisticamente no discurso (TEIXEIRA, 2012). Devemos mencionar que, segundo Cabral e Santos (2016, p. 28), a enunciação trata do processo pelo qual o indivíduo põe em uso o sistema linguístico. Sendo assim, considerando que os instrumentos da enunciação são as marcas da conversão individual da língua em discurso, admitimos que o sujeito necessariamente deixa suas marcas no enunciado; essa presença constitui o parâmetro para as condições necessárias de enunciação e para a construção dos sentidos do texto. São as escolhas em função de um querer dizer [...] que permitem a construção dos objetos de discurso. Dessa forma, o sujeito toma a língua como instrumento para realizar seus propósitos, insere-se no enunciado e constrói com ele objetos de discurso que instauram seus pontos de vista a respeito da realidade instaurada no discurso. (CABRAL; SANTOS, 2016, p. 28). Assim, a enunciação constitui o processo pelo qual o indivíduo coloca em funcionamento o sistema linguístico, ou seja, trata-se do ato de produção do enunciado e se manifesta por meio de textos. Dessa maneira, o enunciado é resultado do processo (CABRAL, 2010). Consoante os ensinamentos benvenistianos, destacamos que é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito. Desse modo, o sujeito que diz “eu” também constrói relativamente a “eu” uma representação, orientada argumentativamente em direção a um ponto de vista sobre “eu”, em relação a “tu” e em relação a “ele”. Assim, podemos concluir que “eu” constitui um objeto de discurso, construído no desenvolvimento da textualidade. Seguindo essa mesma linha, a linguagem é uma maneira de expressar a subjetividade, e o discurso provoca a emergência dessa subjetividade, cuja instalação cria a categoria da pessoa. O enunciador evoca para seu discurso muitos procedimentos para imprimir sua marca no enunciado, seja explicitamente, seja implicitamente, por meio de escolhas lexicais e sintáticas que atendem suas intenções. Por isso, concordamos com Kerbrat-Orecchioni (1980, 1997) a qual defende que as unidades lexicais são em si mesmas, em língua, carregadas de uma dose mais ou menos forte de subjetividade. Nessa perspectiva, “o estudo do texto inclui diversas categorias de fenômenos linguísticos que marcam atitudes do enunciador perante o que ele enuncia.” (CABRAL; SANTOS, 2016, p. 28-29). 81 Conforme observamos, o conceito de enunciação articula-se com uma concepção de linguagem marcada subjetivamente por meio de estratégias e marcas linguísticas, consoante os propósitos comunicativos. Nessa direção, Ducrot (1972, 1984 apud CABRAL & SANTOS, 2016, p. 29) afirma, porém, que o “sujeito enunciador, muitas vezes, se ‘esconde’ por detrás de falsa objetividade, utilizando-se dos pressupostos do enunciado, por exemplo, para mascarar a subjetividade”. Todavia, Kerbrat-Orecchioni (1980, 1997 apud CABRAL & SANTOS, 2016, p. 29) destaca que toda unidade lexical é subjetiva: por meio delas, damos sentido ao mundo, criamos uma realidade discursiva e interagimos com ela. Cabral e Santos (2016), aludindo aos pressupostos de Milner (2003) e evocando as considerações de Kerbrat-Orecchioni (1980, 1997), compreendem que os verbos são manifestações das ações dos objetos de discurso. As autoras citadas consideram os verbos como elementos cujos sentidos se agregam aos referentes ampliando os seus sentidos, o que confere aos verbos um lugar na construção dos objetos de discurso. Nesse sentido, o verbo é “uma das principais ferramentas para evidenciar uma atitude frente aos fatos enunciados e marcar intenções frente aos interlocutores. Eles permitem exprimir tanto opinião como julgamento e sentimento, marcando uma intenção de dizer”. (CABRAL; SANTOS, 2016, p. 37). No contexto da linguística brasileira, Flores e Teixeira (2009, p.144) elencam reflexões epistemológicas no que tange às semelhanças entre Bakhtin e Benveniste e ratificam a integração desses estudiosos ao campo da Linguística da Enunciação. Nessa direção, identificamos quatro questões observadas entre a visão bakhtiniana e benvenistiana: a) a referência (continuidade ou ruptura) à dicotomia saussuriana língua/fala e, por ela, ao quadro sistêmico-estrutural; b) a proposição de análise da linguagem do ponto de vista do sentido; c) a reflexão em torno de mecanismos de produção do sentido entendidos como marcas da enunciação com a elaboração explícita de uma teoria sobre o tema da enunciação; e d) a inserção do elemento subjetivo no âmbito dos estudos da linguagem. Flores e Teixeira (2009) aludem que integrar os estudos bakhtinianos ao campo da Linguística da Enunciação implica admitir que esse autor formula proposições que estão em consonância com os linguistas que desenvolvem uma perspectiva enunciativa de estudo da linguagem, tendo como foco a concepção dialógica de linguagem. Tais autores ratificam que o dialogismo é como um axioma da teoria bakhtiniana, que atravessa diferentes noções aí desenvolvidas: linguagem, palavra, signo ideológico, sujeito, estilo, compreensão etc. Tal axioma promove a enunciação como centro de referência do sentido dos fenômenos linguísticos, o evento que 82 institui o sujeito na interação viva com vozes sociais. Isto é, a perspectiva bakhtiniana não concebe o estudo da língua a não ser na enunciação. Assim, a enunciação é o operador que faz funcionar o axioma bakhtiniano. A noção de enunciação em Bakhtin é formulada a partir do questionamento da dicotomia língua e fala, presente em diversos textos, sob denominações diferentes. (FLORES E TEIXEIRA, 2009, p.147). A partir disso, reiteramos que os estudos enunciativos direcionam o olhar para as relações dialógicas do enunciado. Trata-se de questões que são articuladas ao estudo do PDV e da Responsabilidade Enunciativa. No que tange aos contributos ducrotianos, encontramos menção à enunciação a partir da Teoria Polifônica da Enunciação no âmbito da Argumentação na Língua. Nesses postulados teóricos, “a enunciação é definida como o surgimento do enunciado”. Tal visão propõe não um sujeito da linguagem, mas um eu locutor produtor de discurso para um tu interlocutor. Nessa perspectiva, o locutor marca sua posição no plano do discurso, argumentando em relação ao que está sendo dito. (BARBISAN, 2007, p. 33-34). Nesse contexto, é válido também explicitar o conceito de polifonia, já que a Responsabilidade Enunciativa, nosso foco de estudo, demanda fronteira com os termos de enunciação, polifonia, vozes, heterogeneidade da linguagem, dialogismo e subjetividade. Nesse viés, reportando-nos aos estudos de Lourenço (2013, p.63-64), destacamos que os textos circunscritos ao domínio jurídico não existem sem a fundamentação (fontes do direito) devida “e por esse motivo recorre a outros textos – intertextualidade, outros discursos – alteridade, e faz emergir outras vozes – das partes envolvidas, sentenças proferidas, dentre outras – configurando-se a polifonia”. Nos textos do domínio jurídico, a citação das fontes do direito53 servem para validar, fundamentar, sustentar e argumentar, tanto no texto petitório quanto no texto decisório. 53 Para Lourenço (2013, p.64), em conformidade com os estudos sobre o Código Penal, as fontes do direito / fontes jurídicas são concebidas como fontes produtivas da norma, ou seja, “são fatores sociais, históricos, religiosos, naturais, demográficos, polít icos, econômicos, morais, de época, etc., que dera m origem a um determinado ordenamento jurídico. Trata-se de um conjunto de valores e circunstâncias sociais que, constituindo o antecedente natural do direito, contribuem para a formação do conteúdo das normas jurídicas, sendo, as fontes do direito conhecimento necessário ao jurista para possibilitar a aplicação do direito, devendo estas serem observadas obrigatoriamente, a fim de respeitar os ditames do direito, a saber: i) Legislação - fonte primacial do direito, em virtude da maior certeza e segurança que ela carrega, já que devidamente escrita; ii) Jurisprudência - conjunto de reiteradas decisões dos tribunais sobre determinada matéria; iii) Costume - consiste na prática de uma determinada forma de conduta, repetida de maneira uniforme e constante pelos membros da comunidade; iv) Doutrina - consiste na exposição, explicação e sistematização do Direito, consubstanciada nas manifestaçõ es dos estudiosos, jurisperitos ou jurisconsultos, através de tratados, livros didáticos, monografias, conferências, etc. A doutrina é resultado do estudo que pensadores – juristas e filósofos do direito – fazem a respeito do direito; v) Analogia - fazer uso da analogia significa aplicar ao caso em concreto uma solução já aplicada a um caso semelhante; vi) Princíp ios Gerais de Direito - são postulados que procuram fundamentar todo o sistema jurídico, não tendo necessariamente uma correspondência positivada equivalente. São ideias jurídicas gerais que 83 Enfim, considerando as discussões empreendidas, nesta seção, passemos para o estudo da RE e as acepções que abrigam e se (inter)relacionam com ATD e a LE, com foco na construção textual-enunciativa do PDV e da RE. 1.4 POSTULADOS DA ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS O linguista francês Jean-Michel Adam (2011) elaborou uma perspectiva teórico- metodológica denominada de “Análise Textual dos Discursos”, cujo interesse se volta para a análise co(n)textual dos sentidos de textos concretos. Apresentamos essa abordagem ao longo deste tópico e que fundamenta teoricamente nosso estudo. De modo específico, o quadro teórico que dá suporte às análises, nesta tese, insere-se na abordagem teórica da análise textual dos discursos – doravante ATD (ADAM, 2011, p. 52) – em confluência com teóricos dedicados aos estudos da Linguística da Enunciação (RABATEL, 2008, dentre outros) a partir de uma visão da abordagem enunciativa da argumentação, bem como a partir dos estudos da linguagem no viés bakhtiniano e sobre o Discurso jurídico, dentre outros. A ATD assume uma perspectiva de “posição construtivista” no sentido em que “ela define e explicita um número mínimo de operações enunciativas fundamentais que permitem passar das noções e dos esquemas abstratos da língua para as unidades observáveis nos textos” (ADAM, 2011, p. 65). Para analisar as unidades observáveis nos textos, adota uma abordagem teórica de conjunto com o recurso a empréstimos eventuais de conceitos de diferentes áreas das ciências da linguagem para a construção dos procedimentos metodológicos e constitutivos da Análise Textual dos Discursos. Para Adam (2011), a descrição de textos é algo complexo e por isso justifica a necessidade de uma teoria que, em diálogo com outras perspectivas, apresente um dispositivo teórico-metodológico que dê conta da complexidade desse objeto e de suas relações com o domínio mais vasto do discurso em geral. Na ATD, o texto é seu objeto de análise e não pode ser compreendido como um simples conjunto limitado de elementos léxico- lógico-gramaticais, pelo fato de ser um objeto complexo e multifacetado, plurissemiótico, constituído por aspectos linguísticos e discursivos múltiplos. sustentam, dão base ao ordenamento jurídico e não necessariamente precisam estar escritos para serem válidos; vii) Equidade - facu ldade que o magistrado possui de valer-se de seus próprios critérios de justiça, não estando vinculado a métodos de concepção e interpretação pré-estabelecidos. Atentem-se que o julgador deve sempre aplicar humanamente o direito, e decidir dentro dos limites da norma”. 84 Concordamos com o pensamento de Adam, de que o texto é, certamente, um objeto empírico tão complexo que sua descrição poderia justificar o recurso a diferentes teorias, mas é de uma teoria desse objeto e de suas relações com o domínio mais vasto do discurso em geral que temos necessidade, para dar aos empréstimos eventuais de conceitos das diferentes ciências da linguagem, um novo quadro e uma indispensável coerência. (ADAM, 2011, p. 25). Entendemos os textos como construtos históricos e linguísticos e enquanto tais devem ser estudados nas relações com o domínio mais vasto do discurso, uma vez que texto e discurso constituem duas faces complementares de análise tomado pela Linguística Textual – a qual privilegia a organização dos fatores de textualidade (coesão, coerência, contexto) – e pela Análise do Discurso – mais atenta ao contexto da interação verbal e às condições de produção. Em diálogo com os estudos adamianos, ressaltamos que, no âmbito dos estudos discursivo-textuais, “a argumentação não pode ser estudada em textos abstratos, objeto teórico das gramáticas de textos tradicionais [...] mas em textos empíricos”. Textos inseridos em determinado discurso/ atividade de linguagem/ esfera de comunicação e que “são construídos a partir da mobilização de recursos lexicais e sintáticos de uma língua natural”. (PINTO, 2010, p. 15). Desde seu surgimento, no âmbito dos estudos da Linguística no Brasil, várias concepções foram articuladas no interior do campo teórico da ATD. Ressaltamos que muitas delas foram oriundas de enfoques distintos, mas que em alguns momentos se cruzam, conforme observamos nos pressupostos sobre a Responsabilidade enunciativa, a Polifonia, a construção textual do Ponto de Vista e a Orientação Argumentativa. Nesse sentido, vale destacar ainda que a organização do modelo de Adam (2011, 2012), em oito níveis de análise não é circunstancial, porém justifica-se, por razões teóricas e por razões didático-metodológicas. Na perspectiva da ATD, como dito, o texto é entendido como um objeto complexo e dado o seu caráter multifacetado, o autor propõe que em cada um dos níveis propostos, o texto pode ser analisado a partir de pontos de vista de vertentes teórico-metodológicas distintas. Nessa perspectiva, a ATD é concebida como um modelo teórico particular. Tal direcionamento é ratificado, nas palavras de Adam (2012, p. 192-193), com base em razões teóricas, metodológicas e didáticas que fundamentam seu modelo de análise, destacando que a respeito das razões teóricas deve-se considerar que existem teorias parciais pertinentes nos 85 diferentes níveis. Já no que concerne às razões metodológicas e didáticas , deve-se considerar a complexidade do objeto de estudo, pois é necessário dividir metodologicamente e distinguir o momento da análise e o momento da teorização. Para o autor, cada nível é um momento de análise, uma unidade de pesquisa e de ensino (esse é um aspecto didático que o autor vê como mais importante) ligado aos outros, mas suficientemente distintos para formar um todo. Para esse referido autor, um texto pode ser descrito usando apenas um nível de análise, usando a teoria pertinente de cada nível, considerando o texto como um objeto de alta complexidade na organização linguístico-textual, que requer uma descrição de uma teoria mais vasta. Depreende-se, portanto, que a ATD é definida, consoante Adam (2011), como um campo originado da aproximação entre os domínios teóricos distintos, a Linguística Textual – LT e a Análise do Discurso – AD em diálogo com as teorias enunciativas, visando fundar um quadro teórico para a análise textual com foco na teorização do texto e suas operações de textualização, articulando texto e discurso no âmbito dos estudos linguísticos, trazendo à tona uma teoria do texto com um conjunto de categorias descritivas de dimensão teórico-prática em diálogo com a LT e outras teorias, com um tratamento discursivo de suas categorias, mas sem se desvencilhar do material linguístico que tange à estrutura textual (BERNARDINO, 2015). Para essa empreitada, com foco na análise de textos empíricos, Adam (2011) apresenta oito níveis, conforme apresentamos no esquema a seguir, a saber: ação (n1), interação social (n2), formação sociodiscursiva (n3), textura (n4), estrutura composicional (n5), semântica (n6), enunciação (n7) e atos de discurso (n8). No esquema 4, Adam (2011) sintetiza e detalha os planos e níveis de análise textual e de discurso, de acordo com a reprodução a seguir: 86 Figura 7 – Níveis de análise de discurso e de análise de texto Fonte: Adam (2011, p. 61, com destaques da autora). Em nossa pesquisa, dentre os níveis propostos pelo autor para a análise textual do discurso jurídico, apresentados no esquema 4 da obra de Adam (2011), a fim de explorar o gênero sentença judicial condenatória, dedicar-nos-emos aos níveis 7 e 8, respectivamente enunciação e orientação argumentativa. Em nossa análise também contextualizaremos, ainda que de modo não tão aprofundado, o plano de texto (nível 5) do gênero em tela. Do esquema acima entendemos que todo ato de linguagem (nível um) visa a uma ação a se projetar sobre interlocutores em interação social, ou seja, esse ato se realiza com base em objetivos (pré)determinados pelo locutor (finalidades), em uma situação de interação social (nível dois) e numa formação discursiva dada (aquilo que pode ser dito naquela situação – nível três), utilizando o dialeto social em uma dada língua dessa formação e no seio das relações interdiscursivas, com a intermediação de um gênero do discurso. O texto, que pode advir de mais de um gênero, encorpa a ação visada pelo e no discurso, apresentando uma textura (proposições, enunciados e períodos), uma estrutura composicional formada pelas sequências e planos de texto (ADAM, 2011; BERNARDINO, 2015). 87 Assim, ratificamos que os textos que se estruturam a partir de proposições ou microunidades de sentido (nível quatro), sequências (descritiva, narrativa, dialogal, argumentativa e expositiva) e planos textuais (nível cinco), um conteúdo semântico (que constrói a representação discursiva), manifestando uma dimensão semântica (representação discursiva – nível seis), uma dimensão enunciativa (na qual se situa a responsabilidade enunciativa e a coesão polifônica – nível sete) e, também, uma força ilocucionária/dimensão argumentativa (responsável pelos atos de discurso e pela orientação argumentativa– nível oito). Como visto, Adam (2011), em sua obra de caráter introdutório sobre a ATD, reúne um conjunto vasto de noções teóricas, advindas de diversos enfoques54. O linguista citado discute e redefine conceitos, demonstrando a aplicabilidade na análise de textos concretos (BERNARDINO, 2015). A partir daí, Adam (2011, 2012) propõe uma base para o quadro metodológico da Análise Textual dos Discursos, considerando a natureza heterogênea e dialógica da linguagem, para sugerir uma análise textual que compreenda a análise dos discursos, resultado de uma interação social, de formações sociodiscursivas e interdiscursos, visando a um determinado objetivo. Texto e discurso, para a ATD, são dimensões complementares de um mesmo plano de análise. Para chegar ao texto, é preciso abranger o discurso e, na perspectiva do texto, várias abordagens podem ser feitas em função de uma orientação argumentativa. Entendemos que a ATD é uma abordagem teórica do estudo do texto e insere-se no âmbito teórico geral da Linguística Textual e tem como objetivo estudar a produção co(n)textual de sentido, fundamentada na análise de textos concretos através da esquematização de determinados planos ou níveis de análise linguística (RODRIGUES, PASSEGGI, SILVA NETO, 2010; PASSEGGI et al., 2010). Nessa perspectiva, a abordagem designada ATD encontra-se inserida no interior da Linguística Textual. Segundo Passeggi et al (2010), trata-se de uma abordagem teórica e descritiva do campo da LT, fundamentada em 54 Sob a luz desse campo relacional de teorias e áreas do conhecimento, para exemplificar, destacamos: o trabalho de análise com os níveis um e dois podem ser baseados nos estudos do interacionismo sóciodiscursivo desenvolvidos por Bronckart e por teorias da interação e da conversação. No que tange ao nível três, destaca -se a análise do objeto clássico da Análise de Discurso francesa de Michel Pêcheux. Vale mencionar que a teoria dos atos de fala ou atos ilocucionários (desenvolvida principalmente por John L. Austin) é tomada como a base do nível o ito. Mencionamos que a teoria das sequências textuais e dos planos de texto, desenvolvida pelo próprio Jean-Michel Adam, pode ser utilizada nos níveis de análise quatro e cinco. Elencamos ainda as teorias enunciativas baseadas nos pressupostos de Émile Benveniste e de Bakhtin, como também as teorias sobre ponto de vista e responsabilidade enunciativa de Alain Rabatel e Henning Nølke e Slakta Guentchéva, sobre o mediativo, as quais podem ser utilizadas no nível sete de análise. Por fim, anotamos os constructos sobre a argumentação, dentre eles os estudos da teoria da argumentação na linguagem, de Oswald Ducrot, que pode ser utilizada nos níveis seis e oito. 88 análises empíricas, com perspectivas para estudo mais abrangente do texto, em virtude de sua capacidade de abertura ao diálogo com outras teorias, para tratar o texto nos seus mais diversificados níveis, isto é, o texto articulado até ao seu funcionamento discursivo. Assim, apontamos o procedimento teórico e analítico proposto por Adam (2011) como um avanço da LT “em direção à compreensão de efeitos de sentido visados no/pelo discurso e, ao mesmo tempo, como a formulação de um novo paradigma teórico” (BERNARDINO, 2015, p. 30)55. Nessa perspectiva, a ATD encontra-se inserida no quadro mais vasto da análise das práticas discursivas e visa teorizar e descrever os encadeamentos de enunciados elementares no âmbito da unidade de grande complexidade que se constitui um texto (ADAM, 2011). Desse modo, pensamos também que sua filiação teórica advém de uma fundamentação de base semântico-pragmática, sociocognitiva e sociointeracionsita, assumindo e retomando, fortemente, o diálogo com a Linguística Enunciativa, especificamente com os estudos benvenistianos e os postulados bakhtinianos. A concepção de ação de linguagem, para a ATD, é contextualizada a elementos do discurso e do texto. Nessa perspectiva, Adam (2011, p. 63) afirma que: “toda a ação de linguagem inscreve-se [...] em um dado setor do espaço social, que deve ser pensado como uma formação sociodiscursiva, ou seja, como um lugar social associado a uma língua (socioleto) e a gêneros de discurso”. No esquema a seguir destacamos as dimensões que compõem a proposição-enunciado que é considerada por Adam (2011, 2012) como uma unidade textual mínima, a qual apresenta “três dimensões complementares” (ADAM, 2011, p.109): uma dimensão enunciativa, uma dimensão semântica e uma potencialidade argumentativa/um valor ilocucionário. Por questões metodológicas, apontamos que apenas uma dessas dimensões será o foco principal da nossa próxima seção. Adam (2011) faz uma apresentação triangular resumidora, mas não hierarquizada, dos três componentes da proposição-enunciado. Tendo como foco o esquema a seguir, observamos que Adam (2011) articula a RE e a OrArg (a responsabilidade enunciativa inseparável da orientação argumentativa), isto é, expõe que se encontram na atividade enunciativa e dela não se separam. Na figura 2, a seguir, observamos a articulação entre os dois níveis de análise em estudo. 55 BERNARDINO, R. A. S. A responsabilidade enunciativa em artigos científicos de pesquisadores iniciantes e contribuições para o ensino da produção textual na graduação. 2015. 286 f. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015. Disponível em:.Acesso em: 21 ago. 2016. 89 Figura 8 – As três dimensões da proposição-enunciado Fonte: Adaptado do esquema 10 de Adam (2011, p. 11). Desse modo, Adam (2011) atesta a relevância da proposição-enunciado e apresenta esse esquema, descrevendo que [...] toda representação discursiva (Rd) é a expressão de um ponto de vista (PdV) (relação [A] – [B] e que o valor ilocucionário derivado da orientação argumentativa é inseparável do vínculo entre o sentido de um enunciado e uma atividade enunciativa significante (relação [C1 – [B]). Enfim, o valor descritivo de um enunciado (A) só assume sentido na relação com o valor argumentativo desse enunciado (C1). O sentido de um enunciado (o dito) é inseparável de um dizer, isto é, de uma atividade enunciativa significante que o texto convida a (re)construir. (ADAM, 2011, p. 113). Como se observa no esquema acima, na proposta de Adam (2011, p. 109), a proposição-enunciado articula-se com três dimensões complementares, às quais se acrescenta o fato de que não existe enunciado isolado, único: “mesmo aparecendo isolado, um enunciado elementar liga-se a um ou a vários outros e convoca um ou vários outros em resposta ou como simples continuação”. Esquematicamente, a estrutura sintática da proposição-enunciado é expressa pela articulação entre um sintagma nominal e um sintagma verbal, o que nos permite compreendê- 90 la como uma unidade de predicação. As dimensões da proposição-enunciado são: a responsabilidade enunciativa, a representação discursiva e o valor ilocucionário (Or-Arg). Desse modo, notamos que todo enunciado mantém ligação com outros enunciados e/ou incita um ou mais enunciados como resposta ou como continuidade. A condição que liga os enunciados é, na maioria das vezes, determinada pela orientação argumentativa. Segundo Adam (2011, p. 109), as três dimensões de toda proposição-enunciado são: Uma dimensão enunciativa [B] que se encarrega da representação construída verbalmente de um conteúdo referencial [A] e dá- lhe uma certa potencialidade argumentativa [Or-Arg] que lhe confere uma força ou valor ilocucionário [C] mais ou menos identificável. Constatamos que, no esquema, a proposição-enunciado, encontra-se na posição central, pois é o alicerce onde três dimensões textuais56 se manifestam, a saber: semântica, enunciativa e argumentativa. Na dimensão semântica [A], está colocado o valor descritivo do enunciado. Através de atos de referenciação, são construídas no e pelo discurso representações discursivas de um locutor por um interlocutor (interpretante). Em tal dimensão está localizada a questão da avaliação do valor de verdade dos enunciados. Na dimensão enunciativa [B], a combinação de uma representação discursiva e de um ponto de vista superpõe-se à alternativa de condição de verdade e ficcionalidade: “um enunciado (uma representação discursiva) é posto como válido conforme o locutor e de acordo com seus interlocutores, [...] ou conforme a opinião comum” (ADAM, 2011, p. 111). A validade de um enunciado liga-se a uma representação discursiva e um ponto de vista que é um aspecto essencial de seu valor argumentativo e de seu valor ilocucionário [C]. Nesse esquema triangular, é preciso destacar que o autor não hierarquizou as três dimensões componentes da proposição-enunciado, mas situa a [A] e a [C] na mesma linha e põe a enunciação [B] em posição mediana entre as anteriores. Como se observa essas dimensões estão interligadas na proposição-enunciado. Frente a isso, compreendemos que a representação discursiva [A – N6], a responsabilidade enunciativa [B – N7] e o valor ilocucionário (OR-Arg – C – N8) são inseparáveis na constituição de uma proposição-enunciado. Na base desses níveis, situa-se uma série de noções teóricas advindas do diálogo estabelecido com as perspectivas enunciativa, discursiva e semântico-pragmática. 56 Nesta tese, afirmamos, consoante Pinto (2010, p.183), que o componente enunciativo exerce uma espécie de controle sobre o componente organizacional e estilístico, ao mes mo tempo em que “é condicionado por esses dois últimos”. A partir das imagens que o locutor quer construir de si que se desencadeia toda organização textual e os recursos verbais escolhidos textualmente. Na análise de nossos dados, verificamos que L1/E1, o ju iz, tem uma imagem de “ethos institucional”, muitas vezes no plano textual-enunciativo apresenta ser engajado, imparcial e racional (PINTO, 2010, p. 155). 91 Por tais questões, assumimos, aqui, a proposta adamiana e, por questões de delimitação e recorte teórico-metodológico, não analisaremos em nosso trabalho os três níveis da proposição-enunciado. Apresentamos, na seção a seguir, da responsabilidade enunciativa articulada, de forma breve, ao plano de texto, a enunciação e a orientação argumentativa. Portanto, a Análise Textual dos Discursos compreende uma abordagem teórica e descritiva da Linguística Textual – abordagem elaborada por Jean-Michel Adam (2011), a qual estabelece associação entre o texto e o discurso no sentido de pensá- los a partir de novas categorias que permitam compreender a Linguística Textual como perspectiva decididamente situada no “quadro mais amplo da análise do discurso”. (ADAM, 2011, p. 24). 1.5 REVISITAÇÃO TEÓRICA: GÊNERO DISCURSIVO/TEXTUAL É impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero (MARCUSCHI, 2005). A Linguística tem relações bastante estreitas com outras ciências, que tanto lhe tomam emprestados como lhe fornecem dados. (SAUSSURE, 1916). Os estudos sobre os gêneros no âmbito dos estudos Literários e textual-discursivo foi fundado com os postulados bakhtinianos. A partir dos estudos desses postulados, a acepção de gênero tem sido ligada às diversas expressões textuais de discurso falado ou escrito, com ou sem propósitos literários, inseridas nas mais diversas práticas. Por volta do final dos anos 70, com a divulgação do texto traduzido para a Língua Portuguesa sob o título Gêneros do discurso, de autoria do pesquisador russo Mikhail Bakhtin, revitalizou-se os estudos sobre os gêneros, especificamente no âmbito dos estudos da linguagem. Na contemporaneidade, variadas são as concepções teóricas que tratam sobre o gênero discursivo/textual e inúmeras as possibilidades de abordá- las, tanto no âmbito internacional quanto nacional. Ademais, diante da variedade de conceitos de gênero, nossa intenção em discuti- los não é esgotar o tema, pois isso seria impossível. Buscamos apenas situá- lo em um contexto que nos permita defini- lo para que possamos alcançar nossos objetivos na concretização desta pesquisa em articulação com os estudos de Adam (2011) e de Rabatel (2016). 92 Os postulados bakhtinianos encontram-se ancorados em uma perspectiva dialógica da linguagem e são situados dentro de um quadro teórico no qual se considera o propósito comunicativo da linguagem. É reconhecendo a existência de um vínculo entre a atividade humana e o uso da linguagem que Bakhtin (1992) diz que a utilização da língua pelos falantes é feita por meio de enunciados orais ou escritos, concretos e únicos, que atendem condições e finalidades específicas, que estão ligadas à temática, à composição e ao estilo. Segundo esse autor (2003), há três dimensões essenciais e indissociáveis dos gêneros do discurso, a saber: tema, forma composicional e estilo. O tema define-se como o assunto de que vai tratar o enunciado em questão, a mensagem transmitida; já a forma composicional alude à estrutura formal propriamente dita; e, por fim, o estilo leva em conta questões individuais de seleção e de opção: vocabulário, estruturas frasais e preferências gramaticais. Portanto, os enunciados pertencem a determinada esfera da atividade humana, são devidamente localizados em um tempo e em um espaço (condição sócio-histórica) e dependem de um conjunto de participantes e, consequentemente, de suas vontades enunciativas ou intenções. O gênero discursivo é um dispositivo de linguagem instituído sócio-historicamente. Para exemplificar, citaremos as palavras do autor de que “cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciado”. (BAKHTIN, 2003, p. 262). Assim, Bakhtin (2003) assume que a utilização da língua se concretiza por meio dos gêneros do discurso produzidos nas mais diversas esferas da atividade humana. No seu artigo intitulado Os gêneros do discurso, Bakhtin (2003) afirma que para definir os gêneros do discurso é preciso destacar as esferas da atividade humana (tais como a jurídica, a política, a familiar, a acadêmica etc.). Considera, ainda, a noção de gênero, postulando que cada esfera de atividade humana reflete finalidades e condições específicas que determinam a geração do enunciado. O autor complementa seu pensamento explicitando que os gêneros discursivos são divididos em duas categorias: primários e secundários. Os gêneros primários são textos da comunicação verbal espontânea, simples, como diálogos orais, bilhetes, cartas etc. Já os gêneros secundários são textos mais complexos, surgem de uma comunicação mais elaborada, normalmente escrita, de teor mais complexo, como teses, dissertações, monografias etc. Nessa perspectiva, nosso estudo centra-se em um gênero discursivo secundário, a saber, a sentença judicial condenatória. 93 No campo dos estudos bakhtinianos sobre os gêneros, encontramos a abordagem de que os gêneros do discurso são infinitos, dada à diversidade das atividades humanas e o processo de desenvolvimento pelo qual essa atividade passa ao longo da história. Os gêneros discursivos, por conseguinte, são tipos relativamente estáveis de enunciados e extrapolam o limite frasal, para além da composição de estilo (linguagem) e estruturação peculiares (forma e conteúdo), uma vez que surgem em função das necessidades de uso da linguagem em práticas sociais. Assim, os gêneros discursivos são maneiras de dizer sócio-historicamente constituídas. Para elucidar tais maneiras de dizer, é preciso levar em consideração o contexto de produção, o meio de circulação e recepção do gênero, isto é, saber a que esfera de atividade humana os enunciados pertencem. Asseveramos ainda que os gêneros discursivos são formas de comunicação social e integradas em práticas discursivas reguladas socialmente. Podemos considerar que os gêneros, na visão bakhtiniana, apresentam uma espécie de componente estática e dinâmica. No que tange ao caráter estático, trata-se da “herança genética”: existem formas de enunciados (estruturas linguísticas) típicas de determinado gênero e que são transmitidos ao longo da sua história. No que concerne à dinamicidade, relaciona-se com as questões do contexto sócio-político-histórico em que estão inseridos; quanto ao aspecto estilístico, é característico de um gênero inserido em uma determinada esfera da atividade humana (PINTO, 2010). Pinto (2010) ratifica que são três elementos básicos que constituem os gêneros na visão bakhtiniana: o tema, as unidades composicionais e o estilo. No entanto, a autora crescenta a noção de dialogismo57, por considerá-la relevante, pois “as produções discursivas são constituídas por enunciados que dialogam com os que precedem e o sucedem numa relação dialógica” (PINTO, 2010, p.101). No âmbito dos estudos brasileiros, seguindo a perspectiva bakthiniana, do gênero discursivo como prática sócio-histórica, o linguista brasileiro Marcuschi (2005, p. 19) desenvolveu profícuo trabalho sobre o tema, destacando o caráter coletivo dessas entidades sócio-discursivas cuja função é fundamentalmente “ordenar e estabilizar as atividades comunicativas” cotidianas. Para esse autor, “os gêneros são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social [...]. São entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa” (2005, p. 19). 94 Nessa direção, os gêneros constituem-se como ações sócio-discursivas, para agir sobre o mundo e também dizer o mundo. Marcuschi (2005) reafirma a maleabilidade e dinamismo dos gêneros, posto serem frutos das necessidades socioculturais. Esse autor considera ainda que, “quando utilizamos um gênero textual, estamos usando uma maneira de realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares” (MARCUSCHI, 2008, p.154). Cabe acrescentar mais uma definição, de um termo cunhado por esse autor, que, de certa forma, resume, de forma ampla, sua visão teórica, na qual afirma que os gêneros se caracterizam “muito mais por suas funções comunicativas cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais” (2005, p. 20). No entanto, alguns gêneros não só guardam como também reforçam tais peculiaridades, tendo em vista possuírem fortes marcas enunciativas. Esse é o caso do gênero sentença judicial. Na perspectiva dos estudos linguísticos a qual afirma que a LT não pode ser considerada autônoma em relação ao estudo das condições de produção, Adam (2001, 2004, 2011), a partir dos estudos bakhtinianos, considera que os gêneros possuem determinadas regularidades que podem ser observadas a partir da prática sóciodiscursiva em que se inserem. Os gêneros são práticas sociais codificadas as quais são inseridas dentro de determinadas formações discursivas. Adam (2001, 2004, 2011) foca na codificação linguística da composição textual, priorizando a dimensão textual articulada às condições sócio-históricas de produção dos enunciados. Pinto (2010, p. 138), ao retomar os estudos adamianos, elenca os 8 constituintes do gênero do discurso, a saber: componente semântico (base temática); componente enunciativo (grau de tomada de posição em relação aos enunciados e implicação dos coenunciadores; componente pragmático (finalidades/intenções comunicativas); componente estilístico e fraseológico (textura micro- linguística); componente composicional (plano de texto, sequências); componente material (suporte, comprimento, tipografia); componente peritextual (fronteiras do texto) e componente metatextual (discurso sobre o gênero característica da formação e das teorias sobre o gênero em questão). Adam (2004) considera que os textos são submetidos a diversas coerções, a saber: i) discursivas (práticas discursivas determinadas historicamente e socialmente e das questões relativas ao gênero; ii) textuais (relacionadas aos planos de organização textual que produzem um fenômeno heterogêneo) e iii) locais (condicionadas por questões morfossintáticas, lexicais e fonológicas da língua particular que o texto se realiza. (PINTO, 2010, p. 137). 95 Baseando-se em Rojo (2005)58, Bezerril et al (2014) sistematiza e propõe o quadro- síntese delineando a distinção entre as abordagens que tratam de: gêneros discursivos ou textuais. Quadro 2 – Estudos sobre os gêneros em diferentes perspectivas discursivo-textuais Fonte: Bezerril et al. (2014, p.36) Por fim, em conformidade com Rojo (2005), esclarecemos que os estudos sobre os gêneros podem ser divididos em 58 ROJO, R. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. 96 duas vertentes metateoricamente diferentes – que, daqui por diante, denominarei teoria de gêneros do discurso ou discursivos e teoria de gêneros de texto ou textuais. Ambas as vertentes encontravam-se enraizadas em diferentes releituras da herança bakhtiniana, sendo que a primeira – teoria dos gêneros do discurso – centrava-se sobretudo no estudo das situações de produção dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio- históricos e a segunda – teoria dos gêneros de texto –, na descrição da materialidade textual. No primeiro caso, os autores de referência eram, em geral, o próprio Bakhtin e seu Círculo, além de comentadores como Holquist, Silvestre e Blank, Brait, Faraco, Tezza, Castro, etc. No segundo, os autores de referência eram, em geral, Bronckart e Adam. Entretanto, como aparato teórico para a descrição específica de exemplares nos gêneros, ambas as vertentes muitas vezes recorriam a um conjunto de autores comuns, tais como Charaudeau, Maingueneau, Kerbrait-Orecchioni, Authier-Revuz, Ducrot, Bronckart et al (1985), Bronckart (1997), Adam (1992). (ROJO, 2005, p. 185). A partir das reflexões dessa autora, no contexto dos estudos da Ciência das Linguagens, constatamos que alguns teóricos adotam a nomenclatura Gêneros textuais ou Gêneros de texto os quais centram sua abordagem do gênero na descrição da composição e da materialidade linguística; enquanto que a linha que utiliza a denominação Gêneros discursivos ou Gêneros do discurso focam em questões concernentes à situação de enunciação em seus aspectos sociais e históricos. Na mesma direção, Pinto (2010, p. 116), no âmbito da linguística dos gêneros, conclui que existem diferentes perspectivas discursivo-textuais em relação ao estudo dos gêneros, devido à complexidade do assunto. Alguns teóricos concentram-se numa ancoragem social e nas condições situacionais de produção dos gêneros, vertente dos linguistas da Análise do Discurso (Maingueneau e Charaudeau). Outros teóricos se concentram no desenvolvimento de trabalhos sobre textos, observando as regularidades composicionais ou aspectos enunciativos, como por exemplo, Adam (2001; 1991). Após a explanação dos conceitos gênero discursivo/textual e de sentença judicial e sua função social, passaremos à caracterização da estrutura composicional do plano de texto do gênero sentença judicial. Porém, antes de iniciarmos nossas análises acerca do plano de texto de nosso corpus, é relevante entendermos, num primeiro momento, o que vem a ser plano de texto na seção seguinte, em seguida, delinearemos a estrutura composicional da sentença condenatória de modo geral. 97 1.6 PLANO DE TEXTO: CONVENCIONAL OU OCASIONAL Charaudeau e Maingueneau (2008, p. 377) preconizam que o texto não é um amontoado, mas sim uma sequência ordenada e hierarquizada de enunciados, traduzidos por planos de textos que desempenham papel capital na composição macrotextual do sentido que corresponde àquilo que os antigos, no período da Retórica, classificavam como disposição. Para esses autores, a disposição é a parte da arte de escrever e da arte da oratória que regula a organização dos argumentos. Afirmam que o modelo retórico não dá conta da variedade dos planos de textos possíveis. Tais autores consideram ainda que o plano pode ser indicado explicitamente pela segmentação (subtítulos, mudanças de parágrafos, de capítulos, numeração dos assuntos, sumário) ou pode ser marcado em sua superfície. Preconizam que os planos se articulam com a interpretação, com foco na organização da estruturação do sentido, podendo ser de maneira mais explícita e ostensiva. Na mesma direção, Adam (2011) considera o plano de texto como elemento condicionado pelo gênero e pontua que a partir do plano de texto é possível fazer uma descrição da composição semântica do texto e descobrir seu sentido, pois “os planos de texto desempenham um papel fundamental na composição macrotextual do sentido”. (ADAM, 2011, p. 257). Os planos de texto: são responsáveis pela estrutura composicional do texto e caracterizam-se pela composição e organização textual. Dessa forma, os planos de textos são responsáveis pela estruturação global do texto, ou seja, a forma como se ordenam e se desenvolvem, de modo a fornecer ao leitor/ouvinte, elementos necessários para sua compreensão e interpretação. Os planos de textos podem ser convencionais (fixos), estabilizados pelo estado histórico de um gênero de discurso com estruturas mais fixas, clássicas, canônicas, institucionalizadas pelo domínio discursivo e com uma estrutura prototípica respaldada pela tradição; ou podem ser ocasionais, quando são deslocados em relação à história de um gênero, mais livres, maleáveis e dependentes das intenções do produtor textual. Desse modo, o autor distingue os planos de texto em convencional (fixo/rígido) e ocasional (fluido/flexível). Dos pressupostos de Adam (2011), entendemos, ainda, que o plano de texto é estudado em sua materialidade e encontra-se relacionado à textura (à segmentação de proposições, de enunciados e de períodos) e a estrutura composicional, que encadeiam o sentido do texto organizado argumentativamente, em função das intenções comunicativas, observando que estruturação interna considera o domínio discursivo. 98 No campo dos estudos linguísticos da Análise Textual dos Discursos, Adam (2011, p. 258) explica que os planos de texto caracterizam-se pela composição e organização textual. De um modo esquemático, “eles permitem construir (na produção) e reconstruir (na leitura ou na escuta) a organização global de um texto, prescrita por um gênero”. Nesse sentido, os planos de textos são responsáveis pela estruturação global do texto, pela forma como se ordenam e se desenvolvem, de modo a fornecer ao leitor/ouvinte, elementos necessários para sua compreensão e interpretação, “sobretudo nos casos em que os encadeamentos de proposição ou períodos não chegam a formar claramente sequências”. (PASSEGGI et al., 2010, p. 297). No entendimento de Adam (2011), os planos de texto desempenham um papel capital na composição macrotextual do sentido, uma vez que os planos de texto abarcam blocos de texto formados pelas sequências e estabelecem a organização global prescrita por um gênero. Dessa forma, eles são o principal fato unificador da estrutura composicional e sentido do texto. Considerando essa perspectiva adamiana apresentada atualmente pela Linguística de Texto e pela ATD, concordamos que os planos de texto estão, do mesmo modo que os gêneros, disponíveis no sistema de conhecimento dos grupos sociais nas mais diversas situações de comunicação humana. Eles fazem, portanto, parte dos conhecimentos prévios do leitor, atuando na construção dos sentidos de um texto, conforme a situação enunciativa na qual circulam. Por esse motivo, no âmbito dos estudos sobre o gênero no Brasil, Marcuschi (2008, p. 72) considera a importância de considerar o objetivo dos interlocutores e o contexto sociocognitivo, afirmando que o [...] texto é o resultado de uma ação linguística cujas fronteiras são, em geral, definidas por seus vínculos com o mundo no qual ele surge e funciona. Esse fenômeno não é apenas uma extensão da frase, mas uma entidade teoricamente nova. [...] falamos de texto como um evento que atualiza sentidos e não como uma entidade que porta sentidos na independência de seus leitores. Por isso, para Adam (200459, 2011), a (re)construção do texto e de suas de partes ou segmentos que correspondem ou ultrapassam os níveis do período e da sequência é uma “atividade cognitiva fundamental que permite a compreensão de um texto e, para isso, 59 ADAM, J. M. Une approche textuelle de l'argumentation: "schéma", séquence et phrase périodique. In: DOURY M; MOIRAND, S (eds.) L'Argumentation aujourd'hui. Paris: Presses de la Sorbonne Nouvelle, 2004, p. 77-102. 99 mobiliza todas as informações linguísticas de superfície disponíveis” (ADAM, 2011, p. 263). Nesse sentido, os planos de textos são as diferentes possibilidades de estruturação do texto que dispomos no uso da linguagem, para a interação humana, de acordo com as nossas necessidades sociais e discursivas. Assim, ainda conforme Adam (2011), os planos de texto, ao explicitarem a estrutura global do texto, a forma como os parágrafos se organizam, a ordem em que as palavras se apresentam, podem fornecer os elementos necessários à compreensão da produção de determinado texto, uma vez que o leitor lançará mão de seus conhecimentos linguísticos e textuais para a percepção-elaboração da referida estrutura global. Assim, ratificamos que o plano de texto pode ser elaborado em função das intenções comunicativas, em conformidade com o domínio discursivo que o gênero se encontra inserido. Para o linguista da ATD, os planos de texto podem ser mais ou menos marcados, mais ou menos visíveis e legíveis, seja pela segmentação seja pelos anúncios de temas e subtemas, ou ainda pelas mudanças de tópico, pelas reformulações e pela articulação dos organizadores textuais. Outra característica importante dos planos de textos é a que eles permitem a junção de partes multiperiódicas ou multissequenciais mais complexas, na medida em que possuem uma homogeneidade semântica interna. Em Adam (2011, p. 258), encontramos o plano de texto como principal fator unificador da estrutura composicional e sendo fundamental para a organização estrutural interna do texto. Segundo o referido autor, os planos de texto convencionais são fixados “pelo estado histórico de um gênero ou subgênero de discurso” (ADAM, 2011, p. 258) e correspondem às constantes composicionais de gêneros discursivos. Como é o caso do gênero sentença judicial. Já o plano de texto do tipo ocasional é “inesperado, deslocado em relação a um gênero ou subgênero de discurso” (Idem, Ibid., p.258), como também são dependentes, em maior grau, de decisões do produtor textual. Os exemplos elencados por Adam (2011) são: a canção, o anúncio publicitário, dentre outros. No entendimento de Passeggi et al. (2010, p. 297), os planos de texto ocasionais “são mais abertos e flexíveis e [...] com frequência, fogem à estruturação clara de um gênero ou subgênero do discurso.” Em suma, os planos convencionais são estruturas mais fixas, clássicas, canônicas e com uma estrutura prototípica respaldada pela tradição, enquanto os planos ocasionais são mais livres e flexíveis. O esquema a seguir, de forma sumária, reproduz a subdivisão dos tipos de plano de texto, baseado em Adam (2011), Pinto (2010, 2014) Passeggi et al (2010) e Marquesi (2016). 100 Figura 9 – Tipos de plano de texto Fonte: Elaboração própria baseada em Adam (2011), Pinto (2010, 2014), Passeggi et al (2010) e Marquesi (2016) Portanto, o plano de texto é fator unificador da estrutura composicional, bem como desempenha um papel fundamental na composição macrotextual dos sentidos e está, juntamente com os gêneros, disponível no sistema de conhecimentos dos grupos sociais. Ele permite construir (na produção) e reconstruir (na leitura ou na escrita) a organização global de um texto, prescrita por um gênero. Nessa direção, vale mencionar os contributos teóricos de Coutinho (2005 apud PINTO, 2010) sobre o plano de texto, no âmbito de uma perspectiva textual, para quem, cada gênero, no interior do discurso em que se integra, seleciona e faz a gerência dos recursos disponíveis, tendo no texto concreto a escolha entre reprodução e inovação do gênero (ou entre um grau maior ou menor de forte reprodução ou de inovação). Concluímos, de acordo com Marquesi (2016, p. 116), que, na perspectiva da análise textual dos discursos, o plano de texto é responsável por “organizar as sequências textuais e as informações para que as intenções de produção sejam atendidas e materializadas”. 101 1.7 PLANO DE TEXTO DA SENTENÇA JUDICIAL CONDENATÓRIA O Código de Processo Civil, no seu art. 162 §1º, define sentença como [...] ato pelo qual o juiz põe termo ao processo decidindo ou não o mérito da causa, daí porque existem dois tipos de sentenças – uma que decide o mérito, apreciando o pedido, e outra que põe fim no processo sem análise do mérito. Calderaro (2008, p.1) afirma que a sentença60, ou decisão jurisdicional, é o ato pelo qual o juiz soluciona a controvérsia que lhe é submetida. No caso específico da sentença penal, é a realização institucional do Estado de poder-dever de aplicar a sanção penal, correspondente à conduta delituosa. Desse modo, é concebido como o instrumento para a concretização do poder punitivo do Estado, com vistas a proteger os bens jurídicos eleitos pelo legislador, a fim de garantir as necessidades humanas e o direcionamento social, a paz e a harmonia, por meio da sanção dada pela sentença, quando a norma penal é violada e o Estado, representado pelo juiz, passa a ter o direito institucionalmente instituído de efetivar a punição. Corroborando tal perspectiva, Capez (2012, p. 527) afirma que a sentença é considerada “uma manifestação intelectual lógica e formal emitida pelo Estado, por meio dos seus órgãos jurisdicionais, com a finalidade de encerrar um conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida, mediante a aplicação do ordenamento legal ao caso concreto”. No seu processo de produção, a sentença judicial se constrói por meio de objetos de discurso marcados pela intenção argumentativa, que se concretiza através de escolhas linguísticas subjetivas. Nessa direção, diante dos conflitos de interesses, o discurso da sentença é argumentativamente orientado, por isso assumimos o posicionamento de Reis e Gonçalves (2014, p.13), sobre os propósitos da sentença no jogo argumentativo para a resolução do conflito de interesse, os quais explicam que o [...] Estado, ente soberano que é, tem o poder genérico de punir pessoas que cometem infrações penais. Assim, no exato instante em que é cometida a infração, esse poder deixa de ser genérico e se torna concreto. Surge, portanto, um conflito de interesse: de um lado o Estado pretendendo punir o agente (pretensão punitiva), de outro o autor do ilícito exercendo o direito da defesa constitucionalmente consagrado. O Estado, então, para fazer prevalecer sua pretensão, deve procurar o Poder Judiciário (estado-juiz), formular uma acusação e provar a autoria e materialidade do delito. O juiz, ao final, solucionará o conflito de interesse, dizendo se procede ou não 60 Etimologicamente, a origem da palavra sentença vem do latim: “sentire” - no sentido do juiz declarar o que sente. Também tem origem da palavra latina: “decadere” - no sentido de cortar o nó ou de acabar controvérsia. 102 procede a pretensão punitiva estatal. Na hipótese afirmativa, deverá fixar uma pena a ser cumprida pelo condenado. Corroborando o repertório conceitual exposto acima, Noronha (2000) afirma que a sentença apresenta um resultado determinado, concreto e final da jurisdição. Nesse sentido, esse autor ratifica que [...] não é um puro e simples mecanismo de lógica jurídica, senão operação humana em que o juiz não pressupõe exclusivamente a norma preexistente, senão a valoração dos conteúdos humanos embutidos nos fatos controvertidos, geradores do conflito postos sob a ótica do magistrado. Decide-se este, como homem de saber, de vontade e de autoridade, exercitando em seu mais profundo significado os dotes de inteligência e moral de que se encontra exornado. (NORONHA, 2000, p. 34) 61 . Em consonância com os autores, Alvim (1999)62 acrescenta que “a sentença é, dos atos do juiz, o mais importante e o de maior relevância, porque coroa todo o procedimento, constituindo-se no último ato, com o qual o juiz termina o ofício jurisdicional” (Ibid., p. 251). Dessa maneira, compreendemos que a sentença é caracterizada por ser um ato praticado somente pelo juiz, que tem autoridade investida no poder da lei e no “poder- fazer” e “poder- dizer” condizentes com as regras do sistema e dos preceitos normativos (BITTAR, 2015, p.207), cujo objetivo é pôr fim nas lides judiciais, em busca de comandar condutas sociais e acondicionar decisões. No contexto enunciativo, o julgador passa a ser o enunciador ou locutor-enunciador primeiro, os demais participantes das lides são chamados de coenunciadores ou enunciadores segundos (2). Salientamos, ainda, o entendimento de Couture (1966)63, que considera a sentença como um fato jurídico e como documento formado por um raciocínio crítico, mediante o qual o órgão do Poder judiciário elege, entre as razões do autor e do réu (ou, até mesmo, de um terceiro), a solução que lhe parecer mais ajustada ao direito e à justiça. Na visão de Rodriguez (2005, p.255-256), a sentença é discurso decisório, pois quem julga decide, por isso é concebida como espaço da argumentação jurídica. Para esse autor, quando o juiz fundamenta, explica seu próprio raciocínio segundo as provas apresentadas, os motivos que o levaram a decidir, ao passo que quem argumenta, além de constituir um raciocínio logicamente aceitável e 61 NORONHA, C. S. Sentença civil : perfil h istórico-dogmático. São Pau lo: Revista dos Tribunais, 2000. 62 ALVIM, J. E. C. Elementos de teoria geral do processo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 163-249. 63 COUTURE, E. J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1966, p.155. 103 persuasivo, preocupa-se em enunciá-lo com elementos linguísticos, de conteúdo e de forma, que facilitem a aceitação do interlocutor sobre a tese que procura fazer valer. Embora possa ser proferida oralmente em audiências judiciais, a sentença sempre será registrada por escrito para ser acostada aos autos do processo. Em vista dessas afirmações, concluímos que a sentença judicial é um texto escrito e o papel timbrado produzido nos fóruns e tribunais é seu suporte textual. Dependendo da área, é um texto de domínio público, sendo um documento indispensável nos trâmites de conclusão do processo. No entanto, processos que correm em segredo de justiça, como é o caso dos que tratam de violência contra crianças e adolescentes, as sentenças, assim como todos os autos, ficam em sigilo, visando preservar a imagem da vítima. Uma das características de qualquer gênero discursivo/textual é a forma como o texto é marcado pelo seu plano de texto, isto é, certos gêneros tendem a ser identificados a partir do seu plano e da sua composição, sendo reconhecíveis pelos usuários de uma língua e mais ainda por aqueles que utilizam tais gêneros. Assim, o gênero é reconhecido pelos seus aspectos socioculturais, bem como linguístico-textuais e discursivos. Portanto, aprendemos que certos textos se estruturam e são reconhecidos de acordo com certos planos de texto. Com base na legislação brasileira, a sentença judicial é definida conforme o artigo 162, § 1º, do Código de Processo Civil Brasileiro (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973)64. A sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 da citada Lei. Já no processo penal, sentença é o ato do juiz pelo qual decide pela condenação ou absolvição do acusado (sentença absolutória e sentença condenatória). Durante o julgamento, quando a sentença for proferida verbalmente, o taquígrafo ou o datilógrafo a regis trará, para, em seguida, submeter aos juízes para revisão e posterior assinatura. No que tange à estrutura composicional do gênero sentença judicial, para que ela tenha seus efeitos jurídicos e legais, é necessário que contenha certos requisitos, todos eles determinados pelo Código de Processo Civil65 (doravante CPC), em especial o que rezam os 64 BRASIL. CÓDIGO CIVIL. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso 10 ju l. 2016. 65 Por questões de recorte temporal e metodológico, em nosso trabalho, focamos no antigo CPP, pois o nosso corpus segue a estrutura da legislação anterior. Desconsideramos em nossa análise as orientações da Lei 13.105 de 16 de março de 2015, atual Código do Processo Civil. Não identificamos no plano de texto da sentença em estudo as observações elencadas por Leite (2015) no que diz respeito às mudanças ocorridas no Novo Código de Processo Civil. Conferir: LEITE, G. Esclarecimentos sobre a sentença em face do Novo Código de Processo Civil Brasileiro. 2015. Disponível em:. Acesso 20 ago. 2016. 104 arts. 267 e 269, assim como também o artigo 458 do mesmo CPC. Seguindo tais normativas legais, o magistrado juiz dará o veredicto e/ou decisão sobre a espécie submetida a seu julgamento, para que tenha seus efeitos sociais, a fim de garantir a tutela dos “bens jurídicos” do cidadão brasileiro. Vale ressaltar que a falta de um dos componentes requisitados essencialmente pelo Código supracitado pode tornar a sentença nula ou sem efeito, conforme dispõe o art. 564, IV do CPP, “A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: [...] IV – por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato” (Cf. CPP, art. 564). O Código do Processo Civil, em seu art. 458, apresenta requisitos essenciais da sentença textual que se subdividem em: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem. As sentenças devem ser proferidas (prolatadas) com observância aos requisitos essenciais como a presença nos autos de: a) Relatório: é a primeira parte da estrutura das sentenças, no qual se considera os fatos alegados pelas partes e também as razões jurídicas apresentadas, as provas produzidas, as propostas conciliatórias, as razões finais e os eventuais incidentes verificados. Essa parte conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo. É considerada a síntese do processo, isto é, é nessa parte do documento que o juiz expõe, de forma resumida, todas as informações que originaram o processo. Nas palavras de Capez (2012, p. 529), o relatório “é um resumo histórico do que ocorreu nos autos de sua marcha processual”. Nessa parte da sentença, o juiz narra, sucintamente, os fatos e a cronologia dos atos que se sucederam do princípio do processo até a decisão final, evitando emitir juízos de valor, devendo ser imparcial e objetivo, podendo elencar argumentos emitidos pelas partes. b) Os fundamentos: são os dispositivos, em que o juiz resolve as questões que as partes lhe submeterem. A fundamentação na sentença deixa perceptível como o juiz formou 105 seu convencimento jurídico sobre os fatos narrados pelos litigantes, visando permitir que a parte vencida possa conhecer as razões jurídicas pelas quais o juízo não acolheu as suas pretensões. Como parte da instrução do processo, é na Fundamentação que o magistrado apresenta soluções para questões postas, a partir das provas produzidas pelas partes, bem como analisa a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos atos normativos. Nessa parte da sentença, são expostos os fundamentos que de fato e de direito irão sustentar o decisum do julgado. Acrescentamos que, nas palavras de Sytia (1995), a decisão é fundamentada sob os princípios de ordem pública através do processamento dos princípios de ordem judicial, a fim de manter o equilíbrio social. Vale ressaltar que, caso não seja proferida a fundamentação na sentença, esta torna-se nula, sendo considerada arbitrária. c) O dispositivo: É a parte final da sentença que incide diretamente à coisa julgada e seus respectivos efeitos, é o aceite ou a rejeição, do pedido do autor. É a parte vista como a concretização dos atos do juiz. Desse modo, a sentença judicial caracteriza-se por ter uma estrutura formal, institucional e dividida em três partes, quais sejam: relatório, fundamentação e decisão. Se não contiver essa estrutura, sua validade e eficácia ficam prejudicadas. De acordo com o art. 381 do Código de Processo Penal, a sentença judicial apresenta a seguinte estrutura textual composicional: Art. 381. A sentença conterá: I – o nome das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las; II – a exposição sucinta da acusação e da defesa; III – a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão; IV – a indicação dos artigos e leis aplicados: V – o dispositivo; VI – a data e a assinatura do juiz. No art. 458 do Código do Processo Civil, destacam-se os elementos ou requisitos essenciais da sentença textual que se subdividem em: Art. 458. São requisitos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; 106 II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem. Tal peça processual é estruturada também conforme o que propõe o Código Penal, no artigo 381 e 387. O Código do Processo Penal determina que o juiz, deve fazer menção às: a) circunstâncias agravantes (art. 61 do CP). b) circunstâncias atenuantes (art. 65 do CP). c) circunstâncias previstas nos demais artigos do Código Penal (art. 59 e 60 do CP). d) penas acessórias com especificação da duração, previstas em lei especiais. Soto (2001)66 afirma que a sentença é constituída de um silogismo, uma vez que nela são “expostos os fatos (relatório), examinada a lei que a eles se aplica (motivação ou fundamentação), o juiz ‘diz a lei’, isto é, determina que, para aquele caso, a decisão é tal (dispositivo)” (SOTO, 2001, p. 53). Além dos três requisitos básicos citados e requeridos pela legislação brasileira, podemos encontrar outros elementos não obrigatórios, facultativos e ocasionais no plano de texto da sentença, conforme salienta Soto (Ibid., p. 52) e Gomes (2014). São eles: I - o preâmbulo: mesmo não sendo essencial, é nele que estão contidos os dados de individualização da decisão, tais como a denominação do órgão, serventia no processo etc.; II - a ementa: significa apontamentos, lembretes, coisas a lembrar. É formada por duas partes: a verbetação e o dispositivo. A primeira é a sequência de palavras-chave, ou de expressões que indicam o assunto discutido no texto. O dispositivo é a regra resultante do julgamento do caso concreto, transcrito de forma concisa, afirmativa, objetiva, precisa, unívoca, coerente e correta. No que tange aos elementos facultativos, dentre eles, a ementa e o preâmbulo, Gomes (2014) apresenta algumas ressalvas. Primeiramente, esse autor afirma que é uma questão que 66 SOTO, É. A. B. de. Sentença civil: perspectiva pragmática. Campo Grande: UCDB, 2001. 107 merece ser destacada, uma vez que, pela lei, a ementa não é obrigatória, mas aparece em grande número de sentenças. Em segundo lugar, o autor destaca que o produtor do texto opta por incluir esse elemento objetivando dar uma visão panorâmica da sentença, sem que seja necessária a leitura do texto completo para saber do que se trata e qual é sua posição sobre o caso. Dessa maneira, a ementa assume um valor crucial para o entendimento da sentença, tendo em vista que, muitas vezes, por se tratar de um texto muito rebuscado e até mesmo opaco, o cidadão comum, interessado maior no conhecimento do gênero e de seu resultado, não consegue entendê- lo. A ementa, por se tratar de um resumo do processo, apresenta os dados do referido processo de forma clara, concisa e objetiva. Quanto ao preâmbulo, esse autor afirma que se constitui como elemento não obrigatório, mas ressalta que essa parte do gênero sentença tem recebido uma interpretação errônea quando se diz que depende do produtor do texto incluí- lo ou não. O referido autor acredita que o preâmbulo é um elemento que se reveste de grande importância por dar informações do processo que individualizam a sentença. Quanto à expressão vistos67, cabe mencionar que Damião e Henriques (1996, p.183) afirmam que tal expressão é costumeira e cristalizou-se no universo jurídico. No campo jurídico, ela revela que os autos foram vistos, relatados e discutidos, para, só então, dar a eles uma solução. Por meio dessa expressa o magistrado assegura textualmente que realmente viu e examinou os autos. Outra característica presente no plano de texto da sentença (no relatório, na fundamentação e no dispositivo) é a presença das sequências textuais argumentativa, narrativa e descritiva, (LOPES, 2014; GOMES, 2014; SILVA, 2015; MARQUESI, 2016). Em relação à predominância da sequência textual, Adam (2011, p. 275) esclarece que os textos empíricos são dotados de uma “extrema heterogeneidade”, tendo em vista que um texto pode ter um dominante narrativo ou argumentativo, mas isso não impede que apresente também sequências descritivas, explicativas ou dialogais. Conforme o referido autor, [...] a estrutura composicional global dos textos é, inicialmente, ordenada por um plano de texto, base de composição, e, geralmente, categorizável em termos de dominante sequencial. Sua estrutura interna pode comportar 67 Consideramos também a expressão “vistos” como elemento facultativo do plano de texto da sentença, pois pode ocorrer de acordo com o desejo do produtor do texto. 108 desenvolvimentos sequenciais tipificados, mas isso não é obrigatório. (ADAM, 2011, p. 278). Nessa direção, Marquesi (2016, p. 116) explica que “o plano de texto e responsável por organizar as sequências textuais e, consequentemente, as informações para que as intenções de produção sejam atendidas e materializadas”, contribuindo, assim, para a composição macrotextual do sentido. Trubilhano e Henriques (2013, p. 299-300) atestam que a sentença deve obedecer aos requisitos estabelecidos pelo Código do Processo Civil e que a sentença tem uma estrutura silogística baseada em proposições que se tornam premissas das quais o magistrado extrai uma conclusão sobre a lide que foi submetida à apreciação e ao julgamento. Tais autores elucidam ainda que o direito que fundamenta a decisão do magistrado não é necessariamente um texto legislativo, pois quando a lei é omissa, cabe ao juiz recorrer à analogia, aos costumes, aos princípios gerais de direito, à doutrina, à jurisprudência, às fontes materiais de direito, bem como o juiz pode decidir por equidade e no âmbito do livre convencimento do julgador. Esses autores ratificam que o código do processo civil, em seu artigo 131, determina que “o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”. (TRUBILHANO E HENRIQUES, 2013, p.300). Eles ressaltam ainda que, no plano argumentativo da sentença, o livre convencimento envolve questões do caso concreto e específico apresentadas ao magistrado e por ele tidas por verdadeiras. O livre convencimento68 do juiz se faz por meio das provas e dos argumentos utilizados pelas partes. Cabe ao juiz apreciá- los e dar a hierarquização69 das provas e dos argumentos, uma vez que o juiz pode dar “o valor que entender cabível”. (TRUBILHANO E HENRIQUES, 2013, p.300). Quanto à natureza jurídica da sentença de mérito, subdivide-se em: 68 O livre convencimento encontra-se baseado no princípio da persuasão do juiz. “Tal p rincípio regula a apreciação e avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção”. (CINTRA et al, 2008, p.73). 69 O liv re convencimento e a h ierarquização argumentativa de provas são relevantes no processo de gerenciamento das vozes, pois são estratégias linguístico-discursivas na gestão dos PDV em favor da orientação argumentativa, conforme observaremos no capítulo de nossas análises. 109 a) meramente declaratória – a pretensão do autor limita-se à declaração da existência ou inexistência de relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade de documento (CPC, art 4º); b) constitutiva ou desconstitutiva – o autor busca não só a declaração de seu direito violado, mas uma consequente modificação, criação ou extinção da relação jurídica material preexistente; c) condenatória – a pretensão do autor consiste não só na declaração de que possui o direito material, mas também na fixação sequente de uma obrigação de dar, fazer, não fazer ou pagar quantia em dinheiro a ser imposta ao réu, a qual, se não cumprida, gera ao autor o direito de exigir do Estado-Juiz que faça valer coativamente sua decisão (execução). Assim, o pedido do autor pode ser de cognição (condenatório, constitutivo ou meramente declaratório), executivo (satisfatividade do direito) ou cautelar (medida de garantia de eficácia do processo principal). (BARROSO, 2000, p. 34-38 apud LOURENÇO, 2008, p.12). Vale mencionar que Pagliuca (2007, p.129)70 reconhece a sentença condenatória como a que “julga procedente, no todo, ou em parte, apreciando o mérito, a pretensão punitiva”. Na mesma direção, Cintra et al (2008, p.326) concebe que “o processo condenatório tende a uma sentença de condenação do réu. Acolhendo a pretensão do autor, a decisão afirma a existência do direito e sua violação, aplicando a sanção [...]”. Ademais, na esfera penal, é tipicamente condenatória a sentença criminal que impõe ao réu a pena cominada pela lei em virtude de ato ilícito penal cometido. De acordo com Brito e Panichi (2013, p.34)71, “é indiscutível que a linguagem forense possui especificidades” e apresenta um estilo com jargão específico e técnico da linguagem processual, bem como tem “característica persuasória coercitiva”. (BRITO; PANICHI, 2013, p.120). Na mesma direção, Lourenço (2013) considera que os textos jurídicos possuem em sua composição textual fórmulas prototípicas ou cristalizadas. Dessa forma, podemos observar nas sentenças judiciais a frequência do uso das formas: “É o relatório”, “Decido”, “Julgo procedente”, “Condeno”, dentre outros. De acordo com Álvarez (2002 p. 50), 70 PAGLIUCA, J. C. G. Direito Processual Penal. São Paulo: Rideel, 2007. 71 BRITO, D. T. de; PANICHI, E. Crimes contra a dignidade sexual: a memória juríd ica pela ótica da estilística léxica. Londrina: Eduel, 2013. 110 [...] estas formas convencionais ou clichês cumprem uma função demarcativa fundamental. Seu emprego não é ocioso, já que contribuem para delimitar as partes em que se estruturam cada escrito, produzindo ao mesmo tempo a coesão entre elas. Facilitam, além disso, o processo de recepção e interpretação, posto que ajudam a identificar de forma imediata as distintas partes do texto. É que a especial e rígida configuração do escrito jurídico vem determinada, em última instância, por fatores pragmático- comunicativos. (ÁLVAREZ, 2002 p. 50) 72 . Como exposto, ratificamos que as sentenças judiciais representam a síntese da dialética processual (LEITE, 2015, p. 1)73, revelam a vontade da lei traduzida de forma concreta através do labor, apreciação e ato do magistrado que irá impor sanção por descumprimento de um direito. As sentenças apresentam uma organização textual própria, um estilo de escrita formal e um variado léxico específico dos profissionais da área do direito. Observamos que existe a presença de outros gêneros que influenciam diretamente na estrutura composicional das sentenças judiciais e ajudam na motivação do parecer judicial, como por exemplo, o inquérito policial, a denúncia, interrogatório do acusado, relatório da delegacia, pareceres psicológicos, autos dos resultados de exames médicos de conjunção carna l, oitiva do réu, termo de declaração das vítimas, termos de depoimentos das testemunhas, as petições e as razões finais do Ministério Público. No que tange ao estilo e ao tema, a sentença é vista como um importante documento da redação forense, devendo apresentar-se com coesão, coerência, seguindo o padrão da linguagem formal, bem como os demais fatores de textualidade, obedecendo a uma sequência lógica na exposição dos argumentos que dão corpo ao veredicto do juiz, exigindo do profissional do Direito a capacidade de expor seu raciocínio, seu relato e seus argumentos legais de forma persuasiva. Para tanto, para a escrita de seu texto, o jurista deve utilizar-se de expressões jurídicas adequadas, de maneira a garantirem a inteligibilidade para ambas as partes que constituem o processo. Apresentaremos a seguir um quadro que sintetiza o plano de texto recorrente em nossa amostragem, seguindo os pressupostos de Gomes (2014), de Marquesi (2016), de Rodrigues (2016), de Lopes (2014), de Soto (2001), da legislação brasileira do Código Penal e Civil, Reis e Gonçalves (2012; 2014), Moreira (2016), bem como de Pereira (1999). 72 ÁLVAREZ, M. Tipos de escrito III: epistolar, admin istrativo y jurídico. Madrid: Arco Libros, 2002. 73 LEITE, G. Esclarecimentos sobre a sentença em face do Novo Código de Processo Civil Brasileiro. 2015. Disponível em:.Acesso 20 ago. 2016. 111 Quadro 3 – Características gerais do plano de texto da sentença judicial condenatória PLANO DO TEXTO DEFINIÇÃO/ FUNÇÃO E CARACTERÍS TICA ELEMENTO FACULTATIVO/ OBRIGATÓRIO Prêambulo : Cabeçalho com a identificação da jurisdição, vara, cidade; - código numérico de identificação do processo. Identificar textualmente a peça processual. “Mesmo não sendo essencial, é nele que estão contidos os dados de individualização da decisão, tais como a denominação do órgão, serventia no processo etc.” Facultativo Ementa “Significa apontamentos, lembretes, coisas a lembrar. É formada por duas partes: a verbetação e o dispositivo. A primeira é a sequência de palavras-chave, ou de expressões que indicam o assunto discutido no texto. O d ispositivo é a regra resultante do julgamento do caso concreto, transcrito de forma concisa, afirmativa, objet iva, precisa, unívoca, coerente e correta”. Facultativo Vistos Significa que o relator deseja assegurar a todos que realmente viu e examinou os autos. Expressão costumeira no meio ju ríd ico. 74 Facultativo Relatório Relatar os fatos relativos ao processo de maneira clara e objetiva: exigência legal; apresenta histórico, resumo, partes principais do processo; sequências textuais narrativas; sequências textuais descritivas; estrutura composicional com parágrafos únicos relacionado a cada ação distinta do processo. Obrigatório Fundamentação Ressaltar os aspectos legais motivadores da decisão do juiz de maneira clara e objetiva: exigência legal; sequências textuais argumentativas; sequências textuais expositivas. Obrigatório Dispositivo Subdivisão, considerando o Código Penal Critério trifásico Circunstâncias legais de agravantes ou atenuantes 75 (Análise das circunstâncias judiciais (art igo 59-CP) Aumento ou diminuição da pena (Dosimetria da pena (artigo 68 - CP Provimentos finais Materializar a decisão judicial e apresentar a dosimetria da pena, considerando o que está posto na legislação, faz acréscimos ou redução da penalidade, baseando-se nas circunstâncias judiciais (culpabilidade do réu, seus antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias do crime, consequências do crime e comportamento da vítima), bem como elenca a apreciação de agravantes e atenuantes para fixação da pena; exigência legal; sequência textual argumentativa, injuntiva e explicativa. Obrigatório Despacho realizado na sentença. Providências/ andamento de diligências a serem cumpridas pela secretaria da VIJ II para a efetivação dos efeitos da sentença, sequência textual injuntiva. Atos judiciais que determinam providências. Obrigatório 74 MOREIRA, J. C. B. O que deve e o que não deve figurar na sentença. Disponível em:< http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista08/Revista08_42.pdf>. Acesso em 05 jun 2016. 75 Conforme preceitua o Código Penal. 112 Data Assinatura Fechamento; tópico final do processo; assumir institucionalmente o documento; localidade e data e assinatura do Juiz. Obrigatório Fonte: Quadro de elaboração baseado nos pressupostos de Gomes (2014), de Marquesi (2016), de Rodrigues (2016), de Lopes (2014), de Soto (2001), de Reis e Gonçalves (2012; 2014), Moreira (2016), Pereira (1999) e do Código Penal e do Código do Processo Civ il Por essa razão, entendemos que o gênero jurídico sentença apresenta uma estrutura fixa e obedece aos dispositivos legais. Portanto, os planos de textos caracterizam-se pela composição e organização textual prescrita por um gênero. Dessa maneira, os planos de textos são responsáveis pela estruturação global do texto através da forma como se ordenam e se desenvolvem, de modo a fornecer ao leitor/ouvinte, elementos necessários para sua compreensão e interpretação. Nesse sentido, entende-se que a sentença obedece às exigências elencadas em lei e na jurisdição, devendo ter uma estrutura ritualizada, formal, padronizada, evidenciando uma linguagem técnica, que às vezes torna-se incompreensível ao cidadão comum. 1.8 INICIANDO O DIÁLOGO SOBRE A RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA 1.8.1 Polifonia (vozes), dialogismo e heterogeneidade na linguagem: acepções basilares e (inter)relações para o estudo da RE/PDV A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa. (BAKHTIN, 1988, p. 88). Todos os enunciados no processo de comunicação, independente de sua dimensão, são dialógicos. Neles, existe uma dialogização interna da palavra que é perpassada sempre pela palavra do outro. É sempre e inevitavelmente também a palavra do outro. Isso quer dizer que o enunciador, para constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu. Por isso, todo discurso é inevitavelmente ocupado, atravessado pelo discurso 113 alheio. O dialogismo são as relações de sentido que se estabelecem entre os dois enunciados. (FIORIN, 2006, p. 9). Estudos linguísticos consideram que as formas comunicativas são efetivadas por meio dos gêneros discursivos/textuais, que por sua vez retomam outros textos. Em outras palavras, ecoam sempre “vozes do outro” em nossos dizeres, outras vozes que não a nossa e que estão nos mais diversos gêneros, os quais regularizam toda a atividade comunicativa e a vida em sociedade. Na visão bakhtiniana, “um locutor não é Adão bíblico” perante objetos virgens, ainda não designados, os quais ele é o primeiro a nomear. Como reconhece Bakhtin (1988; 1992), apenas o mítico Adão inaugurou palavras no mundo. Esse autor define a polifonia como um jogo discursivo em que se inter-relaciona uma diversidade de opiniões, em que as vozes de outros se fazem ouvir, em que o choque de pensamentos é inevitável, isto é, no qual novos pontos de vista são construídos, a partir de um embate, em que as ideias dialoga m entre si, complementam-se, contrapõem-se dentro de um único discurso. Em concordância com a epígrafe dessa seção, entendemos que todo discurso é constitutivamente heterogêneo, demonstrando, assim, a presença de várias vozes nos textos. Nessa perspectiva, destacamos que a referência ao discurso de outrem é algo inerente à comunicação, que envolve todo ser humano e o torna, por excelência, o ser social que o constitui como tal. Recorrer ao discurso de outrem é, grosso modo, uma prática própria à dimensão da linguagem humana, que se mostra presente tanto no diálogo entre amigos quanto nas formas comunicativas secundárias (BAKTHIN, 1988, 1992). A linguagem, para Bakhtin (1992), é uma prática social que tem na língua sua realidade material. A língua é concebida não como um sistema abstrato de formas linguísticas à parte da atividade do falante, mas como um processo ininterrupto, constituído pelo fenômeno social da interação verbal, realizado por meio da enunciação. Bakhtin (1992) defende a natureza social e não individual da linguagem, como também situa os indivíduos em contexto sócio-histórico. A língua penetra na vida, por meio de enunciados concretos que a realizam. Nessa concepção bakhtiniana, a linguagem é valorada, é um lugar de confrontos ideológicos. Assim, a palavra carrega valores culturais que expressam as divergências de opiniões e as contradições da sociedade, tornando-se, desse modo, um palco de conflitos. O objeto de estudo do autor supracitado é a enunciação. Para ele, a enunciação não parte de um sujeito individual, mas é produto da interação. A enunciação tem como princípio 114 o dialogismo, que se funda na linguagem. Essa relação com o outro, ou seja, tudo o que nos constitui como seres sociais vem do mundo exterior por meio da palavra do outro. Ass im, todo enunciado é visto como um elo de uma cadeia infinita de enunciados, um ponto de encontro de opiniões e visões de mundo. Bakhtin (1992, p. 314) nos faz refletir também sobre essa inevitável presença do outro em nossos ditos, quando assim se posiciona: Nossos enunciados estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou assimilação caracterizadas, também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. “As palavras dos outros introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos” (BAKHTIN, 1992, p. 314). Nesse sentido, ao produzirmos discursos, não somos a fonte deles, porém intermediários que dialogam e polemizam com outros discursos que ocorrem na vida social. Com base no conceito de polifonia bakhtiniano, Ducrot (1987) desenvolve seus estudos sobre a teoria polifônica na linguística. Nølke (2013) apresenta um levantamento dos precursores dos estudos polifônicos e preconiza que foram os teóricos Bally e Genette quem inspiraram diretamente os estudos nesse campo. Nølke (2013) apresenta, resumidamente, através da árvore representada na figura a seguir, o histórico dos estudos da polifonia. 115 Figura 10 – Levantamento histórico dos estudos da polifonia Fonte: Nølke (2013, p.130) Brait (2005, p. 94-95), estudiosa do círculo bakhtiniano no Brasil, elucida que no dialogismo ocorre [...] permanente diálogo, nem sempre simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade. É nesse sentido que podemos interpretar o dialogismo como o elemento que instaura a constitutiva natureza interdiscursiva da linguagem. [...] o dialogismo diz respeito às relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos, que, por sua vez, se instauram e são instaurados por esses discursos. Brait (2005) acrescenta, ainda, na linha do pensamento bakhtiniano, que a polifonia é uma extensão do que se compreende como dialogismo. Isto é, não se deve deixar de discutir sobre dialogismo quando se trata de polifonia. Assim sendo, conforme Brait (2005, p. 80), “o dialogismo [...] (é um) elemento constitutivo da linguagem, esse princípio que rege a 116 produção e a compreensão dos sentidos, essa fronteira em que eu/outro se interdefinem, se interpenetram, sem se fundirem ou se confundirem”. Por um lado, para Bakhtin (1992), o dialogismo é um fenômeno constitutivo do discurso. Assim, pode ser compreendido como o elemento que instaura a natureza interdiscursiva da linguagem. Por outro lado, concerne às relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos que, por sua vez, instauram-se e são instaurados por esses discursos. Essa tendência dialógica dos enunciados, para Bakhtin (1990, p. 88), é saliente de um modo geral nos discursos, pois, como dissemos, qualquer discurso da prosa extra artística – de costumes, retórica, da ciência – não pode deixar de orientar para o “já dito”, para o conhecido, [...]. A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se de uma orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não se pode deixar de participar com ele, de uma interação viva e tensa. Isso nos permite dizer que a orientação dialógica se apresenta como um fenômeno característico e natural de todo discurso, como condição precípua da interação humana em seus mais diversos modos e em suas mais diversas práticas sociais materializadas. Desde os gêneros primários até os gêneros secundários, existe a manifestação de um discurso de outrem, o qual engendra a formação de um jogo dialógico apresentado no processo constitutivo, que é intrínseco à interação humana. Percorrendo sobre a obra bakhtiniana, Pinto (2010, p. 112) acrescenta que “o dialogismo é constituinte do gênero”, pois os enunciados que os compõem refletem e refratam enunciados anteriores, dialogando com estes e com os outros que lhes são posteriores. O dialogismo é um princípio básico do pensamento bakhtiniano, pois a língua em sua integridade concreta e viva traz sempre, além da voz do EU (aquele que fala), a voz dos outros (aqueles com os quais o EU dialoga). Assim, o dialogismo é intrínseco ao gênero. Trata-se de um aspecto relevante para a descrição do gênero e preconiza que os enunciados inseridos em determinado gênero “sempre dialogam com outros gêneros que os precederam e ainda os sucederão” (PINTO, 2010, p.105). Nesse direcionamento teórico, a referida autora reitera que “uma das formas privilegiadas do dialogismo é a presença do discurso citado ou relatado, que corresponde à presença do (s) OUTRO(s) no discurso”. (PINTO, 2010, p.114-115). O dialogismo é 117 constitutivo do gênero e mantém relações com outros discursos, sendo elaborado “a partir do diálogo com discursos de outros gêneros”. Menciona ainda que “a polifonia corresponde a efeitos de sentido de procedimentos discursivos de discursos dialógicos”. Por seu turno, Bazerman (2006, p. 87-88) também discorre sobre a influência do outro na constituição de nossas produções textuais, quando revela que nós criamos os nossos textos a partir do oceano de textos anteriores que estão à nossa volta e do oceano de linguagem em que vivemos. E compreendemos os textos dos outros dentro desse mesmo oceano. Enquanto escritores, às vezes, queremos salientar o lugar onde obtemos tais palavras e, outras vezes, não. Enquanto leitores, às vezes, reconhecemos de forma consciente de onde vêm não só as palavras, mas também os modos como elas estão sendo usadas; outras vezes, a origem apenas sugere uma influência inconsciente. E algumas vezes, as palavras estão tão misturadas e dispersas dentro desse oceano que não podem mais ser associadas a nenhum tempo, espaço, grupo e escritor específico. Apesar disso, o oceano de palavras está sempre à volta de todos os textos. (BAZERMAN, 2006, p.87-88). Bastante discutida em diversas áreas dos estudos da linguagem, a noção de dialogismo bakhtiniana partilha o campo da heterogeneidade enunciativa juntamente com o estudo da polifonia. Apoiando-se em Bakhtin, mais especificamente nos estudos do dialogismo, Authier-Revuz (2004) aborda o princípio da heterogeneidade da linguagem. A pesquisadora destaca que a concepção bakhtiniana de dialogismo não é propriamente linguística, é, antes de tudo, semiótica e literária. Tal propriedade, segundo essa autora, “permite que atravesse campos que dizem respeito – e nos quais se enfrentam – à análise do discurso, às teorias da enunciação, à pragmática etc.” (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 24)76. Ratificando tal ideia, Fonseca e Cavalcante (2012, p. 82) afirmam que o dialogismo é o reconhecimento de que uma enunciação responde a outros enunciados, suscitando novas respostas. A polifonia é a presença de várias vozes (marcadas ideologicamente) que materializam o dialogismo e provam sua existência. O diálogo de que nos fala Bakhtin pode ser tomado como um diálogo de vozes que se embatem, ou de vozes que entram em conflito [...] Authier-Revuz, ao tratar da heterogeneidade constitutiva, mostra que a linguagem é (também) o campo de várias presenças, isto é, é sempre não um: há vozes como em Bakhtin e há sempre um outro em jogo. Mas, se em Bakhtin o outro é o outro enunciador, em Authier-Revuz esse outro ganha dimensões maiores; outro enunciador, outra língua, outra época, outro sentido, outro contexto, outro lugar, outro ambiente discursivo [...].(FONSECA; CAVALCANTE, 2012, p. 82). 76 AUTHIER-REVUZ, J. Entre a transparência e a opacidade: um estudo enunciativo do sentido. Porto Alegre: EDUPUCCRS, 2004. 118 No campo enunciativo, a heterogeneidade enunciativa é vista como mais uma demonstração da descentralidade do dizer. Authier-Revuz (199077, 2004) discorre a respeito da alteridade na linguagem, isto é, marcas do outro no discurso, refletindo nesse estudo uma questão que se relaciona com a perspectiva de um discurso que é construído a partir do discurso do outro, uma rede de oposições. As relações dialógicas são condições de constituição do sentido, que se produzem no e pelo entrecruzamento dos discursos. Nesses termos, a linguagem é constitutivamente heterogênea. Authier-Revuz (2004), ao retomar os estudos bakhtinianos que tratam do princípio dialógico da linguagem, afirma que não existe a possibilidade de se produzir um discurso sem a interdiscursividade, sem a palavra do outro, pois “somente o Adão mítico, abordando com sua palavra um mundo ainda não questionado poderia ter escapado à orientação dialógica inevitável com o já-dito da palavra do outro”. (BAKHTIN, s/d apud AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 25). Assim, a atividade de linguagem, tanto para Bakhtin quanto para Authier-Revuz, é um processo marcado pela inscrição do outro no processo enunciativo e é a partir desse direcionamento que Authier-Revuz (2004) apresenta o fenômeno da heterogeneidade constitutiva e da heterogeneidade mostrada da linguagem. Em outras palavras, o fenômeno é visto como “alteridade representada por formas observáveis na linguagem” e o da “alteridade constitutiva, apontando para a relação com o outro que o dizer produz”. (AUTHIER-REVUZ, 2011, p. 6). Authier-Revuz (1990) classifica a heterogeneidade em dois tipos: a constitutiva e a mostrada (marcada e não marcada). A noção de heterogeneidade constitutiva não é evidenciada por marcas linguísticas explícitas, mas é amparada pelos pressupostos d e um discurso atravessado pelo interdiscurso, condição sem a qual não há discurso, isto é, a heterogeneidade discursiva corresponde à presença de outro que está impregnado constitutivamente no discurso, mas que não se mostra e não se apresenta na superfície linguística. Já a heterogeneidade mostrada se apresenta por marcas linguísticas explícitas da presença do “outro” no discurso. A heterogeneidade mostrada marcada busca estabelecer uma distância entre o locutor e o seu objeto, é a que inscreve o outro no discurso através de 77 AUTHIER-REVUZ, J. Heterogeneidade(s) enunciativa(s). Tradução Celene M. Cruz e João Wanderley Geraldi. Cadernos de Estudos da Linguagem. Cap inas, n. 19, p. 25-42, ju l./dez. 1990. Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2015. 119 “formas fixas”. Apresenta-se por meio das formas do discurso relatado, isto é, as maneiras de representação de um discurso de outrem. Entre as formas de discurso relatado, vale assinalar o discurso direto, o discurso indireto, as aspas, as glosas, o itálico e a modalização em discurso segundo, por exemplo, e diz respeito à relação interativa, uma negociação do sujeito enunciador com o outro. Nas palavras de Authier-Revuz (1982 apud CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 261), a heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva, são definidas da seguinte forma: a primeira “corresponde à presença localizável de um discurso outro no fio do discurso”; já a segunda se apresenta “quando o discurso é dominado pelo interdiscurso [...]”, constituindo-se “através de um debate com a alteridade, independentemente de qualquer traço visível de citação, alusão etc.”. Com base nos estudos de Maingueneau (2004,2013, 1989), Galvão (2014, p.9) esquematiza as relações da heterogeneidade discursiva 78 da seguinte forma: Figura 11 – Relações de heterogeneidade discursiva Fonte: Galvão (2014, p. 9) Portanto, percebemos que os discursos são heterogeneamente constitutivos por diferentes vozes sociais e podem ser heterogeneamente (não) marcados, conforme afirma 78Na seção intitulada “articu lando as bases teóricas para as análises”, detalhamos como categorias linguístico - textuais a heterogeneidade discursiva mostrada, com foco no discurso relatado (discurso direto, indireto e a modalização em d iscurso segundo) que serão evocadas em nossas análises. 120 Authier-Revuz (2004). Para essa autora, tanto o discurso direto como o indireto, as glosas do enunciador e as aspas caracterizam a heterogeneidade mostrada e marcada. Considerando essa linha teórica, ampliamos o escopo dos estudos do PDV. Assim, vale considerar que acompanhamos Cortez (2011, p. 81-82), em uma perspectiva enunciativo- interacional dos estudos do PDV, quando afirma que a problemática do ponto de vista põe em evidência a dinâmica dos fenômenos de heterogeneidade enunciativa, o que a torna inseparável das discussões que fundamentam e atualizam o campo do discurso reportado. Para essa autora, trata-se de um fenômeno complexo que tem sido estudado no intercâmbio entre estudos linguísticos e literários, dialogando, com temas, tais como a narrativa, a manifestação da subjetividade e a representação de ponto de vista em diferentes gêneros. Assim, a heterogeneidade conduz-nos a focalizar a dimensão dialógica do PDV. Desse modo, “a relação do sujeito com as instâncias que povoam seu discurso pode ser analisada a partir dos objetos do discurso, já que a construção desses objetos homologa traços de diálogo interior do locutor com ele mesmo e com os outros”. Disto resulta a complexidade e dinamicidade da expressão do PDV, que, de forma ampla, se refere aos fenômenos de representação linguística de falas, de pensamentos e de percepções que podem ser expressos das mais diversas formas e não apenas pela transmissão de um dizer, como nas formas convencionais do discurso reportado no âmbito dos estudos da “representação do discurso de outrem”. (AUTHIER-REVUZ, 2004). Por essa ótica, acreditamos que a abordagem enunciativa- interacional do PDV articulada aos estudos do discurso reportado entrega-se ao quadro mais amplo das teorias polifônicas e dialógicas, porque não se restringe as questões sintáticas e fronteiras formais que demarcam o discurso direto e indireto, mas envolve a construção de sentidos, orientação argumentativa e questões de hierarquização entre sujeitos falantes: locutores e enunciadores. Tais questões levam-nos ao quadro do dialogismo que orienta a problemática do PDV. Ressalvamos que, em nosso objeto de análise (sentença condenatória), encontramos também recursos marcados de heterogeneidade discursiva, contemplados pelo uso do discurso indireto, bem como por demais estratégias de inclusão do discurso reportado – em seus esquemas sintáticos e suas interrelações entre o discurso citante e o discurso citado, instaurando atos de enunciação e ligações entre o locutor e o enunciador. O locutor dá lugar ao discurso do outro por meio de reformulações e modalizações, em que é possível determinar a posição argumentativa do enunciador em relação ao próprio enunciado que realiza. Ressaltamos que, na perspectiva assumida por Adam (2011), para delimitar a ATD e as categorias da responsabilidade enunciativa, leva-se em conta a polifonia e o dialogismo, o 121 que pode ser confirmado pelos estudos de vários pesquisadores da área (RODRIGUES, 2009; RODRIGUES, PASSEGGI, SILVA NETO, 2010; PASSEGGI et al., 2010; BERNARDINO, 2015). Cabe enfatizar ainda que, segundo Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010, p. 153)79, “a noção de Responsabilidade Enunciativa não é consensual” para os autores que se dedicam a estudá- la. Esses autores também assinalam que a Responsabilidade Enunciativa – no âmbito da ATD – pode ser “reinterpretada e enriquecida pelas contribuições de diferentes autores”, conforme daremos conta, na seção da RE, a seguir, pois acreditamos que a ATD tem possibilidade de “complementação e enriquecimento” para a análise das características de abordagem global dos fenômenos textuais e discursivos (PASSEGGI et al, 2010, p. 307)80. Por fim, passemos a apresentação dos postulados dos teóricos que se têm debruçado sobre o estudo das relações dialógicas de modo amplo, com ênfase naqueles autores que tratam do PDV e da RE que serão utilizados como fundamentação teórica de nosso trabalho. 1.9 RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA E PONTO DE VISTA – DIÁLOGOS POSSÍVEIS NOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS 1.9.1 Fenômeno linguístico Responsabilidade enunciativa [...] A Responsabilidade Enunciativa ou ponto de vista (PdV) permite dar conta do desdobramento polifônico. (ADAM, 2011, p. 110). É consensual entre os estudiosos que as teorias bakhtinianas e ducrotianas abriram espaço para as investigações sobre a questão da polifonia e do dialogismo no texto e se configuram como pressupostos importantes para o entendimento do PDV, da responsabilidade enunciativa e sobre o discurso marcado dialogicamente, no âmbito da Linguística. Ressaltamos que pesquisas desenvolvidas sobre o fenômeno linguístico Responsabilidade Enunciativa ainda não atingiram um grau de difusão correspondente à relevância do assunto para os estudos linguísticos. Destacamos que, no processo de tessitura 79RODRIGUES, M. G. S; PASSEGGI, L.; SILVA NETO, J. G. “Voltarei. O povo me absolverá...”: a construção de um discurso político de renúncia. In :______. Análises textuais e discursivas: metodologia e aplicações / Jean-Michel Adam, Ute Heidmann, Dominique Maingueneau; Maria das Graças Soares Rodrigues, João Gomes da Silva Neto, Lu is Passeggi (Orgs.). São Paulo : Cortez, 2010. 80 PASSEGGI, L. et al. A análise textual dos discursos: para uma teoria da produção co(n)textual de sentido. In:BENTES, Anna Christina; LEITE, Marli Quadros (Orgs.). Linguística de texto e análise da conversação: panorama das pesquisas no Brasil. São Pau lo: Cortez, 2010. 122 da textualidade, o enunciador e/ou locutor adota estratégias, ora para eximir-se da responsabilidade pelo que enuncia, ora para atribuir a si mesmo certa enunciação, quando lhe é conveniente, certamente. A responsabilidade enunciativa, de acordo com Adam e Lugrin (2006, p. 1), é uma noção ética e jurídica que, se redefinida enunciativamente, pode ser linguisticamente abordada a partir de seu núcleo constitutivo: (a) a construção de uma representação discursiva (doravante Rd), (b) a assunção da responsabilidade enunciativa dessa Rd ou ponto de vista (doravante PdV) e (c) o valor ilocutório dos atos de discurso, inseparável da orientação argumentativa dos enunciados. De acordo com Culioli (1971, p. 4031)81, “toda enunciação supõe Responsabilidade Enunciativa do enunciado por um enunciador”, em outras palavras, a enunciação é indissociável da responsabilidade. Assim, a Responsabilidade Enunciativa integra a enunciação. Desse modo, Lourenço (2015, p. 35) assevera que, por esse viés, pode-se afirmar que a RE é “condição necessária da enunciação”. 1.9.2 Perspectiva da ScaPoLine Para o grupo da Escandinávia (ScaPoLine – Teoria Escandinava da Polifonia Linguística), formado por Nølke, Flottum e Norén (2004, p. 31)82, assumir a Responsabilidade Enunciativa é ser fonte do enunciado, é estar na origem, é “assumir a paternidade”. (RODRIGUES; PASSEGGI; SILVA NETO, 2010, p. 153). Essa visão é ratificada quando esses pesquisadores apresentam uma definição para a noção acerca do que é “ser responsável”, da seguinte maneira: X é responsável por pdv se, e somente se, X for a fonte de pdv, ou seja, “a noção ‘ser responsável de’ equivale ser fonte de”. Portanto, pode haver uma interseção entre um dos componentes da definição do pdv – a saber, aquele X que desempenha o papel de fonte – e o papel cabível na conceituação de ser responsável, conforme o postulado pelos referidos linguistas. Então, “ser fonte de um ponto de vista” equivale a “ter esse ponto de vista”. Nessa direção, os pontos de vista são entidades semânticas em cujos elementos que os constituem 81 CULIOLI, A. Rubriques de linguistique de l’ Encyclopédie Alpha . Paris: Grange Bateliére, 1971. 82 NøLKE, H., FLøTTUM, K., C. NORÉN. ScaPoLine : La théorie scandinave de la polyphonie linguistique. Paris: Kimé, 2004. 123 está incluída a fonte. Esta, por sua vez, é variável, segundo Nølke (2001, p. 31)83. Em outras palavras, para ScaPoLine, ser responsável de pdv significa ao mesmo tempo "ser fonte de pdv” e "ser agente de um julgamento particular”. Assim, “ser responsável” implica ter um pdv, porque todo pdv tem, entre seus componentes, uma fonte e “ser responsável” é ser fonte. Segundo Nølke, Fløttum e Norén (2004, p. 28), as bases da Teoria Escandinava advêm das teorias “enunciativa, semântica, discursiva, estrutural e instruc ional”. A ScaPoLine surge com o propósito de desenvolver uma teoria formal que seja capaz de prever e especificar as restrições propriamente linguísticas que governam a “interpretação polifônica” (NØLKE, 2009, p. 15-16)84. A noção de pdv é um dos conceitos principais da ScaPoLine e é entendida como uma “entidade semântica composta de uma fonte, de um julgamento e de um conteúdo” (NØLKE; FLØTTUM; NORÉN, 2004, p. 31). São entidades semânticas portadoras de uma fonte que é dita ter o pdv. “As fontes são entidades abstratas chamadas de enunciadores. Os seres discursivos (s-d) são entidades semânticas suscetíveis de saturar os enunciadores; eles são responsáveis pelos pdv expressos”. (NøLKE; OLSEN, 2000, p.50)85. A responsabilidade enunciativa, para a ScaPoline, considera as relações de laços enunciativos que ligam os s-d aos pdv. Tais laços se dividem em laços de responsabilidade e de não responsabilidade. A fórmula geral do pdv é encontrada em Nølke, Fløttum e Norén (2004) como [ X ] (JULGA (p) ), onde X simboliza a fonte, JULGA o julgamento e p o conteúdo. A fonte, elemento que possui o pdv, “é uma variável suscetível de ser saturada por um ser discursivo” (Id., Ibid., p. 32). Na teoria escandinava da polifonia linguística, a responsabilidade é entendida como uma “‘ligação enunciativa’ que liga um ‘ser do discurso’ (s-d) a um ‘ponto de vista’ (pdv) e 83 NØLKE, H. La ScaPoLine 2001: Version révisée de la théorie Scandinave de la Polyphonie Linguistique. Polifonia, 2001. Disponível em: . Acesso em: 16 jul. 2016. 84 NØLKE, H. La polyphonie de la ScaPoLine. In:______ KRATSCHMER, A.; BIRKELUND, M.; THERKELSEN, R. (Éds). La polyphonie: outil heuristique linguistique, littéraire et culturel. Frank & Timme. Berlin, 2009, p. 11-40. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2015. 85 NØLKE, H; OLSEN, M. Polyphonie: théorie et terminologie. In.______ . Polyphonie-linguistique et littéraire, 2, 2000, Université de Roskilde: Danemark, p. 45-171. 124 que especifica a posição deste s-d em relação com o pdv”. (COLTIER; DENDALE; BRABANTER, 2009, p. 21).86 Na teoria ScaPoLine observamos a distinção de dois níveis para a análise polifônica87: a estrutura polifônica, situada no nível da língua, ou da frase, responsável pelas instruções para a interpretação polifônica; e a configuração polifônica, que é parte do processo interpretativo (NØLKE, 2009, p. 18-19). Tal configuração compõe-se de elementos fundamentais de serem identificados na estrutura do enunciado. São eles: (i) Os locutores como produtores (LOC) assumem a responsabilidade pela enunciação; (ii) Os pontos de vista (pdv) são entidades semânticas portadores de uma fonte que é conhecida como tendo o pdv; iii) As fontes são variáveis; (iv) Os seres de discurso (s-d) são entidades semânticas suscetíveis de saturar as fontes; e (v) As ligações enunciativas ligam o s-d ao pdv. Nessa perspectiva, tendo em vista tais elementos que configuram o enunciado, podemos depreender que a responsabilidade enunciativa, para a ScaPoLine, é uma ligação que ocorre entre o ser do discurso (s-d) e o ponto de vista (pdv), em que este s-d pode tomar uma posição em relação ao pdv, julgando seu conteúdo, como verdadeiro ou falso. Tal visão é ratificada por Passeggi et al (2010), para quem, no âmbito da teoria polifônica escandinava, cada pdv exibe um ser responsável, por quem devemos perguntar. Por sua vez, esta ligação toma como critério a fonte enunciativa, a origem, a paternidade do pdv. Assim, perguntar pelo responsável do pdv significa, antes de tudo, saber quem é a sua fonte88. A fórmula que resume esta compreensão é: “X é o responsável pelo pdv se, e somente se X, é a fonte do pdv”. Nesse direcionamento, o sentido de responsabilidade enunciativa está ligado ao conceito de ser responsável; é “uma ligação enunciativa” que liga um “ser do discurso” (s-d) a um “ponto de vista” (pdv) e que especifica a posição desse s-d em relação ao pdv (NØLKE; FLØTTUM; NORÉN, 2004). De acordo com os autores mencionados da ScaPoLine, é preciso, para cada ponto de vista, perguntar “quem é responsável por ele”. Então, na ScaPoLine, X é responsável somente se X for a fonte do ponto de vista, ou seja, ser fonte do ponto de vista é ter esse ponto de vista (NØLKE, 2001). Portanto, nessa linha, ponto 86 COLTIER, D. de; DENDALE, P.; BRABANTER, P. de. La notion de prise en charge: mise en perspective. Langue Française, n. 162 - La notion de prise charge en linguistique. Paris, Larousse, juin. 2009, p. 3-27. 87 Não teremos como foco em nossas análises os postulados dessa teoria. Reportamo-nos a tais questões apenas para contextualizar os estudos da Responsabilidade Enunciativa nas perspectivas atuais do campo da Linguística. Sugerimos os estudos de Jales (2015) para aprofundamento das questões da análise na visão da teoria escandinava. 88 Adotaremos a noção de fonte de Rabatel (2016, p.91). “A noção de fonte indica uma origem anterior ao dizer de L1/E1”. 125 de vista é uma unidade semântica que contém uma fonte, como podemos observar no quadro a seguir: Figura 12 – Visão do pdv para ScaPoLine Fonte: Adaptado de NØlke, FlØttum e Norén (2004, p. 31) Vale ressaltar que Gomes (2014, p.86) sintetiza e esquematiza a perspectiva da ScaPoLine da seguinte forma: Figura 13 – A representação da responsabilidade enunciativa para a ScaPoLine Fonte: Gomes (2014, p.86) 1.9.3 Perspectiva textual adamiana: categorias de análise da dimensão enunciativa Por seu turno, o linguista francês Adam (2011), no âmbito dos pressupostos da abordagem da ATD, no que tange às questões da responsabilidade enunciativa, dialoga com vários outros autores, como por exemplo: Nølke (2013), Nølke, Fløttum e Norén (2004), Rabatel (2004, 2005, 2008, 2009, 2013, 2015) e Guentchéva (1993,1994, 1996, 2011). 126 No aporte adamiano, ratificamos que a responsabilidade enunciativa não se separa de um ponto de vista (PDV), entendido por Adam como as vozes presentes no quadro enunciativo. O autor considera que a RE e o PDV se situam no âmbito da polifonia e permitem dar conta desdobramento polifônico dos enunciados. Adam (2011, p.117) aborda que “o grau de Responsabilidade Enunciativa de uma proposição é suscetível de ser marcado por um grande número de unidades da língua”. Nessa direção, o PdV é delimitado por elementos linguísticos, que o referido autor, expandindo a descrição do que Benveniste (1974, p. 79-80), chamou de “aparelho formal da enunciação”, especificou em categorias. Assim, Adam (2011) propõe as seguintes categorias de análise abaixo elencadas: 1. índices de pessoas: pronomes e os possessivos marcadores de pessoa; 2. dêiticos espaciais e temporais: que consistem numa referência absoluta, (precisa ou vaga), embreantes (que fazem referência ao contexto no qual o enunciado é produzido) etc; 3. tempos verbais: que são os diversos tipos de localização relativos à posição do enunciador e dividem-se em vários planos de enunciação; 4. modalidades do tipo: 4.1. objetivas (dever, ser necessário...); 4.2. intersubjetivas (uso do imperativo, perguntas...); 4.3. subjetivas (querer, pensar, esperar...); 4.4. verbos de opinião (crer, saber, duvidar...); 4.5.advérbios de opinião (talvez, sem dúvidas, provavelmente, certamente...); 4.6. lexemas afetivos, avaliativos e axiológicos (pequeno, gentil, magro); axiológicos concernentes à moral (bom, mau, malvado); 5. discurso relatado/reportado/citado/89 tipos de representação da fala das pessoas ou dos personagens (discurso direto, discurso indireto e indireto livre); 6. indicações de quadros mediadores: a) conjunções adverbiais: segundo, de acordo com, para; b) modalização por um tempo verbal e escolha de um verbo de atribuição de fala: afirmam, parece; c) reformulações: na verdade; d) oposição: alguns pensam; 7. fenômenos de modalização autonímica: presença de aspas etc; e 8. indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados. 89 Destacamos que a nomenclatura (diferentes tipos de representação de fala) sofre flutuação terminológ ica (formas de discurso citado, de discurso relatado/representado, formas de referir-se ao discurso de outrem, heterogeneidade mostrada), conforme o direcionamento teórico. Cabe mencionar que consideramos também a abordagem de Bakhtin, de Maingueneau e de Authier-Revuz, pois dialogam com a perspectiva de Adam (2011). 127 Em termos gerais, essas categorias e marcas linguísticas sintetizadas acima permitem o estudo da Responsabilidade Enunciativa ou do PdV em suas mais diversas formas de materialização linguística e na organização textual do plano enunciativo-argumentativo. Entre essas diversas possibilidades, para Adam (2011), temos PdV: Figura 14 – Tipos de PdV apresentados em Adam (2011) Assumido pelo locutor; Anônimo; Cred itado a uma fonte do saber (mediação epistêmica); Mediação perceptiva. Fonte: Adam (2011) Como vimos, Adam (2011) destaca alguns tipos de PdV: a) assumido pelo locutor; b) anônimo; c) creditado a uma fonte do saber (mediação epistêmica); d) mediação perceptiva. Vale ressaltar que Adam (2011) não faz distinção quando se refere à Responsabilidade Enunciativa e ao ponto de vista. Para esse autor, a mediação epistêmica se dá quando uma zona textual depende de uma zona do saber, enquanto a mediação perceptiva “repousa numa focalização perceptiva” (ver, ouvir, sentir, tocar, experimentar etc.) ou numa focalização cognitiva (saber ou pensamento representado). Já o PdV anônimo se materializa pela presença de formas verbais na terceira pessoa do singular. Convém assinalar que isso dependerá do contexto linguístico, uma vez que nem toda forma verbal na 3ª pessoa do singular implica PdV anônimo. Nessa direção, Rodrigues (2010) explica que o PdV anônimo materializado na 3ª pessoa do singular poderá ser um tipo de mediação perceptiva, mas isso dependerá do valor semântico da forma verbal que esteja na 3ª pessoa do singular. Cumpre destacar que Adam (2011) apresenta a Responsabilidade Enunciativa, conforme Passeggi et al. (2010, p. 298), em dois momentos: “primeiro, enquanto dimensão indispensável da unidade textual elementar, a proposição enunciado [...]; segundo, na discussão específica do escopo dos marcadores de Responsabilidade Enunciativa”. Assumimos que, no âmbito da ATD, a noção de responsabilidade enunciativa ou ponto de vista (PdV) encontra-se ligada a presença das vozes no texto e “permite dar conta do desdobramento polifônico” (ADAM, 2011, p.110), dando margem às vozes do discurso e ao engajamento enunciativo. Esse autor considera que o locutor-narrador pode assumir o que foi enunciado ou atribuir essa responsabilidade a outras instâncias, dando um sentido de 128 distanciamento. A responsabilidade enunciativa é uma das dimensões que compreendem a proposição-enunciado discutida anteriormente. Nessa visão, no ato da enunciação, os interlocutores mobilizam estratégias textuais e discursivas para assumir ou não sua responsabilidade enunciativa, o seu ponto de vista (PdV). Portanto, para Adam (2011), a responsabilidade enunciativa não se separa de um ponto de vista (PdV) e os dois se situam no âmbito da polifonia. Isso quer dizer que todo enunciado possui um ou mais PdV, entendidos por Adam (2011) como as vozes presentes no quadro enunciativo. Os PdV podem ser assumidos ou não pelo locutor-narrador, marcando, assim, a (não) responsabilidade enunciativa dos enunciados. Da visão de Adam (2011), reconhecemos os desdobramentos polifônicos de (não) assunção da responsabilidade enunciativa do PdV. Esquematicamente e de forma sintética, temos: No jogo da ASSUNÇÃO DO PDV: Enunciador (E) = LOCUTOR (LOCUTOR) = L1/E1 No jogo da NÃO ASSUNÇÃO DO PDV: Enunciador (E) ≠ (L) LOCUTOR-NARRADOR É importante mencionar que Adam (2011) distingue locutor de enunciador. Para o autor, locutor é a pessoa física que fala, que tem o papel de “enunciar”. O locutor só tem o papel de enunciador se este assumir o ponto de vista. Desse modo, concluímos que locutor - enunciador é pessoa física que fala e que assume a responsabilidade enunciativa. Já o locutor– narrador é apenas a pessoa física que fala. Mediante as unidades apresentadas, o enunciador pode se distanciar ou não do que está sendo dito. As intenções dessa (não) assunção da responsabilidade enunciativa ou desse (não) envolvimento podem ser várias. O produtor do texto pode, por exemplo, querer preservar sua face ou querer dar objetividade ao texto ou também pode querer atribuir um discurso de autoridade sobre o que está sendo dito. Assim, o interlocutor utiliza os mecanismos linguísticos que inserem vozes no discurso para expressar seu ponto de vista. Por conseguinte, as categorias e marcas linguísticas sintetizadas e listadas anteriormente permitem o estudo das estratégias linguístico-textuais da (não) assunção da Responsabilidade Enunciativa em suas mais diversas formas de materialização no universo textual. De acordo com Adam (2011), elas são uma ampliação do chamado Aparelho formal da enunciação proposto por Benveniste (1989) e revelam claramente o diálogo entre a ATD e suas (inter)relações com outras abordagens teóricas, sobretudo discursivas e enunciativas. Isso 129 é justificado exatamente pela natureza do seu objeto de investigação, que é o texto em funcionamento discursivo. Dessa maneira, observamos a ATD como uma perspectiva teórica de análise textual coerente, aberta e complexa, pela forma que faz a mediação, tratamento, relação e incorporação de conceitos reportados de diversas teorias, com vistas para descrever e analisar o texto. Compreendemos que as informações no texto/discurso se apresentam por meio das falas, pensamentos ou percepções representadas. Os ditos no discurso/ texto podem ser assumidos pelo locutor/enunciador primeiro, o qual é encarregado de gerenciar os dizeres ou a Responsabilidade Enunciativa pode ser atribuída pelo locutor a outros enunciadores. 1.9.4 Pressupostos enunciativos rabatelianos para o estudo do PDV e da RE: categorias de análise linguístico-enunciativa 1.9.4.1 Concepção de PDV e tipos Rabatel (2008, 2015, 2016) também tem se dedicado ao estudo do ponto de vista90 e da Responsabilidade Enunciativa. Esse autor define que “o sujeito, responsável pela referenciação do objeto, exprime seu PDV tanto diretamente, por comentários explícitos, como indiretamente, pela referenciação, ou seja, através de seleção, combinação, atualização do material linguístico”91 (RABATEL, 2008, p. 21). Para tal autor, o PDV tem natureza dialógica e dimensão argumentativa, uma vez que se constitui, necessariamente, no cruzamento de perspectivas e com imputações e posicionamentos de (des) acordo e neutralidade com “visada argumentativa” (RABATEL, 2016, p. 97). 90 Antes de discorremos sobre o tema do PDV, é importante salientar que não nos cabe fazer uma análise exaustiva de sua origem e das mudanças efetuadas por Rabatel (1997, 2001, 2008, 2009, 2015, 2016), em seu quadro teórico, por isso indicamos os estudos de Cortez (2003, 2011) os quais apresentam um levantamento histórico da origem da abordagem rabateliana sobre o PDV no âmbito da narratologia em textos do domínio literário. A citada autora afirma que embora a teoria do ponto de vista propos ta por Alain Rabatel não seja uma teoria sobre a argumentação, a teoria se art icula com a narração e a argumentação. O PDV é concebido como um dispositivo argumentativo que atua na construção do sentido. Inicialmente, o estudo foi associado a prosa romanesca, com foco na focalização narrativa e discutido no domínio francófono. O ponto de vista, em Rabatel (1997, 2001), foi v isto como uma forma indireta da argumentação marcada por formas de manifestação da subjetividade. A referida pesquisadora afirma que os procedimentos de representação do PDV “constituem vetores fundamentais para a orientação argumentativa do texto” (CORTEZ, 2011, p. 9), bem como contribuem para lançar o olhar sobre a constituição das posições enunciativas, sua hierarquia e natureza dialóg ica. Para um detalhamento epistemológico da teoria do PDV conferir as publicações rabatelianas em:< http://icar.univ- lyon2.fr/membres/arabatel/publications.htm>. Sugerimos ainda a obra: CARCASSONNE, M. et al. Points de vue sur le point de vue. Limoges: Lambert- Lucas, 2015. 91 Traduzido por Passeggi et al. (2010, p.306). 130 Outra noção que se articula diretamente com o fenômeno linguístico responsabilidade enunciativa é a de PDV (ponto de vista). Rabatel (200192, 200393, 200594, 200895, 200996, 01397, 201598, 201599, 2015100, 2016), em vários trabalhos, discute sobre o conceito de ponto de vista (abreviado PDV) e de responsabilidade enunciativa. As reflexões teóricas rabatelianas se situam no âmbito de uma perspectiva enunciativa e pragmática, fazendo interrelações com os pressupostos bakhtinianos, com foco nos conceitos de polifonia e do dialogismo, visando dar conta da dimensão dialógico-argumentativa e interacionista dos enunciados. Cortez e Koch (2013, p.9) evidenciam a dimensão dialógica do enunciado e asseveram que a construção do ponto de vista tem papel importante na orientação argumentativa do texto, bem como põe em destaque fenômenos de heterogeneidade discursiva, na medida em que “o locutor/enunciador coloca em cena uma multiplicidade de pontos de vista e os faz dialogar entre eles”. 92 RABATEL, A. Foundus enchainés énonciatifs: scénographie énonciative et point de vue. Poétique, 126, Paris, p. 151-173, 2001 93 RABATEL, A. La narratolog ie, aujourd'hui: Pour une narratologie énonciative ou pour une approche énonciative de la narration ?, Vox Poetica, 2003. Disponível em: Acesso em: 15 dez.2015. 94 RABATEL, A. Les postures énonciatives dans la co-construction dialogique des points de vue: coénonciation, surénonciation, sous énonciation. In:______. BRES, Jacques et al. Dialogisme et polyphonie : approches linguistiques. Bruxelles: De Boeck & Larcier, 2005, p. 95-110. 95 RABATEL A. Homo narrans : pour une analyse énonciative et interactionnelle du récit. Tome 2. D ialogisme et polyphonie dans le récit. Limoges: Lambert- Lucas, 2008. 96 RABATEL, A. Prise em charge et imputation, ou la prise em charge à responsabilité limitée. In : ______. Langue Française – La notion de prise em charge em linguistique, n. 162, jun, 2009.. 97 RABATEL, A. O papel do enunciador na construção interacional dos pontos de vista. In: WANDER, E. (Org.). A construção da opinião na mídia. Tradução de Wander Emeditato. Belo Horizonte: FALE/UFMG, Núcleo de Análise do Discurso, 2013, p. 19-66. 98 RABATEL, A. Retour sur un parcours en énonciation. In.______ CARCASSONNE, Marie; CUNHA, Dóris; DONAHUE, Christiane; FRANÇOIS, Frédéric; RABATEL, A lain. Points de vue sur le point de vue. Limoges: Lambert - Lucas, 2015, p. 327-355. 99 RABATEL, A. Re-torno sobre um percurso em enunciação. In : _____. Entremeios: revista de estudos do discurso. v.11, jul.- dez./2015 Disponível em < http://www.entremeios.inf.b r >http://www.entremeios.inf.br/published/288.pdf>. Acesso 10 jan. 2016. 100 RABATEL, A. Postures énonciatives, variable générique et stratégies de positionnement. In. ANGERMULLER, Johannes; PHILIPPE, Gilles. Analyse du discours et dispositifs d'énonciation: autour des travaux de Dominique Maingueneau, tradução Euclides Moreira Neto. Limoges: Lambert-Lucas, 2015, p. 125- 135. 131 Nessa ótica, Cortez e Koch (2013) ratificam que, no jogo enunciativo, as escolhas linguísticas são reveladoras do ponto de vista do enunciador e estão diretamente ligadas aos modos de posicionamento linguístico da subjetividade. As autoras atestam também que se faz necessário diferenciar aquele que assume o conteúdo da percepção, o locutor/enunciador primeiro (L1/E1), daquele a quem determinado conteúdo é imputado, o enunciador segundo (e2). As autoras consideram que L1/E1 pode afirma-se pela incorporação do PDV de outros enunciadores em consonância ou dissonância, que ele pode tomar para si ou imputar. No âmbito da abordagem enunciativa e interacionista, o PDV é uma categoria transversal (RABATEL, 2005, 2016)101 e remete a um conteúdo proposicional, à referenciação dos objetos do discurso, a uma fonte enunciativa, às opiniões, às posições de posturas enunciativas (subjetivas ou objetivas) e a julgamentos de valor, sob uma dimensão enunciativo-argumentativa e pragmática. O termo se define também a partir de meios linguísticos através dos quais um sujeito visa um objeto, em todos os sentidos do verbo visar, seja esse sujeito singular ou coletivo. No que concerne ao objeto, ele pode corresponder a um objeto concreto, mas também a um personagem, a uma situação, a uma noção ou a um acontecimento, uma vez que em todos os casos se trata de objeto do discurso (RABATEL, 2008). O sujeito responsável pela referenciação do objeto exprime seu PDV tanto diretamente, explicitamente, como indiretamente. (RABATEL, 2008). Nesse entendimento, linguisticamente, o locutor-enunciador pode revelar objetividade e distanciamento para com seu dito. Nessa teorização, os estudos sobre o ponto de vista visam compreender como o sujeito se inscreve no discurso, bem como de que maneira exprime a percepção, a opinião e a subjetividade associada à sua enunciação. Nesse aspecto, vale ressaltar que Passeggi et al. (2010, p.306) acrescenta que essa visão rabateliana “se alinha” com a definição de Adam (2011), de Nølke, Fløttum e Norén (2004), tendo em vista considerar as relações polifônicas. Os autores afirmam, ainda, que a definição de Rabatel (2008) leva em conta três elementos: (i) o sujeito que é a fonte; (ii) o objeto; e (iii) a referenciação. 101 RABATEL A. Le point de vue, une catégorie transversale. Le Français aujourd'hui, Paris, n. 151, 2005, p. 57-68. Disponível em:. Acesso em 10 jun. 2016. 132 Para Cortez (2011)102, são diversos os recursos linguísticos que contribuem para a construção do PDV, entre eles destacamos: seleção lexical, tempos verbais, recursos modalizadores, marcas de modalização autonímica, formas do discurso reportado etc. Dessa maneira, podemos afirmar que não existem marcas específicas do PDV, todavia, variadas estratégias linguísticas que atuam na construção do discurso. De modo geral, nessa discussão, Rabatel (2008, 2009, 2005, 2013, 2015) concebe o PDV por natureza dialógica, tendo o foco dos seus trabalhos no âmbito dos estudos narrativos e da abordagem enunciativa da argumentação. Esse autor define e caracteriza três tipos de PDV, a saber: PDV embrionário/contado/narrado (fatos narrados), PDV afirmado/assertado (discursos ou fala) e PDV representado (percepção e pensamentos), como detalhamos a seguir, em síntese: ► PDV contado/narrado: Trata-se de um tipo de PDV encontrado em um relato a partir da perspectiva de um personagem, de um ator do enunciado. Está relacionado à forma de agir de um dos enunciadores, pela qual ele se distancia de L1/E1. O PDV contado se concentra na apreensão de acontecimentos e se limita a um relato empatizante com o autor do enunciado da debreagem enunciativa. O PDV contado ocorre em textos escritos a partir da perspectiva de um personagem que relata acontecimentos. O PDV é imputado a um dos atores do enunciado, mas esse ator do enunciado não tem um espaço enunciativo particular. O PDV contado “corresponde aos casos ou aos fragmentos de texto em que há uma empatia entre os atores do enunciado, e contados os acontecimentos desde sua perspectiva” (RABATEL, 2001, p. 156). ► PDV afirmado/assertado: Diz respeito à opinião, ao julgamento e à fala explicitamente assumidos e apresentados. Enunciador e locutor coincidem. O PDV afirmado exprime os julgamentos ou os pensamentos, com debreagem enunciativa. O PDV afirmado marca uma opinião assumida de forma explícita, pois “corresponde à expressão das falas, pensamentos, opiniões e julgamentos. É o ponto de vista dominante nos textos argumentativos” (RABATEL, 2001, p. 157). O PDV afirmado postula que o enunciador e o locutor de um PDV são os mesmos, diferentemente dos outros tipos de PDV, os quais apresentam locutor- narrador como sendo diferente do enunciador personagem. 102 CORTEZ, S. L. A Construção Textual-Discursiva do Ponto de Vista por meio das Formas Nominais (2011). Tese de Doutorado em Linguística. Universidade Estadual de Campinas. 199 p. 133 ► PDV representado: Aquele que atribui importância às expressões das percepções/pensamentos pelo enunciador sobre o objeto focalizado. Manifesta-se igualmente através de marcas mais discretas e de inferências que afetam a construção do conteúdo proposicional, notadamente no âmbito da atribuição. O PDV representado incide sobre as percepções (e em pensamentos que lhes são associados), com uma debreagem enunciativa mínima, em “frases sem palavras” (RABATEL, 2001, p. 151-152). O PDV representado ocorre a partir das relações sintático-semânticas entre um objeto perceptível, um processo de percepção e um objeto percebido, embora a presença desses elementos não seja sempre necessária, nem suficiente para a existência de um PDV. O PDV nem sempre é assumido por quem diz, pois o locutor pode estar apenas atribuindo um PDV ao outro de quem ele quer marcar distanciamento. Desse modo, aquele que fala não é necessariamente a fonte da percepção ou saber enunciado. Assim, Rabatel (2015, p. 339-340) destaca também que a PEC e a responsabilidade só se recobrem idealmente em contextos monológicos e monogerados, com um locutor e ponto de vista. Mas desde que existam vários locutores, vários pontos de vista, a assunção da responsabilidade concerne apenas aos PDV de L1/E1 ou aqueles de l2/e2 ou e2 com os quais L1/E1 expressa seu acordo. L1/E1 não pode ser considerado como responsável por todos os outros PDV que evoca em seu discurso [...]. Ainda sobre essa questão, tal autor concebe que desde que existam vários locutores, vários pontos de vista, a responsabilidade pelo dizer diz respeito apenas aos PDV de L1/E1 ou aos PDV dos l2/e2 ou e2 com os quais L1/E concorda. L1/E1 não poderia ser responsabilizado por todos os outros PDV que ele evoca em seu discurso [...] mas ele sempre pode ser interrogado sobre suas escolhas, a gestão de seu discurso. Esses últimos pontos dependem mais da responsabilidade enunciativa em sentido amplo, alcançando questões de organização textual ou discursivas mais complexas que a PEC stricto sensu, que concernem aos enunciados. A responsabilidade é maior do que o ato de assumir, porque a instância de responsabilidade é questionada a partir de um campo de relações mais complexo. (RABATEL, 2015b, p. 9). Cortez (2011, p.3), retomando os estudos rabatelianos, pontua que o estudo do PDV permite analisar a complexidade das relações entre as instâncias que povoam o discurso, bem como a heterogeneidade que caracteriza a constituição e a hierarquia das posições enunciativas. Nessa ótica, o PDV encontra-se relacionado aos mecanismos de expressão da 134 subjetividade e de posição enunciativa. Nessa direção, o estudo do ponto de vista numa perspectiva enunciativo- interacional revela a heterogeneidade na constituição da tessitura do discurso. 1.9.4.2 Instâncias, posicionamentos, posturas, dimensões e movimentos enunciativos Rabatel (2011) explica que o locutor é a primeira instância que produz materialmente os enunciados. É por isso que o conceito de locutor pode ser aproximado do conceito de vozes. Já o enunciador é a instância que se posiciona em relação aos objetos do discurso aos quais ele se refere, e ao fazê- lo é que eles tomam a responsabilidade para si. Nessa direção, é importante também tratar das diferenças propostas por Rabatel (2005, 2008, 2009, 2013, 2015) entre: (1) produtor físico do enunciado, que é o sujeito que fala; (2) locutor, que é o que está na fonte do enunciado e (3) enunciador, que é quem assume ou leva em consideração o enunciado. Notamos, então, que um locutor de um determinado PDV nem sempre é a fonte enunciativa do dizer, pois não se trata, necessariamente, da instância que assume o conteúdo dito ou percepção representada. No escopo do estudo do PDV, podemos destacar que as escolhas lexicais são reveladoras do ponto de vista do enunciador. Dessa maneira, o PDV engloba julgamentos e conhecimentos que o enunciador projeta em seu texto. Rabatel e Chauvin-Vileno (2006, p. 19)103 afirmam que “a responsabilidade [...] é diretamente atribuída pela gestão da multiplicidade das fontes enunciativas”, mas não abrange somente esse aspecto. É preciso destacar que todo locutor está engajado com a enunciação e, por isso, a enunciação é orientada argumentativamente, cabendo ao locutor estabelecer estratégias enunciativas para demonstrar seu propósito, responsabilizando-se, ou não, pelos enunciados. Para exemplificar, Rabatel (2009) apresenta que em um enunciado como “eu não amo essas questões de Responsabilidade Enunciativa”, eu é a fonte e o validador, isto é, aquele que confirma a verdade do conteúdo proposicional, entendendo fonte como “a iminência enunciativa da origem do PDV” (RABATEL, 2009, p. 78)104. 103 RABATEL, A.; CHAUVIN-VILENO, A. La question de la responsabilité dans l’éscriture de presse. SEMEN – Revue de sémiolinguistique des textes et discours , n. 22, p. 7-27, 2006. 104 RABATEL, A. Prise em charge et imputation, ou la prise em charge à responsabilité limitée.In : ______ Langue Française – La notion de prise em charge em linguistique, n. 162, jun. 2009. 135 Nesse contexto, é preciso considerar que, para Rabatel (2009, 2011, 2013, 2015), há diferentes modos de representar um PDV e eles estão diretamente ligados às relações ocorridas entre locutor/enunciador105. As relações são oriundas do modo como o locutor e o enunciador, enquanto produtores do texto e instâncias enunciativas, se posicionam em relação ao PDV de outros enunciadores (discurso de outrem que eles expõem em seus textos). Sabemos que o estudo da entrada da voz de outrem direciona nosso olhar para as instâncias enunciativas, conforme ratifica Lourenço (2016). Desse modo, acompanhamos as definições rabatelianas acerca do par locutor/enunciador. Tendo em vista a abordagem desse autor, apresentamos, de forma sumária, o esquema do entendimento no que tange às instâncias enunciativas: Figura 15 – Instâncias enunciativas Fonte: Elaboração própria baseada em Rabatel (2009, 2015, 2016) Em outras palavras, seguindo o viés rabatelianos, Lourenço (2015) preconiza que temos um locutor, a instância que fala, e um enunciador que assume a responsabilidade pela 105 RABATEL A. Locuteur, énonciateur. Disponível em: . Acesso em: 8 ago. 2015. 136 produção de sentido dos enunciados, sendo responsável pelo ponto de vista em que se posiciona. É importante mencionar que na compreensão dos postulados de Rabatel (2008, p. 59), observamos a distinção entre o conceito de enunciador primeiro (e1) e enunciado segundo (e2). O enunciador primeiro é “aquele que assume a responsabilidade dos PDV aos quais ele adere, aquele a quem se atribui um grande número de PDV, redutíveis a um PDV geral e a uma posição argumentativa global que supõe corresponder a sua posição sobre a questão”. Já enunciador segundo considera-se aqueles “internos ao enunciado que correspondem, no caso da narração, aos personagens, [...] centros de perspectiva que agregam certo número de conteúdos proposicionais que indicam o PDV do enunciador intradiscursivo sobre tal acontecimento [...]”. (Ibid., p. 59). Rabatel (2009, 2003) menciona que o segundo enunciador (e2) pode validar e ser o responsável pelo PDV, sem que se saiba o que pensa o primeiro locutor-enunciador (L1/E1). A partir dessa perspectiva, Rabatel (2009) questionou os estudos ducrotianos no que tange à possibilidade de atribuir a responsabilidade enunciativa a um enunciador que não proferiu o PDV, que não foi o autor das palavras. Rabatel (2016, p.86) explica que nota pela maiúscula L, seguida do algarismo 1, o locutor/enunciador primário que corresponde ao principal. A barra oblíqua significa o sincretismo de L1/E1. O autor menciona ainda que L1 dá conta dos PDV dos locutores e enunciadores segundos em função dos seus próprios interesses de locutor primário. Alinhada com a perspectiva rabatelianas, Cortez (2011) ressalta que L1/E1 (locutor enunciador primeiro) é o gerenciador das posições dos PDV dos enunciados segundos. L1/E1 apresenta os diferentes pontos de vista em função da orientação argumentação que se quer dar ao texto, afirmando, assim, sua posição. Para a referida autora, na construção textual e dialógica do PDV, pode ser identificado: i) o locutor/enunciador primeiro (produtor do texto/gerenciador das informações; ii) os enunciadores segundos com quem o locutor/enunciador dialoga. Sob essa concepção, Rabatel (2008, p. 70) postula que identificar um enunciador no discurso implica procurar sua presença por meio dos objetos de discurso, visando definir a posição de L1/E1 em relação aos PDV imputados a enunciadores segundos, marcando o acordo, desacordo ou neutralidade. Nisto reside à dimensão argumentativa da relação sujeito- objeto que direciona a orientação argumentativa que passa não só por um querer dizer que 137 influencia a construção do sentido, mas também por um jogo enunciativo de construção de posições (CORTEZ. KOCH, 2013). No que tange à relação dessas instâncias no plano enunciativo, destacamos, a seguir, a figura esquemática, com base em Costa (2015, p.72): Figura 16 – Dimensão enunciativa: esquema da relação de (não)-assunção da RE Fonte: Costa (2015, p.72) Do esquema de Costa (2015), entendemos que as instâncias enunciativas podem também se apresentar no jogo polifônico da enunciação em dois momentos: (i) a assunção e (ii) a não assunção da responsabilidade enunciativa, quando é notório a evocação do quadro mediativo. Considerando os estudos sobre a Responsabilidade enunciativa e PDV (ADAM, 2011; RABATEL, 2009, 2013, 2015; GUENTCHÉVA, 1994; NØLKE, FLØTTUM E NORÉN, 2004), no âmbito do plano enunciativo, entende-se que as instâncias enunciativas são consideradas fontes do dizer representadas por pessoas, leis, instituições, dentre outros. Nesse sentido, vale ressaltar que, para a identificação do PDV, é indispensável reconhecer a fonte. Assentado nessa perspectiva, vale mencionar que Rabatel (2005, 2013, 2015) se distancia também dos posicionamentos benvenistianos, no que concerne aos conceitos de enunciação. No viés rabateliano, os pressupostos benvenistianos limitam a expressão da subjetividade à enunciação pessoal (igualmente a uma instância que diz “Eu”) inscrita pelo locutor ao se apropriar do sistema linguístico. Rabatel (2005, 2013) assume que “ora, o eu nem implica um PDV pessoal nem expressão subjetivante – nem tão pouco os PDV em ele não devem ser objectivantes ou dóxicos” (RABATEL, 2005, p. 57). Na compreensão de 138 Rabatel (2013, 2015), os estudos de Benveniste (1989) deixaram de lado a percepção da hierarquização e das relações enunciativo-semânticas estabelecidas entre locutores (L1 e l2) e enunciadores (E1 e e2), como também não fizeram distinção teórica entre essas instâncias. Segundo Rabatel (2011, p. 5), “todo locutor é enunciador, mas nem todo enunciador não é necessariamente locutor”. Nesse sentido, concordamos com Vion (1998) apud Cortez (2011, p. 47), quando ele diz que abordar “as não coincidências entre o locutor e o que é dito, ou entre o locutor e um outro constitui uma maneira de pensar o sujeito em sua heterogeneidade”, o que acarreta o interesse pelas marcas linguísticas de reconhecimento da heterogeneidade enunciativa que a representação de pontos de vista evoca. Para Rabatel (2016, p. 71), analisar um ponto de vista é recuperar, de uma parte, os contornos de seu conteúdo proposicional e, de outra, sua fonte enunciativa, inclusive quando esta é implícita, a partir do modo de atribuição dos referentes e dos agenciamentos das frases em um texto. Em tal abordagem, enunciação e referenciação [...] juntam-se no discurso: a enunciação parte dos traços do sujeito enunciador para ir até englobar as escolhas de construção dos referentes, enquanto que a referenciação liga-se à construção dos objetos do discurso, e recupera aí escolhas que remetem a um enunciador determinado, ou a vários. No que tange à assunção da responsabilidade enunciativa 106, Rabatel (2009, p. 71) considera que “há assunção quando o locutor enunciador primeiro (L1/E1) assume por conta própria os conteúdos proposicionais porque os julga verdadeiros”. De acordo com a perspectiva de Rabatel (2008), o ponto de vista é um conceito linguístico e tem capacidade de expressar a subjetividade de um sujeito, como uma unidade semântica que indica um posicionamento a respeito do conteúdo proposicional, em um contexto linguístico-enunciativo, situacional, textual e interacional. No que diz respeito aos tipos de PDV (RABATEL, 2015), destacamos que o PDV pode ser expresso diretamente, em uma dimensão enunciativo-argumentativa, por comentários explícitos, ou indiretamente, pela referenciação e independente da presença de marcadores tradicionais de argumentação, bem como pode apontar tanto para relatos das percepções, relato dos discursos ou dos pensamentos. 106Ressaltamos que Rabatel (2016, p. 94) afirma que “a RE é o fato de assumir o conteúdo proposicional de uma fala como verdadeira, não equivale, pois, ao levar em conta: toda RE implica um levar em conta, mas a recíp roca não é verdadeira, como na concessão, na refutação, na retificação etc. Quando L1/E1 leva em conta m ponto de vista de e2, isso significa que não o rejeita, sem, no entanto, aceita-lo. Ele não confirma o fato, em si já significativo, de integrá-lo em seu discurso. [...] L1/E1 (poderá se posicionar) em relação a esse PDV imputado, rejeitando-o ou tornando-o como seu”. 139 Nessa direção, conceituamos e destacamos os movimentos enunciativos: assunção da responsabilidade e imputação, considerando os pressupostos rabatelianos (RABATEL, 2016, p.88): ► Assunção é quando o L1/E1 assume por conta própria os conteúdos proposicionais porque os julga verdadeiros. Só há assunção se o locutor estiver na fonte, se as palavras forem dele. ► Imputação se dá quando ele, o L1/E1, atribui os conteúdos proposicionais a um enunciador segundo (e2), podendo também representar uma Quase-RE. Rabatel (2009, p. 71)107 trata da noção de “quase-RE”108 partindo de uma definição culioliana da asserção. Essa noção revela que é possível imputar um PDV para os enunciadores segundos, mesmo que eles não tenham enunciado nada. Compreendemos que as informações no texto/discurso se apresentam por meio das falas, pensamentos ou percepções representadas. Os ditos no discurso/texto podem ser assumidos pelo locutor/enunciador primeiro, o qual é encarregado de gerenciar os dizeres ou a Responsabilidade Enunciativa pode ser atribuída pelo locutor a outros enunciadores. Corroborando essa discussão, Cortez (2011, p. 18) elucida que essa concepção de PDV leva em consideração que mesmo as “frases sem fala” (quando não há asserção ou fala explícita) permitem a expressão de um PDV, isto é, ainda que as instâncias enunciativas não falem, elas podem ter seu PDV representado por outro enunciador ou pelo locutor/enunciador primeiro. Na compreensão da noção da “quase-PEC”, o locutor pode imputar um PDV para os enunciadores segundos, mesmo que eles não tenham dito. Rabatel (2008, p. 60) pontua que: [...] reflexão sobre as diferentes variedades de responsabilidade enunciativa (RE) em função das instâncias incita-nos a distinguir, por um lado, a RE, para os conteúdos proposicionais que o locutor/enunciador primeiro (L1/E1) assume por sua própria conta, porque ele os julga verdadeiros, por outro lado, a imputação, para os conteúdos proposicionais que L1/E1 atribui a um enunciador segundo (e2). No segundo caso apresentado, se o enunciador está na fonte de um ponto de vista (PDV), no sentido definido por Ducrot (1984) , sem ser o autor de falas, é difícil falar em RE, com relação à concepção segundo a qual assumir a responsabilidade, é falar, dizer. É por essa razão que fazemos, na primeira parte, a hipótese de uma “quase-RE”, as aspas marcando que essa RE não é verdadeiramente uma, mas que ela é, 107 RABATEL, A. Prise en charge et imputation, ou la prise em charge à responsabilité limitée, Langue Française, n. 162, 2009, p. 71-87. 108Em Rabatel (2016, p. 91), observamos que nos casos de “quase-RE” “trata-se de imputação com uma RE com responsabilidade limitada, porque é construída pelo locutor primeiro, atribuída por ele a um locutor/ enunciador segundo que pode, sempre, alegar que não é responsável por um PDV que L1/E1 imputou -lhe” 140 entretanto, necessária para que L1/E1 possa, em seguida, determinar-se com relação a esse PDV: nisso, nos distanciamos sensivelmente das teses de Ducrot. (RABATEL, 2008, p. 60). Em resumo, em outras palavras, na visão de Rabatel (2009, 2016), a responsabilidade enunciativa (ou responsabilização) refere-se aos contextos enunciativos em que L1/E1 assume por conta própria os conteúdos proposicionais do PDV que ele julga verdadeiros. Quanto ao conceito de imputação, ele se refere aos casos em que L1/E1 atribui os conteúdos proposicionais a um e2 (enunciador segundo)109. Nesse ângulo, Rabatel (2016, p.98-99) afirma que “um grau suplementar na expressão da RE por L1/E1 corresponde ao acordo explícito com o PDV de e2” ou quando o “acordo emerge como uma coconstrução”. A RE trata-se de uma coenunciação, enquanto que coprodução de um PDV partilhado. Nesse ponto, ressalvamos que a voz de outrem é integrada e orienta um sentido determinado em prol da visada argumentativa, por intermédio dos desdobramentos enunciativos objetivantes e subjetivantes. Nessa perspectiva, “o dialogismo do PDV permite compreender que os PDV podem ser exibidos ou ocultados” (RABATEL, 2016, p. 100), sobretudo nos enunciados de apagamento enunciativo. Já no que concerne à “quase-RE”, esse autor considera uma quase-responsabilização para as ocorrências de imputação do PDV a um e2 (enunciadores segundos), “aos quais pode- se imputar um PDV, mesmo que eles não tenham dito nada” (RABATEL, 2009, p.85) com ou sem posicionamento de L1/E1. Este pode marcar o seu engajamento a partir de um acordo favorável em relação ao PDV imputado, isto é, nas palavras de Rabatel (2009, p. 73): “é esta quase-PEC, imputada a e2, que permite em seguida que L1/E1 se posicione em relação à posição enunciativa de e2”. Dessa maneira, compreendemos, em Rabatel (2016) que é pela noção de responsabilidade enunciativa que podemos admitir que L1/E1 imputa um posicionamento enunciativo de engajamento pelo conteúdo do PDV a um e2, mesmo que ele não tenha dito nenhum conteúdo proposicional. Rabatel (2009) afirma que é complexo esse tipo de imputação, porque nem todas as línguas (o francês, por exemplo) dispõem de marcas morfológicas para marcar esse distanciamento. Nesse entendimento, concordamos com Rodrigues, Passeggi e Silva-Neto (2010, p. 157), os quais afirmam que a noção de “quase-Re” permite “atribuir um ponto de vista PDV 109 Bernard ino (2015) destaca a articulação entre a visão de Adam (2011) e de Rabatel (2009, 2015, 2016) no que tange as acepções de assunção, atribuição, responsabilização e imputação. A autora considera que as acepções se inserem em perspectiva dialógica da linguagem, revelando o desdobramento polifônico do enunciado, na direção do entendimento de Passeggi et al (2010). 141 mesmo a quem não está na origem do enunciado”. Nesse ponto, faremos (inter)relações com o conceito de mediativo, de acordo com Guentchèva (1993, 1994). A partir dos estudos de Rabatel (2009, 2013, 2015, 2016), é possível depreendermos algumas possibilidades de posicionamento de L1/E1 em zonas textuais no âmbito de contextos de imputação do PDV a outro enunciador (e2/enunciador segundo) e l2/e2. Dentre elas destacamos: o acordo com hierarquização e/ou coenunciação de PDV, a neutralidade/afastamento do dito/pseudoneutralidade e o desacordo. O acordo pode ser total ou parcial, trata-se de estratégia linguística de compartilhamento e de confirmação do PDV imputado a e2 e/ou l2/e2 (locutor enunciador segundo). Nesse caso, L1/E1 pode manifestar- se, linguisticamente, de modo favorável ao que disse e2 e/ou l2/e2, ou apenas parcialmente. Os estudos rabatelianos citados guia-nos a considerar que o posicionamento enunciativo de desacordo é uma estratégia linguística de negação/discordância/refutação do PDV imputado a e2. Nesse caso, L1/E1 pode manifestar-se, linguisticamente, por meio de dispositivos textuais, enunciativos e/ou linguísticos da não assunção da responsabilidade de modo discordante, de forma total ou parcial, ao que disse e2/ e/ou l2/e2. Dessa maneira, de um lado, na assunção da responsabilidade enunciativa, pode haver, da parte de L1/E1, concordância e partilhamento do conteúdo proposicional do PDV com e2, isto é, mesmo imputando-o, L1/E1 pode tomá-lo como seu, realizando sobre ele diversas operações, como por exemplo, acordar, confirmar, hierarquizar e coenunciar o dito. De outro lado, o desacordo que pode revelar a não assunção da responsabilidade enunciativa por parte de L1/E1, haja vista a atuação da negação, fazendo com que e2 e/ou l2/e2 assuma sozinho o PDV (RABATEL, 2009, 2015, 2016; BERNARDINO, 2015). Já o posicionamento de neutralidade/distanciamento/pseudoneutralidade é uma postura enunciativa que manifesta linguisticamente o afastamento de L1/E1, que, de acordo com os propósitos comunicativos e a orientação argumentativa, não deseja evidenciar seu posicionamento, bem como, não deseja evidenciar se é favorável ou não ao PDV de e2 ou l2/e2. Por meio de zonas textuais mediatizadas, o enunciador não assume e nem marca engajamento com o dito. Mas, essa neutralidade pode não se sustentar, uma vez que em algum contexto enunciativo e/ou linguístico, pode ser exigido de L1/E1 ou ser depreendido por meio de marcas linguísticas algum posicionamento de L1/E1. Assim, observamos que as posturas enunciativas e a responsabilidade pelo PDV recaem sobre o enunciador segundo (e2), por meio da imputação. Nesses casos, é válido dizer que L1/E1 não se responsabiliza inicialmente pelo conteúdo dito; porém, ao emitir uma posição favorável, ele pode validar, acordar ou hierarquizar por si mesmo o conteúdo proposicional atribuído a outrem e, com isso, temos um 142 contexto de responsabilização pela imputação (RABATEL,2008, 2009, 2015, 2016; BERNARDINO, 2015). Seguindo esses preceitos em relação aos posicionamentos enunciativos, Rabatel (2016, p. 94) ratifica que é apenas em relação à noção de imputação que as noções de acordo, desacordo ou neutralidade fazem sentido. A não RE não é a contraparte da RE, porque é a imputação que exerce esse papel. É no nível inferior da exploração pragmática das imputações que L1/E1 precisa se ele está em desacordo com o PDV imputado, se ele o considera, sem tomar partido, explicitamente [...] (neutralidade ou RE zero), ou se ele está de acordo com o PDV. (RABATEL, 2016, p. 94). A respeito das posturas enunciativas, em visão recente de Rabatel (2015a, 2015b), asseveramos que a assunção da responsabilidade só concerne aos PDV de L1/E1 ou àqueles de l2/e2 ou e/2 com os quais L1/E1 concorda”. Na perspectiva rabateliana, ressaltamos que a noção de coenunciação trata de contexto de assunção da responsabilidade, pois tem como interseção entre esses fenômenos a “concordância entre o PDV de L1/E1e de l2/e2 ou e/2”. (RODRIGUES, 2016, p.139)110. Nesse direcionamento, Rabatel (2015) afirma que a maneira como L1/E1 escolhe formular o PDV é significativa no plano enunciativo. Em virtude disso, o referido autor destaca que as posturas enunciativas “repousam sobre a distinção do locutor (instância de produção fônica ou gráfica do enunciado) e do enunciador (instância da assunção da responsabilização pelos conteúdos das proposições, à fonte das atualizações dêitica e modal)” (RABATEL, 2015, p.127)111. Esse autor considera três tipos de “posturas” que estão relacionados ao plano enunciativo do texto e de acordo com objetivos enunciativo- argumentativos, a saber: 1) a coenunciação; 2) a subenunciação; e 3) a sobrenunciação, as quais detalharemos, em termos gerais, a seguir: ► A coenunciação: L1/E1 marca explicitamente seu acordo com o PDV do outro e apresenta coprodução de um PDV comum e partilhado por L1/E1 e um enunciador 110 RODRIGUES, M. G. S. Sentenças condenatórias: plano de texto e responsabilidade enunciativa. In.______PINTO, R. CABRAL, A. L. T; RODRIGUES, M. G. S. (Orgs). Linguagem e Direito: perspectivas teóricas e práticas. São Paulo : Contexto, 2016, p.130-144. 111 RABATEL, A. Postures énonciatives, variable générique et stratégies de positionnement. In. ANGERMULLER, Johannes; PHILIPPE, Gilles. Analyse du discours et dispositifs d'énonciation: autour des travaux de Dominique Maingueneau, tradução Euclides Moreira Neto. Limoges: Lambert-Lucas, 2015, p. 125- 135. 143 segundo (e2). Como dito, articula-se diretamente com o fenômeno da assunção da responsabilidade (RABATEL, 2015); ► A subenunciação: L1/E1 marca distância com o dito. Trata-se de uma coprodução de um PDV “dominado”, L1/E1, o subenunciador, retomando com reserva, com distância ou precaução um PDV que provém de uma fonte à qual L1/E1 confere um estatuto preeminente (RABATEL, 2015); ► A sobrenunciação: coprodução de um PDV sobressaindo-se a L1/E1 que reformula o PDV parecendo dizer a mesma coisa, contudo modificando a seu favor o domínio de pertinência do conteúdo ou de sua orientação argumentativa (RABATEL, 2015). Nesse prisma, em Rabatel (2013, p.42-43), compreendemos que, no contexto interacional, é possível evocar mecanismos linguísticos de “apagamento enunciativo” e gerenciamento de vozes no plano de encenação do jogo de pontos de vista do locutor- enunciador primeiro (L1/E1) e dos locutores e enunciadores segundos (l2/e2), de modo que L1/E1 pode “se esconder” atrás do dito de e2 ou do l2/e2, de forma ilusória, visando à informatividade ou à objetividade do dito, fazendo escolhas de posicionamento enunciativo a serviço dos seus propósitos, em busca de autencidade e autoridade, por meio de artifícios linguísticos (RABATEL, 2013, p.46), isto é, por meio de marcas explícitas que direcionam aos “laços semânticos de responsabilidade e de não responsabilidade”, os quais podem se apresentar, de forma gradual, com distanciamento ou sem distanciamento entre o dito de L1/E1 com o de l2/e2. Esse autor propõe ainda que, no plano enunciativo-textual, entram em jogo marcas interacionais que revelam quando os locutores enunciadores primeiros coproduzem um PDV comum, partilhado (coenunciado/acordado/assertado) com e2, ou quando o PDV de um dos locutores segundos é retomado por L1/E1, que pode até partilhar do conteúdo proposicional de e2, mas se impõe, em posição dominante de sobrenunciador. Dessa maneira, torna-se pertinente destacar que Rabatel (2015, 2016) centra seu olhar na dimensão enunciativo-argumentativa do enunciado e reconhece que a escolha e a mudança de uma postura enunciativa dependem dos objetivos enunciativo-argumentativos (no sentido amplo do termo), articulados com a orientação argumentativa defendida por L1/E1, pois “todos os conteúdos proposicionais coorientados [...] (podem estar) integrados na linha 144 argumentativa do enunciador principal” (RABATEL, 2016, p. 107). Tais escolhas não podem fazer abstração da situação, do gênero etc. Nesse viés, Rabatel, na obra Homo Narrans (2008, 2016), apresenta que estudos linguísticos evidenciam que L1/E1 (locutor enunciador primeiro), em enunciado dialógico, adota estratégias linguístico-textuais para imputar uma posição a outrem ou hierarquizar um PDV de enunciadores segundos que estão em cena, isto é, todos os enunciadores (enquanto fonte de conteúdos proposicionais) não se equivalem. O L1/E1, o enunciador primeiro, é concebido como aquele que assume a responsabilidade enunciativa dos PDV, de acordo com uma posição argumentativa. Para esse autor, no âmbito enunciativo-argumentativo, os enunciadores segundos (e2) podem ser vistos mais importantes que os outros no âmbito dos fenômenos de responsabilidade enunciativa, pois os objetivos visados da orientação argumentativa são relevantes para a escolha da postura no jogo enunciativo (RABATEL, 2013). Por esta via de compreensão, no plano da organização textual, Rabatel (2016, p. 106) concebe que a variabilidade [...] dos enunciadores, conforme seu grau de atualização e seu papel [...] (nas) cadeias de argumentos, aumenta a necessidade da hierarquização das instâncias. Essa hierarquização dos enunciadores depende, em última análise, dos vínculos que o locutor/ enunciador primeiro estabelece com os enunciadores (segundos) dos PDV [...] (em favor das visadas argumentativas, considerando o contexto textual e enunciativo). (RABATEL, 2016, p. 106). Nesse ponto, Bernardino (2015, p.69) compreende que isso se “relaciona com o manejo de estratégias discursivas, com as negociações de L1/E1, que ora pode se responsabilizar por conta própria pelo conteúdo proposicional do PDV, ora pode imputá- lo a e2”. Por essa ótica, consoante Cortez (2011, p.13)112, vemos que o PDV participa do processamento textual. A autora destaca que o PDV influencia na interpretação do texto, criando o “efeito PDV”. Para essa autora, “os PDV se imbricam, se autorreferem, se conjugam e assim se individualizam por graus diferenciados de manifestação da subjetividade”. A autora afirma que “a instância que produz o texto e/ou gerencia os pontos de vista opera sínteses do heterogêneo para a construção do PDV que rege o texto e 112 CORTEZ, S. A construção textual discursiva do ponto de vista: vozes, referenciação e formas nominais. 2011. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas, 2011. 145 caracteriza a posição defendida” (CORTEZ, 2011, p.17). Nesse sentido, a construção do PDV e o gerenciamento dos ditos “orienta argumentativamente o texto”. (CORTEZ, 2011, p. 28). No entrecruzamento de perspectivas, as fontes e demais enunciadores segundos (e2) emergem e são corporificados, de acordo com os propósitos de L1/E1, que os apresenta com finalidades argumentativas. Partindo, então, desse entendimento, vemos que “L1/E1 pode apagar em maior ou menor grau a presença do outro enunciador, apropriar-se do seu PDV, marcar distanciamento ou subordinar o PDV do outro ao seu PDV” [...]. Isso inclui a “interpretação de L1/E1 sobre o dizer de outros enunciadores e a possibilidade dele representar falas, atitudes, pensamentos e/ou percepções”. (CORTEZ, 2011, p. 34). Desse modo, Cortez (2011, p.65) entende que os dispositivos de responsabilidade enunciativa e imputação “implicam outros enunciadores além de L1/E1 e se a relação entre eles nem sempre é simétrica, isso significa dizer que as relações locutor e enunciador (podem) ser hierarquizadas no discurso”. Como resultado das relações dissimétricas entre locutores e enunciadores, a hierarquia enunciativa, articula-se em termos de posturas enunciativas, as quais são decorrentes do modo como L1/E1 se posiciona ou assume lugar na interação em relação aos demais enunciadores intradiscursivos, sendo que tais posturas emergem da voz de um locutor/enunciador principal que exerce autoridade no discurso, o que se constitui uma espécie de ponto de ancoragem à hierarquização dos enunciadores. Para Cortez (2011, p. 66), em diálogo com a visão de Rabatel (2005, 2009, 2015), as instâncias nem sempre estão em consonância, porque não partilham da mesma posição e/ou enunciam em lugares/papéis diferentes, o enunciador pode manifestar um PDV dominado, caso de subenunciação, ou dominante, caso de sobreenunciação. Essas duas posturas indicam que a coconstrução do PDV nem sempre assinala equivalência enunciativa, como acontece com a coenunciação. (CORTEZ, 2011, p. 66). Nessa perspectiva, focalizamos que “a identificação das posturas enunciativas é, então, indissociável à análise da construção textual-discursiva do PDV”. (CORTEZ, 2011, p.72). Por isso, “diagnosticar as posturas também implica analisar relações de força que se estabelecem entre os enunciadores, em meio aos quais se destaca um PDV principal que orienta argumentativamente o texto”. (CORTEZ, 2011, p. 72). De tal acepção, depreendemos que, na dinâmica textual e dialógica, a forma de hierarquizar PDV no texto revela-se como “estratégia argumentativa que gerencia PDV, selecionando informações (conteúdos) que põem em foco determinada compreensão (ou 146 recorte enunciativo) sobre o objeto de discurso”. (CORTEZ, 2011, p. 81). Portanto, o estudo do PDV articula-se com o estudo do campo do discurso reportado, bem como é um mecanismo que está relacionado com a orientação argumentativa. Ademais, para essa autora, a análise das formas linguísticas e procedimentos discursivos que caracterizam a heterogeneidade enunciativa. Dessa maneira, a representação do discurso do outro se relaciona com a abordagem enunciativo- interacional do estudo do PDV. Rodrigues (2010, p. 6) baseia-se nos pressupostos rabatelianos e concebe a (não) assunção da responsabilidade enunciativa quando: L1/E1 discordar de e2 ou marcar sua neutralidade, bem como L1/E1 concordar com o PDV de e2 podendo chegar a assumir totalmente o PDV de e2. Este último caso evidencia que ainda que as palavras não sejam de L1/E1, ele pode assumir a responsabilidade enunciativa a partir de um enunciado anterior, marcado no contexto enunciativo-dialógico, linguisticamente, com as palavras de outrem. 1.10 NOÇÃO DO QUADRO MEDIATIVO DE GUENTCHÉVA Consoante Guentchéva (1994), a categoria gramatical do mediativo caracteriza-se como um recurso linguístico que pode ser usado pelo enunciador para marcar uma atitude de distanciamento e simultaneamente, por consequência, marcar também seu não engajamento diante das informações expressas pelo enunciador em relação aos fatos que ele apresenta, uma vez que elas têm sua origem de forma indireta e mediada. Trata-se de uma categoria linguístico-gramatical que, entre outras funções, comporta a de indicar a fonte do saber do conteúdo proposicional em uma situação de enunciação mediada, assinalando que o enunciador não é a fonte primeira da informação. Desse modo, a noção113 da categoria do mediativo proposta por Guentchéva (1994) é uma forma de marcar o distanciamento e o não envolvimento do locutor (produtor físico do texto) 114 frente às informações enunciadas de forma reportada, ou seja, mediada, caracterizando assim a não assunção da responsabilidade enunciativa. 113 Os estudos de Guentchéva considera que mediativo e evidencialidade são termos diferentes. Os termos evidencial e evidencialidade, frequentemente, são assimilados aos termos ‘francês’ mediativo e mediatividade, pois eles designariam o mes mo fenômeno O termo francês evoca evidência (no sentido anglo-saxão), enquanto o termo mediativo focaliza “muito mais a “distância” entre o locutor e seu enunciado que a fonte da informação propriamente dita” (BARBET; DE SAUSSURE, 202, p. 3 apud GUENTCHÉVA, 2014). Rodrigues (2016), durante evento da ALIDI, em Recife, considera que o mediativo encontra-se no plano da não assunção e a evidencialidade no plano da assunção da RE. 114 Corroborando o entendimento que seguimos, Rabatel (2011) e Adam (2011) concordam que o locutor assume o papel de pessoa física, já o enunciador tem o papel de ser responsável pelos enunciados. Em Guentchéva (1994, p. 8), “o enunciador indica de forma explícita que ele não é a fonte primeira da informação”. 147 Seguindo Adam (2011), consideramos que a categoria do mediativo de Guentchéva (1994)115 se (inter)relaciona diretamente também com a modalização em discurso segundo de Authier-Revuz (2004, 2011), no âmbito das formas de representação do discurso do outro, especificamente das que são introduzidas com marcadores de indicação de “quadros mediadores” como: segundo; de acordo com; conforme, para, dentre outros conectores com a mesma relação semântica de conformidade (ADAM, 2011, p. 115-119). Tais expressões linguísticas e introdutores marcam uma zona textual sob a dependência de uma fonte de saber (mediação epistêmica) ou de percepção (mediação perceptiva). Nesse contexto, os enunciados podem não ser assumidos pelo locutor, o qual buscando certo distanciamento, atribui a outrem a responsabilidade, se isentando da responsabilidade pelo dizer. Frente ao exposto, salientamos que a noção de mediativo articula-se, em determinados contextos de posicionamentos linguístico-enunciativos, com a de não assunção da responsabilidade enunciativa. Assim, concebemos a relevância dos estudos de Guentchéva (1994), pois fornece-nos a noção do “mediativo”, que é de suma relevância para a discussão empreendida por Adam (2011), no que se refere à Responsabilidade Enunciativa, no âmbito da ATD. Nessa dinâmica, a autora postula que “o enunciador é então obrigado a marcar formalmente, no seu próprio ato de enunciação, se ele se envolve ou se ele não se envolve nos fatos enunciados” (GUENTCHÉVA, 1994, p. 8). Daí produz-se um jogo sutil de valores que se estruturam de maneira diferente, em conformidade com as particularidades gramaticais de cada língua que ela chamou de mediativo. Nesses termos, podemos considerar que a categor ia mediativo promove a articulação dos valores semânticos produzidos e baseia-se no grau de não envolvimento do enunciador quanto às situações descritas, o que o conduz a estabelecer um continuum de distanciamento em relação aos fatos apresentados, sem para tanto se pronunciar sobre o verdadeiro ou o falso do conteúdo proposicional do enunciado. Guentchéva (1994, p. 8) esclarece que diversas línguas possuem procedimentos gramaticais que permitem ao enunciador significar os diferentes graus de distância que ele toma, no que tange à Responsabilidade Enunciativa dos conteúdos veiculados no enunciado. Ou seja, essa noção permite materializar, de maneira explícita, quando o enunciador não é a primeira fonte da informação e quando ele não assume a responsabilidade pelo conteúdo veiculado no texto. Nessa perspectiva, o enunciador não assume nenhuma garantia pelos 115 GUENTCHEVA, Z. Manifestations de la catégorie du médiatif dans les temps du français. Langue française: Les sources du savoir et leurs marques linguistiques. Louvain/Paris: Peeters, 1994, v. 102, n. 1, p. 8 -23. 148 conteúdos reportados. O enunciado não se constitui, pois, uma afirmação do discurso citante, que não se compromete com afirmações referenciais. Portanto, a categoria do mediativo se caracteriza pelo fato de o “enunciador não assumir a responsabilidade pelo conteúdo que ele enuncia, estabelecendo uma distância entre ele e os fatos reportados”, consoante Guentchéva (1994) apud Rodrigues (2010, p. 142). Na compreensão de Guentchéva (2011, p. 137)116, a enunciação mediatizada é vista como um “ato enunciativo complexo subjacente a toda enunciação que pode se manifestar pelas marcas explícitas integradas no sistema gramatical da língua”. Nas palavras dessa autora, mediativo designa [...] a categoria que permite ao enunciador marcar formalmente diversos graus de distanciamento em relação aos fatos que ele enuncia e significar que o conhecimento desses fatos lhe chegaram através da percepção de forma indireta. Trata-se de um tipo de asserções indicando que o enunciador não se implica no que ele diz e, portanto, “não assume” as situações descritas no enunciado [...]. (GUENTCHÉVA, 1993, p.57). Segundo Guentchéva (1994, 1996), a categoria do mediativo encontra-se organizada a partir de três valores fundamentais, com base em relações semânticas, a saber: i) fatos relatados; ii) fatos inferidos; e iii) fatos de surpresa. Para ela, a articulação dos valores semânticos produzidos baseia-se no grau de não envolvimento do enunciador nas situações descritas, o que o conduz a estabelecer um continuum de distanciamento em relação aos fatos apresentados sem para tanto se pronunciar sobre o verdadeiro ou o falso do conteúdo proposicional do enunciado. (GUENTCHÉVA, 1994, p. 10). No que tange aos fatos relatados são “situações”: a) geralmente conhecidas ou aceitas por todos; e b) baseadas nas falas de outros ou em nuances de dúvida, desconfiança, indignação ou rejeição. Em ambos os casos, o enunciador mostra formalmente que ele não é a fonte primeira do conteúdo proposicional do enunciado e que, por essa razão, ele não assume a responsabilidade enunciativa do que diz, estabelecendo uma “certa distância”. No que se refere aos fatos inferidos, a autora chama a atenção para a questão de que muitas línguas oferecem uma gramaticalização da noção de inferência opondo-a à noção de fato/enunciação mediado/a, enquanto outras podem exprimi- la por uma mesma marca formal. Quanto aos fatos de surpresa, trata-se aqui do “valor de surpresa” que pode ser definido da seguinte 116 GUENTCHEVA, Z. Introducion. In: GUENTCHÉVA, Z. (Org.). L’Énonciation Médiatisée. Louvain-Paris: Peeters, 1996. p. 11-18. 149 maneira: o estado do sujeito da relação predicativa é considerado pelo enunciador como uma descoberta inesperada em relação a um estado esperado e o estado constatado acha-se em relação de concomitância com o ato de enunciação (GUENTCHÉVA, 1994, p. 20). Nesse viés, Guentchéva (2011, p. 119) propõe que a responsabilidade enunciativa seja entendida em termos de um continuum, no qual possamos identificar diferentes graus de assunção e de (não) assunção da responsabilidade enunciativa, e não como termos de polarização, em que o fenômeno em foco seja entendido apenas como assunção ou não assunção do conteúdo proposicional por uma instância enunciativa. Esse direcionamento guia-nos a perceber que o gênero discursivo/textual sentença apresenta a ocorrência de construções mediatizadas introdutoras de fatos relatados ou inferências, uma vez que o juiz, para fazer valer sua autoridade e fundamentar seu dizer, evoca do caderno processual vários PDV de outrem em seu discurso, ora assumindo, acordando, coenunciando, hierarquizando, ora se distanciando, refutando, desacordando com o dito de outrem. A partir dos pressupostos de Guentchéva (1994, 1996 117), entendemos que a categoria gramatical do mediativo importa recursos linguísticos oriundos do campo da semântica. Tal procedimento implica na visão que o enunciador assume enquanto mediador da(s) informação(ões) que veicula, assumindo uma atitude de não engajamento, de não comprometimento com o texto por ele divulgado. Porém, a categoria do mediativo não se restringe apenas ao posicionamento assumido pelo enunciador diante do enunciado, abrange também os aspectos epistemológicos e cognitivos da mensagem enunciada nos discursos produzidos nos vários domínios. Acreditamos que observar o fenômeno da mediatividade nos permite empreender uma atividade interpretativa do semanticismo que algumas palavras absorvem dentro do sistema da língua, como por exemplo, as expressões verbais ou gramaticais marcadas morfologicamente. Vale mencionar que, no âmbito da categoria do mediativo, o enunciador se apresenta apenas como mediador da informação e seu(s) interlocutor(es) reconhecem essa posição e inferem que a informação dada não é assumida pelo enunciador, porque o conteúdo proposicional se constitui em conhecimento adquirido de maneira mediada. Estudos, no campo da Linguística brasileira, mostram que, no Português, não encontramos a estrutura mórfica denominada de categoria gramatical do mediativo, reveladas 117 GUENTCHÉVA, Z. L'opération de prise en charge et la notion de médiatif. In. DENDALE, Patrick; COLTIER, Danielle. La prise en charge énonciative: études théoriques et empiriques. Tradução Hális Alves. Bruxelles: De boeck / Duculot, 2011, p. 117-142. 150 nos estudos de Guentchéva (1994), porque a língua portuguesa não comporta tais marcas morfológicas. Assumimos o postulado “de que o mediativo explicita-se em português através de processos sintáticos e/ou marcadores não exclusivos deste valor”118. No que tange aos recursos gramaticais que servem para manifestar o distanciamento da responsabilidade do enunciador pelas informações (conteúdo proposicional) por ele reportadas, e por ele não testemunhadas, em português, podemos citar, por exemplo, modalidades, advérbios de frase, fórmulas introdutórias do discurso reportado (de acordo com, segundo, dentre outros), formais verbais, aspas, dois pontos, recursos linguísticos diversos para indicar o texto/discurso fonte, marcando que não é do enunciador a origem do dizer. Merece mencionar, que na língua portuguesa, a categoria gramatical do mediativo e o não comprometimento com o dizer ocorrem a partir do que Adam (2011, p. 187) chama de “marcadores de quadros mediadores ou de fontes do saber”. São marcadores que “indicam que uma porção de texto não é assumida (sua verdade assegurada) por aquele que fala, mas mediada por uma voz ou PdV” (Id., Ibid.). Nesse sentido, Neves (2006, p. 1455) considera as estratégias de distanciamento ou de desresponsabilização e propõe que no português temos recursos que o falante de língua portuguesa pode valer-se para indicar que o enunciador não assume a “relação predicativa”. Campos (2001)119 elucida que o mediativo integra a modalidade epistêmica. Ainda acrescenta que o mediativo, por fornecer à modalidade graus de fiabilidade de uma informação, contribui para um valor modal epistêmico, constituindo-se, assim, uma subcategoria da modalidade. Ressalvamos que, em determinados pontos, observamos aproximações entre as modalidades e o mediativo. Porém, vale considerar que no mediativo o enunciador não assume o que relata, constituindo-se em simples mediador da informação, sem promover qualquer juízo de valor, como ocorre nas modalidades. Nesse sentido, vale destacar que Neves e Oliveira120, ao se reportarem sobre as questões atinentes às relações estab elecidas 118 NEVES, J. B.; OLIVEIRA, T. Estratégias linguísticas de distanciamento no jornalismo : as construções mediatizadas. Disponível em:. Acesso em: 30 jul 2016. 119 CAMPOS, M. H. C. Enunciação mediat izada e operações cognitivas. In.:______ SILVA, A.S. (Org.) . Linguagem e cognição: a perspectiva da linguística cognitiva. Braga: APL/UCP, 2001. 120 NEVES, J. B.; OLIVEIRA, T. Estratégias linguísticas de distanciamento no jornalismo : as construções mediatizadas. Disponível em: . Acesso em: 30 jul 2016. 151 entre a categoria gramatical do mediativo e as modalidades, considerando os pressupostos de Guentchéva (1994), afirmam que: a modalidade como a categoria gramatical que marca a forma como o sujeito enunciador assume a validação da relação predicativa (validada ou não- validada, validável ou não-validável em relação ao parâmetro Situação de enunciação origem [..]) constatamos que, num enunciado mediatizado, o enunciador não põe em causa o valor de asserção, antes constrói uma asserção complexa, pela introdução de uma distância subjectiva, construída sobre o tipo de raciocínio ou a fonte enunciativa que sustenta a asserção. (NEVES; OLIVEIRA, 2016, p. 1 ). Dessa maneira, segundo Lourenço (2013, p. 65), constata-se ser pertinente o estudo acerca da categoria gramatical do mediativo por dois motivos básicos: primeiro, pela sua importância no âmbito das discussões postas por Adam no campo da Análise Textual dos Discursos (2008, 2011), porque possibilita, no debate acerca da Responsabilidade Enunciativa, a materialização linguística explícita de quando o enunciador não é a primeira fonte da informação e, segundo, porque também permite o mapeamento dos itens lexicais, processos sintáticos e/ou marcadores utilizados pelos advogados, para fazerem o chamamento do discurso de outrem nas suas produções textuais, que muito diferem de outros textos elaborados em outros domínios, exigindo o uso da linguagem técnica aplicada ao direito e manifesta o uso da linguagem em funcionamento no ambiente institucional. (LOURENÇO, 2013, p. 65). Em Rodrigues (2010, p. 149), compreendemos que “a categoria do mediativo revela uma negociação do enunciador no que diz respeito à responsabilidade enunciativa pelo conteúdo do enunciado”. Guentchéva (2014) considera que a mediatividade é o resultado de um ato de enunciação complexo cuja função principal seria indicar um certo desengajamento do enunciador em relação a um conteúdo proposicional. Em outras palavras, mediatividade implica a existência de informação recebida e asserções reportadas/mediadas. No que tange à evidencialidade, Guentchéva (2014) pontua que o termo mediativo não pode ser considerado como um equivalente do termo francês evidencialidade. Não se trata, portanto, de um simples problema terminológico, mas de um problema metodológico e epistemológico. A referida autora considera que a evidencialidade encontra-se no âmbito da assunção, enquanto o mediativo, da não assunção da Responsabilidade Enunciativa. 152 1.11 ARTICULANDO AS BASES TEÓRICAS PARA AS ANÁLISES Como visto, é válido considerar que mais que uma questão de dialogismo e polifonia de vozes presentes na enunciação, a construção textual do PDV e a responsabilidade enunciativa possuem uma dimensão enunciativa e argumentativo-pragmática, na qual enunciadores diferentes são fontes de pontos de vista diferentes e revelam posicionamentos, em conformidade com seus propósitos comunicativos. Ressaltamos que o percurso teórico trilhado sobre a RE e PDV em diversas abordagens foi fundamental, pois nos forneceu subsídios para a seleção das categorias de análise dos dispositivos da dimensão enunciativa, em uma perspectiva linguístico-textual, articulando principalmente os pressupostos rabatelianos e adamianos. Reconhecemos que algumas questões antes de iniciarmos nossas análises merecem ser destacadas. Em primeiro lugar, acreditamos que os estudos de Rabatel (2015, 2016)121 se concentram numa perspectiva compartimentada, com foco em aspectos enunciativo- argumentativos da construção do PDV, baseados em uma abordagem enunciativa e interacionista dos pontos de vista e da narração. Em segundo lugar, ressalvamos que Adam (2011) propõe a análise da dimensão enunciativa, com destaque para as questões de categorias linguístico-textuais “discriminadas minimamente” (ADAM, 2011, p. 117), conciliando aos aspectos discursivos, a partir da análise textual dos discursos. Constatamos a existência de um ponto comum na abordagem dos dois autores. Ambos baseiam-se nas teorias bakhtinianas, retomando a perspectiva dialógica da linguagem e apontam caminhos para a análise da materialização linguística. Nessa direção, baseamo-nos na proposta de Cortez (2011) que amplia e reorienta a visão do campo conceitual do PDV concebendo-o como um mecanismo enunciativo que atua no processamento textual, na construção da coerência e na orientação argumentativa. Além disso, com base nas reflexões de Passeggi (2016), ampliamos e complementamos o foco da análise das categorias propostas por Rabatel (2008, 2009, 2015, 2016) e Adam (2011). Em decorrência disso, para a análise do gênero discursivo/textual sentença condenatória de que trata de estupro de vulnerável, estabelecemos que para a análise enunciativa, devemos nos apoiar nas marcas linguísticas para procedermos com a análise 121 No que tange à denominação de análise textual-enunciativa, assumimos as reflexões de Passeggi (2016) durante a conferência intitulada: "Abordagens linguísticas, textuais, discursivas e interacionais" proferida no I Ciclo Internacional de Trabalhos Acadêmico-científicos: enunciação, emoção, pragmática e d iscurso jurídico, realizado de 19 a 21 de setembro de 2016, na UFRN/CCHLA. Disponível em: . Acesso em 13 out. 2016. 153 textual da dimensão enunciativa articulada ao direcionamento argumentativo, em conformidade com o gerenciamento de L1/E1 em relação aos PDV imputados aos enunciadores segundos, no nível linguístico da sentença, considerando os elementos suscitados durante o trato teórico-metodológico delineado. Assim, buscamos conciliar, em nossas análises, o nível da análise enunciativa numa perspectiva textual. Centramos nosso olhar nos componentes dos organizadores linguísticos do plano textual-enunciativo relacionados à orientação argumentativa e à RE, apresentando essa inter- relação da dinâmica textual do texto jurídico. Dessa forma, acreditamos que nossa análise não se restringe meramente a aspectos enunciativos oriundos de uma teoria enunciativa, mas, nos baseamos nos aspectos dos dispositivos enunciativos no âmbito de uma perspectiva de análise linguístico-textual. No intuito de procedermos à definição dos elementos pertencentes à análise textual- enunciativa, buscamos, inicialmente, no capítulo teórico, delinear como foram definidos esses elementos por Rabatel (2008, 2009, 2015, 2016), Adam (2011) e Guentchéva (1994, 2011, 2014) para, em seguida, articularmos e complementarmos as abordagens. De forma sumária, pontuamos tal articulação, conforme apresentaremos, nas figuras, a seguir. As figuras buscam reproduzir, sucintamente, a visão das categorias e marcas linguísticas evocadas para a análise textual-enunciativa que trilhamos. Portanto, observamos que a Responsabilidade Enunciativa é uma das principais noções e categorias da ATD e é tratada por Adam (2011) de forma sintética, porém numa visão ampla. Essa forma aberta de Adam (2011) discutir a Responsabilidade Enunciativa nos permite sinalizar algumas complementações, conforme as que apresentamos nos pressupostos de Rabatel, de Authier-Revuz e de Guentchéva. Considerando as noções já expostas, com base em Adam (2011), Guentchéva (1993, 1994) e em Rabatel (2009, 2013, 2015, 2016), focalizando o contexto enunciativo- linguístico e argumentativo da organização do plano textual em que ocorrem, podemos sintetizar as marcas e categorias linguístico-textuais e enunciativas do PDV e do fenômeno da (não) assunção da RE da seguinte forma: 154 Quadro 4 – Síntese de marcas linguísticas e categorias de (não) assunção da RE Marcas linguísticas de não assunção da RE e das posturas enunciativas - índ ices de pessoas; - fenômenos de modalização autonímica; -indicações de quadro mediadores/ marcadores de discurso reportado, a exemplo de segundo, de acordo com, para etc.; - expressões verbais; - verbos dicendi (verbos de atribuição da fala como afirmam, d izem, consideram etc.); - ind icações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados, desde que não acompanhados por índices de primeira pessoa e nem de marcas de subjetividade; - conectores; - elementos tipográficos (negrito, itálico, sublinhado) - sinal gráfico (aspas) -Elementos linguísticos que demarcam a fronteira entre o d iscurso citante e discurso citado Categorias de não assunção da RE e das posturas enunciativas de desengajamento com o di to - mediat ivo ou não assunção de responsabilidade enunciativa (imputação a e2 sem acordo e sem coenunciação); - neutralidade/ Apagamento enunciativo/Pseudoneutralidade; -desacordo entre o PDV de e2, L1/E1; -diferentes tipos de representação da fala (discurso direto, direto livre, indireto, indireto liv re e narrativizado); e - subenunciação. Marcas linguísticas de assunção da RE e das posturas enunciativas de acordo, hierarquização de PDV, coenunciação - modalidades/ elementos modalizadores: lexemas avaliat ivos, advérbios de opinião e marcadores de subjetividade; - marcas de asserção, quando referidas a primeira pessoa; - índ ices de pessoas; - expressões verbais; - elementos tipográficos (negrito, sublinhado). Categorias de assunção da RE e das posturas enunciativas de acordo - hierarquização de PDV - acordo/ coenunciação/compartilhamento de PDV; - PDV afirmado/ assertado; e - sobrenunciação. Fonte: Elaboração própria Considerando os postulados teóricos que seguiremos, em nossas análises, esquematicamente, na organização (con)textual do discurso jurídico, visualizamos o plano- enunciativo da (não) assunção da RE da seguinte forma: 155 Esquema 1 – Relações e dimensões do plano enunciativo-argumentativo Fonte: Elaboração própria Em resumo, podemos articular as categorias da dimensão enunciativa, numa perspectiva textual, propostas por Adam com as categorias linguístico-enunciativas de Rabatel (2015; 2016) e de Guentchéva (2014). Em síntese, o esquema e o quadro a seguir buscam reproduzir a proposta da análise linguístico-textual e enunciativa, bem como recapitula as categorias e marcas122: 122 Destacamos que tais categorias não são as únicas categorias de análise da responsabilidade enunciativa e do PDV, porém elencamos e elegemos tais categorias, considerando o contato com o nosso objet o de estudo. Dessa maneira, após termos delineado o quadro teórico que irá subsidiar nossas análises, passaremos aos aspectos metodológicos da nossa pesquisa. 156 Esquema 2 – Categorias de análise textual-enunciativa Fonte: Elaboração própria Em suma, o quadro a seguir reproduz e retoma as categorias, considerando os teóricos em estudo: Quadro 5 – Categorias de análise linguístico-textual e enunciativa do PDV e da (não) assunção da RE Categorias de Análise linguístico-textual e enunciativa do PDV e da (não assunção da) RE Adam (2011) Rabatel (2008, 2009, 2015, 2016) Guentchéva (2014) Índices de pessoas Dêiticos Tempos verbais Modalidades/elementos modalizadores Discurso reportado/Discurso relatado/ Diferentes tipos de representação de fala Movimentos enunciativos (assunçãoda RE e imputação) Posturas enunciativas e posicionamentos Tipos de PDV Instâncias enunciativas Mediativo Evidencialidade 157 Fenômenos de modalização autonímica Indicação de um suporte de percepção e pensamentos relatados Conectores/Operadores argumentativos Fonte: Elaboração própria De maneira ampla, no quadro a seguir, apresentamos e, em seguida, detalhamos as categorias textuais e marcas linguísticas selecionadas as quais serão destacadas em nossa análise no nível linguístico: Quadro 6 – Categorias textuais e marcas linguísticas selecionadas para as análises Categoria Marca linguística Expressões verbais e verbos com indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados. Verbos em primeira pessoa do singular, expressões verbais na terceira pessoa do singular seguidas do pronome se, dentre outras observadas no contexto linguístico; Expressões verbais com valor semântico de percepção e pensamento relatado; Verbos dicendi. Índices de pessoas. Pronomes e marcadores de pessoa. Modalidades (sintático-semânticas)/ elementos modalizadores . Lexemas afetivos e avaliativos, expressões adjetivadas, advérbios e expressões de julgamento de valor. Discurso reportado: Discurso relatado (tipos de representação da fala/ discurso direto, discurso indireto) Modalização em discurso segundo. Elementos linguísticos introdutores do discurso alheio: Verbos dicendi, conectores de relação semântica de conformidade , sinal gráfico (aspas), travessões, dois pontos (:). Indicadores do quadro mediat ivo. Conjunções adverbiais: segundo, de acordo com, para, conforme, dentre outros com o mesmo valor semântico de conformidade, dependendo do contexto linguístico; modalização verbal, expressões verbais, elementos gráficos. Elementos tipográficos. Negrito, itálico, sublinhando. Conectores/Operadores argumentativos . Conectores / operadores com valor semântico: de adversidade, conclusão, bem como anafóricos de retomada, dentre outros. Fonte: Elaboração própria baseada em Adam (2011), Passeggi et al (2010) e Pinto (2010) No que concerne às expressões verbais, de forma sumária e ampla, concebemos os verbos dicendi, locuções verbais e verbos na primeira pessoa do singular, na terceira pessoa do singular, dentre outras observadas no contexto linguístico da análise dos dados. Quanto aos índices de pessoas, consideramos que estes são como uma instância primeira a atestar a relação do locutor com sua enunciação. Destacamos os pronomes e os 158 marcadores de pessoa. Conforme Benveniste (2006, p. 84), “o ato individual de apropriação da língua introduz aquele que fala em sua fala. [...] A presença do locutor em sua enunciação faz com que cada instância de discurso constitua um centro de referência interno”. Dessa maneira, o locutor dispõe de um conjunto específico de marcas da língua para manifestar sua posição, mas isso ocorre por meio da emergência dos índices de pessoa (a relação eu-tu) que não se produz senão na e pela enunciação. Nessa via teórica, os índices de pessoas apresentam-se como uma das marcas da língua que permitem a análise da representação da subjetividade no enunciado. Na proposta da ATD, tal como é delineada por Adam (2011), essas marcas possibilitam verificar o grau de responsabilidade e assunção da RE por aquele que profere um enunciado. Quanto à modalização, seguimos a visão de Nascimento (2005, 2009, 2010). O autor trata do fenômeno da modalização como uma estratégia argumentativa que permite a um locutor imprimir em um enunciado uma avaliação sobre o conteúdo de sua enunciação, como também é visto como um recurso para apreciar o enunciado de outrem, de um segundo locutor ou enunciador. Nessa ótica, o reconhecimento das estratégias linguístico-textuais da construção do viés argumentativo é realizado por meio da avaliação expressa pela modalização que ocorre sempre em função da interlocução ou do interlocutor. Dessa maneira, ao realizar uma avaliação, o locutor a faz em função do outro, deixando pistas linguísticas de sua intencionalidade. Nessa perspectiva, linguisticamente, os elementos modalizadores são “pistas” que revelam as intenções comunicativas do produtor do texto. Esse autor apresenta três tipos de modalidades, a saber: a) modalização epistêmica: ocorre quando o locutor expressa uma avaliação sobre o valor de verdade da proposição, comprometendo-se ou não com o conteúdo expresso. Esta se divide em asseverativa, em que o falante considera verdadeiro o conteúdo da proposição, logo se compromete com o dito; quase- asseverativa, em que o falante considera o conteúdo da proposição quase certo ou como uma hipótese a ser confirmada e por isso não se responsabiliza pelo valor de verdade da proposição; e delimitadora, que estabelece os limites dentro dos quais se deve considerar verdadeiro o conteúdo da proposição, comprometendo-se parcialmente com o dito. 159 b) modalização deôntica: os modalizadores indicam que o falante considera o conteúdo da proposição como algo que deve ou precisa ocorrer obrigatoriamente. c) modalização avaliativa: expressa “uma avaliação ou juízo de valor a respeito do seu conteúdo proposicional” (NASCIMENTO, 2010, p. 33). Em linhas gerais, as modalidades são vistas como parte do universo subjetivo no qual o locutor circunscreve seu enunciado. As modalidades apreciativas/avaliativas participam da construção sintático-semântica do enunciado, expressam as marcas da subjetividade e permitem relações de significações e de intervenções no posicionamento do sujeito em face de seu enunciado. No âmbito de uma ancoragem discursiva e dialógica, compreendemos que a modalidade é uma propriedade do enunciado, bem como o modalizador se apresenta como uma ação do sujeito efetivado em sua produção e a sua presença no enunciado resulta também da relação com os discursos anteriores, isto é, o enunciado modalizado se inter-relaciona aos ditos de outrem anterior ao que se enuncia, expressando, desse modo, o dialogismo intertextual. Nesse viés, de maneira ampla, conforme Pinto (2010) e Adam (2011), concebemos, linguisticamente, que as modalidades123 apreciativas, afetivas ou avaliativas são elementos marcadores de ponto de vista (PINTO, 2010; ADAM, 2011) e revelam atitudes de posicionamentos enunciativos dos sujeitos (VION, 2016) perante o enunciado que se produz (através de advérbios, verbos de opinião, adjetivos, lexemas avaliativos etc). Isto é, marcam a atitude do locutor em relação ao que enuncia. Destacamos os marcadores apreciativos que “denotam o caráter avaliativo atribuído ao conteúdo proposicional do enunciado” (NEVES, 2012, p. 88). Dessa maneira, os enunciados podem ser lexicalmente marcados, por categorias 123 Para nossa pesquisa, selecionamos apenas algumas questões teóricas da noção de modalidade linguística que estão sendo abordadas nos recentes estudos. Não faremos uma retrospectiva desses estudos. Contextualizamos brevemente. Pinto (2010) considera que a modalidade lógica influenciou a modalidade linguística. Vion (2016) compreende que a noção de modalidade está ligada à história da filosofia, da lógica e recentemente da linguística. Para o estudo da questão histórica e demais implicações teóricas sobre o assunto, indicamos os contributos de alguns autores que se debruçaram sobre o tema: Neves (2012), Cabral (2010), Pinto (2010), Neves (2013), Le Querler (1996) e Vion (2016). Para tais autores, cabe apontar que é consensual a definição de que a modalidade representa diferentes atitudes do locutor em relação ao conteúdo proposicional do seu enunciado. Nascimento (2010) expressa que não é produtivo separar modalização de modalidade, sob o ponto de vista argumentativo. 160 morfossintáticas de substantivo, adjetivo e advérbio, ou em predicativo factivo, revelando, assim, que “há um juízo apreciativo sobre um pré-construído” (Id., ibid., p. 90). Os elementos modalizadores são meios linguísticos que conferem também força argumentativa aos enunciados/textos, pois através deles é possível manifestar na dinâmica argumentativa o grau de adesão e determinados juízos de valor. Trata-se de elementos que nos permitem identificar a marca dada pelo sujeito argumentante ao seu enunciado em prol da construção de pontos de vista e efeitos de sentidos pretendidos. Nessa perspectiva, é o componente do processo de enunciação que permite avaliar o grau de adesão do locutor a seu enunciado. A modalização refere-se à expressão de aproximação ou distanciamento diante do enunciado na materialidade linguística (CABRAL, 2010). No âmbito dos estudos da heterogeneidade discursiva marcada, destacamos o discurso relatado, como modos de citar o discurso alheio no interior de um texto: discurso direto, discurso indireto e a modalização em discurso segundo. O discurso relatado trata-se de um “encadeamento” de dois atos de enunciação, que permite uma análise da dimensão polifônica. O ato de colocar em cena outras vozes pode ser realizado por meio de estratégias linguísticas de discurso relatado. Tais estratégias são vistas como um dos mecanismos fundamentais do discurso argumentativo. O discurso direto trata-se de uma estrutura que envolve basicamente verbos de dizer e outros procedimentos tipográficos, que talvez seja motivada pelo empreendimento do autor dos textos em manter fidelidade ao enunciado primeiro (ao dito da primeira fonte do dizer). O produtor do texto reproduz literalmente as falas citadas, isto é, o discurso apresenta-se às vezes como a exata reprodução das palavras do enunciador citado. Conforme Maingueneau (2004), ratificamos que o produtor do texto simula restituir as falas citadas e dissocia, de forma explícita, as duas situações de enunciação: a do discurso citante e a do discurso citado, o que geralmente é feito mediante o emprego de recursos tipográficos, como dois-pontos, travessões, aspas e itálico. Também, entendemos que a escolha do discurso direto pelos produtores do texto jurídico se dê pela facilidade de inserção do texto citado e sua manipulação servindo a intenções comunicativas diversas, aos propósitos do produtor do texto. Em nosso corpus, deduzimos que talvez ocorra pelo empreendimento do juiz em manter fidelidade ao dito dos demais enunciadores da narrativa e da denúncia (l2/e2 instâncias enunciativas/ fontes do dizer) evocadas na tessitura da sentença. O discurso direto vem introduzido por um verbo que anuncia a fala citada. Tais verbos são denominados de dizer (dizer, responder, retrucar, 161 afirmar, revelar, falar, entre outros) e podem ser colocados antes do discurso direto, em oração intercalada, no interior do discurso direto ou no final do discurso direto. A opção pelo discurso direto geralmente está ligada ao gênero do discurso ou às estratégias e intenções do produtor de cada texto. Maingueneau (2004, p.142) atesta que o uso de tal mecanismo busca: (i) “criar autenticidade” ao dar a impressão de reproduzir as palavras alheias conforme tenham sido proferidas e relatadas originalmente; (ii) distanciar-se do discurso alheio, considerando as seguintes razões: seja porque o enunciador citante não adere ao que é dito e não quer misturar esse dito com aquilo que ele efetivamente assume; seja porque o enunciador quer explicitar, por intermédio do discurso direto, sua adesão respeitosa ao dito, fazendo ver o desnível entre palavras prestigiosas, irretocáveis e as suas próprias palavras (citação de autoridade); (iii) mostrar-se objetivo, ‘neutro’, em relação ao discurso do outro, seja porque não adere ao que é dito e mostra-se objetivo. Comungamos do pensamento de que, mesmo o fragmento textual sendo transcrito na íntegra, o sujeito utiliza-se de “(man)obras linguísticas” para demarcar linguisticamente sua impressão e sua adesão ou (não) adesão ao PDV do outro, por isso, consideramos que, muitas vezes, a exatidão das citações diretas é algo ilusório (RIBEIRO, 2002). Quanto ao discurso indireto – DI concebemos como um tipo de discurso que se manifesta por meio de verbos que também podem valorar axiologicamente o enunciado citado e faz uso de verbos que demonstram atitude do enunciador em relação à citação por ele empreendida, revelando escolha pelo que citar e sua respectiva interpretação. É o modo de citação do discurso alheio em que o enunciador tem uma diversidade de maneiras para traduzir as falas citadas, uma vez que ele se utiliza de suas próprias palavras para reproduzir a fala do outro. No discurso indireto, o enunciador citante tem uma infinidade de maneiras para traduzir as falas citadas, pois não são as palavras exatas que são relatadas, mas sim o conteúdo do pensamento. No DI, voz citada é introduzida também por meio de um verbo dicendi seguida da partícula: que (gramaticalmente: oração subordinada substantiva objetiva direta). Os dois pontos e travessão são também sinais marcadores de introdução do discurso alheio. Ressaltamos ainda que do mesmo modo que ocorre com o discurso direto, a escolha do verbo introdutor é bastante significativa, pois condiciona a interpretação, dando um certo direcionamento à compreensão do discurso citado. Em conformidade com Fiorin e Savioli (1996, p. 48), mencionamos ainda que a escolha do discurso indireto como modo de discurso relatado também está ligada ao gênero de discurso ou às estratégias de cada texto. Para esses autores, o discurso indireto, pelo fato de não se interessar pela individualidade do falante revelada no modo como ele diz as coisas, “é 162 a forma preferida nos textos [...] com a finalidade de criticar, rejeitar ou acolher as posições expressas pelos outros”. No que tange aos modos de introdução do discurso alheio, destacamos ainda as modalizações em discurso segundo (discurso relatado)124, pois correlacionamos com os estudos do mediativo propostos por Guentchéva (1994). No que se refere aos indicadores do quadro mediativo, destacamos a modalização em discurso segundo. Trata-se do modo mais simples e mais direto para o enunciador mostrar que não é responsável por um determinado PDV: apenas indica que está se apoiando em um texto alheio. Para tanto, o enunciador utiliza- se de determinadas marcas linguístico-gramaticais. Para os estudos do mediativo, ressalvamos que mecanismos diversos são utilizados, tais como estruturas do tipo “segundo”, “de acordo com”, “conforme”, alguns verbos de dizer, dentre outros observados no contexto linguístico- enunciativo. Esse recurso também se utiliza de outros mecanismos para marcar a indicação da fonte responsável pelo dito e para marcar a fronteira em relação ao dizer do outro, como por exemplo elementos tipográficos e sinais gráficos: dois pontos, aspas, negrito e itálico. A respeito do sinal gráfico “aspas”, destacamos sua funcionalidade, segundo Authier- Revuz (2004, p.217). Para essa autora, elas são utilizadas como “um sinal de distância que o locutor pode colocar, na escrita, em palavras que produz”. Para a pesquisadora, tal recurso pode apresentar dois valores diferentes; um relacionado à autonímia e o outro à conotação autonímica. No primeiro valor, no âmbito da autonímia, esse processo se dá quando o enunciador se refere ao próprio signo. Já no que se refere ao segundo valor (conotação autonímica/modalização autonímica), destacamos que as aspas empregadas não são obrigatórias. Nos casos de modalização autonímica, o enunciador indica ao leitor que seu discurso não coincide consigo mesmo, porém não explica os motivos (MAINGUENEAU, 2004, 2011). Nesse sentido, para interpretar as aspas, o leitor precisa considerar o gênero discursivo/textual assim como o contexto no qual tal recurso está inserido (MAINGUENEAU, 2004). Em síntese, destacamos que as aspas de modalização autonímica podem ser usadas para:  marcar palavras estrangeiras, neológicas, técnicas;  marcar uma expressão familiar, que remete a um outro nível de linguagem; 124 Sobre o discurso direto, indireto, a modalização em discurso segundo, modalizadores e as marcas tipográficas (aspas, itálico), também, seguiremos os postulados de Maingueneau (2004). MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. Tradução Cecília P. de Souza, Décio Rocha. 3 ed. São Paulo: Cortez: 2004. 163  provocar um uso ostentatório, no qual o sujeito as utiliza como “instrumento de distinção”;  proteger o enunciador de julgamentos. Para Authier-Revuz (2004, p. 224), essas “aspas de proteção postas sobre uma palavra assinalada assim como aproximativa [...] preparam uma eventual réplica e frustram preventivamente a ofensiva do outro.” Como se pode ver, as aspas podem assumir significados muito variados. Para Authier- Revuz (2004, p. 228), “as aspas não marcam com certeza uma distância irônica, mas a resposta à suspensão de responsabilidade própria a qualquer colocação de aspas através de uma nova asserção”. No que tange às marcas tipográficas, são recursos utilizados nos textos com finalidades diversas e dependem do contexto linguístico-textual. Os recursos são: palavras em negrito, itálico, sublinhado etc. A respeito dos conectores, Adam (2011) postula que entram numa classe de expressões linguísticas “que reagrupam, além de certas conjunções de coordenação (mas, portanto, ora, então), certas conjunções e locuções conjuntivas de subordinação (porque, como, com efeito, em consequência, o que quer que seja, então, etc.) [...]” (ADAM, 2011, p. 179). O autor estabelece três tipos de conectores, que são: os conectores argumentativos, os organizadores e marcadores textuais e os marcadores de responsabilidade enunciativa. Acrescentando ainda que os organizadores textuais situam-se, na sua maioria, no nível N4 (Textura-proposições enunciadas e períodos) dos Níveis ou Planos da Análise de Discurso; os marcadores de responsabilidade enunciativa no nível N7 (Enunciação- responsabilidade enunciativa e coesão polifônica) e os conectores argumentativos dependem além desses dois níveis (N4 e N7) da orientação argumentativa (N8). No que se refere aos operadores/conectores argumentativos, entendemos que são responsáveis pelos encadeamentos dos enunciados, estabelecem relações semânticas que marcam a orientação argumentativa, conforme Koch (2011) e Koch e Elias (2016)125. Adam (2011, p. 180) também elucida que os empregos desses termos estão relacionados com os gêneros. Além disso, os conectores argumentativos “associam as funções de segmentação, de responsabilidade e de orientação argumentativa dos enunciados” (ADAM, 2011, p. 189). Considera ainda que apresentam uma mesma função de ligação semântica entre unidades de níveis diferentes, sendo que o que as diferencia é que elas acrescentam ou não, a essa função 125 KOCH, I. G. V. Des vendando os segredos do texto. 7. ed. São Paulo : Cortez, 2011. 164 de conexão, a indicação de responsabilidade enunciativa (PdV) e/ou de orientação argumentativa. Como visto, os conectores/operadores argumentativos agregam, além da função de conexão e de marcação de uma responsabilidade enunciativa, a articulação de enunciados que desempenham uma relação argumentativa, pois contribuem como reforço enunciativo e argumentativo. Para abordarmos tais conectores, consideraremos a proposta de Adam (2011) e de Koch (2008, 2011) e Koch e Elias (2016)126, que denominam tal fenômeno como operadores argumentativos. Esclarecemos que, em nosso estudo, esse termo será usado com o mesmo sentido de conectores argumentativos, como é proposto por Adam (2011), que defende ainda que esses conectores marcam o movimento argumentativo, relações semânticas, bem como estão associados às funções de segmentação, de responsabilidade enunciativa e de orientação argumentativa dos enunciados. Além disso, “um conector, indica um ponto de vista enunciativo (PdV), o grau de responsabilidade enunciativa, pelo Locutor (L), dos enunciados atribuídos, diretamente ou não aos enunciadores” (ADAM, 2011, p. 194). Nesse viés, ressaltamos que o discurso constitui as combinações dos elementos linguísticos usadas pelos sujeitos para exprimir seus pensamentos, tratar do mundo, interagir e agir sobre o outro. No discurso, o sujeito se vale do universo de crenças e de conhecimento e também de recursos linguísticos, entre os quais os conectores, que contribuem para a compreensão de pontos de vista. (MARINHO, 2016, p.151) 127 . Sendo assim, adotamos a visão de que os “conectores se relacionam com a construção da argumentação e são instrumentos de ligação que contribuem diretamente para a análise argumentativa de um texto, visto que a sua função conectiva se acrescenta a de definir uma relação argumentativa” (MARINHO, 2016, p. 151), pois favorecem o encadeamento das diferentes unidades do texto, expressam uma relação entre os elementos linguísticos e contribuem para a interpretação do enunciado, por possuírem funções relevantes no texto, dentre elas: i) função cognitiva: por guiar o leitor/interlocutor no percurso interpretativo do texto; ii) função enunciativa: por informarem a perspectiva enunciativa do enunciado e, por fim, iii) função argumentativa: por apontarem a orientação argumentativa do texto. 126 KOCH, I. G. V; ELIAS, V. M . Escrever e argumentar. São Pau lo: Contexto, 2016. 127 MARINHO, J. H. C. Conexão e argumentação: reflexões sobre o ensino. In:______PIRIS, Eduardo Lopes; OLÍMPIO- FERREIRA, Moisés (Orgs). Discurso e argumentação em múltiplos enfoques. Co imbra: Grácio editor, 2016. p. 151-164. 165 Quanto aos indicadores do quadro mediativo, como visto anteriormente, articulamos às questões de modalização em discurso segundo (discurso reportado) como também ao estudo da mediação epistêmica, mediação perceptiva e da impessoalização, com foco nas seguintes marcas linguísticas: conjunções adverbiais: segundo, de acordo com, para, conforme, dentre outros com o mesmo valor semântico, dependendo do contexto linguístico; expressões verbais, elementos tipográficos. No contexto da mediação epistêmica, consideramos os valores de reforço de validação enunciativa que o locutor utiliza para validar a asserção do conteúdo proposicional com base em uma fonte do dizer explicitamente enunciada. No que tange à mediação perceptiva articulamos à impessoalização que é marcada com a construção linguística verbal na terceira pessoa do singular com o pronome se, bem como consideramos os valores semânticos de percepção das expressões verbais. Dependendo do contexto linguístico, é visto como um recurso de distanciamento enunciativo e muitas vezes sem especificação da fonte que valida o dito e conteúdo proposicional do PDV. Em suma, assumimos as nossas filiações teóricas de base, bem como, tentamos harmonizar, no âmbito da ATD, os conceitos teóricos emprestados de bases teóricas diversas que se articulam com a noção de PDV e responsabilidade enunciativa, considerando as filiações teóricas dos pressupostos adamianos para a construção da ATD, tendo em vista que Adam “defende uma visão conciliatória entre as tendências linguísticas de forma a poder dar conta da complexidade do universo textual” (PINTO, 2010, p.180). Como consequência do diálogo da ATD, com perspectivas discursivo-textuais e enunciativas, compreendemos, portanto, “a responsabilidade enunciativa como a assunção por determinadas entidades ou instâncias do conteúdo do que é enunciado, ou na atribuição de alguns enunciados [...] a certas instâncias” (PASSEGGI et al, 2010, p. 299). Na mesma direção dos pressupostos de Adam (2011), esses autores concebem a responsabilidade enunciativa como inseparável do ponto de vista. Ademais, as acepções se inserem na perspectiva dialógica da linguagem, mostrando o desdobramento polifônico do enunciado. Nesse direcionamento, comungamos da visão de que oferecer uma reflexão sobre como é possível perceber e analisar, na superfície do texto, particularmente no texto jurídico, estratégias de manipulações linguísticas, efeitos de sentido, antecipação de tomada de posição, hierarquização de enunciadores, engajamento e desengajamento, entre outras estratégias linguísticas que permitem marcar o PDV construído entre percepção, pensamento e fala e indicar a RE pelos conteúdos proposicionais postos. (LOURENÇO, 2016, p.3178). 166 Por fim, respaldados pelo quadro teórico esboçado neste capítulo, passaremos para a metodologia e em seguida análise dos dados com base nas teorias aqui discutidas. 167 2 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA A união entre a abordagem do direito e as teorias da linguagem promove um apaixonante interjogo, em que uma dimensão completa a outra. (CONTANI apud BRITO; PANICHI, 2013) Os autos guardam (retratam) a história da vida (real) de várias pessoas. (BRITO; PANICHI, 2013) Uma cobertura adequada dos acontecimentos sociais exige muitos métodos e dados: um pluralismo metodológico se origina como uma necessidade metodológica . (BAUER; GASKELL; ALBUM, 2002) Neste capítulo, apresentaremos uma caracterização de nossa pesquisa no que concerne à área de concentração, à abordagem e aos procedimentos de coleta, contextualizando nosso estudo e focalizando o objeto de estudo. Assim como demonstraremos os procedimentos realizados para a coleta, delimitação e seleção do corpus; os processos de análise e a interpretação dos dados, com base na filiação teórica e também o estabelecimento do texto em estudo. Por fim, realizaremos uma retomada das categorias a serem utilizadas nas análises. 2.1 ABORDAGEM DA PESQUISA E PROCEDIMENTOS PARA A CONSTITUIÇÃO, DELIMITAÇÃO, SELEÇÃO E ANÁLISE DO CORPUS 2.1.1 Classificação da abordagem da pesquisa Como exposto na introdução, esta tese de doutoramento encontra-se situada na área de concentração em Linguística Teórica e Descritiva, vinculada à linha de pesquisa Estudos Linguísticos do Texto, no âmbito das atividades acadêmicas do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A pesquisa classifica-se como uma pesquisa qualitativa, perspectiva comum no âmbito dos estudos da Linguística, uma vez que visa à compreensão crítica do fenômeno analisado. Nesse tipo de abordagem, o pesquisador utiliza um quadro teórico que direciona a coleta, a análise e a interpretação dos dados, segundo a teoria que adota, o que no nosso caso específico trata-se do fenômeno linguístico da responsabilidade enunciativa, em sentenças judiciais condenatórias de crimes sexuais. Seguimos a abordagem qualitativa de natureza interpretativista, uma vez que os métodos qualitativos se assemelham a procedimentos de interpretação dos fenômenos no qual 168 o pesquisador assume um papel fundamental, considerando seu caráter de descrição e de análise, como afirmam Bogdan e Biklen (1994)128. Corroborando nossa escolha metodológica, Moraes (2003, p.202) explica que a análise textual qualitativa almeja a “produção de novas compreensões em relação aos fenômenos que examina”, como também é caracterizada como uma metodologia na qual, “a partir de um conjunto de textos [...], produz-se um metatexto, descrevendo e interpretando sentidos e significados que o analista constrói ou elabora a partir do referido corpus”. A pesquisa é descritiva, pois tem como objetivo a descrição das características de determinado fenômeno linguístico. Ademais, é explicativa porque tem como foco identificar fatores que determinam os fenômenos linguísticos ou que colaboram para a sua ocorrência. Nessa direção, a pesquisa também é interpretativista, pois, a partir dela, não somente explicaremos, como também buscaremos interpretar os fenômenos observados e identificados, entendendo os seus significados na construção de sentido do texto. Desse modo, a abordagem qualitativa com foco em procedimentos de análise descritivo e interpretativo é apropriada por estar em conformidade com os objetivos da pesquisa (OLIVEIRA, 2005). Nesse sentido, essa escolha de abordagem reflete nosso interesse em descre ver, compreender, analisar e interpretar, em nosso corpus, o significado do nosso objeto de pesquisa, contribuindo, assim, para os estudos da linguagem, proporcionando um estudo sistemático e interpretativo dos dados oriundos do domínio jurídico. Colaborando com nossa escolha metodológica, Flick (2004) sugere que, no paradigma qualitativo, os textos tornam-se a base do trabalho interpretativo e das inferências feitas por meio do conjunto dos dados empíricos. Essa perspectiva contribui com “a reflexão metodológica sobre o estabelecimento dos textos e os procedimentos concretos para seu estudo”, conforme Adam (2010, p. 9). Do ponto de vista dos procedimentos técnicos para a obtenção dos dados, especificamente no que tange à natureza das fontes que utilizamos para coletar e realizar a constituição do corpus, definimos esta pesquisa como documental, tendo como fonte escritos primários contemporâneos, compilados pela pesquisadora no percurso do doutoramento, oriundos de documentos jurídicos arquivados em instituição pública estadual. Cumpre explicitar que trabalhamos com material empírico ainda não submetido a tratamento analítico, sem contato com os sujeitos que o produziram, isto é, investigaremos apenas o produto final, as sentenças condenatórias, sem acompanhar o processo de produção pelo juiz. 128 BOGDAN, R; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Portugal: Porto Editora, 1994. 169 Tal procedimento não considera apenas o procedimento de coleta de dados e técnicas, mas também apresenta fases baseadas em método analítico. Desse modo, adotaremos as fases de análise que preceituam que “depois de selecionada a amostra documental, segue-se o trabalho com a determinação de unidades de análises, a eleição das categorias e a organização do quadro de dados”. (SILVA et al, 2009, p. 4560). Com esse procedimento, realizaremos as etapas da descrição e interpretação do corpus, com vistas a respondermos às questões de pesquisa e desse modo produzir conhecimento para o campo do saber ao qual estamos vinculados. Para tanto, entrelaçando tais etapas, nossa análise se deteve no plano de análise linguístico-textual, visando à identificação e à descrição das marcas e estratégias linguísticas que assinalam a responsabilidade enunciativa, para, em seguida, analisá- las e interpretá- las, relacionando-as aos direcionamentos argumentativos do texto jurídico em análise. Nesse direcionamento, Moraes (2003, p.194) considera que a análise textual concretiza-se a partir de um conjunto de documentos denominado corpus. Esse conjunto representa as informações da pesquisa e para a obtenção de resultados válidos e confiáveis, requer uma seleção e delimitação [...]. Seguidamente não trabalhamos com todo o corpus, mas é necessário definir uma amostra a partir de um conjunto maior de textos. O corpus da análise textual, sua matéria-prima, é constituído essencialmente de produções textuais. Os textos são entendidos como produções linguísticas, referentes a determinado fenômeno e originadas em um determinado tempo. São vistos como produtos que expressam discursos sobre fenômenos e que podem ser lidos, descritos e interpretados, correspondendo a uma multiplicidade de sentidos que a partir deles podem ser construídos. Os documentos textuais da análise [...] são significantes dos quais são construídos significados em relação aos fenômenos investigados. (MORAES, 2003, p. 194). Nessa direção, tal autor ratifica que a análise textual é concebida como um processo auto-organizado de produção de novas compreensões no que se refere aos fenômenos que examina. 2.2 OBJETO DE ESTUDO, COMPOSIÇÃO E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DO CORPUS Charaudeau (2011, p. 3) afirma que “as ciências da linguagem fazem parte, então, das disciplinas de corpus: compilação de dados linguísticos [...] que são constituídos em objeto de análise”. (CHARAUDEAU, 2011, p. 3). Nesse sentido, ele propõe que, para definirmos esse corpus, devemos, antes de tudo, considerar a natureza dos dados. 170 Partindo desses direcionamentos, a pesquisa tomou como objeto empírico o gênero sentença judicial de natureza penal que trata de crime contra a dignidade sexual129 de crianças e adolescentes (crime hediondo)130, tendo como vítimas enteadas, enteados, filhas e filhos (réus: pais ou padrastos)131; como objeto de análise a Responsabilidade Enunciativa e a orientação argumentativa do texto, respectivamente, níveis (n8 e n7) de análise textual dos discursos, denominados: enunciação (dimensão enunciativa) e atos de discurso/ orientação argumentativa (visadas argumentativas) (ADAM, 2011), articulados à contextualização do estudo do plano de texto do gênero em tela. O corpus desta pesquisa constitui-se de sentenças judiciais condenatórias. A coleta foi realizada na sede da 2ª Vara da Infância e Juventude da comarca de Natal do Estado do Rio 129 Segundo Digiácomo (2016, p. 2), é possível considerar a violência sexual como o gênero, do qual o abuso e a exploração sexual se constituem espécies. Em conformidade com o Programa Sentinela (apud DIGIACOMO, 20016, p.2), “violência sexual constitui-se de atos praticados com finalidade sexual que, por serem lesivos ao corpo e à mente do sujeito violado (crianças e adoles centes), desrespeitam os direitos e as garantias individuais como liberdade, respeito e dignidade previstas na Lei n°8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (Arts. 7°, 15, 16, 17 e 19)”. No que tange ao “abuso sexual: caracteriza -se por qualquer ação de interesse sexual de um ou mais adultos em relação a uma criança ou adolescente, podendo ocorrer tanto no âmbito intra -familiar - relação entre pessoas que tenham laços afetivos -, quanto no âmbito extra -familiar - relação entre pessoas desconhecidas”. Já no que concerne ao conceito de “Exploração sexual: caracteriza -se pela relação mercantil, por intermédio do comércio do corpo/sexo, por meios coercitivos ou não, e se expressa de quatro formas: pornografia, tráfico, turismo sexual e prostituição”. (BRASIL, apud DIGIACOMO, 20016, p.2). Conferir: DIGIÁCOMO, Murillo José. Limites e obstáculos para o cumprimento do papel dos Conselhos Tutelares na garantia de direitos de crianças e de adolescentes em situação de violência sexual. Disponível em:< http://www.mppr.mp.br/arquivos/File/Conselho_Tutelar_e_violencia_sexual.pdf>. Acesso em 30 jun. 2016. 130 Conforme Digiácomo (2016, p. 6), ocorreu um recrudescimento do tratamento dispensado pela Lei Penal “aos autores de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, tendo a Lei nº 12.015/2009, de 07/08/2009, promovido alterações no Código Penal e na chamada Lei de Crimes Hediondos, estabelecendo penas mais rigorosas para quem co mete ou facilita a v iolência sexual contra crianças e adolescentes. Tal lei estabeleceu ainda uma tutela diferenciada quando as vítimas forem crianças e adolescentes com idade inferior a 14 (quatorze) anos, ou se tratar de pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental não tiver o necessário discernimento para a prática do ato, ou, por qualquer motivo, não possa defender-se (que passam a ser consideradas ‘pessoas vulneráveis’). A simples prática de qualquer ato libidinoso com tais pessoas configura crime (cf. art. 217-A, do Código Penal), com pena prevista de 08 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão, não mais havendo que se falar em ‘presunção de violência’, tal qual era previsto pelo art. 224, do Código Penal (o crime é meramente fo rmal e a existência ou não de ‘consentimento’ da vítima é absolutamente irrelevante para sua caracterização)”. Constata-se que “o fato de a nova lei ter passado a qualificar como ‘estupro’ o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, à prát ica de todo e qualquer ato libidinoso (termo era anteriormente empregado apenas para designar o constrangimento à prática de ‘conjunção carnal’, sendo o constrangimento à prática de outros atos libidinosos , então designados ‘atentado violento ao pudor’, termo que deixou de ser empregado pela Lei Penal)”. 131 Para Digiácomo (2016, p.1), a v iolência sexual é “um dos temas mais complexos e tormentosos, em se tratando de violação dos direitos de crianças e de adolescentes, diz respeito aos casos de violência, abuso e exploração sexual. As dificuldades vão desde a identificação de casos concretos, que muitas vezes ocorrem no âmbito das próprias famílias, envolvendo parentes ou pessoas próximas, à inexistência, como regra quase que absoluta, de políticas públicas específicas, destinadas à prevenção e ao atendimento eficaz de crianças e adolescentes vítimas, bem como de suas respectivas famílias”. Conferir: DIGIÁCOMO, Murillo José. Limites e obstáculos para o cumprimento do papel dos Conselhos Tutelares na garantia de direitos de crianças e de adolescentes em situação de violência sexual. Disponível em: < http://www.mppr.mp.br/arquivos/File/Conselho_Tutelar_e_violencia_sexual.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2016. 171 Grande do Norte (RN), localizada no Fórum “Desembargador Miguel Seabra Fagundes”, Rua Dr. Lauro Pinto, 315 – 2º andar - Lagoa Nova , após autorização do Juiz de Direito senhor Sérgio Roberto Nascimento Maia, que nos concedeu o acesso ao corpus, quando reafirmamos nosso compromisso de manter em sigilo o nome das partes envolvidas nos processos da 2ª Vara da Infância e Juventude, uma vez que todos os processos possuem publicidade restrita, chamados por alguns juristas de segredo de justiça 132. Dessa maneira, qualquer cópia de documentos de processos da Vara da Infância e Juventude, mesmo sendo para fins acadêmicos, dependem de prévia autorização do Juiz. Ressaltamos que todas as sentenças foram prolatadas por um único juiz, o então juiz da II Vara da Infância e Juventude da comarca de Natal-RN. Utilizaremos um corpus constituído por 6 (seis) peças jurídicas: sentenças judiciais condenatórias do processo penal, que é um instrumento destinado à realização do poder punitivo do Estado. A escolha por um corpus constituído de sentenças condenatórias relativas à esfera do código penal de crime contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, de condutas contra os direitos fundamentais infanto-juvenis, deu-se pelo fato de compreendermos que teríamos resultados mais delimitados ao analisarmos os textos produzidos circunscritos e provenientes de apenas um dos ramos do processo penal, já que as sentenças de outras áreas do Direito (Direito Civil, Direito Constitucional, Direito de Família e Sucessões, Direito Tributário), como, por exemplo, na esfera do Direito do trabalho, têm características específicas exigidas pelo Direito processual, o que ampliaria, possivelmente, o universo do corpus, gerando dificuldades no processo de síntese dos resultados e generalizações quanto aos procedimentos linguísticos dos textos em análise. 132 A respeito das questões de segredo de justiça, vale mencionar que é vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e a adolescentes, uma vez que busca proteger a intimidade das partes, principalmente preservar e proteger a identidade e a intimidade de crianças e adolescentes, além do interesse social na resolução da lide. Com isso, a lei impossibilita que “terceiros” tenham acesso aos autos do processo. Importa-nos registrar ainda que a pesquisadora teve acesso às sentenças dos processos que correm em segredo de justiça por estar no período da coleta em exercício de mandato de conselheira Tutelar e por se tratar de acesso para fins acadêmicos. Sabe-se que a publicidade dos atos processuais foi consagrada pela Constituição Federal em 1988, como direito fundamental, mas no que tange à Justiça da Infância e da Juventude é preciso considerar as peculiaridades processuais civis aplicáveis em prol da efetivação da doutrina da proteção integral, visando evitar ofensa à intimidade ou ao interesse social das crianças e adolescentes. Vale considerar que, consoante a Constituição Federal, em seu art. 5º, LX: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Nessa direção, segundo Abreu (2014), no que tange aos processos que tramitam na Vara da In fância é preciso considerar que “não se trata do segredo quanto aos atos praticados no processo; corresponde, tão-só, à restrição da publicidade destes atos às partes e a seus advogados, efetivando-se o princípio da ampla defesa ao mes mo tempo em que se protege a intimidade ou o interesse social”. 172 Desse modo, propomo-nos a pesquisar os textos jurídicos elaborados pela II Vara Infanto-Juvenil da comarca de Natal, analisando textos provenientes de apenas um dos ramos do direito: a área Penal. A razão para escolher tal área do Direito deu-se também em função de concordamos com Pereira (2012, p.16), o qual afirma que o Direito penal é conceituado “como o ramo do Direito público que se preocupa em eleger as condutas que atentam contra os bens jurídicos mais relevantes para a vida em sociedade e no caso de violação da regra imposta, aplica uma sanção”. Na sentença judicial condenatória penal, o juiz é o representante do Estado, que quando a norma é violada, “passa a ter o direito de efetivar a punição jus puniendi estatal, pois é o responsável pela paz, harmonia e estabilidade social”, uma vez que, por meio da sentença judicial, o juiz busca proteger “os bens jurídicos eleitos pelo legislador como indispensáveis à vida em sociedade”, os quais são direitos fundamentais, que, quando protegidos pelo Direito, passam à categoria de “bem jurídico”. Para tanto, “impõe sanção conforme a gravidade do bem lesado”. (PEREIRA, 2012, p.16 -17). Como se percebe, é um campo do Direito de relevância social. Nessa perspectiva, cabe a ressalva de que a sentença é a aplicação do Direito e o Direito decorre dos fatos oriundo s da sociedade. Nesse contexto, Pereira (2012, p. 12)133 afirma que: a sociedade vai evoluindo e se transformando, as necessidades dos seres humanos também vão se alterando, e o Direito surge como elemento essencial à sobrevivência da própria sociedade. É por meio do Direito e das normas advindas dele que se forma a ordem jurídica e que proporciona o bem coletivo e a paz social. (PEREIRA, 2012, p.12). A partir dessas considerações, destacamos que o “fato social contrário à norma de Direito cria o ilícito jurídico. A forma mais severa de fato social contrário à norma de Direito é o ilícito penal, que lesa os bens mais relevantes da vida em sociedade, tais como a vida, a saúde, a honra, o patrimônio etc”. (PEREIRA, 2012, p. 15). No caso específico de nosso corpus, lesa a dignidade sexual infanto-juvenil. Além disso, consideramos as sentenças judiciais penais condenatórias como uma forma de proteger esses bens, pois, “como contrapartida à agressão ao bem jurídico protegido, o Estado estabelece consequências jurídicas”, as quais são denominadas de sanções e de 133 Indicamos os estudos de Pereira (2012) para aprofundamento da história do Direito Penal, bem como para conhecimento das bases legais do Direito Penal no contexto brasileiro : PEREIRA, Gisele Mendes. Direito Penal I. Caxias do Sul: Educs, 2012. 173 medidas de segurança, “visando a prevenir e/ou reprimir a incidência de fatos lesivos aos bens jurídicos tutelados dos cidadãos”. (PEREIRA, 2012, p. 15). Nessa concepção de pensamento, concordamos que a sentença judicial é uma ferramenta de se aplicar “as sanções impostas pelo Estado” que no caso é a pena, estabelecida para o caso de severa violação ao bem protegido. Mencionamos, ainda, que a opção pela temática de crime de estupro de vulnerável se deu pelo fato de ser concebido juridicamente como crime hediondo134, tipificado na lei 8.072/1990, tendo em vista ser um crime contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. Em relação à escolha do local de coleta, destacamos que a escolha da II Vara jurídica da Infância e Juventude da comarca de Natal também não se deu de modo aleatório. Levamos em consideração o período que tais crimes foram julgados por essa Vara, em conformidade com as competências delineadas pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) em suas resoluções normativas135 e considerando o período do exercício no Conselho Tutelar da pesquisadora no município de Natal-RN. No que concerne à tipificação do crime, de acordo com Donizete (2014)136, o crime hediondo é aquele que, por sua forma de execução ou pela gravidade do seu resultado, 134 Disponível em:. Acesso em 16 mai. 2016. 135 No que tange ao contexto de produção da sentença judicial de crimes contra a dignidade sexual de crianças pela II VIJ, vale destacar que: de 2005 a 2007, os processos relativos aos crimes consumados contra a criança e adolescente foram processados e julgados pela décima primeira Vara Criminal da Comarca de Natal, considerando a resolução 019/2005-TJ, publicada no Diário da Justiça de 4 de agosto de 2005. Em 2007, a resolução 019/2005-TJ foi revogada pela resolução 033/2007-TJ de 18 de outubro de 2007, que, por considerar a inexistência de Vara especializada para o processo e julgamento dos crimes contra a criança e o adolescente, observando que se tornava necessário ser definida uma vara com essa competência mes mo que provisoriamente, atribuiu, a partir de 2007 até 2013, a competência aos juízes de Direitos da Segunda e Terceira Varas da Infância e Juventude da Comarca de Natal, para processar e julgar os crimes consumados ou atentados contra crianças e adolescentes. Através da resolução 013/2008 de 17 de março de 2008, a resolução 033/2007 de 18 de outubro de 2007 teve redação alterada. A resolução 013/2008 atribui a II VIJ a competência para processar e julgar crimes de natureza sexual (crimes contra os costumes – título VI, da parte especial do Código Penal e do art.244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente teve sua atribuição modificada. De 2008 a 2013, os crimes de violência sexual foram ju lgados apenas pela II VIJ. Apenas em 2013, passou a ser julgado pela 10ª Vara criminal, conforme a resolução 70/2013 de 11 de dezembro de 2013, que atribuiu à Décima Vara Criminal da Comarca de Natal a competência para processar e julgar os feitos relativos aos crimes consumados ou tentados contra criança ou adolescente, tendo em v ista a necessidade de se efetivar a prioridade absoluta prevista na Constituição Federal de 88, também pela adoção de medidas que garantam tramitação mais célere aos processos criminais cujas vítimas de delitos contra a dignidade sexual, sejam crianças ou adolescentes. No período em que a II VIJ ficou responsável em julgar os processos de crime contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, foram prolatadas 273 sentenças, sendo 130 condenatórias e 143 absolutórias. Como recorte para esse estudo, as sentenças condenatórias, objeto de análise dessa tese, foram elaboradas pelo juiz da II Vara da Infância e Juventude da Comarca de Natal. 136 DONIZETE, J. de F. O estupro de vulnerável como crime hediondo: princípio da proporcionalidade x a segurança jurídica. Disponível em:. Acesso em: 10 jun. 2016. 174 provoca intensa repulsa social, como também é um crime visto como horrendo e que causa indignação moral por ser um crime que mais ofende aos bens juridicamente tutelados. Nessa direção, trata-se de um crime que o legislador entendeu merecer maior reprovação por parte do Estado, pois os crimes hediondos, do ponto de vista da criminologia sociológica, são os crimes que estão no topo da pirâmide de desvaloração axiológica criminal, devendo ser considerados como crimes mais graves, mais revoltantes e que causam maior aversão à coletividade. É um crime de extremo potencial ofensivo, ao qual se denomina de crime “de gravidade acentuada”. No que tange ao ponto de vista semântico, o termo hediondo significa ato profundamente repugnante, imundo, horrendo, sórdido, segundo os padrões da moral vigente. À vista disso, é o tipo de crime que causa profunda e consensual repugnância por ofender, de forma acentuadamente grave, valores morais de indiscutível legitimidade, como o sentimento comum de piedade, de fraternidade, de solidariedade e de respeito à dignidade da pessoa humana. Ressaltamos que o Código Penal sofreu modificações com a lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, pois foi incluída a discussão sobre os crimes sexua is contra vulneráveis, especificamente no artigo 217, que trata de Estupro de vulnerável relacionado à idade. Tal lei define, no artigo 217, que estupro de vulnerável é: “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. (DONIZETE, 2014, p. 1). Com essa lei, ter a conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com pessoas dessa mesma faixa etária passou a configurar o delito do artigo 217 – A, denominado estupro de vulnerável, com pena de reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. O tipo penal do artigo 217-A é considerado como crime hediondo e é um crime analisado juridicamente com maior severidade e rigor. Nessa direção, estupro de vulnerável é considerado crime hediondo punido com a não concessão de anistia, graça, indulto e não tem direito ao pagamento de fiança, além do cumprimento inicial da pena em regime fechado, e de maior dificuldade na concessão de progressão de regime, dentre outras determinações que implicam sua sanção mais severa. Desse modo, Donizete (2014) considera que, classificar o crime de estupro de vulnerável como hediondo, foi uma forma que o legislador encontrou para demonstrar a repulsa a essa conduta, visando minimizar a prática desse tipo penal. Destacamos que o produtor dos dados nesta pesquisa é o juiz que atua na II Vara da Infância e Juventude da comarca de Natal-RN, quem disponibilizou 29 textos, do período 175 compreendido de 2008 a 2013. Desse universo, compusemos o corpus com a amostra de 6 sentenças. No que concerne às técnicas de coletas de dados, esta pesquisa se desenvolve a partir da análise de dados secundários137, cujo processo de produção não acompanhamos, haja vista que, em nossas análises, trabalhamos com o produto, as sentenças já prolatadas pela 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Natal (IIVIJ), as quais foram disponibilizadas pelo jurista citado inicialmente através de cópias impressas das sentenças e em seguida por meio de arquivos digitais. Para a coleta dos textos na Vara da Infância e Juventude, fizemos o procedimento de mapeamento das sentenças prolatadas. De antemão, delimitamos como critério o recorte temático, temporal, a idade das vítimas e os agressores (pais ou padrastos). Nossa amostragem inicial é composta por vinte e nove (29) sentenças, número este cedido e selecionado aleatoriamente pela própria Direção da II VIJ, considerando apenas a temática de violência sexual contra crianças e adolescentes. Desse universo de textos, selecionamos 6 sentenças, considerando os critérios elencados. Desse modo, chegamos à composição final do corpus. Vale apresentar, a seguir, o quadro que demonstra a quantidade e tipo de sentença prolatada pela II VIJ, no período delineado para nossa coleta, com a temática de violência contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. Quadro 7 – Quantidade de sentenças prolatadas até 2013 Tipo de SJC Quantidade Total Condenatória 130 273 Absolutória 143 Fonte: Elaboração própria. Dados coletados na II VIJ No que se refere, especificamente, à seleção das sentenças pela Direção da IIVIJ, concordamos com os pressupostos de Bauer e Gaskell (2011, p. 39-40), os quais afirmam que a orientação mais elaborada para selecionar a evidência nas ciências sociais é a “a mostragem estatística aleatória”. Tais autores defendem que essa estratégia para construção do corpus 137 No que se refere aos dados secundários são todos os dados já disponíveis, acessíveis através de consulta às fontes bibliográficas e/ou outros documentos; são chamados secundários por já terem sido, anteriormente, elaborados e registrados. Informação obtida no material de Metodologia do Trabalho Científico do componente curricular Metodologia da pesquisa no ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa, apostila elaborada pelo Professor Dr. João Gomes da Silva Neto, no Curso de Especialização em Língua Portuguesa Gramática, Texto e Discurso, no ano de 2009. 176 fornece um referencial seguro, uma vez que se vale do critério da representatividade. Sendo assim, ela “garante eficiência na pesquisa ao fornecer uma base lógica para o estudo de apenas partes de uma população sem que se percam as informações”. Vale mencionar o percurso realizado pela pesquisadora para ter acesso aos textos jurídicos que tramitam na II VIJ em processos judiciais em segredo de justiça. Os dados foram fornecidos pela II Vara da Infância e Juventude atendendo a uma solicitação nossa realizada oficialmente por meio de requerimento protocolado na direção de secretaria da vara mencionada. Para isso, realizamos quatro visitas ao local de coleta do corpus. Os processos estavam arquivados e por todos eles estarem em segredo de justiça, foi preciso, primeiramente, que se requeresse acesso aos documentos ao Juiz da Vara da Infância e Juventude, que despachou favoravelmente a pesquisa, dando a autorização e encaminhamento à Secretaria da II VIJ para que tivéssemos acesso as sentenças, não sem antes o comprometimento de se manter o sigilo dos envolvidos nos casos sob análise. Na primeira visita, realizada em março de 2013, entramos em contato com alguns funcionários responsáveis pela Direção da Secretaria Administrativa da Vara da Infância mencionada, responsável pelo arquivamento e controle dos processos e conversamos, informalmente, sobre a possibilidade de realizarmos um estudo linguístico com as sentenças, como também perguntamos quais seriam os procedimentos necessários para ter acesso a tais textos e, com a colaboração do diretor de Secretaria da II VIJ, dialogamos com o juiz titular. Nosso segundo encontro, teve um caráter mais formal. Nesse encontro, entregamos um requerimento ao juiz titular da II Vara da Infância e Juventude, no qua l explicitamos nosso interesse de estudo. Após a aprovação oficial de tal requerimento, por escrito pelo juiz, fomos convidados a comparecer na II VIJ, para recebermos as cópias do material cedido, ocasião em que mais uma vez nos comprometemos perante o juiz a mantermos o sigilo das partes, bem como recebemos a autorização oficial do juiz para termos acesso ao corpus. Inicialmente, nos foram fornecidas apenas cópias impressas das sentenças, sendo que, no ano de 2015, foram liberados os arquivos digitais. No primeiro momento de coleta do corpus, em virtude de termos tido acesso ao corpus apenas de forma impressa, objetivando possibilitar a apresentação dos fragmentos analisados e exemplificação do plano de texto, alguns textos que compõem nosso corpus foram transcritos preservando suas características originais no que diz respeito à centralização do título, divisão de parágrafos e inadequações gramaticais. De posse do material, passamos então ao trabalho de seleção do corpus e trato metodológico. Inicialmente, para identificar os dados escolhidos, procedemos a uma 177 numeração em ordem crescente, antecedida das iniciais SJC – Sentença Judicial Condenatória (SJC 01, 02, 03 etc.), possibilitando situar e manusear os textos mais facilmente. O quadro a seguir tenta reproduzir o que foi exposto e mostra o corpus coletado inicialmente para a pesquisa: Quadro 8 – Sentenças judiciais coletadas em sequência cronológica (2008-2013) Ordem da Sentença Código Quantidade de Laudas da SJC Vítima Réu/ agentes agressores Tipo de crime Idade das ví timas Ano da prolatação 1 SJC1 7 Filha Pai Crime de estupro e atentado Não declarado 2008 2 SJC2 7 Criança de 6 anos de idade Amigo da avó Crime de estupro 6 anos 2008 3 SJC3 7 Enteada Padrasto Estupro 11 anos 2008 4 SJC4 7 Criança amiga da filha do réu Não é familiar Atentado ao pudor 11 anos 2009 5 SJC5 7 Menino criança do grupo Do grupo cultural. Não é familiar. Atentado ao pudor 10 anos 2009 6 SJC6 9 filha Pai Atentado ao pudor 5 anos 2009 7 SJC7 8 2 meninas Não é familiar Atentado violento ao pudor 6 anos 2009 8 SJC8 11 Enteada - Menina criança de 6 anos de idade Padrasto Atentado violento ao pudor 6 anos 2010 9 SJC9 8 Adolescente sobrinha por afinidade Marido da tia/ tio por afinidade Atentado violento ao pudor 14 anos 2010 10 SJC10 7 Enteado menino Padrasto Atentado violento ao pudor 10 anos de idade 2010 11 SJC11 6 Criança de 6 anos Pedreiro da casa Estupro de vulnerável 6 anos 2010 13 SJ13 8 Filha Pai Estupro de vulnerável 11 a 14 anos 2011 14 SJC28 7 Filha Pai Estupro de vulnerável 10 a 12 anos 2011 15 SJC29 13 Enteadas (duas irmãs) Padrasto Atentado violento ao pudor 12 e 11 anos 2011 16 SJC22 7 Deficiente mental de 12 anos Não é familiar. Homem encontrou vítima na praça. Senhor de idade Estupro de vulnerável 12 anos 2012 17 SJC23 Filho Pai Estupro de vulnerável 3 anos até 6 anos 2012 18 SJC24 7 Vít ima Não é Estupro de 13 anos 2012 178 grávida- adolescente vítima de 13 anos no motel familiar Réu confesso vulnerável 19 SJC25 8 Adolescente Jovem do mes mo bairro Estupro menor de 18 anos e maior que 14 anos 17 anos 2012 20 SJC26 7 Adolescente de 16 anos Não defin ido Estupro menor de 18 anos e maior que 14 anos 16 anos 2012 21 SJC27 8 Neta Avô Estupro de vulnerável 8 anos 2012 22 SJC14 9 Enteada Padrasto Estupro de vulnerável 12 anos 2013 23 SJC15 9 Enteada Padrasto Estupro de vulnerável 11 anos 2013 24 SJC16 7 Neta por afinidade Avô por afinidade Estupro de vulnerável 6 anos 2013 25 SJC17 9 Afilhada Padrinho Estupro de vulnerável 10 anos 26 SJC18 7 Neta da companheira do réu (neta por afin idade do réu) Companheiro da avó da vítima Estupro de vulnerável 2 anos 2013 27 SJC19 8 Vizinha Vizinho Estupro de vulnerável 3 anos 2013 28 SJC20 8 Menino vizinho Vizinho Estupro de vulnerável/ forma tentada 11 anos 2013 29 SJC21 9 Sobrinha por afinidade Tio por afinidade Atentado violento ao pudor 11 anos 2013 Total de laudas 242 páginas Fonte: Elaboração própria Como explicitado, do montante apresentado acima, selecionamos 6 sentenças para a composição do nosso corpus e, para chegarmos ao recorte, consideramos os critérios resumidos e a seguir elencados: 1- Realizamos, de antemão, levantamento as sentenças que tratavam de crime tipificado como estupro de vulnerável consoante legislação vigente do Código Penal; 2- Realizamos mapeamento das sentenças que tinham de 7 a 15 páginas, a fim de levantarmos o quantitativo de materialidade textual a ser analisada; 3- Realizamos levantamento de Sentenças julgadas em 1° Grau oriundas de ação penal pública; 179 4- Descartamos as sentenças que tinham a violência sexual como crime tipificado: atentado violento ao pudor138, antes da lei 12.015/2009, referente ao período de 2008 a 2009, mesmo sendo considerado crime de impacto social, por terem sido contra crianças e adolescentes; 5- Delimitamos como critério norteador da seleção o recorte temporal, em decorrência disso, selecionamos as sentenças que tiveram abertura processual no período de 2010 a 2013. Primeiramente, vale destacar que o recorte temporal do ano de 2010 foi escolhido pelo fato da pesquisadora ter nesse ano participado do processo de escolha para o Conselho Tutelar de Natal139 e ter sido eleita e proclamada conselheira tutelar da região Oeste de Natal, em 2010, tendo seu mandato iniciado em 01 de janeiro de 2011, perdurando até setembro de 2015; 6- Elegemos as sentenças condenatórias de processos de cunho penal que tratavam de crime de violência sexual, especificamente de estupro de vulnerável, pelo fato do estupro ser tipificado como um crime hediondo 140, conforme a lei nº 8.072/1990 e Lei federal nº 12.015/ 2009), que tratam dos crimes hediondos e contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, no Brasil; 7- Selecionamos as sentenças de condenação, com a materialidade e autoria comprovada com provas suficientes para a condenação, prolatadas pela 2ª Vara da Infância e Juventude no período de 2011 a 2013; 8- Elegemos sentenças prolatadas até o ano de 2013, que tratam de crimes sexuais, pois, em 2014, a 2ª Vara da Infância e Juventude mudou sua competência, dessa forma, deixando de julgar processos que tratam de estupro de vulnerável; 138 Crime contra a liberdade sexual. O Código Penal estabelecia que cometeria esse crime aquele que constrangesse “alguém, mediante violência ou grave ameaçar, a prat icar ou permitir que com ele se pratique ato lib idinoso diversos da conjunção carnal. Trata-se de crime que se tinha apenas a tentativa e intenção de manter a relação sexual com a vít ima. 139 De acordo com Digiácomo (2016, p.9), com base no Estatuto da Criança e do Adolescente , “Conselho Tutelar é definido pelo art. 131, da Lei n° 8.069/90 como órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Trata-se de uma instituição essencial ao Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei n°8.069/90 com o objetivo de proporcionar, de maneira efetiva, a proteção integral prometida à criança e ao adolescente prevista na legislação. Conferir: DIGIÁCOMO, M. J. Limites e obstáculos para o cumprimento do papel dos Conselhos Tutelares na garantia de direitos de crianças e de adolescentes em situação de violência sexual. Disponível em:< http://www.mppr.mp.br/arquivos/File/Conselho_Tutelar_e_violencia_sexual.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2016. 140 Trata-se de um crime grave e revoltante, ao qual a sociedade tem muita aversão. Crime cuja lesiv idade é acentuadamente expressiva. Crime de extremo potencial ofensivo. Crime comet ido contra os bens (direitos humanos fundamentais) que são protegidos pela Constituição Federal (CF). 180 9- Realizamos levantamento dos principais tipos de agressores de violência sexual nas sentenças selecionadas, considerando para nosso corpus as sentenças que tinham como réus pais ou padrastos, por serem os agressores em maior número, tendo em vista o diagnóstico do levantamento dos dados dos processos de violência sexual julgados pela II Vara, os quais nos foram cedidos pela Direção de Secretaria; e 10- Procedemos com o levantamento da idade das vítimas, considerando para a composição de nosso corpus as sentenças que tinham como vítima crianças e adolescentes até 14 anos de idade, uma vez que a lei considera estupro de vulnerável crime cometido contra infantes de até 14 anos, tendo em vista que o Estatuto da criança e do adolescente, no artigo 2, Art. 2º, considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Em resumo, mencionamos a seguir os procedimentos de levantamento, coleta e tratamento do corpus: 1- Realizamos visita e pedido ao juiz da II Vara da Infância e Juventude durante o primeiro semestre do curso do Doutorado em 2013 (março/2013), momento no qual requeremos autorização ao juiz e entregamos documento de compromisso em relação ao sigilo dos dados do processo. Após a autorização, recebemos as sentenças, com a ressalva de manter o sigilo do nome das partes; 2- Em seguida, fizemos uma leitura atenta e minuciosa das sentenças; 3- Codificação das sentenças recolhidas inicialmente (SJC); 4- Ainda no primeiro semestre de 2015, iniciamos a descrição e caracterização do plano de texto das sentenças, como exemplificaremos no corpo deste trabalho; 5- Estabelecimento do texto, delineando as primeiras intervenções metodológicas e; 6- A partir disso, chegamos à composição final do corpus constituído por 6 sentenças condenatórias, porque acreditamos ser essa uma amostra significativa, que visa revelar e ser “capaz de produzir resultados válidos e representativos em relação aos fenômenos (linguísticos) investigados” (MORAES, 2003, p.194), tendo em vista que consideramos os direcionamentos do tipo de pesquisa documental qualitativa no que concerne à questão de que se faz preciso estabe lecer uma “representatividade”, pois acreditamos ser a quantidade de dados necessários para que possamos fazer “inferências a partir das informações contidas nos documentos analisados” (SILVA et al, 2009, p.4565). 181 Para melhor visualização dessa composição, apresentamos os quadros seguintes. Quadro 9 – Tipo de crime TIPO DE SENTENÇA TIPO DE CRIME QUANTIDADE DE SENTENÇAS SELECIONADAS Condenatória Estupro de vulnerável 6 Fonte: Elaboração própria Quadro 10 – Idade das vítimas das sentenças selecionadas SENTENÇAS IDADE DA VÍTIMA QUANTIDADE DE SENTENÇAS PROLATADAS 0 -11 anos (crianças) 4 12-14 anos (adolescentes) 2 Total 6 Fonte: Elaboração própria Quadro 11 – Levantamento de agressores AGRESSOR QUANTIDADE Pai 4 Padrasto 2 Total 6 Fonte: Elaboração própria Para identificar os dados selecionados do recorte inicial do corpus, procedemos a uma recodificação e numeração em ordem crescente. A numeração atual observada no quadro 12 é seguida das iniciais SJCEV – Sentença Judicial Condenatória estupro de vulnerável (SJCEV 01, 02, 03 etc.), possibilitando situar e manusear os textos selecionados e analisados mais facilmente. Os quadros a seguir tentam reproduzir, em resumo, o que foi exposto: 182 Quadro 12 – Sentenças condenatórias selecionadas de acordo com critérios Ordem da Sentença recodificada para as análises Código inicial do do corpus Quantidade de Laudas da SJC Vítima Réu/ agentes agressores Tipo de crime Idade das ví timas Ano que a sentença foi prolatada 1SJCEV SJC12 7 Filha Pai Estupro de vulnerável 12 anos 2011 2SJCEV SJC13 8 Filha Pai Estupro de vulnerável 11 anos 2011 3SJCEV SJC28 7 Filha Pai Estupro de vulnerável 10 anos 2011 4SJCEV SJC23 11 Filho Pai Estupro de vulnerável 3 anos 2012 5 SJCEV SJC14 9 Enteada Padrasto Estupro de vulnerável 12 anos 2013 6 SJCEV SJC15 9 Enteada Padrasto Estupro de vulnerável 11 anos 2013 Fonte: Elaboração própria Quadro 13 – Quantidade de laudas de cada sentença selecionada (1-15 páginas) QUANTIDADE DE PÁGINA TOTAL 7-10 5 11-15 1 Fonte: Elaboração própria Quadro 14 – Número de laudas das sentenças selecionadas para análises com recodificação S ENTENÇAS JUDICIAIS Nº DE LAUDAS SJCEV 1 7 SJCEV 2 8 SJCEV 3 7 SJCEV 4 11 SJCEV 5 9 SJCEV 6 9 Total de páginas analisadas 51 Fonte: Elaboração própria 183 2.3 PROCEDIMENTOS DE DESCRIÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS Na obra Análise de textos: fundamentos e práticas, Antunes (2010) discorre sobre o trabalho científico de análise de textos e enfatiza a relevância de tais estudos para a compreensão das regularidades que costumam ocorrer na produção e circulação dos diversos gêneros presentes nas mais variadas atividades sociais, pois, através desses estudos, podemos entender melhor os processos linguísticos presentes nas nossas interações verbais, sejam elas realizadas na fala ou na escrita. Para essa autora, “a própria atividade da análise – reiterada e consistente – é fundamental para desenvolver nossa capacidade de perceber, de enxergar, de identificar os fenômenos ou os fatos que ocorrem nos textos”. (ANTUNES, 2010, p. 51)141. Nessa direção, Antunes (2010, p. 66) considera que um texto assume determinadas formulações, é expresso em certos níveis de formalidade, em certos formatos e suportes na dependência das normas, sociais e discursivas, que decorrem do universo de referência e do campo social em que o evento comunicativo se insere e vai circular. Por isso é que a produção e a recepção social das ações verbais constituem ‘verdadeiras rotinas comunicativas’. A pesquisadora ressalta ainda que “a finalidade da análise, portanto, é promover esse estado de pergunta, de busca; esse querer ver, mais por dentro, a engrenagem de funcionamento da linguagem” (ANTUNES, 2010, p. 52). Dessa forma, a análise de textos nos permite perceber diversas questões particulares dos grupos pertencentes as mais diversas esferas sociais que o produzem, revelando muito mais do que os próprios autores podem imaginar. Dessa maneira, analisar textos é procurar descobrir, entre outros pontos, seu esquema de composição; sua orientação temática, seu propósito comunicativo; é procurar identificar suas partes constituintes; as funções pretendidas para cada uma delas, as relações que guardam entre si e com elementos da situação, os efeitos de sentido decorrentes de escolhas lexicais e de recursos sintáticos. É procurar descobrir o conjunto de suas regularidades, daquilo que costuma ocorrer na sua produção e circulação, apesar da imensa diversidade de gêneros, propósitos, formatos, suportes em que eles podem acontecer. (ANTUNES, 2010, p. 49). Retomando o que foi exposto anteriormente, para realizarmos a análise dos textos e responder às questões de pesquisas, anunciadas, seguimos uma abordagem qualitativa de 141 ANTUNES, M. I. C. M. Análise de textos : fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. 184 natureza interpretativista. Nesse sentido, concordamos com Charaudeau (2011, p. 14) quando destaca que “interpretar consiste em uma operação de correlação de fatos observados com outros fatos, para formular, por inferência, hipóteses de sentido”. Nesse viés, entendemos a importância do papel do sujeito pesquisador, uma vez que este interpretará, através dos dados, os fenômenos recortados para análise ali presentes com um fim de lhes atribuir significado. Dessa forma, adotamos os seguintes procedimentos para o estabelecimento do texto e tratamento dos dados, aplicando os seguintes procedimentos metodológicos para as análises: 1- Revisão bibliográfica do referencial teórico sobre a Responsabilidade Enunciativa, PDV e sobre o plano do texto do gênero textual/discursivo sentença judicial condenatória que trata de crime contra a dignidade sexual, como também breve contextualização sobre o discurso jurídico, pela sua importância de caráter social, detivemo-nos em reflexões fundamentadas sobre os estudos da escrita especializada no âmbito jurídico empreendidos por Montolío (2008), Gomes (2013), Lourenço (2015) e Bittar (2015), dentre outros autores; 2- Conforme os critérios estabelecidos, realizamos a coleta e seleção do corpus que constitui o banco de dados da pesquisa e que apresenta, em seu conteúdo, material necessário para a investigação da (não) assunção da Responsabilidade Enunciativa nos textos selecionados; 3- Leitura das sentenças selecionadas identificando o plano textual, dessa maneira, tomamos a natureza do gênero como base (seu conteúdo, composição, estilo, esfera da atividade humana a que se mostra vinculado, com seus propósitos comunicativos reconhecidos, entre outros). Isso norteou o nosso entendimento quanto às características linguístico-textuais desse gênero e quais marcas e categorias oriundas de nosso referencial teórico eram representativas no corpus; 4- Por se tratar de sentenças em segredo de justiça e por terem publicidade restrita, de modo a preservar a face dos envolvidos e em conformidade com os princípios jurídicos/legais, éticos e sociais, os nomes das partes foram retirados e colocamos o código XXXX. Outras informações que pudessem identificá- los também foram codificadas com XXXXX. Dessa maneira, por questões de ética e com base na legislação, manteremos em sigilo o número do processo e o anonimato dos sujeitos processuais autênticos. Lembramos, ainda, que os originais das sentenças se encontram sem os nomes dos envolvidos e com o código anteriormente 185 mencionado, para preservação das faces dos envolvidos e para cumprir as normas éticas do trabalho científico; 5- Contagem do número de laudas de cada sentença e elaboração de tabela com ano que a sentença foi prolatada, quantidade de laudas, tipificação do crime, informações sobre as vítimas e réus, a fim de realizar levantamento do quantitativo da materialidade textual analisada; 6- Após seleção das 6 seis sentenças que tratam de estupro de vulnerável, cada sentença analisada recebeu como código a sigla (SJCEV) e em seguida uma numeração específica, seguindo o ano da data da prolatação da sentença; 7- Recortes de fragmentos nas sentenças, para exemplificar as análises. Tais fragmentos de cada sentença foram codificados com um composto de dígitos, em que o primeiro dígito é a letra S, que indica sentença, e o segundo dígito, J significa judicial, o terceiro, C de condenatória, o quarto EV de estupro de vulnerável e um número, contado a partir do numeral 1, mantendo a sequência de acordo com a ordem de coleta das sentenças, bem como considerando o período em que foi prolatada. Ademais, serão denominados SJCEV (código da sentença no corpus = sentença judicial condenatória estupro de vulnerável (Ex: SJCEV1), Fragmento=F (número do código do fragmento), mais a codificação do plano da sentença que o fragmento foi retirado (PTR = plano de texto do relatório, PTF = plano de texto da fundamentação, PTD = plano de texto do dispositivo (EX: SJCEV1PTR), obedecendo, pois, a sequência das sentenças e dos excertos em análise; 8- Deixaremos, em destaque, a parte dos fragmentos que exemplificarão nossas análises, ou seja, no tocante ao tratamento dos dados para as análises, os fragmentos dos exemplos das sentenças foram transcritos, conforme o original, e as estruturas linguísticas, identificadas, descritas, analisadas interpretadas estarão ilustradas em realce na (cor cinza). Vale ressaltar que a seleção na cor cinza mostra o que selecionamos e salientamos nas análises, evitando, assim, não confundir com as marcas tipográficas que aparecem em vários trechos das sentenças analisadas, as quais foram transcritas como constam nas peças processuais originais; 9- Organizamos as sentenças em ordem temporal considerando a data na qual foi prolatada; 10- Por questões de ética na pesquisa científica, nos excertos analisados, suprimimos alguns fragmentos da descrição e narração dos atos libidinosos p raticados contra 186 crianças e adolescentes, como também suprimimos as “expressões-tabus”142. Marcamos tal procedimento com colchetes e reticências [...]; 11- Identificação, descrição e análise das marcas linguísticas utilizadas pelo autor do texto, desenvolvendo o núcleo metodológico-descritivo da pesquisa; 12- Leitura sistemática, destacando os enunciados nos quais se materializa a Responsabilidade Enunciativa; 13- Identificação do PDV assumido pelo juiz e dos imputados a enunciadores segundos; 14- Identificação das estruturas linguísticas que marcam a assunção e a imputação (a não assunção da Responsabilidade Enunciativa/ mediativo: mediação epistêmica e mediação perceptiva); 15- Reconhecimento das fontes do dizer, responsáveis pelo conteúdo proposicional dos PDV enunciado na sentença judicial; 16- Identificação e análise interpretativa dos fragmentos textuais, com foco no gerenciamento das diferentes vozes presentes, tipos de PDV (PDV: representado, assertado/afirmado e narrado/contado), posturas enunciativas, posicionamento (acordo, desacordo e (pseudo)neutralidade), movimentos enunciativos (assunção da RE, imputação, responsabilização compartilhada), gerenciamento e hierarquização das vozes (PDV de enunciadores segundos) evocados em favor da orientação argumentativa; 17- Registro dos resultados das principais ocorrências obtidas para síntese das principais incidências da análise em tabelas, preenchendo com fragmentos textuais e marcando: ø para a não ocorrência da marca, do posicionamento enunciativo ou fenômeno linguístico); + para a presença do fenômeno linguístico-textual e enunciativo;143 18- Discussão das generalizações dos resultados depreendidos das análises. 142Consideramos o conceito de “tabus linguísticos”, seguindo Brito e Panichi (2013, p. 177). Tais autoras afirmam que o tabu linguístico é conhecido como impropério, que é tido como a proibição de se dizer qualquer palavra ou expressão que seja grosseira ou imoral. Além disso, é um tabu de “natureza sentimental”. Trata-se também de uma proibição de expressão vocabular que não é tida como supersticiosa nem imoral, mas que atenta contra os bons costumes, já que se afronta o respeito, dependendo do contexto em qu e ocorrem. Afirmam ainda que: “nos processos de crimes contra a dignidade sexual de indiv íduos é patente a presença dos tabus linguísticos, haja vista ser o campo sexual o mais resguardado das pessoas, pois, além do pudor existente em pronunciar os termos referentes à sexualidade, existe também uma reserva em assumir determinados desejos e atitudes [...] na intimidade” (p. 179). 143 Utilizamos como recurso metodológico para marcar a ocorrência do recurso linguístico-textual ou enunciativo no preenchimento das tabelas utilizadas na síntese dos dados. 187 Cabe destacar que elegemos as categorias, considerando o modelo teórico adotado na fundamentação. Em outras palavras, de forma mais específica, as categorias de análise levadas em conta seguem as propostas teóricas do campo da ATD, retiradas dos pressupostos de Adam (2011) no que tange à responsabilidade e orientação argumentativa, de Passeggi et al. (2010) sobre responsabilidade enunciativa, de Guentchéva (1993, 1994, 2011, 2014) sobre o mediativo, de Authier-Revuz (1990, 2004) sobre heterogeneidade discursiva e de Rabatel (2008, 2009, 2011, 2013, 2015, 2016) acerca do Ponto de Vista (PDV), locutor, enunciador, posturas enunciativas, posicionamentos, movimentos enunciativos da assunção da Responsabilidade Enunciativa e a imputação, dentre outros autores que tratam do tema. Após a formação do corpus, fizemos uma leitura prévia do material vislumbrando identificar, descrever, analisar e interpretar as marcas linguísticas levando em consideração, durante a análise para reconhecimento das categorias textuais e enunciativas, principalmente, as seguintes marcas e estratégias linguísticas144: ►expressões verbais e índices de pessoas; ►modalidades sintático-semânticas e elementos modalizadores (lexemas afetivos e avaliativos, expressões adjetivadas, advérbios, entre outros); ► tipos de representação da fala (discurso direto, discurso indireto etc.) com foco nas marcas tipográficas e verbos dicendi, delimitadores do discurso de outrem; ►indicações de quadro mediadores (conectores, marcas tipográficas, expressões verbais); ►Operadores/Conectores argumentativos; ► ► Marcas tipográficas (sinal gráfico aspas, negrito e itálico). Vale destacar que, na análise da materialidade linguístico-enunciativa do universo textual dos excertos, utilizamos de maneira distinta: L1/E1 para nos referirmos ao primeiro locutor-enunciador, que, no caso, é o juiz que profere e gerencia as vozes no texto e, ao 144 Ressalvamos que algumas marcas linguísticas poderão ser utilizadas em mais de um grupo de posicionamentos enunciativos no jogo da (não) assunção da RE, a exemplo das expressões verbais, dos conectivos, dos índices de pessoas, que podem marcar um maior ou menor engajamento do locutor. O termo índices de pessoas pode se referir a marcas de primeira, de segunda ou de terceira pessoa, e a indicação do grau de (des)engajamento do locutor pode ocorrer também a partir da pessoa marcada no dispositivo enunciativo. Salientamos ainda que a escolha das categorias de análise deu-se em função de nosso contato com as teorias sobre o tema, bem como em função de nosso contato inicial com o corpus e da percepção de que essas categorias ocorrem com maior frequência nos textos selecionados e analisados. 188 enunciar, assume posturas enunciativas diversas; e2, para designar os enunciadores segundos, aqueles a quem são imputados certos PDV, que no caso serão de fontes enunciativas diversas, dentre elas: as testemunhas, a legislação, o Ministério Público, a jurisprudência, a doutrina, o discurso jornalístico, o parecer especializado, o exame de conjunção carnal, o réu e a defesa, dentre outros. Como dito anteriormente, nossa pesquisa se circunscreve no âmbito da Análise Textual dos Discursos (ATD), que se subsidia na Linguística Textual e na Linguística da Enunciação, mais precisamente no que Adam (2011) denomina de translinguística. Portanto, nossa análise fundamenta-se em trabalhos sobre a responsabilidade enunciativa tendo como autores de base Adam (2011), Rabatel (2009, 2013, 2015, 2016), Guentchéva (1994, 2011, 2014) e Rodrigues (2010). Subsidiamo-nos também em estudos sobre os Gêneros Discursivos/Textuais, focalizando o gênero sentença judicial condenatória que trata de crime contra a dignidade infanto-juvenil, com base no pressuposto de que “todo enunciado possui um valor argumentativo” (ADAM, 2011, p. 122). Desse modo, analisamos os textos inclusos nesta pesquisa que possuem direcionamento argumentativo marcado linguisticamente, pois a argumentação no texto jurídico constitui essência natural. Em suma, seguimos a metodologia de trabalho ora explicitada por ser esta uma pesquisa com base qualitativa, de natureza descritiva, interpretativista e documental. Apresentado, portanto, o enquadre metodológico de nossa investigação, retomaremos os pressupostos da análise textual-enunciativa: as categorias e marcas. Em seguida, passaremos ao capítulo da descrição e caracterização do plano de texto da sentença condenatória em estudo, bem como da análise dos dispositivos enunciativos concernentes à responsabilidade enunciativa, articulada à orientação argumentativa da sentença. 189 3 ANÁLISE DOS DADOS Nem advogados nem linguistas têm o monopólio da verdade, e ambos podem aprender um com o outro, e beneficiar-se pela chance de examinar as pressuposições sobre a linguagem de cada um. (HUTTON apud ALVES, 2003). 3.1 RETOMANDO AS CATEGORIAS PARA A ANÁLISE LINGUÍSTICA E TEXTUAL- ENUNCIATIVA Para atingir os objetivos da pesquisa, selecionamos as categorias atreladas à filiação teórica, dentre as diversas categorias e níveis de análise textual-enunciativa pertencentes à abordagem da ATD e da teoria da Linguística Enunciativa. Correlacionamos no âmbito dos estudos dos dispositivos enunciativos, elegendo para nossa análise a caracterização do plano de texto, a responsabilidade enunciativa, os tipos de PDV, as posturas do locutor-enunciador (L1/E1) em relação ao conteúdo proposicional imputado a e2, articulando aos direcionamentos da construção argumentativa do texto jurídico em estudo, observando as mais variadas formas de materialização da RE elencadas por Adam (2011), Rabatel (2008, 2009, 2013, 2015, 2016) e Guentchéva (1993, 1994, 2011, 1996), dentre outros. Assim, delineados os caminhos e escolhas da pesquisa em tela, apresentados os objetivos a serem alcançados, que consistem em descrever, analisar e interpretar como se apresentam marcados linguisticamente, nos textos jurídicos, os modos de assumir ou não a RE, bem como a mobilização de PDV de enunciadores segundos, em conformidade com os propósitos comunicativos do jurista (LI/E1) atrelados à orientação argumentativa, a partir da análise de marcas linguísticas e categorias, consideramos o referencial teórico-metodológico a partir dos seguintes pressupostos: a) (da) análise textual dos discursos (ADAM, 2011), que considera as condições de produção (con)textuais de sentido, articulando dois campos do saber: a Linguística Textual (LT) e a Linguística da Enunciação. O estudo considera as categorias linguísticas caracterizadoras do grau da RE nos enunciados, entre as 8 (oito) categorias suscitadas por Adam ( Ibid., p.117-120), níveis de análise textual: 5, 7 e 8 (Plano de texto, RE e OrArg); b) (dos) estudos da análise enunciativa sobre o ponto de vista e responsabilidade enunciativa desenvolvidos por Rabatel (2004, 2009, 2013, 2011, 2015) que se mostram de fundamental 190 importância para o nosso trabalho, uma vez que assumimos a perspectiva desse autor para analisar os posicionamentos enunciativos e laços de (des)responsabilização, mostrando a dinamicidade da entrada das vozes de outrem no âmbito do discurso jurídico, revelando que o estudo do ponto de vista (PDV) não aponta simplesmente para o modo como o produtor do texto concebe determinado objeto de discurso, mas como ele organiza seu texto em relação ao gerenciamento de vozes, assumindo ou não a responsabilidade pelos conteúdos proposicionais veiculados, bem como as estratégias linguísticas do jogo enunciativo de hierarquização de PDV, de imputação a outras instâncias e a assunção pelo enunciador das informações expressas, de forma mediada ou não, nos enunciados, a serviço da orientação argumentativa do discurso jurídico na sentença condenatória penal; c) (dos) estudos postulados por Guentchéva (1993, 1994, 1996, 2011, 2014), que apresentam a categoria gramatical do mediativo (MED) como mecanismo linguístico que permite o enunciador marcar uma atitude de posicionamento enunciativo de distanciamento e /ou desengajamento em relação aos conteúdos proposicionais expressos de (e2) e evocados por L1/E1 no texto jurídico em análise. 3.2 CARACTERIZAÇÃO DO PLANO DE TEXTO DO GÊNERO DISCURSIVO/TEXTUAL SENTENÇA CONDENATÓRIA – ACEPÇÕES E ESTRUTURA COMPOSICIONAL Diante do exposto, passemos para a caracterização e estabelecimento do plano de texto do gênero sentença judicial condenatória que trata de crime hediondo contra a dignidade sexual infanto-juvenil. Entendemos que a sentença judicial condenatória do âmbito penal que trata de crime de estupro de vulnerável é um gênero discursivo/textual por possuir os elementos formadores (estrutura composicional, estilo e tema) apontados nos direcionamentos bakhtinianos, além de ser um evento comunicativo vinculado a uma prática social institucionalizada no domínio discursivo jurídico. Assim, compreendemos que caracterizar a sentença como um gênero discursivo/textual é entendê- la no seu contexto social e comunicativo, considerando suas funções sociais e comunicativas. Pela via bakhtiniana, situamos a sentença como produto do campo do domínio discursivo jurídico, legitimado pelo Estado. Desse modo, é um gênero que reflete as condições específicas e as finalidades desse campo da esfera de atividade humana, tanto em seu conteúdo temático e no estilo da linguagem (recursos lexicais, escolhas fraseológicas e 191 gramaticais, jargão de linguagem especializada), como também no que tange a sua estrutura composicional orientada por normas legais do âmbito jurídico. A partir dos contributos de Pinto (2010), temos subsídios para afirmar que a sentença em estudo tem elementos que podem sofrer maior ou menor variação em função do grau de institucionalidade do gênero no âmbito do domínio do discurso jurídico, principalmente no que concerne aos elementos obrigatórios do plano de texto, pois trata-se de requisito instituído juridicamente e por isso menor possibilidade de variação. O corpus, em análise, apresenta um modelo textual estável ao qual encontram-se associados alguns recursos linguísticos, conforme veremos no próximo tópico. Destacamos também que a sentença é um gênero discursivo/textual heterogêneo em relação à variedade de temas que pode abordar, tendo em vista as mais diversas áreas do Direito a que irá se filiar. A estrutura composicional desse gênero é relativamente padronizada e estável, porque segue, em geral, um conjunto de normas jurídicas de certo modo rígido, válidas por um certo período, baseado, principalmente, na legislação brasileira, especificamente o Código de Processo Civil Brasileiro e o Código Penal. Encontra-se inserido no campo dos gêneros secundários, segue padrões fixos e normativos mais elevados no desenvolvimento da construção textual-discursiva, próprios ao domínio jurídico, e consolidados pela legislação vigente. Constatamos que ocorre uma submissão às normas institucionais, isto é, às regras estipuladas por esta comunidade discursiva. Na produção da sentença, o jurista segue padrões já estabelecidos, existe por sua vez um respeito à norma imposta. No que concerne à função sociocomunicativa e interacional, a sentença judicial é vista atualmente como um gênero discursivo/textual que está cada vez mais próximo não só dos operadores do direito (juízes, advogados), mas também dos litigantes/cidadãos. É visto como um dos gêneros mais importantes da esfera jurídica, pois põe fim ao processo em primeira instância e abre espaço para o advogado da parte perdedora interpor recurso à instância superior. É um gênero discursivo/textual do domínio jurídico que tem como finalidade principal a solução de conflitos pelo Estado, sendo representado institucionalmente e legitimado pela figura do juiz. No quadro, a seguir, exemplificamos o plano de texto de nosso corpus. 192 Quadro 15 – Exemplificação do plano de texto de nosso corpus TEXTO COMPLETO DA S ENTENÇA ELEMENTOS DO PLANO DE TEXTO FUNÇÃO E DEFINIÇÃO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE Comarca de Natal Fórum “Desembargador Miguel Seabra Fagundes” Rua Dr. Lauro Pinto, 315 – 2º andar - Lagoa Nova - CEP 59.064-250 – Natal - RN Fone (84) 3616-9675 Processo n º xxxxxxx SENTENÇA Preâmbulo Cabeçalho com identificação da Vara e número do processo e título. EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA CERTA. CONDENAÇÃO. I – Constitui crime de estupro de vulnerável a conduta de constranger criança ou adolescente com idade inferior à quatorze anos de idade à conjunção carnal ou a praticar ou permit ir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal; II – Nos crimes contra a liberdade sexual, as declarações da vítima, somadas e ajustadas aos demais elementos probatórios dos autos perfazem as provas necessárias para evidenciar a autoria e materialidade do delito em questão; III – Condenação que se impõe. Ementa Trata-se de apontamos de forma resumida; É formada por duas partes: a verbetação e o dispositivo. A primeira é a sequência de palavras-chave, ou de expressões que indicam o assunto discutido no texto; O dispositivo é a regra resultante do julgamento do caso concreto, transcrito de forma concisa, afirmat iva, objetiva, precisa, unívoca, coerente e correta. VISTOS ETC VISTOS Trata-se de uma expressão costumeira que se cristalizou no universo jurídico. Ela revela que foram v istos, relatados e discutidos os autos, para, só então, dar a eles uma solução. Ou seja, significa que o magistrado deseja assegurar a todos que realmente viu e examinou os autos 145 . 145 MOREIRA, J. C. B. O que deve e o que não deve figurar na sentença. Disponível em:< http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista08/Revista08_42.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2016. 193 RELATÓRIO O Douto Representante do Ministério Público, no desempenho de suas atribuições institucionais, devidamente amparado em Inquérito Policial, ofereceu denúncia em desfavor de XXXX, já devidamente qualificado nos autos, como incurso no artigo 217-A c/c arts. 71 e 226, II, todos do Código Penal, pela conduta delituosa a seguir narrada. Consta da denúncia que o réu, durante os anos de 2007 à 2011, em sua residência, nesta capital, abusou sexualmente seu próprio filho, XXXX, desde que este possuía três anos de idade até os seus seis anos, ocasiões em que o réu, aproveitando que o infante passava finais de semana em sua residência e da sua condição de pai, colocava a criança de quatro, [...]. A denúncia foi recebida em 15 de agosto de 2012, em face da observância dos seus requisitos legais, ocasião em que foi determinada a citação do denunciado, bem como lhe foram ap licadas medidas cautelares (decisão de fls. 169/170), que posteriormente foram revogadas por este Juízo (fls. 748/749). Foi apresentada defesa prévia em favor do réu (fls. 725/747). Foi realizada audiência de instrução e ju lgamento, na qual foram ouvidas as testemunhas e declarantes arrolados pelo Min istério Público e Defesa, bem como foi realizado interrogatório do réu, todos através de registro audiovisual coletados em CD, que encontra-se na contra- capa dos autos (fls. 800/804). Na mesma audiência, o Ministério Público e a assistente de acusação procederam com suas alegações finais orais, ao passo em que foi concedido prazo à Defesa para apresentação das alegações finais por escrito, através de memoriais (fl. 804). O Representante do Ministério Público manteve integralmente os termos da denúncia, requerendo a condenação do acusado como incurso nas sanções do art. 217-A c/c arts. 71 e 226, II, todos do Código Penal. A assistente de acusação também requereu a condenação do réu, da mesma forma que o parquet. A Defesa, por sua vez, pediu a absolvição do denunciado, alegando, em suma, que não há provas suficientes para a condenação do acusado, invocando o princípio do in dubio pro reo (fls. 809/835). É o relatório. Passo a decidir. Relatório Relatar os fatos relativos ao processo de maneira clara e objetiva; exigência legal; apresenta histórico, resumo, partes principais do processo; sequências textuais narrativas; sequências textuais descritivas; estrutura composicional com parágrafos únicos relacionado a cada ação distinta do processo. II – FUNDAMENTAÇÃO Concluída a instrução processual, estando o feito pronto para ju lgamento, impõe-se, em razão da atual fase procedimental, o exame sobre as provas produzidas, a fim de ser valorada a pretensão do requerente e, em contrapartida, a que resultou da defesa, de modo a ser aplicado, diante dos fatos que ensejaram a presente persecução criminal, o direito cabível.·. II.1 – Do tipo penal imputado Fundamentação Ressaltar os aspectos legais motivadores da decisão do juiz; exigência legal; sequências textuais argumentativas; sequências textuais expositivas; sequências textuais descritivas e narrativas. 194 Temos imputação do delito de estupro de vulnerável, capitulado no art. 217-A do Código Penal 146 Cogita-se, também, a ap licação do art. 71, do Código Penal, crime continuado. A regra é bem simples. Em razão de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, os crimes subseqüentes ao primeiro serão havidos como continuação deste. A conseqüência é, pois, a aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Por fim, saliente-se que o tipo penal em questão, estupro de vulnerável, é considerado crime hediondo, explicitamente elencado no rol da Lei 8.072/90. II.2 - Da Autoria A averiguação da autoria delitiva passa, indispensavelmente, pelo exame pormenorizado de toda prova testemunhal anexada aos autos, pelos relatos que atestam ou refutam a concorrência do denunciado para a prática ilícita em julgamento. Neste contexto, inserem-se as declarações prestadas pelo denunciado em seu interrogatório judicial, ou seja, suas versões dos fatos sub judice. É patente a negativa de autoria apresentada pelo denunciado. Contudo, a vítima, sua mãe e psicólogas ouvidas em Juízo sustentam, em seus depoimentos (CD na contra-capa dos autos), de forma convincente, que o réu abusou sexualmente a v ítima. Tem-se, pois, mais narrativas que harmoniosamente retratam os fatos sub judice, formando, até este momento, um todo coerente, indicativo de fortes provas da autoria delitiva do réu 147 . Assim, ao final deste exame, o que se vislumbra é a afirmação da autoria delitiva, uma vez que existem elementos seguros e direcionados para a confirmação de que o denunciado, de fato, perpetrou o delito capitulado no art. 217-A, do Código Penal, tendo como vítima seu próprio filho. II.3 - Da Materialidade Pela simples análise do tipo penal imputado, tem-se, nitidamente, delito que, muitas vezes, não deixa resultados passíveis de serem comprovados via prova material. É o caso dos autos, eis que o abusos consistiam em [...], além de [...], condutas que podem não deixar vestígios, sobretudo se a vítima não for logo examinada. Logo, para que a materialidade delitiva reste devidamente comprovada, recorrer-se-á à prova testemunhal contida nos autos que, por sua vez, se prestará a evidenciar a conduta do denunciado. Neste diapasão, contemplando a prova testemunhal colecionada nos autos (CD na contra-capa dos autos), bem como diversas avaliações psicológicas (fls. 16/17, 112/120, 723/724 e 758/785), enxerga-se a comprovação 146 Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato lib idinoso com menor de 14 (catorze) anos. 147 Réu é todo aquele contra quem é intentada uma ação penal. 195 da materialidade delit iva, ou seja, os relatos que a compõem são diretos e substanciosos, aptos para a demonstração da existência do delito. A mãe da vítima afirmou, em juízo, que conhece o réu há mais de vinte anos, que eram amigos e daí teve algumas relações sexuais com ele, sem convivência marital ou um relacionamento amoroso mais sério, resultando no nascimento da vítima. Que continuou a ter ótimo relacionamento com o réu, como amigos, inclusive saindo juntos com a namorada dele. Re latou que começou a perceber comportamentos estranhos do seu filho, [...] e dizer que não era pra falar. Que em 2009 seu filho retornou da casa do réu com irritação [...] e [...]. Afirmou que não queria acreditar no abuso sexual, mas passou a não deixar mais o filho sair só com o réu, resultando em um processo judicial na Vara de Família. O avó da vítima afirmou, em ju ízo, que soube dos abusos através de sua filha. Que passou a perceber atitudes sexuais precoces de seu neto, como [...]. Relatou que a vítima lhe contou que o réu [...]. Confirmou que a mãe da vítima t inha ótimo relacionamento com o réu, seus familiares e sua namorada, inclusive de um frequentar a casa do outro. A psicóloga XXXX, que assistiu a vítima em torno de oito sessões, relatou, em seu depoimento em Ju ízo, que observou na vítima traços de que havia sofrido abuso sexual. A psicóloga do XXXX, XXXX., afirmou, em Juízo, que atendeu a vítima e teve certeza da ocorrência do abuso sexual, eis que a criança mostrou firmeza em detalhar os fatos, com gestos e palavras, de tal forma que não se pode atribuir a um possível induzimento. A testemunha XXXXX, também psicóloga do ITEP, relatou em juízo não ter dúvida de que a vít ima foi abusada sexualmente, uma vez que a criança detalhou, de forma espontânea, como ocorreram os abusos, senão vejamos trechos de seu depoimento judicial: "eu comecei a conversar com ele (vítima), pedindo que ele me contasse somente o que ele tinha visto e o que ele sabia; aí XXXX responde com total propriedade, sem titubear nenhum momento, sem demonstrar insegurança ou que aquilo estava planejado pra ser dito, e aí responde o que eu questionei sobre o abuso com total propriedade; então, assim, os indícios comportamentais, que eu já tinha visto, porque eu já tinha discutido o caso com XXXXX, e além da entrevista que eu fiz com XXXXXXXX, não me restam dúvidas de que ele tenha sido abusado sexualmente; (...) que foi abusado; que o pai, por exemplo, [...]; eu 196 pergunto quantas vezes; ele disse que foi mais de uma vez, a primeira vez com três anos; eu até questiono: com três anos? Mas você era muito pequeno, será que você lembra?; ele disse: lembro, porque também aconteceram outras vezes; ele já maior; então dessa estória do pai abusar dele ele fala que o pai [...], enfim, [...];" A testemunha XXXX, psicóloga que acompanha a vít ima, afirmou, em Ju ízo, que ouviu o pai e a mãe da vít ima, cada um em quatro sessões, bem como a v ítima uma vez por semana, há mais de uma ano, e conclu iu que de fato ocorreu o abuso sexual, tendo a v ítima relatado como os fatos ocorreram. Vejamos trechos de seu depoimento judicial: "ele desenhou a figura masculina maior, depois outro pequeno, ele disse que era o pai e era ele; riscou a área [...], disse que ali [...]; (...) ele [...]; (...) disse que acontecia [...]; (...) aí [...], e disse que era assim que o pai fazia, [...];" A testemunha XXXX, psicóloga que acompanha a mãe da vítima há um ano, por indicação da juíza da Vara de Família, afirmou, em Ju ízo, que fez alguns testes com sua paciente e assevera que não há indícios da existência da síndrome de alienação parental, senão vejamos o que disse em Juízo : " XXXXXX é uma mãe que está em um processo traumático muito sério; ela chega pra mim com uma dúvida muito grande, como lidar com a situação, ela ainda tinha dúvidas se esse abuso podia ser interrompido espontaneamente, se esse pai podia ser acompanhado, e nisso ser curado; ela trouxe muita angústia, muita ansiedade, muito desespero no primeiro momento; aí eu comecei a fazer avaliação pra descartar ou comprovar a alienação parental, que era a pergunta que a juíza tinha me feito; (...) não há indícios de alienação parental; eu descarto totalmente porque num caso de alienação parental a primeira coisa que a gente observa é que o pai alienador não tem dúvida nenhuma de que aquilo é 197 real, em que o que ele disse é verdade e que vai conseguir prejudicar o outro genitor; no caso de XXXXXX, foi a primeira pergunta que ela me fez: mas será que isso é de propósito? será que isso é verdade? será que isso não pode ser uma coisa temporária? isso a gente não encontra nunca em pais alienadores; a outra questão é que um pai alienador ou uma mãe alienadora, é bom tratar por genitor que é mais correto, ele não tem a conexão com o sofrimento da criança; seja ele a mãe ou o pai, ele está mais interessado em denegrir a imagem do outro genitor do que efetivamente cuidar dessa criança que está sendo alienada; então é muito comum que haja o impedimento de procurar um atendimento psicológico para a criança, ou caso isso não seja comprovado, que ele encontre outros meios de começar a catucar, de começar a denegrir ainda mais essa imagem, não mostra sofrimento; o genitor está tão certo do que diz que ele não vai mostrar sofrimento nenhum; e isso é encontrado em XXXXX; XXXX estava sofrendo; a outra coisa é a questão dos ganhos; a gente sempre busca como indício ganhos psicológicos, ganhos emocionais, ganhos financeiros, que esse genitor possa ter quando ele denigre a imagem do outro; eu não encontrei isso em XXXXX; XXXX dependia financeiramente do outro genitor; XXXX tinha muita confiança no cuidado desse genitor; então pra ela foi uma crise muito grande se deparar de repente com uma pessoa que ela entregava o filho, pra ir trabalhar, e ele passava o dia com ele, sem se preocupar, e agora com quem esse menino ia ficar? Como é 198 que ia ficar a vida dela? Então por esses indícios e principalmente pelo teste psicológico que eu apliquei, eu fui descartando a alienação parental; (...) ao todo eu estou com XXXXXX há mais de 55 sessões;" A psicóloga da Vara de Família, XXXXX, afirmou, em Juízo, que acompanhou o caso por mais de um ano, ouvindo os pais, a criança, familiares, funcionários da escola onde a criança estudava, e concluiu não haver indícios do abuso sexual. Relatou que a criança não demonstrou rejeição pelo pai. Todavia, admit iu que a criança falou que tinha visto sair leite do pinto do pai. A namorada do réu, XXXXX, confirmou, em Juízo, que o réu sempre teve uma boa relação com seu filho e sua genitora, até ingressar na Justiça reclamando o direito de visita. Relatou que tinha boa relação com a mãe da vítima. As demais testemunhas de defesa se resumiram a falar da boa relação da vítima com o pai, ora réu. Por fim, há de se sobrelevar as próprias declarações da vítima, as quais mostraram-se totalmente coerentes, tanto nas avaliações psicológicas, quanto em ju ízo, as quais atestam não só a materialidade do crime, como também apontam o acusado como o autor da conduta delituosa em relevo, senão vejamos trechos do seu depoimento em juízo: “ele (réu) fez coisas mal comigo; (...) [...]; (...) ele [...]; (...) perguntado quantas vezes o réu praticou estes atos, respondeu: três; (...) perguntado o que acontecia quando o réu ficava [...], respondeu: [...]; (...) perguntado em que posição estava quando o réu colocava [...]; (...) ele [...]; (...) perguntado onde o réu [...], respondeu: [...]; (...) perguntado o que o réu lhe dizia, respondeu: se você disser pra qualquer pessoa, assim, que eu faço isso eu vou matar sua mãe; (...) perguntado se quer ver o réu, respondeu: não; porque ele fazia aquelas coisas que eu acabei de dizer; (...) ele fez na última vez que eu fui sem acompanhante;” Desse modo, em consonância com a jurisprudência pátria, é de suma importância os esclarecimentos dos fatos prestados pelas vítimas, senão vejamos: “Em tema de crimes contra os costumes, que geralmente ocorrem às escondidas, as declarações da vítima 199 constituem prova de grande importância, bastando, por si só, para alicerçar o decreto condenatório, mormente se tais declarações mostram-se plausíveis, coerentes e equilibradas, e com o apoio em indícios e circunstâncias recolhidas no processo.” (TJSC – JCAT 76/639). (grifei) “Nos crimes contra os costumes a palavra da vítima surge com coeficiente probatório de ampla valoração, ainda mais se corroborado pelos demais elementos dos autos.” (TJSP – RT 666/295). (grifei) “Nos crimes contra os costumes, a palavra da ofendida, mesmo na fase da investigação criminal, escoltada pela firmeza da prova pericial e ressonante no depoimento judicial do ofensor, constitui, sem menosprezo ao princípio do contraditório, elemento bastante, no sistema de livre convencimento, para definição da autoria e formação do juízo de culpabilidade.” (TJRJ: RT 605/345). De acordo com o que restou apurado nos autos, não se verificou motivos para a vítima e sua genitora imputarem falso crime ao réu, eis que sempre tiveram boa relação. Quanto à afirmação da Defesa, de que a genitora da vítima estaria inventando os fatos para se redimir, inconscientemente, de um abuso sexual sofrido por seu filho mais velho, em que não tomou providências, não há provas nos autos que levem a esse entendimento, sobretudo porque esse filho só revelou a violência sexual sofrida quando já possuía vinte um anos de idade, mais de quinze anos depois dos fatos. Desta forma, restam incontestes a autoria e materialidade do delito objeto da denúncia. É mister destacar que a pior das violências é aquela praticada pelo indivíduo que goza de confiança da vítima e deveria protege-la. Sobre o assunto, a revista Veja, de circulação nacional, trouxe uma matéria especial de capa, onde informa o seguinte: "A família e a própria casa são a maior proteção que uma criança pode ter contra os perigos do mundo. É nesse ninho de amor, atenção e resguardo que ela ganha confiança para lançar-se sozinha, na idade adulta, à grande aventura da vida. Mas nem todas as crianças com família e quatro paredes sólidas em seu redor são felizes. Em vez de contarem com o amor de adultos responsáveis, elas sofrem estupros e 200 carícias obscenas. Em lugar do cuidado que a sua fragilidade física e emocional requer, elas são confrontadas com surras e violência psicológica para que fiquem caladas e continuem a ser violadas por seus algozes impunes. No vasto cardápio de vilezas que um ser humano é capaz de perpetrar contra um semelhante, o abuso sexual de meninas e meninos é dos mais abjetos – em especial quando é cometido por familiares. Para nosso horror, essa é uma situação mais comum do que a imaginação ousa conceber. Estima-se que, no Brasil, a cada dia, 165 crianças ou adolescentes sejam vítimas de abuso sexual. A esmagadora maioria deles, dentro de seus lares." (g rifei) (Edição nº 2.105, de 25/03/09, pág. 82) A mesma reportagem da revista Veja menciona, às fls. 86, o depoimento de uma adolescente da cidade de Vitória/ES, abusada pelo padrasto dos 9 aos 13 anos de idade, onde se verifica o estrago que a violência sexual é capaz de fazer na alma de uma pessoa. Vejamos o depoimento da Adolescente: "Quando eu tinha 9 anos e estava vendo TV, meu padrasto começou a passar as mãos na minha perna. Pedi para ele parar, mas ele me levou para o quarto à força, tirou a minha roupa e me estuprou. Quando acabou, disse que, se eu contasse para a minha mãe, ele a mataria e mataria também o meu irmão, filho deles. Fez isso comigo quase todos os dias, enquanto minha mãe trabalhava. Quando falei que ia contar, ele me deu um soco, me bateu com o cinto e disse à minha mãe que eu era malcriada. Ela me deu outra surra. Ele só parou quando eu fiquei menstruada, aos 13 anos. Contei para minha mãe aos 16, quando eles já estavam separados. Ela disse que, se durou tanto tempo, era porque eu devia estar gostando. Mas, depois de falar com ele, ela passou a acreditar em mim. Agora, é meu irmão que sempre volta triste quando vai visitá-lo. Eu pergunto por que e ele não responde." (Adolescente com iniciais T.S., de 17 anos de idade) A mes ma revista Veja, em reportagem mais recente (30/05/2012), publica relatos de diversas vítimas de abuso sexual dentro do próprio lar. Vejamos o que descreve uma vítima que sofreu violência sexual dos seis aos dezesseis anos de idade, praticado pelo pai adotivo e pelo marido de sua irmã adotiva: "Aos 6 anos, fui adotada por uma família de classe média alta do Rio de Janeiro. Até hoje me lembro, com nojo, do cheiro daquele que era para ser o meu pai. Tinha 60 anos e gostava de ficar me acariciando por cima da roupa. Eu tremia de medo, em silêncio. Aos 10, fui morar na casa de minha irmã adotiva, e o marido dela, um o ficial do exército, passou a me olhar do mesmo jeito. Toda noite, vinha ao meu quarto, nu, e tentava me agarrar. Eu corria para debaixo da cama, e ele a levantava. Não tinha como fugir. Meus seios começaram a crescer, e eu amarrava um pano em volta deles, para escondê-los. Tinha medo de atrair ainda mais a atenção dele. Sofri abusos até os 16 anos, quando consegui que o Juizado de Menores me tirasse daquela casa e me emancipasse. Custou para eu conseguir me relacionar de verdade com um homem." É contra tudo isso que a sociedade deve estar vigilante, 201 denunciando cada caso de abuso sexual de criança/adolescente neste país, para que o Poder Judiciário possa ser implacável na reprimenda aos agressores, contribuindo para construir uma sociedade mais justa e humana, além de, acima de tudo, possibilitar o resgate da criança ou adolescente abusada sexualmente no seio familiar. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva do Estado, materializada na denúncia ofertada pelo Ministério Público, em face do que CONDENO , nos termos do art igo 387 e seguintes do Código de Processo Penal, o acusado XXXXX, nos autos qualificado, como incurso nas penas do artigo 217-A c/c art. 71, ambos do Código Penal. Passo ao critério trifásico de aplicação da pena, examinando, inicialmente, as circunstâncias judiciais para, em seguida, verificar a eventual presença de circunstâncias legais agravantes ou atenuantes e, por fim, as causas de aumento ou diminuição de pena. III.1. Análise das Circunstâncias Judiciais (art. 59, CP): a) Culpabilidade: é comum ao tipo penal, não podendo ser valorada desfavoravelmente; b) antecedentes: favoráveis ao réu, pois inexistem feitos criminais em seu desfavor, além deste, como bem evidencia a cert idão de fl. 836; c) conduta social: favorável, pois não há informações de fatos anteriores que sirvam para desabonar a sua conduta junto à comunidade em que vive; d) personalidade: não há como valorar, tendo em v ista que não há nos autos exame específico, elaborado por psiquiatra, capaz de esclarecer a personalidade do réu; e) motivos: como motivo afere-se a intenção de satisfazer sua lascívia, inerente ao tipo penal em análise, não podendo, assim, ser desfavorável ao acusado; f) circunstâncias do crime: desfavoráveis ao acusado, pois abusou seu próprio filho, dentro de casa, sendo a vítima ainda criança, inocente em assuntos sexuais; g) Conseqüências (extra-penais): são desfavoráveis, posto que foram nefastas à vítima, além da vio lação à o rdem legal e social, vez que causou transtornos psicológicos, como medo, humilhação e perturbações na vítima; h) comportamento da vítima: não contribuiu para a prática do delito, sendo portanto desfavorável ao réu. III.2. Da dosimetria da pena (art. 68, CP): a) pena-base: após observar as circunstâncias acima, fixo-lhe a pena base em 8 (oito) anos de reclusão, ou seja, o mín imo legal (art. 217-A do CP), por considerá-la necessária e suficiente à reprovação e prevenção do crime praticado; b) circunstâncias legais: não verifico a presença de atenuantes; quanto à agravante prevista no art. 61, II, “e”, do Código Penal, deixo de aplicá-la em virtude da incidência da causa de aumento especial disposta no art. 226, II, que dispõe de forma semelhante; Dispositivo Materializar a decisão judicial e apresentar a dosimetria da pena, considerando o que está posto na legislação, faz acréscimos ou redução da penalidade, baseando-se nas circunstâncias judiciais (culpabilidade do réu, seus antecedentes, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias do crime, consequências do crime e comportamento da vítima), bem como elenca a apreciação de agravantes e atenuantes para fixação da pena; exigência legal; sequência textual argumentativa, injuntiva, descritiva e explicativa. 202 quanto à agravante prevista no art. 61, II, “h”, do Código Penal, deixo de ap licá -la em virtude do tipo penal já fazer referência à idade da vít ima, evitando assim o bis in idem, uma vez que a menoridade da vítima é circunstância elementar do crime; c) causas de aumento e de diminuição das penas: não vislumbro qualquer causa de diminu ição da pena; porém, reconheço a causa de aumento de pena encartada no artigo 71, caput, do Código Penal (crime continuado), eis que o réu prat icou o mes mo crime por três vezes, em períodos próximos, no mes mo local, na mes ma forma de execução e outras semelhanças, ressaltando que este Juízo segue a linha de estabelecer critério objet ivo. Assim, verifico que o réu prat icou o crime por t rês vezes, em razão do que procedo ao aumento de 1/6 (um sexto) da pena (mínimo legal), ou seja, 1 (um) ano e 4 (quatro) meses; recai, ainda, a causa de aumento de pena estipulada no artigo 226, inciso II, do Código Penal, uma vez que o réu é pai da vítima, em razão da qual procedo ao aumento de metade da pena, ou seja, 4 (quatro) anos e 8 (o ito) meses; d) pena definitiva: assim, fica a sua pena totalizada em 14 (quatorze) anos de reclusão, que torno concreta e definitiva; III.3. Do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 33, CP): A pena privativa de liberdade deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado, conforme preceitua o artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, em estabelecimentos apropriados e determinados pelo Juízo das Execuções Penais competente. III.4. Da impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos: Em razão da pena privativa de liberdade – definitiva e concretamente – ter sido fixada para o condenado em quantum superior a quatro anos, resta impossibilitada a substituição da pena privativa de liberdade por restrit ivas de direitos, conforme o art igo 44 do Código Penal. III.5. Da impossibilidade de suspensão condicional da pena: Deixo de aplicar o sursis ainda levando em consideração os motivos supramencionados (art. 77, incisos I, II e III, CP). III.6. Da possibilidade do recurso em liberdade: Autorizo o condenado a recorrer em liberdade, considerando que respondeu todo o processo solto. IV – PROVIMENTOS FINAIS Transitada em julgado a presente decisão, providencie-se: a) o lançamento do nome do condenado no “Rol dos Culpados”; b) a expedição do mandado de prisão em desfavor do condenado; c) encaminhe-se o respectivo Provimentos finais Despachos judiciais realizados na sentença; Providências/ andamento de diligências a serem cumpridas pela secretaria da VIJ II para a efetivação dos efeitos da 203 Bolet im individual ao Setor de Estatísticas Criminais do Instituto Técnico e Científico de Po lícia do Rio Grande do Norte – ITEP/RN, devidamente preenchido; d) extraia-se, confira-se e remeta-se a documentação pertinente à execução da pena ao Juízo das Execuções competente; e) oficie-se ao TRE para providenciar a suspensão dos direitos polít icos do condenado durante o prazo de cumprimento da pena (artigo 15, III, CF); f) proceda-se a baixa no registro da Distribuição; g) após, certificadas todas as providências, proceda-se o arquivamento dos autos. sentença; Atos judiciais que determinam o andamento procedimental do processo; Sequência injuntiva. Publique-se (art. 389, CPP). Registre-se (art. 389, in fine, CPP). Cientifique-se, pessoalmente, o Ministério Público (art. 390, CPP). Intime-se o réu, pessoalmente, bem como seu advogado (art. 392, CPP). Comunique-se à vítima da presente decisão (art. 201, § 2º, CPP). Cumpra-se, com as cautelas legais. Natal, 30 de novembro de 2012. XXXX Juiz de Direito Fechamento Fechamento; Providências para dar prosseguimento e efetivar os efeitos da sentença; Expressões de praxe judicial; Expressões de ordens do juiz para ser registrada em livro próprio no Cartório Judicial e para ser cumprida; Assumir institucionalmente o documento. Data e assinatura do Juiz. Fonte: Elaboração própria Apresentamos exemplo de uma sentença selecionada do nosso corpus de análise. Como podemos observar, trata-se de uma sentença composta por elementos obrigatórios e facultativos previstos em seu plano de texto. Constatamos, no exemplo apresentado, as características dos elementos constituintes do plano de texto do gênero discursivo/textual sentença condenatória. Ratificamos que a sentença é um ato performativo, pois com a aplicação punitiva julgada procedente, cria-se outra realidade: o réu passa a ser condenado. Vale frisar que as sentenças que compõem os exemplares do corpus apresentam, claramente, um plano de texto convencional e instituído pelo domínio jurídico, visto que, no corpo do plano, verificamos a inserção das regras do Código de Processo Penal e Código Civil. A seguir, apresentamos os quadros que resumem a estrutura composicional do plano de texto da sentença em estudo: Quadro 16 – Síntese do plano de texto da sentença do corpus SÍNTES E DO PLANO Cabeçalho /Preâmbulo Ementa Vistos Relatório Fundamentação Dispositivo Fechamento + + + + + + + Fonte: Elaboração própria 204 Considerando o quadro acima, observamos que os dados comprovam que nosso corpus apresenta um plano de texto convencional. No que diz respeito ao plano de texto da amostragem, as sentenças são constituídas de 6 seções recorrentes em todas elas, a saber: 1) PREÂMBULO: CABEÇALHO E NÚMERO DO PROCESSO, 2) EMENTA, 3) RELATÓRIO, 4) FUNDAMENTO; 5) DISPOSITIVO : DECISÃO E DOSIMETRIA DA PENA, 6) PROVIMENTOS FINAIS E FECHAMENTO, conforme ilustramos, nos quadros a seguir. Quadro 17 – Quadro sinótico plano do texto da sentença judicial condenatória PLANO DO TEXTO NO GÊNERO S ENTENÇA PREÂMBULO CABEÇALHO EMENTA VISTOS RELATÓRIO FUNDAMENTAÇÃO DISPOSITIVO: DECISÃO SUB-DIVISÃO DO DISPOSITIVO, CONFORME CÓDIGO PENAL: DOSIMETRIA DA PENA COM CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS, ATENUANTES E AGRAVANTES DA FIXAÇÃO DA PENA PROVIMENTOS FINAIS FECHAMENTO: DATA E ASSINATURA DO JUIZ Fonte: Elaboração própria Quadro 18 – Ocorrências da estrutura composicional do plano do texto da sentença Fonte: Elaboração própria Sentença PLANO DE TEXTO SJC Ementa Vistos Relatório Fundamentação Dispositivo Subdivisão com critério trifásico/Circunstâncias legais de agravantes ou atenuantes (Análise das circunstâncias judiciais (artigo 59CP)/Aumento ou diminuição da pena (Dosimetria da pena -artigo 68 CP) Provimentos finais e fechamento SJCEV1 + + + + + + SJCEV2 + + + + + + SJCEV3 + + + + + + SJCEV4 + + + + + + SJCEV5 + + + + + + SJCEV6 + + + + + + 205 Os quadros apresentados retomam e exemplificam as seções da estrutura composicional que dão corpo às sentenças analisadas neste trabalho. Dos quadros, depreende- se que a sentença é um gênero discursivo/textual que possui no seu plano de texto manifestações linguístico-textuais singulares relativamente estáveis (BAKTIN, 2003)148. As sentenças judiciais estão inseridas nas situações comunicativas provenientes do domínio jurídico enquanto prática social. Desse modo, caracterizamos a sentença judicial como gênero discursivo/textual, a partir dos conceitos bakhtinianos e marcuschianos, considerando os pressupostos da ATD, no que tange ao plano de texto, uma vez que constatamos que a sentença seguiu a organização da forma prescrita na lei (relatório, fundamentação, dispositivo), seguindo também os preceitos do Código Penal no que concerne à organização do Dispositivo para delinear a dosimetria da pena, mas com algumas partes “facultativas”, como a ementa, o preâmbulo e a expressão “vistos”. Observamos que a subdivisão das partes da estrutura do plano de texto da sentença em estudo é demarcada por números cardinais romanos e arábicos em sequência, direcionando a planificação estrutural, textual e temática. A numeração é um sinal demarcatório do trajeto da divisão do plano de texto, servindo para segmentar e ordenar a matéria textual. Desse modo, conforme Pinto (2010, p.214), consideramos “a numeração um organizador (enumerativo) textual”. Reconhecemos que a numeração exerce um papel na ordenação e topicalização do texto. Cumpre enfatizar que o plano de texto do corpus em análise apresentou-se de forma prototípica e arquétipa, já que o modelo prototípico de formatação textual encontra-se estruturado com elementos obrigatórios e facultativos, considerando os critérios rígidos dos aspectos discursivos marcados por coerções ditadas no âmbito do contexto do discurso jurídico para a elaboração. Assim, o gênero seguiu uma tradição no seu formato textual, legitimado, ritualizado e institucionalizado na prática social jurídica, atendendo as exigências da prática discursiva ao qual esse texto pertence, considerando os preceitos e requisitos legais do Código de Processo Civil e Código Penal, podendo ser concebido como um exemplar prototípico do gênero em estudo na área do Direito Penal que trata de estupro de vulnerável. É de se notar que a sentença circula no contexto do processo (espaço material), é digitada e impressa em folhas de papel em um único lado, bem como é digitalizada, sendo arquivada tanto em suporte de papel quanto em formato eletrônico. 148 BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In:______. Estética da criação verbal. Tradução do russo Paulo Bezerra. 4. ed. São Pau lo: Martins Fontes, [1992] 2003. p. 261-306. 206 A sentença, em estudo, tem como finalidade a aplicação da sanção penal feita pelo Estado no que tange à comprovação da conduta delituosa do réu que praticou crime contra a dignidade sexual infanto-juvenil, visando proteger o bem jurídico no âmbito dos direitos das crianças e dos adolescentes, o juiz constrói a argumentação em prol da condenação do réu. Ressalvamos que, de modo geral, em nosso corpus, na parte da fundamentação, identificamos recursos linguísticos e parágrafos idênticos copiados de outras sentenças prolatadas pelo mesmo juízo. Podemos pensar que o juiz tem modelos textuais pré-definidos de sentenças e no contexto de produção, às vezes, “reaproveita”, readaptando tais modelos a cada caso concreto, buscando no processo jurídico dar uma ocorrência singular. Acreditamos que tal problemática pode ser oriunda das lides em excesso e da necessidade do juiz em dar celeridade aos trâmites processuais e cumprimento dos prazos. Mediante o exposto, consideramos que o gênero sentença encontra-se em condições de produção determinadas e reguladas pela legislação e inseridas em práticas comunicativas institucionalizadas. Ademais, é um gênero que possui conteúdo temático delimitado, inserido dentro de uma dada área do Direito e, por conseguinte, que tem finalidade reconhecida e interlocutores específicos. Portanto, concluímos que a sentença pressupõe o estabelecimento de relações dialógicas, sendo a construção de um processo enunciativo constituído de vozes oriundas das fontes do Direito. Ele está inscrito na esfera do discurso jurídico. Em nosso corpus, em geral, observamos que a sentença apresenta plano de texto convencional. O texto apresentou-se de forma canônica, histórica obedecendo à forma prescrita na legislação brasileira, legitimando os preceitos da força da instituição judicial. Em linhas gerais, em nosso corpus, esse gênero apresentou um plano de texto convencional, isto é, a sentença, em análise, apresenta uma estrutura marcada pelas convenções prescritivas decorrentes da legislação, ou seja, com um plano de texto organizador das seções em conformidade com o prescrito na legislação civil e penal. Dessa maneira, concluímos, com base no dizer de Adam (2011, p. 258), que é “um plano de texto [...] convencional, isto é, fixado pelo estado histórico de um gênero”. Tecidas as considerações sobre o plano de texto de nosso corpus, apresentamos a seguir as análises dos dispositivos enunciativo-argumentativos na materialidade textual da sentença condenatória de estupro de vulnerável. 207 3.3 ANÁLISE DOS DISPOSITIVOS ENUNCIATIVOS DA SENTENÇA CONDENATÓRIA: PLANO ENUNCIATIVO-ARGUMENTATIVO 3.3.1 Análise dos PDV e da (não) assunção da RE na perspectiva linguístico-textual e argumentativa da dimensão enunciativa Exemplos da SJCEV1149 Fragmento 1 [SJC1PTR] O Douto Representante do Ministério Público, em exercício junto a este Juízo e no desempenho de suas atribuições institucionais, devidamente amparado em Inquérito Policial, ofereceu denúncia em desfavor de XXXX 150 , já devidamente qualificado nos autos, como incurso no artigo 217-A c/c 226, II, do Código Penal, pela conduta delituosa a seguir narrada. Consta da denúncia que, em 11 de julho de 2010, a vítima, XXXX, de doze anos de idade, revelou a suas tias que o réu vinha lhe abusando sexualmente, aproveitando-se da sua condição de pai, ocasião em que [...], bem como ficava despido na sua frente. (SJC1PTR) 151 No excerto 1 da SJC1PTR1, podemos observar que a primeira proposição-enunciado assinala que L1/E1 (o juiz) imputa o PDV aos enunciadores segundos (e2), os quais são: o Ministério Público, o Inquérito Policial, o Código Penal (legislação) e a vítima, considerados fontes do conteúdo proposicional do fragmento em análise. Neste caso, as marcas linguísticas que indicam o gerenciamento da Responsabilidade Enunciativa são de um discurso indireto, introduzido pelos verbos de atribuição de fala (dicendi) “ofereceu” e “revelou”. Nesse caso, constatamos também o mecanismo do mediativo (GUENTCHÉVA, 1994) introduzido pela modalização em discurso segundo, assinalada pela marca linguística: “como incurso no artigo 217-A c/c 226, II, do Código Penal” e “devidamente amparado em Inquérito Policial”. Tendo em vista as marcas linguísticas destacadas, observamos, nesse recorte, que o juiz não é a fonte do PDV. Nesse fragmento, há a presença da heterogeneidade marcada da linguagem e 149 Salientamos que as sentenças são apresentadas por fragmentos de excertos enumerados ao longo do capítulo de análises. O recorte das porções textuais trata-se de um recurso metodológico utilizado para a apresentação e organização dos dados. Entretanto, ressalvamos que nossas análises não incidem em pedaços isolados dos textos, pois a análise qualitativa consideramos o contexto linguístico da ocorrência na materialidade textual. 150 Como dissemos na metodologia, a omissão das partes envolvidas foi uma das condições exigidas pela Vara da Infância e Juventude para nos ceder o corpus (trâmite judicial em segredo de justiça) em análise. 151 Retomamos o aspecto metodológico para as análises em relação à codificação da sentença e dos fragmentos analisados, conforme delineamos na metodologia. Código: SJCEV + (numeração) + (PTRFD) > codificação = S= sentença; J= judicial; C= condenatória; EV= estupro de vulnerável; numeração da ordem da sentença; PT (RFD)= plano de texto (relatório, fundamentação e dispositivo); (1)= Numeração; (1) ordem do fragmento analisado. Vale ressaltar que os grifos na cor cinza são da pesquisadora com o intuito de salientar os fragmentos que são enfatizados nas análises. 208 verificamos a ocorrência da mediação epistêmica, quando observamos que a Responsabilidade Enunciativa do conteúdo posto foi atribuída a outras fontes (Código Penal, Inquérito e Ministério Público). Neste ponto, percebemos e descrevemos, no fio textual, as estratégias da heterogeneidade marcada, a negociação de L1/E1 com o outro que, constitutivamente, perpassa o seu dito. L1/E1 marca linguisticamente o seu distanciamento, no sentido de não ser a fonte enunciativa do conteúdo do PDV, mas, no ato enunciativo, estrategicamente, dá indícios de posicionamento em favor do direcionamento argumentativo no contexto de imputação a e2. Vemos que o conteúdo do referido PDV está atribuído a outrem, via discurso indireto e por meio da modalização em discurso segundo, evocando a voz do Código Penal, do Inquérito e a voz da vítima, através das estratégias do mediativo, mas L1/E1, no decorrer da construção argumentativa, toma isso como base e recurso de autoridade na construção argumentativa e compartilha a responsabilização do dito do PDV do Ministério Público, quando coenuncia, demarcando por meio da expressão “em exercício junto a este Juízo e no desempenho de suas atribuições institucionais”. Diante disso, afirmamos que o juiz gerencia o PDV alheio para validar o resultado da sentença que direciona para a condenação do réu, confirmando a tese da conduta delituosa de abuso sexual praticada pelo réu contra a própria filha, de acordo com o que consta na denúncia e considerando o que a vítima revelou para as tias. Fragmento 2 [SJCEV1PTR] O Representante do Ministério Público manteve integralmente os termos da denúncia, requerendo a condenação do acusado como incurso nas sanções do art. 217-A do Código Penal. A Defesa, por sua vez, pediu a absolvição do denunciado, alegando, em suma, que não há provas suficientes para a condenação do acusado, bem como pediu, ainda, a desclassificação do crime para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor. No trecho 2 de SJC1PTR, percebemos o dito de outrem afetando diretamente o dito do juiz. Identificamos que L1/E1 busca se isentar da responsabilidade e da validação dos conteúdos proposicionais dos PDV imputando a outros e2 (enunciadores segundos), isto é, a outras fontes, no caso o Ministério Público e a Defesa, quem são as fontes e responsáveis pelos PDV, mostrando o mediativo (GUENTCHÉVA, 1994), no fio-textual, como uma estratégia relevante na arquitetura argumentativa. No excerto, há ainda a presença do conector “por sua vez”, exercendo a função de delimitar a orientação argumentativa do enunciado. Nesse sentido, o uso do elemento coesivo “por sua vez” assinala a mudança do PDV, pois contrapõe as ideias de duas fontes 209 enunciativas distintas, ou seja, PDV da acusação e da defesa. Esta ocorrência de não assunção revela que a defesa não assume o PDV do Ministério Público e essa não assunção é marcada por L1/E1, o jurista, na tessitura do texto jurídico em análise, sobretudo, pela introdução do conector “por sua vez”. Tendo em vista o exposto, nos compete destacar que, na perspectiva do Ministério Público, o argumento é orientado para a condenação, enquanto na visão da Defesa o direcionamento argumentativo é para a absolvição. Ainda, nesse recorte, vemos que o PDV da defesa direciona para a absolvição e para a desclassificação do delito (“ainda, a desclassificação do crime para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor”). Observamos outro PDV da defesa introduzido pelo conector “bem como” e marcado pelo verbo de atribuição de fala “pediu”. Nesse fragmento, identificamos a subenunciação em relação ao PDV da defesa, no fragmento “pediu a absolvição do denunciado, alegando, em suma, que não há provas suficientes para a condenação do acusado, bem como pediu, ainda, a desclassificação do crime para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor”, pois L1/E1 retoma o dito da defesa e por meio do conector “em suma” e essa marca revela uma certa distância com o dito, pois não estende o PDV, mas sintetiza, resumindo de forma objetiva o PDV da defesa do réu, sem detalhes do respaldo jurídico- argumentativo apresentado pela defesa. Constatamos, no decorrer do contexto do fio linguístico-textual da seção de fundamentação da sentença em análise, que os PDV imputados à defesa do réu não serão compartilhados, como também não terão julgamentos favoráveis emitidos por L1/E1. Desse modo, revela-se o acordo do jurista (L1/E1) com o PDV da fonte enunciativa Ministério Público e com o dito da legislação do Código Penal e dos demais enunciadores (e2), como por exemplo, a voz da vítima, das testemunhas de acusação, da jurisprudência do Tribunal de Justiça e da avaliação de especialista do ramo de psicologia, a serviço da orientação argumentativa direcionada para a condenação do réu. Fragmento 3 [SJCEV1PTF] II – FUNDAMENTAÇÃO Inicialmente, quanto ao pedido de desclassificação do crime de estupro de vulnerável para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, entendo não ser cabível ao caso concreto, uma vez que há notícias nos autos de que o réu tenha praticado atos libidinosos com a vítima, como [...], tal como estipulado no art. 217-A do CP. Portanto, qualquer ato libidinoso que atente contra a dignidade sexual da vítima está sujeito à aplicação do art. 217-A do CP, seja [...], como também [...] ou [...], desde que com o intuito de satisfazer a libido e obter prazer sexual. Sendo assim, rejeito o pedido de desclassificação formulado nas alegações finais da Defesa. 210 No fragmento 3 do plano de texto da seção de fundamentação da sentença (PTF) em análise, L1/E1 sinaliza seu posicionamento enunciativo de desacordo em relação ao PDV imputado ao e2 (RABATEL, 2009, 2013, 2015). O juiz, textualmente, demonstra laço de não responsabilidade com o dito atribuído à defesa do réu (e2). Em (3), há ainda o conector “Quanto ao” que indica introdução de tópico, no caso introduz o PDV da defesa, que se encontra em dissimetria na linha argumentativa de L1/E1. No contexto linguístico, vimos que L1/E1 (juiz) retoma e subenuncia o PDV da defesa e se distancia dessa fonte enunciativa, conforme observamos na porção textual “quanto ao pedido de desclassificação do crime de estupro de vulnerável para a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, entendemos não ser cabível ao caso concreto, uma vez que há notícias nos autos de que o réu tenha praticado atos libidinosos com a vítima”. Conforme podemos observar, o exemplo aponta o julgamento do jurista que é desfavorável ao PDV de e2 (defesa do réu). Evidenciamos que L1/E1 emite um posicionamento de desacordo, refutando o PDV imputado à defesa. O PDV da defesa (e2) fica em subenunciação e o do jurista (L1/E1) e do Código Penal em sobrenunciação, isto é, o PDV de L1/E1 sobressai em favor da orientação argumentativa, marcada pelos conectores de conclusão “Portanto” e “Sendo assim” que direcionam para a rejeição do pedido da defesa, conforme observamos no fragmento “qualquer ato libidinoso que atente contra a dignidade sexual da vítima está sujeito à aplicação do art. 217-A do CP, seja sexo [...], como também um beijo [...] ou um toque [...], desde que com o intuito de satisfazer a libido e obter prazer sexual. Sendo assim, rejeito o pedido de desclassificação formulado nas alegações finais da Defesa”. No exemplo acima, o juiz explicita seu PDV através das marcas linguísticas (expressões verbais em primeira pessoa): “entendo” e “rejeito”. Nesse ponto, vale ressaltar que não podemos ignorar o co-texto, pois observamos que o trecho (na parte do relatório da sentença) que antecede o PDV do juiz e analisado, no fragmento 2, trata-se do PDV alheio da defesa que não é assumido por L1/E1 no decorrer da construção textual-argumentativa da sentença. Além do mais, essas marcas revelam o distanciamento (GUENTCHÉVA, 1994) de L1/E1 no que se refere ao PDV da defesa e isso nos assegura que esse direcionamento textual- enunciativo e argumentativo não é aleatório, pois o PDV da defesa será descartado pelo juiz, por isso, L1/E1 se distancia e não se engaja. Conduzindo a orientação argumentativa, L1/E1 (o juiz) ampara-se no dito do Código Penal (artigo 217). O PDV da legislação é compartilhado e sobrenunciado por L1/E1 e serve como fundamento jurídico para a condenação do réu, como também para contra-argumentar em desfavor do PDV da defesa. 211 Fragmento 4 [SJCEV1PTF ] A averiguação da autoria delitiva passa, indispensavelmente, pelo exame pormenorizado de toda prova testemunhal anexada aos autos, pelos relatos que atestam ou refutam a concorrência do denunciado para a prática ilícita em julgamento. Neste contexto, inserem-se as declarações prestadas pelo denunciado em seu interrogatório judicial, ou seja, suas versões dos fatos sub judice. É patente a negativa de autoria apresentada pelo denunciado. Contudo, a vítima e suas tias sustentam, em seus depoimentos em juízo (DVD na contra-capa dos autos), de forma convincente, que o réu abusou sexualmente a vítima, [...] , bem como ficando [...]. Tem-se, pois, mais narrativas que harmoniosamente retratam os fatos sub judice, formando, até este momento, um todo coerente, indicativo de fortes provas da autoria delitiva do réu. Assim, ao final deste exame, o que se vislumbra é a afirmação da autoria delitiva , uma vez que existem elementos seguros e direcionados para a confirmação de que o denunciado, de fato, perpetrou o delito. No fragmento 4 da SJC1PTF4, evidencia-se inicialmente a inserção do PDV do réu, e2, fonte enunciativa que nega a autoria do crime. Em seguida, para construir sua argumentação, por meio do conector (relação semântica de adversidade) “contudo”, o juiz (locutor enunciador primeiro – L1/EI), introduz o PDV da vítima e dos parentes da vítima, que foram testemunhas no processo, através do verbo dicendi (verbo de atribuição de fala) “sustentam”. Essa marca linguística inseriu o conteúdo proposicional de e2 com os quais L1/E1 (juiz) concorda e compartilha a responsabilidade, conforme se constata a partir da semântica do verbo sustentar, com ênfase no sentido de “apoiar”. Além disso, tal engajamento é visto por meio das demais marcas linguísticas, reveladas através do advérbio “harmoniosamente” e do lexema avaliativo “de forma convincente”. Fica notório um laço enunciativo de assunção da responsabilidade, marcando posicionamento de acordo com um grau de assunção da responsabilidade enunciativa de L1/E1 em relação ao conteúdo proposicional veiculado pela vítima e tias que contribui para a OrArg, nos termos de Rabatel (2008, 2009, 2013, 2015) e Adam (2011). No excerto em análise, instaura-se uma zona textual de assunção, PEC, e/ou posicionamento enunciativo de coenunciação de L1/E1, ou seja, o juiz concorda com os demais locutores enunciadores segundo (e2), no exemplo, as tias da vítima, instâncias enunciativas que foram testemunhas do crime hediondo ocorrido (l2/e2) (RABATEL, 2009, 2013 e 2015). O conector “contudo” é um operador argumentativo o qual marca o desacordo do L1/E1 com a voz do réu. Ressalta-se que os operadores argumentativos – chamados também de conectores argumentativos (ADAM, 2011) – são mecanismos que a língua dispõe, para que o texto e o discurso assumam determinada orientação argumentativa. Concordamos com 212 Adam (2011, p.189), quando afirma que os operadores argumentativos podem assumir funções “[...] de segmentação, de responsabilidade enunciativa e de orientação argumentativa dos enunciados. [...] [podendo compor essa categoria] tanto os argumentativos e concessivos (mas, no entanto, entretanto, porém, embora, mesmo que...) [grifo do autor]”. Ademais, no mesmo entendimento, ao tratar dos conectores argumentativos, Koch (2011, p. 101) ressalta que “[...] existem enunciados cujo traço constitutivo é de serem empregados com a pretensão de orientar o interlocutor para certos tipos de conc lusão, com exclusão de outros”. O posicionamento argumentativo do juiz está assinalado pelo uso da conjunção adversativa “contudo”, introduzindo o pensamento que o próprio L1/E1 “advoga” em detrimento da voz do réu. Tal marca linguística revela a subenunciação da voz do réu, pois verificamos que L1/E1 se distancia do PDV do réu e marca o desacordo na tessitura textual da argumentação. Além disso, observamos o conector “assim” e os lexemas avaliativos “elementos seguros e direcionados”, os quais marcam o engajamento do juiz e, consequentemente, a assunção do PDV dos enunciados imputados à vítima e às tias, em favor da orientação argumentativa. Esse entendimento se apoia em Adam (2011, p. 217), ao afirmar que do caráter indissociável de um conteúdo descritivo e de uma posição enunciativa que orienta, argumentativamente, todo enunciado, decorre o fato de que um procedimento descritivo é inseparável da expressão de um ponto de vista, de uma visada do discurso. Ademais, observamos que as marcas linguísticas, especificamente, reveladas por meio dos lexemas avaliativos direcionam a orientação argumentativa para a condenação do réu, como observamos nos fragmentos: “um todo coerente, indicativo de fortes provas” e “uma vez que existem elementos seguros e direcionados para a confirmação de que o denunciado, de fato, perpetrou o delito capitulado no art. 217-A, do Código Penal”. Além disso, também destacamos um forte teor de subjetividade e de assunção emitido por L1/E1. É notório o engajamento com o dito por meio dos lexemas qualificativos. Tais expressões revelam o compartilhamento e acordo de L1/E1 com o PDV da vítima e das testemunhas de acusação (e2), pois o juiz avalia o teor de verdade da proposição, bem como emite uma apreciação, ou seja, um juízo de valor. Portanto, vemos que a arquitetura argumentativa encontra-se articulada com as escolhas linguístico-textuais de L1/E1 que gerencia as vozes e faz a seleção das estratégias coesivas e linguísticas em função do “querer dizer argumentativamente orientado” (SANTOS et al, 2016, p.173). 213 Fragmento 5 [SJCEV1PTF] Pela simples análise do tipo penal imputado, tem-se, nitidamente, delito que, muitas vezes, não deixa resultados passíveis de serem comprovados via prova material. Logo, para que a materialidade delitiva reste devidamente comprovada, recorrer-se-á à prova testemunhal contida nos autos que, por sua vez, se prestará a evidenciar a conduta do denunciado. Neste diapasão, contemplando a prova testemunhal colecionada nos autos (DVD na contra-capa dos autos), bem como avaliação psicológica (fl. 16), enxerga-se a comprovação da materialidade delitiva, ou seja, os relatos que a compõem são diretos e substanciosos, aptos para a demonstração da existência do delito. No excerto 5, observamos o PDV anônimo e a mediação perceptiva (ADAM, 2011), conforme observamos através do uso das marcas linguístico-verbais seguintes: “tem-se” e “enxerga-se”. É válido notar que o verbo enxergar tem carga semântica depreendida através da percepção de L1/E1. Vale ressaltar que o mediativo demarca um distanciamento, ou seja, a não assunção, visando se distanciar da validação do PDV de forma subjetiva, construindo linguisticamente um distanciamento enunciativo, por meio do processo de heterogeneidade enunciativa, mas, nesse fragmento textual em análise, notamos informação reportada e compartilhada, bem como evidencia posicionamento enunciativo de acordo de L1/E1 em relação aos PDV das testemunhas e do parecer psicológico emitido por um especialista. Nessa direção, é notório, no excerto em análise, a forma verbal “enxerga-se”. Tal expressão revela um posicionamento enunciativo de distanciamento, marcado pela mediação perceptiva (GUENTCHÉVA, 1993, 1994), que permite ao enunciador marcar formalmente diversos graus de distanciamento em relação aos fatos que enuncia e significar que esses fatos lhe chegaram através da percepção de forma indireta. Trata-se de “um dito de asserções indicando que o enunciador não se implica no que ele diz e, portanto, ‘não assume’ as situações descritas” (GUENTCHÉVA, 1993, p. 57). Em decorrência da mobilização do mediativo (mediação perceptiva) para a introdução de PDV imputados a e2, reconhecemos, estrategicamente, uma pseudoneutralidade do dito de L1/E1 em relação aos PDV imputados a e2. Ratificamos, com esse fragmento, a concepção de Rodrigues (2010, p. 146- 147), para quem o ponto de vista anônimo materializado na terceira pessoa do singular pode ser um tipo de mediação perceptiva, dependendo do valor semântico da forma verbal que esteja na terceira pessoa do singular. Além disso, também, subsidiamo-nos pelos estudos de Guentchéva (1994) para dizer que o locutor enunciador primeiro não assume garantia pelo conteúdo reportado. No fragmento, em análise, atestamos a impessoalização verbal (construção gramatical na 3ª pessoa do singular). Essas expressões verbais são atribuídas às marcas do mediativo que denotam distanciamento do dito, ponto de vista neutro, marcado pelo anonimato. Mas, 214 notamos o acordo de L1/E1, com o dito dos enunciadores segundos (testemunhas e psicólogo), revelado neste ponto do texto: “contemplando a prova testemunhal colecionada nos autos (DVD na contra-capa dos autos), bem como avaliação psicológica (fl. 16), enxerga- se a comprovação da materialidade delitiva, ou seja, os relatos que a compõem são diretos e substanciosos, aptos para a demonstração da existência do delito”. Considerando esse trecho, é possível depreender que não se trata de uma “representação direta da fala do outro, ou de um dizer segundo, mas de um L1/E1 que assume um dito por seu próprio campo de percepção dos fatos” (mediação perceptiva) (BERNARDINO, 2015, p.210). Nesse sentido, a forma impessoal dos verbos, como está presente no excerto, sugere que a constatação obtida não se baseia apenas no olhar exclusivo de L1/E1, mas no dito de outras fontes enunciativas, isto é, recorre à mediação de outros locutores-enunciadores (e2), mas com os quais L1/E1 entra em sintonia na direção argumentativa. Nessas marcas expressivas de PDV, vemos mais um caso de uma situação mediada na qual L1/E1 distancia-se dos conteúdos proposicionais “ilusoriamente”, tentando a formulação do PDV sobre mediação de uma fonte anônima, sugerindo que o juiz tenta se eximir de assumir a RE. Nesse ponto, fica notório uma pseudoneutralidade. Como se vê, são as testemunhas (tias e vítima) e o parecer psicológico as fontes para quem o juiz credita a responsabilidade pela verdade das afirmações feitas. Cumpre observar que o direcionamento argumentativo é marcado por meio do conector coesivo de retomada "Neste diapasão”, que tem o sentido de “nessa mesma linha de pensamento", isto é, no contexto linguístico podemos inferir que tem o sentido de “no mesmo direcionamento do dito das testemunhas”. Com isso, identificamos um acordo entre o PDV de L1/E1 e dos e2 (as testemunhas), em favor do dito “argumentativamente orientado” (SANTOS et al 2016, p. 166), pois o sentido do enunciado conduz a determinada direção argumentativa, constituindo-se uma importante estratégia argumentativo-persuasiva (PINTO, 2010) na sentença em análise. Assim, o excerto evidencia que, por trás dessa aparente objetividade do juiz, há laço de responsabilização (RABATEL, 2013) e engajamento com o dito em relação ao conteúdo proposicional de e2, pois a voz do juiz ressoa lexemas avaliativos que direcionam ao engajamento com o dito, tendo em vista que L1/E1 assume e compartilha a verdade das informações narradas e relatadas pelos demais e2, para direcionar a condenação do réu, mobilizando, para tanto, estratégias linguístico-textuais de “pseudoneutralidade”, haja vista o posicionamento de acordo atestado pelos lexemas qualificadores os quais desconstroem a ideia de neutralidade. Assinalamos que os lexemas avaliativos destacados na materialidade 215 linguística demarcam o comprometimento de L1/E1 com o PDV alheio, criando, assim, em relação a este um laço de assunção de responsabilidade enunciativa por meio de dispositivos textuais e enunciativos, marcando subjetivamente e orientando argumentativamente o discurso jurídico da sentença. Dessa forma, asseveramos que as escolhas linguísticas de L1/E1 determinam em maior ou menor grau a responsabilidade enunciativa, como também revelam o direcionamento argumentativo da sentença. Fragmento 6 [SJCEV1PTF] A mãe da vítima afirmou, em juízo, que sua filha lhe contou que tinha mentido sobre os fatos da denúncia, razão porque realizou-se acareação entre a vítima e sua mãe, na qual a vítima reafirmou ter sido abusada sexualmente pelo réu, revelando que tinha dito para sua mãe que tinha mentido para acalmá-la, pois estava muito nervosa. As tias da vítima, em juízo, confirmaram que a vítima contou, muito emocionada, que o réu lhe abusava sexualmente, ficando despido [...],[...], bem como [...]. As testemunhas de defesa resumiram-se em dizer que o réu é uma boa pessoa, bem como afirmaram o bom comportamento da vítima. De acordo com as provas nos autos, constata-se que a vítima é uma adolescente de comportamento exemplar, que não tinha nenhum motivo para criar as acusações contra seu próprio pai. No trecho 6 em análise, notamos um (des)acordo no PDV narrado por L1/E1. Inicialmente, o jurista relata, trazendo a voz da mãe e em seguida a da vítima, marcando, no contexto linguístico, o desacordo entre os dois locutores enunciadores segundos (l2/e2/mãe e filha), quando o jurista mediatiza a retomada da narrativa do crime por meio dos PDV das testemunhas, conforme observamos no trecho “A mãe da vítima afirmou, em juízo, que sua filha lhe contou que tinha mentido sobre os fatos da denúncia, razão porque realizou-se acareação entre a vítima e sua mãe, na qual a vítima reafirmou ter sido abusada sexua lmente pelo réu, revelando que tinha dito para sua mãe que tinha mentido para acalmá-la, pois estava muito nervosa”. Assinalamos a presença de PDV narrado e representado imputado às tias da vítima (e2) que revela a percepção da maneira como a vítima relato u o crime “de forma emocionada”. Identificamos PDV narrado imputado aos enunciadores segundos, conforme atestamos pelos trechos destacados do fragmento 6, bem como identificamos os verbos dicendi (expressão verbal no tempo pretérito): “afirmou”, “contou”, “reafirmou” e “confirmaram” para introduzir o discurso indireto, as vozes dos enunciadores segundos, dentre eles, a mãe, a vítima e as tias, com os quais L1/E1 revela relações (dis)simétricas no plano enunciativo-argumentativo. Vemos que L1/E1 também traz o PDV narrado de e2 imputado às testemunhas de 216 defesa, distanciando-se do dito. Ademais, também marca o desengajamento e a “neutralidade” pela escolha verbal e impessoal: “resumiram-se”, conforme observamos no fragmento: “As testemunhas de defesa resumiram-se em dizer que o réu é uma boa pessoa”. Notamos que o jurista opta pela impessoalidade, uma “certa neutralidade” para se isentar e se distanciar do PDV da defesa. Mas, visando ao direcionamento da argumentação, L1/E1 acrescenta, através do conector/operador aditivo “bem como”, outro PDV da testemunha de defesa, sendo favorável à condenação do réu, quando elucida que as testemunhas de defesa “[...] afirmaram o bom comportamento da vítima [...]”. No excerto em análise, as marcas de impessoalidade estão ligadas às convenções da escrita da linguagem jurídica, por isso, o jurista tenta apresentar um plano enunciativo mais objetivo. Nesse ponto, concordamos com Rabatel (2009, p 77) quando afirma que o fato do locutor enunciador primeiro se distanciar do seu dizer não indica uma ausência de responsabilidade enunciativa, “mas uma tática de legitimidade”, pois o discurso jurídico tem forças reguladoras nos atos enunciativos de L1/E1, as quais exigem institucionalmente e legalmente a “objetividade” (BITTAR, 2015). Porém por meio de estratégias linguístico- textuais o funcionamento da linguagem jurídica reverte esse direcionamento objetivo, uma vez que, no fio textual/discursivo, L1/E1 evoca para seu dito marcas reveladoras de engajamento, (des)acordo e subjetividade. Como se pode observar, L1/E1 marca acordo parcial com o PDV das testemunhas de defesa do réu, quando retoma o conteúdo proposicional que de que “a vítima é uma adolescente de comportamento exemplar”. No excerto, as palavras das testemunhas de defesa são evocadas via mediativo, por meio da modalização em discurso segundo, conector de conformidade “De acordo com as provas nos autos”, como também via mediação percept iva e ponto de vista anônimo, como podemos visualizar a escolha verbal “constata-se” no fragmento: “constata-se que a vítima é uma adolescente de comportamento exemplar, que não tinha nenhum motivo para criar as acusações contra seu próprio pai”. Vê-se, nessas passagens, que L1/E1 assinala linguisticamente que não é a fonte enunciativa do PDV, pois o conteúdo dos referidos PDV está atribuído a outrem, a enunciadores segundos ( l2/e2/testemunhas de defesa) via evocação do mediativo e discurso indireto, mas, no contexto linguístico, L1/E1 demarca explicitamente tomá-los como base para a condenação do réu e marca o posicionamento por meio dos verbos de dizer elencados acima, por ser um argumento de força para a condenação do réu e para o dispositivo da sentença, especificamente na dosimetria da pena, já que se pode inferir que a vítima não contribuiu para a ação violenta do réu. Desse modo, podemos considerar que esse PDV será relevante, pois L1/E1 sobrenuncia o conteúdo 217 proposicional veiculado no PDV das testemunhas de defesa na dosimetria da pena, por ser um agravante para a determinação e sanção da pena em desfavor do réu, pai da vítima. No fragmento em análise, temos também a imputação a e2 (testemunha) com posicionamento favorável explícito de L1/E1. Ao evocar o PDV das testemunhas de defesa do réu, L1/E1 emite posicionamento de acordo, coenuncia e sobrenuncia, mesmo não sendo ele a fonte enunciativa do PDV. Isso se justifica na medida em que observamos que o PDV é favorável à condenação do réu, pois a vítima “tinha comportamento exemplar”. Fragmento 7 [SJCEV1PTF] Por fim, há de se sobrelevar as próprias declarações da vítima, as quais mostraram-se totalmente coerentes e convincentes, tanto em sede inquisitorial, quanto em juízo, as quais atestam não só a materialidade do crime, como também apontam o acusado como o autor da conduta delituosa em relevo, afirmando, em síntese: "ele (réu), um dia, alguns dias antes, ele começou a me olhar diferente, aí começou [...], dizer que eu era muito bonita; [...]; (...) ele ficou [...]; (...)[...], mas no momento eu empurrei ele, aí só deu pra ele [...];"(registro audiovisual em DVD na contra-capa dos autos). No fragmento 7, merece destaque a ocorrência de acordo e da hierarquização do ponto de vista da instância enunciativa vítima (l2/e2). O PDV e o conteúdo proposicional são hierarquizados/elevados e coenunciados por L1/E1. Tal posicionamento enunciativo e o acordo são marcados pela modalização linguística expressa pela marca verbal “sobrelevar”, bem como a avaliação do dito de e2 por parte de L1/E1, no fragmento: “declarações da vítima, as quais mostraram-se totalmente coerentes e convincentes, tanto em sede inquisitorial”. Nessa passagem, identificamos também o discurso direto e uso de recursos tipográficos, como as aspas para demarcar o discurso de outrem, PDV de e2/vítima que foi retomado e introduzido pelo conector “em síntese”. Como modalizador, a expressão “há de sobrelevar” assinala que o segmento discursivo que lhe segue é mais forte argumentativamente que o que lhe precede, porque situa esse argumento em uma posição mais alta na escala argumentativa. Pode-se considerar que tal expressão textual e modal denota a tomada de posição do produtor do texto frente aos conteúdos por ele enunciados. Essa marca modal é reveladora de que o juiz emite seu parecer, dando seu juízo de valor, se engajando com o dito do PDV da vítima, demarcando a assunção da responsabilidade e o acordo. Desse modo, podemos notar que essa estratégia do juiz assume uma grande importância na construção de sua orientação argumentativa, pois acreditamos que já é o jurista sinalizando o resultado conclusivo do processo em primeira instância que será prolatado por ele no dispositivo da sentença. 218 Assim, observamos que o jurista gerencia os PDV em favor da construção textual e argumentativa da sentença, como também faz escolhas que marcam uma pseudoneutralidade sinalizada pela forma verbal “mostraram-se”, mas, como vimos, revela engajamento e acordo enunciativos sinalizados por meio de formas verbais (“atestam”, “afirmando”) que direcionam ao engajamento com o dito de e2/vítima, determinado por meio de escolhas linguísticas, dentre elas lexemas avaliativos como “coerentes”, “convincentes” e “delituosa”, os quais marcam a avaliação da verdade do conteúdo proposicional do PDV da vítima. Há, nesse exemplo, um agir do enunciador primeiro em relação ao dito de e2, no caso a vítima, implicando envolvimento, acordo e comprometimento em prol dos propósitos argumentativos. Configura um locutor-enunciador primeiro comprometido com o conteúdo veiculado e o relato apresentado no PDV narrado atribuído à vítima. Cumpre notar que L1/E1 assume o compartilhamento e acordo com o PDV de e2 (vítima), marcando a co- responsabilidade pelo dizer. Fragmento 8 [SJCEV1PTF] Desse modo, em consonância com a jurisprudência pátria, é de suma importância os esclarecimentos dos fatos prestados pelas vítimas, senão vejamos : “Em tema de crimes contra os costumes, que geralmente ocorrem às escondidas, as declarações da vítima constituem prova de grande importância, bastando, por si só, para alicerçar o decreto condenatório , mormente se tais declarações mostram-se plausíveis, coerentes e equilibradas, e com o apoio em indícios e circunstâncias recolhidas no processo.” (TJSC – JCAT 76/639). (grifei) “Nos crimes contra os costumes a palavra da vítima surge com coeficiente probatório de ampla valoração, ainda mais se corroborado pelos demais elementos dos autos.” (TJSP – RT 666/295). (grifei) “Nos crimes contra os costumes, a palavra da ofendida, mesmo na fase da investigação criminal, escoltada pela firmeza da prova pericial e ressonante no depoimento judicial do ofensor, constitui, sem menosprezo ao princípio do contraditório, elemento bastante, no sistema de livre convencimento, para definição da autoria e formação do juízo de culpabilidade .” (TJRJ: RT 605/345). Desta forma, restam incontestes a autoria e materialidade do delito objeto da denúncia. Nesse trecho [SJCEV1PTF8], vê-se a materialização linguística da categoria gramatical mediativo explícita quando o enunciador não é a primeira fonte da informação que, no exemplo, trata-se do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Santa Catarina. Cumpre ressaltar que o L1/E1 se ancora na fonte jurídica jurisprudência para compartilhar e acordar com o PDV da vítima, coenunciando em favor da arquitetura argumentativa da condenação do réu, demarcando também seu posicionamento de acordo via 219 o destaque do negrito. Destacamos a expressão modal “é de suma importância” que reforça a orientação argumentativa e eleva também o PDV da jurisprudência, enunciador segundo (e2). No fragmento em estudo, identificamos o discurso citado e o uso de recursos tipográficos, como as aspas e o negrito, reveladores do acordo e co-responsabilidade enunciativa entre o PDV de L1/E1 e de e2/jurisprudência. O fragmento 8 analisado traduz a ocorrência do mediativo e uma quase-RE, pois o L1/E1 (o juiz) atribui a responsabilidade pelo dizer a uma outra fonte do saber que é a jurisprudência pátria (e2), introduzindo o conteúdo proposicional com o conector “desse modo” e “em consonância com a jurisprudência”, marcando inicialmente e estrategicamente seu distanciamento do dito com as marcas tipográficas (aspas), mas acordando e coenunciando com o conteúdo proposicional da jurisprudência que reforça a orientação argumentativa, como observamos em relação ao uso do negrito, os operadores argumentativos e o uso do modalizador. Portanto, cabe destacar que o modalizador, a expressão “é de suma importância”, evoca um argumento de autoridade forte na escala argumentativa dos PDV imputados a e2. Constata-se que tal expressão textual e modal marca o engajamento e posicionamento enunciativo de L1/E1 frente aos conteúdos proposicionais do PDV de e2/jurisprudência, isto é, L1/E1 marca a adesão ao PDV da jurisprudência. Com isso, o jurista direciona o seu dito para a conclusão da condenação do réu, responsabilizando o réu pela autoria do crime de violência sexual, marcada por meio do conector “Desta forma”, de acordo com o que visualizamos no fragmento: “Desta forma, restam incontestes a autoria e materialidade do delito objeto da denúncia”. Fragmento 9 [SJCEV1PTD] DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva do Estado, materializada na denúncia ofertada pelo Ministério Público, em face do que CONDENO, nos termos do artigo 387 e seguintes do Código de Processo Penal, o acusado XXXX, nos autos qualificado, como incurso nas penas do artigo 217-A do Código Penal. Passo ao critério trifásico de aplicação da pena, examinando, inicialmente, as circunstâncias judiciais para, em seguida, verificar a eventual presença de circunstâncias legais agravantes ou atenuantes e, por fim, as causas de aumento ou diminuição de pena. Nesse trecho (9SJCEV1PTD), constata-se que a fonte enunciativa do PDV é L1/E1 (o jurista), que, logo no início da seção do Dispositivo, anuncia o julgamento favorável à condenação do réu, fazendo isso por meio das formas verbais em primeira pessoa “julgo” e 220 “condeno”. Esse fragmento é um exemplo de assunção do locutor/enunciador 1. O excerto em análise mostra um enunciador comprometido com o conteúdo veiculado e com o re lato apresentado: um enunciador que assume a responsabilidade pelo dizer. Essa posição de enunciador que assume a responsabilidade pelo que é dito pode ser verificada por meio de marcas linguísticas como o uso da forma verbal na primeira pessoa do singular : “julgo” a qual evidencia um locutor que assume a noção veiculada. Na perspectiva rabateliana, trata-se de um enunciador, uma vez que se compromete com o conteúdo relatado. No recorte textual em tela, percebemos a necessidade de retomar ao contexto linguístico anterior, pois, no fragmento, o L1/E1 inicia o processo argumentativo retomando os PDV dos parágrafos anteriores por meio do conector “Ante o exposto”. Essa expressão linguística tem função anafórica e retoma o conteúdo proposicional e semântico-argumentativo referido anteriormente, ou seja, remete aos argumentos selecionados (termo antecedente) para sustentar a condenação do réu. No contexto de uso, esse conector sumariza argumentos em prol da orientação argumentativa de L1/E1. Nesse sentido, constatamos que é um organizador textual, bem como um conector anafórico de encapsulamento e de valor conclusivo. Em decorrência disso, vemos o engajamento de L1/E1 no que tange às vozes evocadas, focalizadas e selecionadas na arquitetura argumentativa. Ademais, vale salientar que a responsabilidade enunciativa encontra-se marcada, nesse exemplo, na seleção dos PDV dos enunciadores segundos mobilizados. É perceptível a presença de uma delimitação e de uma seleção do termo referente, que é de responsabilidade do gerenciador do plano textual- enunciativo e argumentativo, isto é, de responsabilidade de L1/E1. No exemplo, observamos ainda a ocorrência de PDV assertado (expressa opinião de L1/E1) através das formas verbais em primeira pessoa e também do mediativo, no recorte textual seguinte: “[...] materializada na denúncia ofertada pelo Ministério Público, em face do que CONDENO, nos termos do artigo 387 e seguintes do Código de Processo Penal, o acusado XXXX, nos autos qualificado, como incurso nas penas do artigo 217-A do Código Penal [...]”. Destacamos as expressões de introdução do mediativo “nos termos do artigo 387” e “como incurso”. Com isso, o juiz revela seu acordo com o PDV da instância Código Penal, como também compartilha PDV de enunciadores segundos (Código Penal e Ministério Público) e emite posicionamento de acordo com o PDV do Ministério Público. Verificamos também a ocorrência de coenunciação, pois o juiz concorda com o dito dessas instâncias e reforça sua argumentação. 221 Reconhecemos [em 9SJCEV1PTD] que o L1/E1 assume o ponto de vista do conteúdo proposicional através das expressões: “julgo procedente” e “condeno”. Constatamos que a utilização de tais marcas linguísticas corrobora para assinalar a orientação argumentativa pretendida pelo juiz (L1/E1). O dito argumentativamente orientado é revelado no fragmento “julgo procedente a pretensão punitiva do Estado, materializada na denúncia ofertada pelo Ministério Público, em face do que CONDENO”. O exemplo evidencia atos de discurso ilocucionários performativos do juiz, pois, consoante Rodrigues (2016, p. 137), “ele [...] instaura, assim, uma nova realidade para o réu, uma vez que o condena à interdição da liberdade”. Nessa direção, vale retomar as palavras de Bittar (2015, p. 288), quando considera que o discurso decisório estrutura-se a partir de uma diversidade de discursos de naturezas diferentes e experiências humanas de sentido jurídico trazidos aos olhos da autoridade decisória por meio da linguagem escrita e marcada pela valoração de posicionamento. Além disso, corroborando tal visão, vale ressaltar que o discurso decisório, uma das espécies do discurso jurídico, é “uma prática textual de cunho performativo”, sendo “capaz de modificar a situação jurídica de um sujeito” (BITTAR, 2015, p. 289), ou seja, é “capaz de criar uma nova realidade de linguagem dentro do universo jurídico e de exercer uma ação jurídica” (criando, modificando, extinguindo direitos etc.), pelo fato de sua enunciação ter um poder discursivo de elocução que deriva do discurso normativo cujos fundamentos são extraídos para sustentar o dispositivo da decisão, por meio de uma linguagem “técnica, abstrata e objetiva” (BITTAR, 2015, p. 300). Portanto, o ato decisório (dispositivo) é um ato performativo de linguagem que resulta de uma enunciação contextual própria pela qual se manifesta a autoridade decisória do juiz. Constatamos que L1/E1 assume a responsabilidade pelo conteúdo proposicional, bem como revela o seu acordo com as demais instâncias enunciativas, fontes do dizer, dentre elas, o Ministério Público e a legislação (Código Penal). É notório que através de dispositivos enunciativos e/ou linguísticos de acordo/coenunciação, bem como de sobrenunciação no âmbito do fenômeno da assunção da responsabilidade enunciativa, o juiz demarca seu PDV e ancora sua decisão também nos ditos imputados à l2/e2 e e2 (enunciadores da narrativa e da denúncia), respaldando-se na norma jurídica para sustentar seu dito institucionalmente, visando condenar. Vimos que L1/E1 ancora o seu dito no discurso legal, pois se vale da norma para validar seu discurso, como também assume a RE, ao mesmo tempo em que se distancia de alguns l2/e2 e dos PDV imputados a eles, no caso as testemunhas de defesa do réu e da defesa. 222 Portanto, esse fragmento coloca em evidencia a função argumentativa do gerenciamento das vozes e dos posicionamentos enunciativos de L1/E1 frente ao dito de outrem, locutores/enunciadores segundos (l2/e2). Fragmento 10 [SJCEV1PTD] a) Culpabilidade: é reprovável, posto que agiu com dolo, ou seja, com vontade de produzir o resultado previsto pelo artigo 217-A do Código Penal, tendo plena convicção e discernimento da ação típica e das consequências, sendo assim desfavorável; b) antecedentes: favoráveis ao réu, pois inexistem feitos criminais em seu desfavor, além deste, como bem evidencia a certidão de fl. 49; c) conduta social: favorável, pois não há informações de fatos anteriores que sirvam para desabonar a sua conduta junto à comunidade em que vive; d) personalidade: favorável ao acusado, tendo em vista que não há nos autos exame específico, elaborado por psiquiatra, capaz de esclarecer a personalidade do réu; e) motivos e circunstâncias do crime: desfavoráveis ao acusado, pois como motivo afere-se a intenção de satisfazer sua lascívia, revelando qualidades morais falhas, carecedoras de reparação; f) Conseqüências (extra-penais):são desfavoráveis, posto que foram nefastas à vítima, além da violação à ordem legal e social, vez que causou transtornos psicológicos, como medo, humilhação e perturbações na vítima; g) comportamento da vítima: não contribuiu para a prática do delito, sendo portanto desfavorável ao réu. III.2. Da dosimetria da pena (art. 68, CP): a) pena-base: após observar as circunstâncias acima, fixo-lhe a pena base em 8 (oito) anos de reclusão, ou seja, o mínimo legal (art. 217-A do CP), por considerá-la necessária e suficiente à reprovação e prevenção do crime praticado; b) circunstâncias legais: não verifico a presença de nenhuma atenuante; quanto à agravante prevista no art. 61, II, “e”, do Código Penal, deixo de aplicá-la em virtude da incidência da causa de aumento especial disposta no art. 226, II, que dispõe de forma semelhante; c) causas de aumento e de diminuição das penas: não vislumbro qualquer causa de diminuição da pena; porém, reconheço a causa de aumento de pena encartada no artigo 226, inciso II, do Código Penal, em razão da qual procedo ao aumento de metade da pena, ou seja, 4 (quatro) anos, perfazendo uma pena de 12 (doze) anos de reclusão;d) pena definitiva: assim, fica a sua pena totalizada em 12 (doze) anos de reclusão, que torno concreta e definitiva; III.3. Do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 33, CP): A pena privativa de liberdade deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado, conforme preceitua o artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, em estabelecimento apropriado e determinado pelo Juízo das Execuções Penais competente. III.4. Da impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos: Em razão da pena privativa de liberdade – definitiva e concretamente – ter sido fixada para o condenado em quantum superior a quatro anos, resta impossibilitada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, conforme o artigo 44 do Código Penal. III.5. Da impossibilidade de suspensão condicional da pena: Deixo de aplicar o sursis ainda levando em consideração os motivos supramencionados (art. 77, incisos I, II e III, CP). III.6. Da possibilidade do recurso em liberdade: Autorizo o condenado a recorrer em liberdade, considerando que respondeu todo o processo solto. IV – PROVIMENTOS FINAIS Transitada em julgado a presente decisão, providencie-se: a) o lançamento do nome do condenado no “Rol dos Culpados”; b) a expedição do mandado de prisão em desfavor do condenado; c) encaminhe- se o respectivo Boletim individual ao Setor de Estatísticas Criminais do Instituto Técnico e Científico de Polícia do Rio Grande do Norte – ITEP/RN, devidamente preenchido; d) extraia-se, confira-se e remeta-se a documentação pertinente à execução da pena ao Juízo das Execuções competente; e) oficie-se ao TRE para providenciar a suspensão dos direitos políticos do condenado durante o prazo de cumprimento da pena (artigo 15, III, CF); f) proceda-se a baixa no registro da Distribuição; g) após, certificadas todas as providências, proceda-se o arquivamento dos autos. 223 Publique-se (art. 389, CPP). Registre-se (art. 389, in fine, CPP). Cientifique-se, pessoalmente, o Ministério Público (art. 390, CPP). Intime-se o réu pessoalmente, bem como na pessoa do seu defensor (art. 392, CPP). Comunique-se à vítima da presente decisão (art. 201, § 2º, CPP). Cumpra-se, com as cautelas legais. Natal, 04 de março de 2011. XXXX Juiz de Direito No recorte das macroposições textuais acima destacadas, podemos observar formas verbais que demarcam atos de discursos ilocucionários performativos, na 1ª pessoa do singular do presente do indicativo: “fixo”, “deixo”, “autorizo” e “procedo”. Esse segmento instaura uma nova realidade para o réu, no contexto argumentativo direcionado por L1/E1 (o juiz). Desse modo, constatamos o movimento enunciativo de assunção da RE marcado por meio das formas verbais de primeira pessoa do singular: “deixo”, “autorizo”. No exemplo [SJCEV1PTD10], há outros atos de discurso, mas destacamos os casos diretivos152, realizados por enunciados injuntivos, conforme as macroposições reveladas por meio das expressões verbais no modo imperativo afirmativo, as quais direcionam o valor de ordem, visando dar prosseguimento ao processo e concretizar o efeito da sentença prolatada, como por exemplo: “extraia-se”, “confira-se”, “remeta-se”, “oficie-se”, “proceda-se”, “publique-se”, “registre-se”, “cientifique-se”, “intime-se”, “comunique-se” e “cumpra-se”. No último fragmento [SJCEV1PTD10] da porção textual da parte da dosimetria da pena, vê-se a presença do mediativo marcado linguisticamente pela conjunção conformativa “conforme”, operador argumentativo, o qual introduz o PDV do Código Penal. Nesse caso, trata-se de um conector de conformidade para introduzir uma modalidade de discurso autorizado, o que implica que a responsabilidade do dizer recai, diretamente, sobre outra fonte do dizer, no caso Código Penal, e não sobre o produtor da sentença que retomou a voz da legislação para fundamentar sua decisão. Esse operador demarca a voz de uma fonte do dizer relevante, um enunciador segundo (e2) forte na construção argumentativa de L1/E1 que coenuncia e acorda com o PDV da fonte do dizer Código Penal, visando à condenação do réu. Nessa parte, constatamos a retomada do acordo de L1/E1 com o PDV das testemunhas de defesa do réu no que tange aos requisitos de individualização da pena e no que concerne aos fatores agravantes da pena. Vemos que L1/E1(o juiz) concorda com PDV das testemunhas de defesa quando falaram que a vítima tinha comportamento exemplar. Tal 152 VANDERVEKEN, D. La logique illocutoire et l’analyse du discours. In : LUZZATI, Daniel et al (Dirs). Le Dialogique. Bern : Peter Lang, p. 59-94, 1997). 224 PDV direciona para a conclusão do bom do comportamento da vítima. Disso depreendemos que a vítima não contribuiu para o crime e com isso o juiz ancora a condenação e a pena, considerando os agravantes para aumento da pena. Em virtude disso, o juiz não aplica a diminuição da pena que seria favorável ao PDV do réu e de sua defesa. Além disso, observamos a presença de escolhas linguísticas qualificativas que marcam o engajamento do juiz, acordando e coenunciando com o dito dos enunciadores segundos mobilizados e, consequentemente, marcando a assunção do PDV dos enunciados, pois o juiz avalia descrevendo as ações do réu como “nefastas à vítima”, bem como “qualidades morais falhas, carecedoras de reparação”, considerando o que foi exposto na sentença em favor da conclusão da dosimetria da pena. Podemos inferir que o jurista contempla a relevância do mediativo como estratégia importante na tessitura argumentativa. No fragmento, observamos que L1/E1 revela que não tem amparo em instâncias enunciativas para ancorar seu julgamento e agravar a pena do réu no quesito personalidade, como observamos no trecho para agravar a pena. Vejamos a macroposição:“[...] personalidade: favorável ao acusado, tendo em vista que não há nos autos exame específico, elaborado por psiquiatra, capaz de esclarecer a personalidade do réu [...]”. Constatamos que L1/E1 se isenta de fazer um julgamento subjetivo e sem amparo, marcando linguisticamente que não tem instância enunciativa especializada, nem fonte do saber, para ancorar a argumentação em tal quesito da dosagem da pena, considerando o que determina o Código Penal. Isso evidencia um aspecto relevante em favor do réu. Nessa direção, cumpre notar ainda que os documentos anexados aos autos do processo, como por exemplo, a certidão de antecedentes criminais, são fontes do dizer e são utilizadas por L1/E1 como argumentos probatórios para ratificar suas asserções, orientando a argumentação para a dosimetria da pena. Exemplos da SJCEV2 Fragmento 11 [SJCEV2PTR] Consta da denúncia que o réu, durante os anos de 2007 à 2010, em sua residência, nesta capital, abusou sexualmente sua própria filha, XXXX., desde que esta possuía onze anos de idade até os seus quatorze anos, ocasião em que o réu mantinha conjunção carnal e praticava outros atos libidinosos com a vítima, aproveitando-se da sua condição de pai. A denúncia foi recebida em 28 de janeiro de 2011, em face da observância dos seus requisitos legais, ocasião em que foi determinada a citação do denunciado, bem como foi decretada a sua prisão preventiva (decisão de fls. 58/60). 225 Convém notar que, no fragmento 11 [SJCEV2PTR], visualizamos uma narração, com o propósito de relatar e reproduzir o que já ocorreu nos demais contextos enunciativos do trâmite processual, como por exemplo, no âmbito da denúncia e do inquérito que se realizou na Delegacia e no Ministério Público, até ser recebida na Vara da Infância e da Juventude. O fragmento revela o PDV narrado de L1/E1 atribuído à denúncia. L1/E1 por meio do PDV narrado reforça juridicamente que a denúncia seguiu os requisitos legais e ratifica a expressão “vistos”, revelando que tomou ciência e examinou o processo para o relatório. Fragmento 12 [SJCEV2PTR] A Representante do Ministério Público manteve integralmente os termos da denúncia, requerendo a condenação do acusado como incurso nas sanções do art. 217-A c/c art. 71, ambos do Código Penal. A Defesa, por sua vez, diante da confissão do denunciado, pediu, em suma, que fosse aplicada a pena do art. 213 do CP, com a redação da época em que iniciou os abusos, bem como que fosse aplicada a pena no seu mínimo legal e as atenuantes cabíveis ao caso (fls. 149/153). É o relatório. Passo a decidir. No excerto 12 [SJCEV2PTR], observamos pontos de vista representados atribuídos aos enunciadores segundos (Ministério Público e Defesa do réu), coconstruídos pelo PDV narrado de L1/E1, com o propósito de relatar de forma objetiva e neutra os trâmites e requerimentos processuais da lide nos outros contextos enunciativos do percurso processual. Ou seja, vemos o conflito manifestado em juízo, marcado pelo requerimento do pleito judicial feito pelo Ministério Público e pela defesa do réu. Nessa parte do plano textual, temos a apresentação da lide que deverá ser analisada pelo juiz, L1/E1, que julgará o pleito. Linguisticamente, L1/E1 marca o desacordo entre os PDV do Ministério Público e da defesa do réu, conforme constatamos pelo conector “por sua vez”, que introduz o turno de voz da defesa, mas estabelecendo contraponto. Fragmento 13 [SJCEV2PTF] II.1 – Do tipo penal imputado Temos imputação do delito de estupro de vulnerável, capitulado no art. 217-A do Código Penal 153 Cogita-se, também, a aplicação do art. 71, do Código Penal, crime continuado. A regra é bem simples. Em razão de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, os crimes subseqüentes ao primeiro serão havidos como continuação deste. A conseqüência é, pois, a aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Por fim, saliente-se que o tipo penal em questão, estupro de vulnerável, é considerado crime hediondo, explicitamente elencado no rol da Lei 8.072/90. 153 Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. 226 No excerto 13 [SJCEV2PTF], visualizamos o PDV afirmado por L1/E1, mas ancorado no PDV representado imputado ao Código Penal e à Lei 8.072/90. O PDV representado é introduzido por meio de construções mediatizadas de percepção “Cogita-se” e “Saliente-se”. A porção do texto evidencia um PDV afirmado de L1/E1 coconstruído com o PDV representado imputado aos enunciadores segundos que serve como um argumento na construção argumentativa, pois o PDV representado dá credibilidade ao PDV de L1/E1 que é a instância que conduz a orientação argumentativa. A assunção da RE de L/E1 é marcada pelas expressões verbais “temos”, cogita-se, “saliente-se”, bem como pelos operadores argumentativos “pois”, “por fim” que direcionam a conclusão da orientação argumentativa. Desse modo, na materialidade textual, constatamos que a construção do PDV é dialógica, pois figuram no discurso outros pontos de vista atribuídos aos enunciadores segundos com os quais L1/E1 dialoga e que por sua vez interferem na construção do seu PDV. Fragmento 14 [SJCEV2PTF] Neste contexto, inserem-se as declarações prestadas pelo denunciado em seu interrogatório judicial, ou seja, sua versão dos fatos sub judice. É patente a confissão de autoria apresentada pelo denunciado. Ademais, testemunhas e a vítima sustentam, em seus depoimentos em juízo, que o réu cometeu o crime descrito na denúncia, tendo inclusive uma testemunha ocular, tio-avô da vítima, que viu o réu praticando atos libidinosos com a vítima. Tem-se, pois, mais narrativas que harmoniosamente retratam os fatos sub judice, formando, até este momento, um todo coerente, indicativo de fortes provas da autoria delitiva do réu. Assim, ao final deste exame, o que se vislumbra é a afirmação da autoria delit iva, uma vez que existem elementos seguros e direcionados para a confirmação de que o denunciado, de fato, perpetrou o delito capitulado no art. 217-A, do Código Penal, tendo como vítima sua própria filha. Nesse excerto [14SJCEV2], sinalizamos a presença de uma simetria dialógica entre os PDV representados e narrados imputados aos enunciadores segundos sob a ótica do PDV afirmado de L1/E1. O fragmento é introduzido pelo conector “neste contexto” que articula no plano textual a simetria dialógica e a orientação argumentativa. Desse modo, atestamos a presença da expressão verbal “inserem-se” para introduzir o PDV imputado ao réu. Em seguida, L1/E1 adiciona o PDV das testemunhas e da vítima por meio dos operadores “ademais” e “inclusive” que serviram para embasar a condenação do réu. Tanto o PDV imputado ao réu quanto os PDV atribuídos às testemunhas e à vítima direcionam a orientação argumentativa em favor da condenação do réu. Tal direcionamento é marcado por meio dos operadores “assim” e “uma vez que”. No excerto em análise, destacamos o operador/conector: inclusive. Tal expressão 227 linguística assinala que o segmento discursivo que lhe segue é mais forte argumentativamente que o que lhe precede, uma vez que esse conector situa o argumento em uma posição mais alta em uma escala argumentativa. No exemplo, destaca-se que introduz o PDV representado e narrado das testemunhas e da vítima que indicam ter “inclusive uma testemunha ocular, tio- avô da vítima, que viu o réu praticando atos libidinosos com a vítima”. Assinalamos que o conector “inclusive” hierarquiza o PDV imputado à testemunha ocular (tio-avô/e2). Concordamos com Gomes (2014) e Montolío (2011) quando consideram que é um elemento linguístico de grande interesse para os linguistas, porque aporta grande quantidade de informação pragmático-argumentativa. Em decorrência disso, é notório um engajamento enunciativo de L1/E1 que direciona o eixo argumentativo, acrescentando uma informação de força na construção argumentativa (ELIAS; KOCH, 2016). Salientamos que o operador “assim” é um conector argumentativo que direciona para a conclusão em favor da condenação do réu. Tal direcionamento encontra-se também amparado na voz do Código Penal e no dizer dos demais enunciadores segundos evocados (réu confesso, testemunhas e vítima). Além disso, sinalizamos a presença de expressões modalizadoras apreciativas como, por exemplo, “seguros” e “direcionados”. Assim, L1 /E1 avalia a asserção do conteúdo proposicional dos ditos atribuídos aos enunciadores segundos supramencionados, revelando isso com lexemas apreciativos, isto é, elementos modalizadores, entre eles: “harmoniosamente” (advérbio) e “seguros e direcionados” (expressões avaliativas). Tendo em vista as expressões verbais “Tem-se” e “Inserem-se”, afirmamos que o uso de tais expressões é uma busca de L1/E1 pela neutralidade, mas, no nível linguístico, isso desencadeia uma “pseudoneutralidade”, pois os lexemas avaliativos já elencados e o verbo de dizer “sustentam” revelam engajamento de L1/E1 em relação aos PDV imputados aos enunciadores segundos. É perceptível que L1/E1 coenuncia, assume a RE e marca seu engajamento por meio de elementos linguístico-subjetivos como: seguros, direcionados e harmoniosamente. Portanto, tais expressões revelam o engajamento de L1/E1 que coenuncia, coconstruindo sua argumentação e evocando os PDV que estão em simetria no sincretismo argumentativo. Ressalvamos ainda que tais expressões modalizadoras e avaliativas são reveladoras do ponto de vista de LE/E1. 228 Fragmento 15 [SJCEV2PTF] Há nos autos laudo de exame de conjunção carnal comprovando a ocorrência do ato sexual, uma vez que restou constatada roturas no hímen da vítima (fls. 25/27). Para que a materialidade delitiva reste ainda mais comprovada, recorrer-se-á à prova testemunhal contida nos autos que, por sua vez, se prestará a evidenciar a conduta do denunciado. Neste diapasão, contemplando a prova testemunhal colecionada nos autos (registro audiovisual em CD na contracapa dos autos), enxerga-se a comprovação da materialidade delitiva, ou seja, os relatos que a compõem são diretos e substanciosos, aptos para a demonstração da existência do delito. A mãe da vítima afirmou, em juízo, que seu pai lhe contou que a vítima vinha mantendo relações sexuais com o réu, pois os tios da depoente tinham visto os dois se lavando. O tio-avô da vítima revelou, em juízo, que viu o réu praticando atos libidinosos com a vítima [...]. Em outro dia, viu o réu e a vítima lavando as partes íntimas. O avô da vítima afirmou, em juízo, que o réu confessou que mantinha relações sexuais com a vítima desde quando ela tinha doze anos de idade. O próprio réu, em juízo, confessou o crime, afirmando que manteve relações sexuais com a vítima, sua filha, por duas vezes, [...]. Por fim, há de se sobrelevar as próprias declarações da vítima, as quais mostraram-se totalmente coerentes, tanto em sede inquisitorial, quanto em juízo, as quais atestam não só a materialidade do crime, como também apontam o acusado como o autor da conduta delituosa em relevo, senão vejamos trechos do seu depoimento em juízo: “perguntada se o réu mantinha relações sexuais com ela, respondeu: sim; (...) antes de eu completar quatorze; antes de quatorze anos; aí eu tava no quintal, lavando louça; foi a primeira vez; aí eu tava no quintal, lavando louça, ele (réu) chegou perto de mim e começou [...]” No exemplo 15 [SJCEV2PTF], destacamos que, inicialmente, L1/E1 faz menção as provas documentais, como o laudo de conjunção carnal que reforça a ideia de que o réu é culpado, já que foi constatada a rotura do hímen da vítima, comprovando a ocorrência da violência sexual. Em (15), observamos que L1/E1 revela seu campo de percepção, conforme atestamos por meio da marca linguística “enxerga-se a comprovação da materialidade delitiva”. Como notamos, L1/E1 credita a responsabilidade pelo dizer aos enunciadores segundos que evoca em seu projeto de dizer, mas compartilha a responsabilidade, coenunciando com o PDV de outrem, evidenciando laço de responsabilidade enunciativa com o PDV da prova testemunhal. Nesse excerto, visualizamos o PDV dos enunciadores segundos (mãe da vítima, tio- avô, avô, o réu confesso, a vítima) representados sob a ótica do PDV narrado e afirmado por L1/E1. O PDV representado é revelado também por meio de construções linguísticas de mediatividade de percepção, como por exemplo: “enxerga-se”. Considerando a forma impessoal do verbo “enxerga-se”, admitimos que não está explícito quem assume o conteúdo. Mas, nesse caso, defendemos a ideia de uma pseudoneutralidade, pois acreditamos que é provisoriamente que o anonimato do PDV se mantém no texto, pois, ratificamos, que, no contexto linguístico, L1/E1 deixa marcas e revela seu posicionamento, uma vez que 229 concordamos com o viés rabateliano quando afirma que todo o PDV atribuído a outrem requer no plano textual-enunciativo a posição de L1/E1. Constatamos ainda o PDV narrado imputado à mãe da vítima, mas ancorado pelo PDV representado do avô e dos tios ([...] afirmou [...] que seu pai lhe contou que a vítima vinha mantendo relações sexuais com o réu, pois os tios da depoente tinham visto os dois se lavando). O fragmento tipifica também o mecanismo de hierarquização realizado por L1/E1 em relação ao PDV narrado imputado à vítima. Constatamos que L1/E1 evoca o PDV da vítima, marcando seu engajamento por meio dos lexemas avaliativos e expressões linguísticas modais indicadoras de hierarquização de PDV, como por exemplo: “há de sobrelevar as próprias declarações da vítima”. L1/E1 coloca O PDV atribuído à vítima em postura de sobrenunciação. Nesse sentido, dizemos que L1/E1 apresenta um PDV afirmado originado a partir do PDV de e2, assume a responsabilidade enunciativa, coenunciando e coconstruindo a sua argumentação, na tessitura linguística, amparando-se nos PDV imputados aos enunciadores segundos supramencionados. Observamos o sincretismo no plano textual-enunciativo e argumentativo que direcionam ao PDV de L1/E1 que marca sua orientação argumentativa gerenciando as vozes em simetria (coorientadas), sendo marcado pelo conector “neste diapasão”. O conector expressa a relação semântica de um afinamento com o argumento que está sendo apresentado, seguindo a mesma orientação argumentativa. Com essa expressão linguística, os pensamentos e/ou posicionamentos ficam harmônicos e estão a serviço da argumentação. Asseguramos que, no fio textual, estão correlacionados, isto é, não divergem entre si. Também destacamos os verbos dicendi marcadores do discurso indireto, dentre eles: as expressões verbais: “afirmou”, “contou”, “revelou” e “confessou”. As escolhas verbais (“atestam”, “vejamos”, “apontam”) revelam engajamento de L1/E1, bem como tais expressões articuladas com os conectores já explicitados marcam a orientação argumentativa. O gerenciamento e o engajamento de L1/E1 são marcados linguisticamente, por meio das expressões linguísticas, entre elas: “relatos [...] diretos e substanciosos”, “coerentes”, “vejamos”. Tais elementos determinam a postura enunciativa de coenunciação de L1/E1. Ademais, verificamos que os operadores argumentativos “uma vez que”, “para que”, “neste diapasão”, “ou seja” e “por fim” direcionam a construção argumentativa em prol da conclusão que ratifica a condenação do réu. Em outras palavras, tais elementos linguísticos são pistas 230 das relações argumentativas. Constatamos que L1/E1 conduz a interpretação das direções das vozes que entram em sincretismo e se inter-relacionam no eixo persuasivo. Portanto, vemos que L1/E1 compartilha a responsabilidade pelos PDV imputados aos e2 que estão em simetria na arquitetura argumentativa do texto em análise. Fragmento 16 [SJCEV2PTD] III – DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva do Estado, materializada na denúncia ofertada pelo Ministério Público, em face do que CONDENO, nos termos do artigo 387 e seguintes do Código de Processo Penal, o acusado XXXX, nos autos qualificado, como incurso nas penas do artigo 217-A c/c art. 71, ambos do Código Penal. No fragmento 16, verificamos a ocorrência de PDV afirmado de L1/E1 que está em consonância e simetria argumentativa com o PDV do Ministério Público. O exemplo indica que o PDV afirmado do juiz sofre a influência do discurso especializado do Ministério Público e do Código Penal. Nesse ponto, os PDV dos enunciadores segundos, especificamente do MP, do CP e de L1/E1 se mesclam, são coconstruídos. Apontamos que o fragmento 16 [SJCEV2PTD] tem estrutura semelhante ao exemplo 9 da SJCEV1. Esse recorte é representativo da postura enunciativa de coenunciação de L1/E1 em relação aos PDV imputados aos enunciadores segundos evocados (Ministério Público e Código Penal). Assinalamos mais uma vez que o PDV de L1/E1 encontra-se na postura enunciativa de coenunciação, bem como apresenta-se sob a dependência de PDV alheios imputados a enunciadores segundos. Verificamos que o PDV afirmado de L1/E1 é atestado pelas expressões verbais em primeira pessoa do singular: “julgo” e “condeno”. Desse modo, compreendemos que esse recorte textual é um exemplo de assunção do locutor/enunciador primeiro. O excerto em análise mostra um enunciador comprometido com o conteúdo proposicional enunciado, ancorado nos PDV de fontes do saber especializadas do campo do Direito. Observamos ainda que o PDV de E1/L1 é inter-relacionado e introduzido por meio das construções mediatizadas de mediação epistêmica, entre elas: “materializada na denúncia”, “em face do que”, “nos termos do artigo 387” e “como incurso”. Tais expressões marcam que L1/E1 imputa a responsabilidade pelo dito aos enunciadores segundos. Nesse excerto, outro aspecto a ser levado em conta é o conector “ante o exposto”. Ao observarmos o contexto linguístico-textual e o plano enunciativo-argumentativo delineado por 231 L1/E1, verificamos que L1/E1 inicia o processo argumentativo do dispositivo retomando os PDV dos parágrafos anteriores por meio do conector “Ante o exposto”. Analisando o uso desse conector, percebemos que é uma expressão que se repete no início do dispositivo das sentenças em análise. Como dito, verificamos que é uma forma linguística que marca o desfecho da sentença, bem como é um conector que estabelece uma relação de retomada, com a função de retomar o dito do que foi afirmado nas partes anteriores e sustentar a argumentação do dispositivo da sentença. Vemos que esse conector marca o direcionamento argumentativo, bem como corrobora para legitimar a força da instituição judicial. Em outras palavras, retoma anaforicamente o conteúdo proposicional anteriormente citado que embasa a fundamentação do dispositivo para a ação ser julgada. À luz da teoria rabateliana, consideramos que é o operador que atesta o sincretismo argumentativo entre os PDV dos enunciadores segundos evocados, assumidos, coenunciados, coconstruídos, harmoniosamente, a favor da linha argumentativa de L1/E1. Vale demonstrar que é uma expressão frequentemente utilizada nos gêneros mais instituídos da prática jurídica. Consideramos como uma construção fixa sempre reproduzida na sentença, com a finalidade de sumarização e encapsulamento de segmentos textuais em sincronia no plano argumentativo da sentença. Fragmento 17 [SJCEV2PTD] Quanto ao pedido da defesa para que fosse aplicado o antigo artigo 213 do CP, por ser mais benéfico ao réu, deixo de fazê-lo porque trata-se de crime continuado que, segundo os depoimentos colhidos nos autos, perdurou até o segundo semestre de 2010, época em que já estava vigente o art. 217-A do CP, introduzido pela Lei nº 12.015/09. A aplicação da lei vigente, mesmo sendo mais prejudicial ao réu, encontra guarida no entendimento do STF, refletido na súmula 711, senão vejamos: "A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência". No exemplo 17 [SJCEV2PTD], destacamos o conector “quanto ao” que introduz o PDV imputado à defesa, mas que L1/E1 indica seu desacordo com o PDV desse e2, atestado pela expressão “deixo de fazê- lo porque trata-se de crime continuado”. Assinalamos o conector “porque” que introduz a justificativa do desacordo de L1/E1 em relação ao PDV da defesa. Mostramos também que L1/E1 retoma e rebate o posicionamento da defesa do réu através da evocação da voz de enunciadores segundos (STF e depoimentos colhidos nos autos), bem como marca seu acordo com o PDV do Ministério Público, com o Código Penal e com a lei 12.015/09. Constatamos a introdução do PDV imputados aos enunciadores 232 segundos supracitados, por meio de construção mediatizadas, como por exemplo: “segundo” e “no entendimento”. Nesse fragmento em questão, observamos que o PDV imputado ao STF (e2) entre aspas e itálico tem efeito de autenticidade ao que é dito, ao mesmo tempo em que o juiz, mediador do dito, L1/E1, confere credibilidade ao seu dizer. Dessa maneira, salientamos que as aspas estabelecem uma fronteira, sinalizando o discurso de outrem, mas, no co(n)texto linguístico-textual e enunciativo, verificamos que o distanciamento enunciativo é relativizado em função da atitude de L1/E1 que acorda, coenunciando e integrando os PDV imputados aos e2 a sua orientação argumentativa. Assim, constatamos a coorientação dos argumentos em favor da conclusão da tese defendida por L1/E1. Vale esclarecer que, no ordenamento jurídico, o Supremo Tribunal Federal representa o ápice da estrutura jurídica brasileira. Trata-se da máxima instância de superposição, em relação aos demais órgãos do judiciário, uma vez que compete ao STF a última palavra das causas que lhe são submetidas (CINTRA et al, 2008). Como se pode observar no recorte 17, L1/E1 interpreta o entendimento do STF como sendo favorável ao seu posicionamento de rejeitar o PDV da defesa do réu. L1/E1 recorre às palavras do STF, enquanto fonte do Direito no campo da jurisprudência, a fim de enriquecer a orientação argumentativa do dispositivo, pois no ordenamento jurídico, o âmbito do conhecimento especializado sobre o tema é relevante, contribuindo para imprimir a orientação argumentativa do desacordo com o PDV da defesa. Nesse exemplo, asseguramos que o dito do STF evidencia o contraste entre o PDV de L1/E1 e o da defesa, pois o juiz respaldado por um enunciador segundo especialista de forte peso na jurisprudência, bem como pelos depoimentos colhidos nos autos refuta o PDV da defesa, reforçando sua decisão com forte teor argumentativo. Assim, identificamos uma dissimetria enunciativa e argumentativa entre os PDV, conforme atesta o fragmento: “Quanto ao pedido da defesa para que fosse aplicado o antigo artigo 213 do CP, por ser mais benéfico ao réu, deixo de fazê-lo porque se trata de crime continuado que, segundo os depoimentos colhidos nos autos, perdurou até o segundo semestre de 2010, época em que já estava vigente o art. 217-A do CP, introduzido pela Lei nº 12.015/09. A aplicação da lei vigente, mesmo sendo mais pre judicial ao réu, encontra guarida no entendimento do STF, refletido na súmula 711, senão vejamos: "A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência". O juiz ampara seu dito no PDV representado do STF e dos depoimentos colhidos, a partir de falas, pensamentos e percepções, conforme atesta a expressão verbal “vejamos”. O juiz compartilha do PDV do STF, coenunciando e assumindo também a responsabilidade. 233 Constatamos que as fontes enunciativas (STF e Depoimentos dos autos) emergem conforme a representação de L1/E1, que se apropria e subordina seu PDV ao PDV desses enunciadores segundos, marcando sua adesão por meio de mecanismos textuais e discursivos. Esse exemplo mostra que o PDV do juiz não é construído isoladamente, mas é solidário, tendo em vista que é coconstruído pelo PDV representado do STF e dos depoimentos nos autos. O PDV representado corresponde à atribuição de percepção de L1/E1 aos enunciadores segundos. Dessa maneira, o PDV representado do STF é marcado pelo verbo “vejamos”. O trecho em aspas é assumido pelo L1/E1 e materializa um discurso afetado pela presença de outro discurso que fundamenta a argumentação de L1/E1. Consequentemente, a validade do conteúdo proposicional recai sobre e2. Nesse caso, as aspas explicitam a alteridade, delimitando, linguisticamente, a fronteira de um PDV em contraste com o PDV da defesa do réu. Vale mencionar que a porção do texto em aspas marca um PDV afirmado por L1/E1. Tal PDV é coconstruído com o PDV representado dos depoimentos das testemunhas colhidos nos autos e do STF, conforme assinalamos pelos seguintes fragmentos: “deixo de fazê- lo” (forma verbal em primeira pessoa), “segundo os depoimentos colhidos” (conector), “encontra guarida no entendimento do STF, refletido na súmula 711, senão vejamos”. Assim, no que tange aos contextos de imputação, observamos que, nesse exemplo, o posicionamento de desacordo (rejeição) emitido por L1/E1 em relação ao PDV da defesa (e2) é respaldado explicitamente com base no dito do STF. Reafirmamos que um dos modos de a imputação também desencadear a não assunção pelo conteúdo proposicional de um PDV é nas situações que manifesta o desacordo. Constatamos assim que L1/E1 releva a responsabilidade enunciativa compartilhada via imputação de PDV atribuído a e2. Fragmento 18 [SJCEV2PTD] III.2. Da dosimetria da pena (art. 68, CP): a) pena-base: após observar as circunstâncias acima, fixo-lhe a pena base em 8 (oito) anos de reclusão, ou seja, o mínimo legal (art. 217-A do CP), por considerá-la necessária e suficiente à reprovação e prevenção do crime praticado; b) circunstâncias legais: verifico a presença da atenuante prevista no art. 65, III, "d", do CP (confissão espontânea), contudo não terá efeito em face da fixação da pena base no mínimo legal, conforme súmula 231 do STJ; quanto à agravante prevista no art. 61, II, “e”, do Código Penal, deixo de aplicá-la em virtude da incidência da causa de aumento especial disposta no art. 226, II, que dispõe de forma semelhante; quanto à agravante prevista no art. 61, II, “h”, do Código Penal, deixo de aplicá-la em virtude do tipo penal já fazer referência à idade da vítima, evitando assim o bis in idem, uma vez que a menoridade da vítima é circunstância elementar do crime; c) causas de aumento e de diminuição das penas: não vislumbro qualquer causa de diminuição da pena; porém, reconheço a causa de aumento de pena encartada no artigo 71, caput, do Código Penal (crime continuado), eis que o réu praticou o mesmo crime por várias vezes, em períodos próximos, no mesmo local, na mesma forma de execução e outras semelhanças, em razão da qual procedo ao 234 aumento de 1/6 (um sexto) da pena, ou seja, 1 (um) ano e 4 (quatro) meses; recai, ainda, a causa de aumento de pena estipulada no artigo 226, inciso II, do Código Penal, uma vez que o réu é pai da vítima, em razão da qual procedo ao aumento de metade da pena, ou seja, 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses; d) pena definitiva: assim, fica a sua pena totalizada em 14 (quatorze) anos de reclusão, que torno concreta e definitiva; Nos excertos, em destaque, observamos que os PDV estão em sincretismo argumentativo, ou seja, em aliança, no fio da tessitura argumentativa, pois L1/E1 engaja-se e assume o PDV de outrem (das Fontes do Direito: a legislação/ Código Penal e súmula do STJ), colocando os ditos de enunciadores segundos evocados (e2) numa posição de concordância com sua orientação argumentativa, marcando a OrArg, no nível linguístico, por meio de conectores como “em virtude de”, “uma vez que”. Em relação ao MED, percebemos que esse excerto põe em evidência expressões que introduzem construções mediatizadas (“Prevista no art”, “Encartada”, “Disposta no”, “Conforme”) que marcam a heterogeneidade enuncia tiva perpassada pelo dito de outrem, marcada no nível linguístico. O uso dessas expressões linguísticas pode servir para marcar a objetividade e a imparcialidade, por meio do “distanciamento” de L1/E1 em relação aos conteúdos por ele reportados. Interessa perceber também que a OrArg é estabelecida na medida que L1/E1 mobiliza enunciadores segundos em sincretismo argumentativo e opera o gerenciamento das vozes, em conformidade com o projeto de dizer de seu plano enunciativo-argumentativo. Vemos que a mediação epistêmica concorre para a orientação argumentativa defendida (no dispositivo da dosimetria da pena) por L1/E1. Assinalamos que L1/E1 revela a assunção da responsabilidade por meio de marcas linguísticas de índices de pessoa (verbos em primeira pessoa do singular: “fixo”, “deixo”, “verifico”, “procedo”, “vislumbro”). Dessa maneira, ratificamos que existe uma “pseudoneutralidade” no que tange ao (des)engajamento referente às marcas de indicação do quadro mediativo, pois, no contexto, evidenciamos uma postura enunciativa de coenunciação, tendo em vista que o PDV de L1/E1 é coconstruído com base nos PDV imputados aos enunciadores segundos mencionados. Como vimos, somado aos demais contextos de imputação com acordo explícito de L1/E1, exemplos como esses reiteram que L1/E1 traz a voz do outro para embasar sua argumentação. Fragmento 19 [SJCEV2PTD] III.3. Do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 33, CP): A pena privativa de liberdade deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado, conforme 235 preceitua o artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, em estabelecimentos apropriados e determinados pelo Juízo das Execuções Penais competente. III.4. Da impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos: Em razão da pena privativa de liberdade – definitiva e concretamente – ter sido fixada para o condenado em quantum superior a quatro anos, resta impossibilitada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos , conforme o artigo 44 do Código Penal. III.5. Da impossibilidade de suspensão condicional da pena: Deixo de aplicar o sursis ainda levando em consideração os motivos supramencionados (art. 77, incisos I, II e III, CP). III.6. Da impossibilidade do recurso em liberdade : Não autorizo o condenado a recorrer em liberdade, considerando que respondeu preso todo o processo, restando ainda presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva. Neste excerto 19 [SJCEV2], as passagens “conforme o artigo 44 do Código Penal” e “supramencionados (art. 77, incisos I, II e III, CP)” são marcas linguísticas que delimitam a quem pertence o PDV relatado por L1/E1. Indica a fonte do saber responsável pelo dito, que no caso é o Código Penal/CP. Trata-se de marcas caracterizadoras do mediativo (Guentchéva, 1994, 2014), ou seja, das indicações de quadros mediadores na terminologia de Adam (2011), através do recurso linguístico da modalização em discurso segundo (MAINGUENEAU, 2004; AUTHIER-REVUZ, 2004). Registramos que L1/E1 utiliza o PDV para embasar sua decisão. Observamos, nesse exemplo, a modalização em discurso segundo introduzida pela expressão “conforme”. É importante frisar que L1/E1 imputa a responsabilidade ao e2, que neste caso é o Código Penal. De maneira ampla, vemos construções mediatizadas que introduzem o PDV da legislação, mas, no fio textual, verificamos pistas textuais indicadoras do comprometimento de L1/E1 em relação ao conteúdo proposicional do PDV imputado a e2, pois L1/E1 atesta seu acordo, coenunciando com o PDV de e2, revelando-o pelas expressões verbais de primeira pessoa do singular: “deixo” e “não autorizo”). Exemplos da SJCEV3 Fragmento 20 [SJCEV3PTR] A denúncia foi recebida em 5 de dezembro de 2012, em face da observância dos seus requisitos legais, ocasião em que foi determinada a citação do denunciado (decisão de fl. 63). Foi apresentada defesa prévia em favor do réu (fls. 86/89). Após requerimento ministerial, foi decretada a prisão preventiva do réu, visando à garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal (fls. 114/117). [...] Foi realizada audiência de instrução e julgamento, na qual foram ouvidas as testemunhas e declarantes arrolados pelo Ministério Público e Defesa, bem como foi realizado interrogatório do réu, todos através de registro audiovisual coletados em CD, que encontra-se na contra-capa dos autos (fls. 167/170). Na mesma audiência, o Ministério Público apresentou suas alegações finais orais, bem como 236 foi concedido prazo à Defesa para apresentação das alegações finais por escrito, através de memoriais (fl. 170). O Representante do Ministério Público manteve integralmente os termos da denúncia, requerendo a condenação do acusado como incurso nas sanções do art. 217-A c/c art. 226, II, do Código Penal, em concurso material com o mesmo crime do artigo 217-A c/c arts. 71 e 226, II, todos do Código Penal, em razão do tempo da primeira conduta para as duas últimas ter sido superior a trinta dias. A Defesa, por sua vez, pediu a absolvição do denunciado, alegando, em suma, que não há provas suficientes para a condenação do acusado, invocando o princípio do in dubio pro reo (fls. 172/182). É o relatório. Passo a decidir. O fragmento 20 da SJCEV3 está situado na parte do plano de texto do relatório da sentença que discorre sobre a dialética do trâmite processual, expondo de forma sucinta o PDV da defesa e da acusação, bem como apresentando o resumo dos incidentes processuais. Constatamos um PDV narrado proferido por L1/E1 com base nos PDV representados e imputados aos contextos enunciativos processuais da denúncia, da legislação, da defesa e do requerimento ministerial. A expressão “após requerimento ministerial” marca um distanciamento de L1/E1 em relação ao PDV imputado ao Ministério Público. L1/E1 através dessa expressão atribui a responsabilidade ao Ministério Público, relatando que a prisão preventiva foi baseada no pedido do parquet ministerial. Destacamos ainda o PDV narrado de L1/E1 que conta os fatos processuais a partir dos PDV relatados imputados aos seguintes enunciadores segundos: denúncia, defesa e Ministério Público. A forma linguística “em face da observância dos requisitos legais” é uma expressão indicadora do quadro mediativo que introduz um PDV relatado baseado na percepção de L1/E1 (“observância dos seus [...]”), bem como salientando a fonte do saber epistêmica: “requisitos legais”. Tal expressão atesta ainda que o julgador examinou o processo e constatou que os trâmites legais foram seguidos. O exemplo em análise mostra ainda a lide processual. Vemos o conflito litigioso argumentativo, marcado pelo conector “por sua vez”. Ainda em (20), constatamos o PDV imputado ao Ministério Público em dissonância com o PDV atribuído à defesa do réu, conforme atestamos no seguinte fragmento: “O Representante do Ministério Público manteve integralmente os termos da denúncia, requerendo a condenação do acusado como incurso nas sanções do art. 217-A c/c art. 226, II, do Código Penal, [...]. A Defesa, por sua vez, pediu a absolvição do denunciado, alegando, em suma, que não há provas suficientes para a condenação do acusado, [...]”. 237 Fragmento 21 [SJCEV3PTF] Neste contexto, inserem-se as declarações prestadas pelo denunciado em seu interrogatório judicial, ou seja, suas versões dos fatos sub judice. É patente a negativa de autoria apresentada pelo denunciado. Contudo, a vítima, sua mãe e sua irmã sustentam, em seus depoimentos em juízo (CD na contra-capa dos autos), de forma convincente, que o réu abusou sexualmente a vítima, tendo, inclusive, a genitora presenciado o fato delituoso em análise. Tem-se, pois, mais narrativas que harmoniosamente retratam os fatos sub judice, formando, até este momento, um todo coerente, indicativo de fortes provas da autoria delitiva do réu. Assim, ao final deste exame, o que se vislumbra é a afirmação da autoria delitiva, uma vez que existem elementos seguros e direcionados para a confirmação de que o denunciado, de fato, perpetrou o delito capitulado no art. 217-A, do Código Penal, tendo como vítima sua enteada. Ressaltamos que alguns trechos destacados em realce no excerto 21, inicialmente, evidenciam marcas de impessoalidade no dizer, em prol da neutralidade e anonimato. Quando L1/E1 enuncia que “inserem-se as declarações prestadas pelo enunciado” e “tem-se”, acreditamos que tal objetividade é “ilusória” e “provisória” (BERNARDINO, 2015), mesmo que o campo do discurso jurídico imponha condições de produção e forças reguladoras dos atos enunciativos de L1/E1 durante a produção do gênero discursivo/textual sentença condenatória, “exigindo a objetividade, o não engajamento subjetivo” (BERNARDINO, 2015, p. 199). Nessa direção, confirmamos, de acordo com Rabatel (2009) e Bernardino (2015), que a situação de neutralidade, embora teoricamente possível, não é duradoura, uma vez que “o funcionamento da linguagem reverte essa ‘ilusão’ e faz intervir, no fio textual/discursivo” (BERNARDINO, 2015, p. 199), as marcas de posicionamentos subjetivos, conforme constatamos quando L1/E1 se expressa por meio de verbo dicendi (sustenta) carregado de valor apreciativo em relação ao conteúdo proposicional proferido e imputado aos e2 (vítima, mãe e irmã), bem como por meio de lexemas avaliativos, entre eles: “de forma convincente”, “harmoniosamente”, “um todo coerente”, “indicativo forte”, “elementos seguros e direcionados”. Como recurso linguístico estratégico, destacamos o uso do conector “inclusive” para introduzir um forte argumento na orientação argumentativa de L1/E1, pois adiciona a informação de uma testemunha ocular que tem força argumentativa no discurso de L1/E1. Atestamos ser uma escolha linguística eficaz para conferir peso na argumentação, pois acrescenta argumento forte no sentido da conclusão defendida pelo juiz. A análise desse recorte textual mostra que L1 /E1 exprime juízo de valor, marcando linguisticamente a sua postura enunciativa de coenunciação em relação aos PDV narrados e 238 imputados à vítima, à mãe, à tia, assumindo a RE através do elemento modalizadores avaliativos supracitados. Como outro recurso estratégico na argumentação, apontamos ainda a presença dos conectores que imprimem e revelam a orientação argumentativa de L1/E1. Vale ressaltar a expressão “neste contexto” que exerce função de articulador textual-argumentativo, introduzindo o PDV imputado ao réu. Vale considerar que, em seguida, no fio textual, L1/E1 coloca em dissimetria argumentativa e postura de subenunciação o PDV do réu, ou seja, em desacordo com o PDV imputado à vítima, à mãe e à irmã. Cumpre mencionar que L1/E1 atesta sua refutação ao PDV do réu por meio do operador argumentativo “contudo” que expressa relação semântica de contraponto. Identificamos ainda os conectores “assim” e “uma vez que” que direcionam à conclusão em prol da confirmação da autoria delitiva cometida pelo réu. Isso implica dizer que o gerenciamento das vozes sob a influência de L1/E1 direciona o eixo argumentativo e que o PDV de L1/E1 sofre influência dos pontos de vista dos demais enunciadores segundos na organização do seu projeto de dizer argumentativamente orientado. Fragmento 22 [SJCEV3PTF] Há nos autos laudo de exame de conjunção carnal (fls. 77/78), que não foi capaz de detectar a ocorrência do ato sexual, uma vez que restou constatado o hímen complacente da vítima, [...] sem romper-se. Logo, para que a materialidade delitiva reste devidamente comprovada, recorrer-se-á à prova testemunhal contida nos autos que, por sua vez, se prestará a evidenciar a conduta do denunciado. [...] A mãe da vítima afirmou, em juízo, que viu, pelo buraco [...], o réu abusando sexualmente da vítima, estando os dois [...]. Revelou que o réu lhe ameaçou de morte se fosse preso e que já sofreu agressões dele. Relatou que sua outra filha também lhe contou ter sido abusada sexualmente pelo réu. A irmã da vítima confirmou, em juízo, que a vítima foi abusada sexualmente pelo réu. Revelou que o réu também lhe abusou sexualmente, por várias vezes, quando tinha treze anos, e que foi ameaçada de morte pelo réu para não contar os fatos. A testemunha de defesa se resumiu em falar da boa conduta do réu. No trecho 22, observamos que o encadeamento simétrico dos PDV imputados aos e2 realizado por L1/E1, constitui a fundamentação da sentença. Tal encadeamento é marcado pelo sincretismo de acordo entre os PDV que exerce papel fundamental na construção textual do sentido da orientação argumentativa defendida por L1/E1. Evidenciamos que, linguisticamente, L1/E1 atua, de modo explícito, na construção do roteiro do seu projeto textual enunciativo-argumentativo, mobilizando recursos linguísticos que atuam na formulação e afirmação de seu ponto de vista. Dessa maneira, constatamos que existe uma relação intrínseca entre a construção linguístico-textual dos PDV, os PDV evocados e 239 imputados a e2 com a orientação argumentativa da sentença. No fragmento, observamos expressões linguísticas representativas do discurso indireto, entre elas: os verbos dicendi (“afirmou que”, “revelou que”, “relatou que”, “confirmou que” e “resumiu que”). Tais expressões sinalizam o PDV do outro, bem como evidenciam o PDV afirmado de L1/E1 por coenunciação do PDV narrado imputado aos enunciadores segundos (mãe da vítima, irmã da vítima e testemunhas de defesa). Em 22, o acordo de L1/E1 em postura de coenunciaçao pode ser justificado pela seguinte asserção de L1/E1: “recorrer-se-á à prova testemunhal contida nos autos que, por sua vez, se prestará a evidenciar a conduta do denunciado [...]”. Esse trecho indica que os PDV que serão elencados por L1/E1 estarão em sincronia, coconstruindo, reforçando e guiando a orientação argumentativa em prol da condenação do réu, ou seja, para concluir e evidenciar a comprovação da conduta delituosa do réu. Destacamos que, nesse exemplo, identificamos o conector argumentativo “por sua vez”, que expressa contraponto em relação ao PDV imputado ao perito do exame de conjunção carnal, que não contribuiu para evidenciar a confirmação do crime. Constatamos PDV representado de e2 imputado ao laudo do exame é captado pelas expressões linguísticas de asserção (“há nos autos”, “não foi capaz de detectar”, “restou constatado”, “recorrer-se-á” e “se prestará a evidenciar”) que indicam a percepção/pensamento sob ótica de L1/E1. Portanto, consideramos que o PDV é um fenômeno dialógico. Então podemos afirmar que, ao atuarem na construção e direcionamento da orientação argumentativa, a argumentação é polifônica/dialógica. Desse modo, ratificamos os postulados rabatelianos que a polifonia é argumentativa, pois constatamos o sincretismo dos PDV no plano enunciativo-argumentativo e organização textual. Fragmento 23 [SJCEV3PTF] Por fim, há de se sobrelevar as próprias declarações da vítima, as quais mostraram-se totalmente coerentes, tanto em sede inquisitorial, quanto em juízo, as quais atestam não só a materialidade do crime, como também apontam o acusado como o autor da conduta delituosa em relevo, senão vejamos trechos do seu depoimento em juízo: “quando eu voltei pra casa meu padrasto (réu) tentou me abusar; (...) ele tentou; [...] tentando; (...) ele dizia que o que ele fazia não era pra contar pra ninguém, senão ele matava eu, meu tio, que ele dizia que era meu tio que fazia isso, minha irmã mais velha e minha mãe; (...) perguntada quantos anos tinha na primeira vez que o réu a abusou sexualmente, respondeu: tava com doze; (...) [...] (...) perguntada se foram quatro vezes que o réu a abusou, respondeu: é; (...) até hoje ele diz que foi meu tio, ele é inocente; ele diz que o culpado disso tudo é meu tio, só que meu tio é inocente, meu tio nem lá foi; (...) ele dizia que o que ele dissesse era pra mim confirmar;” 240 Desse modo, em consonância com a jurisprudência pátria, é de suma importância os esclarecimentos dos fatos prestados pelas vítimas, senão vejamos: “Em tema de crimes contra os costumes, que geralmente ocorrem às escondidas, as declarações da vítima constituem prova de grande importância, bastando, por si só, para alicerçar o decreto condenatório, mormente se tais declarações mostram-se plausíveis, coerentes e equilibradas, e com o apoio em indícios e circunstâncias recolhidas no processo.” (TJSC – JCAT 76/639). (grifei) [...] É mister destacar que a pior das violências é aquela praticada pelo indivíduo que goza de confiança da vítima e deveria protege-la. Sobre o assunto, a revista Veja, de circulação nacional, trouxe uma matéria especial de capa, onde informa o seguinte : "A família e a própria casa são a maior proteção que uma criança pode ter contra os perigos do mundo. É nesse ninho de amor, atenção e resguardo que ela ganha confiança para lançar-se sozinha, na idade adulta, à grande aventura da vida. Mas nem todas as crianças com família e quatro paredes sólidas em seu redor são felizes. Em vez de contarem com o amor de adultos responsáveis, elas sofrem estupros e carícias obscenas. Em lugar do cuidado que a sua fragilidade física e emocional requer, elas são confrontadas com surras e violência psicológica para que fiquem caladas e continuem a ser violadas por seus algozes impunes. No vasto cardápio de vilezas que um ser humano é capaz de perpetrar contra um semelhante, o abuso sexual de meninas e meninos é dos mais abjetos – em especial quando é cometido por familiares. Para nosso horror, essa é uma situação mais comum do que a imaginação ousa conceber. Estima-se que, no Brasil, a cada dia, 165 crianças ou adolescentes sejam vítimas de abuso sexual. A esmagadora maioria deles, dentro de seus lares." (grifei) (Edição nº 2.105, de 25/03/09, pág. 82) A mesma reportagem da revista Veja menciona, às fls. 86, o depoimento de uma adolescente da cidade de Vitória/ES, abusada pelo padrasto dos 9 aos 13 anos de idade, onde se verifica o estrago que a violência sexual é capaz de fazer na alma de uma pessoa. Nesse excerto [23 SJCEV3PTF], visualizarmos um encadeamento de PDV imputados a e2 em postura de sobrenunciação, em um plano argumentativo hierarquizado, sob a gestão de L1/E1. Trata-se de uma postura enunciativa com relações assimétricas postas na construção textual do PDV, pois constatamos a sobrenunciação do PDV da vítima, ratificada por meio do PDV imputado à jurisprudência em favor da OrArg de L1/E1. É possível depreendermos, no contexto linguístico, o PDV da vítima subordinado ao PDV da jurisprudência, pois L1/E1 valora, no escopo do livre convencimento jurídico, na tessitura linguística, o dito da vítima a partir da validação e da credibilização da jurisprudência que emite juízo de valor sobre a asserção da informação do relato da vítima (da voz da vítima), tendo como fonte do conteúdo proposicional o Tribunal de Justiça. A asserção e a assunção da Responsabilidade enunciativa foram sinalizadas por meio de recursos linguísticos indicadores de hierarquização de PDV realizada por L1/E1. Tal mecanismo é relevante na construção textual-argumentativa da sentença, pois revela que o PDV de L1/E1 é afirmado, coenunciado e coconstruído a partir dos PDV imputados aos enunciadores segundos que ora podem estar em postura de sobrenunciação ou de subenunciação na tessitura enunciativo-argumentativa. 241 A recorrência do movimento de imputação e posicionamento de acordo revela um propósito argumentativo, pois verificamos que L1/E1 argumenta evocando os enunciadores segundos em sincretismo com seu PDV, visando dar autoridade, credibilidade e sustentação à argumentação, por isso hierarquiza determinados enunciadores segundos em favor de sua OrArg. Cumpre notar que através das expressões linguísticas visualizamos o acordo de L1/E1 com os PDV imputados aos enunciadores segundos mobilizados e imbricados, conforme evidenciamos por meio das marcas de modalização “Há de sobrelevar”, “é de suma importância” e “é mister destacar”. Também visualizamos o PDV afirmado de L1/E1 em relação ao PDV narrado da vítima (e2), conforme ratificamos com a recorrência das formas verbais de representação do pensamento e percepção de L1/E1: “apontam”, “mostraram-se”, “atestam” e “vejamos”. Desse modo, assinalamos que o locutor-enunciador primeiro assume integralmente os PDV enunciados pelos e2 imputados à vítima, à jurisprudência (Tribunal de Justiça) e ao discurso jornalístico da Veja. L1/E1 revela engajamento com o dito dos enunciadores segundos supracitados. Assim, acreditamos que o PDV defendido por L1/E1 encontra-se sob a influência explícita dos enunciadores segundos com os quais coenuncia. Neste caso, indica a relação do discurso de outrem (e2) como suporte ao PDV afirmado de L1/E1. Em outras palavras, evidencia o sincretismo argumentativo entre os pontos de vista, assim como a construção dialógica do PDV afirmado de L1/E1 que recebe influência dos PDV de enunciadores segundos em sintonia e simetria argumentativa (CORTEZ, 2013). Tal influência indica que o PDV afirmado é coenunciado e imbricado ao PDV de e2, já que os enunciadores estão em postura enunciativa de coenunciação, dando credibilidade e enriquecendo a força persuasiva da orientação argumentativa de L1/E1. É nesse sentido que podemos ver L1/E1 concorda com o dito das informações relatadas por e2, evidenciando o seu engajamento e a consistência de sua argumentação, utilizando as estratégias de imputação para dar autoridade na sustentação do seu próprio dizer. No exemplo (23), ainda observamos um desacordo explícito entre o PDV da vítima e o PDV do réu, em defesa da inocência do tio (considerado pela vítima inocente). O fragmento em questão revela o PDV narrado da vítima, introduzido por meio de trechos literais de seu depoimento e demarcados com marcas tipográficas (itálico, aspas, dois pontos). Consta ainda, no recorte textual, que a vítima apresenta e narra o PDV do réu de forma representada e sob sua ótica. 242 Este fragmento em análise é um exemplo também do modo como L1/E1 se posiciona e justifica sua decisão, orientando argumentativamente o texto, gerenciando e dirigindo a interpretação a partir do que defende e julga ser verdadeiro, bem como dando credibilidade ao seu dito em prol do efeito de sentido pretendido na arquitetura argumentativa. Ressaltamos ainda que o julgador revela linguisticamente seus princípios e posicionamentos ideológicos, morais e sociais, quando apresenta sua intuição moral de que é mais grave a ofensa de um familiar de laço de sangue. Fragmento 24 [SJCEV3PTF] A avaliação psicológica da vítima foi conclusiva no sentido de que a vítima foi abusada sexualmente pelo réu (fls. 161/163), senão vejamos trechos da conclusão dos peritos: "pode-se dizer que os dados levantados, principalmente os discursos das vítimas, mostram-se com boa credibilidade, sugerindo que os fatos possam ter ocorrido assim como foram descritos. Os dados de observação clínica das periciadas, suas histórias e dados de testagem compõem indicadores sugestivos de que as mesmas foram vítimas de violência física e sexual." Desta forma, restam incontestes a autoria e materialidade do delito objeto da denúncia. No exemplo 24 [SJCEV3PTF], assinalamos a “representação do discurso de outrem”, neste caso dos peritos que emitiram a avaliação psicológica da vítima. O dito dos peritos foi introduzido pelo verbo “vejamos”, sinal gráfico dois pontos (:), as aspas e o itálico. O conteúdo perceptivo do PDV afirmado de L1/E1 foi imputado aos peritos. L1/E1 evoca o parecer dos especialistas, mas compartilha, toma para si o dizer, assumindo também a co- responsabilidade enunciativa pelo dito em sua orientação argumentativa, marcada pelo operador argumentativo “Desta forma”. Através desse recurso linguístico o PDV dos peritos entra na construção argumentativa sob a ótica de L1/E1. L1/E1 direciona seu PDV subordinado ao PDV dos peritos, pois é a avaliação psicológica que credibiliza e valida o conteúdo proposicional. O PDV afirmado de L1/E1 é representado a partir do julgamento e apreensão perceptiva da informação com base no PDV dos especialistas da área de psicologia (e2). Cumpre dizer que L1/E1 cria sincretismo e simetria em relação ao PDV de e2, ou seja, tanto o PDV de L1/E1 quanto o de e2 estão em consonância na argumentação, porque L1/E1 partilha do PDV dos peritos, marcando que chegou à conclusão de que ocorreu a materialidade do delito, pois o parecer concluiu que a vítima foi abusada sexualmente. Assim, L1/E1 assinala PDV imputado a um enunciador segundo (e2) que atua como coenunciador na coconstrução da orientação argumentativa de um PDV em comum. Desse modo, L1/E1 e e2 estão em postura de coenunciação pela construção de um PDV que direciona a conclusão que 243 o réu será condenado, já que “restam incontestes a autoria e materialidade do delito”, ou seja, não é possível contestar a veracidade. L1/E1 reforça seu dito com base no parecer dos peritos. Fragmento 25 [SJCEV3PTD] III – DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva do Estado, materializada na denúncia ofertada pelo Ministério Público, em face do que CONDENO, nos termos do artigo 387 e seguintes do Código de Processo Penal, o acusado XXXX., nos autos qualificado, como incurso nas penas do artigo 217-A c/c arts. 71 e 226, II, todos do Código Penal. É oportuno esclarecer que, ao contrário do Ministério Público, entendo ter o réu cometido um só crime, sendo continuado, mesmo tendo a primeira conduta acontecido mais de trinta dias antes das demais condutas, eis que ocorreram todas da mesma forma, no mesmo local, da mesma maneira de execução e outras semelhanças. Esse trecho textual sinaliza a presença da primeira pessoa desinencial do verbo julgar e condenar (“julgo” e “condeno”) em um fragmento textual assertivo no presente do indicativo. Constatamos que L1/E1 assume a responsabilidade pelo enunciado, marca sua inserção, enquanto fonte do conteúdo proposicional, atestando sua decisão, respaldada pelos PDV atribuídos aos enunciadores segundos que estão em postura de coenunciação. Identificamos a fonte enunciativa do PDV é L1/E1 (o jurista), que, logo no início da seção do Dispositivo, anuncia o julgamento favorável à condenação do réu, fazendo isso por meio das formas verbais em primeira pessoa “julgo” e “condeno”. Percebemos que L1/E1, o juiz, assume a responsabilidade pelo dizer e faz valer o poder que lhe é conferido institucionalmente, enunciando atos performativos de linguagem. No exemplo, observamos ainda a ocorrência de posicionamento de acordo parcial entre L1/E1 e o PDV do Ministério Público, pois, inicialmente, L1/E1 coenuncia afirmando que seu julgamento se encontra amparado na denúncia ofertada pelo Ministério Público, como também no Código Penal. Mas, em (25), posteriormente, vemos o fragmento textual “É oportuno esclarecer que, ao contrário do Ministério Público, entendo[...]”. Tal recorte revela um desacordo de L1/E1 com o PDV do Ministério Público, atestado pelas expressões “ao contrário” e “entendo”. A expressão “ao contrário” marca linguisticamente o desacordo. Há uma dissimetria na argumentação de L1/E1, ou seja, rejeita parcialmente o PDV do MP na orientação argumentativa. Nesse trecho, vemos as posições de L1/E1 materializadas no texto/discurso, em que ele refuta PDV e defende os que lhe parecem adequados, sendo isso em função de um argumento central assumido na sentença em prol da condenação do réu. Com isso, o juiz revela seu acordo com o PDV da instância Código Penal, como 244 também compartilha PDV de enunciadores segundos (Código Penal e Ministério Público) e emite posicionamento de acordo parcial com o PDV do Ministério Público. Assim, sinalizamos a ocorrência de coenunciação, uma vez que o juiz concorda com o dito dessas instâncias e reforça sua argumentação. Constatamos que L1/E1 assume a responsabilidade pelo conteúdo proposicional, bem como revela o seu acordo com as demais instâncias enunciativas, fontes do dizer, dentre elas, o Ministério Público e a legislação (Código Penal). Ou seja, através de dispositivos enunciativos e/ou linguísticos de acordo/coenunciação, bem como de sobrenunciação no âmbito do fenômeno da assunção da responsabilidade enunciativa, o juiz demarca seu PDV e ancora sua decisão também nos ditos imputados à l2/e2 e e2 (enunciadores da narrativa e da denúncia), respaldando-se na norma jurídica para sustentar seu dito institucionalmente, visando condenar. Vimos que L1/E1 ancora o seu dito no discurso legal, pois se vale da norma para validar seu discurso, como também assume a RE, ao mesmo tempo em que se distancia de alguns l2/e2 e dos PDV imputados a eles, no caso, as testemunhas de defesa do réu e da defesa. Portanto, esse fragmento coloca em evidência a função argumentativa do gerenciamento das vozes e dos posicionamentos enunciativos de L1/E1 frente ao dito de outrem, locutores/enunciadores segundos (l2/e2). Exemplos da SJCEV4 Fragmento 26 [SJCEV4PTF] Neste diapasão, contemplando a prova testemunhal colecionada nos autos (CD na contra-capa dos autos), enxerga-se a comprovação da materialidade delitiva, ou seja, os relatos que a compõem são diretos e substanciosos, aptos para a demonstração da existência do delito. A mãe da vítima afirmou, em juízo, que sua filha XXXX presenciou o réu abusando sexualmente a vítima,[...]. Revelou que a vítima nunca teve experiências [...], era bem criança, e percebeu sua mudança de comportamento [...]. Afirmou que conviveu maritalmente com o réu por quatro meses, mas se separou após o crime. A irmã da vítima afirmou, em juízo, que presenciou o réu,[...]. Revelou, ainda, que a vítima tinha comportamento normal de criança, mas percebeu mudanças após os abusos. O policial que efetuou a prisão do réu afirmou, em Juízo, que quando chegou no local do crime a mãe da vítima estava desesperada e confirmou que a irmã da vítima disse ter visto o réu abusando sexualmente sua irmã. Neste fragmento, constatamos que L1/E1 evoca o discurso reportado (discurso indireto) da mãe da vítima, da irmã e do policial, ao mesmo tempo em q ue imprime o seu 245 ponto de vista, tecendo comentários avaliativos, conforme atestamos pelas expressões: “diretos e substanciosos”, que emitem julgamento assertivo sobre o conteúdo proposicional do dito imputado aos enunciadores segundos. Chamamos a atenção para o uso das expressões linguísticas: “neste diapasão”, “enxerga-se”, “diretos e substanciosos”, “aptos”, verbos dicendi “afirmou”, “revelou”, “confirmou” que marcam o posicionamento de L1/E1. Em outras palavras, L1/E1 imputa a responsabilidade aos enunciadores segundos supracitados, mas, através de expressões linguísticas, também revela um PDV afirmado, coconstruído e coenunciado. Verificamos as expressões de modalidade avaliativa, vistas enquanto marcas linguístico-textuais que revelam a tomada de posição de L1/E1 frente aos PDV por ele enunciados. Tais marcas textuais são reveladoras do posicionamento do juiz que sinalizam a orientação argumentativa da prolatação da sentença. Assinalamos no trecho o PDV de L1/E1 representado e afirmado, bem como identificamos uma postura de coenunciação, pois é notório o engajamento de L1/E1 que assume também a responsabilidade pelo dito compartilhando o PDV dos e2 evocados. Cabe destacar que o discurso indireto configura um PDV mediatizado, pois vemos que L1/E1 atribui a responsabilidade a outras fontes. Acreditamos que com isso o juiz busca amparar sua decisão em relatos empíricos, buscando se isentar da subjetividade, aparentando ilusoriamente a neutralidade a partir do emprego de mecanismos de não assunção da responsabilidade enunciativa, principalmente da mediação perceptiva atestada pela forma verbal “enxerga-se”. Podemos verificar a tentativa de “distanciamento” e “objetividade” por meio da expressão verbal indicadora de impessoalidade. L1/E1 busca se isentar, camuflando o validador das asserções. Do mesmo modo que em outros exemplos, vale destacar que o sincretismo do direcionamento argumentativo também é marcado por meio do conector coesivo de retomada "Neste diapasão”, que tem o sentido de “nessa mesma linha de pensamento", ou seja, no contexto linguístico podemos inferir que tem o sentido de “no mesmo direcionamento do dito das testemunhas” citadas. Asseveramos que, por trás dessa aparente objetividade do juiz, há laço de responsabilização (RABATEL, 2013) e engajamento com o dito em relação ao conteúdo proposicional de e2, pois a voz do juiz ressoa lexemas avaliativos que direcionam ao engajamento com o dito, isto é, L1/E1 assume e compartilha o PDV narrado e representado dos e2, para direcionar a condenação do réu, mobilizando, para tanto, estratégias linguístico- 246 textuais de “pseudoneutralidade”, ou seja, “pseudodistanciamento” (BERNARDINO, 2015; GOMES, 2014, RODRIGUES, 2010). Fragmento 27 [SJCEV4PTF] [...] Pela simples análise do tipo penal imputado, tem-se, nitidamente, delito que, muitas vezes, não deixa resultados passíveis de serem comprovados via prova material. É o caso dos autos, sobretudo porque o laudo de exame de conjunção carnal (fls. 91/92) constatou o hímen complacente da vítima, ou seja, capaz de tolerar a cópula vagínica sem romper-se. Logo, para que a materialidade delitiva reste devidamente comprovada, recorrer-se-á à prova testemunhal contida nos autos, que, por sua vez, se prestará a evidenciar a conduta do denunciado. [...] Neste fragmento, sinalizamos elementos que direcionam a orientação argumentativa a ser defendida e embasada por L1/E1, bem como um distanciamento do dito, conforme atestamos com o uso das expressões linguísticas: “tem-se”, “nitidamente”, como também os conectores que estabelecem relações semânticas e argumentativas em favor da tese defendida por L1/E1, entre elas: “sobretudo”, “porque”, “ou seja”, “logo”, para que” e “por sua vez”. Tais expressões marcam o posicionamento de L1/E1. Fragmento 28 [SJCEV4PTD] III.1. Análise das Circunstâncias Judiciais (art. 59, CP): a) Culpabilidade: é comum ao tipo penal, não podendo ser valorada desfavoravelmente; b) antecedentes: favoráveis ao réu, pois inexistem feitos criminais em seu desfavor, além deste, como bem evidencia a certidão de fl. 30; c) conduta social: favorável, pois não há informações de fatos anteriores que sirvam para desabonar a sua conduta junto à comunidade em que vive; d) personalidade: não há como valorar, tendo em vista que não há nos autos exame específico, elaborado por psiquiatra, capaz de esclarecer a personalidade do réu; e) motivos: como motivo afere- se a intenção de satisfazer sua lascívia, inerente ao tipo penal em análise, não podendo, assim, ser desfavorável ao acusado; [...] Estes fragmentos atestam a relevância do mediativo por meio de expressões indicadoras da mediação perceptiva na construção argumentativa, pois, verificamos que no plano de texto da dosimetria da pena, L1/E1 se baseia em fontes enunciativas de credibilidade no âmbito do processo, entre elas: certidões, exames, laudos de peritos etc. Observamos que L1/E1 evidencia que se não existe fontes e nem informações relatadas confiáveis nos autos, ele não emite posicionamento favorável para aumento da pena, pois faz-se necessário recorrer a outras provas, a outras instâncias enunciativas. Nesse sentido, merece destacar ainda as expressões como “não há informações de fatos”, “não há como valorar” e “como motivo 247 afere-se”. Tais marcas textuais revelam a percepção de L1/E1 sobre a análise dos autos que leva à construção da pena a ser cumprida pelo réu. Observamos que em decorrência da ausência de documentos e laudos baseados em fontes de credibilidade para atestar o posicionamento de L1/E1, o réu se beneficia, pois L1/E1 afirma que não pode ser desfavorável ao acusado, pois não tem subsídios que embasem, ou seja, que sejam capazes de comprovar as circunstâncias judiciais que direcionam ao aumento da pena. Daí decorre a relevância das fontes enunciativas e dos enunciadores segundos evocados na tessitura argumentativa. Em virtude disso, evidenciamos que o funcionamento da argumentação também é essencialmente polifônico (CORTEZ, 2003). Fragmento 29 [SJCEV4PTD] f) circunstâncias do crime: desfavoráveis ao acusado, pois abusou sua enteada, dentro de casa, sendo a vítima ainda criança, inocente em assuntos sexuais; g) Conseqüências (extra-penais): são desfavoráveis, posto que foram nefastas à vítima, além da violação à ordem legal e social, vez que causou transtornos psicológicos, bem como mudança de comportamento; h) comportamento da vítima: não contribuiu para a prática do delito, sendo portanto desfavorável ao réu. III.2. Da dosimetria da pena (art. 68, CP): pena-base: após observar as circunstâncias acima, fixo-lhe a pena base em 8 (oito) anos de reclusão, ou seja, o mínimo legal (art. 217-A do CP), por considerá-la necessária e suficiente à reprovação e prevenção do crime praticado; b) circunstâncias legais: não verifico a presença de atenuantes; quanto à agravante prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal, deixo de aplicá-la em virtude da incidência da causa de aumento especial disposta no art. 226, II, [...] não vislumbro qualquer causa de diminuição da pena; porém, reconheço a causa de aumento de pena encartada no artigo 71, caput, do Código Penal (crime continuado), eis que o réu praticou o mesmo crime por três vezes, em períodos próximos, no mesmo local, na mesma forma de execução e outras semelhanças, ressaltando que este Juízo segue a linha de estabelecer critério objetivo. Assim, verifico que o réu praticou o mesmo crime por três vezes, em razão do que procedo ao aumento de 1/6 (um sexto) da pena (mínimo legal), ou seja, 1 (um) ano e 4 (quatro) meses; recai, ainda, a causa de aumento de pena estipulada no artigo 226, inciso II, do Código Penal, uma vez que o réu era padrasto da vítima, em razão da qual procedo ao aumento de metade da pena, ou seja, 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses; d) pena definitiva: assim, fica a sua pena totalizada em 14 (quatorze) anos de reclusão, que torno concreta e definitiva; [...] III.3. Do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 33, CP): A pena privativa de liberdade deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado, conforme preceitua o artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, em estabelecimentos apropriados e determinados pelo Juízo das Execuções Penais competente. III.4. Da impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos: Em razão da pena privativa de liberdade – definitiva e concretamente – ter sido fixada para o condenado em quantum superior a quatro anos, resta impossibilitada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, conforme o artigo 44 do Código Penal. III.5. Da impossibilidade de suspensão condicional da pena: Deixo de aplicar o sursis ainda levando em consideração os motivos supramencionados (art. 77, incisos I, II e III, CP). III.6. Da impossibilidade do recurso em liberdade: Não autorizo o condenado a recorrer em liberdade, considerando que respondeu preso todo o processo, restando ainda presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva. 248 Esse fragmento evidencia o PDV afirmado de L1/E1 em postura de coenunciação com o PDV da legislação – e2 – (Código Penal e Lei 8.072/90) que é introduzido por meio de conectores que estabelecem relação de conformidade, entre eles o termo: “conforme”. Nesse recorte, há um conjunto de verbos na primeira pessoa do singular que atestam a coenunciação, tais como: “fixo”, “verifico”, “deixo”, “reconheço” e “autorizo”. Há nesse trecho também lexemas avaliativos que estão em consonância com a orientação argumentativa de L1/E1. No exemplo, é de se notar que L1/E1 avalia as condutas do comportamento do réu, de forma negativa, descrevendo-as e considerando-as “nefastas à vítima”, uma vez que concebe a prática do réu como uma conduta dolosa154 humana consciente. Observamos ainda expressões que manifestam explicitamente as impressões de L1/E1. Nesse sentido, salientamos as expressões lexicais avaliativas: “nefastas”, “inocente”, “necessária”, que são indicadoras de valoração sobre os enunciados no que diz respeito à personalidade e ações do réu e da vítima. Desse modo, ratificamos “o caráter indissociável de um conteúdo descritivo e de uma posição enunciativa que orienta argumentativamente” o enunciado (ADAM, 2011, p. 217). Além dessas expressões, destacamos as formas verbais em primeira pessoa do singular: “deixo”, “autorizo” e “fixo” que também marcam o engajamento de L1/E1, e, consequentemente, revelam a assunção da responsabilidade enunciativa, por meio de PDV afirmado, coenunciado, como podemos ver pela expressão indicadora de informação reportada e mediada: “conforme preceitua o artigo da lei”. Exemplos da SJCEV5 Fragmento 30 [SJCEV5PTR] O Representante do Ministério Público manteve integralmente os termos da denúncia , requerendo a condenação do acusado como incurso nas sanções do art. 217-A c/c arts. 71 e 226, II, todos do Código Penal. A assistente de acusação também requereu a condenação do réu, da mesma forma que o parquet. A Defesa, por sua vez, pediu a absolvição do denunciado, alegando, em suma, que não há provas suficientes para a condenação do acusado, invocando o princípio do in dubio pro reo (fls. 809/835). É o relatório. Passo a decidir. [...] 154 Crime doloso: quando o agente quis o resultado (teoria da vontade) ou assumiu o risco de produzi-lo (teoria do assentimento). (PEREIRA, 2012, p.83). 249 Nesse recorte textual, destacamos os pontos de vista narrados e representados imputados aos enunciadores segundos, instâncias enunciativas, ou seja, fontes do saber: Ministério Público, Código Penal, Assistente de Acusação e Defesa. Ressaltamos que o PDV imputado ao Ministério público se encontra em sincretismo argumentativo com o PDV da assistente de acusação, conforme atestamos pelo seguinte fragmento “da mesma forma que o parquet”. Sinalizamos o PDV representado do Ministério Público narrado sob a ótica de L1/E1 que introduz o PDV dessa instância enunciativa por meio de construções mediatizadas que revelam, nesse contexto linguístico específico, um distanciamento de L1/E1 em relação ao PDV do Ministério Público, como asseveramos por meio do recorte textual: “como incurso nas sanções do art. 217”. No fragmento 30, L1/E1 assinala uma dissimetria argumentativa entre os enunciadores segundos, revelando, linguisticamente, o desacordo entre o representante do Ministério público, a assistente de acusação e a defesa do réu, conforme atestamos pelas marcas: “Ministério Público manteve integralmente [...] requerendo a condenação do réu”, “a assistente de acusação também requereu a condenação”, já a “a defesa, por sua vez, pediu a absolvição do denunciado”. Fragmento 31 [SJCEV5PTF] [...]Neste contexto, inserem-se as declarações prestadas pelo denunciado em seu interrogatório judicial, ou seja, suas versões dos fatos sub judice. [...] Contudo, a vítima, sua mãe e psicólogas ouvidas em Juízo sustentam, em seus depoimentos (CD na contra-capa dos autos), de forma convincente, que o réu abusou sexualmente a vítima. Tem-se, pois, mais narrativas que harmoniosamente retratam os fatos sub judice, formando, até este momento, um todo coerente, indicativo de fortes provas da autoria delitiva do réu. Assim, ao final deste exame, o que se vislumbra é a afirmação da autoria delitiva, uma vez que existem elementos seguros e direcionados para a confirmação de que o denunciado, de fato, perpetrou o delito capitulado no art. 217-A, do Código Penal, tendo como vítima seu próprio filho. [...] Neste diapasão, contemplando a prova testemunhal colecionada nos autos (CD na contra-capa dos autos), bem como diversas avaliações psicológicas (fls. 16/17, 112/120, 723/724 e 758/785), enxerga- se a comprovação da materialidade delitiva, ou seja, os relatos que a compõem são diretos e substanciosos, aptos para a demonstração da existência do delito. A mãe da vítima afirmou, em juízo, que conhece o réu há mais de vinte anos, que eram amigos e daí teve algumas relações [...] com ele, sem convivência marital ou um relacionamento amoroso mais sério, resultando no nascimento da vítima. Que continuou a ter ótimo relacionamento com o réu, como amigos, inclusive saindo juntos com a namorada dele. Relatou que começou a perceber comportamentos estranhos do seu filho, [...]. Afirmou que não queria acreditar no abuso sexual, mas passou a não deixar mais o filho sair só com o réu, resultando em um processo judicial na Vara XXXX. O avô da vítima afirmou, em juízo, que soube dos abusos através de sua filha. Que passou a perceber atitudes [...] precoces de seu neto, [...]. Relatou que a vítima lhe contou que o réu [...]. Confirmou que 250 a mãe da vítima tinha ótimo relacionamento com o réu, seus familiares e sua namorada, inclusive de um frequentar a casa do outro. A psicóloga XXXX., que assistiu a vítima em torno de oito sessões, relatou, em seu depoimento em Juízo, que observou na vítima traços de que havia sofrido abuso sexual. A psicóloga do XXXX, XXXX., afirmou, em Juízo, que atendeu a vítima e teve certeza da ocorrência do abuso sexual, eis que a criança mostrou firmeza em detalhar os fatos, com gestos e palavras, de tal forma que não se pode atribuir a um possível induzimento. A testemunha XXXX, também psicóloga do XXXX, relatou em juízo não ter dúvida de que a vítima foi abusada sexualmente, uma vez que a criança detalhou, de forma espontânea, como ocorreram os abusos, senão vejamos trechos de seu depoimento judicial: "eu comecei a conversar com ele (vítima), pedindo que ele me contasse somente o que ele tinha visto e o que ele sabia; aí XXXX responde com total propriedade, sem titubear nenhum momento, sem demonstrar insegurança ou que aquilo estava planejado pra ser dito, e aí responde o que eu questionei sobre o abuso com total propriedade; então, assim, os indícios comportamentais, que eu já tinha visto[...]” A testemunha XXXX., psicóloga que acompanha a vítima, afirmou, em Juízo, que ouviu o pai e a mãe da vítima, cada um em quatro sessões, bem como a vítima uma vez por semana, há mais de uma ano, e concluiu que de fato ocorreu o abuso sexual, tendo a vítima relatado como os fatos ocorreram. Vejamos trechos de seu depoimento judicial: "ele desenhou a figura masculina maior, depois outro pequeno, ele disse que era o pai e era ele; [...]". A testemunha XXXX., psicóloga que acompanha a mãe da vítima há um ano, por indicação da juíza da Vara de XXXX, afirmou, em Juízo, que fez alguns testes com sua paciente e assevera que não há indícios da existência da síndrome de alienação parental, senão vejamos o que disse em Juízo : " XXXX é uma mãe que está em um processo traumático muito sério; ela chega pra mim com uma dúvida muito grande, como lidar com a situação, ela ainda tinha dúvidas se esse abuso podia ser interrompido espontaneamente, se esse pai podia ser acompanhado, e nisso ser curado; ela trouxe muita angústia, muita ansiedade, muito desespero no primeiro momento; aí eu comecei a fazer avaliação pra descartar ou comprovar a alienação parental, que era a pergunta que a juíza tinha me feito; (...) não há indícios de alienação parental; eu descarto totalmente porque num caso de alienação parental a primeira coisa que a gente observa é que o pai alienador não tem dúvida nenhuma de que aquilo é real, em que o que ele disse é verdade e que vai conseguir prejudicar o outro genitor; [...] A psicóloga da Vara de XXX, XXXX., afirmou, em Juízo, que acompanhou o caso por mais de um ano, ouvindo os pais, a criança, familiares, funcionários da escola onde a criança estudava, e concluiu não haver indícios do abuso sexual. Relatou que a criança não demonstrou rejeição pelo pai. Todavia, admitiu que a criança falou que tinha visto [...] O trecho do fragmento 37 [SJCEV5PTF] assinala, na dinâmica dialógica da construção textual do PDV, uma confluência simétrica entre o PDV de L1/E1 que se ancora em diferentes pontos de vista dos enunciadores segundos. Vemos que a dinâmica dos PDV é vista a partir do gerenciamento das vozes dos enunciadores segundos evocados por L1/E1 que entram em cena na orientação argumentativa. Os enunciadores segundos evocados contribuem para dar credibilidade à posição de L1/E1 assumida claramente no dispositivo da sentença. A 251 tese defendida por L1/E1 é ancorada coenunciativamente e reforçada pela confluência dos enunciadores segundos que conduzem a condenação do réu. Evidenciamos uma busca pela aparente objetividade por parte de L1/E1 quando introduz expressões indicadoras do mediativo e do PDV representando por meio de percepções, conforme atestamos com as expressões verbais reveladoras de impessoalidade: “inserem-se”, “tem-se” e “enxerga-se”. Defendemos que são estratégias linguístico-textuais de “pseudoneutralidade”, haja vista o posicionamento de acordo atestado pelos lexemas qualificadores, os quais demarcam o comprometimento com o PDV alheio, criando, assim, um laço de assunção de responsabilidade enunciativa por meio de dispositivos textuais, enunciativos e subjetivos que orientam argumentativamente o discurso jurídico da sentença. Observamos que L1/E1 adiciona por meio do conector “bem como” um PDV narrado pelas psicólogas, mas representado no dito de L1/E1 que afirma e coenuncia no seu plano argumentativo. Observamos que L1/E1 imputa a responsabilidade enunciativa às avaliações psicológicas (e2). Assinalamos uma estratégia de neutralidade, impessoalidade, atestada pela marca linguística verbal indicadora de percepção (“enxerga-se”). Mas, desvelada, no nível linguístico, a ilusória neutralidade, a partir das formas predicativas e avaliativas da asserção (“relatos diretos e substanciosos”), conforme atestamos no fragmento: “bem como diversas avaliações psicológicas [...], enxerga-se a comprovação da materialidade delitiva, ou seja, os relatos que a compõem são diretos e substanciosos, aptos para a demonstração da existência do delito”. No fragmento textual recortado, também destacamos o conector “neste diapasão” que mostra a harmonia e o sincretismo argumentativo dos PDV que serão evocados por L1/E1 a serviço de sua orientação argumentativa. Os PDV proferidos mostram-se sob o gerenciamento e a mediação de L1/E1. No processo de mediação, observamos que L1/E1 se distancia do PDV imputado ao réu, marcando linguisticamente seu desacordo e rejeição, por meio do operador “contudo”. Em seguida, introduz uma sequência de PDV imputados a diversos enunciadores que estão em simetria e sincretismo no seu plano textual-enunciativo e argumentativo. Vemos que o juiz controla os PDV afirmando e coenunciando com os PDV narrados pela mãe da vítima, pelo avô e pelas testemunhas psicólogas. L1/E1 cria um laço de responsabilidade marcando a assunção da responsabilidade enunciativa através de lexemas avaliativos (“mostrou firmeza”, “diretos”, “substanciosos”, “convincente”, “direcionados”, “de forma espontânea”, conectores (“contudo”, “para”), verbos dicendi (“sustentam”, “afirmou”, “relatou”, “confirmou”, “vejamos”) introdutores de discurso direto e indireto 252 delimitando as fronteiras entre o discurso citante e citado por meio de marcas tipográficas (aspas, dois pontos e o itálico). Nesse trecho em análise, identificamos, mais uma vez, um acordo entre o PDV de L1/E1 e dos e2, em favor do dito “argumentativamente orientado” (SANTOS et al 2016, p. 166), pois o juiz coenuncia, em favor da direção argumentativa. Cumpre mencionar que identificamos dois posicionamentos de desacordos no excerto em tela. Em primeiro lugar, trata-se do PDV do réu em relação ao PDV afirmado de L1/E1 e dos demais enunciadores segundos em sincretismo argumentativo, conforme já explicitamos. Em segundo lugar, apontamos o PDV da mãe, do avô e demais psicólogas em desacordo com o PDV imputado à psicóloga da Vara a qual “afirmou, em Juízo, que acompanhou o caso por mais de um ano, ouvindo os pais, a criança, familiares, funcionários da escola onde a criança estudava, e concluiu não haver indícios do abuso sexual. Relatou que a cr iança não demonstrou rejeição pelo pai [...]”. Vale destacar que algumas expressões linguístico-textuais identificadas nesse exemplo também foram encontradas em outros excertos em análise, com os mesmos propósitos na tessitura do plano enunciativo-argumentativo. Fragmento 32 [SJCEV5PTF] De acordo com o que restou apurado nos autos, não se verificou motivos para a vítima e sua genitora imputarem falso crime ao réu, eis que sempre tiveram boa relação. Quanto à afirmação da Defesa, de que a genitora da vítima estaria inventando os fatos para se redimir, inconscientemente, de um abuso sexual sofrido por seu filho mais velho, em que não tomou providências, não há provas nos autos que levem a esse entendimento, sobretudo porque esse filho só revelou a violência sexual sofrida quando já possuía vinte um anos de idade, mais de quinze anos depois dos fatos. Desta forma, restam incontestes a autoria e materialidade do delito objeto da denúncia. No fragmento 3, observamos que, na arquitetura textual-argumentativa e enunciativa, linguisticamente, L1/E1 retoma e rebate o posicionamento da defesa do réu, conforme assinalamos pelo recorte introduzido pelo conector introdutor de tópico: no seguinte fragmento: “quanto à afirmação da defesa”. Asseveramos que, por meio da construção mediatizada “de acordo com o que restou apurado nos autos”, L1/E1 marca o seu posicionamento de desacordo com o PDV da defesa do réu em relação à suposição de “falso crime”, já que a genitora da vítima poderia estar inventando. Sinalizamos ainda um PDV afirmado e representado de L1/E1 quando indica por meio de sua percepção que “não há provas nos autos que levem a esse entendimento, 253 sobretudo porque esse filho só revelou a violência sofrida quando já possuía vinte e um anos [...]”. No eixo enunciativo-argumentativo, observamos pistas textuais que direcionam a argumentação em prol da confirmação e conclusão de que o réu é autor da materialidade do delito, de acordo com a relação semântica do conector “desta forma”. Exemplos da SJCEV6 Fragmento 33 [SJCEV6PTF] O laudo de exame de conjunção carnal, nos autos (fls. 14/15), não pode comprovar a ocorrência do ato sexual, uma vez que constatou-se hímen complacente (capaz de tolerar a cópula sem romper-se) da vítima. Desta forma, para que a materialidade delitiva reste comprovada, recorrer-se-á à prova testemunhal contida nos autos que, por sua vez, se prestará a evidenciar a conduta do denunciado. No fragmento 33, verificamos um contraponto entre o PDV imputado ao laudo do exame de conjunção carnal em relação ao PDV atribuído à prova testemunhal, conforme atestamos pelo operador linguístico “por sua vez”. Identificamos também um PDV representado de L1/E1 marcado pelas expressões de percepção “constatou-se” e “se prestará a evidenciar”. Destacamos o operador argumentativo: “desta forma” que direciona a conclusão da argumentação defendida por L1/E1 em favor da comprovação da materialidade delitiva do réu. Tal operador argumentativo, marca acordo e postura de coenunciação de L1/E1 com relação aos PDV imputados à prova testemunhal contida nos autos. Desse modo, constatamos que L1/E1 afirma seu PDV e assume a Responsabilidade enunciativa compartilhada via imputação, coenunciando com o dito de outrem. Fragmento 34 [SJCEV6PTF] A mãe da vítima afirmou, em juízo, que, uma vez, um de seus filhos disse que o réu tinha colocado todos pra fora de casa, ficando sozinho com a vítima, e quando voltou pra casa viu a vítima chorando. Afirmou que o réu lhe ameaçou de matar caso denunciasse os abusos. Revelou ainda que depois dos sete anos a vítima mudou de comportamento, tornando-se uma criança triste. O irmão da vítima, XXXX., revelou, em juízo, que umas duas vezes o réu mandou todos os filhos saírem de casa e trancou a porta, ficando sozinho com a vítima, e depois que retornou à casa viu a vítima chorando. 254 No fragmento citado anteriormente (SJCEV6PTF), sinalizamos pontos de vista narrados por L1/E1, mas imputados aos enunciadores segundos, entre eles: mãe da vítima e o irmão da vítima. Os PDV atribuídos aos e2 foram introduzidos por discurso indireto, marcados linguisticamente pelas expressões verbais indicadoras de percepção e pensamentos: "afirmou que”, “revelou ainda que” e “revelou, em juízo, que”. Fragmento 35 [SJCEV6PTD] d) personalidade: favorável ao acusado, tendo em vista que não há nos autos exame específico, elaborado por psiquiatra, capaz de esclarecer a personalidade do réu; e) motivos e circunstâncias do crime: desfavoráveis ao acusado, pois como motivo afere-se a intenção de satisfazer sua lascívia, revelando qualidades morais falhas, carecedoras de reparação 155 ; f) Conseqüências (extra-penais): são desfavoráveis, posto que foram nefastas à vítima, além da violação à ordem legal e social, vez que causou transtornos psicológicos, como medo, humilhação e perturbações na vítima; g) comportamento da vítima: não contribuiu para a prática do delito, sendo portanto desfavorável ao réu. Nesse trecho, há também lexemas avaliativos que estão em consonância com a orientação argumentativa de L1/E1. No exemplo, é de se notar que L1/E1 avalia as condutas do comportamento do réu, de forma negativa, considerando-as “nefastas à vítima”, “qualidades morais falhas”, “carecedoras de reparação”. Tais pistas textuais evidenciam explicitamente o posicionamento de L1/E1. Nesse sentido, salientamos que as expressões lexicais avaliativas elencadas são indicadoras de valoração sobre os enunciados no que tange à personalidade e às ações do réu e da vítima. O posicionamento explícito de L1/E1 determina as questões da dosimetria da pena sendo favorável ou desfavorável ao réu, conforme o entendimento do juiz. Assim, mais uma vez, confirmamos “o caráter indissociável de um conteúdo descritivo e de uma posição enunciativa que orienta argumentativamente” o enunciado (ADAM, 2011, p. 217). Para resumir, o que foi dito no que tange ao gerenciamento e à construção textual dos PDV nas sentenças, apresentamos, a seguir, as esquematizações e os quadros sinóticos das análises. 155 No fragmento 35, constatamos que o juiz concorda e ressalta um valor moral. Ou seja, revela a subjetividade de julgador, bem como seus princípios e posicionamentos ideológicos, morais e sociais. 255 3.4 SÍNTESE DAS ANÁLISES 3.4.1 Esquematização do gerenciamento e posicionamentos enunciativos de (des)acordo e hierarquização dos conteúdos proposicionais dos PDV em favor da OrArg de L1/E1 3.4.1.1 Esquematização hierarquização dos PDV Em síntese, para visualização da interpretação sobre como se apresenta a postura enunciativa de L1/E1 em relação aos PDV evocados, bem como os imputados aos enunciadores segundos, nas sentenças condenatórias de crime contra a dignidade infanto- juvenil, a seguir, ilustramos as pirâmides gráficas e esquemáticas dos posicionamentos enunciativos de hierarquização dos conteúdos proposicionais dos PDV (vozes) da s sentenças analisadas em favor dos propósitos argumentativos: Figura 17 – A hierarquização das vozes e o acordo na orientação argumentativa da SJCEV1 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 256 Figura 18 – A hierarquização das vozes e o acordo na orientação argumentativa da SJCEV2 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa Figura 19 – A hierarquização das vozes e o acordo na orientação argumentativa da SJCEV3 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 257 Figura 20 – A hierarquização das vozes e o acordo na orientação argumentativa da SJCEV4 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa Figura 21 – A hierarquização das vozes e o acordo na orientação argumentativa da SJCEV5 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 258 Figura 22 – A hierarquização das vozes e o acordo na orientação argumentativa da SJCEV6 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa A sequência das figuras piramidais exemplificadas anteriormente ilustram o posicionamento enunciativo de L1/E1, o juiz, em relação aos conteúdos proposicionais dos PDV de enunciadores segundos (e2) mobilizados na tessitura textual e argumentativa, dentre eles, a voz da vítima, a voz do MP, a voz da jurisprudência, a voz da legislação, a voz das psicólogas, parecer do exame de conjunção carnal, testemunhas oculares de acusação, testemunhas de acusação, testemunhas de defesa do réu, STF, STJ e a Lei 8.072/90. Podemos considerar que, no campo do ordenamento jurídico, bem como no âmbito do livre convencimento jurídico do juiz, L1/E1, em prol da construção argumentativa para a condenação do réu, gerencia, evoca e se ancora nas vozes elencadas para condenar o réu, conforme exposto nas figuras e em nossas análises. Inferimos que através do livre convencimento L1/E1, o juiz, mobiliza e hierarquiza o PDV, conforme a orientação argumentativa e a força persuasiva do conteúdo proposicional dos PDV dos enunciadores segundos, marcando tal direcionamento linguisticamente, principalmente por meio de expressões modalizadoras apreciativas. Desse modo, considerando o ordenamento do arcabouço jurídico, bem como o livre convencimento do juiz no que tange à valoração, à apreciação e à hierarquização das provas dos PDV imputados aos enunciadores segundos em prol da OrArg de L1/E1, asseveramos que 259 para os princípios da legislação brasileira, não pode ter crime e nem pena sem previsão de lei, isto é, a lei penal afirma que não há crime sem lei anterior que o defina, por isso entendemos que o Código penal e a Lei 8.072/90 como argumentos relevantes na construção argumentativa, do mesmo modo que a hierarquização da voz da vítima e da jurisprudência. Essas conclusões são marcadas linguisticamente. Ademais, o juiz recorre à voz do Ministério Público que se baseia no Inquérito Policial, para condenar o réu, levando em conta também o PDV do STF e do STJ, instâncias superiores de força argumentativa no discurso judicial, para refutar pontos de vista imputados à defesa do réu. Verificamos ainda que L1/E1 mobiliza os laudos da psicóloga e do exame de conjunção carnal, voz da vítima valorada pela jurisprudência, vozes de testemunhas oculares e o dito do réu confesso, na dialética processual, para direcionar a formação de seu convencimento e de sua defesa de tese, apresentando seu convencimento, prolatando a condenação do réu, enquanto julgador, mostrando que a conduta delituosa é reprovada socialmente, visando assegurar através do dispositivo jurídico a dignidade da pessoa humana de crianças e adolescentes: a dignidade sexual. 3.4.1.2 Gerenciamento, sincronia e posicionamentos enunciativo-argumentativos dos PDV Em suma, para efeito de compreensão e para exemplificar a construção enunciativo- textual e argumentativa das sentenças em análise, apresentamos a seguir as figuras esquemáticas dos posicionamentos enunciativos de (des)acordo e distanciamento entre os conteúdos proposicionais dos PDV dos enunciadores segundos mobilizados por L1/E1 em favor dos propósitos argumentativos em prol da condenação do réu: A seguir, as figuras que exemplificam a construção do (des)acordo dos PDV na na OrArg das sentenças, considerando o gerenciamento, sincronia e posicionamentos enunciativo-argumentativos dos PDV. 260 Figura 23 – Construção do (des)acordo dos PDV na OrArg da SJCEV1 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa Figura 24 – Construção do (des)acordo dos PDV na OrArg da SJCEV2 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 261 Figura 25 – Construção do (des)acordo dos PDV na OrArg da SJCEV3 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa Figura 26 – Construção do (des)acordo dos PDV na OrArg da SJCEV4 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 262 Figura 27 – Construção do (des)acordo dos PDV na OrArg da SJCEV5 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa Figura 28 – Construção do (des)acordo dos PDV na OrArg da SJCEV6 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 263 A seguir, reproduzimos as figuras que demonstram esquematicamente como se processa a demonstração da manifestação do acordo por L1/E1, bem como a sincronia na organização textual-enunciativa, nas sentenças condenatórias de nosso corpus em análise, em favor da construção argumentativa. Figura 29 – Sincronia entre os PDV da OrArg da SJCEV1 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa Figura 30 – Sincronia entre os PDV da OrArg da SJCEV2 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 264 Figura 31 – Sincronia entre os PDV da OrArg da SJCEV3 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa Figura 32 – Sincronia entre os PDV da OrArg da SJCEV4 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 265 Figura 33 – Sincronia entre os PDV da OrArg da SJCEV5 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa Figura 34 – Sincronia entre os PDV da OrArg da SJCEV6 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa Pelas figuras, compreendemos que o juiz (L1/E1) gerencia os PDV e cria uma sincronia no âmbito do sincretismo polifônico entre as vozes a serviço da arquitetura argumentativa, direcionando o seu acordo que emerge de uma coconstrução enunciativa de 266 pontos de vista compartilhados que ele adere e assimila, no processo de coenunciação com os demais enunciadores em favor da condenação do réu. Vale ressaltar que sinalizamos L1/E1 em simetria enunciativa, convergindo em sincretismo argumentativo. Assim, a dimensão enunciativo-argumentativa é revelada também pelo sincretismo e pela correlação com as vozes que L1/E1 emite posicionamento de acordo. No que tange ao gerenciamento e ao posicionamento das vozes (PDV) nas sentenças, em prol da OrArg, visualizamos, esquematicamente, no sincretismo enunciativo, conforme a seguir: Figura 35 – O gerenciamento e os posicionamentos entre as vozes na SJCEV1 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 267 Figura 36 – O gerenciamento e os posicionamentos entre as vozes na SJCEV2 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 268 Figura 37 – O gerenciamento e os posicionamentos entre as vozes na SJCEV3 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 269 Figura 38 – O gerenciamento e os posicionamentos entre as vozes na SJCEV4 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 270 Figura 39 – O gerenciamento e os posicionamentos entre as vozes na SJCEV5 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa 271 Figura 40 – O gerenciamento e os posicionamentos entre as vozes na SJCEV6 Fonte: Elaboração própria baseada nos dados da pesquisa Nas figuras ilustradas, constatamos o gerenciamento, o sincretismo polifônico e os posicionamentos de acordo de L1/E1 frente aos conteúdos imputados aos enunciadores segundos no plano textual, enunciativo e argumentativo das sentenças analisadas. Como se pode observar, nos esquemas, L1/E1 assimila seu PDV aos pontos de vista evocados, na materialidade textual, e imputados a outros enunciadores (e2), marcando seu posicionamento enunciativo, concordando, engajando-se, sendo favorável ou se distanciando, desacordando, refutando, bem como pode manifestar neutralidade, como sinalizamos nos contextos de ocorrências dos quadros mediadores de mediação perceptiva. 272 Assinalamos também a presença de vozes dissentes na tessitura da construção do plano argumentativo, revelando os desacordos de L1/E1 no que diz respeito ao direcionamento da argumentação em prol da conclusão de sua tese. Verificamos que o juiz, que no plano enunciativo é L1/E1, exerce papel de relevo máximo no contexto argumentativo processual, pois tem o poder institucional de ser o gerenciador dos autos, bem como tem a função de solucionar a lide e por meio de atos performativos de linguagem tem o poder de transformar os estados do mundo externo, no caso, garante, na dialética processual, ser o réu condenado, preso, decretando a prisão e lançando o nome do réu no rol de culpados. Desse modo, notamos que todos os conteúdos proposicionais dos PDV são coorientados, aos quais se agregam e se mesclam, eventualmente, PDV integrados na linha argumentativa do enunciador principal, o gerenciador: L1/E1, em outras palavras “condão regulador” das vozes no fio condutor argumentativo. Em linhas gerais, percebemos que as pistas textuais e os posicionamentos enunciativos orientam o mapa e o percurso da arquitetura argumentativa de L1/E1 o qual constrói os argumentos por meio de estratégias linguísticas da construção textual do PDV destinadas à persuasão, utilizando mecanismos jurídicos, mas valorizando e fortalecendo, no seu plano argumentativo, as vozes favoráveis à tese que defende no plano de seu convencimento. Assim, concebemos o gerenciamento dos PDV como uma produtiva estratégia argumentativa, ou seja, um mecanismo linguístico de produção e tessitura do sujeito argumentante na sentença: o juiz, pois ele evoca as vozes, os PDV, como argumentos que direcionam a sua conclusão, isto é, transforma as vozes em argumentos. O gerenciamento trata-se de uma forma de L1/E1 defender sua tese com um percurso argumentativo eficiente, pois as vozes selecionadas e mobilizadas no seu projeto de dizer é o meio de fortalecer o raciocínio jurídico-argumentativo. Portanto, acreditamos que o conhecimento sobre as maneiras de tecer a textualidade, principalmente a coesão polifônica orientada em favor da argumentação jurídica é estratégia fundamental para os operadores do Direito. 273 3.4.2 Síntese dos e2 (fontes do saber) mobilizados e posicionamentos enunciativos em prol da OrArg de L1/E1 Quadro 19 – Síntese dos e2 mobilizados por L1/E1 para a OrArg Sentença Enunciadores segundos evocados em prol da OrArg de L1/E1 (em acordo L1/E1 + e2) Enunciadores segundos em desacordo na OrArg (L1/E1 x e2) Acordo parcial na OrArg Neutralidade/ Pseudo-neutraldiade SJCEV1 Ministério Público, Código de Processo Penal, Lei 8.072/90, Inquérito Po licial, Parecer psicológico, Vítima, Jurisprudência (TJRJ/SP/SC), Tias da vítima (Testemunhas de acusação). Réu Defesa do réu Testemunhas de defesa do réu Mãe da vítima SJCEV2 Ministério Público, Inquérito Policial, Código de Processo Penal, Réu confesso, Parecer do laudo do exame de conjunção carnal comprovando rotura do hímen, Mãe, avô, t io-avô (testemunha ocular), Vít ima e Jurisprudência (TJRJ/SP/SC), STF, STJ, Lei 8.072/90. Defesa do réu Ministério Público ø SJCEV3 Ministério Público, Inquérito Policial, Código de Processo Penal, Lei 8.072/90, Mãe (testemunha ocular), Vít ima, Irmã, Parecer psicológico, Jurisprudência (TJRJ/SP/SC), Revista Veja. Réu Defesa do réu Parecer do laudo de conjunção carnal (complacente/ não comprovou o crime) Ministério Público Testemunha de defesa ø SJCEV4 Ministério Público, Inquérito Policial, Código do Processo Penal, Lei 8.072/90, Vít ima, Jurisprudência (TJRJ/SP/SC), Revista Veja, Mãe, irmã (testemunha ocular), Po licial. Réu Defesa do réu Parecer do laudo de conjunção carnal (complacente/ não comprovou o crime) ø ø SJCEV5 Ministério Público,Inquérito Policial, Assistente de acusação, Mãe, Pareceres das psicólogas, Avô, Vítima, Jurisprudência (TJRJ/SP/SC), Revista Veja. Réu Defesa do réu Parecer da Psicóloga da Vara da Família ø Testemunha de defesa do réu (namorada), Testemunhas de defesa do réu 274 SJCEV6 Ministério Público, Inquérito Policial, Lei 8.072/90, Código do Processo Penal, Parecer psicológico, Mãe, Irmão da vít ima, Vít ima, Jurisprudência (TJRJ/SP/SC), STF. Réu Defesa do réu Parecer do laudo de conjunção carnal (complacente) ø ø Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa O quadro sinótico ilustrado acima apresenta a lista dos enunciadores segundos (e2) mobilizados por L1/E1 para a OrArg, bem como os posicionamentos, entre eles, o acordo, o desacordo e a pseudo-neutralidade e/ou neutralidade, revelados no plano textual enunciativo- argumentativo de L1/E1. É importante dizer que L1/E1, em favor do seu projeto argumentativo, mobiliza e gerencia vozes, como pontos de vista, marcando as atitudes enunciativas que corroboram a sua linha argumentativa desenvolvida, bem como conduzem à conclusão pretendida. Vale destacar que depreendemos que este quadro revela os grupos culturais que veiculam os valores sociais, ideológicos e jurídicos os quais foram aderidos pelo julgador. 3.4.3 Movimentos, tipos de PDV e posicionamentos enunciativos em contextos de imputação e assunção da RE 3.4.3.1 Movimentos enunciativos Quadro 20 – Quadro sinótico exemplificação de movimentos enunciativos CONTEXTOS DE MOVIMENTOS ENUNCIATIVOS DE ASSUNÇÃO E IMPUTAÇÃO Contextos de res ponsabilização (assunção da RE de L1/E1) Contextos de imputação do PDV a e2 (não-assunção da RE por L1/E1) Fragmentos de exemplificação Fragmento de exemplificação É oportuno esclarecer que, ao contrário do Ministério Público, entendo ter o réu cometido um só crime, sendo continuado, mes mo tendo a primeira conduta acontecido mais de trinta d ias antes das demais condutas, eis que ocorreram todas da mesma forma, no mes mo local, da mes ma maneira de execução e outras semelhanças (SJCEV3PTD). O Representante do Ministério Público manteve integralmente os termos da denúncia, requerendo a condenação do acusado como incurso nas sanções do art. 217-A c/c art. 226, II, do Código Penal, em concurso material com o mesmo crime do artigo 217-A c/c arts. 71 e 226, II, todos do Código Penal, em razão do tempo da primeira conduta para as duas últimas ter sido superior a trinta dias (SJCEV3PTR). Por fim, há de se sobrelevar as próprias declarações da vítima, as quais mostraram-se totalmente coerentes, tanto em sede inquisitorial, quanto em juízo, as quais atestam não só a materialidade do crime, como também apontam o acusado como o A Defesa, por sua vez, pediu a absolvição do acus ado, alegando, em suma, que nos autos não restaram comprovadas a autoria e a materialidade do delito (SJCEC6PTR). 275 autor da conduta delituosa em relevo (SJCEC4PTF). “[...] a vítima sustenta, de forma emocionada e convincente, em seu depoimento em juízo, que o réu cometeu o crime descrito na denúncia, tendo os depoimentos da mãe e irmão da v ítima corroborado com os relatos da vítima. Tem-se, pois, mais narrativas que harmoniosamente retratam os fatos sub judice, fo rmando, até este momento, um todo coerente, indicativo de fortes provas da autoria delit iva do réu. Assim, ao final deste exame, o que se vislumbra é a afirmação da autoria delit iva, uma vez que existem elementos seguros e direcionados para a confirmação de que o denunciado, de fato, perpetrou o delito capitulado no art. 217-A, do Código Penal, tendo como vít ima sua própria filha (SJCEV6PTF). A psicóloga XXXX, que assistiu a vítima em torno de oito sessões, relatou, em seu depoimento em Juízo, que observou na vítima t raços de que havia sofrido abuso sexual (SJCEC5PTF). Quanto ao pedido da defesa para que fosse aplicado o antigo artigo 213 do CP, por ser mais benéfico ao réu, deixo de fazê-lo porque trata-se de crime [...](SJCEV2PTD). As demais testemunhas de defesa se resumiram a falar da boa relação da vítima com o pai, o ra réu (SJCEC5PTF). Não autorizo o condenado a recorrer em liberdade, considerando que respondeu preso todo o processo, restando ainda presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva (SJCEC4PTD). A psicóloga da Vara de Família, XXXX, afirmou, em Juízo, que acompanhou o caso por mais de um ano, ouvindo os pais, a criança, familiares, funcionários da escola onde a criança estudava, e concluiu não haver indícios do abuso sexual. Relatou que a criança não demonstrou rejeição pelo pai. [...] (SJCEC5PTF). Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa Do quadro ilustrado, depreendemos que nos contextos de assunção da Responsabilidade enunciativa de L1/E1 verificamos marcas linguísticas como lexemas avaliativos, bem como conectores/operadores e verbos na primeira pessoa do singular que revelam o engajamento do juiz com o dito. Desse modo, notamos a ocorrência de PDV assertado por L1/E1. Nos fragmentos ilustrativos da assunção da RE, observamos as modalizações apreciativas pelas quais L1/E1 explicita sua adesão ao PDV narrado, bem como revela PDV assertado/afirmado, coenunciando e assumindo também a responsabilidade pelo dizer. Dessa maneira, as expressões valorativas são pistas linguísticas da atitude de L1/E1 na construção e defesa de sua orientação argumentativa, pois evidenciam o seu ponto de vista, sua visada argumentativa de forma explícita. No que diz respeito aos contextos de imputação, sinalizamos o discurso reportado por meio de construções mediatizadas introdutoras dos PDV via imputação aos enunciadores segundos (e2), principalmente por meio do recurso de modalização em discurso segundo, discurso indireto e indicadores de percepções (expressões verbais). 276 Por fim, cumpre destacar que observamos a ocorrência de PDV narrado, relatando os fatos ocorridos, bem como identificamos PDV representado a partir da presença de marcas linguísticas que atestam a percepção dos e2 frente ao conteúdo proposicional enunciado e imputado a outros enunciadores segundos revelados na tessitura do plano enunciativo- argumentativo. 3.4.3.2 Tipos de PDV, contextos de imputação de PDV a e2 e posturas e posicionamentos enunciativos assumidos por L1/E1 Em síntese, ilustramos a exemplificação dos tipos de PDV, posturas e posicionamentos enunciativos de L1/E1 em contexto de imputação ou assunção da RE. Para tanto, apresentamos os excertos, identificamos os enunciadores segundos evocados na materialidade textual, assinalamos as marcas, categorias linguísticas e os posicionamentos assumidos por L1/E1. Principais tipos de PDV, posturas e posicionamentos nos movimentos enunciativos identificados em nosso corpus. Quadro 21 – Principais tipos de PDV, posturas e posicionamentos enunciativos Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual Neste diapasão, contemplando a prova testemunhal colecionada nos autos (registro audiovisual em CD na contracapa dos autos), enxerga-se a comprovação da materialidade delitiva, ou seja, os relatos que a compõem são diretos e substanciosos, aptos para a demonstração da existência do delito. (SJCEV2F15 Testemunhas PDV afirmado Postura coenunciação + ø + Contemplando Enxerga-se Ou seja Diretos Substanciosos Conector Expressão verbal de percepção Lexemas avaliativos Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual Temos imputação do delito de estupro de vulnerável, capitulado no art. 217-A do Código Penal Código Penal PDV afirmado Postura Coenunciação + ø ø Expressão verbal (Temos) Capitulado no índice de pessoa/ Expressão Verbal Conector de conformidade 277 Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade de L1/E1 Marca Linguística Categoria linguístico-textual Cogita-se, também, a aplicação do art. 71, do Código Penal, crime continuado. A regra é bem simples. [...]. A conseqüência é, pois, a aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Por fim, saliente-se que o tipo penal em questão, estupro de vulnerável, é considerado crime hediondo, explicitamente elencado no rol da Lei 8.072/90. Código Penal Lei 8.072/90 PDV afirmado e representado Postura Coenunciação + ø + Expressão verbal: Cogita-se, saliente-se Conectores: pois, por fim Indicador de quadro mediativo/Mediação perceptiva Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual fixo-lhe a pena base em 8 (oito) anos de reclusão [...], por considerá-la necessária e suficiente à reprovação e prevenção do crime praticado; b) circunstâncias legais: verifico a presença da atenuante prevista no art. 65, III, "d", do CP (confissão espontânea), contudo não terá efeito em face da fixação da pena base no mínimo legal, conforme súmula 231 do STJ; Código Penal PDV afirmado Postura coenunciação + ø ø Verbos na primeira pessoa do singular: fixo, procedo, verifico, deixo, vislumbro Conectores /expressões de conformidade: Conforme, encartada no artigo, Estipulada no artigo, disposta no Prevista no. Conectores: assim, em virtude de, porém, uma vez que Expressões verbais/ índices de pessoa Operadores argumentativos/ conectores Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual [...] quanto à agravante prevista no art. 61, II, “e”, do Código Penal, deixo de aplicá-la em virtude da incidência da causa de aumento especial disposta no art. 226, II,[...], deixo de aplicá-la em virtude do tipo penal já fazer referência à idade da vítima, evitando Código Penal PDV afirmado Postura coenunciação + ø ø Verbos na primeira pessoa do singular: deixo, vislumbro, reconheço, procedo Conectores Expressões verbais / índices de pessoa Operadores argumentativos / conectores 278 assim o bis in idem, uma vez que a menoridade da vítima é circunstância elementar do crime; c) causas de aumento e de diminuição das penas: não vislumbro qualquer causa de diminuição da pena; porém, reconheço a causa de aumento de pena encartada no artigo 71, caput, do Código Penal (crime continuado), eis que o réu praticou o mesmo crime por várias vezes, em períodos próximos, no mesmo local, na mesma forma de execução e outras semelhanças, em razão da qual procedo ao aumento de 1/6 [..]; recai, ainda, a causa de aumento de pena estipulada no artigo 226, inciso II, do Código Penal, uma vez que o réu é pai da vítima, em razão da qual procedo ao aumento de metade da pena [...] /expressões de conformidade: encartada no artigo, Estipulada no artigo, disposta no Prevista no. Conectores: assim, em virtude de, porém, uma vez que Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual A denúncia foi recebida em 5 de dezembro de 2012, em face da observância dos seus requisitos legais, [...]. Foi apresentada defesa prévia em favor do réu [...]. Após requerimento ministerial, foi decretada a prisão preventiva do réu, visando à garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal [...]. Ministério Público PDV narrado Postura de co - enunciação ø ø + Em face da observância Indicador de quadro mediativo Fragmentos de exemplificaç ão de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual Contudo, a vítima, sua mãe e sua irmã sustentam, em seus depoimentos em juízo [...] , de forma convincente, que o réu abusou sexualmente a vítima, tendo, inclusive, a genitora presenciado o fato delituoso Vítima, Mãe, Irmã,Código Penal PDV relatado/ narrado Postura coenunciação + + ø Contudo Sustentam De forma convincente Harmoniosamente Tem-se Pois Assim Elementos seguros e direcionados Para Conectores Operadores argumentativos Verbos dicendi Modalidades (lexemas avaliativos) 279 [...]. Tem-se, pois, mais narrativas que harmoniosam ente retratam os fatos sub judice, formando, até este momento, um todo coerente, indicativo de fortes provas da autoria delitiva do réu. Assim, ao final deste exame, o que se vislumbra é a afirmação da autoria delitiva, uma vez que existem elementos seguros e direcionados para a confirmação de que o denunciado, de fato, perpetrou o delito capitulado no art. 217-A, do Código Penal, tendo como vítima sua enteada. Fragmentos de exemplificação de ocorrência e 2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico-textual Contudo, a vítima, sua mãe e sua irmã sustentam, em seus depoimentos em juízo (CD na contra-capa dos autos), de forma convincente e coerente, que o réu abusou sexualmente a vítima, tendo, inclusive, a última presenciado um dos fatos delituosos em análise. Vítima Mãe Irmã PDV narrado Postura de co - enunciação + + ø Contudo Verbo dicendi (sustentam) Inclusive Convicente e coerente Operador argumentativo Lexemas avaliativos Discurso indireto Fragmentos de exemplificação de ocorrência e 2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual A mãe da vítima afirmou, [...] que viu, pelo buraco da fechadura [...]. Revelou que o réu lhe ameaçou de morte se fosse preso e que já Mãe da vítima Irmã Testemunhas de defesa PDV narrado/ PDV afirmado Coenunciação (assunção da RE) + ø + Verbos dicendi + que (afirmou, revelou, relatou, contou,confirmou, resumiu) Discurso reportado (discurso indireto) 280 sofreu agressões dele. Relatou que sua outra filha também lhe contou ter sido abusada [...].A irmã da vítima confirmou, [...] que a vítima foi abusada [...]. Revelou que o réu também lhe abusou [...]. A testemunha de defesa se resumiu em falar da boa conduta [...]. Fragmentos de exemplificação de ocorrência e 2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual Desse modo, em consonância com a jurisprudência pátria, é de suma importância os esclarecimentos dos fatos prestados pelas vítimas, senão vejamos: “Em tema de crimes contra os costumes, que geralmente ocorrem às escondidas, as declarações da vítima constituem prova de grande importância, bastando, por si só, para alicerçar o decreto condenatório, mormente se tais declarações mostram- se plausíveis, coerentes e equilibradas, e com o apoio em indícios e circunstâncias recolhidas no processo.” (TJSC – JCAT 76/639). (grifei) Jurisprudência (Tribunais) PDV afirmado/ Coenunciação/ sobre-eunciação (hierarquização) + ø ø Desse modo Em consonância Senão vejamos É de suma importância Conector Indicador de quadro mediador Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva do Estado, materializada na denúncia ofertada pelo Ministério Público, em face do que CONDENO, nos termos do artigo 387 e seguintes do Código de Processo Penal, o acusado XXX., nos autos Ministério Púbico Código Penal PDV afirmado Postura coenunciação + ø ø Ante o exposto, Materializada na Ofertada pelo Verbos (julgo, condeno) Como incurso Conector de conformidade/ Indicador de quadro mediador/ Modalização em discurso segundo 281 qualificado, como incurso nas penas do artigo 217-A c/c arts. 71 e 226, II, todos do Código Penal. Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual É oportuno esclarecer que, ao contrário do Ministério Público, entendo ter o réu cometido um só crime, sendo continuado, mesmo tendo a primeira conduta acontecido mais de trinta dias antes das demais condutas, eis que ocorreram todas da mesma forma [...]. Ministério Pùblico PDV afirmado Postura de Subenunciação do PDV de e2 Postura de Sobrenunciação de L1/E1 ø + ø É oportuno esclarecer Entendo Ao contrário Modalidade Verbo Conector Locução adverbial Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual III.3. Do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 33, CP): A pena privativa de liberdade deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado, conforme preceitua o artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, em estabelecimentos apropriados e determinados pelo Juízo das Execuções Penais competente. III.4. Da impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos: Em razão da pena privativa de liberdade – definitiva e concretamente – ter sido fixada para o condenado em quantum superior a quatro anos, resta impossibilitada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, conforme o artigo 44 do Código Penal. III.5. Da impossibilidade de suspensão condicional da pena: Deixo de aplicar o sursis ainda levando em consideração os motivos supramencionados (art. 77, incisos I, II e III, CP). Código Penal e Lei 8.072/90 PDV afirmado Postura coenunciação + ø ø Conforme preceitua Deixo Levando em consideração Conector Expressão verbal Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual De acordo com o que restou apurado nos autos, não se verificou motivos para a vítima e sua genitora imputarem falso crime ao réu, eis que sempre tiveram boa relação. Quanto à afirmação da Defesa, de que a genitora da vítima estaria inventando os fatos para se Autos Vítima Genitora Defesa PDV afirmado Postura de coenunciação com o que foi apurado nos autos (e2) + + ø De acordo com Verificou Inconsistente Para Quanto à Sobretudo Esse Operador argumentativo Conector de conformidade Lexemas avaliativos 282 redimir, inconscientemente, de um abuso sexual sofrido por seu filho mais velho, em que não tomou providências, não há provas nos autos que levem a esse entendimento, sobretudo porque esse filho só revelou a violência sexual sofrida quando já possuía vinte um anos de idade, mais de quinze anos depois dos fatos. Desta forma, restam incontestes a autoria e materialidade do delito objeto da denúncia. entendimento Revelou Desta forma Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva do Estado, materializada na denúncia ofertada pelo Ministério Público, em face do que CONDENO, nos termos do artigo 387 e seguintes do Código de Processo Penal, o acusado XXXX., nos autos qualificado, como incurso nas penas do artigo 217-A c/c art. 71, ambos do Código Penal. Código Penal Ministério Público Defesa do réu STF PDV afirmado/assertado Postura de coenunciação + ø ø Ante o exposto Julgo Procedente Materializada na denúncia Em face do que Condeno Nos termos do Como incurso Conector Expressões verbais Indicador de quadro mediador/ modalização em discurso segundo Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual Quanto ao pedido da defesa para que fosse aplicado o antigo artigo 213 do CP, por ser mais benéfico ao réu, deixo de fazê-lo porque trata-se de crime continuado que, segundo os autos, perdurou até o início de 2010, época em que já estava vigente o art. 217-A do CP, introduzido pela Lei nº 12.015/09. A aplicação da lei vigente, mesmo sendo mais prejudicial ao réu, encontra guarida no entendimento do STF, refletido na súmula 711, senão vejamos: "A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado[...]." Defesa Código Penal Lei 12.015/09 STF Autos PDV afirmado Postura de Coenunciação de L1/E1 com STF Postura de subenunciação de e2 (defesa) + + ø Quanto ao Para que Deixo Porque Trata-se Segundo os autos Aspas Itálico Conector/ Operador Discurso reportado Indicador de quadro mediativo. Expressão verbal Fragmentos de exemplificação de ocorrência e 2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva do Estado, materializada na denúncia ofertada pelo Ministério Público, em face do que CONDENO, nos termos do artigo 387 e seguintes do Código de Processo Penal, o Ministério Pùblico Código Penal PDV afirmado/ assertado Postura de Coenunciação com MP e CP (e2) + ø ø Ante o exposto Julgo Materializada na denúncia Em face Condeno Nos termos Conector/ Indicadores de quadro mediador Expressões verbais 283 acusado XXXX., nos autos qualificado, como incurso nas penas do artigo 217-A c/c art. 71 [...]. Como incurso Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico-textual Neste contexto, inserem-se as declarações prestadas pelo denunciado em seu interrogatório judicial, ou seja, sua versão dos fatos sub judice. É patente a confissão de autoria apresentada pelo denunciado. Ademais, testemunhas e a vítima sustentam, [...], que o réu cometeu o crime [...], tendo inclusive uma testemunha ocular, t io-avô da vítima, que viu o réu praticando atos libidinosos com a vítima. Tem-se, pois, mais narrativas que harmoniosamente retratam [...], , um todo coerente, indicativo de fortes provas [...] Código Penal Testemunhas Tio-avô PDV afirmado assertado Postura de Coenunciação com as testemunhas de acusação e PDV do réu confesso + ø + Neste contexto Inserem-se Ou seja É patente Ademais Sustentam Inclusive Tem-se Harmoniosamente Retratam Todo coerente Fortes provas Autoria delitiva Assim Uma vez que Elementos seguros e direcionados De fato Capitulado no art. Conectores/ Operadores/ Indicadores de quadro mediador Expressões verbais Modalidades/lexemas avaliativos Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseu do-Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual Assim, ao final deste exame, o que se vislumbra é a afirmação da autoria delitiva, uma vez que existem elementos seguros e direcionados para a confirmação de que o denunciado, de fato, perpetrou o delito capitulado no art. 217-A, do Código Penal, tendo como vítima sua própria filha. Código Penal Testemunhas Tio-avô PDV afirmado/as sertado Postura de Coenunciaç ão com as testemunha s de acusação e PDV do réu confesso + ø + Neste contexto Inserem-se Ou seja É patente Ademais Sustentam Inclusive Tem-se Harmoniosam ente Retratam Todo coerente Fortes provas Autoria delitiva Assim Uma vez que Elementos Conectores/Operadores/ Indicadores de quadro mediador Expressões verbais Modalidades/lexemas avaliativos 284 Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacor do Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico-textual A mãe da vítima afirmou, em juízo, que seu pai lhe contou que a vítima vinha mantendo relações sexuais com o réu, pois os tios da depoente tinham visto os dois se lavando. O tio-avô da vítima revelou, em juízo, que viu o réu praticando atos libidinosos com a vítima [...]. Em outro dia, viu o réu e a vítima lavando as partes íntimas. O avô da vítima afirmou, em juízo, que o réu confessou que mantinha relações sexuais com a vítima desde quando ela tinha doze anos de idade. O próprio réu, em juízo, confessou o crime, afirmando que manteve relações sexuais com a vítima, sua filha, por duas vezes, [...]. Mãe Avô Tio- avô Réu PDV narrado Postura de Coenunciação + ø ø Verbos dicendi (afirmou/revelou/ confessou/contou) Discurso indireto/ reportado Mediativo/ Indicador de quadro mediador Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual Por fim, há de se sobrelevar as próprias declarações da vítima, as quais mostraram- se totalmente coerentes, tanto em sede inquisitorial, quanto em juízo, as quais atestam não só a materialidade do crime, como também apontam o acusado como o autor da conduta delituosa em relevo, senão vejamos Vítima PDV afirmado/assertado Postura de coenunciação/ hierarquização de PDV de e2 + ø ø Por fim, como, também. Há de se sobrelevar atestam, vejamos Aspas e itálico coerentes/conduta delituosa) Índices de pessoa (seu/ vejamos) Conector índice de pessoa Modalidade Expressões verbais Marcas tipográficas Lexemas avaliativos seguros e direcionados De fato Capitulado no art. 285 trechos do seu depoimento em juízo:“perguntada se o réu mantinha relações sexuais com ela, [...]” Fragmentos de exemplificação de ocorrência e2 Tipo de PDV e postura de L1/E1 Acordo Desacordo Neutralidade/Pseudo- Neutralidade Marca Linguística Categoria linguístico- textual Quanto ao pedido da defesa para que fosse aplicado o antigo artigo 213 do CP, por ser mais benéfico ao réu, deixo de fazê-lo porque trata-se de crime continuado que, segundo os depoimentos colhidos nos autos, perdurou até o segundo semestre de 2010, época em que já estava vigente o art. 217-A do CP, introduzido pela Lei nº 12.015/09. A aplicação da lei vigente, mesmo sendo mais prejudicial ao réu, encontra guarida no entendimento do STF, refletido na súmula 711, senão vejamos: "A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente [...]" Código Penal Lei 12.015/09 STF Depoimentos colhidos nos autos Defesa PDV afirmado Postura de coenunciação com PDV do STF e sobrenunciação com PDV da defesa (e2) + + ø Quanto ao Para que Deixo Porque Trata-se Segundo depoimentos No entendimento Introduzido pela Vejamos Conector/ Operador/ Indicadores de quadro mediativo Expressões verbais Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa Nos exemplos apresentados anteriormente, vimos, na teia dialógica do discurso, as fronteiras que distinguem e hierarquizam os pontos de vista, bem como os diferentes modos de apreensão e expressão de um PDV que estão marcados linguisticamente. Nessa perspectiva, reconhecemos que, na dimensão dialógica do ponto de vista, o locutor enunciador primeiro (L1/E1) coloca em cena diferentes pontos de vista de maneiras diferenciadas. Essa variação é em decorrência da interpretação de L1/E1 no que concerne à posição dos demais enunciadores segundos, em um plano linguístico-textual marcado por posicionamentos enunciativos de concordância, discordância e efeito de neutralidade, mas também pelas diferentes maneiras de assumir para si a responsabilidade ou imputá- la aos enunciadores segundos, de acordo com seus propósitos argumentativos. Na análise dos casos aqui apresentados, constatamos que os PDV entram na tessitura da arquitetura argumentativa sob a ótica de L1/E1 que evocam os enunciadores segundos (e2) para instaurar sua posição argumentativa, podendo, estrategicamente, marcar o u não distanciamento em relação ao dito dos demais enunciadores segundos. Desse modo, L1/E1 é o gerenciador do plano textual enunciativo-argumentativo, tem o PDV principal e os PDV coenunciados entram em consonância com sua orientação argumentativa. 286 Tendo em vista os elementos linguísticos que constam nos quadros decorrentes de nosso corpus, compreendemos ainda que a disjunção locutor vs enunciador reflete na construção textual do PDV, pois assumem posições diferenciadas. Ou seja, ao encarregar-se da representação e mobilização dos ditos de outrem, L1/E1 desempenha papel crucial na organização linguístico-textual e na expressão de saberes, pensamentos, percepções e falas que constituem o seu PDV e dos demais enunciadores que entram em simetria na construção argumentativa. Dessa maneira, L1/E1, o juiz, dirige o gerenciamento da apresentação dos objetos de discurso, a seleção dos argumentos e das informações e a hierarquização dos enunciadores em simetria ou em relações dissimétricas que entram em jogo na const rução textual-enunciativa dos PDV em prol das visadas argumentativas. Tais relações marcam o posicionamento de L1/E1 (juiz) frente ao conteúdo proposicional mobilizado e imputado a e2 e são desencadeadas a partir das posturas enunciativas. Vale destacar que, na sequência de fragmentos apresentados, há exemplos de marcas indicadoras de imputação de PDV, entre elas, ocorrências de discurso indireto, conforme observamos por meio das orações subordinadas: “A mãe da vítima, em juízo, afirmou que [...]”, “O tio-avô, em juízo, revelou que [...] viu o réu praticando”. Nos fragmentos, em destaque, também, evidenciamos recursos linguísticos de hierarquização de PDV, como expressões modalizadoras, entre elas “há de sobrelevar”, “é de suma importância”. Salientamos ainda a presença do operador “inclusive”, no seguinte fragmento: “[...] inclusive uma testemunha ocular, tio-avô da vítima, que viu o réu praticando atos libidinosos com a vítima [...]”. Nesse contexto linguístico, assinalamos que essa marca linguística coloca o PDV imputado ao tio-avô em uma escala argumentativa de força, pois trata-se de uma testemunha ocular que ganha força na construção argumentativa de L1/E1. Ratificamos, em nosso corpus, os postulados rabatelianos (RABATEL, 2009; 2015; 2016; CORTEZ, 2003, 2011, 2013) no que diz respeito às posturas enunciativas de sobrenunciação e subenunciação as quais revelam a construção de um PDV em relação dissimétrica, que pode estar superposto, caso da sobrenunciação, ou subordinado, caso da subenunciação. Pautados nos dados analisados, vale mencionar que mesmo em dissimetria, as posturas enunciativas podem desencadear, no plano textual-enunciativo e argumentativo, a coconstrução do PDV em prol de uma (co)conclusão da orientação argumentativa a serviço da condenação do réu. Nesse caso, tem-se a postura “coenunciação”, indicando uma simetria entre os enunciadores que assumem e compartilham um PDV em comum, assinalando a assunção da responsabilidade enunciativa, em maior ou menor grau revelada por L1/E1. 287 Cumpre notar que L1/E1 assume a postura de enunciador em relação ao PDV afirmado, mas também pode adotar postura oscilante em maior ou menor grau, como por exemplo, nos casos em que seu PDV fica em posição de sobrenunciador, expressando que seu PDV determina a orientação argumentativa em prol da conclusão, uma vez que para prolatar a decisão L1/E1 apresenta os PDV em consonância com sua orientação argumentativa, unindo e sincronizando as vozes que serviram para ancorar seu direcionamento argumentativo. Olhando de ângulo mais macro, foi bastante recorrente nas sentenças analisadas o uso dos seguintes verbos dicendi: “sustentar”; “afirmar”, “revelar”, “confirmar”, “relatar”, “resumir”. Essas expressões linguísticas foram utilizadas para introduzir o discurso relatado. Tais marcas também evidenciaram os posicionamentos de L1/E1 no contexto de imputação dos PDV a e2. A ocorrência desses verbos indicou a predominância do posicionamento de acordo. No que se refere às marcas de índices de pessoas, podem ser destacadas as seguintes ocorrências de verbos na primeira pessoa do singular: “julgo”, “rejeito”, “condeno”, “passo”, “fixo”, “deixo”, “verifico”, “autorizo”, “vislumbro”, “procedo”, “entendo” e “reconheço”. A enunciação em primeira pessoa do singular atesta para a assunção da responsabilidade enunciativa de L1/E, bem como atestam a linguagem de força performativa. Quanto à mobilização de expressões linguísticas de indicações de suporte de percepções e pensamentos relatados, chamamos a atenção para a ocorrência das seguintes formas verbais: “enxerga-se”, “mostraram-se”, “cogita-se” e “afere-se”. Essas ocorrências sinalizam a mediação perceptiva, a partir do campo de percepção e de interpretação de L1/E1 em relação aos conteúdos proposicionais das informações relatadas nos PDV. Assim, aludimos que o ato de enunciar exige do sujeito que se aproprie de conhecimentos linguísticos, discursivos e enunciativos que permitem interferências subjetivas no processo de construção do PDV, mesmo que não sejam tão perceptíveis e explícitas no universo textual. 3.4.4 Síntese de marcas e categorias textuais e enunciativas articuladas à OrArg A seguir, ilustramos o quadro sinótico dos elementos linguísticos indicadores de hierarquização do PDV imputado a e2 em prol da orientação argumentativa de L1/E1: 288 Quadro 22 – Marcas linguísticas indicadoras de hierarquização de PDV Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa No quadro sinótico, visualizamos expressões linguísticas que revelam comprometimento de L1/E1 sobre o conteúdo proposicional das asserções reportadas, bem como relatadas e imputadas aos enunciadores segundos evocados, sinalizando PDV assertados (afirmados) e a postura de coenunciador de L1/E1 frente às asserções dos e2. Portanto, constatamos as ocorrências de modalidades apreciativas que marcam o engajamento por parte de L1/E1, com julgamentos avaliativos e assinalam um dito orientado argumentativamente. Com isso, concluímos que a seleção lexical indicadora de modalidades apreciativas está a serviço do objetivo argumentativo, pois contribui para a construção do caminho argumentativo textual, isto é, estão em prol do projeto de dizer de L1/E1 que de lineia, desse modo, o fio argumentativo de sua decisão. Podemos assegurar que tais expressões modalizadoras são estratégias de que o operador do Direito pode lançar mão, por meio de combinações incontáveis em que a criatividade orienta a construção da argumentatividade, bem como reveladoras de mecanismos linguísticos de hierarquização de PDV. Nessa direção, destacamos também o operador argumentativo “inclusive” que consiste em uma expressão linguística indicadora de um argumento forte na orientação argumentativa de L/E1. Ademais, em resumo, as expressões linguísticas destacadas, no quadro, revelam o posicionamento de acordo total de L1/E1 em relação aos PDV imputados a e2. Verificamos que nas passagens de uso dessas expressões linguísticas os PDV imputados a e2 estavam em alta escala hierárquica na orientação argumentativa de L1/E1. Nas ocorrências, observamos que os pontos de vista foram imputados aos seguintes e2: jurisprudência, discurso jornalístico, legislação, voz da vítima e testemunha ocular do crime. Expressão linguística Categoria PDV HIERARQUIZADO Dout rina Jurisprudência Legislação Testemunhas oculares de acusação Vítima MP Parecer psicológico Exame de conjunção carnal Outras vozes (STF,V eja) etc) É de suma importância... Modalidade apreciativa ø + ø ø ø ø ø ø ø É mister destacar... Modalidade apreciativa ø ø ø ø ø ø ø ø x Saliente-se... Modalidade apreciativa ø ø + ø ø ø ø ø ø Há de sobrelevar as declarações... Modalidade apreciativa ø ø ø ø + ø ø ø ø Inclusive Operador argumentativo ø ø ø + ø ø ø ø ø 289 A seguir, apresentamos o quadro sinótico das ocorrências dos elementos linguísticos avaliativo-argumentativos indicadores de posicionamento de acordo, através da postura de coenunciação de L1/E1com PDV de e2, reveladores da assunção da RE por parte de L1/E1: Quadro 23 – Elementos linguísticos e avaliativos nos posicionamentos de L1/E1 Marca linguística Categoria Linguístico-textual (modalizadores/lexemas avaliativos/verbos) Categoria enunciativa Oc. de posicionamento de acordo com PDV de e2 (coenunciação) em prol da OrArg de L1/E1 e assunção da RE Harmoniosamente retratam Modalizador/Advérbio e expressão verbal + Coerentes Lexema avaliat ivo (adjetivo) + Fortes provas 156 Lexema avaliat ivo + Elementos seguros e direcionados Lexema avaliat ivo (adjetivo) + Relatos diretos e substanciosos Lexema avaliat ivo + Mostraram-se totalmente coerentes Verbo + Lexema avaliativo + Coerentes e convincentes Lexema avaliat ivo + De forma emocionada e convincente Lexema avaliat ivo + Nefastas Lexema avaliat ivo (adjetivo) + Tem-se nitidamente Modalizador/Verbo + Advérbio + Sustentam/ Afirmou/ Revelou/ Confessou/Confirmou Verbos dicendi diversos com teor opinativo de L1/E1 + Há de sobrelevar Modalizador de hierarquização na escala argumentativa + É de suma importância Modalizador de hierarquização na escala argumentativa + Rejeito/Condeno/Reconheço/Vislumbro/Deixo/ Autorizo/ Condeno/ Fixo Verbos com índice de primeira pessoa que marca o posicionamento de L1/E1 + Inconsistente Lexema avaliat ivo (adjetivo) que expressa indecisão, dúvida, infundado; sem fundamento. + Necessária e suficiente Lexemas avaliat ivos + Negrito Marca tipográfica de realce e destaque do PDV que L1/E1 concorda + Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa Nos quadros apresentados anteriormente, verificamos que, no processo de gerenciamento de pontos de vista, ocorre alta incidência de PDV afirmado de L1/E1, o que pode ser uma característica de nosso corpus, pois na maioria dos casos, o PDV dos enunciadores segundos é coenunciado e emerge de PDV narrados ou representados 156 Pares de substantivos são tidos como marca e trad ição linguística do discurso jurídico. 290 (manifestação de suas percepções/pensamentos e ações) evocados por L1/E1 na configuração de sua simetria da orientação argumentativa. Observamos ainda que a manifestação linguística dos PDV assumidos por L1/E1 oscila por meio do processo de coenunciação, ou seja, engajamento com o PDV de e2, acordo total ou parcial, ou de distanciamento total ou por meio da “pseudoneutralidade” em relação aos PDV imputados a enunciadores segundos. Nos contextos de representação do PDV afirmado de L1/E1 em coenunciação com e2, constatamos uma alta incidência de elementos modalizadores carregados de subjetividade, reveladoras dos posicionamentos de L1/E1 frente aos PDV narrados e representados de enunciadores segundos (e2) que entram na construção argumentativa como coenunciadores, conforme elencamos no quadro anteriormente ilustrado. Sobre o uso da marca tipográfica negrito, merece destacar que foi identificada em contexto de imputação de PDV a e2. Todavia, notamos que por meio dessa marca L1/E1 também revelava sua responsabilização compartilhada, destacando para o leitor o conteúdo proposicional que ele aderiu completamente. É nesse sentido que cumpre mencionar que os lexemas avaliativos elencados são indicadores da assunção da responsabilidade enunciativa, bem como explicitam o ponto de vista e a orientação argumentativa de L1/E1, uma vez que suas escolhas linguísticas orientam o enunciado para o estabelecimento dos sentidos pretendidos e determinados pelo gerenciador das vozes na organização textual, revelando também a adesão ao conteúdo proposicional dos pontos de vista atribuídos a outrem. Como vemos, no quadro sinótico, há diversas marcas linguísticas sinalizadoras da presença do outro no discurso, bem como expressões linguísticas reveladoras do grau de assunção da RE (com acordo total ou parcial) e engajamento de L1/E1 com o PDV alheio, pois, nas passagens em que estas ocorrências estavam organizadas na materialidade textual, observamos que L1/E1 assimila os pontos de vista de outrem no seu fio de dizer, manifestando explicitamente sua adesão, marcando responsabilização compartilhada, validando o PDV de outrem, colocando-o em sincretismo e na sintonia de sua orientação argumentativa, isto é, a serviço de um projeto de dizer argumentativamente orientado. 291 3.4.5 Indicadores de quadro mediativo e fontes do saber Quadro 24 – Quadro sinótico das marcas linguísticas de quadro mediativo Marcas linguísticas de identificação de quadro mediadores Indicador de mediação perceptiva Indicador de mediação epistêmica locuções conformativas Fonte do saber de imputação ou de postura de coenunciação da RE Cogita-se Inserem-se Tem-se Enxerga-se Afere-se Saliente-se Senão vejamos Constata-se Trata-se Como incurso Em face da observância Nas sanções... Tal como estipulado no artigo... Capitulado no Nos termos do... De acordo com Em consonância com... Conforme Segundo os autos... Como bem ev idencia... Devidamente amparado em Prevista no art. Encartada no art. Disposta no Conforme Estipulada no art. Levando em consideração Tal como estipulado Ministério Público Código de Processo Penal Réu STF STJ TJ Defesa Testemunhas de acusação Testemunhas de defesa Lei 8.072/90 Parecer do laudo do exame de conjunção carnal Parecer das psicólogas Caderno processual Nos autos Testemunhas Vít ima Revista Veja Fonte: Elaboração própria com base nos dados da pesquisa No quadro, interessa observar a ocorrência de verbos de percepção157, bem como construções linguísticas indicadoras de quadro mediativo (ADAM, 2011; GUENTCHÉVA, 1994, 1996, 2014), que direcionam a construção de PDV representados, revelando, dependendo do contexto linguístico, posicionamentos de neutralidade, de pseudo- distanciamento, de desengajamento, ou construções mediatizadas que indicam as fontes responsáveis pelo conteúdo proposicional, contribuindo para a inserção de argumentos de autoridade e força na construção da orientação argumentativa. No quadro, constatamos que foi bastante recorrente, nas sentenças analisadas, o uso das expressões linguísticas concebidas como indicadoras de quadro mediador que demarcam as fontes enunciativas do dito. Tais marcas, no contexto discursivo, revelam que o dito de outrem afeta diretamente o dito de L1/E1, pois entendemos que um dos efeitos de sentidos de se falar “segundo o outro”, é que o outro afeta o dizer, constituindo-se como fonte e 157 No âmbito do universal linguístico, os verbos indicadores de percepção revelam expansão metafórica e estados mentais. 292 responsável pelo PDV (AUTHIER, 2008; BERNARDINO, 2015, p. 139). Por conseguinte, a validação da asserção do conteúdo proposicional do PDV recai sobre e2, podendo, assim, isentar L1/E1 de se comprometer, tendo em vista que apenas seria responsável pela reformulação do dito do outro. Entretanto, em nossas análises, percebemos que L1/E1 imputa o PDV, mas, em alguns contextos da imputação, também compartilha da responsabilidade, acordando e se engajando, sendo, assim, corresponsável. Do ponto de vista enunciativo-argumentativo, outro ponto a destacar é que as expressões indicadoras de percepção e marcas de impessoalização são estratégias linguísticas de “afastamento do dito de outrem de forma mascarada”, aparentando uma ilusória objetividade, por meio de efeitos de impessoalização. Tais expressões são elementos de indícios de pseudoneutralidade, já que no contexto linguístico, verificamos que também são mecanismos marcados pela intencionalidade e estão a serviço da argumentação de L1/E1. Vale ressaltar que o uso dessas expressões se trata de uma estratégia textual-discursiva e enunciativo-argumentativa revelada por meio de recursos linguísticos adotados por L1/E1 para dar a sua arquitetura persuasiva uma “aparente neutralidade, imparcialidade e objetividade”. É interessante notar que os contextos linguísticos em que L1/E1 imputa o PDV a e2 não marcaram apenas ocorrência de não assunção da RE, haja vista que, de maneira macro, a postura de coenunciação foi recorrente e revelou o posicionamento de acordo, bem como o comprometimento e engajamento com o PDV alheio a serviço da orientação argumentativa do gerenciador das vozes de outrem. L1/E1 faz uso de construções linguísticas mediatizadas para introduzir PDV alheios em favor de seu projeto de dizer argumentativamente orientado. Assim, feitas essas considerações, podemos afirmar a predominância da ocorrência de postura de coenunciação reveladora de posicionamento de acordo e PDV assertado (afirmado) de L1/E1. Com base nos dados apresentados, acreditamos que, por meio desses recursos linguísticos, a RE incide sobre e2, via imputação, mas L1/E1 pode também revelar seu engajamento em relação aos PDV narrados por meio de informações relatadas, vistas, na tessitura argumentativa, como argumentos de autoridade para dar sustentação ao dizer de L1/E1, ou seja, as palavras alheias têm o propósito de dar força a orientação argumentativa assumida pelo juiz. Assim, no caminho persuasivo, as marcas indicadoras de quadro mediativo são estratégias linguísticas que são utilizadas para expor fatos de inferências e percepções, bem como fatos reportados, introduzindo, no eixo argumentativo, as vozes das Fontes do Direito, 293 ou seja, as fontes do saber, as instâncias que também validaram o conteúdo proposicional, estando também na origem do PDV anterior ao dizer de L1/E1, na fonte enunciativa dos conteúdos proposicionais, para dar sustentação e poder argumentativo ao veredicto do dispositivo. 3.4.6 Estratégias e expressões que marcam a RE em prol da OrArg 3.4.6.1 Conectores da OrArg e da (não) assunção da RE No quadro, a seguir, pontuamos os recursos linguísticos dos exemplares das sentenças do nosso corpus que marcam a orientação argumentativa, como também exprimem a (não) assunção da RE, estabelecendo relações semânticas. Quadro 25 – Os operadores e as relações de sentidos indicadoras de OrArg e de RE Expressões linguísticas Relações semânticas/funcionalidade Como incurso Em face da observância Nas sanções... Tal como estipulado no artigo... Capitulado no art. do CP Nos termos do... De acordo com Em consonância com... Conforme Segundo os autos... Como bem ev idencia... Devidamente amparado em... Prevista no art. Encartada no art. Disposta no Conforme Estipulada no art. Levando em consideração Tal como estipulado Materializada na Ofertada pelo Segundo depoimentos No entendimento Introduzido pela lei Encontra guarida no entendimento do Conformidade/ indicador de construção mediatizada/ indicador de quadro mediado/ introdutor de discurso de autoridade. Expressões marcadoras do MED característico do texto jurídico. Recurso de introdução de argumento de autoridade. Expressa relação de conexão entre duas orações em que se mostra a conformidade do conteúdo de uma oração com algo afirmado na outra. Neste diapasão 158 Na literatura jurídica é muito comum usar a expressão "nesse diapasão", "nesse mes mo diapasão" para significar "nessa mesma linha de pensamento", ou seja, que o autor a ser referido está "afinado" com o argumento que está sendo apresentado, seguindo a mes ma orientação. Em outras palavras, os pensamentos ou 158 DIAPASÃO. Disponível em: < https://www.significados.com.br/diapasao/>. Acesso 20 set. 2016. 294 posicionamentos são harmônicos, isto é, não divergem entre si. Na música, o diapasão é um pequeno instrumento utilizado para afinar vozes ou instrumentos, como o violão, em que as cordas são afinadas com base em um padrão relativo para todos os instrumentos a fim de que atuem em harmonia, seguindo uma tonalidade padrão. Na linguagem jurídica, o vocábulo, emprestado da música, assume sentido equivalente. Neste contexto Elemento com função coesiva anafórica (de retomada) no âmbito da contextualização temática (Locução adverbial locativa) Inclusive Operador que indica relação semântica de inclusão e argumento mais forte de uma escala a favor de uma determinada conclusão Bem como Como também Ademais Operadores que servem para acrescentar ideias, argumentos. Indicam soma de argumentos a favor de uma mes ma conclusão. Por fim Expressão que estabelece a relação de tempo (ordem, sequência sucessão, posterioridade). Desse modo Desta forma Exemplifica o que já foi expresso, com vistas a complementar ainda mais a argumentação. Estabelece relação de confirmação com o dito anterior. Assim Sendo assim Expressão que estabelece a relação de confirmação/justificação Ante o exposto Expressão no início do dispositivo. Forma linguística que marca o desfecho da sentença. Conector de retomada que serve para retomar o dito do que foi afirmado nas partes anteriores e sustentar a sentença. No direcionamento argumentativo corrobora para legitimar a força da instituição judicial. Retoma anaforicamente o conteúdo proposicional anteriormente citado que embasa a fundamentação do dispositivo para a ação ser julgada. Expressão frequentemente utilizada nos gêneros mais instituídos da prática jurídica. É uma construção fixa sempre reproduzida na sentença. Expressão de sumarização e encapsulamento de segmentos textuais no plano argumentativo da sentença Porém Contudo Todavia Estabelece relação pela qual se contrapõem enunciados de orientações argumentativas diferentes devendo prevalecer a do enunciado introduzido por mas (operador argumentativo). Expressa adversidade. Operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões contrárias. Por sua vez Estabelece relação de adversidade, bem como marca a entrada da voz de outrem, com valor de “por seu turno”. Ou seja Estabelece relação de especificação/exemplificação/ilustração/ reformulação/ precisão/ esclarecimento: relação em que o segundo enunciado particulariza e/ou exemplifica uma declaração mais geral apresentada. Pois Estabelece relação semântica de justificação, exp licação ou causa. Porque Estabelece relação semântica causa/explicação 295 Uma vez que Estabelece relação semântica de causalidade. Explicita a relação de causalidade expressa na conexão de duas orações. Em suma Estabelece relação semântica de sintetize , recapitu lação, redefinição. Desde que Estabelece relação semântica de concessão Sobretudo Estabelece relação semântica de prioridade ou relevância. Termo usado para dar ênfase ou destaque a algum fato ou ideia. Logo Estabelece relação semântica que introduz uma conclusão com relação a argumentos apresentados em enunciados anteriores. Para que Para A fim de Estabelece relação semântica de finalidade. Explicita o meio para atingir um fim expresso na outra. Trata-se de um conector que expressa um efeito visado, um propósito. Inclusive Estabelece relação semântica de inclusão. Também é um operador que indica argumento mais forte de uma escala a favor de uma determinada conclusão. Quanto ao Indica introdução de tópico. Expressões equivalentes: quanto a, em relação a, no que concerne a, com referência a, relat ivamente a Tendo em vista Trata-se de um conector que estabelece uma relação argumentativa com valor semântico de explicação ou justificativa. Portanto Introduz um enunciado de valor conclusivo em relação a atos de fala anteriores. Operadores que introduzem uma conclusão com relação a argumentos apresentados em enunciados anteriores . De fato Conector utilizado para fazer constatações ou para se admit ir um fato. É patente Expressão que indica certeza, evidência. Ao contrário Expressão (locução adverbial) indicadora de contraponto Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa baseado em Antunes (2010), Adam (2011), Lourenço (2015), Elias e Koch (2016) e Pinto (2010). Em nossas análises, vimos que ocorre, principalmente, nas partes do plano de texto da sentença, entre elas: relatório, fundamentação, dispositivo e em sua subdivisão, especificamente na dosimetria da pena, expressões indicadoras do MED. Verificamos expressões características do texto jurídico especializado, como por exemplo: “como incurso”, “ofertada pelo” etc. Tais expressões servem para dar entrada à voz da legislação enquanto fonte do Direito, objetivando validar as decisões de L1/E1. Ademais, no levantamento feito, em nossas análises, observamos, nas sentenças analisadas, a recorrência dos seguintes conectores enquanto indicadores de quadro mediadores 296 (construções mediatizadas): “Como incurso”, “Em face da observância”, “Nas sanções”, “Tal como estipulado no artigo”, “Capitulado no”, “Nos termos do”, “Em consonância com”, “Devidamente amparado em”, “Prevista no art”, “Encartada no art”, “Disposta no”, “Conforme” e “Tal como estipulado”. Em relação ao termo “Ante o exposto”, verificamos que é uma expressão bem característica do plano de texto do dispositivo no gênero em análise, pois foi recorrente nas sentenças analisadas. Tem a função de um termo anafórico que retoma o embasamento que sustenta a condenação do réu no dispositivo. Consideramos que é uma expressão que salienta o engajamento de L1/E1 na tessitura enunciativo-argumentativa, pois esse organizador permite articular o ponto de vista de L1/E1 com os dos demais enunciadores segundos evocados que estão em “sincretismo” e foram sincronizados no universo textual- argumentativo, ou seja, as vozes em harmonia com o direcionamento do juiz. Em decorrência disso, podemos concordar com Pinto (2010, p. 372), pois também observamos que “cada gênero, seleciona os seus próprios mecanismos de realização textual. Dependendo do gênero, podem ser mais ou menos padronizados, ou inovadores”. Outro aspecto que merece ressalva é que consideramos que a heterogeneidade enunciativa e a orientação argumentativa também são marcadas pelas expressões linguísticas explícitas que revelam o engajamento de L1/E1 em relação aos PDV alheios imputados a e2, bem como direcionam seus propósitos argumentativos. Na mesma direção, tais operadores são elementos de conexão, consoante Antunes (2005, p. 140). A autora aponta que é recurso coesivo que se opera pelo uso dos conectores, o qual desempenha a função de promover a sequencialização de diferentes porções do texto. Para a referida autora, a conexão é a relação semântica existente entre orações e segmentos do texto, obtida através de conectores que a sinalizam. Esses elementos cumprem a função de “indicar a orientação discursivo-argumentativa que o autor pretende emprestar a seu texto”. (ANTUNES, 2005, p. 143-144). Portanto, consoante Elias e Koch (2016, p. 64) e Adam (2011), ratificamos que os conectores/operadores argumentativos elencados no quadro acima são elementos linguísticos que permitem orientar os enunciados para determinadas conclusões e, por isso, são responsáveis também pela orientação argumentativa dos enunciados, considerando as relações semânticas estabelecidas. 297 CONCLUSÕES Considerando a análise e síntese das análises dos dados, apresentamos as conclusões de nossa pesquisa. Para tanto, retomamos as questões orientadoras da pesquisa, conforme transcrevemos a seguir, a fim de elencarmos também alguns desdobramentos advindos de nosso estudo: i) Como se apresenta o plano de texto do gênero judicial condenatória, com foco na estrutura composicional? ii) Como ocorre, no nível linguístico, os dispositivos enunciativos na construção textual-enunciativa do PDV e da (não) assunção da responsabilidade enunciativa de sentenças condenatórias de crimes contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes, considerando as marcas linguísticas e categorias textuais e enunciativas que revelam o (des)engajamento com o dito de outrem, mobilizadas por L1/E1?; iii) De que maneira as estratégias textuais e enunciativas, bem como expressões linguísticas podem vir a contribuir para a orientação argumentativa no gênero sentença judicial condenatória de crimes cometidos contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes (estupro de vulnerável)? e iv) Quais posicionamentos desencadeados pelas posturas enunciativas assumidas pelo L1/E1 (juiz) na gestão do gerenciamento e hierarquização dos conteúdos proposicionais dos pontos de vista (PDV) evocados por L1/E1 e imputados a enunciadores segundos (e2) a serviço da orientação argumentativa? Os resultados da investigação nos permitiram concluir que: O plano de texto das sentenças analisadas é convencional, pois se apresentou arquétipo com elementos obrigatórios e facultativos, considerando principalmente os elementos exigidos pela legislação brasileira. 298 A questão da relação dos dispositivos enunciativos da Responsabilidade Enunciativa concernentes à orientação argumentativa do discurso jurídico foi objeto de nosso estudo. Nesta tese, focalizamos os dispositivos enunciativos correlacionados na análise da organização linguístico-textual e argumentativa da dimensão enunciativa da sentença judicial condenatória de crime contra a dignidade sexual infanto-juvenil, tendo como quadro teórico a perspectiva da análise textual dos discursos complementada com noções de abordagem da linguística enunciativa. Esta tese aponta a confirmação da relação de interdependência entre RE e a OrArg, como elemento relevante na constituição da dimensão enunciativo-argumentativa da proposição-enunciado, bem como, revela a influência do gerenciamento e o sincretismo das vozes ligados diretamente à OrArg. Apresentamos as estratégias e as marcas linguístico-textuais de materialização da (não) assunção da responsabilidade enunciativa desse gênero com foco na dimensão enunciativa da argumentação, observando o gerenciamento e a hierarquização das vozes na construção da argumentação textual e discursiva. No corpus analisado, constatamos que as marcas linguísticas expressam a materialidade textual da RE, bem como evidenciam os diversos mecanismos enunciativo- argumentativos relacionados ao gerenciamento de PDV, aos tipos de PDV, às posturas e aos posicionamentos enunciativos de L1/E1. Os resultados obtidos sinalizam que há uma diversidade de estratégias para demarcar, no nível linguístico, a RE. Apontamos, ainda, em nossa análise que o juiz, locutor enunciador primeiro – L1/EI evoca o ponto de vista de enunciadores segundos (e2), assume a postura de coenunciador, aproximando e acordando com o dito de outrem, ou, ao contrário, promove o distanciamento em relação ao dito, considerando sua OrArg, pois, nem sempre, as marcas do mediativo levam ao distanciamento ou (des)acordo total, mas apenas uma forma que L1/EI cria, linguisticamente, para demarcar para seu interlocutor que o conteúdo proposicional do dito fora apreendido de outra fonte enunciativa e/ou outra instância enunciativa, visando direcionar a construção argumentativa por meio de recursos de autoridade ou de estratégias enunciativo-argumentativas “ilusórias” de uma pseudoneutraldiade, em busca da concretização da imparcialidade, da objetividade, da lisura e da credibilidade requeridas pela linguagem do discurso jurídico. Percebemos que os resultados da análise mostram dois movimentos realizados pelo juiz na gestão dos PdV (vozes): a imputação e a assunção no jogo polifônico da 299 responsabilidade enunciativa. A análise revela também que o gerenciamento das vozes e a hierarquização dos PDV são mecanismos argumentativos. Vale destacar que nos contextos de ocorrências de posicionamentos enunciativos no âmbito do fenômeno de (não) assunção da responsabilidade enunciativa no texto jurídico os mecanismos linguísticos e as marcas mais evocados por L1/E1 (o juiz) foram: o discurso indireto, o discurso direto, a modalização em discurso segundo/mediativo, as marcas tipográficas (aspas, itálico, negrito, sublinhado), os lexemas avaliativos (adjetivos), as formas verbais, as expressões modais (os advérbios, expressões de modalidades apreciativas) e os operadores argumentativos. O uso desses dispositivos textual-enunciativos e argumentativos, no gênero jurídico em análise, revela posturas enunciativas de L1/E1 em relação aos PDV de e2 que direcionam a construção argumentativa para a condenação do réu, a saber: o acordo, por meio da hierarquização, da coenunciação e da sobrenunciação de um PDV comum e partilhado por L1/E1 (concordância entre o PDV de L1/E1 e e2); o desacordo, por meio de dispositivos linguístico-enunciativos que refutam e/ou subenunciam o PDV de l2/e2, ou e2 e a pseudoneutralidade, por meio de estratégias de distanciamento e neutralidade, principalmente pelo uso do mediativo, especificamente da mediação perceptiva, revelando uma pseudoneutralidade de L1/E1 em relação ao PDV dos enunciadores segundos. Observamos indícios da hierarquização de PDV em favor da orientação argumentativa. Desse modo, notamos que as marcas linguísticas desempenham um papel fundamental para a sinalização da orientação argumentativa escolhida por L1/E1. Portanto, o gerenciamento de vozes configura-se, na dinâmica textual, como estratégia de forte teor argumentativo, motivado por um projeto de dizer voltado à persuasão e à produção de efeitos de sentido. Assim, diagnosticamos, com base nas análises, um conjunto significativo de diversas estratégias linguísticas que contribuem para a construção dos PDV de L1/E1. A análise revela um jogo dialógico de pontos de vista de diversas instâncias enunciativas, ou seja, de diferentes PDV e que a (não) assunção da responsabilidade enunciativa (a assunção, o engajamento com o dito, (des)acordo ou o distanciamento do ponto de vista) são estratégias linguístico-textuais fundamentais para a orientação argumentativa do texto. Em decorrência disso, podemos dizer que são mecanismos enunciativo-argumentativos em favor dos propósitos do jurista na decisão prolatada. Desse modo, concluímos que a sentença judicial condenatória é um discurso decisório do âmbito jurídico, portanto, argumentativo e persuasivo, pois, “[...] a própria motivação da 300 sentença representa uma tentativa, por parte do juiz, de convencer as partes e a sociedade do acerto de sua decisão”. (MENDONÇA, 2000, p. 3). Nessa direção, ao interpretar a lei, os juízes vão buscar decisões, instalando a sentença sob princípios ideológicos em que se articulam idéias, costumes e crenças que, em consenso com a exigência da vida moderna, visam a aplicar o Direito segundo as necessidades sociais, considerando as condições de produção do discurso jurídico. (SITYA, 2002, p.70). Nas sentenças analisadas, observamos que o juiz imputa o PDV a outras fontes e instâncias enunciativas, entre elas: a prova testemunhal, a avaliação psicológica, a fonte do direito (legislação e jurisprudência) e ao Ministério Público. Nos exemplos analisados, encontramos ocorrências de marcas de (não) responsabilidade enunciativa. Identificamos mais de uma marca linguística de (não) assunção da responsabilidade. Com isso, notamos que os PDV afirmados foram recorrentes nas sentenças, principalmente nos contextos de postura de coenunciação. Consideramos que os resultados apresentados, em nossas análises, nos convocam a refletir sobre a produção textual em contextos jurídicos, especialmente nos cursos de graduação de Direito. Na mesma direção de Bernardino (2015) e Lourenço (2013), acreditamos que o conceito de responsabilidade enunciativa pode ser muito útil ao professor, com foco no ensino de gêneros jurídicos, numa perspectiva que ajude o aluno a dominar as diversas estratégias textuais/discursivas necessárias para demarcar o diálogo com os discursos alheios – advindos das variadas fontes do Direito – em prol da construção argumentativa no texto jurídico, marcando seus posicionamentos a favor ou refutando teses apresentadas nas lides, petições e contestações, dentre outros. Assim, é nosso intento também que esta tese contribua com os estudos que buscam colaborar para o ensino da leitura e da produção de textos, especificamente os do campo de natureza jurídica, como também para a formação dos operadores do Direito. Logo, para uma melhor formação dos operadores do Direito, sugerimos a inclusão de disciplinas nos cursos de Direito que considerem as perspectivas linguísticas e as mais diversas estratégias textuais, discursivas e argumentativas dos gêneros da seara da esfera jurídica. Como contribuição, recomendamos que os manuais de Português jurídico apresentem as características do discurso jurídico, considerando os dispositivos enunciativos concernentes 301 à orientação argumentativa e à responsabilidade enunciativa no plano enunciativo- argumentativo. A nosso ver, acreditamos que o estudo das pistas textuais em favor da construção argumentativa merece um exame mais atento, no âmbito da área Penal, especificamente, na sentença judicial absolutória, pois as questões sinalizadoras em nossa análise no gênero sentença condenatória, podem se estender a esse outro tipo de sentença judicial, contribuindo para problematizar o processamento textual do texto jurídico, visando apresentar os procedimentos linguístico-textuais e argumentativos da sentença absolutória, por meio da construção do ponto de vista e da mediação dos diversos PDV, ora assumidos, ora remetidos a outras instâncias enunciativas, orientando argumentativamente o texto. Por fim, considerando ainda os desdobramentos deste trabalho, esperamos que esta tese contribua para o avanço dos estudos no âmbito da abordagem da ATD, especificamente, no que tange aos trabalhos sobre a descrição linguística da organização e funcionamento dos textos do universo discurso jurídico, pois defendemos que os estudos do texto e do discurso tem como propósitos no âmbito dos estudos da linguagem: contribuir para o conhecimento da linguagem e desenvolver a disciplina Linguística, bem como levar ao conhecimento, por meio dos discursos, da cultura e da sociedade, no caso brasileiras (BARROS, 2012). 302 REFERÊNCIAS ADAM, Jean-Michel. Quadro teórico de uma tipologia sequencial. In: BEZERRA, Benedito Gomes; BIASI-RODRIGUES, Bernadete; CAVALCANTE, Mônica Magalhães (Orgs.). Gêneros e seqüências textuais. Recife: Edupe, 2009, p. 115-132. ______. Por uma colaboração das ciências do estabelecimento dos textos (genética, filologia, tradução). 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