Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia A MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO INICIAL DO PEDAGOGO Vânia Aparecida Calado Natal 2019 Vânia Aparecida Calado A MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO INICIAL DO PEDAGOGO Tese elaborada sob orientação do Prof. Dr. Herculano Ricardo Campos e co-orientação da Prof.ª Dr.ª Cynara Teixeira Ribeiro e apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Psicologia. Natal 2019 i Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA Calado, Vania Aparecida. A medicalização na Educação e a formação inicial do pedagogo / Vania Aparecida Calado. - Natal, 2019. 413f.: il. color. Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós- Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019. Orientador: Prof. Dr. Herculano Ricardo Campos. Coorientador: Profa. Dra. Cynara Teixeira Ribeiro. 1. Medicalização na Educação - Tese. 2. Psicologia Histórico-Cultural - Tese. 3. Formação Inicial - Tese. 4. Pedagogia - Tese. I. Campos, Herculano Ricardo. II. Ribeiro, Cynara Teixeira. III. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.9 Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 ii Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia A tese A medicalização na Educação e a formação inicial do pedagogo, elaborada por Vânia Aparecida Calado, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial para obtenção de título de DOUTORA EM PSICOLOGIA. Natal-RN, xx de setembro de 2019. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Herculano Ricardo Campos ___________________________ Universidade Federal do Rio Grande do Norte Prof. Dr. Fauston Negreiros ___________________________ Universidade Federal do Piauí Prof.ª Dr.ª Silvana Calvo Tuleski ___________________________ Universidade Estadual de Maringá Prof. Dr. Júlio Ribeiro Soares ___________________________ Universidade Federal do Rio Grande do Norte Prof.ª Dr.ª Raquel Farias Diniz ___________________________ Universidade Federal do Rio Grande do Norte iii Eu dedico essa tese às pessoas que trabalham diariamente por uma Educação humanizada, democrática, inclusiva, sem fracasso escolar, com docentes valorizados, estudantes participativos, que promova a apropriação do conhecimento por meio da reflexão crítica e que não seja medicalizante. iv Agradecimentos Essa tese começou a ser planejada antes mesmo da minha defesa da dissertação de mestrado, quando iniciei os estudos sobre o tema medicalização. Então, meus agradecimentos serão direcionados às inúmeras pessoas que cruzaram meu caminho nos últimos 10 anos. Eu gostaria de agradecer: - Aos amigos do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (Lygia Viégas, Tito, Fauston, Sara, Rubens, Klessyo, Rui, Helena, Beatriz de Paula Souza, Marilene Proença, Carol, Aline, Ricardo, Maria Izabel e tantos outros), que com dedicação, crítica, ética, força e compromisso, me inspiraram e me deram forças para prosseguir. - Ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por ter dado a oportunidade à essa paulistana de coração nordestino de desenvolver sua pesquisa de doutorado, por ter conhecido profissionais e práticas que só reafirmaram minha certeza de que a Educação pública de qualidade é um direito de todos. - A todos os colegas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia que conheci durante minha trajetória, mas em especial a Sinara Fidelis, Emilly Mel, Daniele e Antônio por terem me dado suporte num momento muito difícil ocasionado pelas contradições da Academia. - Às queridas professoras Ana Karenina Arraes e Ilana Paiva pelo companheirismo, incentivo e carinho recebido durante todo esse processo, seja na militância, na pesquisa ou na docência. v - A cada um dos estudantes da UFRN e da Universidade Potiguar por terem me acolhido, acreditado no meu trabalho, apoiado minha iniciativa de ingressar no doutorado, compreendido todas as minhas falhas devido às tarefas da construção da tese. Agradeço a cada um que me incentivou, que torceu por mim, que vibrou quando fui aprovada e atualmente está feliz por eu ter conseguido chegar ao final. Saibam que o carinho e o apoio de vocês foram essenciais para eu continuar a acreditar na Educação. - A todos os ex-alunos de Psicologia Escolar e orientandos de trabalho de conclusão de curso que acompanharam minha trajetória nos anos do doutorado, que me apoiaram absurdamente e depois se tornaram meus amigos, em especial ao Jorge, ao Rafael Ribeiro Filho, ao Danilo, à Glícia, à Marina, à Priscylla Cisne, Karol, dentre outros, que até hoje fazem parte do meu dia a dia. - Ao Centro de Educação da UFRN, principalmente às professoras Marisa Narcizo, Cynara Teixeira, Márcia Gurgel, Renata, Rosália, Olívia, Géssica, Denise e aos professores Jefferson, Alexandre, Alessandro, Walter, pela parceria durante minha experiência como professora substituta e incentivo ao doutorado. - Aos amigos e companheiros do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Norte, conselheiros Daniela, Rafael, Rodrigo, Camomila, Fernanda, Rodrigo, Patrícia, Stênio, Cíntia, Ádala, Franklin, Silvia, Polyana e Lima, eu dedico um agradecimento especial por terem me aceitado nesse momento tão difícil da minha vida, por terem perdoado minhas ausências e falhas e mesmo assim, terem confiado à mim a coordenação da Comissão de Educação e a partilha das ações, lutas e angústias em relação à nossa profissão no RN e no Brasil. Agradeço também ao companheirismo e apoio dos colaboradores da Comissão de Educação (Sarah, Arthemis, Jacqueline, Carol e Pereira). vi - À amada equipe do curso de Psicologia da UnP que compartilhou comigo todas as conquistas, perdas, alegrias e angústias vivenciadas ao tentar conciliar trabalho docente com doutorado, família e militância, com destaque para minha querida coordenadora Astrid que acreditou em meu trabalho, nunca deixou de me incentivar e me elogiou mesmo quando falhei devido às urgências do doutorado. Também não poderia deixar de citar Gabriela, Hellen, Ana Izabel, Ionara, Laurence, Cida França, Adriana, Antonimária, Alda, Nívia, Ana Cândida, Ana Luíse e Marília, pelo companheirismo, carinho e incentivo do dia a dia! - À querida e saudosa ex-equipe do Núcleo de Apoio Psicopedagógico da UnP (Angeline, Fernanda, Jullyenne, Kamilla, Fábio, Karen e Abinoane), que esteve comigo durante seis meses de intenso trabalho pela Educação Inclusiva, e não deixaram de me apoiar e incentivar no momento em que os deixei para poder me dedicar ao doutorado. O meu carinho por vocês é imenso!! - Aos companheiros do Núcleo de Estudos em Psicologia Histórico-Cultural da UFRN (Herculano, Cláudia, Adriane, Mércia, Maria da Apresentação, Clara, Júlio, Priscylla, Halana, Sarah, Alexia, Alessandra, Heloísa, Letícia, Joana, Élida), que moram no meu coração, não só me apoiaram, mas me ampararam em todos esses anos com seu carinho, incentivo, companheirismo, amor pela profissão e pela Educação, com sua amizade, alegria e compreensão por minha ausência. Vocês iluminaram meu caminho, meu pensamento e me energizaram quando pensei em desistir. Muito obrigada!! - Aos amados e saudosos familiares que se encontram em São Paulo, minha madrinha Janete, meu irmão William, minhas cunhadas Maria Helena, Tamara, Cristiane, Silvana, meus cunhados Iberê e Cristiano, à Nita, aos tios e primos, pelo apoio, incentivo e compreensão por meu distanciamento. vii - Ao meu amado e saudoso sogro, Sr. José, que não se encontra mais entre nós, mas que se estivesse aqui estaria extremamente feliz com minha conquista. - Aos queridos amigos que estão em São Paulo, em Minas Gerais e aqui em Natal, muito obrigada pelo incentivo, apoio e amizade. Muito obrigada por não terem me abandonado nos últimos anos apesar da minha distância. Agradeço especialmente à Lilia, ao Hiro, à Carol, ao Maurício, à Geovana, ao Barra, à Luciane, ao Wanderson, à Marizeti, ao Fábio, à Ana Paula, ao Mozart, ao Buschinelli, à Iara, às vizinhas Elizania, Lisandra e Priscila. Agradeço a todos por terem ouvido centenas de vezes meu desabafo em relação às angústias com a tese, com meu filho e com o trabalho! - Aos queridos fisioterapeutas Carol, Adriano e Ludmila, à minha querida professora de Pilates, Elisabeth, muito obrigada por estarem comigo todas as semanas dos últimos anos, cuidando do meu corpo e das minhas dores, proporcionando um alívio na minha rotina extenuante. - À minha querida psicóloga Maria Dolores e à querida Dra. Célia, minha médica homeopata, que foram essenciais para me dar um pouco de equilíbrio e tranquilidade para enfrentar a finalização dessa tese. - À querida Joana que cuidou da minha casa e me ajudou imensamente com meu filho nos últimos anos. Agora farei os agradecimentos especiais: - Ao meu querido mestre e orientador Herculano Ricardo Campos, que foi uma das pessoas mais importantes na minha trajetória profissional desde que cheguei à Natal, não só por ter me acolhido prontamente, mas por ter dedicado à mim plena confiança na coordenação de projetos, realização de eventos, aulas, por ter me recebido em sua casa juntamente com sua viii família, em especial sua querida esposa Cláudia Kranz!! Muito obrigada por seu profissionalismo, por seus ensinamentos, por sua amizade, por não ter desistido de mim, por ter respeitado minhas falhas e meu tempo em função de minhas condições concretas de vida!! - À minha querida coorientadora Cynara Teixeira Ribeiro e à professora Marisa Narcizo, por seu apoio e participação na construção dessa tese do início ao fim. Vocês são coautoras desse trabalho. - Aos queridos estudantes de Pedagogia que participaram dessa pesquisa, sem vocês, nada disso teria sido possível. Vocês me proporcionaram momentos incríveis de aprendizado e foram cruciais para me fazer continuar a acreditar que desmedicalizar a Educação é possível!! Por fim, chego ao agradecimento principal, que será para meus pais, Horácio e Maria Jeanette, para meu esposo Nicolau e para meu filho Bruno. Eu amo meu trabalho, minha profissão, mas meu amor por vocês é maior do que tudo isso. Vocês são, sem dúvida nenhuma, as pessoas mais importantes da minha vida e aquelas que significaram e significam a base para que eu pudesse ter construído essa tese e sobrevivido até aqui. Vocês estavam ao meu lado em absolutamente todos os momentos, todos os dias, aguentando meu silêncio, minha irritação e exaustão, mesmo assim, nunca deixaram de me apoiar e me incentivar. Ao meu marido por ter sido meu maior incentivador e minha base, por ter sofrido comigo todas as noites em que tive insônia, quando estava indignada por causa dos problemas do meio acadêmico, todas as vezes em que chorei de cansaço ou por estar tão pouco com você e nosso filho. Por fim, meu maior amor, minha razão de viver, meu filho, obrigada por ter compreendido as centenas de horas que perdi, por não estar ao seu lado e por ter deixado de brincar com você. Você amadureceu e aprendeu a respeitar os momentos em que eu não podia estar contigo, mesmo trabalhando no quarto ao lado, no escritório de nossa casa. Espero que um dia você entenda que o que estava por trás do meu trabalho era a necessidade de construir um mundo melhor para todos nós! ix Uma tese apresenta uma longa trajetória que é impossível de ser percorrida sozinha. Eu sou a autora principal dessa pesquisa, mas sem dúvida nenhuma, ela foi construída com muitas mãos, que constituíram a rede na qual me apoiei e me inspirei. Muito obrigada por todo o amor que dedicaram a mim, ao meu trabalho e por me ensinarem que a coletividade deve ser nossa diretriz! x Resumo Essa pesquisa teve como objetivo desenvolver e analisar mediações pedagógicas no processo de aprendizagem do conceito de medicalização na educação com estudantes de Pedagogia. Para isso, a partir do referencial teórico da Psicologia Histórico-Cultural, foi realizado um experimento formativo baseado na proposta de Davydov, entre agosto e dezembro de 2016, com turma de 25 estudantes do sexto período noturno, em curso presencial de uma universidade pública de Natal-RN. O experimento foi desenvolvido em 16 aulas semanais, distribuídas em três etapas, precedidas do levantamento sobre o conhecimento detido a respeito da medicalização. O planejamento das mediações pedagógicas se baseou na hierarquia conceitual elaborada para abordar o conceito científico medicalização na educação. Na primeira etapa foram desenvolvidas atividades para trabalhar os conceitos função social da escola e do pedagogo e relação entre sociedade e escola. Na segunda etapa o conceito brincar foi trabalhado inicialmente para resgatar memórias da infância e a vivência lúdica dos estudantes, e, posteriormente na elaboração de propostas de intervenção em escolas onde estagiavam tendo como base o brincar. Na terceira etapa foram abordados os conceitos saúde, doença, normatização da sociedade, determinismo biológico, medicalização da vida e dados sobre consumo de medicamentos. A análise dos registros escritos de sete estudantes selecionados indicou que compreenderam que a sociedade baseada no capitalismo, mecaniza, normatiza e desumaniza os sujeitos, atinge o pedagogo e o leva a elaborar práticas pedagógicas disciplinadoras que não desenvolvem o aprendizado e a criatividade, como consequência, aos alunos que fracassam na escola, são atribuídas doenças para serem tratadas por via medicamentosa com influência da indústria farmacêutica. Conclui-se que o experimento xi formativo possibilitou mediações que promoveram mudanças psíquicas, qualificaram processos de pensamento para a aprendizagem conceitual sobre medicalização na educação e contribuíram com a identificação de possibilidades de enfrentamento ao fenômeno, sendo que o brincar foi apontado como opção. Palavras-chave: Medicalização na Educação, Psicologia Histórico-Cultural, Formação Inicial, Pedagogia, xii Abstract This research aimed to develop and analyze pedagogical mediations in the learning process of the concept of medicalization in education with Pedagogy students. For this, based on the theoretical framework of Historical-Cultural Psychology, a formative experiment was conducted following Davydov's proposition, between August and December 2016, with a group of 25 night-shift sixth period students, presently attending a public university of Natal, RN. The experiment was developed in 16 weekly classes, distributed in three stages, preceded by the survey about the knowledge held about medicalization. The planning of the pedagogical mediations was based on the conceptual hierarchy designed to approach the scientific concept of medicalization in education. In the first stage, activities were developed to work on the social function concepts of the school and the pedagogue and the relationship between society and school. In the second stage, the concept of play was initially worked to rescue childhood memories and the playful experience of students, and, later, in the elaboration of intervention proposals in playfulness based schools where they were interning. In the third stage, the concepts of health, disease, society standardization, biological determinism, medicalization of life and data on drug consumption were approached. The analysis of the written records of seven selected students indicated that they understood that the society based on capitalism mechanizes, normalizes and dehumanizes the subjects, reaches the pedagogues and leads them to elaborate disciplinary pedagogical practices that do not develop learning and creativity, consequentially, students who fail at school are assigned illnesses to be treated by medication with the influence of the pharmaceutical industry. It is concluded that the formative experiment enabled mediations that promoted psychic changes, qualified thought processes for conceptual xiii learning about medicalization in education and contributed to identify possibilities of coping with the phenomenon, which playfulness was pointed as an option. Keywords: Medicalization in Education, Historical-Cultural Psychology, Initial formation, Pedagogy, xiv Resumen Esta investigación objetivó desarrollar y analizar mediaciones pedagógicas en el proceso de aprendizaje del concepto de medicalización en la educación con estudiantes de Pedagogía. Para eso, a partir del referencial teórico de la Psicología Histórico Cultural, fue realizado un experimento formativo basado en la propuesta de Davydov, entre agosto y diciembre de 2016, con un grupo de 25 estudiantes del sexto período nocturno, en curso presencial de una universidad pública de Natal-RN. El experimento fue desarrollado en 16 clases semanales, distribuidas en tres etapas, precedidas del levantamiento sobre el conocimiento sobre medicalización. El planeamiento de las mediciones pedagógicas se basó en la jerarquía conceptual elaborada para abordar el concepto científico medicalización en la educación. En la primera etapa fueron desarrolladas actividades para trabajar los conceptos función social de la escuela y del pedagogo y relación entre sociedad y escuela. En la segunda, el concepto juguetear fue trabajado inicialmente para rescatar recuerdos de la niñez y la vivencia lúdica de los estudiantes, y, posteriormente en la elaboración de propuestas de intervención en escuelas donde estajeaban teniendo como base el jugar. En la tercera, fueron abordados los conceptos salud, enfermedad, normatización de la sociedad, determinismo biológico, medicalización de la vida, e datos sobre consumo de medicinas. El análisis de los registros escritos de siete estudiantes seleccionados indicó que comprendieron que la sociedad basada en el capitalismo mecaniza, normatiza y deshumaniza los sujetos, atinge el pedagogo y lo lleva a elaborar prácticas pedagógicas disciplinadas que no desarrollan el aprendizaje y la creatividad, como consecuencia, a los alumnos que fracasan en la escuela, son atribuidas enfermedades para ser tratadas por vía medicamentosa con influencia de la industria farmacéutica. Se concluye que el xv experimento formativo posibilitó cambios psíquicos, cualificó procesos de pensamiento para el aprendizaje conceptual sobre medicalización en la educación y contribuyó en la identificación de posibilidades de enfrentamiento al fenómeno, ya el juguetear fue aprobado como opción. Palabras clave: Medicalización en la Educación, Psicología Histórico Cultural, Formación Inicial, Pedagogía. xvi Lista de tabelas Tabela 1 Venda de caixas de Ritalina no Brasil por região ..................................................... 31 Tabela 2 Regiões com maiores índices de venda de Clonazepan............................................. 33 Tabela 3 Faturamento das indústrias farmacêuticas no Brasil ............................................... 34 Tabela 4 Faturamento no Brasil de acordo com o porte da indústria farmacêutica ............... 35 Tabela 5 Faturamento de acordo com a Classe Terapêutica do Medicamento ....................... 35 Tabela 6 Taxas de Alfabetismo e de Letramento ...................................................................... 70 Tabela 7 Taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos ou mais de idade 2004/2013 ....... 70 Tabela 8 Dados sobre os estudantes participantes ................................................................ 161 Tabela 9 Planejamento da primeira etapa do experimento formativo ................................... 167 Tabela 10 Planejamento da segunda etapa do experimento formativo.................................. 168 Tabela 11 Planejamento da terceira etapa do experimento formativo .................................. 170 Tabela 12 Relação de gêneros textuais e autores................................................................... 183 Tabela 13 Registros escritos de Bianca .................................................................................. 281 Tabela 14 Registros escritos de Carlos .................................................................................. 284 Tabela 15 Registros escritos de Daiana ................................................................................. 287 Tabela 16 Registros escritos de Dalila ................................................................................... 289 Tabela 17 Registros escritos de Érica .................................................................................... 291 Tabela 18 Registros escritos de Melissa................................................................................. 294 Tabela 19 Registros escritos de Otávio .................................................................................. 296 xvii Lista de figuras Figura 1. Gastos com Medicamentos pelo Ministério da Saúde .............................................. 29 Figura 2. Venda de caixas de Metilfenidato por mês e ano ..................................................... 30 Figura 3. Média de alunos por turma, taxa de distorção idade-série e taxa de não aprovação. .................................................................................................................................................. 69 Figura 4. Consumo de caixas de Metilfenidato em São Paulo entre 2008 e 2015 ................... 91 Figura 5. Organograma dos conceitos primários e secundários ............................................ 165 Figura 6. Hierarquia e relação entre os conceitos .................................................................. 280 xviii Sumário Resumo ..................................................................................................................................... xi Abstract ..................................................................................................................................xiii Resumen .................................................................................................................................. xv Lista de tabelas...................................................................................................................... xvii Lista de figuras...................................................................................................................... xvii 1 Introdução ............................................................................................................................ 21 2 A Gênese do Fenômeno da Medicalização ........................................................................ 28 2.1 Alguns dados sobre o consumo de medicamentos .......................................................... 28 2.2 A medicalização da vida e da educação .......................................................................... 36 2.3 O fracasso escolar do Sistema Educacional Brasileiro e a medicalização ...................... 68 2.4 Outras possibilidades de enfrentamento do fenômeno da medicalização na educação .. 84 3 Método .................................................................................................................................. 95 4 Psicologia Histórico-Cultural ........................................................................................... 108 4.1 Alguns Conceitos da Psicologia Histórico-Cultural ..................................................... 109 4.2 O Experimento Formativo e a Formação Inicial em Pedagogia ................................... 133 4.3 O experimento formativo e o brincar ............................................................................ 144 5 O experimento formativo e sua análise............................................................................ 154 5.1 Autorização para a realização da pesquisa.................................................................... 154 5.2 A instituição de ensino, o curso, a disciplina e a turma ................................................ 155 5.3 O planejamento do experimento formativo .................................................................. 162 5.3.1 Primeira etapa do experimento formativo .............................................................. 176 5.3.2 Segunda etapa do experimento formativo .............................................................. 204 5.3.3 Terceira etapa do experimento formativo. ............................................................. 265 xix 5.3.4 Uma síntese da aprendizagem conceitual dos alunos............................................. 298 6 Considerações Finais ......................................................................................................... 307 Referências ........................................................................................................................... 321 Apêndices ............................................................................................................................... 334 Apêndice A – Carta de anuência da unidade de ensino em que a pesquisa foi realizada. .. 334 Apêndice B – Termo de consentimento livre e esclarecido ................................................ 336 Apêndice C - Termo de autorização de uso de imagem, textos produzidos e depoimentos ............................................................................................................................................. 338 Apêndice D – Roteiro para diagnóstico .............................................................................. 339 Apêndice E – Estudo de caso apresentado na primeira aula da segunda etapa do experimento de ensino. ....................................................................................................... 340 Apêndice F – Frases do Manoel de Barros ......................................................................... 341 Apêndice G – Roteiro para elaboração da proposta de intervenção ................................... 342 Apêndice H – Slides apresentados na aula sobre medicalização ........................................ 343 Anexos .................................................................................................................................... 352 Anexo A – Relação de textos literários usados na terceira aula da primeira etapa. ........... 352 Anexo B – Experiências de escolas alternativas ................................................................. 366 Anexo C – Roteiro de estudo da E. M. Des. Amorim Lima ............................................... 373 Anexo D - Lista de brincadeiras, músicas infantis e parlendas .......................................... 375 Anexo E - Instrumento para observação e entrevista em instituição escolar pública ......... 390 Anexo F – Proposta de intervenção de Dalila, Érica e Melissa. ......................................... 394 Anexo G – Recursos utilizados na aula sobre medicalização ............................................. 402 xx 21 1 Introdução O meu interesse pelo tema da medicalização na educação surgiu durante a graduação em Psicologia a partir da leitura de textos e participação em discussões acerca da patologização das dificuldades escolares. Nessa época, no final da década de 90, não havia uma preocupação com o crescente aumento de crianças e adolescentes diagnosticados com patologias por causa de problemas na escolarização. Tal fenômeno recebeu destaque no início do século XX, período em que voltei a fazer discussões mais específicas sobre o tema, principalmente entre 2007 e 2010, durante o mestrado realizado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Diante desse crescente fenômeno, no ano de 2009, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo- CRP SP começou a desenvolver ações, elaborou uma pesquisa estadual sobre o consumo de medicamentos para transtornos de aprendizagem e participou de uma audiência pública na Câmara dos Vereadores de São Paulo que discutiu um projeto de lei para diagnosticar Dislexia em toda a rede municipal de Educação. Ainda no mesmo ano o CRP promoveu ações e realizou, no dia 21 de setembro de 2009, o Seminário “Dislexia: subsídios para políticas públicas” sobre o tema, que está disponível para download (CRP SP, 2010). Nessa época, atuando profissionalmente como professora em cursos de Psicologia, constatei que as queixas apresentadas pelas escolas em relação aos alunos focavam problemas de aprendizagem e de comportamento. Conforme eram investigadas descobria que na sua base frequentemente se encontrava o fenômeno da medicalização da vida e da Educação, o que resultava em encaminhamentos para especialistas, principalmente neurologistas, aos quais era solicitado diagnosticar transtornos de aprendizagem. Muitas vezes os próprios docentes e 22 gestores agendavam a consulta, levavam os alunos em seus carros, acompanhados de seus responsáveis ou não. O metilfenidato, medicamento prescrito para o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade - TDAH, era notadamente indicado pelos médicos e, muitas vezes, a escola controlava se a criança o tomava, ou seja, o medicamento ficava na instituição e não na residência do aluno. As famílias não conheciam outras formas de compreender o problema e, embora muitas vezes discordassem, questionassem a escola, não eram ouvidas. No ano de 2010, durante o I Seminário Internacional A educação medicalizada: dislexia, TDAH e outros supostos transtornos, as ações em parcerias entre universidades e instituições da sociedade civil que defendiam e defendem a saúde e a educação de qualidade, resultaram na criação do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, que tem como propostas a militância política, a elaboração de políticas públicas, a produção de pesquisas, a formação e a realização de eventos sobre o tema. Desde então, participo dessa entidade, o que proporcionou a intensificação do contato com o fenômeno da medicalização. A partir de 2013, após me mudar para o estado do Rio Grande do Norte, passei a atuar como professora em curso de Psicologia de instituição privada de Natal, supervisionando estágio na área de Psicologia Escolar e Educacional e orientando trabalhos de conclusão de curso - TCC. Inclusive, supervisionei estágio nos serviços-escola da universidade em que trabalhava, a partir da proposta de Orientação à Queixa Escolar (B. Souza, 2007), por meio de atendimentos individuais e em grupo, concomitantes com atendimentos aos familiares e intervenções nas escolas onde as crianças e adolescentes estudavam. A supervisão de estágio foi fundamental para que eu me inserisse em escolas públicas e particulares da região e conhecesse as potencialidades, limites, possibilidades e desafios para a área. Essa experiência como supervisora foi intensa e nela destaco três aspectos que se revelaram: a precarização da educação pública do Estado, o completo desconhecimento dos profissionais de educação a respeito da proposta de atuação do psicólogo a partir da abordagem 23 crítica em Psicologia Escolar, que não foca a queixa escolar no aluno, mas considera o processo de escolarização e uma rede complexa de fatores sociais, culturais, políticos e econômicos, e o fenômeno da medicalização da vida e na educação. Essa experiência resultou na elaboração de um artigo intitulado Estágio em Psicologia escolar e educacional: ruptura com a medicalização da educação (Calado, 2014). Eu comecei a dar palestras sobre o tema Medicalização na Educação, ministrava aulas sobre isso e orientava os estagiários a realizarem intervenções que enfrentassem o referido fenômeno. O contato com esse tema despertou o interesse de estudantes de Psicologia para realizarem pesquisas como Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. Essas orientações ajudaram significativamente na definição do foco para o estudo a ser desenvolvido por mim, no doutorado, de modo que sintetizo a seguir o que foi desenvolvido em alguns deles. O TCC intitulado Medicalização da Educação e Psicologia: alternativas possíveis (Oliveira & Ribeiro Filho, 2014), foi uma pesquisa bibliográfica e teve como objetivo analisar os anais do III Seminário Internacional sobre Medicalização da Sociedade e da Educação, para identificar experiências de práticas produzidas no âmbito da Psicologia Escolar e Educacional com foco na crítica e no enfrentamento da medicalização. A maior parte dos trabalhos completos e resumos analisados tratava de textos teóricos e elaborava críticas ao fenômeno, poucos relatavam experiências, sendo que a maior parte dessas se referiam a atendimento clínico individual. Esses resultados trouxeram evidências da dificuldade de transformar o discurso crítico em práticas. Orientar essa pesquisa me fez pensar na importância de realizar um estudo em nível de doutorado que pudesse envolver a elaboração de uma prática no âmbito da Psicologia Escolar e Educacional. Posteriormente, supervisionei outro TCC que influenciou ainda mais a delimitação do projeto de doutorado. Essa pesquisa também foi bibliográfica e recebeu o título Medicalização da educação: o conhecimento dos professores sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e 24 Hiperatividade (Oliveira & Oliveira, 2015). Ela teve como objetivo investigar o conhecimento de profissionais da educação acerca do TDAH. Os textos encontrados e analisados revelaram que o conhecimento dos professores acerca do TDAH era superficial e baseado no senso comum, que eles se sentiam impotentes, pois não sabiam o que fazer com os alunos diagnosticados e geralmente concordavam com o discurso medicalizante. Por outro lado, alguns textos traziam a visão de alguns professores que não achavam que o tratamento medicamentoso trazia resultados, mas sim danos ao aluno, dentre eles, efeitos colaterais do remédio e a estigmatização. Na análise dos textos, foi possível identificar também que o processo de medicalização é pouco discutido na formação do professor, o que pode justificar parcialmente a escassez de práticas pedagógicas que enfrentem o fenômeno, fazendo com que o professor atue como reprodutor da lógica medicalizante. Houve uma terceira orientação de TCC que também contribuiu com a construção do projeto de doutorado intitulada A compreensão dos professores acerca do processo de medicalização da Educação (Medeiros & Melo, 2015). Esse estudo teve como objetivo investigar como os profissionais de uma Escola Estadual de Natal-RN compreendiam o processo de medicalização na Educação, por meio de observações e entrevistas com professores. A inserção no local de pesquisa elucidou a gravidade da precarização do trabalho do professor, com poucas condições de trabalho, salários baixos e desvalorização, causando a necessidade de ter um segundo vínculo, o que prejudica a busca por formação continuada e planejamento de aulas. Foi possível identificar a concepção biologizante sobre desenvolvimento humano e processo de ensino e aprendizagem, além de desconhecimento acerca da medicalização. Quando os professores identificavam um aluno com dificuldade de aprendizagem, a lógica era medicalizante e havia busca pelo diagnóstico e laudo, provocando também uma confusão entre alunos com dificuldades escolares e educação especial, pois a função do laudo, para os 25 entrevistados, era identificar a necessidade educacional especial para encaminhar o aluno para atendimento especializado e não para repensar as práticas pedagógicas em sala de aula. Observou-se que esses aspectos esvaziavam a prática pedagógica e tiravam do professor a possibilidade de pensar em outras atividades para utilizar com seus alunos. Outro problema identificado é que quando os professores recebiam os laudos dos alunos, isso não gerava a elaboração de práticas pedagógicas diferenciadas, mas sim a paralisação, ou seja, eles não tentavam desenvolver nada com o aluno, delegando essa função aos professores auxiliares ou aos que atendiam alunos com necessidades educacionais especiais. Por fim, essa pesquisa de campo identificou profissionais que são vítimas e reprodutores do fenômeno da medicalização na Educação. O enfrentamento dessa situação necessita de reflexão e ação coletiva, envolvendo alunos, professores, escolas, Estado, famílias e sociedade (Medeiros, Melo & Calado, 2015). A experiência com essa orientação foi muito rica e em decorrência dela, decidi pensar num projeto que focasse a formação docente por meio de estudos teóricos e elaboração de práticas pedagógicas. Outra experiência significativa com vistas ao tema do doutorado se deu a partir do segundo semestre do ano de 2015, quando comecei a atuar como professora substituta junto às licenciaturas e ao Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A realização de discussões sobre a importância do brincar para o desenvolvimento da linguagem na Educação Infantil revelou discursos hegemônicos medicalizantes pelos estudantes dos primeiros períodos. O aprofundamento desse trabalho, inclusive com a realização de atividades práticas sobre o brincar, resultou na expressão de nova consciência pelos estudantes, os quais destacaram o caráter humanizador desse aspecto da formação. Fui buscar mais textos sobre o assunto e encontrei pesquisas que propunham o estudo e a vivência do brincar na formação inicial do professor para possibilitar essa humanização citada pelos estudantes (Mendonça, 2008). 26 Enfim, por todo o vivido, decidi focar meu projeto de doutorado na formação inicial do pedagogo, desenvolvendo um estudo que ao mesmo tempo em que investigava o grau de informação dos estudantes de Pedagogia a respeito do fenômeno da medicalização na Educação, procurava trabalhar a transformação da sua consciência por meio da apropriação de conceitos científicos sobre o tema. A tese defendida nessa pesquisa é a de que a aprendizagem de conceitos científicos sobre medicalização na Educação na formação inicial do pedagogo possibilita a conscientização, a compreensão do seu papel no enfrentamento desse fenômeno e a elaboração de práticas pedagógicas nessa direção. Tendo em vista a referida tese, o objetivo geral ficou assim definido: desenvolver e analisar mediações pedagógicas no processo de aprendizagem do conceito de medicalização na Educação com estudantes de Pedagogia. Os objetivos específicos delimitados foram: possibilitar ao pedagogo em formação a identificação de situações na prática pedagógica em que esteja implicada a questão da medicalização na educação, oportunizar reflexão acerca do papel do pedagogo no enfrentamento do fenômeno da medicalização na educação. A presente tese foi construída a partir do referencial teórico da Psicologia Histórico- Cultural, tendo como base a produção de conhecimento do psicólogo russo Lev S. Vigotski. A diretriz filosófica que norteou o presente estudo, o método, também adotado por Vigotski, foi o materialismo histórico-dialético, a partir dos pressupostos teóricos de Karl Marx. No segundo capítulo apresento aspectos conceituais sobre medicalização na Educação, tendo em vista sua gênese, sua relação com a formação inicial do professor, com a Psicologia e o saber médico. No terceiro capítulo apresento aspectos conceituais relacionados à base filosófica utilizada nessa pesquisa. No quarto capítulo estabeleço um diálogo com o referencial teórico de Vigotski a partir de suas contribuições para a Educação, com foco nos conceitos necessários para a pesquisa que abarcam desde os centrais de sua teoria como relação entre aprendizagem e desenvolvimento, 27 sistema total de conceitos, internalização, mediação, como a relevância do brincar como atividade principal da criança, contribuições para a formação do professor e experimento formativo, utilizando a produção teórica de Leontiev, Davydov e Elkonin. No quinto capítulo apresento o delineamento da pesquisa, os resultados identificados junto ao procedimento adotado e sua análise para compreender os determinantes da mediação realizada para oportunizar a aprendizagem de conceitos científicos relacionados à medicalização na Educação. Por fim, as considerações finais foram elaboradas no capítulo seis. 28 2 A Gênese do Fenômeno da Medicalização O fenômeno da medicalização é amplo, complexo, tem relação com mudanças econômicas, sociais, formas de produção, mudanças na ciência, de modo que será necessário analisar a relação entre vários aspectos para compreender sua gênese no decorrer da história. O caminho trilhado por esse capítulo iniciará com a apresentação de dados atuais acerca do consumo de medicamentos no país, em seguida será feito um regate histórico do fenômeno da medicalização na sociedade ocidental. Posteriormente, a medicalização relacionada à Educação será analisada, com foco em sua história e gênese no Brasil, abordando a relação entre a Medicina, a Psicologia e a formação inicial do professor. Por fim, algumas possibilidades de enfrentamento serão discutidas para elucidar a escolha dos aspectos metodológicos da presente pesquisa que serão desenvolvidos no capítulo quatro. 2.1 Alguns dados sobre o consumo de medicamentos Nos últimos anos tem crescido o consumo de medicamentos no Brasil e no mundo como atestam dados publicados pela Comissão de Saúde, Promoção Social, Trabalho e Mulher da câmara dos vereadores do município de São Paulo/SP. De acordo com tais dados o Brasil é 6º maior mercado mundial de consumidores de medicamentos. A figura um revela o crescimento dos gastos do Ministério da Saúde com medicamentos, que entre 2003 e 2011 saltou de dois para oito bilhões de reais (Câmara Municipal de São Paulo, 2016). 29 Figura 1. Gastos com Medicamentos pelo Ministério da Saúde Os dados relacionados aos gastos expostos na figura 1 não discriminam quais tipos de medicamentos foram mais consumidos no país. Para identificar tal informação, foi preciso consultar outras fontes de dados. Moysés e Collares (2013b) tem denunciado o aumento de diagnósticos de crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, cujo tratamento costuma ser medicamentoso por meio de psicotrópicos que agem como estimulantes do sistema nervoso central, com destaque para o Metilfenidato - MPH e Dextro-anfetamina - D-anfetamina. O Conselho Federal de Psicologia publicou no ano de 2013 o documento “Subsídios para a campanha não à medicalização da vida – medicalização da educação”, que contém a informação de que no ano de 2010 o Brasil era o segundo maior consumidor do metilfenidato do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos da América. Posteriormente, o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015a) publicou a “Nota técnica: o consumo de psicofármacos no Brasil, dados do Sistema Nacional de Gerenciamento de produtos controlados, com informações acerca do consumo de Metilfenidato e Clonazepan, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, entre 2007-2014. Conforme registros da ANVISA 30 (Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade – FMES (2015), apesar do crescimento de mais de 100% na importação do medicamento já em 2013, o Brasil não estava mais entre os dez países que mais consomem o medicamento Metilfenidato. A produção mundial do medicamento em 2013 foi de 77 toneladas por ano, sendo que os Estados Unidos foram responsáveis por 77% dessa produção. Os países que mais importaram o medicamento foram: Islândia, Bélgica, Suécia, Canadá, Estados Unidos, Holanda, Dinamarca, Nova Zelândia, Chile e Alemanha. Esse crescimento pode ser observado na Figura 2, elaborada pelo Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados – SNGPC e publicado pelo FMES (2015), que apresenta o aumento da venda de caixas de Metilfenidato por mês entre 2008 e metade de 2014. Figura 2. Venda de caixas de Metilfenidato por mês e ano No Brasil, as regiões que mais compraram foram o interior dos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, somando 41% do total de vendas de Ritalina. Apesar disso, 31 os dados da região Norte e Nordeste são preocupantes, pois houve o aumento de quase 700% no consumo nesse período, conforme a Tabela 1 (FMES, 2015a). Tabela 1 Venda de caixas de Ritalina no Brasil por região Região do país 1º Semestre de 2009 1º Semestre de 2014 Centro-Oeste 21.868 43.214 Norte 1.991 15.228 Nordeste 7.760 55.665 Sul 76.687 209.144 Sudeste 91.302 291.796 O Ministério da Saúde publicou em 2017 o documento Assistência Farmacêutica em Pediatria no Brasil - Recomendações e estratégias para a ampliação da oferta, do acesso e do Uso Racional de Medicamentos em crianças em que apresenta dados acerca da realidade das pesquisas e prescrição de medicamentos para crianças no país, ou seja, seus avanços, limites e suas falhas. O documento cita diversas pesquisas que investigaram a realidade de serviços de saúde, os diagnósticos e o tratamento realizado na população pediátrica. Dentre elas, se destaca uma que foi realizada com serviços de Saúde Mental do Sistema Único de Saúde - SUS, que prescreveram psicotrópico já no primeiro atendimento para cerca de 88,4% dos pacientes, sendo que um terço dessas prescrições apresentavam problemas farmacêuticos, como por exemplo, indicadas sem certeza acerca da idade e dosagem para que o medicamento fosse ingerido com segurança (Maciel et al., 2013 como citado por Ministério da Saúde, 2017). Após a prescrição do remédio, houve longo período de tratamento à base de psicotrópicos de forma exclusiva, ou seja, com poucas reavaliações e realização de outros tratamentos como psicoterapia e reabilitação psicossocial. Esses dados reiteram a precariedade da atenção à saúde voltada para a infância, sendo que o próprio documento indica que tem ocorrido no país a medicalização da 32 infância. O documento também aborda o problema relacionado às pesquisas sobre remédios para as crianças, que representam a menor parcela dos estudos. Isso ocorre em função dos dilemas éticos relacionados a pesquisas com remédios em crianças e adolescentes. Apesar disso, o uso indiscriminado de medicamentos em crianças e adolescentes só aumenta, contribuindo para o agravamento do fenômeno da medicalização. A medicalização não atinge apenas as crianças e adolescentes, pesquisa recente feita pelo Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015a) revela que os profissionais da Educação também têm sido vítimas e diagnosticados com transtornos mentais, dentre eles, transtornos de ansiedade e de humor, cujo tratamento é medicamentoso. Nesse caso, o medicamento que se destaca é o Clonazepan, um benzodiazepínico que age como depressor do sistema nervoso central, é indicado como antiepilético e para tratamento de transtorno de ansiedade e de humor. O Clonazepan é vendido pelo laboratório Roche como Rivotril. Em 2007 foram vendidas 425 caixas, em 2013, houve o consumo de 4.769.692 de caixas, ano em o país se tornou líder na fabricação mundial, com 3,2 toneladas produzidas. Nesse mesmo ano o Clonazepan se tornou o 13° medicamento com o maior volume de vendas no país, sendo que no Brasil apresenta alto consumo por profissionais da educação. O Rio Grande do Norte aparece em 11º lugar na venda desse medicamento, com o total de 2,6%, totalizando 460.980 caixas entre janeiro de 2008 e julho de 2014. No entanto, os dados nacionais referentes à venda nas capitais e interiores dos estados revelaram que o município de Natal e o interior do estado aparecem em 3º e 13º lugar, respectivamente, no consumo do Clonazepan, conforme Tabela 2. No ano de 2008 a capital potiguar apresentava o consumo de 4,37 caixas para cada 1.000 habitantes, já em 2013 aumentou para 51,425. O interior consumia 1,489 caixas a cada 1.000 habitantes em 2008 e 33,756 em 2013. 33 Tabela 2 Regiões com maiores índices de venda de Clonazepan Nota. FMES (2015a) com dados do SNGPC (2015) e IBGE (2010). Os dados acima sobre Ritalina, importada pela Novartis, e Rivotril, produzido pela Roche, integram as tabelas abaixo que revelam o faturamento das grandes empresas. Segundo dados da ANVISA publicados pelo Ministério da Saúde (2017), conforme a Tabela 3, a Novartis está classificada no grupo de grandes indústrias que ocupam o segundo lugar de faturamento e a Roche em quarto lugar. Na Tabela 4 é possível observar que as empresas de grande porte são as que mais faturam, totalizando 75,7%. Por fim, na Tabela 5 as classes terapêuticas dos medicamentos que são mais consumidas no país tratam de doenças do sistema nervoso central com 14,6% do faturamento, anti-infecciosos com 14%, agentes antineoplásicos e imunomoduladores com 13,2%, e aparelho digestivo e metabolismo com 13%. É importante ressaltar que essa é uma classificação foi elaborada pelo Ministério da Saúde e não pelo Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. 34 Tabela 3 Faturamento das indústrias farmacêuticas no Brasil Nota. CMED/Anvisa (2017). 35 Tabela 4 Faturamento no Brasil de acordo com o porte da indústria farmacêutica Nota. CMED/Anvisa (2017). Tabela 5 Faturamento de acordo com a Classe Terapêutica do Medicamento Nota. CMED/Anvisa (2017). 36 Os dados acima acerca do consumo de medicamentos são alarmantes, apesar de não especificarem qual é exatamente a proporção dos que são prescritos para as crianças e adolescentes, indicam a complexidade do fenômeno da medicalização da vida e sua relação com o capitalismo e a indústria farmacêutica. Esse fenômeno envolve uma rede multidisciplinar entre profissionais da saúde e da educação e sua definição não abrange apenas o consumo de medicamentos: Entende-se por medicalização o processo por meio do qual as questões da vida social – complexas, multifatoriais e marcadas pela cultura e pelo tempo histórico – são reduzidas a um tipo de racionalidade que vincula artificialmente a dificuldade de adaptação às normas sociais a determinismos orgânicos que se expressariam no adoecimento do indivíduo (Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade - FMES, 2015b, p. 11). O termo patologização tem sido empregado com o mesmo significado que medicalização e compreende o envolvimento de outros profissionais da saúde, como por exemplo, os psicólogos (Angelucci & Souza, 2010). Esse processo não teve início no século XXI, é histórico, envolve mudanças sociais, culturais, políticas e econômicas. 2.2 A medicalização da vida e da educação Para realizar um resgate histórico da gênese do fenômeno denominado medicalização da vida, foi necessário ler autores como Ivan Illich e Michel Foucault, assim como textos de pesquisadores que se inspiram neles, pois ambos trouxerem relevantes contribuições para a compreensão do fenômeno. Segundo o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015b): Desde que o filósofo austríaco Ivan Illich passou a criticar as tendências de transformar as dores e questões da vida humana em temas de domínio médico (na passagem da década de 70 para a década de 80), discursos comprometidos com a ética e com a dignidade das pessoas têm trazido preocupação com relação aos processos de medicalização engendrados na cultura ocidental. O filósofo Michel Foucault, o escritor 37 Peter Conrad e os psiquiatras Peter Breggin e Thomaz Szasz figuram entre alguns dos nomes importantes que deram continuidade à crítica do fenômeno da medicalização (p. 11). Essa leitura não implicará no abandono dos pressupostos filosóficos e teóricos e da Psicologia Histórico-Cultural para desenvolver uma análise a partir de uma concepção idealista (Carvalho, 2014). As ideias são determinadas por condições da realidade objetiva, portanto, o “uso do método histórico-dialético exige a análise concreta destas experiências concretas” (Carvalho, 2014, p. 250). Dessa forma, a elaboração da análise da gênese do fenômeno da medicalização terá como base autores ancorados na Psicologia Histórico-Cultural, a partir dos pressupostos de Vygotsky, coerentes com o método materialista histórico-dialético. A imposição de normas padronizadas de comportamento existia antes da medicalização da vida ser engendrada na sociedade. As mudanças que ocorreram na sociedade ocidental no final do século XVIII provocaram transformações na Medicina, que atingiu estatuto de ciência moderna, a partir de raízes positivistas. A modernidade viveu um processo de reformulação epistemológica, a partir de uma concepção de ciência ancorada no Positivismo que propõe a ciência experimental, que vai estudar os fenômenos humanos observáveis, que podem ser controlados, quantificados (Guarido, 2010). Os diagnósticos surgiram primeiro na Psiquiatria, depois na Neurologia e desde o início provocavam a segregação, transformando a diferença em algo inato, biológico, anulando a historicidade do objeto. A medicina moderna também prometeu erradicar a doença no futuro, algo que não ocorreu, mas sim se intensificou a ponto de ser colocado que o século XXI se transformou na era dos transtornos (Moysés & Collares, 2013a). Essa ciência moderna também se inseriu na lógica mercantilista, consequentemente, o seu surgimento está ligado ao capitalismo, possui relação de mercado, em alguns aspectos pode 38 ser compreendida como medicina individual, mas por outro lado é uma medicina que busca exercer uma forma de controle da população. Para Foucault (1979): Minha hipótese é que com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para uma medicina privada, mas justamente o contrário, que o capitalismo, desenvolvendo−se em fins do século XVIII e início do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de produção, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio−política. A medicina é uma estratégia bio−politica (p. 47). Na transição entre o séc. XVIII e XIX houve o surgimento da medicalização do Estado, das cidades e da população, dando início a um novo regime de historicidade denominado bio- história (Martins & Peixoto Júnior, 2009). A medicalização do Estado teria surgido na Alemanha, a urbana na França e a da força do trabalho na Inglaterra. A Alemanha investiu na produção do conhecimento, a partir da ciência médica, com o objetivo de melhorar o nível de saúde da população. Nesse sentido, o Estado alemão se preocupou em normalizar a medicina e o médico, ou seja, todos deveriam ter a mesma formação e atuação. Surge assim uma organização médica estatal ou a medicina de Estado, para controlar e desenvolver ações com foco na saúde de determinadas regiões (Foucault, 1977). Para propor intervenção na saúde da população, foi criada a polícia médica, que serviu como tecnologia de poder para manter a força do Estado e o controle da população (Martins & Peixoto Júnior, 2009). Posteriormente, na França, a medicina que se desenvolveu no final do século XVIII, não teve a estrutura de Estado como suporte, mas sim a urbanização, pois surgiu a necessidade de unificar e organizar a cidade de forma homogênea e que dependesse de um único poder. A primeira justificativa foi a econômica em função das relações comerciais. A segunda foi política, pois a população operária surgiu e causou tensões políticas e revoltas até a Revolução Francesa. Nas cidades, as doenças que surgiram, também provocadas pelo amontoamento dos 39 cadáveres de pessoas pobres que não tinham onde enterrar seus mortos, provocou uma ação por parte da burguesia baseada no modelo médico e político da quarentena, que se transformou numa forma de organização sanitária das cidades (Foucault, 1977). Esse processo significou a emergência de outra tecnologia disciplinar compreendida como dispositivos de segurança para possibilitar a governabilidade (Martins & Peixoto Júnior, 2009). Dessa forma, a medicina urbana, social e coletiva, com sua prática de vigilância e controle, possibilitou sua inserção “no funcionamento geral do discurso e do saber científico” (Foucault, 1979, p. 54). Inicialmente o foco foi a condição de vida, de meio de existência, para depois analisar os efeitos do meio sobre o organismo. Após o Estado e a cidade, o último alvo da medicina social foi a força de trabalho e os pobres, quando no final do século XIX estes começaram a ser vistos como perigo. Esse processo teve destaque na Inglaterra, em função do desenvolvimento industrial e do proletariado e a criação da assistência controlada por meio da intervenção médica. Essa assistência cuidava das necessidades de saúde, tornava essa população mais apta para o trabalho e protegia as classes mais ricas dos fenômenos endêmicos. Para Foucault (1979), a medicina social inglesa foi original, pois conseguiu sobrepor três sistemas médicos que implicavam em faces e formas de poder diferentes complexos: a assistencial destinada aos pobres, a administrativa que se encarregava dos problemas gerais como as epidemias, e a privada que beneficiava quem podia custeá-la. Surge a clínica médica, baseada numa descrição incessante sobre o indivíduo, da doença, por meio da formação de um discurso que diz a verdade. Para conhecer a verdade sobre a patologia, o doente deve ser abstraído e uma descrição dos sintomas deve ser feita, fazendo com que a medicina se torne classificatória (Foucault, 2011). O saber médico penetra no espaço social, exercendo em todos os lugares e tempo a vigilância sobre a região, as moradias, as pessoas, a qualidade do ar e da terra e a moralidade. A consciência médica torna-se difusa, 40 aberta e móvel, presente na existência individual e também na vida coletiva. Nesse sentido, para Guarido (2010, p. 30): “a medicalização foi então tomada como expressão da difusão do saber médico no tecido social, como difusão de um conjunto de conhecimentos científicos no discurso comum, como uma operação de práticas médicas num contexto não terapêutico, mas político- social”. Gradativamente, além de curar as doenças, a medicina criará o saber sobre o saudável e “uma definição do homem modelo” que normatizará a sociedade (Foucault, 2011, p. 37). Esse saber influenciará as ciências do homem, que vão surgir no prolongamento das ciências da vida. Portanto, as ciências do homem estavam biologicamente e medicamente fundadas, usaram conceitos por transferência, além disso, seu objeto de estudo, o homem e a sociedade, estava caracterizado “pelo princípio do normal e do patológico” (Foucault, 2011, p. 39). Esse processo histórico retrata a constituição do biopoder que se refere “a ideia do poder médico ao mesmo tempo individualizante e totalizante, que intervém sobre cada um e sobre a população” (Martins & Peixoto Júnior, 2009, p. 161). O biopoder é o poder sobre a vida, que se estrutura a partir da integração entre mecanismos disciplinares (anatomopolítica) e de segurança e desses com a biopolítica. A governabilidade se configura em relações de poder com inúmeras técnicas para modificar, controlar, conduzir a conduta do outro. Dessa forma, a medicina, ancorada na Biologia, se torna soberana nas formulações discursivas que passam a constituir a existência humana, gerir a vida, a forma como o homem age para cuidar de sua saúde, bem-estar, representa a si mesmo. O biopoder provoca a moralização da conduta humana em relação à sua saúde. Esses discursos são veiculados pela mídia que divulgam como conhecimento científico, impessoal, técnico, universal e provocam a ilusão de controle técnico da vida (Guarido, 2010). Todas essas mudanças citadas anteriormente que representam o crescimento da extensão da atuação da medicina na sociedade e de seu poder pode ser compreendido como um processo 41 de medicalização do Estado e do surgimento do biopoder num contexto capitalista. Nesse contexto histórico, político e econômico é importante considerar o papel da indústria farmacêutica. Para Guarido (2010): A produção dos remédios (não somente os psiquiátricos) e seu uso não podem ser vistos apenas no campo científico e da prática médica, os remédios atualmente produzidos apresentam-se como novos bens a consumir, atrelados a condição de produção de bem- estar, felicidade, auto-realização (p. 33). Para o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015b, p. 12), “ao invés de se fabricarem remédios para doenças, fabricam-se doenças para remédios, com vistas ao aquecimento de um mercado que se abre para a indústria farmacêutica com a criação de supostas doenças”. Esse processo é alimentado por pesquisas, muitas vezes financiadas pela indústria farmacêutica, que supostamente comprovam a descoberta de novas doenças, assim como do sucesso no tratamento medicamentoso. Existe uma dinâmica política e institucional do setor da saúde, de um lado há um complexo de indústrias que produzem bens, dentre eles, os equipamentos médicos e insumos, as vacinas e a farmacêutica, do outro lado está quem consome todos esses bens e serviços. O que une esses dois lados é o saber profissional, ou seja, o médico. Se o profissional tiver uma visão interdisciplinar, será mais aberto a outros saberes e serviços, mas se a visão for biologicista, considerará apenas sua especialidade aumentando o consumo dos produtos a ela relacionados. Nesse processo, a mídia exerce um papel importante, pois as indústrias recorrem a estratégias de marketing que são direcionadas aos profissionais da saúde no geral e aos meios de comunicação (Temporão, 2013). No Brasil, o debate sobre medicalização da sociedade teve início com a tese de doutorado da socióloga Cecília Donnangelo, que foi professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP. Em sua tese, a autora pesquisou a relação entre saúde e sociedade, com destaque para a crescente medicalização da segunda a partir da ampliação dos 42 serviços médicos e da normatividade relativa às concepções da primeira. Outra socióloga, Madel Luz, alerta para o papel político dessas instituições médicas que promete salvação e felicidade à população (Moysés & Collares, 2013a). A medicalização atinge várias esferas da vida, dentre elas, a Educação, a partir da medicalização de crianças e adolescentes e da invenção das doenças do não-aprender para aquelas que não se encaixam em padrões uniformes e homogêneos de normalidade aplicados ao aprendizado (Moysés & Collares, 2010). Para compreender como esse fenômeno atinge a Educação será imprescindível aprofundar o resgate histórico das mudanças na sociedade, tendo em vista suas formas de produção, aspectos sociais, culturais e econômicos. O processo de medicalização da Educação1 transforma questões sociais em biológicas, como consequência, as instâncias de poder responsáveis pelos problemas educacionais são isentas de responsabilidade. Há diversidade na forma das pessoas aprenderem, no entanto, parcela significativa daquelas que apresentam dificuldade é diagnosticada com doenças neurológicas, cujo tratamento muitas vezes também é medicamentoso. Como consequência, “a medicina afirma que os graves – e crônicos – problemas do sistema educacional seriam decorrentes de doenças que ela, medicina, seria capaz de resolver, cria, assim, a demanda por seus serviços, ampliando a medicalização” (Moysés & Collares, 2010, p. 73). As explicações para o aluno que não aprende são, em sua maioria, centradas no sujeito, em suas condições sociais, reproduzindo a lógica excludente e medicalizante do sistema e constituindo uma cultura da repetência. A escola é uma “instituição medicalizada, adoecida e adoecedora desde seu início” (Collares & Moysés, 2014, p. 51). Portanto, para compreender 1 Quando eu usar a terminologia medicalização da Educação, estarei me referindo a questões macroestruturais, como aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais. Já o uso da terminologia medicalização na Educação irá se referir às práticas que acontecem no interior das instituições escolares que contribuem com a produção do referido fenômeno, que serão foco da presente pesquisa. 43 como o processo de medicalização da Educação se desenvolveu é importante resgatar as raízes históricas do modelo de escola dominante (Souza, 2014). Para Bonadio (2013) é importante investigar a história da Educação e da escola, para isso ela parte das sociedades tribais até as tendências pedagógicas contemporâneas para compreender o fenômeno da medicalização da Educação. As sociedades possuem estruturas, funcionamento e necessidades diferentes, conforme a época, o que faz com que a Educação se modifique para dar respostas às necessidades. A autora destaca ainda que: Recuperar a historicidade levar-nos-á ao desvelamento da educação contemporânea, da concepção de homem, de mundo, de sociedade e de cultura, determinados pelo capital e que refletem diretamente na escola e nas teorias pedagógicas de cada período histórico as quais se mesclam compondo a prática pedagógica do professor (Bonadio, 2013, p. 54). A sociedade tribal, segundo a autora, compreende um longo período do desenvolvimento da humanidade, quando o homem descobriu o fogo, depois criou os primeiros instrumentos para caça, aprendeu a cultivar alimentos, preparação para a guerra, assim como o surgimento da linguagem e da consciência. Isso revela que gradativamente as sociedades criavam necessidades mais complexas relacionadas à Educação de seus integrantes. A linguagem foi compreendida como fundamental para a organização social. A Educação passou a ser mais rígida, com disciplinamento, se baseava na tradição oral e na imitação, era difusa e coletiva, pois não havia a figura do mestre. Posteriormente, houve a criação da agricultura e do comércio, o surgimento das classes, do Estado e da religião, o que gerou a necessidade da invenção da escrita (Bonadio, 2013). Após analisar as sociedades tribais, Bonadio (2013) prossegue com informações acerca do período da Antiguidade, que tem início 4.000 anos a. C., quando surgiram as civilizações Oriental e Greco-Romana, com cidades e governos absolutos, Estado detentor de propriedade, classes sociais e centralização do poder. Tais mudanças provocaram alterações na Educação, 44 que deixou de ser difusa e igualitária para ser para poucos, houve a inserção da escrita, mas com permanência da aprendizagem por imitação e a criação da escola. A aprendizagem da leitura e da escrita, assim como a cultura, era destinada às classes dominantes, as que eram dominadas tinham, no máximo, acesso a aprendizagens de conteúdos técnicos, voltados para o trabalho, pois a “divisão do trabalho requeria um ensino diferenciado a classes diversas e afirmava o papel social que cada indivíduo devia ocupar na comunidade” (Manacorda, 2006 como citado por Bonadio, 2013, p. 63). A Educação da Grécia recebeu influência das civilizações localizadas no Oriente, mas apesar disso, era menos rígida e mais democrática. A classe dominante era preparada para a política e guerra, já os escravos e a plebe eram educados para o trabalho (Bonadio, 2013). Bonadio (2013, p. 67) relata que “no fim do período homérico e início do período arcaico, houve mudanças na organização dos grupos em decorrência das alterações nos modos de produção”, ocorrido por volta de 800 anos a. C., com a divisão das terras, propriedade privada, divisão do trabalho, entre artesãos e agricultores, criação da Cidade-Estado ou pólis. A educação ficava a cargo da família até os 7 anos, depois era responsabilidade do Estado, pois era pública e obrigatória, mas as meninas iam para uma casa destinada às mulheres para realizarem atividades domésticas e os meninos eram educados para alfabetização, música, dentre outros (Aranha, 2006 como citado por Bonadio, 2013). Posteriormente, Bonadio (2013) cita o declínio do Império Romano e aponta o surgimento da sociedade feudal e o crescimento da Igreja Católica, que passa a controlar a política, a moral e a Educação durante a Idade Média (período que engloba os séculos V e XV d.C.). Tais mudanças sociais provocaram a eliminação das escolas, abolição do direito romano, incentivo à economia de troca, oposição entre campo e cidade, surgimento dos países e escravidão. A escola era restrita aos clérigos e à nobreza e “servia como instrumento de poder” (Bonadio, 2013, p. 79). No século XIII a Escolástica surgiu, tendo São Tomás de Aquino como 45 um dos maiores divulgadores, que se baseia em princípios filosóficos de Platão e Aristóteles e os adequa à Igreja. O conhecimento não era inato, cada indivíduo tinha sua potencialidade que deveria ser transformada pela educação, ou seja, ele defendeu maior ênfase nas características e diferenças individuais. Apesar dessa defesa, Bonadio (2013, p. 77) sublinha que: Por muito tempo e não só na Idade Média, como também em boa parte da Idade Moderna, o povo permaneceu analfabeto, o conhecimento adquirido pelas pessoas estava atrelado ao senso comum, às suas experiências, às tradições e aos costumes. A perspectiva cultural estava limitada à fé, e a visão de mundo era alcançada por eles raramente pela escrita e frequentemente pela oralidade e por imagens carregadas de mensagens e de simbolismos cristãos. Apenas parte da população tinha acesso à escola, que se resumia às classes altas e aos monges, sendo que esses grupos tinham o poder de elaborar textos para difundir ideias e a cultura. Dessa forma, a partir da restrição do acesso à informação e o controle imposto à população, essa última enfrentava grandes obstáculos para se opor à essa situação. No entanto, entre os séculos XI e XIV, aconteceram as Cruzadas, que favoreceram o surgimento do comércio e da burguesia como nova classe, a Igreja não tinha mais o controle do poder e da Educação. Tais transformações sociais possibilitaram que a população não estivesse mais controlada pela religião. Inicia-se um novo período “que questionava as tradições cristãs e a autoridade da Igreja, caminhando para a superação da explicação divina dos fatos e para uma nova concepção de Educação em uma perspectiva humanista não mais escolástica” (Bonadio, 2013, p. 81). O final das Cruzadas culmina com o início do Renascimento (entre os séculos XIV e XVI), com mais alterações na Educação: A mudança no modo de produção e o surgimento da classe burguesa, impulsionada pela expansão do comércio, pelo uso do dinheiro e pela mais valia, alteraram a concepção de homem, de sociedade e, consequentemente, de educação. Para atender às necessidades e aos interesses deste período, era necessária uma formação voltada à preocupação de uma classe em ascensão, fugindo dos preceitos religiosos impostos pela Igreja na Idade Média (Bonadio, 2013, p. 82). 46 Escolas sem caráter religioso foram criadas com o objetivo de instruir a burguesia para poder cuidar de seus negócios. A produção manufatureira dividiu o trabalho, retirando dos artesãos o domínio de todo o processo do trabalho, em função disso, o trabalhador deveria ser especializado. Inicialmente não havia necessidade de instruir o trabalhador. Nesse contexto, a Educação deveria ser diferenciada conforme a classe social e funcionava como instrumento de poder das classes dominantes: Entretanto, ressalta Aranha (2006), havia a diferenciação entre a educação da alta nobreza, da pequena nobreza, da burguesia e das classes populares, cada educação deveria atingir um objetivo específico. A alta nobreza era educada nos castelos, por preceptores, sua formação era voltada à manutenção do domínio dos feudos e à garantia do poder, enquanto que a pequena nobreza e os burgueses, interessados na educação de seus filhos, buscavam uma escola capaz de os formar para a liderança, para a administração dos negócios e para a política. Não havia qualquer preocupação com a educação das pessoas que faziam parte dos segmentos populares, a elas seria destinada apenas a aprendizagem dos ofícios, nada mais (Bonadio, 2013, p. 87). A preocupação com a infância começou a ser discutida e a Educação foi organizada por faixa etária a partir da Idade Moderna. No entanto, a educação tinha como missão disciplinar e moralizar, sendo que a Igreja quem era responsável pela maioria das escolas (Ariès, 2006 como citado por Bonadio, 2013). Apenas com a Revolução Francesa que houve exigência para que a escola transmitisse conhecimento, pois a burguesia defendeu a Educação laica e obrigatória para diminuir o ensino religioso nas escolas e conquistar votos (Bonadio, 2013). O foco apenas na dimensão racional surgiu no século XVIII, que foi uma época de grandes mudanças da Europa, como por exemplo, o desenvolvimento das forças produtivas e a Revolução Industrial na Inglaterra (1780), as unificações entre reinos que constituíram Estados Nacionais, a Revolução Francesa (1789-1792) e o surgimento da ciência e sua valorização da racionalidade, com o advento do Iluminismo (Souza, 2014). Segundo Patto (2008), a ciência teve grande desenvolvimento e gerou impacto no crescimento industrial e em outras áreas, como por exemplo, na saúde. O pensamento cartesiano 47 a partir da obra do filósofo Descartes se tornou o fundamento dessas práticas científicas, tendo como base a supremacia da razão, tirando a legitimidade do saber religioso e contribuindo com a luta política entre nobreza, clero e os burgueses, em função das mudanças econômicas. As camadas pobres da população apresentavam grande insatisfação pela desigualdade social, o que gerou a elaboração de um projeto de sociedade que culminou na Revolução Francesa. A Revolução Industrial Inglesa e a Revolução Francesa são essenciais para compreender historicamente as concepções biologizantes e reducionistas sobre as dificuldades de aprendizagem. O surgimento e desenvolvimento da produção industrial provocaram a criação de redes comerciais que eram constituídas pela colonização, mercadores, especialização, tecnologia e atividade intelectual. Esse desenvolvimento provocou o êxodo da população do campo para a cidade e o surgimento de novas classes sociais, como a burguesia e o proletariado, como dito anteriormente (Patto, 2008). Era necessário consolidar os estados nacionais e a escola foi eleita como instituição fundamental para a concretização desse projeto. A França se espelhou no modelo do Estado Nacional da Prússia, que propunha um sistema nacional educacional, laico, subordinado aos interesses do Estado, rígida disciplina para formar súditos, mão de obra, ensinar costumes e desenvolver uma identidade nacional (Souza, 2014). Para Bonadio (2013, p. 91): As transformações desencadeadas pelo capitalismo determinaram mudanças em todos os setores da sociedade, entre eles, a educação, que deveria no referido momento, atender à lógica do mercado, para isto, a disciplina era necessária, assim como o desenvolvimento de habilidades e competências específicas ao mundo do trabalho. Apesar de defender a escola para todos, a burguesia propunha a diferenciação da educação dos pobres, que deveria ser focada em aspectos técnicos, voltados para o trabalho, o acesso à cultura era restrito às classes dominantes. Essa diferenciação era suficiente para que a burguesia controlasse a população mais pobre. Patto (2008) relembra que essas mudanças 48 políticas, sociais e econômicas também provocaram desdobramentos no desenvolvimento da ciência, que, consequentemente, contribuiu com a patologização da educação no século XIX. A autora denuncia que algumas teorias científicas surgiram para justificar as desigualdades sociais e o racismo, a partir de pesquisas feitas por biólogos, fisiologistas e médicos, que influenciaram outras áreas de conhecimento como a Psicologia e as Ciências Sociais. Para Patto (2008), a sociedade capitalista necessitava de conhecimentos científicos para manter as desigualdades sociais. Os primeiros especialistas que se preocuparam em investigar as causas das dificuldades escolares foram os médicos, principalmente os psiquiatras, durante o século XIX, quando surgiram as classificações que confundiam loucura com anormalidade orgânica, transferindo o conceito dos hospitais para a escola, rotulando as crianças que não aprendiam de anormais escolares. A partir de então, medir a capacidade intelectual passa a ser tarefa dos psicólogos na virada do século, quando surge a Psicologia diferencial, a busca pelas causas genéticas e as primeiras escalas métricas com Galton, Binet e Claparède, que se tornam referências nessa época. Buscavam descobrir quem era bem-dotado e retardado o mais precocemente. Dessa forma, a Psicologia foi uma das áreas que contribuiu para isso ao focar sua investigação em aspectos individuais e biológicos. Essas mudanças tiveram início na Europa, mas posteriormente atingiram o Brasil. No Brasil, a Psicologia se desenvolveu a partir de uma estreita relação com a Educação, nesse processo, passou por várias transformações que fizeram com que ora estivesse a serviço de interesses conservadores e capitalistas, ora produzisse reflexões e práticas que causaram revolução e emancipação. Essas diferenças se referem aos objetos de interesse, finalidades e métodos de investigação e intervenção, visão de homem, de mundo, de sociedade, de Educação e de escola (Barbosa & Souza, 2012). Os registros históricos datam do período colonial, mais especificamente a partir das práticas educativas realizadas pelos Jesuítas (1549 a 1759), quando os conhecimentos 49 psicológicos foram usados para fins educacionais para punir, corrigir e adaptar, em função do objetivo de catequizar e instruir as crianças na fé cristã. No ano de 1759 houve a Reforma Pombalina, que promoveu mudanças no sistema educacional a partir da influência iluminista e pôs fim à Educação dos Jesuítas (Barbosa & Souza, 2012). No século XIX, surgiram as primeiras escolas normais, voltadas para a formação de professores, onde foram realizadas pesquisas empíricas e práticas em Psicologia a partir da psicometria e higiene mental escolar, dando origem à Psicologia Educacional. O foco dos estudos da Psicologia nessa época era a criança anormal, que não aprendia, a partir dos estudos sobre desenvolvimento infantil, com grande mediação da Fisiologia, Biologia e da Medicina (Barbosa & Souza, 2012). Correia e Campos (2004) concordam que a Medicina influenciou enormemente a Psicologia do Brasil a partir dos modelos biológico e físico de ciência e do atendimento individual, que buscavam patologias orgânicas em crianças que não aprendiam. Esse modelo caracterizou o trabalho de muitos profissionais que atuaram em laboratórios que foram criados junto das instituições educacionais. O objetivo principal da Psicologia, nas primeiras décadas do século XX era diagnosticar as crianças em função de sua normalidade ou anormalidade, a partir dos testes, para atender os que possuíam maiores necessidades em salas especiais e realizar o tratamento terapêutico em serviços fora da escola, caracterizando a higiene mental escolar. Para compreender como ocorreu o processo de medicalização da e na Educação no Brasil, é importante resgatar historicamente como o Higienismo se desenvolveu no país. Para isso, textos do Grupo de Estudos e Pesquisas Higiene Mental e Eugenia – GEPHE2, da Universidade Estadual de Maringá, coordenado por Maria Lúcia Boarini, serão utilizados. O 2 http://old.ppi.uem.br/gephe/index.php/inicio 50 GEPHE estuda o desenvolvimento e o impacto dos ideais do Higienismo e da Eugenia no início do século XX no Brasil e como esse movimento influenciou instituições da Saúde e da Educação. A esse respeito Boarini (2006) aponta que: Tal retorno na história tem como estimulo [sic] a nossa hipótese de que estas orientações seguem vigorosas em nossos dias, apesar de transcorrido quase um século. Fundamentamos esta afirmação na comprovada freqüência da busca de recursos no campo da saúde, por parte dos educadores, para solucionar dificuldades encontradas no processo pedagógico (não-aprendizagem, comportamento indisciplinado etc.), sobretudo no Ensino Fundamental, e nas respostas oferecidas pelos psicólogos e médicos a esta demanda escolar (Boarini, 2006, p. 6517). O Higienismo surgiu no Brasil em meados do século XIX, quando o país vivia grandes transformações, como por exemplo, a abolição da escravidão, proclamação da república, surgimento do comércio e a industrialização, que provocaram o êxodo rural e a migração de milhares de pessoas para as regiões urbanas. As regiões urbanas não possuíam infraestrutura para isso, não havia saneamento básico, água potável, as moradias não eram adequadas, a população trabalhava em excesso, a alimentação não era boa, muitas pessoas sofriam com alcoolismo e os hábitos de higiene não eram adequados (Figueira & Boarini, 2014). Esses problemas causaram o surgimento de muitas doenças que podiam ser fatais, provocando mortalidade infantil. Os médicos higienistas se preocupavam com a saúde das crianças e da população em geral, pois “ia ganhando força a idéia de que eram a doença e a ignorância que minavam a possibilidade de o Brasil se tornar uma grande nação” (Boarini, 2006, p. 6519). O Higienismo propunha medidas sanitárias para controlar epidemias, organizar e limpar as cidades, mas seu caráter não era só isso, pois apresentava uma concepção de que o desenvolvimento do país dependia da superação dos problemas mentais da população pobre (Figueira & Boarini, 2014). Nesse sentido, surgiu o personagem Jeca tatu, criado por Monteiro Lobato, que foi usado em diversos contextos. Se o problema da higiene mental fosse resolvido, as causas da miséria humana estariam eliminadas (Boarini, 2006). Surge nesse movimento a 51 concepção do sujeito ideal ancorada na Eugenia, mas nem todos os médicos concordavam com isso (Figueira & Boarini, 2014). Boarini (2006) e Figueira e Boarini (2014) estudam a atuação dos médicos higienistas que pertenciam ou não à Liga Brasileira de Higiene Mental – LBHM. A LBHM foi fundada em 1923, não era constituída apenas por médicos e tinha o objetivo de desenvolver ações na saúde, mas com foco na saúde mental da população, para que os indivíduos pudessem se desenvolver, serem produtivos para o progresso da nação que vivia intensamente o processo de industrialização. O movimento higienista influenciou diversas instituições como a família, a escola, serviços de saúde e, além de ter sido muito importante para o desenvolvimento da Psicologia no início do século XX (Figueira & Boarini, 2014). Para compreender a gênese do fenômeno da medicalização da educação no Brasil, além de estudar o Higienismo, é fundamental em investigar “duas categorias históricas: a infância e a educação escolar” (Boarini, 2006, p. 6518). A autora menciona também que: Em linhas gerais, historicamente o reconhecimento da infância é gerado, estimulado e fortalecido pelas contingências colocadas pela transição de uma sociedade escravista para uma sociedade baseada no trabalho livre, que requisitava para seu desenvolvimento um grande número de pessoas sadias e disciplinadas para o trabalho. Coube ao médico e ao educador a tarefa de cuidar do corpo e modelar as idéias (Boarini, 2006, p. 6520). O desenvolvimento da ciência consolidou uma autoridade especializada na criação e educação das crianças. A atuação do professor também foi influenciada por isso com o propósito de se tornar uma extensão desse olhar especialista em sua prática cotidiana, para observar as alterações nos comportamentos e orientar a família a buscar o diagnóstico e tratamento adequado para o filho. Esse percurso desvela como a escola foi historicamente permeada pelo discurso médico e psicológico. Guarido (2010) destaca que o resgate histórico da formação da constituição da escola desvela que esse processo ocorreu a partir da intervenção 52 do Estado e de especialistas na educação com foco nas crianças, em decorrência da mudança na forma de compreender a infância. A constituição da instituição escolar é expressão da própria constituição moderna de infância. Assim, a infância na modernidade é reconhecida não somente como um tempo particular da constituição humana, mas também entendida como tempo de preparo e prevenção para a produção de indivíduos capazes para o trabalho saudáveis, do ponto de vista psíquico, para participarem do social (Guarido, 2010, pp. 35-36). O Estado e os especialistas da época consideravam que a família não teria condições de preparar as crianças a partir desse objetivo, então, foi proposto a formação de profissionais e instituições para orientar a educação das crianças, tendo em vista sua afetividade, moralidade e escolarização. No entanto, Guarido (2010) ressalta que: [...] as intervenções dirigidas às escolas e famílias tiveram raízes, em geral, nas teorias higienistas – bem como nas ideias preventivas da higiene mental-, nas teorias médicas sobre degeneração, nas concepções da puericultura e no desenvolvimento das técnicas e conceitos da psicometria e da Psicologia do desenvolvimento (p. 36). A escola foi eleita como fundamental para educar as crianças, pois ensinaria hábitos adequados e influenciaria no desenvolvimento da personalidade, para que crescessem e se tornassem adultos saudáveis, conforme os padrões da época. Dessa forma, a responsabilidade para intervir nos problemas da sociedade brasileira foi da Medicina e da Educação. Os higienistas se baseavam nos ideais iluministas e nas ciências da natureza. A partir dos novos padrões científicos, racionais e técnicos a escola foi toda reestruturada, tendo em vista sua arquitetura, mobília, comportamento, inteligência, métodos de ensino, dentre outros. Esse processo foi chamado de Higiene Mental Escolar (Boarini, 2006, Figueira & Boarini, 2014). A escola poderia realizar uma profilaxia mental e, para isso, o professor era um parceiro fundamental. Houve alterações na formação inicial dos professores com a inclusão de disciplinas de Psicologia, ministradas por médicos higienistas, que ensinavam os pressupostos higienistas. A educação escolar era comparada e organizada a partir do processo industrial, com 53 a contribuição da Psicologia Experimental. Além da formação, eram realizadas intervenções higienistas nas escolas por psicólogos, a partir da Psicometria, ancorada em concepções naturalistas sobre o funcionamento e desenvolvimento do psiquismo humano. Por meio dos testes psicológicos, a inteligência dos alunos era avaliada, classes homogêneas se formavam a partir disso. A concepção naturalista do psiquismo humano e a opção pelo pragmatismo da metrificação da capacidade humana favorecem a inclusão da psicometria como um dos principais instrumentos do ideário higienista. Medir a aptidão do homem para melhor adaptá-lo ao meio, através de hábitos sadios, que na seqüência gerariam uma conduta moral mais adequada e mais eficaz, portanto maior ajustamento individual à ordem social, era o grande desafio do Brasil que debutava na era industrial (Boarini, 2006, p. 6521). Para auxiliar o processo escolar de higiene mental, clínicas especializadas foram criadas. A primeira foi inaugurada pela Liga Brasileira de Higiene Mental, com o nome Clínica de Eufrenia, que tinha como objetivo “prevenir as doenças nervosas na infancia, corrigir as reacções psyqhicas anormaes [sic] e sublimar o caracter [sic] da juventude” (Caldas, 1932, p. 65). Nessa época a LBHM criou o setor de Ortofrenia e Higiene Mental no município do Rio de Janeiro para realizar exames médicos e psicológicos nos alunos “problemas” para reajustá- los (Wanderbroock, 2009 como citado por Figueira & Boarini, 2014). Os primeiros serviços voltados para a saúde do escolar foram criados na década de 30, por médicos (Barbosa & Souza, 2012), [...] Essa configuração fica evidente nos primeiros serviços de atendimento psicológico do país que tiveram configuração “educacional”. Em 1938 são criados o Serviço de Saúde Escolar, que teve o médico Durval Marcondes como coordenador em São Paulo, a Seção Técnica de Ortofrenia e Higiene Mental do Departamento de Educação e Cultura do Distrito Federal no Rio de Janeiro e a Clínica de Orientação Infantil no Rio de Janeiro. Esta última tinha o médico Arthur Ramos (1903-1949) como responsável. Tanto Durval Marcondes como Artur Ramos demonstraram ter forte ligação ao pensamento psicanalítico (Barbosa & Souza, 2012, p. 168). 54 A Higiene Mental Escolar e a Eugenia, desconsideraram aspectos históricos e sociais ao se basear apenas ao paradigma científico que foca as ciências naturais e exatas para explicar conflitos e contradições sociais que permeiam o processo educativo. A hipótese se fundamentava num determinismo biológico, retirando as possibilidades de os sujeitos agirem na sociedade. Para Boarini (2006, p. 6523), “atualmente, salvo erro de interpretação da nossa parte, há sinais de aproximações com os discursos e encaminhamentos de caráter higienista quando educadores recorrem com frequência ao campo da saúde para sanar dificuldades geradas no processo pedagógico”. No entanto, esse processo se agravou, pois há uso da psicofarmacologia para resolver os problemas sociais, escolares e adequar os sujeitos à norma vigente. Nessa época de vigência da Higiene Mental Escolar, a concepção teórica que dava subsídios para o ensino era a Pedagogia Tradicional, adotada no início do século XX, que se caracterizava por ser centrada no conteúdo, no professor preparado que transmitia o conhecimento, na disciplina rígida e nos castigos. Tal concepção não conseguiu universalizar a Educação, pois grande parte da população estava fora da escola. Além disso, no início do século XX houve a Primeira Guerra Mundial, que causou falta de credibilidade para a escola no tocante à sua missão de transformação social e superação da ignorância da população, o que também abalou a credibilidade da Pedagogia Tradicional (Bonadio, 2013). A Pedagogia Tradicional foi criticada e houve a proposta da Pedagogia Nova, que focava mais os métodos, a solidariedade, o desenvolvimento dos sentimentos. O professor deixou de ser o centro do processo de ensino, passou a ser um organizador dos processos e o aluno se tornou o centro. No entanto, ela era contraditória, pois propunha que todos deveriam ter a chance de ter acesso à escola, mas em função das diferenças individuais, só os mais capazes conseguiriam se desenvolver. Bonadio (2013) escreve que: 55 Neste sentido, a Escola Nova apresentava, em si, contradições, enquanto sua teoria pregava valores universais como a solidariedade, para livrar o homem do espírito egoísta e preservar sua moral, na prática, era impossível fugir do egoísmo, um dos princípios básicos da sociedade capitalista (p. 103). Para Bonadio (2013), a Pedagogia Nova se baseou no conhecimento das Ciências Biológicas e da Psicologia para compreender as diferenças individuais por meio do uso de testes psicológicos que eram desenvolvidos na época. Dessa forma, ela contribuiu com a inserção da Medicina e da Psicologia na Educação, mediada pelo movimento higienista, promovendo a individualização, rotulação e excluindo os aspectos históricos e sociais que permeiam o processo de escolarização. Nesse sentido, Bonadio (2013, p. 108) coloca que: Ao identificar, por meio dos testes, as “anormalidades psíquicas”, a Escola Nova ganha argumentos para enfatizar o respeito às diferenças individuais. As diferentes habilidades, capacidades, interesses, ritmos, ou seja, a diversidade é agora vista como própria de cada pessoa, cada ser é único e isto deve ser valorizado. Com esta teoria educacional, percebemos os primeiros passos para a biopsicologização da sociedade, da educação e da escola, e o início da cumplicidade ideológica entre Psicologia e Educação. O uso dos testes serviu para formar classes homogêneas conforme o desempenho cognitivo. Dessa forma, a Psicologia contribuiu com o fortalecimento de concepções naturalizantes para explicar o rendimento dos alunos que se adaptavam ou não à escola. Os pesquisadores elaboraram teorias com ênfase em aspectos biológicos, justificando a herança genética das aptidões humanas. Essas teorias subsidiaram a Eugenia, assim como o surgimento dos testes psicológicos para avaliar os mais e menos aptos, a inteligência. O objetivo era identificar e diagnosticar os anormais dentre os normais para segregá-los. A Psicologia, com seus testes, tornou-se necessária para demarcar a linha entre o normal e o patológico, contribuindo a identificação, classificação e rotulação da deficiência e da doença mental e pela organização de classes homogêneas. Em meio às péssimas condições em que a maioria da população brasileira se encontrava, era mais prudente conceber a pobreza como consequência de problemas biológicos vinculados à raça, sendo urgente eliminá-la. Neste cenário, a escola configurou-se como instrumento indispensável ao estabelecimento da ordem social, tornando-se espaço ideal à divulgação da ideologia da classe dominante, entendida como verdade absoluta e representada pelo movimento higienista (Bonadio, 2013, pp. 110-111). 56 Os alunos que não aprendiam ou que apresentavam comportamentos considerados inadequados dentro dessa cultura massificante e disciplinadora, eram diagnosticados como portadores de transtornos neurológicos, ou seja, o “modelo escolar hegemônico é uma mola mestra da medicalização da Educação” (Souza, 2014, p. 312). Após a Segunda Guerra Mundial, em meados do século XX, a produção industrial capitalista passou a ser organizada tendo como base o Taylorismo e o Fordismo. A partir do crescimento do capitalismo, surge a necessidade de formação de mão de obra para otimizar a produtividade e o lucro, o que provocou uma “potencialização deste processo de homogeinização nas práticas escolares” (Souza, 2014, p. 308). A escola, para servir ao capitalismo, passa a se assemelhar à fábrica com a Pedagogia Tecnicista, em função de sua organização baseada na fragmentação do conhecimento, trabalho repetitivo, homogeneidade, trabalho individual, submissão, racionalidade. Além do Taylorismo e do Fordismo, outra teoria que surgiu e influenciou a Psicologia e a Educação trata-se da Teoria da Carência Cultural, desenvolvida no Estados Unidos quando houve grande mobilização reivindicatória das minorias sociais, como a latina e negra. Essa mobilização gerou novas pesquisas para explicar as diferentes trajetórias escolares entre as classes sociais e grupos étnicos que apresentavam concepções ambientalistas, acríticas, biologizantes e etnocêntricas. O ambiente se reduzia à estimulação sensorial, os valores, normas, crenças mais adequadas ao desenvolvimento infantil eram determinadas a partir do ponto de vista das classes sociais dominantes. Tais pesquisas apontaram a inferioridade da criança pobre, coincidentemente latina e não branca. Essa inferioridade se explicaria porque os laços afetivos e a moralidade, assim como o não estímulo para conversar e para leitura em suas famílias, as deixariam menos preparadas para se adaptar às exigências da escola. A passagem abaixo de Patto (2008) retrata bem alguns desses aspectos: 57 Não é difícil localizar passagens nos milhares de textos que as integram, nos quais os adultos das classes subalternas são considerados agressivos, relapsos, desinteressados pelos filhos, inconstantes, viciados e imorais do que os das classes dominantes, a partir de interpretações visivelmente tendenciosas de situações ou comportamentos que estariam a exigir outras leituras, não fosse a forte e tradicional tendência social, da qual muitos pesquisadores participam, de fazer do pobre – visto como elo de ligação entre o selvagem e o civilizado – o depositário de todos os defeitos (p. 74). Como consequência, ao dizer que essas pessoas eram culpadas de seu fracasso, as condições sociais, políticas, econômicas e pedagógicas eram desconsideradas. Para Patto (2008), eram novas teorias elaboradas para justificar cientificamente os mesmos preconceitos sociais, baseadas em fatores ambientais e socioeconômicos que produziam déficits cognitivos e comportamentais nas crianças. A Teoria da Carência Cultural foi determinante na atuação do psicólogo frente às crianças que apresentavam dificuldade de aprendizagem, agravando o processo de patologização das crianças e adolescentes com problemas no processo de escolarização. Na década de 90, com o surgimento do neoliberalismo, a Pedagogia Tecnicista, ancorada no Behaviorismo e baseada no Taylorismo, foi criticada. Surge a concepção de que todos os sujeitos possuem a liberdade de escolha e devem ascender socialmente dependendo de sua capacidade, aptidão e iniciativa, o que intensificou a compreensão de que se o aluno fracassa, a culpa é dele. Para Kuenzer (1999) como citado por Bonadio (2013, p. 116), essa concepção contribui para formar consumidores, atendendo à lógica do mercado, para “a formação de um exército de sobrantes”. Para Eidt e Tuleski (2010, p. 124) o neoliberalismo intensificou “esse processo de deslocamento das questões sociais para o plano individual”. Segundo Paparelli (2010, p. 222): O trabalho do professor sofre, em síntese, um processo de reestruturação, no bojo do ideário neoliberal e das transformações das formas de organização do trabalho em geral. Essa reestruturação implica em polivalência, ou seja, desqualificação, desprofissionalização e intensificação do trabalho (tanto no sentido da ampliação das atividades, quanto no do aumento do número de alunos por sala), em precarização/flexibilização do trabalho e das relações de emprego no magistério, em 58 flexibilização dos processos educacionais (estruturas curriculares, avaliação). Significa também a incorporação da lógica da empregabilidade e da responsabilização exclusivamente individual dos próprios trabalhadores pelo seu sucesso profissional e pelos resultados educacionais. A descentralização proposta na década de 90, no Brasil, para as políticas educacionais foi mais voltada para a execução das ações e não para o planejamento e avaliação. Para o governo as escolas apresentavam o problema e a solução para os mesmos, por isso deveriam ter essa autonomia. Todavia, se os resultados não eram favoráveis, a responsabilidade era atribuída àqueles que estavam envolvidos na execução dos processos, consequentemente, gestores e professores (Cabral Neto, 2004). Esse raciocínio está em vigor até hoje, por isso que não são apenas os alunos os culpados pelo fracasso, os professores também foram culpabilizados e uma das justificativas estava centrada na sua formação insuficiente. Bonadio (2013, p. 116) coloca que os professores “são acusados de não atender à demanda dos alunos por uma educação moderna, capaz de desenvolver a criatividade, a flexibilidade, a adaptabilidade ao mundo de trabalho e as inovações e mudanças de uma sociedade, em constante desenvolvimento tecnológico”. Para Paparelli (2010), o professor vive uma experiência cotidiana contraditória, entre o que é anunciado como a missão inclusiva da escola e sua realidade excludente, por estar numa sociedade de classes que elabora políticas educacionais que promovem fracasso escolar. O professor é cobrado pelo Estado, pela sociedade, pelas famílias e alunos para o sucesso das práticas desenvolvidas na escola e responsabilizado por todos quando há fracassos. Nesse processo, o professor se desgasta muito mentalmente e perde o sentido do seu trabalho. Seu adoecimento ocorre gradativamente e tem relação com suas condições concretas de trabalho, mas as intervenções nesse sentido focam apenas o indivíduo que é diagnosticado e patologizado. 59 A recessão econômica da década de 90 provocou a flexibilização do trabalho, enfraquecimento dos sindicatos e a terceirização. Isso intensificou a concepção relacionada à aptidão individual, iniciativa e a necessidade da escola formar sujeitos flexíveis, ágeis para se adaptar ao mercado, criativos e com muita iniciativa. O individualismo também foi acirrado, atingiu as relações interpessoais e coletiva, assim como a naturalização da busca pela satisfação individual. Conforme Bonadio (2013, p. 118): A ênfase no individual favoreceu a naturalização do fracasso escolar e produziu, na escola, um ambiente favorável à propagação de concepções políticas, pedagógicas e sociológicas, afastando dos agentes sociais a crença na possibilidade de uma transformação social por meio de ações coletivas e intencionais com vistas à superação do capitalismo. A naturalização do fracasso escolar produziu imobilidade, ou seja, se o fracasso ou o sucesso dependem do indivíduo, basta que ele se esforce. As necessidades humanas também foram naturalizadas, indo na contramão da dialética que envolve as relações entre produção e consumo (Duarte, 2006 como citado por Bonadio, 2013). A partir de uma concepção marxista, entende-se que as necessidades são produzidas pelo mercado e não são naturais. Por meio dessa concepção é possível analisar a relação entre o fenômeno da medicalização na Educação e o crescimento da indústria farmacêutica. Nesse sentido, Bonadio (2013, p. 120) levanta a seguinte questão: Se a produção de mercadorias, como aponta o autor, apoiando-se em Marx, gera a produção de necessidades, estaria a sociedade, mediante os interesses econômicos das indústrias farmacêuticas, gerando a necessidade alienante de produção e manutenção das doenças escolares? Se pensarmos que para o consumo de medicamentos é preciso um organismo doente, estaria a sociedade capitalista produzindo este fenômeno para ampliar o consumo desenfreado de medicamentos? Como exemplo, a autora cita a indústria farmacêutica Novartis, fabricante da Ritalina, medicamento prescrito para o tratamento do TDAH. A Novartis financia pesquisas, publica materiais que afirmam a eficácia do medicamento, apoia sites de associações que defendem a 60 existência de doenças, como a Associação Brasileira de Déficit de Atenção. Para Bonadio (2013, p. 121): O uso de medicamento para amenizar tais sintomas se torna uma alternativa mais rápida e considerada eficiente pelos pais e pela escola, descartando o professor como mediador, fundamental para a aprendizagem e, consequentemente, para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, neste caso em específico a atenção. A alteração das práticas pedagógicas demandaria um tempo maior e intervenções em longo prazo, o que envolveria o trabalho não só do professor, mas de toda equipe pedagógica, abarcando ações coletivas. Campos Neto et al. (2012) realizaram uma pesquisa que indica a relação entre a indústria farmacêutica, advogados e a solicitação de medicamentos que devem ser custeados pelo Sistema Único de Saúde - SUS que são de alto custo e não estão previstos pela Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Rename. Nessa relação, a hipótese dos autores é que há uma parceria entre médicos, advogados e determinados laboratórios que produzem medicamentos de alto custo, pois um mesmo escritório recebe dezenas de solicitações de um mesmo medicamento, específico de um laboratório. Os autores não são contra ações judiciais nesse caráter, mas seus questionamentos são para solicitações de medicamentos que não estão previstos nas primeiras linhas de tratamento e que causam maior benefício aos pacientes, já disponibilizados pelo SUS. Quando a ação é ganha ao paciente, verbas são redirecionadas para a aquisição do medicamento em detrimento de outras ações que beneficiariam uma grande parcela da população. Para Campos Neto et al. (2012, p. 790): “esse fato pode ser um indício de que a Justiça e a medicina têm sido utilizadas para atender aos interesses da indústria farmacêutica”. Outro fato que merece atenção e está relacionada à relação entre advogados, médicos e indústria farmacêutica e integram o fenômeno da medicalização é o crescente número de projetos de lei que garantem o custeio do diagnóstico em massa e do tratamento de supostas doenças. Os defensores dessa lógica medicalizante ressaltam que é um direito da criança e da 61 família de ser diagnosticada e receber tratamento, portanto, cabe ao Estado garantir isso. No caso das patologias que envolvem o processo de escolarização, essa situação representa um retrocesso que transforma em patologias uma história de descaso das políticas públicas voltadas para a Educação (Souza, 2010). As mudanças que ocorreram na sociedade ocidental e no Brasil citadas acima, principalmente após o advento do capitalismo instauraram uma cultura ancorada na liberdade, no individualismo, consumismo, mérito pessoal, descentralização do estado, precarização das políticas sociais e das condições de trabalho, dificultam analisar a relação entre esse contexto e os problemas enfrentados no cotidiano escolar. Quando um aluno não se comporta como o esperado, não corresponde ao padrão de aprendizagem, a compreensão imediata e superficial para a causa do problema se baseia no indivíduo, que está supostamente doente, deve receber um tratamento médico e medicamentoso, a partir da ilusão de que o diagnóstico e o remédio resolveriam o problema (Bonadio, 2013). Nesse sentido, será importante estudar algumas supostas doenças neurológicas que têm sido diagnosticadas em crianças e adolescentes que não se adaptam à escola. Collares e Moysés (2014) relatam que desde a década de 80 houve o crescimento de diagnósticos de disfunções neurológicas para quem fracassa na escola, de forma que a maior parte, quando se trata de crianças e adolescentes, se refere à dislexia e aos supostos transtornos do comportamento, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH e o Transtorno Opositor Desafiador - TOD. As autoras Moysés e Collares (2010) resgatam as tentativas da Medicina para tentar descobrir a origem neurológica da Dislexia e do TDAH. De acordo com seus estudos, essa história começa em 1896 quando surgem hipóteses de doenças neurológicas que poderiam comprometer a aprendizagem e o comportamento. Nesse ano o médico James Hinsheldwood definiu a existência da cegueira verbal congênita para crianças que não conseguiam aprender a 62 ler e a escrever, que se baseia no pressuposto de um defeito cerebral. Essa hipótese nunca foi comprovada, no entanto, mesmo assim, surge em 1918 a ideia de uma lesão cerebral mínima, que seria pequena para acometer outras funções neurológicas, dessa forma prejudicaria apenas a aprendizagem. Em 1925, um neurologista americano, descreve situações em que as palavras formavam dois engramas, nos dois hemisférios, idênticos e simétricos (amor e roma, por exemplo). O cérebro que não conseguia anular a palavra incorreta realizaria a leitura especular, ou seja, a palavra seria lida de forma invertida. Segundo as autoras, esse sintoma se tornou um dos principais para se diagnosticar a dislexia. No entanto, nenhuma dessas hipóteses recebeu destaque e relevância por parte da sociedade científica, até a década de 60. No ano de 1962, em Oxford, acontece um workshop internacional com pesquisadores que tentavam descobrir a lesão cerebral mínima. Esses pesquisadores faziam uso de estudos anatomopatológicos com o uso de microscópios, mas não tinham encontrado nada. Concluíram que não havia a lesão cerebral mínima, mas sim a Disfunção Cerebral Mínima – DCM. Moysés e Collares (2010) enumeram como características do DCM: [...] a) acometer apenas comportamento e aprendizagem, justamente as áreas mais complexas e de maior complexidade à avaliação no ser humano, b) critérios subjetivos, vagos, sem definição (por exemplo: hiperatividade, agressividade, baixa tolerância a frustrações, entre inúmeros outros) e sem número mínimo de sinais, de modo que preencher um critério apenas já era suficiente para fazer o diagnóstico, c) ausência de sinais ao exame físico e neurológico, d) ausência de alterações em qualquer exame laboratorial, incluídos radiografia e eletroencefalograma (p. 77). A cegueira verbal congênita recebeu novo nome, a Dislexia Específica de Evolução, e quando essa era diagnosticada, o quadro de DCM também era dado. A partir de então, esses discursos começaram a ser utilizados pelos médicos e depois por psicólogos e pedagogos, atingindo o cotidiano escolar. 63 Moysés e Collares (1997) explicam que os profissionais tinham como principal justificativa para a situação educacional brasileira, os problemas de saúde dos alunos, com ênfase para a desnutrição e as disfunções neurológicas. Para as autoras, esses pressupostos não se referem a conhecimentos científicos, mas sim a preconceitos e formas de pensamento cristalizadas. A avaliação dessas crianças era feita a partir de exames de sangue, fezes e urina, eletroencefalograma e testes psicológicos. A explicação baseada na desnutrição foi desconstruída pelas próprias autoras, pois a maioria das crianças que frequentam a escola e que apresentam desnutrição, a possuem no grau leve. Apenas a desnutrição grave no início da vida e quando dura muitos anos pode prejudicar o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, sendo que estas, na fase da alfabetização, não estão plenamente desenvolvidas, por isso, essa justificativa não tinha fundamento científico (Collares & Moysés, 1994). Em meados da década de 80, a Academia Americana de Psiquiatria julgou que os critérios de DCM eram vagos, assim criaram o Distúrbio de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Após algumas críticas aqui no Brasil, o termo distúrbio foi trocado por transtorno, dando origem ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. A definição do TDAH considera a existência 18 sintomas, sendo nove de desatenção, seis de hiperatividade e três de impulsividade. O diagnóstico é feito a partir da existência de seis sintomas de desatenção e seis de hiperatividade e impulsividade, identificados a partir do relato do paciente e dos familiares (Moysés & Collares, 2010). Como dito anteriormente, Moysés e Collares (2010) consultaram uma série de pesquisas que tentaram comprovar cientificamente a origem neurológica tanto da dislexia quanto do TDAH, por meio de novas tecnologias como a neuroimagem e a genética. No entanto, nenhuma conseguiu tal comprovação. Apesar disso, os profissionais da saúde permanecem dando esse diagnóstico. 64 O medicamento Ritalina, prescrito para o tratamento do TDAH, é um psicotrópico que age como estimulante do sistema nervoso central. O mecanismo de ação é o mesmo da cocaína, pois aumenta o nível de dopamina no cérebro, que é responsável pela sensação de prazer, deixando o cérebro dessensibilizado a estímulos que dão prazer, provocando dependência química. O medicamento afeta todos os sistemas e aparelhos do corpo humano, principalmente o sistema nervoso, cardiovascular e endócrino-metabólico, podendo causar alucinações, agitação, sonolência, insônia, taquicardia, hipertensão, problemas de crescimento. As autoras dão destaque para o efeito zumbi-like “em que a pessoa fica contida em si mesma, obediente, ‘tranquila’”, mas que na verdade é reação adversa e indica que é necessário retirar imediatamente o medicamento (Moysés & Collares, 2013b, p. 16). Ainda Moysés e Collares (2013b) relatam que a Agency for Healthcare Research Quality, pertencente ao Department of Health Services, do governo dos Estados Unidos da América, realizou em 2011 uma metanálise, ou seja, pesquisa sobre as pesquisas publicadas, que tratavam dos tratamentos prescritos a crianças e adultos com TDAH. Aproximadamente, dez mil pesquisas entre 1980 e 2010 foram analisadas, mas apenas doze delas foram consideradas, as demais precisaram ser descartadas porque não apresentaram cientificidade. Dentre as doze publicações, os efeitos benéficos do uso de Metilfenidato foram apontados apenas para casos isolados de meninos em idade escolar, sem comprovação de melhora a longo prazo. A evidência de melhora foi relatada nas pesquisas que utilizaram orientação à família e mudança nas estratégias pedagógicas, mas não pelo uso do medicamento. Recentemente, o Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias de Saúde - Brats (2014) desvelou que o metilfenidato foi desenvolvido entre as décadas de 40 e 50, antes do TDAH ser proposto, o que ocorreu depois entre 60 e 70 do século XX. A análise das pesquisas que abordam o tratamento do TDAH com Metilfenidato indicou que não há consenso médico em relação à causa e origem do transtorno, a forma de diagnosticar é questionável, as pesquisas 65 sobre tratamentos não possuem qualidade metodológica, apresentam pouca generalização e eficácia, além de efeitos colaterais adversos (Brats, 2014). Por fim, “a doença não tem comprovação, o diagnóstico não se sustenta, o remédio não melhora” (Moysés & Collares, 2013b, p. 18), mas os diagnósticos só aumentam e envolvem uma rede multidisciplinar de profissionais, juntamente com os interesses da indústria farmacêutica. Segundo Souza (2010, p. 63), “com o advento do fortalecimento da genética, da neurologia e da neuropsicologia, os aspectos biológicos voltaram a ser aqueles que estariam na base dos problemas pedagógicos”. Como consequência, o diagnóstico dos problemas escolares passou a se basear em ressonâncias magnéticas, mapeamentos cerebrais. Nessa lógica, o tratamento e o acompanhamento da criança devem ser individuais. A concepção subjacente ao TDAH é que a atenção voluntária é biológica, depende apenas do amadurecimento orgânico. No entanto, a Psicologia Histórico-Cultural compreende que a atenção voluntária é uma função psicológica superior que é desenvolvida a partir da inserção do sujeito na cultura, por meio de mediações realizadas pelos adultos, da apropriação e internalização dos signos pertencentes à cultura, ou seja, é diferente da atenção como função psicológica elementar, que é natural ou biológico (Eidt & Tuleski, 2010). O Transtorno Opositor desafiador - TOD é outra doença que tem sido diagnosticada em adolescentes que apresentam problemas para se adaptar na escola. O TOD é previsto pela quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM V) como um transtorno disruptivo do controle de impulsos e da conduta que envolve problemas de autocontrole de emoções e de comportamentos que violam os direitos dos outros, colocam o indivíduo em conflito significativo com normas sociais ou figuras de autoridade, são mais comuns no sexo masculino, tendem a iniciar na infância e adolescência e ocorrem em indivíduos com desenvolvimento típico (American Psychiatric Association - APA, 2013). 66 Há três critérios diagnósticos para o TOD, sendo que o primeiro apresenta oito categorias: Um padrão de humor raivoso/irritável, de comportamento questionador/desafiante ou índole vingativa com duração de pelo menos seis meses, como evidenciado por pelo menos quatro sintomas de qualquer das categorias seguintes e exibido na interação com pelo menos um indivíduo que não seja um irmão. Humor Raivoso/Irritável 1. Com frequência perde a calma. 2. Com frequência é sensível ou facilmente incomodado. 3. Com frequência é raivoso e ressentido. Comportamento Questionador/Desafiante 4. Frequentemente questiona figuras de autoridade ou, no caso de crianças e adolescentes, adultos. 5. Frequentemente desafia acintosamente ou se recusa a obedecer a regras ou pedidos de figuras de autoridade. 6. Frequentemente incomoda deliberadamente outras pessoas. 7. Frequentemente culpa outros por seus erros ou mau comportamento. Índole Vingativa 8. Foi malvado ou vingativo pelo menos duas vezes nos últimos seis meses (APA, 2013, p. 462). O critério “b” define que o problema causado pelo transtorno gera sofrimento para a pessoa e em seu contexto social, como a família, colegas, trabalho, escola. O critério “c” coloca que esse padrão de comportamento não deve acontecer exclusivamente durante “transtorno psicótico, por uso de substância, depressivo ou bipolar” (APA, 2013, p. 462). Esse diagnóstico pode ser dado para crianças menores de cinco anos desde que o comportamento se apresente com frequência quase diária por pelo menos seis meses. Já para diagnosticar crianças a partir de cinco anos, os problemas comportamentais devem ter frequência de uma vez por semana, por no mínimo seis meses. O TOD pode ser diagnosticado ser diagnosticado a suposta alteração comportamental acontecer em apenas um contexto, como por exemplo, a escola. A etiologia do TOD está relacionada a ambientes marcados por violência doméstica, negligência familiar e neurobiológicos como por exemplo “menor reatividade da frequência cardíaca e da condutância da pele, reatividade do cortisol basal reduzida, anormalidades no córtex pré-frontal e na amígdala”, mas o próprio DSM V informa que as pesquisas realizadas 67 não separaram os sujeitos que tinham transtorno de conduta, por isso, “não está claro se existem marcadores específicos para o transtorno de oposição desafiante” (APA, 2013, p. 465). Portanto, assim como a Dislexia e o TDAH, o TOD também não apresenta comprovação científica e tem provocado muitos questionamentos, pois os críticos compreendem que se trata de mais uma patologia relacionada ao fenômeno da medicalização (Bonadio, 2013). Para Eidt e Tuleski (2010), a visão biologizante dissocia mente e corpo, não considera a relação entre indivíduo e sociedade, a importância da atividade do ser humano para o desenvolvimento. No entanto, ela está presente em muitas teorias da Psicologia, que foram criticadas por Vigotski. Para intervir no contexto educacional e enfrentar a medicalização na Educação, é fundamental compreender as transformações sociais causadas historicamente com o capitalismo: Se compreendemos que o desenvolvimento do capitalismo e, mais recentemente, que a reorganização desse modo de produção vêm gerando uma sociedade impaciente e imediatista, o que implica uma reestruturação de ações, comportamentos, afetos e sentimentos, e se concebemos que nos indivíduos estão consubstanciadas as características humanas comuns a cada época histórica, como mostra a Psicologia Histórico-Cultural, entende-se que os transtornos mentais e de comportamento, entre eles o TDAH, precisam ser analisados em suas múltiplas determinações, uma vez que expressam as contradições da sociedade atual (Eidt & Tuleski, 2010, p. 142). A medicalização, ao centrar as causas para os problemas de aprendizagem e comportamento no organismo do aluno e a problemas em relação ao funcionamento cerebral, não considera a dimensão simbólica da subjetividade a compreensão de que esse processo é fruto da ação humana e dos laços entre os sujeitos. Isso provoca um “esvaziamento do ato educativo e da densidade da experiência humana” (Guarido, 2010, p. 37). Além disso, quando se desresponsabiliza os sujeitos pelo o que lhes acontecem, surge a impotência para lidar com os sofrimentos e dificuldades, o que leva à busca pelo especialista. 68 2.3 O fracasso escolar do Sistema Educacional Brasileiro e a medicalização O fenômeno da medicalização se torna ainda mais grave quando analisamos o histórico fracasso do sistema educacional brasileiro. A evolução dos indicadores da escola brasileira no século XX mostra altos índices de fracasso escolar e das políticas educacionais. Na década de 40, o acesso à escola atingia em média 65% das crianças, no entanto, cerca de 60% era reprovada na 1ª série do primário. Esse índice de reprovação ocorreu nas décadas anteriores e continuou a ocorrer nas posteriores. Nos anos 90 o acesso à escola era bem maior, contemplando 93% da população em idade escolar, mas a reprovação era de cerca de metade dos alunos logo na 1ª série do 1º grau. Em 2005 apenas 46% de quem iniciava o Ensino Fundamental o concluía, sendo que 27% reprovava na 1ª série (Collares & Moysés, 2014). Segundo o censo escolar de 2016, publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP (2017), houve melhora das taxas de aprovação nos anos iniciais do Ensino Fundamental. As taxas de reprovação são maiores nos anos finais do Ensino Fundamental, entre o 6º e 9º ano e no Ensino Médio, conforme a figura três elaborada pelo INEP (2017). A linha preta da figura três revela que ainda há muita distorção idade-série, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, que apresentam entre 20 e 32,9%, respectivamente. O acesso ao Ensino Superior também é muito restrito. A conclusão de um curso superior é algo extremamente difícil no Brasil. Segundo o Mapa do Ensino Superior no Brasil publicado em 2015, apenas 18,5% dos trabalhadores com carteira assinada possuíam Ensino Superior, a maioria, aproximadamente 45,2%, tinha apenas o Ensino Médio (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior, 2015). 69 Figura 3. Média de alunos por turma, taxa de distorção idade-série e taxa de não aprovação. A Tabela 6 exibe as taxas de alfabetismo e letramento a partir de dados pesquisados do Indicador de Alfabetismo Funcional Brasil (Ação Criativa & Instituto Paulo Montenegro, 2016) no ano de 2015. Os dados, apesar de se tratar de uma amostra de cerca de 2000 pessoas, reiteram a discussão acerca dos alunos que atingem níveis de escolaridade sem ter aprendido a ler e a escrever. O analfabeto não consegue ler palavras simples, o rudimentar lê pequenos textos e realiza operações matemáticas simples, o elementar lê e interpreta pequenos textos, o intermediário consegue compreender diferentes gêneros textuais e realizar operações matemáticas mais complexas, o proficiente elabora textos complexos, soluciona problemas matemáticos e realiza operações mais complexas. É possível observar a existência de alunos com alfabetismo rudimentar em todos os níveis de ensino, apesar da redução no ensino médio e no superior, também há uma porcentagem elevada de alunos com alfabetismo elementar e intermediários no ensino médio e superior. O nível proficiente foi o menos encontrado. Por fim, 70 o ensino médio e o superior possuem em sua maioria, alunos com nível e alfabetismo elementar e intermediário. Tabela 6 Taxas de Alfabetismo e de Letramento Nota. Ação Criativa e Instituto Paulo Montenegro (2016). A Tabela 7 mostra dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2014, sobre o analfabetismo nas pessoas a partir de 15 anos. Os dados tratam da comparação do analfabetismo entre 2004 e 2013 e revelam que houve redução de 11,5% para 8,5%. Todas as regiões do país apresentaram redução nas taxas, com destaque para o nordeste que diminuiu 22,4% para 16,9%, mas apesar disso, as taxas relativas à área rural, à cor preta ou parda e acima dos 45 anos permanecem mais altas. 71 Tabela 7 Taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos ou mais de idade 2004/2013 Nota. IBGE (2014). Os dados da tabela 7 mostram que houve diminuição da taxa de analfabetismo entre 2004 e 2013, no entanto, o problema ainda existe e afeta milhões de pessoas, indicando falhas históricas das políticas educacionais no país e de todos os outros fatores, como mudanças 72 econômicas, políticas e sociais que interferem na Educação. Apesar disso, as explicações para o aluno que não aprende são, conforme visto anteriormente, centradas no sujeito, promovendo exclusão e medicalização (Collares & Moysés, 2014). Conforme dito anteriormente, a relação entre Psicologia e Educação foi influenciada pela Medicina tanto nas práticas de formação de professores, como no surgimento das clínicas especializadas em atender crianças com problemas no seu processo de escolarização. Esse modelo clínico-médico prevaleceu na Psicologia Educacional até a década de 80, quando teve início um conjunto de questionamentos acerca do papel social da Psicologia Escolar, da base teórica e de suas finalidades em relação à escola. Surgiram críticas em relação ao modelo de trabalho individualizante e patologizante, ancorado em preconceitos sociais, adotado até então. A partir desse momento, os profissionais começaram a propor pesquisas sobre o fracasso escolar, envolvendo o cotidiano escolar, relações institucionais, preconceitos sociais, práticas educativas (Souza, 2010). Essa concepção teórica inaugura um posicionamento político de compromisso com a população excluída, assim como impõe a necessidade de superar os referenciais teórico- metodológicos que reproduzem essa lógica excludente e medicalizante. Nesse sentido, as pesquisas qualitativas em Psicologia, tendo como base a Sociologia e a Antropologia, trazem subsídios que buscam analisar o processo de escolarização e sua complexidade. Para Souza (2010): Ao considerar o processo de escolarização, a Psicologia Escolar passa a enfatizar a necessidade de que a escola é o espaço em que relações sociais e individuais se articulam numa rede de relações complexas e que precisam ser analisadas como tal. Ou seja, quando o psicólogo recebe uma queixa escolar, esta se constitui em um fragmento de uma complexa rede de relações sociais com as quais ele terá que trabalhar a partir de seu campo de conhecimento (pp. 60-61). A compreensão mais crítica e complexa do processo de escolarização levou diversos autores a questionarem a prática dos profissionais de educação de encaminhar os alunos com 73 dificuldades de aprendizagem ou com comportamento inadequado aos especialistas, desconsiderando os aspectos pedagógicos, institucionais, do próprio sistema educacional (M. Souza, 2007). Algumas pesquisas investigam o perfil das demandas de crianças e adolescentes encaminhados para atendimento em serviços de saúde. Braga e Morais (2007) realizaram essa investigação em algumas unidades básicas de saúde da cidade de São Paulo/SP. Elas identificaram que 65-70% dos atendimentos em UBS eram de crianças e adolescentes, aproximadamente 50% das demandas refere-se à queixa escolar como dificuldade de aprendizagem e problemas de comportamento, 70% das crianças eram do sexo masculino, mais de 50% possuíam entre oito e nove anos e a maior parte dos encaminhamentos foi feita pela escola. Outros pesquisadores relatam em seus trabalhos que a queixa que predomina em serviços de saúde é escolar (M. Souza, 2007). Em pesquisa recente, Lucena (2016) e Collaço (2016) analisaram dados em suas pesquisas de mestrado que pertencem a um projeto de pesquisa interinstitucional denominado “Retrato da Medicalização da Infância no Estado do Paraná”, que busca realizar “levantamento demográfico da medicalização nas redes de ensino infantil e fundamental” (Lucena, 2016, p. 48). A pesquisa envolveu cinco universidades que coletaram dados em nove municípios. Lucena (2016) analisou os dados de quatro cidades (Maringá, Campo Mourão, Mandaguari e Paiçandu) acerca de crianças entre 0 e 6 anos, da Educação Infantil, que foram diagnosticas com algum transtorno mental e medicadas. A autora verificou que em todos os municípios havia crianças dessa faixa etária com diagnóstico e medicadas, com o seguinte perfil: [...] o uso de medicação cresce com a idade [...] os meninos são mais medicados que as meninas [...] a medicação mais prescrita é a Risperidona [...] a Risperidona é a droga mais usada para o tratamento do TDAH [...] o diagnóstico mais realizado é o de TDAH [...] o diagnóstico foi feito, na maioria das vezes, pelo médico (neurologista ou pediatra) [...] a maioria das crianças medicadas não fazia tratamento auxiliar (Lucena, 2016, p. 67). 74 Já Collaço (2016) focou os dados relativos às crianças diagnosticadas e medicadas que cursavam os anos iniciais do Ensino Fundamental (entre o 1º e o 5º ano) do município de Maringá e os dados se repetiram. Maringá é um município com mais de 360 mil habitantes, 45 escolas foram pesquisadas e 11.672 questionários respondidos. No total, 819 crianças tinham diagnóstico e tomavam remédio, sendo 608 meninos e 207 meninas, 656 tomavam Ritalina, 85 foram medicadas com Risperidona, um antipsicótico, além de outros medicamentos como Clonazepan e o Concerta. O diagnóstico mais frequente foi o TDAH, com 708 crianças, sendo os médicos neurologistas e neuropediatras quem mais diagnosticaram e prescreveram o remédio. A pesquisa de Freire (2017) foi realizada em Salvador, Bahia. O objetivo do autor foi analisar de que maneira as queixas escolares são entendidas e atendidas em um Centro de Atenção Psicossocial da Criança e do Adolescente (CAPSi) local. Foram analisados 283 prontuários, a maioria dessas crianças e adolescentes, cerca de 73%, chegou até o serviço por demanda espontânea (44%) ou encaminhada de outros equipamentos da saúde (30%), sendo que 17% de escolas. Apesar da menor parte ter recebido encaminhamento das instituições educacionais, aproximadamente 55% dos pacientes tinha queixas escolares, totalizando 156 crianças e adolescentes. Desses pacientes com queixa escolar, 71% eram meninos, com idade entre 9 e 12 anos, pobres e estudantes do Ensino Fundamental I (33%), seguido do Ensino Infantil (17%) e Ensino Fundamental II (12%). No tocante ao diagnóstico, cerca de 38,6% dos prontuários não continha nenhuma informação, 18,4% tinham retardo mental, 11,9% Transtorno do Espectro Autista, 6,5% com TDAH e 5,9% Transtornos de Conduta. Os demais apresentavam transtornos mentais relacionados à ansiedade, personalidade, dentre outros. Os dados de Freire (2017) indicam que frequentemente há procura de serviços da saúde de pacientes com queixa escolar, encaminhados pela escola ou não. Tal fato intensifica o fenômeno da medicalização da Educação, pois a 75 intervenção que se busca está centrada em aspectos biológicos e psicológicos individuais, isentando outras instâncias de sua responsabilidade. Outros autores realizaram pesquisas com os profissionais da Educação para investigar a compreensão que tinham acerca das causas das dificuldades dos alunos. Para Sanches e Amarante (2014), os encaminhamentos revelam que a compreensão dos professores é que a dificuldade é do aluno, de forma que o espaço escolar atuou mais como lugar de diagnóstico do que com a busca por outras alternativas pedagógicas. Agitação, timidez, luto, mau comportamento foram vistos como doenças pelos profissionais da educação e da saúde, revelando a dificuldade em olhar uma criança que não cumpre as normas que não seja por motivo de distúrbios neurológicos. A prescrição de medicamentos se destacou, pois era pensada como possibilidade de contenção química e não melhora da criança. Assiste-se a uma submissão ao modelo medicalizante em que: a diferença é doença, há perda da capacidade de se sensibilizar pela dor do outro, a saúde deixa de ser fenômeno complexo para ser puramente biológica (Sanches & Amarante, 2014). Para aprofundar um pouco mais a interface entre a Educação e a Saúde, será importante buscar mais conhecimento em outras pesquisas que aprofundem a compreensão que os profissionais dessas áreas apresentam acerca das queixas escolares, possibilidades de superação dessas, além de diagnósticos, tratamentos. Legnani e Pereira (2015) fizeram uma pesquisa com o objetivo de investigar a concepção de dez professores acerca da medicalização da Educação e do TDAH. As autoras observaram que as professoras participantes possuíam uma concepção coincidente com a medicalizante, com destaque para a mediação dos discursos veiculados pela mídia para a constituição de sua visão sobre o tema. Elas partiam do princípio de que o ritmo de aprendizagem e padrão de comportamento adequado deveria ser homogêneo, ou seja, entendiam que todos devem agir dentro de um determinado padrão de normalidade. Quando o 76 aluno se desviava desse padrão, buscavam encaminhá-lo ao médico, com foco no diagnóstico e no envio do laudo médico, que era adotado como verdade definitiva, deixando em segundo plano o próprio discurso e prática pedagógica. As professoras compreendiam que o medicamento contribuiria com a aprendizagem, mas apesar disso, algumas levantaram alguns questionamentos e dúvidas acerca dos benefícios do tratamento com medicamento, principalmente o Metilfenidato, pois observaram que apesar do comportamento mais calmo, os alunos ficavam dopados, aéreos, alguns chegavam a melhorar suas notas, mas nem todos. Outro aspecto identificado foi que, após o diagnóstico, os alunos se tornaram homogeneizados, eram os alunos com TDAH, que viraram uma categoria que impedia o desenvolvimento de possibilidades de aprendizagem, pois elas foram demarcadas pelo laudo médico. Observa-se que as participantes desconheciam a discussão crítica acerca do fenômeno da medicalização da Educação. Para as autoras, “esse mecanismo coloca-se distante de ser uma solução, instaurando um ciclo de impotência e agravamento das dificuldades para todos, incluindo o professor, que vivencia essa problemática” (Legnani & Pereira, 2015, pp. 43-44). Leonardo e Suzuki (2016) também realizaram uma pesquisa com professores da rede pública e privada. O motivo que gerava encaminhamentos aos serviços de saúde tendia a ser mais relacionado a problemas de comportamento dos alunos, por agitação, agressividade ou falta de atenção, pois compreendem que na maioria dos casos era isso que gerava a dificuldade de aprendizagem. Esses dados retratam uma concepção biologizante acerca do desenvolvimento da atenção e do comportamento, cuja causa seria uma lesão cerebral. O sentimento de impotência também foi identificado, pois os profissionais não se sentiam capazes de fazer parte do processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Os medicamentos e a medicina se tornavam mercadorias para serem consumidas pela educação com o propósito de resolver seus problemas, o que representa uma compreensão e 77 alternativa a-histórica. Todos os professores entrevistados conheciam o Metilfenidato, relataram ter tido vários alunos que tomavam esse medicamento, sendo que alguns também usavam antidepressivos e outros medicamentos associados. Os medicamentos funcionam como terceirização da educação, pois liberam pais e professores de educar as crianças e adolescentes. O professor, ao mesmo tempo em que não se encontra incluído no processo de ensino e aprendizagem do aluno, se exclui ao reafirmar o papel do medicamento, o que revela um processo de alienação vivenciado pelo professor, como consequência da mercantilização da educação. O não reconhecimento do trabalho do professor como mediador da construção da aprendizagem e desenvolvimento, assim como o não reconhecimento do aluno como matéria-prima do seu trabalho, apresenta-se de forma objetivada no processo de medicalização na sociedade atual. O professor passa a dar importância ao medicamento, pois já não consegue administrar a relação escolar. Ao mesmo tempo, tornando-se “redentor” da sociedade no Estado burguês, esse professor se encontra respaldado pela medicação, quando precisa dela para que a aprendizagem ocorra nos limites da escola (Leonardo & Suzuki, 2016, p. 51). Santos, Tuleski e Franco (2016) realizaram pesquisa com professores de uma escola pública do estado do Paraná que possui IDEB alto, acima da média nacional. A hipótese das autoras era de que as práticas pedagógicas desenvolvidas na escola para garantir uma boa avaliação também contribuiriam para a redução de encaminhamentos, diagnósticos de transtornos de aprendizagem nos alunos e prescrição de medicamentos. No entanto, a escola possuía 5,35% de crianças diagnosticadas, sendo que em sua maioria com TDAH e medicadas com Ritalina. As professoras entrevistadas conheciam as consequências do uso do medicamento e algumas compreendiam que havia excesso de diagnósticos, sendo que nesses casos equivocados, a solução seria a família dar educação e limites para mudar o comportamento de algumas das crianças. Por outro lado, as profissionais não possuíam uma compreensão aprofundada acerca do TDAH, do uso do medicamento e nem tinham consciência 78 do impacto de uma prática pedagógica intencional para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, como por exemplo, da atenção voluntária. As professoras entrevistadas na pesquisa de Santos, Tuleski e Franco (2016) acreditavam que o remédio ajudava muito a mudar o comportamento dos alunos em sala, sendo que, em sua opinião, o maior problema era o comportamento e não a aprendizagem. Para as autoras, isso é reflexo da precarização da formação docente que faz com que compreendam a realidade de forma fragmentada (Silva, 2014 como citado por Santos, Tuleski & Franco, 2016). Nenhuma prática pedagógica diferenciada para contribuir com o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, dentre elas, a atenção voluntária, era desenvolvida. O aluno que não progredia na aprendizagem era encaminhado para o apoio pedagógico. Para as autoras “a medicação torna-se um fim em si mesmo e um suporte à prática do professor que pode continuar sendo a mesma” (Santos, Tuleski & Franco, 2016, p. 519). As autoras propõem três ações que podem contribuir com o enfrentamento da medicalização: informar e conscientizar os docentes, profissionais da saúde e familiares acerca das consequências para o desenvolvimento dos alunos relacionados à Ritalina, para desnaturalizar seu uso, os professores devem compreender sua responsabilidade em relação ao encaminhamento dos alunos para serem diagnosticados, em função das consequências, para que tenham consciência dos aspectos éticos envolvidos, buscar uma formação docente e uma atuação profissional para que desenvolvam práticas pedagógicas intencionais, que promovam mediações que possam promover o desenvolvimentos das funções psicológicas superiores, “de crianças humanizadas e livres das rédeas químicas que a medicalização impõe” (Santos, Tuleski & Franco, 2016, p. 521). A visão dos professores citada pelas pesquisas acima levanta questionamentos acerca de como está sendo a formação inicial e continuada dos mesmos na atualidade. Como visto anteriormente, a Psicologia tem mediado historicamente a formação do professor e os discursos 79 pedagógicos escolares. Para Carvalho (2000), a área que mais foi determinada se trata da alfabetização. Investigar como o professor reflete, elabora e realiza seu trabalho possibilita compreender como a Psicologia se faz presente em sua prática pedagógica. A partir disso, ela realizou uma pesquisa para investigar como os professores compreendem e recriam os conceitos da Psicologia em sua prática. As teorias estudadas pelos professores abordam, em sua maioria, o desenvolvimento infantil com foco na subordinação do: [...] processo pedagógico ao desenvolvimento das estruturas cognitivas da criança, ao considerar que o conteúdo básico de um currículo é o próprio processo de pensamento. Assim, são as estruturas cognitivas já existentes que orientam o processo de aprendizagem. Neste caso, o papel do professor alfabetizador consiste em observar, compreender e acompanhar a criança nas etapas de construção da leitura e da escrita, reorganizando didaticamente o material, de modo a torná-lo assimilável, de acordo com o estágio do desenvolvimento em que a criança se encontra (Carvalho, 2000, p. 4). Essas teorias, em sua maioria, consideram que a aprendizagem da escrita e da leitura na criança é um processo mecânico que depende, em sua maior parte, de aspectos maturacionais relacionados à percepção, aspectos visuais, auditivos e motricidade. A partir da Psicologia Histórico-Cultural, a autora critica essa visão tradicional, pois não há diferenciação entre os processos naturais e culturais para o desenvolvimento. Além disso, “as peculiaridades da escrita como um processo cultural que caracteriza ações especificamente humanas também foram desconsideradas nesse tipo de abordagem, bem como as mudanças que o domínio da alfabetização introduz no desenvolvimento do psiquismo infantil” (Carvalho, 2000, p. 06). Carvalho (2000), em sua pesquisa, verificou que a compreensão dos professores alfabetizadores da rede estadual paulista focava os aspectos maturacionais e cognitivos da criança. Outro aspecto relevante é que, para os entrevistados, a Psicologia é muito importante, mas não conseguiam ver a aplicação na prática pedagógica. A autora não atribuiu isso apenas 80 à formação inicial do professor e analisou o contexto da sua atuação profissional, tendo em vista a formação continuada oferecida pelo governo e as políticas educacionais implementadas. O governo do estado de São Paulo implementou a organização do ensino fundamental em ciclos no final da década de 90, o que ocasionou mudanças no processo de avaliação. A seriação valorizava a avaliação quantitativa e rígida anualmente, já os ciclos trouxeram a proposta da avaliação qualitativa e processual, o que trouxe muitas dúvidas aos professores, sem que as mesmas tivessem sido ouvidas e esclarecidas. Para os professores a “avaliação da aprendizagem, que passou a ser compreendida como uma facilitação do processo e o regime de promoção automática como um meio de rebaixamento da qualidade do ensino” (Carvalho, 2000, p. 13). Para Carvalho (2000), as teorias da Psicologia baseadas no Comportamentalismo e no Construtivismo que influenciaram as práticas de alfabetização nas décadas de 70 e 80 do século XX, respectivamente, juntamente com as reformas educacionais, contribuíram para que os profissionais da Educação separassem o processo de ensino-aprendizagem, com foco na maturação, compreendendo-os como distintos. Para a autora, o papel da Psicologia seria dar subsídios ao professor para que esse compreenda como ocorre a gênese e a história dos processos psíquicos, o papel do professor e do processo de ensino-aprendizagem para isso. Se seu papel não é cumprido, os profissionais da Educação agem a partir de sua experiência, sem embasamento, sem desenvolverem pensamento crítico e reflexivo, a partir do senso comum, organizam as atividades pedagógicas apenas conforme os interesses imediatos das crianças. Checchia (2015) realiza sua pesquisa no contexto da formação inicial de professoras com o objetivo de investigar contribuições da Psicologia Escolar por meio da disciplina Psicologia da Educação. Seus estudos teóricos acerca dos conteúdos geralmente ministrados nessa disciplina tendem a focar aspectos voltados para o desenvolvimento, a aprendizagem e a personalidade, de forma fragmentada, sem consistência teórica, sem articulação com o 81 cotidiano escolar e sem reflexão acerca das bases epistemológicas das teorias ministradas. Quando a formação acontece com esse direcionamento, não favorece a compreensão crítica sobre a vida diária escolar, os complexos fatores que a influenciam e sua relação com desenvolvimento e aprendizagem. Consequentemente, visões biologizantes acerca do desenvolvimento e da aprendizagem são constituídas por parte dos estudantes. Em oposição à essa proposta para a disciplina Psicologia da Educação, Checchia (2015) afirma que: Defendemos, portanto, a proposição de que a disciplina Psicologia da Educação pode consistir em uma importante aliada na luta pela humanização das relações e práticas escolares, tendo como alicerce discussões proferidas no campo da Psicologia Escolar voltadas para a problematização de estereótipos e preconceitos cientificamente legitimados que atravessam a vida diária escolar, do reducionismo de questões sociais ao âmbito individual no contexto da escola e suas implicações na vida escolar dos sujeitos, bem como para a explicitação do caráter ideológico de tradicionais teorizações psicológicas que preconizam a culpabilização de alunos ou de suas famílias e de professores pelo fracasso escolar (p. 222). Para a autora é fundamental apresentar as discussões da abordagem crítica em Psicologia Escolar para possibilitar reflexão acerca de visões reducionistas, preconceituosas, que são cientificamente legitimadas nas áreas da Saúde e da Educação, que promovem a desumanização das relações escolares e a medicalização dos alunos que apresentam problemas no seu processo de escolarização. Dessa forma, a análise crítica do contexto escolar e do processo de ensino e aprendizagem no contexto de formação inicial surge como possibilidade de defesa de uma educação de qualidade, emancipatória e não medicalizante (Checchia, 2015). Pensar a formação docente como uma estratégia de enfrentamento ao fenômeno da medicalização é fundamental, nesse sentido, seria interessante verificar se as pesquisas sobre o tema têm sido apropriadas pelos profissionais da Educação. Garrido e Moysés (2010) realizaram pesquisa bibliográfica para investigar se tinha acontecido alguma repercussão nas pesquisas realizadas nas áreas de Pedagogia, Psicologia e Medicina a partir da crítica à medicalização da aprendizagem, dos 39 trabalhos encontrados, apenas nove apresentavam 82 discussão crítica acerca do assunto, sendo três teóricos e seis empíricos. Apesar dos poucos trabalhos encontrados, as autoras apontam um avanço teórico e mudança de paradigma na compreensão do homem e da ciência. A área da educação concentrava o maior número de trabalhos críticos, fundamentados numa abordagem pedagógica criativa que buscava romper com a normatização a partir da compreensão sócio-histórica do desenvolvimento humano. Os trabalhos apontam que o caminho mais promissor para o enfrentamento da medicalização é a intervenção pedagógica. Para isso, Garrido e Moysés (2010) sugerem que a discussão sobre medicalização chegue aos cursos de formação em nível de graduação e nas licenciaturas, mas além disso: É de vital importância que a corrente medicalizadora predominante seja contraposta com uma casuística de sucesso escolar, alcançada a partir da abordagem alternativa às dificuldades de escolarização. O enfrentamento da abordagem medicalizante e de seu alto investimento em práticas de diagnóstico e medicação, inclusive com iniciativas para implantação dos diagnósticos na rotina das redes públicas de ensino, exige ações alternativas em outra direção, que ultrapasse o discurso teórico já consolidado. A mudança na forma de enxergar a criança rotulada, quando posta em prática, mostra-se o elemento principal para incrementar seu desempenho escolar, o que reforça o argumento da falibilidade dos pretensos diagnósticos (p. 158). Outra importante pesquisa para avaliar as produções teóricas acerca da medicalização da Educação foi a de Collaço (2016). A autora analisou 29 dissertações de mestrado e 16 teses de doutorado de programas de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP) nas áreas da Medicina com 12 trabalhos, Psicologia e Educação com 18. Dentre elas, 20 pesquisas, sendo 6 da Psicologia e 14 da Educação foram consideradas críticas em relação ao fenômeno da medicalização da vida e da educação, por incluírem em suas investigações modelos teóricos sobre o desenvolvimento humano que consideram as relações sociais, aspectos culturais, históricos. As demais pesquisas apresentavam um viés teórico e metodológico organicista e biologizante, centrando as causas para os transtornos exclusivamente no indivíduo, defendendo que o tratamento deveria ser medicamentoso. 83 Foi evidenciado, a partir da discussão das pesquisas que, se por um lado a área da Medicina é aquela que predomina a explicação biologizante e a defesa do tratamento medicamentoso, na direção oposta se tem a área da Educação, com o predomínio das análises mais críticas e problematizadoras sobre o fenômeno, enquanto que a área da Psicologia divide-se entre concepções biologizantes/reducionistas e críticas (Collaço, 2016, p. 62). Os dados de Collaço (2016), em comparação com os de Garrido e Moysés (2010), revelam um maior número de trabalhos críticos, com destaque para a área da educação. No entanto, apesar disso, o processo de medicalização na educação continua a aumentar, conforme os dados apresentados acima. Diante do exposto, é importante conhecer experiências relacionadas à formação inicial, continuada e relatos de práticas pedagógicas que buscam enfrentar o fenômeno da medicalização. Foi possível encontrar outras experiências de intervenção em formação inicial e continuada de professores. Ferreira, Gasparetto, Monteiro e Aquime (2013) relatam a experiência de uma disciplina de pós-graduação em que realizaram um grupo de reflexão com professores de uma escola pública. O grupo com os professores foi organizado a partir de explanações teóricas acerca da medicalização da educação com posterior debate. Os professores relataram suas dificuldades, apresentaram posições conservadoras, outros apontaram lacunas na formação, mas houve abertura para a discussão, o que possibilitou reflexão sobre o assunto. Groetaers, Lima e Peixoto (2013) realizaram um projeto com o objetivo de refletir com alunos de graduação em formação para a docência e seus professores acerca da medicalização da educação. Os autores realizaram palestras e debates, levaram informações sobre medicalização da educação. Os participantes desconheciam essa discussão, tinham poucas informações sobre os supostos transtornos e menos ainda acerca do uso de medicamentos e do envolvimento da indústria farmacêutica, o que fazia com que naturalizassem o diagnóstico e a prescrição medicamentosa. As atividades desenvolvidas favoreceram mudanças de opiniões e uma consciência mais crítica. 84 Santos, Balsani, Basoli e Navarro (2013) utilizaram o cinema em sua experiência de intervenção tendo como foco nos profissionais da educação, estudantes e membros da comunidade. A exibição dos filmes era mensal, com posterior discussão. A partir da experiência estética, conseguiam favorecer a reflexão, pois discutir um filme distanciava os participantes da realidade, mas ao mesmo tempo trazia elementos dela. Os participantes se envolveram nas atividades e os autores recomendam o uso dessa estratégia em intervenções com o objetivo de favorecer reflexão acerca da medicalização da Educação. Os textos que abordam a medicalização da Educação, também trazem outras contribuições que podem ser consideradas para pensar o enfrentamento a esse fenômeno que se somam às ações voltadas para a formação inicial e continuada e também possibilitam o fortalecimento das práticas pedagógicas, da humanização e qualidade da Educação. 2.4 Outras possibilidades de enfrentamento do fenômeno da medicalização na educação O Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015b), discute a necessidade de se compreender o fenômeno da medicalização, o que envolve estudar aspectos teóricos e discutir casos de forma coletiva, interdisciplinar, incluindo os diferentes serviços envolvidos, ou seja, de forma intersetorial. No tocante à Educação, o texto destaca a urgência em valorizar o trabalho docente para que novas práticas pedagógicas possam ser elaboradas. Sugere-se que seja feito o resgate da trajetória escolar, identificar e respeitar o que os alunos sabem e querem aprender. Além das ações acima, o documento recomenda buscar estratégias diferenciadas para o trabalho com a leitura e a escrita, usar diferentes gêneros textuais, tendo como objetivo ampliar os usos sociais da escrita, ampliar a capacidade leitora e a interpretação. Tendo em vista uma proposta de atuação interdisciplinar e intersetorial, Braga, Leite, Bray e Souza (2013) relatam uma experiência de atendimento a uma criança. Segundo os 85 autores, é muito importante resgatar o processo de escolarização da criança diagnosticada com TDAH, a partir do relato da família e profissionais da escola, além de encontros com a equipe, para refletir acerca da importância da mediação e condições para desenvolver a atenção voluntária, tendo como base os pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural. Isso possibilita a todos os envolvidos avaliar as condições concretas de ensino-aprendizagem e a desconstrução de pressupostos organicistas na origem da queixa escolar. Souza (2007) apresenta a proposta de Orientação à Queixa Escolar – OQE desenvolvida no serviço-escola do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Essa proposta de atendimento baseia-se na abordagem crítica em Psicologia escolar, que considera que a gênese da queixa escolar apresenta seu centro no processo de escolarização, por isso envolve a escola e seus personagens, como alunos, profissionais e familiares, que constituem uma rede de relações complexas. Além dessa rede de relações, há a compreensão de que o homem se constitui numa relação dialética com a sociedade, a partir de aspectos sociais, culturais, históricos e políticos. Dessa forma, a investigação da queixa, assim como a intervenção, leva em consideração todos esses elementos e personagens, não apenas o corpo do sujeito. O objetivo é propor ações reflexivas e que fortaleçam todos os envolvidos na direção da compreensão de forma mais complexa acerca do que levou a queixa e, a partir daí, que os participantes possam agir de forma a construir novas concepções e práticas e visem a transformação da situação. A Psicologia pode contribuir com o enfrentamento do processo de medicalização na educação ao realizar a mediação entre familiares, criança, professores e coordenadores e os profissionais da unidade básica de saúde na busca de novas estratégias pedagógicas. Essa mediação pode ser feita a partir da realização de questionamentos e reflexão sobre outras possibilidades contrárias à culpabilização e medicalização (Souza & Silva, 2013). Outra possibilidade de contribuição da Psicologia é acolher o sofrimento dos profissionais da 86 educação, seus sentimentos e valorizar seu trabalho, assim como mediar a situação de conflito entre profissionais e alunos. Gradativamente a visão dos profissionais em relação aos alunos e aos problemas escolares se modifica e pode gerar práticas menos autoritárias de resolução de conflitos e discursos com conteúdo diferente das explicações organicistas. Num artigo que publiquei anteriormente, relato uma experiência de supervisão de estágio em Psicologia realizado na instituição educacional em que o contato com os profissionais da escola favoreceu o acolhimento de seus sentimentos e sofrimento e a valorização de seu trabalho. Além disso, ao mediar a situação de conflito entre profissionais e alunos, gradativamente a visão dos profissionais em relação aos alunos e aos problemas escolares mudava, o que gerava práticas menos autoritárias de resolução de conflitos e discursos com conteúdo diferente das explicações organicistas (Calado, 2013). Basso (1998) explica que as condições de trabalho do professor são precárias, com jornadas extensas, desvalorização profissional, baixos salários, sem tempo para preparar aulas, corrigir trabalhos, discutir os problemas e trabalhar em equipe. As atividades desenvolvidas caracterizam-se pela reprodução mecânica, resultando numa prática alienante e prejudicando a qualidade de ensino. As aulas são desinteressantes para o aluno e o professor deixa de crescer como profissional e ser humano. Como consequência, o professor passa a trabalhar para garantir sua sobrevivência, o que não corresponde ao significado social do seu trabalho e acaba por provocar a ruptura entre significado e sentido de seu trabalho. Para Basso (1998, paginação irregular): No caso dos professores, o significado de seu trabalho é formado pela finalidade da ação de ensinar, isto é, pelo seu objetivo e pelo conteúdo concreto efetivado através das operações realizadas conscientemente pelo professor, considerando as condições reais e objetivas na condução do processo de apropriação do conhecimento pelo aluno. Para compreender-se, de modo efetivo, o significado do trabalho docente, é preciso destacar a ação mediadora realizada por outro ou outros indivíduos no processo de apropriação dos resultados da prática social. 87 Basso (1998) considera que a Educação formal possibilita a apropriação da cultura, o entendimento da realidade social de forma crítica e o desenvolvimento dos sujeitos participantes, quando a mediação realizada pelo professor em sua atividade pedagógica é consciente e intencional. A autora também ressalta a importância de propor uma formação inicial e continuada ao docente que possibilite a compreensão, a reflexão e a aquisição da consciência acerca do significado social de seu trabalho, o que facilitará o encontro com o sentido pessoal de sua atividade docente, proporcionando condições para que o profissional, mesmo sob condições de trabalho objetivas, não desenvolva atividades fragmentadas e alienadas. Asbahr (2005), tendo como base aos fundamentos da Psicologia Histórico-Cultural, realizou uma pesquisa para analisar a relação entre as condições de trabalho do professor em um contexto capitalista e as dificuldades para que estes se humanizem na realização da atividade pedagógica, visto que tais condições provocam alienação e prejudicam sua consciência. Por outro lado, o contato com os docentes no decorrer da pesquisa desvelou possibilidades de superar tal alienação que podem ser encontradas nas tentativas cotidianas e em que os professores discordam das visões e das teorias que buscam culpabilizar o aluno e sua família pelo fracasso escolar. A equipe, ao recusar tais concepções, busca tentativas de trabalhar em equipe, planejar suas aulas e conduzir suas atividades de forma mais humanizadora e é nesse processo contraditório que o sentido e o significado da atividade docente se encontram. Nessa direção, a autora propõe insistir na formação docente e nos momentos coletivos de trabalho para a construção do projeto político-pedagógico da escola, pois esse documento representa um projeto-atividade que ajuda a enfrentar a fragmentação do trabalho do professor. Para Bernardes (2012), quando o docente desenvolve a consciência do lugar que ocupa na sociedade, em relação à função social da escola e às possibilidades reais de ensino, é possível que a atividade pedagógica favoreça a consciência dos alunos. A consciência dos alunos, por 88 sua vez, implica no entendimento do lugar social que ocupam, da apropriação da produção humana construída historicamente e da necessidade de realizarem a atividade de estudo. Dessa forma, a constituição da consciência de professores e de alunos poderá ocorrer de forma dialética. Trata-se de um posicionamento de caráter dialético que possibilita a análise da transformação na consciência dos sujeitos da atividade pedagógica, estudantes e professor, que se estende à análise da transformação da práxis como atividade prática que produz mudanças no próprio objeto da atividade, a organização do ensino e o desenvolvimento dos sujeitos, por meio da atividade pedagógica (Bernardes, 2012, p. 216). Quando o professor transforma sua consciência, sua prática pedagógica também de modifica. Essa transformação está relacionada com o lugar social que o professor tem, suas condições de ensino, se o profissional possui estudos acerca da constituição do desenvolvimento humano a partir da Psicologia Histórico-Cultural, pois isso permitirá que compreenda as consequências das práticas sociais alienadas. Dito de outra forma, quando o docente se apropria em sua formação determinados conhecimentos teórico-científicos, ele entende a realidade escolar de forma mais complexa e se torna capaz de elaborar práticas para intervir nessa realidade. Nas palavras da autora “Considera-se, portanto, que a apropriação de conhecimento nos campos ontológico, gnosiológico, epistemológico e lógico sobre a constituição e desenvolvimento das funções psicológicas superiores como elemento essencial para a formação de professores” (Bernardes, 2012, p. 217). Nesse contexto as escolas que possibilitam maior participação, reflexão crítica acerca da prática pedagógica desenvolvida, como as que apresentam gestão democrática, pode contribuir com o enfrentamento do fenômeno da medicalização na Educação. Segundo Souza (2014), é frequente o relato de superação de sofrimento e dificuldade de aprendizagem de crianças anteriormente diagnosticadas com distúrbios neurológicos ou com suspeitas, ao estudarem em escolas que funcionam diferentemente do modelo hegemônico. 89 Observa-se que os autores citados acima, em sua maioria, apontam para a importância de desenvolver propostas de intervenção com o professor em formação inicial e continuada. Além dessas ações é necessário propor políticas públicas que enfrentem o fenômeno da medicalização. Nesse sentido, o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade3 tem realizado articulações com órgãos públicos de controle social, assim como ministérios, secretarias, vereadores, deputados e senadores com o objetivo de elaborar programas e políticas de enfrentamento ao fenômeno da medicalização. No ano de 2015, o Conselho do Mercado Comum do Sul - Mercosul publicou um documento com recomendações para combater a medicalização de crianças e adolescentes que incluem: criar diretrizes para prevenir a medicalização por meio de protocolos nacionais que controlem o consumo de medicamentos, de forma coerente com a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes (Mercosul, 2015). No mesmo ano, em função do documento do Mercosul e de reuniões com o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, o Ministério da Saúde publicou o documento “Recomendações do Ministério da Saúde para adoção de práticas não medicalizantes e para a publicação de protocolos municipais e estaduais de dispensação de metilfenidato para prevenir a excessiva medicalização de crianças e adolescentes”. A decisão se baseou em pesquisas que revelam o alto índice de venda de medicamentos para crianças, com uma preocupação voltada para a Ritalina. A elaboração de protocolos para a dispensação do metilfenidato é compreendida como uma prática desmedicalizante, no entanto, além dessa medida, o documento sugere como práticas a garantia da educação de qualidade e o atendimento multidisciplinar em serviços de saúde (Ministério da Saúde, 2015). 3 No site www.medicalizacao.org.br é possível ter acesso a todos os documentos, publicações e projetos de leis aprovados. 90 Após a publicação do Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Saúde envia para os conselhos e secretarias estaduais e municipais de saúde, em outubro de 2015, recomendações para “a promoção de práticas não medicalizantes por profissionais e serviços de saúde e a publicação de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para prescrição de metilfenidato, de modo a prevenir a excessiva medicalização de crianças e adolescentes” (Conselho Nacional de Saúde, 2015). Pouco tempo depois o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e do Adolescentes – CONANDA lança a Resolução nº 177, de 11 de dezembro de 2015, que “dispõe sobre o direito da criança e do adolescente de não serem submetidos à excessiva medicalização”. O Conanda compreende que a excessiva medicalização se trata de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes, de forma que é papel da rede de proteção realizar medidas que combatam esse fenômeno, buscando a qualidade do atendimento na educação e na saúde. O documento também ressalta a importância de se realizar medidas para combater a medicalização de adolescentes em conflito com a lei (CONANDA, 2015). No ano seguinte, a Secretaria de Educação Básica – SEB e Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI/MEC – enviam ofício para as secretarias municipais e estaduais com as Recomendações do Ministério da Saúde (2015), solicitando medidas que garantam a educação de qualidade (Ministério da Educação, 2016). No ano de 2016 a Subcomissão de Medicalização da Vida Cotidiana no Campo da Saúde e Sociedade, que constitui a Comissão de Saúde, Promoção Social, Trabalho e Mulher da Câmara dos Vereadores do Município de São Paulo, publicou um relatório que mostra a redução na prescrição de do Metilfenidato para crianças e adolescentes após a aprovação de um protocolo clínico que controle a prescrição desse medicamento e institui uma diretriz terapêutica com avaliação psicossocial, atendimento multidisciplinar e avaliação da situação educacional. Esse protocolo foi aprovado pela Portaria Nº 986/2014, da Secretaria Municipal 91 da Saúde de São Paulo, nesse ano. O relatório destaca a importância da adoção de abordagens não farmacológicas, além da participação da família e da escola. A figura quatro apresenta os dados publicados no relatório, com indicação de um crescimento vertiginoso entre 2008 e 2012, uma queda em 2013 em função de problemas na importação do medicamento, retomada do consumo em 2014, mas com a aprovação da referida portaria, o ano de 2015 apresenta uma significativa redução, passando de 444.057 unidades consumidas para 356.490. O documento justifica a queda porque as equipes multidisciplinares realizaram outras práticas que não as medicamentosas para cuidar dos casos atendidos. Além disso, há a observação de que a redução não foi maior porque o tratamento com remédio não pode ser interrompido abruptamente. De qualquer forma, será necessário acompanhar o consumo por mais tempo para avaliar o impacto da portaria (Câmara Municipal de São Paulo, 2016). Figura 4. Consumo de caixas de Metilfenidato em São Paulo entre 2008 e 2015 Nota. Câmara Municipal de São Paulo (2016). Conforme dito anteriormente, o Ministério da Saúde publicou em 2017 o documento “Assistência Farmacêutica em Pediatria no Brasil: recomendações e estratégias para a 92 ampliação da oferta, do acesso e do Uso racional de Medicamentos em crianças” (Ministério da Saúde, 2017). Após análise da realidade brasileira, diversas recomendações são propostas, assim como estratégias para que elas sejam realizadas. Dentre elas, algumas se referem explicitamente à medicalização de crianças e adolescentes, conforme abaixo: Recomendação 18: Garantir informações sobre acesso a medicamentos para crianças nas diretrizes do Ministério da saúde. Estratégia 18.1: revisar diretrizes para inclusão de informações sobre acesso a medicamentos para a população pediátrica nos protocolos do Ministério da saúde, especialmente: (i) Protocolos Clínicos e diretrizes terapêuticas e (ii) diretrizes diagnósticas e terapêuticas em oncologia (p. 45) Recomendação 22: elaborar protocolos para a assistência pediátrica no âmbito do SUS. Estratégia 22.2: elaborar protocolo de atenção à saúde mental pediátrica, com foco em ações não medicamentosas e, sempre que possível, desmedicalizantes, como no caso do transtorno do déficit de atenção com Hiperatividade (TDAH) (p. 55) Recomendação 24: Promover atividades sobre o Uso Racional de Medicamentos em Pediatria, direcionadas aos cidadãos, especialmente pais, cuidadores e educadores. Estratégia 24.2: incluir o tema “URM em Pediatria” nas atividades do Programa saúde na escola, política intersetorial da saúde e da educação. Estratégia 24.3: identificar as oportunidades de utilização das práticas integrativas e complementares visando à redução do uso abusivo de medicamentos em crianças (ex.: psicofármacos, antibióticos, broncodilatadores, analgésicos, entre outras classes) (p. 60) Todos esses documentos destacam a importância de realizar ações que garantam os direitos das crianças e dos adolescentes de terem acesso à serviços e políticas de Educação e à Saúde com qualidade, por isso, responsabiliza os gestores e as políticas públicas, os órgãos de controle social, a rede de proteção, assim como os profissionais e familiares. É necessário realizar pesquisas científicas e com qualidade sobre os medicamentos, controlar a prescrição dos mesmos, garantir a realização de uma avaliação amplia e multidisciplinar, assim como o tratamento com diferentes abordagens terapêuticas. É importante também pensar em ações intersetoriais que envolvam a Assistência Social, a Saúde e a Educação. 93 Além disso, o resgate histórico das relações entre transformações sociais, políticas, econômicas, culturais e educacionais revelou a profunda identificação das ações voltadas ao campo educacional com o projeto capitalista que engendraram o fenômeno da medicalização da vida. Dentre essas ações é possível encontrar mudanças na produção do conhecimento que atingiram a Medicina, a Psicologia, as Ciências Sociais e a Educação, ancoradas em supostos padrões de normalidade e anormalidade que se voltavam para a classificação dos escolares e exclusão dos considerados não aptos. Teorias e práticas foram elaboradas para justificar que os problemas tinham origem biológica, precisavam ser diagnosticados e tratados pelos profissionais da saúde. No entanto, novos referenciais teóricos críticos foram elaborados e permitiram compreender que o processo de escolarização era determinado pelos processos sociais e históricos mais amplos, de modo que as práticas pedagógicas, a formação docente, os materiais didáticos, a infraestrutura das escolas, as teorias pedagógicas, as políticas educacionais expressavam tais determinantes, da mesma forma como favoreciam os altos índices de fracasso escolar. A nova compreensão permitia analisar as queixas escolares para além das categorias doente e saudável, normal ou anormal, de modo a contribuir para a elaboração de práticas escolares mais coerentes com a realidade dos estudantes, mais horizontais, no sentido da relação professor-aluno, e mais dinâmicas, na perspectiva da relação mediada. Por seu intermédio se tornou possível desmistificar os supostos transtornos associados ao processo ensino- aprendizagem, bem como contribuir para o efetivo desenvolvimento dos estudantes (Tada et al., 2017). Infelizmente, os dados acerca de consumo de medicamentos desvelam que apenas alterações de ordem teórica não foram e nem serão suficientes para mudar substancialmente as concepções e as práticas relativas ao processo educacional, notadamente porque a escola encontra-se diretamente relacionada com a dinâmica social mais ampla e, portanto, com os 94 significados ideológicos que conformam a lógica dessa dinâmica. As pesquisas citadas indicam possibilidades de enfrentamento ao fenômeno da medicalização, que se tornam possíveis a partir do momento em que a compreensão de sua gênese foi possível, por meio da concreticidade. As ações de enfrentamento precisam ser realizadas em várias direções, tendo em vista a formação de profissionais, conscientização acerca do fenômeno da medicalização e do consumo de medicamentos, elaboração de políticas públicas e de práticas desmedicalizantes. É nesse sentido que a presente pesquisa se insere. Observa-se que o conhecimento dos estudantes, futuros professores, acerca da medicalização, é incipiente, da mesma forma como não compreendem seu papel no processo de enfrentamento ao fenômeno. Para Libâneo (2015), a formação de professores é uma área de estudos que inclui questões externas e internas. As questões externas se relacionam com as políticas educacionais, legislação, estrutura curricular, saberes docentes. Já as questões internas se referem à atividade docente, como “saberes requeridos para o trabalho com alunos, participação na organização e gestão da escola, práticas de avaliação do currículo, dentre outros temas” (p. 12). Para a realização dessa pesquisa, elegi a atividade docente como foco, mas sem ignorar a relação dialética com as demais questões externas citadas por Libâneo (2015). Tendo em vista a relevância de dedicar essa tese à formação inicial, o foco foi delinear uma pesquisa que envolvesse alunos de pedagogia no contexto de formação inicial que possibilitasse a aprendizagem de conceitos científicos sobre medicalização da e na Educação na perspectiva da teoria da Psicologia Histórico-Cultural e a diretriz filosófica do materialismo histórico-dialético. Antes de abordar a teoria, foi necessário abordar os pressupostos referentes ao materialismo histórico-dialético. 95 3 Método Diferente de metodologia, que se trata das ferramentas usadas para levantar os dados da pesquisa e que são muitas, cuja escolha depende do objeto e do objetivo do estudo, o método indica a diretriz filosófica que norteia a produção de conhecimento que se efetiva por meio da pesquisa. Assim, método é a diretriz filosófica que preside todo o estudo em questão (Tonet, 2013). No caso da produção de conhecimento que toma por referencial teórico a Psicologia Histórico-Cultural, a partir da vertente desenvolvida por Vigotski, a diretriz filosófica, o método que norteia os estudos é o materialismo histórico-dialético. Os princípios do materialismo foram adotados pelo estudioso russo e incorporados à Psicologia, a partir do entendimento de que o ser humano é constituído socialmente, na interação com a natureza e com outras pessoas. Vigotski elaborou sua teoria “com base na tese da constituição histórica do homem, do sujeito”, ou seja, a partir do contexto histórico-social, das relações estabelecidas, do modelo de sociedade, da classe a que pertence (Facci, Barroco & Leonardo, 2009, p. 109). Abordar o método como fundamento filosófico e diretriz para a aquisição do conhecimento revela a necessária e fundamental articulação entre filosofia e ciência, sendo que a primeira dá a base para o desenvolvimento da segunda. Para que seja possível ter clareza sobre o fundamento filosófico que norteou o materialismo histórico-dialético marxista, será necessário elaborar algumas considerações acerca da problemática do conhecimento (Tonet, 2013). A problemática do conhecimento remete a dois pontos de vista: o gnosiológico e o ontológico. O ponto de vista gnosiológico elege o sujeito como central na produção do 96 conhecimento, o que significa que o caminho escolhido para a investigação do objeto ou fenômeno estudado, assim como os procedimentos, instrumentos e técnicas utilizadas serão definidas a priori pelo pesquisador, em detrimento daquilo que é estudado. O ponto de vista ontológico vai compreender que a centralidade da pesquisa é o objeto ou fenômeno a ser investigado, ou seja, ele é que vai direcionar o caminho a ser percorrido para o estudo, assim como os procedimentos, técnicas e instrumentos, conforme a pesquisa avança, e não a priori. O materialismo histórico-dialético, tal como elaborado por Marx, tem como diretriz o ponto de vista ontológico (Tonet, 2013). Para entender o ponto de vista ontológico e, consequentemente, o materialismo histórico-dialético, é importante realizar um breve resgate histórico da produção no âmbito da filosofia acerca do avanço na compreensão sobre a problemática do conhecimento. A história revela três momentos para a discussão da problemática do conhecimento: greco-medieval, moderno e marxiano (Tonet, 2013). Para compreender essas mudanças históricas é importante destacar o surgimento das classes sociais, como sujeito coletivo que constrói a história, a cultura e o conhecimento. O primeiro momento, greco-medieval, traz uma sociedade dividida entre escravos, servos e nobres, sendo que os primeiros serviam aos últimos. Para manter essa estrutura hierárquica, concepções foram criadas que a naturalizaram e disseminaram uma compreensão para o conhecimento, que passou a ser contemplativo, sem a necessidade de compreender a essência das coisas e sua gênese histórica, pois eram consideradas imutáveis. A centralidade estava no objeto e não no sujeito (Tonet, 2013). O tempo trouxe mudanças na forma de produção e na economia, surge o artesanato na transição da época medieval para a moderna, posteriormente o comércio, a manufatura e a indústria. Tais mudanças provocaram o surgimento de duas novas classes sociais, o proletariado e a burguesia. Surge o capitalismo e com ele necessidades de produção de conhecimento para 97 sustentar essa estrutura e funcionamento econômico, político, social e cultural. A burguesia, ao se preocupar com a produção de conhecimento, propôs transformações na Ciência que subsidiaram a elaboração de críticas para o padrão greco-medieval, que foi considerado como não científico, pois se baseava em especulações e não em experimentação e comprovação (Tonet, 2013). Nesse contexto de transformações, tem início o segundo momento, o moderno, para a problemática do conhecimento. Há mudança de paradigma que dá origem ao ponto de vista gnosiológico. Esse novo paradigma propõe transformar a natureza, não buscava a essência do objeto investigado, ou seja, compreender sua gênese, estrutura e funcionamento, mas a mensuração e experimentação, de forma que o sujeito se tornou o polo regente da investigação sobre o objeto estudado. O conceito de realidade também foi modificado, ela passa a ser considerada a partir do que é captado pelos sentidos, pela experiência e pela razão. Houve a valorização da razão para analisar tudo o que é captado pelos sentidos, mas essa era considerada inata e a-histórica. Também não se buscava compreender aspectos históricos dos fenômenos e objetos estudados. As classes sociais não eram consideradas elementos que interferiam na produção do conhecimento, como consequência, foram excluídas e houve a defesa da neutralidade científica. As ciências da natureza e as exatas foram as primeiras a serem reconhecidas e influenciaram o surgimento das ciências humanas (Tonet, 2013). Assim surge o positivismo como paradigma de ciência que pressupõe a naturalidade da ordem capitalista e a valorização da dimensão quantitativa das relações e fenômenos, o que contribui ainda mais para a produção de conhecimentos que deformam a realidade, ao invés de compreender sua estrutura e lógica. Isso acontece porque a centralidade na subjetividade pode provocar a dissociação entre a consciência e a realidade, o que prejudica a compreensão da segunda, de sua lógica e, consequentemente, a possibilidade do homem intervir para 98 transformá-la. Portanto, esse novo padrão de conhecimento desenvolvido pela burguesia poderia contribuir para sustentar essa nova classe social no poder. A burguesia provocou uma revolução inicialmente, mas posteriormente se tornou conservadora. Ela não possuía o interesse em conhecer a totalidade, ou seja, o profundo conhecimento dos fenômenos sociais para desvelar aspectos históricos e sociais. Por outro lado, o proletariado tinha esse interesse pela totalidade e necessitava de um conhecimento que possibilitasse criticar os processos sociais, econômicos, políticos e de produção para poder intervir nessa realidade e transformá-la na direção do desenvolvimento do modo de produção comunista. Nesse sentido, o ponto de vista gnosiológico não daria condições para atingir tal objetivo, apenas o ontológico, que é encontrado em Marx. Esse autor apresenta outra proposta para a problemática do conhecimento e inaugura o terceiro momento, o marxiano, por meio da realização de pesquisas e a proposta da ontologia do ser social. Marx inaugura uma abordagem crítica da problemática do conhecimento ao propor que para investigar um determinado objeto e/ou fenômeno, é necessário resgatar os aspectos históricos e sociais que o constituíram, o que possibilitará uma compreensão mais profunda (Tonet, 2013). Por ter proposto o ponto de vista ontológico, o autor não estabeleceu um método a priori para elaborar sua teoria sobre o ser social. Suas obras revelam o caminho que percorreu e oferecem a base para compreender o materialismo histórico-dialético, também adotado por Vygotsky. Segundo Paulo Netto (2011, p. 52): Não oferecemos ao leitor um conjunto de regras porque, para Marx, o método não é um conjunto de regras formais que se ‘aplicam’ a um objeto que foi recortado para uma investigação determinada nem, menos ainda, um conjunto de regras que o sujeito que pesquisa escolhe, conforme a sua vontade, para ‘enquadrar’ o seu objeto de investigação. Marx não elaborou uma teoria sobre o capital, ele revelou a lógica do capital. Para o autor, ser fiel ao objeto é escolher procedimentos de pesquisa conforme a estrutura e a dinâmica 99 do objeto. Conhecer, elaborar teoria sobre o objeto é saturá-lo com suas determinações concretas, que são elaboradas a partir da relação que o pesquisador estabelece com ele. Marx definiu três categorias que são nucleares para sua concepção teórico-metodológica: totalidade, mediação e contradição (Paulo Netto, 2011). Totalidade não é soma de todas as partes ou conhecer o funcionamento de todas elas. Para Kosik (1976, p. 35) “na realidade, totalidade não significa todos os fatos. Totalidade significa: realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjuntos de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido”. Os fatos possibilitam conhecer a realidade se são compreendidos de forma dialética, ou seja, como partes estruturais do todo e não imutáveis. A totalidade não visa compreender todos os aspectos da realidade. Cada fenômeno é um momento do todo, portanto, define a si e ao todo. As correlações entre parte e o todo com suas contradições ocorre em espiral, de forma que ocorre um movimento de reciprocidade em todos os conceitos que se elucidam entre si, promovendo a concreticidade, ou seja “ao todo dialético pertence a criação do todo e a criação da unidade, a unidade das contradições e a sua gênese” (Kosik, 1976, p. 42). Quando Marx se refere à sociedade, ele entende que essa é constituída por totalidades menores que possuem uma relação de contradição, mas também há relação dialética e movimento entre si. A sociedade possui sistemas de mediação internos que possibilitam estruturas mais ou menos complexas e é este processo e movimento que possibilitam a totalidade. É importante ressaltar que a totalidade não pode ser compreendida imediatamente, ela não está pronta para ser descoberta, é necessário desvelar o processo histórico, as determinações que promoveram a gênese e estrutura da mesma, por isso seu caráter é genético- dinâmico (Kosik, 1976). 100 O conceito de totalidade, como exposto por Kosik (1976), contribui para a compreensão de que o homem é sujeito social e histórico real: [...] no processo social de produção e reprodução cria a base e a superestrutura, forma a realidade social como totalidade de relações sociais, instituições e idéias, e nesta criação da realidade social objetiva cria ao mesmo tempo a si próprio, como ser histórico e social, dotado de sentidos e potencialidades humanas, e realiza o infinito processo da ‘humanização do homem’ (p. 51) A partir dessa compreensão sobre totalidade, Marx queria entender o que era o ser social. Para isso ele buscou investigar a gênese e estrutura da sociedade burguesa e capitalista, para saber como as relações sociais estabelecidas nesse contexto constituíam as pessoas e as relações humanas. Para Marx, as mudanças nas formas de produção geravam alterações nas relações sociais, produziram as categorias que são produtos históricos de uma época. O homem é um ser social e sua constituição se dá historicamente por meio das relações sociais originadas pelo trabalho e por outras atividades como a arte, a Educação, desenvolvidas em sociedade. Os indivíduos pertencem às classes sociais, por isso, a constituição do ser social apresenta dois polos que não são opostos, mas complementares, o individual e o coletivo. Para o autor as classes sociais são o sujeito fundamental da história e do conhecimento. Marx não rompe com as relações do homem com a natureza para compreender o ser social, mas essa relação não é a prioritária, pois há o processo de humanização decorrente da inserção em sociedade, das relações sociais estabelecidas a partir de aspectos históricos e econômicos (Paulo Netto, 2011). Na investigação de Marx, o trabalho foi analisado em primeiro lugar e de forma prioritária, pois este promove uma mediação dialética que transforma o sujeito e a natureza. Os animais realizam atividades, mas sem se separarem delas, ou seja, sem consciência. O ser humano, por meio do trabalho, cria coisas novas que são separadas de si próprio, assim ele adquire consciência do que faz, se humaniza com suas próprias criações, se torna prático, objetivo e racional. Esse processo pode ser definido como práxis humana, que possibilita sua 101 atividade, a construção histórica e social, sua subjetividade e a totalidade da sociedade. Por meio da práxis o homem cria sua própria realidade e sua essência (Kosik, 1976). Para a filosofia materialista a práxis não se divide em dois campos, teoria e prática. Ela é formadora e a forma do ser humano, na sua essência, revela o ser humano como ontocriativo, ou seja, aquele que cria a própria realidade e a compreende em sua totalidade, determina a “existência humana como elaboração da realidade” (Kosik, 1976, p. 202). A práxis cria a realidade humano-social, se produz historicamente, determina o homem em sua totalidade, tanto sua atividade objetiva como a formação de sua subjetividade, ou seja, sua atividade laborativa e existencial, da liberdade humana. O homem é um ser social só por existir, mesmo antes de se dar conta disso, ele age, pensa e sente numa malha de relações sociais, como sujeito social. No entanto, é necessário analisar como ocorre essa práxis. Será que toda práxis possibilitaria essa constituição do ser social e consciência do ser humano? Marx defende que os fenômenos escondem a sua essência, o contato com eles permite visualizar a sua aparência apenas, que pode ser uma representação, um pensamento comum e não a compreensão da sua gênese histórica, estrutura e funcionamento. Essa limitação na compreensão ocorre por inúmeros motivos, dentre eles há a práxis utilitária cotidiana, que é unilateral, fragmentada, promove uma compreensão superficial que pode ser definida como pseudoconcreticidade. A práxis utilitária cotidiana possibilita a elaboração do pensamento comum, a representação do fenômeno, mas isso não significa que é uma qualidade natural da realidade, “é a projeção, na consciência do sujeito, de determinadas condições históricas petrificadas” [itálico do autor] (Kosik, 1976, p. 15). A cotidianidade promove a alienação ao organizar as ações de cada sujeito por meio da repetição e faz com que o modo de viver seja transformado num inconsciente mecanismo irrefletido de vida. Essa situação ocorre em função da divisão das classes e do trabalho que não 102 permite o desenvolvimento da consciência histórica, o sujeito só consegue apreender o fenômeno parcialmente, sem compreender sua totalidade. Para compreender os fenômenos, é fundamental analisar as forças produtivas, as relações sociais, divisão e estrutura das classes sociais e as mudanças históricas que ocorreram nesses aspectos na constituição da sociedade. Esse resgate histórico permite elaborar categorias que vão representar a gênese, estrutura e funcionamento do que está sendo estudado, que também são elementos da totalidade. Dessa forma, as categorias são ontológicas, históricas, transitórias, foram criadas por meio do pensamento e da abstração e permitem compreender o ser social. A história pode romper com a cotidianidade, mas esta pode subjugar a primeira, pois ambas se interpenetram (Kosik, 1976). Na investigação que busca o resgate histórico, para atingir a essência, a totalidade sobre a constituição do ser social, é necessário desvelar a relação entre três dimensões do ser: singular, particular e universal. O homem é singular ao nascer, não traz a essência, mas como é um ser social, a partir da sua inserção em sociedade, das relações estabelecidas e atividades desenvolvidas, que são históricas, vai se constituindo e se concretizando na universalidade. O particular são as mediações que ocorrem a partir dessa inserção na sociedade, ou seja, pela relação indivíduo-sociedade que medeia a relação do sujeito com o gênero humano e a universalidade. A universalidade representa o conjunto de criações humanas acumuladas no decorrer da história (Oliveira, 2001). O capitalismo ao excluir as classes sociais no processo de produção de conhecimento, ao propor o positivismo como paradigma de ciência, suprime a mediação da relação entre indivíduo e sociedade, transformando-a na relação indivíduo-genericidade, o que gera um conhecimento superficial, fragmentado acerca da realidade. O conhecimento da realidade só pode ocorrer a partir do desvelamento das relações entre singular-particular-universal. Esse processo exige um tipo de raciocínio lógico, mas não a lógica formal que busca identificar a 103 caracterizar elementos que são estáticos, e sim a lógica dialética que busca apreender o movimento dos fenômenos estudados (Oliveira, 2001). Conforme Oliveira (2001), a lógica dialética permite transformar os movimentos do objeto estudado em leis do pensamento que se tornam conceitos possíveis de generalização. Ela possui duas leis: contraditoriedade e negação da negação. Na lei da contraditoriedade os polos opostos possuem relação de complementariedade e não de exclusão, portanto é necessário compreender como se dá esse movimento entre eles, seu elemento mediador. A lei da negação ocorre a partir do momento que o sujeito conhece o objeto investigado, identifica o que precisa ser modificado, promove a alteração sem eliminá-lo. A partir da lógica dialética o pesquisador pode elucidar os nexos causais entre os diferentes aspectos do fenômeno estudado. O método de pesquisa, então, deve partir da aparência em direção à essência, para que possibilite a reprodução no plano do pensamento da gênese, estrutura e dinâmica acerca do objeto investigado e a elaboração da teoria sobre o mesmo que seja o mais fiel possível a ele (Oliveira, 2001). O pesquisador, ao adotar o materialismo histórico-dialético como diretriz filosófica norteadora da produção de conhecimento, deve manter o ponto de partida de onde o pensamento teve início para ascender do abstrato ao concreto durante todo o processo, para que se garanta que o pensamento não se perca. A análise realizada pelo pensamento segue um movimento em espiral e no final chega a um resultado antes desconhecido do ponto de partida. Inicialmente o pensamento partiu de uma representação caótica do todo, gradativamente chegou aos conceitos, às abstrações que constituíram o fenômeno analisado, agora como uma rica totalidade de determinações. Esse movimento circular, denominado como détour, possibilita que “o concreto se torne compreensível através da mediação do abstrato, o todo através da mediação da parte” (Kosik, 1976, p. 30). A détour é o método do pensamento, seu movimento no plano abstrato, pois precisa negar a imediaticidade, é o movimento da “parte para o todo e do todo para a parte, 104 da totalidade para a contradição e da contradição para a totalidade, do objeto para o sujeito e do sujeito para o objeto” (Kosik, 1976, p. 30). Nas palavras de Marx (1987, p. 16): Assim, se começássemos pela população, teríamos uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples, do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações as mais simples. Chegados a esse ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com uma representação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas. O papel do pesquisador é fundamental, pois a metodologia não é elaborada a priori. O pesquisador deve descobrir a lógica do objeto, a investigação buscará aspectos cada vez mais simples que foram constituindo e determinando o objeto historicamente. Esse caminho do pensamento abstrato apresenta um complexo rico de determinações que possibilitaram a gênese do objeto, revelam as leis sobre sua estrutura e funcionamento. A abstração, para Marx, é uma capacidade intelectual que possibilita retirar/abstrair um elemento (que se torna abstrato) da totalidade, para que seja analisado isoladamente. O conhecimento teórico surge desse processo, portanto, não é perceptível imediatamente. Por meio da abstração o pesquisador retira um elemento para que seja analisado isoladamente nas suas relações com outros, o que permite a construção do conhecimento teórico pelo pensamento (Paulo Netto, 2011). Esse processo de elaboração teórica busca a concreticidade, começa pelas partes, apreende seus movimentos, suas relações até chegar ao todo. A concreticidade revela a síntese das determinações do objeto pelo pensamento, é o resultado final e não o início da investigação, por isso o movimento de apropriação teórica de um objeto ou fenômeno é circular, pois parte e retorna aos fatos (Kosik, 1976). Nesse sentido, o mais complexo explica o mais simples e não o contrário. As sociedades mais recentes são mais complexas do que as anteriores, por isso 105 apresentam elementos delas, pois foram constituídas a partir das estruturas sociais anteriores (Paulo Netto, 2011). Para Marx (1987, p. 20): A sociedade burguesa é a organização histórica mais desenvolvida, mais diferenciada da produção. As categorias que exprimem suas relações, compreensão de sua própria articulação, permitem penetrar na articulação e nas relações de produção de todas as formas de sociedades desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos se acha edificada, e cujos vestígios, não ultrapassados ainda, leva de arrastão desenvolvendo tudo que fora antes apenas indicado que toma assim a sua significação, etc. A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco. O que nas espécies inferiores indica uma forma superior não pode, ao contrário, ser compreendido senão quando se conhece a forma superior. A Economia burguesa fornece a chave da Economia da Antiguidade, etc. Conforme visto anteriormente, o materialismo histórico-dialético resgata as classes sociais e defende que elas são o sujeito principal da história. Nesse sentido, a pesquisa que objetiva produzir conhecimento acerca de um fenômeno não tem como ser neutra. O conhecimento verdadeiro exige duas condições para ser atingido: rigor do pesquisador e os interesses de classe. A relação entre sujeito e objeto pesquisado não é externa, o primeiro está implicado no segundo. Apesar disso, a falta de neutralidade não impede a objetividade (Tonet, 2013, Paulo Netto, 2011). Para compreender a estrutura de um fenômeno ou objeto é necessário um certo afastamento, uma reconstrução artificial da sua história por meio de uma atividade e da ciência. Implica em um ato de criação do homem que busca compreender o sentido do fenômeno ou objeto que se trata de um produto histórico-social. O materialismo histórico-dialético permite elaborar uma explicação profunda, que atinja a essência daquilo que é estudado, seu objetivo não é apenas descrever e explicar, mas sim dar subsídios para uma práxis revolucionária que rompa com a práxis utilitária, com a pseuconcreticidade e promova transformação da realidade. É necessário transcender a realidade naturalizada e compreendê-la como humano-social, ou 106 seja, entender que foi constituída pelo homem e que deverá ser modificada por ele (Kosik, 1976). Para Duarte (2000, p. 80) “Vigotski entendia ser necessária uma teoria que realizasse a mediação entre o materialismo dialético, enquanto filosofia de máximo grau de abrangência e universalidade, e os estudos sobre os fenômenos psíquicos concretos”. O autor queria aprender o método de Marx de fazer ciência para construir uma teoria de Psicologia geral que fosse marxista e superar a crise da Psicologia da época. Ele pretendia compreender como ocorria a humanização do homem, por meio da relação entre aspectos sociais e individuais, biológicos e histórico e a mediação de condições sócio-históricas nas mudanças biológicas (Facci, Barroco & Leonardo, 2009). A partir da análise da cultura e da história, para Vigotski a transmissão cultural realizada pelo adulto à criança é compreendida como um fator fundamental para o desenvolvimento cultural do ser humano e não do embrião. Isso reflete a compreensão do método dialético de Marx (Duarte, 2000). Para Vigotski, a escola é uma instituição que tem como função promover a apropriação do conhecimento e do patrimônio cultural acumulado pela sociedade por meio da aprendizagem de conceitos científicos. Quando essa aprendizagem acontece, promove o desenvolvimento dos sujeitos e oportuniza condições para que esses ajam de forma consciente e transformadora da realidade social. No entanto, a escola contemporânea tem sido caracterizada como uma instituição que promove o fracasso escolar em função de sua precariedade, índices ruins de aprendizagem, evasão, reprovação, que paradoxalmente são compreendidos como consequência de doenças, transtornos de origem orgânica, que acometeriam os estudantes. Trata-se do fenômeno da medicalização da educação, que leva à biologização de questões sociais, políticas e econômicas, naturalizando os fenômenos e isentando várias instâncias de suas responsabilidades (Leonardo, Leal & Franco, 2017). 107 Nesse sentido, a teoria de Vigotski e o método que ele adotou em seus estudos, tendo como base o materialismo histórico-dialético, poderão fundamentar a investigação e a compreensão da gênese do fenômeno da medicalização da vida, da e na Educação e sua determinação na formação inicial do professor, mais especificamente do pedagogo. Compreender a gênese desse fenômeno subsidiará a elaborações de práticas pedagógicas que possibilitem a mediação da aprendizagem de conceitos científicos sobre medicalização na Educação na formação inicial do pedagogo, e, consequentemente, a consciência de seu papel no enfrentamento do mesmo. 108 4 Psicologia Histórico-Cultural A medicalização é estudada por várias áreas do conhecimento, tendo como base diferentes teorias e metodologias. Conforme Barroco, Facci e Moraes (2017, p. 17), “consideramos necessário reconhecê-lo [fenômeno da medicalização] como algo histórico e vinculado com as relações sociais de produção, e não como mera prática de profissionais da saúde ou da educação, pouco interessados na população atendida”. A medicalização retrata como a vida em sociedade é organizada, repleta de contradições que causam inúmeros problemas e que são compreendidos e enfrentados por meio do viés individual, ou seja, é sempre o indivíduo que é o culpado ou que deverá resolver a situação. Isso acontece porque a sociedade burguesa não considera a historicidade do homem e como esse é um ser social, conforme explicitado no capítulo três sobre método. A Psicologia Histórico-Cultural pode contribuir com a compreensão do fenômeno da medicalização na Educação, tendo em vista a aprendizagem dos conceitos que o constituem, sua totalidade e, consequentemente, com a elaboração de formas de enfrentamento e superação do mesmo. Para a construção da presente tese, foram adotadas as produções teóricas do psicólogo bielorusso Lev Semenovich Vigotski (1896-1934), além das contribuições de Luria, Leontiev, Davydov e Elkonin, referentes à Psicologia Histórico-Cultural. Os conceitos eleitos como principais para essa pesquisa e foco desse capítulo foram: aprendizagem e desenvolvimento de conceitos científicos e mediação. Para que os mesmos possam ser explicitados, na primeira subseção será desenvolvida a compreensão do autor acerca do desenvolvimento biológico e cultural dos processos psicológicos humanos, a lei do desenvolvimento cultural, relação entre aprendizagem e desenvolvimento, internalização 109 mediação, a formação de conceitos, desenvolvimento de funções psicológicas superiores e consciência, o método genético-causal que desenvolveu em suas pesquisas, tendo como base o materialismo histórico-dialético como diretriz filosófica. Já na segunda subseção apresentarei os pressupostos teóricos acerca do experimento formativo, tendo como base a proposta de ensino desenvolvimental de Davydov (n.d.). Por fim, na terceira subseção, farei uma exposição mais sucinta da concepção teórica da Psicologia Histórico-Cultural acerca do brincar e do brinquedo. 4.1 Alguns Conceitos da Psicologia Histórico-Cultural Vigotski (2007) desenvolveu linhas de estudo sobre os processos psicológicos humanos e propôs que o homem possui desenvolvimento biológico e cultural. O autor parte do princípio de que existem duas linhas de desenvolvimento que diferem em sua origem, porém apresentam percurso em que se cruzam, os processos elementares e as funções psicológicas superiores. Os processos elementares têm como base os aspectos genéticos e maturacionais, mas esses não podem explicar as funções psicológicas superiores, pois estas se desenvolvem a partir da transmissão cultural. O autor compreendeu que o processo de trabalho, a atividade social e histórica constitui o universo social e uma cultura acumulada, sendo que o homem, ao se inserir nesse universo, se apropria dessa cultura e se modifica. Entretanto, as teorias baseadas no evolucionismo, a partir de uma visão biologizante, consideram que há uma única forma de desenvolvimento que é por meio do lento e gradual acúmulo de mudanças e crescimento. Essa visão considera incompatível que o desenvolvimento humano possa ser revolucionário e evolutivo. Vygotski compreendia que o desenvolvimento não é linear, possui saltos, regressões, pois se trata de um complexo processo de superação de dificuldades e adaptação (Rego, 2012). 110 Vigotski, juntamente com seu grupo de estudiosos, realizou uma análise das teorias psicológicas vigentes na época que estavam divididas em duas tendências divergentes entre si. Um grupo tinha como base a filosofia empirista, compreendia a Psicologia como ciência natural que deveria focar sua investigação na descrição de comportamentos observáveis. O segundo grupo, por outro lado, seguia os princípios da filosofia idealista, que compreendia a vida psíquica humana como manifestação do espírito, portanto, não seria possível estudá-la por meio de uma ciência objetiva. O primeiro grupo realizava estudos apenas sobre as funções psicológicas elementares, ignorando as funções psicológicas superiores tipicamente humanas, já o segundo as considerava e buscava realizar uma descrição subjetiva das mesmas. Vigotski concluiu que nenhuma dessas tendências teóricas possuía fundamentação suficiente para investigar as funções psicológicas superiores e defendeu que se tratava de um problema de método (Rego, 2012). Essa análise crítica feita pelo autor foi possível de ser elaborada, pois o mesmo adotou os fundamentos do materialismo histórico-dialético conforme proposto por Marx e Engels, conforme explicitado no capítulo três. Duarte (2000, p. 84) apresenta os princípios que Vigotski adota da dialética e o método inverso proposto por Marx. O psicólogo soviético defende a utilização, pela pesquisa psicológica, daquilo que ele chamava de “método inverso”, isto é, o estudo da essência de determinado fenômeno através da análise da forma mais desenvolvida alcançada por tal fenômeno. Por sua vez, a essência do fenômeno na sua forma mais desenvolvida não se apresenta ao pesquisador de forma imediata, mas sim de maneira mediatizada e essa mediação é realizada pelo processo de análise, o qual trabalha com abstrações. Trata-se do método dialético de apropriação do concreto pelo pensamento científico através da mediação do abstrato. A análise seria um momento do processo de conhecimento, necessário à compreensão da realidade investigada em seu todo 111 concreto. Vigotski adota assim, da dialética de Marx, dois princípios para a construção do conhecimento científico em psicologia: a abstração e a análise da forma mais desenvolvida. Para Duarte (2000), adotar o materialismo histórico-dialético fez com que Vigotski compreendesse a importância da interação entre o adulto, que é um ser humano mais desenvolvido, e a criança para promover o desenvolvimento cultural desta. Portanto, a Psicologia Histórico-Cultural busca elaborar um conhecimento crítico sobre a constituição do homem como ser social, por meio da investigação científica, que permite compreender a realidade tendo em vista sua dinâmica, suas transformações, que não são lineares, pois apresenta avanços, saltos, retrocessos. O pensamento crítico visa elucidar mais fielmente as contradições inerentes à realidade estudada, tendo em vista “sua estrutura, dinâmica e gênese - ser e devir” (Delari Júnior, 2015, p. 51). Nesse sentido, a investigação crítica elege a objetividade como critério, o que significa evitar subjetivismos, em que o pesquisador apresenta o real como acha que ele deve ser ou o considera estático, sem que tenha sofrido mudanças no decorrer de sua história, evitando dogmas ou verdades inquestionáveis. Portanto, definir a objetividade como critério não implica em ignorar a subjetividade, mas sim o subjetivismo. O conhecimento crítico exige uma prática transformadora da realidade estudada. Portanto, a investigação científica deve resultar num conhecimento verdadeiro sobre o objeto, a partir de uma questão prática, com o propósito de transformar a realidade e não como verdade metafísica e a-histórica, mas que promova a emancipação humana (Delari Júnior, 2015). A partir desses pressupostos teóricos, para investigar o desenvolvimento cultural é necessário a elaboração de um método específico, que deve ser “ao mesmo tempo premissa e produto, ferramenta e resultado da investigação4” (Vygotski, 2013, p. 46). No entanto, não há 4 “al mismo tiempo premisa y producto, herramienta y resultado de la investigación” 112 um método a priori, são diretrizes filosóficas para apreender o objeto, que por sua vez, direciona o método. A perspectiva epistemológica é substituída pela ontológica, na qual o processo de conhecimento visa desvendar a gênese e o desenvolvimento de cada objeto de estudo ao longo da história. As técnicas e instrumentos utilizados podem variar conforme o objeto de estudo, estágio do desenvolvimento do sujeito pesquisado, o que a pesquisa se propõe, ou seja, realizar uma análise, desvelar a gênese de algum processo e o tipo de pesquisa, se é clínica, experimental (Vygotski, 2013). Para Vygotski (2013), estudar historicamente é estudar algo em movimento, em gênese, não apenas o passado, isso é fundamental para o método dialético, pois possibilita investigar o processo de desenvolvimento do fenômeno em todas as suas etapas, seu surgimento até o desaparecimento, para ser possível conhecer a essência desse fenômeno. A pesquisa deve permitir observar um sistema em que coexistem as funções rudimentares e as atuais, proporcionando a análise da gênese das atuais. Nesse método, o ponto de partida são as funções atuais. Para o autor é muito importante estudar os primeiros momentos do desenvolvimento psíquico, que têm início nos bebês, período em que o desenvolvimento biológico se manifesta mais intensamente. Dessa forma é possível estudar as formas pré-históricas e a história do desenvolvimento das funções psicológicas superiores desde o nascimento, pois “na idade do bebê, se encontram as raízes genéticas das formas culturais básicas de comportamento”5 (Vygotski, 2013, p. 17). No entanto, o autor considera que a investigação sobre o desenvolvimento das funções psicológicas superiores não deve ser encerrada por volta dos três anos de idade da criança, quando o desenvolvimento dos processos biológicos/naturais se encerra, pois o pesquisador deve buscar as leis do desenvolvimento cultural e psicológico. 5 En la edad del bebé se encuentran las raíces genéticas de formas culturales básicas del comportamiento. 113 Isso se justifica, pois segundo o autor, as funções psicológicas superiores são conscientes, sociais, mediadas, voluntárias, e são resultado de um desenvolvimento cultural. Se trata, antes de tudo, de processos de domínio dos meios externos de desenvolvimento cultural e pensamento: linguagem, escrita, cálculo, desenho, e, segundo, dos processos de desenvolvimento das funções psíquicas superiores especiais, não limitadas ou determinadas exatamente, que na Psicologia tradicional são chamadas de atenção voluntária, memória lógica, formação de conceitos etc. Ambos, juntos, formam o que convencionalmente qualificamos como processos de desenvolvimento das formas superiores de comportamento da criança6 (Vygotski, 2013, p. 28). É difícil estudar separadamente o desenvolvimento biológico e cultural, pois na ontogênese, estão juntos. Apesar disso, são linhas independentes entre si de desenvolvimento. O desenvolvimento biológico surge em espécies anteriores, incluindo a Homo Sapiens, mas o histórico só surge quando o homem primitivo começou a criar a cultura, no entanto, a segunda não é uma evolução da primeira. A estrutura biológica e maturacional é a base para o desenvolvimento cultural, que, por sua vez, irá se sobrepor à primeira, sem modificá-la, de forma integrada e formando um todo, a partir da constituição das funções psicológicas superiores. Para Vygotski (2013) “no processo de desenvolvimento histórico, o homem social modifica os modos e procedimentos de seu comportamento, transforma suas inclinações e funções naturais, elabora e cria novas formas de comportamento especificamente culturais” (p. 33).7 A partir dessa compreensão, Vygotski (2013) propõe três teses que subsidiam a análise das funções psicológicas superiores. A primeira tese é que é importante estudar processos e não 6 Se trata, en primer lugar, de procesos de dominio de los medios externos del desarrollo cultural y del pensamiento: el lenguaje, la escritura, el cálculo, el dibujo, y, en segundo, de los procesos de desarrollo de las funciones psíquicas superiores especiales, no limitadas ni determinadas con exactitud, que en la psicología tradicional se denominan atención voluntaria, memoria lógica, formación de conceptos, etc. Tanto unos como otros, tomados en conjunto, forman lo que calificamos convencionalmente como procesos de desarrollo de las formas superiores de conducta del niño. 7 “En el proceso del desarrollo histórico, el hombre social modifica los modos y procedimientos de su conducta, transforma sus inclinaciones naturales y funciones, elabora y crea nuevas formas de comportamiento específicamente culturales”. 114 partes isoladas ou achar que um comportamento está pronto, estável e não sofre modificações. Deve-se analisar o movimento dinâmico que constitui sua história, que se trata do ponto de vista genético. No experimento planejado a partir do método genético causal de Vygotski, deve- se resgatar historicamente todos os momentos, etapas do desenvolvimento do processo investigado, identificando as etapas fossilizadas. Dessa forma você transforma o objeto estudado em processo. A segunda tese implica em compreender a diferença entre a descrição e a explicação numa análise. A Psicologia tradicional confunde descrição com análise, mas isso não explica o fenômeno investigado. O objetivo da análise é “revelar as relações e vínculos dinâmico-causais que formam a base de todo fenômeno8” (Vygotski, 2013, p. 100). Na perspectiva focada apenas na descrição, na Psicologia, a linguagem de uma criança pode ser confundida com a mesma qualidade, complexidade e função da linguagem de um adulto. Numa análise explicativa isso não acontece. É necessário compreender os processos históricos e culturais para desvelar o fenômeno para além da aparência, possibilitando a conscientização. A ciência deve ir além da descrição e da investigação da aparência, deve compreender sua natureza e origem, explicar seu surgimento. Em outras palavras, na análise da formação das funções psicológicas superiores é necessário compreender o nexo que há entre aspectos internos e externos, por meio das relações dinâmico-causais que existem na realidade. É importante explicar a manifestação externa do fenômeno investigado, mas não apenas isso, a compreensão de sua gênese, ou seja, origem e desenvolvimento, deve ser possibilitada. A terceira tese se refere às funções psicológicas fossilizadas: E, finalmente, nossa terceira tese fundamental consiste no seguinte: em psicologia, geralmente encontramos processos fossilizados, isto é, que depois de um longo período 8 “revelar o poner de manifiesto las relaciones y nexos dinámico-causales que constituyen la base de todo fenómeno”. 115 de desenvolvimento histórico foram petrificados. A fossilização do comportamento manifesta-se sobretudo nos chamados processos psíquicos automatizados ou mecanizados. São processos que, devido à sua longa operação, foram repetidos milhões de vezes e, por isso, são automatizados, perdem sua aparência primitiva e sua aparência externa não revela sua natureza interior, Diria-se que eles perdem todas as indicações de sua origem. Graças a essa automação, sua análise psicológica é muito difícil.9 (Vygotski, 2013, p. 104). Uma função psicológica atual possui diversas etapas cristalizadas e acabadas e todas as transições que ocorreram até a forma atual uniram as funções superiores com as primitivas, a ontogênese com a filogênese. As funções petrificadas permitem compreender o que é fundamental no processo de desenvolvimento das funções superiores estudadas. Os pesquisadores devem propor experimentos em que as funções fossilizadas estejam em movimento, ou seja, em constituição, antes de ficarem automatizadas e petrificadas, desvelando o desenvolvimento histórico desde o surgimento da função psicológica superior (Vygotski, 2013). Em síntese, as três teses são: análise do processo e não do objeto para desvelar o nexo dinâmico-causal e não caraterísticas externas apenas, análise explicativa e não descritiva, por fim, análise genética, que volte ao ponto de partida e possa construir todas as etapas do desenvolvimento até a situação presente, que apresenta funções psicológicas fossilizadas e petrificadas. A partir dessas três teses é possível compreender a origem, a gênese e a estrutura de todas as funções psicológicas superiores. A análise a ser realizada do experimento formativo desenvolvido nesta tese levou em consideração essas três teses explicitadas. 9 Y finalmente, nuestra tercera tesis fundamental consiste en lo siguiente: en psicología solemos encontrar con bastante frecuencia procesos ya fosilizados, es decir, que por haber tenido un largo período de desarrollo histórico se han petrificado. La fosilización de la conducta se manifiesta sobre todo en los llamados procesos psíquicos automatizados o mecanizados. Son procesos que por su largo funcionamiento se han repetido millones de veces y, debido a ello, se automatizan, pierden su aspecto primitivo y su apariencia externa no revela su naturaleza interior, diríase que pierden todos los indicios de su origen. Gracias a esa automatización su análisis psicológico resulta muy difícil. 116 Tendo em vista o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, um aspecto importante que deve ser investigado é o desenvolvimento do comportamento voluntário, a partir do controle consciente do mesmo. Isso ocorre a partir de um processo mediado por signos. Vias colaterais são formadas a partir da utilização de ferramentas ou signos que possibilitam realizar uma ação que sem eles não daria, que promove uma nova orientação e reestrutura toda a operação psíquica. O controle da conduta, ou comportamento voluntário, seria outra etapa do desenvolvimento, que promove uma nova superestrutura, mas mantém sua relação com as etapas anteriores, modificando a direção do desenvolvimento do comportamento. “Do mesmo modo que os instintos não desaparecem, mas são superados em reflexos condicionados, ou que os hábitos continuam a persistir na reação intelectual, as funções naturais continuam a existir dentro da cultura10” (Vygotski, 2013, p. 131). A formação de conceitos, julgamentos, deduções tem relação com essa etapa. A estrutura das funções psicológicas superiores é variável, pois possui sua própria história de desenvolvimento. As formas culturais de comportamento não são resultado apenas de hábitos externos, integram a parte da personalidade e dão origem a um sistema completamente novo. O desenvolvimento cultural promove um choque com as formas primitivas de desenvolvimento da criança, o primeiro ocupa lugar mais importante, pois o desenvolvimento vai ocorrer para promover uma adaptação ao meio. Vygotski formulou a lei do desenvolvimento cultural (2013, p. 149): Podemos formular a lei genética geral do desenvolvimento cultural da seguinte maneira: todas as funções do desenvolvimento cultural da criança aparecem em cena duas vezes, em dois planos, primeiro no nível social e depois no nível psicológico, inicialmente entre 10 Del mismo modo que no desaparecen los instintos, sino que se superan en los reflejos condicionados, o que los hábitos siguen perdurando en la reacción intelectual, las funciones naturales continúan existiendo dentro de las culturales. 117 os homens como categoria interpsíquica e depois dentro da criança como categoria intrapsíquica.11 As funções psicológicas superiores não são produto da biologia ou da filogênese, pois elas são relações de ordem social interiorizadas, fundamentam a estrutura social da personalidade, toda sua natureza é social, um social internalizado, ou seja, há uma sociogênese das formas superiores de comportamento que pode ser investigada no decorrer do desenvolvimento cultural da criança. Todas as funções psicológicas superiores foram primeiro externas e sociais e por meio da internalização se tornaram uma conduta interna, do sujeito. Isso acontece para a formação da atenção voluntária, a memória lógica, a formação de conceitos e o desenvolvimento do controle voluntário (Vygotski, 2013). A internalização das formas culturais não acontece a qualquer hora e de qualquer forma. É necessário que ocorram em determinado nível do seu desenvolvimento psíquico, pois há uma relação entre a maturação de seu organismo e o desenvolvimento cultural, de forma gradual, por acumulação, que pode promover mudanças significativas que provocam saltos no desenvolvimento, por isso se coloca que é revolucionário e coexiste com o evolutivo, de cunho biológico. O uso dos signos externos favorece a internalização, pois possibilita que o sujeito assimile as regras, a estrutura do processo. A internalização vai permitir que o sujeito tenha os signos internamente, o que fará com que abandone os externos (Vygotski, 2013). Dito de outra forma, o signo é usado para solucionar problemas psicológicos e sua ação é igual ao uso do instrumento no trabalho, mas no campo psicológico, exercendo função mediadora. O comportamento humano é afetado pelo uso de signos, assim como de 11 Podemos formular la ley genética general del desarrollo cultural del siguiente modo: toda función en el desarrollo cultural del niño aparece en escena dos veces, en dos planos, primero en el plano social y después en el psicológico, al principio entre los hombres como categoría interpsíquica y luego en el interior del niño como categoría intrapsíquica. 118 instrumentos, mas de formas diferentes. O instrumento influencia a atividade humana sobre o objeto da atividade, modificando-o e sendo orientado externamente. O signo modifica o sujeito, é orientado internamente. No entanto, o controle da natureza e o do comportamento estão interligados, pois a alteração que o homem provoca na natureza o modifica. O signo possibilita a transição para a atividade mediada, ampliando as operações psicológicas e contribuindo com a constituição das funções psicológicas superiores (Vigotski, 2007). A mediação passa a ocorrer internamente, por meio da reconstrução interna de uma operação externa. Essa internalização possui uma série de transformações: “uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente, um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal”, fazendo com que todas as funções do desenvolvimento da criança apareçam duas vezes, primeiro socialmente e depois individualmente a partir das operações com signos, a transformação “é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento” (Vigotski, 2007, pp. 57-58). A lógica infantil só se desenvolve a partir do momento em que a criança se apropria da linguagem e possui experiências de interação social. A linguagem foi elaborada pelo ser humano historicamente e contém tudo o que foi construído culturalmente no decorrer da história e é por meio dela que a criança apreende esse conteúdo acumulado e se desenvolve. No entanto o surgimento de novos comportamentos e funções psicológicas não se dá na criança de imediato, primeiro elas são externas e sociais, interpessoais, estão no grupo de crianças, organizadas por meio de um sistema de signos específico de uma cultura, só depois aparecem como conduta da própria criança, internalizadas. Dito de outra forma, primeiramente todo conhecimento é externo, aparece no meio social e é interpsicológico, por meio da mediação, o sujeito internaliza o conhecimento, que se torna intrapsicológico e passa a constituir seu pensamento (Vigotski, 2007). 119 Para Vygotski (2013), a linguagem é a função mais importante das relações sociais, do comportamento cultural e da personalidade. Entre os homens há relações diretas e mediadoras. As diretas são as instintivas, exemplificas por movimentos, ações e expressões. As mediadas são formas superiores possíveis pela criação dos signos que permitem novas formas de comunicação. No contexto de desenvolvimento cultural, a imitação se torna importante no desdobramento das funções psicológicas superiores. Os adultos dão o primeiro sentido aos gestos dos bebês e das crianças, que por sua vez, aprendem a imitar, mas só depois elas vão compreender e se apropriar, usando conscientemente esse gesto. Tal processo pode ser compreendido como mediação, relação mediada, por isso nos tornamos o que somos através dos outros, o que inclui cada comportamento, cada função psicológica superior, nossa personalidade (Vygotski, 2013). No caso das crianças com deficiência, suas limitações físicas influenciam seu desenvolvimento e podem interferir no surgimento das funções psicológicas superiores, mas uma observação mais cuidadosa revela que os instrumentos oportunizados pela cultura são feitos para quem não tem deficiência e/ou apresenta um desenvolvimento biológico sem deficiência. Os estudos da defectologia indicaram que seria importante ofertar às pessoas com deficiência linhas de desenvolvimento cultural diferentes, por compensação, como por exemplo, o braile para o cego ser alfabetizado, pois o sistema visual dos signos da escrita não estava acessível. Tais linhas podem se tornar vias colaterais de desenvolvimento que oferecem novas possibilidades e se tornam a base da compensação, assim a criança pode conseguir alcançar algo que não faria diretamente. Nesses casos, a atividade mediadora com o uso de signos se torna ainda mais importante para o desenvolvimento cultural da criança com deficiência, pois ela fornece a base estrutural para as formas culturais de comportamento (Vygotski, 2013). 120 Dessa forma, a cultura quando assimilada, realiza a função mediadora entre o processo histórico e o indivíduo e dá condições para o desenvolvimento do psiquismo humano. Essa mediação acontece a partir do signo que, por meio da linguagem, favorece o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Como dito anteriormente, a linguagem contém o conhecimento acumulado na cultura e é a partir dela que o homem se apropria da realidade através do processo de internalização (Vigotski, 2007). A inserção na cultura gera aprendizado, portanto, aprendizagem e desenvolvimento estão ligados desde o nascimento da criança. Da mesma forma, para Vigotskii (2006) “a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar” (p. 109), mas isso não significa que haverá continuidade direta quando acontecer a inserção na escola. Vigotski (2007) também analisou as teorias da época e suas concepções sobre a relação entre aprendizado e desenvolvimento. O autor identificou três concepções. A primeira considera que os processos de desenvolvimento são independentes do aprendizado. O aprendizado é um processo externo que se utiliza dos avanços do desenvolvimento. Da mesma forma, o aprendizado não interfere no desenvolvimento, mas para acontecer, é preciso que a criança esteja num determinado nível de desenvolvimento que, por sua vez, “é compreendido como elaboração e substituição das respostas inatas” (Vigotski, 2007, p. 89). A teoria de Piaget seria um exemplo. O segundo grupo de teorias compreende que aprendizado é desenvolvimento e estaria relacionado às propostas da reflexologia e do comportamentalismo. Para tais teorias o desenvolvimento acontece por meio do acúmulo de respostas, que ocorre através do aprendizado. O terceiro grupo combina as duas posições teóricas anteriores e seria representado pela Gestalt. Para esses estudiosos o desenvolvimento possui dois processos, a maturação e o aprendizado. A maturação torna possível o aprendizado específico, que por sua vez, estimula a maturação, atribuindo grande papel à aprendizagem. No entanto, para os pesquisadores dessa 121 posição, o desenvolvimento é maior que o aprendizado, ao dar um passo no aprendizado, o sujeito dá dois no desenvolvimento. Vigotski propõe que o aprendizado escolar promove novos processos no desenvolvimento. Para compreender a relação entre aprendizado e desenvolvimento o autor propõe o conceito de zona de desenvolvimento proximal que pressupõe dois níveis de desenvolvimento. O desenvolvimento real é o nível das funções psicológicas já concluídas, amadurecidas, são os produtos finais. O desenvolvimento potencial é o que está em amadurecimento e é promovido com mediação. A zona de desenvolvimento proximal é a distância entre a real e a potencial. A real mostra o desenvolvimento passado e a potencial, o futuro. Nas palavras de Rego (2012, pp. 73-74): A distância entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaboração com outros elementos do seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial) caracteriza aquilo que Vygotsky chamou de “zona de desenvolvimento potencial ou proximal”. Tendo em vista o conceito de zona de desenvolvimento proximal, os dois níveis de desenvolvimento devem ser considerados para avaliar os problemas educacionais e direcionar o ensino, que precisa ser intencionalmente organizado, considerando as funções psicológicas superiores que estão em processo e não apenas as já constituídas. Por isso o autor define que o bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento, deve promove-lo e não andar a reboque do mesmo, ou seja, ser organizado conforme apenas o que a criança faz sozinha que traduz seu desenvolvimento real. Para Vigotski, (2007) aprendizagem não é desenvolvimento, mas a primeira movimenta vários processos no segundo que não ocorreriam sem ela. O desenvolvimento é mais lento que o aprendizado, ou seja, a aprendizagem acelera o desenvolvimento por meio de relações dinâmicas e complexas. Tal conceito muda radicalmente a forma de se pensar a organização do ensino formal, pois a função deste é de se adiantar ao desenvolvimento, a escola deve ter a tarefa de propor 122 atividades que possibilitem o desenvolvimento do que falta à criança e não focar apenas aquilo que ela já faz sozinha e tem desenvolvido. Portanto, a escola tem papel fundamental no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, na formação da consciência crítica de seus alunos, por meio da mediação do professor. Esse conceito mostra a importância da interação e a natureza social do aprendizado, pois possibilita que as crianças internalizem a vida intelectual dos que a cercam (Vigotski, 2006). A escola caracteriza-se por um ensino sistematizado e intencional, que a partir da mediação do professor, permite a elaboração de conceitos científicos. A educação formal, por meio da aprendizagem dos conceitos científicos, modifica a estrutura psicológica, constrói novas estruturas, aperfeiçoa as anteriores, se antecipa ao desenvolvimento e ativa várias áreas da consciência (Vigotski, 2008). Para compreender a formação dos conceitos científicos, é necessário resgatar como Vigotski considera a relação entre pensamento e linguagem. O estudo genético da relação entre pensamento e fala revela que a relação entre ambos passa por inúmeras mudanças. Estudos sobre os chimpanzés mostram que seu comportamento baseado no pensamento por meio do uso de instrumentos não tem nenhuma relação com a fala. Suas ações são bem rudimentares, pela tentativa e erro, conseguem fazer desde que todos os elementos estejam acessíveis ao campo visual. A fala apresenta semelhança fonética ao homem, tem função emotiva, reações e comunicação, mas não há evidências de que existe signo e não há imitação de sons. Os estados afetivos produzem reações vocais que atrapalham o intelecto. O contato social também é reação afetiva, mas com função diferente, ao invés de externalizar um estado, é para contato social. A estreita relação entre fala e pensamento não existe nos macacos. O estudo filogenético revela que, no humano, há uma fase pré-linguística do pensamento e pré-intelectual da fala (Vigotski, 2008). 123 Os estudos ontogenéticos são mais complexos e confirmam que fala e pensamento possuem raízes genéticas de desenvolvimento diferentes. O choro e o balbucio da criança, assim como suas primeiras palavras, pertencem ao estágio pré-intelectual da fala, sem relação com o pensamento. Nessa fase a função social da fala já se apresenta, assim como a manifestação dos estados afetivos, que são as duas funções identificadas no desenvolvimento filogenético. Por volta dos dois anos as duas linhas de desenvolvimento se cruzam. A fala passa para a fase intelectual, fala racional e o pensamento se torna verbal. Vigotski (2008) propõe quatro estágios de desenvolvimento da fala e de qualquer função baseada em signos. A primeira é denominada estágio natural ou primitivo e corresponde à fala pré-intelectual e ao pensamento pré-verbal. A segunda é definida como Psicologia ingênua, pois a criança usa corretamente a estrutura gramatical, mas não a compreende, usa a palavra mas não como um signo. A terceira é intitulada como uso de signos externos, porque a criança acumula experiência e aprende a usar os signos externos como auxiliares para as operações internas, por exemplo, contagem com os dedos. Nesse estágio, a fala é a egocêntrica e auxilia no planejamento de suas ações. O quarto e último estágio pressupõe o crescimento interior, ou seja, as operações externas são interiorizadas e transformadas, a criança usa os signos internamente, surgindo a fala interior a partir da transformação da fala egocêntrica. Nesse último estágio há grande desenvolvimento da fala e do pensamento, a fala se torna racional e o pensamento verbal. No entanto, nem todos os tipos de fala são racionais e nem todo tipo de pensamento é verbal, as duas funções podem ser representadas como dois círculos concêntricos, com partes que se encontram, formando uma área circunscrita. Essas mudanças ocorrem em função de um lento processo de acúmulo de alterações estruturais e funcionais. Outro aspecto importante é que se o pensamento se desenvolve por meio dos instrumentos linguísticos e pela experiência sociocultural da criança, o desenvolvimento de seu pensamento depende do domínio dos meios sociais de pensamento 124 transmitidos pela linguagem. Por isso que Vigotski (2008) compreende que a natureza do desenvolvimento se transforma, não é mais natural e inata, torna-se um processo histórico- cultural, com propriedades e leis que não serão encontradas nas formas naturais, mas sim ao materialismo histórico-dialético. O signo não é descoberto sem o pensamento e este não se desenvolve sem a linguagem. Para investigar melhor esses processos que integram a relação entre pensamento e linguagem, Vigotski precisou definir a unidade de análise, de forma coerente com o materialismo histórico- dialético, para isso ele elegeu a palavra e estudou as mudanças de significado no decorrer dos processos de aprendizagem e desenvolvimento. Para o autor a unidade do pensamento verbal é o significado da palavra, que retém as propriedades do todo, ou seja, do pensamento e da linguagem. O significado é uma generalização ou conceito, que por sua vez é ato de pensamento, que não pode ser comunicado sem a palavra, por isso se refere ao pensamento verbal. O significado se modifica de acordo com o desenvolvimento da criança e das formas pelas quais o pensamento funciona. Disso se conclui que a palavra tem alguma função no pensamento. É importante diferenciar os planos interno e externo da fala, o interno se refere ao semântico e significativo. Inicialmente o pensamento da criança pode ser compreendido como um todo amorfo, então é representado por uma palavra, mas conforme o pensamento se diferencia, é possível representá-lo com mais palavras e vice-versa. O pensamento passa por várias transformações até se transformar em fala. A capacidade da criança de comunicação aumenta conforme amplia sua a diferenciação dos significados das palavras na fala e na consciência. Quando há interiorização da fala, há a abstração do som, mas ela não deve ser vista como fala sem som, pois apresenta outra sintaxe, baseada na abreviação, aglutinação e predicação. Para compreender a semântica, é importante diferenciar sentido de significado. Sentido “é a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa 125 consciência” (Vigotski, 2008, p. 181), é dinâmica e fluida e com pouca estabilidade. Significado é apenas uma parte, uma zona do sentido, mais estável e precisa. O sentido da palavra surge de acordo com o contexto, com a situação, por isso se modifica, o significado não, permanece mesmo com as alterações de sentido. As palavras podem ser substituídas sem alterar o sentido. Na fala interior há o predomínio do sentido sobre o significado, pois a aglutinação une diferentes sentidos na fala interior. O pensamento é o plano ainda mais interiorizado do que a fala interior. Não há correspondência entre unidade de fala e pensamento, pois este tem sua própria estrutura, não é constituído por unidades separadas, o pensamento é percebido de uma vez só, numa totalidade, mas sua comunicação por meio da fala é feita por uma sequência de unidades, essa transição passa pelo significado. O pensamento passa primeiro pelo significado e depois para as palavras. O pensamento é gerado pela motivação, uma tendência afetivo-volitiva que representa desejos e necessidades, interesses e emoções. A análise psicológica deve ser feita até compreender o plano da motivação. A investigação feita pelo autor foi dos elementos externos para os internos, mas o fenômeno do pensamento verbal ocorre ao contrário: motivação, pensamento, significado e por fim as palavras. Uma palavra sem pensamento é vazia e o pensamento sem a palavra fica oculto. A partir dessa investigação se compreendeu como o pensamento e a fala permitem refletir a realidade de forma diferente da percepção, isso se torna “a chave para a compreensão da natureza da consciência humana. As palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do pensamento, mas também na evolução histórica da consciência como um todo. Uma palavra é o microcosmo da consciência humana” (Vigotski, 2008, p. 190). Para Nascimento (2014, p. 271): Essa discussão envolve o problema da tomada de consciência do conceito como um processo em que comunicação verbal e generalização seguem um percurso genético e 126 dialético no processo mesmo de conhecimento da realidade, no caminho da tomada de consciência conceitual das coisas, com a ajuda das palavras. A formação da consciência também ocorre a partir da aprendizagem e conceitos científicos. Para investigar a formação de conceitos é necessário considerar a percepção e a elaboração mental do material sensorial, não apenas a palavra, pois ambos formam o conceito. A formação de conceitos não ocorre apenas pela associação entre símbolos verbais e objetos, pois não é um processo mecânico, mas ativo e criativo por parte do sujeito, apesar de necessitar de condições externas, como a linguagem, o adulto e a cultura. O fato da criança usar as palavras como o adulto não significa que ela formou o conceito, pois a estrutura e os meios pelos quais ela realiza essa operação são diferentes do adulto. O adulto usa o signo como mediador, pois a elaboração de conceito é uma função psíquica superior. Todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las. O signo mediador é incorporado à sua estrutura como uma parte indispensável, na verdade a parte central do processo como um todo. Na formação de conceitos, esse signo é a palavra, que em princípio tem o papel de meio na formação de um conceito e, posteriormente, torna-se o seu símbolo (Vigotski, 2008, p. 70). Segundo Vigotski (2008), compreender como ocorre o desenvolvimento dos conceitos científicos também traz subsídios para elaborar bons métodos de ensino, pois estes se constituem como ato real de pensamento, não podem ser treinados ou ensinados direto pelo professor como transmissão. A aprendizagem de conceitos ocorre a partir de um determinando nível de desenvolvimento mental, representa um ato de generalização, possui significado, pressupõe o uso de funções psicológicas superiores como atenção deliberada, abstração, memória lógica, consciência reflexiva, controle deliberado, comparação e diferenciação. Apesar de pressupor um nível de desenvolvimento, o aprendizado escolar se torna uma fonte de conceitos e direciona seu desenvolvimento mental. 127 Vigotski propõe que há um sistema total de conceitos que é constituído por conceitos espontâneos e científicos. Os conceitos espontâneos foram estudados por Piaget e se referem àqueles elaborados pela criança a partir de seus próprios recursos. Os científicos são aprendidos a partir de um ensino sistemático e intencional oferecido pela escola, são conscientes e apresentam maior generalização. Nas duas situações, a criança se depara com problemas diferentes para resolver, na escola, mais elementos são apresentados e aprendidos do que ela poderia apreender sozinha. A fase dos complexos seria da formulação de pré-conceitos, não são conscientes, ou seja, não possuem percepção autorreflexiva. Isso é possível a partir da introspecção verbalizada, em que a criança percebe os próprios processos psíquicos como processos significativos. Isso nos torna capazes de isolar a função, dominá-la e desenvolvê-la A consciência reflexiva é desenvolvida por meio da aprendizagem dos conceitos científicos e da escola, que induzem maior generalização. Posteriormente, a consciência e a generalização são transferidas para os outros conceitos. Quando a criança opera mentalmente com os conceitos espontâneos, ela não está consciente deles, pois está focada no objeto e não ao ato de pensamento. A generalização significa elaborar uma hierarquia de conceitos ligada a um maior, por exemplo, flor e rosa, roupa e calça. Quando a criança compreende e generaliza flor, os demais conceitos são modificados também. Os conceitos não são isolados entre si, formam um sistema e são inter-relacionados. Um conceito é uma generalização que apresenta uma relação de generalidade com outros conceitos, uma relação supraordenada e subordinada, uma combinação do concreto ao abstrato, pois, num sistema de conceitos, podem ter complexos e conceitos (Vigotski, 2008). Os conceitos científicos são mediados pelos espontâneos, que por sua vez, são transformados pelos científicos. As crianças aprendem os conceitos científicos por terem os espontâneos, assim, os espontâneos são transformados em sua estrutura psicológica de cima para baixo. A aprendizagem dos conceitos científicos começa com situação mediada e sua 128 definição verbal, com a sua aplicação em operações que não são espontâneas, seu desenvolvimento é descendente, promovem a reestruturação dos espontâneos, que, por sua vez, são ascendentes. Os conceitos espontâneos são aprendidos a partir de uma situação concreta. A memória e a percepção não garantem o desenvolvimento da generalização por si, é necessário o aprendizado de conceitos científicos, dispostos num sistema de conceitos. Os conceitos espontâneos não são organizados como um sistema. Nesse sentido, Tuleski, Chaves e Silva (2018) colocam que: A intervinculação entre os conceitos científicos que partem de enunciados lógicos verbais com os conceitos espontâneos cuja gênese parte da empiria, da experiência, necessariamente deve ser promovida pelo educador. A condição para que o conceito científico seja capaz de retornar à realidade de modo a esclarecê-la, agora para além do aspecto observável e meramente prático, é a ligação entre os conceitos espontâneos existentes e o novo conceito científico apreendido (p. 55). O desenvolvimento dos conceitos tem início com a criança pequena e termina na puberdade, pois necessita das funções intelectuais que se desenvolverão nesse processo. Exige todas as funções psicológicas superiores juntamente com o uso do signo. O crescimento social e cultural da criança e do adolescente afetará o conteúdo e o raciocínio na formação dos conceitos, pois suas funções psicológicas adquirirão nova estrutura e funcionamento, como por exemplo, a abstração e a capacidade de regular as próprias ações. Há três fases na formação dos conceitos, que englobam estágios: sincrética, pensamento por complexos e conceitos potenciais. A primeira fase é a sincrética, que se caracteriza pela formação de significados por meio da reunião ou agrupamento de objetos isolados, de forma bastante vaga a partir da impressão tida no momento. Há três estágios, o primeiro é tentativa e erro, o segundo é organização do campo visual e o terceiro amontoado ou grupos. O primeiro estágio pressupõe a organização dos objetos ou do grupo ao acaso. No segundo estágio o grupo é formado a partir da posição espacial dos objetos ou por outro elemento identificado pela percepção imediata da criança. No 129 terceiro a imagem sincrética apresenta maior complexidade, pois os grupos são formados a partir de elementos tirados de outros grupos já formados, por meio de recombinação, mas não há um elo entre eles. A segunda fase é denominada pensamento por complexos e considerada a mais importante no processo de formação de conceitos. Caracteriza-se por maior complexidade, pois a associação dos objetos é baseada em relações que eles possam ter entre si e não apenas por impressões subjetivas, então, apresenta maior coerência e objetividade. Tais relações são “concretas e factuais, e não abstratas e lógicas” (Vigotski, 2008, p. 77), elaboradas através da experiência da criança. O autor propõe cinco tipos de complexos que se formam como uma sequência: complexo associativo, por coleções, em cadeia, difuso e pseudoconceito. O pensamento por complexo associativo a criança estabelece um núcleo, como por exemplo, a cor, e seleciona os objetos que tiverem relação de semelhança com ele. No complexo por coleções os objetos são agrupados em função de uma característica que os torna diferentes, porém complementares entre si, ou seja, associação por contraste e não por semelhança, mas logo em seguida, muda o critério ou a característica e a coleção de torna mista. O terceiro estágio, chamado complexo em cadeia se caracteriza por “uma junção dinâmica e consecutiva de elos isolados numa única corrente, com a transmissão de significado de um elo para o outro” (Vigotski, 2008, p. 79). A característica decisiva varia ao longo do processo, inicialmente é o triângulo amarelo, depois os objetos azuis de qualquer forma. Não há organização hierárquica, é a forma mais pura do pensamento por complexos, não há núcleo ou elemento central, o conceito se funde com os objetos concretos numa fusão do geral para o particular. No quarto estágio, denominado complexo difuso, os atributos são eleitos como semelhantes em função de uma vaga impressão de que há algo em comum entre os objetos, mas não há semelhança real. O atributo que une os objetos é fluido, com conexões difusas e indeterminadas, não possuem limites. Não se baseia na experiência prática e perceptual da 130 criança, por isso são complexos ilimitados. Baseiam-se em conhecimento concreto, mas não prático, por isso são irreais e vagos. O quinto estágio, intitulado de pseudoconceito, possibilita que a generalização feita pela criança seja fenotipicamente semelhante à do adulto, mas não é psicologicamente, pois ainda é um complexo. A criança pode escolher todos os tipos de triângulo da amostra, mas não significa que possui o conceito, mas apenas que identificou a semelhança a partir do concreto visual. É um elo de transição para a formação de conceitos, tem esse caráter dual, pois apesar de ser por complexos, possui a semente do conceito, predominam sobre todos os outros complexos na criança em idade escolar. O pseudoconceito possui correspondência com o significado da palavra, mas a diferença é que não foi elaborado pela criança e sim na linguagem dos adultos, pois a linguagem possui significados permanentes e indicam “o caminho que as generalizações infantis seguirão” (Vigotski, 2008, p. 84). A criança consegue operar por conceitos sem perceber por causa dos pseudoconceitos. Esse desenvolvimento é o mesmo para todo o intelecto da criança. Outra característica do pensamento por complexos é a participação, ou seja, um mesmo objeto pode ser incluído em diferentes grupos ou complexos em função de suas características. O pensamento por complexos é o fundamento do desenvolvimento linguístico. A evolução do significado da palavra historicamente segue a linha de desenvolvimento do pensamento infantil. O significado inicialmente elaborado é por complexos e depois se transforma em conceito, provocando uma permanente luta entre o pensamento conceitual e o por complexos, a imagem que deu início gradativamente desaparece e fica o conceito. A transição do pensamento por complexos para o pensamento por conceitos não é percebida pela criança, porque os seus pseudoconceitos já coincidem, em conteúdo, com os conceitos do adulto. Assim, a criança começa a operar com conceitos, a praticar o pensamento conceitual antes de ter uma consciência clara da natureza dessas operações (Vigotski, 2008, p. 131 86). O autor destaca que os adultos também utilizam pseudoconceitos no seu dia-a-dia, portanto, essa não é uma forma de pensamento exclusiva das crianças. A terceira fase é o conceito potencial que ocorre por meio da abstração, o que implica em isolar um elemento e examiná-lo separadamente da experiência concreta. A formação de conceitos exige união e separação, sua síntese ocorre por meio da análise. Surge hierarquia, a criança isola alguns elementos e dá importância desigual em relação aos demais. Os conceitos potenciais são os primeiros a surgir e se baseiam no isolamento de um atributo por meio da abstração. Está presente em crianças pequenas e até em animais. É voltado para a ação, para o pensamento prático. No entanto, eles não surgem após a criança passar por todas as etapas do pensamento por complexos, pois eles estão presentes nessa etapa, ou seja, a abstração está presente em algum grau no pensamento por complexos. Mas se houver predominância do pensamento por complexos, esse traço abstraído é instável e pode ser modificado facilmente. Apenas quando houver a síntese dos traços abstraídos é que isso se tornará instrumento do pensamento e os conceitos poderão ser formados, esse papel é realizado pela palavra (Vigotski, 2008). Para o autor, a pouca generalização dos conceitos espontâneos e limitações de consciência em relação aos seus atos acontece em função do desenvolvimento das funções psicológicas superiores, como controle deliberado, atenção voluntária e consciência reflexiva, que se destacam a partir da idade escolar e pelo ingresso da criança no ensino formal. Na adolescência, esse tipo de pensamento surge gradativamente, mas o pensamento por complexos ainda é predominante. O aprendizado escolar induz o tipo de percepção generalizante, desempenhando um papel decisivo na conscientização da criança dos seus próprios processos mentais. Os conceitos científicos, com seu sistema hierárquico de inter-relações, parecem constituir o meio no qual a consciência e o domínio de desenvolvem, sendo mais tarde transferidos a outros conceitos e a outras áreas do pensamento (Vigotski, 2008, p. 115). 132 No entanto, as formas de pensamento sincréticas e por complexos vão sendo substituídas gradativamente por conceitos potenciais. Inicialmente o adolescente terá mais facilidade de formar um conceito para situações concretas. “A análise da realidade com a ajuda de conceitos precede a análise dos próprios conceitos” (Vigotski, 2008, p. 99). Há outras dificuldades como a transferência, ou seja, aplicar o conceito em outra situação prática e com objetos diferentes, mas o adolescente consegue. O maior obstáculo é elaborar um conceito sem estar ligado a uma situação prática, apenas abstratamente e aplicá-lo, o que representará a formação do conceito científico. A transição do abstrato para o concreto é bem complexa e será possível de acontecer no final a adolescência, por isso, esse período é mais bem compreendido pelo autor como fase de transição e não consolidação. Tuleski, Chaves e Silva (2018) consideram que o conhecimento contribui para desenvolver o pensamento abstrato, por necessitarem de outras formas de pensamento que os adolescentes não têm constituído. Essas novas formas de pensamento possibilitam a resolução de novas tarefas e a apreensão de diferentes conceitos. Essas mudanças que levam ao desenvolvimento do pensamento abstrato promovem uma compreensão da realidade externa e interna ao sujeito mais ampla e complexa. Como dito anteriormente, a elaboração de conceitos científicos exige atividade interpsíquica e intrapsíquica, as relações concretas e factuais não são suficientes, pois exige as lógico-verbais, além da consciência. Para Tuleski, Chaves e Silva (2018): Retomando a ideia de Marx com relação à essência e à aparência, ele afirma que somente por meio do pensamento em conceitos é possível conhecer a realidade em sua essência, avançando para além da mera contemplação ou descrição. É somente pelo pensamento conceitual que se torna possível descobrir os nexos e relações de um determinado objeto com a realidade, ou seja, incluí-lo em um sistema explicativo complexo, um sistema de juízos abstratos (p. 57). Diante do exposto, o ensino organizado da escola é fundamental para promover a aprendizagem e o desenvolvimento dos conceitos, por meio de um planejamento intencional. 133 Por isso, esse ensino deve ser planejado tendo em vista o desenvolvimento e a aprendizagem de conceitos científicos. Esse planejamento também deve ser feito no ensino superior, para possibilitar maior desenvolvimento do pensamento conceitual em adultos, para promover a apropriação do conhecimento sobre as diversas profissões, suas teorias e formas de atuação profissional. No contexto social atual em que se assiste a uma tendência vertiginosa de diagnosticar supostos transtornos para crianças e adolescentes que frequentam escolas atravessadas por problemas estruturais, sociais e pedagógicos, torna-se fundamental oportunizar a aprendizagem de conceitos científicos sobre o fenômeno da medicalização na Educação durante a formação inicial em Pedagogia. Tal aprendizagem possibilitará a compreensão e consciência da complexidade do referido fenômeno, assim como de formas de enfrentamento a partir da elaboração de práticas pedagógicas. Tendo em vista os pressupostos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural e o materialismo histórico-dialético como base filosófica, o experimento formativo foi escolhido para a elaboração do planejamento pedagógico para promover aprendizagem da hierarquia conceitual necessária e compreender o fenômeno da medicalização. A análise da aprendizagem proporcionada aos participantes dessa pesquisa também levou em consideração o que foi explicitado sobre como ocorre o desenvolvimento conceitual. 4.2 O Experimento Formativo e a Formação Inicial em Pedagogia Davydov (n.d.) desenvolveu estudos que buscaram trazer contribuições para o ensino com o objetivo de promover desenvolvimento nos alunos, conforme os pressupostos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural. O autor trabalhou em parceria com o psicólogo Elkonin, além de outros profissionais russos. As pesquisas duraram cerca de 25 anos para que pudessem elaborar outra proposta de educação, com novas estruturas curriculares e atividades de estudo 134 (Davydov, n.d.). A partir de tais estudos, Davydov propôs a Teoria do Ensino Desenvolvimental, que busca aplicar a Psicologia Histórico-Cultural e a Teoria da Atividade no ensino, de forma que promova a formação de conceitos, a generalização, a abstração e a constituição do pensamento dos alunos. Tais estudos contribuíram para elucidar como a mediação docente deve ocorrer, ou seja, quais ações devem ser realizadas didaticamente para promover tal aprendizagem (Sforni, 2014 como citado por Assumpção & Sforni, 2016). Antes de apresentar a proposta do ensino desenvolvimental, apontarei os principais conceitos da Teoria da Atividade que ajudarão a compreender os pressupostos de Davydov. Segundo Libâneo (2004, p. 7) “a Teoria Histórico-cultural da Atividade, desenvolvida inicialmente por Leontiev, Rubinstein e Luria, é geralmente considerada uma continuidade da escola histórico-cultural iniciada por Vygotsky”. O conceito de atividade é originário da filosofia marxista, que tem relação direta com o trabalho e, nessa perspectiva teórica, se configura como a principal mediação entre o homem e o mundo. A atividade trabalho oportuniza a apropriação da cultura por meio da comunicação com outros seres humanos e promove a constituição do psiquismo e a consciência. Para que a atividade promova esse desenvolvimento, deve sempre estar “orientada para um objeto” (Libâneo, 2004, p. 7) e ter um conteúdo objetal. A atividade, tanto externa como interna, tem uma estrutura psicológica, cujos componentes são: necessidades, motivos, finalidades e condições de realização da finalidade. Ao curso psicológico da atividade corresponde à realização de diversas ações, cada ação composta por uma série de operações em correspondência com as condições peculiares da tarefa, conforme veremos adiante (Libâneo, 2004, p. 8). No decorrer da história do desenvolvimento humano, as atividades principais são o brincar na infância, o estudo na idade escolar até a adolescência e o trabalho para o adulto. É importante ressaltar que a atividade principal não necessariamente é aquela que a pessoa mais realiza em determinado período de sua vida, mas sim a que promove mais desenvolvimento das 135 funções psicológicas superiores. Portanto, as atividades principais realizadas em períodos anteriores da vida, não deixam de ser realizadas e de contribuir com o psiquismo, apenas surgem outras que terão maior relevância. A atividade deve satisfazer uma necessidade, mas o que determina o seu direcionamento é o objeto que se torna o motivo e estimula a pessoa a realizá-la. Isso permite que o sujeito que realiza a ação tenha consciência do objeto da mesma e não aja de forma mecanizada e alienada (Rigon, Asbahr & Moretti, 2016). Diante dessa compreensão sobre a relevância da atividade, será importante repensar a Educação, desde que seja humanizadora, reconhecendo que o conhecimento com o qual ela trabalha é complexo, social e cultural, acumulado historicamente. Nesse sentido, Rigon, Bernardes, Moretti e Cedro (2016, p. 74), compreendem como função da Educação escolar: A função da educação escolar, criada para difundir o conhecimento científico, é a de proporcionar a compreensão do significado de seus conceitos. Tal objetivo implica criar condições para que as gerações posteriores compreendam a necessidade humana que gerou a criação do conceito, bem como seu processo de desenvolvimento. Com isso, o estudante se apropria dos conceitos e compreende que é herdeiro do conhecimento desenvolvido pelas gerações precedentes. Diante do exposto sobre a função da Educação, é importe destacar qual seria o objeto da atividade pedagógica: “é a transformação dos indivíduos no processo de apropriação dos conhecimentos e saberes” (Rigon, Asbahr & Moretti, 2016, p. 28). Para isso, o professor adquire a função de organizar intencionalmente o ensino para os estudantes possam se apropriar desse saber acumulado, desenvolvam as funções psicológicas superiores que também se constituíram historicamente e se humanizem. O estudante, por sua vez, não é considerado como um receptor passivo desse conhecimento, pelo contrário, ele participa do processo de ensino e aprendizagem, pois precisa 136 estar em atividade, desejar aprender algo. Todavia, esse querer aprender do estudante não deve ser naturalizado, ou seja, ser atribuído ao aluno, pois o professor é responsável por isso. Nesse processo de ensino e aprendizagem, o estudante se transforma juntamente com o professor, o que significa que o produto desse trabalho não é elaborado para ser consumido, pois perdura por toda a vida dos envolvidos. Por isso o educador não pode atuar mecanicamente como mero reprodutor de conteúdos e técnicas, de forma alienada. Segundo Libâneo (2004), Davydov compreendia atividade tal como Leontiev, mas ele deu destaque a um componente que já havia sido considerado por Vygotsky, que é o desejo como “núcleo básico de uma necessidade” (p. 13), o que integra aspectos cognitivos com os afetivos. Davydov reforça esta ideia quando escreve que, por detrás das ações humanas estão as necessidades e emoções humanas, antecedendo a ação, as relações com os outros, as linguagens. Isso significa que as ações humanas estão impregnadas de sentidos subjetivos, projetando-se em várias esferas da vida dos sujeitos, obviamente também na atividade dos alunos, na compreensão das disciplinas escolares, no envolvimento com o assunto estudado (Libâneo, 2004, p. 14). O processo de humanização e estruturação do pensamento por meio do ensino caracteriza ambos como unidade, pois quando o estudante aprende conceitos científicos, desenvolve ações mentais e funções psicológicas superiores, mas isso só ocorrerá se a prática pedagógica realizada trabalhar o pensamento teórico. O pensamento teórico envolve a superação da aparência do fenômeno estudado em função da aprendizagem de conceitos científicos que, por sua vez, oportunizam a aprendizagem dos determinantes que constituíram o que está sendo abordado, atingindo sua essência, “por meio da ascensão do abstrato ao concreto” (Rigon, Asbahr & Moretti, 2016, p. 42). 137 A abstração se refere ao momento inicial de contato com o objeto estudado, cuja representação é caótica. A partir da investigação e da análise, os aspectos que determinam o objeto são identificados, ou seja, aqueles que se relacionam com a universalidade e com o que representa a essência. A partir da atividade do pensamento se compreende a constituição ou gênese do que é estudado, que implica da “recriação do concreto” (Rigon, Asbahr &Moretti, 2016, p. 43). Para isso, Davydov (n.d., p. 185) faz algumas proposições para organizar a atividade de estudo do abstrato ao concreto: 1. A assimilação dos conhecimentos de natureza geral e abstrata precede o conhecimento pelos alunos de temas mais particulares e concretos, estes últimos são deduzidos pelos próprios alunos a partir do geral e abstrato, como única base que formam. 2. Os alunos assimilam os conhecimentos que constituem um conteúdo particular ou suas partes básicas, no processo de análise das condições sob as quais é originado e que os tornam essenciais. 3. Ao serem verificadas as fontes objetais de alguns conhecimentos, os alunos devem, antes de tudo, saber como identificar no material de estudo a relação geneticamente inicial, essencial e universal, que determina o conteúdo e a estrutura do objeto destes conhecimentos. 4. Os alunos reproduzem esta relação em específicos modelos objetais, gráficos ou de letras, que lhes permitem estudar suas propriedades em sua forma pura. 5. Os alunos devem ser capazes de concretizar a relação geneticamente inicial e universal do objeto em estudo em um sistema de conhecimentos particulares sobre ele, os quais devem manter-se em uma só unidade, que possa garantir as transições mentais do universal para o particular e vice-versa. 138 6. Os alunos devem saber passar da realização das ações no plano mental à sua realização no plano externo e vice-versa. Se esse movimento do abstrato ao concreto não é feito no processo de ensino e aprendizagem, os estudantes desenvolverão uma compreensão limitada à aparência do objeto, à pseudoconcreticidade desenvolvendo uma práxis utilitária cotidiana, conforme explicitado por Kosik (1976). Segundo o autor, esse tipo de práxis permite que as pessoas vivam, desenvolvam suas tarefas de forma mecanizada, percebam o mundo, mas sem compreendê-lo. Os fenômenos indicam, porém, escondem sua essência, pois essa não pode ser percebida imediatamente, por isso o seu conhecimento só pode ser desenvolvido por meio do pensamento crítico e dialético que busca investigar a gênese histórica da constituição do que é estudado. Para Kosik (1976) não basta descrever, analisar e explicar, pois esse conhecimento adquirido deve oportunizar a práxis revolucionária que busca transformar a realidade, que não é natural e sim humano-social, foi produzida pelo ser humano e pode ser modificada por ele. Davydov (n.d.) criticava o ensino tradicional, pois este, ancorado na lógica formal, se propunha a desenvolver nos alunos o pensamento empírico que não possibilitava a compreensão da essência, apenas da aparência dos objetos estudados. Nessa concepção do pensamento empírico “o conceito, que é o ponto máximo do conhecimento, é entendido como o conjunto de traços comuns levantados com base na percepção do sujeito” (Rosa, Moraes & Cedro, 2016, p. 88). O pensamento toma como base os aspectos externos, por meio de atividades práticas relacionadas ao aprender a fazer, por isso apenas organizam a realidade e permanecem na aparência. Já o pensamento teórico, além de possibilitar a compreensão da essência do objeto na aprendizagem do conceito científico, promove o desenvolvimento psíquico do aluno. Por isso, o ensino deve ser organizado para que o pensamento empírico seja potencializado e o teórico desenvolvido (Davydov, n.d.). 139 Tendo em vista essa preocupação, Davydov propõe ensino desenvolvimental que, ao buscar constituir o pensamento teórico, não se restringe ao nível de desenvolvimento real dos alunos, ou seja, às funções psicológicas já desenvolvidas. Ele busca promover o desenvolvimento de novas funções psicológicas, por meio da atuação na zona de desenvolvimento proximal dos alunos. Nesse sentido Davydov elaborou uma metodologia de pesquisa e de ensino, intitulada experimento formativo que promove mudanças qualitativas nos aspectos afetivos, cognitivos e motores dos alunos. Outra característica importante é que possibilita a intervenção direta do pesquisador, além de observar e analisar as novas funções psicológicas que surgem, ou seja, a sua gênese. Segundo Aquino (2014), o experimento formativo não tem como base apenas a Psicologia Histórico-Cultural, mas também apresenta fundamentação teórica da Didática, pois aborda a relação entre ensino e desenvolvimento psíquico e integral do sujeito como um problema pedagógico. Segundo Davydov (n.d., pp. 187-188): O método do experimento formativo tem como característica a intervenção ativa do pesquisador nos processos mentais que ele estuda. Neste aspecto, difere substantivamente do experimento de constatação que enfoca só o estado, já formado e presente de uma formação mental particular. A realização do experimento formativo pressupõe a projeção e modelação do conteúdo de novas formações mentais a serem constituídas, dos meios psicológicos e pedagógicos e das vias de sua formação. Na investigação dos caminhos para realizar esta projeção (modelo) no processo do trabalho de aprendizagem cognitiva com as crianças, pode-se estudar também as condições e as leis de origem, de gênese das novas formações mentais correspondentes. Essa metodologia de ensino e de pesquisa apresenta limites, como por exemplo, envolve número pequeno de participantes, não necessariamente gera os mesmos resultados quando é realizada em outro contexto, o período de duração se torna pequeno, o que pode limitar os achados (Neves & Resende, 2014). Apesar desses limites, a proposta do ensino desenvolvimental que subsidia o experimento formativo se volta para o aluno como um todo, considerando aspectos sociais, 140 lógicos, pedagógicos, psicológicos, fisiológicos, dentre outros. As atividades de estudo devem possibilitar o desenvolvimento das bases da consciência e pensamentos teóricos. Essas atividades precisam ter uma estrutura que inclui os componentes “necessidades e motivos educacionais e cognitivos, tarefa escolar e ações e operações correspondentes” (Davydov, n.d., p. 242). As tarefas de aprendizagem precisam ter uma natureza específica que possibilite a resolução de problemas, pois isso permitirá que o aluno domine as formas de resolução ligadas ao conceito aprendido, por meio da reflexão, análise e planejamento, que constituem a consciência teórica. Esse desenvolvimento inicial exercerá mediação na constituição de outras funções psicológicas nos estudantes. O experimento formativo formulado a partir da teoria do ensino desenvolvimental, deve propiciar a associação entre teoria e prática, com atividades que envolvam e motivem os alunos a investigar/diagnosticar a realidade e a promover soluções. Dessa forma, o cotidiano escolar, a sala de aula e os sujeitos envolvidos sofrem transformações. Para Davydov (n.d.), a atividade de estudo deve proporcionar ao aluno a busca e análise do que fundamenta as ações desenvolvidas. A análise e a reflexão devem possibilitar a compreensão das características particulares do objeto, pois sem elas não há planejamento, portanto, esses processos estão interligados. Já o planejamento leva a pensar em como otimizar uma ação conforme a tarefa a ser realizada, deve apresentar a proposição de resolução de problemas, oportunizar que os alunos estabeleçam as relações essenciais entre os objetos estudados. Nesse processo, o conhecimento teórico adquirido formará novas estruturas psíquicas. O planejamento vai acontecer, quando após o aluno dominar as relações e as condições de realização das tarefas, o educador oferece uma tarefa mais complexa e o estudante, a partir do que compreendeu anteriormente, planeja algumas ações para resolver o problema. Dessa forma, os componentes de aprendizagem ligados à reflexão, análise e planejamento precisam 141 estar mais organizados e explícitos do que no ensino convencional, o que contribuiu para o desenvolvimento do pensamento teórico e da generalização (Davydov, n.d.). Davydov (n.d.) compreende que toda disciplina reproduz em parte a consciência social acerca do conteúdo que será ministrado. Seu programa vai estruturar como o aluno deverá compreender os temas, deve apresentar a hierarquia entre os conteúdos e habilidades, definir metodologia de ensino, material didático, qual período deverá ser aprendido. O programa retrata a estrutura de como se pretende formar o pensamento nos alunos, por isso, planejar o currículo e os programas de ensino é tarefa muito complexa, pois representa como se compreende as particularidades da realidade que será ensinada. Segundo Libâneo e Freitas (2013) citados por Assumpção e Sforni (2016), o professor será fundamental para planejar as atividades e situações problema, pois ele deverá identificar qual é o “núcleo do objeto/condições de origem de objeto” (p 16), propor tarefas que possibilitem a compreensão inicial dos seus aspectos mais gerais e, posteriormente, suas particularidades. Dessa forma, o aluno pode apreender os conceitos que definem um objeto de estudo, a relação entre eles, sua gênese e movimento. Nesse sentido, será importante conhecer algumas experiências realizadas no contexto de formação inicial tendo como base o ensino desenvolvimental e o experimento formativo para promover aprendizagem de conceitos científicos. Fontes (2018) relata uma experiência de pesquisa realizada com 23 acadêmicas de um curso de Pedagogia, por meio de um experimento didático-formativo, para promover a aprendizagem dos conceitos matemáticos de divisão e multiplicação. As estudantes cursavam uma disciplina obrigatória e a referida pesquisa foi desenvolvida por meio de 15 encontros. A pesquisadora relatou que aplicou uma avaliação inicial para identificar conceitos prévios das estudantes, propondo a elaboração de um plano de aula sobre os conceitos de divisão e multiplicação. Nos encontros a turma foi apresentada aos conceitos científicos a partir da 142 estrutura do experimento didático-formativo, conforme os pressupostos de Davydov e tiveram de planejar e ministrar uma aula acerca dos conceitos com estudantes do ensino fundamental, anos iniciais. A pesquisa foi bem interessante, pois a autora destacou que os conceitos prévios das alunas eram fragmentados, não compreendiam a relação entre multiplicação e divisão, o raciocínio representava mais a forma de pensamento empírico, criticada por Davydov (n.d.). Na compreensão da autora, o desenvolvimento do pensamento empírico foi a base do processo de ensino e aprendizagem que elas tiveram em sua trajetória acadêmica anterior. Tal fato foi o maior obstáculo da pesquisa, mas apesar disso, na avaliação final, as estudantes conseguiram apresentar um avanço conceitual, não apenas sobre divisão e multiplicação, mas também acerca do ensino desenvolvimental, para que pudessem desenvolver práticas pedagógicas futuras tendo como base esses pressupostos (Fontes, 2018). Santos e Arrais (2019) apresentaram um relato de realização de experiência formativa num contexto de formação inicial de estudantes de pedagogia para trabalhar com conceitos matemáticos através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência- PIBID. Nessa experiência os pesquisadores utilizaram o jogo para repensar a prática docente, a proposta era que os estudantes se apropriassem da linguagem matemática, compreendessem a intencionalidade da prática pedagógica e a importância do jogo, como recurso didático para a aprendizagem de conceitos científicos. O projeto de pesquisa envolveu 19 estudantes de pedagogia, uma professora do curso e três supervisoras de escolas públicas. O jogo foi utilizado tendo em vista a periodização do desenvolvimento e a compreensão de que se trata da atividade principal de crianças em idade pré-escolar, mas que pode ser aplicado de forma enriquecedora nos anos iniciais do ensino fundamental para satisfazer as necessidades dos sujeitos envolvidos e apropriação da cultura, rompendo com a visão de que só deve ser usado como passatempo e que não tem nenhuma contribuição para a Educação e o desenvolvimento humano. 143 Cientes da função da escola, investigamos os jogos como sendo um dos recursos capazes de materializar os conceitos matemáticos. Os jogos, quando encaminhados de maneira planejada e intencional, possibilitam que o sujeito interiorize o motivo da tarefa e estabeleça relações com os conceitos aprendidos, de forma que esse movimento desencadeie o seu desenvolvimento psíquico (Santos & Arrais, 2019, p. 103). Os autores se basearam nos pressupostos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural, a partir das contribuições Vygotsky, Leontiev, Davydov e Elkonin para a realização da pesquisa. Nesse experimento formativo eles utilizaram a proposta da atividade orientadora de ensino, ancorada na Teoria da Atividade e desenvolvida por Manoel Oriosvaldo de Moura. Santos e Arrais (2019) consideram que a experiência formativa foi positiva, pois a utilização do jogo, juntamente com os pressupostos da atividade orientadora de ensino, possibilitou que os estudantes resolvessem situações problema a partir de atividade reflexiva e apropriação conceitual, tendo em vista a utilização social do mesmo, a constituição histórica do conceito na sociedade. O envolvimento de docentes da universidade e das escolas públicas na experiência também foi considerado extremamente relevante, pois promoveu aprendizagem conceitual em caráter de formação continuada. As experiências relatadas acima, assim como toda a construção teórica feita até então acerca da Psicologia Histórico-Cultural e do Ensino Desenvolvimental indicam a relevância da aprendizagem de conceitos científicos, desde que seja organizada intencionalmente para promover o desenvolvimento psíquico do aluno. Diante do exposto, foi muito importante propor a realização do experimento formativo para essa pesquisa, tendo em vista seu objetivo geral: desenvolver e analisar mediações pedagógicas no processo de aprendizagem do conceito de medicalização da Educação com estudantes de Pedagogia. Antes de descrever e analisar o experimento desenvolvido, farei uma breve exposição da concepção da Psicologia Histórico-Cultural acerca do brincar e da importância do jogo na cultura e no desenvolvimento, pois esse recurso integrou as atividades propostas a partir de um 144 planejamento intencional para promover mediações pedagógicas que possibilitassem a aprendizagem de conceitual acerca da medicalização na Educação. 4.3 O experimento formativo e o brincar O Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (FMES, 2015b) sugere a utilização de atividades lúdicas como forma de enfrentamento ao fenômeno da medicalização, tanto para profissionais da saúde como da Educação. No ano dessa publicação (FMES, 2015b), o Núcleo do FMES da cidade de São Paulo realizou um evento com o nome “Vamos brincar e desmedicalizar a vida” para comemorar cinco anos da criação do movimento12 . O FMES não adota um referencial teórico único, mas as pesquisas e atividades desenvolvidas têm como base teorias críticas para análise da sociedade e do referido fenômeno (Oliveira, Ribeiro Filho & Calado, 2014). O brincar foi adotado para essa pesquisa, não apenas devido às proposições do FMES, mas pela minha experiência como docente, que ao utilizar o brincar a partir de oficinas de brincadeiras com estudantes de pedagogia para resgatar as memórias da infância, pude observar que essas lembranças, assim como a vivência lúdica suscitou reflexões acerca de sua formação e atuação profissional, no sentido de que compreendiam o quanto a vida adulta havia reduzido momentos lúdicos, de prazer, de contato com o outro e como isso desumanizava suas relações. A partir dessa experiência e reflexões, os estudantes começaram a problematizar a futura atuação enquanto pedagogos, com crianças, se haviam esquecido o que era ser criança, que já olhavam para elas como mini adultos e o quanto isso prejudicaria a qualidade do trabalho que desenvolveriam, considerando a relação que estabeleceriam e o planejamento pedagógico. 12 Para mais informações acesse https://abrapee.wordpress.com/2015/10/29/vamos-brincar-e-desmedicalizar-a- vida/ 145 Diante desses relatos, das proposições do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade e dos estudos que sugeriram a importância de intervir na formação inicial do professor acerca do tema medicalização para possibilitar a elaboração de práticas pedagógicas desmedicalizantes que funcionassem como estratégias de enfrentamento, optei pelo brincar como um recurso, dentre outros, que integrou o planejamento pedagógico elaborado intencionalmente. Vigotski iniciou alguns estudos acerca da importância do brinquedo no desenvolvimento psíquico da criança, com destaque para o jogo protagonizado. Antes de apresentar as ideias do autor, juntamente com os estudos de Leontiev sobre o tema e integrá-las à presente pesquisa, será importante compreender, mesmo que brevemente, a história do brincar e dos brinquedos na humanidade, ou seja, quando o ser humano começou a brincar? Essa pergunta já revela a diversidade de concepções teóricas sobre o tema. O brincar seria uma ação humana de raiz biológica? Ou seja, o brincar seria decorrente de aspectos genéticos da espécie humana, portanto, é universal e sempre existiu? Para os autores da Psicologia Histórico-Cultural, essa concepção teórica não faz sentido tendo em vista a função do jogo protagonizado, ou seja, o brincar de faz de conta, que é promover o desenvolvimento de funções psicológicas superiores de crianças em idade pré-escolar (Vigotski, 2007). Elkonin (1998) realizou alguns estudos para compreender a origem histórica do jogo protagonizado e, para isso, investigou a origem do brinquedo e da ação de brincar nas sociedades primitivas. Através de seus estudos o autor entendeu que havia uma relação entre o brincar, o lugar social da criança, a estrutura da sociedade e formas de produção para sua sobrevivência. Nas sociedades primitivas as formas de produção eram simples, como caçar, pescar, colher frutos, o que permitia que as crianças se integrassem à vida adulta rapidamente, aprendendo a manejar as ferramentas utilizadas no trabalho. Os adultos confeccionavam tais instrumentos, algumas vezes adequados ao tamanho das crianças até poderem manusear um 146 arco e flecha ou um facão. No entanto, esses objetos não eram usados como brinquedo, mesmo que houvesse interesse e prazer das crianças em utilizá-los. Essa aprendizagem era fundamental para desenvolverem habilidades que seriam necessárias futuramente quando exercessem as funções de adultos. O desenvolvimento das sociedades levou à elaboração de formas de produção mais complexas, o que impossibilitou a entrada precoce da criança nas atividades dos adultos. Elas precisavam de um tempo maior de preparação, então, os adultos criaram instrumentos, solicitavam que fizessem exercícios com eles e acompanhavam as crianças na aprendizagem. Alguns desses instrumentos e atividades podem ser compreendidos como jogos, que estavam relacionados diretamente ao trabalho. As sociedades continuaram a se desenvolver e aconteceram duas mudanças na Educação e no lugar social da criança. Primeiro, os objetos criados já não estavam mais diretamente ligados ao trabalho, ou seja, não eram mais instrumentos em miniatura, que poderiam ser denominados como brinquedos. O manuseio era ensinado pelos adultos às crianças para desenvolver algumas faculdades, como por exemplo, coordenação motora. A segunda mudança se refere ao “brinquedo simbólico” (Elkonin, 1998, p. 80), que permitia às crianças brincarem de atividades ligadas ao trabalho do adulto que elas não podiam realizar. Para Elkonin (1998, p. 80), esse processo ajuda a elaborar uma importante tese acerca do jogo protagonizado: [...] esse jogo nasce no decorrer do desenvolvimento histórico da sociedade como resultado da mudança de lugar da criança no sistema de relações sociais. Por conseguinte, é de origem e natureza sociais. O seu nascimento está relacionado com condições sociais muito concretas da vida da criança na sociedade e não com a ação de energia instintiva inata, interna, de nenhuma espécie. Como as crianças não desenvolviam atividades ligadas ao seu sustento ou ao trabalho, foram criadas comunidades infantis onde ficavam reunidas ocupadas com os jogos, dentre eles, 147 o protagonizado. Para Elkonin (1998), essas mudanças significam a origem da infância na história da humanidade e o surgimento de processos psíquicos específicos desse período. No jogo protagonizado a criança substitui um objeto por outro, sendo que essa atividade é nomeada por Elkonin (1998, p. 81) como uma “técnica lúdica original”. Ele ressalta que não é possível saber como as crianças aprendiam tal técnica, mas sua hipótese é que foi com os adultos, por observarem momentos com arte dramática primitiva e danças rituais que também possuíam dramatização. Para o autor, as atividades lúdicas contribuem com a apropriação da cultura e o desenvolvimento de funções psicológica superiores em todas as idades, no entanto, elas são essenciais para s crianças e suplementares para os adultos, que por sua vez, encontram o lúdico nos esportes e nas artes. Vigotski (2007) estudou o brinquedo e o jogo protagonizado na idade pré-escolar. O autor não compreendia o brinquedo como uma atividade que é sempre prazerosa, pois muitas vezes o resultado é desfavorável e não agrada a criança. Além disso, as crianças realizam muitas outras atividades que também são fonte de prazer. Para ele a característica que pode ser definidora do brinquedo é a satisfação das necessidades da criança que não podem ser atendidas. Na infância a criança necessita que seus desejos sejam prontamente satisfeitos, dessa forma “para resolver essa tensão, a criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, e esse mundo é o que chamamos de brinquedo” (Vigotski, 20017, p. 109). Leontiev (2006) considera que essa situação em que a criança deseja ou tem a necessidade em fazer algo e não pode realizar, pois o objeto ou a ação é inacessível a ela, gera uma contradição que é resolvida pela atividade lúdica, cujo foco é na própria ação e não no resultado. Para o autor a “fórmula geral da motivação dos jogos é ‘competir, não vencer’” (p. 123). Isso significa que quando vencer se torna o principal motivo, deixou de ser uma brincadeira tanto para as crianças, quanto para os adultos. 148 Para Vigotski (2007), a imaginação é uma função psicológica superior nova, consciente, voluntária, que não pode ser observada em crianças menores e muito menos em animais, e que surge na ação e a provoca. A imaginação é compreendida pelo autor como outra característica definidora do brinquedo e do brincar. Na situação imaginária, a criança lida com regras de comportamento, mesmo que não sejam muito explícitas, como por exemplo, fazer de conta que é a mãe, a criança não realizará essa atividade de qualquer forma, ela se espelhará no que conhece sobre ser mãe. Posteriormente, o brinquedo evolui, as regras se tornam mais explícitas e a situação imaginária já não fica tão evidente, sendo o jogo de xadrez um bom exemplo. Esse brinquedo que foi foco dos estudos de Vigotski (2007) e Leontiev (2006) se trata do jogo protagonizado. Para ele, nessa atividade, a criança controla seu comportamento pelo significado e não apenas pela percepção, pelas ideias e não pelos objetos, superando a situação real e imediata. Esse processo não ocorre prontamente, há mudanças e evolução, sendo que a partir do momento que o significado e as ideias se tornam mais relevantes, a ação não é mais determinante. Assim, as situações imaginárias contribuem para o desenvolvimento do pensamento abstrato. Para Vigotski (2007), a atividade com o brinquedo possibilita a criação da zona de desenvolvimento proximal, permitindo que a criança desenvolva comportamentos para além do que ela já realiza. O brinquedo possibilita observar nas crianças as suas tendências de desenvolvimento e pode ser considerado uma fonte para isso. Vigotski (2007) explica que o brinquedo é a principal atividade da criança em idade escolar, mas não necessariamente é aquela que é exercida mais frequentemente, mas sim a que promove maior desenvolvimento em determinado período. Tal compreensão é corroborada por Leontiev (2006), em sua definição de atividade principal, conforme explicitado na subseção anterior. Chamamos de atividade principal aquela em conexão com a qual ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem 149 processos psíquicos que preparam o caminho da transição da criança para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento (Leontiev, 2006, p. 122). Outro aspecto importante a ser pontuado sobre o jogo protagonizado é que a ação da criança está relacionada ao papel desempenhado pelas pessoas que ela está representando, o que significa que o conteúdo é retirado da realidade. Essa característica é mais uma evidência de que é a ação, baseada na realidade, que influencia a imaginação. O brinquedo é sempre ancorado na realidade e em aspectos sociais e assim a criança se apropria da cultura. Leontiev (2006) elaborou algumas considerações acerca dos jogos didáticos utilizados na escola. Tais jogos contribuem com o treinamento de operações cognitivas, mas não promovem diretamente a aprendizagem, pois essa é consequência do desenvolvimento de psíquico precedente. Diante do exposto, os jogos didáticos não são compreendidos como os protagonizados no período escolar e nem como atividade principal, mesmo assim, contribuem com o desenvolvimento, mas de forma secundária. Nascimento, Araújo e Migueis (2016) consideram que é possível realizar um trabalho educativo com jogos, desde que o objetivo seja oportunizar experiências para que as crianças se apropriem das relações humanas. Nesse sentido, a função do professor deve ser organizar intencionalmente situações, materiais, atividades e conteúdos que propiciem a compreensão dos papeis que serão representados, das relações interpessoais, para que ocorra sua humanização. As atividades lúdicas, entre elas o jogo de papéis, são fundamentais na vida da criança por significar, dentro de suas especificidades – especificidades físicas ou relacionadas à posição social -, as suas possibilidades máximas de apropriação do mundo adulto, isto é, do mundo de relações, objetos, conhecimentos e ações historicamente criados pela humanidade (Nascimento, Araújo & Migueis, 2016, p. 145). Para que o professor possa elaborar seu planejamento tendo em vista os princípios acima, é necessário investir na sua formação inicial e continuada. Luckesi (2014) considera que 150 a formação deve oportunizar experiências lúdicas ao estudante ou profissional, ou seja, não basta estudar teoricamente, é necessário colocar em prática, vivenciar, pois só assim ele vai compreender melhor o que seus alunos vão experimentar com as atividades que elaborar. Caso os professores, enquanto adultos, não conseguirem entender o que é essa experiência lúdica na infância, não conseguirão propor isso com qualidade em sua futura prática pedagógica, pois não verão sentido nesse tipo de atividade para a aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes. Na formação, nos livros, se aprende como elaborar e praticar atividades lúdicas, mas nunca se considera o sujeito que as realiza e vivencia, pois essa experiência, mesmo que possa ser observada externa e objetivamente, envolve aspectos internos e emocionais dos sujeitos, também relacionados à sua história de vida. Nesse sentido, Luckesi (2014) estabelece que ludicidade é um estado interno do sujeito, atividade lúdica é externa, social e coletiva, sendo que ambas são interligadas. A ludicidade pode ser vivenciada em todas as etapas da vida, não ocorre apenas por meio de brincadeiras, mas também por atividades que suscitam prazer e satisfação ao serem realizadas. Então, na atuação profissional, o professor deve vivenciar ludicidade e compreender a experiência de seus alunos nas atividades pedagógicas planejadas intencionalmente por ele. Por isso, o professor deve ter experiências práticas na sua formação para compreender o que são atividades lúdicas e ludicidade (Luckesi, 2014). Teles (2004) realizou uma pesquisa com professoras de uma instituição de ensino infantil. Ela investigou as concepções sobre o brincar das profissionais e analisou suas práticas pedagógicas a partir da Psicologia Histórico-Cultural. Ela observou que as concepções teóricas delas influenciavam no planejamento elaborado, na qualidade das mediações realizadas e na relação com as crianças, ou seja, as docentes que compreendiam o brincar como atividade principal da criança em idade pré-escolar, conseguiam estabelecer uma relação melhor com os seus estudantes e realizar mediações pedagógicas que promoviam mais engajamento dos 151 mesmos nas atividades. Já a profissional que considerava o brincar como coisa de criança apresentava relação mais conflituosa com seus alunos e práticas mais frequentes de controle e disciplinamento. A autora também ressaltou a importância da formação continuada, do espaço de planejamento e estudo ao professor e do apoio pedagógico para que a prática pedagógica seja bem desenvolvida e, no caso da instituição pesquisada, isso não corria, prejudicando a equipe. Pereira (2005), em sua pesquisa de mestrado, trabalhou com a formação inicial de professores. Ela analisa que a sociedade capitalista gera processos de exclusão, desigualdade e uma proposta de educação materialista, racional e disciplinadora, que não considera todas as dimensões do ser humano, tendo em vista os aspectos emocionais, intelectuais, culturais, espirituais. Nessa sociedade as formas de organização a produção e do trabalho promovem a dominação, passividade e obediência do adulto trabalhador, que anulam outras dimensões de seu desenvolvimento. Nesse contexto, brincar e trabalho não se misturam e isso ocorre na formação e no trabalho do professor, pois em sua pesquisa, os participantes alegaram desconforto em brincar, por considerarem que era coisa de criança e que estavam num momento de formação ou atuação profissional. Como consequência, essa sociedade e Educação desumanizam os sujeitos e desconsideram a ludicidade das pessoas, tanto do professor em formação e, consequentemente, de seus futuros alunos, em todas as etapas do processo educacional. Contribuindo para essa lógica capitalista de corpo produtivo, de maneira geral, a escola contemporânea não tem ousado ir além desses objetivos historicamente consagrados, valorizando sobretudo a formação intelectual do aluno e utilizando, para isso, a dominação do corpo no processo de ensino-aprendizagem, na medida em que passividade, a obediência e a docilidade facilitam, sob essa ótica, a aquisição de conhecimento (Pereira, 2005, p. 96). Como consequência, a Educação vai focar apenas aspectos cognitivos, desvalorizando práticas que incentivem o prazer, a criatividade e o lúdico. Isso também afeta a qualidade da 152 relação entre professor e aluno de tal forma que o primeiro vai se preocupar mais no controle e na disciplinarização, do que no desenvolvimento do segundo, pois ele precisa ser educado para se inserir numa sociedade que exige isso. É necessário que o adulto saia desse lugar social de seriedade, controle e disciplinamento e ocupe outro espaço onde possa ter atitudes lúdicas. Por isso, a autora defende que a formação inicial deve contemplar vivências lúdicas que oportunizem o resgate dessas dimensões no seu processo educativo, permitindo a criatividade e a alegria, de forma reflexiva e crítica, contribuindo com a elaboração de práticas pedagógicas diferentes. O resgate dessa dimensão lúdica pode humanizar a Educação e contribuir para a construção de uma sociedade mais igualitária, ancorada na cooperação e coletividade. Luckesi (2014) não adota o referencial teórico da Psicologia Histórico-Cultural, mas suas reflexões são interessantes e fornecem subsídios para pensar na importância do envolvimento dos futuros professores em atividades formativas que não envolvam apenas a cognição, mas também a afetividade, a história de vida, as relações sociais e que isso é fundamental para ter uma apreensão maior da ludicidade em suas vidas e na elaboração de atividades lúdicas em sua futura prática pedagógica. Teles (2004) alerta para a relação entre concepção acerca do brincar e as práticas pedagógicas desenvolvidas e o quanto a compreensão de que o lúdico só se refere à infância facilita o desenvolvimento de práticas disciplinadoras e de controle das crianças. Pereira (2005) reflete criticamente acerca das condições da organização da sociedade, da produção e do trabalho e a relação disso com a concepção de que o brincar é algo da criança, dissociando o trabalho do lúdico para o adulto. Essa dissociação também atingiu a formação dos professores e suas práticas pedagógicas, causando a desumanização tanto do trabalho como do processo de ensino e aprendizagem, prejudicando a sociedade. Luckesi (2014), Teles (2004) e Pereira (2005) não citam o fenômeno da medicalização, mas ao falarem do controle, da sociedade, disciplinarização, foco na racionalidade, os autores 153 estavam se referindo a aspectos que integram o fenômeno. Nesse sentido, trabalhar o brincar na formação inicial do pedagogo poderá trazer subsídios para pensar a mediação pedagógica que oportunize a aprendizagem de conceitos científicos sobre medicalização e que possam se configurar em formas de enfrentamento ao fenômeno. O capítulo seguinte tratará da exposição e análise do experimento formativo realizado com estudantes de pedagogia. As atividades lúdicas propostas estarão inseridas numa sequência didática planejada intencionalmente e possibilitarão, dentre outras ações propostas, que os estudantes participantes da pesquisa vivenciem a práxis, a partir da reflexão-ação-reflexão, articulando teoria e prática na sua formação, envolvendo não apenas sua cognição, mas a afetividade e outras dimensões do desenvolvimento humano que são relevantes na aprendizagem de conceitos. 154 5 O experimento formativo e sua análise Esse capítulo tem como foco os procedimentos utilizados para a realização da pesquisa. A primeira subseção trará a descrição das ações realizadas para obter autorização para a realização da pesquisa. A segunda subseção fornecerá informações acerca da universidade, curso, turma, professora e alunos participantes. As demais subseções apresentarão detalhadamente as etapas do experimento formativo, registros escritos dos estudantes que participaram e formulação de eixos e a análise articulada com os objetivos. 5.1 Autorização para a realização da pesquisa O experimento formativo que será apresentado foi desenvolvido no contexto da formação inicial em Pedagogia, de uma universidade pública do estado do Rio Grande do Norte. Antes da pesquisa ser iniciada, foi necessário obter autorização da coordenação do curso de Pedagogia e, posteriormente, da direção da instituição. Algumas reuniões foram feitas com a coordenação do curso para que a proposta da pesquisa fosse apresentada e compreendida, além de avaliar a viabilidade de ser realizada com estudantes do curso. Houve grande receptividade por parte da coordenação, que propôs desenvolver a pesquisa no segundo semestre de 2016, na Disciplina Integradora do Curso de Pedagogia 3 (DICP3) que é curricular obrigatória e oferecida para estudantes do 6º período do turno noturno. Após a autorização para a realização da pesquisa por parte da coordenação do curso, foi elaborada uma carta de anuência (apêndice A), um termo de consentimento livre e esclarecido 155 (apêndice B) e um termo de consentimento para uso de imagens, registros escritos e depoimentos (apêndice C). A carta de anuência foi assinada pela direção da unidade acadêmica à qual o curso está vinculado e após essa autorização, o projeto de pesquisa foi apresentado aos alunos. Para a construção da presente tese e para preservar o sigilo, conforme termo de consentimento assinado, os nomes da disciplina, da professora e dos estudantes participantes são fictícios. 5.2 A instituição de ensino, o curso, a disciplina e a turma Aquino (2014) recomenda que o experimento formativo inicie com a caracterização e o diagnóstico da realidade que será estudada, por isso é importante analisar as diretrizes curriculares nacionais, o projeto pedagógico e a proposta da disciplina. Além disso, será importante realizar diagnóstico do grupo de alunos, tendo em vista seus conhecimentos prévios. Essa etapa possibilitará aprofundamento teórico, diagnóstico de práticas de ensino e do público com quem o pesquisador vai trabalhar. Como colocado anteriormente, esse experimento formativo foi desenvolvido no contexto da formação inicial em Pedagogia, de uma universidade pública do estado do Rio Grande do Norte. Esse curso foi criado na universidade no início da década de 60. Atualmente possui turmas nos turnos da tarde e da noite e disponibiliza cerca de 100 vagas por semestre. A equipe de docentes é constituída por profissionais que ingressaram na carreira acadêmica por meio do concurso público que, em sua maioria, possuem doutorado. Alguns docentes encontravam-se afastados por motivos de saúde, para formação ou exercício de cargos administrativos, por isso o curso conta com alguns professores substitutos que são admitidos via concurso para vagas temporárias. Quase todos os docentes possuem dedicação exclusiva à docência e à instituição, ministram aulas para o curso de Pedagogia e para as Licenciaturas, 156 tanto na modalidade presencial, quanto no formato da Educação à Distância. O curso de Pedagogia presencial tem a duração de oito semestres no turno vespertino e dez no noturno. A estrutura curricular do referido curso obedece às diretrizes curriculares nacionais para a graduação em pedagogia, conforme a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno – CNE/CP no 1/2006. No artigo 2º há informações sobre o exercício da docência, tendo em vista os níveis e modalidades de ensino, a própria definição de docência e menção à importância da reflexão crítica na formação: Art. 2º As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. § 1º Compreende-se a docência como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre diferentes visões de mundo. § 2º O curso de Pedagogia, por meio de estudos teórico-práticos, investigação e reflexão crítica, propiciará: I - o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas, II - a aplicação ao campo da educação, de contribuições, entre outras, de conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o lingüístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural. O parágrafo 1º é muito importante, pois na definição de docência, destaca a intencionalidade do processo pedagógico, aspectos que constituem as relações sociais como as questões étnicorraciais e de produção, o diálogo que deve ser promovido sobre a diversidade de visões de mundo. O parágrafo 2º, por sua vez, destaca a relevância da reflexão crítica na formação do pedagogo e da pluralidade de conhecimentos que são necessários para o exercício da docência. A concepção crítica para a formação do pedagogo é fundamental para a 157 compreensão do fenômeno da medicalização da e na Educação e de como a prática pedagógica pode ser intencionalmente planejada para enfrentá-lo. O enfrentamento da medicalização no âmbito da Educação é importante para construir uma sociedade ancorada na democracia, justiça, igualdade, equidade, respeito à diversidade e superação de processos de exclusão, conforme o que está posto no art. 5º da referida resolução, mais especificamente nos incisos I e X: Art. 5º O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a: I - atuar com ética e compromisso com vistas à construção de uma sociedade justa, equânime, igualitária, X - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras, O artigo 6º define como deve ser a estrutura do curso a partir da criação de um núcleo de estudos básicos, outro de aprofundamento e diversificação de estudos e um terceiro de estudos integradores. O inciso I trata do núcleo de estudos básicos e, na alínea k, o termo ludicidade é apresentado “atenção às questões atinentes à ética, à estética e à ludicidade, no contexto do exercício profissional, em âmbitos escolares e não-escolares, articulando o saber acadêmico, a pesquisa, a extensão e a prática educativa”. A resolução CNE/CP no 1/2006 trata do estágio no artigo 6º, inciso III que é sobre o núcleo de estudos integradores e alínea b “atividades práticas, de modo a propiciar vivências, nas mais diferentes áreas do campo educacional, assegurando aprofundamentos e diversificação de estudos, experiências e utilização de recursos pedagógicos”, e, no artigo 8º, inciso IV, momento que define que tais práticas devam ocorrer no decorrer do curso, em ambientes escolares e não-escolares, nos níveis e modalidades conforme especificado no artigo 2º. Dessa forma, conforme a referida resolução, o estágio deve garantir uma experiência de exercício 158 profissional que promova aprendizagem e integração dos conteúdos estudados durante a formação inicial. O curso de Pedagogia da universidade onde realizei a presente pesquisa deu início às discussões para a reforma curricular após a publicação da Resolução 01/2006 do CNE/CP e extensa análise das demandas da sua própria realidade, sendo que a nova estrutura curricular entrou em vigor no ano de 2009. Atualmente o referido curso já formulou nova revisão de sua estrutura curricular, mas na época da pesquisa o mesmo obedecia à proposta de 2009. O Projeto Político Pedagógico do Curso de 2009 compreendia que o currículo representava uma construção social, não era estático e imutável, pois deveria estar de acordo com o contexto social, político, econômico e histórico. A proposta foi elaborada a partir de redes de conhecimento por meio de ciclos dispostos em campos de conhecimento: ciências da Educação e práticas pedagógicas, que possui disciplinas que abarcam os três núcleos de estudos propostos pelas novas diretrizes curriculares, gestão e política educacional, escola, ensino-aprendizagem e práticas educativas, e pesquisa educacional, que ofertam disciplinas dos demais núcleos. Tendo em vista os objetivos da pesquisa, a coordenação do curso de Pedagogia sugeriu que a mesma fosse realizada na Disciplina Integradora do Curso de Pedagogia 3 (DICP3) que era curricular obrigatória e oferecida para estudantes do 6º período, tinha carga horária de trinta horas-aula, distribuídas em duas horas semanais. O seu plano de ensino focava a formação e a atuação na instituição escolar, abordava a indissociabilidade entre a teoria e a prática, a reflexão crítica, a interdisciplinaridade, o respeito à diversidade, a criatividade e o trabalho em equipe. Tanto a ementa quanto os objetivos da DICP3 apresentavam possibilidades para desenvolver o presente experimento formativo. A DICP3 também tinha como objetivo promover a articulação entre as disciplinas do semestre letivo que os alunos estavam cursando concomitantemente. Os alunos regularmente matriculados no 6º período cursavam mais cinco disciplinas curriculares obrigatórias que 159 abordavam os seguintes conteúdos: estágio curricular obrigatório com foco no ensino infantil, alfabetização e letramento, gestão, coordenação pedagógica e currículo. A disciplina DCPI3 e o estágio curricular obrigatório que os alunos participantes da pesquisa estavam cursando integravam o campo “escola, ensino-aprendizagem e práticas educativas” e o núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos. As demais disciplinas abarcavam conteúdos dos demais núcleos de estudos propostos na Resolução do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno - CNE/CP no 1/2006. No 6º período os alunos realizariam estágio curricular obrigatório com o desenvolvimento de práticas pedagógicas, o que possibilitaria realizar tarefas de aprendizagem coerentes com os objetivos específicos da pesquisa. Além disso, como explicitado no capítulo sobre Psicologia Histórico-Cultural, o experimento formativo pressupõe a aprendizagem de conceitos por meio de situações problema que possibilitem a articulação entre teoria e prática. Assim, a DICP3 proporcionaria reflexão crítica, conhecimento teórico e análise dos problemas, com posterior planejamento de ações para intervir na demanda ou problema identificado no campo de estágio. No tocante ao plano de ensino da disciplina e coerente com os pressupostos do experimento formativo, não houve supressão de nenhum conteúdo e objetivo, apenas acréscimo do seguinte objetivo: refletir sobre a importância do brincar na prática pedagógica, que foi prontamente aceito. A inserção desse objetivo ocorreu porque alguns estudos sobre medicalização na educação indicam que o brincar possibilita a humanização na formação inicial do pedagogo e na prática pedagógica, independentemente do nível e modalidade de ensino (Luckesi, 2014, Mendonça, 2008, Messeder Neto & Moradillo, 2017, Pereira, 2005, Teles, 2004). Além da humanização, o brincar insere novas alternativas de práticas pedagógicas e possibilidades de ensino e aprendizagem, que rompem com as práticas tradicionais ancoradas em atividades 160 repetitivas de cópia e memorização, que são analisadas como aspectos importantes para o agravamento do fenômeno da medicalização na Educação que vitimizam alunos e que não se adaptam às práticas tradicionais. É importante ressaltar que a realização dessa pesquisa não prejudicou a disciplina, pois o conteúdo trabalhado e as atividades propostas não estavam incoerentes com a ementa e os objetivos da mesma. O planejamento de cada aula buscou atender aos objetivos da disciplina e da pesquisa. No entanto, nem todas as atividades desenvolvidas foram relacionadas à pesquisa. Esse detalhamento será explicitado na descrição dos procedimentos utilizados para cada aula. A disciplina foi ministrada por mim e pela Profa. Dra. Beatriz, durante vinte e cinco de julho e dez de dezembro de 2016. Essa universidade divide o semestre letivo em três unidades acadêmicas, então, foi necessário planejar as aulas em três etapas, cada uma com objetivos específicos, atividades e critérios avaliativos diferenciados conforme o delineamento da pesquisa, ementa e objetivos da disciplina. O planejamento de cada etapa se deu em conjunto com a professora Beatriz, assim como as aulas. Para isso foi elaborado um cronograma com a diferenciação das unidades que será detalhado na subseção 7.3. Conforme a tabela 8, a turma era composta por vinte e sete estudantes matriculados, mas no total participaram vinte e cinco, sendo cinco do sexo masculino, vinte do feminino, a faixa etária variou entre vinte e trinta e cinco anos. Dentre os estudantes, três desenvolviam atividade remunerada como docentes ou em estágio extracurricular, todos no Ensino Infantil e uma realizava estágio não remunerado em gestão. No decorrer desse capítulo diversos trechos dos registros dos alunos, assim como retirados do diário de campo serão mencionados e quase todos os estudantes serão citados, no entanto, apenas sete deles tiveram seus escritos analisados com maior profundidade. Os critérios para a escolha serão explicitados mais à frente. 161 Tabela 8 Dados sobre os estudantes participantes Realizou a Registros Nomes Sexo Estagiava/trabalhava prática analisados Aline F Analiana F Não participou da pesquisa Bianca F Sim Brenda F Não participou da pesquisa Carlos M Sim Daiana F Sim Sim Sim Dalila F Sim Sim Diana F Sim Érica F Sim Sim Fabiana F Fábio M Felipe M Larissa F Letícia F Manuela F Maria Clara F Sim Mário M Melissa F Sim Sim Milena F Otávio M Sim Sim Sim Priscila F Raiane F Raíssa F Renata F Rosana F Vanessa F Vitória F A tabela 8 mostra que dos 25 alunos, apenas cinco conseguiram realizar a prática de estágio a partir das contribuições da disciplina DICP3. A justificativa para isso será apresentada mais adiante. 162 5.3 O planejamento do experimento formativo A minha experiência ao abordar o conceito de medicalização da vida, da e na Educação com estudantes e profissionais de Pedagogia e demais licenciaturas revelou que esse contato inicial com o fenômeno, com os dados acerca do consumo do medicamento e a percepção de como isso afeta o próprio trabalho deles trazia uma reação de perplexidade e impotência diante da realidade para muitos. Em outras palavras, não era um caminho bom para promover uma compreensão conceitual na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural a ponto de fazer com que as pessoas percebessem possibilidades de enfrentamento do mesmo, ou seja, de intervir na realidade transformando-a. Posteriormente, por meio da minha atuação como professora do curso de Pedagogia de uma instituição de ensino superior pública da região, constatei que abordar a importância do brincar através do resgate de memórias e oficinas de brincadeiras e, a partir daí, pensar o desenvolvimento infantil e a atuação do pedagogo, gerou possibilidades de aprendizagem para os alunos participantes riquíssimas, com compreensão do quanto a Educação era massificante, homogeneizadora, mecanizada, do quanto a relação entre professores e alunos precisava mudar, assim como a própria prática pedagógica. Observei que os estudantes passavam a ver as crianças e seus futuros alunos de outra forma, como sujeitos em potencial, diferentes entre si, com conhecimento prévio que precisava ser inserido no cotidiano escolar. Diante dessa experiência, relembrei da bandeira de luta do Fórum sobre Medicalização que tem o brincar como forma de enfrentamento ao fenômeno. Então, concluí que para planejar o presente experimento formativo, seria necessário deixar os conceitos primários, que são medicalização da vida e medicalização da e na Educação, para serem abordados num momento posterior. Para que que os estudantes de pedagogia conseguissem pensar em formas de 163 enfrentamento, seria fundamental refletir criticamente sobre a realidade da Educação brasileira e a função social da escola e do pedagogo. Correia e Bonfim (2008) apresentam os estádios da consciência para Paulo Freire que são consciência mágica, ingênua, fanatizada e crítica. A consciência mágica permite que o sujeito se preocupe com a imediaticidade de sua vida e tenha apenas uma compreensão superficial da realidade, sem consciência histórica e sem conseguir vislumbrar uma perspectiva de mudança no futuro, o que faz com que ele se torne passivo diante dos acontecimentos, sem questionar e dialogar. A consciência ingênua representa uma fase de transição da mágica para a fanatizada ou crítica, pois a pessoa passa a conseguir questionar a realidade e a história, a existência das desigualdades e tende a rejeitar os processos de dominação. A consciência fanatizada é patológica e irracional, pois o sujeito acredita que compreendeu a verdade absoluta e que todo o resto é errado, impondo sua verdade de forma autoritária, o que vai contra a dialogicidade e a práxis. A consciência crítica possibilita uma análise complexa da realidade, sua história, mudanças, desigualdades, sistemas políticos e econômicos, busca formas de mudar para melhorar a sociedade para todos, como destacam os autores: Cumprido esse percurso, então o sujeito terá saído do estado de senso comum (consciência mágica, ingênua ou fanatizada) para alcançar o senso crítico, este sobre o qual é possível dizer que quem o possui alcançou, então, a consciência crítica. Esse é o sujeito educado por excelência, segundo Paulo Freire. Essa constitui a finalidade e a missão fundamentais de todo processo educativo que se quer à altura da dignidade humana, do valor imensurável do homem e da mulher (Correia & Bonfim, 2008, p. 60). Desenvolver a consciência crítica é um dos objetivos da Educação, tanto que está presente nas diretrizes curriculares para Pedagogia e no projeto político pedagógico do referido curso. É necessário “levar à compreensão dos motivos históricos, políticos e sociais que contribuíram para que se chegasse ao quadro conjuntural atual que nossa sociedade vive” (Correia & Bonfim, 2008, p. 61). Dessa forma, o presente experimento formativo, a partir de 164 uma intencionalidade pedagógica, precisa ser planejado para oportunizar o desenvolvimento da consciência crítica dos aspectos da realidade e da historicidade que constituíram e constituem o fenômeno da medicalização. 165 Nesse sentido, a figura 5 representa o organograma dos conceitos primários e secundários abordados, a partir de uma práxis pedagógica que envolve reflexão, representada nas cores azul e verde e ação, com a cor laranja. Figura 5. Organograma dos conceitos primários e secundários 166 No entanto, como foi informado acima, o semestre é organizado em três unidades acadêmicas, em função disso, a disciplina foi organizada em três etapas. O plano de ensino foi reestruturado com outra organização didática, pois conforme Aquino (2014, p. 4650): Este plano deve preservar os conteúdos da disciplina, e submetê-los a uma organização didática superior baseada nos princípios organizadores do sistema de conhecimento, ou seja, nas palavras de Davidov, a disposição didática dos conteúdos deve procurar o essencial-geral dos conceitos a serem ensinados. Depois se procede à articulação coerente entre os objetivos, os conteúdos, os métodos e os recursos necessários para o trabalho com cada uma das unidades que integram o programa. Tais mudanças não mudaram o conteúdo do plano, mas contribuíram para repensá-lo tendo em vista a seleção dos conceitos principais, a relação entre eles, a melhor sequência didática e atividades a serem realizadas, buscando não fragmentar o ensino e prejudicar a aprendizagem. As três etapas planejadas buscaram seguir esses princípios (Aquino, 2014). O experimento teve início com um diagnóstico dos conceitos prévios que os estudantes tinham sobre brincar e medicalização. As aulas iniciais foram destinadas a trabalhar discussões críticas sobre a função social da escola e do pedagogo, compreendidos como conceitos secundários, tendo em vista a historicidade e as contradições da sociedade atual. Num segundo momento seria trabalhado o conceito primário brincar, não para pensar em estratégias pedagógicas voltadas para o processo de ensino e aprendizagem de crianças no ensino infantil ou fundamental, mas para compreenderem o brincar enquanto importante dimensão humana, que se configura enquanto atividade principal na idade pré-escolar, promovendo a apropriação da cultura e o desenvolvimento de funções psicológicas superiores, que não deixa de ser importante em outros ciclos de vida (Vigotski, 2008, Nascimento, Araújo & Miguéis, 2009). O terceiro momento foi caracterizado pela inserção dos alunos em campo de estágio, conforme calendário acadêmico deles e as aulas da disciplina seriam destinadas a discutir as experiências realizadas, com o propósito de integrar os conteúdos discutidos e contribuir com a elaboração de práticas pedagógicas que seriam planejadas intencionalmente a partir dos 167 conceitos anteriormente trabalhados para que os estudantes percebessem que seria possível mudar a atuação profissional. Nessa etapa nenhum conceito novo seria apresentado. O segundo e o terceiro momentos foram constituídos por atividades práticas por meio de oficinas, estudo de caso e estágio curricular obrigatório. O quarto momento seria, enfim, destinado ao estudo dos conceitos primários medicalização da vida, da e na Educação, em novo ciclo reflexivo. A tabela 9 mostra o planejamento para cada etapa, com a relação das datas conceitos, atividades realizadas e se houve registro escrito pelos alunos. 168 Tabela 9 Planejamento da primeira etapa do experimento formativo Aulas Conceitos Objetivo da aula Atividade Registro Descrição da atividade Identificar os conhecimentos prévios acerca: da função do pedagogo na escola, da Qual a importância do brincar para a 1 Diagnóstico importância do brincar para a Questionário Sim atuação do pedagogo? Você sabe o que é (29.07) atuação do pedagogo e do medicalização da vida e da educação? fenômeno da medicalização da educação. Imagens, livros com Função social da Levantamento das concepções pinturas de obras de 2 escola. Função sobre a escola e trajetória arte, quadrinhos que se Não (05.08) social do escolar dos alunos. relacionavam com a professor. infância e com a escola. Textos literários, letras 3 Discutir concepções sobre a Professoras elaboraram lista com síntese de música, contos e Sim (12.08) escola de aspectos citados pelos estudantes. poesias. Aprofundar a discussão sobre 4 Textos: Nadal (2009) e escola, sua função social e o Não (19.08) Cortella (2008) papel do pedagogo. Após ler os textos acadêmicos, estudados Experiências do livro na unidade I e inseridos no quadro, e Refletir sobre experiências "Volta ao mundo em13 analisar as imagens e textos literários 5 alternativas de escolas escolas”, Campanha De Sim (contos, poemas e letras de música), (26.08) brasileiras. Pé no Chão e de outras elabore um texto (mínimo 15 linhas) que escolas. contemple os seguintes tópicos: sua compreensão acerca do papel da escola na 169 sociedade atual e do papel do pedagogo nessa escola. Tabela 10 Planejamento da segunda etapa do experimento formativo Aulas Conceitos Objetivo da aula Atividade Registro Descrição da atividade Brincar livre. Brincar mediado Refletir acerca da importância do 6 e/ou Estudo de caso. Texto: brincar na prática pedagógica do Não (02.09) pedagogizado. Vinhoti e Santos (2007) professor. Medicalização na Educação. Após assistir ao filme “Tarja Branca” e participar da oficina de recursos lúdicos, elabore um texto que considere os tópicos abaixo: Resgatar memórias da infância e • Escolha cenas do filme e/ou Brincar livre. 7 refletir acerca da importância do Documentário Tarja momentos da oficina que Medicalização Sim (09.09) brincar para o desenvolvimento Branca representem o brincar para o da vida. humano em todas as idades. desenvolvimento humano, em todas as faixas etárias. • Registre os sentimentos vivenciados ao lembrar ou conhecer as parlendas, músicas, brincadeiras. 170 • Considerando sua trajetória pessoal, profissional e no curso de Pedagogia, disserte acerca da importância do brincar para o trabalho do pedagogo. Brincar livre. Brincar mediado Resgatar e vivenciar experiências 8 e 9 e/ou relacionadas ao brincar, refletir Oficina de brincadeiras. (16.09) Sim pedagogizado. sobre a importância do brincar na Roda de conversa. 2 aulas Prática prática pedagógica. pedagógica. Integração de Oportunizar experiências 10 todos os relacionadas a um contexto Ida a campo de estágio. Sim Roteiro de caracterização da escola (23.09) conceitos prático da atuação de docentes estudados. em formação. Brasil (2012), Camargo e Rosa (2013), Meirelles (2015), 11 Brincar livre. Brincar mediado e/ou pedagogizado. Mendonça (2008). Orientação para Proposta de Intervenção (30.09) Prática pedagógica. Medicalização. elaboração da proposta de intervenção. 12 (07.10) 13 Filme Caramba Carambola o brincar tá na escola. Orientação para (14.10) elaboração da proposta de intervenção. 14 Orientação para elaboração da proposta de intervenção. (04.11) 171 Tabela 11 Planejamento da terceira etapa do experimento formativo Aulas Conceitos Objetivo da aula Atividade Registro Descrição da atividade Feriado, greve e aula pública (16.11) Registro reflexivo individual de no mínimo 20 linhas, com o uso dos textos e materiais estudados, que contemplasse os seguintes tópicos: • Compreensão sobre o Texto de Leonardo e fenômeno da medicalização da Medicalização da Suzuki (2016), Poesias educação. vida. Medicalização de Perez (2016), Promover a compreensão acerca do • A partir do papel da escola da e na Educação. Estudos de caso 15 fenômeno da medicalização e refletir na sociedade, do estágio Brincar. Função publicados por Souza Sim (02.12) sobre a atuação do pedagogo para o desenvolvido no decorrer do social da escola. (2013), escala Snap IV enfrentamento do fenômeno. semestre, da importância do Função social do para diagnóstico de brincar na prática pedagógica e do professor. TDAH, Vídeo de relato das experiências exitosas, Monteiro (2006) escreva sobre: os limites, possibilidades e desafios na formação e atuação do pedagogo para o enfrentamento do fenômeno da medicalização da educação. 172 Vídeo é “Brasil é segundo maior consumidor mundial de Ritalina”, Dados 16 estatísticos da Anvisa Sim (09.12) sobre consumo de medicamentos. Apresentação de experiência de estágio em Psicologia. 173 A primeira etapa foi desenvolvida a partir de um questionário on-line e em quatro aulas. O questionário on-line substituiu a primeira aula e buscou atender à necessidade de diagnosticar os alunos que participariam da pesquisa, tendo em vista seu conhecimento prévio sobre o brincar e medicalização, como colocado acima. Nessa etapa inicial, os conceitos principais que foram trabalhados se referiram à concepção sobre a escola, sua função social e ao papel do pedagogo na sociedade atual. As outras quatro aulas serão detalhadas na próxima subseção. Como dito anteriormente, essa escolha foi feita pois a aprendizagem do conceito de medicalização e seu impacto na Educação pressupõe a compreensão crítica e reflexiva acerca do surgimento da escola no decorrer da história da sociedade ocidental, as funções sociais que recebeu desde então e as que possui na atualidade, o que leva à discussão sobre o papel do professor, mais especificamente do pedagogo nesse contexto. Portanto, ao abordar tais conceitos e/ou conteúdos, os textos disponibilizados e atividades propostas buscaram oportunizar a aprendizagem tendo em vista seu processo histórico e análise do contexto atual. Esse caminho possibilitaria a discussão crítica sobre os seguintes aspectos e conceitos secundários para a aprendizagem do conceito científico sobre medicalização da vida, da e na Educação: aspectos sociais, políticos, econômicos e históricos, imposição de um padrão hegemônico de comportamento, moralidade, inteligência que leva muitas pessoas a não se adaptarem às normas sociais e à escola, o que, por sua vez, favorece a compreensão da dicotomia saúde e doença que faz com que aquele que não se adapta seja doente, por meio de uma concepção ancorada no determinismo biológico. Realizar uma reflexão crítica sobre isso possibilitaria que os estudantes apreendessem a relação entre sociedade, função social da escola e do professor, prática pedagógica e suas mudanças do decorrer da história até a atualidade. A segunda etapa foi realizada em nove aulas. Nas primeiras quatro aulas o conceito principal trabalhado foi sobre o brincar, de forma bem reflexiva. De forma secundária, o conceito de medicalização foi introduzido, por meio de um documentário e estudo de caso. Nas 174 outras cinco aulas foi proposta a articulação com a disciplina de estágio curricular obrigatório para possibilitar integração entre elas, análise da instituição escolar, identificação de demandas relacionadas aos conceitos estudados, elaborar e realizar uma proposta de intervenção por meio da prática pedagógica. Nessa segunda etapa, os estudantes estariam inseridos numa instituição escolar e atuando profissionalmente, aspectos que foram foco de grande reflexão na primeira etapa do experimento formativo. Após aprenderem sobre o papel da escola, sua função social e o papel do pedagogo, ler, realizar atividades, assistir a filmes que abordassem o brincar, poderia proporcionar uma vivência em que se articulariam aspectos afetivos, cognitivos e psicomotores que poderiam potencializar a reflexão crítica acerca dos conceitos anteriormente aprendidos. Essa experiência poderia ampliar a compreensão do contexto atual em que a medicalização na educação cresce vertiginosamente, mesmo sem abordar esse conceito diretamente. Além disso, os estudantes teriam experiência em campo de estágio e de elaborar propostas de intervenção pedagógica que utilizassem o brincar. Tal processo oportunizaria uma base teórica necessária para a aprendizagem do conceito de medicalização, subsídios para compreenderem seu papel no enfrentamento desse fenômeno por meio da práxis pedagógica. Infelizmente, a terceira etapa precisou ser executada em apenas duas aulas diretamente com os alunos. Antes desses encontros houve uma aula pública sobre o tema medicalização durante a greve de professores do Ensino Superior ocorrida naquele ano, mas que não contou com a presença dos alunos participantes do experimento formativo. O conceito desenvolvido com os alunos foi o de medicalização, por meio de textos acadêmicos e literários, promovendo articulação com o que foi desenvolvido nas etapas anteriores, para que fosse possível refletir acerca do papel do pedagogo no enfrentamento do fenômeno estudado e pensar em possibilidades de como realizar isso. 175 As atividades desenvolvidas em sala foram registradas por meio do meu diário de campo, composto por anotações dos depoimentos dos alunos nas atividades, além de observações e impressões provocadas pelas aulas. Houve a produção de textos por parte dos alunos, que funcionaram como atividades avaliativas da disciplina. Na pesquisa, os textos representam o material que será analisado para investigar como ocorreu a mediação da aprendizagem de conceitos científicos sobre a medicalização da educação na formação inicial do pedagogo no decorrer do semestre letivo. Esses procedimentos são sugeridos por Aquino (2014), que também propõe que as aulas sejam filmadas e entrevistas feitas com os participantes. No entanto, esses dois últimos procedimentos não foram realizados, pois avaliei que seria muito material para ser avaliado, considerando que havia 25 alunos participantes. As minhas anotações e os registros escritos dos estudantes – grafados em itálico no texto para melhor visualização de suas produções – possibilitarão a comparação entre o quadro conceitual proposto para ser abordado em cada etapa e a aprendizagem que houve do mesmo, além de permitir a elaboração de categorias para apreender a gênese do processo de aprendizagem desses conceitos científicos. Para Aquino (2014) as categorias são criadas a partir da aprendizagem dos alunos que pode ser observada pelas falas, comportamentos e textos produzidos. A análise deverá ocorrer após a realização do experimento, ser explicativa e compreensiva, ou seja, “será preciso descrever, explicar, abstrair e generalizar simultaneamente” (p. 4653). O objetivo é descobrir, identificar, compreender e abstrair as relações essenciais dos fenômenos investigados, os princípios, as caraterísticas que os organizam. Isso possibilitará a formulação de generalizações elaboradas a partir da essência do objeto estudado. A descrição e análise do caminho percorrido pelos estudantes, por meio da participação em sala e dos registros escritos dos estudantes levou à elucidação de três categorias de análise: mediação, brincar e práxis pedagógica como essenciais para a formação do conceito científico 176 sobre medicalização da e na Educação. O detalhamento de cada etapa, com destaque para os procedimentos relacionados com a pesquisa e para a análise a partir das categorias elencadas será feito a seguir. Para elucidar a análise, vários trechos dos registros escritos dos estudantes serão transcritos. No entanto, dentre os 25 que participaram, selecionei apenas sete para aprofundar a análise. Os critérios utilizados para realizar essa seleção foram: responder às questões do diagnóstico e o último registro escrito sobre medicalização e formas de enfrentamento, apresentar um pré-conceito sobre medicalização no diagnóstico, realizar a prática no estágio curricular obrigatório a partir das contribuições da disciplina DICP3. A partir desses três critérios, os alunos Bianca, Carlos, Daiana, Dalila, Érica, Melissa e Otávio foram selecionados. Além dos registros dos alunos citados, no decorrer deste capítulo, algumas citações relacionadas aos demais estudantes serão apresentadas para elucidar aspectos que forem discutidos. 5.3.1 Primeira etapa do experimento formativo a) Questionário on-line Esse questionário teve como objetivo identificar os conhecimentos prévios e concepções teóricas acerca: da função do pedagogo na escola, da importância do brincar para a atuação do pedagogo e do fenômeno da medicalização da e na Educação, o que motivou os alunos a escolherem ser pedagogos, sua representação sobre a escola a partir de sua trajetória escolar, o que aprendeu com a Disciplina Integradora do Curso de Pedagogia 2 (DICP2). Por fim, era necessário verificar as expectativas dos alunos com relação à disciplina e em quais outras eles estavam matriculados para planejar a integração entre elas. 177 Para a realização desse diagnóstico, conforme explicado anteriormente, um roteiro de perguntas (apêndice D) foi elaborado e enviado aos alunos pelo sistema eletrônico da universidade, sendo que 22 responderam dentre os 25 participantes. Beatriz e eu pretendíamos conhecer melhor os alunos, suas concepções, conhecimentos prévios e expectativas, pois a aprendizagem de conceitos científicos pressupõe que existam conceitos espontâneos e/ou conceitos mais simples anteriormente adquiridos. É fundamental realizar essa identificação para avaliar o planejamento inicial das aulas e reorganizá-lo, se necessário (Aquino, 2014). Na questão “Por que escolheu a profissão de pedagogo e como entende a função desse profissional na escola?”, os seguintes conteúdos foram observados nas respostas: identificação com a área, admiração pela profissão, relevância do pedagogo na formação inicial dos estudantes, fazia trabalho voluntário como professora, o trabalho do pedagogo é criar e recriar instrumentos que facilitem o aprendizado em sala, o mercado de trabalho é bem mais amplo na área de educação, por falta de opção, para compreender o fenômeno educativo em todas as suas dimensões, por acreditar no poder transformador que a Educação exerce sobre o ser humano, para desenvolver o aprendizado de forma significativa, em função do elo entre escola e família, para aprimorar conhecimentos adquiridos pelo fato de já trabalhar na área. Essa pergunta indica os motivos que fizeram com que os estudantes escolhessem ser pedagogos, é possível observar que em sua maioria, as respostas trouxeram aspectos positivos acerca da profissão, relacionados à importância da atuação do pedagogo na compreensão do processo de ensino e aprendizagem, para os alunos, para a sociedade, como área de conhecimento. Poucas respostas, apenas duas, revelaram falta de opção ou apenas por mercado de trabalho. A percepção de que a atuação do pedagogo é importante para o processo de ensino e aprendizagem será muito importante para promover reflexões críticas acerca da escola, das práticas pedagógicas e para pensar em formas de enfrentamento ao fenômeno da medicalização. 178 A questão “O que a escola representou em sua vida?” obteve respostas que destacavam: mudanças significativas na sociabilidade e interação, as marcas de aprendizagens dos professores, não podia brincar, começou a gostar da escola por causa de uma professora que contava histórias, lugar de aprendizagem, lugar onde se pode fazer amizades, contribuição para o desenvolvimento pessoal, experiência significativa na vida, experiências positivas e negativas, escola como um agente de transformação com aulas instigantes, gostar de educar, respeito pelos professores, caminho de oportunidades e conhecimentos, esperança de um futuro melhor. Essa pergunta foi feita há estudos que discutem a importância da memória dos professores, principalmente da trajetória escolar, na constituição da identidade e na atuação profissional, tendo em vista a prática pedagógica. As experiências durante a infância, a escolarização, com a família, são formadoras e influenciam a atuação profissional do docente (Mendonça, 2008, Luckesi, 2014). As respostas para as questões “Qual a importância do brincar para a atuação do pedagogo?” e “Você sabe o que é medicalização da vida e da educação?” podem ser lidas na tabela 10. Tabela 10 Respostas dos estudantes sobre brincar e medicalização. Conceito sobre Nomes Conceito sobre o brincar medicalização Acredito que Medicalização seja o termo usado para o uso de remédios, O brincar tem um papel importante na talvez de forma exagerada e atuação do pedagogo, uma vez que é nesse inapropriada, por meio de diagnósticos Bianca processo que possibilita a criança frágeis, para crianças em idade escolar estabelecer relações psíquicas, afetivas e que não apresentam um comportamento sociais. considerado “adequado” por parte dos profissionais que atendem essa criança. 179 Li um artigo na internet e pelo quem [sic] entendi é um processo se assim podemos chamar que tem a função de Como é um aspecto do processo de ensino controlar e subverter as pessoas, alunos – aprendizagem é importante o professor destituindo a autonomia, transformando ter no seu planejamento este aspecto que os alunos em portadores de distúrbios Carlos faz parte da infância da criança que tem de comportamento e de aprendizagem. contribui para o seu desenvolvimento O autor dizia que a medicalização não cognitivo e social. nasce na escola, mais que existem outros fatores de cunho social e econômico que estão ligadas a medicalização da educação, em uma esfera muito maior. Na minha (curta) experiência tenho aprendido que as crianças sempre Daiana absorvem o conteúdo após uma Não conheço o termo (medicalização) brincadeira, principalmente se envolver movimento. De acordo com o que nós estudamos na disciplina de Educação Infantil, brincar é atividade principal da criança. Na atuação pedagógica é necessário repetir e recriar ações prazerosas, situações imaginárias, Não sei ao certo, mas tem alguma criativas, compartilhar brincadeiras, ligação com questões sobre as Dalila deixar as crianças expressarem sua dificuldades com relação ao processo de individualidade, despertar sua identidade, aprendizagem. explorar a natureza, os objetos, comunicar-se, e, como mediador, participar ativamente da cultura lúdica para compreender o universo infantil. Estou tendo conhecimento desta palavra agora. Não tenho noção do que significa medicalização da vida e da educação. Mas, posso definir com minhas palavras Despertar o interesse da criança para a e interpretar o que compreendo que aprendizagem. Buscar atrair a atenção do possa ser como algo que deva ser Érica aluno com aquilo que mais lhe atrai que é tratado com antecedência. Penso na a ludicidade e criar possibilidades de seguinte frase: é melhor prevenir que construção do conhecimento. remediar. Não sei se estou certa. Vou pesquisar para compreender melhor! E ter uma resposta mais adequada para esta pergunta. 180 A brincadeira e de suma importância para o aprendizado da criança e de qualquer outro indivíduo, a criança em especial porque ela entende que o brinquedo contribui para o seu divertimento seja sozinha ou acompanhada. Ela começa a entender que o brinquedo pode ser Melissa resinificado e transforma a brincadeira em Não aventuras. Os RCNEIs nos mostram que o brincar com as crianças suscitam [sic] em seu crescimento psico-motor, sobretudo o cognitivo contribuições para suas vidas. Portanto, brincar é essencial e deve acompanhar a criança durante suas fases evolutivas. Se entendi bem a pergunta, acredito que se refere ao ato da criança brincar, se estiver certo portanto, vejo nesse ato uma Otávio Não oportunidade da criança exercitar capacidades que futuramente poderão lhes ser exigidas. Na questão “Qual a importância do brincar para a atuação do pedagogo?”, os estudantes responderam: instrumentos e práticas lúdicas que possibilitem uma maior interação com os educandos, dinamização das aulas, contribui para a relação professor-aluno, contribuições para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social, é um aspecto do processo de ensino e aprendizagem, brincar como característica da infância, o professor deve usar em todas as idades, ajuda na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, facilita a aprendizagem, conseguir relacionar o assunto com a realidade em sociedade, o ofício de ser professor pode ser prazeroso. A aluna Dalila expressa compreender o brincar como a atividade principal da criança, que se trata de um conceito da Psicologia Histórico-Cultural, proposto inicialmente por Vigotski (2008) e desenvolvido posteriormente por Elkonin (Nascimento, Araújo & Miguéis, 2009), mas com foco no jogo protagonizado e na idade pré-escolar. A partir dessas respostas, foi possível perceber que o brincar é entendido como um instrumento para facilitar a atuação do pedagogo e o processo de ensino e aprendizagem, focado 181 nas crianças, visto que contribui com a interação e a relação professor-aluno. Não houve nenhuma menção à importância do brincar na formação do pedagogo e na criação de um ambiente lúdico que promove o desenvolvimento de todos, alunos e professores, seja na formação ou na atuação profissional. Identificar essa compreensão dos estudantes foi importante para planejar as aulas que terão como objetivo promover a aprendizagem do conceito brincar, principalmente as que possibilitarão o resgate da memória da infância e a vivência do brincar (Mendonça, 2008). Para a pergunta “Você sabe o que é medicalização da vida e da educação?” as seguintes respostas foram elaboradas: nada sabiam sobre o tema, preocupação com uso excessivo de medicamentos, tem relação com dificuldades de aprendizagem, é melhor prevenir do que remediar, controle de pessoas a partir da medicina e dos medicamentos. Essa foi a única questão em que houve pouca variação nas respostas, sendo que em sua maioria, dezessete de vinte e dois estudantes, não sabiam o que era medicalização da vida e da educação. Dentre os que tinham alguma compreensão acerca dos conceitos, Carlos conseguiu elaborar a resposta mais completa, pois leu um artigo sobre o assunto na internet. Bianca e Dalila responderam que estaria relacionado com consumo de medicamentos e problemas de comportamento ou aprendizagem na escola. Essas respostas trazem indícios de como esse tema é pouco discutido na sociedade e no curso de Pedagogia, apesar de ser muito presente no nosso cotidiano, além disso, reiteram o que algumas pesquisas apontam acerca do desconhecimento dos profissionais da educação sobre o tema, mesmo que muitas de suas ações em seu trabalho sejam influenciadas pelo mesmo (Garrido & Moysés, 2010, Legnani & Pereira, 2015, Leonardo & Suzuki, 2016). Ter realizado esse diagnóstico para saber o conhecimento prévio dos alunos foi muito importante para o planejamento das etapas do experimento formativo e suas aulas, de forma que elas pudessem ser mais coerentes com o perfil da turma e pudessem propiciar momentos 182 de reflexão e aquisição de conhecimento, conforme os objetivos previamente definidos. É importante destacar que as etapas do experimento formativo, os conceitos a serem trabalhados e as atividades serem desenvolvidas foram previamente planejadas, mas tudo foi revisado no decorrer do semestre conforme o experimento transcorria. Como dito anteriormente, esse replanejamento faz parte do experimento formativo (Aquino, 2014, Davydov, n.d.). b) Primeira aula Essa foi a primeira aula presencial e o primeiro contato em sala de aula com a turma. A ementa, os objetivos e o cronograma de aulas até a segunda etapa foram apresentados aos alunos. O objetivo dessa aula foi dar continuidade ao levantamento das concepções sobre a escola e trajetória escolar dos alunos, para isso, diversas imagens, livros com pinturas de obras de arte, quadrinhos que se relacionavam ora com a infância, ora com a escola foram expostos e os presentes deveriam escolher a obra que relembrava sua trajetória escolar, para depois explicar o motivo da escolha. Dentre os materiais utilizados destaca-se: Prefeitura de Natal. (2012). Campanha Pé no Chão também de Aprende a Ler. Natal: Prefeitura de Natal. José, E. (2006). Ciranda brasileira: xilogravuras de J. Borges. São Paulo: Paulus Editora. Quino, J. S. L. (1999). O clube da Mafalda (M. Stahel, Trad.). São Paulo: Editora Martins Fontes. Barros, M. de. (1999). Exercícios de ser criança. Rio de Janeiro: Salamandra. Dentre os motivos que levaram às escolhas pelos onze alunos presentes à atividade observam-se lembranças de que a escola não permite dar voz ao aluno, apesar da mesma ser constituída por suas vozes e as dos professores, a escola é um espaço de aprendizagem a partir dos interesses dos alunos, por meio de práticas mais lúdicas, com jogos, professores alegres, 183 união, respeito, colaboração, teia da vida, escola como lugar de valorização da cultura com convivência harmônica, é importante sair das páginas dos livros e se basear na realidade das crianças para um planejamento de acordo com o que desperta curiosidade nelas, escola como lugar de desenvolvimento das inteligências múltiplas, necessárias para conhecer o mundo, espetáculo que reúne pessoas diferentes entre si, a escola é uma instituição misteriosa, que precisa ser desvendada por pesquisadores e curiosos, pois o mundo está sempre em transição, a escola deveria reforçar a cultura popular que é produzida pelo povo, a escola deveria se inserir no contexto, agregando novos conhecimentos, sem retirar o que já existe, a escola deveria ser conscientizadora e libertadora contra o projeto Escola sem Partido. As respostas acima revelam concepções mais negativas do que as respostas dadas ao questionário, pois muitos estudantes estavam falando muito mais do que a escola deveria ser e não do que ela é ou aquela que frequentaram em sua trajetória. Essa escola que dá voz ao aluno, que promove e não cerceia o seu desenvolvimento é aquela que não atua para a produção do fenômeno da medicalização. Essa compreensão sobre o que a escola deveria ser facilitará a aprendizagem do conceito de medicalização, dos elementos que causam sua gênese e daqueles que podem se configurar em formas de enfrentamento. c) Segunda aula O objetivo da segunda aula foi discutir concepções sobre a escola a partir de textos literários, como contos, letras de música e poesias (anexo A), conforme Tabela 12: 184 Tabela 12 Relação de gêneros textuais e autores Texto Gênero Autor Letra de Música. Garotos Podres. Escola Letra de música. Gabriel o Pensador. Estudo errado Letra de música. Pink Floyd. Another Brick In The Wall Conto. Rubem Braga. Aula de Inglês Conto. Carlos Drummond de Andrade. Da utilidade dos animais Conto. Edson Rodrigues dos Passos. O índio Letra de música. Legião Urbana. Química Letra de música. Wesley Rap da escola Conto. Fernando Sabino Reunião de mães Os alunos formaram duplas, sendo que cada uma escolheu um gênero textual, em seguida leram e discutiram a escola tem para o autor e quais memórias foram evocadas a partir da leitura. Por fim, cada dupla descreveu o texto escolhido e socializou o que discutiu com o restante da turma, com posterior debate. A dupla que leu a letra de música “Escola”, do grupo Garotos Podres, colocou que o conteúdo descreve a escola bem mecanicista, tradicional, repressora, em que a subjetividade e a cultura dos alunos não são levadas em consideração. A escola só prepara para o trabalho e não para a vida, escraviza e domina, o que não deveria ocorrer. Os alunos que leram o conto “Da utilidade dos animais”, de Carlos Drummond de Andrade, colocaram que o texto retrata a rotina de sala de aula, com uma professora amorosa, que aparentemente domina o que faz, que discursa inicialmente a favor do cuidado que deve ter com os animais, mas enfatiza que isso deve ser feito porque servem para alimento e utensílios. A dupla de estudantes coloca que a professora entra em contradição, os animais são bons porque são úteis aos humanos. Criticam que há uma fala de um aluno dessa professora que aponta essa contradição, mas a professora não respondeu, pois não valoriza o conhecimento deles e nem o 185 que querem saber. A partir daí, fizeram uma reflexão acerca das aulas planejadas pelos professores de forma fechada, ou seja, sem levar em consideração o que o aluno está pensando. Observaram também que a profissional não havia planejado a aula direito, pois falava aparentemente sem pensar, até demonstrando bastante interesse e motivação pela aula, mas sua preocupação era transmitir e passar o conteúdo sem que os alunos pensassem sobre o mesmo. Nesse sentido, foi questionado sobre se a professora pensava acerca do assunto e do que estava falando. Por fim, a dupla citou o filme “Escritores da Liberdade”, que relata a história verídica de uma professora norte americana que partiu do conhecimento dos alunos e tudo mudou depois disso. A letra de música de Gabriel, o Pensador, “Estudo Errado” foi descrita pelos estudantes com conteúdo que retrata a realidade do aluno que não gosta de estudar e nem da escola, depois traz uma crítica ao sistema educacional, sem sentido, em que todos atuam de forma repetitiva, sem perceber. Como consequência, o aluno pensa apenas no benefício que vai ter, ou seja, se tirar nota boa para passar de ano, vai ganhar algo em troca, um presente. No entanto, os alunos querem aprender coisas importantes, querem discutir corrupção, mas são obrigados a estudar o que é imposto pela escola, sem valorização de seu pensamento, não há espaço para reflexão, só memorização. Os estudantes refletem que esses aspectos também foram abordados no texto de Drummond, citado anteriormente. A leitura da letra de música fez com que uma das alunas lembrasse de aspectos de sua trajetória escolar, então ela relatou que tinha muita dificuldade de aprendizagem, buscava decorar os conteúdos e só tirava nota baixa. Os professores a aprovavam por dó ou reconhecimento de que era esforçada, apesar de não aprender muita coisa. A aluna conta que apesar de suas dificuldades de aprendizagem, questionava o que não era útil, mas que tinha de aprender. Ela considera que o ensino infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental da atualidade são bem melhores, pois apresentam projetos pedagógicos realmente desenvolvidos 186 para as crianças. Nesse ponto a professora Beatriz refletiu como a escola provoca essa ideia de incapacidade individual, ou seja, faz as pessoas pensarem que são culpadas e incapazes. Uma aluna complementa a discussão, argumenta sobre a importância de resgatar as memórias escolares durante a formação, para refletir sobre elas, o que contribuirá para que, em sua atuação profissional, não reproduza essas experiências ruins. O texto “Aula de inglês”, de Rubem Braga também aborda aulas repetitivas. A dupla de alunos que o leu apontou o sarcasmo do final do texto, quando há a expressão do desejo de conversar em inglês, não apenas memorizar, por parte do aluno. Uma das pessoas da dupla que já atua como professora se reconheceu nas reações da professora. Disse que essas situações acontecem na aula de inglês, tanto os aspectos repetitivos como o fato dos alunos não saberem a resposta e observarem o tom de voz, a reação para dar a resposta, conforme apresentado no texto. O conto “O índio”, de Edson Rodrigues dos Passos, abordou outros aspectos relativos à escola, pois ele aborda o preconceito, o estereótipo que é criado na escola. A dupla que o leu problematizou que isso é reflexo do medo de lidar com o desconhecido, com outras culturas, como consequência, a escola se torna fechada, unilateral, só vê o que acha normal. Uma das alunas que leu o texto que já atua como professora relata experiência própria de sala de aula em que havia estigmatizado um aluno difícil, porque era especial [sic], ou seja, apresentava necessidades educacionais especiais. No entanto, ela percebeu seu preconceito e resolveu valorizá-lo, logo observou que seu comportamento e aprendizado evoluíram muito. Para a dupla que leu a letra de música “Química”, de Legião Urbana, o conteúdo provocou a lembrança de uma das estudantes em relação à sua própria experiência com a química. Em seguida, a dupla discutiu a falta de atratividade da escola abordada pela letra e por outros textos literários já apresentados. No entanto, essa música também mostra a escola como única forma de ascensão social, o aluno, protagonista da música, tinha outros interesses, queria 187 estudar e conhecer outras coisas, mas sofria enorme pressão, pois só se concluísse os estudos seria alguém e, como tinha dificuldade, questionava se era capaz disso. Em seguida, a letra de música “Rap da escola”, de Wesley, foi apresentada por sua respectiva dupla de alunos. Segundo eles, o conteúdo da música retrata uma escola enfadonha, alunos com dificuldade de aprender, desrespeito ao professor. No geral, a letra traz uma visão muito negativa do professor. Assim como na letra da música “Química”, apesar de tantas dificuldades e aspectos negativos, o protagonista precisa aprender. Após a discussão de todos os textos literários, as professoras tentaram elaborar uma síntese das discussões feitas na aula. Todos concordam que a escola é necessária para promover o ensino, a transmissão cultural e de conhecimento, o desenvolvimento da sociedade, para a ascensão social. Todavia, as dificuldades são tremendas e provocam a sensação de fracasso ao aluno. No geral, os textos lidos retratam que os alunos refletem sobre a escola, mas a equipe não faz isso, apenas age de forma mecanizada e autoritária. Esses aspectos são características do método tradicional de ensino, que é muito rígido, opressor, escravizador e traz prejuízo tanto aos alunos como para os professores. Após as discussões finalizarem, o clip da música Another Brick in the Wall, do Pink Floyd foi exibido. A professora Beatriz encerrou a aula dizendo que apesar da letra ter sido escrita na década de sessenta é bem atual. Por fim, a turma foi orientada a ler o documento que seria cadastrado no sistema com a síntese das discussões feita nessa aula para ajudar a todos responderem à questão “Por que a escola tem estas características?”, que seria o assunto a ser discutido na próxima aula. No geral, foi possível observar que nem todos os alunos haviam pensado que os professores retratados pelos textos não percebiam o que faziam porque não refletiam sobre a própria prática e a instituição onde trabalhavam, por isso sua prática pedagógica era mecanicista. A experiência de terem tido trajetórias escolares marcadas por ensino reprodutor, 188 massificante, autoritário, sem que seu pensamento e conhecimento tivessem sido valorizados, parece ser um elemento de coesão no grupo, não para desistir da escola, mas sim para pensar criticamente sem reproduzir o que vivenciaram. Para Franco (2015) a “pedagogia e suas práticas são da ordem da práxis, assim ocorrem em meio a processos que estruturam a vida e a existência. A pedagogia caminha por entre culturas, subjetividades, sujeitos e práticas” (p. 603). Por isso, resgatar as memórias dos estudantes e suas concepções e refletir criticamente sobre a escola, sua função social e o papel do professor contribui para compreender melhor a realidade atual e pensar em possibilidades de sua transformação. Franco (2015) apresenta três princípios na organização da prática pedagógica. O primeiro se refere às intencionalidades para planejar as atividades, avaliar os alunos, observar se o caminho escolhido está promovendo aprendizagem, reavaliar, reformular as estratégias didáticas, as interações proporcionadas as abordagens. O segundo princípio se refere à “perspectiva dialética, pulsional, totalizante” (p. 606), pois há muitos aspectos que atravessam o cotidiano, como por exemplo, domínio do conteúdo, didática, clima institucional, gestão, infraestrutura, recursos disponíveis, número de alunos, seus conhecimentos prévios, dentre outros. Para a autora: Fundamentalmente, é exigido do professor trabalhar com as contradições. Como está o professor preparado para tal? A ausência da reflexão, o tecnicismo exagerado, as desconsiderações aos processos de contradição e de diálogo podem resultar em espaços de engessamento das capacidades de discutir/ propor/mediar concepções didáticas (Franco, 2015, p. 606). O terceiro princípio trata da importância de o professor realizar suas práticas ancoradas também na historicidade, na reflexão crítica, na consideração e compreensão das contradições inerentes ao processo educativo. Tais aspectos garantem que transformações da própria atuação do docente ocorram em função desse envolvimento crítico e reflexivo, pois isso não será possível pela imposição de mudanças. Diante do exposto, todas as atividades propostas foram 189 intencionalmente planejadas e mediadas para promover esse processo de reflexão crítica, pois isso se torna fundamental para a aprendizagem do conceito científico medicalização da e na Educação. d) Terceira aula Essa aula teve como objetivo aprofundar a discussão sobre escola, sua função social e o papel do pedagogo. Para iniciá-la fizemos uma exposição - com uso de computador e projetor multimídia - de conteúdos que sintetizariam a discussão realizada na aula anterior desencadeada pela leitura dos textos literários. Os conteúdos elencados foram: • Foco na preparação para o trabalho e não para a vida, • Planejamento rígido e fechado que não dialoga com conhecimentos e interesses dos alunos, • Conhecimento fragmentado: falta de integração entre as áreas de estudo e delas com a vida, • Não associação entre currículo da escola e interesses dos alunos, • Desqualificação do conhecimento e da cultura dos alunos: não usa o vivido dos sujeitos, • Avaliação quantitativa e punitiva, • Desenvolve sentimento de fracasso, • Pressão social para a adequação a um padrão de formação, • Educação conteudista, • Conteúdos enfadonhos, sem relação entre si e sem sentido para a vida, 190 • Método tradicional de ensino é muito rígido, opressor, escravizador, traz prejuízo aos alunos e aos professores, • Disciplinamento, silenciamento, massificação, destruição do potencial crítico e criativo, • Concebida como forma única de ascensão social, • Dificuldade de lidar com a diferença e com outras culturas, • Não garante o direito dos diferentes, • Homogeneização, • Algumas experiências de proposição de desafios e preocupação com a aprendizagem. Após a exposição e leitura, questionamos os alunos presentes se gostariam de sugerir a inserção ou exclusão de algum conteúdo, mas todos consideraram que os itens elencados englobaram toda a discussão realizada na aula anterior. Em seguida, abordamos os dois textos indicados para leitura: Cortella, M. S. (2008). Conhecimento escolar: epistemologia e política. In A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos (12ª ed., pp. 131-137). São Paulo: Cortez. Nadal, B. G. (2009). A escola e sua função social: uma compreensão à luz do projeto de modernidade. In M. G. Feldmann (org.). Formação de Professores e Escola na Contemporaneidade (pp. 19-33). São Paulo: Editora SENAC. Os alunos tiveram 30 minutos para lerem as oito primeiras páginas do texto de Nadal (2009) para posterior discussão. A autora faz uma reflexão acerca dos ideais para a educação versus os ideais para o Estado, resgata aspectos históricos relacionados à Educação, como por exemplo, que a escola foi pensada pela burguesia para atender a seus interesses. Ela cita a carta 191 de Rui Barbosa que trata da primeira reforma educacional no Brasil. Outros pontos são abordados no texto com foco nos aspectos históricos como capitalismo, mudanças sociais e culturais e as diferentes missões que a escola adquiriu, seja via população, seja pelo estado ou pela lógica capitalista. Essas informações explicaram ou justificaram em parte as características negativas apontadas na aula anterior a partir da leitura de contos, poesias e letras de música. Após essa discussão, a professora Beatriz expôs o texto de Cortella (2008) que faz uma discussão sobre as concepções sobre a relação entre escola e sociedade: otimismo ingênuo, pessimismo crítico e otimismo crítico. O otimismo ingênuo se refere à concepção da escola que possui autonomia absoluta em relação à sociedade, ou seja, não é influenciada por ela, por isso é compreendida como a instituição que pode promover mudanças significativas para transformá-la. O pessimismo crítico considera a escola uma reprodução da sociedade e como a culpada de todos os seus problemas, incapaz de agir nela para seu desenvolvimento. A terceira concepção, o otimismo crítico, discute que apesar dos fatos históricos apontarem que a escola é produto da história e atende aos interesses hegemônicos, ela apresenta contradições, tensões, paradoxos e é a partir disso que a possibilidade de construir uma política pedagógica surge. O texto de Cortella (2008) destaca o papel político pedagógico do educador e enfatiza a necessidade de possibilitar a construção coletiva de espaços efetivos que promovam a inovação na prática educativa na própria instituição. A turma demonstrou muito interesse na leitura, nas discussões e refletiu criticamente sobre os aspectos abordados, retomando tudo o que foi discutido nas aulas anteriores. A reflexão crítica que o resgate histórico possibilita é fundamental para ampliar a compreensão acerca da escola na contemporaneidade, sua função social e, consequentemente, o papel do pedagogo. De acordo com o que é proposto pelo materialismo histórico-dialético, por meio do raciocínio dialético e, consequentemente, das contradições dos processos educativos, amplia as 192 possibilidades de compreensão e dá maior subsídio ao professor para pensar sua função social e sua atuação (Franco, 2015). Essa consciência crítica será necessária para discutir a importância do brincar na formação do pedagogo e sua relação com o enfrentamento do fenômeno da medicalização na educação, pois como dito anteriormente, ela possibilita a compreensão dos determinantes que causaram o referido fenômeno. Tal aprendizagem é fundamental para pensar em formas de intervir na realidade com o objetivo de transformá-la. e) Quarta aula O tema dessa aula foi “experiências alternativas de escolas” (anexo B) e teve como objetivo conhecer e refletir sobre outras práticas pedagógicas e formas de organização diferentes do que os alunos tiveram contato em sua trajetória escolar e do que criticam. Cada grupo recebeu uma experiência para ler nos primeiros 20 minutos. As seguintes experiências foram distribuídas: E. E. Campos Salles, localizada na cidade de São Paulo (SP), a partir da reportagem de Gomes (2012), de uma escola municipal de Iracê (BA) que implementou um projeto com teatro, jornal e rádio na escola, com a reportagem de Avancini e Alvarez (2011), a Campanha Pé no Chão também se Aprende a Ler, de Natal (RN), com trecho da monografia de Aquino (2012) entre as páginas 30 e 35, e a experiência da E.M. Des. Amorim Lima, no município de São Paulo (SP), a partir da leitura do livro “Volta ao Mundo em 13 escolas”, de Gravatá et al. (2013). Foi solicitado aos grupos para que discutissem quais características a instituição apresentou que as diferenciava das experiências ruins, discutidas nas aulas anteriores, a partir dos textos literários. O objetivo dessa aula era que os estudantes conhecessem escolas que conseguiram transformar sua prática pedagógica e seu cotidiano, para que percebessem que 193 existem formas de realizar isso. Segundo Souza (2014), as escolas democráticas representadas pelas experiências de Campos Sales e Amorim Lima, são possibilidade de enfrentamento à medicalização, porque ajudam a entender que é possível mudar a escola, é muito importante para gerar motivos, para se disponibilizarem a pensar em possibilidades de atuação na sua realidade que divergem do que criticam e que buscam transformar o cotidiano escolar. Ter contato com tais realidades, mesmo sem terem estudado o tema medicalização diretamente, também trará subsídios para pensarem em formas de superação do fenômeno, aspecto que será abordado na terceira etapa do experimento formativo. O grupo que ficou responsável por discutir a experiência da E. M. Des. Amorim Lima adorou ler o relato e conhecer a experiência. A importância da gestão democrática foi destacada, pois acharam muito interessante não ter disciplinas, nem sala de aula, nem professor especialista. Ficaram se questionando como que a diretora e sua equipe conseguiram provocar tantas mudanças. Eu relatei que isso ocorreu aos poucos, com pequenas mudanças feitas no ambiente da escola, como por exemplo, pintura das paredes, depois incentivando o movimento estudantil, até que teve início a capacitação com o pedagogo português José Pacheco, fundador da Escola da Ponte, em Lisboa, que funciona a partir da gestão democrática. Como nessa escola, os alunos são organizados em famílias de aprendizagem, com tutores que orientam e acompanham a realização dos roteiros de estudo, foram exibidos dois como exemplo13 (o roteiro A foi inserido no anexo C). Uma aluna questionou se com essa proposta não seria necessário maior acompanhamento da família para que as crianças e adolescentes realizassem seus roteiros. Outros aspectos foram discutidos, como a mudança na relação professor-aluno, pois nesse modelo o professor não era mais o centro do saber, mas apenas um facilitador do processo de ensino e aprendizagem dos estudantes. Por outro lado, 13 Retirados do site https://roteiro2016.wordpress.com/ 194 como abordado no livro, isso gera dificuldades para que professores, alunos e familiares se adaptem ao novo modelo. Já os que ficam na escola, se desenvolvem bem. A turma ficou encantada com essa experiência. Em seguida houve a discussão e reflexão acerca da experiência da E. E. Campos Salles. Os alunos inicialmente falaram que o modelo era o mesmo, pois tinham se baseado na experiência do Amorim Lima. As diferenças se referiam à organização dos alunos em relação ao movimento estudantil, pois eles eram organizados em prefeitos, vereadores, com comissões para decidir desde questões pedagógicas, culturais até estruturais. Mais uma vez os alunos ficaram encantados com essa experiência. Comentaram que quando se dá voz e autonomia aos alunos, quando se confia, que o desenvolvimento é enorme. A terceira experiência abordada foi a Campanha Pé no Chão também de Aprende a Ler, que ocorreu em Natal. Os alunos também adoraram e pediram para ler mais. Destacaram que, no caso desse projeto, o que se destacou foi o enorme envolvimento da comunidade para arrumar mínimas condições para alfabetizar as crianças, trazendo ótimos resultados. A partir dessa experiência, os alunos foram percebendo que não basta uma boa infraestrutura, pois é fundamental o grande envolvimento de todos os segmentos da escola, como alunos, equipe e familiares para que o projeto educacional dê certo. A última experiência abordou a criação do rádio, jornal e teatro na escola, em Iracê-BA. O teatro foi usado por um professor para tornar as aulas mais lúdicas e interessantes aos alunos. A partir dos conteúdos estudados, os alunos faziam pesquisas, montavam cenário, personagens e histórias, depois encenavam. Por fim, a escola relatou o uso do rádio e do jornal para discutir preconceito, valores e valorizar os alunos. Alguns alunos começaram a falar como seria bom se todas as escolas fossem assim, até que uma aluna discordou e disse que outros modelos também são bons, pois há famílias que preferem o método tradicional e escolas religiosas. Isso gerou um grande debate em função da 195 oposição entre escolha consciente e não consciente do modelo de escola para matricular os filhos. Por outro lado, foi interessante para refletir sobre o risco de ser radical e autoritário também quando se pensa em homogeneizar uma proposta de escola exitosa, pois dificilmente será aceita por toda a população, por isso, a diversidade de modelos talvez seja interessante, apesar das limitações e riscos das escolas tradicionais e autoritárias, tanto para os alunos, como para o professor. Nos debates foi possível perceber que os alunos estavam refletindo muito sobre a importância da atuação do pedagogo na elaboração e desenvolvimento do projeto pedagógico da escola, seja no âmbito da gestão ou de sua atuação diretamente em sala de aula. Essa compreensão também será fundamental para discutir a medicalização da educação e o papel do pedagogo no enfrentamento desse fenômeno, assim como para pensar na própria prática desenvolvida nos estágios curriculares e extracurriculares na segunda etapa da disciplina e experimento formativo. Para Asbahr (2005), participar da elaboração do projeto pedagógico da escola a partir de uma ação coletiva que envolve diversos atores ou segmentos da escola pode contribuir com o desenvolvimento e a formação profissional do docente, além de gerar mudanças na instituição, compreensão mais ampla do que acontece na escola, melhora da qualidade do ensino, maior consciência e menos alienação docente, além da humanização da equipe. Como essa era a última aula da primeira etapa do presente experimento formativo, as atividades avaliativas foram explicadas e esclarecidas. Dentre elas, a que será analisada para a presente tese, por meio da elaboração do texto reflexivo e a partir da seguinte questão norteadora: “Após ler os textos acadêmicos, estudados na unidade I e inseridos no quadro, e analisar as imagens e textos literários (contos, poemas e letras de música), elabore um texto (mínimo 15 linhas) que contemple os seguintes tópicos: sua compreensão acerca do papel da escola na sociedade atual e do papel do pedagogo nessa escola”. 196 f) Atividade avaliativa da primeira etapa Vinte e dois alunos realizaram essa atividade avaliativa. Todos os textos produzidos foram lidos, muitos aspectos se repetiram em praticamente todos os trabalhos, como por exemplo, o papel da escola sendo mais amplo do que apenas transmissão e conteúdos e que englobe a formação de cidadãos críticos e preparados para intervir na sociedade na direção de sua transformação. As críticas que foram elencadas na quarta aula também foram abordadas nos trabalhos, mas houve a menção aos aspectos históricos e sociais da escola, o papel do pedagogo na efetivação da função social da escola e a importância de uma formação crítica e reflexiva para o pedagogo. Os aspectos históricos, sociais, culturais, políticos e econômicos foram discutidos por alguns alunos. Os trechos a seguir se referem a essas reflexões: Numa rápida reflexão sobre a história da educação brasileira, pode-se observar um grande avanço no processo educacional. Ressaltando que desde o princípio a educação tinha como objetivo central a alfabetização e catequese, tendo a igreja como base para sua estrutura de ensino. Num processo longo e muito lento essa ideia foi desconstruída e reconstruída diversas vezes, montando um cenário de lutas, conflitos e conquistas, o processo educacional tomou um corpo, que apesar das sequelas podemos dizer que temos hoje um projeto inovador de ensino (Registro escrito de Érica durante o experimento formativo em 2016). O papel da escola se modificou ao longo dos anos acompanhando os avanços e necessidades da sociedade, essas mudanças que foram significativas para o país, principalmente no que diz respeito ao funcionamento e acesso à população brasileira ao ensino público (Reflexão escrita por Melissa na avaliação da primeira etapa do experimento). Os alunos reconheceram que foi fundamental compreender esse processo de constituição da escola a partir de aspectos históricos, políticos, econômicos e culturais para entender seu papel na atualidade. De acordo com as leituras feitas na unidade, compreendo que a escola tem um papel de grande importância para a sociedade, embora esteja limitada as condições sociais, 197 subordinada as questões políticas, há uma ação relativa ao seu papel social, várias tendências podem ser inseridas no âmbito escolar, isso vai depender da escolha a ser feita pela comunidade educativa. O papel da escola na sociedade contemporânea tem sido muito mais abrangente que um simples letramento e alfabetização, contempla a formação integral do aluno inserido no contexto histórico e social de sua estrutura cultural. A educação vigente tenta resgatar os saberes, o conhecimento tecnológico e científico, os valores, dentro das diversas esferas: familiar, comunitária, mercado de trabalho e convívio com os vários espaços sociais (Trecho da avaliação entregue pela estudante Érica). A escola emergiu como uma instituição fundamental para a constituição do indivíduo da mesma forma como emergiu para a evolução da sociedade e da própria humanidade. Porém, vejo que a escola, apesar de se configurar como instituição social, possui objetivos e metas, que servem a conhecimentos socialmente produzidos. Este fato está implícito e explicito nos currículos que somos obrigados a cumprir (Trecho da atividade avaliativa de Melissa). A análise crítica do papel da escola levantou questões acerca dos seus problemas, paradoxos, dicotomias, desafios e possibilidades. Como podemos verificar na reflexão trazida pela estudante Bianca em seu registro: Complexidade é a palavra-chave que resume o papel da escola nos dias atuais. Passamos de instituição transmissora de conhecimentos formais, reguladora e disciplinadora, que só forma para o mercado de trabalho. Para uma que tem a intenção e a atenção de olhar e considerar o aluno como sujeito, com uma identidade em formação e todas as subjetividades (Nadal, 2009). Com a necessidade de formação, não só para o mercado de trabalho, mas para ser participante ativo e crítico de uma sociedade global e continental. Essa transição de objetivos e, portanto, da função da escola não é fácil nem rápida. Na educação não existe mágica. Podemos perceber, que essas duas perspectivas coexistem no âmbito escolar, em maior ou menor grau. Sendo assim, falar sobre o papel da escola na contemporaneidade, nos permite pensar em romper com a prática educativa da educação tradicional, autoritária, bancária, transmissora de conhecimentos e, pensar em uma escola que entenda que: A apropriação crítica de conhecimentos requer, então, considerar sempre o aluno como pessoa, uma identidade em formação, acolhendo as dimensões afetivas, subjetivas, estéticas, culturais aí inerentes. Por sua vez, essa ideia do “formar” relaciona-se à preocupação da escola para com o desenvolvimento de capacidades de organização, disciplina, autocontrole a fim de poder – na trajetória de sua escolarização e de sua vida adulta – trabalhar com seu corpo e seus conhecimentos visando se autogovernar num tempo que exige processamento rápido num espaço complexo devido a sua amplitude (Nadal, 2009, p. 30) 198 Para tanto, essa escola deve ser compromissada com as classes menos favorecidas, aliada com os docentes, pais, alunos e comunidade, para que possam coletivamente construir uma educação voltada para a construção de uma sociedade mais solidária e humana (Registro de Dalila na atividade da primeira etapa do experimento formativo). Os trechos acima revelam que os alunos compreenderam a escola historicamente por meio da reflexão crítica. Apreender isso conceitualmente é importante, pois o fenômeno da medicalização promove uma visão a-histórica da escola, da sociedade e dos sujeitos e, por mais que a turma não tenha discutido esse fenômeno diretamente, pôde apreender aspectos determinantes do mesmo. A reflexão crítica acerca da história da educação, da escola possibilita uma compreensão mais complexa do papel que o pedagogo adquire conforme as mudanças sociais, aspectos culturais, econômicos e políticos. Eles percebem que seu papel enquanto pedagogos é fundamental na realização dos objetivos, da proposta da escola, por outro lado, destacam que é necessário refletir sobre essas mudanças e papeis atribuídos a escola, pois entendem que é fundamental preparar os estudantes para transformar esse contexto. Acredito que é de suma para os pedagogos em formação se debruçar nesses estudos que apontam a função da escola, entender a complexidade da atualidade imposta pelas novas demandas sociais, para assim poder exercer de forma autônoma os processos necessários para uma mudança efetiva de paradigmas (Trecho da atividade avaliativa de Bianca). Na escola existem vários atores que são responsáveis pelo processo educativo, entre eles está o pedagogo. O pedagogo é um especialista em educação que entende o ato em todas as suas dimensões. Por isso que é delegado a este profissional um papel de grande relevância no processo educativo. A ação do pedagogo deve envolver toda a problemática educativa e sua historicidade, enquanto campo de vivência de diferentes interesses e conflitos sociais, colocando com clareza as contradições em que se configuram a sociedade e o mundo do trabalho (Registro escrito na primeira etapa do experimento formativo produzido pela estudante Dalila). A consciência desse papel relacionado à atuação do pedagogo faz com que pensem em vários obstáculos que podem enfrentar e do quanto é difícil atuar nessa direção. No entanto, conhecer experiências exitosas de equipe e escolas que conseguiram implementar mudanças, 199 adotar efetivamente a gestão democrática, traz mais credibilidade na possibilidade de conseguirem conquistar isso também. Contudo um dos pontos mais relevantes na unidade 1 foi tratar de algumas experiências exitosas em educação, isso aconteceu através do texto Volta ao Mundo em 13 Escolas, após debater mesmo que brevemente o papel da escola e sua relação com o estado e a sociedade, conhecer exemplos de instituições que andaram contra o fluxo que transforma tudo em mais do mesmo e conseguiram se tornar escolas que destacam-se pela qualidade do serviço que prestam, foi motivador, mais que isso, hoje tais exemplos são fortalecedores de argumentos contra as correntes que tentam a todo custo tolher a educação, e o tentam com o discurso carregado de exemplos de fracasso apresentando como solução a unificação de currículos e métodos (Trecho da atividade entregue por Otávio em 2016). Os alunos refletem sobre as possibilidades para propor essas mudanças, surge, então, a discussão acerca da intencionalidade da atuação do pedagogo que ultrapassa a técnica ou a mecanização da prática pedagógica (Nascimento, 2014). Para isso, a reflexão crítica acerca de sua prática torna-se fundamental. E que para atingir tal objetivo é necessário que a gestão escolar, e incluo o pedagogo nesse processo, superem formas conservadoras de organização tanto do currículo, como da didática, que adotem formas alternativas e criativas de forma a estabelecer correlação entre os objetivos sociais e políticos da escola a estratégias mais adequadas e eficazes para alcançá-las. E esse processo é complexo, necessita de intencionalidade na atuação tanto do gestor quanto do pedagogo, assumindo a responsabilidade e o compromisso intencional, consciente, para a integração desse novo projeto de escola (Trecho da atividade avaliativa de Bianca). À medida que são expostos os desafios que a escola pública tem a enfrentar, mais se evidencia o papel do pedagogo enquanto agente que deve desvelar as contradições que estão presentes no contexto escolar público, assumindo o compromisso de orientar o processo educativo para dimensões mais amplas e de forma que venha a promover a democratização dos espaços de participação, tendo em vista o acesso de todos aos conhecimentos. Para isso, o pedagogo tem como desafio provocar a realização de um trabalho educativo mais crítico e criativo (Registro escrito na primeira etapa do experimento formativo produzido por Melissa). E que para atingir tal objetivo é necessário que a gestão escolar, e incluo o pedagogo nesse processo, superem formas conservadoras de organização tanto do currículo, como da didática, que adotem formas alternativas e criativas de forma a estabelecer correlação entre os objetivos sociais e políticos da escola a estratégias mais adequadas e eficazes para alcançá-las. E esse processo é complexo, necessita de intencionalidade na atuação tanto do gestor quanto do pedagogo, assumindo a responsabilidade e o 200 compromisso intencional, consciente, para a integração desse novo projeto de escola (Trecho da atividade entregue em 2016 por Bianca). Os alunos refletem como deve ser a aprendizagem dos estudantes nas escolas, então, escrevem acerca dos conteúdos ministrados, da relação professor-aluno que perpassam a prática pedagógica, do trabalho em equipe, da relação com a comunidade. O nosso papel como pedagogo vai além necessidade de repassar conteúdos mais [sic] acima de tudo ser mediador do processo de aprendizagem. A escola como o pedagogo, nas suas práticas deve se preocupar em fazer com que o educando participe do seu grupo ativa e afetivamente, apropriando-se de valores, crenças, conhecimentos acadêmicos e referenciais sócio históricos. Uma vez apropriando-se disto vai torná-lo uma pessoa mais consciente capacitando-o para que seja responsável pela transformação da realidade em que está inserido. Esse processo não é impossível, mas será preciso que todos os que se comprometem com a educação devem rever as suas práticas construindo ou revendo os seus conceitos e princípios fundamentais sobre o que são direitos humanos, solidariedade, responsabilidade social, diversidade e multiculturalismo, sustentabilidade, cuidado e proteção, para a formulação de uma pedagogia social e crítica que caminhe realmente no atendimento a todos os cidadãos e promova essa possibilidade na educação (Trecho da atividade avaliativa de Carlos). O resgate histórico do papel da escola, do professor e do pedagogo possibilitou uma compreensão mais ampla de seu papel, rompendo com a visão que individualiza e culpabiliza o profissional e o aluno pelos problemas da educação. Também permitiu que refletissem criticamente acerca da intencionalidade da prática pedagógica, superando a percepção do mecanicismo em sala de aula e a impossibilidade de romper com ele. Para Franco (2015, p. 603), “as práticas pedagógicas se configuram na mediação com o outro, ou com os outros, e é esse outro que oferece às práticas seu espaço de possibilidade”, quando possuem intencionalidade e se direcionam para uma intervenção científica no objeto de estudo com o propósito de transformá-lo, podem ser compreendidas como práxis pedagógica. Essa reflexão e aprendizagem, por sua vez, levou os estudantes a elaborarem algumas considerações sobre a formação docente. 201 Diante da relevância do papel do pedagogo no processo educativo para propiciar uma educação democrática, com formação crítica e que prepare os sujeitos para agir na sociedade na direção de sua transformação, é necessário repensar sua formação. Na escola existem vários atores que são responsáveis pelo processo educativo, entre eles está o pedagogo. O pedagogo é um especialista em educação que entende o ato em todas as suas dimensões. Por isso que é delegado a este profissional um papel de grande relevância no processo educativo. A ação do pedagogo deve envolver toda a problemática educativa e sua historicidade, enquanto campo de vivência de diferentes interesses e conflitos sociais, colocando com clareza as contradições em que se configuram a sociedade e o mundo do trabalho. De fato, o pedagogo é um profissional que contribui, de maneira significativa, com o campo educacional no espaço escolar. Na contemporaneidade, ele precisa investir na sua formação, buscando, a cada dia, novos referenciais para qualificar sua ação e atuar de forma dinâmica, consciente e responsável (Melissa) A atuação do pedagogo exige reflexão crítica acerca de sua prática de forma permanente, pois o professor é um mediador e a educação é práxis. Assimilação crítica de saberes compondo uma formação ética voltada para a participação na construção do bem comum é o que, de acordo com Nadal (2009), se pode sintetizar ao estabelecermos uma leitura, com ampliações, do quadro de funções sociais da escola na contemporaneidade. Posto isto, fica entendido que a escola tem um papel fundamental no exercício da formação do cidadão. Logo, ser pedagogo diante dos desafios da sociedade contemporânea exige desse profissional uma formação crítica e reflexiva, além de alicerçada teoricamente, para superar os paradigmas impostos pela pedagogia tradicional, que limita a função social e educativa escolar (Dalila). Os registros acima revelam uma conscientização por parte dos alunos, de alguns aspectos que envolvem a atuação do pedagogo quando se trata da prática pedagógica. Conforme Franco (2015, p. 605) “ou seja, sua prática docente, para se transformar em prática pedagógica, requer, pelo menos, dois movimentos: o da reflexão crítica de sua prática e o da consciência das intencionalidades que presidem suas práticas”. 202 Alguns alunos destacaram como foi importante ler os textos acadêmicos, os contos, além de realizar as atividades propostas na unidade 1 do semestre letivo, pois possibilitaram adquirir novos conhecimentos, além da reflexão crítica acerca das próprias concepções e práticas. Segundo Silva (2005), o contato com a arte permite olhar para si, para o outro e para o mundo de forma diferente, o que proporciona troca de saberes, aprendizagem e a formação de novas funções psicológicas superiores. Os trechos abaixo redigidos por Daiana merecem destaque, pois colocam claramente esse processo de reflexão crítica, aprendizado e transformação que a formação, ancorada na mediação e na práxis, possibilita. Precisei de um pouco de tempo para pôr as minhas ideias em ordem e conseguir escrever sobre a minha concepção pessoal de qual é o papel da escola na sociedade atual. Não tenho certeza se conseguirei articular a minha opinião de forma coesa, pois muitas vezes sinto que minhas ideias sobre educação estão como um ciclone na minha cabeça, um caos, ainda colhendo muitas informações. [...] Bem, após meus estudos, com leituras de textos, artigos, discussões em sala com professores e colegas e até mesmo com as minhas práticas em sala de aula (e talvez, principalmente com a minha pratica), vejo como somos leigos, de maneira geral, do papel da escola na sociedade atual. Não, a escola não está aí para preparar seu filho para o Enem. Não, não é reponsabilidade exclusiva da escola cuidar da higiene pessoal do seu filho e não, a escola não é uma instituição independente da família, as famílias fazem parte da comunidade escolar e devem participar de forma construtiva, participando das reuniões e tomando conhecimento do papel da escola em sua comunidade. Enxergo a escola hoje como um lugar que ensina valores democráticos e sociais. Que ensina sobre cidadania, comunidade, colaboração e sustentabilidade. O pedagogo, neste contexto, precisa compreender o papel da escola e assumir esses valores e conceitos. Talvez as minhas ideias mudem até o final do curso, talvez eu interprete tudo que estudo de outra maneira ou entenda diferente, mas posso dizer que hoje é assim que vejo o papel da escola e do pedagogo na escola. A leitura dos trechos acima redigidos pelos alunos revela uma visão crítica dos mesmos em relação à escola e à própria atuação, ampla, complexa, dialética. A escola não aparece como salvadora, nem como uma instituição sem possibilidade de mudança. Eles colocam o papel do pedagogo como corresponsáveis nesse processo de mudança, reconhecendo por um lado os 203 desafios e limites, mas entendendo a necessidade de enfrentar isso a partir de sua relação, de seu trabalho com os alunos, com o respeito à diversidade, à cultura. Conhecer experiências diferentes foi importante para a turma para perceberem que é possível mudar, tanto que alguns alunos citaram o Amorim Lima e outros falaram da gestão. Isso é possível porque eles estudaram os processos históricos, sociais e políticos, a gênese de tudo, dentro da perspectiva do materialismo histórico-dialético. Ter essa compreensão crítica acerca do papel da escola e do pedagogo, seus limites, suas possibilidades, refletir sobre a própria formação, é fundamental, pois inicia um processo de sensibilização dos alunos para a necessidade de optarem por realizar uma formação e uma prática crítica, na construção de uma educação humanizada, democrática, igualitária. Essa sensibilização é fundamental para compreender o fenômeno da medicalização na educação e o papel deles no enfrentamento do mesmo. A mediação pedagógica realizada oportunizou discussão dos conceitos secundários relacionados à função social da escola e do pedagogo, resgatando a historicidade das políticas educacionais, da escola e a relação complexa, contraditória entre aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais e os processos educativos, que estruturam a escola, suas regras, seu funcionamento, seu currículo, a formação do professor. Esses aspectos desvelam que não há neutralidade na Educação e nem na atuação do pedagogo (Vigotski, 2008). Tais reflexões críticas, na perspectiva enunciada por Correia e Bonfim (2008) e Franco (2015), proporcionaram uma análise mais ampla do papel do pedagogo, da prática pedagógica e sua intencionalidade. Vigotski considera que o professor deve planejar intencionalmente as atividades pedagógicas para possibilitar a aprendizagem de conceitos científicos, o que favorecerá o desenvolvimento de funções psicológicas superiores (Nascimento, 2014). 204 Entendemos que, nesse processo bilateral comentado por Vigotski, o papel do professor de orientar e regular a atividade escolar, as tarefas para o aluno, passa indispensavelmente pela primordial organização racional do meio educativo e da interação do aluno com este meio, especialmente no que concerne à organização das condições do meio para o surgimento de uma nova e mais complexa reação do aluno. O professor exerceria assim, intencional e premeditadamente, influência pedagógica indireta sobre o desenvolvimento e crescimento da criança, no sistema de suas reações. O ensino intencionalmente organizado numa instituição formal de ensino promove apropriação do conhecimento científico que dá condições ao aluno de perceber o mundo de uma forma diferente, pois essa aprendizagem “transformou a forma e o conteúdo do seu pensamento” (Rosa, Moraes & Cedro, 2016, p. 77). Antes de falar diretamente da medicalização, ainda será necessário aprofundar o processo de sensibilização, de humanização, para que possam apreender caminhos para a mudança, para a atuação crítica que possibilite o cumprimento do papel da escola e do pedagogo conforme colocado por Nadal (2009). Para colocar em prática essa ação e reflexão, a unidade 2 abordará o brincar e a experiência de estágio curricular obrigatório. 5.3.2 Segunda etapa do experimento formativo A segunda etapa foi realizada em oito encontros e teve como objetivo desenvolver mediações pedagógicas por meio da leitura de textos, exibição de documentário, vídeos e oficinas para promover reflexões acerca da importância do brincar para a formação do pedagogo e de sua prática pedagógica. As quatro primeiras aulas focaram o brincar e as demais a atividade dos estudantes realizadas em instituições educacionais em função do estágio 205 curricular obrigatório, por meio de supervisão e orientação para elaboração de práticas pedagógicas. Para Bernardes e Moura (2009, p. 466), a mediação pedagógica envolve uma situação que deve gerar ensino e aprendizagem de conceitos “pelas mediações simbólicas decorrentes das ações pedagógicas, e pelas ações coletivas entre os estudantes”. Os signos utilizados funcionarão como mediadores da atividade mental conforme o objeto de estudo. Ainda segundo Bernardes e Moura (2009): A atividade psicológica mediada por signos e instrumentos constitui-se no fundamento da origem, do desenvolvimento e da natureza das funções psicológicas superiores. É considerada a base do movimento de apropriação da realidade objetiva assim como é considerada a unidade de construção da consciência (p. 466). As atividades e mediações pedagógicas terão como objetivo promover a aprendizagem do conceito sobre brincar, sendo que o de medicalização será abordado indiretamente. Como a maior parte dos estudantes não conhecia o conceito de medicalização, optei em iniciar sua abordagem de forma indireta na segunda etapa do experimento formativo, por meio do documentário “Tarja Branca” e de um estudo de caso, pois não sabia se a experiência de estágio dos alunos oportunizaria o contato com alunos diagnosticados com transtornos de aprendizagem. Nessa forma, seria possível sensibilizar a partir da experiência estética e apresentar situações-problema para que pensassem em práticas pedagógicas diferentes. Para o presente estudo, o brincar não será compreendido apenas como uma atividade importante para o desenvolvimento e aprendizagem da criança, mas uma atividade essencial para o desenvolvimento da humanidade e do ser humano em todos os ciclos de vida. Segundo Cintra, Proença e Jesuíno (2010), o lúdico deve ser compreendido como atividade prazerosa e surgiu em sociedades primitivas. As crianças aprendiam os papeis sociais a partir de jogos, para aprenderem as regras e formas de sobrevivência. No período da Antiguidade houve mudanças na organização das sociedades em função do surgimento das 206 cidades, o que ocasionou alterações da educação e o surgimento de escolas. Nessa época, os jogos tinham valor educativo e foi na Grécia Antiga que os primeiros brinquedos surgiram (Manson, 2003 como citado por Cintra, Proença & Jesuíno, 2010). Mesmo com as mudanças sociais e históricas, a brincadeira era um “facilitador do aprendizado de conteúdos formais, para que pudessem aprender as obrigações sociais, tendo contato com o processo de produção” (p. 230). Na Idade Média há a valorização do lúdico para promover a coletividade e estreitar os laços de união, além de ter sido um período primordial marcado pelo surgimento do renascimento que proporcionou ao lúdico a sua inserção nas atividades educativas (Almeida & Rodrigues, 2015, p. 27). Até a idade moderna o lúdico era vivenciado por todas as faixas etárias, quando as mudanças na forma de produção ocasionaram uma ruptura entre a rotina do trabalho e o lazer (Negrine, 2000 como citado por Sá, 2004). Sá (2004) menciona ainda: Lembra, o professor Sarmento que o que diferencia a dimensão lúdica da criança da do adulto é a quantidade de tempo investida para tal situação. Logo, a criança consegue (ainda) viver mais plenamente o lúdico em sua vida por não ter tão especializado os seus espaços de lazer e divertimento e por estes não estarem dicotomizados em relação a sua rotina de vida, ao passo que a sobrecarga de tempo dedicado ao trabalho e às ocupações diárias do adulto estão carregadas de muita tensão e dicotomia em relação às atividades que o gratificam intimamente (p. 22). Para a Psicologia Histórico-Cultural o lúdico possibilita a apropriação cultural, a efetivação de relações sociais, portanto, brincar não pode ser considerada uma atividade eminentemente natural, biológica, do homem, pois ela aprece com o surgimento das sociedades e das culturas, sem significar trabalho, mas como algo não utilitário. Atualmente, o lúdico é essencial para as crianças em idade pré-escolar, mas pode ser considerada uma “atividade secundária para os adultos” (Nascimento, Araújo & Miguéis, 2009, p. 300). 207 Almeida e Rodrigues (2015) realizaram um resgate histórico da educação infantil para analisar a inserção do lúdico com caráter educativo. O assistencialismo perdurou por muito tempo até que a educação infantil fosse reconhecida como direito da criança na Constituição Federal de 1988. Posteriormente o Estatuto da Criança e do Adolescente reiterou esse aspecto e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação aprovada em 1996 regulamentou como os níveis e modalidades de ensino deveriam ser estruturados no Brasil. A partir disso, o ensino infantil passou a ser estruturado e o lúdico reconhecido como importante recurso didático a partir do brincar dirigido ou pedagogizado e o livre. O brincar dirigido exige do professor “o papel de mediador da aprendizagem da criança através da atividade lúdica” (Almeida & Rodrigues, 2015, p. 39) que deverá planejar conforme os objetivos pré-definidos, organizar o material, o espaço e intervir nas relações entre as crianças. O brincar livre também, exige presença e cuidado do professor que deverá observar as atividades realizadas pelas crianças, pois elas também promovem interações e aprendizagem. Para esses autores, o brincar é uma atividade sempre prazerosa, que é uma concepção que a Psicologia Histórico-Cultural vai discordar, apesar de não negar que esta possa suscitar momentos de satisfação. Para Vigotski (2008), a atividade com o brinquedo nem sempre é prazerosa, pode ocasionar conflitos, frustrações, mas não é por isso que ela é menos relevante. A atividade com o brinquedo é a principal para a criança em idade pré-escolar, principalmente o jogo protagonizado, que promove a apropriação da cultura, dos papeis sociais e, por meio da internalização, contribui com o desenvolvimento de funções psicológicas superiores, como a imaginação, atenção voluntária, abstração, generalização. Na brincadeira a criança realiza atividades para além do que pode, em função da zona de desenvolvimento proximal. Para Sá (2004) é um grande engano considerar que só criança brinca, pois o brincar muda ao longo da vida, quando adquire diferentes características. Apesar disso, a autora reitera 208 que o trabalho foi impossibilitando o adulto de vivenciar momentos lúdicos e ele mesmo perdeu esse caráter a partir do momento em que o trabalhador deixou de ter domínio de todo o processo de produção. No caso do professor, se ele, enquanto adulto, perde a dimensão lúdica em função desse contexto cultural, econômico, político e social, sua relação com a criança e sua prática pedagógica podem ficar prejudicadas, porque não compreenderá as atividades que são necessárias para promover aprendizagem e desenvolvimento nas crianças. Nesse sentido, é necessário resgatar o lúdico na formação dos professores: [...] afirmar que na formação de professores, sua história escolar não estará dissociada das demais dimensões históricas. Seu brincar revelará todos esses aspectos. Brincar, como possibilidade de refletir sobre como o afeto, sentimento e sensações interagem com a aprendizagem dos professores e a partir de um conjunto de situações (lúdicas) que permitam a eles experimentarem e expressarem um conjunto de características de sua personalidade, de seu estilo pessoal, profissional, de sua dimensão histórica (Mendonça, 2008, pp. 354-355). Realizar esse resgate poderá contribuir com a humanização do professor, não no sentido idealista, mas como preconizado pela Psicologia Histórico-Cultural, pois ampliará as possibilidades apropriação cultural, de vivenciar as relações sociais, o que contribuirá com o desenvolvimento de sua prática pedagógica e na elaboração de formas de enfrentamento ao fenômeno da medicalização da e na Educação. a) Sexta aula Para essa aula foi sugerido que a turma lesse o texto de Vinhoti e Santos (2007), que aborda a importância do brincar na prática pedagógica do professor, tendo em vista os aspectos relacionados à aprendizagem, à afetividade, ao desenvolvimento social, em qualquer faixa etária, sendo que também beneficia o professor, por mudar a relação professor-aluno e também promover o desenvolvimento dele como sujeito, não apenas como profissional. Para que a aula 209 não ficasse restrita ao aspecto teórico e para facilitar a articulação entre teoria e prática, foi disponibilizado um estudo de caso (apêndice E) elaborado a partir de uma experiência profissional que eu tive como docente em outra universidade. O estudo de caso abordava o Ensino Fundamental, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a gestão. A turma foi dividida em cinco grupos, sendo que cada um tinha que responder uma pergunta relacionada ao estudo de caso e tendo como base o texto citado. As questões elaboradas foram: • Como o brincar pode promover o desenvolvimento cognitivo, a aprendizagem dos alunos e de toda a comunidade escolar? • Como o brincar pode promover o desenvolvimento afetivo e emocional dos alunos e de toda a comunidade escolar? • Como o brincar pode promover o desenvolvimento social dos alunos e de toda a comunidade escolar? • Como o brincar pode contribuir com a prática pedagógica do professor em todas as faixas etárias? • Qual a relação entre o brincar e a gestão da escola? A turma ficou muito mobilizada com o caso, os grupos não conseguiram se ater apenas à sua questão e fizeram uma análise como um todo de forma crítica e reflexiva. Analisaram a atuação da professora e de toda a equipe. Discutiram a importância do brincar como contribuindo com o desenvolvimento do aluno em todos os sentidos, ou seja, cognitivo, emocional, afetivo, social, melhorando as aulas e ajudando o professor, tendo em vista a mudança de sua prática pedagógica. No entanto, houve pouca reflexão sobre a contribuição para o desenvolvimento do professor e sua prática pedagógica. Apenas um ou outro estudante 210 falou sobre a melhora na relação professor-aluno. Foi possível observar que chamou a atenção para alguns alunos o quanto o brincar pode contribuir com a aprendizagem e o desenvolvimento da personalidade, com o desenvolvimento humano. Alguns disseram que já tinham discutido e estudado sobre o brincar, mas foi mais voltado para o ensino infantil. Apesar disso, não relataram que o brincar faz parte de suas práticas pedagógicas desenvolvidas no estágio que estavam realizando no semestre na educação infantil e na Educação de Jovens e Adultos. O que estaria causando isso? A distância entre teoria e prática? Qual a importância que o brincar teve na formação deles até agora? Como esse tema foi abordado? Só teoricamente? A partir dessas discussões se faz necessário retomar as categorias de análise mediação e práxis, pois os relatos dos estudantes apontam para uma frágil articulação entre teoria e prática e uma reflexão crítica sobre o assunto, no que diz respeito ao brincar e ao lúdico. A turma colocou também que era mais fácil pensar o brincar com crianças do que com adolescentes e adultos. Um dos alunos, Fábio, que fazia estágio na EJA, relatou uma experiência própria em que entende que usou o brincar. Ele precisava dar aula sobre literatura, mas era muito distante da realidade de sua turma discutir os clássicos brasileiros. Então, pediu para que seus alunos relatassem sua própria história de vida e a partir disso, fez uma ponte para o processo de formação de um escritor e o quanto a história de cada um caracteriza sua obra. Além disso, Fábio notou maior afetividade entre os alunos e deles com ele, como professor. Entendeu que, como foi uma situação prazerosa, descontraída, com arte e descoberta de talentos, que sua experiência se baseou no que o texto aborda sobre o brincar em todas as faixas etárias. Alguns alunos criticaram a visão da equipe, do estudo de caso, de diagnosticar problemas neurológicos e atribuir defeitos aos alunos. Colocaram que ser criança é ser agitado, gostar de brincar, querer aulas mais dinâmicas, que o problema estava na equipe. Essa reflexão 211 foi muito importante e indica uma sensibilização da turma para o problema da medicalização que afeta crianças e adolescentes que não apresentam boa adaptação na escola. Chamou atenção da turma que não havia reunião de equipe coletiva para planejamento e que o projeto político pedagógico da escola tinha sido elaborado pela gestão. Os professores trabalham de forma isolada e se utilizam dos recursos que possuem, praticamente reproduzindo a sua trajetória como alunos, a partir da pedagogia tradicional e da aula expositiva. A partir desse ponto, alguns compreenderam o impacto da gestão na prática pedagógica do professor e no envolvimento da comunidade ou família com a escola. A professora Beatriz comentou que gestão é o centro do processo. A coordenação precisaria dar apoio à sua equipe, mas se não há reunião e nem construção coletiva do Projeto Político Pedagógico - PPP, não existe apoio. A presente pesquisa não teve como objetivo investigar a relação entre gestão pedagógica e medicalização, mas como a disciplina era integradora o tema foi abordado nas discussões. No caso, achei essa reflexão interessante, pois possibilitou que os alunos compreendessem os processos da escola de forma mais ampla e crítica para não focar tudo na atuação do professor, culpabilizando-o (Patto, 2008). Uma aluna questionou se a professora era mais velha, pois se espera que a prática tradicional seja de professores mais antigos. Eu respondi que não, que ela era recém-formada e aprovada no concurso. Felipe criticou e disse que a professora do 1º ano devia ter estudado na mesma universidade que eles, pois o que mais tinham era aula expositiva, aulas diferentes eram raras e estavam apenas nos textos lidos. A professora Beatriz repetiu que isso tinha grande impacto na atuação do futuro professor. Mais uma vez a categoria mediação e práxis se revela como importante para promover aprendizagem de conceitos científicos, articulando teoria, prática e reflexão crítica, por meio da ação intencional do professor enquanto mediador. Outro grupo questionou a reclamação da equipe pelo fato de não ter brinquedos e materiais didáticos para elaborar aulas mais dinâmicas, lúdicas. Falaram sobre brincadeiras e 212 jogos sem recursos, usando o corpo, lápis e papel. Voltaram a falar da comodidade da equipe, da falta de apoio da gestão. Eu problematizei o fato de que se não se acredita, não se compreende a importância do brincar na prática pedagógica, isso não será foco da equipe. Apesar do grande avanço na compreensão do brincar na Educação, muitos profissionais não estudaram isso em sua formação, reduzindo o brincar a uma atividade da criança sem que isso contribua para seu desenvolvimento (Almeida & Rodrigues, 2015). A instituição em questão não valorizava isso, não entendia a relevância, queria controlar os alunos, homogeneizar, revelando uma concepção de infância como mini-adulto (Sá, 2004). A discussão mostrou que a turma valoriza muito o brincar, entende sua importância, mas como estratégia, com foco no desenvolvimento do aluno. Alguns comentaram que a avaliação poderia ser por meio do brincar, observando o brincar dos alunos. A partir da reflexão crítica realizada na aula, foi possível observar uma maior compreensão sobre a possibilidade de incluir o brincar na prática pedagógica com jovens e adultos. Apesar disso, houve pouca menção acerca da relevância do brincar para seu desenvolvimento como pedagogos. Para Mendonça (2008): Está distanciada dos professores a idéia de que a ludicidade possa ser um modo de ser, de relacionar-se. Isso se aplicaria tanto para as relações entre pessoas como para o ensino e o aprender. É preciso conquistar o elemento de criação livre, a liberdade de expressão, o novo que permeiam a dimensão lúdica (p. 358). Assistir ao filme Tarja Branca e realizar a oficina de brincadeiras nas próximas aulas será fundamental para promover esse novo, a vivência da dimensão lúdica. b) Sétima aula Nessa aula o documentário Tarja Branca (Renner, Nisti, Lobo & Rhoden, 2014) foi exibido com o objetivo de resgatar memórias da infância e refletir acerca da importância do 213 brincar para o desenvolvimento humano em todas as idades. Para Sá (2004, p. 93): Resta claro, que o desenvolvimento lúdico não deve ser decodificado apenas por aquilo que o nosso cristalino é capaz de visualizar, onde devido a nossa lógica objetiva, só o enxergamos nas brincadeiras infantis. Ele está presente no potencial criativo de cada ser humano, independente da idade, na nossa intervenção no mundo de uma forma prazerosa e inovadora. Assim, perceber a presença da dimensão lúdica na vida do adulto, requer que olhemos com os olhos da alma, com sensibilidade, para perceber o que está muito além da materialidade dos fatos. Os participantes do documentário expressam que lembrar a infância pode promover o resgate de sua essência, algo perdido, uma leveza na existência de simplesmente viver o momento sem se preocupar com o futuro. Conforme a criança cresce, ela vai assumindo novas responsabilidades e papéis, adquire outros interesses. Nesse processo, o brincar e os momentos lúdicos podem se perder aos poucos. Mas os depoimentos não traziam apenas as lembranças, evocavam também o sentimento que só o brincar possibilita. Concomitantemente, vieram as lágrimas de saudade, de tristeza, de alegria. Entre as lembranças, alguns especialistas também falavam da importância do brincar para todos, em todas as idades. Um senhor fala em tarja branca, não é o remédio que vai curar, mas sim o brincar. Esse depoimento deu nome ao documentário. Sá (2004), com base em Negrine (2000), afirma que “a modernidade nos impõe outras formas de lazer, deslocando o eixo do lazer compartilhado para o individual. E indica que este último é especialmente caracterizado nas relações do homem com a máquina (computador, televisão)” (p. 21). Para Negrine (2000) conforme citado por Sá (2004) o significado existencial do homem se fundamenta nas atividades compartilhadas, principalmente nas em que o nexo são as atividades lúdicas, sua ausência ou escassez pode gerar problemas emocionais das mais variadas ordens. E ainda, que à medida que a idade avança, necessitamos cada vez mais vivenciar atividades lúdicas compartilhadas. Isso posto, o brincar, a vivência de atividades lúdicas coletivas pode contribuir com o desenvolvimento das pessoas, das relações sociais, da 214 afetividade, da saúde física e mental e, consequentemente, da sociedade, se tornando uma alternativa frente ao determinismo biológico que individualiza toda a causa do adoecimento no sujeito e ao consumo vertiginoso de medicamentos. O documentário acabou, os alunos estavam com olhos marejados, sorriso no rosto, brilho nos olhos, expressão de ternura. Foram questionados sobre o que tinham achado, se gostariam de falar algo. Inicialmente ninguém conseguiu falar, estavam todos emocionados. Após alguns minutos, a aluna Priscila, muito emocionada, falou sobre sua infância, dos parentes com quem brincava, das brincadeiras e disse que tinha esquecido disso, o documentário, as imagens, os depoimentos a fizeram voltar no tempo, a ter os sentimentos que vivenciava antes, provocando muita saudade e a reflexão sobre a vida que leva hoje. Depois dela, ninguém mais conseguiu falar. Algumas questões foram levantadas pelas professoras: o filme provocaria mais do que uma sensibilização acerca da importância do brincar para a vida ou seria uma intervenção, ou seja, já provocaria reflexões mais intensas a ponto de levar a alterações em como compreendiam sua forma de ser e agir como professor ou futuro profissional? Por fim, como mais ninguém quis falar e o tempo da aula já tinha chegado ao final, o silêncio foi respeitado e as professoras pediram para que levassem brinquedos, jogos ou brincadeiras da infância deles na próxima aula, para realizar a oficina de brincadeiras. c) Oitava e nona aula Esse encontro teve a duração de duas aulas (com quatro horários seguidos) que foram ministradas no mesmo dia, para que fosse possível realizar a oficina e, em seguida, a roda de conversa. 215 A oficina de brincadeiras teve como objetivos resgatar e vivenciar experiências relacionadas ao brincar, refletir sobre a importância do brincar na prática pedagógica. No entanto, primeiro é necessário que vivenciassem o brincar de forma espontânea e livre, desvinculada do fazer pedagógico, de sua aplicação técnica. Isso é importante, pois resgatar essas experiências, ter a oportunidade de realizá-las novamente possibilita despertar sua capacidade de criar ou a potencializa, o que, consequentemente, levará à elaboração de práticas pedagógicas mais criativas e lúdicas junto aos seus alunos (Mendonça, 2008). Conforme os alunos iam chegando, recebiam uma frase de Manoel de Barros (apêndice F). As professoras levaram dominó, jogo da memória, quebra-cabeça, ioiô, papel para brincadeiras com lápis e caneta, material para colorir, fantoche e livros para contação de história, músicas infantis, parlendas, uma lista de brincadeiras e jogos (anexo D). Os alunos levaram bonecos, elástico, peteca, bola e cantigas de roda. A oficina teve início com três grupos. Inicialmente os alunos quiseram falar de suas brincadeiras e brinquedos e brincar com o que tinham levado. A maioria foi brincar com empolgação, alguns ficaram constrangidos, mas muito poucos, uns dois ou três. Todos deram muita risada, ensinaram uns aos outros, chamavam os colegas, interagiram muito entre si, buscavam na lembrança, pois tinham esquecido muita coisa. Alguns alunos iam chegando e já corriam para brincar. O cansaço logo bateu, começaram a falar que não tinham mais idade e saúde, sentiam dor nas costas, joelhos e outras articulações, faltava fôlego, energia. Alguns iam se sentando e pensando em brincadeiras para se mexerem menos. Estava muito calor na sala também, pois a porta da sala foi fechada para não fazer barulho para a turma que tinha aula ao lado. Num determinado momento, quase 30 minutos após o início, um grupo perguntou o que iam fazer depois que tinham esgotado suas memórias e energia. Então, o material levado pelas professoras foi distribuído: lista de brincadeiras, incluindo as com papel, lista de cantigas 216 infantis e parlendas. As brincadeiras com papel fizeram sucesso, dentre elas, adedonha e detetive eram as preferidas e provocavam muitas memórias, a lista ajudou a lembrar outras brincadeiras da infância e a trocar experiências. Foi fácil cantar as músicas, mas as parlendas não fizeram muito sucesso, não sabiam muitas delas. Por volta das 20:30-20:40 estavam todos muito cansados, todos os grupos brincaram de diversas formas, então a oficina foi encerrada e a roda de conversa teve início. A roda de conversa não deveria focar apenas a oficina, mas seria o espaço para falarem também sobre o documentário Tarja Branca. Após alguns instantes de silêncio, os alunos começaram a falar. Praticamente todos falaram. O filme ajudou a lembrar da infância e de como o brincar foi se perdendo com o crescimento e envelhecimento, “a vida endurece”, “engessa o adulto” [sic]. Tinham esquecido como era brincar, perceberam o quanto não tinham mais energia e saúde para isso. Uma aluna disse que tanto o filme como a oficina a tinham assustado diante da percepção desse esquecimento, pois iam trabalhar com educação infantil e não sabiam mais brincar, além de que o corpo não estava mais ajudando. Alguns alunos falaram o contrário. Disseram que foi fácil, tranquilo, pois não perderam o hábito de brincar na adolescência e fase adulta. Otávio trabalha com educação infantil e vive o brincar diariamente, além de sempre brincar com os amigos. Felipe contou que reúne os amigos para brincar e para ter prazer em pequenos momentos, como tomar chuva, olhar as nuvens, admirar a lua. As duas experiências, documentário e oficina, fizeram com que lembrassem como era olhar o mundo a partir dos olhos da criança, pois elas veem tudo como brincadeira, tudo encanta. Para Sá (2004, p. 92), “o brincar não acaba quando a infância termina. Porém, para se manter sempre acesa a chama dessa potência lúdica é necessária uma postura que favoreça a sua emergência, a qual depende de fatores individuais e sociais”. Nesse sentido, é muito importante garantir essa experiência na formação inicial do pedagogo. 217 Num segundo momento, foi pedido que falassem sobre o brincar e a atuação do pedagogo. Daiana falou que a brincadeira, por ter essas características, não podia ser institucionalizada e obrigatória, como por exemplo, o dia do brinquedo, não devia ser pedagogizado, ser avaliado, para não perder a graça. Uma aluna começou a questionar o currículo, que não permite que haja tempo livre na escola. Não interessa ao capitalismo que as pessoas tenham prazer e ócio (criativo), tempo para reflexão. Ela levantou alguns questionamentos: como o professor vai poder se formar para trabalhar com o brincar se sua formação inteira, desde o ensino fundamental até o superior foi rígida, sem espaço para o pensamento, a reflexão, a criatividade? O que resta ao professor? Como superar isso? Como romper com isso? Os alunos problematizaram que no ensino infantil é possível inserir o brincar na formação das crianças, pois não há conteúdos fixos, nem avaliação formal, apenas o relatório. Já no ensino fundamental, no médio e no superior, não há espaço para a liberdade, há pressão para a produção, não para reflexão, fruição, aproveitamento da companhia do outro, não há tempo para maturação das ideias. O tempo é inimigo do desenvolvimento da criatividade hoje em dia. Essa reflexão crítica promovida a partir das mediações e da práxis oportunizada por meio da exibição do vídeo e da oficina possibilitou maior consciência dos estudantes em relação aos aspectos sociais, culturais, da organização do trabalho, da formação do professor, do currículo e constituição da escola e o impacto de tudo isso em sua práxis pedagógica. Ostetto (2010) reflete criticamente acerca da formação inicial em Pedagogia, pois foca a racionalidade apenas, deixando de lado outras dimensões necessárias para o desenvolvimento humano, como a afetividade, a sensibilidade, de forma integrada com outras funções psíquicas como a própria cognição. A formação inicial organizada de tal forma promove uma padronização e, consequentemente, a fragmentação da atuação desse futuro profissional que também imporá aos seus alunos a mesma Educação homogeneizante, sem possibilidade de 218 entrar em contato com o novo, com a diversidade e de desenvolvimento da criatividade. Para romper com isso, é necessário oportunizar na formação inicial do estudante de Pedagogia, experiências estéticas que integrem afetividade, cognição, motricidade, percepção, diálogo, troca, coletividade, por meio da arte ou de outras atividades que permitam sair dessa padronização de pensar e agir. Para Ostetto (2010, p. 45), o ofício do educador “de ensinar e aprender, transita pelos territórios da imaginação, da criação e da transformação”, mas para que ele possa propiciar essa experiência aos seus alunos, precisa se encantar novamente. Em sua pesquisa Ostetto (2010) trabalhou com danças circulares na formação inicial do pedagogo. A experiência estética por meio dança oportunizou maior simbolização aos estudantes, a descoberta de novos sentidos, a ressignificação, integração de elementos de seu pensamento que estavam fragmentados, ampliação da criatividade, recriação de si mesmos, vinculação e afetividades nas relações sociais, abertura ao diferente e a compreensão de que o cotidiano educativo necessitava ser reinventado. O brincar, juntamente com a arte, pode oportunizar experiências estéticas, tanto que estudantes que participarem desse experimento formativo demonstraram o encantamento, tal como proposto por Ostetto (2010). Para eles, o brincar possibilita o despertar da criatividade, desenvolve emocionalmente, diminui o estresse, permite aproveitar mais a vida, traz tranquilidade, consciência para analisar as situações vivenciadas cotidianamente, torna as pessoas mais pacientes, empáticas e capazes de se colocar no lugar do outro. Nesse sentido, Sá (2004, p. 85) afirma que: A atividade lúdica, especialmente representada através de jogos, de um trabalho livre de opressões e através de outras atividades que nos dêem [sic] prazer e nos gratifiquem, é a responsável por nos trazer de volta ao mundo da imaginação, da criação, do encantamento e da curiosidade. Segundo Andrada e Souza (2015, p. 366) “utilização da arte como signo, como linguagem diferente do rotineiro, pode funcionar como possibilidade de ir além do que os 219 docentes estão acostumados”. O documentário e a oficina de brincadeiras provocaram reflexões, manifestações afetivas que configuraram novos sentidos à trajetória pessoal e profissional dos estudantes, contribuindo com o desenvolvimento de funções psicológicas superiores que são relevantes não apenas para a aprendizagem do conceito medicalização na Educação, mas para sua profissão. Diante dessas colocações, as professoras relembraram a aula em que experiências diferenciadas de algumas escolas foram discutidas, como por exemplo, a Escola da Ponte. A professora Beatriz ressaltou que era uma escola tradicional, mas que foi mudando aos poucos, a partir de questionamentos de aspectos tradicionais da instituição. A metodologia e todo funcionamento usam o lúdico por meio de pesquisas, de atividades que instigam a criatividade, o prazer, a interação, a cooperação e a participação. Essas escolas questionaram os cânones da instituição, inseriram o lúdico, o prazer e a participação em suas atividades e tudo isso está relacionado à criação, que se potencializa. Nesse momento, os alunos ficaram admirados, perceberam que há caminhos possíveis para viabilizar o lúdico, uma educação que promovesse o desenvolvimento humano. Alguns falaram que precisava dessa mudança na educação de forma urgente. Pessoas que sentem prazer, que se permitem, que possuem essa oportunidade, são mais felizes, menos violentas e agressivas, resilientes, sentem menos frustração, estresse, conseguem superar os conflitos com mais facilidades. No entanto, isso é o oposto do que grande parte da população vivenciava. Os presentes falaram muito da importância do brincar para o desenvolvimento do aluno e da sociedade, mas pouco falavam da contribuição para o seu trabalho, para o seu desenvolvimento. Então, algumas perguntas foram feitas, como por exemplo, se eles tinham interagido mais, conhecido mais os colegas. Eles responderam afirmativamente. As professoras pediram para que refletissem que o brincar também pode ser formativo para o professor, pois possibilita mudanças na relação professor-aluno e professor-professor. Todos passam a se ver 220 de forma diferente, a interagir com mais qualidade, a cooperar, a compartilhar, a identificar outras características no outro, o que humaniza a relação, o trabalho. As professoras ressaltaram que o brincar para o pedagogo não contribui apenas para o aluno, mas para o desenvolvimento deles enquanto sujeitos e profissionais, para a relação que vão estabelecer com os alunos, como irão compreendê-los e como planejarão as aulas. Eles não tinham pensado nisso, então, é importante pensar em intervenções para possibilitar mais essa reflexão e vivência. Tal aprendizagem foi possível, pois ao brincarem livremente, ou seja, sem direcionamento do professor e estimulados a escolherem os jogos, brinquedos, parceiros que quisessem (Real, Santos & Weber, 2017), puderam resgatar sua infância. Segundo Mendonça (2008): A relação humana experimentada entre professor e aluno é sempre mais importante que o brincar e o brinquedo. Deste modo a relação que se estabelece entre o professor formador e o professor em formação se torna um laboratório fértil de possibilidades do lúdico, como base existencial construída. A relação construída com os professores nessa formação lúdica revela mudança comportamental e do próprio discurso sobre o brincar e a concepção de criança (p. 358). A aula foi concluída com a reflexão de que brincadeira e diversão são revolução, pois dá desejo de criar, dá esperança, espontaneidade e renova. Eu disse que esperava que todos tivessem resgatado seus sujeitos brincantes e que nunca se esquecessem disso, que não o deixassem se perder. Alguns alunos vieram abraçar as professoras e agradeceram por terem a oportunidade de vivenciar esse momento tão importante. O pessimismo dos alunos foi impactante, provocava uma sensação de vazio, cansaço, paralisia e uma compreensão dos obstáculos para intervir, da dificuldade para romper, buscar formas de enfrentamento e superação deles. No entanto, na parceria, na troca, na interação, surgiram possibilidades de ruptura com isso a partir da participação da professora Beatriz e dos alunos. 221 Por fim, a sinopse do documentário Tarja Branca sintetiza vários aspectos que foram elucidados a partir da oficina e roda de conversa: Destacando a importância de continuar sustentando um espírito lúdico, que surge em nossa infância e que o sistema nos impele a abandonar em nossa vida adulta, Tarja Branca é um documentário que discorre com pluralidade sobre a ideia de que brincar é uma coisa séria. Brincar é urgente! (Renner, Nisti, Lobo & Rhoden, 2014, n.p.) d) Registros sobre o documentário Tarja Branca e a oficina de brincadeiras Para que os alunos pudessem realizar seus registros pessoais acerca do que vivenciaram ao assistir o documentário e ao participar da oficina, foi pedido que escrevessem sobre isso a partir do seguinte roteiro: Após assistir ao filme “Tarja Branca” e participar da oficina de recursos lúdicos, elabore um texto que considere os tópicos abaixo: • Escolha cenas do filme e/ou momentos da oficina que representem o brincar para o desenvolvimento humano, em todas as faixas etárias. • Registre os sentimentos vivenciados ao lembrar ou conhecer as parlendas, músicas, brincadeiras. • Considerando sua trajetória pessoal, profissional e no curso de Pedagogia, disserte acerca da importância do brincar para o trabalho do pedagogo. O registro foi feito individualmente e enviado pelo sistema para leitura das professoras. O objetivo dessa atividade era possibilitar uma reflexão individual dos alunos após a experiência coletiva e investigar como eles estavam se apropriando dos conteúdos, das reflexões e discussões feitas durante as aulas. Apenas dezessete alunos realizaram essa atividade escrita, mas como foi explicado anteriormente, sete estudantes tiverem seus registros analisados em profundidade. Os trechos 222 abaixo expressam a aprendizagem conceitual deles em relação ao conceito brincar trabalhado em sala de aula. Assistir ao filme Tarja Branca foi uma experiência ímpar, no sentindo de a discussão contida no filme poder ampliar e sistematizar um conhecimento que temos muitas vezes internalizados, porém, esquecidos, ou melhor, adormecidos: que é a importância do brincar (Registro escrito de Bianca durante o experimento formativo em 2016). Na fala dos entrevistados o brincar é definido como a forma mais livre de expressão da criança, como a linguagem do espontâneo. “Se os meninos não brincam, eles ficam diminuídos em suas possibilidades de manifestação”, argumenta a professora de música e pesquisadora Lydia Hortélio, que possui um papel importante na construção da narrativa e faz críticas ao sistema de ensino atual: “A ciência pedagógica, cada vez mais sofisticada, veio para ensinar a gente a fazer vestibular. Ninguém nasceu para fazer vestibular, nascemos para ser gente, para nos expressarmos em plenitude e liberdade todos os talentos que cada ser humano tem” (Trecho da atividade avaliativa de Carlos). O que aprendemos de cara com o documentário, ou melhor, o que nos damos conta, é de que brincar é uma necessidade do ser humano. Nós já nascemos com a necessidade de brincar. O brincar nos ajuda a desenvolver aptidões, bem como a conhecer nossos limites, habilidades sociais, afetivas, cognitivas e físicas (Reflexão escrita por Daiana na avaliação da segunda etapa do experimento). O filme “Tarja branca” apresenta o ponto de vista de várias pessoas, que entendem que o brincar é uma condição humana. Sobre isso, o filme tem uma parte bem interessante que diz: “Brincar é uma coisa do homem, é uma coisa do ser humano, é uma expressão, ela vem de diferentes formas, nas diferentes etapas da vida, mas ela está presente sempre!” O documentário traz questões, debates, reflexões importantes e urgentes. A exemplo disso, vemos a reflexão da pesquisadora e professora de música Lídia Hortélio, “afirmar a vida, é antes de mais nada alegria, é viver em plenitude e liberdade e é no brinquedo, no brincar que a gente vive isso”. Dessa maneira, entendo que, de acordo com o que foi discutido em sala de aula, através do filme e, também, da oficina, ficou claro que, o brincar promove desenvolvimento social quando integra a criança no ambiente, estimula a interação e capacidade de concentração, controla os impulsos, motivando a criança a seguir regras, reforça os laços afetivos, com os amigos, professores família. Dessa forma, no ambiente escolar o “Brincar é urgente! Tem que ter recreio na escola, muito mais recreio. Tem que ter brincadeira, também o brinquedo cantado [...] (Tarja Branca). Quando isso não é valorizado o brincar se torna apenas um recurso didático ou é considerado uma perda de tempo. No entanto, sabemos que a brincadeira é uma forma de aprendizagem e é através dela que a criança apreende o mundo (Reflexão escrita por Dalila na avaliação da segunda etapa do experimento). As cenas do filme “Tarja Branca”, no meu ponto de vista, tem relacionado ao desenvolvimento humano em todas as faixas etárias, as definições dadas no início do 223 documentário sobre o ato de brincar, que foram as seguintes: “Brincar é uma coisa do ser humano, é uma expressão de diferentes formas, etapas da vida, está presente sempre, é liberdade de tempo, de criação, linguagem do espontâneo, da alma, de forma instantânea, vem direto, é alegria que contagia, é uma necessidade biológica, os animais também brincam, a criança não vive para brincar, pois brincar é viver, é onde vai aprender a viver com o diferente, o ato de brincar é uma linguagem universal, brincar e criatividade são indissociáveis, quem brinca é mais feliz, segundo Albert Einstein “Brincar é a forma mais plena de fazer ciência”. O vídeo trata dessa grande importância do ato de brincar na vida das pessoas, descrevendo um pouco da história de vida relacionada a essa fase, e da cultura popular (Trecho da avaliação entregue pela estudante Érica). Nas respostas da atividade diagnóstica sobre a importância do brincar para a atuação do pedagogo, observei que eles compreendiam o brincar centrado na concepção do seu uso pedagógico, com foco na infância. Dalila apresentou um conceito científico e colocou que o brincar é a atividade principal da criança e promove seu desenvolvimento. Comparando com os trechos acima, alguns elementos a mais foram apreendidos sobre o tema. A relevância para o desenvolvimento da criança, a importância para a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo, social, motor e afetivo da criança se mantém, mas a novidade foi a percepção de que o brincar é importante para todas as faixas etárias, pois é uma dimensão humana que promove o desenvolvimento de todos. Tal aprendizagem amplia as possibilidades da compreensão do brincar na formação do pedagogo tal como discutido por Mendonça (2008) e Sá (2004). O documentário e a oficina favoreceram o resgate de memórias importantes e um processo de reflexão que foi intenso. O documentário me levou a uma reflexão profunda, me trazendo lembranças de minha infância, saudável, quando eu e meus primos brincávamos sem a supervisão de adultos, brincadeiras com músicas e jogos na areia, com cordas em cima de uma árvore (Trecho da avaliação entregue pela estudante Daiana). Nesse sentido, as oficinas trazidas para a sala de aula na última sexta feira, trouxeram novamente a minha vivência a possibilidade de brincar livremente, primeiro foi uma brincadeira acanhada, mas aos poucos que fui me permitindo viver, foi se tornando prazerosa e importante para minha percepção e o resgate desse sentimento de importância do brincar que estava adormecido (Reflexão escrita por Dalila na avaliação da segunda etapa do experimento). 224 Para mim o filme Tarja Branca e a realização da oficina de brincadeiras foi um convite à reflexão sobre a infância, o brincar e o espaço que a brincadeira ocupa (ou não) na vida das pessoas enquanto adultos. Levou-me a refletir, e a relembrar como foi minha infância, quase totalmente esquecida por causa da correria da vida adulta, a família, o trabalho, o estudo, etc. Não sei se o objetivo era propor um resgate à infância, mas no meu caso foi um momento que eu precisava vivenciar porque me fez reviver de novo a importância dessa fase da vida quase totalmente esquecida por nós adultos e por algumas crianças tão envolvidas no mundo da tecnologia que não tem mais interesse de brincar nessa perspectiva que o filme e a oficina proporcionaram. Se a ideia era lembrar o espírito lúdico, livre e pleno que existia com mais potência em nós quando crianças e abrir espaço para que ele esteja mais presente no nosso cotidiano, nas nossas vidas e nas relações com o outro, creio que para mim atingiu o objetivo (Trecho da avaliação entregue pelo estudante Carlos). Relembrar provocou muita reflexão acerca de suas trajetórias pessoais, das responsabilidades, dos papeis que foram assumindo, do que se exige hoje dos profissionais e o quanto isso os transformou, provocando o esquecimento de sentimentos e acontecimentos. O resgate da dimensão histórica de cada um e a reflexão sobre as mudanças pessoais conforme cresceram, promoveu uma percepção importante acerca do impacto que a sociedade atual e sua cultura provocam no desenvolvimento humano, levando ao esquecimento de aspectos fundamentais como o brincar que permeiam as relações entre as pessoas. E mais do que cenas, algumas falas me chamaram muito atenção enquanto assistia, e ficaram “flutuando” me minha mente de modo que a reflexão sobre elas foi imprescindível. Por exemplo: “o essencial do brincar é a liberdade, de tempo, de criação...”. quantas vezes o brincar na escola está limitado, tosado. Nesse aspecto podemos dizer que partes essenciais do desenvolvimento estão sendo limitados e tosados por consequência. O último ponto que pode ser destacado é: “quando as crianças não brincam, elas ficam diminuídas das suas possibilidades de manifestação”. Que frase emblemática. Se nesse contexto manifestação significa a expressão do seu pensamento, da sua vivência, de seus sentimentos, de que entende do mundo ao seu redor, o fato da criança não brincar, terá consequências significativas na vida do adulto. Que poderá ter muitas dificuldades também desse tipo manifestação. E como se pode ter pessoas que pensam criticamente se suas possibilidades de manifestação tão cerceadas? (Registro escrito de Bianca durante o experimento formativo em 2016). O documentário e a oficina proporcionaram momentos de muita reflexão aos alunos, levando-os a questionar a importância do brincar no processo de ensino e aprendizagem. Pensar acerca da relação entre brincar, ludicidade e processo de ensino e aprendizagem provocou 225 questionamentos acerca da formação em Pedagogia, da prática pedagógica que alguns vinham desenvolvendo ou que pretendem realizar como profissionais e, por fim, problematizaram o papel da escola. Ter esses momentos de fruição na graduação é importante para nosso desenvolvimento quanto profissionais e poderá ter consequência na nossa vivência prática como professores. Digo poderá, porque se essas relações entre brincar e aprender não estiverem solidificadas, e enraizadas em questões fundamentais de objetivos “que tipo de criança eu quero formar?” ou “qual a função social da escola?” Então esses momentos de aprendizagem pessoal ficarão apenas em nossa memória, e não resultarão em uma prática que priorize o brincar como elemento fundamental da prática educativa (Reflexão escrita por Bianca na avaliação da segunda etapa do experimento). Durante todo o filme e após a oficina, questionei sobre o meu saber lúdico, as escolhas que eu fiz durante minha formação, se aflorou ou se vou deixar de lado. Creio que como pedagogos precisamos refletir sobre como foi nossa infância se brincamos, se não brincamos. Concordo que o brincar é a atividade raiz da infância e por isso deve sim estar no espaço escolar, porque trata-se de atividades que expressam a plenitude, a expansão, a liberdade, a unidade que é próprio da criança. É a primeira maneira de sua ligação com o mundo social. A brincadeira, segundo um dos entrevistados, “é aquela água subterrânea que percorre todo o rio da vida que bebemos e de que dependemos”. A proposta também se escora nos adultos. Deve-se – por necessidade – resgatar a criança dentro de cada adulto. Não é uma tarefa simples, como procurar numa caixa velha uma ferramenta perdida, pois, na maior parte das vezes, nem percebemos o quanto nos tornamos sérios demais e ocupados demais para brincar não somente com os outros, mas com nós mesmos (Trecho da avaliação entregue pelo estudante Carlos). O documentário me emocionou e até me fez refletir bastante sobre a minha prática enquanto eu mesma, se é que isso faz algum sentido. Penso em como o dia-a-dia me transformou em uma pessoa séria e pouco divertida, como as responsabilidades do meu cotidiano me deixa inflexível, como isso tem refletido em meus relacionamentos e nas minhas práticas enquanto professora. Muitas vezes temos a sensação de que não temos saída, precisamos cumprir com os diários, e calendários, e conteúdos e assim por diante. Muitos veem a brincadeira como perda de tempo, como se não estivéssemos aprendendo nada. Fui livre. Fui leve... Esqueci de ser livre ou leve. Hoje, como professora de crianças sou “forçada” a me reencontrar com a criança que um dia fui. Algumas vezes, esqueço que tenho diário, provas, relatórios e leio, jogo, pulo e dou umas boas risadas, mesmo que breve. Sinto saudades. Agora que entendo melhor a importância de brincar, vou procurar fazer isso com mais frequência (Trecho da atividade avaliativa de Daiana). Sá (2004, p. 85) nos ajuda a entender o que houve com Daiana: Devido à estrutura de exploração e alienação a que o trabalho no modo de produção capitalista nos legou, o homem se desumaniza, se estranha enquanto ser criativo, capaz 226 e sensível diante daquilo que é o produto do seu trabalho (quando este consegue trabalho). O trabalho hoje apresenta muitas especializações, grande número de tarefas, fragmentado, sua execução se caracteriza pela obrigação e não em momentos que podem ser de criação, proporcionar prazer. Como dito anteriormente, essas mudanças sociais ocasionaram uma dicotomia entre o trabalho e as atividades lúdicas. O resgate dessa dimensão pode romper com esse processo, pois: À medida que o meu processo educativo me torna mais humana, resgata minha dignidade e cidadania, toda a minha postura voltada a encarar a vida se modifica, as relações sociais, o trabalho, a auto-estima, os afetos, os cuidados com o corpo e a mente, as análises críticas a respeito dos fenômenos da vida. Ou seja, ocorre uma transformação geral, o que comprova que o homem é um ser pleno, integral, onde uma mudança em determinada área, afetará todas as demais. É a rede de relações na qual o homem está inserido – verdadeira “cadeia humana” (Sá, 2004, pp. 85-86) Os trechos abaixo representam problematizações bastante significativas acerca da formação e da atuação do pedagogo: Dessa forma, como futuros pedagogos, temos que levantar essa bandeira, defender e afirmar que, o brincar promove a capacidade e potencialidade da criança e, deve ocupar lugar especial na prática pedagógica do professor. Porém, não só da criança. Jovens e adultos também estão imbuídos nesse negócio. A brincadeira não tem idade. Para Lidia Hortélio, “Todo mundo tem seu corpo e tem uma criança dentro. Deixa ela brincar! ... Você já tá no território sagrado da infância! Você já sabe que é lá! (Reflexão escrita por Dalila na avaliação da segunda etapa do experimento). O professor tem um papel muito importante na educação, pois ele é o mediador entre o aluno e o conhecimento, proporcionando situações de aprendizagem para desenvolver as capacidades afetivas, cognitivas, emocionais e sociais. Ele deve oferecer à criança um ensino de qualidade, bem como um ambiente saudável e de igualdade, que seja interessante e seguro. É de extrema importância que o professor interaja com os alunos, que dialogue com eles e respeite subjetividades. Também é interessante instigar as crianças a confeccionarem seus próprios brinquedos para que a criança se sinta um cientista. Acredito que o uso de brincadeiras na escola oferecem [sic] excelentes benefícios no processo de ensino-aprendizagem, dentro e fora da sala de aula, tornando o ensino mais interessante, fazendo com que a criança faça descobertas e viva experiências que estimulem seu aprendizado (Trecho da avaliação entregue pela estudante Melissa). 227 Sendo assim, o curso de Pedagogia para mim, tem sido uma fonte de ideias e práticas educativas, para lecionar de maneira mais dinâmica, tem me proporcionado um aprendizado principalmente nas metodologias de ensino, penso na grande importância que esse curso tem, nas possibilidades de contribuir para o bom andamento das escolas, no que se refere ao planejamento e avaliação. Portanto, o brincar exerce uma importância muito grande para o trabalho do pedagogo, pois como disse anteriormente a ludicidade contribui na compreensão das regras, na socialização do indivíduo e na maneira positiva da formação do cidadão, tornando-o um indivíduo capaz, criativo, crítico e reflexivo, para poder tomar suas próprias decisões diante da problemática social que vivemos. Enfim, considerando minha trajetória pessoal, no caso o vivido, no âmbito familiar, educacional e social, no meu ponto de vista a brincadeira está em toda parte, sem exclusões, ela tem proporcionado uma melhor interação das pessoas. O profissional de hoje que não tem criatividade está fadado ao fracasso, pois é requisitado a dinâmica para atuar em diversos setores da sociedade. No filme tarja branca, esta ludicidade foi demonstrada, através de depoimentos de algumas pessoas, que tem uma relevância muito grande no desempenho na vida adulta para desenvolver a criatividade no trabalho (Trecho da produção entregue por Érica nessa etapa do experimento formativo). Os trechos acima revelam que os alunos se sensibilizaram e passaram a repensar o processo de ensino e aprendizagem. De acordo com Mendonça (2008): Uma vez conquistado essa oportunidade sem culpa de brincar, de expressar-se livre e alegremente com o outro, com os objetos, com o espaço, o professor em formação também conquista um novo modo de relacionar-se e trabalhar didaticamente com os alunos. Há um entendimento do processo ensino-aprendizagem de inclusão do aluno como humano no aprender. Ele o professor pode experimentar e viver essa possibilidade (p. 362). Quando há o resgate de atividades lúdicas, o adulto consegue se disponibilizar mais àquilo que é novo, fica aberto para aprender, resgata sua criatividade e, consequentemente, com maior motivação para ensinar (Sá, 2004). Dessa forma, o professor estará mais propenso a utilizar atividades lúdicas e a agir com ludicidade em sua práxis pedagógica, o que possibilitará 228 a elaboração de práticas pedagógicas de forma intencional para promover a aprendizagem e o desenvolvimento nos alunos, dentro da perspectiva proposta por Vigotski (2008), que pode ser compreendida da seguinte forma: As atividades lúdicas, dentre elas o jogo de papéis, são fundamentais na vida da criança por significar, dentro de suas especificidades (físicas e as relacionadas à posição social), as suas máximas possibilidades de apropriação do mundo adulto, isto é, do mundo de relações, objetos, conhecimentos e ações historicamente criados pela humanidade. O jogo é a forma principal de a criança vivenciar o seu processo de humanização, uma vez que é a atividade que melhor permite à criança apropriar-se das atividades (motivos, ações e operações) culturalmente elaboradas. O jogo, para a criança em idade pré- escolar, é a atividade que melhor lhe permite ir se compreendendo como um ser em si e um ser para si (Nascimento, Araújo & Miguéis, 2009, p. 300). Apesar do tema medicalização ainda não ter sido explorado até o presente momento do experimento formativo, a estudante Melissa registrou algumas reflexões provocadas pelo documentário e pela oficina ao fenômeno da medicalização que expressam aprendizagem conceitual acerca do tema: O filme tarja branca nos leva a refletir sobre a sociedade que construímos ao longo dos tempos, uma sociedade que se medicaliza para se afastar de alguns males que a agitação da vida nos traz. O nome do filme é proposital e propõe uma espécie de troca de nomes, tarja preta por tarja branca, se referindo aos medicamentos controlados que fazem parte da vida da maioria das pessoas. O documentário prega que o prazer da brincadeira deve ser estimulado desde cedo para que, quando adulta, a pessoa continue brincando e saiba buscar a verdadeira felicidade. Brincar é sempre muito bom seja qual for sua idade. Rememorar momentos da minha infância foi muito significativo e me fez refletir sobre a pouca importância que a brincadeira ocupa hoje na minha vida. Vivemos em uma sociedade muito agitada e problemática. Para nos livrar dos problemas preferimos tomar medicações ao invés de paramos um pouco para fazer terapias simples como àquelas brincadeiras que realizamos naquela aula. Esqueci que o mundo existia naqueles poucos, mas significativos momentos de diversão. Foi impossível ouvir e não se identificar com aquelas canções que cantamos. 229 Perceber a importância de discussões como essas na minha futura profissão decente não é tarefa difícil. Cada vez mais o lúdico está ganhando espaço na escola, pois a criança aprende brincando, adquire novos conhecimentos, aplica seus conhecimentos no seu cotidiano, constrói novas descobertas, desenvolve e enriquece sua personalidade. A importância da brincadeira está ligada aos aspectos de facilitar o crescimento, contribuir para a saúde e favorecer os relacionamentos em grupo. É também uma forma de comunicação consigo mesmo e com os outros, facilitando o contato com o mundo interno e externo (Registro escrito de Melissa durante o experimento formativo em 2016). Já Érica elaborou um parágrafo bem interessante ao colocar que a oficina de brincadeiras promoveu qualidade nas relações e interações sociais, sem processos de exclusão, rotulação, comparação entre os colegas. Essa experiência é bem significativa, pois representa um caminho de enfrentamento ao preconceito, às exclusões a partir de padrões de normalidade que embasam o fenômeno da medicalização de crianças e adolescentes (Moysés & Collares, 2010) Durante a oficina que foi organizada em grupos, cada um criou suas próprias regras, de acordo com a dinâmica da brincadeira a ser escolhida. Em momento algum houve exclusão, pois todos brincavam com o que queriam, devido haver muitas opções. Não pensamos em habilidades intelectuais, nem em prática de escrita, por isso, foi um instante de esquecimento de quem nós éramos, como jovens e adultos, para tornar-se criança novamente e liberar a alegria de viver, embora não tendo uma estrutura física, que possibilitasse realizar alguns exercícios com desenvoltura e facilidade como na infância. Para mim, foi uma aula diferente, onde todos interagiram, ninguém demonstrou timidez em se mostrar como crianças. Por um momento, esqueci de todos os textos das disciplinas que tinha para ler, trabalhos e obrigações a cumprir, como por exemplo da responsabilidade que tenho como professora dos anos finais – Ensino Fundamental, de ser mãe, como diante de tantas outras tarefas do cotidiano (Trecho da atividade avaliativa de Érica). A partir das discussões realizadas em sala, é notório que o estudo de caso e o documentário “Tarja Branca” possibilitaram a sensibilização dos estudantes para o conceito de medicalização. Segundo Leite, Ricci e Tuleski (2018, p. 66), para Vigotski, a arte exerce uma mediação que “pode servir de recurso ao desenvolvimento conceitual, especialmente dos conceitos científicos, por meio de uma síntese complexa afetivo-cognitiva”. Isso acontece porque a arte faz com que os sujeitos experimentem afetos, possibilitando a reação estética. A 230 descarga emocional suscitada ocorre na fantasia, permitindo que se vivencie “sem vivenciar de fato” (Leite, Ricci & Tuleski, 2018, p. 71). As atividades propostas representaram uma organização intencional para oportunizar reflexão crítica, pensamento dialético, para que os estudantes compreendessem a relação entre todos os conceitos abordados até então: função social da escola e do pedagogo, a partir do resgate histórico e da compreensão da relação entre sociedade e escola e o impacto disso na formação e atuação do pedagogo. Na segunda etapa, abordar o conceito brincar e a dimensão lúdica a partir de estudo de caso, trouxe situações que ocorrem no cotidiano da escola. A exibição do filme e a oficina trabalharam com outra dimensão, dessa vez para o resgate histórico da dimensão lúdica de cada um e a partir disso, repensar a escola, a formação e a atuação do pedagogo. A mediação pedagógica realizada parece estar proporcionando a aprendizagem dos conceitos científicos trabalhados, tanto os secundários, como os primários. A mediação pedagógica realizada num contexto do ensino superior, por meio da ciência e de conceitos científicos, possibilita a “ampliação da relação do homem com seu meio e de seu entendimento sobre a aparência e a essências das coisas, o que inclui a importante questão do conhecimento da complexidade do comportamento humano, da reação integral como processo mediatizado” (Nascimento, 2014, p. 360). Tal processo será fundamental para abordagem do conceito medicalização da vida, da e na Educação. No entanto, antes disso, outras atividades serão propostas, dessa vez relacionadas ao contexto do estágio curricular obrigatório que os estudantes estavam realizando no semestre. 231 e) Décima aula Após a aprendizagem de conceitos científicos relacionados à escola, sua função social, o papel do pedagogo, o brincar, por meio da reflexão crítica, da arte, de oficinas e vivências, torna-se necessário oportunizar experiências relacionadas a um contexto prático da atuação de docentes em formação. Conforme explicitado anteriormente, os estudantes realizavam estágio curricular obrigatório e a DICP3 tinha como proposta articular seus conteúdos à prática. É importante ressaltar que essa proposta de integração entre as disciplinas tinha como objetivo superar a fragmentação do currículo e da formação do pedagogo. Segundo Felício e Oliveira (2008, p. 217): A insatisfação trazida pela dicotomia entre situações de formação e situações de trabalho mobiliza as Universidades para que avaliem seus cursos de formação de professores na direção de privilegiar, em seus currículos, a dimensão prática, não como espaço isolado, mas como um elemento articulador do curso. Considerando a necessidade de privilegiar, também, a dimensão prática nos cursos de formação de professores, entendemos que o Estágio Curricular, se bem fundamentado, estruturado e orientado, configura-se como um momento de relevante importância no processo de formação prática dos futuros professores. Além de promover a integração entre teoria e prática, o estágio tem o objetivo de oportunizar a observação, análise e reflexão crítica em busca de uma atuação profissional emancipatória e não tecnicista (Felício & Oliveira, 2008). Nas quatro aulas que serão descritas a seguir, procurei discorrer sobre os procedimentos utilizados para integrar os conceitos estudados até então com situações-problemas vivenciadas no decorrer do estágio dos alunos participantes. A primeira aula foi destinada a visitar as escolas onde estagiavam e a elaborar um roteiro de perguntas para caracterização que foi proposto em conjunto com a professora Carla, responsável pela disciplina de estágio curricular obrigatório que os alunos cursavam no mesmo semestre (anexo E). Esse roteiro foi elaborado pela professora Carla, mas a mesma aceitou sugestões de acréscimo de alguns itens importantes para 232 que os alunos observassem nas escolas, tendo em vista o que foi e o que foi estudado na disciplina DICP3. Essa caracterização inicial foi a primeira atividade solicitada para que os alunos identificassem as demandas da escola onde estagiavam para planejar uma proposta de intervenção pedagógica que incluísse o brincar. Os alunos que não estavam fazendo estágio, formaram duplas com os que estavam. O roteiro apresentava quatro partes: identificação e caracterização da escola, equipe da escola, conselho escolar e projeto político pedagógico e relações interdisciplinares. Na primeira, os alunos deveriam informar a localização, níveis e modalidades de ensino oferecidos pela instituição e infraestrutura. A segunda caracterizava a equipe, quantos profissionais, cargos e qualificação profissional. A terceira era a mais longa, tinha como objetivos investigar se a escola possuía conselho escolar, como era seu funcionamento, se havia projeto político pedagógico, qual era a proposta pedagógica da escola, se desenvolviam práticas de inclusão a partir da perspectiva dos direitos humanos, existência de alunos diagnosticados com transtornos de aprendizagem, de temas como gênero, sexualidade, raça eram contemplados nas práticas pedagógicas. Já a quarta parte tinha como objetivo provocar reflexões nos alunos, pois precisariam pensar como as disciplinas cursadas no semestre poderiam contribuir com o estágio, quais inquietações eram despertadas e como o brincar poderia contribuir com a instituição. Na parte III, referente aos conselhos de curso e projeto político pedagógico, sugeri a inclusão das seguintes questões relativas ao brincar e medicalização: “A instituição educativa possui alunos diagnosticados com transtornos de aprendizagem? Se sim, quais? Quantos alunos?” E “Como a instituição educativa trabalha com esses alunos diagnosticados com transtornos de aprendizagem?”. Na parte IV a inserção foi “Como o brincar pode contribuir com esta instituição?”. A inserção de perguntas acerca de práticas inclusivas, alunos 233 diagnosticados e/ou com transtornos de aprendizagem ocorreu com o propósito de identificar concepções, discursos e práticas medicalizantes na escola, assim como observar as inquietações que seriam provocadas nos alunos acerca dessa temática. Por outro lado, solicitar que os alunos refletissem sobre as contribuições do brincar para a instituição, visava instigar os alunos a analisar a prática pedagógica desenvolvida, e sua relação com a gestão, a equipe, a infraestrutura e a formação inicial e continuada dos profissionais e pensar em desafios e possibilidades para a atuação do pedagogo em sua prática. A discussão sobre a visita às escolas e o preenchimento do roteiro citado ocorreu quinze dias depois e será apresentada nas subseções seguintes. f) 11ª, 12ª, 13ª e 14ª aulas e a atividade avaliativa Essas quatro aulas foram destinadas a discutir as idas a campo dos alunos, para os que estavam estagiando e para orientar a elaboração da proposta de intervenção. No total foram formadas oito duplas, um trio e seis alunos realizaram a atividade individualmente, totalizando quatorze instituições visitadas, sendo seis de Ensino Infantil e oito de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Com o objetivo de dar mais subsídios ao planejamento e elaboração da proposta de intervenção o vídeo “Caramba Carambola, o brincar tá na escola” (MEC & CENPEC, 2014)14, foi disponibilizado, assim como os seguintes textos: Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica (2012). Brinquedos e brincadeiras de creches: manual de orientação pedagógica. Brasília, DF: SEB. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=12451- publicacao-brinquedo-e-brincadeiras-completa-pdf&category_slug=janeiro-2013- pdf&Itemid=30192. 14 https://www.youtube.com/watch?v=oJSKrU-CKys 234 Camargo, P. S. A. Santos & Rosa, E. C. (2013). A ludicidade como estratégia pedagógica na educação de jovens e adultos – EJA. Mimesis, 34, 2, 219-232. Meirelles, R (Org.) (2015) Território do brincar: diálogo com escolas. São Paulo: Instituto Alana (Coleção território do brincar). Recuperado de http://territoriodobrincar.com.br/wp- content/uploads/2014/02/Territ%C3%B3rio_do_Brincar_- _Di%C3%A1logo_com_Escolas-Livro.pdf Mendonça, J. G. R (2008). Formação de professores: a dimensão lúdica em questão. Cadernos da Pedagogia, 2(3), 253-263. O vídeo e o artigo de Mendonça (2008) abordam a importância do brincar e do lúdico na formação inicial e continuada do professor. O artigo relata um projeto do autor e o vídeo uma experiência com formação continuada numa escola de ensino infantil de uma escola pública do interior do Estado de São Paulo. O material do Ministério da Educação traz informações e orientações para o planejamento pedagógico com brinquedos e brincadeiras. Por fim, o texto de Camargo e Rosa (2013) foi indicado para contribuir com as duplas que realizariam sua atividade na EJA. A roda de conversa que foi feita em aula para discutir o vídeo e o texto trouxeram alguns depoimentos, como o de Aline que relatou que se tivesse assistido antes, talvez teria proposto coisas diferentes no estágio, pois compreendeu que existe um discurso e uma prática diferentes. Ela colocou também que o vídeo provocou reflexões e disse “a gente começa a refletir que tipo de adulto que a gente se formou” [sic]. Durante as aulas para discutir as visitas às escolas eu constatei que o estágio já tinha sido finalizado por alguns alunos. Essa diferença ocorreu porque eles têm a possibilidade de cumprir toda a carga horária conforme a disponibilidade de horário, ou seja, aqueles que possuem mais tempo, podem estagiar todos os dias, finalizando em poucas semanas. Já os alunos que trabalham e apresentam menor disponibilidade, distribuem a carga horária no decorrer de todo o semestre. Os alunos que puderam realizar a proposta de intervenção se 235 encaixam na segunda situação com três trabalhos: Dalila, Érica e Letícia, Otávio e Daiana. Érica falou que as aulas têm feito ela perceber que a criança se concentra diferente, não como o adulto. Passou a compreender melhor a filha. Agora tenta entender que o barulho da criança e do adolescente é normal, é saudável. Priscila contou que assistiu a uma palestra de um professor alemão que critica a sala de aula, com o documentário percebeu que o brincar no espaço fora de sala de aula se configura como essa possibilidade. Por outro lado, a escola do vídeo possuía um espaço enorme que possibilitava o desenvolvimento de atividades por meio do brincar, o que não é realidade nas escolas, em sua maioria. Nenhum aluno comentou nada sobre a intervenção feita com os professores por meio do brincar, então isso foi questionado ao grupo. Raíssa falou que achou fundamental, pois todo o processo de mudança relatado no vídeo tinha começado pelos professores. A professora Beatriz refletiu sobre um modelo de escola rígido que temos dentro de nós e o quanto as discussões na disciplina possibilitavam pensar numa outra escola, onde há espaço para a criação, criatividade e onde é possível construir outras relações. Letícia conta que na escola onde estagia com uma turma de EJA, os jovens ficam na quadra jogando bola o tempo todo em que não estão em sala de aula, mesmo quando é dia de prova, não vão embora. Pensamos o quanto isso revela um potencial para se elaborar práticas pedagógicas diferenciadas a partir do que os alunos demonstram. Pelos relatos dos alunos após assistirem ao filme “Caramba Carambola, o brincar está na escola”, é possível observar o quanto eles estão refletindo sobre sua trajetória pessoal e profissional. Alguns já relatam estar tentando mudar, tanto na vida pessoal, com os filhos, e na profissional, inserindo mais atividades lúdicas, olhando para os alunos de forma diferente. Alguns falaram que teriam atuado de forma diferente em seu estágio se tivessem discutido antes 236 esses assuntos. Os alunos estão começando a pensar na sua atuação, no quanto o brincar contribui com eles, para seu desenvolvimento, mas ainda é necessário refletir mais sobre isso. Como dito anteriormente, os alunos já estavam realizando o estágio, alguns estavam no início e outros já concluindo. As reflexões dos alunos apontadas acima que foram provocadas a partir das discussões realizadas nas aulas da disciplina DCPI3 já indicam atitudes que apontam para a intenção de mudança. O caminho percorrido, as mediações realizadas por meio dos textos, das discussões, oficina, vídeos e agora, articulação de tudo isso com a prática de estágio e o contato com o cotidiano escolar, têm se constituído como práxis, possibilitando reflexão crítica, ação e reflexão. Conforme Lima (2001) como citado por Felício e Oliveira (2008, p. 220) “a prática deve ser entendida como práxis, ou seja, deve ser uma atitude teórico-prática, humana, transformadora da realidade”. A sexta e a sétima aula focaram o relato dos alunos acerca da caracterização da escola, observações e ideias iniciais para elaborar o planejamento da proposta de intervenção. Na oitava aula, o vídeo e os textos foram discutidos, assim como houve nova rodada de relatos e orientações acerca das propostas de intervenção que estavam sendo realizadas e/ou elaboradas, pois nem todos os alunos desenvolveram o que planejaram, seja porque já tinham concluído o estágio ou porque não tiveram oportunidade de propor a intervenção. É importante ressaltar que mesmo que a maioria dos alunos não tenha realizado a intervenção, a possibilidade de analisar uma instituição, elencar uma demanda e pensar numa proposta a partir da prática pedagógica, mediada por duas docentes em seu processo formativo, poderia promover processos reflexivos e de aprendizagem muito importantes tendo em vista a proposta da presente pesquisa e desse experimento formativo. O conteúdo abaixo trará informações fornecidas nas aulas e aspectos destacados nas propostas de intervenção entregues. O roteiro da proposta de intervenção está no apêndice G. Ele possui três seções, sendo a primeira para apresentação, a segunda para estruturação da 237 proposta de intervenção e a terceira com as considerações finais. Na segunda seção, os alunos colocaram o conteúdo levantado do roteiro de caracterização, elencaram a demanda que seria foco da proposta de intervenção e detalharam as estratégias e procedimentos utilizados para executar a proposta. Na terceira seção os alunos colocaram os resultados esperados, refletiram sobre os desafios e possibilidades da atuação do pedagogo e acerca da importância do brincar para a formação e prática pedagógica. Todos os trabalhos foram lidos, mas apenas cinco receberam uma análise mais aprofundada, a saber: Bianca, Carlos e Otávio que fizeram sozinhos e, Dalila, Érica e Melissa, que planejaram tudo juntas. Vale ressaltar que Bianca e Carlos não colocaram em prática a proposta elaborada, pois já tinham concluído o estágio. Apenas Bianca estagiou no Ensino Infantil, já os demais na EJA. No geral, os trabalhos apresentaram a fundamentação teórica estudada na disciplina, principalmente na unidade II. Para cada trabalho, uma breve apresentação da escola foi feita, com destaque para a demanda e seleção de trechos que elucidam a proposta elaborada e os resultados obtidos. A análise dos trabalhos buscou identificar as concepções sobre o brincar que subsidiaram as propostas, as reflexões registradas por escrito e se há alguma relativa à formação do pedagogo. g) Reflexões dos estudantes nas produções da segunda etapa Bianca A aluna desenvolveu seu estágio num CMEI, a partir de atividades voltadas para a gestão. Disse que as disciplinas de gestão ajudaram muito a compreender e analisar a escola, para entender as funções das diferentes coordenações. 238 A escola possui duas salas e apenas quatro turmas, tem brinquedoteca e um espaço do faz de conta, com várias fantasias, os parquinhos possuem vários brinquedos, são bem conservados, arborizados e adequados para as crianças conforme a faixa etária. A brincadeira possibilitava a criança ser o que quisesse ser e a equipe possibilitava diversos momentos do brincar livre para promover o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças. Houve mudança na gestão da escola, que provocou alterações na maior parte da equipe, além disso, ela deixou de ser integral para ampliar o número de vagas, o que provocou a saída e a entrada de alunos. Em função dessas mudanças, Bianca pensou em elaborar um projeto que resgatasse de forma lúdica a história do bairro por meio de brinquedos e brincadeiras antigas para que os estudantes compreendessem sua história e o que foi preservado e promovesse um sentimento de pertencimento entre escola e comunidade. Ela considera que é importante resgatar a história para que a comunidade escolar pudesse ter contato com a experiência coletiva e social dos moradores, tendo em vista toda a diversidade e as transformações que esse processo revelaria. Bianca faz uma citação direta para informar sua definição conceitual de brincadeira e a sua relevância no ensino infantil: A brincadeira é um recurso privilegiado de desenvolvimento da criança pequena por acionar e desenvolver processos psicológicos – particularmente a memória e a capacidade de expressar elementos com diferentes linguagens, de representar o mundo por imagens, de tornar o ponto de vista de um interlocutor e ajustar seus próprios argumentos por meio do confronto de papeis que nele se estabelece, de ter prazer e de partilhar situações de emoção e afetividade (Oliveira, 2002 como citado por Bianca, 2016, p. 7). A aluna ressalta que o planejamento das atividades lúdicas deverá levar em consideração as que são mais significativas para as crianças e contextualizadas, respeitando seu nível de desenvolvimento. Abaixo estão trechos da proposta elaborada: Tendo em vista o panorama descrito de uma equipe praticamente nova, que não conhece a história da escola e do bairro, dos alunos residentes em sua maioria em 239 bairros vizinhos, percebeu-se a necessidade de um resgate cultural e histórico, da escola e do bairro em que está inserido, para promover um sentimento de pertencimento integral entre a escola e a comunidade na qual está inserido. Outras fontes documentais como fotos e pesquisa bibliográfica, também serão utilizados. OBJETIVO GERAL: Resgatar a história do bairro através dos brinquedos e brincadeiras antigas. Atividade I - Pesquisa Objetivo: comparar mudanças e permanências históricas do bairro. Atividade II - Memória viva, memória ativa. Objetivos: expressar elementos com a linguagem oral, representar o mundo por imagens. Será realizado um dia para brincarem com as brincadeiras antigas. Atividade III - Oficina de brinquedos: Objetivo: manipular objetos Atividade IV - Cantar é brincar? Objetivo: expressar elementos através das diversas linguagens: oral, visual. Atividade V - Como é o bairro hoje? Objetivos: representar o mundo por imagens, comparar mudanças e permanências históricas do bairro. Atividade VI - Futebol é brincadeira? Objetivos: comparar mudanças e permanências históricas do jogo, estabelecer papeis no jogo, expressar através de linguagens corporais, estimular a motricidade, manipular materiais. Encerramento: será realizado um dia de exposição com os trabalhos e atividades realizadas, onde estarão expostos os painéis construídos pelas crianças, os brinquedos confeccionados, os vídeos das cantigas (ou podem ser encenadas ao vivo), para pais e comunidade em geral. Tempo total de duração do projeto contando com imprevistos: um semestre. A proposta elaborada por Bianca envolveu crianças, toda a equipe, familiares, moradores e instituições tradicionais da comunidade, como a igreja. Para ela o desafio seria a equipe aderir e realizar o projeto. Para ela, as contribuições para as crianças seriam: 240 Despertar o prazer em aprender a história local e preservar os costumes e cultura, na qual está inserido. Que possam através das brincadeiras desenvolver suas habilidades criativas, motoras, sensoriais, linguísticas, afetivas. Mas ela não pensou apenas nas crianças, também considerou o processo formativo dos professores: Pensar o brincar entrelaçado com a história, foi um processo de reflexão constante e essencial para a formação pedagógica. Uma vez que a história faz parte da vida, conta a vida, e uma parte essencial da vida de cada indivíduo é sem dúvidas sua infância e suas brincadeiras. A partir do momento que o professor revive a brincadeira, o prazer, o lúdico, a espontaneidade, a liberdade de “ser” influencia sem dúvidas a prática educativa dentro da sala de aula, promovendo um ensino que preconize esses aspectos em todos os contextos educativos. A leitura do trabalho de Bianca revela que a concepção de brincar adotada é coerente com o que Sá (2004) propõe, que não deve ser atividade só da criança, mas de todos. A aluna observou que a escola, apesar de ser pequena, tinha uma boa infraestrutura e utiliza o brincar pedagogizado, a partir de atividades organizadas intencionalmente pela equipe de professores para promover aprendizagem e desenvolvimento nos alunos, tendo em vista os aspectos cognitivos, motores, sociais e afetivos. Foi essa concepção que ela adotou, com a diferença de que ela propôs envolver os adultos da escola, como docentes, gestores, funcionários e familiares, nas atividades lúdicas em conjunto com os moradores do bairro. Por meio desse caminho proposto, ela pretendia promover um resgate histórico e apropriação da cultura do bairro, por meio de situações baseadas na interação social. Por fim, em seu último parágrafo, ela revela que sua intenção também era gerar um processo de reflexão para a equipe de professores da escola, proporcionando a eles momentos lúdicos e resgate de sua infância, pois acredita que isso influenciará sua prática pedagógica. O brincar seria uma estratégia mediadora para garantir a execução dessa proposta. 241 Carlos Carlos elaborou sua proposta em conjunto com o aluno Mário, mas os registros do seu colega não foram analisados. Os alunos estagiaram numa escola municipal, com uma turma de EJA. A escola apresentava boa infraestrutura, tinha 844 alunos matriculados, sendo 25 diagnosticados com algum tipo de deficiência. O projeto político pedagógico não contemplava as questões de gênero e racismo e não havia menção sobre o brincar. A evasão na EJA era muito grande e os alunos apresentaram a seguinte inquietação: como fazer para esses alunos permanecerem? [sic]. A professora da turma que acompanharam não sabia o que fazer, pois avaliava que a violência na comunidade afastava os alunos da escola. Numa das aulas em que as práticas de estágio eram compartilhadas, uma colega relatou que já estagiou nessa escola com EJA e que os alunos mais velhos não queriam recursos lúdicos, pois diziam que queriam copiar, pois achavam que aprendiam mais. A partir desse depoimento, todos refletiram o quanto os alunos chegam com visão cristalizada de aula que se resume a cópia, pois tiveram isso em sua trajetória. Carlos e Mário decidiram trabalhar com a biografia de artistas que começaram a produzir mais velhos para incentivá-los a realizar atividades com ludicidade e que abordassem a cultura popular. As professoras sugeriram que pesquisassem a obra de Dona Militana, romanceira potiguar, mas eles optaram por utilizar a trajetória e obra de Elino Julião, um cantor potiguar. A proposta elaborada surgiu das observações em sala de aula durante a realização do estágio obrigatório, quando perceberam que os alunos demonstravam maior interesse e participação numa aula em que a professora usou obras literárias. O interesse de se trabalhar o projeto de intervenção surgiu a partir de uma observação que fizemos na turma da EJA 1º nível (alfabetização). Em outro momento a professora trabalhou com eles as poesias de Cora Coralina e a realização de um Café Literário. 242 Este momento foi onde cada um pode relacionar o brincar e a poesia. A partir de observações na sala de aula, constatamos que, muitas vezes, as práticas relacionadas a leitura e artes visuais realizadas de forma lúdica podem contribuir para o aprendizado daqueles jovens e adultos. Assim, foi a partir dessa constatação que tivemos discussões acerca do tema e possíveis atividades e, diante de conversas entre a professora e a coordenadora pedagógica, surgiram diferentes ideias de atividades. Já começávamos a pensar sobre a possibilidade de trabalhar com a ludicidade. As reflexões realizadas em sala de aula, na disciplina DICP3 foram fundamentais para contribuir com a elaboração da proposta, o que revela a importância da práxis na formação inicial. O filme (Tarja Branca) também colaborou para a nossa reflexão sobre o brincar, porque através dos depoimentos das pessoas, fizemos uma análise de que o brincar é importante também para a aprendizagem do adulto e do jovem. O brincar oferece a eles à oportunidade de conhecer métodos aplicados para o desenvolvimento afetivo, social, comportamental, no convívio com as outras pessoas, a importância dos movimentos desenvolvendo o convívio, as regras e aflorando a imaginação lúdica que tiveram quando crianças. As atividades propostas tinham como objetivo desenvolver a criatividade, afetividade, socialização, sensibilidade, autonomia na realização das atividades. Para os alunos, o brincar é uma necessidade humana em todas as idades. O trecho abaixo revela esse conteúdo: As atividades propostas buscaram desenvolver a criatividade dos jovens e/ou adultos, de modo que pudessem expressar suas emoções, sensibilidades e vivências. Concordando com Mello (2004, p. 04), nossa proposta de trabalho procurou desenvolver, nos jovens e adultos “a prática de atividades espontâneas, prazerosas e criadoras que levam a um comportamento sadio, despertando para o amor, a beleza, a bondade e a descoberta capacidade de relacionamento e autonomia na realização das atividades, conduzindo a uma prática prazerosa e que estimula a criatividade.” A escolha pelo artista se justifica porque o mesmo, além de ser da região do Rio Grande do Norte, aborda o tema brincar articulado com a arte e a cultura em sua obra. Além disso, para Carlos e Mário, abordar a trajetória de Elino Julião seria uma forma para que os alunos da EJA 243 pudessem se reconhecer enquanto autores “de sua própria história na sociedade”. As atividades propostas buscaram envolver alunos e professores. O Projeto de Intervenção “Elino Julião: vida de viajante” procurou trabalhar atividades ligadas a música e cultura, por meio do conhecimento e apreciação das obras do artista norte-rio-grandense, cujos temas das obras estavam centrados na temática das “brincadeiras”, numa proposta que fez relação ao conhecimento da arte e cultura unido à brincadeira. As atividades propostas buscaram desenvolver a criatividade dos jovens e/ou adultos, de modo que pudessem expressar suas emoções, sensibilidades e vivências. Esta etapa descreve todos os procedimentos utilizados para realização e concretização da culminância do Projeto. No primeiro momento serão realizadas leituras de compreensão das letras das músicas, com a pretensão de apropriar-se da obra. A segunda etapa constará de aulas expositivas sobre os aspectos da vida e obra do “objeto de pesquisa”, (neste caso, Elino Julião), pretende-se utilizar vídeos/documentário, estudo dirigido de sua biografia de forma cronológica, entre o período de seu nascimento e falecimento. A próxima etapa consistirá de jogos cênicos, exercícios básicos de respiração, sensibilização, exercício de criatividade, aquecimento e relaxamento. A quarta e última etapa, trará a montagem do painel e um Sarau com a culminância do projeto. Os alunos tinham como expectativa valorizar a cultura regional, o conhecimento dos alunos e desenvolver práticas pedagógicas diferentes, que mobilizassem a turma para a compreensão de sua realidade, além de contribuir para o processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos escolares. Para tanto, procuramos compreender a importância das tentativas desenvolvidas com atividades lúdicas para o desenvolvimento do raciocínio. O jovem e/ou adulto por trazer consigo um saber de mundo, redescobre e valoriza a sua cultura. O que realmente interessa é atribuir ao jovem e/ao adulto o papel de sujeito ativo na construção de formas cada vez mais aprimoradas de conhecimento, pois somente o indivíduo ativo é capaz de atuar frente às pressões sociais, compreendendo-as para transformá-las. Ao final deste projeto espera-se aguçar a curiosidade da comunidade escolar pela arte brasileira, atrelada a cultura nordestina e norte - rio-grandense responsável pela formação do conjunto de leis e costumes da nação. Também apreciar a arte como enriquecedora e construtiva e como importante instrumento de valores culturais. Desenvolvendo a autoconfiança e discernimento ao experimentar novas técnicas, julgando e avaliando trabalhos artísticos, adquirindo também hábitos, disciplina e 244 concentração nos trabalhos em grupo. Compreendendo a arte como importante meio de expressão e comunicação. A leitura e a análise do trabalho de Carlos e Mário indica que as atividades propostas na disciplina DCPI3 ocasionaram a oportunidade para muita reflexão e aprendizagem na formação deles, sendo que o brincar agiu como uma estratégia mediadora importante, por oportunizar resgate de suas memórias da infância, sensibilidade, afetos, socialização. Diante dessa experiência, eles compreenderam que seria importante desenvolver algo nessa direção com os alunos da EJA. Entretanto, Carlos e Mário não compreendiam a importância do brincar apenas dessa forma, pois eles escrevem o seguinte “O referido projeto propõe direcionar a vida e obra de Elino Julião as situações interdisciplinares e também permitir uma discussão ampla sobre questões sociais, econômicas, educativas e culturais relacionadas à temática” [sic]. Isso significa que eles compreendiam que as atividades lúdicas seriam fundamentais para garantir a comunicação, debates, troca de opiniões, lidar com a diversidade, apropriação cultural e a aprendizagem crítica acerca da realidade vivenciada no nordeste de forma que os alunos se percebessem como autores de sua história e se sentissem aptos e transformá-la. Carlos e Mário expressaram pelo seu trabalho, a aprendizagem do conceito brincar de forma bem ampla e complexa, tanto que conseguiram observar e analisar seu contexto de estágio e propor atividades pedagógicas interventivas, mesmo que não fosse possível aplicá- las. Esse movimento pendular entre esses dois espaços, alternando entre a situação de formação e a situação de trabalho, apresenta fundamental importância no processo de formação prática dos futuros professores. Contudo, esse movimento deve ser assumido numa dimensão muito mais ampla que, ultrapassando a dimensão do tempo e do espaço físico, considera a partilha das idéias, das experiências, das concepções, dos desafios, das estratégias, das metodologias, dos contextos, entre outras (Felício & Oliveira, 2008, pp. 221-222). 245 Esse movimento revela a práxis, a partir da reflexão, ação e reflexão que o curso de Pedagogia está oportunizando a esses estudantes através da organização intencional das disciplinas, articulando teoria e prática. Otávio Pela manhã ele fazia estágio remunerado como professor auxiliar no Ensino Fundamental I, 3º a 5º ano, com alunos que possuem histórico de reprovação. De noite estagia em EJA. Inicialmente o aluno trouxe várias reflexões acerca das concepções que os docentes desenvolvem sobre a Educação pública, a partir de sua experiência. Segundo o seu ponto de vista, quando o futuro professor entra na universidade, tem uma concepção de educação pública, depois vai estagiar e desenvolve a segunda visão, quando vai atuar, adquire a terceira. Em seguida ele reflete sobre o brincar e as experiências vivenciadas em seus estágios. Na visão de Otávio, os alunos que acompanhava de manhã não brincavam porque trabalhavam para ajudar a família, não vivenciaram a infância, traziam agressividade, brigavam, e interagiam muito pouco entre si e com outros colegas no intervalo. Na EJA, no turno noturno, muitos dos estudantes passaram por uma infância assim, a necessidade de brincar já não é latente e se transformou num problema interior. Quando conseguem brincar, adoram, se entregam, se divertem e a necessidade aparece. Há a necessidade de levar o brincar com crianças e adultos, é possível, mas ninguém faz. Quando se faz com o adulto, se repete o brincar da criança, infantiliza o adulto, o aluno questiona “Por que tem que ser igual?” [sic]. Depois Otávio relatou as atividades lúdicas que já desenvolveu com a turma de EJA. Os alunos não sabiam nem mexer e arrumar as carteiras em círculo. Ele relatou que no início foi difícil, mas os alunos foram se soltando e aos poucos se entregaram totalmente às atividades 246 que propôs a partir da sua intervenção. Observou que aumentou a motivação para participar das aulas, estudar, houve maior colaboração entre os colegas e maior proximidade entre a professora e eles. Otávio não soube informar se nos outros dias em que não ia para a escola, a professora planejava atividades mais lúdicas. Ficou sem graça de perguntar, pois achava que estaria invadindo demais o trabalho da professora se perguntasse. Em seu trabalho escrito o aluno inicia seu trabalho destacando a importância do primeiro estágio curricular obrigatório e fala da articulação da teoria com a prática. [...] tivemos a oportunidade de retornar à realidade escolar já algumas vezes visitada, no entanto pela primeira vez entramos em sala de aula como professores em formação, com o ensejo de confrontar: o que até agora discutimos a respeito da prática docente, com a diversa e complexa realidade da escola pública que temos. Otávio planejou essa intervenção tendo em vista três frentes de trabalho: o tema alimentação a ser desenvolvido na época pela professora, conquistar a turma para participar de atividade lúdicas e promover espaço de reflexão para a professora da turma acerca da própria prática. Esta intervenção é proposta em três frentes de trabalho. A primeira diz respeito ao tema a ser trabalhado com a turma atendida, planejamos junto a professora titular utilizar o tema alimentação como eixo do nosso trabalho, desse modo a brincadeira seria uma das formas de trabalhar esse tema, trazendo a partir do lúdico a interdisciplinaridade, característica do trabalho na EJA prevista nas diretrizes que orientam o trabalho docente neste campo. A segunda frente de trabalho seria a conquista da turma, com crianças seria mais fácil conseguir a adesão à propostas que apresentássemos, no caso dos adultos conquistar essa adesão torna-se muito mais difícil, os alunos da EJA são fortemente marcados, social, histórico e politicamente e essas marcas fazem parte da construção de cada indivíduo, tornando-os, cada um, um ser ainda mais complexo do que a criança que ainda não passou por tantas experiências e consequentemente não tem tantas marcas. A terceira e última frente de trabalho diz respeito ao próprio trabalho da professora titular da sala, sendo esta intervenção uma ação temporária no percurso do ano escolar, seria interessante fazer com que este trabalho movesse na professora, no mínimo, uma dúvida com relação a sua prática docente, propondo brincadeiras e levando a turma a brincar, um dos objetivos é com certeza fazer a professora questionar-se acerca da utilidade, possibilidade e eficácia de colocar a brincadeira e a ludicidade como parte do dia a dia daquela turma. 247 Para o aluno, seu maior desafio era resgatar a capacidade de brincar ou o tesouro [sic] dos adultos com quem estava estagiando na escola. Diante desta perspectiva, a maior demanda de tal intervenção seria fazer aqueles jovens e adultos descobrirem o “tesouro” que está em cada um, soterrado por uma vida inteira de repressão, necessidades, opressão, segregação e desinformação. Querer suprir essas necessidades seria pretensioso e imprudente, além de uma volta ao passado, dando de novo a EJA, um cunho supletivo e compensatório, mas ao invés disso a missão aqui seria apontar o caminho e esperar que todos se encham de gozo ao vislumbrarem o mais parco brilho do baú que aprisiona este “tesouro”. Otávio relatou quatro aulas que desenvolveu com a turma que acompanhou e registrou suas impressões. 1ª ATIVIDADE Havia o temor de espantar os alunos com alguma proposta muito diferente do que eles estavam habituados, e essa foi a lógica aplicada na eleição das brincadeiras. Seriam jogos e atividades que exigissem crescente nível de envolvimento dos alunos, assim a primeira atividade proposta foi ‘disfarçada’ de atividade, em momento algum -por temor- foi citado ou sequer indicado que se tratava de um jogo ou brincadeira, por essa razão ou não, a adesão foi total. Foram dispostos na mesa dez cartões contendo a imagem de um alimento cada um, a partir daí os alunos foram chamados um a um e convidados a descreverem a imagem com a intenção de fazer os demais colegas descobrirem de que se tratava. Todos participaram e os objetivos foram cumpridos com louvor, trabalhamos o gênero oral descrição, trabalhamos o tema central do trabalho, alimentação e foi feito o que movimento escoteiro chama-se atividade quebra gelo. 2ª ATIVIDADE No segundo encontro a turma foi apresentada a uma brincadeira que percorreria todo o período de nossa permanência naquela escola. Como o tema central do trabalho era a alimentação, foi proposta uma brincadeira muito popular entre as crianças que chamamos vulgarmente de brincadeira da comida brasileira, que consiste simplesmente em bater palmas três vezes após cada palavra/frase falada, a ideia é só bater palmas quando for falado o nome de uma comida, o complicador está no fato de que após falarmos os nomes de algumas comidas as palmas vão acelerando e é colocado o nome de um objeto qualquer, nesse momento os mais atentos cessam as palmas e os mais desatentos continuam a bater palmas. É fácil concluir que entre crianças tal brincadeira provoca risadas prolongadas, mas com adultos havia o receio que não surtisse tal efeito, no entanto o efeito foi tão ou mais 248 intenso do que com crianças, ao ponto da brincadeira ser pedida em todos os encontro [sic] posteriores. Mais interessante que isso foi notar a evolução de todos na atenção, na primeira vez que fizemos a brincadeira -que era repetida várias vezes em todos os encontros- todos caíram na pegadinha, já nos últimos encontros todos estavam tão atentos que ninguém era enganado. 3ª ATIVIDADE Na terceira oportunidade que propomos um espaço para o lúdico durante a aula, já contávamos com a total adesão de todos os alunos, com isso em vista foi proposto um jogo ativo, uma brincadeira que exigia movimentação e disposição. Assim apresentamos uma modificação da dança das cadeiras, ao invés de todos rodarmos ao redor de cadeiras, ao som de uma música que iria parar a qualquer momento, sentamos todos em círculo e cada um recebeu o nome de uma de três frutas previamente escolhidas, com um componente a mais em relação ao número de cadeiras, todos deveriam, ao ouvirem o nome de sua fruta, trocar de lugar, o componente extra ocupa um lugar e outra pessoa sobra de pé, e este será o responsável agora por eleger as frutas a mudarem de lugar. Apesar de ser um jogo que exige rapidez e disposição, todos participaram ativamente, inclusive a professora resolveu fazer parte da brincadeira. Este talvez tenha sido o jogo com resultado mais gratificante, além de brincar usando o tema daquela aula -frutas- ainda fizemos a sala inteira movimentar-se a ponto de professores de salas vizinhas saírem de suas classes para saber o que acontecia, já de tantas cadeiras se movendo e tantas pessoas rindo alto, não era algo comum de se ver e ouvir durante as noites daquela escola. O sorriso de todos entremeado por sopros ofegantes fez crer que o parco brilho a que me referi anteriormente já podia ser avistado. 4ª ATIVIDADE No penúltimo encontro, o tema trabalhado foi o olfato e o paladar. Para ilustrar o trabalho com temas tão científicos levamos o jogo chamado jogo do kim ou kim de cheiro. Trata-se simplesmente de fazer que alguém vendado, descubra o que está diante de si somente pelo cheiro. Desta atividade também todos os alunos quiseram participar, e mais uma vez, a professora também esteve em parte da brincadeira. 249 Nesta, assim como nas anteriores, todos os objetivos foram atingidos, trabalhamos o sentido do olfato e sua relação com o paladar e conseguiu-se estabelecer um momento de trégua em meio a toda seriedade da vida de todos ali presentes. O relato das aulas realizadas indica que houve um grande envolvimento dos alunos nas atividades lúdicas, apesar da resistência inicial. Além da grande participação, Otávio notou mudanças na motivação dos alunos para ir às aulas e que eles passaram a solicitar atividades lúdicas. Ele conclui seu trabalho afirmando que houve contribuições para todos os envolvidos. Avalio este trabalho como extremamente positivo para os três principais sujeitos envolvidos, nós os proponentes, a professora titular da sala e os alunos daquela turma. Como já citado anteriormente, em alguns momentos foi possível enxergar o sorriso em todos os participantes, sendo este, prova de adesão e aprovação das atividades. Com relação a professora titular da turma, acreditamos que esta intervenção surtiu, pelo menos, o efeito de provocar, mover questionamentos e criar possibilidades. Por ocasião da terceira atividade proposta, a própria professora titular chegou a expor seu descredito na adesão e participação dos alunos. -Não achava que eles iam participar, porque quando chamo pra ir a sala de vídeo já reclamam de cansaço! Acredito que esta afirmação tinha em sua raiz algo como “agora sei que eles fazem”, e espero com isso ter mostrado a possibilidade e dado a motivação para que este trabalho tenha continuidade. Otávio levou em consideração as características da turma de EJA que acompanhou ao entender que são alunos que retornam à escola, trabalham, pertencem às camadas populares e sofrem vários problemas oriundos de questões sociais, políticas e econômicas. No seu estágio, quis planejar atividades que promovessem inclusão educacional e social, permanência e desenvolvimento dos educandos tendo em vista aspectos cognitivos, afetivos, comunicacionais, culturais, sem serem infantilizados (Oliveira et al., 2007, Camargo & Rosa, 2013). Dessa forma, ele buscou articular a teoria estudada nos eu curso de Pedagogia com a prática desenvolvida no estágio curricular obrigatório. 250 As atividades propostas envolveram ações coletivas, atenção, concentração, leitura, criatividade, diferentes formas de comunicação e expressão, análise crítica da realidade, pois foram intencionalmente planejadas com fins pedagógicos. Para Oliveira, Rodrigues, Souza e Guimarães (2007, s/p): Neste contexto, as professoras ao elaborarem atividades lúdicas se mostraram comprometidos com a realidade dos alunos, estimulando e trabalhando esses com novos procedimentos didáticos. Para elas, através do jogo a aprendizagem acontece de forma natural, com envolvimento e a participação ativa dos alunos, tornando a sala de aula um lugar onde se constrói conhecimento e não apenas se transfere informações. Otávio tinha a preocupação em envolver a professora, pois desejava contribuir com a mudança da prática pedagógica realizada. A professora relatava que percebia que as aulas eram desmotivantes, tinha tentado levar algumas atividades lúdicas, mas os alunos não tinham aderido. De fato, na experiência do aluno, isso ocorreu, mas seu planejamento respeitou as características dos alunos, assim ele buscou envolver os alunos aos poucos, resgatando a dimensão lúdica deles, que estava perdida em funções das condições de vida impostas, que separam o trabalho e o lúdico. A professora só começou a participar das aulas no final, momentos em que houve mais interação dela com a turma, com isso Otávio espera que essa experiência tenha contribuído com a formação e atuação profissional dela, como foi riquíssima para ele. Sua experiência vai ao encontro da pesquisa realizada por Oliveira et al. (2007, n.p.): Além destas questões já expostas, outro aspecto significativo mencionado pelas professoras refere-se à melhoria do relacionamento e da amizade que envolve a presença do lúdico no contexto escolar. O valor da ludicidade é visível quando possibilita o relacionamento entre aluno e professores, que acabam criando um elo de respeito e companheirismo. Para Oliveira et al. (2007) o lúdico na prática pedagógica potencializa o trabalho do professor e dos alunos, por isso é necessário repensar a formação do professor, que deve ser preparado para utilizá-lo. O lúdico não promove apenas estimulação cognitiva, desenvolvimento afetivo e vivências prazerosas, mas também a cidadania. 251 Considero que essas foram as concepções sobre o lúdico e o brincar utilizadas por Otávio em sua prática de estágio, que se caracterizou por muita reflexão crítica acerca da realidade dos alunos, os limites e possibilidades da escola, da atuação do professor e a relevância da formação inicial do pedagogo para se preparar para a atuação profissional, tendo ciência da relevância do estágio como elemento integrador entre teoria e prática. Dalila, Érica e Melissa As alunas estavam estagiando numa escola municipal, com alunos da EJA. A turma é bem diversa e tem alunos entre 18 e 60 anos. A escola está atualizando o PPP. A professora é bastante afetuosa com a turma e procura manter a alegria, mas sua prática pedagógica é muito tradicional, com muita cópia e ditado de palavras descontextualizado. Sentiram falta do letramento junto com o processo de alfabetização, principalmente porque a maior demanda da turma é a alfabetização. Nada perceberam com relação ao brincar nas aulas que observaram ministradas pela professora da turma. Relataram duas aulas, a primeira foi uma intervenção que envolve escrita, leitura e matemática a partir da exploração de folheto de supermercado, depois fizeram um jogo de dominó com a imagem dos produtos e seus nomes. A turma e a professoram adoraram, observaram alegria, cooperação, aprendizado e interação. Ao conversarem com a professora sobre a aula, enfatizaram a importância do brincar para aprender com os alunos. Na segunda aula, criaram um jogo de coleta seletiva e também fabricaram os materiais. Inicialmente, perceberam que os alunos ficavam constrangidos com a aproximação delas da carteira para fazer a mediação, depois observaram que interagiram melhor com os alunos e refletiram como era importante o diálogo entre aluno e professor. 252 As alunas apresentaram inicialmente o perfil da turma, os aspectos positivos dos alunos da EJA e a demanda escolhida para elaborar a proposta de intervenção A proposta de intervenção partiu da solicitação da disciplina de DCIP3, que foi concretizada a partir da disciplina de Estágio Curricular Obrigatório do semestre, através da observação realizada na EJA. A turma é composta por 38 alunos, com faixa etária variada, com predominância de pessoas de mais idade (entre 40 e 65 anos). O número de alunos mais novos (com idade entre 16 e 30 anos) gira em torno de 10 alunos, são jovens que deixaram a escola bem cedo para trabalhar. Sendo assim, nesta turma, o público alvo atendido é oriundo do próprio bairro e dos bairros adjacentes. Um fato importante observado foi que os alunos são comprometidos, não faltam as aulas e são participativos. Outro, é que parte deles são aposentados e estudam por prazer, enquanto que [sic], os mais novos, já estão inseridos no mercado de trabalho e necessitam concluir os estudos, devido a exigência de comprovação de conclusão. Pensando nisso e na necessidade identificada como mais carente de atenção – a do eixo Leitura e Escrita, percebemos que os alunos, ainda não alfabetizados, conhecem o sistema alfabético da escrita, mas não compreendem quando leem. Sendo assim, a nossa proposta de intervenção era mostrar que o nosso sistema de escrita é alfabético, que seu princípio básico é o de que cada “som” é representado por uma “letra”, ou seja, cada “fonema” por um “grafema” e, de maneira lúdica, desafiá-los a descobrir a correspondência entre “sons” e “letras” para obter a grafia das palavras desejadas. Dalila, Érica e Melissa optaram por trabalhar a leitura e escrita, por meio da participação ativa dos alunos e valorização de seu conhecimento. Para isso, trabalharam com a diversidade e encontraram no brincar o meio pelo qual estruturar seu planejamento. O conteúdo trabalhado durante a aplicação do projeto abrangeu os eixos da leitura, escrita, oralidade e produção textual, bem como, foram apresentados diversos gêneros textuais, tais como: propaganda, conto, lista, gráfico, tabela, ditados populares, dentre outros. Dessa forma, a justificativa para a aplicação do projeto se deu por sua contribuição com o desenvolvimento de atividades que propiciaram a participação ativa do aluno, que questionavam os conteúdos estudados e procuravam ampliar os conhecimentos, além de incentivá-los e encorajá-los a serem agentes ativos do processo de ensino e aprendizagem. Partindo disso, a nossa proposta de intervenção foi baseada na diversidade e, também, nas singularidades de cada aluno. Para isso, utilizamos como estratégia pedagógica, o brincar, por meio de jogos, que apresentam atividades que exploram a construção de ideias, valores, atitudes, auto estima [sic] e, acima de tudo, favorecem a construção do conhecimento, passo fundamental para a alfabetização. 253 Para fundamentar a escolha do brincar, as alunas resgatam a experiência que tiveram nas aulas da disciplina DCIP3 para que vivenciassem o lúdico. A proposta delas vai ao encontro do que Oliveira et al. (2007, s/p) colocam: Ressalta-se, que é preciso respeitar os níveis de compreensão dos alunos da EJA valorizando a sua realidade para que se efetive o processo de ensino aprendizagem. Isto deve ser feito sem imposição, pois ninguém sabe tudo, cada um tem intrínseco o seu conhecimento pautado em suas convicções e experiências vividas. Assim sendo, o trabalho com a ludicidade, para além da recreação, deve envolver a sensibilidade e a descoberta de um novo sentido para a leitura e a escrita, vislumbrando o desenvolvimento pleno da capacidade do sujeito. E por essa construção, elas apresentam um texto que articula teoria, prática e reflexão, ou seja, práxis vivenciada na formação inicial. Partindo dessas reflexões, ficou claro que, para exercermos o papel de professores comprometidos com ensino e aprendizagem, a partir de atividades lúdicas, temos que, primeiramente, Compreender a ação docente e modificá-la, se preciso, implica rever a partir do resgate da infância do professor, as contribuições e as repercussões levadas para a sala de aula. A criança que fomos uma vez resgatadas, entendida, poderá ser um elemento chave para entender e compreender o professor que somos (Mendonça, 2008, p. 355). Refletir sobre a nossa prática, baseada no brincar na EJA, torna-se desafiador, porém, prazeroso. Lógico que isto, deve-se à base pela qual nos foi posta. O aporte teórico é, indubitavelmente, de inquestionável importância na nossa formação e no trabalho da prática pedagógica. Sem este, não teríamos respaldo suficiente para resolvermos os impasses que nos aparecem pelo caminho. Sendo assim, fomos munidas de uma boa bagagem teórica, pela qual nos apropriamos na disciplina de DCPI3. A proposta de intervenção pensada foi realizada em cinco aulas. As aulas não serão transcritas, porque a descrição é extensa, mas pelo anexo F será possível encontrar o detalhamento das mesmas. Todas as intervenções partiram da temática do projeto que a escola vinha trabalhando: Nosso corpo, um sistema integrado. No primeiro dia foi contemplada a disciplina de matemática, com os assuntos gráficos e tabelas. No segundo dia, a disciplina de ciências, com assunto coleta seletiva. As demais intervenções contemplaram a disciplina de português, tendo em vista a necessidade maior de apropriação do sistema de escrita alfabética que as turmas de alfabetização necessitam. Assim, foram apresentados um conto, com a realização de um bingo de palavras, um panfleto de 254 propaganda de supermercado e lista de compras, com isto, a realização de um jogo de dominó e, por último, ditados populares e um conto, com brincadeiras e adivinhações. Nas considerações finais as alunas refletem sobre a importância da prática para a formação o pedagogo, da articulação com a teoria, a responsabilidade da docência o quanto o brincar contribuiu para isso. O momento vivido no ambiente escolar pode ser avaliado como um dos mais importantes para a formação do pedagogo, é quando se coloca em prática a teoria apreendida e verifica-se as reais condições, tanto nossas, como do campo e seus sujeitos. Ao inserir a ludicidade nas aulas ficou perceptível o interesse dos alunos, o encantamento com o novo, pois com muita simplicidade e de forma bastante interativa foi exposto dinâmicas, que possibilitaram a participação de todos criando estratégias de ensino – aprendizagem inovadoras. A escola é uma oportunidade encantadora. Logo, reconhecemos que somos eternos estudantes. Sendo assim, a responsabilidade da docência exige dedicação, quando se quer colaborar de verdade para uma sociedade mais justa, igualitária e solidária. Como as alunas conseguiram realizar uma intervenção, puderam registrar uma reflexão acerca das expectativas finais e iniciais em relação à si próprias e à turma trabalhada. Neste sentido o professor está em constante formação, sendo um eterno aprendiz, diante das descobertas que são feitas todos os dias. Ao ensinar aos alunos através do currículo oculto é transmitido um pouco da sua história de vida, seus ideais e sonhos, sendo refletido em sua prática todo o saber acumulado durante sua vivência como discente. Partindo disso, as expectativas foram as melhores possíveis quanto aos resultados obtidos em nossa experiência em sala de aula com a Educação de Jovens e Adultos. A intervenção foi bastante exitosa e aprendemos muito na forma de atuar, como pedagogas, no âmbito escolar da EJA. Quanto a isso, ficou perceptível na afetividade dos alunos para conosco, sentimos isto pelo clima de aceitação, além de participação e interesse nas aulas direcionadas ao brincar, facilitando assim, os conteúdos do projeto. Esse foi um dos pontos que mais encantou em nossa prática, essa conquista em instigar nos alunos o sentimento de que todos são capazes. Para isto, basta realmente querer de verdade. 255 Para as alunas os desafios e possibilidades para atuação do pedagogo na instituição educacional envolvem aspectos individuais do professor, mas que possuem relação com sua formação inicial e continuada. Segundo Camargo e Rosa (2013, p. 224) “o professor deve refletir sobre sua metodologia de ensino, fazendo com que seus alunos aprendam sim a ler e a escrever e que também desvelem o mundo a sua volta”. A reflexão acerca de sua trajetória de vida e de forma permanente acerca de sua prática são apontados como fundamentais. Os desafios quanto a atuação do pedagogo na Instituição Educacional e as possibilidades de trabalho, estão mais relacionadas a postura do professor, pois pelo que observamos, para se trabalhar de maneira dinâmica, é preciso ter interesse, disponibilidade de tempo, os recursos, elaborar um planejamento flexível, além disso, despertar o interesse para inserir a ludicidade no âmbito escolar. Sendo assim, é muito importante que o educador faça uma reflexão, buscando rever um pouco de sua história em sua linha do tempo, resgatando valores e atitudes que muito lhe servirão para atuar no âmbito escolar. Não condiz com a realidade aquele tipo de professor que não avalia a sua prática, pois é preciso que todos os dias se faça um planejamento e uma avaliação para se obter êxito alcançando os resultados esperados. Assim, conseguimos perceber a importância de se ter uma formação continuada. É preciso que o professor seja um pesquisador. Não é suficiente só a sua formação acadêmica, pois a prática exige um aperfeiçoamento constante, como a ciência não é imutável, temos que estar sempre nos atualizando, aprimorando os conhecimentos e nos capacitando. Em se tratando disso, nos preparamos, planejamos e pesquisamos, para nossa intervenção. Por fim, as alunas refletem sobre a importância do brincar para a formação do pedagogo e para sua prática pedagógica. Para elas o brincar, vivenciar o lúdico na formação inicial, a possibilidade de resgatar a criança que um dia foram e, a partir das leituras feitas na disciplina, reconhecem o quanto isso é importante para entenderem as educadoras que são hoje, mesmo que estejam na graduação, reiterando o que é proposto por Mendonça (2008). Portanto, cabe a cada um de nós manter viva a nossa criança interior, tendo sempre o desejo de compreender a partir da curiosidade, que é a essência da busca pelo conhecimento, para que se possa com criatividade e imaginação, trabalhar a ludicidade em sala de aula. 256 Enfim, acreditamos que trabalhar a ludicidade na EJA, além de ser uma estratégia pedagógica, explora a construção de ideias, valores, atitudes, auto estima [sic], como também, enfatiza a relevância de se trabalhar em grupo. Portanto, baseadas em tudo o que vivenciamos ao longo das nossas vidas, assim como estudantes de pedagogia e futuros mediadoras do conhecimento, entendemos que, “é preciso reconhecer que o professor é enquanto professor sua própria encarnação de tudo que vive, viveu, conhece, experimentou, sentiu. É, portanto um sujeito histórico e como tal sua identidade e representação estarão sempre juntas (Mendonça, 2008, p. 356). Assim, a experiência vivida nos encontros serviu como base para a nossa prática e comprovação do que estamos estudando, em especial, neste semestre. Mas elas vão além das contribuições para a formação e atuação do pedagogo, ao discutir o impacto de uma Educação com ludicidade para a sociedade. Dessa forma, perante uma sociedade competitiva e individualista, é preciso trazer à tona questões que fortalecem os vínculos de afetividade entre professor e aluno, além de ensinar a formar cidadãos, que sejam autônomos, críticos e reflexivos, que tenham condições de tomar suas próprias decisões e atuar como sujeitos em uma sociedade que possa ser justa e igualitária. A leitura e a análise do trabalho desenvolvido por Érica, Dalila e Melissa trouxe alguns aspectos a serem considerados que se relacionam com a prática pedagógica: a relevância da palavra, que enquanto signo, está presente em todo o processo de ensino e aprendizagem, a importância da dialogicidade para mediar a aprendizagem, e, a formação da consciência crítica. As três alunas escolheram o caminho da ludicidade e da afetividade e assim trabalharam com esses três aspectos. Para Sanceverino (2016, p. 456): A palavra, enquanto signo, é revelada em toda atividade pedagógica – é pelo domínio da palavra que o sujeito torna-se professor(a), que o(a) aluno(a) vai se constituindo, é pela palavra que ambos se identificam como docentes e discentes. É por meio da palavra, de sua significação legítima, que esses sujeitos da atividade pedagógica comunicam a realidade efetiva nas condições reais de comunicação verbal. A palavra permite a constituição do sujeito na e por meio da linguagem. Não se trata aqui de lidar com uma palavra enquanto unidade da língua, nem com a significação dessa palavra, mas sim com o enunciado acabado e com um sentido concreto, ou seja, seu conteúdo. Por meio da palavra, do signo, o diálogo é possível entre professor e estudante, assim ambos interagem, se constituem e vão se apropriando do conhecimento e do mundo. A 257 apropriação do conhecimento na educação formal tem como objetivo a humanização e emancipação do homem para que possa superar sua consciência ingênua, intervir no seu contexto e transformá-lo (Sanceverino, 2016). As três alunas não optaram por utilizar a ludicidade apenas como recreação, ou para tornar as aulas mais atrativas, elas buscavam um caminho significativo para construir o conhecimento com alunos caracterizados por grande diversidade, marcados por exclusão do processo de escolarização. Nesse sentido, a concepção delas sobre o conceito de brincar apresentou uma perspectiva crítica, que tem como proposta proporcionar a apropriação da cultura, tendo em vista o resgate de conhecimento prévio e do desenvolvimento de conceitos relativos à leitura e escrita e, consequentemente, a emancipação dos alunos envolvidos, portanto, que deveria ser trabalhado em todas as idades, não apenas na infância. e) Daiana O estágio foi desenvolvido numa escola estadual e com uma turma de EJA. A instituição tem boa infraestrutura, possui biblioteca, sala para informática, de recursos multifuncionais e acessibilidade para pessoas com deficiência. É a única escola que atende alunos com necessidades educacionais especiais no bairro. O Projeto Político Pedagógico estava em construção. A aluna tem usado bastante desses espaços, mas observa que os professores não fazem isso. Procura propor atividades que usam a ludicidade, mas os alunos não aceitam isso como aula, pois tem que ter cópia. Apesar disso, tem tentado levar atividades diversificadas, a partir das discussões feitas nessa disciplina, e uma que a turma gostou bastante foi a contação de história. Daiana observou as aulas, verificou qual era o tema que a escola estava trabalhando, refletiu sobre sua experiência anterior e articulou com o que era estudado e discutido no 258 decorrer de sua formação em Pedagogia para destacar uma demanda que fosse foco de sua proposta de intervenção. Quando tivemos a nossa primeira aula de observação na escola estadual, percebemos que as aulas eram completamente expositivas e que as atividades se limitavam a algumas anotações (copiar) do quadro e algumas atividades também copiadas do quadro para o caderno. Uma vez que essa etapa era concluída, os alunos já começavam a sair da sala aos poucos com a justificativa de que precisavam pegar um transporte público. E assim, encerrava-se a aula por falta de aluno. Um outro aspecto interessante, foi a falta de continuidade das aulas. Se hoje a aula era sobre separação de silabas, mas palavras utilizadas como exemplo eram descontextualizadas, e o assunto poderia durar várias aulas, sem modificar os exemplos. Em uma aula seguinte, um novo conteúdo, letras maiúsculas e minúsculas, mais uma vez, com palavras aleatórias. Havendo observado tais aulas, e tendo como parâmetro a minha experiência como professora de inglês para adultos no SENAC, junto com a minha experiência acadêmica, pensei em aulas que provocassem o aluno a produzir. Sendo assim, quis pensar em atividades que exigissem diferentes demandas cognitivas, mobilizassem diferentes situações para possibilitar que os alunos construíssem seu próprio saber. Durante as aulas, através dos conteúdos das diferentes disciplinas, o foco principal será o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, sempre buscando estabelecer articulações entre os campos de conhecimento e as práticas sociais dos alunos, levando em consideração os conhecimentos prévios e a vivência que cada aluno possui. Daiana planejou dez aulas para serem ministradas entre setembro e novembro de 2016, tendo em vista a seguinte sequência: aulas 1 e 2 sobre língua portuguesa (separação silábica e o gênero textual de lista e receita), aulas 3 e 4 sobre Ciências (preservação ambiental, lixo, reciclagem e reutilização), aulas 5 e 6 de História (fundação da cidade do Natal, lugares históricos de Natal), aulas 7 e 8 de Geografia (Lugares históricos da cidade do Natal e seus aspectos econômicos, lugares turísticos em Natal e seus aspectos naturais e históricos), aula 9 de matemática e aula 10 de artes. No entanto, em seu trabalho, relatou apenas a primeira. Na primeira aula, iniciamos com a leitura de um texto no livro dos alunos sobre os 3Rs (Reutilizar, Reduzir e Reciclar), pois sabíamos que a turma estava trabalhando com o tema reciclagem nas aulas de ciências. Relembramos a separação silábica, após isso, mostramos que existem palavras monossílabas, dissílabas, trissílabas e polissílabas. Realizamos uma atividade prática com os alunos em folha. Ao final da correção, jogamos um bingo de palavras e pedíamos que identificassem tais palavra no texto, 259 além de identificar se as palavras eram monossílabas, dissílabas, trissílabas ou polissílabas. O jogo animou muito a sala, e a turma passou do horário habitual. Nem viram o tempo passar. Como percebemos que os alunos se concentravam bem quando utilizávamos jogos, a proposta de intervenção aqui apresentada é para que haja, em todas as aulas, uma proposta de atividade lúdica, de forma que os alunos produzam algo baseado em seus conhecimentos e que se movimentem em sala de aula, trabalhando ora em grupo, ora em duplas e ora individualmente. Estratégias: Trabalhar tanto em pares quanto individualmente, pois entendemos que em pares os alunos se ajudam e assim podem construir conhecimento de forma colaborativa. Utilizar jogos que desenvolve e enriquece personalidades e ajuda a construir novas descobertas. Realizar as atividades lúdicas condizentes com o nível de maturidade dos alunos, de forma que não sejam infantilizados. Incluir os mais variados jogos em todas as disciplinas. Como na disciplina DCIP3 estava sendo estudado a importância do brincar e do lúdico na formação inicial do pedagogo e na prática pedagógica em todos os níveis e modalidades de ensino, a aluna justificou sua escolha apresentando parte da fundamentação teórica estudada. Busco minhas justificativas para trabalhar as atividades ditadas no quadro acima em Vygotsky, quando diz que “É no brinquedo e no jogo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva” (1991, p. 64). Apesar de estar se referindo a crianças, considero que o mesmo vale para jovens e adultos que podem buscar nos jogos a motivação para permanecer em sala de aula após um longo dia de trabalho e aumenta seu interesse no que está sendo estudado. Para Camargo e Rosa (2013), o jogo educativo é uma fonte de prazer e de aprendizagem, já o lúdico é um componente da cultura historicamente situada. Nessa perspectiva, o aprendizado com jogos, no contexto escolar, é um produto e processo socioculturais, no qual, por meio dele o sujeito tem a oportunidade de constatar os erros ou lacunas, favorecendo a tomada de consciência que é necessária para a construção do conhecimento. Com isso, acredito que a proposta de intervenção através dos jogos, vão instigá-los a aprender, sem perceber, de forma divertida, aumentando o interesse pela sala de aula e ajudando-os a desenvolver maior envolvimento e motivação em participar do processo ensino-aprendizagem. Assim como Dalila, Érica e Melissa, a aluna Daiana não pensou apenas nas contribuições do lúdico para a aprendizagem do conteúdo a ser trabalhado na escola, mas também para a sociedade. 260 Os jogos em duplas e grupos trabalham questões além da sala de aula, regras e democracia, por exemplo, são pré-requisitos para se participar de jogos. Boa articulação com os colegas, irão trabalhar conhecimentos úteis para uma vida em sociedade, além de desenvolver a leitura e a escrita, com proposto pela atividade. Em sua avaliação dos resultados obtidos, a aluna considera que a proposta atingiu as expectativas pensadas inicialmente. Apesar disso, ela avalia os limites e possibilidades e reflete acerca da importância da formação e da experiência para poder planejar atividades utilizando o lúdico, o brincar e jogos. Durante o processo de estágio obrigatório, desenvolvemos alguns jogos em sala de aula e o resultado não poderia ter sido melhor. Logo na primeira aula aprendemos que era importante uma atividade prática que prendesse a atenção dos alunos. Aprendemos que os alunos gostam de palavras cruzadas ou caça-palavras e que eles sentem uma necessidade de copiar do quadro para sentirem que estão produzindo e aprendendo. Buscamos conectar os conteúdos que estavam no planejamento do professor titular com as necessidades dos alunos. Por isso, tivemos a preocupação em incorporar no planejamento informações sobre a história local, cultura e costumes da nossa terra, além de importância com a alimentação e higiene. Tentamos incorporar em todos os nossos planejamentos atividades divertidas e criativas, mas não necessariamente jogos, talvez por falta de experiência, focamos muito mais em conteúdo do que na forma ou significado. Mas nas últimas regências, tivemos uma maior preocupação em incorporar brincadeiras para que os alunos se movimentassem em sala de aula. Acho que isso foi um reflexo das minhas leituras e discussões em sala de aula. Daiana inicia seu trabalho falando da sua observação acerca das aulas e a percepção de que eram eminentemente baseadas na cópia, sem participação, troca, interação, construção de conhecimento. Tendo em vista sua experiência como docente e o que estava estudando na graduação em Pedagogia, com foco na disciplina DCPI3, ela realiza uma análise crítica da referida prática pedagógica e propõe atividades diferenciadas, utilizando o lúdico como uma estratégia. Felício e Oliveira (2008, p. 223) colocam que a boa observação de uma prática, ancorada num referencial teórico, contribui para compreender “elementos desveladores da prática 261 profissional que se desdobra na relação ensino-aprendizagem, realizada por docentes, nas escolas-campo”. No caso de Daiana, sua concepção sobre o brincar está ancorada na Psicologia Histórico-Cultural, de forma que ela cita Vigotski e explica a concepção de autor sobre o uso do brinquedo, compreendendo que isso também deveria ser proposto ao adulto. Segundo Franco (2015, p. 613): As práticas, para operarem, precisam do diálogo fecundo, crítico e reflexivo que se estabelece entre intencionalidades e ações. A retirada dessa esfera de reflexão, crítica e diálogo com as intencionalidades da educação implica o empobrecimento e, talvez, a anulação do sentido da prática educativa. Isso posto, considero que Daiana, na elaboração de seu trabalho, elabora várias reflexões críticas acerca da atuação do pedagogo na EJA, da sua própria experiência profissional e de sua aprendizagem por meio do estágio. Esse movimento da aluna pode indicar que ela estava vivenciando a práxis, por meio do caminho reflexão-ação-reflexão, dando sentido e enriquecendo sua prática educativa. h) Uma síntese das propostas de intervenção É possível observar que os alunos estão mais mobilizados, sensibilizados, criativos, saindo do ostracismo, da acomodação, vislumbram possibilidades, acreditam que é possível propor algo diferente. Ouvir os alunos, principalmente o trio Érica, Dalila e Melissa e os alunos que estão desenvolvendo seu estágio sozinhos, Otávio e Daiana foi muito importante pois eles estavam conseguindo colocar em prática o que tem sido discutido em aula. Além disso, relataram ter adorado a experiência, por refletir muito, por estarem mobilizados com a demanda que encontraram e em pensar em possibilidades de realização de práticas pedagógicas. Os trabalhos deles refletiram essa implicação e trajetória. 262 Por meio da leitura dos trabalhos dos alunos com a proposição de uma intervenção na escola a partir do brincar, percebi uma grande sensibilidade e criatividade acerca das possibilidades do brincar como intervenção para humanizar, potencializar a prática pedagógica. Por meio das atividades, brincadeiras e jogos, houve interação, comunicação, dialogicidade, reflexão, desenvolvimento da atenção, da concentração, leitura, escrita, imaginação, criatividade, pensamento abstrato, regras sociais, respeito à diversidade e à pluralidade de opiniões, aquisição de conhecimentos e apropriação cultural, promovendo o desenvolvimento de funções psicológicas superiores, que são características humanas e essenciais para que os sujeitos se apropriem do mundo e nele realizem transformações, se emancipem e construam uma sociedade mais igualitária, justa e democrática (Nascimento, Araújo & Miguéis, 2009). Foi possível notar também que as duplas e trios que realizaram intervenção, infelizmente muito poucos, elaboraram trabalhos mais complexos, tanto a parte da fundamentação teórica, como as reflexões e afetações, além, é claro, da criatividade na elaboração e execução das atividades, pois conseguiram planejar, executar e analisar o que fizeram. Eles relataram insegurança, dúvidas, mas logo veio a empolgação e o encantamento com o envolvimento dos alunos, mudança da expressão facial, risos, uso do corpo, relacionamentos e interações sociais e motivação para aprender. Eles colocaram que viram tudo o que estava nos textos lidos na prática e escreveram com muita sensibilidade e emoção. Era a expressão de terem vivenciado a práxis pedagógica (Franco, 2015) e o momento de redigir o trabalho era a reflexão crítica sobre isso. Os alunos relatam que todas as disciplinas do semestre trazem contribuições, mas essa tem proporcionado mais. Outro aspecto que é necessário investigar melhor é a forma que a carga horária do estágio obrigatório é cumprida e a quantidade de horas que precisam estar em campo. Trata-se de poucas horas, alguns alunos cumprem em duas semanas, porque vão diariamente, outros levam o semestre todo porque estagiam uma vez por semana. Então, quando 263 a disciplina de DCIP3 chegou na segunda unidade acadêmica, vários já tinham concluído ou estavam finalizando seu estágio. Mesmo assim, as discussões trouxeram contribuições para repensar a prática desenvolvida em campo e elaborar uma proposta de intervenção, mesmo que ela não fosse realizada. De qualquer forma, seria interessante pensar em aumentar a carga horária ou distribuí-la de forma que os alunos fiquem um tempo maior na instituição para construírem vínculo, proporem e realizarem propostas pedagógicas, com reflexão, registros, leitura de textos e supervisão acadêmica entre as idas à escola. Pelos relatos, parece que o presente experimento formativo estava promovendo uma intervenção, ou mudanças nas concepções acerca da atuação do pedagogo, da função social da escola e do brincar. A grande participação e mobilização dos alunos, as mediações realizadas, reflexões e leituras estão revelando uma verdadeira práxis, reflexão-ação-reflexão. Tal processo estava promovendo o desenvolvimento de funções psíquicas superiores importantes para a aprendizagem do conceito científico medicalização na Educação. Nascimento (2014, p. 371) coloca que: Isso não significa que não se precise de uma estrutura psíquica mínima para aprender algo novo, mas implica considerar que o conhecimento novo não é mera continuação de um saber atual, mas aquela formação psíquica que está para ser ampliada ou mais desenvolvida, ou que está em curso de ser desenvolvida. Nesse sentido, a relação instrução-desenvolvimento torna-se fundamental para uma compreensão dinâmica, dialética, de processo de ensino, em que a mediação simbólica participa ativamente no processo de tomada de consciência e domínio conceitual de fatos e fenômenos, no processo de desenvolvimento intelectual do estudante. As reflexões e leituras realizadas na primeira etapa do presente experimento formativo ampliaram e oportunizaram aprendizagem acerca da concepção sobre função social da escola e do pedagogo. As atividades e mediações planejadas intencionalmente na segunda etapa por meio da ludicidade e do brincar, contribuíram para maior aprendizagem do próprio conceito brincar, tanto que os alunos colocaram isso em prática em suas atividades de estágio. Os 264 registros escritos dos alunos indicam maior generalização na utilização desses conceitos, principalmente no que se refere ao brincar. Para Felício e Oliveira (2008), há quatro aspectos que são fundamentais para garantir uma formação crítica e reflexiva por meio dos estágios curriculares: uma boa observação ancorada em teoria, reflexão sobre a própria prática, uma melhor compreensão sobre a relação entre teoria e prática e a interação com profissionais num contexto de trabalho. Esses quatros aspectos garantem a elucidação de demandas na atuação profissional, análise crítica, planejamento intencional, ação, reflexão sobre a prática e maior generalização do que foi aprendido. Acredito que o presente experimento formativo proporcionou essa experiência aos estudantes, principalmente os sete que tiveram seus registros analisados em profundidade. Nessa trajetória, a reflexão crítica acerca da função da escola e do professor, o resgate das memórias por meio da ludicidade e de brincadeiras foram essenciais e puderam garantir aprendizagens importantes para a compreensão crítica dos conceitos medicalização da vida, da e na Educação. A medicalização ainda não foi discutida diretamente, apenas pelo estudo de caso e documentário, mas os alunos já olham os estudantes com quem trabalham em seus estágios de forma diferente, como pessoas em potencial, com grande respeito às suas limitações e necessidades, se colocando totalmente implicados na tarefa de ensiná-los, com compromisso, afeto e humanização das concepções e ações. Eles revelam ter aprendido os conceitos científicos abordados nas duas primeiras etapas do experimento formativo e já demonstram ideias que revelam práticas pedagógicas transformadoras da realidade. Essas características são fundamentais para compreender e pensar o enfrentamento ao fenômeno da medicalização da e na Educação. 265 5.3.3 Terceira etapa do experimento formativo A segunda etapa foi encerrada na primeira semana de novembro, duas semanas após o previsto. Esse atraso se deve a uma paralisação que houve na universidade em função de manifestações populares em todo o país contra as reformas, aprovação de projetos de lei e emendas constitucionais que colocariam em risco os direitos trabalhistas, a educação e as demais políticas sociais, como saúde e assistência social. Dentre os problemas vivenciados pelo país na época, houve o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que ocorreu no final de agosto de 2016. Outra aula foi disponibilizada para que os alunos participassem de um grande evento organizado pela universidade. Após outras paralisações, a universidade entrou em greve por uma semana e houve feriado para comemorar o dia do servidor público. Durante essa greve, ministrei uma aula pública na universidade onde realizava o experimento formativo. Por causa desse contexto, a terceira etapa começou tardiamente, sendo necessário um replanejamento. Só foi possível voltar a encontrar os alunos no mês de dezembro, na primeira semana. a) Aula pública sobre medicalização. Essa aula não fez parte do experimento formativo, no entanto, resolvi inseri-la na tese, pois o tema “Medicalização” foi abordado diretamente, de forma bem diferente do caminho planejado pela pesquisa. A reação dos docentes, funcionários e alunos presentes não favorece a elaboração de formas de enfrentamento ao fenômeno, conforme será exposto a seguir. O tema da aula foi “Medicalização da educação: algumas reflexões para estudantes, professores e gestores”. Aproximadamente, 20 pessoas participaram, sendo a maioria 266 professores da unidade de ensino, alguns alunos da pedagogia e das licenciaturas. Nenhum aluno da turma que foi foco do presente experimento formativo participou. O planejado era falar uns 40 minutos, para abrir para a professora Lisandra realizar sua apresentação e depois ter o debate. No entanto, os presentes começaram a falar no meio, extremamente impactados com os conceitos, problematizações, dados sobre medicalização, consumo de medicamentos, o quanto isso impacta a prática pedagógica do professor. Ficou claro o quanto desconheciam a existência do fenômeno da medicalização e, para os que tinham alguma informação, não tinham noção da amplitude. Todo o cuidado foi tomado para não culpabilizar os professores, mas foi importante propor reflexões sobre a parte que envolve a atuação desse profissional, pois um dos setores que mais encaminha para serviços de saúde para diagnóstico de transtornos de aprendizagem é a escola (Legnani & Pereira, 2015, Leonardo & Suzuki, 2016, Freire, 2017). Os presentes ficaram muito sensibilizados por um lado, mas por outro a aula promoveu um sentimento de impotência em relação às possibilidades de enfrentamento desse fenômeno. Algumas perguntas feitas pelos participantes foram: como enfrentar? Como reverter? Como mudar a formação do professor? Como atingir os que já atuam? Era possível problematizar possibilidades, mas não houve tempo para debater. Um dos professores disse que era extremamente importante levar essa discussão para todos os alunos. Eu já esperava que esse sentimento de impotência fosse ocorrer, em função de outras experiências e de leituras já realizadas. A aula serviu para sensibilizar os que estavam presentes, mas não é uma estratégia suficiente para pensar em formas de enfrentamento ao fenômeno, como dito acima, por isso que no planejamento das atividades com os estudantes não abordei diretamente o tema e optei por outro caminho. A professora Lisandra trouxe uma reportagem sobre um comentarista da revista Veja que faz severas críticas ao professor, que discute como é desnecessário a titulação stricto sensu, 267 pois o que basta é saber ensinar. O comentarista é empresário e é dono do sistema positivo de ensino. A reportagem coloca em destaque a instrução programada, conforme proposto pelo psicólogo norte americano Skinner, que infelizmente foi apropriada e amplamente utilizada no Brasil, na época da ditadura militar, apesar do autor não ter tido como proposta desenvolver uma teoria para defender regimes totalitários. Esse conteúdo foi ao encontro da discussão acerca da formação do professor, mas infelizmente isso trouxe mais impotência e pessimismo para pensar em formas de enfrentamento para a situação da medicalização. b) Décima quinta aula O objetivo da terceira etapa era promover a compreensão acerca do fenômeno da medicalização e refletir sobre a atuação do pedagogo para o enfrentamento do fenômeno. Essa etapa basicamente se resumiu a três momentos, uma aula pública sobre medicalização ministrada para professores e alunos da unidade de ensino onde a pesquisa foi realizada e dois encontros com os estudantes. Após algumas semanas sem ter aula, foi possível encontrar a turma, já no início de dezembro. As atividades para mediar a aprendizagem do conceito de medicalização ocorreram por meio de textos acadêmicos, poesias, questionário do SNAP IV, que é uma escala utilizada para diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e preenchida por professores, e vídeo. O texto utilizado foi de Leonardo e Suzuki (2016), com o título “Medicalização dos problemas de comportamento na escola: perspectivas de professores”. As autoras entrevistaram professores de escolas públicas de uma cidade do Paraná para investigar como compreendem os efeitos do processo de medicalização dos alunos que foram diagnosticados com transtornos e estavam tomando medicamento. O texto traz algumas falas dos entrevistados que percebem 268 mudança de comportamento, maior concentração, maior produtividade, mas por outro lado, ficam apáticas, restringindo suas interações sociais. O primeiro aluno a chegar foi Felipe. Assim que ele entrou na sala comentou: “Professora, que texto é? É um tapa na cara, um banho de realidade! Foi horrível descobrir tudo isso da nossa atuação!! O texto é muito bom” [sic]. Eu respondi que naquele dia seria feito um debate sobre o texto e depois mais dados sobre encaminhamentos, diagnósticos e consumo de medicamentos seriam fornecidos. Para que a aula não se resumisse a exposição teórica do texto e roda de conversa, os alunos se dividiram em duplas ou trios e receberam alguns materiais e questões para responder, conforme descrição abaixo e anexo G. Além da leitura, os alunos trocaram impressões e opiniões entre si e a professora Beatriz e eu fomos em todos os grupos para tirar dúvidas e fazer questionamentos para ampliar a reflexão crítica deles. Os gêneros textuais utilizados foram diferentes, mas todos poderiam provocar reflexões e aprendizagens acerca de aspectos conceituais. a) Poesias de Perez (2016) sobre medicalização da vida, na Educação: foram divididas conforme os subconceitos que o constituem como biopoder e normalidade. Após lerem os poemas, os grupos teriam que realizar uma discussão e apresentação das principais ideias que expressassem o que entenderam do conceito abordado pela poesia. A divisão ficou assim: • Biopoder e normalidade, com a seguinte orientação: Após ler os poemas acima, o grupo deverá redigir um texto sobre o que é biopoder e normalidade. • Medicalização da vida, com a orientação: Após ler os poemas acima, o grupo deverá redigir um pequeno texto sobre o que é, e como acontece a medicalização da vida. 269 • Medicalização da Educação, com a orientação: Após ler os poemas acima, o grupo deverá redigir um pequeno texto sobre o que é, e como acontece a medicalização da Educação. • Enfrentamento da medicalização, com a orientação: Após ler os poemas acima, o grupo deverá refletir sobre algumas possibilidades de enfrentamento à medicalização da Educação. b) Três estudos de caso publicados por Souza (2014), com o título “Siri na lata: três histórias de candidatos a TDAH”: os estudos de caso publicados retratam histórias verídicas de crianças que apresentam comportamentos similares, mas em épocas históricas distintas, retratam como a escola os compreendiam e o que aconteceu com os protagonistas. As orientações foram as seguintes: após ler os casos acima, o grupo deverá tentar definir o que é transtorno de déficit de atenção e hiperatividade - TDAH. c) A escala Snap IV para diagnóstico de TDAH em crianças e adolescentes: é disponibilizada para professores e familiares responderem, mas ela foi entregue só com os 18 itens, sem os critérios “nem um pouco, só um pouco, bastante e demais”. Antes da leitura dos itens, a seguinte orientação foi colocada: assinale as alternativas que representam características de crianças. Após a leitura, os alunos tiveram que seguir as instruções: coloque abaixo aquelas que representam o que você fazia quando criança e adolescente e agora, já adulto. d) Vídeo de Helena Rego Monteiro (2006) com o título “Medicalização da vida escolar”, que é fruto de sua dissertação de mestrado: o vídeo traz trechos do livro de Maria Aparecida Afonso Moysés, “Institucionalização do Invisível”, que representam falas de professores acerca de crianças encaminhadas para serviço de saúde com suspeita de terem alguma doença que justificassem seu mau comportamento ou dificuldade de aprendizagem. O 270 vídeo conta também com a recitação da crônica “O homem e o remédio: qual o problema?”, de Carlos Drummond de Andrade (1980). O vídeo está disponível no youtube15. Primeiro as poesias foram distribuídas para quatro grupos, os contos para o quinto, o vídeo de Monteiro (2006) para o sexto e a Escala Snap IV para o sétimo grupo. Após aproximadamente 25 minutos, a roda de conversa teve início. A maioria dos alunos não tinha lido o texto, então, essa atividade foi fundamental para que pudessem pensar sobre os materiais disponibilizados e compreenderem as várias formas como o fenômeno da medicalização pode ocorrer e se expressar. Após a exposição dos grupos, eu trouxe mais contribuições teóricas e problematizações a partir do texto indicado para a leitura. O grupo que começou a exposição foi o que recebeu as poesias que abordavam o subconceito de biopoder e normalização. Eles desconheciam esse o primeiro. Conforme a discussão avançava, os demais alunos iam se envolvendo e trazendo situações cotidianas que revelavam uma compreensão gradativa acerca do que era biopoder e normalização, como isso invadia sua vida e transformava seu cotidiano sem que fosse percebido. Observaram que isso também invadia sua prática profissional. Em seguida, o segundo grupo falou sobre medicalização da vida. Houve bastante debate, pois o tema era polêmico, muitos tinham a necessidade de falar, de trazer seu cotidiano. Foi possível perceber que conforme a sensibilização acerca do tema e a compreensão conceitual aconteciam, o incômodo aumentava. Nessa discussão, compreenderam a amplitude e o histórico do fenômeno e o quanto o saber médico influenciou as ciências humanas. O grupo seguinte comentou o vídeo de Monteiro (2006), que inicia a discussão sobre medicalização da educação e o uso do medicamento. Então, o grupo que estava com os poemas 15 Monteiro, H. R. (Produtora). (2006). Medicalização da vida escolar [Vídeo]. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=hj-FtJDTo3w 271 da medicalização da educação expôs suas ideias também, ampliando a compreensão do fenômeno, trazendo o racismo, os preconceitos sociais, a humilhação, exclusão, esvaziamento do trabalho do professor e isenção de responsabilidade de várias instâncias que estavam por trás do fenômeno. Esse momento foi muito intenso, queriam entender como a família podia desejar a medicalização do seu filho. Eu expliquei que o diagnóstico possibilita a isenção da responsabilidade tanto da família, quanto da escola e da sociedade em relação ao que ocorre com as crianças, há a ilusão de que o medicamento por si só resolverá o problema. O desafio era não culpabilizar, mas compreender o que acontecia e pensar em formas de solucionar o problema. Os poemas alertaram para o fato de que medicalizar não gera aprendizado, apenas controle, com graves prejuízos à saúde. Uma das alunas falou: “o professor também mata, não apenas os médicos” [sic]. Essa fala foi muito impactante, até para mim, pois eu nunca tinha pensado nisso. O grupo com os casos de Souza (2014) apresentou suas ideias, trouxe informações históricas sobre a Ritalina e o TDAH. Os casos relatam histórias vivenciadas por crianças há décadas atrás e na atualidade, o que permitiu comparar as épocas, como a escola era e é, e como a cultura mudou. Os alunos perceberam que o discurso medicalizante, apesar de existir há décadas, não era tão frequente e intenso como agora. Essa reflexão foi fundamental para compreenderem as mudanças históricas ocasionadas na sociedade e que impactam a Educação. Esses estudos de caso oportunizaram integrar as discussões realizadas acerca da função social da escola e do pedagogo na primeira etapa. Uma aluna, a Letícia, relatou que sua mãe não teve uma boa experiência na escola. Não conseguia prestar atenção e ficar parada em sala de aula. Foi diagnosticada com alguma coisa e tomou um medicamento que a deixou mais calma, por isso finalizou o Ensino Fundamental I, depois desistiu de estudar. Apesar do medicamento, Letícia explicou que sua mãe só ficou na 272 escola porque corria e sempre vencia os campeonatos. Outra aluna falou que se a escola fosse melhor, se houvesse maior estímulo ao esporte, crianças teriam seus potenciais muito mais aproveitados ao invés de serem diagnosticadas com transtornos. As professoras relembraram da discussão sobre que escola é essa que temos, sobre o brincar e a prática pedagógica. E se a mãe da Letícia estudasse numa escola democrática que adotasse mais atividades participativas, práticas e lúdicas? Isso gerou uma reflexão que possibilitou a integração dos conceitos aprendidos nas duas etapas iniciais desse experimento formativo. Por fim, o grupo que estava com a Escala Snap IV apresentou. Primeiro falaram sobre as características do ser criança, questionaram qual faixa etária, que é muito difícil deixar rígido, pois as crianças são diferentes, que não concordavam com isso. O interessante é que eles não sabiam o que era, ou seja, o instrumento mais usado de diagnóstico do TDAH. Daiana disse que as frases lembravam um questionário que ela recebeu para responder na escola e as perguntas de uma psicóloga que foi discutir o caso de um aluno. Quando eu mostrei o questionário original ela reconheceu e começou a criticar. Relatou que as professoras não gostaram, acharam o questionário esquisito, pois muito daquilo era ser criança. Ela disse que observou que a psicóloga saiu frustrada. Otávio disse que parecia horóscopo [sic], criticando os itens da escala que eram amplos, vagos e representavam muitos aspectos do comportamento infantil. Os alunos começaram a falar que todos se encaixariam nas frases de uma forma ou de outra. Alguns alunos falaram que dessa forma, não sobraria ninguém sem diagnóstico de patologia. Daiana perguntou: mas como superar, enfrentar isso? [sic]. Aí ela contou que tem uma aluna, a única que ela acha que tem TDAH, que não fica quieta. As professoras retomaram as discussões sobre gestão e brincar, assim como o caso de Guilhermo, publicado por Souza (2014). É necessário repensar que escola é essa e que prática pedagógica é essa. 273 Infelizmente, nesse momento os alunos começaram a levantar, pois eram 21:30, horário combinado para encerrar a aula. Não foi possível mostrar os dados sobre encaminhamentos, diagnósticos e consumo de medicamentos. Ficou combinado que isso seria feito na próxima aula. Essa aula foi muito importante para atingir os objetivos definidos e fazer uma articulação com todo o conteúdo discutido nas etapas anteriores. Mais uma vez, usar recursos artísticos facilitou a aprendizagem de conceitos por meio da sensibilização e reação estética. Tais recursos representam aspectos do contexto histórico-cultural, por isso contém determinantes deste e, ao possibilitarem uma vivência, despertaram reações afetivas de sujeitos, cujo psiquismo também apresenta constituição histórica, social e cultural (Leite, Ricci & Tuleski, 2018). O próximo e último passo dessa terceira etapa será discutir experiências exitosas e formas de enfrentamento à medicalização na Educação. c) A décima sexta e última aula Essa última aula ocorreu na penúltima semana do semestre letivo, quando a unidade acadêmica estava envolvida num evento que seria a culminância do semestre, ou seja, em que todas as disciplinas, professores e alunos fariam uma atividade de encerramento para apresentar o trabalho desenvolvido no decorrer do semestre. As atividades compuseram um seminário que teve a duração de vários dias. A Disciplina Integradora do Curso de Pedagogia 3, foco do presente experimento formativo, contribui com uma atividade que teve três apresentações: a minha participação para falar dos dados sobre medicalização envolvendo encaminhamentos, diagnósticos e consumo de medicamentos, das minhas ex-alunas Lúcia e Lídia, que 274 apresentaram sua experiência de estágio, e, da Profa. Dra. Clarisse, indicada pela professora Beatriz. Eu iniciei a atividade e minha fala teve como objetivo aprofundar a discussão teórica sobre o fenômeno de medicalização e as implicações para os professores, seja no agravamento ou no enfrentamento do fenômeno. Houve a exibição de slides conforme apêndice H. Os seguintes aspectos foram abordados: conceitos sobre medicalização, os transtornos relacionados à aprendizagem e ao comportamento mais comuns, como dislexia, TDAH e Transtorno Opositor Desafiante, o aumento dos diagnósticos no Manual Diagnóstico e Tratamentos Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), os movimentos internacionais para mudar o DSM, que não eram diagnósticos comprovados cientificamente, pesquisas que questionam a comprovação científica destes transtornos, dados de pesquisas sobre os encaminhamentos feitos em sua maioria pelas escolas aos serviços de saúde, falas do texto de Leonardo e Suzuki (2016), informações sobre venda e consumo e dos medicamentos Ritalina e Rivotril no Brasil e no mundo fornecidos pela ANVISA. Por fim, exibi o vídeo da Profa. Dra. Maria Aparecida A. Moysés, da UNICAMP - Brasil é segundo maior consumidor mundial de Ritalina – entrevistada Globo News no dia 29 de novembro de 2010. Os alunos ficaram impactados com os dados acerca do consumo de medicamentos, percebiam a superficialidade, como era comum os diagnósticos na escola, mais uma vez iam demonstrando incômodo. Começavam a compreender práticas e discursos que até então estavam naturalizados. Eles tiraram várias dúvidas sobre o efeito do medicamento. Os alunos ficavam cada vez mais chocados, assim como a professora Clarisse. Depois o vídeo da Profa. Dra. Moysés foi exibido. Na entrevista ela fala claramente do efeito da Ritalina, dos critérios vagos de diagnóstico, discordando da incidência na população. A repórter insiste para que ela diga qual medicamento prescreveria para a criança com TDAH e ela afirma que nunca daria Ritalina, mas sim Rita Lee. Os alunos deram muita risada e adoraram essa fala. 275 A profa. Dra. Moysés coloca no final que o comportamento é um sinal de que algo não vai bem, mas não necessariamente com a criança, por isso, ela pede que os pais acreditem mais em seus filhos, sejam críticos com os diagnósticos e tratamentos e busquem investigar o que realmente está acontecendo, pois pode ser que a causa esteja na escola, em casa ou qualquer outro lugar. Foi possível observar que todos ficaram sensibilizados com essa fala. Por fim, expus muito rapidamente que o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade realizou articulações com o mercado Comum do Sul – Mercosul, o Ministério da Saúde, Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes – Conanda, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – Secadi, do Ministério da Educação – MEC. Em seguida, as ex-alunas e psicólogas Lúcia e Lídia falaram o estágio curricular obrigatório que realizaram numa escola estadual de Natal, com alunos do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Relataram o caso de Adilson e Edson. Adilson tinha suspeita de dislexia e Edson havia sido diagnosticado com esquizofrenia e transtorno bipolar. Elas relataram o trabalho desenvolvido no Grupo de Orientação à Queixa Escolar – GOQE com alunos do 3º, 4º e 5º ano do Ensino Fundamental I que apresentavam dificuldade de aprendizagem e problemas de comportamento. A proposta de Orientação à Queixa Escolar considera que a origem do problema de comportamento ou aprendizagem está no processo de escolarização. Trata-se de uma proposta de intervenção que visa problematizar e promover mudanças nos funcionamentos institucionais produtores de fracasso escolar, conquistando mudanças na rede de relações que envolve alunos, funcionários, docentes, familiares, para proporcionar o desenvolvimento de todos (B. Souza, 2007). Conforme a exposição das alunas, o GOQE promoveu resgate da confiança que eram capazes de aprender, por meio de muitas brincadeiras e recursos lúdicos que apresentavam a função social da leitura e da escrita (Mello, 2010). Além disso, elas relataram que foi 276 fundamental as reflexões que promoveram com os professores para compreender e acolher melhor os alunos, assim como repensar algumas práticas pedagógicas utilizando recursos lúdicos. Descreveram também as intervenções com a psicopedagoga da escola e com os familiares, pois ninguém acreditava nas crianças, elas estavam paralisadas, cristalizadas em seu desenvolvimento e aprendizagem. Os presentes perguntaram mais detalhes sobre a função da Psicologia na escola, pois não era diagnóstico, nem atendimento psicológico individual. Esse questionamento é bastante interessante, pois revela um desconhecimento sobre as possibilidades de atuação do psicólogo na Educação e em conjunto com a equipe pedagógica. Foi explicado que o psicólogo escolar tem como objetivo realizar uma investigação para compreender as demandas e possibilidades de intervenção envolvendo todos os segmentos da escola, como professores, funcionários, alunos e familiares, mediar as relações, acolher e cuidar de todos, assim como potencializar os processos educativos (Martinez, 2010). Nesse momento Lúcia relatou a tentativa de cuidar das professoras e da dificuldade de fazer isso em função da rotina extenuante da escola, de não ter espaço para reuniões. Foi possível observar que alguns alunos estavam desconfiando que a Psicologia podia agir dessa forma, contribuindo com fazer pedagógico. Diante disso, é importante rever a ementa, o conteúdo, como as disciplinas que abordam a relação entre Psicologia e Educação na formação do pedagogo são ministradas, assim como é importante propor mais eventos para discutir as contribuições da Psicologia na atuação do pedagogo. Checchia (2015) discute diversas contribuições da abordagem Psicologia Escolar e Educacional para a formação dos professores, dentre elas, a compreensão mais ampla do processo de ensino e aprendizagem, concepções de desenvolvimento e aprendizagem não medicalizantes. Lúcia e Lídia finalizaram a fala enfatizando a importância do brincar tanto na prática pedagógica, como no trabalho do psicólogo com a equipe e com a criança. Relataram que no 277 final, os dois meninos começaram a acreditar que eram capazes de aprender, pois o grupo ofereceu um espaço de relações saudável, eles tinham confiança e estímulo. Depois, com os contatos com as professoras e familiares, essa mudança foi sendo conquistada, pois eles deveriam acreditar nas crianças novamente. Assim como a Profa. Dra. Moysés disse, é necessário ter parceria entre família, escola e alunos. Por fim, a professora Clarisse falou da Filosofia da Educação, mas ao invés de direcionar para o brincar, focou no que fundamenta a prática desenvolvida na escola. Expressou grande preocupação com o tamanho do problema da medicalização da Educação e, por isso mudou completamente sua fala a partir da minha apresentação. Depois retomou a importância do brincar na prática pedagógica, falou dos desafios para a Educação Física escolar, como o brincar faz parte da essência humana e contribui para o trabalho do professor, enquanto ser humano. Após sua exposição, os alunos começaram a fazer perguntas, aparentavam estar muito sensibilizados, conscientes do tamanho do problema e de como estavam envolvidos enquanto estagiários e futuros pedagogos. No entanto, pelo debate realizado, não foi possível perceber se houve compreensão acerca das possibilidades de enfrentamento do fenômeno por meio da prática pedagógica. Os estudantes refletiram sobre o quanto essa prática era comum, que não percebiam, que todos estavam sujeitos a ser medicalizados e controlados. O sentimento parecia ser de angústia e desalento, como se o fenômeno fosse intransponível. Diana perguntou como faria para trabalhar, então, com criança com dislexia. Eu retomei a explicação de que não era um transtorno com consenso médico e citei as pesquisas novamente. Ela achou isso estranho, desconfiou. Eu ressaltei que não estava ali para convencer ninguém, mas sim para gerar reflexão e levar informações que apresentavam vários pontos de vista. Ela faria a escolha dela, mas era importante buscar saber os dois lados. As discussões das experiências exitosas realizadas na primeira etapa e, na segunda, acerca do brincar, foram retomadas para que as pessoas presentes percebessem que essas 278 práticas poderiam romper com o olhar e discurso normatizador. Eu enfatizei o quanto essa prática medicalizante esvaziava o professor de sua prática pedagógica, a família de educar e cuidar de seu filho. Eles precisavam refletir sobre isso. Todos concordaram que uma criança diagnosticada ficava abandonada na escola. Então, eu problematizei essa situação e questionei acerca do porquê que se aguardava um diagnóstico para saber como trabalhar com a criança e depois que ele vem, nada era feito? Por que o fazer do professor fica dependente de um diagnóstico de profissional da saúde? Por que ele só pode pensar e planejar algo diferenciado para o aluno quando tem um diagnóstico? Os alunos ficaram pensativos. Eu destaquei que falar de medicalização não era discursar contra médicos, psicólogos e professores. Pedi para que refletissem sobre o quanto a prática pedagógica atualmente era esvaziada a partir de discursos de especialistas de diversas áreas que diziam o que o professor deveria fazer. Eles não tinham pensado nisso, por isso foi um ponto extremamente importante de ser colocado. Esses questionamentos são discutidos por Legnani e Pereira (2015, p. 41): Assim, detectamos que a maioria das educadoras entrevistadas desconhecem as pesquisas críticas sobre a medicalização, ignoram, portanto, o histórico desse quadro e sua fragilidade conceitual, sendo o laudo médico denotado como uma verdade definitiva e sempre muito aguardado para validar a suspeita sobre o comportamento desviante do aluno. [...] Pelas entrevistas, fica nítido como as professoras e orientadoras, ao se apropriarem desse discurso, preterem a relevância do próprio discurso pedagógico. O tempo do debate estava acabando, era quase 21:30 e alguns alunos já estavam se levantando para ir embora. Eu retomei mais uma vez o brincar, a importância para a prática pedagógica e o enfrentamento da medicalização, pois humanizava as relações, trazia outras possibilidades de aprendizagem e potencializava todos os envolvidos. Eu agradeci a todos por toda a participação e fiz um agradecimento em especial para a professora Beatriz. 279 Essa aula foi muito importante, mas seria melhor ter no mínimo mais uma só para discutir as possibilidades de enfrentamento, pois o contato com a realidade era impactante e eles precisavam de um tempo para processar a informação. No final, os alunos avaliaram a disciplina de forma muito positiva, elogiaram todas as atividades, agradeceram, parabenizaram e abraçaram as professoras. d) Os registros do trabalho final da terceira etapa Na unidade III foi solicitado que os alunos elaborassem um registro reflexivo individual de no mínimo 20 linhas, com o uso dos textos e materiais estudados, que contemplasse os seguintes tópicos: • Compreensão sobre o fenômeno da medicalização da educação. • A partir do papel da escola na sociedade, do estágio desenvolvido no decorrer do semestre, da importância do brincar na prática pedagógica e do relato das experiências exitosas, escreva sobre: os limites, possibilidades e desafios na formação e atuação do pedagogo para o enfrentamento do fenômeno da medicalização da educação. Essa atividade teve como objetivos avaliar como foi a aprendizagem do conceito de medicalização abordado na terceira e última etapa do experimento formativo e sua relação com os demais que foram estudados anteriormente, verificar se os estudantes tinham compreendido seu papel no enfrentamento do fenômeno da medicalização da e na Educação e se pensavam em alternativas de como isso poderia ser feito. Para que os estudantes compreendessem os conceitos de medicalização da vida e, em seguida, medicalização da e na Educação, seria necessário elaborar uma hierarquia de conceitos 280 atrelados aos dois primeiros. A figura 6 retrata a hierarquia que pensei entre os conceitos, a partir de toda a bibliografia estudada, para planejar esse experimento formativo e oportunizar a aprendizagem conceitual dos estudantes. Mudanças Saúde X Doença Relação Escola e Históricas Sociedade Função Social da Normatização da Escola sociedadeMedicalização MEDICALIZAÇÃO NA E DA EDUCAÇÃO da Vida Função Social do Pedagogo Indústria Farmacêutica Determinismo biológico Figura 6. Hierarquia e relação entre os conceitos O conceito mais central pode ser compreendido como o de medicalização da vida, mas o foco dessa tese é o de medicalização da e na Educação, que está intimamente relacionado ao primeiro, por isso os dois foram considerados os principais a serem trabalhados. Então, como um conceito científico implica uma generalização que representa a interligação entre outros 281 conceitos, selecionei a compreensão de mudanças históricas, sociais, econômicas, políticas e culturais, saúde X doença, normatização da sociedade, determinismo biológico e o papel da indústria farmacêutica como essenciais para a apreensão do que significa medicalização da vida. No entanto, tais conceitos não seriam suficientes para a aprendizagem de medicalização da e na Educação, por isso inseri a relação entre escola e sociedade, função social da escola e do pedagogo, sendo que as mudanças históricas citadas seriam fundamentais para entender esses três aspectos. Por fim, é importante ressaltar que os demais conceitos secundários elencados para medicalização da vida seriam muito importantes para que percebessem a complexidade do fenômeno da medicalização da e na Educação. Nesse sentido, será importante descrever e analisar o processo de aprendizagem de conceitos dos estudantes abaixo. Para cada um foi elaborada uma tabela resgatando a definição inicial sobre medicalização da Educação respondida no diagnóstico realizado na primeira aula, a outra coluna se refere ao conceito elaborado no trabalho escrito da terceira etapa. Após apresentar o que foi produzido conceitualmente, colocarei trechos que abordam o que cada um pensou sobre limites, possibilidades e desafios para o enfrentamento do fenômeno da medicalização da e na Educação. Bianca Tabela 13 Registros escritos de Bianca Pré-conceito Conceito sobre Medicalização da Educação Li um artigo na internet e As leituras e reflexões nos fez refletir que falta o preparo pelo quem [sic] entendi é dos profissionais das áreas de educação e saúde em um processo se assim relação a medicalização. Este fato culminou na podemos chamar que tem a disseminação de diagnósticos simplistas que associam e função de controlar e fazem todo tipo de diagnóstico a toda e qualquer subverter as pessoas, dificuldade de aprendizagem ou de comportamento a alunos destituindo a disfunções que necessitam de uma análise e reflexão autonomia, transformando minuciosa, havendo casos em que o remédio psiquiátrico 282 os alunos em portadores de criou um problema ainda maior do que aquele que distúrbios de justificou seu uso. comportamento e de Mas podemos observar que durante o processo vai aprendizagem. O autor determinando que possíveis dificuldades escolares vão dizia que a medicalização sendo atribuídas a uma função cerebral mal não nasce na escola, mais desempenhada que acometeria o indivíduo afetando assim que existem outros fatores seu comportamento e aprendizagem. Se reduzirmos a essa de cunho social e perspectiva acabamos por engessar qualquer outra econômico que estão possibilidade de compreensão e intervenção na vida ligadas a medicalização da escolar dos nossos alunos, que passam então a serem visto educação, em uma esfera como pessoas doentes. Segundo Leonardo e Suzuki (2016) muito maior. a prática social da medicalização dos problemas de comportamento dos alunos torna uma prática social de controle, uma vez que com essa ação se buscam objetivos m ateriais ideológicos. A definição inicial de Bianca revela um pseudoconceito sobre medicalização, que significa que em sua experiência prévia, tinha compreendido que o termo estabelecia uma relação com uso excessivo de medicamentos como consequência de diagnósticos errados de crianças com comportamento inadequado. Em sua resposta, é possível identificar os conceitos secundários ligados à saúde x doença e indústria farmacêutica, mas tais elementos não são suficientes para a aprendizagem conceitual e apreensão do fenômeno. Já no registro da terceira etapa, é possível observar a inserção de outros conceitos secundários: normatização, determinismo biológico, aspectos sociais, culturais, políticos e maior complexidade ao escrever sobre a dicotomia saúde X doença, além disso, ela observa a determinação desses aspectos no processo de escolarização. A generalização foi maior, representando mais solidez na elaboração conceitual. A partir desse avanço conceitual, Bianca propõe o seguinte para o enfrentamento do fenômeno: É preciso que a escola olhe esse “escolar” com problemas de comportamento e dificuldades de aprendizagem de uma maneira integral, minimizando as consequências desastrosas de uma medicalização. Nesse panorama não adentramos nas condições de trabalho do professor, nem da escola, a qual este aluno pertença. Sabe-se que no geral existem contextos difíceis e que realmente necessitam de melhorias, mas essa realidade 283 não pode esvaziar a importância desse olhar integral e individual para cada aluno, e da responsabilidade de cada profissional em entender e atender de forma eficaz as necessidades pedagógicas desse alunado. Vinhoti e Santos (2007) ampliam o universo da brincadeira para além da infância afirmando que crianças, jovens e adultos, desenvolvem novas formas de compreender o mundo em que vivem através do uso do contexto de faz-de-conta. E será nessas novas formas de compreensão do mundo que o “escolar”, público que estamos tratando, vai dinamizar seus sentimentos, seu contexto histórico e social e aprender através da interação, da brincadeira como processar sua realidade, a concretização de regras, a dominar angústias, controlar impulsos, assimilando as emoções e sensações, tirando as provas do eu (Kishimoto como citado por Vinhoti & Santos, 2007). Acredito que a brincadeira pode e deve ser usada para além da atividade pedagógica, deve ser usada como forma de potencializar a afetividade, a criatividade, a interação entre os pares, a emoção e o entendimento dessa emoção, o conhecimento e todos os benefícios citados ao longo desse pequeno texto. Que pode ser uma ferramenta extremamente eficaz no combate à medicalização escolar. Que o professor mesmo com suas condições difíceis de trabalho, precisa ter responsabilidade e olhar além do “normal”, e vencer a tentação de buscar uma solução mágica para o enfrentamento de dificuldades de aprendizagem. Nos três parágrafos acima, a aluna considera que o professor e a escola devem olhar o aluno de forma integral e não apenas com foco num aspecto como o cognitivo, por exemplo, pois ela compreendeu que um dos resultados pode ser a medicalização e que as consequências são complicadas. Mesmo diante das condições sociais do aluno e da precariedade da condição de trabalho do professor, esse profissional pode usar o brincar e atividades lúdicas como estratégia de enfrentamento, pois possibilita trabalhar esse aluno de forma integral, promover seu desenvolvimento como um todo e apropriação cultural. O objetivo não era centrar no professor a culpa e nem a solução para o fenômeno da medicalização, mas refletir criticamente sobre a complexidade do fenômeno e acerca de seu papel nesse processo. A leitura dos trechos acima pode levar à conclusão de que a aluna está culpabilizando o professor, mas ao resgatarmos seus registros da primeira etapa sobre a função social da escola e do pedagogo, Bianca coloca que tal função é transmitir conhecimento e promover a formação do sujeito como um todo para ser participante ativo e crítico na sociedade 284 e não apenas para ingresso no mercado de trabalho. O pedagogo deve saber da complexidade imposta pelas mudanças sociais, da função tradicional e do novo paradigma para atuar na perspectiva da transformação do que é tradicional. Então, observa-se que Bianca conseguia refletir criticamente acerca da relação entre sociedade e escola e o impacto disso no funcionamento da instituição e de sua atuação. Carlos Tabela 14 Registros escritos de Carlos Pré-conceito Conceito sobre Medicalização da Educação As leituras e reflexões nos fez refletir que falta o preparo dos profissionais das áreas de educação e saúde em relação a medicalização. Este fato culminou na disseminação de diagnósticos simplistas que associam e fazem todo tipo de diagnóstico a toda e qualquer dificuldade de Li um artigo na internet e pelo que aprendizagem ou de comportamento a disfunções entendi é um processo se assim que necessitam de uma análise e reflexão minuciosa, podemos chamar que tem a função de havendo casos em que o remédio psiquiátrico criou controlar e subverter as pessoas, um problema ainda maior do que aquele que alunos destituindo a autonomia, justificou seu uso. transformando os alunos em portadores de distúrbios de Mas podemos observar que durante o processo vai comportamento e de aprendizagem. O determinando que possíveis dificuldades escolares autor dizia que a medicalização não vão sendo atribuídas a uma função cerebral mal nasce na escola, mais que existem desempenhada que acometeria o indivíduo afetando outros fatores de cunho social e assim seu comportamento e aprendizagem. Se econômico que estão ligadas a reduzirmos a essa perspectiva acabamos por medicalização da educação, em uma engessar qualquer outra possibilidade de esfera muito maior. compreensão e intervenção na vida escolar dos nossos alunos, que passam então a serem visto como pessoas doentes. Segundo Leonardo e Suzuki (2016) a prática social da medicalização dos problemas de comportamento dos alunos torna uma prática social de controle, uma vez que com essa ação se buscam objetivos materiais ideológicos. 285 Carlos foi o estudante que melhor conseguiu definir o conceito de medicalização da Educação no diagnóstico inicial, mas ele fez isso porque foi pesquisar texto acerca do tema, tanto que no seu registro consta “Li um artigo na internet [...]”. Ele escreveu corretamente, usou termos que expressavam os conceitos secundários normatização, aspectos sociais, políticos, econômicos que impactam a Educação, revelando uma tentativa de compreender a relação entre esses elementos. Sua definição inicial também pode ser compreendida como um pseudoconceito, assim como Bianca. Já na resposta da terceira etapa, o aluno revela ter integrado ao seu conceito inicial outros aspectos, como por exemplo, a discussão sobre saúde X doença, redução de aspectos sociais e pedagógicos a biológicos, realizando uma reflexão importante sobre a formação de profissionais da saúde e Educação e o impacto disso no número excessivo de diagnósticos de patologias ligadas à escolarização. Seus registros mostram uma hierarquização conceitual maior que o início, com mais generalização e percepção da relação entre questões sociais, econômicas, políticas que impactam a saúde, a educação e essas duas entre si. Sua proposta destaca a importância de se respeitar a diferença, a coletividade, de não focar o que falta no aluno e de repensar as práticas pedagógicas que são realizadas: Diante deste fato devemos pensar a escola como um lugar que respeita as diferenças, que busca estratégias de ensino e aprendizagem através do coletivo, buscando parcerias como uma forma de ir além da falta e olhar para as possibilidades que, sem dúvida nos ajudará a entender a situação para podermos fazer intervenções sem querer medicalizar os nossos alunos. Analisando o papel da escola na sociedade, a prática do estágio desenvolvido no decorrer do semestre, a importância do brincar na prática pedagógica não podemos perder de vista que o processo de aprendizagem é multideterminado, isto é, depende de vários fatores que estão relacionados às condições sociais das pessoas. Se algo não vai bem, no que diz respeito à aprendizagem de um determinado aluno, muitos aspectos devem ser observados e relacionados. E o mais importante: o nosso olhar como educadores não deve ser o de procurar o que falta: atenção, disciplina, coordenação motora, mas o que pode ser feito para aproximar esse aluno do conhecimento e assim evitar que ele seja estigmatizado dentro da lógica da medicalização. 286 Carlos compreende que o processo de ensino e aprendizagem não depende apenas de aspectos orgânicos ou biológicos dos estudantes, pois há inúmeros fatores envolvidos. Para que ele entendesse isso, foi necessário ter em sua formação oportunidade de refletir criticamente sobre a relação entre sociedade e escola e o impacto disso na formação e atuação do pedagogo. Para ele, a medicalização da e na Educação representa o contrário do que considera ser a função social da escola e do pedagogo. A escola tem a função social de ensinar a convivência com a diversidade e a coletividade, não apenas a transmissão de conteúdo. O pedagogo deve compreender isso, se comprometer com a Educação, rever suas práticas e concepções para promover a participação do aluno e apropriação de valores, conhecimentos acadêmicos e sócio- históricos, para se tornar mais consciente e ativo na transformação da realidade. O destaque que ele dá à diversidade e à qualidade da relação entre as pessoas representa as mediações proporcionadas pelas discussões e atividades lúdicas realizadas envolvendo o brincar, pois resgatou suas memórias da infância e percebeu que precisava manter essa dimensão de sua vida mais presente na sua relação com os outros, além disso, considera que essa vivência, reflexão e resgate são fundamentais para o pedagogo. Por fim, em cada etapa do experimento formativo, Carlos apresentou reflexão crítica, pensamento abstrato, generalização, que são essenciais para a aprendizagem de conceitos científicos. Sua resposta final não apresenta todos os conceitos relacionados à medicalização, pois focou os diagnósticos, o determinismo biológico, a normatização e controle, mas sua trajetória na disciplina revela isso, integrando a compreensão da função social da escola, do pedagogo, a relação entre escola e sociedade, as mudanças históricas, as concepções entre saúde e doença, demonstrando a relação entre medicalização da vida, da e na Educação. 287 Daiana Tabela 15 Registros escritos de Daiana Pré-conceito Conceito sobre Medicalização da Educação A medicalização da educação é um tema muito interessante. Já havia pensado a respeito deste tema em outras ocasiões antes dele ser abordado nas aulas de DCPI3 mas nunca com nenhuma profundidade ou ainda sem dar a devida atenção ao tema. É certamente um assunto intrigante que interessada a todos, professores, pais e sociedade de modo geral, e um assunto particularmente assustador pois quando nos aprofundamos um pouco no assunto vemos o quanto somos doentes enquanto sociedade. São tantos os transtornos com os quais nos deparamos enquanto professores nas escolas que já não parece mais estranho ouvir que temos alunos com TDAH ou algum outro tipo de transtorno. Isso é preocupante, pois significa que as crianças estão Não conheço o sendo diagnosticadas e seriamente medicadas e estamos todos termo. achando isso tudo normal! (medicalização) Durante as aulas pude entender o que eu já desconfiava, de que por trás dos diagnósticos existe um interesse sócio-comercial para que as crianças sirvam as exigências do mundo capitalista, produzindo mais em um menor espaço de tempo. Com isso estamos desconsiderando o tempo natural, cronológico, mental e individual de cada pessoa. Ficou claro para mim durante as aulas que a medicalização da educação cumpre o seu papel de controlar e subverter as pessoas, destruindo sua autonomia e favorece a indústria farmacêutica e de forma mais abrangente ao sistema que governa os países, o c apitalismo. Como pode ser averiguado acima, Daiana não apresentou nenhum conceito ou pseudoconceito acerca de medicalização da e na Educação no início da disciplina, mas ao elaborar seu último registro, ela menciona ter pensado sobre o assunto. Através do resgate de suas participações nas aulas através do diário de campo é possível encontrar um relato seu na primeira aula da terceira etapa, sobre medicalização da Educação, que ela menciona conhecer a escala Snap IV para diagnóstico de TDAH, pois recebeu um profissional da Psicologia com 288 esse instrumento para que preenchesse em relação a um aluno. Para ela e suas colegas de equipe esse questionário gerou um mal-estar grande, pois achou que comportamentos infantis estavam se misturando com aquela investigação e não quis responder. Diante do exposto, Daiana vivenciava em sua prática profissional o fenômeno, mas sem consciência dele. Sua trajetória na disciplina foi muito participativa e caracterizada por grandes e profundas reflexões acerca de seu trabalho, concepções, reformulando muita coisa e expressando o desejo de mudar sua atuação profissional. Sua resposta na atividade da terceira etapa revela o quanto ficou sensibilizada, mobilizada e preocupada ao entrar em contato com os conceitos apresentados e compreender a complexidade e gravidade do fenômeno. Ele entendeu as questões sociais, políticas e econômicas que estão por trás e quanto isso interfere na função social da escola e do pedagogo. A escola tem, portanto, um papel cada vez mais necessário que é o olhar criterioso a medicalização avaliando os benefícios e os malefícios do uso constante destas drogas, além de conscientizar a família para que se tornem presentes e atuantes no combate a banalização de medicamentos. Ao invés de medicar as crianças na escola, por que não brincar? Vimos em nossas aulas que brincar é um excelente remédio! Nesse sentido, sua proposta de enfrentamento foi primeiramente sensibilizar a família com relação ao fenômeno, promover uma conscientização sobre o uso abusivo de medicamentos e repensar as práticas pedagógicas por meio do brincar. Seu registro é curto e objetivo, mas o resgate de suas reflexões elaboradas após assistir ao documentário Tarja Branca e participar da oficina de brincadeiras revelam que ela entendeu que o brincar é uma necessidade do ser humano, ajuda a desenvolver aptidões, habilidades sociais, afetivas, cognitivas e físicas. Além disso mostram que Daiana fez uma reflexão profunda sobre a importância do brincar em sua vida, o quanto deixou isso de lado e como isso se reflete em seu dia a dia e em sua prática enquanto docente. A atividade docente, com sua rotina, impede momentos lúdicos. Ela não cita, 289 mas como analisado anteriormente, tal fato se deve ao processo de alienação que a sociedade atual provoca ao separar o lúdico do trabalho e da execução dos papeis da vida adulta. O brincar, para Daiana, foi uma intervenção que promoveu uma intensa aprendizagem conceitual e práxis transformadora em sua vida e prática pedagógica e, diante da necessidade do enfrentamento da medicalização, ela o coloca como alternativa. Dalila Tabela 16 Registros escritos de Dalila Pré-conceito Conceito sobre Medicalização da Educação A medicalização, de acordo com alguns estudos, é o processo por meio do qual são deslocados para o campo médico problemas que fazem parte do cotidiano dos indivíduos. Desse modo, fenômenos de origem social e política são convertidos em questões biológicas, próprias Não sei ao certo, mas de cada indivíduo. (Moysés, 2001 citada por Meira, 2012, tem alguma ligação com p. 136). questões sobre as dificuldades com Partindo disso, a escola tem sido a maior agência de relação ao processo de descoberta de crianças que apresentam dificuldades, do aprendizagem. não aprender ou não se comportar de forma considerada adequada e, portanto, tem encaminhado um número elevado de alunos para realizarem o diagnóstico que, de imediato, já afirmam ser Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH. Dalila não conseguiu apresentar um pseudoconceito, pois não tinha conhecimento prévio sobre o tema. No seu texto da terceira etapa revela um significativo avanço por ter compreendido os conceitos secundários como aspectos sociais e políticos que determinam o que é saúde e doença e a determinação da medicina nesse processo, o que impacta a Educação por meio de diagnósticos para quem tem dificuldade de aprendizagem. Nesse trecho, observo que seu registro é um pouco ambíguo, pois ela menciona que “a escola tem sido a maior agência 290 de descoberta de crianças que apresentam dificuldade” ligadas ao aprendizado ou comportamento. No entanto, ao ler o que ela coloca como alternativa de prática do pedagogo diante desse fenômeno, essa ambiguidade se desfaz: Assim, pensar na influência do pedagogo nesse sentido, pode seguir dois caminhos: o primeiro, de acordo com Leonardo e Suzuki (2016), é que se acredita que o aluno medicado consegue se concentrar mais e fazer as atividades em sala de aula, passando a produzir satisfatoriamente. Além disso, os professores afirmam que o medicamento ajuda o aluno a ficar mais calmo. Dessa forma, o pedagogo seria apenas um agente a mais no processo de medicalização do aluno. O segundo, seria o pedagogo investir em possíveis alternativas de socialização desse indivíduo no universo da aprendizagem, através da ludicidade. De acordo com Vinhoti e Santos (2007), as crianças aprendem o que ninguém pode ensinar-lhes através das brincadeiras. É através delas que aprendem sobre o mundo, como lidar com este ambiente de objetos, tempo, espaço, conceitos, estruturas e sobre si. A capacidade de brincar é um sinal de saúde mental da criança. Portanto, ao contrário do que se imagina, as brincadeiras não são inconsequentes. Mas sim estão contribuindo, e muito, para que a criança entenda o seu mundo e o relacionamento entre as pessoas que com ela convivem. Portanto, pensar na ludicidade como uma possibilidade de extinguir a medicalização escolar deveria ser um dos caminhos. Outra, seria como disse a Drª Maria Aparecida Moysés na entrevista à Globo News “o conselho que eu posso dar aos pais é: olhem e escutem os seus filhos... acreditem um pouquinho mais nas possibilidades de seus filhos e sejam críticos em relação aos defeitos que estão pondo neles”, ou seja, o acompanhamento dos pais é fundamental na vida de uma criança. Dalila compreende que a medicalização esvazia a prática pedagógica, pois ilude o professor de que é ela quem contribui com a aprendizagem e adaptação do aluno, mas a verdade é que esse profissional acaba servindo a lógica que subsidia o fenômeno, o que corrobora com o que é discutido por Legnani e Pereira (2015) em sua pesquisa com professores. Sua visão é bem crítica, revela uma compreensão conceitual com bastante hierarquização e generalização, dando conta de praticamente todos os conceitos secundários que foram abordados. Por fim, sua proposta recorre à dois eixos, a ludicidade e a importância do acompanhamento da família em relação à escolarização dos seus filhos, para valorizar e apoiar esse processo que é longo, complexo e cheio de obstáculos. Entendo que a ludicidade e o brincar 291 ajudaram Dalila a compreender a importância de planejar intencionalmente a prática pedagógica tendo em vista os aspectos cognitivos, motores, afetivos, sociais, a diversidade, coletividade, criatividade que devem ser foco do processo de escolarização. Dessa forma, o pedagogo, ao garantir uma Educação de qualidade que promova a humanização e a emancipação dos estudantes, isso poderia contribuir para extinguir a medicalização. Érica Tabela 17 Registros escritos de Érica Pré-conceito Conceito sobre Medicalização da Educação Este tema trata das explicações biológicas que justifiquem o déficit de aprendizagem de determinados alunos, sendo Estou tendo conhecimento definida por especialistas de educação, psicologia e pediatria desta palavra agora. Não como uma doença, sendo que muitas vezes os problemas são tenho noção do que de natureza ambiental, mas, no entanto, são voltados a significa medicalização da questões de saúde individuais e biológicas do indivíduo, vida e da educação. Mas, fazendo com que não seja desempenhado por ele funções posso definir com minhas básicas de aprendizagem estabelecidas pelo sistema de ensino, palavras e interpretar o tais como: prestar atenção na hora da explicação do professor, que compreendo que possa ficar comportado na cadeira, não incomodar os colegas, isso ser como algo que deva ser seria como exigir desses alunos, ter boas maneiras, seja em tratado com antecedência. sala de aula, na hora do recreio, em qualquer lugar em que ele Penso na seguinte frase: é se encontre. melhor prevenir que remediar. Não sei se estou (...) os professores, são um dos primeiros a detectar esse certa. Vou pesquisar para desempenho destes alunos, e recomendam a família a levarem- compreender melhor! E ter no a um especialista do assunto, que em seguida faz um uma resposta mais diagnóstico com determinado sintoma e o rotulam com o adequada para esta transtorno TDAH, neste momento a criança passa a ser pergunta. medicalizada. Para enfim, tornar-se um aluno que apresenta o comportamento esperado para se enquadrar nas normas e padrões adotados pelo sistema de ensino. Érica não apresentou nenhum pseudoconceito em seu registro escrito para a atividade diagnóstica. Já na atividade da terceira etapa, a estudante demonstra ter aprendido vários 292 conceitos que são necessários para compreender medicalização da e na Educação, transformação de questões sociais em biológicas, expressando o determinismo biológico, aspectos sociais, políticos e econômicos, normatização e controle do comportamento, questões relacionadas à prática pedagógica do professor e ao funcionamento da escola. Ela compreendeu que todos esses aspectos são determinados pela medicalização e que o professor tem sido um agente que intensifica, pois é o que mais identifica alunos com problemas e encaminha para diagnósticos. Quando Érica escreve sobre o papel da escola ela expressa que o foco deveria ser a formação crítica, no entanto, para isso acontecer, é necessário trabalhar com a diversidade. Como consequência, a escola perde o sentido e opta pela medicalização, como caminho mais fácil. Seus registros da primeira etapa acerca da função social da escola e do pedagogo revelam consciência das transformações históricas e da determinação das questões sociais, políticas, econômicas e culturais na escola e na formação do profissional da Educação. Érica manteve coerência em seus registros da terceira etapa, mostrando ampliação da aprendizagem dos conceitos científicos secundários e principais e sua relação. A escola tem um papel muito importante na sociedade de formar cidadãos capazes, críticos, que saibam agir por conta própria, tomando suas decisões, discernindo com sabedoria, neste sentido perde o seu referencial, pois passa a deseducar o indivíduo. Sendo assim, que sujeito espera-se formar, já que não está sendo trabalhado o “ser” de acordo com suas aptidões. Por não querer trabalhar com as diferenças, criar estratégias novas para cada tipo de aluno, elaborar metodologias diversificadas, ampliar os horizontes e buscar conhecer a realidade, o contexto familiar, quais as situações que ele enfrenta em seu âmbito escolar. Procura-se o caminho mais fácil de solucionar o problema, medicalizando o aluno para tranquilizá-lo, e o professor poder enfim, fazer o seu trabalho que é o de ensinar aos alunos “ditos normais”. Tudo isso me fez compreender que para o pedagogo o ato de brincar deve fazer parte do seu cotidiano, pois nos dias atuais, para que ele esteja preparado para lidar com as diversidades faz-se necessário ser e valorizar a ludicidade. Neste sentido compreendo a importância do brincar na vida das pessoas, pois aprendemos prazerosamente quando adentramos nesse universo, que nos faz esquecer 293 do mundo ou mesmo o que somos. No relato das experiências exitosas foi citado a importância da família e da escola para o aluno, como interfere de maneira positiva ou negativa na vida desse sujeito. Então, um simples olhar afetuoso, com atenção, demonstrando amor e carinho, é capaz de transformar o indivíduo. Por isso é muito importante que coloquemos o lúdico como metodologia, para aprofundar e mobilizar a arte do brincar. Os desafios encontrados pelo pedagogo na sua prática no que se refere a medicalização da educação, estão voltados para que o educador tenha conhecimento, de como agir diante dos problemas relacionados aos alunos, modificando sua forma de olhar a criança, compreendendo os diversos comportamentos, sem discriminar nenhum indivíduo. Entender que é importante aprender com as diferenças, interagir, relacionar- se para aprender a viver juntos compreendendo a diversidade e singularidade de cada indivíduo. Como possibilidade de enfrentamento dessa situação, Érica entendeu que o principal seria a escola acolher a diversidade, a diferença entre as pessoas e o agente principal para isso seria o professor. Para isso, esse profissional deve adotar o brincar e a ludicidade em seu cotidiano, pois é uma forma fundamental para acolher e trabalhar com as diferenças, promover a afetividade e melhorar a relação entre alunos e escola. Além disso, ela ressalta a importância da presença da família na vida dos alunos e na escolarização, a partir das experiências exitosas que foram estudadas na primeira etapa da disciplina que apresentavam maior participação dos pais na escola. Por fim, Érica finaliza citando a formação do professor que precisa modificar sua forma de olhar os alunos, respeitando a diversidade e a singularidade de cada um, como forma essencial de enfrentamento à medicalização na Educação. 294 Melissa Tabela 18 Registros escritos de Melissa Pré-conceito Conceito sobre Medicalização da Educação Diagnosticar crianças com hiperatividade, dislexia, impulsividade, déficit de atenção, entre outros, tornou-se uma prática comum entre os professores das nossas escolas. A criança que não apresenta padrões de comportamento “adequados” para conviver dentro do espaço escolar, frequentemente são encaminhadas com queixas escolares para profissionais da área da saúde para receberem um acompanhamento mais específico. Estas queixas escolares refere-se [sic] a problemas neurológicos que interferem diretamente no processo de aprendizagem dos alunos, tais como: percepção e processamento de informações; utilização de estratégias cognitivas; habilidade motora; atenção; linguagem; raciocí¬nio matemático; habilidades sociais etc. Estas questões que muitas vezes são causadas por fatores sociais e econômicas passam a ser interpretadas como questões biológicas, ocasionando então a procura por respostas na área da saúde. Não Os profissionais da saúde, por sua vez, trabalham com a reabilitação medicamentosa, fato que nutre uma das maiores indústrias do mundo, que é a indústria farmacêutica. Por trás do rótulo diagnóstico e da alta demanda de crianças medicadas, há o interesse sociocomercial que ao inserir a criança no contexto escolhe ter por objetivo principal seu preparo para servir às exigências do mundo capitalista, o qual exige maior produção em menor tempo. Sendo assim, não é levado em consideração que cada indivíduo produz de acordo com o seu tempo cronológico e mental, os quais nem sempre estão conectados. O alto índice de diagnóstico ignora o fato de que cada indivíduo é único em seu jeito de ser e de se desenvolver, sendo assim, o seu peculiar ritmo de produzir, quando não equiparado aos demais, é considerado como alienado ao mundo dito normal. Mundo esse que foi construído socialmente por todos nós e vem ganhando hegemonia através da medicina e da indústria farmacêutica. Inicialmente Melissa não tinha nenhum pseudoconceito formado sobre medicalização da Educação, mas na já na terceira etapa, conseguiu redigir um texto articulando vários conceitos para explicar o que é medicalização da Educação. Tendo em vista o esquema 295 apresentado na figura seis, Melissa não citou acima as mudanças históricas, políticas, econômicas, culturais e sociais, só que no final de seu texto escreve que essa visão medicalizante hegemônica e a influência do capitalismo tem sido construída pela sociedade, o que representa pensamento teórico. O resgate de seu texto referente à função social da escola e do pedagogo revela que ela compreende bem as questões históricas, as mudanças que impactaram e influenciam a Educação e a atuação do pedagogo. Para ela a escola é o lócus principal de formação do sujeito, mas seu papel é alterado conforme as mudanças históricas. É um local de muitas contradições e, nesse sentido, o pedagogo assume papel crucial, pois deve compreender tais características e conduzir os trabalhos na direção de uma educação democrática e transformadora. Sua formação deve garantir condições para ter essa compreensão e possibilidade de atuação. No caso dos desafios e possibilidades de enfrentamento ao fenômeno da medicalização da Educação: A solução também não está em apenas um núcleo, esse trabalho deve ser feito em conjunto, mais uma vez o tripé que sustenta a educação deve ser fortalecido: família, sociedade, escola. Porém os estudos evidenciam que é da escola que saem os encaminhamentos para o acompanhamento e tratamento destes problemas que são considerados escolares. A escola tem um papel importante não só na formação acadêmica, mas também no desenvolvimento pessoal da criança. Tendo em vista isto, deve-se tomar cuidado para não rotular o aluno dentro da sala de aula não os normatizando. Os efeitos da estigmatização são claramente perceptíveis nas crianças que se auto rotulam como incapazes fato que provoca prejuízo da autoestima, autoconceito sempre ruim, desmotivação e consequentemente a introjeção de doença psicossomática. A desatenção, a agressividade e a falta de interesse não são passiveis de diagnósticos que induzem a medicalização. É importante trabalhar o problema social e não transforma- lo [sic] em individual, assim devemos nos atentar a olhar para o problema e amenizá- lo de todas as formas. Nós enquanto futuros educadores, não podemos fechar nossos olhos para os diagnósticos corretos. Doenças como o TDAH, dislexia, entre outras existem, mas não devemos banalizá-las transformando qualquer comportamento suspeito em produto das mesmas, até porque não fomos formados para isso. 296 Melissa citou a importância da articulação entre família, sociedade e escola no enfrentamento à medicalização. No entanto, ela focou sua discussão na importância de conscientizar os educadores acerca dos processos que geram estigmatização, normatização, exclusão, excesso de diagnósticos e consumo de medicamentos para o desenvolvimento dos alunos. Ela compreende que os educadores podem realizar práticas pedagógicas que combatam isso, o que contribuirá para o enfrentamento da medicalização na Educação e da sociedade. Otávio Tabela 19 Registros escritos de Otávio Pré-conceito Conceito sobre Medicalização da Educação Nestes últimos encontros fomos formalmente apresentados a este problema que tratamos moderadamente em outros semestres/disciplinas. A medicalização da educação (vida) sempre atravessou as disciplinas que trataram diretamente da criança/aluno e sua relação com os adultos, sejam professores ou pais, e com as instituições escolares. Disciplinas Psicologia da educação, alfabetização e letramento e educação infantil, tinham em algum momento das discussões um pequeno espaço para este tema, mas só agora fomos expostos de forma direta ao debate sobre o assunto, colocando-nos no meio de um ringue para arbitrar o embate entre o espanto e a indignação. No entanto, chegar a essa conclusão acaba gerando outro questionamento: Mas se tudo isso que vemos como Não irregular e/ou sintomático dos mais achocolatados transtornos que o DSM dispõe, como TOD e outros mais, não passam de puras características inerentes a infância, porque então medicalizarmos? Caberia aqui uma bela e reacionária resposta citando o papel do imperialista e dominador lobby dos laboratórios farmacêuticos e tudo mais, no entanto contento-me em responder usando Ruth Rocha, o que acontece é que as vezes somos como Dona Demência, aquela personagem que colocava todos nos meninos pra dentro dos vidros as custas de alguns croques, é certo que existe muita gente grande por trás desses interesses, é certo que circula muito dinheiro por trás de tantas crianças com TDAH e todas as caixas de Ritalina que precisam tomar pra entrarem em seus vidros (...) 297 Inicialmente Otávio não apresentou um conceito sobre medicalização da Educação, mas após ler, discutir e aprender sobre, reconhece que o tema havia sido mencionado superficialmente em outras disciplinas no decorrer do curso de Pedagogia. A compreensão do conceito e conscientização acerca do fenômeno provocou nele sentimentos de espanto e indignação. Sua resposta na atividade escrita da terceira etapa retrata muito mais seu processo reflexivo do que a definição conceitual. Apesar de não ter escrito claramente, analiso que ele compreendeu e faz uma metáfora com a literatura infantil brasileira, citando Ruth Rocha e a personagem Dona Demência para representar o conceito de normatização, determinismo biológicos, além de aspectos sociais, econômicos e políticos por trás do excesso de diagnósticos e consumo de medicamento. O resgate de suas reflexões acerca da primeira etapa reitera que Otávio considera que o papel da escola impõe uma relação de reciprocidade com a sociedade e está ligada ao contexto histórico, político e econômico. Outro ponto relevante que o aluno ressaltou em seu texto da referida etapa foi a leitura das experiências exitosas de escolas brasileiras, pois viu que é possível romper com a escola tradicional, fortalecendo os argumentos de quem discorda e tenta construir outra educação mais crítica e democrática. Ou seja, o aluno aprendeu que a Educação sempre foi modificada e poderá ser alterada pelo coletivo que a integra e constitui, sendo que o pedagogo se insere nesse contexto. O trecho abaixo apresenta mais elementos conceituais e um rascunho de possibilidade de enfrentamento ao fenômeno da medicalização da Educação. Mesmo tendo sido pouca a experiência que pude acumular na educação infantil até agora, já foi plenamente possível habituar-se aos frequentes diagnósticos dos mais diversos todos deformando o comportamento das crianças. Mas o que há de tão errado na forma como esses sujeitos se comportam, ou na forma como reagem aos estímulos que o meio lhes oferece? Gerar num primeiro momento questionamentos acerca de como deve comportar-se uma criança, foi o soar do gongo que deu início a luta. O primeiro passo na tentativa de elucidar esta questão foi fazer o experimento de montar uma criança que se enquadrasse perfeitamente nos modelos propostos, e entenda-se aqui “modelos propostos” como um esboço comportamental onde o sujeito é exatamente o oposto do que é apresentado como inadequado ou irregular. 298 A experiência foi feita e o que viu-se [sic] foi um Frankenstein ainda mais sem vida e robotizado do que este monstro semiótico de garganta parafusada. A partir daí foi fácil entender que todos os problemas tratados como sintomas a serem combatidos são na verdade a simples expressão do que é ser criança [...] mas é necessários a nós pedagogos entendermos urgentemente o que é ser gente e ser criança, entender que a escola e a educação não devem ser as bitolas de uma eugenia refinada, precisamos adotar uma postura diferente e isso começa em aceitar as diferenças que existem entre as pessoas, e superar a expectativa de diferenças na aparência sabendo que também existirão em relação aos temperamentos e aos comportamentos. Otávio mais uma vez revela o quanto estava habituado, em sua curta experiência como estagiário na Educação Infantil, e tinha naturalizado os diagnósticos de supostas patologias relacionadas ao comportamento das crianças. Para ele a atividade que solicitei na primeira aula da terceira etapa, para lerem o questionário da escala SNAP IV usada para diagnóstico de TDAH e elencarem qual comportamento seria de crianças e qual seria mais preocupante, foi extremamente significativa, porque ele se deu conta do processo de normatização e controle do comportamento que aniquila a infância. O aprofundamento teórico e as reflexões que tivemos no estudo dos demais conceitos foram suficientes para que ele apreendesse o quanto os preconceitos, a intolerância à diversidade e a eugenia, conforme explicitado no capítulo sobre a gênese da medicalização, produziam o fenômeno da medicalização da e na Educação. A partir daquilo que foi mais significativo e contribuiu para que tivesse consciência sobre o problema, a possibilidade que ele apresenta começa pelo enfrentamento do preconceito por parte do pedagogo, que precisa aprender “o que é ser gente ser criança” [sic]. 5.3.4 Uma síntese da aprendizagem conceitual dos alunos Após a leitura e a análise de todos os trabalhos é possível elaborar algumas considerações gerais acerca da aprendizagem oportunizada pelo presente experimento formativo, que serão expostas logo abaixo. A análise detalhada da aprendizagem de conceitos 299 científicos será feita a partir dos registros escritos dos estudantes Bianca, Carlos, Dalila, Daiana, Érica, Melissa e Otávio. Alguns dos alunos registraram em seus trabalhos o quanto desconheciam acerca do fenômeno da medicalização e refletiram o quanto sua compreensão se modificou com as aulas da disciplina DICP3. Após participarem do experimento formativo, todos os alunos conseguiram definir o que é medicalização, uns de formas mais simples, reduzindo a diagnósticos médicos e consumo de medicamentos, outras mais densas, com fundamentação teórica e citando conceitos secundários como normatização, controle da sociedade, função social da escola e do pedagogo. Dentre eles, foi possível identificar registros escritos que relacionavam as mudanças sociais, capitalismo etc. com medicalização, analisando a determinação de mudanças históricas para analisar aspectos atuais. Outro aspecto importante destacado foi a compreensão do papel da indústria farmacêutica numa sociedade capitalista, como isso impacta a escola por meio da naturalização dos diagnósticos e das consequências para o desenvolvimento das crianças. Alguns refletiram acerca do papel da escola, de como a medicalização atinge a instituição e as consequências para a vida dos alunos e, consequentemente, pensaram acerca da sua função social e de como esse fenômeno impede que isso ocorra. Para Legnani e Pereira (2015, p. 43): O fenômeno da medicalização inclui o que ocorre hoje no contexto escolar, mas o ultrapassa e afeta o nosso cotidiano de forma indelével, pois o uso de psicotrópicos de diversos tipos e voltados para as diferentes faixas etárias é decididamente habitual. Nas entrelinhas desse fenômeno aparecem interesses múltiplos que abarcam questões políticas, econômicas e culturais. A sociedade contemporânea é marcada pela ostentação, pelo individualismo e pela competitividade, e responder às suas demandas de saúde, potência, consumo, juventude e plenitude faz com que muitos sucumbam e se sintam fora desse projeto megalomaníaco. Apreender a complexidade do fenômeno da medicalização e como isso afeta a Educação levou muitos a discorrerem criticamente sobre a formação do pedagogo, sendo essa proposta 300 como uma das formas de enfrentamento à situação. Um dos pontos citados foi sobre a relação entre a teoria e a prática por meio dos estágios vivenciados, que proporcionam a práxis pedagógica. Uma boa formação e o embasamento teórico dão condições para que o pedagogo em formação e o que está atuando como profissional, reflita acerca de sua prática de forma permanente. Essa reflexão possibilita a compreensão mais ampla dos desafios enfrentados, diante dos alunos e do fenômeno da medicalização e, como consequência, pensar em alternativas, em outras práticas pedagógicas, em parceria com a família e a rede socioassistencial. Para os alunos, essas condições possibilitariam mudanças de preconceitos, o respeito à diversidade, a melhora da qualidade da Educação, da escola, das práticas pedagógicas, fazendo com que a escolarização pudesse promover a humanização e emancipação de seus integrantes. Legnani e Pereira (2015, p. 44) apontam a importância da reflexão crítica sobre o fenômeno da medicalização e da prática pedagógica que deve ser desenvolvida pelo professor: De nossa parte, que temos uma visão crítica sobre a medicalização das dificuldades escolares, cabe reiterar a relevância de que o professor, em seu cotidiano em sala de aula, retome a importância de se investigar as inúmeras possibilidades que cada criança tem para aprender. Essa retomada de sua função como educador, pautada no olhar e na escuta dos alunos, é que pode propiciar o acolhimento das diferenças, as quais sempre serão promissoras para que surja o novo que é, por sua vez, essencial para que haja mudanças na própria escola e, por conseguinte, na sociedade em que vivemos. Outro aspecto apontado como possibilidade de enfrentamento ao fenômeno foi o brincar e ludicidade, temas discutidos e vivenciados por eles no decorrer do experimento formativo, pois poderiam contribuir com: a humanização da prática pedagógica e o repensar permanente sobre ela, compreensão do aluno de forma integral, elaboração de práticas pedagógicas mais interessantes, significativas, que promovam desenvolvimento, respeitem e incluam a diversidade como integrante do processo de ensino e aprendizagem, pois os alunos não podem ser tratados de forma homogênea. 301 As formas de enfrentamento devem começar com a conscientização do pedagogo acerca do fenômeno da medicalização da e na Educação e, para esses estudantes, a formação inicial é um momento fundamental para isso. Santos, Lemos e Gomes (2017) elaboraram algumas problematizações acerca do currículo na formação de professores e a relação com a medicalização. Para as autoras: Para pensar o lugar de centralidade assumido pela prática docente no processo de medicalização da infância e da educação, há que se problematizar os processos formativos pelos quais tais práticas são constituídas, e, portanto, a educação no ensino superior, que se encontra atualmente cada vez mais atrelada a uma lógica empresarial, no qual a educação se tornou um produto negociável e um investimento a ser empreendido na criação do chamado capital humano (Santos, Lemos & Gomes, 2017, pp. 32-33) A lógica de mercado tem afetado tanto o ensino superior privado quanto o público, direcionando a formação produtivista com foco no mercado de trabalho, tendo em vista as tendências voltadas para o desenvolvimento de habilidades e competências de forma mecanizada. A Educação ancorada na problematização da realidade e na reflexão crítica acerca da relação entre escola e sociedade, das tendências massificantes e homogeneizantes e da relação de tudo isso com a prática pedagógica não é prioridade. Tal tendência pode ser encontrada nos cursos de pós-graduação também, assim como na mídia e nas formações promovidas por secretarias de Educação com ênfase em diagnósticos de alunos com transtornos. Nessa perspectiva, o currículo tem sido visto pela vertente da formação como curso contínuo e linear de vida, o qual forja pelos cursos formais e oficiais um profissional e um sujeito, cujo olhar e escuta sustentam a racionalidade diagnóstica e patologizante. Dessa maneira, vale problematizar os percursos formativos dos profissionais envolvidos nas redes de atendimentos às crianças, as quais foram produzidas como sujeitos portadores de transtornos mentais. Também é relevante interrogar como os profissionais que atuam atendendo crianças encaminhadas pelas escolas se tornam agentes da aliança entre saúde e educação, em que especialistas de toda ordem atuam pela mira do poder psiquiátrico enquanto um crivo avaliador de psicopatologias nas queixas escolares (Santos, Lemos & Gomes, 2017, p. 35). 302 Nesse sentido, a formação tem provocado uma visão reducionista coerente com determinada perspectiva de sociedade, que restringe a questões emocionais ou biológicas individuais os problemas sociais. Uma formação com essa característica acaba contribuindo com os processos de exclusão, segregação e desigualdade social. Para as autoras, é urgente propor uma formação que oportunize a “análise do currículo como prática produtiva, histórica, política, social e criadora de subjetividades. Assim, o currículo é um artefato de saber e de poder, possibilitando resistências também, no jogo de forças, o qual ele é fabricado e gera efeitos” (Corazza, 2001 como citado por Santos, Lemos & Gomes, 2017, p. 36). Uma formação crítica e reflexiva necessita de um planejamento pedagógico intencional, com mediações que possibilitem a aprendizagem de conceitos científicos. Para Vigotski o conceito não é hábito e nem pode ser transmitido, pois é ato de pensamento, que por sua vez, é mediado externamente pelo signo e internamente pelo significado, ancorados no sistema linguístico adotado pela sociedade e pela instituição educacional (Nascimento, 2014, Cavalcanti, 2005). Isso posto, a mediação simbólica é fundamental na relação instrução- desenvolvimento para promover a formação de funções psicológicas superiores, a apropriação conceitual acerca de objetos e fenômenos. Nesse processo, a colaboração do professor é essencial, seja no planejamento, na escolha das atividades, nas intervenções realizadas para contribuir com o desenvolvimento do pensamento do estudante (Nascimento, 2014). O professor, ao compreender o processo de aprendizagem e formação dos conceitos científicos, tem melhores condições de propor métodos de ensino com maior qualidade. O objetivo principal da tese foi desenvolver e analisar mediações pedagógicas no processo de aprendizagem do conceito de medicalização da Educação com estudantes de Pedagogia. Para isso, o experimento formativo foi planejado intencionalmente para promover mediações pedagógicas, ancoradas na práxis, que oportunizassem a aprendizagem do referido conceito científico. 303 Para Vigotski, o desenvolvimento de um conceito científico permite lidar com o objeto ou fenômeno de forma diferente, pois ele promove uma alteração na relação do sujeito com a realidade, permite categorizar, atribuir significado e a consciência reflexiva. Nesse sentido, Cavalcanti (2005) considera que, para o autor bielorusso, a aprendizagem é “elemento mediador na relação homem-mundo” (p. 194). Apesar de não ser possível transmitir um conceito, a compreensão de Vigotski acerca do sistema total de conceitos possibilita ao professor encontrar um caminho no ensino para planejar intencionalmente sua prática pedagógica. O processo começa com a experiência imediata, cotidiana do aluno, para investigar os conceitos espontâneos que tenham desenvolvido, pois estes precisam adquirir certo nível para que o conceito científico possa ser compreendido. Para isso, o professor deve atuar na zona de desenvolvimento proximal do aluno, onde se encontram as funções psicológicas em desenvolvimento. Então, por meio da colaboração as possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento se ampliam. Como dito no capítulo quatro, a formação dos conceitos apresenta três fases: sincrética, pensamento por complexos e conceito potencial. A fase sincrética apresenta critérios vagos, com base na impressão ocasionada no momento para a formação dos significados. A segunda fase possui cinco estágios, detém mais complexidade, coerência e objetividade para a formação dos significados. O último estágio dos pseudoconceitos representa uma transição para a formação de conceitos científicos, pois é equivalente e semelhante, mas ainda é pensamento por complexo, apesar de já permitir que o sujeito possa operar mentalmente por conceitos. A partir dessa compreensão acerca da formação de conceitos, foram planejadas atividades para investigar o saber prévio deles sobre outros conceitos secundários que estariam inter-relacionados, de forma hierárquica, com medicalização da e na Educação e, a fim de promover a aprendizagem de conceitos científicos. Tais atividades priorizaram debates, 304 discussões, reflexões críticas, conduzidas por mim e pela professora Beatriz, o que configurou toda a complexidade das mediações realizadas no decorrer do semestre. Por meio dessas atividades, pude resgatar a historicidade da Educação, da atuação do pedagogo, da escola, das infâncias dos alunos, para que estes pudessem, da melhor forma possível, a gênese dos aspectos que constituíam o fenômeno estudado. Todo esse processo promoveu a internalização de um saber que era interpsíquico e se tornou intrapsíquico, transformando, desenvolvendo funções psicológicas superiores, formação de conceitos científicos, generalização e abstração. Como os conceitos não podem ser transmitidos, mas desenvolvidos a partir da atividade do sujeito aprendiz, as mediações organizadas focaram a comunicação e a atribuição de significados e não a apresentação e memorização de definições. Cavalcanti (2005) estudou a formação de conceitos em Geografia a partir da Psicologia Histórico-Cultural e suas reflexões são coerentes com o que tentei construir com essa pesquisa de doutorado: Nesse processo de formação de conceitos, o professor, como mediador, deve propiciar a expressão, a comunicação da diversidade de símbolos, significados, valores, atitudes, sentimentos, expectativas, crenças e saberes que estão presentes em determinado grupo de alunos, que vive em contexto específico, esforçando-se para entender como cada grupo em particular elabora essa diversidade e para promover o diálogo entre as diversas formas dessa elaboração, buscando atuar nas ZDP, e o diálogo dessas formas com a forma científica estruturada pela ciência geográfica (p. 204). Nesse sentido, escolher a ludicidade e o brincar nesse processo de mediação foi fundamental para desvelar preconceitos, questões históricas, sociais, culturais que estavam ocultas em função da alienação provocada pelas condições de trabalho e pela formação do pedagogo. O brincar e a ludicidade funcionaram como uma estratégia de enfrentamento ao fenômeno de medicalização nesse experimento formativo, tanto que foi proposto com essa finalidade por vários alunos. Por fim, o estágio, a articulação entre teoria e prática e, 305 consequentemente, a práxis promovida também foram essenciais para a aprendizagem de conceitos científicos trabalhados. As mediações realizadas no decorrer das três etapas do experimento formativo oportunizaram reflexão crítica e aprendizagem de vários aspectos históricos relacionados à medicalização na Educação. Na primeira os estudantes discutiram sobre as mudanças na sociedade e seu impacto na função social da escola e do professor. Na segunda etapa, o resgate foi da história de vida deles, da criança que um dia foram, de como a sociedade provocou transformações neles e do quanto isso impacta sua vida pessoal e profissional atualmente. O documentário e o brincar propiciaram uma experiência estética, de contato consigo mesmo, com a afetividade, com a sensibilidade, levando os participantes a perceberem o outro, a criança, a diversidade e sua própria prática nos estágios ou no trabalho, de forma diferente, mais flexível e humanizada. Tais atividades e mediações contribuíram com o desenvolvimento de funções psicológicas superiores e com a aprendizagem de conceitos importantes como função social da escola e do pedagogo, relação entre escola e sociedade e iniciaram a compreensão acerca dos conceitos saúde, doença e normatização. O estágio permitiu que eles analisassem uma realidade, planejassem e realizassem uma intervenção pedagógica ancorada no brincar, o que se configurou com uma rica experiência que potencializou a prática pedagógica dos estudantes e a reflexão crítica por meio da práxis. Na terceira etapa, os conceitos medicalização da vida, da e na Educação foram apresentados, juntamente com determinismo biológico, a influência da indústria farmacêutica e as transformações sociais que ocorreram historicamente. Apesar do sentimento de impotência inicialmente despertado, as atividades, mediações e aprendizagens anteriores foram extremamente importantes, pois constituíram uma base na qual os alunos se ancoraram para poderem compreender a relação de sua prática pedagógica com o fenômeno da medicalização 306 na Educação, o quanto eram influenciados e prejudicados com isso, quais eram as consequências para os alunos e para a sociedade. Todavia, essa base não facilitou apenas a aprendizagem dos conceitos citados, mas a possibilidade de elaborarem formas de enfrentamento ao fenômeno. Como dito anteriormente, para a Psicologia Histórico-Cultural, a aprendizagem de conceitos científicos deve ensejar uma maior compreensão da realidade e dar condições para que o sujeito possa intervir na mesma. Nesse sentido, considero que a hierarquia conceitual elaborada e a prática pedagógica planejada, com destaque para a mediação, o brincar e a práxis, garantiram aos estudantes a compreensão dos determinantes do fenômeno da medicalização na Educação, representada pela aprendizagem conceitual acerca do mesmo. 307 6 Considerações Finais Essa pesquisa teve como objetivo geral desenvolver e analisar mediações pedagógicas no processo de aprendizagem do conceito de medicalização na Educação com estudantes de Pedagogia. Os objetivos específicos definidos foram: possibilitar ao pedagogo em formação a identificação de situações na prática pedagógica em que esteja implicada a questão da medicalização na Educação e, oportunizar reflexão acerca do papel do pedagogo no enfrentamento ao referido fenômeno. A medicalização da vida promove a redução de aspectos sociais, políticos e culturais, que são complexos e construídos historicamente, num determinismo biológico, com foco no sujeito que é rotulado com transtornos psiquiátricos ou outras doenças. A medicalização da Educação envolve aspectos macrossociais que influenciam as políticas e instituições educacionais e a formação dos docentes, quando se trata da medicalização na Educação a discussão foca as práticas pedagógicas desenvolvidas na escola, a compreensão de que os alunos que não se adaptam aos padrões de normalidade para aprendizagem e comportamento, possuem doenças de ordem biológica e são encaminhados para especialistas. Os três processos relacionados à medicalização, da vida, da e na Educação estão interligados e possuem relação dialética entre si. O objetivo acima foi proposto porque os docentes que não estão conscientes do fenômeno da medicalicalização na Educação acabam desenvolvendo as referidas práticas pedagógicas medicalizantes. Por isso, é necessário intervir na formação inicial e continuada dos profissionais da área, porque se a mesma contemplar a aprendizagem de conceitos científicos sobre o tema poderá promover a compreensão do seu papel no enfrentamento desse fenômeno e a elaboração de práticas pedagógicas que vão de encontro a ele. É nessa direção que essa 308 pesquisa foi construída com foco na formação inicial do pedagogo. A pedagogia foi escolhida porque o profissional da área está presente em todos os níveis e modalidades de ensino, seja como professor, auxiliar, gestor, orientador educacional, então, sua formação e experiência profissional os coloca em contato com vários aspectos da Educação, dentre eles, a medicalização. Os participantes da pesquisa foram 25 estudantes de um curso de pedagogia presencial matriculados no sexto período noturno de uma universidade pública do município de Natal, estado do Rio Grande do Norte. O referencial teórico adotado se baseou na Psicologia Histórico-Cultural, cuja diretriz filosófica é o materialismo histórico-dialético, segundo os pressupostos teóricos de Vigotski e Marx, respectivamente. O método, ancorado no materialismo histórico-dialético, foi adotado por Vigotski, que buscou elaborar sua teoria na Psicologia considerando que o homem é um ser social que se constitui historicamente, em função do contexto histórico, social, econômico, político, cultural, do modelo de sociedade, do lugar social que ocupa, das relações sociais estabelecidas. Para a Psicologia Histórico-Cultural, a função da escola é dar acesso ao sujeito ao conhecimento e patrimônio cultural acumulado historicamente pela sociedade através da aprendizagem de conceitos científicos. Isso pressupõe que o professor tenha consciência dessa função da escola e do seu papel no planejamento pedagógico intencional para realizar mediações que promovam a aprendizagem conceitual, o desenvolvimento de funções psicológicas superiores e, consequentemente, maior compreensão acerca da realidade de forma que os estudantes possam transformá-la na direção de uma sociedade mais justa e igualitária. Contraditoriamente a essa função, o Brasil apresenta índices ruins de aprendizagem, um histórico de fracasso escolar, professores desvalorizados, sem condição de trabalho, apresentando sofrimento psíquico e sendo responsabilizados por essa situação. Ao invés de se investir em políticas que busquem qualidade para a Educação, nossa sociedade procura 309 justificativas como transtornos mentais de origem orgânica para os problemas que são supostamente dos alunos e dos professores, corroborando com o fenômeno da medicalização, que biologiza e naturaliza questões sociais, políticas, econômicas e os diagnósticos. É primordial entender os determinantes e o funcionamento desse processo, no entanto, essa pesquisa não daria conta desse propósito, por isso o recorte da formação inicial de estudantes de pedagogia foi feito. O percurso metodológico delineado se ancorou na proposta de Davydov para o experimento formativo, que ocorreu entre agosto e dezembro de 2016, no decorrer de 16 aulas semanais, organizadas em três etapas. O material de análise partiu dos registros que fiz em meu diário de campo e de cinco trabalhos escritos elaborados por sete dos 25 estudantes participantes. Delimitei três critérios para realizar essa seleção dos estudantes cujos registros seriam analisados: ter feito o primeiro registro escrito voltado para o diagnóstico dos conceitos sobre medicalização e brincar, ter apresentado um conceito sobre medicalização nesse trabalho e, por fim, ter realizado a intervenção pedagógica durante o estágio utilizando o brincar. A primeira etapa começou com a solicitação aos estudantes que respondessem perguntas com o objetivo de levantar os conceitos que tinham sobre alguns temas, dentre eles a medicalização na Educação e a importância do brincar na atuação do pedagogo. Dentre os setes estudantes selecionados, cinco não sabiam o que era medicalização e dois apresentaram pseudoconceitos a respeito, ou seja, conseguiram delimitar alguns tópicos ou conceitos secundários que integram a hierarquia conceitual necessária para configurar um conceito científico acerca de medicalização da vida e na Educação. Esses pseudoconceitos se referiram à indústria farmacêutica, excesso de diagnósticos e controle do comportamento. No tocante ao brincar, os alunos focaram que contribui para a aprendizagem mais prazerosa para as crianças no ensino infantil. 310 O planejamento pedagógico das três etapas seguiu uma sequência didática para abordar primeiro conceitos secundários, que já tinham sido estudados pelos alunos em sua trajetória na formação em pedagogia, como função social da escola e do professor, mudanças históricas na sociedade que modificaram essas funções na atualidade e relação entre sociedade e escola. Os recursos didáticos selecionados, como imagens, livros, letras de música, contos e experiências de escolas exitosas que funcionam com gestão democrática, contribuíram para que os estudantes compreendessem aspectos históricos, sociais, culturais, políticos e econômicos que interferem nas políticas educacionais, na constituição e funcionamento da escola. A mediação pedagógica realizada buscou gerar reflexão crítica acerca desses aspectos e sua relação com a função social atribuída aos professores e pedagogos no decorrer da história até atualidade. Os registros escritos elaborados no segundo trabalho retratam uma reflexão crítica acerca da própria formação em andamento, que problematizaram a escassez desse tipo de mediação e a importância de estar presente em todas as etapas da graduação, além de ideias sobre a relevância do papel do pedagogo no processo educativo para propiciar uma educação democrática, com formação crítica e que prepare os sujeitos para agirem na sociedade na direção da sua transformação. Os estudantes que realizavam estágio não obrigatório ou que trabalhavam como educadores expressaram reflexões acerca da própria prática, de seu sentido, compreendendo de forma mais ampla os determinantes sociais e institucionais que nela interferem e que até então não tinham percebido. A segunda etapa foi organizada em três momentos importantes e gerou dois registros escritos. Em termos conceituais, trabalhei com a turma o brincar considerando suas contribuições para o desenvolvimento humano e para a aprendizagem, por meio da leitura de textos. Os textos foram discutidos primeiramente à luz de um estudo de caso de uma pedagoga recém-formada que tinha uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental, ela pedia ajuda a uma equipe de psicólogos para diagnosticar todos os seus alunos, pois achava que eles tinham 311 transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Posteriormente, a turma assistiu ao documentário “Tarja Branca” que suscitou o resgate de memórias da infância, seguida de uma oficina de brincadeiras. Os registros escritos expressaram muita afetividade, intensas reflexões sobre si mesmo, sua trajetória pessoal, sua formação e atuação profissional. Os alunos compreenderem a importância do brincar para o desenvolvimento humano em todos os seus aspectos e ciclos de vida, ou seja, entenderam que o brincar não é só uma atividade realizada pelas crianças, perceberam o quanto deixaram de brincar ao ingressarem na adolescência e na vida adulta, o quanto a trajetória acadêmica e o trabalho fragmentam as dimensões do seu desenvolvimento. Comparando esses registros às respostas iniciais do diagnóstico é possível observar uma mudança na compreensão do conceito científico brincar. Essas atividades e a mediação pedagógica realizada provocaram reflexões acerca da formação em Pedagogia, da prática pedagógica que alguns vinham desenvolvendo em seus estágios e do papel da escola. Os estudantes escreveram sobre a desumanização, a mecanização a que estavam submetidos na sociedade atual a partir do lugar social que ocupam e da organização da Educação e do trabalho. Eles compreenderam as consequências para sua formação e futura atuação profissional, como poderiam trabalhar com crianças se tinham esquecido como era a infância, como era brincar, agiriam como a professora do estudo de caso? Conseguiriam elaborar práticas pedagógicas coerentes com o universo infantil? Tais reflexões indicam que, apesar do tema medicalização não ter sido discutido diretamente, a percepção de que há casos que envolvem diagnóstico errado e a relação dos profissionais da Educação com isso gerou registros escritos com concepções mais humanizadas em relação aos alunos - com respeito às diferentes formas de ser, agir, aprender, à diversidade - e ao trabalho do pedagogo. O conteúdo dos registros expressou que houve uma articulação entre as três atividades propostas nessa etapa. 312 O terceiro momento da segunda etapa se caracterizou pela articulação da disciplina DCPI3 com o estágio curricular obrigatório que deveria ocorrer em escolas de ensino infantil, mas como a turma estudava de noite e a maioria trabalhava de dia, vários estudantes estagiaram com a Educação de Jovens e Adultos. Alguns fizeram o estágio sozinhos, outros em dupla e em trio. O planejamento da regência deles, ou seja, da prática pedagógica que seria realizada, também foi feito com a minha orientação e a da professora Beatriz, a partir de uma proposta de integração entre todas as disciplinas do semestre. No entanto, a maior parte dos alunos já tinha concentrado a carga horária de seu estágio em poucas semanas e havia concluído a regência. Apenas cinco alunos desenvolveram práticas com o apoio pedagógico da disciplina DCPI3, mesmo assim, os demais, fizeram uma releitura nas demandas do seu campo de estágio tendo como base as discussões de nossa disciplina, com foco no brincar e elaboraram propostas de intervenção pedagógica. A leitura e a análise dos registros escritos dos sete alunos selecionados revelaram que as reflexões realizadas na primeira etapa do presente experimento formativo contribuíram para a ampliação da aprendizagem acerca da função social da escola e do pedagogo, pois influenciaram a realização do estágio e a elaboração da proposta de intervenção. Da mesma forma, as atividades com foco no brincar, desenvolvidas na segunda etapa, também possibilitaram que os estudantes apreendessem o conceito brincar de forma mais complexa e com maior generalização, permitindo articulação entre teoria, prática e reflexão sobre a prática. As mediações realizadas oportunizaram mais aprendizado dos conceitos secundários necessários para a compreensão da medicalização da vida, da e na Educação, além de terem planejado e executado práticas pedagógicas com o objetivo de intervir na realidade observada. A terceira etapa foi a mais curta em função da suspensão das aulas devido a eventos da universidade, feriados e greve, por isso se resumiu a dois momentos com a turma. No primeiro momento utilizei poesias, vídeos e a Escala Snap IV para diagnóstico de TDAH. A partir dessa 313 atividade, os alunos iam identificando as características do fenômeno estudado e sua relação com a Educação, de forma reflexiva e crítica, sempre dialogando, compartilhando ideias e conceitos com os colegas e com as professoras. No segundo e último momento, apresentei dados acerca do consumo de medicamentos para transtornos de aprendizagem e transtornos mentais que afligem professores, fiz uma explanação teórica acerca do conceito científico medicalização, sua gênese histórica, a relação com as mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais ocorridas com o advento do capitalismo, que influenciaram a ciência, o trabalho e a Educação. Além disso, levei ex-alunas de Psicologia que relataram intervenções feitas numa escola em função de alunos que eram vítimas da medicalização na Educação. O contato direto com o conceito medicalização na Educação provocou espanto, choque, grande sensibilização e incômodo, não apenas por compreenderem a amplitude e complexidade do fenômeno, mas por entenderem o quanto estão envolvidos na reprodução do mesmo enquanto membros dessa sociedade e futuros pedagogos. É importante ressaltar que meu objetivo não foi culpabilizar o professor, muito menos o pedagogo, mas possibilitar a relação da profissão que eles escolheram e a compreensão do fenômeno como um todo, com sua rede complexa de fatores engendrada historicamente. Os registros escritos elaborados pelos sete estudantes revelaram grande mudança, pois inicialmente a maioria dos alunos não sabia o que era esse fenômeno, apenas dois tinham expressado alguns aspectos conceituais sobre medicalização na Educação, que eu classifiquei como pseudoconceitos a partir da Psicologia Histórico-Cultural. No final do experimento formativo os setes estudantes demonstraram aprendizagem conceitual, alguns conseguiram articular em sua resposta todos os conceitos secundários, como por exemplo, relação entre escola e sociedade, função social da escola e do pedagogo, saúde, doença, normatização da sociedade, determinismo biológico e a influência da indústria farmacêutica atrelada às formas de produção e organização da sociedade capitalista. Houve reflexão acerca do papel da escola, 314 de como a medicalização atinge a instituição e as consequências para a vida dos alunos, assim como alguns registros revelaram a compreensão da relevância do papel do pedagogo, seja na reprodução ou no enfrentamento desse fenômeno. Os registros expressaram afetividade, aprendizagem e sugestões para pensar em ações desmedicalizantes, articulando grande parte dos conceitos estudados em todas as aulas. No tocante aos limites, possibilidades e desafios na formação e atuação do pedagogo para o enfrentamento do fenômeno da medicalização na educação, os setes estudantes ressaltaram três pontos: a importância do tema ser abordado por meio da reflexão crítica na formação inicial do pedagogo para que o futuro profissional compreenda criticamente o referido fenômeno, a necessidade de se repensar a escola e prática pedagógica para que seja humanizada, voltada para a diversidade humana nas formas de ser, sentir, se comportar e aprender, enfrentando os preconceitos e respeitando a diversidade, promovendo o desenvolvimento e a aprendizagem de todos, ao invés de falsos diagnósticos e uso abusivo de remédios, e a proposição do brincar é proposto como possibilidade para intervir tanto na formação dos pedagogos para humaniza-la e para potencializar a prática pedagógica criativa, lúdica e desmedicalizante. Os resultados obtidos por meio do experimento formativo promoveram aprendizagem conceitual dos alunos, mas para o materialismo histórico-dialético e para a Psicologia Histórico- Cultural não basta descrever, é necessário desvelar a gênese, a estrutura e o funcionamento do objeto de estudo. Por isso foi fundamental apontar e refletir criticamente acerca das categorias de análise definidas que são a mediação, o brincar e a práxis pedagógica. O experimento formativo teve início com um grupo de alunos que, em sua maioria, não tinha conhecimento acerca da medicalização na Educação, pelos menos, não sabiam explicar conceitualmente. Dessa situação inicial identifiquei uma contradição, pois os dados estatísticos citados no capítulo dois, assim como as pesquisas e minha experiência profissional, apontavam para um crescimento vertiginoso de crianças e adolescentes vítimas da medicalização por não 315 conseguirem atingir padrões de comportamento e aprendizagem nas escolas. Posteriormente, compreendi que essa contradição explicava parte dos determinantes do próprio fenômeno, que é a naturalização das práticas medicalizantes na sociedade e na Educação que atribuem causas biológicas e neurológicas a problemas que são oriundos de questões sociais, políticas, econômicas, das políticas educacionais, da formação docente, dentre outros. Na verdade, na terceira etapa, quando os estudantes foram apresentados diretamente ao conceito de medicalização na Educação, reconheceram que conviviam com essa realidade ou já tinham observado, mas não haviam refletido sobre o problema e muito menos tinham compreensão de sua complexidade e gravidade. O entendimento sobre essa contradição eu tive depois, já no final do experimento, pois no início eu parti de um caos constituído por alunos que não compreendiam o fenômeno e com o desafio de promover a aprendizagem do conceito de forma que eles pudessem identificar possibilidades de enfrentamento ao mesmo a partir das práticas pedagógicas. As atividades propostas e mediações pedagógicas realizadas já na primeira etapa possibilitaram o primeiro resgate histórico, tão importante para a compreensão da gênese, estrutura e funcionamento dos objetos estudados. Nesse primeiro resgate histórico, refletimos criticamente sobre a função social da escola e do pedagogo a partir de mudanças políticas, sociais, culturais e econômicas que influenciaram a Educação, a escola, a formação e atuação do pedagogo. Nessa etapa, eu compreendi que apesar dos estudantes terem lido textos acerca desses aspectos, havia faltado a reflexão crítica sobre a historicidade, que possibilita a compreensão de que a realidade atual foi construída pelo homem e pela coletividade e pode ser transformada por ele, rompendo com a naturalização. Esse foi o primeiro determinante que eu identifiquei, que integrava os demais elementos que ocasionavam a alienação dos estudantes em relação à medicalização na Educação. 316 Na segunda etapa ocorreu outro resgate histórico, dessa vez, o foco foi a trajetória pessoal dos estudantes, provocada pelo documentário e pela oficina de brincadeiras. Essas atividades implicaram em mediações muito importantes, pois os estudantes puderam relembrar de sua infância, causando alegria para uns, tristeza para outros e saudades para todos. O resgate dessas memórias foi importante, pois na atuação do professor, seus saberes não se resumem apenas à formação acadêmica e experiência profissional, mas à sua trajetória pessoal, ao sujeito que ele se tornou e aos professores que teve. Por isso, ao relembrarem sua infância, os estudantes passaram a refletir sobre o que tinham se tornado agora enquanto adultos, o que se perdeu e o que haviam ganhado nessa história. Nesse resgate, eles compreenderam a relação entre sua trajetória de vida, as condições concretas da sociedade, o lugar social que ocupam e o que é reservado ao adolescente e ao adulto no seu processo de escolarização e profissionalização, pois a prática educativa nas instituições educacionais exclui o brincar e o trabalho mais ainda, deixando o lúdico reservado à criança. Como consequência, foram se enrijecendo, agindo de forma mecanizada para dar conta de todas as responsabilidades, se distanciando de uma dimensão importante para seu desenvolvimento. Isso posto, os alunos passaram a compreender que tais aspectos influenciavam não apenas a sua vida pessoal e inserção na sociedade, mas na sua formação e atuação profissional. Tais aspectos apreendidos representam o segundo determinante que identifiquei e que colaboraram com o processo de alienação dos estudantes no tocante ao fenômeno da medicalização na Educação. Ainda na segunda etapa, a realização do estágio e a oportunidade de analisar um contexto de atuação, de planejar uma intervenção pedagógica e aplicá-la foi muito enriquecedora, pois os estudantes puderam vivenciar uma práxis transformadora que envolveu compreensão conceitual, reflexão crítica e ação. Nesse sentido, entendo que o experimento formativo colaborou para a potencialização do pensamento empírico e o desenvolvimento do 317 pensamento teórico. O pensamento empírico potencializado significou maior organização e percepção da realidade, por exemplo, os participantes passaram a identificar o quanto o brincar estava ausente de suas vidas e práticas pedagógicas desenvolvidas em seus estágios e trabalhos, mas isso não era suficiente para compreenderem a essência do fenômeno estudado. Já o desenvolvimento do pensamento teórico identificado pode ser elucidado a partir da aprendizagem dos determinantes do fenômeno da medicalização na e da Educação, o que contribuiu para a formação de conceitos, a apreensão da essência do era estudado, e, consequentemente, o desenvolvimento psíquico dos estudantes. Nesse processo, é importante destacar a relevância das mediações realizadas e do engajamento nas atividades propostas, pois a proposição de uma intervenção na realidade só é possível se houver aprendizagem de conceitos científicos que possibilitam maior apreensão da realidade. A segunda etapa revelou um terceiro determinante a partir do resgate histórico promovido, que é o desenvolvimento da práxis utilitária cotidiana que possibilita a compreensão da aparência e não da essência dos fenômenos e, consequentemente, de ações mecanizadas, fragmentadas, unilaterais. A sociedade atual, em função de suas formas de organização em classes sociais, produção, trabalho, saúde, Educação, cultura, por meio de uma relação dialética, influencia a constituição dos sujeitos, mas na direção da desumanização, sem dar condições a eles para compreenderem a realidade, vivendo a partir da pseudoconcreticidade e reproduzindo os processos de exclusão e desigualdade. Entretanto, o brincar, ao revelar um determinante que pode explicar a alienação dos estudantes em relação à medicalização, também aponta um caminho para romper com esse processo, tal como pôde ser observado na participação dos alunos e nos seus registros escritos. Tal feito é possível porque a concepção de brincar adotada nessa pesquisa não o tomou de forma ingênua, compreendendo-o apenas como fonte de prazer e satisfação, mas sim como uma atividade que é principal na infância, em idade pré-escolar, que promove o desenvolvimento de 318 funções psicológicas superiores e contribuem com a humanização dos sujeitos por meio da apropriação da cultura acumulada pela sociedade. É importante ressaltar que eu trabalhei com adultos e o brincar porque, para a Psicologia Histórico-Cultural, o brincar não deixa de ser importante no desenvolvimento nesse ciclo de vida, apenas se torna secundário. O mesmo pode ser dito em relação à atividade de estudo, que é principal na infância, em idade escolar até a adolescência, mas também pode promover desenvolvimento nos adultos. Portanto, no planejamento desse experimento formativo, eu elaborei mediações pedagógicas integrando intencionalmente, duas atividades que na história dos estudantes, foram principais: o brincar e o estudo. Isso significa que para romper com o processo de alienação no trabalho do pedagogo e do professor, um caminho possível é promover mediações que envolvam outras atividades promotoras de desenvolvimento organizadas de tal forma que possibilitem a superação da cotidianidade e da pseuconcreticidade na direção da práxis revolucionária. A terceira etapa, apesar de breve, possibilitou a apresentação de aspectos históricos que constituíram o fenômeno da medicalização da vida, da e na Educação, assim como a hierarquia conceitual que o representa. As mediações pedagógicas oportunizadas possibilitaram a compreensão da gênese do fenômeno, de forma articulada com tudo o que foi estudado e realizado no decorrer da disciplina. Dessa forma, esse resgate histórico pode ser compreendido como o quarto determinante, que explica a naturalização que os profissionais da Educação atribuída ao crescente número de alunos diagnosticados com supostos transtornos de ordem biológica, cuja causa está no organismo do sujeito. Considero que ao construir esse caminho, planejei uma prática pedagógica ancorada na práxis, com mediação dialética que contribuiu para que os estudantes avançassem na aprendizagem conceitual sobre medicalização na Educação. Tal aprendizagem promoveu o desenvolvimento de funções psicológicas superiores que favoreceram a compreensão da 319 totalidade do fenômeno da medicalização e o delineamento de possibilidades de intervenção nessa realidade por meio de práticas pedagógicas desmedicalizantes que, nas palavras dos estudantes, devem começar com a aprendizagem do conceito na formação inicial e continuada do professor, para possibilitar uma formação e prática humanizada, sendo que o brincar surge como possibilidade para atingir tais propósitos. Os estudantes possuíam conceitos iniciais que representavam a aparência do fenômeno da medicalização. A aprendizagem conceitual possibilitou o desenvolvimento do pensamento teórico, que por sua vez, deu condições para que alguns dos estudantes apreendessem gradativamente os determinantes do fenômeno da medicalização na Educação, por meio da abstração. Dessa forma, puderam compreender sua gênese, estrutura e funcionamento, ascendendo ao concreto e superando a pseudoconcreticidade e apreendendo as particularidades e, consequentemente, a essência do objeto estudado. Nem todos os estudantes conseguiram demonstrar uma aprendizagem com tal complexidade, mas apesar disso, os sete que tiveram seus registros analisados avançaram na compreensão conceitual e puderam propor caminhos para o enfrentamento do referido fenômeno. Diante do exposto até aqui, ressalto que é urgente abordar o conceito de medicalização na formação inicial dos pedagogos, mas a partir de um planejamento pedagógico intencional que integre teoria, estágios e reflexão crítica, promovendo uma verdadeira práxis revolucionária, que permita transformar a formação e a atuação do pedagogo. Para isso, a inclusão desse tema deve ser coerente com a proposta do ensino desenvolvimental e do experimento formativo tal como proposto por Davydov (n.d.). Gostaria de enfatizar que o tema da medicalização não se refere apenas a diagnósticos de alunos e de professores, mas trata diretamente da qualidade da Educação, pois seu enfrentamento implica em agir para construir uma Educação democrática, para todos, que considera a heterogeneidade da população, promove a valorização docente, a apropriação do patrimônio cultural e o desenvolvimento de 320 uma outra forma de sociabilidade, diferente das que se tem disso constituídas na sociedade capitalista, com mais justiça social e igualdade. Além de sugerir a inserção dessa temática na formação docente, considero importante que outras pesquisas sejam realizadas com pedagogos e demais profissionais da Educação que estejam atuando profissionalmente para mediar a aprendizagem de conceitos científicos relacionados à medicalização na Educação que possibilitem uma práxis revolucionária e o enfrentamento ao referido fenômeno nas instituições educacionais. 321 Referências Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa. (2014). Metilfenidato no tratamento de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde, (23). Recuperado de http://portal.anvisa.gov.br/documents/33884/412285/Boletim+Brasileiro+de+Avalia%C3 %A7%C3%A3o+de+Tecnologias+em+Sa%C3%BAde+(BRATS)+n%C2%BA+23/fd71b 822-8c86-477a-9f9dac0c1d8b0187. Almeida, I. N. S. de, Rodrigues, L. A. (2015). O lúdico como recurso didático-pedagógico no desenvolvimento da criança na educação infantil. Humanidades e Inovação, 2(1), 25-41. Recuperado de https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/66 American Psychiatric Association - APA. (2013). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5ª ed). Porto Alegre: Artmed. Andrada, P. C. de, & Souza, V. L. T. de. (2015). Corpo e docência: a dança circular como promotora do desenvolvimento da consciência. Psicologia Escolar e Educacional, 19(2), 359-368. https://dx.doi.org/10.1590/2175-3539/2015/0192855. Angelucci, C. B., Souza, B. P. (2010). Apresentação. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar (Orgs.), Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doença de indivíduos (pp. 07-13). São Paulo: Casa do Psicólogo. Aquino, F. M. S. de. (2012). Campanha de Pé no Chão também se aprende a ler. (Natal-RN 1961-1964): reflexões sobre práticas educativas e currículo. Monografia de Graduação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal). Aquino, O. F. (2014). O Experimento Didático-Formativo: contribuições para a pesquisa em didática desenvolvimental. In I. M. S. D. Farias, M. S. L. Lima, M. M. D. Cavalcante, & J. A. M. D. Sales, Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores (pp. 4645-4657). Fortaleza: EdUECE Recuperado de http://www.uece.br/endipe2014/ebooks/livro2/o%20experimento%20did%c3%81tico- formativo%20contribui%c3%87%c3%95es%20para%20a%20pesquisa%20em%20did%c 3%81tica%20desenvolvimental.pdf Asbahr, F. da S. F. (2005). Sentido pessoal e projeto político pedagógico: análise da atividade pedagógica a partir da Psicologia Histórico-Cultural (Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo). Recuperado de http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-24112005-195626/pt-br.php Assumpção, M. P., Sforni, M. S. de F. (2016). Contribuições de Davydov para a organização do ensino (Monografia de Graduação, Universidade Estadual de Maringá, Maringá). 322 Recuperado de http://www.dfe.uem.br/TCC- 2015/MAIARA_PEREIRA_ASSUMPAO.pdf Avancini, M. (2011, agosto). Criação de rádio e jornal ajudou a transformar realidade de escola considerada perigosa. Revista Educação. UOL. Recuperado de http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/210/criacao-de-radio-e-jornal-escolar-ajudou-a- transformar-realidade-327559-1.asp. Barbosa, D. R., & Souza, M. P. R. de. (2012). Psicologia Educacional ou Escolar? Eis a questão. Psicologia Escolar e Educacional, 16(1), 163-173. https://dx.doi.org/10.1590/S1413- 85572012000100018. Barroco, S. M. S., Facci, M. G. D., & Moraes, R. J. S. de. (2017). Posicionamento da Psicologia ante o crescimento da medicalização: considerações educacionais. In N. S. T. Leonardo, Z. F. de R. Leal, & A. de F. Franco, Medicalização da Educação e Psicologia Histórico- Cultural: em defesa da emancipação humana. Maringá: EDUEM. Basso, I. S. (1998). Significado e sentido do trabalho docente. Cadernos CEDES, 19(44), 19- 32. https://dx.doi.org/10.1590/S0101-32621998000100003 Bernardes, M. E. M. (2012). Mediações simbólicas na atividade pedagógica: contribuições da teoria histórico-cultural para o ensino e aprendizagem. Curitiba: CRV. Bernardes, M. E. M., & Moura, M. O. de. (2009). Mediações simbólicas na atividade pedagógica. Educação e Pesquisa, 35(3), 463-478. https://dx.doi.org/10.1590/S1517- 97022009000300004 Boarini, M. L. (2006). O higienismo na educação escolar. Comunicação apresentada no VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, Uberlândia, Brasil. Bonadio, R A. A. (2013). Problemas de atenção: implicações do diagnóstico de TDAH na prática pedagógica (Tese de doutorado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá). Braga, S. G., Leite, H. A., Bray, C. T., & Souza, M. P. R. de. (2013). TDAH e atenção voluntária na Psicologia Histórico-Cultural: entre a cristalização e a possibilidade de mudança. In Conselho Regional de Psicologia – CRP SP (Org.), III Seminário Internacional Educação Medicalizada: reconhecer e acolher as diferenças (pp. 24-26). São Paulo. Cabral Neto, A. (2004). Psicologia Escolar: histórias, tendências e possibilidades. In O. H. Yamamoto, & A. Cabral Neto, (Orgs.), O psicólogo e a escola: uma introdução ao estudo da Psicologia escolar (2ª ed. rev. e ampl., pp. 35-68). Natal, RN: Editora da UFRN. Calado, V. A. (2013). Estágio em Psicologia escolar e educacional: possibilidades de ruptura com discursos e práticas e que patologizam a educação. In Conselho Regional de Psicologia – CRP SP (Org.), III Seminário Internacional Educação Medicalizada: reconhecer e acolher as diferenças (pp. 90-92). São Paulo: Autor. Calado, V. A. (2014). Estágio em Psicologia escolar e educacional: ruptura com a medicalização da educação. Psicologia Escolar e Educacional, 18(3), 567-569. https://dx.doi.org/10.1590/2175-3539/2014/0183828 323 Caldas, M. (1932). A clínica de euphrenia. Archivos brasileiros de hygiene mental, 5(2), 65- 69. Recuperado de http://old.ppi.uem.br/gephe/ABHM/ABHMAno5N2OutDez1932part1.pdf. Câmara Municipal de São Paulo, Comissão de Saúde, Promoção Social, Trabalho e Mulher, Subcomissão de Medicalização da Vida Cotidiana no Campo da Saúde e Sociedade. (2016). Relatório 2016. São Paulo: Secretaria de Documentação da Câmara Municipal de São Paulo. Camargo, P. da S. A. S., Rosa, E. de C. (2013). A ludicidade como estratégia pedagógica na educação de jovens e adultos – EJA. Mimesis, 34(2), 219-232. Recuperado de https://secure.usc.br/static/biblioteca/mimesis/mimesis_v34_n2_2013_art_05.pdf Campos Neto, O. H., Acurcio, F. de A., Machado, M. A. de Á., Ferré, F., Barbosa, F. L. V., Cherchiglia, M. L., & Andrade, E. I. G. (2012). Médicos, advogados e indústria farmacêutica na judicialização da saúde em Minas Gerais, Brasil. Revista de Saúde Pública, 46(5), 784-790. https://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102012000500004 Carvalho, B. P. (2014). A Escola de São Paulo de Psicologia Social: uma análise histórica do seu desenvolvimento desde o materialismo histórico-dialético (Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo). Carvalho, D. C. de. (2000). A relação Psicologia e alfabetização sob a óptica dos professores. Comunicação apresentada na 23ª Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Texto completo recuperado de http://23reuniao.anped.org.br/textos/2008t.PDF Cavalcanti, L. de S. (2005). Cotidiano, mediação pedagógica e formação de conceitos: uma contribuição de Vygotsky ao ensino de geografia. Cadernos CEDES, 25(66), 185-207. https://dx.doi.org/10.1590/S0101-32622005000200004 Checchia, A. K. A. (2015). Contribuições da Psicologia Escolar para a formação de professores: um estudo sobre a disciplina Psicologia da Educação nas Licenciaturas (Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo). Cintra, R. C. G. Goença, M. A. M. & Jesuíno, M. dos S. (2010). A historidade do lúdico na abordagem histórico-cultural de Vigotski. Revista Rascunhos Culturais, 1(2), 225-238. Recuperado de https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3694625 Collaço, L. C. (2016). A produção de conhecimento e a implicação para a prática do encaminhamento, diagnóstico e medicalização de crianças: contribuições da Psicologia Histórico-Cultural (Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá). Collares, C. L., & Moysés, M. A. A. (1994). A transformação do espaço pedagógico em espaço clínico. (A Patologização da Educação). Série Ideias. (23), São Paulo, FDE, 25-31. Recuperado de http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_23_p025-031_c.pdf Collares, C. L., Moysés, M. A. A. (2014). A Educação na era dos transtornos. In L. S. V. Viégas, M. I. S. Ribeiro, E. C. Oliveira, & L. A. da L. Teles, Medicalização da Educação e da 324 Sociedade: ciência ou mito? (pp. 47-68). Salvador, BA: EDUFBA. Conselho Federal de Psicologia. (2013). Subsídios para a campanha não à medicalização da vida – medicalização da educação. (2ª ed.). Brasília: Conselho Federal de Psicologia. Conselho Regional de Psicologia de São Paulo - CRP SP. (2010). Dislexia: subsídios para políticas públicas. São Paulo: CRP SP. Correia, M., & Campos, H. R. (2004). Psicologia Escolar: histórias, tendências e possibilidades. In O. H. Yamamoto, & A. Cabral Neto (Orgs.), O psicólogo e a escola: uma introdução ao estudo da Psicologia escolar (2ª ed., pp. 137-175). Natal: Editora da UFRN. Correia, W. & Bonfim, C. (2008). Práxis pedagógica na filosofia de Paulo Freire: um estudo dos estádios da consciência. Trilhas Filosóficas, 1(1), 55-66. Recuperado de http://periodicos.uern.br/index.php/trilhasfilosoficas/article/view/15 Davydov, D. D. (n.d.). Problemas do ensino desenvolvimental: A Experiência da Pesquisa Teórica e Experimental na Psicologia. Libâneo, J. C., Freitas, R. A. M. Uso didático na disciplina: Didática na perspectiva histórico-cultural, no PPGE da Universidade Católica de Goiás. Recuperado de http://principo.org/v-v-davydov.html Delari Júnior, A. (2015). Questões de método em Vygotsky: busca da verdade e caminhos da cognição. In S. C. Tuleski, M. Chaves, H. A. Leite (Orgs.), Materialismo histórico dialético como fundamento da Psicologia Histórico-Cultural: método e metodologia de pesquisa. (pp. 43-83). Maringá: Eduem. Duarte, N. (2000). A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco: a dialética em Vigotski e em Marx e a questão do saber objetivo na educação escolar. Educação & Sociedade, 21(71), 79-115. https://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302000000200004 Eidt, N. M., & Tuleski, S. C. (2010). Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e Psicologia Histórico-Cultural. Cadernos de Pesquisa, 40(139), 121- 146. https://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742010000100007 Elkonin, D. B. (1998). Psicologia do Jogo (1ª ed., A. Cabral, Trad.). São Paulo: Martins Fontes. Facci, M. G., Barroco, S. M. S, & Leonardo, N. S. T. (2009). A historicidade na constituição do sujeito: considerações do marxismo e da Psicologia Histórico-Cultural. In E. A. Tomanik, Caniato, A. M. P., & Facci, M. G. D (Orgs), A constituição do sujeito e a historicidade. Campinas: Editora Alínea. Felício, H. M. dos S. & Oliveira, R. A de. (2008). A formação prática de professores no estágio curricular. A formação prática de professores no estágio curricular. Educar em Revista, (32), 215-232. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-40602008000200015 Ferreira, E. T. A., Gasparetto, D., Monteiro, E. F., & Aquime, R. (2013). Conversas sobre medicalização da educação numa escola pública na cidade de Belém. In Conselho Regional de Psicologia – CRP SP (Org.), III Seminário Internacional Educação Medicalizada: reconhecer e acolher as diferenças (pp. 20-22). São Paulo. 325 Figueira, F., & Boarini, M. L. (2014). Psicología e higiene mental en Brasil: la historia por contar. Universitas Psychologica, 13(spe5), 1801- 1814. https://dx.doi.org/10.11144/Javeriana.upsy13-5.phmb Fontes, M. da S. (2018). Estranhamento, dificuldades, resistência e possibilidades: movimento de aprendizagem sobre o ensino desenvolvimental. Comunicação apresentada na XII Reunião Científica da ANPED- SUL Educação, Democracia e Justiça Social, Porto Alegre, Brasil. Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. (2015a). Nota técnica: o consumo de psicofármacos no Brasil, dados do Sistema Nacional de Gerenciamento de produtos controlados ANVISA (2007-2014). Recuperado de http://medicalizacao.org.br/wp- content/uploads/2015/06/NotaTecnicaForumnet_v2.pdf Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. (2015b). Recomendações de práticas não medicalizantes para profissionais e serviços de educação e saúde. Brasília: Conselho Federal de Psicologia. Foucault, M. (1977). Historia de la medicalización. Educación médica y salud, 11 (1), 3-25. Recuperado de http://hist.library.paho.org/Spanish/EMS/4839.pdf Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal. Foucault, M. (2011). O nascimento da clínica (7ª ed.). Rio de Janeiro: Forense-Universitária. Franco, M. A. S. (2015). Práticas pedagógicas de ensinar-aprender: por entre resistências e resignações. Educação e Pesquisa, 41(3), 601-614. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201507140384 Freire, K. do. E. S. (2017). Educação e saúde mental: uma análise sobre as queixas escolares em um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil de Salvador-BA (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, Salvador). Garrido, J., & Moysés, M. A. A. (2010). Um panorama nacional dos estudos sobre a medicalização da aprendizagem de crianças em idade escolar. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar (Orgs.), Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doença de indivíduos (pp. 71-110). São Paulo: Casa do Psicólogo. Gomes, P. (2012). Um novo experimento na Escola Campos Salles. Recuperado de http://outraspalavras.net/outrasmidias/uncategorized/heliopolis/. Gravatá, A., Piza, C., Mayumi, C. & Shimahara, E. (2013). Amorim Lima e Politeia, pp. 44- 63. In Volta ao mundo em 13 escolas (pp. 44-63). São Paulo: Fundação Telefônica. Groetaers, P. da S., Lima, T. R., & Peixoto, C. (2013). Projeto Educação Medicalizada: debatendo a medicalização com alunos e professores de um curso normal. In Conselho Regional de Psicologia – CRP SP (Org.), III Seminário Internacional Educação Medicalizada: reconhecer e acolher as diferenças (pp. 113). São Paulo: Autor. 326 Guarido, R. (2010). A Biologização da vida e alguma simplicações do discurso médico sobre a educação. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar (Orgs.), Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doença de indivíduos (pp. 71-110). São Paulo: Casa do Psicólogo. Illich, I. (1975). A expropriação da saúde: nêmesis da medicina. Botafogo: Editora Nova Fronteira. Recuperado de https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/3205.pdf Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE. (2014). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep. (2017). Censo Escolar da Educação Básica 2016: notas estatísticas. Brasília: Inep. Instituto Paulo Montenegro, Ação Educativa. (2016). Indicador de analfabetismo funcional – INAF: estudo especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho. São Paulo: Instituto Paulo Montenegro, Ação Educativa. Kosik, K. (1976). Dialética do Concreto (2ª ed). Rio de Janeiro: Paz e Terra. Legnani, V. N. & Pereira, J. B. G. R. (2015). Concepções dos professores sobre a medicalização no contexto escolar. Ensino Em Re-vista, 22(1), 35-45. Recuperado de http://www.seer.ufu.br/index.php/emrevista/article/view/30694/16760 Leite, H. A., Ricci, P. S. P., & Tuleski, S. C. (2018). A definição do percurso, a seleção e organização dos procedimentos para o experimento de ensino. In S. C. Tuleski, M. Chaves, H. L. Leite, & L. G. Cambaúva (Orgs.), Cinema e formação de conceitos científicos no ensino superior: diálogos entre a Psicologia Histórico-Cultural e a Pedagogia Histórico- Crítica (pp. 83-107). Curitiba: Appris. Leonardo, N. S. T. & Suzuki, M. A. (2016). Medicalização dos problemas de comportamento na escola: perspectivas de professores. Fractal: Revista de Psicologia, 28(1), 46-54. https://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1161 Leonardo, N. S. T., Leal, Z. F. de R. & Franco, A. de F. (2017). Apresentação. In N. S. T. Leonardo, Z. F. de R. Leal, & A. de F. Franco. Medicalização da Educação e Psicologia Histórico-Cultural: em defesa da emancipação humana. Maringá: EDUEM. Leontiev, A. N. (2006). Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. Em L. Vigotskii, A. R. Luria, & A. N. Leontiev, Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem (10ª ed., pp. 103-117). São Paulo: Ícone. Libâneo, J. C. (2004). A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender: a teoria histórico- cultural da atividade e a contribuição de Vasili Davydov. Revista Brasileira de Educação,. (27), 5-24. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782004000300002 327 Libâneo, J. C. (2015). Prefácio. In M. C. Borges, & O. F. Aquino (Orgs.), A formação de professores para a educação básica: discussões teóricas e práticas (pp. 11-18). Uberlândia, MG: EDUFU. Lucena, J. E. E. (2016). Desenvolvimento da Atenção Voluntária na Educação Infantil: contribuições da Psicologia Histórico Cultural para processos educativos e práticas pedagógicas (Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Maringá, Maringá). Luckesi, C. (2014). Ludicidade e formação do educador. Revista Entre Ideias, 3(2), 13-23. Recuperado de https://rigs.ufba.br/index.php/entreideias/article/viewFile/9168/8976 Martinez, A. M. (2010). O que pode fazer o psicólogo na escola? Em Aberto, 23(83), 5-6. Recuperado de http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1634/1298 Martins, L. A. M., & Peixoto Junior, C. A. (2009). Genealogia do biopoder. Psicologia & Sociedade, 21(2), 157-165. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822009000200002 Marx, K. (1987). Manuscritos Econômico-Filosóficos e outros textos escolhidos. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural. Medeiros, L. O. C., Melo, T. C. de. (2015). A compreensão dos professores acerca do processo de medicalização da educação. (Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação, Universidade Potiguar, Natal). Mello, F. E. C. (2004). Alfabetização na Educação de Jovens e Adultos: Uma reflexão sobre a importância da ludicidade. Cruz Alta: [s.l.]. Recuperado de http:/www.cereja.org.br/pdf/20041116_fatima Mello, S. A. (2010). Ensinar e Aprender a Linguagem Escrita na Perspectiva Histórico-Cultural. Revista de Psicologia Política, 10, 329-343. Recuperado de http://www.fafich.ufmg.br/rpp/seer/ojs/viewarticle.php?id=313 Mendonça, J. G. R. (2008). Formação de professores: a dimensão lúdica em questão. Cadernos da Pedagogia, 2(3), 253-263. Recuperado de http://www.cadernosdapedagogia.ufscar.br/index.php/cp/article/viewFile/55/48. Messeder Neto, H. da S., & Moradillo, E. F. de. (2017). O jogo no ensino de química e a mobilização da atenção e da emoção na apropriação do conteúdo científico: aportes da Psicologia Histórico-Cultural. Ciência & Educação, 23(2), 523-540. https://dx.doi.org/10.1590/1516-731320170020015 Ministério da Cultura & Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. (2014). Caramba, Carambola: o Brincar tá na escola! São Paulo: Paiol Filmes. Ministério da Educação e da Cultura - MEC. Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. (2014). Caramba carambola: o brincar tá na escola! Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=oJSKrU-CKys 328 Ministério da Educação. (2016). Ofício-Circular nº 1/2016/CGEI/DICEI/SEB/SEB-MEC. Brasília: Secadi. Ministério da Saúde. Coordenação de Saúde da Criança e Aleitamento Materno. Coordenação de Saúde dos Adolescentes e dos Jovens. Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. (2015). Recomendações do Ministério da Saúde para adoção de práticas não medicalizantes e para a publicação de protocolos municipais e estaduais de dispensação de metilfenidato para prevenir a excessiva medicalização de crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. (2017). Assistência Farmacêutica em Pediatria no Brasil: recomendações e estratégias para a ampliação da oferta, do acesso e do uso racional de medicamentos em crianças. Brasília: Ministério da Saúde. Monteiro, H. R. (Produtora). (2006). Medicalização da vida escolar [Vídeo]. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=hj-FtJDTo3w. Moysés, M. A. A. (2010). O Brasil é o segundo maior consumidor mundial de ritalina. Entrevista concedida à Globo News em 29 de novembro de 2010. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=MTFOb2bLjLA Moysés, M. A. A., & Collares, C. A. L. (1997). Inteligência Abstraída, Crianças Silenciadas: as Avaliações de Inteligência. Psicologia USP, 8(1), 63-89. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 65641997000100005&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S0103-65641997000100005 Moysés, M.A & Collares, C. A. L. (2013b). Controle e medicalização da infância. Desidades: Revista Eletrônica de Divulgação Científica na Área da Infância e Juventude, 1(1), 11-21. Recuperado de http://desidades.ufrj.br/featured_topic/controle-e-medicalizacao-da-infancia/ Moysés, M.A, & Collares, C. A. L. (2013a). Medicalização: o obscurantismo reinventado. In M.A Moysés, C. A. L. Collares, & M.C.F. Ribeiro (Orgs.), Novas capturas, antigos diagnósticos na era dos transtornos: memórias do II seminário internacional (pp. 41-64). Campinas: Mercado de Letras. Moysés, M.A.A., & Collares, C. A. L. (2010). Dislexia e TDAH: uma análise a partir da ciência médica. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar. (Orgs.), Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doença de indivíduos (pp. 71-110). São Paulo: Casa do Psicólogo. Nascimento, C. P., Araújo, E. S., & Miguéis, M. da R. (2009). O jogo como atividade: contribuições da teoria histórico-cultural. Psicologia Escolar e Educacional, 13(2), 293- 302. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-85572009000200012 Nascimento, C. P., Araújo, E. S., & Miguéis, M. da R. (2016). O conteúdo e a estrutura da atividade de ensino na Educação Infantil: o papel do jogo. In Moura, M. O. (org.). A atividade pedagógica na teoria histórico-cultural. (2ª ed.). Campinas: Autores Associados. 329 Nascimento, R. de. (2014). Um estudo da mediação na teoria de Lev Vigotski e suas implicações para a educação (Tese de Doutorado, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia). Recuperado de https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/13673/1/EstudoMediacaoTeoria.pdf Neves, J. D., Resende, M. R. (2014). O experimento didático como metodologia de pesquisa: um estudo na perspectiva do “estado do conhecimento”. Comunicação apresentada no XII Encontro de Pesquisa em Educação/Centro-Oeste, Goiânia. Texto completo recuperado de http://sites.pucgoias.edu.br/pos-graduacao/mestrado-doutorado-educacao/wp- content/uploads/sites/61/2018/05/Jos%C3%A9-Divino-Neves_-Marilene-Ribeiro- Resende.pdf Oliveira, B. (2001). A dialética do singular-particular-universal. Exposição apresentada na mesa de abertura do V Encontro de Psicologia Social Comunitária, Bauru. Texto completo recuperado de http://stoa.usp.br/gepespp/files/3115/17336/ADialeticaDoSingularParticularUniversal.pdf Oliveira, E. de, Rodrigues, M. do S., Souza, R. S. e & Guimarães, A. R. (2007). O lúdico na educação de jovens e adultos. In Associação de Leitura do Brasil (Org). 16º Congresso de Leitura do Brasil. Texto completo recuperado de http://alb.org.br/arquivo- morto/edicoes_anteriores/anais16/sem01pdf/sm01ss04_08.pdf Oliveira, J. M. F. de, & Ribeiro Filho, R. (2014). Medicalização da educação e Psicologia: alternativas possíveis (Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação, Universidade Potiguar, Natal). Oliveira, M. V. C. de, & Oliveira, V. M. (2015). O que os profissionais da educação conhecem sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação, Universidade Potiguar, Natal). Ostetto, L. E. (2010). Para encantar, é preciso encantar-se: danças circulares na formação de professores. Cadernos Cedes, 30(80), 40-55. https://dx.doi.org/10.1590/S0101- 32622010000100004 Paparelli, R. (2010). Saúde Mental relacionada ao trabalho: o caso de educadores da rede pública de ensino paulistana. In E. Lourenço, V. Navarro, I. Bertani, J. F. S. da Silva, R Sant'ana (Orgs.), O Avesso do Trabalho II (pp. 317-342). São Paulo: Expressão Popular. Patto, M. H. S. (2008). A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. (3ª ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo. Paulo Netto, J. (2011). Introdução ao estudo do método do Marx. São Paulo: Ed. Expressão Popular. Pereira, J. E. (2005). A importância do lúdico na formação de educadores: uma pesquisa na ação do Museu da Educação e do Brinquedo – MEB da Faculdade de Educação da USP (Dissertação de mestrado, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo). Recuperado de http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-14112007- 144030/pt-br.php 330 Perez, E. C. de M. F. (2016). Medicalização e Educação: o entorpecimento da infância no cotidiano escolar (Tese de doutorado, Universidade de Sorocaba, Sorocaba). Recuperado de http://educacao.uniso.br/producao-discente/teses/Teses_2016/elaine-perez.pdf Portaria Nº 986, de 11 de junho de 2014. (2014, 11 de junho). Institui o Protocolo de Uso de Metilfenidato. Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo. Real, H. R., Santos, D. F. M. dos, & Weber, M. M. (2017). O brincar livre: reflexões para o professor de pré-escola. Comunicação apresentada no XIII Congresso Nacional de Educação Formação de professores: contextos, sentidos e práticas. (pp. 12278-12289). Curitiba. Recuperado de https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/23654_12640.pdf Recomendação Nº 01. (2015, 16 de julho). Recomendação para a prevenção e erradicação do trabalho infantil e a proteção do trabalho adolescente no âmbito doméstico no Mercosul. Brasília: Conselho do Mercado Comum- CMC/MERCOSUL. Recuperado de http://200.40.51.218/SAM%5CGestDoc%5Cpubweb.nsf/9A044F901FC292A3032584B6 000B0F68/$File/REC_001-2015_PT_Trabalho%20Infantil%20Domestico_c.pdf Recomendação nº 019. (2015, 8 de outubro). Recomenda a promoção de práticas não medicalizantes por profissionais e serviços de saúde e a publicação de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para prescrição de metilfenidato, de modo a prevenir a excessiva medicalização de crianças e adolescentes. Brasília, DF: Conselho Nacional de Saúde. Recuperado de http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes/2015/Reco019.pdf Rego, T. C. (2012). Vygotsky: uma perspectiva Histórico-Cultural da Educação. Petrópolis: Vozes. Renner, E., Nisti, M., & Lobo, L. (Produtor). Rhoden, C. (Diretor). (2014). Tarja Branca. [Documentário]. São Paulo: Maria Farinha Filmes. Resolução CNE/CP nº 1. (2006, 15 de maio). Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1, p. 11. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf Resolução nº 177. (2015, 11 de dezembro). Dispõe sobre o direito da criança e do adolescente de não serem submetidos à excessiva medicalização. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: CONANDA. Recuperado de https://www.direitosdacrianca.gov.br/conanda/resolucoes/resolucao-177-de-11-de- dezembro-de-2015/view Rigon, A. J., Asbahr, F. da S. & Moretti, V. D. (2016). Sobre o processo de humanização. In M. O. Moura (Org.). A atividade pedagógica na teoria histórico-cultural (2ª ed.). Campinas: Autores Associados. Rigon, A. J., Bernardes, M. E. M., Moretti, V. D. & Cedro, W. L. (2016). O desenvolvimento psíquico e o processo educativo. In M. O. Moura (Org.), A atividade pedagógica na teoria histórico-cultural (2ª ed.). Campinas: Autores Associados. Rosa, J. E. da, Moraes, S. P. G. de & Cedro, W. L. (2016). As particularidades do pensamento 331 empírico e do pensamento teórico na organização do ensino. In M. O. de. Moura (Org.), A atividade pedagógica na teoria histórico-cultural (2ª ed.). Campinas: Autores Associados. Sá, N. M. C. (2004). O lúdico na ciranda da vida adulta. (Dissertação de Mestrado, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo). Recuperado de http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/USIN_54a80a955c87255a81fd711a7a899c1c Sanceverino, A. R. (2016). Mediação pedagógica na educação de jovens e adultos: exigência existencial e política do diálogo como fundamento da prática. Revista Brasileira de Educação, 21(65), 455-475. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782016216524 Sanches, V. N. L., & Amarante, P. D. de C. (2014). Estudo sobre o processo de medicalização de crianças no campo da saúde mental. Saúde em Debate, 38(102), 506-514. https://dx.doi.org/10.5935/0103-1104.20140047 Santos, D. F. M., Tuleski, S. C., & Franco, A. de F. (2016). TDAH e boa avaliação no IDEB: uma correlação possível? Psicologia Escolar e Educacional, 20(3), 515- 522. https://dx.doi.org/10.1590/2175-3539201502031037 Santos, D. V., Lemos, F. C. S., & Gomes, G. do S. L. (2017). Apontamentos para pensar a formação de professores e o currículo na medicalização. Mnemosine, 13(1), 25-39. Recuperado de http://www.mnemosine.com.br/ojs/index.php/mnemosine/article/view/582 Santos, E. de A. dos, & Arrais, L. F. L. (2019). Formação Inicial de Professores que Ensinam Matemática: uma Experiência Formativa a Partir do Pibid. JIEEM, 12(1), 99-105. Recuperado de https://revista.pgsskroton.com/index.php/jieem/article/view/6261/4573 Santos, K. Y. P. dos, Balsani, J. P. L., Basoli, L., & Navarro, L. M. (2013). O cinema usado como intervenção no contexto de medicalização do social no contemporâneo. In Anais do In Conselho Regional de Psicologia – CRP SP (Org.), III Seminário Internacional Educação Medicalizada: reconhecer e acolher as diferenças (pp. 39-41). São Paulo: Autor. Silva, S. M. C. (2005). Psicologia escolar e arte: uma proposta para a formação e atuação profissional (1ª ed). Campinas/Uberlândia: Alínea/Editora da Universidade Federal de Uberlândia. Sindicato das Mantenedoras do Ensino Superior (2015). Mapa do Ensino Superior no Brasil. São Paulo: SEMESP. Recuperado de http://convergenciacom.net/pdf/mapa-ensino- superior-brasil-2015.pdf Souza, B. de P. (2007). Apresentando a Orientação à Queixa Escolar. In B. de P. Souza (Org.), Orientação à queixa escolar (pp. 97-118). São Paulo: Casa do Psicólogo. Souza, B. de P. (2014). Puxando o tapete da medicalização do ensino: uma outra educação é possível. Nuances: Estudos sobre Educação, 25(1), 299-316. Recuperado de http://revista.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/viewFile/2733/2533. Souza, C. S. de, & Silva, G. M. (2013). Na contramão da medicalização: relato de experiência na escola. In Conselho Regional de Psicologia – CRP SP (Org.), III Seminário 332 Internacional Educação Medicalizada: reconhecer e acolher as diferenças (pp. 79-81). São Paulo: CRP SP. Souza, M. P. R. de. (2007). Prontuários revelando os bastidores do atendimento psicológico à queixa escolar. In B. de P. Souza (Org.), Orientação à queixa escolar (pp. 27-58). São Paulo: Casa do Psicólogo. Souza, M. P. R. de. (2010). Retornando à patologia para justificar a não aprendizagem escolar: a medicalização e o diagnóstico de transtornos de aprendizagem em tempos de neoliberalismo. In Conselho Regional de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional Queixa Escolar (Orgs.). Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doença de indivíduos (pp. 57-67). São Paulo: Casa do Psicólogo. Tada, I. N. C., Silva, J. M. B da, Guedes, L. P. da S., Oliveira, D. L. S. de, Furtado, M. C. D., & Lopes, F. R. (2017). Rompendo mordaças: contribuições da Psicologia Escolar para o enfrentamento da queixa escolar. In N. S. T. Leonardo, Z. F. de R. Leal, & A. de F. Franco, Medicalização da Educação e Psicologia Histórico-Cultural: em defesa da emancipação humana (pp. 109-134). Maringá: Eduem. Teles, D. R. S. (2004). Características da mediação de aprendizagem e o brincar na educação infantil: indicadores para a formação de professores (Dissertação de Mestrado. Universidade de Uberaba, Uberaba). Recuperado de https://www.uniube.br/biblioteca/novo/base/teses/BU000051567.pdf Temporão, J. G. (2013). Indústria farmacêutica e medicalização. In M.A Moysés, C. A. L. Collares, & M.C.F. Ribeiro (Orgs.), Novas capturas, antigos diagnósticos na era dos transtornos: memórias do II seminário internacional (pp. 65-78). Campinas: Mercado de Letras. Tonet, I. (2013). Método Científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács. Tuleski, S. C., Chaves, M., & Silva, R. L. da. (2018). As possibilidades para a apropriação de conceitos científicos tendo a arte cinematográfica como recurso: alguns pressupostos teórico-metodológicos. In S. C. Tuleski, M. Chaves, H. L. Leite, & L. G. Cambaúva (Orgs). Cinema e formação de conceitos científicos no ensino superior: diálogos entre a Psicologia Histórico-Cultural e a Pedagogia Histórico-Crítica. Curitiba: Appris. Vigotski, L. S. (2007). A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores (7ª ed.). São Paulo: Martins Fontes. Vigotski, L. S. (2008). Pensamento e linguagem (4ª ed.). São Paulo: Martins Fontes. Vigotskii, L. S. (2006). Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar (10ª ed.). In L. S. Vigotskii, A. R. Luria, & A. N. Leontiev, Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem (pp. 103-117). São Paulo: Ícone. Vinhoti, C. R., Santos, G. C. (2007). O brincar e a educação. Arquivos do Museu Dinâmico Interdisciplinar, 11(Supl.2), 532-536. (Trabalho apresentado no I Encontro de Pesquisa em Educação, IV Jornada de Prática de Ensino, XIII Semana de Pedagogia da UIN Infância e 333 Práticas Educativas. Vygotski, L. S. (2013). Obras Escogidas - Tomo III. Madri: Antonio Machado Libros. 334 Apêndices Apêndice A – Carta de anuência da unidade de ensino em que a pesquisa foi realizada. Carta de Anuência Ilma Sra. Profª. XXXXXXXXXXXXXXXXX Diretora do XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX Solicitamos autorização institucional para realização da pesquisa intitulada “Práxis pedagógica na formação inicial do pedagogo: aprendizagem de conceitos científicos e enfrentamento da medicalização na educação à luz da Psicologia Histórico-Cultural” a ser realizada no curso de Pedagogia no XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, pela pós-graduanda Vânia Aparecida Calado, sob orientação do Prof. Dr. Herculano Ricardo Campos, com o objetivo geral: desenvolver práxis pedagógica na formação inicial do pedagogo que oportunize a aprendizagem crítica e transformadora de conceitos científicos sobre a medicalização na educação. A pesquisa terá como objetivos específicos: desenvolver mediação pedagógica na formação inicial do pedagogo que oportunize a aprendizagem de conceitos científicos sobre a medicalização na educação, possibilitar ao pedagogo em formação a identificação de situações na prática pedagógica em que esteja implicada a questão da medicalização na educação, oportunizar, na mediação pedagógica desenvolvida na formação inicial do pedagogo, reflexão sobre implicações da medicalização na educação na vida das pessoas, oportunizar, na mediação pedagógica desenvolvida na formação inicial do pedagogo, reflexão acerca do papel profissional no enfrentamento do fenômeno da medicalização na educação, possibilitar, na formação inicial do pedagogo, o desenvolvimento de estratégias pedagógicas através do brincar, que provoque a reflexão crítica sobre a medicalização na educação. O projeto de pesquisa terá como fundamentação teórica a Psicologia Histórico-Cultural, a partir da elaboração de Vygotsky, e por método o Materialismo Histórico-Dialético. A metodologia apresentará as seguintes etapas: • 1. Desenvolver formação com 30 alunos do 6º período do curso de Pedagogia da UFRN, por meio da disciplina Práticas Pedagógicas Integradas III durante o segundo semestre de 2016, • 2. Realização de 18 encontros, para discussão de textos literários, letras de música, artigos acadêmicos, estudos de caso, exibição de filmes, oficinas, rodas de conversa, visitas a escolas, elaboração de proposta de intervenção e portfólio, entrevistas individuais com alunos, • 3. Os procedimentos realizados abordarão os temas: função social da escola, atuação do pedagogo, gestão, prática pedagógica, brincar e medicalização da educação, • 4. O conteúdo para a análise será obtido a partir das falas dos alunos no decorrer das atividades em sala de aula e por da elaboração de registros reflexivos e trabalhos escritos, do diário de campo da pesquisadora, de fotos e filmagens das oficinas. 335 Ressaltamos que o nome da instituição será mantido em sigilo, bem como os nomes dos profissionais e alunos envolvidos na pesquisa. Os participantes assinarão Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Termo de Autorização de Uso de Imagem, Textos Produzidos e Depoimentos. Salientamos ainda que tais dados serão utilizados tão somente para realização deste estudo, e farão parte da tese de doutorado, bem como de publicações acadêmicas. Na certeza de contarmos com a colaboração e empenho desta Direção, agradecemos antecipadamente a atenção, ficando à disposição para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários. Natal, XX de XXXXXX de XXXXX. _____________________________________ Prof. Dr. Herculano Ricardo Campos Orientador do Projeto _____________________________________ Profª Vânia Aparecida Calado Pós-Graduanda do Projeto ( ).Concordamos com a solicitação ( ).Não concordamos com a solicitação ___________________________________________ ProfªXXXXXXXXXXXXXXXXX Diretora do XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX 336 Apêndice B – Termo de consentimento livre e esclarecido TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Esclarecimentos Este é um convite para você participar da pesquisa “Práxis pedagógica na formação inicial do pedagogo: aprendizagem de conceitos científicos e enfrentamento da medicalização na educação à luz da Psicologia Histórico-Cultural”, que é coordenada pela pesquisadora Vânia Aparecida Calado, sob orientação do Prof. Dr. Herculano Ricardo Campos. Sua participação é voluntária, o que significa que você poderá desistir a qualquer momento, retirando seu consentimento, sem que isso lhe traga nenhum prejuízo ou penalidade. Este estudo é necessário para produzir conhecimento que possibilite o desenvolvimento de práticas pedagógicas, no contexto da formação inicial do pedagogo, que contribua para o enfrentamento do fenômeno da medicalização da educação. O objetivo geral é desenvolver práxis pedagógica na formação inicial do pedagogo que oportunize a aprendizagem crítica e transformadora de conceitos científicos sobre a medicalização na educação. Caso decida aceitar o convite, você será submetido(a).ao(s).seguinte(s).procedimentos: formação inicial como aluno (a).do 6º período do curso de Pedagogia XXXXX, por meio da disciplina XXXXXXXXX durante o segundo semestre de 2016, realização de 18 encontros, para discussão de textos literários, letras de música, artigos acadêmicos, estudos de caso, exibição de filmes, oficinas, rodas de conversa, visitas a escolas, elaboração de proposta de intervenção e portfólio, entrevistas individuais. Os procedimentos realizados abordarão os temas: função social da escola, atuação do pedagogo, gestão, prática pedagógica, brincar e medicalização da educação. Não haverá nenhum efeito prejudicial em participar da pesquisa. Os riscos envolvidos com sua participação são: constrangimento em sala de aula, exposição de opinião pessoal, ideias e sentimentos. Os riscos serão minimizados por meio das seguintes providências: a expressão de opinião ideias e sentimentos será voluntária, haverá sigilo no tocante à utilização dos registros escritos, a identidade dos participantes não será revelada. Você terá os seguintes benefícios ao participar da pesquisa: aprendizagem de conceitos científicos sobre a medicalização na educação, desenvolvimento de estratégias pedagógicas através do brincar para promover reflexão sobre implicações desse fenômeno na vida das pessoas e acerca do seu papel profissional no enfrentamento do mesmo. Todas as informações obtidas serão sigilosas e seu nome não será identificado em nenhum momento. Os dados serão guardados em local seguro e a divulgação dos resultados será feita de forma a não identificar os voluntários. Se você tiver algum gasto que seja devido à sua participação, você será ressarcido, caso solicite. Em qualquer momento, se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você terá direito à indenização. Você ficará com uma cópia deste Termo e toda a dúvida que tiver a respeito desta pesquisa, poderá perguntar diretamente para Vânia Aparecida Calado, no endereço Rua Francisco Simplício, 145, Bloco B, apto 402, Ponta Negra, Natal-RN ou pelo telefone (84).98788-5658. Após ler e assinar esse termo, você lerá e assinará o Termo de Autorização de Uso de Imagem, Textos Produzidos e Depoimentos. Consentimento Livre e Esclarecido Declaro que compreendi os objetivos desta pesquisa, como ela será realizada, os riscos 337 e benefícios envolvidos e concordo em participar voluntariamente da Práxis pedagógica na formação inicial do pedagogo: aprendizagem de conceitos científicos e enfrentamento da medicalização na educação à luz da Psicologia Histórico-Cultural. Participante da pesquisa: Nome: __________________________________________________________________ Assinatura: ______________________________________________________________ Pesquisador responsável: Nome: Vânia Aparecida Calado Assinatura: ______________________________________________________________ 338 Apêndice C - Termo de autorização de uso de imagem, textos produzidos e depoimentos Termo de autorização de uso de Imagem, textos produzidos e depoimentos Eu__________________________________________,CPF____________________, RG________________, depois de conhecer e entender os objetivos, procedimentos metodológicos, riscos e benefícios da pesquisa, bem como de estar ciente da necessidade do uso da imagem, produção de textos e depoimento, AUTORIZO, através do presente termo, a pesquisadora VÂNIA APARECIDA CALADO, do projeto de pesquisa intitulado Práxis pedagógica na formação inicial do pedagogo: aprendizagem de conceitos científicos e enfrentamento da medicalização na educação à luz da Psicologia Histórico-Cultural a realizar as fotos e filmagens que se façam necessárias, utilizara produção escrita de minha autoria e/ou a colher meu depoimento sem quaisquer ônus financeiros a nenhuma das partes. Ao mesmo tempo, libero a utilização destas fotos (seus respectivos negativos), imagens, textos produzidos e/ou depoimentos para fins científicos e de estudos (livros, artigos, slides e transparências), em favor da pesquisadora da pesquisa, acima especificada, obedecendo ao que está previsto nas Leis que resguardam os direitos dos idosos (Estatuto do Idoso, Lei N.° 10.741/2003).e das pessoas com deficiência (Decreto Nº 3.298/1999, alterado pelo Decreto Nº 5.296/2004). Natal, XXX de XXXXX de XXXX. _______________________________________ Vânia Aparecida Calado Pesquisador responsável pelo projeto _______________________________ Participante da Pesquisa 339 Apêndice D – Roteiro para diagnóstico Universidade Pública do Rio Grande do Norte Curso de Pedagogia Diagnóstico Disciplina Integradora do Curso de Pedagogia 3 – 2016-2 Professoras: Beatriz e Vânia Aparecida Calado Discente: 1. Por que escolheu a profissão de pedagogo e como entende a função desse profissional na escola? 2. O que a escola representou em sua vida? 3. Quais as principais aprendizagens e relações estabelecidas com a disciplina Práticas Pedagógicas Integradas II? 4. Que expectativas tem em relação à disciplina neste semestre? 5. Qual a importância do brincar para a atuação do pedagogo? 6. Você sabe o que é medicalização da vida e da educação? Se sim, o que você sabe sobre esse tema? 7. Liste abaixo as outras disciplinas que você cursa neste semestre. 340 Apêndice E – Estudo de caso apresentado na primeira aula da segunda etapa do experimento de ensino. Estudo de caso: Em julho de 2014 uma equipe de pedagogos que trabalha numa escola municipal do interior do RN com Ensino Fundamental I e Educação de Jovens e Adultos, juntamente com a coordenadora pedagógica da escola, buscou um serviço de Psicologia para auxiliar na resolução dos problemas que a escola enfrentava. O maior problema no 1º ano era a excessiva agitação e déficit de atenção dos alunos, que prejudicava o trabalho da professora, pois não conseguia dar aula e, como consequência, a aprendizagem das crianças estava prejudicada. A professora tinha estudado e achava que a causa disso era que todos da turma tinham um transtorno de origem neurológica, chamado Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Os professores do Ensino Fundamental I relataram que muitos alunos não conseguiam ser alfabetizados e aprender matemática. Para a equipe, havia várias causas: a desestrutura familiar, o desinteresse dos alunos por aprender, transtornos de origem neurológica, como Dislexia, TDAH, além de déficit cognitivo. Os professores da EJA também disseram que seus alunos apresentavam grande dificuldade para aprender. Para eles, a causa estava no cansaço, no desafio que é conciliar trabalho, família e estudo, desinteresse, baixa autoestima, timidez, transtornos de aprendizagem de origem neurológica e déficit cognitivo. A coordenação pediu ajuda para intervir na equipe como um todo, pois havia muitos conflitos internos, que prejudicavam as reuniões. Por causa desses problemas, o Conselho Escolar não estava se reunindo para evitar mais conflitos. Também pediu orientação para tentar aproximar a família da escola, pois os pais dos alunos não compareciam às reuniões. A equipe foi questionada acerca da infraestrutura, materiais didáticos, projeto político pedagógico, como a prática pedagógica era desenvolvida. Os profissionais informaram que a gestão era democrática, que o Projeto Político Pedagógico tinha sido elaborado pela equipe gestora, as reuniões do Conselho Escolar não tinham representantes de familiares e alunos, seguiam o Construtivismo, citaram Piaget e Vygotsky, não tinham jogos, nem brinquedos, pois a prefeitura mandava poucos recursos, as aulas eram essencialmente expositivas, em todas as séries. Não havia reunião de planejamento pedagógico em equipe, pois o município não remunerava os professores para isso. 341 Apêndice F – Frases do Manoel de Barros Ali a gente brincava de brincar com palavras tipo assim: Hoje eu vi uma formiga ajoelhada na pedra! (O menino do mato – Manoel de Barros) O Pai achava que a gente queria desver o mundo para encontrar nas palavras novas coisas de ver assim: eu via a manhã pousada sobre as margens do rio do mesmo modo que uma garça aberta na solidão de uma pedra (O menino do mato – Manoel de Barros) Então era preciso desver o mundo para sair daquele lugar imensamente e sem lado (O menino do mato – Manoel de Barros) A gente gostava das palavras quando elas perturbavam o sentido normal das ideias. Porque a gente também sabia que só os absurdos enriquecem a poesia (O menino do mato – Manoel de Barros) Nosso conhecimento não era de estudar em livros. Era de pegar de apalpar de ouvir e de outros sentidos. Seria um saber primordial? Nossas palavras se ajuntavam uma na outra por amor e não por sintaxe (O menino do mato – Manoel de Barros) Porém naquela altura a gente gostava mais das palavras desbocadas. Tipo assim: Eu queria pegar na bunda do vento. O pai disse que vento não tem bunda. Pelo que ficamos frustrados (O menino do mato – Manoel de Barros) Eu queria mesmo desver o mundo. Tipo assim: eu vi um urubu dejetar nas vestes da manhã. Isso não seria de expulsar o tédio? (O menino do mato – Manoel de Barros) A gente não gostava de explicar as imagens porque explicar afasta as falas da imaginação. A gente gostava dos sentidos desarticulados como a conversa dos passarinhos no chão a comer pedaços de mosca (O menino do mato – Manoel de Barros) Nas minhas palavras ainda vivíamos meninos do mato, um tonto e mim. Eu vivia embaraçado nos meus escombros verbais (O menino do mato – Manoel de Barros) Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos (Manoel de Barros) O maior apetite do homem é desejar ser. Se os olhos vêem com amor o que não é, tem ser (Manoel de Barros) Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas - é de poesia que estão falando (Manoel de Barros) ...que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós (Manoel de Barros) 342 Apêndice G – Roteiro para elaboração da proposta de intervenção CAPA CONTRACAPA SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO DO CONTEXTO (ESTÁGIO OU VISITA) CITAR O OBJETIVO DO TRABALHO, A INSTITUIÇÃO QUE FOI ACOMPANHADA (BAIRRO, REDE PÚBLICA), A TURMA (SÉRIE E TURNO).E O PERÍODO EM SEMANAS. 2 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO 2.1 CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO. DESCREVER AS CARACTERÍSTICAS DA INSTITUIÇÃO: INFRAESTRUTURA, HISTÓRIA, EQUIPE, ESTUDANTES, PROPOSTA PEDAGÓGICA. USAR ROTEIRO DA VISITA A CAMPO. 2.2 DEMANDA PARA A INTERVENÇÃO. INFORMAR, EXPLICAR E JUSTIFICAR, COM FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA, A DEMANDA ESCOLHIDA PARA ELABORAR A INTERVENÇÃO. 2.3 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO A PROPOSTA DEVE SE BASEAR NO BRINCAR. FUNDAMENTAR TEORICAMENTE A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR. DETALHAR OS PARTICIPANTES, ESTRATÉGIAS, RECURSOS, QUANTIDADE DE ATIVIDADES (AULAS, EVENTOS, OUTRAS AÇÕES), TEMPO DE DURAÇÃO. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS EXPLICITAR AS EXPECTATIVAS PARA OS RESULTADOS A SEREM OBTIDOS. TRATAR BREVEMENTE DOS DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA ATUAÇÃO DO PEDAGOGO NA INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL E DA INTERVENÇÃO PROPOSTA. REFLETIR SOBRE A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR PARA A FORMAÇÃO DO PEDAGOGO E PARA SUA PRÁTICA PEDAGÓGICA. REFERÊNCIAS 343 Apêndice H – Slides apresentados na aula sobre medicalização MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: ENCAMINHAMENTOS, DIAGNÓSTICOS E A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA. Professora Ms. Vânia Aparecida Calado 344 345 346 347 348 349 350 351 352 Anexos Anexo A – Relação de textos literários usados na terceira aula da primeira etapa. Another Brick In The Wall - Pink Floyd Another Brick In The Wall Pink Floyd Outro Tijolo Na Parede (tradução).Pink parte1 Floyd Daddy's flown across the ocean pt.1 Leaving just a memory O papai voou pelo oceano Snapshot in the family album Deixando apenas uma memória Daddy what else did you leave for me? Foto instantânea no álbum de família Daddy, what'd'ja leave behind for me?!? Papai, o que mais você deixou para mim? All in all it was just a brick in the wall. Papai, o que você deixou para mim? All in all it was all just bricks in the wall. Tudo era apenas um tijolo no muro Todos são somente tijolos na parede "You! Yes, you behind the bikesheds, stand still "Você! Sim, você atrás das bicicletas, lady!" parada aí, garota!" When we grew up and went to school There were certain teachers who would Quando crescemos e fomos à escola Hurt the children in any way they could Havia certos professores que (oof!) Machucariam as crianças da forma que eles By pouring their derision pudessem Upon anything we did (oof!) And exposing every weakness Despejando escárnio However carefully hidden by the kids Sobre tudo o que fazíamos But in the town it was well known E os expondo todas as nossas fraquezas When they got home at night, their fat and Mesmo que escondidas pelas crianças Psychopathic wives would thrash them Mas na cidade era bem sabido Within inches of their lives. Que quando eles chegavam em casa Suas esposas, gordas psicopatas, batiam parte 2 neles quase até a morte We don't need no education We dont need no thought control pt.2 No dark sarcasm in the classroom Teachers leave them kids alone Não precisamos de nenhuma educação Hey! Teachers! Leave them kids alone! Não precisamos de controle mental All in all it's just another brick in the wall. Chega de humor negro na sala de aula 353 All in all you're just another brick in the Professores, deixem as crianças em paz wall. Ei! Professores! Deixem essas crianças em paz! We don't need no education Tudo era apenas um tijolo no muro We don't need no thought control Todos são somente tijolos na parede No dark sarcasm in the classroom Teachers leave us kids alone Não precisamos de nenhuma educação Hey! Teachers! Leave us kids alone! Não precisamos de controle mental All in all it's just another brick in the wall. Chega de humor negro na sala de aula All in all you're just another brick in the Professores, deixem as crianças em paz wall. Ei! Professores! Deixem essas crianças em paz! "Wrong, Guess again! 2x Tudo era apenas um tijolo no muro If you don't eat yer meat, you can't have Todos são somente tijolos na parede any pudding. How can you have any pudding if you don't "Errado, faça de novo!" (2x) eat yer meat? "Se você não comer sua carne, você não You! Yes, you behind the bikesheds, stand ganha pudim. Como você still laddie!" pode ganhar pudim se não comer sua carne?" "Você! Sim, você atrás das bicicletas, parada aí, garota!" pt.3 parte 3 Eu não preciso de braços ao meu redor E eu não preciso de drogas para me acalmar I don't need no arms around me Eu vi os escritos no muro And I don't need no drugs to calm me Não pense que preciso de algo, I have seen the writing on the wall absolutamente Don't think I need anything at all Não! Não pense que eu preciso de alguma No! Don't think I'll need anything at all coisa afinal All in all it was all just bricks in the wall. Tudo era apenas um tijolo no muro All in all you were all just bricks in the Todos são somente tijolos na parede wall. http://www.vagalume.com.br/pink-floyd/another-brick-in-the-wall- traducao.html#ixzz23pcCDA29 354 Aula de Inglês - Rubem Braga — Is this an elephant? Minha tendência imediata foi responder que não, mas a gente não deve se deixar levar pelo primeiro impulso. Um rápido olhar que lancei à professora bastou para ver que ela falava com seriedade, e tinha o ar de quem propõe um grave problema. Em vista disso, examinei com a maior atenção o objeto que ela me apresentava. Não tinha nenhuma tromba visível, de onde uma pessoa leviana poderia concluir às pressas que não se tratava de um elefante. Mas se tirarmos a tromba a um elefante, nem por isso deixa ele de ser um elefante, mesmo que morra em conseqüência da brutal operação, continua a ser um elefante, continua, pois um elefante morto é, em princípio, tão elefante como qualquer outro. Refletindo nisso, lembrei-me de averiguar se aquilo tinha quatro patas, quatro grossas patas, como costumam ter os elefantes. Não tinha. Tampouco consegui descobrir o pequeno rabo que caracteriza o grande animal e que, às vezes, como já notei em um circo, ele costuma abanar com uma graça infantil. Terminadas as minhas observações, voltei-me para a professora e disse convincentemente: — No, it's not! Ela soltou um pequeno suspiro, satisfeita: a demora de minha resposta a havia deixado apreensiva. Imediatamente perguntou: — Is it a book? Sorri da pergunta: tenho vivido uma parte de minha vida no meio de livros, conheço livros, lido com livros, sou capaz de distinguir um livro a primeira vista no meio de quaisquer outros objetos, sejam eles garrafas, tijolos ou cerejas maduras — sejam quais forem. Aquilo não era um livro, e mesmo supondo que houvesse livros encadernados em louça, aquilo não seria um deles: não parecia de modo algum um livro. Minha resposta demorou no máximo dois segundos: — No, it's not! Tive o prazer de vê-la novamente satisfeita — mas só por alguns segundos. Aquela mulher era um desses espíritos insaciáveis que estão sempre a se propor questões, e se debruçam com uma curiosidade aflita sobre a natureza das coisas. — Is it a handkerchief? Fiquei muito perturbado com essa pergunta. Para dizer a verdade, não sabia o que poderia ser um handkerchief, talvez fosse hipoteca... Não, hipoteca não. Por que haveria de ser hipoteca? Handkerchief! Era uma palavra sem a menor sombra de dúvida antipática, talvez fosse chefe de serviço ou relógio de pulso ou ainda, e muito provavelmente, enxaqueca. Fosse como fosse, respondi impávido: — No, it's not! Minhas palavras soaram alto, com certa violência, pois me repugnava admitir que aquilo ou qualquer outra coisa nos meus arredores pudesse ser um handkerchief. Ela então voltou a fazer uma pergunta. Desta vez, porém, a pergunta foi precedida de um certo olhar em que havia uma luz de malícia, uma espécie de insinuação, um longínquo toque de desafio. Sua voz era mais lenta que das outras vezes, não sou completamente ignorante em Psicologia feminina, e antes dela abrir a boca eu já tinha a certeza de que se tratava de uma palavra decisiva: — Is it an ash-tray? 355 Uma grande alegria me inundou a alma. Em primeiro lugar porque eu sei o que é um ash-tray: um ash-tray é um cinzeiro. Em segundo lugar porque, fitando o objeto que ela me apresentava, notei uma extraordinária semelhança entre ele e um ash-tray. Era um objeto de louça de forma oval, com cerca de 13 centímetros de comprimento. As bordas eram da altura aproximada de um centímetro, e nelas havia reentrâncias curvas — duas ou três — na parte superior. Na depressão central, uma espécie de bacia delimitada por essas bordas, havia um pequeno pedaço de cigarro fumado (uma bagana).e, aqui e ali, cinzas esparsas, além de um palito de fósforos já riscado. Respondi: — Yes! O que sucedeu então foi indescritível. A boa senhora teve o rosto completamente iluminado por onda de alegria, os olhos brilhavam — vitória! vitória! — e um largo sorriso desabrochou rapidamente nos lábios havia pouco franzidos pela meditação triste e inquieta. Ergueu-se um pouco da cadeira e não se pôde impedir de estender o braço e me bater no ombro, ao mesmo tempo que exclamava, muito excitada: — Very well! Very well! Sou um homem de natural tímido, e ainda mais no lidar com mulheres. A efusão com que ela festejava minha vitória me perturbou, tive um susto, senti vergonha e muito orgulho. Retirei-me imensamente satisfeito daquela primeira aula, andei na rua com passo firme e ao ver, na vitrine de uma loja,alguns belos cachimbos ingleses, tive mesmo a tentação de comprar um. Certamente teria entabulado uma longa conversação com o embaixador britânico, se o encontrasse naquele momento. Eu tiraria o cachimbo da boca e lhe diria: -- It's not an ash-tray! E ele na certa ficaria muito satisfeito por ver que eu sabia falar inglês, pois deve ser sempre agradável a um embaixador ver que sua língua natal começa a ser versada pelas pessoas de boa- fé do país junto a cujo governo é acreditado. A crônica acima foi extraída do livro "Um pé de milho", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1964, pág. 33. Da utilidade dos animais - Carlos Drummond de Andrade Terceiro dia de aula. A professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram animais de todos os feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à vida, como nós, e além disso são muito úteis. Quem não sabe que o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca…Todos ajudam. – Aquele cabeludo ali, professora, também ajuda? – Aquele? É o iaque, um boi da Ásia Central. Aquele serve de montaria e de burro de carga. Do pêlo se fazem perucas bacanas. E a carne, dizem que é gostosa. – Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele? 356 – Bem, primeiro serve para uma coisa, depois para outra. Vamos adiante. Este é o texugo. Se vocês quiserem pintar a parede do quarto, escolham pincel de texugo. Parece que é ótimo. – Ele faz pincel, professora? – Quem, o texugo? Não, só fornece o pêlo. Para pincel de barba também, que o Arturzinho vai usar quando crescer. Arturzinho objetou que pretende usar barbeador elétrico. Além do mais, não gostaria de pelar o texugo, uma vez que devemos gostar dele, mas a professora já explicava a utilidade do canguru: – Bolsas, mala, maletas, tudo isso o couro do canguru dá pra gente. Não falando da carne. Canguru é utilíssimo. – Vivo, fessora? – A vicunha, que vocês estão vendo aí, produz… produz é maneira de dizer, ela fornece, ou por outra, com o pêlo dela nós preparamos ponchos, mantas, cobertores, etc. – Depois a gente come a vicunha, né fessora? – Daniel, não é preciso comer todos os animais. Basta retirar a lã da vicunha, que torna a crescer… – A gente torna a corta? Ela não tem sossego, tadinha. – Vejam agora como a zebra é camarada. Trabalha no circo, e seu couro listrado serve para forro de cadeira, de almofada e para tapete. Também se aproveita a carne, sabem? – A carne também é listrada?- pergunta que desencadeia riso geral. – Não riam da Betty, ela é uma garota que quer saber direito as coisas. Querida, eu nunca vi carne de zebra no açougue, mas posso garantir que não é listrada. Se fosse, não deixaria de ser comestível por causa disto. Ah, o pingüim? Este vocês já conhecem da praia do Leblon, onde costuma aparecer, trazido pela correnteza. Pensam que só serve para brincar? Estão enganados. Vocês devem respeitar o bichinho. O excremento – não sabem o que é? O cocô do pingüim é um adubo maravilhoso: guano, rico em nitrato. O óleo feito da gordura do pingüim… – A senhora disse que a gente deve respeitar. – Claro. Mas o óleo é bom. – Do javali, professora, duvido que a gente lucre alguma coisa. – Pois lucra. O pêlo dá escovas é de ótima qualidade. – E o castor? – Pois quando voltar a moda do chapéu para os homens, o castor vai prestar muito serviço. Aliás, já presta, com a pele usada para agasalhos. É o que se pode chamar de um bom exemplo. – Eu, hem? – Dos chifres do rinoceronte, Belá, você pode encomendar um vaso raro para o living da sua casa. Do couro da girafa Luís Gabriel pode tirar um escudo de verdade, deixando os pêlos da cauda para Tereza fazer um bracelete genial. A tartaruga-marinha, meu Deus, é de uma utilidade que vocês não calculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa. O biguá é engraçado. – Engraçado, como? – Apanha peixe pra gente. – Apanha e entrega, professora? – Não é bem assim. Você bota um anel no pescoço dele, e o biguá pega o peixe mas não pode engolir. Então você tira o peixe da goela do biguá. – Bobo que ele é. – Não. É útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras. Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum. Entendeu, Ricardo? 357 – Entendi, a gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pêlo, o couro e os ossos. Drummond, C. (1975). De notícias e não notícias faz-se a crônica. Rio de Janeiro: José Olympio. O índio - Edson Rodrigues dos Passos — Meu Deus é ele! Quem já conversou com um índio, assim, um papo aberto, sobre futebol, religião, amor...? A primeira idéia que nos vem a da impossibilidade desse diálogo, ricos, preconceitos, talvez. O que dizer então da visão dos estrangeiros, que pensam que andamos nus, atiramos em capivaras com flechas envenenadas e dançamos literalmente a dança da chuva pintados com urucu na praça da Sé ou na Avenida Paulista? Pois na minha escola no ano de 1995 ocorreu a matrícula de um índio. Um genuíno adolescente pataxó. A funcionária da secretaria não conseguiu esconder o espanto quando na manhã de segunda- feira abriu preguiçosamente a portinhola e deparou-se com um pataxó sem camisa com o umbigo preto para fora, dois penachos brancos na cabeça e a senha número “um” na mão, que sem delongas disse: — Vim matricular meu filho. E foi o que ocorreu, preenchidos os papéis, apresentados os documentos, fotografias, certidões, transferências, alvarás, licenças, etc. A notícia subiu e desceu rapidamente os corredores do colégio, atravessou as ruas do bairro, transpôs a sala dos professores e chegou à sala da diretora, que levantou e, em brado forte e retumbante, proclamou: — Mas é um índio mesmo? Era um índio mesmo. O desespero tomou a alma da pobre mulher, andava de um lado para o outro, olhava a ficha do novo aluno silvícola, ia até os professores, chamava dois ou três, contava-lhes, votava à sala, ligava pra outros pedindo auxílio, até que teve uma idéia: pesquisaria na biblioteca. Chegando lá, revirou Leis, Decretos, Portarias, Tratados, o Atlas, Mapas históricos e nada. Curiosa com a situação, a funcionária questionou: — Qual o problema para tanto barulho? — Precisamos ver se podemos matricular um índio, ele tem proteção federal, não sabemos que língua fala, se pode viver fora da reserva, enfim, precisamos de amparo legal. E se Le resolver vir nu estudar, será que podemos impedir? Passam os dias e enfim chega o primeiro dia de aula, a vinda do índio já era notícia corrente, foi amplamente divulgada pelo jornal do bairro, pelas comadres nos portões, pelo japonês tomateiro da feira, pelos aposentados da praça, não se falava noutra coisa. Uma multidão aguardava em da frente da escola a chegada do índio, pelas frestas da janela, que dava para o portão principal, em cima das cadeiras e da mesa, disputavam uma melhor visão os professores —, a diretora, a supervisora de ensino e o delegado. O porteiro abriu o portão — sem que ninguém entrasse — e fitou ao longe o final da avenida, surgiu entre a poeira e o derreter do asfalto um fusca, pneus baixos, rebaixado, parou em frente a escola, o rádio foi desligado, tal o silêncio da multidão que se ouviu o rangido da porta abrir, desceu um menino roliço, chicletes, boné do Chicago Bulls, tênis Reebok, calça Jens, camiseta, walkman nas orelhas, andou até o porteiro e perguntou: — Pode assistir aula de walkman? 358 Passos, E. R. (2011). O índio. In Nós e os outros: histórias de diferentes culturas. São Paulo: Ática. Química - Legião Urbana Estou trancado em casa e não posso sair Papai já disse, tenho que passar Nem música eu não posso mais ouvir E assim não posso nem me concentrar Não saco nada de Física Literatura ou Gramática Só gosto de Educação Sexual E eu odeio Química Não posso nem tentar me divertir O tempo inteiro eu tenho que estudar Fico só pensando se vou conseguir Passar na porra do vestibular Não saco nada de Física Literatura ou Gramática Só gosto de Educação Sexual E eu odeio Química Química Química Chegou a nova leva de aprendizes Chegou a vez do nosso ritual E se você quiser entrar na tribo Aqui no nosso Belsen tropical Ter carro do ano, TV a cores, pagar imposto, ter pistolão Ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão Você tem que passar no vestibular Você tem que passar no vestibular (2x) (Refrão) http://www.vagalume.com.br/legiao-urbana/quimica.html#ixzz1nz8glb71 Rap da Escola -Wesley Pra ser alguém na vida você tem que estudar Eu sei que é difícil mas você tem que tentar Força de vontade você tem que lutar Agora vou dizer o que você vai enfrentar Leitura, texto e verbos tudo de uma só vez Pra começar duas aulas de português Gosto de português 359 Mas não sou uma pessoa fanática Pior que português É quando entra matemática Números e números é isso todo dia Acabou a aula e já vem geografia Falar de território que você não viu Nas cidades e estados e da área do Brasil Latitude e longitude é geografia Acabou a aula e já vem biologia Falar sobre mim, falar sobre você Estuda o corpo humano E qualquer bicho que viver Estou meio perdido, refresque minha memória Tão falando de Cabral já entrou história As conquistas e derrotas e independência Física é meu fraco minha penitencia Tempo, espaço e velocidade Educação física é que eu gosto de verdade Futebol ou vôlei, qualquer um me deixa forte Aula de química eu prefiro a de esporte Prótons e elétrons são mais fortes que a vódica Coisa pra caramba da tabela periódica Inglês, Francês qual é o seu plano? Se não estudar você vai perder de ano Só no 3º ano eu tenho sociologia Mas desde a 5º serie eu tenho filosofia Você vai conseguir eu sei que você pode Se não estudar parceiro isso não pode!! Não vou citar o nome aqui tem um fulano Que anda dando mole que anda vacilando Colégio público não importa o que faça Só porque é público ele pensa que é de graça Risca a parede, risca o banheiro Tirado a pichador suja o colégio inteiro Ai seu vacilão tem gente te filmando Atitude de otário ninguém ta concordado Se acha que ta pouco, acha que é besteira Quebra o banheiro ainda quebra as cadeiras E quando bate o so que faz muito calor Ele dá um jeito de quebrar o ventilador Eu vou te falar o estado daquela porta Por dentro ela não tranca e por fora já ta torta Até quem ganha mal você desrespeitou Tem professor que é chato mas ainda é professor Quer se arrepender? Se arrependa mesmo Quem paga essa conta é agente e não o governo Tudo aqui é pago nada é de graça Suor de muita gente não pode virar fumaça Eu já falei demais vou me retirar 360 Aí seu vacilão ta na hora de parar Reunião de Mães – Fernando Sabino Na reunião de pais só havia mães. Eu me sentiria constrangido em meio a tanta mulher, por mais simpáticas me parecessem, e acabaria nem entrando – se não pudesse logo distinguir, espalhadas no auditório, duas ou três presenças masculinas que partilhariam de meu ressabiado zelo paterno. Sentei-me numa das últimas filas, para não causar espécie à seleta assembléia de progenitoras. Uma delas fazia tricô, e várias conversavam, já confraternizadas de outras reuniões. O Padre-Diretor tomou assento à mesa, cercado de professoras, e deu início à sessão. Eu viera buscar Pedro Domingos para levá-lo ao médico, mas desta vez cabia-me também participar antes da reunião. Afinal de contas andava mesmo precisando de verificar pessoalmente a quantas o menino andava. O. Padre-Diretor fazia considerações gerais sobre o uniforme de gala a ser adotado. A gravatinha é azul? perguntou uma das mães. Meia três – quartos? – perguntou outra. E o emblema no bolsinho? – perguntou uma terceira. Outra ainda, à minha frente, quis saber se tinha pesponto – mas sua pergunta não chegou a ser ouvida. Invejei-lhes a desenvoltura. Tive vontade de perguntar também alguma coisa, para tornar mais efetivo meu interesse de pai – mas temi aquelas mães todas voltando a cabeça, curiosas e surpreendidas, ante uma destoante voz de homem, meio gaguejante talvez de insegurança. Poderia também não ser ouvido – e se isso me acontecesse eu sumiria na cadeira. Além do mais, não me ocorria nada de mais prático para perguntar senão o que vinha a ser pesponto. Acabei concluindo que tanta perguntação quebrava um pouco a solene compostura que devíamos manter, como responsáveis pelo destino de nossos filhos. E dispensei-me de intervir, passando a ouvir a explanação do Padre-Diretor: –Chegamos agora ao ponto que interessa: o quinto ano. Depois de cuidadosa seleção, foi dividido em três turmas – a turma 14, dos mais adiantados, a turma 13, dos regulares, e a turma 12, dos atrasados, relapsos, irrequietos, indisciplinados. Os da 13 já não são lá essas coisas, mas os da 12 posso assegurar que dificilmente irão para frente, não querem nada com estudo. Fiquei atento: em qual delas estaria o menino? Pensei que o Diretor ia ler a lista de cada turma – o meu certamente na 14. Não leu, talvez por consideração para com as mães que tinham filhos na 12. Várias, que já sabiam disso, puseram-se a falar ao mesmo tempo: não era culpa delas, levavam muito dever para casa, não se habituavam com o semi-internato. Uma – a do tricô, se não me engano – chegou mesmo a se queixar do ensino dirigido, que a seu ver não estava dando resultado. Outra disse que tinha três filhos, faziam provas no mesmo dia, como prepará-los de uma só vez? O Padre-Diretor sacudiu a cabeça, sorrindo com simpatia – não posso nem ao menos lastimar que a senhora tenha tanto filho. E voltou a falar nos relapsos, um caso muito sério. Não vai esse Padre dizer que meu filho está entre eles, pensei. Irrequieto, indisciplinado. Ah, mas ele havia de ver comigo: entre os piores! E por que não? Quietinho, muito bem mandado, filhinho do papai, maria-vai-com-as- outras ele não era mesmo não. Desafiei o auditório, acendendo um cigarro: ninguém tinha nada com isso. Criança ainda, na idade mesmo de brincar e não levar as coisas tão a sério. O curioso é que não me parecesse assim tão vadio – jogava futebol na rua, assistia à televisão, brincava 361 de bandido, mas na hora de estudar o rapazinho estudava, então eu não via? Quem sabe se procurasse ajudá-lo, dar uma mãozinha. . Mas essas coisas que ele andava estudando eu já não sabia de cor, tinha de aprender tudo de novo. Outro dia, por exemplo, me embatucou perguntando se eu sabia como se chamam os que nascem na Nova Guiné. Ninguém sabe isso, meu filho, respondi gravemente. Ah, não sabe? Pois ele sabia: guinéu! Não acreditei, fui olhar no dicionário para ver se era mesmo. Era. Talvez estivesse na turma 13, bem que sabia lá uma coisa ou outra, o danadinho. Agora o Diretor falava na comida que serviam ao almoço. Da melhor qualidade, mas havia um problema os meninos se recusavam a comer verdura, ele fazia questão que comessem, para manter dieta adequada. No entanto, algumas mães não colaboravam. Mandavam bilhetinhos pedindo que não dessem verdura aos filhos. Eis algo que eu jamais soube explicar: por que menino não gosta de verdura? Quando menino eu também não gostava. Pedem às mães que mandem bilhetinhos e não é só isso: usam qualquer recurso para não comer verdura. Hoje mesmo me apareceu um com um bilhete da mãe dizendo: não obrigar meu filho a comer verdura. Só que estava escrito com a letra do próprio menino. Chegada era a hora de levá-lo ao médico – uma professora amiga foi buscá-lo para mim. – Meu filho – perguntei, ansioso, assim que saímos: – Em que turma você está? Na 12 ou na 13? – Na 14 – ele respondeu, distraído. Respirei com alívio: e nem podia ser de outra maneira, não era isso mesmo? – Fico satisfeito de saber – comentei apenas. Ele não perdeu tempo: – Então eu queria te pedir um favor – aproveitou logo – que você mandasse ao Padre- Diretor um bilhete dizendo que eu não posso comer verdura. Pereira, M.C. (org.). (1994). A palavra é: escola. (2ª ed). São Paulo: Editora Scipione. Escolas - Garotos Podres Nas escolas toda a cultura é inútil Nos ensinam apenas A sentar e calar a boca Para sermos massacrados Pelo discurso reacionário De professores marionetes Controlados pelo Estado Nas escolas Você aprende Que seu destino já está traçado Pois querem os transformar Em Cordeirinhos domesticados Prontos pra serem transformados Em operários escravizados 362 Querem nos transformar Em máquinas Para submetê-los A cadência do trabalho E horários embrutecidos Pelos carrascos ponteiros do relógio Me mandaram à escola Para me dominar Me mandaram à escola Para me manipular Me mandaram à escola Para me escravizar Me mandaram à escola Para me domar Não Questione Passei a infância toda Querendo perguntar Se toda essa porcaria Eu tenho que aceitar papai mandava ouvir o padre O padre mandava ler o livro O livro mandava não questionar Nunca jamais O padre e o papai Não, eu não sei Se dá pra entender Não, eu não sei Se eu quero compreender Enquanto os donos da verdade Botavam farda na nação Violentavam a liberdade Através da repressão Mandavam cantar o hino O hino diz que devo ser um mártir Mas todo mártir precisa morrer E, eu apenas quero viver Não, eu não sei Se dá pra entender Não, eu não sei Se eu quero compreender Não, eu não sei 363 Se dá pra entender Não, eu não sei Se eu quero compreender. Estudo Errado - Gabriel O Pensador – Atenção pra chamada! Aderbal? - Presente! - Aninha? - Eu! - Breno? Carol? - Presente! - Douglas? - Alô! - Fernandinha? - Tô aqui. - Geraldo? - Eu! - Itamarzinho? - Faltou. - Juquinha? Eu tô aqui pra quê? Será que é pra aprender? Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer? Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever A professora já tá de marcação porque sempre me pega Disfarçando, espiando, colando toda prova dos colegas E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo Eu quero jogar botão, vídeo-game, bola de gude Mas meus pais só querem que eu "vá pra aula!" e "estude!" Então dessa vez eu vou estudar até decorar cumpádi Pra me dar bem e minha mãe deixar ficar acordado até mais tarde Ou quem sabe aumentar minha mesada Pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?) Não. De mulher pelada A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa pirralhada!) A rua é perigosa então eu vejo televisão (Tá lá mais um corpo estendido no chão) Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei nem o que é inflação - Ué não te ensinaram? - Não. A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil Em vão, pouco interessantes, eu fico pu.. Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio 364 (Vai pro colégio!!) Então eu fui relendo tudo até a prova começar Voltei louco pra contar: Manhê! Tirei um dez na prova Me dei bem, tirei um cem e eu quero ver quem me reprova Decorei toda lição Não errei nenhuma questão Não aprendi nada de bom Mas tirei dez (boa filhão!) Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Decoreba: esse é o método de ensino Eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatos Desse jeito até história fica chato Mas os velhos me disseram que o "porque" é o segredo Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente E sei que o estudo é uma coisa boa O problema é que sem motivação a gente enjoa O sistema bota um monte de abobrinha no programa Mas pra aprender a ser um ingonorante [...] Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah, deixa eu dormir) Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste - O que é corrupção? Pra que serve um deputado? Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso! Ou que a minhoca é hermafrodita Ou sobre a tênia solitária. Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! [...] Vamos fugir dessa jaula! "Hoje eu tô feliz" (matou o presidente?) Não. A aula Matei a aula porque num dava Eu não aguentava mais E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais Mas se eles fossem da minha idade eles entenderiam (Esse num é o valor que um aluno merecia!) Íííh... Sujô (Hein?) O inspetor! (Acabou a farra, já pra sala do coordenador!) Achei que ia ser suspenso mas era só pra conversar E me disseram que a escola era meu segundo lar E é verdade, eu aprendo muita coisa realmente Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre! Então eu vou passar de ano 365 Não tenho outra saída Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida Discutindo e ensinando os problemas atuais E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais Com matérias das quais eles não lembram mais nada E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada Manhê! Tirei um dez na prova Me dei bem, tirei um cem e eu quero ver quem me reprova Decorei toda lição Não errei nenhuma questão Não aprendi nada de bom Mas tirei dez (boa filhão!) Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi Encarem as crianças com mais seriedade Pois na escola é onde formamos nossa personalidade Vocês tratam a educação como um negócio 366 Anexo B – Experiências de escolas alternativas Um novo experimento na Escola Campos Salles BY ADMIN – 25 DE OUTUBRO DE 2012 POSTED IN GERAL Numa das maiores ex-favelas de São Paulo, alunos agora elegem “prefeito” e “vereadores”. Inovações incluem fim das aulas clássicas, nova relação aluno-professor e estímulo à pesquisa e aprendizado em grupo Por Patrícia Gomes, no Porvir Quem ouve o prefeito, os secretários e os vereadores falarem não acredita. Explicam em pormenores como tudo funciona, resolvem conflitos, debatem assuntos de interesse de seus pares, escutam suas reivindicações, discutem como encaminhá-las. Em tempos de eleição, daria até para pensar que o grupo é formado por políticos vencedores do primeiro turno já montando suas equipes. Mas não. São alunos com idades entre 10 e 15 anos, eleitos para serem os primeiros gestores da república de crianças recém-constituída na Emef Presidente Campos Salles, escola pública localizada em Heliópolis, segunda maior favela de São Paulo, que se inspirou na Escola da Ponte para adotar um modelo de educação democrática. Na república da Campos Salles, as crianças eleitas têm poder de decisão, inclusive em assuntos que os alunos nem sempre são benvindos, como questões administrativas e regras gerais de funcionamento da escola. E o que eles decidem, se for viável, tem poder de lei. A escola tem um prefeito, Wilas de Arruda,15, e quatro secretários responsáveis pelas áreas de Cultura e Esporte, Comunicação, Convivência e Diversidade, Saúde e Meio Ambiente. Além de cerca de 30 vereadores e suplentes. Todos responsáveis por se envolver na gestão de uma escola com 1.100 alunos de ensino fundamental. 367 A primeira ação dos vereadores foi a elaboração de três espaços para, segundo os próprios pequenos gestores, “dar mais voz aos alunos”, a árvore de sonhos, o muro das lamentações, a caixa de sugestões. Por enquanto, só a árvore de sonhos ficou pronta – os vereadores e o prefeito colheram galhos pelo terreno da escola e terminaram a confecção ontem mesmo. Nela, os alunos devem pendurar seus desejos, algo que gostariam de alcançar – e aí vale qualquer coisa, desde uma aula diferente que têm vontade de ter até um bem coletivo para a escola. “Se alguém quiser sugerir a cobertura da quadra, por exemplo, é só escrever na árvore que nós vamos discutir para ver se dá para fazer”, explica Jackson da Silva, 11, secretário da Cultura e do Esporte. A república das crianças não é um contexto isolado de participação dos alunos na Campos Salles. Desde 2005, a escola vem adotando processos de ensino que buscam empoderar as crianças e compartilhar com elas a responsabilidade de gerir a escola. Quem capitaneia o modelo, chamado pelos professores apenas de “projeto”, é o diretor Braz Nogueira, à frente da escola há 17 anos. Para entender como foi a implantação da educação democrática, no entanto, é preciso voltar no tempo. “Hoje a escola está muito diferente. Duas horas depois de eu chegar, em 1995, eu coloquei as mãos na cabeça e perguntei: ‘o que eu estou fazendo aqui?’”, conta o diretor. Escola da comunidade A época era outra, diz Braz. Heliópolis convivia com a violência, as chacinas eram recorrentes e os traficantes haviam imposto um toque de recolher. Foi uma tragédia, o assassinato de uma aluna do turno da noite nas imediações da escola na saída da aula que fez tudo começar a mudar, lembra o diretor. “Aquela morte me revoltou. Eu percebi que nós estávamos sendo omissos.” Ainda no velório, ele começou a conversar com professores e lideranças locais para convencê-los de que era preciso fazer alguma coisa. “A gente não podia mais aceitar a banalização da violência”, diz o diretor, que convocou uma caminhada pela paz nas ruas favela. O movimento começou pequeno, mas, ano após ano, foi ganhando força e trazendo a comunidade para dentro da escola. Nos anos que se seguiram, do fim da década de 90 ao início dos anos 2000, a Campos Salles passou a consolidar sua boa relação com o entorno e foi se tornando um modelo. Em 2002, conta Braz, outro episódio colocou essa relação à prova. Cerca de 20 computadores novos foram roubados de dentro da escola. “Saí pelas ruas e pelos bares de Heliópolis dizendo: não foi a escola que foi roubada. Foram seus filhos!”, lembra. Dias depois, ele foi abordado por alguns rapazes que disseram que devolveriam os computadores na rua de trás da escola. Dito e feito. Recuperou os computadores. 368 O projeto A boa relação com a comunidade, porém, ainda não se refletia na relação entre alunos e professores. “O estudante ainda não era visto como um ser integral, capaz”, lamentava Braz, que fazia uma pós-graduação e resolveu, como projeto final, adaptar e implantar as ideias da Escola da Ponte na Campos Salles. “Lá eles tinham 180 alunos e era turno integral. Aqui tínhamos mais de mil e quatro turnos. E se o caos se instalasse?”, temia Braz, que foi buscar ajuda na Emef Desembargador Amorim Lima, escola da mesma rede e que já adotava a metodologia. Nos anos de 2006 e 2007, a escola começou a mudar a sua abordagem pedagógica. Em vez da sala de aula clássica, as turmas passaram a ser divididas em grupos. No lugar da aula expositiva, as atividades seguiam um roteiro de estudo, em que os próprios alunos deveriam buscar informações e construir seu aprendizado. O Ideb da escola aumentou, tudo ia bem, mas elas ainda estavam lá: as paredes. “No final de 2007, chamei m grupo de professores e perguntei se eles apoiavam que eu tirasse as paredes das salas. Eles disseram que sim. Quando voltaram, no outro ano letivo, eu tinha derrubado tudo.” Braz transformou as salas de aula das mesmas séries em quatro grandes salões, cada um com mais de cem alunos, que sentam em grupos de até quatro pessoas. Os roteiros de todas as disciplinas são entregues, em média, uma vez por mês. O professor da disciplina faz uma orientação específica e deixa os roteiros com os alunos, que vão cumprindo as atividades na ordem que acham melhor. Quando têm dúvida, procuram os colegas do grupo ou os professores – ficam, pelo menos três por salão – para tirar as dúvidas. Mas e se não tiver um professor da disciplina que os alunos estão com dúvida? “É exatamente isso que faz o projeto ser revolucionário”, diz o diretor. “Todos os professores devem saber o que os colegas estão trabalhando em seus roteiros. Se não souberem, têm que buscar a resposta ou com os colegas ou com alunos do salão que tenham solucionado o problema.” Com mais autonomia, os estudantes são estimulados a descobrirem o que gostam mais de fazer, a entenderem seus sonhos. “Antes, a gente perguntava para os alunos o que eles queriam ser e eles não sabiam. Hoje, todo mundo tem um sonho e sabe qual ele é”, afirma o diretor. O formato, claro, causou estranheza no início e até hoje tem quem goste e se adapte e tem quem não goste, sejam alunos e professores. “Aqui está nascendo um novo professor e um novo aluno. Mas todo parto é doloroso”, diz Braz, que já poderia estar aposentado há quatro anos, mas segue no comando da escola. http://outraspalavras.net/outrasmidias/uncategorized/heliopolis/ 369 Criação de rádio e jornal ajudou a transformar realidade de escola considerada perigosa De um ambiente hostil, a escola no interior da Bahia passou a ser um lugar onde todos querem estar Marta Avancini e Luciana Alvarez Professor de história, Jefferson Teixeira foi nomeado há três anos coordenador de uma escola de uma região muito perigosa, em Iracê, interior da Bahia. “Minha família não queria que eu aceitasse o cargo por medo”, lembra-se. Hoje, porém, ele sai da escola já de noite e com tranquilidade, em geral fica até mais tarde quando há partidas de futebol com a comunidade. “Era daquelas escolas a que o professor tem medo de ir. Hoje, tenho fila de professores querendo transferência para lá”, diz. A mudança veio com trabalho coletivo. Durante um mês, o Instituto Brasil Solidário deu formação para que fossem montados uma rádio escolar, um jornal dos alunos e um grupo de teatro. “O estudante virou protagonista. Eles que escolheram o nome da rádio, do jornal, o que tocar ou escrever, eles produzem suas próprias imagens, contam suas próprias histórias”, afirma Jefferson. Vencidas as resistências iniciais, o colégio passou a ser um lugar onde todos querem estar. A rádio, que no princípio só entrava no ar com a presença de Jefferson, hoje é completamente gerenciada por um grupo de estudantes. “Um pai me procurou porque sabia que a horta da escola estava meio abandonada, se oferecendo para vir cuidar dela junto com o filho, por exemplo. Até que minha grande dificuldade passou a ser como comportar um número tão grande de pessoas querendo vir no contraturno, para ajudar na biblioteca, fazer mutirões, etc.”, relata. Jefferson já foi procurado por sete escolas da cidade, convidando-o para ser coordenador nelas, mas por enquanto ele preferiu ficar onde está porque acha que ainda há muito a fazer. Referência: Avancini, M. (2011, agosto). Criação de rádio e jornal ajudou a transformar realidade de escola considerada perigosa. Revista Educação. UOL. Recuperado de http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/210/criacao-de-radio-e-jornal-escolar-ajudou-a- transformar-realidade-327559-1.asp. Campanha de Pé no Chão também se aprende a ler Práticas educativas da “Campanha De Pé no Chão...” (Aquino, 2012, p. 30 a 35) A Campanha “De Pé no Chão...” foi pensada e desenvolvida dentro do ideal de educação para todos e valorização da cultura popular, no qual buscava-se aumentar o número de alfabetizados da cidade do Natal, além de incentivar a cultura da popular. O então Secretário 370 de Educação Moacyr de Góes em discussão com o Comitê Nacionalista das Rocas buscava medidas que viabilizassem a erradicação do analfabetismo, e dessa discussão, adveio, por parte do Comitê Nacionalista, a proposta de construção de Acampamentos Escolares cobertos com palha, e feitos de chão de barro batido (GÓES, 2010). Os Acampamentos Escolares foram compostos por um galpão circular, onde aconteciam as festividades do bairro e as reuniões de pais e professores, e por galpões em forma retangular, onde funcionavam as salas de aulas e uma pequena sala de alvenaria que servia como diretoria, secretaria, almoxarifado etc. Nas dependências desses Acampamentos Escolares, também, existiam aviários e hortas, que permitiam a produção da merenda escolar para as turmas de crianças, que funcionavam durante o dia. No período noturno eram oferecidas aulas de alfabetização para os adultos, que em geral eram pais das crianças que estudavam no mesmo acampamento pela manhã ou à tarde. Essa estrutura dos acampamentos nos leva a pensar a prática educativa da “Campanha De Pé no Chão...” como uma prática que parte do entendimento do indivíduo em sua complexidade social, cultural, biológica, visto que, nos acampamentos com os espaços destinados às festas da comunidade e reuniões de pais, buscava-se trabalhar os aspectos de interação social dos indivíduos. Além disso, consideravam-se as precisões individuais dos sujeitos enquanto ser biológico com suas necessidades específicas de alimentação. Essa apreciação parte da nossa visão de ser humano [...] como sendo parte de uma realidade simultaneamente biológica, psíquica, social e cultural. Buscam-se as possibilidades e espaços diferenciados para mudança não só do sistema educativo, mas também do social, e que englobe o reconhecimento da singularidade dos sujeitos em uma unidade do copo social (PINHEIRO, 2011, p. 96). Os espaços destinados às festividades do bairro nos Acampamentos Escolares objetivava favorecer a integração das manifestações culturais da comunidade na escola. Nesse sentido, podemos afirmar que se buscava, em meio à organização das práticas educativas da Campanha, o respeito à diversidade em suas especificidades culturais. Segundo Góes (2010, p. 91).“Era política expressa da Secretaria Municipal de Educação vincular o Acampamento às organizações populares e lideranças culturais mais expressivas do bairro onde se localizava.” Na prática educativa da “Campanha De Pé no Chão...” há uma preocupação quanto à relação da alfabetização com as práticas culturais. Para tanto, estamos entendendo práticas culturais “[...] como o todo de uma representação na religião, na música, nas manifestações tradicionais e artísticas, nas festas, bem como os momentos em que essas práticas se vinculem, como compromisso ou conflito em um contexto social.” (PINHEIRO, 2011, p. 124). A exemplo dessa busca de integração de práticas culturais à educação na “Campanha De Pé no Chão...” destacamos a inclusão no cotidiano dos Acampamentos das apresentações de grupos populares. Segundo Góes, [...] pouco a pouco, surgiam iniciativas comuns entre o Acampamento das Rocas e a Sociedade Araruna de Danças Antigas, entre o Acampamento de Aparecida e o fazedor de imagens Chico Santeiro, entre o Acampamento de Conceição e o Bambelô Asa Branca, entre o Acampamento do Carrasco e os Congos e/ou Boi-Calemba (GÓES, 2010, p. 91). A integração da cultura popular nas Escolas é importante por ser o meio que integra diversão e a cultura dos alunos no ambiente escolar, ajudando a fortalecer as experiências dos aprendizes. Segundo Giroux, Simon (2000, p. 96).“A cultura popular é organizada em torno do prazer e da diversão, [...] é apropriada pelos alunos e ajuda a validar suas vozes e experiências.” As ações em termos de integração da cultura popular na “Campanha De Pé no Chão...”, com o passar do tempo, não se restringiram aos Acampamentos, mas se desdobraram na criação de praças de cultura, do Teatrinho do Povo, Galeria de Arte, círculos de leitura, Museu de Arte Popular, reativação de grupos de danças folclóricas etc (GERMANO 2010). 371 Em todos esses eventos culturais, o povo, segundo Germano (2010, p. 133), “[...] participava e não somente assistia como mero espectador” das manifestações culturais. Esse processo foi importante por permitir à população criar e dar voz às suas experiências e subjetividades, além de contribuir para organização cultural da cidade. Nesse sentido, destacamos em conformidade com Pinheiro (2011).o papel das práticas culturais como produtoras e condicionantes em relações de autonomia social e individual. Assim, podemos pensar numa organização curricular da Campanha que contemplava práticas culturais da comunidade. Concomitantemente a esse trabalho dos Acampamentos Escolares a Prefeitura Municipal de Natal, teve a preocupação em se mobilizar para levar educação para aqueles adultos que se recusavam a participar das aulas nos acampamentos. Esse processo se desenvolveu a partir da organização de pequenos grupos de secundaristas que alfabetizavam em domicílio (Escola em Domicílio). Portanto essa foi mais uma forma de agir em prol da diminuição da taxa de analfabetismo e da educação popular em Natal, caracterizando uma prática curricular diferenciada. Além da criação dos Acampamentos Escolares e das Escolas em Domicílio, foi criado o Centro de Formação de Professores em 1962. Esse Centro sob a direção da professora Margarida de Jesus Cortez teve a função de preparar cursos de formação para professores que iriam trabalhar na Campanha, realizar o trabalho de coordenação técnico-pedagógica de “De Pé no Chão...”, bem como manter uma Escola de Demonstração. Essa Escola de Demonstração tornou-se importante por servir de laboratório para as professoras que foram treinadas pelo Centro. Assim como nos Acampamentos Escolares, na Escola de Demonstração também foram ofertadas aulas de alfabetização para adultos no período noturno. No que concerne às questões culturais referentes ao ensino de adultos na “Campanha De Pé no Chão...”, a criação do Centro de Formação de Professores foi relevante por incluir, nos cursos de preparação pedagógica, discussões sobre a cultura popular e sobre o livro de leitura de adultos. Segundo Germano (2010, p. 126).“O temário, em geral, versava sobre os seguintes aspectos: ‘[...] Cultura Brasileira e Alienação, Cultura Popular [...] Análise da Cartilha da Campanha.” Além disso, o Centro de Formação de Professores promoveu, em 1963, o 1° Congresso de Cultura Popular, que contou com a participação de representantes dos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte. Sobre esse congresso, relata Germano (2010): Constou do programa a apresentação de peças teatrais [...]. Foram realizadas exposições de arte, feito o lançamento do segundo volume, Viola de Desafio dos, ‘Cadernos do Povo Brasileiro’, com a presença de Enio Silveira, e do disco da UNE O povo Canta. Foram realizadas, ainda, palestras e debates sobre: Cultura e Alienação, Arte Popular [...] e exibidos os documentários Aruanda e Cajueiro Nordestino, de Linduarte Noronha (GERMANO, 2010, p. 129). Outro aspecto da Campanha e que corresponde a um alavancar da cultura no campo educacional do município de Natal, foi a criação dos Círculos de Cultura em 1963, que utilizaram o método Paulo Freire para alfabetização de adultos. Após um treinamento formal realizado pelo próprio Paulo Freire em Natal, a fim de preparar os alfabetizadores para aplicação de seu método no processo de alfabetização de adultos, foram criados Círculos de Cultura nos bairros das Rocas e em Nova Descoberta (GÓES, 2010). Os Círculos de Cultura, como todo o ensino, era destinado a adultos e funcionavam no período noturno. Nas aulas, buscava-se alfabetizar através do sistema Paulo Freire. Por meio desse método “[...] o ensino da leitura e da escrita já não é a repetição mecânica de ba-be-bi- bo-bu nem a memorização de uma palavra alienada, mas a difícil aprendizagem de ‘nomear’ o mundo.” (FREIRE, 2006, p. 57). 372 Esse processo de ‘nomear’ o mundo implica na conscientização do alfabetizando de sua realidade social existente a fim de ampliar suas possibilidades de melhoria nas condições de vida. Segundo Freire (2006, p. 59), “[...] a alfabetização, que leva a sério o problema da linguagem, deve ter como objeto também a ser desvelado as relações dos seres humanos com seu mundo.” Nesse processo, as experiências socioculturais dos educandos devem constituir a fonte primária de organização dos conteúdos a serem trabalhados. É preciso que os conteúdos sejam significativos para os educandos, o que, segundo Freire (1987), só é possível se esses conteúdos trabalhados forem resultado de uma pesquisa na realidade social desses alunos. Sendo assim, “[...] o conteúdo programático da educação não é uma doação ou imposição, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.” (FREIRE, 1987, p. 58). Dessa forma, propõe-se, no trabalho de alfabetização de adultos numa perspectiva freiriana, a integração do saber acadêmico ou erudito com o saber advindo da cultura popular. Para Pinheiro (2011): A proposição freiriana revela uma perspectiva curricular que, antecipando-se à mediação posterior dos Estudos Culturais, propõe uma ligação entre a cultura erudita, ou acadêmica, e a cultura popular. Essa ampliação permite que se veja a possibilidade de conexão entre as práticas culturais da comunidade como um conhecimento experiencial que legitimamente deve fazer parte do currículo (PINHEIRO, 2011, p. 144). Nos Círculos de Cultura, o processo de alfabetização, à luz dessa perspectiva freiriana, deveria acontecer tendo por base a integração entre os saberes dos alfabetizadores e educandos, permeado do processo de conscientização política dos analfabetos, que proporciona aos sujeitos a leitura do mundo onde vivem. Nesse sentido, afirma Freire (2006, p. 72).“[...] a conscientização não vem antes ou depois da alfabetização. Ela se dá neste como na post- alfabetização ou em atividades de educação política envolvendo analfabetos e não necessariamente ligadas a um esforço alfabetizador.” Havia uma preocupação, por parte dos idealizadores da Campanha em possibilitar aos aprendizes certo grau de conscientização política e possível melhoria de suas condições sociais. Por esse motivo, foi criada, também, a vertente De Pé no Chão Também se Aprende uma Profissão, em que foram oferecidos cursos de barbearia, artesanato, enfermagem de urgência, sapataria, corte e costura, encadernação e datilografia (GÓES, 2010). A diversidade desses espaços de ensino aprendizagem na “Campanha De Pé no Chão...” nos induz a refletir acerca de uma orientação político pedagógica que se manifesta de formas distintas de modo a ser flexível a diferentes situações de atendimento à educação na comunidade. Desse modo, não existe um currículo fechado, mas aberto às diversas possibilidades de práticas educativas. 373 Anexo C – Roteiro de estudo da E. M. Des. Amorim Lima 374 375 Anexo D - Lista de brincadeiras, músicas infantis e parlendas Do que você brincava quando era criança? - Cinco Marias: essa brincadeira constitui em, primeiramente, procurar cinco pedrinhas que tenham tamanho aproximado ou confeccionar saquinhos e recheá-los com arroz ou areia. Primeira rodada: jogue todas as pedrinhas no chão e tire uma delas (normalmente se tira a pedrinha que está mais próxima de outra). Depois, com a mesma mão, jogue-a para o alto e pegue uma das que ficaram no chão. Faça a mesma coisa até pegar todas as pedrinhas. Segunda rodada: jogue as cinco pedrinhas no chão, depois tire uma e jogue-a para o alto, porém, desta vez, pegue duas pedrinhas de uma vez, mais a que foi jogada para o alto. Repita. Terceira rodada: cinco pedrinhas no chão, tira-se uma e joga-se para o alto pegando desta vez três pedrinhas e depois a que foi jogada. Última rodada: joga-se a pedrinha para o alto e pega-se todas as que ficaram no chão. - Roda: em roda, cantem canções antigas e façam os gestos e representações delas. Lembramos de algumas músicas como atirei o pau no gato, ciranda-cirandinha, a linda rosa juvenil, a galinha do vizinho, a canoa virou, eu entrei na roda, cachorrinho está latindo, o meu chapéu tem três pontas, pai Francisco, pirulito que bate bate, samba lelê, se esta rua fosse minha, serra serra serrador, etc. - Escravos de Jó: dois participantes cantam a música “escravos de jó, jogavam caxangá, tira, põe, deixa ficar, guerreiros com guerreiros fazem zigue, zigue zá”. Cada um com uma pedrinha na mão vai trocando-as e fazendo o que diz a música. - Amarelinha: risca-se a amarelinha no chão, de 1 a 10, fazendo no último número um arco para representar o céu. Pula-se com um pé só, dentro de cada quadrado. - Pião: um pião de madeira enrolado num barbante. Puxa-se a ponta do barbante e este sai rodopiando. A grande diversão é observar o pião rodando. - Passar anel: os participantes ficam com as mãos juntas e um deles com um anel escondido. A pessoa que está com o anel vai passando suas mãos dentro das mãos dos outros participantes até escolher um deles e deixar o anel cair em suas mãos, sem que os outros percebam. Depois escolhe uma pessoa e pergunta-se “fulano, com quem está o anel?” e a pessoa escolhida deve acertar. - Pula corda: duas pessoas batem a corda e outra pula. Durante a execução da brincadeira os batedores vão cantando “um dia um homem bateu na minha porta e disse assim: senhora, senhora, põe a mão no chão, senhora, senhora, pule de um pé só, senhora, senhora, dê uma rodadinha e vá pro meio da rua”. Ao final, o pulador deve sair da corda sem errar. - Bolinha de gude: essa brincadeira tem várias formas de se jogar, como box, triângulo, barca e jogo do papão, onde os participantes devem percorrer determinados caminhos, batendo uma bolinha na outra e, ao final, acertar as caçapas. - Empinando pipa: escolha um local adequado e amplo, onde não tenha fios de energia elétrica. A pipa vai subindo com o vento e os participantes ficam observando-a ao longe. Algumas 376 pessoas usam cerol, uma mistura de cola com caco de vidro, para cortar os fios das outras pipas. Porém, a brincadeira dessa forma torna-se perigosa, podendo causar acidentes graves. Assim, use-a apenas para se divertir evitando usar o cerol, mesmo que alguém lhe dê o preparado. - Batata quente: os participantes sentam-se em círculo e uma pessoa fica de fora. Vão passando uma bola, bem rápido, de mão em mão e o que está de fora, de costas para o grupo, grita “batata quente, quente, quente, ..., queimou!”. Quem estiver com a bola quando o colega disser ‘queimou’, é eliminado da brincadeira. O vencedor será aquele que não for eliminado. - Batatinha frita: De costas para o resto do grupo, uma criança, que será a batatinha, fala bem alto: “Batatinha frita um, dois, três!”. Durante essa frase, as outras crianças tentam se aproximar da batatinha, mas precisam paralisar assim que ela acabar de falar e virar de frente para elas. Se alguém for pego se mexendo, está fora, e o primeiro que conseguir encostar nas costas da criança batatinha vence. - Bambolê: Aquele círculo colorido de plástico tem o poder de divertir por um bom tempo crianças de todas as idades, até mesmo as menores que não conseguem girar bem o aro. Na cintura, com movimentos do quadril, nos pulsos ou pescoço, o bambolê vai ensina muito sobre o corpo às crianças. - Bobinho: É necessária uma bola e ao menos três pessoas. Uma criança será o bobinho e tem que conseguir pegar a bola enquanto os outros a jogam entre si. Quem jogar e tiver a bola apreendida pelo bobinho será o bobinho da vez. - Bolinha de sabão: Uma brincadeira mágica e que incentiva os pequenos a direcionar o ar e controlar o diafragma. E nem é preciso comprar o modelo industrializado – apesar de ser muito barato – um copo com água e detergente e um canudo já resolvem a brincadeira. - Caça ao tesouro: Esconda um prêmio (pode ser um doce, um dinheirinho, qualquer prenda).em algum lugar da casa ou do jardim. Após escolher o esconderijo, eleja outros lugares da casa para esconder pistas em papeis que levam até o tesouro. - Mímica: Essa brincadeira pode ser feita em qualquer lugar. Uma criança sozinha ou em grupo decide por um objeto, animal, filme ou qualquer outra coisa que será encenada e anotará em um papel. O outro grupo de crianças tem que adivinhar a palavra escolhida. - Esconde-esconde: Umas das brincadeiras mais famosas de todos os tempos, o pique-esconde é indicado para todas as idades. Uma criança conta até 10 enquanto os outros amigos se escondem. 377 Brincadeiras para adultos Pingue – pulmão Essa brincadeira pode ser feita com times ou individualmente. Retire a rede da mesa de pingue- pongue e coloque uma bolinha no meio. Um representante de cada equipe escolhe um lado da mesa. Com as mãos viradas para trás, os jogadores devem soprar a bolinha e fazer ela chegar até lado do time adversário. Ganha o jogador, ou a equipe que conseguir fazer a bola cair do lado adversário mais vezes. Verdade ou desafio – Este é uma opção de atividades para jovens em grande número. Os participantes se sentam formando um círculo. O jogo começa com um participante que gira a garrafa. No momento em que a garrafa para de girar, ela aponta para duas pessoas. O participante para quem o fundo da garrafa estiver apontado deve começar a brincadeira dizendo “verdade ou desafio?” e a pessoa que estiver na direção da ponta da garrafa deve escolher uma das opções. Se a resposta for “verdade”, ele terá que responder à pergunta feita pelo outro participante, se ela optar por « desafio », ele deverá pagar uma prenda como dançar, cantar, imitar alguém, etc Jogo da memória IDADE: Todas. Objetivos específicos: Memória, tato. MATERIAL: Lápis, grampos, moedas, giz, etc. Formação: em pé, formando um círculo, mãos para trás. Execução: o recreador entregará para um aluno um objeto após outro para ser passado adiante. Após serem passados todos os objetos, todos se sentarão e rapidamente escreverão o nome dos objetos que passarem pelas suas mãos. Vencerá quem escrever mais nomes dos objetos em um tempo determinado. Leia as letras de música!! Cante!! Relembre sua infância!!! A Barata A barata diz que tem Sete saias de filó É mentira da barata Ela tem é uma só Há, há, há, hó, hó, hó Ela tem é uma só Há, há, há, hó, hó, hó Ela tem é uma só A barata diz que tem Um anel de formatura É mentira da barata Ela tem a casca dura Há, há, há, hó, hó, hó Ela tem é a casca dura 378 Há, há, há, hó, hó, hó Ela tem é a casca dura A barata diz que tem Um sapato de fivela É mentira da barata O sapato é da mãe dela Há, há, há, hó, hó, hó O sapato é da mãe dela Há, há, há, hó, hó, hó O sapato é da mãe dela A barata diz que tem Uma saia de cetim É mentira da barata Ela tem é de capim Há, há, há, hó, hó, hó Ela tem é de capim Há, há, há, hó, hó, hó Ela tem é de capim A barata diz que tem Um sapato de veludo É mentira da barata Ela tem o pé peludo Há, há, há, hó, hó, hó Ela tem o pé peludo Há, há, há, hó, hó, hó Ela tem o pé peludo A barata diz que tem Sete saias de balão É mentira não tem não Nem dinheiro pra sabão Há, há, há, hó, hó, hó Nem dinheiro pra sabão Há, há, há, hó, hó, hó Nem dinheiro pra sabão A barata diz que tem Um vestido de babado É mentira da barata O vestido tá rasgado Há, há, há, hó, hó, hó O vestido tá rasgado Há, há, há, hó, hó, hó O vestido tá rasgado A barata sempre diz 379 Que viaja de avião É mentira da barata Ela vai é de busão Há, há, há, hó, hó, hó Ela vai é de busão Há, há, há, hó, hó, hó Ela vai é de busão Formiguinha Fui no mercado comprar café E a formiguinha e subiu no meu pé Eu sacudi, sacudi, sacudi Mas a formiguinha não parava de subir Fui no mercado comprar batata roxa E a formiguinha e subiu na minha coxa Eu sacudi, sacudi, sacudi Mas a formiguinha não parava de subir Fui no mercado comprar melão E a formiguinha subiu na minha mão Eu sacudi, sacudi, sacudi Mas a formiguinha não parava de subir Fui no mercado comprar gerimum E a formiguinha subiu no meu bumbum Eu sacudi, sacudi, sacudi Mas a formiguinha não parava de subir Fui no mercado comprar um giz E a formiguinha e subiu no meu nariz Eu sacudi, sacudi, sacudi Mas a formiguinha não parava de subir Indiozinhos 1, 2, 3 indiozinhos 4, 5, 6 indiozinhos 7, 8, 9 indiozinhos 10 no pequeno bote Iam navegando rio abaixo Quando o jacaré se aproximou E o indiozinho olhou pra baixo E o bote quase virou 380 A Canoa Virou A canoa virou Por deixá-la virar Foi por causa do Indiozinho Que não soube remar Se eu fosse um peixinho E soubesse nadar Eu tirava o Indiozinho Do fundo do mar A canoa virou Por deixá-la virar Foi por causa da Julia Que não soube remar Se eu fosse um peixinho E soubesse nadar Eu tirava a Julia Do fundo do mar A canoa virou Por deixá-la virar Foi por causa do Galo Que não soube remar Se eu fosse um peixinho E soubesse nadar Eu tirava o Galo Do fundo do mar A canoa virou Por deixá-la virar A Galinha Pintadinha Que não soube remar Se eu fosse um peixinho E soubesse nadar Eu tirava a Galinha Do fundo do mar Siriri pra cá, sirir pra lá, A Galinha não sabe nadar. 381 Sapo Cururu Sapo cururu, Na beira do rio, Quando o sapo canta, ô maninha, É porque tem frio. A mulher do sapo, Deve estar lá dentro, Fazendo rendinha, ô maninha, Para o casamento. (repete quatro vezes a letra acima) Atirei o Pau No Gato Atirei o pau no gato tô Mas o gato tô Não morreu reu reu Dona Chica cá Admirou-se se Do berro, do berro que o gato deu Miau !!!!!! Não atire o pau no gato tô porque isto tô não se faz faz faz O gatinho nhô É nosso amigo gô Não devemos maltratar os animais jamais! Fui Morar Numa Casinha Fui morar numa casinha nhá Infestada da de cupim pim pim Saiu de lá lá lá uma lagartixa xá Olhou pra mim olhou pra mim e fez assim Hum hum Fui morar numa casinha nhá Enfeitada da de florzinha nha Saiu de lá lá lá uma princesinha nhá Olhou pra mim olhou pra mim e fez assim Smack smack Fui morar numa casinha nhá nhá Infestada da de morceguinho nhô 382 Saiu de lá lá lá uma bruxinha nhá Olhou pra mim olhou pra mim e fez assim Hi ah hi hi hi hi Fui morar numa casinha nhá Infestada da de cupim pim pim Saiu de lá lá lá uma lagartixa xá Olhou pra mim olhou pra mim e fez assim Hum hum Fui morar numa casinha nhá Enfeitada da de florzinha nha Saiu de lá lá lá uma princesinha nhá Olhou pra mim olhou pra mim e fez assim Smack smack Fui morar numa casinha nhá Enfeitada da de pintinha nhá Saiu de lá lá lá uma galinha nhá Olhou pra mim olhou pra mim e fez assim Ciranda Dos Bichos A dança do jacaré quero ver quem sabe dançar. A dança do jacaré, quero ver quem sabe dançar. Rebola para lá, rebola para cá E abre o bocão assim. Remexe o rabo e nada no lago Depois dá a mão para mim. A dança da cascavel, quero ver quem sabe dançar. A dança da cascavel, quero ver quem sabe dançar. Rebola para lá, rebola ondulado E estica o pescoço assim. E sobe no galho, balança o chocalho Depois dá a mão para mim. A dança do caranguejo, quero ver quem sabe dançar. A dança do caranguejo, quero ver quem sabe dançar. Rebola para lá, rebola para cá Belisca o meu pé assim. E mexe o olho e ande de lado Depois dá a mão para mim. A dança do peixe boi, quero ver quem sabe dançar. A dança do peixe boi, quero ver quem sabe dançar. 383 Rebola para lá, rebola para cá E abre a boquinha assim. Me dá um beijinho e nada um pouquinho Depois dá a mão para mim. A dança do tuiuiu, quero ver quem sabe dançar. A dança do tuiuiu, quero ver quem sabe dançar. Rebola para lá, rebola para cá E voa no ar assim. E sobe um pouquinho e desce um pouquinho Depois dá a mão para mim. A dança da criançada, quero ver quem sabe dançar. A dança da criançada, quero ver quem sabe dançar. Rebola para lá, rebola para cá Faz uma careta assim. E dá uma voltinha, sacode a cabeça Depois dá a mão para mim A Canoa Virou A canoa virou, Quem deixou ela virar? Foi por causa da menina, Que não soube remar. (bis) Se eu fosse um peixinho E soubesse nadar Eu tirava a menina Lá do fundo do mar.. (2X) Capelinha de melão Capelinha de melão É de São João É de cravo, é de rosa, É de manjericão São João está dormindo Não acorda, não Acordai, acordai, Acordai, João! Caranguejo Caranguejo não é peixe 384 Caranguejo peixe é Caranguejo não é peixe Na vazante da maré. Palma, palma, palma, Pé, pé, pé Caranguejo só é peixe, na vazante da maré! Ciranda cirandinha Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar, vamos dar a meia-volta, volta e meia vamos dar O anel que tu me deste era vidro e se quebrou O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou Por isso, D. Fulano entre dentro dessa roda Diga um verso bem bonito, diga adeus e vá-se embora A ciranda tem tres filhas Todas tres por batizar A mais velha delas todas Ciranda se vai chamar Fui no Itororó Fui na fonte do Itororó Beber água e não achei. Achei linda morena Que no Itororó deixei. Aproveite minha gente Que uma noite não é nada. Se não dormir agora Dormirá de madrugada. Ó Mariazinha! Ó Mariazinha! Entre nesta roda E dançara sozinha. Sozinha eu não danço Nem devo dançar Porque tenho o boto Para ser meu par. 385 Leia, cante e brinque com as parlendas abaixo!!! Relembre parlendas que ouvia em sua infância ou as que utiliza na sua interação com crianças. Divirta-se!!! Parlendas Um, dois, feijão com arroz. Três, quatro, feijão no prato. Cinco, seis, chegou minha vez Sete, oito, comer biscoito Nove, dez, comer pastéis. ----------------------------------- Serra, serra, serrador! Serra o papo do vovô! Quantas tábuas já serrou? Uma delas diz um número e as duas, sem soltarem as mãos, dão um giro completo com os braços, num movimento gracioso. Repetem os giros até completar o número dito por uma das crianças. -------------------------------------------- Um elefante amola muita gente... Dois elefantes... amola, amola muita gente... Três elefantes... amola, amola, amola muita gente... Quatro elefantes amola, amola, amola, amola muito mais... (continua...) ------------------------------------ Chuva, choveu Goteira pingou Pergunte ao papudo Se o papo molhou ------------------------------------ – Cala a boca! – Cala a boca já morreu Quem manda em você sou eu! ------------------------------------ - Enganei um bobo... Na casca do ovo! ---------------------------------- Fui à feira Encontrei uma coruja Pisei no rabo dela Ela me chamou de cara suja ------------------------------------ Bam ba la lão Senhor capitão, Espada na cinta, Ginete na mão. ----------------------------------- Uma pulga na balança Deu um pulo E foi a França ------------------------------------ 386 Era uma bruxa À meia-noite Em um castelo mal-assombrado Com uma faca na mão Passando manteiga no pão ------------------------------------- A B C D Meu burrinho sabe ler Minha mãe mandou ir na escola Para ele aprender! ------------------------------------- Chuva e Sol, Casamento de espanhol Sol e chuva Casamento de viúva ------------------------------------- Tá com frio? Toma banho no rio Tá com calor? Toma banho de regador ------------------------------------- A vovó da Mariazinha Fez xixi na panelinha E falou pra todo mundo Que era caldo de galinha. ------------------------------------- Dedo Mindinho Seu vizinho, Maior de todos Fura-bolos Cata-piolhos. ------------------------------------ Lá em cima do piano tem um copo de veneno Quem bebeu morreu O culpado não fui EU ------------------------------------- O macaco foi à feira Não teve o que comprar Comprou uma cadeira Pra (nome da pessoa).se sentar A cadeira esborrachou Coitada(o).(nome da pessoa) Foi parar no corredor. ------------------------------------- Quem foi a Portugal perdeu o lugar. Quem foi a Cotia Perdeu a tia. 387 Quem foi a Pirapora chegou agora. -------------------------------------- Rei, capitão, soldado, ladrão. moça bonita Do meu coração. 388 389 390 Anexo E - Instrumento para observação e entrevista em instituição escolar pública I - IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA Nome da instituição: Localização: ( ).ZONA NORTE ( ).ZONA LESTE ( ).ZONA NORTE ( ).ZONA SUL Turnos de funcionamento da escola: ( ).MANHà ( ).TARDE ( ).INTEGRAL Níveis e modalidades atendidos em cada turno: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Quantidade de turmas: ______________ Total de alunos: ________ Quantidade de alunos por turma? _________ Organização das turmas da escola? ( ).Por faixa etária ( ).Por mais de uma faixa etária. Espaços existentes na escola: ( ).SALAS DE AULA ( ).SALA DE PROFESSORES ( ).SALA DA DIREÇÃO ( ). SECRETARIA ( )BIBLIOTECA ( ).BRINQUEDOTECA ( ).COZINHA ( ).REFEITÓRIO ( ).PARQUE ( ).PÁTIO ( )QUADRA ( )SALA DE VÍDEO ( ).LABORATÓRIO DE INFORMÁTICA ( ).BANHEIROS ( ).SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS (SRM). ( ).OUTROS Quais? _____ _______ II - EQUIPE DA ESCOLA Equipe da escola: Diretor ( ). Formação: _____________________________________ Outra (especificar): ____________________ Vice-diretor ( ).Formação: ___________________________________ Outra (especificar): ____________________ Coordenador Pedagógico ( ). Formação: _______________________ Outra (especificar): ____________________ Supervisor Pedagógico ( ). Formação: _______________________ Outra (especificar): ____________________ Total de Professores Titulares: ____________ Quantitativo por Formação: ( ).MÉDIO ( ).SUPERIOR ( ).ESPECIALIZAÇÃO ( ).MESTRADO ( ).DOUTORADO Total de Professores Auxiliares: ___________ Quantitativo por Formação: ( ).MÉDIO ( ).SUPERIOR ( ).ESPECIALIZAÇÃO ( ).MESTRADO ( ).DOUTORADO III - CONSELHO ESCOLAR E PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO 391 A escola possui Conselho Escolar? ( ).SIM ( ).NÃO Quem participa? ___________________________________________________________________________ Qual a periodicidade das reuniões?__________________________________________________________________ A escola tem Projeto Político Pedagógico (PPP)? ( ).SIM ( ).NÃO ( ).EM CONSTRUÇÃO O que motivou a elaboração do Projeto Político-Pedagógico (ou Projeto Curricular).da instituição educativa? Como foi elaborado? Quais segmentos participaram dessa elaboração? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ A instituição considerou a realidade sociocultural dos alunos para elaboração dessa proposta? Como? ___________________________________________________________________________ Quais os princípios e objetivos que orientam o Projeto Político-Pedagógico (ou Projeto Curricular).da instituição? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Como a instituição educativa organiza os conhecimentos curriculares? Essa organização está relacionada aos Parâmetros e Referenciais Curriculares Nacionais? De que modos? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ De acordo com o PPP, quais procedimentos e atitudes são privilegiados na formação do aluno? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ De acordo com o PPP, qual a metodologia de ensino adotada pela instituição? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ De acordo com o PPP, qual a metodologia de avaliação da aprendizagem adotada pela instituição? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 392 A instituição educativa vivencia práticas de inclusão e respeito aos direitos humanos em sua atuação pedagógica? Como? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ A instituição educativa possui alunos diagnosticados com transtornos de aprendizagem? Se sim, quais? Quantos alunos? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Como a instituição educativa trabalha com esses alunos diagnosticados com transtornos de aprendizagem? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Qual a formação dos profissionais que atuam com crianças, jovens e adultos? A instituição desenvolve algum processo de formação continuada? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ A instituição educativa realiza processo de avaliação institucional? Como? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Qual o intervalo de tempo em que o Projeto Político-Pedagógico (ou Projeto Curricular).é revisado/reformulado? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Como e por quais professoras as questões de gênero e sexualidade, raça e etnia são trabalhadas na escola? As questões aparecem no PPP da escola? Algum material didático específico é utilizado? 393 ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ IV- RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES De que maneira as disciplinas do período podem contribuir para refletir sobre a prática pedagógica na escola e a atuação d@ pedagog@ nesta instituição? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Que questões/inquietações esta observação trouxe para você? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Como o brincar pode contribuir com esta instituição? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 394 Anexo F – Proposta de intervenção de Dalila, Érica e Melissa. PRIMEIRO DIA: Nos apresentamos e dissemos os objetivos da nossa aula. Em primeiro lugar, dissemos que a nossa aula estaria voltada para a área de matemática e, por isso, iríamos conhecer a história do sapato, perceber os variados números de sapato e, por fim, iríamos ler e interpretar informações de um gráfico, compreendendo a sua estrutura. Dessa forma, expusemos figuras de vários tipos sapatos. Em seguida, questionamos sobre o porquê das imagens. Depois das diferentes respostas introduzimos a aula contando a história do sapato, sua origem e curiosidades sobre ele. De acordo com a história do sapato, estimulamos os alunos a pensarem sobre a função do sapato, os tipos que eles conhecem e como se adquire, também, relacionarem a função do sapato no passado com a do presente. Partindo disso, e aliado ao tema do projeto “Nosso corpo, um sistema integrado”, elaboramos uma tabela que continha informações acerca do tamanho do calçado de cada um deles. Figuras de vários tipos de calçados A partir dos dados obtidos foram feitos alguns questionamentos e a próxima etapa, a confecção do gráfico. o De quanto a quanto são os números de calçados? o Que número teve maior repetição? o Tem algum número de sapato que alguém não tem? Após o diálogo e anotações na tabela foi montado um gráfico que continha uma linha horizontal em que estavam os números de calçados de 33 à 44. Cada participante identificou o seu número de sapato no gráfico e o selecionou com um marcador feito de EVA. Em seguida, realizamos a produção de um texto coletivo com as compreensões da análise do gráfico, que serviu como registro dos pontos mais importantes da aula. 395 Aula de matemática sobre gráficos e tabelas - texto coletivo – E.M.E.Emmanuel Bezerra Tabela Gráfico SEGUNDO DIA: Iniciamos a aula com alguns questionamentos, tais como: Como é o seu bairro? Qual a situação ambiental, proteção e preservação do meio ambiente? Existe pontos de coleta de lixo? Como acontece a coleta do lixo na sua casa? Sua família separa o lixo que deve ser reciclado? Após a discussão sobre o assunto e verificação sobre os conhecimentos prévios dos 396 alunos, explicamos, através de slides, quais são os materiais recicláveis e o que podem causar ao meio ambiente se descartado erroneamente. Apresentamos os vários tipos de lixos, e se podem ou não ser recicláveis, trouxemos curiosidades sobre o tema e um pequeno documentário sobre o meio ambiente, que busca criar a consciência ambiental nos alunos. Para encerrar, a turma foi dividida em grupos de 4 e 5 pessoas. Foram entregues sacolinhas de coleta para materiais recicláveis, de acordo com as quatro cores padrões de identificação dos recipientes de coleta de resíduos. Um aluno de cada grupo buscava em um baú, que continha mais de 150 figuras, no centro da sala, 4 delas e voltará imediatamente para o seu grupo, que depositava, literalmente os resíduos, por meio das cartas(figuras), nos devidos recipientes (sacolinhas). Foram cronometrados os minutos para a participação de todos. Ao final, venceu o grupo que terminou primeiro e acertou todas as figuras. Slide 1 Slide 2 Slide 3 Slide 4 397 Sacolinhas da coleta seletiva TERCEIRO DIA: No terceiro dia da nossa intervenção, iniciamos a aula conversando com os alunos sobre contos, questionando-os se conheciam algum e suas características. Partindo do conhecimento prévio deles, explicamos que conto é criado, narrado e ouvido pelo povo. Transmitido de gerações a gerações. O conto é testemunha de usos, costumes, ideias, práticas, saberes, decisões e julgamentos. Carrega em si informações históricas e é fruto da oralidade e do espírito inventivo. Os contos são histórias populares que encantam, divertem, fazem sonhar, pensar, refletir. Aguçam a imaginação, trazem recordações, despertam a curiosidade e motivam a criação. Após a conversa introdutória sobre conto, entregamos para os alunos fichas com o texto enigmático: Meu filho Tomé Que muito me é! É filho do meu filho, Irmão do meu marido. É meu neto e meu cunhado, Filho feito sem pecado! Quando todos estivam com os enigmas, foi realizada a leitura e eles acompanharam. Novamente foi explorado o conhecimento prévio dos alunos, buscando saber o que eles achavam que era um enigma. Depois de ouvidas as respostas, explicamos que enigma é algo que não se compreende ou que não se consegue interpretar, um conjunto de palavras de sentido encoberto para que a mensagem seja de difícil entendimento. Partindo disso, pedimos para que os alunos decifrassem o enigma. Após as hipóteses de respostas levantadas por eles, e quando a curiosidade já estava bem aguçada, contamos a 398 história: “O filho feito sem pecado” de Luís da Câmara Cascudo. O Filho Feito sem Pecado Contos Tradicionais do Brasil para Jovens Uma moça deu à luz uma criança e a mandou educar longe da cidade em que morava, para que ninguém soubesse jamais de sua culpa. O menino cresceu, fez-se homem e veio visitar a cidade, justamente onde sua mãe vivia. O rapaz viu-a, enamorou-se dela e se casou. Meses depois, descansando o marido no colo da mulher, reparou esta numa medalha de ouro, com a efígie de Nossa Senhora da Conceição, lembrança que pusera ao pescoço do filhinho ao separar-se dele. Sentindo-se criminosa e não querendo prolongar aquela união sacrílega, contou sua história ao esposo que era, sem saber, seu filho. Este partiu imediatamente para longe e não mais enviou notícias. Depois nascia um filho, batizado com o nome de Tomé, e a mãe anunciou dar um grande prêmio a quem decifrasse o enigma que apresentaria. Não acertando, pagariam uma multa. A mulher educou seu filho como um príncipe, foi muito feliz e morreu rica porque ninguém conseguiu decifrar o enigma que era assim: Meu filho Tomé Que muito me é! É filho do meu filho, Irmão do meu marido. É meu neto e meu cunhado, Filho feito sem pecado! Após a contação da história, conversamos com os alunos sobre os principais fatos da narrativa, por meio de questionamentos como: - Onde se passa a história? - Que tempo será esse? - Quem são as principais personagens? - Por que a moça enviou seu filho para longe? - Por que o título: o filho feito sem pecado? Nesta aula também abordamos a respeito da nossa constituição genética. Explicamos que, os casamentos consanguíneos, isto é, as relações matrimoniais entre indivíduos com grau de parentesco muito próximo (pais com filhos ou entre irmãos e até mesmo primos de primeiro e segundo grau), representam um relevante aspecto genético com consequências hereditárias. Não é via de regra resultar malefícios aos descendentes, contudo, abrange a probabilidade de uma concepção (gravidez e nascimento).de indivíduos com anomalias estruturais (deformidades anatômicas).ou distúrbios fisiológicos (funcionamento enzimático), comprometendo a homeostase orgânica. Realizados os questionamentos, os alunos identificaram (tentaram ler ou “adivinhar”), no enigma, palavras do campo semântico “pessoas que compõem a família”: FILHO, IRMÃO, MARIDO, NETO, CUNHADO. No quadro, ficaram escritas estas palavras. Foi orientado que, quando achassem cada palavra do quadro no texto, ele marcariam com um x, ou um traço, uma bolinha, etc. foram trabalhadas, também, letras iniciais e finais. Depois, trouxemos novas palavras para comparar com as que eles já tinham identificado no texto, tais como, FILHA, IRMÃ, NETA, CUNHADA, ESPOSA, PAI, MÃE e etc. Partindo disso, eles conheceram novas palavras e, também, identificaram palavras no masculino e feminino. Para finalizar, realizamos um bingo com as palavras do texto e as demais trabalhadas em sala. Distribuímos cartelas, que deveriam ser preenchidas de acordo com as escolhas deles. Em uma caixinha, colocamos as diversas palavras, que iam sendo sorteadas e, respectivamente, marcadas nas cartelas. 399 QUARTO DIA: Dando continuidade ao projeto, começamos a aula conversando sobre o gênero textual propaganda, quais tipos eles conheciam e para que servem. Socializado o tema, entregamos folhetos de propaganda de supermercado. Em seguida, exploramos os seus diversos aspectos com as seguintes questões: 1. Nome da empresa. 2. Validade das ofertas. 3. Nomes dos produtos que são oferecidos. 4. Os produtos estão separados por categorias? Quais? 5. Qual é o produto mais caro do folheto? 6. Qual produto mais barato? 7. Qual a frase usada para chamar a atenção do consumidor? Feitos os questionamentos, pedimos que identificassem alguns produtos, reconhecendo as letras iniciais, finais e número de sílabas. Terminado todo o reconhecimento do folheto, pedimos que escolhessem 10 produtos e montassem uma lista em seu caderno. Concluídas todas as listas, eles escolheram dois produtos e fizeram a soma. Alguns, conseguiram somar os dez itens da lista. Outros, apenas dois. Após explorar diversos itens do folheto de propaganda do supermercado, os alunos foram divididos em grupos de 4 e 5 pessoas e participaram do jogo de dominó, com os produtos que do panfleto. Dessa forma, foi possível trabalhar a imagem e o nome do produto. Esta atividade promoveu a oralidade, leitura e reconhecimento de palavras de um mesmo campo semântico. Também se trabalhou a relação de grafemas e fonemas, bem como os gêneros propaganda e lista. QUINTO DIA: Por fim, nosso último dia de intervenção. Iniciamos nossa aula com um sentimento de saudade e ao mesmo tempo, de dever cumprido! Fizemos nossos agradecimentos e também recebemos o carinho da turma e da professora Ladiara. Demos continuidade apresentando um outro conto. O velho e seu neto Irmãos Grimm-Tradução de Ana Maria Machado Era uma vez um velho muito velho, quase cego e surdo, com os joelhos tremendo. Quando se sentava à mesa para comer, mal conseguia segurar a colher. Derramava sopa na toalha e, quando, afinal, acertava a boca, deixava sempre cair um bocado pelos cantos. O filho e a nora dele achavam que era uma porcaria e ficavam com nojo. Finalmente, acabaram fazendo o velho se sentar num canto atrás do fogão. Levavam comida para ele numa tigela de barro e - o que era pior - nem lhe davam bastante. O velho olhava para a mesa com os olhos compridos, muitas vezes cheios de lágrimas. Um dia, suas mãos tremeram tanto que ele deixou a tigela cair no chão e ela quebrou. A mulher ralhou com ele, que não disse nada, só suspirou. Depois ela comprou uma gamela de madeira bem baratinha e era aí que ele tinha que comer. Um dia, quando estavam todos sentados na cozinha, o neto do velho, que era um menino de quatro anos, estava brincando com uns pedaços de pau. - O que é que você está fazendo? - perguntou o pai. 400 O menino respondeu: - Estou fazendo um cocho, para papai e mamãe poderem comer quando eu crescer. O marido e a mulher se olharam durante algum tempo e caíram no choro. Depois disso, trouxeram o avô de volta para a mesa. Desde então passaram a comer juntos e, mesmo quando o velho derramava alguma coisa, ninguém dizia nada. POR ISSO DIZ O DITADO: QUEM COM FERRO FERE, COM FERRO SERÁ FERIDO. Neste conto, nós questionamos sobre se eles lembravam que, nos contos de fadas, o que parece infantil, divertido ou absurdo, na verdade traz lições de vida. Então, perguntamos: Que tipo de lição de vida esse conto quer transmitir? O que fez com que o filho e a nora mudassem de atitude com relação ao velho? Perguntamos, também, o que eles entendiam por expectativa de vida? Depois de colhidas as respostas, explicamos que, expectativa de vida é um cálculo feito para todo o conjunto da população que define quantos anos, em média, as pessoas vivem. A esperança de vida relaciona-se às condições gerais de existência de uma população. Vive-se mais porque as condições são melhores. As pessoas têm, por exemplo, melhor atendimento médico, condições de habitação e alimentação mais adequadas. Brasil 73 anos Estados Unidos 78 anos China 75 anos Também, trouxemos uma discussão sobre o nosso envelhecimento biológico e a saúde. Explicamos que a velhice faz parte de um ciclo natural da vida – nascer, crescer, amadurecer e morrer. O envelhecimento se caracteriza por uma série de mudanças que ocorrem no corpo e começam a ser percebidas em torno dos 40 anos. A capacidade de funcionamento dos órgãos vai diminuindo, mas isso não impede as atividades cotidianas. O único órgão que para de funcionar com a idade são os ovários nas mulheres, após a menopausa. Outro ponto importante, que salientamos foi que, para atingir uma velhice saudável, é preciso entender que tudo aquilo que fazemos na juventude terá repercussão na fase da velhice. Por isso é preciso ter os seguintes cuidados: • Alimentação (frutas, legumes e verduras) • Evitar o excesso de doces e massas • Evitar gorduras animais, pois tem muito colesterol • Evitar o fumo • Evitar o álcool • Só tomar medicamentos indicados pelo médico • Praticar exercícios físicos regularmente. Terminada a discussão, que por sinal interessou a quase todos eles, trouxemos uma atividade sobre os ditados populares. Muitas vezes usamos certas expressões, mas não temos ideia do que elas significam. São termos populares que através dos anos permaneceram sempre iguais, significando exemplos morais, filosóficos e religiosos. Tanto os provérbios quanto os ditados populares constituem uma parte importante de cada cultura. Historiadores e escritores sempre tentaram descobrir a origem dessa riqueza cultural, mas essa tarefa nunca foi nada fácil. O grande escritor Luís da Câmara Cascudo já dizia que: “os ditados populares sempre estiveram presentes ao longo de toda a História da humanidade”. No Brasil isso não é nenhuma novidade. Muitas vezes ocorrem expressões tão estranhas e sem sentido, mas que são muito importantes para a nossa cultura popular. Assim, terminada a explicação, distribuímos tiras de cartolina, contendo ditados 401 populares que deveriam ser “lidos” (adivinhados), principalmente por meio das figuras, e completados. Em seguida, os alunos deveriam transcrever, pelo menos, três ditos populares para o caderno, inclusive, com a palavra que estava posta por meio do desenho. Este, além dos demais, era o objetivo da atividade. Nesse sentido, foi trabalhado o gênero textual - dito popular, a leitura e a escrita. 402 Anexo G – Recursos utilizados na aula sobre medicalização Poemas sobre biopoder e normalidade Discursos Foucault e as armadilhas das palavras como instrumentos Elaine Perez Norma para além de substantivo é verbo. Normalizar. Docilizar corpos, sanear populações, gerir e governar a vida. Gestão de condutas, controle dos desvios. Saberes e poderes que inventam e produzem uma sociedade "normal". Produção de poderes, de olhares direcionados para o mundo, para si e para o outro. O "anormal" é discurso de uma tecnologia enunciada. Discurso é produção! Sendo assim, há que se questionar as "verdades" afirmativas. O "anormal", o "deficiente", o "transtornado" entre outros. E problematizar o "discurso" do anormal, do deficiente e de tantos outros. Fragmentos da realidade, cortada, atravessada por fragmentos de discursos. Gritos, armadilhas, gestos, atitudes. Camisas de força, química, dispositivos auto- reguladores do que está desregulado, fora do campo de formação da "normalidade". Os discursos são práticas formativas dos próprios objetos falantes. Conjunto de regras que animam, dão movimento à ação discursiva. Dispersão, descontinuidade. O poder é difuso, se exerce vinculado a uma certa economia de saber. Produtora e veiculadora das grandes e pequenas "verdades". Vida fabricada A tese em construção (um dedo de prosa com Aguiar, Foucault, Deleuze, Negri e Agamben) Elaine Perez O show começou! Temos o "poder" de transformar a própria vida. Espetáculo permanente que cria subjetividades. Cultura moldando novos seres artificiais. Na contemporaneidade, para além dos desvios e das aberrações categorizadas em múltiplas doenças da anormalidade. Fabricamos corpos, modos de viver, de ser, de sentir Sofrimento passa a ser sinônimo de doença. 403 Os sofrimentos precisam do olhar, do encontro, de um dedo sensível de prosa. O "sujeito" que sofre não é um caso com sintomas. É uma vida pulsante. Desejosa de vida! Para muito além da vida orgânica, o viver, o sentir, o existencial, a potência da vida está ao alcance de soluções "magicas" das pílulas que ativam, atiçam as substâncias químicas do cérebro. Existência resumida na química cerebral... Para além da cura de doença estamos buscando silhuetas performáticas. Hiper-humanos, livres dos medos, das rugas, dos quilos, das dobras, das tristezas, das incertezas do dia a dia. Mas constantemente autocontrolados pelas tendências, sintomas, fissuras. Pelo excesso. Tapa-buraco artificial. Para além de estátuas de areia, somos mar, oceano, dobras que acariciam a areia . Movimento que anuncia que as estátuas ruem. Algo fica!!!!! Algo pulsa! Algo vive!!!!! Silhueta ao ponto salpicada de ervas daninhas Elaine Perez Ao nascer treine os movimentos, o paladar, todas as sensações e percepções de maneira a compor uma silhueta que expresse a mais limpa e longilínea postura. Preencha cada milímetro dos espaços/tempos com definições certeiras das boas e melhores maneiras de se chegar ao ponto da exímia perfeição. Todos os atos e gestos devem se encaixar perfeitamente a categoria da normalidade estabelecida por essa receita. Atenção! Se desandar a receita, levar imediatamente a silhueta no departamento exclusivo de isolamento. Entregue ao responsável a ficha contendo todos os sintomas que por ventura o objeto performático possa vir a demonstrar. Cuidado com os seguintes sintomas: 1) Mentes vivas e vibrantes, 2) Curiosidade em saber se existem outros tipos de silhuetas, 3) Euforia e ou olhar perdido ao mirar o horizonte por entre as grades, 4) Vontade de pular ou correr, 5) Descontrole dos esfíncteres (jamais permitir flatulência fora do cubo desmaterializador de impurezas), 6) Rolar na grama, tapete, no chão geladinho é sinal de profunda perturbação, 7) Misturar cores, sabores, odores, sons e etc... eminência de surto, favor encaminhar imediatamente ao setor de isolamento. 8) Qualquer sinal de desvio, procurar o setor das salpicadas curativas. Os especialistas em silhuetas ao ponto, irão prescrever as ervas daninhas indicadas para cada 404 desvio apresentado. Os responsáveis pela silhueta, deverão atender minuciosamente a prescrição Caso contrário, incorrerão ao crime hediondo de “permissividade das divergências”, desobedecendo aos postulados da presente receita. Ao final da receita poderão servir-se do resultado da mais perfeita obra. Tal objeto, acatará qualquer solicitação, pois no processo de elaboração, foram salpicadas as mais finas ervas daninhas. Capazes de exalarem os perfumes mais inebriantes e paralisantes de todo o território ao qual o pertence o mundo quadrático das mentes dominadas e anestesiadas. Bom apetite a todos! Como brinde ofereceremos vinho das uvas mais preciosas... “Ritalinda colhida nas montanhas vale do medo”. APÓS LER OS POEMAS ACIMA, O GRUPO DEVERÁ REDIGIR UM TEXTO SOBRE O QUE É BIOPODER E NORMALIDADE. Poemas sobre Medicalização da Vida Conexões Transtornadas Elaine Perez A esquisitice povoa a infância. Será que esses seres cibernéticos sofreram alterações no chip? Nossa prepotência adulta esmaga os pequenos "transtornados". "Distrair-se" frente ao tédio, a indiferença, a imposição do mando virou doença. Vivemos uma "epidemia" de tenras mentes enlouquecidas para aterrissarem literalmente na" Lua". A falta de espaço para o "acontecimento" na educação, denuncia o entupimento acumulativo de diretrizes governamentais salvacionistas e castradoras. A régua é passada de maneira a imprimir rótulos que tatuam a infância com diagnósticos carimbados e assinados pela mais sofisticada organização controladora de seres desviantes - os " Especialistas detectores de organismos esdrúxulos". O estranhamento e o medo é tamanho que no ciberespaço juntam-se todos. Na virtualidade é anunciada a fragilidade adultocêntrica frente ao fluídico espaço das redes. Distância e conectividade. Distúrbios e linhas de fuga. Patologia e expressão. Parede e tela. Corrente e toque. Pílula e pincel. Morte e Vida. "Não tem remédio" o assustador tempo da contemporaneidade. Ainda que eu falasse a língua da infância. Que eu falasse a língua do encontro. Sem o despojamento do poder eu nada faria. 405 Transbordamento Elaine Perez Estamos imersos em olhares viciados em mirar a falta. Olhar clínico para identificar toda e qualquer distorção, distúrbio, pontos que incomodam. Lápis sem ponta. Carrinho sem roda. Bola furada. Pernas inquietas, Cabeça distraída. Mãos irrequietas. Bicho carpinteiro. Orelha de burro, Passo de tartaruga. Olhares que buscam preencher a falta , tempos de lentes de aumento de excessos. Hiperativo. Hipertensão. Hipermercado. Hipermídia. Hipertexto. Hipermoda. Hiperconsumo. Hiperciência. Hipermoderno. Falta e excesso. Sombras pulverizadas, temor que consome. Fazer, comprar, navegar, adquirir, acessar, encaminhar, anexar, lincar, malhar, se ligar. Cansaço, paúra, letargia. Se falta, logo , sinal vermelho. Dá-lhe entorpecedores contra o medo. Se sobra, sinal, em curto. Dá-lhe mais excessos, outros excessos. Pode ser genérico, desde que o medo e a ansiedade perdure. Excesso e falta! União estável! Hiperunião. Medicalização da vida! Mas a vida pulsa por transbordamento. Movimento de escorrer, esvaziar, abrir espaços para a novidade, para o acontecimento. Transbordamento e vazio. Encontro! Possibilidades , criação. Respiração, contemplação. Afeto. Vida! APÓS LER OS POEMAS ACIMA, O GRUPO DEVERÁ REDIGIR UM PEQUENO TEXTO SOBRE O QUE É, COMO ACONTECE A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA. 406 Poemas sobre medicalização da educação O ventre habitado Diálogo provocativo com Collares Elaine Perez Aqui o incômodo surge da eliminação do contexto histórico, social, político, enfim do movimento de retirar a pobreza, o “aluno” pobre que não aprende e ao mesmo tempo generalizar para o “pobre” que fracassa na escola, na vida. O ventre habitado pelo “pobre” ou pelo “rico” gestam determinismos, que a todo momento contam sempre mais do mesmo. Esvazia-se a dimensão coletiva do aprender e do não-aprender do João, da Maria, do Matheus, do Pedro, do Lucas. Circunstâncias sentenciadas como algo morto. A vida cotidiana não está fora da história. Vivemos esse cotidiano permeado de preconceitos e juízos prévios. Verdades absolutas já pregaram a superioridade intelectual dos brancos. A inteligência superior dos homens frente as mulheres. Ideologias apresentadas pelo peso da “sabedoria científica”. Saberes com sabores amargos. Fel que penetram temporalidades. Crenças que perduram. Novos discursos. Novas roupagens. Medicalização / patologização do processo ensino-aprendizagem. Como? Não aprende. Vai fracassar. Olhares profetizados, previstos que justificam realidades. Esse não amadureceu. Não deu o estalo. O clic ????!!!! Não aprende porque é desnutrido. Não aprende porque tem problema na cabeça, distúrbios, transtornos. Quantas histórias, quantos contextos transformados em doença? Caráter absoluto da “DOENÇA”, que sobrepõe o caráter humano da criança. Criança pobre doente não aprende. Ligação direta entre condições de saúde e rendimento escolar. Poder preditivo do diagnóstico que tira o peso das costas. Em tempos remotos, mulheres, crianças e deficientes não possuíam alma. E agora?! Será que depende do ventre habitado?! O pobre não aprende porque não traz bagagem. A mala está vazia e quando traz alguma coisa ... São maus costumes, sujeiras, imundices que precisam ser higienizadas. Famílias retiradas do contexto. Se os pais trabalham, não aprendem porque são abandonados, largados. 407 Se estão desempregados, não aprendem porque são vagabundos, indolentes. Alcoolismo no pobre é motivo do filho(a).não aprender. No rico é muitas vezes o drink para descontrair. Família “desestruturada” do pobre também faz com que ele não aprenda. Criança largada, desajustada, agressiva. Parte psicológica comprometida, problema de comportamento. Não aprende... O jeito é esperar amadurecer o biológico, o emocional, o psicológico. Tem que estar pronto (a). Os que não amadurecem, não adianta forçar, é a sina, chegou no limite. O fracasso está nele. Por outro lado não estamos isentos. Não aprende novamente porque descontextualizo e retiro o professor para generalizar. O professor é mal formado. Ganha pouco. Não domina o “método”. Não domina a classe. Enfim. Provocações que suscitam a expansão do olhar. Indagações frente ao que denominamos como fracasso escolar. Para além de culpabilizar crianças, famílias, professores pelo fracasso escolar. Precisamos avançar essa discussão para além de respostas que situem exclusivamente o não aprender no que habita o exterior . Retorno sempre presente da teoria da privação cultural. Sou provocada a me perguntar???? Quem são as crianças ideais, prontas e adequadas a aprender e que a escola está preparada para ensinar? O que fazer com as crianças reais? Com certeza existem muitas vozes e olhares que avançam para além das justificativas. Precisamos romper as muralhas de preconceitos e infiltrar na vida cotidiana. Vida contextualizada sim! De quem ensina e de quem aprende. Vida inacabada de quem ensina e de quem aprende. Situadas no tempo, na história, na cultura e nos múltiplos dispositivos de poder. Provocações, intensas e incômodas provocações. Perdas e perdas Elaine Perez Professor pra quê? No especial, especialista basta. 408 E tem mais, tratem de acionar o olhar clínico na educação. Contexto é coisa de quem não tem o que fazer. A pauta agora é trabalhar, aqueçam as ferraduras. Chegou a hora de marcar e ferrar o gado. O problema do menino é só dele. É "pobre", é "negro", tem família "desestruturada", "apanha", "vive solto na rua". Não sabe "ler", "escrever", " contar", não para "quieto", não "obedece", não "escuta", não presta "atenção". Enfim esse vai para o corte do encaminhamento, porque é carne de terceira. Vamos torcer para que na prescrição venha receitado o pesticida " Sossega Leão". Aí é só pulverizar o pasto, pois na bula diz: Após uso contínuo, tudo será consertado e a carne se transformará em mercadoria de segunda. A partir do tratamento surgirá como efeitos curativos os seguintes resultados: obediência, boquinha fechada, ouvidinho ligado, atenção às ordens e comandos. - E quanto aos danos colaterais? O quê ???? - E quanto ao rosário de desgraças? Isso faz parte da sina. - E quanto à aprender a ler , escrever e contar na escola ? Coitado, com essa sina, somente um milagre. - E quanto ao trabalho do professor? Alô ô ô !!!!! Você não aprendeu ainda que gado marcado é gado feliz!!!!! Aprender na escola pra quê? APÓS LER OS POEMAS ACIMA, O GRUPO DEVERÁ REDIGIR UM PEQUENO TEXTO SOBRE O QUE É, COMO ACONTECE A MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO. Poemas sobre enfrentamento da medicalização Turbilhão de falas perturbadoras Elaine Perez Questões políticas, sociais e culturais tecem o olhar que busca verificar, compreender, observar, enfim pesquisar as relações presentes no cotidiano escolar. Movimento que buscam entender, expandir o olhar e não classificar para determinar. A humilhação de qualquer sujeito presente no cotidiano da escola é a manifestação social de uma ação. O ato de humilhar e o ato de sofrer a humilhação pede uma leitura e um entendimento individual e social. Nossas interpretações muitas vezes transformam situações contextuais e sociais em casos psicológicos. Quantas deficiências sociais transformadas em deficiências mentais. No ato de descontextualizar o sujeito, impinjo sua ausência e mantenho o controle. 409 O desejo desaparece e surge sempre a falta. Mas a arte espalha a poesia que resiste à permanente insistência de nos imporem pela humilhação a invisibilidade e a superexposição. Indiferença que busca a morte da potência. Não devemos ser o que nos impõe que sejamos. Somos o que somos. A revelia das forças que tendem a nos destituir do nosso lugar, Somos! E estamos no mundo e com o mundo! Experiências aprendentes encontro deslizante com glaucia figueiredo, rizomas de prosa com rancière, deleuze e larrosa Elaine Perez a pedagogia flui em possibilidades, variações , potência criativa de sua própria inconstituição. aprendizagem é experiência e seu caminho desloca-se do instrucional, do que e do como ensinar. o vetor desliza em como se experiência os "conteúdos" na relação pedagógica. experimentações deslizantes, sem pudores, da vida em si. encontros do fazer, desfazer, refazer, explorar, criar mundos. expor -se, sem pretensões de se pôr, se opor, se impor ou se propor. assumir riscos de ser afetado, tocado, ameaçado, ferido, fluir, deixar passar, suceder, "acontecer". aprendizagem é acontecimento do incorporal, daquilo que nos toma, nos invade, , experiência única, sensório-motora. acontecimentos experienciais, do " faça comigo" em vez do "faça como eu". turbilhonamento acontecente da prática-teoria-pratica, percursos inacabados da aprendizagem. ação provocadora, inquietante. relação pedagógica envolta em erotismo, o "entrelugar" das experiências. pedagogia-vida, de escuta, visão, ação dos sentidos, que se localiza sem ocupar. cria mapas, vetores, saídas. pluralidades experienciantes, vivência de fato da diferença. eu-outro, afastado de mim (com)partilhamos das experiências. nossas crianças aprendentes sabem deslizar nas superfícies, dançar com a vida, transbordar em experiências. tornar-se.... morrer e renascer constantemente.... APÓS LER OS POEMAS ACIMA, O GRUPO DEVERÁ REFLETIR SOBRE ALGUMAS POSSIBILIDADES DE ENFRENTAMENTO À MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO. 410 Siri na lata: três histórias de candidatos a TDAH por Beatriz de Paula Souza Guillermo era um menino levado da breca. Puxava os bigodes do cachorro, cutucava os coleguinhas, comia pasta de dente, subia no telhado, ligava a furadeira, não parava na sala de aula, despencava da mangueira, brigava na escola, fazia perguntas inconvenientes… ô moleque infernal! Um dia a professora da escola (de padres).que frequentava passou à classe uma redação: três coisas maravilhosas que Deus fez. Guillermo escreve: três bananas. Anuncia à mestra espantada: “Professora, acabei!”. Sai da classe e vai para a quadra, pois sabe que seus colegas vão demorar para terminar e não quer ficar esperando paradão. É sua vez de ficar espantado quando descobre que levou um zero na redação, redondo como um biscoito de polvilho. Briga com a professora: “mas tá certo!” E a chama de burra, o que motiva sua imediata ida à diretoria, para o já costumeiro carão. Episódios como esse vinham fazendo de Guillermo uma figura controversa na escola: era amado e odiado. Amavam sua vivacidade, seu espírito inquieto como seu corpo, sua criatividade, as situações engraçadas que criava. Odiavam o tumulto que gerava, o desrespeito diário às normas escolares, o incômodo que causava aos que queriam estudar direitinho, o desbocamento, o mau exemplo. Uma unanimidade: era famoso, uma celebridade local. Sua mãe, D. Neusa, cansou-se de ir à escola levar carão também. Numa primeira fase, conversava e repreendia o filho arteiro. Na segunda, batia e punha de castigo. Na terceira… passou a mandar que fosse todo dia jogar futebol. Todo dia. Tinha um campinho não tão perto de casa, mas Guillermo já tinha idade para ir para lá a pé. E voltar. “Mas mãe, hoje não tem jogo”. “Não faz mal, vai assim mesmo”. Na escola, intrigados, percebiam que o garoto andava mais sossegado. E menos bravo. Chamam novamente a mãe dele para conversar. Ela vacila, dá uma desculpa para não ir na primeira chamada, falta à segunda. Está cansada de broncas e acusações, sutis ou nem tanto. Não é a mãe relapsa que lhe acusam de ser. E não aguenta mais falarem mal do seu filho. Saco! Na terceira, resolve ir para ver se para essa amolação. “Mãe, o que você fez com seu filho?”, pergunta a diretora. “Como assim?” “Ele melhorou o comportamento. Não virou nenhum anjinho, mas agora dá pra levar”. Aliviada, D. Neusa conta o seu método. A diretora fica pensativa. Dispensa D. Neusa e vem-lhe à mente outros alunos irrequietos, às vezes agressivos, que a escola teve e tem. Será que funcionaria com eles? E se a própria escola aproveitasse mais seu espaço gigantão para as crianças correrem, brincarem…? No recreio, a histeria delas dá até nervoso. E se tivessem mais tempo para isso, mais momentos? Ah, muito complicado. Como vai ser para cumprir a grade curricular? Foi só um pensamento, não dá. Deixa pra lá. Guillermo foi crescendo, sempre meio problemático na escola. Agora, além do futebol, descobrira outra paixão: a escalada em rocha. A aptidão e gosto, que se revelava quando pequeno na escalada de armários, telhados, vãos de porta, até da geladeira, encontra a grandiosidade e os amplos espaços das montanhas rochosas em ambientes naturais. As chaminés, como a das Prateleiras em Itatiaia ou da Agulha do Diabo, na Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, são desenvolvimentos do que fazia para subir o vão das portas! Costas e mãos em uma parede, pés na outra, subir, subir, subir, até bater o coco encima. As fendas, como na Pedra do Baú, em São Paulo, ou no Pão de Açúcar, no Rio, não eram tão difíceis para quem tinha escalado a geladeira tantas vezes quando pequeno, pelo friso puxador vertical da porta. Quando ninguém estava vendo, claro. 411 Guillermo descobriu uma coisa inesperada: que gostava de estudar! Na escola não, que era muito chato. Não aguentaaaava aquelas loooongas aulas expositivas quase o tempo todo. Aquilo ia dando uma fervura por dentro, uma agonia. Mas descobriu as livrarias, a biblioteca e, mais tarde, a internet. Fuçava, descobria muitos assuntos interessantes, respostas para muitas perguntas que tinha e perguntas que nunca havia feito ou se feito. A inquietude corporal era também intelectual! Descobriu o movimento das sufragistas americanas. Descobriu as placas tectônicas e seus movimentos. Os números triangulares e a teoria das supercordas. O mito da caverna de Platão, o conceito de infinito, o mistério da Santíssima Trindade (que continuou misterioso). A injustiça entre os homens, a luta de classes, o cenário de destruição da vida planetária em que ela se desenrola. Esta história é inspirada em duas pessoas que existem. É um ajuntado, com costuras bordadas, de fragmentos de seus percursos pessoais que ouvi aqui e ali. Guillermo Arias Beatón é o presidente da Cátedra Vigotsky da Facultad de Psicologia da Universidad de La Habana. Silvério José Nery Filho é presidente da Federação de Montanhismo do Estado de São Paulo. Agora, uma outra história. Curta, pois é de uma criança que ainda não cresceu. Olavo foi fazer avaliação com uma psicóloga. Mas não foi o primeiro profissional de Saúde que o avaliou. O primeiro foi um neurologista. A escola que mandou. Ele não se concentra nas aulas e tarefas na classe, não para na sala de aula, cutuca os colegas, briga com eles e com a professora. A diretora, a coordenadora e a professora informaram-se, com colegas de outras escolas e também em revistas e livros de Educação, de que estamos na década do cérebro. Neurologistas e psiquiatras hoje são a fonte de soluções para problemas que antes faziam sofrer crianças, pais e professores, porque não se percebia seu fundamento biológico. Dizem que são agora rápida e facilmente eliminados com diagnósticos e tratamentos novos de problemas cerebrais. Tem um que está dando como praga na criançada de hoje em dia: o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, o TDAH. Mas tem jeito, um santo remédio. Uma ritalinazinha todo dia de aula e pronto! Olavo? Ah, está com muito jeito de TDAH. Vai para o neuro. A família procura um profissional que um amigo recomendou, tivera uma boa experiência com ele. Dr. Marcius espera seu novo paciente na hora marcada. Quando a porta de sua sala se abre, seu olhar, automaticamente voltado para o meio da fresta, tem de baixar para encontrá-lo. Entra uma criancinha de quatro anos. Quatro. O relatório da escola e a descrição que os pais de Olavo fazem dele encaixam-se nos indicativos diagnósticos de TDAH, um feixe de comportamentos arrolados em um inventário chamado SNAP-IV. É uma lista do que seriam sintomas daquele transtorno, atitudes como “não consegue prestar muita atenção a detalhes ou comete erros por descuido nos trabalhos de escola ou tarefas”, “mexe com as mãos ou com os pés e se remexe na cadeira” e “tem dificuldade de esperar sua vez”. É, ele é assim mesmo. No consultório também. Brinca com os clips, fuça o estetoscópio, não fica quieto na mesa de exame. Mas esse inventário de comportamentos tem uma coisa (entre outras).que lhe incomoda: não diz para que idade é. Será que serve para uma criancinha de quatro anos?? Não encontra, no exame clínico, qualquer sinal de alteração. Pedir um exame de neuroimagem caríssimo, com aparelhagem sofisticadíssima e rara como o SPECT ou o PET? Pensa, para além da literatura científica, que Olavo não lhe parece muito diferente de um punhado de crianças de quatro anos que conhece. Decide, antes de pedir o exame, mandar para a psicóloga. 412 Helena, a psicóloga indicada e procurada, vem passando por uma mudança em sua abordagem. Insatisfeita com a linha mais descritiva e psicométrica com a qual vinha atuando, tem passado a integrar sua experiência anterior, de professora, à da atual profissão. Assim, quando recebe Olavo, decide pesquisar não apenas o menininho, mas também seus ambientes, modos de vida e história, buscando relações e sentidos. Seu passado de professora a leva a fazer algo raro na profissão: pesquisar as condições escolares, ao invés de satisfazer-se com a descrição do comportamento do menininho na escola. Descobre uma escola pequena, de ambientes apertados e abafados para o número de crianças que abriga, e com uma proposta e prática pedagógicas para as classes de pequenininhos que mais parecem típicas de Ensino Fundamental: ficam longos períodos sentados nessas salas e têm lição de casa, geralmente envolvendo alfabetização e aritmética. Em casa, outro lugar pequeno e apertado, as coisas não andam bem. Estressados com as constantes reclamações escolares sobre seu único e precioso filho, os pais andam brigando. Olavo percebe, culpado, que é o estopim de muitas dessas desavenças, pois várias são sobre como educá-lo. Helena comunica, ao neuro, à família, à escola e (essencial).ao próprio menino, que não vê indícios de qualquer transtorno neurológico nele. Baseada, claro, em outros dados, situações e informações também. Orientações? Bom, várias. Mas as principais eram desdobramentos dos mesmos temas: espaço! Corpo! Brincadeira! Será que a diretora do Guillermo conseguiu inventar uma escola em que movimentação, brincadeira e aprendizagem não precisem andar separados, para o Olavo estudar nela? Será que os pais dele vão conseguir administrar a vida para encontrar maneiras de seu filho querido poder achar lugar para sua inquietude de corpo e alma? Já pensou se Guillermo e Silvério tivessem quatro anos agora? APÓS LER OS CASOS ACIMA, O GRUPO DEVERÁ TENTAR DEFINIR O QUE É TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE - TDAH. Escala SNAP IV sem critérios de avaliação ASSINALE AS ALTERNATIVAS QUE REPRESENTAM CARACTERÍSTICAS DE CRIANÇAS. 1. Não consegue prestar muita atenção a detalhes ou comete erros por descuido nos trabalhos da escola ou tarefas. 2. Tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades de lazer. 3. Parece não estar ouvindo quando se fala diretamente com ele. 4. Não segue instruções até o fim e não termina deveres de escola, tarefas ou obrigações. 5. Tem dificuldade para organizar tarefas e atividades. 6. Evita, não gosta ou se envolve contra a vontade em tarefas que exigem esforço mental prolongado. 7. Perde coisas necessárias para atividades (p. ex: brinquedos, deveres da escola, lápis ou livros). 8. Distrai-se com estímulos externos. 9. É esquecido em atividades do dia-a-dia. 413 10. Mexe com as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira. 11. Sai do lugar na sala de aula ou em outras situações em que se espera que fique sentado. 12. Corre de um lado para outro ou sobe demais nas coisas em situações em que isto é inapropriado. 13. Tem dificuldade em brincar ou envolver-se em atividades de lazer de forma calma 14. Não para ou frequentemente está a “mil por hora”. 15. Fala em excesso. 16. Responde as perguntas de forma precipitada antes delas terem sido terminadas 17. Tem dificuldade de esperar sua vez. 18. Interrompe os outros ou se intromete (p.ex. mete-se nas conversas / jogos). DEPOIS, COLOQUE ABAIXO AQUELAS QUE REPRESENTAM O QUE VOCÊ FAZIA QUANDO CRIANÇA E ADOLESCENTE E AGORA, JÁ ADULTO.