UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO HISTÓRIA E ESPAÇOS CLEYTON TAVARES DA SILVEIRA SILVA Da Pena à Espada: Xenofonte e a Representação de Esparta em A Constituição dos Lacedemônios. Natal 2012 2 Cleyton Tavares da Silveira Silva Da Pena à Espada: Xenofonte e a representação de Esparta em A Constituição dos Lacedemônios. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Departamento de História, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História e Espaços. Área de concentração: História e Espaços. Orientadora: Prof.ª Dra. Márcia Severina Vasques Natal 2012 3 Autor: Cleyton Tavares da Silveira Silva Título: Da Pena à espada: Xenofonte e a representação de Esparta em A Constituição dos Lacedemônios. Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação da Prof.ª Dra. Márcia Severina Vasques. Aprovado pela Banca Examinadora em ______/_____/_________ ______________________________________________________ Prof.ª Dra. Márcia Severina Vasques Orientadora _______________________________________________________ Prof.ª Dra. Adriene Baron Tacla (Avaliador Externo) _______________________________________________________ Profº Dr. Renato Amado Peixoto (Avaliador Interno) _______________________________________________________ Profº Dr. Henrique Alonso de Albuquerque Rodrigues Pereira (Suplente) Natal, 17 de Agosto de 2012 4 Resumo Pretende-se analisar como Xenofonte, através de suas próprias visões e práticas sociais, constrói a imagem dos espartanos e seu regime Políade, durante o intervalo cronológico que se segue do final do século V ao início do século IV antes da era cristã, período de grande turbulência política nas Póleis helênicas. Para tanto, lançaremos mão dos escritos em A Constituição dos Lacedemônios, a fim de apontar três elementos que entendemos essenciais para a compreensão da narrativa de Xenofonte: quem fora Xenofonte e de que maneira seu estilo narrativo é influenciado por suas vivências e experiências; a idéia de Cidade, o que é a Pólis para Xenofonte e como ele a define enquanto comunidade de Cidadãos; e por fim, estabelecer através de que ferramentas Xenofonte constrói uma imagem de Esparta e Espartanos nas representações destas personagens em seus escritos. Palavras-chave: Xenofonte, Pólis, Esparta e Representação. 5 Abstract We intend to analyze how, through your own views and social practices, Xenophon composed the image of Spartans and their poliad regime during the period following the end of the 5 th century to the early 4 th century before BCE – a time of great political turbulence in the Hellenic Poleis. In order to do so, we will use the writings in The Constitution of the Lacedaemonians, to point three elements that we believe are essential understanding of the Xenophon´s narrative: who was Xenophon and in which ways his life experiences influenced his narrative style; the idea of City, i.e., Xenophon´s idea of the Polis and how he defined it as a community of Citizens; and finally, to establish through which tools Xenophon build an image of Sparta and Spartans by way of their representations in his writings. Keywords: Xenophon, Polis, Sparta and Representation. 6 Agradecimentos Agradeço a Deus, criador de todas as forças que compõe o universo. Que me tem sustentado e me feito crer, todos os dias, que o que fazemos não é de forma alguma em vão. Aos meus pais, que acreditaram em mim sempre, me apoiando, amando criticando, exigindo. O que sou devo a eles. Cada frase, cada letra deste texto, dedico a eles, à minha mãe Eliene, por ser meu apoio incondicional, ao meu pai, que não viu a conclusão deste texto, mas faz parte de cada palavra aqui escrita. Aos meus irmãos Rafael e Rennê, amigos de primeira hora, este trabalho também é de vocês. À Amanda, companheira de hoje, de amanhã, de sempre. Obrigado pela paciência, pelo auxílio, pelo amor. Aos meus amigos, Victor, Wesley e Renato, leitores críticos, historiadores competentes, companheiros de todas as horas. Aos amigos/professores do PPGH de História, principalmente, aos professores Renato Amado e Margarida Dias. Às professoras Marinalva de Lima e Adriene Baron Tacla, cujas críticas, comentários e indicações feitas na qualificação, muito auxiliaram à concepção final do texto. Além da amiga Maria Aparecida e do professor Paulo Possamai, primeiros a ouvir o que tinha para dizer sobre Esparta, este trabalho começou por vocês. À Márcia, sem a qual este trabalho não seria possível, mesmo! Obrigado pela paciência, por ser uma profissional, como poucos, séria, crítica, mas sempre cuidadosa e atenciosa. Obrigado por crer que este trabalho seria possível. Obrigado por vir para Natal. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela concessão da Bolsa, sem a qual o trabalho seria inviabilizado. 7 Aos meus pais, Arnaud (In memoriam) e Eliene. 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 11 2 CAPÍTULO 1 – XENOFONTE E SEU PRÓPRIO TEMPO............................ 21 2.1 NASCIMENTO E INFÂNCIA............................................................................... 25 2.2 SÓCRATES: JUVENTUDE E ATUAÇÃO POLÍTICA........................................ 30 2.3 A EXPEDIÇÃO NA ÁSIA...................................................................................... 32 2.4 EXÍLIO: A HÉLADE EM FINS DA GUERRA DO PELOPONESO.................... 33 2.5 XENOFONTE EM ESPARTA............................................................................... 36 2.5.1 Agesilau ou como homenagear um amigo........................................................... 37 2.5.2 Vida no exílio: o klerós na Élida........................................................................... 38 2.5.3 Fim da Hegemonia espartana: ida para Corinto, retorno para Atenas?......... 39 2.6 XENOFONTE E A HISTORIOGRAFIA: DE ―MUSA DA ÁTICA‖ A TUCIDIDES ―MANQUÉ‖...................................................................................... 40 3 CAPÍTULO 2 – A CIDADE ENQUANTO CATEGORIA DE ESCRITA...... 52 3.1 PARA UM CONCEITO MODERNO DE PÓLIS.................................................. 52 3.1.1 A Pólis Institucional............................................................................................... 55 3.1.2 A Pólis Arqueológica............................................................................................. 59 3.1.3 A Pólis Revisionista............................................................................................... 64 3.2 ENTRE PÓLIS E POLITÊS: A IDEIA DE CIDADE PARA OS ANTIGOS........ 70 3.2.1 Aristóteles............................................................................................................... 72 3.2.2 Xenofonte................................................................................................................ 76 3.2.2.1 A Retirada dos Dez mil ou Cidade em Movimento............................................ 76 3.2.2.2 A Pólis dos Espartanos ou a Cidade enquanto elemento de alteridade............ 83 4 CAPÍTULO 3 – XENOFONTE E A REPRESENTAÇÃO DE ESPARTA E ESPARTANOS EM A CONSTITUIÇÃO DOS LACEDEMÔNIOS............... 98 4.1 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS OU O RETORNO DO SUJEITO................. 101 9 4.2 LENDO XENOFONTE........................................................................................... 110 4.3 LENDO A CONSTITUIÇÃO DOS LACEDEMÔNIOS........................................... 111 4.4 XENOFONTE E A REPRESENTAÇÃO DE ESPARTA...................................... 113 4.4.1 A Função................................................................................................................. 113 4.4.2 A Educação Espartana.......................................................................................... 115 4.4.2.1 A Educação infantil............................................................................................... 116 4.4.2.2 O caso feminino, para que servem as mulheres?................................................ 121 4.4.3 Vida cotidiana: os usos e costumes....................................................................... 126 4.4.4 A organização Militar........................................................................................... 129 4.5 O CAPÍTULO XIV................................................................................................. 132 5 CONCLUSÃO........................................................................................................ 134 REFERÊNCIAS..................................................................................................... 140 10 Quando Perguntado sobre as muralhas de Esparta, respondeu Agesilau: os Muros de Esparta são os espartanos! Plutarco 11 1 INTRODUÇÃO Em torno do ano 430 antes da Era Cristã, a Guerra do Peloponeso 1 se acirra, os Espartanos sitiam Atenas forçando a população do interior da Ática a fugir para a proteção dos muros da cidade de Palas. A sombra de um conflito de proporções nunca visto na Hélade rondava os gregos desde a expulsão do último persa. Atenas e seus aliados se enriqueciam, formando uma liga sediada na Ilha de Apolo, Delos, que paulatinamente lançava sobre a Grécia continental sua influência, estendendo a autoridade Ateniense ao longo do Egeu. Atenas se estabelece como cidade cosmopolita, rica, orgulhosa, cujas obras apontavam para a grandiosidade desta Pólis, diferente de sua rival, Esparta. De acordo com Tucídides, a cidade dos lacedemônios não fazia ver o poder e influência que os espartanos gozavam no período, pois seria uma comunidade pequena sem uma estrutura monumental condizente com o poderio que os lacedemônios ostentavam. Esparta, por seu turno, mantivera características da época Arcaica, uma economia pautadamente agrícola, pouco ou nenhum comércio e um sistema legislativo rígido, que retirava dos pais as responsabilidades educacionais de seus filhos, impondo- lhes um preceito educacional rigoroso que expunha a criança às intempéries climáticas, à violência física e psicológica. Mas o resultado seria a formação de soldados incansáveis, quanto ao cumprimento de seus objetivos, vencer e obedecer, mantendo a prática do controle, do comedimento. Sobre Atenas existem muitos dados, muitas fontes de informação, tanto de características materiais quanto escritas. Já sobre os espartanos, o mesmo não se repete, mas um olhar especificamente nos permite ter uma percepção transversal, Esparta sob uma perspectiva ateniense, a visão de Xenofonte. A percepção de Xenofonte é privilegiada, já que, além de conhecer as instituições atenienses, ser um militar, obteve, como poucos, a oportunidade de viver entre os espartanos, tanto na paz como na guerra e, por isso, ter sobre eles um panorama, que lhe proporciona autoridade para escrever sobre aqueles gregos, mas ao mesmo tempo, torna seu discurso duvidoso. A individualidade de Xenofonte é de extrema importância, somente ele, através de sua 1 Sobre a Guerra do Peloponeso as principais fontes são: História da Guerra do Peloponeso de Tucídides, e Helênicas de Xenofonte. 12 biografia, vivências, experiências, nos permite conhecer as características dos espartanos, expostas por um contemporâneo. Características estas que não remontam às políticas externas, como fazem Heródoto e Tucídides, mas às atividade corriqueiras, cotidianas, como casamento, educação, e organização militar. Xenofonte (c. 430-355) fora um membro da aristocracia ateniense, um representante da ala moderada da oligarquia da Atenas do século de Péricles. Durante a juventude fora aluno de Sócrates e escrevera a respeito do processo que deu origem à morte de seu tutor. Cavaleiro, do grupo dos Hippeis, teria sido exilado de Atenas para Esparta, por sua participação como mercenário na Ásia ou por seu auxílio à Agesilau, então rei de Esparta, na batalha de Coronéia ou por ser oligarca em uma Atenas radicalmente democrata. Por outro lado, Xenofonte carregava dentro de si uma grave questão identitária. Expulso de Atenas, perde seu território, sua terra de origem, está desterrado, errante, sem um espaço de exercício da cidadania. Nessa crise, stásis, Xenofonte, que desde a juventude nutria admiração por Esparta tem oportunidade de viver entre eles, primeiro com os espartanos contratados por Ciro, depois sob o comando de Agesilau, rei de Esparta e seu amigo e, por fim, quando recebeu um kleros, um lote de terra, na Élida, onde viveu até a derrota de Esparta, em Leutras, na segunda metade do século IV. É através dos relatos deste autor que pretendemos aqui, analisar como, no intervalo que se segue entre o final do V século e início do IV 2 , é construído, por Xenofonte, um conjunto de usos, costumes, comportamentos, que compõem uma Representação de Esparta e Espartanos. Isto é, quais elementos são utilizados por Xenofonte para produzir uma imagem dos espartanos, durante um período bastante turbulento na história/historiografia dos Helenos, c. 431 a 355, época de desestruturação do regime políade e assunção de elementos estrangeiros que poriam termo à autonomia de várias das ―cidades-estados‖ Helênicas. Para tanto, faremos uso de dois escritos do ateniense, A Constituição dos Lacedemônios () e Anabásis (), privilegiando em nossa análise o primeiro, por ser todo ele dedicado à expressão das formas de vida dos Lacedemônios e o segundo por apontar a descrição de um inventário 2 Todas as datas presentes nesta Dissertação remontam ao período anterior à Era Cristã, caso seja necessário o uso de uma data de período posterior, tal informação será exposta. 13 de características próprias dos gregos, como o regime políade. Tentando estabelecer ressonâncias, rastros da forma de ver e pensar o mundo e a sociedade, faremos uso de outros textos deste autor, como Ciropédia, Helênicas, Agesilau, e Memoráveis – Ditos e Feitos memoráveis de Sócrates. Como integrante das oligarquias atenienses, Xenofonte se alinhou ao governo dos Trinta tiranos, imposto por Esparta após a derrota ateniense em Aegos-Potamói (em 404). Após o restabelecimento do regime democrático em Atenas (c. 402) Xenofonte, alinhado à causa espartana, luta contra os atenienses em Coronéia, sob o comando do rei espartano Agesilau, sendo, logo após, exilado de Atenas para Esparta. É possível que o exílio tenha se dado anteriormente, quando Xenofonte foi para o Oriente, como mercenário, para lutar em favor da causa de Ciro. Após o conflito, Xenofonte e seus companheiros sofreram uma série de privações que mais tarde ocasionaram a produção de Anabásis, ou A retirada dos 10 mil. Entendemos que o universo do qual estamos tratando é a Representação composta pelos/para os gregos, pautadamente de uma elite letrada ateniense, sobre os espartanos. Mas como Xenofonte prescreve os Espartanos? Ele o faz a partir da possiblidade de Representações, da transmissão de informações por meio de um determinado tema, que atribui a este mesmo tema, sentido, significância. As Representações Sociais, enquanto categoria, têm, desde meados dos anos 1970, voltado ao debate acadêmico, por meio de Serge Moscovici. Este conceito retoma as leituras de Émile Durkheim, valorizando o papel do indivíduo na produção e divulgação das representações. As Representações Sociais são produzidas enquanto artefatos sociais para dar sentido, significado às formas, comportamentos, objetos, fenômenos, lugares e espaços e são possibilitadas por meio de um grupo, mas que é, por acaso, composto por membros, partícipes, que, por sua vez, dialogam entre si e com outros, levando e trazendo novas imagens, novas concepções que tem completude, muitas vezes, somente dentro de determinas circunstâncias, dentro do mesmo grupo. O Sujeito é, portanto, essencial, já que é o produtor-transmissor destas informações e a validade ou não dos novos dados depende necessariamente deste interlocutor. Para pensarmos o conceito de Representações Sociais, em leitura que nos permite vislumbrar o papel do sujeito, da individualidade do autor, lançamos mão dos debates propostos por Denise Jodelet e interpretados por Marisete Teresinha Hoffmann 14 Horochovski , defendendo a idéia do indivíduo agindo de maneira ativa ―permitindo-lhe escapar da passividade diante das pressões ou constrangimentos sociais e intervir, de maneira autônoma, no sistema das relações sociais, como detentor de suas decisões e senhor de suas ações‖ (JODELET, 2009, p. 689). O trabalho está organizado em três capítulos, que estão ligados entre si por meio da imagem do ponto de vista de Xenofonte. Partindo da idéia de Michel de Certeau, em A Operação Historiográfica (1999), de que o produtor de conhecimento, no caso o historiador, escreve a partir de um tripé que lhe proporciona sustento, sendo ele, sua origem e grupo social que representa o lugar social de fala e o contexto, daí a importância da construção do primeiro capítulo, Xenofonte e seu próprio tempo, tempo percebido aqui como sua vida, sua biografia, pois entendemos o papel particular de Xenofonte na produção das Representações de Esparta e espartanos. O debate sobre a Pólis propiciou o segundo capítulo, A cidade enquanto categoria de escrita, que nos possibilitará perceber como Xenofonte se utiliza da noção de cidade. Para tanto, fazemos uso, primeiro de um debate teórico sobre a natureza da Pólis para historiadores modernos, após isso, observaremos a composição da Pólis para autores antigos, contemporâneos a Xenofonte. No terceiro e último capítulo, Xenofonte e a Representação de Esparta e Espartanos em A Constituição dos Lacedemônios, trabalho a composição das ferramentas utilizadas por Xenofonte para construir as representações de Esparta e espartanos, destacando o valor que atribui às leis, à educação, ao papel da família, e organização militar, sem deixar de lado a querela do capítulo XIV da Constituição dos Lacedemônios. Mas a composição das imagens produzidas por Xenofonte sobre Esparta pode ser vista ao longo dos capítulos, visto que entendemos o processo de formação das Representações como sendo fruto de amplas situações, que vão desde a biografia do autor, passando pela sua capacidade de expressão de imagens, concebíveis no seio de grupo, assim como, dos instrumentos utilizados por ele para a efetivação de tal empresa. Em Xenofonte e seu próprio tempo, poderemos observar a composição da biografia de Xenofonte, a fim de tornar cada vez mais próxima a forma com que concebe suas representações e imagens. Segundo Paul Cartledge (2002), há a necessidade de estudos que tragam mais luz à feição de Xenofonte, o qual por muitos ainda é visto com desdém e como decadente quando comparado a Tucídides. Nossa 15 proposta vem dentro deste escopo, uma vez que, por meio da análise das Representações compostas por Xenofonte, levaremos em conta não apenas o escrito, mas o que está em volta dele, a época na qual está incluído, tal como, sua biografia, suas próprias visões de mundo, assim como a sua audiência, ou seja, os ouvintes/leitores de Xenofonte. Nessa perspectiva, uma leitura cultural do passado nos possibilita trazer luz ao caso de Xenofonte, principalmente em nossa própria época. Nesta proposta, alguns aspectos são essenciais quanto à sua abordagem, o primeiro deles é observar a estreita relação de Xenofonte com sua própria época, traçando, dessa maneira, um estudo biográfico, principalmente, através de Diógenes Laércio e Pausânias, bem como comentários de J. K. Anderson (1974), Edward w. Higgins (1977), e Noreen Humble (1997, 1999). O início da vida de Xenofonte é turbulento. Nasce sob o sítio espartano a Atenas em c. 431, e na juventude entra em contato com Sócrates, o mestre que tanto lhe influenciara. Em sua juventude, a Hélade vive um momento crucial na crise que levou a termo a autonomia das póleis gregas, época de julgamento e morte de Sócrates, fato que choca toda uma geração de alunos do referido filósofo, entre eles Xenofonte e Platão, só para citar alguns; época em que as interações entre o mundo grego e os povos ao seu redor estão acirradas, tanto através dos constantes conflitos entre gregos e Sátrapas 3 da Ásia menor 4 , como entre os próprios gregos que queimam o interior da Hélade com a Guerra do Peloponeso. Período em que Esparta, através das manobras de Lisandro, bate os atenienses e instaura uma efêmera hegemonia espartana na Hélade. Neste mesmo capítulo, apresentamos um roteiro das leituras feitas sobre Xenofonte, indicando, uma revisão historiográfica, que a partir do século XIX destacaram o papel de Xenofonte, como em Barthold Georg Niebuhr ―sua história não vale nada, é falsa, escrito sem cuidado, perfeitamente descuidado‖ ou mesmo George Grote ―passar de Tucídides à Helênica de Xenofonte é uma queda verdadeiramente triste‖ (Apud CARTLEDGE, 2002, p. 223). No entanto, como aponta o próprio Cartledge, os revisionistas, incluindo Higgins e Anderson, tentam perceber Xenofonte a partir de sua própria ―luz‖. Mas mesmo assim, na fala do historiador, Xenofonte continua sendo uma espécie de Tucídides ―fracassado‖. A partir do final da década de 1960 e início dos anos de 1970, trabalhos, com outras perspectivas, têm sido 3 Governador de província persa. 4 Região que corresponde a atual Turquia. 16 produzidos, como os de Peter Rahn (1969),Anderson e Higgins, e outros mais recentes, como os de John Dillery(1995), Humble (1997), Christopher Tuplin (1999), do brasileiro José Francisco Moura (2000), e Michael Lipka (2002). No capítulo 2, A cidade enquanto categoria de escrita, propomos-nos discutir o que é, pautadamente, uma cidade para Xenofonte, visto que partimos da idéia de construção discursiva da Pólis. Entendemos que seja, então, essencial ao prosseguimento do trabalho, uma explanação do que tanto para Xenofonte como para aqueles considerados teóricos da Pólis, como Aristóteles, por exemplo, se configura uma ―cidade-estado‖, já que ambos viveram durante a fase de desestruturação do modelo políade autônomo. Além disso, uma discussão historiográfica se faz necessária à medida que nos preocupamos, também, em estabelecer o que para nós mesmos se configura como cidade, no caso, como alguns autores têm descrito o sistema políade grego. Entretanto, inicialmente nos propomos a analisar como a historiografia ocidental tem pensado a Pólis, a que usos tal termo tem sido dado. Partimos do objetivo de estabelecer determinadas observações, não temos uma perspectiva totalizante, discutir sobre a historiografia é um meio, não um fim em si mesmo. Para tanto, utilizaremo-nos de um debate sobre como a historiografia percebe, entende a Pólis, advindo o debate em três vertentes, as quais chamamos Pólis institucional: destacando os trabalhos de Fustel de Coulanges (1863, 1995), Michael Rostovtzeff(1925, 1973), Gustave Glotz (1928, 1980), Jean-Pierre Vernant(1990) e Moses I. Finley (1989, 1997), como nomes que apesar de recentes já têm merecido espaço como Mogens Helman Hansen (1993, 1997, 2000, 2004 e 2006); Pólis Arqueológica, citando os trabalhos de: Richard Ernst Wycherley (1976),François De Polignac (1984), Ian Morris (1987, 1991), Anthony Snodgrass (1991, 2006),R. Lonis, 1994, James Whitley (2001), Maria Beatriz Borba Florenzano (2001, 2010, 2011) e Marta Mega de Andrade (2002). E, por fim, Pólis Revisionista: observando os trabalhos de: Oswyn Murray e Simon Price (1990),Lynette G. Mitchell e P.J.Rhodes (1997), Neyde Theml (1998), Roger Brock e Stephen Hodkinson (2001), Catherine Morgan (2003), Kostas Vlassopoulos (2007a, e 2007b) e Fabio Augusto Morales Soares (2009). Para entendermos o que Xenofonte qualifica enquanto cidade, fizemos uma observação de como seus contemporâneos o faziam, no caso, Platão, Tucídides, e, principalmente, Aristóteles. Consideramos que as leituras produzidas por estes autores 17 tem um sentido muito claro, propiciam o entendimento de um padrão do que seria a Pólis, termo de complexidade tão ampla que a simples tradução por cidade deixaria problemas irremediáveis. Na perspectiva de Xenofonte, assim como na de Aristóteles, a Pólis além de ser o ajuntamento de pessoas para o bem comum, é espaço do exercício da cidadania, o que quer dizer lócus da participação nas instituições políticas, como os conselhos e assembleias. Para Xenofonte, o cumprimento das leis licúrgicas é essencial para o sucesso da Esparta de então. Em A Constituição dos Lacedemônios Xenofonte escreve a respeito dos costumes da sociedade espartana, o que para ele tem origem legislativa, ou seja, as práticas cotidianas em Esparta são fruto de um cumprimento da lei, este estímulo, segundo ele, parte da educação. Indo mais longe, a formatação da sociedade espartana enquanto forjada no cumprimento da lei seria explicada desde a educação feminina, já que em seu entendimento, as mulheres espartanas recebem uma educação de cunho físico e comportamental, para que possam gerar crianças robustas. Diferentemente do que o título da obra possa apontar, Xenofonte não se preocupa com a descrição de sistemas legislativos e a historicidade de suas regulamentações, mas sim na apreciação dos costumes espartanos. O itinerário da obra está baseado, primeiro, na exposição das práticas educacionais, matrimoniais e reprodutivas, além da exposição da opinião de Xenofonte; após a exposição destes elementos sua preocupação baseia-se na organização da cidade em tempos de guerra, no caso, a distribuição dos homens em seus respectivos acampamentos. Contudo, para conceber para que serve uma organização política, faremos uso de Anabásis. Durante a juventude, Xenofonte segue com Ciro, o Jovem, em uma empreitada que anos depois lhe rendera Anabásis. Xenofonte junto a outros dez mil soldados de diversas origens, tanto gregos como asiáticos se reuniram como mercenários para lutar em favor de Ciro, a fim de que este fosse conduzido ao trono de seu pai, então pertencente ao seu irmão Artaxerxes. Mas, tal empresa não atingindo seu objetivo, deixa Xenofonte e os outros tantos mercenários em uma situação delicada, haja vista que precisam percorrer milhares de quilômetros, do interior da Pérsia às costas da Jônia. Cercados por enxames de medos, persas e outros tantos, Xenofonte e os seus ―sobem‖, já queé empregada aqui como ―subida‖, literalmente, do coração da Pérsia a Sardes, onde os sobreviventes se estabelecem. 18 Nosso interesse não se baseia especificamente nos episódios militares, estamos preocupados com as expressões de cidadania e identidade expostas por Xenofonte. Nossa idéia é alimentada pelo artigo A Etnicidade Grega: uma visão a partir de Xenofonte, de Ciro F. Cardoso (CARDOSO, 2002). No artigo, o renomado historiador fluminense, preocupa-se em elencar, em Anabásis, elementos que destaquem uma visão étnica em relação aos bárbaros. Partindo de uma visão ética, cujo teor baseia-se na composição de elementos culturais, como a língua e os costumes, Cardoso aponta como Xenofonte demonstra que, mesmo longe da Grécia, os gregos se organizam através do sistema políade, formando, portanto, uma espécie de pólis itinerante, que como outras tradicionais, têm conselhos e assembleias. Os conselhos formados pelos generais conduzem o exército e delimitam as pautas de deliberação da assembleia, que por suas vez fora formada pelo corpo de soldados (CARDOSO, 2002). Por outro lado, o autor aponta a importância do tema e afirma que seu trabalho nada mais é do que uma iniciativa despretensiosa, não pretendendo se delongar no assunto. Entretanto, o artigo vem no sentido do chamamento de leituras à matéria, tendo em vista que há poucas no Brasil e, assim sendo, acreditamos que nossa proposta se encaixa aqui. Ainda assim, pensamos a utilização deste jogo de alteridades para Xenofonte, como um artifício retórico, para viabilizar seus diálogos para sua audiência. Em A Constituição dos Lacedemônios Xenofonte compara Espartanos e os outros, no caso, os outros gregos. Por poucas vezes ele aponta claramente quem são os outros gregos, as expressões os demais gregos 5 , (A Constituição dos Lacedemônios, VII, 1) aparecem dando aos demais, aos outros, aqueles que não são espartanos, um tratamento comparativo: os espartanos, que são cumpridores das leis, são a maior das póleis, já os outros, não são. A Comparação aqui deve ser vista enquanto um elemento retórico do qual lança mão para que sua audiência, sedenta por informações a respeito da cidade dos Lacedemônios, pudesse compreender que tipo de regimento político tinha a cidade que destruíra a época de Péricles, derrubando as muralhas atenienses e expondo a cidade ática a um sistema político oligárquico. No terceiro e último capítulo, Xenofonte e a Representação de Esparta e Espartanos em A Constituição dos Lacedemônios, propomo-nos analisar os escritos de Xenofonte em A Constituição dos Lacedemônios, contudo, para que isso se efetive, 5 No original 19 devemos fazer tal leitura observando outros textos da autoria deste, Hipparcus 6 e Ciropédia, procurando, assim, rastrear a complexidade e a ocorrência de determinadas expressões e sentidos aplicados pelo autor. Em nosso auxílio, faremos uso dos trabalhos de Noreen Humble, Xenophon's view of Sparta: a study of the Anabasis, Hellenica and Respublica Lacedaemoniorum(1997); José Francisco Moura, em Imagens de Esparta: Xenofonte e a Ideologia Oligárquica (2000) e,Xenophon´s Sparta Constitution: Introduction. Text. Commentary, de Michael Lipka (2002). Mas antes, é de suma importância destacar que deveremos fazer uma observação da tradição que envolve o texto de Xenofonte, como chegou aos dias atuais, através das traduções de Philippus Iunta e Euphrosynus Boinus, de 1516, e de Diego de Gracián, de 1552. As críticas que o texto sofreu desde o XVIII, como na obra de Edward Gibbon, em seu A História do Declínio e Queda do Império Romano (1989), chegando ao XIX, através de Karl Wilhelm Dindorf, Grammatici Graeci vol. I, de 1825 e ao XX, com K. M. T. Chrimes The Respublica Lacedaemonorum (1948). Primeiro discutiremos os usos, a que tipo de serviço Xenofonte atribui à Constituição dos Lacedemônios, qual o sentido da proposta; passando por este tópico, entendemos o valor dos preceitos educacionais, a educação espartana, dividindo este tópico em duas perspectivas: educação infantil e o papel da mulher; como Xenofonte se utiliza da expressão do cotidiano em Esparta, dos usos e costumes; e por fim da organização militar espartana, que Xenofonte chega a concluir que de tão complexa, mas ao mesmo tempo prática, deixa todos os outros gregos como amadores, como crianças a brincar de guerra. Entendemos que para que possamos produzir, de maneira sistemática, artifícios interpretativos, para responder, como Xenofonte constrói uma imagem de Esparta e Espartanos, no intervalo de tempo que segue do final da chamada época ―Clássica‖7 ao período imediatamente anterior ao início do período helenístico, de 431 a 355, data proposta para nascimento e morte de Xenofonte, devemos seguir tal rota explícita na organização dos capítulos: a biografia e utilizações dos textos de Xenofonte, a noção de 6 Comandante da Cavalaria. 7 Entendemos que a composição do termo Clássico é fruto do entendimento de uma Hélade homogeneizada pela imagem de Atenas, que atingira um maior nível de complexidade de suas instituições político-econômico-culturais neste período, o que não quer dizer a mesma situação para as outras Póleis. Por isso, entendemos que o termo Clássico é configurado por observações modernas, e deveremos utilizar a expressão Século V ou mesmo V século. 20 Pólis, e da mesma forma de Espaço, adotada por ele e seus contemporâneos, assim como pela historiografia moderna, e por fim que ferramentas usamos para compor a Representação de Esparta e Espartanos . 21 2 CAPÍTULO 1 – XENOFONTE E SEU PRÓPRIO TEMPO Xenophon non excidit mihi, sed inter philosophos reddendus est. 8 Quintiliano Poucas são as fontes que nos legou o tempo acerca de Xenofonte. O testemunho de Diógenes Laércio e trechos das obras do próprio Xenofonte compõem o ponto de partida deste e de outros trabalhos (LIPKA, 2002). Em seus textos, Xenofonte não falou tanto de si, a não ser no autobiográfico Anabasis (ANDERSON, 1974; HUMBLE, 2002). Porém, escreveu bastante sobre seu tempo e sobre aqueles com os quais convivera. Mesmo assim, há pouco material sobre a vida deste soldado, economista, filósofo, caçador e cavaleiro, mas que tem suscitado ativos debates 9 . Por outro lado, a vasta pesquisa realizada por estudiosos, principalmente tradutores e linguistas, desde, ao menos, o século XVI, até a contemporaneidade, nos possibilitam, hoje, construir uma imagem cada vez mais clara a respeito de Xenofonte, já que estes estudos, essencialmente em línguas inglesa, francesa e alemã, são baseados em toda uma tradição clássica preexistente nos países europeus, cuja prática de leitura, interpretação e tradução de textos latinos e de língua grega, remonta ao Renascimento, na verdade, mesmo antes, assim como há toda uma ressignificação e apropriação das culturas grega e latina por parte dos europeus (HARTOG, 2003). Nossa proposta, neste capítulo, ambiciona alargar o campo de saber no qual se encaixa Xenofonte, através de um estudo extensivo acerca da vida deste, visto que para Certeau (CERTEAU, 1982), a pesquisa em história se faz a partir da articulação de um lugar — socioeconômico, político, cultural. Certeau propõe entender o historiador enquanto um sujeito histórico, produtor e reprodutor de saberes, que estabelece a partir/através da escolha das fontes e das leituras, usos, que faz delas sua relação com o objeto de trabalho, no caso o tempo, ou como aponta Keith Jenkins (2011), o passado. 8 Xenofonte, não o esqueci, ele tem seu próprio lugar entre os filósofos. Tradução adaptada. 9 Alguns exemplos de debate: DELEBECQUE, 1957; RAHN, 1964; ANDERSON, 1974; HIGGINS, 1977; DILLERY, 1995; HUMBLE, 1997; LA FORSE, 1997; TUPLIN, 1999; MOURA, 2000; LIPKA, 2002. 22 A perspectiva aqui troca de sentido, direcionamento, não de semântica, significado, pretende-se entender o processo político, social, cultural, ideológico 10 em que Xenofonte está inserido, através de uma análise da biografia do autor, seguida por uma observação ampla a respeito do período, o recorte temporal no qual está inserido, e por fim, comentar a historicidade e a amplitude da escrita de Xenofonte, afim de que se produza uma avaliação confiável das leituras feitas nos últimos anos sobre ele. Para isso, almeja-se estabelecer um perfil de Xenofonte, assim como de seu grupo político, que pode ser compreendido como uma elite letrada de formação socrática entendida como um grupo oligárquico pró-espartano, ou seja, lakoníphilo 11 (MOURA,2000). A respeito de Xenofonte, trataremos alguns pontos de sua biografia: origem, educação/formação, atuação política, expedição à Ásia, exílio de Atenas, alinhamento à causa espartana, relação com os espartanos, escritos, fim da vida. Para tal, as fontes são escassas, mas a historiografia e as recentes análises sobre o perfil de Xenofonte têm produzido interpretações mais amplas. A empreitada a que nos propomos é duplamente dificultada, essencialmente devido à falta de fontes que nos possibilitem produzir perspectivas mais completas a respeito do autor, tendo em vista especialmente, todo um histórico de julgamentos e opiniões atribuídos a Xenofonte pela historiografia, sobretudo os textos produzidos a partir do século XIX até meados do século XX. Propomo-nos estabelecer como a imagem de Xenofonte é produzida atualmente e para tanto nos debruçaremos sobre textos do século XX. Tal escolha é metodológica, haja vista entendermos que este século marca um contato tênue com a historiografia do século anterior, mas que, ao longo do tempo, estabeleceu uma ruptura, no caso rupturas, sobre as formas do olhar para o passado, seja através de elementos metodológicos, seja sobre o conceito de documento. Enfim, pretendemos produzir um quadro demonstrativo a respeito da historiografia que analisou Xenofonte de uma maneira mais específica. Objetivamos, com isso, esclarecer ao nosso leitor a origem do autor, para que assim seus posicionamentos e escritos sejam clareados, pois entendemos que a escrita é permeada por elementos que compõem a vida do escritor, suas vivências e experiências. 10 Uma visão de mundo, sem sentido de ser necessariamente algo falso e enganador. 11 Lakonophilia, , amante da lacônia, para termos de adaptação utilizaremos a expressão ―pro-Esparta‖ e derivados. 23 Sobre Xenofonte, ainda será necessária mais uma discussão que permeia não mais a época Clássica, e sim o século XIX enquanto centro produtor das representações a respeito da Antiguidade. É nessa época que grande parte das imagens recorrentes da antiguidade, para os nossos olhos contemporâneos, são produzidas, é o que trata o texto Black Athena: the Afroasiatic roots of classical civilization do historiador Martin Bernal (1987). No primeiro volume, o referido autor analisa como se processa a construção da imagem da Grécia Antiga nas academias europeias e estadunidenses do século XIX, a partir tanto das correntes românticas quanto das academicistas. Esse debate, a respeito do século XIX, é necessário para que possamos compreender de que forma Xenofonte é lembrado até hoje. Como e através de que elementos, a imagem do ateniense chega ao nosso tempo, já que estas opiniões não são, digamos, positivas: em Niebhur ―sua história não vale nada, é falsa, escrito sem cuidado, perfeitamente descuidado‖ ou mesmo Grote ―passar de Tucídides à Helênica de Xenofonte é uma queda verdadeiramente triste‖ (CARTLEDGE, 2002, p. 223). Todavia, como aponta o próprio Cartledge, os revisionistas, incluindo Higgins, tentam perceber Xenofonte a partir de sua própria ―luz‖. Mas mesmo assim, na fala de Cartledge, Xenofonte continua sendo uma espécie de Tucídides manqué, fracassado. Nesse caso, faremos uso dos trabalhos realizados pelos historiadores J. K Anderson, William EdwardHiggins. Ambos discutem a relação de Xenofonte e seu próprio tempo, um destacando a vida do referido autor e seu estilo enquanto escritor; o outro, por conseguinte, procura esclarecer o papel da individualidade como um elemento que compõe a escrita, através, principalmente, das personagens que marcaram a vida de Xenofonte, como Ciro, o Jovem e Sócrates, seu mestre. Utilizaremos, igualmente, textos mais recentes, como os de Noreen Humble, sua tese Xenophon´s view of Sparta: a study of the Anabasis, Hellenica and Respublica Lacedaemoniorum de 1997, que representa uma nova safra de historiadores, principalmente de língua inglesa, que estudam Xenofonte, questionando e não reverberando as imagens sempre repetidas sobre a figura deste ateniense. Seu estudo abarca uma análise ampla sobre três textos de Xenofonte, levando em consideração elementos antes deixados de lado, como a questão lexical e o teor narrativo de Xenofonte. Outro estudo recente sobre Xenofonte fora publicado em 1997, sob o título Xenophon and the Historiography of Panhellenism. O autor, B. M. LaForse, aponta 24 diversas dificuldades de se estabelecer uma biografia confiável de Xenofonte, principalmente, devido às leituras modernas. Outra publicação que é, sem dúvida, importante ressaltar, é a coletânea organizada por Christopher Tuplin (1999), não somente pelo conteúdo em si, mas pelo fato de ser uma obra emblemática, já que é composta por textos produzidos e apresentados por especialistas, que naquele momento se debruçavam sobre alguns aspectos especificamente ligados à imagem de Xenofonte. Xenophon and His world é uma coleção de textos produzidos pelos mais destacados estudiosos sobre a historiografia e obra de Xenofonte atualmente. Os textos são o resultado dos debates empreendidos em julho de 1999 em Liverpool durante a conferência que batizou o livro, Xenophon and His world. A compilação é composta por artigos em inglês, italiano, alemão e francês, sendo participantes nomes como Ernst Badian, Marta Sordi, Vincent Azulay, Sarah Pomeroy, Noreen Humble, além de John Dillery. Por fim, este capítulo pretende, através de um estudo minucioso sobre a vida de Xenofonte e de seu tempo, demonstrar que, apesar do pouco que se sabe, muito é produzido através de especulações e julgamentos, cujos critérios de análise são, por vezes, problemáticos em si mesmos e atribuem ao autor juízos que foram produzidos e pensados não em seu próprio tempo. Assim, entendemos que uma leitura ampla das fontes, da mesma maneira, que uma percepção atenta às conclusões dos historiadores modernos, podem nos possibilitar uma reflexão mais completa a respeito do perfil de Xenofonte. 25 2.1 NASCIMENTO E INFÂNCIA Há algum consenso entre os historiadores em estabelecer as datas de nascimento e morte de Xenofonte, devido a um problema metodológico que ocorre a quaisquer estudiosos do tema, a falta de fontes. Daí a necessidade de se seguir o relato de Laércio, e de citações do próprio Xenofonte sobre sua idade 12 . Ele teria nascido aproximadamente em 430-425 (MOURA, 2002, p. 35). Esta datação é possível através da análise cronológica de determinados acontecimentos na vida do autor, por exemplo, sua expedição à Ásia, que é datada em torno do ano 399. Sobre Xenofonte, Laércio escreve: ―Xenofonte, filho de Grilos, era do demo de Erquia, um homem extremamente modesto e de ótima aparência. Conta-se que Sócrates o encontrou numa rua estreita e estendeu o bastão para barrar-lhe o caminho, enquanto lhe perguntava onde se vendia toda espécie de alimentos. Obtida a resposta Sócrates perguntou-lhe ainda onde os homens se tornavam excelentes. Diante da perplexidade de Xenofonte, Sócrates disse: ―Segue-me, então, aprende‖. Desde esse momento ele passou a ser discípulo de Sócrates‖. (DIÓGENES LAÉRCIO, II, 48) O texto de Laércio é considerado problemático, visto que há inverdades (HUMBLE, 1997), devido ao uso indiscriminado das fontes. Portanto, devemos olhá-lo com cautela. Sobre o nascimento de Xenofonte, ele afirma ter sido próximo a 94ª Olimpíada, o que nos fornece uma data aproximada em 401. Xenofonte, filho de Grillos, nascido, assim como Isócrates, no demos de Érquia, fora um membro do grupo 13 dos Hippeis, os cavaleiros, aqueles que possuíam condições permanentes de manutenção e custeio de um aparato militar, tanto para o cavaleiro, quanto para o cavalo, ou seja, membros de uma pequena elite, cidadãos enriquecidos. Estas informações nos possibilitam afirmar que Xenofonte pertencia a um grupo de cidadãos mais abastados e de acordo com a datação de seu nascimento vivera momentos da Guerra do Peloponeso, por outro lado não se sabe ao certo o seu grau de participação, 12 Anabasis 6.4.25. Neste trecho, Xenofonte comenta que um de seus amigos, um beócio de nome Próxenos, estava com cerca de 30 anos, e ele seria apenas um pouco mais jovem; outro dado é que em Atenas o cidadão somente poderia assumir uma posição de comando no exército a partir dos 30 anos. 13 Alguns autores preferem utilizar a expressão Classe, refiro-me especificamente a Moura (2002), para definir estratos sociais que compunham a sociedade na Atenas do V século. Preferimos, aqui, empregar o termo grupo, pois entendemos que a concepção de Classe e os debates culturais que a utilização de tal expressão implica são anacrônicos em relação à antiguidade. Sobre formação cultural de Classes sociais, ver: THOMPSON, E. A Formação da Classe operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 26 nem mesmo que efeitos este conflito causou sobre ele (MOURA, 2000, p. 35). A questão deste grupo político não se encerra aqui, é mais ampla, e tem personagens mais complexos, como Platão, Sócrates, de certa forma, Alcebíades, Agesilau e Crítias. Érquia fora um demos ou dâmos, pertencente à Chora 14 Ateniense, distante do centro urbano, Asty, cerca de 15 quilômetros, em uma região cuja paisagem fora limitada ao sul do monte Pentelicus, e ao leste pelo monte Hymettus, região correspondente hoje à atual cidade de Spata, cujos vinhedos são conhecidos em toda Grécia. Ao sul há colinas, e na antiguidade tal região fora conhecida por suas safras de grãos (ANDERSON, 1974). Ou seja, uma região com vocação e possibilidade agrícola, e possivelmente muito valorizada, já que a pequena quantidade de terras agricultáveis na Ática fora uma dificuldade enfrentada pelos gregos desde a antiguidade. Já o nome, Érquia, faz menção ao herói mítico Erquieu, que durante suas andanças recebera de Deméter esta terra como presente. Ora, é curioso que tenha sido uma deusa ligada à fertilidade do solo, especificamente do trigo, aquela que facilita germinação e a colheita, como aponta Joël Schmidt (1985, p. 83) a presentear, e assim, legitimar a posse desta por parte daqueles que se entendiam enquanto herdeiros do tal herói. É o que Jonhathan M. Hall, em Ethnic Identity in Greek Antiquity (1997) chama de ancestral em comum imaginado, personagem imaginado, utilizado para se construir lapsos de contato com um passado mítico, mesmo exemplo utilizado pelos povos do sul da Grécia, do Peloponeso, identificando-se como Heráclidas, no caso dos espartanos, ou seja, como descendentes de Héracles e, portanto, seus verdadeiros herdeiros, o que legitimava a posse e a política expansionista espartana em relação ao Vale do Eurotas, Lacônia e Messênia. É sedutor afirmar, de maneira enfática, que a fertilidade do solo, da terra de Xenofonte lhe propiciara grande fortuna, ou mesmo que fora proprietário de um vasto lote, mas são apenas especulações. O que se pode afirmar com clareza é que havia, entre os antigos, uma tentativa de entender/explicar a fertilidade do solo, ligando-o a Deméter, que devido à popularidade entre as cidades produtoras, principalmente de trigo, teve mitos e contos espalhados por várias regiões da Hélade; e, principalmente, que esta região específica da Ática fora conhecida por suas ricas colheitas. 14 Os termos Chorae Asty correspondem, respectivamente, à região agrícola, fora dos muros, e ao núcleo urbano, dentro dos muros, na pólis dos atenienses. Obviamente, tais termos são mais amplos e têm possibilitado debates interessantes. Ver, por exemplo, LONIS Raoul: Cité et Territoire. IN.:______.La cité dans le monde grec. Structures, fonctionnement, contradictions. Paris: Nathan Université, 1994 p. 93- 108. 27 Mas como aponta Anderson (1974, p.10), dificilmente Xenofonte nasceu em Érquia. Provavelmente, Xenofonte nascera em Atenas durante o cerco espartano. Já que em 431, eclodira a Guerra do Peloponeso e a massa de habitantes da chora ateniense fugiu para o resguardo da muralha que protegia o sítio urbano, drama relatado por Tucídides, do qual retiramos dois trechos: Assim, durante muito tempo os atenienses viveram de maneira independente e dispersos no campo, e mesmo após a sua concentração guardaram invariavelmente, até esta guerra, o hábito da vida campestre com suas famílias. Não lhes foi fácil, portanto, abandonar os lares, ainda mais porque haviam reparado pouco tempo antes os danos ocasionados pelas guerras com os persas. Deixavam relutantemente as casas e os templos aos quais estavam ligados por uma longa posse e, ao renunciarem à sua maneira de viver, era como se cada um deles se despedisse de sua cidade. (TUCÍDIDES, II, 16) 15 Chegando a Atenas, poucos conseguiram alojamento ou abrigo em casa de amigos ou parentes; em sua maioria se instalaram em áreas não habitadas da cidade, nos terrenos dos templos consagrados aos deuses e aos heróis, em toda parte, enfim, à exceção da Acrópole, do Eleusínion perto da Ágora e outros lugares rigorosamente interditos. (TUCÍDIDES, II, 16) Tucídides explicita a tragédia dos habitantes, não necessariamente, mas possivelmente cidadãos, dos campos atenienses que foram forçados a abandonar suas casas e ir buscar abrigo. De acordo com as datações sobre Xenofonte, ele nascera sob tais circunstâncias, entretanto, dificilmente fora membro da horda de esfomeados que vagavam e se alojavam nos mais distintos lugares da cidade. Os habitantes de Érquia não podiam se dar ao luxo de permanecer em suas casas e fugiram para a proteção dos muros. Grilos, sem dúvida, levara sua família a salvo, e em Atenas, estabeleceu-se em uma casa, na qual viveram ainda por meses e onde, após a guerra, sazonalmente Grilos e seu jovem filho Xenofonte se instalavam (ANDERSON, 1974,p. 10). Em Econômico 16 Xenofonte se utiliza do ilustre Isômaco para falar a respeito das elites rurais e suas práticas: o costume de ser ter uma casa no campo e outra para as estadias na cidade. Este volume fora escrito durante a velhice de Xenofonte, e seria fruto das experiências que tivera ainda jovem entre os membros de seu círculo. Através das Memoráveis 17 Xenofonte nos fornece elementos para conhecermos melhor a vida de uma família remediada na Ática do intervalo entre o IV e V século. 15 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: UNB, 1982 16 Versão disponível na Plataforma Perseus, da Universidade de Chicago. 17 Trabalhamos com a versão do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, traduzido pela professora Ana Elias Pinheiro. 28 Por exemplo, a estrutura física de uma casa: Casas bonitas também são práticas, o que Xenofonte diz da boca de Sócrates (ANDERSON, 1974, p. 11): É o que acontece com pedras, tijolos, madeiras e telhas que, desordenadamente, não têm qualquer utilidade, mas quando alguém ordena por baixo e por cima os materiais que não apodrecem e se partem, as pedras e as telhas, e no meio os tijolos e a madeira, como fazem na construção, então surge uma propriedade de grande valor, uma casa (XEN. Memoráveis. III, 1, 7) A casa tem uma ordenação própria no linguajar técnico de Xenofonte, do qual trataremos de maneira mais específica posteriormente: deve ser aquecida no inverno e ventilada no verão, de frente para o sul, para aproveitar toda a sombra do sol. A questão é estabelecer aqui um parâmetro analítico: Xenofonte põe, na voz de Sócrates, vivências e memórias que teve ao longo da vida, de um remediado senhor ateniense, que quando da escrita deste texto em questão, anos antes de 371, revivera tais momentos, enquanto senhor de terras em Escilunte. Sobre a infância, Anderson(1974) constrói uma leitura a partir de determinadas inferências dos textos de Xenofonte. Através dele, podemos constatar que durante os primeiros anos esteve sempre próxima a mãe, Diodora. Posteriormente, para homenageá-la, Xenofonte dera a seu filho mais jovem o mesmo nome, Diodoro. Através de Mandane 18 , mãe de Ciro, Xenofonte nos mostra um pequeno vislumbre de sua própria infância, que deve ter se encerrado no período da primeira fase da Paz de Nícias, com alguma vantagem para Atenas. Durante anos, Xenofonte provavelmente frequentara, junto a outros membros de uma elite local, centros de ensino, onde aprendera a escrita através de Homero e outros, o próprio Teognis, talvez (ANDERSON, 1974,p. 14). Estava sempre acompanhado de um pedagogo, um escravo de confiança que escoltara o menino aos locais que fosse, a fim de protegê-lo de quaisquer ações danosas ou perigos ocasionados pela beleza do jovem Xenofonte. O problema da falta de elementos, de dados que possam aferir com segurança o tipo de educação recebido por Xenofonte, é resolvido, pelo menos a priori, pelo método dedutivo de Anderson(1974). O historiador imputa ao jovem ateniense o processo educacional, ao menos os dados que nos restaram, ao qual eram expostos os 18 Ver Ciropédia, I, 3-4. 29 filhos das elites gregas, ensino este baseado na leitura, no canto e na prática das lutas. A educação é tema essencial para o desenvolvimento do pensamento de Xenofonte, notadamente em A Constituição dos Lacedemônios, daí a importância de lembrar-se dela aqui. Como membro de uma elite rural e da cavalaria, suas primeiras aulas de montaria devem ter sido feitas com o pai, nas várias visitas à propriedade rural em Érquia. A cavalaria fora um grupo aristocrático com grande importância política nos últimos anos do século V. Entendê-los enquanto um grupo abastado é ponto pacífico, teriam de contar com divisas para adquirir os animais, uma propriedade para a moradia dos cavalos, assim como tempo suficiente para treinar a si mesmo e ao animal para o combate. A utilização do cavalo enquanto meio de transporte aparece novamente na voz de Isômaco, ao descrever sua rotina de visitação à sua propriedade, que assim como a de Grilos, não distava tanto assim de Atenas, o que lhe daria experiência na montaria. Anderson (1974) discute ainda que Isômaco seria na verdade um exemplo comportamental, empregado por Xenofonte, para designar um determinado grupo de indivíduos, cujas características específicas os tornavam parecidos. Não podemos afirmar com clareza como e quando Xenofonte participara de sua primeira batalha como membro da cavalaria. De acordo com Filóstrato (ANDERSON, 1974), que escreveu 300 anos depois de Cristo, ele teria sido feito prisioneiro na Beócia, onde conhecera e se tornara amigo de Proxeneus, um aristocrata beócio que no futuro lhe levaria à presença de Ciro, o Jovem. Não obstante, temos uma pequena anedota sobre a participação de Xenofonte, já adulto, na batalha de Délion onde segundo Laércio: ―Sócrates dedicava-se a exercício físico e se mantinha em boa forma. Participou da expedição militar em Anfípolis, e quando Xenofonte caiu de seu cavalo na batalha de Délion ele se deteve e salvou sua vida‖ (DIÓGENES LAÉRCIOS, II, 5, 22). A partir daí Sócrates entrou em sua vida. 30 2.2 SÓCRATES: JUVENTUDE E ATUAÇÃO POLÍTICA Parafraseando Laércio, explicitamente, Diógenes Laércio (II, 5, 22), dizem que Sócrates caminhando pelas estreitas ruas de Atenas, estendeu o bastão para evitar que Xenofonte passasse, e perguntava-lhe: onde se vendia determinados tipos de produtos. Xenofonte respondendo prontamente recebe outra pergunta, ―Sócrates perguntou-lhe ainda onde os homens se tornavam excelentes. Diante da perplexidade de Xenofonte, Sócrates disse: Segue-me, então, aprende‖. Desde esse momento ele passou a ser discípulo de Sócrates. A relação entre Xenofonte e os socráticos é permeada por várias categorias analíticas. A primeira delas é o contato com Sócrates. O mestre teria encontrado Xenofonte em uma das vielas de Atenas e a partir dali Xenofonte seria seu aluno, não somente aluno, mas um seguidor fervoroso, e o primeiro, de acordo com Laércio, a escrever sobre os diálogos que tivera com Sócrates (DIÓGENES LAÉRCIO, II, 48). Laércio comenta ainda que em Delión, Sócrates ao encontrar Xenofonte ferido e caído de seu cavalo lhe prestou pronto auxílio carregando-o de volta a Atenas. Mais até, Sócrates aparece como um conselheiro próximo, alguém em quem se pode depositar grande confiança, ao mesmo tempo, Xenofonte parece não ter seguido, ao pé da letra, os ensinos do mestre. Laércio aponta que Xenofonte recebera uma carta de um de seus amigos, o aristocrata beócio, Próxenos, convidando-o para ir à Ásia ter consigo e com o príncipe Ciro. Xenofonte teria levado a carta a Sócrates, para que lhe aconselhasse sobre o tema. Sócrates diz então que leve a carta até o oráculo, em Delfos, a fim de que lá, o oráculo definisse seu futuro, e lhe diz para perguntar ―se deve ir à Ásia‖, ao contrário, pergunta ―como deve ir‖. Ansioso por sair de Atenas rumo aos acampamentos de Ciro, Xenofonte não percebia a rede de problemas que tal fato lhe causaria. Entre os historiadores, são poucos os que confiam ou mesmo acreditam em tal passagem. Para Noreen Humble (2002), tal trecho somente explicita de uma maneira narrativa a presença de Xenofonte entre os socráticos, o que indica que, desde a Antiguidade, havia algum consenso a respeito da participação dele naquele grupo. De fato, as experiências que Xenofonte tivera entre os socráticos lhe influenciaram profundamente, o que pode ser observado em muito de seus escritos (HIGGINS, 1977), como é o caso, por exemplo, de Memoráveis, Apologia a Sócrates, 31 Simpósio, Hiero, Econômicos. A marca de Sócrates permeia a sua obra. Por outro lado, como afirma W. E. Higgins, muitos comentadores modernos, encantados pelo texto de Platão, construíram uma grande antipatia aos trabalhos de Xenofonte e têm produzido questionamentos se Xenofonte fora ou não aluno do mestre de Platão, ou se fora mesmo alguém estranho ao grupo, um outsider, alguém que, ao contrário, procurava constantemente ser admitido no grupo (LUCCIONI, 1947; HIGGINS, 1977). Muitos estudiosos modernos, são relutantes em colocar Xenofonte no interior do círculo socrático, sobretudo com base em uma comparação entre Xenofonte e Platão: Xenofonte não é Platão, portanto, ele não é inteligente (HUMBLE, 2002). O próprio Xenofonte cita, em um dos poucos espaços onde ele fala diretamente de Sócrates, uma conversa com Sócrates sobre se ele deveria ou não participar da expedição de Ciro na Ásia. Esta conversa sugere que ele tinha mais do que um contato mediano com Sócrates: Após a leitura da carta atribuída a proxeneus Xenofonte pede um conselho a Sócrates, o ateniense, sobre a proposta da jornada; e Sócrates, suspeitando que ele se tornasse amigo de Ciro, e que isso poderia ser um motivo de acusação contra Xenofonte por parte do governo ateniense, já que atribuiu-se a Ciro uma ajuda aos Lacedemônios em sua guerra contra Atenas, aconselhou Xenofonte a ir para Delfos e consultar o deus em relação a jornada. Assim, Xenofonte foi e perguntou a Apolo para qual dos deuses ele deveria sacrificar e orar, a fim de ser bem-sucedido na realização da viagem que tinha em mente e, depois da expedição com sorte, voltar para casa em segurança, e Apolo em sua resposta disse-lhe para que deuses ele deveria oferecer suas libações. (Anabasis, 3. 1. 5-7) Ou seja, Xenofonte fora bastante próximo a Sócrates, ao ponto de procurá-lo, ou fazer lembrar disto, em momento de extrema importância. A questão aqui não é saber quem, entre Platão e Xenofonte, era mais próximo de Sócrates e sim, acompanhando o raciocínio de Humble e de Lipka, analisar até que ponto Platão fora mais um exemplo entre os socráticos e não uma exceção. As influências do pensamento Socrático sobre Xenofonte estão para além de sua escrita. Como defende Higgins (1977), o julgamento e condenação de Sócrates levou Xenofonte a repensar sua relação com Atenas, questionando o valor e aplicabilidade da justiça, ora, o ajuizamento de Sócrates fora pautadamente político, seu crime se baseia na oposição, no antagonismo frente à democracia radical imposta no restabelecimento 32 do governo autônomo de Atenas. A natureza e aplicabilidade das leis passam a ser um tópico de debate na escrita de Xenofonte, assim como a definição de cidade. 2.3 A EXPEDIÇÃO NA ÁSIA Anabasis, , de acordo com Isidro Pereira (1990), quer dizer diretamente subida, originalmente da expressão , transportar-se de um lugar mais alto. A subida a qual Xenofonte faz menção é a saída do coração do Império Persa em busca do mar, realizada por ele e seus companheiros, como resultado da malfada tentativa de tomada do poder por parte de Ciro, o Jovem, irmão mais novo do então coroado rei persa Artaxerxes. Em sua , a subida de Ciro, Xenofonte fala muito de si mesmo, tanto que alguns observadores modernos, como Noreen Humble indicam tal texto como sendo autobiográfico. Este estilo interativo entre vida e obra é sem dúvida uma das características dos textos de Xenofonte. Sua escrita parte de experiências vivenciadas, até mesmo de maneira indireta, ao longo de sua vida. O primeiro tópico que nos chama a atenção é, por quê? Por qual motivo um jovem cidadão ateniense buscaria na Ásia, enquanto mercenário, aventuras? De acordo com Laércio, e parece haver algum consenso neste caso, Xenofonte fora amigo de um certo Próxeneus. De origem beócia este companheiro de Xenofonte lhe convidará através de uma carta para que fosse a Ásia, a fim de ali, conhecer o príncipe persa, por quem com certeza teria afinidade (HUMBLE, 2002). Sem saber ao certo o que fazer Xenofonte buscara auxílio em Sócrates, que por sua vez o enviou à Delfos para que ali o deus lhe dissesse o que haveria de fazer. Lá, diferentemente do que seu mestre lhe havia indicado fazer, Xenofonte perguntou: como devo ir, e não, se devo ir. Apesar de exortar seu pupilo, Sócrates lhe aconselha a ir à Ásia. Não há materialidade que nos possibilite confirmar com total certeza se o que Diógenes Laércio escreve é ou não verdadeiro, já que ele vivera pelo menos 500 anos após a morte de Xenofonte, mas há elementos que nos podem fornecer alguma certificação. A narrativa se passa provavelmente entre os anos de 401 a 399. Sobre tal 33 época, o que se pode afirmar é que devido ao fortalecimento do poder democrático em Atenas, alguns personagens ligados aos grupos oligárquicos, sejam mais moderados, como o próprio Xenofonte, ou mesmo radicais, como Crítias, passam a ser questionados publicamente, e por isso temendo ações mais duras por parte do regime esses cidadãos acabavam se retirando, temporariamente, da vida política da cidade (HUMBLE, 2002). O fato é que Xenofonte foi para a Ásia, e lá entrara em contato com um mundo bem distinto do seu, a rica e distante Ásia. Xenofonte é sem dúvida um excelente narrador, sua crônica é carregada de memória e sentimento, por outro lado, isso não nos permite perceber seu papel específico nos primeiros momentos da jornada. Após a primeira refrega, quando Ciro e os principais generais são mortos, urge a necessidade de uma nova organização militar, a fim de proporcionar a volta para casa, Xenofonte aparece, enquanto um indivíduo centrado e popular entre os mercenários que, através do voto, escolheram Xenofonte como um dos líderes do retorno(Anabasis III, 2, 33-39). A volta é cheia de confrontos e perigos, mas os gregos conseguem seu objetivo, que seria voltar pra casa. Xenofonte, ao contrário, não pareceu estar tão feliz assim com a possiblidade do retorno, já que em uma região próxima ao Ponto Euxino, ele tenta (Anabasis V, 6 e 7, e em VI, 4, 14-6), em vão, convencer seu companheiros a se estabelecer ali, formando uma Neopolis, ou seja, uma nova cidade. 2.4 EXÍLIO: A HÉLADE EM FINS DA GUERRA DO PELOPONESO Como todos os outros, ou quase todos os tópicos sobre a vida de Xenofonte, este também é problemático, no entanto neste caso temos mais documentação, assim como mais dúvidas. A prática do exílio, ou ostracismo, ou expulsão 19 fora amplamente utilizada pelas camadas dirigentes da sociedade ateniense. Aqueles que por algum motivo significassem para os detentores do poder certo risco, seriam convidados a se retirar de Atenas, neste sentido, o sistema democrático ateniense paulatinamente se livrava de oposições e de indivíduos ―perigosos‖. Temístocles e Tucídides são exemplos mais ilustres de exilados. 19 A expressão utilizada por Pausânias é, que quer dizer: ―puxado para cima, puxado para baixo, arrastado e desterrado‖. (PAUSANIAS, Descrição da Grécia, V, 6, 5) 34 Então, por que Xenofonte? Como já afirmamos Xenofonte fazia parte de uma elite ciosa de seu status, como outras diferentes no tempo e no espaço. Seriam necessárias ações efetivas para que o indivíduo fosse considerado danoso à comunidade políade. E existem algumas teorias explicativas para o ocorrido: expedição à Ásia, ou seja, o abandono da cidade; associação a Ciro, considerado inimigo do povo ateniense; e, por fim, ter lutado contra os compatriotas em Coronéia, sob o comando do Rei espartano Agesilau. Xenofonte saiu da Ática em busca de glórias, aventuras e riquezas na Ásia. Mas essa foi, sem dúvida, uma atitude paradigmática em sua vida. Anos antes da morte de Sócrates, os grupos democráticos já perseguiam elementos discordantes de sua doutrina, os membros da elite defensora da oligarquia. Com a derrota para os espartanos em Aegospotamói durante 402, a instauração do regime dos 30 e a posterior restauração da democracia, os ataques aos oligárquicos se acirram, sendo Sócrates, por exemplo, perseguido e condenado à morte, assim como outros; após a morte do mestre, Platão e outros fugiram da cidade temerosos do que poderia acontecer a si mesmos (HIGGINS, 1977). É nesse ínterim que abandonar a cidade significa expô-la a toda sorte de risco, até mesmo abandonar o lar, a esposa, as obrigações matrimoniais poderá ser considerado um crime contra a comunidade, passível, inclusive, de exílio. Xenofonte pode ter sido condenado ao exílio, por expor a cidade através de sua viagem à Ásia. Após as malfadadas tentativas de conquista da península grega em 490 com Dario I e 480 com seu filho Xerxes, os persas passam a assumir uma postura diferente. Passam a sistematicamente investir no conflito entre as cidades gregas, financiando, por exemplo, a frota espartana, que liderada por Lisandro, impôs uma indiscutível derrota aos atenienses ao norte da Grécia, na já citada batalha de Aegospotamói. Entre os gregos circulava a ideia de que o ouro persa que viabilizara a conquista espartana tinha lhes sido ofertado por Ciro, o qual ansiando por aliados em sua futura guerra fraticida, teria financiado os lacedemônios. Daí justificasse a fala, a imagem de inimigo do povo ateniense. Xenofonte, por isso, teria sido condenado por vender sua força de trabalho a alguém tão danoso aos atenienses. Essa teoria tem uma historicidade, na antiguidade os relatos de Pausanias já dão conta da questão: 35 O Lacedemônios depois de separar Escilunte de Elis, lhes deram a Xenofonte, filho de Grilos, quando ele havia sido exilado de Atenas, o motivo de sua expulsão() foi que ele havia tomado parte em uma expedição que Ciro, o maior inimigo do povo ateniense , tinha organizado contra o seu irmão, o rei persa. Ciro, de fato, de seu trono em Sardes, vinha fornecendo a Lisandro, o filho de Aristocritus, e aos Lacedemônios, dinheiro para a sua frota. Xenofonte, portanto, foi banido e ter feito de Escilunte sua casa. (PAUSANIAS, V, 6, 5) Em seu retorno, após os episódios narrados em Anabásis, Xenofonte teria abandonado os dez mil e seguido o rei Agesilau em sua campanha na Ásia. Durante a antiguidade havia todo um anseio pela tentativa de um exército grego dominar a Pérsia. Jasão de Pherae, como aponta Sprawski (1999), considerara que essa dupla seria capaz de tal empreitada, que somente fora efetivada por Alexandre, anos mais tarde. Alguns autores, como Arriano, biógrafo de Alexandre, afirma que sem Xenofonte ele nunca teria saído da Macedônia. Unido a Agesilau, Xenofonte teria lutado várias batalhas, inclusive contra seus conterrâneos atenienses em Coronéia, em 399. Essa última teoria afirma que somente aí, Xenofonte teria sido exilado, entretanto, parece ser a suposição mais fragilizada em si mesma. Há ainda os comentários do próprio Xenofonte: Assim, os Lacedemônios enviaram Thibron como governador, dando-lhe um exército composto de mil hilotas emancipados e quatro mil do peloponesios outros. Thibron também pediu aos atenienses um número de trezentos cavaleiros, dizendo que ele mesmo iria fornecer e pagar por eles. E os atenienses enviaram alguns daqueles que haviam servido como cavaleiros no tempo dos Trinta, pensando que seria um ganho para a democracia se deve viver em terras estrangeiras e perecer lá; (XEN. Helênicas, 3, 1, 4) Ao que parece, havia uma intenção por parte dos dirigentes atenienses, através de uma forma polida, de se livrar dos indesejáveis, no caso os opositores do sistema. Através disso, pode-se discutir a natureza e os tipos de disputa entre os grupos dirigentes atenienses. Em A constituição dos Atenienses, de Aristóteles, o autor faz um verdadeiro histórico das instituições políticas que haviam sido estabelecidas ao longo da história 36 recente dos atenienses. O estagirita se propunha a analisar como a democracia havia sido, dentre outros, o sistema político mais satisfatório. Contudo, o que podemos perceber é que Atenas também já fora uma oligarquia, não somente no efêmero governo dos 30, mas antes, com o regime dos 400. A acusação consiste no Fililaconismo. Ou seja, Xenofonte fora acusado de ser um amante, um aliado em potencial dos espartanos, e por isso, inimigo de Atenas, sendo assim, deveria ser expulso da comunidade dos cidadãos, já que seria nocivo à pólis. Através desta informação, podemos concluir que não existira uma elite, mas elites, grupos de cidadãos, abastados, por vezes, que reunidos através do compartilhamento de ideias e doutrinas, se utilizavam de uma série de mecanismos à sua volta para o ―bem administrar‖ a cidade. A questão é que estes grupos são muito diversos, não se dividem somente entre democráticos e oligárquicos, Sócrates, por exemplo, não pode ser incluído, pelo menos de maneira direta, a nenhum destes grupos, todavia, com sua morte, uma ação orquestrada pelo grupo democrático, seus seguidores dispersos, migraram para vários setores, Xenofonte, por exemplo, passou a ser compreendido entre os oligarcas (HIGGINS, 1977).Por fim, estabelecer de maneira enfática, parece perigoso. Mas, através das fontes e dos debates historiográficos podemos formular algumas conclusões. Xenofonte integrara um grupo de cidadãos alinhados à causa oligárquica. 2.5 XENOFONTE EM ESPARTA Após a morte de Sócrates, não houve possibilidade de escolha para Xenofonte, ele obrigatoriamente estava alinhado à causa espartana, o que não fora, ao que parece, grande sacrifício. Ainda na Ásia, Xenofonte tem a oportunidade de conhecer um dos homens que decididamente marcou sua vida, Agesilau (DILLERY, 1995). O rei de Esparta lutava na Ásia contra os persas, na verdade, contra um grupo que representara um determinado sátrapa. 37 2.5.1 Agesilau ou como homenagear um amigo Da mesma maneira que Xenofonte, Agesilau também tivera uma biografia interessante, filho do rei Agis, não teria acesso ao poder, pois não era o filho mais velho do rei, como aponta amplamente Plutarco (A Vida de Agesilau). Devido a um jogo de intrigas palacianas e um apoio decisivo de Lisandro, então estadista espartano, Agesilau ascendera ao trono, contrariando uma antiga predição que profetizara a queda de Esparta liderada por um rei imperfeito, Agesilau era manco. Xenofonte não faz menção quaisquer dos dados que possibilitamos aqui, para ele Agesilau representava um referencial de justiça que deveria servir de exemplo, não cita a questão do oráculo, nem muito menos a característica específica do rei espartano. Poderíamos afirmar que devido ao tempo, as informações foram justapostas. Quando da escrita de Plutarco elas estavam disponíveis para a audiência, já no IV século, não. Isto seria no mínimo inocente. De certa forma incoerente, em Agesilau, Xenofonte não faz críticas aos espartanos, mas em Helênicas, texto contemporâneo, a imagem dos espartanos não é tão límpida assim. Em Agesilau, percebemos que o senso de gratidão de Xenofonte para com seu patrono, Agesilau, fora grande, mas como afirma Higgins, esta noção de reconhecimento está posta sobre o amigo, não sobre a cidade dele. Xenofonte admira o caráter de Agesilau, como um indivíduo íntegro, altruísta até, que levara em conta primeiro as necessidades da comunidade para, somente depois, dar cabo às suas. Além disso, o apreço de Xenofonte está conectado à ligação de Agesilau com sua cidade, Agesilau enquanto espartano, e não o espartano Agesilau (HIGGINS, 1977, p. 76). Para Xenofonte, Agesilau é um homem atento a coisas muito importantes: à família e à cidade. Ele tem um senso de limite, deixa de lado, como já afirmamos, seus próprios interesses em detrimento da vontade da comunidade. Fazendo um breve contraste, essa imagem, definitivamente, não é a exposta por Plutarco sobre o mesmo personagem. Seria um excelente 38 propósito analisar a composição das representações de Agesilau por Xenofonte e Plutarco, mas não é aqui nosso propósito, não por vontade, mas por outros critérios, como tempo, que é um elemento definidor. Não citamos ainda que Agesilau fora um benfeitor para Xenofonte, após a campanha na Ásia, ao voltar para a Grécia, não para casa, Xenofonte se depara com uma realidade nem um pouco animadora, ele está despejado. Isso não quer dizer pobre, ou carente de recursos financeiros. Neste ínterim, a política expansionista espartana está efervescente, a fértil aprazível região de Escilunte, na Élida é conquistada e oferecida a Xenofonte, como prova da amizade não somente de um amigo, mas de um rei. Em conclusão, a narrativa que Xenofonte nos possibilitou sobre Agesilau é a composição de várias memórias, da virtude e dos feitos de seu grande amigo. A falta de um senso crítico agudo é uma crítica moderna, mas entre os círculos de leitores da Hélade do IV século, a audiência de Xenofonte, esta percepção crítica parece não ter tanto espaço assim. Suas crônicas rememoram suas experiências, a partir de uma perspectiva muito específica, exigir, cobrar imparcialidade se liberando total e irrestritamente de um sentimento de gratidão para com um amigo, é demais. Como finaliza Anderson, Xenofonte não pretende fazer análises profundas sobre o caráter ou a personalidade humana, mas é, além de um ótimo narrador, um bom produtor de retratos individuais (ANDERONS, 1974) . Para Xenofonte, seus escritos corroborar iam na formação de uma imagem, de uma memória sobre Agesilau, sendo, portanto, um tributo a ele (HIGGINS, 1977). 2.5.2 Vida no exílio: o klerós na Élida O estabelecimento de Xenofonte na região da Élida se dá quando ele retorna para a Grécia. Ele faz o depósito de uma oferenda à Ártemis por ter retornado sem nenhum dano, e, segundo Anderson, participara anualmente junto com os moradores desta região das festividades em honra da deusa e de seu irmão, Apolo, do qual, inclusive, recebera a indicação de por onde deveria ir. 39 O distrito de Escilunte distava um pouco de Olímpia, para um indivíduo devoto como Xenofonte seria uma excelente localização. Além disso, a fertilidade da região, assim como a riqueza da fauna local, propiciaram a ele momentos de paz e reflexão, assism como emoções da caça e do calvalgar, que depois registrara em seus escritos. Ali pôde exercitar a montaria e ensinar seus filhos, como seu pai fizera com ele. Assim como poderia se dedicar a outra prática das elites, a caça com cão. Seus registros dão conta das formas e manejo com os animais, em Cynegeticus, da caça com cães e Hiparchus, ou o comandante da cavalaria. Seus filhos viveram com ele e logo após a idade correta, foram enviados para receber a educação espartana, como forma de exposição da xeniai, tipo de amizade para com indivíduos estrangeiros, contrário da xenelasia, expulsão de estrangeiros, permitia este tipo de prática. Mas isto não pode ser visto, de maneira direta, como uma ação corriqueira, pois, devido à pobreza de fontes, temos apenas as indicações do próprio Xenofonte a respeito disso. 2.5.3 Fim da Hegemonia espartana: ida para Corinto, retorno para Atenas? Xenofonte vivera serenamente cuidando de seus cães e cavalos, em sua próspera terra, mas esta tranquilidade durara não mais que vinte anos, já que retornara da Ásia em torno de 390 e, em 371, na batalha de Leuctras, o exército espartano, liderado pelo outro rei de Esparta, Cleombroto, é derrotado por Epaminondas e a temível Guarda Sagrada, pondo fim à hegemonia espartana no Peloponeso. Os antigos proprietários recuperaram suas terras, que haviam sido tomadas por Esparta, o caso mais sintomático, a Messênia sob o jugo espartano desde o século VI. Assim, Xenofonte é obrigado a fugir para Corinto, de lá enviara seus filhos para lutar por Esparta e Atenas na batalha de Mantinéia. Diodoro, de acordo com Anderson (1974), regressou vivo, mas sem ter se destacado pessoalmente, já Grilos, posto na cavalaria, morreu lutando valiosamente. Conforme Laércio (II, 54-55), ao saber da notícia Xenofonte teria respondido que, sabia quando o rapaz nascera, ele não era imortal. Grilos teria recebido diversas homenagens, não por sua bravura, mas em honras a seu pai. Por fim, Xenofonte teria falecido em idade avançada em Corinto. Para 40 Anderson, (1974) ele provavelmente voltou a Atenas, visto que seu exílio fora revogado, mas apenas para visitar alguns amigos da juventude, seu círculo de amizades mais recentes residia longe dali. Para Higgins (1977), por outro lado, morrer ali não significa estar vivendo ali, pois nesse momento o acirramento nas disputas entre Atenas e Corinto poderia ter dificultado a presença dele nesta cidade, mas aquele período marca para os gregos uma expansão da noção de fronteira. 2.6 XENOFONTE E A HISTORIOGRAFIA: DE ―MUSA DA ÁTICA‖ A TUCIDIDES ―MANQUÉ‖ Entre as várias camadas analíticas sobre a vida de Xenofonte esta é sem dúvida uma das mais importantes. Aqui pretendemos apontar com se recebe Xenofonte na atualidade, para isso faremos um histórico das leituras a respeito do autor. Não é nosso objetivo estabelecer de maneira total e completa todas as obras que abordem o tema, como faz Luis L´Allier e René Venne 20 , mas, apontar algumas camadas discursivas sob as quais Xenofonte chega ao presente. Adotaremos a década de 1930, já que entendemos que as construções sobre a imagem de Xenofonte passam a ser sistematicamente organizadas a partir daquela década. Nos anos 1930, dá-se o início de uma longa e árdua proposta, a de estabelecer novos olhares sobre Xenofonte. Sem dúvida, um dos primeiros a construir, produzir tal raciocínio foi Leo Strauss. Em seu The Spirit of Sparta or the taste of Xenophonele aponta a necessidade de ampliar o campo de observação de Xenofonte, destacando o imperativo de se percebê-lo através do público e escrita, porém levantando uma dúvida interessante, não seria uma irônica de Xenofonte? Ainda nos anos 1950, a academia francesa recebera alguns trabalhos que envolviam, direta ou indiretamente, temáticas ligadas a Xenofonte. Em 1957, Édouard Delebecque publica seu Essay sur la Vie de Xénophon, texto de certa forma conservador, manteve uma perspectiva produzida nos últimos anos do século XIX e cultivada por autores do XX, criticar Xenofonte por ser, em seus próprios dizeres, 20 Luis L´Allier é professor da Université Laurentienne, junto a René Venne, aluno da mesma universidade estabeleceram em 2008 uma bibliografia completa que traz 1170 citações de textos sobre o autor em várias línguas. 41 simplista e superficial (HUMBLE, 2002). Mesmo antes, Jean Luccioni publicara seu Les Idées Politiques et Sociales de Xénophon. Em 1954, Jean Luccioni publica seu Xenophón et le socratisme. Questionando as leituras até então feitas sobre Xenofonte, Luccioni analisa o caráter prático empregado por Xenofonte ao falar sobre seu mestre, Sócrates, como comentara Lucien Febvre: Onde, quando, como, por quanto tempo, ele, Xenofonte, participou do círculo de Sócrates? Mistério. E, no entanto, o autor do Anabasis tem feito muito para tornar seu mestre popular, e divulgar algumas de suas idéias essenciais ao longo do tempo e até mesmo em nosso próprio tempo. O Sócrates de Xenofonte é um reflexo do próprio Xenofonte: é o de um soldado, um proprietário de um economista – e certamente não um filósofo (tecnicamente falando). Em uma palavra, Xenofonte legou para a posteridade as boas faces de Sócrates. O que os filósofos especializados procuram no alto. Os historiadores o fazem em em baixo. Em 1969, Peter Rahn publica sua tese sob o título The Development of Xenophon´s Political Ideas, pesquisa iniciada na University of British Columbia em 1962. O texto dá conta do desenvolvimento das ideias políticas de Xenofonte, em Helênicas, concluindo que Xenofonte não tem uma ideia política estática, pelo contrário, entende que as ideias políticas de Xenofonte estão em constante modificação assim que se colocam diante de realidades políades distintas. A análise de Rahn parte de dois pontos de vista específicos, uma admiração aristocrática em relação ao herói guerreiro, e a Philantropia, a atitude de desligamento das coisas materiais. Texto de certa forma inovador para sua época, mas um tanto despretensioso. Em 1974, J. K. Anderson publica Xenophon. Para o autor, Xenofonte é o único entre os filósofos que tem adornado a filosofia em ambos os lados, na retórica e na prática. Se por um lado, Xenofonte escreve sobre a moral em seus textos, por outro demonstra um linguajar técnico e específico. Para Anderson, os olhares sobre Xenofonte remontam à antiguidade; Alexandre e Jasão de Pharae estariam entre seus leitores mais assíduos. E Xenofonte fora alvo de escritos, tanto por Eunapios, em A vida dos Filósofos e Sofistas, além de Arriano, que se autodenominou ―Xenofonte, o Jovem‖. 42 Para Anderson (1974, p. 2), a filosofia de Xenofonte é uma mistura de um senso comum (uma prática deste juízo) e uma moralidade tradicional combinada a uma piedade que é tão facilmente disseminada como tolice e superstição ou como vã repetição de rituais religiosos. Esta crítica denunciada por Anderson também é acompanhada das acusações comuns que são feitas a Xenofonte e seus trabalhos: que comete erros e omissões por sua parcialidade sobre Esparta, mas grifo nosso, em Anabásis, por exemplo, não há exaltação nenhuma aos espartanos, entretanto há uma crítica, quando querem assumir o controle da tropa de maneira opressiva. De acordo com Anderson, esse tipo de crítica é superada, mas aceita. Segundo ele, Xenofonte é, em seu melhor, um excelente contador de histórias e, se não oferece uma geral e profunda reflexão sobre a personalidade e comportamento humano, nos possibilita ótimos retratos, quadros particulares, individuais. Ainda em conformidade com o autor supracitado, os textos de Xenofonte contêm diversos exemplos utilizados para ilustrar o que para ele são comportamentos honrosos e desonrosos. A ―alta reputação‖ que Xenofonte aproveitara no Ocidente, para Anderson, assim como em outros lugares, fora resultado pela busca do aprendizado do grego a partir do século XVI. Xenofonte teria sido receitado a diversos casos devido a sua forma simples e direta de escrita, uma ótima oportunidade para leitores em processo de aperfeiçoamento na língua grega. Além disso, devido ao caráter virtuoso, além de uma moralidade convencional, Xenofonte fora utilizado como texto escolar. Um bom exemplo da utilização dos textos de Xenofonte, é o caso de Aquilino Ribeiro, português que durante o século XIX traduziu, por exemplo, Anabásis, que no prefácio de sua edição de 1957, comenta que fora seu professor de grego que lhe indicara a leitura de Xenofonte. No século XVI Econômico é traduzido para o inglês por Gentian Harvet, um francês a serviço de Margaret, a condessa de Salisbury. Já no século XVIII, Xenofonte passa a ser lido enquanto um pensador político, já que a guerra moderna o retirara da memória dos combatentes. Por fim, em idos do século XIX, as críticas feitas a Xenofonte são sintomas de uma modificação do comportamento dos Classicistas do período. Cada vez mais específico, fugindo do público em geral, o que para Anderson (1974, p. 8), ―tornaram os 43 problemas de Xenofonte cada vez mais aparentes, e suas virtudes cada vez menos apreciadas”. His pen copied his narrative from his sword.21 "Nossa idade é certamente cega para a grandeza de Xenofonte‖. A perspectiva apontada por Leo Strauss resume um pouco o direcionamento de William Edward Higgins. Publicado em 1977, Xenophon the Athenian: The problem of the individual na the Society of the Polis procura eliminar uma leitura pré-concebida dos nossos olhos. Higgins aponta um Xenofonte que apresenta-se sutil, um escritor consciente, que colhendo o que o mestre de sua juventude havia semeado, demonstra uma grande simpatia nas entrelinhas, o que Higgins considera ser a ironia socrática. A proposta do texto é amplamente discutida, pois ele começa argumentando que em Xenofonte ―todos os [seus] variados esforços literários são fruto da compreensão da relação entre o indivíduo e polis‖ (p. 12) e conclui com a sugestão de que se tratava de reincorporação de Xenofonte na polis de Atenas durante a última década de sua vida que ―inspirou a sua avaliação do individualismo e da vida política‖ (p.132). Além disso, o autor se impõe enquanto representante de uma nova forma de ver Xenofonte, pois ele afirma que do verão de 1975 em diante (data de seu estudo), nada de relevante fora produzido a respeito de Xenofonte (HIGGINS, 1977, p. 12). Para Higgins, a filosofia de Xenofonte é pouco mais do que o senso comum disfarçado por um verniz de vez fluente da dialética socrática e suas simpatias, político não menos do que intelectual, não estava no ambiente especulativo de pós-Sofista de Atenas, mas sim com o Peloponeso pragmático de Agesilau, uma clientela aristocrática e laconófila (CARTLEDGE, 1979). Higgins é um bom representante de uma nova geração de classicistas, seu estudo tem méritos marcantes, de abrangência principalmente, mas, como afirma Paul Cartledge, ele tende a enfraquecer a imagem filosófica de Xenofonte, na construção de uma posição somente menos extrema que a de seus críticos. Assim, todos provavelmente concordariam com ele que o Anabasis não é apologia pura, que Ciropédia não é meramente uma alegoria histórica e que Helênicas não é essencialmente um elogio que encoberta a Esparta de Agesilau. Nesta oposição a críticas, as mais distintas, Higgins deixa de lado elementos preciosos, por exemplo, enquanto mostra o 21 Sua Pena copiou sua narrativa a partir de sua Espada. 44 julgamento de Edward Gibbon sobre Anabasis como ―Original e autêntica‖, ele deixa de citar outra frase no mesmo texto, Ciropédia como ―vaga e lânguida‖. Durante os anos de 1980 o alvo dos revisionistas passou de Xenofonte a Esparta e somente nos anos de 1990 outros trabalhos questionando a historiografia sobre o papel de Xenofonte passaram a ser produzidos, notadamente os de John Dillery e Noreen Humble, publicados em 1995 e 1997. Xenophon and The history of his times, foi publicado em 1995, pela editora Routledge, por John Dillery, professor associado do departamento de Classics da Universidade da Virgínia, nos EUA. O trabalho de Dillery consiste no debruçar calmo e paciente sobre as Helênicas, a narrativa histórica de Xenofonte que expõe a segunda etapa da sangrenta Guerra do Peloponeso, a partir de um viés amplo, o de Xenofonte. A proposta do autor concerne na tentativa de esclarecer o tempo, ou seja, a época na qual Xenofonte vivera, através dos seguintes questionamentos: “Como entender Xenofonte e a história de seu tempo? Como podemos reconstruir sua visão? Será que outros, contemporâneos de Xenofonte pensavam o mundo de uma maneira semelhante?‖(DILLERY, 1995, p. 3) Sua discussão é guiada sobre as Helênicas através de uma suposição que lhe é crucial, a qual, para qualquer entendimento, existiu uma grande influência sobre Xenofonte, a influência de três homens, especificamente, além de vários eventos importantes ocorridos na vida do ateniense. ―Eu acredito que, se devo ou não, ele era um estudante genuíno de Sócrates, Xenofonte pensou em si mesmo como um seguidor do mestre, e, ainda, que o que ele pensava sobre o comportamento certo e o errado‖ (DILLERY, 1995, p. 5). Para Dillery, é importantíssimo o que se deva levar em consideração de Xenofonte sobre seus próprios comportamentos, por exemplo, no que ele acreditava que aprendeu com o filósofo. Na visão de Dillery (1995) Ciro, o Jovem, com quem Xenofonte serviu, na malfadada tentativa de tomada do trono da Pérsia de seu irmão, exerceu uma profunda influência sobre Xenofonte. Provavelmente, esse formou muitas de suas noções sobre boa liderança a partir do príncipe persa, mesmo se o homem real não se adequava a esses ideais. 45 O último personagem na vida de Xenofonte foi o rei Agesilau de Esparta. Xenofonte havia servido com ele, assim como fizera com Ciro, mas Agesilau o ajudou a destilar em sua mente o que o levou a ser um bom líder de homens, ele veio também para simbolizar para Xenofonte a excelência da forma de vida do espartano. No entanto, para além destes exemplos positivos, Agesilau também se tornou o foco da crítica de Xenofonte, sobre as falhas dos Espartanos, durante os anos de Paz do rei. Apesar de escrever uma biografia bastante elogiosa sobre Agesilau, Xenofonte não deixou de usá-lo como exemplo para a desagregação do amplo domínio que Esparta gozou sobre a Hélade. Para o autor já mencionado, através de Xenofonte, Esparta que foi precipitada por suas ambições como um poder imperial e ainda segundo o mesmo autor, isso deve ter sido no mínimo doloroso para Xenofonte, visto que além de amigo, Agesilau fora seu patrono, através dele, Xenofonte recebeu dos espartanos uma propriedade perto de Olímpia, em Scilos, mas isso, segundo Dillery (1995), comprova sua tentativa de entender a história da sua época, mesmo se imperfeitamente realizado. A obra Xenophon´s view of Sparta foi publicada em 1997, como requerimento para o Ph.D. de Doreen Humble, na MacMaster University no Canadá. Ele tem como objetivo inicial fazer uma análise ampla a respeito da visão de Xenofonte sobre Esparta, para tanto, lança mão da análise de três textos, que entende emblemáticos a tal empreitada: Anabasis, Helênicas e A Constituição do Lacedemônios. Ela estabelece alguns tópicos que norteiam seu texto, primeiro: ela entende que Xenofonte está longe de ser ingênuo, ele apesar de apreciar, admirar determinados tópicos da política espartana, vê problemas e reconhece críticas; segundo, para mostrar que Xenofonte “é consistente e equilibrado em sua representação dos Espartanos ao longo de suas obras, sem alteração significativa durante o período de sua produção literária. O foco é sobre essas obras em que a figura mais proeminente são os espartanos: Anabasis, Helênicas e A Constituição do Lacedemônios‖ (HUMBLE, 1997, p. 3); mas, Agesilaue Ciropédia são tratados na medida em que eles se complementam e auxiliam no esclarecimento às questões em debate. 46 Nos capítulos iniciais a autora aponta como tem sido contruída a imagem de Xenofonte e como ela carece de elementos, a pouca certeza sobre Xenofonte e a cronologia dos trabalhos relacionados. A autora defende ―que esta falta de evidência factual abriu o caminho para que os estudiosos tirassem conclusões imprecisas e enganosas, especulações de apoio à visão tradicional de que Xenofonte é acriticamente pró-espartano‖. (HUMBLE, 1997, p. 3) Nos capítulos adiante vários líderes espartanos são examinados, em Anabasis e Helênicas com relação às qualidades que Xenofonte acreditava que um bom líder deveria possuir. Conclui-se que Xenofonte não visualiza os espartanos de maneira óbvia em quaisquer dos trabalhos, elogios e críticas são distribuídos com a devida proporção. O quinto capítulo considera a Constituição dos Lacedemônios com ênfase sobre os aspectos do estilo de vida espartano que dizem respeito mais diretamente sobre o funcionamento das líderes de Esparta. A visão padrão do trabalho como meramente elogiosa é desafiada e sua finalidade é reavaliada. A autora defende que “Xenofonte simplesmente apresenta uma análise das leis espartanas e instituições que acreditava terem permitido a Esparta subir para preeminência no mundo grego‖ (HUMBLE, 1997, p. 3), ele não afere aqui um modelo, seguir as leis espartanas levará à prosperidade e desenvolvimento, não é isso. Mas Humble encerra defendendo a coerência entre as atitudes de Xenofonte e as imagens de Esparta expostas em seus textos. Em 1997, B.M. Laforse publica sua tese: Xenophon and the Historiography of Panhellenism, pela Universidade do Texas. O texto do estadunidense critica de maneira completa essa prática da utilização de dados biográficos, cuja veracidade é bastante questionável, para através delas, perfazer raciocínios e julgamentos sobre as visões de Xenofonte: é instrutivo examinar o que é conhecido sobre a vida de Xenofonte e que pode ou não ser razoavelmente inferida a partir de poucos e certos detalhes. Ao mostrar a incerteza em torno de muitos dos fatos chamados biográficos, as diferentes conclusões que foram retiradas, e o perigo de aplicar noções preconcebidas para eles e depois usá-los como evidência para essas noções pré-concebidas, é possível ver onde algumas das avaliações mais incisivas e negativas de Xenofonte terem vindo [...], e, consequentemente, evitar tanto quanto possível cair na mesma armadilha. (LAFORSE, B.M. Apud. HUMBLE, 2002, p. 69). 47 Em julho de 1999, foi organizado por Christopher Tuplin uma conferência Internacional para o debate sobre Xenofonte e sua obra em Liverpool, tal evento possibilitou debates entre as mais diversas perspectivas nos estudos atuais sobre a imagem de Xenofonte e análise das suas obras. Um dos frutos deste conjunto de palestras foi a organização de Xenophon His World , editado pelo organizador do evento. A proposta do debate, longe de ser uma força tarefa com o intuito de estabelecer um relatório sistemático sobre Xenofonte, nem mesmo realizar uma reunião ensimesmada sobre Xenofonte, possibilita ao público uma visão sobre temas importantes e novas disposições sobre Xenofonte e sua obra, seu mundo. Para dar cabo de tal empreitada, participaram do encontro diversos especialistas do tema, produzindo apresentações em várias línguas, a saber: alemão, italiano, francês e inglês. Propõe-se aqui apresentar os textos e explanar a respeito daqueles que entendemos mais frutíferos ao debate que se faz aqui. A nota introdutória produzida por Tuplin faz breve histórico dos debates propostos sobre Xenofonte, mas antes, expõe de maneira incipiente uma apresentação das áreas de interesse de Xenofonte, destacando seus ensaios históricos e sua recepção, principalmente entre estudiosos anglo-saxões. Após esta explanação inicial, ele faz uma breve reflexão sobre a disposição dos capítulos. As conferências se tornaram artigos e foram organizadas a partir dos respectivos temas, que são: "a vida de Xenofonte", "Xenofonte e Sócrates", "Xenofonte e o mundo bárbaro", "Esparta", "Religião e Política", "Anabasis" e "Helênica". Expor cada um deles seria desnecessário e nos custaria modificar a rota que se tem empreendido até aqui. Propõe-se, então, traçar um breve comentário dos textos, a fim de produzir um horizonte de imagens estabelecidas, discutidas, analisadas, enfim, expostas no texto. Em "A Vida de Xenofonte", estão inclusos os artigos de Ernst Badian, Xenophon the Athenian; de Martin Dreher Der Prozess gegen Xenophon; e Senofonte em la Sicilia de Marta Sordi. Ernst Badian debatendo a questão da utilização clássica de Xenofonte alerta quanto à problemática da tradição clássica em relação ao tema, principalmente em relação à contribuição de Diógenes Laércio. Para Badian, Xenofonte o Ateniense, muito do que se sabe sobre Xenofonte é fruto de conjecturas e, portanto, de especulações. Ele propõe ainda um desligamento total e abrupto com as visões mais antigas, além disso, também aponta novas ideias 48 sobre o exílio de Xenofonte. Para ele, os atenienses exilaram Xenofonte após sua decisão de permanecer em Esparta pouco tempo depois da batalha em Coronéia. Para Badian, Xenofonte retornou e morreu em sua propriedade rural de Escilunte, com base em citação de Pausânias, anos depois, que inclusive disse ter visto uma tumba que se atribuía a Xenofonte (Pausanias 5.6.5). ―Badian baseia essa hipótese no fato de que Xenofonte usa tempos presentes e perfeito em sua descrição da fauna e flora do templo de Artemis situados em sua propriedade‖ (STANKE, 2006, p. 01). Badian cai na mesma problemática que ele mesmo critica, entra no campo da suposição, do palpite, e apesar de se demonstrar crítico às fontes, grifo nosso, acredita muito em Pausânias, que teve o privilégios, séculos mais tarde de conhecer a região. Martin Dreher em Der Prozess gegen Xenophon, Julgamento de Xenofonte, constrói de maneira mais direta os elementos presentes na obra de Xenofonte sobre seu julgamento e condenação a uma morte social, o exílio, diferentemente de Badian, Dreher se mostra mais cauteloso ao uso de suposições, na sua visão, os trechos devem ter sidos escritos enquanto memórias do velho Xenofonte, por volta do ano 360. Por fim, Marta Sordi nos informa a respeito de Xenofonte na Sicília. Sua proposta é mostrar, através de o Ateneu, que Xenofonte foi à Sicília e, enquanto líder dos mercenários contratados por Dioniso, um tirano local. O capítulo ―Xenofonte e Sócrates‖ se inicia com A missão socrática de Xenofonte de Robin Waterfiled. A proposta é produzir uma crítica à historiografia dos últimos 80 ou noventa anos, que detratou os textos de Xenofonte, tratando-o como um Platão Manqué, fracassado. Waterfiled propõe a tese que, pelo contrário, Xenofonte é um autor original, cujas relações com o círculo socrático lhes possibilitou a formação de um pensamento prático e usual e, sendo assim, ele é um verdadeiro socrático. No texto Kalokagathia e kaloikagathoi 22 em Xenofonte de Fabio Roscalla, a proposta é o estabelecimento de um paradoxo entre a visão de Xenofonte e de Platão em relação à prática, a Kalokagathia e aqueles que a exercitam, oskaloikagathoi, destacando o caráter distinto que Platão atribuí a esta condição dos bons cidadãos; por fim, em Sophron Eros: Xenophon's Ethical Erotics, Sexo comedido: A ética erótica de Xenofonte, Clifford Hindley discute a questão da pederastia física para Xenofonte, 22 O termo Kalokagathia, assim com o derivado kaloikagathoi, são fruto da justaposição da expressão Kalói kai Agathói, em uma tradução literal, os belos e bons, mas traduzido como virtuosos. A virtude aqui aparece como um conjunto de características, não somente de personalidade e ou beleza, mas atributos sociais e políticos. 49 questionando, principalmente, a visão de repúdio pelo contato físico exposto por Xenofonte, como de Sócrates. Sua proposta é reexaminar esta perspectiva tradicional através de três vias analíticas: a) uma desinibida autoindulgência, tipificada por Crítias; b) um desqualificado celibato, ao que parece, praticado por Sócrates; e por fim, uma terceira via, c) o caminho da moderação, atribuído a Critóbulo e a Hieron. O capítulo, Xenophon an the Barbarian world, é composto pelos artigos de Vincent Azoulay, The Medo-Persian Ceremonial: Xenophon, Cyrus and the King's Body, O cerimonial Medo-Persa: Xenofonte, Ciro e o corpo do Rei; e Xenophon et la vassalite achemenide, Xenofonte e a vassalagem Aquemenida de Thierry Petit. No primeiro texto, Azoulay ressalta a transformação no olhar de Xenofonte sobre Ciro à medida que o último ao chegar à Babilônia demonstra o desejo de ali fazer-se Rei, investindo-se da pompa do leste, fazendo usufruto dos luxos e confrontos do costume Persa. Para Azoulay, a percepção de Xenofonte aqui deve ser analisada através de um estudo amplo, que leve em consideração o contexto no qual escreve. Já Thierry Petit, constrói uma perspectiva analítica, bastante teórica, sobre a questão da vassalagem para o mundo ocidental e os usos desta expressão, e do sentido, para análise de outros conjuntos culturais, como o Japão, e a questão do Império Persa e suas relações com os povos conquistados. O capítulo Sparta, Esparta, é composto pelos artigos de duas historiadoras, de Sarah B. Pomeroy, Xenophon's Spartan Women (A Mulher Espartana de Xenofonte); The Author, Date and Purpose of Chapter 14 of the Lakedaimonion Politeia (O Autor, data e uso o Capítulo 14 da Constituição dos Lacedemônios) de Noreen Humble. Sarah Pomeroy faz uma análise de como Xenofonte trata a imagem da mulher espartana, principalmente na Constituição dos Lacedemônios, ela destaca ainda o valor de seus textos, em relação à Esparta, devido a ser o único autor do período clássico a viver entre os espartanos, para ela, a constituição da mulher de Esparta se deve ao contato que ele tivera com os homens, na Ásia, com Agesilau, e depois em Escilunte. Já Humble, discute a problemática do capítulo 14 de a Constituição dos Lacedemônios, o que é uma questão altamente controversa entre os especialistas sobre Xenofonte. Em todos os capítulos Xenofonte produz um relatório sobre os usos e costumes dos espartanos e como eles têm dado à Esparta estabilidade e sucesso, por outro lado, no capítulo nº 14, uma série de críticas são produzidas sobre a cidade, para muitos especialistas este trecho fora colocado posteriormente junto ao volume. Para Humble (1999), as censuras presentes no capítulo, pelo contrário, apontam o caráter crítico de Xenofonte ao 50 descrever a cidade. Para ela, Xenofonte não fora cego às problemáticas espartanas, e inclusive critica ações de espartanos em outras obras. Em "Religion e Politics", o primeiro artigo é o texto de H. Bowden, Xenophon and the Scientific Study of Religion (Xenofonte e o estudo científico da religião); seguido por Xenophon's Political Imagery (Imagens do Xenofonte político), de R. Brock; logo após, Xenophon, the Military Review and Hellenistic Pompai (Xenofonte, a análise Militar e o Pompai Helenístico), de John Dillery; e, por fim, encerrando os debates deste tópico, The Imperfect Hero: Xenophon's Hiero as the (Self-)Taming of the Tyrant (O herói imperfeito: Hieron de Xenofonte como a (auto-)Domesticação do Tirano), de R. Sevieri. O sétimo capítulo, Anabasis, é composto, pelos textos de J.W.I. Lee The Lochos in Xenophon's Anabasis (O lugar na Anabásis de Xenofonte); seguido por The Identification of Mount Thekes in the Itinerary of the Ten Thousand: A New Hypothesis (A identificação do monte Thekes no intinerário dos Dez mil: uma nova hipótese), de Valerio Massimo Manfredi; e, finalizando, Xenophon's Portrait of Clearchus: A Study in Post-Traumatic Stress Disorder (Um Retrato de Clearco por Xenofonte: um estudo em um desordem de tensão pós-traumática), de L. Tritle. No oitavo e último capítulo, Hellenica, é formado por Xenophon and Diodorus: Continuing Thucydides (Xenofonte e Diodoro: continuando Tucídides), de T. Rood; seguido de The Incident at Mt Parnassus (O incidente no monte Parnaso, 395 a.C.) de J. Buckler; Xenophon, the Oxyrhynchus Historian and the Mission of Timocrates to Greece (Xenofonte, o Historiador Oxirrinco e a missão de Timócrates para a Grécia), de E. Rung; Sparta und die Peloponnesische Staatenwelt zu Beginn des 4. Jahrhunderts und der Doikismos von Mantineia (Esparta e os estados peloponésios do século IV e os Doikismos de Mantinea) de P. Funke; Were Lycophron and Jason Tyrants of Pherae? Xenophon on a History of Thessaly (Foram Licofro e Jasão tiranos de Pharae? Xenofonte e a história da Tessália) de S. Sprawski; Xenophon's Hellenica and the Theban Hegemony (As Helênicas de Xenofonte e a hegemonia tebana), de N. Sterling; e concluindo, Uberlegungen zu den Auslassungen in Xenophons Hellenikaam Beispiel der Griindung des Zweiten Athenischen Seebunds (Considerações sobre as omissões nas Helênicas de Xenofonte pelo exemplo da Segunda Liga ateniense), de M. Jehne. Apesar da vasta produção que explicitamos até aqui, a imagem de Xenofonte ainda precisa ser revista. Muito do que se escreve é muito mais fruto da criatividade 51 especulativa dos historiadores que das fontes da antiguidade. Entretanto, entendemos que o estudos das fontes, por mais ou mesmo abundantes que sejam, não corroboram à produção de uma verdade final, absoluta, mas nos permitem visualizar mais elementos do passado e através da análise destes dados, materiais ou escritos, podemos produzir verdades, no plural. A obra de Xenofonte se encaixa em um período conturbado, época na qual o sistema políade recebe grandes reveses e passa a receber mais atenção. Quanto ao estilo, entre os autores posteriores à Tucídides, muito se pode achar da influência do ateniense. A questão política continua sendo privilegiada, mas, especificamente, o pensamento a respeito de uma política contemporânea. A grande questão é estabelecer uma ou a natureza do estado, através dos estudos das constituições das póleis, entender como as comunidades dos cidadãos se estabelecem no período, no intervalo de finais do V século e início do IV. Mais até, é uma questão valorativa, estabelecer qual das constituições é a melhor. O estudo das repúblicas perpassa necessariamente um olhar sobre o presente, porém com a perspectiva de passado. Através do passado entendemos o processo de formação da comunidade hoje. Poderíamos destacar Xenofonte como um dos que inaugura tal metodologia, outros autores também se dedicaram ao tema, mas somente as obras de Xenofonte restaram aos nossos dias 23 . Enfim, após este debate sobre a biografia de Xenofonte, ampliamos nosso debate para uma questão central, a Pólis. Propomo-nos a discutir conceitos de pólis, em pelo menos três perspectivas: a dos antigos, a de Xenofonte e a moderna. 23 Refiro-me ao intervalo entre Xenofonte e Aristóteles. 52 3 CAPÍTULO 2 – A CIDADE ENQUANTO CATEGORIA DE ESCRITA A Pólis é uma multidão de cidadãos 24 Aristóteles A forma de agrupamento humano que comumente chamamos cidade possui estruturas físicas comuns aos habitantes, os muros, a ágora, o ginásio, enfim, espaços onde ocorrem contatos os mais diversos não somente entre os cidadãos, indivíduos que gozavam os direitos políticos, mas lugares que favoreciam relações entre os diversos habitantes da urbe, entre os mais distintos moradores das Pólis. Tal contato também se realizava entre os habitantes do centro urbanizado, da Asty, lugar mais densamente habitado, e os moradores da Khóra, o território, região onde grande parte da produção agrícola se concentrava. A cidade é constituída também por elementos simbólicos, abstratos – as instituições, as construções de sentido, as relações de poder empreendidas entre os próprios cidadãos e os outros. As instituições políticas: festivais religiosos, as competições nos jogos. Em conjunto tais elementos compõem a cidade, para além destas instituições, há o discurso, a forma com a qual a cidade é escrita para a posteridade, a maneira com a qual Xenofonte, autor que discutiremos aqui, registrou as organizações políticas dos espartanos, levando em consideração o que fora importante tanto para si, como seu conjunto de leitores, ou seja, para sua audiência. A cidade, portanto, também é fruto da escrita, sua construção não é composta apenas de pedras, argamassa, colunas ou frontões, mas de instituições políticas, sociais e religiosas, assim como das formas que a expressão, que a registram, formas que hoje a descrevem, das utopias do espaço imaginado e de todas as relações pessoais contidas nela. 3.1 PARA UM CONCEITO MODERNO DE PÓLIS Neste capítulo pretendemos discutir sobre um dado conceito, a noção de Pólis. A tradução da expressão grega Pólis e como tal fenômeno é tratado por Xenofonte. A 24. Política 1275a 53 Palavra Pólis é comumente traduzida por cidade, o que não explora toda a amplitude, complexidade e originalidade das formas de habitação de boa parte da população helênica no intervalo entre os séculos IV e V antes da Era Cristã. Aspiramos compor um debate sobre como Xenofonte constrói para si e sua audiência uma ideia específica sobre a cidade, mais particularmente, como em seus textos a categoria Pólis é tratada, para que efetivemos nossa empresa, lançaremos mão de uma análise dupla, que nos possibilitará tanto uma crítica contemporânea quanto uma concepção do que representava a Pólis para os antigos, principalmente através de Aristóteles. Assim, propomos discorrer sobre como os próprios helenos, por meio dos testemunhos de Xenofonte e de Aristóteles, como também os de Platão e Tucídides, entendiam e divulgavam o regime político e cultural no qual estavam envolvidos. Da mesma forma que deveremos antes observar, como através de que critérios e parâmetros, especialistas modernos, como Oswyn Murray, Mogens H. Hansen; Anthony Snodgrass, Maria Beatriz Florenzano, Marta Mega de Andrade e Neyde Theml, para citar apenas alguns, trabalham a idéia de Pólis. Temos por objetivo, mesmo que inicialmente, demonstrar a complexidade e amplitude que a análise deste termo incorre. Definir uma categoria não é nossa preocupação, e sim perceber como esse julgamento é explícito na fonte, e ampliando o debate, como este mesmo dado conceito é visto pela comunidade acadêmica. É preciso ainda fazer outra ressalva, não faremos um amplo inventário sobre a Pólis, citando todos os autores que ao longo do tempo se debruçaram sobre a cidade grega antiga, não por vontade, mas por definição metodológica, nosso trabalho não se resume em explicar o que foi a Pólis, e sim, como tal categoria aparece na obra de Xenofonte. Para tanto, faremos escolhas, mesmo compreendendo as lacunas que tais proposições podem deixar. Nossa perspectiva segue na rota tanto de Xenofonte quanto de Aristóteles, que definem a comunidade políade enquanto composta por seus cidadãos, tal proposição é lacunar no viés social, já que delimita a participação aos membros considerados iguais da comunidade – homens, maiores de idade, cidadãos – deixando de lado mulheres crianças, escravos e estrangeiros, que sem dúvida, são um elemento em constante contato com os cidadãos e cuja fluidez de tal relação é muito importante para se perceber a comunidade em sua própria perspectiva, não nos deixando convencer pela historiografia tradicional, que ambicionando a fabricação de modelos a partir de conceituações modernas, pensou a cidade grega como uma origem clara do estado moderno. 54 A conformação de uma ideologia normativa, de uma escrita do poder, que gesticula, que afirma, e assim, constrói modelos a serem seguidos também é clara ao lermos tanto Xenofonte como Aristóteles, indivíduos ligados às estruturas de poder e dominação, cujos textos estão repletos desta iniciativa. O que pretendemos é analisar de maneira consciente a construção e possiblidade de tais artefatos culturais. Por isso, ciente das possibilidades de análise, propostas nos últimos anos principalmente pelos ricos trabalhos da arqueologia, sobretudo do campo ligado à arqueologia da paisagem, faremos um exame na perspectiva institucional, privilegiando autores que seguem estes vieses 25 . Nossa proposta tem objetivos muito bem definidos, assim como modestos. Não intentamos aferir uma visão totalizante de como os helenos falavam sobre a organização de suas cidades, mas objetivamos apreender como Xenofonte o faz e como sua leitura está relacionada com a concepção de seus pares helênicos. Para tanto, lançaremos mão de dois textos de autoria do referido ateniense, A Constituição dos Lacedemônios e, principalmente, de Anabásis. Por fim, faremos ainda um breve debate a respeito da utilização da noção de cidade, por parte de Xenofonte, enquanto elemento definidor do caráter singular dos gregos. Para o autor, os gregos são diferentes dos outros povos devido à sua forma de governo e é a ela que procuram quando precisam se organizar. Escolhemos estes textos, pois nos possibilitam, primordialmente Anabásis, uma concepção muito objetiva, o que de forma alguma precede a análise crítica do historiador, de como os próprios helenos, especificamente Xenofonte, pensavam sua organização política, e em um contexto de conflito e fuga, como recorrer ao elemento político, enquanto ordenador social, para auxílio na sobrevivência. Para auxílio, optamos também por Aristóteles, especificamente em Política, aqui Aristóteles nos oferece um panorama a partir de uma filosofia prática, o que diferencia seu pensamento da escola platônica e, em nossa opinião, o aproxima de Xenofonte, explica a natureza e as dinâmicas internas do que seria a Pólis, destacando os papéis sociais empreendidos por aqueles que em sua visão davam sentido à comunidade, os cidadãos, já que A Pólis é uma multidão de cidadãos. 25 Para um panorama a respeito de análises arqueológicas, principalmente do sul da Itália, ver: FLORENZANO, Maria Beatriz Borba. Cidade e Território na Grécia Antiga. IN.: TACLA, Adriene Baron; MENDES, Norma Musco; CARDOSO, Ciro Flamarion; e LIMA, Alexandre Carneiro Cerqueira (Orgs.). Uma Trajetória na Grécia Antiga, Homenagem à Neyde Theml. Rio de Janeiro, Apicuri, 2011. p. 237-261. Oferece um verdadeiro painel das produções arqueológicas sobre a cidade Grega nos últimos 40 anos. 55 Outra lacuna, a ideia de cidade exposta por estes dois autores está ligada claramente à imagem de uma Pólis apenas, Atenas. Isto seria um problema, pois é uma leitura amplamente generalizante - apesar de entender os papéis da generalização para a produção dos modelos historiográficos 26 - que acaba por construir a história da Hélade como uma história das cidades Helênicas, especificamente a partir de uma das cidades. Entretanto, entendemos que o padrão de cidade de Xenofonte é Atenas, é sua cidade de origem, que apesar de ter-lhe expulsado, ainda é seu centro de referência, no que se trata das formas de organização política que tivera a seu alcance. Portanto, não chega a ser um problema para a análise. 3.1.1 A Pólis institucional Ao longo dos séculos, pelo menos desde o século XIX, vários membros da intelectualidade ocidental têm se perguntado quanto à natureza da Pólis helênica, mas as respostas que foram produzidas dizem mais respeito à contemporaneidade das questões que à antiguidade das respostas. Ao traduzir a expressão Pólis por cidade-estado, a concepção da formação dos estados nacionais no ínterim do século XIX fica evidente. Também é neste intervalo de tempo que a História enquanto ciência galga seu espaço entre os saberes ditos modernos, afirmando-se através de aplicações de modelos e estudos empíricos. Através da padronização dos estudos de história por meio das fontes escritas, uma concepção de cidade acaba sendo gestada, mas que, como afirmamos, ligava-se muito mais à expectativa europeia que à realidade dos helenos milhares de anos antes. Ao pensar a respeito da organização política das cidades gregas, durante principalmente os séculos IV e V antes da era Cristã, a historiografia elencou diversos critérios: religiosos, isto é, organizadas sob critérios religiosos como aponta, ainda no século XIX, Fustel de Coulanges; nas tensões sociais, no conflito entre escravos e senhores, no processo descritivo das instituições estatais, como destaca G. Glotz em sua obra sobre a Cité Grecque; cidades como centro de consumo como analisa M. Finley 26 Para ampliação do debate sobre a concepção de modelos analíticos ver: GUARINELLO, Norberto Luiz. Uma morfologia da História: as formas da História Antiga. Politéia Hist. Soc. Vitória da Conquista. V. 3. n. 1. p. 41-61, 2003. 56 (1997), sob influência direta do pensamento de Max Weber; abordagens cujo centro está na questão filosófica do ser, do cidadão como apresenta Jean-Pierre Vernant (1990). Em Fustel de Coulanges, a cidade é permeada enquanto comunidade dos crentes, unidos por parentescos e formas conjuntas de culto. Para ele, a concepção de cidade está flanqueada pela ideia de uma religiosidade que uniria os fiéis em torno do culto, seja ele familiar, no caso de práticas privadas de culto ou público, com festividades públicas que chamaram atenção de muitos dos membros da Pólis. Da mesma maneira, para Vernant (1990), o indivíduo faz parte de uma aliança prática entre ele mesmo, a cidade e o deus. O cívico, portanto, compõe uma necessidade aos cidadãos, que caso abandonem o culto religioso trazem o mal da infidelidade tanto sobre si quanto sobre a comunidade, a respeito da Pólis. Para Gustave Glotz, a cidade é um espaço de disputa entre oligarcas e democratas, sua preocupação baseia-se na explicação destes modelos e suas mazelas. Assim, a leitura de Glotz compreende a cidade enquanto organização política dos cidadãos seja ela democrática ou oligárquica. Por outro lado, entendemos que a conformação da cidade grega como conhecemos tem outros aspectos a serem lidos. A história da Grécia Antiga deve muito à formação geográfica da península grega. O terreno acidentado possibilitou a formação, em regiões de vales, da proteção natural de várias cidades, como Esparta, por exemplo. Cercada pela cadeia montanhosa do Taigeto e pelo rio Eurotas, Esparta tornou-se uma comunidade isolada, tanto geograficamente quanto culturalmente. Já para Moses I. Finley a cidade se configura enquanto centro de consumo da produção agrícola, a cidade, portanto, é um parasita do campo. Segundo o autor já mencionado, o campo sedimenta a cidade à medida que produz e suas riquezas são levadas ao centro mais densamente povoado, onde há o contato comercial, as cidades são apenas a sede da instituição, mas o poder das elites reside em seus domínios sobre as terras, e por isso, sobre a produção agrícola. Atualmente, autores como Mogens Helman Hansen têm apontado a Pólis como a grande forma de construção urbano-social da Grécia, tanto no período Arcaico, como no Clássico. A Pólis é a comunidade que Sócrates, Platão, Xenofonte, Heródoto e Aristóteles viveram, e sobre as quais pensaram. Por outro lado, Hansen aponta a importância do estudo de outras póleis, de um universo de mil e quinhentas póleis, 57 apenas duas são mais estudadas, pautadamente Atenas e Esparta, mas e as outras 1498? Estas não nos têm algo a dizer? Hansen tem, nos últimos anos, inundado o mundo acadêmico com diversas leituras sobre a Pólis. O autor esteve à frente do Copenhagen Polis Centre, da Universidade de Copenhagen, de 1993 a 2005, e neste intervalo produziu anualmente um encontro com especialistas de todo o mundo para que se debatesse sobre a ―cidade‖ grega. A cada meeting, foi produzido um texto, compondo uma série de leituras sobre a Pólis. Sobre sua obra, devido à vastidão, deveremos nos ater a duas, especificamente: A Inventory of Archaic and Classical Poleis (2004), cuja organização se deu em parceria com Thomas H. Nielsen; e Polis An Introduction to the Ancient Greek City-State de 2006; e o capítulo  as the Generic Term for State (1997). Em A Inventory of Archaic and Classical Poleis, Mogens Hansen encabeça um ambicioso projeto de levantamento de dados sobre dezenas de cidades que existiram na Bacia Mediterrânica e se autointitulavam gregas. De acordo com Hansen, não faz sentido que se produza um inventário, uma coletânea sobre diversas cidades da Grécia sem que se discuta a ideia conceitual de Pólis. Para ele, os estudos sobre a origem da Pólis grega são possíveis através de três critérios, três tipos de evidências: a evidência linguística; informações a partir das fontes literárias e epigráficas; e os restos físicos de assentamentos antigos. A evidência linguística é possibilitada através de estudos comparativos, de palavras relacionadas, em outros ramos de línguas de origem indo- europeia; já a cultura literária, de textos como Tucídides e Heródoto, e finalmente, através da produção de dados advindos da arqueologia. Hansen nos demostra uma análise através de dados numéricos que apontam informações interessantes. Por exemplo, em evidências dos períodos Arcaico e Clássico o termo Pólis aparece em torno de 11.000 vezes (2004, p. 13). Da mesma forma, derivados Polites, Polisma, Politikos, Politeuein/Politeuesthai, entre outros. Grande parte dos documentos analisados é de origem ateniense, mas através de estudos sobre outras póleis, encontrou-se mais de 2.000 elementos de origem não-ateniense. Ainda no ponto de vista de Hansen, a ocorrência destas expressões nos permite visualizar o apego e a utilização dos helenos por estas palavras, tolerando a ideia da utilização de termos políticos em outras cidades. Nesta perspectiva, Mogens Hansen escapa das críticas impostas a este tipo de análise sobre a cidade que privilegiam as fontes escritas, 58 principalmente pelo fato da preferência por Atenas. Finalizando, Hansen defende ainda a ideia da composição de uma identidade cívica ―um sentido de identidade comum, baseada em tradições, cultura, cerimônias, símbolos e às vezes (presumido) descendência comum‖ (p.11). Já em Polis An Introduction to the Ancient Greek City-State, Hansen define a cidade enquanto uma comunidade política, uma espécie de estado, que difere da ideia de estado moderno, mas que concebe elementos essenciais à formação de um estado, como um território, um exército e um sistema de instituições que governam a comunidade, além de certo grau de autonomia. Outra noção importante defendida pelo autor é a posição de concordância da tradução de Pólis por cidade-estado, tendo em vista que, sempre que ocorre a expressão Pólis, poder-se-ia encaixar a expressão estado. Hansen defende ainda que as instituições da Pólis são amplas e suficientes para sua administração, e são elas: o Prytaneion, espécie de edifício onde os magistrados recebiam convidados ilustres e ali realizavam seus banquetes; os templos religiosos e outros santuários; as construções de defesa, os portões da cidade e a muralha; o mercado; ginásios e instalações destinadas aos jogos. Em Polis a generic term for state, Mogens Hansen defende o pensamento de que Pólis é, na verdade, um termo genérico, generalizante, utilizado pelos gregos para classificar o que nós contemporâneos chamaríamos de estado, país, ou nação. Na visão de Hansen, a palavra é utilizada para descrever um determinado tipo de comunidade autônoma. Para realizar sua empresa ele passa à análise de um grupo de pequenas cidades, e após isso, retoma aos textos clássicos para perceber quais delas são, no termo estrito da palavra, póleis. Esta compreensão, gerada principalmente através da óptica aristotélica, produziu uma imagem limitada da Pólis, configurando-a explicitamente como o lugar dos cidadãos, deixando de lado toda uma massa de elementos transeuntes, que habitavam a cidade, mas que excluídos da vida política, não atraíam os interesses dos catedráticos europeus. Esta leitura não se esgotou, e durante o século XX, por seu turno, foram vários os autores que perscrutaram tal problemática. No entanto, com o passar dos anos, principalmente a partir dos anos de 1950, com o trabalho de Giulio Schmeidt e R. Chevallier em Caulonia e Metaponto: applicazioni della fotografia aerea in ricerche di topografia antica nella Magna Grecia (1959) foi que a cidade passou ser entendida 59 também através dessa estrutura física (FLORENZANO, 2011), abrindo um frutífero viés analítico por meio das observações feitas por estudos arqueológicos. 3.1.2 A Pólis Arqueológica Através da arqueologia, diversos e novos estudos foram possibilitados, um dos mais inovadores foi o trabalho de Richard Ernst Wycherley, How the Greeks Built Cities (1976), cujo estudo trata das concepções da arquitetura grega, principalmente no intervalo que se segue do VI século ao início do Helenístico. Wycherley inova à medida que analisa o planejamento e a organização urbana de determinadas cidades gregas, por meio tanto da leitura arqueológica quanto da utilização de fontes escritas, como Aristóteles e Platão. Wycherley destaca o processamento da cultura arquitetônica grega que englobava elementos da antiga cultura Minóica e novas informações advindas de recentes agentes históricos como os macedônicos, por exemplo. Em Cults, Territory, and the Origins of the Greek City-State de François De Polignac (1984), percebemos uma perspectiva crítica quanto ao estabelecimento dos estudos sobre as Póleis gregas ao longo, somente, do viés institucional. No pensamento de Polignac, por meio da análise das ruínas de santuários espalhados por várias regiões, tanto da Hélade quanto da Sicília, o espaço religioso é preponderante na consumação de um ideal urbano. Sua concepção de cidade é composta pela noção de comunidade religiosa. Polignac alega que as instituições políticas que administravam a cidade seriam elementos criados por aqueles que detinham o poder no intuito de estabelecer uma mínima coesão entre os indivíduos, mas em seu ponto de vista, o que mantinha a unidade do corpo de cidadãos, mesmo que unidos através das armas, não seria a guerra. Segundo ele ―a religião era o único agente para efetuar todo o corpo social‖ (POLIGNAC, 1984, p. 151). O autor afirma ainda que ―isto demarca uma sociedade que parecia adquirir autoconsciência, pois retomou a posse do passado, dotando-o com um caráter sagrado [...] através da vida religiosa que um novo tipo de corpo social tomou corpo gradualmente.‖ (POLIGNAC, 1984, p.151-152) A perspectiva de Polignac foge da ideia de um culto ligado necessariamente ao centro urbano, criticando visões atenocêntricas, para dar maior valor aos santuários 60 estabelecidos no que chama de zonas suburbanas, extra urbanas. Para ele, estas áreas exteriores à cidade, demarcariam espacialmente o início ou término da cidade, mas estabeleceriam também uma ideia de que os templos no centro da cidade estariam ligados ao poder e às elites, enquanto os santuários seriam espaços voltados ao culto popular. Por fim, o estudo de François De Polignac mostra-se inovador à medida que para entender o processo da formação das comunidades gregas, entre o final do século IX a.C. e o início do VII a.C, lança mão de uma análise que toma a Pólis como uma comunidade cujos elementos de coesão baseiam-se em um culto em comum, através da análise de santuários estabelecidos em diversas regiões do Mediterrâneo. Em 1987, Ian Morris adapta sua tese e a publica sob o título de Burial and ancient society: The rise of the Greek city-state. Foi considerado arrojado devido a uma análise que se utiliza tanto de elementos literários quanto materiais aliados a uma leitura antropológica do campo. O texto é organizado em três capítulos, mas somente no terceiro The Rise of the Polis é que Morris avalia as origens da Pólis. A perspectiva de Ian Morris é composta através da obsesrvação de enterramentos existentes nas necrópoles atenienses que datam principalmente a partir da época arcaica até o período pós-Guerras pérsicas. Para Morris, o levantamento dos dados das sepulturas é composto como uma das tentativas de ampliar as formas de interpretação sobre o surgimento da Pólis grega, o que faz mediante um panorama amplo sobre a quantidade possível de cidadãos. Morris declara que ao se examinar tais enterramentos observamos sensíveis modificações nas estruturas sociais políade ao longo do tempo, principalmente após as medidas de Clístenes, que tornaram mais ampla a possibilidade de cidadania. Em uma pesquisa que privilegia pautadamente a sociedade ateniense, Morris se distancia de uma análise globalizante, mas por outro lado acaba fazendo-o, já que estabelece este tipo de projeto não somente para os atenienses, mas para todos os gregos. Archaeology and the Emergence of Greece (2006), de Anthony Snodgrass, é uma coletânea que reúne uma série de trabalhos sobre o que se produziu ao longo dos últimos anos a respeito da arqueologia clássica. Estes artigos foram unidos a fim de possibilitar novos olhares sobre a temática, através da produção de conhecimento histórico por meio da arqueologia. De acordo com Snodgrass, para que possamos entender a natureza da sociedade Grega, devemos fazer uma avaliação conjunta entre historiadores e arqueólogos. Seu texto está organizado em seis tópicos: ―A ‗Credo‘ 61 examining the history of archaeology, its relation to other disciplinesand a plea for redirection‖; ―The Early Iron Age of Greece‖; ―The Early Polis at Home and Abroad‖; ―The Early Polis at War‖; ―Early Greek Art‖ e ―Archaeological Survey‖. Em seus artigos, Snodgrass observou os novos rumos que a Arqueologia Clássica, de então, tomava e procurou estabelecer uma enfoque amplo, suplantando os limites das fontes escritas, principalmente quando demonstra uma procura por indicadores arqueológicos que demarcariam a presença da Pólis grega. Preocupado com o estabelecimento de novos paradigmas, Snodgrass denuncia as novas perspectivas de uma arqueologia em constante alteração: Os primeiros, agora, não estão mais satisfeitos em dar, como Aristóteles na Política, uma reconstrução mais ou menos teórica do advento da Pólis, situada em algum período inicial indefinido: eles sentem a obrigação de oferecer algum tipo de explicação sobre a data, a causa e os meios pelos quais a entidade, com a qual eles estão ocupados, surgiu. (2006, p.02) 27 Assim, a arqueologia proposta por Snodgrass ambiciona alargar o conhecimento sobre as cidades gregas, percebendo o valor e sentido das construções simbólicas do espaço e como os gregos interagiam a partir desta concepção de um espaço construído. Para Raoul Lonis, em La cité dans le monde grec. Structures, fonctionnement, contradictions (1994), a cidade é composta de uma realidade física possibilitada através de dois grandes elementos: o espaço urbano, onde há maior densidade populacional, que tem por sua vez constituída enquanto centro a região conhecida por Asty, que inclusive já citamos. Conforme Lonis há também uma outra área denominada Proásteia, a qual não é necessariamente, suburbana. Além destas regiões, a zona urbanizada é ainda composta, não em todos os casos por um ou uma série de portos, que denomina limén. O segundo elemento físico que compõe a cidade é a área rural, conhecida por khóra, espaço onde há o cultivo, onde há os campos de extração de minérios, florestas, enfim, é o campo, a imagem oposta à urbanização, mas que assim como a área construída, 27 Para termos de análise, recorremos ao texto no original publicado em 1991 na coletânea organizada por John Rich e Andrew Wallace-Hadrill. Mas para termos de citação, preferimos a versão traduzida por Cibele E. V. Aldrovandi; e revisão Labeca. Disponível em:http://www.labeca.mae.usp.br/pdf/Textos_aula/SNODGRASS%20Arqueologia%20e%20o%20Estud o%20da%20Cidade%20Grega.pdf. Consultado em 21/012012. 62 compõe a Pólis. Demarcando a fronteira entre estas partes existe a Muralha, teiche, que tanto define quanto delimita. Em The Archaeology of Ancient Greece (2001) James Whitley defende a ideia que existe uma ambiguidade do termo Pólis, que tem dois sentidos: o centro urbano real de uma comunidade, sua cidade principal e a comunidade política, ela mesma, o estado e os cidadãos. Isto é, a cidade propriamente dita, ruas e construções, assim como a comunidade de cidadãos. O termo Pólis como cidade-estado, na concepção Whitley, foi mal construído, para ele a expressão correta seria ―estado-cidadão‖, além disso, a Pólis não é necessariamente formada por um centro urbano dominante a um interior agrícola, tal definição não condiz com Esparta, por exemplo. (WHITLEY, 2001). Já para Maria Beatriz Borba Florenzano, em Pólis e oîkos, o público e o privado na Grécia Antiga (2001, p. 02) 28 , ―a Pólis é uma instituição que possui uma definição no quadro político da cidade-estado grega‖. Na sua opinião, a Pólis é uma constituição política que se estabelecia através da criação de leis que instituíssem o mínimo de igualdade entre os cidadãos, isto é, legislações que regrassem as interações entre os indivíduos. Segundo a autora, tal relação se torna viável através ―de necessidades sociais que são, elas próprias, frutos de uma longa evolução econômica, principalmente fundiária‖ (p. 02). Assim, a conformação de uma vida em conjunto foi um fato preponderante na organização política das póleis gregas, como afirma: ―a Pólis, incorpora aquilo que hoje nós definimos como área urbana e área rural, porque o que importava eram as pessoas e a organização que existia entre elas e não o território que ocupavam‖. Em outro texto, A origem da Pólis: os caminhos da Arqueologia (2010), Florenzano propõe uma análise que parte de elementos institucionais, mas que percebe o valor e utilidade da análise do espaço físico, não somente como um elemento envoltório, mas cuja organização, transformação e utilização são denunciantes quanto às praticas de sociabilidade, formação de identidade e compreensão do que foi a Pólis. Para a autora: 28 Texto publicado nos Anais do I Simpósio Regional de História Antiga, Rondonópolis, M.T. 2001: 113- 118. Disponível em http://www.labeca.mae.usp.br/pdf/Textos_aula/FLORENZANO%20Polis%20e%20Oikos.pdf.Consultado em 11/02/2012. 63 Devemos considerar esse ponto fundamental se quisermos compreender que a materialidade da polis constituía uma moldura para as atividades dos seus membros. Mas, lembremos que não se trata de uma moldura estática. Os aspectos físicos da polis eram o reflexo daquela formação social e politica, mas, no caminho de volta, condicionavam o comportamento humano, marcando suas ações e suas decisões, criando elementos que permitiam a integração da comunidade, instalando marcos de identidade nos quais o grupo se reconhecia. (2010, p. 41). Para Maria Beatriz Florenzano, a Pólis deve ser entendida enquanto um intrincado conjunto de regulamentações institucionais, que é composto tanto por legislações escritas como por elementos, matérias que produzem e afirmam identidades políades aos moradores do local. Tais elementos seriam: ―surgimento do templo, o aumento das oferendas nesses templos em detrimento das oferendas em sepulturas, o posicionamento do templo em relação ao assentamento e a instalação dos heroa no centro dos assentamentos.‖ (2010, p. 41). Estes elementos físicos produziriam a formação de uma identidade cultural, baseada na construção tanto de espaços quanto de ancestrais em comum, já que os herôa seriam templos dedicados aos heróis, aos ancestrais em comum da comunidade. Por fim, para Maria Beatriz Florenzano, em Cidade e Território na Grécia Antiga (2011), existe uma intensa relação entre cidade e território na composição do que fora a Pólis. Através dos estudos do viés da Arqueologia da Paisagem, Florenzano faz um panorama sobre os padrões de assentamento nas cidades da Magna Grécia. De acordo com ela, o estudo das malhas, das redes de conexão entre Asty e Khóra, possibilita um olhar sobre a Pólis, para além da noção de cidade-estado, de comunidade de cidadãos, e nos permite visualizar uma cidade repleta dos mais variados indivíduos, de mulheres, crianças, escravos, estrangeiros, que formariam a diversidade da Pólis. Ainda segundo a autora, a concepção de uma cidade grega plenamente ou tão somente política partiu, na verdade, da necessidade de analistas modernos de se conceber a diversidade do passado através necessidades, político-sociais do presente, colocando a sociedade grega antiga nos padrões da sociedade contemporânea. Marta Mega de Andrade em A Vida Comum: espaço e cotidiano na Atenas Clássica (2002) faz um intenso debate sobre as noções de público e privado e as composições espaciais decorrentes desta relação. Mega critica a ideia de um espaço naturalmente concebido, para ela, existem concepções de poder, de ideologias 64 normativas, que principalmente nas fontes escritas, vislumbram a formação de um ideal quanto à representação do interior e exterior da casa ateniense do período Clássico. A historiografia consagra a ideia de um espaço interno da casa como naturalmente dado às mulheres e, por sua vez, o espaço público como próprio aos homens. No ponto de vista da autora, esta noção é problemática, assim como a de um espaço específico no interior do oîkos, como sendo próprio da mulher, um Gineceu. O debate proposto por Andrade é mais amplo, e nos permite refletir sobre a relação da composição entre público e privado, não somente com perspectivas no espaço, mas de noções entre comunidade e sujeitos, sendo a mulher um destes. Assim, os autores que trabalhamos até aqui partiram de uma concepção arqueológica, para repensar determinadas concepções, que foram por muito tempo reinantes sobre a cidade-estado grega. O elemento arqueológico nos permite entrar em contato com elementos que foram resgatados do tempo, que perdidos em uma vala ou mesmo em uma tumba passaram milhares de anos escondidos, mas também guarnecidos e hoje têm possibilitado um grande aumento de informações sobre uma variada malha de temas da antiguidade. Por outro lado, Há ainda autores que criticando, ou mesmo justapondo, tanto as análises arqueológicas, como de textos escritos, propiciaram estudos inovadores e até mesmo polêmicos, tal grupo chamamos revisionistas. 3.1.3 A Pólis Revisionista Em 1990 Oswyn Murray e Simon Price publicam seu The Greek City from Homer to Alexander fruto do Oxford Ancient History Seminar, organizado entre 1986 e 1987. Murray e Price atentam que a proposta do livro é, na verdade, apresentar estudos sobre a Pólis, através de uma série de variadas concepções metodológicas. A proposta dos autores nos parece mais provocativa, no sentido de estimular o pensamento e nesta perspectiva, organizaram os texto, mesmo que com pontos de vistas opostos, ou convergentes, possibilitando um frutífero debate entre os autores. Em Cities of Reason, prefácio do texto, de Oswyn Murray, o autor faz um relato, bastante consciente, das formas de pensamento sobre a Pólis. Para Murray, a historiografia moderna tentando atribuir às fontes da antiguidade algum tipo de organicidade, mas com um viés claramente político, acabou por polarizar os debates 65 sobre a cidade grega. O que ele pretende com a organização do livro é exatamente o contrário, já que intenta propor diversos vieses analíticos. The development of the polis in archaic Greece é a organização das conferências oferecidas em um encontro realizado em Durhan em 1995, organizado por Lynette G. Mitchell, P.J e Rhodes, que visava fomentar o debate a respeito da Grécia Arcaica através de palestras apresentadas por John Davies, Lin Foxhall, Mogens Hansen, Stephen Hodkinson, Catherine Morgan e John Salmon. Rhodes lembrando que as questões sobre o que foi a Pólis não são tão novas assim, que desde Fustel de Coulanges que os debates sobre a organização política, econômica e social das cidades gregas têm sido feitos, indica que os textos presentes nos livros propiciam análises mais recentes e amplas sobre a civilização grega em formação. Especificamente sobre The „origins of the greek Polis‟ Where should we be looking? De John Davies, há uma debate frutífero para nossa perspectiva, pois aponta que deveríamos ser mais atentos aos mínimos detalhes, através de análises que privilegiem o ―micro‖, isto é, exames específicos e não globalizantes, exatamente o contrário do que a historiografia fez por tanto tempo. Para Davies, a época em que vivemos (idos dos anos 90), seria um período privilegiado para o estudo da Pólis, já que esta geração, diferente de outras anteriores, estaria disposta a perceber as interrelações entre os gregos e a variedade de grupos existentes na bacia mediterrânica e o nível de contato entre estas culturas. Em O Público e o Privado na Grécia Antiga do VIII ao VI séc. a.C. – o modelo ateniense (1998), Neyde Theml discute à luz da perspectiva de espaço público de Jürgen Habermas, o relacionamento entre público e privado, entre Pólis e Oîkos. Para ela, a Pólis instituiu a noção de Tó Koinón, isto é, o sentido de público a partir das instituições de sociabilidades constituídas por meio de um conjunto de legislações prescritas à comunidade de cidadãos; de mãos dadas a esta perspectiva, à medida que a sociedade políade criou a noção de público, possibilitou a ideia de individual. Citando Vernant, Theml afirma que o indivíduo acaba por receber duas concepções, uma política e outra social. É o ser político, é aquele cujas obrigações estão diretamente ligadas às preocupações com a comunidade; já o segundo, é o individual, aquele que se coloca em 66 primeira pessoa. À ideia de próprio, particular, os gregos conceberam a expressão Tó ídion. Em Alternatives to Athens: Varieties of Political Organizationand Community in Ancient Greece (2001), de Roger Brock e Stephen Hodkinson, podemos entrar em contato com uma variada paleta de leitura sobre a Pólis, mas todas elas foram construídas com uma perspectiva, ser verdadeiramente análises alternativas de Atenas, isto é, são textos produzidos sem uma perspectiva atenocêntrica e, assim, possibilitando a aparição de novos dados, novos elementos que são necessários às novas interpretações sobre a sociedade helênica. Brock e Hodikinson fazem uma denúncia que não surpreende, a academia ocidental, por meio de uma série de critérios, estabeleceu Atenas como parâmetro para entendimentos sobre os helênicos. Algumas imagens, como a própria democracia, acabaram por ser utilizadas para distintos objetivos, produzindo uma noção globalizante da Grécia. Para os autores, tal percepção é fruto também de leitura acríticas das fontes escritas disponíveis. Lembrando que a ideia da democracia ateniense foi amplamente utilizada como elemento aglutinador e produtor de identidades locais, como é o caso da formação dos Estados Unidos, cujos dirigentes se utilizaram da ideia de ―liberdade‖ acoplada à noção de democracia para compor naquele país a noção de terra da liberdade. Ledo engano, tanto a democracia grega como a organização política estadunidense atual são restritivas, limitadas, elitistas e acabam por reverberar as estruturas de poder e dominação, dos grupos dirigentes, no caso ateniense e do capital, no caso da terra do ―Tio Sam‖. Além disso, Brock e Hodikinson lembram várias concepções, que são facilmente ligadas à democracia ateniense, não têm origem naquela cidade, assim como foram desenvolvidas também em outras regiões. Catherine Morgan em Early Greek States Beyond the Polis (2003), parte de uma perspectiva plural, pretende analisar a construção de identidades para além da ideia política de Pólis focando os diferentes níveis de autopercepção. Morgan define a Pólis dentro de um contexto mais completo, de maneira bem diferente das concepções da historiografia tradicional. Seu caráter revisionista aparece à medida que expõe suas concepções, principalmente sobre novos campos que estão produzindo informações de regiões periféricas, como afirma: 67 Talvez mais impressionante, no entanto, seja a mudança no equilíbrio do registro arqueológico, quando as evidências advindas das regiões supostamente ‗periféricas‘ chegam para complementar e desafiar aquelas provenientes das ‗grandes póleis‘ tradicionalmente estudadas, como Atenas, Argos e Esparta. Quando grande parte da evidência usada para traçar o surgimento da Pólis, tal como ela é tradicionalmente concebida (por exemplo, como uma cidade-estado independente, combinando ásty e khóra) não é claramente específica, ou peculiar à mesma, é tempo de reavaliar (p. 03) 29 . A proposta de reavaliação de Catherine Morgan vem no panorama de novas apreciações sobre a Pólis, que cada vez mais tem destronado conceitos e parâmetros estáticos, a fim de produzir Hélades para além de Atenas ou Esparta. Seu estudo através da Arqueologia se mostra inovador, tendo em vista que se propõe a perceber como estudos, derivados de análises de campo sobre regiões periféricas das fronteiras gregas, podem ser importantes na análise do que foi a Pólis. Em Unthinking the Greek Polis. Ancient Greek History Beyond Eurocentrism (2007), Konstantinos Kostas Vlassopoulos, propõe uma forma diferente de se pensar a Pólis. Na perspectiva crítica de Martin Bernal (1997), Kostas Vlassopoulos analisa, em seus estudos, a escrita, que entende eurocêntrica, da história da Grécia antiga. Para ele, a historiografia se utilizou do arquétipo da Pólis, enquanto um elemento aglutinador, que forjando uma unidade política grega, aplicava à história os modelos globalizantes próprios à formação dos Estados nacionais. Assim, o estudo da Pólis e a construção deste ideal foram, na verdade, uma expressão de homogeneização. Vlassopoulos faz uma leitura ampla, que procura reexaminar ―polaridades antigas‖ (2007, p. 02) como a exposição de divergência exata entre as póleis gregas e as monarquias orientais, procurando demonstrar as dificuldades das análises convencionais. Vlassopoulos faz análise inovadora de Aristóteles, destacando a ideia de koinôniai, entendendo que o estagirita aponta a Pólis enquanto uma união intrincada de elementos compartilhados. A atualidade do texto é visível à medida que envolve questões não necessariamente ligadas à problemática antiga, mas demonstrando a possibilidade de inter-relação entre a História Antiga e outros campos da Historiografia. Temas como Nacionalismo, Imperialismo e Neocolonialismo aparecem no debate de Kostas Vlassopoulos. 29 Para termos de citação nos utilizamos da tradução de Maria C. Abramo e revisão Labeca, disponível em:http://www.labeca.mae.usp.br/pdf/Textos_aula/MORGAN%20Estados%20Gregos.pdf. Consultado em 11/05/2011. 68 Sobre a noção de Koinôniai, o autor dispensa também grande debate em Beyond and Below the Polis: Networks, Associations and the Writing of Greek History (2007). Neste texto, Vlassopoulos examina as formas com as quais atualmente se pode estudar a sociedade grega através de redes de contato, que ligavam os indivíduos para além de suas fronteiras físicas. Em uma perspectiva, sob a Pólis, de entender a formação de redes de pessoas, associações, as quais chama koinôniai (2007, p. 12), que seria composta por indivíduos das mais distintas regiões. Para o autor, o estudo destes circuitos koinôniai nos ―permite avançar além das abordagens estruturalistas para o estudo de interações sociais reais‖ (2007, p. 11). Na perspectiva de Vlassopoulos, devemos levar em consideração um panorama mais amplo, uma percepção a partir da ideia de sistema-mundo e perceber como estas redes são produzidas, como as pessoas interagem, transportando ideias, produtos e tecnologias. Para o helenista, esta perspectiva nos permite uma visão além das abordagens helenocêntricas. Na recente dissertação de Mestrado de Fabio Augusto Morales Soares, A Democracia ateniense pelo avesso: Os metecos e a política nos discursos de Lísias (2009), podemos encontrar uma nova perspectiva sobre o estudos das póleis gregas. O Trabalho de Soares é amplamente constituído por fontes escritas, mas diferentemente das análises que chamamos institucionais, a perspectiva do autor aqui é perceber, como afirma, ―a questão do outro no mundo dos outros‖ (SOARES, 2009, p. 15). É perceber através dos discursos de Lísias tanto as políticas específicas aos não cidadãos quanto observar em que medida e de que formas estes não cidadãos participavam da política. Apesar de partir do estudo sobre Atenas, os personagens de Soares não são os cidadãos como a historiografia acabou por aclamar, mas são os outros. A concepção de Outro traz consigo tanto a ideia de Alteridade como a de Identidade. Para entender como e de que os metecos estavam excluídos, Soares faz um amplo panorama dos variados modelos sobre a Pólis, estabelecidos pela historiografia contemporânea, destacando de que maneiras os metecos apareciam, ou não, entre os habitantes da cidade. Estabelecer quem ou o que participa da comunidade política requer antes questionamentos simples, mas importantes, por exemplo, o que é política, e assim o que é Pólis. Soares defende o pensamento de que os Metecos participavam politicamente da vida da cidade, para tanto, ele trabalha a ideia de política, através de uma perspectiva ampliada que considere as interações entre os grupos através de um vislumbre mais 69 amplo e aberto, possibilitando abranger as leituras sobre a Pólis para além dos compêndios tradicionais. Na historiografia mais recente a ideia de Pólis aparece ligada à comunidade política tal qual ao modelo aristotélico, à comunidade de cidadãos. Essa leitura apontada pela falta teórica de conflitos entre os distintos grupos sociais da cidade tornam mudas as falas de personagens que estão além da cidadania: mulheres e escravos, por exemplo, e no caso ateniense, os metecos. Por fim, são muitas as formas escolhidas pela historiografia para tratar a cidade- estado grega. Apesar dos modelos distintos, há em todos ainda a noção clara de interdependência entre cidade e cidadãos, uma história da cidade-estado grega é a história de seus cidadãos, mais ainda, é a histórias das relações mantidas entre eles, contatos que produziram muito mais que instituições as quais administravam e guiavam os destinos da cidade. Portanto, escrever sobre Pólis está para além de registrar as instituições criadas pelos cidadãos que nela habitavam, já que os moradores da cidade, mesmo que não cidadãos – mulheres, crianças, escravos e estrangeiros – também partilhavam os espaços em comum, e por isso os produziam, faziam parte da paisagem urbana, mesmo que os legisladores os tenham esquecido. A aplicação desse modelo, por outro lado, pode levar a caminhos tortuosos, já que nem todos os que habitavam as cidades foram cidadãos, mulheres e escravos, por exemplo, não tinham seus direitos reconhecidos, faziam parte da população, não do corpo de cidadãos. Nessa rota, Aristóteles, um dos principais teóricos da cidade Antiga, ainda na antiguidade está certo ao afirmar que a cidade é uma multidão de cidadãos. Nosso caminho aqui segue esse roteiro, a relação intrínseca entre indivíduo e sociedade, focando na comunidade. Mas em um contato dual, o indivíduo tanto como elemento formador da comunidade, já que faz parte dela; e o indivíduo enquanto escritor da comunidade, aquele que registra dados, informações para ele relevantes sobre a comunidade enquanto objeto de estudo, de apresentação. Todos estes modelos apresentados pela historiografia escolhem para si critérios, que por sua vez são apontados através de seus locais de fala, têm uma temporalidade, uma historicidade. Todavia, o intento, nesta ocasião, é observar como Xenofonte apresenta conceitos que explicitam sua ideia de cidade. Nossa proposta é pensar diretamente sobre que aspectos Xenofonte classifica a cidade dos Espartanos, quais são 70 suas características, suas particularidades, enfim, como Xenofonte constrói um modelo político através de suas leituras sobre a Esparta que descreve. Mais até, a proposta aqui é discutir a própria relação política entre as cidades gregas neste período através do texto de Xenofonte, pensar como um ateniense escreve sobre Esparta, suplantando a questão da fronteira física, mas se aproximando da questão das fronteiras de pensamento, de opinião, das formas de ver e dizer o mundo. Para tanto, serão necessários alguns comentários preliminares: primeiro o que foi uma cidade-estado, principalmente para os antigos; e para Xenofonte, que elementos compõem a cidade e em que dimensão ele vê esse agrupamento. Por fim, o objetivo principal aqui é pensar qual o conceito de cidade incluso nas obras aqui discutidas, A Constituição dos Lacedemônios e Anabásis, ambas de Xenofonte, para assim analisar como os próprios gregos entendiam e explicavam seus modelos de ajuntamento urbano. Neste intuito, observaremos os papéis sociais desempenhados por Xenofonte e por sua audiência, na escrita-leitura da cidade. 3.2 ENTRE PÓLIS E POLITÊS: A IDEIA DE CIDADE PARA OS ANTIGOS A partir de finais do século VIII início do século VI a Grécia passa por uma série de modificações políticas. Com o fim do período das tiranias, começam a surgir, em várias regiões da Hélade, regimes que viabilizam um sistema de adequações de direitos entre os cidadãos. As transformações sociais não param por aí. Aliás, elas já são fruto de outras modificações estruturais no seio da comunidade grega ―pré‖ Clássica. O aparecimento da Pólis a partir do VI século é consensual, mas esconde outros traços, como as comunidades étnicas, Etno-estados, como chama Catherine Morgan (2003), grupos tribais espalhados em várias regiões da Grécia, principalmente aos pés de cadeias montanhosas que sobreviveram ao tempo e nunca passaram a póleis prontamente, negando a máxima aristotélica da Pólis enquanto organização natural do homem. A diversidade das ―cidades-estado‖ é muito grande. Há comunidades comerciais e navais, altamente dinâmicas e que atraem a migração de elementos estrangeiros, como Atenas e Corinto, e as cidades mais fechadas em torno de si mesmas, como Esparta. Para Finley (1989), o isolamento de Esparta deve-se antes de tudo à falta de necessidade. Sim, não haveria necessidade de compra de produtos estrangeiros, já que 71 principalmente após a conquista da Messênia os espartanos passaram a dominar grande parte das terras agricultáveis da Hélade (OLIVA, 1983) e teriam alcançado uma espécie de independência na produção de grãos. Além disso, a existência de ricas minas no interior da Lacônia permitia aos espartanos produzir seus próprios utensílios com metais domésticos. O isolamento não fora criado, necessariamente, a partir da subsistência, mas sua manutenção pode ser explicada por meio disso. Um dos elementos que ilustram tal fenômeno pode ser identificado na chamada Revolução Hoplítica (MOSSÉ, 1989), elemento no qual a falange hoplítica, formada por soldados/cidadãos chamados hoplitas 30 começam a surgir nas diversas póleis nascentes. A própria concepção de coragem, de entusiasmo, lissa, modifica-se. Não se trata mais da iniciativa pessoal, lutar desprendidamente contra o adversário mostrando a bravura individual, mas sim, do entendimento de conjunto, da luta ao lado dos pares. A formação hoplítica impede ações individuais e realça o avanço coletivo. Neste ínterim, podemos destacar a ideia de Tó koinón em oposição a Tó ìdion proposto por Neyde Theml (1998). A noção de público é criada à medida que a noção de comunidade se altera, a concepção de comunidade, de comunitário, o que por outro lado rememora a ideia de individual, de particular. De outra forma, quando o indivíduo intentava, por algum motivo, destacar-se do corpo principal, era repreendido. Como conta Heródoto, sobre um tal Aristódemo, que teria sobrevivido à batalha das Termópilas. Segundo Heródoto (VII. 229) apenas dois, dos que foram enviados às Termópilas, sob o comando do rei Leônidas, teriam sobrevivido, Êurito e Aristódemo. Ambos teriam sido acometidos de uma moléstia nos olhos e receberam a permissão de retornar a Esparta. Êurito mesmo sendo liberado, pediu que seu hilota o guiasse à batalha onde pereceu. Já Aristódemo voltara a Esparta onde recebera as humilhações próprias aos covardes. Na batalha de Plateia, cerca de um ano depois, Aristódemo recebera a chance de restabelecer sua honra lutando desprendidamente contra o inimigo persa, ação reprovada pelos Espartanos. Segundo Heródoto (IX. 70), as ações de Aristódemo foram dignas de censura, pois que lutara na tentativa de morrer grandiosamente à frente de seus companheiros, a fim de obter a vitória não para o bem de sua comunidade, mas para o bem do próprio nome. A bravura individual é 30 Soldado da Infantaria pesada, formada pelo conjunto de cidadão que custeavam seus equipamentos. Sua utilização é notável a partir do VI século. 72 substituída pela ação em grupo, pelo censo de defesa, tanto da cidade, como do companheiro à esquerda. A concepção desta organização para o combate é a formação de uma infantaria que luta em conjunto, seguindo toda uma forma de combate que premia a união, diferente dos embates homéricos, cujo valor seria demonstrado na individualidade. Tal elemento bélico exemplifica o espírito de comunidade nascente neste período entre os indivíduos, entre os cidadãos. Há na Grécia deste momento várias modificações sociais como esta, a participação do cidadão médio na vida política da cidade, o que Marcel Detienne chama de Homologia de Estrutura (DETIENNE, 1985). Neste instante, a formação de sociedades de alguma maneira mais igualitárias e complexas que as póleis de séculos anteriores, exigem a especialização na forma de combater, e a formação das falanges de hoplitas está dentro deste processo. Há uma relação simbiótica entre Cidade e Cidadão. No grego assim como no português, uma expressão prescinde a outra: Pólis e Politês. Neste sentido, faremos uso das noções de cidade, primeiro por Aristóteles, para que possamos discutir sobre a natureza da Pólis; logo após, passaremos a Xenofonte, onde discutiremos sobre os mecanismos que o autor faz uso para falar sobre a cidade tratando de dois tópicos principalmente, a noção de cidade em movimento e o uso da alteridade. 3.2.1 Aristóteles A cidade enquanto objeto de análise surge para Aristóteles como elemento diferenciador entre os gregos e os bárbaros, já que estes viveriam sob o poder de algum déspota do leste, enquanto os gregos viveriam livres em seu regime autosustentável. Mais até, para o estagirita, o estado, no caso, cidade-estado tem uma natureza: Como sabemos, todo Estado é uma sociedade, a esperança de um bem, seu princípio, assim como de toda associação, pois todas as ações dos homens têm por fim aquilo que consideram um bem. Todas as sociedades, portanto, têm como meta alguma vantagem, e aquela que é a principal e contém em si todas as outras se propõe a maior vantagem possível. Chamamo-la Estado ou sociedade política (ARISTÓTELES, A Política, I.1). 73 Sociedade política, ou mesmo o Estado, é para Aristóteles a única forma viável de vida para os homens livres, já que o homem é para ele um animal político. A sua preocupação aqui, claramente inclusive, é a atenção ao mundo grego de então. À época de Aristóteles a cidade-estado grega já não vive sob a autonomia de outrora, apesar de ser defendida enquanto modelo pelo professor de Alexandre. Como fora comum às obras aristotélicas a busca pelas origens é o ponto de partida, a origem da Pólis é vista pelo filósofo como a procura, natural do homem, por proteção. Para ele, as famílias buscavam proteção umas pelas outras, o que conformaria as primeiras comunidades, unidas através do critério do auxílio mútuo. A comunidade, cuja formação supera a iniciativa individual, é o ganho para o bem.Fazer em conjunto o que sozinho o indivíduo não conseguiria, é importante ainda ressaltar sua natureza, segundo Aristóteles: A cidade é a primeira por natureza, seja com relação a casa, seja com relação a cada um de nós. Pois o todo vem necessariamente antes das partes. Arrancados do todo, os pés e as mãos não existem, a não ser por homologia, como quando dizemos uma mão de pedra. Todas as coisas se definem por sua ação ou seu poder e não mais os tendo, não podemos dizer que são a mesma coisa, mas apenas que têm o mesmo nome. Assim, é evidente que a cidade exista por natureza e é anterior a cada um. Se ninguém é autárquico, está na mesma situação que as partes em relação ao todo. Aquele que não pode viver em comunidade ou que não necessita dela por ser autárquico é fera ou um deus. O impulso em todos para viver em comunidade é, assim, natural, e o primeiro que a constituiu foi causa de grandes bens (ARISTÓTELES, Política, 1253a, 20). Para Aristóteles, a relação entre indivíduo e a comunidade, uma analogia de certa forma até orgânica é a natureza da cidade, a urbe existe enquanto fruto da relação entre a comunidade e o ser, o indivíduo. Mais até, há um condicionamento geral e natural para o agrupamento em comunidades. A Pólis é então, uma comunidade natural que responde à conjunção dos cidadãos que exercem, por sua vez, características distintas, mas cuja importância não é negada por Aristóteles. Para além da relação com o indivíduo, mas ainda sim, Aristóteles aponta o ―todo‖ e ―as partes‖. As partes podem ser identificadas tanto com os indivíduos como pelas fratrias, tribos que compunham o todo, mas entendemos que a natureza política do homem aponte à sua vida em comunidade, o ―todo‖ é sem dúvida a Pólis, lugar do exercício natural do homem, a política. 74 Por fim, na perspectiva de Aristóteles não se vai a Esparta. Não se viaja a Atenas. Vai-se aos espartanos. O conceito de cidade na Grécia Antiga não perpassa exclusivamente a concepção de sítio, cenário, ambiente de circulação, não existe tal qual o conceito atual. Entendemos que os conceitos têm, em sua concepção e aplicação, uma ligação direta com sua historicidade, não podendo ou não devendo ser pensado da mesma maneira em recortes diferentes. A cidade consiste como lugar dos cidadãos, espaço onde há a interação entre os membros formadores da comunidade, onde são travados os debates políticos, onde se compartilha as refeições, enfim, a cidade é o lócus do exercício da cidadania. Muitas vezes usados como sinônimos, os termos Pólis, Cidade-Estado e Cidade Antiga, de certa forma não querem dizer a mesma coisa. Cada expressão traz consigo sua complexidade e utilização, até mesmo suas respectivas historicidades. Assim, as fontes que escolhemos aqui destacam primeiro, a própria conceituação de Pólis, sua natureza e de que maneira há a interação entre indivíduos e a comunidade deles. Tanto Aristóteles como Xenofonte destacam as relações entre os indivíduos e as instituições por eles criadas e sustentadas como fatores que distinguem a própria natureza da cidade grega em relação a outras. Tanto em um como no outro, a Pólis, termo que inclusive é uma simples transposição de uma palavra grega para nosso vocábulo (GUARINELLO, 2009), traz a ênfase na comunidade política o que pode trazer uma noção que, de certa maneira, exime características físicas. Sobre a quantidade de cidadãos para que haja equilíbrio nas ações de sociabilidade, convivência e governo da Pólis, há um grande debate, travado inicialmente por Tucídides, continuado em Platão e estabelecido em Aristóteles, que destaca ainda: Quanto aos bons amigos, será preferível ter o maior número possível, ou convém guardar uma certa medida na quantidade, como acontece com o de cidadãos na Pólis? É que nem dez homens constituem uma Pólis, nem com cem mil existe já Pólis. A medida, no entanto, não é por certo um número determinado, mas um conjunto dentro de certos limites. ARISTÓTELES, Ética a Nicómaco 9. l0, 1170b 29-35 Defendendo a ideia de que os cidadãos ideais da Pólis compõem um círculo restrito de amizades deve haver a construção de limites. Eles definem quem deva ser cidadão, critério este que não é adotado através da perspectiva numérica. 75 A beleza costuma realizar-se de acordo com a quantidade e a grandeza. Por isso a Pólis que combina com uma adequada extensão o justo limite de que falamos é necessariamente a mais perfeita. De facto, tal como a de qualquer outra coisa - animais, plantas, instrumentos -, a grandeza das cidades tem também o seu limite. Um excesso de pequenez ou de grandeza retira-lhe a capacidade própria: ou ficará totalmente privada da sua natureza ou será defeituosa. [...] De igual modo a Pólis que se compõe de demasiadamente poucos habitantes não é autárquica, e uma Pólis tem de o ser, por sua vez, a que se compõe de uma quantidade excessiva, se bem que capaz de se bastar nas suas necessidades, será como que um povo e não uma Pólis, já que dificilmente tem uma constituição. Quem, de facto, pode ser o estratego de um número de homens excessivamente elevado ou quem pode ser seu arauto, sem possuir uma voz estentória? Por isso, começa necessariamente a existir Pólis, quando de cidadãos é tal que permita bastar-se, a fim de viver feliz em uma comunidade política. É natural que uma Pólis, cujo número exceda o desta, seja também maior do que ela; contudo, como dissemos, tal aumento não pode ser ilimitado. Qual seja o limite é fácil de ver pelo exame dos factos. As actividades da Pólis repartem-se pelos governantes e pelos governados; ora é tarefa do governante mandar e administrar justiça. Mas, para julgar sobre questões de direito e para distribuir os cargos de acordo com os méritos, é necessário que os cidadãos se conheçam uns aos outros e saibam o que são; nos casos em que este conhecimento se não verifique, existe por força um exército dos cargos e uma administração de justiça de forma defeituosa, já que em ambos os domínios se não deve improvisar, como acontece evidentemente, quando há um número excessivo de população. Além disso, os estrangeiros e metecos podem com mais facilidade usurpar os direitos de cidadãos, já que lhes não é difícil passar despercebido, graças ao excesso da população. É manifesto, por conseguinte, que o limite ideal para uma Pólis é o número mais elevado possível compatível com a autarquia da vida e susceptível de ser abarcado na totalidade. Fica deste modo definida a questão relativa à grandeza da Pólis. ARISTÓTELES, Política 7.4.8-14, 1326a33-b25 Aristóteles, por seu turno, demonstra que o número de cidadãos é preponderante, assim como a extensão territorial da Pólis também é um elemento essencial para a prosperidade da comunidade. O elemento do equilíbrio, bastante presente nos textos de Aristóteles, aparece com força. Apesar de ter sido escrito anteriormente aos textos de Xenofonte, retomamos ao pensamento de Aristóteles, a fim de perceber como Xenofonte estava vinculado aos autores posteriores a ele e como estes gregos se relacionavam com a Pólis em sua perspectiva física, a quantidade de cidadão e a extensão de seu território. 76 3.2.2 Xenofonte Para que possamos perscrutar a ideia de cidade, em Xenofonte, faremos uso de dois de seus textos: Anabásis e A Constituição dos Lacedemônios. Entendemos a necessidade do uso de Anabásis, devido à sua rica composição a respeito dos sistemas de autogoverno que Xenofonte explicita como sendo próprios aos gregos. Para tanto, perpetraremos uma narrativa sobre os acontecimentos contados por ele, neste texto, considerado, inclusive, autobiográfico (HUMBLE, 1997). Na perspectiva, há elementos tanto em A República dos Lacedemônios, mas de uma maneira geral, como em Anabásis – A retirada dos Dez Mil, que podem ser úteis para observar como Xenofonte pensa as estruturas que formam as cidades gregas, e ainda, de que maneira decisiva, diferencia gregos e outros: a lealdade ao modo de funcionamento da Pólis (CARDOSO, 2002). Sobre Anabásis, utilizaremos o artigo publicado pelo professor, Ciro Flamarion Cardoso, A Etnicidade grega: uma visão a partir de Xenofonte 31 , onde ele traça um estudo sobre o texto na perspectiva da etnicidade e da alteridade. Por nossa vez, fazemos outros usos da mesma fonte, pensado o elemento político. 3.2.2.1 A Retirada dos Dez mil ou Cidade em Movimento A Expressão Anábasis, no grego, , como afirmamos anteriormente, quer dizer literalmente "subida", "ascensão". A obra em si é composta de sete livros, narra a jornada de militares de várias regiões da bacia mediterrânica, desde a costa para o interior do território do Império persa. Na verdade, apenas o Livro I, entre os outros, contém alguma reflexão sobre o título. Nos livros II a IV, temos uma leitura que aborda a marcha desde o campo de batalha de Cunaxa até o Mar Negro; os últimos três livros, narram a marcha ao longo da costa desde Trapezunte até a região próxima ao Helesponto, de onde gritaram ―Thálatta, Thálatta‖, o mar, o mar. (Anabásis IV.7.24). 31 CARDOSO, Ciro Flamarion. A Etnicidade grega: uma visão a partir de Xenofonte. Phôinix, Rio de Janeiro, v. 8, p. 75-94, 2002. 77 Xenofonte é convidado por um de seus amigos, um beócio conhecido por Proxeneus, para ir à Ásia menor e conhecer Ciro, o Jovem, que governara ali uma satrapia persa. Lá, toma parte de uma expedição militar organizada por Ciro, que tinha por objetivo inicial derrubar outro sátrapa persa, mas que servira na verdade para apoderar-se do trono Persa ocupado por seu irmão mais velho, Artaxerxes II, o que não se efetivara. Em meio às disputas e pedidos de ouro, Ciro reúne um vigoroso exército, que mesclava tanto soldados de origem helênica, que ―desempregados‖ pelo intervalo entre as hostilidades entre as póleis gregas, vão ao Oriente em busca de oportunidades de ganho, quanto militares das várias etnias e povos que habitavam a vastidão do império. Os mercenários iniciam sua marcha em Sardes, durante a primavera de 401 e avançam até as proximidades de uma das mais importantes cidades, a Babilônia, na região de Cunaxa. Ali, travam uma batalha feroz contra as forças de Artaxerxes e conseguem levar a melhor, mas são enganados por ardil, e tanto Ciro quanto seus generais mais próximos são mortos, tornando a vitória em campo irrisória. Sem Ciro e sem seus líderes os soldados debandam, formando uma tropa de fugitivos, cerca de 10 mil soldados. A reorganização do exército se deu através da ação de Xenofonte, o que para Noreen Humble (1997) destaca o usufruto por parte de Xenofonte desta experiência pessoal para construir uma ideal liderança baseada na habilidade de combate, de comando e de diplomacia; colocando-se inclusive como um destes líderes que teriam recondicionado a força mercenária e possibilitado seu retorno à Hélade. Ao chegar às margens do Mar Negro, a tropa segue seu curso ao Helesponto, nesse intervalo a expedição se coloca sob o serviço de Seuthes, um líder trácio e, por fim, parte dos homens acabara por integrar as forças do comandante espartano Thibron que estava na Ásia Menor a fim de dar combate aos persas. De acordo com Xenofonte, ao iniciar a jornada, os mercenários traziam consigo em torno de 10.400 homens, mas quando Xenofonte os deixou para ter parte na tropa espartana, restavam em torno de 6.000 soldados. Uma observação interessante, o conteúdo de Anabásis é de maneira recorrente revisitado ao longo do tempo. Arriano defende que Alexandre teria como leitura obrigatória o texto de Xenofonte. Segundo Xenofonte, na tentativa de fugir da malfadada operação de derrubada do rei persa Artaxerxes, os gregos contratados como mercenários por Ciro, o Jovem, 78 buscaram, freneticamente, sair do interior do império persa procurando as cidades gregas próximas ao Mar Negro, no Ponto Euxino. No decorrer desta expedição os gregos se movem mantendo características que, para Xenofonte, são preponderantemente gregas, os soldados reunidos formam uma grande assembleia para deliberar quanto a assuntos de grande importância onde todos têm direito a voz, além disso, para que determinada moção fosse aprovada dava-se ao escrutínio e com as mãos levantadas ou não consultava-se a plenária composta de soldados (Anabásis, III, 2, 3 29). A importância da liderança como aponta Humble, acaba sendo um pano de fundo para Xenofonte, que recorre ao elemento político já conhecido por ele para organizar, e assim, poder comandar o exército. Os generais, por sua vez, compunham uma espécie de conselho e deliberavam sobre assuntos de ordens diversas. Percebemos, então, até aqui que, mesmo em movimento, os gregos reunidos enquanto exército organizavam-se da maneira que estavam dispostos através das instituições por eles tão conhecidas, como as assembleias de cidadãos e os conselhos de anciãos. Tanto é que Xenofonte teria ficado interessado na possibilidade de fixação em determinada região do Ponto, o que não se efetivou devido ao desejo de retorno ao lar dos soldados (CARDOSO, 2002). Ao se movimentar o exército grego se colocava nas proximidades de cidades ao seu caminho e mantinha com elas relações de diplomacia e acordos de várias naturezas, como o comércio e até mesmo a extorsão (Anabásis, IV 8, 4-7). Ao exigir o tratamento diplomático com outras cidades, o exército arrogava para si o mesmo estatuto, é uma cidade em movimento, mas percebemos aí uma clara concepção por parte de Xenofonte da cidade enquanto fenômeno político, que existe enquanto resultado da interação de seus cidadãos, existe enquanto exercício da decisão através do voto na assembleia e no conselho. 79 Imagem 01: Mapa da rota dos 10mil dentro do Império Persa. Fonte: http://ebooks.adelaide.edu.au/x/xenophon/x5an/map.jpg.Consultado em 12 de Março de 2012. Podemos observar, em Anabásis, a configuração da ideia do que compõe a cidade para Xenofonte, mesmo quando este autor apresenta a seus leitores, cidades não gregas, já que para tanto, lança mão de elementos analíticos que o vinculem à sua audiência, como a expressão da dimensão e riqueza das cidades pelas quais passou: ―Depois de atravessar o Meandro, marchou da Frígia um estágio, uma distância de oito parasangas 32 , a Colossos, uma cidade populosa, próspera e de grande porte‖(I, 2, 6). Há nesta passagem três elementos demarcadores do que representa para Xenofonte uma cidade de calibre: a capacidade populacional, a riqueza e, por fim, as dimensões físicas. Tal ocorrência ainda aparece em: ―Daí marchou três fases, vinte parasangas, para Celenas, uma cidade populosa da Frígia, grande e próspera‖ (I, 2, 7); e ―Com o resto do exército de Ciro, marcharam através da Capadócia, quatro estágios, 25 parasangas, a Dana, uma cidade populosa, grande e próspera‖ ( I, 2, 20) . 32 A parasanga é uma medida métrica que equivale a 5.250 metros. 80 Três exemplos, Colossos, Celenas e Dana, três características chamam a atenção de Xenofonte: a quantidade de habitantes, expressa no termo ,presente passivo de , para habitar, ocupar. Portanto, uma tradução literal seria ocupada; e, grandeza e prosperidade,  Traduzindo teríamos, ―grande e abençoada pelo gênio‖, o Daimon, próspera, rica, ditosa, feliz33. Através destes elementos, destas características físicas, Xenofonte possibilita aos leitores uma visualização da cidade para além das estruturas simbólicas. Já que não são gregas, não possuem conselhos e assembleias, por outro lado, a expressão (A Constituição dos Lacedemônios, I.1), escassa de homens, com pouco habitantes, esclarece a condição de Esparta. A expressão ainda aparece em outras ocasiões. A diferenciação das cidades através destes critérios físicos ainda é vista em I, 2, 14 em relação à cidade de Tireo; e em I, 2, 23 tratando da cidade de Tarso, ambas na região da Ásia Menor. Mas na fala de Xenofonte há outros elementos que são definidores para a vida na cidade, a participação política, por exemplo: Este plano foi aprovado, e eles escolheram representantes e os enviaram com Clearco, [...] Ao ouvir esta resposta os representantes relataram aos soldados, e eles, enquanto suspeitavam que Ciro estava levando-os contra o rei, mas apesar disto acharam melhor segui-lo. Eles pediram, no entanto, que lhes pagasse mais, e Ciro prometeu pagar a mais a metade do que pagaria, ou seja, um darico e meio por mês para cada homem em vez de um darico, mas sobre o boato de que lhes estaria enviando contra o Rei, ninguém ouviu, mesmo assim, expressavam todo o caso, mas não abertamente. (Anabásis. I, 3, 20- 21) Obtendo uma nova informação, o exército fora arregimentado para dar combate a um determinado inimigo, o que de fato, não se efetivou. Mas para que novos rumos, novas decisões, fossem tomadas, o exército deveria ser consultado. Através dos representantes escolhidos dentre os mercenários, pôde-se fazer parte do centro de tomadas de decisão. Mesmo sendo o chefe da campanha, Ciro teve de entrar em um acordo financeiro para com os soldados. Ou seja, os soldados são a força do exército, portanto, sem soldados não há exército, assim como sem cidadãos não há cidades. 33 Para Isidro Pereira (1990, p.235) a expressão , raiz de, quer dizer ―feliz, ditoso, rico‖. 81 Como unidade inicial da cidade, o cidadão interage uns para com os outros e decide o destino, os desdobramentos da política local, assim como os soldados de Clearco, general ligado a Ciro, exilado de Esparta logo após a morte de seu líder, assume o controle do exército até sua própria morte. Mas a representação em si não configura a cidadania, e sim a atuação direta através do voto. Tal acontecimento se dá quando da fuga dos mercenários, que desprovidos de seus comandantes, foram obrigados pela situação a escolher outros, o primeiro foi o espartano Cherisophos, que tinha sob seu comando, aqueus e arcádios e que, segundo Noreen Humble, é fruto da composição imagética de Xenofonte, que pretende explorar a imagem dos espartanos enquanto líderes. Xenofonte, por sua vez, indica que para a escolha dos outros generais passou-se a um escrutínio, dos quais dez foram eleitos através do voto da maioria. (Anabásis. VI. II, 12) A participação direta é a grande característica do sistema de governo grego, no caso dos soldados, seja qual fosse sua origem na Grécia, ao que parece, votavam para escolher seus líderes. Por fim, Xenofonte tanto se utiliza de critérios, para nós simbólicos, as assembleias, conselhos e voto, como de critérios físicos, riqueza, grandeza e prosperidade, para fazer ver aos seus ouvintes e leitores o que para ele seria a cidade. A cidade em movimento traz consigo seus usos e costumes ancestrais, por exemplo, a religiosidade. Xenofonte narra algumas passagens onde a religiosidade é referendada através do elemento políade, elementos como III, 2, 9/ V, 2, 24/ VI, 5, 2 - Pedido de ajuda aos deuses; VI, 5, 25-27 – Cânticos; IV, 8, 16/ V, 4, 22/ VI, 12-22/ VI, 5, 2/ VII, 8, 9-10 – Pedidos específicos às divindades; V, 5, 2-4/ VI, 4, 13-16 – Ação de Graças; VI, 5, 20-27 – O resultado de desobediências; VII, 1, 35 – Mais desobediências; VI, 4, 9/ VII, 5, 5-6 – Ritos fúnebres; V, 3, 4-13 – Pagamentos de Promessas; VI, 1, 22- 24/ VI, 2, 15-16/ VII, 2, 16/ VII, 6, 44/ VII, 8, 3-6 - Crença do próprio Xenofonte, aparecem como resultados a presença ou ausência da piedade entre os soldados, o que corrobora a ideia de interações entre eles, já que uma falta contra a divindade é vista como crime contra a comunidade. Por fim, Xenofonte constrói a ideia de uma comunidade política em movimento, que votava diversas matérias, onde os indivíduos poderiam optar por determinadas posições e defendê-las em um debate aberto: ao perceber que os espartanos, entre a 82 tropa, acabavam por receber honras e muito respeito, deliberou-se sobre se os homens deveriam ou não seguir as ordens dos Espartanos (VI, 6, 7-10/ VI, 6, 11-6 ), posteriormente, Xenofonte levanta a questão da legitimidade do domínio espartano. Para eles, os lacedemônios, lhes era lícito governar a tropa, já que sua Pólis de origem havia alcançado hegemonia frente às outras comunidades helênicas (VI, 6, 12-3/ VII, 1, 30). Há ainda elementos que para Xenofonte definem os gregos, como características próprias a eles, primeiro, sobre a noção de liberdades das Póleis, III, 2, 13 e, por fim, a possibilidade de organização de jogos atléticos, com lutas corridas e competições a cavalo em V, 8, 25-28/ V, 5, 5. A concepção de liberdade também é essencial para que se compreenda a diferenciação do caso grego. A variedade de enlaces sociais, que formavam o sistema político grego, não no singular e sim no plural; os sistemas, apesar de ser apontado por alguns como sendo oriundo de outras regiões (BERNAL, 1987), é próprio dos gregos, e sua aplicação só se dá efetivamente entre os helenos. Em Anabásis a liberdade aparece em uma determinada fala de Xenofonte (Anabásis. 3. 2. 13-14), por meio de duas perspectivas: a noção de liberdade enquanto fruto da vitória; e como elemento que diferencia gregos e bárbaros: Novamente, quando Xerxes, na última vez, reuniu inúmeros homens e veio contra a Grécia, foram nossos ancestrais vitoriosos, tanto por terra e por mar, sobre os antepassados dos nossos inimigos. Como símbolo destas vitórias, nós podemos, de fato, nós temos ainda os troféus, mas a mais forte testemunha é a liberdade dos estados em que nascemos e fomos criados; pois a nenhuma criatura humana se deve prestar homenagens, a não ser para os deuses no íntimo (Anabásis. 3. 2. 13-14) Xenofonte faz lembrar que anos antes os persas tinham sido expulsos da Hélade, que, por sua vez, se manteve livre. Ele se liga a esse passado, ao que parece, visto como glorioso aos Gregos e convida os soldados a continuar a edificar troféus em honra aos seus ancestrais. Mas há a ideia de liberdade, conquistada pelos gregos ao expulsar os persas de suas terras, característica ganha através da espada pelos gregos, na opinião de Xenofonte. Pensemos que a noção de liberdade é fruto de uma cultura identificável tanto no tempo como no espaço (FINLEY, 1989). Ou seja, ser livre para os gregos, ter liberdade, 83 não significa ter liberdade como hoje, por exemplo. A questão aqui é política. Para Xenofonte, a identidade é mais um elemento de diferenciação entre gregos e bárbaros, relação esta que tem uma longa história. Segundo Xenofonte a ideia de que o corpo da tropa se comportava como o conjunto de cidadãos fora tão completa, que intentava criar às margens do Mar Negro uma Neópolis, uma ―nova cidade‖. Em VI, 4, 14-6, Xenofonte deixa escapar aqui seu desejo de fundar naquela região uma cidade, para que se efetivasse a composição do que para ele é uma Pólis, um elemento de configurações simbólicas e físicas. 3.2.2.2 A Pólis dos Espartanos ou a Cidade enquanto elemento de alteridade Sobre a ideia de Pólis em A Constituição dos Lacedemônios 34 devemos ter algumas precauções. A primeira delas é que Xenofonte constrói uma ideia de comunidade política através de seus próprios critérios. Portanto, a imagem que compõe de Esparta, é fruto do arranjo de uma série de fatores, dentre eles sua ligação com a cidade; segundo, abordaremos aqui os trechos que tratam sobre as relações políticas entre os cidadãos e sobre como Xenofonte constrói uma relação de alteridade, ao comparar valorativamente Esparta e as outras cidades, sem afirmar quais são. Xenofonte inicia a CL, com uma indagação, por que, que apesar de ser uma cidade pouco povoada, Esparta sobrepujou todas as outras em poder e proeminência? Sobre a surpresa em si, no capítulo 3 termos um debate mais aprofundado, mas por hora, vejamos como continua: A Licurgo, que lhes deu as leis por cuja observância conseguiram sua prosperidade, o admiro e considero o cume da sabedoria. Ele, sem imitar as demais póleis, e sim tomando decisões contrárias à maioria delas, demonstrou que sua pátria as superava em prosperidade (A República dos Lacedemônios, I. 1-2) Apesar de pequena, pouco povoada e menor em relação às outras cidades, Esparta logrou ser a maior de todas elas, mas há aí um claro posicionamento de Xenofonte em relação às instituições e seu respectivo valor e resultado, caso o 34 Por opção metodológica passaremos a adotar a sigla CL, para A Constituição dos Lacedemônios. 84 cumprimento seja o proposto: embora Licurgo tenha lhes dado as leis, a cuja obediência eles devem sua prosperidade, a este sim, Xenofonte admira e tem por homem de extrema sabedoria. A vantagem da cidade reside em dois aspectos: 1º a legislação, a exposição de leis; 2º o cumprimento delas. Então, se o critério populacional destacado por Xenofonte no primeiro trecho não é suficiente para explicar o motivo da dianteira espartana, o critério político o é, o cumprimento das leis, à obediência às instituições comunitárias. Para que se entenda o sentido expresso por Xenofonte é preciso ultrapassar os limites da escrita, a fim de tentar perscrutar o motivo de sua fala. Esse texto fora produzido ainda na juventude de Xenofonte, quando os espartanos vencem os atenienses em Egospótamos e alcançam uma curta hegemonia sobre o mundo grego. Então, surge a necessidade de explicar como o fato se deu, como uma cidade pequena, pouco povoada, fraca comercialmente pôde alcançar o domínio sobre a gigante Atenas, a prefeitura da Hélade, pondo fim, portanto, à Era de Ouro de Péricles. Os elementos textuais nos permitem afirmar que o seguimento das leis fora para Xenofonte causa do desenvolvimento lacedemônio. A observação da Justiça é para Xenofonte fator decisivo na construção de uma Hegemonia espartana sobre os gregos. Platão em a República lembra que o Estado deve ser justo, a fim de que o cidadão também o seja (PLATÃO. A República, Livro II). Há uma ressonância aí, o mais virtuoso, Kalói Kai Agathói, estado alcança sobre aqueles que esqueceram a justiça, soberania. O estado sábio, cujo legislador fora conhecido por sua sabedoria. Esparta foi uma cidade pequena, mas atribuir tal superlativo requer um grau de comparação, pequena em relação a que? No nosso caso, em relação a Atenas, a cidade de Xenofonte. No período da escrita de Xenofonte fora sabido que a população de cidadãos de Esparta fora enxuta, diminuta. Heródoto afirma ter Esparta uma população em torno dos cinco mil cidadãos: Tendo refletido sobre esse conselho, os éforos decidiram colocar imediatamente em ação suas tropas, e, sem nada comunicar aos delegados de Atenas, Mégara e Plateia, fizeram partir imediatamente, embora fosse noite, cinco mil espartanos, acompanhados, cada um, de sete hilotas, sob o comando de Pausânias, filho de Cleômbroto. (HERÓDOTO, IX, X) 85 Estes cinco mil hoplitas, soldados-cidadãos, compunham o corpo principal da tropa, mas cada um deles fora acompanhado por sete hilotas, então seriam trinta e cinco mil homens como escudeiros e tropas auxiliares. Neste caso, Xenofonte ignora o imenso número de hilotas ao serviço de seus senhores espartanos. Ele assim o faz, pois estes indivíduos não compõem a cidade. A Pólis é composta pela interação entre os cidadãos, os hilotas não são membros da comunidade como iguais, pois são elementos aprisionados. Uma cidade para que se possa manter a virtude, deve ser, portanto, diminuta em número de cidadãos. A surpresa de Xenofonte pode ser entendida como crítica à sua cidade natal, já que Atenas, além de ampliar o acesso à cidadania desde as reformas de Drácon, recebia, sem maiores danos, estrangeiros de toda a parte, atribuindo-lhes o termo meteco 35 , aquele que mora junto de, e estes apesar de não gozar dos direitos políticos, trabalhavam em atividades ligadas ao comércio, por exemplo. Outro raciocínio que não pode ser deixado de lado é a noção trazida por Platão. Contemporâneo à Xenofonte, esse nos fornece o que seria para ele um número aprazível, equilibrado para a quantidade de cidadãos: Se se quer um número conveniente, fixe-se a cifra de cinco mil e quarenta proprietários, capazes de defender as suas parcelas. A terra e as habitações serão divididas igualmente em outras tantas partes, de modo que um homem e uma parcela formem um conjunto. Divida-se primeiro o número total em duas partes, depois em três e daí por diante, visto que a sua natureza permite ainda a divisão por quatro, por cinco e sucessivamente até dez. A respeito de números, todo o homem que legisla deve pelo menos ter reflectido que número, e de que espécie, pode ser mais útil a todas as cidades. Escolhamos pois o que tenha em si o maior número de divisões consecutivas . Ora dentro da totalidade dos números que suportam toda a espécie de divisões para qualquer finalidade, o de cinco mil e quarenta, seja com vista à guerra, seja para todas as ocupações da paz, contratos erelações, em matéria de impostos ou distribuições, não se pode dividir mais do que cinquenta e nove modos distintos que se seguem de um até dez. Platão, Leis 5.737c-738ª Assim, podemos afirmar que as falas destes autores corroboram a ideia de domínio de uma franca minoria dos habitantes da Pólis, em detrimento de uma ampla maioria. Sabemos através de recentes estudos, como os de Marta Mega e Fábio Soares, que estes outros, apesar de excluídos do discurso normatizador, interagiam no seio da Pólis, agindo, muitas vezes, de maneira subalterna, mas se fazendo ver. A própria configuração urbana de Esparta tivera singularidade entre as póleis gregas do Período Clássico. A cidade em si fora formada por quatro assentamentos: o 35ς 86 primeiro deles, Pitana, ao norte, onde, segundo Oliva (1983), foram encontrados enterramentos de uma das casas reais, da dinastia Agíada, região próxima ao templo dedicado a Atena Calcídios; ao sul, o assentamento conhecido como Cinosura, ou Kinoura, possivelmente, ainda segundo Oliva, o mais recente dos quatro; na face mais ao leste, Limnas, assentamento mais próximo ao rio Eurotas e do templo dedicado a Ártemis Ortígia, moradia da dinastia Euripôntida (CARTLEDGE, 2002, p. 90); entre os três povoados havia ainda um outro, Mesoa, como o próprio nome acentua, esse povoamento fora construído numa região mais central, entre Pitana e Limnas, os dois mais antigos. A Acrópole estava no centro destes povoamentos. Além destes povoamentos um quarto assentamento foi incluso, Amiclas, a alguns quilômetros dos outros agrupamentos. Parece ter sido o último assentamento anexado no processo de expansão espartana durante o final do século VI. O processo de formação da cidade, de acordo com Paul Cartledge, foi lento. Pitana e Limnas possivelmente constituíam regiões iniciais da cidade, caracterizando-se como centros de moradia das duas casas reais. Pitana é o centro mais antigo, já Limnas fora ocupada posteriormente, quando do início do culto à Ártemis Orthía. Segundo Cartledge, Mesoa e Kinoura foram os assentamentos mais recentes, já Amiclas, Amiclai, segundo Pavel Oliva (1983), fora uma cidade ocupada no processo de expansão espartana, mas cuja população fora aceita junto à comunidade do corpo de cidadãos, não sendo incluso no grupo de hilotas 36 , nem de periecos 37 . Alguns questionamentos pelo que foi dito até aqui aparecem com facilidade, não somente pelas lacunas geradas através da multiplicidade das formas de abordagem de um dado assunto, mas por que Xenofonte? Percebemos ser uma pergunta pertinente, mais ainda, para quem é dirigida sua escrita? Já defendemos até aqui que seus escritos sistematizam uma série de leituras existentes e disponíveis aos cidadãos letrados de Atenas, principalmente. Através destas experiências de vida, de sociabilidades, enfim, de contato, tanto com o ateniense, quanto com o espartano, observamos que o discurso de Xenofonte é privilegiado para que se entenda como escritores de Atenas produziram Esparta, da mesma maneira, que através da recorrência e reutilização de seus textos criaram uma 36 Expressão cuja origem deriva de duas hipóteses. Hílio, aprisionado, ou da cidade de Hilo, uma das primeiras a ser dominada no processo de expansão da Pólis dos espartanos. 37 Da expressão Perieikói, moradores das cercanias, da vizinhança. 87 visão hegemônica sobre a cidade, que sobre si produziu, pelo menos do que chegou a nós, apenas dados arqueológicos, que apesar da quantidade, Moses Finley indica não possibilitar grande coisa (1989). Apesar disso, entendemos que dados literários assim como dados materiais, são resquícios do passado que devem, através de uma crítica específica ao tipo de suporte da fonte, ser lidos em pé de igualdade. Tantos dados materiais como fontes literárias são importantes e necessárias para o estudo da História Antiga, não se trata, no nosso caso, de um estudo a partir de dados arqueológicos por se tratar de uma leitura que privilegia as construções discursivas de um autor a respeito de um dado tema. Além disso, não nos fechamos a, no futuro, ampliar esta discussão através do estudo de representações a respeito de Esparta em dados materiais como vasos e outras fontes de suporte material. Alcançar a origem de um conceito é uma grande proposta de trabalho, já que o entendemos como categorias que têm sua historicidade e se modificam com o tempo. Nossa proposta não trata do período anterior à época de Xenofonte, muito embora, entendemos que, como cena inicial, Esparta como categoria da maneira como conhecemos, disponível a partir do Período Arcaico, é pensada e sistematizada, no final do Clássico, por Xenofonte em sua obra. Seria ingenuidade, ou mesmo ignorância, não citar, que na construção de Esparta, Xenofonte traz consigo elementos de sua constituição oligárquica. Sem dúvida, a argumentação sobre Esparta segue sentidos, vontades. A representação tal qual se deu é revestida de sobreposições de poder, mas nosso objetivo aqui não é estabelecer um discurso revelador de Esparta, descobrir a cidade por debaixo do discurso ideológico, mas entender como se dão as relações de poder e escrita em Xenofonte. Há no texto algumas lacunas deixadas pelo tempo nas diversas compilações que o texto sofreu até nos chegar. O caso mais grave é sem dúvida o do Capítulo XIV, através de uma crítica interna vê-se uma clara mudança na rotina de louvor e exaltação dos costumes espartanos, pois neste capítulo Xenofonte aponta diversas vicissitudes, deixando outras de lado que, segundo ele, põem a termo o sistema espartano. Apesar do título Politeia apontar um estudo das instituições políticas, Xenofonte não o faz, se não em alguns trechos. Sua clara preocupação se baseia no resultado do cumprimento das leis através da reforma legislativa engendrada por Licurgo, algo que faz somente nos dez primeiros capítulos, pois do fascículo onze ao quinze, sua 88 preocupação baseia-se no louvor da destreza do exército e realeza de Esparta. Alguns críticos como E. C. Marchant (1915, 1993) e K. M. T. Chrimes (1948) acreditam que a obra está inacabada, mas o porquê de Xenofonte não tê-la concluído ainda carece de investigações nos dias atuais. Xenofonte em A Constituição dos Lacedemônios é claro. Seus estudos não pretendem investigar o porquê de Esparta ocupar tal posição, mas seu saber é preconcebido. Esparta é a mais poderosa e conhecida Pólis grega. Os costumes aos quais se refere são as leis trazidas por Licurgo, o mítico legislador de Esparta. Licurgo teria sido descendente de uma das famílias reais de Esparta, a casa euripôntida. O legislador fora irmão do rei, e com a morte deste receberia o trono, mas porventura do destino, apesar de morto, o rei teria deixado semeado o ventre da esposa, a qual gerou Leobotas, rei de Esparta cujo tutor, fora seu tio, Licurgo. Este temendo o futuro de sua cidade, governada por seu infante sobrinho, teria ido à Delfos a fim de receber ali indicações, coordenadas para que pudesse Esparta tornar-se uma grande cidade. Para Xenofonte, a aplicação do sistema legislativo é fator preponderante para a explicação quanto ao poder espartano de então, para continuar sua explicação de Por que os espartanos dominam a Grécia, seu estudo indica a análise da própria sociedade espartana, já que os cidadãos são a cidade. Seu itinerário segue do casamento à criação dos filhos, pois segundo Xenofonte estes temas são centrais na legislação espartana escrita em conjunto por Licurgo, a pitonisa de Delfos e os cidadãos mais poderosos. Cabe aqui uma discussão sobre a própria legislação, e assim sobre a própria imagem do legislador tão louvado por Xenofonte, Licurgo. A imagem de Licurgo remonta ao Período Arcaico, onde uma série de legisladores aparece nas mais diversas cidades gregas, destacando-se Sólon em Atenas. A ideia da lei, nómos, e de, díke, justiça, aparecem como fruto da adição de leis aos costumes das comunidades pré-clássicas. Xenofonte indica a informação que tem ao seu dispor no que diz respeito à existência e antiguidade de Licurgo: É claro que essas leis são muito antigas, pois se diz que Licurgo viveu no tempo dos Heráclidas. Apesar de serem tão antigas, são recentes para os demais. O mais impressionante nisso tudo é que todos admiram tais normas, mas ninguém quer imitá-las. (A Constituição dos Lacedemônios, X, 8) 89 Para ele, Licurgo sem sombra de dúvidas viveu e, além disso, sua existência é datada para além do Período Arcaico. A época dos Heráclidas é apontada pelos gregos como época da formação dos povos helênicos, época de formação dos territórios que dariam origem às cidades gregas. A imagem dos Heráclidas também serve ideologicamente como um instrumento de legitimação do poder e dominação que a política expansionista de Esparta se propôs ao longo do V século, conquistando a Messênia ao longo de duas longas Guerras, e depois anexando boa porção do sul da Grécia durante a Guerra do Peloponeso. Na Antiguidade a existência de Licurgo já era questionada, Plutarco de Queronéia cerca de 500 anos depois discute o mesmo tema: Nada absolutamente se poderia dizer de Licurgo, que estabeleceu as leis dos Lacedemônios, em que não haja sempre alguma diversidade entre os historiadores, pois que, tanto os de sua raça e do seu afastamento do país, como de sua morte e mesmo das leis e da forma de governo que instituiu, quase todos escreveram diferentemente [...] Todavia, ainda que haja tanta diversidade entre os historiadores, não deixaremos por isso de recolher e pôr por escrito o que sobre ele se acha nas antigas histórias, elegendo as coisas em que houve menos contradição ou que tiveram mais graves e mais aprovados testemunhos. (PLUTARCO, A Vida de Licurgo I) 38 Podemos ver, então, que há divergência quanto à existência da figura de Licurgo, mas a análise parte da ideia de que já que Xenofonte fala de maneira tão desenvolta e despreocupada sobre Licurgo, pode-se concluir ao menos duas respostas: sua audiência também acreditara na existência do legislador ou, ao menos, confiava na veracidade do tema; Xenofonte de maneira intencional retoma dados obscuros aos olhos da maioria e os expõem como verdade, criando, assim, uma pretensa imagem da realidade. Licurgo é uma figura emblemática, para alguns ela é apenas uma criação do Período Helenístico, proporcionada com o intuito de fazer com que se voltasse em Esparta os antigos costumes. Contudo, há inscrições ainda da época clássica que citam Licurgo, portanto, sua imagem é anterior ao Período Helenístico (OLIVA, 1983, p. 66). Heródoto, por outro lado, parte da ideia de uma existência física de Licurgo, como um único cidadão, um dos mais considerados na Lacedemônia, que teria sido recebido em Delfos com a seguinte aclamação: Eis que vem ao meu Templo, amigo de Júpiter e dos 38 Para termos de citação, utilizaremos a versão traduzida por Aristides Lobo da Silveira, de 1953; para termos de análise, faremos uso da versão de PLUTARCH. Lives. Tradução Bernadotte Perrin. London/ Massachusetts/ Cambridge: William Heinemann e Harvard University Press, 1988. 90 habitantes do Olimpo. Hesito em declarar-te um deus ou um homem; creio-te, antes, um deus. Contudo, concorda com a ideia dos Lacedemônios que as leis foram trazidas de Creta (HERÓDOTO, Histórias, I, 65 e 66). Cremos que o nome Licurgo pode ter sido um título, provavelmente de algum tipo de sacerdote, que, portanto, fora dado a diversos indivíduos em diferentes oportunidades e o santuário visto por Heródoto poderia ser o templo dedicado a Apolo Liceu, em Esparta. Outro elemento interessante é a ligação etimológica da palavra , ―Licurgo‖, vinculada à expressão , ―lobo‖ animal ligado a Apolo, mas também ligado à vida pastoril. Podemos então aferir que a imagem de Licurgo é repleta de leituras religiosas, o que pode ser corroborado pela fala de Heródoto. Entre os autores em questão, é consensual a autoria dele em relação às leis lacedemônias. Apesar de todo o sistema educacional sintetizado e defendido por Xenofonte até aqui, há ainda elementos que fugiram de sua óptica, por exemplo, a stásis, as recorrentes crises que se abatiam sobre Esparta principalmente através das intensas desigualdades sociais, inclusive entre os cidadãos, o que acarretava o acirramento das disputas internas principalmente pela posse das terras agricultáveis. Na perspectiva de dar vazão, mesmo que seja de uma maneira minimalista, a estas questões, Xenofonte chama a atenção para a imagem das Syssytias, a prática das refeições comunais, onde cada cidadão traria determinadas quantidades de alimento e ali, enquanto o corpo de cidadão, os indivíduos, comeriam em conjunto; de acordo com Xenofonte as quantidades corresponderiam a porções que não se fazem farta, entretanto não os deixa esfomeados (A República dos Lacedemônios.5. 3). Ou seja, a quantidade de ração distribuída de maneira uniforme é capaz de saciar, de dar conta às necessidades. Constatamos, em Xenofonte, a exposição da instauração e conseguinte manutenção de uma ordem social que inibisse a desigualdade entre os cidadãos, através de um critério que pode soar como ingênuo, a divisão de porções iguais de refeição, mas segundo Xenofonte só é base do igualitarismo, já que além das refeições, comum em Esparta, seria vedada aos cidadãos toda atividade que não estivesse ligada à administração da cidade, assim não poderiam administrar seus negócios e, portanto, enriquecer a si mesmos, e sendo assim, todos permaneceriam iguais, inclusive financeiramente (A República dos Lacedemônios, VII, 2). 91 Deve, desta forma, haver uma uniformidade inclusive financeira entre os cidadãos, para que a estabilidade social possa gerar seus frutos. Na tentativa de demonstrar a seu grupo de leitores os frutos de uma sociedade sem disputas econômicas, não há disputas, pois cada um só pode tomar como profissão assuntos referentes à liberdade da cidade, são assim obrigados a prestar este serviço de ordem pública. Por outro lado, Xenofonte aponta que em Esparta não há a necessidade de ter riquezas, ploutos, já que não há a prática do consumo, pois ainda segundo Xenofonte não há fornecimento de roupas, por exemplo, e quando querem se adornar usam flores ou mesmo sua boa aparência física (XENOFONTE. A República dos Lacedemônios.7. 3). Mais até, conforme Xenofonte, Licurgo teria proibido a entrada de ouro e prata na cidade, pois acreditava que os males do espírito são resultado das malícias geradas por lutas de origem econômica. O que vemos aqui não é somente a exposição de um ideal, mas a pregação, o proselitismo deste mesmo regime governamental. Até o momento explicitamos como Xenofonte, de maneira sistemática, expõe os costumes espartanos como sendo de origem legislativa, as leis organizam não somente a vida política da cidade, mas todas as suas esferas de vivências e relacionamentos entre os cidadãos. Tentando fazer ver uma sociedade igualitária em diversos aspectos como na obrigatoriedade da participação no exército regular e na partilha dos alimentos nos refeitórios em comum. Essa prática por outro lado parece ter sido exercida em um determinado grupo da sociedade, pois outro, que ele chama de  os estadistas, que também nomeia por  que pode ser traduzido por ―os idosos‖, chamando a atenção para o conselho de anciãos. Esta categoria diferente de cidadãos tem tanto poder que para que Licurgo pudesse por em prática suas reformas legislativas tiveram suas opiniões aceitas (A República dos Lacedemônios.8. 1). Como aristocrata Xenofonte acredita na ideia de uma sociedade temente às leis, leis reguladas e propostas por um grupo de cidadãos, que através de critérios que não explicita se tornaram os mais poderosos, os melhores, . Outra imagem utilizada por Xenofonte, com o intento de expressar a diferenciação e assim a supremacia de Esparta é a questão da alteridade. Mas a proposta não é estabelecer diferenças entre gregos e outros, mas entre os gregos e eles mesmos. Heródoto foi um dos primeiros a tentar estabelecer critérios para a definição de uma identidade grega, ligação esta que é pautadamente anterior à escrita de Heródoto, já que no século VII a.C. os gregos já se reuniam para a disputa dos jogos de Olímpia em 92 honra a Zeus (HALL, 2002; KONSTAN, 2001). Há nesta ocasião do estabelecimento de parâmetros que permitam a participação dos gregos, por conseguinte a exclusão de outros. Para os jogos o parâmetro é ser grego, mas o que é ser grego? Para Heródoto, há elementos que pertencem aos gregos, e, portanto, não aos outros, mas que, além disso, são subsídios que os unem, que dão semelhança a eles: a semelhança de todos os helenos quanto ao sangue e fala, os templos e sacrifícios que nos são comuns, nossos costumes que são os mesmos. (Heródoto, Histórias, VIII, 144). Por meio de Heródoto podemos encontrar uma tentativa de se demonstrar a koiné 39 , aquilo que dá base aos gregos, seus usos e costumes. Aqui o autor remonta à ideia de unidade frente à invasão bárbara, uma identidade que tanto age de maneira reativa, como defende David Konstan (2001), assim como atua como um elemento agregativo, como defende Jonathan Hall (2002); por outro lado, há ainda a noção de Rosalind Thomas (2001), que através de um olhar criativo sobre as tentativas de construção de uma visão pan-helênica, ainda na antiguidade, analisa o caso de Heródoto, que para ela faz um construto artificial, cria a impressão de compartilhamento entre os gregos de uma série de elementos em comum. A identidade entre os gregos e para os gregos se configura no contato entre eles próprios e entre os outros, os bárbaros, conceito que por sua vez tem historicidade, ou seja, há uma dinamicidade na produção de elementos de autoconsciência entre os gregos, eles mesmos, ao longo dos anos, produziram critérios de reconhecimento, de pertença a uma comunidade. Para os gregos, a noção de barbaroi, plural, é inicialmente linguística, aqueles que não falam grego. Ou mesmo falam uma língua que não se pode, não se consegue, ou mesmo não se quer entender. A palavra bárbaro deriva da expressão onomatopaica bar bar (HARTOG, 2004, p. 94). Ou seja, aqueles que falam uma língua de difícil compreensão. Essa percepção inicial do barbarós, singular, traz consigo a ideia de substantivo, ou seja, o bárbaro é um ser, por outro lado, as produções artísticas e literárias gregas, assim como a historiografia, principalmente tucidideana, produzem uma imagem do bárbaro ligada a todo tipo de comportamento reprovado pelo grego, ou mesmo por um ideal grego. A partir do século V a.C. a expressão bárbaros está 39 Da expressão , que segundo Isidro Pereira (p.326) quer dizer ―em comum‖, ―como‖ ou ―com toda a gente‖.  93 entendida enquanto adjetiva, nomeando os praticantes do que os gregos chamariam Hybres, descontrole, excesso, características contrastantes com o comedimento, a syphorosíne, traço característico do grego. Após as Guerras Médicas, período em que as disputas entre gregos e bárbaros são acirradíssimas, há uma rara e frágil unidade entre os gregos devido ao antagonismo aos persas, aos asiáticos, por fim, Xerxes, o bárbaro por excelência, segundo Tucídides. Contudo, esta referida unidade volta a ser rompida durante a Guerra do Peloponeso, conflito que gerou uma grave crise no sistema políade utilizado na Grécia Antiga, principalmente no Período Clássico. Entendemos que devido à falta de centralidade quanto ao governo das póleis gregas, configura-se em grande generalização a utilização de imagens como a de uma Identidade grega, o Homem grego. Estas imagens correspondem a visões atuais, que buscam no passado legitimações para os discursos inclusivos e exclusivos de nossa época. Xenofonte, a fim de diferenciar os gregos e assim praticar o exercício da alteridade, estabelece critérios comparativos entre Espartanos e demais gregos, os quais preocupa-se poucas vezes em definir. Estes critérios que deveriam diferenciar espartanos e demais nos possibilita o vislumbre de uma leitura identitária. A falta de necessidade de Xenofonte definir de maneira pronta e objetiva quem são ou não os gregos de então, possibilita-nos ver, pelo menos, dois aspectos: há uma tentativa de identificar uma unidade entre os gregos, mesmo que de sinal contrário, ou seja, agem de acordo com os regimes políticos estabelecidos, mas no caso espartano, o cumprimento total das leis gera bons resultados; ou à época, a visão de uma unidade Pan-helênica, ou mesmo, o entendimento claro de quem seja grego, já estaria bem estabelecido vindo a ruir apenas com o avanço macedônico anos depois. A configuração de um critério de autoidentificação entre os gregos, para Jonathan M. Hall (HALL, 1997), acontece através da formação de uma identidade cultural baseada na construção da imagem de um ancestral imaginado em comum como elo entre os distintos habitantes da Hélade. A concepção de uma identidade em comum, helênica, também é proposta por David Konstan (2001), a partir da noção de uma identidade agregativa para os gregos, o que concordamos, em parte; já para Catherine Morgan (2001), que nos apresenta um quadro a respeito da produção das identidades 94 gregas, estão em processo de produção desde antes do V século, datam no mínimo do Período Arcaico. Portanto, há várias formas para que se estude a organização humana que os gregos chamavam Pólis, numa tradução mais simples, cidade, mas para os helenos esta expressão traz consigo uma complexidade maior, pois quer dizer toda a massa de cidadãos reunidos, prontos a participar da vida política de suas cidades. A atuação destes indivíduos vai além do voto nas assembleias, ela é permeada pela atuação destes nas festividades religiosas e nos campos de batalha, pois a derramar seu sangue o fazem na crença de fazer o bem à comunidade, o bem de todos. Para que possamos pensar as cidades da Grécia Antiga, devemos alargar nosso conceito de ação política, a atuação do corpo de cidadãos acontece desde a formação do indivíduo, no que Werner Jaeger chamou Paidéia (2001). O que é uma cidade-estado, tanto para nós como para os antigos: uma comunidade política exclusivista que entrega sua administração a elementos previamente escolhidos por critérios distintos, mas ligados à origem do indivíduo ou sua capacidade de angariar recursos. Tais sujeitos da cidade participavam de maneira ativa da vida política da comunidade, pois faziam parte tanto das assembleias de cidadãos, como, já em idade avançada, dos conselhos de anciãos, daí em Esparta tal conselho ser conhecido como Gerúsia do grego Gerós, velho, ancião. Tal comunidade exprime critérios de escolha que suprimem direitos e vantagens para os outros, notadamente estrangeiros, escravos e principalmente mulheres, que apesar de mães, esposas e filhas de cidadãos não tinham direitos políticos, o que ainda assim não limitava a interação delas na vida pública, pois participavam ativamente da vida religiosa da comunidade. Mas, pensando a cidade como conjunção entre cidadãos e as atividades políticas exercidas por eles, Xenofonte teria intentado a fundação de uma neoPólis. De uma nova cidade, uma comunidade que não seria fruto da expansão demográfica, como as apoikiai 40 do século VI e VII. Mas que seria a materialização das instituições já praticadas pelo exército em marcha. 40 Do Grego , cujo radical -quer dizer ―longe‖, já o sufixo vem da expressão , que quer dizer genericamente ―casa‖, ou seja, é uma ―casa longe de casa‖. Colônia grega formada a partir da necessidade de novas terras a um excedente de cidadãos, ou mesmo a fundação de um entreposto 95 As instituições políticas e sua conseguinte formação composta pelos cidadãos são alvos de questionamento tanto para Aristóteles, para quem a cidade, a comunidade de cidadão se reúne para realizar operações que a ação individual não pôde suplantar, como para Xenofonte, para quem a cidade é composta pelo bem exercer das leis, cujos resultados são brilhantes, a urbe é fruto da interação entre os cidadãos sejam eles iguais ou não. A tentativa aqui é de demonstrar como Xenofonte discute e concebe a cidade em A Constituição dos Lacedemônios, controverso livreto onde o ateniense busca explanar os costumes dos espartanos, a fim de demonstrar como o cumprimento das leis resultou na supremacia de Esparta, sobre as demais póleis gregas na conturbada passagem do século V para o IV antes da Era Cristã; e Anabásis, o texto autobiográfico de Xenofonte lido por diversos homens de guerra ao longo dos séculos, que nos permite encontrar a concepção de cidade em Xenofonte, onde seria menos esperado, em uma tropa mercenária no coração do império persa, que para fugir, mas mantendo a vida, faz uso de um padrão político de organização que nos permite expressar tal expedição como uma Pólis em movimento. Xenofonte é então um personagem particular, mas essa singularidade, seu caráter ímpar é raro e importante para falarmos de Esparta, visto que há pouquíssimos relatos de indivíduos que passaram por Esparta, já que esta cidade proibia a permanência de estrangeiros em seu território, a não ser aliados, como Xenofonte, e por isso mesmo, seu relato traz consigo uma profundidade e complexidade que não aparecem em outras narrativas da época; a maneira com a qual Xenofonte indica como ele mesmo reconhece as características que são próprias dos gregos, nos é visível em Anabásis, mas procuraremos analisar agora outra fonte, A Constituição dos Lacedemônios. Além disso, o estilo narrativo de Xenofonte, que em muito difere do estilo de escrita dos filósofos de sua época, além de suas habilidades específicas enquanto comandante militar, possibilita-nos um comentário avalizado sobre os espartanos, já que ele convivera com eles. Por outro lado, como indica Moura: comercial onde um grupo de habitantes se reúne, estreitando as relações entre os comerciantes, os gregos, e as populações locais. O intuito da colônia era formar uma nova comunidade, que estabeleceria contrato de apoio mútuo em relação à metrópole, a cidade de origem. Grande parte das póleis gregas da região da Magna Grécia, atual sul da Itália e Sicília são resultado desta categoria de colonização. A título de exemplo, Siracusa é um modelo de apoikia fundada por cidadãos Coríntios por volta do século VII. Ver: WILSON, John-Paul. The nature of greek overseas settlements in the archaic period: Emporion or apoikia?. IN: MITCHELL, Lynette G.; RHODES,P.J. The development of the polis in archaic Greece.London: Routledge, 1997, Cap. 15, P. 109-114 96 [...] as imagens de Esparta devem ser entendidas não apenas a partir do grupo social e do arcabouço mental de quem as produziu, como também através do estudo dos contextos locais de produção e de recepção destas mensagens, ao invés de, pura e simplesmente, concentrar-se no grau e no teor de sua ―veracidade‖ (MOURA, 2000, p.58) A fala de Xenofonte parte de um espaço específico, o da aristocracia militar grega do século V. Possibilita-nos a leitura de uma sociedade fechada em torno de si mesma, cujos cidadãos nada produziram sobre si mesmos ou estes traços literários não chegaram aos nossos dias. Mas através dos relatos de atenienses como Xenofonte as organizações políticas e culturais dos Espartanos chegaram a nós, ou mesmo o reflexo das imagens vistas por Xenofonte, cujo filtro, cuja interpretação do que tenha visto produziram as interpretações que fazemos a partir dos textos, A Constituição dos Lacedemônios e Anabásis. A partir dos anos de 1930, o historiador francês Gustave Glotzem monumental obra sobre a sociedade grega, levanta uma questão contundente: o que se sabe sobre Esparta é obra de uma série de construções ―espartomaníacas‖ (SILVA, 2006, p.114) iniciadas pela escola socrática. Influenciado por estas ideias, François Ollier (1933) entende estas relações como idealizações que diacronicamente foram feitas por diversos grupos a Esparta. A esta constatação chamou de ―Miragem espartana‖, assim como o título do texto em que faz esta discussão, La Miragespartiate: étude sur l´idealisation de Sparte dans l´antiquité Greecq de l´jusqu`auxcyniques publicada na França em 1933. Por fim, entendemos que a formação discursiva de Xenofonte traz elementos que nos ajudam a pensar e interpretar sua fala, sua valorização da educação enquanto elemento que ensina a aplicação das leis desde a infância, assim como a importância que atribui aos bons relacionamentos entre a figura nebulosa do legislador Licurgo e os mais poderosos da cidade. Assim, a valorização de determinadas virtudes individuais produz uma cidade cuja fama e poder superam, na opinião de Xenofonte, quaisquer outras. Mesmo sendo ateniense, Xenofonte lutou por Esparta em Queroneia, no que possivelmente causou seu banimento de sua cidade de origem, que de certa forma não lhe inspirava os mesmos sentimentos de outrora, pois fora esta mesma cidade e seus magistrados que haviam condenado seu mestre, Sócrates. 97 O início do processo de produção discursiva sobre Esparta é anterior ao período sobre o qual nos debruçamos, pois mesmo antes do Período Clássico, já existem citações que ligam Esparta a uma cultura militarizada: no Arcaico, por exemplo, podemos citar as elegias de Tirteu 41 . Nos escritos homéricos há menções acerca da cultura militar espartana, essa se dá a Menelau, como de Ares forte discípulo 42 . Na Ilíada e Odisseia, Homero organiza uma primeira reflexão sobre a vastidão de povos gregos, que devido à ofensa de Páris a Menelau, o roubo de Helena, se unirão para tomar Tróia e assim lavar a honra do rei espartano. Já em Teogonia e O Trabalho e os dias Hesíodo busca uma explicação mítica à criação humana, a raça de bronze, da mesma maneira busca a formação mítica da Grécia e dos deuses lá adorados, destacando a ascensão de Zeus ao trono do Olimpo. Apesar da imagem militarizada de Esparta não aparecer nitidamente em Hesíodo, seus textos compõem, junto com os textos homéricos, escritos essenciais para os próprios gregos. Homero e Hesíodo estão na base do pensamento sobre conceitos como memória e identidade entre os gregos, contudo a partir dos conflitos com os persas, as Guerras Médicas, essa concepção de identidade passa a ser pensada na perspectiva de oposição entre o grego e o persa. A diferença que antes fora pensada como étnico – entre dórios, aqueus, eólios e jônios – passa a ser pensada através de elementos culturais e geográficos. É nesse universo em ebulição que as representações, por nós escolhidas, começam a eclodir na Grécia Antiga. A emergência da representação sobre Esparta ganha impulso através do episódio das Termópilas, narrado por Heródoto (HERÓDOTO. 7. 206-228). 41 Tirteu foi, ao que parece, contemporâneo da Segunda Guerra Messênia. Na verdade, houve duas guerras entre Messênia e Esparta. Costuma-se, contudo, fixar o período da primeira guerra em torno da segunda metade do século VIII a.C., mais precisamente entre 735 e 715 a.C.; já a segunda guerra teria durado, aproximadamente, vinte e dois anos, na segunda metade do século VII a.C., por volta de 640-50 . Elegias de Tirteu, disponível em http://www.fflch.usp.br/dh/heros/traductiones/tirteu/elegias.html# Consultado em 03 de junho de 2011. 42 Homero. A Ilíada. Canto III, v. 339. 98 4 CAPÍTULO 3 – XENOFONTE E A REPRESENTAÇÃO DE ESPARTA E ESPARTANOS EM A CONSTITUIÇÃO DOS LACEDEMÔNIOS …his pen copied his narrative from his sword 43 J. K. Anderson A relação entre Xenofonte e Esparta é permeada de elementos complexos, que não nos permitem afirmar, categoricamente, que a Lacedemônia de Xenofonte é uma simples idealização, produzida por um membro frustrado da escola socrática. A Esparta de Xenofonte é fruto da produção subjetiva, aliada à perspectiva de objeto de análise social que Esparta representava no intervalo entre o V e o IV século. Xenofonte, como já discutimos anteriormente, é sem dúvida o autor mais belicoso (MOURA, 2002), cujos textos chegaram ao presente. Sua história, como afirma a epígrafe, aponta que sua narrativa foi escrita a partir de sua espada, através de uma relação de intenso contato com o mundo, e, portanto, com a sociedade de sua época. Xenofonte produziu uma expressão da Esparta de sua época, uma Representação. Quando da escrita do texto, Xenofonte, obviamente, queria informar uma comunidade de leitores, um determinado grupo que, assim como ele se interessava sobre a pólis dos Espartanos. Mas o estudo das constituições fora um estilo literário adotado entre os historiadores pós-tucididianos, a análise e expressão da natureza das cidades, especificamente, do caráter das póleis, dentro de um contexto muito profícuo a este debate, a desestruturação do modelo políade, frente à perda de sua autonomia a partir da invasão e conquista macedônica. Xenofonte se encaixa entre estes historiadores, como Cratipos, cujas obras só restaram fragmentos, e por fim Aristóteles, especificamente em a Constituição dos Atenienses. Há ainda outro texto, de característica claramente oligárquica, com o mesmo título A Constituição dos Atenienses, de um período anterior. Este texto desde a antiguidade fora relacionado às obras de Xenofonte, mas atualmente é consensual que a autoria não seria dele, já que tanto o estilo quanto a data aproximada de escrita do texto não são condizentes com o autor 44 . 43 Sua pena copiou sua narrativa a partir da sua espada (ANDERSON, 1974, p. 8). 44 A datação aproximada aponta a feitura do texto em torno do ano 440 a. C., época na qual Xenofonte não teria nascido, ou seria ainda uma criança. 99 Neste capítulo pretendemos demonstrar como e através de que elementos, Xenofonte produz uma representação de Esparta, de seu sistema político e instituições; e dos espartanos, sua cultura, seus costumes, sua personalidade. Entendemos que a imagens de Esparta produzidas por Xenofonte, devem ser percebidas não somente por elas mesmas, mas por elas mesmas, seu autor e, por fim, o contexto no qual esta produção, representação, fora determinada, a fim de entender como e porque Xenofonte escolhe determinadas imagens pra expor e discutir, e por outro lado, minimamente lembra de outras. Como explicar, portanto, seus critérios e parâmetros para composição de sua Constituição dos Lacedemônios. Para dar cabo à nossa empreitada, partiremos inicialmente a um debate teórico a respeito da ideia de Representação, que como um conceito, deve ser utilizado para que se possa obter dinamicidade quanto à análise do conjunto das fontes. A categoria Representação não é alvo de estudo aqui, mas faremos uma breve exposição sobre o conceito, a fim de estabelecer um breve histórico da Representação Social, e apontar como utilizamos esta categoria para a análise de A Constituição dos Lacedemônios. Para tanto, partiremos de duas perspectivas: o que representar; e como representar. Ou seja, o que Xenofonte representa, e por que; e, como constrói sua representação, que elementos, ferramentas, procedimentos, faz uso para a obtenção de seus resultados: a imagem de Esparta e Espartanos. Essa tarefa será municiada através de estudos ligados à área de psicologia social, que atualmente, tem trazido à baila o retorno, a retomada do estudo do sujeito, pautadamente os estudos da francesa Denise Jodelet. Esta autora retoma o panorama de Serge Moscovici, e antes dele, de Émile Durkheim, assim como de outros autores, como Marisete Teresinha Hoffmann Horochovski em Representações Sociais: Delineamentos de uma Categoria Analítica (2004). A Representação Social se faz na perspectiva subjetiva, ou seja, através de um sujeito, que ao mesmo tempo que institui, portanto, instituidor, necessariamente carece de elementos da institucionalidade da sociedade à sua volta para produzir sua representação. Jodelet indica um modelo que é composto por três esferas, a da subjetividade, a da intersubjetividade e a da transubjetividade; ou seja, as esferas que compõem o quadro imagético do sujeito, da relação com ele mesmo; para com o semelhante e, por fim, com o real a sua volta. 100 Nessa perspectiva, pretendemos demonstrar como Xenofonte constrói suas imagens, através de elementos fruto das suas relações particulares com Esparta e espartanos; por meio, daquilo que seria público, isto é, os saberes recorrentes na Hélade do intervalo entre o V e o IV séculos sobre Esparta e Espartanos; e finalmente, as composições do real à sua volta, fruto das relações que tivera ao longo de sua vida com Esparta e espartanos. O resultado dessa concepção é a composição de um espaço, a cidade. Após o debate teórico, que será revisitado ao longo da análise da fonte, faremos uma crítica dos escritos de Xenofonte, inicialmente em A Constituição dos Lacedemônios, mas retomando a outras obras de sua autoria, intentando entender a profundidade e a recorrência de determinadas expressões e sentido aplicados pelo autor. Para tanto, faremos uso de apreciações mais amplas realizadas na historiografia, destacando os trabalhos de Noreen Humble, Xenophon's view of Sparta: a study of the Anabasis, Hellenica and Respublica Lacedaemoniorum(1997); José Francisco Moura, em Imagens de Esparta: Xenofonte e a Ideologia Oligárquica (2000) e,Xenophon´s Sparta Constitution: Introduction. Text. Commentary, de Michael Lipka (2002). Nesse momento, será pertinente fazer um debate sobre a origem e leitura das primeiras versões de CL 45 , para perceber como a historiografia tem tratado este tema, e de que maneira tem influenciado na formação de um ideário sobre o texto de Xenofonte. Para dar organicidade ao trabalho, optamos por contemplar e questionar o texto através de determinados elementos que compõem a construção literária: a sua finalidade, os usos do texto; a formação do indivíduo, a educação em Esparta, a formação das crianças,com idades entre 14 e 20 anos, a juventude,sobre aqueles com idade superior a 20;a mulher, o papel dado ao feminino por Xenofonte; a vida cotidiana de todos os espartanos, usos e costumes; e, por fim,as questões militares. Além destes tópicos, outro específico merece atenção, o capítulo XIV, já que não há consenso entre os historiadores como, por exemplo, Moura (2000), a respeito de sua originalidade. Mas antes de nos debruçarmos sobre o debate através dos parâmetros indicados, é importante escrever uma nota, um comentário sobre a historicidade do texto, isto é como A Constituição dos Lacedemônios chegou ao presente. Este debate é essencial, pois define as relações estabelecidas entre a conexão do pensamento de Xenofonte com 45 Para termos de dinamicidade, usaremos a sigla CL, paraA Constituição dos Lacedemônios. 101 a intelectualidade do Ocidente, numa datação que se estende do século XVI à contemporaneidade, apesar de sabermos e destacarmos que esta ligação não é direta, já que há demasiadas rupturas entre os Modernos e os Contemporâneos, que recebem e propagam as ideias deste autor. A organização de tópicos explicativos será útil por motivos didáticos, para dar organicidade e esclarecimento sobre como os temas estão tratados pelo próprio Xenofonte, já que os pontos são próprios a Xenofonte, que discorre a respeito da formação do individuo, da educação, tanto feminina quanto masculina; da vida e das obrigações dos jovens adultos; da situação das mulheres; da formação cultural dos espartanos; e de matérias de conteúdo militar, organização do exército em tempos de campanha. Por fim, acreditamos que através dos subsídios elencados, poderemos produzir uma análise contemplativa das formas, dos meios, dos mecanicismos utilizados por Xenofonte, para dentro de sua realidade específica produzir representações sobre Esparta, e espartanos, que em conjunto, formam o objetoda Representação, que é composto por outro polo, o sujeito, no caso Xenofonte, que entendemos como privilegiado para retratar os lacedemônios, pois viveu com eles, lutou com eles, enfim, escreveu por eles. 4.1 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS OU O RETORNO DO SUJEITO Durante parte do século XX os estudos acerca do caráter e da origem das representações produzidas pelos indivíduos, foram abastecidos por uma miríade de escolas teóricas, e, em algumas, o sujeito tornava-se tão intrinsecamente ligado às estruturas sociais fundamentais da sociedade, onde sua individualidade, a subjetividade, acabara por tornar-se uma expressão do poder, das estruturas, da opressão, do domínio, enfim, mas nunca dele próprio. Mas, depositar o indivíduo como sujeito, como atuante, como agente, implica em necessariamente, entender nele potencial, possibilidade, de preferência, e, portanto, de escolha em suas ações, em suas empresas ―permitindo-lhe escapar da passividade diante das pressões ou constrangimentos sociais e intervir, de 102 maneira autônoma, no sistema das relações sociais, como detentor de suas decisões e senhor de suas ações‖ (JODELET, 2009, p. 689). As representações eram vistas e entendidas apenas como uma visão de mundo parcial e fragmentada das relações sociais de produção, na qual o grupo estava inserido. Assim sendo, ―não se questionava a essência das representações, mas seus tipos; não se questionava sua origem e sentido, mas sua falsidade e veracidade. Não se discutia sua operacionalidade nem sua fundamentação teórica, uma vez que seus resultados eram presumidos de antemão‖. (OLIVEIRA, 1999, p.183). A partir deste ponto de vista, podemos entender inclusive queum: [...] trabalho sobre representações pode, ao mesmo tempo, tirar partido e contribuir para um trabalho sobre a subjetivação, de um duplo ponto de vista teórico e prático. A visão geral, certamente limitada, que acaba de ser traçada, poderia, considerando a ligação entre subjetividade e representação, fornecer certas orientações sobre o plano da produção de conhecimentos e significações, dos efeitos sobre os conteúdos representacionais imputados às formas de subjetivação ligadas aos quadros sociais e históricos ou do papel das representações na constituição das subjetividades e de sua afirmação indentitária. (Jodelet, 2009, p. 694). O Sujeito, assim como o Objeto são os subsídios para a formação das Representações Sociais. A Representação Social é uma metodologia importantíssima nas relações sociais, já que se propõe a explicar as relações culturais e sociais estabelecidas entre os grupos. A Representação é viável a partir do contato com os indivíduos no que diz respeito às suas comunidades, e está ligada à forma de como vemos e entendemos as realidades à nossa volta, apesar de vivermos em um ambiente, estas semelhanças também são relacionadas à nossa personalidade. Assim, Serge Moscovici se utiliza de estudos e técnicas da psicanálise, em La psychanalyse, son image, son public (1961), para concluir que para que se possa entender as relações humanas é essencial fazer uma análise do todo comunitário, isto é, do coletivo, para poder-se perceber a barganha de elementos, conhecimentos, que a representação social produz em uma comunidade, em um grupo. Moscovici afirmou também em seus estudos que a representação é composta por duas faces, a ancoragem e a objetivação. A ancoragem faz menção às ideias que recebem uma forma real; já a objetivação, é possibilitada através de novas imagens de 103 um tema, e permite a produção de novas categorias, novos conceitos por meio do assunto.É importante ressaltar que o estudo da Representação social se mostra necessário para compreender o avanço da sociedade e o comportamento do indivíduo inserido num grupo. A Representação Social é o meio pelo qual os grupos produzem informações e as partilham entre si, e à medida que as distribuem, repassando as informações uns para os outros a fabricam, numa relação de produção-reprodução da matéria-informação. Por outro lado, como Marisete Teresinha Hoffmann Horochovski afirma:―Outra possibilidade propiciada pelas representações é entender os comportamentos coletivos no espaço e no tempo em que são produzidos. É a famosa contextualização histórica, sempre importante à análise sociológica‖(2004, p. 97). Assim sendo, as representações têm necessariamente uma intrínseca relação com o meio no qualelas foram produzidas, os ouvintes-difusores das representações são um elemento essencial para o próprio entendimento da matéria, uma vez que elas são feitas para eles mesmos e por eles mesmos. Ainda sobre Moscovici (1985) ele defende que as representações sociais estão para a sociedade contemporânea como formas de explicação e entendimento do mundo, assim como estavam os mitos para as sociedades ditas primitivas, e neste sentido, estão ligadas às formas como os indivíduos pensam, agem, articulam-se, enfim, interagem entre si e com o mundo, para através disso, ―compreender os sentidos de suas ações e pensamentos‖(HOROCHOVSKI, 2004, p. 97). Parafraseando Horochovski, segundo Moscovici, a representação―se focaliza na maneira pela qual os seres humanos tentam captar e compreender as coisas que os circundam e resolver os ‗lugares comuns‘ e quebra-cabeças que envolvem seu nascimento, seus corpos, suas humilhações, o céu que veem, os humores de seu vizinho e o poder a que se submetem‖. (MOSCOVICI, 1985, p.02apud HOROCHOVSKI, 2004, p. 97). O caráter ímpar das Representações Sociais é constituído da possibilidade de interpretar e comunicar, assim como de produzir e elaborar conhecimentos (HOROCHOVSKI, 2004), como conceitua Moscovici: são conjuntos dinâmicos, seu status é o de uma produção de comportamentos e de relações com o meio ambiente, de uma ação que modifica aquelas e 104 estas e não de uma reprodução desses comportamentos ou dessas relações, de uma reação a um dado estímulo exterior (1978, p.50). De uma maneira mais instrutiva, Horochovski, comentando Moscovici, traz à baila uma informação interessante: As representações sociais objetivam transformar o desconhecido em conhecido, o não familiar em familiar. Tornar o estranho, o perturbador em algo próximo, íntimo, é seu intuito. Esse processo transformador é determinado pela linguagem, imagem e ideias compartilhadas por um dado grupo. Se, a princípio, a familiaridade evidencia-se é preciso parar, recuar a ponto de visualizar o aspecto desconhecido que a representação envolveu e familiarizou.(HOROCHOVSKI, 2004, p. 99). Isto é, as Representações Sociais são os meios, as formas através das quais os objetos são revestidos de sentidos, e estes significados, são produzidos para, e através dos grupos que partilham os saberes entre os indivíduos que fazem parte dele, mas ainda há questões a ser respondidas, quanto aos mecanismos da representação, assim como o sujeito em si, já que afirmamos até este ponto a inegável relação entre comunidade e a produção-divulgação das representações sociais, que relações há entre Representação e Sujeito? Para responder à questão, primeiro, discutiremos sobre os elementos que compõem a representação, a ancoragem e a objetivação. De acordo com Moscovici, são dois os processos que produzem representações sociais, e sobre o já citado, atribuem sentido, entendimento ao objeto, são a ancoragem e a objetivação. ―O primeiro transfere o estranho para um referencial que possibilita sua interpretação e comparação, através de uma relação entre ‗categorias e rótulos‘. Ancorar é classificar, nomear, rotular e, obviamente, representar‖. (apud HOROCHOVSKI, 2004, p. 100). Por outro lado, a objetivação possibilita um ambiente familiar ao que outrora era desconhecido, o que por sua vez ocorre em duas etapas: relaciona o conceito com a imagem, as palavras são incorporadas ao que Moscovici (1985, p. 22 apud HOROCHOVSKI, 2004, p. 100) chama de―núcleo figurativo, uma estrutura de imagem que reproduz uma estrutura conceptual de uma maneira visível‖, desta forma, a objetivação liga à imagem um elemento visual claro,―o que evidentemente facilita a comunicação do que está sendo representado, que deixa de ser uma entidade abstrata e assume uma existência com 105 caráter autônomo‖ (HOROCHOVSKI, 2004, p. 100). A segunda fase é o momento em que, de acordo com Moscovici, a abstração, os pensamentos são transportados à realidade, não havendo, portanto, mais a separação entre o objeto e a representação. Nesse sentido, ancoragem e objetivação são basilares para a construção das representações sociais. (HOROCHOVSKI, 2004). Partindo das perspectivas expostas até aqui, Denise Jodelet (2001) afirma que as representações são elementos em disputa, já que elas são produzidas de maneiras interna nos grupos, e assim, cada grupo tende a produzir suas próprias representações, e que por isso, podem, portanto, ser diferentes uma das outras, o que causaria o choque. Além disso, as representações também guiariam grupos quanto ao que estaria em conflito. É neste sentido que podemos afirmar que as Representações são elementos necessariamente complexos dentro da vida social, ―sendo que, a investigação científica tem por tarefa descrever, analisar, explicar suas dimensões, formas, processos e funcionamento‖.(HOROCHOVSKI, 2004, p. 101). Outra questão nos chama atenção neste momento, aquela do sujeito. Para tanto, nos utilizaremos do pensamento de Jodelet, em O movimento de retorno ao sujeito e a abordagem das Representações Sociais 46 , propõe entender os seres humanos.―como agentes conhecedores, mesmo se eles agem dentro de limites historicamente especificados que determinam condições sociais que eles não reconhecem e consequências de seus atos que eles não podem prever.‖ (JODELET, 2009, p. 690). A autora reconhece a dificuldade em estabelecer análises sobre as formas de representação, que assim como os grupos, são dinâmicos e se modifica ao longo do tempo, ela afirma que esta tarefa é a melhor e a mais difícil, já que: A melhor, porque os modos que os sujeitos possuem de ver, pensar, conhecer, sentir e interpretar seu modo de vida e seu estar no mundo têm um papel indiscutível na orientação e na reorientação das práticas. A mais difícil, pois as representações sociais são fenômenos complexos, incitando um jogo de numerosas dimensões que devem ser integradas em uma mesma apreensão e sobre as quais é necessário intervir conjuntamente. A este respeito, eu proponho um quadro analítico que permita situar o estudo da representação social no jogo da subjetividade.(JODELET, 2009, p. 695) 46 Texto originalmente publicado em: Connexions, n. 89, p 25-46, 2008. A versão em português, com tradução de Lucelena Ferreira, foi publicada em Sociedade e Estado, Brasília, v. 24, n. 3, p. 679-712, set./dez. 2009. 106 É importante ressaltar que o sujeito acaba por transitar na amplitude das complexidades estabelecidas nas mais variadas dimensões das representações, que são permeadas por ele. Na tentativa de elucidar, ao menos propor um modelo analítico, Jodelet produziu um esquema que, de maneira bastante explicativa elucida algumas questões: Quadro 01: Quadro analítico-explicativo sobre a relação entre sujeito e Representação Social. Fonte: JODELET, Denise.O movimento de retorno ao sujeito e a abordagem das RepresentaçõesSociais. Sociedade e Estado, Brasília, v. 24, n. 3, p. 679-712, set./dez. 2009. p. 695. Para Jodelet, no que se trata da gênese e de suas funções, as representações sociais podem ser relacionadas a três esferas de pertença: a da subjetividade, a da intersubjetividade e a da transubjetividade(JODELET, 2009). Apesar de entendermos as representações sociais como necessariamente ligadas ao dístico sujeito-objeto, este modelo somente serve de base para a análise do primeiro. É importanteressaltaro que é destaque em um dos ângulosdo esquema, o imperativo de não se perceber o sujeito como um intérprete isolado, mas como um membro ativo de uma sociedade de consumo de imagens e informações, que também se relaciona com ele. Para dar vazão a este debate, Jodelet discorre sobre a noção de inscrição: ―A noção de inscrição compreende dois tipos de processos cuja importância é variável segundo a natureza dos objetos e dos contextos considerados‖ (JODELET, 2009, p. 696). Se por um lado, o pertencimento é considerado através de uma malha de 107 interações com os outros membros do grupo, através de uma comunicação social47,―por outro lado, a pertença social definida em vários níveis: o do lugar na estrutura social e da posição nas relações sociais, o da inserção nos grupos sociais e culturais que definem a identidade, o do contexto da vida onde se desenrolam as interações sociais, o do espaço social e público‖ (JODELET, 2009, p. 696). Retomando a idéia do quadro analítico, aprimeira noção de constituição do sujeito é a subjetividade, a concepção nos faz pensar ao nível dos sujeitos enquanto indivíduos por eles mesmos (JODELET, 2009). Há processos através dos quais o sujeitoconstrói e se apropria de suas representações, a natureza destes processos é como Jodelet indica, ―cognitiva, emocional e dependem de uma experiência de vida‖ (JODELET, 2009, p. 697). Jodelet afirma ainda que estes processos estão ligados aos quadros de sujeição ou resistência expressa pelo sujeito, vale salientar ainda, que há diferenças entre ―as representações que o sujeito elabora ativamente daquelas que ele integra passivamente, no contexto das rotinas de vida ou sob a pressão da tradição ou da influência social‖ (JODELET, 2009, p. 697). O sujeito se localiza no mundo inicialmente através de seu corpo (TUAN, 1983), nessa perspectiva, a relação com o mundo e com a subjetividade se dá no corpo. Este é apenas o primeiro passo, a complexidade do sujeito requer uma infinidade de análises devido à sua amplitude, já que, através dele, podemos perceber questões que estão ligadas à análise de representações ligadas a fatores emocionais e indentitários, da mesma maneira que fatores ligados ao lugar social―e das conotações que vão caracterizar, em função da pertença social, a estrutura das representações‖ (JODELET, 2009, p. 697). Estas diversas perspectivas do sujeito não entram em cena sistematicamente na produção de representações sociais, mas ―sua importância relativa deve evidentemente ser relacionada ao tipo de objeto representado e à situação na qual se forja a representação‖ (JODELET, 2009, p. 697). Por fim, como aponta Jodelet: Levar em consideração o nível subjetivo permite compreender uma função importante das representações. As representações, que são sempre de alguém, têm uma função expressiva. Seu estudo permite acessar os significados que os sujeitos, individuais ou coletivos, atribuem a um objeto localizado no seu meio social e material, e examinar como os significados são articulados à sua 47 Jodelet se refere especificamente ao modelo da triangulação sujeito-outro-objeto proposto por Moscovici (1984). 108 sensibilidade, seus interesses, seus desejos, suas emoções e ao funcionamento cognitivo.(JODELET, 2009, p. 697). Assim, as representaçõestêm a função exata de expressar, ao estudá-lasas informações produzidas nos permitem apreender os sentidos atribuídos pelos sujeitos, sejam individuais ou mesmo coletivos, a um objeto que deve ser encontrado no seu meio material ou mesmo social, e através disto, analisar como significados são articulados―à sua sensibilidade, seus interesses, seus desejos, suas emoções e ao funcionamento cognitivo‖. (JODELET, 2009, p. 697). A segunda esfera é a intersubjetividade, que explicita a relação entre indivíduos no ambiente, e desta maneira localiza-se no campo da ação, ou na potencialidade, possibilidade, de ação, o que está ligado ao contato, à negociação com outro. ―A esfera de intersubjetividade remete às situações que, em um dado contexto, contribuem para o estabelecimento de representações elaboradas na interação entre os sujeitos, apontando em particular as elaborações negociadas e estabelecidas em comum pela comunicação verbal direta‖. (JODELET, 2009, p. 697). É, portanto, o espaço privilegiado de relacionamento onde os vários sujeitos, sejam eles coletivos ou individuais, rivais ou aliados, se relacionam e acabam por produzir informações que dão conta exatamente deste contato, produzindo assim pontos minimamente pacíficos, consensos, que desta maneira ligam os grupos através das representações em comum que agora têm uns com os outros. Como define Jodelet: Nesses espaços de interlocução, recorre-se, também, a um universo já constituído, no plano pessoal ou social, de representações. Estas intervêm como meio de compreensão, ferramentas de interpretação e de construção de significações partilhadas em torno de um objeto de interesse comum ou de acordo negociado. (JODELET, 2009, p. 698). Estes consensos são possíveis através de justaposição de imagens corriqueiras no arcabouço representativo dos grupos, são as imagens a que se retoma para ―fazer ver‖. Este termo pacífico não pode ser entendido como gratuito, há disputas intensas entre os grupos antes da definição destes elementos em comum. Por fim, a última das esferas é a da transubjetividade, que tem sido deixada de lado nos últimos anos. Ela é composta tanto por informações que fazem partedo nível 109 subjetivo, quanto do nível transobjetivo sua amplitude está ligada aos indivíduos assim como o está com a capacidade de expressão, nos contextos de interação, ―as produções discursivas e as trocas verbais.‖A expressão transubjetividade, utilizada por Jodelet, foi retirada da fenomenologia, através dos estudos de R. Boudon (1995): [...] sobre ―a racionalidade subjetiva‖ e as ―razões transubjetivamente válidas‖ de endossar uma crença indexada em uma situação (quadro espaço- temporal, campo social ou institucional, universo de discurso) ou derivada de um ―entrelaçamento de princípios, evidências empíricas, lógicas ou morais‖ e de partilhá-la coletivamente porque ela faz sentido para os atores implicados (BOUDON 1995 apud JODELET, 2009, p. 698). Através da vida comum, os espaços comuns, a transubjetividadeproduz o espaço, o meio onde habitam os indivíduos. ―Pela sua circulação, as representações assim geradas ultrapassam o quadro das interações e são endossadas, sob a forma de adesão ou de submissão, pelos sujeitos. Para dar um exemplo do funcionamento desta esfera, citarei o caso do jogo de representações na compreensão de um acontecimento político.‖ (JODELET, 2009, p. 698). Por fim, o debate sobre as esferas das representações sociais, assim como das relações entre elas é frutífero, mas, amplo e cuja complexidade foge dos padrões de exigidos a uma dissertação, além de não ser nosso objeto específico de análise. Como dissemos anteriormente, nossa proposta não é estabelecer uma concepção final, absoluta sobre as representações sociais, mas produzir um esboço, um esquema no qual poderemos incluir nossa análise que se mantém sendo a proposta: estabelecer através de que mecanismo Xenofonte construiu uma Representação a respeito de Esparta, suas legislações, políticas, e práticas militares; e, dos espartanos, seus usos, costumes, educação, enfim sua cultura. O debate acerca das representações sociais não se encerra aqui, mas será retomado à medida que explicitamos as leituras sobre o conjunto que escrito nos propomos a debater neste tópico, A Constituição dos Lacedemônios. Este texto pode ser incluído dentro de um conjunto de outras politeias que foram produzidas ao longo do século IV, mas diferentemente de outros estudos das constituições das cidades dos helenos, a , não trata exatamente das leis de Esparta, nem muito menos de um histórico das instituições políticas da história recente dos espartanos, mas de um retrato, de uma expressão, tanto da subjetividade, quanto da 110 relação de Xenofonte com os Espartanos, assim como da relação deste grego para com o mundo à sua volta. 4.2 LENDO XENOFONTE Encerrados os debates teóricos sobre o que é Representação Social, e como elas são produzidas, e por fim, para que são feitas, a que(m) servem, passaremos para uma análise sobre A Constituição dos Lacedemônios de Xenofonte. ―Xenofonte é o único dos filósofos antigos que transformou seus dizeres em feitos‖, esta é a frase que inicia o texto de J. K. Anderson (1974, p. 01). É sem dúvida o mais belicoso dos autores cujas obras chegaram ao nosso tempo, assim como afirma Moura (2002, p. 35). Ele é, portanto, como já discutimos anteriormente, um soldado, um homem de feitos. Por isso mesmo, como destaca Higgins, é um homem cujo falar é técnico, cuja escrita é metódica, específica, seus textos foram escritos para uma utilização prática. Por exemplo, Arriano, em Anabasis de Alexandre, defende que este teria lido Xenofonte, especificamente sobre como avançar na terra dos medos.Daí que não podemos exigir, nem mesmo comparar, a linguagem técnica, simples e acessível de Xenofonte com as abstrações complexas e restritivas de Platão ou outros filósofos. Xenofonte tem, portanto um estilo muito próprio. Este caráter específico de Xenofonte traz consigo outro charme, é daquele cuja espada escreveu a narrativa, é uma fala franca e por isso direta, é uma escrita cujo sentido é simples, pois é um soldado. Fala através de suas experiências suas dores, sua vida. Xenofonte nem é ―maquiavélico‖, apesar de sabermos que Nicolau Maquiavel cita mais Xenofonte que Platão ou Aristóteles (HIGGINS, 1977, p. 01), portador de uma ideologia dominante, nem mesmo um bobo, alguém que escrevera inocentemente sobre Esparta e seus cidadãos. Ele nem é um nem outro, mas suas linhas estão carregadas de sentidos, significantes, que tem vazão entre os membros de sua audiência, mas que cujas ressonâncias são estudadas até hoje. 111 4.3 LENDO A CONSTITUIÇÃO DOS LACEDEMÔNIOS As leituras de CL assim como os debates sobre sua autoria são iniciadas ainda na própria antiguidade. Autores como Políbio, apesar de ser grego, Arriano, Cícero e Júlio César, utilizaram Xenofonte, principalmente no campo militar. Arriano, em Anabasis de Alexandre, aponta que sem Xenofonte Alexandre não poderia ter organizado sua expedição. Do período medieval pouco ou nada temos, mas foi no período posterior, a Idade Moderna, por ação de vários tradutores, que os textos de Xenofonte foram vertidos para as línguas vernáculas: por exemplo, a edição de Diego de Gracián, publicada em casteliano por volta de 1552. As primeiras impressões de Xenofonte datam de 1516 48 , mas questionamentos sobre a autoria e discussões propriamente historiográficas somente em um período posterior. No século XVIII, Edward Gibbon, em seu A História do Declínio e Queda do Império Romano, afirma que Anabasis é um texto original e autêntico, por outro lado, acusa a Ciropédia de ser vaga e lânguida. No século XIX com o constante amadurecimento da historiografia, críticas começaram a questionar a escrita e autoria dos textos de Xenofonte 49 . Ainda no século XIX muito se questionou a respeito da autenticidade do texto de Xenofonte, principalmente a Constituição dos Lacedemônios, entre os críticos, se destaca Karl Wilhelm Dindorf 50 . Após ele, em 1853, R. Lehman aponta que a Constituição dos Lacedemônios seria de autoria de um dos alunos de Isócrates, teoria discutida, e superada por Beckhaus, que propunha ter sido outro Xenofonte o autor, neto do primeiro. Por outro lado, como afirma Michael Lipka, os hiatos deixados propositalmente não são uma prática própria ao círculo isocrático, o que inviabilizaria sua escrita por um dos participantes (LIPKA, 2002). A última, porém sistemática acusação de falsidade em relação ao texto partiu de K. M. T. Chrimes em 1948 51 . Outra crítica que a autora aponta uma incoerência de tratamento da mulher em Econômico e A Constituição dos Lacedemônios. No primeiro, o autor parece expor algum de tipo de liberalidade em relação à esposa, ela é a 48 Uma edição impressa por Philippus Iunta e editorada por Euphrosynus Boinus. 49 É importante citar que o primeiro destes trabalhos fora produzido no século XVIII pelo holandês Lodewijk Caspar Valckenaer, que faleceu em 1785, mas suas obras foram publicadas apenas em 1824. 50 Grammatici Graeci vol. I 1825 51 The Respublica Lacedaemonorum ascribed to Xenophon (Manchester 1948) 112 responsável pela administração da casa, por outro lado, em AConstituição dos Lacedemônios, a mulher é tratada apenas como uma parideira em potencial. Por fim, apesar das dúvidas levantadas,grande parte dos estudiosos do século XIX e XX concordam com a autoria de boa parte dos textos de Xenofonte. A constituição dos Lacedemônios é sem dúvida uma obra diferenciada, ímpar. É uma coleção, de certa forma excêntrica, como afirma Noreen Humble, (1997, p. 1887). A CL apresenta certos aspectos do sistema de educação, modo de vida, práticas militares e o papel dos reis e incluindo uma seção de censura pura e simples do sistema espartano, esse é no caso o capítulo XIV, que discutiremos mais adiante. Sua autenticidade suscitou muito debate 52 ; Não escolhemos este texto devido às controvérsias que tem levantado, mas por expor sistematicamente as políticas internas de Esparta, assim como sua cultura e, além disso, nos possibilita um olhar sobre o olhar, isto é, nos permite entender como outros gregos viam os espartanos em idos do V e IV séculos antes da Era cristã. Apesar de saber que a proposta central do texto é elogiar ou defender a forma tradicional de vida espartana, entendemos que esta concepção está além disso, pois é a defesa de um ideal como um todo. De acordo com Humble, há dissidentes da teoria 'louvor', mais notoriamente Leo Strauss, que sugeriu que CL ―é uma obra de ironia, uma sátira mesmo: a crítica sutil do caminho espartano de vida escondida sob um verniz superficial de louvor‖ (HUMBLE, 1997, p. 187; STRAUSS, 1939, p. 502) apesar da viabilidade ou não desta proposta, de acordo com Humble ela causou impacto, já que obrigou os estudiosos a repensar algumas teorias e métodos, entre eles, Higgins. Humble destaca que ―Apesar dos muitos pontos interessantes levantados nas várias tentativas de interpretar o trabalho, nenhum deles explicou adequadamente a sua natureza, tais trabalhos apresentaramadequadamente aparentes contradições‖ (1997, p. 158), percebendo então as lacunas deixadas pelos estudiosos, sua proposta é ―promover e prestar apoio adicional para a teoria de que Xenofonte não é ingenuamente pró- espartano e mostrar que ele é, de fato, coerente e equilibrado em seus escritos sobre Esparta e espartanos‖. 52 Para citar alguns: OLLIER, 1933; LUCCIONI, 1947; MICHELL, 1964; DELEBECQUE, 1957; CARTLEDGE, 1986; HUMBLE, 1997; LIPKA, 2002. 113 4.4 XENOFONTE E A REPRESENTAÇÃO DE ESPARTA Esta análise seguirá a rotina de certos parâmetros que serão utilizados para fins explicativos e didáticos. Nossa análise privilegiará a construção das representações de Xenofonte em CL a partir de: 1. Sua finalidade, os usos do texto; 2. A formação do indivíduo, o valor expresso por Xenofonte aos cumprimentos das leis, assim como da educação, daí nos debruçaremos especificamente às observações deste tópico, subdividindo-o em, a formação das crianças, aqueles com idades entre 14 e 20 anos;3. A mulher, que papel social tem os membros do sexo feminino, seja a Koré 53 ou Gnaikes 54 na pólis dos espartanos; 4. a vida cotidiana de todos os espartanos, o que faziam, como se relacionavam, através do comércio, do sexo, do casamento, enfim; 5. As questões militares, a organização em campo de batalha, e a organização do acampamento. Por último, será interessante estabelecer um breve debate sobre o capítulo XIV, pois o trecho quebra uma sequência de louvor e exaltação do gênero de vida em Esparta, colocando críticas agudas ao sistema espartano. Para efetuar nossa empresa, que é sem dúvida a mais importante do trabalho como um todo, lançaremos mão às obras de Noreen Humble, Xenophon's view of Sparta: a study of the Anabasis, Hellenica andRespublica Lacedaemoniorum (1997); José Francisco Moura, em Imagens de Esparta: Xenofonte e a Ideologia Oligárquica (2000); e, Xenophon´s Sparta Constitution: Introduction. Text. Commentary, de Michael Lipka (2002), que inclusive já citamos aqui. 4.4.1 A Função Responder à questão proposta é simples, discutir a que usos, a que finalidade estabeleceu Xenofonte para a escrita de , mas a simplicidade acaba junto com o período acima. A Constituição dos Lacedemônios, também 53 Menina, garota. 54 Mulher adulta. 114 conhecida como A República 55 dos Lacedemônios é iniciada com uma expressão de maravilhamento: Eu observei há algum tempo que Esparta foi muito poderosa e célebre em toda a Hélade, como é evidente, ainda que fosse uma das póleis com menos habitantes, e me surpreendi de como isso podia ocorrer. No entanto, depois que me fixei nas ocupações dos esparciatas 56 , já não me causou surpresa. (Xen. A Const. dos Lacedemônios I.1) Xenofonte começa se admirando pelo fato de que, apesar da pequena população, Esparta se tornou uma das Póleis mais poderosas e renomadas, deixando uma questão subentendida, comopode uma cidade tão pequena ser tão poderosa? Sobre as cidades já debatemos em um momento anterior, mas agora nos preocupamos com outros aspectos. De acordo com Humble (1997), e Strauss (1939), essa passagem faz menção a uma questão anterior, quem é a maior das póleis gregas, iniciada por Heródoto: Essa resposta agradou a Creso mais do que todas as outras. Persuadido de que não se veria jamais no trono dos Medos um asno, concluiu que nem ele nem os seus descendentes perderiam o império. Procurou, então, saber quais os povos mais poderosos da Grécia, no propósito de fazer amigos, chegando à conclusão de que os Lacedemônios e os Atenienses estavam em primeiro lugar: uns, entre os Dórios, outros, entre os Iônios. Essas nações eram, realmente, outrora, as mais poderosas, pertencendo, uma, ao ramo pelásgico e a outra ao helênico. (HERÓDOTO I. LVI) Isto é, Xenofonte continua o debate iniciado por Heródoto através da angústia, em forma de questionamento, de Creso, o Rei do Lídios. Para Xenofonte, é estonteante a idéia de superação de Esparta, mas não é a única expressão que ele demonstra aqui, quando afirma que depois de conhecer as instituições dos espartanos, tal fato não o surpreende mais. Vejamos, Xenofonte faz uso da expressão , que segundo Izidro Pereira é o substantivo neutro de , que pode ser traduzido literalmente por ―ocupação prática‖, ou mesmo ―costumes‖, portanto quando Xenofonte passa a conhecer as instituições dos espartanos sua surpresa é contida. Ele se conforma ao indicar a origem das leis, elas foram produzidas por Licurgo, a quem diz ter sido bem 55 A Expressão Res Publica é de origem latina, por isso nos preocupamos em utilizar a expressão Constituição, mais próxima da tradução do grego, Politéia. Utilizaremos apenas a expressão Constituição. 56 Este grifo de José Francisco Moura traduz o termo grego ,como Esparciata, ao invés de Espartano, na tentativa de explicitar que Xenofonte estaria se referindo especificamente ao cidadão da oligarquia Espartana, daquele que gozava de todos os direitos políticos, e não a todo e qualquer cidadão, já que mesmo entre os cidadãos havia uma classificação, que enaltecia alguns em detrimento de muitos. 115 sucedido na prática da negação dos costumes de outras cidades, pois comprometeu-se em fazer exatamente o contrário. Por outro lado, como afirma Michael Lipka (2002), a surpresa de Xenofonte seria apenas reflexo do deslumbramento de parte de sua audiência, ou seja, a surpresa seria uma via através da qual Xenofonte dialoga com os interesses de seu grupo, perceba-se que estes interesses se corroboram, também é da vontade de Xenofonte a expressão da Esparta de outrora. Assim como outras politeias escritas no período, sua utilização fora ampla e didática, assim como a Constituição de Esparta, cujo conteúdo só nos restam fragmentos, atribuída a Crítias, um dos trinta tiranos impostos por Esparta em Atenas; e, a politeia dos Atenienses, adjudicada a Xenofonte, mas hoje é consenso que esta obra é de outro autor. Por fim, ainda de acordo com Lipka (1997, p. 31) a CL deve ser entendida através de uma perspectiva de três dimensões: um uso histórico, assim como as Helênicas; caráter encomiástico, da mesma maneira que Agesilau; e, estilo filosófico, da mesma forma que Memoráveis. A primeira utilização, de CL para Xenofonte é a manutenção da ordem em Esparta, o que lhe propiciou grande prosperidade. Mas o que ele não revela é o que pretende escrever (HUMBLE, 1997, p. 191), se é um elogio, uma apologia, uma crítica ou sátira, somente apresenta a conclusão de seu inquérito, que Esparta em sua época, ou como indica Moura em sua tradução, em uma época anterior, dominou a Hélade, se tornando a mais poderosa das póleis dos helenos. A Representação de Esparta exposta por Xenofonte na CL é composta em duas perspectivas temporais, vive um presente digno de crítica, mas tem um passado cheio de feitos e fatos a se contar. É uma Esparta derrotada em 371, cujo domínio da rica Messênia fora perdido, assim como dos milhares de hilotas que a seu serviço ali trabalhavam, é uma cidade onde as crescentes dificuldades internas possibilitaram o fim da curta hegemonia sobre a Hélade, da mesma forma, o longo domínio sobre o Peloponeso. 4.4.2 A Educação Espartana A educação espartana é um elemento essencial dentro da construção discursiva feita por Xenofonte, é através dela que ele apresenta uma série de comparações e juízos 116 sobre o sistema educacional ateniense. Sua ironia em relacionar ambos ossistemas consiste em afirmar que o primeiro era superior ao segundo. A educação aparece em Xenofonte como uma clara influência do pensamento de formação do cidadão pelos socráticos, tanto Sócrates quanto um de seus mais ilustres pupilos, Platão, discutiram amplamente sobre o papel da educação na formação do cidadão perfeito, do Filósofo. Platão em A República, por exemplo, destaca por todo livro II a importância da educação para a manutenção da ordem pública na pólis. Para que possamos entender de uma maneira mais profunda a importância da educação na escrita de Xenofonte, devemos utilizar outras fontes, visto que nos últimos anos (HUMBLE, 1997) tem sido presumido que Xenofonte era um escritor cuidadoso, de capacidade intelectual considerável. Desta forma, as inconsistências aparentes dentro CL não podem ser explicadas em razão de descuido por parte dele. Finalmente, o trabalho não deve ser considerado isoladamente, mas em conjunto com avisão global de Xenofonte sobre Esparta, e sua preocupação geral com a educação e liderança. Por exemplo, explicando o seu propósito para escrever o Cyropaedia, Xenofonte afirma: Acreditando que este homem para ser merecedor de toda a admiração, temos, portanto, investigado quem ele era em sua origem, e que ele possuía dotes naturais, e que tipo de educação que ele tinha recebido, que ele tão grandemente superou em governar os homens. Assim, o que nós encontramos ou pensamos que sabemos a respeito dele agora procuraremos apresentar.(Xen. Ciropédia. 1.1.6) Desta feita, já que um dos tópicos iniciais de CL trata da educação, e do modo de vida dos espartanos, o autor visa entender como e de que maneira Esparta produz seus líderes, muito embora a proposta global de Xenofonte seja outra. 4.4.2.1 A Educação infantil A educação é uma das instituições cuja importância é destacada por Xenofonte. Neste primeiro momento Xenofonte fala da educação dos meninos, sobre as meninas há menos informações, mas não há silêncio, falemos delas posteriormente. Ele acredita que 117 o sucesso de Esparta deve-se ao cumprimento das leis, ao prosseguimento das estruturas políticas, para ele os espartanos são obedientes às legislações, como já afirmamos anteriormente, pois aprendem desde muito cedo a respeitar e cumprir as ordens que lhes são dadas: Pois bem, os demais gregos, que dizem educar bem a seus filhos, logo que as crianças entendem o que lhes diz, lhes impõem um criadopedagogos (), e os enviamem seguida aos mestres para que aprendam as letras, música,e os exercícios na palestra. Além disso, mantêm delicados os pés dos seus filhos com diversos tipos de calçados, adornam seus corpos com mudanças de mantos e dão o que seu ventre pede como norma de suas comidas. Ao contrário, Licurgo, ao invés de impor a cada um individualmente, pedagogos escravos, impôs {a todos} um varão, precisamente os que exercem as magistraturas mais importantes, o chamado Paidónomo (). (XEN. C. L., II. 1-2) Segundo Xenofonte, então Licurgo tratou a educação enquanto uma prática de obrigação estatal, criando um cargo dentro da estrutura pública, para que um cidadão educasse de maneira uniforme as crianças espartanas, o A expressão composta pelo radical , que quer dizer ―criança‖, ―menino‖ ou ―menina‖, e pelo sufixo que quer dizer ―lei‖ ou ―costume‖. Uma tradução mais literal nos traria a expressão ―legislador infantil‖, a imagem que Xenofonte quer trazer é a de alguém que educa segundo as leis, essa concepção fica clara quando vemos desdém deste em relação aos outros gregos, aqueles que põem seus filhos para sejam educados por criados e escravos, aos quais chama paidagogos. Já que radical  quer dizer criança, o sufixo , vem da expressão , que quer dizer ―guiar‖, ―conduzir‖. Ou seja, Paidagogos é uma expressão genérica para o condutor, um escravo que conduzia as crianças, um tutor propriamente, aquele que conduz a criança aos saberes, enfim, ao conhecimento, enquanto o paidonomos é aquele que educa segundo as leis. A estrutura educacional não se baseia no Paidonomos, mas ainda é composta com os mastigóforos, ―os portadores do chicote‖ (CL.2. 2), e os Eirene, . Esta estrutura faz menção à Esparta de outrora. O prosseguimento das leis é crucial dentro da proposta literária de Xenofonte, somente através do cumprimento das leis, cuja prática é vivenciada, segundo o autor, desde a infância, é que se podem alcançar as virtudes.No raciocínio de Xenofonte a idéia de educação, por exemplo, ainda é encontrada em Ciropédia(1.2.6; 1.3.16-17), mas como afirma Humble 118 (1997, p. 196), em Esparta o medo é a principal ferramenta do educador, os meninos temem as punições, e por isso se esmeram em realizar as tarefas com acuidade. Enquanto os paidónomos eram indivíduos ligados diretamente aos éforos, conselho composto por cinco cidadãos eleitos periodicamente, cuja responsabilidade se baseava na aplicação da educação às crianças, em um sentido mais geral, ao conjunto total de indivíduos nesta faixa etária; os mastigóforos, aqueles responsáveis pelos castigos físicos impostos aos meninos, seriam indivíduos escolhidos entre os jovens em torno dos 18 ou 19 anos, rapazes que seriam responsáveis diretos pela divisão e organização dos meninos em pequenos pelotões; rapazes que estariam no que hoje chamamos adolescência, em torno dos 15 ou 16 anos de idade, entre as atribuições deste grupo de indivíduos estavam a de punir fisicamente, se necessário, faltas cometidas pelos meninos em seus treinamentos e atividades diárias, mas este grupo é o que vive cotidianamente com os meninos. Perceba-se que a manutenção da ordem vigente parece a Xenofonte uma estrutura composta pela repetição, os mais velhos controlam os mais jovens continuamente. Sobre os castigos físicos, é importante destacar que Xenofonte indica que eles seriam utilizados apenas quando a persuasão não for mais possível, dentro do modelo de pensamento da educação ideal proposta por Xenofonte em Ciropédia, A Educação de Ciro, algo extremamente punitivo seria o roubo, já para os meninos de Espartao modelo é outro, como indica: ―Mas alguém poderia perguntar, se é positivo roubar, por que os que são pegos fazendo são açoitados? Porque, respondo eu, também nas demais coisas que se ensinam os homens castigam a quem não as realiza bem. Com efeito, eles castigam os que são pegos por não roubarem bem.‖ (Xen. CL. 2.8). Perceba-se que a pena não é por roubar, mas para aqueles que não cumprem bem sua tarefa, ser pego é que se configura uma falta penalizada com o açoitamento. O roubo é citado enquanto necessidade, já que Licurgo teria ordenado que as crianças, pouco ou quase não recebessem alimento, como afirma Xenofonte em: E ao invés de vestirem-se com mantos, impôs o costume de levar somente um manto durante todo o ano, pois acreditava que também assim se preparariam melhor contra os rigores do frio e do calor.Ordenou também que o jovem que tivesse tal quantidade de comida que jamais sentia-se pesado por saciar-se, mas tampouco carecia de certa experiência em passar privação, considerando que, em caso de necessidade, os educados assim poderiam resistir mais sem 119 comer. Com o mesmo alimento, manteriam melhor a formação durante mais tempo do que se lhes ordenassem que utilizassem menos condimentos, que levariam uma vida mais sã se acostumando a comer qualquer alimentos. Decidiu que usassem um tipo de alimentação mais apropriada para o desenvolvimento de corpos esbeltos e de maior desenvolvimento do que aquele que engorda. (Xen. CL. 2.4-5). Há uma clara lição sobre como formar indivíduos preparadosa se sustentar em quaisquer ocasiões, se alimentando com pouquíssimo alimento, mas mantendo-se em equilíbrio com seu metabolismo, por outro lado esta noção de equilíbrio no que diz respeito a uma dieta austera não é uma novidade aos ouvintes da escola socrática, como indica Noreen Humble (1997). Xenofonte faz menções a este respeito diversas vezes em Memoráveis, por exemplo: De modo que criticava também aqueles que, depois de terem exagerado na comida, iam exagerar no exercício físico; embora até aprovasse a prática do exercício, desde que de modo equilibrado e até ao ponto em que era agradável para a alma, uma vez que era uma prática bastante saudável e que não prejudicava o cuidado com a ter com a alma. E também não era nada esquisito, nem exibicionista, nem com o que vestia, nem com o que calçava, nem no seu comportamento.(Memoráveis 1.2.4-5) O Sócrates de Xenofonte então se demonstra preocupado com o corpo assim, como com o espírito, mas principalmente se mostrando alguém de gostos simples, não ligado às materialidades e ao que seria de valor, mas equilibrado e em todas as suas atividades, Xenofonte ainda faz menções a este caráter de Sócrates em Memoráveis1.3.5-8, 1.5.1-6, 1.6.5-8, 2.1.1-34, 3.13.2, 3.14.2-7, 4.5.9-11. Segundo Xenofonte, há, portanto, a necessidade de construção de uma estrutura que organiza e aplica a educação na Esparta que descreve. O que se sabe para além de Xenofonte é que a divisão etária nas cidades gregas não fora de maneira alguma privilégio de Esparta, por outro lado, ocorria em diversas regiões da Hélade, como, por exemplo, em Creta (FINLEY, 1989), mas já que havia a prática, e que segundo Moses Finley, fora mais costumeira do que imaginamos, podemos entender que Xenofonte provavelmente viu tal prática aplicada na pólis dos espartanos. Edward W. Higgins ainda traz outro questionamento, segundo o autor, o sistema licúrgico exposto por Xenofonte traz um problema em si mesmo, pois, ao mesmo tempo que o soldado era formado para obedecer às ordens de seus superiores se surgisse 120 algum problema na empresa a que foi destinado, a Rethra o teria preparado para julgar suas ações e repensar ou mesmo modificar sua conduta.(HIGGINS, 1977). Até o trecho 2.11 Xenofonte fala abertamente sobre a educação em Esparta, e em 2.12, ele demonstra preocupação com um tópico específico, o amor entre jovens e adultos. Para Xenofonte, este assunto é ―espinhoso‖57, ainda hoje, a questão do contato íntimo entre homens adultos e garotos gera debates os mais diversos 58 . Há a idéia de um contato de cunho educacional, enquanto se encontram menino e homem devem trocar entre si conhecimentos, experiências para aprendizado mútuo e crescimento de ambos, mas principalmente do menino, do paidos. Por outro lado esta concepção nega que houvesse contato sexual, enquanto comportamento ideal. Xenofonte por sua parte afirma em relação às ordenações de Licurgo: Licurgo adotou relações contrárias a todos eles. Se algum homem honesto admirasse a alma de um jovem e tentasse fazer dele um amigo ideal, o elogiava e achava isso a educação ideal; mas pelo contrário, se sentia atração física, considerava muito desonroso, estabelecendo que se afastassem dos jovens da mesma forma que os progenitores se afastam de seus filhos e os irmãos de seus irmãos quanto aos prazeres do amor. Não me espanta que muitos não acreditem nisso, mas já que em muitas póleis as leis não se opõem ao amor pelos jovens. (CL, II, 13-14) Há no pensamento de Xenofonte uma clara menção a uma ideologia normativa corrente entre os membros da aristocracia, principalmente aqueles ligados à escola Socrática, que indicavam que o amor entre indivíduos do mesmo sexo, mas de faixas etárias e sociais diferentes, existiria apenas em uma concepção espiritual, intelectual, extracorpórea, mas nunca física. Xenofonte institui em seu texto um trecho da moral vigente, que o contato nunca deveria ser físico, mas a atração deveria se basear nas características da personalidade do rapaz, não em suas pernas ou braços. O próprio autor reconhece as dificuldades de se crer nesta perspectiva, mas Clifford Hindley em Xenophon on Male Love 59 traz uma informação interessante: 57 Este tópico tende a ser dificultado pelas interpretações modernas sobre a sexualidade antiga. 58 Ver: DOVER, K. J. A Homossexualidade na Grécia Antiga. Trad. Luís S. Krautz. São Paulo: 1994. 59 The Classical Quarterly, New Series, Vol. 49, No. 1 (1999), pp. 74-99.Disponível em http://www.jstor.org/stable/639490. Acessado em 12 de Julho de 2011; 121 Ao mesmo tempo, Xenofonte está ciente do potencial do desejo físico, particularmente na sua forma homossexual, para minar a ordem adequada de assuntos políticos e militares. Esta muito emerge do contraste entre seu retrato do espartano Thibron, um general que (como eu acredito que o texto sugere) foi destruído por seu desejo incontrolável por prazer corporal, e de Agesilau, que incrivelmente resistiu a tais desejos. Outro comandante espartano, Alketas, poderia trair o seu posto para ter um rapaz atraente [...]. (HINDLEY, 1999, p. 77) Há uma tentativa clara de negar a prática do contato sexual entre indivíduos do mesmo sexo, o que de certa forma nega uma série deopiniões que apontam Esparta como uma das cidades onde tal prática além de exercida seria tratada com naturalidade. O primeiro aspecto que se destaca é a idéia de sociedades militarizadas, e que a constante distância do contato com mulheres faria com que os homens procurassem contatos com seus servos. Há também a idéia do sexo entre homens como um rito de passagem comum aos povos de origem indo-européia, como destaca Bérnard Sergent. O que nos é interessante nesta passagem é pensar a idéia implantada por Xenofonte, a noção de uma legislação específica para o regulamento da tal prática: porque, na maioria das cidades, as leis não se opõem ao desejo dos que gostam dos jovens. Mesmo para o contato entre amantes Erástas Paidikón, amante de meninos, que em nossa concepção seria de maneira clara uma relação comportamental que foge do domínio público, para Xenofonte esta relação fora prevista e tratada nas leis de Licurgo. Nas sociedades antigas não há uma divisão clara entre público e privado, mas que podemos perceber, através do grifo de Xenofonte, é a preocupação de mostrar a figura da lei, e, portanto dos cidadãos espartanos enquanto uma estrutura que permeia e é permeada por diversos elementos da sociedade local. ―Tenho tratado até agora do sistema de educação da Lacônia. Se alguém duvida que esse sistema torna o jovem mais respeitoso, temperado e obediente, pode verificar por si mesmo‖(XENOFONTE. CL. 3. 1). 4.4.2.2 O caso feminino, para que servem as mulheres? As mulheres aparecem em Xenofonte como um elemento essencial dentro da escala reprodutiva. Para que a criança possa ser gerada ela necessita de uma mulher, de 122 uma mãe, assim, esta mãe também deveria passar por atividade física para que o fruto de seu ventre pudesse, assim como ela e o marido, ser forte. O debate sobre a Mulher 60 em Esparta, por outro lado, não permeia somente sua importância enquanto mãe, mas é alimentada por outras problemáticas, como o papel da mulher na sociedade, a riqueza feminina, a poliandria, enfim. No primeiro capítulo de CL, especificamente no verso 3 e segue até o 9, final do capítulo, Xenofonte começa a discussão sobre as imagens que compõem a pólis socrática através do papel das mulheres, ele inicia seu excerto dissertando sobe a procriação, por exemplo, destacando que nas outras póleis, na maioria delas, as mulheres próximas a dar a luz, recebem um tratamento muito específico, lhes é proibido de consumir vinho, ou mesmo alimentos condimentados, e conclui afirmando que como grande parte dos indivíduos são artesãos, entendem que suas mulheres devem levar a vida trabalhando a lã, uma vida sossegada (1. 4). O que indica uma percepção que acaba por dar tom às vozes que intentam apontar a mulher como habitante essencial do interior da casa, onde protegida dos olhares estranhos trabalharia nas atividades domésticas, 61 mas tenhamos a leitura cauterizada, Xenofonte é um dos difusores da ideologia normativa de dominação e reclusão da mulher, por isso devemos perceber as intenções do autor sobre quaisquer assuntos, mas principalmente neste. Xenofonte questiona, ironicamente, ―como esperar que jovens criadas desta maneira engendrem algo grandioso?‖(1. 4),. Mas em Esparta Licurgo pensou diferente: para o legislador, as escravas bastavam para fazer roupas, as mulheres por sua vez estariam ocupadas de ofício mais importante, o de procriar, para tanto Licurgo teria ordenado que as mulheres realizassem exercícios físicos não menos que os homens, e para acirrar as disputas entre elas, observou ainda, que se organizassem competições para que as moças competissem umas com as outras em corridas e provas de força, 60 Sobre a mulher em Esparta POMEROY, Sarah B. Spartan Women. Oxford: Oxford University Press, 2002; REDFIELD, James. The Women of Sparta.The Classical Journal, Vol. 73, No. 2 (Dec., 1977 - Jan., 1978), p. 146-16; e, ROMEO, Isabel Sant‘Ana Martins. Ambigüidade da Visão das Esposas Espartanas. Orientador: Fabio de Souza Lessa. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006, 119p. Dissertação. (Mestrado em História Comparada). 61 Sobre o espaço feminino no interior da casa ateniense, ver: ANDRADE, Marta Mega de. AVida Comum: espaço e cotidiano na Atenas Clássica. Rio de Janeiro: DP&A FAPERJ, 2002; e, ANDRADE, Marta Mega de. Espaço e ideologia na cidade das mulheres. IN: FLORENZANO, Maria Beatriz B.; HIRATA, Elaine F. V. (orgs.). Estudos sobre a Cidade Antiga. São Paulo: EDUSP, FAPESP, 2009, p. 35-52. 123 lutas, pois entendia que com senhoras vigorosas assim, os meninos nasceriam robustos tanto quanto. Esta idéia não era nova para Xenofonte nem muito menos para os atenienses. Aristófanes encenara sua comédia Lisístrata, em torno de 411, e nela há uma personagem singular, Lampito, uma jovem espartana que é recebida da seguinte maneira pelas outras mulheres: ―Lisístrata: Lampito, querida, bem-vinda, cumprimentos de todos nós. Que espécime maravilhoso, que coisa linda você é! Oh que pele saudável, que firmeza de físico! Você poderia domar um touro! Lampito: Não é impossível. Eu vou ao ginásio, faço minhas nádegas ficarem rígidas‖. (ARISTÓFANES. Lisístrata. 46) Não estamos tomando Aristófanes como verdade, estamos percebendo que na Atenas na qual Xenofonte fora criado havia elementos em comum sobre a imagem da mulher espartana, principalmente sobre o físico das espartanas. Ainda sobre Aristófanes, a comédia fora um estilo muito bem quisto pelo povo ateniense, mas por outro lado, criticado pela elite intelectual que primava pelas tragédias. Aristófanes, por seu turno, não fora membro dos grupos populares, pelo contrártio, fora contado entre os mais abastados, assim como Xenofonte. Isto, por fim, nos permite dizer que havia na Atenas do período que estudamos, intervalo entre os V e IV século, um interesse sobre os espartanos e sua sociedade, inclusive sobre a mulher. O texto em si, Lisístrata, é útil pra uma série de análises, mas elas não são nosso foco aqui. Na historiografia, o primeiro estudo complexo e contundente sobre a mulher espartana foi o texto de Sarah Pomeroy, que publicou em 2002, Sparta Women, a autora tem outro títulos imprescíndiveis para o estudo não somente da mulher, mas da sociedade das póleis gregas,Goddesses, whores, wives, and slaves: women in classical antiquity. As dificuldades na produção de um texto como esse se dão principalmente pelo caráter fechado que a sociedade espartana mostrou ao longo dos anos, queproíbia observadores de fora e vetou a produçãode registros escritos, previsivelmente trouxe a virtual ausência de registrosde ordem documental contemporâneos. Outra problemática que acabara por não atrair olhares modernos para Esparta fora o debate sobre o termo ―miragem‖, inaugurado por Ollierem 1930 e 1940.Tais problemáticas sobre a produção 124 de conhecimentos sobre Esparta refletem claramente sobre mulheres espartanas, dado o silêncio geral sobre o sexofeminino em toda a Grécia, mesmo em melhores condições. Pomeroy indica também uma causa contribuinte para a negativação sobre a prática, influência igualmente estadunidense Moses I. Finley. A influência do marxismo e de M.I. Finley, que ensinou muitos historiadores clacissitas em Cambridge, tem sido em grande parte responsável pela popularização do estudo da história espartana através da lente da miragem. Finley ignorou as mulheres em suas análises da economia grega, escravidão, cidadania. Assim, não é surpresa que, como era costume entre os principais historiadores antigos até o final do século XX, [Paul] Cartledge [autor de conhecidas obras principais de estudos sobre Esparta] não dedicar muito espaço para as mulheres em seus livros. (POMEROY,2002, p. 159). Para a autora, mesmo que em um viés claramente feminista, mas porque não, válido, o silenciamento sobre a mulher espartana foi feito partindo da idéia deque o conjunto de fontes escriitas sobre Esparta está permeada pelo que Ollier, assim como Finley, e seus orientandos, chamaram de ―miragem espartana‖. Sua crítica é importante à medida que esta miragem permiteque se discuta sobre vários temas, vide a variedade de assuntos sobre os quais Paul Cartledge debate, por outro lado, esta mesma ―miragem‖ não permite falar sobre a mulher? O debate de Xenofonte, na perspectiva de analisar a procriação entra em uma segunda etapa, o casamento e a fecundação. Para Xenofonte, o teor das leis licúrgicas é tão denso, que permeia inclusive as relações sexuais entre os casais. Em 1. 5, ele afirma que Licurgo teria percebido que nas outras póleis os indivíduos não tinham com suas esposas quaisquer sistematizações quanto ao contato íntimo, ele chega a assegurar que os homens teriam sexo com suas esposas desde o memomento em que elas entrassem em suas casas, mas Licurgo seria contrário a tal comportamento. Ele estabeleceu que aqueles que fossem vistos deixando a parceira seriam dignos de vergonha, e que os parceiros deveriam praticar uma espécie de economia entre eles, afim de manter o desejo mútuo permanente, pois assim, acredita ele, se produziria uma criatura mais robusta. O interessante é que a noção de comedimento está presente, mas não o termo. Assim como quando tratara da educação, o legislador tinha em mente traçar no indivíduo uma clara espécie de aidos, pudor. Diferente da siforosíne, do auto-controle, 125 do comedimento, a noção de reserva, modéstia traz consigo a noção de educação através do senso de resposta, através da violência. Já nos trechos 8 e 9 há um debate bastante interessante: Licurgo também deu conta em suas leis daqueles que mesmos casados não queriam, não conseguiam ou mesmo não poderiam coabitar com suas mulheres, no entanto, gostariam de ter filhos dignos de lembrança. Haveria uma saída, eles poderiam escolher entre as mulheres aquela de potencial comprovado para que lhes desse filhos. Não pode-se afirmar que a mulher teria dois maridos, mas que geraria filhos de dois homens. Por outro lado, ao que parece uma medida não estava sobre o controle das leis: a ambição das mulheres, pois agindo assim elas teriam duas casas, duas famílias; a vontade de seus esposos, em relação aos novos irmãos de seus filhos que dividiriam com eles sua linhagem e influência, o que sem dúvida, conferia status e força política, mas sem fazê-los partícipes de sua herança. Esta prática foi por algun tempo conhecida como poliandria, ou como ―partilhamento de esposas‖, o que Pomeroy rechassa (2002, p. 37) a partir da perspectiva de Daniel Ogden e sua noção de "paternidade divisível" - a crença de que um filho poderia ter dois pais do sexo masculino, um primeiro, seria o cônjuge aquele que recebe o empréstimos-social que se beneficiaria indiretamente a partir da injeção da semente do parceiro extraconjugal de sua esposa, e um segundo, o doador da semente. A grande diferença na análise de Sarah Pomeroy é o ponto de vista feminino, na perspectiva de Sarah Hardy, de que a poliandria poderia ser na verdade benéfica para as mães, já que aumentaria o número de possíveis pais, o que ajudaria no trato comas crianças, e assim, perpetuaria legado genético da mãe (JONES, 2003). A fala de Pomeroy ao analisar Xenofonte vem na perspectiva de que as inovações conjugais de Licurgo eram em parte motivado pelo desejo das mulheres de obter a posse de duas famílias (1. 9), o que explica a noção que ela utiliza, a idéia de "marido de duplicação", em clara oposição à informação de "partilha de esposas". Há ainda um elemento anterior, em 1.7, Xenofonte nos fala sobre o caso de senhores de mais idade que casavam-se com jovens moças. Licurgo teria estabelecido uma legislação desaconselhando tal união, mas que caso ocorresse, tendo dificuldade o marido em fecundar sua jovem esposa, deveria escolher e convencer um jovem varão, cujo ―corpo e o espírito admirasse‖, para que este fecundasse a moça. Ao que parece, como afirma Moura (2002, p. 46), este costume fora comum até princípios do IV 126 século, o que depois não se prolongou, já que Heródoto (VI, 61-63) nos indica haver insatisfações sobre o adultério em Esparta, o que não pode gerar alarde devido à forma de significação, expressão e difusão de informações provindas de Heródoto, já que ao ver e ouvir determinados costumes, Heródoto os expressou como entendia,deixando de lado a maneira como os membros do grupo observado apreendiam o mesmo fenômeno, daí o possível estranhamento. Por fim, encerrando o tópico sobre a mulher, Xenofonte traduz sua ironia através de uma imagem bastante prática: o corpo dos espartanos. 62 Para ele, os Lacedemônios eram notáveis em quaisquer lugares da Hélade, devido à sua altura e força, que era algo fruto da formação genética destes indivíduos. É importante salientar que os próprios gregos se entendiam como tendo grupos sanguíneos distintos, os próprios espartanos se identificavam enquanto dóricos, já os atenienses, como jônicos. Eles seriam tanto culturalmente como biologicamente distintos uns dos outros. Por fim, o que para Xenofonte seria benéfico, na perspectiva dos fins, para outros como Aristóteles, isso representava na mais que a licenciosidade das mulheres de Esparta. 4.4.3 Vida cotidiana: os usos e costumes A preocupação do legislador baseia-se no papel da mulher na procriação, no aumento da população. Xenofonte aqui destaca o caráter biológico da formação do futuro cidadão, da criança cujo ventre materno já se prepara para sua chegada. Outro dado interessante é o tom provocativo de Xenofonte: enquanto em outras cidades as moças recebem trabalhos leves, como fiar a lã, atividades que realizavam sem grande esforço físico, em Esparta as donzelas passam por um treinamento físico árduo tanto quanto o masculino. Este exercício de alteridade que se dá em diversas passagens, o de opor costumes de outras cidades gregas em oposição aos de Esparta traz consigo a tentativa de explicação quanto à superioridade espartana sobre as cidades gregas de então. Essa interpretação também traz consigo tentativa de entendimento sobre as 62 Há diversos debates sobre a noção de corpo para os gregos, ver. SENNETT, Richard. Carne e Pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro: BestBolso, 2008 127 qualidades, as formulações culturais e políticas que levaram Esparta a tal posição na Hélade do final do século V e início do IV. Já que a cidade é composta de cidadãos, importa que estes sejam bem preparados desde a tenra idade para exercer as atividades administrativas. A base familiar enquanto base do projeto educacional das reformas de Licurgo é para Xenofonte a chave para o desenvolvimento da cidade. Após destacar o papel da mulher, o estratego ateniense destaca o papel da formação familiar, mostrando que os celibatários, aqueles que por algum motivo não se casavam e, portanto não tinham filhos legítimos, poderiam ter direitos cassados, tanto da propriedade quanto o poderiam receber tratamentos desonrosos por partes de outros cidadãos. As leis referidas por Xenofonte trazem algumas lacunas, por exemplo, a stásis, as recorrentes crises que se abatiam sobre Esparta principalmente através das intensas desigualdades sociais, inclusive entre os cidadãos, o que acarretava o acirramento das disputas internas principalmente pela posse das terras agricultáveis. Na perspectiva de dar vazão, mesmo que seja de uma maneira minimalista, a estas questões, Xenofonte chama a atenção para a imagem das Syssytias, a prática das refeições comunais, onde cada cidadão traria determinadas quantidades de alimento e ali, em conjunto, enquanto o corpo de cidadãos, os indivíduos comeriam juntos, de acordo com Xenofonte as quantidades corresponderiam a porções que não os deixariam fartos, entretanto não os deixa esfomeados(5.3). Ou seja, a quantidade de ração distribuída de maneira uniforme é capaz de saciar, de dar conta às necessidades. Sobre a distribuição da ração comum aos iguais, Humble destaca: Licurgo, notando uma tendência dos espartanos que viviam em suas próprias casas, como outros gregos, em relação ao estabelecimento das refeiçõesem comum acreditando que através da instauração de refeições públicas dos cidadãos, tornou tal prática em transgressão (5,2). Uma descrição da dieta nestas refeições é dada (5,3). Podemos perceber também que o cardápio dos iguais fora menos rigoroso que a dieta dos meninos (2,5). Por outro lado, Os membros do syssitia não deviam ser obrigados a permanecer ali, nem eraasua dieta completamente desprovida de luxos, os despojos de caça e pão de trigo dos ricos também eram repartidos entre os membros do grupo (HUMBLE, 1997). Ainda segundo Noreen Humble, a syssitia seria um espaço privilegiado de sociabilidades extra-etário, onde adultos e crianças entrariam em contato, onde estes 128 últimos aprenderiam desta vez não por medo, mas através da conversa com os mais velhos. Percebemos em Xenofonte a exposição da instauração e conseguinte manutenção de uma ordem social que inibisse a desigualdade entre os cidadãos, através de um critério que pode soar como ingênuo, a divisão de porções iguais de refeição, mas segundo Xenofonte só é base do igualitarismo, já que além das refeições comum em Esparta seria vedada aos cidadãos toda atividade que não estivesse ligada à administração da cidade, assim não poderiam administrar seus negócios e, portanto enriquecer a si mesmos, portanto todos permaneceriam iguais, inclusive financeiramente: Por sua vez, Licurgo estabeleceu as seguintes normas legais contrárias ao resto dos gregos. Nas demais Póleistodos enriquecem como podem: um trabalha a Terra, o outro é armador, alguns se dedicam ao comércio e outros ao Artesanato. Em Esparta, Licurgo proibiu aos cidadãos livres fazer qualquer coisa que se relacionasse com o lucro, ordenando que só se considerassem próprias as atividades de liberdade cívica (CL VII, 1-2). Deve, portanto, haver uma uniformidade inclusive financeira entre os cidadãos, para que a estabilidade social possa gerar seus frutos. Na tentativa de demonstrar a seu grupo de leitores os frutos de uma sociedade sem disputas econômicas, não há disputas, pois cada um só pode tomar como profissão assuntos referentes à liberdade da cidade, são portanto obrigados a prestar este serviço de ordem pública. Por outro lado, Xenofonte aponta que em Esparta não há a necessidade de ter dinheiro, já que não há a prática do consumo, pois ainda segundo Xenofonte não há fornecimento de roupas, por exemplo, e quando querem se adornar usam flores ou mesmo sua boa aparência física (7. 3). Mais até, segundo Xenofonte, Licurgo teria proibido a entrada de ouro e prata na cidade, pois acredita que os males do espírito são resultado das malícias geradas por lutas de origem econômica. O que vemos aqui não é somente a exposição de um ideal, mas a pregação, o proselitismo deste mesmo regime governamental. Há outras lacunas aqui, Xenofonte não cita que os espartanos estavam livres de atividades comerciais, pois tinham ao seu dispor uma massa de trabalhadores, que 129 ocupados das atividades com fins lucrativos, liberavam seus mestres para a organização política da cidade, assim como para o treinamento físico e militar. Até o momento explicitamos como Xenofonte, de maneira sistemática, expõe os costumes espartanos como sendo de origem legislativa, as leis organizam não somente a vida política da cidade, mas todas suas esferas de vivências e relacionamentos entre os cidadãos. Tentando fazer ver uma sociedade igualitária em diversos aspectos como na obrigatoriedade da participação no exército regular e apartilha dos alimentos nos refeitórios em comum. Essa prática por outro lado parece ter sido exercida em um determinado grupo da sociedade, pois outro, que ele chama de  os estadistas, que também nomeia por  que pode ser traduzido por ―os velhos‖, chamando a atenção para o conselho de magistrados. Esta categoria diferente de cidadãos tem tanto poder que para que Licurgo pudesse por em prática suas reformas legislativas tiveram suas opiniões recebidas (8.1). Como aristocrata Xenofonte acredita na idéia de uma sociedade temente às leis, leis reguladas e propostas por um grupo de cidadãos, que através de critérios que não explicita se tornaram os mais poderosos, os melhores, . Apesar da aparente igualdade exposta até aqui, existiam em Esparta abismos sociais gritantes, não somente viventes entre os cidadãos e outros, mas entre os próprios espartanos, divididos entre Esparciatas, Hypomeiones, e Neodamodeis. Aqueles que de fato tinham os direitos políticos tinham as melhores terras e, por isso, acumulavam as riquezas produzidas no fértil vale do Eurotas; os indivíduos que por certos fatores não puderam partilhar o pão nas syssitias, que possivelmente perderam suas terras, isto é, lhes foram retiradas por parte do estado, e que por isso tem seu estatuto social rebaixado; e por fim, aqueles que por algum motivo deixaram de ser hilotas, ou periecos ocupando uma dignidade superior, eram ―novos na comunidade‖. Estes grupos estão em conflito pela dominação da cidade, Xenofonte não deixa tão claro assim estas disputas. 4.4.4 A organização Militar Neste último tópico, Xenofonte não específica técnicas, ou armamentos dos guerreiros espartanos, mas nos mostra além da organização do corpo de combatentes em 130 períodos de campanha, uma apresentação social, como o comportamento na tropa define o tratamento do individuo dentro da comunidade de cidadãos. A primeira lição que teremos é sobre os mortos. Para Xenofonte, Licurgo teria conseguido que entre os cidadãos de Esparta houvesse um grande apelo por uma morte honrosa, uma bela morte, daí a percepção de Xenofonte, de que muitos preferiam morrer a ter de se entregar ao inimigo. Esta fala de Xenofonte vem na perspectiva da surpresa exposta por Tucídides ao afirmar que os espartanos se renderam em Esfactéria: De todos os eventos desta guerra este foi o mais inesperado para os helenos. Com efeito, ninguém poderia imaginar que os lacedemônios jamais fossem compelidos pela fome ou por qualquer outra necessidade a entregar as armas; pensava-se que eles as conservariam até a morte, lutando enquanto pudessem, e ninguém podia acreditar que os que se renderam fossem tão bravos quanto os que morreram. Quando um dos aliados dos atenienses algum tempo depois perguntou acintosamente a um dos soldados capturados na ilha se os lacedemônios mortos eram verdadeiramente bravos, a resposta foi que o instrumento (querendo dizer a flecha) teria um enorme valor se pudesse distinguir os bravos, desejando deixar claro que as pedras ou os projéteis saídos dos arcos matavam indistintamente quem estivesse em sua frente(TUCÍDIDES, IV.40). Tucídides expressa tamanha surpresa ao ponto de afirmar ser este um evento bastante inesperado. Construiu-se na Hélade, desde as Termópilas (HERÓDOTO, 7.220-232), um modelo criado por Leônidas e seus trezentos. Este modelo predito cerca de vinte cinco a trinta anos antes da escrita de CL, possibilita perceber uma imagem recorrente entre os helenos no intervalo entre os séculos V e IV, a de bravura estabelecida pelos espartanos, enquanto o povo mais feroz entre os gregos. A frase de Simonides nas Termópliasreafirma este ideal: Ὦ ξεῖν', ἄγγειλον Λακεδαιμονίοις ὅηι ηῆιδε κείμεθα, ηοῖς κείνων ῥήμαζι πειθόμενοι63. (Simônides, AP 7.249) O ideal de Ferocidade e valentia contrasta, portanto com o de covardia. Xenofonte, como bom soldado, sabia bem o que estava dizendo, para ele, de acordo com Licurgo, nas demais póleis, a única punição que os covardes recebiam era ser chamados como tal, mas nenhum tipo de penalidade lhes seria imposta, poderiam perambular pelas ruas, sentar onde bem entendessem, enfim, não havia nada 63 ―Estrangeiro, avisa os lacedemônios que aqui estamos, em obediência às suas leis[...]‖. Consultado em http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0199 acessado em 12/12/2011 131 juridicamente que lhes ofendesse. Já em Esparta, no sentido de penalizar e coibir, portanto, a covardia, Licurgo, através de suas leis, teria incentivado à segregação daqueles considerados poltrões, ao ponto dos amigos o rejeitarem, de perder postos dentro da burocracia política, quando jovens, ficar relegados a espaços sem destaque durante os cânticos, e a ficar confinado junto às mulheres de sua família, que por sua culpa não conseguiriam casamento, e chegavam inclusive ao ponto de ter que pagar um imposto, uma espécie de taxa, que também seria pago pelos solteiros 64 .Enfim, aqueles considerados medrosos passariam por um processo de morte social, que muitas vezes precedia a morte propriamente dita, já que tanto Xenofonte, em 9.6, como Heródoto:―Conta-se também que Pantites, do grupodos trezentos, sobreviveu à derrota, por encontrar-se, na ocasião da batalha, na Tessália, onde fora enviado como embaixador; mas, tendo regressado a Esparta e vendo-se desonrado, enforcou-se‖. (VII, 232) A covardia é expressa por Xenofonte como uma ofensa à comunidade, como um insulto aos cidadãos, pois o indivíduo que assim age, deixa a cidade desguarnecida, expõe seu povo às imposições que uma derrota no campo de batalha pode trazer, daí sua prática ser tratada como um crime social, um pecado não somente àqueles que lutando aos seu lado morreram com armas em riste, mas contra aqueles que estão em casa rogando aos deuses por um resultado fortuito. Uma questão parece não ter resposta, se uma série de limitações receberá o indivíduo que não mostrar seu valor em campo, e o contrário? Quais são os ganhos dos valentes? Xenofonte tenta construir um modelo, explicitando que há uma política para os faltosos, pois são minoria. Grandeparte dos cidadãos, é o que ele tenta expor, não se negam a morrer em confronto, esses seriam os valentes, esses seriam a regra. Xenofonte, a partir do capítulo 13, passa a explicar a organização do exército Espartano em tempos de confronto. De acordo com o autor, o exército se organiza ao redor dos seus reis, tendo como membros de uma espécie de ―estado-maior‖, os Polemarcas, conselho próximo ao rei, que junto deles produziriam as estratégias a ser postas em prática. Adjacente a eles estariam juntos três homens do grupo dos Iguais, compondo o conselho de guerra. Próximo dos Polemarcas se reúnem os capitães, os Penteconteres, os chefes dos aliados, chefes de aprovisionamento e um estratego voluntário. Estes estando presentes, também se ligam a eles, dois dos éforos, que não 64 Indivíduos com idade igual ou superior a trinta anos que permaneciam solteiros. 132 têm uma função específica, a não ser a de observar, vigiar como as atitudes estão sendo tomadas. Para o autor, ao perceber como se dá a organização, todos os outros não passam de amadores, de curiosos, os verdadeiros militares são os espartanos. Outro elemento essencial é a recepção e cumprimento das ordens, os soldados recebem os comandos através dos Enomotarcos que por sua vez recebem as ordens dos Polemarcas, divididos entre suas mórai. Xenofonte faz ver uma organização militar cuja inspiração reside, como afirma Humble, no principio de modéstia e pudor, no aidos. É neste espírito que os soldados ouvem e cumprem as ordens de seus capitães, que recebem as indicações de seus superiores, que por sua vez as recebem da boca do Rei. Há ainda elementos essenciais sobre a vida militar em Esparta que são deixados de lado: por que e para que. Por que motivo os espartanos se tornaram soldados tão imponentes? Para que? Qual o sentido prático? Apesar de não responder, Xenofonte nos proporciona uma discussão que pode ser útil às respostas. Em 12.2, Xenofonte afirma que Licurgo ordenou que estabelecessem guardas durante o dia, que estivessem sempre a observar as armas, a guardá-las propriamente. Esta guarda se dava não em relação aos inimigos, mas aos amigos, mas quem são os amigos, todos os não-espartanos no acampamento, incluindo os hilotas, a principal ameaça. Lipka defende que Xenofonte teria utilizado a expressão 28() ironicamente (2002, p. 203). Então, mesmo no acampamento a vigília não cessava, não se vigiava os meninos ou os rapazes para que mantivessem a disciplina, mas guardavam aqueles cujas iniciativas não se poderia prever. 4.5 O CAPÍTULO XIV O capítulo XIV é problemático em si mesmo, já que é exatamente o oposto do que Xenofonte tratou até então. Em todos os capítulos Xenofonte expõe, de maneira encomiástica, a constituição deixada por Licurgo aos espartanos, mas no referido capítulo sua rotina é outra: uma crítica ríspida aos costumes da Esparta de então. Para K. M. T. Chrimes, o capítulo 14 é incoerente em relação ao restante do texto, como para outros autores, mas pelo fato de não estar em seu devido lugar. Para ela, o texto parece ter sido corrompido, talvez no códex original, em uma modificação acidental na ordem das páginas.Não há consenso quanto à originalidade do trecho, nem mesmo se foi de autoria de Xenofonte. 133 Para Noreen Humble, em ―The Author, Date and Purpose of Chapter 14 of the Lakedaimonion Politeia‖ (1999), as críticas foram mesmo feitas por Xenofonte. Para ela, outros textos como Helênicas, nos permitem perceber que não somente elogios foram construídos por Xenofonte a Esparta. A percepção usual de Xenofonte como porta-voz de Agesilau é claramente refutada. Para a autora, o fato de Xenofonte ter escrito uma obra elogiosa sobre o rei espartano Agesilau não deve ser utilizado como regra para a expressão de Esparta. Para Humble, Xenofonte teria entendido que as grandes reformas de Licurgo seriam dignas de elogio, já o abandono das leis por parte da sociedade espartana no final da guerra do Peloponeso, seria por seu turno, digno de crítica. Para ela, Xenofonte não fechou os olhos para a realidade do século IV. Para Humble, por fim, Xenofonte na verdade estaria fazendo uma denúncia sobre os abusos orquestrados por espartanos enviados de sua cidade para governar regiões aliadas. Para ela, fora de Esparta não existe a vigilância, nem mesmo a prática dos elementos básicos de manutenção da ordem: ―as virtudes promovidas pelo sistema - Aidos, obediência e autocontenção–cuja necessidade de aplicação residiria na apresentação pública, o sucesso do sistema dependia fortemente da manutenção de seus cidadãos sob supervisão pública‖(HUMBLE, 1997, p. 233). Para Xenofonte, à medida que os espartanos saem de Esparta e no estrangeiro entram em contato com diversas práticas, ligadas principalmente aos ganhos materiais, esqueceriam das ordenações licúrgicas. Não é demais lembrar que, na visão de Xenofonte, o importante não seria ter dinheiro, nem mesmo aproveitar o que ele tem, mas o exercício da virtude (MOURA, 2000). Assim, entendemos que negar a autenticidade do capítulo XIV, é atribuir a Xenofonte a incapacidade de crítica ao modelo espartano, lembremos que Xenofonte também é descrito como moralista, e como tal, faz uso do passado para de maneira didática dissuadir seu público ao prosseguimento de percursos por ele criticados. Esparta se manteve pontiaguda e vitoriosa à medida que cumprira as leis de Licurgo, mas quando as deixaram de lado, o resultado não foi benéfico, inclusive para o próprio Xenofonte. 134 5 CONCLUSÃO A análise Historiográfica não pode reproduzir a realidade dos fatos passados em sua totalidade, já que estão no passado e isso não pode se modificar. Como Norberto Luiz Guarinello aponta em Uma morfologia da História: as formas da História Antiga (2003), o historiador lança mão de formas, de generalizações que o permitem, através da análise do passado, produzirr, mesmo que de forma pontual, formas de interpretação do que aconteceu. Estas grandes generalizações possibilitam expressões como o ―Mundo Grego‖, a ―Civilização Greco-Romana‖, enfim, ―O Homem grego‖, contemplações sobre o passado que carregam junto de si um ranso generalizante, homogeneizador e acabam por produzir uma historiografia que privilegia o igual, e quando não é o possível o torna, o fabrica. O Mundo grego é uma expressão ainda amplamente utilizada, que faz lembrar determinadas imagens, que longe de demonstrar a heterogeneidade que a declaração poderia estimar, na verdade, dizem respeito notadamentea Atenas, no V século, durante o regime democrático. Isto é, a imagem se refere a uma cidade, em um tempo específico, sob um regime que não fora, de forma alguma um modelo seguido por várias outras cidades. Apesar de generalizante, o trabalho do historiador pode, sem dúvida, criar novas perspectivas, novos olhares, seja por novas fontes ou novas formas de se olhar as fontes. O que fizemos foi lançar uma nova perspectiva sobre um texto lido e relido por milhares de vezes. As imagens produzidas por Xenofonte sobre Esparta e sobre espartanos foram assim produzidas, devido à biografia do autor, seu nível de experimentação e convivência com os espartanos, assim como suas vivências e experiências com outros gregos, inclusive seus conterrâneos atenienses, que procurando informações sobre a vida em Esparta, acabaram por encontrá-las em Xenofonte, este heleno que desde a juventude procurou associar o dizer ao fazer. O caráter ímpar de Xenofonte traz consigo uma perspectiva analítica possível somente através dele: sua escrita tática, objetiva, que carrega expressões do grego mais simples possível, o que para alguns, o torna medíocre, mas para outros, o faz acessível. Sua escrita direta e técnica, por que utilizar uma expressão genérica, onde se pode dizer 135 a forma específica? O fato de ser um soldado, um cavaleiro, um homem de armas, mastambém das palavras, torna-o, sem dúvida, um interlocutor privilegiado entre os militarizados espartanos e outros e os demais gregos. Mas sua singularidade não termina no fato de ter carregado a espada, mas dentre a prática da Xenelásia, onde os espartanos expulsavam estrangeiros de suas terras, ele pelo contrário, foi convidado a viver sob a tutela dos espartanos, e ter os filhos educados sob as leis de Licurgo. Xenofonte foi um dos poucos, muito poucos, que recebera tal homenagem e por isso o que ele escreve sobre Esparta tem um valor diferenciado. Mas isso permite ainda outra questão, seu raciocínio seria, por isso, idealizado?Não. Assim como Doreen Humble, cremos que apesar da amizade entre Xenofonte e Agesilau, o autor em questão não deixou de ser crítico em relação aos espartanos, que de acordo com Xenofonte perderam a posição hegemônica ostentada sobre os outros gregos, devido ao descumprimento das tão elogiadas leis licúrgicas. As imagens de Esparta são representações, que na óptica aqui utilizada são elementos aferidores de sentidos, atribuídos aos símbolos, objetos, comportamentos fenômenos, dentro de uma perspectiva social, e por meio de uma ação particular, a do sujeito, que age tanto recebendo as representações dentro de seu meio quanto divulgando estas informações. A perspectiva usada aqui, remonta à idéia de Representação Social proposta por Émile Durkheim, que por meio de Serge Moscovici, voltou, em meados dos anos 1970, aos debates acadêmicos. Mas principalmente através de Denise Jodelet, pudemos perceber os jogos de poder na produção das representações, através das intersubjetividades, Subjetividades e Transubjetividades, que se relacionam intimamente com sujeito e meio no qual está inserido. A configuração de Esparta e Espartanos feita por Xenofonte é um arranjo mais complexo que uma idealização pura e simplesmente. Para Xenofonte, Esparta é umaPólis, que agrega os valores e concepções propostos por Sócrates, seu mestre. Tem um sistema educacional que forma os futuros cidadãos, e essa educação é prescrita através do canto e do trato físico. Por fim, Esparta lembrava o modelo socrático devido ao restrito número de cidadãos, indivíduos que gozavam de direitos políticos e da posse das melhores terras. Segundo Heródoto, os espartanos seriam em torno de 5.000 cidadãos, quantidadepróxima tão próximo dos 5.400 do também socrático Platão, em Leis 5.737c-738a.Esta cidade é composta tanto de elementos físicos, como simbólicos, 136 que dão significado aos paramentos sólidos, é composta tanto da ágora como das representações que afirmam significados. Contudo, o escrito de Xenofonte não fora escrito sem um sentido, mas fora produzido para propiciar a um determinado grupo de leitores interessados o conhecimento sobre Esparta e suas organizações internas. Este grupo mantinha entre si relações de contato, ao ponto de estabelecer vocabulários, arsenais de representação que faziam sentido dentro deste grupo, tal fato pode ser percebido através da linguagem de Xenofonte, das formas de expressão por ele utilizadas. Este grupo, por seu turno, está muitas vezes em conflito entre si, combate este que não é necessariamente físico, mas pode sê-lo. Para que efetivássemos a empreitada, lançamos mão de três capítulos, que prefiguram três elementos por nós utilizados para que pudéssemos discutir o problema. Em primeiro lugar, fizemos uma análise sobre a biografia de Xenofonte, destacando a construção das diversas suposições que acabam por receber status de verdade, e que variam com as posições e temporalidades. Assim, entendemos que Xenofonte fora criado em um ambiente abastado, onde aprendeu a lida dos cavalos, mas também aprendeu a lutar. Ainda jovem segue com Ciro na malfadada tentativa de tomada de poder, no retorno faz parte de uma experiência que o marcara por toda sua vida, A Retirada dos Dez mil. Neste capítulo pudemos perceber que o tratamento dado aos escritos de Xenofonte se modificou ao longo dos anos, de lido e respeitado durante o domínio romano a fracassado e imitador de Tucídides, no início do século XX, passando pelo gradual abandono de sua leitura por parte da elite militarizada europeia. Pudemos através de uma ampla revisão historiográfica perceber que Xenofonte tem nos últimos anos sido revisitado, através de uma observação que priorize analisar Xenofonte sob seus próprios termos e não procurando estabelecer em que momento(s) ele se mostra inferior a Tucídides. As críticas às obras de Xenofonte ganham coro principalmente a partir do século XVIII (HIGGINS, 1977), quando a arma de fogo reconfigura os moldes de combate no Ocidente europeu, o que deixara os tratados de Xenofonte superados. Já no XIX, a busca por uma padronização empírica e modular acabou por estabelecer Tucídides como o historiador por natureza, o modelo para o cientista da Bélle Époque, deixando de lado tanto Heródoto quanto Xenofonte. Pobre Xenofonte que, segundo 137 Laércio, foi quem descobriu e publicou os textos de Tucídides preservando-lhes o nome do verdadeiro autor. Outra dificuldade de aceitação a Xenofonte é sua pseudorivalidade com Platão. A figura de Platão quase não é mostrada por Xenofonte 65 . Laércio 66 denuncia que Platão teria ficado enciumado pelo fato de Xenofonte ficar conhecido como a musa da Ática, por ter uma voz e dicção suaves, o que o fazia ser apreciado por seus ouvintes. Além disso, Laércio escreve ainda que Platão teria criticado publicamente a Cyropédia de Xenofonte, afirmando que ele teria inventado tudo aquilo. A confiança que entregamos a Laércio é limitada, mas nos permite dizer que na antiguidade havia algum tipo de entendimento quanto a Xenofonte ser aluno de Sócrates, e que entre ele e Platão havia certa rivalidade. Concorrência esta que foi acentuada pelos catedráticos europeus, que em princípios do século XX entendiam ser inconcebível a idéia de Xenofonte entre os Socráticos, o acusavam de ser superficial, raso, fraco. Esta questão fora alimentada pela caracterização de Sócrates feita por Xenofonte, um sujeito simples, preocupado com as coisas corriqueiras da vida cotidiana, como a casa e a esposa, a famosa e da mesma forma, geniosa Xântipa. No segundo capítulo passamos a um debate conceitual, o que é Pólis. Para responder à questão, lançamos mão inicialmente de uma revisão historiográfica contemporânea, a fim de entender o que chamamos hoje por Pólis; e, depois, o que os próprios Antigos, disseram sobre ela. Mostramos que devido a uma concepção de histórica que privilegiara os estudos sobre o passado através de fontes escritas, e sem um perspectiva crítica sobre elas, formulou-se uma noção de Pólis amplamente baseada no que autores como Aristóteles, principalmente, comentaram sobre a ―cidade-estado‖ grega. Tal observação fora constituída exatamente quando o Ocidente europeu passava pelo processo de formação dos estados nacionais, onde a imagem dos antigos foi utilizada para compor as origens do Estado Nacional moderno, além da construção de um modelo neocolonial, que dominara e explorava as populações de Ásia e África. A um primeiro grupo de historiadores que discutiram a noção de Pólis, denominamos o termo Pólis Institucional, demonstrando tanto as nuances tradicionais, como por exemplo, os olhares de Glotz e Finley, da mesma maneira que 65 Somente aparece em Memoráveis 3.6.1. 66 Em Vidas e Doutrinas dos filósofos ilustres,2.6.55 e 3.34. 138 percepçõescomo as de Hansen. Em um segundo observamos análises que privilegiavam a arqueologia, o que batizamos dePólis Arqueológica. Nesta perspectiva, entramos em contato com leituras amplas, mas, ao mesmo tempo, específicas, como Snodgrass, Florenzano e Whitley. O último grupo denominamos Pólis Revisionista, onde aforamos análises que se mostram verdadeira alternativas às leituras mais tradicionais sobre a pólis, como as deBrock e Hodkinson, Morgan, Vlassopoulos e Soares. Sobre os antigos, partimos das leituras de Aristóteles, Platão e Tucídides, que nos possibilitam um vislumbre a respeito de uma visão padronizada sobre a Pólis. Nestes autores, assim como em Xenofonte, o discurso normatizador é presente. Ao percebermos a configuração de um máximo de 5.400 cidadãos na cidade ideal de Platão, a propostaoligárquica não pode ser deixada de lado. Já para Aristóteles, a multidão é que compõe a Pólis.Mas quem faz parte desta multidão? Os cidadãos. A visão de Xenofonte também é restritiva, mas pudemos entender que ele concebe a noção de cidade como bastante habitada, e se mostra surpreso ao ver que Esparta, apesar de pouca população é a mais influente das Póleis. Esta frágil surpresa de Xenofonte demonstra sua insatisfação em relação às aturdidas ruas de Atenas, onde milhares de pessoas perambulam, sem, contudo atribuir valor à cidade. Para Xenofonte o que caracteriza o poder da cidade é a força e o cumprimento do conjunto de leis. Para ele, os espartanos são o que são, pois cumpriam rigorosamente as legislações e, para ele, a cidade funciona como o espaço composto pelas regras. Assim, para Xenofonte, a cidade é composta pelas formas de governo: assembleias, conselhos e votações. Em fuga com seus companheiros, Xenofonte usa o padrão governativo disponível nas diversas Póleis e, por isso, conhecido de muitos, para organizar o exército que, em movimento, acabara de perder seus generais, mas principalmente seu líder e empregador, Ciro. Os soldados compunham a assembleia, todos eles tinham direito a escolher representantes, inclusive mesmo antes da morte de Ciro, já os generais compunham um conselho menor, mas as decisões deveriam de passar pelo plenário, pelo conjunto de cidadãos desta pólis em movimento. No terceiro e último capítulos, pudemos expor de modo sistematizado, como Xenofonte constrói a imagem de Esparta e Espartanos, no intervalo entre o V e o IV séculos, o que fizemos por meio de autores como Humble e Lipka. Para tanto, organizamos nosso debate em tópicos explicativos, que nos possibilitaram dar 139 organicidade ao debate. Atemo-nos, principalmente, mas não somente, à Constituição dos Lacedemônios. Observamos a que usos Xenofonte expõe seu texto, no sentido de conferir à Esparta algum tipo de supremacia em relação às outras cidades, a perspectiva de Xenofonte não é estabelecer se Esparta alcançou poder e Glória, mas sim por quê? Por qual motivo? Pelo cumprimento das leis. O prosseguimento rigoroso das legislações é fruto de um rígido sistema educacional que privilegia a ideia de aitia, de controle e obediência, tencionando produzir soldados cumpridores de ordens. As crianças passavam a ser educadas desde muito cedo e se ligavam a uma estrutura ferrenha de comando. Outro tópico, quanto às mulheres? Qual seu papel? Para Xenofonte, as mulheres são reprodutoras, para ele Licurgo teria criado leis específicas para que a mulher fosse fértil e desse muitos filhos para Esparta. Caso seu esposo não efetivasse a ação, ela poderia requerer outro parceiro, o que Pomeroy chama de compartilhamento de paternidade. Assim, entendemos que propusemos uma análise que possibilitou pensar Xenofonte em sua própria perspectiva e de seus contemporâneos. Respondendo sobre como Xenofonte construiu uma representação sobre Esparta, através de que mecanismos, ferramentas ele possibilitou a construção deste ícone. Privilegiando um debate sobre a subjetividade enquanto um dos elementos definidores da Representação Social, que através de um amplo aparato discursivo, nos permitiu pensar Esparta como a composição de uma série de imagens, que foram justapostas por Xenofonte, sem perder de vista que estava longe de ser um ingênuo narrador, muito pelo contrário, entendia as disputas nas quais estava envolvido, já que desde cedo soube junto ao mestre que fazer inimigos é muitas vezes mostrar opiniões, um indivíduo cuja biografia lhe respalda, cuja vida fora feita da Pena à espada. 140 REFERÊNCIAS Fontes ARISTÓFANES. Lysistrata . Trad. Ana Maria César Pompeu.São Paulo: HEDRA, 2010. ARISTOPHANES. Lysistrata. Disponível em http://artflx.uchicago.edu/perseus- cgi/citequery3.pl?dbname=GreekFeb2011&query=Ar.%20Lys.&getid=2. Consultado em 12/01/2012. ARISTOTLE. Politics. Disponível em: http://artflx.uchicago.edu/perseus- cgi/citequery3.pl?dbname=GreekFeb2011&query=Arist.%20Pol.&getid=1. 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