0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MÁRCIA MARIA DIAS OS SABERES DOS PROFESSORES DA ESCOLA FUNDAMENTAL: CONCEPÇÕES SOBRE AS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS Natal/RN 2009 1 MÁRCIA MARIA DIAS OS SABERES DOS PROFESSORES DA ESCOLA FUNDAMENTAL: CONCEPÇÕES SOBRE AS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. Francisco Cláudio Soares Júnior Natal – RN 2009 2 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Divisão de Serviços Técnicos Dias, Márcia Maria. Os saberes dos professores da escola fundamental: concepções sobre as abordagens geográficas / Márcia Maria Dias. - Natal, 2009. 186 f. Orientador: Prof. Dr. Francisco Cláudio Soares Júnior. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação. 1. Educação - Dissertação. 2. Ensino fundamental - Dissertação. 3. Geografia escolar - Dissertação. 4. Formação do professor - Dissertação. I. Soares Júnior, Francisco Cláudio. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 372.891(043.3) 3 MÁRCIA MARIA DIAS OS SABERES DOS PROFESSORES DA ESCOLA FUNDAMENTAL: CONCEPÇÕES SOBRE AS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação. Aprovado em BANCA EXAMINADORA _______________________________________________ Prof. Dr. Francisco Cláudio Soares Júnior Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN _______________________________________________ Prof.ª Dr ª. Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina Universidade Federal do Piauí – UFPI _______________________________________________ Prof.ª Dr ª. Maria Salonilde Ferreira Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN _______________________________________________ Prof.ª Dr ª. Liomar Costa de Queiroz Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN NATAL/RN 2009 4 AGRADECIMENTOS A Deus, força infinitamente presente e indispensável à minha existência. A ação de agradecer é privilégio de quem sabe reconhecer que o resultado de qualquer processo só é possível, primeiramente, pelo desejo que nos move, juntamente com a colaboração do outro: professores (as) colaboradores da pesquisa, esposo, filhos, pais, irmãos, professores, amigos e todos aqueles que se integram, de alguma forma, diante dos nossos propósitos. À minha mãe Lindalva que, pelo incentivo, dedicação, crença, valores e princípios atribuídos, me fez crer na capacidade de dar novo sentido às pedras encontradas no caminho da vida. Ao meu pai Dival, que pelos atos me encaminhou a inúmeras aprendizagens. Ele me fez perceber que o afeto está enraizado em cada um de nós e, portanto, manifestado de maneira surpreendente e inexplicável em um dado momento. Aos meus filhos Márcio e Kamylla, presenças singulares em todo meu percurso, pela compreensão, afeto e momentos dedicados a essa construção. Aos filhos Larissa, Liceu e Leidson, aos quais tenho profundo carinho e admiração. Ao meu parceiro e esposo Liceu, que não mede esforços em prol das mudanças sociais; mestrou-se nesse fazer e, particularmente nesse constructo, dialogando, intermediando, apontando, opinando e afagando os meus momentos de angústias. Sua parceria é grandiosa na minha existência. Aos meus sogros Cícero e Teresinha, queridos pais adotivos, que me abraçaram e cuidam com a especialidade que o amor paterno e materno representam. Ao professor-orientador Francisco Cláudio Soares Júnior, pela acolhida e credibilidade dispensada nesse percurso, compartilhando e empenhando-se colaborativamente em reconstruir os saberes das abordagens geográficas. Sua postura pessoal e profissional me leva a crer, que a sapiência - que lhe é inerente - só se torna evidente se aplicável através da atenção e disponibilidade dedicadas à produção do conhecimento científico. Pesquisar exige dedicação, perseverança, atenção e, principalmente, disponibilidade do outro, pois o fenômeno no qual a pesquisa se insere não é individual, é processo coletivo e singular diante da complexidade/totalidade social. Sem esses requisitos existentes nos professores Angico, Jacarandá e Carvalho esta pesquisa não seria possível. Ela é resultado 5 do processo colaborativo por nós constituídos, vinculados à amizade, às dúvidas, ao cansaço, aos abraços, mas sempre entre muitos sorrisos. Meu intenso agradecimento. À professora Maria Salonilde Ferreira, minha singular admiração, por compartilhar com a certeza de que pelo afeto se estabelece toda e qualquer possibilidade de aprendizagem por parte do ser humano. À professora Liomar Costa de Queiroz, a quem a vida reserva de forma encantadora o compartilhamento de saberes disciplinares, atitudinais, afetivos, entre outros. O olhar teórico e singular da professora Márcia Maria Gurgel Ribeiro me proporcionou reflexões e reconstruções imprescindíveis nesta construção científica, portanto, meu profundo agradecimento. A professora Janeide, pela atenção e carinho durante as produções a respeito das abordagens geográficas. Aos irmãos (ãs) Dias, Gracia, Darlene, Gerson, Ceiça, Adilson, Débora e Patrícia, aos quais, o tempo e as experiências da vida têm mostrado que afeto, carinho, gratidão, respeito, perseverança se constituem em aprendizagens a cada situação e em qualquer tempo da vida, seja de alegria, comunhão e até de tristezas. Meu profundo carinho. Aos cunhados (as) e sobrinhos pela amizade e carinho constituídos em momentos preciosos da vida. João Bezerra, pela atenção e empenho em prol da revisão gramatical. Aos professores que perpassaram pela minha formação básica e acadêmica, colegas mestrandos, doutorandos da Linha de Pesquisa Práticas Pedagógicas e Currículo do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e a todos que fazem parte da Pesquisa Conhecendo e Construindo a Prática Pedagógica, participantes da abordagem colaborativa que permitiram - pelas discussões, estudos e diálogos - aprendizagens significativas para a efetivação deste trabalho. A vida presenteou-me com virtudes e inúmeros defeitos. As virtudes quase não as percebo, elas se revelam pelo dizer do outro. Mas foi diante daqueles que eu considerei como ‘defeitos’ que busquei incessantemente aprender. No confronto com as minhas incertezas, e em comunhão com vocês, me fortaleci acreditando que tudo que se sonha se torna realidade por meio da colaboração mútua. 6 As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas. Elas sabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem nos seus caminhos. A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se machucam. Para aqueles que buscam e tentam sempre. Clarice Lispector 7 RESUMO O presente trabalho, intitulado “Os saberes dos professores da Escola Fundamental: concepções sobre as abordagens geográficas” objetiva investigar os saberes do professor dos anos iniciais da Escola Fundamental em relação à natureza específica das abordagens geográficas e refletir como, no processo de investigação colaborativa, os professores apreenderam os saberes específicos das abordagens geográficas vinculando as suas assimilações teóricas a um determinado nível de concepção. Buscamos, por meio da investigação colaborativa e na aplicação de diferentes procedimentos técnico-metodológicos, responder às nossas questões de estudo: Quais os saberes geográficos que os professores construíram na trajetória das suas formações? Como, no processo de investigação colaborativa, os professores apreenderam os saberes específicos das abordagens geográficas conforme princípios da perspectiva sócio-histórica? Assim, utilizamos especificamente as narrativas tópicas (orais e escritas) com base nos eixos norteadores ”Como aprendi e o que aprendi” referentes aos saberes geográficos constituídos na trajetória de formação, para efetivarmos o diagnóstico dos conhecimentos prévios dos professores. O processo reflexivo e o aprofundamento de estudo ocorreram, respectivamente, por meio dos Seminários de Estudos Reflexivos e dos Ciclos de Estudos Reflexivos, indiciando a concepção de apreensão dos saberes propostos nessa construção científica. Os postulados teóricos de Ferreira (2007), Charlot (2000, 2005), Tardif (2002), Tonine (2003), Soares Jr. (2000), Moraes (2005), Pimenta (2007) entre outros, proporcionaram estudos sobre a temática em foco. A pesquisa ocorreu numa ação colaborativa em uma escola pública da cidade do Natal (RN), no Bairro de Nova Descoberta, turno matutino, com três colaboradores, que participaram voluntariamente deste processo: Angico, Jacarandá e Carvalho, os quais desenvolvem suas práticas pedagógicas nos 1º e 4º anos do Ensino Fundamental. Os resultados obtidos das análises apontam um alcance descritivo das concepções dos colaboradores sobre os saberes das abordagens geográficas, que se referem à enumeração dos aspectos característicos do fenômeno concebido, muito embora tivéssemos nos empenhado para alcances transformadores das nossas concepções. Palavras-chave: Saberes Geográficos. Geografia Escolar. Trajetória de Formação. 8 ABSTRAT El presente trabajo, intitulado, “Los saberes de los profesores de la Escuela Fundamental: concepciones sobre los abordajes geográficos” objetiva investigar los saberes del profesor de los años iniciales de la Escuela Fundamental en relación a la naturaleza especifica de los abordajes geográficos y reflexionar como en el proceso de investigación colaborativa los profesores aprendieron los saberes específicos de los abordajes geográficos vinculando sus asimilaciones teóricas a un determinado nivel de concepción . Buscamos con base en la investigación cualitativa del tipo colaborativa y en la aplicación de diferentes procedimientos técnicos-metodológico, responder a nuestras cuestiones de estudio: ¿Cuales los saberes geográficos que los profesores construyeron en la trayectoria de sus formaciones? ¿Cómo, en el proceso de investigación colaborativa, los profesores aprendieran los saberes específicos de los abordajes geográficos? Conforme principios de la perspectiva socio-histórica. Así, utilizamos específicamente las narrativas tópicas (orales y escritas) con base en los ejes norteadores “Como aprendí y lo que aprendí” referentes a los saberes geográficos constituidos en la trayectoria de formación, para realizar el diagnostico de los conocimientos previos de los profesores. El proceso reflexivo y la profundización del estudio ocurrieron, respectivamente, por medio de los Seminarios de Estudios Reflexivos y de los Ciclos de Estudios Reflexivos indicando la concepción de aprehensión de los saberes propuestos en esa construcción científica. Los postulados teóricos de Ferreira (2007), Charlot (2000, 2005), Tardif (2002), Tonine (2003), Soares (2000), Moraes (2005), Pimenta (2007), entre otros, proporcionaron comprensión sobre la temática en estudio. La pesquisa ocurrió en una acción colaborativa en la escuela pública de la ciudad de Natal/RN, en el Barrio de Nova Descoberta, en el turno matutino, con tres colaboradores, que participaron voluntariamente de ese proceso: Angico, Jacarandá y Carvalho desarrollaron sus prácticas pedagógicas, en los 1ºs y 4ºs años de la Enseñaza Fundamental. Los resultados obtenidos de los análisis, apuntaron un alcance descriptivo de las concepciones de los colaboradores sobre los saberes de los abordajes geográficos, que se refieren a enumeración de los aspectos característicos del fenómeno concebido, aunque nos haya empeñado para los alcances transformadores de nuestras concepciones. Palabras-llave: Saberes Geográficos. Geografía Escolar. Trayectoria de Formación. 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Metodologia. Abordagem Investigativa. Pesquisa Colaborativa............... 51 Figura 2 – Procedimentos metodológicos................................................................... 75 Figura 3 – Narrativas Tópicas..................................................................................... 107 Figura 4 – Seminários de Estudos Reflexivos............................................................ 132 Figura 5 – Saberes Teóricos das Abordagens Geográficas......................................... 132 Figura 6 – Ciclos de Estudos Reflexivos.................................................................... 159 Figura 7 – Tempo e Efetivação dos Ciclos de Estudos Reflexivos............................. 160 10 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Cronograma: Seminários de Estudos Reflexivos 67 Quadro 2 - Cronograma: Ciclos de Estudos Reflexivos 71 11 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS Sigla Significado da sigla BM Banco Mundial EJA Educação de Jovens e Adultos SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial IFESP Instituto de Formação de Profissionais em Educação Presidente Kennedy UERN Universidade Estadual do Rio Grande do Norte UnP Universidade Potiguar UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UVA Universidade Federal Vale do Acaraú 12 SUMÁRIO 1 OS SABERES DOS PROFESSORES(AS) ACERCA DA NATUREZA DAS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS: PROBLEMAS E EXPECTATIVAS 14 2 A PRODUÇÃO DOS SABERES GEOGRÁFICOS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS 21 2.1 OS SABERES PRODUZIDOS NAS ORGANIZAÇÕES COMUNAIS 26 2.2 OS SABERES PRODUZIDOS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS ESCRAVISTAS 28 2.3 OS SABERES PRODUZIDOS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS SERVIS 30 2.4 OS SABERES PRODUZIDOS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS CAPITALISTAS 31 2.5 IDENTIDADE CIENTÍFICA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO 36 2.5.1 A abordagem Geográfica Tradicional 38 2.5.2 Movimento de Renovação do Pensamento Geográfico 40 2.5.2.1 A abordagem Pragmática 41 2.5.2.2 A abordagem Crítica 2.5.3 A abordagem Humanística 2.5.4 A abordagem Cultural 42 44 45 3 CAMINHOS TRAÇADOS 48 3.1 CAMINHOS PROPOSTOS 3.1.1 Chegando ao Campo Empírico: contato e adesão 52 53 3.1.2 Perfil dos Colaboradores 54 3.1.3 Narrativas Tópicas de Formação 57 3.1.4 Os Seminários de Estudos Reflexivos 3.1.5 Os Ciclos de Estudos Reflexivos 3.1.6 Parâmetros de Análise 63 69 73 4 SABERES CONSTRUÍDOS NA TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO 76 4.1 PRIMEIRA NARRATIVA ESCRITA 77 4.2 SEGUNDA NARRATIVA ESCRITA 4.3 NARRATIVA ORAL 91 101 5 APROFUNDANDO ESTUDOS SOBRE AS ABORDAGENS 13 GEOGRÁFICAS 108 5.1 PONTO DE ENTRADA 109 5.2 INVENTANDO A MATÉRIA ESCOLAR 5.3 TRILHANDO O STATUS ACADÊMICO 113 119 5.4 ROMPENDO SIGNIFICADOS NATURAIS 124 6 CONSTRUINDO OS SABERES DAS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS NO PERCURSO DE FORMAÇÃO 6.1 TECENDO AS CONCEPÇÕES SOBRE OS SABERES DAS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS 6.2 ANALISANDO AS CONCEPÇÕES ACERCA DOS SABERES DAS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS 6.2.1 A Origem da Ciência Geografia 6.2.2 O Método Científico que sustenta a Tessitura Teórico-metodológica das Abordagens Geográficas 6.2.3 As Teorias Científicas Construídas sobre as abordagens Geográficas 6.2.4 Os Conteúdos inerentes as Matrizes Conceptuais das Abordagens Geográficas 7 OS SABERES DAS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS: CONCEPÇÕES APREENDIDAS NAS TESSITURAS COLABORATIVAS 133 135 143 146 148 150 153 161 REFERÊNCIAS 172 APÊNDICES 180 14 1 OS SABERES DOS PROFESSORES(AS) SOBRE A NATUREZA DAS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS: PROBLEMAS E EXPECTATIVAS A discussão acerca dos saberes se faz pertinente para que entendamos como esses se efetivam no espaço escolar pela ação de diferentes professores que influenciaram na formação pessoal dos sujeitos sociais envolvidos no processo educativo. Estes saberes também se referem às abordagens geográficas e, conforme as suas particularidades, conduzem a reflexões relacionadas aos contextos sócio-históricos das relações sociais. O interesse pela questão “Os saberes dos professores da Escola Fundamental: concepções sobre as abordagens geográficas” surgiu das inquietações decorridas da minha experiência como professora das séries iniciais do Ensino Fundamental da rede municipal e enquanto coordenadora de uma escola da rede estadual de ensino em Natal-RN em relação à forma como os conteúdos relacionados à disciplina Geografia, ou Estudos Sociais, eram trabalhados no espaço educativo. Tais experiências perpassaram, durante a minha trajetória na Educação Básica, pelo modelo pedagógico de cunho tradicional, em que a predominância dos conteúdos escolares dos Estudos Sociais pela prática dos professores resultaram em aprendizagens memorativas. A assimilação dos conteúdos propostos ocorria via processo de memorização, conforme caráter positivista vinculado aos padrões do regime ditatorial em vigor. Na concepção da sociedade, a escola era tida como espaço de ascensão social e as reproduções dos conteúdos, de um modo geral, convinham às determinações do poder. Nesse contexto, os sujeitos sociais constituíam suas identidades de forma imperceptível quanto a sua participação na história da sociedade. Apropriar-me dos conhecimentos de forma que me servissem para o crescimento afetivo-emocional e profissional sempre foi uma questão de primazia durante a minha escolarização. Ao me reportar aos momentos vivenciados na escola a partir de 1969, lembro- me de que estava muita atenta a responder a tudo que o contexto educativo me solicitava. Eu não fazia nenhum tipo de contestação às questões postas, apenas dava conta das tarefas, de um modo geral pré-determinadas. Os conteúdos relacionados à Geografia eram trabalhados rapidamente. Não tinham, naquele contexto, a importância que era atribuída aos conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática. Assim, consistiram minhas experiências até a conclusão da Educação Básica quanto ao tratamento didático dado à Geografia, em que as atividades propostas não se 15 diferenciaram: transcrever da lousa, para o caderno; memorizar apontamentos longos que serviam de referência para as chamadas orais, em sala de aula, diante de todos os alunos e, ao final de cada mês, para responder às questões avaliativas. Eu tinha algumas curiosidades em relação aos aspectos geográficos da paisagem: como era um açude, uma montanha, o interior do Estado (municípios), entre outros componentes geográficos que só conhecia nas ilustrações apresentadas nos livros. Minhas experiências de infância até o início da fase adulta ocorreram em Natal, vivenciando as situações da vida urbana. Somente na fase adulta conheci o município de Riachuelo, seguidamente o Açude Gargalheiras e, a partir de então, vieram outras experiências que me causaram bastante felicidade, principalmente em razão de conhecer lugares maravilhosos do Brasil. Em 1978, conclui o Ensino Médio sem ainda me questionar sobre a forma como a Geografia era trabalhada. O ensino permanecia centrado na exposição do professor e na memorização pelos alunos. Em 1986, ingressei, por meio de concurso, na escola pública, onde me deparei com algumas questões complexas relacionadas ao ensinar e ao aprender com crianças de alfabetização. Precisava me inteirar dos fundamentos referentes a esses processos e aos conteúdos de um modo geral que deveriam ser trabalhados, especificamente em relação à Geografia. Não queria abordar sobre os seus conteúdos da mesma forma como aprendi. Na Escola Estadual Berilo Wanderley, tive o privilégio de estudar com um grupo bastante comprometido com as questões referentes ao ensino e à aprendizagem, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). As professoras – doutoras - Maria Salonilde Ferreira, Marta Pernambuco, Aparecida Queirós e Maria do Socorro Queirós muito me influenciaram nesse Projeto Pioneiro que tinha como fundamentação teórica a abordagem sócio-histórica, que considera o sujeito totalmente implicado nas relações sociais do contexto. Vivenciei uma experiência significativa, podendo assim entender como, de fato, a criança assimila e acomoda conhecimentos. Esse momento da minha vida desencadeou não só diversas tomadas de decisão como também ampliou as oportunidades no setor de trabalho. Em 1990, ingressei no Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e, a partir desse momento, novos horizontes se traçaram, pois conquistava objetivos em meio a muitos obstáculos do ponto de vista material e afetivo-emocional existentes naquele momento da vida. Esses obstáculos me serviam de estímulo para as conquistas profissionais e pessoais. Nesse percurso, não tenho lembranças significativas a respeito de Geografia, mas já começo a me interrogar sobre o modo como a escola ainda abordava os 16 conteúdos de Geografia, embora as questões relacionadas ao espaço e às forças produtivas diante do sistema econômico estivessem bastante acirradas. Ainda no Curso de Pedagogia precisei alterar a minha dinâmica de trabalho devido a questões pessoais que implicaram a minha dinâmica de sobrevivência juntamente com meus filhos. Vi-me, então, obrigada a ausentar-me do Projeto Laboratório do qual fazia parte na Escola Estadual Berilo Wanderley, fato que muito me deprimiu, mas sabia da capacidade de novamente superar mais um obstáculo. No Complexo Educacional Henrique Castriciano, em paralelo à Escola Estadual Berilo Wanderley, vi-me diante de dois contextos diferenciados quanto à clientela de alunos. No entanto, pude constituir concepções e práticas muito significativas diante dessa situação. Nesse contexto, duas realidades opostas sobressaíam-se: o público e o privado. Porém, uma grande certeza: ainda que as crianças tenham potencialmente o mesmo desenvolvimento, os contextos socioeconômico e cultural as diferenciam. De 2000 a 2002, participei ativamente das discussões, no Curso de Psicopedagogia, que abordavam os entraves que acometem de um modo geral, muitas crianças em relação à aprendizagem de conteúdos conceituais. Essa fase representou construção pessoal e profissional que repercutiram em avanços na minha prática pedagógica no interior da escola. Procuro, na minha práxis pedagógica, fazer uso dos conhecimentos obtidos para desencadear, com os alunos da Escola Pública, aprendizagens de um modo geral, com especificidades em Geografia. A dinâmica reside no respeito que devo ter com quem aprende e necessita desses fundamentos para terem as conquistas relevantes nas suas vidas. O respeito que tenho sobre suas histórias de vida e os conhecimentos prévios se constituem no ponto de partida para que o conhecimento tenha perspectiva de ser internalizado. Outras oportunidades no campo profissional surgiram: em 2001, assumi a coordenação de uma escola privada de Natal e, juntamente com a equipe de professores, discutimos ações pedagógicas que perpassaram pelos questionamentos em relação à aprendizagem das crianças, na tentativa de superar os déficits de aprendizagens ocorridos na educação, nas escolas de um modo geral. No ano de 2006, estabeleci como meta profissional e pessoal ingressar no Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com a pretensão de aprofundar os estudos em relação ao modo como os saberes geográficos permeiam a concepção dos professores da Escola Fundamental. Para esse alcance, ingressei na Pesquisa: Conhecendo e Construindo a Prática, sob a coordenação da Profª. Drª. Maria Salonilde Ferreira, obtendo êxito diante do processo seletivo do Curso de Mestrado. Considero 17 relevante este estudo intitulado (Os saberes dos professores da Escola Fundamental: concepções sobre as abordagens geográficas), no sentido de situar o sujeito do conhecimento como ativo no processo sócio-histórico. Todas essas experiências me oportunizaram efetivar reflexões sobre a forma como conteúdos geográficos e relações sociais têm sido estabelecidos no âmbito do espaço escolar. Incomodava-me perceber como tais ensinamentos se reduziam a meras fragmentações ou particularidades do espaço sobre o qual o sujeito histórico se insere/ia. As analogias elaboradas por esse sujeito se reduziam à memorização das descrições sobre conceitos atribuídos ao espaço e suas características, não contribuindo para constituir saberes condizentes com o perfil reflexivo e crítico desse sujeito. Nesse sentido, segundo reflexões de Freitag (1980, p.35): A escola atua no interesse da estrutura estatal e, em última instância, no interesse da dominação de classe. Essa dominação não se dá por via direta, através da aplicação explícita da violência, mas de maneira disfarçada, com o consentimento dos indivíduos que sofrem a violência da ação pedagógica. Repensar sobre os saberes dessa área do conhecimento, na formação inicial e continuada do professor; criar estratégias para elevar a escola à condição de mediadora responsável por desencadear uma estrutura didático-pedagógica imbuída de responsabilidade concernente à formação do sujeito, tornou-se, para mim, em possibilidades concretas. Logo, oportunizar que professores (as) possam reconstruir saberes sobre o ensino de Geografia é um desafio que pretendemos considerar nesta pesquisa, com intuito de contribuir com novas práticas no âmbito do espaço escolar ou fora dele. Nesse espaço, onde a postura política do professor deve apontar competências para mediações significativas de aprendizagens no ensino em geral, e de Geografia em particular, a aquisição de conhecimentos, o domínio de categorias, conceitos e procedimentos básicos inerentes às teorias e explicações dessa área do conhecimento devem favorecer o entendimento das relações socioculturais e o funcionamento da natureza na qual, historicamente, esse sujeito se inclui. Essas podem ser possibilidades que direcionem o sujeito a pensar, atuar reflexiva e sensivelmente sobre a realidade social. De acordo com um enfoque que vise redimensionar a efetividade da função social da escola, convém pensar que os saberes geográficos sejam componentes disseminados por meio da mediação dos professores, que possibilitem reflexões pelo sujeito social, e que este venha contribuir no espaço social de forma a transformá-lo, procedendo como evidencia Freire 18 (1996, p.54): “Pensar certo – e saber que ensinar não é transferir conhecimento é fundamentalmente pensar certo – é uma postura exigente, difícil, às vezes penosa, que temos de assumir diante dos outros e com os outros, em face do mundo e dos fatos, ante nós mesmos”. A difusão dos saberes geográficos, formulados pela escola, deverá então, enunciar conteúdos críticos com relevância na formação do sujeito. Nessa perspectiva, é válido salientar noções sobre as categorias: espaço geográfico, paisagem, lugar, território e região, como também embasamento sobre os elementos físicos e biológicos presentes nos discursos e nas atitudes do sujeito. Além dos conteúdos conceituais propostos pela escola, esta também deve priorizar, com a mesma relevância, os conteúdos procedimentais, conforme nos aponta Zabala (1998, p. 45), pois “estes justificam a compreensão dos métodos e explicações com os quais as diversas áreas do conhecimento trabalham”. Os saberes das abordagens geográficas, contidos na organização do currículo escolar, devem apontar as nuanças do sujeito social que determinam o processo sócio-histórico, ressaltando as habilidades cognitivas objetivadas para o processo formativo. E por meio dos saberes propostos, difundem-se as inúmeras relações sociais permeadas nas diversas instâncias educativas. Esses saberes devem então se sedimentar nas experiências vivenciadas pelo sujeito, com ênfase na sua condição socioeconômica, pois advém dessa condição a compreensão que tem de mundo, do espaço geográfico e, por conseguinte, de sua atuação nesse contexto, seja ela de preservação, acomodação ou mesmo de degradação. Tomaremos como elementos referenciais nessa construção questões norteadoras que embasam o nosso processo investigativo, sendo elas: - Quais os saberes geográficos que os professores construíram na trajetória das suas formações? - Como, no processo de investigação colaborativa, os professores apreenderam os saberes específicos das abordagens geográficas? Essas questões são referenciadas, paulatinamente, conforme sejam suscitadas no desenvolvimento que a empiria requer, conforme as concepções sistematizadas pelos professores. Nesse sentido, propomo-nos a efetivar uma investigação colaborativa, cuja possibilidade sobressai-se em apresentar subsídios para que ocorram novas concepções diante dos saberes dos professores no tocante ao ensino de Geografia, colaborando para a formação de um sujeito crítico, reflexivo, com base em objetivos que se pretende atingir: 19 - Investigar sobre os saberes geográficos que os professores construíram na trajetória das suas formações; - Refletir como, no processo de investigação colaborativa, os professores apreenderam os saberes específicos das abordagens geográficas vinculando as suas assimilações teóricas a um determinado nível de concepção. Assim, para compreendermos os elementos teóricos presentes nos saberes das abordagens geográficas buscamos, nas produções teóricas de Moraes (2005), Silva (1989), Soares Júnior (2000), entre outros, o arcabouço científico que nos permitiu, pela ação reflexiva e colaborativa, constituirmos as condições precisas para concretização deste processo investigativo. Portanto, com base numa ação dialógica com os autores anteriormente citados, é que investigaremos e refletiremos acerca dos saberes das abordagens geográficas estabelecendo confrontos entre os saberes por nós adquiridos na trajetória da nossa formação com aqueles produzidos no processo desta investigação colaborativa, mediante procedimentos metodológicos aplicados nesta pesquisa, na tentativa de apontarmos perspectivas de reconstrução dos nossos saberes. A compreensão teórica da natureza das abordagens geográficas nos conduz a pensar sobre os saberes que determinam as práticas pedagógicas, remetendo a discussões e reflexões do lugar que ela ocupa no cenário da instituição escolar, provocando conscientização das representações sóciopolíticas dos sujeitos sociais diante do fazer social no lugar Escola. O percurso delineado para orientar o arcabouço teórico-metodológico desta pesquisa ocorre seguidamente de etapas contemplativas ao que se quer constituir e contribuir, com as expectativas em princípio projetadas por nós colaboradores e por aqueles que se propuserem a essa apreciação. No capítulo já referido, evidenciamos os aspectos que contemplaram a formação dos professores da Escola Fundamental relacionada aos seus saberes da natureza específica das abordagens geográficas como também enfocamos o sentido epistemológico atribuído ao termo ‘saber’, de acordo com as nossas assimilações teóricas acerca das leituras que embasam este processo investigativo. Uma vez que representa destaque preponderante da investigação, apresentamos, no segundo capítulo os conteúdos teóricos que embasam a evolução histórica do pensamento geográfico e os saberes específicos das abordagens geográficas, justificando, dessa maneira, as razões que possibilitam a disseminação do ensino de Geografia nas entidades educativas diante da difusão de conteúdos escolares que “contribuiu para reprodução da dominação por 20 parte do poder hegemônico, mas por outro lado pelas práticas educativas que demonstram lutas concretas dos educadores dessa área pela melhoria do ensino público”. (LIMA e VLACH, 2002, p.44). Prosseguimos abordando, no terceiro capítulo o teor que perfez o conteúdo estrutural e essencial à pesquisa, os procedimentos teórico-metodológicos adotados em negociação, o esboço do campo empírico, o perfil e os interesses dos colaboradores quanto à formação e profissionalização. Prosseguimos apresentando as nossas análises dispostas nos eixos procedimentais, em destaque: as Narrativas de Formação, os Seminários de Estudos Reflexivos e os Ciclos de Estudos Reflexivos. Esses procedimentos proporcionaram, na sua íntegra, os caminhos fecundos para embasamento entre teoria e prática, aspectos relevantes no desenvolvimento da pesquisa colaborativa. No sétimo capítulo evidenciamos as ações conclusivas que perpassam pelo inter- relacionamento dos saberes geográficos, denotando os níveis de alcance obtidos ao término do trabalho investigativo. Desse modo, traz-se contribuições que sugerem a continuidade da pesquisa, uma vez que somente por esse viés teórico-metodológico se obtém alcances qualitativos para professores (colaboradores) que, de um modo geral, buscam transformar suas práticas pedagógicas, por meio da mediação de saberes que despertem a criticidade dos educandos com os quais desempenham as ações educativas, como também apontam-se benefícios e melhorias à qualidade do ensino brasileiro, particularmente. Apêndices são mencionados para que sirvam de consulta, quando necessário. 21 2 A PRODUÇÃO DOS SABERES GEOGRÁFICOS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS As discussões acerca das concepções sobre saberes têm se intensificado de forma demasiada na atualidade. Essas são abrangentes, quer sejam para enfocar como esses saberes são disseminados no espaço educativo, quer para vinculá-los às questões reflexivas no tocante à forma particular que cada sujeito social os apreende, permitindo-lhes uma postura crítico- construtiva ou não diante das exigências que lhes são atribuídas no espaço onde assumem responsabilidades educativas. Enfatizamos nesse decorrer investigativo aqueles saberes que estão atrelados à nossa formação básica, no sentido de promover a nossa qualificação profissional, pois “Os saberes de um professor são uma realidade social materializada através de uma formação, de programas, de práticas coletivas, de disciplinas escolares, de uma pedagogia institucionalizada, etc., e são também, ao mesmo tempo, os saberes dele”. (TARDIF, 2007, p.16). Os saberes constituídos ao longo da nossa formação básica estão atrelados à nossa identidade profissional/social e têm destaque relevante na nossa discussão e investigação, com especificidade aos saberes das abordagens geográficas. Eles também representam o modo como agimos e pensamos sobre o entorno socioeducativo em conformidade com as características decorrentes do modo como as relações de modo geral se evidenciam. Embora haja diversas definições, conceitos e idéias sobre saberes, nos deter-nos- emos nesse percurso investigativo àqueles saberes constituídos pela mediação de diferentes professores, que Pimenta (2007, p.20) define como sendo: “Os saberes de sua experiência de alunos que foram de diferentes professores em toda sua vida escolar”. Nesse sentido, faz-se pertinente refletir com base nas nossas evidências sobre os saberes produzidos nos contextos sócio-históricos, que subsidiaram as práticas pedagógicas no espaço educativo - entre outras instâncias sociais - à luz dos conhecimentos científicos e, assim podermos compreender como nos apropriamos e lhes damos sentido na nossa reflexão cotidiana, pois sob o ponto de vista de Charlot (2000, p.61): [...] o saber está ‘sob a supremacia da objetividade’; [...] O saber é produzido pelo sujeito confrontado a outros sujeitos, é construído em ‘quadros moldurados’. Pode, portanto, ‘entrar na ordem do objeto’; e tornar-se, então, um produto comunicável’, uma ‘informação disponível para outrem’. 22 As terminologias sobre a expressão ‘saber’ são diversas, mas não perderemos de vista aquela em destaque nesta investigação, que tem a ver com ‘apropriação’, ‘entendimento’. Essas expressões se sobressaem conforme referência e visão de alguns teóricos. Bombassaro (1992) atribui a esse a noção de: “ser capaz de, compreender, dominar uma técnica, poder manusear, poder compreender”. Pimenta (2007), Tardif (2007), Gauthier (2006), Freire (1996), Charlot (2000, 2005), atribuem a essa expressão significados ligados ao conjunto de ações educativas, sendo esses: saberes da experiência, saberes pedagógicos, saberes curriculares, cada um deles abordando as suas respectivas abrangências. Mediante essas ressalvas, teceremos confrontos sobre os saberes em destaque na pesquisa que nos levem à reflexões e análises sobre os seus fundamentos filosóficos, epistemológicos e as relações científicas que respaldaram a sua imersão no lugar escola, num tempo específico da nossa formação. Para Charlot (2000, p.79): Analisar a relação com o saber é estudar o sujeito confrontado à obrigação de aprender, em um mundo que ele partilha com os outros: a relação com o saber é relação com o mundo, relação consigo mesmo, relação com os outros. Analisar a relação com o saber é analisar uma relação simbólica, ativa e temporal. Essa análise concerne à relação com o saber que um sujeito singular inscreve num espaço social. Essa é uma atitude de cunho pedagógico que visa compreender o saber-fazer educativo daqueles que se inserem em prol da melhoria da formação profissional. Como afirma Finger (1988, p.83): Uma pedagogia que tem por objeto específico a maneira como os sujeitos se organizam para integrarem um saber, que se tornará assim pessoal, deve portanto interrogar-se sobre a natureza epistemológica do ou dos saberes. Deve pôr a si própria a questão de indagar se, ao lado do saber moderno pela ciência e pelos especialistas, não pode existir um outro tipo de saber, mais pessoal e mais humano. A apreensão dos saberes pelos sujeitos sociais tem um sentido peculiar à temporalidade das suas experiências escolares, logo, para compreendermos os seus significados, se faz necessário interpretá-los com base na abordagem sócio-histórica, uma vez que essa abordagem tem como ressalva enunciar as relações sociais e sua relevância em tempos de formação, pois “[...] O saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história”. (TARDIF, 2007, p.11). Os sujeitos sociais são mobilizados a dar conta daquilo que são as atribuições postas no espaço educativo: propagar e adquirir os saberes constituídos pela comunidade acadêmica 23 ou sistematicamente pela humanidade; participar, juntamente com todos que estão envolvidos para o cumprimento desse propósito, sem que na maioria das vezes sejam motivados a interpretar as suas nuanças epistemológicas. Nessa perspectiva, a escola é, pois, responsável pela divulgação de conhecimentos que crer ser viável à formação integral do sujeito, segundo sua visão de instituição voltada a essa função social, e na atribuição de reprodutora de saberes que asseguram, através das políticas educativas, princípios cabíveis ao desenvolvimento de valores como igualdade, justiça, respeito mútuo, objetivando o sucesso escolar do sujeito. Esse espaço é configurado, de acordo com a visão de Cândido (1979, p.12), Como grupo diferenciado [...] cujas leis escapam em parte à superordenação prevista pela sociedade. Ela é ‘uma unidade social’, determinando tipos específicos de comportamento, definindo posições e papéis, propiciando formas de associação. As suas relações com as instituições sociais, e a circunstância de receber estatuto, normas e valores da sociedade, não nos deve tornar incapazes de analisar o que nela se desenvolve como resultado da sua dinâmica própria. Pelas práticas educativas no interior da escola ou fora dela, reproduz-se um conjunto de saberes concebidos para atender às necessidades cotidianas, quer por razões ligadas à manutenção da vida humana quer por razões de ordem político-econômica. Esses saberes geralmente estão vinculados aos anseios da produção de riquezas, a partir da ação do homem ao desenvolver inúmeras atividades no espaço geográfico. O saber também representa “um constructo produzido pela racionalidade concreta dos atores, por suas deliberações, racionalizações e motivações que constituem a fonte de julgamentos, escolhas e decisões”. (TARDIF 2007, p.223). Os saberes produzidos pela humanidade com intuito de atender às necessidades afetivas, sociais e cognitivas dos sujeitos sociais demandam de interpretações, pois o seu teor diz respeito às imposições e normativas do coletivo social, conforme o contexto sócio- histórico vivido. Nesse sentido, é pertinente discutir à luz da teoria sobre os pressupostos que os fundamentam. Gauthier e Tardif (1996, p.12) ressalvam esse pensamento, elucidando que: Esta metodologia pode ser considerada sócio-histórica na medida em que procura situar os saberes como produtos sociais das atividades dos grupos, no âmbito de uma revolução que permite apreender suas transformações. Ela é sócio-epistemológica na medida em que não limita a análise dos saberes a dimensões internas (formais, lógicas, cognitivas, etc.), mas busca inseri-los num sistema de práticas simbólicas enraizadas num sistema de ações sociais que supõem relações sociais entre indivíduos e grupos. 24 E, nesse sentido, atentar a respeito dos saberes produzidos no interior da escola, apontando para o desenvolvimento de capacidades, competências, questões socioafetivas e cognitivas dos sujeitos sociais, que levem ao mesmo tempo à superação da educação bancária, pois esse modo de disseminação dos saberes reforçam, como afirma Freire (1996, p.77), “a memorização mecânica do perfil do objeto”. Esse autor ainda esclarece ser: [...] importante salientar que o novo momento na compreensão da vida social não é exclusivo de uma pessoa. A experiência que possibilita o discurso novo é social. Uma pessoa ou outra, porém, se antecipa na explicitação da nova percepção da mesma realidade (FREIRE, 1996, p.92). Dessa feita, faz-se necessário compreender o que se produziu e se produz no espaço educativo, o qual é autorizado a provocar aprendizagens, desencadear saberes condizentes com as perspectivas vigentes da realidade social, pois “abordar a questão dos saberes dos professores do ponto de vista de sua relação com o tempo não é uma tarefa fácil em si mesma”. (TARDIF, 2007, p.59). Com base nesses enfoques considerando o contexto social e o lugar do exercício da ação educativa, adotamos a prática reflexiva, numa perspectiva crítica que consiste em “[...] descrever, analisar e avaliar os vestígios deixados na memória por intervenções anteriores” (PÉREZ GOMES, 1992 p.105) acerca dos saberes que dizem respeito às especificidades da nossa formação pessoal/profissional. Esse fazer é enfatizado por Freire (1996, p.76), quando destaca que: Melhor ponto de partida para estas reflexões é a inconclusão do ser humano de que se tornou consciente. Como vimos, aí radica a nossa educabilidade bem como a nossa inserção num permanente movimento de busca em que, curiosos e indagadores, não apenas nos damos conta das coisas mas também delas podemos ter um conhecimento cabal. A revisita ao cenário educativo que perpassou o desenvolvimento social e cognitivo dos colaboradores da pesquisa tem destaque em relação ao modelo educativo que sedimentou o ensino brasileiro, na época da nossa formação básica, com fins de dar-lhe sentido social, político e educativo. Esse fazer, conforme Brito (2007, p.10) “[...] implica uma relação dinâmica com o saber, construída por um sujeito que produz sentidos e que é marcadamente incompleto, posto que os caminhos dos processos formativos são inacabados e dinâmicos”. É partindo dessa temporalidade histórica que refletiremos sobre esse cenário histórico, conforme seus anseios e diante da dimensão reflexiva. Buscamos no pensamento de Tardif (2007, p.232) ênfase a respeito dessa questão, pois: 25 [...] o professor é o sujeito ativo de sua própria prática. Ele aborda sua prática e a organiza a partir de sua vivência, de sua história de vida, de sua afetividade e de seus valores. Seus saberes estão enraizados em sua história de vida e em sua experiência do ofício de professor. O percurso teórico que constituímos para compreender os saberes adquiridos na nossa formação nos reportam àqueles produzidos pelos grupos sociais em cada momento sócio- histórico, uma vez que permitem entender a história da produção dos saberes. Esses saberes consolidavam o modo de vida de cada sociedade, permitindo que o convívio social fosse estabelecido de acordo com normatizações, para garantir a sustentação dos grupos sociais. Desse modo, é pertinente entendermos como os saberes eram/são determinados nesses grupos sociais ao longo da evolução humana. A unidade estrutural do grupo ou da sociedade traduz-se no conjunto das diferentes maneiras de co-adaptação e coordenação das atividades individuais e sociais, isto é, na organização social, no sistema de relações entre os membros de um grupo ou entre os grupos de uma sociedade, em ajustamento sobre os saberes produzidos, assim “Desde que os seres humanos começaram a viver em comunidade estáveis, estabeleceram regras e criaram organismos para assegurar o bom funcionamento de suas comunidades”. (LAVILLE e DIONNE, 1999, p.69). De certo, a organização social sempre implica direitos e deveres reciprocamente aceitos. Seu princípio básico é o da coordenação social, isto é, da harmonia social, que equivale ao papel que cada membro exerce em cooperação com os demais integrantes do grupo. Logo, os saberes assimilados são condizentes com as necessidades e a interferência do homem no espaço de convívio com cada grupo social e de acordo com Charlot (2000, p.78), O mundo é dado ao homem somente através do que ele percebe, imagina, pensa desse mundo, através do que ele deseja, do que ele sente: o mundo se oferece a ele como conjunto de significados, partilhados com os outros homens. O homem só tem um mundo porque tem acesso ao universo ‘simbólico’; e nesse universo simbólico é que se estabelecem as relações entre o sujeito e os outros, entre o sujeito e ele mesmo. Assim, a relação com o saber, forma de relação com o mundo, é uma relação com sistemas simbólicos, notadamente, com a linguagem. A organização social depende basicamente da conservação das funções sociais e da divisão social do trabalho. Essas, por sua vez, se referem à permanência e à continuidade da vida social: a sociedade deve manter íntegras suas instituições, ao longo das gerações que se sucedem, embora adote modificações naturais introduzidas de modo gradual pelos novos 26 integrantes. A divisão social do trabalho garante que todas as funções necessárias ao funcionamento da sociedade sejam preenchidas. Quaisquer que tenham sido os fundamentos postulados pelos cientistas, todos indiciam ter a sociedade sofrido um processo gradual de transformação ao longo do tempo. Essa, por sua vez, sucedida em conformidade com os saberes produzidos nesse contexto, e com base nas relações estabelecidas no entorno social, desencadeou, dessa feita, mudanças necessárias. Kopnin (1972, p.25) ressalta que: Os conhecimentos do homem existiram inicialmente sob a forma de experiência empírica, que fixa a observação dos fenômenos da natureza e da vida social. Essa experiência foi-se transmitindo de geração em geração e generalizando-se à medida do desenvolvimento da própria sociedade. Dessa feita, concordamos que os saberes produzidos ao longo das gerações ocorreram sob a necessidade de interação com o espaço social em decorrência da sustentação de vida dos grupos sociais, tomando como referencial as peculiaridades existentes em razão do que demarcou cada civilização nas diversas produções espaciais. Nesse momento, é pertinente discorrermos a respeito dos pressupostos que constituem as bases pré-científicas e científicas da Geografia, considerando os saberes produzidos pelos homens desde os primórdios das organizações sociais até a fase atual do capitalismo. 2.1 OS SABERES PRODUZIDOS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS COMUNAIS O tipo mais primitivo de organização social que se conhece é a ordem comunal ou tribal, em que os indivíduos viveram juntos para garantir a sobrevivência de todos. Todos trabalhavam na medida de suas capacidades, de acordo com os saberes internalizados que permitiam desempenhar uma ou outra atividade no convívio comunal. O mundo, nesse contexto, é visualizado pelo homem conforme os saberes condizentes, ou seja, “O mundo é realidade que existe para o homem na perspectiva do conhecimento que o próprio homem tem dele e da ação efetiva sobre ele”. (LOPES, 2007, p.63). Para Ponce (1985, p.20): 27 O homem das comunidades primitivas também tinha uma concepção própria do mundo, ainda que nunca a tivesse formulado, expressamente. Essa concepção do mundo, que nos parece pueril, refletia, por um lado, o ínfimo domínio que o primitivo havia alcançado sobre a natureza e, pelo outro, a organização econômica da tribo, estreitamente vinculada a esse domínio. Uma vez que na organização da comunidade primitiva não existiam graus nem hierarquias, o primitivo supôs que a natureza também estava organizada desse modo: por esse motivo, a sua religião sem deuses. Os primitivos acreditavam em forças difusas que impregnavam tudo o que existia, da mesma maneira que as influências sociais impregnavam todos os membros da tribo. O referido grupo comunal dedicava-se à busca nômade de alimentos e instalava-se de forma provisória em cavernas e acampamentos. À medida que se esgotavam as reservas naturais ou as condições climáticas assim o exigissem, mudavam-se para outros sítios mais favoráveis ao grupo. Nesse contexto, como enfatiza Ponce (1985, p.21), [...] os fins da educação derivam da estrutura homogênea do ambiente social, identificam-se com os interesses comuns do grupo, e se realizam igualitariamente em todos os seus membros, de modo espontâneo e integral: espontâneo na medida em que não existia nenhuma instituição destinada a inculcá-los, integral no sentido que cada membro da tribo incorporava mais ou menos bem tudo o que na referida comunidade era possível receber e elaborar. “Em tais organizações sociais, o homem não domina o ambiente que o rodeia. Os conhecimentos da natureza e da sociedade são adquiridos através da vida cotidiana, assentados no empirismo e no senso comum”. (SOARES JÚNIOR, 2000, p.16). Mas, no decorrer cotidiano, os saberes assimilados provocaram descobertas relevantes para o assentamento prolongado, a partir da descoberta do fogo. Assim, ocorreu o aperfeiçoamento dos utensílios e sua transformação em armas para a caça que, junto à extração de alimentos vegetais, era a fonte de alimentação. A domesticação de animais marcou uma etapa importante da evolução da sociedade primitiva: o momento da transição de um estado nômade para uma forma sedentária, em locais geográficos permanentes. Surgiram tribos, agrupamentos de indivíduos ligados por laços de parentesco. Mas, a permanência em espaço circunscrito limitou o acesso às fontes alimentares, basicamente caça, pesca e coleta de frutos e raízes silvestres. A necessidade de ampliar os estoques alimentares levou a atividade agrícola a mais uma etapa, que foi alcançada com a conversão do pastoreio e da agricultura nas principais fontes de subsistência, originando, então, os primeiros proprietários da terra, dominadores da economia tribal que também se estabeleceram para garantir a produção. Outra modalidade de relação, denominada de escravista e baseada na dominação do homem sobre o homem, surge nesse cenário sócio- histórico. 28 A humanidade sempre se intrigou, questionou e tentou entender o que acontecia à sua volta. O hábito do nomadismo levava as populações pré-históricas a percorrerem grandes distâncias, passando por lugares onde a vegetação, o relevo, os rios, enfim, a paisagem apresentava-se diferente à medida que os deslocamentos ocorriam pelas populações, possibilitando um maior conhecimento da superfície do planeta. A cultura atrelada aos saberes existentes condicionou todas as atividades dos indivíduos e do grupo social – habitação, hábitos de convivência, papéis sociais, relações dos indivíduos entre si, dos indivíduos com os diferentes grupos, dos grupos entre si e com o conjunto social, ritos religiosos, alimentação, trabalho, legislação, entre outras atividades. Essas mesmas atividades exerceram sobre a cultura uma ação recíproca. Surgiram as artes, a linguagem, os costumes, as leis, as religiões, as concepções filosóficas e ideológicas, ou seja, tudo que integra uma cultura e identifica uma sociedade, que prenunciava de acordo com Kopnin (1972, p.25) “[...] a sistematização dos conhecimentos existentes e sua assimilação.” 2.2 OS SABERES PRODUZIDOS COM AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS ESCRAVISTAS A sociedade escravista surgiu quando a propriedade sobre os objetos e a terra ampliou-se para a posse de seres humanos. Seu fundamento econômico reside na possibilidade produtiva de cada escravo quando subjugado às determinações dos senhores donos das terras. O processo de acumulação de riqueza obtido a partir do trabalho escravista se acentuou e algumas famílias tornaram-se mais ricas com o uso dessa mão-de-obra barata e abundante, daí ocorrendo o excedente que ocasionou às classes sociais, como aponta Aquino (1980, p.72): A produção do excedente trouxe consigo a propriedade privada: alguns elementos do grupo, apropriando-se do excedente comunal, puderam também controlar o intercâmbio comercial e, aos poucos, acumular uma riqueza que lhes permitiu imporem-se aos demais membros da comunidade como dirigentes. [...] A propriedade privada engendrou as desigualdades sociais, ou seja, surgiram as classes sociais e um poder, teoricamente colocado acima delas, como árbitro dos antagonismos e contradições latentes, mas que, na verdade, defendia a propriedade privada e mantinha o status quo social – esse poder era o Estado. A condição de vida atribuída aos escravos era totalmente aquém de humanização. O escravo passa a ser uma propriedade humana que produz riquezas para o outro. O senhor dono dos meios de produção alimenta, veste e propicia a manutenção do escravo, segundo o modo 29 como esse concebia tal manutenção. A produção oriunda do esforço ininterrupto do escravo proporcionava riquezas para sustentação dos senhores. Em se tratando dos conhecimentos geográficos, muitos povos da Antiguidade, como os gregos, romanos, egípcio, entre outros, eram comerciantes e navegadores. Em sua expansão, buscando novos territórios e mercados, o conhecimento dos fenômenos naturais e o domínio de rotas terrestres e marítimas eram necessários. Ainda na Antiguidade, tornou-se comum, no Egito, a prática da medição de terras. Os gregos, que muito aprenderam com os egípcios, conseguiram dominar grande parte do mundo conhecido que, na época, se restringia ao Mediterrâneo. Eles se preocuparam em sistematizar as informações a respeito de nosso planeta ou superfície terrestre e chamaram esses conhecimentos de Geografia. O modelo de sociedade baseado no trabalho escravo declinou em função da inexistência de estímulo para que o trabalhador escravizado executasse as funções mais complexas que progressivamente lhe foram exigidas. “O escravo passou a produzir menos do que custava a sua manutenção, e a partir desse momento ele desapareceu como um sistema de exploração em grande escala”. (PONCE, 1985, p.83). Outros saberes demandavam as exigências das novas modalidades de produções, decorrentes das novas técnicas produtivas. A necessidade de maior produtividade impôs uma revolução nas relações de produção: o trabalho livre, com retribuição de certa forma proporcional ao esforço desprendido, que se implantou com o sistema feudal. Segundo Soares Júnior (2000, p.18): Essa mudança nas relações sociais determina a substituição do trabalho coletivo pelo individual, transforma a propriedade coletiva em propriedade privada e o regime gentílico em sociedade de classes. Tais sociedades estruturam-se em classes sociais antagônicas em que, de um lado, estão os homens livres, proprietários dos meios de produção, considerados superiores e destinados a atividade intelectual abstrata; e de outro lado, os escravos, mantidos em submissão, relegados à exploração e ao trabalho manual concreto, totalmente desvalorizado. Dessa forma, ocorre nova reorganização no modo de produção, conforme interesses e sustentação da classe dominante. Este modelo de produção, o Feudalismo, caracterizado pela propriedade da terra, marcou a sociedade medieval na Europa. 30 2.3 OS SABERES PRODUZIDOS COM AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS SERVIS O Feudalismo apoiava-se na propriedade da terra e marcou a sociedade medieval na Europa. Foi a base da exploração dos camponeses, que viviam mais empenhados em aumentar a produtividade do seu trabalho, porque possuíam uma pequena propriedade, tendo ainda que prestar conta aos senhores feudais a partir do que produziam. Como evidencia Ponce (1985, p.85): A terra cedida era trabalhada pelo vassalo, direta ou indiretamente, porque cabia o direito de subempreitar a concessão recebida; desse modo, um indivíduo podia ser, ao mesmo tempo, vassalo e amo. Os verdadeiros trabalhadores da terra eram naturalmente os servos, e nessa longa hierarquia de senhores e vassalos, o mundo feudal repousava, no fim de contas, sobre os ombros dos servos, da mesma forma que o mundo antigo era sustentado pelos escravos. As relações estabelecidas pelo homem no espaço natural correspondiam aos saberes existentes e atendiam às necessidades de provimento tanto para os senhores feudais, arrendatários da terra, quanto para quem produzia. Com hierarquia rígida, o Feudalismo fundava-se basicamente na existência de três classes sociais: a nobreza e o clero, que formavam a classe dominante, no topo da pirâmide social; um segmento intermediário formado por artesãos e comerciantes; e, na base da pirâmide, os servos, que eram, em sua maioria, descendentes dos antigos escravos ou camponeses arruinados. A posição dentro da hierarquia social era determinada pelos costumes e leis que davam à classe dominante enormes privilégios políticos, econômicos e sociais. Tais privilégios resultaram da compreensão diferenciada nessa estrutura social em relação às forças produtivas, provenientes dos saberes constituídos na interação entre os grupos sociais, como aponta Soares Júnior (2000, p.21): O saber produzido, ao longo desse período, encontrava-se atrelado à soberania absoluta do cristianismo e à necessidade da sociedade feudal em manter uma concepção de mundo e de homem presa a uma ordem estabelecida e hierarquizada à luz da temática religiosa. As mudanças econômicas e sociais desencadearam, ao mesmo tempo, formas de comportamentos e ideologias que se traduzem nas manifestações culturais do grupo social, através de alterações no modo de vida, alterando as forças produtivas por meio do aperfeiçoamento de novas técnicas. Assim, a acumulação de riquezas ocorre ocasionada por 31 novas características na base das relações sociais, demarcando um novo preâmbulo no modo socioeconômico. 2.4 OS SABERES PRODUZIDOS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS CAPITALISTAS Essa organização social coincide com as transformações oriundas das bases produtivas ocasionando as premissas do capital, que, por sua vez, alterou a condição de permanência do ser humano sobre o espaço, pois este passou a ser fonte direta de renda. Para a dominação capitalista, apoderar-se do espaço geográfico significava domínio também sobre o homem, que não tinha as condições materiais de posse No entanto, ajustava- se às normativas impostas pelo modelo desse sistema econômico, o qual centrava seus interesses na acumulação de riquezas, com base nas forças produtivas configuradas pela mão- de-obra. Conforme esclarece Soares Júnior (2000, p.24): Na sociedade capitalista ocorreu uma unidade entre o processo de produção (operários assalariados e meios de produção) e o processo de circulação, através de um movimento cíclico, no qual o capital assumiu formas variadas. O trabalho é assalariado e surge como mercadoria. No interior do processo produtivo, defrontam- se de um lado, os detentores dos meios de produção e do capital (o capitalista) que precisam de mão-de-obra para sustentar tal processo (divisão social do trabalho, os meios de produção e o objeto de trabalho) e de outro, os vendedores de sua força de trabalho (o proletário) – cuja produção é direcionada para atingir o máximo de produtividade, e consequentemente, de mais-valia. O prenúncio da sociedade capitalista ou tecnológica indicia que o ser humano não vive mais num meio natural, e sim no meio técnico, que interpõe entre o homem e a natureza uma rede de máquinas e técnicas apuradas. O homem explora a natureza, domina-a e utiliza-a para seus fins. No século XVIII, o horizonte geográfico se alargou ainda mais. Terras antes desconhecidas passaram a ser visitadas; grandes nomes se empenharam no estudo da Terra e, naquele período, a teoria heliocêntrica substituiu o geocentrismo. Para Tonine (2003, p. 23), “O final do século XVIII pode ser visto pelos estudiosos como divisor entre a Renascença e a Modernidade, porque é nesse momento que começam a ser dados os nós na trama da sistematização de um outro campo de conhecimento: a Geografia”. Até então os estudos da Geografia apresentavam duas tendências: a primeira tendência confundia os estudos matemáticos a respeito da forma e as dimensões da Terra, com 32 a Cartografia e com a Astronomia; a segunda preocupava-se com a descrição de povos, seu modo de vida, suas atividades, seus costumes e as relações com os lugares onde viviam. A ênfase de Tonine (2003, p.23) enfoca esse pensamento: As explicações sobre as coisas do mundo que, na Renascença vão interessar para a construção da Geografia trazem a marca da dualidade matemático-cartográfica, a qual tentava mostrar a imagem do mundo pela generalização da natureza, pelos mapas – a cosmografia – e da dualidade histórico-descritiva, que narrava a particularidade dos lugares – a corografia. Assim, o discurso geográfico que vai ser constituído traz na valorização da observação direta e na descrição detalhada dos fenômenos o seu método investigativo. Os saberes do pensamento geográfico advinham do modo como a compreensão do homem decorria das descrições dos grupos humanos e da paisagem natural que estavam ao seu alcance. Esses saberes encontravam-se dispersos em outras ciências naturais. Lidar com a natureza restringia-se a princípio para suprimento das necessidades básicas. A relação estabelecida com a natureza convinha para extração da matéria-prima para manutenção da vida comunal. As técnicas e instrumentos rudimentares condizentes com os saberes constituídos bastavam, justificavam o contexto social, e o pensamento geográfico era caracterizado como assistemático, ou seja, a sua concretude estava dispersa nas outras ciências e evidenciadas pelas necessidades expressas da sociedade. O cenário para sistematização do conhecimento geográfico estava constituído a partir das contribuições das civilizações gregas, romanas, entre outras, que se enveredaram em busca de novos territórios para seu expansionismo e dominação destes. Outros povos se aproveitaram dos conhecimentos já produzidos. Esses fatos proporcionaram as possibilidades para que ocorressem, no âmbito do espaço social interesses de dominação, tendo na ciência geográfica a referência que justificava tal fato. O espaço geográfico atendia às necessidades do capital. Os pressupostos contidos na ciência geográfica passam a ser incorporados aos currículos escolares e constituem-se em saberes a serem sistematicamente difundidos nas instâncias educativas. Ela, “A Geografia Tradicional é a geografia oficial, do sistema, é uma Geografia comprometida com a reprodução ampliada do capital, com a exploração econômica”. (SILVA, 1989, p.7). Em decorrência da expansão dos recursos técnicos, a estrutura da sociedade tecnológica resulta muito mais complexa do que a da sociedade tradicional. No entanto, a mentalidade capitalista associa o progresso, à permanência de costumes e valores. A desmitificação do mundo pela racionalidade e ciência supõe uma profunda transformação da 33 ética e da moral tradicional, minando profundamente as crenças religiosas, num processo denominado secularização. Os saberes produzidos sobre as abordagens geográficas são postos em evidência quando o modo de produção capitalista se estabelece de modo acirrado conforme postulados positivistas, em que os fenômenos são interpretados pela ótica natural, e não com base nas relações produtivas existentes. A sociedade se organiza de acordo com as novas relações de produção, como detentora de uma objetividade para o conhecimento científico. Os fenômenos se apresentam numa conexão estreita e necessária e o conhecimento humano, ao se ocupar deles, deve conhecer melhor a ordem desse novo mundo, através de uma ciência que estudasse a vida física e orgânica da superfície terrestre inter-relacionada. A Geografia passa a desenvolver as novas diretrizes, inserindo-se no campo social, como expressa, de forma analítica, Tonine (2003, p.16): “A identidade produzida para a Geografia – a de descrever o mundo – foi fabricada por diversas engrenagens colocadas, adaptadas, ajustadas nos discursos que se foram configurando para traduzir as relações entre natureza e sociedade”. Os saberes geográficos, no final do século XIX, passam a ser difundidos de forma ampla nos espaços educativos, através de conteúdos rígidos, sem as considerações de que a ação do homem sobre o espaço geográfico é caracterizado como referência de moradia e satisfação de suas necessidades. As relações estruturais existentes na sociedade capitalista abordam novas formas de estruturação do espaço, consistindo em um sistema de organização que, diante do processo de avanços tecnológicos acelerados, desconsidera as relações homem- natureza. Como destaca Moraes (2005, p.40): O homem vai aparecer como um elemento a mais da paisagem, como um dado do lugar, como mais um fenômeno da superfície da Terra. Apesar de algumas vezes valorizado nas introduções dos estudos, no corpo do trabalho acaba reduzido a um fator, num conjunto de fatores. Os saberes das abordagens geográficas configuram os pressupostos atrelados aos conteúdos escolares implícitos nas posturas pedagógicas dos professores no interior do espaço educativo, reiterando a lógica formal que caracterizou as expectativas do sistema econômico capitalista. Encontramos em Bottomore (2003, p.162) o significado dado à Geografia, que condiz com as concepções que tentaremos constituir durante as produções que dizem respeito à disciplina citada: 34 O conhecimento geográfico trata da descrição e análise da distribuição espacial das condições (criadas pelo homem ou existentes na natureza) que formam a base material para a reprodução da vida social. Também procura compreender as relações entre essas condições e a qualidade de vida social sob um determinado modo de produção. Em sua trajetória histórica, os conhecimentos geográficos sofreram várias mudanças em seus aspectos teórico-metodológicos. Tais conhecimentos foram se acumulando e se (re) organizando para possibilitar a elaboração científica das matrizes da produção do pensamento geográfico, com base no ideário do seu contexto histórico, ocasionando a produção de novos saberes. A história do pensamento geográfico e seus métodos de interpretação da realidade ocupam atualmente um papel relevante nos enfoques discursivos da Geografia Escolar. A sua compreensão possibilita entendermos as razões que permeiam os saberes pedagógicos que se ancoram nas relações estabelecidas entre o homem e a natureza em cada contexto sociopolítico do mundo em que vivemos. A premissa da abordagem geográfica tradicional fundamentada na lógica formal do método científico positivista ressalta a causa e o efeito dos fenômenos com base na visão empírica e naturalista da realidade concreta, e, conforme Moraes (2005, p.41), “[...] a unidade do pensamento geográfico tradicional adviria do fundamento comum tomado ao positivismo, manifesto numa postura geral, profundamente empirista e naturalista”. Desse modo, as relações de produção sobre o espaço na visão positivista fundamentaram-se numa consideração estritamente empírica em que os elementos geográficos apenas restringiam-se a meras observações e descrições da paisagem, neutralizando o homem e a natureza implicados na produção do espaço, como destaca Moraes (2005, p.41): Tal perspectiva naturalista aparece com clareza no fato de buscar esta disciplina a compreensão do relacionamento entre o homem e a natureza, sem se preocupar com a relação entre os homens. Desta forma, o especificamente humano, representado nas relações sociais, fica fora do seu âmbito de estudos. A proposta teórico-metodológica da referida abordagem foi formalmente superada pelo pragmatismo do Pós-Guerra (1945), em decorrência do processo de renovação do pensamento geográfico, que introduziu uma nova visão da realidade concreta, com base em leituras abstratas com o uso de linguagens matemáticas e estatísticas, úteis à produção do planejamento estatal, fundamentada no ideário do neopositivismo. Tal método de análise surge com críticas teórico-metodológicas à Geografia de influência positivista, que se baseava essencialmente em fatos concretos observados. 35 A Nova Geografia introduziu novos conceitos e interpretações do espaço através de técnicas quantitativas que poderiam ser aplicadas aos problemas existentes oriundos da superação da Geografia Tradicional, procurando, com isso, o estabelecimento de leis gerais, constituindo suas teorias baseada nos princípios quantitativos diante do espaço geográfico. No contexto do referido movimento de renovação, ressaltando o discurso da abordagem crítica fundamentado no materialismo histórico dialético (não consensualmente adotado), como também em outros métodos científicos para fazer oposição às segregações sociais e espaciais da sociedade capitalista como objeto central de estudo. O discurso da abordagem humanística vem sendo ressaltado nos últimos anos e resulta da inconsensualidade da influência marxista diante das políticas neoliberais oriundas do advento da globalização. A característica ressaltada por esse discurso vem no sentido de expressar a relevância que permeia o espaço vivido e as representações dos grupos sociais, conforme as manifestações da cultura que os caracterizam nas relações, de um modo geral, como também no espaço natureza, no que diz respeito ao modo de produção condizente com as classes sociais que se sobrepõem à economia vigente. Assim, pensar o espaço e as relações ali existentes implica perceber o valor e o antropocentrismo da vida social. A Geografia Cultural, como expressão da produção humana, traz na sua essência o embasamento das novas afirmações da diversidade dos grupos sociais. Como cita Tonine (2003, p.72-73): [...] a abordagem cultural é retomada nos estudos geográficos a partir de 1960, na França, principalmente por Paul Claval. É resultante de um dos desdobramentos da Geografia Moderna. Entretanto o atual discurso da Geografia Cultural está matizado por um referencial teórico que permite diferenciá-la de sua primeira constituição nos anos 20 do século XX, nos Estados Unidos. [...] os estudos de Carlos Ortwin Sauer (1889-1975) que trouxeram o viés cultural, ancorado nos discursos de Ratzel e La Blache. Na referida abordagem, a ressalva à cultura se dá a partir das considerações sobre as manifestações materiais de valores dadas pela Geografia. Constituída com expectativas de visualização acerca das relações existentes nos grupos humanos, a abordagem humanística surge valorizando o modo de vida e a cultura estabelecida pelos grupos sociais, como destaca Gomes (2000, p.309- 310): O caráter exemplar desta reapropriação inscreve na consciência humanista uma vocação de continuidade, que serve igualmente na definição de uma nova relação com o mundo e de uma nova dimensão do homem, considerando, sempre, que existe uma revolução contínua e sem rupturas. No entanto, este período também conheceu, através das grandes descobertas, sociedades diferentes. Neste sentido, o humanismo 36 redescobriu, por uma consciência renovada de si mesmo, o outro. Graças a estes contatos, a alteridade tornou-se um dos grandes valores do humanismo moderno. Faz-se necessário a apreensão dos momentos sócio-históricos da produção dos discursos das abordagens geográficas mediante a compreensão das manifestações da evolução histórica das forças produtivas e relações sociais de produção na sociedade capitalista. 2.5 IDENTIDADE CIENTÍFICA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO As assertivas, que se seguem, dizem respeito à natureza do processo de sistematização do conhecimento geográfico com ênfase nas teorias e fundamentações de Gomes (2000), Moraes (2005), Silva (1989), Soares Júnior (2000), Tonine (2003) acerca dos saberes específicos das abordagens geográficas. No século XIX, praticamente todas as regiões do mundo já eram conhecidas e permitiam uma avaliação mais global do planeta. A tessitura para a sistematização do conhecimento geográfico expressava-se servindo, inicialmente, de interesse ao expansionismo no contexto político de alguns países europeus, conveniente aos propósitos do modo de produção capitalista. De acordo com Moraes (2005, p. 50-51): A sistematização do conhecimento geográfico só vai ocorrer no ínicio do século XIX. E nem poderia ser de outro modo, pois pensar a Geografia como um conhecimento autônomo, particular, demandava um certo número de condições históricas que somente nessa época estarão suficientemente maturadas. Esses pressupostos históricos da sistematização geográfica objetivam-se no processo de avanços e domínio das relações capitalistas de produção. Assim, na própria constituição do modo de produção capitalista. A Geografia começou a se estruturar como ciência na Alemanha, tendo como referência os pressupostos formulados por Humboldt e Ritter . Segundo Moraes (2005, p.33): Seus estudos estabeleceram novos solos para um conhecimento que estava sendo sistematizado, dando condições de possibilidade para sua legitimação como campo de saber, frente à ciência. Seus estudos permitiram a inscrição da Geografia no quadro das ciências, por apresentar uma metodologia rigorosa nas análises, buscando as explicações entre a natureza e o homem. Eles deram à Geografia Moderna um método de análise, ao estabelecer as relações entre os fenômenos que ocorrem nas diversas paisagens da superfície do planeta e desses com 37 a ação da humanidade. A Geografia abandonou o papel puramente descritivo e passou a explicar fenômenos e suas inter-relações, tornando-se uma ciência. Para Moraes, (2005, p.62- 63), “Humboldt entendia a Geografia [...] como uma espécie de síntese de todos os fenômenos que ocorrem na Terra”, enquanto que Ritter para explicar a natureza geográfica decorria principalmente, um estudo dos lugares, uma busca da individualidade destes”. No final do século XVIII e início do século XIX, o panorama histórico apresentava mudanças fundamentais no contexto socioeconômico, as quais repercutiram nas ciências de um modo geral. A Revolução Industrial marca a fase do capitalismo concorrencial reforçado pelo liberalismo econômico, como também pelos ideais do liberalismo político. Um novo modo de pensar é instaurado “o positivismo” ligado ao processo histórico de um sistema de contradições sociais. Este reforça a concepção imbuída sob o discurso proposto por Humboldt e Ritter que, apesar de serem responsáveis pela sistematização da Geografia, apenas colaboram com as aspirações exigidas pela Modernidade. Moraes (2005, p.63) explicita que: “a obra destes dois autores compõe a base da Geografia Tradicional. Todos os trabalhos posteriores vão se remeter às formulações de Humboldt e Ritter, seja para aceitá-las ou refutá-las”. A exaltação do discurso geográfico da Modernidade restringe-se às análises geográficas dos lugares e não aos componentes interativos no lugar/espaço, homem/natureza. As relações sociais e de produção não são contestadas no discurso da Modernidade, enfatizando o ideário do positivismo. Nessa linha de pensamento, Moraes (2005, p.39) cita: “os postulados do positivismo entendido como o conjunto das correntes não-dialéticas vão ser o patamar sobre o qual se ergue o pensamento geográfico tradicional, dando-lhe unidade”. Assim, para poder alcançar a positividade prática e metodológica, a Geografia Moderna passou a incorporar o mesmo método das ciências naturais, que é o método científico de cunho naturalista desenvolvido através da observação, localização, descrição, experimentação, causalidade, comparação, generalização, extensão, entre outras. A Geografia Moderna inscreve-se nesse enfoque, e passa a ter um caráter científico e acadêmico começando a ser produzida e pensada nas universidades. 38 Os países colonialistas apóiam a formação das sociedades geográficas, que entre outras atividades elaboram mapas e organizam expedições de exploração de novas áreas e recursos. 2.5.1 Abordagem Geográfica Tradicional Ainda no século XIX, a Geografia é reconhecida oficialmente e passa a ser orientada pelas teorias de Friedrich Ratzel (Alemanha), Vidal de La Blache (França) e Richard Hartshorne (USA). Os postulados desses autores dão suporte à Geografia Moderna, legitimando-a e atribuindo-lhe status acadêmico. Os pressupostos do Determinismo Regional, destacado por Friedrich Ratzel, subordinam o homem ao meio ao afirmar que as condições que a natureza exerce sobre a humanidade a influencia. Ainda acrescenta que é na natureza que a humanidade encontra as possibilidades de expansão, elaborando, assim, o conceito de “espaço vital”, onde a população de um determinado local e os recursos disponíveis para suas necessidades apresentariam equilíbrio. Essa teoria justificava a expansão imperialista da época. Sobre os estudos de Ratzel, Tonine (2003, p.43) afirma: Ratzel interpretava o meio físico como um elemento que influenciava o modo de vida dos grupos humanos e, ao mesmo tempo, influía na expansão territorial [...]. Ratzel também prioriza o meio físico. Embora valorize a ação do homem sobre o meio, deixa claro que tal ação possui papel secundário na organização do meio. O homem continua sendo apenas uma variável a mais na paisagem, isto é, da mesma forma como eram consideradas as variáveis clima, relevo, vegetação e hidrografia dever-se-ia conceder também lugar ao homem na descrição da paisagem geográfica. O discurso do Determinismo Geográfico provocou forte influência aos geógrafos, e estes acreditavam que a sociedade humana e as suas atividades eram determinadas pelo meio físico e, desta feita eles estabeleciam bases para desenvolver a questão de conceitos como espaço vital e espaço territorial. Em reação ao Determinismo Geográfico formulado por Friedrich Ratzel, Vidal de La Blache lançou novos pressupostos focalizando que as pessoas poderiam interferir sob o meio físico, modificando-o e determinando o seu desenvolvimento. O discurso agregado ao possibilismo enunciava que as condições para sustentação do homem são oferecidas pelo meio natural, e sua utilização depende dos costumes, das técnicas diferenciadas em cada cultura e do desenvolvimento histórico de cada sociedade. O que diferenciava as sociedades 39 seria o modo de produção diversificada. O discurso do possibilismo também destacou a questão da pluralidade das linhas da evolução através da relação do conjunto de fatores éticos, econômicos, ambientais, históricos entre outros. Todos esses fatores inter-ralacionados iriam explicar as diferenças entre as áreas geográficas do globo. A Geografia, na concepção de La Blache, foi definida como ciência dos lugares e não dos homens. Sobre esse pensamento, Tonine (2003, p.54) afirma que: O homem, para o possibilismo geográfico, inscreve-se apenas como uma variável que modela e humaniza as paisagens geográficas. Essa visão negligencia, portanto, o processo pelo qual os homens dão significados para suas práticas e o modo como abstraem e transferem tais significados para outros contextos. A reação existente entre os paradigmas do Determinismo Geográfico e o Possibilismo Geográfico se expressam sob o pensamento de Tonine (2003, p.50-51): O discurso da Geografia Francesa foi construído, nessa perspectiva, enunciando relações de poder que diz apresentar um tom mais liberal, uma vez que condenava a visão de espaço vital inscrita no Determinismo Geográfico. Essa é a contradição mais assinalada entre os dois paradigmas geográficos, ou seja, o paradigma alemão e o francês distanciavam-se pelo entendimento das questões políticas nas relações entre o homem e a natureza. O discurso do Possibilismo ainda é conduzido nas práticas atuais, através do componente da memorização das descrições das paisagens naturais contidas nos livros didáticos. Coadunando-se à Geografia da Modernidade, Hartshorne formulou conceitos de áreas e integração. Ele defendia a idéia de que o estudo geográfico não deveria isolar os elementos, mas trabalhar com suas inter-relações, esclarecendo as variações das diferentes áreas da superfície terrestre. A afirmação de Moraes (2005, p.100) aponta que: [...] Hartshorne articulou a Geografia Geral e a Regional, diferenciando-as pelo nível de profundidade de suas colocações. Quanto maior a simplicidade de fenômenos e relações tratados, maior a possibilidade de generalização. Quanto mais profunda a análise efetuada, maior conhecimento da singularidade local. Apesar de apresentarem diferentes enfoques, os pressupostos teóricos da abordagem Geográfica Tradicional que deram legitimidade à Geografia Moderna, apresentaram um núcleo comum que estava vinculado ao ideário positivista. Segundo Tonine (2003, p.70): O regime de verdade produzido nesse discurso inventou diferentes classes sociais conforme a divisão de trabalho. Isto é, as formas pelas quais cada classe se relaciona 40 com as forças produzidas fabricam uma maneira diferente de organização social. Assim, a explicação sobre as condições menos privilegiadas de determinada classe social é trazida pela forma com que ela se relaciona com as forças produtivas. 2.5.2 Movimento de Renovação do Pensamento Geográfico No final da primeira metade do século XX, a Geografia de cunho tradicional entra em crise, seus pressupostos não condizem com as políticas socioeconômicas e sociais do capitalismo, que tornaram a realidade mais complexa. A urbanização atingiu graus antes inexistentes e o quadro agrário modificou-se com a industrialização e a mecanização agrícola. O surgimento de rede de relações próprias da economia globalizada ou do capital globalizado defasou o instrumental de pesquisa da Geografia Tradicional, provocando uma crise das técnicas de análise dessa ciência. O movimento de Renovação da Geografia está relacionado à crise da Geografia Tradicional. Esse novo discurso geográfico expressa a fragilidade de seus pressupostos, que não dão sustentação às exigências demarcadas pelo novo século, tais como: o desenvolvimento de idéias, as duas grandes guerras mundiais, o surgimento dos países socialistas, o confronto entre países socialistas e capitalistas e a revolução tecnológica. Além disso, ocorreram crises econômicas oriundas das produções tecnológicas que levaram o Estado a intervir novamente na economia. O capitalismo chegou a sua fase financeira ou monopolista marcado pelo processo de concentração e centralização de capital. A acirrada concorrência favoreceu grandes empresas, levando à fusões e incorporações que resultaram na formação de monopólios ou oligopólios em muitos setores da economia. Com essas mudanças, o limiar entre o homem submisso à natureza e senhor dela chega ao fim e os impactos ambientais passaram a crescer em ritmo acelerado, chegando a provocar desequilíbrios em escala global. Esses acontecimentos culminaram com a eclosão de abordagens do pensamento geográfico, procurando aprimorar os seus conhecimentos, conforme interesses da conjuntura político-social de um determinado momento histórico. Desse modo, surgiram as abordagens Renovadas da Geografia: a Pragmática, comprometida com o planejamento estatal, e a Crítica, comprometida com mudanças e propostas atuantes de transformações sociais. 41 2.5.2.1 Abordagem Pragmática A Abordagem Pragmática, apoiada em critérios técnicos, mascarava a realidade das relações sociais a respeito do modo de produção manifestado pelos pressupostos do neopositivismo, possibilitando não só o processo de crescimento e a dominação das classes burguesas nas sociedades capitalistas, como também provocava efeitos atenuantes no tocante aos impactos ambientais, para que não ocorressem restrições ao expansionismo das relações capitalistas de produção. Os instrumentos de dominação burguesa, diagnosticando quantitativamente dados de uma determinada área, apenas relacionavam resultados numéricos de interesse do capital. Nesses dados não eram citadas as contradições de produções existentes. Mudanças expressivas apareceram principalmente nos instrumentos de análise da Geografia, pois a preocupação estava em verificar os fatos no campo através de observações diretas e empíricas. As críticas ao trabalho de campo empírico-tradicional são inovadas com o uso de sofisticadas técnicas de análise para obtenção de dados, como o emprego em larga escala da Matemática, Estatística e o uso dos computadores, permitindo a manipulação de um grande número de variáveis. “A Nova Geografia que continuou, portanto, a ser a via conservadora dos discursos geográficos, embora tivesse apresentado uma sofisticação ferramental de análise, seguiu sombreando a heterogeneidade da sociedade”. (TONINE, 2003, p.62). A autora ainda enfatiza esse pensamento destacando que: “O discurso da Nova Geografia, em geral, ignorou as estruturas sociais e concebeu um espaço abstrato e sem rugosidades, eliminando de suas preocupações o espaço da sociedade em movimento permanente”. (SANTOS apud TONINE, 2003, p.62). A relevância do ideário neopositivista para a ciência geográfica foi inquestionável, no sentido de apresentar novas análises, novas dimensões metodológicas e preocupações com a teoria geográfica. No entanto, os dados técnicos da realidade somente serviram aos interesses econômicos de ordem do capital instalado. Este mantém os princípios conservadores que engajam o pensamento geográfico de manutenção da ordem econômica vigente. 42 2.5.2.2 Abordagem Crítica O centro de preocupação, no final do século XX, em relação ao pensamento geográfico, passa a ser as relações entre a sociedade, o trabalho e a natureza no que concerne à apropriação dos recursos materiais. Para se compreender essas relações, lança-se mão de explicações históricas e econômicas no contexto das relações produtivas. A Geografia Crítica passa a estudar o espaço e as relações que nele ocorrem sendo, portanto, um canal de reflexão para uma ação transformadora, objetivando a construção da cidadania. Os enunciados da Geografia Crítica surgem da constatação de que, apesar de o espaço geográfico ser construído pelos seres humanos por meio do trabalho, não são todos os que se beneficiam dos frutos dessa construção. Conforme aponta Tonine (2003, p.70): “O discurso da Geografia Crítica explica que as sociedades produzem o espaço conforme seus interesses em determinados momentos históricos, mostrando que tal espaço está implicado na movimentação das relações econômicas”. A relação homem/natureza na Geografia Crítica prioriza as relações sociais na sua totalidade de produção. Ela se preocupa em estudar a sociedade por meio das relações de trabalho e da apropriação humana da natureza, pois as contradições provocadas no espaço social pelas determinações ocasionadas pelo modelo econômico capitalista monopolista e suas relações de força produtivas provocam grandes distorções na constituição das classes sociais. Os saberes geográficos da Abordagem Crítica expressam como ocorre a apreensão do processo de apropriação das forças produtivas e a aplicação dessas pelo agente indireto do modo de produção, dono absoluto dos meios de produção, instrumentos e técnicas. Esse agente se apropria dos saberes produzidos pelas ciências e utilizando-os, passa a dominar a força produtiva que, por sua vez, permanece alienada das contradições ocorridas no espaço das relações sociais de produção. Tonine (2003, p.70-71) discorre acerca dos pressupostos contidos na Geografia Crítica afirmando que: [...] O discurso da Geografia Crítica explica que as sociedades produzem o espaço conforme seus interesses, em determinados momentos históricos, mostrando que tal espaço está implicado na movimentação das relações econômicas. Mostra também como essas relações produzem sociedades desiguais – pobres/ricos – e, também, espaços desiguais – rural/urbano, metrópole/cidades, centro urbano/periferia urbana -, entre outros. O discurso da Geografia Crítica rompe com os ideais do Positivismo e do Neopositivismo que orientam a abordagem da Geografia Tradicional. Este discurso incorpora 43 os fundamentos do materialismo dialético trazendo outros elementos interpretativos e metodológicos, apontando novas perspectivas para o entendimento do contexto socioeconômico do espaço geográfico. A concepção do materialismo dialético apresentou-se eminentemente crítica em relação à Geografia Positivista, uma vez que esse mantinha compromisso ideológico com a classe dominante. A ruptura epistemológica nas ciências humanas ocorre a partir dos fundamentos marxistas que direcionam as explicações existentes nas relações de produção, situando o sujeito social como parte eminentemente imprescindível a sua sustentação e, por essa razão, necessita contestar o seu entorno social. Segundo Silva (1989, p. 4), A Geografia Crítica [...] se interessa com o porque. o como e o onde, encontram respostas, na aparência, a resposta do porquê está na essência. Para atingí-la, não podemos permanecer com os métodos convencionais, indutivos, comparativos, racionalistas, estruturalistas, sistêmicos, etc. A experiência fala mais alto nesse sentido e não nos deixa ficar em afirmações teórico-abstratas. Tonine (2003, p.68) corrobora com esse pensamento, destacando que: A construção desse outro discurso, inventado pelas matrizes da Geografia Crítica, deve-se à concepção de que a Geografia deveria ser um campo de conhecimento preocupado com os problemas sociais. Por isso, tal discurso passa a examinar a relação sociedade e natureza como um processo. Assim, os elementos da natureza deveriam ser estudados apenas como recursos para a sociedade. A Geografia não estaria mais preocupada em examinar os processos naturais em si, mas a natureza como elemento a ser utilizado e apropriado pela sociedade. A Geografia Crítica aponta para o entendimento das relações sociais de produção de cada momento histórico, com ênfase a respeito do enfoque positivista das interpretações biológicas de cunho naturalista, que explicam, na dinâmica da sociedade, o espaço geográfico. A respeito do espaço geográfico, novos questionamentos com perspectivas humanísticas surgem nos últimos anos. Tonine (2003, p.72) cita Gomes para afirmar que: A Geografia abandonou o projeto de construir, por intermédio do marxismo, uma ciência total. Hoje, os geógrafos que invocam o marxismo o fazem a partir de uma perspectiva muito mais limitada, como uma filiação ideológica ou inspiração de ordem geral. De qualquer forma, não existe mais crença em uma via metodológica única, que será aquela da ‘verdadeira’ Geografia, e se reconhece a importância e a riqueza de outras condutas possíveis para a Geografia. Nesse sentido, o discurso da abordagem geográfica aponta para novos pressupostos vinculados à cultura dos grupos sociais e sua manifestação diante do espaço social. 44 2.5.3 Abordagem Humanística O discurso de cunho humanístico indicia novos pressupostos que estão vinculados à cultura dos grupos sociais por meio das suas manifestações subjetivas diante da produção do espaço social. Essas simbolizam o modo como o homem percebe as paisagens e os lugares naquilo que atende as suas necessidades de sobrevivência. Assim, “o humanismo, que contextualiza todas as coisas a partir da cultura, é obrigado, também, a interrogar-se sobre a natureza dos fenômenos da personalidade e do comportamento”. (GOMES, 2000, p.321). Nesse sentido, a influência do Humanismo nas ciências sociais e, com destaque na Geografia, ressalta o olhar humano nas manifestações sucedidas na paisagem e no lugar vivido, que, por sua vez, são resultantes das relações sociais ali estabelecidas. Nessa direção Gomes (2000, p.322) afirma que: De maneira análoga, na Geografia, a paisagem, a região e os lugares, a despeito de suas características físicas, apreendidas imediatamente, são de fato, estruturados por uma rede simbólica complexa. Esta rede é composta de valores, de representações, de imagens espaciais vividas e, para ser percebida, demanda um trabalho de interpretação aprofundado. O homem, no contexto da referida abordagem, é analisado numa perspectiva antropocêntrica com ressalva ao espaço vivido coletivamente, por meio das abstrações subjetivas dos indivíduos e mediante os valores constituídos na estrutura social, pois, como enaltece Gomes (2000, p.321-322), Todo comportamento tem uma significação, mesmo quando se inscreve fora da ordem dominante, como no caso dos problemas da personalidade. A manifestação de um sentido não é acompanhada necessariamente da consciência explícita deste sentido. Mesmo manifestando-se através de expressões físicas, palavras, gestos, sonhos, tais fenômenos estão ligados ao universo simbólico interior, do qual o sentido é parcialmente inconsciente. Desse modo, o enfoque humanístico busca compreender o aspecto sensível dos homens atribuído sobre o espaço de suas existências com base nas suas produções culturais, pois “os grupos humanos, quando se organizam espacialmente, não têm consciência explícita de todos os processos de significação que são atribuídos e vividos cotidianamente no espaço”. (GOMES, 2000, p.312). Assim, a abordagem humanística da Geografia interpreta os saberes geográficos estabelecidos no contexto sociohistórico por meio das construções simbólicas que são 45 estabelecidas pelo modo de agir e pensar do homem numa perspectiva particular de perceber a produção do espaço geográfico. Com isso, as referidas construções estão repletas de valores oriundos das impressões singulares contidas nas relações políticas, econômicas e sociais estabelecidas nos seus lugares de vivências. Segundo Gomes (2000, p.319): O espaço vivido deve, portanto, ser compreendido como um espaço de vida, construído e representado pelos atores sociais que circulam neste espaço, mas também vivido pelo geógrafo que, para interpretar, precisa penetrar completamente neste ambiente. Portanto, compreendemos que, no nosso percurso formativo, os saberes geográficos de cunho humanístico ainda não estavam disseminados no interior dos saberes presentes nos livros didáticos e na ação pedagógica de nossos diferentes professores. O conteúdo dessa perspectiva geográfica, apesar de existir desde o século XIX, somente nos dias atuais é marcado pela prevalência da representação cultural subjetivista presente nas lições da Geografia que se atrela às características do contexto social vigente, ou seja, as matrizes centrais das políticas neoliberais diante das marcas da economia global. 2.5.4 Abordagem Cultural A Geografia Cultural tradicional focaliza a compreensão de que a harmonia, entre os grupos humanos, não evidencia as diversidades culturais entre os grupos. Sua análise se constitui pelas diferenças culturais que dizem respeito ao aspecto material que cada povo manifesta na sua produção e não pela forma como se produzem as relações estabelecidas no espaço geográfico vivido. Nessa abordagem, a paisagem natural é meramente descritiva e, sob a ótica do ideário positivista, não estuda as idéias e as representações sociais, expressando, assim, nuanças da Geografia Moderna pautada na visão do modelo dos pressupostos dotados por Ratzel e La Blache, que exaltam a natureza e o homem em suas particularidades sem, no entanto, focar suas análises nem interpretações no que diz respeito às relações produtivas no espaço geográfico. Como enuncia Gomes apud Tonine (2003, p.72): O espaço é sempre um lugar carregado de significações; ação humana não pode estar separada de seu contexto; o homem produz sua cultura; as análises geográficas devem ter suas interpretações relativas, ou seja, os contextos são próprios e específicos a cada manifestação de arte no espaço geográfico. 46 Estes foram pontos reflexivos para a retomada do pensamento cultural dos princípios que demarcavam a padronização da existência dos grupos humanos. A renovação da Geografia Cultural decorre de nova compreensão a respeito dos grupos humanos. As coisas existentes no mundo social já não podiam ser compreendidas de forma compartimentizada sem estarem implicadas na sua dinâmica de existência; estando em movimento requeriam novos confrontos. De acordo com Claval (1999, p.61-62), “O trabalho de reflexão epistemológica, empreendida pelas ciências sociais e pela Geografia desde o início dos anos 1960, chega a um ponto decisivo. Toma-se consciência das inconsistências dos princípios positivistas até então aceitos”. Com base nesses preceitos acerca dos novos conhecimentos produzidos no espaço, altera-se também o modo de ser dos indivíduos em relação às atividades laborais desenvolvidas no espaço geográfico. As evoluções das novas técnicas constituíam outros modelos de interações entre os grupos humanos, ocasionando, também, alterações sobre o conteúdo até então apropriado. Logo, no espaço geográfico as intervenções produzidas têm uma relevância em relação ao novo contexto produtivo, esse proveniente da influência de outras culturas, costumes, crenças entre outros, que desencadeiam novos saberes. Claval (1999, p.62) comenta nesse sentido que: “A diversidade das culturas apresenta-se cada vez menos fundamentada sobre seu conteúdo material. Ela está ligada à diversidade dos sistemas de representação e de valores que permitem às pessoas se afirmar, se reconhecer e constituir coletividades”. O surgimento dessa abordagem expressa por Claval (1999), Gomes (2000), Tonine (2003), entre outros, provém da relevância a respeito do conceito de cultura como socialmente determinada. Segundo Tonine (2003, p. 72), essa “abordagem cultural é retomada a partir de 1960, na França” com outra perspectiva teórica que punha em questão o entendimento de cultura como manifestações materiais de valores. A Geografia Cultural reaparece no contexto social de forma mais exacerbada a partir de 1980, tendo como seus objetos de estudo o homem e a natureza, e o modo de produção caracterizado pelo processo da globalização. O espaço geográfico, no discurso cultural é entendido como sendo lugar de representações simbólicas e, portanto, sem a padronização da paisagem natural como convinha aos interesses do capital no processo econômico da globalização. Como cita Tonine (2003, p.74): “Com a globalização as diferenças culturais têm-se acentuado entre os lugares, o que permite ver cada local como um recorte espacial que apresenta suas particularidades, ou seja, suas práticas culturais”. 47 Sendo a paisagem natural espaço de representações sociais cabe no contexto da abordagem cultural, entender as ações dos indivíduos como sendo repletas de valores. Entender esse significado é respeitar que as transformações ocorridas no espaço são resultantes dos saberes oriundos das influências causadas em cada época a com base nas alterações do modo de produção que refletia o sistema econômico em questão. Assim, com base nesses enfoques sobre as características das abordagens geográficas, convém investigar e refletir sobre as bases teórico-metodológicas que sedimentaram os saberes do professor (a) do Ensino Fundamental, no sentido de compreender como esses foram constituídos. Diante das exposições da natureza das abordagens geográficas, convém reelaborar sobre as especificidades dos nossos saberes confrontando-os com sua historicidade, pelas práticas pedagógicas de diferentes professores que desencadearam no lugar escola, concepções acerca do objeto de estudo em foco. 48 3 CAMINHOS TRAÇADOS Neste capítulo, apresentamos os procedimentos teórico-metodológicos que viabilizaram os caminhos traçados na nossa pesquisa diante do processo de construção do nosso objeto de estudo. Tomamos como referência os postulados do materialismo histórico e dialético, que “[...] considera como um dos seus princípios a unidade dialética entre o singular, o particular e o geral, e a ciência deverá ultrapassar a forma casual dos fenômenos, no sentido de desvelar a necessidade por ela dissimulada”. (FERREIRA, 2006, p.54). No referido processo investigativo, foi imprescindível ampararmo-nos em elementos teórico-metodológicos que expressassem a premissa do sujeito no coletivo, que apreende, segundo a sua singularidade, aprendizagens nas diversas áreas do conhecimento, adquirindo saberes provenientes das relações estabelecidas no contexto das suas experiências de vida, conforme interesses antagônicos das sociedades. Esse sujeito apreende os saberes culturais produzidos socialmente, em conformidade com as condições sociais na qual se encontra inserido. Por sua vez, esses saberes precisam ser interpretados para além dos limites do senso comum, preconizados por princípios científicos que os consideram como essenciais à formação e à emancipação pessoal do sujeito social. Nessa perspectiva, refletir sobre os saberes disseminados de um modo amplo nas diversas instâncias sociais implica compreender o sujeito social e a produção das suas ações de modo não individualizado, mas numa perspectiva de singularidade/pluralidade na qual permeiam relações dinâmicas de caráter universal, flexível, democrático e participativo, que “envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. (FREIRE, 1996, p.43). Nesse contexto, a pesquisa aponta para uma ação qualitativa suscitando conotações colaborativas porque, sendo esse processo uma atividade social e humana, enfoca aspectos interpretativos e dinâmicos acerca da questão que se quer investigar. Nesse sentido, Flick (2004, p.52) ressalta que: “A pesquisa qualitativa, que toma como princípio epistemológico a compreensão percebida em diferentes procedimentos metodológicos, já se defronta com a construção da realidade por parte de seu objeto”. Os saberes produzidos e aplicados no contexto sócio-histórico requerem elementos de ação e reflexão para que se efetive o entendimento acerca das produções referentes às abordagens específicas da Geografia, como também sobre as mediações dessas nas instâncias 49 educativas. Esse processo encaminha o entendimento das relações socioeducativas da trajetória da formação escolar. Dessa forma, adotamos a pesquisa colaborativa para refletir sobre as abordagens geográficas que perpassaram a trajetória de formação no contexto educativo da escola tradicional, adentrando-se nesse processo desde a formação escolar dos colaboradores envolvidos na pesquisa à compreensão de como os saberes denotados foram concebidos. Segundo Ibiapina e Ferreira (2005, p.27): [...] a pesquisa colaborativa é uma alternativa teórica e metodológica de formar o professor para além da cultura de construção técnica do conhecimento, em que os professores experimentam e põem a prova resultados de pesquisas externas e não o desenvolvimento de práticas investigativas sob o seu próprio controle. No que diz respeito à dimensão reflexiva da pesquisa, ela pode ser componente relevante à evocação dos saberes condizentes com a Geografia Escolar, uma vez que desenvolve e aponta uma atitude científica de olhar a realidade educacional para além dos conhecimentos espontâneos, mesmo considerando-os como ponto de partida para redimensionar as práticas dominantes, na tentativa de encaminhá-los às análises compreensivas dos contextos histórico, social, cultural, organizacional e profissional em que ocorre a difusão de saberes de um modo geral. Em decorrência, poder investigar e refletir sistematicamente diante dos saberes adquiridos na formação inicial, emitidos da prática pedagógica de diferentes professores, na instância educativa e, assim, provocar possíveis alterações acerca desses saberes. Essa postura convém à reflexão abordada por Gauthier e Tardif (1996, p.19) ao enfatizarem que: Os saberes da experiência não constituem um grupo de saberes entre outros, mas o próprio centro de gravidade da competência profissional dos docentes. Eles são formados de todos os outros saberes, mas retraduzidos e submetidos às certezas originadas da prática e da vivência no contexto da realidade profissional. A pesquisa colaborativa, na sua essência, complementa a investigação dos saberes que se quer interpretar. O entendimento dessa abordagem propicia as possíveis reflexões do objeto de estudo demarcado, em razão das perspectivas que ampliam as discussões imprescindíveis sobre os saberes das abordagens geográficas, constituindo construções dialógicas mais conscientes, eficazes e distantes do praticismo e automatismo que ora vigora no ensino da Geografia. Diante desse processo a pesquisa colaborativa possibilita como refere Ferreira (2007a, p.23), 50 [...] a convivência dialética entre os diferentes interesses do pesquisador e do professor participante. Enquanto para o pesquisador a busca do conhecimento co- construído, objeto de investigação, será atividade de pesquisa, para os professores práticos a pesquisa é vista como uma ocasião de aperfeiçoamento, ou seja, uma atividade de formação. Esse processo investigativo desencadeia avanços significativos perante as reflexões do que é imposto no âmbito educativo, em que saberes são difundidos por interesses individuais, justificando as demandas de ordem sociopolítica, conforme são os ditames do sistema econômico e suas nuanças. Nessa visão, a pesquisa colaborativa deverá contribuir enquanto abordagem investigativa, para maior conhecimento e compreensão da problemática do nosso estudo. Os elementos teóricos e metodológicos propostos expressam a premissa do sujeito no coletivo que apreende, segundo a sua singularidade, aprendizagens nas diversas áreas do conhecimento. Nessa direção, os saberes das abordagens geográficas, constituídos no espaço coletivo e sob permissão da escola e seus agentes, mantêm as premissas determinadas por interesses diversos e antagônicos, coerentes com relações vinculadas a tais interesses. O entendimento a respeito das concepções dos sujeitos envolvidos na pesquisa (colaboradores) acerca dos saberes das abordagens geográficas provém do contexto sócio- histórico de suas formações e emite para reflexão acerca de sua formação sobre as relações que influenciam o seu pensar, o seu agir. Entendemos que essas posturas políticas e pedagógicas perpassaram pelos agentes autorizados para fazer cumprir os conteúdos determinados pelos discursos do poder econômico vigente. As ações colaborativas suscitam dos sujeitos sociais (colaboradores) exposição e disponibilidade. Essas atitudes, conforme a abordagem sócio-histórica, situam os sujeitos e suas ações, de modo não fragmentado, diante do contexto formativo. Por essa razão, seguir o direcionamento proposto pela pesquisa qualitativa concerne à aplicação das concepções do materialismo histórico-dialético, pois essas expressam que “A dialética materialista na sua forma moderna apresenta a doutrina filosófica sobre as relações gerais, o movimento e o desenvolvimento de qualquer realidade, seja ela a natureza, a sociedade ou a cognição”. (BURLATSKI, 1987, p.69). Assim, neste processo colaborativo e, por meio das narrativas, vêm à tona conteúdos relacionados aos saberes geográficos, vigorados na escola, que servem como ponto de partida para redimensionar os saberes dominantes, oriundos do contexto histórico, social, cultural, organizacional e profissional, em que ocorreu a formação do professor. Em decorrência dessa 51 atitude, pode-se intervir com intenções sistemáticas e reelaboradas para modificações, na tentativa de encaminhá-los às análises compreensivas. Segundo Arnal, Del Rincon e Latorre (1992, p.258): A Investigação Colaborativa é conceituada como um processo de indagação e teorização das práticas profissionais de educadores e das teorias que guiam suas práticas. É uma forma de investigação que capacita comunidade de professores a melhorar o que fazem, a partir de uma melhor compreensão de suas práticas. Desse modo, a investigação atenta para o desenvolvimento e a emancipação profissional dos professores; volta-se para repensar, dinamizar, justificar e avançar sobre a significação dos saberes geográficos, contidos na ciência Geografia, requerendo do sujeito do conhecimento o seu reconhecimento perante a construção do espaço e suas implicações, com novas tendências de repensar o contexto sócio-histórico e os conflitos nele existentes. Além das questões expressas, Ferreira (2007a, p.22) enaltece que a pesquisa colaborativa: [...] cria [...] o enquadramento ético das condições de pesquisa sobre ensino e aprendizagem, pois traz subjacente o princípio da sensibilidade, como atitude do pesquisador, e o pressuposto da implicação dialética, como ética de pesquisa. Partindo da autoreflexão mútua de pesquisadores e participantes, como condição para o desenvolvimento da empatia e da alteridade, amadurecendo a compreensão e a interação, a intersubjetividade dará significado e sentido para reflexão-ação. Nessa visão, a pesquisa colaborativa deverá contribuir, como abordagem investigativa, para maior conhecimento e compreensão do problema a ser investigado: (Os saberes do professor da Escola Fundamental e suas concepções sobre as abordagens geográficas). Buscaremos, pelos procedimentos metodológicos aplicados, emitir contribuições que permitam responder às questões propostas e atingir os objetivos a que nos propomos. Figura 1 – Metodologia. Abordagem Investigativa. Pesquisa Colaborativa Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2009. 52 3.1 CAMINHOS PROPOSTOS A escolha dos elementos que compuseram a pesquisa se efetivou em adequações relevantes e interativas, entre referenciais teóricos, instrumentos operacionais e produção de conhecimentos. Nesse sentido, buscamos os procedimentos metodológicos que consideramos pertinentes à construção empírica, favorecendo, ao mesmo tempo, a espontaneidade e o entendimento dos colaboradores, sem, no entanto, perder de vista a fundamentação que o processo investigativo suscita para justificação dessa abordagem científica. Nessa perspectiva, Laville e Dionne (1999, p.96) consideram que: Os valores metodológicos são os que fazem estimar que o saber construído de maneira metódica, especialmente pela pesquisa, vale a pena ser obtido, e que vale a pena seguir os meios para nele chegar. Isso exige curiosidade e ceticismo, a confiança na razão e no procedimento científico e, também, a aceitação de seus limites. O percurso traçado para efetivação da referida pesquisa iniciou-se pela definição do espaço empírico que deveria ser de preferência composto por professores interessados em discutir questões inerentes ao modo como os saberes são adquiridos. Esses saberes, no caso da pesquisa, referentes às abordagens geográficas. Consideramos como princípio para o processo de adesão dos professores (colaboradores) o respeito, a individualidade, a disponibilidade e, principalmente, a forma como eles evidenciariam os conteúdos que comporiam a construção desse processo científico. Por essa razão, a relevância do caráter qualitativo implícito na investigação, que Flick (2004, p.43) esclarece, elucidando sobre os sujeitos que se engajam voluntariamente em busca da melhoria pessoal e profissional, como sendo: [...] sujeitos, com suas opiniões sobre um determinado fenômeno, traduzem parte de sua realidade; em conversas e discursos, os fenômenos são produzidos interativamente, e, assim, a realidade é construída; estruturas latentes de sentido e regras relacionadas contribuem para a construção de situações sociais com as atividades que geram. Portanto, a realidade estudada pela pesquisa qualitativa não é uma realidade determinada, mas, construída por diferentes atores. Esse é o sentido singular que permeia a nossa construção, pois sem relevar o que constitui a individualidade do sujeito, não enaltecemos o teor que caracteriza a modalidade científica que nos propomos desenvolver. 53 3.1.1 Chegando ao Campo Empírico: contato e adesão A Escola Municipal Professor Ulisses de Góes, definida como campo empírico, está localizada no município de Natal/RN, no Bairro Nova Descoberta. Ela foi criada mediante o ato 1902, de 10 de março de 1977, tendo sido autorizada a funcionar de acordo com o decreto de autorização nº. 295/76 e portaria de reconhecimento 719/80, publicada no Diário Oficial de Estado, em 30 de outubro de 1980. De acordo com relato da atual gestão, a referida escola surgiu em 1959/1960. Nesse período, o prefeito Djalma Maranhão e o secretário de educação Moacir de Góes tinham grande interesse em atender às necessidades da comunidade escolar e, assim, não mediram esforços com o objetivo de diminuir o índice de analfabetismo ora existente naquela comunidade. A Escola Municipal Ulisses de Góes está organizada atualmente em três turnos diários, atendendo às modalidades de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental (1º ao 9º ano) e Educação de Jovens e Adultos (EJA). A escolha por esse campo empírico se deveu ao fato de ser o espaço onde desenvolvemos nossas atividades pedagógicas e por encontrar nela a aceitação dos professores, nesse caso um professor e duas professoras (os colaboradores) que desempenham suas funções profissionais educativas no 1º e 4ª anos do Ensino Fundamental. No dia 11/09/2007, foi realizada a exposição da pesquisa com o propósito de assegurar adesão e participação do maior número de professores. Embora as intenções tenham sido apresentadas a todos os professores que trabalham no turno matutino, apenas três professores se disponibilizaram a fazer parte desse processo. Os demais justificaram que, pela exigência de horários e estudos, não poderiam confirmar suas presenças. Quanto à aceitação dos colaboradores nesse processo, os fatores por eles citados foram rever os conteúdos pedagógicos, ter possibilidades de refletir, confrontar e reconstruir os saberes específicos das abordagens geográficas. No dia 26/12/2007, ocorreu o primeiro momento formal com os colaboradores da investigação e, nesse instante, negociamos as ocasiões e localidades de encontro como também o detalhamento do objeto a ser investigado. A pesquisa colaborativa demanda que se constitua um espaço adequado para se discutir as perspectivas dos colaboradores e, por conseguinte, as produções emitidas ao longo do tempo que se requer à reflexão, à dialogicidade, às discussões, entre outros elementos complexos que o trabalho científico 54 solicita, pois “O conhecimento científico se produz pela busca de articulação entre teoria e realidade empírica”. (MINAYO, 2007, p.54). A exposição do conteúdo referente à pesquisa consistiu, na primeira iniciativa, para que a assinatura do termo de adesão ocorresse. Os colaboradores, embora demonstrando ansiedade devido ao compromisso que assumiram, foram bastante receptivos, atenciosos, comprometidos em investigar e refletir a respeito dos saberes das abordagens geográficas sedimentados no processo da formação inicial. Essas posturas viabilizaram toda a construção que a pesquisa demandava. Nesse sentido, esclarece Flick (2004, p.22): [...] os métodos qualitativos consideram a comunicação do pesquisador com o campo e seus membros como parte explícita da produção de conhecimento, ao invés de excluí-la ao máximo como uma variável intermédia. As subjetividades do pesquisador e daqueles que estão sendo estudados são parte do processo de pesquisa. As reflexões dos pesquisadores sobre suas ações e observações no campo, suas impressões, irritações e sentimentos, e assim por diante, tornam-se dados em si mesmos, constituindo parte da interpretação, sendo documentadas em diários de pesquisa ou em protocolos de contexto. A compreensão dos desafios inerentes às demandas sociais, e especificamente àquelas relacionadas às educativas, remetem geralmente aos profissionais que depositam uma perspectiva de qualificação pessoal e profissional. Essa ressalva está direcionada especialmente a todos que se engajam em processos de escutas, reflexões, leituras, produção de conhecimentos, enfim, ações científicas atreladas a procedimentos metodológicos que têm como finalidade o aperfeiçoamento do trabalho científico. Esse perfil caracteriza os colaboradores que destacamos a seguir, que foram denominados, após negociações, por Angico, Jacarandá e Carvalho. A escolha desses pseudônimos faz sentido porque são nomes ligados aos componentes do espaço natural, isto é, espécies de vegetação que consideramos importantes para nossa existência e sensibilidade. Após essas definições e permeando o processo colaborativo, exaltamos o nosso perfil pessoal e profissional através de história de vida do ‘ser professor’. Trazemos registros sobre aquilo em que cremos ao nos enveredarmos por essa trajetória investigativa. 3.1.2 Perfil dos Colaboradores A professora e colaboradora Jacarandá possui formação em nível superior em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, com especialização em Gestão e Organização Escolar pela Universidade Potiguar (UnP). Sua escolarização quanto à educação 55 básica ocorreu em escolas públicas. Quanto à questão profissional, vivencia suas experiências em escolas públicas e privadas. Atualmente ela desenvolve suas atividades pedagógicas no 1º ano do Ensino Fundamental, e se diz identificada com a profissão debruçando-se para fazer valer aquilo que afirma: A atividade de professora talvez seja a mais digna das profissões. O que seria de todos nós se não tivéssemos aquela mão alfabetizadora que lapidou cada cidadão para o mundo? Considero que ser professora significa tomar decisões pessoais e individuais constantes, muito embora se exija uma capacidade criativa elevada e dissipação de muita energia, de modo que boa parte dessa energia acaba sendo direcionada na busca de solução de problemas de adequação às normas pré- estabelecidas. Ser professora é ser, antes de tudo, um sujeito integrado com o mundo e sabedor de seu papel social. Ser um sujeito capaz de utilizar o seu conhecimento e a sua experiência para desenvolver-se em contextos pedagógicos práticos. Já atuo como docente há quatorze anos. Tive experiências no ensinar com crianças com idades entre três e doze anos. A última turma com a qual trabalhei foi de primeiro ano. Minha formação básica foi em uma escola pública do Estado do Rio Grande do Norte, onde aprendi bastante, tive experiências maravilhosas e, principalmente, toda minha formação no magistério. Já a minha graduação e pós-graduação, ocorreram em uma universidade particular. Durante esta minha trajetória, tive a oportunidade de participar de um projeto de pesquisa, o qual me interessou bastante por se tratar do ensino de Geografia que, até então, durante todo o meu percurso de escola, eu tinha outra visão. Espero que os estudos e momentos reflexivos que tivemos possam aprimorar o meu trabalhar, o fazer em sala de aula com meus alunos e também a minha própria vida em sociedade. (JACARANDÁ, informação verbal, 2009). Já o professor e colaborador Angico desenvolve suas atividades pedagógicas em escolas públicas no 4º ano do Ensino Fundamental. Ele está concluindo formação em nível superior pelo Instituto de Formação de Profissionais em Educação Presidente Kennedy - IFESP - em Pedagogia. Toda sua formação básica ocorreu em escolas públicas. Ele descreve que: Professor, ou melhor, o ofício do magistério, para mim, hoje, é uma profissão árdua, mas gratificante e de suma relevância para a sociedade, mesmo sendo um ofício não levado tão a sério pelos governantes e até um pouco desacreditado pela sociedade. Acredito muito na educação, mola mestra para uma sociedade acontecer satisfatoriamente, mas acredito que cabe a cada cidadão está engajado e comprometido, querendo realmente fazer parte do processo de aprendizagem. Por isso, desde criança me encantei com a educação e já sonhava em ‘ser professor’. Por isso, brincava de ‘escola’. Daí fui fazer o profissionalizante de magistério. Ao matricular-me já consegui estágio remunerado como professor e, atualmente, sou efetivo do quadro docente da rede municipal de ensino. Ou seja, estou com aproximadamente vinte e quatro (24) anos de docência. Todo o meu processo escolar se deu em escola pública, da atual Educação Infantil ao 9º ano do Ensino Fundamental na rede municipal de ensino, mas precisamente na Escola Municipal Professor Ulisses de Góes, onde hoje faço parte do quadro docente. O ensino médio se deu no curso profissionalizante de magistério, na rede estadual de ensino, mais precisamente na Escola Estadual Professor Luís Antônio. Posteriormente, buscando uma graduação, também em instituição pública, primeiramente na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN e, em seguida, no IFESP. Em ambas as instituições, os cursos foram de licenciatura, respectivamente Ciências da Religião e Normal Superior. Além 56 do convite em ser colaborador da pesquisa da colaboradora Carvalho (2007), foi a confiança na educação, em procurar, buscar novos conhecimentos, novos ideais que passam a ser acrescidos à minha formação e até mesmo incentivo para que eu venha a procurar adquirir novos conhecimentos e até ser instigado a prosseguir nos estudos. Esta pesquisa foi de enorme relevância, pois aprendi muito e espero que a ela possa me ser útil, no sentido de proporcionar-me interesse e condições de engajar num projeto de pós-graduação, assim como espero que esta pesquisa sirva de subsídio para outras pessoas que sintam necessidade e interesse em trabalhar em prol da educação da nossa cidade e, consequentemente do nosso País. (ANGICO, informação verbal, 2007). Quanto à professora colaboradora e pesquisadora Carvalho, ela possui formação em nível superior em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN -, com especialização em Psicopedagogia pela Universidade Potiguar - UnP. Sua formação básica ocorreu em escolas públicas. Quanto à questão profissional, vivencia suas experiências em escolas públicas como professora e coordenadora. Ela tece sobre seu perfil profissional e colaborativo da seguinte forma: A minha história profissional, atualmente, perfazendo um tempo de 20 anos no setor educativo, foi, principalmente, em entidades públicas. Ser professora é, acima de tudo, um complexo desafio, pois esse fazer de cunho educativo está além da sua própria essência: é suscitado de nós professores corrigir o que a sociedade na sua totalidade produziu, desfavorecendo os sujeitos sociais de camadas economicamente de baixa renda. Ao mesmo tempo, essa sociedade não valoriza o profissional educador em termos remunerativos como também não lhe atribui condições dignas no espaço educativo. Por essa, entre outras razões, esse desafio é complexo. No entanto, acredito que ação educativa transforma a sociedade. O meu percurso de formação até a formação superior se deu em entidades públicas. A pós-graduação em Psicopedagogia ocorreu em entidade particular. Insisto em defender a educação como sendo dever do Estado, porque através de impostos garantimos à sua manutenção. Fazer parte desse processo investigativo representa, para mim, uma confirmação de que, quando se deseja, é possível que esse desejo se torne realidade. Acredito que a educação em mãos e pensamentos de sujeitos íntegros poderá se tornar um fenômeno qualitativo. (CARVALHO, informação verbal, 2007). Os procedimentos metodológicos adotados nesta investigação buscam responder às questões expressas na pesquisa, intencionando alcances qualitativos e emancipação profissional dos sujeitos envolvidos, que se referem à apreensão das abordagens geográficas. Assim, utilizaremos procedimentos metodológicos pertinentes à sua construção que viabilizem a aproximação e conscientização do objeto de estudo o qual pretendemos assimilar. Nessa perspectiva, selecionamos, considerando a proposição dos colaboradores, instrumentos metodológicos como: Narrativas de Formação (escritas e/ou orais), Seminários de Estudos Reflexivos e, por fim, os Ciclos de Estudos Reflexivos, os quais nos permitirão efetivar esse processo científico. Como destacam Laville e Dionne (1999, p.97): 57 Todos esses elementos quando trazidos para nosso meio oferecem, por sua vez, a matéria sobre a qual se exercerão esses elementos: conhecimento, valor [...]. Pois é nesse meio que um olhar atento observará os fatos nos quais poderemos eventualmente entrever o problema a ser estudado. A reunião com professores(as) colaboradores consiste em esclarecimentos a respeito de todo o processo investigativo. Pretendemos, com essa atitude, que os docentes possam ter conhecimento acerca da essência e proposição da pesquisa que se apresenta. Esse momento também foi relevante para que os colaboradores pudessem apresentar sugestões a respeito do conteúdo exposto. Após a exposição, o Termo de Adesão foi assinado, normatizando, assim, o andamento da pesquisa. Após esses momentos de negociação, demos continuidade aos nossos procedimentos metodológicos evocando os saberes das abordagens geográficas contidos na nossa trajetória de formação. Esses saberes foram solicitados por meio das narrativas escritas e/ou orais, mediante a necessidade de entendimento sobre o processo sócio-histórico daquele contexto formativo. Gauthier e Tardif (1996, p.12) trazem assertivas corroborando com esse enunciado pontuando que: Entendemos que é necessário integrar o docente e seus saberes no duplo quadro limitador de sua profissão e da instituição escolar, considerando, de um lado, as transformações que sempre em relação aos saberes, vem há trinta anos afetando a profissão docente e a escola, e por outro lado, as relações entre o grupo docente e os outros detentores de saberes que interferem na definição da profissão. Assim, prosseguimos com as nossas produções de conhecimentos acerca dos saberes das abordagens geográficas. 3.1.3 Narrativas Tópicas de Formação As narrativas tópicas de formação (escritas e/ou orais) enunciaram os nossos conhecimentos prévios e conduziram ao diagnóstico inicial dos saberes dos professores em relação à temática em questão. Nesse sentido, reitera Josso (2004, p.64) que: Este trabalho de rememoração, que reúne as recordações à escala de uma vida, apresenta-se como uma tentativa de articular as experiências contadas e é feito, principalmente, sob o ângulo do percurso de formação ao longo da vida e da sua dinâmica, evidenciando as práticas formativas inerentes a um itinerário escolar, profissional, e outras aprendizagens organizadas (sessões ou oficinas de formação), 58 incluindo aí, finalmente, as experiências de vida que o autor considera terem deixado uma marca formadora. O referido procedimento metodológico permite trazer à tona acontecimentos, experiências ocorridas nos espaços vividos e, na pesquisa em questão, torna possível desvendar modelos e princípios que estruturam discursos pedagógicos que compõem o agir e o pensar docente, ao mesmo tempo que permite rever cristalizações da prática pedagógica referente aos conteúdos didáticos da Geografia Escolar concebidos pelos professores implicados na pesquisa. Souza e Cordeiro (2007, p.47) destacam que: As narrativas de formação e/ou as expressas em diários autobiográficos demarcam um espaço onde o sujeito, ao selecionar lembranças da sua existência e ao tratá-las na perspectiva oral e escrita, organiza suas idéias, potencializa a reconstrução de sua vivência pessoal e profissional de forma autoreflexiva e gera suporte para compreensão de sua itinerância formativa. Nesse sentido, trazer à baila os saberes que se acomodaram à estrutura cognitiva provoca rever os seus significados, que estão relacionados ao contexto sócio-político que os produziram; e assim poder refletir sobre aqueles mediados pela postura impositiva dos professores nas instâncias educativas. Focault (1979, p.21) nos traz significativa reflexão sobre esse aspecto, afirmando que: A questão não é a de relacionar o saber – considerado como idéias, pensamento, fenômeno de consciência – diretamente com a economia, situando a consciência dos homens como reflexos e expressão das condições econômicas. O que faz a genealogia é considerar o saber - compreendido como materialidade, como prática, como acontecimento – como peça de um dispositivo político que, enquanto dispositivo, se articula com a estrutura econômica. Ou, mais especificamente, a questão tem sido a de como se formaram domínios do saber – que foram chamados de ciências humanas – a partir de práticas políticas disciplinares. Por essa razão, o referido procedimento representa nesse percurso e, particularmente, para os sujeitos envolvidos oportunidades singulares de se confrontarem com elementos formativos de suas histórias de vida, esses permeados de sentidos emotivos, sensíveis e, principalmente, afetivos, uma vez que estão indissociavelmente implicados à subjetividade de cada sujeito e sua inter-relação com o mundo e com outros sujeitos que objetivavam propósitos diversificados para suas vidas. Para nós, colaboradores da pesquisa, as narrativas de formação também permitem interpretar os fatos sociais que caracterizaram as peculiaridades históricas específicas de cada 59 modalidade em que ocorriam as relações sociais e as forças produtivas determinadas pelo modelo econômico. As narrativas representam um recurso metodológico bastante significativo para a problemática em questão, pois consistem em levar o sujeito a fazer um relato retrospectivo de sua própria existência, com ênfase na sua vida individual, a respeito dos saberes das abordagens geográficas contidos na trajetória de formação. Esse recorte temporal e espacial remete o sujeito a fazer um processo intrassubjetivo perante os fatos sociais vivenciados por ele anteriormente, que dizem respeito às concepções das abordagens geográficas. Por meio desse procedimento, evoca-se a construção organizada do passado, ocasionando assim uma seleção pessoal de alguns fatos porque se têm interesse nesta pesquisa. Flick (2004, p.52) ressalta que: Na reconstrução de uma vida a partir de uma questão específica da pesquisa, constrói-se e interpreta-se uma versão das experiências. Não se consegue, dessa forma, verificar até que ponto a vida e as experiências realmente ocorreram de forma relatada. Mas é possível apurar quais as construções que o sujeito que narra apresenta de ambas, e quais versões evoluem na situação da pesquisa. Sob essa linha de pensamento em que o sujeito é remetido a uma reconstrução de sua história, o saber acumulado com a influência de todos os fatores sociais pode ser compreendido e reestruturado possibilitando que os professores possam dar novos rumos as suas concepções, especificamente voltadas para os saberes das abordagens geográficas. Os conteúdos que as narrativas suscitam remetem ao momento histórico da formação, e apontam as influências e engajamento político dos agentes educativos nesse contexto escolar; as marcas da escolarização diante das nossas concepções; a importância da escola para a constituição da nossa singularidade, procedentes das aprendizagens cognitivas, afetivas e sociais; a pertinência e a aplicabilidade das competências desenvolvidas pela escola; a contribuição que essa trouxe para nos tornamos leitores autônomos e críticos, das principais marcas e de eventuais deficiências na nossa formação, como também a respeito do papel e impacto da escolarização na vida profissional. Por meio de questões pertinentes ao que queremos evocar em relação aos saberes das abordagens geográficas propostos nos currículos escolares e difundidos no contexto escolar, consideramos as sugestões trazidas por Ferreira (2006, p.59) no sentido de direcionar a construção de forma escrita e/ou oral das nossas narrativas, na perspectiva de expressar o contexto sociopolítico no qual esses saberes das abordagens ocorriam. As sugestões em 60 destaque sugerem que se relembre o processo de formação, destacando: Como você aprendeu Geografia? O que você aprendeu? Que lembranças marcantes você tem sobre a Geografia? As narrativas, nesse sentido, focalizam, segundo o que Ferreira (2006, p.55) expõe: [...] um caminho fecundo para se entender as singularidades e particularidades dos processos formativos e suas implicações na atividade prática dos professores, se colocado na perspectiva da relação dialética entre a díade individual/social. Isso pressupõe que não se tratará apenas de narrar o processo formativo, mas de analisar suas interconexões com o contexto, as formas de apreendê-lo, de refletir sobre o seu significado. Estabelecemos, ao adotar o procedimento metodológico das Narrativas de Formação, constantes diálogos teóricos das fundamentações teóricas trazidas por: Aguiar e Ferreira (2007), Chené (1986), Ferreira (2006), Ribeiro e Guedes (2007), Josso (2004), Pineau (1994), Souza (1985), entre outros, que contribuem para nossa aplicação e produção investigativa. Os referidos teóricos apontam ser esse processo relevante, uma vez que possibilita uma ação introspectiva das histórias de vida, conduzindo as interpretações diante das questões que pretendemos abordar. Antes que as construções das narrativas escritas e orais fossem encaminhadas, alguns combinados foram propostos no sentido de enriquecer as lembranças escolares das abordagens geográficas. Após as suas construções, leríamos em grupo as produções ocorridas e, logo após, discutiríamos sobre suas nuanças, pois “O domínio dessas competências implica não apenas uma integração de saber fazer e de ter conhecimentos, mas também de subordiná- las a uma significação e a uma orientação no contexto de uma história de vida” (JOSSO, 2004, p.56). Chené (1986, p.94) também esclarece que: [...] O sentido não se situa aquém do texto, mas na relação com o texto, que a linguagem que eles próprios utilizam na escrita coloca sua experiência, através da interpretação coletiva do texto, na interseção da individualidade com a intersubjetividade, do que lhes parece mais pessoal e do que é compreendido pelos outros. A partir dessas sugestões, alguns destaques sobre o aspecto heurístico dos colaboradores foram externados. O valor heurístico, nesse contexto, diz respeito ao fato de que permite trazer componentes relevantes dos saberes internalizados da nossa formação, pois, como destaca Ferreira (2006, p.53): “Ao elaborar seu relato, o sujeito enumera os acontecimentos, descrevendo-os num espaço/tempo em que transcorre a ação, transmitindo assim uma informação”. 61 Num espaço onde a espontaneidade foi constituída assegurando confiança e a autonomia dos sujeitos (colaboradores) implicados na pesquisa, o desejo de potencializar a formação evidenciou-se em momentos de nossos encontros, confirmando que o que precede a ação nesse contexto é o desejo, que permite o desenvolvimento, o conhecimento de si, a aquisição de novas experiências, as habilidades, o crescimento pessoal e profissional. De acordo com Josso (2004, p.60): É no decurso desta situação, em que o presente é articulado com o passado e com o futuro, que começa, de fato, a elaborar-se um projeto de si por um sujeito que orienta a continuação da sua história com uma consciência reforçada dos seus recursos e fragilidades, das suas valorizações e representações, das suas expectativas, dos seus desejos e projetos. A primeira narrativa escrita ocorreu no dia 17 de novembro de 2007, sendo produzida em espaço conveniente a cada colaborador (a). Garantimos, desse modo, uma atitude de tranquilidade que consideramos imprescindível diante desse desafio a que, pela primeira vez, nos propusemos. Como deliberado por nós anteriormente, após as realizações das narrativas escritas e orais, nos reunimos para compartilharmos o conteúdo produzido para que pudéssemos, em colaboração, sinalizar fatos que ficaram omissos e que poderiam representar marcas significativas no nosso processo de formação. Chené (1986, p.94) esclarece que: “Depois da interpretação individual e coletiva das narrativas de formação, os formandos devem retomar por si próprios os discursos interpretativos que os levam a compreender o sentido da sua experiência de formação”. A segunda narrativa ocorreu no dia 09 de janeiro de 2008. Essa ocorreu porque sentimos que algumas nuanças em relação ao modo como os diferentes professores que contribuíram com as nossas formações procediam em relação à disciplina. Assim, o nosso distanciamento, após compartilhamento da primeira narrativa, implicou rever o modo como as abordagens geográficas foram apreendidas. Já a terceira narrativa traz como relevância as lembranças marcantes das abordagens mencionadas e reforça a questão dos saberes difundidos e internalizados sobre a referida disciplina. Ela ocorreu no dia 15 de fevereiro de 2008. Propusemo-nos a fazer o uso do gravador para o registro narrativo desse fato, como também para que interagíssemos com os recursos técnicos disponíveis, servindo assim de aporte para o que nos propomos relatar. 62 Tanto a modalidade da narrativa oral poderia apontar acontecimentos omissos da nossa formação, como também daria condições de preencher outras lacunas quando fizéssemos a sua escuta individual. Josso (1988, p.44) salienta que: Na totalidade das narrativas, as perdas de qualquer natureza e amplitude mostram que o sujeito entra em contenda com uma dupla lógica: a da individualidade que procura exprimir-se e a da coletividade que exige em nome de normas e impõe em nome das regras do jogo; mas também entre o que o sujeito pensa que se espera dele para ser reconhecido e aquilo que acredita querer ser ou tornar-se para ser autenticamente ele próprio. Os saberes das abordagens geográficas sobressaíram para que tivéssemos consciência da sua aplicabilidade no contexto escolar pela ação de professores que contribuíram para nossa formação cognitiva, social e afetivo-emocional, e conforme nos lembra Pimenta (2007, p.29), essa formação: [...] é, na verdade, autoformação1 , uma vez que os professores reelaboram os saberes iniciais em confronto com suas experiências [...] cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares. É nesse confronto e num processo coletivo de trocas de experiências e práticas que os professores vão constituindo seus saberes [...]. Estes saberes geográficos no contexto educativo perpassam pelos interesses políticos vigentes daquele contexto formativo. Por essa razão, é interesse nosso entender a natureza das abordagens geográficas presentes no processo de formação escolar vinculada a essa questão de cunho social, como também perceber que “A relação com o saber é uma forma da relação com o mundo”. (CHARLOT, 2000, p.77). A produção das nossas narrativas de formação implica evidenciarmos os saberes que constituíram nosso processo de formação, os seus significados e, a partir dos pressupostos teóricos que embasam a pesquisa, (re) construí-los. Assim, a teoria e a empiria se configuram como elementos que nos permitiram rememorar os saberes das abordagens geográficas, ao mesmo tempo dando sentido a sua efetivação no espaço educativo da escola. Nesse sentido, reitera Josso (2004, p.64): Este trabalho de rememoração, que reúne as recordações à escala de uma vida, apresenta-se como uma tentativa de articular as experiências contadas e é feito, principalmente, sob o ângulo do percurso de formação ao longo da vida e da sua dinâmica, evidenciando as práticas formativas inerentes a um itinerário escolar, profissional, e outras aprendizagens organizadas (sessões ou oficinas de formação), 1 “A autoformação coletiva ou individual de uma pessoa supõe uma auto-libertação dos determinismos cegos, fonte de estereótipos, de idéias feitas e de preconceitos, produzidos pela estrutura social” (PINEAU, 2008, p.65). (nas referências consta apenas os anos de 2000 e 2005) 63 incluindo aí, finalmente, as experiências de vida que o autor considera terem deixado uma marca formadora. Evocados os saberes inerentes às abordagens geográficas, passamos ao processo de reflexão e interpretação mediante o embasamento teórico das produções científicas, como esclarece Finger (1988, p.85): Com efeito, este saber reflexivo e crítico insere-se num processo, e mais precisamente em processos de tomada de consciência. Estes últimos têm um objetivo emancipador para a pessoa e para a sociedade, pois é através deles que a pessoa atribui um sentido às suas próprias vivências e experiências, assim como as informações que lhe vêm do exterior. Ainda que as narrativas tópicas de formação tenham contribuído para que conhecêssemos os nossos conhecimentos prévios referentes às abordagens geográficas presentes no cenário da nossa trajetória de formação, precisávamos estabelecer confrontos entre aqueles saberes e os que estão contidos nas produções científicas, para que novas concepções pudessem emergir provocando perspectivas de futuras reconstruções. Por essa razão, os Seminários de Estudos Reflexivos complementam os nossos anseios nesse processo empírico. 3.1.4 Os Seminários de Estudos Reflexivos O aprofundamento científico da ciência geográfica e Geografia Escolar sucedeu com base nos Seminários de Estudos Reflexivos. Eles permitiram entender os aspectos epistemológicos e filosóficos da ciência referida, como também as características dos contextos sócio-político e econômico da nossa formação. A prática dos Seminários de Estudos Reflexivos permite momentos de estudos sistemáticos a respeito do que se pretende teorizar. Eles representam nesse percurso, procedimento de grande valia, uma vez que atendem às necessidades formativas, direcionando a atenção e o aprofundamento dos conteúdos que se fizeram imprescindíveis à nossa construção empírica. Esses também podem suprir as necessidades deliberadas durante as produções individuais e coletivas, no decorrer das leituras verbais, e, principalmente, porque algumas dúvidas durante esses processos não foram superadas. 64 Essa estratégia metodológica nos conduziu à busca de informações e aquisições de conhecimento, constituindo-se na capacidade básica para que conhecêssemos as peculiaridades que caracterizam o mundo que nos rodeia. Logo, configura-se como fundamental a essa pesquisa científica, uma vez que vai oferecer ao pesquisador e colaboradores os elementos de que eles necessitam para compreender a dimensão que se estabelece entre o objeto de estudo em foco e a sua relação com os pressupostos referenciados pelo enfoque da abordagem sócio-histórica. Mediante nossos interesses de aprofundamento teórico, os seminários desencadearam atitudes que, na ação colaborativa e reflexiva, são potenciais no sentido a que se propõe a investigação, no intuito de promover ações colaborativas e formativas no espaço a que nos propomos a fazê-los, esclarecendo dúvidas sobre os conteúdos estudados. Tinôco (2007, p.72) esclarece que: [...] A criação de espaços de discussão é imprescindível para a emergência de saberes de uma forma dinâmica e interativa. A troca de experiências e a comunhão de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e formando. E os seminários de estudos reflexivos concretizam essa criação. Por solicitação dos colaboradores Jacarandá e Angico, os primeiros instantes da efetivação desse recurso metodológico foram ocasionados pelos enfoques teóricos que dizem respeito às temáticas ‘Pesquisa Colaborativa’, seguida da temática ‘Reflexividade’. Os colaboradores disseram ser essas discussões propensas a induzir aprendizagens significativas à pesquisa. No dizer de Ibiapina (2008, p. 37), “[...] a pesquisa colaborativa envolve a seleção de ações de pesquisa voltadas para a formação contínua de professores”. As primeiras temáticas favoreceram posturas colaborativas, como também novas concepções sobre a problemática inerente ao nosso objeto de estudo. Dessa forma, o nosso debruçamento prestou-se ao estudo, análise, manifestações de dúvidas, em razão da novidade que a pesquisa provocou, mas sobretudo nos levou ao (re)conhecimento sobre os saberes internalizados dos conteúdos das abordagens geográficas. Ressalta Tardif (2007, p.234) sobre essa questão, que: [...] é imprescindível levar em consideração os pontos de vista dos práticos, pois são eles realmente o polo ativo de seu próprio trabalho, e é a partir e através de suas próprias experiências, tanto pessoais quanto profissionais, que constroem seus saberes, assimilam novos conhecimentos e competências e desenvolvem novas práticas e estratégias de ação. 65 Por essa razão, o estudo sobre as abordagens geográficas no contexto da nossa formação remeteu-nos, a princípio, em interpretá-las por meio de posturas reflexivas, o que nos tornou conscientes dos pressupostos teóricos que as embasaram, provocando rupturas dos conhecimentos prévios das nossas abordagens, mantendo a unidade das formulações teóricas e incorporando novos saberes à luz das produções científicas. Esse fazer nos conduziu a ações interativas e trocas de experiências sobre o objeto em foco. Na opinião de Fontana (2003, p.63), Na dinâmica interativa somos também o(s) nosso(s) outro(s) e jogamos, atônicos ou inadvertidamente, com os nossos desdobramentos. Papéis sociais e significados articulam-se e contrapõem-se, harmonizam-se e se rejeitam, configurando-nos de modos distintos, como sujeitos. Nessa dinâmica, a apreensão dos saberes das abordagens geográficas se constituiu nos momentos mais complexos nesse percurso, uma vez que representou os primeiros confrontos com sua sistematização. Dessa feita, as fundamentações teóricas a respeito da Geografia Escolar precisariam atender às nossas necessidades formativas, pois como afirma Pineau (2003, p.198): As pessoas em formação não fazem sua história de vida para fazer literatura e menos ainda num sentido disciplinar. Produzem sua história de vida, diretamente para viver. Elas tentam, portanto, criar sentido a partir de sua experiência para fazer ou refazer sua vida – ganhá-la – , tentando compreendê-la um pouco. Não apenas no sentido cognitivo, quase operatório de aprender, de pôr em conjunto, em sentido, em forma elementos, acontecimentos, pedaços de outra maneira dispersos, fragmentados. Com base nessa explicitação, os Seminários de Estudos Reflexivos se sucederam, criando uma situação de aprendizagem, confrontos, internalizações, imbuídas constantemente de colaborações, quer tenham sido por meio da individualidade ou debruçamento do coletivo para compor outras particularidades que requisitamos, remetendo-nos a compreensão de que “o mundo real que nos cerca é intrinsecamente dialético porque, efetivando-se historicamente, nos constituiu e, ao mesmo tempo, é constituído por nós, que somos sujeitos da práxis social”. (ZITKOSKI, 2006, p.16). Nesse sentido, a pesquisa colaborativa conduz às tomadas de posição que, por sua vez, conduzem ao que se quer solucionar no instante em que surgem incompletudes no desenvolvimento de quaisquer que sejam as atividades de cunho científico, uma vez que essa abordagem investigativa: 66 [...] se apresenta como um modelo alternativo de indagar a realidade educativa. Sua definição enfatiza a ação que os investigadores e educadores co-investigam. Trabalhando conjuntamente na planificação, implementação e análises de problemas imediatos e práticos dos educadores, compartilhando a responsabilidade, tomada de decisões e na realização das tarefas de investigação. (BARTOMÉ, 1986, p.54). Para implementação dos Seminários de Estudos Reflexivos, elaboramos um cronograma, de acordo com a disponibilidade de cada colaborador, uma vez que estávamos ocupados com outras atividades nos turnos matutino e vespertino, cotidianamente, além de, esporadicamente, no turno noturno. Após negociação e por sugestão do próprio grupo, organizamos e distribuímos as temáticas dos Seminários de Estudos Reflexivos. Aqueles específicos às abordagens geográficas ficaram sob a incumbência de cada colaborador(a), em conformidade com interesse, disponibilidade, habilidade, domínio de conteúdo e, acima de tudo, para desempenho do ato colaborativo. O texto da autora-referência foi antecipado para leituras prévias intencionando perspectivas férteis de discussões, (des)construções e (re)construções dos saberes sobre as abordagens geográficas. Cada colaborador (a) utilizou um esquema para assegurar suas apresentações, que foram registradas em gravador e logo depois transcritas para que ocorressem suas interpretações. Posteriormente a essas ações colaborativas decorrentes dos seminários, provocaríamos momentos intersubjetivos e intrassubjetivos das nossas produções, esclarecendo as dúvidas existentes. Assim, destaca Magalhães (2004, p.76) que: Colaborar, em qualquer contexto (pesquisa, formação contínua, sala de aula), significa agir no sentido de possibilitar que os agentes participantes tornem seus processos mentais claros, expliquem, demonstrem, com o objetivo de criar, para os outros participantes, possibilidades de questionar, expandir, recolocar o que foi posto em negociação. Implica, assim, conflitos e questionamentos que propiciem oportunidades de estranhamento e compreensão crítica aos integrantes. As ações colaborativas ocorriam quando dúvidas se expunham. Assim, passávamos a discutir as temáticas com fim de estabelecer relações entre os nossos conhecimentos e aqueles abordados nos Seminários de Estudos Reflexivos. Levamos em consideração o tempo que teríamos para apresentação dos seminários, pois implicava desprendimento e demasiada responsabilidade, uma vez que representava uma discussão eminentemente nova no âmbito da nossa formação profissional. Vimos aflorar um ambiente de confiança, disponibilidade e colaboração mútua, como destacam Arnal, Del Rincon e Latorre (1992, p.1), a implicação nesse tipo de investigação auxilia: “[...] os sujeitos nela envolvidos a melhor compreender suas ações, pois desenvolve a capacidade de resolver 67 problemas por parte tanto do pesquisador quanto dos professores.” Assim, quando angústias ocorriam, discutíamos os meios viáveis às suas soluções, para que não comprometessem as exposições dos seminários. Estávamos nas mesmas condições de aprendizado no tocante ao domínio dos saberes das abordagens geográficas. No entanto, Carvalho vinha se apropriando desse conteúdo, desde o seu ingresso na Pós-Graduação, na Linha de Pesquisa Práticas Pedagógicas e Currículos. Por isso, suas interlocuções poderiam ser mais intensas, mais frequentes, embora cada colaborador(a) estivesse no mesmo nível de responsabilidade de Carvalho. Essas considerações nos levaram a compreender que conquistaríamos habilidades ligadas à oralidade, verbalização e à interpretação de conteúdos, principalmente àquelas voltadas ao processo educativo, presentes na nossa trajetória de formação, uma vez que “[...] esse processo possibilita a autonomia compartilhada e uma forma de articular teoria e prática, na qual os professores constroem saberes, competências, no contexto da busca de um aperfeiçoamento da prática educativa [...].” (RAMALHO, NUÑEZ; GAUTHIER, 2003, p.68). Construímos os nossos cronogramas assegurados do aporte teórico que subsidiaria os momentos de estudos, conforme seleção e demandas que estavam por vir. Nesse sentido, o estudo foi realizado com base nos textos de Desgagné (2007), Ibiapina (2004) e Tonine (2003). Data Temática Colaborador (a) 14/3/2008 Reflexão sobre o conceito de pesquisa colaborativa Carvalho 20/3/2008 Reflexão sobre o conceito de pesquisa colaborativa Carvalho 28/3/2008 Reflexividade Carvalho 03/4/2008 Reflexividade Carvalho 25/4/2008 Ponto de Entrada Carvalho 02/5/2008 Inventando a Matéria Escolar Jacarandá 07/5/2008 Trilhando Status Acadêmico Angico 30/5/2008 Rompendo Significados Acadêmicos Carvalho Quadro 1 - Cronograma: Seminários de Estudos Reflexivos Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2009 Por uma questão de conveniência dos colaboradores, os nossos encontros sucederam- se no campo empírico da pesquisa e no SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). As razões que permearam essas localidades foram devido a dois pontos: para comodidade de Jacarandá, que só concluía o seu expediente vespertino, no SENAC, às 18h, e por assim ser, ficaria mais cômodo para Carvalho e Angico se deslocarem ao seu encontro. No campo empírico, deveu-se ao fato de desenvolvermos as nossas atividades profissionais na 68 mesma escola. Esse era um dos pontos convergentes entre nós e que foi bastante pertinente à realização dos trabalhos, de um modo geral. Segundo Fontana (2003, p.62): Os lugares sociais que ocupamos nas relações sociais com os outros marcam o para quê e o para quem de nossas ações e de nossos dizeres, delineiam o que podemos (e não) dizer desses lugares, sugerem modos de dizer [...]. Essas condições explicitam as relações de poder implicadas nas relações sociais. Os Seminários de Estudos Reflexivos referentes às primeiras temáticas - Reflexões sobre o conceito de pesquisa colaborativa e Reflexividade - foram apresentados em Power- point. Somente os referentes às abordagens geográficas foram registrados em gravador. Logo após as suas apresentações, sucederam momentos intersubjetivos, correspondentes às atitudes de informar, confrontar e reconstruir acerca do fenômeno investigado. Em seguida, se deram os momentos intrassubjetivos, em que se solicita do grupo a quem se expõe a pesquisa as suas contribuições. Esses processos colaborativos, interpessoal e intrapessoal condizem com as produções e construções internas das estruturas mentais e cognitivas de cada colaborador(a) que se evidenciaram mediante as suas exposições orais. Vigotsky (1998, p.75) discorre sobre esse processo destacando que: A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento. O processo, sendo transformado, continua a existir e a mudar como uma forma externa de atividade por um longo período de tempo, antes de internalizar-se definitivamente. Para encaminharmos com mais segurança cada temática de estudo e promover discussões objetivando aprendizagens significativas, os colaboradores solicitaram leituras prévias dos textos-referências para os seminários. Nenhuma hesitação foi manifestada pelos colaboradores que, tomados pelas atitudes de compromisso com os estudos, foram sinalizando maturidade profissional e anseios de aprendizagens. Ibiapina (2008, p.34) declara, nesse sentido, que: Colaborar significa tomada de decisões democráticas, ação comum e comunicação entre investigadores e agentes sociais que levem à construção de um acordo quanto às suas percepções e princípios. Nessa perspectiva, a colaboração se efetiva a partir da interação entre pares com diferentes níveis de competência, isto é, colaboração significa a ajuda que um par mais experiente, no caso o pesquisador, dá a um outro menos experiente no momento de realização de determinada atividade, no caso a pesquisa, é também ação formativa desenvolvida conjuntamente que faz o desenvolvimento pessoal e profissional de professores. 69 Após a apresentação dos Seminários de Estudos Reflexivos a respeito da natureza das abordagens geográficas, à luz das assimilações teóricas de Tonine (2003), outras demandas foram enunciadas, no sentido de provocar a reconstrução das nossas apreensões teóricas acerca da produção dos saberes em estudo. 3.1.5 Ciclos de Estudos Reflexivos Os Ciclos de Estudos Reflexivos representam procedimento teórico-metodológico que possibilitam a nós, colaboradores da pesquisa, após discussões, ações dialógicas e reflexões, à produção de novas concepções das abordagens geográficas. Nesse sentido, esse procedimento denota avanços qualitativos do nosso processo cognoscitivo. Afirmam Aguiar e Ferreira (2007, p.76), corroborando com o referido procedimento, que [...] estes constituem um procedimento complexo de construção, (re) construção de conhecimento e do próprio processo cognoscitivo, uma vez que as análises e discussões neles vivenciadas oportunizam, além da reconstrução de saberes, a reconsideração de valores, crenças e objetivos de ação, propiciando a opção por alternativas mais eficazes à solução dos problemas vivenciados no cotidiano da prática pedagógica. A importância desse procedimento também se dá pelo seu valor heurístico de provocar confrontos a partir dos conhecimentos já internalizados, num processo (re)interpretativo, diferente daquele que nos acostumamos a repetir no espaço educativo pelas imposições curriculares, via questionário e chamadas orais específicas, sem que fôssemos solicitados a dar-lhes sentido escolar e aplicação na realidade vivida. O espaço formativo, nesse tempo, se revelou condizente com as nossas aspirações, logo coincidiram com a continuidade da nossa formação, incitando a reeleitura dos saberes das abordagens geográficas, agora em confronto com as suas teorizações científicas. No dizer de Freire (1996, p.109), “[...] O espaço pedagógico é um texto para ser constantemente ‘lido’, interpretado, ‘escrito’ e ‘reescrito’”, logo oportunizam aos colaboradores fazerem “além da reconstrução de saberes, a reconsideração de valores, crenças e objetivos de ação, propiciando a opção por alternativas mais eficazes à solução dos problemas vivenciados no cotidiano [...]”. (AGUIAR e FERREIRA, 2007, p.76). 70 No que concerne aos nossos interesses, configurou-se pertinente adotarmos esse procedimento para efetivar e potencializar aquilo que buscávamos nesse tempo de formação. Esse procedimento nos deixou seguros (as) dos passos que se seguiram, orientados pela autora já citada. Esses passos ou etapas são sugeridos por Aguiar e Ferreira (2007, p.76-77) como sendo “[...] sondagem das necessidades formativas e dos conceitos cujos significados se pretendem aprofundar; apropriação de novos pressupostos teóricos conceituais e de sua significação prática”. Essas favorecem a dimensão dialógica, sedimentada pelo constante exercício reflexivo implementado na nossa pesquisa. O esmiuçamento que esse procedimento possibilitou, atrelado aos Seminários de Estudos Reflexivos, suscitou a assimilação dos saberes das abordagens geográficas, respaldando a efetivação da pesquisa e servindo de eixo para que galgássemos os objetivos propostos nesta investigação. As etapas a seguir mencionadas para os Ciclos de Estudos Reflexivos revelam enriquecimento teórico e adequação ao contexto investigativo: • Sondagem das necessidades formativas e dos conhecimentos prévios: Essa etapa consiste em averiguar sobre as necessidades formativas que comportam as fundamentações teóricas disseminadas através de leitura, estudos e discussões de textos. Essas necessidades surgiram a princípio pelas narrativas de formação, que evidenciaram os nossos conhecimentos prévios em relação às abordagens geográficas implícitas, por meio de propostas curriculares no nosso processo formativo. Aguiar e Ferreira (2007, p.77) afirmam que: Desvelar as necessidades formativas do professor e considerá-las ponto de partida do desencadear dos processos de formação é, portanto, fundamental para implicá- las, voluntária e conscientemente, nesses processos. Sem essa adesão, os processos continuarão a ser para ele externos e estranhos, aos quais se submete, mas jamais se converterão em expressão do seu próprio ser. • Apropriação de novos pressupostos teóricos conceituais e reelaboração dos conceitos e de sua significação prática. Coube nas nossas atividades o reconhecimento acerca dos saberes contidos nas abordagens geográficas para que confrontássemos, elaborássemos (re)construções por meio do que é ressaltado nas produções científicas, permitindo novas concepções a respeito do objeto pesquisado. Assim, “O conhecimento torna possível a sistematização das informações, 71 essencial para a atividade prática em determinado momento, assim como serve de base para o momento posterior do conhecimento e da prática social”. (FERREIRA, 2007b, p.79). O nosso direcionamento nesse processo foi esclarecedor de diversas peculiaridades inerentes tanto ao processo formativo, quanto aos conteúdos expostos e sedimentados na nossa formação. Assim, trazer à baila as suas peculiaridades levou-nos a uma reorganização dos componentes didático-pedagógicos da Geografia Escolar que estavam acomodados no nosso pensamento e que demarcaram o nosso modo de agir e pensar. Nesse movimento de complexas relações de aprendizagens, a produção dos nossos conhecimentos, emitiram interpretações e refutos, fazendo emergir novas constatações sobre o entorno da nossa realidade, no sentido de aceitar/rejeitar, quantificar/qualificar os saberes das abordagens geográficas. Ao mesmo tempo, incorporamos novos elementos que condizem com as expectativas que as situações de aprendizagens favoreceram quanto à aquisição de tais saberes. Os Ciclos de Estudos Reflexivos permitiram o desencadeamento da apreensão de novas concepções sobre as abordagens geográficas quando, como esclarece Ferreira (2007b, p.11): O ser humano, quando colocado em situações de aprendizagens favoráveis, torna-se capaz de desenvolver funções, processos e procedimentos psíquicos que lhes possibilita debruçar-se sobre os fenômenos e apreender suas propriedades, nexos e relações e a partir dessa apreensão atribuir-lhes sentidos e significados, elaborando diversas e complexas modalidades de conhecimentos entre as quais destacamos as concepções. Para proporcionar novas concepções das abordagens geográficas nos asseguramos do aporte teórico que nos fundamentaria, entre outros elementos relevantes a sua aplicação, tais como: antecipação do texto referência “Ciclos de Estudos Reflexivos: uma estratégia de desenvolvimento profissional docente – Aguiar e Ferreira (2007)” para leitura; tempo para efetivação do processo dessa leitura e esclarecimento sobre o modo como evidenciaríamos tal processo. Diante desses propósitos, concordamos que o texto seria lido individualmente para logo após, externarmos as nossas apreensões. Data Estratégias 01/8/2008 Leitura individual – Ciclos de Estudos Reflexivos: uma estratégia de desenvolvimento profissional docente 07/8/2008 Síntese do texto Powerpoint – mediação: Carvalho 21/8 e 28/8/2008 (Re) construindo sobre saberes das abordagens geográficas - Produção de texto 01/9/2008 Leitura do texto produzido sobre saberes das abordagens geográficas Quadro 2 - Ciclos de Estudos Reflexivos: tempo e efetivação Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2009 72 No nosso primeiro encontro, ocorrido em 01/3/2008, apenas fizemos a leitura individual do texto referido, logo após foi marcada a apresentação de sua síntese pela colaboradora Carvalho. No dia 07/8/2008, após apresentação da temática em Powerpoint, provocamos os momentos intersubjetivos de cada colaborador(a), prática que se fez presente em todas as situações de aprendizagens para aporte da pesquisa, culminando em expressivas aprendizagens no decorrer do processo em foco. Os Ciclos de Estudos Reflexivos se constituíram em momentos conclusivos de nossas produções empíricas. Por meio deles adquirimos outras concepções em face da natureza das abordagens geográficas, que se configuraram mediante ações dialógicas e colaborativas em novas interpretações acerca do contexto epistemológico e educativo que caracteriza a realidade social. Mediante a sua aplicabilidade, refletimos a respeito das abordagens geográficas expressas nas teorias científicas e por meio delas, (re)construímos, individualmente, as novas concepções das abordagens em evidência que o processo investigativo permitiu. De acordo com Aguiar e Ferreira (2007, p.76): [...] os processos de formação de professores precisam incluir situações que propiciem as condições necessárias à (des)construção, à reconstrução de conhecimentos, ao desenvolvimento da capacidade de refletir e de se conscientizar das limitações socioculturais e ideológicas da própria profissão, assim como buscar formas de superá-las. O referido procedimento permitiu as evidências sobre a realidade sociocultural das nossas peculiaridades formativas. Aguiar e Ferreira (2007, p.77) apontam que: O entorno sociocultural no qual os indivíduos encontram-se imersos converte-se em finalidade de sua atividade pela vinculação às motivações. Por outro lado, suas vivências e experiências convertem-se em motivos de sua atividade pela relação com o fim a que se propõem, cuja efetivação implica a mediação das interações sociais. Os desafios propostos diante desse procedimento promoveram sucessivas internalizações e confrontos dos saberes das abordagens geográficas, assim mediatizando emancipação profissional. Esse aspecto inerente a nossa peculiaridade formativa é enfatizada por Aguiar e Ferreira (2007, p.77) quando esclarecem que: Desse modo, transforma-se a relação que tem o sujeito com sua atividade e consigo mesmo, uma vez que requer a transmutação do socialmente necessário em necessidade pessoal, modificando o conteúdo da motivação e sentido interno das ações. Isso origina uma considerável força ativa que os processos educativos não podem ignorar: se não se considera essa relação, é impossível se perceber, adequadamente, as motivações do ser humano e compreendê-las. 73 A efetivação dos Ciclos de Estudos Reflexivos, como momento singular de confronto entre os nossos conhecimentos prévios e as normas científicas que foram convencionadas, indiciou uma revisão sobre a epistemologia que guiou até então as práticas e/ou pensamento sobre o fenômeno em discussão. De acordo com Aguiar e Ferreira (2007, p.74): Essa epistemologia da prática ressalta a relação teoria-prática no plano da subjetividade do profissional docente, evidenciando o diálogo entre o conhecimento e a ação desenvolvida. Um conhecimento que não se constrói apenas na experiência concreta do indivíduo particular, mas ao contrário, também se nutre do conhecimento formalmente elaborado. Esse subsidia a mobilização de saberes que vão permear as ações docentes, configurando-se no repertório teórico-prático, o qual permanece em constante processo de reelaboração. As nossas assimilações teórico-metodológicas por meio dos Ciclos de Estudos Reflexivos foram estabelecidas com base nas categorias pertinentes às abordagens geográficas, a saber: A origem da ciência Geografia, O método que sustenta seus discursos, teorias científicas e os conteúdos específicos. 3.1.6 Parâmetros de Análise A análise dos dados construídos no fluxo da nossa pesquisa ocorreu de acordo com os estudos efetivados por Ferreira (2007b, p.14), que ressaltam as modalidades a seguir descritas: • Descritiva – quando se restringe à enumeração dos aspectos característicos do fenômeno concebido, produzindo uma enunciação articulada, incluindo simultaneamente aspectos e possibilidades; • Circunscrita – quando reexamina uma determinada teoria e, eventualmente, desencadeia uma reelaboração teórica adequada aos dados e aos fenômenos a serem concebidos; • Transformadora – quando questiona os princípios organizadores das teorias, constituindo-se meta, ponto de vista, permanecendo, no entanto, ela mesma. Essas modalidades apontam elementos formativos provindos da nossa atividade mental, individual e coletiva. Sobre esse aspecto, Ferreira (2007, p.14) refere que: [...] as concepções envolvem tanto os significados quanto os sentidos que o ser humano atribui ao entorno, uma vez que implica em uma significação. Assim, 74 conceber significa o que se quer dizer e ao mesmo tempo o que se pretende, ou seja, a finalidade daquilo que está sendo dito. Significa explicar o entorno, conhecer as causas e compreendê-lo, encontrar um sentido, para reconhecê-lo. Porém, o sentido de uma concepção, como qualquer sentido, não está na concepção em si, mas nas relações entre significante e significado. Conforme exposto, a nossa análise foi permeada pelas modalidades citadas, mas também considerando uma ressalva direcionada por Ferreira (2007b, p.15) quando afirma que: Essa forma esquemática de caracterizar as modalidades de concepção não significa considerá-las fechadas e isoladas, tampouco estabelecer hierarquia valorativa entre elas. Não podemos esquecer que a concepção integra a relação sintética e dialética significante/significado/referente. [...] essa modalidade de concepção, embora distintas, são intercambiadas. Assim, encontramos concepções descritivas e, ao mesmo tempo, mais ou menos circunscritas e, de certa forma, transformadora, uma vez que a concepção contém diversas modalidades de conhecimento e tipos de relações lógicas que lhes asseguram inteligibilidade. No processo da nossa reconstrução sobre os saberes das abordagens geográficas, recorremos aos fundamentos teórico-metodológicos produzidos por Claval (1999), Gomes (2000), Moraes (2005), Silva (1989), Soares Júnior (2000), Lima e Vlach (2002), entre outros, para certificarmo-nos das nossas construções diante dos saberes das abordagens referidas. Delineamos como categorias que guiaram as nossas concepções a respeito das abordagens geográficas: A origem da ciência Geografia, O método que sustentou seus discursos, produções de teorias científicas e os conteúdos particulares das abordagens em estudo. Diante dessas considerações, concordamos nesse processo analítico que as nossas concepções foram se configurando paulatinamente, num constante diálogo entre empiria e teoria, tendo como baliza os nossos conhecimentos prévios. Assim os nossos avanços se consolidavam por meio do referencial teórico que buscamos sobre a Geografia Escolar. 75 Figura 2 - Procedimentos metodológicos Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2009 76 4 SABERES CONSTRUÍDOS NA TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO Neste capítulo, trataremos das análises a respeito dos saberes dos professores em relação à natureza específica das abordagens geográficas. Consideramos como aspectos relevantes nessa análise “[...] além duma rigorosa e objetiva representação dos conteúdos das mensagens, o avanço fecundo, à custa de inferências interpretativas derivadas dos quadros de referência teórica do investigador, por zonas menos evidentes que constituem o referido contexto de produção”. (AMADO, 2000, p. 3). Nessa referida investigação, os saberes das abordagens geográficas foram se configurando sistematicamente, proporcionando, de modo qualitativo, conforme as assimilações teóricas por parte dos colaboradores, as construções de novas concepções dos saberes em foco, como também o favorecimento de capacidades, competências formativas e profissionais. Faz-se importante elucidar como ponto referente nessa investigação, segundo Therrien (1996, p.2) que: Olhar a história do homem a partir das indagações sobre a racionalidade que sustenta suas práticas sociais, os saberes que as fundamentam, ou seja, numa perspectiva epistemológica, leva a perceber os grandes momentos de transformação dos princípios fundantes que orientam e justificam o seu agir. As construções ocorridas acerca dos saberes mencionados são condizentes com o nosso empenho/desempenho colaborativo e sistemático diante da forma e intensidade com que os conteúdos procedimentais foram dispostos para que ocorressem novas concepções sobre as abordagens geográficas. Sacristán e Pérez Gómez (1998, p.365) esclarecem que: Para compreender melhor a riqueza dessas proposições, em plena efervescência na atualidade, considero conveniente apresentar o que, no meu entender, é uma evolução histórica de idéias, que emergem distantes no espaço e no tempo e que convergem num vivo movimento teórico-prático em permanente reconstrução. Analisar as construções constituídas ao longo desse processo implica também revisitar o contexto temporal e social no qual esses saberes se consolidaram, uma vez que representa os anseios e necessidades de uma sociedade segundo o seu modo de produzir o trabalho. A sua aplicabilidade, ou seja, os saberes necessários à formação de habilidades pelo sujeito ocorrem obedecendo às normativas de ordem social. Nessa linha de reflexão, Tardif (2007, p.34) salienta que: 77 Com efeito, o valor social, cultural e epistemológico dos saberes reside em sua capacidade de renovação constante, e a forma com base nos saberes estabelecidos não passa de uma introdução às tarefas cognitivas consideradas essenciais e assumidas pela comunidade científica em exercício. Diante do nosso contexto formativo, buscamos compreender os saberes geográficos que demarcaram um determinado processo histórico educativo. 4.1 PRIMEIRA NARRATIVA ESCRITA O diagnóstico dos conhecimentos prévios possibilitou construir saberes relativos às abordagens geográficas internalizados no nosso processo de escolarização. Revelá-los significava autorizarmo-nos a refletir sobre as concepções, idéias, crenças e valores presentes, que ora sustentam os anseios do poder dominante, ora assumem discursos que expressam outros interesses num dado contexto histórico-social com base nas mudanças paradigmáticas que “[...] se refere ao quadro da discussão, ou seja, aos saberes comuns da comunidade científica que serviam anteriormente de quadro de referência para resolver as discussões normais”. (KUHN apud TARDIF, 2007, p.201). Para nós, externar e discutir os saberes escolares permite que tenhamos a compreensão dos elementos que sustentaram o cenário do contexto vivido por nós numa determinada temporalidade e como estes foram difundidos na escola, espaço de difusão do saber pela ação dos atores sociais que assumiram a postura de educador. Segundo Tardif (2007, p.201): [...] Quando discutimos ou agimos com os outros, admitimos a existência de saberes comuns e implícitos que pressupomos sem maiores discussões e que nos evitam ter que recomeçar sempre do nada. São precisamente esses saberes comuns e implícitos que constituem o ‘epistème’ cotidiano. No contexto das nossas formações, as propostas curriculares do campo específico da Geografia suscitavam dos educandos a memorização de fatos que apenas permaneciam como elementos representativos de uma abordagem descritiva do espaço geográfico. Para Gomes (2000, p. 210-211): 78 A descrição era o deslocamento dos fatores responsáveis por cada paisagem. A descrição ‘seletiva’ dos aspectos mais importantes e de seus movimentos continha já os germes da explicação. [...] Não havia, portanto, a obrigação de percorrer sempre os mesmos temas nem de lhes conceder a mesma importância. Era preciso, sobretudo, identificar os elementos incluídos na cadeia explicativa de uma paisagem ou uma região particular. Nessa direção, refletir sobre os saberes dos professores, com especificidade nos saberes das abordagens geográficas implica, nesta pesquisa, compreender a evolução histórica do pensamento geográfico, fazendo referência aos aportes teórico-metodológicos que dão sustentação epistemológica à produção dos conhecimentos, ao longo dos tempos, no sentido de situar os seus ideários de natureza e sociedade e as suas apreensões acerca do espaço social. Desse modo, não podemos efetivar leituras fragmentadas do mundo onde vivemos, mas contemplá-las, numa perspectiva globalizada, flexível, democrática e participativa - na qual permeiam relações horizontais e interconexas - e em dinâmicas que supõem o trabalho colaborativo e participativo, que ressaltam ser: “[...] necessário compreender e deduzir este conteúdo de todo o contexto sócio-histórico condicionado tanto pelos processos econômicos, como pelo desenrolar da luta de classes e pelas particularidades da vida ideológica e espiritual da sociedade”. (BURLATSKI , 1987, p. 6). Assim, compreendemos que se faz necessário produzirmos análise acerca da realidade vivida à luz dos postulados do materialismo histórico dialético, pois “a abordagem dialética, admitindo a influência da natureza sobre o homem, afirma que o homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria, através das mudanças nela provocadas, novas condições naturais para a sua sobrevivência”. (VIGOTSKI, 1998, p.80). A internalização dos saberes das abordagens geográficas leva a uma série de transformações cognitivas que se inicia por intermédio de uma atividade externa e que se (re) constrói sucessivamente até atingir o plano interno (mental). “É um processo interpessoal, que se transforma em outro intrapessoal”. (VIGOTSKI 1998). Com isso, a interiorização progressiva das operações psicológicas constituídas na vida social ocorre, gradualmente, pela apropriação dos instrumentos socialmente construídos. Esse processo não é apenas acumulação de domínios acerca dos instrumentos, mas também de alguma forma, segundo a subjetividade do sujeito, a maneira pela qual ele se apropria do que foi produzido. Desse modo, como esclarece Ibiapina (2008, p.89): Na formação de professores, a história de vida faz aflorar a intrasubjetividade, expressas nas emoções, nos comportamentos, nas atitudes e nos valores, mas ao mesmo tempo, faz ressurgir, a partir da reflexão sistemática, aspectos intersubjetivos que permitem desvelar o significado das ações passadas, nos seus elementos 79 particulares (a visão do parceiro que narra), e na sua totalidade (o momento histórico vivido e suas relações com a sociedade). Consequentemente, as emissões narrativas têm o cunho de trazer à memória as relações sociais permeadas no contexto de nossas vivências escolares, levando-nos a fazer o caminho retrospectivo das nossas histórias de vida, dos saberes específicos das abordagens geográficas, o que nos faz concordar com o fato de que é: “[...] passando pela narrativa de formação que a pessoa em formação pode apropriar-se da sua experiência de formação”. (CHENÉ, 1986, p.90). A forma como os conteúdos escolares são trabalhados no espaço educativo tem provocado complexas discussões a respeito da formação do professores (as), pois percebemos que eles não têm solicitado dos alunos à análise da realidade educacional, não favorecendo, assim, o exercício de reflexões críticas a respeito das questões ideológicas inerentes aos saberes escolares e às reais intenções que permeiam a sua aplicabilidade no lugar escola. Tendo em vista o destaque desses aspectos, são relevantes as discussões sobre os rumos que vêm marcando a formação do professor no cenário político brasileiro, especialmente no contexto em que os saberes escolares - com particularidade aos saberes geográficos - foram difundidos, pois, como enfatiza Tardif (2007, p.19) “O saber do professor é plural e também temporal uma vez que é adquirido no contexto de uma história de vida”. Por essa razão, constituímos as possibilidades para trazermos, pelas narrativas escritas, os saberes geográficos prevalecentes no nosso processo formativo. Ao ingressar na escola como estudante em 1973, ao estudar Geografia, naquele período denominava-se Estudos Sociais, e como fazia o ‘preliminar’, recordo-me que visava-se uma metodologia, onde a professora trabalhava a memorização, valorizando atividades de coordenação motora (onde se ligavam pontos) para formar uma figura, reconhecendo aspectos trabalhados como bairro, rua, escola, igreja. Enfatizavam-se também os parentescos, as datas cívicas e sociais do mês. Percebo, hoje, que mesmo em se tratando de turma de crianças na fase inicial, a educação se preocupava com a decoreba, a repetição, ainda não orientava o aluno a criar a opinião. Durante o 1º Grau Menor, hoje Ensino Fundamental, levando em consideração a conjuntura político-social, o ensino estruturava-se mais na repetição e no tradicionalismo, em que o aluno era apenas um aluno na sala, um número, onde tinha hora de chegar e sair, não podia expressar seu pensamento. Se ele não concordava com o que o livro didático abordava. Ocorria também a tendência militar, alunos sempre enfileirados, sem poder mudar esse padrão. Já com a nova conjuntura e até recebendo críticas surge uma visão mais inovadora de educação, em se tratando de Geografia, surge José Willian Vesentini, com a Geografia, onde o aluno passa a observar para compreender o espaço no qual está inserido, é a inovação. Eu, nesse período, estava no 2º grau (Ensino Médio), porém onde estudava a metodologia era decorativa, sem liberdade a reflexões, o que já começara no 1º grau maior, 5ª a 8ª série (Ensino Fundamental hoje). Atualmente, com nível superior e procurando melhor aperfeiçoamento, vejo que tenho, ou melhor, preciso me qualificar mais ainda, pois trabalho a Geografia tentando fazer com que o aluno compreenda que ele é produto do meio, capaz de agir e interagir, onde de acordo 80 com as suas necessidades de viver melhor, modifica a paisagem, a vida social e trazer para si consequências positivas e negativas. Mas o que vejo é que preciso me apropriar de metodologias e de autores que abordem essa perspectiva, logo assim estarei mais preparado para mediar o processo de ensino-aprendizagem, onde o aluno seja o próprio construtor desse conhecimento. (ANGICO, 2007). Aprendi Geografia de uma maneira tradicional, em que o professor se preocupava apenas em cumprir os conteúdos programados nos livros. As aulas, em sua grande maioria, eram expositivas e esporadicamente fazia-se o uso de mapas. No entanto, hoje, na minha prática de sala de aula, busco melhorar em todos os sentidos a minha prática e reconheço que, para o desenvolvimento do raciocínio geográfico, é necessário selecionar e organizar os conteúdos mais significativos e relevantes. A leitura de mundo, do ponto de vista de sua espacialidade, demanda a apropriação pelos alunos, de um conjunto de instrumentos conceituais de interpretação e de questionamentos da realidade sócio-espacial. Não basta transmitir os conceitos previamente definidos, mas propiciar as condições para que o aluno possa formá-los. Isso pode ocorrer por meio de saberes e experiências significativas que os alunos trazem para sala de aula. Para que a construção do conhecimento se efetive, deve ocorrer primeiramente a reflexão sobre o objeto a ser conceituado. Um conceito ganha significado quando apresentado no momento adequado e como construção social sobre a realidade. É fundamental despertar o questionamento e aguçar a curiosidade, por meio da observação da realidade local, correlacionando a dinâmica que se estabelece nos diversos grupos em que os alunos se inserem. Os conteúdos devem permitir aos alunos analisar o mundo onde vivem, possibilitando a leitura e a compreensão da realidade a partir de sua interpretação. (JACARANDÁ, 2007). Das aulas de Geografia durante a minha formação básica, não tenho muito a citar sobre aprendizagens ocorridas, mas me lembro de uma forma rígida e mecânica, bastante tradicional quanto à postura da professora ao fazer chamadas orais, de Estudos Sociais, essa era a denominação atribuída à disciplina Geografia. Aprendi conteúdos relacionados à Geografia, através de questionamentos para memorizar a definição de algumas formas do relevo, tais como: o que é montanha? O que é planalto? entre outras definições. Eu tinha muita facilidade de memorizar o que era determinado para o ensino da Geografia, mas ficava bastante curiosa para conhecer como ocorriam essas características no espaço. Achava interessantes as figuras que ilustravam os livros. As aulas de Estudos Sociais somente se limitavam à fala da professora, às anotações no quadro-negro para que transcrevêssemos para o nosso caderno. Em sala de aula não éramos despertados a fazer questionamentos, apenas aceitávamos o que era dito. (CARVALHO, 2007). Interpretar os saberes característicos de um contexto sócio-histórico específico implica entendermos as tendências pedagógicas e geográficas presentes na escola em cada contexto social e as razões que permitiram que essas perpetuassem interesses socioeconômicos, não considerando as capacidades reflexivas e críticas diante dos conteúdos abordados por diferentes professores que propagaram saberes, contribuindo para a formação da identidade do professor e delineando, assim, o seu perfil profissional. Os saberes produzidos pelos sujeitos na humanidade podem ser compreendidos quando se busca permanentemente seus significados expressos na realidade social e, como ressalta Ferreira (2006, p.58), por meio: [...] de um esforço pessoal de explicitar uma trajetória de formação que exige do sujeito grande implicação e contribui para ampliar seus estados de consciência tanto 81 individual, quanto coletiva, pois através dela a pessoa poderá resgatar o sentido de suas próprias vivências e experiências e das interações destas com o seu entorno. Como ressaltado na primeira narrativa escrita, alguns aspectos são convergentes na expressão dos colaboradores e apontam uma concepção pedagógica adotada pela escola, enquanto instituição responsável pelo processo educativo, que não valorizava a constituição de competências favoráveis ao pensamento crítico do sujeito, mas privilegiava o desenvolvimento de uma única função mental, que se restringia à memorização de acidentes geográficos e fatos sociais, segundo as leis positivistas. Esse ideário que subsidiou o paradigma tradicional previa, no espaço educativo, influenciar o processo formativo, segundo seus pressupostos. Para Brito (2006, p.49), essa tendência tradicional: [...] possui estrutura linear, privilegiando num primeiro momento a formação geral e, posteriormente, investindo na formação didático-pedagógica, fortalecendo tanto a dicotomia teórico-prática quanto o distanciamento entre as instituições formadoras e as escolas de ensino fundamental. Quanto aos saberes das abordagens geográficas, convinha mediar, naquele contexto, por meio de práticas de ensino tradicional, conteúdos escolares que se expressassem em alguns princípios elaborados no processo de constituição dessa disciplina, como sendo regras de procedimentos e, por essa razão, forneceriam um elemento de unidade para a Geografia. Moraes (2005, p.42) ratifica esse pensamento ao destacar os princípios a seguir: O princípio da unidade terrestre – a Terra é um todo que só pode ser compreendido numa visão de conjunto; o princípio da individualidade – cada lugar tem uma afeição que lhe é própria e que não se reproduz de igual modo em outro lugar; o princípio da atividade – tudo na natureza está em constante dinamismo; o princípio da conexão – todos os elementos da superfície terrestre e todos os lugares se inter- relacionam; o princípio da comparação – a diversidade dos lugares só pode ser apreendida pela contraposição das individualidades; o princípio da extensão – todo fenômeno manifesta-se numa porção variável do planeta; o princípio da localização – a manifestação de todo fenômeno é passível de ser delimitada. As práticas pedagógicas estruturadas com base no modelo e na lógica da abordagem de ensino da Geografia Tradicional fundamentadas no ideário positivista se perpetuariam, no contexto escolar, desencadeadas por meio de leituras não-críticas da realidade concreta, as quais que não assinalam o desenvolvimento de ações reflexivas para serem executadas pelos sujeitos envolvidos no processo educativo. Sobre a abordagem tradicional, Tardif (2007, p.235) enfatiza que: De fato, segundo essa concepção, o saber está somente do lado da teoria, ao passo que a prática ou é desprovida de saber ou portadora de um falso saber baseado, por 82 exemplo, em crenças, ideologias, idéias pré-concebidas, etc. Além disso, ainda segundo essa concepção tradicional, o saber é produzido fora da prática (por exemplo, pela ciência, pela pesquisa pura, etc.) e sua relação com a prática, por conseguinte, só pode ser uma relação de aplicação. É exatamente essa concepção tradicional que dominou, e domina ainda, de maneira geral, todas as visões da formação dos professores [...]. São algumas denotações desse cenário educativo ressaltadas nos extraits que se seguem: [...] Aprendi Geografia de uma maneira tradicional. O professor se preocupava apenas em cumprir com os conteúdos programados nos livros. As aulas em sua grande maioria eram expositivas. (JACARANDÁ, 2007). [...] Naquele momento, 1973, ao estudar Geografia, naquele período denominava-se Estudos Sociais. [...] recordo-me que a professora trabalhava a memorização. (ANGICO, 2007). [...] Lembro-me de uma forma rígida e mecânica, bastante tradicional quanto à postura da professora ao fazer chamadas orais de Estudos Sociais. (CARVALHO, 2007). Pelos enunciados, percebemos que a prática do professor, naquele contexto educativo, se dava conforme as tendências e concepções políticas, reproduzindo os interesses propensos à formação de sujeitos não reflexivos, por meio de recursos metodológicos pertinentes à internalização dos saberes das abordagens geográficas, pois “O sujeito apropria- se do social sob uma forma específica, compreendidos aí sua posição, seus interesses, as normas e os papéis que lhe são impostos”. (CHARLOT, 2000, p.43). Ocorre, entretanto, que o modelo de sociedade específica da nossa formação remete ao sujeito da ação e ao sujeito da recepção, esses mesmos preceitos que se configuram no espaço escola, em que “[...] a concepção tradicional não é apenas profundamente redutora, ela é também contrária à realidade”. (TARDIF, 2007, p.235). Por assim ser, faz-se necessário destacar suas nuanças no sentido de dar-lhe significado, porque esse é o caminho que nos leva às novas concepções das abordagens geográficas. As posturas tradicionais no espaço educativo, configuradas pelos professores em suas ações pedagógicas, impossibilitam interações dialógicas e reflexivas, resultando em aprendizagens fragmentadas em relação aos conteúdos propostos. No tocante ao ensino de Geografia, não extrapolam as descrições dos fenômenos sociais e espaciais ocorridas no contexto da produção das diferentes dimensões do espaço geográfico, como também “podemos perceber que não há nela a possibilidade de emancipação humana, por conceber o homem como constituído por uma essência imutável, cabendo à educação conformar-se à essência humana”. (LOPES, 2007, p.75). 83 Nessa linha de pensamento, Saviani (1988, p.18) faz destaque ao papel da escola diante da concepção tradicional, ao afirmar que: Seu papel é difundir a instrução, transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente. O mestre-escola será artífice dessa grande obra. A escola se organiza, pois, como agência centrada no professor, o qual transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos. Assim, a pedagogia tradicional configurada no contexto das relações sociais determinadas pelo ideário positivista era confirmada pelas ações educativas do professor, que mediavam os conceitos da ciência Geografia, atrelados as aptidões naturais do homem. Dessa forma, cabia ao sujeito memorizar conhecimentos descritivos sem quaisquer contestações acerca dos interesses do sistema econômico vigente, que vislumbrava os conteúdos escolares, reproduzindo a carga ideológica dos seus valores e necessidades. Tardif (2007, p.34) aponta, nesse sentido, que: [...] Os saberes são, de um certo modo, comparáveis a estoques de informações tecnicamente disponíveis, renovados e produzidos pela comunidade científica em exercício e passíveis de serem mobilizados nas diferentes práticas sociais, econômicas, técnicas, culturais, etc. A tendência tradicional privilegiava, por meio da escola, a perpetuação dos discursos do capital nos quais direcionava aos sujeitos sociais (colaboradores) a constituição de habilidades que servissem às práticas de trabalho, sem qualquer análise de cunho reflexivo diante da realidade social vivida. Desse modo, os saberes em pauta na escola pelas práticas de diferentes professores corroboravam com as expectativas socioeconômicas vigentes, como explicita Lopes (2007, p.70): Para essa concepção da pedagogia, que concebe o homem com aptidões naturais, nascidas com ele, o homem só pode desenvolver-se por meio de uma disciplina rígida que possibilite o afloramento de suas aptidões com o decorrer do crescimento físico. Nesse sentido, é preciso apenas colocá-los no caminho correto para que se completem, o que significa para essa pedagogia o processo de libertação. Ou seja, o homem tem para essa pedagogia uma essência imutável que com rigor pode ser mostrada, por meio da atividade que lhes cabe. Coadunando-se à referida questão, constatamos que o ideário positivista atrelava os seus pressupostos teórico-metodológicos pelas expectativas vinculadas aos interesses da produção capitalista. Assim, a Geografia Tradicional dava-lhe amparo necessário teorizando, 84 através de conteúdos, o espaço social, de modo descritivo, sem focar as forças produtivas que ali sucediam. Segundo Moraes (2005, p.40): Esta concepção, que incide na mais grave naturalização dos fenômenos humanos, se expressa na onipresente afirmação: ‘a Geografia é uma ciência de contato entre o domínio da natureza e o da humanidade’. Postura essa que serviu para tentar encobrir o profundo naturalismo que perpassa todo o pensamento tradicional. O homem vai aparecer como um elemento da paisagem, como um dado do lugar, como mais um fenômeno da superfície da Terra. Os saberes geográficos apreendidos ocorreram com base nesses pressupostos que são caracterizados como saberes rígidos e absolutos “[...] por uma série ordenada de experimentações, uma conduta geral e uniforme. O saber assim concebido, com suas origens lógicas e racionais, é imediatamente reconhecido como um saber rigoroso, e o único válido”. (GOMES, 2000, p.69). No cenário da evolução histórica, os saberes produzidos globalmente e em cada contexto temporal, conforme as necessidades sociais, são adquiridos pelo sujeito cognoscente com base na importância que estes representam para si. No entanto, estes saberes precisam estar dispostos, de tal forma que sejam provocativos à visualização, interação e à mobilidade do sujeito. Nesse processo, é possível que tais saberes passem a fazer parte do campo visual e perceptivo do sujeito, passando a ser desejo de busca e apropriação. Nesse sentido, “O sujeito não é uma distância para com o social, é sim um ser singular que se apropria do social sob uma forma específica, transformada em representações, comportamentos, aspirações, práticas, etc”. (CHARLOT, 2000, p.43). Para o sujeito, aprender é condição imprescindível à sua sobrevivência e à da humanidade. Aprender para se adequar a uma diversidade de situações exigidas pelo contexto social que, ao elaborar normas e regras, nos torna, socialmente integrados ao grupo social, e ao fazer convenções também estabelece o modo de vida entre as pessoas. Adquirem-se habilidades para dar conta da nossa demanda individual e coletiva em casa, no trabalho e em outros ambientes, onde convivem pessoas que estão em busca de atingir seus anseios. Entre outras razões, aprende-se a se apropriar do mundo porque é a maneira pela qual nos tornamos sujeitos sociais. Aprende-se uma infinidade de saberes e de diferentes maneiras por uma questão de necessidade individual e de interesse social. Essa é forma de se ajustar aos padrões estabelecidos pelo mundo do trabalho. Charlot (2000, p.59) menciona que: 85 São muitas as maneiras, no entanto, de se apropriar do mundo, pois existem muitas coisas para aprender. Aprender pode ser adquirir um saber, no sentido estrito da palavra, isto é, um conteúdo intelectual [...]. Mas, aprender pode ser também dominar um objeto ou uma atividade [...] ou entrar em formas relacionais. Quaisquer que sejam as modalidades desse saber, são estes de interesse social e para ajustamento no espaço social, pois o sujeito social, ao utilizar-se desses saberes, mantém relações de diferentes formas com o mundo. Assim, ele, o sujeito, é aceito no espaço social e, portanto, moldado aos anseios preconizados por este. Como aponta Charlot (2000, p.60): “Adquirir saber, permite assegurar-se certo domínio do mundo no qual se vive, comunicar-se com outros seres e partilhar o mundo com eles, viver certas experiências e, assim, tornar-se maior, mais seguro de si, mais independente”. No espaço educativo, deparamos-nos com essa diversidade de conhecimentos produzidos pela humanidade. Nesse espaço promovem-se aprendizagens condizentes com os interesses das classes dominantes. Assim, a escola veicula os saberes que assegurava as políticas educativas que evocavam a constituição de valores como: igualdade, justiça, o respeito mútuo, objetivando o sucesso escolar do sujeito. Como elucida Ponce (1985, p.169): [...] a educação é o processo mediante o qual as classes dominantes preparam na mentalidade e na conduta das crianças as condições fundamentais da sua própria existência. [...] os ideais pedagógicos não são criações artificiais que um pensador elabora em isolamento e que, depois, procura tornar realidade, por acreditar que elas são justas. [...] a classe que domina materialmente é também a que domina com a sua moral, a sua educação e as suas idéias. Embasados nesses princípios, salientamos que a escola era demarcada pela propagação dos saberes das disciplinas escolares, conforme as características da conjuntura política e socioeconômica daquela época histórica. Por conseguinte, enquanto organização social, ela esteve/está enraizada no mundo da vida social, por ser reconhecida como lócus de inúmeras relações e interdependências, no que diz respeito à condição de fazer vigorar normas, regras e desempenhar a sua funcionalidade através do cumprimento do processo educativo do sujeito, que conforme ressalta Freitag (1980, p.35) “tem, pois, uma função básica de reprodução das relações de produção”, coerente com os interesses da classe dominante. Todavia, ainda de acordo com Freitag (1980, p.38), nesse espaço educativo também é possível o desenvolvimento de uma contra-ideologia constituída pelos valores, normas, interesses da classe subalterna que evidenciará o surgimento de uma concepção emancipatória de educação, cujo objetivo é consolidar uma contra hegemonia. 86 Nesse mesmo sentido, podemos destacar a concepção freireana que defende a educação como prática de liberdade e, sobretudo, como uma ferramenta para a emancipação da classe subalterna através de uma pedagogia do oprimido. Considerando o suporte epistemológico construído nas narrativas de formação, faz-se necessário considerarrmos a respeito do lócus político, social e cultural das nossas trajetórias de formação, preconizando os saberes legitimadores da ordem social. O entendimento desses saberes não apenas explicita as peculiaridades do ato educativo como também nos leva à reflexão sobre as circunstâncias concretas das relações sociais nesse tempo de aprendizagens, como enaltece Ghedin (2002, p.145): O processo de reflexão é instaurador de uma ontologia da compreensão da existência humana. É através dele que encontramos nossa identidade, nossa singularidade, nossa unicidade, nossa indivisibilidade, nossa irreptibilidade. Por ele nos damos conta da nossa corporeidade, da sociabilidade e de nossa historicidade. É nestas dimensões de nosso ser que somos o que somos. A ignorância destas dimensões de nosso ser no mundo impossibilita a compreensão de nós mesmos. Diante dessas exposições, concordamos que o exercício colaborativo remete-nos à compreensão do sentido da ação educativa sobre as abordagens geográficas no processo sócio-histórico, ao mesmo tempo que é provocativo de reconstrução das idéias decorridas, a partir das contradições existentes nas relações sociais e orientando-nos no sentido de intervir simbolicamente, transformando-o, reconstruindo-o, uma vez que essa é condição natural e singular do sujeito social, no sentido de “[...] olhar os conteúdos externos interpsicologicamente construtivos, e os internos, formados intrapsicologicamente por meio da apropriação individual e subjetiva dos significados existentes no contexto sócio-histórico”. (IBIAPINA, 2004, p.72). No nosso contexto escolar, conforme já narrado, o aprendizado dos saberes das abordagens geográficas ocorreram atrelados aos procedimentos condizentes à tendência pedagógica tradicional, que implicava a produção de discursos que não possibilitavam contestações por parte do aluno, nem mesmo dos agentes desencadeadores do processo educativo sobre os componentes conjunturais e estruturais da realidade social. Esses saberes, por sua vez, não conduziam com a abstração, a argumentação e a reação sobre o entorno social vivido, e como afirma Tardif (2007, p.207), contrapondo-se a esse pensamento: [...] o saber possui uma certa existência objetiva que reside nas razões, nos discursos, nas linguagens, nas argumentações que desenvolvemos para apoiar nossas idéias e atos. Essas argumentações dependem apenas da pessoa que as anuncia. 87 Nesse sentido, nosso enfoque do saber é discursivo, e não representacional; argumentativo, e não mentalista; de comunicação, e não computacional. Essas considerações se expressam como componentes determinantes para necessidade de produzirmos a reconstrução dos nossos saberes sobre as abordagens geográficas, por meio de aproximações e confrontos propostos nos nossos momentos de colaboração e reflexão no âmbito das construções a que nos dispomos. Com base nas evidências postas nas nossas narrativas, sinalizamos a relação com nossos saberes, diante dos saberes dos outros e com o mundo, como também no lugar escola, exaltando, no sentido da nossa subjetividade, nossas crenças e valores constituídos durante o percurso de formação inicial por meio da ação educativa de diferentes professores. A prática desse exercício narrativo se revestiu de grande importância cognitiva, à medida que encaramos a sua complexidade e no sentido de abordar a nossa formação em relação aos postulados que fundamentaram os saberes da Geografia Escolar. Esse processo tem um caráter preponderante sobre as nossas reconstruções, propostas nesse processo investigativo, para que entendamos os caminhos pelos quais a escola, como espaço de significações sociais, se enveredou pelas suas práticas educativas no sentido de centrar o sujeito à construção dos nossos saberes. Explicita Charlot (2000, p.43) que, no processo educativo, “o sujeito tem uma realidade social que pode ser estudada, analisada, de outra maneira, não em termos de diferença ou distância”. Nesse sentido, também se sobressaem os conflitos existentes no percurso de nossa formação, pois “O profissional encontra-se envolvido na situação problemática que pretende modificar e, por isso, é afectivamente sensível a todos os obstáculos e resistências à sua intervenção”. (PÉREZ GOMES, 1997, p.104). As nossas narrativas apontam componentes que expressam o conteúdo mediado por diferentes professores que contribuíram para que internalizássemos os saberes geográficos condizentes com aquele modo de ser da escola. Os extraits que se seguem indicam os saberes aprendidos na nossa formação. [...] esporadicamente, fazia-se uso de mapas. (JACARANDÁ, 2007). [...] atividades de coordenação motora (onde se ligavam pontos) para formar uma figura, reconhecendo aspectos trabalhados como: bairro, rua, escola, igreja. Enfatizavam-se também os parentescos, as datas cívicas e sociais do mês. (ANGICO, 2007). [...] através de questionários, a definição de algumas formas do relevo, tais como: o que é montanha? O que é planalto? Entre outras definições. (CARVALHO, 2007). 88 Os saberes das abordagens geográficas, naquele contexto formativo são conduzidos favorecendo e evidenciando tão somente a memorização dos fenômenos sociais, sendo ratificados por Soares Júnior (2000, p.11) quando afirma: [...] O ensino da Geografia assim configurado, caracteriza-se pela transmissão de conteúdos superficiais, repassados pelos professores de forma descritiva com base na memorização de fatos isolados da natureza e da sociedade que na maioria das vezes se restringe a denúncia de acontecimentos que envolvem a relação homem/meio ambiente, sem desenvolver na criança a apreensão dos atributos e relações essenciais inerentes aos conceitos geográficos. O autor ainda faz menção a uma peculiaridade da disciplina Geografia enquanto atrelada ao ensino de Estudos Sociais, explicitando que, naquele contexto das nossas experiências: [...] o ensino da Geografia, ministrado na escola fundamental na maioria das escolas brasileiras, permanece atrelado à disciplina Estudos Sociais conforme a antiga disposição legal do art. 3º do Parecer 853/71 da Lei 5.692/71 que tem como objetivo: [...] o ajustamento crescente do educando ao meio cada vez mais amplo e complexo, em que deve não apenas viver como conviver, dando-se ênfase ao conhecimento do Brasil na perspectiva atual do seu desenvolvimento. (SOARES JÚNIOR, 2000, p.10). Ele ainda acrescenta que: [...] A partir das diretrizes desse dispositivo legal, o ensino de Estudos Sociais expressa uma ‘salada de conteúdos vazios’ ao estabelecer os conhecimentos específicos de diversas ciências numa única disciplina, fragmentando-a e negando a relação natureza/sociedade como um dos elementos fundamentais para a compreensão do saber geográfico. Este é abordado numa perspectiva e sem especificidade própria de estudo (SOARES JÚNIOR, 2000, p.11). Corroborando com esse pensamento, Moraes (2005, p.40) também enaltece que “[...] a descrição, a enumeração e classificação dos fatos referentes ao espaço são momentos de sua apreensão, mas a Geografia Tradicional se limitou a eles, como se eles cumprissem toda a tarefa de um trabalho científico”. A escola como palco das ações de cunho educativo, mobilizou-se como instituição social à mercê dos conteúdos propostos na organização curricular e, sendo assim, promotora dos saberes das abordagens geográficas e saberes, de um modo geral, que se prestaram às expectativas do modelo produtivo vigente. No que diz respeito à formação do sujeito, os procedimentos metodológicos adotados para incrementar a propagação dos saberes não foram constitutivos de reflexividade sobre as naturezas dos conceitos e categorias geográficas no espaço. 89 Os conteúdos escolares, por nós internalizados, foram desencadeados no espaço escolar de acordo com os postulados da abordagem tradicional da Geografia escolar, fundamentados em paradigmas não-críticos que revelaram a descrição aparente dos fenômenos, reforçando os interesses do poder hegemônico em relação à produção do espaço geográfico, considerando apenas a visibilidade imediata dos fenômenos à luz dos postulados do ideário positivista. Ao sinalizarmos na nossa trajetória de formação o pensamento filosófico que ancorou àquela prática pedagógica, reportamo-nos aos pressupostos existentes no paradigma do Positivismo, que Moraes (2005, p.39) enaltece ao destacar que esses: “vão ser o patamar sobre o qual se ergue o pensamento geográfico tradicional, dando-lhe unidade”. Sobre o mesmo enunciado, o autor ainda reforça que: Uma primeira manifestação dessa filiação positivista está na redução da realidade ao mundo dos sentidos, isto é, em circunscrever todo o trabalho científico ao domínio da aparência dos fenômenos. Assim, para o positivismo, os estudos devem restringir-se aos aspectos visíveis do real, mensuráveis, palpáveis. Como se os fenômenos se demonstrassem diretamente ao cientista, o qual seria mero observador (MORAES, 2005, p.39). De modo geral, as instituições escolares da nossa formação inicial procediam de acordo com os princípios da escola tradicional, ressaltando a natureza do sujeito social pela construção de habilidades, sem desenvolver as capacidades de reflexividade e criticidade nos educandos. Assim, promoviam uma demasiada restrição conceitual dos saberes das abordagens geográficas por meio da transmissão de conhecimentos sistematizados culturalmente pelos homens ao longo da história, sendo esses saberes considerados como inquestionáveis. Corroborando com esse pensamento, Saviani (1988, p.18) destaca o perfil teórico consolidado por esse momento da escola, frisando que: Seu papel é difundir a instrução, transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente. O mestre-escola será o artífice dessa grande obra. A escola se organiza, pois, como uma agência centrada no professor, o qual transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos alunos. A estes cabe assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos. [...] À teoria pedagógica [...] correspondia determinada maneira de organizar a escola. Como as iniciativas cabiam ao professor, o essencial era contar com um professor razoavelmente bem preparado. Assim, as escolas eram organizadas na forma de classes, cada uma contando com um professor que expunha as lições que os alunos seguiam atentamente e aplicava os exercícios que os alunos deveriam realizar disciplinadamente. 90 Os saberes aprendidos sobre os conteúdos das abordagens geográficas eram evidenciados de acordo com as tendências do contexto sociopolítico e econômico em foco, que não comportava, na formação do sujeito, o desvendamento dos seus sentidos ideológicos, mas o estabelecimento das pontuações para incutir suas nuanças conceptuais. Freire (1996, p.141-142) destaca esse pensamento informando que o: Saber igualmente fundamental à prática educativa do professor ou da professora é o que diz respeito à força, às vezes maior do que pensamos da ideologia. É o que nos adverte de suas manhas, das armadilhas em que nos faz cair. É o que tem que ver diretamente com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou apacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna ‘míopes’. Os saberes emitidos pelas práticas de diferentes professores não nos permitiram uma compreensão da realidade na qual estávamos inseridos, ou seja, os saberes geográficos produzidos, caracterizados como descritivos, não nos conduziram à apreensão do processo histórico das relações sociais engendradas pelas forças produzidas e que estavam também implícitos nos conteúdos produzidos sobre os saberes geográficos. A falta desse enfoque no interior das escolas evidenciava a representatividade do domínio do poder hegemônico das classes sociais diante da configuração do sistema de acumulação de riqueza, via exploração da força de trabalho alheio. Estes saberes, saberes da experiência por nós internalizados, conforme explicita (FURIÓ apud Cunha 2003, p.4), é classificado como sendo: Conhecimento declarativo – também chamado descritivo ou factual, por meio do qual sabemos expressar em forma de proposições o que acontece ou o que pensamos sobre determinado conceito. Este tipo de saber ou conhecimento procura responder ao que é, o que acontece, de forma descritiva. Desse modo, deduzimos que os saberes mediados no interior da escola proporcionavam a reprodução das intenções políticas e ideológicas das classes dominantes. Tais intenções estavam atreladas às modalidades de difusão de saberes eminentemente descritivos acerca das naturezas das abordagens geográficas, os quais correspondiam em todos os momentos à constituição de habilidades que se desejavam formar por meio das práticas de ensino convencionais associadas ao processo de formação de sujeitos sociais acríticos. 91 4.2 SEGUNDA NARRATIVA ESCRITA Como exposto anteriormente, a segunda narrativa ocorreu no dia 09 de janeiro de 2008, e a relevância da sua construção deu-se pela necessidade de pontuarmos algumas nuanças em relação ao modo como os nossos diferentes professores contribuíram com as nossas formações escolares, no intuito de identificarmos a sua sistematização e a produção dos saberes da referida disciplina. Decidimos, dessa feita, produzi-la ressaltando, de maneira linear, as experiências formativas contidas naquele contexto formativo. Após as construções das narrativas, provocamos o compartilhamento e a interpretação de nossas produções. Ao entrar na escola, recordo que a ênfase maior era dada ao ler, escrever e contar. Ingressei no preliminar, onde entrávamos aos (6) anos de idade e fazíamos, ou melhor, recebíamos orientações sobre exercícios, tarefas e atividades de prontidão, onde se trabalhava a coordenação motora, a viso-motora, o grafismo, a discriminação (lateral, espacial), percepção dos vários sentidos, porém lembro-me que era tudo muito rápido porque tinha-se que entrar na carta do ABC e na tabuada, mesmo assim consegui compreender o processo de leitura e logo fui promovido para a 1ª série do 1º grau menor. Ao cursar a 1ª série aperfeiçoei ainda mais o processo de leitura, pois tinha muita vontade em dominar completamente a leitura, era curioso, não podia ver letras que queria decodificá-las, e seguia à risca o conselho da professora que dizia a turma para que procurássemos ler rótulos, anúncios, nomes de lojas etc, que dessa maneira estaríamos lendo com grande fluência logo, logo. E eu, com muito interesse seguia a risca a sugestão da mestra. Quanto ao ensino da Geografia, naquela época, até eu cursar o profissionalizante de magistério, conhecíamos a disciplina de Estudos Sociais que abordava várias outras disciplinas, porém a ênfase maior era da História e da Geografia, mas os professores pouco trabalhavam. Ocorria essas aulas ás vezes a cada oito dias, ou então só se explorava uma data comemorativa relevante, essa metodologia, recordo-me que foi aplicada na 1ª e 2ª do 1º grau. Ao ser aprovado para a 3ª série, éramos mais cobrados, não só na Comunicação e Expressão, Matemática, mas também nos Estudos Sociais e nas Ciências, essas duas últimas compunham um mesmo livro. Recordo até os seus respectivos nomes: Estudos Sociais e Ciências – 3ª série do 1º grau – O meu Estado, Rio Grande do Norte – Débora Pádua – Ed. IBEP; Estudos Sociais e Ciências – 4ª série do 1º grau – O Brasil – Débora Pádua – Ed. IBEP. Recordo-me que as aulas eram muito mecanizadas, resumiam-se a fazermos a cópia do apontamento, ler o texto, responder às questões, reproduzir os mapas e pesquisar a biografia das pessoas ilustres que influenciaram aquele momento, não havia uma discussão crítica, onde pudéssemos perceber que efeitos ou impactos aquele acontecimento trouxeram para a sociedade, ou melhor, tudo aquilo era no passado como um ato heróico, célebre. È tanto que sempre fui um aluno ligado à criação, principalmente às Artes plásticas, gostava muito de desenhar, criar e não reproduzir os desenhos mimeografados que nos eram entregues e os meus sempre vinham, ou melhor, eram devolvidos à professora com detalhes, o que diferenciava dos demais. Daí em 1979 ao fazer a 4ª série, fui cursar a 5ª série do 1º grau, ou seja, o ginásio. Ao ingressar no 1º grau maior, me adaptei com muita facilidade [...]. A Geografia, não mudou muito, tínhamos uma professora que era até bem fraterna com a turma, impunha respeito e limites, porém nos mostrava a importância de nos dedicarmos, mas sua metodologia, não havia mudado tanto, permanecíamos copiando textos, exercícios, atividades, provas, trabalhos, desenhos de mapas, sistema solar, relevo, enfim todas essas coisas que a Geografia estuda, também recordo-me dos livros que tínhamos que comprar para continuar os estudos [...]. Desse modo concluí o 1º grau, onde no ginásio não fui reprovado nenhum ano e assim estava apto a cursar o 2º grau, e eu sempre fora 92 encantado pelo ensinar, queria ser professor, logo fui cursar o profissionalizante de magistério. Em 1985, comecei e o curso não oferecia a disciplina de Geografia, tendo em vista que seríamos professores aptos a trabalhar com o curso primário (pré-escola até a 4ª série do 1º grau), assim no último ano nos era oferecido a disciplina: Metodologia dos Estudos Sociais, mas no meu primeiro ano, senti um impacto grande, pois notava um grande paradoxo na grade curricular do 1º ano. Algumas disciplinas, como História e Geografia, não eram oferecidas, porque se dizia que tais disciplinas eram técnico-científicas e não podiam fazer parte da grade de um curso profissionalizante de magistério, por outro lado nos era oferecido e tínhamos que cursar as disciplinas de matemática, física e química, que não, ou melhor, não trazem subsídios para que aplicássemos , quando nos tornássemos professores...houve uma grande mudança na grade curricular e no 1º ano, cursamos o unificado , o qual de ser profissionalizante de magistério, e o 1º ano, como já foi dito, era unificado, ou seja, tínhamos que pagar todas as disciplinas que davam suporte ao vestibular, inclusive a Geografia, a qual trabalhava com a Geografia Geral e a do Brasil, mas a metodologia continuava a mesma, toda mecanizada, cópias, provas, não dispúnhamos de livros, daí tínhamos que escrever e muito e também o professor que assumira a disciplina não possuía a habilitação para tanto, pois nos dissera que a sua formação era Sociologia. No 2º ano [...] iniciei os estudos nas disciplinas específicas do curso de magistério, porém não tive Geografia e cheguei ao 3º ano, onde o curso seria concluído e lá [...] tive aulas de Metodologia dos Estudos Sociais, disciplina que era ministrada por uma pedagoga, a qual procurava subsidiar a maneira como trabalharmos a História e a Geografia nas salas com crianças da pré-escola à 4ª série do 1º grau [...]. Bom, e assim vejo que até o próprio curso de formação, preparou-me para trabalhar de acordo com preceitos do período e aí vejo, que houve aquela atenção para se trabalhar com crianças (o estudante) ideal, aquele que não vem pronto para questionar, refletir, compreender as mudanças e suas respectivas conseqüências para a sociedade. Já no ensino superior, ao ingressar na UERN – Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – no Curso de Religião, não chegamos a ter uma disciplina que tratasse apenas ou especificamente da Geografia, mas sempre havia a necessidade da localização de lugares que estávamos estudando, pois fazia-se necessário a relação com o espaço da época e sua identificação...surgiu a oportunidade de fazer o curso também de nível superior, o Normal Superior, praticamente o mesmo Pedagogia, porém com um diferencial, a duração menor com três anos, oferecida pelo Instituto Presidente Kennedy, também em Natal [...] esse curso diferentemente do anterior, apresenta em sua estrutura curricular a disciplina Geografia a qual é oferecida em dois períodos a I e II, a I procura abordar a trajetória e a evolução da Geografia no campo educacional, a princípio muita leitura teórica porém a professora da disciplina, procurando devido também ao curso ser noturno e todos os alunos trabalhadores da educação e vindo direto de seus respectivos trabalhos e até de outras cidades do Estado proporcionando dinâmicas de relaxamento com músicas, porém tudo contextualizado ao conteúdo trabalhado. (ANGICO, 2008a). Nos primeiros anos das séries iniciais antes denominadas de 1ª à 4ª série guardo na lembrança todo o meu processo de adaptação, que foi bastante difícil... Na 1ª e 2ª série estudávamos a disciplina de Estudos Sociais, esporadicamente, assim como também outras disciplinas. O estudo se dava de maneira expositiva e bem tradicional; o enfoque maior era a leitura e escrita. Não tínhamos livros dessa disciplina. Usávamos o livro de Português (Comunicação e Expressão), este trazia textos que abordava sobre moradias, bairros, meios de transporte e outros. Então a professora na sua maneira tradicional, tecnicista, fazia suas explicações, mas sem especificar que estávamos vendo um assunto que fazia parte de Estudos Sociais. Quando chego no 3º ano e 4º ano, o estudo de Estudos Sociais, já estava bem definido. Tínhamos um livro e era direcionado um dia na semana para seu estudo; a professora se aprofundava nos assuntos. Fazíamos leituras individuais e compartilhada em seguida ela fazia sua exposição. Trabalhávamos as atividades propostas no livro e quando chegava os dias de avaliação tínhamos que estudar através de um questionário de perguntas e respostas. Estudar de maneira decorativa, pois considerava-se as respostas que estivessem idênticas ao questionário. A 93 maneira de avaliar passava a ser uma etapa isolada do processo de ensino- aprendizagem no processo de transmissão e assimilação dos conteúdos, na construção dos conceitos. De 5ª a 8ª série houve apenas algumas mudanças neste estudo. Passava-se a chamar a disciplina de Geografia e tínhamos professores de disciplinas. O método de ensino não mudava dos anos anteriores, e as avaliações se davam de forma escrita individual ou em grupo, também através de chamada oral onde o aluno decorava o assunto e o professor chamava um por um, fazia algumas perguntas e assim dava sua nota. Não tínhamos nenhum momento de estudo diferente, quando muito trazia-se um mapa ou o globo para sala de aula, e a exploração destes, era rápida e sem muito enfoque. Quando chego no 2º grau, escolho o curso de magistério. Já não víamos mais o estudo da Geografia, e sim, Metodologia de Estudos Sociais, onde estudaríamos os métodos para direcionar este estudo... pouca coisa tinha de diferente do eu já tinha vivenciado como estudante... os recursos didáticos , já passam a ser explorados, em especial os visuais como por exemplo: fotos, cartazes, mapas, desenhos, legendas e outros. O aluno passava a compreender a representação espacial e a linguagem simbólica, bem como, as noções de espaço-tempo que permeiam as áreas do conhecimento. Ao longo de todo o processo, a Geografia não era a disciplina que eu considerava tão importante, é claro que este pensamento era fruto de toda uma formação na minha vida como aluna. E em termos de conceitos e conteúdos, pouco ficou no meu aprendizado. No período universitário, o curso em que ingresso foi Pedagogia. O estudo da Geografia, não foi tão diferente do magistério. Víamos a prática de ensino em si, e as metodologias de cada disciplina básica, que foram Português, Matemática, Ciências, Geografia e História. Em Geografia foram estudados vários textos que nos traziam enfoques como: o espaço geográfico, sociedade, povo, nação e país, a economia, o meio urbano e rural, Brasil e suas regiões. Todos estes assuntos e outros, que no momento não me recordo, eram trabalhados em forma de estudos em grupos, e apresentação de seminários. Em uma segunda etapa eram construídas as aulas que seriam aplicadas no estágio supervisionado. Todo o conteúdo era organizado de acordo com o nível da turma. Portanto, foi um espaço de tempo muito curto e o enfoque maior nestas aulas eram os estudos dos métodos e a prática do professor em sala de aula. A exploração maior do estudo da Geografia se dava no momento da construção das aulas que iriam ser aplicadas. (JACARANDÁ, 2008a). Os meus primeiros momentos de iniciação na escola do 1ª até o 4ª ano preliminar ocorreram a partir de 1968, na Escola Estadual Augusto Severo. Aprendi a ler e escrever rapidamente, segundo o que o contexto escolar considerava. Sempre fui bastante atenta e obediente a tudo que se solicitava: respondia a todas as tarefas de classe e as que eram enviadas para casa. As experiências escolares, de um modo geral, não eram diferenciadas. Os conteúdos de Estudos Sociais, assim denominados os conteúdos da disciplina Geografia, eram repassados através de aulas expositivas, cópias de longos exercícios transcritos do quadro-negro, longos questionários que serviam de referência para as provas e nada além desse procedimento. O ingresso ao 5º ano se deu por exame de admissão, e no ginásio as experiências em relação à Geografia se sucederam, havendo especificidade para Geografia do Brasil, mas permaneceu a mesma postura didática de ensino. No Ensino Médio, modalidade científico, os conteúdos da Geografia estavam voltados para Geografia Geral. Os livros traziam ilustrações interessantes, as quais eu apreciava, e tinha imensa vontade de conhecer esses lugares pessoalmente. Ainda vivenciei as experiências no curso magistério. Ingressei nesse curso, cursando o 2º ano, porque já havia concluído o Científico, e esse fator me dava essa possibilidade. No curso de magistério, a disciplina Metodologia dos Estudos Sociais abordava os conteúdos direcionados ao Ensino Fundamental. As aulas simuladas exercitavam os conteúdos das práticas pedagógicas que habilitavam os alunos do magistério ao exercício docente. Mesmo no magistério, os conteúdos não despertavam a criticidade da relação homem-espaço. As experiências em nível superior na Universidade Federal do Rio Grande do Norte se restringiam demasiadamente à muitas leituras teóricas, as quais não despertavam reflexões acerca dos conteúdos específicos da Geografia. Os conteúdos de cada etapa da escolarização eram bem particularizados, mas os procedimentos na exposição dos diferentes professores não mudaram, e se faziam 94 pelo uso do quadro-negro, leituras individuais dos livros e apostilhas e uso de mapas aleatoriamente. (CARVALHO, 2008a). Evidenciamos na 2ª narrativa, conteúdos específicos da nossa formação escolar (início da escolarização até o Ensino Superior). Esse percurso escolar ocorreu nas entidades públicas desde o Ensino Fundamental – 1ª a 4ª série (antigo 1º grau menor/primário), 5ª a 8ª série (antigo 1º grau maior/ginasial). Salientamos que o ingresso para a 5ª série (referente ao 6º ano nos dias atuais) dava-se pela aprovação no exame seletivo, chamado de Exame de Admissão. Enquanto as experiências vivenciadas no Ensino Médio (modalidade Científico) se restringiam aos alunos que desejassem submeter-se à seleção para ingresso nas universidades públicas, a modalidade curso pedagógico (magistério) preparava professores polivalentes para desenvolverem as suas atividades como docentes com alunos da pré-escola até o 4º ano do Ensino Fundamental. Quanto à formação superior, destacamos que os colaboradores Angico e Carvalho foram licenciados em Pedagogia em universidades públicas, enquanto que Jacarandá concluiu sua formação superior em universidade particular. Em cada uma dessas modalidades, os saberes das abordagens geográficas são denotados conforme interesses sociais e são retratados por meio das particularidades que se sobressaem no contexto de nossa formação, através dos saberes que foram desencadeados na escola. É perceptível que vivenciamos quase as mesmas experiências correspondentes à formação básica. Somente se sobressai no percurso de Carvalho a sua experiência no Ensino Médio (curso Científico, seguidamente o curso de magistério). As nossas experiências escolares no curso de magistério esclarecem, pelo que ressalta Ferreira (2006, p. 67- 68), [...] que o processo formativo por nós vivenciado é marcado pelo tecnicismo. Fato compreensível considerando-se que a maior parte dos partícipes vivenciou esse processo nos anos de 1970, período em que vivíamos sob a tutela da ditadura militar instaurada na década de 1960. Nessa época, foi promulgada a nova Lei que traçava as Diretrizes da Educação Nacional – Lei 5.692 de 11 de agosto de 1971 – que tornou obrigatória a profissionalização no Ensino Médio. O Ensino Normal destinado à formação de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental torna-se apenas uma das habilitações profissionalizantes, o que implicou mudanças curriculares que reduziram a parte destinada à formação específica. O sistema educativo da nossa formação, no qual se pautou a construção dos nossos saberes de um modo geral, e particularmente os saberes geográficos, embasou a nossa identidade individual, definida por meio das características sociais, culturais, políticas, 95 econômicas e religiosas contidas na proposta curricular, conforme os pressupostos das matrizes ideológicas que regiam àquele modelo social. Essas matrizes ideológicas traziam nos seus discursos as questões referentes ao ensino de Geografia, de forma descritiva, sem ressaltar as relações humanas como determinante das alterações ocorridas nesse espaço. Os exemplos mais plausíveis se destacam pela aplicação de longos questionários e chamadas orais que levavam em consideração as definições sobre as formas geográficas que compõem o espaço. As atribuições da escola para a formação do sujeito social é ressaltada em conformidade com os ideais educativos vinculados à Lei de Diretrizes e Bases 4.024/61, que se referia ao exercício consciente da cidadania, por meio dos procedimentos adotados e pela ação do professor no espaço educativo. Logo, os conteúdos precisam estar em consonância com esse fim, como também no tocante aos procedimentos utilizados pelo professor, esses supostamente vinculados a um discurso politicamente emancipado, obscurecendo as contradições incutidas no processo educativo. Há nas narrativas ressalvas acerca dos saberes geográficos que não contribuíram para a formação plena do sujeito, conforme os colaboradores da pesquisa afirmam: Quanto ao ensino da Geografia, naquela época, até eu cursar o profissionalizante de magistério, conhecíamos a disciplina de Estudos Sociais que abordava várias outras disciplinas, porém a ênfase maior era da História e da Geografia, mas os professores pouco trabalhavam. Ocorria essas aulas às vezes a cada oito dias, ou então só se explorava uma data comemorativa relevante, essa metodologia, recorda-me que foi aplicada na 1ª e 2ª séries do 1º grau. Ao ser aprovado para a 3ª série, éramos mais cobrados, não só na Comunicação e Expressão, Matemática, mas também nos Estudos Sociais e nas Ciências, essas duas últimas compunham um mesmo livro. (ANGICO, 2008a). Na 1ª e 2ª série estudava a disciplina de Estudos Sociais, esporadicamente, assim como também outras disciplinas. O estudo se dava de maneira expositiva e bem tradicional; o enfoque maior era a leitura e escrita. Não tínhamos livros dessa disciplina. Usávamos o livro de Português (Comunicação e Expressão), este trazia textos que abordava sobre moradias, bairros, meios de transporte e outros. Então a professora, na sua maneira tradicional, tecnicista, fazia suas explicações, mas sem especificar que estávamos vendo um assunto que fazia parte de Estudos Sociais. (JACARANDÁ, 2008a). Os meus primeiros momentos de iniciação na escola da 1ª até a 4ª série preliminar ocorreram a partir de 1968, na Escola Estadual Augusto Severo. Os conteúdos [...] de Estudos Sociais, assim denominados os conteúdos da disciplina Geografia, eram repassados através de aulas expositivas, cópias de longos exercícios transcritos do quadro-negro, longos questionários que serviam de referência para as provas e nada além desse procedimento. (CARVALHO, 2008a). Nesses relatos, o que se apresenta é o Ensino da Geografia pautado na concepção tradicional que continha princípios do paradigma positivista, conforme pressupostos da lei 96 que regia a educação básica dos nossos tempos escolares. Os saberes difundidos pela ação do professor tinham uma carga teórica naturalista de explicação empirista, incoerentes com a emancipação do sujeito. Portanto, inconsistentes com os princípios de liberdade e ideais de solidariedade humana contidos no teor da lei vigente. Nesse contexto, os saberes geográficos, amparados pela concepção tradicional, procediam como enaltece Silva (1989, p.3): A Geografia Tradicional vem procedendo como o sistema quer. Formula conceitos sem profundidade para serem decorados pelos profissionais ou por seus aprendizes; ou ainda para serem aplicados em pesquisa sem unidade, que deixam muito a desejar, como investigação científica. Conceitos são princípios científicos para serem pensados, refletidos, modificados e transformados. As questões pertinentes aos saberes geográficos e às implicações do sujeito social denotam a relação homem/sociedade de forma fragmentada e abstrata, atreladas aos condicionamentos propostos, no currículo escolar, com a elucidação dos interesses sócio- políticos do pensar capitalista. A sistematização dos saberes acerca das temáticas geográficas sobressaiu-se pela descrição, enumeração, classificação dos dados concretos da realidade física, humana e econômica dos lugares em que vivemos. Assim, não ocorria questionamento, interpretação da realidade social atrelada ao movimento das suas produções sócio-históricas. Nesse sentido, afirma Charlot (2000, p.61) que: [...] não há saber senão para um sujeito, não há saber senão organizado de acordo com relações internas, não há saber senão produzido em uma ‘confrontação interpessoal’. Em outras palavras, a idéia de saber implica a de um sujeito, de atividade do sujeito, de relação do sujeito com ele mesmo (deve desfazer-se do dogmatismo subjetivo), de relação desse sujeito com os outros (que co-constroem, controlam, validam, partilham esse saber). Os saberes difundidos das abordagens geográficas não forneciam subsídios convenientes à formação de sujeitos sociais críticos e capazes de realizarem reflexões complexas acerca das referidas realidades, em suas diversas manifestações histórico-políticas, econômicas e sociais. Tais aprendizados se davam através de leituras individuais prolongadas de temáticas graduadas pelas espacialidades concretas (ciclos concêntricos – da casa ao planeta) que não ocasionavam aprendizagens qualitativas, mas eram convenientes aos anseios da classe dominante. Se entendida a formação plena do sujeito como sendo aquela imbuída de competências e habilidades complexas, servindo em princípio às necessidades dele e, consequentemente aos fins sociais, então se verifica naquele contexto da nossa formação uma 97 lacuna existente no processo de internalização dos saberes das abordagens geográficas. No entanto, ao que cabia às exigências do modelo social, houve pleno cumprimento deste, através da ação dos professores que viabilizaram tal consecução, de acordo com os modelos oficiais das propostas curriculares e programas para a educação brasileira. Os saberes propagados desconsideravam o espaço como sendo produto das relações humanas, em que os aspectos físicos pareciam estáticos. Nesse sentido, convém afirmar que, de acordo com a abordagem tradicional da Geografia adotada pela escola, esse não se configurou como sendo um lócus de relação dialética que expressa, de acordo com interpretação de Silva (1989, p.5-6), [...] Uma unidade contraditória. [...] um espaço produzido e reproduzido por conflitos e contradições, e pela superação dessas contradições. [...] um espaço construído pela relação dialética entre os diversos agentes produtivos, diretos e indiretos e a natureza. O seu conteúdo é o conteúdo da sociedade, é um conteúdo histórico; é o espaço da história das relações de produção, história que, segundo Marx, deve ser entendida como a compreensão materialista e dialética da realidade social. É o espaço da luta de classe, da desigualdade social. É um espaço de acumulação, isto é, de reprodução ampliada do capital, ao mesmo tempo que é um espaço de reprodução simples da força de trabalho. Os conteúdos escolares perpassados no processo formativo se deram numa visão eminentemente descritiva e naturalista do espaço geográfico, desagregado de estudos críticos reflexivos sobre o caráter histórico-social da produção do espaço geográfico. Como afirma Soares Júnior (2000, p.11): “[...] essa forma de ensino privilegia experiências que priorizam o uso de informações meramente descritivas, as quais se restringem ao desenvolvimento de uma única função mental – a memória”. Os saberes das abordagens geográficas nesse tempo de formação restringiram-se ao cumprimento de tarefas como leituras individuais, questionários, chamadas orais, pinturas de figuras geográficas, comprometidas com as normas impostas pelos interesses políticos e econômicos, no intuito de formar sujeitos qualificados, segundo conteúdos elaborados que pudessem desempenhar, à luz dos interesses sociais, funções propensas à alienação do sujeito social. Como afirma Freitag (1980, p.16): Os conteúdos da educação são independentes das vontades individuais; são as normas e os valores desenvolvidos por uma certa sociedade(ou grupo social) em determinado momento histórico, que adquirem certa generalidade e com isso uma natureza própria, tornando-se assim “coisas exteriores” aos indivíduos. Quanto à nossa formação superior, licenciatura no Curso de Pedagogia, a sua escolha se deveu ao contexto sócio-histórico que Ferreira (2006, p. 68) esclarece: 98 Quanto à formação superior, é o período áureo das habilitações na Pedagogia – Orientação Educacional, Supervisão Pedagógica e Administração Escolar – instaurando-se, na escola, o princípio taylorista da divisão técnica do trabalho, provocando a separação entre concepção e execução e a distribuição rígida de funções diferenciadas no interior do sistema de ensino. Desse modo, a formação do professor se esvazia e a divisão técnico-burocrática do trabalho o transforma em um mero executor de medidas oficiais e de tarefas [...]. Os saberes sobre as abordagens geográficas mobilizados para nossa formação acadêmica de nível superior não se evidenciaram sob aspectos constitutivos à formação crítica, exceto pela prática de raros profissionais. Esses saberes foram difundidos sob a égide das políticas liberais, que confirmaram o apreço ao modo de produção capitalista, cuja ênfase é educar para o mercado de trabalho. Também é notório que essas políticas liberais, por sua vez, têm o foco direcionado à Educação Básica, cujo suprimento dá-se através do Banco Mundial (BM). Convém citar Torres (1996, p.139), ao divulgar os interesses dessa entidade financeira: O modelo educativo que nos propõe o BM é um modelo essencialmente escolar e um modelo escolar com duas grandes ausências: os professores e a pedagogia. Um modelo escolar configurado em torno de variáveis observáveis e quantificáveis, e que não importa os aspectos especificamente qualitativos, ou seja, aqueles que não podem ser medidos mas que constituem, porém, a essência da educação. Um modelo educativo, por fim, que tem pouco de educativo. Desse modo, as políticas liberais aplicadas à educação visam tão somente à reprodução das formas alienantes impostas pelo modo de produção capitalista. Como afirma Moraes (2005, p.13): Os enunciados do pensamento geográfico são elaborados em diversos espaços – universidades, associações profissionais, órgãos de pesquisas públicas e privadas, escolas – e tornam-se discursos escolares no momento em que se inscrevem no ensino. Embora muitos desses enunciados estejam ausentes no ensino, por não terem conseguido obter efeito de verdade, ou seja, não foram autorizados. No entanto, os discursos presentes já possibilitam a existência de uma pluralidade de perspectivas geográficas. A difusão dos saberes presentes na formação acadêmica se deu em meio às exigências de formação profissional capacitada e de qualidade. A universidade, enquanto espaço de pesquisa e formação profissional, se ateve, quanto às proposições de seus conteúdos, a uma postura que não proporcionou aprendizagens que nos levassem à interpretação crítico-reflexiva do entorno e sua realidade social. Tal fato também influenciou fortemente as questões referentes aos saberes geográficos e não ampliou nem nos tornou 99 capazes de interpretar as questões de ordem do capital quanto à sua dominação sobre o espaço territorial. Não aparecem nas nossas narrativas nenhum elemento que enfoque conteúdos complexos, críticos, tendo no seu sentido as propensões do sujeito crítico e questionador do contexto social, conforme apontam os colaboradores da pesquisa: Já no ensino superior, ao ingressar na UERN – Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – no Curso de Religião, não chegamos a ter uma disciplina que tratasse apenas ou especificamente da Geografia, mas sempre havia a necessidade da localização de lugares que estávamos estudando, pois fazia-se necessário a relação com o espaço da época e sua identificação...surgiu a oportunidade de fazer o curso também de nível superior, o Normal Superior, praticamente o mesmo Pedagogia, porém com um diferencial, a duração menor com três anos, oferecida pelo Instituto Presidente Kennedy, também em Natal...esse curso diferentemente do anterior, apresenta em sua estrutura curricular a disciplina Geografia a qual é oferecida em dois períodos a I e II, a I procura abordar a trajetória e a evolução da Geografia no campo educacional, a princípio muita leitura teórica, porém a professora da disciplina, procurando [...] era proporcionando dinâmicas de relaxamento, músicas [...]. (ANGICO, 2008a). No período universitário, o curso que ingresso foi Pedagogia. O estudo da Geografia não foi tão diferente do magistério. Víamos a prática de ensino em si, e as metodologias de cada disciplina básica, que foram Português, Matemática, Ciências, Geografia e História. Em Geografia foram estudados vários textos que nos traziam enfoques como: o espaço geográfico, sociedade, povo, nação e país, a economia, o meio urbano e rural, Brasil e suas regiões. Todos estes assuntos e outros, de que no momento não me recordo, eram trabalhados em forma de estudos em grupos, e apresentação de seminários. Em uma segunda etapa eram construídas as aulas que seriam aplicadas no estágio supervisionado. Todo o conteúdo era organizado de acordo com o nível da turma. Portanto, foi um espaço de tempo muito curto e o enfoque maior nestas aulas eram os estudos dos métodos e a prática do professor em sala de aula. A exploração maior do estudo da Geografia se dava no momento da construção das aulas que iriam ser aplicadas. (JACARANDÁ, 2008a). As experiências em nível superior na Universidade Federal do Rio Grande do Norte se restringiam demasiadamente a muitas leituras teóricas, as quais não despertavam reflexões acerca dos conteúdos específicos da Geografia. (CARVALHO, 2008a). Conforme as narrativas, a nossa formação acadêmica, momento de definição profissional, se deu evidenciando o panorama educativo apoiado na Lei de Diretrizes de Base 9.394/96. A sua intenção se voltava para a formação do profissional capacitado, que atendesse aos interesses e necessidades das forças produtivas daquele contexto. Nessa perspectiva, a educação e a formação desenvolvidas nas instituições de um modo geral suscitavam, por meio da ação educativa, sujeitos adequados aos seus anseios, segundo suas peculiaridades de trabalho e no que convém as habilidades exigidas para aquele trabalho. Nesse sentido, esclarece Meszáros (2005, p.44): As instituições formais de educação certamente são uma parte importante do sistema global de internalização. Mas apenas uma parte. Quer os indivíduos participem ou 100 não – por mais ou menos tempo, mas sempre em número de anos bastante limitado – das instituições formais de educação, eles devem ser induzidos a uma aceitação ativa (ou mais ou menos resignada) dos princípios reprodutivos orientadores dominantes na própria sociedade, adequados a sua posição na ordem social, e de acordo com as tarefas reprodutivas que lhes são atribuídas. Expressamos na 2ª narrativa de formação o nosso cenário educativo desde a formação básica até a formação profissional. Nesse percurso, constatamos que os saberes das abordagens geográficas não se diferenciavam quanto às perspectivas de formação integral do sujeito social. Estava implícita, no modo como esses saberes eram desencadeados, a política de interesse do capital que necessitava de profissionais aptos a desenvolverem atividades que convinham às suas expectativas de produção. Nesse contexto, o sujeito social não era mencionado como agente direto das transformações que ocorriam no espaço geográfico, mas configurava-se como aspecto natural, tal como a paisagem, o clima, a hidrografia, a vegetação, entre outros conteúdos. Segundo Tonine (2003, p.39): A Geografia Escolar, ao estabelecer que, para melhor governar era imprescindível conhecer melhor o quadro natural, direcionou seu discurso para descrever os povos via a natureza, pois esta era o elemento de normatização, já que todas as relações de poder eram explicadas pela natureza. Corroborando com esse pensamento, Lima e Vlach (2002, p.44) destacam que: De uma maneira geral, os manuais didáticos e programas de ensino de Geografia retratam uma realidade estereotipada, que nada tem a ver com a realidade social e cultural do povo brasileiro. Os manuais tradicionais não enfatizam a compreensão do saber geográfico historicamente acumulado, dificultando a visão da Geografia real, vivenciada no seu cotidiano e tão necessária para melhorar a relações entre homem e a natureza. Ao término das narrativas escritas, propusemos as produções das narrativas orais, por considerarmos que não tinham se esgotado as revelações sobre os saberes das abordagens geográficas, com destaque às lembranças marcantes que, porventura, pudessem aparecer das nossas experiências. Essas lembranças/experiências denotavam os vínculos que teriam se estabelecido, naquele contexto escolar, e diziam respeito aos aspectos afetivos/emocionais perpassados pela relação entre professor e aluno que foram relevantes para que aprendizagens ocorressem em tempos de formação. Essas minúcias sobre os saberes das abordagens geográficas se fazem necessárias porque têm grande valor epistemológico, uma vez que possibilitam novas interpretações no 101 contexto formativo e profissional que vivenciamos. Como destaca Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003, p.68): O desenvolvimento profissional é favorecido quando os professores têm oportunidades de refletir, pesquisar de forma crítica, com seus pares, sobre as práticas educativas; explicitam suas crenças e preocupações, analisam os contextos e a partir dessas informações experimentam novas formas para suas práticas educativas. Assim, esse processo possibilita a autonomia compartilhada e uma forma de articular teoria e prática. 4.3 NARRATIVA ORAL A narrativa oral ocorreu no dia 15 de fevereiro de 2008, no campo empírico da pesquisa. Cada colaborador distanciou-se para poder fazer o seu relato individual, que logo seria pronunciado coletivamente, para análise e interpretações sobre os saberes das abordagens geográficas reveladas. A esse respeito, Josso (2004, p.68) destaca que: A análise das narrativas mostra o que foi aprendido em termos de um saber-ser sociocultural; de um saber-fazer; de conhecimentos nos domínios mais diversos, de tomadas de consciência sobre si, sobre as relações com os outros em diversos contextos ou situações; das qualidades ou fragilidades nos planos psicossomático, pragmático (instrumental ou relacional) e reflexivo (explicativo e compreensivo). Conforme destaca a autora essas esses aspectos da nossa formação se evidenciam nas exposições que se seguem: Em relação a minha vida escolar, pouca lembrança eu tenho do ensino da Geografia. No 1º grau menor, em relação às séries iniciais, eu não tenho lembrança nenhuma [...]. E as séries finais do primeiro grau menor, eu tenho uma lembrança pequena, onde eu via a Geografia trabalhada de forma muito teorizada. Nós tínhamos pouco acesso, e nenhuma construção, é tanto que [...]. Até eu me tornar adulto, eu sentia muita dificuldade na questão da lateralidade, de localização, porque essa questão não foi trabalhada em Geografia. Eu não tenho lembrança nenhuma [...]. Hoje, já com a formação acadêmica, mais sistematizada, eu já vejo por outra visão [...]. Eu não tenho muitas lembranças marcantes da Geografia. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Eu me lembro de que uma coisa na Geografia que eu tive dificuldade foi em decorar os estados e as capitais. Era dada uma lista para nós decorarmos aquilo tudo. Foi assim um fato marcante, eu não conseguia decorar, e isso me causava um trauma, porque vários alunos já traziam na ponta da língua, e um fato marcante desse período foi na 6ª série. Foi uma avaliação feita pela professora através de chamada oral; então o aluno ia até a mesa e lá ela perguntava, fazia as perguntas, duas perguntas ou três, e uma das perguntas era essa: pra dizer o estado e a capital, e eu tive muita dificuldade, fiquei frustrada por essa questão, porque eu não conseguia decorar todos os estados e as capitais. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). 102 As lembranças que preservo sobre fatos marcantes no ensino da Geografia dizem respeito à curiosidade que tinha de conhecer alguns aspectos citados do relevo: como é um açude? Uma montanha? Uma ilha? Entre outras características do relevo que via, às vezes, em ilustrações de livros. Não preservo em minha memória momentos significativos ao estudar Estudos Sociais, assim denominada Geografia nos primórdios da minha escolarização no ensino primário. Tenho breves recordações do esforço que fazia para memorizar as definições do relevo através de longos questionários. Esses questionários sempre referenciaram as atividades em todas as séries até o ensino médio. Eram definições que abrangiam desde o bairro até o Brasil e suas regiões. Sentia grande prazer ao decorar os estados e suas respectivas capitais. Algumas questões me inquietavam demasiadamente, a partir das falas de alguns professores; diziam respeito às modificações feitas nos espaços, como, por exemplo: como são os grandes paredões nos açudes, entre outras indagações. Eu tinha vontade de visitar os lugares quando os professores falavam sobre eles. Essas curiosidades foram satisfeitas a partir dos meus dezoito anos de idade quando, pela primeira vez, conheci o açude Itans (no município de Caicó) e na continuidade, o município de Riachuelo. A partir destas experiências percebi o quanto são importantes vivências práticas, ter contato, observar que as coisas têm uma dinâmica própria, obedece a uma sistemática, que existe uma razão para que os elementos naturais se disponham de uma maneira lógica conforme as características do espaço. Mesmo diante dessas constatações, não me recordo de ter feito as devidas leituras das relações estabelecidas no espaço geográfico, considerando o homem como agente transformador do meio físico. Essas leituras só ocorreram quando percebi que as condições materiais da subsistência humana estão sob a dominação de um sistema econômico cada vez mais explorador. Esse é o momento em que se inicia a minha reflexão a respeito do conceito de sociedade e sua estrutura econômica, política e social. Esse processo somente ocorreu no Ensino Médio e se ampliou ao ingressas na universidade. Lá, as discussões provocaram o entendimento das relações sociais que demarcam a dominação do espaço para obtenção de riquezas materiais. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). As revelações contidas nas narrativas orais apontam as mesmas especificidades marcantes quanto as características expressas pelo processo histórico de nossa formação que teve relevância, em particular, nas instituições educativas. Essas instituições incutiram expressivamente - através das posturas pedagógicas de diferentes professores - valores, saberes coadunados aos interesses da lógica do capital relacionados aos saberes das abordagens geográficas. Esses saberes interferiram nos nossos aspectos epistemológicos e fizeram jus às demandas estabelecidas pelas normativas socioeconômicas daquele contexto sócio-histórico, e como corrobora Soares Júnior (2005, p. 39): Os fenômenos geográficos (naturais e sociais) são explicados através de descrições exaustivas do objeto de estudo, com base na sua estrutura física e fixa, apontando uma direção exata da natureza produtiva dele. Por exemplo: no estudo sobre a cidade, considera-se como importante o conhecimento acerca da sua estrutura urbana – traçados das ruas, avenidas, bairros, entre outros aspectos meramente físicos, como também, o número da população que habita no lugar, deixando de analisar as reais condições de vida do perfil que a população assume no contexto da sua produção social. Alguns extraits das narrativas orais dão ênfase à questão mencionada: 103 Em relação a minha vida escolar, pouca lembrança eu tenho do ensino da Geografia. No 1º grau menor em relação às séries iniciais eu não tenho lembrança nenhuma [...] E as séries finais do primeiro grau menor, eu tenho uma lembrança pequena, onde eu via a Geografia trabalhada de forma muito teorizada. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Eu tinha dificuldade de decorar os Estados e as capitais. Era dada uma lista para nós decorarmos aquilo tudo. Foi assim um fato marcante, eu não conseguia decorar, e isso me causava um trauma, porque vários alunos já traziam na ponta da língua, e um fato marcante desse período foi na 6ª série. Foi uma avaliação feita pela professora através de chamada oral; então o aluno ia até a mesa e lá ela perguntava, fazia as perguntas, duas perguntas ou três, e uma das perguntas era essa: pra dizer o estado e a capital, e eu tive muita dificuldade, fiquei frustrada por essa questão, porque eu não conseguia decorar todos os estados e as capitais. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Tenho breves recordações do esforço que fazia para memorizar as definições do relevo através de longos questionários. Esses questionários sempre referenciaram as atividades em todas as séries até o ensino médio. Eram definições que abrangiam desde o bairro até o Brasil e suas regiões. Sentia grande prazer ao decorar os estados e suas respectivas capitais. Algumas questões me inquietavam demasiadamente, a partir das falas de alguns professores; diziam respeito às modificações feitas nos espaços, como por exemplo: como, são os grandes paredões nos açudes entre outras indagações. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Pelos esclarecimentos narrativos, percebe-se que a função educativa no interior da escola não atenta para o desenvolvimento integral do aluno, pois os conhecimentos por ela perpassados evidenciam os interesses da classe social dominante. Nesse caso, os saberes das abordagens geográficas por meio dos conteúdos propostos não contribuíam para a formação da consciência crítico-social do sujeito sobre a natureza social, evidenciando os pressupostos contidos na perspectiva sócio-histórica, pois, segundo Kaercher apud Lima e Vlach (1998, p.47): O cerne desta ciência, contraditoriamente à própria gênese da palavra, não é, no nosso ponto de vista, nem a Terra (= geo) nem tão pouco a descrição (= grafia), mas sim o espaço geográfico entendido como aquele espaço fruto do trabalho humano na necessária e perpétua luta dos seres humanos pela sobrevivência. Nessa luta, o homem usa, destrói/constrói/ modifica a si e a natureza. O homem faz Geografia à medida que se faz humano, ser social. As contradições perpetuadas na escola pela sistematização de conteúdos reforçam o domínio de uma classe sobre outra, uma vez, que ao veicular os saberes das abordagens geográficas, não enfocam a realidade na qual o sujeito social está inserido. A escola, portanto, permanece omitindo as artimanhas estabelecidas pelas forças produtivas determinadas pelo sistema econômico. Por conseguinte, a insipiência dos saberes específicos das abordagens referidas interfere, incisivamente, para a formação qualitativa do sujeito social, e nas questões epistêmicas no curso da sua história de vida, que dizem respeito aos aspectos abrangentes do sujeito na potencialidade de apropriação dos conhecimentos. 104 Enfatiza Tardif (2007, p.34) a esse respeito que: [...] na medida em que a produção de novos conhecimentos tende a se impor como um fim em si mesmo e um imperativo social indiscutível, e é o que parece ocorrer hoje em dia, as atividades de formação e de educação parecem passar progressivamente para o segundo plano. Com efeito o valor social, cultural e epistemológico dos saberes reside em sua capacidade de renovação constante, e a formação com base nos saberes estabelecidos não passa de uma introdução às tarefas cognitivas consideradas essenciais e assumidas pela comunidade científica em exercício. Os processos de aquisição e aprendizagem dos saberes ficam, assim, subordinados material e ideologicamente às atividades de produção de novos conhecimentos. E, de um modo geral, nos espaços educativos ocorreu, segundo Saviani (1988, p.21): [...] em lugar de classes confiadas a professores que dominavam as grandes áreas do conhecimento, revelando-se capazes de colocar os alunos em contato com os grandes textos que eram tomados como modelos a serem imitados e progressivamente assimilados pelos alunos, a escola deveria agrupar os alunos segundo áreas de interesses decorrentes de sua atividade livre. O professor agiria como estimulador e orientador da aprendizagem cuja iniciativa principal caberia aos próprios alunos. As narrativas escritas e/ou orais elucidam os saberes das abordagens geográficas através de conteúdos contidos nas propostas curriculares que, por sua vez, contribuíram com o processo formativo da nossa identidade social. As nuanças que permearam o desenvolvimento desses saberes geográficos mantinham o modelo reprodutivista da ordem do capital vigente. Não havia a expressão de sentido com o mundo, de relação com os outros e nem sequer conosco, por conseguinte a reprodução técnica dos conteúdos dispostos se repetia a cada ano de escolarização numa ordem sequencial para promoção ou ascensão escolar, como se sobressaem nas narrativas escritas e/ou orais. As tendências pedagógicas, que embasaram as diversas práticas educativas brasileiras, e situando àquela que retratou uma marca da instituição escolar, denominada de escola tradicional, nos incluíram como atores sociais passivos, diante do processo histórico de nossa formação, ao implementar as políticas educativas programadas para que desencadeassem habilidades que dessem conta apenas das exigências que cabiam ao modo de produção em vigor. Ressalta Ponce (1985, p.169) corroborando com os aspectos relevantes do processo histórico-educativo, que: [...] a educação é o processo mediante o qual as classes dominantes preparam na mentalidade e na conduta das crianças as condições fundamentais da sua própria existência. [...] os ideais pedagógicos não são criações artificiais que um pensador elabora em isolamento e que, depois, procura tornar realidade por acreditar que elas 105 são justas. [...] a classe que domina materialmente é também a que domina com a sua moral, a sua educação e as suas idéias. Dessa maneira, as produções das narrativas escritas e/ou orais evidenciaram, com base nas nossas introspecções, os percalços sobre a especificidade das abordagens geográficas e os saberes constituídos ao longo da nossa formação. Esse confronto se tornou viável em razão do processo colaborativo que se aplicou em diversas situações - principalmente, quando da escuta do outro -, que o levou a novas reconstruções, mas também em razão do nosso constante envolvimento com respeito às habilidades e às potencialidades de cada um. Para Nóvoa (2004, p.4): “A partilha de saberes e as práticas de trabalho cooperativo” se não provocaram significativas (des)construções e (re)construções, pelo menos trouxeram grandes possibilidades de sê-lo, pois nos levaram a outras solicitações que dizem respeito a momentos de estudos sobre as abordagens da disciplina a partir de seminários de estudo. E no que concerne à aceitação nossa por esse procedimento e as interpretações ocorridas à luz das teorias que embasaram as práticas educativas no processo de nossa formação, cabe-nos também dar sentido às abordagens geográficas enxertadas nas propostas curriculares. Tal postura possibilita que entendamos as nuanças que fizeram desse fazer um modo de repercussão de interesses sociais, pois, como enaltece Nóvoa (2004, p.6): Não basta pensarmos os saberes. Não basta preocuparmo-nos com sua transmissão e aquisição pelos alunos. Temos, também, de nos interrogar sobre as consequências sociais desses saberes, sobre o modo como a sua mobilização contribui (ou não) para uma vida melhor. Desse modo, seguimos para estabelecer confrontos diante da sistematização da natureza das abordagens geográficas. Charlot (2000, p.81) esclarece que essa atitude representa: [...] o conjunto das relações que um sujeito mantém com um objeto, ‘um conteúdo de pensamento’, uma atividade, uma relação interpessoal, um lugar, uma pessoa, uma situação, uma ocasião, uma obrigação, etc, ligados de uma certa maneira com o aprender e o saber; e, por isso mesmo, é também relação com a linguagem, relação com o tempo, relação com a ação no mundo, relação com os outros e relação consigo mesmo enquanto mais ou menos capaz de aprender tal coisa, em tal situação. As explicitações sobre os saberes das abordagens geográficas apontam para que nos apropriemos do verdadeiro caráter científico da Geografia Escolar, e assim, constituir, juntamente com os sujeitos sociais implicados no processo educativo, possibilidades de 106 assimilações teóricas, confrontos e (re)construções sobre os saberes geográficos mediados no interior da Escola Fundamental. Por essa razão, adotamos os Seminários de Estudos Reflexivos como procedimento que permitiria o aprofundamento sobre os saberes das abordagens geográficas. Essa prática encaminhou para o entendimento e reflexão a respeito dos conteúdos que foram propagados por diferentes professores, ao longo da nossa trajetória de formação. Para nós, os conhecimentos científicos da natureza das abordagens permitem avanços qualitativos objetivados na pesquisa, favorecendo paulatinamente o processo colaborativo que toda investigação solicita, como também nos levam às (re)construções das abordagens referidas. Conforme esclarecem Aguiar e Ferreira (2007, p.75): [...] a importância do conhecimento teórico como subsidiário da prática evidencia-se quando compreendemos que a consciência, enquanto reflexo do mundo real, não representa algo inteiramente indivisível, mas o conjunto de seus momentos. [...] O conhecimento torna possível a sistematização das informações, processo essencial para atividade prática em determinado momento, assim como serve de base para o momento posterior do conhecimento e da prática social. O confronto entre os nossos conhecimentos prévios sobre as abordagens geográficas e aqueles produzidos pela humanidade representa um ponto de partida nessa construção favorecendo a internalização de novos saberes diante das abordagens referidas. Segundo afirma Soares Júnior (2005, p. 9): Essa abordagem curricular proporciona aos professores o exercício pedagógico que evidencia rupturas significativas com os modelos tradicionais de ensinar os conhecimentos geográficos, uma vez que não apelam para o aprendizado de definições prontas e acabadas de conceitos a serem memorizados pelos alunos como leis verdadeiras, imutáveis e eternas, conceitos, numa perspectiva sócio-histórica, assume um perfil que produz avanços significativos na sua forma de veicular os seus conhecimentos específicos, organizando-os a partir dos atributos essenciais e múltiplos que os particularizam. Para Tardif (2007, p.124) essa (re) construção: Não se desenvolve por evolução, de maneira linear, e, sim, por rupturas, por revoluções científicas, por mudanças de paradigmas, pela ocorrência de episódios famosos que colaboraram para rejeição de uma teoria científica anteriormente aceita, em favor de uma outra incompatível com aquela. Assim, passaremos a analisar como o processo ocorreu entre nós. 107 Figura 3 - Narrativas tópicas Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2009 108 5 APROFUNDANDO ESTUDOS SOBRE AS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS Neste capítulo objetivamos aprofundarmos as discussões e análises acerca das abordagens geográficas. Mediante esse processo, analisaremos os alcances obtidos no decorrer deste percurso investigativo provenientes dos momentos intrassubjetivos e intersubjetivos que ressaltam as nossas concepções acerca das temáticas em pauta. Abordar os saberes, de um modo geral, sobretudo os que são suscitados na pesquisa, requer que se ampliem as discussões retomando a sua complexidade científica, pois, do contrário, esses ficarão restritos aos fundamentos do senso comum baseados nas constatações empíricas diante da temporalidade do contexto formativo. O processo investigativo constituído com base nas interações coletivas aponta possibilidades e contribuições que favorecem a capacitação profissional do professor, no que concerne ao aprofundamento, reflexões e novas concepções atribuídas às abordagens geográficas. Concordamos, então, que a dinâmica colaborativa suscitada pela investigação permite a apreensão de novos saberes mediante os confrontos que estabelecemos com aqueles saberes já internalizados. Por isso, enveredamo-nos pelas teorias que formularam as abordagens geográficas com base nas discussões, reflexões e confrontos que se deram sob a alusão da leitura teórica de Ivaine Maria Tonine - Geografia Escolar: uma história sobre seus discursos pedagógicos (2003). As condições materiais, humanas e afetivas existentes neste processo investigativo propiciaram que ocorressem aprendizagens sobre os fundamentos das abordagens geográficas. No entanto, ressaltamos que o confronto com a objetividade teórica da disciplina mencionada não incidirá em rupturas bruscas e imediatas acerca das assimilações dos referidos saberes devido às demandas atribuídas à pesquisa, como também ao tempo proposto para reconstrução das nossas concepções para alcances transformadores. Nesse percurso, o componente significativo seria a qualidade atribuída ao tempo disponibilizado pelos colaboradores, no que se refere ao compromisso, rigor e responsabilidade para encaminhar as pretensões da pesquisa. Laville e Dionne (1999, p.96-97) explicam, quanto aos procedimentos incorporados na pesquisa e sustentados pela pesquisadora que: 109 O pesquisador assim disposto aceita previamente, e sem se sentir frustrado, os limites do procedimento científico. Ao mesmo tempo em que confere um grande valor aos saberes constituídos através desse procedimento, reconhece que esses valores podem ser relativos, incompletos, provisórios. Nem por isso preserva menos sua ambição de objetividade, mas admite os limites que pesam sobre ela e cultiva sua vontade de dominá-los [...]. Os Seminários de Estudos Reflexivos, com enfoque nas abordagens teórico- metodológicas da Geografia, sucederam conforme disponibilidade e negociações anteriormente estabelecidas. Considerando a forma como os saberes das abordagens geográficas foram mediados no processo de nossa formação, evidentemente as lacunas existentes nos conteúdos de cada seminário requeriam sucessivas aproximações. Esse movimento seria imprescindível, do contrário, não condizia com as intenções do processo investigativo. Por essa razão, decidimos que retomaríamos a cada encontro as discussões ocorridas anteriormente, como a seguir. 5.1 PONTO DE ENTRADA Apresentação da colaboradora Carvalho acerca das suas assimilações teóricas e reflexão dos outros colaboradores sobre o tema abordado. A autora inicia a sua teorização “Ponto de Entrada” dando ênfase à importância da história de qualquer disciplina. Aponta que a Geografia merece destaque, uma vez que enfoca o contexto das relações sociais em que está implicada a luta de classe. Essa tem sido a investigação e contribuição da autora para o processo educativo servindo de parâmetro para que professores venham refletir sobre a história da Geografia no contexto escolar, de forma crítica e reflexiva. De acordo com o enfoque da autora, a Geografia ganha novos rumos a partir do século XIX, passando a ser sistematizada. No discurso anterior a sua sistematização, a referida ciência estava dispersa em outras ciências, como Biologia, Física, entre outras. Tonine (2003) discorre sobre essas questões fazendo um percurso desde a Geografia ligada à sociedade primitiva até os tempos atuais. Segundo a autora, a Geografia ganhou os bancos escolares desde o século XIX e permanece até hoje construindo identidades escolares regionais, nacionais e de civilizações. A autora aborda as matrizes da Geografia destacando os seus fundamentos e a influência deles na elaboração de teorias como o Determinismo Regional, na visão de Ratzel (Alemanha), em que se explicita a escassez de recursos naturais por meio do conceito de espaço vital. Segundo a teoria do Determinismo Regional, o homem estava nesse espaço para poder tirar dele o seu sustento. O espaço existia segundo o que o homem atribuía a ele em qualquer continente: na África, no Brasil, nos diversos lugares. As condições de sobrevivência do homem dependiam dessa relação homem/espaço. O Determinismo Regional expressa que as condições de sobrevivência eram possíveis segundo aquilo que as relações sociais estabeleciam. A Teoria do Possibilismo formulada por La Blache (França) tem sua relevância no contexto do processo do pensamento geográfico, visando conhecer o gênero de vida, por meio de 110 levantamentos das condições naturais, o estilo de vida das populações que viviam nos lugares. Ela veicula o discurso de que o homem transformava o espaço e sua sustentação dependia do modo como essa intervenção ocorria. As duas teorias estão ligadas ao ideário do Positivismo, no sentido de apresentar a ciência geográfica, entre outros aspectos, ligada à concepção tradicional. Embora essas teorias explicitassem o espaço e o homem, elas não davam ênfase à questão das relações sociais no contexto de classes distintas: classe dominante e classe dominada. Segundo a autora, a Geografia Escolar aparece nos livros didáticos enfocando as formações de discursos distintos com predominância para utilização dessa ciência pelo poder hegemônico. No intuito de produzir condições de acumulação de bens, sobressaem-se os discursos de interesse do capital. Há especificidade para uma realidade estereotipada, com relevância nos aspectos regionais como também ressaltando os pressupostos do Determinismo Regional, do Possibilismo e do Método Regional, esse último com destaque a expressão da Teoria Quantitativa dada num contexto social. Cada uma dessas teorias teve forte influência para o discurso do pensamento difundido no espaço escola. A Geografia Escolar é pontuada no contexto sócio-histórico quando as análises do pensamento geográfico tradicional já não suprem as demandas exigidas pelo capital, no sentido das relações entre as forças produtivas e o modo de produção. A autora tenta mostrar como os discursos do pensamento geográfico são inventados, quais as marcas que carregaram e como cada um se torna legitimado no currículo escolar, enfatizando que: (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Para entender o processo de configuração da Geografia como campo de conhecimento, há que se analisar as vias pelas quais ela foi adquirindo autonomia em relação aos demais conhecimentos e, assim, constituindo seu próprio campo de abrangência, mapeando sua especificidade, fabricando seu próprio discurso, até tornar-se um campo disciplinar” (TONINE, 2003, p.14 apud CARVALHO, informação verbal, 2008b). [...] segundo consta na historiografia, parece que a Geografia torna-se um campo de conhecimento somente em fins do século XIX. As condições de possibilidades para sua tessitura estão assinaladas desde os primórdios da Antiguidade e se estendem por um longo período (TONINE, 2003, p.15 apud CARVALHO, informação verbal, 2008b). [...] a identidade produzida para a Geografia – a de descrever o mundo – foi fabricada por diversas engrenagens colocadas, adaptadas, ajustadas nos discursos que se foram configurando para traduzir as relações entre a natureza e sociedade (TONINE, 2003, p.16 apud CARVALHO, informação verbal, 2008b). A autora entrevistada menciona os diferentes momentos que assinalam os deslocamentos das formações discursivas para a Geografia: a sua sistematização, a sua institucionalização como disciplina e a sua ruptura como conhecimento moderno. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Concluída a síntese, iniciamos a etapa que denominamos de momentos intersubjetivos. Considero muito importante esse momento de nosso estudo a respeito da Geografia. Ainda não havia estudado dessa forma, essa maneira crítica e reflexiva de entender a Geografia. Sobre o estudo, embora eu tenha lido o texto essa discussão, tenho ainda muitas dificuldades. No decorrer das nossas discussões, dos nossos estudos, creio que muitas dúvidas serão superadas. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Tenho algumas colocações a dizer: Primeiro, eu não tinha conhecimento do tratamento dado à Geografia, esse processo em que para sua sistematização houve 111 interferências de pressupostos como o Determinismo Regional e o Possibilismo. Não era essa a visão que eu tinha, mas estou achando importante estudar. Esses momentos de estudo me dão possibilidades de pensar numa prática mas significativa. Os saberes que trabalho com meu aluno precisam ter um caráter de questionamentos em que ele tenha a percepção de que o espaço é referência para sobrevivência mais também de dominação e é constituído de relações sociais. A minha prática pedagógica passará a ser diferente a partir de novas informações que se constituíram em saberes significativos. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). A seguir iniciamos o momento intrassubjetivo de Carvalho. A Geografia é uma ciência que discute expressivamente questões inerentes ao espaço, ao homem, à natureza, à cultura e que não foram mediadas na minha formação escolar. Percebo a importância de rever esses conteúdos de forma discursiva e que levem os indivíduos a se perceberem agindo ativamente no espaço, modificando-o e estabelecendo relações conforme o modo de produção prevalecente. Os saberes geográficos que permearam o discurso de diferentes professores não eram esclarecedores das políticas de sustentação do sistema econômico, mas estavam compatíveis com o modelo social que estava posto. Sendo limitado a compreender essas relações sociais, o homem tornou-se agente ativo da manutenção da ordem social, devido à imposição e disposição dos saberes implicados no contexto educativo, sedimentando uma consciência acrítica sobre a ciência em estudo. As sequelas provenientes do modo como o capital se utiliza das forças produtivas, constituindo mazelas ao meio ambiente e degradando as condições de sobrevivência humana e do planeta, decorrem da ganância desenfreada do capital. O homem, como parte dessa estrutura social, não se percebe enquanto agente inserido e transformador da estrutura social. Dessa forma, não intervém em prol da reorganização dessa estrutura austera, autoritária, impositiva e desencadeadora da segregação social, pois os saberes disseminados no contexto da nossa formação não deram respaldo a essas questões. Finalizando esse seminário, considero que somente rediscutindo criticamente a ciência geográfica, em destaque as relações histórico-sociais no espaço geográfico, será possível viabilizar uma prática social a serviço da humanização, que esteja implicada com a questão da luta de classe. O espaço como referência de dominação e as forças produtivas determinantes do poder sobre ele, requerem um reestabelecimento opositor às desigualdades e aos enunciados de ordem que reforçam o jargão “de que não há nada a fazer, mas seguir a ordem natural dos fatos” (FREIRE, 1996 apud CARVALHO, informação verbal, 2008b). Confirma-se nas falas dos colaboradores Angico e Jacarandá o desconhecimento sobre a história da ciência geográfica. Para eles, a relevância desses estudos perpassaram pela oportunidade primeira de discussões sobre os saberes das abordagens geográficas. Quanto a Carvalho, os seus estudos sobre a teoria das abordagens geográficas já ocorriam anteriormente às apresentações dos Seminários de Estudos Reflexivos, pois, enquanto pesquisadora e colaboradora da pesquisa, necessitava de aproximações prévias. São expressões que evidenciam nossas apreensões: Considero muito importante esse momento de nosso estudo a respeito da Geografia. Ainda não havia estudado dessa forma, essa maneira crítica e reflexiva de entender a Geografia. (ANGICO, informação verbal, 2008b). 112 Eu não tinha conhecimento do tratamento dado à Geografia, esse processo em que para sua sistematização houve interferências de pressupostos como o Determinismo Regional e o Possibilismo. Não era essa a visão que eu tinha, mas considero importante o estudo. (Jacarandá, informação verbal, 2008b). Mesmo tendo considerado relevantes esses momentos de estudos, os colaboradores Angico, Jacarandá e Carvalho não evidenciam nos seus momentos intersubjetivos rupturas em relação aos conhecimentos prévios das abordagens geográficas que ocasionassem em novas concepções sobre essas. Não percebemos interpretações plausíveis das produções referenciadas pela autora nessa temática à luz de teorias científicas. Os colaboradores revelam que: “Sobre o estudo, embora eu tenha lido o texto sobre essa discussão, tenho ainda muitas dificuldades.” (ANGICO, informação verbal, 2008b). E ainda: “Esses momentos de estudo me dão possibilidades de pensar numa prática mais significativa.” (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Quanto às interpretações de Carvalho, percebemos que ocorreram esclarecimentos à luz da fundamentação teórica proposta. No entanto, ela se ateve às idéias da autora sem avançar nas discussões da temática, sem emitir suas construções e aprendizagens, para além da leitura do referido texto. Ao término desses procedimentos, concordamos que os anseios de Angico, Jacarandá e Carvalho sobre novas concepções das abordagens geográficas ainda se processavam no sentido que permitissem novas concepções sobre a temática em estudo. Gauthier (1998, p.20) referencia, à luz desse processo de produção de conhecimento que: Uma das condições essenciais a toda profissão é a formalização dos saberes necessários à execução das tarefas que lhes são próprias. Ao contrário de vários outros ofícios que desenvolveram um corpus de saberes, o ensino tarda a refletir sobre si mesmo. Confinado ao segredo da sala de aula, ele resiste à sua própria conceitualização e mal consegue se expressar. Na verdade, mesmo que o ensino já venha sendo realizado há séculos, é muito difícil definir os saberes envolvidos no exercício desse ofício, tamanha é a sua ignorância em relação a si mesmo. Nesse sentido, é importante retomar certas idéias preconcebidas que apontam para o enorme erro de manter o ensino numa espécie de cegueira conceitual. Por isso, a qualificação da prática pedagógica sistemática torna-se um exercício desencadeador de aprendizagens qualitativas quando ocorre concomitante à formação contínua. Para nós, colaboradores, a relevância sobre o exposto se dá primeiramente por considerarmos as reconstruções a respeito dos saberes das abordagens geográficas e, consequentemente, porque promove aprendizagens eficazes à formação de sujeitos criativos, 113 perspicazes, aptos a interpretar as sutilezas determinantes do entorno social, como destaca Freire (1996, p.140): “Quanto mais me torno capaz de me afirmar como sujeito que pode conhecer, tanto melhor desempenho minha aptidão para fazê-lo”. Adentramo-nos na continuidade dos Seminários de Estudos Reflexivos buscando saberes compatíveis à necessidade social e em oposição às normas declaradas pelo sistema sociopolítico e econômico em que vivemos. Para que nossos saberes sejam reconduzidos com essas possibilidades, Charlot (2005, p.54) diz ser preciso que o sujeito social: [...] que estude, que se engaje em uma atividade intelectual, e que se mobilize intelectualmente. Mas, para que ele se mobilize, é preciso que a situação de aprendizagem tenha sentido para ele, que possa produzir prazer, responder a um desejo. Assim, as nossas aproximações diante dos pressupostos das abordagens geográficas nos encaminhavam para confrontos entre os saberes produzidos por meio das alusões científicas com aqueles sedimentados no nosso processo formativo. O segundo Seminário de Estudo Reflexivo prosseguiu como programado, a partir de uma retomada do conteúdo anteriormente estudado. Esse procedimento evocou, não somente esclarecimentos das dúvidas existentes, como também assegurou a discussão que se seguia, num clima propenso a desencadear nosso crescimento profissional e intelectual. 5.2 INVENTANDO A MATÉRIA ESCOLAR A seguir, a apresentação da colaboradora Jacarandá acerca das suas assimilações teóricas e reflexão dos outros colaboradores sobre o tema abordado. Vou iniciar agora fazendo uma síntese sobre este capítulo “Inventando a Matéria Escolar”. Neste capítulo, a autora aborda a primeira proposta na tentativa de demarcar o objeto de estudo da Geografia - a relação entre o homem e a natureza. Embora as coisas do mundo sempre foram objetos de especulações filosóficas elas aparecem com outras perspectivas no pensamento kantiano. No entanto, é com as perspectivas trazidas pela Filosofia Moderna que as especulações sobre o mundo começam a assinalar uma ruptura teórica, ou seja, a reflexão passa a ser centrada em volta do pensamento sobre o sujeito do conhecimento (p.20). Entre os filósofos modernos, René Descartes (1596-1658) foi o que trouxe em seus estudos essa ruptura nas tentativas de entender o mundo (p.20). Uma das questões que prendeu a atenção de Descartes foi de indagar se o 114 conhecimento era seguro (p.21). Essas foram questões trazidas no texto por Tonine. Ao desenvolver a tese sobre a teoria do conhecimento, elaborou um conjunto de regras que deviam ser seguidas para que um conhecimento seja considerado verdadeiro e universal (p.21). A perspectiva cartesiana tenta aplicar o método matemático na reflexão filosófica (p.21). Assim, o propósito constante em sua obra é a unificação do conhecimento a partir da consolidação de um método universal, para o qual elaborou um procedimento: a dúvida metódica, pela qual o sujeito do conhecimento, ao analisar cada um dos conhecimentos, tem a possibilidade de avaliar suas fontes, causas, formas, conteúdos, falsidades, para encontrar meios de livrar-se de tudo quanto seja duvidoso ao pensamento (p.21). Para Descartes, o conhecimento está dividido em dois eixos: o sensível, aquele elaborado pela sensação, percepção, imaginação do homem, o qual não era muito confiável (p.21); o segundo eixo é o intelectual, que serve de ponto de partida e passa a fazer uma preparação do conhecimento sensível (humano) e o intelectual, que é a natureza. São os primeiros aportes evidenciados por Descartes, que vão sendo construídos para ancorar na divisão das ciências em humanas e naturais e a demonstração de uso de regras distintas para elaboração do conhecimento, em que uma regra será legitimada como universal (p.22). Kant tenta descrever a relação que o homem estabelece com a natureza para entender os vários comportamentos dos diferentes grupos humanos nas distintas paisagens naturais. Segundo Kant, a unidade do conhecimento que se preocupava com o seu registro era o tempo (História), enquanto que aquela que se preocupava com sua localização era o espaço (Geografia). Assim, essa perspectiva permite a separação entre o conhecimento para os dois campos disciplinares: História e Geografia (p.23). Passa a surgir a questão da identidade dual, baseada nos elementos da natureza e nas marcas humanas inscritas na paisagem, que é a característica deixada pela Renascença para o processo de sistematização da Geografia. O surgimento da Geografia articulada aos estudos da natureza deu-se pelas condições históricas do momento, que se criaram pela concepção de um pensamento filosófico alicerçado no racionalismo moderno (p.25). Assim, o discurso determinista inscreve o homem, assim como os outros fenômenos da natureza, como efeito dessa totalidade determinante. O homem é um fato inerte da natureza. Ele está meramente lá (p.25). Com essa perspectiva, vão-se construindo as marcas identitárias para os povos, relacionados com uma natureza que estaria desde sempre presente em cada paisagem geográfica (p.26). Os primeiros registros sobre as descrições dos grupos humanos confirmam essa filiação ao discurso determinista da natureza. Estes registros foram encontrados pelos pesquisadores das histórias da Geografia nos relatos das expedições científicas, nas narrativas dos viajantes, nos romances dos escritores, nas investidas dos historiadores, que descreviam os povos pela observação direta da relação natureza e homem: através do relevo era possível identificar a constituição física dos grupos humanos – habitantes das montanhas seriam bravos e de estatura alta, os das planícies seriam suaves; as estações do ano conferiam o seu caráter – os amarelos são hesitantes; os brancos são corajosos; pela configuração territorial era possível assinalar seu espírito conquistador – os litorâneos são mais inclinados às aventuras que os habitantes do continente; a fertilidade do solo marcava seu estágio econômico – são selvagens porque o solo produz tudo para si; a diversidade geomorfológica e climática produzia a intelectualidade – temível e grandiosa a natureza dos habitantes dos trópicos, com frequentes terremotos e erupções vulcânicas, com tormentas e chuvas torrenciais; essa instabilidade influía na imaginação dos homens e se manifestava na poderosa influência dos bravos na vida da sociedade (SODRÉ,1989). Também nesses registros fica evidenciado que a diversidade da natureza européia contribuía para a produção do pensamento lógico e da consciência científica (p.26 e 27). Os conceitos do Determinismo abordavam as características de cada povo. Esses exemplos mostram que as narrativas sobre os povos eram entendidas como algo inscrito no mundo em conjunto com a natureza, como elementos da mesma estrutura orgânica. Tal perspectiva consistia em estudar a relação meio físico/homem como alguma coisa capaz de ser vista e, em termos gerais, objetiva e verificável. Ela apresenta uma visão sobre as diferentes configurações da superfície terrestre, procurando, a partir delas, inventar a identidade dos povos (p.27). A inserção do homem como algo a mais na natureza era vista como condição a priori, permitindo posicioná-lo 115 em lugares distintos. Tudo dependia da variabilidade do referente proporcionado pelo meio físico (p.27). Por entender o homem como elemento da natureza, a identidade que lhe conferia era fixa, estável e perpétua (p.28). O discurso determinista da natureza regularizava, normatizava e governava povos (p.28). É com base nas contribuições dos estudos de Kant que as explicações sobre o mundo começam a deslocar o significado determinista da relação homem e meio físico (p.28). As explicações sobre o mundo inseriram-se nas perspectivas filosóficas propostas pela modernidade, cujas ideias principais pretendem posicionar a razão como uma instituição, uma ciência, constituída por modelos experimentais. A maioria dos historiadores da Geografia comentam que a obra de Kant desempenhou um papel relevante para o seu reconhecimento como campo de conhecimento. Ela contém a primeira proposta de demarcação do objeto de estudo da Geografia (p.29). No século XVIII o Capitalismo já havia se instalado na maioria dos Estados europeus, traduzindo um certo tipo de desenvolvimento econômico. O continente encontrava dificuldades para incorporar o Capitalismo em seu sistema econômico (p.30). Os precursores da unificação alemã perceberam que, para alcançar seu projeto, a escola seria um forte dispositivo disciplinar, porque permitia o controle do saber. A escola tornava-se o lugar de laboratório: permitiria a construção de uma nova identidade (p.30 – 31). A escola alemã como instituição assumiu características peculiares e funções próprias, em sua relação com o projeto de unificação alemã. A generalização da escolarização da população não seria possível sem a existência deste projeto. Assim, a escola constituiu-se como um espaço pedagógico normatizador e controlador por atender a um discurso de produção da identidade nacional alemã (p.31). O processo de invenção da identidade alemã iniciou-se com a tecnologia disciplinar: a escolarização. Por meio dela era possível distribuir espacialmente os indivíduos, mantê-los sob vigilância perpétua e constante, exercer um controle sobre o desenvolvimento da produção do saber e registrar continuamente tudo o que ocorria na instituição (p.31). A Geografia, então, foi considerada uma ferramenta de grande auxílio para esse projeto. Tornou-se importante devido à possibilidade de produzir as verdades necessárias para unificação alemã (1871). A contribuição da Geografia Escolar para esse projeto foi de produzir um saber sobre a relação homem e natureza com efeitos de verdade (p. 31). A contribuição da invenção da matéria escolar Geografia para a consolidação da Alemanha é evidente. Esse conhecimento construiu um ideal patriótico, favorecido por um momento em que ocorreu a penetração das relações capitalistas, as quais tinham vinculações diretas com a filosofia positivista, reforçando a transformação dos fatos sociais em naturais (p.32). A Alemanha é considerada o local da emergência da constituição geográfica como campo de conhecimento. Os nós dessa trama foram dados por Alexander Von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779- 1859). Seus estudos estabeleceram novos solos para um conhecimento que estava sendo sistematizado, dando condições de possibilidade para sua legitimação como campo de saber, frente à ciência. Seus estudos permitiram a inscrição da Geografia no quadro das ciências, por apresentar uma metodologia rigorosa nas análises, buscando as explicações das relações entre a natureza e o homem (p.32 e 33). Revisitando as matrizes teóricas de Humboldt, percebe-se que sua contribuição à Geografia não corresponde apenas ao grande número de informações presentes em seus estudos, pois era um pesquisador que circulava por vários campos do conhecimento – Botânica, Geologia, Química, Física –, mas também à maneira como abordava suas pesquisas (p.34). Nessa visão, a Geografia, segundo Humboldt, seria um conhecimento de síntese: observa-se e tenta-se articular os elementos naturais e, por meio dessas articulações, explica-se sua ocorrência (p.34). Ritter divide com Humboldt a posição de pioneirismo na síntese da Geografia (p.35). A perspectiva ritteriana apresenta particularidades captadas em seu livro Geografia Comparada (1822). Segundo Moraes (1989), este trabalho pode ser assim delineado: é carregado por uma visão teológica de mundo ao afirmar que “o objetivo de toda ciência seria aproximar o homem da divindade pela observação e entendimento da forma de ser das obras criadas” (p.35). Nesse contexto, a contribuição de Ritter para a Geografia dá-se pela tentativa de estabelecer formulações teóricas sobre a relação homem/meio-físico (p.36). Os lugares são portadores, para Ritter, de uma finalidade imposta pela teleologia que os cria, que os destina para determinados grupos 116 humanos (p.36). E a configuração geográfica dos territórios determina o destino dos povos – a África, com sua grande continentalidade e litoral retilíneo, estava destinada à monotonia; a Ásia, devido às suas barreiras naturais, impedia o contato entre povos, por isso devia permanecer estagnada; e a Europa, pela sua configuração e posição geográfica, era destinada à expansão (p.36 e 37). Aos poucos, o discurso geográfico vai deslocando os significados de povos e culturas articulados por suas localizações geográficas [...]. (p.37). Torna-se fácil, pois, entender a inserção da Geografia como matéria escolar, no momento em que foram relacionados os conhecimentos da natureza elaborados por Humboldt e as formulações teóricas de Ritter; é desta correlação que se elabora a tessitura das primeiras tramas do pensamento geográfico. A inserção da Geografia passou a ser caracterizada como matéria escolar por apresentar as credenciais necessárias para entrar no currículo (p.38). A Geografia Escolar, ao estabelecer que para melhor governar era imprescindível conhecer melhor o quadro natural, direcionou seu discurso para descrever os povos via natureza, pois esta era o elemento de normatização, já que todas as relações de poder eram explicadas pela natureza (p.39). Segundo essa visão, a Geografia concentra em sua gênese “científica” a invenção das grandes metanarrativas geográficas que circulam na Geografia Escolar da época (p.38). Os primeiros passos para a sistematização do pensamento geográfico foram dados com os estudos desses autores. Suas teorias e propostas metodológicas proporcionavam, enfim, a sistematização de um conhecimento (p.40). (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). A seguir iniciamos o momento intrassubjetivo de Jacarandá. O texto de Tonine trouxe questões interessantes e bem relevantes para o nosso estudo. Ampliou meus conhecimentos e também meu aprendizado, muito embora tenha encontrado dificuldades em me apropriar do conteúdo trazido pela autora. Tonine aponta muitas questões para reflexão nos nossos estudos, principalmente no que diz respeito à relação homem e natureza. Toda a exposição da autora traz o enfoque do ideário do Positivismo, que fundamenta a Geografia Tradicional. Na minha prática pedagógica, vou tentar melhorar partindo da reflexão dessas questões. Foi isso que assimilei na contribuição dessa autora. Percebi que alguns estudiosos como: Descartes, Ritter, Ratzel e Kant contribuíram para a constituição da Geografia enquanto ciência. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Momentos intersubjetivos Levando em consideração esse momento de estudo reflexivo, as discussões, as contribuições dos (das) colegas diante desse estudo, vejo que as idéias estão bem centradas com as minhas. Neste capítulo “Inventando a Matéria Escolar”, no qual Tonine nos repassa toda a importância desse estudo da Geografia enquanto ciência, sua contextualização, tudo isso me faz ver sua importância, o quanto tudo isso contribui para o crescimento da nossa aprendizagem enquanto docente. Eu abro um parêntese e reflito sobre a minha prática e vejo que, enquanto docente, tinha um certo embasamento, porém na minha prática devo repensar e procurar fazer com que os meus alunos compreendam a relevância da Geografia, do homem nesse contexto da natureza, o homem como agente transformador. Também é preciso alertar no sentido de que eles possam perceber os malefícios e benefícios que o homem provocam na natureza quando por conta da dominação sobre o espaço, degrada esse espaço, constituindo uma natureza precária para todos. Vejo a relevância do professor em tornar esse cidadão crítico, reflexivo, capaz de provocar mudanças no campo social em que está inserido. (ANGICO, informação verbal, 2008b). 117 Após exposições, retomamos as discussões, momentos intersubjetivos sobre o referido conteúdo. Consideramos que alguns fatores como o tempo disponível para leitura, estudos sistematizados sobre a temática em questão e a abrangência do conteúdo aplicado foram atenuantes para avanços significativos. Os extraits que se seguem evidenciam que os avanços ocorridos dizem respeito à apropriação dos conteúdos que não se sobressaem diante dos nossos conhecimentos prévios. Assim, necessitaríamos constituir outras aproximações com o conteúdo em processo de reconstrução. Neste capítulo “Inventando a Matéria Escolar”, no qual Tonine nos repassa toda a importância desse estudo da Geografia enquanto ciência, sua contextualização, tudo isso me faz ver sua importância, o quanto tudo isso contribui para o crescimento da nossa aprendizagem enquanto docente. (ANGICO, informação verbal, 2008b). O texto de Tonine trouxe questões interessantes e bem relevantes para o nosso estudo. Ampliou meus conhecimentos e também meu aprendizado, muito embora tenha encontrado dificuldades em me apropriar do conteúdo trazido pela autora. Tonine aponta muitas questões para reflexão nos nossos estudos, principalmente no que diz respeito à relação homem e natureza. Toda a exposição da autora traz o enfoque do ideário do Positivismo, que fundamenta a Geografia Tradicional. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Para Carvalho, o diálogo estabeleceria aprofundamento teórico propenso aos alcances objetivados. No entanto, seria pertinente rever as lacunas existentes e provocar novos confrontos, ou seja, pelos processos intersubjetivos e intrassubjetivos incitar novas concepções aos colaboradores sobre os saberes das abordagens geográficas, pois, como afirma Moreira (2007, p.58), é preciso perceber que: A Geografia é um saber vivido e apreendido pela própria vivência. Um saber que nos põe em contato direto com o nosso mundo exterior, com o seu todo e com cada um dos seus elementos, a um só tempo. Se nisto reside sua peculiaridade, da qual deriva sua natural popularidade, reside nisto igualmente seu amplo significado político. Assim, Carvalho retoma os aspectos que convinham ser esclarecidos sobre o conteúdo apresentado. Quanto à temática apresentada - “Inventando a Matéria Escolar”-, gostaria que refletíssemos sobre alguns pontos. Reportar-me-ei, algumas vezes, à íntegra da produção teórica da autora. Conforme cita Tonine (2003), o filosófo Imanuel Kant, precursor dessa disciplina, foi quem demarcou o objeto de estudo da Geografia, a relação entre homem e natureza. Sobre o filósofo e sua teoria, a autora destaca: Ele elabora a tese de sujeito transcendental, o que a diferencia das outras perspectivas filosóficas. Sua tese articula homem e natureza numa relação, como coisas que se comunicam, que produzem resultados, ou seja, tenta descrever a relação que o homem estabelece com a natureza para entender os vários componentes dos diferentes grupos humanos nas distintas paisagens terrestres. Isso 118 mostra que embora o homem seja parte da natureza, ele é capaz de agir em nome de fins ou finalidades humanas, e não apenas condicionados por causas naturais necessárias, como acontece com os fenômenos da natureza. Essa ação de poder ter livre escolha é que vai justificar as diferenças entre os povos quando apresentam a mesma paisagem física em seus territórios (TONINE, 2003, p.22 apud CARVALHO, informação verbal, 2008b). Esse enunciado direciona que o homem é autor de sua trajetória humana, sem que nesse contexto as implicações com base na dominação do homem pelo homem se justificassem pela apropriação da força de trabalho e a acumulação de riquezas por parte de quem é o detentor das forças que produzem a riqueza. A obra de Kant tem ênfase nas explicações dos fenômenos de forma científica. “Esta nova perspectiva no conhecimento foi considerada um período áureo para a Filosofia. Depois disso, por cerca de dois mil anos, a Filosofia estagnou pela inserção da escolástica em suas abordagens”. A Filosofia Moderna sinaliza uma ruptura teórica e a sua reflexão passa a destacar o seu pensamento sobre o sujeito do conhecimento. René Descartes tenta construir um sistema filosófico para dar conta das questões consideradas importantes: indagar se o conhecimento era seguro, verdadeiro e universal, com base em demonstrações matemáticas. Essa era uma perspectiva cartesiana que tenta aplicar o método matemático na reflexão filosófica. Descartes especificou o conhecimento em dois eixos: o sensível (humano), elaborado pela sensação, percepção, imaginação do homem, portanto, designado como não confiável. Já o conhecimento verdadeiro (natureza) parte das ideias inatas e controla, por meio de normas, as investigações filosóficas, científicas e técnicas. Essa expressão articula- se ao Determinismo Regional, segundo Tonine (2003), inicialmente articulado a uma descrição simplista da relação entre o clima e o homem. O surgimento da Geografia articulada aos estudos da natureza deu-se pelas condições históricas do momento, que se criaram pela concepção de um pensamento filosófico alicerçado no Racionalismo moderno. O discurso implícito no Determinismo Regional inscreve o homem, assim como os outros fenômenos da natureza, como efeito dessa totalidade determinante. Diante dessas perspectivas, o estudo da Geografia consiste em perceber a relação meio físico/homem como alguma coisa capaz de ser vista e, em termos gerais, objetiva e verificável. A inserção do homem como algo a mais na natureza era vista como condição, a priori, permitindo posicioná-lo em lugares distintos, tudo dependendo da variabilidade do referente proporcionado pelo meio físico. A presença ou ausência de um aspecto físico permitia a construção de identidades iguais ou diferentes. O discurso Determinista Regional regularizava , normatizava e governava povos. As contribuições de Kant serviram a um outro discurso, em que as relações espaciais entre diversos fenômenos são apreendidas através de experiências. No final do século XIX, quando o Capitalismo já havia se instalado na maioria dos países europeus, a Alemanha se apropria do conhecimento produzido da Geografia para construir a questão do pertencimento no seu território. O seu interesse era superar o contexto econômico feudal para o Capitalismo, via conhecimento espacial. Assim, a Alemanha iniciava o seu processo de expansionismo pela dominação territorial. A proposta curricular implementada na escola tinha como objetivo construir um ideal patriótico, que viabilizasse o discurso dos interesses do capital. A Alemanha é considerada o local da emergência da constituição geográfica como campo específico de conhecimento. Os estudos de Alexander Von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859) elevaram a inscrição da Geografia no quadro das ciências. Eles apresentaram uma metodologia rigorosa nas análises, buscando as explicações das relações entre a natureza e o homem. Para Humboldt, a existência do fenômeno na natureza só seria significativa no momento em que se tornasse apreensível. Assim, caberia à Geografia “reconhecer a unidade na imensa variedade dos fenômenos, descobrir pelo livre exercício do pensamento, combinando as observações, a constância dos fenômenos em meio às suas variações aparentes”. Para Ritter, o objeto de toda a ciência seria aproximar o homem da divindade pela observação e entendimento da forma de ser das obras criadas. Os lugares são portadores de uma finalidade imposta pela teleologia (estudo da finalidade) que os cria, que os destina para determinados grupos humanos. Assim, o nível de desenvolvimento de um povo está diretamente 119 relacionado com a predestinação do determinismo natural. A inserção da Geografia como matéria escolar se deu no momento em que foram relacionados os conhecimentos da natureza elaborados por Humboldt e as formulações teóricas de Ritter. Na Alemanha, a Geografia Escolar direcionou seu discurso para descrever os povos via natureza, pois esta era o elemento de normatização, já que todas as relações de poder eram explicadas pela natureza. Humboldt e Ritter são considerados responsáveis pelo status alcançado pela Geografia no currículo escolar. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Análise Reflexiva Abordar os conhecimentos teóricos produzidos da Geografia Escolar foi desafiante e exigiu esforços demasiados quanto às suas interpretações. A sua sistematização, como ciência, se configura como ponto de partida para discussão e reorganização dos nossos saberes geográficos, mas a exposição desse conteúdo revelou uma apreensão, de forma parcial, acerca da temática apresentada que se restringe apenas à enumeração do conteúdo diante da compreensão das diversas engrenagens filosóficas e epistemológicas que nortearam o surgimento da Geografia Escolar. Essa questão é evidenciada nos nossos momentos intersubjetivos que evocavam os saberes (re)construídos, limitados pelas transcrições que enaltecem o pensamento da autora. As nossas interpretações não extrapolam a dimensão descritiva do conteúdo em foco que esse Seminário de Estudo Reflexivo sugere. Mas reiteramos que o exercício colaborativo e reflexivo sobre os saberes referidos relacionados aos contextos sócio- históricos de cada época procedem, de maneira contínua e crescente, pois aprendizagens demandam uma temporalidade e aproximação sobre o que se quer aprender, na nossa particularidade os saberes das abordagens geográficas. Nesse sentido, os saltos qualitativos sucedem paulatinamente, à medida que insistimos em nos apropriarmos do conteúdo problematizado que decorre dos Seminários de Estudos Reflexivos que se seguem. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). 5.3 TRILHANDO O STATUS ACADÊMICO Apresentação do colaborador Angico acerca das suas assimilações teóricas e reflexão dos outros colaboradores sobre o tema abordado. Bom dia! Vou abordar o tema: “Trilhando o Status Acadêmico”. Eu fiz uma síntese que vai ser exposta para que possamos compreender esse contexto e as suas devidas contribuições. Como eu sempre estou dizendo, Tonine é muito feliz nas suas exposições, porque ela traz um linguajar bem prático e a gente não precisa estar recorrendo a outras fontes. E nesse capítulo “Trilhando o Status Acadêmico” ela vai mostrar que a Geografia alcançou condições pra ser disciplina no contexto escolar porque até então não tinha. E tudo começa não é da noite para o dia, tem toda uma trajetória que, dito por Tonine vem desde o século XIX. E tudo isso aí vai ocorrer devido a quê? Há fatos sociais que estavam ocorrendo na Alemanha e a Alemanha torna-se precursora nisso aí, onde ela vai destacar a unificação do conhecimento geográfico e esse conhecimento vai ter um olhar pedagógico. Por quê? Porque necessitam que alguns destaques venham à tona para que a Geografia se torne disciplina, tanto com estudos de nível superior para que venha a atender às questões 120 elementares daquele professor que está na base, que às vezes não tem esse conhecimento, porque, como nós vimos nessa trajetória a Geografia era tratada em meu entender mais como uma questão fantasiosa porque os viajantes eram quem fazia esse repasse da Geografia e havia toda uma necessidade de um conhecimento em que esse conhecimento realmente fosse sistematizado. A Alemanha, ela vai ser de grande relevância devido à posição da Geografia para se tornar uma matéria acadêmica nos cursos universitários. E aí vem a questão de se especializarem esses docentes em Geografia e para que se tenha uma caracterização desse contexto e aí a gente vai ver a influência econômica a questão capitalista que no período medieval isso foi bem tardio tendo em vista a questão de terra. A questão da Igreja era mais centralizada, isto é, estava mais a frente e com tudo isso a gente vê o pensamento de Ratzel em que ele vê que o homem e meio físico são um organismo que se molda se adaptando e transformando para que melhor se alcance um estado de desenvolvimento. Então, tanto o homem como o meio físico vão se processando pra essa adaptação. E com tudo isso a gente vê e retoma a questão do Possibilismo e do Determinismo Geográfico porque o Determinismo Geográfico vai se apropriar das ciências naturais, por quê? Porque elas são relevantes ao conhecimento e aí entra a Teoria de Darwin, em que percebe a relação de sobrevivência entre os grupos. Os grupos humanos, a questão da adaptação. A Alemanha teve sua influência, mas a França sentiu necessidade, então aí ela vai mostrar sua contribuição, e com isso a gente vai recorrer ao Possibilismo, que passa a ser discutido na França considerando o homem e o meio físico ambos vão ter sua contribuição. E como já foi discutido anteriormente, tem a questão da guerra franco-prussiana que vem aquela questão da perda do território francês e isso contribui para a universalização do ensino da Geografia nas escolas, a criação de disciplinas acadêmicas e do Instituto de Geografia nas universidades. E aí surgiu outro paradigma no qual a Alemanha e França se distanciam devido ao entendimento das questões políticas nas relações entre o homem e a natureza. A França disfarça a presença do Estado como força determinante nas relações sociais. Não podemos deixar de considerar a relevância da herança cultural como justificativa da contribuição das diferenças de identidade dos povos, porque a cultura vai ter uma grande influência no país nesse contexto, o homem vai se adaptar ele vai levar pra essa adaptação o seu conhecimento cultural. E com toda uma trajetória marcante, porém dentro de um contexto sociopolítico administrativo, a Geografia Moderna constitui o discurso geográfico em que o conhecimento sistematizado contém o saber elaborado de um determinado contexto. Então ele vai ter que se contextualizar para que esse discurso possa ser determinante. Eu acho que é isso. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Momento Intrassubjetivo Esse momento entre nós, colaboradores, de estudo e reflexões, tem grande significado para mim, pois tive que me esforçar bastante para apresentar um conteúdo que pela primeira vez, discuto. Apesar das dificuldades existentes para compreendê-lo, creio que mudei a forma de pensar sobre a Geografia. Por enquanto, só tenho a dizer isso e que preciso de mais estudos para (re) construir os saberes geográficos, a partir da fundamentação teórica dos pesquisadores da Geografia. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Momento intersubjetivo Dentro de toda a reflexão trazida pelo colega, a síntese do capítulo “Trilhando o Status Acadêmico” é [...] meus saberes foram só aumentando. Estão sendo potencializados com este estudo. As contribuições têm sido significativas, mas permanecem ainda muitas dúvidas em termos de entendimento de alguns pontos que Tonine aborda em seu livro. Dois pontos se destacaram: um diz respeito à questão do pensamento de Ratzel, quando ele entendia o meio físico como elemento que influenciava o modo de vida dos grupos humanos. Ele prioriza muito a questão do 121 meio físico, a influência que ele tem na vida do homem. Se nós formos observar, lembrando de alguns estudiosos que também mostram que o meio físico tem grande influência na vida e desenvolvimento do homem, então, tudo que o meio proporciona influencia na aprendizagem e no crescimento do indivíduo. O meio influencia a vida do indivíduo. Quando a autora abordou sobre essa questão, eu lembrei de imediato do ambiente onde a criança está inserida e, de repente, esse ambiente traz um monte de coisas desafiantes, coisas que influenciam no seu temperamento, seu comportamento, na sua forma de falar, de agir, de ser e ele traz isso para a sala de aula. Outro ponto é sobre a teoria de Ratzel. Essas teorias, esse pensamento, essas construções formuladas por Ratzel foi o que mais me marcou e me chamou atenção. O desenvolvimento da Geografia no dia-a-dia até chegar a esse status acadêmico, como foi abordado no capítulo, também é importante, mas eu focalizei a questão do indivíduo e o meio, a influência que ele traz, a contribuição que ele traz para o seu desenvolvimento. Na minha prática, para minha prática o estudo trouxe muitas contribuições e, principalmente em considerar sempre o a estrutura do meio. O sentido apontado na temática “Trilhando o Status Acadêmico” ressalta os caminhos que a ciência Geografia percorreu até se configurar nos bancos acadêmicos como disciplina curricular. Angico faz menção a esse fato e relata que a sistematização dessa ciência teve origem na Alemanha no século XIX. No entanto, não extrapola a leitura teórica restringindo-se aos enunciados sem emitir argumentações sobre o teor que o conteúdo sugere. As suas idéias sobressaem-se confusas e difusas em relação às abordagens que essa temática evidencia. Como se revelam nos extraits seguintes: Tonine é muito feliz nas suas exposições porque ela traz um linguajar bem prático porque a gente não precisa estar recorrendo a outras fontes [...] ela vai mostrar que a Geografia alcançou condições pra ser disciplina no contexto escolar porque até então não tinha. E tudo começa não é da noite para o dia, tem toda uma trajetória que dito por Tonine vem desde o século XIX. [...] a Geografia Moderna constitui o discurso geográfico em que o conhecimento sistematizado contém o saber elaborado de um determinado contexto. Então, ele vai ter que se contextualizar para que esse discurso possa ser determinante. Eu acho que é isso. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Diante das exposições dos colaboradores, considero importante que retomemos alguns pontos para discutirmos as razões desse fato, como também para elucidar as nossas dúvidas e, assim, promovermos um novo confronto diante da temática em estudo, logo, novas concepções sobre as abordagens geográficas. A base econômica na Alemanha, em pleno século XIX, ainda era o modelo feudal, enquanto a maior parte da Europa detinha o sistema capitalista, e já ganhava outros rumos quanto à questão do expansionismo, dominando espaços como também, os povos, em todos os sentidos. O discurso tinha a sua fundamentação na teoria do Determinismo Regional, que nos seus pressupostos “legitimou um caminho que foi seguido para a larga prática da política colonialista”. São enunciados da teoria de Ratzel (ano), citados por Tonine (2003, p.42-43): [...] meio físico como um elemento que influenciava o modo de vida dos grupos humanos e, ao mesmo tempo, influía na expansão territorial [...]. [...] embora valorize a ação do homem sobre o meio, deixa claro que tal ação possui papel secundário na organização do meio. O homem continua sendo apenas uma variável a mais na paisagem, isto é, da mesma forma como eram consideradas as variáveis clima, relevo, vegetação e hidrografia dever-se-ia conceber também lugar ao homem na descrição da paisagem geográfica. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Na concepção do Determinismo Regional, o modelo orgânico não se evidencia como fundamento de análise nas relações espaço e natureza, ou seja, deixa-se de analisar a realidade geográfica como um corpo cujas partes se integram, se complementam, cooperam-se entre si, e nesse sentido, mantém como unidade a heterogeneidade. Na teoria do Determinismo Regional os homens não interferem no processo histórico, tornam-se dependentes e determinados pelas condições naturais, 122 são sujeitos sociais alienados das relações estabelecidas no espaço geográfico. A teoria do Possibilismo, difundida na França por Vidal de La Blache, se inscreve no discurso da Geografia Moderna para auxiliar na construção da sua credencial intelectual. Como princípio, o Possibilismo geográfico procura alterar as concepções coloniais e se concretiza no início do século XX, a partir das dificuldades do imperialismo. Essa teoria surgiu com a preocupação de assimilar a superfície terrestre ou o espaço geográfico em um organismo. Dessa forma, passa a ser uma das fontes da Geografia do campo e vai de encontro às iniciativas dos governos coloniais que desejavam conhecer melhor as regiões colonizadas, devido às crises causadas pelas políticas de fundamento baseado no Determinismo Regional. O Possibilismo trata de problemas que envolvem uma consideração estritamente empírica das relações entre os elementos geográficos. Diferentemente do Determinismo Regional, nos enunciados de Vidal de La Blache o sentido de cooperação e solidariedade, entre outros elementos, são focalizados. O homem transforma, é dinâmico, no entanto as relações estabelecidas não estão na compreensão desse homem. Na transformação dos recursos naturais pelo homem, as técnicas ou instrumentos de que ele dispõe justificam os seus conhecimentos, a sua herança cultural. Dessa forma, esse dispositivo da técnica sustenta a questão da regionalização. O homem nesse sentido age segundo sua herança cultural e as técnicas instrumentais de que se dispõem no espaço. No momento em que os recursos materiais se esgotam, oportuniza a invasão de outros povos sobre essa terra. De acordo com Tonine (2003, p.54-55): A contribuição do discurso do possibilismo geográfico foi ter elaborado uma nova maneira de demarcar a divisão do mundo, por meio de comparações entre os lugares, sinalizando pontos comuns entre os fenômenos e, sobretudo, analisando a modificação da natureza realizada pelo homem. [...] Essa estrutura de análise pode ser vista como um “receituário” para estudos regionais, por ter sido largamente utilizado. Esse “receituário” permitia o esquadrinhamento da região, o que significa maior governabilidade sobre as populações. [...] O discurso possibilita permitir regionalizar o espaço mundial com outros indicadores construídos pela intervenção do homem na natureza. Assim, foi possível criar várias classificações de região com base em diferentes critérios: físicos, políticos, humanos [...]. As teorias de Fredrich Ratzel, na Alemanha, e de Vidal De La Blache, na França dão suporte a Geografia Moderna, legitimando-a e dando-lhe status acadêmico. Tanto a teoria do Determinismo quanto a teoria do Possibilismo se fundamentaram no ideário do Positivismo. A normativa estabelecida para a Geografia foi utilizar os métodos de comparação da superfície terrestre. Logo, a sociedade se organiza detendo uma objetividade possível para o conhecimento científico. Os fenômenos se apresentam numa conexão íntima e necessária e o conhecimento humano, ao ocupar- se deles, deve conhecer melhor a organização desse mundo, através de uma ciência que estudasse a vida física e orgânica da superfície terrestre inter-relacionada. A Geografia Moderna passa, então, a desenvolver os novos parâmetros para esse estudo. No final da primeira metade do século XX, a Geografia de cunho tradicional entra em crise o seu ideário já não sustenta as demandas do sistema econômico. Daí surge um movimento de renovação, buscando novos métodos e novas técnicas de pesquisa, procurando tornar a Geografia empírica tradicional. (CARVALHO, informação verbal. 2007). Análise Reflexiva Por meio do aprofundamento acerca dos fundamentos dos discursos geográficos e das bases epistemológicas que permearam a sua efetivação, percebemos algumas associações sobre os saberes constituídos para sistematização da ciência Geografia. Os interesses 123 socioeconômicos do modelo monopolista do capital, naquele contexto, estavam implícitos nos conteúdos veiculados nos espaços educativos e foram internalizados no nosso processo formativo por meio da mediação dos professores. Consideramos, neste estudo, as relações e conexões entre os fenômenos específicos dessa disciplina, os fatos marcantes para a sua sistematização, advindos de interesses políticos que estão agregados às sociedades em processo de crescimento econômico. Da mesma forma que esse processo foi delongado, também incidem em novas concepções dos saberes geográficos que foram estabelecidos no contexto educativo de uma temporalidade. Assim, diante desse contato, necessário se faz que outros momentos de estudo se sucedam, pois para que ocorram internalizações das abordagens geográficas, necessitamos de outros momentos de estudos e discussões coletivas para que confrontemos o que a pesquisa sugere: novas concepções diante das abordagens geográficas. Evidente que, em contato com o novo saber, a nossa reflexão se dissipa para possíveis apreensões ao que nos propomos constituir. Esse processo suscita a atividade mental que é instigadora de diversos questionamentos que permitem novas (re)elaborações, no nosso caso a respeito das abordagens geográficas. Enquanto processo contínuo, as (re)construções sobre os saberes geográficos requerem que conheçamos com mais profundidade o seu teor, as suas nuanças, as suas singularidades, as leis que perpassam sobre esses saberes e que as diferenciam de outros saberes, contidos nos ideários que caracterizaram cada contexto sócio- histórico. Assim, pela análise e comparação, poderemos nos adentrar no processo de generalização acerca dos saberes em questão, uma vez que esses ainda permanecem no nível de descrição, com base nos destaques teóricos da autora, ainda descontextualizados, confusos e difusos. Todavia, por meio de sucessivas ações e procedimentos metodológicos, alcançaremos patamares qualitativos das abordagens geográficas. Como afirma Tardif (2007, p.35): Todo saber implica um processo de aprendizagem e de formação; e, quanto mais desenvolvido, formalizado e sistematizado é um saber, como acontece com as ciências e os saberes contemporâneos, mais longos e complexos se torna o processo de aprendizagem, o qual, por sua vez, exige uma formalização adequada. Por essa razão, propomo-nos adentrar nesse processo contínuo de desconstrução/reconstrução sobre os saberes das abordagens geográficas. Essa postura, enquanto processo que conduz a novas concepções da referida disciplina, também aponta para 124 emancipação profissional que induz às posturas qualitativas diante do fazer pedagógico que é inerente à nossa identidade pessoal/profissional. Decorrentes das negociações entre nós, colaboradores, finalizamos a produção do último Seminário de Estudo Reflexivo com a leitura de forma coletiva, diferente do modo como prosseguimos nos seminários anteriores. Esse procedimento teve o sentido tanto de potencializar a sua respectiva apresentação - que seria de responsabilidade de Carvalho -, como também para esclarecimentos e discussões no grupo. Essa postura atitudinal ensejava o processo colaborativo em evidência o qual assegurava a tranquilidade e equilíbrio emocional do grupo. O tratamento direcionado a respeito dos saberes aqui focados com base na pesquisa e para formação constituía-se, passo a passo, num processo contínuo de apreensões, que Gauthier (1998, p.339) endossa ao destacar que: O saber é muito mais o fruto de uma interação entre sujeitos, o fruto de uma interação linguística inserida num contexto. Por isso mesmo, o saber remete a algo que é intersubjetivamente aceitável para as partes presentes. Além do mais, a validação do saber vai variar de acordo com a natureza da relação com o mundo na qual os sujeitos se inserem. Finalmente, um saber terá valor na medida em que permita manter aberto o processo de questionamento. Um saber fechado sobre si mesmo não passa de um saber estático, dogmático, incapaz de alimentar a reflexão. Como a nossa pesquisa demandava interações sucessivas de colaborações para as nossas desconstruções/reconstruções sobre os saberes anteriormente mencionados, concordamos serem as nossas negociações plausíveis à aquisição das novas concepções das abordagens geográficas. O Seminário de Estudo Reflexivo que se segue finaliza a produção desse procedimento metodológico. Nesse encontro negociamos que não faríamos a recapitulação do capítulo que antecedeu a esse, devido ao curto tempo que tivemos para realizá-lo. As colaborações ocorreriam quando fôssemos iniciar os Ciclos de Estudos Reflexivos, procedimento metodológico que sucederia aos Seminários de Estudos Reflexivos. 5.4 ROMPENDO SIGNIFICADOS NATURAIS A seguir, a apresentação da colaboradora Carvalho acerca das suas assimilações teóricas e reflexão dos outros colaboradores sobre o tema abordado. 125 Sobre essa temática, a autora aborda o discurso pedagógico com base em eixos centrais: a Nova Geografia, a Geografia Crítica e a Geografia Humanística. Segundo a autora, nos Estados Unidos, a Nova Geografia tinha como finalidade construir ferramentas de análise para a organização do espaço utilizando como verdades a linguagem matemática e, assim, atender aos interesses econômicos daquele país. Isso diferia dos discursos aplicados na Alemanha e na França. Nesses países, os discursos eram direcionados para fabricar a identidade nacional. A Nova Geografia vai trabalhar com dados numéricos para poder fazer representações quantitativas de componentes sociais, através de gráficos e tabelas. A Nova Geografia, trazendo a matemática como elemento para apresentar dados quantitativos, é vista como reveladora do valor de verdade, apresentando autoridade para entender as relações entre homem e natureza pela medição, quantificação, correção de suas manifestações. A quantificação vinculada a um espaço geográfico apontava o que o homem conseguia produzir em larga escala, as técnicas utilizadas e, a partir daí, havia uma representação matemática conceituando esse espaço em relação às suas características produtivas. As relações ocorridas no espaço geográfico eram entendidas pelos significados expressos pelos números, por meio de uma relação direta, não havia interesse de entender os processos geradores desses valores, importava o que se produzia e não as relações existentes. No ensino, a Nova Geografia aparece através de manifestações matemáticas a partir de exemplo tais como: para se estudar uma região geográfica observam-se as tabelas e gráficos, entre outros, possibilitando melhor visualização e fixação do valor de verdades, chegando- se à explicação da região estudada. Obedecia-se a um critério de variáveis, como índices de exportação, produto interno bruto, mão-de-obra qualificada, escolarização, natalidade, crescimento vegetativo, entre outros, que permitiram a realização de um modelo de classificação. Aos estudantes, cabia a memorização desses enfoques conforme a abordagem direcionava. No discurso da Nova Geografia, o entendimento das relações sociais continuava a auxiliar no processo de manutenção do discurso constituído por políticas imperiais, ao manter-se categorizando os países e os lugares por meio desses mecanismos de instituição de modelos. A perspectiva da Nova Geografia ignora as estruturas sociais e sugere que não haja preocupações com os processos que geram as desigualdades sociais. (CARVALHO, informação verbal, 2007). Quanto ao momento intersubjetivo nesta apresentação, o grupo achou conveniente colaborar, fazendo as interlocuções logo que se encerrasse a apresentação de cada um dos discursos geográficos citados nesse capítulo. Segundo Angico, corroborando com Jacarandá, não nos distanciaríamos da fala de Carvalho nem do sentido das nossas interlocuções. Alguns pontos agora estão esclarecidos: “A autora diz que a Nova Geografia, ela não está articulada ao funcionamento de uma máquina para fabricar professores, porque o interesse dela é mapear as regiões para saber a sua capacidade produtiva e assim obter grandes lucros sem margem de erro. Não é uma Geografia discutida para incutir definições. Mesmo assim, os livros fazem destaque dos dados quantitativos e, nesse sentido, a Nova Geografia se infiltra no âmbito educativo, solicitando do aluno apenas a sua memorização. A matemática está nesse contexto para fazer a representação quantitativa, esse é um aspecto da concepção tradicional. A Nova Geografia não intencionou um projeto educacional e se projetou sutilmente na escola estabelecendo dados quantitativos para constituir conteúdos do seu interesse. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). É [...] eu entendo a importância da matemática para sistematizar e concretizar essas idéias dos fatos numéricos na Nova Geografia. (ANGICO, informação verbal, 2008b). 126 O discurso da Geografia Crítica surge a partir do século XIX nos Estados Unidos, com o intuito de: discutir as mazelas produzidas no espaço que geraram grandes desigualdades sociais; mostrar as rugosidades do espaço geográfico; as vinculações entre as teorias geográficas e o imperialismo; a ideia de progresso veiculando sempre uma apologia da expansão. Esse discurso assinalou, pela primeira vez, o rompimento da articulação entre o discurso geográfico com o Estado e as classes dominantes. O sentido apresentado pela Geografia Crítica é de entender o mundo com base na relação homem/natureza como componentes inter-relacionados e dependentes. A construção desse discurso é atribuído ao fato de que a Geografia deveria ser um campo de conhecimento preocupado com os problemas sociais. A Geografia não estaria preocupada em examinar os processos naturais em si, mas a natureza como elemento a ser utilizado e apropriado pela sociedade. O discurso da Geografia Crítica nos livros didáticos caracterizou-se pelo rompimento de tradicionais focos de análise para examinar o espaço geográfico, construído pleno de lutas e conflitos sociais. Os conteúdos curriculares da Geografia Crítica conduziram a um entendimento da totalidade que envolve a sociedade e a natureza, e levaram à compreensão de um espaço produzido pela sociedade, geradora de desigualdades e contradições. Para entender esse espaço, seria necessário examinar as relações econômicas, pois seriam elas que regulariam a produção e a distribuição dos bens materiais para a organização espacial. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Eu compreendi que, quando a autora fala da desigualdade social, está falando da desigualdade financeira, desigualdade na área de educação e em outros aspectos sociais de um modo geral. Ao afirmar que ao mesmo tempo o homem foi dominando o espaço geográfico e que o poder foi constituído gerou classes antagônicas, uma que é detentora desses recursos e outra que produz riquezas através do trabalho. As riquezas geradas pelas forças produtivas não são distribuídas igualmente, assim surgem as desigualdades sociais. Por isso é que uns estão bem providos de bens materiais e outros não. A agravante é que esse homem que produz não tem o entendimento dessas relações estabelecidas. Então, o discurso da Geografia Crítica visa provocar e discutir, nos espaços educativos, contestações críticas para vislumbrar a consciência opositora a essas questões. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Vou destacar alguns pontos interessantes que a autora cita: O discurso da Geografia Crítica proporcionou um direcionamento mais social às análises geográficas, resultando no desatar das amarras do empirismo exacerbado da Geografia Moderna... e também buscava mostrar as rugosidades do espaço geográfico... A autora também aponta a questão da Geografia Crítica, apontando que talvez tenha sido até um precursor em nível de Brasil para mostrar essa nova visão. Para fazer com que os professores tivessem essa compreensão da ação que o homem pode fazer em relação à natureza dessa interação. É muito sério essa questão da exploração capitalista, porque quem detém o poder está sempre explorando, quem não tem vende sua força de trabalho porque precisa sobreviver. (ANGICO, informação verbal, 2007). Momento intrassubjetivo de Carvalho A Geografia Crítica apresenta um discurso que rompe com a estrutura epistemológica e metodológica dos discursos da concepção geográfica tradicional. Através de uma leitura crítica e da aplicação do método dialético marxista, que tem como base interpretar as contradições ocorridas na sociedade, a Geografia Crítica intenciona explicar as contradições apresentadas sobre o conflito de interesses entre classes sociais. Esses conflitos, na perspectiva dessa abordagem, representam os fundamentos possíveis para as transformações na sociedade. O materialismo dialético, no processo de oposição aos discursos geográficos que o antecedem, 127 procura analisar a realidade geográfica na sua totalidade para explicar as desigualdades regionais e sociais existentes. As interpretações trazidas pela Geografia Crítica coincidem com a minha reflexão sobre os atributos epistemológicos condizentes com as intervenções significativas sobre o contexto social, no sentido de entender a incisão do sistema econômico, particularmente o sistema capitalista, incutidos nos espaços educativos a partir de programações curriculares. Esse entendimento pode ser desencadeado por meio da pesquisa que encaminha à aprendizagens necessárias e compatíveis com a formação profissional nos espaços educativos. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Como evidencia Gauthier (1998, p.78): É fácil compreender a efervescência que envolve atualmente as pesquisas sobre a determinação de um repertório de conhecimentos específicos ao ensino. As implicações são de grande importância e estão intimamente interligadas: melhoria da qualidade de ensino, diminuição da evasão escolar, melhor formação inicial, melhoria do desempenho dos alunos e profissionalização do ofício de professor e, finalmente, assim esperamos, benefício para a sociedade como um todo. Carvalho conclui sua análise a respeito da Geografia Crítica e prossegue as suas exposições: A partir do início da década de 1980 a influência marxista na Geografia começou a apresentar outros caminhos, possibilitando a interpretação da sociedade pela produção do espaço e aproximando essa interpretação de análises que levam em conta o valor e o antropocentrismo da vida social. As influências humanísticas apresentam-se no discurso geográfico tendo como enfoque o antropocentrismo da vida social. Gomes (apud Tonine, 1996, p.72) apresenta características dessa abordagem ressaltando que: “o espaço é sempre um lugar carregado de significações; a ação humana não pode estar separada de seu contexto; o homem produz sua cultura; as análises geográficas devem ter suas interpretações relativas, ou seja, os contextos são próprios e específicos a cada manifestação de arte no espaço geográfico”. É sob essa visão humanística que esse discurso exalta as concepções geográficas. A Geografia Cultural, como vertente da influência humanística, é abordada sob os seguintes aspectos: no século XIX nos Estados Unidos, ela é representada pelos estudos de Carlos Ortwin Sauer, ao mesmo tempo ancorada nos discursos de Ratzel e La Blache. A proposta da Geografia Cultural veiculava a noção de cultura como uma entidade superorgânica, analisava as diferenças da paisagem pelo aspecto material que cada povo produzia. Chegava-se, então, ao entendimento de que não havia conflitos entre os grupos humanos, tampouco diversidades culturais dentro de um grupo. Esta percepção, da ausência de conflitos, deve-se às inexpressivas mudanças notadas nas marcas deixadas na paisagem por cada povo; é isso, pois, que permite, nessa abordagem, a elaboração da idéia de que havia uma homogeneidade cultural no interior dos grupos sociais. Outras mudanças ocorrem em sua matriz teórica. As explicações geográficas começaram a enfatizar a cultura com outro registro, como práticas de significação, como comunicação, como sinalização de valores, ao contrário do que fez a Nova Geografia e a Geografia Crítica. O discurso cultural reaparece articulado ao processo de globalização na tentativa de homogeneizar a paisagem natural. Com a globalização, as diferenças culturais têm-se acentuado entre os lugares, o que permite ver cada local como um recorte espacial que apresenta suas particularidades, suas práticas culturais. Atualmente, o discurso da Geografia Cultural entende que a paisagem natural tem um significado simbólico, porque é produto da apropriação e transformação da natureza. Nos livros didáticos, a noção de cultura está ligada à transmissão dos enfoques tradicionais das manifestações de cada região, como, por exemplo: manifestações artísticas, religiosas, as crenças, objetos de artesanato, indumentárias, entre outros. De acordo com Gomes (1998, p. 39) “O livro didático 128 continua produzindo um saber que trata da cultura como acessório de cada grupo humano, deixando de mostrar como ocorre o processo que constitui esses materiais visíveis”. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Após a apresentação do seminário, Angico e Jacarandá solicitaram que as interlocuções somente ocorressem quando fosse possível elaborar uma síntese a respeito dos discursos geográficos. Como a leitura e a discussão não proporcionaram entendimentos propensos às interlocuções, suscitava que houvesse outros momentos de estudo sobre a abordagem geográfica cultural. Esses seriam encaminhados no procedimento metodológico, denominado Ciclos de Estudos Reflexivos que serão abordados adiante. Momento intrassubjetivo de Carvalho A referência que faço sobre a Geografia Cultural tem a ver com a similaridade que ela apresenta em relação à abordagem tradicional, no tocante à valorização dada às crenças de cada região, sendo componente de exaltação e valorização intrínseca a cada povo e sua cultura associada à paisagem natural. Outro aspecto bastante elucidativo dessa questão diz respeito ao modo como a Geografia Cultural era evidenciada nos espaços educativos, enfocando as festividades e eventos de um modo geral, que diziam respeito ao lugar e às manifestações da população. Quanto às interpretações decorrentes das relações sociais, não percebo destaque nessa abordagem, apesar das evidências culturais de um povo. Os elementos que caracterizam a prática cotidiana da população, de um modo geral, são reveladores das crenças e costumes internalizados no dia-a-dia, mas também são componentes de apropriação da ideologia dominante do modelo econômico, uma vez que o tratamento explícito no conteúdo da abordagem da Geografia Cultural expressa o espaço como sendo “um processo de construção cultural, em que valores inerentes a cada povo são apresentados numa relação de alteridades sem fronteiras preestabelecidas” Tonine (2003). Assim, os pressupostos do modelo socioeconômico se sobressaem pela maneira como se utiliza das expressões de uma cultura, reproduzindo-as por meio de discursos compatibilizantes com seus interesses. Segundo Claval (1997, p.94): “Aproximar-se da Geografia Cultural é, antes de mais nada, captar a idéia que temos do ambiente próximo, do país e do mundo. É se interrogar em seguida sobre a maneira como as representações são construídas, sobre seu papel que provocam”. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Análise Reflexiva Os saberes implícitos nas abordagens geográficas representaram conteúdos valiosos na ocorrência dos Seminários de Estudos Reflexivos, porém destacamos, nas nossas construções, lacunas inerentes aos aspectos filosóficos e epistemológicos que fundamentam os referidos saberes. Estes não foram assimilados nas nossas ações reflexivas de forma que ocorressem novas concepções ao que a pesquisa objetivou, muito embora tenhamos nos empenhado em produzi-los. 129 Ocorreram ressalvas parciais, que não extrapolaram a fundamentação teórica da autora-referência nos seminários das abordagens geográficas. Alguns pontos evidenciam essas confirmações: lacunas em termos das conexões das idéias presentes nos pressupostos que embasaram as abordagens geográficas; imprecisões das suas marcas histórica; em relação ao método que lhes dão sustentação teórico-metodológica; necessidade de aprofundamento teórico na explanação sobre o seu conteúdo, os seus eixos centrais, as suas idéias básicas e as características do contexto sócio-histórico de cada uma delas. Consideramos a falta de estudos acurados sobre os seus pressupostos históricos que foram destacados sem indícios dos seus pontos convergentes e divergentes, denotando ausência interpretativa diante dos conteúdos das abordagens geográficas, como estão destacados nos recortes das produções intersubjetivas dos colaboradores através dos extraits, enunciando que as nossas reconstruções não se sobressaem perante os nossos conhecimentos prévios sobre as abordagens geográficas, em virtude de fatores, tais como tempo disponível para estudos e sistematização dos conteúdos geográficos propostos. Essas lacunas se apresentaram principalmente em razão de ser esse momento da pesquisa e sua temática inusitados no nosso processo formativo. Assim, precisamos retomar as discussões teóricas das abordagens geográficas, para que os alcances transformadores das nossas concepções ocorram. Os extraits que se seguem apontam nossas fragilidades diante das abordagens geográficas: A autora [...] aponta que a Geografia merece destaque uma vez que enfoca o contexto das relações sociais, em que está implicada a luta de classe. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). As duas teorias estão ligadas ao ideário do positivismo, no sentido de apresentar a ciência Geográfica, entre outros aspectos, ligada à concepção tradicional. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Embora essas teorias explicitassem o espaço e o homem, não davam ênfase à questão das relações sociais no contexto de classes distintas: classe dominante e classe dominada. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Nesse capítulo a autora aborda a primeira proposta na tentativa de demarcar o objeto de estudo da Geografia, a relação entre o homem e a natureza. (JACARANDÁ informação verbal, 2008b). Leitura: “No entanto, é com as perspectivas trazidas pela Filosofia Moderna que as especulações sobre o mundo começam a assinalar uma ruptura teórica, ou seja, a reflexão passa a ser centrada em volta do pensamento sobre o sujeito do conhecimento (p.20). (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Tonine é muito feliz nas suas exposições porque ela traz um linguajar bem prático e a gente não precisa estar recorrendo a outras fontes. E nesse capítulo “Trilhando o status acadêmico”, ela vai mostrar que a Geografia alcançou condições pra ser 130 disciplina no contexto escolar porque, até então, não tinha. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Há fatos sociais que estavam ocorrendo na Alemanha e a Alemanha torna-se precursora nisso aí, onde ela vai destacar a unificação do conhecimento geográfico e esse conhecimento ele vai ter um olhar pedagógico. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Os enunciados emitidos evidenciam um nível descritivo das nossas concepções sobre as abordagens geográficas. Mesmo assim, sinalizamos produções significativas que perpassam pela nossa estrutura cognitiva, por meio das assimilações teóricas dos textos em estudo e diante da aplicação dos procedimentos metodológicos ocorridos, sendo esses: ações dialógicas durante as Narrativas Escritas e/ou Orais e nos Seminários de Estudos Reflexivos. As nossas discussões e ações, de um modo geral provocaram constantes reflexões que nos permitiu pontuarmos alguns ensaios de (re)construções mediadas pelas fundamentações teóricas constitutivas desse processo investigativo. Os nossos saberes inerentes aos eixos centrais das abordagens geográficas sucederam a partir de trocas de experiências, comunhão de saberes e, principalmente, pelo incessante desempenho colaborativo do grupo que buscava o desencadeamento de formação mútua que ocorreu concomitantemente quando discorremos sobre a história do fenômeno investigado, na tentativa de enfocar suas contradições e interferências na história social. Essas são ressaltadas nos momentos intrassubjetivos de cada colaborador(a), expressos nos extraits que se seguem: Nos discursos dos nossos diferentes professores não eram esclarecidos os reais interesses das práticas políticas de fazer veicular no espaço escolar saberes geográficos por meio de um conjunto de ideias que favorecessem a reprodução do sistema econômico vigente de cada conjuntura social. Assim, o desenvolvimento do debate desses saberes em sala de aula estava compatível com o ideário do modelo social que estava posto, limitando a compreensão das suas relações sociais através da exposição descritiva de conteúdos que ressaltavam a manutenção da ordem social diante da imposição e disposição dos saberes implicados no contexto educativo, sedimentando uma consciência desprovida de possibilidades de contestação. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). O texto de Tonine trouxe questões interessantes e bem relevantes para o nosso estudo. Ampliou meus conhecimentos e também meu aprendizado, muito embora tenha encontrado dificuldades em me apropriar do conteúdo trazido pela autora. (JACARANDÁ informação verbal, 2008b). Esse momento entre nós, colaboradores, de estudo e reflexões, tem grande significado para mim, pois tive que me esforçar bastante para apresentar um conteúdo que, pela primeira vez, discuto. Apesar das dificuldades existentes para compreendê-lo, creio que mudei a forma de pensar a Geografia. Por enquanto, só tenho a dizer isso e que preciso de mais estudos para (re)construir os saberes geográficos, a partir da fundamentação teórica dos pesquisadores da Geografia. (ANGICO, informação verbal, 2008b). 131 As discussões e interlocuções emitidas transcorreram de forma dinâmica e colaborativa durante o percurso dessa ação, consolidando, ao mesmo tempo, processos cognitivos de externalização e internalização de saberes. Quando nos referimos ao primeiro processo, este se sucedeu pela intenção processual formativa que só ocorre quando os nossos saberes internalizados são suscitados. Quanto ao segundo, inerente aos conteúdos das abordagens geográficas, é nosso interesse confrontá-lo para que novas concepções sejam demarcadas no nosso processo de formação contínua. Os Seminários de Estudos Reflexivos representaram, nesse percurso investigativo, momentos particulares da nossa apreciação sobre os saberes das abordagens geográficas. Contudo, para enriquecer o seu valor epistemológico, faz-se imprescindível que provoquemos outros momentos de estudos, fazendo valer o que suscita a nossa pesquisa: investigar os saberes geográficos que os professores construíram na trajetória das suas formações; refletir como, no processo de investigação colaborativa, os professores apreenderam os saberes específicos das abordagens geográficas vinculando as suas assimilações teóricas a um determinado nível de concepção. Essas ações colaborativas e reflexivas não se esgotam, ao contrário, potencializam-se nos exercícios reflexivos instigados nas nossas práticas pedagógicas. Como enfatiza Brito (2007, p.10): Atividades de pesquisa dessa natureza mostram-se como ferramenta indispensáveis à implementação desses processos, por contribuírem com o desenvolvimento do espírito investigativo dos professores, envolvendo esses atores em situações de teoria e prática, docência e pesquisa, permitindo que o professor reflita sobre sua prática. A autora prossegue reiterando que: [...] o ensino e a pesquisa impõem-se como atividades de formação do homem, considerando-o em sua condição humana, como sujeito histórico-cultural capaz de produzir a sua existência e de, essencialmente, transformá-la a partir das múltiplas conexões e diálogos que estabelece com o mundo, com o outro e com o conhecimento (BRITO, 2007, p.11). Consideramos que a totalidade desse aparato teórico-metodológico delineado nesta construção científica foi fundamental no sentido de nos direcionar aos Ciclos de Estudos Reflexivos, momento de síntese sobre os saberes das abordagens geográficas. 132 Figura 4 - Seminários de estudos reflexivos Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2009. Figura 5 - Saberes Teóricos das Abordagens Geográficas Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2009 133 6 CONSTRUINDO OS SABERES DAS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS NO PERCURSO DE FORMAÇÃO Neste capítulo apresentamos as nossas concepções das abordagens geográficas. Esse percurso se refere às nossas produções de conhecimentos objetivando novas concepções acerca das abordagens citadas. Essas concepções transcorreram pelas referências aos nossos conhecimentos prévios em confronto com as discussões sobre as produções científicas da ciência geográfica, em particular as assimilações teóricas de Tonine (2003). No contexto da nossa dimensão educativa, os métodos de interpretação da realidade social em relação à produção dos saberes das abordagens geográficas estiveram arraigados aos processos sócio-históricos e seus mecanismos de veiculação cultural que atendem aos princípios educativos estabelecidos para formação do sujeito, conforme anseios do sistema político-econômico em vigor. Esse sistema estava caracterizado pela fase imperialista do capital, que se fundamentava no modo de produção em que as relações econômicas ganharam dimensões globais. Nesse sentido, a Geografia suscitava uma revisão em suas bases teórico- metodológicas que representasse as aspirações do novo modelo de produção, pois, como enfatiza Moreira (2007, p.73): Como a produção pressupõe homens e natureza, a transformação da força de trabalho em mercadoria repete-se com a natureza então. O acesso à natureza e seus recursos deve passar pelas relações mercantis, uma vez que sua apropriação pelo capital implica a eliminação de sua gratuidade natural entre os próprios capitalistas. A incorporação dos homens e da natureza ao circuito das mercadorias é a base sobre a qual nasce e se expande o capitalismo, como condição necessária e suficiente. Desse modo, faz-se necessário interpretar, através de ações reflexivas, os conteúdos das abordagens geográficas construídos no bojo das relações sócio-históricas estabelecidas no movimento das relações sociais e forças produtivas que reproduzam as aspirações dos interesses capitalistas enaltecidos no contexto educativo. Encontramos nos Ciclos de Estudos Reflexivos uma estratégia metodológica que nos conduziu à reflexão sobre os saberes das abordagens geográficas por nós apreendidos, em tempos de formação, condizentes com os seus referidos contextos sócio-históricos. Porém, a elaboração e interpretações sobre esses saberes pertencem à individualidade de cada colaborador (a), mediante as relações que se estabeleceram entre os saberes e conhecimentos internalizados com aqueles que foram estabelecidos no percurso da pesquisa decorrentes da 134 intersubjetividade e intrassubjetividade das nossas ações e relações ocorridas nesse espaço de pesquisa e formação. Como endossa Tardif (2007, p.54): [...] os saberes experienciais surgem como núcleo vital do saber docente, núcleo a partir do qual os professores tentam transformar suas relações de exterioridade com os saberes em relações de interioridade com sua própria prática. Neste sentido, os saberes experienciais não são saberes como os demais; são, ao contrário, formados de todos os demais; mas retraduzidos, “polidos” e submetidos às certezas construídas na prática e na experiência. Nesse sentido, Angico expressa: Essa temática me fez relembrar não somente dos estudos sobre a Geografia, mas também as experiências que ocorreram comigo durante a minha formação. Ao refletir sobre as atividades ocorridas nesta pesquisa, me foi possível fazer uma reflexão mais aprofundada e assim ressignificar o meu conhecimento geográfico e perceber o quanto a reflexão se faz relevante na construção do pensamento crítico do professor, possibilitando sua criticidade, crescimento profissional respaldado numa teorização. Hoje me sinto mais consciente sobre o processo de sistematização dessa disciplina. Acredito que minha prática pedagógica será de modo mais reflexivo para a construção de um cidadão crítico que defenda suas ideias, compreenda o seu papel na sociedade. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Baseando-me na apresentação da temática e sua relevância, consigo estabelecer várias associações sobre o Ensino da Geografia durante a minha escolarização com os seus pressupostos críticos concebidos durante a pesquisa. O conteúdo implícito na abordagem dos Ciclos de Estudos Reflexivos provocou, através das diversas discussões, enriquecimentos sobre os conteúdos pedagógicos da disciplina em foco. Dessa forma, creio que, após o término desse procedimento, estarei mais capacitada para reconstruir textualmente os discursos do pensamento geográfico. Farei de modo mais elaborado, atenta à fundamentação exposta por Ivaine Maria Tonine, na literatura - Geografia Escolar: uma história sobre seus discursos pedagógicos. Estarei ressaltando com melhor sistematização as aprendizagens efetivadas sobre os saberes geográficos. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Esse recurso metodológico utilizado para compor a nossa pesquisa representou, para mim, entre outros aspectos, o fechamento de um trabalho científico que se expressou sistematicamente pelos critérios de colaboração e reflexão na ação, conduzindo a (re)construção ao que a pesquisa suscitava e que nos propomos realizar. Compreendo que o exercício reflexivo viabilizado em todos os procedimentos adotados permitiu incomensuráveis progressões profissionais do grupo quando concatenou que o crescimento pessoal e profissional se dá do indivíduo consigo mesmo, estendendo-se às interações nesse e desse grupo. Todos esses aparatos pedagógicos intermediaram o que o conhecimento científico requer: interpretações do entorno da realidade e as suas peculiaridades diante das relações sociais, essas incluem nós colaboradores e ao mesmo tempo, revela o caráter das relações que induzimos e somos induzidos a vivenciar. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Essa prática educativa sobre a qual nos esmeramos, segundo Zabala (1998, p.91), promove: A atividade mental auto-estruturante, que possibilita estabelecer relações, a generalização, a descontextualização e a atuação autônoma, supõe que o aluno 135 entende o que faz e por que o faz e tem consciência, em qualquer nível, do processo que está seguindo... [...] também lhe permite experimentar que aprende, o que, sem dúvida, o motiva a seguir se esforçando. Após as discussões que incluíram todas as temáticas inerentes aos conteúdos das abordagens geográficas e procedimentos metodológicos para construção do nosso trabalho de pesquisa, iniciamos nossas produções textuais fazendo registros das aprendizagens ocorridas, como forma de elucidar sobre as nossas compreensões sobre a temática abordada. Segundo o grupo (colaboradores), essa forma não tolheria a reflexividade e não provocaria omissões das novas construções sobre os saberes das abordagens geográficas. Enfatizam Souza e Cordeiro (2007, p.48) que: A reflexão vinculada à escrita leva o sujeito em formação a compreender as condições de produção e os sentidos de sua própria escrita, a qual revela relações com o trabalho e formas de apropriação da escrita como prática de pesquisa e de formação. Assim, tomando como embasamento a referida citação, encaminhamo-nos para as nossas construções ressaltando as nossas concepções quanto às abordagens geográficas. 6.1 TECENDO AS CONCEPÇÕES SOBRE OS SABERES DAS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS Produções de Angico Ao longo da história da Geografia, o conhecimento passou por produções, (re)organizando-se através de fontes científicas, auxiliando-se em outras ciências. O pensamento busca a compreensão para que se entenda a prática através das relações homem e natureza de acordo com o contexto sociopolítico. Relação essa que se origina de forças produtivas próprias dos conhecimentos provocadas pelo modo de produção de cada momento social-histórico. Discursos geográficos – expressam o caráter didático-pedagógico, considerando a evolução de forças produtivas e as relações sociais do modo de produção, guiadas pelo pensamento do homem, considerando sua apropriação no espaço, sua dominação e sua vivência. Discurso Geográfico Tradicional – baseado na lógica formal e fundamentado no método científico positivista, embasa-se numa visão empírica e naturalista. Os elementos geográficos 136 restringiam-se à observações e descrições da paisagem, resultando na neutralidade da natureza e do próprio homem. No período do pós-guerra (1945), esse discurso é superado devido ao processo de renovação do próprio pensamento geográfico, mediante visão geral oriunda de leituras abstratas, linguagens matemáticas e estatísticas úteis ao planejamento estável de acordo com o ideário neopositivista. Discurso Geográfico Humanista – acompanha a contemporaneidade, caracterizando-se na relevância que permeia o espaço da cultura, através de representações dos grupos sociais, das manifestações culturais relacionadas com o espaço-natureza, com o modo de produção condizente com as classes sociais. De acordo com esse entendimento, pode-se perceber a relevância que (GOMES apud TONINE, 2003, p.72) enfatiza: O espaço é sempre o lugar carregado de significações; a ação humana não pode estar separada de seu contexto; o homem produz sua cultura; as análises geográficas devem ter suas interpretações relativas, ou seja, os contextos são próprios e específicos a cada manifestação de arte no espaço geográfico. O Pensamento Geográfico na fase pré-científica de sua identidade – Considerando as diferentes paisagens naturais, assim como buscando modificá-las para oferecer condições de bem-estar, o homem, através do ato de nomadismo, vem procurando desde os períodos mais remotos de sua existência adequar essa paisagem para melhor se adaptar a ela. E daí a necessidade de um conhecimento mais profundo considerando todos os aspectos (social, político, econômico e físico). A Geografia passa a ser denominada a partir da Antiguidade, através do uso da medição de espaços pelos povos gregos, romanos e outros. Estudos geográficos defendem a teoria do geocentrismo e percebemos a relevância do discurso de Tonine (2003) ao nos fazer perceber que ao final do séc. XVIII dito pelos estudiosos como sendo um divisor entre a Renascença e a Modernidade também se deu o início da sistematização do conhecimento geográfico. Antes da sistematização do conhecimento geográfico, podiam-se perceber duas tendências que se aliavam à Geografia; a Cartografia e a Astronomia, pois ambas contribuíam com o objeto de estudo da Geografia, porém cada uma tinha uma linha própria. A Astronomia procurava embasar a descrição dos povos, o modo de vida e a relação com os lugares. Essa concepção caracterizava o pensamento geográfico assistemático, ou seja, a contribuição de conhecimentos oriundos de outras ciências, porém forneciam subsídios para a Geografia. Identidade Científica do Pensamento Geográfico – A partir do século XIX, na Alemanha, a Geografia inicia seu processo de identificação como ciência, através de uma metodologia que 137 explica a relação homem-natureza, como pode se ver em (MORAES, apud TONINE, 2003, p.33): Seus estudos estabeleceram novos solos para um conhecimento que estava sendo sistematizado, dando condições de possibilidades para sua legitimação como campo do saber, frente à ciência. Seus estudos permitiram a inscrição da Geografia no quadro das ciências, por apresentar uma metodologia rigorosa nas análises, buscando as explicações entre a natureza e o homem. De acordo com a autora, vê-se que a sistematização do conhecimento geográfico veio concretizar através da ciência idéias oriundas do contexto social. Surgindo, assim, um conhecimento moderno, em que a Geografia não é compreendida como explicação de fenômenos e sua relação, mas que descreve a paisagem e faz essa relação dos fenômenos e a ação dos homens. A Geografia Moderna nas universidades inicia sua trajetória no contexto, pois se tornam responsáveis pelos traçados cartográficos (mapas), explorações de novas áreas e recursos. Essa nova aquisição de ideias, vêm alicerçada com o pensamento de Ratzel (Alemanha) e La Blache (França), relevando o Determinismo e o Possibilismo Geográfico. A Geografia Crítica – oriunda dos pensamentos divergentes aos pensamentos da Geografia Moderna, considerando as relações ocorrentes num determinado espaço, ou seja, o objeto de estudo, a transformação que ocorre no meio, suas causas, efeitos e consequências, o que faria com que o indivíduo exercesse sua cidadania. A Geografia Cultural – tendência da Geografia Humanista, tem como eixo central, pois que servirá como objetivo é a particularidade do espaço. É a representação simbólica. A Geografia Humanista – considerando-se a cultura enquanto manifestações materiais de valores. Produção de Jacarandá Durante todo o estudo, objetivamos a compreensão de que em toda a sua trajetória, os conhecimentos geográficos sofreram várias mudanças. Tais mudanças ocasionaram a produção de novos saberes. E a sua compreensão possibilita entendermos as razões que permeiam a nossa prática pedagógica, que se ampara nas relações entre o homem e a natureza, no tocante a sua força de trabalho. Pudemos perceber que o pensamento geográfico tem uma sequência de caráter pedagógico, levando em consideração a evolução do homem. O discurso da Geografia Tradicional se baseia no método positivista, a partir da visão empírica e naturalista da realidade. A proposta do referido discurso é superada pelo pragmatismo pós- 138 guerra, fundamentada no ideário positivista; depois surge outro movimento de renovação fundamentado no materialismo e, por fim, o pensamento humanista, o qual vem relatando as relações de um modo geral, como também o espaço e a natureza. Em suma, o espaço era estudado e explorado no sentido de visualizar a riqueza produzida. O pensamento geográfico na fase pré-científica de sua identidade nos mostra que, até então, a Geografia ainda não era uma ciência. Neste momento entra em choque a ciência e a religião. Até então, duas tendências eram apresentadas: a primeira era expressa através da Cartografia e Astronomia, e a segunda era a descrição dos povos. Enfim, chega a fase científica, em que a Geografia começou a se estruturar como ciência, na Alemanha, a partir de Alexander Von Humboldt e Karl Ritter, em que Humboldt explica os fenômenos e Ritter explica os lugares. Então, para (Tonine apud Moraes, 2005, p.63) “a obra destes dois autores compõe a base da Geografia Tradicional”. Assim, para poder alcançar a positividade prática e metodológica, a Geografia Moderna passou a incorporar o mesmo método das ciências naturais. É com este discurso que ela entra nas universidades, o homem age e influencia o espaço. O discurso do Determinismo Geográfico provoca influências, em que Vidal de La Blache lança o Possibilismo, focalizando que as pessoas poderiam atuar no meio. O Capitalismo chegou à sua fase financeira ou monopolista, marcado pela centralização de capital. Com essas mudanças, o limiar entre o homem submisso à natureza e senhor dela chega ao fim e os impactos ambientais passaram a crescer. Compreendemos que logo em seguida surge a Geografia Crítica, que questiona, faz refletir e realiza a cidadania, porém não é incorporada à escola. A Geografia reaparece no contexto social de forma mais exacerbada a partir do processo de globalização. Portanto, com base nos estudos reflexivos, considero que a maneira como aprendi Geografia e a visão que tinha da mesma estava muito aquém da importância que a Geografia tem no nosso fazer diário e principalmente, em nossa mediação em sala de aula. O estudo me fez reelaborar os saberes, entendendo que a Geografia objetiva auxiliar na formação de cidadãos conscientes, ativos e dotados de opinião própria. É o ensino da Geografia voltado para o desenvolvimento da cidadania. É integrar o educando ao meio e não acomodar. A integração supõe reflexão sobre a realidade e aspiração de mudanças com o objetivo de alcançar uma situação melhor. Com estes saberes sei que poderei orientar os alunos, fazendo com que eles possam perceber um mundo onde as transformações acontecem numa velocidade acelerada, e possa tomar posição diante dele. Compreendo que, de modo geral, se aprende mais facilmente o que está perto do que o que está distante, o imediato do que o mediato, o concreto do que o abstrato. Todo o estudo só fez ampliar a minha visão e reforçar que o ensino da Geografia deve partir, sempre que possível, do espaço vivenciado pelo aluno, valendo-se de suas experiências, propondo 139 situações didáticas concretas ou de fácil acesso. O local, portanto, pode ser o ponto de partida da observação e análise de onde se vai, por meio de várias operações intelectuais. Essa é a minha visão após esses momentos de estudos. Produção de Carvalho O traçado teórico-metodológico que deu suporte às (re)construções dos nossos saberes das abordagens geográficas perpassaram pelas discussões sobre Pesquisa Colaborativa, Reflexividade e, por fim, as abordagens geográficas. Esses aportes teóricos subsidiaram aprendizagens que emanaram das categorias estabelecidas, dinamizando as construções acerca dos saberes geográficos. As minhas (re) construções referentes às abordagens geográficas se manifestam a partir do meu entendimento e em decorrência dos objetivos propostos, fazendo emitir saberes possíveis. Minhas produções se iniciam desde a fase pré-científica da Geografia à fase científica as quais perpassam pelos pressupostos vinculados aos contextos socioeconômicos vividos. Fase pré-científica da Geografia - A humanidade sempre se intrigou, questionou e tentou entender o que acontecia à sua volta. O hábito do nomadismo levava as populações pré- históricas a percorrerem grandes distâncias. Nesse deslocamento, a visualização desses povos a respeito da paisagem permitia um maior conhecimento da superfície terrestre, pois nos lugares por onde passavam a paisagem e seus devidos aspectos - como vegetações, rios e fauna - tinham características peculiaridades. Muitos povos da Antiguidade, como os gregos e egípcios, entre outros, eram comerciantes e navegadores. Em sua expansão, buscando novos territórios e mercados, o conhecimento dos fenômenos naturais e o domínio de rotas terrestres e marítimas eram necessários. Ainda na Antiguidade, tornou-se comum no Egito a prática da medição de terras. Os gregos, que muito aprenderam com os egípcios, conseguiram dominar grande parte do mundo conhecido que na época, se restringia ao Mediterrâneo. Eles se preocupavam em sistematizar as informações a respeito de nosso planeta e chamavam esses conhecimentos de Geografia. No século XVIII, o horizonte geográfico se alargou ainda mais. Terras antes desconhecidas passaram a ser visitadas; estudiosos se empenharam no estudo da Terra e, nesse período, a teoria heliocêntrica, que admite no sistema cosmológico ser o sol o centro do universo, substituiu o geocentrismo. Até então os estudos da Geografia apresentavam duas tendências. A primeira confundia os estudos matemáticos sobre a forma e as dimensões da Terra, com a Cartografia e com a Astronomia; a segunda se preocupava com 140 a descrição de povos, seu modo de vida, suas atividades diárias, seus costumes e as relações com os lugares onde viviam. Fase Científica da Geografia - No século XIX, praticamente todas as regiões do mundo já eram conhecidas, o que permitia uma avaliação mais global do planeta. A Geografia começou a se estruturar como ciência na Alemanha com base nos enunciados de Von Humboldt e Karl Ritter. Como aponta Tonine (2003, p.32-33): Os nós dessa trama foram dados por Alexander Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859), cujos estudos cujos discursos estavam alicerçados numa consciência européia soberana, de inconteste centralidade científica e propiciaram a sistematização de um conhecimento que se tornou uma matéria escolar e que foi legitimado pelas forças que buscavam a unificação da Alemanha. Humboldt e Ritter deram à Geografia um método de análise, tentando estabelecer as relações entre os fenômenos que ocorrem nas diversas paisagens da superfície do planeta e desses com a ação da humanidade, sistematizando, enfim, o conhecimento geográfico e estabelecendo leis. A Geografia abandonou o papel puramente descritivo e passou a explicar fenômenos e suas inter-relações, tornando-se uma ciência de síntese de todos os fenômenos que ocorrem na Terra. Surgia, assim, a denominada Geografia Moderna. De acordo com Moraes (2005, p.61): As primeiras colocações, no sentido de uma Geografia sistematizada, vão ser da obra de dois autores prussianos ligados à aristocracia: Alexander Von Humboldt, conselheiro do rei da Prússia, e Karl Ritter, tutor de uma família de banqueiros. Ambos são contemporâneos e pertencem à geração que vivencia a Revolução francesa: Humboldt nasce em 1769 e Ritter em 1779; os dois morrem em 1859, ocupando altos cargos da hierarquia universitária alemã. A partir daí, a Geografia passa a ter um caráter científico e acadêmico e a ser produzida e pensada nas universidades. Nessa época os países colonialistas apoiam a formação das sociedades geográficas que, entre outras atividades, elaboram mapas, organizam expedições de exploração de novas áreas com o objetivo de obter recursos materiais para acumulação de riquezas. Ainda no século XIX, a Geografia é reconhecida oficialmente e passa a ser ensinada nas escolas. A teoria de Friedrich Ratzel indicia o homem subordinado ao meio e afirma que as condições que a natureza exerce sobre a humanidade a influenciam. Ratzel ainda discorre que é na natureza que a humanidade encontra as possibilidades de expansão, criando, assim o conceito de espaço vital, onde a população de um determinado local e os recursos disponíveis para as suas necessidades apresentariam equilíbrio. Essa teoria justificava a expansão imperialista da época. Outra teoria contudo, traz algumas controvérsias 141 em relação à Teoria do Determinismo. A Teoria do Possibilismo difundida por Vidal de La Blache, na França, defende que as pessoas poderiam atuar no meio físico, modificando-o e determinando o seu desenvolvimento, ou seja, as possibilidades para sobrevivência humana estão dispostas no meio natural, cabendo ao homem fazer uso desses recursos. A utilização desses elementos se daria a partir dos costumes e das técnicas diferenciadas e do desenvolvimento histórico de cada sociedade. O que diferenciava as sociedades seriam os modos de produção diversificados. Vidal de La Blache definiu a Geografia como uma ciência dos lugares e não dos homens. Outro pensamento que predominou no discurso geográfico foi o da Geografia Racionalista defendida por Richard Hartshorne. São citações de Moraes (2005, p.95-97), para esclarecer esse discurso do pensamento geográfico: O fato de denominar essa corrente racionalista advém de sua menor carga empirista, em relação às anteriores. [...] esta vai ser a última tentativa de agilizar a Geografia tradicional, mantendo-lhe a essência de busca de um conhecimento unitário, e dando-lhe uma versão mais moderna.[...] a primeira diferença de que as ciências se definiriam por métodos próprios, não por objetos singulares. Portanto, a Geografia teria sua individualidade e autoridade decorrentes de uma forma própria de analisar a realidade. O método especificamente geográfico viria do fato de essa disciplina trabalhar o real e sua complexidade, abordando fenômenos variados, estudados por outras ciências. Hartshorne formulou para a Geografia os conceitos de áreas e integração. Ele defendia a idéia de que o estudo geográfico não deveria isolar os elementos ou fenômenos, mas trabalhar com suas inter-relações, esclarecendo as variações das diferentes áreas da superfície terrestre. O movimento de renovação da Geografia apresenta duas vertentes: a Geografia Pragmática e a Geografia Crítica, que estão relacionadas com a crise da Geografia Tradicional. O mundo se modificou muito durante o século XX. O desenvolvimento de idéias, as duas grandes guerras mundiais, o confronto entre países socialistas e capitalistas e a revolução tecnológica foram algumas dessas mudanças que denunciaram a insipiência do pensamento tradicional, uma vez que já não se compatibilizava com a demanda desses novos componentes. A crise na economia direcionou o Estado a fazer intervenções e o Capitalismo chegou a sua fase monopolista marcado pelo processo de concentração e centralização de capital. A acirrada concorrência favoreceu as grandes empresas, levando à fusões e incorporações que resultaram na formação de monopólios ou oligopólios em muitos setores da economia. Com essas mudanças, o limiar entre o homem submisso à natureza e senhor dela chega ao fim, e os impactos ambientais passaram a crescer em ritmo acelerado, chegando a provocar desequilíbrios não mais localizados, mais em escala global. Esses acontecimentos geraram crises nas técnicas tradicionais de análise geográfica, o que culminou com a crise da 142 Geografia Tradicional. A Geografia Crítica surge se contrapondo ao pensamento geográfico tradicional. Essa corrente volta sua atenção a proposições de transformações sociais, procurando também redefinir a ciência geográfica. Tonine (2003, p.66) assim enfoca a Geografia Crítica: [...] o discurso da Geografia Crítica proporcionou um direcionamento mais social às análises geográficas, resultando no desatar das amarras do empirismo exacerbado da Geografia Moderna, a qual manteve suas análises presas ao mundo das aparências... O discurso da Geografia Crítica buscava mostrar as rugosidades do espaço geográfico, ‘as vinculações entre as teorias geográficas e o imperialismo, a idéia de progresso veiculando sempre uma apologia de expansão [...]’. Embora a Geografia Crítica tivesse elaborado seu discurso denunciando as mazelas causadas pela ação do homem no espaço, não logrou êxito por não ter apresentado um método de análises convincentes ao seu propósito. Manteve-se apresentando a tônica descritiva e empirista, a partir de temáticas que abordavam a realidade e suas contradições. A Geografia Crítica, na visão de alguns teóricos, passou a ser a Geografia da Denúncia. Não logrando seus ideais, margeou possibilidades para outros discursos com influências humanísticas. A Geografia Cultural, vertente da tendência humanista, traz no seu discurso a expressão da homogeneidade entre os grupos humanos, em que destaca a inexistência de conflitos entre os povos. Na década de 1980, o processo de globalização da economia tenta passar a ideia de homogeneização da paisagem natural. Moraes (2005, p.97) ressalta que: Após 1930, desenvolveram-se duas grandes escolas de Geografia. Uma da Califórnia, elaborando a Geografia Cultural. Seu mais destacado formulador foi Carl Suer, que propôs estudo das paisagens culturais, isto é, a análise das formas que a cultura de um povo cria, na organização de seu meio. A outra, balizada de escola do Meio-Oeste, aproximou-se da Socialista e da Economia, propondo estudo como o da organização interna das cidades, o da formação da rede de transportes, etc. Relação homem / natureza implícita nas abordagens geográficas Discurso Tradicional – sempre existiu a serviço da dominação e do poder. Ao estudar a relação homem-natureza não priorizava as relações sociais, abstraindo o homem de seu caráter social. Discurso Pragmático – utilizado como instrumento de dominação burguesa, pois diagnosticando quantitativamente dados de uma determinada área, ao final, surgiriam resultados numéricos relacionados aos interesses do pesquisador. Olhando por esse prisma, observa-se que a Geografia Pragmática, apoiada em critérios técnicos, mascara a realidade, 143 fazendo crescer a dominação das classes burguesas, nas sociedades capitalistas; como também tem um efeito atenuador no tocante aos impactos ambientais, para que não ocorram restrições ao expansionismo das relações capitalistas de produção. Discurso Crítico – devido à crise instalada advinda da superação da concepção tradicional, o centro de preocupações das abordagens geográficas passa a ser as relações entre a sociedade, o trabalho e a natureza, decorrentes da apropriação dos recursos naturais pelo homem e na produção dos espaços diferenciados. Para se compreender essas relações, lança-se mão de explicações históricas e econômicas. A Geografia estuda o espaço e as relações que nele ocorrem, sendo, portanto, um canal de reflexões para uma ação transformadora, objetivando à construção da cidadania. Apesar do espaço geográfico ser construído pelos seres humanos por meio do trabalho, não são todos que se beneficiam dos frutos dessa construção. Interesses de classes, econômicos e políticos estão presentes, colocando-se a serviço de alguns indivíduos. A relação homem/natureza na Geografia Crítica prioriza as relações sociais. Há uma preocupação em estudar a sociedade por meio das relações de trabalho e da apropriação humana da natureza para produzir e distribuir os bens necessários às condições materiais que a garantem. Discurso Humanístico – constituído com expectativas de visualização sobre as relações existentes nos grupos humanos, valorizando o modo de vida e a cultura estabelecida por esses grupos. Discurso Cultural – atrelado aos desdobramentos da Geografia Moderna, analisava as diferenças da paisagem pelo aspecto material e cultural que cada povo produzia. Essas foram as nossas apreensões que resultaram do processo colaborativo das exposições acerca dos saberes do percurso formativo, dos confrontos das teorias das abordagens geográficas e, principalmente, do exercício reflexivo a respeito da nossa identidade, constituída no processo sócio-histórico da trajetória de formação. 6.2 ANALISANDO AS CONCEPÇÕES ACERCA DOS SABERES DAS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS Analisar o que se produz é tarefa vasta e polêmica, logo, bastante complexa, pois requer que nos distanciemos do produzido e na condição de autores, autojulgar, autocriticar, 144 pôr em prática uma ética profissional condizente com as produções de conhecimentos ocorridos ao longo do processo investigativo. Consideramos que algumas lacunas que ainda se apresentam estão relacionadas às nossas interpretações acerca das abordagens geográficas. Por intensos que tenham sido os nossos desdobramentos, nada atinge a sua completude. Mesmo assim, envaidecemos-nos das aprendizagens ocorridas que denotam do desejo de realizar, (re)aprender e se envolver num processo de interação contínua de colaboração. Tecer esse processo é, portanto, tarefa que se origina do debruçamento sob os aportes teóricos que ampararam a nossa investigação e que se finalizam nas nossas apreensões e singularidade intelectual própria do sujeito social. No dizer de Amado (2000, p.03): O aspecto mais importante da análise de conteúdo é o fato de ela permitir, além de uma rigorosa e objetiva representação dos conteúdos das mensagens, o avanço fecundo, à custa de inferências interpretativas derivadas dos quadros de referência teóricos do investigador, por zonas menos evidentes que constituem o referido contexto de produção. Nesse sentido, amparamos-nos nos pressupostos teóricos produzidos por Minayo (2007), Rocha e Deusdará (2005), Amado (2000), Freitas e Janissek (2000), entre outros. Eles nos fornecem respaldo teórico-científico neste processo analítico em relação às nossas produções de conhecimentos, ao longo desse processo investigativo, além de permitirem que percebamos as concepções galgadas das abordagens geográficas diante dos propósitos estabelecidos. O processo reflexivo estabelecido nos procedimentos metodológicos trouxe à baila nosso cenário e enredo formativo, logo, permitindo a análise de suas peculiaridades para, assim, tecermos interpretações sobre as nuanças implicadas nessa temporalidade formativa. Como afirmam Rocha e Deusdará (2005, p.305): “A história do conhecimento não pode ser contada em uma trajetória linear, como algo que avança gradualmente, dimensionando a relação homem-mundo por intermédio do mero acúmulo progressivo de saberes”. Atentos a essa peculiaridade da história do conhecimento destacada pelos autores referidos, apresentamos as análises dos saberes das abordagens geográficas provenientes das nossas construções, intermediadas pelo processo de colaboração e sob aporte teórico condizente com as perspectivas da pesquisa. A análise do fenômeno investigado ocorreu mediante as peculiaridades sócio- históricas das produções e interesses socioeconômicos em que as abordagens geográficas são 145 referendadas. Freitas e Janissek (2000, p.37) corroboram com nosso pensamento ao delinear em que: A análise de conteúdo torna possível analisar as entrelinhas das opiniões das pessoas, não se restringindo unicamente às palavras expressas diretamente, mas também àquelas que estão subentendidas no discurso, fala ou resposta de um respondente. Assim, fazemos as nossas interpretações e análises das abordagens geográficas diante dos seus desenvolvimentos sócio-históricos, no intuito de apreendermos as concepções que apresentamos quando finalizados os procedimentos que compuseram todo itinerário desta pesquisa. Acerca da expressão ‘concepção’ que permeará as nossas construções, Ferreira (2007, p.12) elucida que esse termo: [...] procura expressar a atividade do ser humano ao se utilizar do cérebro e das mãos, combinando as funções mentais de imaginar e pensar, para produzir tanto imagens mentais quanto materiais (projetos, maquetes modelos, etc.). Desse modo, abrange todos os campos da atividade humana (social, político, prático, técnico, enfim, material e mental) e contém em si diversidade e multiciplicidade de sentidos e significados. Evidenciamos os saberes das abordagens geográficas construídas em nossos pensamentos quando foram estabelecidas conexões entre o fenômeno estudado e os saberes internalizados, provocando a elaboração de novas concepções. De acordo com Ferreira (2007b, p.13): Dado ao caráter bio-antropo-sócio-psicológico, o pensamento concebe algo mediado por noções, idéias, conceitos, juízos, representações, princípios e teorias cuja origem é a atividade laboriosa do ser humano, bem como por métodos e procedimentos de cognição, mobilizando elementos que dependem das vivências e das experiências, já que nascem das ações oriundas das necessidades práticas e das teorias e paradigmas. Pelas interações dialógicas fundamentadas em princípios científicos, construímos nossas concepções sobre os referidos saberes, conscientes de que elas não extrapolaram, de forma complexa, os saberes já internalizados, ou seja, os nossos conhecimentos prévios, anteriormente revelados. As produções que se seguem representam conhecimentos construídos em nossos momentos de colaborações através de ações dialógicas e reflexões diante do nosso modo de pensar sobre as categorias das abordagens geográficas que destacamos para estudo e possíveis apreensões a que nos propusemos alcançar. Entendemos que a nossa dedicação, ao longo 146 deste processo investigativo, nos fez superar barreiras referentes aos aspectos socioafetivos e cognitivos implicados na pesquisa e formação profissional, uma vez que representava o primeiro confronto ao que concerne às abordagens geográficas. Essas estavam internalizadas conforme princípios do modelo tradicional da Geografia Escolar, que estabeleciam como normativas dos seus conteúdos as definições dos componentes contidos no espaço geográfico. 6.2.1 A origem da ciência Geografia Ao construirmos as nossas concepções geográficas, através de produções escritas, não destacamos uma sequência gradual da evolução histórica da Geografia, nem elucidamos a sua origem para além das considerações de cunho linear inerente a sua produção históricio- social. Todavia, conseguimos abordar alguns pontos básicos sobre os seus referidos discursos científicos, deixando de ressaltar os seus principais eixos teóricos numa perspectiva sócio-histórica. Assim, fomos capazes de fazer menções descritivas acerca dos seus propósitos científicos ao longo da história da Geografia, enfocando que os seus conhecimentos passaram por processos de produções e (re)organizações, através de fontes científicas auxiliadas pelas construções teóricas de outras ciências. Destacamos os nossos aprendizados sobre os pressupostos históricos dessa ciência, ressaltando acerca dessa categoria que: “[...] ao longo da história da Geografia o conhecimento passou por produções, (re) organizando-se através de fontes científicas, auxiliando-se em outras ciências” (ANGICO, informação verbal, 2008b). Percebemos que Angico não apresenta os eixos centrais do processo de sistematização histórica da Geografia, nem elucida sua origem no enfoque sócio-histórico da humanidade. Ele faz referência aos discursos que caracterizaram a Geografia em cada momento histórico, sem considerar a construção inerente à evolução histórica de sua sistematização. Nesse sentido, faz-se necessário que retomemos os pressupostos científicos da sistematização da ciência geográfica, privilegiando a apreensão dos seus fundamentos filosóficos e epistemológicos. Nas elaborações de Jacarandá, não ocorre evidência acerca dos elementos condizentes com a origem das abordagens geográficas. Ela menciona que: “[...] na sua 147 trajetória histórico-social, os conhecimentos geográficos sofreram várias mudanças ocasionadas pela influência de orientações teóricas na produção dos seus saberes” (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). A concepção de Jacarandá denota clareza acerca das mudanças efetivadas nos eixos teórico-metodológicos da Geografia. Essas mudanças provocam novas leituras a respeito dos saberes geográficos no contexto sócio-histórico diante da presença do homem no espaço social, em face das suas interações com a natureza. Assim, concordamos com a necessidade de rever, sistematicamente, a origem da ciência geográfica diante das suas produções. Quanto a Carvalho, ela descreve as características que denotam a origem das abordagens geográficas, elucidando o perfil da humanidade nos primórdios das civilizações, que precisou efetivar deslocamentos espaciais para garantir sua sobrevivência e necessidades. Ela ressalta que: [...] muitos povos da antiguidade, como os gregos e egípcios, entre outros, eram comerciantes e navegadores, e buscavam o conhecimento dos fenômenos naturais e o domínio de rotas terrestres e marítimas... Os gregos, que muito aprenderam com os egípcios conseguiram dominar grande parte do mundo conhecido que, na época, se restringia ao Mediterrâneo. Eles se preocupavam em sistematizar as informações a respeito de nosso planeta e chamavam esses conhecimentos de Geografia. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Há, nas produções de Carvalho, ressalvas sobre a linearidade dos princípios norteadores das abordagens geográficas, desde a fase pré-científica até a fase científica. No entanto, ela não faz menção no tocante às questões que demarcaram o surgimento de cada abordagem geográfica no contexto da evolução sócio-histórica. Percebemos, pelas produções dos colaboradores, que o nível descritivo das suas concepções se referem à origem da ciência geográfica, sem mencionar as suas condições sócio-históricas propensas à produção do referido fenômeno. No entanto, podemos conferir que Carvalho tangencia a compreensão que obteve sobre a origem das abordagens geográficas, esclarecendo alguns princípios que o homem traçou para constituir saberes inerentes às produções no espaço geográfico. No entanto, em seu processo reflexivo não conseguiu tecer argumentações sobre a construção científica do referido processo. Concordamos ser necessário sistematizar momentos de estudos referentes aos pressupostos históricos que demarcaram a origem da ciência Geografia para que possamos internalizar as especificidades das suas abordagens. Essa tomada de posição permitirá que ocorra emancipação profissional, que repercutirá qualitativamente na nossa ação pedagógica. 148 6.2.2 O método científico que sustenta a tessitura teórico-metodológica das abordagens geográficas Todo conhecimento produzido é embasado num ideário filosófico que lhe confere o caráter científico e garante as condições da sua aplicabilidade. Esse método permanece em evidência enquanto as suas verdades predominam historicamente e se dissipam quando não dão sustentação aos anseios das sociedades científicas diante das suas demandas políticas e sociais. Quando abstraímos o sentido da aplicação do método em quaisquer situações vinculadas à dinâmica social, então teremos a possibilidade de extrapolar as evidências contidas nos discursos pertinentes às ciências de um modo geral. Assim, considerando tais características, tentamos evidenciar nas nossas produções os métodos científicos que orientam as bases teórico-metodológicas das abordagens geográficas no sentido de concebermos as correlações existentes entre o homem e a natureza, de acordo com os seus contextos sócio- históricos. Sobre essa categoria, os colaboradores mencionam: O discurso geográfico tradicional, baseado na lógica formal e fundamentado no método científico positivista, embasa-se numa visão empírica e naturalista. Os elementos geográficos restringiam-se a observações e descrições da paisagem, resultando na neutralidade da natureza e do próprio homem. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Denotamos um nível descritivo da concepção de Angico devido ao modo pelo qual ele enuncia o método presente nos conhecimentos geográficos tradicionais. Ao mesmo tempo, ele não evidencia as correntes filosóficas que dão embasamento às demais abordagens geográficas. Suas concepções vinculam os conhecimentos geográficos por meio da observação, descrição, sem perceber o sujeito social como componente imprescindível na estrutura social. O colaborador apenas aponta a influência do ideário do Positivismo sobre a realidade social na produção do pensamento geográfico. Nas produções de Jacarandá, há referência ao ideário filosófico do positivismo como método que embasa a Abordagem Geográfica Tradicional. Ela destaca que: O discurso da Geografia Tradicional se baseia no método positivista, a partir da visão empírica e naturalista da realidade. A proposta do referido discurso é superada pelo pragmatismo pós-guerra, fundamentada no ideário positivista, depois surge 149 outro movimento de renovação fundamentado no materialismo [...]. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). As afirmações de Jacarandá acerca das correntes filosóficas inerentes às abordagens geográficas ocorrem por meio de argumentos confusos no que diz respeito às interpretações dos significados e sentidos aplicados aos conhecimentos geográficos. Ela destacou, de modo descritivo, por meio da enunciação do fenômeno, a matriz filosófica da Abordagem Geográfica Tradicional. No entanto, nas suas construções, há incompreensão sobre os métodos que dão cientificidade às demais abordagens geográficas, requerendo, assim, novas discussões sobre a temática em estudo. Desse modo, consideramos rever, quanto à categoria em questão, os pressupostos que se fizeram presentes nos discursos que caracterizam as abordagens geográficas em cada momento de sua evolução científica. Nas exposições de Carvalho sobre a referida questão, podemos afirmar que não ocorre uma descrição do método aplicado à produção dos saberes das abordagens geográficas. Nas suas evidências ela identifica que: A Geografia começou a se estruturar como ciência na Alemanha, com Humboldt e Ritter. Eles deram à Geografia um método de análise, tentando estabelecer as relações entre os fenômenos que ocorrem nas diversas paisagens da superfície do planeta e desses com a ação da humanidade, sistematizando, enfim, o conhecimento geográfico e estabelecendo leis. O predomínio da Geografia Moderna sustentou-se enquanto as condições sociais foram propensas, ou seja, enquanto seus discursos convenceram as demandas socioeconômicas. Quando exauridos, deu espaço para que se instalasse o discurso da Geografia Renovada. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Ao enunciar a Geografia Crítica, Carvalho não explicita o método que a embasa, no entanto enuncia que: Devido à crise instalada advinda da superação da concepção tradicional, o centro das preocupações referentes às abordagens geográficas passa a ser as relações entre a sociedade, o trabalho e a natureza, decorrentes da apropriação dos recursos naturais pelo homem e na produção dos espaços diferenciados. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Carvalho não descreveu os métodos científicos presentes nas abordagens geográficas nem interpretou as características intrínsecas às correntes filosóficas inerentes a cada uma delas. Nesta perspectiva, faz-se suscetível ao sujeito social o entendimento de que o método científico consiste no desenvolvimento de concepções sobre o homem, a natureza, o conhecimento, segundo o momento histórico e as convicções da comunidade científica de 150 cada época. Para nós, colaboradores, adentrar nesse emaranhado de significações metodológicas implica aprofundamento teórico para internalizar os princípios filosóficos que sustentam a natureza teórico-metodológica das referidas abordagens geográficas. Todavia, a sistematização dos referidos estudos não foi suficiente para apreendermos as idéias fundamentais dos referidos aportes, destacando como um dos fatores que contribui para tal insuficiência, a saber, o tempo disponível ao desenvolvimento dos processos da formação continuada dos colaboradores, diante da complexa aquisição de novos saberes. Na visão de Tardif (2007, p.20): Esses saberes provêm de fontes diversas (formação inicial e contínua dos professores, currículo e socialização escolar, conhecimento das disciplinas a serem ensinadas, experiência na profissão, cultura pessoal e profissional, aprendizagem com pares, etc.). Portanto, entendemos que os saberes sobre os métodos científicos que dão sustentação filosófica às abordagens geográficas ainda estão sendo (re)elaborados e construídos por nós, colaboradores, no contexto das práticas pedagógicas que efetivamos em sala de aula e fora dela. 6.2.3 As teorias científicas construídas no bojo das abordagens geográficas As teorias científicas que se referem à natureza das abordagens geográficas atreladas ao processo de avanço e domínio das relações capitalistas são expressas nas nossas produções, conforme nosso entendimento no decorrer dos estudos, reflexões e aprofundamento teórico. As nossas compreensões sobre a referida categoria seguem conforme extraits abaixo: A Geografia Moderna – nas universidades inicia sua trajetória no contexto, pois torna-se responsável pelos traçados cartográficos (mapas, explorações de novas áreas e recursos). Essa nova aquisição de ideias vem alicerçada com o pensamento do século XIX, de Ratzel (Alemanha) e La Blache (França), relevando o Determinismo e o Possibilismo. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Angico ressalta, nas suas produções escritas, um enunciado ainda incompreensivo sobre as teorias científicas inerentes à Geografia, pois não destaca os aspectos relevantes da construção dos saberes sistematizados por essa ciência no contexto sócio-histórico de sua evolução social. 151 A concepção de Jacarandá sobre essa categoria sinaliza que: Assim, para poder alcançar a positividade prática e metodológica, a Geografia Moderna passou a incorporar o mesmo método das ciências naturais. É com este discurso que ela entra nas universidades, o homem age e influencia o espaço. O discurso do Determinismo Geográfico provoca influências, em que Vidal de La Blache lança o Possibilismo, focalizando que as pessoas poderiam atuar no meio. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Deduzimos que Jacarandá, além de apresentar imprecisões sobre as teorias científicas, não as adequou aos contextos históricos das abordagens em estudo. Assim, são necessários outros momentos de estudos, para adentrarmos, especificamente nas teorias que fundamentam as abordagens numa perspectiva de enunciar as nossas compreensões sobre o referido conteúdo. Tanto Angico quanto Jacarandá enunciam incompreensão acerca das teorias científicas construídas nas abordagens geográficas, restringindo-se às citações presentes na literatura do estudo, sem estabelecer, a partir delas, relações argumentativas resultantes de suas interpretações. Nas suas produções, Carvalho ressalta que: A Geografia começou a se estruturar como ciência na Alemanha com base nos enunciados de Von Humboldt e Karl Ritter. Humboldt e Ritter deram à Geografia um método de análise, tentando estabelecer as relações entre os fenômenos que ocorrem nas diversas paisagens da superfície do planeta e desses com a ação da humanidade, sistematizando, enfim, o conhecimento geográfico e estabelecendo leis. A partir daí, a Geografia passa a ter um caráter científico e acadêmico e a ser produzida e pensada nas universidades. Ainda no século XIX, a Geografia é reconhecida oficialmente e passa a ser ensinada nas escolas. A Teoria do Determinismo Geográfico, onde Friedrich Ratzel indicia o homem subordinado ao meio, afirma que as condições que a natureza exerce sobre a humanidade a influenciam. Ratzel ainda discorre que é na natureza que a humanidade encontra as possibilidades de expansão, criando, assim, o conceito de espaço vital, onde a população de um determinado local e os recursos disponíveis para as suas necessidades apresentariam equilíbrio. Essa teoria justificava a expansão imperialista da época. Outra teoria traz algumas controvérsias em relação à Teoria do Determinismo. Essa teoria do Possibilismo difundida por Vidal de La Blache, na França, defende que as pessoas poderiam atuar no meio físico, modificando-o e determinando o seu desenvolvimento, ou seja, as possibilidades para sobrevivência humana estão dispostas no meio natural, cabendo ao homem fazer uso desses recursos. A utilização desses elementos se daria a partir dos costumes e das técnicas diferenciadas e do desenvolvimento histórico de cada sociedade. O que diferenciava as sociedades seriam os modos de produção diversificados. Vidal de La Blache definiu a Geografia como uma ciência dos lugares e não dos homens. Outro pensamento que predominou no discurso geográfico foi o da Geografia Racionalista defendida por Richard Hartshorne. Ele formulou para a Geografia os conceitos de áreas e integração, defendendo a idéia de que o estudo geográfico não deveria isolar os elementos ou fenômenos, mas trabalhar com suas inter-relações, esclarecendo as 152 variações das diferentes áreas da superfície terrestre. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Carvalho destaca a relevância da Geografia Moderna no cenário sócio-histórico por meio das contribuições de Alexander Von Humboldt e Karl Ritter, na Alemanha. Quanto às teorias do Determinismo Geográfico e do Possibilismo, ela faz menção aos pressupostos por meio de Ratzel e La Blache, que implementaram o caráter de cientificidade do discurso geográfico tradicional. Esses referidos pressupostos passaram a ser incorporados nas academias e universidades. Percebemos nos enunciados de Carvalho uma progressão parcial desses conteúdos, por meio de descrições plausíveis restritas às abordagens geográficas tradicionais. Embora as produções tenham evidenciado alguns aspectos das suas teorizações, denotam componentes quantitativos com possibilidades para internalizações ainda progressivas, conforme aprofundamento do fenômeno estudado e pelas ações interpessoais e intrapessoais da inteireza formativa. Segundo Ibiapina (2006, p.61): Na perspectiva sócio-histórica, a internalização é o processo de apropriação gradual dos instrumentos socialmente construídos e a interiorização progressiva das operações psicológicas constituídas na vida social. Esse processo não é apenas acumulação de domínios sobre os instrumentos variados com caráter puramente aditivo, mas a reorganização da atividade psicológica do sujeito como produto de sua participação em situações sociais específicas. Por essa razão, compreendemos que a aplicação desse procedimento metodológico promoveu uma contínua produção de nossas concepções a respeito das teorias científicas presentes nas abordagens geográficas. Temos clareza que essas concepções não ocorrem de forma imediata e instantânea, pois sabemos que o sujeito social vai constituindo novos saberes a partir de sucessivas solicitações advindas das experiências individuais e coletivas que se estabelecem, cotidianamente, no espaço promovedor de aprendizagens, e assim vai solucionando o que objetiva nas suas incessantes buscas. Como esclarece Linblinskaia (1979, p.261): A solução encontrada significa para o indivíduo o estabelecimento de novas conexões, que formam o conteúdo dos novos conhecimentos que adquiriu. O abrir e fechar de uma nova conexão, de uma nova associação, significa a resolução do novo problema colocado perante o indivíduo. Nesse sentido concordamos que as nossas produções denotam um aprendizado parcial diante das teorias científicas que sistematizam as abordagens geográficas. Então faz-se 153 necessário provocar momentos de estudos para que nos apropriemos dos seus aspectos teórico-metodológicos. 6.2.4 Os conteúdos inerentes às matrizes conceptuais das abordagens geográficas Destacamos nas nossas produções os conteúdos presentes nas abordagens geográficas que dizem respeito às relações homem/natureza, ocorridas nas diferentes dimensões do espaço geográfico em cada tempo sócio-histórico. Esses conteúdos são responsáveis pela criação dos artefatos culturais produzidos pelos seres humanos nas dinâmicas de trabalho que são efetivadas entre si e com os outros em seus lugares de vida. Logo, os saberes produzidos nesses tempos emanam em conformidade com as necessidades e recursos disponíveis nas diferentes formações sociais. O extrait expresso a seguir sinaliza a categoria em voga: O pensamento busca a compreensão para que se entenda a prática pedagógica através das relações homem/natureza de acordo com o contexto sócio-histórico. Relação essa que se origina de forças produtivas próprias dos conhecimentos provocados pelo modo de vida de produção de cada momento histórico-social. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Angico faz destaque acerca desse aspecto de maneira genérica, contemplando os conteúdos das abordagens geográficas presentes na prática pedagógica sem distinção entre as suas particularidades. A sua concepção a respeito dos saberes contidos nas abordagens geográficas ainda sinaliza aquisição intelectual para alcances mais complexos, uma vez que não evidencia elementos conectivos entre o seu entendimento teórico e possíveis intervenções no modo de pensar a realidade. Rubinstein (1973, p.130) explica a respeito dessa questão que: Como actividade cognitiva e teórica, o pensamento está estreitamente vinculado à actuação. O ser humano conhece a realidade ao influir ou actuar sobre ela. Compreende o mundo, modificando-o. O pensamento não anda simplesmente acompanhado da actuação, nem está do pensamento; a actuação é antes a forma primitiva da forma existente do pensamento. É, então, pelo exercício reflexivo que o sujeito social vai ao encontro de critérios para encontrar soluções para seus questionamentos. Diante das concepções de Angico, que dizem respeito aos saberes contidos nas abordagens geográficas, produzidas após os Ciclos de 154 Estudos Reflexivos, destacamos que ainda há necessidade de organização de seu pensamento, diante da natureza das abordagens geográficas, fazendo destaque às suas referências ideológicas implícitas nas suas naturezas conceptuais e apropriadas pelo modo de produção para veicular os seus ideários. Angico faz referência aos conteúdos específicos das abordagens geográficas esclarecendo que: Abordagem Geográfica Tradicional – os elementos geográficos restringiam-se a observações e descrições da paisagem, resultando na neutralidade da natureza e do próprio homem. Abordagem Geográfica Humanista – acompanha a contemporaneidade, caracterizando-se na relevância que permeia o espaço da cultura, através de representações dos grupos sociais, das manifestações culturais relacionadas com o espaço- natureza, com o modo de produção condizente com as classes sociais. Abordagem Geográfica Crítica – o objetivo do estudo, a transformação que ocorre no meio, suas causas, efeitos e consequências. Abordagem Cultural – tendência da Geografia Humanística. Tem como eixo central, pois que servirá como objetivo é a particularidade do espaço. É a representação simbólica. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Angico descreve a respeito dos conteúdos presentes nessas abordagens, sem associações pertinentes aos objetivos da categoria em destaque, ou seja, ele não recorre ao referencial teórico para estabelecer internalizações precisas, apresentando parcialmente um nível de concepção descritiva, por meio da enunciação do fenômeno, em relação à Abordagem Geográfica Tradicional, requerendo ainda aprofundamento sobre os aspectos específicos das demais abordagens da nossa investigação. Jacarandá destaca os conteúdos inerentes às abordagens geográficas enfatizando que: “Em toda sua trajetória, os conhecimentos geográficos sofreram várias mudanças. Tais mudanças ocasionaram a produção de novos saberes” (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Denotamos que Jacarandá tem clareza que, no processo sócio-histórico, as mudanças acarretam novos saberes. No entanto, ela não menciona os saberes condizentes com as abordagens geográficas, pois esses, estando em movimento dialógico constante e simultâneo, são reelaborados no processo de produção, conforme demanda social das forças produtivas que caracterizam a conjuntura política de uma determinada época histórica como esboça Charlot (2005, p.58): Não há saber (de aprender) senão na relação com o saber (com o aprender). Toda relação com o saber (com o aprender) é também relação com o mundo, com os outros e consigo. Não existe saber (de aprender) se não está em jogo a relação com o mundo, com os outros e consigo. 155 Assim, no discorrer de suas produções, Jacarandá recorre ao referencial teórico das abordagens geográficas, apenas mencionando-as sem apontar sobre os saberes presentes nos conteúdos das abordagens geográficas, ou seja, ainda ocorre incompreensão a respeito do enfoque mencionado, requerendo momentos de estudos sobre o que se almeja alcançar. Carvalho menciona os conteúdos que caracterizaram as abordagens geográficas conforme, se segue: Os primórdios das civilizações remontam à predominância da fase pré-científica da Geografia em que a população praticava o hábito do nomadismo, deslocando-se de um lugar para outro, e reconhecendo novas áreas da superfície terrestre. Essa prática ocorria frequentemente, conforme as necessidades de sobrevivência desses povos. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Pelas exposições de Carvalho, compreendemos que as forças produtivas estavam atreladas diretamente à natureza, pois dela se extraiam produtos para consumo diário e imediato. Inexistia a relação de exploração entre os povos devido aos saberes produzidos, como também a precariedade de recursos técnicos que impossibilitava a produção material, a acumulação e o consumo excessivo de produtos, pois, segundo Soares Júnior (2000, p.16): Nas sociedades primitivas as forças produtivas embrionárias e os instrumentos de trabalho rudimentares exprimem uma produtividade que se restringe à demanda das necessidades do grupo comunal. O trabalho e a propriedade possuem um caráter coletivo e as relações sociais são predominantemente igualitárias. A terra é o meio de produção mais importante e a sua espacialidade abrange o espaço criatório, do cultivo, da coleta, da caça e da pesca. Carvalho explicita, na continuidade de suas produções, os conteúdos presentes nas abordagens geográficas, no momento em que essa ciência aponta para sua tessitura: No século XIX, praticamente todas as regiões do mundo já eram conhecidas, o que permitia uma avaliação mais global do planeta. A Geografia começou a se estruturar como ciência na Alemanha com Humboldt e Ritter. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). As produções de Carvalho enunciam a Geografia Moderna como sendo resultante de uma nova modalidade de relações sociais advindas das condições produzidas pelo contexto sócio-histórico. Os saberes contidos nessa abordagem ocasionaram o desenvolvimento de teorias que deram conotação científica à referida ciência. O advento da Geografia Moderna, de cunho tradicional, fecunda os pressupostos do Determinismo Geográfico (Alemanha) e do Possibilismo (França). Esses pressupostos 156 continham a difusão das relações ocorridas nos espaços estabelecidos pelo homem, conforme interesses de dominação da forças produtivas, intencionando o expansionismo territorial e sua apropriação, submetendo o homem à exploração do espaço geográfico, com o fim de produzir riquezas direcionadas à manutenção do capital. São exposições de Carvalho que justificam essa questão: Ratzel subordina o homem ao meio e afirma que as condições que a natureza exerce sobre a humanidade a influenciam. Ainda acrescenta que é na natureza que a humanidade encontra as possibilidades de expansão, elaborando o conceito de espaço vital, onde a população de um determinado local e os recursos disponíveis para as suas necessidades apresentariam equilíbrio. Essa teoria justificava a expansão imperialista da época. La Blache, em reação ao Determinismo, lançou o Possibilismo, que afirmava que as pessoas poderiam atuar no meio físico, modificando-o e determinando o seu desenvolvimento, ou seja, as possibilidades são oferecidas pelo meio natural, e sua utilização depende dos costumes e das técnicas diferenciadas e do desenvolvimento histórico de cada sociedade. O que diferenciaria as sociedades seriam os modos de produção diversificados. La Blache definiu a Geografia como uma ciência dos lugares e não dos homens. Quanto ao método regional proposto por Hartshorne, presente nos discursos da Geografia Moderna, Carvalho (2007) esclarece que: Hartshorne formulou para a Geografia os conceitos de áreas e integração. Ele defendia a idéia de que o estudo geográfico não deveria isolar os elementos, mas trabalhar com as suas inter-relações, esclarecendo as variações das diferentes áreas da superfície terrestre. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Para corroborar com suas construções, Carvalho busca nas teorizações de Moraes (2005, p.98-99), argumentos para enriquecer suas produções, assim tornando-as mais qualitativas: Os conceitos básicos formulados por Harstshorne foram os de “área” e de “integração”, ambos referidos ao método. A área seria uma parcela da superfície terrestre diferenciada pelo observador, que a delimita por seu caráter, isto é, a distingue das demais. [...] Hartshorne argumentou que os fenômenos variam de lugar a lugar, que as suas inter-relações também variam, e que os elementos possuem relações internas e externas à área. O caráter de cada área seria dado pela integração de fenômenos inter-relacionados. Assim, a análise deveria buscar a integração do maior número possível de fenômenos inter-relacionados. O movimento de Renovação da Geografia, no contexto sócio-histórico, está agregado à crise da Geografia Tradicional, surgida durante o século XX, associadas às produções intensivas e extensivas de novos saberes, que atestaram como insuficientes os métodos de 157 análises aplicados pela Geografia Moderna, devido às demandas acirradas que o capital conclamou. Carvalho produziu, com base nas suas reflexões, que: A acirrada concorrência favoreceu as grandes empresas, levando a fusões e incorporações que resultaram na formação de monopólios ou oligopólios em muitos setores da economia. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Para Carvalho, o arcabouço teórico constituído pelas abordagens geográficas a partir de sua sistematização, embora representando significativos avanços para reconhecimento espacial, contraditoriamente trouxe mazelas incomensuráveis ao planeta, estas ocasionadas pela ação desenfreada e inconsequente do homem. Ao mesmo tempo em que as condições sociais foram afetadas, fizeram com que se produzissem novas interpretações e seguidamente novas concepções para o surgimento da Geografia de cunho crítico. Essa é a evidência do processo dialético, a qual permite novos discursos se sobreporem aos já existentes. No tocante às abordagens geográficas tradicionais, essas já não comportavam as deliberações produzidas pelo capital. Sendo assim, permitiu o surgimento da Geografia Crítica. Konder (1997, p.39) ressalta as razões que validam novos pressupostos no cenário social afirmando que: “A modificação do todo só se realiza, de fato, após um acúmulo de mudanças nas partes que o compõem. Processam-se alterações setoriais, quantitativas, até que se alcança um ponto crítico que assinala a transformação qualitativa da totalidade”. Silva (1989, p.7) corrobora com o advento da Geografia Crítica, abordando o seu conteúdo, ao mesmo tempo subsidiando as produções construídas por Carvalho: A Geografia Crítica não trata do homem natureza como a tradicional faz, ela mostra como a natureza/humana é despojada de sua essência pelo capital, porque ele coisifica o homem em força de trabalho e só isso lhe interessa. Ela esclarece a relação homem/meio; a tradicional diz que essa relação se dá naturalmente, porque na lógica do capital todos os fatos acontecem naturalmente, não há determinações históricas. (CARVALHO, informação verbal, 2008b) Nesse sentido, os conteúdos da Abordagem Geográfica Crítica não encontram respaldo para sua viabilização, logo: [...] a influência marxista na Geografia começou a apresentar outros caminhos, possibilitando a interpretação da sociedade pela produção do espaço e aproximando essa interpretação de análises que levam em conta o valor e o antropocentrismo da vida social (TONINE, 2003, p.71-72). 158 A proposta da Geografia Cultural, enquanto vertente humanística, que leva em consideração o valor e o antropocentrismo da vida social, considera a interação entre o meio- físico e o homem, fator preponderante nas análises geográficas para compreender o espaço geográfico como herança cultural. Carvalho indicia que as possibilidades para implementação dos discursos de cunho humanística nas abordagens geográficas se destacam na Abordagem Geográfica Cultural. Segundo Gomes (2000, p.304), “A influência do humanismo, nestes últimos anos, nas ciências sociais, fez nascer uma enorme diversidade de concepções que se apresentam, todavia, sob o mesmo nome”. Em nosso entendimento, uma das concepções destacadas refere-se à Geografia Cultural. Tonine (2003, p.74) ainda ressalta que a Abordagem Geográfica Cultural endossa a concepção de que “As explicações geográficas começaram, então, a enfatizar a cultura com outro registro, como práticas de significação, como comunicação, como sinalização de valores”. Embora destacando essas considerações acerca dos pressupostos da Geografia Cultural, Carvalho (2007) não extrapola os seus conhecimentos prévios, pois não ocorrem evidências argumentativas por meio dos estudos e reflexões discorridas na aplicação dos procedimentos metodológicos. Diante dessas constatações, faz-se necessário um aprofundamento teórico da abordagem geográfica mencionada. As nossas análises apontam componentes teórico-metodológicos das abordagens geográficas, confrontadas por meio das nossas concepções prévias com aquelas constituídas sob fundamentação científica. As nossas reflexões e interpretações foram ressaltadas de acordo com a relevância do processo dialógico e colaborativo efetivados, no decorrer da pesquisa como também nos momentos intersubjetivos e intrassubjetivos da sistematização que a investigação demandou, pois como esclarecem Ribeiro e Guedes (2007, p.102): A prática reflexiva não se constitui em ato mecânico, e sua dinamicidade pressupõe novas intervenções nas práticas sociais e educativas. Por sua vez, o processo de reflexão é de fundamental importância para que os participantes ajam como construtores, considerando as mesmas condições de participação para todos. Os nossos esforços diante das aquisições das abordagens geográficas foram incomensuráveis e desafiantes, porém o nosso alcance decorreu no nível descritivo de nossas construções quando nos restringimos à enumeração do fenômeno em foco. No entanto, consideramos que as aprendizagens ocorridas foram significativas quanto aos aspectos de 159 desenvolvimento cognitivo, pessoal, afetivo, coletivo e profissional, mas indicativos da continuidade perante o objeto de estudo, pois suscitam outras discussões, interpretações para que ocorram um nível de alcance transformador, condizente com a capacidade humana de conceber o processo formativo-educativo como componente social desencadeador de ações eficazes, políticas, reflexivas e críticas sobre o espaço geográfico e social. Concordamos com a teorização de Pimenta (2007, p. 29-30) ao direcionar que: Produzir a vida do professor implica valorizar, como conteúdos de sua formação, seu trabalho crítico-reflexivo sobre as práticas que realiza e sobre suas experiências compartilhadas. Nesse sentido, entende que a teoria fornece pistas e chaves de leitura, mas o que o adulto retém está ligado a sua experiência. Mas isso não significa ficar ao nível dos saberes individuais. A formação passa sempre pela mobilização de vários tipos de saberes: saberes de uma prática reflexiva, saberes de uma teoria especializada, saberes de uma militância pedagógica. Assim, apreendemos que os nossos propósitos se coadunam com o exposto neste estudo, no sentido de constituir as novas expectativas de formação pessoal e profissional, com especificidade nas abordagens que ancoram criticamente a Geografia Escolar. Figura 6 - Ciclo de Estudos Reflexivos Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2009 160 Figura 7 – Tempo e Efetivação dos Ciclos de Estudos Reflexivos Fonte: Elaboração da pesquisadora, 2009. 161 7 OS SABERES DAS ABORDAGENS GEOGRÁFICAS: CONCEPÇÕES APREENDIDAS NAS TESSITURAS COLABORATIVAS O presente trabalho centra seu eixo de interesse na questão dos saberes dos professores dos anos iniciais sobre as concepções das abordagens geográficas, tendo como finalidade investigar os saberes do professor dos anos iniciais da Escola Fundamental em relação à natureza específica das abordagens geográficas e refletir sobre os resultados dessa investigação. Diante dessa questão, o nosso objeto de estudo se configurou primeiramente na exposição acerca dos nossos conhecimentos prévios das abordagens geográficas presentes na trajetória de formação e, desse modo, após confrontos mediante a efetivação das narrativas escritas e orais, prosseguimos nessa investigação, enveredando no aprofundamento teórico da tessitura das abordagens geográficas para, no processo final, elaborarmos as nossas concepções acerca do objeto de estudo, por meio dos Ciclos de Estudos Reflexivos. Nesse sentido, efetivamos uma investigação colaborativa cuja possibilidade sobressaiu-se em apresentar subsídios para que ocorressem a construção de concepções diante dos saberes dos professores no tocante ao ensino de Geografia, colaborando para a formação de um sujeito crítico e reflexivo mediante a realidade social apresentada. Sobre a abordagem colaborativa, Ibiapina e Ferreira (2005, p.29) esclarecem que: [...] as pesquisas colaborativas apresentam modelos investigativos que rompem com a lógica empírico-analítica a partir do uso da reflexão e da prática de colaboração como procedimentos que servem para os professores compreenderem ações, desenvolverem a capacidade de resolver problemas e trabalharem com mais profissionalismo. Desse modo, pôde-se compreender as tramas tecidas para que, no espaço educativo, saberes fossem disseminados pela ação e postura política de diversos professores, o que implica, “não pararmos satisfeitos ao nível das intuições, mas submetê-las à análise metodicamente rigorosa de nossa curiosidade epistemológica.” (FREIRE, 1996, p.51). Os procedimentos metodológicos aplicados para consolidar a nossa pesquisa permitiram, entre outras questões, compreender o contexto sócio-histórico em que foram produzidas as abordagens geográficas. Os referidos procedimentos corroboraram com as expectativas dos professores (colaboradores), no sentido de que estabelecêssemos as devidas 162 relações entre a teoria e prática inerentes às abordagens geográficas. Segundo Minayo (2007, p.176): A relação dinâmica entre teoria e empiria se expressa no fato de que a realidade informa a teoria, que, por sua vez, a antecede, permite percebê-la, formulá-la, dar conta dela, fazendo-a distinta, num processo de distanciamento, aproximação e reorganização. A teoria domina a construção do conhecimento por meio de conceitos gerais considerados verdadeiros. Seu aprofundamento, de forma crítica, permite desvendar dimensões não evidentes da realidade, mas o acesso a uma teoria ajuda apenas quando o investigador faz perguntas pertinentes e inteligentes sobre a realidade que pesquisa. Também destacamos que as reflexões favoreceram o nosso envolvimento, quer seja pela aplicação ou como facilitadores para as produções contínuas de conhecimentos. Nesse percurso investigativo, a pesquisa colaborativa como abordagem que direciona à “[...] resolução dos problemas sociais, especialmente aqueles vivenciados na escola, contribuindo com a disseminação de atitudes que motivam a co-produção de conhecimentos [...]” (IBIAPINA, 2008, p.23), permitiu que os professores (colaboradores) confrontassem, os seus saberes prévios das abordagens geográficas e, diante dos pressupostos críticos da Geografia Escolar, tivessem alcances transformadores de suas concepções. Desta feita, as interpretações a respeito do objeto de estudo em foco sucederam na tentativa de buscar alternativas que contribuíssem para uma emancipação em relação às práticas pedagógicas no interior do espaço educativo sobre os saberes das abordagens geográficas. Por meio das evocações dos nossos conhecimentos prévios sobre as abordagens geográficas, interpretamos o cenário sociopolítico em que se deu a nossa formação básica na pretensão de entender as razões que justificavam a sua disseminação no espaço escolar. Nesse contexto, compreendemos que os saberes, de um modo geral, e em particular os geográficos, produzidos pela humanidade, sobretudo a partir da divisão da sociedade em classes antagônicas, estão intrinsecamente relacionados às demandas ocasionadas pela necessidade dos grupos sociais, necessidades essas que podem ser reais ou criadas a partir dos interesses da classe dominante. Segundo Durkheim (1979, p.45): O homem não veio a conhecer a sede do saber senão quando a sociedade sentiu que seria necessário fazê-lo. Esse momento veio quando a vida social, sob todas as formas, se tornou demasiado complexa para poder funcionar de outro modo que não fosse pelo pensamento refletido, isto é, pelo pensamento esclarecido pela ciência. Então a cultura científica tornou-se indispensável; e é essa a razão pela qual a sociedade reclama de seus membros e a impõe a todos, como um dever. 163 Pelo exercício colaborativo e de reflexivas ocorrido de momentos intersubjetivos e intrassubjetivos, destacamos os saberes internalizados relativos às abordagens geográficas, permitindo o seu confronto com perspectivas à construção de outros enfoques de análises, fundamentais à produção de novas concepções à luz do saber crítico. Essa postura permite, de acordo com Nóvoa (1992, p.25): Estimular uma perspectiva crítica reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de auto-formação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade profissional. Tomamos como parâmetro para as nossas análises as categorias das abordagens geográficas a seguir: A origem da ciência Geografia, o método que sustentou seus discursos, teorias científicas e os conteúdos particulares das referidas abordagens. Nessa análise, os nossos conhecimentos prévios trazidos pelas narrativas tópicas foram expressos para conduzirem aos confrontos das abordagens geográficas, mediante os pressupostos produzidos pela literatura de Tonine (2003). As primeiras revelações sobre os saberes das abordagens geográficas contidas nas narrativas escritas e/ou orais apontam o modo como os diferentes professores desenvolviam, no espaço escolar, sua práxis pedagógica sobre os saberes das abordagens geográficas. Angico, Jacarandá e Carvalho narram que: [...] recordo-me que visava-se uma metodologia, em que a professora trabalhava a memorização, valorizando atividades de coordenação motora (onde se ligava pontos) para formar uma figura, reconhecendo aspectos trabalhados como bairro, rua, escola, igreja. Enfatizavam-se também os parentescos, as datas cívicas e sociais do mês. [...] a educação se preocupava com a decoreba, a repetição [...]. (ANGICO, informação verbal, 2008b). [...] de uma maneira tradicional, onde o professor se preocupava apenas em cumprir com os conteúdos programados nos livros [...] fazia-se uso de mapas. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). [...] de uma forma rígida e mecânica, bastante tradicional quanto a postura da professora ao fazer chamadas orais de Estudos Sociais. Através de questionários, a definição de algumas formas de relevo, tais como: O que é montanha? O que é planalto? Entre outras definições. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). [...] as aulas eram muito mecanizadas, resumiam-se a fazermos a cópia do apontamento, ler o texto, responder às questões, reproduzir os mapas e pesquisar a biografia das pessoas ilustres [...] (ANGICO, informação verbal, 2008b). [...] o enfoque maior era a leitura e escrita [...]. Os textos abordavam as moradias, bairros, meios de transportes. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). 164 [...] reproduzindo os apontamentos no caderno que eram copiados no quadro- negro de acordo com a série que estava estudando [...] (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Constatamos, por meio desses extraits, que no contexto sócio-histórico da nossa formação básica, a predominância dos conteúdos geográficos ocorria sem associações à respeito da dimensão sociopolítica dos fatos, do entorno social e das vivências dos sujeitos ali configurados. Sobre essa questão, esclarece Freitag (1980, p.16) que: Os conteúdos da educação são independentes das vontades individuais; são as normas e os valores desenvolvidos por uma certa sociedade (ou grupo social) em determinado momento histórico, que adquirem certa generalidade e com isso uma natureza própria, tornando-se assim ‘coisas exteriores’ aos indivíduos. O contexto político-econômico da nossa formação inicial, que tinha como amparo legal a Lei 5.692/71 - cujo teor estava vinculado aos princípios regidos pelo modo de produção e suas necessidades, atreladas às forças produtivas - enfatizava a mão-de-obra qualificada, disciplinada, regrada, voltada a se acomodar às perspectivas e interesses que o capital impunha. Esses interesses denotavam as características do capital monopolista, que exigia ações pedagógicas, no interior da escola, que desencadeassem habilidades, atitudes e procedimentos em conformidade com suas demandas de produção. Dessa forma, a escola adequava-se a tais perspectivas, reproduzindo, por meio da difusão de conteúdos, os saberes geográficos que não priorizavam a atividade intelectual e a crítica dos sujeitos implicados, mas, ao contrário a repetição e a memorização do que se designava importante conhecer, através de aplicação de questionários longos, com destaque para definições dos conteúdos geográficos que se exigiam de forma escrita ou em chamadas orais. Por essa razão, justifica-se não só o modo como aprendemos os conteúdos dos saberes geográficos, como também a postura assumida pelos professores para propagação dos referidos conteúdos. Os saberes geográficos apreendidos, durante nosso percurso formativo privilegiaram a relação professor-saber. Esses saberes, no laborar do professor se pautaram na racionalidade técnica que, de acordo com Pereira (2002, p.22), remetiam à figura do professor “[...] como um técnico, um especialista que rigorosamente põe em prática as regras científicas e/ou pedagógicas do sistema escolar”. Esses saberes, provenientes dos conhecimentos universais, 165 foram postos nos currículos e, na maioria das vezes, foram reproduzidos em livros didáticos para serem ensinados nos espaços educativos, sem que fossem questionados. A forma pela qual os alunos incorporavam os saberes produzidos se distancia dos seus interesses e de associações das experiências vividas. Essa era uma concepção centrada nos princípios tradicionais que suscitava do sujeito social a atividade mental, por meio da memorização dos conteúdos de um modo geral. Assim, “A pedagogia tradicional diferencia os homens apenas por sua capacidade de ocupar essa ou aquela posição na divisão do trabalho, no sentido de complementaridade de atividades individuais que refletem a capacidade de cada um”.(LOPES, 2007, p.69). As preocupações, no tocante à formação do sujeito social, eram apenas relacionadas à organização e a didatização, segundo concepções tradicionais, para cumprimento dos saberes propostos e, nesse sentido, os sujeitos sociais - os alunos - apenas deveriam estar prontos para assimilarem quaisquer que fossem os conteúdos estabelecidos. Na concepção pedagógica de cunho tradicional, “podemos perceber que não há nela a possibilidade de emancipação humana, por conceber o homem como constituído por uma essência imutável, cabendo à educação conformar-se à essência humana”. (LOPES, 2007, p.75). Os aprofundamentos teóricos que caracterizam a tessitura das abordagens geográficas, ocorrido por meio dos Seminários de Estudos Reflexivos permitiram que tivéssemos conhecimento acerca dos pressupostos que permeiam a sua constituição e instituição no espaço educativo. Nesse sentido, confrontamos, à luz das produções científicas, os nossos conhecimentos prévios e, após sua efetivação, apresentamos avanços que se referem a menções por nós expressas nas nossas produções. Essa afirmação decorre, entre outras questões, do fato de ser essa temática um desafio complexo: estudar e apresentar ao grupo (colaboradores) os conteúdos que embasam as referidas abordagens. Percebemos, no decorrer das nossas produções, que ainda existem lacunas acerca do assunto abordado, requerendo de nós diversas aproximações diante dos pressupostos históricos da evolução do pensamento geográfico para que nos apropriemos sistematicamente da essência do seu conteúdo. As produções, mencionadas a seguir, não apontam avanços transformadores das nossas concepções sobre as abordagens geográficas. Ficamos limitados à literatura da autora referência para estudos dos Seminários de Estudos Reflexivos, sem transpor as suas análises por meio de interpretações e argumentações sobre sua teoria. 166 Produções dos colaboradores: A autora inicia a sua teorização “Ponto de Entrada” dando ênfase à importância da história de qualquer disciplina. Aponta que a Geografia merece destaque, uma vez que enfoca o contexto das relações sociais, em está implicada a luta de classe. As duas teorias estão ligadas ao ideário do Positivismo, no sentido de apresentar a ciência geográfica, entre outros aspectos, à concepção tradicional. Embora, essas teorias, explicitassem sobre o espaço e o homem, não davam ênfase à questão das relações sociais no contexto de classes distintas: classe dominante e classe dominada. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). Nesse capítulo, a autora aborda a primeira proposta na tentativa de demarcar o objeto de estudo da Geografia: a relação entre o homem e a natureza. Embora as coisas do mundo sempre sejam objetos de especulação filosófica, elas aparecem com outras perspectivas no pensamento kantiano. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Tonine é muito feliz nas suas exposições porque ela traz um linguajar bem prático, porque a gente não precisa estar recorrendo a outras fontes. E nesse capítulo - “Trilhando o status acadêmico” - ela vai mostrar que a Geografia alcançou as condições para ser disciplina no contexto escolar porque até então não tinha. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Sobre essa temática, a autora aborda o discurso pedagógico a partir de eixos centrais: a Nova Geografia, a Geografia Crítica e a Geografia Humanística. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). As produções sobre os saberes das abordagens geográficas expressas por nós (colaboradores) apontam, de forma sutil, fragmentos das premissas em relação às referidas abordagens, suscitando a necessidade de estudos sistemáticos sobre o objeto de estudo em foco, devido a não compreensão da temática abordada pela autora. O tempo que tivemos disponível nesse processo investigativo, não foi suficiente para que transpuséssemos as nossas expectativas para novas concepções sobre as abordagens referidas. Isso confirma que somente internalizamos novos saberes, quando somos capazes de relacionar os já existentes àqueles que somos motivados a internalizar. Esse processo exige atividade mental contínua e é proveniente das ações dialógicas, colaborativas e reflexivas, além de dispositivos propensos para essa efetivação. Como esclarece Rubinstein (1973, p.140): Todo processo mental é, por sua estrutura, um acto orientado para a solução de uma determinada tarefa ou de um determinado problema. Este problema atribui uma finalidade à actividade mental do indivíduo, a qual vinculada às condições em que o problema se apresenta. Todo acto mental de um indivíduo é derivado de um motivo qualquer. O factor inicial do processo mental é, em regra, a situação problemática. O homem começa a pensar ao sentir a necessidade de compreender. O pensar começa normalmente com um problema ou com uma questão, com algo que despertou a admiração ou a confusão, ou ainda com uma contradição. 167 Concluímos que o aprofundamento teórico, por meio dos Seminários de Estudos Reflexivos, sucedeu em conformidade com o embasamento teórico, demandando estudo coletivo e/ou individual e exposição dos colaboradores da pesquisa, de forma comprometida e colaborativa ao que nos propusemos construir. No entanto, ainda não ocasionaram superações complexas dos nossos conhecimentos prévios sobre as abordagens geográficas, em razão do tempo, e muito mais pela não habilidade interpretativa que o conteúdo exige, muito embora tenhamos nos empenhado nesse fazer pedagógico que a pesquisa propõe, ou seja, os encontros, discussões e interlocuções ocorridas não nos conduziram a alcances transformadores das nossas concepções. Na continuidade das nossas produções, nos enveredamos na efetivação dos Ciclos dos Estudos Reflexivos, que emitem as produções individuais finais da nossa investigação. Esse procedimento metodológico sugere, após ações interativas, dialógicas e colaborativas, reelaborações dos conhecimentos internalizados dos saberes das abordagens geográficas, representando possibilidades para novas concepções, propensas aos pressupostos críticos de sua abordagem. Os Ciclos de Estudos Reflexivos se pautaram nas tentativas de (re) construções propriamente ditas, objetivadas neste estudo investigativo. No entanto, constatamos, após aplicação do referido procedimento metodológico, que os nossos propósitos não foram galgados, por razões já mencionadas anteriormente. Assim, inte-relacionando as produções ocorridas nesse percurso investigativo, percebemos que as nossas concepções acerca dos saberes das abordagens geográficas sinalizam alcance descritivo, sem que ocorressem interpretação das abordagens geográficas para alcances transformadores das nossas concepções. No entanto, concordamos com o que expressa Fontana (2003, p.73): Na dinâmica discursiva, tecida encontro a encontro, mediadas por nossos pares, fomos nos dando conta, cada uma a seu modo, das professoras existentes em nós. No ‘drama’ de elaborá-las (e de percebermos o quanto éramos também por elas), construímos um saber coletivo sobre o fazer pedagógico e sobre a constituição do ser professora. Tivemos o privilégio de confrontarmos os nossos saberes prévios com as produções científicas da disciplina em destaque o que nos possibilitou interagir com os seus pressupostos críticos. Ocorreram confrontos que se expressaram nas nossas interlocuções e pelo inter- relacionamento ocorrido a respeito dos elementos políticos e sociais presentes na elaboração da Geografia Escolar. 168 Esses momentos foram singulares e de significativa repercussão qualitativa para nós, colaboradores pois não é notório e de conhecimento nosso, que nas instâncias educativas, de um modo geral, pesquisas com este caráter científico relacionados aos saberes geográficos ocorram e, por assim ser, evidenciamos a nossa contribuição: de produzir no espaço educativo ações interativas, reflexivas e colaborativas acerca das abordagens geográficas que repercutam em novas concepções dessa disciplina. Entendemos que a prática docente deve estar em constante atualização com a realidade social, pois ela sinaliza as demandas advindas da interação e ação dos sujeitos envolvidos na dinâmica social, que é caracterizada por um permanente movimento dialético, cujo conhecimento produzido deve ser confrontado e dele extraído elementos qualitativos para novas aprendizagens. Esse processo implica constantes estudos, pesquisas que norteiam construções/desconstruções/reconstruções acerca das lacunas existentes no processo da prática pedagógica, em particular acerca do Ensino da Geografia. Esse processo de formação continuada é ressaltado por Ramalho, Nuñez e Gauthier (2003, p.68) ao afirmar que: O desenvolvimento profissional é favorecido quando os professores têm oportunidades de refletir, pesquisar de forma crítica, com seus pares, sobre as práticas educativas; explicitam suas crenças e preocupações, analisam os contextos e a partir dessas informações experimentam novas formas para suas práticas educativas. Assim, esse processo possibilita a autonomia compartilhada e uma forma de articular teoria e prática. Pelo exposto, apontamos ser essencial a continuidade sistemática de estudos sobre a temática que se apresenta, pois como afirmam os colaboradores: Eu vejo que eu ainda preciso [...]. Ver mais coisas ainda, que aprender bastantes coisas ainda, para poder tornar o ensino da Geografia mais sistematizado e mais produtivo. (ANGICO, informação verbal, 2008b). Quanto a minha formação profissional, eu considero que foi de grande relevância no meu processo a prática de sala de aula, pois percebi o quanto sou responsável para provocar nos meus alunos saberes mais importantes da Geografia. A pesquisa com certeza vai permitir que eu pense, reflita sobre as melhores formas de abordar os conteúdos da Geografia. (JACARANDÁ, informação verbal, 2008b). Somente por meio da pesquisa ocorrem mudanças quanto às perspectivas de significar os saberes atrelados ao ensino da Geografia. Ainda proponho que intensifiquemos os estudos sobre a temática, pois não se esgotaram os questionamentos, a propósito dos saberes geográficos. (CARVALHO, informação verbal, 2008b). 169 Nessa direção, os estudos de Brito (2007, p.11) recomendam que: [...] a atividade de planejar seja assumida como atitude, como ação libertadora que, a rigor, demanda o trabalho coletivo e a reflexão crítica. [...] o planejamento supõe as condições de ensino e aprendizagem como eixos que focam professores e estudantes na condição de sujeitos da construção e da reconstrução do saber sistematizado. Por essa razão, a pesquisa de cunho colaborativo aponta para significativas contribuições individuais e para o coletivo proveniente das concepções acerca das abordagens geográficas. Convém ainda salientar que os fatores atenuantes para que alcances transformadores não tenham sucedido recaem sobre o curto tempo que tínhamos disponível para compor a pesquisa, pois, enquanto professores dos anos iniciais, sabemos das limitações procedentes das questões sociopolíticas que comprometem a nossa formação pessoal e profissional e, consequentemente, a qualificação do ensino; também ressaltamos a nossa dificuldade interpretativa frente ao conteúdo proposto. Buscamos incessantemente alcances transformadores a partir dos procedimentos metodológicos aplicados para que ocorressem superações pessoais e profissionais. No entanto, esses patamares prosseguem continuamente a partir de sistematizações de estudos sobre as abordagens geográficas. As nossas construções e reflexões sobre os saberes das abordagens geográficas evidenciam nossa capacidade profissional de transformar o fato educativo em um ato crítico, submetido a reflexões constantes diante da realidade social. Os saberes das abordagens geográficas podem possibilitar o questionamento entre outros elementos das práticas educativas ocorridas no espaço escolar para que haja apreensão diante da segregação social produzida pelo domínio desordenado e irresponsável do homem sobre o espaço geográfico. Esse é o nosso ponto de chegada e de partidas sucessivas, que se constituem em buscas condizentes com o nosso processo formativo. Essas são as nossas certezas diante do cenário educativo de nossa formação e que a pesquisa, especificamente a pesquisa de cunho colaborativo, favorece. Concebemos, como afirma Fontana (2003, p.71), que: A dinâmica discursiva tecida nesses encontros foi o caminho para o estudo e para a pesquisa a que nos propusemos seu material e também seu resultado. Ela mediou e constituiu a explicitação do ‘ser profissional’ de cada uma de nós, para nós mesmas . Sua configuração foi determinada pelos projetos de cada um das participantes do grupo e pelo modo como, juntas realizamos esses projetos na relação que fomos construindo. 170 Concluído esse percurso investigativo, deduzimos que o nosso esforço aponta para a continuidade do objeto de estudo proposto e, assim, promover a emancipação profissional acerca dos conteúdos das abordagens geográficas. Requeremos outras aproximações diante das abordagens geográficas, haja vista que esses conhecimentos não apresentavam conotações abrangentes no nosso processo escolar para formação de habilidades constitutivas de contextualização, questionamentos ou outras habilidades que exigissem de nós, colaboradores inserção mais complexa perante o contexto sócio-histórico. No entanto, consideramos que a nossa compreensão se deu de forma gradual e originou-se do pensamento reflexivo a partir de associações permanentes e dinâmicas que impulsionam revelações de novos saberes ou saberes (re) construídos das abordagens geográficas. Para Ferreira (2007b, p.13): À semelhança de qualquer atividade mental, o pensar se encontra simultaneamente conectado à textura geral e unitária da vida psíquica do ser humano que se encontra em inter-relação com todos os aspectos da sua atividade (necessidades, afetividade, vontade, consciência, imaginação, linguagem, etc.), conservando, todavia, o que o distingue essencial e qualitativamente dos demais processos e funções psíquicas. As internalizações sucedidas emitiram as reconstruções coletivas, afetivas e sociais que são resultantes do percurso estabelecido, ao longo desse processo investigativo, a partir da compreensão e subjetividade de cada colaborador(a) ao permitir (re)construções e produções de conhecimentos, expressando avanços objetivados, no sentido de investigar e refletir acerca da natureza das abordagens geográficas dos professores da Escola Fundamental. O processo em voga permitiu que visualizássemos a dinâmica das relações e forças sociais conforme princípios da dialética que, de acordo com Kopin (1972, p.229): [...] reflete o conjunto de leis do mundo objetivo sob um ângulo que mostra como o homem deve atuar para atingir o novo no conhecimento e na prática. Essa face subjetiva do método é, às vezes, absolutizada, quando é apresentada como um conjunto de procedimentos não relacionados com o mundo objetivo. Consideramos perante o processo investigativo que saltos qualitativos ocorreram desde o momento de adesão à pesquisa, confirmando-se em todo o seu desenvolvimento, por meio do nosso empenho e desejo de contribuirmos com aquilo que inquieta a nossa prática pedagógica - reconstruir: os saberes das abordagens geográficas pois, representa nosso compromisso e responsabilidade em relação à arte de educar a si e ao outro. Como afirma Charlot (2000, p.78 79): 171 Por fim, a relação com o saber é relação com o tempo. A apropriação do mundo, a construção de si mesmo, a inscrição em uma rede de relações com os outros – ‘o aprender’ – requerem tempo e jamais acabam. Esse tempo é o de uma história: a da espécie humana, que transmite um patrimônio a cada geração; a do sujeito; a da linhagem que engendrou o sujeito e que ele engendrará. Esse tempo não é homogêneo, é ritmado por ‘momentos’ significativos, por ocasiões, por rupturas; é o tempo da aventura humana, a da espécie, a do indivíduo. Esse tempo, por fim, se desenvolve em três dimensões, que se interpenetram e se supõem uma à outra: o presente, o passado, o futuro. A pesquisa colaborativa sucedeu mediante leituras e discussões, com especificidade acerca das abordagens geográficas. Nesse processo, enaltecemos as perspectivas sócio- históricas ao privilegiarmos as ações sociais do sujeito diante do seu fazer, remetendo, por meio de confrontos, interpretações e superações das questões sociais da realidade na qual estamos inseridos, pois como afirma Ferreira (2006, p.70): [...] o processo de formação demarca-se como constante e contínuo, articula-se aos diferentes tempos e espaços, implicando experiências e aprendizagens construídas ao longo da vida e perpassa o tempo de formação inicial e de aprendizagem institucionalizada da profissão. Reflete também as intenções e deliberações forjadas nas políticas educacionais como forma de controle e organização das mudanças educativas em diferentes momentos sócio-históricos. Suscitam ainda questionamentos que podem conduzir a reflexões que permitam avançar a nossa compreensão acerca dos processos formativos e de sua interferência nas práticas que se efetivam nas instituições educacionais. Assim se compôs esse processo, por meio de interações colaborativas, em prol da nossa emancipação social, profissional, política, pessoal, cultural e afetivo-emocional. 172 REFERÊNCIAS AGUIAR, Olivette Rufino Borges Prado; FERREIRA, Maria Salonilde. Ciclos de estudos reflexivos: uma estratégia de desenvolvimento profissional docente. In: IBIAPINA, Ivana Maria Lopes de Melo; RIBEIRO, Márcia Maria Gurgel; FERREIRA, Maria Salonilde (Orgs.). Pesquisa em educação: múltiplos olhares. Brasília: Líber Livro Editora, 2007. p. 73- 95. AMADO, João. A Técnica de Análise de Conteúdo. Revista de Educação e Formação em Enfermagem, (ESE-A.F), n. 5, p. 53-63, 2000. ANGICO. Narrativa Escrita em 17 nov. 2007. ANGICO. Narrativa Escrita em 9 jan. 2008a. ANGICO. Narrativa Oral em 15 fev. 2008b. AQUINO, Rubim Santos Leão de. Histórias das sociedades: das comunidades primitivas à sociedades medievais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. ARNAL, Justo; DEL RINCÓN Délio; LATORRE, Antônio. 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Terceira: “Narrativa Oral” – Recurso utilizado: Gravador Data: 15/02/2008 Questão Norteadora Narre sobre os fatos marcantes que estão associados ao ensino da Geografia durante o percurso de formação. 182 APÊNDICE B TERMO DE ADESÃO Eu , RG nº , abaixo assinado, concordo em participar do projeto de pesquisa do Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação da UFRN/Natal/RN, da aluna Márcia Maria Dias, matrícula nº. 200782304, intitulado “Os Saberes do Professor da Escola Fundamental sobre as Abordagens do Pensamento Geográfico: perspectivas de (re)construção”, como partícipe. Tive pleno conhecimento das informações que li ou que foram lidas para mim, descrevendo o estudo citado. Discuti com a aluna, a professora Márcia Maria Dias, a pesquisadora, sobre a minha decisão em participar desse estudo, os procedimentos a serem realizados e seus desconfortos, as garantias de sigilo e de esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que a minha participação é isenta de despesas relativas à construção da empiria. Concordo, voluntariamente, em participar deste estudo e poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo. A retirada do consentimento da participação no estudo não acarretará em penalidades ou prejuízos pessoais. Compete-me apenas informar, com antecedência, à pesquisadora a minha decisão. Natal, de de 2007. Assinatura da colaboradora: Assinatura da Pesquisadora: Presenciamos a solicitação de adesão, esclarecimentos sobre a pesquisa e aceite da colaboradora em participar. Testemunhas: Nome: Assinatura: Nome: Assinatura: 183 APÊNDICE C REFERÊNCIAS TEÓRICAS PARA APROFUNDAMENTO NOS SEMINÁRIOS DE ESTUDOS REFLEXIVOS E CICLOS DE ESTUDOS REFLEXIVOS DESGAGNÉ, Serge. O conceito de pesquisa colaborativa: a idéia de uma aproximação entre pesquisadores universitários e professores práticos. Revista Educação em Questão, Natal, v.29, n.15,p.7-35, maio/ago.2007. 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TONINE, Ivaine Maria. Geografia escolar: uma história sobre seus discursos pedagógicos – Ijuí: Ed. Unijuí, 2003. 184 APÊNDICE D TRANSCRIÇÃO DA NARRATIVA DE FORMAÇÃO ORAL Data: 15/02/2008 Eu sou Angico, estou com o 4º ano do Ensino Fundamental e narrando sobre as questões que me foram solicitadas... em relação a minha vida escolar, poucas lembranças eu tenho do ensino da Geografia. No primeiro grau em relação aos séries iniciais eu não tenho lembrança nenhuma... e as séries finais do primeiro grau menor, eu tenho uma lembrança pequena né, onde eu via a Geografia, ela era trabalhada de forma muito teorizada... e nós tínhamos o que? Tínhamos pouco material de acesso, e nenhuma construção... é tanto que até eu me tornar adulto, eu sentia muita dificuldade na questão de localização, de lateralidade... Por que? Porque isso não me foi trabalhado...eu não tenho lembrança de isso ter sido trabalhado, na época onde eu era aluno... hoje já com a formação acadêmica, mais sistematizada, eu já vejo por outra visão... mas em virtude de ter sentido muita dificuldade na época que eu deveria ter aprendido, eu ainda encontro essa dificuldade né? No meu processo de formação..., eu entrei no curso, Curso Normal Superior do Instituto Kennedy, onde a Geografia me foi repassada com uma visão bem construtiva...só que o tempo foi muito curto. Eu paguei duas Geografia: a 1 e a 2,onde a professora era excelente, trabalhava muita construção...muita coisa assim prática, relacionada com a vivência do aluno, mas a gente esbarra na questão tempo. Então eu encontrei dificuldade também nisso aí, né? E...com os meus alunos, eu encontro dificuldade ainda, mas dentro das teorias que eu vi, do que eu busco até hoje, e procuro fazer com que eles construam desde a sua base, o seu espaço, onde eles estão, a localização da escola; a questão da lateralidade, dos vizinhos, pra ir abrangendo né? Eu vejo que eu ainda preciso...e é ver mais coisas ainda, que aprender bastante coisas ainda, pra poder tornar o ensino da Geografia mais sistematizado e mais produtivo”. Angico, colaborador da pesquisa. Meu nome é Jacarandá, sou professora, este ano, estarei atuando no 4º ano do Ensino Fundamental, e vou falar um pouco sobre as minhas experiências marcantes, os fatos marcantes que aconteceram durante toda a minha vida escolar, né? Eu quero iniciar, os primeiros anos das séries iniciais que anteriormente, chamados 1ª à 4ª séries...é e nesses anos eu via Geografia muito...é colocada dentro das outras disciplinas. Não tinha assim...aquele momento pra se estudar ciências, então...assim dentro de um texto, dentro de uma vivência...é de uma experiência de aluno, e ali a gente via alguma coisa relacionada a Geografia. E por 185 muitas vezes não era nem colocado como: olha nisso aqui se refere a Geografia, não era colocado assim. Era uma coisa muito fechada, onde a prioridade maior era sempre o aprender a ler e escrever e, a questão das disciplinas ficavam muito de lado. Quando eu chego da 5ª série à 8ª série, então a minha expectativa era muito grande, por que? Eu via que lá os alunos já estudavam o que? História, Geografia, Ciências. Eu via isso. Como ia abrir novos horizontes pra mim...e eu... é...é...vi esse período como um período muito importante pra minha vida. Só que quando eu passei a ver a Geografia, não era aquilo que eu imaginava que fosse. Era conteúdos, conteúdos de livros. Tínhamos que seguir aqueles conteúdos, e poucas explicações; nas avaliações, éramos avaliados por provas, que anteriormente era dado um questionário pra você ali através do questionário, estudar o que iria cair naquela prova, e resumia-se só em colocar os conceitos, e só. Nas aulas, nas explicações de aulas, quando muito se tinha um recurso didático, era o mapa, só isso. Cheguei ao Ensino Médio, aí já não tinha Geografia, porque eu fiz o magistério, nós víamos o que? A metodologia de ensino, de Estudos Sociais. E na metodologia de Estudos Sociais, nós já íamos preparar aulas de Estudos Sociais pra darmos aulas, no caso do meu estágio que foi no 2º ano, e preparávamos aula de acordo com o que a professora nos orientava, e só. Então tinha de seguir aquilo e fazíamos o nosso planejamento e aplicávamos nas aulas de estágio. Era uma semana de para observação e outra para darmos aulas, ali terminava o estágio.Quando eu cheguei no meu curso de Pedagogia que eu fiz na Universidade Estadual Vale do Acaraú, lá nós tínhamos a prática de Ciências, de Português, de Estudos Sociais também, e foi muito curto, eu considero que foi o mais rico, porque veio novas maneiras, novas formas,novas abordagens, pra nós colocarmos em prática na sala de aula. Trabalhamos no estágio essa metodologia de Estudos Sociais, a prática de ensino de Estudos Sociais, e pra mim foi o período melhor, onde eu assimilei mais, já passei a ver a Geografia como algo mais diferente, não só os conceitos. Eu lembro que, é uma coisa na Geografia que eu tive dificuldade foi em decorar os estados e as capitais e ali era dado uma lista pra nós decorarmos aquilo tudo. Foi assim um fato marcante, eu não conseguia decorar, e isso me causava um trauma, porque vários alunos já traziam na ponta da língua, e um fato marcante desse período foi na 6ª série, e foi feita uma avaliação pela professora através de chamada oral; ela dizia... então o aluno ia até a mesa e lá, ela perguntava, fazia as perguntas, duas ou três, e uma das perguntas era essa, pra dizer o estado e sua capital; e eu tive muita dificuldade, fiquei frustrada por essa questão, eu não conseguia decorar todos os nomes dos estados e suas capitais. Então a Geografia pra mim foi vista dessa maneira. Quando eu passo a atuar realmente na sala de aula, então eu já começo a querer mudar um pouco isso,porque eu não queria e não quero que os meus alunos passem pelo mesmo que eu 186 passei. Até hoje, no estudo da Geografia, exatamente porque eu não tive essa base...mas eu procuro aperfeiçoar-me , sou uma pessoas que gosto de ler, e eu acho que a leitura abre novos horizontes, e isso também facilita, a questão do repassar e a questão também do resgatar a Geografia a partir da vivência do próprio aluno do seu dia-a-dia do meio que ele está inserido e a partir daí eu já começo a abordar a Geografia. Quanto a minha formação profissional, eu considero que foi de grande relevância no meu processo a prática de sala de aula, pois percebi o quanto sou responsável para provocar nos meus alunos saberes mais importantes da Geografia. A pesquisa com certeza vai permitir que eu pense, reflita sobre as melhores formas de abordar os conteúdos da Geografia. Jacarandá, colaboradora da pesquisa. As lembranças marcantes que tenho das experiências, principalmente vivida nos anos iniciais, ou melhor, do 1º ano ao 4ª ano primário, do 5º ano ao 8º ano, refere-se a minha postura passiva diante das exposições do professor. As aulas eram basicamente expositivas sem que se usasse recurso além do quadro-negro. Não havia espaço para questionamentos porque os conteúdos trabalhados não suscitavam do aluno, além das explicações dos professores. Assim, decorar os apontamentos, questionários e exercícios de um modo geral, para tirar boas notas e ao final do processo ser aprovada, era suficiente. A formação no ensino médio ocorreu em duas situações: científico e magistério. No científico, as aulas de Geografia restringiam-se a memorização dos conteúdos que eram específicos da Geografia Geral. Todas as aulas eram cumpridas conforme sistematização dos capítulos contidos nos livros didáticos. Não tenho lembranças expressivas dessa experiência. No magistério, o diferencial decorreu das metodologias que abordavam sobre as disciplinas de língua Portuguesa, dos Estudos Sociais, de Ciências, e de matemática. Tínhamos que dar aulas e essa era condição para se profissionalizar para o exercício de professor polivalente de 1ª a 4ª série. Todo o conteúdo vivenciado no último ano do magistério era repassado através de aulas simuladas com uso de material didático, e concomitantemente eram aplicados durante o estágio, período final do curso magistério. Em relação aos estudos Sociais, os saberes perpassados ocorriam dessa forma, acreditava-se que assim, teoria e prática estavam associadas, e dessa maneira, se efetivava aprendizagens. Somente por meio da pesquisa, ocorreu mudanças quanto as perspectivas de significar os saberes atrelados ao ensino da Geografia. Ainda proponho que intensifiquemos os estudos sobre a temática, pois não se esgotaram os questionamentos, a propósito dos saberes geográficos. Carvalho, pesquisadora e colaboradora da pesquisa.