UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL PROGRAMA INTEGRADO DE DOUTORADO UFPB/ UFRN O TRABALHO DOCENTE EM PSICOLOGIA E O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UMA EXPERIÊNCIA TERESINENSE Denis Barros de Carvalho Natal 2007 II Denis Barros de Carvalho O TRABALHO DOCENTE EM PSICOLOGIA E O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UMA EXPERIÊNCIA TERESINENSE Tese elaborada sob a orientação do Prof. Dr. Oswaldo Hajime Yamamoto ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Psicologia Social. Natal 2007 III Universidade Federal do rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social A tese “O Trabalho Docente em Psicologia e o Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes: Uma Experiência Teresinense”, elaborada por Denis Barros de Carvalho foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, como requisito parcial à obtenção do título de DOUTOR EM PSICOLOGIA SOCIAL. Natal, BANCA EXAMINADORA IV Esta tese é dedicada a: Minha filha, Ana Beatriz Macêdo de Carvalho, que nasceu durante a elaboração desta tese e tem me ensinado como amar uma criança; Minha esposa, Janaína Macêdo, com amor; Meus sobrinhos: Maria Eduarda Araújo, Diogo Araújo e Camile Dantas; Minha sobrinha por afeto: Maria Eduarda Castro; Meus pais, José Aurino e Marinália que cuidaram da criança que fui; A todas as pessoas que se esforçam para fazer deste planeta um mundo mais humano para as crianças; A todas as crianças deste país, que infelizmente não as respeita. VEu continuo acumulando dívidas de solidariedade e afeto e espero exercer a sempre esquecida virtude da gratidão, agradecendo a: Deus, apesar da crise de nossa relação, continuo crendo que posso viver com Ele e contra Ele, mas nunca sem Ele; Universidade Federal do Piauí, na pessoa do seu Magnífico Reitor Prof. Dr. Luiz de Sousa Santos Júnior, pelo apoio que recebi; Os meus sogros, Antônio Macêdo e Vera Lúcia Macêdo; O meu orientador, professor Dr.Oswaldo Yamamoto; Base de Pesquisa Marxismo & Educação. Os componentes da banca; Aos alunos da UESPI: Marlos, Louise Uchoa, Danilo Carvalho, Carol e Welligton, Rayka, Anderson Lima, e Rafael Doidin: vocês foram maravilhosos; Minha esposa, Janaína Macêdo pela ajuda com os gráficos e formatação do texto, além do esforço em assumir sozinha algumas responsabilidades de nossa casa; Todos que me ajudaram nestes últimos quatro anos. VI Resumo Nesta tese, discuto o papel do psicólogo como professor universitário e como intelectual a partir de um contexto específico e de uma questão específica. O contexto é a cidade de Teresina, capital do Piauí – Estado periférico da região Nordeste brasileira. O desafio aqui é construir uma tradição psicológica crítica que possa ser capaz de lidar com os desafios impostos pela realidade de pobreza e atraso sócio-econômico da região. A maior dificuldade é a falta de uma instituição de ensino que seja pública e que realize ensino, pesquisa e extensão com o compromisso da transformação social e com a produção de um conhecimento psicológico capaz de entender a realidade local. Defendo que o curso de Psicologia da Universidade Estadual do Piauí é o único de Teresina que pode assumir tal missão. A questão é o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, que nos desafia a um comprometimento ético-político de solidariedade com seres frágeis que precisam do envolvimento de adultos para sobreviverem a essa barbárie cotidiana. O envolvimento da Psicologia teresinense nesse enfrentamento deve resultar de um compromisso social e de uma competência técnica para lidar com a prevenção e o acolhimento terapêutico das vítimas. A tese está dividida em três partes: a primeira é um estudo sobre a formação e a atuação do psicólogo, que revisa a literatura produzida no Brasil e propõe novas questões para o tema, como o papel do professor na formação e apresenta a Seguridade Social (Saúde e Assistência Social) como o campo privilegiado de atuação para a Psicologia Brasileira. A segunda parte contém um estudo sobre os conceitos de infância, adolescência e violência, apresentando uma reflexão sobre as estratégias de enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. Na última parte, é discutido o papel do psicólogo como professor e intelectual em Teresina no contexto do curso de Psicologia da UESPI a partir do compromisso com a proteção da criança e do adolescente. Palavras-Chave: Trabalho intelectual do psicólogo docente; formação e atuação dos psicólogos; enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes; Cidade de Teresina. VII Abstract In this thesis I discuss the role of the psychologist as a university professor and as intellectual from a specific context and also from a specific query. The context is the city of Teresina, capital city of Piauí state, which is peripheral in Brazil’s northeast region. The defiance here is to build a critical psychological tradition that will deal with the challenges imposed by the reality of poverty and socio-economic backwardness of the region. The greatest difficulty is the lack of a public institution of learning that carries out instruction, research and extension with commitment to social transformation, and with the production of a psychological knowledge that is able to understand local reality. I take it that the undergraduate course in Psychology at UESPI [State University of Piauí] is the only one in Teresina that can take over such mission. The query is confronting violence against children and adolescents that defies us to ethically and politically commit to solidarity toward fragile human beings in need of adult involvement in order to survive this daily inhumanity. The involvement of psychologists from Teresina in this must result from a social commitment and a technical competence to deal with prevention and therapeutic consideration toward the victims. This dissertation is divided into three parts: the first is a study on the curriculum and the performance of psychologists, which revises the academic output in Brazil and envisages new queries to the theme, such as the role of teaching inside the curriculum, and presents social security (including Medicare) as the privileged field in which Brazilian psychologists perform. The second part contains a study on the concepts of childhood, adolescence and violence, which presents a consideration on the strategies to confront violence against children and adolescents. In the last part I discuss the role of the psychologist as teacher and intellectual in the context undergraduate course in Psychology at UESPI [State University of Piauí] from the commitment to the protection of children and adolescents. Keywords: Psychologist-instructor intellectual labor; psychologists professional training and practice; city of Teresina. VIII Resumen En esta tesis, discuto el rol del psicólogo como profesor universitario y como intelectual a partir de un determinado y de una cuestión específica. El contexto es la ciudad de Teresina, capital de Piauí – estado periférico de la región nordeste brasileña. El desafío es construir una tradición psicológica crítica que pueda ser capaz de tratar con los desafíos impuestos por la realidad de pobreza y retrazo socio-económico de la región. La mayor dificultad es la falta de una institución de enseño que sea estatal y que realice enseñaza, pesquisa y extensión con el compromiso de la transformación social y con la producción de un conocimiento psicológico de la universidad estatal de Piauí es el único de Teresina que pueda asumir tal admisión. La cuestión es el enfrentamiento de la violencia con niños y adolescentes, ñeque los retos a un comprometimiento ético- político de solidariedad con series frágiles que necesitan el envolvimiento de adultos para sobrevivir a esa barbarie cotidiana. El envolvimiento de la psicología teresinense en ese enfrentamiento debe resultar de un compromiso social o de una competencia técnica para tratar con la prevención y el acogimiento terapéutico de las victimas. La tesis está dividida en tres partes: la primera es un estudio sobre la formación y la actuación del psicólogo que revisa la literatura producida en Brasil y propone nuevas cuestiones para el tema, como el rol del profesor en la formación y presenta la seguridad social (salud y asistencia social) como el campo privilegiado de actuación para la psicología brasileña. La segunda parte contiene un estudio sobre los conceptos de niñez, adolescencia, prestando una reflexión sobre las estrategias de enfrentamiento de la violencia contra niños y adolescentes. En la última parte, es discutido el rol del psicólogo como profesor e intelectual en Teresina en el contexto de curso de psicología de UESPI a partir de compromiso con la protección del niño y del adolescente. Palabras claves: Trabajo intelectual del psicólogo docente; formación y actuación de los psicólogos; enfrentamiento de la violencia contra niños y adolescentes; ciudad de Teresina. IX LISTA DE TABELAS E FIGURAS Tabela I.1. As quatro dimensões do processo de pesquisa. Fonte: Bauer, Gaskell e Allum (2002)...............................................................................................................................................3 Tabela 1.1: Distribuição dos cursos por regiões e estado (1991-2004)........................................ 42 Tabela 1.2: Listas de instituições credenciadas pelo CFP............................................................ 78 Figura 1.1: Modelo de Análise para a Formação Profissional................................................. 31 Figura 1.2: A formação continuada do psicólogo................................................................. 32. Figura 1.3: Fluxo de Formação do Psicólogo Brasileiro....................................................... 33. Figura 1.4: Níveis de influência na graduação em Psicologia............................................... 35. Figura 1.5: Tipos de Instituições de Ensino Superior......................................................... 37. Figura 1.6. O processo curricular................................................................................... 67. Figura 1.7. Processo curricular e produção de subjetividades............................................................. 69. Figura 1.8. O contrato didático....................................................................................... 73. Figura 1.9 A psicologia na fronteira entre as políticas de saúde e de educação........................ 94. Figura 3.1: Fluxo da notificação obrigatória....................................................................... 237. XLISTA DE QUADROS Quadro 1.1: O projeto de Psicologia da tradição francesa............................................................................................. 7 Quadro 1.2: A configuração das imbricações entre o conhecimento psicológico e o modelo de prática profissional da Psicologia no período de inserção desse campo de conhecimento no Brasil (1890-1930).......................................... 12 Quadro 1.3: A configuração das imbricações entre o conhecimento psicológico e o modelo de prática profissional da Psicologia produzido pela regulamentação da profissão e dos Cursos de Psicologia (lei 4.119 e Parecer 403/62)......................................................................................................................................................................... 14 Quadro 1.4: a configuração da Psicologia como Psicoterapia decorrente da posição hegemônica obtida pelo saber psicanalítico no campo psi........................................................................................................................................... 16 Quadro 1.5: a configuração da Psicologia como Profissão de Saúde e os saberes que embasam as práticas nesse contexto........................................................................................................................................................................ 20 Quadro1. 6: O Sistema de Ensino Superior Brasileiro................................................................................................ 39 Quadro 1.7: As Humanidades Psicológicas................................................................................................................. 50 Quadro 1.8: Questões do projeto pedagógico de Psicologia: Análise de dois modelos...............................................55 Quadro 1.10: Teorias do Currículo (Adaptado de Silva, 1999) ............................................................................... ..65 Quadro 1.11: Demandas colocadas à clínica tradicional que exigiram a produção de uma clínica contextualizada............................................................................................................................................................ 89 Quadro 1.12: Novos contextos de trabalho do psicólogo comunitário....................................................................... 97 Quadro 1.13: Dimensões do mundo do trabalho. ......................................................................................................105 Quadro 1.14. Vetores que configuram o contexto de atuação dos psicólogos nas políticas públicas sociais...........111. Quadro 1.15. Equipes técnicas dos CRAS. Quadro 2.1: Adaptado de Nascimento (2001)......................................................................................................... 139 Quadro 2.2: Modelos de assistência à Infância .........................................................................................................140 Quadro 2.3: Bibliografia do texto de Ozella (2003)................................................................................................. 169 Quadro 2.4: Tipologia da Violência contra crianças e Adolescentes....................................................................... 183 Quadro 2.5: Quadro sinótico sobre Jesus e as crianças............................................................................................ 184 Quadro 2.6: Tipos de Violência Intrafamiliar Contra Crianças e Adolescentes...................................................... 190 Quadro 2.7: Pesquisas sobre violência sexual contra meninos no Brasil .................................................................205 Quadro 2.8: Bibliografia brasileira sobre incesto................................................................................................... .206 XI Quadro 2.9. Formas de Expressão das modalidades da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes na realidade brasileira................................................................................................................................................... 208 Quadro 2.10: Formas de Exploração Sexual e as regiões em que aparecem ...........................................................209 Quadro 2.11: redes de exploração sexual de meninas. Fonte: Leal (1999)............................................................... 210 Quadro 3.1: Desafios no trabalho do psicólogo docente........................................................................................ 225 Quadro 3.2: Principais questões dos Serviços-Escola de Psicologia...................................................................... 241 Quadro 3.3: a rede de enfrentamento da violência contra criança e adolescentes e a Psicologia ...........................243 Quadro 3.4: Propósitos do Curso de Psicologia da Facime-UESPI............................................................. ..............246 Quadro 3.5: Princípios educacionais do Curso de Psicologia da Facime-UESPI...................................................... 249 Quadro 3.6: Princípios Pedagógicos do Curso de Psicologia da Facime-UESPI Novos Rumos................. .............249 Quadro 3.7: Quadro comparativo de disciplinas específicas de Psicologia Social Comunitária e Psicologia Clínica................................................................................................................................... .....................................249 Quadro 3.8: A Assistência Social na Agenda Teresina 2015 (ênfase crianças e adolescentes)................................ 255 Quadro 3.9: A Saúde na Agenda Teresina 2015 (ênfase crianças e adolescentes)....... .............................................256 Quadro 3.10: A Formação do psicólogo e as estratégias de atendimento a crianças e adolescentes na área de saúde.......................................................................................................................................................................... 258 Quadro 3.11: A Formação do psicólogo e as estratégias de atendimento a crianças e adolescentes na área de assistência social...................................................................................................................................................... 258 XII LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1.1: Evolução dos cursos de Psicologia por Região, em percentuais (1991-2004) ....................................... 43 Gráfico 1.2: Evolução dos cursos de Psicologia na Região Norte, em percentuais (1991-2004)................ .............. 43 Gráfico 1.3: Evolução dos cursos de Psicologia na Região Sul, em percentuais (1991-2004)................................... 44 Gráfico 1.4: Evolução dos cursos de Psicologia na Região Nordeste, em percentuais (1991-2004).......................... 44 Gráfico 1.5: Evolução dos cursos de Psicologia na Região Sudeste, em percentuais (1991-2004)............................ 45 Gráfico. 1.6: Evolução dos cursos de Psicologia na Região Centro-Oeste, em percentuais (1991-2004)...................45 Gráfico 1.7: Relação entre o número de vagas ofertadas e o número de ingressantes por regiões geográficas.......... 46 Gráfico 1.8: Variações nos índices sobre a relação entre a oferta de vagas e o número de ingressantes por regiões geográficas................................................................................................................................................................... 46 Gráfico1. 9: Aumento do número de cursos de 1991 para 2004 por organização administrativa............................... 47 Gráfico1.10 : Percentual de núcleo formador por tipo de instituição............................................................ ..............79 Gráfico 1.11: Distribuição das instituições por Estados.............................................................................................. 79 Gráfico 1.12: Tipos de especializações nas instituições de formação profissional .....................................................80 Gráfico 1.13: Tipos de especializações nas IES Públicas............................................................................................ 81 Gráfico 1.14: Tipos de Especializações nas IES Privadas........................................................................................... 81 Gráfico 1.15: Percentual de cursos por especialidade.................................................... ..............................................83 Gráfico 1.16: Tipos de especializações por Estado......................................................................................................82 Gráfico 2.1: Número de denúncias por ano................................................................................................. ..............197 Gráfico 2.2: Autor da denúncia.................................................................................................................................. 198 Gráfico 2.3: A idade da vítima................................................................................................................... ............... 199 Gráfico 2.4: relação do agressor com a vítima.......................................................................................................... 200 Gráfico 2.5: tipo de abuso sexual com contato físico.................................................................................. ..............201 Gráfico 2.6: tipo de abuso sexual sem contato físico................................................................................................. 202 Gráfico 2.7: Locais de ocorrência do abuso................................................................. ..............................................202 XIII SUMÁRIO Lista de Tabelas e Figuras ........................................................................................................................................IX Lista de Quadros......................................................................................................................................................... X Lista de gráficos:.......................................................................................................................................................XII Introdução ................................................................................................................................................................... 1 ESTUDO N º I: A formação e atuação do Psicólogo - Uma análise sistemática ................................................... 5 Capítulo Um: A formação e o Trabalho da Psicóloga brasileira como um objeto de estudo.............................................................................................................................................................................6 Introdução ..................................................................................................................................................................... 6 Seção I: Questões sobre a formação da psicóloga brasileira .........................................................................................6 § primeiro: o conhecimento psicológico e a Psicologia como profissão ............................................................6 a) Gênese do conhecimento psicológico científico na Europa e nos Estados Unidos e sua inserção na cultura brasileira............................................................................................................................................7 b) A Regulamentação da Psicologia como Profissão e a constituição de um novo modelo hegemônico .....................................................................................................................................................................12 c) A crise da Psicologia brasileira e a formação de um novo campo teórico-prático.................................18 d) A organização da profissão, o debate sobre formação e as Diretrizes curriculares................................21 § segundo: A formação do psicólogo: da graduação à formação continuada................................................... 30 a) A escolha da Psicologia...................................................................................................................... 33 b) A graduação em Psicologia....................................................................................................................35 c) Formação continuada: especializações em Psicologia........................................................................... 75 Seção II: Questões sobre o trabalho profissional da psicóloga.................................................................................... 83 § primeiro: As velhas questões da prática profissional do psicólogo em um novo contexto............................ 83 a) A questão da clínica: o desafio do social e da complexidade............................................................. 84 b) A Psicologia Escolar no Brasil: autocrítica e compromisso social..................................................... 89 c) As práticas emergentes na Psicologia: os casos da Psicologia Comunitária e da Psicologia Jurídica....................................................................................................................................................... 95 d) A institucionalização da prática profissional da Psicologia................................................................ 103 § segundo: A Psicologia como uma especialização do trabalho coletivo....................................................... 104 a) O mundo do trabalho............................................................................................................................ 104 b)As demandas e particularidades do trabalho profissional do psicólogo no contexto da Sociedade brasileira................................................................................................................................................... 106 § terceiro: O objeto do trabalho do psicólogo: a questão social e suas múltiplas manifestações...................................................................................................................................................107 a) A questão social – As metamorfoses da questão social: pobreza, desemprego e desafiliação.............................................................................................................................................. 107 b) Psicologia e as Políticas Públicas Sociais: a proteção social............................................................... 108 § quarto: o contexto do trabalho do psicólogo: a seguridade social............................................................... 111 a) O campo da Saúde............................................................................................................................... 112 b)O campo da Assistência Social............................................................................................................ 116 § quinto: Competência técnica e Compromisso político: a construção de uma Psicologia transformadora.................................................................................................................................................128 Considerações Finais................................................................................................................................................. 130 ESTUDO Nº II: A violência contra a criança e o adolescente e o seu enfrentamento .......................................131 Capítulo Dois: Infância, adolescência e violência: enredando os conceitos........................................................ 132 Introdução................................................................................................................................................................. 132 Seção I: Infância como conceito histórico................................................................................................................. 132 § primeiro: as transformações na concepção de infância................................................................................ 132 a) Infância e Modernidade........................................................................................................................ 134 b)a infância e o espaço público: o paradoxo da construção de direitos em uma sociedade disciplinar................................................................................................................................................ 139 c) O estatuto de sujeito de Direitos e a teorização sobre a criança......................................................... 143 Seção II: A “Construção social” da adolescência..................................................................................................... 156 § primeiro: da juventude à adolescência......................................................................................................... 157 § segundo: o nascimento do “teenager”......................................................................................................... 158 XIV §terceiro: Psicologia e adolescência: adolescências construídas pelo discurso e pela prática psi.................. 164 Seção III: Violência: história e análise ..................................................................................................................... 169 § primeiro: uma arqueologia da violência....................................................................................................... 171 § segundo: violência urbana e a mutação do medo......................................................................................... 175 § terceiro: violência e gênero......................................................................................................................... 178 Seção IV: a violência contra crianças e adolescentes.............................................................................................. 182 § primeiro: a violência intrafamiliar.............................................................................................................. 187 § segundo: a violência sexual contra crianças e adolescentes........................................................................ 191 a) Abuso sexual e incesto.................................................................................................................. 192 b) A exploração sexual comercial..................................................................................................... 207 Excurso – Considerações éticas sobre a pesquisa com crianças e adolescentes envolvidos com a violência doméstica: uma questão para a Psicologia.................................................................................................................................. 211 Considerações Finais................................................................................................................................................. 214 Capítulo Três: Entrevista Ficcional: Formação, experiências, reflexões e projetos..........................................217 Introdução.................................................................................................................................................................. 217 Seção I: a formação acadêmica................................................................................................................................. 217 § primeiro: a graduação.................................................................................................................................. 217 § segundo: a pós-graduação............................................................................................................................ 220 Seção II: A trajetória profissional............................................................................................................................. 221 Seção III: Reflexões sobre a prática docente como um espaço privilegiado para a formação profissional em Psicologia.................................................................................................................................................................. 223 § primeiro: a prática docente como campo de atuação do psicólogo............................................................. 223 § segundo: questões sobre a prática docente....................................................................................................224 Seção IV: A experiência de trabalhar com a formação do psicólogo no contexto das políticas públicas de enfrentamento da violência contra criança e adolescente em Teresina..................................................................... 227 §Primeiro: o trabalho docente em Teresina.................................................................................................... 227 §Segundo: o papel do curso de Psicologia da UESPI na construção de uma Psicologia com compromisso social na cidade de Teresina............................................................................................................................244 Considerações Finais.................................................................................................................................................259 Considerações Conclusivas bem pessoais à guisa de final.................................................................................. 261 Referências Bibliográficas........................................................................................................................................262 1Introdução As pesquisas sobre a profissão de psicólogo no Brasil comumente utilizam técnicas de entrevistas e questionários, tendo como sujeitos de investigação os próprios profissionais. Os limites dessa abordagem podem ser resumidos nos seguintes pontos: 1) Não se pode ter dados do trabalho efetivo da psicóloga, mas apenas de como ela compreende esse trabalho; 2) As questões formuladas são próprias do mundo acadêmico, não fazendo parte das reflexões do profissional. Como as entrevistas são rápidas, via de regra, as respostas são geralmente superficiais, sem maiores elaborações; 3) O contexto institucional é completamente ignorado. Uma questão mais séria, contudo, é de ordem epistemológica. Há uma total ausência na literatura de reflexões em torno dos fundamentos epistemológicos da pesquisa sobre a formação e a atuação da psicóloga. Acreditamos que um diálogo com o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, autor de uma expressiva obra no campo da epistemologia das Ciências (Santos, 1989, 1995, 2000 e 2004), pode oferecer alguns valiosos subsídios para essa reflexão. Para Santos (1995), a ciência moderna se fundamenta em uma ruptura epistemológica com um senso comum mistificado e conservador. Infelizmente, contudo, o potencial crítico da ciência moderna – em função de sua convergência com o capitalismo, tornou a tensão entre conhecimento emancipatório e o conhecimento regulatório que a caracterizava em um predomínio do segundo tipo, por meio de uma crescente racionalização da vida coletiva e individual. Um conhecimento alternativo deve ser capaz de superar a crença moderna na objetividade do conhecimento, supostamente válido independentemente das condições sociais que o tornaram possível. A dicotomia sujeito-objeto da Ciência Moderna e sua sagração do sujeito epistêmico acabam por desconsiderar o sujeito empírico, que é – ao mesmo tempo um sujeito encarnado e social. Esse conhecimento descontextualizado da Ciência Moderna cria um hiato comunicativo entre a comunidade científica e o resto da sociedade. A comunicação científica, segundo Santos (1989), deve assumir mais explicitamente seu fundamento na retórica – acentuando seu caráter dialógico. Para isso, é necessário o reconhecimento do auditório que se pretende influenciar. Essa prática dialógica geraria uma segunda ruptura epistemológica, vista por Santos como essencial, que transformaria o conhecimento científico em um novo senso comum emancipatório ao acentuar e fortalecer os componentes utópicos e libertários do senso comum tradicional. Nas belas palavras de Santos, 2 com essa dupla transformação pretende-se um senso comum esclarecido e uma ciência prudente, ou melhor, uma nova configuração do saber que se aproxima da phronesis aristotélica, ou seja, um saber prático que dá sentido e orientação à existência e cria o hábito de decidir bem. Aproximando-se embora da phronesis aristotélica, a nova configuração do saber distingue-se contudo dela. A phronesis combina o caráter prático e prudente do senso comum com o caráter segregado e elitista da ciência, uma vez que é um saber que só cabe aos mais esclarecidos, isto é, aos sábios. A dupla ruptura epistemológica tem por objeto criar uma forma de conhecimento, ou melhor, uma configuração de conhecimentos que, sendo prática, não deixe de estar democraticamente distribuída (1989:41-42). Uma aplicação direta desse princípio no campo de Estudos sobre a Formação e Atuação da psicóloga é a abertura de canais de diálogo entre os pesquisadores do campo (que são psicólogos) com os profissionais de Psicologia que estão atuando no mercado de trabalho e prestando serviços à população brasileira. É preciso considerar a categoria profissional dos psicólogos como uma comunidade interpretativa que constrói o saber e a prática psicológicos mediante uma rede de interações comunicativas. A prática dialógica na produção de conhecimento acerca da formação e atuação das psicólogas pode ajudar na superação de uma cultura profissional profundamente configurada pelo ideário individualista liberal (Dimenstein, 2000). Uma outra questão importante é a ausência de pesquisas sobre o trabalho do psicólogo como docente. Embora a Lei 4.119/62 defina o ensino da Psicologia como atividade específica do psicólogo, não há conhecimento sobre esta atividade do profissional de Psicologia. O trabalho docente é uma atividade intelectual, que realiza uma mediação entre a comunidade científica e os estudantes, tornando acessível o conhecimento científico. O trabalho intelectual do professor de Psicologia ocorre sempre em um contexto marcado pela relação conhecimento-poder. Problematizar essa relação, de uma perspectiva emancipadora, significa criar condições teóricas e técnicas para que os estudantes se “empoderem” e se tornem agentes de empoderamento dos segmentos subalternos da população. Para isso, é necessário tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico. Segundo Giroux (1997), Tornar o político mais pedagógico significa utilizar formas de pedagogia que incorporem interesses políticos que tenham natureza emancipadora; (...) utilizar formas de pedagogia que tratem os estudantes como agentes críticos; tornar o conhecimento problemático; utilizar o diálogo crítico e afirmativo; e argumentar em prol de um mundo qualitativamente melhor para todas as pessoas. (...) isto sugere que os intelectuais transformadores assumam seriamente a necessidade de dar aos estudantes voz ativa em suas experiências de aprendizagem. Também significa desenvolver uma linguagem crítica que esteja atenta aos problemas experimentados em nível da experiência cotidiana (...) o ponto de partida destes intelectuais não é o estudante isolado, e sim o indivíduo e grupos 3em seus diversos ambientes culturais, raciais, históricos e de classe e gênero, juntamente com a particularidade de seus diversos problemas e sonhos (p.163). Esta tese resulta de um trabalho realizado em parceria com um grupo de alunos do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Médicas (FACIME) da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), que se reuniu inicialmente para estudar a formação e a atuação do psicólogo no contexto do enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes em Teresina. Concomitantemente, a UESPI iniciou um processo de mudança no seu Projeto Pedagógico, constituindo uma comissão de professores para elaborar um novo Projeto. O grupo de alunos que participava do nosso trabalho de pesquisa assumiu o controle do Centro Acadêmico de Psicologia Seis de Outubro, envolvendo-se diretamente na discussão sobre a reforma curricular e pedagógica da instituição. Em função desse fato, o trabalho de pesquisa se concentrou em analisar a formação do psicólogo no contexto da UESPI, através de uma série de encontros e discussões sintetizadas no capítulo três desta tese. De acordo com Bauer, Gaskell e Allum (2002), há quatro dimensões na investigação social que descrevem o processo de pesquisa em termos de combinações dos elementos que compõem essas dimensões, como pode ser visto na Tabela 1.1. Princípios do delineamento Geração de dados Análise de Dados Interesses do conhecimento Estudo de caso Estudo comparativo Levantamento por amostragem Levantamento por painel Experimento Observação participante Etnografia Entrevista individual Questionário Grupos Focais Filme Registro áudio-visuais Observação sistemática Coleta de documentos Registro de sons Formal Modelagem estatística Análise estrutural Informal Análise de conteúdo Codificação Indexação Análise semiótica Análise retórica Análise de discurso Controle e predição Construção de consenso Emancipação e “empoderamento” Tabela I.1. As quatro dimensões do processo de pesquisa. Fonte: Bauer, Gaskell e Allum (2002). Nesta tese, desenvolvo uma pesquisa-ação, modalidade que não é contemplada no quadro construído pelos pesquisadores alemães. A pesquisa-ação é a forma de pesquisa mais compatível com uma perspectiva emancipadora de pesquisa. Michel Thiollent (2005) define dessa forma pesquisa-ação: (...) é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (p16). 4A pesquisa realizada nesta tese resultou de uma interação de interesses do pesquisador e do Centro Acadêmico de Psicologia Seis de Julho. Dessa forma, a primeiro estudo da tese é uma contribuição do pesquisador para o grupo de estudantes1, que precisavam ter material de estudo para entender as discussões sobre a formação e a atuação do psicólogo no Brasil. O segundo estudo interessava ao pesquisador e alguns componentes do grupo. O pesquisador, contudo, convencido que o tema da violência contra criança e adolescentes não poderia ser desconhecido pelos profissionais da Psicologia, resolveu propor ao grupo que estudasse o tema. O grupo de pronto aceitou e uma série de discussões foi realizada, servindo como espaço para o pesquisador apresentar várias versões do texto cuja versão final passou a compor o capítulo dois desta tese. Este estudo serviu de base para a discussão específica realizada no capítulo três. Os dois primeiros capítulos foram discutidos com um grupo de estudo e uma breve descrição das impressões do grupo foi apresentada no início de cada parte da tese. A tese está dividida em três capítulos: No primeiro, a formação e a atuação do psicólogo brasileiro são discutidas a partir de uma revisão da literatura e um foco sobre o sistema de ensino superior na formação que não se encontra nos estudos clássicos sobre o tema; No segundo, os conceitos de infância, antropologia e violência são apresentados e “enredados”, ou seja, discute-se a violência contra crianças e adolescentes, dando ênfase às suas especificidades. Por fim, o terceiro capítulo apresenta uma discussão sobre a formação e a atuação do psicólogo na UESPI e o desafio do enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. O novo projeto pedagógico do curso é discutido e algumas sugestões são oferecidas, visando envolver o Curso nas políticas públicas de enfrentamento da violência contra a infância e a adolescência. O interesse constitutivo do conhecimento produzido nesta pesquisa é envolver os futuros psicólogos formados pela UESPI na proteção das crianças e adolescentes de Teresina. Mais ainda: gostaria que os futuros profissionais de Psicologia abraçassem a utopia de um mundo sem violência contra crianças e adolescentes. Sendo mais realista, gostaria que cada estudante que afirmou escolher a Psicologia como Profissão, por desejar ajudar o próximo, percebesse que defender os direitos de crianças e adolescentes é a uma das melhores formas de expressar a solidariedade com a espécie humana. 1 O núcleo permanente do grupo era formado pelos seguintes alunos: Anderson de Moura Lima, Khalil Gibran Khalil Viana Matos Andrade, Caroline da Silva Torre, Rayka Veloso Mendonça, Danilo Carvalho, Marlos Ribeiro, Angela Chantal, Rafael Pinheiro, Wellington Macedo Moura e Welyton Paraíba da Silva Sousa. 5Estudo n º I: A formação e atuação do Psicólogo: Uma análise sistemática. Este estudo tem como objetivo analisar a literatura sobre formação e atuação dos psicólogos e introduzir novas questões sobre tema, como a formação percebida de modo processual e o papel do sistema de ensino superior na configuração das condições de formação profissional em Psicologia. No que diz respeito à atuação, discute-se algumas questões consagradas pela literatura, como a questão da clínica, e é apresentada a tese de que o psicólogo passou a ser um profissional da Seguridade Social, atuando nas áreas da Saúde e da Assistência Social. Uma discussão sobre esse novo contexto de atuação é apresentada, ressaltando a inexistência de estudos sobre a atuação do psicólogo no campo da Assistência Social. As principais proposições discutidas neste capítulo encontram-se alistadas ao final, em um resumo na forma de teses. Impressões da aplicação do estudo às discussões no grupo: A grande maioria dos componentes do grupo já havia cursado mais da metade do mesmo; mesmo assim, as questões sobre formação e atuação do psicólogo pareciam muitas vezes incompreensíveis. O motivo mais evidente era a total ausência dessas questões nos conteúdos estudados no curso de Psicologia. Acredito que seja necessário, no nosso contexto, repensar como estamos oferecendo as condições para que os estudantes possam “analisar o campo de atuação profissional e seus desafios contemporâneos” (Diretrizes Curriculares para os Cursos de Psicologia, Artigo 8, a.). 6Capítulo Um: A formação e o Trabalho da Psicóloga brasileira como um objeto de estudo Introdução: A formação e a atuação profissional da psicóloga brasileira tornou-se um tema de pesquisa e reflexões acadêmicas, embora restritas a uma produção realizada pelas próprias psicólogas. Este capítulo realiza um levantamento dessas pesquisas e reflexões, apontando também novas questões que ainda não foram devidamente investigadas. Divide-se em duas seções: questões sobre a formação da psicóloga brasileira e questões sobre o trabalho profissional da psicóloga brasileira. A primeira seção divide-se em dois parágrafos: o conhecimento psicológico e a Psicologia como profissão e a formação do psicólogo: da graduação à formação continuada. A segunda seção, por sua vez, está dividida em cinco parágrafos: 1) as velhas questões da prática profissional do psicólogo em um novo contexto; 2) a Psicologia como uma especialização do trabalho coletivo; 3) o objeto do trabalho do psicólogo: a questão social e suas múltiplas manifestações; 4) o contexto do trabalho do psicólogo: a seguridade social e 5) competência técnica e compromisso político: a construção de uma Psicologia transformadora. Nas considerações finais, retomaremos alguns dessas questões e apresentaremos uma síntese do capítulo. É necessário frisar que este capítulo corresponde à primeira parte desta tese, que trata especificamente da formação e da atuação da psicóloga brasileira. Seção I: Questões sobre a formação da psicóloga brasileira: § primeiro: o conhecimento psicológico e a Psicologia como profissão A relação entre o conhecimento psicológico e a prática profissional do psicólogo brasileiro deve ser compreendida como resultante de um processo histórico que produziu as condições para o surgimento tanto do saber quanto da prática psi. Além disso, essa relação também foi se transformando através do tempo. Esquematicamente, esse processo pode ser descrito como composto pelas seguintes etapas: a) gênese do conhecimento psicológico científico na Europa e nos Estados Unidos e sua inserção na cultura brasileira; b) a Regulamentação da Psicologia como Profissão e a constituição de um novo modelo hegemônico c) a crise da Psicologia brasileira e a formação de um novo campo teórico-prático e d) a organização da profissão, o debate sobre formação e as Diretrizes curriculares. 7a) Gênese do conhecimento psicológico científico na Europa e nos Estados Unidos e sua inserção na cultura brasileira. No Brasil, o conhecimento psicológico foi inserido através de sua importação das matrizes européia e estadunidense. A referência européia foi a França2, que desenvolveu um saber psicológico intimamente vinculado à prática médica. Podemos considerar Charcot3 como uma referência inaugural e descrever esse conhecimento da seguinte forma: Modelo: Medicina Mental Problemas: Histeria, dissociação psíquica, automatismos psíquicos Método: Clínico Disciplinas: Psicopatologia e Clínica das neuroses. Quadro 1.1: O projeto de Psicologia da tradição francesa A partir dos estudos de Charcot sobre a histeria através do uso da hipnose, desenvolve- se na França uma Psicologia marcada por um forte vínculo com a medicina e, por isso, mais preocupada em entender os processos mentais patológicos. 4 Alfred Binet introduz uma mudança de grande importância ao trocar, a partir de 1890, os estudos com sujeitos hipnotizados por experimentos com crianças, o que possibilitou que mais tarde ele fosse convidado pelo ministério da educação francês para fazer parte de uma comissão responsável por estudar a capacidade de aprendizagem das crianças que apresentavam dificuldades na escola. Como resultado desse trabalho, ele criou os testes de inteligência (Binet e Simon, 1905). O primeiro a tentar mensurar a inteligência, entretanto, foi o cientista inglês Francis Galton5. Seguidor da tradição empirista britânica, ele acreditava que a inteligência era uma função da acuidade sensorial. Como a acuidade sensorial era considerada inata, as diferenças 2 Infelizmente, estuda-se nos cursos de graduação em Psicologia uma perspectiva histórica que desconsidera os projetos de uma ciência psicológica diferente do modelo experimental proposta por Wundt em Leipzig. Para uma abordagem distinta, ver Danziger (1998). 3 Sobre a importância de Charcot, ver Nicolas (2000) e Gauchet e Swain (1997). 4 Isso está bem presente na obra do fundador da Psicologia Experimental francesa, Theodule Ribot (Ver Nicolas e Murray, 2000). 5 Francis Galton (1862-1911) era médico e desenvolveu importantes pesquisas na área de estatística. Criador da Eugenia, um projeto de aperfeiçoamento da raça humana através do controle da natalidade, o que ocorreria de duas forma: positiva, com o incentivo para que pessoas dotadas de características físicas e mentais superiores e a negativa, através do impedimento da reprodução dos tipos degenerados (Castañeda, 2003; Lobo, 2001). 8individuais de inteligência foram consideradas por Galton como sendo função da hereditariedade. Dois seguidores de Galton desenvolveram suas idéias acerca da mensuração da inteligência. O estatístico Karl Pearson, que publicou um estudo sobre a herança de características mentais humanas (incluindo a inteligência), e o engenheiro Charles Spearman, que publicou alguns estudos sobre a inteligência geral (Danziger, 1997). O psicólogo James Cattell introduziu as idéias de Galton nos Estados Unidos e cunhou expressão teste mental. Utilizando os conceitos de Galton sobre inteligência, Cattell abandonaria o tema após orientar uma pesquisa que revelou a inexistência de correlação entre os testes por ele utilizados e o desempenho acadêmico (Goodwin, 2005). Henry Goddard foi quem traduziu o teste de inteligência de Binet nos Estados Unidos. Goddard também publicou estudos sobre a hereditariedade da debilidade mental (Goddard, 1912). Como conclusão de suas pesquisas, Goddard afirmou que o problema da deficiência mental somente seria resolvido se os deficientes fossem diagnosticados, removidos da sociedade e impedidos de procriar mediante um meticuloso controle. A esterilização dos “mentalmente inaptos” seria o recurso utilizado para o impedimento da reprodução dos “mentalmente retardados”. Além disso, ele passou também a fazer uma testagem para avaliar a inteligência dos migrantes e impedir a entrada dos considerados deficientes (Richardson, 2003). Goddard publicou também um trabalho que intitulou “A new method of studyng causes of dependency and crime”, afirmando que a deficiência mental era a causa da pobreza e da criminalidade. As idéias eugenistas de Goddard influenciaram o pensamento nazista (Kuhl, 2002). Em 1916, Lewis Terman publicou uma revisão e a primeira padronização do teste de Binet, que passou a ser chamado de Teste Stanford-Binet. Essa versão incluía um novo conceito: o QI. Terman e outros psicólogos acreditavam que os testes de inteligência poderiam ser utilizados para controlar a degeneração6 da população americana ao detectar os indivíduos com deficiência. Além disso, seguindo o paradigma galtoniano do eugenismo positivo, Terman acreditava que os testes poderiam identificar indivíduos com inteligência acima da média e os gênios. Esses indivíduos, de acordo com Terman, eram os melhores líderes que a nação poderia ter. Se essas crianças fossem submetidas aos testes, poderiam ser encaminhadas para uma 6 O conceito de degeneração ou degenerescência foi formulado inicialmente por Morel. A degenerescência foi definida como desvios doentios da normalidade que são transmitidos hereditariamente e produzida por causas diversas. Uma vez instalada em uma família, ela pode produzir a extinção de uma linhagem. A teoria da degenerescência influenciou profundamente a psiquiatria no final do século XIX (Portocarrero, 2002). 9educação apropriada ao potencial elevado que possuíam. O progresso da civilização seria acelerado através dessa estratégia. Terman também acreditava que através do uso dos testes de inteligência fosse possível estudar os efeitos da hereditariedade e do ambiente sobre o desenvolvimento mental. Terman, baseado em uma pesquisa com quinhentas crianças que foram por ele classificadas em cinco grupos de classe social, chegou a conclusão que a inteligência era que definia a classe social do indivíduo. Além disso, ele também afirmou que as raças diferem quanto à inteligência e que essa diferença não pode ser modificada pela educação. No Brasil, o surgimento da República traz um esforço de impor uma racionalidade que pudesse sustentar as transformações sociais que modernizariam o país. A elite dirigente do país apresentou um conjunto de valores inspirados no modelo europeu que ganharam forma expressão nas reformas sanitárias, pedagógicas e arquitetônicas ocorridas ente o final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX (Herschmann e Pereira, 1994). Uma das questões mais importantes foi o governo da família7. O modelo liberal que se instalou no país substituiu o modelo de caridade religiosa que existia no país desde o século XVI e implantou um modelo higiênico de combate à pobreza e da crise de estruturação das famílias (Lima e Rodrigues, 2004). O movimento higienista se desenvolveu na República Velha como uma proposta de regeneração do povo brasileiro que, de acordo com seus teóricos, estava sendo destruído pelo crime e pela loucura, frutos do cruzamento racial (Schwarcz, 2002). A eugenia se insere no Brasil no contexto desse discurso de regeneração da raça, como afirma Vera Marques, A eugenia sintonizava-se com os ideais republicanos defendidos pelas sucessivas ligas nacionalistas como a “sciencia do aperfeiçoamento physico e moral”, num contexto em que o adestramento do corpo e o disciplinamento do caráter vinham de encontro às propostas dos reformadores liberais de constituir o cidadão ordeiro (1994:61). Os testes mentais eram vistos como de grande importância para a aplicação dos princípios eugênicos, tanto na seleção dos mais capacitados, quanto na identificação dos “degenerados”. A Psicologia, embora não claramente diferenciada da Antropologia e da 7 O governo da família pode ser entendido como um conjunto de técnicas que passaram a ser aplicadas para regulamentar a saúde através de regras sobre alimentação, moradia, condições de vida e que foram implantadas nos segmentos populares das populações européias a partir do século XVIII pelo Estado. Ver Donzelot (1978). 10 biologia, 8 desempenhou um papel importante na avaliação de crianças e trabalhadores através dos testes de inteligência9. A partir da década de 20, as classes populares urbanas passaram a demandar o acesso ao ensino como forma de ascensão social. As classes dirigentes também tinham interesse na escolarização das massas, em função da crescente industrialização e urbanização que ocorria no país exigir requisitos mínimos de conhecimentos transmitidos no sistema escolar. A escola passa a incorporar a questão da reprodução da divisão técnica e social do trabalho, contribuindo para essa reprodução através de uma efetiva separação dos indivíduos em função da capacidade de apropriação do conjunto de símbolos e habilidades cuja aquisição seria produzida pela freqüência ao sistema escolar. Alguns indivíduos se mostram incapazes dessa apropriação e por isso ocupam os lugares inferiores da escala ocupacional. A escola possui ainda o papel de legitimar os padrões culturais e ideológicos das classes dominantes, agindo no sentindo de obter o consenso dos alunos acerca da justeza produzida pelo processo de reprodução da divisão técnica e social do trabalho. De acordo com Regina Campos, Este consenso é obtido por via da imposição de um padrão de comportamento e de produtividade ao qual todos devem se adequar, sob pena de serem excluídos das vias de ascenção social propostas pela estrutura educacional. O critério de julgamento dos indivíduos será sempre o de sua produtividade e rendimentos escolares, isto é, de sua capacidade de se adaptar técnica e socialmente ao ritmo da produção da mercadoria: é o critério da utilidade social de seu trabalho. A necessidade de aferir objetivamente o rendimento do trabalho da instituição escolar significa portanto, na prática, a verificação de sua competência para se desincumbir de sua função de submeter aqueles que a procuram aos padrões da ideologia dominante. Para isso é necessário descobrir como se comporta essa massa de indivíduos em relação aos parâmetros que a própria cultura dominante trata de elaborar: para isso, aplicam-se exaustivamente testes psicológicos que, em última análise, vêm a medir exatamente a incorporação ou não, pelas crianças, dos padrões de produtividade escolar (1986:62-63). Em outras palavras, a República brasileira se sustentava em um imaginário social que afirmava a existência de uma sociedade contratual de pessoas livres e iguais que, no entanto, fundamentam seus acordos na diferença hierárquica (Jacó-Vilela & Rodrigues, 2004). A força policial era o principal instrumento de dominação, mas outros instrumentos apareceram para predizer a delinqüência, dentre eles se destacam os testes mentais (Patto, 1999). 8 Sobre esta indistinção entre saberes, ver Schwarcz (2002) e Herschmann & Pereira (1994). 9 Alguns estudiosos da Psicologia no Brasil não seguiram o fascínio dominante produzido pelos testes e também não se convenceram da validade dos discursos racistas hegemônicos entre a intelectualidade brasileira. Dentre estes intelectuais, destacam-se Manoel Bomfim, Helena Antipoff e Arthur Ramos. Ver Antunes (1991), Campos (1986) e Jacó-Vilela & Rodrigues (2004). 11 Em 1928, a Escola de Aperfeiçoamento de Professores foi instalada em Belo Horizonte, iniciando o ensino de Psicologia no nível superior no Brasil. Sua finalidade era formar gestores para a implantação da reforma do ensino, através de um curso oferecido a normalistas e com a duração de dois anos (Campos, 2003). Antes disso, Isaías Alves adaptaria pela primeira vez a escala Binet-Simon para a realidade brasileira. Ana Jacó-Vilela e Heliana Rodrigues (2004) apontam para uma mudança a partir dos anos trinta nos estudos psicológicos brasileiros. Em função da urbanização acelerada, da industrialização e da modernização de hábitos e costumes, a divisão social do trabalho produz a figura do especialista e da multiplicação das profissões. No governo Vargas, a centralização administrativa e o crescimento da industrialização intensificam o processo de especialização, produzindo uma geração de estudiosos da Psicologia que possuem uma formação mais especificamente “psicológica”. É o momento da consolidação das primeiras universidades brasileiras e dos campos disciplinares. Aparecem os psicologistas e, na década de cinqüenta, um projeto de autonomização profissão do campo psicológico, que era uma especialização para profissionais da educação, da filosofia, da medicina, entre outros campos profissionais. Essa mudança coincide com as primeiras experiências sistemáticas de aplicação do saber psicológico às questões do trabalho no contexto brasileiro (Antunes, 1991). Como conseqüência de uma sociedade em vias de se industrializar, a racionalização do exige conhecimentos psicológicos mais complexos e, por conseguinte, profissionais psi com treinamento especializado mais intensivo. Assim, através da Portaria 272 – que regulamentava o Decreto Lei 9092 de 1946, institucionalizou-se a formação profissional em Psicologia (Soares, 1979; Pereira & Pereira Neto, 2003) O profissional habilitado como especialista em Psicologia deveria freqüentar os três primeiros anos de Filosofia, Biologia, Antropologia ou estatística e depois os cursos específicos de especialização. Na verdade, em função de uma crescente preocupação com o fator humano vinculada à produção do capital, práticas psicológicas são cada vez mais utilizadas nas áreas de educação e trabalho (Esch & Jacó-Vilela, 2001). O novo profissional psi que surge é o psicotécnico (Martins, 2005). 10 A configuração do conhecimento psicológico e da prática profissional nesse período que antecede a regulamentação, como também da relação entre essas dimensões, pode ser melhor compreendida pela leitura do quadro dois, 10 A expressão psicotécnica foi cunhada por Hugo Münsterberg para descrever a aplicação da teoria psicológica na solução de problemas práticos advindos de todas as esferas da atividade humana (Monarcha, 2001). 12 Modelo Profissional Conhecimento Psicológico Disciplinas fundamentais Status profissional Aplicação Psicotécnico Psicometria Estatística Psicopatologia Auxiliar médico Educação e Trabalho Quadro 1.2: A configuração das imbricações entre o conhecimento psicológico e o modelo de prática profissional da Psicologia no período de inserção desse campo de conhecimento no Brasil (1890-1930). A Psicologia passa a produzir uma forma de expertise que define o seu papel social. O termo expertise é usado aqui no sentido que Nikolas Rose (1998) utiliza, ou seja, como um tipo particular de autoridade social, caracterizado pela sua capacidade de lidar com problemas sociais através de um olhar diagnóstico que se fundamenta em uma reivindicação da capacidade de produzir um conhecimento verdadeiro e de intervir mediante o uso de técnicas eficazes. Nesse contexto foi criado, em 1947, o Instituto de Seleção e orientação Profissional (ISOP), da Fundação Getúlio Vargas (Rio de Janeiro), que passou a capacitar técnicos para realizarem seleção e recrutamento de pessoal (Pereira e Pereira Neto, 2003). Em 1949, foi criada a Associação Brasileira de Psicotécnica, que teve a participação de nomes como Lourenço Filho e Mira y Lopez como seus fundadores. (Antunes, 2004). Em 1951, em resposta à solicitação do Conselho Nacional de Educação, a Associação Brasileira de Psicotécnica e o ISOP apresentaram um anteprojeto de profissionalização da Psicologia. Isso ocorreu em função da crescente presença dos psicotécnicos em vários setores dos serviços públicos e privados nos principais centros urbanos do país, o que criou a necessidade do estabelecimento tanto para a atuação dos que já estavam no mercado de trabalho quanto também para a formação de novos profissionais (Martins,2005). A formação profissional do psicólogo em cursos de graduação foi iniciada na década de cinqüenta, com a criação do curso da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e, em São Paulo com o curso da USP – criado pela lei Estadual no 3.862 de 1958. b) A Regulamentação da Psicologia como Profissão e a constituição de um novo modelo hegemônico A regulamentação profissional da Psicologia foi resultante de um embate político entre os divergentes projetos de construção do domínio psicológico e do enfrentamento da corporação médica que resistia a aceitar a existência de uma profissão que eliminava o seu monopólio sobre um campo de atuação. 13 O conflito interno na Psicologia envolveu os teóricos – representados por Nilton Campos e Lourenço Filho, ambos catedráticos de Psicologia – e os aplicadores da Psicologia, cujo principal nome foi Mira y López, diretor do ISOP. O anteprojeto apresentado pela Associação Brasileira de Psicotécnica e pelo ISOP propõe um curso que compreenderia três anos de Bacharelado, responsável pela fundamentação teórica, e dois anos de Licenciatura, nos quais se obteria uma formação técnica especializada, que seria realizada em uma das três áreas seguintes: psicotécnica da educação, do trabalho ou do ajustamento clínico. As disputas internas e o confronto com a corporação médica obstruíram o processo de regulamentação profissional. Em 1957, o Conselho Nacional de Educação, através da Comissão de Ensino Superior, deu parecer contrário ao anteprojeto de profissionalização da profissão de psicólogo e o substitui por um que não permitia a atuação do psicólogo na área clínica a não ser na condição de assistente técnico, sob a supervisão de médico devidamente especializado. Lourenço Filho, relator da Comissão de Ensino Superior, assim justificou essa mudança: Não cuida, no entanto o anteprojeto da regulamentação de especialistas em Psicologia Clínica, dado que julgou a Comissão que essa parte deve ser do âmbito da regulamentação da profissão médica com a qual tem relações muito estreitas. A comissão formula um voto no sentido de que as Faculdades de Medicina estabeleçam logo que oportuno as bases de estudos necessário disciplinando a especialidade (Apud Esch & Jacó-Vilela,2001:20). A Comissão de Educação e Cultura, por sua vez, considera o substitutivo da Comissão de Ensino Superior inadequado e opta por um outro substitutivo de autoria de duas Associações de Psicologia de São Paulo. O texto do novo substitutivo organizava a formação em seis anos – divididos igualitariamente entre Bacharelado e Licenciatura, garantindo a possibilidade do psicólogo trabalhar na área clínica. O último ano da Licenciatura previa estudos em uma das três áreas de aplicação: trabalho, clínica e escola. A nova proposta retira a expressão “clínica” e a substitui por “solução de problemas de ajustamento” como função privativa do psicólogo. Com pequenas mudanças, este passou a ser o conteúdo da Lei 4.119, aprovada em 27 de agosto de 1962. Juntamente com ela, o Conselho Federal aprova o parecer 403, estabelecendo o currículo mínimo e a duração o curso de Psicologia. O novo modelo de profissão e a sua relação com o conhecimento psicológico que surgiram da regulamentação podem ser melhor compreendidos através do esquema apresentado a seguir: 14 Quadro 1.3: A configuração das imbricações entre o conhecimento psicológico e o modelo de prática profissional da Psicologia produzido pela regulamentação da profissão e dos Cursos de Psicologia (lei 4.119 e Parecer 403/62). O Parecer 403 afirma a necessidade do caráter científico dos estudos psicológicos, expressando uma adesão à matriz cientificista da classificação de Luis Cláudio Figueiredo (1991)11, adotando uma postura positivista12 ,o Currículo Mínimo enfatizava a objetividade e a neutralidade, separando a investigação científica da prática. Além disso, estabelecia objetos de estudos (“a personalidade”, “o desenvolvimento”, etc) como entidades naturais13, eliminando assim o caráter histórico do saber psicológico. 11 Figueiredo (1991) afirma que o campo psicológico é marcado pelo antagonismo de dois grandes agrupamentos de matrizes do pensamento psicológico: de um lado, as matrizes cientificistas – que desconsidera a singularidade da vida subjetiva e adota uma imitação com algum sucesso dos modelos teóricos investigativos das ciências naturais, enquanto que as matrizes românticas e pós-românticas reconhecem a especificidade dos atos e vivências do sujeito, reivindicando a total independência da Psicologia em relação às ciências outras. Em compensação, as matrizes românticas não gozam do mesmo status científico que as do outro agrupamento matricial. 12 O termo positivismo foi empregado pela primeira vez pelo filósofo francês Saint-Simon (1760-1825) para definir o método apropriado das ciências e sua aplicação à Filosofia. Augusto Comte (1798-1857), que fora secretário de Saint-Simon, o adotou para designar a Filosofia que, na segunda metade do século XIX, teve numerosas e variadas manifestações em todos os países do mundo ocidental, inclusive no Brasil – onde veio influenciar a Constituição Republicana de 1891. Segundo Abbagnano (1982), os princípios fundamentais do positivismo são os seguintes: 1. A ciência é o único conhecimento possível e o método da ciência é o único válido: portanto, o recurso a causas ou princípios que não são acessíveis ao método da ciência não dá origem a conhecimentos (...); 2. O método da ciência é puramente descritivo, no sentido de que descreve os fatos e mostra aquelas relações constantes entre os fatos que são expressas pelas leis e consentem a previsão dos mesmos fatos (...) 3. O método da ciência, enquanto é o único válido, deve ser estendido a todos os campos da indagação e da atividade humana; e a vida humana inteira, individual ou associada, deve ser guiada por ela (1982:746). Pra uma discussão sobre o positivismo na Psicologia, ver Tolman (1991). 13 Kurt Danziger assim define essa questão: looking at psychological categories and concepts with a historical perspective runs directly counter to one of the most deeply embedded features of modern psychology: its ahistorism. (…) The most obvious reason for this is based on Psychology’s wishful identification with the natural sciences. Psychological research is supposed to be concerned with natural, not historical, objects, and its methods are considered to be those of natural science, not those of history. Psychology is committed to investigating process like cognition, perception and motivation, as historically invariant phenomena of nature, not as historically determined social phenomena (1997:9). Conhecimento Psicológico Disciplinas Fundamentais Status Profissional Aplicação Psicologia Geral e Experimental Psicologia da Personalidade Psicologia Social Psicopatologia Geral Estatística Fisiologia Profissional liberal 1)Diagnóstico psicológico; 2) Orientação e seleção profissional; 3) Orientação psicopedagógica 4) Solução de problemas de ajustamento. 15 O conhecimento científico é concebido como algo já pronto e seu modo de produção é visto como sendo essencialmente a realização de experimentos e de tratamento estatístico de dados (Weber & Carraher, 1982). A pratica profissional decorrente desse fundamento cognitivo assume uma tarefa de normatização e controle: a solução de problemas de ajustamento, conforme a lei 4.119/62. É preciso lembrar que o conhecimento psicológico que se estruturava no Brasil é feito a partir da carência, das crianças com “dificuldades emocionais” e de aprendizagem. A Psicologia já vinham desenvolvendo uma preocupação com a chamada infância “desadaptada” (Coimbra, 1999). Além disso, a partir de 1964 implanta-se no Brasil uma Ditadura autocrático-Burguesa que encontro na Psicologia um forte aliado para fomentar uma “ideologia da adaptação do indivíduo à sociedade” 14 (Checchia e Souza, 2003). Ao explicar a realidade por meio de conceitos psicológicos (intra-individuais), o discurso psi passa a reiterar a crença liberal que é preciso investir no indivíduo, mesmo que seja para tratar dos seus males psíquicos – desvinculando a dimensão subjetiva do contexto social. Da desadaptação infantil, o discurso psicológico passará a intervir na vida sexual e familiar a partir da década de setenta. A experiência vivenciada na França a esse respeito também vale para o Brasil. Donzelot assim a descreve: Partindo da escola, dos problemas de desadaptação escolar, passou-se para os problemas da procriação, da vida familiar e da harmonia conjugal (...) Nesse circuito escola-família, o operador de cada etapa foi a Psicanálise. É ela quem autoriza o deslocamento dos problemas de aproveitamento escolar para os da harmonia familiar (1978:177-178). Os psicólogos, desde o início da sua configuração profissional, procuraram a Psicanálise. De acordo com Ana Cristina Figueiredo, No início da década de 1970 o contingente de psicólogos formados já era grande e a clínica definitivamente eleita como a especialidade psicológica por excelência. O modelo de atendimento privado predomina em detrimento do trabalho nas instituições vinculadas ao Estado e a inspiração é predominantemente psicanalítica. A penetração da Psicanálise na Psicologia Clínica – ponto chave de sua difusão no campo profissional – vai culminar no boom dos anos 70 (1984:37). Surpreendentemente, o quadro que assume a Psicologia como profissão na primeira década após a sua regulação é o seguinte: 14 Para uma discussão da psicologia como uma prática de ajustamento em um outro contexto, ver Napoli (1981). 16 Modelo Profissional Conhecimento Psicológico Conhecimento Fundamental Status Profissional Aplicação Psicoterapeuta Teoria de base analítica Psicanálise Profissional liberal Clínica privada: produção do conhecimento de si. Quadro 1.4: a configuração da Psicologia como Psicoterapia decorrente da posição hegemônica obtida pelo saber psicanalítico no campo psi. O sistema autoritário vigente no início da década de setenta, a expansão e enriquecimento concomitantes da classe média criaram as condições propícias para o surgimento de uma demanda de um novo profissional, o psicoterapeuta (Langenbach e Negreiros, 1988). O desenvolvimento econômico brasileiro produz uma urbanização acelerada e a possibilidade de ascensão social para as novas classes médias. A família extensa se fragmenta, gerando as famílias nucleares. De acordo com Sérvulo Figueira (1981), a ruptura das relações de parentesco faz com que a família nuclear perca os “mapas’ (conjunto de regras e procedimentos adequados para orientar a existência em situações específicas), processo esse que foi denominado pelo psicanalista carioca de “desmapeamento”15. A demanda de mapeamento, ou seja, de “mapas” que totalizassem as experiências existenciais, foi atendida pela Psicanálise. De acordo com Ana Jacó-Vilela, O movimento dos psicólogos propiciou, entre outras coisas, a difusão da Psicanálise. O saber psi torna-se parte integrante da cultura simbólica das novas camadas médias em ascensão. Isto redunda não só em maior demanda pelas formações psicanalíticas como, principalmente, amplia a demanda pelas práticas psi como formas de resolução do desmapeamento – as quais, aliás, são ofertadas exatamente para que sejam demandadas. São várias as produções do regime político: acirramento do modelo econômico de desigualdade na distribuição de renda, novos padrões de relacionamento e – por que não? - novas causalidades. A família fragmentada torna-se responsável pelos desvios de cada um de seus membros em relação à ordem vigente. Um novo olhar especializado se dirige à relação pais-filhos, à relação conjugal (1996: 44). Um aspecto importante da organização profissional dos psicólogos durante a década de 70 é a criação dos Conselhos pela Lei 5.766 de 1971, e regulamentados pelo Decreto 79.822 de 1977. A função oficial dos conselhos era “orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício profissional de Psicólogo e zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe” (Brasil, 1971). O primeiro Código de Ética dos psicólogos foi criado em 1975, através da Resolução no 8, de dois de fevereiro, do Conselho Federal de Psicologia. Uma proposta de reformulação do currículo mínimo, apresentada pelo Departamento de Assuntos Universitários do Ministério da Educação e Cultura (DAU/MEC), de 1978, atribuía ao psicólogo o cuidado dos casos de desvio social. Um trecho desse projeto afirma: 15 Para uma discussão do conceito de desmapeamento, ver Jane Russo (1993). 17 Reconhece-se, nos dias que correm, que a ação preventiva, de orientação psicológica, diagnóstico precoce, aconselhamento e terapia psicológica, exercida em larga escala, é um dos poucos recursos realmente efetivos que as comunidades podem lançar mão, a fim de evitar que se agrave ainda mais um estado de coisas realmente inquietante, notadamente em domínios como crime e delinqüência, tóxicos, deterioração de relações familiares, abuso de crianças, alcoolismo, desvios sexuais, desvios ideológicos e terrorismo, etc. (Apud Jacó-Vilela, 1996). Como reação à Proposta do DAU/MEC, estudantes, profissionais e professores de Psicologia se organizaram em vários estados, através de Comissões Paritárias Locais, resultando numa Comissão Paritária Nacional. Esse foi o primeiro movimento articulado em âmbito nacional dos psicólogos. A proposta apresentada como Projeto foi arquivada e, com o tempo, as Comissões Paritárias desativadas (Yamamoto, 1987). Os psicólogos firmavam posição de repúdio ao modelo proposto pela regulamentação profissional e não mais aceitavam ser “agentes da norma”. A atuação que se impõe busca produzir o conhecimento de si através do escrutínio analítico, possibilitando a emergência de potencialidades desconhecidas (Jacó-Vilela, 1996). 16 Com isso, temos uma mudança de paradigma do conhecimento psicológico embasador da prática psi no Brasil: o modelo cientificista da Lei 4.119 é trocado por projeto romântico sustentado pela Psicanálise e pelas demais abordagens psicoterápicas. A produção do conhecimento de si amplia as possibilidades de psicoterapia: superando a ênfase no diagnóstico e da cura apresentada pelo discurso psi tradicional, a cultura psicológica torna possível uma demanda de “psicoterapia para normais”.17 A Psicologia passa a viver uma crise de identidade resultante da hegemonia do modelo psicoterápico, modelo esse que – embora apresente o domínio da Psicanálise – é caracterizado pela fragmentação em diversas abordagens teóricas. Além disso, os psicoterapeutas vinculam-se a corporações de formação específica, deixando de se identificarem como psicólogos e passando a se denominarem de psicanalistas ou terapeutas corporais, por exemplo, (Langenbach e Negreiros, 1988). Uma outra conseqüência é a desvalorização dos cursos de graduação, que são vistos como espaços em que se obtém o diploma, mas que não têm muito a oferecer em termos de capacitação para o trabalho profissional. 16 A Consolidação das Resoluções do Conselho Federal de Psicologia (Resolução 18/2000), refletindo a mudança de autocompreensão existente na categoria, assim define “solução de problemas de ajustamento”: é o processo que propicia condições de auto-realização, de convivência e de desempenho para o indivíduo, o grupo, a instituição e a comunidade, mediante métodos psicológicos preventivos, psicoterápicos e de reabilitação. 17 Assim definida por Castel: “la expressión significa, respecto del individuo, que ésteno es un ser finito, que puede ser objeto-sujeto de un trabajo para desarrollar su potencial e intensificar sus capacidades de relación. ¿De qué modo? Con el empleo sistemático de técnicas psicológicas. La realización del ser humano se convierte en una tarea infinita en la que siempre se puede invertir algo más” (1984:179) 18 Esse modelo seria bastante questionado nas décadas posteriores, abrindo assim novas possibilidades de configuração da prática profissional e também exigindo uma avaliação rigorosa acerca da validade do conhecimento psicológico no contexto das questões sociais brasileiras. c) A crise da Psicologia brasileira e a formação de um novo campo teórico-prático Em um estudo pioneiro publicado em 1975, Sylvia Leser de Melo começou a por em questão a formação e a atuação profissional do psicólogo brasileiro. Naquele trabalho a autora procurou captar as características da formação e da atuação da psicóloga no Estado de São Paulo. No contexto de uma conjuntura histórica caracterizada pela possibilidade de transformação política em meio à evidência que o projeto de desenvolvimento econômico da autocracia burguesa começava a desmoronar (Yamamoto, 1993). Havia uma intensa luta pela redemocratização do país, desencadeada pelos movimentos sociais e pela participação dos intelectuais (Pécaut, 1990; Yamamoto, 1996). No âmbito específico da Psicologia, percebia-se uma profissão em busca de identidade, com uma expansão quantitativa propiciada pelas reformas de ensino que produziram uma multiplicação considerável de instituições de ensino superior no país, mormente de caráter privado e, com raras exceções, de qualidade duvidosa. Apesar do universo limitado de sua mostra (170 psicólogos) e do período em que realizou sua pesquisa (final de 1969), o trabalho de Melo definiu a forma de condução da investigação e as categorias de análise dos estudos acerca da atuação do profissional de Psicologia no Brasil (Schmidt, 1984; Yamamoto, Siqueira e Oliveira, 1997). Na década de 1980, duas tendências de estudo sobre a profissão de psicóloga aparecem. A primeira, empreendida por indivíduos isolados (Campos, 1983; Patto, 1984; Yamamoto, 1987; Figueiredo, 1989), procurou dar conta das novas realidades enfrentadas pelos psicólogos, discutindo a atuação em áreas específicas, a relação da Psicologia com a ideologia e a função social do exercício profissional psicológico. Uma segunda vertente surge dando continuidade à linha de pesquisa inaugurada por Melo. Em 1984, o Conselho Federal de Psicologia criou o Programa de Estudos e Debates sobre a Formação e atuação do Psicólogo, buscando desenvolver parcerias com as Universidades para produzir conhecimentos com o propósito de subsidiar a revisão do currículo mínimo, reconhecido por todos como defasado. Esse subsídio seria uma descrição do modelo de atuação profissional gerado pelo currículo então vigente. O Programa tinha duas diretrizes principais: 19 1) Engajamento das universidades e conselhos na discussão sobre a atuação profissional e sobre o currículo de formação do psicólogo; 2) Apresentação de um conjunto de informações que pudessem tomar decisões sobre cursos e currículos. (CFP, 1994). A primeira parte do Programa consistia na realização de três subprojetos: 1) O Perfil do Psicólogo – formação, campo de atuação e condições de trabalho; 2) A demanda Social da Psicóloga – campo de atuação, características e potencialidades; 3) Demanda Social e Formação Profissional do Psicólogo Uma pesquisa foi realizada e se conseguiu ter o mais abrangente diagnóstico sobre a situação do exercício profissional da Psicologia até hoje realizado. Os resultados foram publicados no Livro Quem é o Psicólogo Brasileiro? (1988), informando, entre outras coisas, os índices de emprego/desemprego, onde e quantos estão empregados no serviço público ou privado, áreas de atuação e atividades desempenhadas. Ainda em 1984, o Conselho da Sexta Região de Psicologia – juntamente com o Sindicato dos Psicólogos no Estado de São Paulo, publica o livro O Perfil do Psicólogo no Estado de São Paulo (1984), dando continuidade à pesquisa de Sylvia Leser de Melo no Estado que contém o maior número de psicólogos no Brasil. A realidade da profissão, após a pesquisa de 1988, não foi investigada em âmbito nacional, surgindo uma tendência de trabalhos localizados – com estudos restritos temática ou geograficamente. O Conselho da sexta região de Psicologia publicaria mais um estudo (1995) e o professor Oswaldo Yamamoto e seu grupo de pesquisa apresentavam um conjunto de textos descrevendo a atuação das psicólogas no Rio Grande do Norte (Yamamoto, 1988; Yamamoto, Spinelli e Carvalho 1996; Yamamoto, Maia e Carvalho, 1997; Yamamoto et. Al. 2001; Yamamoto et. al., 2003). Uma outra tendência nos estudos da profissão, também resultante da parceria entre o Conselho Federal e as Universidades, foi a pesquisa em torno dos novos espaços de atuação do psicólogo e das práticas emergentes como desafio para o repensar a formação da psicólogo brasileiro (CFP,1992;1994). Essa tendência surgiu a partir do esforço do CFP de mudar a formação acadêmica do psicólogo no Brasil, através de uma pesquisa que apresentasse informações sobre o exercício profissional, identificando os movimentos inovadores nas práticas consolidadas e as demandas colocadas para a formação. Assim, essa pesquisa foi realizada a partir da seleção de experiências profissionais que justificavam um estudo aprofundado das suas características. O critério para a escolha dessas experiências foi o nível em que elas contribuíam 20 para o delineamento de um novo modelo de atuação psicológica que fosse uma alternativa ao modelo tradicional. A pesquisa patrocinada pelo Conselho Federal incentivou uma significativa produção sobre a formação do psicólogo (Bock, 1997; Carvalho e Sampaio, 1997; Holanda, 1997; Jacó- Vilela, 1996; Mancebo, 1997; Pardo, Mangieri, e Nucci, 1998; Castelo-Branco, 1998; Moura, 1999; Bettoi e Simão, 2000). A Psicologia brasileira passou por uma expressiva mudança no que diz respeito à Configuração do seu mercado de trabalho a partir da década de oitenta. De uma profissão predominantemente liberal-autômoma, a Psicologia tornou-se uma profissão assalariada e desenvolvida, mormente em instituições públicas de Saúde (Dimenstein, 1998; Carvalho e Yamamoto, 1999). Essa institucionalização foi objeto de algumas investigações, embora sem um aprofundamento da discussão sobre o conceito de instituição e os limites que foram postos ao psicólogo pelo próprio modelo de assistência à saúde implementado no nosso país (Campos, 1988; Boarini, 1996; Dimenstein, 1998; Oliveira et. al., 2004). A participação do psicólogo como membro de equipes multiprofissionais no campo da saúde, contudo, exigiu que um novo tema fosse investigado: a inserção dos psicólogos no campo da Saúde. Os estudos pioneiros de Silva (1988) e Campos (1988) descreveram a inserção do psicólogo na Rede Básica de Saúde. Spink (2003) e Carvalho & Yamamoto (1999) discutiram os modelos de intervenção e a estruturação de um novo campo teórico-prático de atuação profissional do psicólogo. Dessa forma, o campo profissional da Psicologia passou a se estruturar assim: Modelo Profissional Conhecimento Psicológico Conhecimento fundamental Status profissional Aplicação Profissional da Saúde Psicologia da Saúde Ciências Sociais Profissional Assalariado Funcionário Público Unidades Básicas de Saúde Centro de Atenção Psicossocial Quadro 1.5: a configuração da Psicologia como Profissão de Saúde e os saberes que embasam as práticas nesse contexto. 21 d) A organização da profissão, o debate sobre formação e as Diretrizes curriculares. Em 1987, em função das profundas alterações sociais e no mercado de trabalho, o Conselho Federal de psicologia aprovou um novo Código de Ética Profissional dos Psicólogos (Resolução CFP n º 002 de 15 de agosto), que foi resultante de um estudo envolvendo os Conselhos Regionais e a categoria como um todo, que buscou adequar a profissão ao processo de redemocratização do país (Jacó-Vilela: 1996). As principais mudanças em relação ao código anterior são: a substituição do legalismo pela ênfase nos Direitos Humanos, uma preocupação com o engajamento nas situações sociais e a participação do psicólogo na criação de condições que eliminem a opressão e a marginalização do ser humano. O profissional de Psicologia passa, assim, a ser um agente de transformação individual e social (Jacó-Vilela: 1996). A Carta de Serra Negra (Jornal do Federal: 1992), documento final do encontro promovido pelo Conselho Federal de Psicologia com representantes de 98 dos 103 cursos de graduação do país em julho/agosto de 1992, aponta para os princípios e as estratégias que, se implantadas, podem produzir novas modalidades de formação profissional (Bock: 1997). Os princípios são: - Desenvolver a consciência política de cidadania e o compromisso com a realidade social e a qualidade de vida; - Desenvolver a atitude de construção do conhecimento, enfatizando uma postura crítica, investigadora e criativa, fomentando a pesquisa num contexto de ação-reflexão- ação, bem como viabilizando a produção técnico-científica; - Desenvolver o sentido de universidade, contemplando a interdisciplinaridade e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; - Desenvolver a formação básica pluralista, fundamentada na discussão epistemológica, visando à consolidação de práticas profissionais conforme a realidade sócio-cultural, adequando o currículo pleno de cada agência formadora ao contexto regional; - Desenvolver uma concepção de homem, compreendido em sua integralidade e na dinâmica de suas condições concretas de existência; - Desenvolver práticas de interlocução entre os diversos segmentos acadêmicos, para a avaliação permanente do processo de formação. As principais sugestões de operacionalização são: - Observar o equilíbrio de carga horária entre as disciplinas das diversas áreas de atuação; 22 - As metodologias das disciplinas devem contemplar a prática de investigação; - A investigação deve coletar informações sobre a realidade sócio-cultural possibilitando também o aprofundamento das questões teóricas e técnicas pertinentes à mesma; - A estrutura curricular deve possibilitar ao aluno o acesso a diferentes concepções de homem, levando-a a uma análise crítica das mesmas; - Garantir um pluralismo de abordagens em cada ementa para promover análise comparativa e crítica entre as diversas abordagens. Ainda em 1994, realizou-se o I Congresso Constituinte da Psicologia, com a participação de 262 psicólogos de todo o país, que se reuniram em Campos do Jordão. Ele surgiu a partir de deliberação de Encontros de Plenárias dos Conselhos (Federal e Regionais), que ocorreu em 1991. A proposição inicial era repensar os Conselhos e as outras formas de institucionalização da Psicologia no Brasil, porém após discussões e pesquisas de opinião realizadas entre os psicólogos, foi definido como seus objetivos:  Refletir sobre os diversos fazeres da Psicologia, seu significado científico e social;  Contribuir para a construção de um ethos da Psicologia, norteador de sua prática;  Refletir sobre a forma de institucionalização da Psicologia, com a possibilidade de alteração de seu estatuto legal. O Congresso Nacional Constituinte ocorreu em agosto e sua deliberações forma agrupadas em três eixos temáticos, a saber: entidades e organização política, exercício profissional e formação profissional. Os princípios estabelecidos em cada eixo foram: I. Entidades e Organização Política: Caberia aos Conselhos intervir na sociedade em defesa da construção de uma ordem democrática, para garantir a todos os direitos de cidadania. As ações específicas dos Conselhos (normatização, orientação e fiscalização do exercício profissional), deveriam ser pautadas não mais pelo controle individual, mas sim pela busca da garantia da qualidade dos serviços profissionais prestados, considerando os direitos de cidadania. Também deveriam ser tarefas dos Conselhos: a) o desempenho de um papel norteador, catalisador e facilitador das relações entre profissionais de diferentes áreas; b) influência na formulação de políticas públicas e questões sociais relacionadas às condições de vida da população e cidadania, destacando-se as ações que afetem diretamente as atividades dos psicólogos; c) atuação visando somar forças com outras entidades profissionais e organizações da sociedade civil, posicionando-se politicamente frente aos fatos sociais; d) busca da garantia de 23 qualidade dos serviços prestados à população pelas entidades públicas e privadas e pelos psicólogos; e) incentivo a uma contínua reflexão crítica, construtiva e consciente do fazer da profissão; f) defesa da vida e da cidadania, como bens éticos por excelência; g) defesa das relações democráticas internas e externas; h) estímulo à participação da categoria na gestão do Sistema Conselhos; i) transparência das ações; j) co-responsabilidade dos psicólogos como um todo na gestão dos Conselhos. II. Exercício Profissional: definição do psicólogo como um profissional que promove saúde em qualquer área de atuação e que deve atuar sempre visando promover o bem-estar do indivíduo, da comunidade, atualizando-se constantemente em termos técnicos, científicos, éticos e de desenvolvimento pessoal. O compromisso social do psicólogo não deve se expressar na sua prática isolada, mas deve traduzir o conhecimento psicológico para o trabalho comunitário, como também viabilizar – junto com o Conselho – a participação da categoria na definição de política pública de saúde, do trânsito, da educação, da infância e adolescência e outras áreas abrangendo todos os segmentos da sociedade. As equipes multiprofissionais devem ser vistas como um espaço de socialização do saber da ruptura do poder dele emanado, em que um trabalho interdisciplinar que considere a complexidade e a singularidade do ser humano. O Conselho deve defender o trabalho multidisciplinar. Por fim, o exercício profissional deve estar pautado nos princípios éticos de respeito ao indivíduo e à sociedade e seus valores culturais: consciência dos limites do profissional e compromisso com o saber e socialização do saber. III. Formação do Psicólogo: compromisso com uma formação em Psicologia que contribua para a transformação da realidade brasileira, com a produção de um conhecimento crítico e de uma prática que esteja a serviço da maioria da população. Deve buscar uma reflexão crítica permanente sobre a teoria e a prática da Psicologia, que contemple a dimensão histórica de seu desenvolvimento como ciência e profissão. A formação deve produzir uma visão do conhecimento científico como algo não acabado, com ênfase na produção do conhecimento através de pesquisas vinculadas às necessidades sociais, visando políticas básicas de atendimento e superando as limitações de uma formação tecnicista. A formação deve ser, enfim, interdisciplinar, generalista, com o conhecimento da legislação e das políticas públicas pertinentes à Psicologia e com o conteúdo do currículo voltado para as necessidades da região na qual o curso se insere. A partir desse Primeiro Congresso Constituinte, foi criado como instância máxima de deliberação na estrutura do Sistema Conselho os Congressos Nacionais de Psicologia (CNPs), que deve ocorre de três em três anos para aprovar as diretrizes básicas para a ação dos Conselhos de Psicologia. Os CNPs também são o momento em que são inscritas as chapas que 24 concorrem às eleições do Conselho Federal (Pinheiro, 2004).Cada congresso tem um tema que é discutido e aprovado pela Assembléia de Políticas Administrativa e Financeiras (APAF)18. Os Congressos já realizados até agora foram: - I Congresso Nacional Constituinte da Psicologia (Campos do Jordão, 1994). Tema: Processo Constituinte Repensando a Psicologia; - II Congresso Nacional da Psicologia (Belo Horizonte, 1996).Tema: Formação, Exercício profissional e as Leis 4.119 e 5.766; - III Congresso Nacional da psicologia (Florianópolis, 1998). Tema: Psicologia: interfaces, Políticas Públicas e Globalização; - IV Congresso Nacional de Psicologia (Brasília, 2001). Tema: Qualidade, Ética e Cidadania nos Serviços Profissionais: Construindo o Compromisso Social da Psicologia; - V Congresso Nacional da Psicologia (Brasília, 2004). Tema: Protagonismo Social da Psicologia: As Urgências Brasileiras e a Construção de Respostas da Psicologia às Necessidades Sociais. De acordo com Rocha Jr (1996), a história da Psicologia brasileira tem dois períodos em que ocorreu algum esforço organizado da categoria para transformar o seu currículo: o primeiro, entre 1970 e 1980, marcado pelo simples acréscimo de disciplinas, e o segundo - entre 1991 e 1999 – quando as discussões começaram a ser mais fundamentadas e o objetivo passou a ser mais radical: propor uma nova concepção de psicólogo. Acrescentaríamos um terceiro período, de 1999 até hoje, quando as discussões passaram a ocorrer em torno das Diretrizes Curriculares para os cursos de Psicologia. A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei no 9394/96), foi aprovada em dezembro de 1996, após um período de oito anos marcados por um intenso debate político. Ao substituir os Currículos Mínimos pelas Diretrizes Curriculares, a nova LDB provocou a necessidade de profundas reformulações nos cursos de formação, incluindo a Psicologia. Na verdade, as diretrizes são apenas anunciadas no texto da Lei, através de recomendações gerais que deverão ser observadas pelas Instituições Superiores de Ensino quando formularem seus currículos (Art. 53, inciso II), em função da autonomia concedida às Universidades (Yamamoto, 2000). 18 Os Congressos Nacionais de Psicologia foram regulamentados pela Resolução do Conselho Federal de Psicologia n º 017 de 20 de dezembro de 2000, que estabelecia o Regimento Interno do Conselho Federal de Psicologia. 25 O estabelecimento das diretrizes foi delegado às comissões de especialistas por área de conhecimento. A comissão de Especialistas em Ensino de Psicologia, instituída pela Secretaria de Ensino Superior do MEC, após uma consulta à comunidade acadêmica e profissional, apresentou a minuta da resolução com as diretrizes curriculares para a psicologia. A minuta recebeu algumas críticas de algumas entidades da Psicologia19(Hoff, 1999) e as divergências internas da Psicologia brasileira tornaram-se públicas com o apoio dado por entidades como a ANPEPP e a SBP à proposta de Diretrizes Curriculares formulada pela Comissão de Especialistas. Em fevereiro de 2004, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Psicologia (Parecer n o 62, de 19/02/2004). As Diretrizes definem que os cursos de Graduação em Psicologia têm como meta central a formação do psicólogo voltado para a atuação profissional, para a pesquisa e para o ensino de Psicologia. Os princípios que orientam a formação são os seguintes: 1) Construção e desenvolvimento do conhecimento científico em Psicologia; 2) Compreensão dos múltiplos referenciais que buscam apreender a amplitude do fenômeno psicológico em suas interfaces com os fenômenos biológicos e sociais; 3) Reconhecimento da diversidade de perspectivas necessárias para a compreensão do ser humano e incentivo à interlocução com campos de conhecimento que permitam a apreensão da complexidade e multideterminação do fenômeno psicológico; 4) Compreensão crítica dos fenômenos sociais que são fundamentais ao exercício da cidadania e da profissão; 5) Atuação em diferentes contextos tendo em vista a promoção da qualidade de vida dos indivíduos, grupos, organizações e comunidades; 6) Respeito à ética nas suas relações profissionais; 7) Aprimoramento e capacitação contínuos. As competências e habilidades, que são os objetivos gerais da formação do Psicólogo, passam a ser as seguintes: a) Atenção à saúde: desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde psicológica e psicossocial, em nível individual e coletivo, pautado por princípios de ética e bioética; b) Tomada de decisão: avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas; 19 O Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira, em audiência com representantes da Sesu/MEC, questionou não somente o conteúdo da Proposta de Diretrizes Curriculares, mas também o a legitimidade do processo de elaboração da Minuta. 26 c) Comunicação: ética no uso das informações ao profissional confiadas e na interação com outros profissionais e o público em geral; d) Liderança: assumir posições de liderança, tendo em vista o bem estar da comunidade; e) Administração e gerenciamento: tomar iniciativas, fazer o gerenciamento e administração da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, estando apto a assumir as funções de empreendedor, gestor, empregador ou líder nas equipes de trabalho; f) Educação permanente: aprender continuamente, tanto na formação quanto na prática, assumindo a responsabilidade e o compromisso com a sua educação e o treinamento das futuras gerações de profissionais, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmica e profissional, a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais. Os eixos estruturantes que articularam os conhecimentos, as habilidades e competências necessários para a formação do psicólogo são os seguintes: 1) Fundamentos epistemológicos e históricos: permitem ao formando o conhecimento das bases epistemológicas existentes na construção do saber psicológico, com o objetivo de desenvolver a capacidade de avaliar criticamente as linhas de pensamento em Psicologia por parte do formando; 2) Fundamentos teórico-metodológicos: garantem a apropriação crítica do conhecimento disponível, visando uma compreensão abrangente dos diferentes métodos e estratégias de produção do conhecimento científico em Psicologia; 3) Procedimentos para a investigação científica e a prática profissional: visa garantir tanto o domínio de instrumentos e estratégias de avaliação e de intervenção, quanto a competência para selecioná-los, avaliá-los e adequá-los a problemas e contextos específicos de investigação e ação profissional; 4) Fenômenos e processos psicológicos: constituem o objeto clássico de investigação e atuação da Psicologia, propiciando amplo conhecimento de suas características; 5) Interfaces com campos afins de conhecimento: demarcar a natureza e a especificidade do fenômeno psicológico e compreendê-lo em sua interação com fenômenos biológicos, humanos e sociais, para assegurar uma compreensão integral e contextualizada dos fenômenos e processos psicológicos; 27 6) Práticas profissionais: buscam assegurar um núcleo básico de competências que permitam a atuação profissional e a inserção do egresso em diferentes contextos institucionais e sociais, de modo articulado a profissionais de áreas afins. A identidade do curso de Psicologia no país deve ser conferida por um núcleo comum de formação, que estabelece uma base homogênea para a formação no país e uma capacitação básica para lidar com os conteúdos da Psicologia, enquanto campo de conhecimento e atuação. O núcleo comum de formação é definido por um conjunto de conhecimentos, habilidades e competências. Estas se referem a desempenhos e atuações requeridas do graduado em Psicologia, devendo garantir ao profissional um domínio básico de conhecimentos psicológicos e a capacidade de utilizá-los em diferentes contextos que demandam a investigação, análise, avaliação, prevenção e atuação em processos psicológicos e psicossociais, e na promoção da qualidade de vida. Elas são: a) Analisar o campo de atuação profissional e seus desafios contemporâneos; b) Analisar o contexto em que atua profissionalmente em suas dimensões institucional e organizacional, explicitando a dinâmica das interações entre os seus agentes sociais; c) Identificar e analisar necessidades de natureza psicológica, diagnosticar, elaborar projetos, planejar e agir de forma coerente com referenciais teóricos e características da população-alvo; d) Identificar, definir e formular questões de investigação científica no campo da Psicologia, vinculando-as a decisões metodológicas quanto à escolha, coleta, e análise de dados em projetos de pesquisa; e) Escolher e utilizar instrumentos e procedimentos de coleta de dados em Psicologia; f) Avaliar fenômenos de ordem cognitiva, comportamental e afetiva, em diferentes contextos; g) Realizar diagnóstico e avaliação de processos psicológicos de indivíduos, de grupos e de organizações; h) Coordenar e manejar processos grupais, considerando as diferenças individuais e sócio-culturais dos seus membros; i) Atuar inter e multiprofissionalmente; j) Relacionar-se com o outro de modo a propiciar o desenvolvimento de vínculos interpessoais requeridos na sua atuação profissional; k) Atuar profissionalmente, em diferentes níveis de ação, de caráter preventivo ou terapêutico, considerando as características das situações e dos problemas específicos; l) Realizar orientação, aconselhamento psicológico e psicoterapia; 28 m) Elaborar relatos científicos, pareceres técnicos, laudos e outras comunicações profissionais, materiais de divulgação; n) Apresentar trabalhos e discutir idéias em público; o) Saber buscar e usar o conhecimento científico necessário à atuação profissional, assim como gerar conhecimento a partir da prática profissional. As habilidades que devem sustentar as competências básicas são: 1) Levantar informação bibliográfica em indexadores, periódicos, livros, manuais técnicas e outras fontes especializadas; 2) Ler e interpretar comunicações científicas e relatórios na área da Psicologia; 3) Utilizar o método experimental, de observação e outros métodos científicos; 4) Planejar e realizar várias formas de entrevistas com diferentes finalidades e em diferentes contextos; 5) Analisar, descrever e interpretar relações entre contextos e processos psicológicos e comportamentais; 6) Descrever, analisar e interpretar manifestações verbais e não verbais como fontes primárias de acesso a estados subjetivos; 7) Utilizar os recursos da matemática, da estatística e da informática para a análise e apresentação de dados e para a preparação das atividades profissionais em Psicologia. Uma novidade apresentada pelas Diretrizes é o conceito de ênfases curriculares. Entendida como um conjunto delimitado e articulado de competências e habilidades que configuram oportunidades de concentração de estudos e estágios em algum domínio da Psicologia. O reconhecimento da diversidade de orientações teórico-metodológicas, práticas e contextos de inserção profissional justificaria a criação das diferentes ênfases. Os cursos de psicologia deverão explicitar e detalhar suas ênfases curriculares, descrevendo-as detalhadamente em sua concepção e estrutura. A definição das ênfases curriculares deve ser apresentada no Projeto do curso, envolverá um subconjunto de competências e habilidades dentre aquelas que integram o domínio das competências gerais do psicólogo, compatível com demandas sociais atuais ou potenciais, e com a vocação e condições da instituição de ensino. O projeto de curso, a partir das competências e habilidades definidas, deverá especificar conteúdos e experiências de ensinos capazes de garantir a concentração no domínio abarcado pelas ênfases propostas. Cada instituição deverá oferecer pelo menos duas ênfases curriculares que assegurem a possibilidade de escolha pelo aluno. Assim, o projeto do curso deve prever mecanismos que permitam ao aluno escolher uma ou mais dentre as ênfases oferecidas. 29 A definição das ênfases curriculares pode ter como ponto de partida os domínios mais consolidados de atuação profissional do psicólogo no país, o que não impede que no projeto de curso as instituições formadoras possam conceber recortes inovadores de competências que venham a formar novas formas de práticas profissionais. As ênfases devem ser concebidas de um modo suficientemente abrangente para não configurarem uma especialização em uma prática, procedimento ou local de atuação do psicólogo. As ênfases sugeridas pelas Diretrizes são: a) Psicologia e processos de investigação científica: consiste na concentração em conhecimentos, habilidades e competências de pesquisas já definidas no núcleo comum da formação, capacitando o formando para analisar criticamente diferentes estratégias de pesquisa, conceber, conduzir e relatar investigações científicas de naturezas distintas; b) Psicologia e processos educativos: compreende a concentração nas competências para diagnosticar necessidades, planejar condições e realizar procedimentos que envolvam o processo de educação e de ensino-aprendizagem através do desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores de indivíduos e grupos em distintos contextos institucionais em que tais necessidades sejam detectadas; c) Psicologia e processos de Gestão: abarca a concentração em competências definidas no núcleo comum da formação para o diagnóstico, planejamento e uso de procedimentos e técnicas específicas voltadas para analisar criticamente e aprimorar os processos de gestão organizacional, em distintas organizações e instituições. d) Psicologia e processos de prevenção e promoção da saúde: consiste na concentração em competências que garantam ações de caráter preventivo, em nível individual e coletivo, voltadas a capacitação de indivíduos, grupos, instituições e comunidades para protegerem e promoverem a saúde e qualidade de vida; e) Psicologia e processos clínicos: envolve a concentração em competências para atuar, frente a questões e demandas de ordem psicológica, valendo-se de processos de psicodiagnóstico, de aconselhamento, psicoterapia e outras estratégias clínicas; f) Psicologia e processos de avaliação diagnóstica: implica na concentração de competências referentes ao uso e ao desenvolvimento de diferentes recursos, estratégias e instrumentos de observação e avaliação úteis para a compreensão diagnóstica em diversos domínios e níveis de ação profissional. Uma temática apresentada pelas Diretrizes é o conceito de estágio supervisionado. Compreendidos como um conjunto de atividades de formação que visa assegurar o contato do 30 formando com situações, contextos e instituições, os estágios supervisionados devem se estruturar em dois blocos: básico e específico, cada um com sua carga horária própria. Os estágios supervisionados básicos devem incluir o desenvolvimento de práticas integrativas das competências e habilidades previstas no núcleo comum. Cada estágio específico, por sua vez, incluirá o desenvolvimento de práticas integrativas das competências, habilidades e conhecimentos que definem cada Ênfase proposta pelo projeto de curso. Os cursos de Psicologia também terão que possuir um Serviço de Psicologia com as funções de responder às exigências para a formação do psicólogo, congruente com as competências que o curso objetiva desenvolver nos alunos e a demanda de serviço psicológico da comunidade na qual está inserido. Não é possível avaliar qual o impacto que as Diretrizes Curriculares terão no exercício profissional do psicólogo brasileiro neste momento. O que temos é a superação do modelo e formação do Currículo Mínimo de 1962, a garantia da pluralidade da Psicologia e a permanência de algumas questões, entre as quais vale a pena destacar o viés clínico do trabalho psicológico e a formação continuada que ocorre mormente fora do ambiente acadêmico, em escolas e sistemas de psicoterapias que produzem guetos e gurus, quase sempre estrangeiros, minando toda possibilidade de construção de uma identidade profissional do psicólogo. § segundo: A formação do psicólogo: da graduação à formação continuada A formação profissional dos psicólogos tem sido objeto específico de várias reflexões e pesquisas (Gomide, 1988; Bastos e Achcar, 1994; Duran, 1994; Bettoi e Simão, 2000 e 2002; Bock, 1997; Lima, 1999; Castelo-Branco, 1998; Dias, 2001; Mancebo, 1997,1999; Mello, 1997; Santos, 1994). Alguns estudos se destacam por fazer uma revisão do campo e desenvolver estratégias de classificação e análise da bibliografia sobre o tema. Dois trabalhos merecem uma análise mais pormenorizada: o trabalho de Maria Pardo, Regina Mangieri e Maria Nucci, publicado em 1998 e a pesquisa de Geraldina Witter e Adriana Ferreira, publicada em 2005. A pesquisa de Pardo, Mangieri e Nucci (1998) tinha como objetivo realizar um levantamento bibliográfico sobre o tema “formação do psicólogo”, visando identificar aspectos da formação, os problemas por eles levantados e propostas sugeridas para a melhoria desse processo. O conceito de formação subjacente à pesquisa foi o de período abrangido pela graduação em Psicologia. 31 Um esquema adaptado que apresenta o modelo criado pelas autoras pode ser visto no quadro seis: Legislação Conteúdos da Formação Diretrizes Curriculares Funções Objeto de Estudo Área de Atuação Procedimento e Técnicas Ética Dinâmica do Processo Administração Atuação do Professor Atuação do Aluno Figura 1.1: Modelo de Análise para a Formação Profissional. Adaptado de Pardo, Mangieri e Nucci (1998). A legislação representa as leis que regulamentam a formação profissional. No caso, temos as Diretrizes Curriculares dos cursos de Psicologia. Os conteúdos da formação representam os aspectos em torno dos quais deve se desenvolver a aprendizagem dos alunos. Baseadas no modelo de análise da formação profissional, as pesquisadoras procuraram classificar o material pesquisado nos periódicos. Os principais resultados foram: 1. Os trabalhos sobre a Dinâmica do Processo superaram os sobre Legislação e Conteúdos da Formação; 2. No que diz respeito aos Conteúdos da Formação, observou-se um desequilíbrio entre os trabalhos que discutiram a Ética (2,4%) – e os trabalhos que abordaram os outros dois aspectos: Procedimentos e Técnicas (12,8%) e Objeto de Estudo (11,8%). Este indica, segundo as autoras, que os estudiosos não integraram a questão ética à discussão sobre os variados aspectos da formação. Apesar de seus aspectos inovadores, o artigo de Pardo e suas colaboradoras apresenta uma concepção bastante limitada de formação, considerada por elas como sinônimo de graduação. Uma concepção diferente é apresentada por Witter e Ferreira (2005). De acordo com as autoras, a formação de um profissional começa mesmo antes de ele escolher a profissão ou o local em que buscará a sua formação acadêmica. Além disso, uma vez obtido o diploma, esta formação segue o curso do ciclo profissional e tem o seu desenvolvimento continuado, Formação Profissional 32 principalmente em áreas em que o conhecimento científico avança rapidamente, produzindo obsolescência de saberes constituídos. A figura 1 reproduz o Esquema das influências recebidas ao longo do Processo de Formação do psicólogo, explicitando as etapas que compõem esse processo. Escolha da Psicologia Contexto Sociocultural Ensino Fundamental Família Ensino Médio Graduação Contexto Sociocultural Legislação Família Currículo Sociedades Científicas Gerais Desenvolvimento da Psicologia como Profissão Sociedades Científicas Específicas Desenvolvimento da Psicologia como Ciência Inscrição no CRP Escolha da Pós-Graduação Contexto Sociocultural Família Sociedades Científicas Gerais Legislação Sociedades Científicas Específicas Currículo Atuação Profissional Desenvolvimento da Psicologia como Profissão Produção Pessoal Desenvolvimento da Psicologia como Ciência Planejamento da Educação Continuada Contexto Sociocultural Legislação Família Currículo Sociedades Científicas Gerais Desenvolvimento da Psicologia como Profissão Sociedades Científicas Específicas Desenvolvimento da Psicologia como Ciência Atuação Profissional Grupos de Pesquisa Produção Pessoal Colégio Invisível 33 Figura 1.2: A formação continuada do psicólogo. Fonte Witter e Ferreira (2005). Esse modelo de Witter nos permite compreender a formação como um processo que se inicia com a graduação e continua indefinidamente durante a carreira profissional de cada indivíduo. O que mais nos interessa é o fluxo constituído pela seqüência de etapa, que podemos representar assim: Figura 1.3: Fluxo de Formação do Psicólogo Brasileiro20 Discutiremos cada etapa do fluxo pormenorizadamente nas próximas seções. a) A escolha da Psicologia A escolha da Psicologia como profissão já foi investigada a partir de diversas perspectivas (Angelini, 1975;Mello Carvalho et alli, 1988; Takahachi, Santos e Lisboa, 1987). Uma temática bastante pesquisada foi a dos motivos da escolha (Carvalho et alli, 1988; Takahachi, Santos e Lisboa, 1987; Lassance & Danielski, 1987; Magalhães, Straliotto, Keller e Gomes, 2001). Os motivos mais citados pelos estudantes pesquisados foram a possibilidade de 20 O graduado em Psicologia não precisa necessariamente ter o registro no seu CRP para ingressar em um curso de pós-graduação, porém o registro se torna indispensável para o exercício profissional. Uma questão interessante é que ele não precisará do registro se tiver apenas atividades profissionais em docência, embora se for ensinar testes ou supervisionar estágios também precisará do registro. Escolha da Psicologia Graduação Inscrição no CRP Escolha da Pós-Graduação Planejamento da Educação Continuada 34 conhecer o ser humano e ajudá-lo21. De acordo com Mello (1975) e Carvalho (1982), estes motivos estão relacionados à representação social do psicólogo como um profissional moldado pelo modelo da clínica médica. Esta representação continua predominante mesmo após a passagem pelos cursos de graduação, consolidando-se em função da crença comum entre os profissionais de que a função de resolver problemas individuais é a principal atividade do psicólogo (Carvalho, 1982; Carvalho & Kavano, 1982; Mello, 1975). De acordo com Carvalho et alli (1988), Não há uma preocupação com o grupo, com a coletividade, mas com o indivíduo isoladamente e, até certo ponto, com o sofrimento de cada um. Essa tônica individualista, um tanto voltada para o patológico, seria resultante do modelo clínico que permeia o curso e se torna hegemônico na prática profissional (p.57). A pesquisa realizada por Magalhães, Straliotto, Keller e Gomes (2001) aborda algumas questões que confirmam a preferência pela clínica dos estudantes de Psicologia. 22 Questionados a respeito das gratificações que almejam receber no exercício profissional, os estudantes apontaram o sentimento de ter ajudado o seu paciente como a mais valorizada (64,5%). A área da Psicologia que eles prefeririam trabalhar era clínica (75%), por considerarem a comunidade, a escola e a empresa como locais em que o psicólogo não realiza um trabalho profundo. Como conclusão os autores afirmam que se a escolha profissional da psicologia é mediada pela imagem do psicólogo clínico trancado em um consultório, é inevitável que os estudantes que almejam cursarem Psicologia apresentem as motivações, os interesses e os valores vinculados ao campo clínico. A passagem pelos cursos de graduação em Psicologia tem acrescentado muito pouco a uma compreensão mais ampliada e complexa da atuação do psicólogo, visto que estudantes primeiranistas e concluintes compartilham os interesses e valores supramencionados (Carvalho & Kavano, 1982). Os cursos de Formação de psicólogo continuam tendo índices expressivos de procura nos vestibulares23. Outrossim, a Psicologia insere-se no grupo de carreiras de maior prestigio 21 O ser humano desenvolveu, ao longo de sua evolução, a capacidade de ajudar ao seu semelhante. Esta capacidade foi institucionalizada em uma gama de ocupações que foram denominadas de “profissões de ajuda” (Guggenbühl- Craig, 1998). 22 A pesquisa foi feita com estudantes do primeiro ano do curso, o que evidencia que a preferência pela clínica não é construída durante o curso, mas se origina previamente em função das representações sociais sobre o ser psicólogo que predominam em nosso país. 23 Os cursos de Psicologia costumam oscilar entre as categorias de elevada e média competição (Ferreira, 2000, Braga, Peixoto e Bogutchi, 2001). Esse índice representa o número de candidatos por vaga. 35 Macroaspectos: Legislação (LDB, Plano Nacional de Educação, Diretrizes Curriculares, leis ordinárias); Sistema de Ensino Superior. Mesoaspectos: Instituição de ensino superior: organização didático- pedagógica (projeto pedagógico e currículo), corpo docente e instalações; social.24 Este prestígio não ocorre por razões financeiras, mas por motivos internos: o autoconhecimento, a orientação de ajuda ao próximo e a atração que as questões psicológicas exercem sobre os indivíduos (Carvalho et alli, 1988). b) A graduação em Psicologia A introdução das Novas Diretrizes Curriculares iniciou uma nova fase na formação do Psicólogo no Brasil. Apesar disso, a transformação do modelo de formação profissional em Psicologia somente ocorrerá, de modo efetivo, se aspectos diretamente vinculados ao cotidiano das salas de aula também forem transformados, como podemos ver na figura 1.4: 24 O perfil sócio-econômico dos candidatos a uma vaga no ensino superior brasileiro pode ser visto no questionário sociocultural que costuma ser aplicado a todos os vestibulandos das grandes universidades públicas no Brasil (Ferreira, 2003). Apesar isso, poucos estudos acadêmicos têm sido produzidos a partir dessa fonte (Ferreira, 2000; Paul & Silva, 1998; Ribeiro & Klein, 1982 Ribeiro, 1981; Todorov, 1977). Uma pesquisa realizada na UFMG construiu uma escala para traçar o perfil sócio-econômico dos candidatos (Braga, Peixoto e Bogutchi, 2001). A escala de fator sócio-econômico (FSE) varia de zero a dez – sendo tanto melhor a condição sócio-econômica quanto maior for o valor do FSE. Trinta e quatro cursos foram analisados e o de Psicologia classificou-se em décimo oitavo quanto ao FSE. Microaspectos: Relação professor- aluno; estratégias de ensino de Psicologia; Tecnologia de Ensino; modelos de supervisão. 36 Figura 1.4: Níveis de influência na graduação em Psicologia No nível macro, os aspectos que mais influenciam a graduação são: a Lei de Diretrizes e Base da Educação, as Diretrizes Curriculares e a organização do Sistema de Ensino Superior no Brasil. A lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que define as Diretrizes para a Educação (LDB), afirma que cabe à União a competência para definir as normas do Ensino Superior. De acordo com a LDB, a educação superior tem como finalidade estimular a criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo, incentivando o trabalho de pesquisa e investigação científica, com vistas ao desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia e da criação e difusão da cultura. (Art. 43.). A autorização e o reconhecimento dos cursos, e o credenciamento das instituições de ensino superior, terão prazos limitados, sendo renovados periodicamente, após um processo regular de avaliação. O atual Plano Nacional de Educação (PNE), estabelecido pela Lei n º 10.172 de 9 de janeiro de 2001, elenca para cada nível de ensino um diagnóstico, algumas diretrizes e objetivos e metas. O Decreto 3.860/2001 define que a avaliação dos cursos superiores deveria ser realizada mediante o Exame Nacional de Cursos (ENC) e da análise das condições de oferta de cursos superiores. É preciso lembrar que o ENC foi criado pela lei 9.131/95, sendo concebido como um conjunto de avaliações periódicas – baseadas em conteúdos mínimos previamente estabelecidos e divulgados para cada curso. O propósito seria aferir conhecimentos e competências adquiridas pelos alunos em fase de conclusão de curso. Designado popularmente de “Provão”, o ENC possuía dois grandes objetivos: avaliar os diferentes cursos e apontar falhas na formação dos alunos. No caso da Psicologia, alguns estudos avaliaram os resultados obtidos no Exame Nacional no ano de 2000, o primeiro do curso, (Landeira-Fernandez e Primi, 2002; Primi, Landeira-Fernandez e Ziviani, 2003) 25. Apesar das análises indicarem problemas de validade no Exame26, algumas questões apareceram com clareza dessas avaliações: 25 A pesquisa de Landeira-Fernandez e Primi (2002) incluiu uma comparação no desempenho de formandos com calouros dos cursos de Psicologia, o que não era feito pelo ENC. 26 As principais críticas ao ENC são: a) ele é um exame geral desarticulado de um conjunto integrado de avaliações com princípios, objetivos, agentes e ações bem definidos; b) os exames gerais, categoria a que pertence o ENC, tender a ter representações pontuais, incompletas e equivocadas do mundo acadêmico; c) possui uma racionalidade muito mais mercadológica e reguladora do que acadêmica e pedagógica; d) ele desconsidera o perfil acadêmico do alunado que ingressa em uma Instituição de Ensino Superior, inviabilizando a análise do valor agregado pela instituição aos conhecimentos e habilidades dos seus estudantes e, com isso, tornando impossível determinar a capacidade institucional de oferecer boa formação aos seus alunos; e) incomparabilidade entre as provas ao longo do 37 a) Os formandos tiveram melhor desempenho do que os calouros em conteúdos relacionados a procedimentos de aplicação do saber psicológico; b) Os formandos não tiveram melhor desempenho do que os calouros em questões relacionadas a processos psicológicos básicos; c) Os formandos tiveram uma melhora no desempenho em relação aos calouros relativamente baixa em conteúdos específicos de metodologia científica e de métodos e técnicas de avaliação psicológica. O Exame Nacional de Cursos foi extinto em 2004 e substituído pelo Exame Nacional de Desempenho do Estudante – ENADE, instituído pela Lei Federal N º 10.861/2004 e regulamentado pela Portaria n º 2.051/2004. O primeiro ENADE foi realizado em 2004, mas sem a participação dos cursos de Psicologia. Além da extinção dos currículos mínimos, a nova legislação educacional introduziu uma cultura de avaliação no ensino superior do país27 e re-configurou o Sistema de Ensino Superior Brasileiro – SESB (Gomes, 2003b) através do Decreto 2.306/97 que estabeleceu cinco formatos para as Instituições de Ensino Superior: Universidades, Centros Universitários, Faculdades Integradas, faculdades, institutos superiores ou escolas superiores. Na prática, não se distinguem faculdades, institutos e escolas superiores (Cunha, 2003). Alfredo Gomes (2003b) elaborou um esquema que descreve bem o novo formato o Sistema de Ensino Superior: tempo, comprometendo seriamente a capacidade de avaliar os êxitos, insucessos e perspectivas dos cursos; f) boicotes dos alunos e falta de critérios para lidar com provas entregues em branco; g) incapacidade dos conceitos expressarem diferenças existentes entre os cursos; h) divulgação dos resultados do ENC desvinculados de outros processos avaliativos; i) adoção de políticas de premiação e punições de instituições com base em conceitos em conceitos gerados por um instrumento e por uma metodologia deficientes e incapazes de expressar fidedignamente a qualidade dos cursos (INEP, 2004). 27 Para uma discussão sobre a avaliação do ensino superior, ver Gomes (2003a) e Cunha (2003). 38 Figura 1.5: Tipos de Instituições de Ensino Superior. Fonte: Gomes (2003) A implantação do Ensino Superior no Brasil ocorreu durante a permanência da Família Real em nosso país, de 1808 a1821 (Romanelli, 1989). Apesar disso, podemos considerar como marco da criação do nosso Sistema de Ensino Superior o Decreto no. 19.851, de 11 de abril de 1931, que instituiu o Estatuto das Universidades Brasileiras. A primeira universidade criada e organizada segundo o Estatuto foi a Universidade de São Paulo, fundada em 25 de janeiro de 1934 (Bastos, 2004). Em 1968, O Congresso Nacional aprovaria a Reforma Universitária, pela Lei n º 5.540 de 28 de novembro, configurando-se como uma espécie de Lei de Diretrizes e Base para o ensino superior, estabelecendo: • A indissociabilidade entre ensino e pesquisa; • A autonomia didático-científica, disciplinar, administrativa e financeira; • Modelo organizacional único para as universidades; • Vestibular unificado para todos os cursos da mesma instituição; • Departamento como a menor unidade da estrutura universitária; • O sistema de créditos; • Representação estudantil nos órgãos colegiados universitários. O antigo modelo de organização do SESB, criado pela Reforma Universitária de 1968, era estruturado a partir de um modelo único no qual caberia as universidades o ensino superior, aceitando-se a existência de IES Não-Universitárias apenas de modo excepcional. O ensino superior também deveria obedecer ao princípio da unidade entre ensino e pesquisa. Esta última característica continua definindo a universidade brasileira, mas o caráter excepcional das IES Não-Universitárias foi substituído pelo seu reconhecimento e incorporação ao SESB. Dois outros importantes elementos estão presentes na configuração do SESB: a localização geográfica e o regime administrativo. As diferenças regionais são expressivas no Brasil, não se excetuando o acesso ao ensino superior no nosso país. A Região Sudeste possui 59 % dos estabelecimentos, as regiões Sul e Nordeste possuem 13 % cada uma e a norte apenas 4 % das instituições (Martins, 2000). Se analisarmos o regime de trabalho do corpo docente e o título de doutorado, poderemos ter uma idéia das diferenças existentes entre as IES públicas e privadas. Nas universidades públicas, 77,4% dos docentes trabalham em tempo integral, contra 19,8% nas universidades privadas (Silva, 2001). Os docentes das instituições públicas têm um 39 índice de 33,3 % de doutores, enquanto os doutores das instituições privadas atingem um percentual de 12,6 % do total docente. Considerando cada aspecto supramencionado, é possível esquematizar o SESB da seguinte forma: Região Geográfica Natureza institucional Categoria Administrativa Tipos de Universidades Norte Nordeste Centro-oeste Instituição Universitária: Pública Estatal: Federal Estadual Municipal Não-Estatal: Comunitária28 Sul Sudeste Instituição Não- Universitária Privada Particulares tradicionais Mercantis29 Quadro1. 6: O Sistema de Ensino Superior Brasileiro O Sistema é definido pela conjugação dos seguintes fatores: a) Região Geográfica: o Brasil é marcado por uma intensa desigualdade entre as suas regiões administrativa em função do processo histórico do desenvolvimento econômico brasileiro, que levou a uma forte concentração da produção industrial, da população e da riqueza nas regiões Sul e Sudeste. Como conseqüência, o acesso ao ensino superior também reproduz essa desigualdade, sendo mais fácil nas regiões Sul e Sudeste e muito problemática na região Norte; b) Natureza Institucional: os cursos de graduação oferecidos por universidades, em tese, são de melhor qualidade em função das seguintes características: um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado e regime de tempo integral. Além disso, o artigo 207 da Constituição Federal afirma o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como característica principal da Universidade. Categoria administrativa: em 1998, o número de docentes doutores das Universidades Públicas era de 73,12 % do total de docentes doutores existentes no Brasil (Martins, 2000). Podemos avaliar a qualidade das universidades pela amplitude deformação que oferecem aos seus estudantes, indo da graduação até a formação de doutores. No Brasil, 36(trinta e seis) Universidades Públicas e 9 (nove) universidades 28 A expressão “universidade comunitária” surgiu na década de oitenta e define aquelas universidades que, sob “a responsabilidade de uma fundação ou uma associação sem fins lucrativos, confessionais ou não, [que são] reconhecidas como idôneas para prestação de serviços educacionais de interesse público, e que aplicam seus recursos e resultados financeiros nas suas finalidades universitárias, buscando realizar (...) sua função social (Assembléia Nacional Constituinte, 1987:300)”. 29 As universidades privadas, com explícitos fins lucrativos, e que são geridas como empresas educacionais, oferecendo produtos e serviços de acordo com a demanda do mercado, foram denominadas de universidades mercantis por Calderón (2000). 40 c) comunitárias oferecem formação completa da graduação ao doutorado; nenhuma universidade privada oferece essa formação completa. d) As universidades públicas podem ser divididas em estatais e não-estatais. As Estatais podem ser federais, estaduais e municipais. As Universidade Federais, em sua maioria, surgiram antes da década de setenta e formam uma rede nacional de estabelecimentos que cobrem todo o país, constituindo-se em um espaço destacado de ampliação das oportunidades educacionais, garantindo a pluralidade de perspectivas analíticas em todas as regiões do país. As Universidades estaduais crescerem durante a década de oitenta e constituem um segmento bastante específico no sistema de ensino superior brasileiro. Diferentemente das universidades federais e particulares, as universidades estaduais não são avaliadas pelo MEC, mas sim pelos Conselhos de Educação dos estados em que se localizam. As pesquisas feitas sobre as universidades estaduais mostram um sistema bastante heterogêneo no que diz respeito a qualificação acadêmica dos docentes, das carreiras oferecidas e da integração entre ensino e pesquisa. Entre elas, destacam-se as universidades estaduais paulistas que produzem a maior parte da pesquisa brasileira. Outrossim, algumas universidades estaduais e a maioria das municipais são organizadas sob a forma de fundações de direito privado cobrando mensalidades e, portanto, sendo uma forma de expansão do ensino privado (Pinto, 2004). Por fim, as universidades públicas não-estatais, denominadas de comunitárias, são – na maioria – instituições confessionais e apresentam uma qualidade de ensino superior às instituições privadas, oferecendo também formação completa – com pós-graduação estrito senso. 30 A distribuição dos cursos de graduação em Psicologia por regiões e estados, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP (Haddad, 2006), durante o período 1991-2004, pode ser visualizada na tabela um31. Podemos perceber que o grande aumento percentual do número de cursos ocorreu nas regiões Norte (233,33%) e Sul (215%)32. Este aumento permitiu que as mencionadas regiões aumentassem a sua participação no percentual do número de cursos no Brasil, como pode ser visto no gráfico 1.1. 30 Todas as 3 (três) universidades comunitárias que possuem programas de doutorado e pesquisa são confessionais católicas. 31 Esses dados foram obtidos no Censo do Ensino Superior de 2004 e considera apenas os cursos que já tenham formado turmas de egressos. 32 Esses indicadores devem ser analisados com o reconhecimento de algumas especificidades: esse crescimento, como veremos adiante, é sustentado pelo setor privado de Ensino Superior, cuja sustentabilidade não é garantida. Além disso, é preciso considerar a situação do mercado de trabalho para o profissional de Psicologia, que muitas vezes não é capaz de absorver o número de egressos dos cursos de graduação. 41 Uma análise mais detalhada na distribuição dos cursos em cada uma das duas regiões supramencionadas, contudo, revela diferenças bastante significativas. Como podemos ver no gráfico 1.2, três estados da região Norte (Amapá, Acre e Roraima) não possuem nenhum curso de Psicologia. Além disso, a concentração de cursos é uma característica da região: em 1991, o estado do Pará abrigava 67% do total de cursos da região, enquanto que no ano 2004 o estado do Amazonas passou a concentrar 60 % do total de cursos existentes no Norte do país. A região Sul, por sua vez, apresenta uma distribuição de cursos bastante equilibrada, como pode ser visto no gráfico 1.3. Santa Catarina aumentou a sua participação no número de cursos na região, o que produziu o equilíbrio que mencionamos. A região Nordeste, apresentada no gráfico 1.4, possui cursos em todos seus estados, com uma tendência a uma distribuição equilibrada dos cursos. Vale a pena mencionar, contudo, o caso do estado do Piauí33. Ele ocupava, em 2004, o terceiro lugar no número de cursos da região, superando estados onde a Psicologia se encontra mais desenvolvida como o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Na região Sudeste, vale a pena pontuar que o estado de Minas Gerais passa a ter, em 2004, a segunda maior concentração de cursos da região – superando o Rio de Janeiro e tornando-se o segundo estado em número de cursos do país. O estado do Espírito Santo, embora tivesse o segundo maior crescimento do país em termos percentuais (perdendo somente para a Bahia), era o estado que possuía o menor percentual de cursos do país, excluindo-se os três estados da região Norte que não possuem curso de Psicologia. A região Centro-Oeste tem o estado do Mato Grosso como o que concentra o maior número de cursos na região, superando centros tradicionais como Goiás e o Distrito Federal. Um aspecto interessante que deve ser avaliado quando se analisa o acesso à graduação é a relação entre o número de vagas, o número de inscritos nos processos seletivos e o número daqueles que efetivamente ingressam nos cursos de Psicologia. Em 2004, 103.654 pessoas se inscreveram nos processos seletivos disputando 45.603 vagas em todo o Brasil. Apesar disso, apenas 24.536 pessoas ingressaram, deixando 21.067 vagas ociosas, ou seja, 46 % do total. Em todas as regiões do país, o número de vagas não preenchidas aumentou entre 1991-2004 (gráficos 1.7 e 1.8), atingindo índices inferiores a cinqüenta por cento na região Sul. O crescimento do número de cursos (como também de vagas34) de Psicologia, como pode ser visto no gráfico 1.9, é um fenômeno essencialmente ligado ao setor privado. Assim, os principais problemas detectados pelas análises dos dados quantitativos são referentes quase que 33 Uma análise mais detalhada do estado do Piauí será apresentada na última parte desta Tese. 34 O crescimento de vagas nos cursos de Psicologia durante o período 1991-2004 configurou-se assim: instituições públicas, de 2.007 vagas para 3.346. Nas instituições privadas, o crescimento foi de 10.458 para 26.806. 42 exclusivamente a este setor, como – para citar os dois mais evidentes, os de “evasão” e o baixo preenchimento das vagas oferecidas. Em 1991, cada candidato a uma vaga nos cursos de Psicologia concorria com – em média – 4,15 pessoas. Em 2004, essa media havia caído para 2,27. Quando se analisa essa dinâmica considerando as diferenças existentes entre as categorias administrativas, o quadro é mais favorável para aqueles que se inscreveram no ensino privado, no qual a média de concorrentes por vaga caiu de 2,93 em 1991 para apenas 1,42 em 2004. Em compensação, no ensino público, essa média tem a variação de 10,5 candidatos em 1991 para 12,9 em 2004. Regiões/ Unidades da Federação Nº de Cursos de Graduação Presenciais % 1991 2004 1991/2004 Total 102 272 166,7 Norte 3 10 233,3 Rondônia 1 1 0 Acre - - - Amazonas - 6 - Roraima - - - Pará 2 2 0 Amapá - - - Tocantins - 1 - Nordeste 15 34 126,7 Maranhão 1 2 100 Piauí - 5 - Ceará 2 2 0 Rio Grande do Norte 1 2 100 Paraíba 3 3 0 Pernambuco 5 7 40 Alagoas 1 2 100 Sergipe 1 3 200 Bahia 1 8 700 Sudeste 58 148 155,2 Minas Gerais 11 30 172,7 Espírito Santo 1 7 600 Rio de Janeiro 13 27 107,7 São Paulo 33 84 154,5 Sul 20 63 215 Paraná 7 19 171,4 Santa Catarina 4 19 375 Rio Grande do Sul 9 25 177,8 Centro-Oeste 6 17 183,3 Mato Grosso do Sul 2 6 200 Mato Grosso 1 3 200 Goiás 1 3 200 Distrito Federal 2 5 150 Tabela 1.1: Distribuição dos cursos por regiões e estado (1991-2004) 43 3% 15% 6% 20% 56% 4% 13% 6% 23% 54% Norte Nordeste Centro-Oeste Sul Sudeste 1991 2004 Gráfico 1.1: Evolução dos cursos de Psicologia por Região, em percentuais (1991-2004) 0% 0% 0% 67% 0% 33% 0%0% 60% 0% 20% 0% 10% 10% AP AM AC PA RR RO TO 1991 2004 Gráfico 1.2: Evolução dos cursos de Psicologia na Região Norte, em percentuais (1991-2004). 44 45% 20% 35% 30% 30% 40% RS SC PR 1991 2004 Gráfico 1.3: Evolução dos cursos de Psicologia na Região Sul, em percentuais (1991-2004) 7% 0% 13% 7% 20% 7% 15% 9% 24% 7% 7% 33% 6% 6% 6% 21% 9% 6% MA PI CE RN PE PB AL SE BA 1991 2004 Gráfico 1.4: Evolução dos cursos de Psicologia na Região Nordeste, em percentuais (1991-2004) 45 22% 19% 2% 18% 20% 5% 57% 57% SP RJ MG ES 1991 2004 Gráfico 1.5: Evolução dos cursos de Psicologia na Região Sudeste, em percentuais (1991-2004). 17% 33% 17% 33% 18% 35% 18% 29% MT MS GO DF 1991 2004 Gráfico. 1.6: Evolução dos cursos de Psicologia na Região Centro-Oeste, em percentuais (1991-2004). 46 190 1706 30728 5836 4045 1196 2916 7659 1656 594 1307 3734 8559 1809 610 14204 4365 2118190 933 1991 2004 1991 2004 1991 2004 1991 2004 1991 2004 Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Oferta Ingresso Gráfico 1.7: Relação entre o número de vagas ofertadas e o número de ingressantes por regiões geográficas 100,0% 91,5% 89,5% 91,5% 97,3% 95,6% 54,7% 78,1% 47,0% 74,8% 52,4% 53,8% Norte Nordeste Sudeste Sul Centro- Oeste Total 1991 2004 Gráfico 1.8: Variações nos índices sobre a relação entre a oferta de vagas e o número de ingressantes por regiões geográficas. 47 30 51 221 72 1991 2004 Público Privado Gráfico1. 9: Aumento do número de cursos de 1991 para 2004 por organização administrativa Uma das características da atual legislação acerca do ensino superior, no que diz respeito à graduação, é a maior flexibilização possível para a organização dos currículos, o que ocorre em função da extinção dos currículos mínimos. 35 O Plano Nacional de Educação estabeleceu que deveriam ser produzidos, Em nível nacional, diretrizes curriculares que assegurem a necessária flexibilidade e diversidade nos programas de estudo oferecidos pelas diferentes instituições de educação superior, de forma a melhor atender às necessidades diferenciais de suas clientelas e às peculiaridades das regiões nas quais se inserem (Lei n º 10.192, de 10 de janeiro de 2001). As Diretrizes Curriculares, portanto, nortearão as reestruturações dos projetos pedagógicos dos cursos superiores, permitindo a flexibilização dos currículos, com a adequação às necessidades regionais e posterior avaliação pelo INEP. O Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras (Forgrad) participou intensamente das discussões para a construção de novos projetos pedagógicos dos mais diversos cursos de graduação e produziu alguns documentos, dentre os quais destacamos: 1.Plano nacional de Graduação: um projeto em Construção (1999); 2.Do pessimismo da razão para o otimismo da vontade: referências para a construção dos projetos pedagógicos nas IES brasileiras (1999); 3.O currículo como expressão do Projeto Pedagógico: um processo flexível (2000); 4.Diretrizes para a Formação de professores: concepções e implementação (2002). 35 O artigo 26 da Lei 5.540/68 assim regulamentava os currículos mínimos: “O Conselho Federal de Educação fixará o currículo mínimo e a duração mínima dos cursos superiores correspondentes a profissões reguladas em lei e de outros necessários ao desenvolvimento nacional.” Toda a lei supramencionada foi revogada pela Lei. 9394/96. 48 O Plano Nacional de Graduação, dentre outras questões, apresenta a necessidade do Ensino Superior buscar uma intersecção entre o saber técnico-científico e o humanístico para que as IES possam promover a formação cultural dos seus alunos. No Brasil, a área profissional que melhor tem discutido a formação humanística de seus membros é a Medicina36. Uma ênfase na Filosofia e nas Ciências Humanas é indispensável para evitar que o futuro médico possa assumir uma postura dogmática (Pessotti, 1996). O cinema também aparece como essencial para a formação de um profissional crítico-reflexivo (Blasco et. Alli., 2005). Além disso, tem havido um crescente interesse na interação entre Medicina e Artes motivado por quatro questões fundamentais: 1) o médico como artista; 2) o paciente como artista; 3) as representações artísticas de doenças e 4) a possibilidade de experimentar, de modo vicário, experiências de sofrimento e dor através da contemplação estética das artes visuais e da literatura (Tapajós, 2002 e 2004). O campo da literatura e medicina, por sua vez, foi introduzido inicialmente nas escolas médicas americanas a partir de uma ampla reflexão sobre como enfrentar o desafio da formação humanística na Medicina a partir de 1972(Grossman & Cardoso, 2006). No Brasil, temos o trabalho pioneiro de Blasco que conduziu um experimento de educação extracurricular através do estudo da literatura e do cinema (Blasco, 2001). O conteúdo das Humanidades Médicas é controverso (Tapajós, 2004). Apesar disso, podemos afirmar que a Literatura37, a Filosofia e as Artes formam um núcleo básico das Humanidades Médicas. Na Psicologia, Paula Gomide (1988) analisou os dados da pesquisa do Conselho Federal de Psicologia sobre a avaliação que os profissionais faziam sobre os conhecimentos adquiridos na graduação, avaliando – entre outros dados – a fundamentação filosófica do saber e da prática psi, estudada no início do curso38. De acordo com a pesquisa, cinqüenta e quatro por cento dos psicólogos entrevistados achavam que os conhecimentos de Filosofia adquiridos foram insuficientes para capacitá-los para a prática profissional, em contraste com apenas vinte e dois por cento dos que acharam suficiente o conhecimento filosófico. Infelizmente, embora a pesquisa objetivasse avaliar a influência da formação humanística, os dados sobre a avaliação da aprendizagem de Sociologia e da Antropologia foram 36 Nos Estados Unidos a formação humanística do médico já é um tema discutido há trinta anos, aparecendo inicialmente no contexto da discussão sobre ética (Greaves & Martyn, 2000). Uma boa exposição da história das Humanidades médicas encontra-se em Tapajós (2004). No nosso país, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo foi a pioneira na introdução da formação humanística do médico por ocasião da sua reforma curricular realizada em 1996 (Troncon et.Alli. 1998). 37 O médico e escritor brasileiro Moacir Scliar (2002) tem produzido uma reflexão bem interessante sobre a relação entre medicina e literatura. 38 O Currículo Mínimo do curso de Psicologia (Parecer 403/Lei 4.119) não previa o ensino da Filosofia, mas tradicionalmente essa disciplina sempre foi ensinada nos cursos de graduação em Psicologia. 49 agrupados com os dados da Biologia – tornando impossível discutir a avaliação específica em Ciências Humanas. As disciplinas de Ciências Humanas, juntamente com a Filosofia, oferecem a base para a formação humanística em Psicologia. Uma insatisfação com essa formação, muito provavelmente, relaciona-se com os dados a respeito da satisfação dos profissionais a respeito do conhecimento da realidade sócio-econômica no qual o psicólogo atua, que indicam que apenas um quarto dos profissionais pesquisados considerava-se satisfeito com que aprenderam sobre o contexto social. O perfil do psicólogo retratado na pesquisa era de um profissional com formação técnica, preocupado muito mais com a doença do que a saúde e que investe no indivíduo que sofre muito mais freqüentemente do que atua no enfrentamento das condições que produzem o adoecer. Em outras palavras, um quadro muito parecido com aquele na Medicina abriu espaço para uma nova ênfase em uma formação humanística. Na Psicologia, há uma grande confusão quanto ao que seria uma formação humanística. Gomide (1988), por exemplo, afirma que “a inserção da Psicologia na Área de Ciências Humanas, ao lado da Filosofia e da Sociologia pretendeu refletir uma concepção prioritariamente humanística do profissional e não prioritariamente tecnicista” (p.75). Como já mencionamos, o Conteúdo do Currículo Mínimo é o que define a concepção de profissional presente nos cursos de graduação. Nos cursos de formação em Psicologia, não importando o centro em que se localize o curso, predominava uma formação tecnicista – em função do currículo mínimo. No que diz respeito à presença das Artes na formação do psicólogo, existe apenas um artigo que apresenta um relato de experiência: “Algumas reflexões sobre a Arte e a formação do Psicólogo”, de Silvia Maria Cintra Silva (2004). 39 Neste trabalho, a autora apresenta uma experiência de estágio em Psicologia Escolar em que se utiliza a música, a literatura e as artes visuais, tendo como objetivo de intervir na realidade educacional de modo a criar uma abertura ao novo, uma maior sensibilidade e tolerância através do contacto com o outro. O modelo apresentado, embora reflita acerca de uma experiência restrita a um estágio em Psicologia Escolar, é considerado por sua autora como adequado para a formação do psicólogo em geral, apresentando uma preocupação tradicionalmente ausente nas discussões sobre formação em Psicologia: a dimensão estética. 40 39 O texto descreve uma pesquisa desenvolvida no doutorado (Silva, 2002) e posteriormente publicada na forma de livro (Silva, 2005). 40 A formação humanística deve começar na educação infantil, que precisa incorporar a educação artística e a Filosofia. Além disso, o ensino médio brasileiro, a partir das Novas Diretrizes Curriculares, deveria retomar e atualizar a Educação Humanista fundamentada em princípios éticos, políticos e estéticos. 50 Por fim, acreditamos que as Humanidades Psicológicas deveriam ser organizadas da seguinte forma: HUMANIDADES PSICOLÓGICAS Fundamentos Filosóficos: História da Filosofia Ética Filosofia da Mente Filosofia Política Estética Ciências Humanas: Antropologia Cultural Sociologia História Cultural Mitologia Disciplinas Psicológicas: Psicologia da Arte Psicologia “da” Literatura Psicologia Moral Psicologia da Religião Psicologia do Cinema Quadro 1.7: As Humanidades Psicológicas. Os fundamentos filosóficos, o que não é contemplado nas Diretrizes Curriculares do Curso, têm cinco diferentes conteúdos que contemplam os conhecimentos da Filosofia essenciais para a formação do psicólogo. Às Ciências Humanas tradicionais soma-se o estudo da História da Cultura e da Mitologia, que por comodidade consideramos como Ciências Humanas. As disciplinas psicológicas, por fim, devem contemplar temáticas que tradicionalmente são relegadas a um segundo plano ou simplesmente ignoradas. A inspiração para esse modelo, como é fácil perceber, é o conceito de Humanidades Médicas. O texto “Do pessimismo da razão para o otimismo da vontade: referências para a construção dos projetos pedagógicos nas IES brasileiras (1999)”, além de discutir a questão da formação humanística, reafirma a necessidade da autonomia universitária, ressaltando que sua contrapartida necessária é o processo de avaliação permanente através de indicadores que articulem a dinâmica de transformação com a perenidade do compromisso social. A graduação, além disso, deve se articular com o sistema educacional como um todo. Por fim, é necessário que o Projeto Pedagógico reafirme a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. O Projeto Pedagógico, tanto da Universidade como dos cursos em particular, deverá ser fundamentado nas seguintes dimensões: global, específica e particular. A dimensão global do Projeto Pedagógico contempla o reconhecimento das demandas sociais, econômicas e políticas que lançam um reto à universidade, expressas na Constituição Federal, na lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e do Plano Nacional de Educação, como também aquelas originadas nos movimentos sociais. O Plano Nacional de Graduação define a dimensão específica e a dimensão particular é compreendida no Plano de Desenvolvimento Institucional. 51 O Projeto Pedagógico deve considerar os aspectos da realidade institucional: os métodos e as estruturas administrativas, os recursos humanos disponíveis e a infra-estrutura física acessível a seus usuários. O processo de construção do Projeto Pedagógico deve ser desenvolvido no âmbito da instituição e dos cursos. A avaliação da atividade docente, do processo ensino-aprendizagem, como também a avaliação institucional, dos cursos e dos egressos são essenciais ao Projeto Pedagógico. O incentivo ao desenvolvimento de linhas de pesquisas, que investigue questões como evasão, reprovação e acesso à universidade, dará ao Projeto Pedagógico uma função de gerar dados sobre a as necessidades de intervenção na própria estrutura universitária. As Diretrizes Curriculares de Psicologia estabelecem que a estruturação do Projeto Pedagógico deve se dar a partir da definição de competências a serem desenvolvidas no graduando.Isso implica em um trabalho coletivo e a ruptura com o modelo tradicional de se fazer reformas curriculares, restritas ao rearranjo de disciplinas. Dois exemplos de Projetos Pedagógicos merecem uma avaliação, por representarem dois modelos distintos de organização: O projeto Político Pedagógico da Universidade Federal de São Paulo (Campus Baixada Santista), denominado “A Competência para o trabalho em equipe e para a integralidade no Cuidado” (2006), o qual apresenta um projeto comum, respeitando as especificidades de cada curso, para os cursos de Nutrição, Psicologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Educação Física. Um outro projeto destacado é o da Universidade Metodista de Piracicaba (2000), especificamente do Curso de Psicologia, que foi construído a partir de uma perspectiva da inovação curricular (Jorge, 1996; 2005). A Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) foi criada pela Lei n º 8.957, de 15 de dezembro de 1994, resultante que foi da transformação da Escola Paulista de Medicina (EPM), fundada em 1o de junho de 1933, federalizada pela Lei n º 2.712, de 21 de janeiro de 1956, e transformada em estabelecimento isolado de ensino superior de natureza autárquica pela Lei n º 4.421 de 29 de setembro de 1964. Em 2004 foi oficializada a criação do Campus UNIFESP da Baixada Santista e a implantação dos seus primeiros cursos. Em 2005, foi assinada a criação definitiva do Campus pelo Ministro da Educação e no mês de dezembro ocorreu o primeiro vestibular para os cincos cursos de graduação. Os princípios norteadores do Projeto Pedagógico do Campus Santista são: 1. A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão: o ensino, a pesquisa e a extensão devem ser vistos como indissociáveis e interdependentes; 52 2. A pesquisa como elemento impulsionador do ensino e da extensão: a pesquisa e a atividade que alimenta o ensino e oferece subsídios para o trabalho de extensão; 3. A prática profissional como eixo norteador do projeto pedagógico: a prática deve ser compreendida como eixo que identifica os problemas emergentes no cotidiano da formação; 4. A problematização do ensino a partir da prática e da pesquisa: a construção do conhecimento como traço definidor da apropriação das informações e explicação da realidade; 5. A interdisciplinaridade: favorece o redimensionamento das relações entre diferentes conteúdos, contribuindo para a superação da fragmentação do conhecimento; 6. A postura ativa do estudante na construção do conhecimento: a aprendizagem é compreendida como um processo no qual o aluno constrói suas relações e intersecções na interação com outros alunos, professores e pesquisadores; 7. A postura facilitadora/mediadora do docente no processo ensino/aprendizagem: o professor assume o papel de mediador do processo de formação profissional, estruturando cenários de aprendizagem que sejam significativos e problematizadores da prática profissional; 8. A integração com a comunidade: a aproximação entre a universidade, a comunidade e o Sistema Único de Saúde (SUS) deve funcionar como um meio de aproximar a formação da realidade do campo de trabalho. É preciso superar a simples utilização da Rede de Serviços como campo de ensino para reconfigurar o contrato social da própria universidade; 9. A integração entre os diferentes níveis de ensino e pesquisa: a convivência entre as atividades de graduação, pós-graduação e residência é um instrumento essencial para evitar a monopolização dos recursos docentes e materiais por um nível de ensino em detrimento dos outros, principalmente o ensino de graduação – freqüentemente marginalizado nas instituições federais de ensino que possuem programas de pós- graduação stricto senso; 10. A dinamicidade do plano pedagógico: construção e reconstrução permanente – O projeto pedagógico deve ser objeto de estudo do corpo docente e da instituição, produzindo um conhecimento sobre sua importância no desenvolvimento do Plano Pedagógico Institucional (PPI) e sendo utilizado para o aperfeiçoamento dos cursos; 11. A avaliação formativa como feedback do processo: a avaliação deve subsidiar todo o processo de formação e fundamentar as novas decisões, redirecionando os destinos 53 do planejamento. A avaliação, portanto, deve ser um mecanismo constante de retroalimentação para a melhoria do processo de construção ativa do conhecimento por parte dos gestores, professores, alunos e funcionários; 12. Desenvolvimento docente: a construção de novos papéis para os professores exige projetar espaços de formação docente que sejam norteados pela valorização da prática cotidiana, possibilitando uma reflexão sobre a prática, identificando avanços, zonas de dificuldades e nós críticos na relação ensino-aprendizagem, assim como formulando caminhos de transformação da docência universitária. Os objetivos gerais da graduação são: • Formação de um profissional da área de Saúde apto para o trabalho em equipe interprofissional, com ênfase na integralidade no cuidado do paciente; • Formação técnico-científica e humana de excelência em uma área específica de atuação profissional de saúde; • Formação científica, entendendo a pesquisa como propulsora do processo- ensino-aprendizagem. O Projeto Pedagógico assume como direcionador das ações que buscam alcançarem esses objetivos os princípios da Educação Interprofissional. A Educação Interprofissional é uma proposta na qual estudantes de duas ou mais profissões aprendem juntos sobre o trabalho conjunto e sobre as especificidades de cada uma delas. Os princípios da Educação Interprofissional são aplicáveis tanto na graduação como na educação permanente. O curso de Psicologia, na sua especificidade, articula Saúde, Clínica e Intervenção como três termos indissociáveis que o psicólogo deve problematizar. A interação entre fenômenos biológicos, humanos e sociais visando a promoção da saúde integral é enfatizada. O objetivo deste curso é a formação de profissionais que possam atuar na perspectiva da promoção da saúde e contribuir para o desenvolvimento da Psicologia, no âmbito teórico e prático. O Projeto Pedagógico do curso de Psicologia da Universidade Metodista de Piracicaba é resultante de um processo de transformação iniciado em 1983, a partir de uma crise gerada pelo embate entre professores vinculados às abordagens psicanalíticas e comportamentais. À “Crise de 1983”, como ficou conhecida esse embate na Psicologia e que girava em torno da questão dos estágios curriculares, somou-se a partir de 1988 um processo de construção de uma nova política acadêmica da instituição. 54 Em 1990 surgiu o primeiro Projeto Pedagógico do curso de Psicologia. A partir dele foi desencadeado um processo de discussão que resultou em um novo modelo de concepção de ensino de Psicologia. O atual Projeto Pedagógico se fundamenta nos seguintes princípios: Formação ético-política: é preciso fundamentar ética e politicamente a formação do psicólogo. Discutir os valores que fundamentam o trabalho do psicólogo e desenvolver estratégias, fundamentadas nos aportes da Psicologia, de desenvolvimento da cidadania nas comunidades periféricas em que o psicólogo esteja trabalhando; Formação generalista: é aquela que abrange conhecimentos teóricos e metodológicos presentes nas diferentes matrizes da Psicologia41; Articulação ensino-pesquisa-Extensão: essa articulação seria essencial para romper com a dicotomia teoria-prática, caracterizando-se pela preocupação em produzir novos conhecimentos e de um saber de experiência feito. Isto nos leva à questão formação científica; Formação Científica: essa questão pode ser vista de duas perspectivas – o “pensar cientificamente” e o “ser pesquisador”. A primeira, diz respeito a necessidade do psicólogo compreender que deve sempre atuar como produtor de conhecimento em qualquer contexto de trabalho. A segunda refere-se ao profissional capacitado para desenvolver projetos como função principal do seu trabalho. A ênfase dada pelo curso de Psicologia da UNIMEP é na formação de profissionais que “pensem cientificamente”. Esta formação pressupõe uma estrutura de curso que possibilite ao aluno participar de um processo de construção de conhecimentos. Mais ainda: a formação científica deve possibilitar que os estudantes adquiram a capacidade de pensar criticamente sobre a realidade na qual desenvolverão suas carreiras. A Inovação Curricular inicialmente tinha uma dimensão estreitamente tecnológica, evoluindo para abarcar as dimensões política e cultural. As principais características desse modelo são42: a) Inovação enquanto um processo de definição, construção e participação social, que implica deliberação e planejamento, de modo a considerar os conteúdos e orientações dos processos educativos em um dado momento histórico, à luz de coordenadas ideológicas, sociais, econômicas e culturais do sistema; 41 O Projeto faz referência ao conceito de matrizes do pensamento psicológico, criado pelo psicólogo Luis Cláudio Figueiredo. Há, parece-nos, uma a confusão entre formação pluralista e formação generalista. Os cursos de Psicologia, atualmente, possuem uma pluralidade curricular (inclusão das diversas teorias psicológicas) no que diz respeito à Clínica, mas isso não garante uma formação generalista, pelo contrário: ajuda a desenvolver uma especialização precoce por parte dos estudantes. 42 Extraídos de Jorge (2005). 55 b) Inovação deve ser pensada como uma tensão utópica no sistema educativo, equivale a um determinado clima em todo o sistema, que facilita a disposição de perguntar, descobrir, refletir e criticar, para, finalmente modificar; c) Inovação é um processo de capacitação e potencialização das pessoas e das instituições; d) Inovação não pode esgotar-se em meros enunciados de princípios ou belas relações de boas intenções. É preciso que se elaborem perfis de mudanças claros e compreensíveis, onde estejam definidas a filosofia, as metas e as estratégias metodológicas mais plausíveis, os materiais e os recursos mais idôneos, assim como os novos papéis e relações entre os sujeitos, a fim de não resultar inoperante; e) A inovação requer articulação de uma série de processos e o estabelecimento de uma estrutura de diversos papéis complementares; f) Inovação deve ser analisada sob aspectos de eficácia e funcionalidade, prática educativa e critérios sociais e ideológicos. Uma visão sinóptica dos dois projetos pedagógicos pode ser visto no quadro a seguir: Parâmetros Universidade Pública: Campus da Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo Universidade Particular: Universidade Metodista de Piracicaba. Abrangência do Projeto Projeto Pedagógico Institucional Projeto Pedagógico do Curso Paradigma Educação Interprofissional Inovação Curricular Relação entre ensino, pesquisa e extensão A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; A pesquisa como elemento impulsionador do ensino e da extensão; A integração entre os diferentes níveis de ensino e pesquisa. Articulação entre ensino, pesquisa e Extensão. Eixo articulador A prática profissional como eixo norteador do projeto pedagógico Formação generalista Compromisso Social A integração com a comunidade Formação ético-política O Processo Ensino- Aprendizagem A problematização do ensino a partir da prática e da pesquisa; A postura facilitadora/mediadora do docente no processo ensino/aprendizagem. Construção do Conhecimento e ensino A postura ativa do estudante na construção do conhecimento. Formação Científica Integração do Conhecimento A interdisciplinaridade Flexibilidade do Projeto A dinamicidade do plano pedagógico: construção e reconstrução permanente Avaliação A avaliação formativa como feedback do processo Capacitação docente Desenvolvimento docente Quadro 1.8: Questões do projeto pedagógico de Psicologia: Análise de dois modelos 56 A análise comparativa dos dois projetos nos possibilitou construir alguns parâmetros de avaliação dos Projetos Pedagógicos de Psicologia (ver quadro 1.8): Parâmetro um: abrangência do projeto – o primeiro elemento de análise é a abrangência do Projeto Pedagógico. O modelo da UNIMEP – nesse aspecto – não traz nenhuma novidade, de modo que focalizaremos o modelo do Campus da Baixada Santista da UNIFESP. Com o título “A Educação Interprofissional na formação em Saúde: A competência para o trabalho em equipe e para a integralidade do cuidado (2006)”, o Projeto Pedagógico visa oferecer uma formação comum a cursos da área de Saúde, dentre eles o de Psicologia, orientado pelos seguintes objetivos: 1) Formação de um profissional da área de saúde apto para o trabalho em equipe interprofissional, com ênfase na integralidade43 no cuidado ao paciente; 2) Formação técnico-científica e humana de excelência em uma área específica de atuação profissional de saúde; 3) Formação científica, compreendendo a pesquisa como propulsora do ensino e da aprendizagem. Essa proposta destoa da maneira como os cursos de Psicologia foram organizados no Brasil desde a regulamentação da profissão até a publicação das Diretrizes Nacionais do Curso de Psicologia em 2004, caracterizada por uma total indiferença ao fato da Psicologia ser considerada uma profissão de saúde, com estágios sendo feitos em um modelo tradicional de atendimento clínico. A localização dos cursos de Psicologia em Centro de Ciências Humanas44 também reforça a dificuldade de integrar a Psicologia aos outros cursos da área de Saúde. Parâmetro dois: paradigma – a Inovação Curricular, paradigma que orienta o Projeto Pedagógico do curso de Psicologia da UNIMEP, é definida assim: “é um processo de definição, construção e participação social. Implica em deliberação e planejamento, de modo a considerar os conteúdos e orientações dos processos educativos em um dado momento histórico, à luz de coordenadas ideológicas,sociais, econômicas e culturais do sistema. O quê modificar, em que direção e como fazer 43 A integralidade da atenção precisa ser vista como um princípio norteador das políticas de saúde e a formação em saúde deve ser vista como uma política do SUS. Apesar das Diretrizes Curriculares de alguns cursos (Biomedicina, Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição, Terapia Ocupacional, Medicina, Farmácia e Fonologia) afirmarem que a formação deva contemplar o sistema de saúde vigente no país, o trabalho em equipe e a atenção integral à saúde, a integralidade não é um princípio incorporado aos cursos de saúde, muito em função do entendimento de que a autonomia universitária não deve ser limitada por nenhum princípio ou regra externa. É lamentável que as universidades, principalmente as públicas, não incorporem os princípios constitucionais do SUS nos Projetos Pedagógicos de seus cursos da área de saúde. 44 É bom lembrar que, embora o psicólogo seja considerado um profissional de Saúde pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), para o Conselho Nacional de Educação (CNE) e para a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal da Educação Superior (CAPES) a Psicologia pertence ao campo das Ciências Humanas. 57 deve ser amplamente debatido e avaliado pelo corpo social do curso, através de fundamentação reflexiva, crítica e deliberada” (UNIMEP, 1995: 2-3). A inovação Curricular propõe um modelo de construção de projeto pedagógico que busca garantir a pluralidade em seu processo, o que implica em um processo participativo, envolvendo todos os segmentos do curso e respeitando a historicidade do curso. Esse é um grande desafio, considerando a tradição autoritária da universidade brasileira, na qual as principais mudanças são tomadas de cima para baixo, sem que haja discussões envolvendo todos os segmentos. A Educação Interprofissional é conceituada como “uma proposta onde 2 ou mais profissões aprendem juntas sobre o trabalho conjunto e sobre as especificidades de cada uma, na melhoria da qualidade no cuidado ao paciente. Configura-se, assim, um estilo de educação que prioriza o trabalho em equipe, a interdisciplinaridade e o compromisso com a integralidade das ações que deve ser alcançado com um amplo reconhecimento e respeito às especificidades de cada profissão” (UNIFESP,2006: 48). Considerando que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação não regulamenta a questão da interdisciplinaridade, cabe ao projeto pedagógico de cada instituição definir como integrar saberes e profissões, embora haja uma grande dificuldade em função do isolamento quer os cursos possuem e a tradição de formação isolada das profissões de Saúde, dentre as quais a Psicologia. Ainda é cedo para avaliar o modelo da UNIFESP, mas ele é uma alternativa interessante ao modelo tradicional. Parâmetro três: relação entre ensino pesquisa e extensão – A Constituição Federal, no seu artigo 207, estabelece que as Universidades obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A Universidade se complexifica, acompanhando as transformações da sociedade brasileira, mas ainda é possível dizer que a sua especificidade diz respeito à produção sistemática de conhecimentos e à formação de profissionais em nível superior45. O papel da extensão universitária, contudo, foi ressaltado na década de noventa no contexto da discussão acerca do compromisso social da Universidade. Historicamente, foi na década de setenta que começou a institucionalização da pesquisa nas universidades brasileiras; antes disso, havia uma dedicação quase que exclusiva ao ensino. Na prática, estabeleceu-se uma 45 A Universidade contemporânea vive uma tensão entre dois mundos que se alojaram em seu interior: o mundo da educação, que inclui a formação cultural e a produção de conhecimento, e o mundo do trabalho, que se apresenta como demanda por formação profissional. A tensão gerada pela relação entre esses dois mundos quebra a unidade universitária em função da necessidade de cada curso enfatizar os conhecimentos específicos em detrimento do saber universal que caracterizaria a Universidade (Ribeiro, 2005). 58 espécie de hierarquia entre as três funções: o ensino envolve mais recursos e pessoas, porém é a pesquisa a atividade considerada mais nobre. A extensão seria uma atividade residual. 46 Na UNIMEP, a articulação entre ensino-pesquisa-extensão é concebida como sendo um eixo norteador responsável por viabilizar o ensino das grandes matrizes psicológicas, explicitando seus métodos de construção, como também sua historicidade e sua contemporaneidade. Além disso, essa articulação deve orientar a produção de um novo saber, com ênfase na pesquisa e na extensão, componentes reconhecidamente privilegiados para o rompimento da dicotomia entre teoria e prática. A UNIFESP reafirma a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, mas define a pesquisa como elemento impulsionador do ensino e da extensão, ocupando assim um lugar de destaque. Mais ainda: a pesquisa e o ensino devem ser integrados nos diferentes níveis (graduação e pós-graduação). O lócus em que a integração entre ensino-pesquisa-extensão se manifesta com mais evidência nos cursos de Psicologia é o Serviço de Psicologia Aplicada47. As Diretrizes Curriculares Nacionais de Psicologia48 estabelecem, no seu artigo 25, que O projeto de curso deve prever a instalação de um Serviço de Psicologia com funções de responder às exigências para a formação do psicólogo, congruente com as competências que o curso objetiva desenvolver no aluno e a demanda de serviço psicológico da comunidade na qual está inserido (Brasil, 2004). As diretrizes Curriculares, contudo, não contemplam o trabalho de pesquisa no contexto dos serviços psicológicos, o que minimiza o potencial de transformação que estas Diretrizes poderiam proporcionar a formação em Psicologia no nosso país. 49 Parâmetro quatro: eixo articulador – A UNIFESP tem como eixo articulador a prática profissional. Esta é compreendida como um processo que orienta as práticas pedagógicas. A 46 As transformações sofridas pela sociedade brasileira na década de sessenta do século passado, e intensificadas nas duas décadas seguintes, pressionaram a Universidade a abandonar a ênfase na formação cultural e privilegiar funções utilitárias e produtivas expressas na formação profissional e na extensão universitária. Esta última, organizada para atender a demandas sociais, organiza-se inicialmente sob a forma de prestação de serviços. As práticas extensionistas, contudo, manifestam-se no sistema universitário brasileiro de modo multifacetado: a difusão cultural, a extensão como forma de prática de ensino e a extensão como assistência social são as categorias que abarcariam as diversas atividades registradas (Silva, 2003). 47 Para uma discussão sobre os serviços de Psicologia e a imbricação entre pesquisa-ensino-extensão, ver Perfeito e Melo (2004:34-37) e Schmidt (2004). 48 A lei 4.119 já estabelecia que “as faculdades que mantiverem cursos de Psicólogo deverão organizar serviços clínicos e de aplicação à educação e aos trabalhos orientados e dirigidos pelo Conselho dos professores do curso, abertos ao público, gratuitos ou remunerados”. 49 Outras questões poderiam ser explicitadas no que diz respeito aos Serviços de Psicologia, tais como: a relação entre teoria e prática, a inserção dos serviços psicológicos nas redes de saúde; a ênfase no atendimento individual; o plantão psicológico; a ética na prestação de serviços; a promoção da saúde e o desenvolvimento da Psicologia Comunitária; a clínica ampliada, para citar apenas algumas. Voltaremos a abordar essas questões neste capítulo e no último. 59 reflexão sobre a teoria deve ser produzida no contexto do pensar a prática, processo esse que deve ser iniciado a partir dos primeiros semestres de cada curso. A estrutura curricular, os conteúdos e as estratégias de ensino-aprendizagem devem ser estruturados a partir das demandas da prática profissional. A distinção entre formação básica e formação profissionalizante é minimizada, possibilitando uma melhor integração entre teoria e prática. O eixo articulador do curso de Psicologia da UNIMEP é a formação generalista. O projeto assim define formação generalista: “diz respeito ao profissional com conhecimentos (abrangendo habilidades) para levantar necessidades, analisá-las segundo referenciais teóricos e, em função dos diferentes fatores envolvidos, planejar intervenções em qualquer lugar que vá trabalhar” (UNIMEP, 2000:33). Há uma certa confusão quanto ao conceito de formação generalista em Psicologia. A possibilidade de atuar em várias áreas da Psicologia seria uma característica dessa formação. A abrangência de conhecimentos teóricos e metodológicos presentes nas diferentes matrizes da Psicologia também caracterizaria essa formação generalista. A Lei 4.119/62, que regulamenta a profissão de psicólogo, supostamente voltar-se-ia para a formação generalista, visto que habilita o profissional a atuar em qualquer área da Psicologia (Carvalho e Sampaio, 1997). Jéferson Bernardes (2004) argumenta, contudo, que a Lei supramencionada jamais foi orientada para a formação de um profissional generalista. O sentido da Lei seria a de um profissional especialista. Um especialista não em um campo de atuação, mas em um modo de trabalhar hegemonicamente delimitado por um certo tipo de fazer clínico e por uma concepção do fenômeno psicológico centrada no indivíduo, a-histórica e com pretensões à neutralidade. A formação generalista seria desenvolver a capacidade de refletir criticamente sobre teorias, métodos e práticas, que leve em conta a complexidade do real e que permita desenvolver uma articulação de distintos temas oriundos das áreas clássicas, independentemente do local de atuação ou da teoria utilizada pelo profissional. A construção de um conceito de formação generalista em Psicologia, concordando com Bernardes (2006), é um processo coletivo, dialógico e que ainda se encontra por ser feito. Parâmetro cinco: compromisso social – A UNIFESP assume como forma de compromisso social a integração com a comunidade e com o Sistema Único de Saúde (SUS), de modo a aproximar a formação do aluno às realidades de saúde e o trabalho, em âmbito nacional e regional. A integração do ensino com os serviços tem como objetivo uma melhor organização 60 da prática docente assistencial50, nos vários níveis de atenção à saúde. Essa perspectiva supera a simples utilização da rede de serviços como campo de ensino em função de reelaborar a articulação teoria-prática, ensino-aprendizagem-trabalho, reconfigurando o contrato social da própria universidade. A UNIMEP enfatiza, por sua vez, a formação ético-política. O projeto compreende como sendo uma responsabilidade de cada ciência elaborar, a partir de seus pressupostos, uma hermenêutica normativa da vida humana. Uma condição para esse compromisso é uma reflexão ética que problematize a relação professor-aluno e a própria relação com o conhecimento. A explicitação do compromisso social de cada curso deve ser um componente essencial do Projeto Pedagógico. 51Esse compromisso tem a ver com o contrato social de cada instituição de ensino como todo. 52 Parâmetro seis: o processo ensino-aprendizagem – A UNIFESP utiliza uma metodologia problematizadora que se inspira nas formulações de Paulo Freire, tendo a realidade como partida e chegada da produção de conhecimento e os conteúdos já sistematizados como referenciais importantes para a busca de novas relações. O enfoque problematizador procura constituir mudanças significativas na forma de conceber e concretizar a formação profissional, estabelecendo uma atitude propositiva frente aos desafios da contemporaneidade. A construção do conhecimento passa a ser um traço definidor da apropriação de informações e explicação da realidade. O professor, neste contexto contemporâneo, assume um lugar de mediador no processo de formação dos profissionais, estruturando cenários de aprendizagem que sejam significativos e problematizadores da prática profissional. Nesse enfoque, o docente deve desenvolver ações de ensino que incidem nas dimensões ativas e interativas dos estudantes, discutindo e orientando-os nas estratégias de busca, escolha e análise das informações, desenvolvendo estilos e estratégias de estudo, pesquisa e socialização do que foi aprendido. Cabe ainda ao professor a tarefa de propiciar situações de aprendizagem mobilizadoras da produção coletiva do conhecimento. Para 50 A Integração Docente-Assistencial consiste na “união de esforços em um processo de crescente articulação entre instituições de educação e de serviços de saúde adequados às necessidades reais da população, à produção de conhecimentos e à formação de recursos humanos necessários, em um determinado contexto da prática de serviços de saúde e de ensino” (Brasil – Ministério da Educação e Cultura, 1981). 51 O compromisso social da Psicologia como um todo vem sendo discutido no Brasil. Ver (Bock, 2003). 52 O compromisso Social das Instituições de Ensino Superior, principalmente das Universidades, deve ser contribuir – mediante a pesquisa, o ensino e a extensão – para o atendimento das necessidades básicas da população. Tais instituições têm a responsabilidade de gerar conhecimentos necessários ao desenvolvimento de suas regiões, com respeito às características sócio-ambientais de cada uma delas, contribuindo para o desenvolvimento científico e tecnológico, mediante pesquisas que indiquem estratégias de aproveitamento sustentável dos recursos naturais, como também mediante o desenvolvimento da cidadania consciente, tornando acessível o conhecimento, a cultura e a tecnologia. 61 isso, é preciso um envolvimento com a elaboração do planejamento, tendo claro os objetivos a serem buscados e discutidos concomitantemente à compreensão da função social e científica dos conteúdos privilegiados. Tal estratégia implica também em priorizar a participação e a interação dos estudantes na construção do conhecimento pedagógico. Neste contexto, mediar não corresponderia ao abandono da transmissão de informações, mas sim construir uma nova relação com o conteúdo abordado, com o reconhecimento que o contexto da informação, a proximidade do cotidiano, a aplicação prática, a valorização do que o aluno já sabe, as conexões entre as diversas disciplinas, ampliam as possibilidades de formar numa perspectiva de construção de conhecimento. Parâmetro sete: construção do conhecimento e ensino – Para o Projeto da UNIFESP, a aprendizagem implica em redes de saberes e experiências que são apropriadas e ampliadas pelos estudantes em suas relações com os diferentes tipos de informações. Compreende o aprender como o poder de mudar, agregar, consolidar, romper, manter conceitos e comportamentos que vão sendo reconstruídos nas interações sociais. Define aprendizagem como sendo o processo de construção de conhecimento em que o aluno edifica suas relações e suas intersecções na interação com outros alunos, professores, fóruns de discussão e pesquisadores. Na Unimep, a formação científica é compreendida como se manifestando em duas perspectivas: “o pensar cientificamente” e o “ser pesquisador”. A primeira, entendida como atendendo à necessidade do psicólogo atuar como produtor do conhecimento em qualquer lugar de trabalho e a segunda referindo-se ao profissional capacitado para desenvolver projetos de pesquisa como função principal em seu espaço de trabalho. A ênfase do curso encontra-se na primeira perspectiva, pois o objetivo do curso não é formar pesquisadores, mas psicólogos. As principais estratégias para a formação científica são: o trabalho de conclusão de curso e a articulação ensino-pesquisa-extensão. É essencial para a formação científica em Psicologia que a concepção de pesquisa seja plural, não restrita a um único referencial teórico e metodológico, acompanhando assim o princípio da formação generalista. Além disso, a estrutura do curso deve permitir ao estudante participar do processo de construção do conhecimento, superando a condição de mero consumidor. Parâmetro oito: integração do conhecimento – A UNIFESP apresenta como instrumento para a integração do conhecimento a interdisciplinaridade. Ela surge, na década de setenta, a partir do desenvolvimento da tecnologia e da ciência em vários campos disciplinares e com a crescente complexidade e avanço significativo com novas informações são produzidas, o 62 que trouxe o desafio da integração das disciplinas. Os pontos comuns na diversidade que caracteriza as conceituações e práticas disciplinares são: o sentido da relação, a valorização da história das diferentes disciplinas envolvidas, o movimento de questionamento e dúvida, a busca por caminhos novos na superação de problemas colocados no cotidiano, a ênfase no trabalho coletivo e na parceria e o respeito pelas diferenças. A interdisciplinaridade constitui-se em um dos caminhos para que áreas científicas delimitadas e separadas possam se encontrar e produzir novas possibilidades. A ênfase interdisciplinar favorece o redimensionamento das relações entre diferentes conteúdos, favorecendo a superação da fragmentação dos conhecimentos. Novas interações no trabalho em equipes multiprofissionais devem ser pensadas, através de trocas de experiências e saberes numa postura de respeito à diversidade, cooperação para efetivar práticas transformadoras, parcerias na construção de projetos e exercício permanente do diálogo. Por fim, é preciso reconhecer que a ênfase interdisciplinar pressupõe o reconhecimento da interdependência entre áreas rigorosas e cientificamente relevantes e não significa a diluição das disciplinas53. No campo da Saúde, a questão da interdisciplinaridade é bastante discutida (Gomes & Deslandes, 1994; Vilela & Mendes, 2003; Gattás, 2005). De Acordo com Vilela e Mendes (2003), entre as principais dificuldades para o trabalho interdisciplinar encontra-se o mito da neutralidade científica, a dominação de certos saberes, a forte tradição positivista e biologicêntrica no tratamento dos problemas de saúde, os espaços de poder que a disciplinarização significa, a estrutura das instituições de ensino e pesquisa em departamentos sem nenhuma comunicação entre si, além das dificuldades próprias da experiência interdisciplinar, tais como: a operacionalização de conceitos, métodos e práticas entre as disciplinas. A interdisciplinaridade tem sido utilizada para a criação de modelos pedagógicos que permitam a construção de um conhecimento partilhado por ciências biológicas e sociais. As dificuldades existentes para a integração dos saberes, no campo da saúde são muitas, mas uma questão que se destaca é o modelo vigente de formação profissional para a área da saúde, calcado em uma concepção clínica na vertente das ciências biomédicas, empurrando o social para uma posição marginal. 54 53 Uma discussão sobre os conceitos e os tipos de interdisciplinaridade encontra-se em Pombo (2006). 54 A Psicologia desenvolve esse mecanismo de um modo diferente: no lugar de uma concepção clínica fundamentada em conceitos biológicos, predomina uma concepção individualista baseada numa concepção psicologizante do ser humano. 63 Parâmetro nove: Flexibilidade do projeto – O conceito de Projeto Pedagógico é concebido, no Campus Santista da UNIFESP, como uma construção social e o currículo como algo que se elabora no cotidiano das relações institucionais, um campo prático que permite analisar a realidade dos processos educativos e um espaço de articulação entre teoria e prática. Como conseqüência, o Projeto Pedagógico deve ser objeto de estudo da instituição, para que se possa produzir um conhecimento sobre sua importância no desenvolvimento do Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e construir alternativas para lidar com as dificuldades e entraves que emergem em todo o processo transformador. Assim concebido, o Projeto Pedagógico possuirá uma dinamicidade significativa, desenvolvendo-se através de um processo de construção e reconstrução permanente. Parâmetro dez: avaliação – O Projeto Pedagógico do Campus Santista da UNIFESP afirma que a avaliação deve subsidiar todo o processo de formação, fundamentando novas decisões, direcionando o planejamento e reorientando-o caso não se esteja alcançando os objetivos propostos. Partindo do pressuposto que aprender é construir o próprio conhecimento, a avaliação assume dimensões mais abrangentes. Passa a ser um mecanismo constante de retroalimentação, visando a melhoria do processo de construção ativa do conhecimento por parte de gestores, professores, alunos e funcionários técnico-administrativos. Parâmetro onze: capacitação docente – Os novos papéis para os docentes, no contexto do ensino superior no campo da Saúde, exigem que se projetem novos espaços de formação dos professores que sejam norteados pela valorização da prática cotidiana, privilegiando os saberes que os professores já construíram sobre seu trabalho educativo e assistencial e desenvolvendo possibilidades de reflexão sobre sua própria prática, 55 identificando os avanços, as zonas de dificuldades e nós críticos na relação ensino- aprendizagem, como também formulando, coletivamente, os caminhos de transformação da docência universitária. Na universidade brasileira interagem diferentes modelos de docência: o pesquisador com total dedicação à universidade e uma sólida formação científica; o professor reprodutor do conhecimento e o professor que se dedica à atividade acadêmica, carecendo de uma formação consistente para a produção e socialização do conhecimento. É preciso, portanto, institucionalizar as práticas de formação docente. Dessa forma, tomar a própria prática como ponto de partida para empreender transformações no cotidiano do ensinar na universidade 55 Gauthier (1998) enumera os seguintes saberes fundamentais na prática docente: saberes disciplinares, referente à disciplina ou matéria que o professor ensina; saberes curriculares, diz respeito ao conhecimento do currículo do curso em que a disciplina se encontra; saberes da tradição pedagógica, corresponde às representações sociais construídas sobre o ensino; saberes experienciais, resultam da vivência da sala de aula e dos julgamentos pessoais feitos pelo professor. 64 coloca-se como eixo estruturante do para o processo de formação/desenvolvimento docente, de acordo com o projeto pedagógico do Campus Santista da UNIFESP56. A discussão sobre Projeto Pedagógico produz inevitavelmente questões referentes ao Currículo. Este deixou de ser uma área meramente técnica e passou a ser considerado um artefato social e cultural (Moreira & Silva, 2005). O campo de estudo do currículo começou a se desenvolver a partir do século XIX nos Estados Unidos com a preocupação com os processos de racionalização, sistematização e controle das atividades pedagógicas com o propósito de controle social e inculcação de valores capitalistas57. O modelo de currículo é a produção fabril. Tal modelo fundamenta as teorias tradicionais58 que se restringiam a discutir questões técnicas de como fazer currículos. As teorias críticas59, em contraste, estão preocupadas em desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz. Ele está implicado em relações de poder, sendo peça central nos processos de dominação simbólica. Em outras palavras, o currículo está intimamente relacionado às estruturas de poder econômico e social através do exercício da hegemonia60. De modo prático, o conhecimento corporificado no currículo é o resultado de um processo de seleção orientado pelos interesses das classes e grupos dominantes. Certos conhecimentos são considerados legítimos em comparação com outros que são considerados ilegítimos. É preciso, para seguir Michael Apple (2006), examinar o ensino de normas, valores e 56 O Projeto Pedagógico da UNIMEP situa a capacitação docente como uma condição para que os princípios norteadores do Projeto Pedagógico se concretizem. A capacitação é entendida tanto como a aquisição de conhecimentos novos com vistas à titulação, como também como capacitação institucional para a construção e/ou reconstrução de ações pedagógicas que ofereçam modelos adequados para facilitar a aprendizagem e a construção de novos conhecimentos. Isso implica num processo de discussão e construção permanente de um conhecimento acerca do ser professor. A capacitação é assim concebida como processual, assim como um recurso para superar as dificuldades advindas do cotidiano de trabalho. 57 De acordo com Tomaz Tadeu Silva, “provavelmente o currículo aparece pela primeira vez como um objeto específico de estudo e pesquisa nos Estados Unidos dos anos XX. Em conexão com o processo de industrialização e os movimentos imigratórios, que intensificavam a massificação da escolarização, houve um impulso, por parte de pessoas ligadas sobretudo à administração da educação, para racionalizar o processo de construção, desenvolvimento e testagem de currículos”(Silva,1999:12). 58 As teorias tradicionais sobre o currículo inauguram o campo de estudo e têm como marco inicial a publicação dos livros The Curriculum (1918), de Bobbitt e the child and the curriculum (1902), de John Dewey, que definem as duas tendências teóricas tradicionais: a tecnocrática e a humanista, respectivamente. Surgiram no contexto da institucionalização da educação de massas nos Estados Unidos, resultante dos processos de industrialização e urbanização daquela sociedade. 59 A gênese das teorias curriculares críticas encontra-se nos estudos neomarxistas, mas sua constituição ocorreu em um momento de grande efervescência social, com o surgimento de várias contribuições ao redor do mundo, dentre as quais destaca-se a nova sociologia da educação, o movimento de reconceitualização, a pedagogia de Paulo Freire e os estudos estruturalistas, com destaque para Althusser,Bourdieu e Passeron, além de autores neomarxistas, entre os quais Michael Apple (Pacheco,2001). 60 A hegemonia, de acordo com o pensador italiano Antonio Gramsci, é a resultante do esforço permanente de convencimento ideológico que a classe dominante precisa desenvolver para manter sua dominação. Sua principal característica é a transformação da dominação econômica em hegemonia cultural. Esse processo se torna completo quando esse saber ideológico se transforma em senso comum. 65 disposições como também os pressupostos ideológicos e epistêmicos das disciplinas que fazem parte do currículo oficial. As teorias pós-críticas61 compartilham com as teorias críticas o entendimento que nenhuma teoria é neutra, desinteressada, pois toda concepção teórica está inevitavelmente implicada em relações de poder. Da mesma forma, convergem com as teorias críticas no questionamento sobre os saberes que compõe o currículo a partir do entendimento que todo conhecimento é constituído por interesses. Diferentemente das teorias críticas, as pós-críticas não enfatizam a questão da ideologia, preferindo desenvolver o conceito de discurso. Em outras palavras, o contraste entre teorias críticas e pós-críticas do currículo pode ser descrito como uma diferença entre uma análise fundamentada numa economia política do poder e uma produção teórica que se baseia em formas textuais e discursivas de análise. O quadro 1.10 resume as teorias do currículo supramencionadas, servindo também para que possamos selecionar questões que dizem respeito à estrutura curricular na Psicologia. TEORIAS TRADICIONAIS TEORIAS CRÍTICAS TEORIAS PÓS-CRÍTICAS Ensino Aprendizagem Avaliação Metodologia Didática Organização Planejamento Eficiência objetivos Ideologia Reprodução cultural e social Poder Classe social Capitalismo Relações sociais de produção Conscientização Emancipação e libertação Currículo oculto Resistência Identidade, alteridade, diferença Subjetividade Significação e discurso Saber-Poder Representação Cultura Gênero, raça, etnia, sexualidade Multiculturalismo Quadro 1.10: Teorias do Currículo (Adaptado de Silva, 1999) As reflexões de Michael Apple podem nos ajudar a problematizar as concepções de currículo existentes nos cursos de graduação em Psicologia no Brasil. Para Apple (1986; 1989a; 1989b; 2005; 2006), o currículo é um instrumento essencial para a garantia da reprodução cultural e social, na medida em que o conhecimento curricular é resultado de uma seleção que se orienta pelos interesses dos grupos dominantes. O currículo se liga ao processo de reprodução cultural e social na medida em que, por exemplo, privilegia o conhecimento técnico em detrimento de outras formas de conhecimento, como o conhecimento filosófico e o artístico. O currículo, ainda de acordo com o pensador marxista, somente poderá ser compreendido se ele for considerado como constituído por relações de poder. Em outras 61 As teorias pós-críticas têm origem no pós-estruturalismo e na abordagem pós-moderna. Enfatizam que o poder se encontra em toda a rede social, incluindo o próprio conhecimento e os sentidos de verdade. O mapa do poder inclui os processos de dominação baseados nos conceitos de raça, etnia, cultura, gênero e sexualidade (Silva, 1999). 66 palavras, o conhecimento cristalizado no currículo traz consigo as marcas das relações sociais de poder. O currículo reproduz, no âmbito da cultura, as estruturas sociais. Ele é um aparelho ideológico do estado capitalista62. Uma outra questão importante é a compreensão do currículo como prática63. No final da década de 1960, surgiu um movimento que buscava compreender o hiato entre os planos curriculares e a sua aplicação. Houve um esforço de ampliar o conceito de currículo através da produção de uma série de adjetivos para essa compreensão, destacando-se o conceito de currículo oculto. 64 Destaca-se, mais uma vez, a obra de Apple (1993) que priorizou a análise das dimensões ocultas do currículo, salientando a importância de se considerar o que ocorre nas escolas e nas salas de aula. Trata-se de entender, seguindo uma concepção clássica nos estudos curriculares, a dimensão prática do currículo no contexto da interação entre currículo e cultura. O conceito de currículo como prática se articula com o que Forquin chamou de cultura escolar (1993), uma cultura didatizada que o sistema de ensino procura transmitir. Pode-se compreender a cultura como um repertório de sentidos compartilhados do qual são selecionados e organizados alguns elementos, através de um processo que envolve a transposição didática, resultando no que denominamos de currículo (Sacristán, 2000; Young, 2000). Uma outra importante contribuição ao estudo do currículo encontra-se na obra de Sacristán (2000). Ele introduz o conceito de política curricular, assim definido: Um aspecto específico da política educativa, que estabelece a forma de selecionar, ordenar e mudar o currículo dentro do sistema educativo, tornando claro o poder e a autonomia que diferentes agentes têm sobre ele, intervindo, dessa forma, na distribuição do conhecimento dentro do sistema escolar e incidindo na prática educativa, enquanto apresenta o currículo a seus consumidores, ordena seus conteúdos e códigos de diferente tipo (Sacristán. 2000:109). 62 O conceito de Aparelho Ideológico foi formulado por Althusser e descreve os instrumentos de manutenção do status quo através de mecanismos ideológicos. A repressão é utilizada para, através da força, manter a ordem vigente. Esse instrumento se institucionaliza através dos aparelhos repressivos de estado (polícia e o sistema judiciário). A ação repressora, contudo, não é suficiente para garantir a permanência da sociedade capitalista, além de gerar bastante tensão e por em risco a aparência de legitimidade do sistema. Acrescentam-se, portanto, os aparelhos ideológicos do estado (religião, mídia, a família e a escola) ao sistema repressor para, mediante a produção e difusão da ideologia dominante, sustentar o consenso em torno da inelutabilidade da ordem social. A escola atua ideologicamente através do seu currículo através de saberes que tornam desejáveis as estruturas existentes (História, geografia) ou saberes técnicos, que são utilizados para desestimular o pensamento crítico. 63 Esse parágrafo é fortemente baseado em Macedo (2006). 64 De Acordo com Tomaz Silva (1999:78-79), “o currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes. (...) o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações que permitem que crianças e jovens se ajustem da forma mais conveniente às estruturas e às pautas de funcionamento, consideradas injustas e antidemocráticas e, portanto, indesejáveis, da sociedade capitalista. (...) o currículo oculto ensina, em geral, o conformismo, a obediência, o individualismo”. 67 A política curricular atua como determinantes políticos e administrativos que resultam em um currículo prescrito. Uma função essencial do currículo prescrito é a construção de uma cultura comum. Uma outra função é a questão do controle da qualidade do ensino através dos parâmetros de avaliação que estabelece. O professor, entretanto não é um mero reprodutor de currículos; através de sua experiência, ele molda os currículos, acomodando-os ao seu contexto. Sacristán (2000) ressalta a importância do professor na concretização dos currículos. Em outras palavras, é a prática pedagógica que transforma o currículo em ação. Por fim, o processo curricular se encerra através da avaliação da aprendizagem discente. O processo pode ser entendido melhor mediante o seguinte esquema: Currículo Prescrito Currículo apresentado aos professores Currículo moldado pelos professores Currículo em Ação Currículo Avaliado Figura 1.6. O processo curricular. Mendes (2005), ao estudar a relação entre os estudos no campo curricular e os estudos do currículo de ensino superior de educação física na década de noventa, constatou que a produção do campo do currículo não foi utilizada de modo significativo na análise dos currículos 68 de educação física. A mesma realidade ocorreu na Psicologia65. Os estudos de currículo de Psicologia (Medeiros, 1989; Mello, 1989; Moura, 1999; Matos, 2000; Dias, 2001; Esch & Jacó- Vilela, 2001) tiveram pouca influência das teorias desenvolvidas no campo de Estudos sobre o Currículo.66 Uma rara exceção a esse quadro encontra-se na tese de doutorado de Bernardes (2004). Concordando com Veiga-Neto (1995), Bernardes (2004) afirma que o currículo é um elemento de mediação entre a cultura e a formação educacional (o que inclui a formação do psicólogo), expressando também relações de poder ao apresentar um conjunto de saberes que são definidos como curriculares, isto é, como conhecimentos que devem ser assimilados por terem importância social e/ou técnica. Infelizmente Bernardes abordou a questão do currículo de modo aligeirado e não se deu conta das questões referentes ao currículo em ação ou currículo na prática, que aparecem na literatura do campo do currículo no Brasil. Os estudos do cotidiano na área da educação mostram as práticas curriculares como complexas e relacionadas a saberes e fazeres que não formam um todo coerente e organizado como pretende as propostas curriculares oficiais. Isso quer dizer que os professores elaboram suas práticas cotidianas em meio a redes de convicções e crenças, possibilidades e limites, de regulação e emancipação. 67 Em suas atividades cotidianas, portanto, os professores “criam” currículos misturando os elementos formais e organizados das propostas curriculares com as possibilidades que têm de implantá-las. Essas possibilidades estão relacionadas com os saberes e crenças dos professores e são definidas na dinâmica de cada turma, dos saberes dos alunos e das circunstâncias de cada dia de trabalho (Oliveira & Destro, 2005). Entre o Currículo Prescrito e o currículo como prática, encontra-se o cotidiano onde as práticas pedagógicas realizam o projeto curricular. Para compreender esse processo, é necessário considerar os processos cotidianos de criação e desenvolvimento da ação pedagógica, a partir da compreensão das especificidades do ser dos professores, alunos e contexto, como também o que 65 O único texto que discute Psicologia e Currículo escrito por um psicólogo que encontramos foi o livro de César Coll (2003), texto esse duramente criticado por Moreira (1997) – um dos principais nomes brasileiros na área de estudo do currículo – por se vincular às perspectivas tradicionais da Teoria do Currículo, caracterizadas pela ênfase técnica e por uma compreensão apolítica das questões curriculares. 66 Sobre o desenvolvimento do campo do currículo no Brasil, ver Moreira (2001; 2002); Paraíso (2003) e Oliveira & Destro (2005). 67 A tensão entre regulação social e emancipação social, de acordo com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2000), caracterizaria a modernidade ocidental até meados do século XIX, quando – com a consolidação da convergência entre o paradigma da modernidade e o capitalismo – essa tensão entrou em um longo processo de degradação marcado pela gradual e crescente transformação dos recursos emancipatórios em regulatórios. O autor português discute essa tensão nos campos da Ciência e do Direito (Santos, 2000), enquanto Inês Oliveira (2006) transpõe essa questão para o campo da educação. 69 os alunos estão aprendendo a partir dessa prática pedagógica que não pode ser percebido pelas avaliações externas. O esquema seguinte mostra esse processo: Currículo Prescrito Diretrizes Curriculares Projeto Pedagógico Matriz Curricular Ementas Figura 1.7. Processo curricular e produção de subjetividades. Os elementos do currículo prescrito localizam em um nível macro, abstrato, agindo como um projeto para a construção efetiva da estrutura curricular, que ocorre no contexto do Currículo praticado Produção de subjetividades Cotidiano das práticas pedagógicas Saberes Docentes Saberes e condições Discentes Interação professor/aluno Condições materiais de ensino/aprendizagem Controle externo Autonomia Docente Tensão 70 cotidiano da sala de aula. É por isso que o cotidiano das práticas pedagógicas assume uma importância vital, o que nunca foi reconhecido nos estudos sobre a formação do psicólogo. O ensino de disciplinas de Psicologia nos vários níveis educacionais é uma das várias funções do psicólogo, de acordo com a Resolução 53.464, artigo quatro, alínea um. Apesar disso, os estudos sobre o trabalho do psicólogo docente são deveras escassos na literatura nacional. Para ilustrar, existe somente um estudo arrolado no Bvs-Psi sobre o perfil do professor universitário de Psicologia. Trata-se de um texto escrito por Cláudio Hutz e Willian Gomes (1987) a respeito do perfil do professor universitário de Psicologia no Rio Grande do Sul por ocasião da implantação do curso de mestrado em Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Alguns dados dessa pesquisa ilustram bem as dificuldades encontradas em torno da docência em psicologia: um número elevado de professores se recusou a participar do estudo; não havia formação específica para a pesquisa e que a qualidade do ensino de graduação e a produção científica não melhorariam se não houvesse uma mudança na formação dos professores. Os autores acreditavam que a implantação de cursos de mestrado poderia melhorar o quadro descrito. Uma questão geral presente no trabalho docente atualmente é o significado que terá as avaliações do ensino superior (controle externo) na prática pedagógica. Maria Cunha (2006) realizou uma pesquisa sobre os impactos do modelo avaliativo, imposto pelo MEC ao ensino superior na segunda metade da década de noventa, na docência universitária. A pesquisa ouviu professores de dez cursos de graduação, utilizando entrevistas intensivas. Os professores foram instados a falar a respeito de suas trajetórias acadêmicas e experiências educativas, com o objetivo de identificar as fontes de seus saberes docentes e os contextos em que foram constituídos. Além disso, procurava-se explorar a percepção dos professores sobre os processos de avaliação externa, principalmente o Exame Nacional de Cursos, o “Provão”. Os resultados trazem evidências que os docentes estão sofrendo fortes 71 influências do modelo avaliativo. A tendência é que os professores não mais enfatizem os conhecimentos que não são privilegiados pelos instrumentos de avaliação. Isto que dizer que o professor cada vez mais decide menos sobre seu ofício. Uma lógica de produtividade, totalmente estranha à cultura acadêmica, instala-se no sistema de ensino superior, trazendo consigo uma ênfase na concorrência. O contexto dessa transformação foi o surgimento das políticas neoliberais e conservadoras no final do século XX, que reorientaram o sistema educacional a partir da lógica do mercado. A educação passou a ser um elemento de qualificação da economia nacional para a competitividade no mercado global, gerando assim uma nova ortodoxia educativa. As formas de avaliação externa implementaram um modelo único de qualidade e uma pedagogia de visão única, com padrões que, por visarem produzir uma comparabilidade competitiva, excluem formas alternativas de compreensão do conhecimento e de sua produção. A questão é que esse modelo compromete a autonomia do professor. Há uma diferença entre o exercício da docência no sistema federal de ensino, nas universidades estaduais e nas instituições privadas. Maria Resende (2005) realizou uma pesquisa na Universidade Federal de Goiás e os dados revelaram que os professores possuem uma autonomia relativa, sendo restringida pela implantação de sistemas avaliativos (GED, avaliação da graduação e da pós- graduação) com o predomínio de critérios quantitativos, a busca constante de verbas e de financiamentos fora da instituição, o aparecimento de fundações privadas no interior da universidade, a regulamentação e o convênio das atividades de prestação de serviços remunerados; muitos professores consideram que esses fatores ameaçam o resquício de autonomia existente. Nas instituições privadas, além da precarização do trabalho pelo regime hora/aula, alógica concorrencial se manifesta de modo pleno, tornando o trabalho docente uma atividade modulada por critérios frouxos de seleção de ingresso, pouco ou nenhum estímulo à 72 capacitação e a necessidade do professor trabalhar em duas, três, quatro ou mais instituições de ensino para garantir um salário decente (Calderón, 2000). Recorrendo a classificação de Gauthier (1998) já mencionada, é possível, ainda que de modo esquemático, discutir os saberes docentes do professor de Psicologia: Quanto aos saberes disciplinares, obtidos na formação específica de psicólogo, há questões comuns ao exercício da docência: capacitação através de uma pós-graduação stricto senso, formação continuada através de cursos, participação em eventos são tópicos importantes. Carecemos de pesquisas para sabermos o perfil dos professores de Psicologia quanto aos conhecimentos que possuem a respeito dos conteúdos que ensinam. Os saberes curriculares dizem respeito, grosso modo, ao conhecimento do currículo do curso em que a(s) disciplina(s) que o professor ensina se encontra(m). É o entendimento das interações de conteúdos, dos objetivos da formação, do perfil desejado para o egresso, etc. Infelizmente, muitos professores desconhecem os conteúdos vistos por seus alunos em outras disciplinas, reproduzindo assim um modelo de formação fragmentada, frankensteineana. Saberes pedagógicos são aqueles vinculados às ciências da educação, como didática, psicologia da educação, etc. a formação inicial do professor universitário brasileiro é centrada na capacidade de pesquisa, tendo pouca ou quase nenhuma preocupação na capacitação pedagógica, de modo que temos professores que são especializados nas mais diversas áreas da Psicologia, mas se configuram como docentes amadores, diletantes nos saberes pedagógicos. Os saberes experienciais se caracterizam por serem originados na prática cotidiana da profissional, incorporando-se à vivência individual sob a forma de habilidades, de saber fazer e saber ser. Os saberes da experiência não são como os demais; eles são resultantes da articulação e reorganização tácita de todos os outros saberes. O professor, porém, não é o único elemento que compõe o “contrato didático.” 68 A composição desse contrato, representado no esquema abaixo, é determinada não apenas pelas variáveis vistas isoladamente, mas pelas suas interações: 68 Guy de Brousseau (1996) define o contrato didático como sendo um conjunto recíproco de comportamentos esperados entre alunos e professor intermediado pelo saber. Tais comportamentos são legitimados através de regras explícitas (verbalizadas em sala de aula) e, principalmente, implícitas (construídas historicamente e reinterpretadas no cotidiano da sala de aula) que são formuladas no bojo das relações didáticas, em que há sempre uma intenção de ensinar e aprender envolvendo duas ou mais pessoas, produzindo interações entre estas e os conteúdos a serem ensinados, configurando – dessa forma – uma relação ternária (professor-aluno-saber). 73 Figura 1.8. O contrato didático. Um aspecto importante desse conjunto de é a relação professor-aluno (Roncaglio, 2004). No que diz respeito à dimensão interpessoal69 dessa relação, temos uma prática democrática ou autoritária de ensino. A liberdade de expressão e comunicação, uma flexibilidade nas normas do contrato didático e o incentivo à autonomia dos alunos caracterizam uma prática docente democrática na sala de aula. Não podemos deixar de considera, contudo, que saber e poder estão visceralmente entrelaçados na contemporaneidade, conforme bem visualizou Foucault (1979). O autoritarismo pode expressar a insegurança de um professor iniciante, a ignorância de um professor incompetente e até mesmo um traço de personalidade. No contexto da formação em Psicologia, também é comum o autoritarismo como resultante do dogmatismo que campeia no campo psi. A incapacidade de dialogar com outras abordagens teóricas leva muitos professores a encerrar um debate com a frase “mas Freud disse que...”70 Necessário se faz reconhecer, contudo, que por mais aberta e flexível que se apresente, a relação professor-aluno é assimétrica e vertical, mesmo que ocorra de forma democrática. Isso ocorre porque o professor exerce uma autoridade diante de seus alunos em função do saber que representa (Costa, 2005). Por ser uma autoridade, o professor é também um modelo para seus alunos. Os estudos do cotidiano na educação (Oliveira, 2005) atestam que as práticas curriculares reais produzem subjetividades e não somente aquisição de conteúdos. Há, simplificando um pouco, dois modos de se entender a subjetividade: como uma identidade individualizada, concebida como interioridade e racionalidade. Esse modo se desenvolveu na Modernidade e produziu a noção de Sujeito (Touraine, 1998). Uma outra forma de entender a subjetividade é associada a autores denominados de pós-estruturalistas, tais como 69 Para uma excelente discussão sobre relação interpessoal no contexto da sala de aula, ver Leite (1997). 70 Não quero dizer com isso que o dogmatismo seja um apanágio dos psicanalistas (os comportamentalistas, por exemplo, a possuem acobertados por um verniz cientificista), mas é preciso reconhecer que muitos deles assumem uma postura do que eu chamo de monoglotismo intelectual, recusando a leitura de tudo que não tiver o “selo” da Psicanálise. Professor Aluno Saber 74 Foucault, Derrida, Deleuze e Guattari. A subjetividade seria a emergência histórica de processos não determinados pelo social, mas conectados a fatores econômicos, midiáticos, culturais, sociais, urbanos, etc. O conceito utilizado é de processos de subjetivação. Esse processo é contínuo, configurando de diversas maneiras no decorrer da história, no qual o sujeito pode fixar ou transformar sua identidade. Em outras palavras, a subjetividade é “tecida no interior das redes de relações estabelecidas na cotidianidade da existência” (Franco, 2003:172). Na formação do psicólogo, um elemento que se vincula com os processos de subjetivação é a construção da identidade profissional, que se dá não apenas através da aquisição de conhecimentos teóricos e técnicos, mas também mediante das identificações e diferenciações estabelecidas com os modelos profissionais encontrados neste processo de formação. O momento privilegiado aqui é o estágio profissionalizante. Luis Antonio Baptista (2000:23) descreve muito bem essa produção: Com o rosto tenso e brilho no olhar, a estagiária me diz que a supervisão de psicoterapia lhe parecia uma aula de escultura. No final do estágio, sentiu o corpo modelado em gesso, imóvel, tendo os mesmos gestos, cor e estatura de seu supervisor. O sangue transformou-se em pedra. Os pedaços foram lapidados em cada encontro, quando aprendia a interpretar, compreender e respeitar o paciente. Vivia uma intensa aula de humanismo plástico. As intervenções que lhe pareciam sair do território clínico eram jogadas fora como excesso de massa. Na sala de supervisão, só a Psicologia podia entrar. Outros convidados eram barrados naquele recinto acadêmico. Suas dúvidas eram transformadas em desagradáveis poeiras de ateliê. Como se tivesse vivido uma cena de vampirismo na aula de escultura, mas sem o prazer da mordida no pescoço. Sentia sono durante a supervisão, e nada sentia quando olhava para o supervisor. A obra de arte, segundo ela, seria exibida nos salões da universidade, mais uma mercadoria para o comércio das artes. Finalizou seu relato comentando que o ensino e a ideologia do setor de clínica, e da formação do psicólogo, nada mais seriam que a reprodução e a perpetuação de um saber do qual o estagiário era excluído. Ela disse ainda que um dia, conversando com as amigas, achou sua voz rouca, suave e inteligente, igual à do supervisor. Intrigante e promissora coincidência. Ana Jacó-Vilela (1996) mostrou que o estágio em Psicologia, mais precisamente a supervisão que nele ocorre, funciona como um processo de subjetivação que produz uma identidade profissional condizente com a hegemonia do valor individualista nas sociedades ocidentais modernas, nas quais surgiram e floresceram os saberes e os fazeres psi. Na verdade, mais do que uma ocupação, a Psicologia torna-se um estilo de vida, caracterizado pela crença de que se é um ser autônomo a cuidar de sua interioridade, um ser compreensivo da intimidade do outro que, através de técnica e em uma relação dual, propicia a esse outro o desenvolvimento interior. A supervisão na Psicologia ocupa um papel peculiar, preenchendo as faltas, inter- relacionando teoria e prática, compreendendo a singularidade de cada um, introduzindo o 75 entendimento que a formação não se conclui com a graduação, mas persiste por anos a fio, principalmente através da terapia e da supervisão (Langebach & Negreiro, 1988; Jacó-Vilela, 1996). Neste processo de “formação continuada”, as subjetividades são construídas e os saberes tradicionais são reproduzidos. Isso nos leva a ter que discutir a formação continuada em Psicologia, com ênfase em uma nova modalidade: a especialização. c) Formação continuada: especializações em Psicologia O Conselho Federal de Psicologia regulamentou, através da Resolução n º 14 de 20 de dezembro de 2000, as especialidades em Psicologia. Essas especialidades já estavam previstas nos Artigo 11 da Lei n º 5.7766/71 e no parágrafo primeiro do Artigo 43 do Decreto n º 79.822/77. Após o reconhecimento pelo Conselho, o título de especialista será inserido na Carteira de Identidade profissional. O requerimento do título deve apresentado ao Conselho Regional de Psicologia onde o profissional tiver sua inscrição principal. O Conselho também na mencionada Resolução regulamenta as primeiras especialidades e define quais as condições para a obtenção do título, estabelecendo os seguintes critérios para o reconhecimento dos cursos de especialização: I – Ter duração mínima de 500 (quinhentas horas); II – A carga horária mínima referente à concentração específica da Especialidade deve corresponder a 80 % (oitenta por cento) da carga horária total do curso; III – A área de concentração específica da especialidade deve ter no mínimo 30 % (trinta por cento) de prática; IV – Para a conclusão do curso, exige-se uma monografia, cuja elaboração não está incluída na carga horária de 500 (quinhentas) horas e deve estar voltada à área de especialidade a que se destina. Além disso, a Resolução do Conselho também afirmava que mesmo os Cursos de instituições superiores reconhecidas pelo MEC também deveriam se adequar às normas por ela estabelecidas para que seus certificados ou diplomas sejam reconhecidos pelos Conselhos Regionais. As entidades não ligadas às instituições de ensino superior, mas que estivessem adequadas às referidas normas, poderiam ter seus cursos reconhecidos pelos Conselhos. O Artigo Terceiro da Resolução enumera as primeiras especialidades reconhecidas, a saber: 1) Psicologia Escolar / Educacional; 2) Psicologia Organizacional e do Trabalho; 3) Psicologia de Trânsito; 76 4) Psicologia Jurídica; 5) Psicologia do Esporte; 6) Psicologia Hospitalar; 7) Psicologia Clínica; 8) Psicopedagogia; 9) Psicomotricidade. Os Cursos de Especialização seriam credenciados numa avaliação que foi regulamentada pelo Manual para Credenciamento de Cursos com a finalidade de Concessão do Título de Especialista e respectivo Registro, publicado na Resolução do CFP n º 007 de primeiro de junho de 2001. Novas especialidades poderiam ser reconhecidas e, assim, as Resoluções no 005/2003 e no 002/2004 regulamentaram, respectivamente, as especialidades de Psicologia Social e Neuropsicologia. 71 Esther Arantes (2005) indagou: o que é o especialista e que efeitos produz a transformação das áreas da Psicologia em especialidades? O que seria o psicólogo especialista, um técnico, um perito? De acordo com Van Stralen (2005), a Psicologia vem avançando no processo de profissionalização mediante a estratégia de criação de áreas de aplicação, especialidades e conhecimentos específicos para determinada tarefa. A jurisdição definida pela Lei 4.119/62 é mais restrita do que os sistemas de conhecimentos teóricos e práticos disponíveis para o psicólogo, o que mobiliza a categoria a incorporar novas tarefas na sua jurisdição. Um caso específico ilustra essa expansão: a psicoterapia. Na disputa com a Psiquiatria, que sempre buscou defender seu monopólio sobre as técnicas psicoterápicas, dois motivos possibilitaram a vitória da Psicologia: o pouco interesse dos psiquiatras por algumas questões menores da saúde mental e o grande número de psicólogos em contraste com o pequeno número de psiquiatras. Essa vitória não estabilizou o campo, pois o surgimento das psicoterapias alternativas72 e da Filosofia Clínica tornaram inconclusas as disputas pela ocupação do campo. Mesmo com essa dificuldade, a Psicoterapia garantiu para a Psicologia Clínica um maior status na base de conhecimentos mais específicos articuladores de saberes teóricos e práticos por ocasião da instituição do título de especialista. Isso não apenas favoreceu a reprodução da estrutura tradicional dos cursos de Psicologia, como também impediu o crescimento do status social de outras práticas da Psicologia. 71 Uma Discussão sobre as especialidades na área educacional encontra-se em Carvalho (2004). 72 As psicoterapias alternativas causaram um grande impacto na Psicologia na década de 90 do século passado por dois motivos: 1) por inserir no mercado profissionais não-psicólogos com grande apelo midiático, provocando uma ação corporativa dos psicólogos na defesa de sua reserva de mercado; 2) ao serem praticadas por psicólogas, ameaçavam borrar a fronteira entre o “científico” e o místico-religioso. O Conselho Federal de Psicologia chegou a criar comissões de estudo para definir o que podia ser aceito como psicológico. Para uma análise interessante ver Figueiredo (2004) e Gauer e colegas (1997). 77 Uma outra questão pode ser apontada: na contramão do campo da Saúde Pública, o Conselho Federal de Psicologia instituiu a especialidade de Psicologia Hospitalar, área exclusiva do Brasil, afirmando uma postura hospitalocêntrica incompatível com os princípios do Sistema Único de Saúde. O Conselho curiosamente não regulamentou a especialidade de Psicologia da Saúde,73 certamente em função de ter regulamentado as de Psicologia Clínica e de Psicologia Hospitalar. Uma análise da lista de cursos de especialização credenciados pelo Conselho pode nos ajudar a entender melhor a argumentação supramencionada. A lista seguinte foi obtida no sítio eletrônico do Conselho em 24 de agosto de 2005: NÚCLEO FORMADOR LOCAL ÁREA CPHD - Centro de Psicologia Hospitalar e Domiciliar do Nordeste Ltda. Recife/PE Neuropsicologia CEPSIC - Centro de Estudos Psico-Cirúrgicos São Paulo - SP Neuropsicologia Libertas Consultoria e Treinamento Ltda. Recife/PE Psicologia Organizacional UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas Campinas/SP Psicopedagogia Instituto Sedes Sapientiae São Paulo/SP Psicologia do Esporte Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP São Paulo/SP Psicologia Hospitalar INCOR do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP São Paulo/SP Psicologia Hospitalar Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo São Paulo/SP Psicologia Hospitalar PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo/SP Psicologia Hospitalar UNISA - Universidade de Santo Amaro São Paulo/SP Psicologia Hospitalar LIGARE - Centro de Desenvolvimento da Pessoa Humana - S/C LTDA Americana/SP Psicologia Clínica ITC – Instituto de terapia Cognitiva e Comércio de Livros Ltda. Barueri/SP Psicologia Clínica Instituto Gestalten Florianópolis/SC Psicologia Clínica EPSI – Espaço Psicanalítico João Pessoa/PB Psicologia Clínica 73 O Brasil é o único país que regulamentou a especialidade de Psicologia Hospitalar. Em outros países o que existe é a regulamentação da Psicologia da Saúde. Os críticos da denominação Psicologia Hospitalar lembram que o trabalho do psicólogo deve ser definido por suas práticas e não pelo local. A inserção do psicólogo no contexto hospitalar ocorreu em uma época caracterizada pela primazia desse espaço nas políticas de assistência à saúde, criando uma cultura hospitalocêntrica que seria criticada pela reforma sanitária implementada no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988 e que culminou com a criação do Sistema Único de Saúde. A regulamentação da especialidade de Psicólogo Hospitalar, por tanto, vai na contramão das mudanças no campo da Saúde como um todo (Yamamoto & Cunha,1998;Yamamoto, Trindade e Oliveira,2002; Castro & Bornholdt,2004). 78 Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA Manaus/AM Psicologia Clínica FAMEMA - Faculdade de Medicina de Marília Marília/SP Psicologia Clínica DOMUS-Centro de Terapia de Casal e Família Ltda Porto Alegre/RS Psicologia Clínica ESIPP - Estudos Integrados em Psicoterapia Psicanalítica Porto Alegre/RS Psicologia Clínica IEPP - Instituto de Ensino e Pesquisa em Psicoterapia Porto Alegre/RS Psicologia Clínica Instituto Contemporâneo de Psicanálise e Transdiciplinaridade Porto Alegre/RS Psicologia Clínica Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre/RS Psicologia Clínica Libertas Clínica Escola Ltda. Recife/PE Psicologia Clínica DELPHOS – Espaço Psico-Social Sociedade Civil Rio de Janeiro/RJ Psicologia Clínica FAMERP - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto São José do Rio Preto/SP Psicologia Hospitalar CEP – Centro de Estudos Psicanalíticos Ltda São Paulo/SP Psicologia Clínica SPAGESP- Sociedade de Psicoterapias Analíticas e Grupais São Paulo/SP Psicologia Clínica Instituto de Psicologia Fenomenológica-Existencial – IFEN Rio de Janeiro/RJ Psicologia Clínica Delphos - Instituto de Psicologia Porto Alegre/RS Psicologia Clínica Centro de Estudos da Família e do Indivíduo – CEFI Porto Alegre/RS Psicologia Clínica UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo São Paulo/SP Psicologia Clínica IPAF – Instituto de Psicologia Aplicada e Formação São Paulo/SP Psicologia Clínica IBAC- Instituto Brasiliense de Análise de Comportamento Brasília/DF Psicologia Clínica IGTB- Instituto de Gestalt Terapia de Brasília Brasília/DF Psicologia Clínica IGT - Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar Rio de Janeiro - RJ Psicologia Clínica FACHO - Faculdade de Ciências Humanas de Olinda Olinda - PE Psicologia Clínica Tabela 1.2: Listas de instituições credenciadas pelo CFP Os núcleos formadores podem ser classificados em função do tipo de instituição a que pertencem, a saber: instituições de ensino público, instituições de ensino privado e instituições de formação profissional. Estas sempre estiveram uma grande atração por parte dos psicólogos clínicos, principalmente pela ênfase na formação continuada que os estagiários dessa área recebiam de seus supervisores. O gráfico seguinte mostra a distribuição dos núcleos formadores por tipo de instituição: 79 Percentual de Núcleo formadores por tipo de instituição 66% 14% 20% Inst. Formação Profissional IES Pública IES Privada Gráfico 1.10: Percentual de núcleo formador por tipo de instituição Com dois terços das instituições sendo de formação profissional, podemos afirmar que a formação profissional do psicólogo continua ocorrendo principalmente fora do meio acadêmico. A distribuição desses núcleos por estados revela a dificuldade de acesso a cursos de especialização credenciados pelo Conselho: Instituições por Estado 7 3 1 6 3 2 1 4 1 5 1 1 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 Pernambuco São Paulo Paraíba Amazonas Rio Grande do Sul Rio de Janeiro Distrito Federal Santa Catarina Inst. Form. Prof. IES Pública IES Privada Gráfico 1.11: Distribuição das instituições por Estados Apenas oito estados possuem cursos credenciados e somente dois possuem em instituições públicas de ensino. Desses 8 estados, apenas um não tem curso oferecido por 80 instituição de formação profissional. É justamente no Amazonas, único estado a ter um curso credenciado em toda a região norte. São Paulo e Rio Grande do Sul são os estados que possuem o maior número de cursos e os únicos que possuem oferta em instituições de ensino público. A distribuição das especialidades por tipo de instituição no revela o predomínio do modelo clínico hospitalar: Tipos de Especializações nas Instituição de Formação Profissional 7% 3% 10% 77% 3% Neuropsicologia Psicologia Organizacional Psicologia Hospitalar Psicologia Clínica Psicologia Jurídica Gráfico 1.12: Tipos de especializações nas instituições de formação profissional Nas instituições de formação profissional, quase noventa por cento das especializações são da modalidade clínico-hospitalar, demonstrando o predomínio dessas temáticas. Nas instituições públicas de ensino há apenas três tipos de especializações, das onze possíveis, e também quase noventa por cento dessas especializações são da modalidade clínico- hospitalar. Aparece também a especialidade de Psicopedagogia, em detrimento da Psicologia Escolar. Nas instituições privadas de ensino, mais de noventa por cento das especializações são da modalidade clínico-hospitalar, aparecendo também a Psicologia do Esporte. Destaca-se aqui o fato de que nos três tipos de instituições aparece a oferta de cursos nas áreas de Psicologia Clínica e da Psicologia Hospitalar, enquanto nenhuma outra especialidade é oferecida pelos três tipos de instituições. 81 Tipos de Especializações nas IES Públicas 14% 57% 29% Psicopedagogia Psicologia Hospitalar Psicologia Clínica Gráfico 1.13: Tipos de especializações nas IES Públicas Tipos de Especializações nas IES Privadas 9% 27% 64% Psicologia do Esporte Psicologia Hospitalar Psicologia Clínica Gráfico 1.14: Tipos de Especializações nas IES Privadas O gráfico 1.15 mostra que A Psicologia Clínica e a Psicologia Hospitalar possuem, no total, quase noventa por cento do total de cursos oferecidos, sendo que Psicologia Jurídica é a única especialidade oferecida em todos os estados em que há pelo menos um curso credenciado pelo Conselho. No gráfico 1.16, podemos observar que dos 8 (oito) estados em que há cursos cinco possuem exclusivamente os de Psicologia Clínica, sendo que um deles é o único de sua região (a norte). A região Sul também só possui cursos de Psicologia Clínica. Em relação à diversidade de especializações, destaca-se São Paulo e Pernambuco, com a oferta de cursos em cinco e 82 quatro especialidades, respectivamente. O Rio Grande do Sul, em contraste, possui 11 cursos e todos de Psicologia Clínica. Percentual de Cursos por Especialidade 4% 2% 21% 67% 2% 2%2% Neuropsicologia Psicologia Organizacional Psicologia Hospitalar Psicologia Clínica Psicologia Jurídica Psicopedagogia Psicologia do Esporte Gráfico 1.15: Percentual de cursos por especialidade Tipo de Especializações por Estado 1 1 1 9 1 1 11 1 1 2 3 11 1 2 1 1 PE SP PB AM RS RJ DF SC Neuropsicologia Psicologia Organizacional Psicologia Hospitalar Psicologia Jurídica Psicologia Clínica Psicopedagogia Psicologia do Esporte Gráfico 1.16: Tipos de especializações por Estado Uma das críticas produzidas sobre a criação das especialidades na Psicologia foi o artigo escrito por Simone Hüning e Neuza Guareschi (2005).para as autoras, são três os riscos que se corre regulamentando as especialidades psicológicas: 1) a fragmentação do ser humano e a cisão entre individuo e o social; 2) a privatização de diferentes instâncias da vida, que passam 83 a serem objetos de saberes e práticas de profissionais específicos; 3) o perigo da lógica das especialidades prestarem-se mais a mercantilização da vida do que ao aprimoramento do cuidado com a vida. Além disso, na contemporaneidade processa-se uma diluição de fronteira entre tempos, espaços e saberes. Existe uma verdadeira miscigenação dos saberes denominada, no jargão acadêmico, por nomes como inter, trans e multidisciplinaridade. Esse fenômeno ocorre justamente pela constatação da impossibilidade de delimitação de domínios e fronteiras. Essa impossibilidade de demarcar a fronteira entre os campos disciplinares e, mais especificamente dentro destes, as especialidades. As autoras concluem afirmando que a emergência das especialidades pode estar a produzir meros dispositivos de controle sobre profissionais ou usuários dos serviços, através da regulação do mercado de trabalho e dos nichos de atuação profissional. O estudo sobre o impacto das especialidades da Psicologia no campo profissional, se é que houve algum, infelizmente não existe. Essa é uma nova questão para aqueles que estudam a formação e a atuação do psicólogo. Não há pesquisas que nos permitam entender como se desenvolve a formação continuada dos psicólogos brasileiros. Não sabemos o percentual dos que freqüentam congressos, lêem periódicos científicos (e quais), fazem cursos de especialização e capacitação, etc. Há uma grande diversidade regional no que diz respeito ao acesso a cursos, a treinamentos e literatura. Necessário se faz que surjam núcleos de pesquisa sobre a formação em Psicologia nos diversos estados brasileiros. Seção II: Questões sobre o trabalho profissional da psicóloga § primeiro: As velhas questões da prática profissional do psicólogo em um novo contexto As mudanças ocorridas na década de noventa do século passado, e nos primeiros anos deste século, no campo da saúde e da assistência social trouxeram novas possibilidades de trabalho para a psicóloga brasileira. Infelizmente, as mudanças no campo da educação – a partir da implementação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) – praticamente eliminaram a possibilidade da inserção sistemática do psicólogo no Sistema Público de Educação. Nesta seção apresentamos uma análise das principais questões da prática profissional delimitadas pela literatura da década de noventa, apresentando o desdobramento de algumas tendências originadas no final do século passado. Essas questões são: a clínica e o 84 desafio do social, o compromisso político e a inserção da Psicologia Escolar, as práticas emergentes na Psicologia e a institucionalização da prática profissional da Psicologia. a) A questão da clínica: o desafio do social e da complexidade Em 1994, O Conselho Federal de Psicologia publica o Livro Psicólogo Brasileiro: práticas emergentes e desafios para a formação, que trazia discussões sobre a emergência de novas práticas nas principais áreas de atuação do psicólogo brasileiro, dentre estas a clínica. Em um capítulo escrito por Anna Lo Bianco, Antonio Bastos, Maria Lúcia Nunes e Rosalina Silva (1994), discute-se a ampliação da clínica a partir da superação do modelo clínico tradicional em função de uma série de demandas, concomitantemente ao surgimento de uma clínica ampliada, conforme pode ser visto no quadro 1.11 Uma maior abertura ao contexto social ocorreu na década de 80 por parte dos psicólogos clínicos brasileiros, entre outros motivos pelo esgotamento da demanda por terapias individuais em consultório privado. Essa saída da clínica privada ocorreu em direção à saúde pública, começando assim o processo de institucionalização da Psicologia Clínica em três âmbitos: reforma psiquiátrica, formação de equipes multiprofissionais no hospital e promoção da saúde na atenção básica. 74 Esse movimento gerou a necessidade de se repensar os referenciais teóricos que fundamentam as práticas clínicas. Além disso, surgiu a necessidade de se incorporar a compreensão do contexto social na prática clínica. Em outras palavras, começa a se estruturar um modo de ação clínica baseado na análise do contexto de atuação e no entendimento da prática psicológica como sendo determinada por uma compreensão da natureza humana e das culturas. Isso significa compreender o indivíduo como um ser em contexto, em um trabalho que passa a se desenvolver na intersecção da clínica com o social. As questões surgidas com essas mudanças podem ser agrupadas em três categorias: o contexto social da psicologia clínica; clínica e política, e psicologia clínica e complexidade. A noção de contexto social da clínica, de acordo com Ferreira Neto (2004), pode conter alguns equívocos. O mais significativo desses é entendê-lo como simples mudança no ambiente de trabalho e do perfil da clientela, o que obrigaria aos psicólogos adaptarem seu instrumento de trabalho às novas condições de trabalho. Rosalina Silva (1992), ao comentar a formação em Psicologia para o trabalho na Saúde Pública, afirma que a esperança que havia há alguns anos de uma maior democratização das 74 A literatura que discute essa inserção é imensa. Discutiremos melhor esse item na próxima seção. 85 práticas psicológicas e também na ampliação da função social do psicólogo – a partir de sua inserção nas instituições públicas – não se concretizou. Um dos principais motivos para que essa mudança não ocorresse seria a manutenção do modelo clínico tradicional. De acordo com a autora, (...) a priorização da clínica, restrita às atividades de consultação, tem tomado o lugar das atuações integradas às atividades próprias ao nível de atenção esperado. Dessa forma, priorizam-se as ações individuais em detrimento das conjuntas em equipes. A clínica, restrita aos modelos tradicionais psicoterápicos, acaba muitas vezes tomando o lugar das ações integradas às equipes junto aos programas já implementados pela instituição (1992:29). Ângela Andrade (1996), em sua tese de doutorado, afirma que muitos psicólogos que buscaram sair do modelo clínico tradicional passaram a desenvolver trabalhos de aconselhamento e oficinas com roteiro previamente definido, construindo uma prática que não questiona a concepção tradicional de sujeito que alimenta a clínica clássica. Alguns autores estão construindo novos modelos de intervenção clínica que efetivamente superem o modelo tradicional. Dentre eles, podemos destacar Liana Costa que tem desenvolvido, nos últimos quinze anos, uma sistematização de metodologias de intervenção clínica em contexto comunitário (Costa, 1998; Costa, 1998a, Costa, 1999; Costa 2003; Brandão, 2001; Brandão e Costa, 2003, Costa e Brandão, 2005a; Costa e Brandão, 2005b). O trabalho visa intervir no sofrimento de famílias de periferia e se fundamenta em um enfoque sistêmico caracterizado como sendo essencialmente contextual. Costa busca situar sua proposta de atendimento clínico comunitário em uma zona de intersecção da Psicologia Clínica com a Psicologia Social Comunitária, com o explícito propósito de superar as diversas críticas feitas sobre os trabalhos clínicos em comunidade, que se limitavam a simples transposição dos modelos de atendimento no consultório para o contexto comunitário. Um resumo desse processo encontra-se no quadro 1.12. Os elementos fundamentais para o trabalho comunitário a partir de uma abordagem clínica, de acordo com Costa e Brandão (2005b), seriam: a) o enfoque nas relações, principalmente através do trabalho com grupos multifamiliares; b) mobilização da rede social, abandonando a idéia de que a clientela é o único alvo da intervenção e o profissional o único recurso possível, para construir uma rede de solidariedade entre as pessoas que poderão compartilhar os problemas e as soluções comuns; c) vinculação com instituições e lideranças comunitárias e d) ação que vise autonomia e autogestão, de modo que a intervenção comunitária 86 permita que os próprios membros da comunidade desenvolvam mecanismos de ajuda, não permanecendo dependentes da ação do profissional de Psicologia. Uma outra vertente que busca superar a clínica tradicional é a proposta de uma clínica institucional apresentada por Liliana da Escóssia e Maurício Mangueira (2005). Para os autores, o campo do saber e do poder da Psicologia Clínica, ao incorporar o “princípio da desnaturalização” do sujeito – construído por Foucault, redefinirá o seu objeto e seus princípios éticos-metodológicos. A Psicologia sempre pautou suas práticas a partir de uma concepção substancialista do sujeito. O sujeito psíquico foi concebido como sendo uma entidade acabada, idêntica a si mesma, imutável e a - histórica. Além disso, a Psicologia foi concebida como uma ciência distanciada das questões políticas e coletivas. Escóssia e Mangueira (2005) afirmam que após a produção teórica de autores pós- estruturalistas a Psicologia revelou-se uma trama de saberes e poderes e, assim como seu objeto, um produto histórico social. Esse objeto – o sujeito psíquico – foi desnaturalizado e passou a ser entendido como um processo e não mais como uma substância. Para os autores, a desnaturalização do sujeito e a politização da psicologia, se por um lado, desestabiliza o campo psi – afastando a psicologia do almejado e cômodo lugar da neutralidade científica e colocando-a como exercício simultâneo de saber e poder, por outro lado, abre uma nova possibilidade de reconfiguração desse campo.possibilita a emergência de práticas que tomam o caráter histórico,contingente, inacabado e múltiplo do sujeito como potência afirmadora e engendradora de novos modos de existência.(Escóssia e Mangueira,2005:94). A perspectiva clínico-institucional desenvolve uma análise que pretende tornar visível a multiplicidade do ser. Três princípios fundamentam o tornar-se clínico: a) ser crítico de si mesmo e do mesmo; b) revelar sua posição no espaço-tempo; c)situar seus objetivos, a fragmentação das formas instituídas, compondo territórios existenciais e atualizando o pensamento do múltiplo. Junia de Vilhena, a partir de uma perspectiva psicanalítica, constrói uma concepção de clínica que enfrente o desafio do entendimento do contexto social. Ela desenvolve uma clínica psicanalítica nas comunidades (Vilhena, 2002; Vilhena & Santos, 2000; Zamora; Dimenstein e Vilhena, 2000). Em diálogo com outros saberes, a autora desenvolveu o conceito de eixos de agenciamento subjetivo e propôs uma aplicação ao estudo do atendimento a populações de baixa renda e definiu os seguintes eixos como os mais importantes para o trabalho clínico nas comunidades periféricas: a)território e subjetividade;b) violência e narcotráfico; c) cultura do medo; d)racismo e identidade. Vilhena questiona ainda o que chama de apartheid clínico, que é compreender as populações de baixa renda como seres de carência e, como conseqüência, a 87 imposição de uma clínica de necessidades para o atendimento dessa demanda. A clínica renovar- se-á quando incorporar novos conceitos teóricos que possam subsidiar uma prática pertinente a uma realidade em constante transformação. Uma prática clínica mais preocupada com o contexto social implica, necessariamente, modificações nos referenciais teóricos que ancoram essa prática, principalmente no que diz respeito à noção de subjetividade (Dutra, 2004). A relação entre subjetividade e Psicologia clínica é o fio condutor de um conjunto de textos escritos por Maurício Neubern (2000; 2001; 2004; 2005a; 2005b;). O autor desenvolve sua reflexão a partir de uma epistemologia complexa75, inspirado em Edgar Morin (2001). Neubern (2001) argumenta que a subjetividade foi submetida a um duplo processo de exclusão: como momento de construção do saber e como objeto de estudo. A partir da reflexão epistemológica desenvolvida a partir da segunda metade do século XX, contudo, abriu-se um vasto de campo de pesquisa e reflexões sobre as origens e cenários de produção do conhecimento científico. Gaston Bachelard (1996) pode ser citado com um dos marcos desse processo de questionamento da dogmatização científica. Os autores mais importantes, porém, seriam Kuhn (1997) – com seu conceito de paradigma e a importância da comunidade científica – e Lyotard (1998), com sua compreensão da ciência numa perspectiva de jogos de linguagem. Além disso, o advento das teorias dos sistemas complexos76 – que trouxeram para as ciências 75 A epistemologia da complexidade, formulada por Morin (1996), fundamenta-se na idéia que a realidade é formada por partes distintas, e muitas vezes antagônicas, que não podem ser irredutíveis a qualquer substância. O pensamento da complexidade, portanto, ao ser fiel ao real – busca integrar os diferentes modos de pensar e construir uma compreensão da realidade que incorpore as contradições e dualidades percebidas pela mente humana em sua compreensão da natureza, da sociedade e de si mesma. Os fundamentos da epistemologia da complexidade foram extraídos de três campos do conhecimento iniciados na década de quarenta: a teoria da informação, a cibernética e a teoria dos sistemas. Seus princípios, estabelecidos por Morin (op.cit.) são: princípio dialógico, compreensão da unidade de noções antagônicas que – através do seu conflito – criam processos organizadores da realidade em estruturas cada vez mais complexas; princípio recorrente, nega a determinação linear e afirma a retroação reguladora – não qual os efeitos retroagem sobre suas causas, modificando-as através de processos de regulação; princípio hologramático, afirma que a parte está no todo e o todo está na parte, usando a imagem do holograma que, ao ser dividido, sempre apresenta imagens completas, não fragmentadas. 76 (...) sistemas complexos são aqueles compostos de muitos elementos e/ou subsistemas diferentes interagindo espacialmente e temporalmente de forma não linear, gerando padrões emergentes que são observáveis apenas em escalas maiores. Neste sentido, o termo complexidade refere-se à descrição dos estados de um sistema complexo. Existem diferentes medidas de complexidade. Algumas delas podem estar relacionadas simplesmente com a quantidade de diferentes elementos que compõem um sistema, o que é, na verdade, uma medida parcial, pois desconsidera as relações entre os elementos do sistema. Outras medidas estão relacionadas com o número e intensidade (grau de conectância) das relações entre os elementos do sistema, formando uma intrincada rede de relações.Outras medidas ainda podem estar relacionadas com a relação entre o número de diferentes elementos do sistema e o número de funções realizadas pelo sistema, de modo que um sistema com pequeno número de elementos diferentes e um maior número de funções seria mais complexo que um sistema com um grande número de elemento, mas com relativamente poucas funções. Desta forma, alguns sistemas podem ser mais ou menos complexos que outros (Souza e Buckeridge, 2004:408). 88 naturais noções como imprevisibilidade, irreversibilidade, evolução, acaso, acidente, criatividade e auto-organização – permitiram uma nova avaliação do conceito de subjetividade. Neubern (2004) argumenta que a Psicologia Clínica tradicional aprisionava os processos psicológicos hermeticamente no interior do sujeito, desenvolvendo uma cegueira sistemática do mundo social, com o objetivo de analisar importantes momentos da vida de um paciente. Seguindo Gonzalez Rey (2003), o nosso autor afirma que o conceito de subjetividade busca integrar as dimensões comumente dicotomizadas pelas escolas tradicionais de Psicologia Clínica, tais como individual e social, interno e externo, atual e histórico, construído e constituído, universal e singular, essência e existência de modo que os componentes desses pares não assumam uma relação de hierarquia por uma lógica pré-estabelecida, mas que são compreendidos em função do momento que os sujeitos atravessam. Essa visão de subjetividade somente faz sentido a partir do paradigma da complexidade, que compreende a realidade como algo constituído por múltiplas articulações, contradições, interpenetrações e por um conjunto constante de processos de mudança. O reconhecimento da subjetividade como ponto central na construção do conhecimento implica, para Neubern (2001), em uma discussão sobre utopias a respeito da sua condição de objeto de estudo e como momento fundamental do espírito científico. A primeira utopia é uma democracia de idéias, na qual o diálogo seja possível para construir a subjetividade. É necessária uma nova noção de Psicologia Clínica, que assuma um compromisso com o conhecer. Isso implica em uma segunda utopia: uma postura de cidadania com relação ao próprio conhecimento, para que este se constitua em conhecer. Em outras palavras, Conhecer implica no sujeito que dialoga com o objeto de estudo e simultaneamente com as múltiplas teias que perpassam seu cenário de estudo. É um apelo veemente para alertar os psicólogos de que o conhecimento e a clínica que são construídos estão profundamente relacionados com os pensamentos vigentes na sociedade (Neubern, 2001:251). O campo da Psicologia Clínica sempre foi responsabilizado pela ausência de um compromisso com as mudanças sociais por parte dos psicólogos brasileiros. A presença de práticas clínicas comprometidas com a emancipação do ser humano é algo alvissareiro, apesar do risco de certo imperialismo clínico produzido pela presença da abordagem clínica nos campos da saúde e do desenvolvimento comunitário. É preciso reconhecer, contudo, que a clínica tem um papel importante para a construção de uma Psicologia relevante no contexto da sociedade brasileira. 89 A construção de uma clínica que nos permita acolher às vítimas da violência em suas múltiplas manifestações é um imperativo ético. Um outro desafio importante será superar a dicotomia clínica versus social que impera no consenso entre os profissionais da Psicologia. Wanderley Codo escreveu há algum tempo sobre a Psicologia Organizacional como sendo o “Lobo Mau” do conhecimento psicológico, contribuindo para a superação do preconceito existente contra aquele campo de trabalho. Talvez seja preciso escrever sobre a clínica e criticar a crença de que essa área da Psicologia sofra do “Efeito Gabriela”. 77 Clínica Tradicional Demandas colocadas ao psicólogo Clínica contextualizada 78 1) Atividades de psicodiagnóstico e/ou terapia individual ou grupal; 2) Atividade exercida em consultórios particulares,restrita a uma clientela proveniente de segmentos sociais mais abastados; 3) Atividade exercida de forma autônoma, como profissional liberal; 4) Enfoque intra- individual, com ênfase nos processos psicológicos e psicopatológicos e centrado em um indivíduo abstrato e a-histórico; 5) Hegemonia do modelo médico, caracterizado pela aceitação da autoridade do profissional. 1) Construção de modelos alternativos de atenção na promoção da saúde; 2) Atendimento a segmentos da população anteriormente excluídos; 3) Atendimento a questões que extrapolam o plano individual; 4) Exercício de funções gerenciais ou de coordenação; 5) Entendimento do processo biopsicossocial envolvido no binômio saúde-doença; 6) Necessidade de trabalhar aspectos ideológicos que geram estigmas 7) Necessidade de atendimento integrado (outros saberes para a compreensão do fenômeno clínico); 8) Necessidade de vincular seu trabalho a objetos institucionais; 9) Imposição de postura crítica em relação a conhecimentos gerados em outros contextos culturais; 10) Necessidade de reflexão e sistematização do conhecimento gerado a partir de novas práticas, nos novos contextos e com uma nova clientela 1) Inserção no campo da saúde: clínica antimanicomial, nos hospitais e na saúde básica; 2) Pluralidade teórica e maior aproximação com as Ciências Humanas; 3) Trabalho multidisciplinar e multiprofissional; 4) Compreensão do contexto social da clínica Quadro 1.11: Demandas colocadas à clínica tradicional que exigiram a produção de uma clínica contextualizada. b) A Psicologia Escolar no Brasil: autocrítica e compromisso social A discussão sobre a relevância e a consistência teórica da Psicologia Escolar no Brasil tem início no final da década de 1970 e início dos anos 80, porém somente com a publicação do livro Psicologia e Ideologia – uma introdução crítica à Psicologia Escolar, de Maria Helena de Souza Patto, é que se começou a discutir o papel social da Psicologia Escolar. Durante a década 77 Trata-se da modinha do Dorival Caymmi cuja letra dizia: “eu nasci assim, eu cresci assim e sou mesmo assim, vou ser sempre assim Gabriela, sempre Gabriela”. 78 Várias expressões são usadas para designar essa nova proposta de clínica, a saber: clínica ampliada, clínica do social, clínica social, etc. Preferimos a expressão Clínica contextualizada, seguindo Ferreira Neto (2004), por acharmos que esta é a que melhor expressa a principal característica dessa nova clínica, que é justamente o entendimento da importância dos contextos sociais para a construção de uma prática relevante. 90 de 80, autores como Patto (1984), Khouri (1984), Almeida (1985), Ferreira (1986), Antunes (1988), Urt (1989) e Patto (1990)79analisaram a realidade da psicologia escolar brasileira . Em comum essas reflexões apresentavam uma clara intenção de superar o modelo clínico de atuação, fundamentado no diagnóstico e tratamento centrado nos alunos. Uma autora que se destaca no período supramencionado é Maria Helena Patto, cujo trabalho analisaremos com mais vagar. Em Psicologia e Ideologia (1984) a autora – a partir da teoria da reprodução de Bourdieu e Passeron (1982), constrói uma crítica à teoria da carência cultural concomitantemente a uma discussão sobre o papel ideológico da prática psi no contexto escolar, justificando a exclusão das crianças oriundas das classes populares em nome de um diagnóstico pretensamente científico. Na sua tese de livre-docência, Patto (1990:343-348) apresenta uma discussão sobre o fracasso escolar, tendo como principais conclusões as seguintes: 1. As explicações do fracasso escolar baseadas nas teorias do déficit e da diferença cultural precisam ser revistas a partir do conhecimento dos mecanismos escolares produtores de dificuldades de aprendizagem; 2. O fracasso da escola pública elementar é o resultado inevitável de um sistema educacional congenitamente gerador de obstáculos à realização de seus objetivos; 3. O fracasso da escola elementar é administrado por um discurso científico que, escudado em sua competência, naturaliza esse fracasso aos olhos de todos envolvidos no processo; 4. A convivência de mecanismos de neutralização dos conflitos com manifestações de insatisfação e rebeldia faz da escola um lugar propício à passagem ao compromisso humano-genérico. Em um levantamento de pesquisas sobre o fracasso escolar realizado em 2004, Patto – a partir de um corpus composto de teses e dissertações defendidas entre 1991 e 2002 na Faculdade de Educação e no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo – constatou a existência de quatro vertentes que compreendem o fracasso escolar: como problema essencialmente psíquico, como problema meramente técnico, como questão institucional e como questão fundamentalmente política. Um dos aspectos pregnantes da produção avaliada é a presença de explicações psicologizantes. A permanência dessa versão mostra o poder do convencimento que as concepções que não vão além do senso comum possuem (Angelucci et. al, 2004). 79 Para uma revisão da literatura produzida neste período ver Carvalho (2000) e Meira (2003). 91 Uma pesquisa que foi na contramão dessa tendência psicologizante foi a de Correia (1995). A autora considera o fracasso escolar uma questão pedagógica e política, não tendo o psicólogo papel algum no seu enfrentamento, pois ele não é um educador. Ingenuamente80, contudo, a autora defende que os psicólogos não deveriam fazer parte da equipe de profissionais da escola, mas sim atuar a partir dos centros de saúde para assessorar a escola e manter um distanciamento crítico. Uma pesquisa realizada por Cabral e Sawaya (2001) mostrou que os psicólogos que atendem crianças com queixas escolares encaminhados aos serviços públicos de saúde compreendem a dificuldade escolar como um problema da criança pobre e de sua família, passível de ser analisado e tratado fora do contexto da instituição escolar, na qual o fracasso escolar é produzido. A dissertação de Andrade (2003) descreve justamente a experiência de uma psicóloga que, no contexto de uma Unidade básica de Saúde, trabalhou com crianças que apresentavam dificuldades de aprendizagem. Para a autora, somente quando pode trabalhar na escola junto aos professores foi que conseguiu reduzir aos encaminhamentos81. Um fato é, contudo, incontestável: o psicólogo foi retirado do campo da educação e recolocado no campo da assistência. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96), no seu artigo 71, classifica o trabalho do psicólogo como atividade de assistência social, excluindo a atenção psicológica das despesas educacionais. Tal fato produziu um paradoxo no campo da Psicologia escolar: no período em que uma autocrítica intensa82, concomitante à construção de novos modelos de atuação, ocorria na Psicologia Escolar brasileira, o espaço da escola pública foi obstruído para a atuação desse profissional, que passou a ser encaminhado para o campo da Saúde e alijado das questões educacionais. Tal fato tornou necessário que se entendesse qual a relação entre Psicologia, Educação e Saúde. Uma das poucas autoras que produzia pesquisas sobre o tema foi Maria Contini (1998; 2000). Mesmo reconhecendo o status de profissional da Saúde que caracterizaria o psicólogo, 80 Ingenuamente porque apenas remete o problema para outra esfera. O trabalho do psicólogo no campo da Saúde não garante uma melhor compreensão das questões educacionais.Além disso, é bastante questionável a afirmação que o psicólogo não é um profissional da educação. O campo da Educação é essencialmente interdisciplinar é a Psicologia é um saber tradicionalmente vinculado a esse campo. A escola deve ser concebida como um espaço plural, um recurso da comunidade e não apenas como o local em que ocorre a aprendizagem formal. A presença do psicólogo na escola deve ser avaliada nessa perspectiva, ou seja, o trabalho do psicólogo como um agente comunitário tem na escola um local estratégico. 81 A presença de crianças com problemas de aprendizagem nos atendimentos de psicólogos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) é deveras significativa e foi detectada em várias pesquisas realizadas em diversas regiões do nosso país. O risco de psicologização dos problemas é muito maior neste contexto em função do perfil exclusivamente clínico que predomina entre os profissionais de Psicologia que atuam nas UBS. 82 ver, entre outros,Patto (1997,2000 e 2005), Maluf (1994,2003a e 2003b),Meira (2000 e 2003) Novaes (2003),Correia e Campos (2004), e Carvalho (2004). 92 Contini afirma que cabe ao profissional de Psicologia, junto aos profissionais de educação, engajar-se na busca do cumprimento da função social da escola, que é permitir o acesso ao saber. Em suas palavras, Será esta visão integrada83 que permitirá ao psicólogo, um profissional de saúde, ter uma atuação coerente na Educação no desenvolvimento de um projeto de socialização do saber. Para tanto, é fundamental compreender que a conceituação da ‘socialização do saber’ assenta-se sobre dois pilares básicos: um, dentro da perspectiva apontada por Gramsci, na sua discussão sobre o papel desempenhados pelos intelectuais na organização da cultura; o outro, enfocando a promoção da saúde, no sentido de conquista de um estado de direito inalienável de um (sic!) comunidade, destacando-se o direito à Educação. A socialização do saber traduz-se, então, pelas interfaces de uma mesma realidade: por um lado, pela intervenção do profissional de Psicologia na função de intelectual, com o objetivo de promover, junto com outros profissionais, o desenvolvimento de novos intelectuais através da interlocução entre profissionais e comunidade, traduzidas em ações que fortaleçam o acesso à Educação e que se transformem em conquistas da sua própria cidadania (Contini, 1998:68). A autora compreende que o projeto de promover saúde, através da prática psicológica, especialmente no contexto da Educação, fundamenta-se em duas dimensões: a dimensão ética, que se compõe pela solidariedade ao outro e com o outro84e a dimensão política do compromisso com a transformação social. Essa relação entre Psicologia, Saúde e Educação não foi discutida pela literatura produzida no final do século XX e início do século XXI no campo de estudo sobre Psicologia Escolar,apesar do aumento considerável da produção nesse campo.. Em uma série de livros organizados pelo Grupo de Trabalho Psicologia Escolar/Educacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia – ANPEPP, e publicados pela Editora Alínea, temos uma representação adequada das pesquisas e reflexões feitas no início do século XXI. Zilda Del Prette (2001) organizou o livro Psicologia Escolar e Educacional: saúde e qualidade de Vida. Alguns textos trataram de temas que não fazem parte das questões tradicionais da produção acadêmica da Psicologia Escolar, a saber: Campos, Dimenstein e Francischini (2001) apresentaram uma pesquisa sobre o trabalho infanto-juvenil e seu impacto sobre a educação mensurado através de índices de evasão e repetências escolares. Sílvia Koller (2001) trata da escola, da rua e da criança em desenvolvimento. 83 A autora se refere a necessidade do psicólogo compreender tanto os limites e possibilidades da Psicologia aplicada à educação, como também a rede de multideterminações do fenômeno educacional. 84 Algumas reflexões interessantes sobre solidariedade encontram-se em Magalhães (2001) Selli e Garrafa (2005), Asmann e Sung (2006). 93 Em 2003, Sandra Almeida organiza o livro Psicologia Escolar: ética e competências na formação e atuação profissional: três textos se destacam, no que diz respeito à abordagem de novas questões: o de Maria Novaes (2003) sobre o repensar a formação e o exercício profissional do Psicólogo Escolar na Sociedade Pós-Moderna, o texto de Raquel Guzzo (2003) sobre Psicologia da Libertação e Psicologia Escolar, e – finalmente – o texto de Sandra Almeida (2003) sobre a ética do sujeito no campo educativo. Albertina Martinez organizou em 2005 o livro Psicologia Escolar e compromisso social, do qual se destacam os seguintes textos: a pesquisa sobre a violência na escola de Campos e colaboradores (2005); a discussão de Cruces sobre ética, compromissos e as práticas emergentes em Psicologia Escolar; os textos sobre o psicólogo e a inclusão de Martinez (2005) e Anache (2005) e a reflexão de Araújo e Almeida (2005) sobre a recriação das identidades e o desenvolvimento das competências do psicólogo escolar. Uma temática que era ausente da literatura produzida no campo da Psicologia Escolar durante as décadas de 80 e 90 do século passado é a questão da Violência nas escolas. Em um primeiro balanço sobre a pesquisa a respeito da violência escolar no Brasil, Sposito (2001) mostrou que as principais modalidades de violência encontradas nas escolas brasileiras são: ações contra o patrimônio (depredações e pichações) e formas de agressão interpessoal, envolvendo principalmente conflitos entre alunos. Pesquisas mais recentes (Abramovay, 2002; 2006; Abramovay e Rua, 2002; Santos, 2001; Camacho, 2001) apontam para uma diversidade na forma e nos agentes da violência no contexto escolar, indicando a presença de violência física, sexual, psicológica por parte tanto dos alunos como do corpo docente. Há também na escola uma violência institucional, fundamentada na inadequação de diversos aspectos de elementos constituintes do cotidiano escolar, tais como: o sistema de normas e regras, que são muitas vezes autoritárias; as formas de convivência; o projeto político pedagógico; os recursos didáticos disponíveis e a qualidade da educação (Abramovay, 2006). Essa violência institucional é, na verdade, uma forma de violência simbólica. Isso significa que a escola não é apenas uma caixa de ressonância da violência social, mas atua também como produtora de violência85. Na pesquisa que realizaram sobre a violência na escola, Campos e colaboradores (2005) desenvolve uma interessante reflexão sobre o papel do psicólogo no enfrentamento da violência nas escolas. Os autores lembram que a atual LDB exclui os psicólogos do quadro de profissionais da educação e os inclui no rol da assistência social. Apesar disso, em todo o país 85 É preciso lembrar duas coisas: o professor, principalmente do sistema público de ensino, também sofre uma violência institucional constituída por uma formação inadequada e por péssimas condições de ensino, de um lado, e a inelutável violência simbólica contida no ato de educar (Aquino,1998), do outro. 94 vem ocorrendo o ingresso dos psicólogos nos sistemas municipais de ensino, além daqueles que atuam no sistema de saúde e atendem às escolas, o que torna possível afirmar que os psicólogos escolares atuam na fronteira da política educacional. O psicólogo seria aquele profissional que, não excluindo os aportes advindos dos saberes de outras profissões, é capaz de lidar com o problema da violência na escola, articulando os diversos aspectos que mediam as relações escolares, tais como modelos familiares, organização institucional da escola, a maneira como a comunidade avalia a escola, etc. A compreensão do psicólogo como um profissional que atua na fronteira da política educacional precisa ser melhor desenvolvida. O esquema abaixo representa graficamente essa fronteira: Figura 1.9 A psicologia na fronteira entre as políticas de saúde e de educação A Psicologia atua na fronteira entre as políticas educacionais e as políticas de Saúde. Retomando a contribuição de Contini (1998), podemos afirmar que o psicólogo atua promovendo Saúde no campo educacional e que, no que diz respeito ao enfrentamento da violência na escola, deve articular a relação entre promoção da saúde e enfrentamento da violência no contexto escolar. Schraiber, D’Oliveira e Couto (2006), ao apresentarem um panorama e revisão crítica acerca da temática violência e saúde, assinalaram o caráter multifacetado da violência e consideraram essa temática como sendo interdisciplinar. Minayo (2006) mostrou que a inclusão do tema violência na agenda da saúde é um processo inconcluso, iniciado de forma restrita com a incorporação de conceitos como “acidentes, lesões e traumas”. Na segunda metade do século 20, há a inclusão da pauta de direitos de vários sujeitos sociais, indo desde a entrada da observação e notificação da violência contra crianças, contra mulheres e contra idosos, até a discussão da violência social, em seu sentido amplo, afetando a saúde da população. A escola produz uma violência própria, simbólica e concreta, mas também reflete a violência social do seu entorno. É preciso lembrar que O Estatuto da Criança e do Adolescente exige que os dirigentes de estabelecimentos de ensino comuniquem ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo seus alunos (Art.56). 86 Mas o papel da escola em relação à 86 Uma discussão sobre o ECA é feita no próximo capítulo desta tese. Psicologia Políticas Educacionais Políticas de Saúde 95 violência não deve se limitar a denunciá-la; cabe também o esforço para superá-la através da promoção de uma cultura de paz. Nessa tarefa a contribuição do psicólogo escolar pode ser de grande relevância (Dusi, Araújo e Neves, 2005). c) As práticas emergentes na Psicologia: os casos da Psicologia Comunitária e da Psicologia Jurídica A Psicologia Comunitária nasceu como uma disciplina em meados da década de 60, no contexto da reforma psiquiátrica estadunidense (Desouza, 1996). O presidente Kennedy enviou ao congresso estadunidense um programa de Saúde Mental em 1963 em que assistência comunitária desempenharia um papel central: centros de saúde mental comunitários foram criados em todo o país. Os princípios que orientaram esses centros foram: acessibilidade; informações adequadas à população-alvo sobre a existência e as características dos diferentes programas; gratuidade; disponibilidade; ênfase na prevenção da doença; levantamento das necessidades reais de toda a população; abordagem eclética e utilização de qualquer tratamento útil e responsabilização do governo perante o doente e sua família. (Desviat, 1999). No Brasil, as primeiras experiências de Psicologia na comunidade remontam à década de 70, através das seguintes práticas: prevenção da saúde mental, em um trabalho interdisciplinar com psiquiatras e assistentes sociais; educação popular, através do método Paulo Freire de leitura do mundo (Lane, 1996). Na década de 80 novas experiências vão ampliando o campo comunitário. A própria expressão “Psicologia Comunitária” seria utilizada pela primeira vez, em um artigo publicado por D’Amorim (1980).Na PUC de São Paulo ocorre o I Encontro Regional de Psicologia na Comunidade, marco inaugural das reflexões sobre o tema no Brasil. Maria de Freitas (1996), ao fazer um retrospecto do desenvolvimento da Psicologia Comunitária no Brasil, diferencia Psicologia na Comunidade e Psicologia da Comunidade. A Psicologia na Comunidade teve início na década de 70 com a atuação dos psicólogos em novos espaços como os bairros populares, as associações de bairros, as comunidades eclesiais de base, em um trabalho predominantemente voluntário, sendo esses profissionais, na sua maioria, ligados à academia. Isso permitiu que fossem levados para as universidades os debates e as reflexões produzidos a respeito da prática do psicólogo e do seu compromisso social e político (Freitas, 1996). A Psicologia da Comunidade é desenvolvida em um contexto institucional, sendo predominante o de saúde. Iniciou-se na primeira metade da década de 80, com o ingresso do 96 psicólogo no serviço público de saúde, principalmente nas Unidades Básicas. De acordo com Freitas, É uma atividade que surge associada ao contexto do trabalho social na área de saúde, havendo o surgimento de problemáticas /questões ligadas à saúde coletiva, em que é esperado do psicólogo que ele tenha um papel de trabalhador social dentro dos movimentos de saúde. Em decorrência, isto contribui para que a Psicologia passe a ser vista como, fundamentalmente, uma profissão de saúde (1996:70). Freitas (1996)finaliza sua avaliação destacando alguns elementos que caracterizariam a prática do psicólogo, a saber: a) institucionalização da atuação dos psicólogos, apesar dos modelos teóricos e a preparação profissional oferecida pelos cursos de Psicologia pouco diferirem da mesma preparação das décadas anteriores; b)adoção dos modelos tradicionais de trabalho do psicólogo, com a simples transposição de práticas clínicas convencionais para o contexto comunitário; c) presença de algumas experiências de trabalho que utilizam um referencial teórico crítico. Em um outro texto, Freitas (1998) apresenta alguns elementos que caracterizariam uma prática comunitária crítica, em contraste com práticas psicologizantes realizadas em contextos de comunidades. Esses elementos seriam: 1) utilização dos aportes de uma Psicologia Social Crítica; 2) entendimento da Psicologia Comunitária como área de pesquisa e intervenção; 3) orientação a partir das necessidades apresentadas pela população; 4) assume um compromisso com os setores mais desfavorecidos; 5) trabalho com grupos e relações. Sarriera, Freitas e Scarparo (2003) fizeram um balanço da área no início do século XXI.Eles destacaram alguns aspectos no percurso percorrido na história dos trabalhos da Psicologia em comunidades. Um deles é a necessidade de que sejam formados psicólogos com uma dupla capacidade: planejar e executar programas de ação comunitária, e a de identificar e problematizar temas relevantes à vida cotidiana. A falta de preparo que os profissionais de Psicologia têm para fazer interfaces possíveis e profícuas com outros campos profissionais, dado o caráter interdisciplinar da Psicologia Comunitária. Essas questões vinculam-se ao tema da formação profissional. Na verdade, o grande desafio para os cursos de Psicologia é a formação de profissionais conhecedores da realidade social e comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa e solidária. De acordo com os autores, Torna-se necessária a manutenção de um projeto acadêmico no qual as relações interdisciplinares, a promoção de vida com qualidade e o desenvolvimento de consciência social possam ser tarefas básicas para as práticas psicológicas. Para que isso se efetive, é necessária uma contínua interlocução da academia com a realidade 97 concreta. Tal interlocução permite que reflexões teóricas sobre práticas vivenciadas descortinem saberes e fazeres e tornem profícuos os espaços de mútua aprendizagem entre os psicólogos e as comunidades (2003: 178-179). Para que essa interlocução ocorra de modo sistemático, é necessário que se desenvolvam experiências de estágios obrigatórios e a criação de grupos de pesquisa dedicados às questões comunitárias. Maria Zamora (2004) também questiona a formação do psicólogo para o trabalho em comunidade, apontando o distanciamento da Psicologia em relação ao tema da cidadania. Para a autora, é preciso articular a promoção da cidadania com a prática profissional do psicólogo em vários contextos. Alguns contextos novos de trabalho do psicólogo comunitário, em que a prática profissional deve promover cidadania, estão descritos no quadro 1.12: Novos Espaços de Atuação Programa de Saúde da Família Programa de Atenção Integral à Família Terceiro Setor Economia Solidária Questão Central Saúde Desenvolvimento social Educação, saúde desenvolvimento humano, etc. Desenvolvimento econômico Público-Alvo família Família População carente em geral Jovens e adultos Instituições Responsáveis Unidades de Saúde Centros de Referências da assistência Social Organizações Não- Governamentais Organizações Não- Governamentais Centros de Referências da assistência Social Inserção do psicólogo Possibilidade Legalmente assegurada significativa incipiente Avaliação das práticas Produção acadêmica significativa: crítica do modelo clínico Praticamente inexistente Praticamente inexistente Produção acadêmica incipiente Formação do psicólogo Algumas disciplinas e experiências de estágios Algumas experiências de estágios Algumas experiências de estágios Praticamente inexistente Quadro 1.12: Novos contextos de trabalho do psicólogo comunitário Os quatro novos contextos de trabalho para o psicólogo comunitário foram selecionados em função da literatura especializada e de pesquisas não publicadas. 98 O Programa de Saúde da Família, atualmente chamado de estratégia, 87 é uma política de atenção primária à saúde, sendo – teoricamente – o primeiro contato da população com os serviços de saúde e uma estratégia de reorientação do sistema de saúde. A equipe mínima é formada por médico, enfermeiro, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde. O programa tem como estratégia a discriminação positiva, priorizando os segmentos populares mais vulneráveis. A implantação do programa afetou de uma maneira diferenciada os psicólogos que já atuavam em Unidades Básicas de Saúde. Fabiana Silva (2004) descreveu, em sua dissertação de mestrado, o impacto da implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) no Distrito Norte da Cidade de Natal. De acordo com Silva (2004), a inserção do PSF na Rede de Serviços de Saúde no Distrito Norte produziu uma precarização dos serviços de Psicologia e uma ruptura no vínculo existente com a população atendida. Isso ocorreu porque os psicólogos saíram das Unidades Básicas de Saúde, que foram transformadas em Unidades de Saúde da Família, sendo transferidos ou para unidades de referência (UR) no Distrito Norte, ou até mesmo para outros distritos. Nessas unidades de referência, sem receberem nenhum treinamento em função da estratégia da saúde da família, os psicólogos voltaram-se para os atendimentos individuais, fundamentados em uma clínica tradicional. Nas palavras de Silva, Os profissionais que se encontram na (...) UR pouco têm idéia de como articular seu saber e prática com a proposta do PSF, sentindo dificuldade em desprender-se da relação hierarquizada existente nas unidades de saúde, da priorização de atividades individuais em detrimento de ações conjuntas e em mudar sua postura frente às exigências de uma nova concepção de trabalho, revelando-se preso a uma cultura individualista e psicologizante arraigada(2004:76). Souza e Carvalho (2003), em contraste, descrevem uma experiência bem sucedida de estágio em Psicologia no contexto do PSF em Minas Gerais. As atividades desenvolvidas pelo grupo de estagiários em Psicologia foram: grupos programáticos com hipertensos, diabéticos, idosos, gestantes, crianças e jovens; projeto de educação em saúde; planejamento estratégico com as equipes de saúde; acolhimento e encaminhamento para serviços de saúde mental. Camargo-Borges e Cardoso (2005) escreveram um ensaio mostrando as convergências entre os princípios norteadores da Estratégia da Saúde da Família e os fundamentos teóricos da Psicologia Social da Saúde. De acordo com as autoras, A Psicologia Social da Saúde viria ao encontro desse desafio da ESF em construir um modelo de atenção à saúde pertinente à realidade local e gerador de interlocuções entre equipe de saúde e comunidade. Nesse sentido, a 87 O Programa de Saúde da Família foi transformado em estratégia de política sanitária em 1998. Por isso, seria mais correta a expressão Estratégia de Saúde da Família (ESF). 99 parceria pode ser útil para pensar discursos, na saúde, que propiciem a construção de espaços viabilizadores de acolhimento e a construção do vínculo, contribuindo para a reflexão e a problematização dessas práticas que se propõem coletivas (Camargo-Borges, 2005:30). O CRAS é uma unidade pública estatal que executa serviços de proteção social básica e organiza a rede de serviços sócio-assistenciais locais da política de assistência social. Os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) são os executores de forma direta dos serviços, programas, projetos e benefícios, destacando-se o Programa de Atenção Integral às Famílias – PAIF. Macedo e Leão (2006) descreveram a inserção dos psicólogos nos CRAS88 nos municípios do Estado do Piauí, apresentando o seguinte quadro: 85,7% dos profissionais eram do sexo feminino. Noventa e cinco por cento estavam na segunda década de vida; 61,9% tinham concluído o curso em 2004 e 85% tinham nesse trabalho o seu primeiro emprego. A Psicologia Clínica, baseada em atendimento individual ou grupal, é preferida por 47%dos profissionais; 52% têm nos grupos operativos o instrumento de intervenção preferido. A Psicologia Social Comunitária é a referência teórica para 45,4% dos profissionais. Os autores concluem afirmando a importância dos CRAS para a construção de um modelo de atuação profissional que possa produzir uma intervenção capaz de promover a emancipação social da população carente a partir de seu reconhecimento como sujeito de direitos. Um outro campo que se forma para a atuação do psicólogo é o assim chamado Terceiro Setor. 89 Necessário se faz discutir esse campo à luz da gestão de políticas públicas. O chamado “Terceiro Setor” é estruturado a partir da diminuição do papel do Estado na execução de Políticas Sociais. Esse retraimento do Estado deveria ceder espaço a chamada Sociedade Civil, que seria o conjunto das instituições de interesse público desvinculadas da produção econômica. Constituído por um grupo heterogêneo de atores sociais, que participam tanto dos organismos consultivos de políticas sociais (os conselhos da mulher, da criança e do adolescente, do idoso, etc.), como na execução de políticas sociais. Apesar disso, as instituições que compõe esse campo vão assumindo uma lógica organizacional orientada pelo Mercado, centrada na competitividade, eficiência – em outras palavras – buscando estratégias de sobrevivência organizacional muito mais do que o desenvolvimento da cidadania (Tenório, 1999). Luciana Dadico (2003) descreve o trabalho de alguns psicólogos em organizações do Terceiro Setor na área educacional. O trabalho por projetos, no qual os direitos trabalhistas são 88 Uma descrição mais pormenorizada dos CRAS encontra-se na próxima seção deste capítulo. 89 Para uma discussão do conceito, ver Fernandes (1994) e Montaño (2002). Uma visão extremamente negativa do Terceiro Setor é apresentada no filme Quanto vale ou é por quilo?, de Sérgio Bianchi(2006). 100 suprimidos e a precarização do trabalho se torna uma constante. Além do caráter temporário do trabalho, caracterizam essa precarização o excesso de trabalho e a baixa remuneração. Por fim, merece ser comentado o aparecimento da economia solidária como espaço de atuação do psicólogo. A Economia Solidária é fruto da organização dos trabalhadores, sendo caracterizada pela ênfase na colaboração e da autogestão, expressa-se através de cooperativas de produção e consumo, crédito solidário e autogestão de empresas recuperadas, entre outros (Mance, 2002). Três trabalhos descrevem as possibilidades de intersecção entre a Psicologia e a Economia Solidária. Veronese e Guareschi (2005) uma experiência de trabalho em uma cooperativa urbana de Porto Alegre que foi estudada pela primeira autora em sua tese de doutorado. Ao final do artigo, os autores propõem algumas possibilidades para a prática do psicólogo neste contexto, que são: 1) Transformação da subjetividade na micro-política das relações laborais, ajudando a construir relações democráticas nas relações de autoridade compartilhada que caracteriza a economia solidária; 2) O desenvolvimento de um novo senso comum emancipatório, organizado em três dimensões: a) ética (a solidariedade); b) a dimensão política (participação) e c) dimensão estética (prazer, reconhecimento). Favero e Eidelwein (2004) descrevem uma experiência de Psicologia Comunitária em uma cooperativa de feirantes. O papel do psicólogo seria incentivar a participação do cooperado na gestão da empresa, capacitando-os por ocasião do ingresso desse cooperado, com o objetivo de desenvolver uma comunidade cooperada verdadeiramente sustentada pela participação ativa de seus membros. Por fim, Coutinho e colaboradores (2005) apontam a importância dos processos grupais na formação de coletivos solidários. A Psicologia também pode ajudar na tomada de decisões, fornecendo instrumentos de técnicas de dinâmica de grupo que podem subsidiar os projetos de resgate da cidadania e da consciência coletiva, estimulando a reflexão dos trabalhadores sobre o potencial que possuem como agentes de mudanças sociais. As experiências descritas por estes trabalhos são predominantemente vinculadas a pesquisas e atividades de extensão universitária. Isso é importante para mostrar algumas inovações do trabalho do psicólogo como pesquisador e professor universitário, embora possamos ver também nesse quadro um sinal de que muito ainda falta para que ocorra a inserção dos profissionais de Psicologia em programas e organizações vinculadas a experiências de Economia Solidária. 101 Em 1994, no livro Psicólogo Brasileiro: práticas emergentes e desafios para a formação, publicado pelo Conselho Federal de Psicologia, Elizabeth Bomfim faz um apanhado de novas práticas na Psicologia Social, na Psicologia do Esporte e na Psicologia Jurídica. Bomfim (1994) relembra que a Psicologia Jurídica era intimamente vinculada à Psicologia do Testemunho. Em sua pesquisa com profissionais destacados na área, a autora alista as principais atividades desenvolvidas pelos psicólogos no contexto judiciário brasileiro. Essas atividades seriam: a) Atividades junto às varas cíveis, criminais, justiça do trabalho, da família, da criança e do adolescente; b) Atividades junto às penitenciárias; c) Atividades de assessoria: formulação, revisão e execução das leis; políticas de cidadania. Os profissionais entrevistados apontaram também que a Psicologia Jurídica existia como disciplina eletiva em alguns cursos de formação do psicólogo, mas seria necessário uma visão mais geral da área. Os conhecimentos fundamentais que os psicólogos deveriam adquirir para atuarem no campo judiciário seriam: 1. Noções de Direitos Humanos e institucionais, incluindo os direitos de crianças e adolescentes, especialmente aqueles em situação de risco; 2. Conhecimentos sobre instituições penais, envolvendo a legislação e normas das Comissões Técnicas de Classificação; 3. Conhecimentos sobre as varas cíveis, criminais, Justiça do Trabalho e da Família; 4. Conhecimentos sobre violência, em especial a: • Violência contra a mulher e ações junto às delegacias especializadas; • Violência contra crianças e adolescentes e ações jnto às delegacias especializadas; • Crimes sexuais; 5. conhecimentos sobre elaboração de laudos e perícias psicológicas no assessoramento à justiça; 6. conhecimento de técnicas de aconselhamento psicológico e psicoterapêuticas como alternativas às práticas periciais. Marli Assis (1999) descreveu uma experiência de estágio em Psicologia Forense, inicialmente em Juizados Especiais e posteriormente nas Varas da Infância e Juventude e Cíveis (demandas de família), desenvolvida na Universidade de Uberaba. Com os bons resultados 102 conseguidos, a disciplina Psicologia Jurídica foi proposta como obrigatória para o curso de Psicologia, com parecer favorável do Reitor da Universidade. Um outro destaque nessa área é a pesquisa organizada por Fávero, Melão e Jorge (2005) sobre a realidade do trabalho do assistente social e do psicólogo no contexto do Tribunal de Justiça de São Paulo, descrevendo as condições de trabalho e o perfil desses profissionais. A pesquisa foi patrocinada pela Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AASPTJ-SP) 90 e serviu de subsídio para que a Associação reivindicasse junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo a promoção de concursos para reposição e ampliação do quadro de assistentes sociais e psicólogos, juntamente com o desenvolvimento de projetos de capacitação continuada e a criação de centros técnicos de apoio profissional. Alguns trabalhos começam também a avaliar a prática do psicólogo no contexto judiciário. Nesse sentido, cabe destacar a pesquisa feita por Evani Silva (2005) a respeito do impacto da avaliação psicológica a partir da visão das partes envolvidas. Realizada no âmbito das Varas de Família e Sucessões do Tribunal de Justiça no Estado de São Paulo, a partir de pessoas que demandavam da Justiça a solução de conflitos familiares tais como a disputa da guarda dos filhos e a regulamentação de visitas. Oito entrevistas foram feitas e a interlocução centrou-se sobre a perícia realizada pelos psicólogos. Os resultados apontaram para uma heterogeneidade na atuação dos profissionais. Um consenso encontrado foi a crítica ao ambiente oferecido pela instituição. Além disso, criticas aos laudos e a própria formação dos psicólogos peritos também foram feitas. Silva (2005) salienta que a maioria dos profissionais não teve uma formação específica para trabalhar com conflitos familiares nas instâncias judiciais. A pesquisa de Aline Diniz (2001), por sua vez, analisa 46 pareceres psicológicos presentes em 43 processos de adolescentes evadidos. Essa análise constatou a existência da dicotomia carente/delinqüente, a elaboração de perfis de personalidade calcados na patologização da adolescência, a culpabilização da família, a concepção de institucionalização como tratamento, a previsão de comportamentos futuros e a não consideração das condições socioeconômicas na formação da subjetividade desses adolescentes como principais aspectos do discurso psicológico presente nesses pareceres. A autora conclui que a sustentação desse discurso é feita por uma conjugação de fatores, dentre os quais o relacionamento com o judiciário, a própria formação profissional do psicólogo, o relacionamento entre técnicos e agentes educacionais nas unidades de aplicação das medidas socioeducativas, a ausência de projetos socioeducativos consistentes, a instabilidade profissional, o real engajamento do profissional com seu campo de trabalho e a estrutura das unidades de atendimento, entre outros. 90 A criação dessa associação é descrita por Bernardi (1999). 103 Por fim, vale a pena destacar as pesquisas e reflexões de Hebe Gonçalves sobre a violência doméstica contra crianças e adolescentes (1999.2003,2004), que vamos discutir em uma próxima sessão. Analisando os primórdios da Psicologia Jurídica, Jacó-Vilela afirmou o seguinte: A questão que permanece, neste momento de expansão da área de Psicologia Jurídica para além da Justiça Criminal, envolvendo principalmente família, infância e adolescência, refere-se à maneira como o psicólogo aceitará/atuará frente a este encargo: será o estrito avaliador da intimidade, aperfeiçoando seus métodos de exame? Ou lembrar-se-á que este sujeito-singular também é um sujeito-cidadão, cujos direitos e deveres se constituem no espaço público, território onde perpassam outros discursos e práticas que não o exclusivamente psicológico?(1999:17). d) A institucionalização da prática profissional da Psicologia Na década de 70 do século passado, inicia-se um processo de institucionalização do trabalho do psicólogo, que se intensificará nas duas décadas seguintes. A profissão com isso começa a se diferenciar do modelo liberal autônomo que a caracterizaria no momento de sua regulamentação, como explicitamente estabelece – por exemplo – o Parecer 403 que regulamentava o Currículo Mínimo do curso. Uma conseqüência desse processo é a incorporação da temática ao Código de Ética da profissão elaborado em 1987. Os artigos 4,5 e 6 do código mencionado tratam da relação do profissional de Psicologia com as instituições empregadoras. Há necessidade do psicólogo considerar a compatibilidade dos valores que a instituição possui com seus próprios valores e os do código de ética profissional para decidir seu ingresso ou permanência na instituição. Também cabe ao psicólogo promover ações que possam tornar a instituição um lugar de crescimento para as pessoas, a partir de uma postura crítica a serviço do desenvolvimento da própria instituição e da sociedade. O Código de ética passa a regulamentar, inclusiva, a postura que o profissional deveria assumir ao participar de greves ou paralisações. A reflexão sobre esse processo, contudo, é bastante escassa na literatura psicológica brasileira. O primeiro trabalho a trazer algumas contribuições teóricas sobre Psicologia e instituições foi o de Marlene Guirado (1987). No livro Psicologia Institucional, a autora apresenta as idéias dos principais teóricos sobre instituições (Bleger, Guilhon e Lapassade), como também discute a especificidade da compreensão e intervenção psicológica em diferentes contextos institucionais (saúde mental, ensino e educação, e produção). Jacyara Nasciutti (1996) refletiu sobre as inter-relações entre instituições e comunidade a partir dos referenciais teóricos 104 da Psicossociologia. Ângela Andrade e Henriette Morato (2004) refletem sobre a dimensão ética das práticas psicológicas a partir das idéias de Luis Cláudio Figueiredo (2004) sobre ética como éthos, morada. A ética é concebida como acolhimento à alteridade. As autoras propõem um deslocamento de saber, no qual o psicólogo se despoja do papel de especialista e passa a atuar como mediador, acolhendo a produção dos grupos assistidos pelas instituições. Para isso, é preciso evitar dois extremos: pensar que o trabalho com grupo assegura necessariamente um efeito comunitário e transformador, apesar do psicólogo se conceber como especialista e centrar sua atenção nos “problemas psicológicos”, de um lado; e, no outro extremo, conceber seu trabalho como o de conscientização da comunidade em relação à opressão política e econômica, mas sem que as potencialidades e saberes da própria comunidade sejam consideradas. O trabalho do psicólogo no contexto das instituições implica em uma transformação do próprio objeto de intervenção do profissional de Psicologia, que deve ser a questão social e suas múltiplas manifestações. § segundo: A Psicologia como uma especialização do trabalho coletivo A compreensão dos fatores que determinam as condições da prática profissional do Psicólogo somente é possível se essa prática for considerada sob dois ângulos91: como realidade vivida e representada na e pela consciência de seus atores e como atividade socialmente determinada pelas circunstâncias sociais objetivas que direcionam a atuação profissional, independentemente, muitas vezes, da vontade dos agentes individuais. É necessário entender a Psicologia como especialização do trabalho coletivo. Os psicólogos, portanto, fazem parte da classe-que-vive-do-trabalho, para usar uma expressão de Ricardo Antunes (2002). O contexto mais amplo, portanto, da atuação do psicólogo nas instituições é o mundo do trabalho. a) O mundo do trabalho O ser humano é um ente caracterizado pela intencionalidade, ou seja, por realizar ações que guiadas por propósitos. Através do trabalho o homem imprime à natureza um projeto que elaborou previamente na sua consciência. O trabalho é momento fundante da realização do ser social (Antunes, 2005). Na sociedade capitalista, contudo, o trabalho se torna assalariado e se converte em meio de subsistência, tornando a força de trabalho uma mercadoria capaz de criar novas mercadorias para a valorização do capital. Como conseqüência dessa forma de trabalho, 91 Devo essa idéia a Iamamoto (2004), que fez essa análise considerando a profissão de Assistente Social. 105 temos a desrealização do ser social, o que significa afirmar que o trabalhador não se satisfaz no trabalho, mas se degrada. Borges e Yamamoto (2004) apresentam cinco dimensões que compõem o mundo do trabalho, como podemos ver no quadro 1.13: Dimensão Concreta Dimensão Gerencial Dimensão Socioeconômica Dimensão Ideológica Dimensão Simbólica Tecnologia com a qual se pode contar para realizar o trabalho; condições materiais em que se realiza. Organização das funções de planejar, organizar e controlar o trabalho. Articulação entre o modo de realizar o trabalho e as estruturas sociais, econômicas e políticas em plano macro da sociedade. Discurso sobre o trabalho justificando as relações de poder na sociedade. Aspectos subjetivos da relação de cada indivíduo com o trabalho. Quadro 1.13: Dimensões do mundo do trabalho. Adaptado de Borges e Yamamoto (2004) Um breve esboço de como essas dimensões afetam o trabalho do psicólogo: I. Dimensão Concreta: a Psicologia freqüentemente enfrenta dificuldades para produzir uma Tecnologia que seja capaz de atender às demandas que lhes são feitas pela sociedade. As principais tecnologias psicológicas, as psicoterapias e os testes psicológicos, são inadequadas para o atendimento de segmentos populacionais que formam a nova clientela da psicóloga, uma clientela oriunda das classes subalternas e intermediada por instituições públicas; II. Dimensão Gerencial: um bom exemplo de como essa dimensão afeta o trabalho do psicólogo encontra-se em um texto de Fernandes et. alli.(2005). A pesquisa descreve o banco de dados do Sistema de Informações Ambulatoriais (SAI) do Ministério da Saúde, que fornece uma lista de procedimentos a serem desenvolvidos pelos psicólogos no contexto das instituições públicas de Saúde. O modelo de funcionamento do Sistema reforça a prática tradicional do profissional de Psicologia, centrada no indivíduo e curativa, dificultando o desenvolvimento de práticas preventivas e coletivas; III. Dimensão Socioeconômica: ocorreu um processo de assalariamento e institucionalização, conforme já foi descrito, em função da crise do modelo de profissão liberal- autonômo que se tornou insustentável em função da crise econômica que ocorreu no país no início da década de 80. Esse fato contribuiu para o redirecionamento da profissão para o trabalho assalariado, principalmente no Serviço Público; 106 IV. Dimensão Ideológica: apesar da inserção do psicólogo no contexto de Serviço Público, ainda impera entre os profissionais psi a ideologia psicanalítica que afirma a essencialidade da intermediação do dinheiro na criação dos vínculos terapêuticos; 92 V. Dimensão Simbólica: a compreensão da relação do psicólogo com seu trabalho, no que diz respeito à satisfação ou sofrimento no trabalho, ainda carece de pesquisas mais substanciais. No entanto, é possível afirmar que a Psicologia Organizacional é uma das áreas em que mais ocorre sofrimento psíquico em profissionais de Psicologia. Pereira (2005) apresenta uma pesquisa que descreve o sofrimento psíquico e a insatisfação com o trabalho justamente na área organizacional. A autora alistou os seguintes aspectos que definem o sofrimento: a) os psicólogos que trabalham em empresas estão submetidos à mesma organização do trabalho que produz sofrimento nos demais trabalhadores; b) os psicólogos muitas vezes não estão devidamente preparados e não escolheram trabalhar nesta área; c) ocorrem limitações na autonomia do trabalho do psicólogo. b) As demandas e particularidades do trabalho profissional do psicólogo no contexto da Sociedade brasileira O trabalho profissional do psicólogo brasileiro se depara com um grande desafio de atender às demandas de uma sociedade tão complexa e contraditória como é a sociedade brasileira. Os principais desafios para o atendimento dizem respeito, primeiramente, a novas possibilidades de formação do psicólogo e a construção de novos modelos de atuação. Além disso, é necessário que os profissionais da Psicologia assumam a defesa dos Sistemas únicos, tanto o da Saúde, como o da Assistência. Finalmente, necessário se faz também o entendimento de que o objeto de trabalho do psicólogo, no contexto das reverberações na sociedade brasileira das transformações do sistema capitalista, é a questão social e suas múltiplas manifestações. Neste novo contexto é impossível sustentar a autonomia do psicológico; como conseqüência, far-se-á necessário o questionamento dos saberes psicológicos tradicionais – conceitos e técnicas, no que diz respeito à validade que porventura possuam em um contexto social complexo e marcado por uma brutal precarização da vida humana. Assim, a validade ecológica93 do conhecimento psi assume um sentido novo, vital ou – se preferirem, ecologicamente mais concreto. 92 Para uma discussão sobre o papel do dinheiro na configuração do ideário psicanalítico, ver Castel (1978) e Jacó- Vilela (1996). 93 Bronfenbrenner (1996) define validade ecológica como sendo “a extensão em que o meio ambiente experenciado pelos sujeitos numa investigação científica tem as propriedades supostas ou presumidas pelo investigador” (p.23). Validade ecológica concreta seria a possibilidade de um conhecimento ser capaz de produzir, ao ser aplicado em um contexto natural, um efeito de promoção da vida e dos seus contextos de sustentabilidade. 107 § terceiro: O objeto do trabalho do psicólogo: a questão social e suas múltiplas manifestações a) A questão social – As metamorfoses da questão social: pobreza, desemprego e desafiliação. A questão social, como nós a conhecemos, surge no século XIX pela tomada de consciência em relação às condições de vida das populações que são produzidas pela revolução industrial (Donzelot, 1994; Castel, 1998). É a questão do pauperismo. A invenção da questão social consistiu na criação de alguns equipamentos institucionais produzidos para substituírem relações informais de suporte e assistência para os desvalidos (órfãos, viúvas) e/ou impossibilitados de trabalharem (idosos, enfermos, etc.). De acordo com Castel (1998), a questão social assume – inicialmente – a configuração de um modelo por ele denominado de social-assistencial. Esse modelo consiste em um conjunto de práticas protetoras e integradoras, direcionadas ao atendimento de certos segmentos da população carente. A definição de critérios para definir o tipo de população a ser assistida também é um aspecto importante desse modelo, visto ser impossível atender ao conjunto da população carente. Dois critérios fundamentais foram formulados com o objetivo de distinguir os que receberiam ajuda dos que não receberiam: pertencer à comunidade e a incapacidade de trabalhar. No século XX, ocorre, inicialmente nos países centrais do capitalismo, a transformação do trabalho em emprego protegido ou com status, principal característica da Sociedade Salarial. Castel afirma que, (...) a sociedade salarial inventou um novo tipo de seguridade ligada ao trabalho, e não somente à propriedade, ao patrimônio. Porque, antes do estabelecimento dessa sociedade salarial ser protegido era ter bens; somente quando se era proprietário é que se estava garantido contra os principais riscos da existência social, que são a doença, o acidente a velhice sem pecúlio. Ora se estando fora da propriedade, se está à mercê da assistência social. Essa era, justamente, a situação da maioria dos trabalhadores que viviam do seu trabalho e que,quando não podiam mais trabalhar, viviam um drama. (...) é justamente desta situação do trabalho sem proteção que nasceu o novo status do trabalho na sociedade salarial. Pode-se dizer, efetivamente, que esse tipo de proteção, de regulação, ou seja, direito de trabalho, seguridade social, foi, inicialmente ligada ao salariado, e que se difundiu no conjunto da estrutura social (2000: pp.243-244). 94 94 Esta proteção social é o principal elemento do Welfare State, o Estado do Bem-Estar Social, criado pelo reconhecimento da incapacidade do Mercado de resolver a Questão Social, somada às pressões da classe trabalhadora por melhores condições devida. Para uma melhor compreensão do que seja Welfare State e como o Brasil desenvolveu o seu Estado do Bem-Estar, ver Dias (2006), Lourençato (2005), Carvalho & Yamamoto (2002) e Fleury (1994). 108 A crise da sociedade salarial produziu um exército de trabalhadores que passaram à condição de “inúteis para o mundo”. São os desempregados de longa duração, jovens com dificuldades de conseguirem o primeiro emprego, empregados de modo precário e intermitente, pessoas não-empregáveis que se tornaram supérfluas. De acordo com Castel (1998), o trabalho é mais do que uma relação técnica de produção; é um suporte privilegiado de inscrição na sociedade. O trabalho estrutura redes de relações que definem formas de sociabilidade, modos de reconhecimento público e referências de identidade. Esse feixe de relações define contemporaneamente a condição salarial. Infelizmente, essa articulação entre trabalho, direitos e proteção social atualmente está sendo desfeita (Telles, 1998). Uma situação de vulnerabilidade de massa se instala na modernidade capitalista. Castel (1998) denomina esse processo que desconecta indivíduos e grupos das redes de apoio e integração sociais articuladas em torno do trabalho de desfiliação. Os fatores que provocam a desfiliação são: 1) uma economia geradora de desemprego estrutural, de massa, em níveis percentuais bastante elevados; 2) a precarização do emprego, sob o pretexto de “flexibilização do mercado de trabalho”; 3) dissolução dos vínculos sociais e a erosão de estruturas comunitárias de proteção como a família, o sindicato e o Estado (Ricupero, 1998). Essa é a “metamorfose da questão social” (para usar a expressão de Castel): o surgimento de novas formas de vulnerabilidade social no contexto da crise do trabalho. b) Psicologia e as Políticas Públicas Sociais: a proteção social No Brasil, a Questão Social surge a partir da generalização do trabalho livre assalariado, a partir da extinção do modelo escravagista vigente até o final do século do século XIX. No período denominado de Primeira República (1890-1930), tem inicio o processo de industrialização e de implantação do modo de produção capitalista em nosso país. Na Primeira República, contudo, as classes dominantes (compostas principalmente por oligarquias agrárias), não reconheciam a questão social como uma questão legal e política. Considerava-a como uma questão de polícia, para citar uma infame frase do presidente Washington Luis. A “Revolução” de 30 passa a conceber a Questão Social como legítima e legal, em função da crise produzida pela quebra da bolsa de valores e como expressão das contradições entre capital e trabalho, que passaram a exigir uma intervenção do Estado. A Questão Social passa a ser concebida como a oferta de mínimos sociais pelo Estado, associada ao acesso ao trabalho. Entre 1930 e 1943, ocorre o delineamento do sistema de proteção social brasileiro, no contexto da transformação do modelo de desenvolvimento econômico agro-exportador para um modelo urbano-industrial e da construção de um Estado nacional intervencionista e 109 centralizador. Nesse período, ocorre a criação do Ministério do Trabalho, da Carteira de Trabalho, da Legião Brasileira de Assistência (LBA), do Ministério da Educação e Saúde e do Serviço Especial de Saúde Pública – Sesp (Dias, 2006). A implementação da Previdência Social no Brasil foi o resultado de um processo de assalariamento provocado pela industrialização e pela política econômica que possibilitou ao Governo possuir um capital fixo para impulsionar a indústria (Boschetti, 1998). Durante o período de 1944-1964 não ocorreram mudanças significativas na construção do sistema de proteção social brasileiro. Merece destaque a criação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) em 1960, que consistiu na unificação de benefícios e serviços prestados pelos diversos Institutos de Aposentadoria e Pensões, criados a partir do Estado Novo. Os governos autocráticos-burgueses, implantados no país após o Golpe Militar de 1 de abril de 1964, consolidaram o sistema de proteção social criando o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), que reuniu o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS), a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e a Central de Medicamentos (CEME), objetivando incorporar em uma única estrutura todas essas instituições que ofertavam algum benefício à população. Durante a chamada Nova República, o modelo brasileiro de assistência, fundamentado em um duplo sistema, começa a ser transformado, o que ocorrerá plenamente com a Nova Constituição de 1988. Esse duplo sistema era assim estruturado: de um lado, as políticas sociais protecionistas que foram direcionadas para a população inserida no mercado formal de trabalho; de outro, as políticas focalizadas que eram direcionadas a certos segmentos da população excluída do mercado formal de trabalho. Nas palavras de Dias, O Estado garantiu uma política de seguro-previdência, incluindo atenção à saúde daqueles incorporados ao mercado de trabalho, e ações privadas e públicas de assistência aos pobres, quando considerados incapazes de realizar uma atividade produtiva. Quanto aos pobres capazes de trabalhar, esses permaneceram excluídos desse complexo previdenciário-assistencial (2006:78). A Constituição de 1988 consolida significativos avanços no que diz respeito à institucionalização de Direitos Sociais, através da ampliação dos direitos previdenciários e trabalhistas, como também na formulação de um conjunto de políticas públicas de caráter universal. Os Direitos Sociais, de acordo com a Constituição brasileira atual (Art. 6), são aqueles referentes à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à 110 proteção à maternidade e à infância, como também à assistência aos desamparados. Além disso, novas diretrizes determinaram maior responsabilidade do Estado na regulação, financiamento e provisão de políticas sociais. O controle democrático pela sociedade exercido sobre os atos e decisões estatais e o estabelecimento de mínimos sociais para todos também foram conquistas alcançadas pelos movimentos sociais durante a Constituinte que elaborou o sistema constitucional brasileiro vigente. O maior avanço, no que diz respeito à proteção social, ocorreu com a adoção do conceito de seguridade social, reunindo as áreas de saúde, da previdência e assistência social como forma de garantir a universalização do exercício da cidadania. Concomitantemente, uma nova forma de financiamento da área foi criada mediante a instituição de fundo e orçamentos únicos. A inserção da Psicologia no terreno das Políticas Sociais ocorre no contexto da hegemonia do pensamento neoliberal no Brasil95, com uma ênfase na privatização, no primado do mercado e no desenvolvimento de políticas sociais focalizadas (Yamamoto, 1996). Uma das peculiaridades dessa inserção é que ela ocorre majoritariamente no campo da Saúde, caracterizado por modelo de serviço público universal e garantido pela Constituição de 1988 (Carvalho e Yamamoto, 1999; 2002; Cohn, 2003). A atuação do psicólogo em outros campos de políticas públicas sociais96 (como o da proteção e atenção a crianças e adolescentes, por exemplo) não tem sido objeto de estudos sistemáticos. Yamamoto (2003), ao discutir a relação da questão social no contexto da inserção da Psicologia nas políticas sociais públicas, afirma que as possibilidades de intervenção do profissional de Psicologia no enfrentamento das seqüelas da questão social são dadas por três vetores: 1) as formas peculiares de organização político-econômica que repercutem no tratamento das questões sociais; 2) a organização e a capacidade de resistência das classes populares; 3) a situação da Profissão de Psicologia como forma de compromisso social: organização profissional e compromisso social, hegemonia de modelo teórico-técnico de intervenção e condições/características da formação acadêmica. O quadro que se configura em relação a esses vetores pode se resumido da seguinte forma: 95 Uma boa revisão acerca da história do pensamento neoliberal encontra-se em Moraes (2002). 96 Yamamoto (2003) cita as questões de violência urbana, os assentamentos no campo e a exploração do trabalho infantil como alguns exemplos. 111 As formas peculiares de organização político-econômica que repercutem no tratamento das questões sociais (desafios): 1) Superação do modelo econômico neoliberal e construção de um modelo de desenvolvimento econômico e justiça social; 2) Construção de uma Democracia Participativa e promoção da autonomia e emancipação político- econômica do povo brasileiro. A organização e a capacidade de resistência das classes populares (desafios): 1) Fortalecimento e emancipação dos movimentos sociais; 2) Fortalecimento e emancipação dos sindicatos; 3) Desenvolvimento de formas solidárias de Economia; A situação da Profissão de Psicologia como forma de compromisso social (desafios): 1) Compromisso ético- político com a emancipação das classes subalternas e com a construção de uma Sociedade Democrática e Solidária por parte dos psicólogos; 2) Construção de uma compreensão teórico-técnica comprometida com as demandas das classes subalternas; 3) Formação de um profissional crítico, qualificado e comprometido com as transformações sociais. Quadro 1.14: vetores que configuram o contexto de atuação dos psicólogos nas políticas públicas sociais. § Quarto: o contexto do trabalho do psicólogo: a seguridade social O termo “seguridade social” foi utilizado no Brasil como um neologismo, a partir como equivalente das expressões security (inglês), sécurité (francês) e seguridad (espanhol). O sentido do conceito refere-se à idéia de segurança, mas sua melhor é tradução seria “proteção social”. Essa proteção é proporcionada aos trabalhadores naqueles casos em que ocorre perda da sua força de trabalho ou das possibilidades de exercê-la (por acidente, doença, velhice), como também em função de condições sociais adversas que impossibilitem o acesso ao mercado de trabalho (desemprego cronificado, falta de qualificação profissional). Em outras palavras, a proteção social é uma dimensão necessária da democracia em sociedades complexas, pois se vincula aos valores de eqüidade que dão legitimidade a um projeto político que busca a promoção da cidadania. A organização e a capacidade de resistência das classes populares A situação da Profissão de Psicologia como forma de compromisso social Atuação dos psicólogos nas políticas públicas sociais Formas peculiares de organização político- econômica que repercutem no tratamento das questões sociais 112 De acordo com a Constituição Federal, “a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da Sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (Art. 194.). A proteção social deve integrar um sistema de políticas sociais públicas que contemplem a proteção contra os riscos, o combate à miséria, o desenvolvimento de capacidades que possibilitem a superação das desigualdades, a distribuição da riqueza, enfim, o exercício pleno da cidadania. As políticas sociais são dispositivos institucionais que foram criados com o propósito de assegurar a todos os cidadãos as condições materiais de vida para o exercício dos direitos sociais e cívicos (Ivo, 2004).É preciso lembrar que, no contexto do sistema capitalista de produção, as políticas sociais são parte do processo estatal de alocação de recursos e distribuição de valores – o que as coloca no centro do confronto de interesses de classes. A necessidade do Estado se legitimar mediante o alargamento de sua base de sustentação, torna o Estado sensível a demandas das classes subalternas. Para Ivo, (...) as políticas sociais se articulam necessariamente com a dinâmica do crescimento e são condicionadas pela natureza das relações entre capital e trabalho, estando diretamente relacionadas às tendências que conformam a dinâmica do mercado de trabalho em cada sociedade – principal mecanismo de inclusão social.(...) não se pode compreender os dilemas da política social fora da dimensão do trabalho, entendido como a forma concreta de reprodução e inserção social e como valor histórico e culturalmente instituído, que confere identidade social e matriz de sociabilidade no marco de uma construção coletiva (2004:57). a) O campo da Saúde97 A saúde na Constituição de 1988 é concebida como um direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de riscos de doenças e outros agravos (Art.196). As ações e serviços de saúde são considerados de relevância pública e, por isso, cabe ao Poder Público regulamentar, fiscalizar e controlá-las (Art.197). Um sistema único integrado por uma rede regionalizada e hierarquizada é concebido para integrar essas ações e serviços. Esse sistema é organizado segundo os princípios da descentralização, do atendimento integral (integralidade) e da participação da comunidade. (Art.198). O Sistema Único de Saúde (SUS) tornou-se constitucional, sendo regulamentado pelas Leis 8.080, de 19 de setembro de 1990 e 8.142, de 28 de dezembro de 1990. 97 Este seção é baseada em Carvalho & Yamamoto (1999). 113 A Psicologia brasileira passou por uma significativa mudança no que diz respeito à Configuração do seu mercado de trabalho a partir da década de oitenta. De uma profissão predominantemente liberal-autônoma, a Psicologia tornou-se uma profissão assalariada e desenvolvida, mormente em instituições públicas de Saúde (Dimenstein, 1998a; Carvalho e Yamamoto, 1999). Essa institucionalização foi objeto de algumas investigações, embora sem um aprofundamento da discussão sobre o conceito de instituição e os limites que foram postos ao psicólogo pelo próprio modelo de assistência à saúde implementado no nosso país (Campos, 1988; Boarini, 1996; Oliveira et. al., 2004). A participação do psicólogo como membro de equipes multiprofissionais no campo da saúde, contudo, exigiu que um novo tema fosse investigado: a inserção dos psicólogos no campo da Saúde. Os estudos pioneiros de Silva (1988) e Campos (1988) descreveram a inserção do psicólogo na Rede Básica de Saúde. Spink (2003) e Carvalho & Yamamoto (1999) discutiram os modelos de intervenção e a estruturação de um novo campo teórico-prático de atuação profissional do psicólogo. No final da década de noventa, alguns trabalhos de Magda Dimenstein discutiram a formação e a atuação da psicóloga para o campo da Saúde Pública (1998a, 1998b, 2000). Embora a inserção do psicólogo no contexto da Saúde Mental já tivesse sido estudada por Campos (1988), o trabalho de Eduardo Vasconcelos (1999), que abordava a relação da Psicologia com o campo da Saúde Mental Pública, ampliou a discussão ao confrontar a Psicologia com o Paradigma da Desinstitucionalização e os novos Serviços de Saúde Mental, no contexto da Reforma Psiquiátrica (Amarante, 1995; Gonçalves & and Sena, 2001; Tenório, 2002; Paulin & Turato, 2004; Alarcon, 2005; Oliveira & Alessi, 2005). Ainda no final da década de noventa, Maria Contini publica, a partir de sua pesquisa de doutorado, alguns trabalhos (1998; 2000) sobre Psicologia e a promoção da Saúde no contexto da Educação, introduzindo um novo tema ao campo de estudo e oferecendo alguns subsídios para o entendimento da intersecção Saúde-Educação como contexto do trabalho do psicólogo. Os estudos sobre Psicologia e Saúde, no início do novo século, apresentam investigações específicas sobre o trabalho do psicólogo nos novos serviços de Saúde Mental (Figueiredo & Rodrigues, 2004), os Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Uma questão específica da realidade brasileira é a relação entre Psicologia da Saúde e Psicologia Hospitalar (Castro & Bornholdt, 2004). Um estudo que apresenta uma avaliação da inserção da Psicologia no campo da Saúde Pública, fazendo um apanhado da distribuição e atuação dos psicólogos nas Redes Básicas de Saúde Pública no Brasil (Franco & Mota, 2003), permite uma compreensão do 114 crescimento da área. O trabalho de Júlia Bucher (2003) apresenta a crescente complexidade da inserção da Psicologia na Saúde Pública. Apesar disso, no documento que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Psicologia não se encontra que a formação do psicólogo deve contemplar os princípios do SUS, principalmente o trabalho em equipe multidisciplinar e a atenção integral à saúde, como ocorreu com outras profissões do campo da saúde que fizeram essa afirmação de princípios. 98 Mais ainda: não existe na Psicologia um ensino-aprendizagem voltado para a saúde.Muito ainda precisa se feito para que a formação em Psicologia possa atender às necessidades sociais da saúde, com ênfase no SUS. Há, contudo, sinais de mudanças nesse quadro: dois trabalhos publicados em 2006 apresentam valiosas contribuições para que se possa melhor preparar os futuros psicólogos para uma atuação orientada por um compromisso com a transformação social e com o oferecimento de serviços psicológicos marcados pela consistência teórica e eficácia técnica. O primeiro é uma cartilha publicada pelo Conselho Federal de Psicologia denominada de Contribuições técnicas e políticas para avançar o SUS, do qual destacaremos dois artigos: no primeiro, Magda Dimenstein (2006) discute a prática dos psicólogos no SUS. Ela argumenta que o desafio dos psicólogos no contexto da saúde pública atualmente é contribuir para a humanização do Sistema único de Saúde. De acordo com a autora, para operacionalizar a política nacional de humanização é necessário um novo tipo de competência profissional, mudanças no processo de financiamento e gestão, como também no ensino e nos processos de formação profissional. Dimenstein critica a cultura profissional do psicólogo brasileiro e aponta três componentes dessa cultura que têm um grande peso na prática profissional: 1)escravização às técnicas, o que é se manifesta na crença na neutralidade e na sua eficácia intrínseca; 2) concepção de liberdade/autonomia somente dentro de uma ótica privatista; 3)desejo de adaptação, seja de técnicas (ausência de produção de alternativas), seja da diversidade aos modelos teóricos homogeneizantes pré-estabelecidos. Afirma ainda a necessidade de construção de um modo de fazer Psicologia articulado aos princípios e estratégias de intervenção do SUS, que não seja uma especialização, mas um modo de ser no exercício profissional, que deve ser gestado ao longo da formação. Essa é uma responsabilidade da Universidade brasileira. 98 Em suas competências e habilidades, o artigo 4 das Diretrizes afirma – atenção à saúde:os profissionais devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção,promoção,proteção e reabilitação de saúde psicológica e psicossocial,tanto em nível individual quanto coletivo, bem como realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética. Em contraste, ver as Diretrizes Nacionais dos cursos de Nutrição (Art.5,parágrafo único),Enfermagem(Art.5,parágrafo único), Biomedicina(Art.5,parágrafo único),Medicina (Art.5,parágrafo único),Fisioterapia(Art.5,parágrafo único),Odontologia(Art.5,parágrafo único) e Farmácia(Art.5,parágrafo único), que afirmam explicitamente a necessidade da formação profissional se coadunar com os princípios do SUS. 115 O outro texto foi escrito por Jefferson Bernardes (2006), apresentando uma breve problematização sobre as reformas curriculares na Psicologia e uma descrição das características que foram historicamente produzidas na formação em Psicologia. O autor nos lembra que as reformas curriculares não podem ser reduzidas à troca de disciplinas. É preciso que os princípios do SUS estejam na própria proposta político-pedagógica dos cursos e sejam construídos coletivamente na comunidade acadêmica. A formação do psicólogo será de fato articulada aos princípios do SUS somente se recusar o reducionismo psicologicista e ampliar as possibilidades de modos de atuação, com abertura e sensibilidade às competências e relações dialógicas, superando a centralidade do modelo de profissão liberal que impera na Psicologia, de forma a construir um verdadeiro modelo de formação generalista, articulado com os princípios do SUS, principalmente o de integralidade. O outro trabalho sobre o SUS foi a pesquisa A Psicologia em diálogo com o SUS: prática profissional e produção acadêmica,cujo relatório final ficou a cargo de Mary Spink,Jefferson Bernardes e Vera Menegon (2006). Os objetivos da pesquisa foram: 1)sistematização da presença dos psicólogos no SUS com base em: (a) análise de Banco de Dados do Ministério da Saúde e (b) pesquisa complementar com amostra estratificada desses (as) psicólogos (as); 2) sistematização do conhecimento produzido em Psicologia, que tenha a promoção da saúde, a prevenção de doenças e seu tratamento como objeto, utilizando os artigos e livros que constam do Banco de Dados da Biblioteca Virtual em Saúde. Os dados sobre a prática profissional e a produção reafirmam a conhecida diversidade da Psicologia na Saúde. Os autores apontam para três ordens de dificuldades, no que diz respeito à prática do psicólogo: a primeira, a necessidade de que práticas já arraigadas em serviços de atenção à saúde, tais como puericultura, atenção às gestantes, saúde do trabalhador, doenças crônicas, por exemplo, possam servir como insumos para a reflexão sobre a formação e que também se consagrem como conteúdos curriculares dos cursos de graduação. A segunda, mais complexa, tem como questão o movimento sanitário e a própria criação do SUS. A dificuldade aqui é repensar o campo disciplinar à luz da Saúde Coletiva e não mais exclusivamente da Saúde Pública99. A questão é elaborar um projeto transdisciplinar que pense a saúde de modo integral, superando o enfoque tradicional de afirmação da identidade do saber e da prática psicológica no campo da saúde. A terceira trata das novas formas de gestão que podem reforçar a fragmentação da prática psi. 99 Uma discussão a respeito da relação saúde pública/saúde coletiva encontra-se em Paim e Almeida Filho (1998). 116 No que diz respeito à produção, os dados apontam para um incremento considerável na quantidade de textos produzidos a respeito da interface Psicologia/Saúde, embora marcados por uma diversidade desordenada. De acordo com os autores, se for considerada a necessidade de fortalecimento do SUS, imperativo será atrelar esse potencial de pesquisa e reflexão teórica às problemáticas enfrentadas pela população nas formas de adoecimento, dos serviços de atendimento a essa população por profissionais que têm que fazer um esforço de descontrução e re-orientação de sua prática, dos gestores que inventam tecnologias administrativas usadas na contramão da prática que promove a qualidade de vida dos usuários e dos profissionais de saúde. b) O campo da Assistência Social O artigo 203 da Constituição Brasileira define a assistência social como universal e tendo como objetivos: 1) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; 2) o amparo às crianças e adolescentes carentes; 3) a promoção da integração ao mercado de trabalho; 4) a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; 5) garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de subsistência. A assistência social historicamente se configura como o lugar de atendimento das carências dos segmentos mais empobrecidos da população. Os serviços de assistência, por se destinarem aos excluídos do mercado de trabalho, acabam produzindo um processo perverso de negação e fragmentação da identidade social, pois o acesso a algum serviço público de assistência somente se dá com a comprovação da carência, da condição de não-cidadão (Raichelis, 2000). Os esforços pela superação desse modelo de políticas sociais buscaram afirmar a positividade dos direitos daqueles que utilizariam os serviços de assistência. Tal proposta foi parcialmente substantivada na Lei Orgânica da Assistência (Lei n º 8.742, de sete de dezembro de 1993). Completamente desconsiderada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) seria regulamentada pela Política nacional da Assistência Social, aprovada pelo Conselho Nacional da Assistência Social (Resolução n º 145, de 15 de outubro de 2004). Os princípios da política de Assistência são: I – Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; 117 II - Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III - Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV - Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V – Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão. A Política Pública de Assistência Social realiza-se de modo integrado às políticas setoriais, levando em consideração as desigualdades sócio-territoriais e objetiva: 1) Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e, ou, especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem; 2) Contribuir com a inclusão e a eqüidade dos usuários e grupos específicos; 3) Assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar. O público usuário da Política de Assistência Social é formado por cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos, tais como: famílias, indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e no acesso às demais políticas públicas; uso de substância psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social. A proteção social, tarefa primordial da Assistência, dar-se-á nos seguintes níveis: básica, especial, especial de média complexidade e especial de alta complexidade. 118 1) Proteção Social Básica: tem como objetivos prevenir situações de risco por meio de desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social. Os serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica serão executados de forma direta nos Centros de Referência da Assistência Social – CRAS. O CRAS é uma unidade pública estatal que executa serviços de proteção social básica e organiza a rede de serviços sócio-assistenciais locais da política de assistência social. O CRAS é responsável pela oferta do Programa de Atenção Integral às Famílias – PAIF. O PAIF é composto das seguintes atividades: • Cadastramento das famílias (priorizadas como público-alvo do PAIF) para a inclusão no PAIF; • Levantamento e identificação de necessidades das famílias; • Atendimentos psicossociais individuais e em grupos, promovendo a restauração, o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e possibilitando o desenvolvimento das competências familiares e de protagonismo social; • Visitas domiciliares; • Elaboração do Plano de Ação Promocional em conjunto com a família; • Coordenação do trabalho sócio-educativo com as famílias; • Encaminhamento qualificado à rede intersetorial de serviços; • Acompanhamento e avaliação do atendimento na rede; • Controle estatístico do atendimento; • Registro das informações. As equipes técnicas dos CRAS terão as seguintes composições: Quadro 1.15. Equipes técnicas dos CRAS. 119 Os CRAS serão também espaços para a realização de estágios de Serviço Social e de Psicologia. Além de ser o responsável pelo desenvolvimento do PAIF, a equipe do CRAS deve prestar informação e orientação para a população de sua área de abrangência, bem como articular com a rede de proteção social local no que se refere aos direitos de cidadania. 2) Proteção Social Especial: é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos, que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, etc. são serviços que requerem acompanhamento individual e encaminhamentos monitorados. Os serviços de proteção especial têm estrita interface com o sistema de garantia de direitos. As situações de risco demandarão intervenções em problemas específicos. A atenção especial deve prover o acesso das famílias e indivíduos em situação de risco a redes sociais de atendimento. Deve também priorizar a reestruturação dos serviços de abrigamento dos indivíduos que não contam mais com a proteção e o cuidado de suas famílias. Exemplos de programas de proteção especial são o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PET e o Programa de Combate à exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. 3) Proteção Especial de Média Complexidade: são os serviços que oferecem atendimentos às famílias e indivíduos com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiar e comunitário não foram rompidos. A proteção especial de média complexidade envolve também o CRAS para a orientação e o incentivo do convívio sócio-familiar e comunitário, diferenciando-se da proteção básica por se tratar de um atendimento dirigido às situações de violação de direitos. 4) Proteção Social Especial de Alta Complexidade: são serviços que garantem proteção integral (moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido) para famílias e indivíduos que se encontram sem referência ou em situações de ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar e, ou, comunitário. O Sistema Único de Assistência Social – SUAS constitui-se na regulação e organização em todo o país das ações socioassistenciais. Os serviços socioassistenciais no SUAS são organizados segundo as seguintes referências: vigilância social, proteção social e defesa social e institucional. 120 • Vigilância Social: refere-se à produção, sistematização de informações, indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social que incidem sobre as famílias e pessoa nos diferentes ciclos da vida (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos); pessoas com redução da capacidade pessoal, com deficiência ou em abandono; crianças e adultos, vítimas de formas de exploração, de violência e de ameaças; vítimas de preconceitos por etnia, gênero e opção pessoal, vítimas de apartação social que impeça a autonomia e integridade. Além disso, também deve haver vigilância sobre os padrões de serviços de assistência social em especial aqueles que operam na forma de albergues, abrigos, residências, semi-residências, moradias provisórias para os diversos segmentos etários. • Proteção Social:  Segurança de sobrevivência ou de rendimento e de autonomia: através de benefício continuados ou eventuais que assegurem: proteção social básica a idosos e pessoas com deficiência sem fonte de renda e sustento; pessoas e famílias vítimas de calamidades e emergências: situações de forte fragilidade pessoal e familiar, em especial às mulheres chefes de família e seus filhos;  Segurança de convívio ou vivência familiar: através de ações, cuidados e serviços que restabeleçam vínculos pessoais, familiares, de vizinhança, de segmento social, mediante a oferta de experiências sócio-educativas, lúdicas, sócio-culturais, desenvolvidas em rede de núcleos sócio-educativos e de convivência para os diversos ciclos de vida, suas características e necessidades;  Segurança de acolhida: através de ações, cuidados, serviços e projetos operados em rede com unidade de porta de entrada destinada a proteger e recuperar as situações de abandono e isolamento de crianças, adolescentes, jovens, adultos e mediante a oferta de condições materiais de abrigo, repouso, alimentação, higienização, vestuário e aquisições pessoais desenvolvidas através de acesso de ações sócio-educativas. • Defesa social e Institucional: as proteções básicas e especiais devem ser organizadas de forma a garantir aos seus usuários o acesso ao conhecimento dos Direitos socioassistenciais e sua defesa. São direitos socioassistenciais a serem assegurados na operação do SUAS a seus usuários: 121  Direito ao atendimento digno, atencioso e respeitoso, ausente de procedimentos vexatórios e coercitivos;  Direito ao tempo, de modo a acessar a rede de serviço com reduzida espera e de acordo com a necessidade;  Direito à informação, enquanto direito primário do cidadão, sobretudo àqueles com vivência de barreiras culturais, de leitura, de limitações físicas;  Direito do usuário à oferta qualificada de serviço;  Direito de convivência familiar e comunitária. O processo de Gestão do SUAS fundamenta-se nos seguintes princípios organizacionais: matricialidade sócio-familiar, descentralização político-administrativa e territorialização, proteção social realizada através de um conjunto integrado de ações e iniciativas do governo e da sociedade civil, financiamento através dos fundos de assistência nas três esfera de governo, controle social 1. Matricialidade Sócio-Familiar: a família é mediadora das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando os deslocamentos entre o público e o privado. É também geradora de modalidades comunitárias de vida. Ela, porém, se caracteriza como um espaço contraditório, não qual a dinâmica cotidiana de convivência é marcada por conflitos e, geralmente, desigualdades. O reconhecimento da importância da família no contexto da vida social e merecedora da proteção do Estado está explícito no artigo 226 da Constituição Federal, nas legislações específicas da Assistência Social (Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso e na Lei Orgânica da Assistência Social). 2. Descentralização político-administrativa e territorialização: de acordo com o artigo 6 º da LOAS, o campo da Assistência Social é concebido como um sistema descentralizado. Vale frisar que a descentralização não é um fim em si mesmo, mas é compreendida como um pré-requisito para ações integradas na perspectiva da intersetorialidade. A descentralização deve ser entendida como transferência de poder de decisão, de competências e de recursos, e com autonomia das administrações dos microespaços na elaboração de diagnósticos sociais, diretrizes, metodologias, formulação, implementação, execução, monitoramento, avaliação e sistema de informação das ações definidas, com garantias de canais de participação local. O novo paradigma da gestão pública concebe o território como espaço agregador de populações em situações similares que devem ser alcançadas por políticas públicas integradas. 3. A formação de redes como condição para a participação da Sociedade Civil na Assistência Social: A LOAS propõe um conjunto integrado de ações e iniciativas do governo e 122 da Sociedade Civil para garantir proteção social a quem dela necessite. Somente o Estado, no entanto, pode coordenar ações capazes de catalisar atores em torno de propostas abrangentes com o proposto de universalização das políticas e garantia da eqüidade. A administração pública, para cumprir esse objetivo, deve formar redes que serão alavancadas a partir de decisões políticas tomadas pelo poder público em consonância com a sociedade. O SUAS fundamenta-se na reciprocidade das ações da rede de proteção social básica e especial, com a centralidade da família, com o estabelecimento de fluxo, referência e retaguarda entre as modalidades e as complexidades de atendimento, bem como a definição de portas de entrada para o sistema. A constituição de redes pressupõe a presença do Estado como referência global para sua consolidação como política pública. 4. Financiamento: No SUAS, o financiamento é realizado através da constituição dos Fundos de Assistência Social nas três esferas de governo. O Fundo Nacional, criado pela LOAS, tem o seguinte objetivo: “proporcionar recursos e meios para financiar o benefício de prestação continuada e apoiar serviços, programas e projetos de assistência social”. O financiamento, com base nessa definição, se dá de forma direta aos seus destinatários, e o financiamento da rede socioassistencial se dá mediante aporte próprio e repasse de recursos fundo a fundo. 5. Controle Social: o Controle Social tem a sua concepção advinda da Constituição Federal de 1988, enquanto instrumento de efetivação da participação popular no processo de gestão político-administrativa-financeira e técnico-operativa, com caráter democrático e descentralizado. Na Conformação do SUAS, os espaços privilegiados onde se efetivará essa participação são os conselhos e as conferências. As conferências têm o papel de avaliar a situação da Assistência Social, definir diretrizes para a política e verificar os avanços ocorridos num espaço de tempo determinado (artigo 18, Inciso VI, da LOAS). Os conselhos têm como principais atribuições a deliberação e a fiscalização da execução da política e de seu financiamento, em consonância com as diretrizes propostas pela conferência; a aprovação do plano; a apreciação e aprovação da proposta orçamentária para a área e do plano de aplicação do fundo, com a definição de critérios de partilha de recursos, exercidas em cada instância em que estão estabelecidos. Os conselhos paritários têm como representação da sociedade civil os usuários ou organizações de usuários, entidades e organizações de assistência social e os trabalhadores do setor (Artigos 18; 17-II). 6. Política de Recursos Humanos: o SUAS propõe o estabelecimento de novas relações entre gestores e técnicos nas três esferas de governo, bem como com usuários e trabalhadores. 123 Essas novas relações exigirão uma maior qualificação dos recursos humanos e maior capacidade de gestão dos operadores da política. Isso implica em: a) criação de um plano de carreira; b) criação de espaços de debates e formulação de propostas de realização de seminários e conferências de recursos humanos; c) valorização do serviço público e seus trabalhadores; d) priorização de concursos públicos; d) uma NOB (Norma Operacional Básica) para a área de Recursos Humanos, amplamente discutida com os trabalhadores, gestores, dirigentes das entidades prestadoras de serviços, etc. 7. A informação, o monitoramento e a Avaliação: As deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em 2003, propõem a elaboração e implementação de planos de monitoramento e avaliação e a criação de um sistema oficial de informação que possibilitem: a mensuração da eficiência e da eficácia das ações previstas nos Planos de Assistência; a transparência; o acompanhamento; a avaliação do sistema e a realização de estudos, pesquisas e diagnósticos a fim de contribuir para a formulação da política pelas três esferas de governo. Os desafios desse empreendimento são: a) Manter a preocupação com o processo de democratização da política e com a prática radical do controle social da administração pública, que é componente básico do Estado Democrático de Direito; b) Criação de novos parâmetros de produção, tratamento e disseminação da informação pública que a transforme em informação social válida e útil, que efetivamente incida em níveis de visibilidade social, de eficácia e que resulte na otimização político-operacional necessárias para a política pública; c) A construção de um sistema de informações de grande magnitude, integrado com ações de capacitação e de aporte de metodologias modernas de gestão e tomada de decisão, dando o suporte necessário tanto à gestão quanto à operação das políticas assistenciais, seja no âmbito governamental, em todas as suas esferas, seja no âmbito da sociedade civil, englobando entidades, instâncias de decisão colegiada e de pactuação; d) A maximização da eficiência, eficácia e efetividade das ações de assistência social; e) O desenvolvimento de sistemáticas específicas de avaliação e monitoramento para o incremento da resolutividade das ações, da qualidade dos serviços e dos processos de trabalho na área da assistência social, da gestão e do controle social; f) A construção de indicadores de impacto, implicações e resultados da ação da política e das condições de vida de seus usuários. 124 Não cabe no escopo deste trabalho uma análise rigorosa das propostas apresentadas na Política Nacional de Assistência Social. Algumas questões, no entanto, devem ser pontuadas: I. Os critérios para a formação da rede não estão bem estabelecidos. O documento não apresenta nenhuma definição de rede. Um bom conceito de rede é formulado por Hidalgo: Sistema de relaciones entre actores, sean instituciones o personas, que se abren a otras organizaciones o personas con las cuales entran en comunicación con fines de utilidad en general, los cuales se traducen en produción de bienes y servicios teniendo como beneficiarios a poblaciones de escasos recursos o con necessidades básicas insatisfechas. Estos sistemas abiertos están en constante cambio y potencian sus integrantes y satisfacen sus necesidades y expectativas al recocer y poner en acción los recursos y fortalezas que ellos poseen para el logro de una mejor calidade de vida (Hildago, 2000:10). Os principais entraves para o funcionamento de uma rede, de acordo com Maritza Montero (2003), são: a) líderes auto-suficientes que não facilitam a participação dos atores sociais; b) a desconfiança; c) relações adversas e lutas de poder entre organizações; d) a rigidez do pensamento organizacional. II. A descentralização não pode ser vista como uma panacéia, embora os argumentos apresentados para sua implementação se fundamentem na crença de que uma maior proximidade entre prestador de serviços e usuários viabilize uma maior responsabilidade dos governos em relação aos cidadãos, tais expectativas põem excessiva confiança na proximidade como elemento suficiente para a garantia do controle social sobre a gestão de políticas públicas, o que ignora o uso clientelístico de recursos públicos por parte dos governos municipais e a ausência de tradição cívica no que diz respeito ao controle dos gastos públicos da sociedade brasileira. 100 III. Apesar do reconhecimento da centralidade da família no âmbito social, na prática a família é compreendida como uma sociedade natural e sujeito econômico de mercado, somente devendo ser assistidas por políticas sociais aquelas consideradas como incapazes, que falharam na responsabilidade do cuidado e proteção de seus membros. Assim, a condução das ações assistenciais direcionadas às famílias tem sido caracterizada por: a) concepções estereotipadas de família e papéis familiares; b) prevalência de propostas focalizadas e c) centralização de ações em situações- limite e não em situações cotidianas. 100 Sem falar no analfabetismo, literal e político, na manipulação dos Conselhos por parte do Poder Público e da tradição autoritária e avessa à transparência da gestão pública no Brasil. 125 IV. A questão dos Recursos Humanos: não há política de recursos humanos para o serviço público minimamente séria com ênfase na terceirização dos serviços, com ausência de concursos públicos, sem uma gestão profissional, sem uma definição precisa das funções do profissional e sem um plano de cargos e salários. O médico Adib Jatene (2005), em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, avalia que um dos dramas do Serviço Público é a falta de um plano de Carreira integral. De acordo com o médico paulista, até o período de Autocracia Burguesa, os cargos de direção, os de maior responsabilidade, eram de carreira – ocupados por funcionários selecionados em concursos de acesso. Eles somente podiam ser removidos por processos administrativos. Podiam dizer não aos governantes de plantão sem correrem o risco de serem demitidos. Essa garantia de estabilidade foi perdida quando os cargos mais altos e mais bem remunerados do serviço público foram extintos. A carreira do servidor encerra-se no nível da chefia de seção. A partir daí, todos os cargos passaram a ser exercidos em comissão e por livre provimento. Os cargos passaram a ser propriedade dos partidos políticos que estiverem no poder. Como decorrência, pessoas inexperientes na administração pública e que nunca pertenceram ao funcionalismo passaram a ser indicadas para posições de comando da estrutura administrativa. Essa é uma questão muito importante, essencial para a valorização do Serviço Público. V. Controle Social: o Controle Social significa o reconhecimento de que a Sociedade organizada é capaz de interferir na condução das políticas públicas, junto com o Estado. Esse controle é possibilitado no Brasil pelos Conselhos. O funcionamento eficaz e democrático dos Conselhos pressupõe: a) capacitação dos conselheiros com destaque especial para a formulação do orçamento; b) simplificação da linguagem utilizada nas reuniões dos conselhos; c) a presidência do conselho escolhida por eleição; d) discussão da legislação e responsabilidade do cargo; recursos do orçamento garantindo o trabalho do conselho; e) criação de jornal e homepage do conselho, com ampla divulgação das atas. Infelizmente, os conselhos, via de regra, não possuem esses recursos. VI. Avaliação: a área de avaliação é muito incipiente no país. Falta-nos uma cultura de avaliação. Muitos programas não são avaliados. Quando a avaliação é feita, na maior parte das vezes é por pessoal da própria instituição que também é responsável pela implementação dos programas. Vale frisar que as avaliações que existem são de implementação e não de impacto. Podemos definir Avaliação de Impacto como 126 qualquer combinação de procedimentos ou métodos através dos quais se possibilita julgar os efeitos que uma política ou um programa tiveram na população. Seu principal objetivo é garantir que o impacto seja considerado como parte do processo de tomada de decisão para implantação e continuidade de políticas, programas e de projetos. A avaliação de impacto é uma metodologia relativamente nova e sua origem vem da Avaliação de Impacto Ambiental. A área da saúde tem uma tradição maior de avaliação, a área da educação teve uma produção crescente na última década, mas a área da Assistência Social praticamente não desenvolveu nada significativo ainda. É importante que o poder público avalie suas ações através de organizações independentes, principalmente vinculadas às Universidades. No campo da Assistência Social, diferentemente do que ocorre na saúde, não existem pesquisas acadêmicas, ações do Conselho Federal, parcerias com ministério, etc., para que se produza um retrato da atuação do psicólogo neste setor. A única publicação disponível é o texto de Eduardo Vasconcelos e Rosana Morgado (2005), intitulado Proposta Conceitual do PAIF – Subsídios analíticos e metodológicos na lógica do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) e do Programa de Atendimento Integral à Família – PAIF/RJ. Os autores enumeram as seguintes questões que devem ser consideradas pelos técnicos da Assistência Sócia (psicóloga incluída), na implantação do SUAS: 1) Responsabilidade social por problemas complexos e multidimensionais; 2) O trabalho em equipe e a questão da interdisciplinaridade na assistência social; 3) Integralidade: visão mais ampla das diferentes possibilidades de interesses comuns e de ação integrada e compartilhada dentro de diferentes instâncias de política pública. Exemplo – os membros das equipes de saúde dão apoio às equipes de assistência social, programando uma carga horária para encontros e intercorrências. Além disso, equipes de programas diferentes podem assumir responsabilidades compartilhadas por questões complexas de indivíduos e famílias; 4) As diferentes concepções de subjetividade e atenção psicossocial em Assistência Social com famílias; 5) O acompanhamento psicossocial de famílias em situações de risco ou vulnerabilidade social no âmbito do SUAS – Indicações metodológicas e requisitos prévios: a)planejamento global, definição de critérios na identificação de áreas e famílias prioritárias e a definição de estratégias de contrato, estímulo e criação de vínculos para a participação no programa; b) a importância de reconhecer e avaliar as 127 ambigüidades e conflitos da entrada de um programa de assistência social na esfera privada das famílias; 6) Uma nova concepção de atenção psicossocial à família: a oferta de possibilidades variadas e não homogêneas de suporte e de reinvenção das novas formas concretas de existência. Para isso, é necessário implementar os seguintes procedimentos: a) estabelecer uma lista sempre atualizada de famílias que são consideradas como prioridade para a atenção individualizada; b) escolher técnicos de referência para cada família incluída nesta lista de prioridade; c) manter, pelo conjunto da equipe, um monitoramento regular destas famílias, serviços e controle social da assistência; 7) As estratégias de empoderamento de indivíduos, sistematizadas por Faleiros (1999) e Vasconcelos (2003) são: a) defesa do usuário junto às diversas organizações sociais; b) práticas de coletivização; c) materialização dos recursos; d) aumento do poder e fortalecimento da autonomia e da identidade dos usuários; 8) As estratégias de empoderamento grupal, comunitário e societário incluem as seguintes modalidades de grupalização: a) grupos de ajuda mútua; b) grupos de suporte mútuo; c) iniciativa de defesa de direitos; d) iniciativas de mudanças na cultura e na sociedade civil; e) participação nas instâncias de controle social e de militância política mais ampla; 9) Estratégias de elaboração dos enormes desafios políticos, sociais, profissionais e psíquicos do trabalho das equipes do CRAS. Desafios para o trabalho: a) operar com condições de trabalho precário e com alta rotatividade dos trabalhadores; b) atuar em um campo de trabalho complexo e multidimensional, perpassado por lutas e ambigüidades; c) trabalhar com metodologias ainda pouco sistematizadas e com alto nível de imprecisão, em muitos casos distantes da formação profissional hegemônica na maioria dos cursos universitários de Psicologia; 10) As equipes dos CRAS e dos NAFs devem contar com dispositivos coletivos de supervisão e a capacitação permanentes. As seguintes modalidades de supervisão podem ser estendidas para a capacitação: a) supervisão administrativa; b) supervisão técnica e profissional; c) supervisão estratégica; d) supervisão institucional; e) supervisão de suporte pessoal. No Brasil, no que diz respeito à área pública, apenas os dois primeiros tipos são oferecidos, quando há supervisão; f) criação de uma dinâmica de capacitação e de trabalho participativo pelas equipes. O trabalho nos CRAS requer uma formação profissional que, para a maioria dos profissionais que 128 atuam neste contexto institucional, não foi disponibilizada durante seu processo de formação regular no ensino superior. § Quinto: Competência técnica e Compromisso político: a construção de uma Psicologia transformadora A discussão sobre como se relaciona competência técnica e compromisso político ocorreu, de modo mais expressivo – no contexto da sociedade brasileira – inicialmente no campo da educação no início dos anos 80. O marco inaugural do debate ocorrido naquele período foi a publicação do livro Magistério de 1 ºGrau: da competência técnica ao compromisso político, de Guimar Namo de Mello (1983), o que motivou a publicação de um artigo de Paolo Nosella (1983), denominado de ‘O Compromisso político como horizonte da competência técnica”. O professor Saviani(1991) participou do debate publicando o texto “Competência política e compromisso técnico (o pomo da discórdia e o fruto proibido). No início desta década, Nosella retornaria ao tema com o texto “Compromisso político e competência técnica: 20 anos depois” (2005). Em síntese, a questão em pauta era como fundir o compromisso político com a competência técnica, questão esta que reputamos ser de total pertinência para construção de uma Psicologia Transformadora. Ferreira Neto (2004) analisou duas práticas da Psicologia brasileira que se destacaram na década de noventa: a clínica antimanicomial e a Psicologia sócio-histórica. Essas duas tendências são marcadas pela ocupação de campos específicos: a primeira, o campo da saúde mental e a segunda, o campo acadêmico. A primeira produziu uma prática transformadora e uma clínica marcada por uma diversidade teórica e uma riqueza de experiências. A segunda construiu uma teoria inovadora, mas foi incapaz de consubstanciar uma prática capaz de atender efetivamente aos desafios da realidade brasileira. No âmbito institucional, o Conselho Federal de Psicologia produziu algumas experiências relevantes para a construção de um compromisso com competência técnica, tendo como resultado a construção do Centro de Referência Técnica em psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) 101. O CREPOP tem como principal conceito a idéia de produção de informação qualificada, com o objetivo de ampliar a capacitação dos psicólogos na compreensão das políticas públicas em geral e da compreensão teórica e técnica do processo de elaboração, planejamento e execução das políticas públicas nas diversas áreas, tais como saúde, educação e 101 Para uma melhor compreensão do CREPOP, ver CFP (2006). 129 assistência social. A forma de qualificação das informações, de acordo com o CFP, resultará de um esforço permanente em identificar as práticas dos psicólogos no interior das Políticas Públicas. Os profissionais deverão ser mobilizados e organizados para produzir referências sobre suas atuações, que serão disponibilizadas para toda a categoria, com o propósito de oferecer subsídios para a atuação do profissional em Políticas Públicas. Por fim, vale a pena mencionar que o VI Congresso Nacional de Psicologia terá como tema Do Discurso do Compromisso Social à Produção de Referências para a prática: construindo o projeto coletivo da profissão.Três eixos complementaram o tema: a) aperfeiçoamento democrático do Sistema Conselhos; b)diálogos para a construção dos projetos coletivos da profissão; c) intervenção dos psicólogos nos sistemas institucionais. Considerações Finais Ao encerrar este capítulo, apresentamos uma síntese dos estudos que foram resumidos nesta primeira parte da tese sobre formação e atuação em Psicologia no contexto brasileiro. A síntese é apresentada na forma de proposições: Proposição n º 1: a formação do Psicólogo precisa ser pensada como um processo continuado, o que implica na construção de modelos acadêmicos de educação permanente; Proposição n º 2: a formação do psicólogo é configurada por três níveis de determinação: no primeiro nível, situam-se os macroaspectos (legislação e Sistema Superior de Ensino); no segundo nível, os mesoaspectos (organização didático-pedagógica, incluindo projeto pedagógico e currículo, corpo docente e instalações das instituições de ensino superior) e no último nível temos os microaspectos: relação professor-aluno, estratégias de ensino, tecnologias de ensino e modelos de supervisão; Proposição n º 3: em função da degradação do ensino médio brasileiro, necessário se faz repensar as estratégias de ensino das disciplinas propedêuticas, de modo que se possa ter uma maior ênfase no que denominamos de Humanidades Psicológicas; Proposição n º 4: as críticas ao currículo mínimo da Psicologia encontradas na literatura produzida entre as décadas de 70 e 90 cumpriram um importante papel, mas os desafios que se apresentam para a formação qualificada do psicólogo exigem que os estudos curriculares do campo sejam dedicados não somente aos currículos prescritos, mas(e principalmente) também aos currículos praticados. Isso exige que se focalize, no estudo da formação do psicólogo em nível de graduação, o cotidiano das práticas pedagógicas; 130 Proposição n º 5: o trabalho do Psicólogo como professor de ensino superior nos cursos de formação de Psicologia é um tema negligenciado nos estudos da profissão. É preciso produzir conhecimento sobre formação, condições de trabalho, principais atividades, etc. desenvolvidas pelo psicólogo neste espaço de atuação que se relaciona como nenhum outro com a formação do psicólogo; Proposição n º6: as demandas colocadas à Psicologia no campo da Clínica exigem que se produza uma Clínica Contextualizada, que deve ter as seguintes características: a) inserção no campo da saúde; b) pluralidade teórica e maior aproximação das Ciências Humanas; c) trabalho multidisciplinar e multiprofissional; d) compreensão do contexto social da clínica; Proposição n º 7: os novos contextos de atuação do psicólogo comunitário podem desempenhar um papel estratégico para a produção de uma prática mais compatível com as necessidades da população. Para que isso ocorra, no entanto, necessário se faz que os profissionais tenham uma formação – básica e continuada –mais substancial no que diz respeito ao conhecimento de teorias e estratégias de intervenção comunitária; Proposição n º 8: a Psicologia Jurídica também possui um grande potencial para ser vetor de uma prática qualificada e compromissada com a transformação social. É mister, porém, superar o predomínio da avaliação psicológica e incorporar para o campo jurídico estratégias de intervenção que estão sendo engendradas no âmbito da Psicologia Comunitária e da Psicologia Clínica contextualizada; Proposição n º 9: a atuação da psicóloga brasileira passou a ser, a partir da década de oitenta, principalmente mediada por uma instituição (principalmente pública), tornando o profissional de Psicologia um trabalhador assalariado; Proposição n º 10: a questão social (em suas múltiplas manifestações) passou a ser o objeto de intervenção do psicólogo no contexto da seguridade social, novo espaço que se configura para a atuação do psicólogo mediante a conjunção dos campos da saúde e da assistência social; Proposição n º 11: o desafio da categoria é afirmar o seu compromisso social com as transformações emancipatórias da sociedade mediante a construção de uma competência técnica que inevitavelmente exigirá que a Psicologia brasileira passe também a construir o seu instrumental tecnológico de intervenção. 131 Estudo II: A violência contra a criança e o adolescente e o seu enfrentamento Este segundo estudo discute os conceitos de infância, adolescência e violência, analisando o conceito e a tipologia de violência contra criança e adolescência apresentados na literatura. Alguns saberes sobre a infância, ausentes nos estudos de formação do psicólogo, tais como História da Infância, Sociologia da Infância, Antropologia da Infância e Filosofia da Infância, são analisados e discutidos. Seria interessante que esses conhecimentos estivessem acessíveis aos alunos dos cursos de graduação de Psicologia. Algo parecido foi feito com o conceito de Adolescência, discutida a partir da contribuição teórica de áreas como a História, a Sociologia e a Antropologia e uma análise crítica de como o conceito de Adolescência foi construído e incorporado na Psicologia, apresentando também uma exposição da crítica desse modelo hegemônico da Psicologia do Desenvolvimento elaborado por teóricos vinculados à abordagem Sócio-Histórica, escola psicológica desenvolvida no Brasil. Um outro conceito ausente dos conteúdos regulares da formação em Psicologia é a violência, incluindo as suas várias formas de manifestação contra crianças e adolescentes. Impressões da aplicação do estudo às discussões no grupo: A discussão do material com o grupo de trabalho revelou também uma surpresa diante dos conteúdos, explicitando as deficiências da formação em Psicologia em nossa realidade. A surpresa diante do caráter histórico dos conceitos estudados. Um grupo formado por alunos perspicazes que poderia, se tivesse acesso aos textos estudados neste capítulo, ter uma formação mais bem fundamentada no que diz respeito a questões tão cruciais de nossa época. Seria interessante avaliar o conhecimento dos estudantes de Psicologia a respeito das compreensões diferentes elaboradas por outros saberes acerca de alguns objetos tradicionais de estudo da Psicologia, como o de infância e adolescência. Da mesma forma, o conhecimento dos saberes das Ciências Humanas sobre violência poderia ser uma boa questão a se fazer aos estudantes de Psicologia. Isso nos remete ao tema da formação humanística do psicólogo, brevemente abordado no primeiro capítulo desta tese. 132 Capítulo Dois: Infância, adolescência e violência: enredando os conceitos Introdução A violência contra crianças e adolescentes é uma questão complexa e exige um esforço de compreensão a partir de um entendimento de suas peculiaridades. Este capítulo estuda os conceitos de infância, adolescência e violência, culminando numa reflexão sobre essa forma de violência cuja superação é um dos principais desafios para as sociedades modernas. Divide-se em quatro seções: 1) a infância como conceito histórico; 2) a “construção social” da adolescência; 3) violência: história e análise e 4) violência contra crianças e adolescentes. O capítulo contém um excurso contendo algumas considerações éticas sobre a pesquisa com crianças e adolescentes. Seção I: Infância como conceito histórico § primeiro: as transformações na concepção de infância. O conceito de infância tradicionalmente está associado a uma fase da vida em que o indivíduo, ainda em formação, depende completamente de um adulto e deve ser cuidado de modo especial para que possa se desenvolver sem precisar assumir compromissos sociais de auto-sustento ou cívicos, como o serviço militar para os homens. Um grande problema que se encontra em conceituar a infância, contudo, não é definir suas características, que têm fortes componentes biológicos102, porém consiste em se definir o tempo de duração da infância, o marco que assinala o seu fim. A questão é que o nosso moderno conceito de infância (que implica necessariamente no estabelecimento dos seus limites de duração) parece ter surgido apenas no Renascimento, período histórico que teria “descoberto a infância”. Ariès (1981), em um trabalho seminal, afirmou que o mundo medieval ignorava completamente a infância. Não havia um sentiment de l’enfance, uma consciência da especificidade infantil, que distingue a criança do adulto e do jovem. De acordo, Ariès, não havia no período medieval um período de transição entre a infância e a vida adulta, ou seja, não existia o que nós hoje denominamos de segunda infância e adolescência. O filósofo estadunidense Neil Postman (1999) afirma que o conceito de infância não existiu no mundo medieval por três razões: a falta de alfabetização, a falta do conceito de educação e a falta do conceito de vergonha103. Com o colapso do Império Romano, em decorrência das invasões bárbaras e decadência político-administrativa interna, o uso do alfabeto 102 A infância é, certamente, um conceito híbrido: nem puramente biológico, nem puramente cultural, como quase tudo que envolve o ser humano. 103 As duas primeiras razões foram apontadas por Ariès (1981), enquanto a ultima é uma contribuição de Postman. 133 romano tornou-se restrito a um grupo de escribas monásticos que multiplicaram as formas das letras e as tornaram mais rebuscadas, dificultando o acesso à leitura de grandes segmentos populacionais. Com isso, na Europa ocorre um fenômeno de desalfabetização social104 caracterizado não pelo desaparecimento do alfabeto, mas pelo maior dificuldade encontrada pelos leitores para interpretar o que havia sido escrito. Com isso, volta a imperar no Velho continente a modalidade oral de comunicação. Isso facilitava a inserção da criança no mundo adulto, pois somos geneticamente programados para a linguagem falada, porém devemos à cultura e a inserção nela a produção e a transmissão da linguagem escrita. Essa aprendizagem da escrita relaciona-se com a produção de instituições específicas de educação que chamamos de escola. Na Idade Medieval, predominava a modalidade oral de aprendizagem e esta acontecia em contextos de prática de algum serviço. As escolas medievais não tinham a função de aprendizagem das habilidades de leitura escrita. De acordo com Ariès, a civilização européia medieval já não possuía o modelo grego de paidéia105 e ainda não havia concebido o que seria uma moderna concepção de educação.106 Por fim, faltava ao período medievo um conceito de vergonha. Para Postman (1999), a vergonha consiste em ter certo segredo em relação a crianças no que diz respeito a temas adultos, principalmente os de conteúdo sexual. A obra de Postman fundamenta-se no texto de Ariès (1981). Entre os historiadores profissionais, contudo, há uma série de críticas ao livro pioneiro do que hoje é conhecido com a História da Infância. Heywood (2004) resume as principais críticas em: a) falta de cuidado com as fontes históricas, principalmente com as evidências iconográficas. 107 Ao afirmar que se podia deduzir da ausência da retratação da criança na arte medieval a convicção de não havia um sentimento de infância, Ariès esquece que muitas coisas estavam ausentes da arte medieval em função da hegemonia de temas religiosos, o que não permite que se afirme a inexistência de uma vida cotidiana secular; b) a pesquisa de Ariès parte de um conceito moderno de infância e busca 104 A desalfabetização social pode ser entendida como um processo que torna o domínio da escrita uma atividade mais difícil e, portanto, socialmente mais restrita. Como formas de desalfabetização social podem citar as caligrafias medievais e, mais recentemente, a proliferação de processadores de textos. 105 Jaeger (1994) assim define Paidéia: “(...) a educação do Homem de acordo com a verdadeira forma humana, com o seu autêntico ser. (...). Não brota do individual, mas da idéia. Acima do Homem como ser gregário ou como suposto eu autônomo, ergue-se o Homem como idéia. A ela aspiram os educadores gregos,bem como os poetas, artistas e filósofos. Ora, o Homem genérico na sua validade universal e normativa. (....) a essência da educação consiste na modelagem dos indivíduos pela norma da comunidade. Os gregos foram adquirindo gradualmente consciência clara desse processo mediante aquela imagem do Homem, e chegaram por fim, através de um esforço continuado, a uma fundamentação, mais segura e mais profunda que a de nenhum povo da Terra, do problema da educação” (p.15). Para uma discussão sobre o conceito e sua aplicação em outros contextos, ver Gross (2005). 106 A educação moderna surge no século XVII fundamentada em autores como John Locke e Jean-Jacques Rousseau. 107 Para uma discussão sobre as imagens, ver Chalmel (2004). 134 encontrar o mesmo sentimento de infância no século XII. O fato de não encontrar esse sentimento significa apenas que não havia o conceito moderno de infância na idade média, sendo uma dedução questionável concluir que não havia algum conceito de infância, tão distinto do nosso que teríamos dificuldade para reconhecê-lo108; c) há alguma evidência de um “reconhecimento da infância” na idade média que Heywood (2004) descreve assim: Os códigos jurídicos medievais continham algumas concessões ao status de minoridade das crianças. Por exemplo, costumavam proteger os direitos de herança de órfãos e, por vezes, exigiam o consentimento das crianças em relação a um casamento (...) Um comentário do século IX sobre a Regra de São Bento permitia que os infantes fizessem refeições mais freqüentes do que os maiores, dormissem e tivessem algum tempo para brincar no campo (ainda que apenas durante uma mísera hora por semana ou por mês). Da mesma forma, obras gerais sobre medicina da Idade Média incluíam uma parte sobre pediatria (...) (p.26). Não é necessário, portanto, endossar as idéias de Ariès para reconhecer que uma nova forma de compreender a infância surgiu na modernidade. O surgimento da escolarização compulsória, o advento da Pedagogia e da Pediatria fez surgir uma nova sensibilidade em relação às crianças que culminou com o reconhecimento da condição cidadã na infância. Este processo envolve também a proibição do trabalho infantil, o surgimento da literatura para crianças e a construção de todo um sistema de produção de bens culturais específicos para crianças. a) Infância e Modernidade A infância na sociedade moderna somente pode ser compreendida se considerarmos sua relação com o sistema escolar (Boto, 2001). Em outras palavras, é preciso pensar a escola como uma instituição que pretende ocupar o tempo e imobilizar no espaço o ser humano em sua fase de desenvolvimento infantil. Julia Varela e Alvarez-Uria (1992) descrevem as seguintes características que a escola passou a ter no mundo moderno: • A definição de um estatuto específico, que possibilitasse tornar a infância uma categoria social a ser pensada coletivamente; • A emergência de um espaço específico destinado à prática da educação; 108 Fernandes (2000), ao relatar a evolução dos principais conceitos vinculados à idéia de infância na língua portuguesa, comenta que devemos afirmar a pluralidade semântica da expressão infância e usá-la no plural. O que Ariès chama de “sentimento de infância” é, na verdade, o modo moderno de conceituar essa fase. 135 • O aparecimento de um de especialistas na arte de educar que passam a ter o monopólio do ensino das crianças; • A eliminação de outros modos de educar as crianças, com a proibição do trabalho infantil; • A imposição da obrigatoriedade escolar, que demonstrava a supremacia da coletividade sobre as famílias. A modernidade educativa começa com os jesuítas109, mas tem entre os seus principais teóricos nomes como Comenius, Rousseau e John Locke, que desenvolveram algumas idéias sobre educação que já se encontravam em Erasmo de Roterdam. Além disso, a escola moderna deve muito sua existência ao surgimento da Sociedade de Corte e também à invenção da imprensa. O Ensino criado pelos colégios jesuítas era organizado por seqüências e hierarquias, formando classes homogêneas em função da idade dos alunos. O educador não se dirigia mais a um discípulo específico, mas a um grupo de alunos. A criança havia se tornado um aluno, esboço da criança-indivíduo que iria substituir a criança-linhagem – para usar termos inspirados em Jacques Gélis (1991) 110. O processo de individualização intensa que marca o início da modernidade, de acordo com Roger Chartier (1991), foi marcado por novas características e regras de comportamento, que criaram uma nova consciência de si mesmo e dos outros, criadas por um longo processo de privatização da vida, processo este que atinge seu ponto de não-retorno a partir do século XVI com o advento da Sociedade de Corte e de um programa pedagógico criado para educar o corpo, os sentidos e a mente. Norbert Elias (1994) descreve esse processo enfatizando os mecanismos de implantação e reprodução das normas sociais como centrais para o desenvolvimento do processo civilizatório. Ele apresenta um esquema de evolução do comportamento “civilizado” baseado em três conceitos diferentes, dos quais apenas um nos interessa mais diretamente no trato do nosso tema. 109 Uma boa exposição sobre a pedagogia dos colégios jesuítas encontra-se em Boto (2002). 110 Gélis (1991) assim descreve o surgimento da educação moderna: “A nova educação deve seu êxito ao fato de moldar as mentes segundo as exigências de um individualismo que cresce sem cessar. (...) Uma consciência de vida que já não implica o respeito às antigas solidariedades e pretende valorizar o indivíduo obriga a recorrer a terceiros, preceptores e orientadores de estudos, cuja missão consiste em abrir a criança para conhecimentos que seus pais não poderiam lhe dar. Na verdade, os pais compreendem que o isolamento no espaço privado poderia frustrar a criança, pois eles próprios são incapazes de dar-lhe uma formação alternativa como a que receberam outrora da comunidade. Assim se efetua uma dupla passagem: da família-tronco à família-nuclear; de uma educação pública comunitária e aberta, destinada a integrar a criança na coletividade para que incorpore os interesses e os sistemas de representação da linhagem, a uma educação pública de tipo escolar, destinada também a integrá-la, facilitando o desenvolvimento de suas aptidões” (pp.324-325). 136 O primeiro, a courtoisie, descreve o padrão feudal e expressa o sentimento de auto- distinção da elite pertencente à corte e que desejava se distinguir das demais classes sociais através de um comportamento específico. Uma forma de expressão disso foi o comportamento à mesa. O “comportamento cortês” evolui e se torna mais complexo. Isso produz a passagem para o segundo tipo sociabilidade européia e justamente a que mais nos interessa, que é a Civilité, inaugurada no século XVI com o livro o De Civilitate Morum Puerilium (A civilidade pueril111) de Erasmo de Roterdam , um tratado a respeito da compostura exterior do corpo, mas que dá uma importância demasiada aos valores morais e à formação cultural das crianças. De acordo com o autor renascentista, A arte de educar as crianças divide-se em diversas partes, das quais a primeira e a mais importante é que o espírito, ainda brando, receba os germes da piedade; a segunda, que ele se entregue às belas-letras e nelas mergulhe profundamente; a terceira, que ele se inicie nos deveres da vida; a quarta, que ele se habitue, desde muito cedo, às regras de civilidade. Foi esta última parte que eu hoje escolhi para tema; outros se ocuparam das três primeiras e eu próprio a elas me referi muitas vezes. Se bem que a educação (savoir vivre) seja inata em qualquer espírito bem formado, por falta de preceitos formais, homens honrados e cultos e cometem todavia faltas, o que é lamentável. Não nego que a civilidade seja a parte mais modesta da Filosofia, contudo (...) convém portanto que um homem preste atenção à sua aparência, aos seus gestos e à sua maneira de vestir, tanto quanto à sua inteligência. A modéstia – eis o que convém às crianças, e em particular às crianças nobres: ora há que considerar nobres todos aqueles que cultivam o espírito graças à prática das belas-letras (Erasmo, 1978: 70). Durkheim (1995) comenta que o tratado de Erasmo, escrito como um roteiro de ensino da polidez para crianças, acabou transformando a polidez um objeto destacado no processo educacional. O livro se tornou um grande sucesso de vendas. Revel (1991) explica que o interesse pelo livro relaciona-se a sua capacidade de oferecer uma nova linguagem que pudesse ajudar a construir uma nova sensibilidade em relação a novos comportamentos. O tratado de Erasmo não é apenas reeditado seguidas vezes; ele se torna objeto de um trabalho coletivo que redefine seus usos e remaneja suas intenções. Jacques Revel (1991) alista as seguintes transformações sofridas pelo livro A Civilidade Pueril: a) o modelo de civilidade proposto por Erasmo, apesar de nascido de um 111 De acordo com Boto (2002), “a puerilidade consiste em uma etapa de rápido desenvolvimento orgânico,físico: não são, ainda, entretanto, adultos. Nem crianças, nem adultos, havia de se preparar os pueris para a transição: eram rapazinhos; meninas-moças, aquela fase intermediária à qual dificilmente se reconhece alguma especificidade que não coincida com alguma imperfeição. Não se é uma coisa nem outra: nem a criança perdida, nem a maturidade, ainda ausente. (...) esta seria muito provavelmente a idade ideal para efetuar a transição do menino para o homem; da infância para a idade madura; da família para a vida social. Daí o caráter emblemático que o tratado A civilidade pueril adquiria para organização de valores e saberes presentes na moderna escolarização (...)” (p.20). Rousseau (1999) concebeu a puerilidade de modo distinto: para ele, a puerilidade se iniciaria a partir do domínio da fala e não mais automaticamente a partir dos sete anos. 137 projeto humanista, rapidamente influencia países em que as várias denominações protestantes (luterana e calvinista) conseguiram impor a reforma religiosa. Isso se explica pela convicção existente entre os reformadores de que a educação das crianças é primordial. Isso em função de duas convicções – a primeira, totalmente oposta à Filosofia de Erasmo – é de que a criança (como todo ser humano) é má e tudo a leva a praticar o mal. A segunda é mais pragmática: as crianças se transformarão em adultos que precisarão conviver, mesmo sendo pecadores. A preocupação aqui é torna a civilidade um instrumento de controle social; b) ocorre um processo de escolarização da civilidade, que Revel (1991) descreve assim: Podia-se compreender A Civilidade como um texto destinado a chamar a atenção da criança para as expressões de seu corpo. No entanto, a verdadeira aprendizagem situava-se principalmente no seio da vida social e antes de tudo familiar. (...). Logo chega o momento em que a aprendizagem do corpo torna-se inseparável dos exercícios escolares propriamente ditos, da leitura, da escritura, da oração, numa relação pedagógica bastante hierarquizada. (...) um severo dispositivo didático baseado na repetição e na obediência prepara a incorporação da lição de civilidade, que ademais é coletiva e rapidamente saberá explorar as possibilidades de controle recíproco proporcionadas pela microssociedade escolar (pp.181-182). O século XVII foi marcado por um processo de racionalização e pela busca de um método capaz de descrever roteiros precisos para a observação, interpretação e organização dos fatos naturais e também, o que nos interessa mais de perto, pela busca de um método para educar. Como uma Ciência sistemática, a Didática deveria ser marcada pela universalidade do ensino. O método de ensino deveria unificar as práticas pedagógicas, criando um espaço e um tempo específico de aprendizagem, ou seja, o espaço escolar. Comenius (1997)112 foi o criador deste método com a sua Didática Magna. Comenius acreditava que somente o Estado poderia criar e administrar um sistema educacional capaz de implantar a moderna pedagogia que ele concebeu. Ele desejava universalizar a escola para todas as crianças. (Boto, 2002). A Escola seria fundada como uma “Oficina de homens”, educando as crianças nos valores morais como a humildade, a castidade, a temperança, etc. A criança que Comenius queria formar na escola era a criança que se tornou aluno para se tornar um adulto em formação. A puerilidade, com seu modelo de criança cortês, foi a gênese do conceito moderno de criança. 112 Jan Amos Komenský (Comenius é a transliteração do seu nome para o latim) , nasceu em 28 de março de 1592, na cidade de Uherský Brod (ou Nivnitz), na Moravia, região da Europa central pertencente ao antigo Reino da Boêmia (atual República Tcheca); estudou Teologia na Faculdade Calvinista de Herbon,tornando-se pastor religioso em Fulnek. Assume então o encargo de dirigir as escolas do Norte da Morávia. Morreu no dia 15 de novembro de 1670, em Amesterdam. Ver Narodowski (2001) para uma análise da obra de Comenius. 138 A transformação dos contos de fada113 em literatura infantil ilustra bem essa nova sensibilidade em relação às crianças. Robert Darnton (2001), em seu livro O grande Massacre de Gatos, descreve a história de Chapeuzinho Vermelho na versão que circulava entre os camponeses franceses e a reconstrução que esta história teve nos trabalhos de Charles Perrault e os irmãos Grimm. Os camponeses relatavam a história oralmente, descrevendo a realidade de um modo brutal e violento. Perrault recriou a história a partir das suas fontes orais, retirando os trechos que faziam menção à crueldade e a falta de pudor, retocando e acrescentando elementos estilísticos próprios da escrita, visando agradar os sofisticados freqüentadores dos salões e cortesãos, a quem ele endereçou Contos da mamãe Ganso, seu primeiro livro (Fujimura, 2006). Foram os irmãos Grimm, entretanto, que deram um formato mais ameno a história, acrescentando um desfecho menos violento para se dirigir ao público infantil. De acordo com Coelho (2003), os irmãos Grimm foram influenciados pelo ideário cristão que se consolidava na época romântica e cedendo a polêmica levantada por alguns intelectuais, contra a crueldade de certos contos, na segunda edição da coletânea, retiraram episódios de demasiada violência ou maldade, principalmente daqueles que eram praticados contra crianças. O sucesso desses contos abriu caminho para a criação do gênero: Literatura Infantil (pp.23-24). O movimento romântico consolidaria a especificidade de uma literatura voltada para a criança com as histórias de Hans Christian Andersen. Em síntese, com a popularização da escola, a família também se volta para si mesma, passando a ser uma instituição de afetos, depois de perder sua função de unidade produtiva. A família passa a ter como função primordial o cuidado e a educação das crianças (esta última compartilhada com a escola), cultivando assim o sentimento de infância. Após a revolução industrial, com a ascensão da burguesia, o infantil começa a se tornar mais comum, e as crianças passam a ter acesso a produtos culturais e, posteriormente, passa a existir uma cultura infantil. Nos séculos XIX e XX surgem os especialistas que passaram a auxiliar as famílias na educação e no cuidado com as crianças. A educação passa a ser um direito114 e o status da criança começa a ser transformado: de um adulto menor, ele passa a ser um sujeito de direito (Nascimento, 2001). O quadro seguinte ilustra resume bem essa transformação: 113 A pesquisadora Maria Tatar (2003) mostra a origem dos contos de fada na cultura oral adulta e a transformação que sofreram a partir do século XVII para se transformarem em literatura infantil. 114 Para uma discussão sobre o desenvolvimento histórico do direito à educação, ver Boto (2003 e 2005). 139 A Nova família Burguesa e o sentimento da infância Modelo medieval Adultos e crianças vivem misturados Estatuto moral da criança ambíguo: simultaneamente é vista como “anjo e demônio” A aprendizagem ocorre pela prática: aprende-se fazendo junto com o adulto A escola destina-se ao clero Ausência de classes por idade na escola Famílias com grande prole Família centrada na linhagem e no patrimônio A família tem sociabilidade Modelo da burguesia As vivências de adultos e crianças são específicas e marcadas pela segregação por grupos etários A infância é concebida como tempo de inocência e pureza Educação escolar A escola destina-se à educação das crianças As classes escolares são organizadas por idade Família “malthusiana” (controle da natalidade) Família centrada na criança A família é centrada em si mesma Quadro 2.1: Adaptado de Nascimento (2001) b) a infância e o espaço público: o paradoxo da construção de direitos em uma sociedade disciplinar115 O moderno sentimento de infância surge no mesmo período em que se inicia o processo de privatização da vida, que caracterizaria a Modernidade. Ariès (1991) descreve seis categorias de mudanças que construíram uma maneira privatizada de viver: 1) a literatura de civilidade, na qual os costumes dos cavaleiros medievais se transformam em regras de polidez; 2) a literatura autógrafa, na qual –graças à alfabetização – leitura, escrita e autoconhecimento se juntam na produção de diários e cartas; 3) o gosto da solidão; 4) o cultivo da amizade; 5) o desenvolvimento do gosto (mobiliário, roupas e culinária); 6) a transformação da casa (diminuição do tamanho dos cômodos, criação de espaços de comunicação que permitem entrar e sair de um cômodo sem passar por outro,a especialização dos aposentos, distribuição do aquecimento e da luz). Ariès chama atenção para a organização do espaço público em torno do Estado, que se torna responsável pela organização também de alguns serviços considerados públicos. É no contexto da ampliação destes serviços públicos que a criança será concebida como um sujeito de Direitos 115 As especificidades da infância brasileira não serão discutidas nesta seção. Do ponto de vista legal, para exemplificar, a infância não era reconhecida, ficando subsumida no conceito de menor, embora este apenas nomeasse a infância abandonada e pobre. Para uma discussão da infância no Brasil, ver Freitas(1997) e Del Priore (2000). 140 A infância será assistida, em uma atividade que visa suprir as deficiências e ausências das famílias de três formas diferentes, como pode ser visto no quadro 2.2: Modelos de Assistência à Infância Modelo Caritativo Modelo Filantrópico Modelo do Estado do Bem-Estar Social Instituições religiosas Caridade como motivação Enfrentamento da pobreza Crianças abandonadas (roda dos expostos) Sociedades de Proteção à Infância Conhecimento científico e a criança como riqueza da nação Economia Social Ensino profissionalizante para as crianças expostas Restrição da prática do abandono e a criação de programas de assistência domiciliar para as crianças e suas mães Serviços públicos de Educação, saúde e Proteção Social Os Direitos Sociais Crianças cidadãs Quadro 2.2: Modelos de assistência à Infância Os modelos se sucedem historicamente, embora nenhum deles tenha desaparecido completamente a partir do advento do modelo seguinte. Vejamos uma análise de cada um dos modelos: 1) Modelo Caritativo: O primeiro modelo origina-se da Igreja Católica e de sua ênfase na caridade como instrumento de atenuar a pobreza e se desenvolveu no período medieval (Marcílio, 1998). Assim, misericórdia e miséria seriam duas faces da mesma moeda. De acordo com Nascimento (2001), A Igreja define os modelos deformação, organiza instituições e programas intervenções seguindo determinadas práticas e modelos para as classes altas (neste caso amparar a pobreza) e para o povo (conformar-se com a promessa da riqueza no “reino dos céus”), uma vez que também é marca da Idade Média o dualismo social oriundo da “ordem” desejada por Deus, invariável, definitiva e justa. Em conformidade com este ordenamento, os primeiros hospitais têm origem na atuação dos bispos que transformam suas residências em abrigo da pobreza. Dado que o pobre é em certa medida um representante de Deus, a manutenção de mosteiros e hospitais era dever de religiosos e leigos. A prática de hospedar iniciava-se no portal das hospedagens ou hospitais onde pobres, doentes e abandonados eram acolhidos. Aqui se encontra (...) a origem do acolhimento dos enjeitados no mundo ocidental, que, tempos depois, se institucionalizará da “roda dos expostos” em significativa parcela do território europeu (p.160). As rodas de expostos surgiram na Itália durante a Idade Média. Elas surgiram com a aparição das confrarias de caridade (século XII), sendo que uma delas – nomeada pelo Papa Inocêncio III – organizou em Roma o primeiro Hospital destinado a acolher as crianças abandonadas e assisti-las. De acordo com Maria Marcílio (1997), 141 O nome da roda provém do dispositivo onde se colocavam os bebês que se queriam abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior e em sua abertura externa, o expositor depositava a criança que enjeitava. A seguir, ele girava a roda e a criança já estava do outro lado do muro. Puxava-se uma cordinha com uma sineta, para avisar a vigilante ou rodeira que um bebê acabava de ser abandonado e o expositor furtivamente retirava-se do local, sem ser identificado (p.55). A roda originalmente servia para que os monges que tivessem feito votos de isolamento do mundo pudessem receber as mercadorias que necessitavam sem entrar em contato com pessoas estranhas. Inicialmente, as crianças que eram recebidas na roda haviam sido doadas por seus pais para o serviço de Deus – a chamada oblação116 – depois, muitos pais que queriam abandonar seus filhos passaram a utilizar a roda, que passaria a ser usada exclusivamente para receber os expostos. Esta prática se difundiu para vários países, inclusive o Brasil. 117 As crianças deixadas na roda eram educadas no mosteiro, aquelas que não eram dedicadas ao serviço religioso aprendiam um ofício e as meninas recebiam um pequeno dote para que pudessem casar. A partir do século XIII, começa a passagem do hospital medieval para o controle secular, passando a responsabilidade pelos doentes para a municipalidade. Tal fato faz com que a assistência aos abandonados passa a ser uma questão de caridade pública. O número de crianças abandonadas tem um crescimento constante e na segunda metade do século XVIII começa a surgir um movimento contrário ao abandono de crianças que propõe a abolição da roda e sua substituição por outras estratégias de amparo à infância. 2) Modelo Filantrópico: a partir do final do século XVIII e durante o século XIX, ocorre um esforço de promover o fortalecimento da família e a prática da adoção. Os filósofos- moralistas, ainda no século XVIII, conceberam a caridade e a filantropia como parte da natureza humana e propuseram uma nova maneira de entender a finalidade da ação altruísta em relação às crianças: não mais a salvação de suas almas através do batismo, mas a salvação de seus corpos mediante uma série de serviços. Era preciso cuidar das crianças como se cuida de um patrimônio público.118 Na verdade, três discursos decorrentes das mudanças econômicas e culturais, de acordo com Banditer (1989), criaram um novo status para a criança: o discurso econômico (a criança como um bem material para garantir a oferta de mão-de-obra e efetivos 116 Ver Marcílio (1998) e Nascimento (2001) sobre a oblação. 117 Sobre a roda dos expostos no Brasil, ver Marcílio (1997) e Resende (1999). 118 De acordo com Nascimento (2001), “a filantropia – filha do iluminismo, da Revolução Industrial, do Liberalismo, da urbanização e do Higienismo – objetiva um ordenamento da sociedade e do Estado que viabilize o progresso da civilização. (...) Trata-se de uma nova teoria de ação social que se volta especialmente para a saúde e as condições de vida do operariado; não enfocando motivações religiosas, mas a necessidade de controle social sobre os novos agentes do trabalho. As crianças serão o alvo privilegiado (...). A nova teoria as vê como a riqueza da nação. Para que esta progrida, é necessário educá-las e também as suas famílias(...)” (p.178). 142 para os exércitos nacionais), o discurso filosófico (igualdade entre os indivíduos) e o discurso dos agentes do Estado, defendendo uma maior responsabilidade da mulher no cuidado com a criança. Na segunda metade do século XIX começam a surgir pela Europa Sociedades de Proteção à Infância com a pretensão de ocupar-se da gestão das crianças abandonadas ou delinqüentes para interná-las em estabelecimentos de sua administração ou entregá-las a famílias de sua escolha (Donzelot,1978). 3) Modelo do Estado do Bem-Estar Social: Estado do bem-estar-Social pode ser compreendido como o monopólio do Estado em relação à solidariedade social. Historicamente, a adoção deste modelo implica na transformação da solidariedade subjetiva (filantropia) para uma solidariedade objetiva (direitos de cidadania), que administra os recursos e controla o acesso aos serviços estruturados para atender a população. A partir dessa concepção de solidariedade social, começa a se desenvolver, ao final do século XIX, o conceito de direitos sociais. Como bem esclarece Nascimento (2001), Os direitos sociais são uma aplicação prática da solidariedade, objetivam nada mais que reparar as carências da sociedade, compensar a miséria e reduzir a opressão; portanto, visam corrigir a sociedade e não reorganizá-la. É a contribuição de todos que gera uma melhoria na sociedade; portanto, os direitos em questão não demandam uma transformação radical da sociedade mas uma reparação dos danos causados pela divisão social do trabalho (p.194). No que diz respeito à criança, a proteção pública se amplia de modo a acompanhá-la desde antes do seu nascimento (pré-natal médico), passando pela sua educação e até mesmo regulando os procedimentos que os pais deveriam adotar em relação aos cuidados e a forma de disciplinar seus filhos. A escola pública já havia sido tema de discussão logo após a Revolução Francesa (Boto, 2003), sendo disseminadas em toda a Europa a partir do século XIX. Os jardins de infância também começam a ser disseminados no continente europeu antes do século XX119. Além disso, novos programas de cuidados médicos e o surgimento da Psicologia da criança reforçaram essa nova percepção da infância. A escolarização das massas era essencial na sociedade capitalista para que se produzissem indivíduos disciplinados e submetidos às regras sociais (Foucault,). Trata-se do surgimento do que Foucault denominou de ‘sociedade disciplinar’. Esta surge no século XVIII, caracterizando a modernidade. O poder exercido na sociedade disciplinar tem como objetivo criar corpos dóceis, disciplinados por uma série de dispositivo que passaram a regulamentar o 119 Os jardins de infância foram criados pelo educador alemão Friedrich Froebel. Uma boa reflexão sobre este educador encontra-se em Arce (2002). 143 espaço-tempo dos indivíduos. O poder disciplinar não é apenas negativo: ele criar relações, objetos e sujeitos. No caso da criança, a sociedade disciplinar produziu um efeito normatizador através dos dispositivos pedagógicos e psicológicos, tentava adequar os filhos da classe operária aos padrões de submissão que se desejava nas fábricas. As crianças contudo, se rebelavam contra essas estratégias e concepções libertárias de educação120 apareceram para propor uma nova visão do processo de ensino-aprendizagem. Na segunda metade do século XX, uma nova concepção de criança começa a surgir: a criança é concebida como um sujeito de direitos, o que se consolida com a Declaração Universal dos Direitos da Criança em 1989. c) O estatuto de sujeito de Direitos e a teorização sobre a criança O processo histórico que culminou com o moderno conceito de criança como cidadão é descrito em vários trabalhos, a partir de abordagens históricas, sociológicas, antropológicas e filosóficas (Andrade, 1998; Nascimento, 2001; Renaut, 2004; Cohn, 2005; Atem, 2006). Este processo, como foi visto, iniciou-se com a compreensão de que a infância é uma etapa de vida distinta da adulta que deve ser valorizada como tal – o que ocorreu a partir do século XVIII, embora a incorporação dessa nova infância ao mundo adulto somente tenha ocorrido na segunda metade do século XX. A escola tornou-se o espaço público reservado à criança e responsável pela sua inserção, paulatina, neste mundo adulto. O filósofo francês Alain Renaut afirma que a modernidade trouxe um paradoxo no que diz respeito ao nosso entendimento do status da criança. Ao libertar os seres humanos das formas tradicionais de dominação, a modernidade transforma as relações de autoridade, impondo uma dimensão contratual em todo o exercício de poder, o que inclui as relações parentais, de modo que se faz necessário a adesão daqueles sobre os quais se exercem o poder. No âmbito da educação, já não se aceita mais as práticas desumanizantes como a palmatória e a humilhação moral. A grande questão seria como manter a autoridade paterna e docente neste contexto. Nas palavras de Renaut (2004), Numa sociedade democrática, em que está adquirido que o outro deve ser pensado como um igual, portador dos mesmos direitos que todos os seres humanos, é a alteridade da criança121 que começou a criar 120 Sobre a pedagogia libertária ver Gallo (1993), Valverde (1996) e Lourau (2004). 121 Guimarães (2005) afirma que a alteridade da criança é tratada de modo diferente na modernidade e na pós- modernidade. Na modernidade, a alteridade da criança é transformada em um estágio de desenvolvimento humano que culmina com a vida adulta. Na pós-modernidade, a alteridade da criança é diluída até quase desaparecer. Ver também Postman (1999). 144 problemas. De facto, mostrou-se difícil assegurar, entre o espaço político e o da educação, uma pura e simples continuidade, alargando à relação com a infância, na família ou na escola, as mesmas opções que estruturam a nossa relação com o outro, concebido como exercendo a cidadania pela mesma razão e com os mesmos direitos que eu. A transposição destes princípios e destes valores da política para a educação, que fez mais do que esboçar-se durante estes últimos decênios e que estaria, de resto, dentro da lógica das sociedades democráticas, revela-se tão delicada que se impõe doravante, com uma insistência cada vez mais marcada, uma questão profundamente paradoxal: numa sociedade de iguais, como limitar suficientemente o acesso da criança à igualdade para preservar as condições de possibilidade de uma relação educativa, sem que esta limitação induza, apesar disso, uma regressão em direcção à concepção da autoridade parental e do poder escolar que não seriam compatíveis com os valores da igualdade e da liberdade? (p.281). A análise de Renaut simplifica a compreensão de cidadania e de direitos da criança ao focar sua atenção na dimensão política dos direitos. Santos (2001) resume bem o estudo de T. H. Marshall sobre o desenvolvimento da cidadania ao afirmar que esta é produto de histórias social protagonizada por grupos sociais diferentes. De acordo com o pensador português, Os direitos cívicos correspondem ao primeiro momento do desenvolvimento da cidadania; são os mais universais em termos de base social que atingem e apóiam-se nas instituições do direito moderno e do sistema judicial que o aplica. Os direitos políticos são mais tardios e de universalização mais difícil e traduzem-se institucionalmente nos parlamentos, nos sistemas eleitorais e nos sistemas políticos em geral. Por último, os direitos sociais só se desenvolvem no nosso século e, com plenitude, depois da Segunda Guerra Mundial; têm como referência social as classes trabalhadoras e são aplicados através de múltiplas instituições que, no conjunto, constituem o Estado-Providência (Santos, 2001:244). O estudo de Nascimento (2001) mostrou que a construção dos direitos da criança se dá no desenvolvimento de uma cidadania social vinculada intimamente a políticas de proteção da família e visando assegurar o desenvolvimento da criança até a idade adulta sob as melhores condições possíveis. Cidadania social é, antes de tudo, o direito de ser protegido e ajudado a superar condições que dificultam o exercício das dimensões cívica e política da condição cidadã. A Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas (1989), por sua vez, enfatiza também os direitos vinculados à cidadania cívica, tais como o de liberdade de expressão (art.13), de liberdade de pensamento, de consciência e de crença (art.14), embora afirme que os Estados respeitarão o direito dos pais de orientar a criança no exercício de seu direito. Voltando a questão de Renaut, a cidadania da criança repercute de forma diferente na família e na escola. De fato, nas sociedades ocidentais modernas é observável que as mudanças sociais têm produzido um deslocamento nas relações de autoridade pais/filhos, substituindo um modelo fundamentado na imposição e no controle por um modelo baseado na participação e na negociação (Montadon, 2005). Na Europa, as pesquisas demonstram a substituição das práticas 145 parentais autoritárias por práticas democráticas (Du Bois Reymond et al. 2001; Montadon & Longchamp, 2003). De acordo com Montadon (2005), isso não significa que o estilo negociador tenha substituído os outros estilos, nem muito menos que a negociação seja sinônimo de abandono de autoridade. Nas famílias, ainda existem algumas proibições e regras que os pais não discutem e os filhos aprendem que algumas coisas são negociáveis e outras não. Isso não que dizer que entre os vários estilos de exercício da parentalidade não tenhamos formas autoritárias e negligentes (Cecconello et alli, 2003). A questão é o exercício da parentalidade, como o próprio Renaut (2004) reconhece, não pode ser limitado por um espírito de contrato e de reciprocidade. O princípio que fundamenta essa visão se encontra em uma concepção diferente de cidadania e de emancipação (Santos, 2001). Uma concepção que incorpora o conceito de cuidado. Um trabalho no campo da saúde pode ser útil para subsidiar uma reflexão sobre esse tema. Trata-se da tese de doutorado de Maria Gomes Pires (2004) intitulada Politicidade do cuidado como referência emancipatória para a gestão de políticas de saúde: conhecer para cuidar melhor, cuidar para confrontar, cuidar para emancipar. De acordo com a autora, o cuidado é uma relação interativa, controversa e processual de auxílio, oscilando em um espaço entre a proteção é a opressão. A politicidade do cuidado consiste no fenômeno de poder que lhe é próprio, ou na capacidade de subversão dos efeitos opressivos que o exercício do poder produz. Para Pires (2004), é possível conceber um cuidado emancipatório em que as ações solidárias em prol do outro tem a potencialidade de desconstruir, de modo progressivo, as assimetrias do poder. Uma condição para isso é que o cuidado se desenvolva de modo dialético – construindo a autonomia dos outros envolvidos na medida em que re-elabora a forma como se exerce a tutela. Essa concepção de cuidado aplica-se, certamente, às relações paterno-filiais. Ao princípio da reciprocidade deve-se acrescentar o princípio do cuidado, que deve estabelecer as condições de possibilidade de relações simétricas em função do dever de cuidar. No contexto escolar, a questão se expressa de outra forma. Inicialmente é preciso considerar a escola como o espaço em que se efetiva a ação educativa. Neidson Rodrigues (2001) define ação educativa como Um processo regular desenvolvido em todas as sociedades humanas, que tem por objetivos preparar os indivíduos em crescimento (crianças e adolescentes) para assumirem papéis sociais relacionados à vida coletiva, à reprodução das condições de existência (trabalho), ao comportamento justo na vida pública e ao uso adequado e responsável de conhecimentos e habilidades disponíveis no tempo e nos espaços onde a vida se realiza. Ao redor desses aspectos se desdobra o conjunto das ações educativas a serem desempenhadas pelos sujeitos educadores entre eles e a escola. (p.235). 146 Para Rodrigues (2001), a ação educativa na contemporaneidade vem se tornando cada vez mais complexo em função dos seguintes fatores: a) as crianças estão sendo enviadas para as escolas cada vez mais cedo e nelas permanecerão por um tempo mais extenso; b) a escola vem assumindo o papel de se responsabilizar pela formação do sujeito ético, papel este que tradicionalmente era distribuído entre as famílias, as igrejas e a comunidade como um todo. Necessário lembrar também a formação ética dos cidadãos foi o primeiro e mais constante sentido atribuído à ação educativa na sociedade ocidental nos momentos de significativa transformação social, como ocorreu na Grécia antiga e no Iluminismo revolucionário (Valle, 2001). O que há em comum nesses períodos históricos é a supremacia do espaço público em relação ao espaço privado122. Na sociedade contemporânea, porém, ocorre o inverso – como bem demonstram estudiosos como Habermas (1984), Lasch (1983) e Sennett (1988). A construção de uma “tirania da intimidade” e o desenvolvimento de uma “cultura do narcisismo” em decorrência do desencanto com o espaço público da política acabaram por produzir um esvaziamento da participação social na gestão pública, como se pode ver claramente pela diminuição progressiva dos eleitores em processos em que o voto é facultativo. No que diz respeito ao sistema escolar, e discutindo uma realidade tipicamente brasileira, algumas mudanças significativas ocorreram a partir da implantação de uma nova ordem constitucional, surge uma nova consciência de que – além do desenvolvimento da pessoa e sua qualificação para o trabalho – a educação escolar deve ter como objetivo o preparo para o exercício da cidadania. Nas Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a cidadania é considerada como um dos elementos essenciais para a ação educativa. Essas leis ganharam uma configuração mais pedagógica quando, em 1997, o Ministério da Educação publicou em uma coleção de dez volumes os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Uma das capacidades esperadas dos alunos é “compreender a cidadania como participação social e política, assim como o exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si mesmo o respeito [...]” (MEC, 1997: pp.107-108, vol. I). Apesar das críticas feitas ao conceito de cidadania na escola, 123 algumas análises de experiências interessantes sobre práticas educativas que promovem a cidadania (Volpato, 2003; Simette, 2006) apontam para uma dificuldade em promover uma “cidadania politizadora”, 122 Ver Campato (2002). 123 Brayner (2001) apresenta as seguintes críticas: a) o direito à diferença no contexto escolar foi confundido com o direito a viver sua cultura de forma exclusiva, com o desprezo pela cultura ocidental hegemônica; b) é preciso diferenciar o direito à fala e à expressão daquilo que é expresso. É necessário valorizar o questionamento e o diálogo e não reforçar o entendimento de que todas as opiniões são válidas; c) a sala de aula não é uma ágora: seu alcance é limitado e restrito a questões que não atingem a vida social como um todo. 147 centrada na participação. Ao mesmo tempo, novas formas de gestão escolar incentivaram a participação através dos conselhos. Uma questão presente neste contexto é as condições objetivas que se tem para a efetiva participação nesses conselhos. Algo bem diferente ocorre em experiências em que a participação não somente é garantida formalmente, como também ocorre a garantia de oferta das condições objetivas para essa participação, além de se ter também a possibilidade de discutir e opinar a respeito de questões relevantes e ter a garantia que as decisões tomadas serão de fato implementadas, conforme descreve Kelly Santos ( 2005). Algumas experiências em que essas condições foram ofertadas produziram resultados efetivos. Assim, podemos citar, dentre outras as seguintes vivências de democracia participativa na escola: 1) A autogestão dos orfanatos de Janus Korczak124, onde em assembléia as regras eram construídas e o voto do próprio Korczak tinha o mesmo valor do voto de cada criança; 2) A experiência de Summerhill, na Inglaterra em que há uma gestão democrática da escola, sem disciplinas obrigatórias e com uma vida comunitária intensa por funcionar na forma de internato125; 3) O trabalho de Célestin Freinet126 que defendia a liberdade de ação, de pensamento e de escolha no contexto educacional das crianças. A condição cidadã da criança, nas suas dimensões cívicas, políticas e sociais, ainda é uma tarefa a desafiar a sociedade contemporânea. Esse desafio talvez ajude a explicar o por que tantos saberes se voltaram recentemente para compreender a infância. Na verdade, parece ser possível delinear o surgimento de um discurso contemporâneo sobre a infância em contraposição ao discurso moderno. Esta é a concepção que Atem (2006) apresenta. Para esta autora, alguns discursos crítico-científicos contemporâneos conceberam a idéia de uma “criança com voz” em contraposição à idéia moderna de infância, na qual a criança é concebida como imatura e dependente dos adultos. Entre estes discursos, a autora menciona a Antropologia da Infância, a Sociologia da Infância e a Psicologia Social Comunitária127. De um modo distinto, é possível 124 As principais obras de Korczak encontram-se traduzidas para o português: Quando eu voltar a ser criança (1981); Diário do Gueto (1986a); O Direito da Criança ao respeito (1986b), texto que serviu de base para a Declaração dos Direitos da Criança das Nações Unidas e Como amar uma criança (1997). Sobre a vida e a obra de Korczak, ver Singer, Murahovschi e Lewowicki (1998); Gomes,(1999) e Arnon (2005). 125 Para uma compreensão melhor da proposta de Summerhill ver os livros do criador da escola, Alexander Neill (1980;1987) e Singer (1997). 126 No Brasil, boa parte dos trabalhos de Freinet (1997a, 1997b, 1997c, 1997d,1998a, 1998b,1999,2001, 2004) estão disponíveis. Para uma introdução à obra de Freinet, ver Cabral (1978), Freinet (1979), Elias (1996) e (2002). 127 Estes discursos que estão preocupados em entender a criança como um agente podem ser contraposto aos discursos clássicos acerca da criança surgidos entre os séculos XVIII e XX, tais como a pedagogia e a pediatria (além da Psicologia do Desenvolvimento), caracterizados por apresentarem uma compreensão da criança como um ser passivo. 148 também. incluir a Filosofia da Criança que tem centrado sua crítica na concepção da infância como constituída por estádios de desenvolvimento, concepção formulada pela Psicologia. Vejamos esses discursos com mais vagar: A Antropologia da “infância” No seu livro Antropologia da Criança, Clarice Cohn afirma que a especificidade da Antropologia consiste em tentar compreender o fenômeno humano em seu contexto social e cultural, abordando as culturas e as sociedades como um sistema. Isso significa que qualquer fenômeno somente pode ser compreendido a partir do valor que possui no interior do sistema (contexto simbólico e social) em que é gerado. Uma conseqüência disso para a compreensão da infância é que não podemos falar de crianças, sejam elas indígenas ou de uma grande metrópole, sem entender como é que se pensa a infância naquele contexto e qual é o lugar que a criança ocupa naquela sociedade. Assim, a autora acredita que a Antropologia pode oferecer duas contribuições ao estudo da infância: a primeira, no âmbito teórico, é oferecer um modelo analítico que permita entender a criança por elas mesmas; a segunda, no âmbito metodológico e fundamentando a primeira, é metodológico: o uso da etnografia para uma observação direta da criança e seus afazeres, como também permite uma melhor compreensão de seu ponto de vista sobre o mundo no qual está inserida. Cohn (2005) afirma que não existe uma antropologia da infância e sim da criança, pois a infância é algo particular enquanto as crianças existem em toda parte128. Além disso, a proposta da antropóloga brasileira concebe a criança como produtora de cultura, produzindo um mundo simbólico diferente do adulto. Assim, A diferença entre as crianças e os adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança não sabe menos, sabe outra coisa. Isso não quer dizer que a antropologia da criança recente se confunda com análises do desenvolvimento cognitivo; ao contrário, dialoga com elas. 129 A questão, para a antropologia, não é saber em que condição cognitiva a criança elabora sentidos e significados, e sim a partir de que sistema simbólico o faz (Cohn, 2005:33), Duas questões a respeito da Antropologia da Criança de Cohn: 128 Para uma discussão sobre as diferenças conceituais existentes na compreensão dos termos criança, infância e criança ver Javeau (2005). Este autor explicar que o termo criança vincula-se ao campo de estudo da psicologia, enquanto que o conceito de infância é elaborado na demografia. Por fim, o conceito de crianças surge no campo da antropologia. 129 Uma boa apresentação das pesquisas sobre o desenvolvimento cognitivo e a questão da criança encontra-se em Kastrup (2000). 149 a) A criança parece ser, no modelo teórico de Cohn, uma invariante cultural, um dado da natureza. Se a infância é uma forma cultural de estruturar certas modalidades de vivência humana, e isso a autora afirma com razão, o que garante que o conceito de criança seja um dado invariante? O que diferenciaria o conceito de criança do de filhote? Se existem crianças por toda parte, elas não são as mesmas, como a autora reconhece ao afirmar a necessidade de compreendê- las à luz da cultura local a que pertencem. A criança, portanto, é um produto da infância de cada cultura e, por isso, difere do conceito de filhote. A questão aqui é justamente a recusa de entende essa condição como de enfans, aquele que não fala, como se o moderno conceito de infância fosse o único aceitável. Podemos afirmar que as crianças estão em toda parte do mundo da mesma forma que os enfans estão. Voltaremos a discutir essa questão ao abordarmos a concepção de Filosofia da Infância; b) A autora parece acreditar que a criança é um outro em relação ao antropólogo da mesma forma que os nativos, que foram os primeiros sujeitos das investigações antropológicas, o são; em outras palavras, a criança pertence a uma cultura diferente daquela do antropólogo, mesmo quando ambos pertencem à mesma sociedade. O antropólogo, esse cientista da tradução, seria capaz de fazer falar a criança de modo compreensível para os adultos através do trabalho antropológico de interpretação dessa fala. Vejamos que diz sobre esse trabalho de interpretação antropológica Eduardo de Castro (2002), eminente antropólogo brasileiro: a idéia antropológica de cultura coloca o antropólogo em posição de igualdade com o nativo, ao implicar que todo conhecimento antropológico de outra cultura é culturalmente mediado. Tal igualdade é, porém, em primeira instância, simplesmente empírica ou de fato: ela diz respeito à condição cultural comum (no sentido de genérica) do antropólogo e do nativo. A relação diferencial do antropólogo e o nativo com suas culturas respectivas, e portanto com suas culturas recíprocas, é de tal ordem que a igualdade de fato não implica uma igualdade de direito – uma igualdade no plano do conhecimento. O antropólogo estabelece depende do sentido nativo, mas é ele quem detém o sentido desse sentido – ele quem explica e interpreta, traduz e introduz, textualiza e contextualiza, justifica e significa esse sentido. A matriz relacional do discurso antropológico é hilemórfica: o sentido do antropólogo é forma; o do nativo, matéria. O discurso do nativo não detém o sentido de seu próprio sentido. De fato, como diria Geertz, somos todos nativos; mas de direito, uns sempre são mais nativos que outros. (pp.114-115). O deixar a criança falar por si mesma parece ser uma tarefa bem mais complexa para a Antropologia do que parece acreditar Clarice Cohn. 130 A mediação, seja de um outro adulto, seja das categorias construídas pela interpretação antropológica,parece ser inelutável. 130 A autora realizou um trabalho de pesquisa bem interessante sobre a infância entre os Xikrin, grupo indígena brasileiro que reside no sudeste do Pará. É fácil perceber neste trabalho a dificuldade de entender as crianças por elas mesmas: não há uma explicação em nenhuma parte do trabalho da autocompreensão das crianças; apenas as 150 A Sociologia da Infância: Sirota (2001) apresenta e discute os principais elementos e questões resultantes da emergência da Sociologia da Infância como um campo de estudo131. O contexto em que surge essa temática é a rejeição a uma concepção de infância com future being, como um ser não- formado e que somente pode ser compreendido através dos estudos das instituições responsáveis pela sua socialização como a família e a escola. Um novo interesse pela socialização a partir do ponto-de-vista do ator é o que desencadeia uma nova produção teórica tanto em língua francesa, quanto em língua inglesa. A redescoberta da sociologia interacionista, a fenomenologia, as abordagens construcionistas forneceriam os paradigmas teóricos nesse processo de reconceituação do processo de socialização, superando as definições funcionalistas hegemônicas e compreendendo a criança como ator. Assim, temos uma mudança de foco, no que diz respeito à criança, de uma sociologia da escolarização para uma sociologia da socialização. De acordo com a autora, é preciso desescolarizar a abordagem da criança, pois a análise da socialização não pode se ater exclusivamente aos problemas colocados pela escolarização. Alguns pontos resumem o consenso alcançado na sociologia da infância: a) a infância é uma construção social: a infância, compreendida como um fenômeno distinto da imaturidade biológica, não é um elemento natural ou uma característica universal dos grupos humanos, mas é um componente específico tanto estrutural quanto cultural de um número significativo de sociedades; b) os modos de construção social da infância possuem uma grande variabilidade, tanto diacrônica quanto sincrônica, reintroduzindo a infância como um objeto de análise sociológica e redefinindo as divisões clássicas entre psicologia e sociologia no que diz respeito a esse período da vida; c) a infância é um componente da cultura e da sociedade, e não um momento precursor e sem identidade; d) as crianças são atores em sentido pleno e não apenas seres em devir. Assim, não é relevante discutir o que produzem a família, a escola e o Estado sobre a criança, mas indagar a respeito do que a criança do que a criança cria na intersecção das instâncias institucionais que sobre ela atuam no processo de sua socialização; construções simbólicas dos adultos são utilizadas para explicar a infância conforme vivenciada naquele grupo indígena. (Cohn, 2000). 131 Montandon (2001) faz uma revisão da literatura publicada em língua inglesa, produzindo um diagnóstico muito parecido com o de Sirota. 151 e) a infância é uma variável da análise sociológica que se deve estudar articulando-a às variáveis clássicas como classe social, gênero e pertencimento étnico. Por fim, a própria autora enumera algumas dificuldades encontradas no campo, tais como: 1) como tratar os obstáculos epistemológicos que surgem a partir da apreensão da criança como categoria social e evitar uma visão estritamente ideológica? 2) Quais metodologias utilizar para compreender as experiências das crianças? A abordagem etnográfica é, realmente, a mais pertinente? 3) deve-se priorizar o estudo da infância comum com o objetivo de entender melhor os processos de construção social da infância, ou a prioridade deve ser dada ao estudo da infância submetida aos maus tratos? 4) que significado tem os estudos sobre relações inter- geracionais para compreensão da infância? 5) como se constrói a cultura da infância e quais são as especificidades desse grupo sociológico? 6) em que medida a sociologia da infância pode contribuir para a evolução da sociologia da educação e da sociologia geral? 7) como a sociologia da infância pode se articular com a totalidade das ciências humanas para produzir conhecimentos que subsidiem políticas sociais pública de proteção à infância? O trabalho de Sirota(2001) nos mostra as dificuldades do campo da sociologia da infância, sendo importante destacar àquelas de ordem metodológica. 132 A integração interdisciplinar parece ser também uma outra grande dificuldade do campo. Nas revisões de literatura consultadas (Sirota, 2001; Montandon, 2001), é possível perceber a ausência de textos que discutam essa articulação da sociologia da infância com outras áreas das ciências humanas, principalmente no que diz respeito ao vínculo com a História e com a Psicologia. Por fim, necessário se faz comentar o “estado da arte” da sociologia da infância no Brasil. É possível afirmar que ainda predominam os estudos sobre a escolarização da infância, apesar de uma significativa publicação de trabalhos sobre a sociologia da infância a partir da década de 90. 133 Além disso, a maior parte dos trabalhos sobre este tema foi publicada nas reuniões da Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), sendo produção mormente de educadores. A sociologia da educação parece não interessar aos sociólogos brasileiros. 132 Para uma boa revisão da literatura acerca da metodologia de pesquisa com crianças produzida no Brasil, ver Atem (2006). 133 Uma boa apresentação da emergência da sociologia da infância em nosso meio encontra-se em alguns trabalhos de Quinteiro (2000, 2002a, 2002b). O precursor da sociologia da infância no Brasil parece ser Florestan Fernandes, que em 1947 publicou um trabalho a respeito das brincadeiras que crianças de famílias operárias costumavam praticar nas ruas dos bairros operários de São Paulo. Este trabalho, denominado As "Trocinhas" do Bom Retiro, foi incorporado ao livro Folclore e mudança social na Cidade de São Paulo, publicado atualmente pela Martins Fontes. 152 A Psicologia Social Comunitária O discurso da Psicologia Social Comunitária sobre a infância pode ser melhor entendido através de uma análise de um artigo seminal escrito por Andrade (1998). Neste artigo, a autora discute a questão da infância no contexto do trabalho do psicólogo no âmbito da saúde pública. Ela afirma que os psicólogos, ao transportarem suas práticas tradicionais para o contexto da saúde, não conseguiram atender às verdadeiras demandas daqueles segmentos populacionais que procuram os serviços públicos de saúde justamente por não terem acesso a outros serviços. Isso foi bem discutido na literatura referente à atuação do psicólogo no âmbito do SUS. Uma novidade do texto de Andrade é a análise que ela faz de uma pesquisa realizada por professores do Departamento de Psicologia da UFMG, que tinha como público-alvo famílias de diferentes níveis sócio-econômicos e objetivava produzir conhecimento para orientar uma prática do profissional de Psicologia mais contextualizada. A autora comenta que De acordo com a pesquisa acima, a criança é considerada um “pedaço de seus pais”. A análise dos resultados indica que acriança, enquanto extensão dos pais, não é vista como sujeito que tem direitos próprios, independente de seus genitores. Assim, é muito precária a noção do direito da criança à pensão alimentícia e ao convívio com os pais. (Andrade, 1998: 166). Andrade(1998) utiliza o trabalho de Ariès para justificar sua idéia de que, a partir do século XVIII, iniciou-se um processo de “infantilização” da criança, em função do interesse do Estado de produzir uma população saudável e disciplinada através da educação. A criança deixava de ser educada pela comunidade e passava a freqüentar a escola. Como resultado dessa segregação, a criança passou a ser vista como um ser inacabado e imaturo. A Psicologia, ao trazer uma idéia de ascensão gradual em sentido qualitativo, reforçou essa concepção de “ainda não” da criança. Andrade cita Jens Qvortrup, sociólogo dinamarquês: O conhecimento psicológico, que tem tido enorme importância em definir a criança, traz implícita uma espécie de intencionalidade que equivale a dizer, de forma um tanto polêmica, que o objetivo final da psicologia é curar as crianças de suas infâncias (Qvortrup, citado por Andrade, 1998: 168). Na década de 90, surge uma nova preocupação com a proteção das crianças e de seus direitos, o que possibilitou uma preocupação com a participação das crianças no que se refere aos programas e intervenções psicossociais. Para que esses programas possam realmente ser bem sucedidos, necessário se faz uma mudança de mentalidade e valores. Um novo conhecimento psicológico é imprescindível para o conceito de participação da criança. A autora enumera as tarefas necessárias para transformar o conhecimento tradicional sobre a infância: 153 1) Compreender o fenômeno social e psicossocial da conceptualização da infância; 2) Descrever as representações sociais que os adultos fazem das crianças, suas necessidades e problemas; 3) Apreender as implicações do conceito de “qualidade de vida” referente à infância que pressupõe, como componente fundamental, a participação da criança. Andrade cita duas pesquisas sobre as famílias e suas crianças. A primeira, realizada em uma comunidade de baixa renda, próxima de Vitória-ES, foi publicada pela própria autora, em parceria com Maria de Freitas, em 1997. Assim Andrade descreve o papel das crianças: Trata-se de uma proposta de intervenção que se desenvolve com 47 crianças, na faixa de 8 a 13 anos, totalizando 44 famílias. Estas crianças têm uma participação ativa tanto na comunidade quanto no próprio processo de intervenção. Os parâmetros norteadores deste processo advêm não somente das problemáticas levantadas pelas famílias, como também daquelas apontadas pelas crianças (Andrade, 1998:170). A outra pesquisa foi feita por Gomes com famílias de baixa renda sócio-econômica. Assim é descrito o desenvolvimento de adolescentes e crianças: De fato, numa idade bastante precoce os adolescentes, e até mesmo as crianças, já dominam o meio físico e social melhor do que os adultos de sua família. Eles são mais desembaraçados, sentem-se mais à vontade na cidade, e nela se deslocam sem receio, por lugares distantes... (Gomes, citado por Andrade, 1998:170). Para compreender a criança como um cidadão com direitos e deveres, e não apenas como uma potencialidade, é preciso um outro modo de conceber a sociedade e a vida humana. Por fim, a autora clama para que acorra um “acolhimento do outro na sua diferença”134, recebendo a criança em sua alteridade como agente de transformação. Alguns comentários acerca das questões levantadas por Andrade: 1) não é possível analisar a repercussão do texto, pois não temos como avaliar o número de citações que foram feitos deste artigo nestes quase dez anos que se passaram depois da sua publicação. A literatura que discute o trabalho do psicólogo na comunidade, contudo, neste mesmo período – certamente não repercutiu as questões que foram suscitadas no artigo supramencionado; 2) Gerard Duveen (1995)135 nos lembra que o processo de construção de identidade é uma maneira de organizar significados que tornam possível para o indivíduo se posicionar como 134 O filósofo Levinas serve de apoio para algumas reflexões sobre o outro de Célio Freire (2001a, 2001b, 2003 e Vieira e Freire, 2006). É preciso frisar, contudo, que a alteridade da criança não é discutida pelo filósofo lituano e também se encontra ausente das reflexões do psicólogo cearense. 154 um ator social. Isso só é possível porque cada um de nós nasce em um mundo que já está estruturado pelas representações sociais de sua comunidade. Uma dessas representações é a de gênero. Como bem afirma Duveen (1995), a força da categorização nas representações de gênero que circulam em volta da criança é tão forte que ela sempre vai aparecer como uma menina ou como um menino desenvolvendo identidades sociais específicas. Desde os seus dias mais remotos (que graças à tecnologia moderna hoje significa freqüentemente enquanto ainda no útero), a criança é construída como um ser com gênero por aqueles à sua volta, que conseqüentemente vão agir em relação a ela à luz dessa construção (Duveen, 1995:266). Eis uma questão que foi bem percebida pelos estudiosos da sociologia da infância e que Andrade ignorou: não se pode falar da infância ou da criança sem considerar as determinações de gênero e (acrescentaríamos à reflexão de Duveen) também as de classe social e identidade étnica. Um melhor entendimento das possibilidades da participação da criança na sociedade não pode ignorar esses determinantes. Filosofia da Infância Walter Kohan (2003) relata que podemos descrever uma história do filosofar sobre a infância e determinar seu marco inaugural em Platão. O filósofo grego não se preocupa com a infância como um objeto de estudo relevante em si mesmo; a visão platônica sobre a infância é configurada por enquadre analítico com reflete sobre a educação com propósitos políticos. Platão apresenta um conceito complexo de infância que o autor decompõe nos seguintes elementos: a) a infância como uma possibilidade quase total; b)a infância como inferioridade em relação ao adulto; c) a infância como o não-importante para a polis; d) a infância como objeto do poder que se expressa na forma de dispositivos normativos, típicos de uma política que pretende colonizar o futuro. Neste registro platônico, a infância é um elemento fundador na vida humana, embora marcada pela incompletude. Para Platão, é bom lembra, a vida humana e todo o gênero humano estão marcados pela incompletude. A natureza humana não se expressa de uma vez por todas, sendo constituída em função de certas estratégias educacionais, que pode transformá-la de geração em geração. Na segunda parte do seu trabalho, Kohan (2003) apresenta uma nova concepção de infância a partir de uma reflexão sobre as conexões existentes entre os conceitos de 135 O mesmo autor escreveu um confuso texto sobre criança e alteridade. Neste trabalho, Duveen (1998) aponta para a dependência da criança do Outro para atividade construtiva de produção do Eu e do Outro. A criança,contudo, não é compreendida como um ser ativo. 155 infância, linguagem, experiência e história. Nesta reflexão, o nosso autor acompanha o filósofo italiano Giorgio Agamben (2005). Kohan nos lembra que as pretensões de emancipação da infância escondem uma anulação da infância como potência de ação. Essa negação da infância corresponde a uma negação da experiência. O filósofo argentino assim explica esse repúdio da experiência: A rejeição contemporânea à experiência se origina na desconfiança da ciência moderna frente à experiência. As pretensões de objetividade, universalidade e certeza dessa ciência são incompatíveis com o caráter subjetivo, incerto e particular da experiência. Por isso, a ciência a instrumentaliza e a quantifica por meio do experimento. Com ele, faz dela o caminho do conhecimento. Assim a anula, da mesma forma que anula o sujeito individual na objetividade do sujeito universal. A filosofia moderna acompanha este movimento de silenciar a experiência; seu ponto mais alto é a postulação husserliana de uma experiência muda. Agamben ao perguntar se existe uma tal experiência sem linguagem, uma in-fância da experiência, afirma que o problema da experiência leva irremediavelmente ao problema da linguagem (2003:241-242). É justamente na infância que cada ser humano se apropria da linguagem, fazendo do sistema de sinais adquirido um discurso com sentido. A infância é a carência da linguagem e a sua condição de surgimento. Do mesmo modo, a infância somente pode ser acessada pela linguagem, de modo que é possível afirmar que infância e linguagem co-existem originariamente. A linguagem e a infância formam um circuito do qual emergem a experiência. De acordo com Kohan (2003), A infância não funda a história e se retira dela. A experiência e infância não antecedem temporalmente à linguagem em cada ser humano e deixam de existir uma vez que ele acede à palavra, ou é acesso por ela. (...). Num certo sentido, estamos sempre aprendendo a falar (e ser falados), nunca “sabemos” falar de forma definitiva (ou somos totalmente “sabidos” pela linguagem), nunca acaba nossa experiência (infância) da e na linguagem. Quando acreditamos sabê-lo todo, nos voltamos natureza. Sem experiência da infância, somos natureza inerte, normalidade não-modificável, mas não poderíamos ser historicidade sempre modificável. Desse modo, experiência e infância (experiência da infância, infância da experiência) são condições de possibilidade da existência humana sem importar a cronologia e a idade (pp.243-244). A infância, portanto, não é uma etapa de desenvolvimento, mas o fundamento da condição humana. Tal compreensão contrasta com os discursos engendrados pela modernidade que concebem a infância como um momento a ser superado. Infância passa a ser condição de rupturas com o dado, da experiência – seja de crianças ou de adultos. 156 Esses discursos sobre a infância que assinalam a necessidade de se ouvir a voz da criança e entendê-la como um agente de rupturas e inovações em relação ao constituído, para alguns, parecem indicar um ponto de disjunção entre o modo moderno e o contemporâneo de compreender a infância. Para outros, apenas uma forma mais sutil de produzir os mesmos efeitos disciplinares que os discursos clássicos sobre a infância, emanados da racionalidade moderna. O certo é que uma nova sensibilidade sobre o enfans surgiu ao final do século XX. Entendê-la é a principal tarefa daquelas que pretendem pensar a infância. Seção II: A “Construção social” da adolescência A juventude parece ser um espaço liminar, um produto de um rito de passagem que cria uma “zona de fronteira” entre a infância e a vida adulta. O conceito de rito de passagem foi elaborado inicialmente pelo antropólogo Arnold Van Gennep (1978). O rito de passagem seria caracterizado pela existência de três fases distintas: separação, incorporação e, entre as duas, uma fase fronteiriça, liminar. No início do século XX, Victor Turner (1974) elabora o conceito de liminaridade, derivado do conceito de margem de Gennep. Liminar seria um estado de passagem vivenciado por indivíduos que estão mudando seu status no grupo de pertença. É um momento entre o “não mais” e o “ainda não.”. Os estudos etnográficos demonstram que a maturação biológica serve como marco de transição de status social em diversidades sociedades não-ocidentais. (Evans-Pritchard, 1978). Os antropólogos descreveram diversos ritos de iniciação da entrada na idade adulta e comparado a passagem da infância para a vida adulta no Ocidente e entre os diversos povos já pesquisados. 136 A principal diferença entre o Ocidente e os povos de organização social orgânica é que na grande maioria dos povos não-ocidentais esse período liminar entre a infância e a vida adulta é breve, porém intenso e marcado pela imposição de um sofrimento físico de grande intensidade. No Ocidente, os rituais de passagem são cada vez menos intensos, embora a experiência de liminaridade tenha se ampliado temporalmente. Nesta seção, discutiremos como surgiu na modernidade ocidental um modo peculiar de entender a liminaridade juvenil: a adolescência. 136 Ver Mead (1995). 157 § primeiro: da juventude à adolescência. Na Antiguidade Clássica, é possível encontrar uma divisão da sociedade em grupos etários. Em Roma, por exemplo, os rapazes continuavam puer, até os 15 anos. A adolescência (adulescentia), por sua vez, durava dos 15 aos 30 anos, enquanto a juventude (juventa) durava dos 30 aos 45 anos. No que diz respeito às mulheres, a definição do seu grupo não ocorria em função da idade, mas por sua condição física ou social: virgines anterior ao matrimônio, uxores depois, matronae se tivessem filhos e anus de modo geral na velhice. (Fraschetti, 1996). A juventude, por tanto, era um status especificamente masculino. Na Idade Média, a população é dividida em criança e adultos, não existindo um termo que designasse os jovens. Estes eram classificados em função do grupo social a que pertenciam. Ariès (1981) nos mostrou que somente com a modernidade foi que a idade se tornou um elemento fundamental na definição da identidade individual. Ele comenta que as primeiras duas coisas que uma criança aprende a dizer em uma sociedade moderna, para se identificar, são seu nome e sua idade. Na contemporaneidade, há uma falta de consenso sobre a definição de jovem. A diferença desta faixa etária em relação à adolescência, por exemplo, seria bastante imprecisa. A adolescência seria uma fase da juventude, situada no seu início (dos 12 até os 18 anos). A demografia define juventude como aquela fase da vida que vai dos 10 aos 24 anos. Patrice Huerre (2001) nos mostra que essa indefinição pode ser explicada historicamente. De acordo com o psicanalista francês, o ingresso na vida adulta tem sido retardado para preservar o bem- estar econômico dos adultos em momentos históricos de crise econômica, e avançado em períodos que se seguem a grandes mortandades ou para atender interesses políticos. Huerre exemplifica mostrando que após a Revolução Francesa, a idade legal para o casamento baixou para 15 anos nos rapazes e 13 para as moças. A maioridade foi concedida a partir dos 18 anos e o pátrio poder (puissance paternelelle) encerrado aos 21 anos. Este autor nos lembra também que o conceito moderno de adolescência aparece inicialmente ligado ao processo de escolarização das classes burguesas após a Revolução Industrial. A adolescência e a escolarização evoluiriam conjuntamente. Na verdade, a expressão “adolescência” passa a designar um grupo de jovens em processo de escolarização e financeiramente dependentes dos seus pais. O século XVIII presenciou o regate da expressão “adolescência”, que aparece em um contexto literário para designar a dificuldade de se passar da infância para a vida adulta. Durante o período entre 1790 e 1840, paralelamente, a puberdade e suas transformações fisiológicas se 158 converte em tema de inúmeras publicações médicas. No final do século XIX e início do século XX, três fatores ajudaram a definir a forma que a adolescência, tal qual nós a conhecemos, passou a ter: 1) A escolarização obrigatória: a entrada em vigor da escolarização obrigatória, gratuita e laica no final do século XIX vai permitir progressivamente a emergência de turmas de idades distintas, criando grupos de uma mesma geração que passariam juntos todo o período de escolarização; 2) Ingresso postergado ao mundo do trabalho: a primeira lei que reduz a duração da jornada diária de trabalho e define uma idade mínima de acesso ao trabalho é de 1841. Essa lei fixou em 8 anos a idade mínima de acesso ao trabalho e definiu que a jornada de trabalho seria estabelecida em função da faixa etária: 8 horas entre 8-12 anos e 12 horas entre 12-16 anos, além de proibir noturno para os menores de 13 anos. A crise da adolescência emergirá justamente em função do aumento do tempo para o ingresso no mercado de trabalho, e conseqüentemente da necessidade de dependência financeira dos pais; 3) A evolução do Direito e o surgimento do conceito de proteção à infância: a evolução progressiva da legislação, com a criação de um direito específico da juventude, ajudaria a precipitar a criação da adolescência. A Justiça passa a distinguir os adolescentes como diferentes dos adultos e, como conseqüência disso, substituem a repressão por ações educativas – ao tratarem com jovens delinqüentes – em função do reconhecimento do adolescente como uma pessoa em desenvolvimento e passível de ser educado. Na França, isso ocorre em 1945, apesar de já haver desde 1912 tribunais específicos para crianças e adolescentes. A noção de adolescência, portanto, está intimamente vinculada à cultura e à sociedade na qual ela se desenvolve. Essa condição permite que se possa especular sobre o futuro da adolescência tal qual a conhecemos. 137 § segundo: o nascimento do “teenager” A reflexão psicológica da juventude como um problema, questão que aparece nos Estados Unidos já no século XIX, tem seu marco inaugural com a publicação do livro Adolescência: sua Psicologia suas relações com a Fisiologia, Antropologia, Sociologia, Sexo, 137 Galland (2003) comenta que as expressões adolescência, pós-adolescência e juventude são quase como sinônimas, mas há uma significativa diferença entre elas: a adolescência é produto do prolongamento da escolarização obrigatória e se tornou uma experiência comum nos países industrializados a partir da década de 50; a pós-adolescência surgiu na década de 80 nos países ocidentais e se caracteriza por um maior tempo de permanência dos filhos em suas famílias de origem em função da dificuldade em se conseguir um emprego estável e pelo retardo na constituição de novas famílias. A idade jovem seria aquela em que os indivíduos, após terminarem seu processo de escolarização, ingressam no mercado de trabalho e se tornam autônomos em relação aos seus pais. 159 Crime, Religião e Educação, de Stanley Hall e que veio a público em 1904. Hamilton Cravens (2006) nos mostra o contexto histórico em que esse livro veio a lume, apontando os seguintes aspectos: 1) depois da Guerra da Secessão, os afro-americanos estavam legalmente livres, mas havia discriminação sócio-econômica em relação aos negros em vários Estados do Sul. O surgimento do Partido Popular teve como objetivo impedir qualquer forma de união entre pobres brancos e negros, o que conseguiu através da criação de uma sociedade totalmente segregada em função de um apartheid racial que envolvia todo tipo de atividades em lugares públicos. A violência contra os negros permaneceu impune e uma média de 200 linchamentos ocorreu entre 1890 e 1929. A Democracia Americana estava limitada aos americanos brancos; 2) os imigrantes do Sul e do Leste Europeu começaram a chegar aos Estados Unidos a partir da década de 70 do século XIX, trazendo um novo perfil para a sociedade estadunidense graças a suas famílias numerosas e sua religiosidade católica. A partir do início do século XX, essa imigração aumentou exponencialmente, chegando a atingir a cifra de milhões. Os brancos anglo-saxônicos protestantes, da mesma forma que em relação aos afro-descendentes, consideravam que os migrantes irlandeses, poloneses, russos ou judeus (para citar apenas alguns) como pertencentes a uma raça diferente. A mídia os descrevia como bêbados, deficientes mentais e estúpidos. Esses imigrantes acabaram por se restringirem ao ambientes de guetos específicos, sem conseguirem ser aceitos pela sociedade anglo-saxônica138; 4) as mulheres eram consideradas biologicamente inferiores aos homens e viviam restritas ao ambiente doméstico, onde desempenhavam o papel de mães e de guardiões da moral; 5) o próprio conceito de criança havia mudado em função das novas circunstâncias. As crianças constituíam uma fração significativa das populações migrantes que foram habitar as grandes cidades do meio oeste e do nordeste. Muitas crianças eram abandonadas pelos pais e passavam a viver em instituições de caridade. Cerca de 200 mil crianças órfãs foram transportadas de trem para fazendas ou casas no meio oeste, pois não tinham como ser abrigadas em suas cidades. Muitas crianças trabalhavam em locais insalubres, correndo risco de morte ou acidentes. Em função dessa realidade, grupos que se preocupavam em “salvar as crianças” criaram instituições de abrigo, cortes juvenis, incentivaram a expansão do ensino público e promoveram várias campanhas de promoção da saúde da criança. O que fazer com as crianças e 138 O livro Gangues de Nova York, do jornalista Asbury (2002) mostra a formação de grupos étnicos que controlavam a cidade, com a complacência da polícia e de políticos locais, que utilizavam essas gangues para proteger seus bares e casas de jogos. 160 com os adolescentes? Esta era uma questão que surgiu no final do século XIX e início do século XX. É neste contexto que Hall publica seu livro que, inspirado em Rousseau, ajudou a construir o mito da adolescência rebelde. De acordo com Cravens (2006), Hall sought to create a new field of study, that of adolescence, which was part of larger field of child study, which in turn was part of his larger schemata of genetic psychology, or the evolution of the mind from paramecium through the entire animal kingdom to mankind, including children, the “lower races”, women, and finally, males of the White races. Hall did what any conscientious creator of a new or seemingly novel discourse usully does: He gathered together in these two volumes all of the old facts regarding his subject that he could amass, and by combining them together, magically transformed them, as if he had a magic wand, into new facts for new field of study. He also stirred into the mix some new facts about children and adolescents that various observers – most often doctors – had published in the last generation. Thus were new scientific disciplines born, or constructed, a century ago and more. His overhall theme was the relationship of adolescence to various aspects of the individual, the race, both genders, and the larger society. In that sense it was a seminal work: from it flowed subsequent speculations and studies of varying quality (p.177). Hall atribuía a adolescência qualidades contraditórias, tais como hiperatividade e inércia, sensibilidade social e autocentrismo, intuição aguda e loucura infantil, etc. ele faz uma defesa do treinamento militar como atividade que melhor poderia realizar as potencialidades e respeitar as especificidades dos adolescentes (Passerini,1996). Durante o século XX, o debate sobre a adolescência nos Estados Unidos oscila entre dois pólos: a crença da necessidade de garantir ao adolescente liberdade e condições de autogoverno, por um lado, e a necessidade de uniformizar, coletivizar, controlar e restituir ao social os impulsos criativos dos adolescentes, de outro. A codificação da adolescência como uma fase de desenvolvimento em si consolidou-se após a II Guerra Mundial (Passerini, 1996). A expressão “teen-ager” aparece pela primeira em um artigo publicado por Elliot Cohen no New York Times em 1945 (Doherty, 2002). Na verdade, a palavra não descrevia apenas uma faixa etária, mas padrões de comportamento vinculado ao consumo e a cultura pop (é possível lembrar aqui o nascimento do Rock Roll). Como esclarece Passerini (1996), Na década de 1950, apareceram teenagers diversos daqueles das gerações precedentes pelo número, riqueza e autoconsciência. Tratava-se da primeira geração de adolescentes americanos privilegiados, mas sobretudo da primeira geração que apresentava uma coesão tão acentuada, um auto-reconhecimento enquanto comunidade 161 especial com interesses comuns (...) a adolescência parecia tornar-se mais um universo em si e acentuava-se uma rígida distinção dos papeis sociais por idade que segundo alguns não tinha comparação na história do país (p.354). Surgia uma identidade grupal adolescente, ao mesmo tempo em que em se criava uma cultura pop 139ligada à indústria cultural e de consumo. 140 A idéia de rebeldia associada à adolescência teve expressão cultural no surgimento da literatura Beat, da música de Elvis Presley e da figura do rebelde sem causa, James Dean. Pierre Bourdieu (2000) divide a juventude em dois grupos: os com o direito à adolescência e os que não têm esse direito. Na sociedade estadunidense, ocorre o surgimento do fenômeno das gangues, a partir da segunda década do século XX – como conseqüência do intenso processo de industrialização e urbanização ocorrido naquele país. No Brasil, há na contemporaneidade dois grupos de adolescentes: aqueles inseridos na sociedade de consumo e os jovens e as da periferia, desfiliados e que se agrupam em gangues e galeras (Abramovay, 2002) ou são excluídas da escola e engravidam precocemente. Os adolescentes de classe média são seguidores de um projeto traçado pelos pais que consiste no ingresso em um curso superior após a conclusão do ensino médio. Em uma pesquisa realizada com adolescentes freqüentadoras de shoppings centers em Recife, Elaine Müller (2004) afirma que um grupo de meninas identificadas como “patricinhas141” reconhecia a existência de dois grupos de jovens freqüentadores dos shoppings: os “maloqueiros” e o seu próprio grupo. Uma das principais características deste grupo é o consumo intenso de produtos de beleza, roupas de marca e a freqüência aos shoppings. As “patricinhas” também buscam desenvolver um comportamento “politicamente correto”, sendo consideradas pela autora como constituintes de uma micro-cultura juvenil. Uma micro-cultura pode ser definida por três características: 1) combinação particular de personalidades; 2) os locais em que os indivíduos que dela fazem parte se encontram; 3) certos eventos momentâneos que o grupo experimenta junto. Müller (2004) argumenta que o grupo de “patricinhas” possui todas as características mencionadas, destacando-se o local em 139 A cultura pop é um produto da Revolução Industrial, que produziu uma Indústria de Entretenimento expressiva com o surgimento do cinema e da indústria fonográfica. A expressão pop é derivada de populace, população para designar o em português se designa por massa. Surgiu na década de 50 nos Estados Unidos, concomitantemente ao surgimento da adolescência. 140 O conceito de Indústria Cultural vincula-se ao grupo denominado de Escola de Frankfurt; pensadores como Adorno e Horkheimer afirma que a aplicação dos princípios fordistas à produção de bens culturais é, na verdade, uma expansão da lógica capitalista, que transforma tudo em mercadoria. 141 O jornalista Zózimo Barroso do Amaral criou a expressão na década de 90, inspirado na “socialite” Patrícia Leal. Era uma versão feminina para “mauricinho”, uma expressão que descreve rapazes preocupados com a aparência e com a popularidade. 162 que se encontra, o que levou a autora a realizar sua pesquisa nos shoppings centers. A priorização deste espaço é justificada teoricamente pelo fato do lazer ser considerado como uma das dimensões mais significativas para compor a especificidade da condição juvenil. Um dado importante sobre a prática do lazer, e que nos interessa especialmente por ter sido mencionado por Müller (2004), é o desenvolvimento dos shoppings centers. Os shoppings surgem a partir da década de 1950 nos Estados Unidos; no Brasil, apareceram no final da década de 60, mas com um crescimento significativo ocorrendo somente a partir da década de 80 . De acordo com Padilha (2003), Nos shopping centers, o consumo e o lazer formam um par que configura uma nova forma de apropriação do espaço urbano e novos hábitos. Quem vai ao shopping center sabe que vai a um centro de comércio não só de bens e materiais, mas que se complementa com alimentação (normalmente do tipo fast food). Ali, o consumidor de mercadorias se mistura com o consumidor de serviços e de diversão, sentindo-se protegido e moderno. Buscando fugir dos aspectos negativos dos centros das cidades, os shopping centers aparecem como locais próprios para uma melhor “qualidade de vida” por possuírem ruas cobertas, iluminadas,limpas e seguras; praças, fontes, bulevares recriados; cinemas e atrações prontas e fáceis de ser adquiridas. O que se pretende com esta “catedral de mercadorias” é criar um espaço urbano ideal, concentrando várias opções de consumo e consagrando-se como “ponto de encontro”. Para transformar-se neste novo espaço urbano, conta com a incorporação da imagem como elemento fundamental, principalmente no que diz respeito à persuasão e indução de comportamentos. Assim, acaba por transformar-se numa unidade simbólica de reprodução da ideologia dominante: a ideologia do capital. Além do shopping center ser um espaço privado que reflete a distinção entre classes sociais (...) torna-se um espaço onde o imprevisível, tipicamente urbano, raramente ocorre (pp.246-247). Segundo Müller (2004), alguns aspectos se destacam na avaliação de como os adolescentes se relacionam com os shoppings: a) os adolescentes geralmente vão ao shopping em grupo, o que demonstra a importância deste espaço para a socialização; b) as adolescentes costumam ir ao shopping com suas mães apenas quando vão fazer compras, indo em grupo para atividades de lazer; c) existem grupos exclusivos de meninas e outros em que há meninos; a finalidade da formação de cada grupo é distinta; d) durante a semana, a ida ao shopping é realizada como uma atividade cotidiana (compras, almoço, etc); em contraste, no sábado ocorre uma preparação maior, com mais atenção e cuidado no vestir-se – pois neste dia a ida é realmente considerada uma saída. O espaço do shopping assume um caráter “pedagógico”, no qual se aprende categorias classificatórias e estilos e comportamentos legítimos – categorias estas que poderão ser aplicadas em outros contextos. Em contraste com esse grupo, Salles (2004) nos descreve a experiência de adolescentes dos segmentos subalternos da população, residentes nas periferias das grandes cidades, como 163 aqueles que possuem uma cidadania escassa e que perambulam pelas ruas, muitas vezes praticando pequenos furtos e que sofrem um processo cruel de ocultamento e exposição, de acordo com os interesses da sociedade. Estes adolescentes se tornam ocultos, sofrendo um processo de invisibilidade de seus sofrimentos e privações, da violência que sofrem e do desrespeito sistemático dos seus direitos. Concomitantemente, e de modo paradoxal, tornam-se visíveis pelo preconceito e medo da violência, caracterizados por aspectos fisionômicos e localização geográfica – que supostamente indicariam a periculosidade de seus portadores. Trata-se de uma visibilidade perversa, fonte e produto de um intenso processo de discriminação social. É importante frisar que no Brasil existe uma grande heterogeneidade das experiências juvenis, principalmente no que diz respeito ao processo de escolarização e de inserção no mercado de trabalho. No que diz respeito às classes populares, a adolescência tende a ser mais curta com a interrupção precoce dos estudos e a inserção precária no mercado de trabalho, sem que se tenha uma autonomia plena, em função da precariedade das condições de vida (Heilborn et. al.,2002). Além das desigualdades de classe, é importante considerar as questões de gênero no entendimento das configurações que existem em nosso país das vivências da adolescência. As jovens das classes populares tender a assumir logo cedo responsabilidades com as tarefas domésticas, como parte do processo de socialização para a maternidade. Elas possuem uma trajetória escolar geralmente mais longa do que os rapazes de sua classe, embora esse processo seja descontínuo e com grande defasagem idade/série. Para estas adolescentes, a maternidade se apresenta muitas vezes como fonte de reconhecimento142. Nas classes populares também é expressivo o número de adolescentes que já ingressaram no mercado de trabalho sem nunca ter freqüentado uma escola ou que saiu muito cedo do sistema educacional. A parentalidade (paternidade ou maternidade) é uma outra forma de “transição condensada para a vida adulta” (Heilborn & Cabral, 2006). Passerini (1996) acredita que o conceito de multidisciplinaridade é uma categoria determinante no estudo da história da condição juvenil. Isso certamente vale para outras áreas do conhecimento. O reconhecimento da multiplicidade, contudo, não significa achar natural a existência de tantos jovens em situação precária, desprovidos de qualquer reconhecimento dos seus direitos. É preciso reconhecer que há adolescentes que vivenciam uma cidadania escassa e que essa condição é inadmissível. Por fim, é preciso elaborar uma breve reflexão sobre o impacto desses saberes críticos sobre a juventude (história, sociologia e antropologia) sobre a formação do psicólogo: o saber 142 A gravidez na adolescência muitas vezes é valorizada por representar uma mudança de status social para estas adolescentes, que através da maternidade passam a ter o status de adultas (Pantoja, 2003). 164 psicológico desconsidera sistematicamente o caráter histórico da condição humana e pretender naturalizar os processos psicológicos. Assim, a infância e a adolescência seriam etapas universais do desenvolvimento psicológico, sendo moduladas por varáveis culturais. Os psicólogos, muitas vezes em função de uma formação acadêmica precária, desconhecem esses outros olhares sobre o ser humano e não conseguem – muitas vezes – ter acesso aos estudos sobre a infância e a juventude desenvolvidas nas ciências humanas. Necessário se faz que os estudos históricos e das ciências sociais sobre a condição humana tenham uma maior importância nos currículos de Psicologia. 143 § terceiro: Psicologia e adolescência: adolescências construídas pelo discurso e pela prática psi. Recentemente, uma re-avaliação dos fundamentos teóricos e da compreensão do objeto de estudo da área, foi iniciada por parte de alguns estudiosos da Psicologia da Adolescência no Brasil. Oliveira (2006) afirma que a adolescência permaneceu por muito tempo como um objeto secundário do interesse dos psicólogos do desenvolvimento. Por faltar uma reflexão consistente interna ao campo, o conhecimento produzido pela Psicologia da Adolescência tem sido orientado por estratégias metodológicas oriundas da medicina e da Demografia, sem que sejam contempladas outras áreas de conhecimento que possam enriquecer a Psicologia da Adolescência mediante um diálogo interdisciplinar. Tal fato contribuiu para uma “naturalização” dos processos de desenvolvimento e também ajudou a disseminar perspectivas teóricas que concebem a adolescência como um processo apartado das práticas sociais que a configuram. De acordo com Oliveira, isso ocorreu por dois motivos: como efeito das epistemologias dominantes 143 Essa é uma questão complexa. Na verdade, já é tradição na formação em Psicologia o ensino de Sociologia, Antropologia e Filosofia; o problema consiste na escolha dos conteúdos destas disciplinas. Exemplificando com a discussão realizada neste capítulo até agora: nada se fala, no ensino de Filosofia, das teorias platônicas sobre a infância ou das teorias de Rousseau sobre infância e juventude. Também não se discute a perspectiva antropológica sobre a infância (o texto clássico de Margaret Mead sobre o crescer em Samoa cabe bem aqui). A proposta de uma antropologia da criança, de modo claro e sistematizado, somente aparece no Brasil com o livro de Cohen (2005), sendo – portanto – bem recente. A questão aqui é como criar mecanismos curriculares que permitam que os estudantes de Psicologia possam ter acesso, mediante disciplinas ou atividades complementares, a novidades teóricas dos campos afins. Uma outra questão é a História. Infelizmente, os fundamentos históricos do saber psicológico são confundidos com um ensino bastante tradicional da História da Psicologia, que privilegia (ou melhor: que contempla exclusivamente) a história das escolas psicológicas. O conhecimento histórico dos conceitos e dos objetos de estudo da Psicologia é completamente ignorado. Além disso, vale lembrar que o livro do Ariès (1981) foi bastante utilizado nos cursos de Psicologia no Brasil, mas os estudos recentes sobre História da Infância são quase que completamente ignorados. 165 na Psicologia do Desenvolvimento e como conseqüência da consideração da adolescência como um período de crise. A concepção da adolescência como crise remota ao livro de Stanley Hall (1904) e foi incorporada por muitos estudiosos da Psicologia da Adolescência contemporâneos. Uma das concepções mais influentes na área psi sobre o conceito de adolescência é a formulada por dois psicanalistas argentinos, Aberastury e Knobel (Aberastury, 1980; Aberastury & Nobel, 1981) 144.De acordo com estes autores (e numa análise androcêntrica), o adolescente passa por um processo caracterizado por desequilíbrios e instabilidades. Oscila entre extremos, sendo audaz e tímido, ateu e místico, sexualmente interessado por novas experiências, experimentando relações homossexuais ocasionais. A apatia e os conflitos afetivos acompanham todo o processo. Essas características, de acordo com Aberastury e Knobel (1981), configurariam uma entidade “semipatológica” denominada de “síndrome normal da adolescência”, vista como perturbadora para o mundo adulto, mas considerada como necessária para o adolescente, que vai neste processo construir sua identidade, principal objetivo deste momento da vida. 145 Para esses autores, o adolescente precisa realizar três lutos fundamentais: 144 Na minha própria formação, durante meu estágio com adolescentes de uma instituição federal de ensino, tive que estudar os livros destes autores como se fossem manuais completos. Voltei a encontrá-los quando tive que ensinar a disciplina de Psicologia da Adolescência em Manaus. Encontrei um programa e uma bibliografia já definidos. Não consigo esquecer a perplexidade dos alunos quando eu contrastei essa concepção com uma outra mais antropológica. Muitos ficaram confusos com a idéia de que a adolescência não era uma experiência universal. 145 Essa “necessidade” foi ironizada pelo grupo musical Ultraje a Rigor, na música “rebelde sem causa”, de 1984. A letra dizia assim: Meus dois pais me tratam muito bem (O que é que você tem que não fala com ninguém?) Meus dois pais me dão muito carinho (Então porque você se sente sempre tão sozinho?) Meus dois pais me compreendem totalmente (Como é que cê se sente, desabafa aqui com a gente!) Meus dois pais me dão apoio moral (Não dá pra ser legal, só pode ficar mal!) MAMA MAMA MAMA MAMA (PAPA PAPA PAPA PAPA) Minha mãe até me deu essa guitarra Ela acha bom que o filho caia na farra E o meu carro foi meu pai que me deu Filho homem tem que ter um carro seu Fazem questão que eu só ande produzido Se orgulham de ver o filhinho tão bonito Me dão dinheiro prá eu gastar com a mulherada Eu realmente não preciso mais de nada Meus pais não querem Que eu fique legal Meus pais não querem Que eu seja um cara normal 166 a) o luto pelo corpo infantil perdido; b) o luto pelo papel e identidade infantis; c) o luto pelos pais na infância. A visão da adolescência supramencionada foi objeto de uma análise crítica por parte de estudiosos vinculados à abordagem sócio-histórica (Aguiar; Bock e Ozella, 2001). Esses estudiosos apontam algumas implicações problemáticas dessa concepção psicanalítica de adolescência: • Uma desconexão e dessintonia entre compromissos teóricos e fatos, o que tende a uma ideologização nas conclusões dos estudos. • Uma relativização extremada, no sentido de que os estudos sobre adolescência são fundamentados em um único tipo de jovem: homem-branco-burguês- racional-ocidental, oriundo, em geral, da Europa Centro-Ocidental ou dos Estados Unidos da América, nunca do Terceiro Mundo. Em síntese, o adolescente em pauta nos estudos pertence à classe média/alta urbana e nunca a outras classes sociais, etnias, ou a outros contextos, como o rural, por exemplo. • As concepções são marcadas pelo adultocentrismo, isto é, o parâmetro é sempre o adulto. (p.166. Destaques dos autores). Ozella (2003) realizou uma pesquisa a respeito da concepção de adolescência de 51 profissionais de Psicologia das mais diversas áreas de atuação, sendo a análise realizada com 46 respostas obtidas. O instrumento de coleta foi um roteiro de entrevista, com apenas três itens: 1)qual a concepção de adolescente do psicólogo; 2) qual a sua forma de intervenção; 3)qual a sua compreensão sobre uma possível política de saúde pública voltada para o adolescente. Os profissionais entrevistados estavam distribuídos da seguinte forma: a) 15 da área de Re-educação (Febem, SOS-Criança, instituições particulares e Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua); b)8 da área de educação formal (escolas das redes pública e privada); c) 9 da área de saúde institucional (hospitais da rede pública e privada,postos de saúde,ambulatórios); d) 5 da área de saúde particular (consultório particular); e) 2 da área de Trabalho (serviços de inserção do jovem no trabalho); 12 da área jurídica (Vara de Família, varas especiais da infância e juventude,Centro de Orientação Psicológica – SOS-Criança). A análise dos dados se baseou em uma categorização de Bock (1997) e as respostas foram agrupadas nas seguintes subcategorias: Não vai dar, assim não vai dar Como é que eu vou crescer sem ter com quem me revoltar Não vai dar, assim não vai dar Pra eu amadurecer sem ter com quem me rebelar 167 1) adolescência como etapa; 2) adolescência como uma condição inata. Tais sub-categorias são representativas de uma compreensão liberal do ser humano (natureza humana livre e autônoma em relação à sociedade); 3) Adolescência como Construção Social; 4) Adolescência como processo. Essas sub-categorias expressam uma compreensão Sócio-Histórica da condição humana (condição humana, o homem se constrói modificando a natureza,etc.) 146 Em sua reflexão sobre os resultados, o autor escreveu: Ao ser perguntado sobre sua concepção sobre adolescência era comum o psicólogo mostrar-se surpreso com isso. Ele dizia, mais ou menos, o seguinte: “Como minha concepção sobre adolescência? Nunca havia pensado nisso.” Para nós foi surpreendente! Um profissional que lida com um fenômeno (adolescência) não ter clara sua concepção sobre ele. Não teria o profissional uma concepção sobre seu objeto de estudo e trabalho? Parece-nos que a explicação seria que ele tem sim uma concepção sobre a adolescência, mas não se dá conta de qual é. Explicando melhor: a concepção de que “adolescência é...” dos manuais e das “teorias” psicológicas é tal naturalizada que não é necessário nenhuma reflexão sobre ela. Adolescência é isso e pronto!!! Sem dúvida, trata-se de conseqüência da própria formação profissional dada aos psicólogos. Eles recebem por parte de seus professores visões fechadas já construídas e cristalizadas que não lhes permitem a crítica e a reflexão. O mesmo se reflete quando perguntado sobre Políticas Públicas voltadas ao adolescente. Como é uma temática praticamente ausente dos currículos, seria um tanto rigoroso exigir este tipo de conhecimento. De qualquer maneira, isto vem confirmar a falta de compromisso dos profissionais em psicologia com as questões sociais e econômicas e com sua transformação. Entretanto, apenas a ausência desta temática no currículo não justifica a “alienação” presente nas concepções e nas práticas. Afinal, eles vivem em uma realidade concreta da qual não demonstram atenção. É uma questão mais de posicionamento cidadão do que de formação técnica específica (Ozella, 2003: pp.37-38). Alguns rápidos comentários a respeito da reflexão de Ozella: 1) O autor, inicialmente, reconhece que a formação dos psicólogos brasileiros desempenha um importante papel na configuração da concepção que possuem acerca do significado da adolescência. Ele chega a afirmar que os professores possuem “visões fechadas já construídas e cristalizadas”. Infelizmente, ele muda de assunto logo depois. Essa questão deve ser abordada considerando os seguintes aspectos: a) não sabemos muita coisa a respeito dos professores de Psicologia em geral, menos ainda a respeito dos professores de psicologia da adolescência; faltam pesquisas sobre o perfil dos professores dos cursos de Psicologia no Brasil; 146 Essa categorização não passa de uma hiper-simplificação da realidade, numa visão dicotômica quase (?) maniqueísta. Infelizmente, os teóricos da abordagem sócio-histórica reduzem toda a diversidade existente no campo da Psicologia, tanto como ciência quanto como profissão, a um todo homogêneo a que se opõem. Tal perspectiva é resultante de uma perspectiva “marxista” (ou seria marxistóide?) adotado pelo grupo. Para uma crítica à abordagem sócio-histórica, ver Ferreira Neto (2004). Certas apropriações da obra de Marx me fazem ter vontade de repetir o que esse pensador prussiano declarou no final da década de 70, do século XIX, ao ouvir falar sobre o que certos marxistas franceses estavam fazendo: “Tout ce que je sais, c'est que je ne suis pas marxiste.” 168 como conseqüência, b) não sabemos muito sobre as “visões” que esses professores possuem sobre a adolescência; 2) O autor afirmou também que os manuais apresentam uma visão naturalizada de adolescência. Entretanto, a pesquisa não analisou os manuais utilizados nos cursos de Psicologia no Brasil; 3) Ozella reconhece que seria rigoroso exigir dos profissionais esse conhecimento em função da ausência desta da temática dos currículos; ele não questiona, entretanto, o porquê desta ausência; 4) O psicólogo paulista insiste em afirmar que o problema é mais de posicionamento em relação à cidadania, do que uma questão de competência técnica147. Essa dicotomia não faz muito sentido e é importante lembrar que a carência de competência técnica, uma das características do psicólogo brasileiro, pode determinar uma certa “apatia” e resignação profissional. Explico melhor: o psicólogo muitas vezes se restringir a desenvolver uma prática clínica tradicional justamente por não ter competência para realizar outras atividades; 5) se observarmos a bibliografia que Ozella (2003) utiliza no seu texto e usarmos as categorias “concepção liberal” e “concepção Sócio-Histórico”, teremos uma configuração como a que se encontra no quadro 2.3: Perspectiva Liberal Perspectiva sócio-Histórica Livros: Aberastury, A.(1980). Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas. Osório, L.(1989). Adolescência hoje. Porto Alegre: Artes Médicas. Livros: Contini, M. (2001). O psicólogo e a promoção de saúde na educação. São Paulo: Casa do Psicólogo. Mead, M.(1945). Adolescencia y cultura en Samoa. Buenos Aires: Abril.148 Ozella, S.(2002). Adolescência: uma perspectiva crítica. In: Maria Contini, Silvia Koller e Monalisa Barros (orgs.). Adolescência e Psicologia: concepções, práticas e reflexões críticas. (pp.16- 24).Brasília: Conselho Federal de Psicologia. 149 Capítulo de Livro Aguiar, W.; Bock, A. e Ozella, S. (2001). A orientação profissional com adolescentes: um exemplo de prática na abordagem sócio- histórica. In: Ana Bock, Maria Gonçalves e Odair Furtado (Orgs). Psicologia Sócio-histórica: uma perspectiva crítica em Psicologia. (pp.163-178). São Paulo: Cortez. Artigos Peres, F. & Rosenburg, C. (1998). Desvelando a concepção de adolescência/adolescente presente no discurso da saúde pública. Saúde Pública, 7(1),53-86. Anais de Congresso Herrán,J.(1997). Cuando hablamos de adolescencia,hablamos todos de lo mismo? Anais do VII Congresso IFAD. Oviedo. (pp.125-132). 147 Temos aqui uma variação do dilema compromisso político versus competência técnica, já discutido no capítulo um; gostaria de acrescentar o seguinte: a competência técnica expressa um compromisso político necessariamente; a questão é: a Psicologia brasileira tem produzido um saber-fazer capaz de atender as demandas da população do nosso país? 148 Há uma edição mais recente desta tradução castelhana publicada pela Editora Paidos, de Buenos Aires, em 1995. 149 Este livro teve uma tiragem de 40 mil exemplares e foi distribuído gratuitamente. Seria interessante que o sítio eletrônico do Conselho Federal de Psicologia colocasse esse livro para ser copiado por todos os que tivessem interesse pelo tema. 169 Tese Tese: Bock, A.(1997). As aventuras do Barão de Münchhausen na psicologia: um estudo sobre o significado do fenômeno psicológico na categoria dos psicólogos. São Paulo: PUC. Tese de Doutorado. Dissertação Clímaco, A. (1991). Repensando as concepções de adolescência. São Paulo: PUC. Dissertação de Mestrado. Santos, B. (1996). A emergência da concepção moderna de infância e adolescência. Mapeamento, documentação e reflexão sobre as principais teorias. São Paulo: PUC. Dissertação de Mestrado. Relatório de Pesquisa Bock, A. (1997). Adolescência: uma construção social. Um olhar crítico sobre o conceito em livros destinados a pais e professores. São Paulo: PUC. Relatório de Pesquisa. Quadro 2.3: Bibliografia do texto de Ozella (2003). Como é possível perceber no quadro, os textos que representam uma visão “liberal” estão publicados na forma de livro e foram editados por uma grande editora do Sul do país. Os textos da abordagem “sócio-histórica”, por sua vez, são de vários formatos e pelo menos quatro deles (as duas dissertações, o relatório de pesquisa e o artigo publicado nos Anais de um evento) são de acesso muito restrito. Uma outra questão que precisamos discutir é como fazer com que a produção acadêmica brasileira se torne acessível a todos os interessados. Muitas dissertações e teses não são publicadas nem mesmo na forma de artigos. Por fim, é preciso lembrar que faltou a Ozella a disposição de criticar, com a mesma ênfase com que criticou os profissionais, as agências formadoras de Psicologia – responsáveis pela presença dos professores dogmáticos e de alunos socialmente irresponsáveis. Seção III: Violência: história e análise A expressão “violência” é derivada do latim violentia, que significa a qualidade daquele que atua com força ou grande ímpeto, empregando força contra a vontade, liberdade ou resistência de pessoa ou coisa. (Ferreira, 1999). Em síntese, violência é a qualidade de violento. Violento é um adjetivo que indica aquilo que ocorre com uma força extrema ou com enorme intensidade150. Charles Darwin (2000), em se último livro de 1872, afirmou que o comportamento humano seria controlado pelos mesmos mecanismos que regulam o comportamento dos animais. Na década de 30, surgia a Etologia – o estudo comparativo do comportamento (Lorenz, 1995). Lorenz (1998), um dos criadores dessa nova área do conhecimento, argumenta que o comportamento agressivo ou violento é melhor entendido se reconhecermos a existência da distinção entre comportamento predatório e comportamento agonístico. O primeiro descreve situações de ataques entre animais de diferentes espécies, em que um serve como fonte de 150 A expressão violentia, por sua vez, deriva de vis – que significa força, vigor ou potência. Vis também possui a acepção de quantidade ou aglomeração. Vis significa a força em ação. (Dadoun, 1998) 170 alimento para outro, enquanto que o comportamento agonístico descreve situações de lutas e ameaças entre indivíduos da mesma espécie. 151 Para Lorenz (1998), a agressividade é instintiva e regulada pelos instintos da hierarquia, da territorialidade e defesa da prole. Ela resulta da pressão da seleção infra- especifica. Essa agressividade tem pouca capacidade de destruição e se vincula a dispositivos de ritualização que reduzem seus efeitos. Esses dispositivos podem se expressar na forma de uma agressão simbólica, que permite ao mais fraco a possibilidade de fuga; ou também de submissão, quando o vencido expressa o reconhecimento da dominação por parte do vencedor e assim é poupado. Esses esquemas motores de apaziguamento são, muitas vezes, resignificações de outros sistemas comportamentais. Assim, entre os Canídeos e em várias espécies de aves ocorre uma repetição de comportamentos infantis de solicitação, o que acalma os dominantes e encerra o conflito. Com o ser humano, contudo, ocorreu algo que tornou pouco eficaz esses ritos: o desenvolvimento da tecnologia e a criação das armas. Lorenz (1998) nos esclarece: En la prehistoria, el hombre no necesitaba mecanismos muy desarrollados que le impidieran aplicar súbitamente golpes mortales, que de todos modos no estaban en su poder. Sólo podía utilizar para ello las uñas, los dientes o las manos, para ahogar,morder o rasguñar. Pero la presunta víctima tenía tiempo suficiente de aplacar al atacante con ademanes de humildad y gritos de miedo. Siendo el hombre un animal débilmente armado, no había presíon selectiva que funcionara y creara las fuertes y seguras inhibiciones que impiden el empleo de las pesadas armas de algunos animales y aseguran la supervivencia de su especie. Pero la invención de armas artificiales abrió nuevas posibilidades de matar de un golpe y transtornó gravemente el equlibrio existente entre unas inhibiciones relativamente débiles y la capacidad de matar a sus congéneres. El hombre se hallaba entonces en la situación de la paloma que por un cruel juego de la naturaleza se viera dotada de un pico de cuervo (p.267). A violência humana seria, portanto, um produto da cultura e da tecnologia, sendo a biologia incapaz de explicá-la. Nesta seção, discutir-se-á algumas teorias que tentam explicar como historicamente se configurou a maneira humana de vivenciar a agressividade e o surgimento da violência. 151 Um terceiro tipo de comportamento agressivo também é mencionado por Lorenz a reação crítica, que ocorre quando um animal acuado não pode fugir porque seu adversário está muito perto. Esta forma de comportamento combativo é considerada a mais violenta de todos e está motivada pelo medo. 171 § primeiro: uma arqueologia da violência A arqueologia tem se dedicado, nos últimos anos, ao estudo da violência a partir de um esforço de compreensão de evidências materiais deixadas pela passagem do ser humano na história. Conforme bem pontua Lessa (2004), Estudar o comportamento humano a partir da pesquisa arqueológica é, portanto, um exercício de reconhecimento e atribuição de significado a pistas materiais do imaterial. E estudar a violência a partir dessas pistas significa encontrar sinais de um comportamento regular ou esporádico no qual a vida foi ameaçada, o sofrimento físico existiu, a liberdade foi tolhida, ocorreu a expropriação. É também um exercício de sobrepor às análises quantitativas um significado que considere, pelo menos em parte, a complexidade do conceito de violência. (p.281). O arqueólogo, assim como o antropólogo, enfrenta sempre o desafio de considera que o que ele considera um ato de agressão nem sempre é visto dessa forma dentro do éthos da sociedade estudada. Lessa (2004) cita como exemplo as lesões sofridas em ritos de passagem e as cerimônias de sacrifício de crianças realizadas em Cusco, durante o período pré-hispânico em que anualmente cerca de cem crianças de ambos os sexos eram conduzidas e preparadas pelas mães para o sacrifício, que consistia em lhes arrancar o coração ainda pulsando. A questão aqui consiste em entender o significado do sacrifício. Girard (1990) analisa a relação entre sacrifício e violência, criticando a ambivalência da teoria de Hubert e Mauss (2005) sobre o caráter da vítima, pois a vítima é – simultaneamente – sagrada e merecedora da morte. Matá-la não é considerado um assassinato. Para superar essa questão, o filósofo francês vai buscar apoio na etologia. Storr (2004) lembra que é mais difícil apaziguar o desejo de violência do que desencadeá-lo. A ilustração disse, de acordo com Girard, pode ser encontrada na descrição de um peixe que, conforme descrito por Lorenz (1998), que não pode ser privado de seus adversários habituais (os machos de sua espécie, com os quais disputa o controle de um certo território), sem dirigir sua agressividade contra sua própria família, acabando por destruí-la. Girard (1990) argumenta que o sacrifício ritual poderia ser considerado uma substituição do mesmo tipo, embora em sentido inverso. Lembrando que o sacrifício é muito próximo do assassinato, o pensador francês indaga acerca do que consiste a semelhança e a diferença entre os dois. Ele levanta a hipótese de que a violência é o elo comum entre o sacrifício e o assassinato. Quando a violência é desencadeada, dificilmente pode ser controlada. De acordo com Girard (1990), 172 a violência não saciada procura e sempre acaba por encontrar uma vítima alternativa. A criatura que excitava sua fúria é repentinamente substituída por outra, que não possui característica alguma que atraia sobre si a ira do violento, a não ser o fato de ser vulnerável e estar passando a seu alcance (p. 14). A diferença entre assassinato e sacrifício tem a ver com o efeito que cada um produz na sociedade. Para Girard, o assassinato desencadeia um processo de vingança que tenderia ao infinito, já que, quando a violência surge em um ponto qualquer da comunidade, tende a se alastrar e a ganhar a totalidade do corpo social, ameaçando desencadear uma verdadeira reação em cadeia, com conseqüências rapidamente fatais em uma sociedade de dimensões reduzidas. A multiplicação das represálias coloca em jogo a própria existência da sociedade (p. 28). A criação do sistema judiciário limitou, no plano social, a extensão da vingança. Girard argumenta que os meios que a humanidade desenvolveu para se proteger foram os ritos sacrificiais, os duelos e o sistema judiciário. O sacrifício funciona como um regulador daquilo que Girard chama de Violência essencial. Em suas palavras, Quando a violência se manifesta, há homens que se abandonam livremente a ela, até mesmo com entusiasmo, enquanto outros tentam impedir seus progressos. Com freqüência, são exatamente estes últimos que permitem seu triunfo. Nenhuma regra é universalmente válida, nenhum princípio suficientemente resistente. Há momentos em que qualquer remédio é eficaz, seja a intransigência, seja o engajamento. Em outros,pelo contrário, todos eles são inúteis, só aumentando o mal que acreditam combater. Parece que sempre chega um momento onde só é possível opor-se à violência com uma outra violência; nesta ocasião, pouco importa ter sucesso ou fracassar, pois é sempre ela quem ganha. A violência tem extraordinários efeitos miméticos, tanto diretos e positivos quanto indiretos e negativos. Quanto mais os homens tentam controlá-la, mais fornecem-lhe alimentos; a violência transforma em meios de ação todos os obstáculos que se acredita colocar contra ela. Assemelha-se a uma chama que devora tudo o que se possa lançar contra ela para abafá-la (p.46). O sacrifício vai agir bloqueando a violência, mediante seu direcionamento para um único alvo: a vítima. De acordo com Girard, O sacrifício é um instrumento de prevenção na luta contra a violência. (...) Ele faz convergir as tendências agressivas para vítimas reais ou ideais, animadas ou inanimadas, mas sempre não susceptíveis de serem vingadas, sempre uniformemente neutras e estéreis no plano da vingança. O sacrifício oferece ao apetite da violência, que a vontade ascética não consegue saciar, um alívio sem dúvida momentâneo, mas indefinidamente renovável, cuja eficácia é tão sobejamente reconhecida que não podemos deixar de levá-la em conta. O sacrifício impede o desenvolvimento dos germens de violência, auxiliando os homens no controle da vingança (pp. 31, 32). 173 O sacrifício funcionaria como uma espécie de remédio homeopático, estancando a violência através da violência. Assim, Mesmo as mais estranhas aberrações do pensamento religioso ainda indicam uma verdade, a identidade do mal e do remédio no plano da violência. Ora a violência apresenta aos homens um semblante terrível, multiplicando loucamente suas devastações; ora, ao contrário, ela se mostra sob um aspecto pacificador, espalhando a seu redor os benefícios do sacrifício. Os homens não conseguem penetrar no segredo desta dualidade. Eles precisam distinguir entre a boa e a má violência; desejam repetir incessantemente a primeira para eliminar a segunda. O rito é exatamente isto. (...) para que a violência sacrificial seja eficaz, é preciso que se assemelhe o máximo possível à violência não-sacrificial. É por esta razão que alguns ritos mostram-se simplesmente como uma inversão inexplicável das interdições (p. 54). A gênese da violência, contudo, está no conceito de desejo mimético152.Nas palavras de Girard (1990), Há, no homem, no nível do desejo, uma tendência mimética que vem do mais essencial dele mesmo, freqüentemente retomada e fortificada pelas vozes de fora. O homem não pode obedecer ao imperativo “imite-me”, que ressoa por toda parte, sem ver-se quase imediatamente remetido a um “não me imite” inexplicável, que vai mergulhá-lo no desespero e fazer dele o escravo de um carrasco na maioria das vezes involuntário. Os desejos e os homens são feitos de uma tal maneira que eles enviam perpetuamente uns aos outros sinais contraditórios, cada um ainda menos consciente de estar preparando uma armadilha análoga. Longe de ser reservado a certos casos patológicos, como pensam os psicólogos americanos que o evidenciaram, o double bind, o duplo imperativo contraditório, ou melhor, a rede de imperativos contraditórios na qual os homens incessantemente aprisionam-se mutuamente, deve ser considerada como um fenômeno extremamente banal, talvez o mais banal de todos, constituindo o próprio fundamento de todas as relações entre os homens (pp. 181-182). Girard explica o nexo existente entre o desejo e a violência, apontando para a rivalidade que se instala através do mecanismo do desejo mimético. Conforme o pensador francês, Se o desejo é livre para se fixar onde quiser, sua natureza mimética vai quase sempre arrastá-lo para o impasse do double bind. A livre mimesis lança-se cegamente sobre o obstáculo de um desejo concorrente; ela gera seu próprio fracasso, que, em contrapartida, reforça a tendência mimética. Há aqui um processo que se alimenta de si mesmo e que se exacerba e simplifica incessantemente. Sempre que o discípulo acredita encontrar o ser diante dele, esforça-se por atingi-lo, desejando o que o outro lhe designa; e inexoravelmente ele encontra a violência do desejo adverso. Por processo de abreviação ao mesmo tempo lógico e demente, ele se convence rapidamente que a 152 Girard é, juntamente com o filósofo Emanuel Levinas e o psicanalista Jacques Lacan, um dos principais pensadores acerca do desejo. Ver Susin (2003) e Carvalho (2005). 174 própria violência é o signo mais seguro do ser que sempre se esquiva. A partir de então, violência e desejo permanecem ligados. (p. 13). Girard argumenta que o sistema sacrificial foi sendo substituído por um sistema jurídico que passou a ter o monopólio da violência “legítima” como integrante do Estado. As sociedades modernas não teriam mais como estancar a violência essencial com uma violência canalizadora. Lewis Munford (1991), em sua monumental obra sobre a história da cidade, afirma que – com a passagem da aldeia para a cidade153como espaço do habitat humano – surge a realeza como forma de exercício do poder. Com isso, houve uma mudança na configuração do sacrifício e da violência não-sacrificial. O desenvolvimento da realeza foi acompanhado por uma mudança coletiva dos ritos de fertilidade, vinculado à sexualidade, para formas de ritos violentos. De acordo com Munford (1991), O que outrora tinha sido um sacrifício mágico para assegurar a fertilidade e as colheitas abundantes, um ato irracional para promover uma finalidade racional, foi transformado na exibição do poder que tinha uma comunidade, sob seu deus irado e seu rei-sacerdote, de controlar, dominar ou apagar totalmente outra comunidade. Grande parte dessa agressividade, não era provocada nem moralmente justificada da parte do agressor, embora, pela época que os registros históricos se tornam claros, algum colorido econômico pudesse ser dado à guerra, em razão de tensões políticas surgidas sobre disputas de fronteiras ou direitos de água. Mas as perdas humanas e econômicas resultantes, nos tempos antigos não menos do que hoje, estavam fora de toda proporção com as finalidades tangíveis pelas quais as guerras eram declaradas. A instituição urbana da guerra teve,pois, suas raízes na magia de uma sociedade mais primitiva: um sonho pueril que, ao tornar-se maior o poder mecânico, se transformou num pesadelo adulto. Esse trauma infantil continuou existindo, servindo de base ao desenvolvimento de todas as sociedades subseqüentes: não menos a nossa própria. (p. 51). A cidade, entendida como um espaço protegido por muralhas, definiu uma distinção espacial do perigo: ameaçador é tudo o que fica fora dos limites da cidade. Surgia um temor em relação ao que fosse estrangeiro ou forasteiro. A violência e o seu enfrentamento começavam a assumir novas feições. 153 Esta transformação é bem descrita por Benévolo (2001). Ele argumenta que a cidade não apenas uma aldeia que cresceu; o ambiente urbano é caracterizado principalmente pelas funções que ali se desempenham. Muitos serviços não ligados à terra surgem, graças à possibilidade de produção agrícola excedente. O surgimento de trabalhadores vinculados à metalurgia, ao comércio e outras atividades vão transformar a cidade em algo bem distinto da aldeia. 175 § segundo: violência urbana e a mutação do medo Na Idade Média surgia na Europa as cidades muradas, oferecendo proteção, segurança e liberdade para seus habitantes. As pessoas afluíam a esses espaços, que passavam a abrigar a diversidade e a possibilidade de mobilidade social. As cidades se transformaram em centros manufatureiros especializados no artesanato e abrigo de uma incipiente indústria têxtil. A muralha isolava o espaço urbano, assegurando a sua defesa e permitia o controle da circulação com o exterior. Delumeau (1989) descreve uma cidade alemã no século XVI que mantinha a estrutura medieval. Assim relata o historiador francês: (...) quatro grossas portas sucessivas, uma ponte sobre um fosso, uma ponte levadiça não parecem excessivas para proteger contra qualquer surpresa uma cidade de 60 mil habitantes que é, na época, a mais povoada e a mais rica da Alemanha. Num país atormentado por querelas religiosas e enquanto os turcos rondam as fronteiras do império, todo estrangeiro é suspeito, sobretudo à noite. Ao mesmo tempo, desconfia-se do homem “comum” cujas emoções são imprevisíveis e perigosas. Assim, dá-se um jeito para que não perceba a ausência dos soldados habitualmente estacionados sobre o dispositivo complicado da “porta falsa”. No interior desta, empregaram-se os últimos aperfeiçoamentos da metalurgia alemã da época; graças a isso, uma cidade particularmente cobiçada consegue, se não afastar completamente o medo para fora de seus muros, ao menos enfraquecê-lo o suficiente para que possa viver com ele. (p. 12) A cidade moderna, fruto da revolução industrial, expande seus limites de tal forma que não pode ser limitada por muralhas. Em 300 anos de desenvolvimento, ela cria alguns fenômenos assustadores como a aglomeração, a pobreza em larga escala concentrada em um espaço restrito e a compressão espaço-tempo. No século XX, torna-se o habitat do automóvel e assiste ao desenvolvimento de um fenômeno recente: a criminalidade. A partir do século XVIII surge uma preocupação, por parte das elites intelectuais, de tentar entender o crescente fenômeno da criminalidade. Explicações biológicas e morais inicialmente foram apresentadas. Posteriormente, a causa foi atribuída à ausência de educação (Pimentel Filho, 2005). A violência, na contemporaneidade, assume uma configuração multiforme e, ao mesmo tempo, uma forma de difusão que lembra uma doença contagiante. A saúde pública passa a se interessa por ela, no lento processo de assimilação do tema. Simultaneamente, as concepções que defendiam a positividade da violência foram perdendo espaço no debate público realizado na academia ou na imprensa. A defesa da violência proletária presente na obra de Sorel (1993) ou da reação contra o colonialismo de Sartre (1979) estão fora de moda. Uma razão para isso é que, 176 a partir dos anos setenta, tanto na Europa como nos Estados Unidos, a violência passou a assumir uma nova feição. Pela primeira vez, pelo menos desde que se começou estudar esse fenômeno, estabeleceu-se um sincronismo entre o crescimento da criminalidade (homicídios, roubos e estupros) e a progressão do número de suicídios e do consumo de drogas legais e ilegais. Também ocorreu um aumento no número de agressões e homicídios praticados em lugares públicos e envolvendo pessoas que não se conheciam (Costa, 1999). Além disso, um grande número de abusos e atos de violência praticados pela polícia (principalmente nos Estados Unidos), direcionados – de modo geral – para pobres e minorias. A corrupção de autoridades e de policiais por parte de máfias de traficantes também passou por um aumento significativo. Esse aumento da violência seria resultante do capitalismo desorganizado, que redefiniu o tamanho e as funções do Estado, criando novas formas de desagregação social e precarização do trabalho e das redes de assistência. O crime também se globalizou, organizando- se em redes. No lugar da hierarquia rígida e organização familiar154 , os grupos se organizam em conexões diversificadas em formato de redes multinacionais, controlando o Estado através da corrupção e da imposição de estratégias terroristas em locais em que passam a controlar, como as favelas e periferias das grandes cidades brasileiras. A própria psicopatologia passa a refletir essa mudança. Certas formas de sofrimento psíquico podem ser consideradas como expressões dos modos de subjetivação que se desenvolvem na sociedade contemporânea. São psicopatologias da contemporaneidade. Isso não que dizer que sejam psicopatologias desconhecidas ou até mesmo inexistentes em outras épocas, mas sim que são novas formas de padecimentos potencializadas pelo mundo contemporâneo. A bulimia, a anorexia, a síndrome do pânico seriam alguns exemplos dessas formas de psicopatologias contemporâneas (Meneses, 2005). Além desses, merece uma discussão mais pormenorizada a Síndrome do Estresse Pós-Traumático. Em 1942, Abraham Kardiner publica um livro sobre neurose de guerra, descrevendo uma série de sintomas psiquiátricos como irritabilidade crônica, sobressaltos, agressões explosivas e atitudes estranhas que levaram aos estudiosos da época a acreditarem que essas pessoas agiam como se ainda estivesse vivenciando o conflito da guerra. Esses sintomas também já haviam sido percebidos em pessoas que participaram da Guerra de Secessão (1862-1865) estadunidense e da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Em 1970, os psiquiatras americanos Chaim Shatan e Robert Lifton começam a trabalhar com grupos de veteranos da guerra do Vietnã em reuniões de discussão que tinham como objetivo a tomada de consciência das seqüelas que possuíam da guerra. Em 1978, o psicólogo Charles Figley, veterano da guerra do 154 Como pode ser visto na trilogia O Poderoso Chefão, de Coppola. 177 Vietnã, publicou o livro Stress Disorders among Vietnam veterans, que foi um marco na compreensão do conceito de trauma psicológico. Em 1980, a Associação de Psiquiatra Americana incorpora ao DSM-III o diagnóstico de Transtorno por Estresse Pós-Traumático, que passou a incluir diversas síndromes relacionadas a espancamentos e estupro. O primeiro estudo que descreveu a síndrome da criança espancada, Étude médico- légale sur les sevices et mauvais traitements exercés sur des enfants, escrito por Ambroise Tardieu, médicolegista francês, em 1860. Este mesmo autor, já 1857, havia publicado o estudo intitulado Étude médico-légale sur les attentats aux mouers, em que analisava 632 casos de abuso sexual de mulheres, sendo a maior parte meninas. Estes estudos, contudo, não tiveram grande repercusões e somente em 1962, com a publicação do artigo « The Battered-Child Syndrome » (Síndrome da criança espancada), escrita pelos radiologistas americanos Kempe, Silverman, Steele,Droegemueller e Silver, foram criadas políticas públicas de proteção a crianças nos Estados Unidos e na Europa. O movimento feminista, durante a década de 70 do século passado, chamou a atenção da sociedade para a violência doméstica e sexual contra as mulheres e crianças, que durante muito tempo permaneceu encoberta pela vergonha acrescida por uma impunidade culturalmente sustentada.155 Alguns estudos começaram a mostrar que as vítimas de violência sexual e doméstica apresentavam síntomas muito semelhantes aos apresentados pelos veteranos de guerra. Assim, ainda durante os anos 1970, Ann Burgess e Linda Holstrom publicaram um trabalho pioneiro sobre a Síndrome de Trauma por Estupro (rape trauma syndrome) e Leonore Walker introduziu o conceito de Síndrome da mulher espancada (battered woman syndrome). Posteriormente, essas síndromes foram reconhecidas como formas clínicas do Estresse Pós-Traumático. A vida urbana, na contemporaneidade, reveste-se de uma obsessiva sensação de insegurança, que passa a modelar a configuração dos espaços urbanos. As muralhas medievais estão de volta, com uma grande diferença em relação à sua forma original : foram privatizadas e hoje se encontram cercando modernos condomínios ou casas individuais. E como se não fosse mais possível uma proteção coletiva (como a que existia nas cidades medievais) e cada um 155 Vigarello (1998), em sua instigante investigação sobre a história do estupro, assim descreve a violência sexual contra mulher: “a pessoa atingida não é capaz de acusar, pois parece ela própria contaminada. O que torna contraditório o trabalho do juiz clássico, que afirma claramente a independência do corpo e da alma, restringindo a lesão do estupro apenas à esfera do corpo, ao passo que sente imediatamente o contrário, diante da realidade do crime, e tende muitas vezes a não condenar. Raridade das queixas, raridade das penas, a vítima é encerrada no impudor que desejava denunciar. A violência sofrida continua sendo uma violência ocultada (p.36)”. 178 tivesse que construir a sua própria fortaleza. O medo virou pânico e o inimigo encontra-se em toda parte.156 § terceiro: violência e gênero A violência não é um fenômeno uniforme; ela é modulada por condições sociais que expressam o modo como uma determinada sociedade organiza a distribuição de poder no seu meio. Um dos elementos mais importantes para a compreensão da heterogeneidade na difusão da violência é a questão de gênero. O conceito de gênero remonta ao trabalho de Simone de Beauvoir sobre o sexo feminino, no qual a filósofa francesa argumentava que a identidade feminina era uma construção social. Um dos conceitos de gênero mais utilizado da literatura é o de Scott (1990), que compreende gênero157 como um “elemento constitutivo de relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre os sexos (...) é uma forma primeira de significar as relações de poder” (p.14). Saffioti e Almeida (1995) compreendem a violência de gênero como uma forma específica de ação violenta e que tem como objetivo preservar a organização social de gênero, que foi fundada na hierarquia e desigualdade de lugares sociais sexuais. A violência de gênero não existe de modo abstrato, mas articula-se necessariamente com as categorias de classe e etnia. Uma outra questão complexa é a relação violência de gênero e patriarcado. O patriarcado pode ser considerado como uma forma de organização social em que as relações sociais são conduzidas por dois princípios básicos: 1) as mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens e, 2) os jovens estão hierarquicamente subordinados aos homens mais velhos (Narvaz & Koller, 2006). O patriarcado seria uma forma de dominação masculina que define necessariamente um modelo de família baseado na autoridade paterna e o espaço doméstico como o ambiente em que a mulher deve transitar, exercendo os papeis de mãe e esposa. Em outras palavras, o patriarcado enraíza-se na estrutura da família e na maneira que cada sociedade organiza a sua reprodução biológica (procriação e cuidado com os filhos). Além 156 Uma discussão sobre a segregação social através da criação de territórios privados excessivamente protegidos encontra-se em Caldeira (2003). Rocha & Eckert (2005) analisam a cultura do medo em Porto Alegre, em um relato que se aplicaria certamente a outras metrópoles brasileiras. 157 A expressão gênero, usada no campo das ciências humanas e sociais, descreve o campo de estudo das relações de gênero, isto é, das relações entre homens e mulheres a partir de um referencial teórico crítico oriundo das teorias feministas engendradas a partir da década de oitenta do século passado. 179 disso, para que o patriarcado possa existir, é necessário que o patriarcalismo158 permeie toda a organização da sociedade, da produção econômica até a política e o direito. Uma posição dominante nos estudos contemporâneos sobre o patriarcado é a constatação da sua crise, que se irradia a partir da crise da família patriarcal. Manuel Castells (2002) assim avalia a crise desse modelo de família: A família patriarcal, base fundamental do patriarcalismo, vem sendo contestada neste fim de milênio pelos processos, inseparáveis, de transformação do trabalho feminino e da conscientização da mulher. (...). A incorporação maciça da mulher na força de trabalho remunerado aumentou o seu poder de barganha vis-à-vis o homem, abalando a legitimidade da dominação deste em sua condição de provedor da família. (...) Nos países industrializados, a grande maioria das mulheres considera-se igual ao homem, com direito às mesmas prerrogativas e de controlar seus corpos e suas vidas. Tal conscientização está se difundido rapidamente em todo o planeta. (...) Além disso, trata-se de um processo irreversível. (p.170). É nesse contexto de crise do patriarcado que é possível entender a violência de gênero. Essa violência não expressaria o poder masculino, mas sim uma reação a essa perda de poder. Nas palavras de Castells (2002), (...) a violência interpessoal e o abuso psicológico tem-se expandido, justamente em virtude da ira masculina, tanto individual quanto coletiva, ante a perda de poder. (...) A paisagem humana da liberação feminina está coalhada de cadáveres de vidas partidas, como acontece em todas as verdadeiras revoluções (...) é por esse motivo que o desafio ao patriarcalismo é um dos fatores preponderantes a estimular os movimentos fundamentalistas, que procuram restabelecer a ordem patriarcal (...) (p.171). A crise da família patriarcal, na verdade, acompanha uma outra que também tem uma relação direta com a violência de gênero: a crise da masculinidade. O ser homem, tradicionalmente, associa-se a um conjunto de idéias e práticas vinculadas à virilidade, à força e ao poder advindo da biologia. Alguns fatores ajudaram a acionar a chamada crise da masculinidade: o movimento feminista, o ingresso da mulher no mercado de trabalho, o avanço das tecnologias reprodutivas e o crescimento dos movimentos de direitos dos homossexuais, podem ser citados como os mais importantes. A violência de gênero pode ser relacionada à questão da masculinidade, considerando- se, por exemplo, as causas externas de mortalidade masculina no Brasil. Os jovens têm o homicídio e o acidente de transporte como principal causa de morte. Além disso, a maior parte 158 O patriarcalismo seria a ideologia que acompanha, necessariamente o patriarcado. Enquanto este último deve ser entendido como uma forma de organizar a distribuição do poder em uma sociedade, o primeiro deve ser entendido como uma visão de mundo. 180 dos homicídios ocorridos no Brasil é cometida com armas de fogo. Essas duas causas estão diretamente vinculadas aos dois grandes símbolos da masculinidade no mundo contemporâneo: as armas e os carros. As armas têm o poder de submeter o outro, de ter sobre ele o poder de vida ou morte. Os carros simbolizam poder de locomoção, da velocidade e status social, que signos de sucesso e poder de sedução. 159 Um outro dado importante é que os homens são assassinados, na maioria dos homicídios, em lugares públicos (ruas, bares, etc.) e por desconhecidos, enquanto que a maioria das mulheres assassinadas o foi por companheiros e ex-companheiros. Embora a violência contra os homens seja expressiva, a violência de gênero pode ser melhor entendida como aquela que as mulheres, crianças e adolescentes(de ambos os sexos) como vítimas. Isso nos remete a questão acerca dos vínculos existentes entre masculinidade e violência. No Brasil, alguns estudos discutem essa relação, a partir de diversas disciplinas e concepções teóricas (Machado, 2001; Souza, 2005; Minayo, 2005; Muszkat, 2006). Minayo argumenta que a relação entre masculinidade e violência somente pode ser compreendida como algo historicamente construído e define a masculinidade como um híbrido biológico-social, conceito formulado pelo antropólogo francês Bruno Latour (1994). Machado (2001), em um dos trabalhos mais instigantes sobre a masculinidade disponíveis em português, avalia a relação masculinidade-violência mediante uma análise antropológica de valores. A autora argumenta que no Brasil, como nos países latino-americanos, predomina ainda o valor da hierarquia de gênero e os atributos masculinos são os valores de “poder”, ”agressividade” e “violência”. É preciso lembrar que, tradicionalmente, esses valores – típicos da tradição patriarcal – estavam associados aos princípios de pertencimento comunitário e da reciprocidade, que caracterizavam a cultura relacional vigente em nosso país até os anos setenta. Machado (2001) comenta que o amplo processo de desenraizamento social, resultante do intenso processo de urbanização que o Brasil viveu no último quartel do século XX, produziu um “entrelaçamento de duas temporalidades morais: o mundo relacional da honra e a do mundo do individualismo moderno de direitos”. Nas palavras da autora, No Brasil, dada a pouca generalização da cidadania, os valores positivos da pertença social do mundo relacional da honra, podem estar se enfraquecendo, ao mesmo tempo em que aumenta a “violência interpessoal”, sob o signo de um desencontro do “antigo” valor masculino do exercício do controle das mulheres e da rivalidade entre homens e o “novo” valor dos “direitos da mulher”. Esta “violência interpessoal” pode estar fecundando e sendo fecundada pelas novas formas de “violência cínica”, tal como a escuta das narrativas etnográficas apontam 159 A valorização desses objetos é incutida nos meninos, que têm o primeiro contato com uma arma e/ou um carro na forma de um brinquedo. Embora as mulheres tenham o hábito e a necessidade de dirigir (isso já faz algum tempo), não existem carrinhos de brinquedo para as meninas. 181 (sic!) e o atestam os altos índices de homicídios masculinos, onde os jovens homens são os que mais matam e mais morrem. Estão surgindo novas formas e possibilidades de reeditar a idéia de “virilidade” inscrita no imaginário imemorial do estupro160 e no imaginário datado, mas de longa duração, do código de honra. A exaltação da exterioridade das subjetividades contribui para a instalação de uma violência “hard” e teatralizada. Os sujeitos podem se pensar como se apenas personagens fossem. Assumem as máscaras da agressividade e da violência, como se não tratassem deles mesmos, mas apenas da encenação de jogos. Onde as performances são mais excitantes que as posições de sujeito em eixos sociais e em redes sociais, ou seja, em vidas relacionais. A “virilidade em excesso” do estupro e o “imaginário” da violência em nome da “honra”, passam a ser acenados na realidade, como se fossem puros jogos mascarados, como simulacros das relações de desafios. (pp.26- 27). Essa violência masculina indica pode ser concebida como mais uma conseqüência da modernização precária do nosso país. A implantação de uma sociedade centrada nos valores do individualismo, desacompanhada de uma extensão dos direitos de cidadania para todos os integrantes da sociedade, exacerbou o predomínio dos valores da violência e da rivalidade na composição da masculinidade contemporânea brasileira. O desafio que se impõe é duplo: 1) inserir o estudo da masculinidade no campo da saúde coletiva, principalmente no contexto da discussão sobre o significado da violência para os serviços de saúde no nosso país (Schraiber, Gomes e Couto, 2005); 2) elaborar uma compreensão interdisciplinar da violência, desnaturalizando-a de modo a tornar possível o entendimento da multiforme expressão da violência contemporânea, recusando o recurso fácil e enganoso das generalizações cristalizadas e das explicações monocausais. É importante lembrar que a violência de gênero não pode ser confundida com a violência contra a mulher: ela é melhor entendida quando a concebemos como uma violência relacionada a configuração da masculinidade contemporânea e que é direcionada contra as mulheres, crianças e adolescentes, além de ser dirigida contra outros homens, de modo indiferenciado e contextualizado em espaços públicos. A violência de gênero se vincula também intimamente com a violência sexual, embora não se confunda com ela. O estupro, o abuso sexual e o incesto relacionam-se com uma certa configuração da masculinidade que, infelizmente, não desapareceu na modernidade. O macho demoníaco161 talvez nunca possa ser exorcizado. 160 A autora afirma, em outra parte do seu artigo, que no imaginário da sexualidade ocidental o homem é concebido como que tem a iniciativa e se apodera do outro, em contraste com a mulher que se esquiva para seduzir e seduz para se esquivar. O “não” da mulher faz parte do ritual de sedução e, portanto, não deve ser levado a sério. Desse modo, o erotismo ocidental concebe a passividade feminina e agressividade masculina de tal forma que fica “difícil” estabelecer as diferenças entre ato sexual e estupro. 161 Expressão tirada do livro de Richard Wrangham (1998). 182 Seção IV: a violência contra crianças e adolescentes A violência é um fenômeno multiforme. Wiervioka (1997) elaborou um modelo que tenta apreender as múltiplas formas de manifestação da violência na contemporaneidade, apresentando uma categorização da violência em formas infrapolíticas e metapolíticas. O infrapolítico diz respeito desde a criminalidade até atividades lúdicas praticadas no cotidiano e ligadas ao gosto pelo rico. O metapolítico descreve formas de violência ligadas a significações ideológicas, religiosas ou étnicas. O sociólogo francês argumenta essa violência contemporânea se diferencia bastante da violência dos anos 1960 e 1970. Nessas décadas, de um modo geral, predominavam os conflitos políticos, as formas de protesto e de subversão, com um destaque para a luta armada na América Latina que se vinculavam a projetos revolucionários de controle do Estado, que eram orientados por projetos de libertação de países e de contingentes populacionais significativos. As propostas atraiam grande parte da juventude, que se engajava nessas lutas de libertação. Wiervioka argumenta que, embora ainda ocorram experiências de violência política em várias partes do mundo, a tendência hodierna é o deslocamento da ação violenta para a ordem do infrapolítico ou do metapolítico. O infrapolítico, é bom lembrar, está ligado à degenerescência do processo político em si, fazendo surgir uma privatização da violência ligada ao desejo de controle econômico ou do consumismo. O fortalecimento do crime organizado, porém, é apenas um aspecto desse novo paradigma da violência, na sua dimensão infrapolítica. A violência difusa tornou-se uma outra expressão da violência política a ter grande impacto social. De acordo com Vicente Santos (2004), na contemporaneidade, Os fenômenos da violência difusa adquirem novos contornos, passando a disseminar-se por toda a sociedade. Essa multiplicidade das formas de violência presentes nas sociedades contemporâneas – violência ecológica, exclusão social, violência entre os gêneros, racismos, violência na escola – configuram-se como um processo de dilaceramento da cidadania. A compreensão da fenomenologia da violência pode ser realizada a partir da noção de uma microfísica do poder (...), ou seja, de uma rede de poderes que permeia todas as relações sociais, marcando as interações entre os grupos e as classes sociais (...) Deparamo-nos com as dimensões subjetivas objetivas das variadas formas de violências: violência na escola, violência social, ecológica, exclusão, gênero, racismos. Configura-se uma “microfísica da violência” na vida cotidiana da sociedade contemporânea... (p.5). As formas de violência difusas mais comuns são as de gênero e a contra crianças e adolescentes. A violência de gênero engloba, de modo parcial, a violência contra crianças e adolescentes. É preciso explicar, contudo, o que significa essa expressão “violência contra 183 crianças e adolescentes”. No Brasil, essa expressão surge a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n º 8.69 de 13 de julho de 1990). Embora não se possa negar as especificidades da condição de criança e do adolescente (Deslandes, Assis e Santos, 2005; Assis,Deslandes e Santos,2005), é possível afirmar que exista uma violência específica contra aqueles que estão nessa faixa etária. Essa violência é multiforme, sendo a única característica comum a identidade da vítima. Uma tipologia da violência contra criança e adolescentes deve refletir essa multiformidade, tal qual pode ser visto no quadro 2.4: Tipologia da Violência Contra Crianças e Adolescentes Violência Política Violência Cotidiana Prisões Ilegais Violência intrafamiliar: maus-tratos e violência sexual: abuso sexual e incesto. torturas Violência na escola: humilhação, agressão física, bullying. Execuções sumárias Violência institucional Uso de crianças e adolescentes em conflitos bélicos Exploração como violência: trabalho infantil, exploração sexual. Quadro 2.4: Tipologia da Violência contra crianças e Adolescentes. A violência política, perpetrada em regimes autoritários, não costuma poupar nem mesmo as crianças e os adolescentes. As crianças são, muitas vezes, presas ou levadas até autoridades judiciais162. A tortura também é praticada em países de regimes autoritários, sem que as crianças sejam poupadas. O mais trágico, porém, é saber que crianças e adolescentes são executadas por forças militares de governos autocráticos, como também são usados como soldados em guerras civis e por grupos guerrilheiros espalhados pelo mundo. A violência cotidiana contra crianças e adolescentes, por sua vez, tem uma história antiga, mas podemos considerar o poder paterno no Império Romano como um marco. O ingresso de um recém-nascido na sociedade greco-romana não era um fato biológico, mas resulta de uma decisão incontestável do chefe de família163. Paul Veyne (2000) assim descreve esse “rito de passagem”: 162 Durante o período de ditadura autocrático-buguesa brasileira, crianças foram presas e assistiram, muitas vezes, seus pais serem torturados; na Argentina, durante o mesmo período, crianças foram seqüestradas e separadas definitivamente de seus pais, através de adoções. Antes disso, o nosso valoroso exército já havia prostituído as adolescentes prisioneiras e sobreviventes do massacre de Canudos. Adolescentes foram assassinados pela ditadura chilena na década de 1970. Atualmente, mais de um milhão de crianças se encontram presas em várias partes do mundo; os Estados Unidos prendeu cinco crianças menores de 12 anos na base militar de Guantánamo, sem nenhum tratamento diferenciado dos adultos e sem nenhum processo legal. No total, 107 iraquianas crianças foram presas em centros de detenção americanos. 163 Diferentemente, os egípcios, os judeus e os germanos criavam todos os filhos que lhes nascessem, não havendo tolerância à rejeição de recém-nascidos entre esses povos. 184 Em Roma um cidadão não “tem” um filho: ele o “toma”, ”levanta” (tollere); o pai exerce a prerrogativa, tão logo nasce a criança, de levantá-la do chão, onde a parteira a depositou,para tomá-la nos braços e assim manifestar que a reconhece e se recusa a enjeitá-la.(...) A criança que o pai não levantar será exposta diante da casa ou num monturo público;quem quiser que a recolha. Igualmente será enjeitada se o pai, estando ausente, o tiver ordenado à mulher grávida... (p.23). Entre os judeus, os filhos desobedientes podiam ser violentamente castigados com total apoio da comunidade. Um preceito legal do período 1250-1225 a.C. assim determina a punição pela desobediência: Quando um homem tiver um filho desobediente e rebelde, que não escuta a voz do seu pai, nem da sua mãe, e que, quando o corrigem,continua a não os escutar, o pai e a mãe o levarão à presença dos anciãos da cidade, às portas da sua localidade, e dirão aos anciãos da cidade: ‘Este nosso filho é desobediente e rebelde, não escuta a nossa voz; é incorrigível e dissoluto. ’ Depois, todos os homens da cidade o apedrejarão e ele morrerá. Assim extirparás o vício do meio de vós. Todo o Israel o há-de saber e se encherá de temor (Deuteronômio, 21: 18-21. Nova Bíblia dos Capuchinhos, Lisboa: Difusora Bíblica, 1998). O advento do cristianismo trouxe algumas mudanças nessa concepção sobre a criança. O motivo disso parece ser derivado da importância que a criança assume nos ensinamentos de Jesus de Nazaré. Um bom resumo desse ensino encontra-se no relato da criança no meio dos discípulos, descrita nos três Evangelhos Sinóticos (Mateus 18:1-5; Marcos 9:33-37;Lucas 9;46- 48). Mateus 18:1-5 Marcos 9:33-37 Lucas 9;46-48164 Naquele momento, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: “quem é o maior no Reino dos Céus?” Ele chamou um menino, colocou-o no meio deles e disse: ”Em verdade vos digo: se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu. Quem,pois, se fizer humilde como este menino será o maior no Reino do Céu. Quem receber um menino como este, em meu nome, é a mim que recebe”. Chegaram a Cafarnaúm e, quando estavam em casa, Jesus perguntou: “Que discutíeis pelo caminho?” Ficaram em silêncio porque, no caminho, tinha discutido uns com os outros sobre qual deles era o maior. Sentando-se, chamou os Doze e disse- lhes: “Se alguém quiser ser o primeiro, há-de ser o último de todos e o servo de todos.” E, tomando um menino, colocou-o no meio deles, abraçou-o e disse-lhes: “Quem receber um destes meninos em meu nome é a mim que recebe; e quem me receber, não me recebe a mim mas àquele que me enviou.” Veio-lhes então ao pensamento qual deles seria o maior. Conhecendo Jesus os seus pensamentos, tomou um menino, colocou-o junto de si e disse-lhes: “Quem acolher este menino em meu nome, é a mim que acolhe, e quem me acolher a mim, acolhe a quem me enviou; pois quem for o mais pequeno entre vós, esse é que é grande”. Quadro 2.5: Quadro sinótico sobre Jesus e as crianças. 164 Nova Bíblia dos Capuchinhos, Lisboa: Difusora Bíblica, 1998. Para uma discussão mais detalhada sobre os Evangelhos Sinóticos, ver Marconcini (1998). 185 O teólogo alemão Hans Ruedi Weber (1986) assim comenta os trechos sinóticos: Durante o tempo de Jesus, tanto no mundo greco-romano como no mundo judaico, o ensino era unidirecional: do adulto para a criança. Compreendendo a criança como matéria-prima que tinha que ser moldada para se tornar um ser humano integral ou concebendo-a como um membro pequeno e imaturo do povo da aliança, que tinha de ser disciplinado pelo conhecimento e temor ao Senhor: em ambos os casos a criança era um receptor passivo e tinha importância apenas na medida que representava um aprendiz em potencial. (...) Em todas as três versões a conduta e as palavras de Jesus são desencadeadas pelo questionamento dos discípulos sobre quem entre eles seria o maior. Na resposta de Jesus, uma criança torna-se elemento central, não como alguém que recebe instrução, mas como alguém cuja mera presença se torna um indício para a resposta à pergunta dos discípulos (...) No Novo Testamento a expressão “receber alguém” sempre implica hospitalidade, seja a pessoa visita temporária ou seja ela adotada e integrada definitivamente na família (pp.42;48). As mudanças, contudo, ocorreram de modo muito lento, levando séculos para que provocassem impacto social. Alguns exemplos: nos anos 315-329 d.C. o infanticídio começa a ser questionado, tornando-se pecado capital em 374 d.C. No século XII, a Inglaterra promulga a primeira lei que considera a morte de crianças como igual ao homicídio de adulto (Lyman, 1982). No século XVII, com o advento da modernidade, surge um novo sentimento de infância que, mediante um longo processo histórico, produziria uma maior preocupação com o enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. É somente no século XX que uma maior preocupação com o enfrentamento da violência direcionada a pessoas em desenvolvimento infanto-juvenil começar a produzir impacto. Na Europa e nos Estados Unidos, inicia-se a criação de leis e tribunais específicos de proteção à criança e ao adolescente, culminando com a Doutrina de Proteção Integral da Criança da Organização das Nações Unidas cujas raízes se encontram na Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959 e consolidada na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. Na área médica, apesar do trabalho pioneiro de Ambroise Tardieu, é somente em 1962 que a violência contra criança é posta em evidência com o surgimento do conceito de Síndrome da criança espancada, criado pelos médicos Kempe, Silverman e Seele. Surgia o modelo médico de explicação da violência contra crianças e adolescentes, que enfatizava a suposta patologia dos pais espancadores. Posteriormente, saberes como a Sociologia, a Psicologia e a Antropologia começaram também a produzir conhecimentos sobre essa filhos que crianças e adolescentes sofriam por parte de seus cuidadores. 186 A Epidemiologia se tornou a principal área da saúde a estudar a violência. Estudando variáveis de sexo, faixa etária, cor, espaço geográfico e condições sócio-econômicas, a Epidemiologia busca conseguir maior precisão na detecção e diagnóstico dos casos. A definição de fatores de riscos e de grupos vulneráveis são contribuições importantes dos estudos epidemiológicos sobre o tema. Minayo e Souza (1998) mostram, contudo, os limites que a Epidemiologia possui no trato da violência, que não pode ser tratada como uma epidemia passável de ser compreendida pelos métodos epidemiológicos tradicionais. Essas autoras argumentam que as Ciências Sociais, a clínica médica e a Psicologia Social são saberes indispensáveis para a compreensão da violência. As autoras argumentam que, no enfrentamento da violência, são essenciais a interdisciplinaridade, a multiprofissionalidade e a ação pública. No Brasil, país signatário da convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, a própria Constituição Federal de 1988 incorpora preceitos da doutrina da proteção integral elaborada pelas Nações Unidas ao estabelecer, no artigo 227, que É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A violência é a principal causa de morte de crianças e adolescentes na faixa etária de 5 a 19 anos em nosso país. No período de 1990-2000, de acordo com dados do Ministério da Saúde, morreram 211.918 crianças e adolescentes por acidentes e violências (causas externas), sendo 59.203 crianças entre 0 e 9 anos, 33.512 púberes de 10 a 14 anos e 119.203 adolescentes de 15 a 19 anos. Para efeito de comparação, o número de mortes por doenças infecciosas e parasitárias, segunda causa de mortes infanto-juvenil no país, foi de 146.824 óbitos (Souza & Jorge, 2004). A preocupação em entender a violência contra crianças e adolescentes sob a ótica da epidemiologia coincide no Brasil com a colocação do tema da violência na saúde pública, predominando um enfoque nos efeitos da violência, com o atendimento centrado nos traumas e lesões físicas nos serviços de emergência, com poucos trabalhos dedicados à prevenção e a promoção da saúde. Uma outra questão importante é identificar as múltiplas formas que assume a violência contra crianças e adolescentes. Conforme apresentada no Quadro 2.4, a violência intrafamiliar é uma das formas mais significativas de violência contra crianças e adolescentes. 187 § primeiro: a violência intrafamiliar A violência intrafamiliar é definida como qualquer tipo de abuso praticado no contexto privado da família contra um dos seus membros. O homem adulto é o autor mais freqüente dos abusos físicos e/ou sexuais sobre as meninas, embora o abuso físico e a negligência às crianças sejam cometidos pela mãe. (Ministério da Saúde, 2002). Os irmãos também são agentes de violência intrafamiliar165. Uma pesquisa feita com 1.328 adolescentes de escolas públicas e particulares revelou os seguintes dados: 75 % dos entrevistados referiram-se aos irmãos como autores de atos violentos; 40 % o pai e 45 % a mãe. É importante lembrar que os pais e os padrastos são os principais responsáveis pela violência sexual contra crianças e adolescentes (Sobre esse tipo de violência, ver o parágrafo dois desta seção). A violência física é a mais percebida nas estratégias de enfrentamento, justamente por deixar marcas. Sanchéz e Minayo (2004) assim descrevem essas marcas: (...) os agravos provocados por maus-tratos físicos são freqüentes na pele, nas mucosas, no esqueleto, no sistema nervoso central, no tórax e no abdome. As lesões cutâneo-mucosas podem ser devidas a golpes, queimaduras, arrancamento de dentes e de cabelos, mordidas e por armas brancas ou de fogo. Elas vão desde hiperemia, escoriações, equimoses e hematomas até queimaduras de terceiro grau. No esqueleto, as agressões físicas costumam provocar mutilações e fraturas dos ossos e dos membros em diferentes estágios de gravidade. No sistema nervoso central, a violência física é responsável por traumatismos cranioencefálico que podem ocasionar fraturas dos ossos do crânio ou hemorragias intracerebrais por causa de sacudidelas e impactos. Muitas crianças sofrem também lesões oculares e auditivas, levando à invalidez temporária ou permanente e até a morte (p.34). Algumas formas de violência, contudo, são mais difíceis de identificar, justamente por não deixarem marcas físicas. Trata-se da violência psicológica. De certa forma, é possível compreender a violência psicológica intrafamiliar contra crianças e adolescentes como uma depreciação sistemática em relação a estes por parte dos adultos, de modo a comprometer a auto- estima e, frequentemente, ocorre através de ameaças de abandono e de crueldade. Existe uma certa tradição cultural que faz com que os pais acreditem que a humilhação seja uma forma necessária de educar uma criança. A negligência é também uma forma de violência intrafamiliar por parte dos pais ou responsáveis de difícil identificação. Expressa-se na falta de provimento de alimentos, roupas, cuidados escolares e médicos, além da ausência real e moral dos pais e falta de afeto e atenção aos filhos. É importante frisar que em situação de pobreza ou miséria, é muito difícil diferenciar 165 Há uma carência de estudos no Brasil sobre a violência entre irmãos, que é considerada como de pouca importância. 188 a negligência da impossibilidade do provimento das necessidades materiais e psicológicas dos filhos por parte das famílias. Viviane Guerra (2005) enumera as seguintes características da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes: a) Violência interpessoal; b) Abuso do poder disciplinador e coercitivo dos pais ou responsáveis; c) Processo de vitimização que às vezes se prolonga por vários meses e até anos; d) Processo de imposição de maus-tratos à vitima, de sua completa objetalização e sujeição; e) Forma de violação dos direitos essenciais da criança e do adolescente como pessoas e uma negação dos valores humanos fundamentais. Uma outra questão importante é a relação entre a punição corporal e os maus-tratos. Alguns autores (Straus, 1994; Longo, Azevedo e Guerra, 2002; Weber e colaboradores, 2002; Brandenburg & Weber, 2005) defendem a idéia de que a um continuum entre a punição corporal e os maus-tratos contra crianças e adolescentes e, para que se promova a prevenção da violência física contra crianças e adolescentes, propõem a eliminação do uso da punição corporal. O Projeto de Lei n º 2654/2003, apresentado ao Congresso Nacional e elaborado pelo Laboratório de Estudos da Criança, estabelece o Direito da Criança e do Adolescente a não serem submetidos a castigos corporais. A justificativa do projeto afirma que a permissão do uso moderado da violência contra crianças e adolescentes faz parte de uma cultura da violência baseada em três classes de fatores: ligados à infância, ligados à família e ligados à violência propriamente dita. Quanto aos primeiros, persiste no Brasil a percepção da criança e do adolescente como grupos menorizados, isto é, como grupos inferiorizados da população, frente aos quais é tolerado o uso da violência. Quanto aos segundos, vigora ainda um modelo familiar pautado na valorização do espaço privado e da estrutura patriarcal, que, por estar muitas vezes submerso em dificuldades sócio-econômicas, propicia a eclosão da violência. Quanto aos terceiros, prevalece no Brasil o costume de se recorrer a alternativas violentas de solução de conflitos, inclusive no que toca a conflitos domésticos. Essa cultura, contudo, pode e deve ser enfrentada por diversas vias, dentre elas, a valorização da infância e da adolescência, a percepção da criança como um ser político, sujeito de direitos e deveres, e, ainda, a elucidação de métodos pacíficos de resolução de conflitos, que abarcarão a vedação do castigo infantil, ainda que moderado e para fins pretensamente pedagógicos. Neste contexto, é fundamental e necessário tornar inequivocadamente claro e explícito que a punição corporal de criança e adolescente, ainda que sob pretensos propósitos pedagógicos, é absolutamente inaceitável. Daí a apresentação do presente projeto de lei, que objetiva assegurar à criança e ao adolescente o direito a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos, no lar, na escola ou em instituição de atendimento público 189 ou privado. O escopo principal é ressaltar que a vedação genérica da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente quanto ao uso da violência abrange a punição corporal mesmo quando moderada e mesmo quando perpetrada por pais ou outros responsáveis. A escolha pela inclusão desse direito específico no Estatuto da Criança e do Adolescente atende a esse escopo sem calcar dúvidas quanto à ilicitude do uso da violência de modo geral, nos termos do artigo 18 desse diploma. A inclusão alcança, ademais disso, duas outras metas. Primeiro, assegurará uma maior coerência ao sistema de proteção da criança e do adolescente. Segundo, ressaltará a relevância desse direito específico, na medida em que esse passará a fazer parte de uma lei paradigmática tanto interna quanto internacionalmente. Não se trata, todavia, da criminalização da violência moderada, mas da explicitação de que essa conduta não condiz com o direito. È nesse sentido, ademais disso, que se coloca o Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança. No parágrafo 17 de sua Discussão sobre Violência contra Crianças na Família e na Escola, o Comitê ressaltou que a ênfase deve ser na educação e no apoio aos pais, e não na punição. Esforços preventivos e protetivos devem enfatizar a necessidade de se considerar a separação da família como uma medida excepcional. O projeto encontrou alguma resistência, mas foi aprovado na Câmara Federal. Um dos principais grupos de oposição é o dos evangélicos, quem têm se posicionado no próprio congresso, afirmando a necessidade de preservar o direito religioso de obedecer a Bíblia, que manda espancar os filhos desobedientes. 166 Um artigo publicado no sítio da Associação de Escolas Cristãs por Princípios afirmava o seguinte: O que mais me preocupa diante da discussão atual sobre a nova lei que está sendo votada não é tanto a forma de correção, se os pais podem ou não bater nos filhos. Embora alguns queiram passar esta idéia, não existe um consenso entre educadores, psicólogos ou outros pesquisadores do assunto, que "uma palmada" seja prejudicial ao desenvolvimento da criança, em qualquer aspecto. Ao contrário, a literatura, inclusive "secular" considera "a palmada" como um recurso possível e viável, desde que aplicada com justiça e da forma correta, ou seja, não como uma forma de descarregar a raiva dos pais ou como imposição de força. A "palmada" pode ser usada pelos pais como um limite concreto, como conseqüência da desobediência deliberada, depois que as regras já tenham sido estabelecidas de forma clara para a criança e ela insiste em transgredi-las. Normas claras podem significar mais de uma conversa, exige tempo, compromisso e disponibilidade dos pais. E mais, exige coerência, muita coerência entre o que se ensina e o que se vive dentro do lar... O poder da palmada, não está na força de quem a aplica. Está exatamente no fato de que os pais estão suficientemente comprometidos com a educação de seus filhos, a ponto de gastarem tempo e esforços para ensiná- 166 Esta crença é fundamentada em alguns textos do Antigo Testamento; nos ensinamentos de Jesus de Nazaré, contudo, não há nenhuma afirmação do valor deste princípio. Um outro dado que vale a pena ser lembrado é que Martinho Lutero, principal nome da Reforma protestante, defendia a tese que a Bíblia somente tinha valor quando apontava para Jesus, sendo – portanto – possível para um cristão desconsiderar alguns textos bíblicos. O próprio Lutero considerava como sendo sem valor os livros de Tiago, a Epístolas aos Hebreus e o livro do Apocalipse. Os evangélicos brasileiros, ao contrário do que se pensa, não são protestantes, mas são de grupos religiosos surgidos nos Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX. Uma característica marcante destes grupos é o seu fundamentalismo, ou seja, a crença que a Bíblia deve ser entendida literalmente, não admitindo interpretações. 190 los o caminho em que devem andar. Exatamente por fazer parte do processo educativo, a palmada ou a vara não devem ser banalizadas e usadas a todo momento como forma de coação ou até mesmo pra criança "dar sossego"(Ribeiro,2006).167 Além de uma certa cretinice na seleção do que deve ser obedecido na Bíblia, os evangélicos conservadores (e outros segmentos da população brasileira) afirmam a indissociabilidade entre castigo físico e disciplina. Como bem escreveram Weber, Viezzer e Brandenburg (2004), Disciplina não é sinônimo para punição e muito menos para punição corporal. Disciplinar é ajudar uma criança a desenvolver seu autocontrole, estabelecer limites, ensinar comportamentos adequados e corrigir os inadequados. Disciplinar também envolve encorajar a criança, ajudá-la a desenvolver a sua auto-estima e sua autonomia, ou seja, prepará-la para enfrentar o mundo sem que precise emitir comportamentos simplesmente para evitar as punições e aprender que a coerção é uma solução inaceitável para a resolução de problemas. A questão da punição, como estratégia disciplinar, ultrapassa o conhecimento da ciência e chega à ética... (p.235). Um quadro sinótico sobre uma tipologia da violência intrafamiliar encontra-se no Quadro 2.6. Tipos de Violência Intrafamiliar Contra Crianças e Adolescentes Tipos de Violência Agentes Abuso Físico: Violência Sexual (abuso) Violência Psicológica Negligência Pais Mães Padrastos Irmãos Tios Avós Quadro 2.6: Tipos de Violência Intrafamiliar Contra Crianças e Adolescentes Como já foi mencionado, o abuso sexual é uma forma de violência intrafamiliar que merece ser analisada com mais vagar, o que será feito no próximo parágrafo. 167 Este é um dos textos mais equilibrados que encontrei na pesquisa que fiz sobre os evangélicos e a Lei da palmada. A questão não me é indiferente não apenas por razões acadêmicas: sou cristão protestante, embora não evangélico, e não posso ter em relação ao assunto a postura de um ateu ou agnóstico, que pode resolver a questão afirmando que se trata de mais uma evidência do caráter alienante da religião... O maior problema desse argumento que afirma a “a palmada como um recurso possível e viável, desde que aplicada com justiça e da forma correta, ou seja, não como uma forma de descarregar a raiva dos pais ou como imposição de força”, é o desconhecimento de pesquisas que mostram que os pais, no momento em que batem em seus filhos, estão alterados emocionalmente, apresentando irritação, mau-humor e raiva, o que nos permitir supor que não é difícil que, num dia em que essa alteração emocional se tornar um pouco mais intensa, o castigo físico pode virar um demonstração de violência física pura e simples. Para conhecer algumas dessas pesquisas, ver Brandenburg & Weber (2005). 191 § segundo: a violência sexual contra crianças e adolescentes Vigarello (1998), ao concluir sua investigação acerca da história da violência sexual nos séculos XVI-XX, mostra que o século XX possuiu uma visão peculiar em relação aos outros séculos estudados: uma nova visão sobre a violência sexual e suas conseqüências. Uma visão totalmente distinta dos efeitos da violência; baseada numa compreensão psicológica e não mais moral sobre os crimes sexuais, surge uma inusitada preocupação com o sofrimento psíquico e com o trauma psicológico. Em nosso país, a tese de doutorado de Landini (2005) apresenta uma história da compreensão acerca da violência sexual no Brasil. Fundamentada na Sociologia processual de Elias, a autora analisa a evolução do tema no âmbito legal, mostrando a evolução dos códigos penais e o surgimento do ECA.Analisa também a adesão do Brasil às convenções internacionais de proteção às crianças. Um dado interessante que nos é apresentado é o reconhecimento da necessidade de proteção da infância presente no Código Penal de 1890, que estabelecia a presunção de violência em relações envolvendo menores de 16 anos. O papel do Estado, contudo, era muito limitado. Somente com a constituição de 1988 e o ECA de 1990, é que o Estado passa a ter a obrigação de proteger à criança e ao adolescente contra todo tipo de violência e exploração, não se limitando a julgar os casos ocorridos, mas também preveni-los. Essa mudança tem haver com um amplo processo de transformação social, que se realizou ao longo do século passado. No início do século XX, de acordo com Landini (2005), havia uma sensibilidade em relação aos crimes sexuais em função tanto de uma desigualdade de poderes entre os sexos quanto entre as gerações, com uma preocupação maior em proteger as mulheres (crianças, adolescentes e adultas) da violência sexual. Essa sensibilidade, com o passar do tempo, modificou o desenvolvimento de áreas que lidavam a questão da violência sexual, tais como a Medicina Legal, o Serviço Social e, posteriormente, a Psicologia. Ao final do século, houve uma inversão no peso atribuído aos fatores de sexo e geração no que diz respeito a violência sexual, passando a haver uma preocupação muito maior com a proteção da criança, em virtude do crescimento da pedofilia e do surgimento do chamado “fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes”. Esse fenômeno foi uma conseqüência do fortalecimento dos movimentos sociais de proteção dos direitos da criança e da emancipação da mulher, sendo descrito na literatura especializada a partir dos anos 1980. O conceito de “violência sexual contra crianças e 192 adolescentes” descreve um fenômeno composto por duas modalidades de expressão: a violência sexual intrafamiliar (abuso sexual e incesto) e a exploração sexual comercial. a) Abuso sexual e incesto A literatura sobre abuso sexual no Brasil é bastante vasta (Kristensen, 1996; Leal & César, 1998; Dobke, 2001; Souza, Assis e Alzuguir, 2002; Faleiros, 2000; Araújo, 2002; Brino & Williams, 2003; Pires, 2003; Felizardo, Zürcher e Melo, 2003; Habigzang & Caminha,2004;Faiman,2004;Padilha & Gomide, 2004; Ribeiro,Ferriani e Reis, 2004; CRAMI,2005; Paulino,2005; Pinto Jr., 2005; Azambuja, 2005; Barros, 2005; Aded e cols.,2005; Habigzang e cols.,2005; Baltieri, 2005; Pfeiffer & Salvagni, 2005; Abreu,2005;Landini, 2006;Silva,Jr., 2006;Gobbetti, 2006; Matias,2006). Apesar disso, Aded e colaboradores (2005), ao revisarem a literatura internacional e nacional, mostram que há uma grande carência no Brasil de pesquisas sobre prevalência, incidência, desdobramentos legais e conseqüências para a vida futura das vítimas. Além disso, as pesquisas estão concentradas em algumas regiões e nas grandes cidades, sem que se tenha uma visão que seja, ao mesmo tempo, uma compreensão nacional e das especificidades regionais. Eva Faleiros (2000), ao revisar a literatura existente no Brasil, apontar as seguintes questões que ainda precisam ser melhor discutidas : a) necessidade de ouvir os sujeitos violentados: crianças e adolescentes vitimizados, assim como adultos que foram violentados na infância e/ou adolescência; para isso, é necessário desenvolver metodologias e técnicas de entrevistas para ouvir crianças e adolescentes vitimizados sexualmente e refletir sobre as questões éticas envolvidas na metodologia da pesquisa com vitimizados sexualmente; b) outros sujeitos a serem pesquisados são os familiares da vítima (vitimizadores ou não), como também os vizinhos e amigos; c) os violentadores também precisam ser pesquisados; d) necessidade de aprofundar os estudos de métodos de pesquisa qualitativa; e) desenvolvimento de métodos de quantificação do fenômeno. O abuso sexual é visto como uma forma de maus-tratos e é assim definido por Habigzang e Caminha (2004): O abuso sexual é definido como todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual, cujo agressor esteja em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou adolescente. Tem por finalidade estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para obter estimulação sexual. Essas práticas eróticas e sexuais são impostas às 193 crianças ou aos adolescentes por violência física, ameaça ou indução de sua vontade. Pode variar desde atos em que não existam contatos físicos, mas que evolvem o corpo (assédio, voyeurismo, exibicionismo), a diferentes tipos com contato físico, sem penetração (sexo oral, intercurso interfemural) ou com penetração (digital, com objetos, intercurso genital ou anal). Engloba, ainda, situação de exploração sexual visando ao lucro, com a prostituição e a pornografia (...) Os abusos sexuais podem ser classificados como intrafamiliares ou incestuosos e extrafamiliares (p.25-26). Uma outra maneira de entender o abuso é concebê-lo como uma relação de poder, como uma violação da confiança em um protetor: O abuso sexual supõe uma disfunção em três níveis: o poder exercido pelo grande (forte) sobre o pequeno (fraco); a confiança que o pequeno (dependente) tem no grande (protetor); e o uso delinqüente da sexualidade, ou seja, o atentado ao direito que todo indivíduo tem de propriedade sobre o seu corpo (Gabel, 1997:10). As pesquisas mostram que o abuso sexual intrafamiliar é, predominantemente, uma violência que tem o homem como agressor e a mulher como vítima (Azevedo & Guerra, 1988; Cohen, 1993; Saffioti, 1997). É preciso lembrar que os meninos também são vítimas de violência sexual, mas a incidência maior ocorre fora da família, perpetrada geralmente por adultos não parentes (Araújo, 2002). As pesquisas também apontam que o abuso sexual intrafamiliar tem uma incidência muito maior do que a extrafamiliar, sendo que esta última ocorre em apenas 15% dos casos notificados (Flores, 1998). Não há uma pesquisa nacional que analise como se configura o abuso sexual no nosso país; algumas pesquisas locais, contudo, podem nos oferecer algumas pistas para entender a configuração desse fenômeno no Brasil. Além disso, os epidemiológicos encontrados na literatura brasileira não são abrangentes, sendo referentes a locais isolados e amostras parciais. Há uma estimativa de que apenas 10% a 15% dos casos são revelados, tornando a violência sexual um dos delitos de maior subnotificação e subregistro (Brino & Williams, 2003). Drezett (2000), em uma pesquisa realizada no Hospital Pérola Byington de São Paulo, verificou que em 84,5% dos casos de violência sexual o agressor era conhecido da vítima, sendo que em 21,7% dos casos o pai era o agressor, em 1,6% o pai adotivo, em 16,7% o padrasto, em 11,6% o tio, em 10% o avô, o vizinho em 16,7% e em 21,7% o agressor era um outro conhecido da família. 194 Habigzang e colaboradores (2005) analisaram documentos referentes aos processos de casos denunciados de violência social ajuizados pelas promotorias especializadas na Infância e Juventude de Porto Alegre, entre 1992 e 1998, em um total de 71 expedientes e 94 vítimas. O perfil das vítimas era o seguinte: a maioria era de crianças e adolescentes do sexo feminino (80,9%) e 19,1 eram do sexo masculino. O início dos abusos concentrou-se em três faixas etárias, a saber: 10,6 % das crianças apresentavam idade entre 2 e 5 anos, 36,2% destas tinham entre 5 e 10 anos e 19,1% tinham entre 10 e 12 anos. A maioria das crianças (26,6) freqüentava o ensino fundamental nesse período. A idade da denúncia ficou concentrada na adolescência, visto que 42,6 % apresentavam entre 12 a 18 quando o abuso foi detectado. Os demais casos foram denunciados quando a vítima tinha entre 1 e 5 anos(14,9%), 5 a 10 anos(20,2%) e 10 a 12 (22,3%). A violência sexual foi denunciada pelos seguintes agentes: mãe da vítima (37,6%); pela própria vítima (29%); outros parentes (15,1%) e instituições tais como escola, hospital e departamento de polícia (6,5%). Um dado preocupante é que em 61,7% dos casos alguém informou que já sabia do abuso e, mesmo assim, não denunciou. As pessoas que já tinham conhecimento anterior da violência eram as mães (55,2%), irmãos (54,3%), parentes (22,4%), pais (5,2), escolas (1,7%) e outros (10,3%). Em 89 dos 94 dos documentos analisados havia informação sobre o encaminhamento adotado. Os locais de encaminhamentos foram: conselho tutelar (40,4%); polícia (29,2%); escola (9%); hospital ou unidade pública de saúde (7,9%) e instituição de assistência social (6,7%). A violência sexual foi comprovada em 68 dos 94 casos investigados. Em 11 casos não houve confirmação e em 15 casos não havia informação suficiente para confirmação. As formas de confirmação da violência sexual foram: depoimento da vítima (63,2%); exames ginecológicos, laudos do Instituto Médico-Legal e exame de corpo de delito (32,4%); relato da mãe (30,9%); avaliação psicológica (27,9%) e depoimentos de outros familiares (25%). Os indícios que foram apresentados para negar a ocorrência do abuso foram: depoimento do agressor (48,2%); depoimento da mãe da vítima (34,1%); laudos no instituto de medicina legal (22,4%); depoimento da vítima (18,8%) e ausência de exames médicos ou provas materiais (14,1%). Além do abuso sexual, foram constatados registros de violência física, violência psicológica e diferentes formas de negligência. As principais categorias identificadas de abuso foram: esfregar-se no corpo da vítima ou passar a mão pelo corpo (39%); sexo vaginal (28,6%); tirar as roupas (27,3%); sexo anal (24,7%); sexo oral (19,5%); exibicionismo da genitália (15,6%); assédio (14,3%); masturbação da vítima pelo agressor e vice-versa (13%) e obrigação 195 de assistir relações sexuais de terceiros (10,4%). O principal contexto em que ocorreu o abuso sexual foi na própria casa da vítima (66,7% dos casos), quando esta se encontrava sozinha com o agressor. Em 41,9% dos casos, a ocorrência do abuso era diária. Em 70,2% dos casos investigados não houve registro de ameaças à criança caso ela revelasse o abuso para alguém. Nos casos em que foi verificado relatos de ameaças, estas faziam referências a assassinatos, rompimento da relação, violência física com faca, chantagens, separação da mãe ou abrigamento da vítima. Em 11 casos foram descritas agressões às vitimas com socos, pontapés e tapas. Em um mesmo número de casos, ocorreram registros de atividades das vítimas visando interromper o abuso. Nestes casos, as vítimas gritaram,empurraram o agressor ou tentaram fugir. As principais condições psicológicas, registradas nos processos, das vítimas após o abuso foram: problemas relacionados à sexualidade (57,8%); manifestações emocionais (42,2%); inibição afetiva e social (introversão ou isolamento) (32,8%); sintomatologia psicológica (29,7%); agressividade confrontativa (21,9%); falta de limites (20,3%); dificuldades na escola (20,3%), tentativas de suicídio (14,1%) e comportamentos delinqüentes (14,1%). Em 90, dos 94 documentos analisados, havia registro de características do agressor, que foram: sexo masculino (98,8%); pai da vítima (57,4%); padrasto ou pai adotivo (37,2%). A maioria dos agressores tinha idade entre 31 e 40 anos (52,2%). Quanto ao vínculo com trabalho, houve registro em 81 casos, configurando-se o seguinte quadro: empregados (43,2%); desempregados (32,1%); biscateiros (16%); aposentados (6,2%) e autônomos (2,5%). O nível de escolaridade do agressor foi registrado em apenas 32 casos, configurando-se assim: primeiro grau incompleto (40,6%); 25% primeiro grau completo (25%); analfabetos (15,6%); segundo grau completo ou incompleto (15,6%) e terceiro grau incompleto (3,1%). Em 25 casos havia registro da religião do agressor: católicos (36%); evangélicos (36%); espíritas (16%); sem religião (4%) e outras religiões (8%). 52% dos agressores eram alcoolistas, enquanto que 27,7% destes abusava de alguma outra substância tóxica. Em 18 documentos analisados, encontrou-se registros de alegações do agressor para cometer o abuso sexual: percepção da vítima como pessoa adulta e capaz de ter relações sexuais(31,3%); questões religiosas(25%); desejo de ser responsável pela iniciação sexual da filha (25%). A existência de outras pessoas vitimadas também foi verificada em 37,2% dos casos, sendo estas irmãos, enteada, mãe, empregada ou outras crianças. Apesar disso, 80,9% dos agressores não apresentavam antecedentes criminais. Os antecedentes criminais registrados foram: furtos (44,4%); assassinatos (33,3%); tráfico ou uso de drogas (16,7%); lesão corporal (11,1%); danos materiais (5,6%) e ameaças (5,6%). 196 Em 19,1% dos casos analisados havia relato sobre a existência de outros agressores para a mesma vítima. Estes foram o tio (33,3%), o patrão do pai (27,8%), o pai (16,7%), a mãe (17,7%), o padrasto (16,77%), um agressor desconhecido (11,1%), o avô (5,6%) e um grupo de estranhos na rua (5,6%). Um mapeamento sobre algumas características das famílias das vítimas foi feito. A configuração familiar foi modificada com a denúncia do abuso sexual. Considerando-se a situação conjugal dos pais das vítimas antes e depois da denúncia; antes da denúncia: 56,4% dos pais viviam juntos, 42,6% viviam separados e 1,1% dos casos não havia informação; após a denúncia: 18,1% viviam juntos; 79,8% viviam separados e 2,1% dos casos não havia informação. A violência era a principal estratégia utilizada pelos pais como prática educativa. As proibições apareciam em 73% das famílias. Formas de violência utilizadas: agressões físicas (40,5%) e agressões verbais e terrorismo (21,6%). Quanto à situação financeira das famílias, 39,6% viviam em situação de pobreza. Quanto ao número de pessoas, as famílias estavam distribuídas assim: de 4 a 6 membro(46,1%); sete a nove(20,2%); 10 a 16 (15,7); 3 membros(15,7) e 2 membros(2,2%). A religião da família também foi mapeada: católicas (30,4%); evangélicas (26,1%); afro-brasileiras (21,7%) e adventistas (13%). Algumas famílias foram descritas no processo como sendo fanáticas do ponto de vista religioso. A família negou o abuso sexual com os seguintes índices: agressor (57,4%); mãe (20,2%); vítima (4,3%); o pai (3,2%) e outros (10,6%). Em 29,8% dos casos não havia esta informação. Quanto a proteger a vítima, temos: a mãe (59,4); tios (12,8%) e outros (25,5). Em 26,6% dos casos não havia quem protegesse a vítima. A principal forma de proteção foi a denúncia (78,3%), ocorrendo também o afastamento da vítima em relação ao agressor (20,3%), tentativas de impedir a ocorrência sexual (15,9%) e assumir a guarda da vítima (10,1%). Em 73,3% dos casos, a família tentou proteger a vítima, enquanto 41,1% negaram totalmente o abuso sexual. 10% das famílias não conseguiram proteger a vítima. As estratégias utilizadas pelas famílias para a proteção da vítima foram: abrigamento ou colocação da vítima em famílias substitutas ou com familiares (50%); mãe abandona o agressor (34,5%); agressor é preso ou afastado do lar (31%); mãe separa-se do agressor (19%). Em compensação, ocorrem casos em que a vítima não é protegida: vítima mantém contato com agressor (16,7%); agressor ameaça a família (15,5%); familiares e/ou vítima passam a proteger o agressor; fuga das vítimas (14,3%) e permanência da situação de abuso sexual (9,5%). Uma outra pesquisa que será analisada é a feita por Felizardo, Zürcher e Melo (2003), realizada em Natal-RN. As autoras realizaram um diagnóstico do abuso sexual contra crianças e adolescentes em Natal, através de um levantamento feito no Programa SOS crianças, no período 197 entre 1992 – ano em que o serviço foi implantado o serviço – e 2000, através da análise da planilha utilizada pela instituição para registro das ocorrências. De um total de 21.171 planilhas arquivadas, 239 (1,1%) foram identificadas como sendo de abuso sexual. Os gráficos seguintes resumem os dados produzidos pela pesquisa em Natal: Número de Denúncias por Ano 25 52 21 39 16 43 24 199319921 2 3 4 5 6 7 8 9 Nº de Denúncias 10 19991997 9 1994 200019961995 1998 Gráfico 2.1: Número de denúncias por ano O crescimento do número de denúncias não foi linear, atingindo seus maiores índices em 1997 e em 1999. Uma possível explicação para isso, de acordo com as autoras, seria a veiculação na mídia de campanhas de sensibilização da população contra a violência direcionada a crianças e adolescentes. No primeiro semestre de 1997, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (FUNDAC), órgão responsável pela implementação da Política de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente no Rio Grande do Norte, realizaram uma campanha intitulada Bater em criança é covardia, que fazia referência também ao abuso sexual, apresentado como uma forma de maus- tratos às crianças e aos adolescentes. Cartazes e fôlderes foram distribuídos e um videoteipe foi veiculado nas emissoras de televisão, divulgando o telefone do SOS Criança para o recebimento de denúncias. Essa mesma campanha foi retomada pela FUNDAC no ano de 1999. Em contraste, é possível notar um decréscimo significativo no número de denúncia ocorrido em 1998 e as pesquisadoras também analisaram esse fato. Elas levantaram a hipótese de que a diminuição das denúncias pode estar relacionada com a mudança de endereço da sede do SOS Criança. O programa, à época de sua fundação, localizava-se no centro da cidade, em um local de fácil acesso para a população, que encontrou alguma dificuldade de acesso à nova sede. 198 Autor da Denúncia 24,27% 1,26% 10,04% 3,35% 1,26% 18,83%4,18% 2,51% 30,13% 4,18% Anônimo Popular Vizinhos A vítima A família Tio (a) Mãe Pai Não Informado Outros Gráfico 2.2: Autor da denúncia O gráfico mostra que a maior parte das denúncias é anônima, mostrando a importância desse mecanismo e também destaca o número significativo de denúncias feitas pelas mães, o que contradiz – aparentemente – os resultados das pesquisas internacionais, que mostram a mãe como um silentpartner. 168 É importante frisar o número significativo de denúncias apresentadas por vizinhos (um dado que, infelizmente, não foi comentado pelas autoras), reforçando a importância de uma rede social de proteção à criança e ao adolescente construída na e para a comunidade. Os dados, em contraste com a pesquisa de Porto Alegre, não permitem que se possa discutir o papel das escolas e dos serviços de saúde na proteção de crianças e adolescentes através da denúncia. As pesquisas precisam avaliar a ação das escolas e dos serviços de saúde e para isso é indispensável que as instituições que recebem essas denúncias possam ter o cuidado em identificar as ações realizadas por essas instituições que têm o dever legal de denunciar até mesmo as suspeitas de maus-tratos. 168 As autoras analisam essa “participação silenciosa” das mães à luz de teorias psicanalíticas e feministas. As teorias psicanalíticas afirmam que a explicação para essa cumplicidade passiva encontra-se em forças inconscientes que torna a mulher incapaz de interromper o abuso com em função as sobrevivência da dinâmica familiar, que seria destruída com a revelação do incesto. As teorias feministas, em contraste, analisam socialmente o comportamento das mães, lembrando o papel social da mulher na cultura ocidental, que é de passividade e submissão aos maridos. 199 Idade da Vítima 17,99% 30,54% 44,77% Entre 0 e 5 anos Entre 06 e 10 anos Entre 11 e 16 anos Gráfico 2.3: A idade da vítima. O gráfico 2.3 mostra que as crianças são mais vulneráveis ao abuso sexual do que os adolescentes (48,53% contra 44,77%), ou seja, há mais abusos de crianças (0 a 10 anos) do que de adolescentes (11 a 16 anos). Os dados foram agrupados em segmentos etários que, infelizmente, não seguem a classificação legal existente no Brasil para definir criança e adolescente, que foi estabelecida pelo ECA. No Brasil, criança é toda pessoa com menos de 12 anos e adolescente é aquele indivíduo que tem mais de 12 e menos de 18 anos. Considerando esse critério, os dados do gráfico 2.3. apresentam os seguintes problemas: a) inclui as denúncias envolvendo crianças de na faixa etária entre 11 e 12 anos como se envolvessem adolescentes; b) não são incluídas as denúncias de abusos envolvendo adolescentes maiores de 16 e menores de 18 anos. É importante considerar essa classificação legal para que se possa ter como realizar comparações com outras pesquisas, mesmo reconhecendo que é muito complexo distinguir adolescentes de jovens adultos. O fim da infância aos 12 anos parece ser mais consensual entre os estudiosos. A Organização Mundial de Saúde (OMS), contudo, define o fim da infância aos 10 anos e o fim da adolescência aos 19 anos. O uso dos critérios do ECA, contudo, possui a vantagem de permitir estudos sobre questões jurídicas envolvendo crianças e adolescentes. 200 Relação do Agressor com a Vítima 12% 3,27% 11,27% 2,91% 11,27% 13,09% 8,36% 7,64% 7,27% 1,09% 4% 1,09%0,36% 16% 0,36% Não Informado Irmão Vizinho(a)/Colega Patrão Desconhecido Conhecido Namorado Ex-companheiro Companheiro Cunhado Avô Tio Padrasto Pai Outros Gráfico 2.4: relação do agressor com a vítima O número de agressores cuja relação com a vítima não foi informado é bem significativo. Infelizmente, essa imprecisão dificulta algumas análises. Alguns elementos, contudo, merecem uma discussão: a) o número de abusos cometidos por irmãos não é desprezível e a literatura não apresenta uma discussão sobre o assunto; b) o índice de denúncias contra vizinhos e colegas é um dos mais elevados; c) membros da família ampliada (avôs e tios) também foram denunciados de modo significativo; d) os namorados, companheiros e ex- companheiros aparecem de modo expressivo, nos abusos contra adolescentes; e) o dado mais destoante em relação à literatura, contudo, aparece na denúncia de abusos envolvendo pais e padrasto: a pesquisa revela um maior número de denúncias contra padrasto do que contra os pais, o que contrasta com a literatura internacional e também com a pesquisa de Porto Alegre. Por fim, a denúncia contra patrão aponta para uma questão bem mais complexa: o trabalho infanto-juvenil doméstico. 169 As autoras também não analisaram essa questão. 169 Para uma discussão sobre trabalho doméstico, gênero e adolescência ver Sabóia (2000), Rizzini & Fonseca (2002), Santana (2003), Jacquet (2003) e Santana e Dimenstein (2005). 201 Tipo de Abuso Sexual com Contato Físico 34,73% 12,55%5,86% 22,59% 1,67% 1,67% 4,60% 3,77% 8,37% 2,09% 2,09% Atos libidinosos Estupros com ameaça de morte Tentativa de estupro Atentado violento ao pudor Sedução Pornografia envolvendo crianças e adolescentes Atos físicos genitais Não informado Nenhum Tentativa de estupro com ameaça de morte Estupro Gráfico 2.5: tipo de abuso sexual com contato físico As autoras classificam os abusos sexuais em duas categorias: com e sem contato físico. Infelizmente não é possível uma comparação entre elas. No gráfico 2.5. aparecem os dados referentes aos abusos com contato físico. Um dado preocupante é o índice elevado de denúncias relacionadas ao estupro (36,81%), que se torna o maior entre as categorias alistadas, superando os atos libidinosos. Um outro dado assustador é a violência sexual com ameaça de morte. Infelizmente não é possível cruzar os dados e avaliar o perfil do agressor que realizava essa forma de violência. Um dado que não aparece não pesquisa de Porto Alegre é a questão da pornografia infantil, que se tornou mais complexa com o advento da Internet (Landini, 2004a; 2004b; 2005). Landini (2004a) faz uma advertência muito séria em relação a como a pornografia infantil vem sendo percebida no Brasil: Ao permitir que muitas das pessoas que navegam pela Internet percebam a pornografia infantil como uma forma de pornografia e não de violência, estamos caminhando na direção contrária aos movimentos internacionais e nacionais de direitos da criança e do adolescente. É preciso insistir no contrário, conscientizando as pessoas de que a pornografia infantil é sim uma forma de violência e que pode, inclusive, esconder outras formas de violência como, por exemplo, o estupro (p.181). 202 Tipo de Abuso Sexual sem Contato Físico 3,77% 13,81% 65,27% 2,09% 7,53% 6,69% 0,84% Não informado Outros Aliciamento Nenhum Abuso verbal Exibicionismo Voyeurismo Gráfico 2.6: tipo de abuso sexual sem contato físico Um dado que preocupa é o índice elevado de “não informado” que aparece nessa categoria. Fica impossível qualquer análise fidedigna com tamanha imprecisão acerca dos dados. Algumas questões, porém, podem ser colocadas: a) a necessidade de repensar as chamadas “psicopatologias sexuais”; b) discutir a questão do ponto de vista da prevenção, mediante a educação sexual nas escolas; c) é preciso cruzar esses dados com o perfil do agressor e local em que ocorre o abuso, pois somente assim é possível extrair alguma informação útil para o planejamento de estratégias de prevenção. Locais de ocorrência do Abuso 5,02% 4,60% 27,62% 17,15%0,42% 6,69% 13,39% 19,25% 5,86% Local de trabalho/escola Residência da criança e/ou da(o) adolescente Motéis/bares/restaurantes Matagal /terreno baldio/casas abandonadas Residência do abusador(a) Via pública Não informado Outros Residência de ambos(as) Gráfico 2.7: Locais de ocorrência do abuso 203 O local em que mais ocorre o abuso é justamente na residência do agressor e da vítima, um dado preocupante por mostrar a dificuldade da prevenção e o impacto negativo que isso produz na criança atingida. Uma das conseqüências possíveis disso é o abuso contínuo, sistemático, que não deixa as feridas cicatrizarem. Uma outra conseqüência é o fato desse tipo de abuso, quando descoberto, quase sempre rompe os vínculos que unem os membros da família. Além disso, a criança é abusada também em casa, por alguém que não reside com ela, o que pode significa um vizinho ou um parente próximo, mais frequentemente tio ou avô. Neste item também aparece um número elevado de “não informado”, o que prejudica a análise. Uma outra perspectiva sobre a questão do abuso sexual aparece na pesquisa de Baltieri (2005) sobre consumo de álcool e outras drogas por agressores sexuais. Investigando apenas por violência sexual no estado de São Paulo, o autor chegou às seguintes conclusões: a) Os molestadores de crianças costumam apresentar idade média superior a dos agressores sexuais de adultos; b) Os agressores sexuais de adultos apresentam mais problemas com o consumo de drogas (maconha e cocaína) do que molestadores de crianças, e isso pode ser um fator de distinção entre os diferentes tipos de criminosos sexuais; c) Os agressores de crianças apresentam maior risco de terem sofrido abuso sexual na infância; d) Os molestadores de criança apresentam maior gravidade de consumo de bebidas alcoólicas do que os agressores de adultos; e) Os agressores sexuais seriais apresentam características diferentes dos ofensores sexuais não seriais, como mais freqüentes histórias de abusos sexuais, mais freqüentes julgamentos e condenações prévias, mais freqüente presença de critérios diagnósticos de pedofilia; f) Entre os agressores sexuais seriais, o nível de impulsividade é maior do que entre os não-seriais. O autor sugere a necessidade do desenvolvimento de programas de tratamento para o abuso de substâncias psicoativas em sentenciados por crimes sexuais. Um outro dado importe é o fato dos abusadores de criança possuírem maior risco de terem sofrido abuso sexual na infância. Esses dados são importantes para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e de reabilitação. O estudo do perfil dos abusadores ainda é muito escasso na literatura e certamente uma mudança nesse quadro iria possibilitar um melhor conhecimento dos fatores de risco de abuso sexual de crianças e adolescentes. 204 Uma outra questão importante é o abuso sexual de meninos. Pinto Jr. (2005), revisando a literatura em inglês sobre o assunto, constatou o seguinte: 1) Apesar do foco maior de atenção ainda seja nos casos de violência sexual doméstica contra meninas, já é evidente uma preocupação da comunidade científica com a questão da vitimização sexual sobre meninos, embora o autor mencione uma maior concentração dos trabalhos em uma única revista científica (Child Abuse & Neglect); 2) De um modo geral, não há uma divergência nas pesquisas, com exceção de duas que divergem quanto à idade do menino quando do início do processo de vitimização; 3) Apenas quatro das 26 pesquisas empíricas, de caráter exploratório, referem-se especificamente à violência sexual doméstica. A grande maioria das pesquisas não diferencia violência sexual extrafamiliar e intrafamiliar contra meninos; 4) Apenas 13 dos 26 estudos exploratórios são exclusivamente com menino. A outra metade das pesquisas aborda a questão da violência sexual sem se importar com as especificidades de gênero; 5) A maioria dos trabalhos (18 dos 32) aborda a questão a partir de um ponto de vista psicologizante, revelando uma perspectiva predominantemente clínica; 6) Muitos dos estudos exploratórios (12 em 26) são pesquisas com a população adulta e sua interpretação acerca do processo de vitimização sofrido na infância ou com informações de parentes e/ou responsáveis pela criança vítima. Apenas sete estudos trabalham diretamente com a criança, embora nenhum deles se preocupasse em propiciar ao menino uma oportunidade de falar sobre a maneira como avalia e expressa sua experiência vitimizada. No Brasil, duas pesquisas específicas sobre violência sexual contra meninos foram publicadas no período 1996-2006. Um estudo comparativo sobre as duas pesquisas aparece no quadro 2.7: Pesquisas sobre violência sexual contra meninos no Brasil Referência: Abuso sexual em meninos. Porto Alegre: UFRGS. Dissertação de Mestrado, 1996. Referência: violência Sexual Doméstica contra Meninos: um estudo fenomenológico. São Paulo: Vetor, 2005. Autor: Christian Kristensen. Autor: Antonio Augusto Pinto Jr. Metodologia: Fundamentação Teórica: fenomenologia existencial de Maurice Merleau-Ponty e Semiótica (Saussure e Barthes). Sujeitos: seis meninos (crianças e adolescentes) vítimas de abuso sexual Metodologia: Fundamentação Teórica: Fenomenologia existencial de Maurice Merleau-Ponty e a Teoria da Interpretação de Paul Ricoeur. Sujeitos: três meninos (duas crianças e um adolescente) vítimas de violência sexual doméstica. 205 Procedimentos e instrumentos para coleta de dados: entrevistas com os meninos, familiares, professores, monitores ou responsáveis; utilização de desenhos. Procedimentos e instrumentos para coleta de dados: Dois momentos de investigação - sessão livre com brinquedos e material lúdico e ao final da sessão pedido para que o menino desenhasse algo que contasse uma história sobre sua vida; segundo momento: entrevista não-estruturada com os meninos. Resultados: os meninos expressam prejuízos vivenciais e relacionais, vivenciam o dilema entre revelar e não revelar e apresentam possibilidades de reações como confusão quanto à orientação sexual, comportamento sexualizado, revitimização e comportamento abusivo. Resultados: a vitimização sexual masculina possui condicionantes peculiares, distintas da vitimização feminina; a cultura e as idéias sobre masculinidade interferem na forma e na maneira como o menino constrói o significado de sua experiência de ter sido abusado; é possível a superação do sofrimento decorrente do abuso. Discussão: limites do método, que impede qualquer generalização e possibilidades de predição, como também uma compreensão ecológica do abuso. Compreensão da relação que os meninos abusados possuem consigo mesmos e com os outros; acompanhamento longitudinal desses meninos. Discussão: necessidade de se pensar em formas de intervenção estruturadas em psicoterapia específica com meninos sexualmente violentados no ambiente doméstico. Quadro 2.7: Pesquisas sobre violência sexual contra meninos no Brasil Os dois trabalhos utilizam a fenomenologia de Merleau-Ponty, mostrando uma convergência que talvez diga respeito à importância que a corporeidade possui na obra do filósofo francês. Os desafios propostos pelos dois trabalhos merecem ser considerados: a necessidade de pesquisas quanti-qualitativas, a partir de um referencial da Ecologia do Desenvolvimento Humano, com acompanhamento longitudinal, infelizmente, é praticamente impossível de ser atendida por dificuldades financeiras. Além disso, é preciso reconhecer as diferenças regionais, o que faz com as regiões Norte e Nordeste tenham uma enorme dificuldade de produzir informações precisas e abrangentes sobre a incidência do abuso sexual de meninos no Brasil. Uma questão importante vinculada ao abuso sexual intrafamiliar é o incesto. A palavra “incesto” deriva de incestum, que significa sacrilégio. O adjetivo incestus significa impuro e sujo. Historicamente, foi o Código de Hamurabi, o mais antigo sistema de leis conhecido, previa e interditava quatro tipos de incesto: (pai-filha, sogro-nora, mãe-filho e genro-sogra). A Bíblia e o Alcorão proíbem o incesto (Cohen, 1993). Freud (1973) afirmou que o desejo incestuoso é próprio do ser humano, sendo tão intenso que somente se proibido de modo categórico e punido de modo exemplar será possível evitá-lo. O antropólogo Claude Levi-Strauss (1982) afirma que a proibição do incesto é universal, sendo considerada pelo pensador francês como o elemento que diferencia os seres humanos e os animais. Cohen e Gobbetti (2003) afirmam que a proibição do incesto cria as funções paterna e materna. Flores (1998) apresentam uma definição de incesto criada por Forward e Buck em 1989: 206 Incesto é qualquer contato abertamente sexual entre pessoas que tenham um grau de parentesco ou que acreditem tê-lo. Esta definição inclui padrasto e madrasta, meio-irmãos, avós por afinidade e até mesmo amantes que morem junto com o pai ou a mãe, caso eles assumam o papel de pais. Se a confiança especial entre uma criança e um parente ou figura de pai e mãe foi violada por qualquer ato de exploração sexual, trata-se de incesto... Muitas vezes me perguntam se um beijo de língua ou uma carícia no seio de uma criança ou adolescente também é incesto. Respondo que sim, porque estes atos, embora não envolvam os órgãos genitais da criança, ainda assim são violações de seus direitos, de seus limites e de sua dignidade (p. 28). Faiman (2004) realizou um levantamento acerca da literatura brasileira recente sobre incesto, com ênfase nas dissertações e teses. O predomínio da abordagem psicanalítica é total. No quadro 2.8. temos um resumo desta bibliografia: Bibliografia brasileira sobre incesto (Faiman, 2004) Referência Resumo Cohen, C. (1992). O incesto: um desejo. São Paulo: Casa do Psicólogo. Livro produzido a partir de tese de doutorado. Incesto e sua proibição na história da humanidade. Desejo incestuoso como inerente ao ser humano. A prevalência do recalque do desejo incestuoso na história da humanidade. Cromberg, R.(2001). Cena incestuosa. São Paulo: São Paulo: Casa do Psicólogo. Discussão sobre vitimização, os impasses da psicoterapia e a função da instituição judiciária no atendimento à questão. Sentido cultural da interdição do incesto (antropologia social). Neumann, M. (2002). Violência Sexual: dominação e sexualidade. São Paulo: PUC. Dissertação de Mestrado. Abuso sexual como expressão de dominação. Fatores socioculturais de vulnerabilidade. Teoria Crítica. Gobbetti, G. (2000). Incesto e Saúde Mental: uma compreensão psicanalítica sobre a dinâmica das famílias incestuosas. São Paulo: USP. Dissertação de Mestrado. Relações incestuosas duradouras indicam o envolvimento e a responsabilidade da família como um todo nesse processo. Intervenção da Justiça e o atendimento em saúde mental para famílias com ocorrência de incesto. Vasconcelos, M. & Mallak, L. (Organizadoras). (2002). Compreendendo a violência sexual em uma perspectiva multidisciplinar. Carapicuíba: Fundação Orsa Criança e Vida. Aspectos médicos, implicações psicológicas envolvidas e análise de influências do contexto social na ocorrência de abuso. Atendimentos prestados por instituições de saúde e pela justiça. Grant, W. (2000). Um estudo sobre o incesto pai- filha. Psychê: Revista de Psicanálise. 4 (5), p. 65- 75. Estudo do incesto pai-filha e seus efeitos ao longo da vida. Análise de um caso de uma mulher que vivenciou o incesto há muitos anos. A vivência do incesto corresponde a uma devastação, pois coloca em jogo marcos referenciais da identidade: quem sou eu? Filha/esposa? A interdição do incesto abre o leque de possibilidades de escolhas afetivas que vinculam o sujeito à cultura. Azevedo, M. & Guerra, V. (Organizadoras). (1989). Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder.São Paulo: Iglu. Abuso sexual compreendido pelo contexto patriarcal e sexista, com o poder exercido pelos adultos. Violência sexista fundamentada na assimetria das relações de gênero. Vítimas do abuso desenvolvem o desamparo aprendido. Goldfeder, M. (2000). As relações esquecidas: um estudo psicanalítico sobre a distinção entre abuso sexual e incesto. São Paulo: PUC. Dissertação de Mestrado. O abuso sexual é da ordem da transgressão à interdição paterna do desejo incestuoso, enquanto que o incesto é da ordem do gozo, o que depende da posição ocupada na relação com a função paterna e materna e com o desejo dos pais. Quadro 2.8: Bibliografia brasileira sobre incesto 207 A literatura apresentada, além de predominantemente psicanalítica, possui ainda as seguintes características: a) pesquisa clínica, com estudos de casos; b) concentração no Estado de São Paulo dos casos; c) predomínio de teses, dissertações e livros, em detrimento dos artigos científicos. Esse quadro é preocupante, justamente por apontar uma espécie de monopólio do tema pela psicanálise, como também pela ausência de dados epidemiológicos. b) A exploração sexual comercial Na década de 90, organismos governamentais e não-governamentais, tais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização das Nações Unidas, (ONU), End Child Prostitution, Child Pornography and Trafficking of Children for Sexual Purpose (ECPAT) e Oficina Internacional Católica de la Infância (BICE), mobilizaram-se para a conscientização da sociedade quanto à extensão e complexidade do “uso sexual de crianças e adolescentes no Mercado do sexo” (Faleiros, 2000:31). Como resultado dessas mobilizações, foi organizado o I Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, realizado em Estocolmo em 1996. O Congresso foi promovido pela ECPAT e reuniu 122 países que se comprometeram com o cumprimento de uma Agenda de Ações, sendo o Brasil um dos signatários (Libório, 2004). Em 2001, organizado pelo Governo Japonês, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pela ONG ECPAT e por um grupo de ONGs coordenadas pela Convenção dos Direitos da Criança, foi realizado o II Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, que ocorreu na cidade japonesa de Yokohama. No Brasil, com a realização da Comissão Parlamentar de Inquérito da Prostituição Infantil em 1993, tem início um movimento que incentivou a pesquisa sobre o tema da exploração sexual comercial e também criou uma série de ONGs, de Centros de defesa dos Direitos da Criança, que se voltaram para a compreensão e o enfrentamento desse fenômeno, através da implantação de políticas públicas. Em 2000, o Brasil elaborou o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, iniciando um processo que seria descentralizado e, posteriormente, incorporado a políticas de Governo. Faleiros e Campos (2000) elaboraram uma definição de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, que será adotada nesta tese: Exploração sexual comercial definiu-se como uma violência contra crianças e adolescentes que se contextualiza-se em função da cultura (do uso do corpo), do padrão ético e legal, do trabalho e do mercado. A 208 exploração comercial de crianças e adolescentes é uma relação de poder e de sexualidade mercantilizada, que visa a obtenção de proveitos por adultos, que causa danos biopsicossociais aos explorados, que são pessoas em processo de desenvolvimento. Implica o envolvimento de crianças e adolescentes em práticas sexuais coercitivas ou persuasivas, o que configura uma transgressão legal e a violação de direitos à liberdade individual da população infanto-juvenil (p.72). De acordo com Leal (1999), o Instituto Interamericano Del Niño definiu que a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes se expressa na forma de quatro modalidades: prostituição, turismo sexual, a pornografia e o tráfico para fins sexuais. Essas modalidades tiveram suas conceituações ratificadas no II Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças de Yokohoma. Libório (2004) apresenta esses conceitos em português: Prostituição infantil: é o uso de uma criança em atividades sexuais em troca de remuneração ou outras formas de consideração; Tráfico e venda de crianças para propósito sexuais: consiste em todos os atos envolvendo o recrutamento ou transporte de pessoas entre ou através de fronteiras e implicam em engano, coerção, alojamento ou fraude com o propósito de colocar as pessoas em situações de exploração, como a prostituição forçada, práticas similares à escravização, trabalhos forçados ou serviços domésticos exploradores, com o uso de extrema crueldade; Pornografia infantil: é qualquer representação através de quaisquer meios de uma criança engajada em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas ou qualquer exibição impudica de seus genitais com a finalidade de oferecer gratificação sexual ao usuário, e envolve a produção, distribuição e/ou uso de tal material; Turismo sexual: é a exploração sexual comercial de crianças por pessoas que saem de seus países para outros, geralmente países em desenvolvimento, para ter atos sexuais com crianças (Libório, 2004:24). Leal (1999) realizou um diagnóstico regionalizado das formas de exploração sexual que são mais freqüentes no Brasil, como se pode ver no quadro 2.9: Formas de Expressão das modalidades da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes na realidade brasileira Norte Nordeste Centro-oeste Sudeste Sul Exploração Sexual (garimpos, prostíbulos, portuária, cárcere privado – fazendas e garimpo); prostituição em estradas e nas ruas, leilões de virgens. Turismo Sexual, Exploração Sexual, comercial em prostíbulos, Pornoturismo, Prostituição de meninos e meninas de rua; Prostituição nas estradas. Exploração sexual comercial em prostíbulos; Exploração sexual comercial nas fronteiras/redes de narcotráfico; Prostituição de meninos e meninas de rua; Rede de prostituição (hotéis); Prostituição através de anúncios de jornais; Turismo sexual Pornoturismo, Exploração Sexual, comercial em prostíbulos/cárcere privado; Exploração sexual comercial de meninos e meninas de rua; Prostituição nas estradas Exploração sexual comercial de meninos e meninas de rua/redes de narcotráfico; Denúncia de tráfico de crianças; Prostituição nas estradas. Quadro 2.9. Formas de Expressão das modalidades da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes na realidade brasileira. 209 É possível perceber que as peculiaridades de cada região configuram formas que são específicas do local, que convivem com formas de maior abrangência. Isso pode ser melhor visto no quadro 2.10: Formas de Exploração Sexual e as Regiões em que Aparecem Formas de Exploração Sexual Regiões Garimpos Norte Prostituição em estradas e nas ruas Norte, Nordeste, Sudeste e Sul Leilões de virgens Norte Turismo Sexual Nordeste e Centro-Oeste Cárcere privado Norte e Sudeste Exploração Sexual em prostíbulos Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste Pornoturismo Nordeste e Sudeste Prostituição de meninos e meninas de rua Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste Redes de narcotráfico Centro-Oeste e Sul Exploração sexual comercial nas fronteiras Centro-Oeste Redes de prostituição (Hotéis) Centro-Oeste Prostituição através de anúncios de jornais Centro-Oeste Denúncia de tráfico de crianças Sul Quadro 2.10: Formas de Exploração Sexual e as regiões em que aparecem A forma mais comum de exploração é a que ocorre em prostíbulos fechados, com variações regionais no modo como ocorre. A exploração sexual no contexto da rua também possui uma abrangência significativa, com a particularidade da exploração dos meninos e meninas de rua. O turismo sexual e o pornoturismo são questões preocupantes. Por fim, vale a pena mencionar a fragilidade encontrada na região Norte da proteção de crianças e adolescentes, que são expostos as mais diversas formas de exploração. O que há em comum em todas essas formas é a sua inserção em uma forma de exploração do trabalho, 170 como bem coloca Faleiros (2004), (...) não se pode compreender e explicar a exploração sexual de crianças e adolescentes fora da estrutura econômica e imaginária da sociedade. Desigualdade social, redes exploradoras e violência são as condições fundamentais da exploração sexual de crianças e adolescentes. A polarização elevada de classes sociais é pré- condição da fragilização das pessoas e de sua inserção marginalizada na exploração sexual como via de sobrevivência e inviabilidade de vida (...) a exploração sexual se articula à exploração econômica não só pelo lucro aferido mas como trabalho degradante para uma rede organizada, não raro com vínculos internacionais (p.67-68). 170 O movimento de prostitutas tem lutado para regulamentar a prática da prostituição por parte de pessoas adultas como um trabalho. A prostituição adulta passaria a ser vista como uma problemática definida sob o ângulo dos direitos dos trabalhadores (Faleiros, 2004). 210 Um dos principais problemas da exploração sexual é a formação de redes de exploradores em várias regiões do país, com articulações nacionais e internacionais. Um exemplo dessas redes encontra-se no quadro 2.11. Quadro 2.11: Redes de exploração sexual de meninas. Fonte:Leal (1999) O enfrentamento dessas redes de exploração somente é possível com a constituição de redes de proteção, que dever ser intersetorial e atuar na prevenção, tratamento, reabilitação e enpoderamento. Faleiros (2004) bem descreve o que precisa ser feito para o enfrentamento: 211 A política econômica de geração de renda e a garantia dos direitos da criança e do adolescente, principalmente através da universalização da educação e da saúde são condições sine quae non para garantia dos direitos e alternativas de erradicação da violência sexual/econômica. O cumprimento do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes é também condição necessária para mudar as formas de ação nessa área e chegar ao fim da violência sexual. O Plano propõe políticas de atendimento, de defesa e responsabilização, de mobilização e articulação sociais, de prevenção e de protagonismo infanto-juvenil, a partir de um diagnóstico das situações. Esse enfrentamento envolve Estado, sociedade e família e exige, inclusive, o fim da impunidade para certos grupos da elite dominante que vem usando do seu poder e do dinheiro para abusos de crianças e adolescentes na aquisição de seus serviços ou “préstimos” sexuais, no mais absoluto desrespeito à lei e à pessoa humana em desenvolvimento.(p.68). As pesquisas171 sobre a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes mostram que esse fenômeno se espraia por todo o país, o que exige que haja recursos materiais e humanos adequados para o enfrentamento dessa violência igualmente distribuídos. Infelizmente, isso não ocorre. Um estado como o Piauí, por exemplo, carece de psicólogos qualificados para influenciarem as políticas públicas de enfrentamento. Além disso, poucos possuem competência técnica para atender crianças e adolescentes vitimizados. Excurso – Considerações éticas sobre a pesquisa com crianças e adolescentes envolvidos com a violência doméstica: uma questão para a Psicologia. Lisboa e Koller (2002) mostram que a Resolução n º 196 do Ministério da Saúde e o Estatuto da Criança e do Adolescente devem ser utilizados como embasamento ao posicionamento ético do psicólogo. A Resolução define que as pesquisas com seres humanos devem atender as seguintes exigências: 1) consentimento livre e informado, protegendo contra riscos e vulnerabilidades; 2) ponderação entre os riscos e benefícios, garantindo contra prejuízos previsíveis; 3) relevância social da pesquisa, garantindo sempre que possível o retorno às comunidades e as pessoas. Especificamente sobre crianças e adolescentes, a Resolução afirma o seguinte: IV. 3.a) Em pesquisas envolvendo crianças e adolescentes (...) deverá haver justificação clara da escolha dos sujeitos da pesquisa, especificada no protocolo, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e cumprir as exigências do consentimento livre e esclarecido, através dos representantes legais dos referidos sujeitos, sem suspensão do direito de informação do indivíduo, no limite de sua capacidade. 171 Uma listagem com uma breve resenha desta literatura encontra-se no Anexo VII. 212 O ECA também oferece alguns princípios que deverão ser seguidos: nenhuma criança e/ou adolescente deve ser objeto de negligência,discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sendo todos esses atos passíveis de punição (Art.5). Em casos de suspeita ou confirmação de violação dos direitos da criança, deve ser, obrigatoriamente, comunicado ao Conselho Tutelar (Art.13). Especificamente na Psicologia, necessário se faz seguir as orientações da Resolução n º 16 do CFP e o Código de ética da Profissão. A Resolução n º 16, no seu artigo 5. I, afirma o seguinte: As crianças e adolescentes, mesmo já se tendo consentimento dos pais ou responsáveis, devem ser também informados, em linguagem apropriada, sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa e devem concordar em participar voluntariamente. O artigo 7 afirma que o psicólogo está dispensado de pedir o consentimento dos pais quem não tenham contato com os filhos, que tenham abusado, negligenciado ou foram coniventes com abuso ou negligência. Os pais quem não tenham condições cognitivas ou emocionais para avaliar as conseqüências da participação de seus filhos na pesquisa. O Código de ética da Psicologia brasileira, por sua vez, no artigo 16, estabelece os procedimentos que o psicólogo deverá seguir na realização de estudos, pesquisas e atividades voltadas para a produção de conhecimento e desenvolvimento de tecnologias, a saber: 1) Avaliará os riscos envolvidos, tanto pelos procedimentos, como pela divulgação dos resultados, com o objetivo de proteger as pessoas, grupos, organizações e comunidades envolvidas; 2) Garantirá o caráter voluntário da participação dos envolvidos, mediante consentimento livre e esclarecido, salvo nas situações previstas em legislação específica e respeitando os princípios deste Código; 3) Garantirá o anonimato das pessoas, grupos, ou organizações, salvo interesse manifesto destes; 4) Garantirá o acesso das pessoas, grupos ou organizações aos resultados das pesquisas ou estudos. Após seu encerramento, sempre que assim o desejarem. O código afirma, na única menção que faz ao trabalho do psicólogo como docente e/ou supervisor, que cabe aos psicólogos docentes ou supervisores esclarecer, informar, orientar e exigir dos estudantes a observância dos princípios contidos no Código de ética. 213 A questão do consentimento dos adolescentes é bastante controversa. Guariglia, Bento e Hardy (2006) afirmam o seguinte a respeito: Enquanto os pesquisadores observarem a bioética sob uma ótica deontológica, ou seja, apenas como regras a serem seguidas, respeitar a autonomia dos adolescentes torna-se impossível praticamente. Ter informações sobre as regras e normas para participação de adolescentes em pesquisa, sem conhecê-las em profundidade, sem apreender o conceito de consentimento livre e esclarecido, sem refletir sobre qual concepção de adolescente está presente, não é suficiente para garantir a participação autônoma como voluntário de pesquisa (p.60). Os autores concluíram que há (...) a necessidade de uma discussão ampla sobre a Resolução 196/96 e sua aplicabilidade, especialmente a respeito da participação de adolescentes em pesquisa. (...) uma possível sugestão é que fosse elaborada uma emenda à Resolução 196/96 específica para pesquisas em que os voluntários são adolescentes. Também poderiam existir algumas formas de informar os adolescentes sobre sua participação em pesquisas, através de folhetos explicativos numa linguagem acessível a esse grupo. É necessário que os adolescentes estejam informados sobre as normas para que, quando convidados a participar de uma pesquisa, possam avaliar a qualidade das informações recebidas e assim decidir de forma realmente informada (p.60). No caso de suspeita de violência doméstica, o psicólogo-pesquisador encontra-se em um dilema, em função da confidencialidade dos dados, compromisso que ele assume necessariamente com os seus sujeitos. A Resolução 16 do CFP, contudo, é muito esclarecedora sobre essa questão. O artigo 9 afirma o seguinte: § 3 º - No caso de pesquisa com crianças e adolescentes e outros indivíduos vulneráveis, o pesquisador é responsável pela proteção dos participantes, devendo tomar providências sempre que constatar que estes se encontram em situação de risco sério e iminente à sua integridade física ou emocional. A Resolução aborda especificamente a questão do abuso contra crianças e adolescentes, no parágrafo quatro do artigo nove: Quando pertinente, o projeto deve conter previsões claras de ações a serem tomadas, quando forem constatados casos de abuso físico ou sexual contra crianças e adolescentes ou outras situações que requeiram ação imediata dos pesquisadores. O baixo nível de escolaridade da população brasileira é uma grande dificuldade para a pesquisa. Lisboa (2001), em sua dissertação de mestrado, descreve sua dificuldade em conseguir o consentimento esclarecido dos pais das crianças que selecionou para sua pesquisa em função 214 do elevado número de analfabetos e por eles não irem à escola para concederem uma autorização oral. Isso levou a autora a fazer uma afirmação provocadora: A exigência de um consentimento informado e outras implicações citadas representam obstáculos para pesquisas junto a famílias com histórias de violência doméstica, evitando assim não só o avanço científico, mas possibilidades de discussões em torno de um problema de saúde pública do nosso país e que diz respeito a todos os cidadãos (p.35). A discussão sobre o significado e os limites do consentimento informado no que diz respeito a pesquisas com crianças e adolescentes precisa ser ampliada e provocar mudanças no conceito de ética em pesquisa vigente no país. Considerações Finais No término deste capítulo, necessário se faz recapitular, na forma de proposições, as principais discussões realizadas: Proposição nº 1: A infância, no que diz respeito ao significado e sua duração, é uma construção histórica e social, somente podendo ser plenamente compreendida em uma perspectiva multidisciplinar. Saberes como a História da Infância, a Sociologia da Infância e a Antropologia da Criança são essenciais para um entendimento crítico desse conceito; Proposição nº 2: A concepção de infância sofre transformações históricas e culturais. O conceito de infância vigente em nossa sociedade tem raízes na modernidade e se torna impossível entender a infância contemporânea se não houver um entendimento da modernidade e sua crise; Proposição nº 3: a Filosofia da Infância é um saber imprescindível para que se possa entender a importância que esse conceito desempenhou nas reflexões sobre a condição humana e sobre a política, como também para a superação do modelo adultocêntrico de concepção do humano. O movimento feminista alertou para a necessidade de entendimento que o humano tem dois sexos; hoje é necessário entender que o humano tem infância; Proposição nº 4: existe um paradoxo no entendimento contemporâneo sobre a criança: o seu reconhecimento como sujeito de direitos ocorre no contexto de uma sociedade disciplinar, o que limita as possibilidades de efetivação desses direitos; Proposição nº 5: de modo mais evidente do que a infância, é possível o caráter histórico e social do conceito de adolescência; 215 Proposição nº 6: as sociedades antigas reconheceram a juventude como uma etapa de vida, mas somente a sociedade contemporânea reconheceu a adolescência; Proposição nº 7: a adolescência é um produto da crescente escolarização da sociedade contemporânea e do surgimento da sociedade de consumo; Proposição nº 8: a compreensão da Psicologia sobre a infância desconsidera os aspectos históricos e sociais do conceito de adolescência, biologizando e até mesmo patologizando o conceito, fortemente influenciada por um discurso essencialista de uma Psicanálise que não rompeu completamente seus vínculos com a Psiquiatria; Proposição nº 9: a chamada abordagem sócio-histórica da Psicologia tem o mérito de, em nosso país, problematizar o conceito psicanalítico de adolescência, mas possui uma dificuldade significativa de se limitar a produzir conhecimento especulativo e não conseguir perceber as múltiplas formas de constituição da adolescência e por não enfrentar as questões mais cruciais da adolescência e da juventude brasileiras: violência, evasão escolar, desemprego, cultura do consumo e do narcisismo; há poucas pesquisas empíricas sobre a adolescência a partir desta perspectiva e intervenções ainda mais restritas; Proposição nº 10: A violência é um fenômeno multifacetado, que tem raízes na biologia, mas que, no ser humano, possui configurações específicas em função de arranjos históricos e culturais; Proposição nº 11: uma história da violência não pode ser diferenciada de uma história da Cidade, pois é justamente no contexto das transformações urbanas na contemporaneidade que a violência assume formas características inéditas na história humana; Proposição nº 12: a história da violência é, em parte, uma história das relações de gênero, determinada pelo surgimento do patriarcalismo e de sua crise. A moderna violência de gênero decorre da crise, e não do vigor, do patriarcalismo; Proposição nº 13: A violência intrafamiliar é, de certa forma, uma violência de gênero. É preciso considerar também o número expressivo de agressões práticas pelas mães contra seus filhos e filhas; Proposição nº 14: o abuso sexual intrafamiliar é bem mais comum do que o extrafamiliar. As possibilidades de prevenção e de enfrentamento passam, necessariamente, por uma intervenção na dinâmica familiar que pode – em certos casos – produzir efeitos avassaladores em uma família; Proposição nº 15: a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes somente pode ser entendida no contexto do desenvolvimento do sistema capitalista, que tende a 216 transformar tudo em mercadoria. A exploração seria também uma forma de trabalho precário, bastante semelhante ao trabalho escravo; Proposição nº 16: as pesquisas envolvendo crianças em situação de risco de violência doméstica exigem um comprometimento ético do psicólogo pesquisador que põe em xeque alguns princípios éticos preconizados pelo Conselho Nacional de Saúde, principalmente o que diz respeito ao consentimento informado dos pais. 217 Capítulo Três: Entrevista Ficcional: formação, experiências, reflexões e projetos. Introdução: Neste capítulo desenvolvo uma estratégia de exposição que denominei de Entrevista Ficcional. É um esboço de investigação sobre minha prática docente que, inspirado nas pesquisas sobre história de vida dos professores (Nóvoa, 2000). A opção por criar uma entrevista fictícia172 em vez de simplesmente construir uma narrativa que descrevesse minha trajetória profissional ocorreu por duas razões: I. Acredito que o diálogo, mesmo ficcional é a melhor forma de expor um pensamento em construção; II. As idéias que apresento aqui foram expostas e discutidas em encontros que tive com um grupo de estudantes de Psicologia, num diálogo que muito tem me ajudando a desenvolver minhas reflexões. A “entrevista” está dividida em duas partes: na primeira, falo sobre minha formação acadêmica e trajetória profissional. Na segunda parte, discuto o trabalho do psicólogo docente e avalio o contexto teresinense no que diz respeito a essa prática. Seção I: a formação acadêmica § primeiro: a graduação Entrevistador: gostaria que você falasse um pouco da sua graduação: período, local, disciplinas que te influenciaram, etc. Docente: eu fiz o meu curso de Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) entre 1991 e 1995. Fiz o bacharelado e o curso de formação de psicólogo. Não fiz licenciatura. O primeiro destaque que poderia fazer é a respeito da natureza jurídica da instituição em que me formei. Eu estudei em uma Universidade Pública Federal. Isso é importante para mim por dois motivos: primeiro, se não existisse um curso de Psicologia gratuito certamente eu não estaria hoje aqui, visto que não tinha nenhuma condição financeira, à época, de estudar em uma instituição privada; segundo, eu estudei em uma universidade e isso faz diferença. Com a experiência que tive de ensinar em faculdades privadas, percebi a vantagem que tive ao ser aluno de uma instituição universitária, que faz pesquisa, ensino e extensão. O pouco treinamento em pesquisa que tive (falo sobre isso daqui a pouco) é infinitamente melhor 172 A idéia de uma entrevista fictícia foi inspirada na “conversa fictícia” de Fowler (1992). 218 do que existem nas faculdades privadas que ensinei. Um outro esclarecimento que acredito ser necessário é a respeito de qual curso de Psicologia da UFRN estamos falando. O curso naquela época não tinha pós-graduação, tinha pouquíssimos doutores (me lembro de dois apenas no início do curso), pedagogos ministrando disciplinas básicas e um currículo horroroso. Professores como Oswaldo Yamamoto e José Pinheiro estavam afastados para realizarem seus doutorados e somente tive disciplinas com eles no último período do curso (vale frisar que foram disciplinas optativas). Em relação às disciplinas, gostaria de destacar pontos positivos e pontos negativos. Vou começar com os pontos negativos: as disciplinas básicas de Psicologia foram três: Psicologia Geral e Teoria e Sistemas de Psicologia I e II. Não quero discutir se essas disciplinas são adequadas ou não; hoje em dia, a maioria dos currículos as substituiu por História da Psicologia e Processos Psicológicos Básicos. Essas disciplinas foram ministradas por pedagogas, proporcionando uma visão bastante limitada dos saberes psicológicos. Um outro ponto negativo foram as disciplinas de Sociologia, Antropologia e Filosofia. Tivemos péssimos professores (felizmente, hoje estão todos aposentados), deixando a nossa turma com grandes carências nessas áreas. Pessoalmente, eu já havia estudado essas disciplinas quando fiz teologia e, mesmo sem bons professores, já sabia o que devia ler. Como disciplinas que positivamente me influenciaram pela excelente qualidade com que foram ministradas, devo destacar Psicologia Experimental II(Comportamento Animal), com a professora Maria Emilia Yamamoto; várias disciplinas de psicanálise, com a professora Rute Dantas; Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem (PEPA) II, com a professora Rosângela Francischini; Comunicação Não – Verbal, com o professor José Pinheiro e uma disciplina optativa de Psicologia Escolar, com o professor Oswaldo Yamamoto. Cada uma delas foi importante por um motivo peculiar: comportamento animal ampliou a minha visão de Psicologia e é até hoje uma temática que tenho muito interesse; a professora Rute Dantas, além do bom aprendizado de Psicanálise, também enriqueceu minha cultura cinematográfica, graças às constantes citações e sugestões de filmes; com a professora Rosângela Francisquini realizei a primeira pesquisa científica (um trabalho sobre coesão textual) e conheci o livro A produção do fracasso Escolar, da professora Maria Helena de Souza Patto. Passei a ter uma visão bem mais crítica sobre a Psicologia. Fiquei encantado com a Comunicação não verbal e com a dinâmica de aula do professor Zé (é assim que os seus ex-alunos o chamam). A experiência mais marcante, porém, foi a disciplina com o professor Oswaldo Yamamoto que mais influenciou o meu futuro como profissional de Psicologia. Entrevistador: Poderia contar como foi? 219 Docente: Claro. No último período do curso, eu estava no estágio obrigatório, porém precisando fazer duas disciplinas optativas para completar a carga horária do curso. Eu havia desistido de duas disciplinas no semestre anterior que foram oferecidas à noite porque comecei a trabalhar. O professor Oswaldo ofereceu uma disciplina à tarde e então eu me inscrevi. As discussões foram muito interessantes e eu realizei, com alguns colegas, uma pesquisa sobre o trabalho do psicólogo escolar em Natal, que foi publicada.173 Esse fato serviu como incentivo para que eu continuasse a trabalhar com pesquisa. Entrevistador: Como foi a sua experiência de estágio? Docente: Antes de responder, preciso esclarecer como era (e ainda é) o estágio no curso de Psicologia da UFRN. O modelo da formação era o 4+1, ou seja, quatro anos de teoria e um ano de prática no estágio. O estágio era feito em um único local ou área de atuação, com duração de 580 horas. Na prática, forçava o aluno a se especializar precocemente ainda na graduação. Um absurdo! Meu estágio curricular foi na área da Psicologia Escolar e começou na antiga Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN), atualmente Centro Federal de Tecnologia. Foi uma experiência difícil, tensa. Fazia dupla com um colega chamado Eudes e tivemos problemas com um dos supervisores de campo. Saímos da ETFRN e encerramos o estágio(cerca de dois meses) em um Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC),localizado no bairro de Lagoa Nova.Tenho muitas críticas ao estágio, mas prefiro apenas comentar que esse modelo de estágio único é, no mínimo, incapaz de oferecer uma formação generalista. Quanto à supervisão, acredito que é necessária uma profunda reflexão sobre a figura do supervisor de campo. Precisamos, também de pesquisas a respeito dessa atividade que é também uma prática profissional. Entrevistador: por que você escolheu o curso de Psicologia? Docente: Essa é uma boa pergunta. Eu fazia o terceiro ano de Direito e comecei achar aquele ambiente um tanto doentio e decidi mudar de curso. Pensei, inicialmente, em Filosofia, que havia sido minha primeira escolha, mas o temor de passar o resto da vida como professor me fez escolher direito e também pensar em alguma alternativa. Conheci um rapaz chamado Hemetério que fazia o terceiro ano do curso de Psicologia. Ele me falou bem do curso (propaganda enganosa), especialmente da professora Vera Amaral (elogio esse de fato merecido), e eu resolvi arriscar. Entrevistador: fale um pouco sobre a importância desse período na graduação para a sua formação cultural. 173; Yamamoto, O. E Spinelli, S.; Carvalho, D. (1996). O psicólogo escolar em Natal: em busca de uma identidade profissional. Psicologia Reflexão e Crítica. 9(2), 269-291 220 Docente: creio que, especificamente, o curso de Psicologia não me acrescentou muita coisa no que diz respeito a minha formação cultural. A Universidade, sim. O acesso a melhor biblioteca da cidade, as várias palestras, debates e cursos que foram aparecendo nesse período foram de grande peso na minha formação cultural. Entrevistador: você acha que é função da universidade oferecer uma boa formação cultural para seus alunos? Docente: sim. Acredito que a Universidade como um todo deve ter essa função. Exibição de filmes de arte, com debates e análise de professores de várias áreas, grupos de teatro que façam apresentações regulares no campus, uma escola de música que popularize a música erudita, são tarefas que acredito obrigatórias de uma Universidade. Há também a questão da literatura. Os estudantes do ensino médio têm pouquíssimo contato com a literatura universal e um contato superficial com a literatura brasileira. É preciso fazer alguma coisa para mudar esse quadro. Há também a questão das Ciências Humanas. Somente história e Geografia fazem parte do currículo obrigatório do ensino médio. É muito pouco. Houve, recentemente, a inclusão da Sociologia e da Filosofia. É um bom começo. A Associação Brasileira de Psicologia defende o ensino de Psicologia no nível médio. Acho que isso não é possível em curto prazo. Seria melhor introduzir o estudo da música na educação básica. § segundo: a pós-graduação Entrevistador: gostaria que você falasse um pouco sobre sua formação após a graduação. Docente: bem, minha formação depois de ter concluído a graduação se deu em várias etapas, num processo que coincidiu com a minha trajetória profissional. Após a graduação, fiz parte da primeira turma do curso de Especialização em Psicologia da UFRN, que serviu como embrião para o curso de Mestrado que seria implantado depois. Isso foi em 1996. Fiz todas as disciplinas, mas não terminei a monografia. Foi uma crise de obsessão que tive. O tema era interessante: o conceito psicológico de natureza. Tive como orientador o professor José Queiroz Pinheiro. Tive algumas aulas excelentes e professores também.Posso citar Ceiça Almeida, Margot Pinheiro, César Ades e Jorge Tarcísio Falcão como docentes que muito me impressionaram pela competência e acessibilidade. Após a especialização, recebi uma proposta do professor Oswaldo para ser bolsista de aperfeiçoamento em Pesquisa (bolsa do CNPq) durante um período de dois anos. Aceitei e resolvi propor ao professor Oswaldo uma pesquisa sobre o trabalho dos psicólogos natalenses no campo da Saúde. Durante o meu estágio, por 221 sugestão dos supervisores de campo, realizei um mapeamento das Unidades de Saúde de Natal que tinham psicólogos e conheci os Centros de Atenção Psico-Social (CAPS) recém implantados na cidade. Era um novo espaço de atuação que se abria para a Psicologia natalense, sem que a prática do psicólogo nesses contextos fosse discutida. Minha pesquisa foi parcialmente publicada em dois artigos. 174 Ela também serviu como ponto de partida para a dissertação de mestrado de Ilana, psicóloga que também veio a fazer parte da base de pesquisa coordenada pelo professor Oswaldo. Preciso esclarecer que a base de pesquisa Marxismo & Educação foi criada em 1995, sob coordenação dos professores Oswaldo Yamamoto e Antonio Cabral Neto, sendo dividida em dois grupos: um, ligado ao departamento de Educação e coordenado pelo professor Cabral Neto, e o outro era ligado ao Departamento de Psicologia, sendo coordenado pelo professor Oswaldo. A pesquisa sobre o trabalho do psicólogo no campo da saúde foi feita como uma atividade da base Marxismo & Educação. Terminado esse período como bolsista de aperfeiçoamento, passei um tempo como professor substituto e depois foi organizado o Mestrado em Psicologia da UFRN. O mestrado foi um período muito rico de aprendizagem e minha dissertação foi sobre a história da Psicologia em Natal175. Terminei o mestrado em 2001 e trabalhei como docente até o início do doutorado em 2003.Gostaria de destacar duas coisas: toda a minha formação se deu na UFRN, da graduação ao doutorado. Além disso, foi bolsista em todos os momentos da minha formação, incluindo aí duas modalidades de bolsas que não existem mais: a bolsa de aperfeiçoamento em pesquisa e a bolsa do curso de especialização. Seção II: A trajetória profissional Entrevistador: podemos conversar sobre a sua trajetória profissional? Docente: sim. Bem, eu dividiria minha trajetória Profissional em duas tendências: uma docente e a outra no campo da psicologia aplicada.Neste último campo, comecei a trabalhar em 1996, em uma clínica fazendo atendimento psicoterápico infantil. O convite para o trabalho surgiu após um estágio extracurricular que fiz. Ainda naquele ano, trabalhei em uma creche, com crianças que possuíam necessidades especiais. Em 1998, ainda trabalhei em uma outra clínica e em uma escola. Após esse período, somente desenvolvi a minha carreira docente. Esta começou 174 Carvalho, D. & Yamamoto, O. (1999). Psicologia e Saúde: uma análise da estruturação de um novo campo teórico-prático. Psico, 3.5-28; Carvalho, D. & Yamamoto, O. (2002). Psicologia e Políticas Públicas de Saúde: anotações para uma análise da experiência brasileira. Psicologia para América-Latina. http://www.bvs-psi.org.br/. 175 Carvalho, D. (2001). A cidade e a alma reinventadas: modernização urbana e a consolidação acadêmica e profissional da Psicologia na cidade de Natal. Natal: UFRN. Dissertação de Mestrado. 222 em 1997, como professor substituto do curso de Psicologia da UFRN. Fiquei dois anos nessa condição, até que comecei o mestrado. Quando terminei o mestrado, não encontrei trabalho e ensinei num curso de especialização em Polícia Comunitária promovido pelo Departamento de Serviço Social, sob a coordenação do professor Orlando Miranda. Em 2002, recebi dois convites de trabalho: um da FACID, em Teresina-PI e o outro em Manaus, da ULBRA. Como o da FACID estava demorando a começar, aceitei o convite da ULBRA e cheguei a Manaus em pleno carnaval. Foi um trabalho complicado: quarenta horas divididas em cinco disciplinas na graduação (dinâmica de grupo-tarde e noite; psicologia escolar-tarde e noite; e Psicologia Social), duas disciplinas em cursos de especialização (psicologia comunitária e psicopatologia fundamental), orientação de monografias (seis) e duas turmas de estágio em Psicologia Clínica. O estágio em Clínica da ULBRA era dividido em dois momentos: no primeiro, os alunos estagiavam somente na clínica da instituição; no segundo, iam para as instituições conveniadas. Na prática, tive que orientar estágios em Psicologia Hospitalar, visto que havia cinco alunos em três hospitais no estágio mais avançado. Essa experiência durou apenas um semestre, visto que em agosto de 2002 eu passei a trabalhar na FACID, mudando-me para Teresina. Havia uma diferença significativa entre os dois cursos: o da ULBRA já tinha dez anos e vinha todo montado de Canoas, no Rio Grande do Sul. O curso da FACID estava sendo criado e o corpo docente deveria, necessariamente, participar da montagem do currículo. Ao chegar a Teresina, ainda em 2002, pude trabalhar como professor substituto no curso de Psicologia da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), experiência muito significativa. Encontrei um curso desorganizado, precário, praticamente sem professores efetivos, mas com um grupo de alunos críticos e com um potencial enorme de crescimento. Esses alunos da UESPI certamente são a elite intelectual dos estudantes de psicologia do Piauí. Após passar 2003 em Natal por causa do doutorado, voltei no ano seguinte para Teresina para trabalhar na FACID e em um curso de especialização em Psicologia Clínica, trabalhando na coordenação do curso. Em 2005, passei a ensinar também na Faculdade Santo Agostinho, onde dei aula no curso de Psicologia até o primeiro semestre de 2006. Dei aula também em alguns cursos de especialização em Teresina, de modo que tive uma atividade docente bastante diversificada. Entrevistador: você disse que havia sido supervisor de estágio no Amazonas. E no Piauí? Docente: bem, eu fui supervisor de estágio de Psicologia Comunitária na Facid durante o período de 2005. Essa também foi uma experiência muito rica e muito frustrante. Em 2006, passei no concurso para professor assistente da Universidade Federal do Piauí, para ser lotado no Curso de Psicologia no Campus de Parnaíba, cidade do interior do Piauí. O curso terá a sua 223 primeira turma iniciando as suas aulas a partir de abril de 2007. Será o primeiro curso no interior do Piauí. A UFPI será a única universidade federal do Brasil a oferecer um curso de Psicologia em uma cidade do interior em vez da capital. Será um novo desafio, justamente quando estarei completando dez anos de carreira docente. Entrevistador: e o que significa a carreira docente para você? Docente: na verdade, eu não havia planejado uma carreira docente; as circunstâncias foram me levando para essa área. Embora o ensino de Psicologia seja uma atividade profissional definida pela lei 4.119, o estudante não tem nenhuma experiência com a prática de ensino. Os cursos de licenciatura em Psicologia, via de regra, são sofríveis. A formação do professor de ensino superior no Brasil, de modo geral, é muito empírica, sem formação pedagógica. Na minha experiência há também questão da supervisão de estágio. Não há uma formação específica para a supervisão, nem sequer um simples treinamento regular. É muito empírica, sem um conhecimento teórico que fundamente essa prática. Seção III: Reflexões sobre a prática docente como um espaço privilegiado para a formação profissional em Psicologia § primeiro: a prática docente como campo de atuação do psicólogo Entrevistador: como você já comentou, o Ensino Superior é um campo de atuação do psicólogo. Gostaria que você comentasse um pouco mais isso. Docente: Se você observar os estudos sobre a atuação do psicólogo, certamente perceberá facilmente a ausência de investigações sobre o trabalho do psicólogo como docente superior. Não sabemos quantos psicólogos se dedicam a essa tarefa, em que condições trabalham, quantos se dedicam exclusivamente ao ensino, como se capacitam para a docência, etc. Acredito ser essa lacuna relacionada à dificuldade de autocrítica dos pesquisadores, que não enxergam as deficiências da formação do psicólogo provenientes das características que possuem os docentes da área, que são também aqueles que pesquisam a formação e a atuação do psicólogo. O currículo mínimo aparece sempre nas pesquisas como o grande responsável pelas deficiências da formação, mas raramente se indaga sobre o papel do corpo docente na manutenção do quadro vigente no ensino de Psicologia. É preciso lembrar, volto a insistir nisso, que o Ensino de Psicologia é uma atividade do profissional psicólogo, fazendo com que as Instituições de Ensino Superior sejam também um campo de atuação do psicólogo. Além disso, é um campo de atuação essencialmente vinculado à formação profissional. Eu acredito que 224 precisamos ter estudos sobre a formação para a docência, as condições de trabalho e as atividades desenvolvidas (ensino, estágio, extensão, etc.). § segundo: questões sobre a prática docente Entrevistador: Quais seriam as principais questões da prática docente em Psicologia que você destacaria? Docente: eu destacaria as seguintes: Formação: vejo com muita preocupação a formação docente em Psicologia. Uma das conseqüências desse crescimento exacerbado das instituições de ensino superior, e dos cursos de Psicologia especificamente, é a precarização do ensino mediante o improviso de professores. O aparecimento de cursos de especialização em ensino superior em todo o país é um reflexo disso. É preciso ressaltar, também que os cursos de pós-graduação stricto sensu não oferecem muita coisa para melhor formar os nossos docentes. A docência assistida é a única possibilidade de um treinamento, mesmo que extremamente superficial, que os pós-graduandos possuem. Condições de trabalho: uma outra questão é a condição de trabalho. Há duas formas de trabalho precário na docência: o trabalho em instituições privadas e o de professor substituto. Tive essas duas experiências e posso atestar como é desanimador trabalhar em uma quase que total incerteza sobre o futuro. Há a certeza do fim do contrato na experiência de professor substituto, mas isso não é uma certeza muito agradável. Eu posso descrever uma situação que passei em uma faculdade privada do Piauí. Cada semestre eu dava disciplinas diferentes e em um delas a coordenadora me informou que não haveria disciplina para mim. Essa situação é terrível. Uma outra questão que considero importante é o entendimento do trabalho docente como uma atividade intelectual. O psicólogo docente precisa entender o seu trabalho no contexto da função do intelectual na sociedade. Ele precisa se definir como intelectual orgânico e exercer o pensamento crítico para não se transformar em um “dador de aula”. Esse compromisso com o pensamento crítico faz parte da vocação da Universidade. O questionamento dos saberes existentes é essencial para a formação de um profissional capaz de lidar com os desafios de um mundo em mudança. Entrevistador: gostaria que você falasse um pouco sobre o significado da atividade de supervisor de estágio no trabalho de docência em Psicologia. Docente: a supervisão de estágio tem algumas peculiaridades. Ela somente pode ser exercida por um profissional de psicologia devidamente regularizado junto ao Conselho da categoria. Como não há nenhum treinamento ou formação para a prática de supervisor, 225 geralmente o docente reproduz o modelo do seu próprio supervisor e com isso reproduz uma maneira de treinamento profissional em Psicologia bastante convencional. A supervisão ainda oferece alguns desafios: quando o local de estágio já possui um profissional de Psicologia, o que não é a regra, esse supervisor de campo nem sempre tem a mesma concepção de trabalho que o docente – chamado de supervisor acadêmico – possui. Essa relação nem sempre é tranqüila. Um outro problema ocorre quando não existem psicólogos nas instituições de estágio (geralmente isso ocorre em instituições públicas), o grande desafio é assumir a responsabilidade pelo trabalho psicológico ali desenvolvido. Nesse caso, o psicólogo está exercendo duas funções: o de docente supervisor e a de psicólogo da instituição. Isso nem sempre é feito com responsabilidade e, muitas vezes, na prática o estagiário assume a responsabilidade pelo serviço que deveria ser de um profissional. Eu posso resumir essas questões em um quadro: Quadro 3.1: Desafios no trabalho do psicólogo docente Bem, como eu dizia – há duas dimensões do trabalho docente no ensino da Psicologia. A primeira é o ensino de conteúdos; a segunda, a supervisão de estágio. Em comum essas duas dimensões apresentam o desafio de uma formação qualificada, nos dois casos inexistentes no Brasil. A supervisão tem uma situação mais crítica ainda porque simplesmente inexiste formação. O saber ensinar é um desafio para as duas dimensões também, assim como a necessidade de uma postura crÍtico-reflexiva sobre os saberes e as práticas psicológicas. A capacidade de dialogar sempre é um desafio para a prática docente. Específico do ensino de conteúdo temos a necessidade de um profundo saber dos conhecimentos produzidos pelas Psicologias e pelas áreas afins. É a questão do ensino de Psicologia em um enfoque interdisciplinar. A crítica constante ao conhecimento psicológico é um desafio para o ensino de conteúdos. Cultivar uma postura antidogmática, não-fundamentalista é essencial para o desenvolvimento inclusive da interdisciplinaridade e da dialogicidade. Uma postura dialogal somente é possível com o cultivo da autocrítica. As especificidades do ofício de supervisor de estágio são o saber da prática psicológica e a prática como modelo. O supervisor deve ser Dimensões Ensino de conteúdos Supervisão de estágio Desafios Formação qualificada Formação qualificada Saber psicológico e interdisciplinar Saber da prática psicológica Saber Pedagógico Saber Pedagógico Postura crítico-reflexiva Postura crítico-reflexiva Postura de crítica do conhecimento psicológico Prática como Modelo Dialogicidade Dialogicidade 226 alguém com experiência de aplicação do conhecimento psicológico em algum contexto. Ele deve possuir, necessariamente um saber-fazer. É justamente esse saber-fazer que servirá de modelo para o estagiário. Um ponto que eu não havia pensando antes, e que sua pergunta me induziu a refletir, diz respeito ao papel do supervisor de campo. Essa tarefa não está regulamentada, como também não existe nenhum treinamento disponível para essa tarefa. Nesse caso, a função docente também será exercida por profissionais que não estejam diretamente vinculados ao ambiente acadêmico. Esses profissionais, além de experiência prática, o que nem sempre possuem deveriam ter alguma capacitação docente para essa tarefa tão importante não formação de novos profissionais. Entrevistador: o que você acha que deveria ser feito para lidar com esses desafios existentes no exercício da supervisão de estágio, seja na área acadêmica, seja no campo prático? Docente: são duas questões bem parecidas, mas que possuem suas peculiaridades. A supervisão acadêmica, a meu ver, diz respeito a uma necessidade de termos docentes com experiência de prática profissional. Essa experiência pode ser adquirida, basicamente, de duas formas: pelo trabalho profissional desenvolvido concomitantemente ao exercício da docência, ou através de prática de extensão, mediante intervenções em locais em que ocorram atividades extensionistas. Eu acredito que isso não é suficiente para uma boa formação. Acaba sendo muito empírica, sem nenhum fundamento teórico ou reflexivo. Uma possibilidade de superar essa situação seria propor a criação da especialização em supervisão, com ênfase nos saberes pedagógicos, com ênfase em supervisão acadêmica ou de campo. O psicólogo-supervisor seria responsável por intensificar a prática do estudante de Psicologia, tanto em nível de estágio básico, como no estágio profissionalizante. Além disso, acredito que os Conselhos Regionais de Psicologia deveriam fiscalizar o trabalho do psicólogo-supervisor, tanto acadêmico como o de campo, visto que essas atividades são exclusivas do profissional de Psicologia. Uma última dificuldade que gostaria de comentar, e a meu ver a mais importante, é o que eu denomino de “semiprofissionalismo da docência de ensino superior”. Na maior parte dos cursos de Psicologia, que são oferecidos por instituições privadas de ensino, o professor não tem dedicação exclusiva, recebendo por hora de aula, o que torna a carreira docente apenas um bico, uma forma de complementação de renda; isso impede que muitos professores invistam nessa carreira, o que dificulta a capacitação continuada desses docentes. Como eu já disse, creio que precisamos discutir melhor a carreira docente do psicólogo e a importância que ela exerce na configuração do atual modelo de formação profissional em Psicologia. 227 Seção IV: A experiência de trabalhar com a formação do psicólogo no contexto das políticas públicas de enfrentamento da violência contra criança e adolescente em Teresina §Primeiro: o trabalho docente em Teresina Entrevistador: gostaria de voltar para a sua experiência profissional. Você poderia comentar o seu trabalho docente em Teresina? Docente: sim. Como já disse, eu tive a oportunidade de trabalhar nas três faculdades de Psicologia em Teresina. Uma das particulares e o curso da UESPI começaram a funcionar em 1998, sendo responsáveis por todos os profissionais formados no Piauí. A outra faculdade particular começou a funcionar no segundo semestre de 2002 e ainda não tem concluintes. Foi para essa faculdade que vim trabalhar, logo no início do curso, trabalhando também como professor substituto da UESPI nesse período em que cheguei pela primeira vez em Teresina. A Faculdade Santo Agostinho tem uma ênfase muito grande na Clínica, e seus egressos trazem essa marca. Infelizmente, são esses egressos que estão trabalhando, majoritariamente, com as políticas públicas em Teresina. Voltando a minha experiência, devo dizer que aqui vivi intensamente a experiência do trabalho precário na docência. Nas faculdades particulares, como horista, vivia a incerteza de não saber que e quantas disciplinas teria no próximo semestre, se realmente eu teria alguma disciplina para ensinar. Na UESPI, recebi meu salário seis meses depois de começar a lecionar e mesmo assim não recebi tudo. Era ano de eleição. Entrevistador: você poderia comentar como você observa a formação do psicólogo neste contexto? Docente: a formação do psicólogo em Teresina tem algumas características marcantes. Para mim, o contraste com Natal, cidade em que me formei e da mesma região, me ajuda a ter alguns parâmetros de análise. Os cursos começaram a funcionar no final da década de 90, muito tardiamente se comparado com outras capitais do Nordeste. Natal, por exemplo, começou a ter um curso de Psicologia funcionando em 1977. Uma outra característica de Teresina é que lá não existe curso de Psicologia funcionando na Universidade Federal. Além disso, o grupo de professores que lecionam nesses cursos é praticamente o mesmo. Ou seja, há diversidade de instituições de ensino, mas não há diversidade de corpo docente. O corpo docente tem o seguinte perfil: psicólogos com experiência profissional em alguma área da psicologia, com pouca experiência docente e qualificação acadêmica, com muito tempo de residência na cidade em um grupo; o outro grupo sendo formado por jovens professores com mestrados concluídos a partir de 2001, com pouca ou nenhuma experiência profissional, vivendo a pouco tempo na cidade e 228 que fizeram sua pós-graduação stricto senso na UFPB, na UFRN e na UNICAP de Recife. A UFPB é a instituição em que a maioria dos mestres concluiu seus cursos. Não há doutores em Psicologia ensinando nos cursos de formação de Psicólogos. Os poucos doutores em Psicologia que existem na cidade trabalham no curso de educação da UFPI. Isso é que acho significativo a respeito do corpo docente. Quanto aos alunos, há uma complicação no que se refere ao número e ao potencial desses estudantes. A Santo Agostinho oferece 200 vagas por ano, com duas turmas de 50 alunos por semestre. A Facid oferece 100 vagas por ano, com uma turma semestral de 50 alunos. A UESPI oferece 50 vagas por ano, com uma turma de 25 em cada semestre. As faculdades privadas não conseguem preencher essas vagas facilmente, remanejando alunos que não passaram em suas primeiras opções e escolheram a Psicologia como segunda. Os processos seletivos são simplórios. A UESPI tem o melhor processo seletivo e, conseqüentemente, os melhores alunos. Isso produz uma situação complicada; esses alunos com melhor potencial estão em um curso muito precarizado. O corpo docente da UESPI é formado majoritariamente por professores substitutos. Em 2002, quando trabalhei por lá, havia apenas três professores efetivos; hoje são 14, em um total de 33. O curso funciona atualmente com quatro currículos diferentes e vai implantar um novo a partir do ano que vem, para adequar-se às Diretrizes Curriculares. A UESPI não tem nenhum curso de pós-graduação stricto senso e possui 30 mil alunos espalhados em diversos campi precarizados em várias cidades do Piauí, Maranhão e até mesmo da Bahia. Além disso, até hoje a UESPI não organizou seu Serviço de Psicologia Aplicada, descumprindo a legislação que regulamenta a formação do psicólogo. A FACID possui o melhor currículo, mas tem muita dificuldade em realmente efetivá-lo. A Santo Agostinho tem a melhor instalação física para o Serviço de Psicologia Aplicada, um prédio construído especificamente para esse fim, mas que se localiza em um local de acesso difícil. Muitas crianças encaminhadas pelo Conselho Tutelar não puderam continuar sendo atendidas por, entre outros motivos, dificuldades com o transporte até o Serviço. Muitos tinham que pegar dois ônibus para chegarem até o local. A FACID começou a ter o funcionamento do seu Serviço de Psicologia a partir deste último semestre de 2006. O prédio é bem localizado, embora suas instalações não sejam muito boas, pois foram adaptadas às pressas em uma antiga residência. Um outro problema que pode dificultar o serviço é o preço, nada simbólico exigido pelos atendimentos. Um problema comum desses serviços é que a demanda que possuem é, em sua maior parte, espontânea, com poucos serviços destinados a grupos específicos. Isso dificulta a implantação de novos modelos de atuação na clínica, como – por exemplo – a clínica ampliada e o plantão psicológico. Creio que precisamos discutir mais qual o melhor perfil para os Serviços de Psicologia Aplicada e como 229 eles devem se relacionar com o Sistema Público de Saúde, principalmente na área de saúde mental, do município. Entrevistador: e a atuação do psicólogo em Teresina, como você avalia? Docente: essa atuação não difere muito do que foi descrito em pesquisas sobre a atuação do psicólogo em várias regiões do país. Gostaria de destacar, contudo, o trabalho do psicólogo no contexto das políticas públicas aqui em Teresina. Há duas áreas que merecem destaque: o campo da saúde e o da assistência social. O profissional de Psicologia tem conseguido ingressar nos hospitais públicos e nos Centro de Assistência Psico-Social (CAPS). Isso no campo da saúde. No campo da assistência social, vale destacar o ingresso nos Centro de Referência Social e no Programa Sentinela, todos organizados em nível nacional. No campo municipal, surgiu também a possibilidade de trabalho em algumas instituições resultantes da parceria firmada entre a prefeitura municipal e a Ação Social da Arquidiocese (ASA), destacando-se entre elas a Casa de Zabelê e a Escola Aberta. Vale frisar também a presença de psicólogos em delegacias especializadas, como da Criança e do Adolescente176 e do idoso. O trabalho provisório, sem estabilidade, quase sempre terceirizado caracteriza essa atuação. Infelizmente há muito que se fazer para que se tenha um trabalho digno. Não receio em dizer que a formação do psicólogo aqui em Teresina é inadequada para esse contexto. Dois grandes entraves dificultam o desenvolvimento de uma prática condizente com os desafios que são proporcionados pelas demandas sociais: o viés clínico e a ausência de uma boa fundamentação teórica. O viés clínico ainda é muito forte. O psicológico não é concebido como supraindividual, mas como algo interno de cada sujeito. O indivíduo autônomo burguês é o padrão de higidez e de qualidade de vida, e tudo aquilo que destoa desse modelo é entendido mediante categorias psicopatológicas. A fundamentação teórica é inconsistente. Os profissionais não sabem produzir conhecimento e interpretam os fatos a partir do senso comum acrítico, resignificando inclusive as abordagens teóricas consagradas na Psicologia. Isso decorre da formação precária do corpo docente. Há carências de cursos de especialização ou de capacitação de qualidade que enfoquem esse trabalho comunitário. Muitos docentes são egressos das próprias faculdades locais, sem nenhum treinamento ou especialização na área comunitária. Entrevistador: como você avalia o papel da representação do Conselho Regional? Docente: a atual gestão começou com nove psicólogos e atualmente apenas dois estão se dedicando à representação do Conselho. Faltam lideranças e cultura política na Psicologia teresinense. Esse vazio de lideranças é alimentado também pela carência de lideranças estudantis, visto que os Centros Acadêmicos (com exceção da UESPI) são mero organizadores 176 A Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente de Teresina foi inaugurada em 11/12/2003. Uma discussão sobre as Delegacias de proteção a crianças e adolescentes encontra-se em Unicef (2004). 230 de festas e eventos. Acredito que a existência de um Centro Acadêmico atuante e politicamente engajado deveria ser um item de avaliação do corpo discente de uma instituição de ensino. Entrevistador: você desenvolveu um trabalho em Teresina de conscientização a respeito dos desafios suscitados para a formação e a atuação do psicólogo no contexto do enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. Poderia falar um pouco sobre essa experiência. Docente: esse trabalho se desenvolveu em quatro contextos diferentes: no primeiro, discuti a questão do enfrentamento a partir do ensino da disciplina de Psicologia Jurídica e da supervisão de estágio em Psicologia Comunitária no contexto do trabalho psicológico desenvolvido em um Centro de Referência da Assistência Social (CRAS); no segundo, no contexto de um grupo de estudo que organizei com alunos do Curso de Psicologia da Universidade Estadual da UESPI; o terceiro, foi o encontro que realizei juntamente com o grupo da UESPI, e com apoio da representação local do Décimo Primeiro Conselho Regional de Psicologia, sobre o trabalho desenvolvido pelos psicólogos nos CRAS do Piauí; e, por último, o projeto que construí a respeito de um novo modelo de atuação e formação do psicólogo no contexto das políticas públicas de enfrentamento da violência contra criança e adolescentes. Antes disso, preciso explicar alguns aspectos dessa minha experiência. Eu percebi que havia uma carência de psicólogos que pudessem liderar a profissão aqui no Piauí e direcioná-la de modo a superar os desafios para a consolidação da profissão aqui no Estado. Alguns fatores me chamaram atenção para isso. Primeiro, o fato de em algumas instituições haver algum tipo de restrição à presença de estagiários de Psicologia em função de alguma experiência desastrosa anterior. Dois relatos me impressionaram: o primeiro, de uma instituição para idosos que se queixou do fato de que muitos idosos passaram mal depois da aplicação de uma dinâmica de grupo. Os estagiários, de acordo com pessoas ligadas à instituição, os estagiários não sabiam o que fazer. Isso deveria provocar uma inquietação na categoria. Como reagir a isso? Essa é uma questão interna da instituição ou diz respeito à categoria como um todo? Qual a responsabilidade do supervisor de estágio no caso? Quem deveria avaliar esse fato: a instituição somente ou caberia o Conselho Regional de Psicologia?177 Um segundo caso: a Prefeitura Municipal de Teresina, ao contrário do que previa o documento que enviou ao Ministério do Desenvolvimento Social, não realizou nenhum processo seletivo para a contratação dos psicólogos que atuariam nos CRAS. A indicação desses profissionais foi feita pelas instituições de ensino e por uma fundação que assinaram convênio com o executivo municipal para a co-gestão dos Centros. A incompetência dos profissionais escolhidos, quase sempre por critérios não-técnicos, afetou 177 Uma discussão sobre os conselhos e a formação do psicólogo encontra-se em Holanda (1997). 231 significativamente a qualidade dos serviços prestados na atenção básica da assistência social em Teresina. Por fim, em duas instituições estratégicas para o atendimento de crianças e adolescentes, trata-se do Programa Sentinela e da Casa de Zabelê, ocorreu uma experiência de estágio em Psicologia promovido por uma instituição de ensino particular, que interrompeu essas experiências de estágios sem deixar claro o motivo para isso. É importante entender esse fato. O estágio deve ser pensado como uma questão que extrapola os limites das instituições de ensino superior e dos serviços públicos que podem servir como local de estágio. A responsabilidade pela formação qualificada em Psicologia é uma responsabilidade da categoria profissional dos psicólogos.É necessário que possamos discutir as políticas de estágio existentes nas instituições de ensino de Psicologia em nossa cidade, pois elas dizem respeito a uma modalidade de atuação do psicólogo. Eu percebi que minha contribuição seria possível no âmbito da reflexão, visto que não ocupo nenhum cargo de órgão representativo da categoria ou de coordenação de curso, resolvi propor uma reflexão sobre o trabalho do psicólogo. Fiz isso participando de vários eventos, apresentando sempre palestras que tratavam, de alguma forma, a respeito de formação e da atuação do psicólogo. Além disso, participei de dois cursos de especialização em Psicologia Clínica, ministrando as disciplinas de Gênese da Clínica Moderna e Introdução à Psicologia Clínica, o que me permitiu discutir algumas idéias de clínica contextualizada. Elaborei alguns textos para Discussão com o objetivo de tornar algumas idéias conhecidas e iniciar um debate sobre os desafios para o trabalho do Psicólogo. Preparei dois cursos para divulgar alguns temas importantes para o desenvolvimento da Psicologia aqui em Teresina: Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes (2005) e Curso de Psicologia Social (2005). Também publiquei um texto sobre violência e abuso sexual em um dos jornais da cidade. Na verdade, o meu interesse era discutir justamente os desafios da formação e atuação do Psicólogo no contexto da seguridade social. O tema da violência contra crianças e adolescentes surgiu por dois motivos: o primeiro, uma escolha ética: acredito que a formação do psicólogo brasileiro (e em especial o psicólogo piauiense) é bastante negligente em relação às demandas da criança e do adolescente, principalmente aquelas decorrentes do Estatuto da Criança e do Adolescente. Creio ser um dever ético produzir algum conhecimento a respeito178. O segundo motivo diz respeito à possibilidade 178 Se considerarmos a existência dos “interesses constitutivos de conhecimento” de que fala Habermas (1990), o que já foi discutido na introdução desta tese, não teremos nenhuma dificuldade em afirmar que os valores que possuímos condicionam nossas escolhas investigativas, ao contrário do que afirma o Dogma da Imaculada Cognição. Ao que foi discutido na introdução, deve-se acrescentar o seguinte: 1) a questão que se impõe não é mais definir a relação entre valores e conhecimento, mas sim a necessidade do pesquisador explicitar quais valores orientam a sua construção de conhecimento; 2) no caso específico da Psicologia, há algumas questões : a) a produção de saber psicológico precisa discutir a especificidade do seu campo, o que exige uma reavaliação dos projetos de psicologia que se desenvolveram a partir da segunda metade do século XIX a partir da explicitação dos valores que orientaram esses projetos; b) uma avaliação do impacto das tecnologias psi na relação entre regulação e 232 de, a partir da questão do enfrentamento da violência contra a criança e o adolescente, repensar – de modo sistemático, intersetorial e articulado em rede – a formação e atuação do psicólogo brasileiro. O quadro n º 3 mostra um esquema que retrata as estruturas dessa articulação.Podemos conceber essa rede como organizada em dois níveis de atendimento: o básico e o especializado. O básico, por sua vez, organiza-se em duas modalidades de intervenção: a prevenção e o tratamento. Os setores envolvidos são: educação, saúde, proteção social, segurança e Sistema de Garantia de Direitos. As instituições envolvidas são: escolas, unidades de saúde da família, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), delegacias de proteção a crianças e adolescentes, Conselhos Tutelares, Hospitais e Serviços-Escola de Psicologia. Os campos da Psicologia envolvidos são: Psicologia Escolar, Psicologia Comunitária, Psicologia Social da Saúde, Psicologia Jurídica, Psicologia Clínica e Psicologia Hospitalar. A integração atuação/estágio é um item complexo. Na nossa perspectiva, ocorre um grande problema em função de nem sempre haver psicólogos atuando em locais de estágio, ou seja, nem sempre há a figura do supervisor de campo. A única maneira decente de se resolver isso é regulamentar essa prática. Nos locais em que não há psicólogos trabalhando, somente deveria haver estágio se concomitantemente houvesse um trabalho de extensão universitária em que um profissional realmente estivesse desenvolvendo um trabalho no local. Quanto aos supervisores de campo, não há nenhum critério nem capacitação para esses profissionais desenvolverem um trabalho de supervisão. Não há também nenhum incentivo. Falta uma definição clara a respeito do que a supervisão de campo representa para as instituições na definição das atividades que serão desenvolvidas pelos profissionais de Psicologia. O maior desafio, contudo, encontra-se na questão da intersetorialidade. Um projeto intersetorial necessita de um olhar diferente e um novo agir sobre a realidade, visto que visa a responder problemas multidimensionais – o que exige uma abordagem marcada pela complexidade e pela interdisciplinaridade. Tais saberes e práticas costumam estar ausentes desses espaços de atuação supramencionados. Para ilustrar essa dificuldade, gostaria de comentar algumas pesquisas sobre intersetorialidade que foram recentemente publicadas no Brasil. Jessica Domingues (2006), em sua dissertação de mestrado “A percepção dos trabalhadores do programa saúde da família sobre intersetorialidade”, apresenta uma pesquisa que descreve como o trabalho intersetorial é compreendido por um grupo de profissionais da área da saúde (médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, agentes comunitários de saúde e gerentes de unidades de Saúde da Família) que atuavam na região da subprefeitura de Freguesia do Ó/Brasilândia, em São Paulo. A autora comenta que os setores da região do estudo, na emancipação no contexto da modernidade; c) a dimensão ética do conhecimento psicológico sobre a criança e o adolescente. Para uma discussão de algumas destas questões, ver Freire (2002) e Lastória (2004). 233 perspectiva dos trabalhadores, não têm a cultura das ações intersetoriais. As relações autoritárias no serviço dificultam a produção de parcerias. Os trabalhadores também não possuem clareza sobre o papel da intersetorialidade como estratégia para enfrentar as questões complexas do campo da saúde. O SUS, nos seus princípios e diretrizes, favorece a inclusão de ações intersetoriais, mas a ausência de uma estrutura matricial que amplie o contato entre os setores dificulta o desenvolvimento da intersetorialidade naquela região de São Paulo. Um outro exemplo que podemos apresentar é um texto de Letícia Nobre (2003) sobre os desafios da intersetorialidade e o papel do SUS no enfrentamento do trabalho infantil a partir da experiência do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador, com o foco no Programa de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil na Bahia, durante o período de entre 1997 e 2001. Nos últimos anos, várias iniciativas têm implementado novas características ao combate do trabalho infantil, construindo uma prática mais processual e orientada por aportes teóricos advindos da Epidemiologia e das Ciências Sociais, bem como inserindo a noção de processo pedagógico na construção de experiência de vigilância e prevenção do trabalho infantil. Essa questão, todavia, precisa ser compreendida como intersetorial, relacionando-se com as políticas de Saúde, principalmente com a estratégia da Saúde da Família. Os principais pontos de entrave para que o SUS participe no enfrentamento do trabalho infantil seriam: 1) invisibilidade do trabalho da criança e adolescente para o SUS; 2) a invisibilidade do impacto do trabalho na saúde; 3) a desarticulação entre a assistência e vigilância; 4) a concepção compartimentalizada de vigilância; 5) a prática maior do SUS e dos centros de referência com o trabalho formal do que com o trabalho informal, doméstico e ou precarizado; 6) as limitações relativas às capacidades e qualificações da equipe técnica, principalmente no que diz respeito à formação de equipes multiprofissionais e práticas interdisciplinares; 7) a insuficiente produção de informações e conhecimentos, tanto sobre o trabalho de crianças quanto sobre seus efeitos; 8) a insuficiente produção de experiências e reflexões sobre práticas intersetoriais; 9) a ausência de financiamentos das ações na ótica da intersetorialidade e da promoção da saúde, a carência de recursos para aqueles projetos planejados e pactuados intersetorialmente. Acredito que estas questões não sejam específicas de São Paulo e da Bahia e que essas questões sejam ainda mais contundentes em Teresina. Entrevistador: o desafio seria então criar uma cultura de trabalho intersetorial. Docente: sim. Isso exigiria uma verdadeira mudança de mentalidade. Precisaríamos de um planejamento intersetorial que envolvesse todos os agentes que estão responsabilizados pelo enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. 234 Entrevistador: e do ponto de vista dos conhecimentos necessários para melhor qualificar essa rede, o que seria necessário? Docente: antes de tudo articular a rede! Um outro aspecto que gostaria de comentar é a questão da resolubilidade da violência. Tratando especificamente da violência sexual, Vicente e Eva Faleiros (2001) mostram que predomina no Brasil uma concepção essencialmente jurídico- policial de resolubilidade da violência social. De acordo com os autores, Trata-se de uma concepção da resolubilidade limitada à punição do abusador, ao atendimento emergencial, e no máximo à reparação de danos provocados pelo abuso, ao tratamento psicoterápico, a medidas protetivas limitadas ao afastamento da vítima do convívio com o abusador. A concepção da resolubilidade limitada à punição sem atendimento ao abusador significa muitas vezes sua revitimização, pois não raras vezes trata-se de um vitimizado sexualmente na infância ou adolescência, com uma história de vida de vitimizações psicológicas, sociais, econômicas. Grande parte do atendimento dado a crianças e adolescentes baseia-se numa concepção clínica, focalizada na vítima. Verifica-se, no entanto, que a não inclusão de outros atores e instituições (abusadores e protetores) implicados, ou a serem implicados na situação, vem dificultando ou impedindo que a questão seja compreendida e enfrentada em toda a sua complexidade. Mais do que uma concepção de atendimento apenas terapêutico, entende-se que a intervenção nas situações de abuso sexual familiar e extrafamiliar deve ser psicossocial, econômica e cultural. Os objetivos do atendimento são, além do atendimento emergencial e da redução dos danos sofridos pelas pessoas envolvidas na situação, a mudança das condições objetivas, culturais e subjetivas que geram, mantêm ou facilitam a dinâmica e a ameaça abusivas. Nesse sentido, as ações de atendimento e a defesa de direitos devem possibilitar uma mudança de trajetória de vida dos sujeitos, uma mudanças das condições objetivas e subjetivas que facilitaram ou geraram o abuso sexual, o que implica acesso a todos os direitos garantidos no ECA e as políticas sociais de saúde, educação, trabalho,renda, assistência a todas as pessoas envolvidas na situação de violência sexual notificada, uma mudança nos comportamentos permissivos e abusivos, prevenindo-se e evitando a reincidência. Essa concepção ampliada de atendimento e de defesa de direitos se constitui em importante política de prevenção e de controle de reincidência. Esta mudança de paradigma envolve o trabalho em redes sociais (p.24- 25).179 179 As Ciências Sociais vem desenvolvendo ao longo dos últimos anos uma série de estudo sobre as redes sociais (Marques, 1999; Marteleto, 2001; Ude,2002;Martin & Fontes,2004). De acordo com Marteleto, O estudo das redes coloca assim em evidência um dado da realidade social contemporânea que ainda está sendo pouco explorado, ou seja, de que os indivíduos, dotados de recursos e capacidade propositivas, organizam suas ações nos próprios espaços políticos em funções de socializações e mobilizações suscitadas pelo próprio desenvolvimento das redes. Mesmo nascendo em uma esfera informal de relações sociais, os 235 Essas questões são válidas para todas as formas de violência contra crianças e adolescentes e certamente estão presentes nos mais diversos estados brasileiros, tendo uma maior contundência nos estados do norte e do nordeste do nosso país. Gostaria de comentar mais uma contribuição de Vicente e Eva Faleiros (2001) para a questão do abuso sexual contra crianças e adolescentes: os fluxos de enfrentamento. Esses fluxos seriam em número de três, a saber: o fluxo da defesa de direitos, o fluxo da responsabilização e o fluxo de atendimento. O fluxo de Defesa dos Direitos é composto pelos Conselhos Tutelares, Varas de Infância e da Juventude, Ministério Público, Defensoria Publica e Centros de Defesa, tendo como funções defender e garantir os direitos de todos os envolvidos em situações de abuso sexual notificadas, protegendo-os de violações de seus direitos. O fluxo de atendimento é composto pelas instituições executoras de políticas sociais (saúde, educação, assistência, trabalho, cultura, lazer, profissionalização) e de serviços e programas de proteção especial, como também por ONGs que também atuam nestas áreas. As funções das instituições que participam deste fluxo são oferecer acesso a direitos e políticas sociais e de proteção, prestar serviços, cuidar e proteger. efeitos das redes podem ser percebidos fora de seu espaço, nas interações com o Estado, a sociedade ou outras instituições representativas (2001:72). Os sociólogos Paulo Henrique Martins e Breno Fortes (2004) elaboraram uma tipologia das redes sociais que nos será muito útil para nossa discussão sobre redes sociais e políticas públicas. Os tipos de redes são: 1) Rede sócio-técnica – Constitui um tipo de rede instituída no interior de sistemas organizacionais altamente regulamentados, públicos ou privados, que tem como objetivo responder à necessidade de planejamento de ações intersetoriais complexas. Esse tipo de rede surge por uma necessidade de melhor articular as políticas públicas, sobretudo a partir do setor estatal, com o propósito de atender as demandas sociais mais complexas que exigem intersetorialidade e interdisciplinaridade; 2) Rede sócio-institucional – Constitui um tipo de rede instituída em sistemas organizacionais de regulamentação mediana, com o objetivo de responder a demandas e conflitos verticais surgidos de baixo para cima, como também horizontais entre agências governamentais e não-governamentais. Envolve diferentes instituições formais (governamentais e não-governamentais), com o propósito de criar condições para a efetuação das políticas públicas. Essa rede se localiza na fronteira entre os setores governamentais e não-governamentais. A formação de um espaço público para a participação da sociedade civil foi uma decorrência do processo de redemocratização do Brasil ocorrido no final dos anos 80. Uma revitalização da sociedade civil, caracterizada pelo aumento do associativismo e pela emergência de novos movimentos sociais, fez com que uma questão marcante nos anos 90 fosse a possível atuação conjunto entre Estado e Sociedade Civil na execução de políticas públicas (Dagnino, 2002). Além disso, a reorganização da sociedade civil ocorreu através da multiplicação de entidades marcadas pela autonomia e até mesmo pela oposição em relação ao Estado. Com a modernização da sociedade e a mudança nas políticas sociais governamentais, surgem novas organizações que buscaram desenvolver parcerias com o Estado. Ruth Bittencourt assim explica esse processo: A intervenção do Estado no campo das políticas sociais, em especial na Nova República, introduz mudanças no plano institucional, nas estratégias adotadas, na expansão das políticas e formas de relação com os movimentos populares, quando o Estado busca intencionalmente a parceria para a ampliação da rede de serviços. É o momento em que as ONGs começam a ganhar visibilidade. E a complexidade operacional daí advinda as transforma em organizações de médio e grande porte, demandando estrutura administrativa e, conseqüentemente, procedimentos burocráticos. Os pequenos grupos dinâmicos transformam-se em prestadoras de serviços, movimentando grandes somas de recursos, ganhando perfil e aparência de instituição pública de prestação de serviços (2003:76). 236 O fluxo de responsabilização é composto pelas delegacias (incluindo as especializadas de proteção à criança e ao adolescente e da mulher), Instituto Médico Legal, Varas Criminais, Vara da Infância e da Juventude. As funções dessas instituições são responsabilizar judicialmente ou autores de violações de direitos, protegerem a sociedade, fazer valer a lei. Um aspecto crucial nesta rede é justamente a porta de entrada nos fluxos. De acordo com a pesquisa dos Faleiros, é preciso distinguir dois fatos e dois momentos no desvelamento do abuso sexual, o que determina formas diferenciadas de portas de entrada da notificação. Em um primeiro momento, a revelação é privada, quando a vítima ou outra pessoa que sabe ou suspeita do abuso resolve conta o que ocorre a alguém considerado capaz de ajudar a resolver a situação. O circuito pode ser interrompido ou não. Se não o for, inicia-se uma segunda etapa – a da revelação pública da situação, que se concretiza no relato e registro da queixa em qualquer instituição, seja governamental ou não. Temos então as portas de entrada da queixa não notificada, que são os serviços de saúde, escolas, disque-denúncia, etc. neste momento, mais uma vez o fluxo pode ou não ser interrompido. Se mais uma vez não houver interrupção, o fluxo entra na etapa da notificação e inicia-se o processo público de resolubilidade. As portas de entrada de notificação da queixa são os Conselhos Tutelares, a Vara da Infância e da Juventude e as Delegacias de Polícia. Em resumo: há dois tipos de portas de entrada, com diferentes funções. As portas de entrada da queixa não notificada, que recebem a revelação pública da situação de abuso sexual. Sua principal função é ouvir a queixa, fazer o acolhimento dos denunciantes, apoiá-los e encaminhá-los, obrigatoriamente e imediatamente, para uma porta de entrada de notificação. As portas de entrada de notificação de queixa têm por funções, além do registro oficial, defender direitos, tomar testemunhos, investigar a queixa, oferecer a denúncia ou não ao judiciário, etc. O esquema abaixo mostra esse fluxo: FLUXO DA NOTIFICAÇÃO OBRIGATÓRIA Unidades de Saúde Creches Abrigos escolas Hospitais 237 Legendas: DPCA = Delegacia de Proteção à criança e ao Adolescente MP= Ministério Público SIPIA= Sistema de Informação para a Infância e Adolescência180 Figura 3.1: Fluxo da notificação obrigatória Entrevistador: essas questões dizem respeito a políticas públicas, dependendo da capacidade de articulação de vários órgãos governamentais e instituições não-governamentais. Neste contexto, qual seria o papel do psicólogo? Docente: antes de responder essa questão, gostaria de voltar ao problema da porta de entrada no sistema de proteção, abordando o papel estratégico de dois setores bastante presentes no cotidiano da população brasileira, embora com uma acessibilidade muito aquém do que é necessário: a saúde e a educação. É preciso lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que “os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade” (Art.13). Identifica também o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, como responsáveis por comunicar à autoridade competente os casos que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente (Art.245). O Ministério da Educação (2004), juntamente com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, publicou um Guia Escolar com 180 O Sistema de Informação para a Infância e Adolescência é sistema de registro e tratamento de informação com abrangência nacional, criado para subsidiar a adoção de decisões governamentais nas políticas para crianças e adolescentes, garantindo-lhes acesso à cidadania. Banco de Dados SIPIA Conselho Tutelar MP DPCA 238 métodos para identificação de sinais de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, elaborado com o objetivo de aperfeiçoar a habilidade de professores e profissionais da educação, em todo o país, para lidar com problemas de abuso e exploração sexuais de crianças e adolescentes. O Guia é interessante, contendo inclusive uma indicação de filmografia, com alguns comentados. Há também, na segunda edição de 2004, a descrição de duas experiências de implantação: a de Goiânia e a de Belém. A experiência de Goiânia contou com a parceria do Centro de Estudos, Pesquisa e extensão Aldeia Juvenil (CEPAJ) da Universidade Católica de Goiás. O objetivo de contribuir para uma ação propositiva da escola diante da constatação de violência contra alunos e alunos, compreendendo o caráter político e social desta violência, muitas vezes compreendida apenas como uma questão de cunho privado. A elaboração do Guia expressa o desejo de inserir, de modo efetivo, a escola na rede de proteção à infância e à adolescência como forma de garantir a defesa dos direitos de alunos e alunas em situação de vulnerabilidade provocada por situações de violência. O Ministério da Saúde (2002), por sua vez, elaborou um manual de notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes pelos profissionais de saúde, organizado em quatro partes, a saber: 1) definição de maus-tratos, situando-os no campo da violência social brasileira e como o setor saúde a considera; 2)definição do conceito de notificação e sua importância para a sociedade e para a saúde de crianças e adolescentes; 3) informações sobre o funcionamento e as dificuldades dos conselhos tutelares e das Redes Sociais de apoio; 4) uma proposta de notificação de maus-tratos. Alguns tópicos do manual merecem ser citados: • A relação entre a rede municipal de saúde e os Conselhos Tutelares ainda está sendo construída; • A falta de retorno dos desdobramentos dos casos reflete a falta de integração entre os dois setores; • A insuficiência das políticas públicas de atendimento às vítimas de maus reforça a idéia de que os Conselhos Tutelares não resolvem os casos denunciados, prejudica a sua credibilidade ; • Diante dos fatos acima mencionados, sugere-se: 1) realização contínua de debates e discussão sobre o tema; 2) uma maior integração entre profissionais de saúde e conselheiros tutelares; 3) sensibilização e capacitação permanente dos profissionais de saúde para notificação dos casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos ao Conselho Tutelar; 4) capacitação dos profissionais dos conselhos tutelares; 5) criação de centros de referência de saúde para o atendimento dos casos de maus- tratos de maior complexidade; 6) criação de estratégias para o atendimento 239 específico dos principais problemas relacionados à violência contra a criança e o adolescente. Comentei esses dois manuais para começar a responder sua questão sobre o papel do psicólogo. É possível perceber como é necessário que o Sistema de Garantias de Direito (cuja principal porta de entrada ainda é o Conselho Tutelar) esteja integrado com os sistemas de saúde e educação. Os psicólogos atuam nestes setores e podem contribuir muito para essa integração. Entrevistador: de que forma? Docente: os psicólogos podem construir instrumentos de avaliação para se ter uma melhor compreensão do impacto, por exemplo, das propostas contidas nestes manuais. Aliás, o conhecimento dos profissionais de educação e de saúde destes manuais pode ser um tema de investigação para os psicólogos. Aqui aparece a importância de um curso de Psicologia universitário, onde se faça pesquisa e extensão – além do ensino. Em outras palavras, no enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes, este é um ponto importantíssimo da minha reflexão, não é apenas o psicólogo que atua nos sistemas diretamente envolvidos que desempenha um papel importante; o psicólogo acadêmico, professor e pesquisador, poderá desempenhar um papel decisivo neste processo produzindo pesquisas sobre avaliação de impacto de políticas públicas de enfrentamento da violência, bem como desenvolver programas de pesquisas que possam produzir novas tecnologias e conceitos teóricos capazes de melhor lidarem com o sofrimento e a injustiça. Isso me leva a ter que discutir, especificamente, o papel que a UESPI precisa desempenhar para empreender o projeto de modernização da Psicologia Teresinense. Voltando ao exemplo dos manuais, o que nos impede de construir manuais que possam ser mais condizentes com nossa realidade? É inaceitável quem em tempos de Internet ainda tenhamos na Psicologia teresinense um modelo de ensino do século XIX(os dois manuais citados são praticamente desconhecidos entre professores e alunos das três instituições de ensino de Psicologia aqui de Teresina). Um outro aspecto que gostaria de comentar é o papel dos serviços-escola de Psicologia. 181 No Brasil, algumas questões gerais se apresentam para os Serviços-Escola e podemos definir as três mais importantes, como apresentadas no quadro 3.2. Não quero me aprofundar em discutir em detalhes o quadro, mas creio ser indispensável pontuar o seguinte: I. Duplo objetivo dos serviços-Escola: a formação dos estagiários e o atendimento da população. O desafio aqui, antes de tudo, é manter o equilíbrio entre esses objetivos, o que 181 A literatura sobre os serviços-escola de Psicologia aumentou consideravelmente nestes últimos anos (Yehia, 1996; Silvares, 1996; Herzberg, 1996; Advíncula e Gomes, 1997; Oliveira, 1999; Silvares, 2000; Enéas, Faleiros e Andrade e Sá, 2000; Silva, Vicente e Pucci, 2003; Ferreira, 2003; Peres, Santos e Coelho, 2003; Romaro e Capitão, 2003; Perfeito e Melo, 2004; Yehia, 2004; Schmidt, 2004; Melo e Perfeito, 2006; Ferreira, 2005; Melo-Silva, Santos e Simon, 2005; Santos, Simon e Melo-Silva, 2005; Silvares, 2006; Ramos, Silva e Souza, 2006). 240 normalmente não acontece, pois se prioriza a formação dos estagiários – muitas vezes em detrimento dos interesses e necessidades da população. Além disso, em relação à formação dos estagiários (1), ocorrem as seguintes dificuldades: a)articulação entre teoria e prática, principalmente em função do modelo que concentra toda a prática exclusivamente no último período do curso.Além disso, a prática não é confrontada com a teoria a partir de uma reflexão teórica na forma de uma produção acadêmica mais consistente do que o relatório de estágio; b) situação diversificada de práticas: os estágios devem garantir um treinamento abrangente no que diz respeito aos níveis de intervenção (prevenção, tratamento, reabilitação), ciclo vital (crianças, adolescentes, adultos e idosos), demandas e abrangência (comunidade, família e individuo); no que diz respeito ao atendimento da população (2), duas questões merecem ser discutidas: a)acessibilidade – embora a discussão sobre acessibilidade seja significativa na área da saúde (Unglert, Rosenburg e Junqueira, 1987; Travassos e Martins, 2004; Ferreira, 2004; Lora, 2004, Martins, 2006) ela praticamente inexiste na literatura produzida a respeito dos Serviços-Escola de Psicologia. A acessibilidade inicialmente foi definida como uma questão geográfica (acesso físico), mas os estudos sobre o tema recentemente acrescentaram as dimensões social, cultural, econômica e psicológica (Araújo, 2002; Person, 2006); b)resolubilidade182: esta questão ainda não foi proposta para os Serviços-Escola, talvez em função da pouca ênfase dada à prestação de serviços e aos interesses dos usuários, embora eu precise reconhecer que a discussão no campo da saúde ainda é incipiente e não tem avançado muito em relação ao final do século passado (Madureira, Capitani e Campos,1989 ;Lemme, Noronha e Resende, 1991 Halal et alli, 1994; Gentil, Leal e Scarpi, 2003; Alvarenga, 2005).Predomina no campo de estudo sobre os serviços- Escola uma preocupação em entender os altos índices de abandono de Psicoterapia (Lhullier, Nunes e Horta, 2006). II. Integração dos Serviços-Escola aos Sistemas de Saúde Municipais: a municipalização dos serviços de Saúde é uma conseqüência da aplicação do princípio da descentralização que orienta o SUS. Os Serviços-Escola de Psicologia tradicionalmente não possuíam vínculos com os sistemas locais de atenção, apesar de algumas experiências interessantes em alguns municípios brasileiros. O desafio é a inserção dos Serviços-Escola no Sistema local de Saúde e a definição da especificidade dos Serviços em consonância com as necessidades do Sistema. Isso implica em discutir referência e contra-referência em relações a outras instituições do sistema de saúde.Além do mais, o tema da territorialização da assistência da Saúde (Fortuna, 2003; Lucchese, 2003; Torres e Marques, 2004; Monken e Barcellos, 2005) 182 A expressão resolutividade também aparece na literatura e não há diferenças significativas entre os dois termos, que são utilizados para designar a capacidade de resolução de um problema. 241 ainda não foi incluído na definição das estratégias dos Serviços-Escola. É bom lembrar que essa questão não é abstrata: alguns serviços-escola realizaram convênios com o SUS, mas não há estudos sobre como se desenvolveu essa vinculação. 183 III.Integração Ensino-Pesquisa-Extensão: um outro grande desafio para os Serviços- Escola é integrar o ensino prático aos estagiários não somente à prestação de serviço à comunidade, mas também à produção de conhecimento a partir da experiência local. Para que isso possa ocorrer uma condição necessária é o desenvolvimento de programas informacionais de gerenciamento de Serviços-Escola (Herzberg, 2006) e de metodologias específicas para a compreensão dos serviços, das práticas, dos usuários da referência e contra-referência, da acessibilidade e resolutividade dos serviços. Duplo objetivo dos Serviços-Escola: Formação de Estagiários; Atendimento à população. Integração dos Serviços-Escola aos Sistemas de Saúde Municipais: inserção e definição da especificidade dos Serviços-Escola Integração ensino-pesquisa - Extensão nos Serviços-Escola: produção de Conhecimento e atendimento da população Desafios: 1. Formação de estagiário: Articulação entre teoria e prática; Situações diversificadas de prática; 2. Atendimento à população Acessibilidade; Resolubilidade. Desafios: 1. Inserção: Integração Serviço-Escola e SUS; Referência e Contra-Referência; 2. Definição da especificidade dos Serviços- Escola: Territorialização; Definição dos serviços, com prioridade para Plantão Psicológico, Pronto Atendimento e Acolhimento; Clínica ampliada; Vigilância em saúde mental Desafios: Informatização dos Serviços- Escola; Produção de conhecimento a partir das práticas de atendimento em Serviços-Escola. Quadro 3.2: Principais questões dos Serviços-Escola de Psicologia 183 Um exemplo é a Clínica Psicológica da Pontifícia Universidade Católica de Campinas que assinou convênio com o SUS em 1989 (renovado em 2000), passando a integrar o Projeto Paidéia de Saúde da Família e desenvolvendo estratégias de clínica ampliada (Cury e Prebianchi, 2005; Oliveira, Barboza e Teixeira, 2005). 242 Nível/ Modalidade de Intervenção Setor Instituição Campo da Psicologia Integração Atuação/Formação Atividades Necessárias Básico/prevenção Educação Escolas Psicologia Escolar Existem estágios neste campo. O desafio é a inserção dos psicólogos nos sistemas públicos brasileiros de ensino. Promoção de uma cultura de Paz; Promoção da cidadania; Educação corporal, incluindo a sexualidade. Básico/prevenção Proteção Social CRAS Psicologia Comunitária ; Psicologia Social da Saúde Os estágios são uma possibilidade; não há experiência e tampouco modelos. O desafio é capacitar os profissionais que atuam neste serviço e construir um modelo de docência assistencial semelhante ao que existe no campo da saúde. Trabalho de desenvolvimento comunitário; Visita domiciliar, Economia solidária e fortalecimento de vínculos entre a comunidade e suas crianças e adolescentes. Básico/prevenção Saúde Unidade da Estratégia de Saúde da Família Psicologia Social da Saúde Existem estágios neste campo. O grande desafio é conseguir a inserção qualificada de psicólogos nas estratégias de saúde da família. Trabalho de desenvolvimento comunitário; Fortalecimento de vínculos entre a comunidade e suas crianças e adolescentes Básico/enfrentamento Segurança Delegacia de Proteção à criança e ao adolescente Psicologia Jurídica. Há experiências de estágio; o trabalho do psicólogo é restrito. Acolhimento às crianças e adolescentes; participação em entrevistas com crianças e adolescentes; Avaliação psicológica 243 Básico/enfrentamento Sistema de Garantia de Direitos Conselhos Tutelares Psicologia Jurídica. O trabalho do psicólogo e as atividades de estágio somente podem ocorrer na forma de assessoria. Duas possibilidades: atuação dos psicólogos lotados nos CRAS ou trabalho de extensão de psicólogos vinculados a instituições de ensino superior. Acolhimento às crianças e adolescentes; participação em entrevistas com crianças e adolescentes. Especializado/tratamen to Proteção Social Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS (Programa Sentinela) Psicologia Clínica; Psicologia Jurídica. Os psicólogos ocupam vagas na instituição; a experiência de estágio é inexpressiva. Acolhimento às crianças e adolescentes; participação em entrevistas com crianças e adolescentes; Psicoterapia. Especializado/tratamen to saúde Hospitais Psicologia clínica; Psicologia hospitalar Psicólogos desenvolvem trabalho e há experiência de estágio, porém sem articulação. Acolhimento às crianças e adolescentes; participação em entrevistas com crianças e adolescentes; Psicoterapia. Múltiplo múltipla Serviços- escola Várias áreas. Atuação de docentes supervisores e técnicos; estágio como principal atividade. Acolhimento às crianças e adolescentes; participação em entrevistas com crianças e adolescentes; Psicoterapia Quadro 3.3: a rede de enfrentamento da violência contra criança e adolescentes e a Psicologia 244 §Segundo: o papel do curso de Psicologia da UESPI na construção de uma Psicologia com compromisso social na cidade de Teresina Docente: voltando a questão da realidade piauiense, devo dizer considero que o curso de Psicologia da UESPI é o único em Teresina que poderia assumir um compromisso de formar psicólogos capazes de se engajarem, com comprometimento e competência técnica, no enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes dentro de um modelo de integração de saberes e formação de rede que descrevi no quadro 3. a questão aqui é se haverá comprometimento da UESPI como instituição com um projeto de construção de um curso de Psicologia capaz de fornecer uma formação com qualidade e compromisso com a transformação da realidade piauiense. Entrevistador: tenho algumas questões: por que o curso da UESPI pode desempenhar esse papel e que direito alguém que não pertence à instituição (como é o seu caso) tem de dizer qual deve ser o papel que ela precisa desempenhar? Docente: o curso de Psicologia da UESPI tem as seguintes características: 1) é um curso público; 2) é um curso universitário. O que significa isso? Uma compreensão da educação como um bem público concomitantemente a uma valorização da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Infelizmente, a UESPI é uma universidade apenas no nome, pois não desenvolve a pesquisa, o ensino e a extensão. 184 Apesar disso, o curso de Psicologia da UESPI é o único em Teresina com o potencial de desenvolver um modelo de formação do psicólogo integrando a tríade pesquisa-ensino-extensão a um projeto de desenvolvimento humano emancipatório, o que é essencial para o engajamento real dos psicólogos teresinenses nas políticas e estratégias de enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. Entrevistador: o problema do curso de Psicologia da UESPI é focado na relação ensino-pesquisa-extensão? Docente: essa pergunta é ao mesmo fácil e difícil de responder. Fácil é dizer que não,que há outros problemas; difícil é definir e sistematizar a problemática que explicitaria os entraves do curso de Psicologia-UESPI.Creio,contudo, que posso esboçar essa sistematização. Uma declaração da psicóloga Magda Dimenstein (1998a), primeira coordenadora do referido curso, na sua tese de doutorado pode nos ajudar: 184 Para uma discussão sobre universidade, ver Santos (2005). 245 Já nessa instituição de ensino superior [UESPI], as mudanças implementadas na grade curricular do curso de psicologia, a ênfase em uma formação generalista e contextualizada, voltada para as características e problemas da região, bem como as diferentes possibilidades de estágio supervisionado, tudo isso pode ser atribuído às discussões advindas como trabalho de tese. Mas isso é apenas o começo, há muito o que ser(sic) feito não só em relação aos profissionais de psicologia, mas também nas instituições de saúde onde estão inseridos.A universidade,por sua vez, não pode se ausentar da responsabilidade que tem atualmente de reconstruir os modelos tradicionais de atuação, assim como de discutir questões vivenciadas internamente mas que contribuem para a conformação de modelos identificatórios difíceis de serem transformados. Enquanto Coordenadora do curso de Psicologia da UESPI tenho tido oportunidade de deparar-me com a desmotivação e o descompromisso dos professores com o ensino, sentimentos que afetam igualmente os profissionais na saúde. E além disso, com o fato de serem indesejados nos outros departamentos onde lecionam em função das dificuldades de relacionamento com outros pares e com outras categorias profissionais. Sente-se, então, a falta de interesse em promover uma formação de qualidade e a continuidade de ações que inevitavelmente dificultam as mudanças. Além de trabalhar essas questões ligadas à corporação, precisamos também avançar no conhecimento técnico. É importante investir em mais pesquisas e estudos a fim de construir instrumentos adequados aos serviços de psicologia, pois implementar modelos de avaliação padronizados e previamente definidos, deixando de contemplar as especificidades de cada serviço,população usuária e profissionais,só vai proporcionar informações pouco úteis.E avaliar só para constatar uma realidade tem suas limitações. Os dados são úteis quando se convertem em informações que o diagnóstico de uma situação e a orientação da ação, trazendo assim a possibilidade de transformação e melhoria do que é produzido num serviço. Daí ser imprescindível a parceria entre a universidade e as instituições de saúde. dentro desse panorama, a formação acadêmica ocupa um espaço importante na medida em que uma “cultura avaliadora” só será construída a partir da participação de professores e alunos num projeto acadêmico voltado para o compromisso ético e social. Acredito que é preciso investir num perfil profissional crítico e reflexivo, capaz de contextualizar os problemas e avaliar suas práticas, bem como com habilidades para empreender um trabalho conjunto com outros profissionais. Esse modelo precisa ser construído dentro da academia, ou seja, é preciso fomentar essa idéia no cotidiano dos alunos, concretizá-la no próprio funcionamento do curso. (pp.315-316). Docente: devo acrescentar que as proposições referentes ao campo da Saúde no texto de Dimenstein são pertinentes para a nossa perspectiva intersetorial de enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. Outra questão que apontaríamos é que mais do que “reconstruir os modelos tradicionais de atuação”, cabe a universidade desconstruí-los. A tese de Dimenstein deveria ser leitura obrigatória nos cursos de Psicologia de Teresina, especialmente no curso da UESPI. Sua proposta de criar uma cultura de avaliação ainda representa uma necessidade e um desafio que a academia precisa enfrentar. Antes, creio ser necessário fazer um breve relato do desenvolvimento do curso de Psicologia da UESPI para apontar o que de fato ocorreu com aquele curso após a saída da professora Dimenstein e quais foram os motivos que fizeram com que ele não conseguisse realizar a missão de ser um agente de transformação da Psicologia em Teresina. Em 2000, um novo projeto pedagógico, e conseqüentemente um novo currículo, é implantado no curso de Psicologia-UESPI. Eurípedes Soares Filho, José Joaquim 246 Oliveira Monte e Celina Santiago Monte (2000) assinam o livro Psicologia – Novos Rumos, que descreve o novo projeto pedagógico do curso. A única psicóloga desta comissão é a professora Celina, vinculado à Universidade Federal do Paraná. Apesar das falhas que este projeto possui (visão reducionista dos saberes e práticas psicológicas e redução do papel do psicólogo ao lugar de apoio do médico), creio ser interessante recuperar alguns elementos de sua proposta que nunca foram efetivamente implementados e que foram completamente ignorados pela comissão que produziu o novo projeto pedagógico do curso que será efetivado a partir do primeiro semestre de 2007. A professora Celina Monte (Soares Filho, Monte e Monte, 2000) escreveu seguinte na introdução do projeto: Não consigo entender o Ensino de Psicologia fora da educação para a saúde (mesmo em seus aspectos escolares e organizacionais, a psicologia centraliza seus cuidados na promoção da saúde mental do homem em suas várias áreas de atuação e em seus vários grupos sociais, tais como família, escola, empresa, comunidade e outros). (...) E foi, exatamente a experiência da FACIME (em trazer para a grade curricular dos cursos da área de saúde disciplinas tais como Bioética, Acompanhamento Tutorial do Acadêmico, Introdução ao manejo do paciente, Saúde Pública, Educação para a Saúde, Planejamento e Administração em Saúde, Evolução do Pensamento da Prática Médica e outras), que nos inspirou em fazer o mesmo com o curso de Psicologia. A psicologia deve, realmente vincular-se aos dispositivos e mecanismos de ensino, pesquisa e extensão das áreas comuns ao seu exercício como Ciência e Profissão. Somos uma unidade integrada a um sistema maior de educação para a saúde (...) (p.V.). Integração Social: o estudante de Psicologia deverá ser: Prestador de serviço à comunidade; Agente promotor de saúde. Constante processo de recriação curricular: Evitar o enrijecimento curricular; Atendimento de novas demandas da comunidade; Incorporação de novos saberes e técnicas Educação: Informativa; Operativa e produtiva; Crítica e dinâmica; Formativa; Estético-moral Quadro 3.4: Propósitos do Curso de Psicologia da Facime-UESPI Um rápido comentário sobre os propósitos: A integração social, o constante processo de recriação curricular e os princípios da educação apresentados têm um grande problema: nunca foram implantados de modo efetivo por falta de competência e compromisso do corpo docente; mas sobre o corpo docente, outras questões também podem ser discutidas – o que eu ainda farei. 247 Princípios educacionais do Curso de Psicologia da Facime-UESPI • Articulações escola-serviço-comunidade e ensino-pesquisa-assistência • Trabalho em equipe com ação multiprofissional • Ensino e pesquisa orientados pelos e/ou para os problemas prioritários de saúde da população • formação orientada para a integralidade da atenção à Saúde • Integração dos conhecimentos das disciplinas básicas e clínicas • Inserção precoce do aluno em ações comunitárias e nos serviços de saúde • Adoção de uma metodologia de ensino baseada em situações concretas a serem resolvidas • Acompanhamento Tutorial dos processos de crescimento pessoal, de desenvolvimento acadêmico e de aperfeiçoamento profissional, na formação do futuro psicólogo • Predomínio de estudos teóricos e aulas práticas • Uso de tecnologia apropriada • Educação permanente como compromisso da UESPI Quadro 3.5: Princípios educacionais do Curso de Psicologia da Facime-UESPI Embora ocorra uma certa confusão em relação a alguns princípios, gostaria de ressaltar que esses princípios foram descartados no novo projeto, que não apresentou nenhuma proposta pedagógica clara em relação aos princípios educacionais. Na verdade, o projeto pedagógico- 2000, sem esclarecer muito – diferencia princípios educacionais e princípios pedagógicos. Estes estão apresentados no quadro 3.6: Princípios Pedagógicos do Curso de Psicologia da Facime-UESPI • Objetivo centrado na comunidade: o aprendizado é orientado para a comunidade e baseado em sua problemática • Processo centrado no aluno: o ato pedagógico é centrado no aluno, sujeito de sua aprendizagem. • Relação centrada no vínculo: a interação professor-aluno e aluno-aluno • Aprendizado centrado na prática: processos participativos de construção do conhecimento; aprender a aprender. • Atitude centrada na co-responsabilidade: professores e alunos construindo uma universidade pública e democrática Quadro 3.6: Princípios Pedagógicos do Curso de Psicologia da Facime-UESPI Novos Rumos 248 O perfil do psicólogo que o projeto-2000 apresentou foi fundamentado em: 1) proposta educacional da UESPI; 2) a proposta assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Programa da Saúde da Família; 3) as demandas e características das condições de saúde mental do Estado do Piauí; 4)os dados sobre a formação, existência e utilização dos psicólogos. Uma das principais características do projeto é o Acompanhamento Tutorial do Acadêmico de Psicologia. A síntese que o define no projeto 2000 é a seguinte: Compreende o acompanhamento da evolução global (crescimento pessoal e o desenvolvimento profissional) do aluno do Curso de Bacharelado em Psicologia da FACIME/UESPI, realizado através de reuniões de 2(duas) horas semanas em 8 (oito) módulos semestrais (durante os 4 anos do curso) e apoiado em processos de investigação cooperativa (identificação, análise e resolução de problemas em pequenos Grupos Tutoriais). Estes agrupamentos animados por tutores, aos quais se atribui à identificação de necessidades e possibilidades, bem como a construção de respostas aos problemas interpostos que constituem o dia-a-dia da vida acadêmica, são significativamente importantes para uma aprendizagem que (1) pretende a participação intensiva e a iniciativa do estudante; (2) possibilita a expressão individual e de pontos de vista e a reorientação crítica em face das posições dos demais integrantes do grupo; (3) proporciona o empenho da responsabilidade individual na realização de uma tarefa comum, convertendo-a em responsabilidade coletiva; (4) proporciona oportunidades de desenvolvimento social (intercâmbio e cooperação) e da capacidade decisória; logo após o vestibular, os alunos aprovados serão aleatoriamente distribuídos em grupos, com um membro do corpo docente indicado como Tutor (um professor que foi especialmente treinado para coordenar o processo Tutorial) e que deverá acompanhá-los até a colação de grau; As atividades se desenvolverão através de estudos teóricos, sessões de tutoria, seminários, visitas, palestras e discussões em grupo com auxílio de recursos audiovisuais e outros processos a serem combinados durante o processo. O acompanhamento tutorial acabou se transformando em uma disciplina em que os professores ministravam conteúdos de suas disciplinas regulares cujos conteúdos programáticos, em função da carga horária reduzida, não eram vistos integralmente. Pessoalmente, acho a idéia da tutorial muito interessante. Em 2006, um novo projeto pedagógico é elaborado para o curso de Psicologia da Facime. O projeto foi concebido para atender às Diretrizes Curriculares de Psicologia e também para sanar algumas deficiências diagnósticas pela Comissão de Avaliação do curso que já mencionamos. O projeto segue um modelo padrão configurado pelas Diretrizes, mas tem algumas especificidades que eu gostaria de comentar. A elaboração ficou a cargo dos professores 249 Maria Zilda Linhares, Perísson Nascimento e Thais Kampf, coordenadora do curso à época. O curso possui uma ênfase curricular (as Diretrizes exigem pelo menos duas): Psicologia e Processos de Promoção de Saúde – Social Comunitária. Apesar disso, o curso tem um perfil predominantemente clínico. Vejamos o quadro de disciplinas que podem ser específicas da ênfase de promoção da saúde (o que o projeto não explicita) comparado com disciplinas clínicas: Disciplinas de Psicologia da saúde social comunitária Disciplinas de Psicologia Clínica Estágio básico III: Eixo – Políticas Públicas e Saúde Mental (projeto de extensão); Psicologia Social Comunitária; Estágio Básico IV: Eixo – Educação em Saúde; Psicologia da Saúde e Hospitalar; Estágio básico V: Eixo: Psicologia da Saúde (projetos de extensão); Estágio Supervisionado em Psicologia Social Comunitária; Estágio supervisionado em Psicologia da Saúde e Hospitalar. Psicopatologia Geral I Psicopatologia Geral II Psicodiagnóstico Teorias e Técnicas Psicoterápicas I: Psicanálise ; Teorias e Técnicas Psicoterápicas II: Humanistas Existenciais; Teorias e Técnicas Psicoterápicas III: Cognitivo- comportamentais; Teorias e Técnicas Psicoterápicas IV: abordagens psicossomáticas; Estágio Supervisionado em Psicologia Clínica I; Estágio Supervisionado em Psicologia Clínica II. Quadro 3.7: Quadro comparativo de disciplinas específicas de Psicologia Social Comunitária e Psicologia Clínica Como pode ser visto, apesar de ser a ênfase do curso, a Promoção da Saúde Social Comunitária se estrutura em torno de uma disciplina de Psicologia Social Comunitária (sem ênfase em Promoção da Saúde), em três disciplinas de estágio básico e em uma disciplina de estágio profissionalizante (tanto a disciplina como o estágio de Psicologia da Saúde e Hospitalar não são específicos da promoção da saúde),ou seja, em atividades práticas sem um suporte teórico adequado. Podemos notar também que a área clínica possui não somente mais disciplinas específicas, como também possui quadro disciplinas que tentam contemplar todas as teorias e técnicas da Psicoterapia, o que equivale a aproximadamente oitenta por cento do total de disciplinas específicas do campo que é a ênfase curricular. Não há nenhuma disciplina de promoção da saúde. Se observarmos também a ementa da disciplina Psicologia Social Comunitária, poderemos perceber algumas dificuldades quanto ao conteúdo no que diz respeito à adequação à ênfase curricular. A ementa é: Origens históricas da Psicologia Comunitária. Pesquisa, prevenção e intervenção em problemas comunitários. Processos de violência e 250 alijamento social. Questões éticas no trabalho com comunidades. Estratégias de pesquisa-ação e pesquisa-participante. Uma das dificuldades é encontrada na bibliografia, composta exclusivamente por livros brasileiros de Psicologia Comunitária185. Não há nenhum manual ou livro texto. Nada que se compare com os livros de Maritza Montero (2003; 2005; 2006). Faltam também livros sobre pesquisa-ação ou pesquisa-participante na bibliografia. Além disso, em Teresina, faltam pessoas qualificadas para produzir textos que indaguem sobre a realidade local e também pesquisas forneçam subsídios para que se possa discutir a formação do psicólogo a partir de uma perspectiva contextualizada. Uma boa sugestão seria traduzir os livros de Maritza Montero para preencher essa lacuna na nossa literatura186. Um outro dado nos ajuda a perceber a dificuldade de coerência do novo projeto pedagógico com sua ênfase em Psicologia Comunitária – Promoção em Saúde é a concepção de Serviço-Escola presente no seu texto. Vejamos alguns trechos: O serviço-Escola de Psicologia da FACIME/UESPI deve ser desenvolvido através da Clínica-Escola, organizada tendo em vista as finalidades de ensino, pesquisa e prestação de serviços à comunidade local, preferencialmente a clientela de baixa renda, que não possui condições financeiras para o acesso aos serviços psicológicos particulares (Linhares, Nascimento e Kampf, 2006:83). Considero muito estranho um curso que tem como ênfase curricular promoção da saúde reduzir o seu Serviço de Psicologia a um modelo de clínica que funcione para oferecer um modelo de atendimento tradicional à população carente, desconsiderando suas reais necessidades e os princípios do SUS. Um outro trecho reforça nossa preocupação: As atividades da Clínica serão desenvolvidas com a participação do corpo docente e discente da instituição, que desenvolverão, além das práticas de atendimento psicológico referentes ao exercício da Psicologia Clínica, também terão a oportunidade de realizar supervisões e atendimentos nas áreas de Consultoria Organizacional, Laboratório de Avaliação Psicológica, Assessoria Psicoeducacional e atividades em grupo. Dessa forma, tem-se a intenção de tornar a Clínica um espaço privilegiado de desenvolvimento e integração das práticas dos Estágios Básicos e profissionalizantes do Curso, de forma a concentrar, em seu local de funcionamento, o suporte acadêmico necessário para a otimização do aprendizado das competências necessárias para uma formação profissional efetiva (Idem). Algumas questões preocupantes aparecem no trecho supramencionado: 1) Centralidade da Clínica? Do modo como ficou redigido, o trecho induz ao entendimento que as práticas clínicas serão centrais (ver a expressão “além das práticas de 185 Os livros brasileiros de Psicologia Comunitária são coletâneas de artigos sem muitas vezes ter claro um fio condutor. Não há um livro propedêutico que possa ser utilizado em disciplinas introdutórias em nível de graduação. 186 Os livros de Montero citados estão analisados em resenhas que constituem o Anexo VI. 251 atendimento psicológico referentes ao exercício da Psicologia clínica”), o que é incompatível com ênfase do curso; 2) Consultoria organizacional ou saúde do trabalhador? Não consigo entender como uma perspectiva de promoção da saúde privilegie o trabalho de Consultoria organizacional em detrimento do cuidado com a Saúde do Trabalhador. O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Teresina é um potencial campo de estágio e de parceria (e pertence ao Estado, da mesma forma que a UESPI...); 3) O Laboratório de Avaliação Psicológica187 previsto no Projeto não faz sentido para as estratégias de promoção da saúde e reforça os modelos tradicionais de atuação do psicólogo. Sua existência é não somente desconectada da proposta de ênfase do curso, como também se presta para um tipo de trabalho psicológico que não promove a saúde, mas a discriminação e o estigma; 4) a Clínica como um espaço privilegiado de desenvolvimento e integração das práticas dos Estágios Básicos e profissionalizantes do Curso. A concepção da clínica como um espaço privilegiado para a integração dos estágios básicos e profissionalizantes é um outro equívoco. A Psicologia Comunitária que promova a saúde deve se instalar em uma instituição organicamente vinculada a uma comunidade, tendo um território específico de abrangência e desenvolvendo estratégias de Vigilância à saúde (Franco e Bastos, 2002; Teixeira, 2002; Campos, 2003; Aerts et alli, 2004). Por fim, em relação ao projeto, temos uma velha questão que não quer calar: o pagamento dos serviços psicológicos em clínicas-escola. O projeto da FACIME assim define os motivos e a maneira como se define o valor do pagamento: O usuário pagará uma taxa simbólica, referente ao serviço prestado, tendo em vista, não somente a simbologia do investimento financeiro necessário para configurar o enquadre da relação terapeuta-cliente, mas também o levantamento de fundos que garantam a manutenção do Serviço-Escola, em termos materiais. O valor fixado será negociado entre o estagiário e o usuário, mediante contrato escrito, devidamente supervisionado pelo professor. Será 187 Assim o projeto define o propósito do laboratório: “Articulado ao Serviço-Escola, será criado o Laboratório de Avaliação Psicológica, que congregará atividades de pesquisa e intervenção, nas diferentes áreas da Psicologia – Clínica, Organizacional e Escolar – de forma a propiciar serviços supervisionados de diagnóstico psicológico por meio de testes psicométricos e projetivos, em diversas finalidades” (Linhares, Nascimento e Kampf, 2006: 87). Para uma crítica da avaliação psicológica, ver Senne (2005). Este autor nos adverte que “o psicodiagnóstico- especialista pode ser visto enquanto máquina semiótica na medida em que participa das regulações das formas de ação e costumes institucionalmente consolidadas, influenciando assimetricamente a liberdade de movimento deu outros participantes da interação, ajudando-a fundamentar sentenças jurídicas, medidas policiais, instruções pedagógicas, internamentos, modos de disciplina... E pode ser visto como máquina semiótica despótica por transformar aquilo que viria ameaçá-las em algo que as confirma, justifica e fortalece: como no célebre conto machadiano, uma vez consolidado o fato ‘loucura’, quem realmente a colocasse em dúvida corria o risco de servir como prova concreta de sua existência” (p.160). Ver também Patto (2002). 252 avaliada a renda econômica da família, tendo como parâmetro geral para o preço da sessão o valor de 1% da renda familiar, podendo variar com as especificidades do caso (Linhares, Nascimento e Kampf, 2006: 86). Este é outro trecho preocupante. Vejamos também algumas questões que precisam ser consideradas em relação a esse modelo de vínculo entre estagiário e clientela e de financiamento da Clínica-Escola: I. a simbologia do investimento financeiro necessário para configurar o enquadre da relação terapeuta-cliente: Esse é um dogma psicanalítico que precisa ser desafiado. Se levado às últimas conseqüências, seria impossível realizar um trabalho clínico em instituições públicas188. Esse modelo reproduz o formato dos consultórios particulares. Em um modelo de instituição pública, o psicólogo é um assalariado e deve lutar para ser bem remunerado através da luta política como membro de uma categoria de trabalhadores; II. O levantamento de fundos que garantam a manutenção do Serviço-Escola: é muito ilusório acreditar que uma clínica-escola possa ser mantida por parcos recursos provenientes do pagamento simbólico feito por pessoas com um reduzido poder aquisitivo. Necessário se faz pensar em outras fontes. Acredito que a melhor opção é tentar conseguir o credenciamento do Serviço junto ao Sistema Único de Saúde. Entrevistador: gostaria de encerrar a entrevista pedindo que você falasse sobre qual a alternativa que pode ser construída em relação ao modelo que foi proposto no projeto. Docente: a alternativa seria desenvolver uma política de estágio a partir dos princípios da promoção da saúde. Paulo Buss (2003) assim apresenta o conceito de promoção da saúde: (...) este termo está associado inicialmente a um ‘conjunto de valores’ : vida, saúde, solidariedade, eqüidade,democracia, cidadania, desenvolvimento, participação e parceria, entre outros. Refere-se também a uma “combinação de estratégias”: ações do Estado (políticas públicas saudáveis) da comunidade (reforço da ação comunitária), de indivíduos (desenvolvimento de habilidades pessoais), do sistema de saúde (reorientação do sistema de saúde) e de parcerias intersetoriais; isto é, trabalha com a idéia de ‘responsabilização múltipla’, seja pelos problemas, seja pelas soluções propostas para os mesmos. (...) a grande valorização do ‘conhecimento popular’ e da participação social conseqüente a este conhecimento está na base da formulação conceitual da promoção da saúde. Também encontramos uma proposta de articulação com outros movimentos sociais, com os quais têm em comum algumas das características referidas, como o movimento ecológico/ambientalista e o movimento feminista. De fato, observa-se grande coincidência entre os conceitos de promoção da saúde com o de desenvolvimento humano sustentável, agenda 21, direito à cidade e à moradia e outros, como o cooperativismo. Em todos eles com ‘fatores determinantes internos e externos’, aos respectivos campos a que centralmente se referem (desenvolvimento, ambiente, saúde, aglomerações humanas e produção coletiva de bens e serviços), o que evoca a ‘ação intersetorial’ para o enfrentamento dos problemas identificados (...). 188 Ver sobre isso o instigante livro de Ana Cristina Figueiredo (1997). 253 A saúde é mencionada como fator essencial para o desenvolvimento humano; um dos campos de ação proposto no contexto da promoção da saúde é a criação de ambientes favoráveis. O desenvolvimento sustentável coloca o ser humano como agente central do processo de defesa do meio ambiente, e tem, no aumento da expectativa de vida saudável e com qualidade, um de seus principais objetivos; a governance implica ampla participação da comunidade na definição de questões culturais da vida coletiva. Em todos esses conceitos, preconiza-se a importância da ‘equidade’, seja na distribuição da renda, seja no acesso aos bens e serviços produzidos pela sociedade (pp.16-17). É preciso mudar a agenda da Psicologia da FACIME, substituindo a clínica tradicional com seus conceitos e técnicas por uma visão mais ampla de cuidado189. Conceitos como desenvolvimento sustentável, auto-gestão, acolhimento, precisam fazer parte do vocabulário psi. Necessário se faz que o olhar do psicólogo se volte para a cidade, para os assentamentos urbanos, para o sofrimento psíquico do trabalhador e do desempregado. Uma juventude sem perspectiva, que certamente não vai procurar a clínica para fazer orientação profissional. Olhar o rio Parnaíba, o rio Poti; ver a mobilidade urbana ficar cada vez mais difícil no centro da cidade. Ler um pouco o Documento Teresina Agenda 2015: plano de Desenvolvimento Sustentável, elaborado pelo Conselho Estratégico da cidade de Teresina (2002). Posso adiantar alguns elementos deste texto. Ele está dividido em duas partes: a Teresina que temos (diagnóstico) e a Teresina que queremos (cenário, visão, estratégias e projetos). Vamos analisar especificamente questões referentes à vulnerabilidade de crianças e adolescentes e de suas famílias nas áreas de saúde: Assistência Social Diagnóstico: Insuficiência dos programas sociais quanto à cobertura do atendimento e ineficácia para propiciar mudanças mais qualitativas na vida das pessoas; Grande número de famílias em situação de vulnerabilidade econômica e social; Incidência de prostituição, uso e tráfico de drogas e violência urbana entre jovens e adolescentes; Crianças submetidas à exploração de trabalho, abuso e exploração sexual e violência doméstica, tanto na área urbana quanto rural; Inexistência de serviços de assistência social na zona rural. Objetivos, projetos e estratégias Macroobjetivos Existirá uma eficiente rede de assistência à população exposta a riscos sociais, em especial às famílias, crianças e adolescentes, com a eliminação do trabalho e da prostituição infantil, e redução significativa da delinqüência, promovendo a sua inclusão social. Estratégia: 189 Ver Ayres (2001; 2003,2004a; 2004b; 2005) e Craco (2006). 254 Articular e integrar as políticas públicas para potencializar o atendimento às famílias em processo de exclusão e/ou em situação de extremo risco social nas zonas urbana e rural. Programa: Ação em Família Ampliação e fortalecimento do Núcleo de Apoio à Família – NAF  Valorizar e implementar serviços intersetoriais de atenção à família com o intuito de fortalecer os vínculos familiares e os processos de proteção e alteração da qualidade de vida do grupo familiar,das crianças, adolescentes e jovens, pessoas portadoras de deficiência, idosos e das mulheres em situação de violência, tendo como a base a comunidade, otimizando as relações e os recursos.  Realizar ações sócio-educativas e psicossociais na linha de prevenção ao risco social, com a formação de grupos de convivência, encaminhamento serviços especializados e atendimento individualizado.  Descentralizar as ações por bairros ou regiões administrativas;  Identificar e encaminhar componentes das famílias aos órgãos que desenvolvem ações de capacitação e de inserção no mercado de trabalho;  Elaborar um plano intersetorial que possibilite unidade de cobertura no atendimento familiar. 1.1. Realização de atividades sócio-educativas complementares a crianças de 0 a 14 anos e suas famílias (continuidade e ampliação).  Desenvolver atividades sócio-educativas, recreativas e apoio a crianças e suas famílias em situação de risco pessoal e social diminuindo o índice de mortalidade infantil e violência doméstica;  Realizar orientação, informação e desenvolvimento de trabalho sócio-educativo com as famílias e as crianças, formando grupos de convivências;  Criar brinquedotecas fixas e itinerantes, promovendo oficinas lúdicas e recreativas;  Articular e integrar os órgãos responsáveis por atividades culturais e esportivas desenvolvidas nos bairros. 1.3. Fortalecendo e exercitando o protagonismo jovem.  Promover a inserção do jovem de 15 a 24 anos em atividades que contribuam para o desenvolvimento do protagonismo;  Encaminhar jovens para projeto de apoio educativo a estudantes em idade de ingresso no ensino superior;  Estimular, apoiar e fortalecer a formação de grupos de jovens;  Estimular o papel e o exercício de liderança;  Capacitar as equipes de técnicos dos órgãos parceiros para trabalhar o protagonismo; Articular os órgãos responsáveis pela inserção dos jovens no mercado de trabalho. 255 Quadro 3.8: A Assistência Social na Agenda Teresina 2015 (ênfase crianças e adolescentes) Saúde Diagnóstico: • Deficiência do sistema de informação em saúde • Descontinuidade das atividades dos programas de saúde e falta de avaliação sistemática dos custos/benefícios; • Pouca integração e articulação dos serviços nos diversos níveis de assistência à saúde: promoção da saúde, prevenção, tratamento e reabilitação.; • Inexistência de um sistema de referência e contra-referência no atendimento ao cliente; • Falta de política de atenção ao adolescente que garanta a integralidade da assistência e a intersetorialidade das ações de promoção, prevenção e reabilitação da saúde; • Inexistência de serviços especializados para tratamento de crianças e adolescentes usuários de drogas; • Insuficiente resolutividade no atendimento à criança na rede de média e alta complexidade, ocasionando fragmentação no atendimento; • Descontinuidade das atividades dos programas de saúde e falta de avaliação sistemática dos custos/benefícios; • Pouca integração e articulação dos serviços nos diversos níveis de assistência à saúde: promoção da saúde, prevenção, tratamento e reabilitação; • Inexistência de um sistema de referência e contra-referência no atendimento ao cliente; • Falta de política de atenção ao adolescente que garanta a integralidade da assistência e a intersetorialidade das ações de promoção, prevenção e reabilitação da saúde; • Inexistência de serviços especializados para tratamento de crianças e adolescentes usuários de drogas; • Insuficiente resolutividade no atendimento à criança na rede de média e alta complexidade, ocasionando fragmentação no atendimento. Objetivos, projetos e estratégias Macroobjetivo: Teresina terá uma população saudável e índice de desenvolvimento humano elevado. Estratégias: • Melhorar a resolutividade e qualidade das ações e serviços de saúde; • Promover o desenvolvimento de recursos humanos; • Garantir o desenvolvimento institucional e a modernização gerencial; 256 Quadro 3.9: A Saúde na Agenda Teresina 2015 (ênfase crianças e adolescentes) • Desenvolver um programa de educação da população nos aspectos referentes à saúde pública. Programa 1 Reforço à qualidade da atenção integral a saúde da mulher e da criança Projetos 1.1. Criação de Centros Regionais de recursos educativos em saúde para a mulher e a criança; 1.2. Consolidação e universalização do PSF;  Capacitar as equipes do PSF;  Implantar a Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância – AIDPI;  Fortalecer a capacidade técnica e gerencial do pessoal dos serviços de Saúde do primeiro nível de Assistência. Programa 2 Atenção Integral à saúde de adolescentes e jovens Projetos 2.1. melhoria da qualidade de vida de adolescentes e jovens.  Implantar serviços integrados de atenção à saúde dos adolescentes e jovens em vinculação com outros programas, dando ênfase à promoção e prevenção. Programa 3 3.1.. Humanizando o atendimento  Organizar a porta de entrada do sistema com equipe multiprofissional em dedicação integral, articulada e integrada com os demais níveis de atenção à saúde;  Humanizar o atendimento – acolhimento, informação e orientação para facilitar a referência e contra-referência  Reorganizar o sistema de referência e contra-referência. Programa 4: Redução de morbidade por acidentes e violência Projetos 4.1. Organização em rede dos serviços de atendimento pré-hospitalar às vítimas  Organizar em rede os serviços de atendimentos às vítimas  Estabelecer uma rotina de investigação das causas e agentes da violência; 4.2.Melhoria da assistência às vítimas  Ampliar e melhorar a capacidade resolutiva dos serviços de urgência e emergência; 4.3.Recuperação e reabilitação das vítimas  Criar e recuperar centros de recuperação e reabilitação multiprofissional com o envolvimento do PSF. 257 Não me interessa aqui discutir os objetivos, as estratégias e os programas propostos pelo Plano190. Ele me serviu como subsídio para pensar uma estratégia de vinculação do curso de Psicologia da UESPI com demandas originadas nas necessidades da população de Teresina e que foram identificadas através de um processo democrático que pensou a cidade como seus problemas e recursos. O que posso propor ao curso de Psicologia da UESPI para que ele possa considerar o desafio de pensar essas duas áreas (Saúde e Assistência Social) como espaços de enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes? Apresento uma síntese para discussão. Tento relacionar algumas questões levantadas pelo documento com as atividades de ensino, pesquisa e extensão – caracterizadoras de uma verdadeira universidade. Os dois campos são apresentados separadamente. 191 As propostas são todas relacionadas com nossa preocupação de trabalhar o envolvimento e a capacitação dos psicólogos para atuarem no enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. A realização destas idéias exigiria um comprometimento ético-político dos docentes da instituição e um esforço para conseguir a competência técnica necessária para produzir esses serviços e atividades propostas. Estou ciente que este é o ponto nevrálgico de nossa situação. Este duplo desafio, compromisso ético-político e busca da competência técnica, é hercúleo e frustrante em curto prazo. De qualquer forma, o que posso oferecer são essas idéias e a disposição de ajudar a implementá-las. SAÚDE Pesquisa Ensino Extensão Pesquisar a atuação dos psicólogos na rede de saúde pública e a relação destes profissionais com a questão do enfrentamento da violência Ensinar os princípios do SUS como fundamentos do trabalho psicológico Buscar espaços nos serviços de saúde pertencentes ao estado para desenvolver atividades de docência assistencial Pesquisar a referência e contra-referência nos casos de atendimento de crianças e adolescentes vitimizados pela violência Ensinar uma dialógica do cuidado como princípio ético Ter uma política de extensão que seja concatenada a de estágio, de modo a ter necessariamente um psicólogo docente desenvolvendo trabalhos de extensão em locais de estágio em que não há psicólogos trabalhando. 190 O documento que utilizei foi o texto síntese do plano de desenvolvimento sustentável de Teresina. Disponível no sítio eletrônico da Prefeitura há os relatórios por áreas específicas: assistência social, comunicação, cultura, desenvolvimento rural, educação, esporte, habitação, meio ambiente, saneamento, saúde, segurança, trabalho e lazer. 191 O anexo VIII traz uma versão expandida desta proposta, que foi apresentada como Texto para Discussão e enviada para a direção da FACIME, a coordenação do curso de Psicologia e o Centro Acadêmico da mencionada instituição. 258 Pesquisar as formas de violência contra crianças e adolescentes mais comuns e seus rebatimentos na vida dessas crianças e adolescentes Privilegiar disciplinas de Psicologia da Saúde e Promoção e Vigilância da Saúde Criar um programa de capacitação e assessoria para ONGs que trabalham com crianças e adolescentes Pesquisar questões como resiliência, estresse pós-traumático, etc. no contexto da violência contra crianças e adolescentes. Conceber uma política de estágio em locais estratégicos para o atendimento de crianças: unidades de saúde e hospitais Desenvolver uma estratégia de realização de eventos (seminários, jornadas, etc.) para discutir a clínica da violência contra crianças e adolescentes. Quadro 3.10: A Formação do psicólogo e as estratégias de atendimento a crianças e adolescentes na área de saúde Quadro 3.11: A Formação do psicólogo e as estratégias de atendimento a crianças e adolescentes na área de assistência social ASSISTÊNCIA SOCIAL Pesquisa Ensino Extensão Criar instrumentos de avaliação de impacto para aplicá-los nas políticas públicas de enfrentamento de violência contra criança e adolescente; Ensinar os princípios da LOAS como fundamentos do trabalho psicológico; Desenvolver trabalhos de extensão nos mesmos locais de estágio para implantar um modelo de docência assistencial Pesquisar as formas de violência contra criança e adolescentes existentes em Teresina; Enfatizar o ensino da Psicologia Social e suas aplicações: Social da Saúde, Ambiental e comunitária. Desenvolver extensão a partir de uma perspectiva territorial para construir uma vinculação comunitária duradoura Pesquisar os fluxos de defesa de direitos, responsabilização e atendimento na rede de enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes; Construir uma Política de Estágio que privilegie os locais da rede de enfrentamento: Casa de Zabelê, Casa de Metara, Escola Aberta, Projeto Sentinela, Delegacia de Proteção à criança e ao adolescente e os Centro de Referência da Assistência Social. Criar um centro de referência de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência. Pesquisar a atuação dos psicólogos na rede de enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes; Ensinar uma clínica contextualizada, privilegiando o atendimento comunitário e às famílias. Elaborar propostas de políticas públicas de enfrentamento e apresentá-las ao Conselho Municipal de Assistência Social Construção de uma clínica contextualizada e de acolhimento a crianças e adolescentes vítimas de violência Ênfase em empoderamento, emancipação, autonomia e alteridade como princípios éticos. Trabalho com comunidades, famílias, adolescentes e crianças na perspectiva ético-política do empoderamento, emancipação, autonomia e alteridade. 259 Estas são algumas sugestões para iniciar uma discussão; não se deve compreendê-las como um modelo pronto. Desejo sinceramente que essas questões não sejam ignoradas. Superar o modelo tradicional de atuação do psicólogo teresinense, tarefa que Magda Dimenstein bem definiu como intimamente vinculada à criação do curso de Psicologia da FACIME, somente será possível se tivermos um novo modelo de formação em Psicologia. Nosso desafio é formarmos psicólogos cientistas e intelectuais192 capazes de pensar as questões vitais da nossa realidade. O trabalho docente desempenha um papel crucial nesta tarefa. Que se possa ter psicólogos que invistam na carreira docente como espaço exclusivo de trabalho e busquem capacitação para contribuírem na formação de novas gerações de psicólogos compromissados com a superação do estado de miséria e barbárie que caracteriza nosso estado e com a construção de uma Psicologia menos colonizada e alienada em relação aos desafios do nosso tempo e do nosso lugar. Considerações Finais: O trabalho docente vinculado à formação em Psicologia, como já afirmamos, não foi ainda objeto de uma análise mais consistente, fundamentada em pesquisas que pudessem fornecer informações sobre a capacitação, as condições de trabalho, o comprometimento com essa atividade por parte dos profissionais. Da mesma forma, pouco se sabe sobre as principais estratégias de ensino e de avaliação utilizadas por psicólogos professores. Neste capítulo não lançamos nenhuma luz sobre essas questões e empreendemos um outro tipo de estudo, focando nosso interesse a respeito da possibilidade que um docente engajado (reconheço que essa é uma palavra complicada) tem de produzir uma reflexão sobre a formação do psicólogo e iniciar um debate sobre os novos rumos que a Psicologia em Teresina terá que percorrer. Reconheço os limites de ação do trabalho intelectual e acredito que ele não é capaz de, per si, produzir mudanças. Estou convicto, contudo, que a nossa função é refletir, produzir conhecimento e divulgá-lo. Não creio que o psicólogo intelectual precise “sujar suas mãos”, seja de sangue, como pensou Sartre, ou de merda – como assinalou Paulo Betti justificando as práticas corrupto- autoritárias do petismo. Pensar a Psicologia como “Ciência & Profissão”, no contexto da cidade de Teresina, é uma tarefa que exige uma grande capacidade de paciência em relação ao momento histórico, pois este é um tempo de plantar com muito esforço – enquanto o tempo de colher e de festejar está ainda por vir. O trabalho de construir um modelo de atuação profissional do psicólogo que supere os limites do modelo clínico tradicional é necessariamente coletivo. Resta-nos a tarefa de ajudar 192 A respeito da do cientista como intelectual, ver Ribeiro (2006). 260 nessa tarefa mediante a consolidação de um grupo de pesquisadores coletivo e participar ativamente dos fóruns próprios da profissão no contexto local. O risco de parecer uma “voz que clama no deserto” realmente existe. As questões apresentadas podem parecer abstratas e as sugestões oferecidas também podem soar como algo inviável em nossa realidade de periferia. Acredito, sinceramente, que isso é um equívoco. Mas reconheço que não é comum em nosso meio discutir a Psicologia dessa forma: utilizando as ferramentas teóricas produzidas por outras áreas do saber. Por fim, é preciso lembrar da necessidade que temos de assumir a nossa identidade profissional em Psicologia e nos dedicarmos a tarefa de plantar sonhos e desejos, para que outros colham realizações. 261 Considerações Conclusivas bem pessoais à guisa de final O desafio de pensar a formação do psicólogo e analisar a sua atuação profissional é uma tarefa de Sísifo. Esta tese foi mais uma oportunidade que tive para refazer um trabalho que venho desenvolvendo nos últimos doze anos, o que coincide com todo o tempo que tenho de formado. Algumas questões novas apareceram nesta tese: a necessidade de pensar a formação do psicólogo em um contexto em que seu desenvolvimento ainda se encontra muito incipiente e o desafio de propor modelos e estratégias para capacitar a Psicologia piauiense a se envolver, de modo qualificado, no enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes. Esse compromisso reflete também o desejo de ser mais propositivo e superar a condição de crítico desinteressado tradicionalmente reservado ao mundo acadêmico. Acredito que apontei novas questões para a compreensão da formação do psicólogo, assim como apresentei uma síntese dos desafios enfrentados pelos psicólogos no campo da atuação profissional. A violência contra crianças e adolescentes é multifacetada e exige um esforço de toda a sociedade para que o seu enfrentamento não seja um esforço quixotesco. A violência doméstica infanto-juvenil se tornou endêmica no Brasil. O abuso sexual muitas vezes é silenciado, principalmente quando ocorre no contexto intrafamiliar. O nosso país possui o vergonhoso título de vice-campeão mundial de exploração sexual de crianças e adolescentes. Neste país, o medo e o cinismo venceram a esperança. Resta a indignação. O dever de produzir conhecimento e torná-lo acessível às pessoas que dele precisem precisa ser considerado com mais seriedade no mundo acadêmico. Isso exige o melhor de nós. P.S. Próximo de concluir este tese fui aprovado no concurso público de Professor Assistente da Universidade Federal do Piauí e lotado no Campus de Paranaíba, cidade do litoral piauiense. Faço parte do quadro de professores do mais novo curso de Psicologia piauiense, que é também o único a se localizar fora da capital. O meu trabalho de Sísifo recomeça... A produção desta tese me marcou profundamente. Na ausência de um projeto político de transformação da sociedade, restou-me a militância na defesa dos direitos das crianças ou adolescentes. Um outro mundo é possível e necessário. Eu não tenho – contudo – é esperança de viver o suficiente para presenciar sua chegada. Minha esperança é que minha filha possa. 262 Referências Bibliográficas Abbagnano, N. (1982). Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou. Aberastury, A. & Knobel, M.(1988). Adolescência normal:um enfoque psicanalítico. Porto Alegre: Artes Médicas. Aberastury, A.(1983). Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas. Abramovay, M &Rua, M. (2002). Escola e violência. Brasília: UNESCO. Abramovay, M.(2006). Cotidiano das escolas: entre violências. Brasília: UNESCO. Abramovay. M.(2002). Gangues, galeras,chegados e rappers:juventude,violência e cidadania nas cidades da periferia de Brasília. Rio de Janeiro: Garamond. Abreu, M. (2005). Trágica trama: o abuso sexual infantil representado no filme má educação. 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