UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO LUMA PACHECO CUNHA DO NASCIMENTO NEVES A COLABORAÇÃO PREMIADA: ASPECTOS CONTROVERTIDOS E SUA RELEVÂNCIA NA PERSECUÇÃO PENAL NATAL/RN 2014 LUMA PACHECO CUNHA DO NASCIMENTO NEVES A COLABORAÇÃO PREMIADA: ASPECTOS CONTROVERTIDOS E SUA RELEVÂNCIA NA PERSECUÇÃO PENAL Trabalho de Conclusão de Curso orientado pelo Professor Doutor Walter Nunes da Silva Júnior, a ser apresentado à Banca Examinadora do Departamento de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito. NATAL/RN 2014 Aos meus pais, Miriam e Romero, pelo amor incondicional e por me ofertarem os primeiros ensinamentos de justiça, forjado em valores e princípios éticos. A minha irmã, Lara, pelo carinho e admiração reciproca. A Marcelo, pela paciência, incentivo e oportunidade de dividir mais esse momento ao seu lado. AGRADECIMENTOS Ao Professor Doutor Walter Nunes da Silva Júnior, Juiz Federal titular da Segunda Vara Federal do estado do Rio Grande do Norte, por acolher esse trabalho desde o início, dividindo da afeição pelo estudo ao direito e proporcionando a sua orientanda ensinamentos fundamentais para qualquer estudioso da área jurídica, bem como por ter compartilhado parte de seu conhecimento sobre institutos do direito penal, em especial no que concerne à colaboração premiada. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte, personificada no corpo docente do curso de Direito, por todo aprendizado e auxilio ofertado. É uma honra estudar em um ambiente tão propicio a crescimentos profissionais, que possibilita aos seus alunos adentrar diariamente no exercício de atividades curriculares e extracurriculares. Nesse sentido, o meu eterno carinho ao programa Simulação de Organizações Internacionais – SOI, que nos cinco anos de faculdade sempre esteve presente no meu dia-a-dia, inclusive sendo responsável pelas minhas maiores realizações acadêmica. A minha família um muito obrigado por todo apoio e confiança que me foram ofertados em todos os momentos da minha vida acadêmica, especialmente pela paciência e auxilio para a elaboração desse trabalho. Aos meus amigos e colegas do curso de direito pela amizade, companheirismo e por partilharmos conjuntamente esse momento, colaborando com a resolução de duvidas e indagações. Um especial agradecimento ao desembargador federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, ao procurador da república Rodrigo Telles de Souza, aos promotores Paulo Batista Lopes Neto, Giovanni Rosado Diógenes Paiva, Flávio Sérgio de Souza Pontes Filho e Luiz Eduardo Marinho Costa e aos juízes de direito Guilherme Newton do Monte Pinto, José Armando Ponte Dias Junior e Fábio Wellington Ataide Alves por me auxiliarem na elaboração desse trabalho, não contendo esforços para responder a todos os questionamentos perquiridos acerca da sua atuação jurídica em relação à aplicação do instituto premial e seus posicionamentos pessoais sobre esse instrumento penal. “Não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo, o zelo vigilante do magistrado (...). A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade”. Cesare Beccaria RESUMO A utilização do direito premial vem de longa data, contudo, a sua previsão em dispositivos legais é matéria recente, decorrente, principalmente, do fortalecimento das organizações criminosas. O sistema jurídico brasileiro espelhado na legislação alienígena, como Espanha, Estados Unidos e, principalmente, Itália, passou a regulamentar o instituto premial no final do século XX, em resposta ao clamor da sociedade para que o Estado criasse mecanismos eficientes no combate aos crimes de maior periculosidade e gravidade, muitas vezes os praticados pelas organizações criminosas. Contudo, o legislador tratava de forma insipiente esse instrumento penal, em especial ao não prever um procedimento especifico para a o aplicação da colaboração premiada. Em resposta a esse fato, surge a Lei n 12.850/2013, a qual deve ser utilizada como norma geral para todos os delitos que sejam possíveis aplicar a colaboração premiada. Ademais, a doutrina ainda é escassa ao tratar sobre o direito premial e a nova lei de crime organizado. Por essa razão o presente trabalho tem o escopo de contribuir para o estudo da colaboração premiada, levantando as principais questões controvertidas sobre o assunto, bem como demonstrando os seus argumentos contrários e favoráveis, além de explicitar a ideia de que a colaboração premiada é um direito de defesa do investigado/acusado, que voluntariamente concorda em cooperar com a justiça em troca do percebimento de prêmios e benefícios legais. Além do mais, busca-se abordar alguns o aspectos, os mais relevantes, sobre a Lei n 12.850/2013, em especial os que tratam sobre o instituto premial, trazendo alguns fatores novos ainda não muito debatidos pela doutrina, visto a importância desse texto normativo para o estudo do direito premial. Para um maior aprofundamento doutrinário, o presente trabalho realizou entrevistas com membros do Ministério Público estadual e federal e magistrados, todos que atuam ou já atuaram na justiça do estado do Rio Grande do Norte, no qual possibilitou a colheita de informações práticas da atuação diária desses membros, bem como a realização de uma análise critica de alguns casos julgados nas justiças estadual e federal no estado do RN em comparação com a jurisprudência do STF e STJ. Portanto, o presente estudo busca contribuir para o debate acerca da colaboração premiada, na medida em que alberga uma visão positiva do instituto premial, fundamentando a necessidade de sua aplicação para se alcançar avanços jurídicos e sociais no combate ao crime, em especial aos praticados pelas organizações criminosas. o PALAVRAS-CHAVE: Colaboração Premiada. Lei n 12.850/2013. Organizações Criminosas. ABSTRACT The use of premial law has begun a long ago, however, only recently the matter has been predicted on legal provisions, as a response, mainly, to the strengthening of criminal organizations. The Brazilian legal system, based on foreign legislation such as Spanish, American and, especially, Italian, began to regulate the plea bargaining institute at the late twentieth century, due to the clamor of a society willing for efficient mechanisms against dangerous crime, that are often waged by organized crime. Nonetheless, the legislature was incipient to this criminal instrument, in particular by failing to provide a specific procedure for the implementation of the plea bargaining. In response to this fact, the Law n. 12.850/2013, which should be enforced as a general standard for all crimes that enable the use of the mentioned institute, was issued. Moreover, the doctrine is still scarce when it comes to premial law and the new law of organized crime. For this reason, the present work has the scope to contribute to the study of plea bargaining, raising major questions about the controversial premial law and demonstrating their arguments in favor and against it, and to clarify the idea that collaboration is considered the a defensive right of the investigated/accused, who voluntarily agree to cooperate with justice in exchange of perceiving awards and legal benefits. Furthermore, we intend to make a deep study on Law 12.850/2013, analyzing each legislative provisions of this legal instrument, bringing some new factors which have not been widely discussed by the doctrine, once the importance of the normative text to premial study of law is undeniable. To promote a wider doctrinal deeping, this study conducted interviews with state prosecutors and federal judges, who work or have worked at the state of Rio Grande do Norte, which enabled the collection of practical information from the daily activities of these members and their personal thinking about the plea bargaining. This research allowed as well a critical analysis of some cases tried in common and federal justices in the state of Rio Grande do Norte, establishing comparisons with the jurisprudence of the Supreme Court and Superior Court of Justice. Therefore, this study seeks to contribute to the debate on the plea bargaining, as it features a positive view of premial Institute, supporting the need of its application to achieve legal and social advances in combating crime, particularly those charged by criminal organizations. KEYWORDS: Plea Bargaining. Law 12.850/2013. Criminal organizations. S U M Á R I O 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9 2 O ESCORÇO HISTÓRICO DA COLABORAÇÃO NO DIREITO ESTRANGEIRO 13 2.1. O SURGIMENTO E FORTALECIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS .. 14 2.2 O PLEA BARGAINING NOS ESTADOS UNIDOS .......................................................... 18 2.3 AS MÁFIAS ITALIANAS E O INSTITUTO DO PENTITISMO ..................................... 22 2.3 A DELAÇÃO PREMIADA NA ESPANHA ..................................................................... 24 3 A COLABORAÇÃO PREMIADA NO BRASIL ............................................................. 27 3.1 O CONTEXTO DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL .................................... 27 3.2 PRINCIPAIS CONTROVÉRSIAS ACERCA DA COLABORAÇÃO PREMIADA ....... 37 3.2.1 A relação ético-moral do colaborador com os demais autores do crime e com o Estado ...................................................................................................................................... 37 3.2.2 A colaboração premiada como direito de ampla defesa e violação de princípios constitucionais ......................................................................................................................... 43 3.2.3 Valor probatório e limites da colaboração premiada ................................................ 47 O 4 A COLABORAÇÃO PREMIADA CONFORME A LEI N 12.850/2013 ..................... 51 4.1 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DA COLABORAÇÃO PREMIADA ............. 51 4.2 REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS PARA HOMOLAÇÃO DO ACORDO ... 56 4.3 PRÊMIOS OU BENEFÍCIOS LEGAIS DA COLABORAÇÃO PREMIADA ................. 63 4.3.1 O perdão judicial ........................................................................................................... 65 4.3.2 Redução máxima de 2/3 (dois terços) da pena ............................................................ 67 4.3.3 Substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direito ....................... 67 4.3.4 Cumprimento inicial da pena em regime aberto ou semiaberto ............................... 68 4.3.5 O não oferecimento da denúncia .................................................................................. 69 4.3.6 Pena-base fixada no mínimo legal e aplicação da pena de multa .............................. 71 4.4 PROCEDIMENTOS PARA VALIDADE DA COOPERAÇÃO PREMIADA ................ 72 4.5 MEDIDAS PROTETIVAS AO COLABORADOR .......................................................... 77 4.6 ANÁLISE CRITICA DE ALGUNS JULGADOS DAS JUSTIÇAS ESTADUAL E FEDERAL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE EM COMPARAÇÃO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF E STJ ....................................................................................... 81 5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 87 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 92 APÊNDICE A - ENTREVISTAS REALIZADAS COM MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA MAGISTRATURA ESTADUAL E FEDERAL ..................................... 96 ANEXO A – MODELO DE ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA ................ 112 9 1 INTRODUÇÃO A figura do colaborador com a justiça passou a chamar maior atenção da sociedade internacional no final do século XX, com os julgamentos envolvendo a chamada criminalidade mafiosa, bem como a prática cada vez mais constante de terrorismo ou outros crimes praticados por organizações criminosas que ameaçavam diversos países da América e da Europa. Neste contexto, o instituto premial surgiu nos dispositivos legais como resposta ao clamor da sociedade para que o Estado criasse mecanismos de combate a essa criminalidade. O presente trabalho objetiva demonstrar os avanços históricos e legislativos ocorridos com o direito premial no âmbito internacional e nacional. Em especial visa proporcionar ao leitor uma análise mais aprofundada sobre a colaboração premial tratada na o Lei n 12.850/2013, uma vez que a doutrina ainda é escassa ao abordar a nova lei de crime organizado. Na verdade, no Brasil a cooperação premiada não é bem vista por alguns doutrinadores, que insistem em realçar o sentido pejorativo do termo delação premiada. Assim, por diversas vezes a análise ao instituto premial tende para uma vertente crítica, principalmente no que concerne à ideia de que a cooperação premiada trata-se de uma traição. Contudo como será demonstrado nesse trabalho não é possível se falar em ética no campo de prática de ações ilícitas. Além de que, mesmo que fosse possível levantar o questionamento da ética em decorrência das declarações prestadas pelo colaborador, é necessário ressaltar a conduta do colaborador, visto que ele está cooperando com a sociedade, por intermédio de um compromisso com a verdade. Nesse sentido, o presente trabalho visa, além de ponderar as principais questões controvertidas sobre o direito premial, também abarcar uma análise própria do instituto premial, ou seja, o que ele representa em nosso sistema jurídico, a sua natureza jurídica, a sua forma de aplicação, os requisitos necessários para a sua validade, os benefícios possíveis de serem ofertados ao colaborador, entre outros fatores. Por conseguinte, o segundo capítulo desse trabalho apresenta uma análise histórica internacional da aplicação do instituto premial no direito alienígena. Preferiu-se apreciar apenas alguns países, visto que foram os principais que se destacaram na aplicação do direito premial, sendo eles Estados Unidos, Itália e Espanha. Esses Estados criaram normas que possibilitam até os dias atuais a concessão de benefícios àqueles investigados/acusados que fornecem informações às autoridades legais, indicando outros agentes e fornecendo provas desconhecidas pelas autoridades. 10 Como é demonstrado no segundo capítulo, a previsão normativa da colaboração premiada passou a compor o ordenamento jurídico desses países no final do século XX, momento em que a prática de organizações criminosas se intensificou e o Estado necessitou recorrer a instrumentos que possibilitassem o combate mais incisivo às organizações criminosas, visto que as medidas repressivas existentes não se mostravam suficientes. Nesse contexto internacional, o Brasil também se via ameaçado por crimes de maior gravidade, muitas vezes praticados por organizações criminosas. Era cada vez maior o clamor da sociedade para que o direito penal buscasse soluções para acabar com manifestações globalizadas de delinquência. Ante essa provocação, o legislador brasileiro, espelhado na legislação alienígena, passou a editar normas que versassem sobre a colaboração premiada. Desse modo, o capítulo terceiro desse trabalho enfoca a colaboração premiada em âmbito nacional, demonstrando o cenário em que foram introduzidas as normas que preveem o direito premial, realizando, assim, uma abordagem da legislação pátria em face desse direito, ressaltando os avanços conquistados no ordenamento jurídico nacional. Sem embargo, concomitante aos avanços que essas previsões legais trouxeram, a cada nova lei que surgia sobre o instituto premial, ela sofria criticas, visto que a colaboração premiada foi introduzida no Brasil sem um estudo aprofundado acerca de sua natureza jurídica. Desse modo, nenhuma dessas normas se preocupava precipuamente em regulamentar o procedimento de aplicação do instituto premial, além de que não proporcionava meios adequados para fornecer segurança ao colaborador, apenas limitando-se aos prêmios que seriam concedidos no caso da cooperação do agente. o Nesse contexto surge a Lei n 12.850/2013 trazendo diversos dispositivos que demonstram a forma adequada de empregar o direito premial, além de utilizar uma nova o nomenclatura, mais correta politicamente, a colaboração premiada. Dessa forma, a Lei n 12.850/2013, embora trate de crimes praticados pelas organizações criminosas, no que concerne ao seu capítulo II, seção I – da colaboração premiada – é utilizada como lei geral do instituto premial, ou seja, devendo ser aplicada a todos os delitos em que seja possível utilizar a cooperação para desvendá-los. Por essa razão, esse trabalho reservou o quarto capítulo especialmente para tratar da nova lei de crime organizado, trazendo as inovações que esse dispositivo legal trouxe em relação à colaboração premiada. Assim, faz-se um estudo mais aprofundado sobre os dispositivos que tratam desse instituto na lei, demonstrando qual a natureza jurídica da colaboração, os requisitos previstos nessa lei para que se torne válida a aplicação do direito 11 premial, bem como os possíveis benefícios fornecidos ao colaborador e os mecanismos de proteção ofertados a ele. Nada obstante atualmente a jurisprudência e doutrina majoritárias entenderem não o existir diferença entre os termos delação e colaboração premiada, percebe-se que com a Lei n 12.850/2013 o legislador preferiu utilizar a última nomenclatura. Tal preferência justifica-se em razão da carga pejorativa que acompanha o termo delação premiada – utilizada em dispositivos legais anteriores à atual lei de crime organizado –, que remonta à ideia de uma prática de traição entre os membros da organização criminosa, em contrapartida à colaboração, que pressupõe um comprometimento com a sociedade e o Estado para auxiliar na busca da verdade e dos esclarecimentos de fatos criminosos, bem como na prevenção de futuros atos ilícitos. Ademais, preocupou-se esse trabalho em tratar sobre o procedimento para a aplicação do instituto premial trazido com a nova lei, visto qu uma das maiores críticas realizadas contra a colaboração premiada era em decorrência da ausência de procedimento legal específico para esse mecanismo. Assim, esse trabalho comenta cada norma que trata sobre o procedimento premial, demonstrando sua importância para uma melhor utilização desse instituto. Cabe destacar que as hipóteses de colaboração premiada não estão restritas, apenas, à existência de crimes ligados às organizações criminosas. Contudo, no contexto atual, a sua principal aplicação dá-se em face dos crimes praticados por essas associações criminosas. Tal fator se justifica por tratar-se a colaboração premiada de um mecanismo específico de determinados delitos de maior complexidade e gravidade, utilizada como uma ferramenta de combate a essas associações com o intuito de desestruturá-las. No estudo aqui planejado e desenvolvido, procura-se realizar uma abordagem jurisprudencial sobre a colaboração premiada, uma vez que por muito tempo o ordenamento jurídico brasileiro restou sem normas procedimentais específicas e concretas sobre este instituto premial, tendo por isso que recorrer aos posicionamentos das Cortes de Justiça para alcançar uma regulamentação semelhante. Outrossim, como forma de associar os embasamentos doutrinários à prática do cotidiano, o presente trabalho realizou entrevistas com membros do Ministério Público estadual e federal, bem como com magistrados e desembargadores, todos com atuação na Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. O intuito dessas entrevistas foi de angariar os posicionamentos desses aplicadores da lei para que se pudesse realizar uma comparação entre 12 os campos teórico e prático do direito premial, isto é, permitir que esse trabalho observasse a visão que esses profissionais têm em face da colaboração premiada. Assim, o presente trabalho apresenta alguns julgados, ocorridos no Estado do Rio Grande do Norte, nos quais se aplicou o instituto premial para desbaratar grandes grupos criminosos e seus principais organizadores. Tais julgados foram analisados de acordo com a doutrina e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, foi avaliado criticamente se essas decisões estavam conforme a doutrina majoritária e a jurisprudência daqueles Tribunais. A base científica desse trabalho está pautada no fato de a colaboração premiada ser um instrumento de defesa do agente infrator, que voluntariamente decide cooperar com a justiça e com a sociedade. Nesse sentido, será demostrado que os argumentos contrários à colaboração, como a relação ético-moral do delator com os demais autores do crime, são facilmente derrubados, visto que a colaboração representa o compromisso de lealdade que o colaborador tem com a sociedade e o Estado, no sentido de dizer a verdade e esclarecer os fatos de que tem conhecimento. Portanto, o presente trabalho acadêmico busca contribuir para o debate acerca da colaboração premiada, na medida em que alberga uma visão positiva do instituto premial, fundamentando a necessidade de sua aplicação para se alcançar avanços jurídicos e sociais no combate ao crime, em especial aos praticados pelas organizações criminosas, bem como de se utilizar esse mecanismo como instrumento de ressocialização do agente delituoso. 13 2 O ESCORÇO HISTÓRICO DA COLABORAÇÃO NO DIREITO ESTRANGEIRO O prêmio à delação, instituto do direito penal, tem sua origem muito mais longínqua do que as primeiras legislações premiais. Seus primeiros resquícios são encontrados na Idade 1 Média , durante a Santa Inquisição, em que se valorava o instituto da delação de duas formas: o coautor que confessava sob tortura e o que confessava espontaneamente. Na época acreditava-se que seriam inverídicas as informações prestadas por aquele que confessasse sem 2 nenhum tipo de tortura, e que provavelmente teriam o intuito de prejudicar outro corréu . Nessa conjuntura, o instituto do direito premial remonta aos modelos processuais penais autoritários, respaldado por um sistema penal inquisitório, em que era demasiadamente valorada a confissão do delator, para servir como prova para uma futura condenação, ao invés da colaboração ser vista sob a ótica garantista, como um meio de defesa do indivíduo. No sistema monárquico anglo-saxão, também já se trazia a ideia da delação premiada, por intermédio do instituto witness crown (“testemunha da coroa”), em que o investigado/acusado obtinha a imunidade (grant of immunity), em troca do seu testemunho. Ou seja, “de imputado passa para testemunha do processo, imune a persecução penal, em 3 troca de sua colaboração no processo” . Nesse sentido, como uma das primeiras obras que abarcou o sistema premial encontra-se a do influente marquês de Beccaria, o qual afirmou que “alguns tribunais 4 oferecem a impunidade ao cúmplice de um grande crime que trair os seus companheiros” . Diante desse arranjo, percebe-se que o instituto da colaboração já se mostrava presente em órgãos julgadores da época. 5 Entretanto, o comportamento pós-delitivo positivo relevante somente veio radicar suas raízes no século XX, visto que o novo modelo social pós-industrial necessitava de um 1 Alguns defendem que já existia a delação premiada na Grécia Clássica, com o instituto da ménysis, em que o delator poderia até ser perdoado, liberto (em caso de escravo) ou receber recompensa em dinheiro. Existia também na Roma Antiga, com o caso mais conhecido sendo o de Judas, que delatou a identidade de Jesus de Nazaré ao Império Romano em troca de trinta moedas de prata. (FRISONE, Flavia. La polis greca: gli anticorpi della comunità solidale fra pentitismo e delazione. Iuris Antiqui Historia, vol. 3, 2011, p. 17-31). Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2014. 2 GUIDI, José Alexandre Marson. Delação premiada: No combate do crime organizado. p. 98-99. 3 PAZ, Isabel Sánchez García de. El coimputado que colabora con la justicia penal: Con atención a las reformas introducidas en la regulación española por las Leyes Orgánicas 7/ y 15/2003. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia, s.n., 2005, núm. 07-05, p. 3-5, tradução nossa. Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2014. 4 Dos delitos e das penas. Tradução Paulo M. Oliveira. São Paulo: EDIPRO, 1. ed., 2013, p. 50 5 Expressão utilizada pelo doutrinador Walter Barbosa Bittar ao se referir à delação premiada. Cabe ressaltar que, embora o próprio autor se refira a um “comportamento pós-delitivo”, ele reconhece que a colaboração pode ter um caráter preventivo, ou seja, ocorrendo antes da consumação do delito (Cf. BITTAR, Walter Barbosa. Delação premiada: direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 35). 14 instrumento mais célere e efetivo para se alcançar a Justiça Penal, em atendimento aos anseios da comunidade. Diante desse arranjo, o direito premial ganhou maiores proporções nas legislações vigentes, principalmente, com o instituto do patteggiamento na Itália e pelo instituto do plea bargain nos Estados Unidos da América, que inspiraram outros sistemas criminais, como a delincuente arrepentido na Espanha, a suspensão do processo em Portugal, a kronzeugenregelung na Alemanha e a própria colaboração premiada no Brasil, entre outros. A propósito, como forma de demonstrar que a colaboração premiada alcançou um sistema jurídico global, há o artigo 37, 2, da Convenção da ONU de Mérida contra a Corrupção, que expressamente recomenda a “... mitigação de pena de toda pessoa acusada que 6 preste cooperação substancial à investigação ou ao indiciamento...” . Tal instrumento foi ratificado por diversos países, corroborando com o fato de que a legislação premial vem sendo aceita e adotada internacionalmente. Percebe-se, então, que a delação premiada não é um instituto novo na história do direito, visto que as primeiras previsões normativas remontam aos primórdios da Idade Média 7 e, posteriormente, ressurgi como instrumento excepcional no combate aos crimes organizados, os quais se fortaleciam cada vez mais com os mecanismos fornecidos pela nova conjuntura global, a globalização. 2.1. O SURGIMENTO E FORTALECIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS A nova sociedade globalizada e moderna, embora tenha trazido grandes avanços, especialmente na área de comunicação e tecnologia, potencializou o aparecimento de novos riscos e sentimento de insegurança. A nova conjuntura social propiciou a criação de zonas de livre comércio, avanços tecnológicos e versatilidade do fluxo de capitais circulantes no mundo, entre outros fatores. Contudo, com tais benefícios veio também o surgimento de novos crimes e/ou aperfeiçoamento dos delitos já existentes. Neste contexto, surge a necessidade de se criarem políticas legislativas, com novas figuras penais ou restritivas de direitos e garantias individuais, para que seja possível 6 CONVENÇÃO das Nações Unidas contra Corrupção. Disponível em: < https://www.unodc.org/documents/lpo- brazil//Topics_corruption/Publicacoes/2007_UNCAC_Port.pdf >. Acesso em: 13 mar. 2014. 7 Jaques de Camargo Penteado defende que o instituto da delação premiada foi inserido no ordenamento jurídico estrangeiro e nacional com um caráter de excepcionalidade, isto é, em um momento que o estado de emergência predominava, como sendo o sistema ideal ao combate ao terrorismo, organizações criminosas, entre outros, embora, não se preocupassem com a preservação das garantias do individuo (Cf. PENTEADO, Jacques de Camargo. Delação premiada. Revista dos Tribunais, vol. 848, jun/2006, p. 711). 15 repreender de forma eficaz os delitos do mundo globalizado, entre eles, o tráfico de drogas, o terrorismo e o crime organizado. Entretanto, é evidente que o crime organizado não é um fenômeno apenas atual, na verdade, ainda na Antiguidade, quando a sociedade necessitou se estruturar e, consequentemente, associar-se para alcançar fins lícitos, isto levou, concomitantemente, à 8 associação para atingir interesses por meios ilícitos . Não obstante o crime organizado tenha o início de sua existência em tempos remotos, ainda se encontra óbices para uma definição. Como bem ressaltado pelo penalista alemão Claus Roxin, “no momento não existe um conceito de criminalidade organizada juridicamente clara, com mínima capacidade de consenso. Tão somente dispomos de heterogêneas descrições sobre um fenômeno que até agora não tem sido abordado com 9 precisão” . De fato, até os dias atuais não se conseguiu obter uma definição exata na doutrina do que seja o crime organizado. Todavia, merece atenção a descrição bem perpetrada por Carlo 10 Velho Masi , que afirma ser a organização criminosa “uma entidade coletiva ordenada em função de estritos critérios de racionalidade em que cada um de seus membros realiza uma determinada função, para qual se encontra especialmente capacitado, em razão de suas aptidões ou possibilidades pessoais.” Nesse trabalho conjunto se possibilita que as organizações criminosas alcancem atributos próprios de uma “sociedade de profissionais do crime”, na qual há um sistema de relações específicas, definidas a partir de obrigações e privilégios recíprocos. Não obstante a inquietação conceitual de crime organizado seja uma realidade incontestável na doutrina nacional e internacional, o seu conceito nas legislações, em geral, o o está presente. Nesse contexto, os artigos 2 e 3 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), ratificada pelo Brasil e inserida no o 11 ordenamento jurídico por meio do Decreto n 5.015/2004 , traz o conceito de crime 12 organizado . 8 LEMOS Jr., Arthur Pinto de. Crime organizado e o problema da definição jurídica de organização criminosa. Revista dos Tribunais, vol. 901, nov/2010, p. 427 9 Problemas de autoría y participación en la criminalidad organizada, trad. Enrique Anarte Barrallo, Revista Penal n. 2, 1998, p. 68. Disponível em: < http://www.uhu.es/revistapenal/index.php/penal/article/view/31/29>. Acesso em: 14 mar. 2014. 10 MASI, Carlo Velho. A nova politica criminal brasileira de enfrentamento das organizações criminosas. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. São Paulo, n. 56, out-nov de 2013, p. 2. 11 o No Brasil, a primeira lei em que o legislador definiu organização criminosa foi a Lei n 12.694/12, em seu o artigo 2 , a qual dispõe que “para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a 16 Nesta análise, percebe-se a inquietação conceitual na qual nos encontramos. Contudo, não se pode admitir que o conceito de crime organizado e organizações criminosas se confundam. Esse último considera-se como o concurso estável e permanente de pessoas estruturadas de modo empresarial para delinquir, e os “crimes praticados pelas organizações 13 criminosas recebem o nome de crime organizado” . Não restam dúvidas na doutrina e no sistema internacional penal da necessidade de novos mecanismos para minimizar os delitos praticados pelas organizações criminosas que cada dia se intensificam. Desse modo, na defesa do combate ao crime organizado em um 14 Estado Democrático de Direito, o doutrinador Luiz Flávio Gomes defende a necessidade de conciliação entre o ius puniendi estatal e o status libertatis dos particulares. Tal autor demonstra que a tentativa do direito estrangeiro de conter a criminalidade com o custo de se eliminar a liberdade individual é muito cômodo, sendo o difícil, mas fundamental, encontrar um ponto de equilíbrio entre o interesse punitivo estatal e o ius libertatis. Contudo, a busca por esse equilíbrio está cada vez mais cobiçada, visto que com a globalização, as organizações criminosas se fortificaram e se expandiram além das fronteiras dos países e continentes. A inexistência de um Estado mundial ou de organismos internacionais capazes de dispor do ius puniendi, por intermédio de emissão de normas penais de caráter supranacional, além da carência de órgãos com legitimidade para o exercício da aplicação das leis, impede o combate adequado ao crime organizado, conquanto a prática de tais delitos cresça rapidamente. Neste contexto, como bem observado por Carlo Velho Massi “surge um comércio de bens e serviços ilegais que coexiste com o mercado legal, no qual o crime adquire uma enorme capacidade de diversificação, organizando-se estrutural e economicamente para 15 explorar campos tão diferentes (...)” . Desse modo, o fenômeno da globalização e da prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transacional”. 12 Para efeitos da presente Convenção, entende-se por "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. (Cf. CONVENÇÃO de Palermo. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm>. Acesso em: 14 mar. 2014). 13 OBREGON, Sônia Regina de Grande Petrillo. Conceito de crime organizado e/ou organização criminosa: uma pequena tentativa. In: Fadap. Revista Jurídica, fasc. 6. Tupã, 2003. In: BITTAR, Walter Barbosa. Delação Premiada: direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 98 14 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e político-criminal. 2. ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 68 15 MASI, Carlo Velho. A nova politica criminal brasileira de enfrentamento das organizações criminosas. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. São Paulo, n. 56, out-nov de 2013. 17 integração econômica acendeu uma nova compreensão do delito que, agora, tem como características principais a organização, transnacionalidade e poder econômico. Ademais, os novos crimes da globalização praticados pelas organizações criminosas possuem duas características predominantes: a criminalidade organizada, ou seja, produzem- se resultados lesivos em lugares e tempos distintos, embora existam relações entre eles; e são “crimes dos poderosos” (crimes of the powerful), em contraposição aos crimes do direito penal clássico (crimes of the powerless), isto é, são crimes praticados por diversos indivíduos em conjunto, porém, organizados por pessoas com grande capacidade econômica, política e social, que conseguem até mesmo desestabilizar o mercado e corromper funcionários e governantes. Desta maneira, percebe-se que o direito penal clássico não mais se mostra adequado ao combate ao crime organizado, uma vez que seus princípios e métodos investigativos são idealizados para a repressão de microcriminalidade, ou seja, tem por base a responsabilidade individual. Todavia, no sistema de grandes associações criminosas é necessário alcançar uma responsabilidade macro, a qual identifique diversos agentes e não apenas um individualmente. Ademais, o direito penal da culpa exerce um sistema repressivo, porém, para o combate às organizações criminosas faz-se necessário reagir preventivamente. No que concerne ao direito de exceção, esse instituto também não se amoldou como um eficiente instrumento de combate ao crime organizado. Conquanto a principal característica do direito de emergência seja o intervencionismo, ou seja, a preocupação apenas com a eficiência do sistema e a busca de resultados imediatos, por diversas vezes essas respostas são apenas simbólicas, visto que se preocupa muito mais com a luta ao crime 16 organizado do que adequá-la ao ordenamento jurídico pátrio. Durante a década de 80 (oitenta) do século XX, desenvolveu-se, principalmente nos EUA e na Inglaterra, uma corrente neoconservadora denominada Law and Order Movement 17 (Pensamento da Lei e da Ordem) . Esse instituto tem como principal característica tratar de forma sensacionalista o fenômeno da criminalidade, como o terrorismo, crime organizado, tráfico de drogas, entre outros, exigindo do Estado, responsável pela seguridade pública, 18 atitudes e soluções eficientes . 16 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Op. cit.. p. 68 17 Movimento Lei e Ordem é uma política criminal originada nos Estados Unidos, propagava a ideia de repressão máxima e alargamento das leis incriminadoras, sendo seus objetivos a penalização dos agentes com seu encarceramento. Para tanto separava a sociedade em dois grandes grupos: o primeiro, formado por pessoas de bem, merecedoras da tutela legal; e o segundo, constituído por homens maus, os chamados delinquentes, aos quais se endereçava toda a rigidez e crueldade do sistema penal. 18 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 330. 18 Em vista disso, medidas inócuas, mas sensacionalistas, começaram a ser lançadas em 19 larga escala nos EUA e também em outros países , influenciados por esse sistema, no lugar de medidas que tinham efeito paulatino mas seguras. A razão para o aumento desse fator foi a mídia e a comunicação com a sociedade civil, as quais criavam a ideia de que uma política criminal mais gravosa seriam o meio mais adequado para o combate às organizações 20 criminosas, bem como ao tráfico de drogas, terrorismo, entre outros . 2.2 O PLEA BARGAINING NOS ESTADOS UNIDOS A colaboração do coautor do delito como elemento de prova no processo penal tem sua origem nos ordenamentos jurídicos do modelo anglo-saxão, uma vez que os sistemas jurídicos desses países têm como um dos pilares a participação do infrator com a administração da justiça penal. Nos Estados Unidos da América, o instituto da delação premiada é conhecido como plea bargaining. Os primeiros resquícios desse instituto advêm do século XVIII, quando a Suprema Corte e os Tribunais de Segunda Instância autorizavam a adoção de testemunhos de coatores cúmplices em troca da imunidade. Entretanto, tal instituto não tinha sua base solidificada no direito americano, uma vez que até o século XVIII, o julgamento por jurados era realizado sem a intervenção de advogados. Assim, tal procedimento se desenvolvia de 21 forma rápida, na qual não se tornava necessário a presença do plea bargaining. 19 Como forma de demonstrar as medidas nacionais e internacionais adotadas para o combate do terrorismo, observa-se a seguinte reportagem: “Atualmente, com o crescimento dos movimentos terroristas, intensificam-se as medidas repressivas mais rígidas. Na Alemanha é permitida a prisão de suspeito, pela autoridade policial, por 48 horas, conduzindo-se o detido ao juízo ao final desse prazo, ocasião em que o julgador deliberará acerca da manutenção da custódia. A pena máxima para o condenado por integrar grupo terrorista é de 10 anos de reclusão. Na Grã Bretanha a polícia pode deter alguém por 14 dias; o governo queria ampliar esse lapso prisional para 90 dias, mas o legislativo rejeitou esse projeto, discutindo-se um prazo em torno de 28 dias. A vigilância por câmeras de vídeo é praticamente ilimitada. Na Espanha, com autorização judicial, o suspeito pode ser detido por 5 dias. A vigilância por câmeras é limitada a locais em que existe especial concentração de pessoas (estações, bancos e lojas). A punição prevista para quem lidera organização terrorista é de até 12 anos de prisão e para os associados a pena é de até 9 anos de prisão. Na França, recentemente, o período de prisão sem culpa formada passou de 4 para 6 dias; aumentou-se a fiscalização por câmeras de vídeo em estações e aeroportos; aumentou-se a pena cominada para quem participa de grupo terrorista (até 20 anos de prisão) e para quem o lidera (até 30 anos de prisão); há mais facilidade para interceptar comunicação por telefone e pela internet e se intensifica a investigação sobre pessoas que viajam para locais onde há suspeita de existir campos de treinamento de terroristas (França endurece luta contra o terror. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 30.11.2005, p. A-16). Disponível em: < http://acervo.estadao.com.br/>. Acesso em: 15 mar. 2014. 20 SACERDO, Leandro. A delação premiada e a necessária mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal. São Paulo: Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 27, jan/2011, p. 191 21 BITTAR, Walter Barbosa. Delação premiada: direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 26 19 Em uma pesquisa americana constatou-se que em 1839, 15% (quinze por cento) dos casos foram concluídos por confissão de culpa, já em 1865 aumentou para 79% (setenta e nove por cento) as condenações por confissão. Tal ampliação das condenações com fundamento nas confissões, conhecido como guilty plea, é assustador, visto que no período 22 anterior grande parte resultou em absolvições . Outrossim, a negociação da culpa ampliou sua atuação no início do século XX, tendo dois fatores sido predominantes para esse avanço: primeiramente, a crescente corrupção política que existia entre advogados, promotores e juízes, juntamente com o interesse dos agentes policiais de que seu sucesso profissional dependia de maiores números de casos solucionados. Nessa conjuntura, o instituto do plea bargainig resultou de negociações entre a acusação e a defesa e, normalmente, consiste no reconhecimento da culpa pelo acusado, que poderia incluir a delação de coautores ou partícipes, em troca de benefícios. Cabe ressaltar que tal instituto não se confunde com o guilty plea, pois esse último se restringe a admissão de culpa. Na década de 1970, após uma série de decisões análogas, a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu a procedência das negociações de culpa como uma prática legitima desde que seja voluntária. Nesse sentido, observam-se os seguintes julgados: North Carolina v. Alford; McMann v. Richardson; Brady v. United States; e Parker v. North 23 Carolina . Em tais decisões percebe-se que o instituto do plea bargaining possibilitou que uma futura pena de morte fosse convertida em outra medida menos severa. No que se refere ao julgamento North Carolina v. Alford, o juiz de primeira instância aceitou a confissão de culpa do apelado e, por isso, aplicou uma pena menos severa, do que a que possivelmente se aplicaria em caso de não confissão da culpa. Já no caso McMann v. Richardson se valorou a confissão voluntária, demonstrando que essa característica é fundamental para que seja reconhecida a confissão como causa de diminuição de pena. No julgamento de Brady v. United States a Corte esclareceu que a confissão de culpa representa uma escolha voluntária e inteligente do réu, entre as alternativas que lhe estão disponíveis, especialmente quando se está representado por um advogado competente, visto que tal confissão pode evitar a aplicação de pena de morte. Em Parker v. North Carolina, o réu assinou o documento que confirmava sua confissão, tendo sido informando que tal 22 MCCONVILLE, Mike; MIRSKY, Chester L. Jury Trials and Plea Bargaining: A True History. Oxford and Portland, OR: Hart Publishing, 2005, p. 459 23 North Carolina v. Alford, 4000 U.S. 759 (1970); McMann v. Richardson, 397 U.S. 759 (1970); Brady v. United States, 397 U.S. 742 (1970); Parker v. Noth Carolina, 397 U.S. 790 (1970) 20 reconhecimento levaria a condenação em prisão perpetua. Por isso, o Tribunal demandou ao acusado se a confissão foi feita sob qualquer ameaça ou promessa, tendo ele respondido negativamente. Assim, em agosto de 1964 o Tribunal reconheceu a confissão e, posteriormente, condenou-o a prisão perpétua. Em uma breve comparação entre o instituto americano e o brasileiro, percebe-se a presença de algumas divergências entre eles, por exemplo, no Brasil, a confissão do réu não tem caráter probatório absoluto, já nos EUA o réu confesso é suficiente para caracterizar a autoria do delito, não sendo necessários outros meios de prova para caracterizá-la. Corroborando com a distinção entre os dois institutos, no sistema brasileiro, o Ministério Público não pode recusar-se a dar início à ação penal, caso existam requisitos 24 suficientes para a sua instauração . Contrariamente, nos EUA há uma predominância dos princípios da oportunidade e da disponibilidade, assim, permitindo que o promotor arquive, desista ou não oferte a denúncia, mesmo que as investigações apontem que o agente seja o autor do fato. Confere-se, portanto, ao Ministério Público o poder de seleção e condução do processo penal com ferramentas como plea bargaining e guilty plea. Ademais, o sistema anglo-saxão contraria os demais preceitos dos países influenciados pelo direito europeu continental, visto que esse último valoriza primordialmente a legitimidade do prêmio, enquanto aquele a credibilidade e valor probatório da colaboração. Por essa razão o instituto do plea bargaining sofre diversas críticas, visto que ele vem sendo utilizado muito mais como um meio de administração da justiça naquele país. Para um melhor entendimento, basta observar recentes pesquisas realizadas nos EUA, que constatou que quase 90% (noventa por cento) dos condenados em causas penais se declaram culpado ao invés de utilizarem seu direito de serem julgados por um tribunal ou juiz 25 competente da causa . Portanto, como não há necessidade de produção de mais provas para comprovar a autoria do delito, os processos criminais americanos são resolvidos rapidamente, visto que não se torna necessário, nesses casos, comprovar a autoria do delito, pois o acusado confessa 24 Em regra, um dos princípios basilares da atuação do Ministério Público é o princípio da obrigatoriedade da o o ação penal. Contudo, cabe ressaltar que o artigo 4º, § 4 , da Lei n 12.850/2013 trouxe a possibilidade do Ministério Público não denunciar o colaborador, caso ele não seja o líder da organização criminosa e seja o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos desse artigo. Assim, a colaboração premiada proporcionou a mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal. (Cf. SACERDO, Leandro. A delação premiada e a necessária mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal. São Paulo: Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 27, jan/2011, p. 191) 25 ALSCHULER, Albert W. La historia acerca de la negociación sobre la declaración de culpabilidade: el plea bargaining y su historia. In: Cuadernos de doctrina y jurisprudência penal, fasc. 12. Buenos Aires, set/2011, p. 17 21 para ter o direito a ter sua pena ou imputação que lhe é feita reduzida ou mesmo atenuar sua situação. Em relação ao valor probatório das informações prestadas pelo colaborador em desfavor de outros agentes criminosos, por longo tempo, prevaleceu nos Estados Unidos o entendimento que não era função do juiz instruir o jurado acerca do valor das provas. Todavia, a partir da metade do século XX, a maioria dos estados passaram a editar estatutos, que incluía a necessidade do magistrado instruir o júri dos perigos da condenação com base apenas em informação fornecida por coautor. Embora, em recentes decisões, a jurisprudência americana vem admitindo que o testemunho de colaborador pode fornecer fundamento exclusivo para a condenação, a legislação federal americana carece de regulação sobre o valor 26 probatório das declarações feitas pelo colaborador . No que concerne às modalidades do plea bargaining essas são divididas em três: a sentence bargaining, a charge bargaining e uma forma mista. A primeira refere-se a um acordo realizado entre o acusado e o Ministério Público, que consiste na troca da declaração de culpabilidade do réu pela promessa de aplicação de uma “pena determinada ou determinável, dentro de variantes estabelecidas, ou de que fará o Ministério Público recomendações benevolentes (recommendations) ao juiz – que não está obrigado a segui-las – ou de que não se oporá o órgão de acusação ao pedido de moderação de pena feito pela 27 defesa”. Na segunda modalidade, qual seja a charge bargaining, o acusado confessa sua culpa em um ou mais crimes e o Ministério Público, em troca, abandona determinada ou determinadas importações que originariamente lhe foram feitas, ou o acusa de um delito menos grave do realmente ocorrido. Por fim, a forma mista consiste na confissão do réu em contrapartida a uma aplicação de uma pena atenuada e diminuição de imputações. Cabe ressaltar a existência do implicit plea bargaining no sistema americano, o qual concerne na possibilidade do acusado receber uma pena mais branda do que a que receberia caso fosse a julgamento. Tal instituto se aplica quando, mesmo sem existir um acordo entre acusação e defesa, essa última confessa sua culpa. Portanto, percebe-se que a politica criminal americana deu ensejo ao sistema de barganha por ser mais prático e eficiente para os anseios da sociedade e de conclusão de casos penais. Contudo, vem-se percebendo um claro desrespeito ao princípio da inocência, uma vez 26 PEREIRA, Frederico Valdez. Valor probatório da colaboração processual. Brasília: Revista CEI, ano XIII, n. 44, jan/mar. 2009, p. 25-35. Disponível em: < http://www2.cjf.jus.br/>. Acesso em: 15 mar. 2014 27 SOUZA, José Alberto Sartório de. Plea bargaining: modelo de aplicação do princípio da disponibilidade. In: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, fasc. 2. Belo Horizonte, dez./1998, p. 264 22 que a simples confissão do réu já se caracteriza prova suficiente para sua condenação. Os números americanos demonstram que, por intermédio do plea bargaining, “são solucionados 80% (oitenta por cento) a 95% (noventa e cinco por cento) de todos os crimes, por outro lado, inquéritos feitos por uma amostragem significativa de promotores revelam que estes consideram cerca de 85% dos casos da sua experiência como adequados a uma solução de 28 plea bargaining" 2.3 AS MÁFIAS ITALIANAS E O INSTITUTO DO PENTITISMO O instituto da delação premiada na Itália tem seus primeiros resquícios durante a segunda fase do Direito Penal de exceção ou emergência. Esse período caracterizou-se por uma legislação política e antiterrorista, tendo como principais entidades o órgão judiciário e o Ministério Público. Nesse momento, surgiu a lei dos arrependidos (pentitismo), contudo não 29 existiam as garantias tradicionais em favor do processado e do delator . Com o tempo tornou-se mais frequente a presença do pentiti no sistema criminal italiano, tornando-se necessárias formas de proteção e “prêmios” para os arrependidos. Desta maneira, surgiu a delação premiada na Itália, ou seja, um benefício dado àqueles que 30 delatarem outras pessoas implicadas com as atividades ilícitas . Tais benefícios foram oferecidos aos delatores, tendo em vista que o direito penal de emergência, o qual funcionava dentro de uma perspectiva funcionalista, buscava “aniquilar” o inimigo, sendo o direito premial a forma mais eficiente de alcançar os fins desejados por esse sistema. Conquanto somente na terceira fase do direito penal de exceção é que o instituto do pentiti veio a solidificar-se, criando-se um regime jurídico especial para o arrependido, incluindo a proteção dos colaboradores da justiça. Inclusive, tais alterações estão previstas no próprio Código de Processo Penal italiano de 1988. o o Há ainda o Decreto-Lei n 6.25/79, posteriormente convertido na Lei n 15/80, e a o Lei n 304/82 em que se criaram três figuras atuais fundamentais para o sistema italiano, quais 31 sejam: o arrependido, o dissociado e o colaborador . Ocorre o primeiro instituto quando, 28 PAIVA, Mário Antônio Lobato de. Juizados especiais criminais: a revolução copérnica do sistema penal vigente. Disponível em: , Acesso em: 15 mar. 2014. 29 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Op. cit. p. 54 30 Op. cit. p. 53 31 o DECRETO-LEI n 6.25/79. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2014; LEI n 304/82. 23 antes da sentença condenatória, os criminosos saem das associações e fornecem informações o o sobre a estrutura dessas. A figura desse petito está previsto no artigo 3 da Lei n 304/82. Em o relação ao dissociado, que surgiu na Lei n 34/87, ocorre quando àquele que tenha praticado o delito, antes da sentença condenatória, tenta elidir ou abrandar as consequências danosas ou perigosas dos crimes. Caso consiga, obterá a redução de um terço da pena. Por fim, a figura o do colaborador, previsto no artigo 10 da Lei n 82/91, é aquele que concorre para a prática do delito, porém, antes da sentença condenatória, auxilia as autoridades policiais e judiciais na colheita de provas que caracterizem individualmente a atividade de cada autor do crime ou forneça elementos de provas relevantes para a reconstituição dos fatos e conhecimento da 32 autoria delitiva . O principal fator que provocou o crescimento da delação premiada na Itália foi a circunstância de se tornar cada vez mais comum a presença de máfias, que por intermédio da globalização, conseguiam maximizar seus lucros, comandavam os rumos da política e sociedade, praticando, principalmente, os delitos de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e corrupção. No entanto, foi sobretudo na década de 1980, com a Operazione Mani Puliti 33 (Operação Mãos Limpas) e com Tommaso Buscetta, que rompeu com a lei do silêncio , que se passou a estimular mais a colaboração. As confissões de Buscetta perante a justiça italiana resultaram no chamado “maxiprocesso criminal”, que significa processos em que possui diversos acusados. No caso da Operação Mãos Limpas se contava com mais de 400 (quatrocentos) réus. Ocorre que, embora tenha Tommaso Buscetta requerido e obtido a sua segurança 34 pessoal e proteção aos familiares , naquela época ainda não existia previsão normativa que fornecesse assistência especial ao delator e seus familiares. Após o assassinato do juiz Rosário Disponível em: < http://www.normattiva.it/uri-res/N2Ls?urn:nir:stato:legge:1982-05-29;304>. Acesso em: 15 mar. 2014 32 GUIDI, José Alexandre Marson. Op. cit. p. 103/104. 33 A lei do silêncio é uma das características da criminalidade organizada, que se impõe entre os membros das organizações ilícitas por meio de atos de extrema violência. Ou seja, caracteriza-se como um obstáculo para a obtenção de provas, visto que os delatores têm temor nas consequências de suas colaborações. (MIRANDA, Gustavo Senna. Obstáculos contemporâneos ao combate às organizações criminosas. Tevista dos Tribunias, vol. 870, abr/2006, p. 459). Nesse mesmo sentido, Pedro Juan Mayor M. trata do Código de Honra (conhecido como omertà, termo proveniente dos homens sicilianos), caracterizando-o como um instrumento inflexível e severo, no qual tem como principal regra a obediência absoluta aos “chefes” e o completo sigilo dos delitos praticados nessas organizações criminosas. Assim, os integrantes dessas empresas criminosas obrigam-se sob juramento a se ajudarem mutuamente e não atuar como testemunhas em nenhum tribunal. (Cf. MAYOR, Pedro Juan. Concepción criminológica de la criminalidade organizada contemporanea. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 7, n. 25, jan-mar/1999). 34 Mesmo assim, mais de trinta familiares de Buscetta foram assassinados pela máfia “Cosa Nostra”. Mais sobre o assunto, ver o jornal Clarin Digital, de 29 de junho de 1997, Buenos Aires, Argentina. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2014. 24 Livatino e a pressão dos magistrados requereu-se medidas mais eficientes no combate aos o grupos criminosos, em especial às máfias. Assim, promulgou-se o Decreto-Lei n 8, de 15 de o janeiro de 1991, convertido, com modificação, na Lei n 203, do mesmo ano. O Programa de Proteção aos colaboradores na Itália se baseou no norte-americano, em que os delatores recebem novas identidades, hospedagem em casas financiadas pelo governo e também recebem dinheiro para que possam começar uma vida nova. Esse sistema italiano chegou a proteger mais de seis mil pessoas, uma vez que muitos delatores pediram 35 proteção também para seus familiares . Em 1996, no Memorial da América Latina, o Procurador da República Armando Spataro informou que naquela época cerca de 1.200 arrependidos já se encontravam sob a proteção italiana e que a eficaz proteção em relação aos colaboradores processuais e a aplicação de atenuantes especiais eram fundamentais para uma adequada resposta 36 institucional contra a máfia . No que concerne o valor probatório das declarações do arrependido, quando ainda vigorava o Código de Processo Penal Italiano de 1930, existiam duas posições. A primeira corrente considerava que as declarações constituíam apenas uma notitia criminis, ou seja, não possuía qualquer valor probatório. Contrariamente, existia uma corrente extremada, a qual considerava ser a delação uma prova plena, suficiente para a condenação. Entretanto, prevaleceu a posição intermediária, a qual considera o valor probatório da delação, porém a condenação deve ser fundada em outras provas além das declarações prestadas. Tal posicionamento é o adotado pela jurisprudência italiana, em especial pela Corte de Cassação Italiana. Posteriormente, o Código de Processo Penal Italiano de 1988, vigente atualmente, trouxe a previsão legal em seu artigo 192, §3º, de que é necessário que as 37 declarações do corréu sejam analisadas em consonância com as demais provas dos autos . 2.3 A DELAÇÃO PREMIADA NA ESPANHA No que concerne à Espanha, a figura do delicuente arrepentido surgiu pelo clamor da sociedade em se buscar mecanismos de combate ao terrorismo, já que a legislação penal vigente não era mais suficiente para tanto. 35 Jornal Clarin Digital, de 29 de junho de 1997, Buenos Aires, Argentina. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2014. 36 No Seminário Internacional “Drogas: debate multidisciplinar”, realizado pelo Conselho Estadual de Entorpecentes (de São Paulo), sob a presidência e Alberto Z. Toron, em 13 de setembro de 1996. 37 PEREIRA, Frederico Valdez. Op. cit. 25 o 38 A Lei Orgânica n 3, de 25 de maio de 1988 , foi o primeiro instrumento normativo que abarcou a figura premial dentro do ordenamento jurídico espanhol. Tal lei previa que nos crimes de terrorismo, os seus participantes teriam a remissão parcial ou total da pena caso colaborassem com a justiça. A remissão total da pena ocorreria quando a atuação do colaborador tivesse conseguido identificar os demais delinquentes, evitasse o delito ou impedisse a atuação ou continuação do delito, salvo se a atuação do confesso não tivesse causado a morte de alguma vítima ou nos demais casos previstos em lei nos quais não é admitida a remissão total. 39 Com o advento do novo Código Penal , a norma premial foi mantida em relação ao crime de terrorismo (artigo 579,4), além de ter sido estendida para os delitos relacionados ao tráfico de drogas (artigo 376) e às organizações criminosas (artigo 570, quáter, 4). Contudo, algumas modificações ocorreram: não mais se permitiu a remissão total da pena, bem como a necessidade de concorrência de todas as circunstâncias (algumas de modo alternativo) para a atenuação da pena. No novo Código Penal, os artigos supramencionados apresentam as circunstâncias exigidas para a aplicação da pena inferior para os delitos de terrorismo, tráfico de drogas e organizações criminosas, quais sejam: abandono voluntário das atividades delitivas; colaboração efetiva com as autoridades ou seus agentes para impedir a produção do delito ou obter provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis ou para impedir a atuação ou o desenvolvimento de organizações ou associações a que tenha participado ou colaborado. No caso de crime de terrorismo, além de abandonar voluntariamente as atividades delitivas, deverá o infrator apresentar-se as autoridades e confessar os atos criminais em que tenha participado. o Cabe ressaltar que antes da vigência da Lei Orgânica n 15, de 25 de novembro de 40 2003 , que modificou o artigo 376 do Código Penal Espanhol, fazia-se necessário para o crime de tráfico de drogas a confissão dos fatos perante a autoridade, contudo, tal lei suprimiu essa necessidade. No que concerne à previsão legal de valoração das declarações do colaborador, não há uma norma específica sobre tal assunto no ordenamento jurídico espanhol, todavia, a jurisprudência espanhola trata vastamente sobre o valor probatório das declarações do 38 o LEI Orgânica n 3, de 25 de maio de 1988. Disponível em: < http://www.congreso.es/constitucion/ficheros/leyes_espa/lo_003_1988.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2014. 39 o LEI Orgânica n 10, de 23 de novembro de 1995. Disponível em: < http://noticias.juridicas.com/base_datos/Penal/lo10-1995.html>. Acesso em: 12 mar. 2014. 40 o LEI Orgânica n 15, de 25 de novembro de 2003. Disponível em: < http://noticias.juridicas.com/base_datos/Penal/lo15-2003.html>. Acesso em: 12 mar. 2014. 26 colaborador. O entendimento da jurisprudência predominante é que as informações prestadas pelo delator são reconhecidas como prova, desde que observadas todas as garantias processuais. Entretanto, a presunção de inocência dos delatados não pode ser afastada apenas pelas declarações dos delatores, fazendo-se necessárias outras provas, documentais ou 41 testemunhais . Em relação ao aspecto protetivo dos colaboradores da justiça, se aplica o 42 analogicamente a Lei Orgânica n 19, de 23 de dezembro de 1994 , que trata da proteção das testemunhas e peritos em causas criminais. Contudo, não há uma norma que prevê 43 expressamente a proteção dos colaboradores , por isso, o ordenamento jurídico espanhol tem sofrido inúmeras criticas e, até o presente momento, o que ocorre é a aplicação análoga dessa lei. 41 BITTAR, Walter Barbosa. Op. cit. p. 10 42 o LEI Orgânica n 19, de 23 de dezembro de 1994. Disponível em: < http://www20.gencat.cat/docs/Adjucat/Documents/ARXIUS/lo19_1994loptp.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2014. 43 BENÍTEZ ORTÚZAR, Ignácio Francisco. El colaborador com la justicia: aspectos substantivos, preocesales y penitenciários derivados de la conducta de “arrepetido”. Madrid: Dykinson S.L., 2004, p. 181-182. 27 3 A COLABORAÇÃO PREMIADA NO BRASIL O instituto da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro desenvolveu- se com fundamento no direito alienígena, principalmente por intermédio da figura do pentitismo italiano. Todavia, diferentemente de outros Estados, como Espanha, Estados Unidos e Itália, o Brasil não vivenciava uma época marcada por práticas terroristas ou desenvolvimento de organizações criminosas nos moldes da máfia italiana. Na verdade, a sociedade civil clamava para que o Estado criasse instrumentos de combate ao crime organizado, que cada vez mais se tornava presente e forte no Brasil, uma vez que a utilização de mecanismos pautados no sistema repressivo como fonte maior de regulação social não estavam mais gerando os efeitos esperados. Dentro da sistemática processual penal brasileira, a colaboração premiada sofreu críticas, uma vez que foi inserida pelo legislador sem estabelecer nenhum regramento de ordem processual para a cooperação premiada, o que gerou incertezas na aplicação do instituto e de seus prêmios. Nesse sentido, o presente capítulo desse trabalho apresentará a evolução legislativa percorrida pelo Brasil na aplicação do instituto da colaboração premiada, demonstrando os avanços conquistados no ordenamento jurídico nacional e o momento histórico em que o direito premial foi inserido na legislação brasileira. Ademais, tratará em especial das principais controvérsias existentes acerca da colaboração premiada, levantando os argumentos favoráveis e contrários ao instituto premial. 3.1 O CONTEXTO DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL A previsão legal da delação premiada no Brasil remonta às Ordenações Filipinas, que vigoraram do início do século XVII até o século XIX. Assim, no Código Criminal do Império, em seu Título XII (“Dos que fazem moeda falsa ou a despendem e dos que cerceiam a verdadeira ou a desfazem”), existia a previsão de benefícios àquele que informasse ao Reino 44 ou à justiça o local onde a moeda falsa era fabricada . Ainda no Livro V, em seu Título CXVI, estabelecia expressamente as regras de “como se perdoará aos malfeitores, que derem 45 outros à prisão” . 44 GUIDI, José Alexandre Marson. Delação premiada no combate ao crime organizado. São Paulo: Lemos&Cruz, 2006. p. 110/111. 45 TASSE, Adel El. Delação premiada: novo passo para um procedimento medieval. Ciências Penais, vol. 5, julho/2006. p. 269 28 Durante esse período, o caso mais conhecido da aplicação do direito premial foi o ocorrido na Inconfidência Mineira – movimento social que lutou pela independência do Brasil no final do século XVIII - mais precisamente com o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, que, mediante a promessa do perdão de sua vultosa dívida com a Fazenda Real, delatou o movimento para as autoridades portuguesas. Tal pleito de barganha culminou com o fim do movimento e com punições aos inconfidentes, entre eles a execução em praça pública de Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como “Tiradentes”. Posteriormente, com a independência do Brasil e novas legislações penais, o instituto da delação premiada quedou-se no esquecimento do legislador. Somente no final do século XX, com o aprimoramento dos delitos e intensificação de organizações criminosas é que o Brasil preocupou-se em regulamentar a legislação premial como forma de se alcançar soluções mais eficientes no combate ao crime. Corroborando com esse fato, observa-se que, em 1996, o Brasil era considerado como refúgio ideal para os mafiosos de alto nível, visto que era uma interessante praça de lavagem de dinheiro, se encontrava em um ponto de trânsito para o tráfico de drogas, além de ser o principal produtor e fornecedor de matérias químicas para os laboratórios clandestinos, 46 bem como concentrar 17 % (dezessete por cento) das contas bancárias dos narcotraficantes . Diante dessa conjuntura, carente de normas jurídicas que tratassem dos crimes organizados, o Brasil clamava por um controle penal que, no mínimo, definisse o que seriam as organizações criminosas e aplicasse mecanismos de combate a tais delitos. Nesse sentido, o legislador brasileiro, perfilado pela orientação italiana, que vinha o aplicando a delação premiada no combate à extorsão mediante sequestro, promulgou a Lei n 8.072/90, a chamada Lei dos Crimes Hediondos, a qual previa, no parágrafo único do artigo o 8 , que “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando o seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”. Neste diapasão, a lei de crimes hediondos foi a responsável por introduzir o instituto da delação premiada no novo ordenamento jurídico pátrio. o Da análise do parágrafo único do artigo 8 da lei supramencionada percebe-se que são dois os pressupostos básicos para a aplicação do instituto premial: o primeiro é a confissão, que embora não exigido explicitamente, parece “ilógico pensar que quem pleiteia 46 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e político-criminal. 2. ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 83 29 47 redução de pena não esteja admitindo a culpa” ; e o segundo é colaborar incondicionalmente com as investigações. Ressalta-se que o verbo denunciar, presente no parágrafo único do artigo oitavo da Lei de Crimes Hediondos - na verdade, em todos os textos normativos que utilize o verbo denunciar, referindo-se ao instituto premial – deve ser compreendido no sentido de possibilitar o desfazimento do bando ou quadrilha, não devendo ser confundido com o ato formal de acusação em crimes de ação penal pública. Entretanto, há discussão na doutrina sobre o que seria considerado esse 48 desmantelamento da quadrilha ou bando. Antônio Lopes Monteiro entende que “se a denúncia lograr uma separação eficaz, a tal ponto que altere o grupo de forma que não atinja mais os objetivos propostos, estaremos diante de um desmantelamento”. Assim, não importa que todos os membros daquela associação criminosa sejam presos. Por exemplo, se os membros do mais alto escalão ou o chefe intelectual são detidos, poderá ocorrer o desfazimento da quadrilha ou bando. No mesmo sentido, se são apreendidos objetos fundamentais para a prática dos delitos, então também se poderá desmantelar a associação criminosa. Desse modo o que deve se buscar é a neutralização da quadrilha ou bando. o Cabe ainda ressaltar que o artigo 7 da Lei de Crimes Hediondos acresceu ao artigo o 159 do Código Penal o § 4 , que previa que “se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena 49 reduzida de um a dois terços” . Percebe-se que o dispositivo supramencionado indicava uma o o restrição à utilização da delação premiada, que, na análise do § 4 , acrescentado pela Lei n 8.072/90, deveria ser aplicada somente em crime cometido por quadrilha ou bando. Entretanto, o legislador, interessado em ampliar o uso do beneplácito, elaborou a Lei o o n 9.269/96, a qual alterou o § 4 do artigo 159 do Código Penal, ao prever: “se o crime é 47 BITAR,Walter Barbosa. Delação premiada: direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 89/90. 48 a MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos:texto, comentários e aspectos polêmicos. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 172 49 Nesse sentido são as seguintes decisões: “Extorsão mediante sequestro. Causa especial de diminuição da pena. o o Delação. A regra do § 4 do art. 159 do Código Penal, acrescentada pela Lei Lei n 8.072/90, pressupõe a delação à autoridade e o efeito de haver-se facilitado a libertação do sequestrado” (STF-HC 69.328-8 – DJU de 05/06/1992, p. 8.430 e JSTF 168/322); “a delação premiada prevista no art. 159, § 4°, do CP é de incidência obrigatória quando os autos demonstram que as informações prestadas pelo agente foram eficazes, possibilitando ou facilitando a liberação da vítima” (RT - 819/553). “Na pena, a delação feita pelo agente cuja colaboração eficaz garante, de certa forma, o êxito da ação final do estouro do cativeiro, com um mínimo de vítimas” (RJTACRIM 66/85) 30 cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”. o Desde então, o artigo 159, § 4 , do Código Penal possui requisitos mais amplos para a aplicação do instituto da delação premiada. Por se tratar de lei mais benéfica, ou seja, a lei nova mais favorável ao réu retroage, então, mesmo os delitos praticados antes de 2 de abril de 1996, devem ser beneficiados pelo novo instituto premial, desde que preenchidos os 50 requisitos. Portanto, a primeira lei que introduziu o instituto premial no novo ordenamento brasileiro foi a Lei de Crimes Hediondos. Destaque-se que o legislador apresentou um rol taxativo das hipóteses contempladas com a possibilidade de diminuição da pena. Ademais, nenhuma proteção foi oferecida ao delator em caso de colaboração com a justiça. Assim, pelo temor com o que lhe poderia ocorrer após a delação, os coautores ou partícipes preferiam se quedar inertes. Desse modo, o instituto da delação premiada foi introduzido no Brasil com diversas críticas, em razão de não existir um estudo aprofundado acerca de sua natureza jurídica, extensão e eticidade, bem como não havia previsão em lei sobre o procedimento específico o qual deveria ser adotado para a aplicação do instituto premial. Entretanto, tais fatores não foram impeditivos para o uso da colaboração premiada como um dos instrumentos mais 51 eficientes no controle da criminalidade . O avanço da globalização e a facilidade cada vez mais presente da comunicação e transporte, bem como o livre mercado, fizeram com que se fortalecessem as organizações criminosas, que divergem de uma simples associação para delinquir, como definido no art. 52 288 do Código Penal . Esse fortalecimento trouxe a necessidade de se combater essa nova 50 Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo em suas decisões: EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 159, § 4º, CP. DELAÇÃO PREMIADA.DESNECESSIDADE DE QUE O CRIME TENHA SIDO PRATICADO POR BANDO OUQUADRILHA. LEI Nº 9.269/96. Com o advento da Lei nº 9.269/96, tornou-se despiciendo, para a incidência da redução prevista no art. 159, § 4º, do CP, que o delito tenha sido praticado por quadrilha ou bando, bastando, para tanto, que o crime tenha sido cometido em concurso, observados, porém, os demais requisitos legais exigidos para a configuração da delação premiada. Writ concedido.(STJ, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 15/06/2004, T5 - QUINTA TURMA) (grifos acrescidos); EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. VÍTIMA LIBERTADA POR CO-RÉU ANTES DO RECEBIMENTO DO RESGATE. RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA DELAÇÃO PREMIADA. REDUÇÃO DA PENA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A libertação da vítima de seqüestro por co-réu, antes do recebimento do resgate, é causa de diminuição de pena, conforme previsto no art. 159, § 4º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 9.269/96, que trata da delação premiada. 2. Mesmo que o delito tenha sido praticado antes da edição da Lei nº 9.269/96, aplica-se o referido dispositivo legal, por se tratar de norma de direito penal mais benéfica. 3. Ordem concedida. (STJ, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 01/09/2005, T5 - QUINTA TURMA) 51 PENTEADO, Jaques de Camargo. Delação Premiada. Revista dos Tribunais, vol. 848, p. 711 52 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Op. cit, p. 91/101. 31 criminalidade, mesmo que no campo teórico não se conheça tão bem esse instituto e, por essa razão, algumas vezes as normas de combate às organizações criminosas não respeitassem os 53 direitos e garantias individuais . o 54 Nesse contexto, surgiu a Lei n 9.034/95 , que previa sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Assim, com essa lei surge no ordenamento jurídico pátrio um novo tipo penal, as organizações criminosas, embora a lei não trouxe sua definição expressa. Essa lei sofreu diversas críticas, visto que possuía contradições, como a má redação o do seu artigo 1 que trazia em um mesmo dispositivo tipos penais diferentes (quadrilha e bando e, posteriormente, organizações criminosas), tratando-as como iguais. Apesar disso, esse último tipo penal não se confunde com aqueles, que são menos complexos. Desse modo, o a Lei n 9.034/95 aplicava-se exclusivamente à organização criminosa e aos crimes resultantes 55 dela . o O instituto premial veio previsto no artigo 6 dessa lei em comento, dispondo que “nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua o autoria”. Da mesma forma como na lei anterior apresentada, Lei n 8.072/90, a delação premiada na Lei das Organizações Criminosas possuía três pressupostos para sua aplicação: a confissão e a colaboração com as investigações e esclarecimento das infrações penais 56 praticadas . Percebe-se, então, que o caráter de excepcionalidade da delação premiada era cada o vez mais afastado. Como prova disso foi o fato de que no mesmo ano da Lei n 9.034, surgiu o também a Lei n 9.080/95, que se limitou a acrescentar dispositivos normativos em duas leis o o anteriores: a Lei n 7.492/86 – crimes contra o sistema financeiro nacional - e a Lei n 8.137/90 – crime contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. 53 SACERDO, Leandro. A delação premiada e a necessária mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal. São Paulo: Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 27, jan/2011, p. 191 54 o Revogada pela Lei n 12.850/2013, a qual será tratada mais adiante. 55 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Op. cit. p. 102. 56 o Nesse sentido, posiciona-se o Tribunal Federal Regional da 2 Região: “Tendo os réus fornecido à polícia dados fundamentais relativos às pessoas que os haviam contratado para transportar a droga, como nomes, endereço e número de telefone, o que propiciou a identificação de alguns dos integrantes da quadrilha, resta caracterizada a chamada "delação premiada", devendo os réus serem beneficiados com a causa especial de diminuição da pena, prevista na Lei nº 9.034/95. 3-) Não há que se cogitar, porém, da progressão do regime prisional, uma vez que a Lei nº 8.072, que disciplina a matéria, determina em seu artigo 2º, §, que se tratando de tráfico de entorpecentes, a pena deve ser cumprida integralmente em regime fechado. Precedentes do STF. (TRF2 – Ap. Crim. 1894/RJ, Rel. Juiz Antônio Cruz Netto, DJe: 10/02/2000) 32 Ambas as modificações ocorridas nas duas leis têm redação idêntica, da seguinte forma: “Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços”. Isto posto, o instituto premial introduzido nas duas leis supramencionadas alcançou todos os crimes previstos nelas, não se fazendo restrição à gravidade do delito e à pena máxima ou mínima cominada. Portanto, percebe-se que, diferentemente das leis anteriores o apresentadas, a Lei n 9.080/95 banalizou o instituto da delação premiada, ampliando as possibilidades de sua aplicação. Por outro lado, a ampliação das organizações criminosas e seu fortalecimento por intermédio da globalização fez surgir um modelo social especial, que buscava um alcance global. Ademais do incremento do crime de lavagem de dinheiro, revelou a necessidade de aprimorar os mecanismos de combate à criminalidade. Nesse sentido, a lavagem de ativos de origem criminosa era atividade cada vez mais comum entre os infratores que se dirigiam a outros estados e países para tentar tornar lícito o dinheiro “sujo”. Essa realidade atingiu o direito penal, que ainda se encontrava fundamentado em institutos penais tradicionais, inadequados à situação mundial atual e, por isso, clamava por um modelo jurídico que se amoldasse às novas ordens econômicas e sociais. 57 Destarte, o crime organizado e a lavagem de dinheiro são delitos interligados. No crime organizado há a existência de pessoas das mais variadas classes econômicas e sociais, desempenhando tarefas distintas, porém, com um mesmo objetivo, normalmente o acúmulo de capital. Já a lavagem de dinheiro refere-se à transnacionalidade do crime organizado, na medida em que os agentes aproveitam-se da interligação do sistema econômico-financeiro mundial para dar maior eficiência à lavagem de dinheiro. Por ter uma característica internacional, as normas que buscam repelir a lavagem de capital são muito semelhantes em diversos países – há uma uniformização das leis anti- 57 O termo “lavagem de dinheiro” surgiu nos Estados Unidos no início do século XX, visto que naquela época vigorava a “Lei Seca” de 1920, o qual proibiu a fabricação, venda e transporte de bebidas que apresentassem mais de 0,5% (cinco por cento) de teor alcoólico, exceto as com comprovada finalidade medicinal. Por essa razão, as organizações criminosas se expandiram rapidamente, por intermédio do aumento dos lucros com as atividades ilícitas. Esse aumento de lucros levou esses grupos a abrirem lavanderias, visto as dificuldades de fiscalizar esses locais e, assim, declaravam superfaturamento dos rendimentos, ao final, tornando o dinheiro como se fosse de origem lícita. Atualmente, a lavagem de dinheiro apresenta basicamente três fases: conversão, dissimulação e integração. Na primeira fase, o capital ilícito é introduzido no sistema financeiro informal por intermédio de pequenas quantidades, sem chamar atenção das instâncias de controle. Já na segunda fase, busca- se ocultar a origem ilícita do dinheiro com sucessivas transações financeiras, inclusive no exterior, distanciando o produto do crime da sua origem. Por fim, a última fase consiste de utilizar os lucros da atividade ilícita na aquisição e/ou investimento no circuito legal/ilegal. 33 branqueamento, conhecida como harmonização -, existindo inclusive convenções internacionais para que os Estados participantes se comprometam na criminalização do delito de lavagem de dinheiro, bem como recomendações emitidas por organizações internacionais. 58 Portanto, percebe-se a presença de uma cooperação internacional . o Nesse contexto internacional, o Brasil sancionou a Lei n 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores. Essa lei prevê explicitamente a possibilidade da concessão do direito premial. Mais do que isso, a nova lei ampliou ainda mais os beneplácitos da delação. Antes as normas jurídicas brasileiras previam apenas a o redução de um a dois terços da pena aplicada. Com a Lei n 9.613/98 foram previstas novas possibilidades de prêmios a serem oferecidos ao delator: o cumprimento da pena inicialmente em regime aberto; a substituição da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos; e o perdão judicial. o o o Assim sendo, o artigo 1 , § 5 , da Lei n 9.613/98, embora tenha sido alterado pela o Lei n 12.683/12, desde sua origem já vinha prevendo a redução de um a dois terços da pena aplicada a ser cumprida no regime inicial aberto, podendo ainda o juiz substituir a pena 59 privativa de liberdade pela restritiva de direitos ou mesmo deixar de aplicá-la . Cabe destacar o entendimento divergente que há na doutrina. O autor Luiz Flávio 60 Gomes entende que, caso o autor, corréu ou partícipe apenas localize os bens, direitos ou valores objeto do crime não se trata de uma delação premiada, mas sim uma “confissão premiada”, visto que não se incrimina outras pessoas. Em sentido contrário, Walter Barbosa 61 Bittar compreende que ambos os casos tratam-se de delação premiada, visto que o legislador deixou a conjunção alternativa “ou” entre “prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à 58 Como exemplos de convenções internacionais que buscam a cooperação entre os países para o combate efetivo do crime de lavagem de dinheiro, podem ressaltar três: a Convenção de Viena, Convenção de Palermo e Convenção de Mérida. A Convenção de Viena de 1988 foi o primeiro instrumento jurídico internacional a definir o crime de lavagem de dinheiro. Já a Convenção de Palermo propõe que se estabeleça um parâmetro de gravidade do crime antecedente ao da lavagem, como um patamar de pena mínima a partir do qual a infração seria considerada passível de gerar a lavagem de capitais. Por fim, a Convenção de Mérida destaca que a corrupção se tornou um fenômeno transnacional, que afeta todas as sociedades e economias, e está intimamente ligada ao crime organizado e à lavagem de dinheiro. Ressalta-se que as três convenções foram ratificadas pelo Brasil. 59 o o Atualmente, o supramencionado artigo está previsto da seguinte forma: “Art. 1 , § 5 . A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime”. 60 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 343/433 61 BITTAR, Walter Barbosa. Op. cit, p, 131. 34 localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime”. Além de que, segundo esse autor, é requisito intrínseco da delação premiada a confissão, pois, caso esta seja analisada isoladamente, se trata, na verdade, de uma atenuante genérica prevista no art. 65 do Código Penal. Independentemente de entendimentos divergentes na doutrina, não há o que se o discordar sobre o avanço obtido com a Lei n 9.613/98, responsável por ampliar os benefícios da delação premiada no ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, o Brasil já se aproximava de completar uma década do direito premial em seu ordenamento jurídico-normativo e ainda nenhuma norma de proteção ao colaborador da justiça havia sido promulgada. Ao lado disso, a criminalidade aumentava cada vez mais e a o sociedade clamava por medidas de combate mais efetivas. Nessa conjuntura, a Lei n 9.807/99 foi promulgada, tendo como intuito a proteção à vitima e a testemunhas ameaçadas, bem como a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Além de instituir o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e estabelecer normas 62 para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção daqueles . o Existe, outrossim, a Lei n 10.149/00, responsável por alterar e acrescentar o dispositivos à Lei n 8.884/94, que dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a o ordem econômica, entre outros. A Lei n 10.149/00 introduziu ao artigo 35-B – infrações econômicas administrativas – e ao artigo 35-C – os crimes contra a ordem econômica, o 63 tipificados na Lei n 8.137/90 -, a possibilidade de celebração de “acordo de leniência” . o Ocorre que ambos dispositivos acrescentados à Lei n 8.884/94 foram revogados o pelo artigo 127 da Lei n 12.529/11. Na verdade, antes mesmo dessa revogação, já se defendia a sua inconstitucionalidade, pois o artigo 129, I, da Constituição Federal prevê que compete ao Ministério Público “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”, o 62 Em razão do ponto 4.5 desse trabalho tratar sobre as medidas protetivas ao colaborador, essa lei será apresentada com maior profundidade mais adiante. 63 O acordo de leniência, originado na década de 90 nos Estados Unidos, é também um instrumento que ajuda o Estado no combate ao crime contra a ordem econômica. Trata-se de um acordo celebrado entre a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) - que atua em nome da União - e pessoas físicas ou jurídicas, que cometeram infrações contra a ordem econômica, no qual o infrator colabora nas investigações, no próprio processo administrativo e apresenta provas inéditas e suficientes para a condenação dos demais envolvidos na suposta infração. (Cf. GOMES JÚNIOR, Lúcio Alberto. A delação premiada na defesa da concorrência: perspectivas para a política brasileira d e leniência no combate a cartéis. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. Disponível em: < https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/105851/LUCIO%20ALBERTO%20GOMES%20JUNIO R.pdf?sequence=1>. Acesso em: 20 mar. 2014). 35 o que de antemão demonstra a inconstitucionalidade do artigo 35-C da Lei n 8.884/94, na parte 64 em que impede o oferecimento da denúncia . o o Há ainda a Lei n 11.343/06, que revogou a Lei de Tóxicos n 10.409/02 – que já previa o instituto da delação premiada -, trazendo em seu artigo 41, a previsão de que “o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços”. Ocorre que o legislador não observou os avanços do direito premial conquistados o 65 com a Lei n 9.807/99 . Nesse sentido, a nova lei limitou as possibilidades de concessão de prêmios ao colaborador ao não prever expressamente a extinção da punibilidade, como prêmio à delação. Entretanto, em resposta a essa conduta do legislador, deve ser feita uma interpretação o sistêmica com o artigo 5 , XL, da Carta Magna, que prevê que “a lei penal não retroagirá, o salvo para beneficiar o réu”. Além de que a Lei n 9.807/99 não criou novos tipos penais, não reformulou tipos pré-existentes e possui duplo objetivo de estabelecer “normas para a organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e testemunhas o ameaçadas”. Nesse diapasão, como ainda se encontra em vigência a Lei n 9.807/99, como norma mais ampla e benéfica, então, não poderá o aplicador da lei ignorar os beneplácitos o o mais favoráveis disciplinados no artigo 13 da Lei n 9.807/99, que são aplicáveis à Lei n 66 11.343/06 . o 67 Por fim, a lei mais recente que apresenta o direito premial é a Lei n 12.850/13 , a o nova Lei das Organizações Criminosas, a qual revogou a Lei n 9.034/95. A antiga lei de organizações criminosas foi bastante criticada por não trazer uma própria definição legal do que seriam essas organizações. Posteriormente, em 2004, o Brasil ratificou a Convenção de Palermo, já tratada nesse estudo, a qual trouxe a definição de organizações criminosas. 64 BITTAR, Walter Barbosa. Op. cit. p. 142 65 o “Art. 13, da Lei n 9.807/99. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.” 66 BITTAR, Walter Barbosa. Op. cit., p. 145 67 O próximo capítulo desse trabalho tratará mais profundamente sobre a essa lei. 36 Cabe destacar que, embora o Superior Tribunal de Justiça tenha entendido de forma 68 a divergente , a 1 Turma do Supremo Tribunal Federal, em importante decisão do Habeas o Corpus n 96.0007 – São Paulo, afastou a incidência da definição presente na Convenção de Palermo, fundamentando que a hipótese do crime de lavagem de dinheiro em decorrência de o o atividade ilícita de organização criminosa, prevista no artigo 1 , inciso VII, da Lei n 9.613/98, torna a conduta atípica, visto que, segundo o Ministro Marco Aurélio Mello (relator), inexiste no ordenamento jurídico pátrio definição do crime organizado, que vem 69 regulamentado “por um simples decreto” . Assim, segundo o STF nesse julgamento supracitado, não pode existir uma condenação pelo delito de lavagem de dinheiro decorrente de atividade ilícita da organização criminosa, uma vez que não há em nosso ordenamento jurídico pátrio definição legal de crime o organizado. Nesse sentido, após a Lei n 12.694/12 – primeiro dispositivo normativo em que o o legislador trouxe a definição de organização criminosa -, a Lei n 12.850/13 veio com um 70 novo conceito . Ademais, a nova lei de crime organizado também trouxe o instituto da colaboração premiada, em seu capítulo segundo, seção I, a qual alterou sensivelmente o panorama 68 EMENTA: HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. AUSÊNCIA DE DEFINIÇÃO LEGAL DOTERMO ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. INOCORRÊNCIA. CONVENÇÃO DAS NAÇÕESUNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL (CONVENÇÃO DEPALERMO). DECRETO LEGISLATIVO Nº 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 EDECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO PRATICADO POR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 1º, VII, DA LEI Nº 9.613/98). DESNECESSIDADE DE DESCRIÇÃO DO CRIME ANTECEDENTE.INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO VISLUMBRADA. ORDEM DENEGADA. 1. O conceito jurídico da expressão organização criminosa ficou estabelecido em nosso ordenamento com o Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou o Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo). Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 2. A Lei nº 9.613/98 não só estabelece, em seu art. 1º, um rol de crimes antecedentes ao de lavagem, como também autoriza que outros delitos nela não especificados venham a constituir crimes antecedentes, desde que cometidos por organização criminosa. Assim, possível a imputação do crime de lavagem de capitais quando os recursos financeiros foram obtidos por organização criminosa, não havendo necessidade de se elencar quais seriam as supostas condutas por ela perpetradas a fim de se obter as vantagens econômicas indevidas. (...) (STJ, Relator: Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Data de Julgamento: 16/08/2011, T6 - SEXTA TURMA). No mesmo sentido, observa-se os seguintes julgamentos: HC 162.957/MG, da Sexta Turma, Relator: Ministro OG Fernandes, DJe: 18/02/2013; HC 171.912/SP, da Quinta Turma, Relator: Ministro Gilson Dipp, DJe: 28/09/2011; HC 77.771/SP, da Quinta Turma, Relatora: Ministra Laurita Vaz, DJe: 22/09/2008. 69 EMENTA: TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613/98 – CRIME ANTECEDENTE. A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria. (HC 96007, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 12/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 07-02-2013 PUBLIC 08-02-2013) 70 o “Art. 1, § 1 . Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”. 37 brasileiro atual, onde era inserida a confissão delatória, visto que prevê procedimento para a adoção do benefício. Além de proporcionar “maior eficácia na apuração e combate à criminalidade organizada, sem que, de outra parte, se arranhem direitos e garantias 71 asseguradas ao delator” . 3.2 PRINCIPAIS CONTROVÉRSIAS ACERCA DA COLABORAÇÃO PREMIADA Não se ignoram as inúmeras críticas formuladas ao direito premial, principalmente no que concerne à relação ético-moral do delator com os demais criminosos e a sociedade, bem como se a colaboração é ou não um meio de defesa e se princípios constitucionais são violados por causa dessa cooperação e, ainda, qual é o valor probatório das declarações prestadas. Contudo, como será demonstrado, tais críticas são decorrentes de uma interpretação equivocada do instituto premial e da própria realidade atual, a qual aclama por meios mais eficazes no combate à criminalidade. Nada obstante aos posicionamentos contrários da aplicação da colaboração premiada, é necessário ressaltar o caráter repressivo decorrente desse instituto – deve ser entendido em duplo sentido, de reprimir o delito já consumado ou impedir que aquele que está em curso continue - e o seu caráter preventivo. Assim, ela se revela como poderoso instrumento de combate à criminalidade, sobretudo quando, com a sua concretização, se possa evitar que outros delitos se repitam e que cesse o curso daqueles que estão em marcha. 3.2.1 A relação ético-moral do colaborador com os demais autores do crime e com o Estado Entre os maiores argumentos utilizados pela doutrina contrária ao instituto da colaboração premiada, se não o maior, se encontra a relação ético-moral do delator com os demais agentes criminosos. O debate sobre a questão ético-moral da delação premiada não é recente, é um assunto que persiste há séculos no campo do direito. Esse tema mereceu a atenção de 72 Beccaria , que ao examinar a utilização do instituto premial, aduz que a “sociedade autoriza desse modo a traição, que repugna aos próprios celerados”. Alega ainda que “as leis descobrem sua fraqueza, implorando o socorro do próprio celerado que as violou”. 71 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado: comentários à nova lei sobre crime organizado. Salvador: Juspodvm, 2013. p. 35. 72 Dos delitos e das penas. Tradução Paulo M. Oliveira. São Paulo: EDIPRO, 1. ed., 2013, p. 50/51. 38 Argumenta-se que a delação nada mais é que traição, a falta de lealdade entre o agente criminoso com os seus demais companheiros e que, em circunstância alguma, esse ato pode ser considerado positivamente e que o instituto da delação premiada traz uma visão utilitarista de justiça, em que os fins justificam os meios, por intermédio do abandono de barreiras éticas. Diz-se que o Estado oferta prêmios para quem, além de infratores da lei, são 73 pessoas traidoras e desleais com seus companheiros. Desse modo, àquele que criticam o instituto premial remontam-se a um “inolvidável 74 grupo de delatores infames” , como: Judas Iscariotes, que informou onde Jesus Cristo se encontrava por trinta moedas; no Brasil, Joaquim Silvério dos Reis, que denunciou Tiradentes, levando-o à forca; Calabar, que delatou os brasileiros, entregando-os aos holandeses; Hitler, que utilizava a delação como mecanismo célere na identificação e subsequente extermínio dos indivíduos indesejáveis no processo de purificação da raça ariana; e o Cabo Anselmo, na ditadura militar brasileira, que denunciou dezenas de membros de organizações de esquerda. No universo das relações intersubjetivas não se pode separar a consciência moral e a vida cultural, pois esta define para seus membros o que se deve respeitar ou repudiar. A base da moral é o próprio comportamento social e, nessa conjuntura, a ética surge como uma filosofia da moral, sendo instrumento limitador dos mecanismos de controle da violência. Por essa razão, afirma-se que o campo ético não pode ignorar os meios a serem empregados para 75 que o sujeito realize seus fins, ou seja, “fins éticos exigem meios éticos” . 76 Nesse contexto, Zaffaroni ao analisar a figura do arrependido, diz que esse é apenas um delinquente que negocia um beneficio em troca de informação. Ademais, afirma que do ponto de vista ético, “a delação não é um elemento que melhore o juízo sobre um comportamento anterior e, em geral, degrada ainda mais a pessoa”. Ainda, alguns doutrinadores afirmam que a legislação premial é utilizada em razão da ineficiência do Estado para investigar e punir os criminosos, representando a falência 73 TASSE, Adel El. Delação premiada: novo passo para um procedimento medieval. Ciências Penais, vol. 5, julho/2006, p. 269 74 Termo utilizado pela autora Natália Oliveira, em sua obra A delação premiada no Brasil. (Cf. CARVALHO, Natália Oliveira de. A delação premiada no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 123). 75 CARVALHO, Natália Oliveira de. Op. Cit., p. 125/126. 76 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. “Crime Organizado”: uma categoria frustrada. In: Revista Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Ano 1, n. 1. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Insituto Carioca de Criminologia, 1996, p. 59/7. Disponível em: . Acesso em: 02 abr. 2014 39 estatal. Assim, por falta de preparo técnico e de estrutura tecnológica, o Estado se vê 77 compelido a transgredir com os mais elementares princípios éticos . Ademais, os que são contrários ao instituto premial, defendem que, na perspectiva ética, a delação premiada trata da “consagração legal da traição”, além de que ao delator é assegurado um destino trágico, seja pela morte em razão da traição ou pela escassa verba 78 orçamentária do Estado para dar a devida proteção aos delatores . Pois, infelizmente, a atual conjuntura social encontra-se em um contexto de criminalidade, na qual a polícia, por muitas vezes, não possui meios adequados para o combate ao crime organizado, sendo, assim, um sistema de segurança impotente. Antagonicamente aos posicionamentos acima levantados, não se pode negar que o instituto premial enseja no indivíduo que praticou o crime um sentimento de arrependimento e 79 de “reversão da postura de colisão com os valores negados com a ação ilícita” . Nesse 80 sentido, como bem assevera Walter Nunes a colaboração premiada “representa o comprometimento de lealdade que um dos envolvidos no crime tem para com o Estado e a sociedade em si, no sentido de dizer a verdade e esclarecer um fato que é do interesse de toda a comunidade”. Assim, vedar a possibilidade de acordo de colaboração na verdade violaria o campo ético em face da sociedade, uma vez que levaria os infratores a se beneficiarem de uma verdadeira blindagem contra a persecução penal, impossibilitando, desse modo, a cooperação com a justiça, pois o infrator teria temor de colaborar sem que tivesse a favor dele medidas protetivas, bem como benefícios judiciais decorrente de sua colaboração. 81 Beccaria após apresentar os inconvenientes do direito premial, expôs as vantagens desse instituto, mostrando que por intermédio dele pode-se prevenir grandes crimes e satisfazer a comunidade, que por muitas vezes se vê diante de crimes sem conhecer os culpados. Ademais, bem assevera o marquês de que o uso da delação premiada “mostra aos cidadãos que aquele que infringe as leis, isto é, as convenções públicas, já não é fiel às convenções particulares”. 77 CERVINI, Raúl; GOMES, Luís Flávio; OLIVEIRA, Wilian Terra de. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 348. 78 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 221. 79 AZEVEDO, David Teixeira de. A colaboração premiada num direito ético. In Boletim IBCCRIM. São Paulo, v. 7, n. 83, out/199, p. 5/7. Disponível em: . Acesso em: 02 abr. 2014 80 SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Curso de direito processual penal: teoria (constitucional) do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 762. 81 Dos delitos e das penas. p. 51. 40 Ainda, em brilhante defesa do instituto premial, Beccaria apresenta a ideia de uma lei geral que preveja a impunidade a todo cúmplice que revela um crime, pois, assim, o cidadão teria o receio de se reunir com os demais para a prática delituosa. Portanto, “preveniria a união dos maus, pelo temor recíproco que inspiraria a cada um de se expor sozinho aos perigos”. Desse modo, ao invés da fraqueza explanada anteriormente pelo autor, na qual o agente revela quem praticou o crime, a legislação permeada pela impunidade no caso da contribuição, gera no cidadão o temor de se associar para a prática do crime. 82 Na defesa da aplicação da legislação premial, o doutrinador Nucci destaca que a ética é “juízo de valor variável, conforme a época e os bens em conflito, razão pela qual não pode ser empecilho para a delação premiada, cujo fim é combater, em primeiro plano, a criminalidade organizada”, concluindo o autor que o direito premiado é “um mal necessário”, pois o bem maior a ser tutelado é o Estado Democrático de Direito. Entretanto, embora o presente trabalho corrobore com o pensamento do doutrinador de que a colaboração premiada deve ser vigente no ordenamento jurídico pátrio, não se pode tratar esse instituto como um “mal necessário”, uma vez que a colaboração premiada, além de ser utilizada de forma positiva para a sociedade, pois busca solucionar os delitos já existentes, também busca prevenir futuros crimes, além de possibilitar uma justiça restaurativa do indivíduo. Malgrado o questionamento sobre a moralidade da colaboração premiada, nos dias atuais constata-se claramente, pelo menos, duas vantagens desse instituto premial: permite ao Estado quebrar licitamente a lei do silêncio que envolve as organizações criminosas bem 83 como possibilita ao colaborador um ato espontâneo de arrependimento . Desse modo, a colaboração premiada funciona como autêntico método de investigação criminal, por intermédio do qual a verdade real é buscada através da barganha da liberdade do imputado. Assim sendo, a colaboração premiada também apresenta uma relação interpessoal do 84 individuo criminoso com a sociedade. Ou seja, a justiça restaurativa é aplicada ao instituto premial no sentido de proporcionar um comportamento ético do colaborador com a sociedade. A justiça restaurativa oferece a oportunidade de reflexão sobre como as relações de poder entre indivíduos é pautada em um extravasamento de ressentimentos mútuos. Trata-se, portanto, da tentativa de superar uma situação vivenciada pelo agente criminoso, em que lhe 82 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 418. 83 SILVA, Eduardo Araújo da. Da moralidade da proteção aos réus colaboradores. São Paulo, Boletim do IBCCRIM, dez/1999, p. 5. 84 A justiça restaurativa é a busca por um equilíbrio entre a reparação dos danos ocasionados à vitima, bem como a participação do agressor nessa reparação e, por intermédio disso, visa um processo de reintegração dele à sociedade. Assim, não se limitando a simples pena punitiva. 41 faltou a capacidade de julgamento do justo da sua ação. Assim, conclui que a colaboração premiada possibilita aos delituosos avaliar suas condutas, além de ajudar a afirmar aquilo que pretende ser, o justo. Por isso, o modelo restaurativo de justiça permite ao infrator realizar avaliações sobre sua maneira de ser e de viver e de procurar se afirmar no mundo com as coisas que estão ao seu alcance, ou seja, sua conduta é condicionada por uma ética de reflexão da sua própria moral. Portanto, conclui-se que a colaboração premiada tem ainda uma natureza de caráter restaurativo, visto que, ao ser confrontado com a possibilidade desse instituto, o infrator da lei assume um compromisso, desde que respeitadas a sua dignidade e demais garantias conquistas historicamente, no qual percebe e aceita os fatos ilícitos cometidos e, por isso, por intermédio da colaboração, tenta reparar os danos já ocasionados ou que ainda evitar futuros que poderiam ocorrer. Observa-se que o ato de colaboração não se restringe apenas em uma conduta arrependida do colaborador. Na verdade, se percebe na prática que muitas vezes o agente criminoso auxilia o Estado com o intuito único de obter os benefícios decorrentes de sua colaboração. Todavia, é possível celebrara um acordo de colaboração, mesmo que o acusado esteja unicamente interessado nos benefícios a receber, uma vez que o importante é que os depoimentos prestados e até provas apresentadas colaborem efetivamente para a persecução penal. Ademais, a crítica da violação da ética firmada entre os membros da associação criminosa baseia-se apenas no fato da delação de membros da organização, não considerando, porém, que a legislação não se restringe apenas a essa forma de colaboração. Isto é, a identificação de demais coautores e partícipes da organização criminosa não é uma condição sine qua non para a concessão do benefício. Ainda que a identificação dos demais agentes fosse critério fundamental para a concessão dos prêmios decorrentes da cooperação, não se pode conceber que a ética defendida entre os grupos de criminosos seja a mesma com que se depara a sociedade de pessoas do bem. É inconcebível que se defenda a presença de uma ética em um ambiente em que não há o respeito com os demais membros da sociedade. 85 Como bem assevera Guilherme de Souza Nucci não se pode falar em ética ou em valores moralmente elevados no universo criminoso, “dada a própria natureza da prática de 85 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 434. 42 condutas que rompem com as normas vigentes, ferindo bens jurídicos protegidos pelo Estado”. Nesse mesmo sentido, todos os entrevistados do Ministério Público e do poder judiciário foram unânimes ao não admitir o argumento de violação da ética entre os membros das organizações criminosas. Assim, em que pese a crítica por parte da doutrina, nada obsta, pelo contrário, recomenda-se que o Estado, por intermédio da legislação, ofereça vantagens para quem deseje colaborar com a justiça, visto que, como já explicitado, o instituto premial tem o condão de ser um eficiente instrumento utilizado no combate à criminalidade, além de oferecer mais uma alternativa de defesa ao agente infrator. Na verdade, nem mesmo o prêmio ofertado àquele que se arrepende pode ser considerado imoral em nosso ordenamento jurídico. A colaboração premiada é apenas mais um dos instrumentos para recompensar o infrator da lei por ter colaborado com a ação da justiça. Inclusive, encontram-se no próprio Código Penal as figuras da desistência voluntária e 86 do arrependimento eficaz (ambos presentes no artigo 15) , do arrependimento posterior 87 (artigo 16) , a atenuante em caso de confissão em juízo (artigo 65, inciso III, “d”) e a 88 atenuante presente no artigo 65, inciso III, “b” do Código Penal . Portanto, todos esses instrumentos legais são formas de prestigiar o agente que se revela pesaroso pela atitude que perpetrou. Em derradeiro, o argumento de que a colaboração premiada é uma traição do agente com os demais criminosos, sendo uma conduta reprovável, é superada pelo fato de que, na verdade, ela representa o compromisso de lealdade que o colaborador tem com a sociedade e o Estado, no sentido de dizer a verdade e esclarecer os fatos que tem conhecimento. Portanto, possibilita que a comunidade tenha conhecimento dos fatos criminosos e dos seus responsáveis, bem como evita que novas infrações ocorram, além de constituir um meio de ressocialização para o acusado, possibilitando o seu arrependimento e sua reinserção social. 86 “Art. 15. O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados” 87 “Art. 16. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.” 88 “Art. 65. São circustâncias que sempre atenuam a pena: (...); III – ter o agente: (...); b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as consequências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano; (...); d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime; (...).” 43 3.2.2 A colaboração premiada como direito de ampla defesa e violação de princípios constitucionais O incentivo à colaboração premiada insere-se em um campo de conflito entre dois polos opostos: a eficiência do sistema penal e a legitimidade desse sistema na conformidade com princípios e garantias típicas do Estado de Direito. Faz-se necessário analisar o limite que o Estado tem para atuar sem que se violem direitos fundamentais garantidos aos indivíduos. Em decorrência da colaboração premiada, o acusado poderá receber prêmios, como a redução da pena ou até mesmo o perdão judicial. Nesse contexto, não há como desconsiderar a hipótese de que essa cooperação constituir-se um meio de defesa da 89 liberdade do agente infrator . Portanto, os incentivos legais ofertados ao colaborador possuem natureza de defesa. Assim, após a celebração do acordo de homologação, não é razoável que a acusação exerça livres poderes sobre esse instrumento processual, visto que ele deve ser resguardado como representação do princípio magno da ampla defesa. Atente-se, ainda, que esses incentivos à colaboração premiada não colidem com a natureza defensiva do interrogatório, na verdade, elas se harmonizam. Dessa maneira, o magistrado, além de comunicar o interrogado sobre o seu direito ao silêncio como estratégia de defesa, deverá, também, informá-lo das consequências que podem advir de uma futura colaboração com a justiça, visto que esse é um mecanismo de defesa indireta, na medida em que pode atenuar a pena, diminuí-la e, até mesmo, extinguir a punibilidade, por intermédio de sentença absolutória. o A propósito, essa postura do magistrado concretiza o disposto no artigo 5 , LXIII, da Constituição Federal, que dispõe que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Ou seja, deve o magistrado informar ao réu os seus direitos previstos em instrumentos normativos, dentre eles a colaboração premiada. Conclui-se assim que, no momento em que está cooperando com a justiça, o investigado/réu está exercendo seu direito a ampla defesa, “pois a efetividade e eficiência da 89 ESSADO, Tiago Cintra. Delação premiada e idoneidade probatória. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 101, mar/2013, p. 203. 44 90 defesa não se confundem com a tese de exculpação ou de negativa de autoria” , visto que, na colaboração, o agente está exercendo seu direito de agir como melhor acredita ser adequado, confessando ou não, mas, principalmente, cooperando com a justiça, o que lhe proporciona um prêmio no momento em que o magistrado leva em consideração circunstâncias determinantes para a aplicação da pena menos grave. 91 Cumpre destacar, ainda, que o autor Frederico Valdez trata dos princípios constitucionais suscitados em face dos colaboradores e os suscitados em face dos delatados. No primeiro caso, encontram-se os princípios do direito à não autoincriminação e o princípio da culpabilidade, relacionado com a proporcionalidade da pena à gravidade do delito. Já no que concerne aos princípios constitucionais norteadores em favor dos delatados são eles: a quebra da isonomia e a tutela dos inocentes – eficácia probatória dos pentiti. Em relação ao princípio constitucional do direito a não autoincriminação, ele está relacionado com o que será debatido no ponto 4.2 desse trabalho – requisitos objetivos e subjetivos para a homologação do acordo – na parte em que trata sobre a necessidade de uma confissão do colaborador da justiça sobre os fatos nos quais tenha atuado, o que, segundo alguns defendem, decorreria da própria conceituação do instituto do arrependimento processual. Assim, esse fator violaria o nemo tenetur se detegere, visto que, possivelmente, o colaborador teria que produzir prova contra si, no momento em que o instituto premial requer 92 para a sua aplicação a confissão plena . Em sentido contrário, afirma-se que, por ser sujeito processual, o réu pode, desde que 93 livre e conscientemente, dispor do seu direito constitucional a não colaborar . Ou seja, como 94 bem exemplificado por Frederico Valdez , o direito de colaborar é um direito disponível, o qual se situa “na esfera de liberdade do titular do direito a decisão sobre opor-se, total ou parcialmente, ou mesmo não se opor, a imputação”. Portanto, o colaborador é livre para escolher o que melhor lhe é devido, e a renúncia ao direito insere-se na estratégia processual 95 adotada pelo acusado . 90 SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Curso de direito processual penal: teoria (constitucional) do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 766. 91 PEREIRA, Frederico Valdez. Delação Premiada: legitimidade e procedimento. Curitiba: Juruá, 2013, p. 53/64. 92 Ibid, p. 54. 93 CUERDA-ARNAU, Maria Luisa. Atenuación y remisión de la pena en los delitos de terrorismo. Madrid: Ministerio da Justicia e Interior, Centro de Publicaciones, 1995. p. 593/594. Disponível em: < http://books.google.com.br/>. Acesso: 04 abr. 2014. 94 PEREIRA, Frederico Valdez. Op. cit, p. 55. 95 Nesse mesmo sentido, posicionou-se o Tribunal Constitucional Espanhol: “ligar un efecto beneficioso a la confesión voluntariamente prestada, no es privar del derecho fundamental a no confesar si no quiere”. Tradução livre: “vincular um efeito benéfico sobre a confissão voluntária prestada, não está privando do direito 45 Para melhor analisar a aplicação do princípio do direito a não autoincriminação, deve-se observar a atual conjuntura processual e social. Diferentemente do processo medieval inquisitivo, em que, independente de sua veracidade, se impunha ao órgão jurisdicional a condenação do confidente, no atual sistema processual pátrio tem-se mero reconhecimento 96 dos fatos, buscando a verdade real . É importante mencionar, ainda, que tal princípio supra exemplificado relaciona-se com o princípio da renúncia do direito ao silêncio. O ponto central desse princípio recai no limite entre o direito ao silêncio ou o direito à fala. No atual ordenamento jurídico pátrio é garantido ao imputado manter-se em silêncio, sendo uma conquista imprescindível para a proteção da dignidade da pessoa humana. Em sentido contrário, a vontade livre e voluntária do agente em manifestar-se por intermédio da colaboração, também encontra amparo na 97 ordem constitucional, que lhe garante a liberdade de expressão como direito fundamental . A nova lei de crime organizado trouxe expressamente em seu artigo 4º, § 14, da Lei nº 12.850/2013, a previsão de que o colaborador, ao aceitar os termos do acordo de colaboração premiada renunciará, na presença do seu defensor, ao direito ao silêncio, ou seja, estando sujeito ao compromisso de dizer a verdade e sempre prestar as informações sobre as quais tem conhecimento, quando requerido. 98 Eugênio Pacelli defende que na colaboração premiada não há o que se falar em renúncia do direito ao silêncio, visto que a cooperação depende de ato voluntário do agente e não com imposição da norma legal, de modo que “se antes dessa decisão pessoal ele não era obrigado a depor – direito ao silêncio – não se pode dizer que tenha renunciado a esse direito, mas, sim, que resolveu se submeter às consequências da sua confissão”. fundamental de não confessar a menos que você queira” (Cf. ESPANHA. S.T.C. n. 75/1987. Sala Segunda. 25 de maio de 1987. Disponível em: . Acesso em: 04 abr. 2014). Na mesma linha adotada por esse Tribunal, a Suprema Corte norte-americana ao apreciar a constitucionalidade do plea bargaining, considera o direito de não se autoincriminar como um opção ofertada ao acusado de colaborar ou não com a acusação: “Waivers of constitutional rights not only must be voluntary but must be knowing, inteligente acts done with suficiente awareness of the relevant circumstances and likely consequences. On neither score was Brady´s plea of guilty invalid (...). As Brady indicates, a guilty plea, to be valid, must be product of a knowing and intelligent choice, and it must be voluntary, in the sense that it does not result from threats or promises other than those involved in any plea agreement”. Tradução livre: “Renúncias de direitos constitucionais, não só deve ser voluntária, mas deve ser consciente, atos inteligente feito com consciência das circustancias relevantes e provaveis consequencias. Em nenhuma pontuação a confissão de Brady foi inválida (...). Como Brady indica, uma confissão de culpa, para ser válido, deve ser produto de uma escolha consciente e inteligente, e deve ser voluntária, no sentido de que não resulte de ameaças ou promessas de terceiros de que não aqueles que estão envolvidos em qualquer acordo de colaboração” (Cf. Brady v. United States, 397 U.S. 742 (1970)). 96 PEREIRA, Frederico Valdez. Op. cit., p. 55. 97 ESSADO, Tiago Cintra. Delação premiada e idoneidade probatória. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 101, mar/2013, p. 203. 98 os OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curo de Processo Penal. 18. ed. rev. e amp. tual. de acordo com as Leis n 12.830, 12.850 e 12.878, todas de 2013. São Paulo; Atlas. p. 864/865. 46 No que concerne à renúncia ao direito ao silêncio em decorrência da colaboração premiada, percebe-se que uma proposta de acordo de colaboração premiada, transcrita na o decisão de Correição Parcial n 2009.04.00.035047-6/PR, julgada pelo Tribunal Regional a Federal da 4 Região, dispõe que o colaborador, ao assinar o acordo, renuncia ao seu direito 99 ao silêncio. O segundo princípio constitucional suscitado em face dos colaboradores é o da culpabilidade, que tem como uma das suas projeções a proporcionalidade da pena à gravidade do delito. Argumenta-se que a colaboração premiada pressupõe distanciar a resposta penal do juízo da proporcionalidade à gravidade objetiva e subjetiva do fato praticado pelo transgressor. Entretanto, também não é possível ser acolhido esse argumento, visto que a pena é regida, basicamente, pela culpabilidade (juízo de reprovação social), que é flexível. Isto é, réus com maior culpabilidade devem receber penais mais severas. Dessa forma, ao colaborar com o Estado, o colaborador que demonstrar menor culpabilidade pode receber sanção mais 100 branda . Portanto, o princípio da culpabilidade serve como uma exigência de que exista proporcionalidade entre a resposta penal e o crime. A passagem para o Estado Constitucional reforçou sobremaneira o princípio da culpabilidade, pois, além de princípio material de justiça, ele passou a ser também visto como projeção fundamental do direito positivo. Decorrem desse princípio, então, a dignidade da pessoa humana e o princípio da liberdade, “pois punir o agente sem atenção à culpa manifestada no comportamento, mas, sim, a outros interesses político-criminais, significaria 101 tratá-lo como meio para obtenção de fins que o ignoram” . Assim, o princípio da culpabilidade veio impedir que se aplique uma pena para além da responsabilidade pessoal do acusado. No que concerne aos princípios constitucionais suscitados em face dos delatados, são eles: a quebra da isonomia e a tutela dos inocentes (eficácia probatória da declaração dos 102 colaboradores) . Em relação à quebra da isonomia entre os colaboradores e os demais transgressores, afirma-se que pode ocorrer uma desigualdade externa ou interna. Aquela seria 99 “Ao assinar o Acordo de colaboração premiada, o colaborador está ciente do direito constitucional ao silêncio, da garantia contra a auto-incriminação, bem como do direito de acesso a instâncias recursais, renunciando expressamente a eles estritamente no que tange aos depoimentos e recursos necessários ao alcance dos fins da presente avença, ficando excluído da renúncia apenas o direito de apelação da decisão que julgar rescindida esta avença.” Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2014. 100 NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 434. 101 PEREIRA, Frederico Valdez. Op. cit., p. 56. 102 Esse último princípio será tratado no próximo tópico – valor probatório e limites da colaboração premiada. 47 o fato de, por exemplo, em um delito de homicídio praticado por um só agente não ser possível aplicar os beneplácitos da colaboração premiada, diferentemente de um homicídio no âmbito das organizações criminosas, o qual seria possível. Já a desigualdade interna ocorre no tratamento diferenciado ao coautor ou partícipe não colaborante em contrapartida à condescendência em relação ao cumplice colaborante. Esse tratamento diferenciado justifica-se pelo fato de que a atitude do colaborador busca esclarecimento dos crimes cometidos, além de poder evitar novas potenciais agressões ao bem jurídico tutelado. Ademais, manifesta o comportamento tendente a amenizar o juízo de 103 periculosidade e indicar melhores possibilidades de reinserção social do agente . A justificação racional que está na base do tratamento não isonômico como motivo real e plausível a justificar a desigualdade, sustenta-se na emergência investigativa dos delitos de maiores complexidades e gravidade. Ou seja, a situação justificadora do tratamento penal diferenciado reconduz-se à situação do estado de necessidade da investigação, visto que os delitos beneficiados pela colaboração premiada apresentam, em regra, um bloqueio entre os agentes criminosos, que se respaldam em seu código de honra – lei do silêncio. Assim, faz-se necessário a utilização de um mecanismo especial para que se possibilite a desestruturação 104 dessas organizações ou associações criminosas . Ainda, em favor da colaboração premiada, pode-se observar o princípio da cooperação (ou colaboração), que teve destaque na Alemanha e vem influenciando o ordenamento jurídico de diversos países, entre eles o Brasil. Tal princípio entende-se como a necessidade das partes do processo colaborarem, se possível, para a redução das dificuldades existentes no curso das ações judiciais, ou seja, as partes processuais e o magistrado se auxiliam para resolver o litígio da forma mais próxima de se alcançar a justa aplicação do ordenamento jurídico no caso concreto. Nesse sentido, a colaboração premiada é claramente baseada no princípio da cooperação, pois o agente criminoso auxilia o Estado para que se alcance a verdade real dos fatos delituosos praticados, desestruture organizações criminosas, evite a prática de futuro delitos, entre outras possibilidades. 3.2.3 Valor probatório e limites da colaboração premiada 103 PEREIRA, Frederico Valdez. Op. cit., p. 63. 104 Ibid., p. 64. 48 O valor probatório no ordenamento jurídico brasileiro das declarações ofertadas pelo colaborador é também um dos pontos controvertidos dessa matéria. Tal crítica se embasava o o primordialmente no fato de que, antes da Lei n 12.850/2013 - em que o seu artigo 4 , § 16 trouxe a previsão expressa que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador” -, o legislador não havia se preocupado em estabelecer um regramento de ordem processual para a cooperação premiada, o que gerava incertezas, entre elas no que se refere à valoração dos elementos de prova trazidos aos autos pelo colaborador. Isto é, existia uma ausência de sistematicidade na previsão legal dos benefícios pela contra-conduta dos arrependidos. Contudo, não se podia dizer que as declarações do colaborador não teriam nenhum efeito probatório, visto que, mesmo que implicitamente, os dispositivos legais buscavam atribuir importância probatória à colaboração premiada. Nesse contexto, recorria-se à doutrina e à jurisprudência para tutelar essa valoração. A posição dominante, ainda hoje, é a que nega a possibilidade de um juízo condenatório fundar-se exclusivamente em declarações de coimputado beneficiário do instituto premial. Nesse sentido também se posiciona a jurisprudência dominante em inúmeros julgados, como no RE 213.937-8/PA, Primeira Tuma, de relatoria do ministro Ilmar Galvão, julgado em 26/03/1999 pelo Supremo Tribunal Federal, que afirmou que a delação, de forma isolada, não pode sustentar decreto condenatório, podendo fazê-lo, no entanto, quando respaldado por outros elementos probatórios. O juízo de valor sobre os elementos de prova deve sempre ter por norte os princípios processuais básicos já conhecidos e confirmados na doutrina. Nesse sentido, na colaboração premiada deve o juízo competente agir com zelo no momento de apreciação das declarações prestadas, visto que o colaborador pode tentar manipular o examinador das provas e a dinâmica processual em seu favor. Por essa e outras razões é necessário que as declarações do colaborador sejam confrontadas com a defesa dos demais acusados, bem como com as demais provas dos autos, respeitando-se o princípio do contraditório e da ampla defesa dos demais réus. Assim, na fase processual, caso a cooperação tenha se dado após o interrogatório dos demais acusados, é possível que exista um novo re-interrogatório com o fim de permitir-lhes se contrapor às 105 revelações do colaborador . 105 PEREIRA, Frederico Valdez. Op. cit., p. 162. 49 Nesse momento processual, o colaborador terá que depor em juízo confirmando as suas declarações anteriormente feitas, não podendo alegar o seu direito ao silêncio, visto que 106 renunciou a ele naquele caso concreto. Contudo, afirma Frederico Valdez Pereira que o colaborador não está compromissado a dizer a verdade, em virtude da sua condição sui generis de interessado no objeto do processo, assim, podendo se recusar a responder às perguntas do magistrado, acusação ou da defesa dos demais acusados. Todavia, tal fator será levado em consideração no momento de se ponderar qual deve ser o prêmio adequado. Portanto, a valoração das informações do colaborador é complexa, uma vez que depende de dados de confirmação e o contraditório é garantido pela oitiva do colaborador em juízo e pela possibilidade conferida à defesa de produzir provas que retirem a credibilidade do declarante. Ademais, a valoração das declarações prestadas pelo colaborador faz-se internamente 107 e externamente . A aferição interna ocorre quando o Ministério Público ou o delegado de polícia – vista a nova previsão legal que o possibilita de negociar o acordo premial – analisa se os relatos prestados reúnem requisitos mínimos de veracidade e indício de credibilidade, ou seja, se ele é ao menos aceito no aspecto da razoabilidade e da coerência interna de suas informações. Já a aferição externa choca-se com a garantia constitucional da presunção de inocência dos demais acusados, que tem o fim de impedir uma condenação baseada exclusivamente nas declarações do colaborador. Assim, nesse momento, faz-se necessário um elemento exterior à colaboração premiada para atestar-lhe veracidade suficiente para embasar um juízo condenatório. Os elementos de confirmação da declaração premiada podem ser provas ou indícios, independentemente de sua natureza como documental ou testemunhal. O importante é que se configurem dados fáticos idôneos de se verificar a credibilidade dos fatos revelados pelo colaborador, mais do que a própria representação probatória dos fatos criminosos 108 praticados , pois, demonstrando a credibilidade das informações prestadas, permitir-se-á a concessão dos benefícios decorrentes da colaboração. Ainda que as declarações prestadas pelo colaborador sejam tão detalhadas que pareçam ser verossímeis é necessário que elas sejam confrontadas com as outras provas, ou seja, a conjuntura probatória do processo deve superar o princípio da presunção da inocência. 106 PEREIRA, Frederico Valdez. Op. cit., p.162. 107 Ibid, p. 163/173. 108 QUINTANAR DIEZ, Manuel. La justicia penal y los denominados “arrepentidos”. Madrid: Edersa, 1996, p. 171. In: PEREIRA, Frederico Valdez. Op. cit. 50 Tal princípio, que é cláusula pétrea do nosso ordenamento jurídico, veda medidas restritivas de liberdade que tenham caráter punitivo antes de afirmada a responsabilidade penal em decisão judicial definitiva. Isso significa que a colaboração premiada encontra limite no princípio da presunção de inocência, o qual garante a segurança ou defesa social ofertada pelo Estado de Direito. Ou seja, não basta qualquer prova para abalar o status de inocência, faz-se necessário um conjunto probatório, desenvolvido durante a instrução. Por essa razão, a prova da culpabilidade, para fins de formação de um juízo condenatório, deve ser segura e induvidosa, não bastando a mera desconfiança justa, visto que no direito penal se existe dúvida deve ser o 109 réu absolvido . Ainda mais, no ordenamento jurídico brasileiro, além da suficiência probatória para a condenação, far-se-á necessária a confirmação da tese acusatória por intermédio das provas carreadas aos autos. No que concerne ao conceito de dúvida razoável, a doutrina americana e internacional costuma indicar o adotado pelas cortes de justiça da Califórnia no artigo 1.096 para complementar o princípio da presunção de inocência e reduzir o risco das decisões embasadas apenas no convencimento do julgador. Esse artigo prevê que a dúvida razoável é a situação em que, após todas as considerações e relações do quadro probatório existente nos autos, mantém a mente dos jurados no sentido de que eles não possuem uma convicção firme 110 sobre a autoria do delito . Desse modo, a presunção de não culpabilidade funciona como um princípio-garantia que impõe limites à atuação estatal, visto que assegura que nenhuma condenação será proferida sem prova segura e induvidosa da culpa. Nesse contexto se inserem as declarações acusatórias ofertadas pelo coimputado, visto que não poderão ter caráter probatório absoluto, pois as informações do colaborador advêm de pessoa interessada no processo, sendo necessário, por isso, que seu depoimento esteja coesivo com as demais provas processuais possibilitando, somente assim, uma decisão condenatória. 109 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de Inocência: princípios e garamtias. In: SUANNES, Adauto et al. (Coord.). Escritos em homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 131. 110 No original: “It is not a mere possible doubt; because everything relating to human affairs is open to some possible or imaginary doubt. It is that state of the case, which, after the entire comparison and consideration of all the evidence, leaves the minds of jurors in that condition that they cannot say they feel an abiding conviction of the truth of the charge." Disponível em: . Acesso em: 18 mar. 2014. 51 O 4 A COLABORAÇÃO PREMIADA CONFORME A LEI N 12.850/2013 A nova lei de crime organizado já era esperada por muitos em nosso ordenamento jurídico brasileiro, aclamava-se por uma lei como essa que, de um lado, permite o enfrentamento da tão poderosa espécie de criminalidade, o crime organizado, sem que, de outra parte, se olvide dos direitos do investigado, fundamentais em um regime democrático. o Atendendo a antiga reivindicação doutrinária, a Lei n 12.850/2013 além de o aperfeiçoar o conceito de organizações criminosas, antes já presente na Lei n 12.694/2012, legisla sobre a colaboração premiada, em especial o seu regramento de ordem processual para a sua aplicação, ou seja, a nova lei buscou solucionar, entre outros fatores, as questões procedimentais desse instituto premial. Ressalte-se que o legislador inovou trazendo essa nova nomenclatura – colaboração premiada – porém, essa tem o mesmo sentido da declaração premiada, termo utilizado nas leis anteriores. Apenas optou o legislador assim, visto que essa denominação retira o caráter pejorativo do termo anterior, possibilitando uma ideia de cooperação com a sociedade, no lugar da traição aos demais transgressores. Nesse sentido, pode-se dizer que a nova lei de crime organizado, atualmente, funcionava como uma lei geral que regulamenta o direito premial, isto é, embora esse mecanismo esteja presente na lei que trata das organizações criminosas, não significa dizer que o instituto de cooperação ali presente se restrinja a esses tipos de delitos. Assim, a nova lei, no que se refere aos dispositivos que tratam da colaboração premiada, deve ser aplicada como regra geral a utilização desse mecanismo. Dessa forma, esse capítulo apresenta a atual conjuntura em que se insere o direito premial brasileiro, com os requisitos necessários para seu reconhecimento e a aplicação dos seus beneplácitos em favor do colaborador. 4.1 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA DA COLABORAÇÃO PREMIADA A colaboração premiada é um instrumento técnico especial de investigação próprio para os delitos mais complexos, como os praticados pelas organizações criminosas. É um ato de altruísmo do colaborador com a sociedade e o Estado que por intermédio da sua cooperação possibilita que se alcance a verdade real ou até mesmo a desestruturação de o grandes grupos criminosos. Com a Lei n 12.850/2013, o legislador optou por utilizar a nomenclatura colaboração premiada, embora parte da doutrina já empregasse esse termo ao se 52 referir à delação premiada, nomenclatura utilizada pelo legislador nas demais leis anteriores a do crime organizado. Assim, a colaboração e a delação premiada representam o mesmo instrumento penal, apenas prefere-se o primeiro termo visto que ele retira toda a carga pejorativa carregada pelo termo delação premiada. A expressão “delação” advém do latim nas palavras de delatio, deferre, as quais 111 expressam uma acusação . Porém, trata-se de uma declaração prestada por uma pessoa que praticou um crime e revela os demais sujeitos ativos desta mesma infração penal, além de que poderá colaborar com outras informações importantes para a investigação ou processo criminais. Por essa colaboração recebe-se um prêmio, na forma de benefícios penais (perdão judicial, redução da pena privativa de liberdade em até 2/3 (dois terços) ou substituí-la por 112 restritiva de direito) . Hodiernamente, no Brasil, o instituto da colaboração premiada ocorre quando um 113 investigado/acusado/réu/condenado reconhece, implicitamente ou explicitamente, a prática do fato criminoso, além de que colabora efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, por intermédio da identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e/ou evita a prática de infrações penais e/ou informando a localização da vítima com a sua integridade física preservada, entre outros resultados previstos no artigo o o 114 4 , incisos I a V, da Lei n 12.850/13 . Cabe destacar que o termo “colaboração premiada” adveio com a nova lei de crime organizado. Antes, em regra, utilizava-se o termo “delação premiada”. Assim, percebe-se com a nova lei de crime organizado, que o legislador optou pelo primeiro termo. Alguns doutrinadores e aplicadores da lei ainda defendem existir diferença entre a delação premiada e 115 a colaboração à justiça. Segundo o autor Luiz Flávio Gomes esse última é mais ampla do que aquela, visto que o imputado pode assumir sua culpa sem incriminar terceiros, caso em 111 GUIDI, José Alexandre Marson. Op. cit., p. 97. 112 PENTEADO, Jacques de Camargo. Delação premiada. Revista dos Tribunais, vol. 848, jun/2006, p. 711. 113 Utiliza-se todas essas nomenclaturas, uma vez que a colaboração premiada pode ocorrer durante as investigações ou no trâmite da ação penal ou, ainda, já na fase de execução. 114 o “Art. 4 O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.” 115 GOMES, Luiz Flávio. Corrupção Política e Delação Premiada. In: Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, ano VI, n. 34, Porto Alegre, out-nov/2005, p. 18. 53 que é mero colaborador, já a delação premiada ocorre quando o agente confessa seu envolvimento na prática delitiva e aponta outros envolvidos. Como exemplo de que alguns aplicadores da lei entendem que as duas nomenclaturas o são diferentes, observa-se a sentença da “Operação Judas” (Processo n 0105143- 26.2012.8.20.0001), julgada pelo juiz de direito José Armando Ponte Dias Junior, da comarca de Natal, em que na sua fundamentação faz a distinção entre colaboração e delação premiada. Segundo a fundamentação da sentença, a delação ocorre quando um agente criminoso revela outras pessoas que também praticaram a infração penal. Já a colaboração ocorreria nos demais casos, como quando informa o local onde se encontra a vitima com a sua integridade física preservada, a recuperação total ou parcial do produto ou proveito da prática delituosa, entre outros. Entretanto, a doutrina majoritária, bem como a jurisprudência e legislação pátria não fazem distinções entre as duas nomenclaturas, ou seja, ambas podem ser utilizadas. Apenas, o atualmente, a doutrina e a legislação brasileira, com a Lei n 12.850/13, preferem utilizar o termo colaboração premiada ao invés de delação premiada. Acredita-se que o termo delação abarca em seu histórico uma expressão negativa, em que o delator é uma pessoa que traz males a determinado grupo. Já o colaborador expressa uma ideia positiva, de colaborar com algo. Não obstante, há quem diga que a colaboração processual é o gênero, permanecendo entre as demais formas de cooperação do imputado como espécies, dentre elas a delação 116 premiada . A doutrina majoritária entende que, para se configurar a colaboração premiada, é necessário que exista uma confissão do delator, visto que, caso negasse a autoria e apenas informasse quem são os outros membros do grupo criminoso, na verdade tratar-se-ia de um 117 instrumento de defesa, portanto, o valor da assertiva, como prova, seria nenhum . Por isso, 118 segundo Leandro Sacerdo , a delação distingue-se da mera chamada do corréu ao processo, visto que nesse último, o acusado rechaça a imputação penal que lhe é lançada, imputando o fato criminoso à terceiro. Ademais, é necessário esclarecer que a colaboração não se equivale à prova testemunhal, uma vez que na confissão delatória, um dos integrantes da empresa criminosa está narrando os acontecimentos que presenciou e dos quais teve participação na sua elaboração, bem como informando os demais membros que trabalharam conjuntamente. 116 ESSADO, Tiago Cintra. Delação premiada e idoneidade probatória. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 101, mar/2013, p. 203. 117 No próximo tópico desse trabalho, trataremos melhor sobre esse elemento subjetivo essencial da delação. 118 SARCEDO, Leandro. Op.cit. 54 Diferentemente da prova testemunhal, em que um indivíduo externo à organização criminosa está fornecendo informações sobre as quais tem conhecimento. Ainda nessa distinção entre colaboração premiada e o testemunho, merece destaque o 119 posicionamento do magistrado federal Walter Nunes da Silva , que afirma ser a delação, no seu sentido técnico, “as afirmações feitas por um dos envolvidos no crime, consistente em incriminar outrem, dando detalhes da participação deste no ilícito”. Contrariamente ao testemunho, que se refere às declarações fornecidas por alguém que não participou da organização criminosa. É preciso ressaltar também a distinção entre colaboração premiada e confissão espontânea, causa de atenuação da pena, prevista no artigo 65, III, “d”, do Código Penal. 120 Como bem esclarece Walter Barbosa Bittar , a colaboração deve ser voluntária, além de que o colaborador exerce uma “postura muito mais ativa de prestar informações, ao contrário da posição passiva de apenas responder perguntas e, como a própria palavra indica, deve ser efetiva, com o colaborador sempre disposto em ajudar nos esclarecimentos dos fatos”. Nesse mesmo entendimento, se posicionou o Superior Tribunal de Justiça no HC 183.279/DF, 121 julgado pela sexta turma, sendo a relatora a ministra Maria Thereza de Asiss Moura . Destaque-se, ainda, a diferenciação entre delação propriamente dita (delatio criminis), a notitia criminis e a delação premiada. Os dois primeiros, o delator e o informante, não participaram da prática delituosa, porém na delatio criminis a delação é feita pelo próprio ofendido ou seu representante legal e a notitia criminis ocorre por intermédio de terceiros. No que diz respeito à delação premiada, o delator, além de participar da prática do crime, tem 122 interesse em colaborar com as autoridades, assim, recebendo os benefícios previstos em lei . No que se refere à natureza jurídica da colaboração premiada, antes da nova lei de crime organizado, existia bastante dúvida se a delação premiada é uma fonte de prova, meio de prova ou meio de obtenção de prova. A fonte de prova relaciona-se ao fato probandum, ou seja, consiste em tudo que for útil para o esclarecimento quanto à própria existência do fato. Já o meio de prova são os instrumentos pelos quais as fontes de prova são encaminhadas ao 119 SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Curso de direito processual penal: teoria (constitucional) do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 761/762. 120 BITAR,Walter Barbosa. Op. cit., p. 90. 121 “Não há como confundir a confissão espontânea com a delação premiada, providência político-criminalmente orientada, dependente do concurso de condições estranhas à atenuante em questão. Tendo a segunda um espectro de atuação mais amplo, impactando diversos outros bens jurídicos, e, não só a mais eficiente e célere Administração da Justiça, justifica-se o discrímen no caráter de abrandamento da reprimenda. Daí o fato de o legislador ter dado tratamento diferente aos dois institutos, não havendo a possibilidade de aplicação analógica de um com relação ao outro. 5. Habeas corpus não conhecido”. (STJ, HC 183.279/DF, Sexta Turma, Relatora: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 23/04/2013) 122 GUIDI, José Alexandre Marson. Op. cit., p. 99. 55 processo. E, o meio de obtenção de prova consiste nos mecanismos processuais que permitem o acesso à fonte de prova ou meio de prova, por exemplo, as medidas de busca e apreensão e 123 interceptação telefônica . 124 Segundo Jaques de Camargo Penteado a delação premiada é um meio de prova, o 125 qual ingressa no processo segundo os estritos requisitos legais que disciplinam a matéria . No caso do direito brasileiro, a colaboração premiada corporifica-se no interrogatório, ato formal que busca a colaboração do sujeito ativo de um delito para descortinar ou atenuar/evitar as consequências da atividade criminosa. 126 Apesar disso, Tiago Cintra Essado defende que o instituto da colaboração premiada se adequa mais como meio de obtenção de prova, visto que se trata de um instrumento de repressão à criminalidade organizada. Na verdade, o autor afirma que a delação, por si só, é neutra, podendo contribuir para a investigação ou processo criminal (fase de conhecimento ou execução) dependendo do resultado advindo com as informações prestadas. Todavia, o mesmo doutrinador afirma ser possível considerar a natureza jurídica da delação como fonte de prova, visto que sempre poderá ser útil para a resolução do caso, prevalecendo a voluntariedade do réu e as regras mínimas de observação obrigatória. o Observa-se que no Projeto de Lei do Senado n 156 de 2009 (projeto de novo Código de Processo Penal) ao dispor sobre as provas, o código projetado prevê que “as declarações do coautor ou participe na mesma infração penal só terão valor se confirmadas por outros o 127 elementos de prova colhidos em juízo que atestem sua credibilidade” (artigo 168, § 2 ) . Portanto, compreende-se pela redação proposta, que a ideia mais se aproxima de meio de 123 ESSADO, Tiago Cintra. Op. cit. 124 PENTEADO, Jaques de Camargo. Delação Premiada. Revista dos Tribunais, vol. 848, p. 711 125 Nesse mesmo sentido, posiciona-se Guilherme de Souza Nucci (cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 433). 126 ESSADO, Tiago Cintra. Op. cit. 127 Nesse sentido, demonstra que quando a colaboração premiada tem natureza de elemento informativo, isto é, o material coligido dessa cooperação foram todos produzidos em sede de investigação, é necessário que na fase judicial sejam produzidas provas em consonância com a da fase anterior para que assim possam possuir valor probatório, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa. Dessa forma, posiciona-se a jurisprudência do STJ: “1. Se havia algum interesse dos advogados do réu no inteiro teor das declarações prestadas pelos delatores na fase preambular meramente investigatória, ele não mais subsiste neste momento processual, em que já foram instauradas ações penais – algumas delas até sentenciadas e com apelações em tramitação na correspondente Corte Regional – porque tudo que dizia respeito ao Paciente, e serviu para subsidiar as acusações promovidas pelo Ministério Público, foi oportuna e devidamente juntado aos respectivos autos. E, independentemente do que fora declarado na fase inquisitória, é durante a instrução criminal, na fase judicial, que os elementos de prova são submetidos ao contraditório e à ampla defesa, respeitado o devido processo legal. 2. Além disso, conforme entendimento assente nesta Corte, "O material coligido no procedimento inquisitório constitui-se em peça meramente informativa, razão pela qual eventuais irregularidades nessa fase não tem o condão de macular a futura ação penal" (HC 43.908/SP, 5.ª Turma, de minha relatoria, DJ 03/04/2006). 3. Ordem denegada”. (STJ - HC: 59115 PR 2006/0104476-9, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 12/12/2006, T5 – Quinta Turma, Data de Publicação: DJ 12.02.2007 p. 281) 56 prova, em que o legislador concentrou atenção na figura do colaborador e de suas declarações. o o Em sentido contrário, o artigo 3 da Lei n 12.850/13 dispõe expressamente que, em qualquer fase da persecução penal, será possível utilizar meios de obtenção de prova, entre elas a colaboração premiada. o Contudo, no capítulo II, seção I da Lei n 12.850/13, que trata sobre a colaboração premiada ao analisar os dispositivos legais ali presentes entende-se que o legislador optou em considerar a colaboração premiada como prova – em sede de investigação trata-se de um o o 128 elemento de prova (artigo 7 , § 2 , da Lei ) e na fase processual como prova propriamente o 129 dita (artigo 4 , § 10 e 16 da Lei ) – visto que traz expressamente os termos “elementos de prova”, “prova autoincriminatórias”, nos dos primeiros artigos supramencionados e, no último artigo, afirma que a sentença condenatória proferida não pode se fundamentar unicamente nas declarações prestadas pelo agente colaborador. Ou seja, demonstrou o legislador que não há hierarquia entre as provas no sistema judiciário brasileiro, por isso não ser possível a condenação apenas nas provas decorrentes da colaboração. Merece destaque ainda que além da natureza jurídica da colaboração como fonte de prova, meio de prova, meio de obtenção de prova ou como prova, é possível ainda constarta- se uma outra natureza jurídica que existe concomitantemente como essas já apresentadas. Trata-se da colaboração premiada como meio de defesa do colaborador. Essa natureza está presente no direito premial, uma vez que as partes do acordo de colaboração entram em consenso a respeito do destino da situação jurídica do acusado que, por sua vez, concorda em 130 colaborar e confessar . Desse modo, pela conduta voluntária do investigado/acusado, a cooperação consiste-se como um instrumento de defesa do agente. 4.2 REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS PARA HOMOLAÇÃO DO ACORDO É necessário para a homologação do acordo de colaboração premiada, que alguns requisitos objetivos e subjetivos sejam preenchidos. Entre os requisitos objetivos se encontra 128 o o “Art. 7 § 2 O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.” 129 o “Art. 4 , § 10. As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor; (...) § 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.” 130 GUIDI, José Alexandre Marson. Op. cit., p. 125. 57 a necessidade de os fatos trazidos pelo delator serem fatos novos, imprescindibilidade da presença do defensor, que seja preenchido um ou mais dos requisitos elencados no inciso I a o o V do artigo 4 da Lei n 12.850/13, entre outros. Já os requisitos subjetivos da colaboração são a colaboração voluntária, a personalidade do agente, a confissão do colaborador (questão controvertida), entre outros. Primeiramente, para que o acordo seja homologado é necessário que exista uma real colaboração, ou seja, que as informações prestadas pelo colaborador sejam fatos novos, os quais as autoridades não tinham ainda conhecimento ou não possuíam provas suficientes para a denuncia ou condenação de outros infratores da lei e, por intermédio da colaboração seja possível alargar o campo probatório processual. Nesse contexto, a colaboração premiada deve levar à comprovação da materialidade do(s) crime(s) e/ou outros participantes envolvidos na prática delituosa. Ressalte-se que a eficácia exigida não está restrita a revelação de nome(s), pois esse(s) poderá(ão) ser esclarecido(s) ao longo das investigações, basta que as informações trazidas pelo colaborador 131 sejam importantes para o desvendamento da verdade real buscada pelas autoridades . Ademais, a doutrina majoritária e jurisprudência entendem que a delação premiada se dá quando ao informar os demais sujeitos que praticaram o crime, o delator admite a prática do fato criminoso do qual está sendo investigado/acusado. Ou seja, defende-se que só 132 se poderá falar de delação quando o delator também confessa , pois, se negar a autoria e imputá-la a outrem, estará escusando-se da prática criminosa e, por isso, o valor da assertiva 131 BITAR,Walter Barbosa. Op. cit., p. 166. 132 o Em sentido contrário, observa-se o julgamento da “Operação Richter” (ação penal n 00001598- 81.2010.4.05.8400, que investigou a prática de crime de fraude no sistema da Previdência Social, a partir de fatos ocorridos no período de 2007 a 2009, com a concessão de benefícios previdenciários nos municípios de Poço Branco e João Câmara por intermédio de documentos falsos, emitidos a partir de inscrições de sindicatos rurais dos dois municípios. Constatou-se que os réus conseguiram fraudar R$ 251.690,96, através de documentos falsos, emitidos a partir de inscrição de sindicatos rurais dos dois municípios), realizada pelo juiz federal Walter Nunes da Silva. Na fl. 65 da sentença, ao analisar a postura de duas acusadas – que renunciaram o direito ao silêncio a aceitarem a proposta de delação premiada - em seus interrogatórios, acredita-se que as rés não falaram tudo o que sabiam, no afã de se defenderem. Contudo, por não possuir provas de que as acusadas estavam omitindo fatos os quais tinham conhecimento, então, militar-se em prol da defesa, no sentido de que as informações prestadas pelas acusadas foram suficientes para fornecê-las os benefícios da colaboração premiada. Além de que levando o magistrado o fato que, embora o agente resolva colaborar com a verdade, “o seu subconsciente edifica barreira psicológica para que ele admita certos detalhes de sua conduta”. Assim, mesmo que se trate de delação premiada, “não se pode deixar de levar em consideração a gênese psicológica da confissão em si, de modo que deve ser conferida maior relevância ou exigir mais fidelidade aos fatos quanto àquele que diz respeito às participações de terceiros e aos detalhes dos crimes em relação a estes”. 58 133 o o não servirá como prova . Inclusive, a Lei n 7.492/86, em seu artigo 25, § 2 previa a 134 necessidade da confissão para se configurar a delação premiada . Nesse pórtico observa-se a decisão que julgou o REsp 200700477126 em 26/11/2007, na quinta turma do Superior Tribunal de Justiça, tendo como relatora a ministra Jane Silva, que afirmou ser necessário para a configuração da delação premiada ou a atenuante da confissão espontânea “o preenchimento dos requisitos legais exigidos para cada espécie, não bastando, contudo, o mero reconhecimento, pelo réu, da prática do ato a ele imputado, sendo imprescindível, também, a admissão da ilicitude da conduta e do crime a que responde.” Contrariamente, a doutrina majoritária que entende ser a confissão requisito subjetivo essencial da delação, alguns doutrinadores defendem que a confissão, em determinados casos, pode ser dispensável para a configuração da colaboração premiada, visto que é necessário se ater muito mais às consequências do que foi dito pelo imputado, como resultado probatório 135 concreto, do que concentrar atenção no fato de ter confessado ou não. Entende-se que é muito mais salutar as consequências do que foi dito pelo colaborador do que sua própria confissão. Porém ao prestar esclarecimentos sobre os fatos praticados pelas organizações criminosas, mesmo que implicitamente, o colaborador está descrevendo um ato vivenciado por ele e a qual teve sua participação, ou seja, trata-se sim de uma confissão, mesmo que não seja expressa. No caso dos demais tipos de colaboração, é possível que a confissão, expressa ou tácita, demonstre-se caracterizada, por exemplo, ao informar onde se encontra a vítima, o colaborador implicitamente esta confessando que participou do delito e, por isso, tem acesso a essas informações, da mesma forma, ao recuperar, totalmente ou parcialmente, o produto ou provento das infrações penais praticadas. Contudo, comprovado ou não a confissão do colaborador, caso o seu depoimento tenha sido imprescindível para auxiliar o poder público a alcançar a verdade real, descortinar organizações criminosas ou evitar futuros delitos, entre outros, tal característica é a essencial para a concessão dos benefícios decorrentes da colaboração. Assim, nesses casos, sendo 133 Nesse sentido, posiciona-se a doutrina majoritária, entre eles: NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 208; INELLAS, Gabriel C. Zecarias de. Da prova em matéria crimininal. São Paulo: 2000. p. 93. 134 “Art. 25. § 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços”. 135 Nesse sentido: ESSADO, Tiago Cintra. Delação premiada e idoneidade probatória. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 101, mar/2013, p. 203; RASCOVSKI, Luiz. A (in)eficiência da delação premiada. In: FERNANDES, Antônio Scarance et al. Estudos de processo penal. São Paulo: Scortecci, 2011. 59 possível a celebração do acordo de colaboração, mesmo que a confissão não tenha restado comprovada. Cabe destacar que, embora a doutrina majoritária e jurisprudência dos tribunais uníssona entendam ser a confissão elemento subjetivo essencial para a configuração da colaboração premiada, faz-se necessário que esse requisito seja analisado conjuntamente com os demais, visto que, isoladamente, não é elemento suficiente para conferir ao agente o 136 beneplácito legal. Nesse sentido se posiciona a jurisprudência pátria . A voluntariedade é requisito subjetivo fundamental para que se caracterize a colaboração premiada. Observa-se que a voluntariedade não se confunde com a o espontaneidade, embora o próprio legislador tenha utilizado até a Lei n 9.613/98 (lavagem de o dinheiro), os termos espontânea/espontaneamente, e a partir da Lei n 9.807/99 (proteção de vítimas e testemunhais), o termo voluntariamente. O ato espontâneo não requer o arrependimento, mas a iniciativa de praticá-lo emana do próprio agente, e, caso traga colaboração eficaz ao processo, receberá os benefícios previstos em lei, não importando o motivo do seu ato espontâneo (receber uma pena mais branda, medo da justiça etc.). Já a voluntariedade não exige que a ideia de praticá-lo seja do próprio agente, ou seja, a voluntariedade pode se dar sob a influência dos conselhos do 137 advogado . A atual lei de crime organizado, a lei de drogas e a lei de proteção a vítimas e testemunhas são claras em se satisfazer apenas com o ato voluntário do colaborador, o qual deve ser desprovido de qualquer coação, ainda que não seja de inciativa do colaborador, mas, por exemplo, do advogado que o auxilia informando os benefícios de celebrar o acordo de colaboração. Portanto, não se exige que o colaborador tenha agido movido por sentimento de arrependimento ou de comiseração, visto que o simples ato voluntário de colaborar, ainda que animado pelo único fim de obter um benefício legal, já é o suficiente. Já a lei de lavagem de capitais, essa requer a espontaneidade e a voluntariedade como requisitos subjetivos para a caracterização da delação premiada. Nada obstante a discursão sobre espontaneidade e voluntariedade, não há dúvidas que um dos elementos essenciais para a homologação do acordo é a eficácia probatória. Para 136 Nesse sentido: “Para a configuração da delação premiada, não basta a admissão, por parte do réu, da prática do crime a ele imputado, sendo necessário o fornecimento de informações eficazes, capazes de contribuir para a identificação dos comparsas e da trama delituosa. 5- Não se aplica a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, se o paciente não é primário, não possui bons antecedentes e se dedica a atividades criminosas. 6- Ordem denegada”. (STJ - HC: 92922 SP 2007/0248048-0, Relator: Ministra JANE SILVA (Desembargadora convocada do TJ/MG), Data de Julgamento: 25/02/2008, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 10.03.2008) 137 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Op. cit. p. 168. 60 que “a colaboração premiada ocorra a contento, a palavra do imputado deve revelar-se eficaz 138 e útil, apresentando resultados probatórios relevantes” . Isto posto, é necessário que exista efetiva colaboração com as investigações e com o processo criminal. Contudo, não se pode olvidar que tal instituto é também um meio de defesa da liberdade do individuo, além de que pode ser uma fonte ou meio de prova, por isso, hão de ser preservadas as garantias do devido processo penal, bem como os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e leis do ordenamento jurídico pátrio para que a colaboração premiada tenha validade. Dentre essas garantias necessárias para a validade da colaboração premiada, encontra-se a indispensabilidade da presença do defensor e do Ministério Público no ato da delação, com o intuito de se ter um mínimo controle da existência da voluntariedade e da espontaneidade (esse último apenas nos delitos que envolvam a lavagem de capitais). A presença do defensor busca resguardar o devido processo legal e a ampla defesa, uma vez que atesta a lisura do acordo de colaboração, demonstrando que o delator teve a orientação necessária e que não houve nenhuma forma de coação. Ressalte-se que o defensor deve estar presente em todos os momentos em que for praticado qualquer ato de colaboração, o o não se restringindo ao acordo. Dessa forma, o artigo 4 , § 15, da Lei n 12.850/13, prevê que “em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor”. Todavia, resta a dúvida quando há divergência entre o pretenso colaborador e seu o o defensor. Nesse caso, faz-se necessário aplicar, por analogia, o artigo 89, § 7 , da Lei n 139 9.099/95 , que estabelece que, no caso de discordância entre advogado e cliente prevalecerá a vontade do investigado/acusado, visto que a função do defensor não é de dar a decisão final de aceitação do acordo, mas de orientar o seu cliente sobre seus direitos, possíveis 140 consequências da sua delação, entre outros. Caso isso ocorra, deve o acusado ser assistido por outro defensor. o o Ainda há os requisitos objetivos presentes na Lei n 12.850/13, em seu artigo 4 , incisos I a V, quais sejam: a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por elas praticados; a revelação da estrutura hierárquica e da 138 ESSADO, Tiago Cintra. Op. cit. 139 “Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena: § 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.” 140 BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados especiais criminais a alternativas à pena de prisão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 96. 61 divisão de tarefas da organização criminosa; a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; e a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. 141 Como bem leciona Rogério Sanches tais requisitos supramencionados não precisam coexistir simultaneamente para que se reconheça a delação premiada, ou seja, “basta apenas a presença de um deles para que o benefício seja viável”. No que se refere ao primeiro inciso - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por elas praticados – percebe-se uma das formas mais incisivas da colaboração, aquela que propicia ao colaborador a possibilidade de delatar os demais infratores, bem como indicar as infrações penais que cometeram. Cabe destacar que, para surtir seus efeitos, a delação deverá se referir ao crime investigado ou processado. Mesmo que trate de outros crimes paralelos, para que se reconheça a colaboração naquele determinado caso, deverá o delator colaborar com as investigações ali tratadas. Como já tratado anteriormente, outro requisito para que reste configurada a colaboração premiada é o fato de que a delação pressupõe que, antes de acusar terceiros, o delator confesse sua participação criminosa, reconhecendo sua responsabilidade nas infrações 142 penais cometidas. Nesse mesmo sentido se posiciona a jurisprudência pátria . Em relação ao segundo inciso - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa -, esse vai além do anterior, uma vez que, além de informar a identidade dos demais infratores, demonstra-se a estrutura hierárquica da organização criminosa. Ainda que informe somente parte dessa estrutura, tendo em vista que muitas vezes os membros da organização criminosa não possuem conhecimento de toda a estrutura hierárquica da organização, será reconhecida a colaboração, desde que tal informação seja 143 eficaz no desmantelamento da organização criminosa . 141 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op. cit., p. 41. 142 Nesse sentido ressalta-se as seguintes decisões: “A declaração de co-réu que, sem negar sua responsabilidade, incrimina também o acusado no delito, merece credibilidade” (TACRIM-SP - Rel. Evaristo dos Santos - RJD 22/131); A delação do co-réu, que não visa inocentar-se, é importante elemento comprobatório de autoria” (TACRIM-SP - AP - Rel. Lourenço Filho - RJD 24/327); “A imputação do co-réu guarda validade probatória, por princípio de lógica judiciária, quando o imputante, na indicação de cumplicidade, não esconde sua participação no eventus criminis” (TJRJ - AP 12.298 - Rel. Enéas Cotta); “A delação do co-réu, quando feita sem o escopo liberatório do delator, reconhecendo sua parte de culpabilidade na ação delituosa, é elemento probatório de inequívoca validade na formulação da convicção do Julgador, em relação à conduta do delatado” (TACRIM-SP - AP - 2. C. - Rel. José Urban - j. 08.05.97. RJDTACRIM 35/223). 143 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op. cit., p. 43/44. 62 No que concerne ao terceiro inciso - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa – tal lei do crime organizado expõe expressamente o caráter preventivo da colaboração premiada. Dessa maneira, busca-se evitar que novas infrações penais venham à tona. No que diz respeito ao quarto inciso - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa – para que seja preenchido esse requisito, faz-se necessário a recuperação, total ou parcial, do produto do crime (por exemplo, o valor pago pelo resgate da vítima de um sequestro) ou seu proveito (por exemplo, veículos adquiridos com o dinheiro obtido do sequestro). Destaque-se que alguns crimes não se restringem a apenas uma vítima, como no caso em que o prejuízo será suportado pelo Estado (exemplo: tráfico de drogas). Ademais, esse inciso também pode ser aplicado no caso de reparação, total ou parcial, dos prejuízos suportados pela vítima. Por fim, o inciso V do supramencionado artigo- a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada – demonstra que no direito penal o maior bem jurídico que se busca tutelar é a vida humana. Desta feita, o ato de delação que simplesmente encontre o cadáver da vítima não é suficiente para possibilitar a concessão do benefício, mesmo que o colaborador imaginasse que ela estaria viva. Ressalta-se que além de estar vivo, o dispositivo legal requer que a integridade física esteja preservada, ou seja, caso a vítima possua lesões corporais, decorrentes da ação criminosa, que modifiquem a sua estrutura física, então não será cabível o recebimento dos benefícios da delação premiada. Cabe destacar que, embora seja preciso que apenas um desses incisos supracitados do o o artigo 4 da Lei n 12.850/13 encontre-se preenchido para o recebimento do prêmio da colaboração premiada – desde que os demais requisitos já tratados também se encontrem configurados -, é necessário que se leve em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da o o o 144 colaboração (artigo 4 , § 1 , da Lei n 12.850/13) . Em relação à personalidade do colaborador, esta é uma característica intrínseca do indivíduo, dependendo de sua maneira de agir, o que abrange os fatores antropológico-social- 145 culturais, os quais devem ser conjugados intimamente . 144 o Ressalte-se que a Lei n 9.807/99 (lei de proteção a vítimas e testemunhas), em seu artigo 13, parágrafo único, já disponha que para a concessão do perdão judicial era necessário levar em conta a personalidade do beneficiado, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso. Ademais, o caput desse artigo também dizia ser necessário a primariedade do agente para ser beneficiado do perdão judicial. 145 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 1984. In: CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op. cit., p. 46/47. 63 146 Em pesquisa realizada para a elaboração do presente trabalho , todos os promotores entrevistados foram unânimes em afirmar que não se faz necessária a primariedade para que seja reconhecida a colaboração premiada. Tal assertiva não deve se restringir apenas aos delitos praticados pelas organizações criminosas, mas a todas as infrações penais nas quais é possível utilizar o instituto da delação. Com referência à natureza do fato criminoso há relação com a espécie de delito perpetrado, isto é, em um crime que gera consequências apenas materiais é muito mais aceitável o oferecimento do prêmio do que naquele que resultou em morte da vítima. Já em relação às circunstâncias a que se refere o legislador, trata-se do tempo do delito, da atitude do autor do fato criminoso durante ou após a prática delituosa ou, ainda, da gravidade do dano causado pelo crime. Acrescente-se que o modus operandi e o eventual armamento utilizado na 147 prática criminosa são fatores relacionados com a natureza e a gravidade do crime . Quanto à gravidade do crime e sua eventual repercussão social é válido analisar esses dois requisitos para se permitir ou não a concessão dos benefícios da delação premiada. Diferentemente das súmulas dos Tribunais Superiores, que vedam a influência desses 148 requisitos para a definição do regime inicial do cumprimento da pena , no caso da colaboração premiada, observam-se situações mais benéficas ao agente, que poderá ser beneficiado por institutos premiais previstos em lei, por isso, é necessário cautela para a concessão dos prêmios. 4.3 PRÊMIOS OU BENEFÍCIOS LEGAIS DA COLABORAÇÃO PREMIADA O atual ordenamento jurídico brasileiro contempla quatro benefícios para aquele que colaborar com a justiça e estiver de acordo com os requisitos objetivos e subjetivos necessários para possibilitar o reconhecimento da colaboração premiada. Esses quatro 146 Para a realização do presente trabalho, realizou-se pesquisa de campo com o auxílio de promotores, procuradores e juízes estaduais e federais, com o intuito de compreender os posicionamentos pessoais dessas autoridades sobre o instituto da delação premiada, bem como para se fazer uma análise de alguns casos do estado do Rio Grande do Norte em que houve a utilização da colaboração premiada. Entre os promotores entrevistados, encontram-se: Paulo Batista Lopes Neto, Giovanni Rosado Diógenes Paiva, Flávio Sérgio de Souza Pontes Filho e Luiz Eduardo Marinho Costa. Todos são promotores de justiça do estado do Rio Grande do Norte. 147 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op. cit., p. 46/48. 148 Súmula 440 do STJ: “Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”. Súmula 718 do STF: “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada”. Súmula 719: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”. 64 possíveis benefícios são: o perdão judicial, a redução máxima de 2/3 (dois terços) da pena, o cumprimento inicial da pena em regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito. Ressalta-se ainda um quinto prêmio trazido pela nova lei de o o o crime organizado, o não oferecimento da denúncia, presente artigo 4 , § 4 , da Lei n 12.850/13. Cabe destacar que não há previsão legal e jurisprudencial segura que indique qual deles deve ser concedido em cada caso, buscando os aplicadores da lei realizar uma ponderação entre a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração para que, assim, se possa alcançar em determinado caso concreto qual o benefício mais adequado a ser aplicado. Ademais, uma questão de extrema importância, porém olvidada pela legislação e pelos doutrinadores, é o que concerne à forma que deve ser aplicada esses benefícios na sentença. Entende-se que é necessária uma sentença condenatória para que posteriormente sejam aplicados os benefícios devidos àquela colaboração. Desse modo, existe um preceito condenatório, que funciona como uma cláusula resolutiva, isto é, no caso de descumprimento do acordado entre defesa e acusação, faz-se uma reconvenção para a anterior condenação. Funciona, assim, da mesma forma como ocorre com a pena privativa de liberdade que é substituída pela restritiva de direito. Caso o réu descumpra uma das cláusulas do acordo, é possível que os benefícios que lhe foram ofertados sejam retirados e retome a eficácia da sentença condenatória. Tal razão justifica-se uma vez que para que seja aplicado o benefício, por exemplo de diminuição da pena, faz-se necessário que exista um preceito condenatório e sobre ele diminua uma porcentagem da pena, chegando, assim, no valor que deverá ser 149 cumprida pelo réu, caso esse obedeça com tudo que foi acordado . Por intermédio de pesquisa de campo, constatou-se que, normalmente, no momento da apresentação ao magistrado do acordo celebrado entre o Ministério Público e o colaborador, o Parquet já requer o benefício especifico que acredita ser mais adequado naquele caso concreto. Se, durante todo o trâmite processual, o colaborador cumpra com o acordado, então, em sede de alegações finais, a acusação poderá ratificar os termos do acordo, requerendo a aplicação do benefício anteriormente solicitado e, caso assim não faça o magistrado, entende-se que é cabível a interposição de recurso pela acusação em prol do colaborador. 149 o Nesse sentido posicionou-se a sentença condenatória da Operação Pecado Capital (Processo n 0005943- 85.2013.4.05.8400), julgada pela justiça federal do Rio Grande do Norte, em que, primeiro aplicou a pena total dos acusados para, posteriormente, aplicar os benefícios decorrentes da colaboração premiada. 65 Por fim, há também outras formas de benesses da colaboração premiada, que, embora não prevista em legislação específica, não deixam de se tratar de benefícios concedidos aos colaboradores em vários casos concretos. Tais beneplácitos extra-legais tratados nesse trabalho serão os seguintes: fixar a pena base na pena mínima legal (dosagem da pena) e a redução da pena de multa. 4.3.1 O perdão judicial A não aplicação da pena é a maior benesse concedida ao delator, visto que, segundo o artigo 107, inciso IX, do Código Penal, o perdão judicial é uma hipótese de extinção da punibilidade. O benefício do perdão judicial é concedido em sentença condenatória. Nesse ponto há discussão sobre a natureza jurídica dessa sentença concessiva do perdão judicial. A primeira corrente, defendida por Damásio Evangelista de Jesus, afirma que a sentença que concede o perdão judicial é condenatória, pois lança o nome do réu no rol dos culpados e gera a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais, só se abstendo em relação a aplicação da pena. Já a segunda corrente, adotada por Luiz Chemin Guimarães, também considera a sentença concessiva do perdão judicial como sendo condenatória, porém libera o condenado de todos os efeitos da condenação, sejam eles principais ou secundários. Já a terceira corrente assegura que se trata de uma sentença absolutória. Por fim, a quarta corrente, majoritária na doutrina brasileira, que tem como adepto Celso Delmanto, classifica a sentença como sendo 150 de cunho declaratório, tendente a excluir todos os efeitos penais do fato . Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que o perdão judicial pressupõe condenação, embora não se estenda aos efeitos secundários da 151 sentença condenatória . Já o Superior Tribunal de Justiça havia consolidado entendimento divergente, o qual foi cristalizado pela súmula 18 desse Tribunal, que prevê “a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”. Dessa maneira, segundo o STJ, todos os efeitos penais e extrapenais eram afastados com a concessão do perdão judicial. 150 MESSER, Debora. A aplicação do perdão judicial no instituto da delação premiada. Disponível em: < . Acesso em: 20 mar. 2014. 151 “PERDÃO JUDICIAL. EFEITOS. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, pressupondo condenação, o perdão judicial não se estende aos efeitos secundários próprios da sentença de natureza condenatória, tais como o pagamento de custas, inclusão do nome no rol dos culpados e pressuposto para a reincidência. Precedentes. Recurso Extraordinário conhecido e provido.” (RE 104142, Primeira Turma, Relator: Rafael Mayer, STF.) 66 Contudo, com a Reforma Tópica de 2008, a sentença que reconhece o perdão judicial 152 passou a ter natureza absolutória, com fulcro no artigo 397 do Código de Processo Penal . Assim, se antes da reforma, na sentença concessiva do perdão judicial, que tinha natureza eminentemente declaratória de extinção da punibilidade, ou seja, sem resultar reflexos penais, já estava evidenciado o caráter defensivo desses incentivos legais à confissão, agora isto está ainda mais evidente, visto que o perdão judicial possui natureza absolutória. Nesse sentido, a súmula 18 do STJ se encontra ultrapassada, visto que com a Reforma Tópica de 2008, a sentença que reconhece o perdão judicial não é mais causa apenas de isenção de pena, mas de verdadeira extensão da punibilidade, com a consequente absolvição do réu. 153 O autor Walter Barbosa Bittar defende que, para a concessão do perdão judicial, é preciso que o acusado seja primário, tenha colaborado efetivamente e voluntariamente com as investigações e o processo criminal, bem como que os demais requisitos já expostos no tópico anterior sejam preenchidos, devendo ainda o magistrado considerar a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso. Entretanto, em pesquisa realizada com o Ministério Público Estadual e Justiça Estadual do Rio Grande do Norte, merece destaque o posicionamento dos promotores e 154 magistrados entrevistados de que a primariedade não deve ser considerado requisito essencial para a concessão dos benefícios da delação premiada, entre eles, o perdão judicial. Tal posicionamento é embasado no fato de que o instituto busca alcançar a verdade real das infrações penais, além de descortinar as organizações criminosas e demais formas de crimes. Ou seja, requerer a primariedade pode inviabilizar tais comportamentos positivos decorrentes da colaboração premiada. Discussões à parte, o magistrado deverá observar qual o benefício adequado para aquele determinado caso concreto. No caso de se encontrar presentes as circunstâncias legais requisitadas para a concessão do perdão judicial, então deve-se dar o prêmio ao colaborador, visto que o perdão judicial é um direito subjetivo do acusado. Ainda mais quando expressamente aceito pelos interessados e requerido pelo Ministério Público, em sede de alegações finais, visto que é o titular da ação penal, conforme o sistema acusatório. 152 Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: (...); IV - extinta a punibilidade do agente. 153 BITAR,Walter Barbosa. Op. cit., p. 169. 154 Promotores Paulo Batista Lopes Neto, Giovanni Rosado Diógenes Paiva, Flávio Sérgio de Souza Pontes Filho e Luiz Eduardo Marinho Costa, bem como do magistrado Guilherme Newton do Monte Pinto. 67 4.3.2 Redução máxima de 2/3 (dois terços) da pena o A nova lei de crime organizado, em seu artigo 4 , caput, diferentemente das demais legislações anteriores sobre o tema, não indicou um patamar mínimo de redução de pena – as leis anteriores que preveem esse beneplácito, indicam que tal redução será entre 1/3 (um terço) e 2/3 (dois terços). Nesse sentido, defende-se que, em se tratando da nova lei de crime organizado, deve no acordo de colaboração vir expresso o quantum da redução mínima que será pleiteado pelo autor do pedido, visto que, por ser necessária apenas a voluntariedade, muitas vezes a colaboração se dá com o intuito meramente de receber os benefícios previstos em lei. Assim, tendo a previsão expressa evita-se que o delator seja surpreendido com uma redução 155 irrisória . Desse modo, o mais adequado é que o Ministério Público sinalize desde logo qual será o conteúdo da colaboração premiada e qual será o beneficio que acredita ser adequado a ser aplicado naquele caso concreto. Caso se trate de redução da pena, é de bom alvitre que o Parquet indique o quantum dessa redução. Posteriormente, em sede de alegações finais, 156 poderá o Ministério Público ratificar ou não os termos do acordo de colaboração premiada . O benefício da redução máxima de 2/3 (dois terços) da pena ou de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) deve ser aplicado em caso de condenação à pena privativa de liberdade, porém, não há previsão legislativa expressa ou jurisprudência consolidada de quanto deverá ser reduzida a pena. Desse modo, muitas vezes a redução fica a cargo da discricionariedade do magistrado, embora necessite de fundamentação. 4.3.3 Substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direito O prêmio da substituição da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direito dar-se-á quando o delator colabora, mas sem preencher todos os requisitos legais e, por isso, está impossibilitado de receber o perdão judicial. Cabe destacar que esse prêmio trata de um 155 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op. cit., p. 83. 156 Em decorrência da nova lei de crime organizado, que prevê antes da sentença a homologação do acordo de colaboração premiada, então, acredita-se não ser mais necessário que o Ministério Público requeira nas alegações finais a concessão dos benefícios decorrente da cooperação, visto que esses pedidos já estão presentes no acordo homologado. 68 direito subjetivo do réu e não uma simples faculdade do magistrado, devendo este, na 157 conversão das penas, proceder de acordo com os artigos 46, 47 e 48 . Ressalta-se que, caso o acordo de colaboração também possua o benefício da redução da pena, então, para que se aplique a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direito é necessário primeiramente conceder o beneficio da redução da pena para o colaborador e, assim, posteriormente, a substituição das penas. Porém, se for apenas a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direito, mesmo que a pena tenha sido superior a 4 (quatro) anos, é possível que se aplique esse benefício. Desse modo, tal 158 beneplácito é uma exceção ao artigo 44 do Código Penal , uma vez que permite a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direito mesmo que a pena tenha sido superior a 4(quatro) anos. 4.3.4 Cumprimento inicial da pena em regime aberto ou semiaberto O cumprimento inicial da pena em regime aberto pode ser concedido em conjunto com a diminuição da pena. Contudo, caso constate-se que o colaborador descumpriu com o acordo ou que as informações prestadas eram inverídicas, a regressão do regime é medida imediata. Desse modo, torna-se uma ferramenta eficaz para que o colaborador tenha ciência que a concessão dos prêmios da colaboração não é medida absoluta, podendo, durante o período do cumprimento da pena, modificar para regime diverso, em decorrência de 157 “Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores o a seis meses de privação da liberdade. § 1 A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas o consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. § 2 A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas o o comunitários ou estatais. § 3 As tarefas a que se refere o § 1 serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não o prejudicar a jornada normal de trabalho. § 4 Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada. Art. 47 - As penas de interdição temporária de direitos são: I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II - proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III - suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; IV - proibição de freqüentar determinados lugares; V - proibição de inscrever- se em concurso, avaliação ou exame públicos. Art. 48 - A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Parágrafo único - Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.” 158 “Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.” 69 descumprimento com o que fora acertado no acordo de colaboração ou caso constate que as informações prestadas eram inverídicas, entre outras hipóteses de descumprimento. A nova lei do crime organizado não trouxe previsão legal sobre o beneficio do o o o cumprimento inicial da pena em regime aberto, todavia, o artigo 1 , § 5 , da Lei n 9.613/98, prevê a possibilidade de a pena ser cumprida em regime aberto ou semiaberto em caso de efetiva colaboração com a justiça. Embora as demais leis que tratam sobre o instituto premial não tragam em seu texto normativo previsão expressa do cumprimento inicial da pena em regime aberto, nada obsta que o magistrado, ao reduzir a pena em decorrência da colaboração premiada, consequentemente faça com que o regime de cumprimento da pena se enquadre no aberto ou o semiaberto. Inclusive, na Operação Pecado Capital (Processo n 0005943-85.2013.4.05.8400) ocorrida no Rio Grande do Norte, o Ministério Público Federal e um dos colaboradores assinaram acordo de colaboração com o seguinte texto: “cumprimento das penas unificadas em regime inicialmente semiaberto, independentemente do montante das penas, em estabelecimento situado fora do Estado do Rio Grande do Norte”. Dessa maneira, percebe-se que, embora apenas a Lei de Lavagem de Dinheiro tenha trazido expressamente a possibilidade de cumprimento em regime aberto ou semiaberto, no caso concreto, é comum que esse benefício seja aplicado, mesmo que não se trate dos delitos previstos na supracitada lei. Ou seja, tal prêmio pode ser utilizado independentemente da modalidade de delito praticado. 4.3.5 O não oferecimento da denúncia Ainda deve-se observar a possibilidade de arquivamento da investigação, isto é, o Ministério Público deixar de oferecer a denúncia, com fundamento na ausência de interesse de agir por falta de punibilidade em concreto. Tal possibilidade foi consolidada com o advento o o o 159 do artigo 4 , § 4 , da Lei n 12.850/13 , que define que, caso o colaborador não seja o líder da organização criminosa e se for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos da lei de crime organizado, poderá o Ministério Público deixar de oferecer a denúncia. Entretanto, em pesquisa realizada junto aos promotores de justiça do Rio Grande do Norte, constatou-se 159 o “Art. 4. § 4 . Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador: I - não for o líder da organização criminosa; II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.” 70 que os entrevistados nunca fizeram acordo incluindo esse benefício nem possuíam informações a respeito. Esta inovação trazida pela lei apresenta claramente a opção do legislador em acrescentar ao ordenamento jurídico a figura prevista no direito penal americano, denominada plea bargain, uma vez que possibilita ao investigado negociar sua culpa, a fim de que se 160 beneficie desta escolha até mesmo com renúncia ao oferecimento da denúncia . o o o A novidade processual trazida com o artigo 4 , § 4 , da Lei n 12.850/13 sofre 161 críticas ao fato de que, segundo Eugênio Pacelli , na fase de investigação não se tem como ter a garantia de que o beneficiário por esse instituto não é líder da organização criminosa. Afirma o autor que, para saber se o colaborador é ou não líder da empresa criminosa, é necessário o encerramento da instrução criminal, “quando somente aí se poderia fazer o acertamento quanto à posição do colaborador na organização criminosa”. Ademais, destaca que as informações prestadas pelo que primeiro colaborou com as investigações e, por isso, não foi denunciado, podem não ser condizentes com as demais provas produzidas posteriormente na fase processual. Assim, tal ato poderia ensejar a 162 impunidade daquele que mereceria a resposta penal . Há ainda outra problemática decorrente do não oferecimento da denúncia, é o fato de descumprimento do acordado por parte do colaborador, pois caso ele não seja denunciado e posteriormente não honre com o que fora acordado, não haverá sentença condenatória que possa, por exemplo, modificar o regime de cumprimento de pena ou retirar a redução da pena anteriormente aplicada. Assim, caso ele fosse denunciado e ocorresse todo o processo penal resultando em seu perdão judicial, pelo menos, em caso de descumprimento do acordo, teria o Estado a garantia de que existe uma sentença penal condenatória já transitada em julgado e que poderá ser aplicada, o mesmo não sendo possível no caso do não oferecimento da denúncia. o o o Outro ponto controvertido sobre o artigo 4 , § 4 , da Lei n 12.850/13 é quanto à natureza jurídica do colaborador não denunciado quando ele presta declarações em juízo: seria ele testemunha ou réu beneficiário pela colaboração premiada? 160 AZEVEDO, Vinicius Cottas; SUZUKI, Claudio Mikio. Organização criminosa: Confusões e Inovações trazidas pela Lei 12.850/2013. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2014. 161 os OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 18. ed. rev. e amp. tual. de acordo com as Leis n 12.830, 12.850 e 12.878, todas de 2013. São Paulo; Atlas. p. 862/864. 162 Ibid. 71 Em pesquisa realizada com membros do Ministério Público e magistrados, estaduais e federais, constatou-se que caso o colaborador não seja denunciado, a maioria o considera como uma espécie de testemunha, destacando que o colaborador renuncia o seu direito do silêncio. Já o juiz de direito Fabio Athaide considera que será um “depoente sem compromissos iguais aos da testemunha”; já na opinião do juiz de direito Guilherme Newton “embora neste caso não se trate de réu em sentido técnico, é ele autor do fato criminoso e, portanto, como tal deve ser tratado, não se podendo, ainda que tenha renunciado ao direito ao silêncio, equipará-lo a uma testemunha em sentido próprio”; por fim, o procurador da república Rodrigo Telles considera que “o colaborador é tratado como réu, tenha sido ele denunciado ou não, se o caso se relacionar a fatos em que haja seu envolvimento. Já se o colaborador não tiver envolvimento nos fatos, entendo que pode ser considerado como testemunha”. Nesse sentido, posicionou-se a decisão da Suprema Corte no julgamento da AP 470, Agr-sétimo/MG, do Relator Ministro Joaquim Barbosa, jul. 18/06/2009, em que afirma que os corréus não denunciados, embora envolvidos no fato delituoso, ao prestarem depoimentos em juízo na fase da oitiva de testemunhas, são considerados informantes. Assim, o STF entendeu que não se trata de testemunhas, mas sim de informantes. 4.3.6 Pena-base fixada no mínimo legal e aplicação da pena de multa Embora não previsto em nenhum dispositivo legal, é possível que, em decorrência da 163 colaboração premiada, seja estabelecido que a pena-base seja fixada no mínimo legal . Tal possibilidade é mais um prêmio concedido ao colaborador: na primeira fase da dosimetria da pena – fixação da pena-base – ser-lhe-á garantida a pena base no mínimo legal. Isto é, se o delito praticado pelo colaborador prevê uma penalidade de 2 (dois) a 8 (oito) anos, então aquele, por intermédio de uma colaboração eficaz e voluntária, terá como pena-base para realizar a dosimetria da pena o mínimo legal previsto para o delito em questão. Após essa fixação deverá o magistrado considerar as circunstâncias legais e as causas de diminuição da pena que devem incidir devido ao caso concreto. 163 Como exemplo da aplicação da pena-base no mínimo legal e da pena de multa diferenciada em decorrência da colaboração premiada há a sentença que julgou a Operação Pecado Capital, de competência da Justiça Federal de Natal/RN. O magistrado Walter Nunes homologou o acordo de colaboração premiada, fixando a pena-base de um dos colaboradores no mínimo legal. No momento da aplicação da pena de multa, o magistrado ressaltou que é necessário a aplicação dessa multa, visto que ela é “fixada em sintonia com o número de dias-multa, cuja definição do valor, no desiderato de que possua eficácia, faz-se com suporte na capacidade econômica do agente”. 72 No que concerne à aplicação da pena de multa, esta deve ser fixada em sintonia com o número de dias-multa, além do que precisa se adequar às condições econômicas do colaborador, pois, caso seja fixada em valor divergente a condição econômica do agente, desconstitui-se a eficácia dessa pena. Porém, para que a pena de multa fique em conformidade com as colaborações prestadas é possível que seu valor final seja reduzido, do mesmo modo como ocorre com a pena concreta. 4.4 PROCEDIMENTOS PARA VALIDADE DA COOPERAÇÃO PREMIADA O instituto da colaboração premiada, desde seus primeiros dispositivos legais, sofreu diversas criticas no que se refere à ausência de procedimento típico aguçado, visto que todas as leis que tratavam sobre o tema, traziam apenas os prêmios que seriam obtidos em caso de eficiente colaboração, ocultando-se sobre qual seria o devido procedimento para fincar diretrizes para a colaboração premiada. o Nesse contexto jurídico, surgiu a Lei n 12.850/13, que, ao contrário das leis anteriores já em vigência que trata sobre o colaborador, trouxe dispositivos legais que versam sobre o procedimento da colaboração premiada. Assim, tal estatuto normativo vem para regular o procedimento de concretização do instituto premial, dispondo sobre a legitimidade ativa, sobre a fase procedimental em que será cabível a colaboração e acerca do papel e funções atribuídas ao juiz, à policia e ao Ministério Público. Portanto, pode-se dizer que, o embora a Lei n 12.850/13 trate apenas aos crimes referentes às organizações criminosas, na verdade, por ser a única lei que regula o sistema procedimental da colaboração aplica-se as demais. o o Dessa forma, o artigo 4 , da Lei n 12.850/13 estabelece que as benesses da colaboração deverão ser ofertadas pelo magistrado e poderão ocorrer em dois momentos 164 distintos: no primeiro momento de homologação do acordo de colaboração e, em um 165 segundo momento, na sentença , quando concede os benefícios, caso tenha uma colaboração efetiva. Contudo, ressalta a lei, que o juiz não poderá propor de ofício a colaboração o o o premiada. Na verdade, conforme o artigo 4 , § 6 , da Lei n 12.850/13, o magistrado não 164 No momento em que o acordo de colaboração premiada é remetida ao juiz, esse verificará sua regularidade, legalidade e voluntariedade, inclusive, podendo, antes de homologar, ouvir o colaborador, sigilosamente, na o o o presença do seu defensor (artigo 4 , § 7 , da Lei n 12.850/13). Assim, o julgador deciderá se irá homologar. Se o proposta não atender aos requisitos legais, ele poderá recusar sua homologação ou adequá-la ao caso concreto, o o o com fulcro no artigo 4 , § 8 , da Lei n 12.850/13. 165 o Na sentença, o magistrado apreciará “os termos do acordo homologado e sua eficácia”, conforme o artigo 4 , o § 11, da Lei n 12.850/13. 73 poderá nem participar das negociações. Tal artigo buscou lhe garantir o exercício adequado e imparcial das suas funções jurisdicionais. o o o o 166 Na análise do artigo 4 , § 2 e § 6 , da Lei n 12.850/13 , quem pode propor a colaboração premiada é o Ministério Público e o delegado de polícia, ou seja, no exame da literalidade do texto normativo, não estão incluídos o assistente da acusação, o advogado do querelante ou o próprio querelante. Assim, a colaboração premiada só ocorre em ações penais públicas, porém, em se tratando de ação penal privada subsidiária da pública, Rogério 167 Sanches defende, nesse caso, ser possível reconhecer a legitimidade do particular para propor o pedido de perdão judicial, visto que ele “assume o lugar do membro do parquet”, podendo, caso discorde o Ministério Público, intervir em todos os termos do processo, com fulcro no artigo 29 do Código de Processo Penal. o o o Outrossim, o artigo 4 , § 6 , da Lei n 12.850/13 está sofrendo críticas uma vez que o o o menciona a palavra “partes”, visto que, embora o artigo 4 , § 2 e § 6 , da mesma lei preveja legitimidade ao delegado de polícia para celebrar o acordo de colaboração, esse não é parte no processo penal. Ademais, critica-se ainda o fato da nova lei ter incluído entre os legitimados para propor o acordo, além do Ministério Público, também o delegado de polícia. A função da titularidade da ação penal pública é privativa do Ministério Público por 168 expressa determinação constitucional (artigo 129, I, da Carta Magna ). Nesse sentido, a ação penal deve ser entendida como a iniciativa da persecução penal em juízo, ou seja, refere-se tanto ao oferecimento da denúncia quanto o requerimento de arquivamento do inquérito policial. Ademais, cabe também ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, conforme o 169 artigo 127 da Constituição Federal , ou seja, “o juízo de valoração jurídico-penal dos fatos que tenham ou possam ter qualificação criminal” é competência do Parquet. 166 o o “Art. 4 . § 2 Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de o outubro de 1941 (Código de Processo Penal).(...) § 6 O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.” 167 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op. cit., p. 52. 168 “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;” 169 “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” 74 170 o o Nesse contexto, Eugênio Pacelli defende a inconstitucionalidade do artigo 4 , § 2 o o e § 6 , da Lei n 12.850/13, na parte em que possibilitou ao Delegado de Polícia ter “capacidade postulatória e legitimidade ativa para firmar acordos de colaboração, a serem homologados por sentença pelo juiz”. Alega o autor que a Constituição Federal, em seu artigo o o 144, § 1 , IV, e § 4 , comete à polícia funções exclusivamente investigatória e, mesmo que 171 aplique por analogia o artigo 28 do Código de Processo Penal , não poderia a nova lei proporcionar capacidade e legitimidade ao delegado de policia, visto que ocasiona violação a 172 Constituição . 173 Entretanto, o delegado de polícia e autor, Eduardo Luiz Santos , discorda do posicionamento acima mencionado. Afirma que a lei não conferiu capacidade postulatória ao delegado de polícia, tendo apenas conferido um poder-dever como todos os demais que detém na presidência do inquérito policial ou outros instrumentos de investigação. Ademais, demonstra que o dispositivo de lei é claro ao estabelecer que todo o procedimento do delegado somente será objeto de apreciação após manifestação do Ministério Público, ou seja, inexiste previsão de capacidade postulatória. Rebate ainda que não deve se recorrer ao artigo 28 do CPP, em caso de discordância do parquet, a solução seria o juiz não homologar o acordo de colaboração entre o delegado de polícia e defesa (investigado e advogado), visto que o delegado de polícia não tem o jus postulandi e apenas “representa”. Caso o magistrado homologue mesmo sem concordância do Ministério Público, caberá a esse impetrar mandado de segurança ou ingressar com o recurso cabível. Assim, o artigo 28 do CPP deve ser aplicado apenas quando o pedido do perdão seja formulado diretamente pelo Ministério Público e, assim, não concorde o juiz. Discussões a parte, não se pode negar que o legislador buscou tornar o instituto da colaboração premiada mais ágil e eficaz, visto que na fase de investigação, o delegado de polícia é o que se acha mais próximo das necessidades de informações para a investigação 170 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. Cit., p. 852 171 “Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.” 172 O acordo de colaboração firmado entre a defesa e o delegado de policia será apreciado pelo Ministério Público que poderá, na análise do caso concreto, acompanha-lo ou dele discordar. Caso discorde, Pacelli acredita o o o que pela interpretação do artigo 4 , § 2 , da Lei n 12.850/13, os autos seriam submetidos à revisão no próprio órgão ministerial. 173 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. A constitucionalidade da atuação do delegado de polícia na colaboração premiada da Lei 12.850/13. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2014. 75 criminal que conduz. Independente de quem proponha a colaboração premiada, a nova lei estabelece uma série de garantias ao investigado ou réu. o o Conforme o artigo 7 , da Lei n 12.850/13, “o pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e seu objeto”. Somente poderá deixar de ser sigiloso após o recebimento da denúncia. Assim, as novas provas carreadas aos autos deixam de pertencer a quem as produziu e passam a ser do processo pelo princípio da aquisição ou comunhão da prova. Contudo, as medidas de proteção ao colaborado continuam a vigorar. o o o Por essa razão, o artigo 4 , § 10 , da Lei n 12.850/13, o qual possibilita a retratação da proposta, só pode ser aplicado antes da homologação judicial do acordo, visto que após isso passa a compor o acervo probatório do processo. Assim, caso ocorra essa retratação, as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador, não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor, visto que não foram submetidas ao contraditório e a ampla 174 defesa. Em sentido contrário, na sentença da “Operação Richter” – fls. 44/46, julgada pelo magistrado federal Walter Nunes, ao interpretar o supramencionado artigo, reconheceu a possibilidade da retratação a qualquer tempo. Afirma ainda o magistrado que, caso a retratação parta do Ministério Público após a formalização do acordo de colaboração é necessário se passar pelo crivo judicial, na qual se analisarão os depoimentos prestados pelo colaborador, visto que esse já terá renunciado o direito ao silêncio e, provavelmente, fornecido informações a respeito de sua conduta e dos demais agentes, bem como detalhamento sobre os fatos criminosos. Ademais, explica que a lei nada fala sobre como deverá se realizar essa retratação, contudo, parece óbvio que ela deve ser fundamentada por quem a manifesta, sobretudo quando é requerida pelo Ministério Público. o o o 175 Além disso, o artigo 4 , § 3 , da Lei n 12.850/13 é claro ao conceder um tempo hábil para que se demonstre a eficácia da colaboração, por isso, permite a suspenção por até 176 seis meses do prazo para oferecimento denúncia ou do próprio processo . Caso o magistrado 174 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op. cit., p. 71 175 o o “Art. 4 . § 3 O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional.” 176 Defende-se que deverá ser suspenso não apenas o processo ou o prazo para o oferecimento da denúncia, mas também o prazo prescricional. Rogério Sanches prega essa dupla suspensão, visto que é o mais adequado para que haja um equilíbrio, visto que o investigado ou réu poderia ver sua punibilidade extinta pela prescrição da pretensão punitiva, em razão de se suspender apenas o prazo do processo ou do oferecimento da denúncia. (Cf. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op. cit., p. 57). 76 177 discorde do pedido de suspensão, acredita Rogério Sanches que deverá ser invocado o artigo 28 do CPP, caso tal artigo não seja aplicado, defende que deverá ser interposto o 178 recurso em sentido estrito, com fulcro no artigo 581, inciso XVI do CPP ou interposto a correição parcial, que, inclusive, já foi admitida pelo Superior Tribunal de Justiça na hipótese 179 de indeferimento da suspensão do processo nos casos de réu citado por edital, nos termo . Ressalta-se que é possível que a colaboração premiada ocorra após a prolação da o o o 180 sentença, segundo o artigo 4 , § 5 , da Lei n 12.850/13 , ou seja, já com o trânsito em julgado da sentença, em fase de cumprimento da pena, poderá ser celebrado a colaboração, a qual, se eficaz e voluntária, poderá ter a pena reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime. Após homologado o acordo, “o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu o defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia” (4 , § o o 9 , da Lei n 12.850/13). Tal dispositivo normativo busca que novas informações sejam prestadas ou dar oportunidade para o colaborador solicitar proteção especial, visto que pode estar sofrendo ameaças. Ademais, em sede processual, ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, caso as partes requeiram ou por iniciativa da autoridade judicial, poderá o o o o o colaborador ser ouvido em juízo (artigo 4 , § 12 , da Lei n 12.850/13). Assim, o artigo 4 , § o o 14 , da Lei n 12.850/13, prevê que “nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de 181 dizer a verdade” . Por fim, como já ressaltado neste trabalho, a sentença condenatória não poderá ser proferido com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador, uma vez que, no ordenamento jurídico pátrio, a colaboração premiada não pode ser entendida como prova absoluta. 177 Ibidem. p. 54. 178 “Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: XVI - que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial;” 179 o STJ - HC n 8.927/SP, Quinta Turma, Relator: Ministro Gilson Dipp, DJe: 16.8.99. 180 o o “Art. 4 . § 5 Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.” 181 Rogério Sanches acredita que a renúncia do direito ao silêncio deve ser aplicado apenas no caso de colaborador que não tenha sido denunciado, visto que no caso do réu colaborador, tal restrição violaria ao direito constitucional do direito ao silêncio e do direito de não produzir provas contra si - nemo tenetur se detegere – o conforme o artigo 5 , LXIII , da Constituição Federal e artigo 186 do Código de Processo Penal. (CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Op. cit., p. 76) 77 4.5 MEDIDAS PROTETIVAS AO COLABORADOR o No atual ordenamento jurídico pátrio, antes da Lei n 12.850/13, a única lei que o tratava de medidas protetivas ao colaborador é a Lei n 9.807/99, a qual dispõe sobre a proteção a vitimas e testemunhas ameaçadas e proteção dos acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Entretanto, a lei protege o colaborador de forma diferente da vitima e da testemunha. Isto é, a lei apenas prevê algumas medidas especiais de segurança e proteção à integridade física do colaborador, no caso de existir alguma ameaça ou coação eventual ou efetiva à sua pessoa. Assim, não estendendo a esses a mesma proteção fornecida às testemunhas e vítimas. Nesse contexto, as principais medidas fornecidas ao colaborador são: estando em o prisão cautelar, deverá ficar em dependência separada dos demais presos (artigo 15, § 1 , da o Lei n 9.807/99) e estando cumprindo pena em regime fechado, o juiz criminal determinará o o medidas especiais para a segurança (artigo 15, § 3 , da Lei n 9.807/99). Os demais dispositivos da lei, no que se refere ao colaborador, apenas prevê os benefícios – perdão judicial ou redução da pena em um terço a dois terços - que serão recebidos no caso de efetiva colaboração, ou seja, não se tratam de proteção, mas apenas prêmios, como a redução da pena e o perdão judicial. o o o Com o advento da Lei n 12.850/13, em seu artigo 5 e 6 trouxeram novas formas de o proteção ao colaborador. No inciso I, do artigo 5 , prevê que o colaborador terá direito de usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica. A “legislação específica” o que se refere esse inciso é a Lei n 9.807/99, a qual além das medidas de proteção já apresentadas, também há a possibilidade de alteração do nome e prenome do agente colaborador, conforme a redação dada por esse diploma aos artigos 57 e 58, parágrafo único o 182 da Lei n 6.015/73 (Lei de Registro Público) . Ademais, terá o colaborador prioridade na o tramitação do inquérito ou do processo criminal, conforme o artigo 19-A da Lei n 183 9.807/99 . 182 o “Art. 57. § 7 Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração.” “Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.” 183 “Art. 19-A. Terão prioridade na tramitação o inquérito e o processo criminal em que figure indiciado, acusado, vítima ou réu colaboradores, vítima ou testemunha protegidas pelos programas de que trata esta Lei.” 78 o o Os incisos II, III e IV do artigo 5 da Lei n 12.850/13, dispõem que são direitos do colaborador: “II - ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; III – ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; IV – participar das audiências sem contato visual com os outros acusado”. No que concerne o inciso II, o que se busca é o sigilo das informações pessoais do colaborador, aliás, a lei de crime organizado prevê em seu artigo 18, que “revelar a identidade, fotografar ou filmar o colaborador, sem sua prévia autorização por escrito” constitui crime. Em relação ao transporte do colaborador em veículo distinto dos demais réus, faz-se o uma analogia ao artigo 295, § 4 , do Código de Processo Penal, o qual dispõe que o preso especial e o preso comum sejam transportados separadamente. Visa-se assegurar a integridade física do colaborador, a qual poderia se encontrar ameaçada caso fosse submetido estar no mesmo ambiente dos agentes delatados. Quanto ao inciso IV, aplica-se analogicamente o 184 artigo 217 do Código de Processo Penal , visto que é necessário impedir o contato visual do colaborador com os demais integrantes da facção criminosa, para que o delator não se sinta intimidade e ameaçado a colaborar com a justiça. o o Já o inciso V do artigo 5 da Lei n 12.850/13 prevê que o colaborador não terá sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem será fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito. Essa proteção está assegurada pelo artigo 18 da mesma lei, o 185 bem como pelo artigo 17 da Resolução n 59/2008 , do Conselho Nacional de Justiça, o o o o 186 artigo da 8 , § 2 , Resolução n 36/2009 , do Conselho Nacional do Ministério Público, e o o 187 artigo 11, inciso III, da Lei n 8.429/92 . Tais dispositivos visam assegurar o sigilo das informações que os magistrados, membros do Ministério Público e servidores públicos tenham acesso em razão da sua função. 184 “Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.” 185 “Art. 17. Não será permitido ao magistrado e ao servidor fornecer quaisquer informações, direta ou indiretamente, a terceiros ou a órgão de comunicação social, de elementos sigilosos contidos em processos ou inquéritos regulamentados por esta Resolução, sob pena de responsabilização nos termos da legislação pertinente.” 186 o “Art. 8 . § 2°. É defeso ao membro do Ministério Público ou a qualquer servidor fornecer, direta ou indiretamente, a terceiros ou a órgãos de comunicação social, elementos contidos em processos ou investigações criminais, tais como gravações, transcrições e respectivas diligências, que tenham o caráter sigiloso, sob pena de responsabilização nos termos da legislação pertinente.” 187 “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo.” 79 o o Por fim, o inciso VI do artigo 5 da Lei n 12.850/13 dispõe que é direito do colaborador “cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados”. Tal inciso buscou preservar a integridade física do delator, visto que a simples ocultação ou alteração de sua identidade não seria suficiente para preservar sua integridade, pois há sempre possibilidade dessa identidade ser revelada. E, caso isso ocorresse, seria, na prática, uma sentença de morte para o colaborador, uma vez que o código de ética dos criminosos, não tolera essa espécie de comportamento. o 188 Nesse sentido, o artigo 19 da Lei n 9.807/99 trouxe a possibilidade da União utilizar estabelecimentos penais próprios para a manutenção dos condenados que colaborarem na elucidação do crime. Entretanto, na real conjuntura brasileira, se desconhece a existência de qualquer sistema prisional especial para os colaboradores. o o 189 Outrossim, o artigo 6 da Lei n 12.850/13 dispõe sobre a forma que deverá ser realizado o termo de acordo da colaboração, o que constará nele, os benefícios que receberá por causa da colaboração e sobre seus possíveis resultados decorrente da delação. Ressalta-se o o que, em razão do artigo 4 , caput, da Lei n 12.850/13, não trazer o quantum mínimo para a redução da pena, em caso de colaboração, justifica-se que o acordo premial entre defesa e acusação contemple já o quantum de redução que será pleiteado pelo autor do pedido. No tocante ao inciso V, desse artigo, “especificação de medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário”, esse assunto já foi tratado anteriormente, visto que tal inciso o o o refere-se a aplicação da Lei n 9.807/99 e do artigo 5 da Lei n 12.850/13. Teoricamente, todos esses meios protetivos expostos, são necessários para a proteção da integridade do colaborador e da sua família, contudo, na prática, infelizmente, não se observa uma certa proteção especial aos colaboradores. Não restam dúvidas que o papel exercido pelo delator é de extrema importância para a justiça elucidar os casos de infrações penais, mas, por outro lado, requer toda a atenção e sigilo possível, visto que no código de honra dos criminosos tal ato é visto como uma traição imperdoável e, por isso, pode ocasionar 190 a própria morte do delator e de membros da sua família . 188 “Art. 19. A União poderá utilizar estabelecimentos especialmente destinados ao cumprimento de pena de condenados que tenham prévia e voluntariamente prestado a colaboração de que trata esta Lei.” 189 “Art. 6. O termo de acordo de colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter: I – o relato da colaboração e seus possíveis resultados; II – as condições de proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; III – a declaração de aceitação do colaborador e seu defensor; IV – as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor; V – a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.” 190 Nesse sentido, posiciona-se o Supremo Tribunal Federal: “A partir do momento em que o Direito admite a figura da delação premiada (art. 14 da Lei 9.807/99) como causa de diminuição de pena e como forma de buscar a eficácia do processo criminal, reconhece que o delator assume uma postura sobremodo incomum: afastar-se do próprio instinto de conservação ou auto acobertamento, tanto individual quanto familiar, sujeito que fica a 80 191 Nesse sentido, o autor Damásio de Jesus ao tentar explicar uma das razões do fracasso da colaboração premiada, na sua concepção, afirma que o agente criminoso ao não acreditar na eficiência da rede de proteção estatal, com novos empregos, novas identidades ou mudança de país, e temeroso de represálias, muito dificilmente seguirá o caminho da cooperação com a justiça. Nada obstante, a nova lei de crime organizado alterou a conjuntura protetiva anteriormente vivenciada no Brasil, ampliando o sistema de proteção aos colaboradores de justiça. Todavia, na prática, por intermédio de entrevistas realizadas com membros do Ministério Público estadual e federal, bem como com magistrados, constatou-se que os entrevistados nunca precisaram utilizar do sistema de proteção ao colaborador, no qual, por analogia, aplica-se o Programa de Proteção a Vitimas e Testemunhas – PROVITA, embora, todos tenham sido unanimes em afirmar os problemas enfrentados no nosso estado, no que 192 concerne a proteção dos colaboradores e familiares . Tendo em vista essa falha no sistema protetivo brasileiro, o promotor de justiça do Rio Grande do Norte, Paulo Batista Lopes, defendeu ser fundamental, na fase investigatória, o sigilo de todas as informações prestadas pelo colaborador, além de que o representante do Ministério Público, que está em contato com o transgressor, deverá imprimir no colaborador uma confiança para que, assim, esse possa ter segurança no promotor para exprimir as informações de que tem conhecimento. Na verdade, atualmente, no estado do Rio Grande do Norte, muitos dos casos que há a delação premiada são infrações penais cometidas contra a Administração Pública, não sendo necessário todo um campo protetivo para o colaborador, mas apenas o sigilo das informações prestadas e das pessoais do colaborador. retaliações de toda ordem. Daí porque, ao negar ao delator o exame do grau da relevância de sua colaboração ou mesmo criar outros injustificados embaraços para lhe sonegar a sanção premial da causa de diminuição da pena, o Estado-juiz assume perante ele conduta desleal. Em contrapasso, portanto, do conteúdo do princípio que, no caput do art. 37 da Carta Magna, toma o explícito nome de moralidade. 5. Ordem parcialmente concedida para o fim de determinar que o Juízo processante aplique esse ou aquele percentual de redução, mas de forma fundamentada.” (STF - HC: 99736 DF , Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 27/04/2010, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-091 DIVULG 20-05-2010 PUBLIC 21-05-2010 EMENT VOL- 02402-04 PP-00849) 191 JESUS, Damásio Evangelista de. O fracasso da delação premiada. In: Boletim do IBCCRIM: São Paulo, n.21, p.01, set/1994. 192 Cabe destacar parte da entrevista realizada com o Procurador da República Rodrigo Telles, que ao ser indagado sobre a forma como se dar a proteção do colaborador e da sua família, o procurador respondeu da seguinte forma: “A proteção ao delator e à sua família é problemática. Normalmente o Estado não tem condições de garantir sua integridade física e a de seus familiares. As medidas previstas na lei n° 9.807/1999 são insuficientes. Isso tem sido um dos grandes obstáculos à celebração de acordos de colaboração premiada. Diante disso, em alguns acordos se prevê a possibilidade de cumprimento de pena em outro estado da Federação, a mudança de domicílio, etc, procurando-se resguardar minimamente o colaborador e seus familiares.” 81 4.6 ANÁLISE CRITICA DE ALGUNS JULGADOS DAS JUSTIÇAS ESTADUAL E FEDERAL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE EM COMPARAÇÃO COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF E STJ o Não obstante a colaboração premiada, antes da Lei n 12.850/13, não possuísse regras processuais bem definidas nas legislações pátrias, a jurisprudência consolidava parâmetros aplicáveis no caso concreto. Dessa forma, a jurisprudência era o melhor instrumento para, no caso concreto, discernir a interpretação das leis vigentes no Brasil. Portanto, é um instrumento valioso para compreender a evolução e recepção do instituto premial pelo Judiciário que, de uma forma geral, tem admitido a concessão dos beneplácitos aos colaboradores, inclusive, como se observará a seguir, não se restringindo apenas a benesses legais. Desse modo, cabe analisar as decisões do Judiciário, no que concerne ao instituto premial, especialmente em relação à jurisprudência do Estado do Rio Grande do Norte, visto que, são escassos os estudos focados nessa área, bem como sua grande importância para descortinar organizações criminosas presentes no estado do Rio Grande do Norte. Assim, aqui é pertinente analisar três grandes operações realizadas no Rio Grande do Norte em que houve a colaboração premiada para auxiliar a busca da verdade real, quais sejam: Operação Foliaduto, Operação Judas e Operação Pecado Capital. As duas primeiras se restringiram ao âmbito estadual e a última era da competência da Justiça Federal do RN. Ressalte-se que, ao analisar as seguintes decisões emanadas dessas operações, se buscará avaliá-las de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). o Inicialmente, merece exame a operação Foliaduto (Ação Penal n 0012341- 19.2006.8.20.0001), que se iniciou no ano de 2006. O Ministério Público Estadual denunciou um possível esquema de licitação fraudulenta, que culminou com o pagamento de shows “fantasmas” no carnaval de 2006. Essa operação ficou conhecida pelo desvio de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) ocorridos em uma fundação estadual. Foram dois processos provenientes desse caso, um na Fazenda Pública, que trata do ressarcimento aos cofres públicos, e outro criminal. No momento, se analisará as decisões do processo criminal. Nessa operação, um dos empresários proprietário e procurador de duas empresas que receberam juntas R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) pelos shows fantasmas contratados pela fundação estadual, colaborou com as investigações, fornecendo detalhes de como 82 funcionava o esquema licitatório para realização de shows “fantasmas”, além de apresentar cópias de processos e bilhetes, que incriminavam outras pessoas. No mesmo sentido, o coordenador financeiro e diretor administrativo da Fundação José Augusto na época dos fatos, também colaborou com as investigações, informando que o dinheiro que era supostamente pago para a realização dos shows carnavalescos na verdade eram utilizados para pagar pendências do Governo estadual. O colaborador detalhou, inclusive, que pendências eram essas, sendo os fatos levantados comprovados por meios documentais e testemunhais. Assim, pelas colaborações prestadas, o Ministério Público, em suas alegações finais, requereu o perdão judicial dos dois colaboradores, nos termos do artigo o 193 13 da Lei n 9.807/99 . Nada obstante as provas produzidas em decorrência da colaboração premiada, em outubro de 2013 a ação penal da Operação Foliaduto foi julgada pela justiça estadual do Rio Grande do Norte, absolvendo um dos principais nomes informados pelos colaboradores como mentor das fraudes ocorridas na fundação estadual, além de não ter acatado o pedido do Ministério Público para concessão do perdão judicial dos colaboradores, com o fundamento de que o perdão judicial, decorrente da delação premiada, “não deve ser concedido se a colaboração dos delatores não resulta na recuperação total ou parcial do produto do crime, ou, ainda, na identificação dos coautores ou partícipes, principalmente quando considerada a 194 gravidade e repercussão social do fato” . Nem mesmo a redução da pena foi aplicada. Neste pórtico, ao fazer uma análise na jurisprudência do STF e STJ, constata-se que a medida adotada pelo magistrado a quo não foi em conformidade com o posicionamento jurisprudencial e doutrinário brasileiro. Primeiramente, cabe ressaltar que o Ministério Público, titular da ação penal, requereu a concessão do perdão judicial aos colaboradores com base no auxilio que esses prestaram para a persecução penal. Prova disso são trechos dos depoimentos ofertados por eles, presentes na própria sentença condenatória. Contudo, nem mesmo o beneficio da redução da pena foi concedido aos colaboradores, embora a jurisprudência entenda que, caso haja um mínimo de colaboração e que esta não tenha o intuito de prejudicar as investigações, deve ser cabível a redução da pena 193 Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. 194 o Trecho retirado da ementa da sentença penal condenatória n 0012341-19.2006.8.20.0001 83 em quantum fundamentado, ainda que se trate de crime hediondo, quem dirá nos delitos 195 analisados nesse momento. 196 Entretanto, na própria sentença condenatória , o magistrado informou que as declarações prestadas pelos colaboradores estavam de acordo com as provas documentais que comprovavam o envolvimento de um dos réus na empreitada criminosa, inclusive trechos dos depoimentos dos colaboradores foram transcritos na fundamentação da sentença. Ou seja, há sim certa relevância na cooperação fornecida por eles, visto que pelo menos um dos córreus foi identificado por intermédio da colaboração e a fundamentação utilizada pelo juiz a quo não se demonstra motivada ao se ponderar os demais fatos presentes na sentença 197 condenatória. Outra operação ocorrida no Estado do Rio Grande do Norte a merecer menção é a o que ficou conhecida como “Operação Judas” – Processo n 0105143-26.2012.8.20.0001. Os fatos investigados nessa operação foram os ocorridos na divisão do setor de precatórios do Tribunal de Justiça do RN, em que foram identificadas guias de pagamentos duplicadas. Ademais, constatou-se também que os réus se utilizavam de pessoas alheias ao processo para o recebimento dos depósitos referentes à quitação das dívidas judicializadas e não se encontram documentos comprobatórios relacionados ao pagamento ou não das dívidas divididas em parcelas mensais. Os promotores de proteção ao patrimônio público do Estado do RN celebraram o acordo de colaboração premiada com dois acusados: a ex-chefe da Divisão de Precatórios do TJ/RN e seu marido, que por intermédio de sua empresa participava do esquema ilegal para 195 “Delação premiada. Perdão judicial. Embora não caracterizada objetivamente a delação premiada, até mesmo porque a reconhecidamente preciosa colaboração da ré não foi assim tão eficaz, não permitindo a plena identificação dos autores e partícipes dos delitos apurados nestes volumosos autos, restando vários deles ainda nas sombras do anonimato ou de referências vagas, como apelidos e descrição física, a autorizar o perdão judicial, incide a causa de redução da pena do art. 14 da Lei nº 9.807/99, sendo irrelevantes a hediondez do crime de tráfico de entorpecentes e a retratação da ré em Juízo, que em nada prejudicou os trabalhos investigatórios. a Pena privativa de liberdade.” (STF, AI-AgR 820480, Relator: Ministro Luiz Fux, 1 Turma, Data: 03/04/2012) 196 A fundamentação utilizada pelo juízo a quo restringiu-se apenas ao seguinte trecho: “após avaliar a eficácia da cooperação, os fatos revelados e a postura de cooperação, bem como os artigos 13 e 14, da Lei nº 9.807/99, entendo mesmo que não cabe conceder o benefício aos acusados”, uma vez que a colaboração não se enquadrou nos artigos, 13, I, II e III e no artigo 14 da supracitada lei, além de que “o crime causou ampla e negativa repercussão na sociedade norte-riograndense”. 197 “Ao delator deve ser assegurada a incidência do benefício quando da sua efetiva colaboração resulta a apuração da verdade real. 9. Ofende o princípio da motivação, consagrado no art. 93, IX, da CF, a fixação da minorante da delação premiada em patamar mínimo sem a devida fundamentação, ainda que reconhecida pelo juízo monocrático a relevante colaboração do paciente na instrução probatória e na determinação dos autores do fato delituoso. 10. Ordem concedida para aplicar a minorante da delação premiada em seu grau máximo, fixando-se, assim, a pena do paciente em 2 anos e 4 meses de reclusão, competindo, destarte, ao Juízo da Execução a imediata verificação acerca da possível extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena imposta na Ação Penal 3.111/04, oriunda da Comarca de Estrela do Sul/MG. “ (HC 200703072656, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:02/08/2010) 84 compra e venda de precatórios. Em sede de alegações finais, o Ministério Público requereu que ambos colaboradores fossem condenados pelo crime de peculato em continuidade o delitiva, porém que fosse aplicada redução da pena, conforme o artigo 14 da Lei n 9.807/99, em virtude da delação premiada. Ocorre que, em sentença fundamentada, o juízo competente para o julgamento da causa não reconheceu a delação premiada prestada pelos acusados. Afirmou o magistrado que, embora tenham eles incorrido na delação premiada, não teria competência para o julgamento, visto que os delatados eram pessoas que se beneficiavam do foro de prerrogativa de função e, por isso, os acusados não poderiam ser beneficiados naquele caso concreto pelo instituto da delação premiada, visto que o magistrado não tinha competência para julgar 198 àqueles que tiveram seus nomes informados pelos colaboradores . Já no que concerne à colaboração premiada, entendeu o magistrado que essa restou configurada, aplicando a redução de 1/3 da pena. Nesse sentido percebe-se que o juízo a quo trata a delação e a colaboração premiada como se fossem dois institutos diferentes. Em sua fundamentação ele diz, inclusive, que “a delação premiada é, portanto, uma espécie do gênero colaboração premiada”. Entretanto, como já tratado nesse trabalho anteriormente, a distinção feita pelo magistrado já se encontra superada pelo nosso ordenamento jurídico, visto que o legislador, doutrina majoritária e decisões jurisprudenciais utilizam ambos os termos para conceituar o instituto premial. Tendo em vista que o que fora requerido pelo Ministério Público não foi concedido pelo juiz a quo, então, o Ministério Público Estadual recorreu da sentença condenatória, alegando a necessidade de aplicação dos benefícios da colaboração premiada, uma vez que as informações prestadas pelos colaboradores foram fundamentais para o recolhimento de provas contra outros acusados, além de descobrir todo o esquema fraudulento. Percebe-se, assim, que o Ministério Público agiu corretamente, visto que agiu com ética com os colaboradores, ou seja, conforme o que fora acordado, requerendo e possibilitar a aplicação dos benefícios aos colaboradores. A última operação a ser analisada é a que ficou conhecida como Operação Pecado Capital, a qual foi julgada pela Justiça Federal do Rio Grande do Norte. O Ministério Público 198 Trecho da sentença: “Contudo, carecendo este Juízo de competência para analisar a eventual veracidade da delação feita pelos réus CARLA e GEORGE, e sequer havendo, até a data de hoje, qualquer ação penal em desfavor dos dois apontados coenvolvidos referidos em delação, não há como este Juízo conceder aos réus CARLA UBARANA e GEORGE LEAL benefício algum por força da pretensa delação premiada, facultando a lei aos interessados, se for o caso, pleitear posteriormente por benefícios em razão de delação em sede de revisão criminal, o que entendo, em tese, juridicamente possível”. 85 Federal denunciou possíveis fraudes ocorridas no Instituto de Pesos e Medidas do Rio Grande do Norte - IPEM/RN – como formação de quadrilha e corrupção. Nessa operação, sete acusados foram beneficiados com a redução da pena, em decorrência da colaboração premiada. As declarações prestadas pelo ex-diretor do IPEM/RN e sua namorada colaboraram para a ação penal, no sentido de que quedou demonstrado o grande esquema ilícito que tinha o próprio colaborador como operador, mas envolvia diretamente também um deputado estadual e dois advogados, sendo um deles filho da então governadora do estado na época dos fatos. Constatou-se com os depoimentos e provas documentais que esses quatro comandavam a “pirâmide do esquema” e que “o resultado financeiro de boa parte dos recursos financeiros desviados do IPEM/RN era dividido em quatro partes iguais, ou seja, entre as pessoas em referência". Tal sistema fraudulento ocorreu durante o período de abril de 2007 a fevereiro de 2010, na gestão exercida pelo colaborador no IPEM/RN, e, no período de fevereiro de 2009 a fevereiro de 2011, gestão da outra colaboradora, na ATIVA (entidade que mantinha convênio 199 com a Prefeitura de Natal) . 200 Na sentença homologatória do acordo de colaboração premiada percebe-se que os benefícios de redução da pena, substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito e o perdão judicial foram acatados pelo juízo competente, visto que as colaborações o o prestadas se adequaram às hipóteses dos incisos I, II e III do artigo 4 da Lei n 12.850/13. Ademais, constatou-se que uma das dimensões da cooperação premiada é o direito de ampla 199 Informações extraídas do site da Justiça Federal do Rio Grande do Norte.. Disponível em: < http://www.jfrn.jus.br/noticia.xhtml;jsessionid=E418DF3077A1528621E3516FB5B15293?idNoticia=6162>. Acesso em: 21 mar. 2014. 200 “EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. COLABORAÇÃO PREMIADA. PROPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ACEITAÇÃO PELOS ACUSADOS. NATUREZA JURÍDICA. DIREITO À AMPLA DEFESA. RATIFICAÇÃO. ANÁLISE PELO JUIZ. REDUÇÃO DA PENA, SUBSTITUÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS E PERDÃO JUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO. 1. A colaboração ou delação premiada, prevista na Lei nº 12.850, de 2013, em princípio, destinada apenas para os ilícitos praticados por organização criminosa nela definida, é aplicável ao crime de quadrilha tipificado no art. 288 do Código Penal, e, conquanto seja instrumento eficiente para a persecução criminal, de outra banda, é uma das dimensões do direito à ampla defesa, de modo que, quando ofertada pelo Ministério Público, sendo aceita pelo agente, com a consequente renúncia do direito ao silêncio, deve ser homologada pelo juiz, salvo em situação excepcional, o que não é a hipótese dos autos. 2. Os depoimentos dos colaboradores trouxeram a identificação de novos integrantes da empreitada ilícita, forneceram detalhes significativos sobre os crimes e ainda tiveram o condão de revelar nuances do esquema ilícito, a estrutura do grupo e a divisão das tarefas, ademais de servirem para que a administração pública aprimore a sua política de segurança institucional, com o esclarecimento, ainda, de que servidores, serviços e valores de órgãos públicos foram utilizados para fins eleitorais, prestando-se os recursos desviados para irrigar campanha política, mediante a constituição do que se convencionou chamar, em nosso meio, de caixa 2 (dois). 3. As colaborações prestadas se enquadram nas hipóteses dos incisos I, II e III do art. 4º da Lei nº 12.850, de 2013, sendo adequada a proposta de redução da pena, quanto ao agente que foi o operador do sistema e direcionou o agir dos demais, de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos dos 2 (dois) que agiram sob orientação e de perdão judicial dos colaboradores que tiveram participação mais em razão das relações pessoais que detinham com aquele que comandava as ações. 4. Homologação judicial.” 86 defesa do investigado/réu, além de que esse renuncia ao direito ao silêncio, no caso de aceitar a imposição da colaboração premiada. 87 5 CONCLUSÃO Trata-se a colaboração premiada de um instrumento legal de combate à criminalidade, com a observância das garantias constitucionais do indivíduo, em que se utiliza as declarações voluntárias do agente delituoso para desvendar ou atenuar as consequências da atividade criminosa, na maioria das vezes organizada e grave, judicialmente beneficiando esse sujeito ativo da infração penal com a extinção da punibilidade, redução da pena, substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito ou a aplicação do cumprimento da pena em regime aberto ou semiaberto ou até mesmo o não oferecimento da denúncia, entre outros possíveis benefícios extralegais, como a pena-base fixada no mínimo legal. O escorço histórico da colaboração premiada revela que, embora o instituto premial seja um instrumento antigo na história, somente no final do século passado é que o direito premial ressurgiu mais fortemente, vindo a ser regulamentado nas legislações de muitos países. Ao analisar o direito premial, em âmbito nacional e internacional, constata-se que três são os países – Estados Unidos, Itália e Espanha - em que esse instrumento foi mais bem receptado internamente. Nos Estados Unidos, o direito premial é conhecido como plea bargaining, sendo um eficiente instrumento de resolução de litígios, visto que recentes decisões vêm admitindo que o testemunho de colaboração, com sua consequente confissão, pode fornecer fundamento exclusivo para a sua condenação. No que concerne ao instituto da colaboração premiada na Itália esse se solidificou como forma de combate às organizações mafiosas, especialmente na operação Mãos Limpas, quando Tommaso Buscetta colaborou com a justiça italiana, informando como funcionava os esquemas mafiosos e quem era seus participantes. Na Itália, assim como no Brasil, a condenação deve ser fundada em outras provas além das declarações prestadas pelo colaborados. Já na Espanha, a figura do delicuente arrepentido surgiu pelo clamor da sociedade em se buscar mecanismos de combate ao terrorismo, visto que a legislação penal vigente não era mais suficiente para tanto. Embora nesse país não exista uma norma que identifique qual o valor probatório das declarações do colaborador, o entendimento jurisprudencial predominante é que as informações prestadas pelo colaborador são reconhecidas como prova, desde que observadas todas as garantias processuais. Portanto, atualmente não apenas no Brasil, mas em diversos outros países, a colaboração premiada funciona como um importante facilitador para desvendar crimes já 88 cometidos, bem como desmembrar grandes grupos criminosos, os quais se fortalecem cada vez mais com os mecanismos fornecidos pela nova conjuntura mundial, a globalização. Percebem-se claramente os avanços conquistados no ordenamento jurídico nacional. Timidamente, esse instrumento foi sendo introduzido na legislação pátria, sofrendo constantes críticas por não existir um estudo aprofundado sobre o assunto, além de que o legislador era insipiente ao não tratar do procedimento específico da colaboração premiada. Nada obstante as criticas doutrinárias, o instituto premial veio sendo aplicado como um instrumento de combate ao crime, com o intuito de encontrar a verdade real, além de desestruturar essas organizações criminosas. Malgrado as diversas críticas lançadas ao instituto premial, como a relação ético- moral do colaborador com os demais autores do crime, não é possível restar em concordância com elas, visto que, na verdade, a colaboração cristaliza o compromisso que o colaborador tem com a sociedade e o Estado, no sentido de dizer a verdade e esclarecer os fatos de que têm conhecimento, possibilitando, assim, que a comunidade tenha ciência dos fatos criminosos e dos seus responsáveis, bem como evitar que novas infrações ocorram, além de constituir um meio restaurativo para o acusado, o qual se encontra arrependido pelos fatos ilícitos praticados, possibilitando sua reinserção social. Nesse contexto, pode-se dizer que o direito premial é um direito de defesa do acusado, que está exercendo o seu direito de agir como melhor acredita ser adequado, no caso, cooperando com a justiça e, por essa razão, no momento da análise de sua culpabilidade, deve ser-lhe concedido um prêmio, visto que a colaboração é uma circunstância determinante para a aplicação da pena menos grave. Assim, justifica-se o tratamento diferenciado dado ao colaborador em comparação com os demais criminosos, visto que os delitos atingidos pela colaboração premiada representam um bloqueio entre os criminosos, que se respaldam em seu código de honra – a lei do silêncio -, fazendo-se necessária a utilização de um mecanismo especial, a colaboração premiada, que possibilite a desestruturação dessas organizações criminosas. Em resposta à falta de procedimento próprio da colaboração, a nova lei de crime organizado veio suprimir a insuficiência legislativa das leis anteriores que versavam sobre o instituto premial. Assim, por sua extrema importância no estudo do direito premial, o capítulo o quarto desse trabalho tratou da Lei n 12.850/2013, concluindo que se trata de uma lei de aplicação geral para todos os casos concretos em que se faça possível a aplicação da colaboração premiada. 89 A atual lei de crime organizado veio também tratar da natureza jurídica da o colaboração premiada. Embora o artigo 3 dessa lei diga ser a colaboração um meio de obtenção de prova, ao analisar os demais dispositivos legais ali presentes, entende-se, na verdade, que o legislador optou em considerar a colaboração premiada como prova, visto que o o o no artigo 4 , § 10 e 16 e o artigo 7 , § 2 , da Lei, são utilizados os termos “elemento de prova” e “prova auto-incriminatória”, ou seja, a lei de crime organizado veio consolidar que a colaboração premiada não pode ser utilizada como prova única para fundamentar uma sentença condenatória. Ademais, em um só tempo, ressalta-se que a colaboração premiada pode ser também um meio de defesa do investigado/acusado, visto que este, voluntariamente, entra em consenso com a acusação a respeito do destino da sua situação jurídica e, em contrapartida, concorda em colaborar. Outrossim, em regra, a nova lei de crime organizado definiu os requisitos objetivos e subjetivos necessários para a homologação do acordo de colaboração, sendo eles a necessidade do colaborador reconhecer, implicitamente ou explicitamente, a prática do fato criminoso, além de colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, por intermédio da identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e/ou revelando a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas da organização criminosa e/ou evitando a prática de infrações penais e/ou recuperando total ou parcialmente o produto ou proveito das infrações penais e/ou informando a localização da vítima com a sua integridade física preservada. Ainda há a imprescindibilidade da presença do defensor em todos os momentos em que forem praticados qualquer ato de colaboração, como forma de resguardar o devido processo legal e ampla defesa, bem como deve ser levada em consideração a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração, isto é, observa-se que a aplicação do direito premial é um instrumento que não deve ser abrangente para todos os tipos penais, sendo um mecanismo especial utilizado pelo Estado para delitos de maior periculosidade e gravidade. Ainda, constatou-se que para a aplicação desses benefícios faz-se necessário à existência de um preceito condenatório, que funcionaria como uma cláusula resolutiva, isto é, no caso de descumprimento do acordado entre defesa e acusação, faz-se uma reconvenção para a anterior condenação. Dessa forma, se afasta a critica lançada à colaboração premiada de que esse instrumento afasta a possibilidade do acusado cumprir pena caso descumpra o que fora acordado. Assim, existindo uma sentença condenatória, caso o agente descumpra uma 90 das cláusulas do acordo de colaboração, então, os benefícios aplicados em cima da sentença condenatória serão afastados para que se aplique a sentença condenatória na sua integra. o Uma das grandes inovações trazidas pela Lei n 12.850/2013 foi o fato de regulamentar o procedimento para validade da cooperação premiada, que era uma das maiores criticas feita ao instituto premial no Brasil, visto que antes não existia um regulamento próprio para esse instrumento penal. Dessa maneira, a nova lei dispõe sobre a legitimidade ativa, sobre a fase procedimental em que será cabível a colaboração e acerca do papel e funções atribuídas ao juiz, à policia e ao Ministério Público. Por essa razão, pode-se dizer que a lei estudada é uma lei de aplicação geral para todos os casos que seja possível a aplicação do instituto premial, uma vez que é a única lei que regulamenta de forma especifica o direito premial. No que concerne às medidas protetivas em face do colaborador, infelizmente, na o prática, o atual sistema brasileiro ainda é falho. Nada obstante a Lei n 12.850/2013 tenha trazido novos dispositivos em que ofertassem maior proteção ao colaborador, como o sigilo das informações prestadas até o oferecimento da denúncia e o cumprimento de pena em estabelecimento diverso dos demais corréus, na prática, há uma falha no sistema protetivo brasileiro, em que o Estado carece de medidas adequadas para que se realize essa proteção. Por fim, realizou-se pesquisa em alguns dos principais casos julgados nas justiças estadual e federal do Rio Grande do Norte, em que se aplicou o instituto premial. Constatou- se que a jurisprudência não é unanime em muitos pontos que se refere à colaboração premiada. Até mesmo fatos já consolidados pela jurisprudência e pela doutrina, como é o fato de não existir distinção entre o termo delação e colaboração premiada, ainda existem julgados, como a Operação Judas, em que faz essa distinção. Dessa forma, é possível afirmar que, de forma geral, no que concerne ao direito o premial, a Lei n 12.850/2013 alcançou um equilíbrio entre a existência de normas que garantam os direitos fundamentais do colaborador, por intermédio de um processo justo, e a possibilidade de se alcançar eficiência com a atuação estatal no combate aos crimes de maior periculosidade, na maioria das vezes praticados pelas organizações criminosas. Nesse sentido, a lei de crime organizado foi venturosa ao legislar sobre a colaboração premiada, em especial regulamentando o seu regramento de ordem processual necessário para sua aplicação, ou seja, a nova lei buscou solucionar, entre outros fatores, as questões procedimentais desse instituto premial, como ao trazer de quem é a competência para ofertar o acordo de colaboração, como se dar a atuação do magistrado nesse direito premial, bem como 91 as garantias que são consagradas ao colaborador e os possíveis benefícios decorrente de sua cooperação. 92 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALSCHULER, Albert W. La historia acerca de la negociación sobre la declaración de culpabilidade: el plea bargaining y su historia. In: Cuadernos de doctrina y jurisprudência penal, fasc. 12. Buenos Aires, set/2011, p. 17 AZEVEDO, David Teixeira de. A colaboração premiada num direito ético. In Boletim IBCCRIM. São Paulo, v. 7, n. 83, out/199, p. 5/7. Disponível em: . Acesso em: 02 abr. 2014 AZEVEDO, Vinicius Cottas; SUZUKI, Claudio Mikio. Organização criminosa: Confusões e Inovações trazidas pela Lei 12.850/2013. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2014. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução Paulo M. Oliveira. São Paulo: EDIPRO, 1. ed., 2013 BENÍTEZ ORTÚZAR, Ignácio Francisco. El colaborador com la justicia: aspectos substantivos, preocesales y penitenciários derivados de la conducta de “arrepetido”. Madrid: Dykinson S.L., 2004, p. 181-182. BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados especiais criminais a alternativas à pena de prisão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 96. BITTAR, Walter Barbosa. Delação premiada: direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. BRASIL. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . ______. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . ______. Leis Brasileiras. Disponível em: . ______. Súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 1984. In: CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado: comentários à nova lei sobre crime organizado. Salvador: Juspodvm, 2013. CABETTE, Eduardo Luiz Santos. A constitucionalidade da atuação do delegado de polícia na colaboração premiada da Lei 12.850/13. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2014. 93 CARVALHO, Natália Oliveira de. A delação premiada no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. CERVINI, Raúl; GOMES, Luís Flávio; OLIVEIRA, Wilian Terra de. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. Clarin Digital, de 29 de junho de 1997, Buenos Aires, Argentina. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2014. CUERDA-ARNAU, Maria Luisa. Atenuación y remisión de la pena en los delitos de terrorismo. Madrid: Ministerio da Justicia e Interior, Centro de Publicaciones, 1995. p. 593/594. Disponível em: < http://books.google.com.br/>. Acesso: 04 abr. 2014. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado: comentários à nova lei sobre crime organizado. Salvador: Juspodvm, 2013. ESSADO, Tiago Cintra. Delação premiada e idoneidade probatória. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 101, mar/2013. FRANÇA ENDURECE LUTA CONTRA O TERROR. O Estado de São Paulo. São Paulo, 30.11.2005, p. A-16). Disponível em: < http://acervo.estadao.com.br/>. Acesso em: 15 mar. 2014. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. FRISONE, Flavia. La polis greca: gli anticorpi della comunità solidale fra pentitismo edelazione. Iuris Antiqui Historia, vol. 3, 2011. Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2014. GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de Inocência: princípios e garantias. In: SUANNES, Adauto et al. (Coord.). Escritos em homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. GOMES, Luiz Flávio. Corrupção Política e Delação Premiada. In: Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, ano VI, n. 34, Porto Alegre, out-nov/2005. GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95) e político-criminal. 2. ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl; OLIVEIRA, William Terra de. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. GOMES JÚNIOR, Lúcio Alberto. A delação premiada na defesa da concorrência: perspectivas para a política brasileira d e leniência no combate a cartéis. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. Disponível em: < https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/105851/LUCIO%20ALBERTO%20G OMES%20JUNIOR.pdf?sequence=1>. Acesso em: 20 mar. 2014. 94 GUIDI, José Alexandre Marson. Delação premiada no combate ao crime organizado. São Paulo: Lemos&Cruz, 2006. INELLAS, Gabriel C. Zecarias de. Da prova em matéria crimininal. São Paulo: 2000. JESUS, Damásio Evangelista de. O fracasso da delação premiada. In: Boletim do IBCCRIM: São Paulo, n.21, p.01, set/1994. Jornal Clarin Digital, de 29 de junho de 1997, Buenos Aires, Argentina. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2014. LEMOS Jr., Arthur Pinto de. Crime organizado e o problema da definição jurídica de organização criminosa. Revista dos Tribunais, vol. 901, nov/2010. MASI, Carlo Velho. A nova politica criminal brasileira de enfrentamento das organizações criminosas. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. São Paulo, n. 56, out-nov de 2013. MAYOR, Pedro Juan. Concepción criminológica de la criminalidade organizada contemporanea. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 7, n. 25, jan-mar/1999. MCCONVILLE, Mike; MIRSKY, Chester L. Jury Trials and Plea Bargaining: A True History. Oxford and Portland, OR: Hart Publishing, 2005. MESSER, Debora. A aplicação do perdão judicial no instituto da delação premiada. Disponível em: < . Acesso em: 20 mar. 2014. a MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 10. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. _______. Código de Processo Penal Comentado . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. _______. O valor da confissão como meio de prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. OBREGON, Sônia Regina de Grande Petrillo. Conceito de crime organizado e/ou organização criminosa: uma pequena tentativa. In: Fadap. Revista Jurídica, fasc. 6. Tupã, 2003. In: BITTAR, Walter Barbosa. Delação Premiada: direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curo de Processo Penal. 18. ed. rev. e amp. atual. de acordo os com as Leis n 12.830, 12.850 e 12.878, todas de 2013. São Paulo; Atlas. 95 PAIVA, Mário Antônio Lobato de. Juizados especiais criminais: a revolução copérnica do sistema penal vigente. Disponível em: , Acesso em: 15 mar. 2014. PAZ, Isabel Sánchez García de. El coimputado que colabora con la justicia penal: Con atención a las reformas introducidas en la regulación española por las Leyes Orgánicas 7/ y 15/2003. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia, s.n., 2005, núm. 07-05, p. 3-5, tradução nossa. Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2014. PENTEADO, Jaques de Camargo. Delação Premiada. Revista dos Tribunais, vol. 848. PEREIRA, Frederico Valdez. Delação Premiada: legitimidade e procedimento. Curitiba: Juruá, 2013. _________. Valor probatório da colaboração processual. Brasília: Revista CEI, ano XIII, n. 44, jan/mar. 2009, p. 25-35. Disponível em: < http://www2.cjf.jus.br/>. Acesso em: 15 mar. 2014 RASCOVSKI, Luiz. A (in)eficiência da delação premiada. In: FERNANDES, Antônio Scarance et al. Estudos de processo penal. São Paulo: Scortecci, 2011. SACERDO, Leandro. A delação premiada e a necessária mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal. São Paulo: Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 27, jan/2011. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2008. SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Curso de direito processual penal: teoria (constitucional) do processo penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. SILVA, Eduardo Araújo da. Da moralidade da proteção aos réus colaboradores. São Paulo, Boletim do IBCCRIM, dez/1999, p. 5. SOUZA, José Alberto Sartório de. Plea bargaining: modelo de aplicação do princípio da disponibilidade. In: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, fasc. 2. Belo Horizonte, dez./1998. TASSE, Adel El. Delação premiada: novo passo para um procedimento medieval. Ciências Penais, vol. 5, julho/2006. ZAFFARONI, Eugênio Raúl. “Crime Organizado”: uma categoria frustrada. In: Revista Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Ano 1, n. 1. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Insituto Carioca de Criminologia, 1996. Disponível em: . Acesso em: 02 abr. 2014 96 APÊNDICE A - ENTREVISTAS REALIZADAS COM MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DA MAGISTRATURA ESTADUAL E FEDERAL 97 Entrevista realizada com o desembargador federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, a com atuação no Tribunal Federal Regional da 5 Região. 1) Em sua atuação profissional, é frequente a aplicação da colaboração premiada? Normalmente, em qual momento processual ela ocorre mais? Apesar de contar com mais de vinte anos de magistratura, sendo quatorze dedicados ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), não tenho presidido ou relatado processos em que aplicada a delação premiada. O TRF5 ainda não tem órgão especializado em matéria criminal, de modo que a distribuição dos feitos é diluída entre as quatro turmas, o que, aliado à competência da Justiça Federal mais restrita para os feitos criminais, certamente contribui para tal situação. Obviamente existem casos nas Varas Criminais Federais, mas nenhum chegou a ser por mim examinado. 2) O(A) senhor(a) já atuou em alguma investigação ou processo em que houve a aplicação dos beneplácitos da delação premiada? Se sim, a possibilidade da delação foi apresentada pelo(a) senhor(a) ou o próprio investigado/acusado demonstrou interesse em colaborar? Não atuei, conforme referido na resposta 1. 3) Em algum caso em que o(a) senhor(a) atuou as informações prestadas pelo delator eram inverídicas? Se sim, em qual momento processual se descobriu que não eram verdadeiras as informações prestadas? Que medidas foram tomadas? Em face da resposta 2, a indagação resta prejudicada. 4) Em sua opinião, qual foi o caso mais importante que o(a) senhor(a) atuou em que ocorreu a colaboração premiada? Qual beneplácito foi aplicado? Em face da resposta 2, a indagação resta prejudicada. 5) Geralmente, como se dá a proteção ao delator? Em seu campo de atuação, normalmente ela também é estendida aos familiares do delator? E em relação ao art. o 5 da Lei n. 12.850/2013, normalmente as informações do delator conseguem ser preservadas? Em face da resposta 2, a indagação resta prejudicada. 6) Como avaliar qual o beneplácito mais adequado para ser aplicado no caso concreto? Alguma vez o senhor já concedeu o perdão judicial? Em face da resposta 2, a indagação resta prejudicada. 7) O(A) senhor(a) entende ser a primariedade um requisito necessário para aplicação dos beneplácitos? Em princípio, não, pois tal requisito não se faz presente nas leis que cuidam do tema. 8) Houve casos em que o acordo firmado pela acusação e defesa não foi homologado pelo juiz? Se sim, isso causou consequências ao delator? Em face da resposta 2, a indagação resta prejudicada. 9) oNa prática, o § 4 do art. 4º da Lei n. 12.850/2013 ocorre frequentemente? Em face da resposta 2, a indagação resta prejudicada. 10) Já ocorreu de um acordo de colaboração premiada já homologado ser “cancelado”? Por quais razões? Na prática, é um ato frequente? Em face da resposta 2, a indagação resta prejudicada. 11) Em casos em que o delator não é denunciado e presta declarações em juízo, o(a) senhor(a) o considera como testemunha ou réu beneficiado pela colaboração? Em face da resposta 2, a indagação resta prejudicada. 12) Como o(a) senhor(a) vê o instituto da colaboração premiada na atual conjuntura jurídica e social brasileira e internacional? O senhor é a favor ou contra esse instituto? Como disse, embora não tenho presidido ou relatado processos em que aplicada a delação premiada, sou favorável ao instituto, sendo certo que ele deve ser examinado com parcimônia, analisando-se se as informações prestadas em consonância com os 98 demais elementos constantes nos autos. 99 Entrevista realizada com o procurador da república Rodrigo Telles de Souza, atuante na justiça federal do estado do Rio Grande do Norte. 1) Em sua atuação profissional, é frequente a aplicação da colaboração premiada? Normalmente, em qual momento processual ela ocorre mais? A colaboração premiada não tem sido comum na minha atuação processual. Na verdade, esse instituto constitui um técnica especial de investigação que é mais aplicada em casos envolvendo crimes ou conjuntos de crimes complexos, geralmente praticados por organizações criminosas. Não há um momento processual determinado em que a colaboração premiada se verifique com maior frequência. Ela tem sido adotada tanto na fase de investigação propriamente dita quanto na fase processual. 2) O(A) senhor(a) já atuou em alguma investigação ou processo em que houve a aplicação dos beneplácitos da delação premiada? Se sim, a possibilidade da delação foi apresentada pelo(a) senhor(a) ou o próprio investigado/acusado demonstrou interesse em colaborar? Já atuei em alguns casos em que houve colaboração premiada. Geralmente, a possibilidade da colaboração premiada é informada à pessoa que figura como investigada ou como ré, uma vez que se trata de benefício legalmente previsto nem sempre conhecido pelo envolvido. No entanto, a intenção de colaborar e a manifestação dessa intenção têm que partir do investigado ou réu. Na verdade é uma espécie de negociação em que ambas as partes atuam igualmente. 3) Em algum caso em que o(a) senhor(a) atuou as informações prestadas pelo delator eram inverídicas? Se sim, em qual momento processual se descobriu que não eram verdadeiras as informações prestadas? Que medidas foram tomadas? As informações prestadas por meio de colaboração premiada devem ser corroboradas por outros elementos de prova. É possível que essas informações não sejam corroboradas ou que outros elementos de prova demonstrem que elas não correspondem à realidade. A ausência de corroboração não traz maiores consequências. A demonstração da falta de correspondência com a realidade pode levar à rescisão, revogação ou resolução do acordo de colaboração premiada, com a perda dos benefícios concedidos e a inutilidade do depoimento prestado. No entanto, é comum que parte das informações prestadas seja verídica e parte não seja. Quando isso acontece, é mais razoável usar o bom senso e analisar se é mais útil ou não para a apuração da verdade a manutenção ou não do acordo de colaboração premiada. 4) Em sua opinião, qual foi o caso mais importante que o(a) senhor(a) atuou em que ocorreu a colaboração premiada? Qual beneplácito foi aplicado? O acordo de colaboração premiada é sigiloso, até mesmo para proteger a integridade física do colaborador. Por isso, é um tanto quanto problemático apontar casos em que ele tenha sido celebrado. No entanto, já se tornou pública a adoção da colaboração premiada no caso conhecido como Operação Pecado Capital, no qual, de acordo com a situação de cada colaborador, foram aplicados os benefícios do perdão judicial, da redução de pena, da fixação do regime de cumprimento de pena (semiaberto) independentemente do montante da pena aplicada e da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos independentemente do montante da pena aplicada. 5) Geralmente, como se dá a proteção ao delator? Em seu campo de atuação, normalmente ela também é estendida aos familiares do delator? E em relação ao art. o 5 da Lei n. 12.850/2013, normalmente as informações do delator conseguem ser preservadas? A proteção ao delator e à sua família é problemática. Normalmente o Estado não tem condições de garantir sua integridade física e a de seus familiares. As 100 medidas previstas na lei n° 9.807/1999 são insuficientes. Isso tem sido um dos grandes obstáculos à celebração de acordos de colaboração premiada. Diante disso, em alguns acordos se prevê a possibilidade de cumprimento de pena em outro estado da Federação, a mudança de domicílio, etc, procurando-se resguardar minimamente o colaborador e seus familiares. Procura-se preservar o sigilo do acordo de colaboração premiada, inclusive no que tange aos dados do colaborador. No entanto, em algum momento, o acordo de colaboração e o depoimento do colaborador devem ser juntados a autos processuais, com possibilidade de acesso a advogados de defesa, outros réus, diferentes juízes e promotores ou procuradores. Isso dificulta a manutenção do segredo. 6) Como avaliar qual o beneplácito mais adequado para ser aplicado no caso concreto? A avaliação do benefício mais adequado depende de uma consideração das condições pessoais do colaborador e da relevância de sua colaboração. 7) O(A) senhor(a) entende ser a primariedade um requisito necessário para aplicação dos beneplácitos? A primariedade não é requisito para a colaboração premiada, pois não é prevista como tal em nenhuma norma. Caso fosse prevista como pressuposto para tanto, poderia inviabilizar vários acordos de colaboração premiada. 8) Houve casos em que o acordo firmado pela acusação e defesa não foi homologado pelo juiz? Se sim, isso causou consequências ao delator? Nunca vi um caso de acordo de colaboração premiada não homologado pelo juiz, embora tal possibilidade exista. o 9) Na prática, o § 4 do art. 4º da Lei n. 12.850/2013 ocorre frequentemente? Esse dispositivo não é aplicado com frequência, mas é razoável sua aplicação principalmente nos casos em que a prórpia colaboração enseja a aplicação de inúmeras outras ações penais relacionadas a fatos envolvendo o colaborador e os terceiros delatados. 10) Já ocorreu de um acordo de colaboração premiada já homologado ser “cancelado”? Por quais razões? Na prática, é um ato frequente? Nunca vi um acordo de colaboração premiada já homologado judicialmente ser posteriormente cancelado, embora exista tal possibilidade em caso de descumprimento de seus termos. 11) Em casos em que o delator não é denunciado e presta declarações em juízo, o(a) senhor(a) o considera como testemunha ou réu beneficiado pela colaboração? O colaborador é tratado como réu, tenha sido ele denunciado ou não, se o caso se relacionar a fatos em que haja seu envolvimento. Seu depoimento é considerado como "chamada de corréu" e não pode constituir fundamento único para condenação, devendo ser corroborado por outros elementos de prova. Já se o colaborador não tiver envolvimento nos fatos, entendo que pode ser considerado como testemunha. 12) Como o(a) senhor(a) vê o instituto da colaboração premiada na atual conjuntura jurídica e social brasileira e internacional? O senhor é a favor ou contra esse instituto? A colaboração premiada é técnica especial de investigação prevista na legislação nacional e em normas internacionais de prevenção e repressão ao crime. Trata- se de ferramenta essencial para, principalmente, o combate a organizações criminosas. Muitas vezes é o único meio de a persecução penal obter informações de dentro do grupo criminoso investigado ou processado. Sou a favor do instituto. 101 Entrevista realizada com o juiz de direito Guilherme Newton do Monte Pinto, a juiz titular da 6 Vara Criminal, da comarca de Natal/RN. 1) Em sua atuação profissional, é frequente a aplicação da colaboração premiada? Normalmente, em qual momento processual ela ocorre mais? Não muito, tendo em vista que na 6ª Vara Criminal, na prática, ela tem sido mais aplicada em delitos contra a Administração Pública, que ocorrem em número proporcionalmente menor que os demais delitos. Mas quando ocorrem Acordos de Colaboração Premiada têm eles ocorrido com mais frequência na fase de investigação. 2) O(A) senhor(a) já atuou em alguma investigação ou processo em que houve a aplicação dos beneplácitos da delação premiada? Se sim, a possibilidade da delação foi apresentada pelo(a) senhor(a) ou o próprio investigado/acusado demonstrou interesse em colaborar? Sim. De forma geral o acordo é apresentado pelo órgão acusador (Ministério Público). 3) Em algum caso em que o(a) senhor(a) atuou as informações prestadas pelo delator eram inverídicas? Se sim, em qual momento processual se descobriu que não eram verdadeiras as informações prestadas? Que medidas foram tomadas? Não, nunca constatei informações inverídicas prestadas pelo “colaborador”. Quando muito, procurava o colaborardor, em seu depoimento, maximizar a culpa de outros ou minimizar a sua. 4) Em sua opinião, qual foi o caso mais importante que o(a) senhor(a) atuou em que ocorreu a colaboração premiada? Qual beneplácito foi aplicado? Não vislumbra casos de maior ou menor importância. Apenas casos de maior ou menor repercussão social. Dentre estes, poderia citar diversos casos envolvendo um ex-governador de Estado e outro que ficou conhecido na imprensa como “Foliatur”. Nestes, houve apenas redução de pena. 5) Geralmente, como se dá a proteção ao delator? Em seu campo de atuação, normalmente ela também é estendida aos familiares do delator? E em relação ao art. o 5 da Lei n. 12.850/2013, normalmente as informações do delator conseguem ser preservadas? Tendo em vista que, como já acentuado, na minha Unidade Judicial a Colaboração Premiada ocorre com mais frequência em delitos contra a Administração Pública, normalmente não se faz necessário medidas protetivas além das que garantam privacidade e evitam constrangimentos pessoais perante os demais acusados e, obviamente, não são estendidas aos familiares do colaborador. Não tivemos qualquer problema quanto à preservação de informações pessoais do colaborador, pelo menos nos raros casos em que tal medida se fez necessária. 6) Como avaliar qual o beneplácito mais adequado para ser aplicado no caso concreto? Alguma vez o senhor já concedeu o perdão judicial? Nos casos em que atuei, pelo que me recordo, nunca houve o perdão judicial. Quanto ao melhor benefício a ser aplicado, é a questão mais delicada do instituto. Por um lado, é necessário que seja suficiente a compensar o colaborador pelo seu ato de colaboração com a Justiça e com a elucidação dos fatos, de forma a não torna-lo inócuo e, em consequência, esvaziar o instituto. Por outro, não pode se traduzir em instrumento legal de impunidade. Na verdade, este é o grande desafio da aplicação do instituto. 7) O(A) senhor(a) entende ser a primariedade um requisito necessário para aplicação dos beneplácitos? Com respeito à Lei de Proteção à Vítima e às Testemunhas, entendo que não. Caso contrário, a aplicação do instituto pode restar seriamente comprometida. 8) Houve casos em que o acordo firmado pela acusação e defesa não foi homologado pelo juiz? Se sim, isso causou consequências ao delator? Nos feitos em que atuei, não me recordo 102 de nenhum caso de não homologação. o 9) Na prática, o § 4 do art. 4º da Lei n. 12.850/2013 ocorre frequentemente? No histórico da 6ª Vara Criminal praticamente não ocorreu tal hipótese. 10) Já ocorreu de um acordo de colaboração premiada já homologado ser “cancelado”? Por quais razões? Na prática, é um ato frequente? Também não me deparei com tal situação, embora a Lei 12.850/2013 admita a hipótese. 11) Em casos em que o delator não é denunciado e presta declarações em juízo, o(a) senhor(a) o considera como testemunha ou réu beneficiado pela colaboração? Como antes já dito, não é uma hipótese frequente, mas entendo que, embora neste caso não se trate de réu em sentido técnico, é ele autor do fato criminoso e, portanto, como tal deve ser tratado, não se podendo, ainda que tenha renunciado ao direito ao silêncio, equipará-lo a uma testemunha em sentido próprio. 12) Como o(a) senhor(a) vê o instituto da colaboração premiada na atual conjuntura jurídica e social brasileira e internacional? O senhor é a favor ou contra esse instituto? Sou absolutamente favorável. Entendo ser um instituto imprescindível, absolutamente necessário à elucidação de determinados delitos. É um instrumento que permite ao aparelho de investigação do Estado, de forma legal, adentrar nos meandros da criminalidade moderna, cada vez mais organizada e sofisticada. Graças a institutos como este – somado a outro tanto de instrumentos só mais recentemente utilizados (interceptações, quebras de sigilos, etc.) – tem sido possível desvendar crimes antes totalmente inatingíveis, em especial os delitos contra a Administração Pública e os praticados por Organizações Criminosas. O contexto social brasileiro e internacional, de tendências globalizantes, exige uma mudança de postura e de atuação dos órgãos de investigação, inclusive com o sacrifício total ou parcial de punições individualizadas, com o objetivo de se atingir alvos mais amplos e mais complexos, que é o que, na prática ocorre quando se aplica o instituto da Delação Premiada. 103 Entrevista realizada com o juiz de direito Fábio Wellington Ataide Alves, juiz a substituto da 4 Vara Criminal, da comarca de Natal/RN. 1) Em sua atuação profissional, é frequente a aplicação da colaboração premiada? Normalmente, em qual momento processual ela ocorre mais? Na fase pré-processual 2) O(A) senhor(a) já atuou em alguma investigação ou processo em que houve a aplicação dos beneplácitos da delação premiada? Se sim, a possibilidade da delação foi apresentada pelo(a) senhor(a) ou o próprio investigado/acusado demonstrou interesse em colaborar? Sim 3) Em algum caso em que o(a) senhor(a) atuou as informações prestadas pelo delator eram inverídicas? Se sim, em qual momento processual se descobriu que não eram verdadeiras as informações prestadas? Que medidas foram tomadas? Não 4) Em sua opinião, qual foi o caso mais importante que o(a) senhor(a) atuou em que ocorreu a colaboração premiada? Qual beneplácito foi aplicado? Caso envolvendo ex- governador, no qual se aplicou o benefício do perdão judicial. 5) Geralmente, como se dá a proteção ao delator? Em seu campo de atuação, normalmente ela também é estendida aos familiares do delator? E em relação ao art. o 5 da Lei n. 12.850/2013, normalmente as informações do delator conseguem ser preservadas? Não tenho casos de proteção ao delator. Ademais, deficiência do estado já impediram a devida proteção. 6) Como avaliar qual o benefício mais adequado para ser aplicado no caso concreto? Alguma vez o senhor já concedeu o perdão judicial? Avalia-se de acordo com a colaboração. Já concedi o perdão judicial sim. Também deve ser ponderada a vulnerabilidade do colaborador na organização. 7) O(A) senhor(a) entende ser a primariedade um requisito necessário para aplicação dos beneplácitos? Não necessariamente. 8) Houve casos em que o acordo firmado pela acusação e defesa não foi homologado pelo juiz? Se sim, isso causou consequências ao delator? Não. o 9) Na prática, o § 4 do art. 4º da Lei n. 12.850/2013 ocorre frequentemente? Não. 10) Já ocorreu de um acordo de colaboração premiada já homologado ser “cancelado”? Por quais razões? Na prática, é um ato frequente? Não. 11) Em casos em que o delator não é denunciado e presta declarações em juízo, o(a) senhor(a) o considera como testemunha ou réu beneficiado pela colaboração? Não tenho caso, mas será um depoente sem compromissos iguais aos da testemunha. 12) Como o(a) senhor(a) vê o instituto da colaboração premiada na atual conjuntura jurídica e social brasileira e internacional? O senhor é a favor ou contra esse instituto? Do ponto de vista crítico, trata-se de uma tentativa de buscar eficientismo penal. Na prática, tomando como referencial a macrocriminalidade, reconheço como importante mecanismo de elucidação de infrações com complexas redes de divisão de tarefas. Na América Latina, a corrupção ainda não recebeu o devido combate por parte do Estado. 104 Entrevista realizada com o juiz de direito José Armando Ponte Dias Júnior, juiz a 201 titular da 7 Vara Criminal, da comarca de Natal/RN. 1) Em sua atuação profissional, é frequente a aplicação da colaboração premiada? Normalmente, em qual momento processual ela ocorre mais? Não é frequente a aplicação da colaboração premiada, mas quando ocorre, geralmente, é após o recebimento da denúncia, até mesmo após a instrução processual. 2) O(A) senhor(a) já atuou em alguma investigação ou processo em que houve a aplicação dos beneplácitos da delação premiada? Se sim, a possibilidade da delação foi apresentada pelo(a) senhor(a) ou o próprio investigado/acusado demonstrou interesse em colaborar? Já, a delação não foi reconhecida, mas o colaborador os bens produtos do ato criminoso. Embora o Ministério Público tenha solicitado a redução de 2/3 do valor da pena, o magistrado apenas reduziu em 1/3. 3) Em algum caso em que o(a) senhor(a) atuou as informações prestadas pelo delator eram inverídicas? Se sim, em qual momento processual se descobriu que não eram verdadeiras as informações prestadas? Que medidas foram tomadas? Nunca ocorreu esse fato. 4) Em sua opinião, qual foi o caso mais importante que o(a) senhor(a) atuou em que ocorreu a colaboração premiada? Qual beneplácito foi aplicado? A “Operação Judas”, em que aplicou a redução da pena em 1/3, tendo sua sentença sido reformada pelo tribunal para uma redução da pena em 2/5, contudo, o Tribunal reconheceu a delação premiada somente em favor da a ex-chefe da Divisão de Precatórios do TJ/RN. 5) Geralmente, como se dá a proteção ao delator? Em seu campo de atuação, normalmente ela também é estendida aos familiares do delator? E em relação ao art. o 5 da Lei n. 12.850/2013, normalmente as informações do delator conseguem ser preservadas? Não tem experiência. 6) Como avaliar qual o beneplácito mais adequado para ser aplicado no caso concreto? Alguma vez o senhor já concedeu o perdão judicial? Na maioria das vezes entende que o benefício adequado é a redução da pena. 7) O(A) senhor(a) entende ser a primariedade um requisito necessário para aplicação dos beneplácitos? É necessário que o agente beneficiado pela colaboração premiada seja primário, mesmo com a nova lei de crime organizado. 8) Houve casos em que o acordo firmado pela acusação e defesa não foi homologado pelo juiz? Se sim, isso causou consequências ao delator? Houve casos em que o magistrado não homologou nos termos do acordo. Até o presente momento, sempre a homologação se dar na própria sentença de julgamento. 9) oNa prática, o § 4 do art. 4º da Lei n. 12.850/2013 ocorre frequentemente? Não tem conhecimento sobre isso, mas acredita que não. 10) Já ocorreu de um acordo de colaboração premiada já homologado ser “cancelado”? Por quais razões? Na prática, é um ato frequente? Não ocorreu. 11) Em casos em que o delator não é denunciado e presta declarações em juízo, o(a) senhor(a) o considera como testemunha ou réu beneficiado pela colaboração? 12) Como o(a) senhor(a) vê o instituto da colaboração premiada na atual conjuntura jurídica e social brasileira e internacional? O senhor é a favor ou contra esse instituto? É a favor. 201 Essa entrevista foi realizada pessoalmente, por isso, as informações orais prestadas foram transcritas para esse trabalho. 105 Entrevista realizada com o promotor de justiça Paulo Batista Lopes Neto, atuante na defesa do patrimônio público na justiça estadual do Rio Grande do 202 Norte. 1) Em sua atuação profissional, é frequente a aplicação da colaboração premiada? Normalmente, em qual momento processual ela ocorre mais? Não é algo frequente. Normalmente ocorre em casos pretéritos, sendo um instrumento malvisto pela defesa, inclusive, gerando conflito entre as defesas dos acusados. 2) O(A) senhor(a) já atuou em alguma investigação ou processo em que houve a aplicação dos beneplácitos da delação premiada? Se sim, a possibilidade da delação foi apresentada pelo(a) senhor(a) ou o próprio investigado/acusado demonstrou interesse em colaborar? Já atuou em alguns casos, tendo sido ele, representante do Ministério Público, que ofertou ao investigado à possibilidade da celebração do acordo de colaboração premiada. 3) Em algum caso em que o(a) senhor(a) atuou as informações prestadas pelo delator eram inverídicas? Se sim, em qual momento processual se descobriu que não eram verdadeiras as informações prestadas? Que medidas foram tomadas? Não. 4) Em sua opinião, qual foi o caso mais importante que o(a) senhor(a) atuou em que ocorreu a colaboração premiada? Qual beneplácito foi aplicado? Não pode responder, visto que alguns ainda se encontram em sigilo. 5) Geralmente, como se dá a proteção ao delator? Em seu campo de atuação, normalmente ela também é estendida aos familiares do delator? E em relação ao art. o 5 da Lei n. 12.850/2013, normalmente as informações do delator conseguem ser preservadas? Infelizmente, o Estado não oferece meios adequados para a devida proteção das testemunhas e dos colaboradores com a justiça. No estado do Rio Grande do Norte, o órgão responsável pela proteção é o PROVITA, porém, atualmente, esse se encontra em situação precária para realizar as devidas proteções. 6) Como avaliar qual o beneplácito mais adequado para ser aplicado no caso concreto? Cada caso deverá ser analisado individualmente. 7) O(A) senhor(a) entende ser a primariedade um requisito necessário para aplicação dos beneplácitos? Não. 8) Houve casos em que o acordo firmado pela acusação e defesa não foi homologado pelo juiz? Se sim, isso causou consequências ao delator? Não, nunca ocorreu isso. Ressalta o promotor que já presenciou casos em que a própria proposta de colaboração premiada já tinha o acordo do benefício a ser requerido para o magistrado. o 9) Na prática, o § 4 do art. 4º da Lei n. 12.850/2013 ocorre frequentemente? Em sua atuação nunca ocorreu 10) Já ocorreu de um acordo de colaboração premiada já homologado ser “cancelado”? Por quais razões? Na prática, é um ato frequente? Nunca ocorreu. 11) Em casos em que o delator não é denunciado e presta declarações em juízo, o(a) senhor(a) o considera como testemunha ou réu beneficiado pela colaboração? Considera como testemunha, caso não tenha sido denunciado. 12) Como o(a) senhor(a) vê o instituto da colaboração premiada na atual conjuntura jurídica e social brasileira e internacional? O senhor é a favor ou contra esse instituto? É a favor da colaboração premiada. 202 Essa entrevista foi realizada pessoalmente, por isso, as informações orais prestadas foram transcritas para esse trabalho. 106 Entrevista realizada com o promotor de justiça Giovanni Rosado Diógenes Paiva, atuante na defesa do patrimônio público na justiça estadual do Rio Grande do 203 Norte. 1) Em sua atuação profissional, é frequente a aplicação da colaboração premiada? Normalmente, em qual momento processual ela ocorre mais? Não é muito frequente. Geralmente, ocorre no começo das investigações. Ressalta que a colaboração premiada não é um instituto próprio das organizações criminosas, embora, em regra ela seja mais presente nos crimes cometidos por essas associações ilícitas. 2) O(A) senhor(a) já atuou em alguma investigação ou processo em que houve a aplicação dos beneplácitos da delação premiada? Se sim, a possibilidade da delação foi apresentada pelo(a) senhor(a) ou o próprio investigado/acusado demonstrou interesse em colaborar? Já atuou em alguns casos, em todos eles a possibilidade de colaboração premiada foi oferecida por ele. 3) Em algum caso em que o(a) senhor(a) atuou as informações prestadas pelo delator eram inverídicas? Se sim, em qual momento processual se descobriu que não eram verdadeiras as informações prestadas? Que medidas foram tomadas? Nunca houve informações inverídicas. 4) Em sua opinião, qual foi o caso mais importante que o(a) senhor(a) atuou em que ocorreu a colaboração premiada? Qual beneplácito foi aplicado? Não pode responder, visto que alguns ainda se encontram em sigilo. 5) Geralmente, como se dá a proteção ao delator? Em seu campo de atuação, normalmente ela também é estendida aos familiares do delator? E em relação ao art. o 5 da Lei n. 12.850/2013, normalmente as informações do delator conseguem ser preservadas? Nunca houve a proteção, pois não foi necessário, visto que eram fatos passados. 6) Como avaliar qual o beneplácito mais adequado para ser aplicado no caso concreto? Nos casos em que atuou sempre pediu o perdão judicial, mas é necessário analisar o caso concreto. Destaca que além de prever o pedido do perdão judicial do colaborador no acordo, também requer em sede de alegações finais. 7) O(A) senhor(a) entende ser a primariedade um requisito necessário para aplicação dos beneplácitos? Não. 8) Houve casos em que o acordo firmado pela acusação e defesa não foi homologado pelo juiz? Se sim, isso causou consequências ao delator? Sempre foi homologado, mas já precisou recorrer das decisões que não ofertaram ao colaborador o benefício que foi solicitado pelo Ministério Público. 9) oNa prática, o § 4 do art. 4º da Lei n. 12.850/2013 ocorre frequentemente? Em sua atuação nunca ocorreu. 10) Já ocorreu de um acordo de colaboração premiada já homologado ser “cancelado”? Por quais razões? Na prática, é um ato frequente? Não. 11) Em casos em que o delator não é denunciado e presta declarações em juízo, o(a) senhor(a) o considera como testemunha ou réu beneficiado pela colaboração? Não teve nenhum caso, mas seria um réu beneficiado. 12) Como o(a) senhor(a) vê o instituto da colaboração premiada na atual conjuntura jurídica e social brasileira e internacional? O senhor é a favor ou contra esse instituto? É totalmente a favor da colaboração premiada. Se faz uma escolha entre 203 Essa entrevista foi realizada pessoalmente, por isso, as informações orais prestadas foram transcritas para esse trabalho. 107 absolver um acusado em contrapartida a condenação de vários réus, em decorrência da desarticulação daquele grupo criminoso. 108 Entrevista realizada com o promotor de justiça Flávio Sérgio de Souza Pontes Filho, atuante na defesa do patrimônio público na justiça estadual do Rio Grande 204 do Norte. 1) Em sua atuação profissional, é frequente a aplicação da colaboração premiada? Normalmente, em qual momento processual ela ocorre mais? Não é algo frequente. 2) O(A) senhor(a) já atuou em alguma investigação ou processo em que houve a aplicação dos beneplácitos da delação premiada? Se sim, a possibilidade da delação foi apresentada pelo(a) senhor(a) ou o próprio investigado/acusado demonstrou interesse em colaborar? Já atuou em alguns casos, tendo sido ele, representante do Ministério Público, que ofertou ao investigado à possibilidade da celebração do acordo de colaboração premiada. 3) Em algum caso em que o(a) senhor(a) atuou as informações prestadas pelo delator eram inverídicas? Se sim, em qual momento processual se descobriu que não eram verdadeiras as informações prestadas? Que medidas foram tomadas? Nunca ocorreu. Pode ter existido omissão por parte do colaborador de alguns fatos. Destaca a “Operação Impacto” – também de competência da justiça do Rio Grande do Norte – em que o acusado tentou celebrar acordo de colaboração premiada, contudo o Ministério Público não aceitou visto que se tratava de informações falsas. 4) Em sua opinião, qual foi o caso mais importante que o(a) senhor(a) atuou em que ocorreu a colaboração premiada? Qual beneplácito foi aplicado? A “Operação Judas” foi o caso mais emblemático sobre a colaboração premiada em que já atuou. Atualmente, esse processo se encontra em sede de recurso, em que o Ministério Público requer a aplicação da redução de 2/3 da pena para ambos os colaboradores. Além de que não faz sentido, o tratamento diferenciado dado pelo Tribunal de Justiça do RN para os dois colaboradores. O Ministério Público recorreu em favor dos acusados, visto que se trata de um compromisso ético que se deve ter entre as partes que celebraram o acordo. 5) Geralmente, como se dá a proteção ao delator? Em seu campo de atuação, normalmente ela também é estendida aos familiares do delator? E em relação ao art. o 5 da Lei n. 12.850/2013, normalmente as informações do delator conseguem ser preservadas? No estado do Rio Grande do Norte, o órgão responsável pela proteção é o PROVITA. 6) Como avaliar qual o beneplácito mais adequado para ser aplicado no caso concreto? O correto é já colocar no acordo de colaboração o benefício que foi acordado entre as partes. Após, verificado que o acusado cumpriu com os termos do acordo, então, em sede de alegações finais reitera o pedido para que seja aplicado aquele benefício específico. 7) O(A) senhor(a) entende ser a primariedade um requisito necessário para aplicação dos beneplácitos? Não, não pode ter essa condicionante. 8) Houve casos em que o acordo firmado pela acusação e defesa não foi homologado pelo juiz? Se sim, isso causou consequências ao delator? Houve o caso da “Operação Foliaduto” em que as colaborações prestadas não convenceram o judiciário, tendo sido condenado os colaboradores e absolvido um dos principais nomes citado pelos colaboradores e testemunhas. o 9) Na prática, o § 4 do art. 4º da Lei n. 12.850/2013 ocorre frequentemente? Não é uma prática frequente. Esse dispositivo é um passo a mais para fortalecer o Ministério Público 204 Essa entrevista foi realizada pessoalmente, por isso, as informações orais prestadas foram transcritas para esse trabalho. 109 como titular da ação 10) Já ocorreu de um acordo de colaboração premiada já homologado ser “cancelado”? Por quais razões? Na prática, é um ato frequente? Nunca ocorreu. Em regra, o termo de acordo é enviado ao magistrado juntamente com a denúncia, porém, o promotor é a favor que exista uma previa homologação do acordo pelo magistrado. 11) Em casos em que o delator não é denunciado e presta declarações em juízo, o(a) senhor(a) o considera como testemunha ou réu beneficiado pela colaboração? - 12) Como o(a) senhor(a) vê o instituto da colaboração premiada na atual conjuntura jurídica e social brasileira e internacional? O senhor é a favor ou contra esse instituto? É a favor da colaboração premiada. 110 Entrevista realizada com o promotor de justiça Luiz Eduardo Marinho Costa, atuante no combate aos crimes de tóxicos na justiça estadual do Rio Grande do 205 Norte. 1) Em sua atuação profissional, é frequente a aplicação da colaboração premiada? Normalmente, em qual momento processual ela ocorre mais? Não é algo frequente. Ainda mais nos crimes de tóxicos, em que há o temor dos pequenos traficantes em delatar àqueles que comandam o tráfico de drogas. Ademais, o interesse em celebrar o acordo de colaboração para receber uma pena pequena ou até mesmo a extinção da pena é afastado pelo fato de que, em regra, os traficantes presos são aqueles de baixo escalão na organização criminosa e que recebem penas baixas. Infelizmente, esse instituto penal é pouco utilizado em decorrência também da deficiência de investigação. 2) O(A) senhor(a) já atuou em alguma investigação ou processo em que houve a aplicação dos beneplácitos da delação premiada? Se sim, a possibilidade da delação foi apresentada pelo(a) senhor(a) ou o próprio investigado/acusado demonstrou interesse em colaborar? Já atuou em alguns casos, tendo sido ele, representante do Ministério Público, que ofertou ao investigado à possibilidade da celebração do acordo de colaboração premiada. 3) Em algum caso em que o(a) senhor(a) atuou as informações prestadas pelo delator eram inverídicas? Se sim, em qual momento processual se descobriu que não eram verdadeiras as informações prestadas? Que medidas foram tomadas? Quando atuou nunca teve informações inverídicas do delator. 4) Em sua opinião, qual foi o caso mais importante que o(a) senhor(a) atuou em que ocorreu a colaboração premiada? Qual beneplácito foi aplicado? Nos casos que atuou eram casos semelhantes, mas atualmente, o caso mais importante que há a presença da colaboração premiada é o que ocorreu na Secretária de Trabalho e Assistência Social, em que uma ex-prefeita do município de Natal foi denunciada por peculato, tendo sido as provas colhidas em decorrência de informações prestadas por colaboração premiada. 5) Geralmente, como se dá a proteção ao delator? Em seu campo de atuação, normalmente ela também é estendida aos familiares do delator? E em relação ao art. o 5 da Lei n. 12.850/2013, normalmente as informações do delator conseguem ser preservadas? Infelizmente, o Estado não oferece meios adequados para a devida proteção das testemunhas e dos colaboradores com a justiça. No estado do Rio Grande do Norte, o órgão responsável pela proteção é o PROVITA, porém, atualmente, esse se encontra em situação precária para realizar as devidas proteções. Por essa razão, muitos agentes prestam informações aos membros do Ministério Público com o intuito de auxiliar a justiça, contudo, eles não têm coragem de documentar as informações prestadas, por temor ao que podem ocorrer com eles, visto que não há uma proteção adequada. 6) Como avaliar qual o beneplácito mais adequado para ser aplicado no caso concreto? Cada caso deverá ser analisado individualmente. 7) O(A) senhor(a) entende ser a primariedade um requisito necessário para aplicação dos beneplácitos? Não. 8) Houve casos em que o acordo firmado pela acusação e defesa não foi homologado pelo juiz? Se sim, isso causou consequências ao delator? Não, nunca ocorreu isso. o 9) Na prática, o § 4 do art. 4º da Lei n. 12.850/2013 ocorre frequentemente? Em sua atuação nunca ocorreu 205 Essa entrevista foi realizada pessoalmente, por isso, as informações orais prestadas foram transcritas para esse trabalho. 111 10) Já ocorreu de um acordo de colaboração premiada já homologado ser “cancelado”? Por quais razões? Na prática, é um ato frequente? Nunca ocorreu. 11) Em casos em que o delator não é denunciado e presta declarações em juízo, o(a) senhor(a) o considera como testemunha ou réu beneficiado pela colaboração? - 12) Como o(a) senhor(a) vê o instituto da colaboração premiada na atual conjuntura jurídica e social brasileira e internacional? O senhor é a favor ou contra esse instituto? É a favor da colaboração premiada. 112 ANEXO A – MODELO DE ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA M I N I S T É R I O P Ú B L I C O F E D E R A L 113 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, presentado pelos Procuradores da República signatários, no exercício das atribuições constitucionais e legais, nos autos das ações penais sob nº X e Y, em trâmite perante a Xª Vara Federal Criminal de Curitiba, vem por meio deste instrumento realizar e formalizar ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA, nos termos aqui estabelecidos, com os acusados a seguir arrolados, chamados no âmbito deste acordo de colaboradores: 1) COLABORADORES E QUALIFICAÇÃO I - BASE JURÍDICA 1.1 O presente ACORDO funda-se no artigo 129, inciso I, da Constituição Federal, no artigo 6º da Lei 9.034/95, nos artigos 13 a 15 da Lei 9.807/99, bem como no artigo 32, §§ 2º e 3º, e no artigo 37, inciso IV, da Lei 10.409/2002, esses aplicados analogicamente, à luz do artigo 3º do CPP. Tais dispositivos conferem ao MINISTÉRIO PÚBLICO o poder discricionário de propor a acusados ACORDO de redução da pena privativa de liberdade de 1/3 a 2/3, ou o perdão judicial. 1.2 O interesse público é atendido com a presente proposta tendo em vista a necessidade de conferir efetividade à persecução criminal de outros suspeitos e réus, de promover pronta compensação patrimonial diante da lesividade social das condutas em questão, de penalizar patrimonialmente organizações criminosas, bem como de ampliar e aprofundar, em todo o País, as investigações em torno de crimes contra a Administração Pública, contra o Sistema Financeiro Nacional, contra a Ordem Tributária e de delitos de Lavagem de Dinheiro, ligados ou não ao esquema “CC-5”, inclusive no que diz respeito à repercussão desses ilícitos penais na esfera cível (atos de improbidade administrativa), tributária e disciplinar. II - DO OBJETO DO ACORDO – DOS CRIMES ABRANGIDOS O presente ACORDO versa sobre fatos tipificados criminalmente nos artigos 4º, caput, 6º, 16, 21 e 22 da Lei 7.492/86, artigo 1º da Lei 8.137/90, artigo 1º da Lei 9.613/98, bem como artigos 288, 299 e M I N I S T É R I O P Ú B L I C O F E D E R A L 114 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ 304 do Código Penal, em virtude das irregularidades cometidas pelos colaboradores. Em virtude desses fatos os colaboradores foram denunciados e vêm sendo investigados perante a XXXª Vara Federal Criminal de Curitiba. III - PROPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL oferece aos colaboradores os seguintes benefícios legais: A) a fixação da pena privativa de liberdade entre XXX e XXX anos, no máximo em regime semi-aberto, excluídos o regime fechado e o perdão judicial, bem como de pena de multa variável entre R$ XXX.000,00 (XXX mil reais) e R$ XXX.000,00 (XXX mil reais), por colaborador, no âmbito dos autos XXXXXX, devendo a valoração da pena e a espécie de regime de cumprimento a serem ao fim propostas pelo Ministério Público ao julgador tomar em conta, além do grau de participação individual de cada um nos crimes e circunstâncias pessoais, a atuação de cada um ao longo do processo de colaboração e, principalmente, os resultados atingidos pela colaboração, cabendo quanto a resultados futuros ser feita uma previsão fundamentada com base na solidez e suficiência da prova produzida; B) em sendo fixado o regime inicial semi-aberto para cumprimento de pena privativa de liberdade pelos colaboradores, recomendar-se-á a progressão de regime após o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena; C) a concordância com a liberdade do colaborador XXXX assim que, cumulativamente: 1) forem prestadas perante o juízo garantias patrimoniais idôneas do pagamento das multas penal (item “a” retro) e compensatória (cláusula V abaixo) estabelecidas neste acordo; 2) forem prestados depoimentos por todos os colaboradores esclarecendo os principais pontos da colaboração a ser prestada, incluindo aí a identificação de “doleiros” que atuaram/atuam no Brasil, onde e como operam, dos políticos, agentes públicos, banqueiros e pessoas de destaque para quem ou com quem tenham efetuado operações ilegais, bem como sobre a atividade da XXXXXXXXXXXX; 3) forem formalmente identificados os 15 principais clientes (pessoas físicas e jurídicas), identificando-se, em um dossiê a ser preparado pelos colaboradores para cada cliente, operações efetuadas com contas usadas, meios de pagamento, no M I N I S T É R I O P Ú B L I C O F E D E R A L 115 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ Brasil e no exterior, juntando-se os documentos comprobatórios existentes (ou solicitando prazo específico para juntada de documentos especificados ao dossiê); e 4) forem listadas todas as contas em que figurem ou tenham figurado, desde 1995, no Brasil e no exterior, como titulares, co-titulares, sócios de empresas titulares, procuradores, beneficiários ou controladores, e for assinada autorização permitindo o Ministério Público e a Justiça do Brasil a obter no exterior todo tipo de documento relativo a qualquer conta em que figurem como titular, co-titular, sócio de empresa titular, ou ainda como procurador, beneficiário ou controlador; D) o sobrestamento, até a prescrição da pretensão punitiva em abstrato, dos autos XXXXXXXXXXXXX; E) o sobrestamento, até a prescrição da pretensão punitiva em abstrato, antes ou depois de denúncia a critério do Ministério Público, apenas no que diz respeito aos colaboradores, de todos os procedimentos investigativos em curso vinculados à XXª Vara Criminal Federal de Curitiba nos quais figurem como investigados, bem como de seus desdobramentos, tão somente no que diz respeito a fatos ocorridos até a data da celebração do presente ACORDO e que sejam objeto deste; F) a observância do artigo 20 do Código de Processo Penal e art. 7º, IV, da lei nº 9.807/99; G) os membros desta Força Tarefa levarão o conhecimento deste acordo e gestionarão a adesão de outros membros do Ministério Público responsáveis por eventuais inquéritos e ações penais contra os colaboradores, desde que instrumentalmente conexos, atendido o interesse público na presente colaboração; H) inclusão em programa de proteção, nos termos da lei e sendo o caso. Parágrafo único. Os benefícios previstos neste acordo, especialmente na letra "E" retro não abrangem: a) a movimentação financeira de contas titularizadas ou controladas de qualquer forma pelos acusados, no Brasil e no Exterior, e que não sejam reveladas ao Ministério Público Federal e ao Juízo no primeiro depoimento judicial tomado a partir da celebração do acordo; e b) crimes de lavagem de bens, direitos ou valores provenientes dos crimes especificados no artigo 1.º da Lei n.º 9.613/98 que tenham sido praticados pelos acusados e que não sejam revelados ao Ministério Público Federal e ao Juízo no primeiro depoimento judicial tomado a partir da celebração do acordo M I N I S T É R I O P Ú B L I C O F E D E R A L 116 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ IV - CONDIÇÕES DA PROPOSTA Para que do ACORDO possam derivar os benefícios elencados na cláusula III, a contribuição dos nomeados colaboradores deve ser voluntária, ampla, efetiva, eficaz, obrigando-se, sem malícia ou reservas mentais, a: a) efetuar o pagamento de multa em conformidade com o disposto nas cláusulas III e V, sendo a constituição de garantias idôneas suficientes para o pagamento das multas penal e compensatória uma condição da própria existência, validade e eficácia jurídicas desta avença; b) desistir dos processos, procedimentos e medidas judiciais existentes nos Estados Unidos da América que objetivem XXXXXXXX; c) providenciar a prova material, pelos meios admitidos em direito, relativamente a todos os fatos ilícitos de que tenha participado ou que saiba terem sido praticados por terceiros; d) entregar de todo o material relativo a transações de dólar-cabo envolvendo os colaboradores, e outros dados relacionados a evasão de divisas, que sejam ou que venham a ser do seu conhecimento, identificando e qualificando os seus clientes bem como as contas por esses utilizadas, inclusive mediante o preenchimento dos dados em programa próprio do Ministério Público Federal, registrando-se que o percentual de operações em que todos os campos forem preenchidos com dados suficientes á plena prova da operação (contas usadas no Brasil e exterior, descrição da operação etc.), viabilizando uma persecução penal efetiva, deverá ser considerado na pena a ser aplicada; e) entregar a contabilidade e registros da atividade existentes; f) entregar autorização subscrita permitindo que o Ministério Público e a Justiça do Brasil obtenham no exterior todo tipo de documento relativo a qualquer conta em que figurem como titular, co-titular, sócio de empresa titular, ou ainda como procurador, beneficiário ou controlador, no Brasil e no exterior; g) entregar extratos e documentos de operações de todas as contas bancárias do item acima, às suas expensas, salvo os casos em que forem dispensados da tarefa por escrito no PCD por já estarem tais documentos na posse das Autoridades brasileiras; h) falar a verdade, incondicionalmente, em todas as ações penais e inquéritos policiais, inquéritos civis e ações cíveis e processos administrativos disciplinares, em que, doravante, venha a ser M I N I S T É R I O P Ú B L I C O F E D E R A L 117 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ chamado a depor na condição de testemunha ou interrogado, nos limites deste ACORDO; i) indicar pessoas que possam prestar depoimento sobre os fatos em investigação, nos limites deste ACORDO, propiciando as informações necessárias à localização de tais depoentes; j) cooperar sempre que solicitado, mediante comparecimento pessoal a qualquer das sedes do MPF ou da Polícia Federal, às expensas próprias (dos colaboradores), para analisar documentos e provas, reconhecer pessoas, prestar depoimentos e auxiliar peritos do INC na análise de registros bancários e transações financeiras, eletrônicas ou não, e informações telefônicas; k) cooperar sempre que solicitado, mediante comparecimento pessoal perante Autoridades estrangeiras, para analisar documentos e provas, reconhecer pessoas, prestar depoimentos e auxiliar perícias e análises de registros bancários e transações financeiras, eletrônicas ou não, e informações telefônicas, desde que assegurado o livre ingresso e retorno do país; l) manter endereço certo e comunicar ao Ministério Público Federal qualquer alteração; m) fornecer um endereço de e-mail de cada colaborador a ser usado exclusivamente pelo colaborador, comprometendo-se este a informar o Ministério Público qualquer modificação/atualização de endereço de e-mail, bem como a consultá-lo semanalmente e a responder a solicitações ministeriais; n) entregar todos os documentos, papéis, escritos, fotografias, bancos de dados, arquivos eletrônicos, etc., de que disponha, estejam em seu poder ou sob a guarda de terceiros, e que possam contribuir, a juízo do MPF, para a elucidação de crimes contra a Administração Pública, contra a Ordem Tributária, contra o Sistema Financeiro Nacional ou de crimes de Lavagem de Dinheiro, em qualquer comarca ou subseção judiciária federal do País; o) cooperar com o MPF apontando os nomes e endereços dos banqueiros, donos de casas de câmbio, doleiros e operadores de câmbio, brasileiros ou estrangeiros, que concorreram para a evasão de divisas nacionais ou para a operação do sistema dólar- cabo, esclarecendo onde mantêm suas operações, depósitos e seu patrimônio; p) não impugnar, por qualquer meio, o presente ACORDO DE COLABORAÇÃO, em qualquer dos inquéritos policiais ou procedimentos investigativos nos quais esteja envolvido, no Brasil ou no exterior, salvo por fato superveniente à homologação judicial, em função de descumprimento do ACORDO pelo MPF ou pelo juízo; M I N I S T É R I O P Ú B L I C O F E D E R A L 118 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ q) não recorrer da sentença a ser proferida nos autos XXXXXXX, salvo se estabelecer penas fora das faixas previstas neste acordo, pois considera o Ministério Público essencial ao atendimento do interesse público no contexto dos benefícios bilaterais oferecidos no presente que se dê, desde logo, a execução da pena, evitando-se a prescrição de penas que, justamente em decorrência desta avença, serão estabelecidas em patamares muito aquém daqueles que seriam apropriados no entender do Ministério Público, e em decorrência disso com menores prazos prescricionais; r) desistir expressamente na ação penal XXXXXXXXXXX das rogatórias expedidas para oitiva de testemunhas de defesa residentes no exterior, prova esta que se torna inútil diante da confissão dos acusados. Parágrafo único. A enumeração de casos específicos nos quais se reclama a cooperação dos colaboradores não tem caráter exaustivo, tendo eles o dever genérico de cooperar, nas formas acima relacionadas ou admitidas em direito, com o MPF ou com outras autoridades públicas por este apontadas, para o esclarecimento de quaisquer fatos relacionados às suas atividades como doleiros ou de quaisquer fatos de que tenham conhecimento em decorrência de tais atividades, no mercado formal ou informal. V - MULTA 5.1 Além da multa de caráter penal cuja faixa de variação por colaborador está estabelecida na cláusula III-a, os colaboradores se obrigam solidariamente a pagar multa compensatória no valor de R$ XXX.000.000,00 (XXX milhões de reais), nos seguintes moldes: a) a multa será paga em parcelas mensais no valor de R$ XXX.000,00 (XXX mil reais), através do depósito desse valor em conta vinculada ao juízo até o último dia útil de cada mês (calendário bancário), devendo a defesa promover a juntada do respectivo comprovante nos autos do PCD instaurado até o quinto dia corrente do mês seguinte; b) fica desde logo facultada a quitação antecipada do débito; c) não incidirá correção monetária no primeiro ano contado da data da assinatura deste acordo, salvo se a inflação do período superar em mais de 10% a inflação média dos anos de 2000 a 2005, caso em que, no que exceder o valor da inflação média desses anos, aplicar-se-á a regra da alínea seguinte; M I N I S T É R I O P Ú B L I C O F E D E R A L 119 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ d) ao final do primeiro ano contado da assinatura deste acordo, o saldo devedor referente à multa compensatória sofrerá correção monetária pelos índices da Justiça Federal, ficando, contudo, o valor das parcelas vincendas fixo em R$ XXX mil até o pagamento integral do saldo devedor, pagamento esse que deverá ocorrer num prazo máximo de 4 anos contado a partir do pagamento da primeira parcela; e) se o valor mensal fixo de R$ XXX.000,00, diante da inflação, não for apto ou suficiente para o pagamento integral da multa compensatória no citado prazo de 4 (quatro) anos contados da data da primeira parcela paga, o valor da parcela mensal deverá ser calculado, mês a mês, mediante a divisão do saldo residual devido (corrigido) pelo número de meses faltantes para se atingir o termo de 4 (quatro) anos; f) os valores bloqueados XXXXXXX os quais forem revertidos em proveito do Governo Brasileiro, se e na medida em que forem revertidos em benefício do Governo Brasileiro, serão considerados como pagamento feito em abatimento da multa compensatória devida – frisando-se que se tais valores não forem internalizados a multa deverá ser integralmente paga pelos colaboradores; g) a mora (inadimplemento total, parcial ou atraso) no pagamento das prestações implicará o vencimento antecipado e imediato das demais prestações, autorizando a alienação das garantias para satisfação total do saldo da multa compensatória; h) no caso de alienação judicial das garantias, será abatido do saldo devido pelos colaboradores o valor efetivamente auferido com a alienação, facultando-se aos colaboradores a substituição dos bens pelo seu equivalente em dinheiro; i) poderão ser oferecidos como garantia bens pertencentes aos colaboradores que foram objeto de constrição judicial por determinação da XXXª Vara Federal Criminal de Curitiba, desde que livres de outros ônus e observada a avaliação judicial. 5.2 A integralização de garantias patrimoniais idôneas suficientes do pagamento das multas compensatória (cláusula V) e penal (cláusula III-a), em valor igual ou superior a R$ XXX milhões, constitui condição de existência, validade e eficácia jurídicas do presente acordo. 5.3 As garantias deverão ser aceitas pelo Ministério Público e sua idoneidade (como depósito em dinheiro, imóveis ou fiança bancária) será aferida pelo juízo, no Procedimento Criminal Diverso a ser instaurado, estando excluídos de aceitação os bens de difícil alienação e aqueles já onerados até a medida do ônus preexistente. M I N I S T É R I O P Ú B L I C O F E D E R A L 120 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ 5.4 As garantias serão mantidas até o pagamento do valor do acordo ou de seu saldo. 5.5 O pagamento da primeira parcela da multa deverá ocorrer até o fim do mês em que forem constituídas tais garantias. VI - VALIDADE DA PROVA A prova obtida mediante a presente avença de colaboração premiada poderá ser utilizada, validamente, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO para a instrução de inquéritos policiais, procedimentos administrativos criminais, ações penais, ações cíveis e de improbidade administrativa e inquéritos civis, podendo ser emprestada também à Receita Federal e à Procuradoria da Fazenda Nacional e ao Banco Central do Brasil, para a instrução de procedimentos e ações fiscais, bem como a qualquer outro órgão público, inclusive estrangeiro e para a instauração de processo administrativo disciplinar. VII - GARANTIA CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO E ACESSO À INSTÂNCIA RECURSAL Ao assinar o ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA, os colaboradores estão cientes do direito constitucional ao silêncio, da garantia contra a auto-incriminação, bem como do direito de acesso a instâncias recursais, renunciando expressamente a eles estritamente no que tange aos depoimentos e recursos necessários ao alcance dos fins da presente avença, ficando excluído da renúncia apenas o direito de apelação da decisão que julgar rescindida esta avença. VIII - IMPRESCINDIBILIDADE DA DEFESA TÉCNICA O ACORDO DE COLABORAÇÃO somente terá validade se aceito, integralmente, sem ressalvas, pelos colaboradores e seus advogados, concordância essa que se expressará pela assinatura do presente termo. IX - CLÁUSULA DE SIGILO M I N I S T É R I O P Ú B L I C O F E D E R A L 121 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ 9.1 Nos termos do artigo 5º, inciso XXXIII, e do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, combinados com o artigo 7º, inciso VIII, da Lei n. 9.807/99, e com o artigo 20 do CPP, as partes comprometem-se a preservar o sigilo sobre os termos do presente ACORDO, cuja existência e obrigações só poderão ser revelados para o atendimento de deveres legais e a fim de que seus fins sejam atingidos, na medida necessária para atender tais deveres e fins. 9.2 Terceiros incriminados em virtude da cooperação que vierem a solicitar acesso ao teor do presente acordo poderão ter vista do documento em secretaria, sem direito a cópia, mediante autorização judicial fundamentada, com prévio pronunciamento do MPF. X - HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL 10.1 Para ter eficácia, a proposta será submetida a homologação judicial, cabendo à autoridade judiciária preservar o sigilo do ACORDO. 10.2 A avença será submetida à homologação, tão logo seja assinada pelas partes, e produzirá efeitos assim que integralizadas garantias patrimoniais idôneas suficientes do pagamento das multas compensatória (cláusula V) e penal (cláusula III-a). XI – CONTROLE JUDICIAL 11.1 O presente ACORDO de colaboração premiada tramitará perante a XXXª Vara Federal Criminal de Curitiba como Procedimento Criminal Diverso (PCD) sigiloso, não apenso mas vinculado aos autos já mencionados, sem menção de tema e partes no sistema informatizado da Justiça. 11.2 A(s) defesa(s) deverá(ão) apresentar, ao longo dos três anos seguintes à celebração do presente, trimestralmente, relatório circunstanciado da colaboração referente ao período, anexando documentos comprobatórios (p. ex., provas de atos processuais ou procedimentais, cópias de documentos entregues etc.) e indicando expressamente as autoridades perante as quais se deu a colaboração, dirigidos à autoridade judicial, nos M I N I S T É R I O P Ú B L I C O F E D E R A L 122 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ quais deverá também individualizar quais os colaboradores que participaram de cada evento e qual o papel desempenhado por cada colaborador. 11.3 O controle da efetividade da colaboração será feito mediante a apresentação de relatórios circunstanciados e periódicos da colaboração pelo Ministério Público Federal à autoridade judicial. 11.4 Tais relatórios serão encartados no PCD. 11.5 A eficácia do ACORDO poderá ser sustada, com prévia ouvida das partes, mediante ato judicial fundamentado, atendido o interesse público. XII - RESCISÃO 12.1 O ACORDO perderá efeito, considerando-se rescindido, ipso facto: A) se o acusado descumprir qualquer das cláusulas em relação às quais se obrigou; B) se o acusado sonegar a verdade (omitir) ou mentir em relação a fatos em apuração, em relação aos quais se obrigou a cooperar; C) se vier a recusar-se a prestar qualquer informação de que tenha conhecimento; D) se recusar-se a entregar documento ou prova que tenha em seu poder ou sob a guarda de pessoa de suas relações ou sujeita a sua autoridade ou influência; E) se ficar provado que o acusado sonegou, adulterou, destruiu ou suprimiu provas que tinha em seu poder ou sob sua disponibilidade; F) se o acusado vier a praticar outro crime doloso da espécie dos crimes abrangidos neste acordo, bem como os crimes antecedentes da Lavagem de Dinheiro, elencados no art. 1º da Lei 9.613/98, após a assinatura da avença; G) se o acusado fugir ou tentar furtar-se à ação da Justiça Criminal; H) se proferida sentença condenatória nos autos XXXXXX fora dos parâmetros estabelecidos neste acordo, ou se o MPF ou o juízo, em prejuízo dos colaboradores, não cumprirem injustificadamente o quanto aqui avençado; I) se o sigilo a respeito deste ACORDO for quebrado por qualquer das partes ou pela autoridade judiciária, ressalvada a possibilidade de utilização das provas obtidas de quaisquer espécie. M I N I S T É R I O P Ú B L I C O F E D E R A L 123 PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO PARANÁ 12.2 A rescisão decorrente de fato de responsabilidade de colaborador ou seu defensor será apontada fundamentadamente pelo Ministério Público e, após exercido o contraditório, será declarada existente ou inexistente pela Autoridade Judiciária. 12.3 Da decisão caberá apenas recurso de apelação, sem efeito suspensivo. 12.4 A rescisão relacionada tão somente a um dos colaboradores não implica a rescisão do acordo em relação aos demais. 12.5 A rescisão do acordo em relação a cada colaborador, por ato de responsabilidade deste, implicará a imediata alienação de garantias até se atingir o valor de R$ XXX milhões, bem como sua reversão em favor do Estado, e o colaborador responsabilizado perderá automaticamente direito aos benefícios aqui estipulados e que lhe forem concedidos em virtude da cooperação com o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 12.6 Se a rescisão for imputável ao MPF ou ao Juízo Federal, o acusado poderá, a seu critério, cessar a cooperação, ressalvado o disposto no artigo 342 do Código Penal, mantendo-se os benefícios acordados e a validade das provas produzidas. E, por estarem concordes, firmam as partes o presente ACORDO de colaboração premiada, em três vias, de igual teor e forma. Curitiba, XX de XXXXXX de XXXX. Pelo MPF: COLABORADORES E RESPECTIVOS DEFENSORES: