UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO ADMINISTRATIVO AIMÊ FONSECA PEIXOTO CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ATRAVÉS DAS OUVIDORIAS PÚBLICAS: O CASO DA OUVIDORIA NA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA NATAL/ RN 2020 AIMÊ FONSECA PEIXOTO CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ATRAVÉS DAS OUVIDORIAS PÚBLICAS: O CASO DA OUVIDORIA NA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA Monografia apresentada ao Programa de Pós- graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do Certificado de Especialista em Direito Administrativo. Orientadora: Profa. Dra. Mariana de Siqueira NATAL/ RN 2020 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas – CCSA Peixoto, Aimê Fonseca. Controle social da Administração Pública através das ouvidorias públicas: o caso da Ouvidoria da Previdência Social Brasileira / Aimê Fonseca Peixoto. - 2020. 54f.: il. Monografia (Especialização em Direito Administrativo) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Natal, RN, 2020. Orientadora: Profa. Dra. Mariana de Siqueira. 1. Direito administrativo - Monografia. 2. Interesse público - Monografia. 3. Controle social - Monografia. 4. Ouvidoria Pública - Atuação - Monografia. 5. Previdência Social - Monografia. I. Siqueira, Mariana de. II. Título. RN/UF/CCSA CDU 342.95 Elaborado por Shirley Carvalho - CRB-15/404 (Espaço reservado para ata de defesa) A todas as pessoas que estão em longas filas de espera do INSS na busca por justiça na forma de algum amparo social, sem uma expectativa de terem seus direitos reconhecidos pela Administração Pública.. AGRADECIMENTOS Não foi fácil o processo de escrita desta monografia nem todo o trajeto nesta Especialização, mas muitas e muitos foram responsáveis por tornar o fardo um pouco mais leve, me ajudando a carregá-lo até o final. Ou seria o começo de um novo momento? De toda forma, só tenho a agradecer por quem me acompanhou até aqui e esperar que possamos acompanhar umas às outras em mais caminhadas. Agradeço, primeiramente, à entidade divina que prefiro chamar de Deusa por me permitir chegar até este ponto e por ter, de algum modo, colocado na minha vida todas as pessoas a quem ainda preciso agradecer. Serei sempre grata aos meus pais por todos os valores que me passaram e continuam me passando, pois sem esses ensinamentos nada faria sentido, principalmente na vida profissional e na acadêmica. Agradeço imensamente a Cássio, por todo o suporte, por todas as palavras, por todos os carinhos e por todos os cuidados que teve comigo diante de todos os percalços desta empreitada. Ele quem esteve comigo nos momentos mais difíceis e, mesmo vendo o pior que cada um desses momentos pode despertar em mim, ele me fez não desistir de mim e ainda se casou comigo (não que isto seja motivo para agradecimento, pois sei que é uma honra para ele). Às amigas que eu nem imaginava que faria nesse curso e foram muito mais que simples colegas de turma. A Marília e a Milanny só tenho que agradecer pelas risadas, pelos trabalhos em grupo, pelas caronas, pelos papos “cabeça” e pelos nem tanto assim, pelo apoio mútuo em todas as adversidades e pela força que demonstraram ter sempre. À minha orientadora, Mariana, agradeço por ser inspiração para mim enquanto mulher e enquanto profissional. Se eu consegui enxergar a pós-graduação com outros olhos e tenho me permitido, cada vez mais, vivenciar esta realidade, Mariana tem uma grande parcela de culpa nisso. Por fim, como também não tem sido fácil fazer ciência no Brasil nos últimos tempos, muito menos na área do Direito (em especial o Administrativo), agradeço a todas e a todos que se propõem a esta atividade tão enriquecedora de toda uma sociedade. Apesar de todos os golpes, as ciências, principalmente nos centros públicos de ensino, continuarão resistindo graças a quem se dispõe a, com todo conhecimento crítico que puder produzir, enfrentar todo este caos que nosso país está vivenciando. A pedagogia tem de ser forjada com ele (o oprimido) e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará. (Paulo Freire, em “Pedagogia do Oprimido”) RESUMO O presente trabalho tem como escopo tratar acerca do controle social sobre a atividade administrativa estatal que se pretende exercer através da atuação das ouvidorias públicas, destacando a situação e as problemáticas da ouvidoria na área da Previdência Social Brasileira. Para tanto, foi utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, bem como o método de procedimento entendido como monográfico ou estudo de caso, se valendo de pesquisas bibliográficas e envolvendo legislação e doutrina. A pesquisa tomou como referência, em geral, os conceitos trazidos por Celso Antônio Bandeira de Mello, Mariana de Siqueira, Marcos Augusto Perez, Vanderlei Siraque e Rubens Pinto Lyra e Antonio Semeraro Rito Cardoso. O estudo tratou de como o controle social da Administração Pública se insere no atual contexto democrático brasileiro e de como as ouvidorias públicas servem de instrumento à efetivação deste tipo de controle. Com base nisso, foi realizada análise crítica da atuação da ouvidoria responsável por tratar as demandas relativas à Previdência Social no Brasil, a partir da sua atual configuração normativa e em comparação com seu histórico legal. Por fim, esta monografia conclui que ainda existem vários óbices à real efetivação do controle social da Previdência Social pela unidade de ouvidoria pública a qual trata suas demandas atualmente. Óbices estes que são observados não somente na estruturação e na organização da referida ouvidoria, como também na divulgação das suas atividades e das normativas regentes destas, o que é contraditório frente às funções de uma ouvidoria pública. Palavras-chave: Interesse público. Controle social. Ouvidoria pública. Previdência Social. ABSTRACT The present work aims to discuss the social control over the state administrative activity exercised through the public ombudsmen operation, focusing on the situation and problems of the ombudsman in the area of Brazilian Social Security. For that, the hypothetical-deductive approach method was used, as well as the monographic or case study procedure method, employing bibliographic research and involving legislation and doctrine. The research took as reference, in general, the concepts introduced by Celso Antônio Bandeira de Mello, Mariana de Siqueira, Marcos Augusto Perez, Vanderlei Siraque and Rubens Pinto Lyra and Antonio Semeraro Rito Cardoso. The study showed how the public administration's social control fits into the current Brazilian democratic context and how public ombudsmen serve as an instrument for the effectiveness of this type of control. Based on this, a critical analysis of the operation of the ombudsman responsible for dealing with Social Security demands in Brazil was performed, based on its current normative configuration and in comparison with its legal history. Finally, this monograph concludes that several obstacles still remain to the effective realization of social control in Social Security by the public ombudsman unit which deals with its demands today. These obstacles are observed not only in the structuring and organization of the cited ombudsman, but also in the disclosure of its activities and in the rules that conduct them, which is contradictory in relation to the functions of a public ombudsman. Keywords: Public interest. Social control. Public ombudsman. Brazilian Social Security. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10 2 CONTROLE SOCIAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA .......................................... 14 2.1 NECESSIDADE DO CONTROLE SOCIAL PARA ATENDER AO INTERESSE PÚBLICO ............................................................................................................................. 14 2.2 FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ........................................................................................... 20 3 CONTROLE SOCIAL EXERCIDO ATRAVÉS DAS OUVIDORIAS PÚBLICAS .... 25 3.1 CONCEITO E BREVE HISTÓRICO DO INSTITUTO DA OUVIDORIA PÚBLICA NO BRASIL ......................................................................................................................... 25 3.2 PAPEL DAS OUVIDORIAS PÚBLICAS NO CONTROLE SOCIAL ........................ 31 4 A OUVIDORIA PÚBLICA NA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA ................. 36 4.1 HISTÓRICO LEGAL DA OUVIDORIA NA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA .............................................................................................................................................. 36 4.2 OS MECANISMOS DE FUNCIONAMENTO E ORGANIZAÇÃO DA OUVIDORIA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA ................................................................................... 39 4.3 ALGUNS DESAFIOS DA OUVIDORIA NA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA À LUZ DO CONTROLE SOCIAL ...................................................................................... 43 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 48 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 51 10 1 INTRODUÇÃO Anteriormente ao surgimento do conceito de república, eram vigentes as monarquias absolutistas, em que imperavam sempre a vontade do rei sobre o Estado e os súditos, os quais, por sua vez, não possuíam qualquer meio de questionamento da atividade estatal, centralizada na figura do soberano. A partir dos escritos de Maquiavel, a noção de república, como coisa do povo para o povo, passa tratar, para além da luta contra a monarquia absolutista, acerca do ideal de um governo democrático. Modelo este que somente tem condições de se concretizar pela limitação do poder dos governantes, passando pela responsabilização política, bem como pela 1 proteção às liberdades individuais de cada cidadão. Como forma de limitar o poderio dos representantes estatais e responsabilizá-los em caso de extrapolamento destes limites, é necessária a averiguação das atividades administrativas através da prestação de contas e da fiscalização. Estas prestação de contas e fiscalização envolvem a ideia atual de controle da Administração Pública. Assim, o controle possui relação direta com o Estado Democrático de Direito, uma vez que este produz normativas limitantes da própria atuação estatal como forma de proteção ao exercício de poder político arbitrário (satisfazendo apenas a vontade individual do 2 governante) e de modo a permitir que os destinatários controlem tal poder. Diversas são as ferramentas, os agentes e as formas legalmente previstas com a finalidade de exercer o controle da Administração Pública, as quais surgiram e se desenvolveram ao longo dos anos no Brasil. Contudo, o controle social, o viés que interessa à presente pesquisa, se mostra (ao menos, na teoria) como a forma mais próxima e imediata de atender ao interesse público. Todos os princípios até aqui destacados estão diretamente ligados ao conceito de interesse público, que deve fundamentar e nortear toda a atividade do Estado. Afinal, o Direito Administrativo, enquanto ramo do Direito Público, resulta da normatização de determinados interesses da sociedade tomada como um todo, não dos particulares 3 considerados em sua individualidade. 1 SIRAQUE, Vanderlei. Controle social da função administrativa do Estado: possibilidades e limites na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 29. 2 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração Pública. Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP, Belo Horizonte, ano 9, n. 100, abr. 2010, p. 4. Disponível em: . Acesso em: 03 out. 2019. 3 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 55. 11 Justamente por estar ligado à ideia de interesse do coletivo, temos a noção do interesse público sendo atendido mais imediatamente pelo controle social, exercido diretamente pelos indivíduos destinatários da atuação do Estado. Dentre as ferramentas para o exercício do controle social, esta pesquisa se ocupará em tratar das ouvidorias públicas, mais especificamente da unidade de ouvidoria encarregada de tratar das demandas relativas à Previdência Social, a Rede de Ouvidoria do Ministério da Economia (RedeOuv-ME). Buscando aproximar a atividade da RedeOuv-ME do seu fundamento básico, a pesquisa em questão se propõe a investigar as seguintes problemáticas: qual a importância da Ouvidoria do Ministério da Economia para o controle social da atividade administrativa? Como é efetivado o controle social no âmbito da Previdência Social pela Ouvidoria do Ministério da Economia? Atualmente, há óbices à efetivação do controle social por meio da RedeOuv-ME no âmbito da previdência pública? Partindo destes questionamentos, a investigação científica se voltará a analisar a contribuição da RedeOuv-Me para o controle exercido diretamente pela sociedade sobre Previdência Social Brasileira e, consequentemente, para se atingir o interesse público. Considerando a referida relação estreita entre o controle social da atividade administrativa e o desenvolvimento do ideal republicano, observa-se a evolução da democracia pela maior participação da população na fiscalização dos atos dos gestores da Administração. Na atualidade, apesar de, na realidade prática, presenciarmos vários retrocessos no que tange ao respeito aos princípios democráticos, é notório que vêm crescendo os anseios da sociedade pelo combate à corrupção. Isso, aos poucos, tem desenhado um contexto de tomada de consciência acerca do papel da população brasileira em geral enquanto atuante nos processos decisórios da Administração Pública. Assim, mostra-se essencial esclarecer como funcionam as mais diversas formas institucionalizadas desta participação popular. Neste sentido, o trabalho em questão denota sua relevância a partir do momento em que trata de explicar teoricamente sobre o funcionamento de uma das mais diretas vias de efetivação do controle social junto a um setor da Administração Pública bastante presente na vida de boa parcela dos brasileiros, qual seja a Previdência Social. Portanto, esta pesquisa, com base nas hipóteses de que as ouvidorias públicas são importantes instrumentos para a implementação do interesse público através do controle social e de que ainda há precariedade na forma como se aplica o controle social pela atividade 12 da Ouvidoria responsável pelo âmbito da previdência pública, serve como forma de incentivo a um comprometimento mais efetivo por parte dos cidadãos quanto à fiscalização das gestões públicas no Brasil. É de se ressaltar que o estudo aqui proposto tem como objetivo geral demonstrar de que forma está presente e se desenvolve o instituto do controle social nas atividades da Ouvidoria do Ministério da Economia enquanto atuante nas demandas relativas à Previdência Social. Além disso, os objetivos específicos são os seguintes: 1) explicar a importância do controle da Administração Pública, em especial o que é feito diretamente pela sociedade, para a concretização do interesse público; 2) explorar o conceito de instituto da ouvidoria pública e explicar seu papel de aproximação da Administração Pública com a população; 3) expor o histórico legal da unidade de ouvidoria responsável por tratar as manifestações acerca da Previdência Social, até chegar à situação atual; 4) explicar como funciona e se organiza a Ouvidoria do Ministério da Economia na perspectiva de efetivar o controle social junto à Previdência Social Brasileira. Pretende-se desenvolver o tema desta pesquisa através do método de abordagem hipotético-dedutivo, pois o trabalho partirá das hipóteses já elencadas anteriormente neste projeto e dos conceitos mais amplos, para se deduzir os aspectos mais específicos abordados. Pelas vias do método de procedimento entendido como monográfico ou estudo de caso, o trabalho se desenvolverá por meio de pesquisas bibliográficas, envolvendo legislação e doutrina, desde a leitura dos clássicos relativos à temática até os artigos de periódicos que tratam de relatos práticos de vivência nas ouvidorias. Dessa forma, poderá se chegar às conclusões sobre o caso específico da Ouvidoria no âmbito da Previdência Social no Brasil. Quanto à fundamentação teórica, será adotada a conceituação de interesse público construída por Celso Antônio Bandeira de Mello, bem como a perspectiva de aplicação de tal interesse no atual cenário nacional abordada pela Professora Mariana de Siqueira. Seguindo na mesma linha de entendimento de uma Administração Pública democrática, o controle social será abordado a partir dos ensinamentos de Marcos Augusto Perez e Vanderlei Siraque. Já no tocante às ouvidorias públicas, cumpre observar que ainda existem poucos estudos específicos sobre o tema, talvez por ser recente a sua institucionalização. Desse modo, o fundamento teórico desta seção da monografia será baseado em levantamentos realizados pelo Ipea, além dos trabalhos de Rubens Pinto Lyra e Antonio Semeraro Rito Cardoso. 13 Para sua consecução, o trabalho foi estruturado em três capítulos, sendo o primeiro focado em trazer conceitos mais amplos do Direito Administrativo, para tratar sobre a necessidade e a fundamentação constitucional do controle social. Assim, será tratada a maneira como este tipo de controle está ligado ao interesse público enquanto norteador da atuação estatal. O segundo capítulo aborda como o controle social se desenvolve no âmbito das ouvidorias públicas, iniciando por um breve apanhado do histórico deste instituto no Brasil, bem como pela explanação das características e do que se entende como atribuições das ouvidorias implantadas na Administração Pública. Por fim, o terceiro capítulo tratará especificamente do caso da ouvidoria ligada à Previdência Social, fazendo um apanhado do seu histórico legal até chegar ao quadro atual, onde esta atividade está sob encargo da Rede de Ouvidoria do Ministério da Economia. Assim, partiremos da explanação sobre a estrutura de organização e funcionamento do referido órgão conforme descrito nas normativas referentes. Com base nessas informações, serão tratadas mais a fundo as críticas a como está sendo desempenhada a atividade de ouvidoria, destacando os desafios que ainda são encarados nesse âmbito e vêm dificultando a plena efetividade do controle social na Administração da Previdência Social Brasileira por esta via. 14 2 CONTROLE SOCIAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A Administração Pública, por sua própria natureza e por sua definição, é encarregada de desempenhar atividades que atendam às necessidades da população. Por esta razão, sua atuação tem potencial para interferir de maneira significativa nos mais variados aspectos da vida em sociedade, incluindo o sistema de garantia dos direitos e deveres individuais e coletivos. Diante desse nível de importância da atividade administrativa e do fato de que esta é desempenhada, na prática, por agentes públicos, que são pessoas físicas (portanto, passíveis de erros), se faz necessário estabelecer vias de controlar a atuação do Poder Público, de modo a garantir sempre a concretização das funções do Estado legalmente definidas. Este controle pode se dar por diversas vias, desde o controle interno ao externo. Uma destas vias é denominada controle social, a qual será foco deste estudo e passará a ter seu conceito explorado a seguir dentro do contexto da Administração Pública, onde há primazia pelo interesse público. 2.1 NECESSIDADE DO CONTROLE SOCIAL PARA ATENDER AO INTERESSE PÚBLICO Há tempos, muito se discute sobre o que vem a ser o interesse público, o qual é elencado expressamente como princípio a ser observado pela Administração Pública pela 4 disposição do art. 2º, caput, da Lei n° 9.784/99 . Inclusive, trata-se de princípio de tamanha importância no universo jurídico que se considera o Direito, de forma geral, como fruto dos anseios dos indivíduos enquanto seres 5 sociais, possuindo todo direito já positivado a marca do interesse público . Não é à toa que se fala em princípio da supremacia do interesse público sobre o privado no âmbito do Direito Administrativo. Afinal, se está referindo a um princípio tido como “pressuposto lógico do 6 convívio social”. 4 o Art. 2 A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. 5 SIQUEIRA, Mariana de. Interesse Público no Direito Administrativo Brasileiro: da construção da moldura à composição da pintura. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 187-192. 6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 99. 15 Considerando tal relevância acerca do interesse público, algumas são as formas de conceituar tal instituto, que se distinguem por alguns detalhes envoltos em discussões mais longas. 7 Hely Lopes Meirelles afirma que o conceito de interesse público corresponde ao texto do art. 2º, parágrafo único, II, da Lei n° 9.784/99, sendo caracterizado pelo “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei”. Neste ponto, vale destacar a definição trazida por Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico Universitário, qual seja: Interesse público: Direito administrativo. 1. Aquele que se impõe por uma necessidade coletiva, devendo ser perseguido pelo Estado, em benefício dos administrados. 2. Relativo a toda sociedade personificada no Estado. É o interesse geral da sociedade, ou seja, do Estado enquanto comunidade política e juridicamente organizada (Milton Sanseverino). 3. Finalidade da administração pública. 4. Interesse coletivo colocado pelo Estado entre seus próprios interesses, ao assumi-lo 8 sob regime jurídico de direito público (José Cretella Jr.). Na referida busca por esta conceituação, muitas interpretações se tomaram pela ideia de que o interesse público seria diametralmente oposto ao interesse privado. Porém, como denotado na definição acima reproduzida, deve o interesse público visar agir em benefício dos administrados, surgindo em razão de uma necessidade coletiva. Assim, como afirma Celso Antônio Bandeira de Mello, “o interesse público, o interesse do todo, do conjunto social, nada mais é que a dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses de cada 9 indivíduo enquanto partícipe da Sociedade”. Dessa forma, verificamos que o interesse público não é constituído de forma dissociada dos interesses privados, uma vez que aquele tem como foco justamente a defesa destes, seja através de abstenções ou de prestações positivas por parte do Estado. Nesse sentido, já lecionava Oswaldo Aranha Bandeira de Mello com base no entendimento de que o interesse do Estado deve ser tomado como “expressão do interesse dos indivíduos coletivamente considerados, como expressão do todo social, superior aos 10 interesses dos indivíduos isoladamente considerados”. 7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42 ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 113. 8 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 3 ed. rev., atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 965. 9 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 60-61. 10 MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. Vol. 1: Introdução. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 43. 16 É importante ressaltar que a compreensão do que vem a ser interesse público, sua extensão e seus limites têm se modificado com o passar do tempo, desde o contexto da instauração do Estado de Direito, após a Revolução Francesa de 1789. Contudo, se mantém a essência básica de tutela do metaindividual que gira em torno do conceito de interesse público, justamente pelo fato de se tratar de uma expressão aberta, apta a se perpetuar na 11 história pela sua ampla capacidade de adaptação aos diferentes modelos de Estado. Nessa evolução histórica, o entendimento de interesse público passou da obediência à ideia restrita de lei, de modo que a Administração detinha o monopólio de tal interesse, para a noção de que deve a Administração compartilhar com a sociedade a atribuição de definir o que vem a ser o interesse público. Isto pode ser observado, por exemplo, na previsão do texto constitucional vigente quando passou a atribuir ao Poder Público e à coletividade o dever de 12 defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Esta mudança de paradigma ocorreu no contexto atual do Estado Pós-Social, em que o ideal da lei em sentido estrito vista, em certa medida, como sinônimo do Direito perdeu espaço para a concepção de norma, adotando-se a noção de um Direito mais amplo, com 13 centro na Constituição, caracterizando uma Administração Pública mais complexa . Assim, a noção de interesse público se adequou partindo do referencial de equilíbrio com os interesses privados, posto que estes são essenciais para a formação daquele. Nesse diapasão, vem se desenvolvendo o princípio da participação, que prevê em diferentes textos legislativos a associação dos administrados à definição das regras de organização e de funcionamento dos serviços públicos, de maneira que estes correspondam às 14 suas necessidades concretas. Assim, a participação aproxima a sociedade do Estado, voltando-o à busca das suas finalidades primordiais, quais sejam a garantia e a efetivação dos direitos humanos. Pois, repise-se, o interesse público não deve se dissociar dos interesses individuais, mas considerar estes em sua dimensão coletiva. 11 SIQUEIRA, Mariana de. Interesse Público no Direito Administrativo Brasileiro: da construção da moldura à composição da pintura. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 60. 12 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2 ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 191. 13 SIQUEIRA, Mariana de. op. cit., p. 59. 14 LACHAUME, Jean-Fraçois. La notion de service public, apud GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. A participação popular e a consensualidade na Administração Pública. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira (coord.). Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo / Uma evaluación de las tendências del derecho administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 648. 17 15 Paulo Bonavides leciona que a democracia participativa transcende a noção abstrata de povo inerente aos sistemas representativos e visa o ideal de povo real, o povo que tem a “investidura da soberania sem disfarce”, sendo assentada sobre o princípio da unidade da Constituição. Unidade essa visualizada formal e, em especial, materialmente, com destaque a esta unidade de ordem axiológica do ordenamento constitucional, lastreada na justiça incorporadora de todas as gerações de direitos fundamentais. Logo, são as garantias participativas tão diretamente ligadas ao conjunto de valores constitucionais que, caso elas sejam embargadas ou não prevaleçam, põe-se fim ao espírito da Constituição enquanto princípio de legitimidade. Neste sentido, a participação popular é inerente à ideia de Estado Democrático de Direito, conforme se observa das lições de Marcos Augusto Perez: Reforça-se, pois, a ideia (sic) de que a legalidade não é uma mera regra de funcionamento da máquina estatal, uma finalidade em si, mas, ao contrário, um instrumento em prol da efetividade dos direitos fundamentais. Em segundo lugar, a participação importa necessariamente na maior legitimação do Estado e do Direito. A participação no exercício das funções estatais “populariza”, se assim podemos dizer, o Direito, dessacralizando-o. O Direito desce do pedestal e passa, de fato, a ser comentado e interpretado em meio aos conflitos, divergências e disputas sociais. Desnudado e politizado, o Direito nada perde, mas, ao contrário, ganha nova força, fruto de sua adequação à realidade social. A participação popular no Estado de Direito, ademais, representa um avanço nas formas de controle da Administração. Através dos institutos de participação, a coletividade passa a fiscalizar ativamente os desvios e abusos eventualmente 16 cometidos pela Administração Pública. Portanto, os institutos de participação social, quando tratados especificamente na seara do Direito Administrativo, surgem como ferramentas para o aperfeiçoamento do controle da atuação da Administração Pública. Passando a uma análise rápida do termo “controle”, cabe, inicialmente, trazer os seguintes conceitos mais amplos, de dicionários da língua portuguesa: controle (ô). S. m. (fr.: controle) 1. Verificação atenta e minuciosa da regularidade de um estado ou de um ato, da validade de uma peça. 2. Domínio de sua própria conduta. 3. Aparelho que regula o mecanismo de certas máquinas; comando. 4. Lista 17 detalhada de pessoas cuja presença ou cujas atividades devem ser verificadas. 15 BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência, por uma Nova Hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 27-28. 16 PEREZ, Marcos Augusto. A administração pública democrática: institutos de participação popular na administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 62-63. 17 PESTANA, Flávio Bonfim (Coord.). Controle. In: Dicionário completo da língua portuguesa. Folha da Tarde. 3 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1994, p. 231. 18 controle (ô). [Do fr. contrôle.] S. m. 1, Ato ou poder de controlar; domínio, governo. 2. Fiscalização exercida sobre as atividades de pessoas, órgãos, departamentos, ou sobre produtos, etc., para que tais atividades, ou produtos, não se desviem das normas preestabelecidas. 3. Restr. Fiscalização financeira. 4. Botão, mostrador, chave, circuito ou parafuso destinado a ajustar ou fazer várias características de um elemento elétrico. 5. Autodomínio físico e psíquico. 6. V. 18 equilíbrio (6). É possível destacar, nestas conceituações, tanto os sentidos de verificação, investigação e fiscalização, bem como os de domínio, regulação e poder atribuídos ao termo “controle”. O primeiro grupo de concepções acerca do referido vocábulo diz respeito ao entendimento da língua francesa, enquanto que o segundo grupo faz referência à língua 19 inglesa, nesta última a acepção é de poder e dominação. Desse modo, a semântica da palavra “controle” em português teve influências francesa e inglesa. Entende-se que, do ponto de vista jurídico, é mais adequado o teor do termo “controle” no mesmo sentido utilizado pelos franceses. Isto porque a nossa Constituição de 1988 recepcionou tal vocábulo a partir da disposição acerca dos controles externo e interno da União na seção IX, do capítulo I, do título IV, denominada "Da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária", com destaque para o uso do termo “fiscalização” na referida 20 seção. Com base neste entendimento, Vanderlei Siraque define controle como “o ato de vigiar, vistoriar, inspecionar, examinar, guiar, fiscalizar, restringir, conter algo, velar por algo 21 ou a seu respeito, inquirir e colher informações”. Logo, como afirma Odete Medauar, o controle da Administração Pública nada mais é que “a verificação da conformidade da atuação desta a um cânone, possibilitando ao agente 22 controlador a adoção de medida ou proposta em decorrência do juízo formado”. O controle aplicado ao Direito Administrativo consiste na fiscalização das atividades da Administração Pública, para que estas não se desviem dos seus objetivos, não desobedeçam aos limites da legalidade vigentes e não ofendam interesses públicos ou 18 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Controle. In: Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 469. 19 SIRAQUE, Vanderlei. Controle social da função administrativa do Estado: possibilidades e limites na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 88. 20 BRITTO, Carlos Ayres. Distinção entre “controle social do poder” e “participação popular”. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 189, p. 114-122, jul./set. 1992, p. 114. Disponível em: . Acesso em: 11/02/2020. 21 SIRAQUE, Vanderlei. Controle social da função administrativa do Estado: possibilidades e limites na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 90. 22 MEDAUAR, Odete. Controle da administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 22. 19 23 particulares. Para tanto, diferentes meios de exercer este controle são dispostos legalmente hoje em dia. Os referidos meios de controle da Administração, para fins didáticos, são classificados de formas variadas, de maneira que cada autor aborda uma tipologia ou outra que entenda mais adequada a explicar cada um desses meios. No presente estudo, preferiu-se apenas identificar que existem o controle institucional e o social, para diferenciá-los a fim de dar destaque a este último, objeto desta pesquisa. O controle institucional é aquele feito pelo próprio Estado, seja através de seus órgãos ou de particulares que lhes façam as vezes. Trata-se de um controle interno, por não ter participação direta da sociedade, mas ser realizado por meio de seus representantes ou das instituições públicas criadas pela Constituição Federal justamente com a função de 24 fiscalizar. Pela lógica, o controle social configura-se justamente como o oposto. É este o controle exercido por pessoas estranhas ao Estado, sejam elas físicas, de forma individual ou em grupo, ou mesmo pessoas jurídicas, não sendo necessário serem estranhas ao Estado neste 25 último caso, bastando ter uma parte de seus membros eleita pela sociedade. Vanice Regina entende o controle social como fruto de uma sociedade participativa, que pretende, para além de somente se fazer representar no processo de tomada de decisões, 26 neste influir de fato. Esta modalidade de controle toma por base um ideal de cidadania ativa, que inspiraria a sociedade a estar inserida na Administração Pública de modo a garantir o atendimento dos seus interesses enquanto coletividade, do interesse público. Afinal, o controle social se lastreia no fato de que a população tem o direito de cobrar respostas daqueles que, uma vez representantes do Estado, são obrigados a zelar pelos bens de todos. Foi a partir da CF/1988 que passou a ter mais desenvolvimento o princípio da participação popular nos negócios administrativos, cenário forjado pela implantação das bases 23 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 961. 24 SIRAQUE, Vanderlei. Controle social da função administrativa do Estado: possibilidades e limites na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 94. 25 SIRAQUE, Vanderlei. op. cit., p. 99. 26 VALLE, Vanice Regina Lírio. Controle social: promovendo a aproximação entre Administração Pública e a cidadania. In: BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Prêmio Serzedello Corrêa 2001 - Monografias Vencedoras: Perspectivas para o Controle Social e a Transparência da Administração Pública. Brasília: TCU, Instituto Serzedello Corrêa, 2002, p. 77. Disponível em: . Acesso em: 12/02/2020. 20 de um Estado Democrático de Direito, o qual estatui a cidadania como um dos seus 27 fundamentos. É como expressão do exercício da cidadania (art. 1°, II, CF/88) que se entende o controle social como direito humano fundamental de primeira geração. Contudo, ele não visa a atender somente a interesses individuais, mas também ao interesse público, ao bem comum 28 e às próprias finalidades do Estado. Assim, o controle social, enquanto garantia individual, não está dissociado do interesse público, como já mencionado anteriormente. Ele, em sua expressão coletiva, faz parte da composição do interesse público, uma vez que serve como forma de fiscalizar a atuação estatal para que esta esteja sempre em consonância com os interesses do todo social. Este, por sua vez, considerado como a abstração coletiva dos interesses individuais de cada pessoa. Por esta importância, a própria Carta Magna traz em seu corpo textual diversas outras previsões relativas ao controle social e à participação popular de modo geral, além da referida relação com o exercício da cidadania, conforme será explicitado a seguir. 2.2 FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A nossa atual Constituição Federal, conhecida como Constituição Cidadã, já traz em seu art. 1° o referencial basilar para o controle social e para a participação popular ao afirmar que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição”. Se o poder deve emanar da população, ela quem também tem o direito de fiscalizar o cumprimento da sua vontade configurada no interesse público. Inclusive, pode-se entender como uma forma de controle social o próprio sufrágio universal, por meio do qual o povo tem o direito de eleger ou não quem verdadeiramente tem se disposto a representar o interesse público enquanto governante à frente da Administração Pública. Contudo, a massificação do sufrágio universal foi apenas o primeiro passo para chegarmos à democracia participativa, cujos institutos jurídicos foram adotados pelo nosso atual ordenamento constitucional. 27 NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Função administrativa e participação popular. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; SUNDFELD, Carlos Ari (Orgs.). Controle da administração, processo administrativo e responsabilidade do Estado – Coleção doutrinas essenciais: direito administrativo, v. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 706. 28 SIRAQUE, Vanderlei. Controle social da função administrativa do Estado: possibilidades e limites na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 105. 21 É a democracia participativa baseada em uma maior abertura do Estado à participação popular quando comparada à democracia puramente representativa, participação esta entendida como vontade ativa do cidadão, sendo este incentivado a participar ativamente das definições dos rumos da Administração. E este incentivo se dá pela previsão normativa de instrumentos institucionais que, em sua aplicação, resultam na modificação do relacionamento 29 Estado-sociedade. Como diz Canotilho, a democracia não é apenas um princípio normativo a orientar o Estado, mas também um princípio de organização a definir a estruturação de processos aptos a oferecerem às pessoas efetivas possibilidades de participarem dos processos de decisão e 30 exercerem controle crítico na divergência de opiniões. Podemos interpretar, assim, que a própria essência da nossa Carta Magna, lastreada no ideal de democracia participativa, legitima a existência dos institutos jurídicos que servem de instrumento ao controle social da Administração Pública. Afinal, mais do que somente estar expresso no ordenamento jurídico, é necessário criar condições para efetivar o princípio democrático. Inclusive, este controle, como já fora tratado, se solidifica também sobre o fundamento da República Federativa do Brasil exposto no art. 1°, inciso II, o da cidadania, a ser posto em prática a partir da previsão de institutos que o concretizem. Seguindo, da leitura do art. 5° da CF/1988, destacamos inicialmente o inciso XXXIII, o qual trata do direito de todas e todos a receber dos órgãos públicos informações que sejam de seu interesse particular, coletivo ou geral. Basicamente, este inciso prevê a obrigatoriedade de transparência na Administração Pública. Neste ponto, cumpre ressaltar que é o direito à informação essencial ao controle social. Afinal, não há como fiscalizar a atividade administrativa sem o acesso aos dados e às informações corretas e completas sobre esta. Com esse entendimento, afirma Bruno Alex Londero: Sem informação não há controle. Logo, as constatações de irregularidades e de má gestão dos recursos públicos, porventura apontadas, acabam por serem vistas como mero achismo, o que realimenta o descrédito na atuação das organizações sociais de controle e mesmo a inefetividade de suas ações, em que pese sua mobilização e relevância temática. Igualmente, a maior participação dos usuários nas ações e decisões governamentais imprescinde de que haja um sistema normativo que regulamente de maneira 29 PEREZ, Marcos Augusto. A administração pública democrática: institutos de participação popular na administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 32. 30 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993, p. 417-418. 22 abrangente e operacional as formas de controle, o acesso à informação e a 31 transparência dos entes públicos. Neste sentido, vem se mostrando cada vez mais importante o acesso à informação e a transparência não só das deliberações do Poder Público, mas principalmente as razões nelas envolvidas e como estas se relacionam com o interesse público, objetivo da atuação estatal. Assim, o conceito de transparência vem trazendo a ideia de que se torne de conhecimento da população mais sobre cada um dos passos envolvidos no processo de tomada de decisão 32 administrativa. A partir do momento que o público passa a conhecer as razões por trás das decisões governamentais, podemos ver aumentar o apoio e a diminuir as sensações de desconfiança e insatisfação com a atuação do Poder Público. Além disso, é lógico que as decisões administrativas serão cada vez mais baseadas em razões justificáveis, pois estarão evidentes as suas motivações e estas serão controladas pela população. Desse modo, o resultado de uma 33 maior transparência é a melhora sensível da qualidade da administração pública. Ainda, a magnitude do princípio constitucional do acesso à informação é observada a partir do entendimento de que o acesso a outros direitos sociais se torna mais eficaz através da garantia daquele. Pois, a transparência na Administração Pública incentiva o rompimento do monopólio da informação ao favorecer a participação popular nos processos decisórios 34 administrativos . O acesso aos dados gerenciados pelo Estado gera o fortalecimento da capacidade dos cidadãos de participarem efetivamente dos processos de tomada de decisões as quais venham a lhes afetar direta ou indiretamente. Justamente pela importância do princípio tratado, foi promulgada a Lei de Acesso à Informação (Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011). Lei esta que regula os 31 LONDERO, Bruno Alex. Controle na Administração Pública brasileira: bases normativas da transparência e do acesso à informações públicas para efetivação do controle social. Monografia (Especialização em Gestão Pública) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS, 2012, p. 26. 32 VALLE, Vanice Regina Lírio. Controle social: promovendo a aproximação entre Administração Pública e a cidadania. In: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Prêmio Serzedello Corrêa 2001 - Monografias Vencedoras: Perspectivas para o Controle Social e a Transparência da Administração Pública. Brasília: TCU, Instituto Serzedello Corrêa, 2002, p. 88. Disponível em: . Acesso em: 12/02/2020. 33 COMPARATO, Bruno Konder. Ouvidorias públicas como instrumentos para o fortalecimento da democracia participativa e para a valorização da cidadania. In: MENEZES, Ronald do Amaral; CARDOSO, Antonio Semeraro Rito (orgs.). Ouvidoria pública brasileira: reflexões, avanços e desafios. Brasília: Ipea, 2016, p. 48 - 49. 34 LONDERO, Bruno Alex. Controle na Administração Pública brasileira: bases normativas da transparência e do acesso à informações públicas para efetivação do controle social. Monografia (Especialização em Gestão Pública) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria/RS, 2012, p. 27-28. 23 procedimentos a serem observados pela Administração Pública para que seja garantido o acesso à informação conforme previsto no inciso XXXIII, do art. 5°, da CF/88. Ademais, ainda no art. 5°, no inciso XXXIV, há a previsão do direito a todos assegurado de peticionar gratuitamente perante os Poderes Públicos contra ato ilegal ou abuso de poder, bem como para assegurar a defesa de qualquer direito, seja individual, coletivo ou geral, que tenha sido atacado. Também é envolvido neste dispositivo o direito à obtenção de certidões em repartições públicas. Logo, configuram-se tais direitos como evidentes expressões práticas e diretas do controle social, posto que o cidadão é colocado em posição de poder exigir do Estado determinadas condutas, em defesa dos seus direitos. Da mesma forma, é garantida, pelo inciso LXXIII, a qualquer cidadão a legitimidade para propor ação popular, instrumento adequado para requerer a anulação de qualquer ato lesivo ao patrimônio público ou mesmo à moralidade administrativa. Outros artigos da Constituição podem ser mencionados como alguns dos que dispõem sobre a participação popular e, consequentemente, o controle social na Administração Pública, tais como o art. 10, o qual prevê o direito à participação de patrões e empregados nos colegiados dos órgãos públicos que tratem dos interesses profissionais ou previdenciários de suas respectivas categorias. Abordando a fiscalização dos Municípios, o art. 31, no § 3°, determina que as contas de tal ente deverão ficar à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, assegurando a este o poder de questionar-lhes a legitimidade. O art. 58, por sua vez, prevê, em seus incisos II e IV, a realização de audiências públicas e a possibilidade de a população fazer queixas contra órgãos ou autoridades públicas, de modo a permitir a participação da sociedade no processo legislativo. E, complementarmente, o art. 61, § 2°, estabelece como uma das formas de produção de leis ordinárias e complementares a iniciativa popular. Dispondo sobre o controle interno, o art. 74, no § 2°, elenca a denúncia popular como uma das formas de provocar o Tribunal de Contas quanto a qualquer irregularidade ou ilegalidade no Poder Público. Assim, verifica-se um meio de a população intervir até mesmo no âmbito do controle institucional. O art. 89, VII, prevê a participação de cidadãos na formação do Conselho da República, o qual é órgão de consulta do Presidente da República e fica responsável por pronunciar-se sobre intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio, bem como sobre as questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas. 24 35 Por fim, destaca-se a previsão do art. 37, § 3° , sobre a possibilidade de inovação nas formas de participação do usuário na Administração Pública. Trata-se de uma forma de não deixar limitadas as vias para a inserção popular nas decisões tomadas pelo Estado somente às já previstas no texto constitucional. Nos incisos deste parágrafo é dada atenção especial a necessidades específicas deste tipo de participação a ser regulada, sendo elas exemplos do que pode vir a ser objeto dos novos meios de participação a serem criados e disciplinados por lei. A primeira destas necessidades, elencada no inciso I, é sobre “as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços”. Com base neste inciso especificamente e em todo o arcabouço constitucional aqui mencionado, foi dada a abertura necessária para que fossem instituídas ouvidorias direcionadas para várias instituições e órgãos prestadores de serviços públicos, sobre as quais se tratará no capítulo a seguir. 35 “§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II - o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.” 25 3 CONTROLE SOCIAL EXERCIDO ATRAVÉS DAS OUVIDORIAS PÚBLICAS Uma vez prevista pelo art. 37, § 3°, I, da Constituição Federal de 1988, a possibilidade de inovação nas formas de participação popular a partir das reclamações feitas pelos usuários acerca da prestação dos serviços públicos, abriu-se o campo para a criação de um instituto que promovesse este tipo de aproximação entre a sociedade e o Estado. A inovação surgida para suprir esta demanda foi a instituição da ouvidoria pública, a qual se deu através do processo que passará a ser brevemente descrito. 3.1 CONCEITO E BREVE HISTÓRICO DO INSTITUTO DA OUVIDORIA PÚBLICA NO BRASIL A origem da ouvidoria pública remonta à Europa do final do século XVIII e início do século XIX, quando foi instituído o ombudsman, este imbuído da tarefa de mediar a 36 comunicação da população com o Estado. O termo ombudsman provém do sueco e pode ser 37 traduzido como “homem das reclamações” ou “homem das queixas”. Foi a partir da promulgação de uma nova Constituição da Suécia em 1809 que se fortaleceram os direitos dos cidadãos diante do Estado, o que abriu espaço para a nomeação 38 do primeiro ombudsman, em 1810. Na metade do século XX, outros países começaram a trazer em seus textos legais a previsão normativa para criação de figuras semelhantes ao ombudsman criado na Suécia, tendo a criação deste instituto em nível nacional seguido a seguinte sequência: Suécia em 1809, Finlândia em 1919, Dinamarca em 1955, Noruega em 1963 (Steenbeek, 1963; Hidén, 39 1973). No Brasil, não houve a instituição especificamente do ombudsman, mas ao longo da história vários movimentos foram empreendidos a fim de promover a criação de órgãos que 36 LIMA NETO, Fernando. Ouvidorias públicas e conselhos de políticas: avanços e desafios na democratização da participação social e nas relações entre estado e sociedade. In: MENEZES, Ronald do Amaral; CARDOSO, Antonio Semeraro Rito (org.). Ouvidoria pública brasileira: reflexões, avanços e desafios. Brasília: Ipea, 2016, p. 58. 37 COMPARATO, Bruno Konder. Ouvidorias públicas como instrumentos para o fortalecimento da democracia participativa e para a valorização da cidadania. In: MENEZES, Ronald do Amaral; CARDOSO, Antonio Semeraro Rito (org.). Ouvidoria pública brasileira: reflexões, avanços e desafios. Brasília: Ipea, 2016, p. 45. 38 FONTANA, Odisséia Aparecida Paludo; MEZZAROBA, Orides. As Ouvidorias na gestão pública como instrumento de concretização dos processos de accountability. In: ROVER, Aires José; SANTOS, Paloma Maria Santos; MEZZAROBA, Orides (org.). Governo eletrônico e inclusão digital. Florianópolis: Conceito Editorial, 2014, p.198. Disponível em: . Acesso em: 02/03/2020. 39 COMPARATO, Bruno Konder. op. cit., p. 45. 26 viabilizassem a comunicação dos administradores com o Poder Público, culminando no surgimento das ouvidorias. Ainda no ano de 1823 foi proposta a criação do Ouvidor como juiz do povo, a quem a população poderia recorrer, através de denúncias e queixas, em situações de opressão da Corte. Tal proposta foi feita pelo Deputado Constituinte José de Souza de Mello, mas ela não 40 obteve êxito. Nos anos 1960, também se cogitou a possibilidade de instalar a figura do ombudsman, assim como nos anos 1970 houve a reivindicação pela criação do instituto da Ouvidoria. Porém, o Brasil vivia o período da ditadura militar, quando iniciativas de participação popular 41 na gestão não eram admitidas pelo governo. Mais uma tentativa foi feita em meados de 1980, desta vez para a criação do Ouvidor Geral, através de um projeto proposto pelo Senador Marco Maciel. Segundo a proposta, o Ouvidor Geral teria a função de receber e apurar queixas e denúncias feitas por pessoas que se sentissem prejudicadas por atos da Administração, mas, novamente, não foi uma proposta 42 exitosa. Somente na década de 1980 iniciou-se a sedimentação do terreno normativo brasileiro para efetivar e comportar a criação de meios de comunicação entre o Estado e a sociedade, quando o país teve condições de iniciar a sua redemocratização. Assim, realmente foi apenas após a metade do século XX, no contexto das discussões que resultaram na promulgação da Constituição Federal de 1988, que a ouvidoria passou a ser debatida de modo mais incisivo, na formulação de decretos-lei os quais pretendiam 43 institucionalizar esta atividade no Brasil. Em 1985, a figura do ombudsman já surgiu formalmente no contexto brasileiro na iniciativa privada. Porém, foi em 1986 que se instituiu o Ouvidor no âmbito da Administração 44 Pública, em Curitiba, no estado do Paraná, através do Decreto n° 215/86. 40 FONTANA, Odisséia Aparecida Paludo; MEZZAROBA, Orides. As Ouvidorias na gestão pública como instrumento de concretização dos processos de accountability. In: ROVER, Aires José; SANTOS, Paloma Maria Santos; MEZZAROBA, Orides (orgs.). Governo eletrônico e inclusão digital. Florianópolis: Conceito Editorial, 2014, p.198. Disponível em: . Acesso em: 02/03/2020. 41 FONTANA, Odisséia Aparecida Paludo; MEZZAROBA, Orides. ibidem. 42 FONTANA, Odisséia Aparecida Paludo; MEZZAROBA, Orides. ibidem. 43 LIMA NETO, Fernando. Ouvidorias públicas e conselhos de políticas: avanços e desafios na democratização da participação social e nas relações entre estado e sociedade. In: MENEZES, Ronald do Amaral; CARDOSO, Antonio Semeraro Rito (orgs.). Ouvidoria pública brasileira: reflexões, avanços e desafios. Brasília: Ipea, 2016, p. 58. 44 FONTANA, Odisséia Aparecida Paludo; MEZZAROBA, Orides. op. cit., p. 199. 27 Ainda em 1986, foi criada, e institucionalizada pelo Decreto n° 92.700/1986, a função de Ouvidor da Previdência Social, a quem deveriam ser “levadas as informações, queixas e 45 denúncias dos usuários do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social” , conforme o art. 2° do referido ato legal. Esta atribuição possuía um caráter setorial. Após a promulgação da Constituição de 88, a primeira ouvidoria da esfera pública federal foi criada pelo IBAMA em 1989, por meio do Decreto n° 97.946/89. Após, a Lei n° 8.212/91 institucionalizou o Ouvidor da Seguridade Social. Em continuidade, foi instituída a Ouvidoria-Geral no âmbito do Ministério da Justiça, conforme regulamentou a Lei n° 46 8.490/92. Daí por diante, foi sendo expandido o movimento de criação de ouvidorias a níveis federal, estadual e municipal, bem como geral e setorial, até o momento em que foi criada a Ouvidoria-Geral, por determinação do Decreto n° 4.490/2002. Tal instituição foi posteriormente transformada em Ouvidoria-Geral da República, vinculada à Controladoria- Geral da União (CGU), conforme dispunha o art. 17 da Lei n° 10.683/2003. Atualmente, o referido órgão é denominado Ouvidoria-Geral da União (OGU) e, por 47 força dispositiva vigente do art. 6°, I, do Decreto n° 9.492, de 5 de setembro de 2018 , vincula-se ao Ministério da Transparência e à CGU. Assim, a OGU, uma vez que assumiu papel de órgão central, passou a induzir a criação de ouvidorias para todos os órgãos e entes da Administração Pública. Além disso, foi a OGU responsável por buscar sistematizar o conceito e as atribuições de uma ouvidoria 48 pública federal. A ouvidoria pública passou a ter, de fato, previsão legal do seu caráter amplo e geral somente com a edição da Lei n° 13.460/2017, a qual é aplicável nos âmbitos da União, dos 49 Estados, do Distrito Federal e dos Municípios . 45 BRASIL. Decreto n° 92.700, de 21 de maio de 1986. Disponível em: . Acesso em 03/03/2020. 46 PEREZ, Marcos Augusto. A administração pública democrática: institutos de participação popular na administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 108. 47 “Art. 6º Integram o Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal: I - como órgão central, o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, por meio da Ouvidoria- Geral da União;” 48 SANTOS, Marcel Mascarenhas dos. Ouvidoria pública como instrumento de participação social e função essencial à gestão publica moderna. Revista científica da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (ABO), São Paulo, ano 1, n° 1, 2017/2018, p. 55. Disponível em: . Acesso em: 28/08/2019. 49 “Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas para participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos prestados direta ou indiretamente pela administração pública. § 1º O disposto nesta Lei aplica-se à administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos do inciso I do § 3º do art. 37 da Constituição Federal.” (BRASIL. Lei n° 13.460, de 26 de junho de 2017. Dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos 28 A partir da leitura dos artigos 9°, 10 e 14 da referida Lei, é possível inferir que a ouvidoria figura como órgão encarregado de receber e tratar as manifestações dos usuários dos serviços públicos acerca da prestação destes. Desse modo, resta evidenciada a essencialidade de tal órgão em qualquer esfera do Poder Público. Portanto, a ouvidoria, em toda e qualquer estrutura pública, é entendida como instrumento apto a receber as demandas da população e repassá-las à Administração Pública, sendo a instância que deve operacionalizar a participação dos usuários, como forma de as pessoas se fazerem presentes na atividade administrativa. Por esta razão, é visto o Ouvidor como “defensor do povo”. Quanto ao conceito de ouvidoria pública, apesar de já existir previsão de seus elementos caracterizadores desde o art. 37, § 3°, da Constituição Federal, apenas houve uma definição em ato normativo no Decreto n° 8.243/2014, quando seu art. 2°, V, conceituou-a como “instância de controle e participação social responsável pelo tratamento das reclamações, solicitações, denúncias, sugestões e elogios relativos às políticas e aos serviços públicos, prestados sob qualquer forma ou regime, com vistas ao aprimoramento da gestão 50 pública” . Foi com esta mesma redação, da sua Instrução Normativa n° 1, de 2014, que a OGU definiu o que seria uma ouvidoria pública federal. Partindo para uma discussão sobre as características essenciais do instituto estudado, Comparato enfatiza o papel da população na definição da atuação das ouvidorias, destacando que, independente das prioridades de cada uma delas (adequadas a sua missão), a população figura como elemento essencial em todas, servindo como fonte de informações as quais 51 possibilitam às referidas instituições o desempenho de suas funções satisfatoriamente. Neste sentido, Fontana e Mezzaroba tratam da compreensão sobre as ouvidorias da seguinte maneira: A ouvidoria deve ser entendida como uma instituição que representa os legítimos interesses dos cidadãos no ambiente em que atua na busca de soluções, dúvidas, e também elogios. Pode-se dizer que a ouvidoria representa a voz do cidadão na organização, recomendando ações de melhorias, criticando, sugerindo, fidelizando serviços públicos da administração pública. Disponível em: . Acesso em: 06/03/2020.) 50 BRASIL. Decreto n° 8.243, de 23 de maio de 2014 (revogado). Institui a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 06/03/2020. 51 COMPARATO, Bruno Konder. Ouvidorias públicas como instrumentos para o fortalecimento da democracia participativa e para a valorização da cidadania. In: MENEZES, Ronald do Amaral; CARDOSO, Antonio Semeraro Rito (org.). Ouvidoria pública brasileira: reflexões, avanços e desafios. Brasília: Ipea, 2016, p. 47- 48. 29 clientes e gerando valores que antes eram obtidos em pequenas e difusas interações 52 com o cidadão, quando eram obtidos. Ainda, Vanderlei Siraque afirma que a criação das ouvidorias ocorre para que estas possam ouvir os reclamos da sociedade, analisar a veracidade destes e, assim, encaminhá-los aos órgãos competentes da Administração, onde as providências necessárias deverão ser 53 tomadas. Observe-se que cabe à ouvidoria, diante de uma denúncia, verificar se ela é fundamentada em fatos verídicos e, após, apenas fazer o repasse da situação a outro órgão do Poder Público. Portanto, é tida como uma característica das ouvidorias a ausência de poder coercitivo. Logo, é necessário, para garantir a efetividade da atuação da instituição, que o próprio ouvidor mantenha sua credibilidade, visto que outra característica da ouvidoria é a 54 unipessoalidade. A referida credibilidade, segundo Lyra , deve ser assentada em seu histórico de compromisso com a democracia e o exercício da cidadania, bem como de reputação ilibada, competência técnica, equilíbrio e senso de justiça. Apesar de sua atividade não possuir poder coercitivo de modo a determinar as formas de atuação a serem adotadas pelo Poder Público, ao ouvidor a Administração não pode negar qualquer informação. Além disso, ele detém o poder de convocar servidores para prestarem depoimentos, com o fito de averiguar os fatos e avaliar a veracidade das queixas e denúncias 55 que lhes chegam. 56 Nada obstante, defende Lyra que, ainda assim, as ouvidorias necessitam de autonomia, principalmente pelo fato de não serem dotadas de poder administrativo. Esta autonomia deve ser marcada pela escolha de seu titular, o ouvidor, por um órgão independente do gestor administrativo, para exercer um mandato fixo. 52 FONTANA, Odisséia Aparecida Paludo; MEZZAROBA, Orides. As Ouvidorias na gestão pública como instrumento de concretização dos processos de accountability. In: ROVER, Aires José; SANTOS, Paloma Maria Santos; MEZZAROBA, Orides (org.). Governo eletrônico e inclusão digital. Florianópolis: Conceito Editorial, 2014, p.200. Disponível em: . Acesso em: 02/03/2020. 53 SIRAQUE, Vanderlei. Controle social da função administrativa do Estado: possibilidades e limites na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 137. 54 LYRA, Rubens Pinto. Ouvidorias e Ministério Público: as duas faces do ombudsman no Brasil. In: CARDOSO, Antonio Semeraro Rito; LYRA, Rubens Pinto (org.). Novas modalidades de ouvidorias pública no Brasil. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011, p. 50. 55 PEREZ, Marcos Augusto. A administração pública democrática: institutos de participação popular na administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 182-183. 56 LYRA, Rubens Pinto. op. cit., p. 51. 30 Acontece que, na maioria das vezes, o ouvidor é indicado pelo próprio chefe do Poder 57 Executivo, em que pese haver casos de escolha pelo Poder Legislativo . Esta realidade acaba por dificultar a efetivação das funções para as quais as ouvidorias públicas tenham sido criadas. Afinal, fica o ouvidor muito vinculado ao setor da Administração que ele deveria avaliar com base no retorno da população diante da prestação do serviço público. A ouvidoria também apresenta outras três características essenciais para sua atuação, quais sejam a proximidade do cidadão, a informalidade e a agilidade no atendimento ao demandante. São estes aspectos que tornam a ouvidoria capaz de garantir aos usuários dos serviços públicos o acompanhamento dos processos administrativos que lhes interesse, 58 possibilitando, inclusive, a correção de eventuais falhas surgidas na prestação. 59 Quanto às atribuições das ouvidorias, a Lei n° 13.460/2017 traz, em seu art. 13, a previsão do seguinte rol: Art. 13. As ouvidorias terão como atribuições precípuas, sem prejuízo de outras estabelecidas em regulamento específico: I - promover a participação do usuário na administração pública, em cooperação com outras entidades de defesa do usuário; II - acompanhar a prestação dos serviços, visando a garantir a sua efetividade; III - propor aperfeiçoamentos na prestação dos serviços; IV - auxiliar na prevenção e correção dos atos e procedimentos incompatíveis com os princípios estabelecidos nesta Lei; V - propor a adoção de medidas para a defesa dos direitos do usuário, em observância às determinações desta Lei; VI - receber, analisar e encaminhar às autoridades competentes as manifestações, acompanhando o tratamento e a efetiva conclusão das manifestações de usuário perante órgão ou entidade a que se vincula; e VII - promover a adoção de mediação e conciliação entre o usuário e o órgão ou a entidade pública, sem prejuízo de outros órgãos competentes. Com base nessas previsões legais, a Ouvidoria-Geral da União, em guia de orientações para o atendimento ao cidadão, trata como essenciais ao desempenho do papel das ouvidorias na prática as seguintes funções:  Ouvir e compreender as diferentes formas de manifestação dos cidadãos (solicitação de informação, reclamação, denúncia, elogio e sugestão) como demandas legítimas;  Reconhecer os cidadãos, sem qualquer distinção, como sujeitos de direitos; 57 PEREZ, Marcos Augusto. A administração pública democrática: institutos de participação popular na administração pública. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 182. 58 LYRA, Rubens Pinto. Ouvidorias e Ministério Público: as duas faces do ombudsman no Brasil. In: CARDOSO, Antonio Semeraro Rito; LYRA, Rubens Pinto (org.). Novas modalidades de ouvidorias pública no Brasil. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011, p. 53-54. 59 BRASIL. Lei n° 13.460, de 26 de junho de 2017. Dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública. Disponível em: . Acesso em: 06/03/2020. 31  Qualificar suas expectativas de forma adequada, caracterizando situações e identificando os seus contextos, para que o Estado possa decodificá-las como oportunidades de melhoria;  Responder aos cidadãos; e  Demonstrar os resultados produzidos, avaliando a efetividade das respostas 60 oferecidas e elaborando relatórios gerenciais capazes de subsidiar a gestão pública. É possível observar a preocupação do órgão central em colocar, dentre as diretrizes orientadoras da atuação dos ouvidores, a população no centro de todo e qualquer tipo de atividade desempenhada pelas ouvidorias. Resta evidente a importância dos cidadãos para a essência da ouvidoria pública. Fazendo uma análise dessas atribuições e funções elencadas, pode-se destacar, então, as seguintes na atuação das ouvidorias: 1) avaliar a instituição pública, de modo a se apropriar de elementos que permitam ao ouvidor apresentar diagnósticos; 2) exercer a mediação entre o usuário do serviço e o gestor público; e 3) agir de forma crítico-propositiva, uma vez que os dados levantados na avaliação podem ser usados para sugerir mudanças na Administração. Cumpre ressaltar que estas três funções essenciais devem ser consideradas sempre sob a ótica do enfoque ao cidadão, já que esta é a razão de ser do instituto que visa ouvir e atender aos anseios da sociedade. Com essas considerações sobre o papel das ouvidorias, é possível vislumbrar a importância das mesmas para a participação social, cuja promoção pode ser tratada até mesmo como mais uma atribuição do instituto. Principalmente pelo fato de que a atuação das ouvidorias não se limita a zelar pelo respeito às normas institucionais no âmbito no Poder Público. A ouvidoria pública tem competência para apreciar o mérito das decisões administrativas no que tange às questões a ela submetidas pelos reclamantes. Logo, trata-se de órgão que avalia tanto a violação de direitos e o abuso de poder quanto a oportunidade e a conveniência envolvidas nos processos decisórios da Administração Pública, envolvendo tudo 61 que deriva da “má administração”. 3.2 PAPEL DAS OUVIDORIAS PÚBLICAS NO CONTROLE SOCIAL 60 OUVIDORIA-GERAL DA UNIÃO – OGU; CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO - CGU. Orientações para o atendimento ao cidadão nas ouvidorias públicas: rumo ao sistema participativo. (Coleção OGU). Brasília, 2013, p. 9. Disponível em: . Acesso em: 02/03/2020. 61 LYRA, Rubens Pinto. Ouvidorias e Ministério Público: as duas faces do ombudsman no Brasil. In: CARDOSO, Antonio Semeraro Rito; LYRA, Rubens Pinto (org.). Novas modalidades de ouvidorias pública no Brasil. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011, p. 54. 32 Como já tratado no primeiro capítulo desta monografia, a partir do contexto da Constituição Federal de 1988, passou a existir todo um arcabouço jurídico que permite e incentiva a população a participar ativamente das decisões do Poder Público, bem como a promover o controle social sobre a atividade administrativa. Tal forma de participação está diretamente vinculada à ideia de atendimento do interesse público por parte da Administração, que deve prezar por este interesse prioritariamente. Para viabilizar esse controle social, é necessária a criação de canais e procedimentos institucionais voltados a esta finalidade, sob risco de não se efetivar a atuação dos administrados da forma prevista e inspirada pela Constituição Cidadã. Nesse sentido é que foi instituída a ouvidoria pública, constituída como meio de a sociedade controlar a obediência aos princípios constitucionais os quais guiam a atuação da Administração Pública, bem como aos direitos humanos e a promoção da justiça e da inclusão 62 social . Pois, é por meio da possibilidade de se fazer presente nos momentos de decisões tomadas pelo gestor público que a população impõe seus interesses, considerados em coletividade, da forma mais direta e genuína, garantindo a aplicação dos ideais constitucionais. Comparato expõe que, à medida que as ouvidorias públicas são criadas de modo a implementar o direito ao acesso à informação, esta flui nos dois sentidos necessários à realização da democracia. No movimento ascendente, a informação deve permitir aos governados conhecer, avaliar e supervisionar as ações de quem atua em nome do Estado. Enquanto que no movimento descendente a informação flui na forma do controle social 63 exercido pelos cidadãos sobre o governo. É justamente nesse fluxo de informações que se fundamentam os princípios democrático e de cidadania, com a construção de espaços plurais e abertos à negociação das demandas da sociedade frente à gestão estatal. Constitui-se, então, um mecanismo de diálogo permanente que resulta no exercício do controle social e, por consequência, da democracia em si. A ouvidoria, no momento que media o acesso a bens e serviços públicos, figura como instrumento de extrema importância 62 LYRA, Rubens Pinto. Ouvidorias públicas e privadas: análise comparativa. In: CARDOSO, Antonio Semeraro Rito; LYRA, Rubens Pinto (org.). Novas modalidades de ouvidorias pública no Brasil. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011, p. 21. 63 COMPARATO, Bruno Konder. Ouvidorias públicas como instrumentos para o fortalecimento da democracia participativa e para a valorização da cidadania. In: MENEZES, Ronald do Amaral; CARDOSO, Antonio Semeraro Rito (org.). Ouvidoria pública brasileira: reflexões, avanços e desafios. Brasília: Ipea, 2016, p. 49. 33 para a gestão pública, pela sua competência para oferecer meios ao Poder Público para o 64 aperfeiçoamento de suas perspectivas e ações e para subsidiar as políticas públicas. Assim, a ouvidoria pública deve estar associada à disseminação da democracia participativa, promovendo a socialização da política e tornando os seus demandantes coautores do processo de controle da Administração, bem como da construção de uma nova 65 cultura de cidadania. Neste ponto, cumpre destacar a definição do art. 2°, V, do Decreto n° 8.243/2014, já tratada anteriormente. Neste dispositivo, a ouvidoria pública é tida como “instância de controle e participação social”, o que agora resta justificado tendo em vista seu papel de servir ao controle de qualidade da atuação estatal pela sociedade e, concomitantemente, de permitir ao cidadão participar do aprimoramento dos serviços públicos. Seguindo nesta linha, a Ouvidoria-Geral da União ressalta o papel educativo que deriva do controle social exercido através das ouvidorias: De fato, as Ouvidorias Públicas têm a potencialidade de promover a efetividade das políticas e dos serviços públicos e, em consequência, os direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988, sejam eles individuais, sociais, econômicos, culturais ou coletivos. Além disso, esses institutos desempenham um importante processo educativo, uma vez que atuam numa perspectiva informativa, esclarecendo os cidadãos sobre seus direitos e responsabilidades, potencializando, assim, a capacidade crítica e a 66 autonomia dos demandantes. Logo, o instituto da ouvidoria pública possui vínculo ontológico com a democracia por vários vieses. Primeiramente, por dispor dos meios para efetivar os direitos das pessoas administradas através das políticas públicas desenvolvidas pelo Estado e dos serviços públicos. Também pelo modo como a própria atuação da população contribui para a melhoria da prestação dos serviços públicos. Da mesma forma, esse vínculo se delineia pelo potencial educativo das ouvidorias, que, uma vez posto em prática, aperfeiçoa ainda mais a própria participação da população. 64 OUVIDORIA-GERAL DA UNIÃO – OGU; CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO - CGU. Orientações para o atendimento ao cidadão nas ouvidorias públicas: rumo ao sistema participativo. (Coleção OGU). Brasília, 2013, p. 8. Disponível em: . Acesso em: 02/03/2020. 65 LYRA, Rubens Pinto. Ouvidorias públicas e privadas: análise comparativa. In: CARDOSO, Antonio Semeraro Rito; LYRA, Rubens Pinto (org.). Novas modalidades de ouvidorias pública no Brasil. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011, p. 24. 66 OUVIDORIA-GERAL DA UNIÃO – OGU; CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO - CGU. op. cit., p. 9. 34 Observa-se que todas essas linhas as quais embasam a atuação das ouvidorias públicas estão interligadas e são complementares entre si, formando uma cadeia cíclica do processo de desenvolvimento da cidadania. Com esse entendimento de que se trata de um instituto com diversas funcionalidades, a finalidade da atividade do ouvidor é vista como de controle interno e externo, compreendida na intersecção entre estes. Como controle interno, a ouvidoria serve de mecanismo de gestão preventiva no processo de busca por resultados efetivos por parte da Administração. Por outro lado, ela aproxima o cidadão, sendo usada por este para controle social, e, consequentemente, aumenta o valor de confiabilidade do órgão administrativo perante a sociedade, fortalecendo a democracia.67 Passone, Perez e Barreiro68 discutem ainda que a construção de canais de publicização de informações e de mediação tanto pode se limitar a agir em prol da boa relação estatal com os cidadãos clientes e contribuindo com a governabilidade, como pode também envolver a garantia do controle social, enquanto participação cidadã cogestacionária, através da prestação de contas pelo Estado à população. Concluem eles que as ouvidorias representam uma dimensão do espaço público, sendo este o “local privilegiado de mediação e interação da sociedade civil com o Estado, no qual questões pré-formuladas na sociedade civil são capazes de promover uma cultura política destinada à socialização do poder político do Estado”. Portanto, caberia às ouvidorias servirem como ferramenta para impulsionarem uma recuperação estatal e transformação social a partir da ressignificação das relações de interdependência entre Estado e sociedade, revitalizando noções de cogestão, participação, responsabilidades individuais e coletivas, entre outras. Uma das formas de promover essa mudança estrutural é a implantação do que se chama accountability, uma vez que esta traz uma nova ideia sobre responsabilização. Tal ideia é ligada ao ato de responsabilizar os agentes públicos (os quais possuem obrigações enquanto representantes do Estado) a partir das informações obtidas na prestação de contas. 67 PASSONE, Eric F. K.; PEREZ, José R. R.; BARREIRO, Adriana E. A. Estado, cidadania e ouvidorias públicas no Brasil. Revista científica da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (ABO), São Paulo, ano 1, n° 1, 2017/2018, p. 22. Disponível em: . Acesso em: 28/08/2019. 68 PASSONE, Eric F. K.; PEREZ, José R. R.; BARREIRO, Adriana E. A. ibidem, p. 24-25. 35 Assim, a accountability faz parte do processo democrático de um Estado, de maneira a ser este mais democrático à medida que seja maior o grau de responsabilização decorrente de 69 representação. Trata-se a accountability de uma forma de controle dos atos dos governantes e agentes públicos em relação às normas norteadoras da atuação da administração pública como um 70 todo, inclusive à preservação dos direitos fundamentais dos cidadãos . Em caso de desobediência aos ideais democráticos previstos nas normas jurídicas vigentes, há a imposição de uma sanção. Como as ouvidorias são canais diretos da população para com o Estado, elas, por seu caráter de promoção desta aproximação, desencadeiam processos de accountability, 71 promovendo o controle e fiscalização da gestão pública. Logo, reforça-se a conclusão de que as ouvidorias públicas, como previstas legalmente, são importantes instrumentos de controle da atividade administrativa, pois têm aplicabilidade e eficácia no desenvolvimento da accountability. E, mais importante, este controle é realizado pela própria sociedade, que deve se valer das ouvidorias para buscar responsabilizar os agentes públicos que agirem de forma irregular. 69 FONTANA, Odisséia Aparecida Paludo; MEZZAROBA, Orides. As Ouvidorias na gestão pública como instrumento de concretização dos processos de accountability. In: ROVER, Aires José; SANTOS, Paloma Maria Santos; MEZZAROBA, Orides (org.). Governo eletrônico e inclusão digital. Florianópolis: Conceito Editorial, 2014, p.208. Disponível em: . Acesso em: 02/03/2020. 70 ABRUCIO, L. F.; LOUREIRO, M. R. Finanças públicas, democracia e accountability. In: BIDERMAN, Ciro; ARVATE, Paulo (org.). Economia no setor público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 75. 71 FONTANA, Odisséia Aparecida Paludo; MEZZAROBA, Orides. op. cit., p.211-212. 36 4 A OUVIDORIA PÚBLICA NA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA Discutida a importância do controle social no contexto democrático, bem como o papel das ouvidorias públicas na efetivação deste controle, passa-se a refletir sobre o caso concreto e específico da ouvidoria no âmbito da Previdência Social Brasileira. Enquanto serviço público prestado pelo Poder Executivo Federal, a previdência também pode ser alvo do controle social. Por esta razão, foi instituída uma ouvidoria a ela ligada, como canal entre os usuários de tal serviço e a gestão da Previdência Social no Brasil. Esta ouvidoria inicialmente foi criada com a denominação Ouvidoria-Geral da Previdência Social (OUGPS), após, suas competências passaram à Coordenação-Geral da Ouvidoria Previdenciária (CGOP) e recentes alterações determinadas pelo atual Governo Federal modificaram toda a estrutura da ouvidoria previdenciária, que passou à competência da Ouvidoria do Ministério da Economia, conforme será explanado. 4.1 HISTÓRICO LEGAL DA OUVIDORIA NA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA Em agosto de 1998, foi criada a Ouvidoria-Geral da Previdência Social (OUGPS), no contexto em que a Previdência Social estava aplicando o Programa de Melhoria de Atendimento (PMA), visando aperfeiçoar o atendimento ao cidadão no que diz respeito aos 72 serviços previdenciários. A OUGPS foi criada com fundamento na Lei n° 8.213/1991, alterada pela Lei n° 9.711/1998, que dispõe, em seu art. 6° sobre a obrigatoriedade de haver, no âmbito da Previdência Social, uma Ouvidoria-Geral, com atribuições a serem definidas em regulamento. Seria a OUGPS o instrumento apto a medir a qualidade da prestação dos serviços previdenciários, sob a ótica dos usuários. Foi a OUGPS, então, criada para atender quem já tivesse entrado em contato com os órgãos da Previdência Social, objetivando prestar uma espécie de pós-atendimento. Esta Ouvidoria-Geral era vinculada ao Gabinete do Ministro da Previdência Social e era formada pela Divisão de Interação com o Cidadão (DICID), Divisão de Informações Gerenciais (DIGER), Divisão de Análise e Processamento (DIVAP) e Serviço de Apoio Administrativo (SEAAD), conforme dispõe o art. 2°, da Portaria n° 751/2011. 72 BARRETO, Francisco Assis Santos Mano; ALVES FILHO, Garibaldi. A importância da ouvidoria para o serviço público: o caso da Previdência Social. In: MENEZES, Ronald do Amaral; CARDOSO, Antonio Semeraro Rito (orgs.). Ouvidoria pública brasileira: reflexões, avanços e desafios. Brasília: Ipea, 2016, p. 154. 37 À Ouvidoria-Geral da Previdência Social, competia estabelecer o canal de comunicação com a sociedade, de modo a dar retorno ao Ministério da Previdência Social acerca do pós-atendimento realizado, inclusive através de estudos e pesquisas para aferir a 73 satisfação dos usuários, bem como atuar como ouvidoria interna. No governo de Michel Temer, em maio de 2016, foi publicada a Medida Provisória n° 726, a qual foi convertida na Lei n° 13.341/2016. Esta, dentre outras medidas, destituiu o status de ministério da Previdência Social por meio da transformação do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS) em simplesmente Ministério do Trabalho (MTE). Assim, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi redirecionado para o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) e foram encaminhadas ao Ministério da Fazenda as demais competências previdenciárias, dentre elas, a OUGPS, até a entrada em vigor do Decreto n° 9.003/2017, que transferiu as competências da OUGPS para o MDSA. Contudo, antes do redirecionamento ao MDSA, o Decreto n° 8.949/2016 já havia criado a Ouvidoria Social e Previdenciária, constituída por duas coordenações, quais sejam: a Coordenação-Geral da Ouvidoria Social e a Coordenação-Geral da Ouvidoria Previdenciária. Assim, foram repassadas as competências da antiga OUGPS à Coordenação-Geral da Ouvidoria Previdenciária (CGOP). Por força da Portaria n° 115/2017 do Ministério do Desenvolvimento Social, a composição da CGOP comportava a Divisão de Informações Gerenciais, Procedimentos Administrativos e Monitoramento, além da Divisão de Procedimentos, Atendimento, Análise e Avaliação, ainda na mesma disposição do Decreto n° 8.949/2016. Mesmo após todas as modificações até aqui mencionadas, a partir de 2019 novas mudanças alteraram drasticamente a organização da ouvidoria previdenciária na estrutura do Governo Federal. O governo Bolsonaro, a partir do Decreto n° 9.674, de 2 de janeiro de 2019, 73 “Art. 12. À Ouvidoria-Geral da Previdência Social - OUGPS compete: I - estabelecer e manter um canal de comunicação permanente, imparcial e transparente, sob a forma de pós- atendimento, com os cidadãos que buscam os serviços do Ministério da Previdência Social, de seus órgãos colegiados e entidades vinculadas; II - atuar como ouvidoria interna da Previdência Social e das entidades a ela vinculadas; III - apresentar diagnósticos, relatórios gerenciais técnicos e/ou informações para subsidiar ações de melhoria dos serviços prestados pela Previdência Social; IV - encaminhar e responder reclamações, denúncias, sugestões e elogios, recebidos por correspondência (PREVCartas) ou diretamente registrados no Sistema de Ouvidoria, relativos aos serviços oferecidos pela Previdência Social, após adotar os procedimentos necessários em cada caso; e V - elaborar estudos e realizar pesquisas para aferição da satisfação dos usuários dos serviços prestados pelo Ministério e suas entidades vinculadas.” (BRASIL. Ministério da Previdência Social. Portaria n° 751, de 29 de dezembro de 2011. Aprova os Regimentos Internos dos órgãos do Ministério da Previdência Social - MPS. Disponível em: . Acesso em: 08/03/2020.) 38 extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Social, o qual foi sucedido pelo Ministério da Cidadania, tendo aquele remanescido sob a classe de Secretaria Especial, subordinada a este novo Ministério. Em seguida, a Lei n° 13.844, de 18 de junho de 2019, reorganizou os órgãos da Presidência da República e os Ministérios, trazendo a Secretaria Especial de Previdência e 74 Trabalho como vinculada ao Ministério da Economia. Dispondo sobre a estrutura regimental do Ministério da Economia, o Decreto n° 9.745, de 8 de abril de 2019, prevê, em seu art. 17, I, que cabe à Ouvidoria deste Ministério, ligada diretamente à Secretaria-Executiva, tratar das manifestações referentes a todos os órgãos 75 subordinados ao Ministério da Economia e entidades a ele vinculadas. Tal previsão ainda é reforçada pela seguinte disposição do art. 183 do mesmo Decreto: “Ao Ouvidor incumbe acompanhar o andamento e a solução dos pleitos dos cidadãos usuários dos serviços prestados pelo Ministério da Economia”. Cabe ressaltar que, de acordo com o art. 2º, IV, do mesmo diploma legal, o INSS figura como autarquia vinculada ao Ministério da Economia e, portanto, está sujeito ao sistema de Ouvidoria deste Ministério. Portanto, atualmente temos uma única ouvidoria para tratar as demandas características desta instituição que sejam referentes a todos os serviços abarcados na competência do Ministério da Economia. Tal ouvidoria, por ter abrangido as competências de várias outras, foi denominada como Rede de Ouvidoria do Ministério da Economia (RedeOuv-ME). Importante lembrar que o Ministério em questão envolve 43 órgãos, além das autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações que figuram como entidades vinculadas ao referido Ministério, de acordo com a estrutura organizacional definida no art. 2°, do Decreto n° 9.745/2019. 74 “Art. 32. Integram a estrutura básica do Ministério da Economia: [...] V - a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, com até 2 (duas) Secretarias;” (BRASIL. Lei n° 13.844, de 18 de junho de 2019. Estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. Disponível em: . Acesso em: 08/03/2020.) 75 “Art. 17. À Ouvidoria compete: I - receber, examinar e encaminhar denúncias, reclamações, elogios e sugestões referentes a procedimentos e ações de agentes e órgãos, no âmbito do Ministério, das unidades descentralizadas e das entidades a ele vinculada;” (BRASIL. Decreto n° 9.745, de 8 de abril de 2019. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério da Economia, remaneja cargos em comissão e funções de confiança, transforma cargos em comissão e funções de confiança e substitui cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE. Disponível em: . Acesso em: 08/03/2020.) 39 4.2 OS MECANISMOS DE FUNCIONAMENTO E ORGANIZAÇÃO DA OUVIDORIA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA Acerca da Ouvidoria ligada ao Ministério da Economia, nos moldes em que ele se encontra estruturado neste momento, a mesma é regida pela Portaria n° 1.142, de 5 de 76 setembro de 2019 , do referido Ministério. Contudo, o portal de comunicação do Ministério da Economia somente aponta normas de caráter geral como sendo a base legal da sua unidade de ouvidoria, sem elucidar que já existe uma normativa em vigor própria deste órgão. Nada obstante, as informações que embasam esta seção da pesquisa também foram retiradas das normas jurídicas mais amplas ainda vigentes. Inicialmente, o anexo IV do Decreto n° 10.072/2019, o qual revoga o anexo II do Decreto n° 9.745/2019, traz a função de Ouvidor, que é sujeito à Secretaria Executiva, como sendo cargo de Direção e Assessoramento Superiores (DAS). Conforme estabelecido nos arts. 2°, I, e 3°, I, da Lei n° 5.645/1970, os cargos DAS são classificados como de provimento em comissão, devendo ser este regido pelo critério da confiança. Portanto, o Ouvidor do Ministério da Economia é indicado pelo Chefe do Poder Executivo e ocupa cargo de livre exoneração. Ainda sobre o Ouvidor, a Seção VII do referido Decreto n° 9.745 se limita a prever que a ele “incumbe acompanhar o andamento e a solução dos pleitos dos cidadãos usuários 77 dos serviços prestados pelo Ministério da Economia” . Na mesma toada, o art. 4° da Portaria n° 1.142/2019 dispõe que cabe à Ouvidoria “acompanhar o tratamento das demandas previstas no art. 2º desta Portaria e analisar a qualidade das respostas oferecidas aos usuários de serviços públicos, podendo ajustá-las ou solicitar retificação à área competente”. Ademais, também quanto à estrutura da chamada Rede de Ouvidoria do Ministério da Economia, o art. 5° da Portaria n° 1.142/2019 traz a previsão de que deverão os órgãos que compõem tal rede indicar pelo menos dois servidores representantes (sendo um titular e um suplente) para efetuarem as atividades de ouvidoria. 76 BRASIL. Ministério da Economia/Secretaria Executiva. Portaria n° 1.142, de 5 de setembro de 2019. Estabelece procedimentos relativos às atividades de ouvidoria, no âmbito do Ministério da Economia. Disponível em: . Acesso em: 09/03/2020. 77 Art. 183 do Decreto n° 9.745/2019. 40 No tocante às competências da Ouvidoria, o art. 17, do Decreto n° 9.745/2019, elenca- as como sendo as seguintes: I - receber, examinar e encaminhar denúncias, reclamações, elogios e sugestões referentes a procedimentos e ações de agentes e órgãos, no âmbito do Ministério, das unidades descentralizadas e das entidades a ele vinculada; II - coordenar, orientar, executar e controlar as atividades do Serviço de Informação ao Cidadão no âmbito do Ministério e das unidades descentralizadas; III - executar as atividades de ouvidoria previstas no art. 13 da Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017; IV - propor ações e sugerir prioridades nas atividades de ouvidoria de sua área de competência; V - informar ao órgão central do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo federal a respeito do acompanhamento e da avaliação dos programas e dos projetos de atividades de ouvidoria; VI - organizar e divulgar informações sobre atividades de ouvidoria e procedimentos operacionais; VII - processar as informações obtidas por meio das manifestações recebidas e das pesquisas de satisfação realizadas com a finalidade de avaliar os serviços públicos prestados, em especial sobre o cumprimento dos compromissos e dos padrões de qualidade de atendimento da Carta de Serviços ao Usuário, de que trata o art. 7º da Lei nº 13.460, de 2017; VIII - produzir e analisar dados e informações sobre as atividades de ouvidoria, para subsidiar recomendações e propostas de medidas para aprimorar a prestação de serviços públicos e para corrigir falhas; IX - exercer as atribuições estabelecidas no art. 40 da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, e no art. 67 do Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012, subordinando-se diretamente ao Ministro de Estado. É de se observar que tais competências já diferem das estabelecidas para a antiga Ouvidoria-Geral da Previdência Social em alguns aspectos, especialmente no que diz respeito à omissão dos termos referentes à imparcialidade e transparência, além da explícita subordinação direta do órgão ao Ministro de Estado. É notável também que as competências deste órgão são mais genéricas, visto que não são referentes apenas aos serviços prestados pela Previdência Social, mas a estes e a todos os outros do âmbito do Ministério da Economia. Retomando a Portaria n° 1.142/2019, no que diz respeito às atividades de ouvidoria, o seu art. 2° considera-as como sendo as de tratamento das manifestações de ouvidoria, das solicitações de simplificação de serviços públicos e dos pedidos de acesso à informação. Cada uma das atividades referidas é orientada, respectivamente, pelos capítulos III, IV e V da Portaria retromencionada. Para impulsionar essas suas atividades, a Ouvidoria recebe as manifestações através do sistema de ouvidoria vigente (ou Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão - e-SIC, em casos de pedidos de informações), por correspondência física dirigida à Ouvidoria 41 do Ministério da Economia, por central de atendimento ou presencialmente, por meio de comparecimento do interessado às dependências da Ouvidoria do Ministério, em Brasília. Podem estas manifestações ser sugestões, elogios, reclamações, denúncias (manifestações sobre condutas supostamente ilegais ou criminosas envolvendo agentes públicos ou segurados e beneficiários do Seguro Social) e solicitações diversas, sejam estas 78 referentes a informações, esclarecimentos ou dúvidas. Apesar de a Portaria n° 1.142/2019, específica para a Ouvidoria do Ministério da Economia, fazer a distinção entre as manifestações de ouvidoria, as solicitações de simplificação de serviço público (denominada Simplifique!) e o Serviço de Informações ao Cidadão (SIC), as análises feitas por tal Ouvidoria, no geral, seguem as determinações do Capítulo II da Instrução Normativa n° 5, de 18 de junho de 2018, da Ouvidoria-Geral da 79 União . Esta IN orienta a atuação das ouvidorias públicas federais quanto ao recebimento, análise e resposta das manifestações. Tal capítulo prevê a obrigatoriedade de recebimento de todas as manifestações formuladas perante as unidades de ouvidoria, a gratuidade dos procedimentos necessários ao cadastro destas manifestações e a vedação de quaisquer exigências acerca dos motivos determinantes das manifestações. Até mesmo é previsto que apenas poderá ser exigida a certificação da identidade do usuário quando a resposta dada pela ouvidoria implicar o acesso a informação pessoal própria ou de terceiros. As respostas às manifestações deverão ser feitas em linguagem clara, objetiva, simples e compreensível, no prazo de trinta dias contados do recebimento na ouvidoria, podendo ser prorrogado por igual período, desde que haja justificativa expressa para tanto. Uma vez recebida a manifestação, a ouvidoria deve fazer uma análise prévia e solicitar a complementação ao usuário caso as informações prestadas sejam insuficientes. Este pedido de complementação interrompe o prazo que a ouvidoria tem para fornecer a resposta. E, não sendo atendido o para complementar a manifestação, esta será arquivada sem produção de resposta conclusiva. 78 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Relatório de atividades: Coordenação-Geral da Ouvidoria Previdenciária – exercício 2017, p. 7. Disponível em: . Acesso em: 08/03/2020. 79 BRASIL. Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União/Ouvidoria-Geral da União. Instrução Normativa n° 5, de 18 de junho de 2018. Estabelece orientações para a atuação das unidades de ouvidoria do Poder Executivo federal para o exercício das competências definidas pelos capítulos III e IV da Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017. Disponível em: . Acesso em: 09/03/2020. 42 Outros motivos que ensejam o encerramento da manifestação, sem resposta conclusiva, são os elencados no § 7°, do art. 11, da IN n° 5/2018 aqui tratada, os quais se referem ao descumprimento, por parte do autor, dos deveres de: “I - expor os fatos conforme a verdade; II - proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé; III - não agir de modo temerário; ou IV - prestar as informações que lhe forem solicitadas para o esclarecimento dos fatos”. O elogio recebido deverá ser encaminhado diretamente ao agente público que atendeu o usuário ou ao responsável pela prestação do serviço público, bem como à sua chefia imediata, sendo a resposta conclusiva a informação sobre o próprio encaminhamento e a cientificação de quem recebeu. A reclamação quando recebida deverá ser encaminhada à autoridade responsável pelo atendimento ou prestação do serviço público e ter, em sua resposta conclusiva, informação objetiva sobre o fato apontado. Da mesma maneira, deverá a sugestão ser encaminhada à autoridade responsável, mas esta deverá responder informando sobre a possibilidade ou não de ser adotada a medida sugerida. Quanto à denúncia, ela será conhecida se contiver elementos mínimos descritivos da irregularidade apontada ou indícios que permitam à Administração Pública chegar a tais elementos. A resposta conclusiva para este tipo de manifestação deve informar sobre o seu encaminhamento aos órgãos apuratórios competentes e sobre os procedimentos a serem adotados ou, se for o caso não conter elementos mínimos para a apuração, acerca do seu arquivamento. Por fim, a ouvidoria pode receber e coletar informações junto aos usuários para avaliar a prestação dos serviços públicos prestados e, assim, auxiliar na detecção e correção de irregularidades. Não sendo estas informações identificadas ou configuradas como manifestações, elas não geram para a ouvidoria a obrigação de dar uma resposta conclusiva. Se as informações por esta via coletadas constituírem comunicações de irregularidade, as mesmas deverão ser enviadas ao órgão ou entidade competente para sua apuração, o qual, por sua vez, deverá instaurar procedimento investigatório preliminar (sem caráter punitivo), desde que haja elementos suficientes para isto. Basicamente, essa é a forma como são tratadas as manifestações dos usuários pelas unidades de ouvidoria ligadas aos serviços públicos prestados pelo Poder Executivo Federal, sendo estas regras aplicadas à Ouvidoria em estudo. 43 4.3 ALGUNS DESAFIOS DA OUVIDORIA NA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA À LUZ DO CONTROLE SOCIAL Diante das informações sobre como as normativas legais correspondentes vêm determinando o desempenho das atividades da ouvidoria competente por promover a aproximação da sociedade com a Previdência Social, é possível identificar alguns desafios os quais se mostram como óbices à efetivação do controle social por esta via. O primeiro desafio identificado é relacionado à falta de transparência que existe quanto às próprias normas de funcionamento e estruturação da Ouvidoria do Ministério da Economia enquanto responsável pelas atividades de ouvidoria relativas à Previdência Social. Os sítios eletrônicos do governo, em especial os do INSS e do Ministério da Economia, estão atualmente com informações desatualizadas, desde o ano de 2017, e incompletas quanto à ouvidoria em questão e às legislações em vigor que servem para reger sua atuação. Ora, o órgão que tem a função de, através da transparência, promover a participação e o controle social deve ser o primeiro a dar exemplo de organização e sistematização de informações atuais em seus meios de comunicação oficiais. Afinal, o acesso à informação envolve mais do que o simples atendimento a solicitações específicas feitas pelos cidadãos, devendo abarcar também a prestação ativa, independente de provocação, de forma objetiva e clara. Isso se justifica pelo fato de que “a previsão da máxima publicidade impõe aos órgãos públicos proatividade na divulgação da informação que detêm em virtude da atividade que executam. Ao ter esse comportamento proativo, os órgãos contribuem para promover maior 80 controle da sociedade sobre a gestão da coisa pública”. Cumpre ressaltar que além da máxima publicidade, o conceito de transparência também envolve o elemento da utilidade para decisões, o qual consiste na relevância das informações, associada à confiabilidade das mesmas. Ou seja, para haver transparência, de 81 fato, é necessário que haja a garantia da veracidade do que é divulgado. 80 LESSA, Alessandra Siqueira. Transparência ativa: como os relatórios de ouvidoria podem orientar a comunicação institucional dos órgãos públicos? Revista científica da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (ABO), São Paulo, ano 1, n° 1, 2017/2018, p. 39. Disponível em: . Acesso em: 28/08/2019. 81 CONCEIÇÃO, Antonio Cesar Lima da. Controle social da Administração Pública: informação e conhecimento – interação necessária para a efetiva participação popular nos orçamentos públicos. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Orçamentos Públicos) – Instituto Serzedello Corrêa, Brasília/DF, 2010, p. 18. 44 Logo, a divulgação que ainda vem sendo feita pelo ente estatal das informações ultrapassadas, conforme observado, rompe com a ideia de transparência em sua totalidade e impõe obstáculo ao controle social, que, por sua vez, é intrinsecamente ligado ao acesso à informação. Conforme já tratado no primeiro capítulo desta monografia, o acesso à informação é de tamanha magnitude que foi alçado à categoria de princípio constitucional, sendo norteador de toda a atuação da Administração Pública. Diferentemente não poderia ser com relação a uma unidade de ouvidoria, que, como já abordado e discutido, tem função essencial ao controle social, o qual não tem como ser concebido de forma dissociada da garantia de acesso à informação. Destaca-se que, como é do caráter das ouvidorias públicas zelar pelos direitos humanos, o zelo pelo acesso à informação em prol da sociedade também deve ser prioridade para a Ouvidoria do Ministério da Economia. Pois, além de um direito humano, já é consenso que o direito à informação é também “um direito fundamental quando se trata de promover a 82 boa governança e combater a corrupção” . Outro desafio que pode ser elencado é quanto à falta de autonomia da Ouvidoria do Ministério da Economia, posto que o Ouvidor é indicado e nomeado pelo próprio Ministro, em cargo de livre exoneração, além de serem os servidores representantes da Secretaria de Previdência (enquanto integrante da RedeOuv-ME) indicados por esta para desempenharem as atividades de ouvidoria. Considerando que as ouvidorias possuem natureza de contrapoder (poder que visa moderar o próprio poder), é de extrema relevância garantir e preservar a sua autonomia, já que é contraditório o controlado definir quem será o seu controlador. Neste cenário, há grandes 83 chances de se chegar a configurar conflito de interesses. Sobre a importância da autonomia das ouvidorias públicas, expõem Zanella Júnior e Schmitt conforme segue: A autonomia das Ouvidorias Públicas nos remete à premente necessidade de conferir-se maior independência funcional a esses setores, para assim ampliarmos seu grau de eficiência dentro dos órgãos públicos e, igualmente, aumentar o grau de confiabilidade das Ouvidorias junto aos cidadãos, pois, assim, a população terá a 82 COMPARATO, Bruno Konder. Ouvidorias públicas como instrumentos para o fortalecimento da democracia participativa e para a valorização da cidadania. In: MENEZES, Ronald do Amaral; CARDOSO, Antonio Semeraro Rito (orgs.). Ouvidoria pública brasileira: reflexões, avanços e desafios. Brasília: Ipea, 2016, p. 47. 83 CARDOSO, Antonio S. R.; LIMA NETO, Fernando C.; ALCANTARA, Elton L. da C. Ouvidoria pública e governança democrática. Boletim de Análise Político-Institucional/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasília, n. 1, 2011, p. 51. Disponível em: . Acesso em: 02/03/2020. 45 garantia de que seus direitos e manifestações serão devidamente resguardados por 84 uma Ouvidoria imparcial e com autonomia suficiente dentro de sua instituição. O fato de serem, no caso em análise, o Ouvidor e os representantes referenciados indicados pelos órgãos a quem eles mesmos estão se dispondo a fiscalizar evidencia uma intensa contradição tendo em vista a função de promover o controle social inerente às ouvidorias públicas. Até mesmo porque pode haver casos extremos em que o ouvidor público será obrigado a denunciar a própria instituição a que ele está vinculado ou mesmo o agente público responsável por exonerá-lo a qualquer tempo. Acontece que boa parte dos ouvidores no âmbito da Administração Pública brasileira ainda são escolhidos por indicação do gestor do órgão ou entidade que deverá por aquele ser fiscalizado. Porém, a forma de garantir a autonomia necessária às ouvidorias públicas é através da garantia de mandato do ouvidor por período previamente determinado, bem como de sua investidura no cargo ocorrer por meio de eleição. Com este mesmo entendimento, Rubens Pinto Lyra se posiciona da seguinte maneira: Nessas condições, fica evidente a necessidade de autonomia da ouvidoria pública, que se traduz em mandato e escolha do seu titular por um colegiado independente do gesto, com a participação da sociedade. Em uma palavra, a autonomia do ouvidor público é indispensável para que ele possa, com independência, contribuir para o 85 respeito, por parte do gestor, à legalidade e aos princípios republicanos. Portanto, a forma de escolha dos representantes à ouvidoria que figura como objeto do presente estudo por si só já denota uma dificuldade à efetivação do controle social a ser realizado, em tese, por este meio de participação social. De todo modo, é possível verificar ainda que, a despeito de já existir uma subordinação da Ouvidoria ao Ministério ao qual ela está vinculada somente pela forma de investidura no cargo de ouvidor, esta subordinação é reforçada no texto do inciso IX, do art. 17, do Decreto n° 9.745/2019, já transcrito anteriormente. O inciso em questão determina como competência da Ouvidoria exercer determinadas atribuições e ressalta que este exercício deve ser subordinado diretamente ao Ministro de Estado. 84 ZANELLA JÚNIOR, Vitor; SCHMITT, Vanessa Fernanda. Ouvidorias públicas municipais: instrumento de participação popular na gestão dos serviços de saneamento básico. Revista científica da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (ABO), São Paulo, ano 1, n° 1, 2017/2018, p. 22. Disponível em: . Acesso em: 28/08/2019. 85 LYRA, Rubens Pinto. Ouvidorias públicas e privadas: análise comparativa. In: CARDOSO, Antonio Semeraro Rito; LYRA, Rubens Pinto (org.). Novas modalidades de ouvidorias pública no Brasil. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011, p. 24. 46 Resta, então, neste ponto, duplamente evidenciado o desafio que pode vir a diminuir o potencial de efetivar o controle social o qual seria inerente à RedeOuv-ME. Inclusive, é importante ressaltar que mesmo as alterações ocorridas em sequência na definição dos Ministérios e órgãos da Presidência da República nos últimos anos podem ter tido consequências negativas ao controle social realizado pelas ouvidorias. Tome-se como exemplo o próprio caso da Previdência Social, que antes possuía status de Ministério, o que lhe permitia maior autonomia financeira e orçamentária até mesmo para gerir a sua unidade de ouvidoria. Passando a se fazer presente no governo apenas como Secretaria, subordinada a outro Ministério (qual seja, o da Economia), é fato que houve perda considerável desta autonomia, bem como da relativa independência que possuía. O terceiro desafio a ser abordado foi levantado no artigo “A importância da ouvidoria 86 para o serviço público: o caso da Previdência Social” , cujas informações foram consideradas em parte nesta pesquisa, pois ele trata de situação anterior às modificações ocorridas nas organizações dos Ministérios a partir do ano de 2016. O desafio em questão envolve a resistência por parte de alguns servidores da Previdência Social em responder às manifestações encaminhadas pela Ouvidoria, aliada à falta de normas que prevejam a aplicação de sanções por este não atendimento. A referida resistência em aceitar as manifestações é preocupante, posto que “o servidor deve entender que o ouvidor não cria demanda para as áreas responsáveis pelas respostas, essas demandas são oriundas, muitas vezes, da insatisfação do usuário com o 87 serviço que lhe é prestado” . E é justamente o repasse desta insatisfação com a prestação dos serviços que garante a efetivação do controle social no caso. Apesar de o artigo utilizado fazer referência a um momento anterior, em que o órgão responsável pela atividade de ouvidoria no âmbito da Previdência Social ainda era a Ouvidoria-Geral da Previdência Social, se trata de uma situação que ainda é plenamente possível que esteja ocorrendo. Pois, ainda não existe normatização para sancionar de alguma forma os setores da Previdência Social que não atenderem ou responderem às demandas encaminhadas pela Ouvidoria. 86 BARRETO, Francisco Assis Santos Mano; ALVES FILHO, Garibaldi. A importância da ouvidoria para o serviço público: o caso da Previdência Social. In: MENEZES, Ronald do Amaral; CARDOSO, Antonio Semeraro Rito (orgs.). Ouvidoria pública brasileira: reflexões, avanços e desafios. Brasília: Ipea, 2016, p. 153- 162. 87 BARRETO, Francisco Assis Santos Mano; ALVES FILHO, Garibaldi. ibidem, p. 160. 47 Nada obstante já ter havido evolução no sentido de serem estabelecidos prazos para a Ouvidoria responder às manifestações dos usuários, o descumprimento de tais prazos não acarreta qualquer punição para os agentes públicos ou setores da Administração. Não havendo retorno por parte do Poder Público, por intermédio da ouvidoria, ao cidadão, não se encontra efetivado devidamente o controle social e não é possível verificar melhora na prestação dos serviços públicos por esta via de atuação. Logo, a ouvidoria não cumpre a sua função precípua e finda sob risco de atuar como elemento figurativo dentro da estrutura pública, de modo a haver desvio do interesse público, cuja supremacia é tida como máxima a imperar em toda a Administração Pública. 48 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Administração Pública desempenha atividades essenciais ao desenvolvimento da sociedade, representando os interesses desta. Interesses estes que são formados pela soma dos interesses de cada indivíduo, tomados em sua dimensão coletiva. Assim, se forma o chamado interesse público, que se configura no norteador maior da atuação do Estado, com base no pacto celebrado entre ele e a população. É nisso que se baseia o ideal de coisa pública, que é do povo para o povo. Levando isso em consideração, o presente trabalho explorou definições de interesse público, tomando por base o seu entendimento no contexto do modelo de Estado Pós-Social, e ressaltou desdobramentos deste importante e essencial conceito para a orientação do Poder Público. Verificou-se que, como entidade cujas funções são desempenhadas por pessoas físicas, o Estado necessita ser constantemente controlado, para que não se desvie do seu objetivo maior de atender ao interesse do todo. Dentre as formas de controle das atividades administrativas, aqui foi destacado o exercido pela sociedade, que diretamente intervém na Administração Pública de modo a fazer valer sua cidadania, determinando quais devem ser as prioridades dos gestores públicos. O controle social tem ampla legitimação na Constituição Federal de 1988, promulgada no contexto das acaloradas discussões sobre a participação social nos processos decisórios administrativos. Assim, foram apontadas diversas disposições constitucionais que indicam as vias para esta participação, sendo explorada a importância do acesso à informação para que os cidadãos possam se apropriar do que acontece no âmbito do Poder Público e, dessa forma, efetivar o controle social. Como uma das vias para promover o controle em questão evidenciado, a CF/88 traz previsão acerca da instituição de órgão para o qual a população deve direcionar um retorno sobre os serviços públicos a que se teve acesso. Por esta razão, foram criadas as ouvidorias públicas. Nesta monografia, foi explorado o conceito de ouvidoria pública a partir de um breve histórico da instituição no Brasil. Foi abordado seu papel de promoção da aproximação da sociedade à Administração, com destaque para as suas funções básicas de mediar as relações entre os envolvidos, de promover o acesso à informação de maneira ampla e de sugerir as 49 alterações necessárias ao ente prestador de serviço público com base nas manifestações dos usuários. Observou-se, portanto, uma grande contribuição das ouvidorias públicas à efetivação do controle social, surgidas como referência à figura do ombudsman, caracterizadas como defensoras do povo e dos direitos humanos e propulsoras dos processos de accountability, enquanto responsabilização dos representantes públicos. Após toda a abordagem mais genérica envolvida neste trabalho, passou-se à análise específica da unidade de ouvidoria responsável por tratar as demandas relacionadas à Previdência Social. Com este intuito, foi exposto o histórico das normativas regentes de tal Ouvidoria, desde a sua instituição no ano de 1998 até os dias atuais. Foi possível identificar diversos momentos dessa unidade de ouvidoria, que a princípio era vinculada ao Ministério da Previdência Social e denominada Ouvidoria-Geral da Previdência Social. Depois, passou por outros Ministérios sob a forma de Coordenação-Geral da Ouvidoria Previdenciária e hoje se encontra sob a responsabilidade do Ministério da Economia, englobada nas competências da Rede de Ouvidoria deste Ministério, a RedeOuv-ME. Apesar de tantas mudanças ocorridas, todas em um período de pouco mais de três anos, a sistematização e a transparência das normas jurídicas que as orientaram não tem se dado de forma tão eficiente, o que dificultou a elaboração dessa seção do presente trabalho e acaba dificultando o controle social até mesmo da própria Ouvidoria. Esta questão foi apontada como um dos desafios a serem superados pela RedeOuv-Me enquanto entidade encarregada de promover o acesso à informação. Uma vez entendida a trajetória legal que trouxe até o quadro atual da unidade de ouvidoria da Previdência Social, houve a explicação de como ela funciona e se organiza e quais as suas competências, principalmente com base no Decreto n° 9.745/2019, na Instrução Normativa n° 5/2018 da Ouvidoria-Geral da União e na Portaria n° 1.142/2019 da Secretaria Executiva do Ministério da Economia. A partir do desenho da estrutura da Rede de Ouvidoria do Ministério da Economia, foi possível identificar a falta de autonomia como mais um dos desafios à efetivação do controle social pela unidade de ouvidoria analisada. Pode ser identificada a referida ausência de autonomia tanto pela forma de indicação e nomeação dos seus agentes como pela subordinação expressa das atividades da Ouvidoria ao Ministro de Estado. Por fim, com base em artigo elaborado por quem vivenciou a realidade da Ouvidoria Pública da Previdência Social, foi elencado ainda como desafio um aspecto prático decorrente 50 das atividades de ouvidoria, qual seja a resistência por parte da própria Administração Pública em responder e atender às manifestações e sugestões trazidas pelo órgão ouvidor. Aliado ao fato de que não há prescrição normativa para aplicar de punição a este tipo de comportamento (o que dificulta ainda mais a cobrança por respostas), quebra-se a cadeia desenvolvida para erigir o instituto da ouvidoria pública como ferramenta para o desempenho do controle social do Poder Público. Portanto, é possível afirmar que, apesar de todo seu fundamento teórico embasado na promoção da cidadania e no fortalecimento da democracia participativa, a Ouvidoria ligada à Previdência Social não possui, atualmente, os meios práticos para efetivar o controle social da forma completa e genuína como se almejou na elaboração da Constituição Cidadã, de 1988. 51 REFERÊNCIAS ABRUCIO, L. F.; LOUREIRO, M. R. Finanças públicas, democracia e accountability. In: BIDERMAN, Ciro; ARVATE, Paulo (org.). Economia no setor público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência, por uma Nova Hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001. BRASIL. Decreto n° 8.243, de 23 de maio de 2014 (revogado). Institui a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS, e dá outras providências. Disponível em: . 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