UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ALYSSON ANDRÉ RÉGIS OLIVEIRA AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS NOS EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOSDA CIDADE DE JOÃO PESSOA, PB: SENTIDOS E SIGNIFICADOS SOB A PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO HUMANA PARA A EMANCIPAÇÃO Natal – RN 2016 ALYSSON ANDRÉ RÉGIS OLIVEIRA AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS NOS EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS DA CIDADE DE JOÃO PESSOA,PB: SENTIDOS E SIGNIFICADOS SOB A PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO HUMANA PARA A EMANCIPAÇÃO Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do grau de Doutor em Educação. Área de Concentração: Educação, Estudos Sociohistóricos e Filosóficos. Orientadora: Drª. Marlúcia Menezes de Paiva Natal – RN 2016 Oliveira, Alysson André Régis. As práticas socioeducativas nos empreendimentos econômicos solidários da cidade de João Pessoa, PB: sentidos e significados sob a perspectiva da formação humana para a emancipação / Alysson André Régis Oliveira. - Natal, 2016. 252f: il. Orientador: Profa. Dra. Marlúcia Menezes de Paiva. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação. 1. Movimento de Economia Solidária – Tese. 2. Empreendimentos Econômicos Solidários – Tese. 3. Educação Emancipatória – Tese. 4. Práticas Socioeducativas - Tese. 5. Formação Humana - Tese. I. Paiva, Marlúcia Menezes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 330.87:37 ALYSSON ANDRÉ RÉGIS OLIVEIRA AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS NOS EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS DA CIDADE DE JOÃO PESSOA,PB: SENTIDOS E SIGNIFICADOS SOB A PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO HUMANA PARA A EMANCIPAÇÃO Tese aprovada em: 19 de agosto de 2016 BANCA EXAMINADORA ___________________________________________ Professora Drª. Marlúcia Menezes de Paiva (Orientadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte ___________________________________________ Professora Drª. Tânia Maria de Andrade (Examinadora Externa) Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba ___________________________________________ Professor Dr. José Mateus do Nascimento (Examinador Externo) Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte ___________________________________________ Professora Drª. Rosângela Alves de Oliveira (Examinadora Interna) Universidade Federal do Rio Grande do Norte ___________________________________________ Professora Drª. Íris Mariade Oliveira (Examinadora Interna) Universidade Federal do Rio Grande do Norte ___________________________________________ Professor Dr. José Washington de Morais Medeiros(Examinador Externo) Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba ___________________________________________ Professora Drª. Olívia Morais de Medeiros Neta (Examinadora Interna) Universidade Federal do Rio Grande do Norte Oferto esta reflexão a todos os Empreendimentos Econômicos Solidários que se dedicam a construir outra forma de fazer economia, sempre na esperança em centralizar o ser humano no processo produtivo. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus pelo dom da vida e pela oportunidade do acesso ao saber durante todos esses anos, um verdadeiro privilégio ainda nos dias atuais. Meus mais puros agradecimentos a minha avó Elita, por tamanho esforço e exemplo vivo de construção de sonhos e pela força ao encarar as dificuldades advindas pela vida. A minha querida mãe Elizabeth (a nossa Betinha), pelo intenso apoio e pelas ingênuas, mas sábias palavras, nos meus diversos momentos de conflitos, desencontros e reencontros na vida. A minha única e predileta irmã Raiane, que através do seu silêncio, atua em minha vida de uma forma bastante gritante (marcante). As minhas tias, Eliane,Edlene e Elaine, pessoas muito importantes em minha vida, pela presença firme em meus momentos de olhar para o horizonte. A Nyellisonn Nóbrega, meu Nando, pelo seu sorriso largo que me abrigou e me fez encontrar um verdadeiro oásis no recôndito de sua alma. A minha querida orientadora Marlúcia Menezes de Paiva, pelo compartilhamento do seu saber e pelos momentos de grande atenção, confiança e partilha da vida. Uma pessoa linda, que tive a oportunidade de descobrir no cotidiano acadêmico e pessoal. Ao IFPB, pela sensível iniciativa de firmar este convênio junto ao PPGED/UFRN, sinal de valorização humana junto aos seus docentes. Aos professores e amigos do PPGED/UFRN, pessoas com dons valiosos, pela construção do conhecimento e pela experiência compartilhada. Agradeço, aos meus amigos, que com suas palavras, amenizaram a minha variância de sentimentos no decorrer do doutorado. Em especial, aos colegas que constituíram o grupo do convênio(Conceição, Rafael, Cleomar, Thadeu, Márcio, Emmanuelle, Ana, Zoraida e Evaldo) e proporcionaram grandes e intensas vivências nas estradas entre João Pessoa/ Natal/João Pessoa. Ao meu amigo-irmão Edinaldo, por todo apoio e orientação na trajetória da pesquisa. Você foi um verdadeiro anjo que Deus colocou em minha vida. Aprendi muito em nossas conversas. Minha tese não seria a mesma sem seu olhar e vivência do Movimento de Economia Solidária. Agradeço, aos professores examinadores presentes em minha banca, pela entrega e pela prontidão em se fazerem presentes e poderem contribuir, a partir de suas vivências, neste momento, ainda, de construção. Aos Empreendimentos Econômicos Solidários pesquisados, em nome de cada uma de suas mulheres e homens, pelo apoio e abertura para a realização deste estudo, que acreditaram em sua importância. Amadureci o sentido de SOLIDARIEDADE mediante os diálogos realizados. Ao Fórum Estadual de Economia Solidária, em especial, nas pessoas de Lourdinha e Claudete, mulheres inspiradoras, que me acolheram como um verdadeiro filho, matando minha sede de informações. A todas as pessoas que fazem nosso grupo de pesquisa, pelo acolhimento e inspiração. Em cada encontro, percebi o verdadeiro sentido do trabalho coletivo, da construção de um saber onde é valorizada a experiência pessoal. Aos meus colegas de doutorado (linha de pesquisa), especialmente Delcineide, Gilson, Ana Zélia e Flávio, por dividirem comigo suas vivência durante nossa trajetória acadêmica. À querida Olívia que, em muitos momentos, colaborou, de forma sensível, na construção deste trabalho. Ainda, meus agradecimentos se estendem a Aretha, Alexandra, Jucyara e Juliana que me ajudaram nas transcrições de minhas entrevistas. Pessoas que possuem uma genuína essência solidária. Não poderia deixar de agradecer à Pia Sociedade de Pe. Nicola Mazza, por toda contribuição que fizeram em minha comunidade e por terem me dado tantas oportunidades. Por onde passarei, sempre levarei comigo os princípios mazzianos, pois já estão enraizados em meu ser. Aos meus amigos e colegas que presenciaram desde a minha aprovação no vestibular até o meu real desejo pela obtenção do título de Doutor. A todas as pessoas que não pude mencionar, mas que de alguma forma me ajudaram na realização deste sonho. ―Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão‖. […] ―Somente quando os oprimidos descobrem o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua ‗convivência‘ com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis‖. Paulo Freire. Pedagogia do Oprimido (1985) OLIVEIRA, Alysson André Régis. AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS NOS EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS DA CIDADE DE JOÃO PESSOA, PB: sentidos e significados sob a perspectiva da formação humana para a emancipação. 2016. 252 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016. RESUMO O objetivo desta tese foi analisar as práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) na cidade de João Pessoa, PB, seus sentidos e significados, indagando sobre seu caráter emancipatório, partindo do pressuposto de que o processo educativo na economia solidária seja capaz de criar novos significados e orientações políticas estratégicas, buscando ir além da própria esfera econômica, alcançando campos cada vez mais amplos da política e da cultura. Nesta tese, para a discussão da emancipação e seus elementos norteadores, deu-se destaque a intelectuais que têm a educação como objeto de suas preocupações filosóficas. Assim, nos apropriamos, principalmente, das ideias do italiano Antônio Gramsci e do brasileiro Paulo Freire. A dimensão de estudo que abrigou esta tese foi o da História Social, voltada para uma história das massas ou para uma história dos grupos sociais, ou seja, o que haveria de relevante a ser estudado não era certamente a história dos grandes homens, ou mesmo a história política dos grandes Estados e das instituições, mas sim a história das relações entre os diversos grupos sociais presentes em uma sociedade, particularmente nas suas situações de conflito. Metodologicamente, o trabalho consistiu em um estudo de caso múltiplo com enfoque qualitativo, que visou a proporcionar, dentro do estágio cognitivo de conhecimento, um ato ou efeito de conhecer o objeto em estudo, descrevendo as características do fenômeno estudado e estabelecendo relações entre variáveis. A unidade social de análise compõe-se de cinco EES localizados na cidade de João Pessoa, Paraíba, tendo como objeto de estudo as suas práticas socioeducativas, seus sentidos e significados, destacando o caráter emancipatório. Os dados foram coletados por meio de documentos, grupos focais e entrevistas individuais semiestruturadas, gerando elementos indicadores por meio da análise qualitativa. Em relação às estratégias de tratamento dos dados, utilizamos a técnica descrita de Análise de Discurso, estabelecendo a relação existente no discurso entre língua/sujeito/história ou língua/ideologia. Convém ressaltarmos que a análise dos dados nos permitiu entender que as práticas socioeducativas nos EES devem ser enfatizadas como campo de atuação ante a construção de homens e mulheres que têm as necessidades de ser formados como seres humanos com dignidade, e não apenas máquina produtiva. Sendo assim, foi possível afirmarmos que a educação promove a aprendizagem de conhecimentos emancipatórios, que contribuam e possibilitem o indivíduo a agir conscientemente, engajando-se na luta por transformações das condições perversas, injustas e negadoras da dignidade humana. Em suma, isso nos permitiu concluir que, para este estudo específico, as práticas socioeducativas nos EES colaboram com a perspectiva da formação humana para a emancipação, considerando estes espaços não escolares como um celeiro de desenvolvimento ideológico contra- hegemônico. Palavras-chave: Movimento de Economia Solidária. Empreendimentos Econômicos Solidários. Educação Emancipatória.Práticas Socioeducativas. Formação Humana. OLIVEIRA, Alysson André Régis. THE SOCIO-EDUCATIONAL PRACTICES IN THE ECONOMIC SOLIDARY ENTERPRISES OF JOÃO PESSOA, PB:senses and meanings from the perspective of human development for the emancipation. 2016. 252 f. Thesis (doctoratedegree in Education) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016. ABSTRACT The objective of this thesis was to analyze the socio-educational practices in Solidary Economical Enterprises (SEE) in João Pessoa, PB, its senses and meanings, enquiring about its emancipatory character, on the assumption that the educational process in the solidary economy is be able to create new meanings and strategic policy directions, seeking to go beyond its own economic sphere, reaching broader fields in politics and culture. In this thesis, to the discussion of emancipation and its guiding elements, intellectuals who have education as the object of their philosophical concerns were highlighted. So, we appropriated, mainly, the Italian Antonio Gramsci‘s and the Brazilian Paulo Freire‘s ideas. The size of the study that harbored this thesis was the Social History, facing a history of crowds or a history of social groups, ie what would be relevant to be studied was certainly not the history of great men, or even the political history of the large states and institutions, but the history of the relations among the various social groups present in a society, particularly in their conflict situations. Methodologically, the work consisted of a multiple case study with qualitative approach that aimed to provide, within the cognitive stage of knowledge, an act or effect of knowing the object under study, describing the characteristic of the phenomenon studied and establishing relationships among variables. The social analysis unit consists of five SEE located in João Pessoa city, Paraíba, having as object of study their socio-educational practices, their senses and meanings, highlighting the emancipatory character. Data was collected through documents, focus groups and semi-structured individual interviews, generating display elements through qualitative analysis. Regarding the strategies of data treatment, we used the technique described as Discourse Analysis, establishing the relationship between the speech language / subject / story or language / ideology. It is worth pointing that the analysis of the data allowed us to understand that the social and educational practices in the SEE must be emphasized as playing field at the construction of men and women who have needs to be formed as human beings with dignity, not only as productive machines. Therefore, it was possible to affirm that education promote thelearning of emancipatory knowledge that contribute and enable the individual to consciously act, engaging in the struggle for transformation of perverse conditions, unfair and deniers human dignity. In short, it allowed us to conclude that, for this particular study, the socio-educational practices in the SEE collaborate with the perspective of human development for the emancipation considering these non-school spaces as an ideological development barn counterhegemonic. KEYWORDS: Solidarity Economy Movement.Economic Solidary Enterprises.EmancipatoryEducation.Socio-educational. Practices.HumanDevelopment. OLIVEIRA, Alysson André Régis.PRÁCTCAS SOCIOEDUCATIVAS EN LOS EMPRENDIMIENTOS ECONÓMICOSSOLIDARIOS DE LA CIUDAD DE JOÃO PESSOA, PB: sentidos y significados desde la perspectiva de la formaciónhumana para la emancipación. 2016. 252 f. Tesis (Doctorado en Educación) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal de 2016. RESUMEN El objetivo de esta tesis fue analizar las prácticas socio-educativas en los Empreendimentos Econômicos Solidários(EES) en la ciudad de João Pessoa, PB, sus sentidos y significados, cuestionando su carácter emancipador, partiendo de la suposición de que el proceso educativo en la economía solidaria sea capaz de crear nuevos significados y orientaciones políticas estratégicas, que tratan de ir más alláde la propia esfera económica, llegando a los campos cada vez más amplios de la política y de la cultura. En esta tesis, para la discusión de la emancipación y sus elementos comoguía, se le dio más destacado a los intelectuales que tienen la educación como el objeto de sus preocupaciones filosóficas. Por lo tanto, apropiado, especialmente las ideas del italiano Antonio Gramsci y el brasileño Paulo Freire. La dimensión del estudio que abrigó esta tesis fue la historia social, frente a una historia de las masas o una historia de los grupos sociales, es decir, lo que sería relevante para ser estudiado no fue ciertamente la historia de los grandes hombres, o incluso la historia política de los grandes Estados e instituciones, sino la historia de las relaciones entre los diversos grupos sociales presentes en una sociedad, en particular de sus situaciones de conflicto.Lametodologia consistió en un estudio de caso múltiplo con enfoque cualitativo con el objeto de proporcionar, dentro de la etapa cognitiva del conocimiento, un acto o efecto de conocer el objeto de estudio, que describe las características del fenómeno estudiado y estableciendo relaciones entre variables. La unidad social de análisis consiste en cinco EES ubicados en la ciudad de João Pessoa, Paraíba, con el objeto de estudio de sus prácticas socio-educativas, sus sentidos y significados, destacando el carácteremancipatorio. Los datos fueron recolectados por medio de documentos, grupos focales y entrevistas individuales semi-estructuradas, generando elementos indicadores a través del análisis cualitativo. Con respecto a las estrategias de tratamiento de datos, se utiliza la técnica descrita Análisis del Discurso, estableciendo la relación entre el habla y del lenguaje / sujeto / historia o lengua / ideología. Conviene hacer hincapié en que el análisis de datos nos permitió entender que las actitudes sociales y educativas en la EEE hay que destacar que el campo de juego antes de la construcción de hombres y mujeres que tienen las necesidades de formarse como seres humanos con dignidad, y no sólo la máquina productiva. Por lo tanto, fue posible afirmar que la educación promueve el aprendizaje de los conocimientos emancipadores que contribuyan y posibiliten el individuo actuar conscientemente participando en la lucha por lastransformaciones de las malas condiciones, injustas y que niegan la dignidad humana. En resumen, nos permitió concluir que, para este estudio en particular, las actitudes socio-educativas en EES colaboran con la perspectiva de la formación humana para la emancipación, considerando estos espacios no escolares como un granero / establo del desarrollo ideológico en oposición a la hegemonia. Palabras-clave: Movimiento de la Economia Solidaria. EmprendimientosEconómicosSolidarios .Educación Emancipacipada. Prácticas socioeducativas. Formación humana. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Modelo Analítico da Pesquisa .............................................................................. 30 Figura 2: Paraíba – Mesorregiões, Microrregiões e seus principais municípios ................. 131 Figura 3: Movimento de Economia Solidárias em rede ....................................................... 152 LISTA DE FOTOS Foto1: Exposição em Feiras de Artesanato ...................................................................... 134 Foto 2: Formação Humana ............................................................................................... 134 Foto 3: Curso de Corte e Costura ...................................................................................... 134 Foto 4: Produção de Peças ................................................................................................ 134 Foto 5: Formação Profissional .......................................................................................... 135 Foto 6:Desfile em feiras ................................................................................................... 135 Foto 7: Grupo de Produção Cozinha Verde ...................................................................... 136 Foto 8: Formação Técnica ............................................................................................... 136 Foto 9: Participação em Eventos ..................................................................................... 136 Foto 10: Ação na Comunidade .......................................................................................... 136 Foto 11: Produtos elaborados pelo grupo de produção ..................................................... 138 Foto 12: Produção coletiva ................................................................................................ 138 Foto 13: Formação profissional ......................................................................................... 138 Foto 14: Aprendizagem técnica do Macramê ................................................................... 139 Foto 15: Grupo de Produção Criatividade Mil .................................................................. 139 Foto 16: Mostra dos produtos em feiras ............................................................................ 140 Foto 17: Formação técnica ................................................................................................ 140 Foto 18: Produtos: Bonecas de pano ................................................................................. 142 Foto 19: Curso de formação de panificação ...................................................................... 142 Foto 20: Processo produtivo da padaria ............................................................................ 142 Foto 21: Oficina Prática .................................................................................................... 142 Foto 22: Aprendizagem Econômica .................................................................................. 142 Foto 23: Pães Artesanais ................................................................................................... 142 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Síntese e histórico da Economia Solidária no Brasil .............................. 67 Quadro 2: Agentes promotores das formações ........................................................ 143 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Situação dos EES Base 2005-2007 ........................................................ 88 LISTA DE SIGLAS AD – Análise de Discurso AMAZONA – Associação de Prevenção à AIDS CODEFAT – Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador DED – Departamento de Estudos e Divulgação DESSAN – Diretoria de Trabalho, Renda e Economia Solidária e Segurança Alimentar EES – Empreendimento Econômico Solidário ES – Economia Solidária ESSOR – Association de Solidarité Internationale FBES – Fórum Brasileiro de Economia Solidária FSM – Fórum Social Mundial IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IFPB – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba INBUBES – Incubadora de Empreendimentos Solidários da UFPB INCUTES – Incubadora Tecnológica de Economia Solidária do IFPB LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação e Cultura MES – Movimento de Economia Solidária MDS – Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome MTE – Ministério do Trabalho e Emprego ONG – Organização Não Governamental PBL – Projeto Beira da Linha PNQ – Plano Nacional de Qualificação REMAR – Rede Margaridas Pró-Crianças e Adolescentes da Paraíba SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária SIES – Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária SPPE – Secretaria de Políticas Públicas de Emprego UIP – Unidade de Inclusão Produtiva SUMÁRIO 1 TECENDO SOBRE O TEMA DA PESQUISA ..................................................................... 15 1.1 PRIMEIRAS PALAVRAS... PRIMEIROS PASSOS ................................................................ 15 1.2 O MOMENTO ATUAL: CONCEPÇÕES, ESSÊNCIA E MOVIMENTOS ............................. 20 1.3 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA: a escolha a partir de tantos caminhos .............................. 26 1.4 CAMINHOS A SEREM SEGUIDOS ........................................................................................ 33 2 O MOVIMENTO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA ENQUANTO ALTERNATIVA FRENTE AO CENÁRIO DE EXCLUSÃO SOCIAL ........................................................... 35 2.1 A SOCIEDADE EXCLUDENTE: ALGUNS ASPECTOS CENTRAIS ................................... 35 2.1.1 Bases Históricas do Quadro de Exclusão no Brasil ............................................................... 40 2.1.2 O Contexto Excludente: qual a percepção dos indivíduos envolvidos nos Empreendimentos Econômicos Solidários sobre esta realidade?.......................................... 49 2.1.2.1 Um olhar sobre a Sociedade Excludente ..................................................................................... 49 2.1.2.2 Contexto Excludente: principais relatos destas vivências .......................................................... 54 2.2 A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O CONCEITO DE MOVIMENTOS SOCIAIS ....................... 58 2.3 A EMERGÊNCIA DE UMA ECONOMIA SOLIDÁRIA ......................................................... 60 2.3.1 A Reconstituição Histórica: advento e evolução da economia solidária ............................... 64 2.3.2 ES e suas Bases Conceituais: um campo teórico em construção ........................................... 71 2.3.3 A Economia Solidária e seus princípios norteadores ............................................................. 78 2.3.4 Os Empreendimentos Econômicos Solidários: uma alternativa concreta frente ao cenário de exclusão social ......................................................................................................... 82 2.3.4.1 Mapeamento dos EES no Brasil: breve consideração desse cenário ......................................... 87 3 O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUAS DIRETRIZES EDUCATIVAS ........................................................................................................................... 91 3.1 OS EES ENQUANTO ESPAÇO NÃO ESCOLAR: uma análise contributiva à construção do contexto educativo não formal .................................................................................................... 91 3.2 A EMANCIPAÇÃO COMO ESSÊNCIA DO PRINCÍPIO EDUCATIVO ............................... 101 3.2.1 Práxis: a conscientização para a ação ..................................................................................... 113 3.3 A ESSENCIALIDADE DA EMANCIPAÇÃO: sentidos e significados para além do plano econômico-estrutural ................................................................................................................... 118 3.3.1 Aprendizagem Política .............................................................................................................. 121 3.3.2 Aprendizagem Cultural ............................................................................................................ 123 4 AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS NOS EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS DA CIDADE DE JOÃO PESSOA, PB: SENTIDOS E SIGNIFICADOS SOB A PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO HUMANA PARA A EMANCIPAÇÃO..................................................................................................................... 130 4.1 O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA EM JOÃO PESSOA, PB: UM BREVE CONTEXTO DESTE CENÁRIO ............................................................................................... 130 4.2 DESCRIÇÃO DOS EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS ESTUDADOS NA PESQUISA ........................................................................................................................... 132 4.2.1 Mulheres da Beira da Linha .................................................................................................... 132 4.2.2 Cozinha Verde ........................................................................................................................... 135 4.2.3 Arte em Nós ............................................................................................................................... 137 4.2.4 Criatividade Mil ........................................................................................................................ 138 4.2.5 Padaria Comunitária da Comunidade São Rafael ................................................................. 140 4.3 PARCEIROS DAS FORMAÇÕES: VERDADEIROS ALIADOS DO ITINERÁRIO EDUCATIVO .............................................................................................................................. 143 4.3.1 Os principais agentes formadores junto ao itinerário educativo: qual a importância dessa relação? ............................................................................................................................ 143 4.3.2 Fator de Aprendizagem das Formações: em busca de um saber para a vida.............................................................................................................................................. 153 4.4 O ITINERÁRIO EDUCATIVO DOS EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS: ENTRE O ECONÔMICO, O POLÍTICO E OCULTURAL ....................................................................................................................................................... 166 4.4.1 Aprendizagem Econômica: por uma riqueza imaterial ......................................................... 166 4.4.2 Aprendizagem Política: por uma atuação para além das fronteiras do Empreendimento Econômico Solidário .................................................................................................................. 178 4.4.3 Aprendizagem Cultural: em busca de uma cultura da solidariedade ................................. 190 4.5 AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS DOS EES: UMA COMPLEXA CONSTRUÇÃO SOCIAL ....................................................................................................................................... 197 4.6 A VIVÊNCIA NOS EES COMO UMA EXPERIÊNCIA TRANSFORMADORA: É HORA DE SAIR DO CASULO .............................................................................................................. 210 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 215 5.2 LIMITAÇÕES DO ESTUDO ...................................................................................................... 219 5.3 RECOMENDAÇÕES PARA PRÓXIMAS PESQUISAS .......................................................... 220 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 221 APÊNDICES .............................................................................................................................. 233 ANEXOS ..................................................................................................................................... 246 15 1 TECENDO SOBRE O TEMA DA PESQUISA 1.1 PRIMEIRAS PALAVRAS... PRIMEIROS PASSOS... Como primeiras palavras para compor a escrita desta tese, resolvi me apresentar, sinalizando meus primeiros passos, na vida, situando o leitor, mostrando quem sou e de que lugar estou falando. Para isso, preferi escolher minhas memórias que ilustram, de certa forma, a minha identidade evolutiva de ser humano, estudante, professor, Alysson. Sou filho de pais separados. Meu pai dedicou sua vida à engenharia elétrica, e minhas lembranças de sua presença em minha infância são bem tímidas e nebulosas. Minha mãe, uma mulher que soube aproveitar a vida, porém marcada por muitas linhas de dificuldades, hoje é uma das pessoas mais sábias e compreensivas (características maternas) com quem já pude conviver. Minha avó, a qual não poderia deixar de destacar neste meu fechar de olhos que se cristaliza em lembranças, é e sempre será minha âncora, meu referencial de vida, meu amálgama. Talvez pela sua presença completa em minha formação, em minha educação, até os dias atuais. Desde criança, já sabendo ler e escrever, ensinava as primeiras letras aos meus colegas mais novos da vizinhança. O quadro verde na área de serviço de minha humilde casa já anunciava os primeiros sinais daquilo que eu viria a ser quando crescesse: professor. Na Rua Maria Barbosa, hoje José Régis de Oliveira, homenagem ao meu falecido avô, muitas pessoas me conheciam, percebendo o meu lado ―professor de ser‖. O que antes era apenas uma ―brincadeira de escolinha‖, com meus amigos de rua e irmãos de coração, virou verdade quando começaram a aparecer os primeiros ―estudantes‖ para eu ensinar o dever de casa. Na escola formal, quando finalizava minhas tarefas, ajudava a professora com as dúvidas de outras crianças da sala. Não nego que me sentia importante. Desse modo, toda a minha infância foi atravessada pela educação, as carteiras, o giz, a lousa, a convivência com estudantes e professores. Esse era o ambiente em que eu nutria o gosto pelos estudos e a vontade, desde cedo, de querer ser professor. Aos catorze anos, quando participava ativamente do grupo de adolescentes da igreja, fui ―promovido‖ a coordenador de catecismo. Mais uma função assumida da minha essência do ser educador. Aos dezoito anos, após a celebração da crisma, fui convidado para coordenar o próximo grupo de crismandos e, em seguida, colaborei na coordenação do grupo de jovens da paróquia Santa Clara, padroeira da comunidade em que vivo até hoje. Bons tempos... Ao 16 recordar, nesse momento, parece que vivencio essas experiências de forma tão clara como na versão original. Posso sentir até o cheiro e a textura dos momentos... Todos estes sinais são tramas da memória, já lembravam Le Goff (1996) e Halbwachs (1968). Estudante do ensino médio, e sabendo da possibilidade de ser professor, vinha a complexa questão: de quê? Com a minha ―experiência‖, gostava dos conteúdos de várias disciplinas. A partir de então, qual seria aquela à qual eu deveria me dedicar? Dentre tantas dúvidas, próprias de um adolescente/jovem, essa era a que não incomodava, pois eu já sabia que o que me movia internamente me levaria a ser professor. Em um seminário sobre Empreendedorismo, o grupo do qual eu participava apresentou um trabalho sobre planejamento. A apresentação teve uma boa aceitação. No término da aula, perguntei ao professor qual seria o curso de graduação que eu poderia fazer, se quisesse aprofundar sobre aquele conteúdo. Ele me informou que eu deveria fazer um dos três cursos: Administração, Economia ou Contabilidade. Os dois últimos estavam descartados, pois eu sabia que não gostava. Mas fazer Administração poderia ser uma possibilidade para a minha formação profissional. Tudo foi se concretizando quando, de forma paralela, entendia a experiência de gestão, a partir da escuta das falas de meu padrasto, que, na ocasião, gerenciava uma empresa. Tais falas alimentavam meu sentimento de curiosidade sobre o curso e o desafio de como, a partir de uma formação em gestão, poderia unir tal vivência à essência da docência. A busca desta conexão naquela época representou um difícil desafio. No ano seguinte, prestei vestibular para Administração e fui aprovado. Era o ano de 1999, e o mundo refletia sobre a finalização do milênio e talvez do mundo na virada para o ano 2000. Com a continuidade da vida, pelo menos naquela ocasião, dei início à vivência acadêmica superior. Ao longo do curso, a imbricação aulas-projetos-movimento estudantil possibilitou-me repensar sobre a minha formação. Em um primeiro momento, comecei a duvidar se o curso de Administração estava me formando satisfatoriamente para atender às demandas de um país carente nos campos político e social. Não via essa preocupação nas discussões das disciplinas do curso, tampouco na iniciação científica. Recordo-me que, em maio de 2001, uma das professoras, que logo se tornaria minha orientadora de pesquisa e de vida, sugeriu-me que não desistisse do curso e procurasse potencializar esse meu lado mais político e social, realizando pesquisa e extensão a partir do meu acreditar. Havia uma possibilidade, uma luz no final do túnel. Será? Esse chamado para vivenciar experiências com monitoria, pesquisa e extensão arremessou-me para trabalhar em espaços sociais que desenvolviam trabalhos comunitários, a 17 partir dos quais eu percebia um sentido de transformação. Para um jovem de comunidade, este momento foi revestido por um sentido de reencontro. No embalo das atividades desses projetos, percebi que eu podia continuar lutando/militando, sendo professor de Administração. Ou seja, as questões sociais ausentes nos conteúdos das disciplinas poderiam ser ressignificadas por mim nas discussões em sala de aula. E, assim, concluí o curso de Administração em 2005. Nesse momento de conclusão, escolhi como tema de monografia estudar as competências de uma Organização Não Governamental (ONG) em sua atuação na comunidade. Foi um momento importante, pois representava a culminância de uma trajetória de investigação sobre este objeto. Lembro-me que, depois do meu primeiro sim a um convite de monitoria, jamais me desvinculei dos trabalhos de cunhos do ser docente. Lembranças que insisto em não querer esquecer, muito menos apagar. Em 2006, apresentei um projeto de pesquisa na seleção do Programa de Pós- Graduação em Administração da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), para investigar a atuação de ONGs de João Pessoa, Paraíba, em suas comunidades, proposta de continuidade e amadurecimento do trabalho realizado no final da graduação, agora de forma mais ampla. Fui aprovado. Momento de evolução e certeza em relação à trajetória enquanto professor. Realizar o mestrado trouxe-me um amadurecimento profundo quanto ao pensamento científico e ao ato das descobertas a partir da pesquisa. Foi um processo de reencantamento e reafirmação. Antes da experiência como professor substituto (ainda no mesmo ano), minha primeira vivência em sala de aula deu-se pela docência de uma disciplina (presente na matriz do mestrado) intitulada Estágio Docente, com a qual foi possível assumir, de forma mais direta e formal, a sala de aula, sendo acompanhado por um professor titular. Isso ocorreu no segundo semestre de 2006, e foi um momento bastante importante em minha vida acadêmica, já que há uma disparidade forte entre o que é visto em sala de aula no mestrado e a realidade da prática docente. Após o momento de estágio de docência, tive a oportunidade de ser aprovado na seleção para professor substituto e atuei no curso de Administração da Universidade Federal da Paraíba, UFPB, ensinando, inicialmente, um leque de disciplinas da área de gestão e atuando também como orientador de alguns trabalhos de pesquisas. Dentro do período em que atuei como professor substituto (de 2007 a 2009), realizei muitos trabalhos de pesquisa e extensão junto a outros colegas que comungavam das mesmas concepções no que se referia à atuação de um gestor, ou seja, do ir além do pensamento estratégico organizacional ou até mesmo da formatação e lançamento de novos produtos e/ou serviços, mas de um gestor crítico 18 e atento às possibilidades de transformações sociais a partir de trabalhos de cunhos emancipatório e político. Ainda nessa experiência, a chefe do departamento convidou-me para assumir uma disciplina na nova matriz do curso de Administração. Era uma disciplina do primeiro período, mas que nascia como proposta de um trabalho mais comunitário e de construção coletiva, o que feria, para alguns colegas, o significado daquela experiência na formação do gestor. Foi uma disciplina que representou um grande desafio: fazer com que os estudantes do curso de Administração do primeiro período tivessem uma experiência comunitária, desenvolvendo um projeto social a partir de seus conhecimentos, de suas experiências. Já me parecia uma proposta tão freiriana! O produto final – utilizarei aqui um termo estritamente da gestão – dessa disciplina foi um evento intitulado Práticas Comunitárias, que revolucionou o conceito do curso de Administração dentro da universidade. Vale destacar que, paralelamente a esse momento de vida, aproximei-me dos trabalhos realizados pelas ONGs e do Movimento de Economia Solidária situados em João Pessoa, PB, e sempre tentei entender a atuação dessas instituições em suas comunidades, desenvolvendo alguns projetos de pesquisa e extensão nesta linha. Tal experiência trouxe-me um elemento de complementaridade que colaborou de forma significativa com meus conceitos de fazer gestão e ensinar gestão, como também pude associá-la à minha pesquisa de mestrado. Ao fazer um recorte na temática de estudo, investiguei a compatibilidade entre as competências das ONGs de João Pessoa, Paraíba, e as competências de seus educadores e gestores sociais. Em setembro de 2008, aquele menino tímido que queria ser professor recebia o título de Mestre em Administração. No ano seguinte, em 2009, meu contrato de professor substituto foi finalizado na UFPB, e ingressei no Instituto de Educação Superior da Paraíba – IESP. A realidade de uma faculdade privada era bem diferente da experiência como professor substituto que eu havia vivenciado em dois anos na UFPB. Contudo, foi um momento de amadurecimento das práticas docentes em razão do aprendizado a partir da atuação em sala de aula quando da ocasião do contrato como professor substituto. Posso considerar, com grande garantia, que tal experiência foi um verdadeiro laboratório, quando tive a oportunidade de me entender como um ser inacabado em busca do ser mais. Paralelamente a esses momentos apontados nesse horizonte de tempo, atuei em algumas atividades de ensino e orientação de monografia nos cursos de Pós-Graduação Lato- Sensu em João Pessoa, Paraíba, e em Natal, Rio Grande do Norte. É certo que a experiência anterior como professor substituto também me ajudou a encarar esse novo desafio, que foi a atuação em especializações na área de gestão. 19 Em 2010, prestei concurso para professor efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB) e fui aprovado para tal cargo, depois de um longo período de suspensão do citado processo seletivo. O concurso foi para o campus de Patos, interior do estado da Paraíba, o que me impulsionou para diversos desafios, de ordem pessoal e acadêmica. Atuei no campus de Patos durante apenas dois períodos (ano de 2011), pois, em seguida, consegui minha remoção para o campus de João Pessoa. Tornei-me professor efetivo de uma instituição que ensinava um modo diferente de fazer gestão na graduação e ministrava aulas e orientações no curso de Especialização em Gestão Pública. Na ocasião, o binômio Gestão Social – Movimento de Economia Solidária (MES) era a temática da pesquisa e permitiu-me a aproximação mais intensa com a academia, inspirando-me a fazer leituras na área de Educação Não Formal e Educação Popular. Em 2013, a partir de um convênio firmado entre o IFPB e o Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PGED/UFRN), escrevi um projeto para o doutorado. Para tal caminhada, trouxe, na bagagem, a experiência de ser professor e pesquisador, mesmo que de outra área. A temática referente ao projeto inicial abordava as Práticas Educativas em ONGs na cidade de João Pessoa, PB. Fui aprovado e, no mesmo ano, iniciei o curso. Escolhi a linha de pesquisa Educação, Estudos Sócio- históricos e Filosóficos. Ao entrar em contato com as primeiras disciplinas e discussões nos seminários de pesquisas, revi a proposta inicial do projeto e realizei algumas modificações, elemento natural quando estamos no processo de construção de um doutoramento. A partir de 2014, novas leituras, novas abordagens metodológicas redesenharam o projeto inicial, e ele já passou a ser nomeado As Práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários da cidade de João Pessoa, PB: sentidos e significados sob a perspectiva da formação humana para a emancipação. Penso que estas palavras iniciais, que apresento nesta seção, trazem de forma direta e concreta uma relação com o conteúdo do título da tese. Ter coragem de falar de si mesmo, de rever e tomar consciência de sua história é romper com a ―cultura do medo‖ para se alcançar a emancipação – variável requerida por indivíduos e povos historicamente dominados. Assim, aproximei-me com mais entusiasmo do pensamento teórico voltado para a vertente emancipadora e libertadora das práticas socioeducativas, inspirado principalmente pela companhia das leituras de Gramsci e Freire. É necessário destacar que esses teóricos têm inspirado, nos últimos tempos, muitas pesquisas no campo da Educação, e isso possibilitou que eu entrasse em contato com a produção de vários outros pesquisadores que, certamente, contribuíram significativamente para pistas, pensamentos e imaginações acerca da tese. 20 1.2 O MOMENTO ATUAL: CONCEPÇÕES, ESSÊNCIAS E MOVIMENTOS Tecer um texto configura-se em um verdadeiro desafio. São muitas as concepções, essências e movimentos que pairam na mente vindas das leituras, orientações, contato com as comunidades e com os Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) que foram sujeitos de estudo desta tese. Contudo, tento expor, neste momento atual, de incursão, os elementos que consegui vislumbrar e sentir no decorrer da trajetória desta pesquisa e que me levaram a um enxergar de sua essência por meio de movimentos no horizonte acessíveis ao meu olhar. Muitos foram os momentos de difícil (re)começo para tecer as primeiras palavras deste texto que ora lhes apresento. Muitos foram os sentimentos e emoções vividos ao longo desta trajetória: angústias, questionamentos, incertezas, mas, muito mais que tudo isso, momentos de alegria, quando observava a tela do computador cheia, com escritos acerca dos resultados daquela pesquisa que, ao longo de anos, me encantava, me animava, me encorajava a continuar e chegar à conclusão de que valia a pena continuar aquele trabalho. Na verdade, o advento desta tese já foi repleto de um acreditar que seria possível e que foi louvável todo o esforço aqui desprendido. Tais sentimentos que pairaram desde o começo levaram-me para tal realidade: eu tinha que terminar esta tese. Seria algo importante para mim, para meus familiares, para minha orientadora, para o PPGED/UFRN, para o IFPB, para o Movimento de Economia Solidária, para a sociedade em geral e, de forma particular, para os Empreendimentos Econômicos Solidários. Mas talvez o mais importante, aqui e agora, é ressaltar que, ao longo desses anos, muitos Alyssons existiram. Múltiplas identidades que se dobravam ou, seguindo o poeta/compositor/cantor Caetano, foram a todo o momento virando ao avesso. No decorrer desta trajetória, passei por vários e diferentes caminhos. ―No meio do caminho havia uma pedra, havia uma pedra no meio do caminho‖, escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade. A experiência que tive ao percorrê-los sinaliza encontros e desencontros, e uma boa parte deles, eu pretendo expor neste espaço, neste momento de reflexão. O meu castelo construído com cada pedra que encontrei no meu caminhar. Procurei uma conclusão, mas só encontrei uma construção. Mesmo com esta tese concluída, nem assim, posso afirmar que há um ponto final. O caráter de não fechamento, do elemento dinâmico presente na vida, o elemento do sempre ser construído, as reticências me mobilizam a continuar como pesquisador, investigando outras possibilidades a partir dos desdobramentos desta pesquisa. Tudo isso me gera possibilidades para percorrer no caminho da construção do conhecimento. 21 Entre tantos caminhos, escolhi um que pudesse guiar o desenvolvimento da escrita da tese e, assim, foquei minha atenção principal em analisar as práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários na cidade de João Pessoa, PB, seus sentidos e significados, indagando sobre seu caráter emancipatório. Vislumbro o Movimento de Economia Solidária enquanto uma alternativa à formação do sujeito mediante o enfrentamento dos processos negadores da dignidade humana, nesse contexto político contraditório, mediante o estudo de sua ação social e educativa, destacando elementos políticos e pedagógicos da experiência que se caracteriza como herdeira de lutas sociais populares dos anos 1980. Aqui se mostra a essência desta tese, o castelo por mim construído. Num primeiro momento, faz-se necessário reafirmar que a educação é um dos requisitos fundamentais para que os indivíduos tenham acesso ao conjunto de bens e serviços disponíveis na sociedade. Ela é um direito de todo ser humano como condição necessária para ele usufruir de outros direitos constituídos em uma sociedade democrática. Por isso, o direito à educação é, sobretudo, o direito a aprender (GADOTTI, 2009). O que o autor traz leva-nos a pensar se a escola é o único meio ou instrumento que pode gerar aprendizagem. Em uma sociedade pós-moderna, este não é o único local possível para a realização da aprendizagem. Ao longo das últimas décadas, com as transformações ocorridas no Brasil decorrentes do processo de globalização mundial e do avanço das novas tecnologias, a educação passou a ser vista como um instrumento de democratização, capaz de promover conhecimento e informação necessários para incluir o indivíduo no mundo do trabalho. Entretanto, a realidade aponta para uma sociedade em crise, marcada pela política neoliberal que se depara com graves problemas em todas as áreas, inclusive, a própria educação, que se vê diante de novas situações geradoras das transformações nas questões pedagógicas. Dessa forma, ao não conseguir atender às exigências que se criam, a educação busca apoio em outros segmentos da sociedade na tentativa de combater, ou, pelo mesmo, diminuir, as dificuldades resultantes do seu próprio sistema capitalista, gerando novas formas de intervenção social. É nesse cenário que a educação não formal, por meio de espaços não escolares, passa a se destacar, pois se configura como um campo de aprendizagens e saberes. Ela entra em cena, ocupando, cada vez mais, novos espaços significativos na sociedade, merecendo, portanto, um olhar diferenciado. Esses espaços configuram, assim, um novo campo da educação que aborda processos educativos fora das escolas ou não, em processos organizativos da sociedade civil, abrangendo organizações sociais e não governamentais, movimentos sociais estratégicos, ou processos educacionais articulados com a escola e a comunidade. No Brasil, a educação não formal apresenta uma estreita relação com os movimentos sociais (GOHN, 2007). Essa 22 relação está focada no aspecto político, isto é, no caráter educativo da organização política da coletividade. A concepção que tenho quanto ao entendimento de educação não formal nessa pesquisa parte do pressuposto de que a educação propriamente dita é um conjunto, uma somatória que inclui a articulação entre educação formal, a educação informal e a não formal, que tem um campo próprio, embora possa se articular com as outras duas. A não formal engloba os saberes e aprendizados gerados ao longo da vida, principalmente em experiências via participação social, cultural ou política em determinados processos de aprendizagens, tais como projetos sociais, movimentos sociais, entre outros. A educação não formal contribui para a produção do saber à medida em que atua no campo no qual os indivíduos agem como cidadãos. Portanto, segundo Gohn (2011, p. 13), ―a educação não-formal terá que ser considerada uma promotora de mecanismos de inclusão social, que promovem o acesso aos direitos da cidadania”, pois, se assim não for, corre-se o risco de se adotarem posturas assistencialistas por meio das quais enfatizam a carência cultural no lugar da valorização e ressignificação das práticas culturais dos grupos e pessoas em foco. Ainda sobre a educação não formal, Gohn (2010, p. 33) nos diz que se trata de um ―processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação para a cidadania, entendendo o político como a formação do indivíduo para interagir com o outro em sociedade‖. Para efeito desta pesquisa, delimitei a sua abrangência às práticas socioeducativas realizadas no Movimento de Economia Solidária, de uma forma especial, nos Empreendimentos Econômicos Solidários localizados na cidade de João Pessoa, Paraíba. Os EES consistem nos principais sujeitos e beneficiários das políticas implementadas do Movimento de Economia Solidária. No que tange ao conceito do termo EES, essa pesquisa apoia-se no conceito traduzido pelo Sistema de Informações de Economia Solidária (Portaria Ministerial, nº 30 de 20 de março de 2006). Isto é, são organizações coletivas, autogestionárias, permanentes e que realizam atividades econômicas de produção de bens, de prestação de serviços, de fundos de crédito (cooperativas de crédito e os fundos rotativos populares), de comercialização (compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços) e de consumo solidário. Partimos do pressuposto de que os EES são considerados espaços de educação não formal, pois desenvolvem uma vertente educativa com intencionalidade e especificidade bem definidas ancoradas aos princípios norteadores do movimento. Gohn (2007) ainda destaca outras dimensões sobre a educação não formal com caráter emancipatório; defende que essas práticas educativas apresentam várias dimensões, como a 23 aprendizagem política, de práticas que capacitam os indivíduos com objetivos comunitários, além de proporcionar aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista da compreensão do que se passa ao seu redor. Num segundo momento, é necessário identificar o que se pretende conceituar como prática educativa em espaços não escolares. No âmbito deste trabalho, prática educativa será entendida na concepção gramsciana não como uma prática pedagógica, meramente escolar, envolvendo uma geração de adultos que, através dos tempos, acumulou experiências, valores e uma geração de jovens que deve assimilar esses conteúdos para poder integrar-se no meio social. De acordo com este autor, [...] a relação pedagógica não pode ser limitada às relações especificamente escolásticas, [pois] esta relação existe em toda a sociedade no seu conjunto e em todo indivíduo em relação aos outros indivíduos, bem como entre camadas intelectuais e não intelectuais, entre governantes e governados. [Em síntese, para ele], toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica (GRAMSCI, 1982, p. 37). Ainda em relação ao entendimento de práticas socioeducativas, me apoio também nas ideias do educador Paulo Freire, de sujeito que aprende e que ensina, o que gerou o debate sobre ―poder e conhecimento‖ para ―poder, conhecimento e autonomia social‖. Quando se trata de educação e as vias em que esta se dá, os autores supracitados compreendem que a construção de saberes se tece numa relação de espaços e grupos diferenciados, com conceitos, características e atributos distintos. No entanto, a partir destas, cada processo educativo se complementa e contribui de formas diferenciadas na formação do indivíduo. Foi dessa maneira que o projeto desta tese emergiu: motivado a analisar de que maneira as práticas socioeducativas, que aconteciam nestes espaços de educação não formal, os EES, possibilitariam a emancipação dos sujeitos participantes dos empreendimentos. Emancipação, com o sentido adotado neste estudo, na perspectiva de transformá-los em sujeitos de sua própria história. Com isso, procurei deixar clara a gênese (problemática motivadora), que passou a ser: como as práticas socioeducativas vivenciadas nos espaços de educação não formal, e considerando os EES como eixo sustentador dessas práticas, são contributivas com a emancipação dos sujeitos participantes desses empreendimentos? E, a partir desse questionamento, procurar responder: qual o contexto de exclusão que envolve os sujeitos participantes dos Empreendimentos Econômicos Solidários? O Movimento de Economia Solidária pode ser encarado como uma das alternativas para uma emancipação dos sujeitos no contexto excludente? Quais as diretrizes educacionais que regem o Movimento de Economia Solidária? Qual o sentido e o significado da educação que está sendo realizada nos 24 Empreendimentos Econômicos Solidários da cidade de João Pessoa, PB? As práticas socioeducativas têm levado a um contexto de emancipação humana? Mas, afinal, o que esta tese pretende discutir? Qual a sua verdadeira essência? Talvez essa seja a grande questão que tive que enfrentar, à medida que lia e relia todo o material que estava em minhas mãos e tentava me encontrar em meio à proposta apresentada. Muitos foram os encontros e desencontros com esse material, com o que eu havia lido nas referências bibliográficas, nas discussões com a orientadora e nos seminários de pesquisa. Desse modo, o objetivo central desta pesquisa foi analisar as práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários na cidade de João Pessoa, PB, seus sentidos e significados, indagando sobre seu caráter emancipatório. E, para se atingir o objetivo central do estudo, os seguintes objetivos específicos foram inicialmente pensados: a) contextualizar a realidade de exclusão no Brasil, percebendo as bases históricas da racionalidade do capitalismo mundial e seu rebatimento no quadro social no Nordeste, assim como na cidade de João Pessoa, capital paraibana; b) apresentar o Movimento de Economia Solidária enquanto alternativa frente ao cenário de exclusão social; c) analisar as diretrizes educacionais do Movimento de Economia Solidária no cenário nacional; d) Identificar as relações existentes entre as práticas socioeducativas e o processo na formação emancipatória dos sujeitos participantes dos EES. Para atingir os objetivos da pesquisa, alguns pressupostos foram adotados: o primeiro deles traduz um caráter teórico de que a educação não formal tem um campo próprio, tem intencionalidades, e seu eixo deve ser formar para a cidadania e emancipação social dos indivíduos. Outro pressuposto refere-se aos limites e desafios dos processos educativos na economia solidária, que, a partir das ações educativas, sejam capazes de criar novos significados e orientações políticas estratégicas, buscando ir além da própria esfera econômica, alcançando campos cada vez mais amplos da política e da cultura. Outro ponto relevante refere-se ao fato de que apenas a mudança na maneira de produção, embora necessária, não é condição suficiente para a transformação de seres humanos subjugados em sujeitos emancipados, tal como pressupõe a ideia de cooperação, dinâmica-eixo da economia solidária. E, por fim, o pressuposto de que a educação desempenha um papel relevante para a consolidação da economia solidária. Entendemos aqui a educação como um instrumento que pode contribuir na transformação social. O processo educativo vivenciado no movimento de economia solidária ―pode ser uma ponte capaz de direcionar essas iniciativas para além do aspecto econômico‖ (OLIVEIRA, 2012, p.21). 25 Na posição em que se situa essa investigação, em que o pesquisador sente-se sujeito participante do processo, por ter vivenciado muitos momentos junto a ações educativas no terceiro setor e em grupos de produção envolvidos com a economia solidária, ainda que em situações e tarefas diferentes, a ação de aproximar pesquisador e pesquisados, como sujeitos da construção do conhecimento, contribuiu para tornar essa investigação uma ação também educativa. Nessas idas e vindas, escolhi caminhar por meio dos discursos produzidos pelos participantes dos Empreendimentos Econômicos Solidários, enfatizando suas práticas educativas adotadas ao longo de sua existência e suas contribuições na vida daqueles que por eles foram envolvidos como uma proposta de promoção da dignidade humana e da emancipação dos sujeitos. Lidando com o conjunto de narrativas produzidas por esses atores, ou seja, os discursos das pessoas envolvidas nos EES, a partir dos grupos focais e das entrevistas que me concederam, procurei analisar as narrativas, buscando e compreendendo os sentidos e significados das práticas socioeducativas promovidas pelos agentes formadores mediante aquele público. Para tanto, tornou-se necessário definir os movimentos que me levaram à escolha do recorte temático e à averiguação da seguinte tese: as práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários da cidade de João Pessoa, Paraíba, favorecem a construção de sujeitos emancipados frente aos processos negadores da dignidade humana numa sociedade excludente. O primeiro motivo essencial para a realização deste estudo deve-se ao fato de perceber as práticas socioeducativas desenvolvidas pelos agentes do Movimento de Economia Solidária como um campo rico para a pesquisa que envolve atuais problemas relacionados com a educação cidadã e a organização da sociedade civil, em ações coletivas voltadas à transformação social. Outro elemento que expressa a relevância da pesquisa deu-se porque o pesquisador possui certa experiência com empreendimento econômico solidário e participou do planejamento e desenvolvimento de algumas práticas socioeducativas, conhecendo a realidade local, tendo, ainda, uma acessibilidade junto aos EES que foram foco do presente estudo. A contribuição também desta pesquisa envolve o ponto de vista teórico. Existem poucos estudos do tema proposto, quanto ao caráter relacional dos termos, caracterizando-se como um estudo novo, na área da educação não formal, voltado à economia solidária e, principalmente, aos Empreendimentos Econômicos Solidários de João Pessoa, Paraíba. Penso que proporcionará, em nível teórico, uma reflexão sobre o desenvolvimento das práticas socioeducativas e suas contribuições na formação do sujeito, tornando-se um tema inovador. 26 Compreendemos, ainda, a importância de estudos que aprofundem os problemas vividos e sentidos pelas classes populares, contribuindo, por meio desse conhecimento, para uma reflexão da atuação dessa natureza de organizações sociais, levando a acreditar que pesquisar sobre este tema será de grande contribuição prática para as ações educativas deste tipo de atores. Do ponto de vista institucional, no caso do IFPB, os ganhos seriam diversos, como: uma contribuição para sua incubadora que desenvolve um trabalho educativo junto aos EES, para os trabalhos de extensão desenvolvidos pelos campi, bem como contribuir nas reflexões das práticas docentes voltadas à disciplina de Empreendedorismo que é ministrada em vários cursos da instituição. E, por último, destacaria a oportunidade que o pesquisador teve, em dois momentos (2005 e 2009), de desenvolver outros estudos acadêmicos sobre organizações sociais nos momentos de finalização da graduação e do mestrado, desenvolvidos na UFPB. Na ocasião, foi analisada a compatibilidade das competências organizacionais e individuais para a atuação dos educadores populares nessas instituições. Entendo que, mesmo sendo a tese uma escrita pessoal, ou seja, tendo como estopim uma perspectiva individual, ela, em seu decorrer, materializa-se como uma construção de várias vozes. As contribuições trazidas pelos autores e sujeitos que elencam o referencial teórico-metodológico dão rumos a uma construção que também se configura como coletiva. Sendo assim, a partir deste momento, ao invés de me posicionar no EU como ação verbal nesta escrita, irei me apoiar no NÓS, traduzindo uma essencialidade coletiva, de construção em um movimento de ideias e traduções, que parte de um âmbito pessoal, mas que ecoa em uma concretude que vem a contemplar o coletivo. 1.3 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA: a escolha a partir de tantos caminhos O caminhar, por meio desses discursos, levou-nos à necessidade de escolher um percurso metodológico, entretanto, deparamos com uma encruzilhada: que direção tomar? Qual trajetória metodológica seguir para entender o que pretendemos neste estudo? A encruzilhada é um ponto do caminho no qual temos que fazer escolhas e é inspiradora para pensarmos sobre o processo metodológico desta tese. Para iniciar a escrita dessa parte do texto, devemos admitir a impossibilidade de garimpar/selecionar o material para escrever um texto de tese. O título ―Estar lá, escrever aqui‖, do já consagrado artigo de Clifford Geertz (1989), foi nossa inspiração para admitir a dificuldade que encontramos em apresentar neste texto a experiência vivenciada a partir da realização dessa pesquisa. 27 A dimensão de estudo que abriga esta tese é o da História Social, mais um gênero que ganhou notoriedade e espaço entre os historiadores. A tradicional História Geral costumava tomar os acontecimentos como de longa duração, partindo das classes dominantes e considerando suas rupturas apenas em grandes eventos. Novas formas de encarar a História revelaram um passado bem mais rico em detalhes. Assim, Castro (1997, p. 42) colabora com esta reflexão ao ressaltar que, Contra ela [a historiografia factualista, centrada nas ideias e decisões de grandes homens, em batalhas e em estratégias diplomáticas], propunham uma história- problema, viabilizada pela abertura da disciplina às temáticas e métodos das demais ciências humanas, num constante processo de alargamento de objetos e aperfeiçoamento metodológico. A interdisciplinaridade serviria, desde então, como base para a formulação de novos problemas, métodos e abordagens da pesquisa histórica, que estaria inscrita na vaguidão oportuna da palavra ‗social‘ [...]‖. A História Social, enfim, surgia no cenário historiográfico como campo relevante e definitivo a se estabelecer no âmbito das modalidades historiográficas que devem ser definidas pelas dimensões trazidas à tona quando o historiador se põe a examinar um processo histórico qualquer, considerando aquilo que é colocado em evidência em uma determinada análise historiográfica – a Política, a Cultura, a Economia, as relações sociais. Nas concepções thompsonianas, os historiadores sociais direcionam suas pesquisas para a história das grandes massas ou para o estudo de grupos sociais em oposição às biografias de grandes homens. Outras grandes áreas de interesses e objetos são os modos de organização social, as classes sociais, as relações conflituosas ou interativas entre os grupos sociais no interior de uma sociedade, os excluídos, as desigualdades sociais, os discriminados, processos de transformações da sociedade, posições sociais em relação ao trabalho, as minorias, um grupo profissional, uma comunidade rural ou urbana. Sendo assim, nesta concepção, Castro (1997) corrobora esta discussão quando afirma que a história social, em sentido restrito, surgiria, assim, como abordagem que buscava formular problemas históricos específicos quanto ao comportamento e às relações entre os diversos grupos sociais. Nesse sentido, a expressão História Social é voltada para uma história das grandes massas ou para uma história dos grupos sociais de várias espécies. Ou seja: o que haveria de relevante a ser estudado não era, certamente, a história dos grandes homens, ou mesmo a história política dos grandes Estados e das instituições, mas sim a história das relações entre os diversos grupos sociais presentes em uma sociedade, particularmente, nas suas situações de conflito. 28 Assim, Castro (199, p. 49) nos ressalta que [...] a história social mantém, entretanto, seu nexo básico de constituição, enquanto forma de abordagem que prioriza a experiência humana e os processos de diferenciação e individuação dos comportamentos e identidades coletivos – sociais – na explicação histórica. Com base nas contribuições dos autores, entendemos a abordagem da História Social como uma especialidade, com problemáticas e metodologias próprias nas quais se formulam, como problema central, os modos de constituição dos atores históricos coletivos, as classes, os grupos sociais, as categorias socioprofissionais, e de suas relações que conformam historicamente as estruturas sociais. As estratégias metodológicas elaboradas para a realização da tese vincularam-se à escolha da pesquisa com caráter qualitativo. Para Oliveira e Oliveira (1982), uma metodologia construída em si de ação educativa promove o conhecimento da consciência e também a capacidade de iniciativa transformadora dos grupos com os quais se trabalha, e, como destaca Gamboa (1982, p. 36), ―busca superar essencialmente a separação entre conhecimento e ação, e buscando realizar a prática de conhecer para atuar‖. A pesquisa é motivada por uma metodologia que garante pensar a educação para além das salas de aula, ou seja, no seio dos Empreendimentos Econômicos Solidários, e, certamente, o estudo de caso é uma boa alternativa nessa direção. Desta forma, o presente estudo consistiu em um estudo de caso múltiplo que visou a proporcionar um ato ou efeito de conhecer o objeto em estudo, descrevendo as características do fenômeno estudado e estabelecendo relações entre variáveis elencadas no processo educativo vivenciados pelos sujeitos que participam dos Empreendimentos Econômicos Solidários. Do ponto de vista de Yin (2005), no estudo de caso, a preocupação do pesquisador não pode estar orientada para o tamanho da amostra (representação estatística), mas para a representatividade qualitativa das unidades sociais de estudo e para a consistência do referencial teórico que dará bases aos exercícios descritivos e analíticos que validarão as conclusões. Sendo assim, definimos o estudo de caso como a melhor estratégia para esta pesquisa. Gil (1999) corrobora com o pensamento de Yin quando afirma que o estudo de caso é caracterizado como um estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira a permitir conhecimento amplo e detalhado destes. Tendo em vista adotar o método de estudo de caso múltiplo, o objeto de estudo foi o conjunto das práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários e teve como a unidade social de análise: (a) os Empreendimentos Econômicos Solidários 29 cadastrados no Fórum Estadual de Economia Solidária da Paraíba; b) os EES localizados na Zona da Mata, de forma particular, na região de João Pessoa, Paraíba, ou seja, EES que atuam na área urbana e que compõem um desafio posto na atualidade; c) os EES singulares, isto é, aqueles que se caracterizam, enquanto natureza jurídica, como grupos informais; e d) os EES que atuem coletivamente nas atividades de produção, comercialização e consumo. Assim, a unidade social de análise compõe-se de cinco EES localizados na cidade de João Pessoa, Paraíba, tendo como objeto de estudo as suas práticas socioeducativas, seus sentidos e significados, destacando o caráter emancipatório. Cabe destacar que realizamos a escolha de tais indivíduos pelo envolvimento e pela ligação destes ao foco do problema em estudo ora levantado. Segundo Bervian e Cervo (2002), as variáveis são aspectos, propriedades ou fatores, reais ou potencialmente mensuráveis por meio dos valores que assumem, e discerníveis em um objeto de estudo. A definição das variáveis é de suma importância ao se projetar uma pesquisa científica, pois orienta as etapas a serem seguidas e introduz a necessidade de se definir a forma como serão medidas. Para Marconi e Lakatos (2005), as variáveis de pesquisa podem ser consideradas como uma classificação ou medida; um conceito ou constructo que contém ou apresenta valores; um aspecto, propriedade ou fator, discernível em um objeto de estudo e passível de mensuração; os valores que são adicionados ao conceito, constructo ou conceito operacional, para transformá-lo em variável. Dessa forma, identificou-se, no referencial teórico-metodológico pesquisado, uma série de variáveis e elementos indicadores considerados como intervenientes no estudo das práticas socioeducativas tratadas nesta tese, como também outros emergiram a partir dos dados coletados na fase de pesquisa de campo. À luz dos constructos de Marconi e Lakatos (2005), Bervian e Cervo (2002) e Vergara (2004), foram definidas as variáveis de análises capazes de rastrear os elementos indicadores que suportam o atendimento dos objetivos específicos da pesquisa, conforme a Figura 1 - Modelo Analítico da Pesquisa. 30  Agentes de Formação  Fator de Aprendizagem  Autonomia  Consciência Crítica  Liberdade  Empoderamento  Práxis  Dimensão Emancipatória Práticas Socioeducativas OE4: Identificar as relações existentes entre as práticas socioeducativas e o processo na formação emancipatória dos sujeitos participantes dos EES. . Diretrizes Educativas OE3: Analisar as diretrizes educacionais do Movimento de Economia Solidária no cenário nacional Fonte: Elaborado pelo autor, 2016 OE2: Apresentar o Movimento de Economia Solidária enquanto alternativa frente ao cenário de exclusão social OE1: Contextualizar a realidade de exclusão no Brasil, percebendo as bases históricas da racionalidade do capitalismo mundial e seu rebatimento no quadro social no Nordeste, assim como na cidade de João Figura 1: Modelo Analítico da Pesquisa  Educação Não Formal  Educação Popular  Aprendizagem Econômica  Aprendizagem Política  Aprendizagem Cultural  Dimensão Econômica  Dimensão Política  Dimensão Cultural  Princípios da ES  EES  Globalização  Sistema Capitalista  Inserção Social  Autoexclusão  Padrões preestabelecidos  Ausência de conhecimento  Ausência de Consciência Crítica  Questão histórica Movimento de Economia Solidária Sociedade Excludente Analisar o processo educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários na cidade de João Pessoa,PB, seussentidos e significados, indagando sobre seu caráter emancipatório. Análise e Interpretação dos Dados Implicações e recomendações extraídas da Tese Sentidos e Significados das Práticas Socioeducativas 31 Para a obtenção de dados, foram utilizadas as pesquisas bibliográficas, documentais e de campo. Marconi e Lakatos (2005) definem pesquisa bibliográfica como um apanhado geral sobre os principais trabalhos já realizados, revestidos de importância por serem capazes de fornecer dados atuais e relevantes relacionados com o tema. No que se refere à pesquisa documental, Minayo (2008) posiciona-se, afirmando que se caracteriza pela busca de informações em documentos que não receberam nenhum tratamento científico, como relatórios, reportagens de jornais, revistas, cartas, filmes, gravações, fotografias, entre outras matérias de divulgação. A pesquisa de campo, por sua vez, pressupõe a observação dos fatos exatamente onde, quando e como ocorrem. Em tais circunstâncias, com a ajuda dos resultados alcançados com a pesquisa bibliográfica, o pesquisador define as categorias de análise que irão nortear a observação e, de forma sistematizada, registra, interpreta e relaciona os fatos sem manipulação da realidade, ou seja, sem experimentação (LIMA, 1997). Durante a investigação, a opção metodológica privilegiada como instrumento de coleta de dados constituiu-se pela triangulação entre a análise documental, grupos focais e entrevistas individuais semi-estruturada (APÊNDICES C e D), além de um caderno de campo e muita vontade de enveredarmos naquele outro lado da pesquisa, talvez, digamos, o mais prático, aquele em que iríamos ter contatos mais próximos com o objeto de estudo. Era a vontade de realizarmos uma pesquisa que não tivesse excessiva rigidez metodológica, que pudesse interagir mais livremente com os sujeitos pesquisados. De acordo com Oliveira (2005), a entrevista individual é um excelente instrumento de pesquisa por permitir interação entre pesquisador e entrevistado. Na visão de Morgan (1996), grupo de foco é uma técnica de pesquisa para coletar dados por intermédio da interação do grupo sobre um tópico determinado pelo pesquisador. E foi dessa maneira, embrenhados naquele cotidiano, naquelas comunidades, naqueles empreendimentos que realizamos, inicialmente, os grupos focais com os empreendimentos envolvidos em nossa pesquisa e, assim, conhecemos aquele público de trabalhadores e trabalhadoras. Após a realização dos grupos focais, selecionamos aquelas pessoas que consideramos as que poderiam ser mais significativas para a realização das entrevistas individuais, para um maior aprofundamento das informações necessárias à pesquisa. Nesse caso, a seleção que estabelecemos para a escolha desse público não seguiu critérios amplamente objetivos. Pelo contrário, lançamos mão da subjetividade e fizemos contato com aquelas que, de certa maneira, se destacaram durante as visitas e conversas, seja no aspecto da liderança, do envolvimento, do tempo em que já frequentavam aquele espaço ou o tempo que tinham de disponibilidade, somado ao interesse de participarem da entrevista. Desta forma, foi 32 feito o primeiro contato por intermédio dos grupos focais, agendamos o dia, local e horário para a realização das entrevistas que, no caso dos participantes, foram realizadas no próprio EES, com uma duração entre 30 a 40 minutos. Antes de cada entrevista, explicamos o interesse da pesquisa e apresentamos o Termo de Consentimento Livre e Reconhecido do comitê de ética (APÊNDICES A e B), para que elas lessem e assinassem. Desta forma, a coleta dos dados deu-se em três momentos: o primeiro, mediante a pesquisa documental que contribuiu com a análise das diretrizes educativas do MES bem como para o mapeamento dos EES da cidade de João Pessoa, com o intuito de levantar as instituições que iriam construir o corpus da pesquisa, buscando, também, materiais escritos e/ou entrevistas que auxiliaram na construção histórica do processo de criação dessas entidades, como seus estatutos, regimentos e demais fontes pertinentes a sua gênese e consolidação. Num segundo momento, realizamos os grupos focais com os Empreendimentos Econômicos Solidários que formaram a unidade social de análise de nossa pesquisa. E, em um último momento, foram realizadas as entrevistas individuais com um grupo de pessoas que foram beneficiadas pelas formações, o que nos permitiu levantar e aprofundar os aspectos relevantes referentes às práticas socioeducativas desenvolvidas, dos pontos ainda obscuros e da existência de eventuais polêmicas. Com essa triangulação, percebemos a representatividade do processo de aprendizagem, mediante as práticas socioeducativas no tocante ao desenvolvimento na perspectiva da construção/formação do sujeito. Cabe-nos, ainda, ressaltar que a fase de pesquisa de campo (grupos focais e entrevistas) foi desenvolvida entre os meses de julho a setembro de 2015. A abordagem qualitativa busca aqui, por meio da recuperação de trajetórias individuais, o resgate de alguns sentidos e significados de uma realidade social e coletiva que aqui se revela pelo conhecimento de algumas situações-limite em termos da desumanização do homem e da mulher. Em relação às estratégias de tratamento dos dados, utilizamos a técnica descrita de Análise de Discurso (AD), estabelecendo a relação existente no discurso entre língua/sujeito/história ou língua/ideologia; portanto, quem segue este princípio pode afirmar uma filiação com a AD da linha francesa, ou seja, ―articula o linguístico com o social e o histórico‖ (PÊCHEUX, 1993, p. 82) na qual a linguagem é estudada não apenas enquanto forma linguística como também enquanto forma material da ideologia. Além de que é ―no contato do histórico com o linguístico, que [se] constitui a materialidade específica do discurso‖ (PÊCHEUX, 2002, p. 8). Cabe-nos expressar o entendimento de que o significado possui uma correlação direta com a materialidade da fala e o sentido com os discursos que 33 estão por trás dessa materialidade. Consideramos, para fins de nosso estudo, que não poderíamos ter escolhido uma técnica diferente de tratamento de dados, tendo em vista que, para Pêcheux, não somos donos do nosso discurso. Nós o herdamos em nosso processo histórico a partir das contribuições de tantos fatores que nos complementam. Destacamos, ainda, que nossa metodologia de valorização dos discursos também é caracterizada como freiriana, quando nos apropriamos da palavra pronunciada. É na palavra pronunciada, reveladora do mundo, que os homens se constroem ao fazerem e refazerem o próprio mundo (FREIRE, 1993). O diálogo é, então, esse encontro de homens, mediatizados pelo mundo. Consequentemente, a cada ser humano, impõe-se o desafio de aprender a dizer a sua palavra, como exigência fundamental de sua humanização. É por meio dessa pronúncia singular que nós nos tornamos sujeitos históricos capazes de construir intersubjetivamente uma sociedade em comunhão de objetivos e vivências. Os depoimentos recolhidos e organizados consubstanciam-se em temas que permitiram a compreensão de matrizes desse universo social homogeneizado pelo sentimento de exclusão social. Conforme o entendimento de Yazbek (2007, p. 90), ―a condição de classe é contextualizada pela história e pelas vivências sociais dos que a fazem‖. Há, nas ações que constituem o cotidiano, expressões de relações reais e objetivas que os homens estabelecem em sua vida social. Há também, nesse cotidiano dos indivíduos, um processo de interiorização dessas relações objetivas que constitui um universo de representações simbólicas. À medida que as narrativas iam se desenvolvendo, apesar de seu caráter não linear, alguns núcleos destacavam-se como ―significantes‖ e articuladores dos depoimentos. O trabalho, ou o modo pelo qual se obtém alguma renda, quase sempre era um desses núcleos. A quantidade de rendimentos define, muitas vezes, a maneira de atender às necessidades relacionadas à sobrevivência. Todo esse material metodológico, entre falas, observações e depoimentos, processou- se em discursos que apresentaremos neste trabalho, embalado por uma trajetória com muitos caminhos, porém com o objetivo a alcançar: analisar o processo educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários na cidade de João Pessoa, PB, seus sentidos e significados, indagando sobre seu caráter emancipatório. 1.4 CAMINHOS A SEREM SEGUIDOS Para um melhor suporte ao entendimento deste estudo, traçamos um esquema estruturado em quatro capítulos e as considerações finais a partir do enquadramento teórico e 34 da explanação já destacada, como apresentaremos a seguir. Inicialmente, apresentamos o capítulo introdutório, com uma abordagem preliminar referente ao tema central do estudo; a natureza do problema, com as questões de pesquisa; os objetivos do trabalho; a justificativa, com as principais motivações para a realização da pesquisa; e a trajetória metodológica. O segundo capítulo traça uma visão panorâmica do contexto atual referente à sociedade excludente, desde alguns antecedentes históricos até alguns números que representam este cenário, tanto no aspecto nacional, como local. Ainda neste capítulo, tratamos da emergência da Economia Solidária como uma alternativa de trabalho contra hegemônica, apresentando o movimento de uma nova economia que evoca a solidariedade como premissa. No terceiro, apontamos um aporte teórico sobre as diretrizes educativas do Movimento de Economia Solidária, tendo como pano de fundo a educação não formal e as teorias educativas de caráter emancipatório. O capítulo quarto apresenta a discussão sobre as práticas socioeducativas dos agentes da economia solidária em João Pessoa, Paraíba, destacando o processo educativo realizado por eles frente aos EES, os rumos que o movimento de economia solidária tem tomado quanto ao caráter da educação emancipatória a partir do enfrentamento dos processos negadores da dignidade humana. Por último, as considerações finais em que apresentamos os principais elementos conclusivos da investigação, as limitações da pesquisa e as recomendações para outros próximos estudos. 35 2 MOVIMENTO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA ENQUANTO ALTERNATIVA FRENTE AO CENÁRIO DE EXCLUSÃO SOCIAL 2.1 A SOCIEDADE EXCLUDENTE: ALGUNS ASPECTOS CENTRAIS Neste capítulo, faremos uma breve contextualização da realidade de exclusão no Brasil, analisando as bases históricas e perversas da racionalidade do capitalismo mundial e seu rebatimento no quadro social no Nordeste, em particular na cidade de João Pessoa, capital paraibana, onde se insere a realidade das práticas socioeducativas vivenciadas pelos Empreendimentos Econômicos Solidários, objeto e unidade social e de análise da presente tese. Na dinâmica própria de uma economia crescentemente globalizada, virtualidades do processo de exploração do trabalho, ainda da fase da chamada acumulação primitiva, tornaram-se novamente reais e ressurgiram adaptadas à racionalidade do capital moderno. Segundo o pensamento de Martins (2008), não só porque a intensificação da globalização, que é própria do processo do capital, fez com que o capital se reencontrasse com formas de exploração pré-capitalistas de trabalho, das quais aparentemente se divorcia há muito, mas também porque se encontrou com valores, mentalidades e concepções da vida e do trabalho muito frágeis em face do poder destrutivo e de sujeição do capital globalizado. A história do capitalismo, sua mundialização e/ou globalização, podem ser vistas como um processo de longa duração, com ciclos de expansão e retração, rupturas e reorientações, como um sistema vivo e em expansão, que existe há mais de 500 anos. Visto nessa perspectiva, é um modo de produção material e espiritual, um processo civilizatório que revoluciona continuamente as condições de vida e trabalho. Sendo assim, é na essência da racionalidade do capitalismo, como modo de produção material e espiritual, que se encontra a sua irracionalidade e seu absurdo. Como destaca Martins (2008, p. 159), ―é uma irracionalidade social que cumpre uma função histórica na racionalidade econômica‖. A despeito das suas oscilações cíclicas, suas crises e contradições, após a II Guerra Mundial, com o propósito de preparar as bases para um capitalismo mais duro e, ao mesmo tempo, mais livre de regras, renasce o liberalismo, atualizado e renomeado de neoliberalismo, como orientação política, cultural e econômica para o capitalismo do mundo (ANDERSON, 1995). Uma reação contrária ao Estado intervencionista e de Bem-Estar Social, que limitava os mecanismos de mercado, ameaçando sua liberdade. Com o argumento de que a prosperidade de todos dependia da vitalidade da concorrência, assim como entendendo a 36 desigualdade como algo positivo, esse novo propósito fazia uma crítica ao keynesianismo que destruía a liberdade dos cidadãos. No início dos anos 1970, com a recessão econômica nos países com capitalismo avançado, que combinavam baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, caracterizando uma crise do modelo capitalista pós-guerra, representantes do pensamento neoliberal enfatizavam que as raízes da crise estavam no poder excessivo e nefasto dos sindicatos, do movimento operário, corroendo as bases de acumulação capitalista, com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com uma pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais. Anderson (1995, p. 11) assinala que, a partir daí, as ideias neoliberais ganham terreno, apontando como remédio para essa desastrosa deformação do curso normal da acumulação e do livre mercado: ―Manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas‖. Para responder à crise, o capital busca se recompor por meio de uma série de estratégias incluindo uma reestruturação produtiva e um ideário político-neoliberal que compõe um receituário de medidas, tendo como meta suprema, para qualquer governo, a estabilidade monetária, que deve ser alcançada com uma disciplina orçamentária, com contenção dos gastos com bem-estar, com reformas fiscais para incentivar os agentes econômicos. Além disso, acentua-se o desemprego estrutural com o uso intensivo de inovações tecnológicas, acrescentadas ao já notável exército de reserva, contribuindo para desestruturar o poder dos sindicatos. Faz parte da sociedade capitalista destruir tudo que não faz parte das relações capitalistas. Martins (2008), em seu pensamento, colabora quando afirma que o capitalismo exclui para incluir no viés econômico. Tudo tende a ser reduzido a mercadoria para se integrar à sociedade capitalista. Antunes (2001) também escreve que, frente à derrota do movimento operário e à necessidade do capital de responder aos seus contornos mais críticos, nasce o projeto ideopolítico, chamado neoliberalismo, paralelo a um vastíssimo processo de reestruturação produtiva do capital. O autor refere-se ao neoliberalismo e à reestruturação produtiva do capital como dois empreendimentos muito fortes, que fizeram nascer, a partir de então, o desenho de uma nova forma do capital para produção de mercadoria material e imaterial. Nesse contexto, são criadas novas formas de trabalho, mais heterogêneas, mais complexas, mais diversificadas, numa interação entre trabalho vivo, o conhecimento científico e a ciência, construindo um nível mais avançado das forças produtivas, com agilidade na produção de mercadorias materiais, informacionais – uma redefinição do trabalho, e não o seu 37 fim. Para o autor supracitado, nasce um padrão de acumulação menos taylorizado, menos fordizado, com menos produção em massa, menos rígido, com menos produtos homogêneos, fábricas menos verticalizadas e menos operários em massa concentrados. Desenha-se a empresa flexibilizada, com um padrão tecnológico propiciado pela era da informática. Desenvolve-se a descentralização produtiva, em que o capital horizontaliza-se por meio do processo de terceirização, concentração do capital em algumas áreas e desconcentração do espaço físico produtivo. O resultado é uma massa imensa de trabalhadores descartáveis, que incham o exército mundial de forma de trabalho sobrante. A maior contradição que a lógica do capital apresenta está no fato de que, quanto menos trabalhadores no plano da empresa, mais desemprego estrutural, quer dizer, quanto mais racional no plano da empresa, enquanto ela é enxugada, mais destrutivo e irracional no plano societal. Lesbaupin (2000), na mesma perspectiva de Antunes, acrescenta que, no início dos anos 1970, o processo de globalização da economia ou mundialização do capital sobrepõe a dominância do capital financeiro sobre o capital industrial e o comércio. Contrariamente ao que o termo parece sugerir, a globalização não significa a integração cada vez maior do conjunto dos países à economia mundial, mas, ao contrário, é uma nítida tendência à marginalização dos países em desenvolvimento. A globalização é um novo sistema de poder, que exclui e inclui, segundo as conveniências do lucro; que destrói a cultura e cria continuamente novas formas de desejo no setor do consumo. Com isso, gera novas formas de dominação, principalmente de ordem cultural. Com a globalização da economia, a cultura se transformou em um dos mais importantes espaços de resistências e de luta social. Segundo alguns autores, o conflito social central da sociedade moderna ocorre na área da cultura. O indivíduo é excluído não apenas por ser desigual ou diferente, mas por ser considerado como não semelhante, um ser expulso, não dos meios modernos de consumo, mas do gênero humano (NASCIMENTO, 1995). A partir dessas questões, podemos aventar algumas hipóteses sobre as atuais políticas sociais, tomando como pressuposto as formulações de Boaventura Sousa Santos, Robert Castel e outros, a saber: com a globalização, ocorre uma metamorfose do sistema de desigualdade social no capitalismo para um sistema de exclusão social. Neste novo cenário, as lutas sociais relevantes serão pela inclusão social de setores sociais que antes eram excluídos por estarem em desigualdade socioeconômica e que agora estão excluídos também por suas desigualdades socioculturais (dadas pelo sistema educacional, pela raça, etnia, sexo, etc.). Sendo assim, em suas consequências sociais adversas, o modelo de desenvolvimento econômico que se firmou no mundo contemporâneo leva simultaneamente a extremos de 38 progresso tecnológico e de bem-estar para setores limitados da sociedade e a extremos de privação, pobreza e marginalização social para outros setores da população. É para isso que Martins (2003, p. 13) nos chama a atenção quando afirma que [...] na medida em que hoje o objetivo do desenvolvimento econômico é a própria economia, podemos defini-lo como um modelo de antidesenvolvimento: o desenvolvimento econômico é descaracterizado e bloqueado nos problemas sociais graves que gera, mais do que legitimado nos benefícios socialmente exíguos que cria e distribui. Com base neste entendimento, o desencontro entre o desenvolvimento econômico e o social não tinha condições de propor um desenvolvimento autônomo. Por isso mesmo, o descompasso sugeria que a iniquidade própria do modelo globalizado de desenvolvimento econômico, nos países pobres, só seria viável ―por meio de um sistema político repressivo, que cercasse as liberdades civis e contivesse o protesto social, justamente, daqueles que vieram a ser designados como excluídos‖ (MARTINS, 2008, p. 33). Ainda nesta discussão, Araújo (2000, p. 270, grifo nosso) corrobora quando aponta que é um processo seletivo, que exclui lugares, países e continentes: Tais processos, que permitem uma movimentação sem limites dos capitais a nível internacional, têm produzido efeitos extremamente perversos no resto do mundo, especialmente no plano social: cresce a desigualdade entre países, entre norte e sul, e dentro dos próprios países, tanto ‗emergentes‘ quanto os do primeiro mundo, onde uma ‗nova pobreza‘ surge e se desenvolve a passos rápidos, sendo o desemprego a sua face mais visível. A organização neoliberal da sociedade, já fragmentada pelo regime de acumulação de capital, agora mais intensamente globalizado, impede a inclusão dos grupos desfavorecidos a uma via em que os direitos humanos são reconhecidos. Para tal afirmação, tomamos como base a opinião de Santos (2002, p. 17): [...] é a voracidade com que a globalização hegemônica tem devorado, não só as promessas do progresso, da liberdade, da igualdade, da não discriminação e da racionalidade, como a própria idéia da luta por elas, ou seja, a regulação social- hegemônica deixou de ser feita em nome de um projeto de futuro e com isso deslegitimou todos os projetos de futuro alternativo antes designados como projetos de emancipação social. Nesta discussão, Martins (2008) reconhece que a sociedade capitalista tem como lógica própria tudo desenraizar e a todos excluir porque tudo deve ser lançado no mercado. Ela desenraiza e exclui para depois incluir, segundo regras próprias. É justamente aqui que reside o problema: nessa inclusão precária, marginal e instável. É inútil tentar encontrar uma identidade para o capitalismo e um diagnóstico para suas irracionalidades na categoria 39 exclusão. No entanto, é útil refletir a respeito do que é o capitalismo nos dias de hoje a partir da intuição política e social, do homem comum, de que vivemos numa sociedade que visivelmente descarta e secundariza pessoas. A vivência real da exclusão é constituída por uma multiplicidade de dolorosas experiências cotidianas de privações, de limitações, de anulações e, também, de inclusões enganadoras. Martins (2008) anuncia esta ideia de que há um grupo de pessoas a que chamam de excluídas, na verdade, incluídas marginal e residualmente nesta sociedade. Desta forma, o autor, com autoridade e tamanha segurança, consolida que as pessoas estão incluídas de forma subalterna ao nos afirmar: Não estamos em face de um novo dualismo, que nos proponha as falsas alternativas de excluídos ou incluídos. A sociedade que exclui é a mesma sociedade que inclui e integra, que cria formas também desumanas de participação, na medida em que dela faz condições de privilégios e não de direitos (p. 11). A categoria subalterno, legado gramsciano, por sua expressividade e por dar conta de um conjunto diversificado e contraditório de situações de dominação, foi escolhida para nomear as classes em que se inserem os usuários das políticas sociais. Segundo Yazbek (2007, p.18), a subalternidade diz respeito ―à ausência de poder de mando, de poder de decisão, de poder de criação e de direção. A subalternidade faz parte do mundo dos dominados, dos submetidos à exploração e à exclusão social, econômica e política‖. E Martins (2008, p. 120) enfatiza esta ideia quando continua com a seguinte reflexão: Começo assinalando o uso abusivo da noção de exclusão como se ela explicasse absolutamente tudo, todos os problemas. Desde logo, é conveniente que se diga que exclusão, em si mesma, como fenômeno isolado, é uma ficção – não existe exclusão propriamente dita. Na sociedade capitalista, a rigor, não pode haver exclusão; não pode existir sociedade capitalista baseada na exclusão. Toda a dinâmica dessa sociedade se baseia em processo de exclusão para incluir. O que é típico e característico dessa sociedade, e do predomínio que há nela das leis de mercado sobre quaisquer outras leis sociais, é o desenraizamento, a destruição das relações sociais tradicionais e, portanto, a exclusão das pessoas em relação àquilo que elas eram e àquilo que elas estavam acostumadas a ser. E as ideias neoliberais fazem isso para incluir, porque ele precisa transformar cada ser humano em membro da sociedade capitalista. Na América Latina, nos anos 1980, as experiências neoliberais já se apresentavam no Chile, Bolívia, Argentina, México, Peru e Venezuela. Sader (1995), referindo-se ao neoliberalismo na América Latina, enfatiza que cada país configurou uma versão neoliberalista, conforme a herança deixada pelo modelo hegemônico anterior. Segundo 40 Gamboa (2001), apesar de o ideário da modernidade ainda não ter acontecido plenamente na América Latina, já estão proclamando apressadamente a entrada na pós-modernidade, anunciada como uma nova grande revolução, mas que, na América Latina, em vez de resgatar as dívidas da modernidade, criam novos desafios, na medida em que surgem outros tipos de analfabetos e de excluídos. De igual maneira, os projetos de construção das nações democráticas latino-americanas ainda não aconteceram, e já entramos, de forma impulsiva, na era da globalização (ARAÚJO, 2000, p. 261). No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, com a queda do comunismo na Europa Oriental e na União Soviética, representando a vitória do Ocidente na Guerra Fria, o neoliberalismo mostra ainda mais sua vitalidade e dinamismo, mesmo num contexto de nova recessão e crise, pelas quais começava a passar o capitalismo nos países avançados da Europa, nesse período. Somente na década de 1990, no Brasil, tomam corpo as ideias liberais assumidas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. De acordo com Bresser Pereira (1998), a crise do Estado está associada, de um lado, ao caráter cíclico da intervenção social e, de outro, ao processo de globalização, que reduz a autonomia das políticas econômicas e sociais dos Estados nacionais. O processo de globalização impôs uma pressão adicional para a Reforma do Estado, levando a um enorme aumento do comércio mundial, dos financiamentos internacionais e dos investimentos diretos das empresas multinacionais, o que significou um aumento da competição internacional patrocinada pelas empresas multinacionais. Jameson (2001), dentro dessa reflexão, afirma que há um novo estágio multinacional do capitalismo, do qual a globalização, quase sempre associada à assim chamada pós-modernidade, é uma característica intrínseca. Essencialmente, o que caracterizava o Estado brasileiro era seu caráter desenvolvimentista e conservador. Não era um Estado do bem-estar social. O Estado era o promotor do desenvolvimento, e não o transformador das relações da sociedade. Um Estado conservador, que logrou promover transformações fantásticas, sem alterar a estrutura de propriedade, por exemplo. Sua grande marca: um Estado desenvolvimentista, conservador, centralizador, patriarcal e autoritário. 2.1.1 Bases Históricas do Quadro de Exclusão no Brasil O tema da exclusão social nos põe diante de um conjunto grande de incertezas em relação à sociedade contemporânea e a nossa capacidade de sair da falésia que elas representam. Independente das definições vagas da problemática social que esse tema suscita, 41 seu uso representa, ao mesmo tempo, um clamor de consciência e uma visão pessimista e sem saída da realidade social de nossos dias. Mas, na angústia que o motiva, representa também a demanda de uma compreensão positiva e libertadora das causas e características dos problemas que a consciência social assinala, teme e questiona. Na concepção de Martins (2008), a exclusão é e foi própria das sociedades tradicionais, das sociedades estamentais, como foi a nossa, aliás, durante todo o período colonial e o período imperial, e da qual sobrevivem fortes vestígios. Não só nas diferenças entre raças, entre brancos e negros e, até uma certa época, oficialmente, entre brancos e indígenas. Mas, também, nas regulamentadas diferenças entre brancos e brancos, entre nobres e pobres, entre cavaleiros e peões. Uma distinção que, entre nós, sobrevive de vários modos, com poder de discriminação, embora, em nossa consciência social, sobreviva apenas como resquício de um vocabulário que já não parece ter sentido, embora tenha. Desta maneira, podemos afirmar que o autor esboça um sentido para o termo exclusão, ou seja, é o sintoma grave de uma transformação social que vem rapidamente fazendo de todos os seres humanos seres descartáveis, reduzidos à condição de coisa, forma extrema de vivência da alienação e da coisificação da pessoa, que Marx já apontara em seus estudos sobre o capitalismo. Antes de existir para o capitalismo europeu, em formação no século XVI, nosso país já existia, não como um país consolidado, mas um amplo território e diversas nações indígenas, organizadas como civilizações autônomas, com diversas possibilidades de desenvolvimento. A partir da ocupação portuguesa, ―o ‗desenvolvimento‘ definiu uma trajetória, em meio ao massacre de povos, culturas, valores [...] o Brasil se insere no mundo como colônia de exploração: um engate dramático e selvagem [...]‖ (ARAÚJO, 2000, p. 296). Benjamin (1998, grifo nosso), realizando uma análise desse processo, recupera o ponto de partida do Brasil por meio do estatuto colonial. Para o autor, os portugueses fizeram-nos colônia, nascemos colônia. Não foi autônomo o processo de formação da sociedade brasileira, mas, de fato, uma expansão do moderno sistema mundial, centrado na Europa – organizado de fora para dentro e voltado para fora. Nascemos como uma não nação, apenas território colonizado para abastecer os mercados centrais. Desse processo histórico, resultou um tipo de economia dependente e geradora de excedente para os outros, uma formação social fundada no latifúndio e, na escravidão, uma ocupação litorânea, na qual se concentraram depois as grandes cidades e o essencial da população, provocando a intensa degradação dos recursos naturais litorâneos e a subutilização de imensos espaços no interior, entregues, depois, pelo Estado aos latifundiários, por 42 mecanismo ilegal, como grilagem, ou a simples expulsão – pacífica ou violenta dos moradores. O Estado Brasileiro, quando nasceu com a independência, em 1822, foi estruturado sob o comando das oligarquias rurais e regionais, fundando um padrão oligárquico, cuja principal característica é o patrimonialismo, em que o Estado representa a continuidade das propriedades oligárquicas, o que até hoje marca a gestão das políticas públicas e dificulta o controle social mais amplo sobre elas. Esse modelo político/econômico deixou uma herança com características colonial, escravocrata e latifundiária, como salienta Araújo (2000): a) a herança colonial: evidente até hoje nas relações internas entre o país e o resto do mundo. Herança ainda presente na mentalidade colonizada das elites, mas que impregna também o resto da sociedade: valorizamos o que é dos outros, o que vem de fora, e não temos consciência de nossa potência, do esforço acumulado nesses séculos que nos precederam. Isso dificulta a construção de um projeto nacional. Submetemo-nos, cedemos mais que precisaríamos ceder, não sabemos avaliar nossos triunfos, nossas potencialidades, até os dias atuais; b) a herança escravocrata: presente nos brasileiros nas suas relações uns com os outros, numa mentalidade segregacionista; c) a herança latifundiária: base de um poder muito forte que bloqueia o processo de reforma agrária no país. A concentração do ativo terra está na raiz do processo de concentração da renda gerada no país nas mãos de poucos. Freire (1967) reforça tal ideia quando afirma que o sentido marcante de nossa colonização, fortemente predatória, à base da exploração econômica do grande domínio, em que o ―poder do senhor‖ se alongava ―das terras às gentes também‖ e do trabalho escravo, inicialmente do nativo e posteriormente do africano, não teria criado condições necessárias ao desenvolvimento de uma mentalidade permeável, flexível, característica do clima cultural democrático, no homem brasileiro. O autor ainda chama a atenção, afirmando que, ao lado disto, e, possivelmente, em parte por causa desta tendência, marchou a nossa colonização no sentido da grande propriedade. Da fazenda. Do engenho. Fazenda e engenho, terras grandes, imensas terras, doadas às léguas a uma pessoa só, que se apossava delas e dos homens que vinham povoá-las e trabalhá-las. Não há realmente, como se possa pensar em dialogação com a estrutura do grande domínio, com o tipo de economia que o caracterizava, marcadamente autárquico. 43 O século XX é marcado por uma profunda reestruturação política, econômica e social no país. No início do século, segundo Gusmão (2003), éramos um país rural, com 80% dos habitantes vivendo no campo, e com uma base econômica primário-exportadora. Com pouco mais de meio século, o Brasil transforma-se num país urbano, com 80% da população morando nas cidades e uma economia de base industrial. A burguesia industrial torna-se o segmento de classe hegemônica e passa a exercer o comando sobre o Estado. A partir de então, o Estado brasileiro vai tomando características de um Estado desenvolvimentista, patrocinando o projeto da industrialização e o avanço das forças produtivas. Vai rompendo com sua vocação agrícola e passando a caracterizar-se como um Estado desenvolvimentista, conservador, pois nunca mexeu na sua estrutura fundiária para democratizá-la, assim também não democratizou o acesso a direitos sociais, como educação e saúde. Araújo (2000) destaca, nesse período, uma mudança importante em relação à época Brasil-colônia. A questão do excedente econômico, ao contrário das épocas anteriores, passa a realizar-se cada vez mais internamente. Enfatiza-se um novo dinamismo econômico, voltado para o mercado interno, porém atraindo empresas estrangeiras que vêm produzir aqui, preocupado com o mercado que se fortalece com o avanço dos assalariados e dos de médio poder aquisitivo. Montam-se, assim, as bases da formação do mercado interno. A partir daí, amplia-se a preocupação com a integração do espaço físico-territorial do país, iniciando-se a abertura de estradas e comunicações. Enfim, cria-se toda uma infraestrutura necessária para o desenvolvimento do capitalismo industrial. Nos anos em que o país esteve sob a ditadura militar, incentivou-se fortemente a acumulação privada do capital nacional associado ao estrangeiro, apoiada num capitalismo de Estado a serviço dos setores hegemônicos. Segundo Oliveira (1995), foi nessa época que se iniciou o processo de dilapidação do Estado brasileiro. Ao longo da década de 1970, o crescimento econômico do país baseou-se em empréstimos externos a juros flutuantes, o que levou o Brasil à crise da dívida ao longo dos anos 1980. Na década de 1980, a economia brasileira viveu processos de acomodação, com a imposição da hegemonia do capital financeiro, ocorrendo, no final desses anos, no governo Sarney, a hiperinflação, que provocou o rompimento dos diques e ocasionou o momento esperado para o condicionamento do povo à aceitação da medicina deflacionária. Paradoxalmente, durante a década de 1980, denominada, por alguns autores, de a década perdida, a sociedade civil no Brasil mostrou vitalidade. Se, do ponto de vista econômico, essa década foi marcada por perda na qualidade de vida para a maioria da população brasileira, do ponto de vista político, o processo de redemocratização política foi 44 sendo conquistado pela sociedade. Observou-se um processo de estagnação no campo da educação, da economia e da cultura. A recessão, o desemprego, a crise institucional generalizada, principalmente do Estado, a corrupção e a degradação social. Uma crise sem precedentes deixou a maioria da população, além de pobres, sem fôlego, devido à falta de investimento no campo das políticas públicas: [...] tivemos uma piora acentuada das condições de vida das nossas populações e uma drástica redução de investimento nas políticas sociais, entre elas uma diminuição de 25% dos investimentos educacionais que já eram muito baixos. O rendimento quantitativo e qualitativo dos nossos sistemas educacionais baixou [...] (GADOTTI E TORRES, 2009, p. 10, grifo nosso). A sociedade como um todo criou e desenvolveu formas de organização e reivindicação. A sociedade civil voltou a ter voz. A Constituição de 1988 e as eleições diretas indicam essa situação. Com as eleições diretas, espaços democráticos foram-se abrindo, para que outros setores sociais e políticos chegassem à estrutura burocrática do Estado, modificando sua composição, no sentido de não ser um espaço exclusivo das forças hegemônicas. A sociedade civil mostra vitalidade e responde ao ataque neoliberal, criando, na época, três grandes centrais sindicais de trabalhadores e provocando o impeachment do então presidente Collor. Entretanto, no governo do presidente Itamar, novamente o receituário da hiperinflação foi administrado, produzindo terreno fértil para o neoliberalismo, o que progrediu nos anos 1990, com o presidente Fernando Henrique Cardoso, por meio do Plano Real, caracterizado por todo esse receituário. O Brasil, vulnerável a esse movimento globalizado do capital financeiro, refém de sua dívida, diminui cada vez mais seus gastos com o social. A pobreza e a indigência no Brasil são definidas por meio de renda familiar per capita. A linha de pobreza é delimitada pela renda de dois salários mínimos por família, ou até meio salário mínimo per capita. Nesse sentido, Lesbaupin (2000), utilizando esses parâmetros, destaca, ainda, que, em 1990, os pobres seriam 42 milhões de pessoas, ou seja, 30% da população, e os indigentes, 16,6 milhões de pessoas, ou 12% da população. Os dados de 1993 indicam que 40% da população estavam abaixo da linha de pobreza, sendo que aproximadamente 20% estão abaixo da linha de indigência. Em 1996, época do Plano Real, ainda é maior a quantidade de pobres do que em 1990. A parcela da população abaixo do nível de pobreza aumentou a partir de 1996. O ganho populacional mais pobre ocorreu somente entre 1994-1996. Essa melhoria do perfil de distribuição de renda representou em resultado indireto provocado pelo denominado Plano Real. Quando se esgotaram, tais efeitos positivos provocados pela estabilização inflacionária sequer foram 45 suficientes para retomar patamares já atingidos no final dos anos 1980, apesar de aquele momento já apresentar um quadro social extremamente deteriorado e que continuou na década de 1990. Uma década de baixo dinamismo econômico e inflação galopante. Analisa Lesbaupin (2000) que, entre 1960 e 1990, o grau de desigualdade de renda aumentou continuamente. Nos anos 1960, houve, no país, um crescimento econômico moderado, acompanhado por um aumento acentuado da desigualdade. Nos anos 1970, o crescimento foi positivo, a renda cresceu muito rapidamente, e a desigualdade cresceu apenas ligeiramente. Nos anos 1980, houve um crescimento negativo, ou seja, a renda média declinou, e a desigualdade aumentou substancialmente. Consequentemente, nesse período, o nível de pobreza aumentou, e o nível de bem-estar social declinou. Em relação aos anos 1990, há uma queda do crescimento econômico a partir de 1995. Embora o plano econômico posto em prática pelo Governo, em 1994, tenha provocado uma melhoria na renda das camadas mais pobres, a desaceleração da economia começou a corroer esses ganhos. O governo Fernando Henrique Cardoso caracterizou-se por um acentuado processo de redução da capacidade de geração de empregos. A abertura da economia, com forte ampliação das importações e juros altos, quebrou inúmeras empresas pequenas e médias, provocando a queda do emprego formal, assim como os sucessivos ajustes fiscais e também a redução do emprego no setor público: Desde 1990, houve uma perda de 2.580.000 postos de trabalhos formal no Brasil dos quais 2.111.650 fechados no governo Collor de Mello (1990-92), 428.622 de postos de trabalhos no governo Itamar Franco (1993-94) e 897.000 postos de trabalhos formal fechados no governo FHC (1995-98) (LESBAUPIN, 2000, p. 15). Contextualizando a discussão, observou-se que o contexto mundial sempre foi marcado por agravamentos de crises generalizadas nas mais diversas esferas sociais, acarretando incertezas e imprevisibilidades decorrentes, muitas vezes, da multiplicidade de sentidos em disputa pelos atores envolvidos. Nesse aspecto, a grande maioria dos autores contemporâneos pressupõe que os processos de globalização não se reduzem tão somente ao campo econômico, pois estes interferem também nos campos político, social e cultural. O campo educacional, por situar-se numa área de interações e de influências, representa um espaço de interesses e impasses políticos e econômicos, cenário dos discursos estudados. Para situar o Brasil nessa nova configuração, foi necessário recuperar as bases históricas do quadro social do país, isso porque o Brasil, no século XXI, é um dos exemplos mundiais mais evidentes de brilhante desempenho econômico, um país fraturado socialmente e com indicadores sociais próximos dos países mais pobres do mundo. 46 Atualmente, 2016, o Brasil possui uma população estimada pelo censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 190.732.694 habitantes, sendo a quinta maior população do mundo, o que traz problemas de igual magnitude. Não podendo ser considerado um país pobre, o Brasil tem uma renda per capita colocada entre as 20 maiores do mundo, sendo a sétima economia mundial, mas, no índice de desenvolvimento humano, calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2014), está no 79º lugar. Ainda se faz presente nas primeiras colocações em concentração de renda e em concentração de riquezas. O grau de desigualdade no Brasil é representado pelo 4º lugar relacionado aos países da América. Determinada concentração de riquezas enfatiza o ponto de vista das elites, quando a questão se apresenta de modo claro: trata-se de acomodar as classes populares emergentes, domesticá-las em algum esquema de poder ao gosto das classes dominantes. Se já não é possível aquela mesma docilidade tradicional, se já não é possível contar com sua ausência, torna-se indispensável, afirma Freire (1967), manipulá-las de modo a que sirvam aos interesses das camadas dominantes e não passem dos limites determinados por estes setores. O entendimento sobre o desafio de se pensar uma educação mediante o cenário de conjuntura de passagem para um novo século invadido pelos ventos da pós-modernidade e da globalização, tendo em vista que, segundo Gamboa, ―a educação, atrelada aos interesses dominantes na sociedade global, parece redefinir seu papel formador do homo faber para essa nova fase do capitalismo‖ (2001, p. 98), reeditando, assim, a ideia da teoria do capital humano, pelo mais valor que a educação agregaria ao trabalhador. Percebemos que o desemprego é um dos temas mais debatidos atualmente, pois, além dos pobres, passou a ser também um problema das classes médias das populações do mundo. Ele é apontado como a principal causa da exaustão social vigente em vários países, desenvolvidos e subdesenvolvidos. Mas o desemprego é apenas a expressão parcial de um problema maior: a crise da sociedade salarial. O capitalismo pós-industrial tem sido marcado pela deterioração das relações de trabalho. Um contingente populacional cada vez maior está se submetendo a condições de trabalho aviltantes: longas jornadas, baixa remuneração, desproteção legal e instabilidade. Os engajados em atividades informais e precárias são, no fundo, candidatos a empregos formais, de maior qualidade, caso eles venham a existir. Nesse contexto, Barbosa (2007, p. 42) afirma que a informalidade ganha novo sentido e legitimidade. Convém dizer que o termo é usado para designar práticas diferentes. Grosso modo, refere-se à atividade econômica caracterizada por: 47 a) unidades produtivas baseadas no descumprimento das normas e da legislação concernentes a contratos, impostos, regulações e benefícios sociais; b) ocupações destituídas de proteção social, de garantias legais e de estabilidade, sendo recorrente ainda o fato de serem atividades de baixa produtividade, instáveis, com baixos salários, quando não se realizam sem remuneração por familiares e por autoemprego. As mudanças do capitalismo globalizado, sobretudo no que diz respeito ao desemprego, à informalidade, à precarização das relações de trabalho e à exclusão social, vêm recebendo a atenção de pesquisadores que aprofundam com bastante clareza os pontos apenas mencionados anteriormente (SINGER, 1998; CHESNAIS, 1996; MATOSO, 1993). Tal cenário contextualizado em âmbito nacional também é percebido e sentido nos Estados federativos e em seus respectivos municípios, com números condizentes à situação ora retratada. Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, entre os dez Estados mais pobres do Brasil, sete são da região Nordeste, e a Paraíba se apresenta no 6º lugar deste ranking. Estes são os Estados com a proporção de indivíduos com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 255,00 mensais, o que caracteriza como o primeiro nível de pobreza. Localizada na região Nordeste do Brasil, a Paraíba carrega uma das maiores marcas dessa região: a situação empobrecida de seu povo. Nos últimos dados do IBGE, referentes ao ano 2010, consta que a Paraíba tem um total de 3.766.528 habitantes. Dados do PNUD (2013) ainda apontam o supracitado Estado como um dos que se mantêm mais pobres do Brasil, ocupando a 23ª posição de um total de 27 unidades federativas, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano. Com uma economia basicamente ligada à agricultura e à pecuária, com poucas indústrias, sendo o próprio Estado o maior empregador, o drama do desemprego vem se tornando cada dia mais acentuado. Dados (IBGE, 2010) apontam que o Estado possui um número de desemprego médio de 8,6%, ou seja, acima da média nacional, de 7,6%. João Pessoa, abrangência geográfica de nossa pesquisa e uma das 27 capitais brasileiras, em termos populacionais, conta com 723.515 (IBGE, 2010). Com 429 anos, tem apresentado, nas últimas décadas, um intenso processo de urbanização, caracterizado, como em outras capitais, por transformações espaciais, econômicas e sociais, que articulam, em suas atualidades, o moderno e o antigo, a riqueza e a pobreza. A formação de sua população é marcada pela influência de suas elites rurais e pela escravidão, cujas heranças culturais profundas estão ainda hoje presentes na constituição 48 étnica da população, nos mitos e nas crenças que povoam o cotidiano, acompanhando o processo de modernização. Um dos mecanismos mais relevantes de sua expansão demográfica, principalmente nos anos 1970, foi o fluxo migratório vindo do interior do Estado, constituído, em maior parte, por uma população empobrecida pela inviabilidade de reprodução social, como pequenos produtores rurais ou trabalhadores assalariados no campo. A integração dessa população no espaço urbano ocorre de maneira frágil e periférica, vinculada às condições sociais e materiais de sua produção. Excluída dos direitos humanos fundamentais, como saúde, educação e trabalho, a moradia torna-se, particularmente, uma das questões mais graves da cidade. O IBGE, a partir do Censo 2010, reúne dados referentes às aglomerações subnormais de populações que vivem em comunidades pobres, favelas, grotas, invasões e baixadas. Conforme o levantamento, 130 mil pessoas moram em 178 favelas na Paraíba. João Pessoa e Campina Grande são as cidades com maior número de aglomerações desse tipo. Na Capital, que tem pouco mais de 720 mil habitantes, 91 mil pessoas se distribuem entre 25 mil domicílios em situações precárias. Existem 26 comunidades que vivem às margens de córregos e rios e 12 favelas concentradas em manguezais, ferrovias e rodovia. A violência da pobreza constitui parte de nossa experiência diária na sociedade brasileira contemporânea. Os impactos destrutivos do sistema vão deixando marcas exteriores sobre a população empobrecida. Sinais em que, muitas vezes, se ocultam a resistência e a capacidade dessa população de lutar cotidianamente para sobreviver. Sinais que, muitas vezes, expressam também o quanto a sociedade pode tolerar a pobreza sem uma intervenção direta para minimizá-la ou erradicá-la. Esta reflexão é mais bem fundamentada quando Yazbek (2007, p. 61) afirma que ―o fato de a presença dos ‗pobres‘ em nossa sociedade ser vista como natural e banal despolitiza o enfrentamento da questão e coloca os que vivem a experiência da pobreza num lugar social que se define pela exclusão‖. Estes poucos dados evidenciam a gravidade da situação e mostram que a exclusão de bens materiais e culturais faz parte da reprodução do cotidiano de um grande contingente populacional na sociedade brasileira. O processo histórico da pobreza produziu uma enorme reserva de força de trabalho que desaguou no desemprego e no trabalho informal precário. Por esta razão, destacamos o pensamento de Martins (2008, p. 124) ao afirmar: ―o problema, portanto, não está na exclusão. O grave problema social e político está na inclusão‖. O que a sociedade capitalista propõe hoje aos chamados excluídos está nas formas crescentemente perversas de inclusão, na degradação da pessoa e na desvalorização do trabalho como meio de 49 inserção digna na sociedade. Assim, esta reflexão nos leva a entender que o trabalhador se degrada como ser político, como sujeito da história, porque perde o poder de reivindicação. Tomando como base a reflexão realizada até o presente momento, entendemos que seria relevante conhecermos as percepções que os sujeitos participantes dos Empreendimentos Econômicos Solidários, unidade social de análise do nosso estudo, têm sobre o contexto da sociedade excludente, bem como os principais elementos presentes nas variadas situações de exclusões historicamente vividas. 2.1.2 O Contexto Excludente: qual a percepção dos indivíduos envolvidos nos Empreendimentos Econômicos Solidários sobre esta realidade? Nesta seção, para melhor entendimento, tomamos posse dos principais depoimentos trazidos pelos participantes da pesquisa no momento da coleta dos dados, permitindo-nos, com isso, compreender, inicialmente, o sentido dado por eles à Sociedade Excludente, uma das variáveis de investigação, por meio de alguns indicadores-chave. É importante destacarmos que a compreensão deste contexto excludente é fator fundamental para a discussão futura de nossa tese, realidade esta que tomamos como ponto de partida para nossa reflexão científica. 2.1.2.1 Um olhar sobre a Sociedade Excludente Conforme as respostas dos participantes dos Empreendimentos Econômicos Solidários, percebemos, inicialmente, que as leituras de muitos em relação ao contexto de exclusão são bem delineadas e revestidas de grandes sentidos historicamente definidos. Um primeiro indicador que nos ajuda na reflexão desta variável foi que, para alguns entrevistados, mesmo com o reconhecimento de um cenário de exclusão concreto, tem havido mudanças consideráveis em relação à inserção social, promovendo determinadas transformações da realidade e, ao mesmo tempo, ressaltando a promoção de programas sociais que têm levado, de certa maneira, a um desenvolvimento social. Tais ênfases são percebidas por meio de alguns depoimentos extraídos das entrevistas realizadas com os participantes dos EES abordados em nossa investigação: Poderia dar uma melhorada na questão da inclusão, agora só também que eu não levo tão ao pé da letra. Eu não acho que esteja assim tão excludente. Hoje, a própria sociedade já mudou. A gente tem condições de se incluir (ENTREVISTADA 3, grifo nosso). 50 Olha, eu vou dizer que eu acredito que hoje a sociedade é mais de incluir, pelos vários programas, pelas várias possibilidades que se existe do que de exclusão. Agora, como isso é feito, aí é outra história, como isso é colocado para as pessoas, como as pessoas se colocam nessa inclusão é outra história. Então, a possibilidade de inclusão é mais aberta, mas, historicamente, temos uma marca forte de exclusão, isto não podemos negar (ENTREVISTADA 5, grifo nosso). Bom, para mim, vivemos sim meio a um cenário de exclusão, mas hoje em dia já está bem melhor. Até um tempo atrás me sentia mais excluída, hoje já vejo diferente [...] (ENTREVISTADA 6, grifo nosso). Ainda vivemos, sim, num contexto de exclusão. Porém, no Brasil, estamos passando por vários avanços. Nessa questão da desigualdade social, tantos pelos programas sociais que foram incentivados pelo governo federal e os governos estaduais e municipais, mas ainda é muito excludente [...] (ENTREVISTADO 10). Percebemos que há um entendimento, por parte dos respondentes, de que a sociedade está mais aberta quanto ao processo de inclusão social, principalmente em relação ao ato de oferecer à população oportunidades de acesso por meio de programas sociais, dentro de um sistema que beneficie a todos, e não apenas aos mais favorecidos no sistema meritocrático em que vivemos. O que nos chamou a atenção foi o fato de muitos entrevistados reconhecerem que estamos vivendo um avanço quanto ao processo de inclusão social, mas, por outro lado, ainda há um desprovimento, por parte da população, em se encontrarem ou reconhecerem estes elementos, a ponto de não conseguirem avançar rumo à inserção social. Entendemos também que, mesmo com certo desenvolvimento social entendido nos sentidos das falas dos respondentes, foi preponderante o caráter fortemente exclusivo de nossa sociedade, fato gerador de reflexões sobre outras possíveis estratégias que poderiam colaborar de forma a amenizar este contexto. O período de passagem do momento da exclusão para o momento da inclusão implica certa degradação, e, segundo Martins (2008), a sociedade moderna vem criando uma grande massa de população sobrante que tem poucas chances de ser novamente incluída nos padrões atuais de desenvolvimento. Ou seja, o período de passagem entre exclusão e inclusão, que deveria ser transitório, vem se transformando num modo de vida permanente e criando uma sociedade paralela que é includente do ponto de vista econômico e excludente do ponto de vista social, moral e até político. A inclusão até acontece no plano econômico, pois a pessoa ganha algo para sobreviver, mas não ocorre no plano social, tampouco sem causar deformações morais. É exatamente o caso delas que revela o lado oculto ou que nós queremos ocultar dessa inclusão: elas se integram economicamente, mas se desintegram moral e socialmente e na questão dos direitos. 51 Outro indicador com teor relevante em nossa pesquisa diz respeito ao contexto de exclusão estar ligado diretamente às situações de autoexclusões, ou seja, há praticamente um ritual de autoflagelação por parte de muitos dos participantes da pesquisa, levando-os à autoria desta situação na qual os mesmos se encontram. Tais evidências se respaldam nos seguintes depoimentos: Hoje, a própria sociedade já mudou. A gente tem condições de se incluir. E acho que as pessoas também fazem questão de se excluir (ENTREVISTADA 3, grifo nosso). Acredito que vivemos em uma sociedade que é excludente. Penso que muitas pessoas mais pobres estão cada vez mais se deixando excluir. Há uma permissão para essa exclusão. Na verdade, vou além, há um processo de autoexclusão (ENTREVISTADA 4). [...] porque, pra mim, quem cala consente. [...] é importante se colocar para que as pessoas saibam sua opinião, só isto para mim já é suficiente. Agora, hoje em dia, eu não sinto mais na pele o preconceito de vários, porque eu me imponho eu não deixo. Depois que eu aprendi que você só é humilhado se você permitir, então, hoje eu não permito mais, de forma nenhuma. Antes mesmo eu me excluía, agora busco minha inclusão (ENTREVISTADA 7). Eu acho que nossa sociedade exclui sim, eu acho, mas eu acho que também cabe a nós não deixar que isso aconteça, você tem que ir atrás, tem que lutar porque, no dia a dia, sempre vai ter algo que te coloque pra trás. Cabe a cada uma de nós lutar pela inclusão. Acredito que esse processo de inclusão começa com nós mesmos, entende? (ENTREVISTADA 20). Percebemos que o sentido desses depoimentos aponta para o entendimento de que o processo de exclusão também é gerado por um olhar para si mesmo, ou seja, várias pessoas se permitem excluir. Podemos, ainda, ir além: há mulheres e homens que se autoexcluem, e este sentimento foi historicamente enraizado em suas essências, um sentimento de exclusão que se perpetua no ritmo de sua história de vida. Por outro lado, entendemos que muitos desses sujeitos, a partir de vivências coletivas, banhadas por propostas de centralidade humana, têm conseguido sair deste ritual de autoflagelação, voltando-se a uma maior compreensão sobre seus espaços em sociedade. Tal constatação poderá ser mais bem compreendida no decorrer de nossa tese, quando, posteriormente, nos aprofundaremos nos sentidos e significados das práticas socioeducativas vivenciadas pelos Empreendimentos Econômicos Solidários e suas influências no processo de emancipação humana. Percebemos ainda, em nossa pesquisa, outro indicador determinante nesta discussão sobre contexto excludente, que foi o fato de a exclusão social acontecer por meio de padrões pré-estabelecidos pelo sistema capitalista. Tais padrões vão desde elementos como idade, etnia, sexualidade, gênero, aparência física, viver em uma comunidade carente até questões 52 imbricadas no caráter do individualismo e competitividade. Tais fatores têm colaborado com os efeitos da exclusão social, como podemos observar nos depoimentos: Eu acho que, de certa forma, vivemos, sim, em uma sociedade excludente, principalmente em pontos como a idade, a aparência, e também o estudo. Nesses elementos, o mercado de trabalho não perdoa mesmo. É muito excludente (ENTREVISTADA 2, grifo nosso). Penso que aquelas pessoas mais pobres estão cada vez mais se deixando excluir. A economia solidária traz um novo olhar pra gente, traz uma nova proposta onde a gente está se vendo neste novo olhar. Não temos como fugir do capitalismo porque o sistema está aí, mas a gente está querendo estar paralelo a ele, fazendo uma coisa que dá prazer pra cada um de nós (ENTREVISTADA 4, grifo nosso). Só por morar na comunidade, a gente se sente excluída, eu posso dizer que superei muita coisa, mas tenho muito relato dos companheiros que era do grupo, que passaram por muitas situações de preconceitos (ENTREVISTADA 8). [...] ainda é muito excludente (a sociedade), principalmente para a população pobre, negra, que mora nas comunidades carentes (ENTREVISTADO 10, grifo nosso). Eu acho que a sociedade exclui mais por conta do capitalismo, do viver pelo dinheiro. Claro que necessitamos do capital pra viver, mas não tem inclusão nenhuma. A minha vida diária é brigar pra ter mudança. Vamos pensar na Economia Solidária, vamos pensar no outro, vamos dividir. E o capitalismo não é assim. É a conquista. Eu tenho que fazer melhor para poder derrubar você que não faz tão bem (ENTREVISTADA 13, grifo nosso). A partir desses depoimentos, percebemos que a inclusão social é um conjunto de meios e ações que combatem a exclusão aos benefícios da vida em sociedade, provocada pela falta de classe social, origem geográfica, educação, idade, existência de deficiência ou preconceitos raciais. Nossa cultura tem uma experiência ainda pequena em relação à inclusão social para além do aspecto econômico, com pessoas que ainda criticam a igualdade de direitos e não querem cooperar com aqueles que fogem dos padrões de normalidade estabelecidos por um grupo que é a maioria. E é bom lembrarmos que as diferenças se fazem iguais quando colocadas num grupo que as aceitem e as consideram, pois acrescentam valores morais e de respeito ao próximo, com todos tendo os mesmos direitos e recebendo as mesmas oportunidades diante da vida. Tal fator pode ser visto a partir dos depoimentos positivos quanto às experiências nos grupos de produção (empreendimentos) que seguem os princípios do Movimento de Economia Solidária. Percebemos que o sistema vigente em nossa sociedade, fragmentado pelo regime de acumulação de capital, impede a inclusão dos grupos desfavorecidos a uma via em que as suas dignidades, enquanto seres humanos, não são reconhecidas. Com uma atuação cada vez mais acelerada e desenfreada, a globalização hegemônica tem arruinado não só o desejo de liberdade, de igualdade, de emancipação humana, como também o próprio desejo de luta por 53 cada uma delas, desencantando muitos projetos de futuro que apresentam o ser humano como sua essencialidade. Martins (2008, p.35) colabora nesta discussão quando afirma que ―não só, nem principalmente, excluídos das oportunidades de participação social. Mas, excluídos das possibilidades ativas do fazer História. São descartáveis. Esse é o extremo histórico da coisificação da pessoa e de sua alienação‖. Destacamos ainda, neste diálogo, outro indicador referente ao tema do contexto excludente, que é a ausência de conhecimento/formação da consciência crítica como papel relevante no processo de inclusão social. Eu acho que, de certa forma, vivemos, sim, em sociedade excludente, principalmente em questão de idade, o mercado de trabalho, aparência, e também estudo. Estudo a gente sabe que, de certa forma, precisa, mas existem outras características que o capitalismo exclui sem avaliar isso (ENTREVISTADA 2, grifo nosso). Sim, com certeza, vivemos em uma sociedade extremamente excludente. Ainda temos muito a fazer com relação a isso. A gente, na prática, no dia-dia, vemos muitas pessoas que precisam ser informadas, ser formadas e principalmente serem acompanhadas, porque eu percebo a falta de entendimento. Como pensar em inclusão desta forma? (ENTREVISTADA 9). A partir do cotidiano desta pesquisa, constatamos que a ausência de uma formação acadêmica formal é um fator que tem gerado exclusões e nos traz um sentido de não fazer parte da sociedade, minguando determinadas oportunidades nas vidas dessas mulheres e homens. Ao mesmo tempo, descobrimos, a partir de alguns depoimentos dos sujeitos de nossa pesquisa, que muitos retomaram suas vidas acadêmicas (educação formal) a partir da vivência nos grupos de produção. Participar desta experiência coletiva tem sido um estímulo ao crescimento acadêmico formal, ponto importante e contributivo na visão dos grupos pesquisados para saírem de um contexto excludente. Para nosso estudo, é importante entendermos o sentido dessas práticas socioeducativas em um espaço não escolar, como os EES, percebendo uma interpretação que vai além, isto é, uma possível articulação existente entre a educação não formal com a formal, atuando complementarmente. A exclusão social como uma questão histórica, este foi outro achado de nossa pesquisa quando debatemos sobre a percepção dos entrevistados acerca da sociedade excludente. [...] a possibilidade de inclusão é mais aberta, mas, historicamente, temos uma marca forte de exclusão, isto não podemos negar (ENTREVISTADA 5, grifo nosso). [...] até hoje a gente ainda sofre aí com os resquícios da colonização [...] de que um grupo social tem que ficar sempre à margem mesmo. Então é um processo excludente, vivemos num mundo excluso (ENTREVISTADO 15, grifo nosso). 54 A partir dos depoimentos, entendemos o sentido marcante de nossa colonização, fortemente esmagadora à base da exploração econômica, sem deixar espaço para a construção de um clima cultural democrático. Percebemos que a exclusão social refere-se a dificuldades ou problemas sociais que levam ao isolamento e até mesmo à discriminação de um determinado grupo, de uma determinada sociedade. Martins (2008, p. 21) colabora com esta discussão quando afirma que ―a verdadeira exclusão está na desumanização própria da sociedade contemporânea, que ou nos torna panfletários na mentalidade ou nos torna indiferentes em relação aos seus indícios visíveis no sorriso pálido dos que não têm um teto, não têm trabalho e, sobretudo, não têm, esperança‖. Desta forma, quem não está incluído não pode ser protagonista das virtualidades de transformação da sociedade, de realização daquilo que é historicamente possível. Estes grupos excluídos, ou que sofrem de exclusão social, precisam, assim, de uma estratégia ou uma política de inserção, de modo a que se possam integrar, sendo aceitos pela sociedade que os rodeia. 2.1.2.2 Contexto Excludente: principais relatos destas vivências Nesta seção, abordaremos as principais situações excludentes vivenciadas pelos sujeitos envolvidos nos Empreendimentos Econômicos Solidários (unidade social e de análise de nossa pesquisa). Salientamos que os depoimentos trazidos estão revestidos de sentidos e significados que nos ajudam a compreender concretamente as experiências individuais e coletivas, levando-nos a entender tais sentimentos como algo vivamente presente em diversas situações reproduzidas nas relações em nossa sociedade. Os primeiros elementos norteadores desta seção estão ligados ao tema padrões estabelecidos pelo sistema capitalista. As vivências sinalizadas por nosso grupo de respondentes podem ser entendidas a partir das seguintes falas: Já sofri muito de exclusão em relação a minha idade e minha aparência. Algumas meninas do grupo sempre colocam que muitas estão no grupo pela questão da idade, porque não encontram mais espaço no mercado de trabalho. São exigências que o mercado já estimula um pouco o padrão. É aquele padrão e pronto! (ENTREVISTADA 2, grifo nosso). Então, assim, minhas maiores vivências de exclusão em minha vida se deram por fatores simples, como: sou negra, sou da comunidade, sou mulher [...] elementos que já criaram raízes em nossa sociedade, características de grupos que já foram excluídos historicamente (ENTREVISTADA 8, grifo nosso). Foi complicado entrar em uma universidade. Hoje sou pedagoga e foi a partir do grupo de produção que consegui entrar na universidade. A universidade é 55 elitizada, eu ia assim de sandália, muito à vontade, então, de uma certa forma, era discriminada, não deixa de ter discriminação até dentro de um espaço de geração de conhecimento. Não estamos isentos de espaços que nos levam a um contexto excludente (ENTREVISTADA 8, grifo nosso). Antes eu não tinha muita noção do que era exclusão. Porque, como eu era sempre dona de casa, mãe de família, mas na escola, assim quando a gente passa numa loja, vai no centro, as pessoas sempre olha pro seu físico. Se você se veste bem, se você fala bem, essas coisas, esse tipo de coisas isso é muito ruim (ENTREVISTADA 12). Eu, particularmente, tenho uma deficiência, já procurei emprego e não fui aceita. Sempre percebi certos olhares preconceituosos. Até hoje em dia, com tamanha abertura que dizem que temos, ainda sou excluída por ter uma necessidade especial (ENTREVISTADA 14, grifo nosso). Não só eu como outros moradores que tem uma certa idade sempre me questionei se daria certo e se me aceitariam no grupo de produção, por eu ser mais velho. Eu não tinha noção da coisa assim: botar uma padaria na favela! Eu mesmo questionava: isso vai dar certo? Na favela? Eu não acreditava e estava gerando um certo preconceito. Depois vi que seria possível e consegui muitos ganhos com esta experiência (ENTREVISTADO 18, grifo nosso). Um ponto de exclusão é justamente a questão da inserção social. É aquela questão, por exemplo, você combater a cultura que se tem de que a mulher tem que ficar lá naquele espaço, ela fica dependendo de um companheiro, ao mesmo tempo ela pode fazer algumas coisas, mas sempre numa linha de que, da questão da doméstica, da questão da casa [...] não uma mulher como uma pessoa que pode ser dona de sua vida. Vivi muito este tipo de exclusão, mas hoje encaro a situação de forma diferente (ENTREVISTADA 21, grifo nosso). Os sentidos que percebemos a partir dos depoimentos é que esses indivíduos são excluídos não apenas porque são desiguais ou diferentes, mas porque são considerados como não semelhantes, um ser expulso, não dos meios modernos de consumo, mas do gênero humano, conforme afirma Nascimento (1995). A partir do conjunto de questões levantadas neste momento da pesquisa, podemos afirmar que, com a globalização, ocorre uma metamorfose do sistema de desigualdade social no capitalismo para um sistema de exclusão social. Neste novo cenário, as lutas sociais relevantes serão pela inclusão social de setores sociais que antes eram excluídos por estarem em desigualdade socioeconômica e que agora estão excluídos também por suas desigualdades socioculturais. Em complementaridade ao que foi exposto ao tema ora discutido, descobrimos, neste momento da pesquisa, que o fator de viver em uma comunidade carente também foi apontado como uma das principais vivências do cenário de exclusão. Muitas das mulheres de nosso grupo viviam na beira da linha. A exclusão era enorme naquele contexto de realidade, pois é uma comunidade extremamente carente. Posso afirmar que esse foi uma das minhas maiores exclusões: morar em uma comunidade pobre (ENTREVISTADA 5, grifo nosso). 56 [...] somos de comunidade carente. Como a comunidade é excluída, também somos excluídos apenas por viver nesta comunidade (ENTREVISTADA 8). Uma forte exclusão já parte por eu morar em um bairro de periferia. É eu falar onde eu moro e o pessoal todo se assusta. Esta razão desta má fama é da mídia que vende uma imagem errada de nossa comunidade. Já fui muito, muito, muito excluída por causa disso (ENTREVISTADA 13, grifo nosso). [...] de forma particular, nas comunidades de extrema carência, essa exclusão é muito nítida. Você sabe que Mandacaru é um dos bairros mais violentos, não é? E tem tráfico de droga, então [...] (ENTREVISTADA 17, grifo nosso). Olha, um dos elementos muito fortes da questão da exclusão é viver em uma comunidade pobre. Isto por si só já gera muito preconceito, nos faz sentir esquecidas, excluídas (ENTREVISTADA 21, grifo nosso). Percebemos que a ausência do pertencimento da comunidade, ou seja, da aceitação plena do seu espaço de vida é um fator de grande legitimação da exclusão já exposta pelo sistema hegemônico. Pensamos que se faz necessário autoassumir parte daquela região/localidade para, posteriormente, a partir de uma reflexão crítica, agir com transformação e promoção de uma melhoria na qualidade de vida. Outro ponto que trazemos para esta discussão refere-se à ausência de conhecimento, principalmente a educação formal, como fator de experiências vivenciadas nos contextos excludentes: Um fator de exclusão é por eu não ter uma formação acadêmica. Mas eu acredito que minha formação é, não diminuindo a acadêmica, mas eu acho que a formação que eu tive, eu chego em qualquer lugar e saio muito bem, mais do que quem tem qualquer outra formação. Mas já fui muito, muito, muito excluída de certas coisas por causa disso (ENTREVISTADA 13, grifo nosso). Sempre me senti excluída porque eu não sou formada. O pouco conhecimento que tenho aprendi aqui no meu trabalho, em minha família e aqui no grupo de produção (ENTREVISTADA 14). Acho que o tipo de exclusão é exatamente assim quando as pessoas não têm conhecimento, não têm educação [...] (ENTREVISTADA 16, grifo nosso). Já sofri muito com preconceitos, principalmente quando eu não sabia ler. Fui muito excluída, tinha medo de sair na ruía, pois nem um ônibus eu sabia pegar. O grupo de produção me incentivou a aprender a ler e hoje me sinto outra mulher, mais dona de mim (ENTREVISTADA 19, grifo nosso). Com base nos depoimentos elencados, constatamos que, historicamente, os sujeitos envolvidos em nossa pesquisa são marcados por indicadores que remontam ao contexto da sociedade excludente como o desemprego, a ausência da formação acadêmica, questões de padrões estabelecidos pela sociedade, ausência do sentimento de pertencimento da comunidade, entre outros fatores que abordamos ao longo desta seção. A experiência da exclusão presente na vida dos entrevistados apenas nos confirma que estamos inseridos em uma sociedade que privilegia o crescimento econômico em detrimento do desenvolvimento social. Na verdade, o desenvolvimento capitalista caminhou para a 57 ampliação das disparidades sociais, sendo que existe uma pequena faixa populacional rica, ou com acesso a muitos benefícios sociais e tecnológicos, e a maior parte da população vivendo na miséria ou à beira dela, sem participação desses benefícios sociais. Nesse sentido, podemos afirmar que as últimas décadas foram marcadas por mudanças de grande profundidade, que estão alterando profundamente a dinâmica e a forma de funcionamento da economia mundial, produzindo desemprego, precarização do emprego e queda da renda salarial média, intensificando o fenômeno da exclusão social de milhares de trabalhadores no mundo inteiro. Entretanto, dentro da discussão sobre a sociedade excludente, podemos perceber, a partir dos depoimentos dos sujeitos envolvidos, que não devemos nos fadigar apenas nas análises sobre a questão da desigualdade e da discriminação, mas trazer à tona o debate sobre as possibilidades de vivências paralelas ao sistema vigente, que contribua ao entendimento histórico de cada indivíduo sobre sua condição atual, possibilitando, ao mesmo tempo, uma condição de libertação desta situação de opressão, ou seja, estratégias de resistência e luta cotidiana desenvolvida pelos excluídos como forma de criar dignidade, sobrevivência e conquista de espaços e posições, sem perder de vista o objetivo final de promover transformações de estrutura que possibilitem a inclusão social. A partir das reflexões realizadas nesta seção, entendemos a exclusão como um conceito sistêmico, mais que uma definição precisa de problemas, ela expressa uma incerteza e uma grande insegurança teórica na compreensão dos problemas sociais da sociedade contemporânea, como afirma Martins (2008). Basicamente, exclusão é uma concepção que nega a História, que nega a práxis e que nega à vítima a possibilidade de construir historicamente seu próprio destino, a partir de sua vivência, e não a partir da vivência privilegiada de outrem. A ideia de exclusão pressupõe uma sociedade acabada, cujo acabamento não é por inteiro acessível a todos. Os que sofrem essa privação seriam os excluídos. O que se observa é que os trabalhadores pobres, as classes subalternas e submetidas à espoliação engendrada pela sociedade capitalista reagem a sua situação de pobreza de diferentes formas, que, muitas vezes, se combinam: quer desenvolvendo estratégias de sobrevivência extremamente diversificadas, quer vindo a constituir-se em demandatária dos programas das políticas públicas, ou ainda, articulando-se em movimentos que têm o Estado como alvo prioritário de suas lutas sociais. É a carência como uma situação social, e não como uma situação individual de alguns, que define o caminho das ações coletivas de enfrentamento da pobreza por parte dos subalternos (YAZBEK, 2007). Estas alternativas, ao lado de outras práticas das classes subalternas, constituem uma denúncia da espoliação e das 58 precárias condições de reprodução social da força de trabalho no país. Apontam também para a busca de saídas individuais ou coletivas e para os interesses de um segmento de classe que luta pela subsistência. Uma ação que, desde a década de 1990, vem surgindo de forma mais madura e estruturada no Brasil é a Economia Solidária, movimento que, concretamente, fez os Empreendimentos Econômicos Solidários emergirem, trazendo como proposta uma lógica diferente da onda capitalista retratada nesta seção. É a iniciativa de constituir, segundo Barbosa (2007, p. 21), ―práticas amenizadoras do não-assalariamento para subsistência de trabalhadores desempregados‖. Relembramos que os Empreendimentos Econômicos Solidários são o locus de nossa pesquisa, configurando-se como um dos atores que compõem o Movimento de Economia Solidária. Desta maneira, mesmo com um olhar central e de análise para os EES, acreditamos que, para um melhor entendimento dos elementos intrínsecos a estes espaços de educação não formal, faz-se necessário apresentarmos, brevemente, o MES, possibilitando, com isto, a compreensão de sua essência, lugar de destaque na próxima seção. 2.2 A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O CONCEITO DE MOVIMENTOS SOCIAIS Antes mesmo de iniciarmos o debate sobre os principais elementos teóricos que revestem o Movimento de Economia Solidária, pensamos que seria relevante discutirmos a relação existente entre as manifestações de iniciativas econômicas populares denominadas de Economia Solidária e o conceito de Movimentos Sociais. Nos debates atuais, apresenta-se a Economia Solidária não apenas como ações e reivindicações de geração de renda e criação de oportunidades de trabalho. Seu conceito é complementado com a noção de ampliação das capacidades políticas e a busca de uma cidadania ativa. As características apresentadas por este movimento, principalmente no que tange à construção de alternativas ao sistema hegemônico, o capitalismo, e de suas propostas de construção de novos valores em uma sociedade mais igual, permitem, ao nosso olhar, abordá-la sobre os preceitos de movimento social. Mas não é apenas o contorno ideológico a ser destacado, pois o caráter de movimento remete ainda às articulações entre os diversos tipos de organizações, desde organizações de base, que agrupam os trabalhadores, até as organizações de representação nacional da Economia Solidária. As diversas manifestações já estudadas e problematizadas hoje em dia sobre a Economia Solidária evidenciam a diversidade de ações coletivas e a criação de redes de 59 colaboração que se enquadram adequadamente na construção conceitual de movimento social. As redes, como apontam Castells (1999) e Scherer-Warren (2007), e aqui acrescenta-se ―de solidariedade‖, têm se tornado cada vez mais importantes para a sustentabilidade e a visibilidade destas iniciativas como movimento social. Touraine (1995) define movimento social como o esforço de um ator coletivo para legitimar valores das orientações culturais de uma sociedade, opondo-se às ações e projetos de um adversário (com valores opostos), com o qual se relaciona por meio de relações de poder. Nesta concepção, o autor destaca o componente ideológico que caracteriza os movimentos sociais e, de forma bastante explícita, apresenta certa dimensão conflitual imanente, manifestada nas divergências de interesse e no âmbito do exercício do poder. Gohn (2003) concorda com as proposições teóricas de Touraine (1997) quando afirma que os movimentos sociais são o pulsar da sociedade. Energias sociais antes dispersas são canalizadas e potencializadas por meio de suas práticas em ―fazeres propositivos‖. Os movimentos sociais representam, assim, forças sociais organizadas que aglutinam as pessoas, não como força-tarefa, mas como campo de atividades e de experimentação social, e essas atividades são fontes geradoras de criatividade e inovação sociocultural e, também, de forma mais sofisticada, inovação institucional. Os movimentos sociais populares também têm buscado produzir alternativas para propiciar a sobrevivência de setores sociais excluídos da sociedade ou para superar as assimetrias das estruturas de classe, atuando segundo uma agenda emancipatória, realizando um diagnóstico sobre a realidade social e construindo propostas que orientam as mobilizações. Tais movimentos articulam ações coletivas que agem como resistência à exclusão e lutam pela inclusão social (PICOLOTTO, 2008). Esta perspectiva corrobora o argumento de Scherer-Warren (2007), para quem os movimentos sociais passam a assumir o papel [político e pedagógico] de preparar os sujeitos para se tornarem atores ativos em diversos espaços públicos, desde mobilizações de base local, até participação de fóruns e conselhos setoriais de parceria entre sociedade civil e Estado e, nos últimos anos, a busca de representação em conferências nacionais e internacionais de iniciativa governamental. Ao final do percurso pelas teorias sobre os movimentos sociais, Gohn (2003) estabelece sua conceituação que caracteriza os movimentos sociais como ações sociopolíticas construídas por atores coletivos, numa conjuntura específica de relações de força na sociedade civil. Segundo a autora, as ações desenvolvem um processo de criação de identidades em espaços coletivos não institucionalizados, gerando transformações na sociedade. 60 Neste sentido, entendemos que os movimentos sociais têm contribuído na transformação de alguns elementos materiais e culturais da sociedade atual. A Economia Solidária não pode ser entendida somente como uma alternativa de geração de renda. Deve ser entendida como um movimento social que, mediante suas ações, tem possibilitado transformações tanto materiais quanto culturais na sociedade atual, propondo uma nova forma de fazer economia e ressignificando valores e práticas arraigadas no sistema convencional de produção capitalista. Com base nos posicionamento desses autores, levantaram-se vários argumentos que nos permitem apresentar, politicamente, a Economia Solidária como um movimento social que tem se contraposto às tendências hegemônicas do sistema capitalista e da globalização, fazendo uso de mecanismos econômicos para angariar demandas sociais e garantir credibilidade política, além de trazer, em sua essência, a solidariedade, propondo a ruptura da lógica capitalista de acumulação e da sobreposição capital-trabalho. Os depoimentos dos sujeitos envolvidos em nossa pesquisa, a partir de seus sentidos e significados, reforçam o caráter de movimento social à Economia Solidária, como poderemos observar com maior clareza em capítulos futuros deste estudo. 2.3 A EMERGÊNCIA DE UMA ECONOMIA SOLIDÁRIA As formas de organização econômica baseadas no trabalho associado, na propriedade coletiva de meios de produção e na cooperação têm origens remotas na história das sociedades humanas. Elas ganharam expressão e organicidade nas lutas históricas dos trabalhadores no início do século XIX, sob a forma de cooperativismo, como uma das maneiras de resistência conta o avanço avassalador do capitalismo industrial, tendo surgido em meados do século XX como resposta dos trabalhadores às novas formas de exclusão e exploração no mundo do trabalho. De acordo com Oliveira (2012), as mudanças estruturais, de ordem econômica e social, ocorridas no mundo nas últimas duas décadas, fragilizaram o modelo tradicional de relação de trabalho, com o aumento da informalidade e a precarização das relações formais em uma conjuntura de desemprego em massa. Por outro lado, o aprofundamento dessa crise abriu espaço para o surgimento e o avanço de outras formas de organização do trabalho, contribuindo para o surgimento de novos sujeitos sociais e para a construção de novos espaços de mobilização. Com base no capítulo ilustrado anteriormente, é possível percebermos que uma das graves consequências das disparidades sociais que o Brasil ostenta é o seu nível superlativo de pobreza, decorrente da desigual apropriação e repartição da riqueza, em contraste com a 61 abundância de recursos e com a capacidade produtiva do país. A persistência das desigualdades ao longo de nossa história indica que as mesmas possuem raízes profundas, ante as quais políticas de crescimento econômico e medidas compensatórias dirigidas à população de baixa renda não têm surtido efeitos decisivos nem prolongados. Outrossim, apoiando-nos no que Asseburg e Gaiger (2007) retratam, a queda da desigualdade registrada após 2001, somada ao debate e às tentativas recentes de remodelagem das políticas públicas, diante de um quadro social agravado e quase em descontrole, justifica que se contemplem novas alternativas, explorando-as, sobretudo, quando favoráveis ao desenvolvimento social e produtivo dos trabalhadores pobres, de modo que possam gerar renda por sua própria conta e conquistar níveis mínimos de autodeterminação. Sabemos que é possível afirmarmos que a erradicação da pobreza não será possível pela via unilateral de ações governamentais. O êxito de tais ações depende de chances e espaços nos quais os afetados pelas desigualdades possam escolher o caminho para atuar como agentes na recuperação de sua dignidade (ASSEBURG; GAIGER, 2007). Deve-se, então, ter em conta os padrões de privação de capacidades (SEN, 1999; 2001) que afetam as pessoas. Sem sua superação, elas não reagirão adequadamente diante de oportunidades mais favoráveis, para tirar-lhes proveito, visando à melhoria de suas condições de vida. Muitos são os fatores que interferem para a erradicação das desigualdades sociais, mas uma condição essencial é a atuação dos indivíduos como agentes historicamente constituídos do processo de sua emancipação. Não basta a assistência econômica por parte do Estado; deve-se promover o desenvolvimento de capacidades que permitam às pessoas gerar rendas por sua própria conta e, desta forma, sair por si mesmas da pobreza. Devem-se fortalecer os mecanismos para a transformação de capacidades em rendimentos, que por sua vez possibilitam o desenvolvimento de funcionamentos valiosos e novas capacidades (RODRÍGUEZ, 2005, p. 223). Cunha (2003) aponta uma discussão pertinente para o momento ora em diálogo quando afirma que, na América Latina, a discussão sobre economia solidária está, para a maioria dos autores, ligada ao contexto de crise econômica e exclusão social, em relação direta com a emergência de uma economia popular e questões correlatadas – como informalidade, desemprego, precarização, marginalidade e outras características do mundo do trabalho nesses países. Alguns autores latino-americanos que se debruçam sobre as formas de economia popular enxergam nelas não só atividades econômicas desenvolvidas por setores populares, para tentar satisfazer necessidades básicas, mas também atividades econômicas, cujo objetivo não é a acumulação de capital. 62 Singer e Souza (2003) reforçam essa ideia quando apontam que o caráter transformador da ES abre a perspectiva de superar a condição de mero paliativo contra o desemprego e a exclusão. Para os que desconhecem este caráter, as cooperativas são meros substitutos dos empregos com carteira assinada, que as recessões vêm aniquilando. Se a retomada do crescimento fizer voltar a crescer o número de empregos formais, os que têm este ponto de vista esperam que as cooperativas deixem de ser necessárias e entrem num processo de definhamento. Há uma boa possibilidade, no entanto, de que estejam enganados. É muito comum um cooperador recusar empregos porque, como se costuma dizer, ―já não aguenta mais trabalhar para patrão‖ (p. 28). Muitos autores interpretam a economia solidária como forma de resistência dos setores populares à crise no mundo do trabalho e ao quadro de exclusão social. Entre eles, parcela significativa enxerga, além do caráter emergencial e imediato, também um potencial de transformação social e entendem ―a economia solidária não só como uma necessidade material, mas também como uma opção ideológica‖ (CUNHA, 2003, p. 46). Argumentam, inclusive, que se trataria de economia alternativa ao modelo capitalista. Segundo as diferentes abordagens, esse caráter alternativo pode ser entendido como resposta da tradição socialista de base associativa e autogestionária ao colapso do socialismo real (uma economia socialista), ou pode ser analisado dentro do contexto de formas mais recentes de resistência social por meio da organização da sociedade civil, ou, ainda, pode levar em conta que a economia dos setores populares contrapõe-se à economia capitalista porque envolve setores do trabalho, e não do capital (daí os termos economia popular e economia do trabalho, muito usados na América Latina). Embora essas experiências apresentem graus variados de consciência e organização, a busca pela socialização da riqueza e pela gestão democrática da atividade econômica tem sido identificada como característica comum à maioria. Há um campo teórico ainda em construção, mas, gradativamente, os sujeitos coletivos dessas experiências se reconhecem na referência, em termos como economia solidária, economia popular solidária, economia social, socioeconomia solidária, economia do trabalho, economia humana, economia de reciprocidade. Em nosso trabalho, adotamos o termo economia solidária, pois em nosso caso, pretendemos afirmar como proposta de transformação social. Desta forma, para nosso entendimento, a Economia Solidária – ES deve ser vista como uma estratégia de enfrentamento da exclusão e da precarização do trabalho, o que confirma a perspectiva acentuada de uma ação afirmativa nesse campo. 63 Por outro ângulo, o combate à exclusão social, exposto anteriormente, por meio de uma rede de proteção social que integre programas distributivos, de reinserção social e de previdência social, deve conter políticas ―portadoras de novos significados para esses novos sujeitos sociais‖, considerando ―a pluralidade de suas estratégias de sobrevivência, da afirmação de suas diferenças e identidades‖ (COHN, 2003, p. 74). Ainda nos valendo de Asseburg e Gaiger (2007), comungamos do acreditar que as experiências de economia solidária sinalizam traços desse protagonismo, desde seus primórdios, no correr dos anos 1980, quando sua presença, polimorfa e difusa no tecido social, deixava-as aparentemente alheias aos principais embates travados no campo popular. Movendo-se no terreno concreto das lutas pela sobrevivência, reunindo pessoas por meio de práticas participativas, de cooperação e autogestão, essas experiências inovaram ao buscarem soluções coletivas de iniciativa própria para demandas, cujo atendimento se buscava anteriormente por meio de pressões de massa que acionassem a capacidade provedora do Estado (SCHERER-WARREN, 1996; GAIGER, 2004b). Sua expansão e fortalecimento posterior referendaram a hipótese de que cumpririam um papel apreciável na formação de indivíduos e grupos com capacidade de ação, advinda da vivência de reorganização da vida cotidiana e, por extensão, das múltiplas esferas da vida social (GADOTTI, 1993, grifo nosso). Dentro desta lógica, a ES pode ser encarada como estratégia de enfrentamento do desemprego e exclusão social, mediante o preparo social e profissional de trabalhadores (SENAES, 2006, grifo nosso). Com o acirramento da crise do capitalismo já na década de 1980 e a abertura do mercado interno às importações nos anos de 1990, percebeu-se que o desemprego era mais que algo conjuntural. A crise era estrutural, advinda do modelo de desenvolvimento hegemonizado pelo grande capital financeiro. A população que ficava à margem desse sistema precisava reinventar alternativas econômicas para garantir sua sobrevivência. Assim, Antunes (2001, p. 86) afirma: Sua condição de despossuído e excluído o coloca potencialmente como sujeito social capaz de assumir ações mais ousadas, uma vez que esses segmentos sociais não têm mais nada a perder no universo da sociabilidade do capital. Sua subjetividade poderia ser, portanto, mais propensa à recebida. Desse modo, uma forma de organização do trabalho, baseado na economia solidária, vem ganhando espaço no meio social, na busca de alternativas para superar a crise do desemprego e da exclusão social. Mediante tal contexto, várias questões podem ser 64 levantadas, entre elas: como se deu o advento e a evolução dessa economia intitulada solidária? Cabe-nos, neste espaço, a tentativa de resposta que traduza uma expressão sobre o surgimento deste constructo. 2.3.1 A Reconstituição Histórica: advento e evolução da economia solidária Como primeira forma de estabelecer esse debate, é preciso considerarmos que, apesar de a expressão economia solidária ter sido criada no Brasil, trata-se de um movimento que ocorre no mundo todo e diz respeito a produção, consumo e distribuição de riqueza com foco na valorização do ser humano. Segundo Singer (2007), a sua base são os empreendimentos coletivos (associações, cooperativas, grupos informais e sociedades mercantis). Pode-se dizer que a economia solidária se origina na Primeira Revolução Industrial, como reação dos artesãos expulsos dos mercados pelo advento da máquina a vapor. Na passagem do século XVIII ao século XIX, surgem, na Grã-Bretanha, as primeiras trade unions (sindicatos) e as primeiras cooperativas(SINGER, 1998; OLIVEIRA FILHO, 2010). Com a fundação da cooperativa de consumo dos Pioneiros de Rochdale (1844), o cooperativismo de consumo se consolida em grandes empreendimentos e se espalha – primeiro pela Europa e depois pelos demais continentes. Mas, desde uma visão intercultural, pode-se afirmar que práticas econômicas fundadas em princípios de solidariedade existiram em todos os continentes – e muito antes da Revolução Industrial. Práticas solidárias milenares no campo econômico foram reconhecidas e têm sido estudadas no cerne das diferentes culturas como elementos fundamentais da agregação e coexistência de comunidades humanas. Portanto, identificar a economia solidária apenas com as vertentes do movimento operário europeu seria um equívoco, pois sua história pode ser recontada, por exemplo, a partir das tradições da América pré-colombiana, ou dos povos africanos ou asiáticos, tanto quanto dos povos europeus. A expressão economia solidária, porém, foi cunhada somente na última década do século XX (LAVILLE; GAIGER, 2009). Tanto no Brasil como em toda a América Latina, o Movimento da Economia Solidária começou a aparecer a partir dos anos 1970 com os movimentos sociais e, mais especificamente, nos anos 1980, com o desenvolvimento tardio dos países latino-americanos, ocasionado pelo modo de produção capitalista do modelo neoliberal e o processo da democratização. 65 Historicamente, a sociedade brasileira civilmente organizada tem estado presente, promovendo mudanças relevantes nos setores da sociedade. Flavia Piovesan e Carla Bertucci Barbieri analisam essa influência após regimes militares: [...] a sociedade civil fortalece-se mediante formas de organização, mobilização e articulação, que permitiram importantes conquistas sociais, que reforça a democratização do cenário brasileiro como suas demandas e reivindicações (PIOVESAN e BARBIERI, 2005, p.80). Sendo assim, a década de 1970 e toda a década de 1980 foram marcadas por uma transição paradigmática nesse campo das teorias dos movimentos sociais. Em um contexto assinalado pela crise do capitalismo e cuja dinâmica atinge diretamente o mundo do trabalho formal, surgiram, assim, novos atores sociais coletivos, cujas configurações não cabiam nos conceitos já estabelecidos e predeterminados pelas teorias vigentes. Desta forma, as discussões sobre a ES passam a integrar o cenário democrático nacional, e "consolida-se, no Brasil, o entendimento de que uma política de desenvolvimento social realmente séria e que precisa da participação de novos atores‖ (CASTRO, 2009, p.150). A economia solidária surge como modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que se encontram (ou temem ficar) marginalizados do mercado de trabalho. A ES associa o princípio da unidade entre posse e uso dos meios de produção e distribuição simples de mercadorias, com o princípio da socialização desses meios no capitalismo. Sob o capitalismo, os meios de produção são socializados na medida em que o progresso técnico cria sistemas que só podem ser operados por grande número de pessoas, agindo coordenadamente, ou seja, cooperando entre si. Gadotti (2009) afirma que o MES deu-se com o envolvimento de educadores latino- americanos ainda no final dos anos 1980, quando formularam um primeiro programa de economia popular de solidariedade para a América Latina. Nesta ocasião, o educador Paulo Freire (1921-1997) elaborou uma introdução para o programa, em que demonstra sua extraordinária capacidade de desvendar o potencial desta nova maneira de praticar a economia, ao dizer que ela representa algo de novo e esperançoso para o futuro da educação popular da América Latina e para uma transformação econômica mundial. Desde então, surge a visão de outra economia que constitui, na verdade, um projeto de sociedade, que implica novos valores, acentuando o papel da educação popular em seu caráter participativo, contestatório e alternativo. A ligação umbilical da educação popular com a economia solidária deve-se ao fato de que esta se apoia em novos valores que, aplicados a atividades econômicas, exigem a invenção de novas práticas, que cabe à educação popular 66 difundir entre aqueles que a peculiar dinâmica do capitalismo exclui do espaço econômico por ele dominado. A ES não é a criação intelectual de alguém, embora grandes autores socialistas, denominados ―utópicos‖, da primeira metade do século XIX (Owen, Fourier, Buchez, Proudhon, entre outros), tenham dado contribuições decisivas ao seu desenvolvimento. A ES é uma criação em processo contínuo de trabalhadores em luta contra o capitalismo. Como tal, ela não poderia preceder o capitalismo industrial, mas o acompanha como uma sombra, em toda sua evolução (SINGER; SOUZA, 2003). Ainda na visão desses autores, a ES é o projeto que, em inúmeros países, há dois séculos, vem sendo ensaiado, na prática, por trabalhadores e estudado, sistematizado e propagado por pensadores socialistas. Os resultados históricos deste projeto em construção podem ser sintetizados do seguinte modo: a) homens e mulheres vitimados pelo capital organizam-se como produtores associados, tendo em vista não só ganhar a vida, mas reintegrar-se à divisão social do trabalho, em condições de competir com as empresas capitalistas; b) pequenos produtores de mercadorias, do campo e da cidade, associam-se para comprar e vender em conjunto, visando a economias de escala, de propriedade deles; c) assalariados associam-se para adquirir, em conjunto, bens e serviços de consumo, visando a ganhos de escala e melhor qualidade de vida; d) pequenos produtores e assalariados associam-se para reunir suas poupanças em fundos rotativos que lhes permitem obter empréstimos e juros baixos e, eventualmente, financiar empreendimentos solidários; e) os mesmos criam também associações mútuas de seguros, cooperativas de habitação, etc. Segundo Schiochet (2009), no Brasil, a economia solidária ressurgiu na década de 1980 como uma resposta dos trabalhadores à crise social provocada pela estagnação econômica e pela reorganização do processo de acumulação capitalista. No entanto, ganha visibilidade na década seguinte, quando se insere no debate sobre as potencialidades transformadoras inerentes à luta popular e da classe trabalhadora. A resposta dos trabalhadores e comunidades empobrecidas passa a ter caráter emancipatório. Sousa (2008) reforça essa ideia quando afirma que a noção teórica de economia solidária começou a aparecer no Brasil na década de 1980, mas é prioritariamente na segunda metade da década de 1990 que elas tomam impulso e multiplicam-se. Essa ―onda solidária‖ é 67 resultado do investimento de vários movimentos sociais, organizações não governamentais, categorias e entidades sindicais que buscam novas formas de superação da crise do capital e do trabalho, do desemprego, forjando estratégias de ação política e organização do trabalho. Um elemento conjuntural, apontado por Oliveira (2012) e que, possivelmente, influenciou esse movimento, foi o imaginário criado em torno das iniciativas econômicas de geração de trabalho e renda, como sendo algo ligado à promoção humana com caráter caritativo e assistencialista. A Cáritas Brasileira, organismo ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, foi uma das primeiras organizações no país a iniciar o fomento à ES e, há mais de 30 anos, apoia Empreendimentos Econômicos Solidários voltados à emancipação econômica, política e cultural de comunidades em situação de pobreza. Como é possível observar, esse setor vem se desenvolvendo no Brasil, constituindo, supostamente, uma resposta da sociedade civil às mudanças nas relações de trabalho, ao desemprego e à ampliação da pobreza. Já na década de 1990, observou-se o surgimento e a multiplicação de organizações e entidades de apoio, assessoramento, agregação e fomento a todo tipo de empreendimento associativo e cooperativo. Na realidade, entre os anos 1980 e 1990, processaram-se diferentes experimentações de práticas econômicas, mas foi entre o fim da última década e o início de anos mais recentes que ganhou expressão um movimento de articulação de sujeitos políticos, valores e perspectivas sociais. Tomando como base o Quadro 1, apropriamo-nos de uma síntese desta evolução no cenário brasileiro. Quadro 1: Síntese e histórico da Economia Solidária no Brasil Período Acontecimento Breve descrição Anos 1980 e 1990 Primeiras experiências de Economia Solidária Experimentação de variadas experiências de geração de renda e trabalho por ONGs, isoladamente, e pela Cáritas, por meio dos PACs. 1998 Encontro Latino- Americano de Cultura e Socioeconomia Solidária – Porto Alegre (RS) Com a participação de países como México, Peru, Nicarágua, Bolívia, Espanha, Argentina e Brasil, elaborou-se a ―Carta de Porto Alegre‖, em que se definiu entendimento sobre economia solidária como alternativa social para a internacionalização do capital e a pobreza dos países periféricos, estabelecendo estratégias para a constituição de uma rede na região. 1995/Anos 2000 Experiências de políticas públicas regionais de economia solidária Práticas de fomento e fortalecimento de programas de geração de renda e trabalho baseadas em economia solidária em governos municipais e estaduais, com destaque para o protagonismo do Rio Grande do Sul. 1997/2001 Articulação Internacional Articulação internacional liderada pela Rede Peruana de Economia Solidária, Redes do Quebec/Canadá e da França em torno de uma globalização solidária. 2000 I Encontro Brasileiro de Cultura e Socioeconomia Solidárias, em Mendes (RJ) Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária – RBSES Com a participação de movimentos sociais, produtores populares e instituições de assessoria da sociedade civil, criou-se a Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária, com o objetivo de constituir redes regionais para fortalecer, articular e divulgar os grupos de produtores e consumidores, a fim de dinamizar a cadeia produtiva de economia solidária. 68 2002 Rede intercontinental pela Promoção da Economia Social e Solidária (Canadá) Criação da rede com o objetivo de desenvolver respostas inovadoras para os problemas da internacionalização da economia e promover o intercâmbio entre países hemisféricos Norte e Sul. 2001/2004 Fórum Social Mundial Nas quatro edições do fórum, três delas realizadas em Porto Alegre e a última na Índia, os debates e intercâmbios de ideias e práticas em economia solidária foram paulatinamente crescendo e ganhando as principais atenções do evento. 2001 Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária Instituído durante o I Fórum Social Mundial (FSM) para articular o debate e as entidades interessadas no tema nacionalmente, representou as redes internacionais de economia solidária junto ao comitê internacional que promove as edições do FSM. 2001 Rede Global de Socioeconomia Solidária Criação da rede, com a participação de 21 países, durante o I Fórum Social Mundial, objetivando integrar e divulgar a produção e a comercialização locais e nacionais. 2002 I Plenária Brasileira de Economia Solidária Essa plenária discutiu e definiu a articulação nacional de trabalhadores envolvidos com economia solidária e entidades de assessoria. 2003 III Fórum Social Mundial – Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recém- empossado II Plenária Brasileira da Economia Solidária O presidente assume compromisso de fortalecer a economia solidária em seu governo por intermédio de uma secretaria. 2003 Secretaria Nacional de Economia Solidária Instituída a secretaria no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, com a posse de Paul Singer, por sugestão dessa articulação nacional de economia solidária. 2003 III Plenária Brasileira de Economia Solidária Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES (Brasília) Fórum Nacional de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária Plenária Nacional de Economia Solidária convocada pelo GT Brasileiro de Economia Solidária, precedida de plenárias regionais em 18 Estados, constituiu, com 800 delegados de todo o país, o Fórum que passou a ser instância máxima de organização da sociedade nessa área. O fórum ficou composto por trabalhadores empreendedores da economia solidária, assessorias, gestores públicos e movimentos sociais atuantes nesse campo. A partir do crescimento das práticas de economia solidária nos governos – iniciadas no governo do Rio Grande do Sul (1999-2002) e na prefeitura de Porto Alegre (2000-2004) – desde 2002, iniciou-se uma articulação entre os gestores governamentais, e, em agosto de 2003, a rede de gestores de políticas públicas foi formalizada. Fonte: dados da pesquisa, 2015 Como vemos, a partir do quadro apresentado, a dinâmica social envolveu ações nacionais e internacionais em torno das consequências da mundialização e da maior concentração de riquezas. Cabe destacar que este movimento é claramente perceptível no governo Lula, que institucionalizou, a partir do seu primeiro ano de mandato, uma política centrada na economia solidária, para a qual criou uma secretaria nacional. Em junho de 2003, o Congresso Nacional aprovou projeto de lei do presidente Lula, criando, no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES). A direção da SENAES ficou a cargo de um respeitado acadêmico brasileiro, com grande atividade, pesquisa e produção sobre o tema, o economista Paul Singer. A partir de então, a economia solidária alçou o status de política pública de governo. 69 Singer (2004) ressalta que a SENAES entende que sua missão é difundir e fomentar a economia solidária em todo o Brasil, dando apoio político e material às iniciativas do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). Esse fórum inclui as principais agências de fomento da economia solidária, a rede de gestores municipais e estaduais de economia solidária, a Associação Brasileira de Gestores de Entidades de Micro-Crédito (Abcred) e as principais associações e redes de empreendimentos solidários de todo o país. Em meio a esta discussão, Sousa (2008) afirma, ainda, que, mesmo antes da criação da SENAES, as iniciativas de economia solidária no Brasil vinham sendo impulsionadas a partir das ações de vários grupos sociais (movimentos sociais, ONGs, Igrejas, incubadoras, etc.), que apoiavam, entre outras, a constituição e a articulação de cooperativas populares, as redes de produção e comercialização e as feiras de cooperativismo e economia solidária. Ao longo do tempo, esses grupos passaram a articular fóruns estaduais e regionais, mas foi no marco das organizações de entidades, durante as edições do Fórum Social Mundial, que se constituíram as bases de criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), considerado hoje o espaço de articulação da sociedade sobre este tema. No Brasil, a economia solidária expandiu-se a partir de instituições e entidades que apoiavam iniciativas associativas comunitárias e pela constituição e articulação de cooperativas populares, redes de produção e comercialização, feiras de cooperativismo e economia solidária, entre outros. Atualmente, a economia solidária tem se articulado em vários fóruns locais e regionais, resultando na criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária. O FBES é fruto do processo histórico que culminou no I Fórum Social Mundial em 2001. Em junho de 2003, realizou-se a III Plenária Brasileira de Economia Solidária, que contou com um processo preparatório de mobilização em 17 estados e teve a participação de 900 pessoas de diversas partes do país. Foi neste evento que foi criada, de forma definitiva, a denominação Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). Desta forma, segundo Oliveira (2012, p. 47), ―o FBES nasceu com a missão de mobilizar as ações de economia solidária no Brasil em torno da Carta de Princípios e da Plataforma Política ali aprovadas e com a tarefa de fazer a interlocução entre a economia solidária e o governo federal‖. Nesta mesma discussão, Bertucciet al (2010) colabora quando afirma que o FBES é um instrumento do Movimento da Economia Solidária, um espaço de articulação e diálogo entre diversos atores e movimentos sociais pela construção da economia solidária como base fundamental de outro desenvolvimento socioeconômico do país, a partir da realidade local, de modo economicamente solidário e ambientalmente sustentável. 70 Neste período de apenas alguns anos de vida do FBES, é possível percebermos um expressivo crescimento da Economia Solidária e de sua organização. Se, em 2002, a organicidade da Economia Solidária manifestava-se em apenas cinco estados, em 2003, as plenárias estaduais foram realizadas em 17 deles. Desde 2006, os Fóruns Estaduais estão presentes em todos os 27 estados do Brasil. Hoje, são mais de 160 Fóruns Municipais, Microrregionais e Estaduais, envolvendo diretamente mais de 3.000 empreendimentos de economia solidária, 500 entidades de assessoria, 12 governos estaduais e 200 municípios pela Rede de Gestores em Economia Solidária. O FBES descentralizou sua atividade, organizando os citados fóruns na maioria das unidades da federação (SINGER, 2004). O crescimento também tem promovido articulações e intercâmbios, levando o FBES a se comprometer também com a construção do movimento de economia solidária a nível internacional por meio da Rede Intercontinental de Promoção da Economia Social e Solidária e do Espaço MERCOSUL de economia solidária. Hoje, o Fórum Brasileiro busca milhares de participantes (empreendimentos, entidades de apoio e rede de gestores públicos de economia solidária) em todo o território brasileiro. Foram fortalecidas ligas e uniões de empreendimentos econômicos solidários, tendo sido criadas novas organizações de abrangência nacional. Com base nesse contexto, podemos afirmar que a ES no Brasil é marcada na sua história recente por dois grandes fatos. Um foi a criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária, que deu um caráter nacional ao que chamamos aqui de Movimento de Economia Solidária, e o outro foi a criação, no Ministério do Trabalho e Emprego, da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), trazendo para o Estado a responsabilidade da implementação da política pública. É claro que, hoje, a economia solidária constitui-se num fenômeno muito mais complexo. Nessas últimas décadas, ela vem se estruturando e se constituindo numa força alternativa ao modelo capitalista. Ainda na perspectiva da importância do surgimento desses atores, Gaiger (2004b, p. 819) ressalta que [...] atores e estruturas desse porte, ao entrarem em cena, não apenas introduzem variáveis decisivas para o possível avanço da economia solidária, eles nos introduzem em uma nova totalidade, que vem a reposicionar os diversos atores e a incidir sobre novas relações, dialeticamente: superam-se determinados pontos da agenda, ao mesmo tempo que afloram novos problemas já latentes ou doravante alimentados pela mudança de contexto, tornando inevitável o desenvolvimento de novas contradições. Estes ganhos institucionais do movimento foram cruciais para que a ES ganhasse legitimidade perante o Estado e mais credibilidade entre a população. A capacidade de 71 influência de um movimento social se amplia, à medida que este consegue institucionalizar seus canais de comunicação. Os termos subterrânea ou invisível, muitas vezes atribuídos à economia popular, revelaram a incapacidade de os governos e a economia oficial reconhecerem um fenômeno que não é nada oculto, desde aquela época. Em nosso país, a Economia Solidária está crescendo rapidamente. É um movimento, do qual participam, principalmente, três segmentos: (a) os próprios Empreendimentos Econômicos Solidários, cada vez mais orientados rumo à formação de redes, a uma articulação nacional, com uma plataforma comum; (b) as ONGs, universidades e outras entidades que dão apoio, seja por meio de ações de formação técnica, econômica e política, seja por meio de apoio direto em estrutura, assessoria, consultoria, elaboração de projetos ou oferecimento de crédito para a incubação e promoção de empreendimentos; c) os gestores públicos, representantes de governos municipais e estaduais, que têm programas explicitamente voltados à Economia Solidária e que constituem a rede de gestores públicos pela Economia Solidária. O contexto apresentado com o advento do termo Economia Solidária é tão expressivo como os números revelam, impulsionando esta realidade. O SIES foi implantado no ano de 2004 e, até o momento, realizou três rodadas nacionais de identificação e caracterização dos Empreendimentos Econômicos Solidários os EES no país. O primeiro levantamento ocorreu em 2005, quando foram mapeados 14. 954 EES e, em 2007, eram mais de 6.905, totalizando, nessa primeira fase, informações de 21.859 EES. A terceira rodada ocorreu nos anos de 2010- 2012 quando foram mapeados mais 11.663 EES. Portanto, desde 2004, o SIES já identificou 33.522 EES em todo o território nacional. Diante deste cenário apresentado, em cujo mapeamento – expressivo e significativo – aprofundar-nos-emos mais adiante, é possível levantar mais algumas questões dentro do leque apontado, que nos ajuda a evoluir em nosso diálogo: o que é a Economia Solidária? O que está por trás deste termo? Qual a sua essência? 2.3.2 Economia Solidária e suas Bases Conceituais: um campo teórico em construção Na expectativa de entender melhor a realidade e os desafios da Economia Solidária no mundo atual, recorremos, pois, aos conhecimentos já produzidos. Nesse sentido, alguns referenciais teóricos ajudam a elucidar questões referentes ao tema proposto. A economia solidária é um assunto de crescente interesse público. O debate sobre esse tema vem se tornando frequente no meio acadêmico, sindical e em outras organizações da sociedade civil, 72 particularmente na medida em que o desemprego cresce, buscando-se alternativas. Assim, apresentamos algumas questões acerca da ES, que, em nossa opinião, poderão somar com tantas outras já existentes. A expectativa é de irmos avançando coletivamente na construção de referenciais que nos ajudem a entender a realidade, a reorientar, quando for o caso, as práticas de economia solidária. Para Singer (2000), a economia solidária deve ser entendida como um modo de produção e distribuição que é reatualizado temporalmente, a partir da necessidade de inserção dos trabalhadores na economia e na busca de postos de trabalho, em contraposição ao modo de produção capitalista. Neste mesmo sentido, Sousa (2008) acrescenta que a economia solidária compreende uma diversidade de práticas econômicas e sociais, organizadas sob a forma de cooperativas, associações, empresas autogestionárias, redes de cooperação, complexos cooperativos, entre outras, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças, trocas, comércio e consumo. Nestes termos, para iluminar a compreensão que está posta na atualidade sobre a economia solidária, Singer e Souza (2003, p. 13, grifo dos autores) sintetizam, afirmando a importância dessa proposta e sua alternativa de superação do capitalismo: A economia solidária surge como modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo, criado e recriado periodicamente pelos que se encontram (ou temem ficar) marginalizados do mercado de trabalho. A economia solidária casa o princípio da unidade entre posse e uso dos meios de produção e distribuição (da produção simples de mercadorias) com o princípio da socialização destes meios (do capitalismo) [...]. O modo solidário de produção e distribuição parece, à primeira vista, um híbrido entre o capitalismo e a pequena produção de mercadorias. Mas, na verdade, ele constitui uma síntese que supera ambos. Na compreensão dos autores, a superação do capitalismo é possível porque, na economia solidária, os princípios são distintos e opostos aos da economia capitalista, entre eles: posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática da empresa; repartição da receita líquida entre os cooperadores. Por essa estrutura organizacional e ideológica, as experiências autogestionárias da economia solidária são modos concretos de organização do trabalho não capitalista, sendo herdeiras da tradição socialista (SINGER; SOUZA, 2003, SINGER, 2002). Evolvendo-se nesta mesma discussão, Schiochet (2009) destaca que, em sua essência, a economia solidária é um conceito utilizado para definir as atividades econômicas organizadas coletivamente pelos trabalhadores que se associam e praticam a autogestão. É 73 possível sublinhar, a partir de tais diálogos, as duas especificidades que, na visão do autor, ligam-se à teorização do termo momentaneamente tratado e que fundamentam as características das organizações econômicas solidárias: por um lado, o estímulo à solidariedade entre os membros, por meio da autogestão, e, por outro lado, a prática da solidariedade para com a população trabalhadora em geral, com ênfase especial na ajuda aos menos favorecidos. Neste interim, a definição dessa experiência não se limita, no entanto, ao espaço interno da organização, mas abarca toda a estrutura social: ―a economia solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual”(SINGER, 2002, p. 09-10, grifo nosso). Cabe ressaltar ainda, nesta discussão, a essência da economia solidária, o conceito reconhecido por Guélin (1998, p. 13): ela [a economia solidária] é composta por organismos produtores de bens e serviços, colocados em condições jurídicas diversas no seio das quais, porém, a participação dos homens resulta de sua livre vontade, onde o poder não tem por origem a detenção do capital e onde a detenção do capital não fundamenta a aplicação dos lucros. Para Laville e Roustang (1999), o conceito de economia solidária proporciona uma ênfase sobre o desejo primeiro da economia social, na sua origem, de evitar o fosso entre o econômico, o político e o cultural, pois é na articulação destas três dimensões que se situa o essencial da economia social ou solidária. O termo, segundo esses autores, tenta dar conta da originalidade de numerosas iniciativas da sociedade civil que não se encaixam na trilogia legalizada na França das cooperativas, mutualidades e associações. Lechat (2002) contribui de forma singular quando afirma que o conceito economia de solidariedade aparece, pela primeira vez no Brasil, em 1993, num texto do autor chileno Razeto, que o concebe como uma formulação teórica de nível científico, elaborada a partir de conjuntos significativos de experiências econômicas (e para dar conta deles), compartilhando alguns traços constitutivos e essenciais de solidariedade, mutualismo, cooperação e autogestão comunitária, definindo uma racionalidade especial, diferente de outras racionalidades econômicas. Não obstante, tal expressão também costuma ser usada para designar quaisquer práticas econômicas populares que estão fora do assalariamento formal (como comércio ambulante, pequenas oficinas, serviços autônomos, artesanato, confecção de costura), englobando ações individuais e outras que agrupam pessoas, em que o sentido de coletividade precisa ser enfocado, provocando a solidariedade na produção da atividade econômica, 74 propriamente. Elas têm em comum a ausência de direitos publicamente assegurados. Entretanto, governos e entidades civis envolvidos estão normatizando a área, e, nesse caso, a ES vem sendo entendida como uma modalidade específica de economia popular que reúne grupos em associações, cooperativas ou grupos de produção informais, baseadas na cooperação e na autogestão. Gadotti (2009, p. 26), ao discutir a economia solidária em sua diversidade e complexidade, resume o seu caráter nas seguintes palavras: ―Trata-se, na verdade, de uma desmercantilização do processo econômico, programa básico de construção de um novo socialismo hoje. Essa desmercantilização não significa uma desmonetarização ou o fim do mercado, mas sim ‗a eliminação do lucro como categoria‘‖. Essa formulação é muito interessante, pois, sendo a economia solidária formada por empreendimentos autogestionários, portanto, autônomos, não há dúvida de que eles só podem atuar em mercados. Por isso, o autor ainda afirma que a economia solidária é realmente um novo socialismo, que nada tem em comum com o ―socialismo realmente existente‖, baseado no planejamento centralizado da produção, distribuição e consumo pelo Estado, ao qual estavam subordinados todos os empreendimentos, que, por não terem autonomia, jamais puderam ser autogestionários. Em sua propriedade, a SENAES aponta que a expressão economia solidária tem diferentes usos, pois, ao atingir, recentemente, o estatuto de política pública, passou a ser definida como conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito – organizadas sob a forma de autogestão. Mesmo assim, é válido saber que outros segmentos sociais também a incorporam, como toda e qualquer iniciativa empreendedora desenvolvida por desempregados excluídos do mercado, com vistas a constituir seu próprio negócio. O campo é de entroncamento desses vários significados. Apesar do discurso hegemônico nos fóruns articuladores dessas iniciativas, hoje abrigamos, também no governo, essas práticas econômicas, vinculando-as a ações coletivas autogestionárias (daí o sentido da solidariedade). O educador Paulo Freire afirma que a ES representa algo novo e esperançoso para o futuro da educação popular na América Latina e para uma transformação econômica mundial. Ele nos chamou a atenção para um ponto importante da metodologia do novo panorama: ―considero que a partir de uma nova prática econômica, teremos que elaborar uma teoria do conhecimento que fundamente e fortaleça uma vida cada vez melhor para os setores populares‖. (20-21) 75 A ES não se resume a um produto, a um objeto, pois se constitui num sistema que vai muito além dos próprios Empreendimentos Econômicos Solidários. Ela é, sobretudo, a adoção de um conceito. Gadotti (2009) afirma que a ES respeita o meio ambiente, produz corretamente, sem utilizar mão-de-obra infantil, respeita a cultura local e luta pela cidadania e pela igualdade. E podemos ir além, já que a ES também implica em comércio justo, cooperação, segurança no trabalho, trabalho comunitário, equilíbrio de gênero e consumo sustentável. Além disso, as sobras são discutidas coletivamente, isto é, o que cada um ganha é discutido coletivamente. Envolvem-se pessoas comprometidas com um mundo mais solidário, ético e sustentável. Por isso, a ES está estreitamente ligada à educação transformadora e à democracia econômica: O projeto proposto pela economia popular e solidária tem entre seus principais fundamentos o desafio de estruturar uma economia que se alimente da inclusão social e da distribuição de renda, em um contexto em que signifique a radicalização da democracia política na direção da democracia econômica, a única capaz de trazer soluções definitivas aos problemas sociais (ARROYO, 2006, p. 53). Singer (2002, p. 10) ainda contribui nesta discussão, quando enfatiza que a ES é um modo de produção ―cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual‖. Na empresa capitalista, os salários são desiguais: diretores ganham mais do que gerentes, e estes, mais do que os técnicos e vendedores. Na empresa solidária, os sócios não recebem salário, mas sim retiradas que variam, conforme a receita obtida. Segundo os pesquisadores e os adeptos da causa da economia solidária, ela não se resume ao cooperativismo, mas esse é sua forma principal, pois tem fundamentos éticos de organização e uma tradição histórica. Nessa perspectiva, a economia solidária vai além, portanto, do cooperativismo, abrangendo outras formas de organização econômica, mas com a mesma orientação igualitária e democrática. Ou seja, são experiências baseadas em valores coletivistas, não individualistas. A partir do levantamento conceitual sobre o constructo abordado nesta seção, apoiar- nos-emos, inicialmente, em três categorias que nos ajudarão na análise das práticas socioeducativas desenvolvidas junto aos EES. Essas categorias podem ser assim descritas: (a) Econômica – um jeito de fazer a atividade econômica de produção, oferta de serviços, comercialização, finanças ou consumo, com base na democracia e na cooperação, o que os autores definem como autogestão; (b) Cultural – também um jeito de estar no mundo e de consumir (em casa, em eventos ou no trabalho) produtos locais, saudáveis, da Economia 76 Solidária, que não afetem o meio ambiente. Neste aspecto, também simbólico e de valores, estamos falando de mudar o paradigma da competição para o da cooperação, da inteligência coletiva, livre e partilhada; (c) Política – é um movimento social, que luta pela mudança da sociedade, por uma forma diferente de desenvolvimento, que não seja baseado nas grandes empresas nem nos latifúndios com seus proprietários e acionistas, mas sim um desenvolvimento para as pessoas e construída pela população a partir dos valores da solidariedade, da democracia, da cooperação, da preservação ambiental e dos direitos humanos. A unidade típica da ES é a cooperativa de produção, cujos princípios organizativos são: posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática da empresa ou por participação direta (quando o número de cooperados não é demasiado) ou por representação; repartição da receita líquida entre os cooperadores por critérios aprovados após discussões e negociações entre todos; destinação do excedente anual (denominado sobras), também por critérios acertados entre todos os cooperados. Ainda neste espaço de conceituação, vale destacar um ponto contributivo para a melhor compreensão da abordagem ora trabalhada: a economia solidária é, às vezes, chamada de economia social (termo comum em países europeus com tradição cooperativista, como a França, a Espanha e a Itália), mas essas ainda são duas concepções distintas. O sociólogo Jean-Louis Laville (2001) remete a economia solidária às práticas de ajuda mútua e autogestão das experiências associativas do século XIX, que teriam lançado as bases originais de um projeto político e foram reprimidas. Porém, suas características pioneiras teriam permanecido nos estatutos jurídicos regulamentados como economia social. Esses estatutos da economia social variam de acordo com a região da Europa (cooperativas, associações, sociedades mutualistas, sociedades de trabalho associado, sociedades laborais, etc.), mas, em geral, institucionalizam organizações caracterizadas por limitar a apropriação dos ganhos da atividade econômica por parte dos que nela investem capital, privilegiando, em vez disso, a constituição de um patrimônio coletivo. Segundo Cunha (2003, p. 58), a distinção entre economia social e economia solidária é mais evidente na França, onde parte da economia social teria reagido à recente ascensão da proposta da economia solidária, procurando confiná-la ao papel de solução emergencial para populações de baixa renda, embora as origens dessa proposta sejam anteriores ao atual contexto de exclusão social. O ressurgimento da economia solidária, no rastro dos novos movimentos sociais europeus, teria se dado, em parte, para questionar uma economia social em vias de se desvirtuar dos princípios democráticos em nome de competência técnica e 77 competitividade no mercado, e de se confundir com mera compensação aos efeitos sociais da economia de mercado. A economia solidária ressaltaria a dimensão política original, como observa Laville (2001, p. 47-48): Ao contrário do que pode levar a crer o encampamento da palavra solidariedade pelos promotores de certas ações caritativas, a economia solidária não é um sintoma da desregulação que quer substituir a ação pública pela caridade, nos levando a mais de um século atrás. Ela emana de ações coletivas que visam instaurar regulações internacionais e locais, completando as regulações nacionais ou suprindo suas lacunas [...] A economia solidária busca uma democratização da economia articulando as dimensões de reciprocidade e redistribuição da solidariedade para reforçar a capacidade de resistência da sociedade à atomização social, acentuada pela monetarização e mercantilização da vida cotidiana. É possível afirmar que, hoje, a economia solidária tornou-se uma nova maneira de nomear, conceituar e interconectar muitos tipos de valores econômicos transformadores, práticas e instituições que existem em todo o mundo. Ela inclui, mas não é limitada pelo consumo socialmente responsável, trabalho e investimento; cooperativas de trabalhadores, consumidores, produtores e credores; empreendimentos solidários, sindicatos progressistas, empreendimentos comunitários, microcrédito e cuidado com o trabalho não pago. A ES trata, ainda, de unir essas diferentes formas de economia transformadora numa rede de solidariedade: solidariedade com uma visão compartilhada, solidariedade com troca de valores, a solidariedade com os oprimidos. O que há de comum em todas essas denominações é que todas estão associadas a uma ―outra economia‖, articuladas como um projeto de sociedade que implica novos valores, acentuando o papel da educação popular em seu caráter participativo, contestatório, alternativo e alterativo. Daí, para fins desta tese, será possível contribuir com a crescente reflexão que tem sido feita em torno das ações educativas nas experiências em economia solidária, entendendo essa como uma abordagem que, recolocando o ser humano no centro da vida econômica, procura conciliar produção e circulação de riqueza com emancipação humana em direção a uma sociedade justa e igualitária. Desta forma, concluímos que a economia solidária pode ser entendia como uma práxis pedagógica. Para Barreto (2003), sua perspectiva é a de tentar mostrar que, exatamente pelo fato de se tratar de uma nova lógica econômica que não se limita a indicadores quantitativos, mas incorpora igualmente conquistas qualitativas, a economia solidária, para poder ser realmente solidária, necessita ser tratada para além das fronteiras da técnica, sobretudo econômica e jurídica, a que está atualmente confinada. Necessita ser tratada também do ponto de vista das relações sociopolíticas que permeiam a própria vida em sociedade e que se manifestam no 78 cotidiano das construções reais e simbólicas. Isso porque já sabemos que apenas a mudança do modo de produção, embora necessária, não é condição suficiente para a transformação de seres humanos subjugados em sujeitos emancipados, tal como pressupõe a ideia de cooperação, dinâmica-eixo da economia solidária. Os vários exemplos históricos que pudemos acompanhar ao longo do século XX mostraram-nos muito bem isso. Ora, de nada adianta um novo modelo de produção que também não se traduza em sujeitos sociais emancipados. A ES não propõe a substituição de um senhor por outro, mas sim a superação de sua dinâmica, senão como fato consumado, pelo menos como processo em curso. Para fins de nosso estudo, aproximamo-nos do conceito de Geiger (2003), que entende os empreendimentos solidários como expressão de uma forma social de produção específica, contraposta à forma típica do capitalismo e, no entanto, com ela devendo conviver, para subsistir em formações históricas ditadas pelo modo de produção capitalista. Para o autor, A crítica marxista do capitalismo está centrada na análise das relações de produção. Por conseguinte, a defesa de uma alternativa econômica, quando lança mão desta abordagem, deve sustentar-se em evidências de que, no modelo alternativo proposto, tais relações adquirem outro caráter e possuem chances reais de vigência histórica, ou seja, refletem interesses subjetivos dos trabalhadores e respondem a condições objetivas (p.193). Esse contexto, mesmo rapidamente reconstituído, permite-nos inferir algumas problemáticas, principalmente de natureza política. Um dos principais desafios para aqueles que analisam a economia solidária no Brasil, o que destaca Sousa (2008), é chegar à sua definição conceitual e aos dos atributos que a caracterizam, pois essa classificação tem sido dada a tudo que relaciona uma atividade de fins econômicos a supostos princípios ou benefícios na esfera social. Mediante o contexto, percebemos que a economia solidária é um fenômeno representativo na realidade brasileira. Em meio a esta construção conceitual, cabe trazermos para este diálogo também os princípios que se cristalizam como categorias intrínsecas ao constructo Economia Solidária a ser estudado, no caso particular, as práticas socioeducativas realizadas pelos agentes promotores frente aos Empreendimentos Econômicos Solidários. 2.3.3 A Economia Solidária e seus princípios norteadores Se considerarmos a economia solidária como o conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito – organizadas sob a forma de autogestão, de acordo com Singer (2002), teríamos, segundo o Sistema Nacional de 79 Informações em Economia Solidária (SIES), a SENAES (BRASIL, 2006) e a Cartilha da Campanha Nacional de Mobilização Social (2007), seus princípios baseados nos elementos norteadores que enumeramos a seguir: a) Cooperação: a existência de interesses e objetivos comuns, a união dos esforços e das capacidades, a propriedade coletiva de bens, a partilha dos resultados e a responsabilidade solidária sobre os possíveis ônus. Envolve diversos tipos de organização coletiva: empresas autogestionárias ou recuperadas (assumida por trabalhadores); associações comunitárias de produção; redes de produção, comercialização e consumo; grupos informais produtivos de segmentos específicos (mulheres, jovens); clubes de trocas [...]. Na maioria dos casos, essas organizações coletivas agregam um conjunto grande de atividades individuais e familiares; b) Autogestão: os participantes das organizações exercitam as práticas participativas de autogestão dos processos de trabalho, das definições estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, da direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses. Os apoios externos, de assistência técnica e gerencial, de capacitação e assessoria, não devem substituir nem impedir o protagonismo dos verdadeiros sujeitos da ação; c) Democracia: a Economia Solidária age como uma força de transformação estrutural das relações econômicas, democratizando-as, pois o trabalho não fica mais subordinado ao capital; d) Dimensão econômica: é uma das bases de motivação da agregação de esforços e recursos pessoais e de outras organizações para produção, beneficiamento, crédito, comercialização e consumo. Envolve o conjunto de elementos de viabilidade econômica, permeados por critérios de eficácia e efetividade, ao lado dos aspectos culturais, ambientais e sociais; e) Solidariedade: o caráter de solidariedade nos empreendimentos é expresso em diferentes dimensões. Insere-se na justa distribuição dos resultados alcançados; nas oportunidades que levam ao desenvolvimento de capacidades e da melhoria das condições de vida dos participantes; nas relações que se estabelecem com o meio ambiente, expressando o compromisso com um meio ambiente saudável; nas relações que se estabelecem com a comunidade local; na participação ativa nos processos de sustentabilidade territorial, regional e nacional; nas relações com os outros 80 movimentos sociais e populares de caráter emancipatório; na preocupação com o bem- estar dos trabalhadores e consumidores e no respeito aos direitos dos trabalhadores; f) Participação: é outra base de motivação da conjugação de sujeitos para o trabalho, desenvolvendo um processo educacional de formação e organização de uma nova cultura política. Envolve um conjunto de elementos de natureza pedagógica, relacionados aos interesses e objetivos dos grupos envolvidos; g) Centralidade do ser humano: as pessoas são o mais importante, não o lucro. A finalidade maior da atividade econômica é garantir a satisfação plena das necessidades de todos e todas; h) Valorização da diversidade: reconhecimento do lugar fundamental da mulher e do feminino e a valorização da diversidade, sem discriminação de crença, cor ou opção sexual; i) Emancipação: a Economia Solidária emancipa, liberta; j) Valorização do saber local, da cultura e da tecnologia popular; k) Valorização da aprendizagem e da formação permanentes; l) Justiça social na produção, comercialização, consumo, financiamento e desenvolvimento tecnológico, com vistas à promoção do bem-viver das coletividades e justa distribuição da riqueza socialmente produzida, eliminando as desigualdades materiais e difundindo os valores da solidariedade humana; m) Cuidado com o Meio Ambiente e responsabilidade com as gerações futuras: os empreendimentos solidários preocupam-se com a eficiência econômica e os benefícios materiais que produzem e buscam eficiência social, estabelecendo uma relação harmoniosa com a natureza em função da qualidade de vida, da felicidade das coletividades e do equilíbrio dos ecossistemas. O desenvolvimento ecologicamente sustentável, socialmente justo e economicamente dinâmico, estimula a criação de elos entre os que produzem, os que financiam a produção, os que comercializam os produtos e os que consomem (cadeias produtivas solidárias locais e regionais). Dessa forma, afirmam a vocação local, articulada com uma perspectiva mais ampla, nacional e internacional. Ao conhecer os princípios dessa nova economia, percebemos logo que ela não está aí apenas para compensar os resultados da exclusão social provocada pela economia dominante; ou para dar uma resposta ao desemprego. Ela veio para assentar as bases de um novo sistema social e econômico, a favor da vida, e não contra ela, capaz de integrar solidariamente toda a 81 sociedade, oferecendo às pessoas oportunidades de trabalhar, consumir e viver com qualidade, de forma digna e ética. Com base nesses princípios, podemos enfatizar uma das problemáticas que permeia este estudo a partir de um questionamento, ao qual iremos, mais à frente, responder cientificamente, levando a uma promoção sobre a reflexão se as práticas socioeducativas desenvolvidas pelos agentes de economia solidária em João Pessoa, PB, estão sendo idealizadas e promovidas a partir da essência desses princípios que configuram o fenômeno intitulado economia solidária. Desta forma, podemos, ainda, nos apoiar na tradução apontada por Schiochet (2009), que sintetiza o princípio da economia solidária como a apropriação coletiva dos meios de produção, a gestão democrática das decisões por seus membros e a deliberação coletiva sobre os rumos da produção, sobre a utilização dos excedentes (sobras) e, também, sobre a responsabilidade coletiva quanto aos eventuais prejuízos da organização econômica. Sendo assim, uma conjuntura permeada por desemprego, precarização, exclusão, desigualdade, descenso da luta social e política neoliberal compõe o contexto da expansão da econômica solidária, das experiências econômicas concretas, de Empreendimentos Econômicos Solidários e da crescente opção dos movimentos sociais, sindicais, universitários e de organizações populares por uma nova forma de luta social, a partir da organização econômica das pessoas. O modelo da autogestão, um dos princípios de mais essencialidade frente ao movimento de economia solidária, é baseado na democracia participativa. Ele está assentado [...] não apenas sobre a crítica da propriedade privada dos meios de produção, mas também sobre aquele da organização burocrática da gestão das organizações e do Estado [...]. O temor de abuso do poder por parte dos eleitos numa democracia representativa está no centro da democracia direta (MOTHÉ, 2005, p. 110-111). Não se concebe uma ES sem uma cultura solidária. As pessoas precisam estar convencidas de que aquele é o melhor caminho para si e para todos: [...] as pessoas passam a ser estimuladas a cultivar, entre elas, relações de reciprocidade, de respeito, de busca de entendimento, procurando conjugar igualdade de direitos e deveres às diferenças, aos traços peculiares de cada qual. Combinar adequadamente diferenças individuais e igualdade de direitos e deveres é um dos principais segredos na cultura solidária e é, também, um dos principais desafios da formação na ES (OLIVEIRA, 2005, p. 37, grifo nosso). 82 Segundo Cunha (2003, p. 47), as duas dimensões principais presentes no movimento emergem do processo de consolidação de cooperativas e outras formas de economia solidária: uma dimensão econômica, enquanto atividades econômicas que garantam meios de vida aos seus integrantes; e uma dimensão política, enquanto organizações coletivas, nas quais prevaleçam práticas democráticas, cooperativas e autogestionárias entre os integrantes. Embora, muitas vezes, apenas uma delas tenda a ser enfatizada, ambas são fundamentais para que a economia solidária se concretize. Participar de uma cooperativa ou forma econômica solidária é uma experiência que pode educar para a prática política e para o exercício consciente de direitos e deveres políticos – por intermédio das decisões tomadas coletivamente em assembleias ou por representantes eleitos democraticamente, da fiscalização coletiva das contas, da transparência das informações, da garantia de igualdade de voz e voto a todos os integrantes. O poder do trabalhador dentro de uma empresa com inspiração autogestionária relaciona-se com a capacitação do processo produtivo e administrativo, buscando uma superação da chamada divisão do trabalho e da eliminação da oposição entre o trabalho intelectual e o trabalho manual. Tal aprendizagem requer, além das formações educacionais e técnicas, uma profunda mudança cultural e política do trabalho. Suas novas metas estarão relacionadas a trabalhar com prazer, a buscar a integração entre diversos companheiros de trabalho, a distribuir seu tempo com base em procedimentos não autoritários e a criar uma nova vida social (SINGER, 2002). Nossa intenção, ao apresentarmos o Movimento de Economia Solidária, foi de contribuir com o leitor na compreensão do cenário ideológico em que os EES encontram-se inseridos. Por esta razão, não nos aprofundamos com maior teor na abordagem do movimento, reservando este mergulho para a análise das práticas socioeducativas vivenciadas pelos EES, objeto de estudo de nossa tese. As reflexões elencadas anteriormente levam-nos a mais alguns questionamentos que nos orientam na propositura e entendimento desta tese: o que são os EES? Como estão organizados? Como se configuram em nosso cenário? 2.3.4 Os Empreendimentos Econômicos Solidários: uma alternativa concreta frente ao cenário de exclusão social Com base na construção teórica desenvolvida até o presente momento desta trajetória, entendemos que a economia solidária representa atualmente um movimento econômico e social de significante amplitude. Consideramos que se trata de uma experiência socialmente 83 importante na fase atual do capitalismo, o que torna relevante um estudo mais aprofundado e de forma particular das práticas socioeducativas envolvidas na formação dos Empreendimentos Econômicos Solidários e em seus principais postulados. Nesta seção, iremos nos debruçar, de forma especial, no debate teórico sobre Empreendimentos Econômicos Solidários, locus de nossa pesquisa. Asseburg e Gaiger (2007) acreditam que as limitações do crescimento econômico como instrumento eficaz de redução da pobreza e das desigualdades, ao lado da insuficiência das políticas compensatórias, fazem com que os Empreendimentos Econômicos Solidários (ESS) de geração de trabalho e renda mereçam atenção. Em primeira mão, esses empreendimentos adotam o princípio de fortalecer a capacidade de ação dos empobrecidos. De modo efetivo, mesmo se variável e reversível, afastam-se da lógica dominante de produção de bens e de reprodução social ao eliminarem a divisão entre trabalhadores e meios de produção, entre produção e apropriação dos frutos do trabalho. Suas fragilidades inegáveis (GAIGER, 2004b) encontram uma via de compensação em fatores, cujo efeito positivo deriva do caráter associativo e cooperativo por eles incorporado (GAIGER, 2006). De acordo com Barbosa (2007), nas pesquisas, em geral, recorre-se a indicadores comuns para classificar um empreendimento como solidário, avaliando as experiências a partir de autodenominação de cooperativa ou associação/empresa autogestionária; distribuição igualitária ou equitativa dos rendimentos; gestão democrática por meio de fóruns coletivos de tomada de decisão, como assembleias, conselhos e reuniões, bem como eleição da diretoria a partir do preceito ―cada homem/mulher um voto‖; existência legal definida em estatutos e normas em assembleia dos associados. Há um entendimento comum de que a essência do empreendimento solidário é a autogestão, compreendida com a posse coletiva dos meios de produção e sua administração democrática, com a participação por igual de todos os que trabalham no empreendimento, cada pessoa tendo um voto na tomada de decisões. Definiram-se, em consequência, as seguintes características dos empreendimentos de Economia Solidária – EES: a) São organizações coletivas (associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção, clubes de trocas, etc.), suprafamiliares, cujos sócios são trabalhadores urbanos e/ou rurais. Os que trabalham no empreendimento são, na sua quase totalidade, proprietários ou coproprietários, exercendo a gestão coletiva das atividades e da alocação dos seus resultados. 84 b) São organizações permanentes, não são práticas eventuais. Além dos empreendimentos que já se encontram implantados, em operação, devem-se incluir empreendimentos em processo de implantação quando o grupo de participantes já estiver constituído, com sua atividade econômica definida. c) São organizações que podem dispor ou não de registro legal, prevalecendo a existência real ou a vida regular da organização. d) São organizações que realizam atividades econômicas de produção de bens, de prestação de serviços, de fundos de crédito (incluindo as cooperativas de crédito e os fundos rotativos populares administrados pelos próprios sócios trabalhadores), de comercialização (compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços) e de consumo solidário. As atividades econômicas devem ser permanentes ou principais, ou seja, a ―razão de ser‖ da organização. e) São organizações econômicas singulares ou complexas. Ou seja, deverão ser consideradas as organizações de diferentes graus ou níveis, desde que cumpridas as características acima identificadas. As organizações econômicas complexas são as centrais de associação ou de cooperativas, complexos cooperativos, redes de empreendimentos e similares (SENAES, 2006). Como se vê, são organizações caracterizadas como de natureza coletiva, permanente, podendo ser de estrutura singular ou complexa, e distribuem-se por um conjunto de atividades, como produção de bens, prestação de serviços, fundos de crédito, comercialização e consumo solidário. Não se pode perder de vista que a dinâmica dos processos sociais impõe uma diversidade de rumos e sentidos para as práticas de economia solidária. A contradição, perante a estrutura capitalista e a frágil tradição cooperativista, pode justificar essa diversidade de iniciativas de democracia e solidariedade encontradas nas organizações locais de trabalho, conforme aponta Icaza (2004) a partir das seguintes configurações: a) Empreendimentos Econômicos com traços predominantemente Solidários: cooperativas criadas com o objetivo claro de gestão democrática, envolvendo participação dos membros em assembleia e tomadas de decisões, bem como produção coletiva e distribuição de renda igualitária; b) Empreendimentos de caráter associativo, baseado na articulação e cooperação de produtos individuais: produtores individuais articulados coletivamente para o acesso à tecnologia, à comercialização e à assistência técnica, havendo a dinâmica de tomada 85 de decisões coletivas, mas operacionalização centrada em lideranças que respondam pelo grupo. Cada qual ganha, conforme sua contribuição e trabalho no grupo; c) Empreendimentos Econômicos de caráter familiar com diversos níveis de solidariedade e cooperação, amplamente determinados pelas lógicas de liderança ou autoridade estabelecidas em nível familiar ou comunitário: apresentam características bem diversas de democracia e solidariedade, tendo a mesma relação com as organizações de apoio, trajetória dos participantes e contexto social. Tendem a apresentar maior fragilidade financeira, e a democracia decorre mais da proximidade dos participantes do que de explícitos traços doutrinários. A questão mobilizadora do grupo é a situação de desocupação ou empobrecimento, e não os valores acerca da gestão coletiva e democrática do trabalho. Seu formato pode variar de uma pequena cooperativa a uma microempresa familiar. Gadotti (2009) tem razão ao propor a eliminação do lucro como categoria, pois o lucro é o rendimento do capital, que se opõe ao salário, como rendimento do trabalho. Nos empreendimentos da economia solidária, a prioridade dos meios de produção é coletiva, dela participando todos os que neles trabalham. Portanto, onde se pratica a economia solidária não há pertence integralmente aos trabalhadores associados, que democraticamente decidem – cada cabeça tendo um voto – como ela deve ser dividida entre investimentos e gastos de consumo dos trabalhadores e como esta última parte deve ser repartida entre os sócios. Os EES distinguem-se dos empreendimentos capitalistas porque têm uma gestão democrática, relações intersubjetivas de trabalho, trabalho em rede, participação cidadã, mutualismo, respeito aos direitos sociais e trabalhistas e superação do trabalho alienado. Por isso, na autogestão, a formação para a gestão não é um processo educativo restrito ao setor administrativo. A formação para a gestão em EES dirige-se ao conjunto de pessoas ligadas ao empreendimento, embora tenha que existir formação específica e profissional para certos quadros institucionais de acordo com as responsabilidades. Trata-se de uma formação para a gestão colaborativa e o trabalho de equipe. A formação constitui-se numa maneira muito concreta de apoiar e dar sustentabilidade aos empreendimentos autogestionários. Como reforça Gadoti (2009, p. 56), ―Ela [a formação] não se restringe a aspectos financeiros e formativos, mas envolve também aspectos organizacionais e produtivos‖. Com a autogestão, todos participam das decisões independentemente da função que executam. Por isso, todos os membros de um EES precisam ser formados para a gestão coletiva do próprio empreendimento. Todos precisam de uma nova formação, já que a forma como a sociedade capitalista se organiza não oportuniza uma cultura de decisão coletiva: 86 [...] o que define a autogestão são as relações sociais democráticas, coletivistas e igualitárias, que fazem da produção associada mais do que uma organização econômica, na medida em que se configura em um espaço privilegiado para a experimentação social e a realização de ações pedagógicas no campo político e cultural (XAVIER, 2008, p. 19). As empresas solidárias, por seu caráter, devem ser autogestionárias. Cada vez mais, está se consolidando o conceito de EES como aquele que é ligado à autogestão. Entende-se que a solidariedade não pode estar separada da autogestão. A empresa autogestionada ―exige um esforço adicional dos trabalhadores na empresa solidária: além de cumprir as tarefas a seu cargo, cada um deles tem de se preocupar com os problemas gerais da empresa‖ (Idem, p.19). Segundo Souza (2003), o fato de os empreendimentos solidários estarem se organizando e compondo redes de ajuda mútua e apresentação política aponta para um dado interessante: a mobilização mais ampla em torno dessa proposta econômica e social está abrangendo as experiências populares de pequeno porte, de caráter informal e baixa rentabilidade. Ou seja, o lado bastante precário da economia brasileira, marcado pelo improviso e pela criatividade popular, está sendo considerado da perspectiva de um desenvolvimento socialmente inclusivo. O pequeno seria pensado como semente do grande, e isso apresenta um potencial de transformação cultural e política. Experiências de organização da atividade econômica, segundo princípios solidários, não são um fenômeno recente na história, mas, nas últimas décadas, houve uma renovação do interesse pelo tema. No campo das práticas, observa-se uma diversidade de formas econômicas, nas quais as pessoas se associam para produzir e reproduzir meios de vida, com base em relações de reciprocidade e igualdade. No campo das ideias, uma literatura crescente chama a atenção para essas experiências, ao mesmo tempo em que se multiplicam atores dentro de instituições públicas e privadas, movimentos sociais e entidades da sociedade civil que as apoiam e as ajudam a se desenvolver (CUNHA, 2003). Em todos esses sentidos, é possível considerar a organização de EES o início de transformações locais, que mudam o relacionamento entre os cooperadores e destes com a família, vizinhos, autoridades públicas, religiosas, intelectuais, etc. Trata-se de mudanças tanto no nível individual como no social. A cooperativa passa a ser um modelo de organização democrática e igualitária que contrasta com modelos hierárquicos e autoritários. Mediante tal contexto, pode-se entender que se traduz em um retrato da economia solidária neste momento. São organizações em expansão e desenvolvimento. Essas iniciativas parecem ser transformadoras de mentalidades. Os relatos indicam que, nos empreendimentos solidários, vêm ocorrendo outros ganhos, diferentes do econômico em si, tais como 87 autoestima, identificação com o trabalho e com o grupo produtivo, companheirismos, além de uma noção crescente de autonomia e de direitos cidadãos. De forma educadora, essas iniciativas vêm apontando sinais de uma sociedade baseada na democracia jurídica e econômica, numa palavra, socialista. Isso reforça o que Singer e Souza (2003, p.7, grifo nosso) afirmam sobre os EES ―ainda têm pouco peso econômico, mas possuem grande significação cultural, afinal são experiências destacadamente educativas‖. O conceito de Empreendimento Econômico Solidário procura sintetizar as principais características da ES, afirmando uma nova identidade (instrumento da ação política) não subsumida nas formas cooperativas, associativas ou societárias (legalmente definidas), mas que se expresse como parte destas formas organizativas. Ou seja, não se trata de confirmar a ES pela forma ou natureza da organização, mas pelas características presentes nos empreendimentos. Após apresentarmos os elementos teóricos significativos ao entendimento dos EES, é necessária a apresentação de uma síntese deste cenário no Brasil, para termos conhecimento da representatividade dessas instituições enquanto construção e cristalização do movimento de ES e para, numa discussão próxima, essência da tese, analisarmos as práticas socioeducativas vivenciadas pelos EES. 2.3.4.1 Mapeamento dos EES no Brasil: breve consideração desse cenário Os EES se constituem em principais sujeitos e beneficiários das políticas implementadas do Movimento de Economia Solidária. Antes de mapear a situação local, município de João Pessoa, PB, abrangência geográfica desse estudo, achamos necessário traçar um breve panorama nacional sobre o cenário dos Empreendimentos Econômicos Solidários. Como suporte para esse recorte, no que tange ao conceito do termo EES, essa pesquisa apoia-se no conceito traduzido pelo Sistema de Informações de Economia Solidária (Portaria Ministerial, nº 30 de 20 de março de 2006). Isto é, são organizações coletivas, autogestionárias, permanentes e que realizam atividades econômicas de produção de bens, de prestação de serviços, de fundos de crédito (cooperativas de crédito e os fundos rotativos populares), de comercialização (compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços) e de consumo solidário. A partir desse entendimento, vale destacar que os dados aqui apresentados foram provenientes de estudos recentes realizados pelo Sistema Nacional de Informações em 88 Economia Solidária (SIES). A síntese do cenário referente aos EES tem como base os dados do Atlas da Economia Solidária no Brasil 2010-1012. O SIES foi implantado no ano de 2004 e, até o momento, realizou três rodadas nacionais de identificação e caracterização dos Empreendimentos Econômicos Solidários, que se configuram no mapeamento1 dos EES no país. O primeiro levantamento ocorreu em 2005, quando foram mapeados 14. 954 EES. Este levantamento foi complementado, em 2007, com o mapeamento de mais 6.905 EES. Nesta primeira fase, foram totalizadas informações de 21.859 EES. A terceira rodada ocorreu nos anos de 2010-2012 quando foram mapeados mais 11.663 EES. Portanto, desde 2004, o SIES já identificou 33.522 EES em todo o território nacional. Dos 11.663 novos empreendimentos mapeados nesta segunda fase, 5.811 (50%) declaram ter iniciado suas atividades após o ano de 2004, o que demonstra que a economia solidária é um fenômeno que apresenta dinamismo social e econômico, independentemente do contexto de crise do desemprego e do fenômeno do desassalariamento que caracterizou o período de seu surgimento nas últimas décadas do século passado. Além de mapear novos EES, nesta segunda fase do SIES, foram realizadas revisitas em EES constantes na base anterior. Destes, obtiveram-se informações de 15.520 EES (71%) e inseridos na nova base de dados com informações atualizadas 7.839 EES (36%). Ainda foi possível verificar que 3.374 EES deixaram de existir (15%) e que 1.925 EES (9%) passaram a assumir outras formas societárias e características organizacionais. Tal retrato deste mapeamento (2005-2007) pode ser mais bem ilustrado na Tabela 1 a seguir: Tabela 1: Situação dos EES Base 2005-2007 Quantidade Percentual (Total Base) Percentual (Subtotal) Total Base 21.859 100 EES não localizados 2.382 11 15 EES que deixaram de existir 3.374 15 22 EES que deixaram de atender aos critérios do SIES 1.925 9 12 EES incluídos na Base 2010-2012 7.839 36 51 Subtotal 15.520 71 100 EES sem informações 6.339 29 Fonte: SIES, 2015 O último mapeamento (2010-2012) que compõe o SIES cobriu 52% dos municípios brasileiros e levantou dados sobre 19.708 empreendimentos e uma população de 1.423.631 1 Cabe ressaltar que o conjunto de rodadas que compõem o mapeamento teve suas limitações quanto ao financiamento e, por esta razão, envolveu apenas uma representatividade dos EES presentes no território nacional. Isto nos leva a termos a atenção quanto ao perfil ora tratado, pois, mesmo tendo uma metodologia científica, o resultado do mapeamento pode não representar a realidade em sua integridade. Para termos uma ideia do que ora é apresentado, o último mapeamento (2010-2012) que compõe o SIES cobriu apenas 52% dos municípios brasileiros. 89 homens e mulheres. Desses empreendimentos, 8.040 estão localizados no Nordeste, 3.292 no Sul, 2.656 no Norte, 3.228 no Sudeste e 2.021 no Centro-Oeste do país. Ou seja, quase a metade (40,8%) deles localiza-se no Nordeste. Em segundo lugar, está o Sudeste (16,7%); em terceiro e quarto, o Sul (16,4%) e o Norte (15,9%) e; por último, o Centro-Oeste (10,3%). Os dados também indicam que mais da metade dos empreendimentos (60%) está organizada na forma de associações, 30,5% são grupos informais, 8,8%, cooperativas e 0,6%, distribuídos entre empresas autogestionárias de sociedade mercantil. Do total dos EES, a maioria atua na área rural (54,8%). Mas, se considerarmos a relação entre a área de atuação e a região dos EES, é possível verificar que somente nas regiões Norte e Centro Oeste a distribuição é próxima à média nacional. Na região sul, a atuação dos EES na área rural e urbana é equilibrada (em torno de 42%); na região Nordeste, o predomínio de EES que atuam na área rural é bastante superior à média nacional (72,2%). Por sua vez, na região Sudeste, predominam os EES que atuam na área urbana (61%). Aos 19.708 EES do SIES estão associadas 1.423.631 pessoas, uma média de 72 pessoas associadas por EES. A distribuição de sócios por sexo demonstra predomínio dos homens (56,4%) em relação às mulheres (43,6). Segundo os registros, a atividade econômica desses empreendimentos é muito variada, mas, considerando as 50 atividades que mais aparecem nos empreendimentos, predominam as ligadas à agropecuária, extrativismo e pesca (50%), seguidas das de produção manufaturada – industrial e artesanal (37%), ficando as atividades caracterizadas como serviços com 7% e como comércio 6%. A partir desta breve descrição no cenário atual referente aos EES, percebemos que o crescimento do Movimento de ES no contexto brasileiro deve-se a fatores variados, dentre os quais, vale destacar a resistência de trabalhadores à crescente exclusão, desemprego urbano e desocupação rural, resultantes da expansão agressiva dos efeitos negativos da globalização da produção capitalista. Tal resistência manifesta-se, primeiramente, como luta pela sobrevivência, na conformação de um mercado informal crescente, onde brotam iniciativas de economia popular, tais como a atuação de camelôs, flanelinhas, vendedores ambulantes, entre outros, normalmente de caráter individual ou familiar. Com a articulação de diversos atores, essa resistência também se manifesta na forma de iniciativas associativas e solidárias voltadas também à reprodução da vida, mas que vão além disso, apontando para alternativas estruturais de organização da economia, baseada em valores como a ética, a equidade e a solidariedade, e não mais no lucro e acúmulo indiscriminado. Ainda é nítido que tal expansão tem acontecido desde o apoio de instituições e entidades que estimulavam iniciativas associativas comunitárias e pela constituição e 90 articulação de cooperativas populares, redes de produção e comercialização, feiras de cooperativismo e economia solidária, entre outras, até pela base de uma tentativa de política pública por parte do governo. Atualmente, a economia solidária tem se articulado em vários fóruns locais e regionais, resultando na criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Hoje, além do Fórum Brasileiro, existem 27 fóruns estaduais com milhares de participantes (empreendimentos, entidades de apoio e rede de gestores públicos de economia solidária) em todo o território brasileiro. Foram fortalecidas ligas e uniões de Empreendimentos Econômicos Solidários e foram criadas novas organizações de abrangência nacional. A economia solidária também vem recebendo, nos últimos anos, crescente apoio de governos municipais e estaduais. O número de programas de economia solidária tem aumentado, com destaque para os bancos do povo, empreendedorismo popular solidário, capacitação, centros populares de comercialização, etc. Fruto do intercâmbio dessas iniciativas, existe hoje um movimento de articulação dos gestores públicos para promover troca de experiências e o fortalecimento das políticas públicas de economia solidária. Tomando como base o cenário aqui apresentado, acreditamos que uma das bandeiras de luta do Movimento de Economia Solidária respalda-se no elemento formação, fator primordial para a atuação dos EES frente ao contexto de construção e fortalecimento discutido nas seções anteriores. Assim, percebemos que seria oportuno o levanto de mais algumas questões: quais as diretrizes educacionais que regem esse movimento? Qual pedagogia podemos pensar frente a essas essencialidades? 91 3 O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E SUAS DIRETRIZES EDUCATIVAS Neste capítulo, temos a intenção de elaborar uma discussão teórica sobre o princípio educativo que escolhemos para realizar esta reflexão sobre as bases da política pública de educação do movimento de economia solidária. O referencial teórico-metodológico expresso nesta seção foi sistematizado a partir dos princípios presentes no movimento e nos ajudará na análise que, a posteriori, realizaremos sobre o objetivo central deste estudo. Iniciaremos uma discussão sobre os EES enquanto espaço não escolar, realizando uma análise contributiva à construção do contexto educativo não formal. Em seguida, abordaremos os principais elementos presentes no processo educativo de caráter emancipatório, um dos princípios que regem o Movimento de Economia Solidária e que está como pano de fundo de nossas premissas de estudo. E, por fim, discutiremos sobre os sentidos e significados da essencialidade da emancipação, destacando, de forma especial, as aprendizagens econômica, política e cultural. 3.1 OS EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS ENQUANTO ESPAÇO NÃO ESCOLAR: uma análise contributiva à construção do contexto educativo não formal A Educação é conclamada também para contribuir na superação da miséria do povo, promovendo o acesso dos excluídos a uma sociedade justa e igualitária, juntamente com a criação de novas formas de distribuição da renda e da justiça social. Neste cenário, observamos uma ampliação do conceito de Educação, que não se restringe mais aos processos de ensino-aprendizagem no interior de unidades escolares formais, transpondo, assim, os muros da escola. Gramsci (1982) realizou uma longa reflexão teórico-crítica no sentido de que a escola (isto é, a atividade educativa direta) é tão somente uma fração da vida do indivíduo, o qual entra em contato tanto com a sociedade humana quanto com a societas rerum, formando-se critérios a partir dessas fontes extraescolares muito mais importantes do que habitualmente se acredita. Este entendimento ampliado sobre a essencialidade e a representatividade da educação foi reforçado e, se assim podemos dizer, por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1996, que abriu caminho institucional aos processos educativos ocorridos em espaços não formais ao definir a educação como aquela que abrange ―processos 92 formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais‖ (Art. 1º, LDBEN, 1996). Com isso, no Brasil, um novo campo de educação se estrutura: o da educação não formal. Gohn (2011) enfatiza a necessidade de trabalharmos com um conceito amplo de educação que concebemos de forma associada a outro conceito, o de cultura. Isto significa que a educação é abordada enquanto forma de ensino/aprendizagem adquirida ao longo da vida dos cidadãos: pela leitura, interpretação e assimilação dos fatos, eventos e acontecimentos que os indivíduos fazem, de forma isolada ou em contato com grupos e/ou organizações. Tais direcionamentos levam-nos ao amplo conceito de educação que envolve campos diferenciados, da educação formal, informal e não formal. A educação não formal é aquela que se aprende ―no mundo da vida‖, mediante os sistemas de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivas cotidianos. A educação informal é aquela na qual os indivíduos aprendem durante seu processo de socialização, nas relações e relacionamentos intra e extrafamiliares (amigos, escola, religião, clube, etc.). A informal incorpora valores e culturas próprios, de pertencimento e sentimentos herdados. Os indivíduos pertencem àqueles espaços segundo determinações de origem, raça/etnia, religião, etc. São valores que formam as culturas nativas de pertencimento dos indivíduos. Contrariamente, a educação não formal não é nativa, ela é construída por escolhas ou sob certas condicionalidades, havendo intencionalidades no seu desenvolvimento. O aprendizado não é espontâneo, não é dado por características da natureza, não é algo naturalizado. Já a educação formal caracteriza-se, em princípio, como aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente demarcados (GOHN, 2010). Na educação não formal, os espaços educativos localizam-se em territórios que acompanham as trajetórias de vida dos grupos e indivíduos, fora das escolas, em locais informais, locais onde há processos interativos intencionais (a questão da intencionalidade é um elemento importante de diferenciação). Por esta questão é que assumimos esta categoria em nosso estudo, pois partimos do pressuposto de que os Empreendimentos Econômicos Solidários são espaços de coletividade com intencionalidades determinísticas e específicas. Percebemos este entendimento de que os EES podem ser encarados como um espaço de educação não formal a partir do sentido imbricado em alguns depoimentos trazidos por nossos sujeitos de pesquisa na ocasião do levantamento dos dados, como podemos observar: 93 É totalmente um espaço educativo [os EES]. Tem uma discussão na rádio comunitária que a gente chama, que é a Educomunicação, é a educação através dos meios de comunicação: rádio, TV, jornal, etc. Mas, dentro da economia solidária, tem a história da educação popular também. Que já diria Paulo Freire, que fazia muito isso. Aprender naquele momento da prática que a gente fazia em nosso grupo de produção, tanto no aprendizado de fazer os pães, das pizzas, bolos, etc., como também no momento dessas conversas que a gente tinha de formação do plano de negócio, do fluxo de caixa de quem ia vender, quem ia comprar. Essas formações têm ajudado todo mundo a crescer enquanto grupo, enquanto pessoa (ENTREVISTADO 10, grifo nosso). Não é uma educação regular, aquela educação escolar, mas é uma educação não formal, onde trazemos pontos importantes de crescimento para todos do grupo. São pensadas em formações não apenas técnicas, ligadas aos aspectos da cozinha, mas discussões de cunho político, cultural [...] tudo se escuta na cozinha. Além da consciência econômica, os momentos que o país tá vivendo, tudo a gente traz, tudo é confrontado, tudo é debatido para nos levar a uma formação crítica (ENTREVISTADO 15, grifo nosso). [...] eu sempre tive uma visão de que o grupo de produção é considerado um espaço de educação. Posso dizer isto com propriedade, pois sou pedagoga e percebo isso muito fortemente. A educação não está só naquele espaço da escola. A educação transpassa quando você consegue fazer, como nossas mulheres conseguiram, criaram seu espaço de educação! Isso é muito significativo para todas nós e para nossa comunidade. Entender que as ruas é um espaço educativo, entender, por exemplo, que formar outras mulheres é um modo de também entrar na questão no conceito da economia solidária, de levar esse conceito adiante, de compreender esse espaço da educação em qualquer lugar, então é um ganho, é algo nobre (ENTREVISTADA 21, grifo nosso). Os depoimentos ora apontados em nossa discussão nos levam a entender que um sentido que os permeia de forma muito marcante é que a educação não formal não é herdada, é adquirida. Ela capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo e pode abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. Seus objetivos não são dados a priori, eles se constroem ao longo do processo interativo, gerando uma evolução educativa. Um modo de educar é construído como resultado do processo voltado aos interesses e às necessidades dos que participam. A construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e justiça social, quando presentes num dado grupo social, fortalece o exercício da cidadania. De acordo com Gohn (2011), a transmissão de informação e de formação política e sociocultural é um forte eixo na educação não formal. Ela prepara, formando e produzindo saberes nos cidadãos, e educa o ser humano para a civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, ao individualismo. Arriscamos afirmar que este pensamento assinalado pela autora supracitada cristaliza- se, em um pensamento pedagógico que se modernizou, assumindo e reforçando sua dimensão política. Os textos de Gramsci arejaram nossa filosofia da educação, incorporando, definitivamente, a ideia de que a escola não se explica por ela própria, e sim pela relação 94 mantida com a sociedade. A educação como forma de elevar socialmente a população mais pobre a patamares superiores de cultura, o papel do intelectual orgânico e a própria organização da cultura. O pedagógico em Gramsci transcende a educação escolar, embora a tenha implícita. Ao propor a formação dos intelectuais orgânicos do proletariado como capazes de reunir organicamente esta classe para buscarem conquistar e consolidar a hegemonia (da classe proletária), encaminhando-se para o desenvolvimento da sociedade socialista regulada, Gramsci está descobrindo na cultura uma possibilidade de contribuir para este desenvolvimento. Ainda nesta discussão que permeia a abordagem educação não formal, demarcamos que a mesma não tem o caráter formal dos processos escolares, normatizados por instituições superiores oficiais certificadoras de titularidades. Seguem esse caminho autores como Jaune Trilla (1996, 2008), pesquisador que passou a ser um referencial nos estudos sobre a educação não formal na década de 1990. Destacamos que a educação não formal lida com outra lógica nas categorias espaço e tempo, devido ao fato de não ter um currículo definido a priori quanto aos conteúdos, temas ou habilidades a serem trabalhados. Já Afonso (2006, p.90) introduz a categoria não escolar como sinônimo de não formal. Entretanto, ele alerta: ―a justificação da educação não escolar não pode ser construída contra a escola, nem servir a quaisquer estratégias de destruição dos sistemas políticos de ensino‖. Cortella (2006) também adota essa linha e vai além: para ele, a educação não formal deveria articular-se com a formal, atuando complementarmente. Este entendimento trazido pelo autor também foi um achado em nossa pesquisa, quando percebemos que as formações e a vivência em grupo realizadas pelos EES também podem ser consideradas como um elemento estimulador à trajetória dessas pessoas na educação formal: Quando eu entrei no grupo de produção eu não gostava de estudar. Para mim era algo sem muita importância. Hoje, já vejo diferente essa coisa dos estudos. Até voltei a frequentar a escola depois dos incentivos que tive pelas minhas amigas do grupo (ENTREVISTADA 12, grifo nosso). [...] um exemplo disso é que temos uma companheira de grupo que chegou aqui bem dizer analfabeta, e o grupo a ajudou, a estimulou a se alfabetizar para assim melhor atuar no próprio grupo e na vida. Isso quer dizer que o grupo também estimula, de certa forma, a estarmos em nossos estudos, que é importante também para nossa vida (ENTREVISTADA 20, grifo nosso). A discussão ora apresentada leva-nos a acreditar que a educação não formal não tem recorte de faixa social. Ela deve ser vista também pelo seu caráter universal, no sentido de abranger e abarcar todos os seres humanos, independentemente de classe social, escolaridade, idade, gênero, etnia, religião, etc. Diferenciamos a educação não formal de outras propostas 95 de educação, apresentadas como educação social, no século XX, porque a maioria daquelas propostas voltaram-se para os excluídos, objetivando, na maior parte das vezes, apenas, inseri-los no mercado de trabalho. O processo sociopolítico de aprendizagem e produção de saberes da educação não formal, segundo Gohn (2010), apresenta várias dimensões, tais como: a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos como cidadãos ou a aprendizagem para a cidadania. Aprendizagem dos indivíduos para atuarem no mundo do trabalho, por meio do desenvolvimento de habilidades e/ou de potencialidades em oficinas e laboratórios. Na educação não formal, é fundamental a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo, do ponto de vista de compreensão do que se passa ao seu redor; a aprendizagem e o exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas à solução de problemas coletivos cotidianos, geradas pela participação em associações, movimentos, fóruns, conselhos e câmaras de gestão, de forma que estes cidadãos possam entender e fazer uma leitura do que está ao seu redor, quem é quem, que projetos e quais interesses cada um defende, quais são os interesses da maioria que deveriam ser defendidos, quais as práticas cidadãs e emancipatórias; a aprendizagem pela cultura de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista de compreensão do que se passa ao seu redor, gerada pelo acesso a recursos culturais, como museus, bibliotecas, shows, palestras, etc. E as práticas não formais desenvolvem-se também no exercício de participação, nas formas colegiadas e conselhos gestores institucionalizados de representantes da sociedade civil. Percebemos, em nossa pesquisa, que estas dimensões de aprendizagens abordadas pela autora estão presentes nas práticas socioeducativas nos EES, proporcionando os crescimentos pessoal e coletivo regados por uma valorização humana (o ser humano no centro da proposta, não o fator lucro): É um espaço de educação com certeza. Quando você começa a se relacionar com algumas meninas do grupo, você começa a ver que algumas delas nem sabe assinar o seu nome. Daí você entende que educação não é somente aquela que você vai à escola. Educação é aquela que você aprende e leva pra vida. É você respeitar o outro, é você perceber que uma pessoa que nem sabe assinar o nome e quando você começa a conversa com ela fica de boca aberta, porque você percebe que a pessoa tem muita mais experiência do que você e que muitas vezes a educação dela vale muito mais que a minha, que tem um segundo grau, que tem uma formação. Eu acho que aprendi no grupo. Se eu tivesse passado 30 anos na escola, eu não teria aprendido que é o respeito pelas pessoas, que é valorizar as pessoas, e não se deixar diminuir porque alguém diz que você não é capaz, e você perceber que você é. Eu acho que tudo isso eu aprendi (ENTREVISTADA 2, grifo nosso). 96 É um espaço de educação, de aprendizado, de crescimento pessoal, de doação, de altruísmo. É um exercício de tudo de bom. Aprendi a enxergar, a escutar o outro. Aprendi a começar a trabalhar realmente não só o meu eu, mas pensando no grupo, pensando o que nós podemos conseguir coletivamente. Acho que você tem outra visão totalmente diferente (ENTREVISTADA 3, grifo nosso). Eu nunca tinha parado para perceber que o grupo era um espaço de educação, mas sua pergunta me fez refletir e agora consigo entender que é sim um espaço em que se aprende, que há trocas de experiências, de vida. Não é como a escola, que temos provas e trabalhos para fazer e valer nota, mas é um aprendizado espontâneo, para a vida. Um aprendizado que vai desde a parte de saber costurar até do saber se relacionar com as outras mulheres do grupo e com a comunidade (ENTREVISTADA 4, grifo nosso). [...] educação a gente tem em casa e onde a gente está. As formações que passamos, a convivência no dia a dia, também é uma educação que a gente tem, é uma maneira que a gente tem de levar pra casa, é uma educação. Eu creio e vejo assim. O meu jeito mesmo, eu não era sincera, não sabia falar, mas aprendi a ser sincera a falar na hora certa as coisas, eu participo da comunidade também e não tinha coragem de falar e fui aprendendo nas formações que você tem que falar, que tem que se abrir com as pessoas, então isso foi muito bom para o meu crescimento pessoal (ENTREVISTADA 14, grifo nosso). Eu acho que é porque a gente aprende muita coisa com a convivência uma com a outra, no dia a dia de convivência, trabalhando umas com as outras, a cada dia um aprender com o outro na sua vida. Sem falar dos momentos de formações com os outros grupos, é muita riqueza. Fico pensando o quanto já cresci nesse processo de grupo. É maravilhoso (ENTREVISTADA 16, grifo nosso). Todo tipo de educação que você imaginar, desde a aprendizagem mais técnica, que nos ajuda na geração de renda até aprendizagens mais humanas, voltada para as questões das relações interpessoais, mas questões da comunidade, da vida. É um espaço de aprendizagem mútua. Sempre percebemos a riqueza dessa educação a partir das formações que passamos. É todo um cuidado para que todas compreendam. Todo nosso conhecimento é valorizado, isso é muito bom (ENTREVISTADA 17, grifo nosso). As dimensões apontadas por Gohn (2010) e os depoimentos supracitados apenas reforçam a justificativa de trabalharmos a categoria da não formalidade e de espaços não escolares em nosso estudo, enfatizando, com isso, toda a discussão ora tratada da ampliação do conceito de educação, principalmente enquanto espaços de aprendizagens. Quando falamos do Movimento de Economia Solidária, particularmente, dos Empreendimentos Econômicos Solidários, tais dimensões que abrangem os elementos educativos são amparadas pelos próprios princípios do movimento, conforme expusemos anteriormente. Outro indicador situado em evidência em nossa trajetória empírica de investigação e que se contempla na abordagem de educação não formal (tomada aqui como suporte teórico que tem contribuído na validação dos EES enquanto espaço de educação) foi que estes empreendimentos possibilitam, a partir das relações cotidianas e com o trabalho coletivo, uma aprendizagem mediante a troca de vivências e experiências: 97 É um espaço de educação, sim! O interessante é que o que eu tenho aprendido bem mais é no grupão mesmo. De tá lá, participando, de encontros, nas feiras, conhecer outras mulheres, com outras vivências. É um aprendizado que nunca tive em lugar nenhum. O que eu aprendi de melhor no grupo de produção foi trabalhar em grupo, porque é difícil trabalhar com o ser humano. Cada cabecinha, né? Diferente. Aprendi também a lidar com as diversidades de cada uma delas (ENTREVISTADA 1, grifo nosso). É um espaço de educação, de aprendizado, de crescimento pessoal, de doação, de altruísmo. É um exercício de tudo de bom. Aprendi a enxergar, a escutar o outro. Aprendi a começar a trabalhar realmente não só o meu eu, mas pensando no grupo, pensando o que nós podemos conseguir coletivamente. Acho que você tem outra visão totalmente diferente (ENTREVISTADA 3, grifo nosso). Eu considero como um espaço de educação, porque elas trazem todas as experiências de vidas delas, colocam no grupo, então elas não produzem apenas a mercadoria que elas fazem, mas produz outros conhecimentos, outras experiências, aprendem uma com as outras, e aí evita de repetir erros, trazem aprendizagem, levam isso pra dentro de suas famílias, levam isso pra dentro do trabalho, pra aquela outra que depois entra no grupo de produção. Então pra mim, todo espaço que aprende e replica isso, conjunto com os outros em diálogo de experiência, de não repetir erros, ou de construção, que leva pra outros espaços, porque não fica e leva pra outras famílias, leva pra outro trabalho, porque quem está aqui fazendo produção ou está no outro espaço de trabalho, ela leva isso que é educação, porque educação ela é construtiva [...] (ENTREVISTADA 5, grifo nosso). Podemos afirmar que os sentidos trazidos nos depoimentos carregam, em sua essencialidade, ideias freirianas, pautadas no poder do diálogo e na relação de troca que parte do ato de ensinar, aprendendo. De sair da realidade para buscarmos determinadas reflexões sobre a mesma, para que, depois, possamos agir conscientemente nesta mesma realidade. O sentido freiriano de que ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. Em suma, entendemos a educação não formal como aquela voltada para a formação do ser humano como um todo, cidadão do mundo no mundo, homens e mulheres. As metodologias operadas no processo de aprendizagem partem da cultura dos indivíduos e dos grupos, nascendo a partir da problematização da vida cotidiana e construindo-se na trajetória do processo e nos ritmos dos sujeitos. A educação não formal é fundamental para a formação da cidadania, para o exercício da civilidade no convívio com o outro e na utilização de padrões éticos, para o reconhecimento e a aceitação da diversidade cultural e suas diferenças e para a prática da não violência em todas as esferas da vida. Chegamos, portanto, ao conceito que adotamos em nosso estudo e que se cristaliza harmonicamente com o contexto e a análise dos EES sob o olhar da educação não formal: 98 É um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação para a cidadania, entendendo o político como a formação do indivíduo para interagir com o outro em sociedade. Ela designa um conjunto de práticas socioculturais de aprendizagem e produção de saberes, que envolve organizações/instituições, atividades, meios e formas variadas, assim como uma multiplicidade de programas e projetos sociais (GOHN, 2010, p.33). Com base no contexto inicialmente apresentado, nossa concepção articula-se com o campo da educação cidadã. Na educação não formal, essa educação volta-se para a formação de cidadãos livres, emancipados, portadores de um leque diversificado de direitos, assim como de deveres para com os outros. Acreditamos na educação não formal, em sua essência, como um fator impulsionador do processo emancipatório do indivíduo, preocupação que julgamos central nos processos educativos dessa abordagem. E é neste sentido que buscamos entender o processo educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários rumo a essa possível emancipação. Desde então, surge a visão de outra economia que constitui, na verdade, um projeto de sociedade, que implica novos valores, acentuando o papel da educação popular em seu caráter participativo, contestatório e alternativo. A ligação umbilical da educação popular com a economia solidária deve-se ao fato de que esta se apoia em novos valores que, aplicados a atividades econômicas, exigem a invenção de novas práticas, cabendo à educação popular difundir que a peculiar dinâmica do capitalismo a exclui do espaço econômico por ele dominado. Vimos, a partir do entendimento do termo Movimento de Economia Solidária – MES, no capítulo anterior, que tal movimento ganhou visibilidade quando se inseriu no debate sobre as potencialidades transformadoras inerentes à luta popular e à classe trabalhadora. A resposta dos trabalhadores e das comunidades empobrecidas passa a ter caráter emancipatório. Segundo Melo Neto (2015), o diálogo é entendido como elemento ético fundante para a educação: a educação popular o assume e se configura, por sua vez, como um sistema aberto de ensino e aprendizagem, cuja filosofia convida outros valores éticos para expressar o seu fazer, a exemplo da solidariedade e a justiça. É um fenômeno educativo pautado por uma pedagogia (metodologia) incentivadora da participação e do empoderamento das pessoas e, em especial, de grupos, com conteúdos e técnicas de avaliação processual. Esse fenômeno humano é lastreado em uma teoria política direcionada aos anseios humanos de liberdade, de justiça, de igualdade e felicidade, estimuladora das transformações sociais necessárias. 99 O autor ainda contribui quando afirma que A explicação política constitui elemento de sua essência mesma, acompanhada de valores éticos que forjam personalidades para além das expectativas do mundo capitalista que tanto reforça o individualismo. Educação Popular é um tipo de educação que se constitui como algo de mudança e construção de novos jeitos de vida e de relacionamento humano (2015, p. 12). No momento de nossa pesquisa de campo, encontramos um indicador que dialoga com toda esta abordagem de educação popular enquanto metodologia adotada nas práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários, valorizando, com isto, o saber a partir da prática, ou seja, o saber que vem da base: Mas, dentro da economia solidária tem a história da educação popular também. Que já diria Paulo Freire, que fazia muito isso. Aprender naquele momento da prática que a gente fazia em nosso grupo de produção, tanto no aprendizado de fazer os pães, das pizzas, bolos, etc., como também no momento dessas conversas que a gente tinha de formação do plano de negócio, do fluxo de caixa de quem ia vender, quem ia comprar. Essas formações vêm ajudando todo mundo a crescer enquanto grupo, enquanto pessoa (ENTREVISTADO 10, grifo nosso). O aprendizado vem da base. Você não aprende só na academia. Você aprende com a sua experiência tanto que eu vejo assim, eu sou formada também, que a ciência, ela sabe que não sabe, pelo meu entendimento porque ela tá só investigando, questionando, e se você for olhar, o ovo já foi vilão e mocinho quantas vezes? Então, quer dizer assim, eu acho que o saber vem mais da base do chão daquele que prática, da prática mesmo, da prática/teoria/prática, não teoria/prática/teoria. Ele não vem da teoria. Ele vem do chão. Vem da prática. Da práxis né, que a gente chama. E aí eu acho que isso que é um saber legítimo, daquele que experimentou e foi fazendo a partir da necessidade. Tudo parte da necessidade (ENTREVISTADA 11, grifo nosso). A ES não se resume a um produto, a um objeto, pois se constitui num sistema que vai muito além dos próprios Empreendimentos Econômicos Solidários. Ela é, sobretudo, a adoção de um conceito. Envolvem-se pessoas comprometidas com um mundo mais solidário, ético e sustentável. Por isso, a ES está estreitamente ligada à educação transformadora e à democracia econômica: O projeto proposto pela economia popular e solidária tem entre seus principais fundamentos o desafio de estruturar uma economia que se alimente da inclusão social e da distribuição de renda, em um contexto em que signifique a radicalização da democracia política na direção da democracia econômica, a única capaz de trazer soluções definitivas aos problemas sociais (ARROYO, 2006, p. 53). Este pano de fundo transformador também foi percebido mediante os depoimentos dos sujeitos de pesquisa quando afirmaram a riqueza revestida nos momentos de formações que os EES desenvolveram ao longo de suas atuações em sociedade. 100 Com certeza, o grupo de produção que participo é considerado um espaço de educação. Eu mesma tive muitas formações nesse período. Foram muitas formações, que trouxeram uma riqueza de conhecimento que não sei se eu teria se estivesse fora deste processo. Sinto-me outra mulher hoje depois de tantas reflexões que fiz a partir dos momentos de formações (ENTREVISTADA 9, grifo nosso). Eu acho que é porque a gente aprende muita coisa com a convivência uma com a outra, no dia a dia de convivência, trabalhando umas com as outras, a cada dia um aprender com o outro na sua vida. Sem falar dos momentos de formações com os outros grupos, é muita riqueza. Fico pensando o quanto já cresci nesse processo de grupo. É maravilhoso (ENTREVISTADA 16, grifo nosso). Foi sim, principalmente para mim que como eu falei ainda a pouco, com as minhas grosserias de ver e de falar e de pensar eu mudei, pelo menos eu mudei o tom de ver as coisas para o lado positivo, que não é só o jovem que vai aprender com os adultos, não, os adultos vão aprender lá com os jovens e com os adolescentes também. Isso foi muito vivido e passado pelas formações. A troca de vivências (ENTREVISTADO 18, grifo nosso). No grupo de produção se aprende sim, sabe por quê? A gente aprende a conhecer o outro, sabe o limite do outro, o jeito que a pessoa é, quando tem grupo um não é igual ao outro, entende? Aprendi muito a saberme relacionar com o outro, a perceber o outro, a escutar o outro a partir das formações. Para mim, foram muitos os aprendizados. Levo tudo para a vida (ENTREVISTADA 19, grifo nosso). É possível afirmar que, hoje, a economia solidária tornou-se uma nova maneira de nomear, conceituar e interconectar muitos tipos de valores econômicos transformadores, práticas e instituições que existem em todo o mundo. Ela inclui, mas não é limitada pelo consumo socialmente responsável, trabalho e investimento; cooperativas de trabalhadores, consumidores, produtores e credores; empreendimentos solidários, sindicatos progressistas, empreendimentos comunitários, microcrédito e cuidado com o trabalho não pago. A ES trata, ainda, de unir essas diferentes formas de economia transformadora numa rede de solidariedade: solidariedade com uma visão compartilhada, solidariedade com troca de valores, a solidariedade com os oprimidos. O que há de comum em todas essas denominações é que todas estão associadas a uma ―outra economia‖, articuladas como um projeto de sociedade que implica novos valores, acentuando o papel da educação popular em seu caráter participativo, contestatório, alternativo e alterativo. Daí, para fins deste estudo, será possível contribuir com a crescente reflexão que tem sido feita em torno das ações socioeducativas nas experiências em economia solidária, entendendo-a como uma abordagem que, recolocando o ser humano no centro da vida econômica, procura conciliar produção e circulação de riqueza com emancipação humana em direção a uma sociedade justa e igualitária. 101 3.2 A EMANCIPAÇÃO COMO ESSÊNCIA DO PRINCÍPIO EDUCATIVO Nesta seção, realizaremos uma análise sobre as diretrizes educativas que revestem o Movimento de Economia Solidária a partir de seu entendimento e ação enquanto política pública. Para a realização desta leitura, apropriamo-nos dos principais documentos que regem o fazer pedagógico do movimento para compreender sua proposta enquanto princípio educativo. O Movimento de Economia Solidária enquanto fenômeno social e político recente era, e continua sendo, pouco conhecido e reconhecido na sociedade brasileira. Disto resultou o primeiro grande desafio que foi o de realizar um mapeamento nacional da ES, por parte do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária – SIES (2013) e de suas formas de organização. A síntese e a análise desse mapeamento foram brevemente descritas em seção anterior desta tese. O conhecimento da realidade era fundamental para o seu reconhecimento enquanto prática social inovadora e de seu potencial transformador. Utilizando uma metodologia que procurou conciliar a mobilização participante e as exigências de objetividade, realizou-se um mutirão nacional para identificar a economia solidária em todo o território nacional. Além do mapeamento, a organização de um sistema de informações capaz de contribuir para o fortalecimento da própria ES e melhor orientação para as políticas públicas. A partir deste mapeamento, também foi possível, neste campo de conhecimento, contribuir com outra agenda, a qual se refere à formação e à educação para o MES. Embora a Economia Solidária seja ―um ato pedagógico em si mesma, na medida em que propõe nova prática social e um entendimento novo dessa prática‖ (SINGER, 2007, p. 55), ela exige possibilidades amplas de reflexão sobre sua prática e socialização dos acúmulos teórico- conceituais que sistematizam dialeticamente tais atos pedagógicos. Sob essa perspectiva, a estruturação de uma política pública de direito ao conhecimento tem sido uma demanda constante dos Empreendimentos Econômicos Solidários, tendo emergido como prioridade nas Conferências Nacionais e no Conselho Nacional. A SENAES e o movimento social realizaram a elaboração de uma proposta de política nacional de formação/educação e assessoramento técnico. Neste caso, os avanços são ainda incipientes, mas já sinalizam os rumos para o futuro desta agenda da ES. A educação na economia solidária tem motivado muitos de seus participantes a sistematizar suas práticas socioeducativas, na tentativa não apenas de construir novas metodologias, mas também de descobrir seu potencial transformador. De acordo com Oliveira 102 (2012), a pergunta que motiva os que fazem a economia solidária é saber que paradigma filosófico está contido nas metodologias da educação da economia solidária. A autora dá continuidade a esta reflexão quando afirma que ―cada vez mais crescem as tendências dos que afirmam ser essa metodologia a expressão de uma filosofia própria [...]‖ (p. 178). Diante disto, o tema do conhecimento é central para o MES. Desta centralidade, resultou um esforço permanente da SENAES de traduzir, para sua agenda de ação, as experiências e as demandas elaboradas pelo movimento social e seus sujeitos. Com base nas leituras sobre o movimento da economia solidária, destacamos a Política Pública de Qualificação, que tem se afirmado como um fator de inclusão social e de desenvolvimento econômico, com geração de trabalho e distribuição de renda, norteando-se como uma concepção de qualificação, entendida como uma construção social, de maneira a fazer um contraponto àquelas que se fundamentam na aquisição de conhecimentos como processos estritamente individuais e como uma derivação das exigências dos postos de trabalho. O Plano Nacional de Qualificação (PNQ) configurou-se numa iniciativa fundamental para se fazer frente às exigências e demandas da ES no que diz respeito à formação social e profissional das pessoas a ele associados. A Resolução 333/2003, do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, no seu Artigo 8º, já reconhecia, dentre a população prioritária do PNQ, ―os/as trabalhadores/as de ações de economia solidária‖ e ―as pessoas que trabalham em condição autônoma, por conta própria, cooperativada, associativa ou autogestionada‖. Assim sendo, no âmbito das ações de qualificação do PNQ, abriu-se um canal institucional de interlocução e diálogo para a construção de um projeto apropriado à ES. A primeira iniciativa para estabelecer esta parceria foi a elaboração e a publicação, pela SENAES, em parceria com a Secretaria de Políticas Públicas de Emprego – SPPE, do Termo de Referência em Economia Solidária no Plano Nacional de Qualificação 2003 – 2007, o qual sistematizou as possibilidades de integração das políticas de qualificação social e profissional às políticas de trabalho, renda e desenvolvimento fundamentadas na ES. Outra contribuição oferecida pelo Termo de Referência foi o reconhecimento e a valorização do conjunto de conhecimentos historicamente construídos pelos trabalhadores na organização de iniciativas econômicas fundamentadas na autogestão, na cooperação e na solidariedade. Nas ações de formação social e profissional em ES, tais conteúdos deveriam estar integrados na construção metodológica dos projetos educativos desenvolvidos no âmbito do PNQ. 103 O Art. 7º do Projeto de Lei 4685/20122 destaca um conjunto de eixos de ação ligados à Política Nacional de Economia Solidária, interessando-nos destacar um desses eixos, acerca da educação, da formação, da assistência técnica e da qualificação social e profissional no meio rural e urbano. Em complementaridade, o Art. 9º afirma que a implementação das ações de educação, formação, assistência técnica e qualificação previstas nesta Política Nacional de Economia Solidária incluirá a elevação de escolaridade, a formação para a cidadania e para a prática da autogestão e a qualificação técnica e tecnológica para a formação de Empreendimentos Econômicos Solidários. Ainda dentro deste contexto, destacamos: § 1º As ações educativas e de qualificação em economia solidária, visando à formação sistemática de trabalhadores dos Empreendimentos Econômicos Solidários, bem como de formadores e gestores públicos que atuam na economia solidária, serão realizadas prioritariamente de forma descentralizada, por instituições de ensino superior, de entidades da sociedade civil sem fins lucrativos e de governos estaduais e municipais. § 2º A Política Nacional de Economia Solidária buscará implantar núcleos e redes, de caráter local, regional e nacional, de assistência técnica, gerencial, de assessoria e acompanhamento aos Empreendimentos Econômicos Solidários, utilizando-se de metodologias adequadas a essa realidade, valorizando as pedagogias populares e participativas e os conteúdos apropriados à organização na perspectiva da autogestão, tendo como princípio a autonomia a partir dos princípios e metodologia da educação popular. A formação emerge como uma das principais demandas da economia solidária no Brasil. Ela foi incluída como eixo do movimento que orienta as ações e lutas do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). As ações de qualificação para a economia solidária devem fortalecer o seu potencial de inclusão social e de sustentabilidade econômica, bem como sua dimensão emancipatória. Outro componente estratégico da plataforma do FBES é a promoção da educação de novas gerações por meio da incorporação de programas sobre a Economia Solidária junto ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), da pré-escola, passando pelo ensino fundamental, médio, superior e pós-graduação, introduzindo valores da cultura solidária e pedagogias que favoreçam a solidariedade e a construção de um novo modelo de sociedade. A Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES/MTE) tem clareza da importância da educação para o fortalecimento da economia solidária. Além da promoção e da divulgação da ES no Brasil, o Departamento de Estudos e Divulgação (DED) também tem 2 Projeto de Lei que dispõe sobre a Política Nacional de Economia Solidária e os Empreendimentos Econômicos Solidários, como também a criação do Sistema Nacional de Economia Solidária e dá outras providências. 104 atribuições relativas à formação. O Decreto 5.063, de 03 de maio de 2004, que trata da estrutura regimental do Ministério do Trabalho e Emprego, estabelece, no Artigo 19, item II, que uma das competências do DED é ―Articular-se com o Departamento de Qualificação, da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego, para a promoção de ações de formação no campo da economia solidária‖. Podemos seguramente afirmar que a educação para a economia solidária é um grande desafio, em especial, para os Empreendimentos Econômicos Solidários. Seu intenso crescimento nos últimos anos exige respostas adequadas e permanentes às suas necessidades de formação e assistência técnica. Os trabalhadores da economia solidária deparam-se no cotidiano com exigências cada vez mais complexas relativas aos processos de autogestão de suas iniciativas coletivas, bem como da necessária busca da eficiência e viabilização das atividades econômicas que realizam. Para isso, faz-se fundamental combinar processos educativos integrados com as oportunidades de elevação de escolaridade e outras iniciativas que contribuam para a formação política cidadã. Igualmente, é necessário que a educação contribua para o fortalecimento da economia solidária enquanto uma prática social transformadora e emancipatória. A Economia Solidária exige uma educação que transforme a mentalidade cultural dominante de competição para a construção do espírito de cooperação, além do desenvolvimento de uma matriz científica e tecnológica comprometida com a sustentabilidade e a solidariedade. A partir de nossas leituras, percebemos o registro no Termo de Referência em Economia Solidária no Plano Nacional de Qualificação 2003 – 2007 de que a Educação para a Economia Solidária, seguindo os princípios da solidariedade e autogestão, contribui para o desenvolvimento de um país mais justo e solidário. Ela deverá valorizar as pedagogias populares e suas metodologias participativas e os conteúdos apropriados à organização, na perspectiva da autogestão, tendo como princípio a autonomia, devendo viabilizar tecnicamente as suas atividades sociais e econômicas e despertar a consciência crítica dos trabalhadores. A complexidade desta formação inclui tanto estes princípios, enquanto ferramentas para o empoderamento dos sujeitos, como a capacitação técnica, a inclusão digital e a própria prática da autogestão. Com base no Plano Nacional de Qualificação (2003), percebemos que o nexo entre trabalho, educação e desenvolvimento, no âmbito das Políticas Públicas de Qualificação, pressupõe a promoção de atividades político-pedagógicas baseadas em metodologias inovadoras dentro de um pensamento emancipatório de inclusão, tendo o trabalho como princípio educativo, o direito ao trabalho como um valor estruturante da cidadania, a 105 qualificação como uma política de inclusão social e um suporte indispensável à sustentabilidade e à associação entre a participação social e a pesquisa como elementos articulados na construção desta política e na melhoria da base de informação sobre a relação trabalho-educação-desenvolvimento, possibilitando, assim, a melhoria das condições de trabalho e da qualidade social de vida da população. Com este entendimento de educação no movimento de economia solidária, um tema/conteúdo significativo em sua essência é o caráter emancipatório e a superação do trabalho alienado. Os debates conduzem a um consenso sobre um princípio básico: (a) a política pública nacional de formação em ES deverá ser articulada ao processo permanente de fortalecimento e emancipação; (b) existência do movimento de ES (articulação e estruturação dos fóruns e demais mecanismos de mobilização); (c) política da ES com sua incorporação na agenda política do país e implementação de programas de apoio massivo, bem como reconhecimento legal que valorize suas especificidades. Nesta tese, para a discussão da emancipação e seus elementos norteadores, destacaremos alguns grandes intelectuais que têm a educação como objeto de suas preocupações filosóficas. Assim, apropriar-nos-emos, principalmente, das ideias do italiano Antônio Gramsci e do brasileiro Paulo Freire. Mesmo em realidades e contextos distintos, esses autores marcaram a pedagogia, contribuindo com as nossas reflexões sobre o processo educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários. Desde o início desta tese, temos destacado a importância dos processos de cidadania, autonomia e emancipação sociocultural dos indivíduos que participam de associações, movimentos, projetos sociais, etc., envolvendo a produção de saberes e aprendizagens em espaços não escolares, como os Empreendimentos Econômicos Solidários, por exemplo. Por isso, cremos ser necessário precisar melhor a concepção de emancipação social ora tratada e dos possíveis elementos construtores desse conceito. Ao longo da história da educação, diversos autores têm abordado a temática da emancipação enquanto princípio educativo num debate teórico-reflexivo. É claro que não seria possível falarmos de emancipação sem nos pautarmos nos termos educação e escola, objetos de intensa preocupação de Gramsci, já que ele considera os dois elementos supracitados como se consistissem em um aparelho privado de hegemonia. Assim, apontamos, neste trabalho, algumas ideias, adensando a perspectiva da formação humana para a emancipação, considerando outros espaços não escolares como celeiros de desenvolvimento ideológico contra-hegemônico. 106 Segundo Gramsci (1982), todo grupo social, ao mesmo tempo em que se constitui sobre a base original da função que assume no campo da produção econômica, cria organicamente uma ou mais camadas de intelectuais que lhe asseguram homogeneidade e consciência de sua própria função, não só no setor econômico, como também nos setores social, político e cultural. Essas camadas intelectuais não surgem de forma abstrata, democrática, liberal, etc., mas sim de relações concretas dentro do processo histórico de produção social, não havendo espaço para que o camponês se emancipasse enquanto produtor de um pensamento autônomo, pois a estrutura, a estratificação social não lhe permitia alcançar qualquer posto para além da sua condição de trabalhador do campo. Entende-se, assim, que a principal função de formar o sujeito numa perspectiva socialista baseia-se na construção de um indivíduo emancipado e crítico, voltado para a construção de um sujeito que tenha, na sua base intelectual e objetiva da vida social, as ―armas‖ para a construção do ser completo. Em suma, esta concepção de educação tem como princípio a formação do sujeito coletivo, solidário, mais humano, fugindo-se totalmente à concepção capitalista de escola (MONASTA, 2010). Com base nos estudos de Gramsci, é possível afirmarmos que a educação deveria promover a aprendizagem de conhecimentos emancipatórios, que contribuam para possibilitar o indivíduo de agir conscientemente, engajando-se na luta por transformações das condições perversas, injustas e negadoras da dignidade humana. Para isso, é necessário construir outra hegemonia diametralmente contrária à que está posta. Neste aspecto, acreditamos que o pensamento de Gramsci é pedagógico. Acima de tudo, com claro objetivo pedagógico. Instrumentalizar a classe operária, para que ela assuma a consciência da própria história e seja protagonista da sua emancipação (PFAIFER, FRIEDMANN ANGELI, 2010). A crítica à distinção tradicional entre o ―trabalho manual‖ e o ―trabalho intelectual‖ é um dos elementos mais importantes para a elaboração de uma nova teoria da educação. Segundo Monasta (2010), para Gramsci, essa distinção é ideológica, na medida em que desvia a atenção das funções reais, no interior da vida social e produtiva, para os ―aspectos técnicos‖ do trabalho. Em qualquer trabalho físico, até mesmo no mais degradante e mecânico, existe um mínimo de atividade intelectual. Assim, portanto, podemos dizer que todos os homens são intelectuais: porém nem todos exercem a função de intelectuais na sociedade. Não existe atividade humana da qual se possa excluir absolutamente alguma participação intelectual: não é possível separar o homo faber do homo sapiens. Para Adorno (1995a), a exigência de emancipação parece ser evidente numa democracia. Para precisar a questão, ele nos remete ao início do breve ensaio de Kant, 107 intitulado "Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?". Ali ele define a menoridade ou tutela e, deste modo, também a emancipação, afirmando que este estado de menoridade é autoinculpável quando sua causa não é a falta de entendimento, mas a falta de decisão e de coragem de servir-se do entendimento sem a orientação de outrem. "Esclarecimento é a saída dos homens de sua autoinculpável menoridade" (ADORNO, 1995b, p.177). Esse programa de Kant para Adorno (1995b) é extraordinariamente atual. Adorno, ainda na sua rica teorização, ao falar de emancipação, refere-se à função do esclarecimento, mas, de maneira nenhuma, à conversão de todos os homens em seres inofensivos e passivos. Ao contrário: esta passividade inofensiva constitui ela própria, provavelmente, apenas uma forma da barbárie, na medida em que está pronta para contemplar o horror e se omitir no momento decisivo. Tomando como base o pensamento do autor, podemos afirmar que, de certo modo, emancipação significa o mesmo que conscientização, racionalidade. Para ele, o conceito de racionalidade ou de consciência é apreendido de um modo excessivamente estreito, como capacidade de pensar. A racionalidade como atitude pessoal consiste na disposição de examinar nossas ideias e opiniões, revisá-las, autocriticá-las e corrigi-las. Isso tudo envolve um fazer, uma prática que se transforma em práxis. A este respeito, Adorno (1995, p. 160) diz: [...] a consciência é o pensar em relação à realidade, ao conteúdo – a relação entre formas e estruturas de pensamento do sujeito e aquilo que este não é. Este sentido mais profundo de consciência ou faculdade de pensar não é apenas o desenvolvimento lógico formal, mas ele corresponde literalmente à capacidade de fazer experiências. A análise do processo de emancipação social, política, econômica e cultural remete- nos a refletir sobre vários temas da sociedade, a saber: direitos (civis, culturais e políticos), poder, dominação, etc. Inúmeros processos sociopolíticos emergem nesta análise, tais como: participação, democracia (representativa e participativa), cultura (em suas inúmeras manifestações, principalmente política), cidadania (individual e coletiva), liberdade, resistência, humanização, conscientização, etc. Todos esses processos têm se transformado em categorias analíticas dos pesquisadores que se ocupam em refletir sobre o ser humano e sua trajetória, da busca de lutas por libertação de toda violência, da busca da paz e da felicidade. A análise da emancipação remete-nos ao campo dos problemas sociais, dos conflitos, lutas, violência, assim como ao campo dos sonhos, dos desejos, de uma outra sociedade possível. Por esta razão, optamos em nos apoiar nesta análise ao retratarmos o objeto de estudo tratado na presente tese. Podemos analisar a emancipação tanto como processo individual, focalizando os indivíduos propriamente ditos, ou como processo social, como um conjunto de práticas, ideias 108 e relações que abrangem a sociedade. Para os objetivos deste trabalho, interessa-nos este último tipo, a emancipação social, coletiva, sociopolítica e cultural de grupos, camadas e conjuntos de indivíduos da sociedade a partir do processo educativo que o movimento da economia solidária, de forma particular os EES, favorecem enquanto espaços não escolares a partir de uma educação não formal. Um é parte do outro, mas a somatória dos indivíduos não é o mesmo que o coletivo. Freire (1985) afirma que a educação sozinha não emancipa ninguém, mas, sem ela, não há emancipação, a qual deve ter por meta sujeitos autodeterminados, livres objetivamente de qualquer tipo de constrangimento ou mazelas que aprisionam os indivíduos. Deve haver emancipação das consciências, para que se compreenda que a realidade em que estamos inseridos não é estática, nem fruto de uma ordem natural ou de qualquer outra força imaterial. É preciso saber refletir sobre essa realidade, percebendo-se como sujeitos históricos que podem se posicionar, emitir opiniões, fazer escolhas, construir rumos para suas vidas. Rancière (2007, p. 11-12) é outro filósofo que se ocupa do tema da emancipação. Ele diz: Não há ignorante que não saiba uma infinidade de coisas, e é sobre este saber, sobre esta capacidade em ato que todo ensino deve se fundar. Instruir pode, portanto, significar duas coisas absolutamente opostas: confirmar uma incapacidade pelo próprio ato que pretende reduzi-la, ou inversamente, forçar uma capacidade que se ignora ou se denega a reconhecer e a desenvolver todas as consequências desse reconhecimento. O primeiro ato chama-se embrutecimento. E o segundo, emancipação. A emancipação depende dos níveis de consciência do indivíduo, da sensibilidade aos problemas, da capacidade de construir utopias reais e da dimensão do sentido interior que mobiliza e impulsiona as pessoas. De acordo com Freire (1979), em sua obra Educação e Mudança, quando uma sociedade fechada sofre pressão de determinados fatores externos, espedaça-se, mas não se abre. Uma sociedade abre-se quando começa o processo de desalienação com o surgimento de novos valores. O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo o sujeito de sua ação. Nos debates teóricos, foi possível observarmos de maneira latente, como um dos fatores contributivos no princípio educativo de caráter emancipatório, o elemento da autonomia. Comungamos do pensamento de que um movimento de emancipação só pode partir da autoatividade das massas, de sua autonomia, da cisão com a classe dominante. Del Roio (2007) afirma que Gramsci destaca a representação da vontade coletiva autônoma que se auto-organiza em oposição à ordem social vigente, gerando uma cisão que contesta a subalternidade. Essa demanda, todavia, é uma reforma moral e intelectual, uma transformação 109 cultural de grande envergadura histórica, que supere e substitua a cultura da velha classe dominante. Para Castoriadis (1992), uma política de autonomia deve ter como objeto final ajudar a coletividade a criar suas instituições, sem, porém, limitar a capacidade dos indivíduos de serem autônomos. Tomando como base este pensamento, consideramos que a autonomia é requisito básico para a participação política do indivíduo em uma sociedade dita excludente. Somente um indivíduo autônomo é capaz de processar e selecionar informações, ter domínio de conhecimento, tomar decisões e posicionar-se frente a incertezas e conflitos globais. A autonomia leva-o à participação política, não devendo, porém, estar atrelada às justificações de ordem econômica ou ideológica, incapacitando-o ou impedindo-o de ser, de agir nem de entender as contradições que permeiam o mundo globalizado. Outro elemento presente que conseguimos identificar, sobre o processo educativo de emancipação, a partir da construção deste referencial teórico-metodológico, foi a importância da formação da consciência crítica. Tomando como base inicial de discurso sobre este elemento, apoiamo-nos em uma reflexão que Freire (1967) nos traz em sua obra intitulada ―Educação como prática da liberdade‖. Para ele, a consciência crítica é: [...] a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica. Nas suas correlações causais e circunstanciais. A consciência ingênua (pelo contrário) se crê superior aos fatos, dominando-os de fora e, por isso, se julga livre para entendê- los conforme melhor lhe agradar. A consciência mágica, por outro lado, não chega a acreditar-se ‗superior aos fatos‘, dominando-os de fora, nem ‗se julga livre para entendê-los como melhor lhe agradar‘. Simplesmente os capta, emprestando-lhes um poder superior, que a domina de fora e a que tem, por isso mesmo, de submeter-se com docilidade. É próprio desta consciência o fatalismo, que leva ao cruzamento dos braços, à impossibilidade de fazer algo diante do poder dos fatos, sob os quais fica vencido o homem. Com a dinâmica da sociedade excludente que destacamos em nosso capítulo inicial, percebemos que, para a maioria das populações que viveram submetidas a esses regimes, as condições de trabalho e de vida e o conformismo educacional de suas sociedades não lhes deixaram margem alguma para o pensamento crítico e o desenvolvimento pessoal. Por isso, nós acreditamos que as mensagens de autores como Gramsci, Adorno e Freire, à medida que se esclarecem e emergem das sombras dessa época histórica, ajudam-nos a descobrir um novo enfoque da educação: um enfoque cientificamente crítico de todos os processos ideológicos e educativos. Por isso, desde já, salientamos a necessidade de uma permanente atitude crítica, um meio pelo qual o homem realizará sua vocação natural de integrar-se, superando a atitude do simples ajustamento ou acomodação, apreendendo temas e tarefas de sua época. 110 De acordo com Freire (1979), a consciência crítica possui um conjunto de características pertinentes para as questões ora tratadas, e destacá-las-emos sinteticamente: (a) anseio de profundidade na análise de problemas. Não se satisfaz com as aparências. Pode-se reconhecer desprovida de meios para a análise do problema; (b) reconhecimento de que a realidade é mutável; (c) substituiçãode situações ou explicações mágicas por princípios autênticos de causalidade; (d) verificação ou testes das descobertas, com constante disposição para as revisões; (e) tentativas, o quanto for possível, para livrar-se de preconceitos, não somente na captação, mas também na análise e na resposta; (f) recusa a posições quietistas, sendo intensamente inquieta. Torna-se mais crítica quanto mais reconhece em sua quietude a inquietude, e vice-versa. Sabe que é na medida que é e não pelo que parece. O essencial para parecer algo é ser algo, é a base da autenticidade; (g) recusa a toda transferência de responsabilidade e de autoridade e aceitação da delegação das mesmas; (h) indagação, investigação, força; (i) amor ao diálogo, nutrindo-se dele; (j) face ao novo, não há recusa ao velho por ser velho, nem aceitação ao novo por ser novo, mas aceitação a ambos, na medida em que são válidos. A partir dos pontos ilustrados pelo autor, percebemos a importância do homem consciente e, na medida em que conhece, tende a se comprometer com a própria realidade – tarefa que lhes exige, durante sua ação sobre a realidade, um aprofundamento da sua tomada de consciência da realidade, objeto de atos contraditórios daqueles que pretendem mantê-la como está e dos que pretendem transformá-la. A conscientização, que lhe possibilita inserir-se no processo histórico, como sujeito, evita os fanatismos e o inscreve na busca de sua afirmação. ―Se a tomada de consciência abre o caminho à expressão das insatisfações sociais, se deve a que estas são componentes reais de uma situação de opressão‖ (FREIRE, 1967, p. 11). Segundo Gramsci (1982), a libertação do homem toma a forma da compreensão do grupo social que tem uma própria concepção de mundo. Esta concepção articula-se organicamente para construir uma hegemonia dominante sobre as classes subalternas. Por isso, é necessário um esforço e disciplina intelectual por parte dos indivíduos, para que possam exprimir uma concepção de classe. Entendemos que esta consciência crítica deve estar a serviço da organização e da unidade da classe subalterna, visto que, histórica e politicamente, ela não as possui. A questão fundamental, neste caso, segundo Freire (1967), está em que, faltando aos homens uma compreensão crítica da totalidade em que estão, captando-a em pedaços nos quais não reconhecem a interação constituinte da mesma totalidade, não podem conhecê-la. E 111 não o podem porque, para conhecê-la, seria necessário partir do ponto inverso. Isto é, ser- lhes-ia indispensável ter, antes, a visão totalizada do contexto para, em seguida, separarem ou isolarem os elementos ou as parcialidades do contexto, por meio de cuja cisão voltariam com mais claridade à totalidade analisada. Esta ideia esboçada pelo autor nos sugere um esforço que cabe realizar na educação para a emancipação que adotamos como perspectiva reflexiva nesta tese. O esforço de propor aos indivíduos dimensões significativas de sua realidade, cuja análise crítica lhes possibilite reconhecer a interação de suas partes, seria um ponto importante no processo educativo para a autonomia e a liberdade. Salientamos, ainda, que esta conscientização, é óbvio, não para no reconhecimento puro (de caráter subjetivo) da situação, mas, pelo contrário, prepara os homens (no plano da ação) para a luta contra os obstáculos à sua humanização. Mediante perspectiva apontada sobre o tema consciência crítica, entendemos que o ato pedagógico deve estar aberto à contínua reflexão crítica, para possibilitar um espaço de permanente reflexão sobre as práticas e um aprofundamento sobre a ES, suas relações com a realidade social existente e seu potencial transformador desta realidade. Um elemento ainda presente neste discurso teórico sobre princípio educativo emancipatório e que anda lado a lado da conscientização refere-se à temática da liberdade. Liberdade deve ser outra categoria também lembrada quando falamos de educação não formal, dada a força motivadora de suas práticas, geradoras de processo incentivador na busca e produção de saberes que podem vir a ser ferramentas importantes para os indivíduos aprenderem a fazer leituras próprias do mundo em que vivem, dos fatos sociais que os circundam. Freire (1987) destaca, em sua consagrada obra Pedagogia do Oprimido, um aspecto que o surpreende, quer nos cursos de capacitação à frente dos quais ele esteve, e em que analisa o papel da conscientização, quer na aplicação mesma de uma educação realmente libertadora: é o ―medo da liberdade‖. O ―medo da liberdade‖, de que se fazem objeto os oprimidos, medo da liberdade que tanto pode conduzi-los a pretender ser opressores também, quanto pode mantê-los atados ao status de oprimidos, é outro aspecto que merece igualmente nossa reflexão. Um dos elementos básicos na mediação opressores-oprimidos é a prescrição. Toda prescrição é a imposição da opção de uma consciência a outra. Daí o sentido alienador das prescrições que transformam a consciência recebedora no que vimos chamando de consciência ―hospedeira‖ da consciência opressora. Por isso, o comportamento dos oprimidos, na visão do autor, é um comportamento prescrito. Faz-se à base de pautas estranhas a eles – as pautas dos opressores. 112 Este medo da liberdade, tão salientado pelo autor, também se instala nos opressores, mas, obviamente, de maneira diferente. Nos oprimidos, o medo da liberdade é o medo de assumi-la. Nos opressores, é o medo de perder a "liberdade‖ de oprimir. Assim é que, enquanto a prática bancária, como enfatizamos, implica uma espécie de anestesia, inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade. A primeira, segundo o autor, pretende manter a imersão; a segunda, pelo contrário, busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade. Se esta educação só é possível enquanto compromete o educando como homem concreto, ao mesmo tempo o prepara para a crítica das alternativas apresentadas pelas elites e dá-lhe a possibilidade de escolher seu próprio caminho. O historicismo, ao contrário, integra liberdade com necessidade e se acautela diante da expressão marxista ―passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade‖. (GERRATANA, 1975). A compreensão dessa pedagogia em sua dimensão prática, política ou social, requer, portanto, clareza quanto a este aspecto fundamental: a ideia da liberdade só adquire plena significação quando comunga com a luta concreta dos homens por libertar-se. Ainda segundo Freire (1985), a ação política junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, "ação cultural‖ para a liberdade, por isso mesmo, ação com eles. A sua dependência emocional, fruto da situação concreta de dominação em que se acham e que gera também a sua visão inautêntica do mundo, não pode ser aproveitada a não ser pelo opressor. Este é que se serve desta dependência para criar mais dependência. A ação libertadora, pelo contrário, reconhecendo esta dependência dos oprimidos como ponto vulnerável, deve tentar, por meio da reflexão e da ação, transformá-la em independência. Esta, porém, não é doação que uma liderança lhes faça, por mais bem-intencionada que seja. Não podemos esquecer que a libertação dos oprimidos é libertação de homens, e não de ―coisas‖. Por isso, se não é autolibertação (ninguém se liberta sozinho), também não é libertação de uns feita por outros. Libertar-se de sua força exige, indiscutivelmente, a emersão dela, a volta sobre ela. Por isso é que, segundo o autor, só por meio da práxis autêntica, ou seja, ação e reflexão, é possível fazê-lo. Valemo-nos aqui de alguns questionamentos trazidos na obra Pedagogia do Oprimido: quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? 113 Este é o trágico dilema dos oprimidos, configurado por Freire e que a sua pedagogia tem de enfrentar. A libertação, por isso, é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce desse parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores- oprimidos, que é a libertação de todos. Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca, pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade referida. 3.2.1 Práxis: a conscientização para a ação Assumir a consciência da própria história em Gramsci significa compreender de fato como se estrutura e se organiza a ideologia da classe dominante, isto é, como se dá a organização material voltada para manter, defender e desenvolver a frente teórica ideológica (GRAMSCI, 1982). Esta questão é nuclear para a filosofia da práxis. Práxis aqui entendida como a objetivação do homem, domínio da natureza e como realização da liberdade humana (KOSIC, 1996). Práxis aqui considerada no sentido atribuído por Marx (BOTTOMORE, 1997), como atividade criadora, criativa e autocriativa, em que os seres humanos transformam a si mesmos e o mundo humano e histórico. Segundo Monasta (2010), para Gramsci, a ―filosofia da práxis‖ é uma expressão autônoma que define, em seu entendimento, o que é uma característica central do legado de Marx: o vínculo inseparável entre a teoria e a prática, o pensamento e a ação. Segundo Gramsci, a originalidade da ―filosofia da práxis‖ assenta-se no fato de que é a única ―ideologia‖ que pode criticar a si própria, isto é, que consegue descobrir as raízes ―materiais‖ (ou seja, econômicas e políticas) de todas as doutrinas (incluindo, portanto, do próprio marxismo) e articular entre si, permanentemente, a teoria com a prática. Acontece, porém, que a toda compreensão de algo corresponde, cedo ou tarde, uma ação. Captado um desafio, compreendido, admitidas as hipóteses de resposta, o homem age. A natureza da ação corresponde à natureza da compreensão. Se a compreensão é crítica ou preponderantemente crítica, a ação também o será. Se é mágica a compreensão, mágica será a ação. Em nossa pesquisa, percebemos que as formações junto aos Empreendimentos Econômicos Solidários levaram alguns dos sujeitos participantes destes a esta compreensão 114 do contexto, a partir de uma atividade reflexiva, para uma ação transformadora daquela realidade, como podemos entender melhor a partir dos seguintes depoimentos: Olha, hoje posso te dizer que fui privilegiada, por passar por tantas formações no meu grupo de produção. Não sei te dizer dos demais meninos, mas eu fui privilegiada por isso e hoje tenho um processo refletivo, mais do que antes. Hoje eu entendo que cada formação foi necessária para que o grupo pudesse se fortalecer nesse sentido. Hoje é claro que eu não falo tudo aquilo que falava antes, é notória a minha mudança, hoje sou outra pessoa que pensa mais antes de agir. Então, desta forma, pude atuar melhor em minha comunidade, refletir nas melhores ações para desenvolvê-las, para empoderar cada pessoa que ali vive. Fico feliz em fazer com que cada pessoa se sinta dona da comunidade. Sou significantemente melhor (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). As formações foram fundamentais para meu crescimento pessoal. Se hoje eu reflito melhor sobre uma ação em minha vida, foi pelas formações que tive no processo de grupo. Não sei como eu seria hoje e onde eu estaria sem esse exercício de reflexão e ação. Hoje estou cada vez mais lutando pela minha comunidade, pelas pessoas que aqui estão e, agindo com reflexão, os ganhos para minha comunidade têm sido consideráveis (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). Hoje, percebo que nós mulheres paramos para pensar. Antes pensávamos assim: ‗Não, a gente tem que produzir‘. Mas hoje, pensamos que antes de produzir tem que pensar. Vamos pensar na semana anterior. Vamos ver. Vamos planejar. Então assim, hoje é uma coisa que acontece naturalmente. Então você vê que percebemos a importância de estar sentando, que era o que antes era uma dificuldade até de conversar mesmo que não fosse na cozinha. Então se senta, se conversa, se troca, se planeja, então a coisa hoje acontece naturalmente. E o melhor, levamos esta prática da reflexão e ação para a vida, não fica só aqui dentro do grupo, isto é o mais rico. Assim, conseguimos atuar em comunidade de outra forma, com transformações da realidade (ENTREVISTADA, 17, grifo nosso). Hoje sou outro homem. Até em minha casa minha mulher diz que hoje não falo sem pensar. Aprendi a ter esse comportamento com meu grupo de produção. Estar na padaria, entre colegas de diversas idades, me fez ter mais paciência e a ser mais sábio. Posso ter problemas com leituras, com estudos, mas me considero um verdadeiro sábio hoje, pois penso antes de agir. Até com os problemas que nossa comunidade vive, agir desta forma tem me ajudado em saber como posso contribuir melhor com minha comunidade (ENTREVISTADO, 18, grifo nosso). Depois que houveram essas formações, elas começamos a assumir o centro de produção de vestuário do bairro e começamos a criar nosso próprio caminho O processo das formações nos ajudou a nos colocarmos melhor na comunidade, em nossas famílias, em sociedade. Hoje não temos vergonha de entrarmos ou sairmos de lugar algum. Hoje eu sei fazer uma leitura do nosso contexto político. O processo de reflexão e ação nos ajudou em tudo isto (ENTREVISTADA, 21, grifo nosso). Percebemos o sentido dessas formações para esta aprendizagem reflexiva da realidade, um sentido que vai de uma transformação pessoal e coletiva, entendendo o coletivo aqui desde a convivência no próprio grupo de produção, mas de forma prioritária, na ação transformadora dessas pessoas em suas comunidades. No ato de se sentirem donas dos seus 115 espaços, com uma leitura mais aprofundada do contexto de exclusão em que cada uma está inserida, na busca desenfreada por possíveis soluções que venham a desenvolver em suas comunidades. Entendemos que, no processo educativo que embalava os Empreendimentos Econômicos Solidários, não havia uma desconexão entre teoria e prática, ou seja, havia uma concepção teórica, mas que partia da realidade e voltava para esta mesma realidade com determinas ações de mudanças, de transformações destes contextos de opressões. A primeira condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de agir e refletir. Somente um ser que é capaz de sair de seu contexto, de ―distanciar-se‖ dele para ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e, transformando-o, saber-se transformado pela sua própria criação. Um ser que é e está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico. Somente este é capaz, por tudo isso, de comprometer- se. Firmamos, anteriormente, que a primeira condição para que um ser pudesse exercer um ato autônomo e de forma conscientemente crítica era a sua capacidade de atuar e refletir. Segundo Freire (1979), é exatamente esta capacidade de atuar, operar, de transformar a realidade de acordo com finalidades propostas pelo homem, à qual está associada sua capacidade de refletir, que o faz um ser da práxis. O autor ainda reforça esta ideia quando afirma que, como não há homem sem mundo, nem mundo sem homem, não pode haver reflexão e ação fora da relação homem-realidade. Esta relação homem-realidade, homem-mundo, implica a transformação do mundo, cujo produto, por sua vez, condiciona ambas, ação e reflexão. É, portanto, por meio de sua experiência nessas relações que o homem desenvolve sua ação-reflexão, como também pode tê-las atrofiadas. Conforme se estabeleçam estas relações, o homem pode ou não ter condições objetivas para o pleno exercício da maneira humana de existir. Com base nesta afirmativa, se nos interessa analisar o processo educativo dos empreendimentos econômico solidários e o seu caráter emancipatório, teremos que reconhecer que seus componentes, antes de ser profissionais, são homens e mulheres. Todavia, existe algo que deve ser destacado. Na medida em que o compromisso deixa de ser um ato passivo, e passa a ser práxis (ação e reflexão sobre a realidade), inserido nela, ele implica indubitavelmente um conhecimento da realidade. Ainda é neste sentido que Freire (1979, p. 10) nos chama a atenção quando afirma: Não é possível um compromisso verdadeiro com a realidade, e com os homens concretos que nela e com ela estão, se desta realidade e destes homens se tem uma consciência ingênua. Não é possível um compromisso autêntico se, àquele que se julga comprometido, a realidade se apresenta como algo dado, estático e imutável. Se este olha e percebe a realidade enclausurada em departamentos estanques. Se não a vê e não a capta como uma totalidade, cujas partes se encontram em permanente 116 interação. Daí sua ação não poder incidir sobre as partes isoladas, pensando que assim transforma a realidade, mas sobre a totalidade. É transformando a totalidade que se transformam as partes e não o contrário. No primeiro caso, sua ação, que estaria baseada numa visão ingênua, meramente ‗focalista‘ da realidade, não poderia constituir um compromisso. A práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos. Freire (1970, p. 29) ainda colabora com esta reflexão quando afirma que ―Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua ‗conivência‘ com o regime opressor‖. O autor complementa: ―Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental, é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis‖ (p.29). Podemos entender, a partir do pensamento do autor, que o diálogo crítico e libertador, por isso mesmo que supõe a ação, tem de ser feito com os oprimidos, qualquer que seja o grau em que esteja a luta por sua libertação. Não um diálogo às escâncaras, que provoca a fúria e a repressão maior do opressor. Por outro lado, se o momento já é o da ação, esta se fará autêntica práxis se o saber dela resultante se faz objeto da reflexão crítica. Neste sentido é que a práxis constitui a razão nova da consciência oprimida e que a revolução, que inaugura o momento histórico desta razão, não possa encontrar viabilidade fora dos níveis da consciência oprimida. A não ser assim, a ação é puro ativismo. Encontramos, em nossa pesquisa, alguns depoimentos que possuem este sentido de mudança de vida, de uma transformação pessoal que leva a um possível processo de liberdade de tantas situações de prisões que nossos sujeitos imbricados em cenários de opressão têm vivenciado ao longo de suas histórias: [...] as formações mudaram minha forma de pensar e agir. Você também começa a pensar melhor, de fazer alguma coisa, pensa: será que isso vai ser bom? Será que não vai prejudicar alguém ou até o meio ambiente? Você pensa mais antes de agir. Hoje em minha vida isto faz toda uma diferença. É como se tivesse acontecido uma mudança em minha vida quando comecei agir desta forma. Me senti mais livre e mais segura em sociedade (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). Olha, eu acho que essa pergunta assim mexe muito com a nossa cultura. Nós fomos educados: ou você manda ou é mandado. Ou você é patrão ou é empregado. Então, no grupo, quando a gente começou realmente a pôr em prática os princípios da economia solidária, nós começamos a entender que era possível, trabalhar em conjunto, que o ganho seria muito mais. Ao invés de eu está mandando, ditando ordens. Eu acho que é saber ouvir, escutar. Apesar de que eu falo muito. Toda vida eu tive muita liderança. Mas hoje eu já paro para escutar. Reflito antes de agir. Isso foi muito difícil porque eu era aquela tipo assim, pô: ‗É assim e ponto‘! Hoje não, sabe [...] eu procuro melhorar até meu tom de voz. Eu me policio. Agora não é fácil, pois é um aprendizado constante (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). 117 [...] as formações me ajudaram muito neste ponto. Na verdade, estão me ajudando muito, a fazer essa reflexão. Uma vez me questionaram: você não se doa demais a este grupo? Eu disse: ‗Eu acho que não, eu não me doou demais, eu acho que me transformo a cada vivência em grupo, pra mim isso está me fazendo um bem danado‘. E refletir para agir foi uma de minhas transformações (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). O que nos parece indiscutível nas reflexões aqui apontadas é que, se pretendemos a libertação dos homens, não podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que gera a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo, para transformá-lo. Quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la, criando, com seu trabalho, um mundo próprio: seu ser e suas circunstâncias. Na medida em que os homens, dentro da sociedade, vão respondendo aos desafios do mundo, vão temporalizando os espaços geográficos e fazendo história pela sua própria atividade criadora. A mudança de uma sociedade de oprimidos para uma sociedade de iguais e o papel da educação – da conscientização – nesse processo de mudança é a preocupação básica da pedagogia de Paulo Freire. O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer esta autorreflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da educação (FREIRE, 1979), que é uma resposta da finitude da infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado. Isto o leva à busca de sua perfeição. A educação, portanto, na visão do autor, implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém. A mudança da percepção distorcida do mundo pela conscientização é algo mais que a tomada de consciência, que pode, inclusive, ser ingênua. Tentar a conscientização dos indivíduos rumo a sua emancipação, este, e não outro, parece-nos ser a essência do processo educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários, ao analisarmos, em capítulos anteriores, os princípios ligados ao movimento de economia solidária. Assim, os processos são concebidos como práxis de aprendizagens coletivas, construção e partilha de saberes, reflexões e pesquisas sobre a (e a partir da) realidade dos 118 trabalhadores e trabalhadoras da economia solidária. Entendendo práxis como a inter-relação entre teoria(s) e prática(s) a partir da observação sobre a realidade, num constante movimento de reflexão e avaliação, resultando em novas ideias e ações. A formação e a assessoria técnica são processos contínuos de promoção, apoio e fomento à economia solidária tanto por intermédio da apropriação/tradução de conhecimentos como pelo aperfeiçoamento dos processos de autogestão no interior das unidades de produção (de bens e serviços), comercialização, consumo e finanças solidárias, bem como pela construção e fortalecimento de cadeias econômico-solidárias e redes de cooperação. Envolvem a apropriação de técnicas e tecnologias sociais pelos trabalhadores da economia solidária e consideram o contexto específico em que se realiza o processo de produção e reprodução dos meios de vida. 3.3 A ESSENCIALIDADE DA EMANCIPAÇÃO: sentidos e significados para além do plano econômico-estrutural No movimento de economia solidária, a ação econômica é uma das bases de motivação da agregação de esforços e recursos pessoais e de outras organizações para produção, beneficiamento, crédito, comercialização e consumo, o que envolve elementos de viabilidade econômica, permeados por critérios de eficácia e efetividade, ao lado dos aspectos culturais, ambientais, sociais e políticos. Para Gramsci (1982), não é possível tratar de emancipação apenas no plano econômico-estrutural. As dimensões da política e da cultura são também fundamentais. A emancipação, que se refaz cotidianamente, só é possível a partir da formação de amplos consensos em torno de uma concepção de mundo alternativa àquela que predomina no status quo vigente, contrapondo-se à concepção hegemônica que reproduz a dominação existente. E esta nova concepção de mundo deverá ser construída a partir de novos sentidos e significados às relações sociais, para que estas não se reproduzam como relações de poder, de dominação de uns sobre outros. Gohn (2010) aproxima-se do pensamento de Gramsci quando diz que, na perspectiva da educação não formal, podemos encontrar algumas dimensões que contribuiriam no processo de construção do indivíduo envolvido num princípio emancipatório, são elas: (a) Política: quais são seus direitos e os da sua categoria, quem é quem nas hierarquias do poder estatal governamental, quais são os obstáculos ou as dificuldades para o exercício de seus direitos, etc. Podemos entender, dentro da perspectiva da autora, que, para o contexto da 119 economia solidária, esta aprendizagem contribui com o movimento social, que luta pela mudança da sociedade, por uma forma diferente de desenvolvimento, não baseado nas grandes empresas nem nos latifúndios com seus proprietários e acionistas, mas sim um desenvolvimento para as pessoas e construída pela população a partir dos valores da solidariedade, da democracia, da cooperação, da preservação ambiental e dos direitos humanos. Ou seja, uma dimensão política, enquanto organizações coletivas, nas quais prevaleçam práticas democráticas, cooperativas e autogestionárias entre os integrantes; (b) Cultural: quais os elementos que constroem a identidade do grupo, quais as suas diferenças, diversidades e adversidades culturais que têm de enfrentar, qual a cultura política do grupo (seu ponto de partida e o processo de construção ou agregação de novos elementos a essa cultura), etc. Reconhecemos, a partir deste destaque dado pela autora, que tal aprendizagem, no âmbito dos EES, é também um jeito de estar no mundo e de consumir (em casa, em eventos ou no trabalho) produtos locais, saudáveis, da Economia Solidária, que não afetem o meio ambiente. Neste aspecto, também simbólico e de valores, estamos falando de mudar o paradigma da competição para o da cooperação da inteligência coletiva, livre e partilhada; (c) Econômica: quanto custa, quais os fatores de produção, como baixar custos, como produzir melhor e com custo mais baixo, etc. Ou seja, reconhecemos esta aprendizagem como um jeito de fazer a atividade econômica de produção, oferta de serviços, comercialização, finanças ou consumo, com base na democracia e na cooperação, o que os autores definem como autogestão. Uma dimensão econômica, enquanto atividades econômicas que garantam meios de vida aos integrantes dos EES. Entendemos que o conceito de economia solidária proporciona uma ênfase sobre o desejo primeiro da economia social, na sua origem, de evitar o fosso entre o econômico, o cultural e o político, pois é na articulação destas três dimensões que se situa o essencial da economia social ou solidária. Por esta razão, acreditamos que a escolha dos autores apresentados nesta seção justifica-se também pelo ato de comunhão entre os sentidos e significados dados por eles à abordagem da aprendizagem emancipatória para além do aspecto econômico-estrutural, essencialidade apontada pelo movimento de economia solidária, conforme discutimos anteriormente. Embora, muitas vezes, apenas uma delas tenda a ser enfatizada, todas essas dimensões são fundamentais para que a economia solidária se concretize. Essas contribuições caracterizam uma conexão entre cultura, política e economia. Segundo o entendimento de Gramsci (1982), esses conceitos são distintos, mas possuem uma interdependência. A vida econômica proporciona o terreno permanente e orgânico, desde que 120 a política seja um produto genuíno desse terreno e que possa proporcionar uma superação superior ao capitalismo. São os intelectuais – grupo social – que conseguem fazer a passagem do terreno permanente e orgânico da vida econômica para a organização política eficaz. Assim, se uma classe não consegue seus próprios intelectuais, ela é incapaz de se transformar numa força hegemônica. Ou seja, no âmbito de cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, ocorre, organicamente, a criação de uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função não só no campo econômico, mas também no social, político e cultural. A dimensão epistemológica realça o papel do trabalho na construção de conhecimento (não só técnico, mas também político, cultural e social). As dimensões política, cultural e social põem em evidência os processos e mecanismos, marcados por relações conflituosas, que são responsáveis pela produção e apropriação de tais conhecimentos. A dimensão pedagógica refere-se mais diretamente ao processo de construção, transmissão e acesso de conhecimentos, quer estes se efetivem por procedimentos formais ou informais. Nesses termos, o processo educativo do movimento de economia solidária, como uma complexa construção social, inclui, necessariamente, uma dimensão pedagógica, ao mesmo tempo em que não se restringe a uma ação educativa, muito menos a um processo educativo de caráter exclusivamente técnico. Por outro lado, quanto mais associada estiver a uma visão educativa que a tome como um direito de cidadania, mais poderá contribuir para a democratização das relações de trabalho e para imprimir um caráter social e participativo ao modelo de desenvolvimento. Levando em consideração as ênfases defendidas pelos autores sobre a importância de uma análise não apenas a partir dos aspectos econômicos, mas também dos aspectos político e cultural, pensamos que seria necessário abordarmos essas aprendizagens com maior ênfase. Vale, ainda, destacar que a escolha dessas dimensões em nosso estudo deu-se também pela estreita harmonia destes fatores que se fazem presentes na discussão teórico-metodológica do movimento de economia solidária, conforme apontamos anteriormente. 3.3.1 Aprendizagem Política 121 Uma das aprendizagens que abordaremos como essencialidade na análise de nossa tese é o aspecto político do processo educativo presente na formação dos Empreendimentos Econômicos Solidários. Antonio Gramsci (1891-1937) foi um pensador inconformado com o seu tempo, acreditando que era possível que os movimentos sociais, ligados às camadas populares, pudessem, por meio da ação política, promover transformações em favor da qualidade de vida. Com o conceito de intelectuais orgânicos, ajuda-nos, na atualidade, fazer enunciados no sentido da mobilização social, para o engajamento político das camadas subalternas, na luta por emancipação. Para Gramsci (1982), o processo hegemônico vincula o ato pedagógico ao político. Ambos isolados não concretizam, de forma plena, o estado hegemônico. A educação das massas, para a elevação de sua cultura, é um ato preliminar que serve de suporte à tomada de poder. A formação política é um constante desafio para quem se propõe a ser educador, seja esse desafio na educação formal ou não formal. O ato político é colocado como elemento de formação que caracteriza o sujeito como agente da sua história. Gramsci (1982) deu destaque em seus estudos à função intelectual na dinâmica da sociedade capitalista, função que é, sempre e inseparavelmente, educativa e política. O tema central é a hegemonia política como processo educativo. Isto significa que, quando um grupo social, ocasionalmente, manifesta-se na ação e movimenta-se como um conjunto orgânico, com uma concepção própria de mundo (ainda que embrionária), mesmo de forma descontínua, toma tal hegemonia por empréstimo a outro grupo social, por razões de submissão e subordinação intelectual, uma concepção que lhe é estranha. E aquele grupo (o primeiro) afirma por palavras esta concepção, e também acredita segui-la, já que a segue em ―épocas normais‖, ou seja, quando a conduta não é independente e autônoma, mas sim submissa e subordinada. É por isso, portanto, que não se pode desvincular a filosofia da política; ao contrário, pode-se demonstrar que a escolha e a crítica de uma concepção do mundo são, também, fatos políticos. Agir politicamente, para o nosso entendimento, é estar em condições de enfrentamento das situações adversas e conseguir construir alternativas de mudanças. Para Gramsci (1978, p. 23), [...] a filosofia, como ordem intelectual é a crítica e superação das condições dadas. Ela, então, colabora para elevar o senso comum e aproximar do conhecimento científico, criando, assim, formas de entendimento da realidade, em suas diversas dimensões e complexos dialéticos. 122 O agir em favor da intervenção numa determinada realidade é sempre uma ação política. ―Eis a razão por que não se pode separar a filosofia da política e se pode mostrar, pelo contrário, que a opção e a crítica de uma concepção do mundo é, também, um ato político‖ (GRAMSCI, 1978, p. 24). O ato intelectual é um ato político, pois consiste numa inserção ao contexto social, na decifração das relações de poder e nos processos de dominação. Para Gramsci, os sujeitos que se ocupam em pensar a realidade social, servindo de mediadores entre a sociedade civil (movimentos sociais) e a sociedade política (Estado) são chamados de intelectuais orgânicos. Para o autor, intelectual é: [...] um filósofo, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isso é, para promover novas maneiras de pensar (GRAMSCI, 1982, p. 7-8). Ainda segundo o autor supracitado, toda classe social tem seus intelectuais, tanto a classe burguesa ou a proletária. Mas sua grande preocupação era com a formação de intelectuais orgânicos das camadas populares; estas é que necessitavam dos conhecimentos dos intelectuais orgânicos para ajudar a realizar uma leitura do mundo e, assim, possibilitar construir alternativas de hegemonia, no contexto de luta pela qualificação da vida, em todos os sentidos: espirituais e/ou materiais. Suas ideias nascem como uma das expressões da emergência política das classes populares e, ao mesmo tempo, conduzem a uma reflexão e a uma prática dirigidas sobre o movimento popular. Ao dirigir-se diretamente para a grande massa dos superexplorados e dos pauperizados, o pensamento e a prática educativa sugerem a necessidade da política. Mas já agora se trata de outra política, não mais da manipulação populista. Apesar de que ninguém possa aceitar a ideia ingênua da educação como a alavanca da revolução, caberia considerar que, neste caso, a educação possibilita o surgimento de uma política popular e lhe sugere novos horizontes. Nesta discussão, Freire (1979) acrescenta que não se separa o ato pedagógico do ato político, tampouco os confunde. Evitando querelas políticas, ele tenta aprofundar e compreender o pedagógico da ação política e o político da ação pedagógica, reconhecendo que a educação é essencialmente um ato de conhecimento e de conscientização e que, por si só, não leva uma sociedade a se libertar da opressão. Depois de Paulo Freire, ninguém mais pode ignorar que a educação é sempre um ato político. Aqueles que tentam argumentar em 123 contrário, afirmando que o educador não pode fazer política, estão defendendo uma certa política, a da despolitização. Acreditamos que um teor político no princípio educativo dos Empreendimentos Econômicos Solidários contribui para além dos critérios da eficiência (basicamente reportado ao grau de cumprimento de metas) e da eficácia (relacionado ao grau de cumprimento de metas financeiras), devendo-se dar relevância aos benefícios econômicos, políticos, culturais e sociais efetivamente trazidos pelo processo educativo para os sujeitos. Ou seja, a ação de qualificação profissional precisa ser avaliada também pela capacidade de propiciar o empoderamento, como sujeitos individuais e coletivos, dos públicos envolvidos, seja como trabalhadores assalariados, como trabalhadores autônomos, ou cooperados. 3.3.2 Aprendizagem Cultural Não podemos conceber a cultura como um saber enciclopédico, segundo o qual o homem é visto sob a forma de recipiente para se encher e amontoar com dados empíricos, muitas vezes desconexos, devendo ele, depois, arrumar o cérebro como puder, respondendo, então, aos vários estímulos do mundo externo. Segundo Monasta (2010), esta forma de cultura é deveras prejudicial, especialmente para o proletariado. Serve apenas para criar desajustados, ente que se crê superior ao resto da humanidade porque armazenou na memória certa quantidade de dados e de datas, aproveitando todas as ocasiões para estabelecer uma barreira entre si e os outros. Sabemos que o termo cultura apresenta muitas acepções, tendo sido interpretado de várias formas na história e com posições diferenciadas nos vários paradigmas explicativos da realidade social. De acordo com Gohn (2011), no senso comum, o termo é associado a estudo- educação-escolaridade, ou ao mundo das artes, aos meios de comunicação de massa; ao mundo do folclore, lendas, crenças e tradições passadas ou, ainda, a períodos ou etapas da civilização humana. Santos (1983) sistematizou as concepções sobre cultura em dois blocos: o primeiro está ligado a aspectos da realidade social, a tudo aquilo que se relaciona à existência de um povo, de uma nação, etc. O segundo tem uma ligação direta com o conhecimento, com o mundo das ideias e das crenças, com as maneiras como estas últimas existem na vida social. Chauí assinala que, em Voltaire e Kant, cultura e civilização exprimem o mesmo processo de aperfeiçoamento moral e racional, o desenvolvimento das Luzes na sociedade e na história. 124 ―Cultura torna-se medida de uma civilização, um meio de avaliar seu grau de desenvolvimento e progresso‖ (1986, p. 12). Ainda na visão de Monasta (2010), o termo cultura é organização, disciplina do próprio eu interior, é tomada de posse da própria personalidade, é conquista de consciência superior pela qual se consegue compreender o próprio valor histórico, a própria função na vida, os próprios direitos e os próprios deveres. Mas tudo isso não pode acontecer por evolução espontânea, por ações e reações independentes da própria vontade, como acontece na natureza vegetal e animal, em que cada coisa seleciona e especifica inconscientemente os próprios órgãos, por lei fatal das coisas. O homem é sobretudo espírito, isto é, criação histórica e não natureza. Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas ‗originais‘ significa também e, sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, ‗socializá-las‘, por assim dizer, transformá-las, portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral (MONASTA, 2010, p. 72). Chauí (1986, p. 13-14) destaca [...] que com Hegel a Cultura se torna conjunto articulado dos modos de vida concebida como trabalho do Espírito mundial [...] campo das formas simbólicas. Em Marx, a cultura será concebida como relação material determinada dos sujeitos sociais com as condições dadas ou produzidas por eles [...] momento da práxis social como fazer humano de classes sociais contraditórias na relação determinada pelas condições materiais, e como história da luta de classes. A hegemonia cultural, no entender de Gramsci (1982), resultado da ação da sociedade civil, passa pelos organismos sociais e políticos, por exemplo, a escola, a igreja, meios de comunicação, movimentos sociais, família, etc. Neste caso, pensava ele que a ideologia que dava sustentação ao pensamento dos sujeitos do processo sócio-histórico constitui-se elemento a ser trabalhado pelos intelectuais orgânicos. Para isso, considerava fundamental a relação do homem com a política para a construção da hegemonia. O autor ressalta aqui que os intelectuais têm um papel importante na organização e na elaboração da cultura de uma sociedade, capaz de construir hegemonias. Neste sentido, ganha importância o conceito de Cultura que aparece imbricado ao conceito de hegemonia. Cultura, para Gramsci, é cuidar de alguma coisa. É fazer alguma coisa. Como dissemos acima, é agir. Para ele seria o [...] exercício de pensamento, aquisição de idéias gerais, hábito de relacionar causas e efeitos. Para mim todos já são cultos porque pensam, relacionam causas e efeitos. Mas são empiricamente e não organicamente, [...] tenho uma idéia socrática de cultura: pensar independentemente e proceder bem independentemente do que se faz (1982, p.25). 125 A cultura das classes subalternas dependentes tem, para ele, um significado essencial, até porque essa cultura de ―massa‖, isto é, do ―povo‖, é o principal terreno onde se opera a política cultural. Ele, aqui, é crítico em confronto com a cultura burguesa, até porque nenhuma classe social pode conquistar e conservar o poder se não há o ―consenso‖ das massas. Para se obter o consenso, deve-se exercitar a hegemonia sobre o povo, mas aqui também nem tudo que vem do povo é expressão da consciência crítica, de modo que a política cultural que está sendo instituída é sempre movediça, transitória e contingente, estratégia de força e consentimento para a adequação das consciências. O principal para Gramsci, segundo Grehan (2002, p. 230), [...] é que a cultura – as culturas – que são, em última instância, o produto de histórias especificas, são sempre entidades fluídas e volúveis; e temos de nos lembrar sempre que, quando falamos sobre determinadas ‗culturas‘, o seu caráter particular depende do lugar exato e do momento histórico determinado de que nos ocupamos no tempo e no espaço. Sem perder de vista que a cultura é constituída de sistemas de símbolos que articulam significados. Arantes (1982, p. 35) afirma que, na antropologia social, foi Malinowski (1966) que demarcou a necessidade de se ver qualquer objeto, costume, ação ou símbolo em relação ao contexto da vida social do grupo. Nos estudos da sociologia, a cultura sempre aparece associada a processos de mudança e transformação social, como mola propulsora de mudanças sociais. Já Gohn (2011) aponta uma singular contribuição para esta nossa discussão sobre o entendimento de cultura como geradora de mudanças sociais, quando afirma que Schwartzman cita o trabalho de Aaron Wildawsky, Cultural theories, como a mais recente e ambiciosa tentativa de análise da cultura como geradora de mudanças sociais. Segundo Wildawsky: O ponto de partida é extremamente simples. As pessoas, em sociedade, compartem valores e crenças, que são suas orientações culturais. Além disso, elas mantêm relações entre si. Uma cultura é um modo de vida que integra, de forma viável, orientações culturais e formas de interação social, o que depende, por sua vez, da estrutura social da qual os indivíduos participam. E a estrutura social, que é a base de apoio dos modos de vida existentes, é formada por duas variáveis básicas: a intensidade das relações de solidariedade entre os indivíduos e o contexto das estruturas de diferenciação, autoridade e hierarquia existente (1997, p. 47). Leach (1978), Santos (1983) e Chauí (1986) estão entre os autores que associam cultura e mudança social. Em suas concepções, o estudo da cultura implica aceitar a 126 existência de uma historicidade, na qual sociedade e cultura estão sempre se refazendo, porque não são entidades estáticas. Outra colaboração sobre a reflexão da aprendizagem cultural é realizada por Paulo Freire, em sua obra Educação como prática da liberdade, quando aponta que, a partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai dinamizando o seu mundo. Segundo Freire (1967, p. 43), o homem ―vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura‖. As reflexões do autor são fundamentais para o conceito de cultura como o acrescentamento que o homem faz ao mundo que não fez. A cultura como o resultado de seu trabalho. Do seu esforço criador e recriador. O sentido transcendental de suas relações. A dimensão humanista da cultura. A cultura como aquisição sistemática da experiência humana. Como uma incorporação, por isso crítica e criadora, e não como uma justaposição de informes ou prescrições ―doadas‖. A democratização da cultura — dimensão da democratização fundamental. O aprendizado da escrita e da leitura como uma chave com que o analfabeto iniciaria a sua introdução no mundo da comunicação escrita. O homem, afinal, no mundo e com o mundo. O seu papel de sujeito, e não de mero e permanente objeto. Na obra Educação e Mudança, Freire (1979) também traz para o centro das discussões o elemento da cultura e nos afirma que o homem enche de cultura os espaços geográficos e históricos. ―Cultura é tudo o que é criado pelo homem. Tanto uma poesia como uma frase de saudação. A cultura consiste em recriar, e não em repetir. O homem pode fazê-lo porque tem uma consciência capaz de captar o mundo e transformá-lo‖, diz o autor (p. 16). Isto nos leva a uma segunda característica da relação: a consequência, resultante da criação e recriação que assemelha o homem a Deus. ―O homem não é, pois, um homem para a adaptação. A educação não é um processo de adaptação do indivíduo à sociedade. O homem deve transformar a realidade para ser mais (a propaganda política ou comercial fazem do homem um objeto)‖ (p. 16). O autor ainda acrescenta, afirmando que Todos os produtos que resultam da atividade do homem, todo o conjunto de suas obras, materiais ou espirituais, por serem produtos humanos que se desprendem do homem, voltam-se para ele e o marcam, impondo-lhe formas de ser e de se comportar também culturais. Sob este aspecto, evidentemente, a maneira de andar, de falar, de cumprimentar, de se vestir, os gostos são culturais. Cultural também é a visão que tem ou estão tendo os homens da sua própria cultura, da sua realidade (1979, p. 31). 127 Assim como o conceito de cultura, cultura política também é um termo de múltiplos significados e qualificativos. O paradigma marxista de análise da realidade constrói um quadro geral da análise que confere importância fundamental à infraestrutura da sociedade, ao modo de produção da vida material. Naquele paradigma, o fenômeno das ideias, dos valores e das ideologias não são vistos como dotados de autonomia. A cultura política incluiria conhecimentos, crenças, sentimentos e compromissos com valores políticos e com a realidade política. O seu conteúdo é resultado da socialização na infância, da educação, da exposição aos meios de comunicação, de experiências adultas com o governo, com a sociedade e com o desempenho econômico do país (RENNÓ, 1998, p. 71). A originalidade está em aliar a questão da cultura política à educação. A educação é um processo que requer a integração de conhecimentos com habilidades, valores e atitudes. Gohn (2011) enfatiza esta ideia, acrescentando que a apreensão do processo educativo está associada ao desenvolvimento da cultura política. Juntas, educação e cultura política têm a finalidade de ser instrumento e meio para se compreender a realidade e lutar para transformá- la. Portanto, falar de cultura política é tratar do comportamento de indivíduos nas ações coletivas, os conhecimentos que os indivíduos têm a respeito de si próprios e de seu contexto, os símbolos e a linguagem utilizada, bem como as principais correntes de pensamentos existentes. Mas é muito complicado falarmos em cultura política de forma isolada do contexto histórico e de outros conceitos de apoio. Isto porque, segundo Gohn (2011, p. 67-68), [...] cada época histórica engendra determinada cultura política, segundo os valores e crenças que são resgatados ou construídos, num universo dos temas e problemas com os quais homens e mulheres defrontam-se naquele momento histórico. Paulo Freire (1995) também tratou da análise da cultura política. ―A educação não é a chave para a transformação, mas é indispensável. A educação sozinha não faz, mas, sem ela, também não é feita a cidadania (p.74). A cultura é concebida como modos, formas e processos de atuação dos homens na história, na qual ela se constrói. Está constantemente se modificando, mas, ao mesmo tempo, é continuamente influenciada por valores que se sedimentam em tradições, as quais são transmitidas de uma geração para outra. A educação de um povo consiste no processo de absorção, reelaboração e transformação da cultura existente, gerando a cultura política de uma nação. Frente a nossa discussão, não podíamos deixar de destacar a cultura da solidariedade, princípio fundamental do movimento de economia solidária. A solidariedade é expressa em 128 diferentes dimensões: na congregação de esforços mútuos dos participantes para alcance de objetivos comuns; nos valores que expressam a justa distribuição dos resultados alcançados; nas oportunidades que levam ao desenvolvimento de capacidades e da melhoria das condições de vida dos participantes; nas relações que se estabelecem com o meio ambiente, expressando o compromisso com um meio ambiente saudável; nas relações que se estabelecem com a comunidade local; na participação ativa nos processos de sustentabilidade territorial, regional e nacional; nas relações com os outros movimentos sociais e populares de caráter emancipatório; na preocupação com o bem-estar dos trabalhadores e consumidores e no respeito aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. A conclusão dos debates gira em torno da dimensão da cultura como aquisição sistemática da experiência humana. Podemos afirmar que, por meio da compreensão do termo cultura, também é possível entender o papel dos homens no mundo e com o mundo, como seres da transformação, e não da adaptação. Com a globalização da economia, a cultura se transformou num importante espaço de resistência e de luta social. A reflexão teórico-metodológica trazida neste capítulo indica a importância da dimensão formativa para a política pública do Movimento de Economia Solidária. Percebe-se que a formação não é apenas uma atividade transversal aos projetos desenvolvidos, mas constitui-se na própria base de sustentação dessas iniciativas. Esta discussão leva-nos a crer que a educação para a Economia Solidária, seguindo os princípios da solidariedade e autogestão, contribui para o desenvolvimento de um país mais justo e solidário. Ela deverá valorizar as pedagogias populares e suas metodologias participativas e os conteúdos apropriados à organização, na perspectiva da autogestão, tendo como princípio a autonomia, devendo viabilizar tecnicamente as suas atividades sociais e econômicas e despertar a consciência crítica dos trabalhadores. Desta forma, comungamos do entendimento da educação em economia solidária como uma construção social inerente aos processos de trabalho autogestionários, como elemento fundamental para viabilizar as iniciativas econômicas, para a ampliação da cidadania ativa e do processo democrático, como um movimento cultural e ético de transformação das relações sociais e intersubjetivas, como base de um novo modelo de desenvolvimento, reconhecendo a centralidade do trabalho na construção do conhecimento técnico e social, articulando o trabalho e a educação na perspectiva da promoção da sustentabilidade e orientando ações econômica, política, cultural e pedagógica autogestionárias e solidárias. A partir desta breve discussão sobre Educação e Economia Solidária, bem como de um olhar com base na educação não formal, pretendemos realizar uma análise reflexo- 129 contributiva deste cenário educativo, percebendo, ainda, que o crescimento do MES no contexto brasileiro deve-se a fatores variados, dentre os quais, a resistência de trabalhadores à crescente exclusão social, desemprego urbano e desocupação rural, resultantes da expansão agressiva dos efeitos negativos da globalização da produção capitalista. Tal resistência manifesta-se, primeiramente, como luta pela sobrevivência, na conformação de um mercado informal crescente, no qual brotam iniciativas de economia popular, tais como a atuação de camelôs, flanelinhas, vendedores ambulantes, entre outros, normalmente de caráter individual ou familiar. Com a articulação de diversos atores, essa resistência também se manifesta na forma de iniciativas associativas e solidárias, voltadas também à reprodução da vida, mas que vão além disso, apontando para alternativas estruturais de organização da economia, baseada em valores como a ética, a equidade e a solidariedade, e não apenas no lucro e acúmulo indiscriminado. Tomando como base o cenário aqui apresentado, acreditamos que uma das bandeiras de luta do Movimento de Economia Solidária respalda-se no elemento formação, fator primordial para a atuação dos EES frente ao contexto de construção e fortalecimento discutidos nas seções anteriores. Assim, percebemos que seria oportuno o levantamento de mais algumas questões que serão respondidas em nosso próximo capítulo, cerne de nossa tese: como as práticas socioeducativas vivenciadas nos espaços de educação não formal, e, considerando os EES como eixo sustentador dessas práticas, são contributivas com a emancipação dos sujeitos participantes desses empreendimentos? Qual o sentido e o significado da educação que está sendo realizada nos Empreendimentos Econômicos Solidários da cidade de João Pessoa, PB? As práticas socioeducativas têm levado a um contexto de emancipação humana? 130 4 AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS NOS EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS DA CIDADE DE JOÃO PESSOA, PB: SENTIDOS E SIGNIFICADOS SOB A PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO HUMANA PARA A EMANCIPAÇÃO Esse capítulo apresenta a análise das práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários localizados na cidade de João Pessoa, Paraíba. Inicialmente, iremos fazer uma breve descrição dos Empreendimentos Econômicos Solidários abordados em nossa pesquisa, para nortear o leitor acerca do que e de onde estamos falando. Em seguida, faremos uma descrição e uma análise dos principais agentes formadores, bem como suas atuações junto aos empreendimentos e, por fim, iremos realizar uma análise sobre os sentidos e significados do itinerário educativo e sua contribuição no cotidiano daquelas pessoas que vivenciam a experiência dos Empreendimentos Econômicos Solidários. 4.1 O MOVIMENTO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA EM JOÃO PESSOA, PB: UM BREVE CONTEXTO DESTE CENÁRIO Conforme dados apresentados anteriormente, o último mapeamento (2010-2012) que compõe o SIES cobriu 52% dos municípios brasileiros e levantou dados sobre 19.708 empreendimentos e uma população de 1.423.631 homens e mulheres. Desses empreendimentos, 8.040 estão localizados no Nordeste, 3.292 no Sul, 2.656 no Norte, 3.228 no Sudeste e 2.021 no Centro-Oeste do país. Ou seja, quase a metade (40,8%) deles localiza- se no Nordeste. A criação do Fórum Estadual de ES, segundo Oliveira (2012, p. 48), ―mesmo sendo uma organização recente (2003), no nosso entender, não pode ser dissociada de sua história e da cultura local. Por isso, faremos um breve histórico da Paraíba, pontuando as origens do Movimento de Economia Solidária‖. A Paraíba é uma das 27 unidades federativas do Brasil. Localiza-se no leste da Região Nordeste. Limita-se com três estados: Rio Grande do Norte (norte), Pernambuco (sul) e Ceará (oeste). Sua área é de 56 469,778 km² e possui uma população de mais de 3,9 milhões habitantes, a Paraíba é o 13º estado mais populoso do Brasil. A capital e cidade mais populosa é João Pessoa. Está dividido em quatro mesorregiões, 23 microrregiões e 223 municípios, conforme podemos observar na Figura 2. 131 Outros municípios com população superior a cem mil habitantes são Campina Grande, Santa Tira, Patos e Bayeux. O estado tem um relevo modesto, mas as altitudes não são baixas: 66% do território varia de 300 até 900 metros de altitude. Paraíba, Piranhas, Taperoá, Mamanguape, Curimataú e Rio do Peixe são os rios de maior importância. As principais atividades econômicas são a agricultura (cana-de-açúcar, abacaxi, mandioca, milho, feijão), a indústria (alimentícia, têxtil, açúcar e álcool), pecuária e o turismo. Segundo Oliveira (2012), no Sistema de Informações da Economia Solidária (SIES/SENAES), na Paraíba, foram mapeados 670 empreendimentos de economia solidária em 132 municípios, atingindo uma população de 26.983 pessoas. A maioria dos empreendimentos (399) está localizada na área rural. As atividades econômicas que mais se destacam na Paraíba estão relacionadas à agricultura e à agropecuária (404). A primeira plenária do Fórum Estadual de Economia Solidária - FEES aconteceu em João Pessoa em junho de 2003. A plenária foi organizada pelas seguintes entidades de fomento: Cáritas Arquidiocesana da Paraíba, Incubadora de Empreendimentos Solidários da Universidade Federal da Paraíba (INCUBES-PB), Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS/CUT) e diversos grupos de economia solidária. Até então, as organizações que trabalhavam com a temática tinham realizado algumas atividades formativas em conjunto3, porém, o forte da ação era o público com quem cada entidade trabalhava. Ainda de acordo com a autora, 3 Na Paraíba, existe, desde meados da década de 1990, o Fórum Estadual de Políticas Públicas e a Rede de Educadores Populares. Nesses espaços, aconteciam as discussões sobre o tema trabalho e geração de renda e se promoviam conjuntamente algumas atividades (OLIVEIRA, 2012, p. 51). Figura 2: Paraíba – Mesorregiões, Microrregiões e seus principais municípios Fonte: http://cidades.ibge.gov.br, 2016 132 A Cáritas Arquidiocesana da Paraíba foi uma das primeiras entidades no estado da Paraíba a organizar os grupos na perspectiva da economia solidária. Iniciou em 1983 com o apoio (crédito e assessoria organizativa) a vários grupos trabalhadores rurais e desempregados nas periferias das cidades. Com os Projetos Alternativos Comunitários (PAC), realizava sistematicamente seminários, cursos, encontros e feiras. A INCUBES, criada em 2001, marcou sua presença no movimento de economia solidária através do curso sobre economia solidária em 2002, realizado em parceria com a ADS-CUT (entidade criada em 1999). Esse curso foi um marco importante porque trouxe para o movimento de economia um público ao qual a Cáritas da Paraíba não tinha acesso4, nesse caso, as cooperativas. Os fóruns e outras formas de articulação dos movimentos sociais populares vêm sendo, na experiência brasileira, uma maneira de fortalecer os empobrecidos, de superar o desafio da grande extensão do território nacional e de exercitar o diálogo com o diferente. A organização em fóruns é uma alternativa para os que procuram sair da intolerância, da arrogância de achar que o seu movimento é o melhor, o único com a prerrogativa revolucionária (OLIVEIRA, 2012). 4.2 DESCRIÇÃO DOS EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS ESTUDADOS NA PESQUISA A ideia central desta seção é realizarmos uma breve apresentação dos Empreendimentos Econômicos Solidários que abordamos em nossa investigação. Cabe frisar que a escolha desses empreendimentos se deu a partir de critérios pré-estabelecidos e já mencionados em nossos aspectos metodológicos. 4.2.1 Mulheres da Beira da Linha Mulheres da Beira da Linha, este é o nome de um grupo de produção constituído por mulheres que moram na comunidade Beira da Linha do bairro Alto do Mateus na cidade de João Pessoa, PB. O grupo foi formado a partir de uma ação educativa desenvolvida pela ONG Projeto Beira da Linha. Esta ação, inicialmente, teve como objetivo integrar as mães dos educandos que participavam das atividades da ONG. Porém, com o passar dos anos, a ação educativa foi tomando forma de um empreendimento econômico solidário. As mulheres indicam 2002 como sendo o ano em que começaram a caminhar juntas. Inicialmente eram 12 (doze) mulheres que participaram de um curso de confecção de boné. 4 O público prioritário da Cáritas Arquidiocesana da Paraíba eram os setores mais excluídos da sociedade. Esses grupos normalmente não tinham condições de legalizar seus empreendimentos. Portanto, eram grupos informais com pequenos projetos de produção (OLIVEIRA, 2012, p. 52). 133 Daí surgiu a intenção de constituir uma cooperativa de confecção, processo não concretizado formalmente. Das 12 mulheres que iniciaram o grupo, somente duas estão contando e construindo a história do grupo. Durante esses anos de existência, algumas mulheres ficaram pelo caminho e outras foram chegando para continuarem a fazer a história, hoje são 8 (oito) mulheres que, enfrentando muitos obstáculos, buscam estar juntas produzindo, dividindo sonhos, anseios, dificuldades, lutas e desejos, contribuindo para mudar o percurso da sua história. As mulheres são todas trabalhadoras em seus lares, cuidando da casa, da educação dos filhos e da saúde da família. Geralmente, quando não existe uma encomenda prevista, elas dedicam a parte da manhã para cuidar da casa e de outras tarefas da família, reservando o turno da tarde para se encontrar e tratar dos processos da vida do grupo e também de suas vidas. O grupo possui experiência em confecção em geral, produzindo produtos de cama, mesa e banho. Elas consideram como seu principal produto a produção de bolsas de tecidos com serigrafia para eventos. A produção de bolsas é realizada, principalmente, de acordo com encomendas solicitadas por agentes realizadores de eventos da grande João Pessoa. Com o apoio de algumas pessoas e de algumas instituições e muita luta de persistência dessas mulheres, atualmente elas utilizam o espaço físico da Unidade de Inclusão Produtiva (UIP), idealizado pela gestão municipal, com alguns equipamentos de trabalho, como: máquinas de costuras, mesa de corte, cadeiras, tesouras, entre outras coisas. Apesar do espaço físico ser cedido, possuem o controle sobre ele e decidem todo o processo de utilização do mesmo. Isso lhes garante autonomia de como utilizar o espaço físico para as reuniões e para os processos de trabalhos do grupo, decidindo os dias e os horários. A tomada de decisão sobre a produção diária é realizada de forma coletiva de acordo com os produtos já confeccionados em estoque. Muitas vezes, a discussão e a decisão do que produzir surge nos momentos da produção de alguns produtos, não havendo necessidade de uma reunião especifica para tal. Porém, elas possuem dias específicos para a realização de suas reuniões de planejamento. Entre as participantes do empreendimento, existe o conhecimento da divisão dos resultados que o consideram por igual: o valor para uma é para todas. Quando recebem o dinheiro das encomendas, é retirado a parcela do que foi empregada na compra da matéria- prima e com o processo de produção. Outra parcela, para um fundo financeiro do grupo, e uma terceira é dividida em parte iguais para todas as envolvidas no processo de produção. Argumentam que todas participaram da produção e fazem parte do grupo, portanto, devem 134 participar de todos os resultados do grupo. Até o momento, esse modelo de produzir vem dando certo para o grupo. As atividades do e no grupo têm também contribuído para uma melhor relação entre as mulheres. Elas têm participação uma na vida da outra, no cotidiano da comunidade, dialogando sobre os problemas enfrentados, sobre a falta ou os maus serviços na comunidade. Uma relação de preocupação com a vida delas além do grupo, realizando atividades em conjunto para elas e para as suas famílias. Foto 1: Exposição em Feiras de Artesanato Foto 2: Formação Humana Fonte: dados da pesquisa, 2016 Fonte: dados da pesquisa, 2016 Foto 3: Curso de Corte e Costura Fonte: dados da pesquisa, 2016 Foto 4: Produção de Peças Fonte: dados da pesquisa, 2016 135 4.2.2 Cozinha Verde O Projeto Cozinha Verde é um espaço urbano de produção coletiva que compra alimentos orgânicos de agricultura familiar, transforma em alimentos enriquecidos e gera renda complementar para mulheres de bairro urbano de periferia e agricultores rurais agroecológicos. O empreendimento se localiza no bairro de Mandacaru, periferia da cidade de João Pessoa, PB. O Projeto Cozinha Verde é fruto do resultado de uma pesquisa participativa realizada pela Associação Coletivo Popular de Saúde e Cultura de Mandacaru com os moradores do bairro de periferia chamado Mandacaru, em João Pessoa, PB. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do bairro de Mandacaru é de 0,502, tem 29.150 habitantes, e 52% da população é construída por mulheres. Os resultados desta pesquisa mostraram que os maiores problemas sociais desse bairro são a falta de atividade econômica para as mulheres, a precária alimentação das pessoas, a violência e o envolvimento dos jovens com as drogas. O Projeto Cozinha Verde, durante seu primeiro ano de implementação, contou com recursos dos parceiros: Fundação Banco do Brasil e Grupo de Mulheres de Immenrold na Alemanha. Nos primeiros seis meses de 2013, a Cozinha Verde cobriu suas despesas, utilizando o fundo solidário e a receita oriunda das vendas dos salgados. No segundo semestre de 2013, foi iniciada a expansão da linha de produtos com a parceria da Brazil Foundation. No momento inicial, a ação envolveu 30 mulheres da comunidade, que participaram de uma Foto 6: Desfile em feiras Foto 5: Formação Profissional Fonte: dados da pesquisa, 2016 Fonte: dados da pesquisa, 2016 136 oficina sobre alimentação saudável, antes de iniciarem a proposta do grupo de produção. Atualmente, o grupo de produção conta com 8 participantes. O Projeto Cozinha Verde busca ser um modelo de cozinha coletiva e sustentável que atua simultaneamente em prol do desenvolvimento de três eixos: alimentação segura e nutritiva para todos, emancipação econômica de mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica e agroecologia de base familiar. Baseando-se nas informações levantadas na pesquisa realizada no bairro de periferia Mandacaru e objetivando oferecer um lanche popular mais nutritivo, o projeto Cozinha Verde criou a linha de salgados enriquecidos para lanche e festa. As massas destes salgados são enriquecidas com farelos de sementes, e os recheios, com um caldo verde preparado com talos, folhas e raízes de hortaliças e verduras orgânicas. Os salgados do Cozinha Verde diferenciam-se no mercado por ser um lanche enriquecido, mas com sabor e preço similar aos tradicionais, e isto só é possível devido ao reaproveitamento integral dos alimentos orgânicos e à técnica de padronização dos produtos, o que mantém os custos reduzidos e torna o negócio economicamente viável. Foto 7: Grupo de Produção Cozinha Verde Foto 8: Formação Técnica Fonte: dados da pesquisa, 2016 Fonte: dados da pesquisa, 2016 Foto 10: Ação na Comunidade Foto 9: Participação em Eventos Fonte: dados da pesquisa, 2016 Fonte: dados da pesquisa, 2016 137 4.2.3 Arte em Nós Arte em Nós é o nome do grupo de produção constituído por mulheres artesãs que moram na comunidade São Domingos, no bairro Altiplano Cabo Branco, na cidade de João Pessoa, PB. O empreendimento surgiu no início de 2006 depois de uma visita técnica de um designer do projeto Artesão Cidadão – Eletrobrás e Prefeitura de João Pessoa/Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES, ocorrida em uma oficina de artesanato, onde as participantes eram beneficiárias no projeto. Inicialmente, o grupo foi formado da união de quatro artesãs que participavam de um projeto com tipologias diferentes. O projeto, realizado em várias etapas, foi executado em parceria com a prefeitura de João Pessoa, PB, e a SENAES, tendo dele participado várias pessoas individualmente. Em uma das etapas, juntaram-se forças e ideias para fazer um produto coletivo trazendo a tradição local. O que realmente fez o grupo crescer foi o envolvimento em descobrir novos caminhos. Um dos pontos motivacionais que encantou a todas as participantes para a criação do grupo de produção Arte em Nós foi esse novo olhar para essa nova economia, que tem como objetivos a afirmação do bem viver das pessoas, a não exploração do trabalho, a busca pela redução da desigualdade social e novos espaços para a realização de comercialização dos produtos produzidos coletivamente. No andamento do projeto, ainda em 2006/2007, propôs-se aos participantes uma viagem a Belo Horizonte em cuja oportunidade os produtos seriam comercializados. Foi quando se percebeu a necessidade de haver mais pessoas no grupo. Fizeram-se, então, visitas a algumas das mulheres que moravam na comunidade, momento em que se colocou a necessidade de novos integrantes no grupo, mas era necessário que o trabalho fosse realizado coletivamente em um mesmo espaço. Marcou-se o primeiro dia de atividade e, para a surpresa das organizadoras do grupo, outras mulheres da comunidade se inseriram no processo do grupo. Hoje, o grupo conta com 6 mulheres e o leque de produto comercializado pelo grupo de produção Arte em Nós pode ser assim representado: bolas de sisal com a técnica do macramê, luminárias e peças decorativas no macramê. A produção do empreendimento já se tornou referência. Muitas das bolsas foram enviadas para Londres, Inglaterra, Portugal, Canadá, tendo o grupo participado também de um evento em Paris, por meio de uma empresa de moda de produtos de algodão colorido. 138 4.2.4 Criatividade Mil O empreendimento solidário Criatividade Mil é formado por um coletivo de artesãs proveniente do bairro Varadouro da cidade de João Pessoa, PB. O Centro está localizado na região norte de João Pessoa, limitando-se com Tambiá, ao norte; Jaguaribe e Trincheiras, ao sul; Torre, ao leste e com o Varadouro e o Rio Sanhauá, a Oeste. A área total do bairro é de 227,70 hectares, sendo 30 hectares de áreas verdes. O Centro e o Varadouro se confundem em vários momentos, mesmo sendo bairros diferentes, oficialmente. O Varadouro, que compreende a parte mais baixa da área central da cidade, tem 80,90 hectares de área total, Foto 11: Produtos elaborados pelo grupo de produção Foto 12: Produção coletiva Fonte: dados da pesquisa, 2016 Fonte: dados da pesquisa, 2016 Foto 13: Formação profissional Foto 14: Aprendizagem técnica do Macramê Fonte: dados da pesquisa, 2016 Fonte: dados da pesquisa, 2016 139 sendo dois de área verde. De acordo com o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 0,90% dos pessoenses moram no bairro, para onde converge toda a cidade (que tem 59 bairros oficiais). A população é de 4.998 pessoas, sendo 2.159 homens e 2.839 mulheres. Os jovens representam 26,7% dos moradores, os adultos, 53,6%, e 19,7% são idosos. O grupo de produção Criatividade Mil teve início dentro de uma formação de um projeto intitulado Fazendo Arte e Economia Solidária, sendo idealizado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) e gerenciado pela Prefeitura de João Pessoa, PB. Depois do envolvimento de muitos empreendimentos neste projeto, chega o momento de cada grupo seguir sua trajetória a partir do conjunto de conhecimentos que cada integrante possui e, dentre os grupos que compunham o projeto, nasceu o Criatividade Mil, no ano de 2006. Inicialmente, o grupo de produção contava com 10 (dez) mulheres envolvidas em suas atividades. O empreendimento solidário Criatividade Mil tem suas atividades de produção e venda voltadas para o artesanato, sendo os produtos confeccionados todos em tecidos feitos à mão na técnica da união de retalhos. Depois de muitas formações, o grupo de produção Criatividade Mil se especializou na produção artesanal de bonecas de pano, sendo referência neste produto no estado da Paraíba. Atualmente, o grupo conta com a participação de 5 (cinco) mulheres e atuam em um box (ponto de comercialização de seus produtos) no Mercado de Artesanato localizado no centro da cidade. Neste local, também são produzidos muitos de seus produtos, tornando-se também um ponto de produção. Foto 15: Grupo de Produção Criatividade Mil Foto 16: Mostra dos produtos em feiras Fonte: dados da pesquisa, 2016 Fonte: dados da pesquisa, 2016 140 4.2.5 Padaria Comunitária da Comunidade São Rafael A Padaria Comunitária da Comunidade São Rafael é um grupo de produção constituído a partir de 2005, da mobilização e articulação entre alguns jovens da comunidade, preocupados com a transição da adolescência à idade adulta, principalmente com a geração de renda capaz de contribuir com os rendimentos médios das suas famílias, muitas delas sem renda fixa. No processo de discussão na comunidade, esses jovens contaram com a parceria de algumas pessoas ligadas a instituições públicas, no sentido de, inicialmente, buscarem curso de capacitação técnico profissional, com o propósito de possibilitar-lhes o ingresso no mercado de trabalho. Neste processo de busca e articulações, firma-se parceria com a Associação de Prevenção à AIDS, AMAZONA, que estava executando projeto em parceria com uma organização francesa denominada Association de Solidarité Internationale (ESSOR), inicialmente com o anseio de despertar a juventude para o risco da disseminação da AIDS, acrescida de formação e capacitação pré-profissionalizantes, incentivo à cultura, ao protagonismo juvenil, tendo como perspectiva a inserção das discussões sobre políticas públicas para a juventude. As capacitações e formações envolveram, inicialmente, 20 jovens e despertaram os participantes da comunidade para a cruel realidade e a falta de perspectivas que o sistema econômico vigente no País e no mundo apresenta aos milhares de jovens, homens e mulheres em idade de afirmação de suas identidades, de projetarem-se para o futuro. Futuro que, na conjuntura atual, não lhes parece muito promissor. Isto porque, após cada etapa de formação que adquiriam, ao procurar o mercado de trabalho formal, este, por sua vez, mostrou-se cada vez mais exigente, seletivo e discriminador, pelo nível de exigências que lhes faziam. Foto 17: Formação técnica Foto 18: Produtos: Bonecas de pano Fonte: dados da pesquisa, 2016 Fonte: dados da pesquisa, 2016 141 Diante destas condições e da realidade da falta de perspectivas ao atendimento dos interesses imediatos dos jovens da comunidade, a busca das parcerias e de alternativas continuou. Foi nesse período que a AMAZONA aprovou outro projeto com a ESSOR, na perspectiva de fomento a atividades de trabalho e renda, a partir da ideia do trabalho coletivo. Sobre esta temática, houve um seminário promovido por esta ONG, no qual a temática da Economia Solidária foi apresentada pela Incubadora de Empreendimentos Solidário Popular, INCUBES/UFPB. A partir deste seminário, fica estabelecida a parceria entre a AMAZONA e a INCUBES, tendo início um processo de formação de três grupos de jovens de comunidades diferentes, entre elas, o grupo de jovens da Comunidade São Rafael. O trabalho do grupo com a INCUBES teve início com o processo de pré-incubação, fase inicial de conhecimento das propostas e fundamentos da Economia Solidária. Esta fase serviu para esclarecer e motivar o grupo na perspectiva do trabalho coletivo como proposta alternativa de inclusão dos jovens no mundo do trabalho e da geração de renda, com base nas premissas do desenvolvimento local sustentável. Segundo muitos dos jovens que compunham o grupo produtivo, esse processo também serviu para valorizar e reconhecer as suas próprias potencialidades e descobertas de valores imanentes neles, mais ainda não colocados em prática, a exemplo da força da união do grupo e da identidade com a comunidade e com seus moradores. Esta etapa foi concluída com a realização de uma pesquisa de caráter socioeconômico na comunidade, destacando os produtos e serviços que seriam e são do interesse dos seus moradores, objetivando uma possível implantação de atividade produtiva ou de serviço capaz de gerar renda pelos jovens e para outros moradores/as da localidade. Entre as aspirações iniciais do grupo e o resultado da pesquisa, a produção de pães foi a atividade que apresentou maior possibilidade de viabilidade econômica em curto e em médio prazos. Neste sentido, junto às parcerias em relação direta, foi acordada uma capacitação para fabricação de pães, pizzas e salgados caseiros. Com a matéria-prima que sobrou da oficina, o grupo deu início à produção de pães com vistas à geração de trabalho e renda. A experiência foi exitosa e de muito sucesso, chegando a expandir o mercado para além da comunidade, sendo os produtos comercializados junto a feirantes e consumidores da Feira Agroecológica, que funciona nos dias de sexta-feira nas dependências da Universidade Federal da Paraíba – UFPB – Campus I. Este processo foi interrompido pela aprovação de um projeto de geração de trabalho e renda pela Prefeitura Municipal de João Pessoa junto ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, MDS, para a construção do prédio destinado ao funcionamento legal da panificadora do Grupo Produtivo Jovens da Comunidade São Rafael. 142 Foto 19: Curso de formação de panificação Foto 20: Processo produtivo da padaria Foto 22: Aprendizagem Econômica Foto 21: Oficina Prática Fonte: dados da pesquisa, 2016 Fonte: dados da pesquisa, 2016 Foto 23: Pães Artesanais Fonte: dados da pesquisa, 2016 Fonte: dados da pesquisa, 2016 Fonte: dados da pesquisa, 2016 143 4.3 PARCEIROS DAS FORMAÇÕES: VERDADEIROS ALIADOS DO ITINERÁRIO EDUCATIVO 4.3.1 Os principais agentes formadores junto ao itinerário educativo: qual a importância dessa relação? A ideia central desta seção é apresentarmos, como o primeiro indicador da variável Práticas Socioeducativas, os principais parceiros promotores das formações no decorrer das trajetórias dos Empreendimentos Econômicos Solidários envolvidos em nossa pesquisa. O Art. 7º do Projeto de Lei 4.685/2012 destaca um conjunto de eixos de ação ligados à Política Nacional de Economia Solidária, interessando-nos destacar um desses eixos, acerca da educação, da formação, da assistência técnica e da qualificação social e profissional no meio rural e urbano. Em complementaridade, o Art. 9º afirma que a implementação das ações de educação, formação, assistência técnica e qualificação previstas nesta Política Nacional de Economia Solidária incluirá a elevação de escolaridade, a formação para a cidadania e para a prática da autogestão e a qualificação técnica e tecnológica para a formação de Empreendimentos Econômicos Solidários. Ainda dentro deste contexto, destacamos o § 1º, o qual nos afirma que as ações educativas e de qualificação em economia solidária, visando à formação sistemática de trabalhadores dos Empreendimentos Econômicos Solidários, bem como de formadores e gestores públicos atuantes na economia solidária, serão realizadas prioritariamente de forma descentralizada, por instituições de ensino superior, entidades da sociedade civil sem fins lucrativos e por governos estaduais e municipais. Assim, mediante esta classificação, durante a nossa pesquisa, foram levantados os principais agentes, bem como a natureza de suas práticas socioeducativas frente aos Empreendimentos Econômicos Solidários, conforme ilustrado no Quadro 2: Quadro 2: Agentes promotores das formações CLASSIFICAÇÃO ATUAÇÃO AGENTES NATUREZA DAS FORMAÇÕES Instituições de ensino superior São organizações que desenvolvem ações nas várias modalidades de apoio direto junto aos empreendimentos solidários, tais como: capacitação, assessoria, incubação, pesquisa, acompanhamento, fomento UFPB – INCUBES IFPB – INCUTES Processo de incubação dos Empreendimentos Econômicos Solidários 144 àcrédito, assistência técnica e organizativa. Entidades da sociedade civil sem fins lucrativos São organizações que desenvolvem ações nas várias modalidades de apoio direto junto aos empreendimentos solidários, tais como: capacitação, assessoria, incubação, pesquisa, acompanhamento, fomento a crédito, assistência técnica e organizativa. Projeto Beira da Linha (ONG) AMAZONA (ONG) REMAR Brazil Foundation5 Cáritas Voltadas às questões da aprendizagem econômica, política e cultural. Governos estaduais e municipais São aqueles que elaboram, executam, implementam e/ou coordenam políticas de economia solidária de prefeituras e governos estaduais. Prefeitura de João Pessoa Governo do Estado da Paraíba Voltadas às questões da aprendizagem econômica e apoio quanto à infraestrutura e ao material para o processo produtivo. Fonte: elaborado pelo autor, 2015 É nítido que a expansão dos Empreendimentos Econômicos Solidários tem acontecido desde o apoio de instituições e entidades que estimulavam iniciativas associativas comunitárias e pela constituição e articulação de cooperativas populares, redes de produção e comercialização, feiras de cooperativismo e economia solidária, entre outras, até pela base de uma tentativa de política pública por parte do governo. Com base nas orientações documentais presentes nas diretrizes educativas do Movimento de Economia Solidária e no levantamento realizado em nossa pesquisa de campo no tocante aos agentes promotores das ações formativas juntos aos EES, observamos uma ampliação do conceito de Educação, que não se restringe mais aos processos de ensino-aprendizagem no interior de unidades escolares formais, transpondo, assim, os muros da escola. Inclusive, esta discussão e análise sobre os EES enquanto espaço não escolar já foi realizada em momento anterior desta tese, ressaltando a importância desses empreendimentos nas vidas das pessoas que neles realizam uma experiência educativa. 5A BrazilFoundation investe em organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, alinhadas com sua missão de apoiar iniciativas que contribuam para transformar a realidade social do Brasil. 145 Dentro da classificação dos agentes promotores das formações junto ao Movimento de Economia Solidária, apontado pelo Projeto de Lei 4.685/2012, estão as Instituições de Ensino Superior, de forma mais representativa por meio das suas incubadoras de empreendimentos solidários. Estas organizações têm desenvolvido práticas socioeducativas com intencionalidade bem delineada e voltada, de forma prioritária, ao processo de incubação dos EES. Melo Neto (2009) define incubação como o conjunto de ações educativas definidas por grupos de trabalhadores/trabalhadoras, reunidos em algum tipo de empreendimento produtivo, voltado à sua sobrevivência, incentivados por valores éticos como o diálogo e a solidariedade, sob o exercício da autogestão. Entendemos que há uma grande contribuição deste processo de aprendizagem, principalmente no tocante à atuação e à sobrevivência dos Empreendimentos Econômicos Solidários em sociedade. Durante nossa pesquisa de campo, identificamos duas incubadoras de empreendimentos solidários que atuaram com práticas socioeducativas junto aos empreendimentos abordados em nossa tese, uma delas é a INCUBES-UFPB6, e a outra, a INCUTES-IFPB7: Inclusive, uma das coisas que mais me chamou a atenção nas formações das incubadoras [INCUBES e INCUTES] é o entendimento de que a economia solidária não é aquela coisa de enfrentamento ao capitalismo. Enfrentamento eu acho uma palavra muito forte. É um denominador comum, entendeu? Eu não posso exigir, não tem como a gente viver nessa bolha de honestidade, de cooperação, não. Cabe a cada um de nós fazer a nossa parte. É aquela história do beija-flor apagando um incêndio. Eu faço a minha parte (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). [...] talvez, se não fosse por eles [INCUBES], a gente não tivesse o que a gente tem hoje, né? E a continuidade das ações porque toda essa formação sobre economia solidária, comércio justo, que a incubadora fez, a discussão política também que foi extremamente importante pro grupo, talvez a gente não tivesse chegado aonde chegou e o banco não existisse hoje, porque o banco comunitário foi reflexo de todo esse processo (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). Entendemos que a atuação das incubadoras no processo educativo vivenciado pelos Empreendimentos Econômicos Solidários foi um fator primordial, principalmente pelo know- how que este tipo de instituição possui, ou seja, uma competência essencial quanto ao 6 Incubadora de Empreendimentos Solidários da UFPB, foi constituída em 2001 a partir de um GT sobre Relações do Trabalho, como um Programa de Extensão da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários - PRAC/UFPB. Contou com o apoio inicial da Rede de Incubadoras de Empreendimentos Econômicos Solidários – Unitrabalho, com financiamento PRONINC/FINEP/SENAES/MTE. 7 Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Solidários do IFPB, criada em 2007, com o objetivo de atuar junto aos grupos produtivos, primeiramente, envolvidos em projetos de extensão do IFPB, capacitando-os conforme suas necessidades, para o desenvolvimento de suas potencialidades, dentro dos princípios da economia solidária, contribuindo com o fortalecimento do trabalho coletivo e a organização social, favorecendo a elevação da autoestima das pessoas envolvidas nas ações da incubadora, por meio da elevação da renda e da qualidade de vida. 146 processo de incubação. O conceito de competências essenciais (core competences), desenvolvido por Hamel e Prahalad (1995), trata das competências sobre uma perspectiva abrangente: a organizacional. As competências essenciais são um conjunto de habilidades e tecnologias que resultam por aportar um diferencial fundamental para a competitividade da organização (RUANO, 2003). Elas desempenham um papel importante à medida que se tornam espaços de troca de experiências em autogestão e autodeterminação na consolidação desses empreendimentos e das estratégias para conectar empreendimentos solidários de produção, serviços, comercialização, financiamento, consumidores e outras organizações populares que possibilitam um movimento de realimentação e crescimento conjunto autossustentável. De acordo com Culti (2007), as Incubadoras Universitárias de Empreendimentos Econômicos Solidários constroem uma tecnologia social cada vez mais utilizada no âmbito das ações de geração de trabalho e renda. São espaços que agregam professores, pesquisadores, técnicos e acadêmicos de diversas áreas do conhecimento, bem como programas internos existentes nas universidades para desenvolverem pesquisas teóricas e empíricas sobre a economia solidária, além das atividades de incubação de Empreendimentos Econômicos Solidários, com o objetivo de atender trabalhadores que tencionam organizar seus próprios empreendimentos sejam cooperativas, associações ou empresas autogestionárias, urbanas ou rurais. Nesse sentido, entendemos que a incubação é um processo prático educativo de organização e acompanhamento sistêmico a grupos de pessoas interessadas na formação de Empreendimentos Econômicos Solidários, tendo em vista a necessidade de dar suporte técnico a esses empreendimentos. Culti (2007) contribui ainda nesta discussão quando afirma que o processo de incubação: a) valoriza o saber acumulado das pessoas e do grupo com vistas à inclusão social e econômica; b) acrescenta conhecimentos básicos de trabalho cooperativo e técnicas específicas de produção e gestão administrativa; c) orienta para o mercado e inserção em cadeias produtivas e/ou planos e arranjos produtivos locais, entre outras. Trata-se, portanto, de: a) unir ―saber popular‖ a ―saber científico‖, numa tentativa de transformação da prática cotidiana inter-relacionando as atividades de ensino, pesquisa e extensão; b) um processo educativo que modifica as circunstâncias, os homens e as mulheres na sua maneira de ser e agir; c) um processo de construção e reconstrução de conhecimentos para os atores envolvidos em vários aspectos. A economia solidária também vem recebendo, nos últimos anos, crescente apoio de governos municipais e estaduais. O número de programas de economia solidária tem 147 aumentado, com destaque para os bancos do povo, empreendedorismo popular solidário, capacitação, centros populares de comercialização, entre outros. Fruto do intercâmbio dessas iniciativas, existe hoje um movimento de articulação dos gestores públicos para promover troca de experiências e o fortalecimento das políticas públicas de economia solidária. Sendo assim, outra classificação que o Projeto de Lei 4.685/2012 aponta como agente de capacitação são os governos estaduais e municipais. Na cidade de João Pessoa, Paraíba, área geográfica dos empreendimentos abordados em nossa pesquisa, na gestão municipal, há uma Diretoria de Trabalho, Renda e Economia Solidária e Segurança Alimentar, DESSAN, por meio da qual a secretaria de desenvolvimento social tem fomentado a geração de trabalho e renda, com ênfase na economia solidária como ação integrada às demais políticas do governo municipal. As ações criadas a partir desta diretoria têm como objetivo melhorar a qualidade de vida da população envolvida nos demais programas sociais, ampliando e efetivando os resultados das intervenções. Instituída em janeiro de 2005, a política de trabalho, renda e economia solidária tem, em sua essência, o caráter coletivo das experiências, a autogestão, mercado justo e a não exploração do trabalho. A política compreende os processos a partir de quatro eixos: (a) formação e qualificação para o trabalho; (b) segurança alimentar e nutricional; (c) desenvolvimento territorial e sustentável; (d) assessoria aos empreendimentos solidários. De forma particular, a Assessoria aos Empreendimentos Solidários objetiva elaborar projetos para apoiar as iniciativas que promovam a geração de renda e a manutenção de postos de trabalho, que gerem políticas públicas em economia solidária, com financiamentos do Governo Federal e outros organismos afins. A partir desta assessoria, estão sendo implantadas iniciativas de incubação de empreendimentos solidários que pretendem acompanhar sistematicamente todo o processo de desenvolvimento desses empreendimentos, incluindo os atendimentos pelo Fundo de Apoio Municipal aos Pequenos Negócios do Empreender-JP. No que tange às impressões de forma generalizada por parte dos sujeitos envolvidos em nossa pesquisa referente à atuação da gestão municipal frente ao trabalho voltado aos Empreendimentos Econômicos Solidários, destacamos os seguintes depoimentos: Ela [prefeitura] sempre conseguia algumas coisas pra o grupo de produção. Era tecido, linha, entendeu? E elas [integrantes do grupo] sempre se acostumaram a isso. Sempre receber as coisas. Eu entendo. Então, há parceiros que não, como eu posso dizer, não favorecem a prática mesmo da economia solidária, preferem ir pelo caminho do assistencialismo (ENTREVISTADA, 1, grifo nosso). 148 A prefeitura foi muito devagar. Para o nosso grupo, a prefeitura foi mais na parte de formação da área de costura, na ajuda na questão de material, acho que devido à construção da unidade produtiva. Então, material e maquinário novo foi a contribuição mais da prefeitura (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). A prefeitura municipal, no nosso grupo, na época em 2005, foi muito sensível a ver que o pessoal produzia, mas não tinha como expor o escoamento da produção. Então, a Prefeitura Municipal, o Governo do Estado agora também está sendo um parceirão, porque a gente tava com um projeto aí já em vias de acabamento que é o projeto de ações integradas, temos muita liberdade. Não é aquela coisa de governo/sociedade civil. Nós fazemos realmente uma parceria muito boa. É boa a abertura que ela [prefeitura] dá pra gente, entendeu? Eu acho que nós, enquanto empreendimento, a gente tá começando a ser enxergado realmente (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). [...] já passamos por cursos de precificação de produto, entendimento e fundamento do que era Economia Solidária, já passamos por comércio justo, agora estamos discutido redes, mas realmente para a coisa acontecer é preciso que os empreendimentos se apoderarem disso, mas aqui na Paraíba temos essa fragilidade, ainda estamos acostumando a depender de Estado e Prefeitura e o movimento não é isso, o movimento a gente sabe bem que não vem da questão só assistencialista, vem pra quebrar isso, e temos muito ainda isso entre nós claramente (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). [...] tivemos vários parceiros que nos ajudaram com formações. Assim, várias entidades vieram, mas não com tanto eficácia como a INCUBES e a AMAZONA8. Tivemos a prefeitura que não foi uma ação tão representativa como as demais, mas teve sua parcela (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). Porque, em certo momento, a gente que é de dentro do movimento se sente acuada diante de gestores, pela imposição, claro eles têm metas a alcançarem e tudo mais, mas para eles fazerem essa discussão junto com a gente, eles também têm que ter esse entendimento, porque eles estão ali com uma proposta para trazer para os grupos, mas eles não têm que chegar se impondo, eles têm que ouvir o que o grupo quer (ENTREVISTADA, 21, grifo nosso). Percebemos, quando nos apoderamos dos sentidos presentes nos depoimentos, que o governo municipal, por meio de sua ação para o fomento dos EES, caracteriza-se como um parceiro que se limita às questões de elaboração de projetos e apoio para questões de infraestrutura para os grupos, levando, mediante algumas falas, a um caráter assistencialista por parte de sua atuação junto aos EES. Quanto às formações realizadas por este agente, percebemos que sua contribuição se restringe às questões mais técnicas, poderíamos afirmar que a contribuição se faz na mais dimensão econômica, gerando uma aprendizagem desta natureza. Vale destacar que, mesmo com tais limitações, há uma compreensão, por alguns empreendimentos, que houve contribuições, mesmo que de forma periférica quanto ao ato pedagógico propriamente dito. Destacamos outro ponto presente nas falas e que nos chamou 8 Associação de Prevenção à AIDS é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, sediada em João Pessoa, Paraíba, com atuação estadual e inserida em espaços de articulação regional e nacional. Sua missão é promover a saúde como um direito fundamental, por meio da prevenção das DST/HIV/Aids, do fortalecimento da cidadania e da auto-organização junto às comunidades de baixa renda, numa perspectiva de justiça social. 149 bastante a atenção: para se fazer Economia Solidária, é importante que o parceiro formador tenha conhecimento e comungue dos valores do movimento em suas propostas pedagógicas e aspectos metodológicos que regem suas práticas socioeducativas. Ressaltamos ainda como outra tipologia de agente promotores das formações as Entidades da Sociedade Civil sem fins lucrativos, que desenvolvem ações nas várias modalidades de apoio direto junto aos Empreendimentos Econômicos Solidários, tais como: capacitação, assessoria, incubação, pesquisa, acompanhamento, fomento à crédito, assistência técnica e organizativa. Percebemos, em nossa pesquisa, que muitos dos empreendimentos abordados possuíram ou possuem um apoio direto de alguma organização social, seja mediante projetos de financiamentos, até mesmo organizações não governamentais que têm contribuído com as histórias e atuações desses EES, ou seja, atuaram como verdadeiros idealizadores desta proposta de trabalho. O trabalho paralelo desenvolvido pela associação fez todo uma diferença, que foi quando a gente começou a entender realmente o porquê trabalhar em grupo [...] (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). O Beira da Linha9 (ONG) e a INCUBES falavam mais na linha de Economia Solidária. A secretaria de mulheres, ela tentava ir nessa linha, mas puxava um pouco que você tem que fazer a formação pra entrar no capitalismo, entendeu? Ela[prefeitura] ficava no meio das duas, em cima do muro (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso, grifo nosso). Olhe, a REMAR10, como é uma rede com várias entidades de movimentos sociais e movimentos também da política organizada do nosso município e também do estado, trouxe mais a questão da formação humana, da experiência com outras unidades produtivas. Então, as mulheres tiveram a oportunidade de conviver, de ver o passo a passo junto com outras mulheres que estavam desenvolvendo esse tipo de trabalho (ENTREVISTADA, 21, grifo nosso). Durante a realização da pesquisa, percebemos que as organizações sociais possuem um papel importante na construção e suporte dos Empreendimentos Econômicos Solidários. Muitos destes nasceram de iniciativas pedagógicas (projetos) idealizadas pelas instituições sociais que, inicialmente, tinham a intenção de se realizar apenas uma atividade exclusivamente pedagógica. Por conseguinte, com o amadurecimento da proposta, tornou-se 9 O Projeto Beira da Linha surge como fruto de um programa da Instituição Católica Italiana Pia Sociedade de Padre Nicola Mazza, a qual veio para o Brasil em 1978 se instalando na região Nordeste com a finalidade de atuar nas camadas mais carentes. Possui a missão de Proporcionar ações educativas de qualidade que exercite a consciência crítica e a capacidade criativa das crianças, adolescentes e jovens do Alto do Mateus em situação de vulnerabilidade social, trabalhando o desenvolvimento de autênticos valores humanos, possibilitando assim transformação da sociedade. 10A Rede Margaridas Pró-Crianças e Adolescentes da Paraíba - REMAR é uma articulação de organizações governamentais e da sociedade civil. Surgiu em 2003 e ampliou sua atuação para responder ao Artigo 86 do ECA "A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios". 150 algo mais concreto, ou seja, a idealização de um Empreendimento Econômico Solidário na prática, com um teor de complexidade muito mais elevado quando na ocasião estritamente ligada à atividade pedagógica. Este apoio tem sido registrado nos depoimentos de muitos dos grupos de produção. No que tange às formações, entendemos que as organizações sociais têm atuado de forma significativa nas dimensões econômica, política e social, especialmente com um valor contributivo e agregador nas duas últimas, como poderemos nos apropriar deste achado de pesquisa num futuro mais próximo desta tese. Em meio a esta reflexão sobre o eixo da formação no Movimento de Economia Solidária, um elemento que não podemos ausentar em nossa discussão refere-se à criação dos Centros de Formação em Economia Solidária, os CFES. Ao adentrar a política pública, especificamente no que se refere à política de formação profissional, o segmento da Economia Solidária foi incluído dentre os grupos prioritários no âmbito do Plano Nacional de Qualificação (PNQ) e a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), por entender que a formação é uma atividade fundamental a esse movimento social e uma ação importante neste aspecto foi a criação dos CFES. O avanço para tornar a educação nos espaços da economia solidária uma política pública ganhou corpo a partir do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, desde 2003. Mas foi apenas em 2008 que se consolidou a possibilidade de um programa de educação que se viabilizou por meio dos Centros de Formação em Economia Solidária. Articulado nacionalmente pela Cáritas Brasileira, o Centro de Formação em Economia Solidária é um projeto da Secretaria Nacional de Economia Solidária/Ministério do Trabalho e Emprego. São espaços de implementação da política nacional de formação em economia solidária. Embora tímida, esta política pública busca responder a uma das demandas do movimento de economia solidária que há muito vem sendo construída a partir dos indicativos apontados pelos diferentes atores envolvidos. Estes foram dando a tônica do que se esperava de uma política de educação em economia solidária por meio de indicativos que apontavam para a necessidade estratégica de trazer a educação, em suas múltiplas facetas, para dentro do movimento de economia solidária. A espinha dorsal da Rede Nacional do CFES 11 são os núcleos temáticos de Formação, Finanças Solidárias, Comercialização e Comércio Justo e Solidário, Redes de Cooperação 11 Os CFES estão distribuídos nas cinco regiões do país: Norte – coordenado pela Universidade Federal do Pará, Nordeste – coordenado pela Universidade Federal Rural de Pernambuco; Sul- coordenado pela Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS); Sudeste – coordenado pelo Instituto Marista de Solidariedade; Centro-Oeste – coordenado pela Escola de Formação Centro- Oeste da CUT (ECO/CUT), e uma sede nacional em Brasília coordenado pela Cáritas Nacional, responsável pelas ações nacionais e pela articulação dos CFES regionais. 151 Solidárias. Esses núcleos têm o papel de fomentar o acúmulo teórico, metodológico e político em cada eixo temático estratégico da Rede Nacional do CFES. Como a formação é uma das bandeiras de luta e parte indissociável da Economia Solidária, os CFES têm possibilitado a estruturação, o fortalecimento e a ampliação de uma rede nacional de educadores em Economia Solidária, sendo uma ação estruturante para superar desafios históricos da articulação no movimento. Neste sentido, a diretriz geral para a metodologia da Rede Nacional CFES é a permanente interlocução com os fóruns de Economia Solidária, conselhos, órgãos públicos federais, as entidades parceiras e a própria rede Cáritas, atendendo assim, às expectativas de todas as partes interessadas. Assim, de posse deste elenco de agentes formadores e suas atuações no processo educativo nos EES, percebemos, de certa forma, a intencionalidade, por meio de suas práticas socioeducativas, uma atuação como verdadeiros intelectuais, com a grande preocupação no que diz respeito à formação intelectual das camadas populares, neste caso específico, daqueles que fazem parte dos EES. Estas é que necessitavam dos conhecimentos dos intelectuais orgânicos para ajudar a realizar uma leitura do mundo e, assim, possibilitar construir alternativas de hegemonia, no contexto de luta pela qualificação da vida, em todos os sentidos: espirituais e/ou materiais. Com a atuação desses agentes no processo educativo nos EES, apontamos que cumpririam um papel apreciável na formação de indivíduos e grupos com capacidade de ação, advinda da vivência de reorganização da vida cotidiana e, por extensão, das múltiplas esferas da vida social, conforme destacado por Gadotti (1993, grifo nosso). Dentro desta lógica, a ES pode ser encarada como estratégia de enfrentamento do desemprego e exclusão social, por meio do preparo social e profissional de trabalhadores (SENAES, 2006, grifo nosso). Convém ressaltar que a Economia Solidária surge como resgate da luta histórica dos trabalhadores, como defesa contra a exploração do trabalho humano e como alternativa ao modo capitalista de organizar as relações sociais dos seres humanos entre si e deste com a natureza. Uma de suas principais formas é a constituição de eixos de articulações, redes, canais mecanismos outros que possibilitem, no cenário atual, avançar na construção de um modelo de desenvolvimento mais justo e pautado em novos valores. O Movimento de Economia Solidária tem se expandido muito nos últimos tempos. Além da própria institucionalização, que significou a consolidação de um conjunto de ações, 152 paralelamente, tivemos a forte expansão de redes de articulação e outras formas de participação social e parcerias, como percebemos a seguir: Figura 3: Movimento de Economia Solidárias em rede Fonte: Atlas de Economia Solidária, 2005, p. 14 Nosso intuito, até o presente momento, foi ressaltar os principais agentes formadores junto ao itinerário educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários abordados em nossa tese. Não se trata apenas de apontar quais foram esses agentes, mas de fazer uma análise mais apropriada das contribuições que cada um deles trouxe ao processo educativo nos empreendimentos, como também, um elemento que tivemos como descoberta de nossa pesquisa, o entendimento, por parte desses parceiros, quanto à atuação destes agentes no tocante à aproximação das diretrizes educativas do movimento, quando vimos que há parceiros que se aproximam e outros que se distanciam desta proposta, como iremos destacar em seções posteriores desta investigação. A necessidade de entendimento por parte dos parceiros quanto aos princípios vigentes do Movimento de Economia Solidária e suas diretrizes educativas é um fator crucial para a efetivação dos empreendimentos em sociedade. Entendemos a importância de que haja um elo entre os formadores e os grupos de produção, pois o trabalho de um depende do outro, para que os empreendimentos alcancem seus objetivos, que estão envolvidos pelos princípios que regem o movimento. Em sua totalidade, entendemos a importância desta relação, isto é, essas parcerias soam necessárias, porém acontecendo de forma respeitosa, cada um sabendo seu devido papel na atuação no processo educativo. 153 4.3.2 Fator de Aprendizagem das Formações: em busca de um saber para a vida Abordamos ainda como outro indicador referente à variável Práticas Socioeducativas o que chamamos de fator de aprendizagem, que foram os principais conteúdos construídos no decorrer da trajetória educativa a partir das vivências das formações promovidas pelos agentes juntos aos Empreendimentos Econômicos Solidários. Um dos elementos presentes nas formações promovidas pelos agentes ligados ao Movimento de Economia Solidária refere-se ao caráter técnico, ou seja, a valorização do ato de ser profissional a partir de cursos que gerem conhecimentos e habilidades ligadas a uma profissão que, de forma coletiva, representa uma potencialidade da comunidade onde o grupo de produção faz parte, possibilitando, com isso, uma nova proposta e um entendimento sobre a atuação no mundo do trabalho. A importância destes elementos presentes nas formações pode ser mais bem entendida a partir dos depoimentos: Um dos aprendizados foi ser um profissional. As formações mais técnicas me geraram determinadas habilidades voltados para a padaria, isso já é um imenso aprendizado (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). Foram vários os aprendizados. Um foi melhorar a qualidade do produto. Foi uma formação mais técnica gerada pela própria ONG. Dentro desta perspectiva entraram várias técnicas de como comercializar, como realizar a precificação (ENTREVISTADA, 11, grifo nosso). Bom, na parte técnica, aprendi uma profissão. Na parte humana, assim em relação ao trabalho com o outro, aprendi a lidar com as pessoas do jeito que elas são, respeitando cada uma delas. [...]claro que os outros parceiros nos proporcionaram outras formações, mas as formações da ONG foram que mudaram minha vida (ENTREVISTADA, 12, grifo nosso). Eu aprendi a ser uma profissional que sei dividir o meu aprendizado com o outro, que antes eu não sabia disso. [...] todas as formações nos ajudaram a ser uma profissional mais solidária. A técnica é muito importante e muitas formações nos ajudaram nisto, mas o fator humano junto com a técnica nos faz profissionais melhores (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). Eu aprendi muito, como eu falei ainda a pouco, porque a gente não nasce profissional, a gente aprende a ser profissional. E com as formações, aprendi a ser um profissional que respeita o outro, que é solidário com o coletivo e com a comunidade. Hoje sou orgulhoso de mim mesmo e de todo este aprendizado que me faz ser um homem melhor (ENTREVISTADO, 18, grifo nosso). A partir dos discursos ora apontados, percebemos o sentido das formações com teor mais técnico nas vidas dos sujeitos de pesquisa. A importância do se capacitar para ser um profissional que possui habilidades técnicas a pontos de satisfazer as exigências do mercado para a atuação dos empreendimentos, mas, ao mesmo tempo, a relevância dada nos sentidos 154 pelo revestimento humano nesta formação técnica: que o caráter tecnicista por si só não é suficiente para a formação do ser profissional dito por estas pessoas. Percebemos que, para ser fiel aos princípios da Economia Solidária, a centralidade deve estar no fator humano, mesmo com a fundamentalidade concreta da formação técnica na vida de um grupo de produção, afinal, os produtos devem possuir qualidade em suas especificidades, mas o trabalho das relações coletivas é um fator claro para este elemento diferencial quanto ao processo produtivo de um empreendimento com natureza solidária. Com base neste novo olhar profissional que as formações têm proporcionado, os sujeitos que vivenciam a proposta do Empreendimento Econômico Solidário passam a enxergar uma nova via de trabalho totalmente diferente que muitos deles já testemunharam ou, até mesmo, experimentaram em suas outras oportunidades de trabalho. Isto nos mostra a importância das capacitações para a coletividade, que é possível despertar para um novo olhar, um olhar que deixa de ser único, individualizado, para ser plural, coletivo, em todos os seus sentidos e significados. Com base nas leituras que realizamos e no material produzido em seção anterior desta tese sobre o Movimento da Economia Solidária, destacamos a Política Pública de Qualificação, que tem se afirmado como um fator de inclusão social e de desenvolvimento econômico, com geração de trabalho e distribuição de renda, norteando-se como uma concepção de qualificação, entendida como uma construção social, de maneira a fazer um contraponto àquelas que se fundamentam na aquisição de conhecimentos como processos estritamente individuais e como uma derivação das exigências dos postos de trabalho. Percebemos que, com este novo olhar para a geração de renda e atuação no mundo do trabalho, os sujeitos desenvolveram, com as formações realizadas pelos agentes ligados ao Movimento de Economia Solidária, uma leitura diferenciada sobre o sistema capitalista, destacando os Empreendimentos Econômicos Solidários e sua proposta pedagógica como um alternativa frente à única via colocada pela sociedade capitalista, ou seja, o entendimento das práticas socioeducativas como fator de aprendizagem como posicionamento contra determinadas práticas de consumo e o modo de produção do capitalismo: Então eu era muito ligada no sistema financeiro, no capitalismo, nessas coisas, quando eu conheci a economia solidária, eu puxei como uma filosofia de vida. Então, aprendi hoje a não ser aquela pessoa consumista. Hoje eu só compro uma coisa se eu realmente estiver necessitando (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). Olha, o aprendizado foi grande viu, porque eu até então tinha uma formação totalmente capitalista, entende? Aprendi que era possível gerar renda em coletividade. Que era possível atuar em um mercado sem o individualismo. As instituições que promoveram as formações me ajudaram e ajudaram ao meu grupo a 155 este entendimento. Eu trabalhava em banco, então lugar ótimo pra falar de capitalismo, não acha? Viver a economia solidária mudou a minha forma de ver o mundo. A nova maneira de ver a vida fez com que eu pudesse me engajar nisso, a partir daí o aprendizado foi muito grande, porque eu saí talvez de uma clausura e passei a enxergar uma via paralela, mas eu não tinha a prática e foram as formações e a experiência no grupo que me fez compreender e me encontrar nesta proposta (ENTREVISTADA, 9, grifo nosso). Com base nos depoimentos expostos, é possível observarmos o sentido das formações quanto ao sistema capitalista vigente em nossa sociedade. O mesmo sistema que gera o contexto da sociedade excludente que analisamos em nossa discussão inicial desta tese. É interessante quando observamos que, com as práticas socioeducativas, foi possível mudar determinados posicionamentos quanto ao ato do consumo, fazendo uma mudança de filosofia de vida, mostrando que é possível mudar uma cultura política tanto individual como coletiva. Outro sentido percebido é do reconhecimento da possibilidade do trabalho coletivo, que é possível estar no mundo do trabalho, mas de maneira solidária, de forma plural, coletiva, inibindo a prática da individualidade. A organização neoliberal da sociedade, já fragmentada pelo regime de acumulação de capital, agora mais intensamente globalizado, impede a inclusão dos grupos desfavorecidos a uma via em que os direitos humanos são reconhecidos. Para tal afirmação, tomamos como base a opinião de Santos (2002, p. 17): [...] é a voracidade com que a globalização hegemônica tem devorado, não só as promessas do progresso, da liberdade, da igualdade, da não discriminação e da racionalidade, como a própria ideia da luta por elas, ou seja, a regulação social- hegemônica deixou de ser feita em nome de um projeto de futuro e com isso deslegitimou todos os projetos de futuro alternativo antes designados como projetos de emancipação social. A proposta da economia solidária, a partir das atuações dos Empreendimentos Econômicos Solidários é entendida como uma nova via para se atuar no mercado e com base nas falas dos sujeitos de pesquisa, as formações contribuíram com este novo olhar para o mundo, levando estes sujeitos a uma leitura mais crítica de suas histórias de vida e de seus posicionamentos em sociedade. Em continuidade, outro achado de nossa pesquisa, que alimenta o indicador intitulado fator de aprendizagem das práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários, diz respeito às formações e suas contribuições com as Relações Interpessoais que proporcionaram um melhor trabalho em grupo, uma melhor aceitação das pessoas, estimulando o respeito pela a coletividade e a diversidade: 156 Assim, as formações me ajudaram muito a aprender a trabalhar com o grupo e conviver com elas [mulheres] dentro da diversidade. Aceitar elas[mulheres] do jeito elas são. Entendeu? Então, com as formações, eu aprendi que a gente tem que aceitar as pessoas do jeito que elas são (ENTREVISTADA, 1, grifo nosso). [...] então, onde existe grupo de pessoas existe discussões, conflitos, mas aprender a lidar com isso e fazer que isso não atrapalhe, mas sim que fortaleça, eu acho que isso foi um dos maiores ganhos que tive nas formações. Ou seja, o pensar pela coletividade (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). Eu, na minha visão, que eu fui bancária, né, então eu comecei a explicar direitinho às pessoas o que era essa economia e a gente começou sentindo a necessidade não só daquela coisa do que é economia solidária, mas a relação interpessoal, porque o pessoal ainda tava muito com aquele sentimento ‗isso aqui é meu, isso é teu‘. Não tinha um nós. Então, a relação interpessoal, foi uma formação que tivemos pela ONG que nos apoiava na época. E, eu acho que, de tudo, de todas as formações que a gente teve, a primeira pra mim ainda foi melhor. Foi quando eu despertei! Foi quando deu aquele clique [...] o insight inicial (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). Na parte humana, assim em relação ao trabalho com o outro, aprendi a lidar com as pessoas do jeito que elas são, respeitando cada uma delas. São pessoas diferentes, às vezes, pensamentos diferentes. Eu aprendi muito a valorizar a amizade. Tudo isso foram aprendizados promovidos pelo Projeto Beira da Linha. Claro que os outros parceiros nos proporcionaram outras formações, mas as formações da ONG foram que mudaram minha vida (ENTREVISTADA, 12, grifo nosso). Eu aprendi a conviver com pessoas mesmo totalmente diferentes de mim. E o grupo também. Umas meninas que não conseguiam se impor em certos momentos que deveriam. Elas também conseguem fazer isso hoje em dia. Todas as formações nos ajudaram a isto, de forma especial, as formações de cidadania que tivemos com a ONG (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). Aprendi a conviver com as pessoas, a me planejar enquanto pessoa e grupo. Eu aprendi mais a valorizar as pessoas, a valorizar o trabalho. Muito bom saber valorizar as pessoas e ser valorizada, cada um de seu jeito de ser, independente se é masculino ou feminino, acho assim muito importante a gente respeitar o outro independente de tudo (ENTREVISTADA, 14, grifo nosso). Aprendi que a gente pode crescer mais juntos, unidos. Que a pessoa sozinha não vai à frente se não tiver união e perseverança, porque a vida não é fácil [...] o começo é muito difícil, mas a gente aprende a dar as mãos e prosseguir, não é verdade? (ENTREVISTADA, 19, grifo nosso). Eu acho que um dos maiores aprendizados, além de uma profissão, foi o respeito. Acima de tudo você respeitar o espaço do outro, assim como você quer que o seu espaço seja respeitado, respeitar o tempo de cada um (ENTREVISTADA, 20, grifo nosso). Os depoimentos nos mostram o grande sentido das formações de caráter humano vivenciados pelo conjunto de Empreendimentos Econômicos Solidários abordado em nossa tese. Discutimos anteriormente que um fator de aprendizagem ressaltado pelos sujeitos de pesquisa foi aquele com caráter técnico, que remonta à ideia do ser profissional, porém, dentro dos próprios depoimentos que tratam desta questão, se evidenciou como elemento de 157 fundamental importância as capacitações profissionais tendo como pano de fundo o caráter humano. Podemos afirmar que atuar em uma cultura da coletividade se configura um imenso desafio para esses empreendimentos, pois estamos inseridos em uma cultura que dita o individualismo, a competição, o ganhar do outro. Entendemos que essas formações voltadas para as relações humanas, como enfatizam os depoimentos, contribuíram nesta construção da cultura da coletividade, de uma cultura da solidariedade. Destacamos pontos imbricados das formações ligadas às relações humanas como a valorização do outro, a convivência com o outro e o entendimento do trabalho em coletividade. Tais pontos dialogam concretamente com os princípios do Movimento de Economia Solidária discutidos anteriormente nesta investigação. Estas evidências apenas fortalecem a essência da proposta educativa sugerida pelo movimento, reafirmando, assim, a importância de suas vivências nos sentidos ressaltados em cada depoimento. Aprofundar-nos-emos neste ponto mais adiante no caminhar desta investigação, quando teremos um espaço dedicado exclusivamente à dimensão cultural das práticas socioeducativas presente no Movimento de Economia Solidária. O fator de aprendizagem também ressaltado neste momento da pesquisa envolveu os principais elementos presentes no termo Economia Solidária, havendo um despertar para a temática bem como ao processo de incubação: As formações pelas incubadoras me ajudaram muito, porque a gente sabe que o ser humano é muito individual e cada cabeça é um mundo, e você sabe que onde vive duas ou três pessoas tem pensamentos diferentes e a gente tem que aprender a fazer que a minha ideia e a sua acabe se fortalecendo e não quebrando isso (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). Olha, é assim né, lá quando a gente começou em 2005, a economia solidária ainda era aquela coisa muito desconhecida, as pessoas não sabiam o que era. E aí, foi que a gente começou a entender, graças às formações que tivemos pelos nossos parceiros. [...] e, eu acho que, de tudo, de todas as formações que a gente teve, a primeira pra mim ainda foi melhor. Foi quando eu despertei! Foi quando deu aquele clique [...] o insight inicial (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). [...] bom, pra mim o que mais eu aprendi, não é nem o que eu aprendi é o que vai mais me fortalecer, que eu estou no caminho certo, porque é uma vida simples, porque pelo que eu entendo da Economia Solidária como eu já disse a você eu já vivia, mas eu não sabia que ela tinha esse nome, entendeu? Então nas diversas formações, me encontrei mais ainda no termo. Acabei percebendo que eu já seguia alguns princípios da Economia Solidária. As formações das incubadoras me ajudaram muito nesse sentido. Aprendi que eu já me aproximava da Economia Solidária (ENTREVISTADA, 6, grifo nosso). [...] a incubadora nos ajudou quanto ao entendimento da Economia Solidária, que era possível viver de outra forma, de gerar renda com respeito e solidariedade ao outro. Se não fosse a incubadora, não saberíamos caminhar no processo de formação e de vivencia dos princípios da Economia Solidária (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). 158 Os princípios e todo esse leque voltado à Economia Solidária foi outro conjunto de formação que tivemos juntos às incubadoras. Deixa eu ver[...] o olhar, na questão de gênero, que é muito importante. Aprendemos a ter um olhar crítico para as injustiças sociais [...] como formar uma boa rede [...] a trabalhar o fluxo da informação, comunicação, que é diferenciada dessa comunicação que tá aí, pra massificar, pra condicionar, tudo isso, que é pra trazer os interesses dela à frente de tudo (ENTREVISTADA, 11, grifo nosso). Com base nos depoimentos, percebemos o grande sentido das formações realizadas pelas incubadoras, principalmente em relação ao mergulho inicial de muitos desses sujeitos em relação à teoria e, principalmente, à vivência da Economia Solidária. Percebemos que, para alguns dos envolvidos na pesquisa, os princípios do movimento já eram vivenciados antes mesmo de terem um contato direto como os empreendimentos. Acreditamos que o sentido concreto dos envolvimentos de muitas dessas pessoas é a compatibilidade entre os valores pessoais e os valores elencados pelo Movimento de Economia Solidária, fortificando o acreditar nesta proposta. Muitas das pessoas que estão participando dos EES e que acreditam nesta proposta de um melhor viver já possuem outras vivências em movimentos sociais, fator que justifica esta identificação, esta sensação de já viver a ES antes mesmo de participar do EES. Tomar posse do processo de incubação, dos princípios que regem o Movimento de Economia Solidária para ajudar nas atuações legítimas desses empreendimentos foi fundamental como elemento das formações promovidas pelos agentes ligados ao movimento. É tanto que muitos dos princípios se cristalizaram como elementos de aprendizagens a partir dos depoimentos dos sujeitos de pesquisa: Com as formações na ONG, aprendi sobre os direitos e deveres que a gente tinha e que a gente não conhecia, e a solidariedade de você fazer alguma coisa, mas não pensando só em você, mas de pensar que também pode ajudar o próximo, eu me formar, mas não só pra mim, mas que eu possa passar essa formação mais pra frente. Eu acho que tudo isso foi bem válido. As formações que tivemos na ONG sempre nos ajudaram a sermos multiplicadoras (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). [...] por exemplo, agora tivemos uma formação no projeto de ações integradas, que eu precisava passar e discutimos muito a autogestão, e aprendi nesse processo, que eu tenho que está aberta pra isso, verdadeiramente aberta para isso, então não adianta chegar e impor uma formação, uma meta que preciso alcançar do projeto, se o público não está querendo aquilo, e eu tenho que aceitar esse não querer dele, então eu acho que nos últimos meses foi o que aprendi, ou seja, escutar as necessidades para pensar nas formações do grupo (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). Posso dizer sem medo de errar que um dos maiores aprendizados foi a cooperação, então isso foi muito interessante, a cooperação, o fortalecimento dos laços, da gente como pessoa e como comunidade, porque a gente começou a ser referência dentro da comunidade. O empoderamento das pessoas foi outro elemento que aprendemos a partir das formações. Houve até um estímulo ao estudo formal entre as pessoas do grupo (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). 159 As formações da ONG também nos ajudaram na questão política de análise de conjuntura, quais os direitos do trabalhador. Aprendemos a lutar por aquilo e acreditar (ENTREVISTADA, 11, grifo nosso). Eu aprendi muito, como eu falei ainda a pouco, porque a gente não nasce profissional, a gente aprende a ser profissional. E com as formações, aprendi a ser um profissional que respeita o outro, que é solidário com o coletivo e com a comunidade. Hoje sou orgulhoso de mim mesmo e de todo este aprendizado que me faz ser um homem melhor (ENTREVISTADO, 18, grifo nosso). Conforme destacamos anteriormente, as práticas socioeducativas despertaram os sujeitos envolvidos nos EES a vivenciarem os princípios do movimento, não se limitando aos aspectos técnicos, econômicos e de geração de renda. Assim, elementos como autogestão, o pensar nas formações a partir das necessidades do grupo, ou seja, da realidade, a cooperação, a solidariedade, o empoderamento dos sujeitos, a leitura crítica do mundo, entre outros, foram conteúdos que permearam as práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários e possuíram sentidos e significados de um aprendizado de descobertas revestido de um acreditar por uma luta que leva ao encontro de uma nova proposta de vida. A partir da análise realizada sobre os principais conteúdos abordados nas práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários, percebemos que as formações têm colaborado com o aumento da autoestima e com o crescimento pessoal e coletivo dos sujeitos envolvidos, levando a um cenário de superações e mudança de vida: Acredito que o que mais aprendi a partir de tantas formações que participei foi o respeito, respeito pelo meu próprio grupo. Quando olho assim, para minha história e das mulheres do grupo que a gente encontrava no meio da rua, em que andavam de cabeça baixa, pelo peso da vida, da cultura em que vivemos, em que nós estamos inseridas, e hoje olham de frente pra a gente e dar aquele sorriso. A gente ver que foi construída a autoestima [...] até em ser mulher, porque mulher não é pra viver abaixo, mas ao lado, com respeito e inclusive pelo companheiro, dizendo nós somos juntos, fazemos juntos. Como a ONG nos ajudou a crescer! São valores de crescimento quanto seres humanos, que ninguém tira (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). Outra abordagem que adotamos para a atual discussão foi em relação às atuações dos agentes nas promoções das formações, ou seja, se os diversos parceiros conduziam o próprio contexto da formação com um entendimento pleno do termo Economia Solidária. Acreditamos que, por se tratar de formações específicas para Empreendimentos Econômicos Solidários, deveria haver uma intencionalidade nas práticas socioeducativas, isto é, elas deveriam estar revestidas com os princípios do Movimento de Economia Solidária, bem como de uma metodologia popular apropriada que levasse às vivências desses princípios. A Política Nacional de Economia Solidária orienta que a atuação junto aos EES deve estar revestida de 160 metodologias adequadas a essa realidade, valorizando as pedagogias populares e participativas e os conteúdos apropriados à organização na perspectiva da autogestão, tendo como princípio a autonomia a partir dos princípios e metodologia da educação popular. Um entendimento inicial que tivemos foi com relação à atuação das Entidades da sociedade civil sem fins lucrativos que desenvolvem atividades formativas junto a muitos dos EES envolvidos em nossa investigação. Um elemento central nesta discussão é de que essas entidades desenvolvem um trabalho formativo que se aproxima com a essencialidade do Movimento de Economia Solidária, como podemos observar nos depoimentos que seguem: Os formadores tinham linguagens bem diferentes. A REMAR e o Projeto Beira da Linha (PBL) tinham o pensamento bem parecido. O PBL tinha formação profissional, mas também dava formação da Economia Solidária, em algumas áreas como cidadania. Nas formações de cidadania realizadas pela REMAR sim, eu percebia os princípios da economia solidária [...] (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). Penso que os parceiros mais ligados aos movimentos sociais possuem um olhar mais humano nas formações, que se aproximam mais dos princípios da Economia Solidária, por exemplo: os cursos que a ONG fez, por exemplo, havia uma sensibilidade dos professores com o grupo de produção (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). Eram olhares e formas de educar diferentes. Todos os cursos que a ONG realizou, os educadores tinham um olhar diferente, aquele olhar mais do humano, mais do agregar valor no seu jeito de fazer. Diferente de como que o público vem fazer, pega o material, corta, faz assim, dá o direcionamento, dá a técnica [...] muito diferente até o modo que o professor trabalha, modo que o professor chega, de estar lá, de tomar um cafezinho, de dizer e fazer juntos[...] é muito diferente o fazer e a gente percebe muito isso (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). O Projeto Beira da Linha levava em consideração os princípios da ES, embora a ONG não trabalhasse diretamente com o processo de incubação, mas sempre procurávamos educadores que tivessem uma pedagogia popular. Havia uma orientação para os educadores: tem que fazer junto com o grupo, para que elas possam pegar isso e transformar a vida delas [...] para começarem a ter uma cultura diferente. Então, tinham [os parceiros, os educadores] um olhar diferente, um modo de fazer mais popular (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). Então, percebo, sim, diferenças nas formações. Assim, parceiros como as incubadoras e a Amazona [ONG], eles tinham esse olhar de preocupação com os princípios da Economia Solidária. É tanto que iniciou o processo de incubação com a INCUBES, que também tem esse olha pra os empreendimentos (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). Além das formações de Economia Solidária que todas elas eram feitas pela INCUBES, as outras formações eram feitas pela Amazona [ONG], mas eram temas transversais, entende? Mas em total sintonia com a proposta, em relação a isso foi tranquilo [...]. Foram todas coerentes com a temática da Economia Solidária, até porque, a gente, no caso da padaria São Rafael, os únicos parceiros que discutia esse tema e que fizeram todas as formações e assessoria foi a INCUBES e a Amazona (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). 161 [...] mas ainda falta aquela questão da humanização, da cidadania que é oferecida por outras entidades tipo: a REMAR, tipo o Projeto Beira da Linha [ONG], porque já tem um cunho social diferenciado (ENTREVISTADA, 21, grifo nosso). Percebemos, a partir dos depoimentos, que as formações desenvolvidas pelas entidades sociais possuem uma sintonia com os elementos presentes nas diretrizes educacionais do Movimento de Economia Solidária. Destacamos que estas organizações desenvolvem ações nas várias modalidades de apoio direto junto aos empreendimentos solidários, tais como: capacitação, assessoria, incubação, pesquisa, acompanhamento, fomento a crédito, assistência técnica e organizativa, isto é, possuem determinadas características em suas práticas socioeducativas voltadas, de certa maneira, às questões da aprendizagem econômica, política e cultural, pontos de discussão que iremos abordar com maior propriedade em momento futuro desta tese. Em continuidade, de modo similar, outra classificação de agentes formadores são as Instituições de Ensino Superior representadas, de forma mais direta e concreta, pelo que chamam de incubadoras. Percebemos o sentido das formações promovidas por essas instituições e entendemos que também são agentes que se preocupam com a intencionalidade de suas práticas socioeducativas, em razão até de seu know-how, como podemos observar nos depoimentos: Já as feitas [formações] pelas incubadoras também tinham um olhar mais puro da Economia Solidária, também é a praia deles, não é? (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). [...] como a incubadora de empreendimentos solidários tem esse foco, esse viés, então não fugiu em momento nenhum dessa linha da discussão da Economia Solidária de fato, dos princípios do movimento, da questão política da Economia Solidária, pelo menos eu percebi que as formação não tiveram nenhuma falha nesse sentido. Foram todas coerentes com a temática da Economia Solidária, até porque, a gente, no caso da padaria São Rafael, os únicos parceiros que discutia esse tema e que fizeram todas as formações e assessoria foi a Incubes e a Amazona [ONG] (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). Já a universidade, através da Incubes, já tinha uma visão maior, uma visão de mundo, uma visão mais do processo de incubação, formações mais especificas na questão da Economia Solidária [...] e quando se fala em Economia Solidária, temos que levar em consideração tudo isso: a formação humana, os direitos, a comunidade, a produção onde o ser humano é o centro (ENTREVISTADA, 21, grifo nosso). Parece-nos claro classificar como nítida e concreta a contribuição formativa das incubadoras na trajetória educativa dos Empreendimentos Econômicos Solidário, até porque tais instituições são organizações que desenvolvem ações nas várias modalidades de apoio direto junto aos empreendimentos solidários, tais como: capacitação, assessoria, incubação, 162 pesquisa, acompanhamento, fomento a crédito, assistência técnica e organizativa e, por esta razão, se aproxima com coesão e coerência em suas práticas socioeducativas das diretrizes educativas do movimento. Com base nos sentidos dos depoimentos e das vivências com cada empreendimento no decorrer da fase de pesquisa de campo do nosso estudo, entendemos que a valorização do conhecimento que cada pessoa trazia era um fator presente nas práticas socioeducativas das incubadoras. Tal sensibilidade pedagógica dialoga com a contribuição oferecida pelo Termo de Referência, que prima pelo reconhecimento e a valorização do conjunto de conhecimentos historicamente construídos pelos trabalhadores na organização de iniciativas econômicas fundamentadas na autogestão, na cooperação e na solidariedade. Nas ações de formação social e profissional em ES, tais conteúdos deveriam estar integrados na construção metodológica dos projetos educativos desenvolvidos pelos agentes formadores. Em relação aos parceiros ligados à esfera pública (governos estaduais e municipais), percebemos, a partir dos depoimentos dos sujeitos, que estes agentes formadores pensavam em práticas socioeducativas que, muitas vezes, se afastavam das diretrizes educacionais do Movimento de Economia Solidária. Tal constatação pode ser visualizada a partir das falas: Os formadores tinham linguagens bem diferentes. [...] Já as formações pensadas pela prefeitura, na maioria das vezes, eram feitas pelo Sistema S12, que já era uma formação voltada para o capitalismo [...] (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). [...] mas, na parte técnica feita pelo Sistema S, até da prefeitura, quando estava na frente das formações, eu percebia que deixava um pouco a desejar. O pensamento das formações do Sistema S nunca foi voltado para a ES. Então a gente fazia isso, puxava pra a Economia Solidária, mas enquanto formação pra essa área eles não tem (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). Penso que os parceiros mais ligados aos movimentos sociais possuem um olhar mais humano nas formações, que se aproximam mais dos princípios da Economia Solidário. Agora, já vejo que alguns feitos pela prefeitura, não eram muito assim (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). [...] Por isso que estou lembrando que parece que teve um curso pela prefeitura ou Sistema S, de uma professora na época que eu lembro que o grupo não se aproximou, pois a mesma não deu abertura, que ela não tinha o mesmo trabalhar coletivo que os outros que passaram, eu me lembro muito disso (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). [...] a prefeitura e o sistema S, eles não possuem esse olhar dentro da Economia Solidária e ai gerava um grande embate dentro do grupo, porque inicialmente produzíamos pão caseiro, quando sugeriram passar para ideia de produzir o pão francês, que é um processo puramente industrial, tudo é por máquina, tudo é por etapa [...] é como se excluísse o homem, tudo era a história da máquina, foi 12 O sistema S é formado por organizações e instituições todas referentes ao setor produtivo, tais como indústrias, comércio, agricultura, transporte e cooperativas que tem como objetivo, melhorar e promover o bem- estar de seus funcionários, na saúde e no lazer, por exemplo, como também a disponibilizar uma boa educação profissional. As instituições do Sistema S não são públicas, mas recebem subsídios do governo. 163 complicado pra gente, iniciar isso com o professor. Se bem que os dois professores que iniciaram eram bem maduros, mas a gente teve um dos formadores que era pra fazer um plano de negócio junto com a gente, que era do Sistema S, que colocou pra que a gente pudesse passar a vender o pão de 0,50 centavos a R$ 1,50 dentro da comunidade [...] a gente achou um absurdo! Não tinham como a gente vender na comunidade um pão de lanche a R$ 1,50, mas, na ideia capitalista, eu tenho que vender 3 vezes aquilo que eu produzia [...] então talvez tinha sido isso, que não deixou a gente crescer tanto, porque a gente não tinha tanto esse vínculo não só da produção como a da comercialização, mas a ideia era tanto fortalecer o grupo, quanto a comunidade, o grupo era aberto para a comunidade (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). Tínhamos que manter a questão do diálogo, não permitíamos uma metodologia de cima para baixo. O Sistema S, a gente já não queria junto. Eles pensavam com a visão do mercado, e essa não é a proposta de formação que a gente queria (ENTREVISTADA, 11, grifo nosso). Alguns parceiros tinham uma mesma linguagem sim. Agora uns como o Sistema S é basicamente pro mercado de trabalho e não gostávamos da metodologia. Agora, com essas formações do Sistema S nos cabia também tirarmos algo de complemento para a Economia Solidária para podermos utilizar da nossa forma (ENTREVISTADA, 12, grifo nosso). Haviam muitas diferenças, principalmente o Sistema S que é outra lógica. No Sistema S há muito o estímulo ao empreendedorismo individual e não negócios coletivos, não é?! É muito mais no sistema capitalista do que realmente voltado para empreendimento solidário. Então a linguagem é diferente, a forma de passar é diferente, não tem aquela preocupação se está havendo assimilação, é um pacote pronto, não é?! Então assim, eram conhecimentos que não faziam parte de nossa vida, não era do nosso dia a dia, as informações não entram, não chegam, não são assimiladas, entende? (ENTREVISTADA, 17, grifo nosso). Com certeza, eu percebia diferenças [...] O Sistema S já tem uma proposta diferenciada, mas ainda falta aquela questão da humanização [...] (ENTREVISTADA, 21, grifo nosso). Tomando como base o Art. 9º do Projeto de Lei 4.685/2012, que aponta como um dos agentes formadores a esfera pública (governos estaduais e municipais) como aqueles que elaboram, executam, implementam e/ou coordenam políticas de Economia Solidária de prefeituras e governos estaduais, percebemos, pelos depoimentos, que as suas práticas socioeducativas voltadas aos Empreendimentos Econômicos Solidários se distanciam de uma metodologia respaldada na educação popular, ou seja, as formações são pensadas e implementadas, muitas das vezes de forma terceirizada, dentro de um modelo de uma educação bancária, com essencialidade mercadológica, deixando à margem elementos importantes quanto à essência pedagógica do movimento. A atuação desses parceiros possui características voltadas às questões da aprendizagem econômica (caráter mais técnico), bem como um apoio quanto à infraestrutura (espaço físico, maquinários e material) para a realização do processo produtivo dos empreendimentos. 164 Destacamos, ainda, um fator minimamente curioso em relação à atuação do agente da esfera pública enquanto formador dos EES, como podemos observar nos depoimentos: [...] as formações pensadas pela prefeitura, na maioria das vezes, eram feitas pelo Sistema S, que já era uma formação voltada para o capitalismo, só como a gente já tinha um pouco da formação de Economia Solidária, a gente estava pegando um pouco do Sistema S, mas trazendo um pouco para economia solidária, a gente fazia essa dinâmica, esse filtro (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). O que a gente aprendeu mais e que aprende diariamente é saber dialogar. Houve uma época que era a prefeitura que fazia a formação, mesmo que ela não fizesse em si mesmo, ela era que trazia, através da prefeitura, então tinha seminário, tinha bastante, ne? Assim é tanto que eu nem me lembro de tantos, vinha muita gente palestrar, tinha muita formação, mas em muitas vezes, sentia falta de um diálogo, era como se as coisas viriam meio que de cima para baixo, sabe? Mas, aos pouco, fomos aprendendo a nos posicionar, com a ação (ENTREVISTADA, 7, grifo nosso). Quando a gente percebia que o educador vinha com uma metodologia que não valorizava o grupo, a gente logo dava um fora. Tínhamos que manter a questão do diálogo, não permitíamos uma metodologia de cima para baixo. O Sistema S, a gente já não queria junto. Eles pensavam com a visão do mercado e essa não é a proposta de formação que a gente queria. Hoje em dia até eles absorvem, eles fazem alguma coisa, então já foi um avanço pra gente também. E hoje em dia, eu acho que, até a gente conversa com eles e fazem algumas capacitações juntos porque o olhar deles já mudou. Eles já conseguem ver que existe a Economia Solidária e que eles devem saber trabalhar com os dois lados. Mas, naquele tempo, não tinha como trabalharmos juntos (ENTREVISTADA, 11, grifo nosso). Alguns parceiros tinham uma mesma linguagem sim. Agora uns como o Sistema S é basicamente pro mercado de trabalho e não gostávamos da metodologia. Agora, com essas formações do Sistema S nos cabia também tirarmos algo de complemento para a economia solidária para podermos utilizar da nossa forma. Já com as formações do Projeto Beira da Linha[ONG] era toda uma formação mais popular, com uma linguagem mais acessível, de forma construída [...] tinha todo um cuidado de ensinar a gente da forma que desse pra entender, entender direitinho e assim eu fui aprendendo de pouquinho e pouquinho (ENTREVISTADA, 12, grifo nosso) Havia, sim, pensamentos diferentes nas formações, mas o grupo nunca aceitava. A gente sempre se colocava e não aceitava essa coisa de cima para baixo. Teve uma professora que veio com uma história dizendo: ‗Ah, vocês têm que fazer formação pra entrar no mercado de trabalho e pensar no dinheiro‘. Eu disse: ‗olhe, já começou errado. Nós não queremos essa formação, porque eu não vou voltar pra esse tipo de mercado que você diz, eu passei uma época da minha vida no capitalismo. Me apaixonei pela Economia Solidária e eu não quero me intoxicar agora de novo com o capitalismo‘. E nós não aceitamos a formação (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). Tomando como base esses discursos, percebemos que houve um crescimento pessoal e coletivo a partir de uma leitura crítica das metodologias trazidas nas formações, bem como uma reflexão e ação que levou a um cenário de não aceitabilidade de uma educação bancária ou, em muitos casos, em uma conscientização que levou a uma absorção do que era positivo e cabível para a vivência de um grupo de produção regido pelos princípios da Economia 165 Solidária. Com isso, percebemos que houve certo empoderamento desses sujeitos para o diálogo e ajustes necessários, quando havia aberturas dos agentes formadores, para os conteúdos apontados como necessários destas formações. A formação em Economia Solidária é definida como uma ―construção social‖ inerente aos processos de trabalho autogestionários, como elemento fundamental para viabilizar as iniciativas econômicas, para ampliação da cidadania ativa e do processo democrático, como um movimento cultural e ético de transformação das relações sociais e intersubjetivas como base de um novo modelo de desenvolvimento. Reconhece a centralidade do trabalho na construção do conhecimento técnico e social, articulando o trabalho e a educação na perspectiva da promoção da sustentabilidade, orientando ações político-pedagógicas autogestionárias e solidárias. Os conteúdos da educação em Economia Solidária devem ser definidos a partir de um levantamento das demandas dos sujeitos envolvidos nos empreendimentos, voltados para a construção de uma concepção crítica da realidade. É fundamental que a cooperação e a solidariedade sejam resgatadas como valores humanizadores, implicando numa mudança cultural que resulta na transformação da vida em sociedade. Tais conteúdos devem conferir autonomia crescente aos trabalhadores e trabalhadoras e aos Empreendimentos Econômicos Solidários, na perspectiva do desenvolvimento local sustentável e solidário, das articulações em redes e cadeias de cooperação e com outros movimentos sociais. A leitura deste contexto leva-nos a perceber os sentidos e os significados que cada agente formador possui no itinerário educativo dos Empreendimentos Econômicos Solidários, quando percebemos que alguns parceiros se aproximam com fidelidade com sua intencionalidade educativa das diretrizes que guiam o Movimento de Economia Solidária, enquanto outros parceiros se distanciam em suas intencionalidades educativas, adotando uma metodologia que reflete um pensar pedagógico dentro do modelo da educação bancária. Desde então, surge a visão de outra economia que constitui, na verdade, um projeto de sociedade, implicando novos valores, acentuando o papel da educação popular em seu caráter participativo, contestatório e alternativo. A ligação umbilical da educação popular com a economia solidária deve-se ao fato de que esta se apoia em novos valores que, aplicados a atividades econômicas, exigem a invenção de novas práticas, cabendo à educação popular difundir entre aqueles que a peculiar dinâmica do capitalismo exclui do espaço econômico por ele dominado. Com isso, chamamos a atenção para a necessidade de uma releitura por parte desses parceiros com atuações distanciadas para reverem suas metodologias, no intuito de se promoverem práticas socioeducativas mais alinhadas à essencialidade e à intencionalidade 166 propostas pelo Movimento de Economia Solidária, cristalizadas em suas diretrizes educativas, conforme analisamos em capítulo anterior desta tese. 4.4 O ITINERÁRIO EDUCATIVO DOS EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS: ENTRE O ECONÔMICO, O POLÍTICO E O CULTURAL Em discussões realizadas em seções anteriores desta tese, destacamos a importância dos aspectos econômicos, políticos e culturais para que o processo emancipatório do indivíduo ocorra de forma plena. Da mesma maneira, discutimos os princípios que regem o Movimento de Economia Solidária, enfatizando a ação econômica como uma das bases de motivação da agregação de esforços e recursos pessoais e de outras organizações para produção, beneficiamento, crédito, comercialização e consumo. Entretanto, intrínsecos aos princípios do movimento, percebemos como pano de fundo outros aspectos de igual importância que nos atentam para algumas tipologias de aprendizagens. 4.4.1 Aprendizagem Econômica: por uma riqueza imaterial No momento da pesquisa de campo, de forma particular na realização dos grupos focais e das entrevistas individuais semiestruturadas, investigamos a importância das formações de linguagem técnica, visando à geração/melhoria de renda dos sujeitos envolvidos em nossa pesquisa. Desta forma, levantamos alguns questionamentos sobre as contribuições das formações vivenciadas pelas pessoas que participam dos Empreendimentos Econômicos Solidários sobre os aspectos econômicos, ressaltando, assim, a aprendizagem econômica. De acordo com Rodríguez (2005, p. 223), não basta a assistência econômica por parte do Estado; deve-se promover o desenvolvimento de capacidades que permitam às pessoas gerar rendas por sua própria conta e, desta forma, sair por si mesmas da pobreza. Devem-se fortalecer os mecanismos para a transformação de capacidades em rendimentos, que por sua vez possibilitam o desenvolvimento de funcionamentos valiosos e novas capacidades. No primeiro momento, indagamos se as vivências dessas mulheres e homens nos empreendimentos contribuíram com a melhoria de suas rendas. Podemos, inicialmente, destacar uma linha de sentido que nos afirma que participar do EES pode ser encarado como um fator contributivo na geração e melhoria da renda, como é possível observarmos em alguns depoimentos: 167 Houve melhoria de renda com certeza. Eu só não percebo, como também eu vejo que muitas das mulheres passaram a ter uma melhor qualidade de vida neste sentido. Então, não tenho dúvidas. Não é nada de enricar, mas de viver com dignidade (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). [...] a melhoria na renda aconteceu. Não temos medo do trabalho e sempre gostamos de trabalhar, principalmente em ganhar dinheiro em algo que acreditamos e que somos felizes em realizar (ENTREVISTADA, 6, grifo nosso). Em minha opinião, as vendas aumentaram muito depois que tivemos aberturas para participarmos das feiras. Para quem ficava em casa e não vendia nada, agora é outra coisa. Temos uma renda melhor, sim (ENTREVISTADA, 7, grifo nosso). [...] antes a gente não tinha muita produção, a gente tinha produção independente. Hoje em dia, o povo já nos conhece, não só aqueles que no começo faziam só para ajudar, agora realmente eles confiam no nosso trabalho e nos procura. Então, hoje tenho uma renda gerada daqui do grupo de produção. Eu hoje consigo ajeitar o cabelo, consigo comprar uma roupa, comprar um perfume. Parece coisas pequenas, mas antes eu não podia, entende? É pouca coisa que eu ainda dependo do marido, mas melhorou bastante a minha vida, pois hoje tenho mais liberdade financeira (ENTREVISTADA, 12, grifo nosso). Considero que houve uma melhoria de renda sim. Tem uma menina do nosso grupo que ela não tinha nada e era muito humilhada pelo marido, porque ele falava que ela sobrevivia da renda dele. E que, se ele fosse embora, o que seria dela? Era muita humilhação. Hoje, ela consegue dizer assim ‗se quiser ir embora, pode ir, porque eu tenho como sobreviver‘. E isso é muito bom. Já pensou, ela é uma pessoa independente financeiramente. É uma pessoa mais livre, sem muitas prisões neste sentido. A gente conversa isso e diz: ‗É muito bom. Eu sei que não vai ser o quanto ele recebe, que ele tem aquele salário certo, mas sei que eu estou correndo atrás, eu estou conseguindo no dia a dia‘. Veja meu caso, eu quem consigo pagar o colégio do meu filho, consigo pagar o transporte escolar dele. Eu consigo comprar as coisas que eu quero, foi uma melhoria de vida, porque meu marido, ele não tem documento assinado. Se ele trabalha, tem dinheiro, senão, já viu. E a gente consegue viver, na medida do possível, bem (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). Penso que houve, de certa forma, uma melhoria. Claro que ainda não temos uma renda fixa garantida, mas, se pegarmos o caso de mulheres que não tinham renda nenhuma, que dependiam totalmente do marido, não é?! Então hoje o que elas recebem daqui elas já compram coisas para elas, já têm uma autonomia que diminuiu muito a dependência dos maridos, entende?! Então, elas já têm um poder de escolha dentro de casa. Elas já têm voz, porque antes, como dependiam do marido, não tinham escolhas. Então isso deu uma autonomia muito grande dentro de casa para elas, na relação com os filhos, as filhas e os maridos (ENTREVISTADA, 17, grifo nosso). [...] percebo uma melhoria de renda considerável. Temos mulheres que moram na beira da linha e percebemos hoje o crescimento a partir de uma melhoria de renda. Que melhorou as condições de vida, se chega você olha, melhorou! Até para colocar os filhos nos cursos. Hoje você chega na casa de muitas de nossas companheiras e algumas delas têm moto, têm carro, tá entendendo? Foi o quê? Foi fruto dessa nova visão do trabalho (ENTREVISTADA, 21, grifo nosso). A partir desses depoimentos, observamos, facilmente, o sentido de que os EES têm contribuído nas vidas de muitas pessoas que acreditam nesta proposta alternativa de trabalho. Percebemos que um ponto importante para nossa análise é que muitos dos sujeitos passaram a 168 ter uma melhor condição e qualidade de vida a partir de um caráter econômico que tem contribuído com outro ponto de fundamental importância enquanto descoberta de pesquisa: a questão da independência financeira, apontada aqui como um elemento fundamental para a liberdade e a autonomia de muitas dessas pessoas frente aos cenários de exclusão e opressão. Por isso, a ES está estreitamente ligada à educação transformadora e à democracia econômica: O projeto proposto pela economia popular e solidária tem entre seus principais fundamentos o desafio de estruturar uma economia que se alimente da inclusão social e da distribuição de renda, em um contexto em que signifique a radicalização da democracia política na direção da democracia econômica, a única capaz de trazer soluções definitivas aos problemas sociais (ARROYO, 2006, p. 53). Em meio a esses depoimentos que afirmam a importância da participação desses sujeitos nos Empreendimentos Econômicos Solidários, com melhoria e geração de renda de forma satisfatória, ocorreram sinalizações que têm um sentido intrínseco voltado ao caráter de incerteza do fator econômico afirmando apenas como um elemento de complementariedade de renda, como destacamos: Olha, como te coloquei, a produção do grupo se dava, inicialmente, com as vendas para a comunidade. Depois a gente foi para fora da comunidade, com as entregas dos pães. A renda do grupo, até hoje, não dá para ficar só com este, ou seja, hoje a gente vê que é uma renda apenas como complemento, porque para a gente se manter com o espaço produtivo ainda não dá (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). Acredito que a melhoria de renda se deu de forma indireta pelo grupo de produção. As formações ajudaram aos jovens que passaram pelo grupo a estudarem mais, a se comprometerem com a comunidade. Então, as vendas geradas pelo grupo são mais um complemento. Mas, não podemos negar que a vivência no empreendimento foi extremamente significativa, talvez se não tivesse esses espaços de formação, espaço de discussão, estávamos hoje dependendo de mais algum auxílio do governo (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). Eu trabalhava em casa de família. Com salário, carteira assinada, tudo certinho. Eu saí para cuidar dos meus pais. Hoje eu estou aqui no grupo de produção. Não tenho salário sabe, mas o que eu ganho dá para complementar com meus pais. O pouco que ganho aqui é só pra mim, então dá pra eu conciliar, entendeu? (ENTREVISTADA, 14, grifo nosso). As mulheres hoje do nosso grupo conseguiram se incluir de certa forma que conseguem produzir uma renda extra que até então nosso objetivo nunca foi garantir um salário. É muito mais, é esse espaço coletivo, é esse espaço de aprendizagem contínua e o dinheiro é muito mais um complemento do que uma renda fixa. Claro que queremos, num futuro, ter a possibilidade de garantia de uma renda fixa, mas hoje a gente não tem essa garantia de renda (ENTREVISTADO, 15, grifo nosso). [...] aconteceu uma a melhoria na renda [...] assim é o seguinte: a gente ainda não alcançou o que todos esperam que é ter uma renda fixa, digamos maior do que a gente recebe atualmente, mas depende da demanda de encomenda que chega para a gente. Esse valor é dividido com as pessoas do grupo. Mesmo com a 169 incerteza da renda, o que eu ganhei nesse tempo que estou trabalhando me ajudou e muito. No meu caso é mais tranquilo, pois meu esposo trabalha e minha renda é mais um complemento (ENTREVISTADA, 16, grifo nosso). Melhorou a renda de minha família sim, pois agora é um complemento com as rendas de meu marido e de meu filho. Agora eu também posso ajudar em casa, porque todo mundo tem que ajudar, porque a gente ganha pouco, então com essa renda daqui tá melhorando mais e vai melhorar mais ainda. Prefiro está aqui, mesmo sem uma garantia de renda, porque eu acredito que a gente vai crescer juntos e eu quero ficar aqui, eu digo: ‗eu posso, eu consigo e eu vou vencer‘ (ENTREVISTADA, 19, grifo nosso). Os relatos indicam que, nos empreendimentos solidários, vêm ocorrendo outros ganhos, diferentes do econômico em si, tais como autoestima, identificação com o trabalho e com o grupo produtivo, companheirismo, além de uma noção crescente de autonomia e de direitos de cidadania. Isso reforça o que Singer e Souza (2003, p.7, grifo nosso) afirmam sobre os EES: ―ainda têm pouco peso econômico, mas possuem grande significação cultural, afinal, são experiências destacadamente educativas‖. Esta constatação reafirma um de nossos pressupostos estabelecidos no início da tese de que a educação desempenha um papel relevante para a consolidação da economia solidária. Entendemos aqui a educação como um instrumento que pode contribuir na transformação social. O processo educativo vivenciado no movimento de economia solidária ―pode ser uma ponte capaz de direcionar essas iniciativas para além do aspecto econômico‖ (OLIVEIRA, 2012, p.21). Enquanto isso, dentro dos depoimentos trazidos pelos sujeitos de pesquisa em relação aos aspectos econômicos, de forma particular, da geração de renda, houve algumas impressões com sentido contrário ao caráter da melhoria de renda, como podemos observar: A renda no grupo de produção sempre foi uma coisa incerta. Já teve anos que a gente partilhava duas vezes por ano, entende? Sempre trabalhamos em cima dessa questão da gente dividir os dividendos. Hoje em dia, já percebemos entradas menores. O grupo vem passando por alguns problemas que têm afetado a produção (ENTREVISTADA, 1, grifo nosso). Enquanto eu estava com a renda do grupo, houve sim uma melhora, mas muito devagar, são passos muito lentos. Se você for aquela pessoa que quer uma renda fixa todo mês, ainda não pode contar com isso. Eu acho que, se as pessoas do grupo focassem apenas na renda, nem o grupo existiria mais, porque realmente é muito difícil. Não há garantia, melhorar, com o tempo realmente vai melhorando, mas não aquela coisa que eu realmente posso dizer que posso contar todo mês com aquele valor, ainda não (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). Em minha opinião, ainda estamos distantes da melhoria de renda que imaginamos. Assim, existe uma coisa no meio da gente, do artesanato [...] eu, graças a Deus, eu sei que eu tenho uma renda extra. Mas, para as outras colegas do grupo viverem hoje do artesanato, seja ele qual for, elas têm encontrado dificuldades que é o escoamento da produção, que é um grande entrave (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). 170 [...] realmente não há melhoria de renda. Se formos falar em sobras, em lucro não tivemos, e é como sempre a gente coloca, teve sim o lucro do conhecimento e transformação, mas financeiramente não. Nós estamos muito além disso aqui na Paraíba (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). Entendemos o sentido dos depoimentos que exprime a uma melhoria insignificativa quanto aos aspectos financeiros ou até mesmo quanto ao distanciamento desta melhoria. Percebemos que, em alguns casos, os EES ainda são proposta de trabalho com uma rentabilidade insuficiente e que os agentes apoiadores desta proposta deveriam estar atentos a possíveis estratégias para esta geração de renda a partir das produções desses empreendimentos. Determinada análise leva-nos ao seguinte questionamento: se não há uma garantia de renda, o que leva essas mulheres e homens a continuarem nesta proposta? Encontramos alguns depoimentos em nossa pesquisa que podem, de certa forma, nos ajudar a entender o sentido desse tipo de comportamento: Eu acho que é justamente porque a economia solidária faz você acreditar que você pode ser melhor, e realmente você se sente melhor, e a amizade que você forma com as pessoas, você sempre quer está junto com elas. Então, acho que são pontos que vão além da questão do dinheiro (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). [...] no meu caso, no meu grupo, eu acho que é aquela coisa é o bem imaterial. Não sei dizer o porquê a renda não é tão importante. Eu acho que é aquela vontade de você fazer pelo outro, do altruísmo, de você pensar no outro, sabe? Parecido com aquela história do beija-flor apagando incêndio. Eu tou fazendo a minha parte. É isso o que eu quero. Eu quero melhorar o meio ambiente. Eu não gostaria de passar aqui em branco (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). Eu acredito que é a questão humana mesmo, o crescimento humano que está acontecendo, lentamente, mas está acontecendo. Porque, dentro do grupo, já existiu mulheres que foram agredidas pelos seus maridos e nós apoiamos. Houve toda aquela história de acompanhamento nosso. Então o que realmente liga essas mulheres a este movimento é o respeito, esse querer um pelo outro. Isso não fica explícito, mas fico me questionando: ‗se fulana está aqui e sabe que o marido está chegando às 18h e ela tem que chegar antes dele para fazer o jantar, como é que passamos o dia aqui sentada falando sobre transformação e ela volta amanhã?‘ É porque isso realmente deixa algo positivo dentro dela, está transformando ela de uma forma ou outra. É esta transformação que é o verdadeiro ganho da gente (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). Não se tem a garantia do econômico, mas a garantia do indivíduo diferente você tem. Eu sou um exemplo disso, tantas outras são exemplos disso. Assim, a gente não pode ganhar a vida dentro do grupo de economia solidária, mas a gente ganha conhecimento, ganha saberes, desperta as potencialidades, então, se constrói coletivamente. Isso é muito bom, é gratificante. Eu sei que a história da economia solidária não está fazendo tanto a renda que a gente necessita, até porque ainda é impregnando na gente a história de ter uma carteira assinada, mesmo que eu trabalhe de 8h da manhã às 8h da noite, mesmo que eu seja explorada pelo patrão. A economia solidária não faz isso, eu não tenho no final do mês um certo, mas trabalho de forma humanizada, eu consigo fazer outras coisas, eu consigo estudar, trabalhar, eu consigo me divertir e é isso que também é interessante no grupo. O que fortalece ainda essa história da economia solidária não é só o recurso, pois há outras riquezas que conseguimos dentro dos grupos de produção (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). 171 Tem alguns que deixam e não vão pra espaço nenhum. Vão para o trabalho formal e tudo porque não conseguiram se sustentar, se manter, e abriram uma oportunidade eles vão embora. Embora gostem, mas, às vezes, não se apropriou da proposta. Outros se mantêm porque o dinheiro que eles conseguem, dá pra se manter. Mas não dá pra alçar. Agora essas pessoas, elas entendem o que é economia solidária, elas vão para as palestras, seminários, tudo. Mas elas não conseguem dar um voo mais alto por questões financeiras. Mas também se elas não conseguem abrir outras portas do mercado de trabalho e aquilo que elas ganham está dando pra se manter, pelo menos o mínimo, o básico da necessidade porque senão também ele abandonaria, né? E outras pessoas já conseguiram, se tivessem no empreendimento acho até que estariam ganhando mais, só que a gente passa a ter uma luta de acreditar que a gente tem que ocupar espaço pra levar nossa bandeira (ENTREVISTADA, 11, grifo nosso). Estou aqui porque eu acredito que a gente vai crescer mais e a gente vai ganhar mais dinheiro aqui do que lá fora e eu sou dona do meu próprio negócio. Aqui, a gente trabalha pra gente, não tenho patrão pra mandar em mim. Se eu tiver doente eu posso ir pro médico sem me preocupar em pegar atestado, e eu estou aqui, eu estou todo dia se tiver encomendas e se não tiver também eu posso ficar em casa, posso sair, posso visitar minha família que mora no interior e ninguém vai falar nada, é isso (ENTREVISTADA, 19, grifo nosso). Eu me encontrei, realmente eu me encontrei aqui. Tipo, não é só por dinheiro, não é. É o prazer. É aquilo de fazer o que você gosta, de você ganhar dinheiro fazendo o que você gosta que a maioria das pessoas não fazem isso, tá entendendo? Então assim, eu já tive vários convites de empregos de fazer o que não tava na minha área. Minha área eu tenho certeza hoje é a cozinha, então assim, eu já disse pra várias pessoas e tem algumas pessoas que não entende e acham que você não quer trabalhar, acham que você é acomodada. Eu não trocaria estar nesse espaço onde as pessoas me aceitam da forma que sou para estar com uma carteira assinada e infeliz, pode até parecer loucura, como muita gente me diz (ENTREVISTADA, 20, grifo nosso). Uma das coisas que a gente já tinha em mente e de forma clara é que nem todas as pessoas que estiveram em processo de formação no grupo iriam comungar dos princípios da economia solidária. Nosso desejo, pelo menos, era que elas compreendessem, que conhecessem uma visão de mundo de trabalho diferenciado. A sociedade também necessita de outros tipos de profissionais, em outras áreas, em outras dinâmicas de trabalho. Não é por eu acreditar na proposta da economia solidária que vou dizer que deveria ser a única via, se não entenderíamos alguém que diz que todos deveriam ser médicos, ne verdade? Você pensa na questão da formação das crianças, eu não penso só pra ingressar no mercado de trabalho ou só pra entrar nas universidades, são escolhas próprias de vida, o que a gente quer dizer, é que a gente trabalha nessa construção do projeto de vida de cada pessoa. Claro que a beleza da economia solidária está nessa visão do outro, de respeito ao outro, que tenha essa visão de cidadania, que ela faça com competência o trabalho, mas de forma humanizada. Então, em nosso grupo, sempre fomos muito tranquilas nessa questão, se tínhamos 20 mulheres e hoje temos 6, nós somos tranquilíssimas com relação a isso. O que nós queremos é que elas ajam de modo diferente, de modo humanizado onde esteja (ENTREVISTADA, 21, grifo nosso). Ao nos apoderarmos do sentido desses depoimentos, foi possível gerar uma compreensão sobre o que tem motivado a continuidade de muitas pessoas a participarem dos empreendimentos, mesmo com o cenário de uma tímida melhoria de renda, ou em até outro 172 cenário de ausência de melhoria econômica. Mediante tal contexto, podemos assim classificar os fatores estimuladores que justificam à participação, são eles: a) A conquista do bem imaterial: a participação dessas mulheres e homens nos Empreendimentos Econômicos Solidários acontece por uma questão além do material, ou seja, além da questão financeira. O fator humano presente nas relações tem sido um dos elementos em destaque como fonte de encantamento e envolvimentos desses sujeitos. Elementos como o fazer o bem ao outro, o respeito e a abertura ao diálogo são fatores inerentes às relações interpessoais, ressaltando assim, o caráter imaterial ao material, em muitos dos casos apresentados; b) A transformação humana: mesmo com uma ausência de garantia da renda ou até mesmo a constatação de não melhoria econômica, percebemos que muitos dos sujeitos afirmaram que houve um crescimento pessoal a partir da vivência no empreendimento. Todo aprendizado gerado tem levado a um crescimento que não é apenas individual, mas coletivo. Sendo assim, são outras riquezas construídas. Este é mais um fator norteador que contribui para o entendimento da continuidade de muitos desses sujeitos no cenário do empreendimento; c) O sentimento de posse: muitas das mulheres e homens apontaram como elemento que justifica suas permanências nos empreendimentos o sentimento de posse, ou seja, como os EES são regidos pelo princípio da autogestão, isto faz com que cada uma das pessoas envolvidas se sinta dono do seu próprio negócio. Este sentimento gera o elemento de liberdade individual que faz com que cada pessoa se perceba mais valorizadas até para atuarem mediante necessidade de vida de forma mais segura e consciente; d) O se encontrar na proposta: percebemos que muitos dos sujeitos estão e acreditam na caminhada do empreendimento pela razão de se encontrarem na proposta. Este caráter do se encontrar também pode ser observado por uma questão de envolvimento dessas pessoas em movimentos sociais antes mesmo de conhecerem a economia solidária. Sendo assim, são pessoas que já comungam de princípios e valores presentes na proposta do movimento e, com isto, conseguem enxergar os ganhos além da esfera econômica. Singer e Souza (2003) reforçam essa ideia quando apontam que o caráter transformador da ES abre-lhe a perspectiva de superar a condição de mero paliativo contra o 173 desemprego e a exclusão. Para os que desconhecem este caráter, os Empreendimentos Econômicos Solidários são meros substitutos dos empregos com carteira assinada, que as recessões vêm aniquilando. Se a retomada do crescimento fizer voltar a crescer o número de empregos formais, os que têm este ponto de vista esperam que as cooperativas deixem de ser necessárias e entrem num processo de definhamento. Há uma boa possibilidade, no entanto, de que estejam enganados. É muito comum um cooperador recusar empregos porque, como se costuma dizer, ―já não aguenta mais trabalhar para patrão‖ (p. 28). Esses elementos nos mostram que há um comprometimento de muitas das pessoas envolvidas em nossa tese que vão além do aspecto financeiro e econômico. Destacamos, neste momento, que até aquelas pessoas que afirmaram que os EES são geradores de renda não estão engajadas apenas por este sentido. Nosso objetivo nesta análise foi entender por que pessoas que afirmam que não há geração e melhoria de renda, porém, ainda continuam acreditando e envolvidas na proposta. Para Meyer e Allen (1991), teóricos referenciados quando discutimos comprometimento organizacional, o comprometimento afetivo é denominado em larga escala como o apego psicológico de cada indivíduo a uma ideia de lealdade, ou seja, sentimento de pertencer à organização. As pessoas envolvidas nos EES estudados possuem um comprometimento que não envolve apenas amabilidade emocional, observamos que é menos enfatizado do que o desejo de contribuir, de permanecer, ou até mesmo na identificação com valores do indivíduo. Partindo deste princípio, podemos dizer que o comportamento dos sujeitos que participam dos EES vai muito além do profissional, pois o instrumento afetivo é bem efetivo no âmbito do empreendimento. A rigor, o comprometimento afetivo pode ser visto como uma ―forte crença e aceitação dos valores e objetivos da organização, o forte desejo de manter vínculo com a organização e a intenção de se esforçar em favor da organização‖ (CHANG; ALBUQUERQUE, 2002, p. 20). Depois de analisarmos os Empreendimentos Econômicos Solidários e suas capacidades de geração e melhoria de renda, percebemos que houve uma oscilação quanto ao sentido impregnado neste elemento. Alguns sujeitos afirmaram que os empreendimentos contribuem com a geração e a melhoria de renda de forma significativa. Outros indivíduos apontaram que a renda gerada pelos empreendimentos não passa de um complemento à renda familiar, dando um sentido incerto à contribuição quanto ao fator econômico, e outro grupo afirmou que a geração e a melhoria de renda não aconteceram com a vivência nos empreendimentos, mas que suas permanências se deram por questões que vão além dos aspectos puramente econômicos, mas por um comprometimento afetivo. Tomamos como base 174 o fator da significância, bem como o olhar da importância do fator econômico, mesmo que tímido, na vida dos sujeitos envolvidos da pesquisa, e investigamos a importância da aprendizagem econômica na trajetória educativa dos empreendimentos. Desta forma, movemo-nos com a seguinte questão: as formações de caráter técnico têm contribuído para a geração e para a melhoria de renda? Podemos entender melhor o sentido dado a esta inquietação a partir de alguns depoimentos: Olha, até hoje eu ainda volto lá pra primeira formação técnica que melhorou muito nossa produção artesanal. Penso que aprender a técnica ajudou muito na melhoria do nosso produto. Sempre é bom ter este tipo de formação, até por que sempre entram companheiras novas no grupo e uma reciclagem é fundamental (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). As formações técnicas agregaram valores à costura que a gente faz em nosso grupo. Antes, por exemplo, eram aquelas bolsas cruas. Hoje, agregamos valor e já fazemos um produto mais diferenciado. Então, tudo que agrega valor, aperfeiçoa a técnica de cada uma, então não tenho dúvida de que as formações nos ajudaram a sermos mais profissionais. Hoje quem vê nosso produto e faz um comparativo com o produto lá do início não acredita que somos as mesmas mulheres, o mesmo grupo (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). [...] porque, se a gente não aprende a lidar com o maquinário, se a gente não aprende a técnica de corte, como vamos melhorar a qualidade do produto, não é verdade? E mostrar para o pessoal que a gente aprendeu e se aperfeiçoou na técnica, por mais difícil que seja, só com a ajuda de muitos cursos. De lá pra cá, a gente teve que aprender cada vez mais um pouquinho, porque é difícil ser dona de casa, mãe de família e sair para as formações. Mas cada curso foi muito importante, e, com bastante esforço, vamos vencendo cada dificuldade, tentando dar o melhor que pode, tentando pegar o máximo daquele aprendizado (ENTREVISTADA, 12, grifo nosso). Porque, se você não tem uma formação, um pensamento no que você vai fazer com aquele pouco que você recebe, você fica perdida do mesmo jeito. E nós fomos ensinadas que conseguimos dividir tudo direitinho e dá pra a gente viver. Formação foi tudo! Com certeza! Há 10 anos, fizemos uma bolsa que foi até motivo de chacota, vamos falar assim. Hoje em dia, a gente faz os produtos, as pessoas dizem ‘rapaz, esse grupo não era assim’. E por isso a gente pode até cobrar por este diferencial (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). Com certeza, as formações técnicas ajudaram, principalmente na qualidade do produto. Porque, se você analisar pela qualidade, você dá pra ter uma quantidade de vendas maior. Claro que para mim a qualidade também tem a ver com carinho ao fazer o produto, pensando no próximo, não é pra você, é pra o próximo. Eu acho que tudo isso contribui para uma melhoria de sua renda mensal (ENTREVISTADA, 14). Podemos afirmar que um primeiro ponto de contribuição das formações técnicas se deu pelo fator de melhoria e aperfeiçoamento do produto. Percebemos que foi de importante significado, pois, a partir das formações, os Empreendimentos Econômicos Solidários puderam pensar em pontos de melhorias em seus produtos e, com isso, puderam colocar no 175 mercado um produto com maior qualidade, influenciando de forma positiva as vendas e, por consequência, na melhoria das rendas. Além do elemento e aperfeiçoamento do produto que teve a contribuição do processo educativo também destacamos nos depoimentos: Antes dos cursos, cortávamos a matéria prima de qualquer jeito. Gente, era um desperdício de material que você nem acredita. Tudo era muito como pensávamos. Claro que já tínhamos uma certa habilidade, um jeito de fazer, vamos dizer assim, aprender a coisa de forma técnica nos ajudou muito no aproveitamento do material, para mim isto foi o principal (ENTREVISTADA, 7, grifo nosso). A parte técnica foi fundamental, porque assim a gente perdia muita matéria prima, pois a gente não sabia a medida certa do pão, porque aquela história: a parte de fazer o pão a equipe da incubadora sabia, fez a formação e tudo mais, cada tipo de ponto e sua especificidade precisa de medidas especificas e ai o curso ajudou nesse sentido, entende? É tanto que hoje a gente tem um dos meninos que fazia parte do grupo que trabalha no Bonanza Supermercado, por exemplo, hoje ele é da área da panificação e um dos chefes deste setor. Ele quem comanda a padaria dentro do supermercado, isso mostra quanto esta parte técnica foi viável para quem tava no grupo (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). A técnica contribui bastante, porque você entra na cozinha e acha que é fácil chegar lá e fazer todas as encomendas, mas não é bem assim. Eu pensava que,por ser mulher e dona de casa, seria muito fácil, mas me enganei. Pensava que eu já sabia fazer. Na verdade, já tinha sim um conhecimento, mas foi importante me aperfeiçoar. De acordo com o tempo que vai passando, você vai colocando todo o aprendizado na prática. Sem os cursos, como saber cada medida? Antes era um desperdício só, hoje não, temos técnica (ENTREVISTADA, 20, grifo nosso). Presumimos, mediante os discursos, que, além do sentido contributivo das formações de caráter técnico com o aperfeiçoamento e a melhoria do produto, podemos destacar também a contribuição das ações educativas com o processo produtivo em si, ou seja, com uma orientação de como gerar, de forma mais profissional, cada etapa que compõe o processo produtivo, a ponto de valorizar o produto final. Esses fatores de melhoria a partir das formações técnica levaram os Empreendimentos Econômicos Solidários a um melhor posicionamento no mercado, proporcionando também uma melhor abertura em novos segmentos: As formações técnicas foram fundamentais, principalmente nesta área que as meninas e a gente trabalham com a costura. Cada vez que você se aperfeiçoa, você pode pegar um tipo de produto diferente, porque uma formação eu posso pegar uma camiseta sem nada e as meninas houve formação de fazer camisa jaleco, que é outro tipo de produto, então assim já abre mais outras oportunidades de mercado para o grupo de produção (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). Aconteceram todas as formações, como te falei, dentro de 1 ano e 6 meses. Foram muitos conteúdos aprendidos. Muito aprendizado. Começamos a fazer uma rede de comercialização e, ao mesmo tempo, agregando valor ao nosso produto, no caso ao pão artesanal. Então, mesmo agregando outros valores ao pão, ainda fazíamos apenas para a nossa comunidade. Depois, começamos a vender para festas e, com isso, foi necessário termos outros produtos como a coxinha, o pastel, pois os clientes começaram a ter outras necessidades, não queriam só o pão [...] (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). 176 Ao realizarmos esta análise, parece minimamente incoerente falarmos de mercado dentro do contexto da Economia Solidária. Porém, Gadotti (2009, p. 26), ao discutir a economia solidária em sua diversidade e complexidade, resume o seu caráter nas seguintes palavras: ―Trata-se, na verdade, de uma desmercantilização do processo econômico, programa básico de construção de um novo socialismo hoje. Essa desmercantilização não significa uma desmonetarização ou o fim do mercado, mas sim ‗a eliminação do lucro como categoria‘‖. Tal formulação é muito interessante, pois, sendo a economia solidária formada por empreendimentos autogestionários, portanto, autônomos, não há dúvida de que eles só podem atuar em mercados. Acreditamos que a principal diferença se afirma pela forma desta atuação, ou seja, pelos princípios que revestem tal ação mercadológica. Junto ao caráter técnico ligado ao processo produtivo da natureza de cada produção para atuação em seus mercados, podemos considerar também como outro achado desta pesquisa elementos de formações complementares no significado técnico que adotamos nesta tese. Esses elementos se configuram como aprendizagem técnica ligada aos processos de comercialização, precificação, finanças e consumo, como podemos observar nos depoimentos: Toda esta parte técnica também nos ajudou com coisas ligadas ao nosso produto como fazer o custo, a distribuir o preço de vendas [...] Todo esse aprendizado foi muito importante para o nosso grupo (ENTREVISTADA, 1, grifo nosso). [...] tivemos formações que envolviam não só a produção em si, mas a comercialização, as finanças [...] para cada uma dessas áreas houve um tipo de formação. Teve o próprio IFPB que deu formação na área financeira. Foi um grande ganho para o grupo todas essas formações (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). Foi muito bom, porque a dificuldade do artesão é aquela coisa de fazer o preço final. Você compra a mercadoria por X e vende por 2X, eu sei que ganhei. Se eu comprei por R$ 50,00 e tive que vender por R$ 40,00, eu sei que eu perdi. Então, quando você começa a entender a precificação, é outra coisa. Sei que não é um assunto tão simples, mas o método que eles [educadores/formadores] usavam nas formações era bem popular, eles deixavam uma coisa com cálculo muito simples. E até, eu acho assim, talvez seja o maior entrave pra gente seja isso, então eu acho que tinha que ser aquela coisa mais continuada (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). Em minha opinião, um ponto que foi visto nas formações e que achei muito importante e que até assumi para minha vida foi questão do consumo. Particularmente, já me policiou com relação ao meu consumo. Faz dois anos que faço minhas compras aqui na universidade de frutas e verduras, com a agricultura familiar. Quando vamos ao interior procuramos comprar nos grupos que a gente conhece de lá, até quando vamos para as formações nas cidades de Cajazeiras, Patos e que voltamos têm colegas que têm mercadinho, barraquinhas, sabe? E a gente para pra comprar queijo e ovo, porque a gente sabe a procedência daquilo e como é feito, então realmente acontece isso (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). 177 Além das formações de comercialização, de produção, de elaborar melhor o produto, também tivemos algumas formações sobre design. Nos ajudou bastante a pensarmos melhorias para nossos produtos e até mesmo a pensarmos em novos produtos (ENTREVISTADA, 6, grifo nosso). [...] as formações ligadas à produção do produto ajudaram bastante, porque a gente não sabia como fazer essa parte de vender com o preço justo, a dar qualidade nos produtos, a fazer nossas finanças, a pensar na forma do consumo do grupo. E tudo isso sempre de maneira coletiva (ENTREVISTADA, 14, grifo nosso). Houve várias formações: desde como colocar o preço no produto, como realizar as compras, tudo a gente tá participando de forma coletiva, em conjunto, tudo isso a gente faz (ENTREVISTADA, 20, grifo nosso). Convém ressaltar que o entendimento e a vivência de cada um desses elementos (comercialização, finanças e consumo) pelos empreendimentos são elementos de caráter coletivo, levando a uma aprendizagem individual e coletiva a partir das práticas socioeducativas idealizadas pelos agentes formadores. A ação econômica é uma das bases de motivação da agregação de esforços e recursos pessoais e de outras organizações para produção, beneficiamento, crédito, comercialização e consumo, o que envolve elementos de viabilidade econômica, permeados por critérios de eficácia e efetividade, ao lado dos aspectos culturais, ambientais e sociais. Gohn (2010) aproxima-se do pensamento de Gramsci quando diz que, na perspectiva da educação não formal, podemos encontrar alguns tipos de aprendizagem que contribuiriam no processo de construção do indivíduo envolvido num princípio emancipatório. Um desses tipos é a aprendizagem econômica quando percebemos, nos depoimentos anteriores, elementos importantes ligados ao aspecto econômico, como: os fatores de produção, precificação dos produtos, custos dos produtos, melhorias nas especificidades do produto, inserção nos mercados e abertura de novos, entre outros. Ou seja, reconhecemos esta aprendizagem como um novo jeito de fazer a atividade econômica de produção, oferta de serviços, comercialização, finanças ou consumo, com base na democracia e na cooperação, o que os autores definem como autogestão. Uma dimensão econômica, enquanto atividades econômicas que garantam meios de vida aos integrantes dos EES. Este entendimento nos leva a reafirmar outro pressuposto acerca dos limites e desafios dos processos educativos na economia solidária, que, ―a partir das ações educativas, sejam capazes de criar novos significados e orientações políticas estratégicas, buscando ir além da própria esfera econômica, alcançando campos cada vez mais amplos da cultura e da política‖ (OLIVEIRA, 2012, p.21). 178 Ao conhecer os princípios dessa nova economia, percebemos logo que ela não está aí apenas para compensar os resultados da exclusão social provocada pela economia dominante; ou para dar uma resposta ao desemprego. Ela veio para assentar as bases de um novo sistema social e econômico, a favor e não contra a vida, capaz de integrar solidariamente toda a sociedade, oferecendo às pessoas oportunidades de trabalhar, consumir e viver com qualidade, de forma digna e ética. Assim, percebemos que houve uma contribuição significativa das formações de caráter econômico juntos aos Empreendimentos Econômicos Solidários. Esta contribuição gerou impacto desde o processo produtivo, melhorando e aperfeiçoando os produtos de cada empreendimento até elementos importantes como a comercialização, finanças e consumo solidários. Com isso, acreditamos que houve uma promoção quanto à inserção dos produtos com uma maior atratividade em seus mercados. Acreditamos que essas formações reforçam o sentido daqueles sujeitos que afirmaram que a vivência nos EES tem possibilitado a geração e a melhoria de renda, levando-nos a concluir o favorecimento, no âmbito da esfera econômica, de uma aprendizagem significativa oportunizada por ações socioeducativas promovidas pelos agentes, gerando, de certa maneira, a emancipação econômica. 4.4.2 Aprendizagem Política: por uma atuação para além das fronteiras do Empreendimento Econômico Solidário Como pano de fundo de nossa pesquisa, assumimos os pensamentos gramsciano e freiriano que nos orientaram ao entendimento de que não é possível tratar de emancipação apenas no plano econômico-estrutural. As dimensões da política e da cultura são também aspectos fundamentais. Sabemos que a educação não formal apresenta uma estreita relação com os movimentos sociais (GOHN, 2007). Essa relação está focada no aspecto político, isto é, no caráter educativo da organização política da coletividade. Sendo assim, partindo dessa orientação e entendimento, investigamos as contribuições das práticas socioeducativas junto aos Empreendimentos Econômicos Solidários no que concerne à aprendizagem política. Como ponto de partida, podemos afirmar, tomando como base os depoimentos dos sujeitos que fazem parte dos Empreendimentos Econômicos Solidários, que as contribuições do processo educativo não se limitam apenas à atuação desses sujeitos e às relações internas do grupo de produção, estendendo-se para o campo que ultrapassa as fronteiras dos empreendimentos, ou seja, às comunidades onde estes grupos de produção atuam e à sociedade em geral. 179 Uma primeira descoberta de pesquisa deve-se ao fato de que as práticas socioeducativas promoveram, junto aos empreendimentos, contribuições com a melhoria e o fortalecimento da comunidade, destacando elementos como a transformação e o desenvolvimento social: Eu acho que o grupo tem colaborado muito com a comunidade. Um dos espaços que a gente vem participando como grupo é a Rede pela Paz13, devido à economia solidária e ao nome que o grupo tem até hoje. [...] outro ponto importante de ação na comunidade foi que conseguimos a construção da Unidade de Inclusão Produtiva14, que isso trouxe benefícios para toda a comunidade. [...] outra participação que a gente tinha quanto grupo era nas reuniões do Orçamento Democrático, pois sempre estávamos presentes para tentar compreender e decidir pela coletividade. Acho que tudo isso foi ganho para a comunidade, que as formações nos ajudarão a ir em busca destas conquistas. Sempre lutamos pelas melhorias de nossa comunidade (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso, grifo nosso). [...] as formações em economia solidária, para mim, apenas reforçaram tudo aquilo que eu já fazia antes. Então, dentro da comunidade, eu era uma educadora social e já trabalhava na perspectiva de almejar que as pessoas se libertassem. A economia solidária veio fortalecer aquilo que eu já fazia, só não sabia que era economia solidária. A única diferenciação da economia solidária com o que eu fazia é que eu trabalhava na linha da educação popular, que tem tudo a ver com a economia solidária, a única diferenciação é que a economia solidária gera a história do recurso, mas com a ideia da emersão do indivíduo, colocando que o indivíduo possa crescer mentalmente, individualmente. Então, as formações me ajudaram a fortalecer essa história de ter um olhar diferenciado para a comunidade. Todas as minhas ações hoje são voltadas para dentro da comunidade, eu faço para a comunidade. Eu me vejo um outro ser humano, um ser humano que reflete, um ser humano que ajuda, um ser humano que é social (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). [...] várias pessoas que passaram pelo nosso grupo de produção estão em outros espaços, ajudando e contribuindo com a comunidade. Baseados nos princípios da economia solidária, ou seja, dentro dessa perspectiva de uma sociedade melhor. Estar presente nesses espaços, discutindo sobre melhorias para nossa comunidade é algo importante para nós (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso, grifo nosso). Nas formações, sempre falamos sobre ideias que viessem fortalecer nossa comunidade. Muitas das ações que a gente fazia para empoderar a comunidade vinham de nossa associação. Muitas pessoas diziam: ‗na associação é só festa, dia das mães, festa das crianças‘. Mas é ali que a gente conquista para depois fazerem uma oficina, para depois poderem chegar e conversar. Então, muitas pessoas diziam: ‗aquela associação só faz festa‘. Mas se você não fizer, você não chama a população. Principalmente criança, jovem. Aí você leva música, você leva jogo, você vai na prefeitura, no CDL e consegue alimento e distribui para comunidade. E 13 É uma rede de organizações sociais localizada no bairro Alto do Mateus para agir em prol de alguma causa sem fins lucrativos. Constituídas formalmente e autonomamente, as ONGs caracterizam-se por suas ações solidárias e filantrópicas. 14 É um espaço público com o objetivo de oportunizar às famílias em situação de vulnerabilidade social qualificação e formação para o trabalho na área de vestuário, para que desenvolvam atividades econômicas que favoreçam a geração de trabalho e renda na perspectiva da autossustentabilidade, com ênfase na economia solidária. A unidade oferecerá ainda todo o equipamento e infraestrutura necessários, além de disponibilizá-los para pessoas da comunidade que desejarem fazer algum reparo ou confeccionar seu próprio vestuário. 180 ali na tua fala, você já começa a colocar alguma coisa na perspectiva da construção: olha, nós estamos unidos e juntos, nós somos mais fortes. E muitas pessoas nem percebem que isso você fortalece, você leva tua ideia, não é? Você conquista. Você transforma. Então, são estratégias políticas mesmo (ENTREVISTADA, 11, grifo nosso). Eu acredito que as formações nos ajudaram muito a realizar intervenções em nossa comunidade e, assim, ajudando no desenvolvimento. É tanto que o grupo de produção, aqui na unidade, nós não temos instrutores e muitas mulheres da comunidade nos procura muitas vezes para que a gente ensinasse a elas a costurar. E nós ensinamos sem nenhum retorno, nenhuma troca. A gente tem essa vivência com a comunidade. Os espaços que nós vamos fazer curso, a gente sempre dá um apoio que elas precisam em qualquer coisa, tanto na costura, como em outras linhas. A gente tem essa articulação com a comunidade. No orçamento democrático, nós participamos. Assim, até porque a gente sabe o que acontece no bairro, nós vamos. E em outros lugares nós não somos convidados porque nós falamos o que pensamos. E aí tem pessoas que não quer ouvir. Mas, a gente sabe que é porque tem falas que dói. Aí é bom não ouvir. Aí não convidam, mas ficamos sabendo o dia da reunião e lá estamos, mesmo sem o convite formal, mas como se trata de um espaço público, estamos lá (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso, grifo nosso). A gente tenta contribuir com a comunidade, mas não é tão fácil. A gente já fez a divulgação na parte de uma alimentação saudável. A gente já levou para as igrejas, houve toda essa divulgação. Todo um trabalho de sensibilização para a mudança de hábitos alimentares mais saudáveis, que é o foco de nossa produção. Sem as formações, não teríamos conseguido fazer essas palestras, esta sensibilização. Temos que saber multiplicar nosso conhecimento e transformar isso em ações na comunidade (ENTREVISTADA, 14, grifo nosso, grifo nosso). Então, a gente está sempre interagindo com a nossa comunidade. Um dos objetivos é trazer algum ganho também, no sentimento de melhora da alimentação para nosso espaço comunitário. Então foram feitas várias intervenções nesses espaços para levar alimentação enriquecida para as pessoas experimentarem, para sensibilizar, para realizar palestras. Agora, como estamos falando de um hábito, a mudança na alimentação é uma coisa muito em longo prazo, não é?! E em comunidades de baixa renda as pessoas não estão querendo saber o que estão comendo. Elas querem que aquele R$ 1,00 dê para comprar coxinha. Agora se a coxinha é com gordura ou sem gordura não está nem aí. Então é uma coisa muito demorada, mas sempre acreditamos e percebemos que é uma grande contribuição de intervenção na comunidade. Então, a gente deu oficinas, a gente sempre deixa o nosso espaço aberto à comunidade (ENTREVISTADA, 17, grifo nosso). Com esses depoimentos, parece acertado que há um sentido mais que significativo da ação dos empreendimentos em suas comunidades. Entendemos que as práticas socioeducativas promovidas pelos agentes ligados ao movimento também possuem, de maneira considerável, uma abordagem política. Um fato que nos chamou a atenção é que as ações de cunho político não se restringem apenas ao ambiente interno dos empreendimentos, mas que as intervenções das pessoas que fazem os grupos de produção ultrapassam as fronteiras com forte atuação nas comunidades. Estar presente em outros espaços de luta na comunidade foi uma palavra de ordem presente nos depoimentos, expressando um sentimento de não apenas um desejo, mas de intervenções promotoras de mudanças concretas, de melhorias e desenvolvimento social para as comunidades. 181 Ao longo de nossa pesquisa de campo, com várias visitas realizadas nos empreendimentos que participaram de nossa unidade de análise, com a realização dos grupos focais, das entrevistas individuais, que nos levou a um melhor conhecimento dos grupos de produção e de suas ações nas comunidades, percebemos que muitos dos sujeitos envolvidos nos empreendimentos e que acreditam na proposta da economia solidária já possuíam alguns princípios e valores pessoais que dialogam com os princípios do movimento. Assim, participar do empreendimento foi uma via de fortalecimento do desejo já existente, ou seja, a busca de melhorias para a comunidade, de desenvolvimento local, do empoderamento daqueles que ali vivem e que fazem história. Nesse contexto, percebemos também que muitas das pessoas que participam dos empreendimentos acabam também se inserindo em outros espaços coletivos da comunidade, em comum o desejo de luta, o desejo de um grito de liberdade de tantas situações de opressão que essas comunidades estão envolvidas ao longo de suas histórias. Este achado de pesquisa mostra-nos, mais uma vez, a importância das práticas socioeducativas de cunho político juntos aos EES, quando acabam conscientizando aqueles que as vivenciam a ponto de se fazerem presentes em outros espaços e, assim, fortalecer, de certa maneira, suas comunidades. Partindo desse entendimento, podemos até afirmar que são estratégias políticas de envolvimento, de encantamento das pessoas em busca de possíveis soluções mediante tantas necessidades que suas comunidades vivem em seus cotidianos. Estes comportamentos expressos pelos EES, diante de suas práticas na realidade advindas de um despertar a partir das ações educativas, vão ao encontro do pensamento de Gohn (2007) quando afirmam que a educação não formal com caráter emancipatório defende que essas práticas socioeducativas apresentam várias dimensões, como a aprendizagem política, isto é, revestida de práticas que capacitam os indivíduos com objetivos comunitários, além de proporcionar-lhes fazerem uma leitura do mundo do ponto de vista da compreensão do que se passa ao seu redor. O entendimento do ato político é colocado, neste caso, como elemento de formação que caracteriza o sujeito como agente da sua história. É um agir politicamente, para o nosso entendimento, banhado pelo pensamento gramsciano, isto é, estar em condições de enfrentamento das situações adversas e conseguir construir alternativas de mudanças. Com os depoimentos, observamos que as pessoas que estão envolvidas nos EES e que passaram por um processo educativo nesses espaços de educação não formal despertaram para o agir em favor da intervenção numa determinada realidade. E, para nossa compreensão e pano de fundo teórico que viemos realizando nesta análise, este tipo de ação é sempre uma ação política. 182 Sendo assim, constatamos que esse ir além das fronteiras dos empreendimentos envolve desde elementos de participação comunitária, de lutas concretas por melhorias e desenvolvimento local, de conscientizações tanto de caráter individual como coletivo até elementos de socialização, multiplicação e troca de conhecimentos rumo à transformação social, com base na reflexão e ação no contexto comunitário. Em meio a esta discussão, outro achado de pesquisa que se soma ao discutido anteriormente e que foi analisado em nossa investigação foi em relação às formações dos Empreendimentos Econômicos Solidários e à promoção junto aos seus integrantes de uma visão mais analítica, levando a um sentimento de empoderamento das comunidades, conforme podemos observar nos discursos: Sempre tentamos estar em outros espaços na comunidade para defender nossos direitos como cidadãs e os direitos quanto coletividade, quanto comunidade. Antes eu não tinha esse pensamento, mas as formações me ajudaram muito nisso. Minha visão era muito limitada, sabe? Hoje consigo enxergar melhor o que acontece com nossa comunidade e pensar em soluções e lutarmos por elas. Hoje temos uma certa liderança na comunidade, temos representações em alguns espaços (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). Então, as formações me ajudaram a fortalecer essa história de ter um olhar diferenciado para a comunidade. Todas as minhas ações hoje são voltadas para dentro da comunidade, eu faço para a comunidade. Eu me vejo um outro ser humano, um ser humano que reflete, um ser humano que ajuda, um ser humano que é social (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). As formações que tivemos nos ajudaram muito nesta leitura, em nos empoderarmos da comunidade, em nos fazer sentir donos dela (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso, grifo nosso). O trabalho com nossa comunidade é o que nos faz tornarmos mais fortes. Não só eu, mas o papel de fazer com que as outras mulheres tenham autonomia, sejam empoderadas, sejam fortes. Nas formações sempre falamos sobre ideias que viessem fortalecer nossa comunidade. Muitas das ações que a gente fazia para empoderar a comunidade vinham de nossa associação (ENTREVISTADA, 11, grifo nosso). Assumimos muitos problemas da comunidade como se fosse do grupo. Até porque o grupo está na comunidade e a comunidade no grupo, me entende? Hoje, tem o grupo produtivo que no nosso caso a gente está chamando de padaria comunitária, mas sempre que tem alguns eventos na comunidade, seja das igrejas, seja de alguma pessoa da comunidade, o espaço é aberto para comunidade no geral. Sem falar que muitas pessoas que passaram ou que ainda estão no grupo acabam contribuindo com a comunidade de uma outra forma. As formações nos ajudaram bastante a ter esta sensibilização, a cuidar do que é nosso (ENTREVISTADO, 18, grifo nosso). Não tenho nenhuma dúvida de que o grupo de produção contribui de alguma maneira com a comunidade. Estamos conseguindo nos incluir na questão da política pública que não é algo tão fácil. Temos um trabalho de qualidade e manter uma unidade produtiva, mesmo mudando a gestão pública não é tão simples. É preciso saber dialogar, saber articular para que não haja perdas para nossa comunidade. Nosso grupo se tornou um referencial na costura. Um referencial que a proposta de um empreendimento econômico solidário pode dar certo. Já 183 fomos convidadas para falar de nossa experiência em outros espaços. Penso que somos sim um referencial e um orgulho para nossa comunidade, pois hoje ajudamos a formar outras mulheres, estamos dando um trabalho de formação continua. Somos articuladoras dentro de nosso bairro. Acreditamos que é possível mudar muitas coisas que precisam ser mudadas. Transformar muitos sinais de mortes que nossa comunidade possui em sinais de vida. Somos parte da comunidade e, por isso, devemos dar algumas contribuições (ENTREVISTADA, 21, grifo nosso). Tomando os discursos mencionados, cabe frisar que o sentido dos grupos de produção para a colaboração em suas comunidades gera um genuíno sentimento de pertencimento às mesmas. Tal elemento mostra-nos que as formações têm contribuído no empoderamento individual e coletivo. Este empoderamento expande-se para as comunidades onde os empreendimentos atuam, fortalecendo e até mesmo despertando os laços de pertencimento, ou seja, de cuidar dos espaços que são dos EES. De promover um despertar necessário da população, ou seja, o reconhecimento de onde vieram, de onde estão e para onde estão indo, com consciência do lugar de onde falam, das atenções destinadas e dos descasos que estão imbricados naquelas realidades. O sentimento de pertencimento leva os sujeitos a crerem em possíveis mudanças, respaldadas por uma leitura de mundo que antes era uma prática desconhecida pelos sujeitos dos EES, quando podemos até definir tal situação como uma miopia social. Acreditamos que a primeira condição para que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de agir e refletir. Somente um ser que seja capaz de sair de seu contexto, de ―distanciar-se‖ dele para ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando transformá-lo e, transformando-o, saber-se transformado pela sua própria criação; um ser que é e está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico, somente este é capaz, por tudo isso, de comprometer-se. Tudo isto se converge no ato de incorporar valores e culturas próprios, de pertencimento e sentimentos herdados. Os indivíduos pertencem àqueles espaços segundo determinações de origem, raça/etnia, religião, entre outros. São valores que formam as culturas nativas de pertencimento dos indivíduos. De modo similar, outro tipo de contribuição dada por parte dos Empreendimentos Econômicos Solidários configurada como uma ação para além dos limites internos dos grupos de produção e ressaltada em nossa pesquisa trata do processo educativo vivenciados pelos EES como promotores de agentes multiplicadores do aprendizado, favorecendo uma formação contínua e de via de mão dupla: Eu acredito que as formações nos ajudaram muito a realizar intervenções em nossa comunidade e, assim, ajudando no desenvolvimento. É tanto que o grupo de produção, aqui na unidade, nós não temos instrutores e muitas mulheres da comunidade nos procura muitas vezes para que a gente ensinasse a elas a costurar. E 184 nós ensinamos sem nenhum retorno, nenhuma troca. A gente tem essa vivência com a comunidade. Os espaços que nós vamos fazer curso, a gente sempre dá um apoio que elas precisam em qualquer coisa, tanto na costura, como em outras linhas. A gente tem essa articulação com a comunidade. Nas formações, a gente aprendeu que tem que multiplicar o nosso aprendizado (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso, grifo nosso). A gente tenta contribuir com a comunidade, mas não é tão fácil. A gente já fez a divulgação na parte de uma alimentação saudável. A gente já levou para as igrejas, houve toda essa divulgação. Todo um trabalho de sensibilização para a mudança de hábitos alimentares mais saudáveis, que é o foco de nossa produção. Sem as formações, não teríamos conseguido fazer essas palestras, esta sensibilização. Temos que saber multiplicar nosso conhecimento e transformar isso em ações na comunidade (ENTREVISTADA, 14, grifo nosso, grifo nosso). Já fomos convidadas para falar de nossa experiência em outros espaços. Penso que somos, sim, um referencial e um orgulho para nossa comunidade, pois hoje ajudamos a formar outras mulheres, estamos dando um trabalho de formação continua. Somos articuladoras dentro de nosso bairro. Acreditamos que é possível mudar muitas coisas que precisam ser mudadas. Transformar muitos sinais de mortes que nossa comunidade possui em sinais de vida. Somos parte da comunidade e, por isso, devemos dar algumas contribuições (ENTREVISTADA, 21, grifo nosso). Frente ao exposto, os depoimentos nos alertam para um elemento presente na discussão dos Empreendimentos Econômicos Solidários como espaços não escolares e que essas práticas socioeducativas foram, de certa forma, pensadas dentro da perspectiva da educação popular que engloba os saberes e aprendizados gerados ao longo da vida, principalmente em experiências via participação social, cultural ou política em determinados processos de aprendizagens, tais como projetos sociais, movimentos sociais, entre outros. A educação não formal contribui para a produção do saber na medida em que atua no campo no qual os indivíduos atuam como cidadãos. Para tanto, foi possível constatarmos também os empreendimentos como espaços abertos às comunidades, enfatizando, com isto, a importância e contribuições destes no desenvolvimento local. Entendemos que o fato de o espaço estar aberto à comunidade vem apenas somar com o empoderamento desses sujeitos, vem confirmar o sentimento de posse que os sujeitos que fazem os Empreendimentos Econômicos Solidários têm de suas comunidades e a importância das práticas socioeducativas para se criar este contexto. Em todos esses sentidos, é possível considerarmos que os EES são atores e promotores de transformações locais, que mudam o relacionamento entre os cooperadores e destes com a família, vizinhos, autoridades públicas, religiosas, intelectuais, entre outros. Na verdade, trata-se de mudanças tanto no nível individual como no social. Convém ressaltarmos que, dentro do aspecto da aprendizagem política, além de investigarmos a contribuição do processo educativo frente à ação/participação do grupo na comunidade, ou seja, a atuação na comunidade, outro achado de pesquisa que emergiu ao 185 longo da trajetória científica diz respeito à questão da formação cidadã e à relação dessa formação com as práticas socioeducativas vivenciadas nos EES. Isto posto, o primeiro achado presente neste elemento indicador ligado à variável Práticas Socioeducativas afirma-nos que as formações de cunho político têm ajudado os sujeitos a trabalharem a cidadania em razão das descobertas dos seus direitos e deveres, conforme os seguintes depoimentos: As formações me ajudaram no meu lado de ser cidadã, da construção de alguns valores enquanto pessoa. Antes eu sabia que tinha deveres, mas hoje sei que tenho direitos (ENTREVISTADA, 1, grifo nosso). Depois de participar das formações do grupo, me senti com minha autoestima melhorada. Sempre fui uma pessoa que nunca gostei de injustiça. E, dentro do grupo, você aprende a lutar pelos seus direitos, porque deveres todo mundo sabe dizer, mas direitos poucos têm esse conhecimento. A gente briga muito pelos nossos direitos de comunidade, de grupo (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). Penso que uma das coisas que aprendi nas formações no grupo foi o entendimento sobre o termo cidadania, isso sempre foi confuso para mim. Eu acho que isso dificulta um pouco a inclusão por essa falta de entendimento. Hoje, sei que tenho que lutar pelos meus direitos. Penso que esse entendimento é um facilitador pra todas outras coisas. Quando a pessoa sabe o que é ser cidadão, sabe dos seus direitos, sabe dos seus deveres ele contribui politicamente pra todo contexto que a gente está inserido. Contribui para o controle social, para o controle orçamentário, para o controle de tudo. Quer coisa mais participativa do que fazer parte de um conselho? Isso é importantíssimo! Pelo grupo, eu entrei num conselho durante esse processo do fórum de economia solidária, eu fiz parte um ano e meio também do conselho estadual de segurança alimentar e nutricional. Foi um aprendizado imenso de cidadania (ENTREVISTADA, 9, grifo nosso). Eu acho que as formações me ajudaram demais para que eu pudesse ajudar outras pessoas e fazer com que a sociedade fosse um pouquinho melhor. É muito bom ver as transformações das pessoas, de lutarem pelos seus diretos, pelos direitos da comunidade que vivem. Por exemplo, temos um participante de nosso grupo que nasceu e cresceu na comunidade, um dos moradores mais antigos da comunidade, e que hoje ele tem uma visão totalmente diferente. Ele contribui nos espaços e ajudou a fundar a associação, ajudou bastante no grupo da padaria com a experiência dele ser mais velho. Percebemos o amadurecimento de muitos do nosso grupo (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). Depois de participar do grupo de produção e das formações, eu sou uma cidadã ótima! Principalmente pra mim mesmo. Hoje é mais difícil me enganarem, pois sei dos meus direitos. Eu acho que pra mim deixar cabisbaixo tem que ser muito bom, viu? Que agora eu não deixo mais acontecer isso (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). A organização neoliberal da sociedade, já fragmentada pelo regime de acumulação de capital, agora mais intensamente globalizado, impede a inclusão dos grupos desfavorecidos a uma via em que os direitos humanos são reconhecidos. Para tal afirmação, tomamos como base a opinião de Santos (2002, p. 17): 186 [...] é a voracidade com que a globalização hegemônica tem devorado, não só as promessas do progresso, da liberdade, da igualdade, da não discriminação e da racionalidade, como a própria ideia da luta por elas, ou seja, a regulação social- hegemônica deixou de ser feita em nome de um projeto de futuro e com isso deslegitimou todos os projetos de futuro alternativo antes designados como projetos de emancipação social. Parece-nos claro afirmar que os EES, como espaços de educação não formal, devem fortalecer seus participantes nos aspectos da construção e fortalecimento da cidadania. Ao fazermos esta afirmação, comungamos do pensando de Gohn (2011, p. 13) quando defende que ―a educação não-formal, terá que ser considerada uma promotora de mecanismos de inclusão social, que promovem o acesso aos direitos da cidadania”, pois, se assim não for, corre-se o risco de se adotarem posturas assistencialistas, por meio das quais se enfatiza a carência cultural no lugar da valorização e ressignificação das práticas culturais dos grupos e pessoas em foco. Assumimos esse entendimento de educação como um processo sociopolítico de formação para a cidadania, entendendo o político como a formação do indivíduo para interagir com o outro em sociedade. No que se refere ao conjunto de achados de nossa investigação, ressaltamos outro que nos evidenciou que as práticas socioeducativas de cunho político têm contribuído para os sujeitos trabalharem suas construções cidadãs no sentido de despertarem para a importância do saber falar e do saber ouvir, ou seja, dentro da ideia do respeito ao outro, como podemos observar: Cresci muito como pessoa, como cidadã. Evidentemente, como eu sou uma pessoa que, às vezes, eu questiono muito, as formações me ajudaram a perceber que eu não era sempre a dona da verdade, sabe? Aquela coisa assim: aprendi a ceder, aprendi a ouvir. Isso para mim também é ser cidadã, pois passa pelo respeito ao outro (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). Acredito que sou uma cidadã melhor pela história da transformação. Eu já morei na região norte, convivi com indígena e, na verdade, eu acho que tem algo dentro de mim, como muito coloco nas minhas falas, que é essência minha: o respeito pelo próximo, o respeito de querer ver o outro crescer e te ajudar a fazer isso. E, dentro da minha condição, se eu puder isso, eu vou fazer e vou continuar fazendo. Acredito que estando dentro do movimento isso fica mais fácil. Se nesse momento, eu consigo passar essa minha ajuda pra os grupos na hora que me coloco em nomes deles e na hora que a gente se senta e chora junto, porque uma das mulheres apanhou do marido, por exemplo, então, isso para mim está sendo um ato de cidadania (ENTREVISTADA,4, grifo nosso). A construção de relações sociais baseadas em princípios de igualdade e justiça social, quando presentes num dado grupo social, fortalece o exercício da cidadania. De acordo com Gohn (2011), a transmissão de informação e de formação política e sociocultural é um forte 187 eixo na educação não formal. Ela prepara, formando e produzindo saberes nos cidadãos, e educa o ser humano para a civilidade, em oposição à barbárie, ao egoísmo, ao individualismo. As formações de cunho político têm ajudado os sujeitos no elemento cidadania por levarem a um crescimento pessoal e coletivo, promovendo transformações. Este foi outro indicador importante que encontramos em nossa investigação: Penso que as formações ajudaram a muitos do nosso grupo, por exemplo: quando hoje eu olho nos olhos, abro minha boca e falo. Quando tenho a coragem de questionar, inclusive o próprio grupo, questionar os educadores que chegam, os professores. Esse é um crescimento político, um crescimento como cidadã. Tudo isso para dizer: eu também sou parte, eu também falo, a gente pode discutir de igual pra igual e quando não tenho a certeza, de procurar pessoas, se aconselhar e então creio neste crescimento que todos nós precisamos crescer constantemente (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). Então, eu acredito que isso me fez ser uma pessoa bem melhor e, estar ajudando outras pessoas a crescerem não de forma individual, mas de forma coletiva é o que vem motivando a gente para continuar nessa proposta e ai dá para se considerar um cidadão (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). [...] eu já me sentia uma boa cidadã, com uma boa conduta. Hoje, me sinto ainda melhor, pois as formações contribuíram muito em meu crescimento pessoal. Me acho uma pessoa melhor e mais preparada para conviver na sociedade de hoje (ENTREVISTADA, 14, grifo nosso). Assim, compreendemos que as práticas socioeducativas têm proporcionado aos participantes dos empreendimentos um crescimento pessoal e, principalmente, quanto ao entendimento eà vivência de coletividade, fator de diferenciação presente em um EES. Com isso, podemos afirmar que essas formações quanto mais associadas estiverem a uma visão educativa que a tome como um direito de cidadania mais poderá contribuir para a democratização das relações de trabalho e para imprimir um caráter social e participativo ao modelo de desenvolvimento. Em continuidade a esta discussão do aspecto da aprendizagem política, outro achado de pesquisa que abordamos foi a questão da participação dos sujeitos nos Empreendimentos Econômicos Solidários e os sentidos destas vivências enquanto ato político. Inicialmente, um dos achados ligado ao elemento indicador nos afirma que participar do grupo de produção é um ato político, porque as formações têm contribuído na reflexão e ação dos sujeitos, levando a mudanças pessoais e comunitárias, conforme os seguintes depoimentos: Eu considero que participar do grupo de produção é um ato político, porque quando você se reuni com pessoas e que elas acreditam que podem melhorar suas vidas, e que essa melhoria vai em busca não só da sua pessoa, mas de toda a comunidade, quando você briga por alguma coisa, eu acho que isso já é um ato político, porque até você lutar por um direito seu e do outro é um ato político (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). 188 Aprendemos a pensar melhor para agir e agir pelo outro, pelo bem-estar coletivo. Para mim, não é ato político mais digno que esse. Então, todos esses processos educativos, políticos e de conscientização existiam dentro do grupo (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). Essas formações fizeram com que a gente se apropriasse politicamente de uma discussão para agirmos e lutarmos pela nossa comunidade (ENTREVISTADA, 10, grifo nosso). Isso é muito importante porque nas formações e até mesmo na prática da nossa cozinha, a gente traz pontos da comunidade e procura saber o que está acontecendo com o outro, o que está acontece na comunidade. Isso é muito importante, porque depois das reflexões sempre pensamos em um plano de ação para melhorar aquela situação da comunidade (ENTREVISTADA, 14, grifo nosso). Penso que seja um ato político sim, porque na cozinha verde também se trabalha muito a questão de gênero. A gente está sempre discutindo isso e elas estão sempre participando do movimento de mulheres sempre. Então, mulheres que juntas acreditam que podem crescer e que querem crescer, querem trabalhar juntas e sempre pensando em sua comunidade. Acredito em todo esse potencial coletivo realmente, que seja um ato político (ENTREVISTADA, 17, grifo nosso). Na educação não formal, é fundamental a aprendizagem de conteúdos que possibilitem aos indivíduos fazerem uma leitura da realidade na qual estão inseridos, ou seja, do ponto de vista de compreensão do que se passa ao seu redor. A partir desta reflexão, a intervenção de muitos desses empreendimentos para mudar determinada realidade. Percebemos que, se as práticas socioeducativas, de certa forma, despertam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltadas à solução de problemas coletivos cotidianos, podemos entender este ato como um agir politicamente. Em continuidade a esta discussão, outro achado de pesquisa declara-nos que as práticas socioeducativas de cunho político têm ajudado os sujeitos a entenderem que participar dos empreendimentos é um ato político, pois há também uma contribuição nos debates ligados à política partidária: Até porque hoje, a gente depois de tantas formações, depois de leituras, de palestras, seminários [...] percebemos que as pessoas ainda enxergam a política como aquela, eu vou votar em fulano. Não, a gente sabe que tudo o que você faça e envolva mais de duas pessoas, você está tendo uma consciência política. Eu acho que você, é tanto que essas histórias de participar do orçamento democrático, de brigar para que a gente tivesse uma secretaria de Economia Solidária é tudo um ato político (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). Acredito que nossa participação nos grupos não é uma questão política partidária, mas de conscientização política. As formações nos ajudaram a refletir a agir pela minha pessoa, pelo meu grupo, pela minha comunidade, pela sociedade. Para mim, isto é agir politicamente (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). 189 Desde a formação do grupo até hoje a gente faz política. Inclusive, isso interferiu na estrada da vida política partidária mesmo, porque, por exemplo, a partir do momento que você começa a discutir uma sociedade melhor, mais justa, mais igualitária no Brasil isso passa pela política partidária, porque quem decide os rumos do nosso país são os políticos de partido. Isso mostrou para a gente o quanto era importante a gente fazer também essa discussão partidária que a gente percebeu naquele momento. Então, isso foi extremamente importante, isso se deve às inúmeras formações que tivemos na trajetória do empreendimento (ENTREVISTADA, 10, grifo nosso). [...] é um ato político também. E eu acho que é momento de discussão. É uma política porque falamos o que pensamos e escutamos o que o outro tem a dizer. É um ato político. Até partidário também, né? (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). Por meio desses depoimentos, podemos afirmar que participar das práticas socioeducativas nos EES é como um ato político, pois gera uma consciência política por parte das visões dos sujeitos. Este foi outro achado importante que encontramos em nossa investigação. Este fator vai ao encontro de outro ponto que emergiu dos depoimentos, revestindo-se de um sentido com extrema importância nesta discussão: o fato de que participar do empreendimento é um ato político, pois é um espaço aberto ao diálogo e ao debate, gerando uma consciência crítica, como podemos perceber a partir das falas dos sujeitos: Eu costumo falar que política a gente faz todos os dias. Então, dentro do processo do grupo fazemos política. O nosso espaço sempre foi de discussão, era um espaço educativo, que também era político, e era um espaço político nosso, porque a gente conseguia fazer mudanças pessoais e na comunidade (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). O grupo era um espaço político, pois sempre tinha abertura para o diálogo, para os debates. As formações nos ajudavam a agirmos mais criticamente, com um olhar mais crítico (ENTREVISTADO, 18, grifo nosso). Sinto que é um espaço político, porque a gente se sente a vontade para falar o que quiser e ter sua própria opinião, porque se não tivesse eu não estava nem aqui, porque eu acho que a gente tem que ter liberdade. A partir do momento que toda segunda-feira a gente se une pra está discutindo para está vendo o que é melhor para o grupo e também para a comunidade, eu acho que é um ato político (ENTREVISTADA, 20, grifo nosso). Face ao exposto, tais depoimentos levam-nos ao sentido de que participar de um Empreendimento Econômico Solidário é uma experiência que pode educar para a prática política e para o exercício consciente de direitos e deveres políticos – por intermédio das decisões tomadas coletivamente em assembleias ou por representantes eleitos democraticamente, da fiscalização coletiva das contas, da transparência das informações, da garantia de igualdade de voz e voto a todos os integrantes. Respaldando-nos ao pensamento 190 gramsciano, acreditamos ser possível que os movimentos sociais, ligados às camadas populares, pudessem, por meio da ação política, promover transformações em favor da qualidade de vida. Com o conceito de intelectuais orgânicos, ajuda-nos, na atualidade, fazer enunciados no sentido da mobilização social, para o engajamento político das camadas subalternas, na luta por emancipação. As ideias de Gramsci nascem como uma das expressões da emergência política das classes populares e, ao mesmo tempo, conduzem a uma reflexão e a uma prática dirigidas sobre o movimento popular. Ao dirigir-se diretamente para a grande massa dos superexplorados e dos pauperizados, o pensamento e a prática educativa sugerem a necessidade da política. Sendo assim, podemos afirmar que o processo educativo presente nos Empreendimentos Econômicos Solidários tem possibilitado uma revisão de vida a partir de uma formação cidadã que proporciona uma mudança de realidade, favorecendo a emersão de muitos de seus participantes. Nesta discussão, ainda gostaríamos de chamar a atenção quando Gramsci (1982) e Freire (1979) compreendem o pedagógico da ação política e o político da ação pedagógica, reconhecendo que a educação é essencialmente um ato de conhecimento e de conscientização e que, por si só, não leva uma sociedade a se libertar da opressão. Com base neste entendimento, a educação é sempre um ato político. Esta análise permite-nos entender e afirmar que, para o contexto dos Empreendimentos Econômicos Solidários estudado, a aprendizagem política contribui com o movimento social, que luta pela mudança da sociedade, por uma forma diferente de desenvolvimento, que não seja baseado nas grandes empresas nem nos latifúndios com seus proprietários e acionistas, mas sim um desenvolvimento para as pessoas e construída pela população a partir dos valores da solidariedade, da democracia, da cooperação, da preservação ambiental e dos direitos humanos. Ou seja, uma dimensão política, enquanto organizações coletivas, nas quais prevaleçam práticas democráticas, cooperativas e autogestionárias entre os integrantes. Em primeira mão, esses empreendimentos adotam o princípio de fortalecer a capacidade de ação dos empobrecidos. 4.4.3 Aprendizagem Cultural: em busca de uma cultura da solidariedade Na concepção gramsciana, a emancipação só é possível a partir da formação de amplos consensos em torno de uma concepção de mundo alternativa à que predomina no status quo vigente, contrapondo-se à concepção hegemônica que reproduz a dominação existente e se refaz cotidianamente. E esta nova concepção de mundo deverá ser construída a 191 partir de novos sentidos e significados às relações sociais, para que estas não se reproduzam como relações de poder, de dominação de uns sobre outros. Desta forma, outro aspecto de aprendizagem abordado em nossa tese foi o cultural, de uma forma particular, a cultura da solidariedade. Vale destacar que o Movimento de Economia Solidária possui uma lógica diferenciada em relação ao conceito de economia, ou seja, ele trata de unir essa diferente forma de economia transformadora numa rede de solidariedade: solidariedade com uma visão compartilhada, solidariedade com troca de valores, a solidariedade com os oprimidos. O que há de comum em todas essas denominações é que todas estão associadas a uma ―outra economia‖, articuladas como um projeto de sociedade que implica novos valores, acentuando o papel da educação popular, como já ressaltamos em momento anterior. Nesse caso, durante a pesquisa de campo, levantamos os principais sentidos dos sujeitos do ponto de vista às mudanças culturais a partir das suas vivências nos Empreendimentos Econômicos Solidários. Do que tange ao elemento indicador aprendizagem cultural, que está diretamente ligado à variável Práticas Socioeducativas, convém ressaltar que, segundo nossa constatação mediante a investigação, participar dos Empreendimentos Econômicos Solidários tem contribuído para a mudança cultural quanto à atuação dos sujeitos no mercado, ou seja, sair do pensamento individualista para o pensamento coletivo: Com as formações também aprendi a trabalhar em solidariedade com minhas companheiras e com os outros grupos de produção, inclusive os de artesanato. Aprendi a compreender e a ter mais amor por elas todas (ENTREVISTADA, 1, grifo nosso). Penso que o grupo cresceu muito nesse sentido da solidariedade. Não só a solidariedade como conhecemos, mais de forma popular, que muitas vezes se parece com a caridade, mas o solidário que a gente prega é algo mais de prática dentro do mercado, sabe? Como sermos solidários e não individualistas. Como podemos estar num mercado, mas pensando no outro. Esta é a solidariedade que tentamos gerar no grupo e penso que as formações nos ajudaram a despertar para essa prática (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). Penso que nosso grupo já iniciou banhado de solidariedade. Todos se uniram para montar a padaria. Foi um verdadeiro mutirão. Quando percebemos, a comunidade estava dentro do grupo, com tantas ajudas. Mas, nas formações, percebemos que a solidariedade que a economia solidária prega é algo que vai além. É o respeito pelo outro dentro do grupo, em minha casa, em minha comunidade, mas também o respeito pelo outro no mercado que atuamos. É uma prática da tolerância, de ir contra o individualismo que tanto nossa sociedade atual prega. Que só você pode ser o melhor individualmente. No empreendimento e com as formações, aprendemos que podemos ser melhores juntos, que podemos fazer parcerias com outros grupos, trabalhar em rede, sermos solidários nesse sentido também (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). 192 Antes de participar do grupo de produção, eu pensava de forma mais egoísta. Pensava primeiro no meu eu, só depois e, em alguns casos, que pensava no outro. Eu tinha que satisfazer a minha necessidade. Comas formações, comecei a entender que era possível pensarmos como grupo, que era possível pensarmos pelo coletivo. De ser menos individualista. Tenho crescido nesse sentido. Se eu tenho uma necessidade e minhas companheiras de grupo têm as delas, então a gente deve repartir aquilo que tem sim (ENTREVISTADA, 12, grifo nosso). Com esta forma de entendimento de atuação mercadológica por parte dos Empreendimentos Econômicos Solidários, percebemos que há um trabalho de construção, por meio do processo educativo, para a promoção da cultura da solidariedade, levando-nos a afirmar que as práticas socioeducativas têm colaborado para uma aprendizagem cultural. Não se concebe uma ES sem uma cultura solidária. As pessoas precisam estar convencidas de que aquele é o melhor caminho para si e para todos: [...] as pessoas passam a ser estimuladas a cultivar, entre elas, relações de reciprocidade, de respeito, de busca de entendimento, procurando conjugar igualdade de direitos e deveres às diferenças, aos traços peculiares de cada qual. Combinar adequadamente diferenças individuais e igualdade de direitos e deveres é um dos principais segredos na cultura solidária e é, também, um dos principais desafios da formação na ES (OLIVEIRA, 2005, p. 37, grifo nosso). A Economia Solidária exige uma educação que transforme a mentalidade cultural dominante de competição para a construção do espírito de cooperação, além do desenvolvimento de uma matriz científica e tecnológica comprometida com a sustentabilidade e a solidariedade. Este contexto apresentado pode ainda ser ratificado em outros depoimentos revestidos do sentido de cultura da solidariedade ora trabalhado: Uma das grandes dificuldades que eu vi e ainda vejo hoje em dia é esse nome solidário. As pessoas confundem muito a solidariedade da economia solidária com a solidariedade da igreja, mas são duas coisas totalmente diferentes. A economia solidária, como existe a questão política, a gente diz que devemos ter uma cultura da solidariedade. A ideia é de crescimento coletivo, de lutar pela comunidade que os grupos fazem parte. Tem um contexto político neste sentido de solidariedade (ENTREVISTADA, 9, grifo nosso). [...] porque enquanto economia solidária no ponto de vista de se juntar, de tentar dar resposta às questões de uma comunidade, eu vejo assim, que nós que estamos dentro disso, melhorou muito. Estamos aprendendo a agir de forma mais solidária enquanto grupos, dentro da proposta do movimento. Quer melhor empoderamento do que esse? Tem não (ENTREVISTADA, 11, grifo nosso). Quando alguém não vem para o grupo e a gente está em uma grande produção e alguém falta, a gente não pensa: ‗ah, ela não veio porque não quis e está em casa‘. Não! A gente sabe que ela não veio porque algo aconteceu. Não fica julgando o outro, entendeu? Eu acho que é grandioso isso. Não pensamos de forma egoísta, pensamos no coletivo e sempre entendendo as situações. Penso que isso é uma forma diferente de pensamento, a partir de uma cultura da solidariedade (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). 193 A cultura da solidariedade ela é muito bem-vinda, e a gente sempre tenta praticar em nosso grupo. É o faz um pelo o outro sem esperar. Então, quando você faz alguma coisa esperando algo em troca isso não é solidariedade, isso é caridade. Então, o nosso grupo já trabalha de forma coletiva e com esse pensamento da cultura da solidariedade (ENTREVISTADO, 15, grifo nosso). [...] antes das formações eu pensava: ‗não, esse copo é meu‘! Inclusive esse mau costume eu trouxe da minha mãe e do meu pai, que é errado, meu pai dizia: ‗olha, esse copo eu vou dar para você, você nem venda, nem empreste, não dê a ninguém‘. E, com isso, levei essa prática, digamos assim, para minha família, para dentro da minha casa. Depois que conheci e participei do grupo de produção e suas formações, percebi o sentido do ser solidário. Que tudo parte de uma prática individual, mas que podemos agir assim também enquanto grupo. Foi um grande aprendizado que mudou minha forma de ser. Hoje sou um admirador dessa prática (ENTREVISTADO, 18, grifo nosso). Cumpre frisar, a partir dos discursos anteriores, que há uma mudança de sentido no que se refere à atuação dos Empreendimentos Econômicos Solidários no mercado, ou seja, uma mudança de entendimento de uma ação estritamente individualista para uma ação coletiva. Reconhecemos, a partir deste destaque advindo dos depoimentos, que esta aprendizagem no âmbito dos EES é também um jeito de estar no mundo e de consumir (em casa, em eventos ou no trabalho) produtos locais, saudáveis, da Economia Solidária, não afetando o meio ambiente. Neste aspecto, também simbólico e de valores, estamos falando de mudar o paradigma, se assim podemos afirmar, da competição para o da cooperação, da inteligência coletiva, livre e partilhada. Mesmo com este achado de pesquisa no tocante às transformações da aprendizagem cultural imbricada nas práticas socioeducativas ligadas ao Movimento de Economia Solidária, outro forte achado em nossa tese mostrou-nos que participar dos empreendimentos tem contribuído para uma mudança cultural de prática solidária, mas não é algo tão simples. Muitos dos grupos ainda estão caminhando neste rumo, como podemos perceber nos depoimentos: As formações ajudaram muito no sentido do viver em solidariedade, mas tenho que dizer que é algo que ainda é difícil de trabalhar nos grupos. De todos os princípios da economia solidária, a autogestão é o mais difícil de ser implantado. Então, a gente ainda vê muito assim: ‗ah, eu não vou passar o molde dessa boneca porque você vai fazer‘. ‗Eu não vou lhe ensinar como faço o meu não, porque assim você vai me copiar‘. Então, eu acho que o artesanato é o mais difícil, pois tem aquela coisa do individual, do artista, daquela coisa da criação, da criatividade que mexe com a autoestima, mexe com os brios das pessoas. Então, eu acho que, no meu caso, particularmente, o artesanato ainda está caminhando para uma maior cultura da solidariedade (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). Aprendi nas formações o sentido de ser solidário na economia solidária, que é algo muito mais amplo e denso. É uma prática que não é fácil de se ter, pois vivemos num mundo capitalista que pensa de forma contrária a esta. Acredito na proposta da solidariedade entre os grupos de produção e na vivência no próprio grupo, temos tantos exemplos de empreendimentos que estão dando certo, mesmo 194 inseridos num contexto do capital. Isso quer dizer que é possível, porém, não é tão fácil tal prática, pois temos que mudar nossa forma de pensar, nossa forma de ser, ou seja, mudar nossa cultura (ENTREVISTADA, 10, grifo nosso). Não é uma prática tão simples como se fala. Penso que agir solidariamente dentro do movimento, dentro das relações que um empreendimento tem em um mercado puramente individualista, não é uma prática que somos acostumados. No início, tínhamos muitos conflitos por esta razão. Era uma competição interna no grupo. E como mudar esse entendimento? Foram as formações que nos ajudaram nisso. Agora, penso que também tem uma questão de valores pessoais. É uma mudança difícil, de prática que vai contrária à existente em nossa sociedade, mas é possível, há grupo ai que servem para provar isto, inclusive o nosso grupo (ENTREVISTADA, 21, grifo nosso). Envolvendo-se nesta mesma discussão, Schiochet (2009) destaca que, em sua essência, a economia solidária é um conceito utilizado para definir as atividades econômicas organizadas coletivamente pelos trabalhadores que se associam e praticam a autogestão. É possível sublinhar, a partir de tais diálogos, as duas especificidades que, na visão do autor, ligam-se à teorização do termo momentaneamente tratado e que fundamentam as características das organizações econômicas solidárias: por um lado, o estímulo à solidariedade entre os membros, por meio da autogestão, e, por outro lado, a prática da solidariedade para com a população trabalhadora em geral, com ênfase especial na ajuda aos menos favorecidos. A autogestão é a orientação para um conjunto de práticas democráticas participativas nas decisões estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, sobretudo no que se refere à escolha de dirigentes e de coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses, nas definições dos processos de trabalho, nas decisões sobre a aplicação e distribuição dos resultados e excedentes, além da propriedade coletiva de parte dos bens e meios de produção do empreendimento. Ao fazermos uma análise com esse olhar para dentro dos empreendimentos, percebemos que o poder do trabalhador dentro de um EES inspirado na autogestão relaciona-se com a capacitação do processo produtivo e administrativo, buscando uma superação da chamada divisão do trabalho e da eliminação da oposição entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, provocando a solidariedade na produção da atividade econômica. Singer (2002) afirma que tal aprendizagem requer, além das formações educacionais e técnicas, uma profunda mudança cultural e política do trabalho. Suas novas metas estarão relacionadas a trabalhar com prazer, a buscar a integração entre diversos companheiros de trabalho, a distribuir seu tempo com base em procedimentos não autoritários e a criar uma nova vida social. Em continuidade, realizando a análise com o olhar para fora, ou seja, ultrapassando as fronteiras dos empreendimentos, entendendo com o agir politicamente, como nos 195 aprofundamos em seção anterior, percebemos uma contribuição da aprendizagem cultural no tocante à atuação desses empreendimentos nas comunidades, isto é, a cultura aparece associada a processos de mudança e transformação social, como mola propulsora de mudanças sociais. É neste sentido que também nos apoiamos, nesta análise, na compreensão freiriana, quando aponta que, a partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, seu mundo vai se dinamizando. Segundo Freire (1967, p. 43), o homem ―vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura‖. Pey (1969 apud RENNÓ, 1988) afirma que a cultura política define o contexto no qual a ação política se desenvolve e é produto das experiências particulares de cada cidadão com o sistema político e da história coletiva desse sistema. A cultura política forma o pano de fundo das expectativas dos cidadãos sobre a realidade política e enfatiza ideais acerca de qual é o melhor sistema público disponível. O processo de desenvolvimento político é visto como o crescente respeito à população como um todo, passando os cidadãos a serem vistos como sujeitos da ação, e não como sujeitos à ação. As redefinições do próprio conceito de cultura, nos moldes propostos por Chauí (1986), propiciaram à cultura política ser vista não apenas como legado histórico, mas como prática viva e atuante. A interação permanente entre valores antigos (que persistem por meio das tradições) e valores novos (agregados ao repertório das pessoas pelo fato de elas viverem num mundo globalizado, competitivo e em busca de contínuas inovações que produzam diferenciais entre os indivíduos) faz com que a cultura política seja resultado de um processo que a constrói cotidianamente, por meio de um jogo de reciprocidade. Os atores sociais possuem suas crenças e valores, mas reagem em face dos acontecimentos da política segundo a interpretação que captam das ações dos atores do mundo da política oficial, governamental. Esta interpretação é usualmente mediada pelos meios de comunicação. De tal forma que, para se entender a cultura política de um grupo social, ou de seus atores em particular, temos que decodificar o conjunto de significados – atribuídos ou construídos – no universo do imaginário e das representações sociais daqueles grupos ou indivíduos. É preciso ressaltar que estes olhares de análises, para dentro e para fora dos empreendimentos, levam-nos a afirmar que a originalidade está em aliar a questão da cultura política à educação. A educação é um processo que requer a integração de conhecimentos com habilidades, valores e atitudes. Gohn (2011) enfatiza esta ideia, acrescentando que a 196 apreensão do processo educativo está associada ao desenvolvimento da cultura política. Juntas, educação e cultura política têm a finalidade de ser instrumento e meio para se compreender a realidade e lutar para transformá-la. Portanto, entendemos que as práticas socioeducativas, de certa forma, contribuíram na construção de uma cultura política, já que percebemos determinados comportamentos de indivíduos nas ações coletivas, os conhecimentos que os indivíduos têm a respeito de si próprios e de seu contexto, os símbolos e a linguagem utilizada, bem como as principais correntes de pensamentos e valores existentes nas atuações desses empreendimentos. Assim, entendemos que o processo educativo ligado aos Empreendimentos Econômicos Solidários envolvidos em nossa pesquisa proporciona uma ênfase sobre os princípios do Movimento de Economia Solidária, nos seus diversos aspectos, havendo uma tentativa para evitar o fosso entre o econômico, o cultural e o político, pois é na articulação destas três dimensões que se situa o essencial da Economia Solidária. Segundo o entendimento de Gramsci (1982), esses conceitos são distintos, mas possuem uma interdependência. A vida econômica proporciona o terreno permanente e orgânico, desde que a política seja um produto genuíno desse terreno e que possa proporcionar uma superação superior ao capitalismo. A dimensão epistemológica realça o papel do trabalho na construção de conhecimento (não só técnico, mas também político, cultural e social). As dimensões política, cultural e social evidenciam os processos e mecanismos, marcados por relações conflituosas, responsáveis pela produção e apropriação de tais conhecimentos. A dimensão pedagógica refere-se mais diretamente ao processo de construção, transmissão e acesso de conhecimentos, quer estes se efetivem por procedimentos formais ou informais. A Economia Solidária, para poder ser realmente solidária, necessita ser tratada para além das fronteiras do econômico-estrutural. É preciso acentuar também o ponto de vista das relações sociopolíticas que permeiam a própria vida em sociedade e que se manifestam no cotidiano. Isso porque já sabemos que apenas a mudança do modo de produção, embora necessária, não é condição suficiente para a transformação de seres humanos subjugados em sujeitos emancipados, tal como pressupõe a ideia de cooperação, dinâmica-eixo da Economia Solidária. Nesses termos, o processo educativo do Movimento de Economia Solidária, como uma complexa construção social, inclui, necessariamente, uma dimensão pedagógica, ao mesmo tempo em que não se restringe a uma ação educativa, muito menos a um processo educativo de caráter exclusivamente técnico. Por outro lado, quanto mais associada estiver a uma visão educativa que a tome como um direito de cidadania, mais poderá contribuir para a 197 democratização das relações de trabalho e para imprimir um caráter social e participativo ao modelo de desenvolvimento. 4.5 AS PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS NOS EES: UMA COMPLEXA CONSTRUÇÃO SOCIAL Com o objetivo de buscarmos as respostas referentes às questões centrais inicialmente levantadas, tendo nos lançado neste percurso científico rumo à comprovação da tese de que as práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários de João Pessoa, Paraíba, favorecem a construção de sujeitos emancipados frente aos processos negadores da dignidade humana numa sociedade excludente, reservamos esta seção para uma discussão sobre os elementos indicadores presentes em uma educação emancipatória, identificados em nosso referencial teórico-metodológico, como também outros que emergiram a partir dos dados coletados na fase de pesquisa de campo. A partir disso, o primeiro elemento indicador reflete o caráter emancipatório das Práticas Socioeducativas, tendo emergido em nossa tese, ajudando-nos quanto ao entendimento do princípio educativo imbricado no processo educativo realizado pelos agentes formadores juntos aos Empreendimentos Econômicos Solidário, dizendo respeito à autonomia. Nos debates teóricos foi possível observarmos, como um dos fatores contributivos no princípio educativo de caráter emancipatório, o elemento da autonomia. Comungamos do pensamento gramsciano de que um movimento de emancipação só pode partir da autoatividade das massas, de sua autonomia, da cisão com a classe dominante. Nesse sentido, um achado de pesquisa presente neste elemento indicador (Autonomia) que emergiu a partir de nossa pesquisa de campo refere-se ao caráter financeiro, ou seja, para muitos dos entrevistados, a autonomia estaria ligada à liberdade financeira, conforme podemos entender com os seguintes depoimentos: Participar das formações do grupo ajudou em minha autonomia sim. Ajudou também a controlar meu dinheiro, tudo é na ponta do lápis. Eu planejo antes o que vou fazer. Esse mês não dá. No próximo mês eu faço isso. Entendeu? Para mim, isso também ajuda em ser mais autônoma (ENTREVISTADA, 1, grifo nosso). [...] autonomia financeira também que, a partir da economia solidária, consegui a chegar até onde estou hoje. Sou o que sou hoje por causa da economia solidária. (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). [...] sou mais autônoma, porque antes eu era totalmente depende do meu marido e, hoje em dia, eu não dependo totalmente dele. Se hoje ele disser assim: eu vou embora. Claro que eu vou sentir sua falta, mas eu não vou perder a minha segurança, pois hoje eu tenho uma profissão, hoje eu tenho amigas que me dão a 198 mão, eu tenho pessoas com quem eu posso contar (ENTREVISTADA, 12, grifo nosso). [...] tanto na parte financeira como na autonomia pessoal de está gerindo sua própria vida. Sem falar dentro do coletivo, pois fazer autogestão para mim é um grande exemplo de autonomia coletiva (ENTREVISTADO, 15, grifo nosso). Com certeza, eu sou autônoma. Antes assim eu dependia muito da minha família, da minha avó, da minha mãe. Hoje, com o grupo de produção, conquistei uma certa autonomia. Sei que preciso crescer mais nesse sentido, mas já há uma mudança pessoal (ENTREVISTADA, 20, grifo nosso). Com base nos depoimentos, torna-se evidente o sentido da autonomia bastante alinhada ao entendimento de independência financeira. Já discutimos, em seções anteriores, a importância dos aspectos econômicos para a emancipação do indivíduo bem como constatamos, quando abordamos sobre a aprendizagem econômica, que a geração de renda foi um elemento indicador surgido de forma muito imperativa em nosso estudo. Nesse sentido, é possível ressaltarmos que cada pessoa envolvida em nossa investigação fala de um contexto de exclusão e que o fato de se sobressaírem economicamente representa um fator de autonomia pessoal e coletiva. Convém ressaltar, ainda nesta discussão sobre o elemento indicador Autonomia, outro achado de pesquisa que surgiu em nossa tese: a contribuição das práticas socioeducativas para a potencialização da categoria autonomia. Isto é, muitas das pessoas entrevistadas já se julgavam como pessoas autônomas, tendo suas vivências no processo educativo nos EES contribuído para o crescimento deste elemento antes já descoberto, conforme podemos melhor visualizar: Olha, se botar mais autonomia em mim, estraga. Eu já me sentia uma pessoa autônoma antes de conhecer a economia solidária, já fazia parte de mim, mas o processo de vivência no grupo, nos encontros, nas feiras, nas formações apenas aumentou essa minha autonomia. É muito bom se sentir assim (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). Acredito que as formações ajudaram muito em minha autonomia sim, mas eu já trazia essa característica em mim desde antes, dos outros movimentos sociais que já participei. O grupo de produção veio ajudar nesse processo. Então, realmente, me vejo dentro dessa história toda, e acredito que esse o caminho (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). Não só por conta da economia solidária, mas eu aprendi, ao longo da vida, a me sentir a própria. Antes eu não tinha esse pensamento, porque era muito medrosa, mas, hoje, já me sinto mais autônoma, mais livre em minha vida. Quem me viu desde o primeiro dia no grupo e me vê hoje diz que eu sou outra pessoa. E eu sou outra pessoa mesmo! (ENTREVISTADA, 6, grifo nosso). 199 É difícil falar isso quando a gente já se considera autônoma, não é? Mas, o processo de grupo de produção com certeza contribuiu também, hoje eu tenho uma situação diferenciada. Eu atuo na vida com outro olhar (ENTREVISTADA, 9, grifo nosso). Eu sou uma mulher independente desde os 11 anos, porque nunca ninguém me deu nada não, eu que vou atrás das minhas coisas. Meu pai tinha 13 pessoas dentro de casa e quem quisesse as coisas que corresse atrás. Agora, as formações do grupo ajudaram muito para um olhar dessa autonomia mais coletiva. De crescermos coletivamente como grupo, isso para mim foi algo que aprendi com nossa vivência em grupo (ENTREVISTADA, 19, grifo nosso). Ao longo das leituras dos depoimentos, percebemos o sentido dado às práticas socioeducativas na perspectiva da construção da autonomia ao longo deste processo. Por intermédio dos sentidos das falas, é possível afirmarmos que muitas das pessoas envolvidas nos EES já se sentiam autônomas antes de fazerem parte dos empreendimentos e que participar das formações do Movimento de Economia Solidária colaboraram a potencializar este fator. Neste ponto, acreditamos que muitas das pessoas envolvidas nos EES já possuem princípios e valores que se aproximam dos princípios do Movimento de Economia Solidária até por participarem de outras vivências em movimentos sociais. Cabe frisar, ainda dentro desta leitura, a atenção ao despertar, por parte de algumas pessoas, para uma autonomia coletiva, levando a uma evolução de uma situação de autonomia individual para uma autonomia coletiva. Com isto, concluímos que o processo educativo contribuiu nesta construção coletiva da categoria autonomia, fator primordial para a essencialidade enquanto vivência em um Empreendimento Econômico Solidário. Em continuidade a esta discussão, outro achado que emergiu ao longo de nossa coleta de dados diz respeito ao elemento indicador Autonomia como mudança pessoal de vida, nos levando a um entendimento de uma emancipação política. Os depoimentos que seguem nos afirmar tal constatação: Rapaz, uma coisa é certa: a autonomia começou com a própria vivência em grupo, com a própria dinâmica de um grupo de produção em economia solidária. Nas formações nos diziam: quem tem que fazer são vocês, quem tem que sentar aqui e encerrar o dia são vocês, quem tem que plantar são vocês, quem tem que tomar as decisões do grupo são vocês. Isso foi muito bacana. Já imaginou adolescentes e jovens de uma comunidade carente tomando decisões? Onde essa prática não existia em suas vidas. Foi isso que fez com que a gente, aos poucos, nessa discussão coletiva, cada um fosse ficando mais autônomo, entende? (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). É até perigoso o que eu vou te dizer. Eu me rebelei. Mudei de religião. Separei do marido. Olha só que perigo! Carregando bandeira na rua. Me impondo. Indo pra o Plenário na Assembleia. Indo pra Câmara. Indo pra militância mesmo, né? Foi uma mudança total. Uma autonomia, vamos dizer assim, plena (ENTREVISTADA, 11, grifo nosso). 200 Tenho autonomia até demais. Se me pegasse a 10 anos atrás não fazia nada se o marido não permitisse. Não saia de casa sem ligar para ele dizendo: olha, eu estou indo ali na esquina. Hoje, depois da vivência no grupo e com as formações, sei que posso ir e vir a hora que eu quiser, porque tenho vida própria. Tenho uma família, mas tenho vida própria. O bom é que eu consegui passar isso para ele [marido]. Tirar aquela coisa do homem da caverna, que eu sou esposa, devo obediência. Eu consegui (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). Me sinto mais autônoma em todos os sentidos e as formações me ajudaram muito nisso. Como te falei, me ajudaram a perceber que cada um tem seu valor. Que eu também sou humana então tenho meu valor, independente quem me olhe, de quem me ache o que for. Hoje, consigo ver meus valores em relação a sociedade (ENTREVISTADA, 14, grifo nosso). Sinto que somos mais autônomas com certeza. Hoje, falamos, nos posicionamos por onde passamos, porque antigamente era difícil. A gente recebe muito intercâmbio, não é, pessoas que vem de fora e querem conhecer nossa experiência. Então assim, hoje todas as mulheres de nosso grupo falam da experiência com uma naturalidade muito grande, porque se apropriaram desse processo, entende?! Então sabemos o que vivemos e como isso pode contribuir para outros grupos, sabe? Então esse empoderamento, essa autonomia, essa coisa está internalizada (ENTREVISTADA, 17, grifo nosso). Tomando como base estes pensamentos, consideramos que a autonomia é requisito básico para a participação política do indivíduo em uma sociedade dita excludente. Somente um indivíduo autônomo é capaz de processar e selecionar informações, ter domínio de conhecimento, tomar decisões e posicionar-se frente a incertezas e conflitos globais. A autonomia leva-o à participação política, não devendo, porém, estar atrelada às justificações de ordem econômica ou ideológica, incapacitando-o ou impedindo-o de ser, de agir nem de entender as contradições que permeiam o mundo globalizado. Nesse sentido, a emancipação do trabalho humano não se refere apenas à liberdade de vender ou não a força de trabalho em troca de salário, mas também à possibilidade de sua efetiva autonomia. O segundo elemento indicador no qual nos apoiamos para a análise do princípio educativo emancipatório foi a formação da consciência crítica. Com a dinâmica da sociedade excludente que destacamos em nosso capítulo inicial, percebemos que, para a maioria das populações que viveram submetidas a esses regimes e as condições de trabalho e de vida de suas sociedades não lhes deixaram margem alguma para o pensamento crítico e o desenvolvimento pessoal. Por isso, desde já, salientamos a necessidade de uma permanente atitude crítica, um meio pelo qual o homem realizará sua vocação natural de integrar-se, superando a atitude do simples ajustamento ou acomodação, apreendendo temas e tarefas de sua época. Um dos achados dentro desta perspectiva e presente neste elemento indicador diz respeito ao ato de refletir antes de assumir como genuinamente verdadeiro, como podemos observar nos depoimentos: 201 [...] as formações me ajudaram a ser mais crítica no dia a dia, entende? Por exemplo, perceber que nem tudo que sai em um noticiário é verdade. Então, você começa a percebe a importância de pensar: possa ser que não seja dessa forma, pode ser que a visão de quem escreveu seja essa, mas a minha pode ser diferente, eu acho que ajudou muito também (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). Dentro das formações se discute muitos pontos. Uma das coisas que a gente mais discute é o olhar que a mídia trás para a gente. Não é só o caso da mídia, mas entender o todo dentro de uma visão mais autêntica, mais crítica. Então, a gente tem que estar atenta, e para esta atenta, a gente tem que ler, buscar informações, para a gente ter esse olhar crítico. Porque não adianta fazer uma coisa inconsequente, eu tenho que ter esse olhar crítico, então quando a gente está nas nossas discussões e vem uma proposta X, e essa proposta eu não tenho conhecimento, eu tenho que buscar mais informações para me posicionar. Acho que eu, particularmente, me vejo mais com um olhar aguçado do que antes de viver no grupo de produção. Preciso continuar fazendo essas minhas leituras, mas acho que aprendi um pouquinho, e meu olhar ficou um pouquinho mais crítico (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). As formações me ajudaram a abrir todos os horizontes. Hoje em dia se você não tiver cuidado é enganado em rádio, em televisão. Você tem que ter aquela visão de perceber se é verdade ou não. Eu creio que me ajudou muito também (ENTREVISTADA, 14, grifo nosso). Face aos depoimentos, Freire (1979) nos respalda, quando nos afirma que a consciência crítica possui um conjunto de características pertinentes para as questões ora tratadas. Para nossa investigação, podemos chamar a atenção para o anseio de profundidade na análise de problemas, ou seja, percebemos, a partir dos depoimentos, que alguns de nossos entrevistados não se satisfazem com as aparências. Outra característica apontada pelo autor é que o indivíduo, ao se deparar com um fato, faz o possível para livrar-se de preconceitos, não somente na captação, mas também na análise e na resposta. A partir da reflexão ilustrada por Freire, percebemos a importância do homem consciente e, na medida em que conhece, tende a se comprometer com a própria realidade – tarefa que lhes exige, durante sua ação sobre a realidade, um aprofundamento da sua tomada de consciência da realidade, objeto de atos contraditórios daqueles que pretendem mantê-la como está e dos que pretendem transformá-la. A conscientização, que lhe possibilita inserir-se no processo histórico, como sujeito, evita os fanatismos e o inscreve na busca de sua afirmação. ―Se a tomada de consciência abre o caminho à expressão das insatisfações sociais, se deve a que estas são componentes reais de uma situação de opressão‖ (FREIRE, 1967, p. 11). Podemos afirmar que as práticas socioeducativas desenvolvidas pelos agentes formadores junto aos Empreendimentos Econômicos Solidários têm colaborado com a formação do senso crítico: 202 Eu aprendi assim, como eu falei, eu acho que a parte que você começa a ouvir, dividir, escutar pessoas de experiências totalmente diferentes das suas, com outras culturas, até de outras religiões, como política. Então, o senso crítico, eu acho que melhorou bastante. Agora assim tem determinadas situações que eu ainda prefiro, assim, ouvir mais pessoas, sabe? Não só aquele no grupo, mas outras pessoas, de outros movimentos. E claro, é impossível você passar por tanta formação e sair blindado. E não absolver, sabe? É impossível (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). [...] se pegarem aquelas mulheres que participaram de todo os processos formativos e uma talvez que tenha chegado agora, que ainda não teve oportunidade de participação de formações, você vai ver que o senso crítico das mais antigas é muito maior (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). As formações contribuíram e muito. Por exemplo, de fazer leitura de mundo: só de você saber fazer uma análise de conjuntura, já foi um ganho imenso para minha vida. Foi assim, uma transformação mesmo (ENTREVISTADA, 11, grifo nosso). [...] antes das formações do grupo eu não tinha análise crítica, porque eu não sabia como pensar, como fazer uma análise, apenas acreditavam no que me falaram e pronto. Hoje, eu consigo fazer essa análise crítica. As formações me ensinaram nesse sentido, entendeu? (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). Depois de quatro anos, a gente vem num processo formativo em que as mulheres de nosso grupo já têm um sentido critico muito aguçado. Tanto politicamente, quanto em causas sociais. Por que assim, no começo, é normal ter o choque, não é? As pessoas já têm um pensamento muito massificado lá fora. Então, claro que existe um pouco disso ainda, porque num contexto social em que as pessoas vivem ainda é muito complexo. Mas, conseguimos mesmo estabelecer esse nível de criticidade em nosso grupo (ENTREVISTADO, 15, grifo nosso). No livro ―Ação cultural para a liberdade‖ (FREIRE, 1981), o conceito de conscientização recebe contornos bem fortes e definidos. Segundo o autor, a conscientização é um esforço através do qual, ao analisar a prática que realizamos, percebemos em termos críticos o próprio condicionamento a que estamos submetidos. Neste sentido, é um processo tão permanente quanto a revolução, que só para mentalidades mecanicistas cessa com a chegada ao poder (FREIRE, 1981, p. 69-70). Para Freire (1981), não há conscientização popular sem uma radical denúncia das estruturas de dominação e sem o anúncio de uma nova realidade a ser criada em função dos interesses das classes sociais dominadas. Nessa via, o autor, ao vislumbrar uma prática pedagógica que responda à necessidade de libertação do ser humano oprimido e à democratização da cultura, concebe o mesmo como um ser de relações que está no mundo e com o mundo. A conscientização permite aos indivíduos se apropriarem criticamente da posição que ocupam com os demais no mundo. Esta apropriação crítica impulsiona-os a assumirem o verdadeiro papel que lhes cabe como sujeitos da transformação do mundo, com a qual se 203 humanizam (FREIRE, 1985). Assim, dentro dessa perspectiva, o trabalho no campo grupal é fundamental, pois ―qualquer oportunidade de trabalhar conjuntamente em um grupo, mesmo que seja só para socializar, possibilita às mulheres nas comunidades carentes a quebrar os padrões de isolamento‖ (FORTE & JUDD, 1998, p. 286). A mudança da percepção distorcida do mundo pela conscientização é algo mais que a tomada de consciência, que pode, inclusive, ser ingênua. Tentar a conscientização dos indivíduos rumo a sua emancipação, este, e não outro, parece-nos ser a essência do processo educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários, ao analisarmos, em capítulos anteriores, os princípios ligados ao Movimento de Economia Solidária. A liberdade foi outro elemento indicador trabalhado em nossa pesquisa. Acreditamos que este indicador é fator determinante ao processo educativo emancipatório. Desta forma, investigamos se o processo educativo do Movimento de Economia Solidária possibilitou um contexto de maior liberdade e a importância desta no cenário da sociedade de excluídos. Um dos achados de pesquisa que emergiu nesta análise foi mudança de atuação na vida, isto é, as práticas socioeducativas favoreceram um atuar com mais liberdade, conforme podemos observar nos depoimentos: Eu perdi um pouco o medo. Sempre fui uma pessoa tímida. Sempre tive medo de sair na rua, de ir para os lugares e com esse medo, eu não me sentia tão livre. Agora, já consigo ir e vir com mais segurança, me sinto mais livre e aprendi muito a ser assim com o grupo de produção. Lá tínhamos que ir para as feiras, para as formações, para os eventos. Percebi o que é liberdade quando experimentei de tudo isso (ENTREVISTADA, 1, grifo nosso). Percebo essa liberdade quando observo nossas histórias de vida. Com a forma que hoje fazemos nossas colocações por onde passamos em nome do grupo, pela forma que agimos em nosso grupo, pela forma hoje que organizamos nossas casas, nossas famílias, nosso trabalho, nosso estudo. Nós hoje estudamos, trabalhamos, somos donas de casa, então agimos com mais liberdade em muitos pontos da vida. E o melhor: mais felizes e sem medos (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). Antes eu era mais presa pela minha posição de dona de casa. De viver naquele mundo fechado de cuidar apenas da casa, marido e filhos. Depois que conheci a proposta da economia solidária, passei a entender que eu podia fazer tudo que eu já fazia e muito mais. Eu já não tenho mais aquele medo de não poder sair de casa para fazer uma formação, para fazer alguma viagem pelo grupo, de participar de algum evento, de sair para me divertir também para algum lugar. Participar do grupo de produção me ajudou a crescer quanto pessoa, a entender o que realmente é ser livre. Me deu realmente asas para minha vida (ENTREVISTADA, 12, grifo nosso). O que eu mais prezo na minha vida é a liberdade que eu consegui de 10 anos pra cá. Eu sou uma mulher livre, graças a Deus e ao grupo de produção. Quando me vejo antes de participar do grupo, percebo o quanto cresci, o quanto eu me fiz outra mulher. Uma mulher sem amarras, sem prisões (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). 204 Mais livre mesmo, principalmente no papel da família, não é?! Então, praticamente hoje todas são as chefes de família, entendeu? Então, no início, eram mulheres que dependiam totalmente do marido. Muitas das mulheres do nosso grupo eram deprimidas. O marido era quem cuidava da casa. Então assim, essas mulheres elas mudaram muito o seu comportamento em relação aos seus companheiros, apesar de não ter apoio que tem alguns que realmente os maridos não acreditam porque aqui no grupo não é carteira assinada, mas elas não deixam de acreditar e mostrar que pode acontecer outro tipo de trabalho. Não é o trabalho que a sociedade está acostumada, mas é uma outra forma de trabalhar e de crescimento pessoal e coletivo, que não é só monetário (ENTREVISTADA, 17, grifo nosso). Sou livre, porque eu vou para onde eu quiser. Eu faço o que eu quiser com meu dinheiro, por isso que eu me sinto mais livre. O grupo me ajudou nesse sentido, pois são minhas amigas e a gente conversa muito. Hoje tenho uma coisa em minha cabeça: sou uma mulher livre e ninguém vai me pisar e nem me dominar (ENTREVISTADA, 19, grifo nosso). Esses depoimentos evidenciam que há um sentido muito presente como pano de fundo e que fazemos menção a Freire (1987) quando esse autor destaca, em sua consagrada obra Pedagogia do Oprimido, que um dos elementos presente nas classes oprimidas é o ―medo da liberdade‖. Podemos afirmar que as práticas socioeducativas têm colaborado no processo de amenização deste ―medo da liberdade‖, levando os sujeitos a se posicionarem em sociedade com um protagonismo nunca antes experimentado. Este posicionamento, a nosso ver, faz com que os participantes dos Empreendimentos Econômicos Solidários possam emergir de um cenário exclusivo e opressivo. Ao longo de nossa análise dos dados, ainda nos reportando ao elemento indicador Liberdade, outro achado nos chamou a atenção: o sentimento de posse da liberdade antes mesmo da participação dos EES. Porém, há uma ênfase de que o processo educativo junto aos empreendimentos colaborou de forma significativa para a evolução deste sentimento, como podemos observar: Sempre fui livre, sempre me vi livre! É interessante essa tua pergunta, porque tempos atrás dentro do movimento, em uma palestra, certa menina chegou e afirmou: ‗Você é a única negra que está nesta sala‘. Aí me virei pra ela e disse: ‗querida e eu sou negra? Porque não me vi negra e não te vi branca, estamos aqui como seres humanos, se existir esse entendimento entre nós duas, vamos caminhar legal‘. Então eu acho é isso sabe, temos que estar aberto ao respeito ao próximo e temos que ter esse respeito ao próximo, independente de cor, sexo, do que for, eu aprendi muito isso vivendo na região Norte e me fortaleci nesse pensamento com a Economia Solidária. Isso, para mim, é ser livre! (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). Eu sempre tive essa liberdade. Uma coisa que eu sempre dizia às pessoas e digo: se você não se valorizar não se preocupe, ninguém vai valorizar você. Então isso tem que ser uma coisa de dentro para fora. Se valorizar sem esbanjar arrogância, entende? É no sentido de você se reconhecer enquanto pessoa e saber que você é capaz. Para mim, a liberdade começa por aí. Isso aprendi muito com as 205 formações no grupo de produção. Então, dentro da Economia Solidária conseguimos o empoderamento (ENTREVISTADA, 9, grifo nosso). Eu já me sentia livre antes, mas assim, aqui [no empreendimento] é como se eu tivesse criado verdadeiramente asas, está entendendo? As formações, o trabalho coletivo junto com as outras mulheres lhe faz perceber que não está sozinha. Então isso lhe dá força e dá vontade de você ir em frente (ENTREVISTADA, 20, grifo nosso). Nesse sentido, cabe ressaltar que os depoimentos nos remontam diante da expressão marxiana ―passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade‖ (GERRATANA, 1975). A compreensão dessa pedagogia em sua dimensão prática, política ou social, requer, portanto, clareza quanto a este aspecto fundamental: a ideia da liberdade só adquire plena significação quando comunga com a luta concreta dos homens pela liberdade. De modo similar, percebemos, ainda, pelos depoimentos, o sentido do empoderamento que, em alguns momentos, tornou-se um jargão das políticas públicas, mas cabe destacar que se refere ao processo de mobilizações e práticas que visam a promover e impulsionar crescimento, melhorias e autonomia. O enfoque adotado centrou-se na investigação das possibilidades de empoderamento mediante práticas coletivas e solidárias, de experiências grupais, considerando que os processos de empoderamento são frutos de uma trajetória em que interagem, vivenciam, trocam, divergem vários sujeitos. Consistem em uma lógica envolvente, inclusiva, reflexiva, segundo a qual ninguém se empodera sozinho. É sempre dinâmica, os envolvidos, cada um em seu ritmo, crescem, refletem, encontram sua irreverência e sua autovalorização. Lisboa (2003, p. 23) reforça essa afirmação ao considerar que a categoria empoderamento surge exercendo forte influência no meio acadêmico, a partir da década de 1990, para analisar o processo pelo qual pessoas, organizações sociais ou comunidades criam o seu próprio espaço vital, tanto social como ecológico, e a partir dele aprendem a lidar criativamente com situações-problema e em função de suas necessidades básicas; o enfoque é centrado na força e na capacidade das pessoas de descobrir e desenvolver suas capacidades para vencer e superar seus problemas tanto individuais como socioestruturais. Paulo Freire pouco utilizou a expressão empoderamento, embora não descartasse sua utilidade. Freire aponta que, mesmo sendo o empoderamento individual ou o de algumas pessoas, ou a sensação de ter mudado, não suficiente no que diz respeito à transformação da sociedade como um todo, é um processo absolutamente necessário para o processo de transformação social. Portanto, ―o desenvolvimento crítico desses alunos é fundamental para a transformação radical da sociedade. Sua curiosidade, sua percepção crítica da realidade são fundamentais para a transformação social, mas não são, por si sós, suficientes‖ (FREIRE & SHOR, 1986, p. 71). 206 É interessante percebermos que é um conceito que advém dos Estados Unidos e, obviamente, carrega os sentidos daquela realidade e cultura. Não é do escopo dessa tese adentrar nessa questão, mas é importante assinalar que o contexto norte-americano é marcado por uma política neoliberal, tendo como uma de suas características centrais a valorização do individualismo. A valorização do empoderamento nesse contexto contribui para ―endossar o discurso neoliberal de independência, responsabilidade pessoal e de afastamento do Estado na prestação de serviços sociais‖ (ALMEIDA, DIMENSTEIN & SEVERO, 2010, p. 579). Para avançar na discussão sobre o uso do termo empoderamento, Freire aproxima-o da noção de classe social. Para o autor, o empoderamento da classe social não é o mesmo que o individual ou o comunitário, mas um conceito ligado às lutas da classe social oprimida: A questão do empoderamento da classe social envolve a questão de como a classe trabalhadora, através de suas próprias experiências, sua própria construção de cultura, se empenha na obtenção do poder político. Isto faz do empoderamento mais do que um invento individual ou psicológico. Indica um processo político das classes dominadas que buscam a própria liberdade da dominação, um longo processo histórico de que a educação é uma frente de luta (FREIRE & SHOR, 1986, p. 72). Em síntese, podemos dizer que, para Freire, empoderamento individual é um pequeno passo em direção à transformação social; somente via empoderamento de classe, as minorias oprimidas conseguirão dar um passo maior em direção à libertação. Verificamos que o termo deriva da ideia de ―libertação do oprimido‖, ideia desenvolvida por Paulo Freire. Portanto, o termo em pauta, neste estudo, pode ser visto como a noção freiriana da conquista da liberdade pelas pessoas que têm estado subordinadas a uma posição de dependência econômica ou física ou de qualquer outra natureza. Nesse mesmo sentido, Freire (1985) nos afirma que, por isso, não se trata de autolibertação – ninguém se liberta sozinho. Também não é libertação de uns feita por outros. Libertar-se de sua força exige, indiscutivelmente, a emersão dela, a volta sobre ela. Por isso é que, segundo o autor, só por intermédio da práxis autêntica, ou seja, ação e reflexão, é possível fazê-lo. Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca, pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. A visão da liberdade tem, nesta pedagogia, uma posição de relevo. É a matriz que atribui sentido a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade e eficácia na medida da participação livre e crítica do ser humano (pedagogia para homens e mulheres livres). No que se refere aos elementos indicadores e seus núcleos de sentido, entendemos que as práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários pressupõe a 207 promoção de atividades político-pedagógicas baseadas em metodologias inovadoras dentro de um pensamento emancipatório de inclusão, tendo o trabalho como princípio educativo, o direito ao trabalho como um valor estruturante da cidadania, a qualificação como uma política de inclusão social e um suporte indispensável à sustentabilidade e à associação entre a participação social e a pesquisa como elementos articulados na construção desta política e na melhoria da base de informação sobre a relação trabalho-educação-desenvolvimento, possibilitando, assim, a melhoria das condições de trabalho e da qualidade social de vida da população. Emancipação compreendida na perspectiva de transformá-los em sujeitos de sua própria história, saindo dos ciclos de opressão, gerados pelo contexto de uma sociedade excludente: Eu acho que uma pessoa emancipada é uma pessoa que tem consciência dos seus direitos e deveres e que não se deixa abater, não se deixa ser excluída. [...] Eu acho que isso faz parte de ser emancipada (ENTREVISTADA, 2, grifo nosso). Penso que participar do grupo e das formações é sim um processo educativo emancipatório. Eu acho assim, a partir do momento em que você gera renda, a partir do momento que você ensina as pessoas a desbravar, a cavar aquela história, você não dá o peixe, você dá o anzol, você está emancipando (ENTREVISTADA, 3, grifo nosso). Essa questão de trabalhar nossa base, de rever nossa história, nossa situação de exclusão e nos provocando a sair dela. É uma proposta educativa de emancipação. Culturalmente, nós mulheres sempre estivemos em uma situação inferior, em todos os sentidos, mas estamos dentro deste movimento para nos ajudar a sair desse atraso que vivemos por todos esses anos (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). Ser emancipada é acreditar que é possível fazer, que não precisa, dentro daquele contexto em que vive, viver ali, nasci desse jeito, vou morrer ali, porque Deus quer. Não, Deus não quer isso! Deus quer que a gente contribua com o crescimento nosso e no espaço onde vivemos. Então, a emancipação é eu ter consciência de que é possível mudar aquela realidade, com meus limites em tudo, mas tendo consciência de que um passo de cada vez, a cada dia, tentando fazer diferente eu chego lá (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). Eu coloco a emancipação como aquilo que as pessoas consigam sair do círculo de opressão. Eu particularmente me sinto emancipada, pois a partir de quando eu me encontrei como grupo, como pessoa, como mulher, como comunidade, eu consegui me emancipar. Então emancipação passar por aquele círculo que você tem e consegue sair, passa pela autonomia (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). As formações no grupo de produção sempre foram focadas no processo emancipatório das pessoas que ali estavam, que participavam do grupo. Agora para gerar essa emancipação, você precisa, fundamentalmente, fazer as formações políticas. As formações práticas são importantes, entende? Seja no segmento que for o empreendimento, mas se você não tiver as formações políticas é muito difícil atingimos essa emancipação. Sem esse tipo de formação, eu não vou 208 conseguir entender o contexto social que vivemos, não irei conseguir entender o todo da sociedade e como esse sistema capitalista comanda hoje. Falo emancipação aqui para além do econômico, é a emancipação da consciência das pessoas mediante o sistema que a gente vive, que a gente foi durante anos excluído (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). Me sinto uma mulher emancipada, pois hoje vivo sem medos, sem amarras, sem a sensação de exclusão que vivi muito em minha vida. O grupo me ajudou nesse sentido. As formações foram muito importantes para chegar onde estou no momento (ENTREVISTADA, 12, grifo nosso). O principal objetivo das formações sempre foi esse: trabalhar a emancipação. O emancipatório no sentido não só econômico, mas emancipatório em todo um sentido mais humano, mais amplo, não é?! Então, não era o que ligava a geração de renda que é o tema principal, não é, mas outras questões que foram trabalhadas com esse fim que a mulher tivesse voz e que se posicionasse, que tivesse uma visão mais crítica da vida. As formações têm contribuído para que no final haja uma mulher realmente emancipada, acreditando nela mesma (ENTREVISTADA, 17, grifo nosso). Determinada concentração de riquezas enfatiza o ponto de vista das elites dominantes, quando a questão se apresenta de modo claro: trata-se de acomodar as classes populares emergentes, domesticá-las em algum esquema de poder ao gosto dessas elites. Se já não é possível aquela mesma docilidade tradicional, se já não é possível contar com sua ausência, torna-se indispensável, afirma Freire (1967), manipulá-las de modo a que sirvam aos interesses das camadas dominantes e não passem dos limites determinados por estes setores. Percebemos, a partir dos sentidos dos depoimentos que, de certa maneira, o processo educativo vivenciado pelos EES tem colaborado como processo inverso desta domesticação, levando os sujeitos a emergirem dos contextos excludentes para atuarem de maneira consciente e crítica frente as suas histórias, ou seja, assumem e compreendem suas histórias, se tornando atores de suas próprias vidas. Muitos são os fatores que interferem para a erradicação das desigualdades sociais, mas uma condição essencial é a atuação dos indivíduos como agentes historicamente constituídos do processo de sua emancipação: Para mim, emancipação é quando uma pessoa tem o domínio que ela quer, o conhecimento que ela quer, que ela precisa, sabe, sem as amarras que ela deixou pra trás. Para mim, o conhecimento é tudo, então se eu tenho esse conhecimento, eu tenho a emancipação, que tenho meu domínio, minha conquista, tenho o que eu quero (ENTREVISTADA, 4, grifo nosso). Quando você tem o entendimento, sabe o porquê e sabe que pode, isso é fantástico, isso já é emancipação. Você poder fazer, sabe que tem condições, sabe que não é a outra pessoa que vai lhe limitar. As formações no grupo me ajudaram a me sentir assim (ENTREVISTADA, 9, grifo nosso). 209 Posso afirmar que o processo de formação do grupo ajudou os seus membros a se emanciparem. Não só se emancipar dos seus pais, da sua família em si e construir sua família, mas se emanciparem desse sistema capitalista de emprego formal de carteira assinada. Temos o conhecimento dessa lógica. Estar no grupo também gerou, de certa forma, uma emancipação econômica e financeira e mais ainda essa emancipação para comunidade, de empoderar a comunidade, para mostrar que a comunidade consegue ter essa emancipação, uma discussão política, uma melhoria social de qualidade de vida dentro da própria comunidade, entende? (ENTREVISTADO, 10, grifo nosso). Hoje me sinto emancipada, pois consigo tomar conta da minha própria vida. A participação no grupo de produção me ajudou muito nessa minha transformação. Hoje sou outra pessoa (ENTREVISTADA, 12, grifo nosso). Hoje, sou uma pessoa emancipada. Posso ir e vir a hora que quiser. Não preciso está pedindo permissão a ninguém, mas com todo respeito, claro (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). Dada a relevância dos depoimentos, destacamos, ainda, o sentido do surgimento do Movimento de Economia Solidária como uma resposta dos trabalhadores à crise social provocada pela estagnação econômica e pela reorganização do processo de acumulação capitalista. No entanto, destacamos a visibilidade quando se insere no debate sobre as potencialidades transformadoras inerentes à luta popular e da classe trabalhadora. A resposta dos trabalhadores e comunidades empobrecidas passa a ter caráter emancipatório. Daí, para fins desta tese, será possível contribuir com a crescente reflexão que tem sido feita em torno das ações educativas nas experiências em economia solidária, entendendo essa como uma abordagem que, recolocando o ser humano no centro da vida econômica, procura conciliar produção e circulação de riqueza com emancipação humana em direção a uma sociedade justa e igualitária: Dentro das formações, a base sempre foi esse o pensamento por trás: dar a oportunidade para que todas as mulheres pudessem crescer (ENTREVISTADA, 5, grifo nosso). As formações, inicialmente, tinham esse foco no financeiro, na geração de renda, porque as pessoas entravam com esse intuito. Mas as formações perpassaram não só pelo financeiro, mas contribuíram com as pessoas a terem mais potenciais assim como eu, com mais autonomia, emancipadas, empoderadas. Então, eu acho que o pano de fundo das formações tem esse viés (ENTREVISTADA, 8, grifo nosso). Penso que um dos focos do trabalho formativo na economia solidária é a emancipação, inclusive é um dos princípios do movimento. A economia solidária não é o ter, mas o ser. Então, quando a pessoa tem condições de viver uma vida mais tranqüila, mais feliz e pode levar isso para a sociedade, ela já está vivendo esta emancipação. Pelo menos, é assim que eu penso (ENTREVISTADA, 9, grifo nosso). Há emancipação com certeza absoluta. Tanto do ponto de vista social, pessoal, econômico, político, ambiental, em todos os aspectos que cabe ao ser humano, por isso que na economia solidária, o ser humano é o centro, e não o capital (ENTREVISTADA, 11, grifo nosso). 210 Éramos mulheres assim, escondidinhas dentro de casa e nos mostraram que tínhamos que sair daquela porta de casa. Todas as formações nos mostraram que era necessário sair do casulo (ENTREVISTADA, 13, grifo nosso). Hoje, as mulheres estão num processo muito bom de emancipação. Ainda umas têm dificuldades para falar outras menos, mas a gente vê o desenvolvimento mesmo, o poder da mente enquanto mulher, enquanto grupo de produção, enquanto seres políticos mesmo, enquanto ser humano (ENTREVISTADO, 15, grifo nosso). Sempre tivemos um princípio formativo para que as pessoas se tornassem criativas, críticas, autônomas. Que elas conhecessem seus direitos e soubessem assumir também seus deveres. Que elas se tornassem profissionais competentes, mas profissionais humanizados. Que se emancipem. E que dessa emancipação, elas conseguissem a autonomia na sua fala. Então, isso sempre fez parte do processo educativo do grupo (ENTREVISTADA, 21, grifo nosso). Face ao exposto, compreendemos que as práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários fortalecem o seu potencial de inclusão social e de sustentabilidade econômica, bem como sua dimensão emancipatória. Com base nos estudos de Gramsci, é possível afirmarmos que a educação deveria promover a aprendizagem de conhecimentos emancipatórios, que contribuam para possibilitar o indivíduo de agir conscientemente, engajando-se na luta por transformações das condições perversas, injustas e negadoras da dignidade humana. Neste aspecto, acreditamos que o pensamento de Gramsci é pedagógico. Acima de tudo, com claro objetivo pedagógico. Instrumentalizar a classe operária, para que ela assuma a consciência da própria história e seja protagonista da sua emancipação. 4.6 A VIVÊNCIA NOS EES COMO UMA EXPERIÊNCIA TRANSFORMADORA: É HORA DE SAIR DO CASULO Ressaltamos, a partir de uma tradução e entendimento, que a educação não formal tem um campo próprio, tem intencionalidades, seu eixo deve ser formar para a cidadania e emancipação social dos indivíduos. A partir disso, outro ponto relevante refere-se ao fato de que apenas a mudança na maneira de produção dos empreendimentos, embora necessária, não é condição suficiente para a transformação de seres humanos subjugados em sujeitos emancipados, tal como pressupõe a ideia de cooperação, dinâmica-eixo do Movimento de Economia Solidária. Como forma conclusiva de nossa investigação, gostaríamos de discutir os sentidos que percebemos por parte dos sujeitos de pesquisa, no que tange às principais mudanças ocorridas a partir do processo de vivência nos EES. Salientamos que esta análise apenas reforça a tese de que o processo educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários de João Pessoa, 211 Paraíba, favorece a construção de sujeitos emancipados frente aos processos negadores da dignidade humana numa sociedade excludente: Quando eu entrei no grupo, eu era mais tímida, eu não entrava numa lanchonete, num restaurante pra fazer um lanche nem almoçar sozinha e, depois do grupo, eu aprendi isso. De certa forma, depois que passei a estar no grupo me sinto mais incluída em sociedade (ENTREVISTADA 1, grifo nosso). Através do grupo, conheci e participei de outros cursos [...] eu sempre fui muito fechada, mas com a convivência com as meninas isso melhorou muito. Eu acho que por isso que consigo trabalhar com o público hoje. As formações ajudaram muito nisso [...] então, isso também me impulsionava a até conhecer outros lugares, e mesmo com medo, porque, muitas vezes, você tem medo de sair do lugar que você estar. Tenho muito pé no chão e tinha medo de sair, mas isso me motivava, devido essa convivência e até justamente a experiência com as meninas de conhecer outras pessoas e outros lugares, bem já era um encorajamento para mim (ENTREVISTADA 2, grifo nosso). [...] por incrível que pareça e você vai até rir e não vai acreditar, eu era tímida, acredita? Mas, eu era. Porque assim, porque eu tinha vergonha de ir em todo canto, se tivesse uma porta fechada eu não entrava, eu esperava alguém entrar para poder eu entrar atrás [...] eu passei muito tempo assim, depois que eu comecei participar das formações do grupo, não sei o que deu em mim, foi um estalo [...] percebi que eu tinha que ser dona de minha vida, então eu não fui ligando pra preconceito, mesmo ainda passando por muitos hoje em dia, mas encaro de outra forma [...] (ENTREVISTADA 7). Tinha um rapaz que dentro do grupo não falava nada, só escutava. Hoje, ele dentro da comunidade, é uma das pessoas que mais contribui para seu desenvolvimento. Fico surpresa com seu crescimento [...] as formações e as relações no grupo o ajudaram bastante (ENTREVISTADA 8). Hoje, tenho autonomia. Não tenho mais medo de viver em sociedade. Antes era uma prisão, mas com o grupo eu aprendi o caminho da liberdade. Eu me sinto muito forte, empoderada (ENTREVISTADA 11, grifo nosso). [...] eu perdi a timidez, que eu tinha muita. E assim, as pessoas, às vezes, diziam as coisas, falavam e eu era reprimida com isso. Aprendi a partir de várias coisas que vi nas formações. E aprendi a perder essa timidez, a me aceitar mesmo do jeito que sou, a perder o medo, tudo isso por meio do grupo. Aprendi a me aceitar primeiro. Pra depois fazer com que os outros me aceitem (ENTREVISTADA 12, grifo nosso). Um ganho assim, que eu percebi foi meu crescimento com relação a ter que me colocar mesmo como mulher dentro da sociedade, consegui falar, entende? Eu era uma mulher muito tímida, não conseguia me colocar, falar em público e hoje consigo fazer isso. Hoje eu consigo atuar em vários espaços da sociedade sem medo, pois a formação que passei no grupo de produção me ajudou muito nesse sentido (ENTREVISTADA 21, grifo nosso). As observações freirianas, que destacamos ao longo desta investigação e que também estamos tomando como respaldo teórico-metodológico, chamam a atenção para um fato que pode parecer incoerente: o oprimido tem medo de libertar-se. A relação dominadora torna-se, portanto, uma relação de dependência que fornece um estranho conforto, pois, ao deixar os papéis bem definidos entre os sujeitos, reduz a angústia de existir dos dominados que não 212 precisam criar seu próprio destino e lidar com as questões existentes nesta autonomia. Percebemos, de certa forma, a partir dos sentidos dados nas categorias apontadas no desenho de nossa tese, que as práticas socioeducativas nos EES se traduzem em uma proposta que tem levado à ruptura deste medo da liberdade, de modo que quem aprende o faz a partir da escuta e da ação verdadeira. Para Freire (1985) era fundamental estimular os sujeitos oprimidos a valorizarem a sua realidade, criando uma nova identidade, carregada de autoestima e força, porque faz parte da história popular coletiva e individual e faz parte da cultura popular cotidiana. Ele considera que esta luta não acaba. Isto propicia um resgate e, ao mesmo tempo, uma reconstrução do cotidiano individual e coletivo, por meio de relações significativas estabelecidas no ambiente escolar ou em algum outro ambiente que possua relações de ensino e aprendizagem, no caso de nosso estudo os Empreendimentos Econômicos Solidários. Convém ressaltar, diante da análise ora tratada, outro fator que surgiu ao longo de nossa pesquisa de campo, que diz respeito ao crescimento pessoal e profissional como fator de transformação a partir da vivência nos EES, como podemos observar: [...] dentro do grupo, eu percebo e percebi que eu tinha muita desenvoltura, mas a partir do momento que eu comecei a me conhecer como grupo, eu comecei a ter mais paciência, comecei a ouvir mais o outro, consegui me desenvolver como pessoa [...] além do estímulo para a universidade, o grupo me ajudou em muitos outros fatores: hoje sou bolsista do CNPQ, já tenho duas especialização, estou tentando aí um mestrado. Então assim, tudo a partir do grupo, eu já vinha como educadora dentro da comunidade, mas o grupo fortaleceu esse meu empoderamento (ENTREVISTADA 8, grifo nosso). Ajudou no crescimento profissional, pessoal em todos os sentidos. Principalmente porque assim, nascer e crescer dentro de uma comunidade carente já é sinônimo que você vai morrer na comunidade carente (ENTREVISTADO 10, grifo nosso). As mudanças foram significativas, principalmente no tocante à geração de trabalho e renda. Ainda se tem um ranço muito grande do trabalho com carteira assinada [...] é uma concorrência meio desleal, não é?! Então assim, mais digamos que das que saíram 70% hoje estão trabalhando hoje na área [...] na área de alimentação. Aquelas que continuaram no grupo, percebemos um crescimento pessoal muito significativo (ENTREVISTADA 17, grifo nosso). O grupo de produção me ajudou muito, foram muitas mudanças, muita coisa na minha vida e eu não sei te passar direito, mas assim, em todos os aspectos da minha vida tanto de enxergar assim oportunidade de trabalho do que eu gosto de fazer, tá entendendo? Crescimento como pessoa mesmo como ser humano, muita, muita, muita coisa mudou na minha vida (ENTREVISTADA 20, grifo nosso). Com base nos depoimentos e no contexto inicialmente apresentado, é pertinente afirmarmos que o sentido imbricado articula-se com o campo da educação cidadã. Na educação não formal, essa educação volta-se para a formação de cidadãos livres, 213 emancipados, portadores de um leque diversificado de direitos, assim como de deveres para com os outros. Percebemos que o processo educativo vivenciado pelos EES contribuiu para crescimentos pessoal e profissional, fazendo-nos acreditar que suas práticas socioeducativas possuem um fator impulsionador do processo emancipatório do indivíduo, preocupação que julgamos central nas diretrizes educativas do Movimento de Economia Solidária e no processo educativo percebido nas trajetórias dos empreendimentos estudados em nossa tese. Cabe frisar que muitos dos depoimentos advindos dos sujeitos de pesquisa possuem uma compreensão de que o Movimento de Economia Solidária, de uma forma particular, os Empreendimento Econômicos Solidários, são entendidos como pano de fundo, como alternativas concretas para a inclusão social: É inegável, para mim, que o grupo me ajudou no processo de inclusão em sociedade. Na verdade, desde o meu tempo de colégio, eu sempre tive assim a questão da liderança. Sempre tive esta questão muito forte, a questão de ser presidente de classe, presidente de sindicato, de ter a liderança [...] eu sempre acreditei muito no coletivo. E tive a sorte de, no meu grupo, encontrar pessoas maravilhosas que meu crescimento pessoal foi lá pra cima. Cada dia mais eu acredito no coletivo (ENTREVISTADA3, grifo nosso). Me arrepio todinha quando penso em minha história de vida e das mulheres do grupo. O que éramos antes e como nos percebemos hoje. Não nos deixamos mais que a sociedade nos exclua tão facilmente. Antes vivíamos ali sem ter nada, sem possibilidade de nada, não éramos nada. Hoje, nos percebemos como gente, eu sou alguém, eu posso [...] vivo hoje num contexto diferente, não um contexto territorial, mas de vida e de pensamento, de percepção de nossa própria história (ENTREVISTADA 5, grifo nosso). [...] no começo eu era bem diferente. O grupo como um todo melhorou, pelo menos a gente começou a lutar pelo que a gente quer, entende? Eu ainda acredito na economia solidária embora muita gente não acredite(ENTREVISTADA 6, grifo nosso). No grupo mesmo, eu ouvia relato de adolescentes e jovens que era do grupo, de nunca ter ido ao cinema, então ia pela primeira vez com o recurso gerado pelo grupo de produção, entendeu? [...] teatro, cinema, praia à noite, essas coisas que pra muitas pessoas é natural, para nós era novidade, não saiamos de casa. O grupo me ajudou sim a me sentir mais incluída em sociedade (ENTREVISTADA 8, grifo nosso). Acredito que participar do grupo, me ajudou muito a me encontrar em vários caminhos de minha vida que não consegui enxergá-los. Tem ajudado a incluir muitas mulheres, tornando-as parte da sociedade de certa forma (ENTREVISTADA 9, grifo nosso). Aprendi, a partir das formações que aconteceram no grupo, que a gente pode, mesmo dentro da comunidade, melhorar alguma coisa pra nossas vidas, entende? E ai não parte só da historia de um trabalho melhor, mas a questão de uma educação melhor também. Lembrando que, quando a gente começou, quando o grupo de produção há 15 anos atrás começou, não existia nenhum universitário na comunidade São Rafael. Hoje, temos 15 universitários, e desses 15 universitários 214 que a gente tem, 8 passaram pelas ações do grupo de produção. Pode parecer um número pequeno, mas para a realidade social de nossa comunidade, pode ter certeza que são verdadeiras vitórias. Isso é extremamente significativo pra possibilitar para as pessoas que nasceram, cresceram, que ainda moram na comunidade que possam ter uma diferença na sua vida, possa ter uma, não só esperança, mas mostrar que pode ser feito essa diferença dentro da comunidade, sem precisar sair dela e que se consegue (ENTREVISTADO 10, grifo nosso). Minha vida melhorou em muitas coisas, porque eu nem estudava lá no interior. Aqui, depois que eu comecei a estudar e aprendi a ler, porque eu não sabia ainda, comecei a me sentir mais incluída. Estar no grupo me incentivou a aprender mais, porque eu descobri que eu posso, entende? Então eu quero e vou aprender mais! (ENTREVISTADA 19, grifo nosso). Em última análise torna evidente que entendemos o processo educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários como aquele voltado para a formação do ser humano em sua totalidade, cidadão do mundo no mundo, homens e mulheres. As metodologias operadas no processo de aprendizagem partem da cultura dos indivíduos e dos grupos, nascendo a partir da problematização da vida cotidiana e construindo-se na trajetória do processo e nos ritmos dos sujeitos. A educação não formal é fundamental para a formação da cidadania, para o exercício da civilidade no convívio com o outro e na utilização de padrões éticos, para o reconhecimento e a aceitação da diversidade cultural e suas diferenças e para a prática da não violência em todas as esferas da vida. Isto posto, afirmamos que a educação para a Economia Solidária é um grande desafio, em especial, para os Empreendimentos Econômicos Solidários. Os trabalhadores dos empreendimentos deparam-se, no cotidiano, com exigências cada vez mais complexas relativas aos processos de autogestão de suas iniciativas coletivas, bem como da necessária busca da eficiência e viabilização das atividades econômicas que realizam. Nesse sentido, faz- se fundamental combinar processos educativos integrados com as oportunidades de elevação de escolaridade e outras iniciativas que contribuam para a formação política cidadã. De modo similar, é necessário que a educação contribua para o fortalecimento da Economia Solidária enquanto uma prática social transformadora e emancipatória. Assim, isso nos permite afirmar, para este estudo específico, algumas ideias, adensando a tese de que o processo educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários colabora para a perspectiva da formação humana rumo à emancipação, considerando estes espaços não escolares como um celeiro de desenvolvimento ideológico contra-hegemônico. 215 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo, apresentaremos as principais conclusões e implicações extraídas da análise dos dados coletados junto aos Empreendimentos Econômicos Solidários localizados na cidade de João Pessoa, PB, e que constituíram a unidade social e de análise de nossa tese. Os resultados da investigação fornecem subsídios para, a partir de uma análise, conceber possíveis proposições de melhorias ao pensar pedagógico, visando à reflexão do itinerário educativo que esses empreendimentos vêm vivenciando junto aos atores envolvidos no Movimento de Economia Solidária. Para tanto, partiu-se do referencial teórico-metodológico apresentado ao longo da tese, o qual forneceu a base necessária para a elaboração dos instrumentos de coleta de dados e suporte para a metodologia desenvolvida no decorrer da pesquisa e para a análise e a interpretação dos resultados, investigados por meio de uma estratégia qualitativa de tratamento. Para finalizar a nossa investigação, iremos expor as limitações do estudo, bem como possíveis recomendações para próximas pesquisas. A tese permitiu analisar as práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários na cidade de João Pessoa, PB, seus sentidos e significados, indagando sobre seu caráter emancipatório. Dentre o elenco de conclusões de que nos apropriamos em nossa tese, uma delas se refere à análise realizada sobre o contexto excludente que nos leva a acreditar na inserção em uma sociedade que privilegia o crescimento econômico em detrimento do desenvolvimento social. Concluímos que o desenvolvimento do modelo hegemônico vigente tem provocado a ampliação das disparidades sociais, gerando benefícios apenas para uma pequena faixa populacional rica na medida em que a maior parte da população está vivendo em condições sub-humanas e se distanciando, cada vez mais, de um cenário onde prevaleça a verdadeira e concreta vivência da dignidade da pessoa humana. Entretanto, dentro da discussão sobre a sociedade excludente, percebemos, a partir dos depoimentos dos sujeitos envolvidos em nossa tese, que não devemos nos fadigar apenas nas análises sobre a questão da desigualdade e da discriminação, mas trazer à tona o debate sobre as possibilidades de vivências paralelas ao sistema vigente, que contribua com o entendimento histórico de cada indivíduo sobre sua condição atual, possibilitando, ao mesmo tempo, uma condição de livramento desta conjuntura de opressão, ou seja, estratégias de resistência e luta cotidiana desenvolvida pelos excluídos como forma de criar dignidade, sobrevivência e conquista de espaços e posições, sem perder de vista o objetivo final de promover transformações de estrutura que possibilitem a inclusão social. 216 As reflexões apontadas nesta tese levaram-nos a mais um ponto conclusivo quanto ao entendimento de que a Economia Solidária é mais que uma alternativa de geração de trabalho e renda para os setores excluídos do mercado formal de trabalho. Também não se restringe apenas a uma forma de organização econômica de produção, distribuição e consumo. As ações educativas presentes no movimento apontam para a possibilidade de constituição de um movimento social emancipatório, como mais uma forma de resistência dos trabalhadores ao modelo capitalista de desenvolvimento. A Economia Solidária ressurge hoje como resgate da luta histórica dos trabalhadores, como defesa contra a exploração do trabalho humano e como alternativa ao modo capitalista de organizar as relações sociais dos seres humanos entre si e destes com a natureza. A essencialidade do Movimento de Economia Solidária transcende a questão do modo de produção. São práticas fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação privada de riqueza em geral e de capital em particular. Cabe frisar que o movimento vem se desenvolvendo concretamente no Brasil e tem feito os Empreendimentos Econômicos Solidários emergirem, trazendo como proposta uma lógica diferente da onda capitalista retratada ao longo de nossa tese. O intenso crescimento dos Empreendimentos Econômicos Solidários nos últimos anos tem exigido respostas adequadas e permanentes às suas necessidades de formação e assistência técnica, entre outras. Os trabalhadores envolvidos nesses empreendimentos se deparam, no cotidiano, com exigências cada vez mais complexas relativas aos processos de autogestão de suas iniciativas coletivas, bem como da necessária busca da eficiência e viabilização das atividades econômicas que realizam. Para isso, faz-se fundamental combinar processos integrados de qualificação social e profissional com oportunidades de elevação de escolaridade e com outras iniciativas de formação política cidadã. Sob essa perspectiva, a estruturação de uma política pública de direito ao conhecimento tem sido uma demanda constante dos Empreendimentos Econômicos Solidários e emergiu como prioridade nas Conferências Nacionais e no Conselho Nacional. Dessa forma, parece-nos claro afirmar que um dos grandes desafios para a Educação na perspectiva do Movimento de Economia Solidária centra-se na necessidade de uma proposta de abordagem que venha contribuir para a formação da nova crítica social, gerando um forte ―apelo‖, para que se consiga analisar a atual conjuntura, sem perder de vista os projetos emancipatórios da humanidade, de modo a fornecer critérios de práticas socioeducativas, para seguir construindo a sociedade solidária com a participação de cidadãos 217 providos de conhecimentos científicos e filosóficos, de habilidades, competências e responsabilidades éticas e políticas com a construção de uma nova fase da humanidade. Acreditamos que o desafio que se coloca nos autoriza a gerar outra conclusão sentida em nosso estudo de que a educação para a Economia Solidária é revestida de um sonho pela construção de um sujeito em uma sociedade crítica e democrática, num aproveitamento de lacunas geradas pelas contradições atuais. Para isso, os agentes formadores imbricados ao Movimento de Economia Solidária precisam, em continuidade, coerência e coesão, acreditar na potencialidade da ação coletiva, abrindo espaços democráticos para a construção de um projeto educacional que viabilize alternativas contra-hegemônicas ao cenário atual. Dessa forma, convém ressaltarmos que esta análise também nos permite concluir que a educação dos Empreendimentos Econômicos Solidários deve ser enfatizada como campo de atuação ante a construção de homens e mulheres que têm as necessidades de ser formados como seres humanos com dignidade, e não apenas máquinas produtivas. Acreditamos num processo educativo que não se defina apenas pelo seu lado pedagógico e a prática econômica, mas uma formação, na qual os elementos políticos e filosóficos não estejam excluídos do seu itinerário, promovendo a formação da consciência crítica para uma ação política e cultural na realidade. A Educação para a Economia Solidária, seguindo os princípios da solidariedade e autogestão, contribui para o desenvolvimento de um país mais justo e solidário. Ela deverá valorizar as pedagogias populares e suas metodologias participativas e os conteúdos apropriados à organização, na perspectiva da autogestão, tendo como princípio a autonomia. Deve viabilizar tecnicamente as suas atividades sociais e econômicas e, ao mesmo tempo, despertar a consciência crítica dos trabalhadores. A complexidade desta formação inclui tanto estes princípios, quanto ferramentas para o empoderamento dos sujeitos, a partir do desenvolvimento das aprendizagens econômica, política e cultural. No que se refere às aprendizagens, concluímos que as três dimensões principais presentes na relação Educação e Movimento de Economia Solidária emergem do processo educativo dos empreendimentos: uma aprendizagem econômica, enquanto atividades econômicas que garantam meios de vida aos seus integrantes; uma aprendizagem política, enquanto organizações coletivas, nas quais prevaleçam práticas democráticas, cooperativas e autogestionárias entre os integrantes; e uma aprendizagem cultural, na perspectiva de mudanças de uma cultura individualista para uma cultura da solidariedade. Embora, muitas vezes, apenas uma delas tenda a ser enfatizada, essa interface é fundamental para que a essencialidade e a intencionalidade das diretrizes educacionais do Movimento de Economia Solidária se concretizem. Desta forma, comungamos do entendimento de que os 218 Empreendimentos Econômicos Solidários são espaços de educação não formal, cujo processo educativo é trabalhado como uma ―construção social‖ que envolve uma diversidade de sujeitos e ações orientados para a promoção da sustentabilidade, considerando as dimensões econômica, ambiental, cultural, social e política. Como está no pensamento gramsciano, a Economia Solidária também reconhece o trabalho como princípio educativo na construção de conhecimentos e de outras relações sociais. Assim, as ações político-pedagógicas inovadoras, autogestionárias e solidárias são fundamentadas na perspectiva emancipatória de transformação dos sujeitos e da sociedade. Do mesmo modo, a formação e a assessoria técnica são processos inerentes à educação em Economia Solidária e, portanto, devem compartilhar dessa mesma concepção. Quanto às práticas socioeducativas desenvolvidas nos Empreendimentos Econômicos Solidários na cidade de João Pessoa, Paraíba, destacamos o seu caráter político e cultural, no sentido de trabalho solidário e coletivo a favor da dignidade humana. A ação social é por nós entendida como uma ação racional referente a valores e orientada pela crença no compromisso próprio, na comunhão de princípios e valores das pessoas envolvidas nos empreendimentos e aqueles imbricados na essência no movimento. Destacamos, ainda, o caráter educativo dessa ação, quando implementa um trabalho de orientação sobre as ações básicas ligadas ao ensino e aprendizagem nas diversas fases e linguagens no itinerário pedagógico proposto pelos agentes formadores. Os educadores realizam uma ação educativa, porque articulam um conjunto de saberes em função da instituição de práticas ligadas à educação popular, ou seja, o processo de formação em Economia Solidária tem sido orientado pelos fundamentos, princípios, práticas e metodologias da educação popular, o que requer intercâmbio com organizações e redes que se constituem a partir dessa perspectiva educativa. Ressaltamos que nos referimos à prática socioeducativa em sentido mais amplo, sendo os processos formativos promovidos no meio da convivência social, comumente marcados pela informalidade, porque se estruturam fora do sistema escolar convencional. As práticas socioeducativas dos agentes formadores de Economia Solidária frente aos EES caracterizam- se como não formais, porém intencionais, porque há uma consciência por parte desses agentes quanto às tarefas a serem realizadas e aos objetivos a serem alcançados. As práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários têm se caracterizado por concepções e práticas fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano na sua integralidade ética e lúdica como sujeito com finalidade da atividade econômica, ambientalmente sustentável e socialmente justa, ao invés da acumulação privada do capital. Esta prática de produção, 219 comercialização, finanças e consumo privilegia a autogestão, a cooperação, o desenvolvimento comunitário e humano, a satisfação das necessidades humanas, a justiça social, a igualdade de gênero, raça, etnia, acesso igualitário à informação, ao conhecimento e à segurança alimentar, preservação dos recursos naturais pelo manejo sustentável e responsabilidade com as gerações presente e futura, construindo uma nova forma de inclusão social com a participação de todos. Compreendemos por fim, que as práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários fortalecem o seu potencial de inclusão social e de sustentabilidade econômica, bem como sua dimensão emancipatória. Sendo assim, é possível afirmarmos que a educação promove a aprendizagem de conhecimentos emancipatórios, que contribuam e possibilitem o indivíduo a agir conscientemente, engajando-se na luta por transformações das condições perversas, injustas e negadoras da dignidade humana. Em suma, isso nos permite concluir que, para este estudo específico, o processo educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários colabora para a perspectiva da formação humana para a emancipação, considerando estes espaços não escolares, como um celeiro de desenvolvimento ideológico contra-hegemônico. Isso é comprovado por meio dos sentidos trazidos pelos sujeitos de pesquisa a partir das variáveis e elementos indicadores que emergiram do referencial teórico- metodológico, bem como dos achados de pesquisa. 5.1 LIMITAÇÕES DO ESTUDO O estudo das práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários, tal como aqui apresentado, fornece importantes achados de pesquisa para subsidiar possíveis contribuições no itinerário educativo do Movimento de Economia Solidária, porém reconhecemos algumas limitações envolvidas em nosso estudo, fator do qual nenhuma investigação encontra-se isenta.Mesmo em se tratando de um estudo de caso múltiplo, é importante lembrar que a pesquisa foi realizada em apenas cinco Empreendimentos Econômicos Solidários da cidade de João Pessoa, PB. Assim, as conclusões do estudo não podem ser generalizadas, estando restritas à realidade organizacional investigada bem como pela especificidade de se tratar com a emancipação/conscientização de seres humanos. Outra limitação concerne ao fato de que mudanças significativas no ambiente interno e externo dos empreendimentos devem levar a novas análises, a fim de verificar se as conclusões da pesquisa permanecem válidas, pois estas estão vinculadas a um contexto organizacional atual. 220 Finalmente, no que diz respeito à metodologia da pesquisa, a aplicação das entrevistas individuais, para investigarmos a percepção dos respondentes, representa outra restrição, pois foram aplicadas apenas com alguns participantes dos empreendimentos. Mesmo abordando a maioria dos participantes, outros sujeitos acabaram não sendo contemplados pela investigação. De toda forma, vale ressaltar que nos respaldamos pela saturação teórica, que nos favoreceu a limitação dos sujeitos envolvidos, configurando, assim, a unidade social e de análise da tese. 5.2 RECOMENDAÇÕES PARA PRÓXIMAS PESQUISAS As limitações do estudo demonstraram que a abordagem do tema não se encontra, de forma alguma, esgotada, representando potencialidades de continuidade enquanto avanço epistêmico. Seria muito importante que novas pesquisas fossem realizadas, a fim de ampliar o nível de conhecimento sobre as práticas socioeducativas nos Empreendimentos Econômicos Solidários. A abordagem mais aprofundada de aspectos já investigados na pesquisa e a abrangência de todos os participantes dos EES com um tratamento puramente qualitativo da percepção dos respondentes, utilizando-se das técnicas dos grupos focais e das entrevistas em profundidade, para a coleta de dados, poderiam encaminhar a estudos mais profundos. Um estudo voltado para a cultura dos Empreendimentos Econômicos Solidários poderia ajudar a entendermos sobre determinadas práticas desenvolvidas pelos seus participantes. Por outro lado, uma pesquisa focando as histórias dessas instituições seria outro campo de investigação que mereceria atenção em próximas pesquisas. O desenvolvimento de pesquisas similares em outros empreendimentos envolvidos nos princípios do Movimento de Economia Solidária, utilizando os mesmos instrumentos de coleta de dados, possibilitaria generalizar as conclusões para a população de empreendimentos envolvidos naquele determinado setor, subsidiando o pensar pedagógico do movimento. Pesquisar os Empreendimentos Econômicos Solidários de forma mais ampla, enfim, foi extremamente estimulante, pois os estudos ligados ao Movimento de Economia Solidária ainda estão sendo desenvolvidos de forma mais intensa, principalmente quanto à temática das práticas socioeducativas e seu caráter emancipatório. As mudanças que vêm ocorrendo na sociedade e o aumento desses empreendimentos no contexto do movimento impõe aos agentes formadores desafios significativos atrelados ao processo educativo. 221 REFERÊNCIAS ADORNO, T. W. A educação contra a barbárie. In: ADORNO, T. W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995a, p. 155-168. ______. Educação e Emancipação. In: ADORNO, T. W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995b, p. 169-185. AFONSO, Almerindo Janela. Sociologia da educação não escolar: reatualizar um objeto ou construir uma nova problemática? In: ESTEVES, Antônio J. A sociologia na escola: professores, educação e desenvolvimento. Porto: Afrontamento, 1992. AFONSO, Almerindo Janela; LIMA, Licínio C. Políticas públicas, novos contextos e atores em educação de adultos. In: LIMA, Licínio C. (Org.). Educação não escolar de adultos. Braga: Univ. do Minho, 2006, p. 205-232. ALMEIDA, K. S., DIMENSTEIN, M., &SEVERO, A. K. (2010). 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Em caso de dúvida, você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Campus João Pessoa – Avenida João da Mata, 256, Jaguaribe, João Pessoa – PB. CEP: 58015-020 – Telefone: (83) 99184 – 4721 – E-mail: eticaempesquisa@ifpb.edu.br 235 A pesquisa intitulada ―O PROCESSO EDUCATIVO NOS EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS: sentidos e significados” tem o objetivo central de analisar o processo educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários da cidade de João Pessoa – PB, seus sentidos e significados, indagando sobre seu caráter emancipatório.Uma das importâncias deste estudo é o aprofundamento sobre os problemas vividos e sentidos pelas classes populares, contribuindo, por meio desse conhecimento, para uma reflexão da atuação dessa natureza de organizações sociais, levando a acreditar que pesquisar sobre este tema será de grande contribuição prática para as ações educativas deste tipo de atores. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, dando-se o levantamento das informações a partir da realização de grupos focais e entrevistas semiestruturadas. A coleta dos dados será realizada nos Empreendimentos Econômicos Solidários, bem como nos locais escolhidos pelos respondentes. Os riscos com a participação nesse processo de pesquisa podem ser aqueles referentes a constrangimentos perante pessoas, caso venha a público a identidade dos sujeitos. Entretanto, aos respondentes da pesquisa garantimos que esta situação não ocorrerá em hipótese alguma, uma vez que os nomes destes serão ocultados e substituídos pela representação alfabética para identificar os atores políticos entrevistados, por exemplo: ENTREVISTADO A, de modo a não identificar os sujeitos da pesquisa. O sigilo dos sujeitos será completamente garantido, estando cada um deles isento de qualquer dano físico ou moral. Garantimos também a não identificação dos dados dos respondentes, em relação a constrangimentos, quanto às perguntas pessoais de cunho pessoal. Assim, a possibilidade de o instrumento de coleta de dados oferecer riscos será controlada pelo total e absoluto sigilo da identificação destes dados. Os dados armazenados após as entrevistas estarão sob a guarda do pesquisador, que se compromete a utilizar-se dos meios de segurança eletrônico (senhas) e materiais (local seguro), para salvaguardar os dados durante o período determinado pelo Comitê de Ética, uma vez que este pesquisador está ciente de que o uso da câmera e do gravador poderá oferecer riscos aos sujeitos da pesquisa, no que diz respeito a constrangimentos provenientes de identificação e informações armazenadas. A sua participação direta ocorrerá durante a coleta de dados, período em que o pesquisador responsável realiza a entrevista. Sua participação é livre e voluntária, podendo o(a) Sr(a) recusar-se a participar, retirar o seu consentimento ou interromper a participação a qualquer momento, sem que ocorra nenhum prejuízo pessoal. Declaro que ficará assegurado o sigilo da sua identidade, e as informações que forem prestadas não serão identificadas em nenhuma publicação que resulte deste estudo. Fica a guarda dos dados sob responsabilidade do pesquisador, em seu computador pessoal, localizado em sua residência, conforme endereço anteriormente apresentado, por um período de cinco anos, a contar da data de defesa da tese, prevista para julho de 2016. Em caso de dúvidas relacionadas aos aspectos éticos deste estudo, o(a) Sr(a) poderá consultar o Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Campus João Pessoa – Avenida João da Mata, 256, Jaguaribe, João Pessoa – PB. CEP: 58015-020 – Telefone: (83) 99184 – 4721 – E- mail: eticaempesquisa@ifpb.edu.br ______________________________________________________ Alysson André Régis Oliveira Mat. UFRN 2013121366 236 APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Prezado(a) Senhor(a) Esta pesquisa será sobre o Processo Educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários da cidade de João Pessoa – PB. Está em desenvolvimento, sob a responsabilidade do pesquisador Alysson André Régis Oliveira, estudante do Doutorado em Educação da UFRN, sob a orientação da Profª Drª Marlúcia Menezes de Paiva. O objetivo do estudo é analisar o processo educativo nos Empreendimentos Econômicos Solidários da cidade de João Pessoa – PB, seus sentidos e significados, indagando sobre seu caráter emancipatório. Solicitamos a sua colaboração para a realização dos grupos focais e das entrevistas individuais, como também sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos da área de educação, publicando-os em revistas científicas, sem divulgação da identidade, mantendo-se, assim, quaisquer nomes em absoluto sigilo. Informamos que essa pesquisa não oferece riscos previsíveis a alguma pessoa envolvida. Além disso, firmamos a garantia do anonimato e sigilo das informações relacionadas a nome (como já se mencionou), como também endereço dos envolvidos na pesquisa. Pedimos também sua autorização para registrar os momentos das coletas dos dados por fotos, mantendo o compromisso de que tais registros, quando utilizados em eventos ou publicações, preservarão a identidade dos envolvidos, contendo tarja cobrindo suas faces. Esclarecemos que sua participação no estudo é voluntária e, portanto, o(a) senhor(a) não é obrigado(a) a fornecer as informações e/ou a colaborar com as atividades solicitadas pelo pesquisador. Caso decida desistir de participar deste estudo, não haverá qualquer dano nem modificação no seu local de trabalho, e o pesquisador estará a sua disposição para qualquer esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da pesquisa. Faz-se necessário esclarecer que o conteúdo deste termo está em consonância com as determinações da resolução 466/12 do CNS, que trata da pesquisa com seres humanos. Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu consentimento para participar da pesquisa e para publicação dos resultados. Estou ciente de que receberei uma cópia desse documento. João Pessoa, _____ de__________________ de2015 ______________________________________ Assinatura do Participante da Pesquisa ______________________________________ Assinatura da Testemunha Contato com o Pesquisador Responsável: Alysson André Régis Oliveira – Contato – (83) 8837–3404 – E-mail: alyssonandreregis@hotmail.com – Unidade Acadêmica de Gestão e Negócio – Av. João da Mata, 256, Jaguaribe, João Pessoa – PB - CEP: 58.015-020 Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Campus João Pessoa – Avenida João da Mata, 256, Jaguaribe, João Pessoa/PB. CEP: 58015 - 020 – Telefone: (83) 99184 – 4721 – E-mail: eticaempesquisa@ifpb.edu.br Atenciosamente, _______________________________________________ Assinatura do Pesquisador 237 238 239 240 241 242 243 APÊNDICE C INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS (GRUPO FOCAL) PERGUNTAS TEMPO Sociedade Excludente 20´ Vocês se sentem incluídos(as) em nossa sociedade? O que vocês sentem nesse momento de não inclusão?  O que é inclusão? Poderiam citar um exemplo vivido que representou um contexto de não inclusão? Movimento de Economia Solidária e Empreendimentos Econômicos Solidários 20´ Já ouviram falar em Economia Solidária? O que vocês conhecem da Economia Solidária? Vocês são um grupo de produção de Economia Solidária?  Fazer parte de um grupo de produção ajuda a sair deste tipo de situação de não inclusão?  Que transformações são percebidas (pessoais e coletivas) a partir da vivência no grupo de produção? Educação em Economia Solidária 50´ Quais as principais contribuições dos momentos de formação (cursos, assessorias, etc.)?  Essas formações contribuíram em que na vida pessoal e do grupo?  O que vocês mais aprenderam?  Houve alguma vantagem para o grupo? Levou a alguma mudança?  Quais as contribuições para melhoria de renda? Que outras melhorias vocês poderiam destacar? Princípio Educativo-Emancipatório 20´ Quais as contribuições dos momentos de formação (cursos, assessorias, etc.) vivenciadas no grupo de produção para a prática da liberdade, da autonomia, da criticidade, da reflexão, etc.? Cite exemplos práticos de ações que ilustram essas práticas. Obrigado pela sua colaboração! Alysson André Régis Oliveira Drª Marlúcia Menezes de Paiva Doutorando – PPGED/UFRN Orientadora– PPGED/UFRN 244 APÊNDICE D INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS (APROFUNDAMENTO INDIVIDUAL) 1) Sociedade Excludente  Você se sente incluído(a) em sociedade? Esta situação se dar por quê?  Você poderia falar de sua vida antes de entrar no grupo de produção? Como era sua situação de vida? Antes da experiência de grupo, como você se sentia? Sente-se melhor depois que entrou no grupo de produção? Por quê? 2) Movimento de Economia Solidária e EES  Quais os princípios deste grupo de economia solidária? Quando iniciaram foi para quê?  Você acredita que o grupo de produção lhe ajuda na inclusão em sociedade? Por quê?  Você considera o grupo de produção um espaço de educação? Por quê? 3) Educação em Economia Solidária  Vocês percebem os princípios da economia solidária nas formações? Em caso positivo, de que forma?  O que você percebe de diferente nas formações da ES?  Quais foram os principais agentes (assessores/educadores) que promoveram as formações no grupo de produção? Você poderia falar um pouco desses agentes?  Os agentes que realizaram as formações possuíam algo diferente na maneira de ensinar? Ou era igual a qualquer outra formação de vocês?  Quais os valores vivenciados nos momentos de formação? O que você aprendeu tem mudado alguma coisa na vida enquanto pessoa? E na vida em grupo, nas relações? Práxis  As formações contribuíram na prática da reflexão e ação? De que forma?  O que você aprendeu tem ajudado na prática fora do grupo? Em quê? Cite exemplos. Aprendizagem Econômica  O que você tem ganhado pela produção do grupo tem melhorado sua vida? Em quê?  O que você aprendeu na parte técnica (formações) ajudou na melhoria de renda?  O que você tem aprendido melhorou a produção, comercialização, finanças, etc. do grupo? Aprendizagem Política  Depois que você passou a participar do grupo de produção e de suas formações, como você avalia sua ação/participação no grupo e na comunidade?  As formações têm contribuído em lhe tornar um(a) cidadão(ã) melhor? De que forma? 245  Qual o envolvimento do grupo de produção com as questões da comunidade? O grupo tem se envolvido com a melhoria da comunidade? Cite exemplos.  Você acredita que participar do grupo de produção é um ato político? Por quê? Aprendizagem Cultural  As formações têm ajudado nas relações dentro do grupo (uma com as outras) e nas relações em casa? Na comunidade? Relações na organização do grupo?  Você se sente uma pessoa mais solidária depois de participar do grupo de produção? Por quê? 4) Princípio Educativo Emancipatório  As formações têm colaborado para sua autonomia (você decidir o que quer fazer, tomar decisão de forma livre, decidir seu destino)? Já aconteceu isso, como foi? Isso lhe ajuda na inclusão na sociedade?  As formações colaboram para a formação de uma consciência crítica? Qual a importância em ser crítico em uma sociedade de excluídos?  As formações têm lhe ajudado para uma nova leitura de mundo? Como você pensava antes das formações? O que mudou? Isso ajuda na inclusão em sociedade?  Após o seu envolvimento com as formações do grupo de produção, é possível afirmar que você se tornou uma pessoa mais livre? Como é isso? Qual a importância desta liberdade na sociedade de excluídos?  As formações têm contribuído em lhe livrar de uma situação de opressão? Isso já aconteceu com você? Como foi?  As formações vivenciadas no grupo de produção têm um caráter emancipatório? Por quê? Obrigado pela sua colaboração! Alysson André Régis Oliveira Drª Marlúcia Menezes de Paiva Doutorando – PPGED/UFRN Orientadora– PPGED/UFRN 246 ANEXOS 247 Empreendimento Mulheres da Beira da Linha 248 Empreendimento Cozinha Verde 249 Empreendimento Arte em Nós 250 Empreendimento Criatividade Mil 251 Empreendimento Padaria Comunitária da Comunidade São Rafael 252 Grupos Focais