UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO CARLOS IDELFO ARAÚJO BANDEIRA MICROCRÉDITO EMANCIPATÓRIO NO NORDESTE DO BRASIL? : ESTUDO DE CASO DO CREDIAMIGO COMUNIDADE NOS MUNICÍPIOS DE CAUCAIA-CE E MARANGUAPE-CE NATAL 2008 CARLOS IDELFO ARAÚJO BANDEIRA MICROCRÉDITO EMANCIPATÓRIO NO NORDESTE DO BRASIL? : ESTUDO DE CASO DO CREDIAMIGO COMUNIDADE NOS MUNICÍPIOS DE CAUCAIA-CE E MARANGUAPE-CE Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito para obtenção do Grau de Mestre em Administração. Orientadora: Profª. Mariana Baldi, Dra. NATAL 2008 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Divisão de Serviços Técnicos Bandeira, Carlos Idelfo Araújo. Microcrédito emancipatório no nordeste do Brasil? : estudo de caso do Crediamigo Comunidade nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce / Carlos Idelfo Araújo Bandeira. - Natal, 2008. 116 f. Orientadora: Profª. Dr.ª Mariana Baldi. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Administração. 1. Administração - Dissertação. 2. Crediamigo Comunidade - Dissertação. 3. Banco do Nordeste – Dissertação. 4. Microcrédito – Dissertação. 5. Capital social – Dissertação. I. Baldi, Mariana. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 658 (81) (043.3) CARLOS IDELFO ARAÚJO BANDEIRA MICROCRÉDITO EMANCIPATÓRIO NO NORDESTE DO BRASIL? : ESTUDO DE CASO DO CREDIAMIGO COMUNIDADE NOS MUNICÍPIOS DE CAUCAIA-CE E MARANGUAPE-CE Dissertação apresentada e aprovada em 01/09/2008 à Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: ______________________________________________ Profª. Mariana Baldi, Dra. (Orientadora) Programa de Pós-Graduação em Administração Universidade Federal do Rio Grande do Norte ______________________________________________ Profª. Dinah dos Santos Tinôco, Dra. Programa de Pós-Graduação em Administração Universidade Federal do Rio Grande do Norte ______________________________________________ Profª. Jackeline Amantino de Andrade, Dra. Programa de Pós-Graduação em Administração Universidade Federal de Pernambuco Natal, ii A Deus, Jesus, Espírito Santo e Maria. À minha mãe Ideíde Araújo, minha irmã Carla Teíde e minha sobrinha Iasmin Mendes. Ao meu pai Teodulfo Franco Pinto Bandeira (In Memorian) A Muhammad Yunus e todos aqueles que seguindo o seu caminho estudam e/ou trabalham para oferecer um mundo mais digno aos “mais pobres dos pobres”. iii AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à minha orientadora, doutora Mariana Baldi, pelo exemplo, compromisso e seriedade ao exercer o ofício de mestre, no seu significado freireano. Ao Banco do Nordeste, pelo apoio financeiro. Aos colegas do Crediamigo, sempre disponíveis para os telefonemas, e-mails e entrevistas. Agradecimento especial para o colega Charles Diniz Leandro, o articulador desse processo. Aos professores e servidores do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pelos 50 anos de luta na busca da excelência no ensino e na pesquisa de Administração Pública e de Empresas. Aos clientes do Crediamigo das comunidades visitadas, que na simplicidade e alegria das suas respostas deixaram a pesquisa de campo, as entrevistas e análise de conteúdo menos estafantes e mais prazerosas. Vocês são o sentido de todo esse trabalho. A todos que me ajudaram na realização da dissertação. Especialmente do meu cunhado, jornalista Stellio Silva Mendes, agradeço pelos insights e palavras de otimismo que faziam restabelecer o sentido e a força para continuar. Aos amigos que conquistei em Natal-RN nos dois anos e meio de estada acadêmica. A companhia de vocês nas caminhadas em Ponta Negra, nos chopes no Biroska e nos shows na praça cívica da UFRN, tornou suportável e inesquecível essa temporada. Gostaria de agradecer aos meus colegas, Administradores do Intangível, nome que batizei a minha “Turma 28” pelo zelo que aprendemos a ter uns pelos outros, em todos os momentos, alegres ou difíceis, do Mestrado. Nunca os esquecerei. iv Um dia a gente aprende, [...] aprende que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre a gente, mas nós somos responsáveis por nós mesmos. William Shakespeare v RESUMO Este trabalho consiste em um estudo de caso sobre o Crediamigo Comunidade, um produto do portfólio do Programa Crediamigo do Banco do Nordeste, que utiliza a metodologia dos Bancos Comunitários na concessão de empréstimos de baixo valor para comunidades carentes. A questão central consiste em compreender como se caracteriza o Crediamigo Comunidade frente ao conflito de paradigmas Emancipatório versus Liberal existente no campo do microcrédito. O objetivo geral será analisar as características dos mecanismos: capital social, empoderamento, formação “educação para o crédito” e melhoria das condições econômicas e sociais fomentadas nos objetivos específicos desse produto, diante da disputa entre tais paradigmas. O método adotado analisou em perspectiva longitudinal, os três anos de existência do produto (junho/2005 a junho/2008). Dados primários e secundários permitiram identificar qualitativamente, atributos emancipatórios e não emancipatórios nas ações e resultados do Crediamigo Comunidade. Conclui-se que o Crediamigo Comunidade funciona dentro de uma lógica liberal do Programa Crediamigo, consequentemente, o seu foco não está na emancipação dos clientes “mais pobres dos pobres”. O empoderamento é individual e não comunitário ou freireano; as relações de capital social se ampliam nos seus laços bounding e bridging, mas não nos seus laços linkage, para ter acesso a atores políticos e conseqüente fortalecimento comunitário. Toda a formação no Crediamigo é dentro de uma lógica eminentemente comercial. Essas características se dão pelo paradigma liberal na gestão do Crediamigo e de todos os seus produtos, inclusive no Crediamigo Comunidade. Palavras-Chaves: Microcrédito. Empowerment. Capital social. Educação emancipatória. Crediamigo Comunidade. vi ABSTRACT This piece of work consists in a study case of Crediamigo Comunidade, a product from the portfolio of Crediamigo Program of Banco do Nordeste, that uses the methodology of the Comunitary Banks in the concession of low amount loan to poor communities. The main question consists to understand how the Crediamigo Comunidade is characterized faced to the conflict of emancipatory versus liberal paradigms, that exists in the microcredit area. The main objective will analyze how the mechanisms: social capital, empowerment, formation to credit education and better conditions for economic and social issues promoted in the specific objectives of this product, before the dipute between these paradigms. The method adopted analyzed, in a longitudinal perspective, the three years of the product’s existence (jun/2005 to jul 2008). Primary and secondary data made possible to identify qualitatively, emancipatory and non emancipatory attributes in the actions and results of Crediamigo Comunidade. It is concluded that the Crediamigo Comunidade works in a liberal logic of the Crediamigo Program, consequently, his focus is not in the emancipation of the poorest clients. The empowerment is individual and not communitary or Freiriano ; the social capital relations enlarges itself in its bounding and bridging ties, but not in its linkage ties, to have access to politic actors and consequently communitary strengthen. All the formation in the Crediamigo is strictly commercial. These characteristics happen by the liberal paradigm in the Crediamigo management and of all of its products, including the Crediamigo Comunidade. Key Words : Microcredit. Empowerment. Social Capital. Emancipatory education. Crediamigo Comunidade. . vii LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ACEP Associação Cearense de Estudos e Pesquisa BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNB Banco do Nordeste do Brasil BR Brasil ECINF Economia Informal Urbana FGV Fundação Getúlio Vargas FHC Fernando Henrique Cardoso IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBRE Instituto Brasileiro de Economia IMFs Instituições Microfinanceiras NE Nordeste OEA Orientação Educacional e Ambiental OSCIP Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público ONG Organização Não-Governamental ONU Organização das Nações Unidas PBF Programa Bolsa Família PNMPO Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar X Versus viii LISTA DE ILUSTRAÇÕES QUADROS QUADRO 1 - Modelo de Microcrédito do Banco Grameen ...................................................21 QUADRO 2 – Tipos de Empoderamento.................................................................................25 QUADRO 3 - Os Principais Eixos de Capital Social...............................................................34 QUADRO 4 - Institucionalidade Com e Sem Capital Social...................................................36 QUADRO 5 - Principais indicações do Relatório sobre Desenvolvimento do Banco Mundial em 1991 ....................................................................................................................................40 QUADRO 6 – Portfólio de Produtos do Programa Crediamigo. .............................................55 QUADRO 7 - Características de um Banco Comunitário – Village Bank ...............................64 QUADRO 8 – Programas de formação e capacitação do Crediamigo.....................................87 FIGURAS FIGURA 1 – Estratégias de Desenvolvimento de Capital Social Comunitário. ......................34 FIGURA 2 - Classificação dos Clientes do Programa Crediamigo .........................................53 FIGURA 3 - O Dilema do Microcrédito ..................................................................................63 FIGURA 4 – Organograma dos Bancos Comunitários ............................................................77 TABELAS TABELA 1 - Produtividade do Crediamigo.............................................................................57 TABELA 2 – Clientes Programa Crediamigo X (Microempresários Nordestinos e Beneficiários de Programas Assistenciais)...............................................................................60 ix SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................12 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-EMPÍRICA ...............................................................17 2.1 MICROCRÉDITO..........................................................................................................17 2.1.1 Microcrédito Emancipatório x Microcrédito Liberal ..............................................19 2.1.2 Microcrédito Emancipatório, Empowerment e a Educação Emancipatória ............23 2.2 MICROCRÉDITO E A NOVA SOCIOLOGIA ECONÔMICA ...................................27 2.3 MICROCRÉDITO E CAPITAL SOCIAL.....................................................................29 2.3.1 Capital Social Comunitário .....................................................................................30 2.4 CRÍTICAS AO MERCADO DAS MICROFINANÇAS ...............................................36 3 METODOLOGIA................................................................................................................41 3.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA: AS PERGUNTAS DE PESQUISA .................42 3.2 DEFINIÇÃO CONSTITUTIVA E OPERACIONAL DAS CATEGORIAS ANALÍTICAS DO ESTUDO...............................................................................................42 3.3 DESIGN E PERSPECTIVA DA PESQUISA ................................................................44 3.4 TIPOS DE DADOS E FORMAS DE COLETA............................................................45 3.5 ANÁLISE DE DADOS..................................................................................................47 4 O CREDIAMIGO COMUNIDADE ..................................................................................49 4.1 BANCO DO NORDESTE E PROGRAMA CREDIAMIGO........................................49 4.2 AVALIAÇÃO DO PROGRAMA CREDIAMIGO .......................................................56 4.3 A METODOLOGIA DOS BANCOS COMUNITÁRIOS NO PROGRAMA CREDIAMIGO.....................................................................................................................64 4.3.1 Objetivos Específicos do Crediamigo Comunidade................................................69 4.3.1.1 Melhoria das condições econômicas e sociais do microempreendedor ...........70 4.3.1.2 Empoderamento das comunidades através do convívio grupal........................75 4.3.1.3 Educação para o crédito....................................................................................86 4.3.1.4 Incentivo à formação da poupança ...................................................................89 5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES .........................................................................90 x REFERÊNCIAS .....................................................................................................................96 APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS CLIENTES...............................102 APÊNDICE B - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS GESTORES .............................106 ANEXO A – ARTIGO 1° LEI N° 11110 ..............................................................................110 ANEXO B – As 16 Resoluções do Banco Grameen .............................................................116 xi 12 1 INTRODUÇÃO A partir do trabalho do professor de economia Muhammad Yunus, na aldeia de Jobra em Bangladesh no ano de 1976, e com a inauguração do Grameen Bank em 1978 (em português Banco da Aldeia), foi difundido em todo o mundo o conceito de microcrédito - crédito para os pobres - uma alternativa de combate à pobreza que tem sido reconhecida internacionalmente nos últimos anos por governos e órgãos supranacionais. Em 2005, comemorou-se o ano do microcrédito pela Organização das Nações Unidas (ONU), e, em 2006, Yunus e o Banco Grameen dividiram o Prêmio Nobel da Paz. O período pós-Grameen ficou conhecido, devido a sua importância, como a “Revolução do Microcrédito”; a maioria dos especialistas praticamente desconsidera as experiências anteriores a esse período. Neste trabalho, não se considera o Grameen pioneiro do microcrédito, mas como o caso que deu alcance planetário à temática. Na América Latina e no Brasil a primeira experiência de microcrédito data da década de 1970, com o Projeto UNO em Recife. Somente em meados da década de 1980 e mais fortemente na década de 1990 outras experiências se tornaram mais consistentes. O Brasil, apesar da experiência pioneira, teve uma evolução mais tardia comparado aos seus vizinhos latinos na América do Sul; somente nos últimos 10 anos está ocorrendo a consolidação dessas experiências: bancos, ONG’s, OSCIP’s, cooperativas de crédito, sociedades de crédito ao microempreendedor e programas governamentais, muitas vezes através de parcerias com instituições internacionais, principalmente a Rede Acción e o Banco Mundial, com suas metodologias adaptáveis à realidade nacional implementaram vários “Bancos do Povo” ou “Bancos Populares” (nomes como ficaram conhecidas tais iniciativas no país). Mick (2003), ao estudar as experiências nacionais, diferenciou duas concepções na formatação desses programas. Um paradigma liberal liderado e orquestrado pelo Banco Mundial, voltado para a economia de mercado global e o paradigma emancipatório, alternativo ao liberal, uma concepção de microcrédito mais social de combate à pobreza integrado ao aumento do poder comunitário. Com base nessa tese, iniciou-se esta pesquisa adotando os conceitos de microfinanças de Mick (2003, p.10). Microfinanças é um “conceito que abarca todo o leque de operações financeiras destinadas às populações de baixa renda”. E o conceito de microcrédito de Barone (2002), como: 13 Microcrédito é a concessão de empréstimos de baixo valor a pequenos empreendedores informais e microempresas sem acesso ao sistema financeiro tradicional, principalmente por não terem como oferecer garantias reais. É um crédito destinado à produção (capital de giro e investimento) e é concebido com o uso de metodologia específica (BARONE, 2002, p.11) Porém, há de se fazer uma ressalva a Barone, que utiliza um conceito genérico e não diferencia o viés liberal do emancipatório. Para distinção destaca-se que ao se tratar do microcrédito emancipatório, o público alvo será prioritariamente a população pobre. “Nesse sentido, o MC [microcrédito] se caracteriza como uma política de combate à pobreza, e não exatamente como uma política de financiamento” (HERMAN, 2005, p.272) Outro conceito que se pode identificar no desenvolvimento dessa dissertação foi o de Microcrédito Produtivo e Orientado, regulado pelo Conselho Monetário Nacional através do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado (PNMPO) pela Lei n° 11.110, de 25 de abril de 2005 (ver anexo A). Esta concepção mostrou-se mais próxima do microcrédito emancipatório de Mick. [O microcrédito produtivo e orientado é] concedido para o atendimento das necessidades financeiras de pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de atividades produtivas de pequeno porte, utilizando metodologia baseada no relacionamento direto com os empreendedores no local onde é executada a atividade econômica (Lei n° 11.110, de 25 de abril de 2005, art. 1°). Como principal instituição de microcrédito no país destaca-se o Programa Crediamigo – Programa de Microcrédito Produtivo Orientado do Banco do Nordeste do Brasil S/A. Implementado em 1998, numa ação pioneira para um banco público no Brasil, com o apoio do governo federal e parceiros internacionais, hoje esse programa é considerado o maior programa de crédito popular da América do Sul e o segundo maior da América Latina; com atuação na mesma área do Banco do Nordeste, com 1481 municípios atendidos e uma estrutura de 170 agências e 48 postos de atendimento (BANCO..., 2008). Nota-se que esse Programa ganhou maior importância para o governo federal, a partir da implementação do PNMPO em 2005, quando várias pequenas mudanças estão ocorrendo no sentido de aumentar a escala do programa no mercado elegível de microfinanças urbanas. Nesse sentido, temos: a meta de um milhão de clientes para 2011, ampliação do atendimento do Crediamigo para outras regiões do Brasil, integração do Crediamigo ao Bolsa Família, a criação e consolidação do produto Crediamigo Comunidade, objeto desse estudo. 14 De acordo com os dados primários levantados, o superintendente do programa Crediamigo viajou para conhecer experiências internacionais de microcrédito em 2004, para aprimoramento do Programa. Na ocasião, visualizou a oportunidade de um novo produto, que tivesse a capacidade de ampliar o número de beneficiários do Crediamigo, concentrando no atendimento de clientes mais pobres e permitindo um maior empoderamento dos mesmos. O novo produto - Crediamigo Comunidade - atua na formação de bancos nas comunidades, com a participação de 15 a 30 microempreendedores que não têm acesso ou têm acesso limitado ao crédito do setor financeiro convencional ou tradicional e que tenham ou queiram iniciar uma atividade produtiva. Os benefícios diferenciados desse produto são: a) melhoria das condições econômicas e sociais do microempreendedor de pequenos negócios; b) incentivo à formação de poupança; c) empoderamento das comunidades através do convívio grupal e d) educação para o crédito. Aqui, procura-se entender as tensões entre o paradigma neoliberal e emancipatório no Programa/Produto Crediamigo Comunidade. Por se tratar de uma experiência de um Banco de Desenvolvimento Público atuando no mercado de microfinanças, reconhecido mundialmente como uma experiência pioneira e de êxito nesse sentido, convém pesquisar o que faz de diferente uma instituição de caráter público ao atuar no campo do microcrédito. Nesse sentido, a questão de partida colocada é: Como se caracteriza o Crediamigo Comunidade nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce frente ao conflito de paradigmas Emancipatório versus Liberal existente no campo do microcrédito? Assim, tem-se como objetivo geral deste trabalho analisar as características dos mecanismos, capital social, empoderamento, formação “educação para o crédito”, melhorias das condições econômicas e sociais fomentados nos objetivos específicos do Crediamigo Comunidade, diante da disputa entre os paradigmas liberal e emancipatório. No que concerne aos objetivos específicos, destacam-se: a) Analisar as mudanças econômico-sociais ocorridas no perfil dos clientes do Crediamigo Comunidade nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce; b) Analisar o “empoderamento” no Crediamigo Comunidade nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce; c) Analisar as relações de capital social no Crediamigo Comunidade nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce; 15 d) Analisar a formação “educação para o crédito” no Crediamigo Comunidade nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce. Em um mundo de hegemonia neoliberal ou liberal, nos termos de Mick, as nuances do microcrédito se confundem e muitas vezes se perde o foco da experiência pioneira e emancipatória do Banco Grameen. O Brasil, neste contexto, apresenta desafios para explorar o potencial em microcrédito, sub-aproveitado até o momento, apresentando um sistema regulado por poderosos conglomerados financeiros, dominando o mercado de baixa renda com produtos de crédito para consumo, e diferentemente do monopólio vivido pelo Grameen e Programas de outros países, as instituições de microcrédito no Brasil sofrem uma forte concorrência. Na tentativa de aperfeiçoar a crítica à “metodologia” de microcrédito que foi incorporada aos programas brasileiros, iniciou-se a empreitada de estudar a formação dos bancos-comunitários e o conseqüente incremento de capital social nas comunidades atendidas pelo Crediamigo Comunidade. O objetivo maior desse Produto é facilitar o acesso a redes sociais e políticas, que permitam um empowerment dos clientes nas suas comunidades, de modo a melhorar as condições de vida da população mais pobre da Região. Pretende-se ver se isso ocorre de fato e como ocorre. Esta pesquisa se deu em duas localidades de dois municípios cearenses que participaram do projeto-piloto do Produto Comunidade em 2005, Maranguape e Caucaia, no estado do Ceará, pelo fato de possuírem os bancos comunitários mais antigos, com quase três anos de funcionamento, o que dá maior possibilidade de apreensão do fenômeno estudado. Apesar de ciente que fenômenos sociais requerem maior tempo para amadurecerem seus aspectos sociais, políticos e econômicos, o pesquisador ficou satisfeito com os resultados do estudo, que mostram o direcionamento que o caso está se desenvolvendo e serve de base para estudos futuros de validação da temática. Este estudo justifica-se pela importância da temática na agenda nacional, frente à problemática de desigualdade da sociedade brasileira, na construção de políticas de crédito aliadas a outras políticas que, integradas, permitam o exercício de uma cidadania substantiva. Teoricamente também se mostra relevante pela falta de pesquisas que discutam o microcrédito além do seu caráter econômico, dando ênfase aos aspectos sociais e políticos dessas experiências e revelando o poder existente nas relações de capital social entre os atores desse campo. 16 Para que os objetivos da dissertação fossem alcançados e o problema de pesquisa respondido, organizou-se o presente trabalho da seguinte forma. No primeiro capítulo, está a introdução do trabalho. No segundo é apresentado o referencial teórico-empírico, no qual se explorou o fenômeno através da conceituação de microcrédito, dos paradigmas liberal e emancipatório, e das subcategorias: capital social, empoderamento e educação emancipatória. Na última seção deste, foram analisadas críticas ao modelo de microfinanças na ótica liberal. A seguir, no terceiro capítulo, são apresentados os procedimentos metodológicos e os pressupostos que nortearam a realização da pesquisa. Apresentam-se, também, as perguntas da pesquisa, as categorias analíticas utilizadas, o tipo de estudo e os procedimentos de coleta e de tratamento de dados. No quarto capítulo, é apresentada a contextualização do fenômeno e estudos empíricos realizados sobre o fenômeno; em seguida é apresentado e analisado o estudo de caso. Segue-se o quinto capítulo com as conclusões e recomendações, na qual os pontos fundamentais do trabalho são destacados juntamente com as possibilidades de pesquisas futuras. Por fim as referências bibliografias e os anexos da pesquisa. Por questão ética deve-se deixar claro que: A análise, observações, deduções e conclusões contidas nesta dissertação de mestrado, e suas eventuais implicações, são de inteira responsabilidade do autor, não representando, necessariamente, o pensamento ou a concordância do Banco do Nordeste nem de seus administradores. 17 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-EMPÍRICA 2.1 MICROCRÉDITO Ao se deparar com a realidade precária da fome que assolava o seu país, no ano de 1974, o professor de economia da Universidade de Chittagong, Muhammad Yunus, relatou o desafio e o empenho na realização de um sonho pessoal: dar crédito às pessoas mais pobres da sua comunidade, Jobra, em Bangladesh. Contrariando os paradigmas bancários e econômicos, Yunus (2003) demonstrou que os pobres precisam de crédito e não de esmola, pois pagam suas dívidas e têm compromisso em honrar seus empréstimos, por saberem que esta pode ser a única oportunidade de mudarem de vida. Os pobres não podem se permitir não pagar. Um ponto importante do microcrédito pensado por Yunus é a sua experiência emancipatória, dando prioridade à parcela mais marginalizada da sociedade: os 25% mais pobres de Jobra e, dentre eles, principalmente as mulheres, as mais discriminadas na sociedade bengali de maioria islâmica, que passaram a ser clientes, funcionárias e sócias do Grammen Bank. Em Jobra, diminuiu a discriminação sofrida por elas que participavam do Grammen, conforme queixa de um marido a Yunus: Eu gostava de bater na minha mulher. Mas da última vez que bati nela tive um problema. As mulheres do grupo de empréstimo de Farida discutiram e gritaram comigo. Eu não gostei disso. Quem deu a elas o direito de gritar comigo? Eu posso fazer o que bem entender com a minha mulher. Antes, quando eu batia nela, ninguém dizia nada, ninguém se metia. Mas agora isso acabou. O grupo de empréstimo dela me disse que vai ser duro comigo se eu bater nela outra vez (YUNNUS, 2003, p. 149-150). A busca pela emancipação das pessoas, principalmente das mais marginalizadas, sempre foi uma determinante no microcrédito do Banco Grammen. A partir de 1980, Yunnus começou a convocar líderes das agências do Grammen para ampliar e trocar experiências em seminário nacional com representação de todas as agências de Bangladesh. No fim dessa primeira reunião, resolveram redigir algumas resoluções que nos anos seguintes foram melhoradas e ampliadas, sendo que em 1984, em Joydevpur, as resoluções iniciais passaram a ser 16 definitivas que cada membro tenta incorporar à sua vida diária, 18 dando um significado emancipatório às suas comunidades, servindo de encorajamento às mulheres na luta pela conscientização de seus direitos de cidadãs1. Outro ponto importante, resultado do estudo empírico de Yunus na aldeia de Jobra, foi formatar uma metodologia própria de concessão de crédito para os pobres: a formação de grupos de aval solidário, no qual os pobres, mesmo não possuindo garantias reais, podem, através da solidariedade entre os mesmos, conseguir empréstimos bancários. Cada integrante do grupo é co-responsável pelo empréstimo de todos e nessa união conseguem romper a barreira da pobreza. Nessa descoberta, Yunus convenceu-se de que os pobres eram bons pagadores. Conforme relata: Para minha grande surpresa, percebi que o pagamento dos empréstimos sem caução funciona muito melhor do que quando uma garantia é importante. De fato, mais de 98% dos nossos empréstimos são pagos, porque os pobres sabem que essa é a única chance de sair da pobreza e não podem recuar ainda mais (YUNUS, 2003, p. 109). Yunus conseguiu não apenas mudar a realidade de vida de sua comunidade, mas hoje, sua concepção é utilizada e propagada em todo o mundo, rompendo paradigmas e barreiras impostas aos pobres pelo setor bancário tradicional. Ele acredita no poder emancipatório de cidadania do microcrédito, que os pobres são pessoas criativas, acostumadas a viver situações adversas e sabem aproveitar uma oportunidade quando esta chega. Para Ribeiro; Carvalho (2006) e Rocha; Mello (2004) nota-se, a partir da década de 1980 e com o aceleramento desta tendência na década de 1990, a transformação do microcrédito como ferramenta de combate à pobreza, conforme pensado por Yunus, para um modelo de microfinanças orientado para o mercado. Tal modelo é fomentado por uma perspectiva neoliberal liderada pelo Banco Mundial. Esta tendência é patente na América Latina, inclusive no Brasil. A transformação do Banco Sol [na Bolívia] marcou o início de uma tendência mundial [...] ‘a comercialização das microfinanças’ isso se refere a uma tendência de as instituições de microfinanças não só se tornarem instituições regulamentadas com fins lucrativos, como também de encararem a atividade comercial. A venda de serviços financeiros a microempreendedores de baixa renda, já reconhecida como viável financeiramente, começa a ser vista por um grupo importante de profissionais do setor como uma estratégia de mercado, que pode ser adotada por instituições financeiras interessadas em trabalhar em certos nichos ou com certos segmentos da população (ROCHA; MELO, 2004, p.101) Para entender as mudanças ocorridas nas últimas décadas no campo do microcrédito, onde o foco deixou de ser “os mais pobres dos pobres” (YUNUS, 2003) para um público de 1 Ver ANEXO A. 19 “baixa renda”, Mick (2003) dividiu sob a visão de dois paradigmas: emancipatório e liberal, as experiências de microcrédito no Brasil. 2.1.1 Microcrédito Emancipatório x Microcrédito Liberal Mick (2003) e Hermann (2005), dividiram de forma semelhante as discussões sobre concepções de microcrédito no Brasil em dois paradigmas: de um lado, as leituras que situam o microcrédito no contexto do fortalecimento da economia de mercado, liderado pelo Banco Mundial, voltado para o apoio financeiro e, por vezes, técnico a pequenos negócios já estabelecidos pela “concepção liberal” (MICK, 2003) ou “modelo empresarial” (HERMANN, 2005). E por outro lado, as que buscam o surgimento de espaços de sociabilidade alternativos ao capitalismo, que se definem como instrumento de combate à pobreza, inspirados na experiência de Yunus e do Banco Grameen, sendo “concepção emancipatória” (MICK, 2003) ou “modelo original” (HERMANN, 2005). As principais distinções para Hermann (2005) nos seus dois modelos é o público alvo do microcrédito. No modelo empresarial, se busca atender aos micros e pequenos empresários já estabelecidos no mercado que buscam uma expansão dos seus negócios e ascensão social. Já no modelo original o foco está nos pobres, desempregados ou pessoas atuando em atividades precárias do setor informal que buscam no microcrédito uma forma de sobrevivência. Herman caracteriza o modelo original como o modelo de maior potencial para uma mudança social mais positiva em relação à geração direta de emprego, melhoras no consumo de alimentação e política de inclusão social. Mesmo assim, é cético à revolução social prometida pelos dois modelos: “o MC [microcrédito] está longe de ser um problema para desemprego [...] atua apenas como um paliativo do problema, capaz de reduzir os impactos perversos do fraco crescimento sobre as populações pobres” (HERMAN, 2005, p. 287). Segundo Mick (2003), o paradigma liberal revela que o combate à pobreza passa obrigatoriamente pelo bom funcionamento do mercado, mas que raramente os empreendimentos financiados conseguem crescer a ponto de integrar-se espontaneamente a processos de produção e comercialização mais amplos. Sua competitividade é restrita aos vínculos locais de consumo, carentes de tecnologia e raramente resultam em inovações. 20 Em suma, como conseqüência, nota-se que o crédito produtivo isolado de práticas solidárias e emancipatórias, pode reproduzir entre os pobres os traços culturais característicos do capitalismo: a concorrência e o individualismo. Na concepção do paradigma emancipatório, governos e organizações de esquerda têm incentivado a atuação de instituições microfinanceiras integradas a projetos de desenvolvimento econômico e social, que têm como objetivo de fundo a constituição de redes anticapitalistas. Nesse sentido, constata-se o fortalecimento da experiência do Banco Palmas e do Instituto Palmas, na periferia do município de Fortaleza no estado do Ceará (SILVA JÚNIOR, 2004; 2006). O reconhecimento, no final de 2005, do Banco Palmas como Tecnologia Social – pela Fundação Banco do Brasil – confirmou os propósitos e as oportunidades geradas por este banco comunitário nos seus 08 anos de existência e de sua capacidade de replicação (SILVA JÚNIOR, 2006, p.12) Segundo a concepção de desenvolvimento alternativo de Santos (2005), os projetos de microcrédito emancipatórios devem possuir 5 pressupostos comuns: a) Ser crítico à estrita racionalidade econômica que inspirou o pensamento e as políticas de desenvolvimento dominantes, ou seja, ser contra a idéia de que a economia é uma esfera independente da vida social, cujo funcionamento requer o sacrifício de bens e valores não econômicos; b) Fortalecer a sociedade civil para a construção de um poder comunitário, que possa criar o poder potencial das iniciativas econômicas populares para atingir a esfera política e gerar um círculo virtuoso que contrarie as causas estruturais da marginalização; c) Concentrar iniciativas e reflexões no espaço do local, compreendido como território para emergência de novos padrões de sociabilidade e para o enfrentamento contra-hegemônico; d) Pôr ênfase no caráter coletivo das iniciativas, em oposição simultaneamente a propriedade privada capitalista e à socialização centrada pelo Estado (tipo gestão solidária), cultivos coletivos para sobrevivência, criação de moeda social; 21 e) Estimular à autonomia na implantação das estratégias econômicas, o que significa a promoção de iniciativas baseadas em autogestão e o suporte à construção de poder comunitário. O paradigma emancipatório citado por Mick segue a mesma orientação adotada pela experiência seminal de Yunnus em Bangladesh: a formatação de um programa de microcrédito dessa concepção não pode desvirtuar das características essenciais do Banco Grameen (QUADRO – 1), que sempre buscou atender aos mais pobres e apoiar a emancipação das mulheres do país, a parcela mais pobre e discriminada. Público-alvo Busca-se atender os 25% mais pobres da população. Entre os pobres, o Grameen dá preferência às mulheres, 94% de sua clientela, e busca a emancipação delas na sociedade islâmica de Bangladesh, incorporando mudanças sociais às mudanças econômicas. Valor do crédito e forma de pagamento O crédito é um direito dos cidadãos mais pobres, para a melhoria de sua qualidade de vida e como ferramenta de combate à pobreza. Os empréstimos iniciais variam de US$ 12 a US$ 15 (empréstimos de baixo valor), têm prazo de um ano (prazo longo), e as parcelas devem ser pagas semanalmente ou bissemanalmente (pagamentos em curtos períodos), num ritual que reforça a exigência de responsabilidade por parte do devedor. Se o cliente pagar em dia, poderá obter valor mais elevado quando da renovação. Taxas de juros O direito ao crédito, contudo, não deve ser confundido com assistencialismo. É um princípio do Grameen cobrar juros e encargos suficientes para cobrir as despesas operacionais e o custo do dinheiro. O banco cobra 20% de juros anuais nos empréstimos para geração de renda (negocia nas condições de mercado). Assim, conseguiu tornar-se a instituição financeira mais saudável de Bangladesh. Destinação do crédito A maior parte do trabalho do Grameen consiste em emprestar dinheiro para a criação do auto-emprego por atividades geradoras de renda e para a habitação aos, pobres, em oposição ao consumo. Garantias Como alternativa às garantias tradicionais (bens ou fiador), o Grameen criou um sistema conhecido internacionalmente, que no Brasil recebe o nome de aval solidário. O grupo todo é responsável pelo pagamento das parcelas de cada tomador, o que gera o peer monitoring, (monitoramento do cumprimento) dos compromissos de cada devedor pelos demais integrantes do grupo. Suporte jurídico A inadimplência média do Grameen é de aproximadamente 2%. A inexistência de registros inviabiliza o recurso à Justiça para a cobrança de dívidas. O Grameen não tem advogados. As fundações do sistema de crédito firmam-se, resta óbvio, em relações de confiança nada tênues, não em procedimentos e sistemas legais. À confiança do banco que lhes ofereceu dinheiro, os clientes respondem com regularidade nos pagamentos. Operacionalização Os custos operacionais do Grameen são incluídos nos encargos sobre os empréstimos, como em qualquer banco comercial. Mas a natureza dos custos operacionais é distinta, a começar pela dinâmica de atendimento. Os funcionários do Grameen não esperam dentro das agências pela chegada de clientes; vão às comunidades à procura do público-alvo. Normatividade moral O sistema é acompanhado a uma dinâmica de motivação que envolve a adesão explícita a um conjunto de 16 compromissos, alguns dos quais contestam valores tradicionais (ANEXO A) As regras, de acordo com Yunus (2003, p. 146), “ajudam a dar um significado à vida dos membros do Grameen. Elas fazem com que o Grameen se torne uma parte mais próxima da vida dessas pessoas”. 22 Propriedade Os clientes são os donos do Grameen. Desde 1986, elegem nove dos 13 integrantes do Conselho de Administração – embora o presidente do órgão seja ainda nomeado pelo governo, o que é estratégico, considerando que os conselheiros financiados são, geralmente, analfabetos. O Conselho nomeia a diretoria. QUADRO 1 - Modelo de Microcrédito do Banco Grameen Fonte: Adaptado Mick (2003, p.31-35) Pelo paradigma emancipatório passa-se a ver os mutuários do microcrédito como cidadãos participantes. O acesso ao crédito significa um importante reforço à auto-estima dos mais pobres. Uma gratidão que eles respondem com o seu pagamento em dia. O crédito potencializa as habilidades para a atuação política e social, indo muito além de meros méritos econômicos como na visão liberal (MICK, 2003) Mick (2003) aponta ainda duas dificuldades a serem superadas pelos programas de microcrédito brasileiros dentro da concepção do paradigma emancipatório. Essas dificuldades, que serão investigadas mais detalhadamente nesse trabalho, são: a) Uma concepção que limita-se ao local sem muita articulação com os mercados regionais globais, pois existe a concorrência global capitalista. “A solidariedade gerada no interior da comunidade não se estende a membros de outras comunidades” (SANTOS, 2005, p.53) b) Especificamente para o Brasil, Mick aponta uma outra dificuldade citada por Singer (2002, p.83): que as instituições brasileiras de microcrédito raramente agem de forma diferente de bancos convencionais e “sacrificam a prioridade aos mais pobres e o caráter democrático e emancipatório, que são as marcas do Grameen”. No Brasil, há 30 “bancos do povo” apoiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e que pretendem aplicar aqui sua proposta. O exame detalhado dessas experiências mostra que quase todas deixam muito a desejar. Elas são em geral desenvolvidas por bancários e financiadas por banqueiros, o que as deixa muito mais próximas dos bancos convencionais do que o antibanco de Bangladesh (SINGER, 2002, p.83) Vale ressaltar que Singer (2002, p. 81) vê a experiência de Yunnus e do Banco Grameen como uma cooperativa que está tendo sucesso no terceiro mundo. O Banco Grameen (Banco da Aldeia) “é o antibanco, e faz tudo o que os bancos convencionais fazem... porém ao contrário”. Para o autor os programas de microcrédito brasileiros poderiam se espelhar nessa experiência, para não perder as peculiaridades de um programa de microcrédito emancipatório. 23 Pensando nisso, o autor desta pesquisa considera relevante e imprescindível a importância da práxis da pedagogia dialógica, que de acordo com Freire (2005, p. 42) é a “reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo, sem ela, é impossível a superação da contradição opressor-oprimido” no campo do microcrédito. Sem ela não há possibilidade de formação de um programa de microcrédito emancipatório que responda aos desafios relatados por Mick (2003). 2.1.2 Microcrédito Emancipatório, Empowerment e Educação Emancipatória Uma crítica do autor deste trabalho a Mick (2003), é que apesar dele ter a premissa que as dimensões emancipatórias do microcrédito só podem ser alcançadas a partir da combinação de crédito com programas educativos e de fortalecimento comunitário, ele não se aprofunda teoricamente na discussão dessas temáticas e, com o intuito de suprir essa limitação, incorpora-se a este estudo a pedagogia do oprimido (ou pedagogia do diálogo) (FREIRE, 2005), de relevante importância para não se cair em uma armadilha da visão hegemônica do microcrédito liberal. Dizer que os homens são pessoas, e como pessoas, são livres, e nada concretamente fazer para que esta afirmação se objetive, é uma farsa (FREIRE, 2005, p. 40) Freire (1996; 2005) denuncia os mitos e a alienação que ocorre na dominação e nas relações de poder entre os opressores e oprimidos, o que chama de aberração da ordem capitalista: “a miséria na fartura”. Isso fica evidente em alguns mitos no campo do microcrédito “O mito de que todos, bastando não ser preguiçosos, podem chegar a ser empresários – mais ainda, o mito de que o homem que vende, pelas ruas, gritando: ‘doce de banana e goiaba’ é um empresário tal qual o dono de uma grande fábrica” (FREIRE, 2005, p.159) Freire (1996) considera ainda que o discurso da globalização dita uma ética de mercado e não uma ética universal do ser humano. Por isso, a importância no campo do microcrédito de denunciar toda a ideologia neoliberal por trás de “verdades fatalistas” que responsabilizam em absoluto os pobres pelo sucesso ou insucesso profissional e na vida, ou os condena pela impossibilidade de mudar “a ordem natural dos fatos”. 24 A única opção que restaria aos pobres seria a resignação à realidade, ou pior, a incorporação aos valores dos opressores, tornando-os “seres híbridos”, “míopes” em enxergar a realidade. A estrutura de seu pensar [dos oprimidos] se encontra condicionada pela contradição vivida na situação concreta, existencial, em que se ‘formam’. O seu ideal é, realmente, ser homens, na contradição em que sempre estiveram e cuja superação não lhes está clara, é ser opressores. Estes são o seu testemunho de humanidade (FREIRE, 2005, p.35) Os beneficiários do microcrédito podem, uma vez ao conseguirem o crédito e se estabelecerem comercialmente, transformarem-se em patrões mais opressores que os seus antigos chefes, ficando claro que os oprimidos não conseguem se libertar e continuam escravizados pelos “opressores” que existiam e continuam a existir dentro deles. Na contra-correnteza da pedagogia opressora, existem iniciativas sociais que procuram a libertação e uma ética intrínseca ao ser humano, social, na formação de um “homem novo”. “A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos” (FREIRE, 2005, p.38) É imprescindível a consciência à realidade que nasce do “homem novo” construído com eles dialogicamente na práxis da ação-reflexão, como relata a atitude de um operário da periferia entrevistado por Freire: “Não é o favelado que deve ter vergonha da condição de favelado, mas quem, vivendo bem e fácil, nada faz para mudar a realidade que causa a favela. Aprendi isso com a luta” (FREIRE, 1996, p.82) Baquero (2006) adverte sobre o uso indiscriminado do termo empowerment2, que possui suas raízes na reforma protestante, sob os valores do protagonismo na justiça social, passando a ser utilizado na segunda metade do século XX nos EUA, aos movimentos emancipatórios de classes desfavorecidas (negros, mulheres, homossexuais), exercido através de atividades culturais, artísticas e no exercício profissional. Ela faz menção a 4 níveis de empoderamento diferentes utilizados na literatura acadêmica: 2 “A inexistência do termo “empoderamento” na língua portuguesa e a diversidade de sentidos do termo ‘apoderamento’ ilustram a dificuldade de realizar a tradução fidedigna de empowerment para o nosso idioma.” (BAQUERO, 2006, p.79) 25 EMPODERAMENTO EM NÍVEL INDIVIDUAL: Trata-se de uma auto-emancipação, fundada numa compreensão individualista de empoderamento, que enfatiza a dimensão psicosocial. Tal noção desenvolve- se na sociedade norte-americana, cuja cultura tem sido cooptada pelo individualismo e pelas noções individuais de progresso, orientada para o “self made man” (o homem que se faz por seu próprio esforço pessoal). EMPODERAMENTO ORGANIZACIONAL: Utilizado no discurso mainstream, busca-se obter o comprometimento dos empregados, com o objetivo de melhorar o desempenho da organização. Sua finalidade é aumentar a produtividade da empresa. EMPODERAMENTO COMUNITÁRIO – envolve um processo de capacitação de grupos desfavorecidos para a articulação de interesses e participação comunitária, visando à conquista plena dos direitos de cidadania, defesa de seus direitos e a influenciar ações do Estado. EMPOWERMENT DA CLASSE SOCIAL FREIREANO – “Como a classe trabalhadora, através de suas próprias experiências, na sua própria construção de cultura, se empenha na obtenção do poder político. [...] Indica um processo político das classes dominadas que buscam a própria liberdade da dominação, um longo processo histórico de que a educação é uma frente de luta” (BAQUERO, 2006, p. 84 apud FREIRE, 1986, p.138) Quadro 2 – Tipos de Empoderamento. Fonte: Adaptado Baquero (2006, p. 81-84) Para Baquero (2006), Freire possui uma concepção própria de empowerment, no qual a libertação é um ato social, “um processo de ação coletiva que se dá na interação entre indivíduos, o qual envolve, necessariamente, um desequilíbrio nas relações de poder na sociedade” (BAQUERO, 2006, p.84) Além da conscientização do diálogo com as massas e do empowerment freiriano; Santos (2005, p.53.) põe ênfase em ações de desenvolvimento alternativo, “que sejam capazes de pensar e atuar em escala local, regional, nacional, e até mesmo global, dependendo das necessidades das iniciativas concretas.” Uma outra forma de globalização, uma globalização alternativa, contra hegemônica, constituída pelo conjunto de iniciativas, movimentos e organizações que, através de vínculos, redes e alianças locais/globais, lutam contra a globalização neoliberal mobilizados pela aspiração de um mundo melhor, mais justo e pacífico que julgam possível e ao qual sentem ter direito. Esta globalização é apenas emergente e teve no Fórum Social Mundial de Porto Alegre em janeiro de 2001, a sua manifestação mais dramática até hoje (SANTOS, 2005, p.15) Como exemplo de possibilidade desse desenvolvimento alternativo e comunal, (SANTOS, 2005) apresenta o resultado do trabalho realizado na Serra do Caldeirão, em Portugal. 26 Esta serra é um dos inúmeros territórios rurais europeus de hoje que são vítimas da marginalização, condenados a uma extinção progressiva pelos ‘macroarquitetos’ da economia moderna. Aqui estava, portanto, a arena natural para a peleja entre as novas ideologias econômicas e a determinação de “por as pessoas em primeiro lugar” e de fazer a demonstração prática de que a vontade, a emoção, o querer e a ação humanas podem resistir aos desígnios destrutivos da economia mundial. O primeiro obstáculo a ultrapassar era a onda de derrotismo existente entre a população local. Tinham interiorizado uma entidade negativa (SANTOS, 2005, p.442) Conhecida como “terra de ninguém”, sem perspectivas para os mais jovens, Melo constatou que entre o nível local e a esfera pública havia um grande hiato. Faltava informação e formação para que as pessoas aproveitassem todo potencial de suas comunidades. E em conseqüência de um intenso trabalho junto às comunidades da Serra, em 1992, através da associação In Loco, foi planejada uma feira para a região algarvia – a “Feira da Serra”. Ao longo das 18 edições desta feira, criou-se entre os produtores participantes um forte sentimento de que não participam apenas como vendedores, mas também como ‘embaixadores’ da serra e porta-vozes da sua ‘diferença’, da sua cultura local, e sentem-se bastante orgulhosos desse fato (SANTOS, 2005, p.449) Uma nova identidade, alicerçada em um processo de animação, informação, formação, ligação e restauração da auto-estima dos moradores da Serra. O resultado positivo da Feira da Serra demonstra que a conscientização comunitária na luta por mudança social pode mudar a visão pré-determinista que comunidades carentes estão condenadas para sempre a pobreza devido ao seu baixo grau histórico de civismo comunitário. Estratégias de empoderamento da comunidade supõem, entre outras iniciativas, a educação para a cidadania, a socialização e problematização de informações, o envolvimento na tomada de decisões dentro de um processo de diagnóstico, o planejamento e a execução de projetos e iniciativas sociais (BAQUERO, 2006, p.87) Na experiência da Serra do Caldeirão, pode-se perceber a importância do fortalecimento comunitário e da mudança de perspectivas dos cidadãos, sua união para transformação da realidade local, ou seja, a formação de capital social rumo ao desenvolvimento econômico, ultrapassando a estrita lógica de mercado, hegemônica às teorias econômicas neoliberais. 27 2.2 MICROCRÉDITO E A NOVA SOCIOLOGIA ECONÔMICA Professores de economia no Brasil, Moreira e Abramovay (2006) contrapõem em seu trabalho a tendência da estrita “comercialização das microfinanças” da economia neoliberal. Eles vêm estudando a concepção de microcrédito de Yunus e como esta se adapta à realidade brasileira, enxergam nesta concepção uma modalidade para massificação do acesso dos mais pobres ao crédito produtivo no país. Abramovay (2004) estuda o crédito sob o enfoque da Nova Sociologia Econômica, entendendo a economia e os mercados a partir de construções sociais, teoria essa que coloca em dúvida alguns dos pressupostos comportamentais básicos da Teoria Neoclássica, e segue a linha polanyiana do embeddedness, imersão da economia na vida social. Para a Nova Sociologia Econômica, o objetivo é mostrar que nos mercados os vínculos sociais concretos localizados são determinantes de suas dinâmicas e que, portanto, sua auto-regulação depende da própria maneira como a interação social ocorre. Para Swedberg (2004, p.8) “Todos os fenômenos econômicos são sociais por natureza; estão enraizados no conjunto ou em parte na estrutura social. Segundo os sociólogos da economia, o homo economicus não existe”. O autor, no entanto, critica o caminho que a maioria dos autores da nova sociologia vem adotando, principalmente os da sociologia econômica norte-americana, que privilegiaram em demasia os estudos de redes e o impacto das relações sociais, sem uma fundamentação teórica aprofundada e sem dar qualquer atenção aos interesses e ao poder nessas relações, como faz, em contrapartida, os autores da sociologia econômica francesa. Nesse sentido destaca-se o trabalho de Bourdieu. Enquanto a sociologia econômica norte-americana predominante focaliza o ‘enraizamento’, as redes e a construção social da economia, Bourdieu possui uma análise muito mais estrutural e talvez também mais realista. Baseado nos quatro conceitos-chave de habitus, campo, interesse e capital (social, cultural, etc.), Bourdieu parece menos interessado na maneira como opera a economia oficial do que na maneira como as pessoas vivenciam suas vidas na economia, ao enfrentar e ao mesmo tempo sofrer o impacto das condições econômicas [...] a maioria dos sociólogos econômicos norte-americanos limita-se a descrever o impacto das relações sociais na economia, deixando o interesse a cargo dos economistas (SWEDBERG, 2004, p. 12) O autor destaca também o trabalho de outros autores franceses, como Luc Boltanski e Eve Chiapello no livro The new spirit of Capitalism (1999). Tais estudiosos ligam os trabalhos dos autores da sociologia econômica americana ao fenômeno que denominam de 28 “novo espírito do capitalismo”, no qual o capitalismo de redes contribui para um projeto ideológico por meio da defesa da teoria de redes, da descentralização e da produção flexível. O que se pode considerar um contra-serviço aos pressupostos alternativos a que se propõe a Nova sociologia econômica. Grun (2004) preocupa-se com o “espírito” dessa sociologia econômica à americana, que é disseminada ideologicamente junto com o conceito de “boa governança corporativa”, no qual o Estado e as empresas devem ser disciplinados pelos mercados financeiros. Essas teorias liberais são transmitidas e normatizadas para os países da América Latina pelos “Chicago Boys”. Chicago boys – trata-se dos estudantes de economia, administração ou de direito latino-americano que vão estudar nas universidades norte-americanas, eventualmente também trabalhar no mercado financeiro daquele país ou nos órgãos econômicos multinacionais, para depois voltarem aos seus países de origem e ali se tornarem propagandistas e aplicadores das novidades com as quais tomaram contato no estrangeiro (GRUN, 2004, p.155). No mundo neoliberal todos estão expostos a uma ideologia impregnada de discursos contra o welfare state (o estado do bem estar social) e estimulados a praticar o self help (se vire por conta própria) ligado à tradição calvinista. “Muitas coisas que nos são vendidas como provenientes da economia pura e universal não passam da universalização de uma visão histórica muito precisa: a visão de mundo americana” (BOURDIEU, 2002, p.26) Não obstante à hegemônica liberal americana, para Abramovay (2004), os mercados só podem ser compreendidos como espaços reais de confronto entre atores, cuja forma depende exatamente da força, da organização, do poder e dos recursos de que dispõe cada parte. A abordagem sociológica dos mercados procura compreendê-los não como premissas da ação econômica, mas como resultados concretos — e sempre imprevistos, uma vez que dependentes da evolução real da relação entre os atores — da interação social. Em pesquisa de Moreira e Abramovay (2006) acerca da relação entre capital social e microcrédito na organização de microcrédito, ligada à Prefeitura de São Paulo (São Paulo Confia), mostra a importância de se conhecer a realidade local e as circunstâncias financeiras em que vive uma comunidade pobre na periferia das grandes cidades, e que não se pode generalizar um tratamento dado ao empréstimo bancário na forma tradicional, com exigências de garantias reais ou de não restrições cadastrais, para as pessoas mais pobres, que vivem uma realidade diferente e merecem um tratamento que atenda as suas condições. 29 Boa parte dos pobres têm restrições cadastrais, por razões que não estão associadas a desonestidade ou mesmo a incapacidade real de honrar seus compromissos [...] Em suma, parte significativa dos que têm restrições cadastrais é capaz de pagar os empréstimos que toma [...] os empréstimos seriam feitos com aval do grupo e indivíduos com restrição cadastral seriam admitidos (MOREIRA; ABRAMOVAY, 2006, p.4-5). Para esses autores as pessoas das comunidades carentes possuem meios próprios de avaliar se podem ou não confiar em um indivíduo, através de suas relações de capital social, os cadastros formais restritos no mercado não serve de referência para avaliar o caráter do indivíduo. 2.3 MICROCRÉDITO E CAPITAL SOCIAL Identificadas as duas abordagens teóricas da nova sociologia econômica: Francesa e Americana, destaca-se o trabalho seminal do francês Pierre Bourdieu e o uso que faz das relações de capital social para subverter relações de dominação e exploração, no sentido de desvelar fortes pressões políticas e econômicas que impedem a conquista de uma verdadeira cidadania às pessoas mais pobres. Bourdieu (2006) escreve sobre o poder simbólico, e consegue ao seu modo descobrir o poder onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado. O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível, o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem, “O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder” (BOURDIEU, 2006, p. 15). Como alerta Bourdieu (2001), tem que se tomar consciência das forças que constroem a política neoliberal e começar a agir contra as mesmas com métodos científicos e econômicos, se quiser avançar em alguma questão da sociedade, um “contrafogo”, uma arma compatível contra as armas neoliberais utilizadas. Fazer isso é imprescindível para se avançar no campo do microcrédito brasileiro em direção à “revolução” do microcrédito iniciada por Yunus em Bangladesh. 30 A vulgata neoliberal, ortodoxia econômico-político tão universalmente imposta e tão unanimemente admitida que parece fora das influências da discussão e da contestação, não resulta de uma geração espontânea. É produto do trabalho prolongado e constante de uma imensa força de trabalho intelectual, concentrado e organizado em verdadeiras empresas de produção, difusão e intervenção (BOURDIEU, 2001, p.7-8). Para o autor, a falta de escrúpulos ditada pela política neoliberal no jogo do vale tudo, jogo de interesses puramente econômicos dos poderosos, tem que estar bem claro para os que querem se opor a tal política, uma vez que todo jogo de interesses possui aliados e adversários com maiores ou menores forças e que lutam por seus objetivos o tempo todo em um dinâmico espaço social. “[...] lidamos com adversários que se armam com teorias, e trata-se, ao que me parece, de enfrentá-los com armas intelectuais e culturais” (BOURDIEU, 1998, p. 73) A economia é, salvo algumas exceções, uma ciência fundada no corte, absolutamente injustificável entre o econômico e o social, que define o economicismo. Esse corte está na raiz do fracasso de toda política que não tenha outro fim senão a salvaguarda da ordem e da estabilidade econômicas [...], fracasso que leva a cegueira política de alguns e pelo qual todos nós pagamos (BOURDIEU, 1998, p.70). Para Albagli e Maciel (2002), aos poucos se percebe avanços em reflexões sobre as desigualdades de poder nas teorias de capital social, e o mais importante, começa-se a instrumentalizá-lo através da intervenção de grupos sociais em regiões marginalizadas para construção de sua própria de cidadania. 2.3.1 Capital Social Comunitário Woolcock e Narayan (2002, s/p., tradução nossa), ao discutir a importância do conceito de capital social comunitário dentro de uma perspectiva de desenvolvimento econômico-social, entendem o capital social como uma variável relacional, sociológica, mais forte que a variável psicológica (individual), ou política (institucional), e se referem a esse conceito pondo em evidência o aspecto comunitário: “Capital Social diz respeito as relações com as normas e redes que permitem as pessoas atuarem de maneira coletiva”. Dos quatro enfoques que esses autores distinguem: visão comunitária (restrito aos laços “que unem”, bounding); de redes (amplia-se os laços para os que “criam pontes”, bridging); institucional (relações com o Estado, analisa o contexto político, legal e 31 institucional, os laços linkage) e sinérgica (integra a visão de redes e institucional), esses autores dão maior destaque a este último enfoque, dando ênfase à variável relacional e sociológica do conceito. Visão sinérgica é a que mostra maior fundamento empírico e a que resulta mais apropriada para a formulação de políticas coerentes e de grande alcance, pois insiste em considerar os diversos níveis e dimensões do capital social e reconhece tanto os resultados positivos como negativos que este gera (WOOLCOCK; NARAYAN, 2002, s/p., tradução nossa). Para os autores, os pobres utilizam as redes sociais somente nas horas de crise e de sufoco em extrema necessidade, enquanto que os ricos as utilizam estrategicamente para aumentarem seus lucros de maneira mais racional. Dizendo de outra forma, os pobres sub- aproveitam a utilização de seu capital social em benefício próprio na hora de lutar contra a pobreza e na luta por seus direitos de cidadania. Consciente do uso indevido do termo, Woolcock (2001, s/p., tradução nossa) se mostra um defensor do uso de capital social como uma solução viável para os problemas e políticas para superação da pobreza, afirmando que: “defender as relações sociais como ‘capital’ [...] é nada mais que um reflexo da realidade de que nossas relações sociais constituem uma das formas de enfrentar as incertezas diárias”. Esse autor defende inclusive o conceito de capital social quando se questiona da falta de análise das questões de poder nessa temática. Responde ele: “uma interpretação mais completa revela que além de se poder utilizar a perspectiva de capital social para explicar as relações de poder, pode-se proporcionar uma base construtivista que faça alguma coisa a respeito disso.” (WOOLCOCK, 2001, s/p., tradução nossa) A perspectiva de capital social reconhece que a exclusão das instituições é originada por poderosos interesses criados, mas que os grupos marginalizados possuem recursos sociais únicos que podem ser usados como base para superar essa mesma exclusão e como mecanismo para permitir o acesso a essas instituições (WOOLCOCK, 2001, s/p., tradução nossa) . Durston (2001) defende também a idéia de capital social pró-pobres, ao esclarecer que existe potencial de capital social em todos grupos humanos, sejam ricos ou pobres, pois sua matéria prima consiste em elementos socioculturais que são praticamente universais. “Se o capital social dos grupos privilegiados serve, em parte, para excluir os pobres de forma sistemática de privilégios e em outra parte para debilitar o capital social coletivo desses, é 32 claro que parte da solução é reverter essas dinâmicas.” (DURSTON, 2001, p.36, tradução nossa) Para Woolcock e Narayan (2002) o principal desafio do desenvolvimento econômico para as comunidades mais pobres, é identificar as condições nas quais é possível aproveitar os múltiplos aspectos positivos do Bonding Social Capital, “laços de união” característicos das comunidades pobres, mantendo sua integridade (e se necessário eliminar seus “aspectos negativos”) e ajudar esses pobres a ascender às instituições formais, assim como acumular um estoque de capital social que cria pontes, o Bridging Social Capital. Os autores citam os programas de crédito intergrupais tipo Banco Grameen como um caso de sucesso na utilização eficiente dessas redes. Durston (2000) diferencia o capital social individual, caracterizado como aquele inerente às relações pessoais, no qual as pessoas recorrem em momentos de crise, restrito ao círculo pessoal dos indivíduos e o capital social comunitário. Diferentemente da classificação de Woolcock e Narayan (2002), que restringe capital social de visão comunitária (aos laços bounding, “laços que unem”), o conceito de capital social comunitário de Durston é mais abrangente, considerando além dos “laços que unem”, “laços que criam pontes” e laços verticais também nos contextos legais, institucionais e políticos, mais próximo da visão sinérgica de Woolcock e Narayan. O capital social comunitário é a institucionalização formal e informal que integra as normas culturais de confiança entre indivíduos, por um lado, com as práticas de cooperação entre todos os membros de um sistema social. Os aspectos individuais e coletivos se complementam (DURSTON, 2000, p. 24, tradução nossa) Segundo Durston (2000), a institucionalização de capital social comunitário pode surgir através de pelo menos quatro processos diferentes: A) A co-evolução de estratégias das pessoas; B) As decisões racionais e conscientes dos indivíduos que compõem uma comunidade; C) A socialização das normas relevantes de uma cultura na infância; D) Pode ser induzida por uma agência externa que aplica uma metodologia de desenvolvimento de capacidades de gestão comunitária (DURSTON, 2000, p.24-25, tradução nossa). O autor põe em evidência este último processo, contrariando o determinismo histórico (PUTNAM, 2000), pois verificou que as normas e instituições de capital social comunitário podem ser induzidas intencionalmente por agentes externos, utilizando um amplo repertório de metodologias de capacitação (DURSTON, 1999). 33 Uma crítica pertinente de Durston (2000) aos autores de capital social e, principalmente, à percepção determinística de um fatídico path dependence (subordinação à trajetória), como ficou mais conhecida no trabalho de Putnan (2000), é o de ser uma reificação da cultura de regiões geográficas. Porém, para Durston, de acordo com o enfoque antropológico, as populações se organizam em sistemas totais (em um plano material, organizacional e simbólico), que operam em forma simultânea e complementar, evidenciando assim que mudanças em um dos planos pode iniciar um processo de transição profunda, contrariando o path dependence de Putnan. A frase ilustrativa do path dependence, no trabalho de Putnam (2000, p.188) é a seguinte: “o lugar que se pode chegar depende do lugar de onde se veio, e simplesmente é impossível chegar a certos lugares a partir de onde se está”; o que Durston (1999) contraria em sua pesquisa em comunidades campesinas em Chiquimula, Guatemala. Chiquimula parecia carecer de instituições de capital social. Mas ao resgatar práticas institucionais do passado e surgir novos contextos e oportunidades para desenvolver novas estratégias grupais, foi possível criar capital social nestas comunidades, com apoio externo e capacitação, e converter assim um setor excluído em um ator social do cenário microregional (DURSTON, 1999, p.103, tradução nossa). Em termos gerais, a experiência de Chiquimula sugere algumas revisões à visão determinista cultural e dos equilíbrios sociais negativos para as comunidades pobres que formam parte do marco teórico de capital social de Putnam. O que se viu em Chiquimula foi uma rápida transformação social, geração de capital social em condições adversas em uma “sociedade acívica” nos termos de Putnam. Durston (2000); Fernandes (2002); Woolcock (2001) concordam sobre o papel imprescindível do Estado como protagonista e fomentador de capital social para as classes mais pobres, seu papel de apoiador e mesmo de tutor quando necessário, que pode levar a maiores taxas de êxito nos programas de superação da pobreza incorporando elementos de autogestão e fiscalização de serviços por parte da sociedade civil. Durston (2000, p. 37, tradução nossa) conclui que “o capital social comunitário pode ser construído. Além do mais, o marco teórico de capital social pode servir para enriquecer uma política pública de ‘empoderamento’ de setores sociais excluídos e de extrema pobreza”. Átria (2003) acredita no desenvolvimento de estratégias para combater a exclusão dos mais pobres e melhorar a qualidade de vida dos mesmos. Caracteriza o conceito de capital social comunitário como sendo a capacidade efetiva de mobilizar produtivamente e em 34 benefício do conjunto os recursos associativos estabelecidos nas distintas redes sociais a que têm acesso os membros do grupo em questão. Esse autor formatou duas estratégias de desenvolvimento de capital social, conforme quadro a seguir: a primeira seria uma estratégia de empoderamento, que consiste na ampliação da liderança exercida no grupo para uma liderança externa em benefício do mesmo. Uma segunda seria a estratégia associativa, que consiste na ampliação das redes de maneira que se produzam ações de cooperação do grupo com outros grupos identificados como aliados. CAPACIDADE DE MOBILIZAÇÃO RECURSOS ASSOCIATIVOS Para dentro do grupo (liderança interna) Para fora do grupo (liderança externa) Predomínio de redes sociais internas (relações restritas ao grupo) CAPITAL SOCIAL RESTRITO ( A ) CAPITAL SOCIAL EM DESENVOLVIMENTO ( B ) Predomínio de redes sociais externas (relações abertas a outros grupos) CAPITAL SOCIAL EM DESENVOLVIMENTO ( B’ ) CAPITAL SOCIAL AMPLIADO ( C ) QUADRO 3 - Os Principais Eixos de Capital Social Fonte: Átria (2003, p. 584) Os dois tipos de estratégias de desenvolvimento de capital social comunitário seriam realizados conforme esquema a seguir, ampliando o capital social restrito em termos associativos e/ou de empoderamento. FIGURA 1 – Estratégias de Desenvolvimento de Capital Social Comunitário. A B’ C A B C (ESTRATÉGIA DE ASSOCIATIVIDADE) (ESTRATÉGIA DE EMPODERAMENTO) Fonte: ÁTRIA (2003, p. 584-585) Um cuidado especial que Átria (2003) atenta aos gestores de políticas públicas é que ao planejar as estratégias de empoderamento ou associatividade, tem que ser dado um tratamento altamente flexível ao enfoque das políticas, de maneira tal que elas possam ser desenhadas em sintonia fina com as características do conceito de capital social, tomando 35 devidamente em conta suas dimensões constitutivas e as características de associativismo e empoderamento de cada grupo social. Para o autor provavelmente a adoção de políticas com enfoque de capital social conduza a necessidade dos agentes públicos alterarem a gestão de um marco de políticas que não costumam ser corrente nas percepções e definições do setor público que prevalecem na região. Assim, a incorporação da dimensão de empoderamento nesse marco obriga a revisar em profundidade o rol dos serviços públicos, tanto do ângulo técnico quanto político. Um grupo ‘empoderado’ é um ator capaz de exigir uma quota importante de participação para definir qual é a demanda dos agentes públicos. [...] os grupos sociais ‘destinatários’ serão capazes de definir com algum grau de êxito o que eles entendem como benefícios. (ÁTRIA, 2003, p.589, tradução nossa). Todo o esforço para o desenvolvimento desse capital social comunitário será compensado com um maior grau de legitimidade, aceitação e sustentabilidade social, que passa a ter a política desenhada e aplicada sob o enfoque desse novo marco. A partir daí, pode-se passar a ter um novo paradigma no desenho das políticas públicas no Brasil. O autor deste trabalho possui algumas críticas a alguns posicionamentos teóricos de capital social apresentados por Putnam (2000), Portes (2000) e Woolcock e Narayan (2002) ao evidenciar atributos negativos ao capital social. Portes e Sensenbrenner (1993 apud WOOLCOCK; NARAYAN, 2002) relatam o caso de prósperos imigrantes asiáticos que no estrangeiro adotaram um nome inglês para livrarem-se de obrigações comunitárias para com os seus patrícios que chegaram depois deles, numa abordagem neoliberal diferente do propósito deste trabalho. Aqui, se reconhece os atributos “negativos” do capital social como dificuldades ou desafios inerentes à formação e consolidação de um grupo solidário. A abordagem de Putnam (2000), ao atribuir aspectos negativos de capital social à máfia italiana, ou o clientelismo na política das regiões do sul da Itália, fica entendida como equivocada, por não ter as mesmas raízes de cooperação, confiança, reciprocidade e solidariedade que caracterizam o conceito de capital social. A máfia nesse sentido seria uma antítese do capital social (DURSTON, 2000) e não um “capital social negativo” como sugere (PORTES, 2000). 36 MÁFIA / AUTORITARISMO CAPITAL SOCIAL Baseada em violência Baseado em normas e relações de confiança e cooperação Vingança para resolver conflitos Instituições e autoridade legitimada pelo grupo resolvem os conflitos Traição constante Condutas de confiança geram mais confiança Particularismos Universalismo Familismo Amoral Institucionalidade QUADRO 4 - Institucionalidade Com e Sem Capital Social Fonte: Durston (2000, p.38, tradução nossa) 2.4 CRÍTICAS AO MERCADO DAS MICROFINANÇAS Kraychete (2005) critica autores de microcrédito (COLEMAN, FUKUYAMA, PUTNAM, WOOLCOOK e NARAYAN) que utilizam a teoria de capital social para legitimação de uma ideologia de mercado sem compromisso com a emancipação dos pobres. Para a autora, esses estudiosos tentam legitimar um modelo de capital social de referência liberal adotada pelo Banco Mundial. A noção de capital social, entendida como a influência que exercem as relações sobre as transações sociais, emocionais e econômicas, (COLEMAN, 1990; PUTNAM, 2000; WOOLCOOK e NARAYAN, 2001), ao ser acolhida na atual concepção de desenvolvimento, aparece como importante ponto de apoio às formulações que visam a definição das políticas de combate à pobreza e, em particular, da implantação de um mercado orientado para as microfinanças (KRAYCHETE, 2005, p.156). Segundo Marulanda e Otero (2005, tradução nossa), o microcrédito na América Latina está sendo avaliado apenas em seu aspecto financeiro de rentabilidade e eficiência perdendo o caráter emancipatório de Yunus. Existe uma grande demanda “microempresarial” a ser atendida e as instituições da América Latina estariam atendendo apenas 13,9% do mercado potencial da região. Observa-se um mercado em alta com novas instituições financeiras lutando pelo nicho de mercado dos pequenos, um nicho agora cobiçado pelos níveis interessantes de rentabilidade, que está sendo invadido principalmente por bancos comerciais e micro financeiras reguladas, instituições que predominaram no mercado de microfinanças (MARULANDA; OTERO, 2005, tradução nossa). Essas autoras, no entanto, constataram descompassos e demandas não atendidas no mercado das microfinanças, a falta de atenção para os mais pobres, que moram em áreas de 37 difícil acesso, em zonas rurais, clientes considerados menos lucrativos. Esses, os bancos comerciais e as instituições micro-financeiras reguladas rejeitam por enquanto. Segundo a classificação realizada por tipo de instituição, se concluiu que existe una evidente tendência por parte dos bancos comerciais a concentrar seus empréstimos em valores superiores a US$1,600, seguidos pelas micro-financeiras. Não se sucede o mesmo com as ONG’s as quais só colocam 30% de seus desembolsos nesse segmento, mantendo, todavia uma atividade importante em empréstimos em créditos de menos de US$500 (MARULANDA; OTERO, 2005, p.28-29, tradução nossa). Para as autoras, especialistas e profissionais do ramo do microcrédito não acreditam que o foco comercial que o microcrédito tomou na América latina possa atender aos “mais pobres” em consonância ao microcrédito como política de combate a pobreza idealizado por Yunus. “Uma das grandes inquietudes que marca a discussão sobre o modelo de desenvolvimento da indústria de microfinanças na América Latina, é se seu enfoque comercial está sacrificando a atenção aos mais pobres.” (MARULANDA; OTERO, 2005, p.27, tradução nossa) Eu não creio que a microfinança comercial chega aos mais pobres. Não é porque não queiramos; é porque chegamos a pessoas que já possuem uma atividade econômica, e os verdadeiramente mais pobres não podem fazer uso de microfinanças, seja de uma ONG ou de uma entidade regulada. Os verdadeiramente mais pobres necessitam serviços básicos como educação, água limpa, moradia básica, e isto não é o trabalho de microfinança. Pedro Arriola, Banco Caja los Andes, Bolivia (MARULANDA; OTERO, 2005, p. 30, tradução nossa). Kraychete (2005) estuda como o mercado de microfinanças ascendeu, ao demonstrar de forma clara a defesa de interesses liberais adotados nas políticas de microcrédito do Banco Mundial, que conta com ajuda de instituições de cooperação internacionais e de autores como John Raws, com o conceito de teoria da justiça, Amartya Sem, e o conceito de liberdades substantivas individuais e Marshal com o conceito de cidadania. Utilizando-se de um “canto de sereia” com termos que soam de forma agradável como “liberdade”, “justiça” e “cidadania”, esses autores tentam legitimar e tornar atraente os pressupostos neoliberais (KRAYCHETE, 2005) Com a discussão da propriedade privada e da exploração entre classes sociais fora de questão, o processo de crescimento e desenvolvimento econômico passa a ser um “processo harmônico” e o que passa a ser ressaltado é a melhora da expectativa para todos. Para a autora, o Banco Mundial tenta regular a questão social de forma a evitar os conflitos e resignar os preteridos do processo (os pobres), em um discurso de conciliação e de consenso neoliberal, como se isso fosse possível no economicismo vigente: 38 Os não pobres são geralmente poderosos, e exercem forte influência na política. Dar mais voz aos pobres nas tomadas de decisões locais e nacionais ajudaria a restabelecer o equilíbrio. Mas como o poder político tende a refletir o poder econômico, é importante traçar políticas para reduzir a pobreza que recebam o apoio dos não-pobres, ou pelo menos não provoquem sua resistência ativa (BANCO MUNDIAL, 1990, p. 54 apud KRAYCHETE, 2005, p.130, grifo nosso). Uma estratégia adotada pelo Banco Mundial incorporada do consenso de Washington é o discurso de desacreditar o papel do Governo e do Estado, responsabilizando-o pelas políticas desenvolvimentistas adotadas na época do Welfare State. O Banco impôs normas e condições na tentativa de minimizar ao máximo a atuação do Estado (o Estado Mínimo). Hoje em dia, com uma consciência mais madura “pós-Washington”, com a reafirmação das políticas de reforma do estado, desejam um “Estado Ótimo” e subserviente, que dê suporte e apoio às atividades de mercado. Kraychete (2006) responsabiliza o Banco Mundial pelo papel de líder na implementação e mudanças estruturais rumo a uma política neoliberal, que em meados da década de 80, e mais intensamente a partir da década de 90, legitimou os valores mercantis, em detrimento dos valores sociais e solidários no campo do microcrédito. O ajuste global, sob as diretrizes do chamado consenso de Washington, é acompanhado por reformas centradas na desregulamentação dos mercados, na abertura comercial e financeira, na privatização do setor público e na redução das funções do Estado. A combinação de políticas de estabilização e de reformas estruturais liberalizantes, como condição para o re-ordenamento econômico mundial, colocou o FMI, num primeiro momento, na posição de instituição condutora do processo, mas a partir de 1985, o Banco Mundial assume o comando, ao impor a implementação das reformas estruturais condicionadas à estabilização macroeconômica, passo significativo não só para evitar conflitos interistitucionais como para reafirmar o papel do Banco como formulador de políticas e financiador, na direção de uma nova ordem mundial (KRAYCHETE, 2006, p.416). Segundo a ótica do Banco Mundial, sobre o de conceito comercial de microfinanças, a oferta de serviços de crédito deve ser atendida prioritariamente pela iniciativa privada. O Estado deve proporcionar as condições ideais (macroeconômicas, políticas, jurídicas e regulatórias adequadas) para que o negócio de crédito para os pobres também possa ser rentável. Nota-se um preconceito sobre a atuação de bancos públicos no microcrédito. O papel dos bancos públicos: Instituições microfinanceiras de caráter público que tem como política subsidiar suas taxas de lucro têm criado caos no mercado de microfinanças no país respectivo. Logram distorcer o mercado, só chegam aos clientes maiores e criam uma má cultura de pagamento e por acréscimo fazem uso pouco eficiente dos recursos públicos (MARULANDA; OTERO, 2005, p.38). 39 Outro ponto focal da metodologia de microcrédito orientada para o mercado é que essas instituições microfinanceiras devem ser minimalistas3. Sua atenção é exclusivamente para o crédito ou para ações que convergem nessa mesma direção. Por exemplo, a capacitação no microcrédito comercial é quase nenhuma ou se existe é tratado por Ong’s ou IMF’s de 2° piso4, numa orientação pedagógica própria da contabilidade capitalista, sem qualquer ligação com a vida social comunitária como pensada por Yunus, que tinha o interesse social como fim da atividade de microcrédito. No entanto, (MOURDOCH, 1999 apud RIBEIRO; CARVALHO, 2006) atenta para o fato que ainda não existe pesquisas consolidadas sobre o impacto do microcrédito e se os programas de microcrédito estão efetivamente cumprindo o seu papel. O autor questiona se os recursos gastos para apoiar as microfinanças ajudam a alcançar objetivos sociais por caminhos não possíveis através de programas alternativos (por exemplo, ajuda direta mediante doações de alimentos, fornecimento de transporte, sérvios de saúde, etc.), por que não se deve continuar a subsidiar as microfinanças? A abordagem comercial das microfinanças é realmente a melhor alternativa para alcançar os pobres e gerar o impacto desejado? (MOURDOCH, 1999 apud RIBEIRO; CARVALHO, 2006, p.54). Para Kraychete (2005, p.207) o mercado de microfinanças, orientado por metodologia própria do Banco Mundial “representa um passo atrás no que diz respeito à compreensão da exploração capitalista, causa primeira da pobreza, que sequer vem sendo tomada como ponto de tensão da reprodução social no capitalismo.” Existe uma reificação do mercado no campo do microcrédito na América Latina, o que era política de combate a pobreza transforma-se em política lucrativa no setor bancário, o mercado das microfinanças. O Estado que o mundo corporativo deseja é o Estado que dá primazia à articulação do mercado “definindo direitos de propriedade, oferecendo sistemas 3 A literatura trata IMFs especializadas unicamente no fornecimento de serviços financeiros como “minimalistas” e as IMFs provedoras de serviços financeiros e, adicionalmente, de treinamento e capacitação dos clientes, como “desenvolvimentistas”. (RIBEIRO; CARVALHO, 2006, p. 20) 4 (BARONE, 2002, p. 23) A estrutura do setor de microfinanças é formado por dois grandes blocos de instituições cuja atuação é complementar. O primeiro bloco é composto pelas instituições chamadas de “primeira linha” ou “primeiro piso”, que atuam diretamente com o cliente final, fornecendo o microcrédito. O segundo bloco é formado pelas instituições denominadas de “segunda linha” ou “segundo piso”, que oferecem capacitação e apoio técnico e provêem recursos financeiros, sob a forma de empréstimos, às instituições de “primeira linha” visando: – A constituição ou ampliação do seu fundo rotativo de crédito (funding); – O desenvolvimento institucional: modalidade de repasse, às vezes sob a forma de doação, voltado para o custeio de parte das despesas da fase inicial de operação e para a modernização tecnológica com implantação de ferramentas que contribuam para sua consolidação; – A capacitação dos agentes de crédito, gerentes, conselhos de administração e lideranças locais. 40 jurídicos e normativos e aumentando a eficiência dos órgãos que prestam serviços públicos” (KRAYCHETE, 2005, p.203). Isso fica explícito no item b quadro 5 das indicações do relatório sobre o desenvolvimento do Banco Mundial de 1991. a - Investir no ser humano – ação governamental focada nas camadas mais pobres da sociedade, prestando serviços básicos como ensino fundamental, saúde e nutrição; b - Proporcionar ambiente favorável ao empreendedorismo, com facilitações por parte do governo para as empresas, cabe ao setor público reduzir os custos de transação para as empresas, dando-lhes apoio sob a forma de investimentos e instituições “a chave do rápido desenvolvimento é o empresário. Os governos devem servir as empresas – sejam elas grandes ou pequenas – e não suplantá-las”; c - Integrar as economias nacionais com a dinâmica mundial; d - Garantir a estabilidade macroeconômica. QUADRO 5 - Principais indicações do Relatório sobre Desenvolvimento do Banco Mundial em 1991 Fonte: (adaptado de KRAYCHETE, 2005, p. 70-72, grifo nosso) Para o historiador de administração Joseph Monsen “o gerente corporativo esclarecido, longe de temer a intervenção do governo na economia, ‘vê a Nova Economia como uma técnica para aumentar a viabilidade corporativa’” (MONSEN, 1969 apud CHOMSKY, 2007, p.48) 41 3 METODOLOGIA O pesquisador, por coerência, por disciplina, deve ligar a apropriação de qualquer idéia à sua concepção de mundo, em primeiro lugar, e em seguida, inserir essa noção no quadro teórico específico que lhe serve de apoio para o estudo dos fenômenos sociais (TRIVIÑOS, 1987, p.13). A posição epistemológica do pesquisador para a realização desta pesquisa, parte de pressupostos que vão contra as teorias da administração moderna, caracterizadas predominantemente por uma epistemologia positivista que reifica em decorrência disso o próprio conceito de homem, no emblemático homo-economicus. Diferentemente, nesta dissertação o entendimento busca uma abordagem crítica de transformação social, numa postura dialógica freireana, que descreva o homem como um ser histórico e social, que vive numa sociedade de classes antagônicas, em um mundo de constante movimento e transformação (RICHARDSON, 1999). Neste sentido, este pesquisador junta-se a outros que no Brasil buscam uma administração social e emancipatória. Foi inspirado teoricamente durante as disciplinas de seu Mestrado em Administração, no qual passou a ter contato com as teorias da Escola de Frankfurt5 e outros autores como: Pierre Bourdieu, Boaventura Santos, Guerreiro Ramos, Paul Singer, Paulo Freire e dentro da temática de microcrédito desta dissertação, especificamente Muhammad Yunus. O autor almeja através deste trabalho dar sua contribuição para o fortalecimento dos critters6 no Brasil. É preciso dizer que se percebe, no campo dos estudos organizacionais no Brasil, um embrião de corpos sociais – minorias – que orientam suas pesquisas para a emancipação e não pelo imediatismo ditado pelo mercado e pela experiência do aspecto aplicado (MISOCZKY, 2004, p.92). Na busca de confrontar a lógica positivista que também se dá no campo do microcrédito no Brasil e na América Latina (MARULANDA; OTERO, 2005), buacou-se a realização empírica desta pesquisa conforme explicitado a seguir. 5 A Escola de Frankfurt foi criada na Alemanha em 1923. Constituiu um grupo de intelectuais que formularam uma teoria social específica, de inspiração marxista. Seus principais representantes foram: Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Jürgem Habermas. (FIGUEIREDO, 2005) 6 Critters - termo em inglês utilizado para denominar as pessoas envolvidas com a administração crítica (FOURNIER; GRAY, 2000 apud RODRIGUES FILHO, 2004). 42 3.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA: AS PERGUNTAS DE PESQUISA O problema de pesquisa – Como se caracteriza o Crediamigo Comunidade nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce frente ao conflito de paradigmas Emancipatório versus Liberal existente no campo do microcrédito? – foi verificado empiricamente a partir das seguintes questões: – Quais as mudanças econômico-sociais ocorridas no perfil dos clientes do Crediamigo Comunidade nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce? – Como se caracteriza o empoderamento no Crediamigo Comunidade dos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce? – Como se caracterizam as relações de capital social no Crediamigo Comunidade dos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce? – Como se caracteriza a educação para o crédito no Crediamigo Comunidade dos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce? 3.2 DEFINIÇÃO CONSTITUTIVA E OPERACIONAL DAS CATEGORIAS ANALÍTICAS DO ESTUDO A categoria analítica do estudo é microcrédito emancipatório e suas sub-categorias são: empoderamento comunitário, capital social comunitário e educação emancipatória. Microcrédito emancipatório refere-se a um crédito para os pobres e possui como característica sui genere ser uma política de combate à pobreza, que incorpora um significado emancipatório a vida das pessoas. Possui como modelo a experiência do Grameen Bank em Bangladesh. A operacionalização dessa categoria se deu através da identificação do perfil dos clientes atendidos pelo Crediamigo Comunidade, e a transformação sócio-econômica ocorrida durante dois anos e meio de participação no Programa, e também, pela análise de sub- 43 categorias, a saber: empoderamento comunitário, capital social comunitário e educação emancipatória. Para Baquero (2006, p.82), empoderamento comunitário é “um processo de capacitação de grupos desfavorecidos para a articulação de interesses e participação comunitária, visando à conquista plena dos direitos de cidadania, defesa de seus direitos e a influenciar ações do Estado”. Para operacionalização dessa sub-categoria – empoderamento comunitário – analisou- se as ações de auto-gestão nos bancos comunitários, assim como mudança na auto-estima das pessoas e outros significados simbólicos de empoderamento que ocorriam dentro dos grupos. Átria (2003) refere-se ao conceito de Capital social comunitário como a capacidade efetiva de mobilizar produtivamente e em benefício do conjunto, os recursos associativos estabelecidos nas distintas redes sociais a que têm acesso os membros do grupo em questão. A operacionalização dessa sub-categoria – capital social comunitário - por sua vez foi realizada através da identificação de laços fortes, fracos e institucionais e a observação de seus respectivos significados intrínsecos. Laços fortes são os laços bounding, “laços que unem”, restritos aos laços pessoais dentro da própria comunidade que se vive. Laços fracos são os laços bridging, “laços que criam pontes”, refere-se ao estabelecimento de pontes de contato entre diversos grupos. Laços linkage são os laços verticais que permitem o acesso ao governo e aspectos políticos resultantes de um contexto político, legal e institucional (WOOLCOCK; NARAYAN, 2002). Educação emancipatória é o método utilizado por Freire (2005) em Pedagogia do Oprimido para educar o homem através de sua conscientização, sob o enfoque da práxis (reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo) da teoria dialógica da ação. Constitui a pedagogia dos homens e das mulheres empenhando-se na luta por sua emancipação. A operacionalização dessa sub-categoria – educação emancipatória – ocorreu através da busca de identificação de iniciativas alternativas educadoras de emancipação popular nos bancos comunitários do Crediamigo Comunidade, como também a percepção sobre o valor intrínseco do crédito e da poupança para os clientes. 44 3.3 DESIGN E PERSPECTIVA DA PESQUISA O método adotado neste trabalho é o estudo de caso, especificamente o Produto/Programa Crediamigo Comunidade do Banco do Nordeste em duas localidades nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce. Para Triviños (1987, p. 107) o estudo de caso é “uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente”. Para o autor, a complexidade desse método depende do suporte teórico que o fundamenta, e considera seu grande mérito, quando bem sucedido, a possibilidade de formular hipóteses para o encaminhamento de outras pesquisas. O critério para a escolha do estudo de caso seguiu o indicado por Yin (2005), o qual utiliza estudos de casos no desejo de compreender fenômenos sociais complexos e contemporâneos, sem a possibilidade de manipulação de comportamentos relevantes. Concernente com o objetivo desse estudo de ir além da descrição de aspectos quantitativos, ou qualitativos de aparências superficiais no campo do microcrédito, buscou-se desvelar relações de microcrédito com outros fenômenos sociais e econômicos. Para isso, foi adotada uma abordagem qualitativa nos termos de Richardson (1999). O objetivo fundamental da pesquisa qualitativa [...] está no aprofundamento da compreensão de um fenômeno social por meio de entrevistas em profundidade e análises qualitativas da consciência articulada dos atores envolvidos no fenômeno (RICHARDSON, 1999, p.102). Na busca de criar parâmetros para uma boa pesquisa qualitativa, procurou-se atender as questões de Vieira (2004), quais sejam: a) Os resultados estimulam a elaboração de novas hipóteses de trabalho?; b) Que nível de conhecimento útil é oferecido?; c) Que resultados ajudam a resolver problemas locais? Para tal fim analisou-se as categorias analíticas descritas no item 2.2 no sentido de desconstruir os objetivos específicos do crediamigo comunidade e revelar o que é aparência e o que é essência nas diretrizes do Programa Crediamigo. A aparência é a parte superficial, mutável de um fenômeno ou da realidade objetiva. É uma forma de expressão da essência e depende dela. A essência é a parte mais profunda e relativamente estável do fenômeno ou da realidade objetiva. Está oculta debaixo da superfície de aparências (RICHARDSON, 1999, p.52). 45 Coerentemente, e nessa perspectiva de abordagem, se trilhou não o caminho mais fácil. Pelo contrário, a busca de significados de essência que envolve políticas de governo, onde o aspecto político é muito presente, acarreta resistências e dificuldades no processo. Foi encontrado, além dessa, outras dificuldades operacionais intrínsecas à pesquisa como no caso do acesso a comunidades tipicamente rurais atendidas pelo Programa, longe e quase inacessíveis em período de chuvas e inverno rigoroso, como o que ocorria durante a fase de coleta de dados no período de fevereiro a maio de 2008. 3.4 TIPOS DE DADOS E FORMAS DE COLETA Indicado por Yin (2005) como uma das melhores formas para ampliar a compreensão do fenômeno analisado, foi utilizado a triangulação dos dados, que busca utilizar várias fontes de evidências. Os dados secundários foram coletados através: a) artigos científicos e dissertações sobre avaliação do Programa Crediamigo (NÉRI, 2008; FORTE, 2006; SOUZA, 2003) b) relatórios e documentos internos do Banco do Nordeste, destacando-se entre esses os relatórios do projeto piloto e da expansão do Crediamigo Comunidade, e relatórios anuais do Progarama Crediamigo. Os dados primários foram coletados através de visitas assistemáticas às comunidades e entrevistas semi-estruturadas realizadas no período de 20 de fevereiro de 2008 a 20 de maio de 2008. Podemos entender por entrevista semi-estruturada, em geral, aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante (TRIVIÑOS, 1987, p.146). Em um primeiro momento foram realizadas cinco entrevistas, três com gestores do Programa, uma com consultora Ad-hoc e uma com assessor do Crediamigo, sendo que um dos gestores, a consultora e o assessor participaram diretamente da equipe responsável pela implementação do projeto-piloto do Crediamigo Comunidade. 46 – Superintendente da Área de Microfinanças e Programas especiais do BNB - (61 min. de entrevista); – Gerente de Microfinanças do BNB - (64 min. de entrevista); – Gerente de Negócios da Célula de Gestão Estratégica do Ambiente de Microfinanças - (82 min. de entrevista); – Consultora Ad-hoc da Associação Cearense de Estudos e Pesquisa (ACEP) – (79 min. de entrevista); – Assessor de Crédito do Programa Crediamigo – (70 min. de entrevista). As entrevistas com os gestores serviram para um maior conhecimento do Programa e de sua operacionalização, bem para melhorar o roteiro de entrevistas com os clientes. Foram selecionados os tópicos mais importantes e questões principais, sempre contrapondo-se ao referencial teórico utilizado na pesquisa. As entrevistas com os clientes, também, semi- estruturadas, serviram por sua vez para ratificar ou não a visão do Programa relatada pelos gestores e assessor e avaliar se as ações do Crediamigo Comunidade estavam se refletindo em benefícios de fato para os clientes. As entrevistas dos clientes ocorreram, geralmente, logo depois das reuniões mensais de pagamentos dos bancos comunitários, onde o entrevistador era apresentado pelo assessor do Crediamigo. Este tratava de criar um clima amistoso entre as partes antes da entrevista. Foram entrevistados o total de dez clientes de dois Bancos Comunitários, sendo cinco entrevistados por Banco. Foram um Banco do município de Caucaia-Ce, que é da jurisdição da Agência Bezerra de Menezes e outro do Município de Maranguape-Ce, que é da jurisdição da Agência Maracanaú. Segue a relação dos Bancos que foram visitados para a realização das entrevistas: – Banco (BA) – Maranguape-Ce (cinco entrevistas com duração total de 187 min., média de 38 min. por cliente); – Banco (BB) – Caucaia-Ce (cinco entrevistas com duração total de 231 min., média de 46min. por cliente). Os Bancos foram escolhidos entre os que participaram do projeto-piloto do período de junho a dezembro de 2005, e entre estes, os que já tinham sido formalizados em setembro de 2005, para que em março de 2008 já possuíssem no mínimo dois anos e meio de funcionamento. Os clientes foram escolhidos por acessibilidade dentre aqueles que 47 participavam desde a inauguração do Banco, ou seja, possuíam crédito no Crediamigo há pelo menos dois anos e meio. Por opção foram entrevistadas apenas mulheres, visto a ampla maioria na participação do Crediamigo Comunidade, dos dois Bancos havia 40 clientes, desses eram 6 homens e 34 mulheres e também pela importância do papel da mulher e do empoderamento feminino nos trabalhos sobre a temática. No que se refere à coleta de dados primários, ao iniciar as entrevistas, o pesquisador explicou o objetivo do trabalho e solicitou a permissão do uso do gravador, salientando o anonimato quanto às informações fornecidas. Todas as entrevistas foram transcritas para posterior análise como descrito no próximo tópico. 3.5 ANÁLISE DE DADOS Confrontou-se os dados das entrevistas dos gestores e assessores, que o autor caracterizou como um discurso predominantemente organizacional, com os dados das entrevistas dos clientes e das observações nas comunidades visitadas. Depois, colocando-os a luz do referencial teórico estudado, procurou-se distinguir a essência e a aparência do microcrédito no Crediamigo Comunidade, buscando identificar aspectos emancipatórios ou não-emancipatórios desse Programa/Produto. Para esta dissertação foi adotada a análise de conteúdo nos termos de Bardin (1977), que a caracteriza em termos gerais como: Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 1977, p.37). As entrevistas receberam um código para que se mantivesse tanto o anonimato dos gestores, assessores e clientes. Assim receberam aleatoriamente os códigos que variam de Ge1, Ge2, Ge3, Ge4 para os gestores e consultor e As1 para o assessor. Também foi utilizado sempre a nomenclatura masculina gestor e assessor, no sentido de manter o anonimato. 48 Para os clientes dos dois bancos comunitários citados na sessão anterior, os códigos para preservação do anonimato foram utilizados, respectivamente para cada um dos bancos: Banco (BA): BA1, BA2, BA3, BA4 e BA5; Banco (BB): BB1, BB2, BB3, BB4 e BB5. Para análise das entrevistas foi utilizada a codificação temática pelo procedimento de “caixas” (BARDIN, 1977), através das categorias e sub-categorias descritas no tópico 2.2 Microcrédito Emancipatório, Empoderamento Comunitário, Capital Social Comunitário e Educação Emancipatório. Seguiu-se também a premissa operacional de Richardson (1999) para a análise das categorias: Em um primeiro passo, elaboram-se as categorias com base na teoria, em seguida revisam-se estas categorias à luz dos dados, volta-se a teoria para análise da sua adequação com a categoria confrontada novamente com os dados. Assim se procede até que se obtenham categorias adequadas tanto para a teoria, quanto para os dados (RICHARDSON, 1999, p.240). A análise dos dados secundários dos relatórios de implementação do Comunidade na época do projeto-piloto serviram para identificar os dados históricos do programa bem como mudanças ocorridas no Programa desde a sua implementação. A análise das dissertações e artigos que tratavam da avaliação e análise do Programa Crediamigo, exclusive o produto Crediamigo Comunidade, serviram para entender como funciona o Programa e quais são suas diretrizes gerais. 49 4 O CREDIAMIGO COMUNIDADE O Crediamigo Comunidade é um produto do Programa Crediamigo, que é parte integrante do Banco do Nordeste do Brasil S.A. Os dados e informações sobre a contextualização do histórico do Banco do Nordeste e do Programa Crediamigo, descritos na próxima seção, foram pesquisados no seu sítio institucional7, nos relatórios do Banco e do Programa Crediamigo. Para os dados primários das pesquisas serão utilizados os códigos de anonimato, conforme descritos no capítulo de metodologia. Para gestores (Ge1 a Ge4); assessor As1 para os clientes BA1, BA2, BA3, BA4, BA5, referentes aos clientes do Banco (BA) e BB1, BB2, BB3, BB4, BB5, referentes aos clientes do Banco (BB). 4.1 BANCO DO NORDESTE E PROGRAMA CREDIAMIGO O Banco do Nordeste do Brasil S.A é uma instituição financeira múltipla criada pela Lei Federal nº 1649, de 19 de julho de 1952 e organizada sob a forma de sociedade de economia mista, de capital aberto, tendo mais de 90% de seu capital sob o controle do Governo Federal. Com sede na cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, atua em cerca de 2 mil municípios, abrangendo os nove Estados da Região Nordeste (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia), o norte de Minas Gerais (incluindo os Vales do Mucuri e do Jequitinhonha) e o norte do Espírito Santo. O Banco do Nordeste é o maior banco de desenvolvimento regional da América Latina e diferencia-se das demais instituições financeiras brasileiras pela missão que tem a cumprir: “Atuar, na capacidade de instituição financeira pública, como agente catalisador do desenvolvimento sustentável do Nordeste, integrando-o na dinâmica da economia nacional”. E a visão de: “Ser referência como agente indutor do desenvolvimento sustentável da Região Nordeste”8. 7 Informação contida no site: BANCO do nordeste. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2008. 8 Idem. 50 Esse Banco é o responsável pelo maior programa de microcrédito da América do Sul e o segundo da América Latina, o Crediamigo, por meio do qual o Banco já emprestou R$ 4 bilhões a microempreendedores em dez anos de existência (BANCO..., 2008). A decisão de criar um programa de microcrédito surgiu em reuniões realizadas entre o Banco do Nordeste e o Banco Mundial, em 1996, na cidade de Fortaleza (o Crediamigo nasce no período de inclusão das microfinanças na agenda nacional através do Comunidade Solidária do governo FHC). Naquele ano, o Banco do Nordeste passava por mudanças organizacionais profundas, no qual direcionaria o seu foco estratégico para o “agente produtivo” e, em especial, as micro e pequenas empresas (VALENTE, 1999). A ação de financiamento do Banco do Nordeste não contemplava, até então, em nenhum de seus programas, o microempresário do mercado informal, e o Crediamigo vem exatamente suprir essa lacuna. Gestor (Ge2): O setor informal é um setor muito importante, tá muito presente na agenda Nordeste, dependendo que tipo de pesquisa, pesquisa com algo em torno de quatro vírgula cinco milhões no setor informal, se você fizer depurações chega a dois milhões e setecentos mil [empreendedores informais] só na região Nordeste. Se eu atendo bem esse setor, eu tô cumprindo o papel de desenvolver a região. Antes de implementar o Crediamigo, o Banco do Nordeste realizou pesquisa de mercado, em parceria com o Banco Mundial e a Universidade Federal do Ceará, conheceu as experiências da Indonésia (Banco Rakyat), Chile (Banestado e Banco de Desarrollo), Colômbia (Finasol) e Bolívia (Banco Sol, Prodem, Cajá de los Andes) e contratou assistência técnica da Acción International (VALENTE, 1999). Os gestores do Programa colocam o Banco Mundial e a Rede Acción Internacional como os principais parceiros institucionais na implantação e acompanhamento nesses 10 primeiros anos de existência do Programa. Enfatizam que a colaboração técnica de consultoria e o funding do Banco Mundial foram imprescindíveis para a consolidação do Programa. Gestor (Ge1): O Banco Mundial e a própria Ación nos trouxeram a metodologia e nós não precisamos reinventar a roda. [...] Ación que tem uma rede, da qual a gente participa, e que é o único banco público que participa dessa rede. É uma rede privada. Uma rede privada de entidades privadas. [...] O Banco Mundial além de dar esse aporte técnico, nos trouxe, também um dos grandes fundings importantes para o Crediamigo em determinado momento, hoje nós não temos nenhum funding de órgãos multilaterais, só recursos do mercado. Assim, o Banco do Nordeste criou, em 1998, o seu Programa de microcrédito, o Crediamigo, sendo o único banco público do país a atuar como banco “de 1º piso” (empréstimos diretos ao cliente) neste segmento. Atuando inicialmente com 50 agências e 51 trabalhando praticamente só com a metodologia de grupo solidário, o Crediamigo tornou-se a maior instituição de microcrédito brasileira e a segunda da América Latina, em apenas dois anos de atividade, até hoje, atrás somente da Financiera Compartamos, do México9. Em 17 de novembro de 2003, o Banco do Nordeste firmou parceria com o Instituto Nordeste Cidadania, com o objetivo de operacionalizar o programa de microcrédito Crediamigo, tendo em vista o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO) do Governo Federal. O Instituto é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), fundada em 1993 durante a Campanha Nacional de Combate à Fome, à Miséria e pela Vida, por iniciativa de funcionários do Banco do Nordeste. Atualmente, o Instituto Nordeste Cidadania operacionaliza o Crediamigo em toda a área de atuação do Banco do Nordeste, dispondo de mil, quinhentos e quarenta e quatro colaboradores, entre Coordenadores, Administrativos, Assessores de Crédito, Recursos Humanos e Técnicos (BANCO..., 2008). De acordo com o termo de parceria, o Instituto é responsável pela execução do Crediamigo, conforme plano de trabalho aprovado pelo Banco do Nordeste, zelando pela qualidade e eficiência das ações e serviços prestados, e pela gestão administrativa do pessoal, sua contratação e pagamento. O Banco mantém, sob sua responsabilidade, o deferimento das propostas de crédito que lhes são encaminhadas e a liberação das parcelas concedidas aos beneficiários. O gerenciamento do Programa Crediamigo realizado pelo Banco do Nordeste e a operacionalização realizada por uma OSCIP demonstra o caráter híbrido (público/privado10) da Instituição Crediamigo, esse aspecto parece um pouco encoberto pelo título do “Programa Público de Microcrédito do Banco do Nordeste”. A não contemplação de entrevista com o gestor da OSCIP Nordeste Cidadania, revelou-se uma limitação da pesquisa. Pois, poderia ter sido investigado mais a fundo essa questão. Isso ocorreu porque quando o pesquisador se deu conta da importância dessa instituição para melhor compreensão do fenômeno já não havia mais tempo hábil para realização da entrevista e sua respectiva análise. Quando se propaga: “programa público de microcrédito”, como no caso do Crediamigo, não se dá conta da instituição híbrida que existe. Mais de 97% dos colaboradores do Programa Crediamigo são da OSCIP Nordeste Cidadania (1544 entre assessores e 9 ACCIÓN internacional. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2008. 10 Para uma reflexão sobre as tensões público x privado nos espaços públicos ver Dupas (2003); Montaño (2002). 52 coordenadores), e apenas 3% são funcionários de carreira do Banco do Nordeste (48 funcionários do BNB), dentre estes 12 são gerentes regionais espalhados pelos nove estados da região nordeste, Norte de Minas Gerais, Norte do Espírito Santo e Brasília (BANCO..., 2008). Isso certamente se reflete na gestão do Programa. Gestor (Ge1): No caso do Crediamigo eu diria que não diferencia nada [de uma instituição privada], porque hoje nós trabalhamos dentro de um conceito de auto- sustentabilidade, não trabalhamos com recursos públicos, não trabalhamos com recursos subsidiados. Eu diria que essa operação do Crediamigo ela pode ser plenamente feita pela banca privada. [...] se existe a diferença é que isso passa a fazer parte da missão. O banco entende que isso é como uma obrigação fazer. Porque ele é um banco público então é necessário atender. [...]. Aliás, eu diria até que há um descrédito no meio que estuda microfinanças que um banco público possa ter uma operação de microcrédito sustentável. O Banco do Nordeste é um case porque é um banco público que tem uma operação sustentável. Como forma de quebrar o paradigma existente no campo de estudo do microcrédito que todo Programa deve ser privado, os gestores destacam como um diferencial do Crediamigo sendo um “Banco Público” a maior facilidade de conciliar a atuação econômica e social do Programa, imprescindível, segundo eles, para o sucesso de longo prazo dos programas. Gestor (Ge2): Normalmente a instituição privada o que sempre tá mais forte normalmente é o ganho financeiro (Render bem ao stake-holder)... o que diferencia de um banco público, nós precisamos dar o ganho financeiro, mas não é o único, e talvez não seja o mais importante, o retorno financeiro. Então, essa visão facilita a integração com outras políticas públicas. O Crediamigo tem a proposta de ser um programa auto–sustentável, cobrindo todos os seus custos com retorno vindo de suas operações de empréstimos, de forma independente em relação ao Banco do Nordeste. Em cada agência do Banco que tenha uma agência do Crediamigo, esta se constitui em uma unidade distinta, com total autonomia do ponto de vista gerencial e operacional, adotando soluções logísticas próprias. Segundo os gestores, a sustentabilidade é uma premissa básica aos programas de microcrédito. Isso não deve mais ser discutido, é uma condição para a existência dos programas. As metas no Crediamigo estão voltadas na verdade para o atendimento cada vez maior do aumento de escala do Programa, principalmente quando se vislumbra o mercado potencial do setor informal e de baixa renda do Nordeste. Segundo o gestor (Ge1), o Crediamigo só atende a seis por cento, ou seja, atende trezentos mil dos dois vírgula sete milhões do seu público alvo. 53 Para além do acesso ao crédito, o Crediamigo proporciona a seus clientes inclusão produtiva, educação bancária e assessoria empresarial, levando serviços de aprendizado às populações de baixa renda e contribuindo para o desenvolvimento do setor microempresarial do Nordeste. Através da metodologia dos “Grupos solidários” procura atender aos clientes da faixa mais baixa da pirâmide empresarial, os chamados empreendedores de “acumulação simples” e de “subsistência”. FIGURA 2 - Classificação dos Clientes do Programa Crediamigo Fonte: Ambiente de Microfinanças - BNB A faixa de subsistência é um dos mercados principais do produto crédito solidário. Tem como características a localização instável (na residência ou na rua) e mercado limitado, poucos ativos (inventários e ativos fixos) para desenvolver a atividade de maneira eficiente, sem capacidade de poupança e reinvestimento, pouca diversidade de produtos, sem divisão de trabalho entre empresário e funcionário, com mínima capacitação técnica e administrativa, mínimos registros contábeis, capacidade de endividamento limitada (acesso ao agiota tradicional) e as receitas provenientes unicamente da microempresa (VALENTE, 1999, p.165). Após cada experiência positiva com o crédito, o cliente gera a possibilidade de obter subseqüentes cada vez maiores, limitados à sua capacidade de pagamento e análise de risco, até o momento em que alcance um patamar que o capacite a participar de programas maiores, desvinculando-se, então, do microcrédito por já se haver expandido o suficiente para passar a integrar o mercado formal de crédito. Neste ano de 2008, o Programa Crediamigo está comemorando 10 anos de existência, com a missão institucional de “Contribuir para o desenvolvimento do setor microempresarial, 54 mediante a oferta de serviços financeiros e de assessoria empresarial, de forma sustentável, oportuna e de fácil acesso, assegurando novas oportunidades de ocupação e renda”. E com a visão de: “Ser líder da América do Sul no mercado de microfinanças direcionado ao setor produtivo, atendendo aos empreendedores de forma orientada, ética e socialmente responsável” (BANCO..., 2007, p.10). Gestor (Ge2): O Crediamigo conseguiu atender setecentos e cinqüenta mil clientes ao longo de dez anos, e hoje tem trezentos e sete mil clientes ativos, ... sessenta e um por cento dos clientes que estavam na linha de pobreza saíram da linha de pobreza. Na comemoração dos 10 anos de existência, o Programa destaca as suas principais realizações ao longo da história do Crediamigo. (BANCO..., 2007, p.9) – 1997 – Projeto Piloto com implantação de cinco unidades do Crediamigo e a criação do produto giro solidário; – 1998 – Abertura de 45 unidades; – 1999 – Criação do produto giro individual e abertura de 23 unidades; – 2000 – Acordo de empréstimo com o Banco Mundial e abertura de 35 unidades; – 2001 – Criação do produto investimento fixo e abertura de 52 unidades; – 2002 – 1º Prêmio BNB de microcrédito; – 2003 – Criação do produto giro popular solidário; – 2004 – Abertura da conta-corrente para os clientes; – 2005 – Criação do produto Crediamigo Comunidade; – 2006 – Criação do produto seguro vida Crediamigo; – 2007 – Redução das taxas de juros E para o ano de 2008 o Programa se propõe os seguintes desafios (BANCO..., 2008): – Promover a inserção social e econômica – redes solidárias e inclusão no processo produtivo; – Ofertar oportunidades de trabalho – pelo aumento da capacidade operacional; – Fortalecer cidadania – acesso a crédito, assessoria empresarial e outros serviços financeiros; – Gerar renda – pelo aumento do estoque de vendas; 55 Existe um objetivo de longo prazo no Programa de se chegar a um milhão de clientes no ano de 2011. “Para este ano [2008], a meta é chegar ao final do ano com uma carteira de 370 mil clientes ativos”, relata o Gestor (Ge1). No momento, o portfólio de produtos comercializados no programa Crediamigo são os descritos no quadro a seguir: PRODUTO CARACTERÍSTICAS Giro Popular Solidário - Capital de giro para empreendedores com pelo menos 1 ano de atividade. x Recurso para a compra de matéria-prima e/ou mercadorias; x Empréstimos de R$ 100,00 até R$ 1.000,00; x Empréstimo em grupo de 3 a 10 pessoas; x Taxa de juros de 1,95% ao mês + TAC (Taxa de Abertura de Crédito); x Prazo de até 6 meses; x Pagamentos fixos quinzenais ou mensais; x Garantia: Aval Solidário. Giro Solidário - Semelhante ao Giro Popular solidário, para valores acima de R$ 1.000. x Recurso para a compra de matéria-prima e/ou mercadorias; x Empréstimos para valores acima de R$ 1.000,00, que podem ser renovados e evoluir até R$ 10.000,00 (limite máximo de endividamento); x Empréstimos em grupo de 3 a 10 pessoas; x Taxa de juros que variam de 2% a 3% ao mês + TAC (Taxa de Abertura de Crédito), de acordo com a quantidade de empréstimos realizados no Crediamigo, pelo cliente ou pelo integrante mais antigo de seu grupo; x Prazo de até 6 meses; x Pagamentos fixos quinzenais e mensais; x Garantia: Aval Solidário. Giro Individual – Semelhante ao Giro Solidário, porém sem o aval solidário. Há necessidade de avalista que precisa apresentar renda comprovada e suficiente para o empréstimo. Restrito a clientes com experiência em outros produtos do Programa. x Recurso para a compra de matéria-prima e/ou mercadorias; x Empréstimos para valores de R$ 300,00 até R$ 10.000,00 (limite máximo de endividamento) x Taxa de juros que variam de 2% a 3% ao mês + TAC (Taxa de Abertura de Crédito), de acordo com a quantidade de empréstimos realizados pelo cliente no Crediamigo; x Prazo de até 6 meses; x Pagamentos fixos quinzenais ou mensais; x Garantia: coobrigado. Investimento Fixo – Semelhante ao Giro Individual, porém destinado à aquisição de máquinas, equipamentos e pequenas reformas no negócio ou residência. x Recurso para compra de máquinas/equipamentos e/ou reformas no negócio/residência; x Empréstimos para valores até R$ 5.000,00; x Taxa efetiva de juros de 2,95% ao mês + TAC (Taxa de Abertura de Crédito); x Prazo de até 36 meses (sem carência); 56 x Pagamentos fixos e mensais; x Garantia: coobrigado. Seguro Vida Crediamigo - O Seguro garante o pagamento de indenização ao beneficiário do seguro, caso o segurado venha a falecer por morte de qualquer causa. x O pagamento do seguro é realizado em parcela única; x Duas opções de escolha, de acordo com a capacidade de pagamento do segurado: opção 1 - R$ 15,00; opção 2 - R$ 25,00. x Auxílio funeral em caso de morte do segurado; x Em caso de morte do segurado, o valor da indenização chega a 153 vezes o valor investido, o que equivale a R$ 3.840,00; x Renovação automática; x Segurado concorre a 4 sorteios mensais de R$ 1.500,00. Crediamigo Comunidade - Formação de bancos na comunidade, contemplando pessoas que tenham ou queiram iniciar uma atividade produtiva. O crédito é destinado ao financiamento de capital de giro e pequenos equipamentos para a população de áreas urbanas e semi-urbanas, comerciantes, prestadores de serviços, vendedores ambulantes e pequenos fabricantes. x Recursos para a compra de matéria-prima e/ou mercadorias; x Empréstimos de R$ 100,00 até R$ 1.000,00; x Empréstimo em grupo de 15 a 30 pessoas; x Taxa de juros de 1,95% ao mês + TAC (Taxa de Abertura de Crédito); x Prazo de até 6 meses; x Pagamentos fixos quinzenais ou mensais; x Garantia: Aval Solidário. QUADRO 6 – Portfólio de Produtos do Programa Crediamigo. Fonte: BANCO DO NORDESTE. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2008. Na posição de 30 de junho de 2008, O Crediamigo estava presente em 1.481 municípios da área de atuação do Banco (Região Nordeste, Minas Gerais, Espírito Santo e Brasília) com 333.798 clientes ativos. O atendimento se dá por meio de uma estrutura logística que dispõe de 170 agências e 48 postos de atendimento a clientes, com 1.592 colaboradores operacionalizando o programa nestas Unidades (BANCO..., 2008). 4.2 AVALIAÇÃO DO PROGRAMA CREDIAMIGO O Programa Crediamigo foi avaliado recentemente (NÉRI, 2008) pelo Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), projeto coordenado pelo professor Dr. Marcelo Néri: Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grammen Brasileiro. O autor ressalta a importância do Crediamigo como política de combate à pobreza nacional, um programa auto-sustentado com lucro de R$ 50,00 cliente/ano, no qual (60,8%) dos clientes saíram da linha da pobreza. 57 Quem quiser conhecer experiência de microcrédito de excelente qualidade com escala, sustentabilidade, retorno privado - aos clientes - que chega às mulheres e aos pobres e, portanto tem conseqüência social, não é preciso sair do País [...]. Basta visitar o Crediamigo espalhado pela região Nordeste. Apesar de pouco conhecido do público doméstico, o programa não deixa nada a dever às melhores iniciativas internacionais (NERI, 2008, p.5). O estudo descreve e analisa quantitativamente a atuação do Programa Crediamigo, a partir de sua base de dados em dois momentos específicos: o primeiro momento se refere à data na qual o cliente entrou no programa, podendo ser qualquer momento entre 1997 e 2006, enquanto o segundo momento se refere a dezembro de 2006. Noutra base de dados de pesquisas da Economia Informal Urbana (ECINF), publicadas pelo IBGE em 1997 e 2003, referentes aos microempresários urbanos nordestinos, confrontam-se os dados do Programa com os dados dos clientes em potencial do Programa das pesquisas ECINF. A pesquisa pode ser acessada e possui interface amigável na qual pesquisadores podem fazer simulações sobre os seus dados no sítio da Internet, disponível em: . Quando se compara os resultados das duas pesquisas ECINF de 1997 e 2003, o acesso ao crédito na Região Nordeste (NE) subiu de 3,97% para 6,27%, enquanto nas outras áreas urbanas brasileiras (BR) passou de 5,34% para 5,99%. Para o autor a ultrapassagem da média nacional de acesso ao crédito produtivo no país 6,27% (NE) e 5,99% (BR) demonstra a consolidação do Programa Crediamigo, que ocupa atualmente 60% do mercado nacional de microcrédito orientado. Essas pesquisas permitem mostrar o crescimento do Crediamigo desde a sua fase inicial, e que não sofreu um problema de descontinuidade na sucessão de governos, revelando-se uma política consistente com uma evolução natural, onde os números crescem e se solidificam a cada ano. TABELA 1 - Produtividade do Crediamigo INDICADORES 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Total de Assessores 424 797 859 824 839 941 1060 1327 Clientes Ativos/ Assessor de Negócios 230 181 238 264 324 357 402 408 Clientes/ Unidade 585 527 730 844 958 1143 1387 1765 Média de Clientes Atendidos por Dia 628 947 1361 1647 1924 2257 2773 3312 Fonte: Banco do Nordeste. Relatório Anual 200711. 11Dados a partir do ano 2000 58 Para os gestores atuais do Programa, as evoluções mais marcantes na transição de governo a partir de 2003, foi que o Crediamigo passou a fazer parte da estrutura organizacional do Banco do Nordeste, gerando aumento de produtividade. “O Programa chegou num nível de indicadores tão bom quanto os melhores programas do mundo”, relata o gestor (Ge2). Néri (2008) destaca como razões de sucesso do Crediamigo: a vocação do Banco do Nordeste ao desenvolvimento, a administração independente e profissional do Crediamigo, o foco da expansão do crédito ao produtor em detrimento da expansão do crédito ao consumidor. Vale ressaltar que a partir de 2005 o Crediamigo passou a ampliar os serviços financeiros no sentido de ter um programa de microfinanças, passando a apoiar mais integralmente a vida do microempreendedor, indo além do microcrédito. Gestor (Ge3): O Programa lançou o seguro vida Crediamigo,[...] que é um seguro bem popular, um custa R$ 15,00, o outro R$ 25,00, os pobres possuem as mesmas necessidades de qualquer pessoa, então a lógica é atender essa questão com os seguros financeiros, o cartão de crédito, títulos de capitalização e de vários outros produtos que eles possam ter. [...] numa família pobre, em que dificilmente vai trabalhar o pai e a mãe, geralmente só trabalha um ou outro, e que os parentes também tem as necessidades deles, se você tiver a morte de alguma dessas pessoas, você vê a importância que é um seguro de vida. Destarte, o Programa, para Néri, caracteriza-se como uma moderna política pública de combate à pobreza que consegue aliar os aspectos econômicos e sociais em uma única política. Para o presidente do Banco do Nordeste, Dr. Roberto Smith, o Crediamigo é um programa social e não possui a lógica do “lucro pelo lucro”12. Segundo Néri, o Crediamigo possui características do Grammen Bank de Bangladesh, o que faz merecer o nome de “Gramen Bank Brasileiro”, ou “Grameen Tupiniquim”. Ressalta a importância de dar um “choque de capitalismo” nos pobres brasileiros, permitindo aos sem capital acesso ao capital produtivo. “Os pobres precisam acima de tudo de oportunidade e não de caridade”, reflete. 12Informação obtida no site: PESQUISA CREDIAMIGO [Vídeos]. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2008. 59 Gestor (Ge3): hoje o Crediamigo trabalha com uma taxa de 1.95% mais a TAC que é a taxa de abertura de crédito, fica então um empréstimo de 4 meses, ele fica com um juros de 3.5%, que não é um juro subsidiado, mas se você for ver o valor, ele vai pegar R$ 100,00 e vai pagar R$ 109,00, então a diferença é muito pequena, não é por causa desses R$ 9,00 que ele vai ficar mais pobre, ou que ele não vai conseguir pagar o empréstimo, muito mais importante é eu poder ter uma estrutura que seja sustentada por esse pequeno juro, mas que eu possa através dessa estrutura conseguir chegar o crédito nas pessoas mais pobres. Para Néri, dentre as semelhanças com o programa de Bangladesh está a atenção maior as mulheres e uma estrutura organizacional adaptada para o atendimento dos “mais pobres”. As agências [do Crediamigo] são estruturadas para receber o mais humilde cliente, o lay out em nada lembra o de uma agência bancária convencional, ao contrário assemelha-se mais a uma cooperativa ou associação. A própria hierarquia organizacional não é facilmente percebida... muitas vezes os clientes falam com os gerentes como se fossem meros caixas e vice-versa, já que, na agência os funcionários não usam crachá (FORTE, 2006, p.138) A maioria de seus clientes do sexo feminino (62,6%), contra (37,4%) do sexo masculino, faz do Crediamigo “o ponto G do microcrédito nacional” (NÉRI, 2008, p. 15). A pesquisa demonstra também que o Programa consegue atender a clientes com um perfil de baixa renda, mas não os mais pobres entre estes: 2,8% são analfabetos, 61,8% possuem o primeiro grau completo, 44% dos empreendimentos são classificados como subsistência. Entretanto, para o autor desta dissertação, ao se falar de semelhanças não se pode deixar de limitá-las a alguns aspectos quantitativos como os encontrados na Pesquisa (NÉRI, 2008). Quando se compara o Grammen Bank e o Crediamigo em uma análise qualitativa, nota-se diferenças relevantes e seria um exagero falar-se em “Grameen Bank Brasileiro”. Principalmente no que se refere ao público alvo atendido, o Grameen Bank atende aos mais pobres, “a tal ponto de assumir nos últimos anos o desafio de emprestar dinheiro aos mendigos por considerar-lhes os mais pobres” (FLORES, 2007, p.124, tradução nossa) O Grameen Bank diferentemente do Crediamigo, restringe o atendimento a esse público alvo “concentra suas atividades exclusivamente nos mais pobres, através de critérios claros de seleção dos seus clientes: para ser membro a propriedade familiar não deve superar 0,5 acres de superfície e se prioriza as mulheres” (CASTELLÓ, 2004, p.33, tradução nossa) No Crediamigo não há qualquer restrição nesse sentido, como mostra o próprio (NÉRI, 2008) na classificação dos clientes do Crediamigo: (0,3%) empresas de pequeno porte, (6,1%) acumulação ampliada, (48,9%) acumulação simples, (44%) subsistência, ou seja, menos da metade está nessa última classe, que poderia ser considerada mais pobres (vendas inferiores a R$ 1.000,00/mês). 60 Essa classificação inclusive não diferencia os pobres dos mais pobres como faz o Programa Bolsa Família (PBF), e certamente os clientes com renda de R$ 1.000,00/mês, tidos como subsistência pelo crediamigo não seriam classificados como pobres ou extremamente pobres pelos critérios estabelecidos pelo governo federal (renda menor que R$ 120,00 per capita por família). Tanto é assim, que nesse mesmo estudo foram encontradas diferenças significativas entre os perfis dos clientes do Programa Crediamigo e os microempresários urbanos nordestinos da Pesquisa Ecinf, e entre aqueles e os beneficiários de programas assistenciais do Governo Federal. Os dados estão descritos na tabela a seguir: TABELA 2 – Clientes Programa Crediamigo X (Microempresários Nordestinos e Beneficiários de Programas Assistenciais) CARACTERÍSTICAS CLIENTES PROGRAMA CREDIAMIGO MICROEMPRESÁRIOS NORDESTINOS (ECINF) BENEFICIÁRIOS DE PROGRAMAS ASSISTENCIAIS LUCRO MÉDIO R$ 1.333,00 RS 600,00 N/C LUCRO MEDIANO R$ 1.173,00 R$ 300,00 N/C SEXO FEMININO 62,6% 35,1% 38% SEXO MASCULINO 37,4% 64,9% 62% ANALFABETO 2,8% 20,5% 11,8% 1° GRAU COMPLETO 61,8% 27,1% 53% 2° GRAU COMPLETO 30% 5,8% 25% 3° GRAU COMPLETO 3% N/C 3% AUTO-EMPREGO 14,2% 87,7% N/C N/C – não consta Fonte: Adaptado de Néri (2008) Baseado nos dados da pesquisa de Néri (2008) chega-se as seguintes conclusões, restringindo-se aqui àquelas mais relevantes para essa dissertação: – Correlação positiva entre grau de instrução educacional e rendimentos financeiros, demonstrando a necessidade de políticas educacionais no fomento de atividades microempresariais, “Neste sentido, políticas de reforço de capital humano, em geral, se mostram extremamente relevantes para o fomento de atividades microempresariais” (NÉRI, 2008, p. 19) – Pelo lucro dos empreendimentos, pode-se notar que o Crediamigo atende aos microempresários menos carentes dentre aqueles da pesquisa ECINF e ainda tem muito a avançar para se tornar um programa pró-pobre; 61 – Existe uma diferença significativa no atributo auto-emprego, ou seja, aqueles microempresários que não oferecem qualquer emprego no seu empreendimento, sendo 6 vezes maior nos microempresários da pesquisa ECINF em relação aos clientes do Crediamigo. O que ratifica a necessidade do Programa avançar no atendimento daqueles da base da pirâmide microempresarial. Aos que Néri chama de “nanoempresários”. Rumo ao “nanocrédito”, esse parece ser o direcionamento central do estudo de Néri, depois de observar que apenas 6,1% dos negócios “nanicos” (como ele se refere aos microempreendimentos com até cinco empregados, que obtiveram empréstimo nos três meses anteriores à pesquisa) nas áreas urbanas do Nordeste. Souza (2003) corrobora com o pensamento de Néri, enquanto a necessidade de se avançar mais nos aspectos sociais do Programa Crediamigo e descer a pirâmide social para atender aos microempresários “mais pobres”, depois de um estudo de caso no Crediamigo, conclui: Observou-se que para os clientes com renda média muito baixa (menor que R$ 457,00) o hiato de renda aumentou após sua entrada no Programa. Ou seja, ficaram mais pobres. No entanto, para os clientes com renda média mais alta (a partir de R$ 457,00) a pobreza diminuiu, ainda que não tenha sido superada nos termos deste estudo (SOUZA, 2003, p.75). Para essa autora, o crescimento econômico marginal que, quando ocorre entre aqueles clientes “mais pobres” do Crediamigo, não chega a influenciar significativamente os aspectos sociais, seja pelo baixo valor dos empréstimos oferecidos pelo Programa a essa parcela de clientes ou pela falta de conscientização do valor da educação, dentre outros aspectos. Os resultados desta dissertação foram semelhantes aos encontrados por Souza. Quando se compara o foco dado ao perfil do cliente de cada programa - o Grameen Bank (através dos 25% da população mais marginalizada), “os mais pobres dos pobres” do Grameen Bank (YUNUS, 2003), e o público alvo do Crediamigo com aquela população mais carente dentro dos microempresários nordestinos da pesquisa ECINF, que seriam os analfabetos e os que se utilizam do microcrédito para o auto-emprego, percebe-se que o Crediamigo atende superficialmente a essa população. Entre os analfabetos, o Crediamigo atende apenas a 13,66% 13 desses e entre os de auto-emprego a 16,19% 14, o que não se revela 13 O percentual foi calculado pela relação fração percentual clientes Crediamigo analfabetos por percentual microempresários nordestinos analfabetos. (NÉRI, 2008) 62 uma opção desse Programa pelos “mais pobres dos pobres”. Pelo menos não até dezembro de 2006, data que foi encerrada a Pesquisa (NÉRI, 2008). Néri mostra a importância de outro tipo de capital, o capital social, necessário para mobilização desse público – nanoempresários – e não apenas na mobilização interna na comunidade, como também pela sua capacidade de articulação com outros níveis de sociedade através do voto, pressão política, ou seja, a complementaridade dos laços Bounding, Bridging e Linkage (WOOLCOCK; NARAYAN, 2002). O autor também derruba alguns mitos sobre inadimplência no microcrédito: a proporção de indivíduos inadimplentes é muito maior nos níveis mais elevados de educação do que na população analfabeta ou de menor escolaridade. Outro é que não se encontra evidência de correlação entre o recebimento de Bolsa-família, ou o recebimento de aposentadorias, e a probabilidade do indivíduo se tornar inadimplente. Porém, encontram-se evidências de que o acesso a crédito pessoal – cartão de crédito ou cheque especial – está positivamente correlacionado à probabilidade dele ser inadimplente em outros tipos de contas. Gestor (Ge2): A conclusão do trabalho do Néri demonstra que um cliente ‘normal’ ele responde a capital, responde ao esforço de treinamento em termos de produtividade, da mesma forma o mais pobres respondem também. Que normalmente eles não têm é acesso ao crédito. Por último, identifica o fascínio que o microcrédito desperta por parte de correntes diferentes de pensadores de direita ou esquerda. Ambos possuem motivos para vislumbrar benefícios decorrentes dessa metodologia, uma solução “ganha-ganha”. “Enquanto alguns vêem as microfinanças como uma estratégia de redução de pobreza, outros enxergam a experiência como uma inovação dos bancos para aumentarem seus lucros” (NÉRI, 2008, p.13). Enquanto pessoas mais à esquerda destacam aspectos como foco na comunidade, em mulheres, e a ajuda aos menos favorecidos, os mais à direita enfatizam a idéia de redução da pobreza através do fornecimento de incentivos ao esforço e ao trabalho, seu aspecto não governamental, e o uso de mecanismos guiados pelas forças de mercado (NÉRI, 2008, p.13). Em decorrência desse choque de visões, Néri verificou o seguinte dilema: o microcrédito deve ter foco no atendimento “social” e garantir o aumento do bem estar do pobre, ou deve ter foco naqueles pobres que possuem capacidade de pagamento e gerencial 14 O percentual foi calculado pela relação fração percentual dos clientes Crediamigo com auto-emprego por percentual microempresários nordestinos analfabetos com auto-emprego. (NÉRI, 2008) 63 adequada ao mercado das microfinanças? Quanto maior a capacidade de pagamento do cliente menor será o impacto na redução da pobreza. A concessão de um financiamento sustentável pode ser incompatível com a redução de pobreza (NÉRI, 2008), reflete o autor. X CAPACIDADE DE REPAGAMENTO DO POBRE AUMENTO DE BEM ESTAR DO POBRE FIGURA 3 - O Dilema do Microcrédito Fonte: Adaptado de Néri (2008, p.7) Apesar do autor fazer referência ao dilema apresentado na figura 3, ele não faz uma crítica quanto ao posicionamento do programa Crediamigo frente ao conflito levantado. Já, para o autor desta dissertação o Crediamigo parece optar pela capacidade de repagamento do pobre, e como conseqüência um não atendimento aos mais pobres dos pobres. O Programa justifica que o maior atendimento a esse público é inviável pelas fortes carências primárias que não são atendidas pelo Estado e enquanto essas não forem supridas o microcrédito não surtirá efeito significativo sobre essas pessoas. Néri faz algumas inovações nos conceitos correntes na temática de microcrédito, denomina de “nanocrédito” o que se chama de “crédito para os mais pobres dos pobres” (YUNUS, 2003). E dilema “aumento do bem estar do pobre x capacidade de repagamento do pobre”, o que poderia se chamar de dilema “microcrédito emancipatório x microcrédito liberal” (MICK, 2003) ou dilema “modelo original x modelo empresarial” (HERMAN, 2005). Denominações diferentes para fenômenos iguais. Esse excesso de denominações parece ratificar a relevância teórica e empírica dessa pesquisa. 64 4.3 A METODOLOGIA DOS BANCOS COMUNITÁRIOS NO PROGRAMA CREDIAMIGO A metodologia dos Bancos Comunitários, conhecidos na literatura espanhola como Bancos Comunales, ou na literatura inglesa como Village Bank, tem como principais características atender a microempresários muito pobres, inclusive aqueles que ainda não possuem negócios em andamento. O saldo médio contratado nas operações dos bancos da comunidade são bem inferiores se comparados aos dos grupos solidários ou aos empréstimos individuais: $150,00, $390,00 e $980,00 respectivamente (WESTLEY, 2003) Para Westley (2003), os Bancos da comunidade conseguem atender clientes que ficavam alijados dos programas de microcrédito comerciais “minimalistas”, clientes considerados sem potencial, inclusive os rurais, pois não possuíam mínimas noções de gestão em qualquer atividade econômica. Agora eles podem contar com serviços não financeiros em uma metodologia de “crédito com educação”. Estes serviços não financeiros são muito valorizados pelos clientes, pelo que o custo adicional de oferecer-lhes pode compensar-se, ou mais que se compensar, com a redução de gastos e os demais benefícios que supõe as maiores taxas de retenção de clientes (WESTLEY, 2003, p.73, tradução nossa). Destarte, Westley (2003) descreve no quadro 7 as principais características de um Banco Comunitário, que diferencia-se do modelo dos produtos de modelo minimalista comercial, essencialmente pelo maior número de clientes atendidos, prestação de serviços não financeiros, fomento de empoderamento e a formação de poupança. CRÉDITO - de 15 a 30 pessoas formam um banco da comunidade, aprovam estatutos e aprendem a manter registros de todas as transações financeiras. Elegem a um presidente, um tesoureiro e se preciso outras autoridades para que dirijam as reuniões, recolham e desembolsem o dinheiro, e se encarreguem em geral da gestão e dos assuntos do banco da comunidade em receber e proporcionar serviços [...] Se o banco da comunidade não logra reembolsar seus empréstimos a Instituição de Banco Comunitário - IBC, geralmente se enfrenta a suspensão de todos os serviços que proporciona a IBC. Por isso, os sócios do banco da comunidade tem fortes incentivos para admitir ao banco da comunidade somente a pessoas responsáveis, que provavelmente reembolsem seus empréstimos a tempo. POUPANÇA FORÇADA (10% - 32% EM MÉDIA NA AMÉRICA LATINA) - Primeiro, atuam como garantia para impedir o fracasso completo dos bancos da comunidade e para amortizar os efeitos de fracassos nas IBC. As poupanças forçadas também são utilizadas para cobrir os casos mais rotineiros de inadimplência dos empréstimos individuais que não põem em perigo a existência do banco da comunidade. O segundo propósito de obrigar aos sócios dos bancos da comunidade a economizar é introduzir-lhes à disciplina e o hábito de poupar e as possibilidades que poderia vir a ter com uma conta de poupança considerável. 65 POUPANÇA VOLUNTÁRIA - Uma das grandes vantagens do banco da comunidade é que proporciona uma maneira de oferecer a seus clientes não somente crédito senão também serviços de poupança. SERVIÇOS NÃO FINANCEIROS - Entre estes estão o estabelecimento de redes, a assistência técnica informal, o empoderamento, o aproveitamento de oportunidades de socialização e o sentido de pertencer a algo. A assistência técnica informal se refere a que os sócios do banco da comunidade intercambiam conhecimentos e idéias para ajudar uns aos outros com os problemas dos negócios. Também faz parte dos serviços não financeiros sobre saúde, educação, nutrição, dentre outros. O EMPODERAMENTO – Os programas do banco da comunidade faz com que eles participem em atividades vitais que melhoram sua confiança, sua auto-estima e o controle de seu próprio âmbito. Experimentam uma transformação psicológica profunda que muitos escritores chamam hoje “empoderamento”: uma transformação da atitude que passa do “não posso” ao “posso”. Com o reforço de êxito do uso do crédito e sua solidariedade com outras pessoas no banco da comunidade, os pobres aumentam sua consciência da possibilidade de melhorar sua vida”. Oferecem oportunidades adicionais de liderança às pessoas que atuam como chefes de cada grupo solidário. QUADRO 7 - Características de um Banco Comunitário – Village Bank Fonte: Adaptado de Westley (2003, p.2-4, tradução nossa) Baseado em experiências internacionais nos moldes dos Bancos Comunitários, o Programa Crediamigo utilizou como benchmarking o caso do Programa Compartamos - México, maior programa de microfinanças da América Latina e lançou seu próprio produto village bank, o Crediamigo Comunidade. Conforme os gestores do programa, a opção por um produto com a metodologia village bank, era atender a uma população com acesso restrito ao microcrédito, devido a distância de suas comunidades para as agências ou postos de atendimento, o número reduzido de pessoas nos grupos solidários dos produtos existentes no Crediamigo encarecia e inviabilizava as operações. Com o Crediamigo Comunidade o programa tem a possibilidade de ganhar mais escala no seu mercado potencial e chegar mais à base da pirâmide. Gestor (Ge3): até 2005, o Crediamigo trabalhava exclusivamente com um público potencial, que já tinham uma atividade econômica há pelo menos um ano. Com o Crediamigo Comunidade ele passou a trabalhar também com aquelas pessoas que não tinham uma atividade ainda, ou que tinham uma atividade com menos de um ano. [...] Hoje, a gente tem clientes que vendem artigos no sinal, catadores de lixo, esses bem pobres mesmo, abaixo deles, eu acho que só assim até mesmo fora da classificação do governo federal, ou em área de bastante risco que aí infelizmente talvez não tenha, tem que ter o apoio de outras políticas para a gente poder trabalhar lá. O Programa abre possibilidade para entrada daquelas pessoas que estão iniciando um negócio ou que estejam com alguma restrição cadastral. Ainda existe alguns limites que a instituição impõe, mas pode ser considerado um avanço na tentativa de incluir os microempresários mais pobres. 66 Para o Gestor (Ge2), as instituições de microcrédito normalmente priorizam no início um público mais lucrativo, que permita uma maior sustentabilidade do programa. Uma tendência é que, com a saturação desse público e com a consolidação do Programa, ele vá descendo aos níveis mais pobres dos microempreendedores. “Com a meta de um milhão de clientes [para 2011] eu preciso cada vez mais descer aos mais baixos de mercado e a tendência natural foi a implantação do Crediamigo Comunidade”, concluiu. O Crediamigo, em 2005, com recursos oriundos do Banco Mundial, consultoria da Acción Internacional e de uma consultoria nacional, a Associação Cearense de Estudos e Pesquisa (ACEP), lançou o projeto-piloto do Crediamigo Comunidade, que foi desenvolvido em zonas urbanas, semi-urbanas e rurais de 4 municípios cearenses: Caucaia, atendido pela Agência Bezerra de Menezes – Fortaleza, Maranguape, atendido pela Agência Maracanaú, São Gonçalo do Amarante e Guaramiranga, atendidos pela Agência Baturité. No piloto, foi envolvido uma equipe do Ambiente de Microfinanças, que contou com assessoria de consultora ad hoc da ACEP e 05 assessores de Crédito do Instituto Nordeste Cidadania das agências de Bezerra de Menezes, Maracanaú e Baturité, todas da Regional Ceará. Realizado de junho a novembro de 2005 na Regional do Crediamigo no Ceará, foram formados 40 Bancos Comunitários, totalizando 631 clientes, com um valor desembolsado de R$ 189.699,45 15. O Gestor (Ge4) faz uma avaliação muito positiva do Piloto e da posterior expansão do Produto. Ele relata a resistência à sua implantação, pois era um produto diferente dos que existiam até então no Crediamigo, uma vez que a análise do crédito estava na análise do caráter do cliente e os valores dos créditos passariam a ser decididos pelo próprio Banco. Alguns gestores, coordenadores e assessores de crédito achavam a metodologia mais trabalhosa e de maior custo. Gestor (Ge4) - Essa “idéia” ela tem uma resistência muito grande, [...]. Muito grande mesmo. Porque não se aceitava e talvez não se acreditasse que esse produto ia ser levado à frente e que ele desse certo. [...] já poderíamos ter muito mais clientes do que nós temos. [...] Então eu vejo que nós precisamos ter uma estratégia mais recíproca uma estratégia mesmo. O que é que nós queremos com ele? Onde é que nós vamos chegar com esse Produto? Nós temos uma meta para atingir em 2011 um milhão de clientes. Nós temos esse produto que consegue alavancar muitos clientes. Então, esse produto ele vai dar subsídio ao alcance dessas metas, mas isso vai vir como tratar a estratégia específica e cobrar ações para o alcance dessas metas. 15 Dados secundários fornecidos pelo ambiente de Microfinanças, BNB. 67 Pode-se detectar essa resistência na fala de alguns gestores que desmistificam a “auréola social” do Crediamigo Comunidade em relação aos outros produtos, mostrando o pragmatismo fincado na sustentabilidade que o Programa deve ter. Gestor (Ge1) - O Crediamigo Comunidade hoje passa a ser um produto qualquer [...] Então hoje pra gente... é um ‘produto de prateleira’. Tanto é que nós não temos uma pessoa específica pro Comunidade. Hoje os assessores são generalistas, vai depender do mercado, das condições [de mercado] ele vai fazer o Comunidade. Essa diferença de visões corrobora a existência do dilema de microcrédito estudado nessa pesquisa (MICK, 2003; HERMAN, 2005; NÉRI, 2008). Isso se reflete na gestão do Crediamigo, um programa de microcrédito gerido por um Banco Público, operacionalizado por uma OSCIP e assessorado por entidades internacionais como Banco Mundial e Rede Acción Internacional16. Nota-se alguns reflexos desse dilema em decisões importantes na implantação e expansão do Crediamigo Comunidade, escolhas que norteiam os resultados do programa e parece mostrar o direcionamento “liberal” que está optando em realizar na metodologia do produto. Quanto a isso algumas considerações: no piloto, houve discussões sobre o trabalho dos assessores, se eles deveriam ser especialistas envolvidos apenas na assistência aos clientes do Crediamigo Comunidade, ou se generalistas e prestar assistência a todo o portifólio de produtos do Programa. “Em um primeiro momento [no piloto] optou-se pelo assessor especialista, pois sendo generalista ele teria a preocupação com outros clientes de outras carteiras e isso poderia prejudicar o seu trabalho no Comunidade”, relata o Gestor (Ge4) . Mesmo assim, na expansão do produto, optou-se pelo generalista, por uma questão de sustentabilidade do Programa. Gestor (Ge2): A gente poderia ter feito investimento maior no Comunidade, tinha a opção de colocar Assessores Generalistas ou Especialistas, mas optamos por Generalistas e isso, de certa forma, é... tem um prejuízo em relação ao crescimento, mas ele garante que não abale tanto a questão da sustentabilidade do programa no início. Essa escolha se reflete no trabalho dos assessores, como foi visto na pesquisa de campo: atrasos, clientes incomodados e assessores insatisfeitos com a sobrecarga de trabalho 16 Ver críticas a essas entidades que prestam assessoramento aos programas de microcrédito sob a visão de um modelo neoliberal (KRAYCHETE, 2005). 68 e a impossibilidade de dar maior atenção aos grupos do Comunidade. Como mostra a preocupação com as “metas” de outros produtos no dia-a-dia do assessor generalista: Assessor (As1): a gente tem que já começar a trabalhar no finalzinho do mês para já realmente ter essas metas cumpridas até no meio do mês, para que no final do mês a gente já tenha tempo livre para as reuniões de pagamento. Então a gente tem que estar realmente muito bem agendado aí, para a gente não perder reunião de pagamento, porque realmente isso atrapalha muito o grupo a se emponderar, a ser firme. Outra discussão que surgiu no Comunidade foi sobre a periodicidade dos pagamentos, se quinzenais ou mensais. “No piloto, todos os empréstimos eram quinzenais, por conta da preocupação em se criar um relacionamento entre as pessoas, fortalecendo aquela rede social, que é um dos propósitos do comunidade”, relata o Gestor Ge(4). Porém, por críticas quanto aos custos das viagens dos assessores e do trabalho de se fazer quinzenal, colocou-se como opcional, praticamente não existindo mais hoje a reunião. Assessor (As1): De quinze em quinze dias a gente se via em uma casa diferente, era bom porque a gente tinha mais afeto às pessoas e as pessoas se conheciam mais e passavam a confiar mais uns nos outros. Então eles amavam por quinzena. Amavam, realmente, nesse piloto. A gente começou a trabalhar mensal, porque alguns clientes, não todos, preferiam mensalmente, e também devido o lucro do banco também que não estava bom, mas a gente colocou mais mensal por causa disso também, também pelo lucro do banco que já era um pouco [...]. Nessas questões, pode-se perceber visões diferentes dentro do Crediamigo. Para alguns, deve ter uma concepção minimalista com uma maior preocupação no atendimento aos serviços financeiros, sustentabilidade e aumento de escala, enquanto para outros o Crediamigo deve possuir uma concepção desenvolvimentista com serviços extra-financeiros, com maior ênfase no empoderamento e de capacitação. Enquanto para uns a preocupação está em: Gestor (Ge4): O que me preocupa muito hoje no Crediamigo Comunidade é a filosofia desse produto. Trabalhar com o cliente não como um cliente, mas colocar esse cliente participando de uma rede de solidariedade. Colocá-lo dentro dessa rede social. Prá mostrar que eles podem em conjunto fazer muita coisa. [...] é um foco muito mais social do que mesmo econômico. O crédito não chega como o instrumento mais importante, ele vai chegar como um complemento dessa ação social. Para outros: “O Crediamigo Comunidade tem um foco, que é levar crédito à população de baixa renda e setor informal que precise dele e pronto” (GESTOR GE1). E pelo observado em loco na pesquisa de campo esta visão liberal é a que está preponderando no Programa. 69 Correlaciona-se assim a concepção minimalista, restrito a dar acesso ao crédito para clientes do setor informal (RIBEIRO; CARVALHO, 2006) com a concepção liberal (MICK, 2003) e, de outro lado, a concepção desenvolvimentista, crédito integrado a políticas educacionais, fortalecimento de redes sociais e empoderamento comunitário (RIBEIRO; CARVALHO, 2006) com a concepção emancipatória (MICK, 2003) no campo do microcrédito. Cientes dos dilemas no campo do microcrédito, tendo como base os objetivos específicos do Crediamigo Comunidade descritos nos próximos tópicos, procurou-se entender a concepção dos mesmos através das entrevistas primárias com os gestores e desconstruí-los a luz do referencial teórico estudado neste trabalho. Depois, através das entrevistas com os clientes do Programa, procurou-se confrontar esses objetivos específicos com as experiências vividas por eles nos bancos comunitários, separando assim a aparência da essência no Crediamigo Comunidade. 4.3.1 Objetivos Específicos do Crediamigo Comunidade Nos relatórios do Crediamigo pode-se encontrar que os “Bancos Comunitários” são formados com 15 a 30 pessoas amigas de uma mesma comunidade e destinam-se, principalmente, à população de mais baixa renda, tendo como objetivos a educação para o crédito, a formação da poupança familiar, o empoderamento da comunidade, e conseqüentemente a melhoria das condições de vida das famílias. Incentiva os mais diversos pequenos empreendedores a iniciar ou desenvolver seus negócios, utilizando o potencial de seus próprios residentes, aliado ao compromisso da palavra, confiança, solidariedade, ajuda mútua e amizade entre os mesmos (BANCO..., 2006). Então, tomando como base os relatórios do Programa, observações da pesquisa de campo e análise das entrevistas com os gestores, assessor e clientes procurou-se entender e discutir cada objetivo específico do Crediamigo Comunidade, confrontando-o com o paradigma de microcrédito emancipatório estudado nesta dissertação: 70 4.3.1.1 Melhoria das condições econômicas e sociais do microempreendedor O Crediamigo, com o crédito comunidade, espera atingir em larga escala o público alvo do programa ampliando o atendimento das necessidades de financiamento de baixa renda que tem ou queira iniciar uma atividade. Uma vez que as pesquisas (NÉRI, 2008; SOUZA, 2003) demonstram que o Crediamigo não consegue atender bem aos “mais pobres” microempreendedores no Nordeste e que existe um perfil menos carentes dos seus clientes, quando comparados aqueles, o Crediamigo Comunidade tem a possibilidade de atender a esse público específico e preencher essa lacuna no Programa. Para o gestor (GE1), esse produto tem uma interface com outros programas governamentais, como o Bolsa Família17, visto que de modo geral cerca de 45% dos clientes do Programa Crediamigo são beneficiários do Bolsa Família. Nota-se que o Crediamigo Comunidade tem um potencial ainda maior para atender a esse público. Nessa pesquisa de campo que levou em consideração apenas esse produto, metade dos clientes eram beneficiários do Bolsa Família. Inclusive, foi realizado um projeto piloto em 2007, também no Ceará, no sentido de conciliar a política de microcrédito em complementação à política assistencialista do Bolsa Família. Gestor (Ge3): a idéia é em algum momento, você conseguir integrar as duas políticas pra na medida em que ele recebe os recursos do Bolsa Família pra suprir as necessidades imediatas de alimento e no segundo momento ele possa ter uma capacitação, um acesso a microcrédito para ele poder ir se preparando para um dia poder caminhar com as próprias pernas. Para este autor, no momento que o Crediamigo se dispuser, a atender prioritariamente o público do Bolsa Família, ele estará buscando atender “aos mais pobres”, uma vez que o perfil dos beneficiários do Bolsa família se mostrou mais carente que o perfil dos clientes do Crediamigo (NÉRI, 2008). 17 O (PBF) é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60,00), de acordo com a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.749, de 11 de abril de 2006. (BRASIL, 2008) 71 Portanto, essa integração de políticas públicas vai muito na direção do modelo desenvolvimentista de microcrédito onde não apenas dar o crédito, mas oferece condições para que esse crédito possa se tornar rentável aos mais pobres, através de outras políticas educacionais, alimentares, de saúde. E por sua vez contempla o atendimento “aos mais pobres dos pobres”, dentre os microempreendedores do nordeste brasileiro. Gestor (Ge4): O microcrédito pr’aquelas pessoas mais pobres, só vai servir se for aliado a outras políticas [...] e o governo, como um todo, aí eu digo logo o Estado, tem que de qualquer forma suprir as necessidades estruturais... que necessitam para o desenvolvimento. Escola, educação, a saúde, o transporte, a energia, o saneamento, as estradas [...] Aqui, todos os gestores entram em consenso ao perceberem que o microcrédito sozinho não consegue mudar a vida dos mais pobres dos pobres e que o Estado precisa cumprir sua função em outras áreas. Relatam em uníssono: “O microcrédito não é uma panacéia”. Porém, não é por conta dessa observação que se deve perder o foco dos “mais pobres dos pobres”, como programa de microcrédito público deve ter o compromisso maior com essa clientela, não pode ter a lógica restrita do lucro como os programas comerciais de microcrédito, reflete este autor. Para verificar se os objetivos específicos do Crediamigo Comunidade estavam sendo atendidos pelo Programa, o pesquisador teve contato com seis bancos comunitários dos quais dois deles chamaram mais atenção pela integração e clima amistoso no qual se desenrolavam as reuniões do grupo. O pesquisador deteve-se nestes dois. As falas desses clientes eram menos lacônicas, parecendo estar num estágio de amadurecimento maior que os dos outros bancos, por isso eles foram escolhidos para o estudo de caso. Em 26 de maio de 2008 o pesquisador participou da renovação do nono ciclo de empréstimo do Banco (BA). Esse grupo foi formado em 26 de agosto de 2005, portanto, dois anos e sete meses de funcionamento. A reunião era muito festiva. No início todos conversavam ao mesmo tempo, as mulheres animadas falavam sobre o seu dia-a-dia, suas famílias e sobre os seus negócios. Algumas trouxeram roupas intimas pra vender ali mesmo no grupo, fazendo parecer que o lema popular: “amigos, amigos, negócios a parte” não funciona ali. Os poucos homens presentes pareciam também gostar da reunião. Eram quatro homens e quinze mulheres presentes. Apesar do semblante sofrido, eles não dispensam um sorriso aos que se aproximam, principalmente quando estes são os funcionários do Crediamigo. Notou-se um carinho e uma 72 gratidão muito grande dos clientes para os assessores de crédito, eles valorizam o esforço desses funcionários que vão ao seu encontro em zonas rurais distantes das agências e postos de atendimento do Programa. Motocicleta ou ônibus interurbanos são os meios de transporte mais comuns que os assessores utilizam para chegar a essas comunidades. Uma dessas clientes é a cliente (BA5). Tesoureira do Banco (BA), hoje ela vende salada, pastel, dim-dim (nome dado a picolé em saquinho, no estado do Ceará) nos recreios de uma escola municipal na comunidade de São João do Amanari, Município de Maranguape, e faz faxina para complementar seu orçamento familiar. Valoriza muito o Crediamigo, e passou a dar maior valor depois que seu marido perdeu o emprego. Antigamente, eles viviam um pouco mais tranqüilos com o salário do seu esposo, e com a renda dos negócios da cliente. Porém, depois que ele ficou desempregado, ela passou a arcar sozinha com as despesas da casa. “Antes era bem melhor, - né? – Porque meu marido trabalhava como agora ele não tá trabalhando e eu tenho essa renda aí, prá mim... se num fosse essa renda aí, como é qu’eu num tava, num é?” (Cliente BA5) Vive com seu marido e duas filhas com uma renda familiar de R$ 454,00 (per capita R$ 113,50). O lucro dos seus negócios representa quase 62% da renda familiar (R$ 280,00). Antes do Crediamigo ela diz que o lucro do negócio era bem menor, menos da metade. Em torno de R$120,00. Cliente (BA5): Eu vendia dim-dim só em casa, Aí depois que eu comecei a fazer o empréstimo, qu’eu pude aumentar minhas coisas aí eu passei a vender no colégio. Eu não podia vender em casa porque aqui num vinha gente, pouquíssima! E lá no colégio não, devido os alunos tem muita [...] venda. Os outros rendimentos da família são R$ 80,00 pelas faxinas que ela faz e o Bolsa Família de R$ 94,00. Nunca teve carteira assinada, diz que sempre teve a carteira, mas nunca foi assinada, (ironiza com ela mesma, uma característica da personalidade do cearense e do povo nordestino para enfrentar as dificuldades sociais). Terminou só o 1° grau, possui uma forte preocupação com o estudo de suas filhas e acha importante o Bolsa Família, para que elas não sejam prejudicadas em seu desempenho escolar. Cliente (BA5): É muito importante, porque na época que começa as aula a gente sempre tem... quando a gente tem a renda da gente certa, mas a partir do momento qu’ele ficou desempregado, esse bolsa-família prá mim ficou mais importante ainda. Porque aí quando chega o mei do ano, tem que renovar [o material escolar das filhas], comprar tudo de novo. Fim do ano também, isso aí já ajuda muito. 73 Relata que a qualidade de vida deles está menor em decorrência do desemprego do marido, mas que com o Crediamigo encontrou forças para enfrentar essa dificuldade financeira. Hoje, ela possui a perspectiva de encontrar o emprego formal que nunca teve e com o Crediamigo sente a importância de voltar a estudar. Cliente (BA5): Eu vou voltar a estudar porque eu me inscrevi na “Dakota” e ela tá exigino. Aí como eu tô aguardano o resultado, o chamado - né? – Aí, tem que ter o segundo, eu levei certificado do primeiro grau, mas eles querem que eu continue estudano. Qué pa terminar. [...] Quando eu terminei a oitava eu já tava participando já [do Crediamigo]. Aí a gente que lida com conta, que lida com dinheiro é sempre bom. Eu sou muito ruim de matemática (rindo, ironiza-se mais uma vez). Com o mesmo espírito batalhador da cliente (BA5), a maioria das dez clientes entrevistadas, oito, exercia mais de uma atividade. Apenas duas, a cabeleleira (BB1) e a costureira (BB5), trabalhavam em apenas uma atividade, pois precisavam de dedicação integral para atender a demanda da comunidade. Dentre as atividades, a que mais foi citada (por cinco clientes), foi revendedora de confecção (peças íntimas), sempre conjugadas com outras atividades. Uma atividade fácil de ser realizada, e que não possui valor agregado, foi visto como a primeira opção das clientes na busca do auto-emprego, pois nenhuma das dez depois de dois anos e meio conseguiu dar trabalho a mais uma pessoa. No máximo, algum parente ajuda na atividade. Metade do número de clientes eram atendidas pelo (PBF) e duas dessas ainda não conseguiram ultrapassar o limite de R$ 120,00 da classificação de pobreza, utilizada pelo Governo Federal. Suas rendas familiares per-capita eram de R$ 90,00 (BA3) e R$ 113,50 (BA5). Algumas reclamaram do atraso do benefício, estando há 8 meses sem receber (BA1; BA3). Constatou-se o perfil dos clientes do Comunidade mais baixo que os do Programa Crediamigo de modo geral. Todos os entrevistados seriam considerados de subsistência e de auto-emprego, com vendas mensais menores a R$ 1.000,00 e assim são classificados na base de dados do Programa. A maioria deles fez confusão entre o lucro e o “apurado” do negócio, misturando o dinheiro do negócio com outras rendas advindas de pensões, benefícios sociais ou da renda de outro ente familiar. Todos relataram uma melhora financeira devido ao desenvolvimento do seu negócio durante os dois anos e meio no Programa, com um aumento no lucro líquido de pelo menos 50% durante os dois anos e meio de participação no Programa. Elas dizem que antes do Crediamigo, por não terem como comprar a vista, eram “vítimas dos galegos, dos rapazes”, representantes comerciais informais que passam pela zona 74 rural vendendo em consignação seus produtos, o que diminuía sensivelmente os lucros das clientes. “O lucro era bem menorzim, por cada peça era R$ 1,00; R$ 1,50; R$ 2,00. [Hoje, com o Crediamigo] tem peça que a gente ganha R$ 3,00; R$ 4,00; R$ 5,00”, relatou a cliente (BB4). Outra cliente (BB5) considerava-se vítima como faccionista de uma firma terceirizada que contratava informalmente seus serviços de costureira: “o trabalho era muito sufocante e o ganho pouco. Depois que entrei no Crediamigo, aí eu tenho meu dinheiro prá... comprar o tecido, prá investir [...], num tenho que entrar noite adentro fazendo aquilo ali pra entregar. [...] Quanto mais eu fazia mais ‘eles’ queriam”. Das dez clientes, três estavam trabalhando com carteira assinada: duas agentes de saúde e uma funcionária de “serviços gerais” da prefeitura (todas já exerciam essas atividades antes do Crediamigo). Outras duas havia 15 anos que não assinavam a carteira e cinco nunca tinham tido carteira assinada. Dentre estas, duas aposentadas, uma que trabalhava com agricultura e duas que faziam serviços de faxina. Das melhorias sociais e econômicas relatadas pelas clientes, citavam uma melhora na alimentação diária de sua família, principalmente aquelas mais carentes. O aumento na renda familiar serviu para garantir uma alimentação básica adequada e sem privações maiores. Cliente (BA3): Está melhor. Porque nem todo dia tem só feijão com arroz, agora pra aqui pra acolá, tem pão com alguma coisa, compra carne de gado. Cliente (BB5): As vezes deixava de me alimentar melhor, porque dava prioridade a pagar as contas e agora com o Crediamigo é mais folgado, melhorou na quantidade e na qualidade da alimentação. Para aqueles clientes com maior escolaridade e melhores condições financeiras, a mudança social mais marcante foi a busca por uma capacitação maior para potencializar seu negócio e agregar um pouco de valor ao seu serviço ou produto. Os que possuem menor grau de escolaridade não aproveitam essas oportunidades e estão propícios a ter sempre um crescimento marginal na sua atividade. Uma preocupação central para os microempreendedores em relação aos aspectos educacionais é em relação à formação de seus filhos. Muitas vezes essa preocupação é a maior motivação para o microempreendedor se empenhar no desenvolvimento da atividade. “O objetivo maior com o Crediamigo é permitir melhores condições de estudo para os nossos filhos. Sem ajuda do Crediamigo eu não teria condições de ter colocado minha [terceira] filha no Instituto Adventista não, é muito caro pra mim!” (BB2). 75 Não foi percebida melhoria significativa no aspecto da saúde na família dos microempreendedores. Uma delas apenas passou a ter condições de pagar um plano de saúde odontológico pra família. Todas utilizam o SUS ou, em alguns casos, um plano popular de saúde conhecido como “plano funerário” que dá direito a consultas com descontos para elas e os dependentes. Outras melhorias econômicas e sociais citadas espontaneamente nas entrevistas foram: inversões no empreendimento (6 citações), compra de um meio de transporte (3 citações), reforma ou aquisição de casa própria (2 citações). Não houve mudanças sociais significativas para duas clientes. Exclusive as melhorias em termos de alimentação dos microempreendedores, todas as outras, educação e saúde, se deram em termos marginais sem potencial para transformá-los em “empreendedores de sucesso”, como preconiza o Mercado e os programas de microcrédito comerciais, como denunciaria (FREIRE, 1996; 2005). Pelo fato de muitos dos clientes serem analfabetos funcionais, os seus negócios estão de certa forma propícios a terem sempre um crescimento marginal, de subsistência, pelo fato de não conseguirem desenvolver um serviço ou produto com um maior valor agregado. Para o público mais pobre com renda menor que R$ 120,00 per capita familiar a política de microcrédito liberal minimalista sem vinculações com políticas educacionais e assistenciais vai surtir um efeito marginal, não conseguindo retirar essas pessoas da linha da pobreza. 4.3.1.2 Empoderamento das comunidades através do convívio grupal Para o gestor (Ge3) empoderar uma comunidade pobre é dar instrumentos para o fortalecimento das relações sociais, para que a mesma se transforme, saindo de um estado de inércia, para uma mudança positiva de atitude, do estado “do não posso” para “posso”. Gestor (Ge3): [...] são pessoas que a auto-estima é muito baixa, não tem aquela motivação empreendedora, elas acham que tudo tem que vir de fora, do Estado ou do líder local, e aí, com o microcrédito, com o Crediamigo Comunidade, a gente mostra que eles são capazes de colocar uma atividade econômica, contrair um empréstimo, pagar este empréstimo, eles são capazes de “pensar no futuro”. Ademais, a administração desses Bancos é realizada por seus próprios componentes ou sócios, que elegem suas diretorias, atuam como dirigentes, conduzem reuniões, mantém os 76 registros e fixam suas próprias regras, inclusive multas por atrasos ou faltas às reuniões. Os sócios também decidem quem pode participar e continuar participando e qual valor do empréstimo que será concedido a cada membro em cada ciclo de crédito, responsabilizando- se, inclusive, em cobrar dos sócios que atrasam seus pagamentos. “É um verdadeiro orçamento participativo”, ressalta o gestor (Ge4). Gestor (Ge4): não aquele [orçamento participativo] que vai prá comunidade como um todo. Mas é o orçamento dele que gira em torno do banco. Porque na hora que vai tomar o empréstimo, aí ele vai dizer: Olhe, eu quero duzentos. E o outro faz: Não. Num vai pedir duzentos não. Pegue só cento e cinqüenta. É mais fácil de pagar. Então, eles discutem entre eles. A auto-gestão dos Bancos comunitários incentiva a auto-confiança e melhora a auto- estima de seus integrantes, permitindo assim reforçar o poder grupal para uma mudança positiva de atitude. “No projeto com o Comunidade, a gente viu muitos líderes que não existiam e que hoje realmente são considerados”, lembra o assessor (As1). Assessor (As1): Pessoas que a gente não dava nada na comunidade, eles deram oportunidade àquela pessoa, a ser o presidente do grupo, presidente da comunidade, e fez, assim, muito por eles. [...] Olha, a Dona Fátima, Presidente do Banco Vitória? Então eles já são conhecidos na comunidade como líderes, como presidentes do banco da comunidade e que, com certeza, vão ter outras oportunidades de serem líderes de associação, ou vereadores, sei lá, quem sabe, não é? Ser cidadão não é ser empresário, ou pelo menos não somente ser empresário. É muito mais do que isso. O econômico pode ser o primeiro passo, mas não se pode parar aí ou se restringir a isso para que se possa falar em empoderamento comunitário. Na pesquisa de campo foi visto que a gestão dos bancos comunitários fica concentrada na comissão do Banco, presidente, secretário, tesoureiro e dois suplentes, e que os clientes que possuem mais habilidades para o exercício dos cargos são indicados para a comissão. Todos os membros do Banco reunidos em assembléia têm direito a voto e levantam a mão para exercê-lo. Contado todos os votos, tomam posse os representantes. 77 Assembléia Comissão de Coordenação Presidente Assessor Secretário Tesoureiro Suplente 1 Suplente 2 FIGURA 4 – Organograma dos Bancos Comunitários Fonte: Elaboração do autor Pode-se acompanhar um pouco o trabalho dos assessores em campo e perceber o quanto este seu trabalho é importante na mobilização da comunidade e muitas vezes a forma como este se dedica ao Comunidade e à “filosofia do Comunidade”. Como se refere o gestor (Ge4), pode fazer diferença significativa entre limitar as reuniões de pagamento a contagem de pagamento das parcelas mensais ou estarem atentos para a formação da rede social e ao empoderamento dos bancos comunitários. Claro que isso não é uma escolha do assessor e sim do direcionamento que os gestores do Programa dão a esse produto e ao próprio Crediamigo. O assessor de crédito exerce a função também de assessor do banco comunitário como representante do Crediamigo. Foi visto que ele e os representantes eleitos possuem uma forte influência nas decisões do grupo, e isso pode acarretar algumas distorções na gestão e direção do banco comunitário. Por exemplo, quando se vai decidir algo importante para o grupo, em vez de abrir para a plenária discutir as melhores opções entre as possíveis, o assessor ou um representante da comissão faz a indicação pela opção que escolhe e o grupo apenas bate palma ratificando ou não a escolha feita, a utilização dessas palmas pode encobrir algumas manipulações, pois, através das palmas não se consegue quantificar quantos bateram palmas e quantos deixaram de aplaudir, percebendo-se quase sempre as palmas como aprovação à proposta apresentada. A pouca escolaridade impede que os analfabetos e semi-analfabetos participem da comissão de coordenação, seus nomes sequer são cogitados para os cargos, pois não possuem requisitos para o exercício da função. Com isso limitam-se as opções entre os mais escolarizados, que se beneficiam mais da rede social dos Bancos Comunitários. A limitação da escolaridade não permite que esses “mais pobres” desenvolvam suas potencialidades no 78 grupo, e o programa de microcrédito não se propõe a resolvê-las. Segundo os gestores, não teria condições de resolvê-las, pois tal função é do Estado. A não alternância nos cargos faz existir uma maior concentração de poder entre os membros da comissão, como foi visto no Banco (BB) e, em decorrência disso, os menos escolarizados ou mais tímidos acabam por não potencializar suas ações de liderança dentro do grupo. Neste Banco a presidente, além de líder comunitária, é irmã da suplente e vizinha da secretária, nesse grupo nunca houve rodízio de presidente. Por outro lado no Banco (BA), ocorreu algumas vezes o rodízio na comissão, assim, os clientes ficam mais a vontade para falarem suas queixas ou sugestões, compartilha-se as experiências do negócio com todos os clientes, essas experiências servem para se fortalecerem quando virem uma dificuldade semelhante a que aconteceu com o colega do grupo, e ficam um pouco mais preparados para enfrentá-las. Na literatura sobre Bancos Comunitários isso se chama “assistência técnica informal”, um serviço não financeiro proporcionado pela participação no Banco (WESTLEY, 2003) Nota-se a influência dos assessores no estímulo ou não para se realizar o rodízio nos membros da comissão. Enquanto no Banco (BA) o assessor acompanha o grupo desde o início e participou da implantação do projeto-piloto do comunidade, sendo por este período um assessor especialista, ele se preocupa mais com os aspectos do empoderamento do grupo. Por outro lado, o assessor do Banco (BB), como sempre foi um assessor generalista, para ele é mais fácil não mexer na comissão, dá menos trabalho.A preocupação do assessor está mais em atender aos outros 408 clientes de sua carteira.18 A participação maior dos clientes no Banco (BA) se faz notar pelo maior entrosamento entre eles, o maior número de “confraternizaçõezinhas” no dia das mães, natal. Sempre havia um “lanchezinho” nas reuniões de pagamento quando comparado ao Banco (BB). Freire (1996, 2005) ratifica a importância dessas celebrações no processo de busca de emancipação humana. Entre os momentos de maior união que marcaram os grupos se destacam aqueles vividos nos primeiros encontros de formação e inauguração do grupo. Fazendo uma análise, pode-se notar que valorizam mais a época do projeto-piloto, onde havia uma atenção maior voltada para o Comunidade por parte dos assessores. Outros momentos marcantes vividos no Banco (BB) foi uma grave doença, câncer de mama, vivida por uma cliente do grupo. Já no 18 Ver Tabela 1 - Produtividade do Crediamigo. 79 Banco (BA) foi a reconciliação de duas senhoras da comunidade que a muito tempo não se falavam e com a participação no grupo começaram a se respeitar e fizeram as pazes . Cliente (BA3): A primeira vez do banco. Foi a união maior, fomos ser madrinha de um, ser afilhado de outro...Outro dizia: Quem é que vai apadrinhar fulano? você aceita pagar mais pra fulano? Você aceita pagar mais pra Helena? Ali era uma alegria grande. Uma união grande pra tudim. Cliente (BB4): Eu tinha parado um pouco, num tava vendendo muito, eu me operei, né? Aí num podia sair, agora eu vou continuar de novo... to mais melhor, agora vou poder sair.” [...] Eu acho melhor o empréstimo de grupo que se fosse individual, porque o grupo dá mais força. [...] o dia do meu aniversário foi muito marcante pra mim (nunca ninguém tinha feito), no dia, nem eu mesma tava lembrada que tava aniversariano. Cliente (BA5): a minha mãe ela sempre ia fazer o pagamento pelo meu irmão, porque meu irmão, devido ao trabalho dele num podia tá presente em algumas reuniões, aí a minha mãe tinha uma conhecida, que é a [...] do mesmo grupo. Elas não eram muito unidas assim, por assim dizer “chegada” – né? - Aí, lá na hora da confraternização uma tirou a outra na hora do amigo secreto, aí elas falaram que: A gente se conhece há muito tempo, mas eu não gostava muito, você nunca falou comigo, eu num ia muito com a sua cara, mas depois que a gente continuou, começou a freqüentar esse grupo. A gente ficou pagano, todos os meses a gente vinha pagar, aí eu conheci que você num é a pessoa qu’eu pensava que você era. Achei que esse dia marcou prá mim. Quando se trata da “solidariedade financeira” na qual o comprometimento do pagamento solidário das parcelas do grupo é a única forma de acesso a esses grupos, ou eles topam ser “solidários” ou ficam sem acesso ao crédito. Pelo que se pode notar essa solidariedade dura até o segundo atraso da mesma pessoa. Nos dois bancos aqueles que atrasaram duas vezes foram expulsos dos grupos. “O nosso grupo é assim, a gente quer que as pessoas compareçam tudo no dia da reunião com o pagamento, prá não ter problema.[...] Aí, ela atrasou duas vezes, aí a gente não aceitou mais.” (CLIENTE BA1). Não foi relatado em qualquer das entrevistas nenhum caso de dispensa de parcela de nenhum membro pelo grupo, no máximo se faz uso da cota de reserva naquele mês e logo que o cliente recebe o dinheiro presta contas com o grupo. O medo de não decepcionar aquelas pessoas da comunidade ou de perder a possibilidade de tirar outro empréstimo faz com que a grande maioria pague suas parcelas em dia. Segundo os gestores a inadimplência no Crediamigo Comunidade é de apenas 2%. A grande valorização ao Crediamigo Comunidade se dá porque oito dos dez entrevistados nunca haviam tido acesso a crédito formal, tinham medo de se endividar, não se sentiam à vontade em Banco. Inclusive, não existe banco próximo das comunidades visitadas, sempre é uma viagem de no mínimo 1h30m para chegar à agência mais próxima. Ficaram 80 surpresos quando o Crediamigo chegou. Hoje, desmistificaram o medo e fazem empréstimo de mil reais de quatro em quatro meses. As mudanças relatadas nas comunidades visitadas são relacionadas a aspectos econômicos e sociais, visto que quando se atinge uma comunidade carente com recursos creditícios e juros não abusivos esses recursos logo se transformam em benefícios sociais para os clientes e para a comunidade em geral. Já os aspectos políticos, apesar de serem potencializados pelos encontros mensais das reuniões de pagamento, não estão sendo utilizados para esse fim. Não há preocupação de se problematizar aspectos sociais da comunidade e alcançar o apoio político, pelo menos isso não foi evidenciado nos grupos visitados. Destarte, não se pode caracterizar o empoderamento que ocorre no Crediamigo Comunidade como empoderamento comunitário, muito menos de empowerment da classe social freireano, mas sim, como empoderamento em nível individual (BAQUERO, 2006), pois, não sai da lógica individualista, a solidariedade comunitária é reificada, sendo boa enquanto traz benefícios individuais, uma busca de auto-emancipação. Pode-se notar vários casos desses nas falas dos clientes do Crediamigo Comunidade . Cliente (BA1): Antes eu não tava nem conseguindo dormir direito, por que eu era depressiva, tinha muitas contas para pagar, chegava o dia eu não tinha o dinheiro, ficava naquela aflição, mas isso mudou, graças a Deus mudou. Cliente (BA5): É, porque sempre vem alguém e às vezes a gente num tem nem conhecimento, mas chega prá gente e pergunta: E aí, você participa daquele grupo? E aí, é legal? É bom? Num sei que. Dá certo? Sempre pergunta, aí... Prá mim melhorou assim – né? – Porque... a gente conhece mais as pessoas. Melhorou prá mim porque as pessoas até me conheceram mais – Pergunta prá gente: Como é que é ... Tu é o quê lá no teu grupo? Tu é Presidente? Tu é Secretária? Tu é Tesoureira? Né? – Sempre (risos). Isso é que pergunta. Cliente (BB5): Eu tô muito satisfeita porque antes, eu trabalhava o modelo que os outros criava, o que vinha eu tinha que engolir, como se diz, fazer, - né? – a peça mais complicada eu tinha que quebrar a cabeça e fazer e o preço... a questão do preço é outra coisa. E agora não, depois do Crediamigo qu’eu tive condição de comprar os tecidos e fabricar o qu’eu gosto de fazer. Eu crio modelo, eu faço roupa de recém-nascido, num é modelo copiado é tudo que eu... então eu me sinto bem, só em tá fazendo aquilo qu’eu crio, qu’eu gosto, não uma coisa que vem prá mim pronta [...] Aí depois vem a questão financeira, qu’eu não tinha, tava totalmente desestruturada, marido desempregado, tudo e eu – né? – depois qu’eu fiz/ entrei no Crediamigo aí pronto, eu tive condições de trabalhar, pagar minhas dívidas e ajudar minha família (grifo nosso). A cabeleleira do Banco (BB), no município de Caucaia - Ceará, a cliente (BB1), orgulha-se de poder estar construindo o seu próprio salão de beleza, diz que cortava cabelo há muito tempo, mas só depois do Crediamigo conseguiu o ponto próprio. Hoje ela está 81 atendendo no Salão ainda sem reboco, mas satisfeita pela independência e por não pagar mais aluguel. Com a renda mais folgada com o ponto próprio, espera fazer uns cursos de aperfeiçoamento na área. Ela tinha iniciado um curso para cabeleireira antigamente, mas por falta de condições financeiras não havia concluído. “Eu não desenvolvi toda a área do curso, fiquei só na parte do corte [...] tô pensano no aperfeiçoamento na área qu’eu deixei. [...] Tenho que fazer alguns aperfeiçoamentos”(CLIENTE BB1). Além de cabeleireira ela é a secretária do Banco (BB), eleita, sente que as pessoas têm confiança nela e nas outras dirigentes do seu banco. “Os nomes foram lançados e o pessoal que votou teve confiança na gente, a gente disse o nome até por conta de sentir confiança neles também. [...] E demos sorte, nós conseguimos nos comunicar bem”(CLIENTE BB1). A cliente ressalta como aspecto mais importante para ela no Crediamigo Comunidade foi o alcance da sua independência financeira. A cliente se sentia um pouco inferiorizada por ser adulta e solteira, 40 anos, e ainda dependente dos pais. O microcrédito e a participação no banco comunitário elevaram sua baixa auto-estima. Cliente (BB1): Eu num me sentia muito independente não, e eu sinto qu’eu to conquistando a cada dia mais a minha independência, essa é a questão mais importante qu’eu senti [...] até na questão de falar, se comunicar, até falar em público que num é fácil (rindo)... a gente vai e termina se adaptando. Um dos aspectos mais relevantes que se revelou nas entrevistas foi a melhora na auto- estima das clientes. Elas estão mais realizadas por deixarem de ser empregadas, passando a ter seu próprio material de trabalho, ter mais tempo disponível para a família e até serem reconhecidas na rua como a presidente, secretária ou tesoureira do banco comunitário. Um ponto muito realçado pelos gestores se refere ao empoderamento feminino, e na pesquisa de campo foi observado que a maioria era de mulheres, para o assessor (As1), elas se socializam mais rápido que os homens e valorizam mais as reuniões. 62,6% dos clientes do Crediamigo são mulheres (NÉRI, 2008). Nos dois grupos visitados do Comunidade para essa pesquisa, 34 eram mulheres e 6 eram homens, em um total de 40 clientes. Gestor (Ge4): eu acho que o incentivo maior do social, aí, é porque as mulheres finalmente, elas começam a enxergar o mundo de uma forma diferente, elas começam a trabalhar, elas começam a ter auto-estima e elas começam a valorizar aquele trabalho e aquelas reuniões. E a partir daí, ela se volta pra família de uma forma de não só levar o alimento, mas elas querem que os filhos tenham mais oportunidades. [...] Elas, às vezes, levam as crianças para a reunião, e aquilo é um exemplo também para o filho. 82 Nas entrevistas com as clientes foi visto que passaram a ter um papel de destaque no orçamento familiar, às vezes sendo a maior responsável pelo sustento da família. Na maioria das vezes elas contam com o apoio do seu esposo, familiares e amigos. Algum atrito pode acontecer quando o marido está desempregado e se vê numa situação de muita inferioridade em relação a mulher, impedido de contribuir minimamente no orçamento doméstico. Como relata a cliente (BA3) a seguir. - Tem horas que ele não gosta. Reclama que eu saio muito, porque pelos gostos dele eu vivia só dentro de casa. [...] Você ta saindo muito, ta saindo muito. Não to gostando não. E eu dizia: você vai ficar sem gostar, porque eu vou continuar saindo [...] Ah. Tinha, Tinha uns “pega”, tinha uns “pega”. Tinha e ainda tem. Eu num deixo minhas coisa não. - A senhora tem renda maior que a dele? - Realmente é. Acho que é mais por isso... - Ele quer que a senhora saia do Crediamigo? - Mas ele não manda em nada, quem paga sou eu, mesmo que ele mandasse eu não saia. O paternalismo na cultura brasileira, apesar de existir, parece não ser tão conservador quando comparado ao dos países islâmicos, como é o caso do Grameen Bank. Analisando mais especificamente as relações de capital social dos bancos comunitários, os gestores acreditam que o convívio mais freqüente entre essas pessoas faz com que elas se empoderem, “a auto-estima começa a elevar porque elas vão ver que muitas pessoas são iguais, que têm os mesmos problemas, compartilham as mesmas coisas, elas vão vendo que o problema não é único, e que elas juntas podem chegar lá” (GESTOR GE4) Como se pode perceber em (ÁTRIA, 2003; DURSTON, 2000) empoderamento e capital social são teorias que se auto-reforçam e são interdependentes, não existe uma sem a outra. Por isso se faz muita confusão teórica e utiliza as duas como iguais. Voltando-se ao quadro n° 3 – Os Principais Eixos de Capital Social (ÁTRIA, 2003) pode-se analisar que o empoderamento vai ser maior ou menor dependendo da ampliação do capital social dos bancos comunitários, ou seja, se ele fica restrito ao grupo laços bounding (laços de amizade dentro dos bancos comunitários) ou se amplia aos laços bridging e linkage, com articulação a outros grupos e parceiros governamentais buscando influenciar ações políticas também, conforme o conceito de empoderamento comunitário (BARQUERO, 2006). Uma experiência interessante de articulação entre um banco comunitário e o poder público (prefeitura municipal) relatada pelo assessor (As1), chamou atenção do pesquisador na entrevista com o assessor. Porém, devido as constantes chuvas do inverno de 2008 no 83 estado do Ceará, que deixaram a comunidade intransitável pela falta de infra-estrutura nas suas vias de acesso, não se pode visitá-la durante a pesquisa de campo. Assessor (As1): numa comunidade em Maranguape do “Rato”, chama de “Rato” lá, é o nosso banco lá da comunidade, nós somos lá uns dezoito, dezenove pessoas, e a secretária é professora, uma pessoa que fala muito, muito organizada, uma pessoa que se preocupa muito com a comunidade também e aí ela teve uma idéia de na reunião falar sobre algo importante para a comunidade, que seria o caso que, devido um acesso muito difícil, deles morarem num lugar muito difícil, difícil acesso para tudo, que eles não tinham ônibus, não tinham nada assim, mototáxi, somente. Eles não tinham como se locomover para as áreas mais urbanas, digamos assim, no momento de comprar alguma coisa. Então eles, na reunião, eles falaram sobre isso, teve o apoio de toda a comissão e as reuniões foram feitas todos os meses falando sobre isso: - O que é que a gente vai fazer para trazer esse ônibus para cá, para ele começar a passar aqui? E aí eles fizeram abaixo-assinado, para conseguirem junto com a Prefeitura, a comissão foi lá, falaram com o Prefeito, e aí em outra reunião eles tinham conseguido com o Prefeito, não o ônibus que eles queriam, o ônibus que apareceu lá foi um ônibus assim meio ruim, quebrado, assim meio, não muito bom. Então: - Vamos voltar lá novamente, vamos pedir um ônibus melhor para a gente, o horário também... [...] Sabe, eles conseguiram isso aí através das reuniões que eles fizeram e todos participaram, fizeram a ata e todos participaram na verdade, e isso é uma coisa boa para eles através das reuniões. Porque eles quiseram dessa forma se reunir, era uma reunião de pagamento, era uma reunião deles próprios e eles que induziram isso, eles que conseguiram, através dessa reunião, se organizar mais como uma associação, não é? [...] mas isso não é comum acontecer não, porque as pessoas que a gente trabalha realmente são muito humildes. Eu acredito que você sabe, as pessoas mais humildes não conhecem muito os seus direitos, e não acontece em todos os grupos não . Analisando as relações bounding, bridging e linkage nos dois bancos visitados o pesquisador encontrou os seguintes resultados: percebeu-se que as relações sociais bounding entre os clientes do grupo se fortalecem. Apesar de serem da mesma comunidade rural, muitas mulheres não tinham muita confiança uma na outra e com o relacionamento no grupo alguns preconceitos foram quebrados. “Antes a gente conhecia as pessoas e achava que elas não eram capazes, hoje a gente confia em cada um” (CLIENTE BA1). A solidariedade vista no grupo gera alguns efeitos positivos nos clientes: o aprendizado para aquelas pessoas menos escolarizadas e menos experientes organizarem melhor o negócio. “Elas me ensinam a eu me organizar, eu não sabia dá o preço, o valor das coisas, as meninas me ensinaram tudim, [,,,] A Nonô me ensinou, porque a Nonô já é velha no ramo de vender as coisas, ela tem uma lojinha.” (CLIENTE BA3). 84 Cliente (BA4): A gente se ajuda e se respeita muito. Vai se socializando mais. No nosso grupo quase todo mundo tem estudo, mas tem um que assina o nome é olhando pro documento, ele compra e vende leite numa fazenda, ele vende o leite, faz o queijo e faz a nata. Ele é quase analfabeto mesmo, mas ele entende as coisas, ninguém é grosseiro com ele não.Tem dois analfabetos no nosso grupo: um homem e uma mulher, mas eles entendem assim as coisas, tudim fala, aí vai dizer o que entendeu das mensagens, cada um dá opinião, aí todo mundo participa das coisas, é importante pra se socializar mais. O fortalecimento dos laços bounding faz o banco (BA) se mobilizar para algumas ações sociais e de solidariedade na comunidade, mobilizaram o grupo para ajudar em uma campanha de saúde da comunidade, ajudaram a uma pessoa mais carente (em situação crítica) da comunidade, mas não foi identificada a participação significativa em outros grupos depois que passaram a participar do Crediamigo Comunidade. Tampouco foi buscado alguma participação política na comunidade por parte do Banco (BA). Nota-se que elas têm receio de participar da política e sofrer sanções de algum grupo político. “Gosto de ter meu emprego [de agente de saúde], a gente é muito popular, e pra tomar partido é muito chato e eu nunca me envolvi” (CLIENTE BA1) Outra cliente disse pensar em participar de algum sindicato para obter alguma vantagem pessoal. “Vou fazer o sindicato para eu me aposentar” (CLIENTE BA3), relatou a cliente. No Banco (BB) eles tentam institucionalizar através de um acordo informal, que as pessoas do Banco tentem ajudar as outras do seu grupo dando preferência a comprar nos negócios entre elas. “Mesmo sendo da comunidade nem meus clientes eram, e depois que vieram a participar passaram a ser meus clientes. Então eles ajudam [...] E até indicam outros clientes também” (CLIENTE BB1). Esse acordo não foi visto em outros grupos visitados. A presidente e algumas pessoas do Banco (BB) ajudaram no planejamento e desenvolvimento da feirinha da economia solidária desenvolvido pela associação comunitária, na sua comunidade. Cliente (BB2): Essa feira surgiu exatamente no início mesmo dos investimentos do Crediamigo. [...] era a forma pelo qual entrava algum dinheirinho na comunidade prá os empreendedores [...] Surgiu a idéia na Associação e amadurecemos a idéia, chamamos outras comunidades vizinhas e arranjamos até um espaço lá da comunidade prá expor quando não tem o período da feira, expor somente naquele local, na semana, que moramos numa região próxima ao Porto de Pecém, uma região turística, mas tivemos dificuldades, não deixar aberto o espaço pela questão do que pode entrar, num dá prá pagar o atendente, nem pagar um vigia. E a gente, como é isolado era necessário esses dois funcionários. E a Prefeitura se comprometeu de pagar, de ajudar e até agora nada, então a gente resolveu fechar, por um período e então expor o nosso produto somente na feira. 85 Essa ação mostra que o envolvimento de ações em conjunto com entidades comunitárias ou outros grupos pode trazer benefícios econômicos e sociais para o grupo. “Eu percebi que no caso da feirinha, mais pessoas do grupo participando, despertando o interesse de outras pessoas de participar, isso aí contribui para o desenvolvimento da comunidade” (CLIENTE BB2). Com a participação na feirinha, de pessoas de outros bancos comunitários e até mesmo que não participam dos bancos, a comunicação com outras pessoas da comunidade melhorou “eu já encontro pessoas de outro grupo bem pertinho da gente. A gente termina conversando sobre os empréstimos, aí termina se fortalecendo os vínculos” (CLIENTE BB1) A coordenação do banco (BB) considera que não houve avanços significativos em relação a busca de apoio político, ou participação do Banco em assuntos relacionados a comunidade, mas pela melhoria da comunicação entre o Banco e a associação comunitária, outros bancos da comunidade e outros empreendedores que participam da feirinha comunitária ficam potencializados esse maior acesso a esfera política, como relata a cliente (BB1): - Eu comecei a participar mais da reunião da associação da própria comunidade... a gente termina se envolvendo sem querer.[...] É. Esse é um objetivo dela [refere-se a presidente do Banco Comunitário e da Associação comunitária], que é a líder do grupo... levar a gente a participar da reunião da comunidade. Mas ainda na conseguiu, acho que nem cinqüenta por cento (50%), mas acho que ela vai conseguir. - A senhora acha que com o Comunidade ficou mais fácil o acesso à esfera política? - Sim, apesar da gente inda não ter tomado nenhuma iniciativa em relação a isso aí, mas eu acho que já há mais facilidade, que a gente tá um pouco mais informado e já... mais um grupo que tem facilidade de conseguir as coisas. - Quais seriam as políticas públicas que ajudariam a resolver mais os problemas do seu empreendimento ou da sua comunidade? - Eu acho que talvez... mais apoio assim da... do público, do poder públicos aos projetos da comunidade. Porque a comunidade, não o nosso grupo, mas a comunidade em si tem alguns projetos, eu acho que esses projetos melhorariam de certa forma a vida do grupo também. Como por exemplo, a questão do transporte aqui, a questão de... áreas de lazer e alguns outros projetos que a comunidade tem. Eu acho que isso ajudaria muito na melhoria do grupo. Considera-se acertada a estratégia do Programa de buscar a participação de líderes comunitários dentro dos bancos comunitários. Isso envolve o grupo em assuntos mais gerais da comunidade e potencializa a rede do banco comunitário com outros grupos. Deve-se ter o cuidado para que as lideranças da comunidade não tolham as lideranças do grupo e não contaminem em demasia com a visão e vícios da associação, do sindicato ou de outro grupo a que pertençam, dificultando a formação de uma identidade própria do banco comunitário. 86 O Crediamigo através do respaldo institucional do Banco do Nordeste pode dar um suporte maior na rede de relacionamentos do banco comunitário, através da instituição de parcerias com prefeituras, governos estaduais ou outras entidades com esses bancos comunitários. Outra dificuldade que os bancos comunitários esbarram para o maior empoderamento comunitário é falta de politização dos clientes do Crediamigo, o que acarreta no fraco elo político na busca de respostas públicas aos problemas comunitários. Para isso o programa deveria adotar uma educação dialógica freireana e não uma estrita educação para o crédito em um modelo empresarial, que não problematiza as relações de poder existentes na sociedade e não contribui para uma real emancipação dessas pessoas. 4.3.1.3 Educação para o crédito Para os gestores do programa, a educação para o crédito no Crediamigo é para educar as pessoas no sentido de que se conscientizem do crédito. Esta é uma orientação financeira, pois a maioria delas nunca teve uma conta no banco. Segundo eles, é inviável realizar uma formação mais integral para todos os clientes, “seria o ideal, mas o Crediamigo não conseguiria atender” (GESTOR GE3). Gestor (Ge1): Muitas dessas pessoas não sabem quanto ganha, quando ela começa a ter o crédito do Crediamigo, ela passa, a saber, que ela tem que ganhar, quanto custa que ela vai vender por quanto. Todo esse processo aí. Então, isso é que é educação para o crédito. Nessa orientação existem diferentes programas de capacitação que atendem aos clientes do Programa Crediamigo, todos dentro de uma lógica empresarial. Os programas são descritos abaixo com os resultados de dezembro de 2007. 87 (Aprender a Empreender) - Com o objetivo de desenvolver as competências gerenciais básicas dos clientes, melhorar o nível de organização interna e estimular o desenvolvimento dos seus empreendimentos, foi desenvolvida a metodologia de treinamento Aprender a Empreender pelo Sebrae. Que em 2007 através do Instituto Nordeste Cidadania realizou a capacitação de 44 turmas de clientes, totalizado 1216 pessoas treinadas em 2007 (Educando para Desenvolver) - Programa dedicado à Educação de jovens e adultos, criado em 2006, e está sendo desenvolvido com o objetivo de reduzir o índice de analfabetismo dos clientes do Crediamigo (dos quais 36% de um universo de 299.975 clientes estão na condição de analfabetos funcionais, ou seja, possuem até quatro anos de estudo), do Pronaf B e de comunidades do entorno do Banco do Nordeste. Ao final do ano de 2007, 20 turmas tinham sido encerradas, com 398 alunos alfabetizados. (Orientação Empresarial e Ambiental – OEA) - A assessoria prestada pelo Crediamigo foi reformulada para atender as necessidades verificadas junto aos clientes do Programa. O novo método visa elevar a capacidade de desempenho dos pequenos empreendimentos, promover o desenvolvimento pessoal e profissional dos clientes, potencializar as experiências bem-sucedidas, motivar para a mudança e para a busca de novos conhecimentos e demonstrar a viabilidade da aplicação de conhecimentos técnicos nos negócios. A metodologia utilizada é bastante acessível e lúdica. São utilizados cartilhas, jogos e textos que estimulam a participação e a troca de experiências entre os participantes das capacitações. QUADRO 8 – Programas de formação e capacitação do Crediamigo Fonte: www.bnb.gov.br A OEA conta com nove cartilhas de temas referentes a planejamento de negócio, controle de custos, associativismo, educação ambiental, dentre outros. Até dezembro de 2007, através de experiências-pilotos, houve a capacitação de 1.345 clientes, baseada na metodologia de Orientação Empresarial e Ambiental desenvolvida para atender aos clientes do Programa. Os cursos foram ministrados de forma acessível, com o objetivo de melhorar a qualidade de gestão dos empreendimentos dos participantes. Ao todo, foram realizadas 15 oficinas em todas as capitais nordestinas e em Montes Claros (MG), Imperatriz (MA), Vitória da Conquista (BA), Juazeiro do Norte (CE), Campina Grande (PB) e Juazeiro (BA). Outro tipo de orientação que os clientes recebem é a orientação dos assessores do Crediamigo, que mais uma vez se restringem ao aspecto empresarial e motivacional. Há algumas reflexões que o assessor leva para o grupo, que ficam restritas aos aspectos motivacionais de dinâmicas de grupo. Os assessores não fomentam as discussões políticas na comunidade. Assessor (As1): O foco desses cursos é o desenvolvimento da atividade. O “humano’ que lhe falei, mais aquela reunião de levar uma mensagem bem bonita que faça com que eles confiem mais neles. Porque, às vezes, a gente está triste, alguma coisa não deu certo, e as reuniões servem para isso, para dar mais ânimo às pessoas. Esses programas de capacitação são desenhados para atender as noções básicas de gerenciamento empresarial, não se propondo a qualquer formação que seja mais aprofundada 88 ou fora desse foco. São operacionalizados pela OSCIP, Instituto Nordeste Cidadania, dentro da lógica de administração do terceiro setor, no qual, “o debate do ‘terceiro setor’ desenvolve um papel ideológico claramente funcional aos interesses do capital no processo de reestruturação neoliberal” (MONTAÑO, 2002). Segundo dados do Crediamigo apenas 1,5% dos clientes são atendidos pelos programas Aprendendo a Empreender ou Educando para Desenvolver. Além da limitada oferta, nota-se que os mais carentes e menos escolarizados não aproveitam a realização do curso aprendendo a empreender. Como muitos tem apenas o 1° grau, a desvalorização do curso tipo empresarial pode ser por medo de não acompanhar, e outras vezes por falta de condições de pagar as passagens para ir às aulas, que muitas vezes se passam numa comunidade vizinha. Os menos carentes e mais escolarizados aproveitam a oportunidade, quando esta chega, e através dela vislumbram o sonho pessoal de ampliarem seus conhecimentos e agregarem mais valor aos seus serviços ou produtos. “Eu aprendi algumas coisas [...] como por exemplo: a conquista de clientes, desenvolver estratégias, e também a organizar a renda. Que isso a gente tem muita dificuldade. Inda num foi o suficiente, mas já foi uma boa ajuda.”(CLIENTE BB1) Não existe uma preocupação com a formação social por parte do Crediamigo. Como ficou claro nas entrevistas com os gestores, o programa não se dispõe a fazer isso, para eles, esse aspecto não cabe para um programa de microcrédito realizar. Dessa forma, a visão de futuro dos clientes sempre está voltada para o crescimento do seu negócio, para a melhoria da qualidade de vida de sua família, não foi feito qualquer menção ao desenvolvimento comunitário. Isso quer dizer que o crédito comunitário é utilizado para o benefício individual, não há uma preocupação em se refletir sobre as causas de suas carências comunitárias, pelo menos não nos dois anos e meio de funcionamento dos bancos pesquisados. 89 4.3.1.4 Incentivo à formação da poupança Para os gestores, o principal objetivo da poupança é criar uma nova cultura de poupar entre os microempreendedores para pensar no futuro, para se desenvolver ou se prevenir contra algum infortúnio, “a maioria das pessoas dos bancos comunitários nunca tiveram uma poupança, e hoje todos poupam 10% do empréstimo”, reflete o gestor (Ge1). A conta poupança é aberta em nome dos três principais integrantes do grupo (presidente, secretário e tesoureiro) e o valor para cada integrante é de 10% do montante do crédito recebido. Essa poupança é obrigatória e serve como lastro para a operação. Existe uma outra conta de poupança, que é integrada a conta-corrente. Essa é espontânea e pessoal, mas como relatado pelos gestores essa poupança ainda não foi trabalhada com os clientes. “Na verdade, o sonho da gente é que essas pessoas começassem a poupar, de modo que daqui a um tempo elas sequer precisassem do empréstimo. Então, esse é um segundo passo ainda a avançar” (GESTOR GE1) Uma outra forma de poupança que os clientes são obrigados a realizar nos bancos comunitários é a chamada “quota de reserva”, cuja finalidade é a ajuda que todos fazem àquele cliente que em algum momento não possa realizar o pagamento. Todos devem se preparar para “apresentar” aquela quota mensalmente no valor equivalente a 2% do montante do empréstimo da pessoa. Por exemplo, se a pessoa teve um crédito de R$ 300,00, ela deve levar para cada reunião de pagamento R$ 6,00. Caso não seja necessário a utilização da quota de reserva na reunião, todos voltam para casa com o seu dinheiro. Na visão dos clientes, a poupança do Crediamigo é percebido apenas como algo obrigatório e não no aspecto de “aprender a poupar”, como relatam os gestores do programa. Os clientes consideram que teriam um rendimento maior se o dinheiro da poupança estivesse sendo aplicado nos seus negócios, “o juro é muito pouco, se economizarmos um ano o juro dá pra fazer um ‘lanchinho’ no final é muito pouco” (CLIENTE BA5) Eles não entendem o aspecto obrigatório da poupança e relatam que já questionaram isso algumas vezes para os assessores. Acabam se resignando e passam a aceitar a idéia da poupança obrigatória. Mas pelo que foi visto na pesquisa de campo, não se leva nenhum aprendizado desse aspecto. 90 5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES O Crediamigo é uma experiência singular e bem sucedida, considerada mundialmente uma das poucas iniciativas de microcrédito organizada por um banco estatal que deu certo. A proposta desta dissertação teve o objetivo maior de analisar as características dos mecanismos, capital social, empoderamento, formação “educação para o crédito” e melhorias das condições econômicas e sociais fomentadas nos objetivos específicos do Crediamigo Comunidade, diante da disputa entre o paradigma liberal e emancipatório no campo do microcrédito. Foi percebida, desde o início da pesquisa, a existência de uma tensão contínua entre esses dois paradigmas dentro do Programa Crediamigo, e por conseqüência também presente no produto Comunidade. O Programa Crediamigo nasceu em um contexto de diminuição do papel do Estado e das políticas sociais do governo FHC na década de 1990, sempre assessorado por entidades internacionais, tais como: Banco Mundial (com apoio financeiro inclusive) e Rede Acción Internacional, conhecidos na literatura de microcrédito pela orientação liberal/ neoliberal dada às suas conveniadas. É operacionalizado pela OSCIP – Instituto Nordeste Cidadania - responsável por quase 97% da mão de obra empregada, pouco mais de 3% são funcionários de carreira do Banco do Nordeste. Sob um olhar qualitativo, não se pode admitir o título atribuído por Néri ao Crediamigo: “Grameen Bank Brasileiro”, quando ele mesmo percebeu que esse programa não atende prioritariamente aos clientes de subsistência, inferindo que deveria ser dado um passo rumo ao “nanocrédito”. Menos da metade, 44% dos clientes, estavam nessa classificação em dezembro de 2006, ou seja, o foco não está nos “mais pobres dos pobres”, principal característica do Banco dos pobres de Bangladesh. Ao contrário, o autor constatou que os clientes do Programa Crediamigo representam uma parcela menos carente dentre os microempreededores informais nordestinos. Também, não foi aferido nas observações de campo o tratamento de questões de cidadania e emancipação de forma sequer semelhante às resoluções de vida adotadas por Yunus àqueles mais discriminados de seu país (ver anexo B). No entanto, nos últimos anos, em consonância com a implementação da Lei 11110, de 25 de abril de 2005, que instituiu o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado 91 (PNMPO), o Crediamigo tem apresentado algumas inovações que potencializam certas características de caráter emancipatório: a meta de longo prazo de um milhão de clientes para 2011, que segundo os gestores permitirá que o aumento de escala chegue aos clientes mais pobres de uma forma auto-sustentável; a possibilidade de integração do Programa ao Bolsa Família, uma política assistencialista que vai permitir aos empreendedores mais carentes serem atendidos em suas necessidades primárias numa ótica desenvolvimentista; e a criação do Crediamigo Comunidade em 2005, que ainda está em fase de consolidação. Percebeu-se diferença entre o Crediamigo Comunidade e os demais produtos do Programa. Seu público alvo e as comunidades atendidas são mais pobres, todos os clientes desse produto são classificados como de subsistência e de auto-emprego, apesar de alguns, raros, observados na pesquisa de campo, possuírem negócios maiores. Mas, pela falta de uma exigência de comprovação de renda na realização dos cadastros, todos são classificados nessa categoria. Essa classificação de clientes se mostra complexa, visto que a renda de R$ 1.000,00 classificada como subsistência é muito superior aquela que se costuma tratar o público pobre, classificado pelas Nações Unidas como aqueles que possuem renda inferior per capita a (U$ 1,00/dia # R$ 60,00/mês). Classificam-se como clientes de subsistência, clientes pobres e pobres medianos, o que pode perder o foco do atendimento mais personalizado às carências daqueles. Existe um projeto-lei Nº 2661/2000 de autoria do senador Eduardo Suplicy arquivado no Congresso Nacional que tem o objetivo de determinar uma linha oficial de pobreza pelo Governo Federal, o que poderia padronizar o tratamento dado aos pobres por diferentes políticas públicas e corrigir as distorções verificadas. Percebeu-se que no Crediamigo Comunidade está o ponto nevrálgico do dilema Emancipatório x Liberal dentro do Programa. Então, através da confrontação dos objetivos específicos do Crediamigo Comunidade com os objetivos específicos dessa pesquisa, chegou-se às seguintes conclusões. Quanto ao primeiro objetivo específico: Analisar as mudanças econômico-sociais ocorridas no perfil dos clientes do Crediamigo Comunidade nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce. O espírito empreendedor (leia-se: batalhador) das mulheres dos bancos comunitários visitados chamou atenção do pesquisador pela coragem com que se dedicam às suas atividades. Muitas assumem o papel de chefe de família, além das atribuições de mãe, esposa, dona de casa, conseguindo tempo para passar a maior parte do seu dia trabalhando no seu negócio (leia-se: auto-emprego). Deixaram de ser vítimas dos “galegos” e aumentaram o lucro 92 em pelo menos 50% no decorrer de dois anos e meio de Programa. Em valores monetários, o aumento seria em torno de R$ 200,00 por negócio. No entanto, dentre as entrevistadas não havia nenhuma cliente de extrema pobreza na classificação do Governo Federal para o PBF (mesma das Nações Unidas), com renda menor que R$ 60,00/mês per capita famíliar (# U$ 1,00/dia). Para as consideradas pobres, com renda entre R$ 60,00 e R$ 120,00/mês, mesmo com o auxílio do Bolsa Família não conseguiram sair dessa linha de pobreza, as melhorias sociais se fizeram notar estritamente na melhoria da alimentação diária da família. Já para aquelas com renda per capita maior que R$ 120,00/mês, algumas incluídas inclusive no Bolsa Família, além da melhoria na alimentação conseguiram agregar valor aos seus serviços e produtos. Mesmo assim, as melhorias sociais são marginais em termos de educação e saúde. Para esta categoria foi verificado que o aumento no lucro do empreendimento é reinvestido em compra de máquinas, insumos e equipamentos ou na reforma do empreendimento, reforma da casa ou compra de transporte para uso familiar. Quanto ao segundo objetivo específico: Analisar o empowerment no Crediamigo Comunidade nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce. Apesar do potencial emancipatório que os bancos comunitários possuem na estrutura própria de auto-gestão através da comissão de coordenação, esta é utilizada apenas com uma finalidade de enriquecimento individual, pois não se problematiza a questão coletiva, não há a busca de poder político, o coletivo (banco comunitário) é visto apenas como meio de conseguir um benefício pessoal, caracterizando-se assim como empoderamento individual nos termos de Baquero (2006) e não como um empoderamento comunitário ou empowerment freiriano. O empoderamento individual é percebido nas falas das clientes, na exaltação da conquista de sua independência financeira, através de um projeto pessoal e não de um projeto coletivo. Quanto ao terceiro objetivo específico: Analisar as relações de capital social no Crediamigo Comunidade nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce. Foi visto que as relações de capital social estão relacionadas diretamente com o maior ou menor empoderamento nos Bancos Comunitários. As relações de laços bounding se desenvolvem entre as clientes no grupo, aumenta a confiança e a solidariedade entre elas, o que permite realizar algumas ações de solidariedade dentro da própria comunidade. Em um dos grupos, no Banco (BB), notou-se o envolvimento da presidente do banco, que é simultaneamente líder da associação comunitária. Isso envolveu outros integrantes na realização de uma feira comunitária. Nessa feira há uma integração com outros bancos 93 comunitários e outras empreendedoras de comunidades vizinhas, ampliam-se as relações bridging, mas por falta de um apoio político e de relações linkage não se consegue realizar o empoderamento comunitário ou freireano como explicado no item anterior. O capital social comunitário pode ser construído em comunidades pobres e não precisa de um século para ocorrer. Mas para que isso não aconteça de forma ingênua as relações de poder estabelecidas (geralmente caracterizadas pelo clientelismo da política brasileira) têm que ser questionadas de forma a trazer benefícios significativos à comunidade. E isso não ocorreu nos bancos pesquisados. Quanto ao quarto objetivo específico: Analisar a formação e a “educação para o crédito” no Crediamigo Comunidade dos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce. Existe um acompanhamento dos assessores de crédito do Programa cuja contribuição seria mais efetiva se fossem assessores especialistas no Crediamigo Comunidade, pois fomentariam com maior facilidade os objetivos específicos previstos para o produto, potencializando substantivamente o seu caráter emancipatório. Hoje, como assessores generalistas ficam na maior parte das vezes restritos ao repasse de informações sobre o financiamento do Programa e apoio à sistemática de pagamentos e reuniões mensais dos Bancos. A formação que os clientes do Crediamigo Comunidade recebem do Programa é gerida dentro de uma lógica própria do 3° setor, através da OSCIP - Instituto Nordeste Cidadania. Os cursos Aprender a Empreender e Orientação Empresarial e Ambiental dão uma formação eminentemente comercial, sendo o primeiro limitado a uma pequena parcela do programa. Apenas os de melhores condições e mais escolarizados participam, pois conseguem acompanhar o curso com mais facilidade e têm dinheiro para pagamento das passagens. Muitas vezes o curso é realizado em comunidades vizinhas, com mais estrutura e maior número de clientes, onde se pode atingir quórum suficiente para formatação de uma turma. Já o segundo, pretende atender a todos os clientes do Comunidade, mas ainda não se pode fazer uma avaliação deste pois foi iniciada a distribuição das cartilhas quando se estava finalizando esta dissertação. O curso Educando para Desenvolver, inserido no projeto de responsabilidade social empresarial do Banco do Nordeste, com foco na educação para adultos, tem a finalidade de atender clientes do Crediamigo, Pronaf e de comunidades no entorno do Banco. Tal curso sofre das mesmas limitações do aprendendo a empreender em termos de número de clientes atendidos. A relação custo x benefício é o grande orientador dessas iniciativas de 94 responsabilidade social empresarial conhecidas pelo seu aspecto mercadológico de racionalidade utilitária19. Finalmente, a resposta ao problema de pesquisa - Como se caracteriza o Crediamigo Comunidade nos municípios de Caucaia-Ce e Maranguape-Ce frente ao conflito de paradigmas Emancipatório versus Liberal existente no campo do microcrédito? – pode-se concluir: Mesmo diferenciando-se com algumas características inovadoras e mais próximas de um paradigma emancipatório, o Crediamigo Comunidade faz parte de um todo que é o Programa Crediamigo, sendo este desde o início gerido dentro de uma lógica liberal. Nos últimos anos vem sofrendo mudanças, que por coincidência ou não marcam a transição do governo FHC para o governo LULA, através da implementação da Lei 1110 de 2005, que institui o PNMPO. Dentre as inovações do Produto Comunidade, pode-se destacar o atendimento aqueles que possuem menos de um ano de atividade, com restrições cadastrais leves e o atendimento a comunidades mais carentes longe dos centros financeiros urbanos. Porém, essas mudanças não acarretaram a mudança de paradigma e não rompe com a lógica liberal de se gerenciar o programa, que apesar de não precisar mais do fundding do Banco Mundial e já possuir know how para um gerenciamento mais independente de consultorias internacionais, continua optando em manter parcerias institucionais com o Banco Mundial e Rede Acción Internacional e também em continuar a sua operacionalização no modelo utilizado pelo 3° setor, o que reifica o próprio Programa. Mesmo com a implementação do Crediamigo Comunidade, não se chegou aos “mais pobres dos pobres”. Nenhum considerado “miserável” pelo Governo Federal, com renda menor que (U$ 1,00/dia), foi encontrado dentre os entrevistados; além disso, o empoderamento que ocorre nos bancos é individual e não comunitário ou freireano, como este autor pensava, pois não se consegue estabelecer relações linkage com o poder público, tampouco se consegue problematizar os anseios da comunidade na ótica de uma formação dialógica ou emancipatória. Admite-se por fim que, para avaliação do Crediamigo Comunidade, o período de dois anos e meio é pouco para a efetiva mudança de características emancipatórias, como as estudadas nesta dissertação. Por isso, percebe-se a importância de que pesquisas futuras sobre o mesmo objeto venham a apreender se as potencialidades emancipatórias percebidas neste 19 A racionalidade utilitária é a capacidade de fazer o cálculo utilitário das conseqüências dos atos praticados, sería a racionalidade utilizada em um paradigma liberal, já a racionalidade substantiva, orienta o uso da razão para um comportamento ético e responsável, sería a racionalidade utilizada em um paradigma emancipatório. (RAMOS, 1989) 95 trabalho foram efetivadas e se o paradigma liberal foi transformado em paradigma emancipatório ou não. Isso não desvaloriza as conclusões apresentadas, as quais demonstram o estágio atual do conflito entre paradigmas no estudo de caso apresentado. Pelo contrário, mostra a relevância e dinamismo do fenômeno estudado. Em relação a recomendações para trabalhos futuros que possibilitem um aumento da compreensão do fenômeno, sugere-se: – Discutir o papel de um banco público ao atuar no campo do microcrédito; – Analisar as racionalidades utilitárias versus substantivas utilizadas pelos programas de microcrédito; – Operacionalizar as categorias de pesquisa bourdeusianas no campo do microcrédito; E como recomendações para o Banco do Nordeste: – Discutir a missão, visão, diretrizes do Programa Crediamigo, levando em consideração o conflito dos paradigmas emancipatório e liberal no campo do microcrédito; – Integrar o Crediamigo Comunidade ao Bolsa Família, como política de combate a pobreza; – Fomentar o empowerment freiriano nos bancos comunitários, através do fortalecimento das relações bouding, bridging e linkage e de uma formação dialógica nas capacitações do Programa Crediamigo, com o objetivo de potencializar o caráter emancipatório do Programa. 96 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Ricardo. 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A-2)Escolaridade (família); - Qual a escolaridade sua e de seu esposo(a)? - Qual a escolaridade dos seus filhos? - Vocês possuem algum curso técnico/profissionalizante? A-3)Tempo de Carteira Assinada; - Você já teve carteira assinada? Em caso positivo, por quanto tempo? A-4)Tempo na atividade econômica; - Ao ingressar no Crediamigo-Comunidade você já exercia alguma atividade produtiva? Em caso positivo, por quanto tempo exercia a atividade? A-5)Impacto social na vida familiar (nutrição, educação, saúde); 103 - Mudou alguma coisa na sua vida a partir do momento que começou a participar do crediamigo? Qual foi a mudança mais marcante? - Você considera que o crediamigo foi importante para: - Mudar a qualidade/quantidade de refeições diárias de sua família? - Você ou alguém de sua família voltar a estudar ou fez algum curso profissionalizante? - Você e sua família passar a ter mais acesso a serviços de saúde (medicamentos, n° de consultas médicas/dentista, plano de saúde)? B)EMPOWERMENT: B-1)Auto-gestão nos Bancos Comunitários; -Como se deu a escolha dos representantes do seu Banco (presidente, secretário, tesoureiro e dois suplentes)? -O que ocorre quando uma das pessoas do seu Banco atrasa o pagamento? -Vocês planejam o que vão fazer nas reuniões? -O que vocês fazem na reunião de pagamento? -Na maioria das vezes a decisão que prevaleceu no seu Banco Comunitário foi do: - ( ) Assessor do Crediamigo - ( ) Comissão de coordenação (presidente, tesoureiro, secretário e 2 suplentes) - ( ) Todos os membros (Assembléia Geral) B-2)Auto-estima; Sentimento de comunidade e outros significados simbólicos; -Você tinha acesso ao crédito antes do Crediamigo? O que significou ter acesso ao crédito para o senhor(a)? -Mudou sua auto-estima? Como assim? -Hoje, você vê o seu grupo de forma diferente? Como assim? -Seu grupo é conhecido na comunidade? Vc. ficou mais conhecida na comunidade? -Você nota alguma mudança na sua comunidade depois da chegada do crediamigo? Qual? B-3)Problemas Comunitários, Coesão e Conflitos nos Bancos; 104 -Nas suas reuniões ocorrem discussões sobre problemas da comunidade? Quais? Como se dá essa(s) discussão(ões)? -Alguma iniciativa concreta decorrente dessas discussões? Qual? -Você lembra dos momentos de maior união no grupo? Quais foram os motivos? -Você lembra dos momentos de maiores conflitos no grupo? Quais foram os motivos? B-4)Empoderamento Masculino x Empoderamento Feminino -Depois que começou a participar do Crediamigo você percebeu alguma mudança no relacionamento com seu cônjuge, familiares ou amigos? -O seu esposo e seus familiares apóiam você a participar do crediamigo? C) CAPITAL SOCIAL: C-1)Acesso aos laços Bounding (dentro do Banco Comunitário); -Vocês realizaram alguma confraternização do grupo de vocês? Pra você isso é importante? -Vocês realizam juntos alguma atividade em benefício do negócio de vocês? (feira, compra de mercadorias) -Vocês dão preferência a comprar nos negócios do próprio Banco de vocês? -Você ou outra pessoa do grupo pediu alguma ajuda para o grupo ou para alguém do grupo? Qual o motivo? C-2)Acesso aos laços Bridging (fora do Banco Comunitário); -A partir do Crediamigo-Comunidade você sentiu necessidade de participar de algum outro grupo (tipo: associação de moradores)? Passou a participar efetivamente? -Seu Banco comunitário se reúne com outros bancos comunitários ou com grupos de diferentes objetivos? Qual? -Com o Crediamigo você passou a ter acesso a mais clientes, fornecedores, grupos? Quais? C-3)Acesso aos laços Linkage (acesso à esfera política) -A partir do crediamigo-comunidade você setiu necessidade de participar de sindicato ou de algum partido político? Passou a participar efetivamente? -Vocês fizeram alguma reivindicação para a prefeitura ou para algum político para melhorar as condições da comunidade ou dos negócios de vocês? 105 -A sua família é beneficiária do Programa Bolsa Família? (ou de outro programa social?) -Qual a importância de ser atendido por esse Programa Social? D)EDUCAÇÃO PARA O CRÉDITO; D-1)Formação; -Depois do Crediamigo você sentiu a necessidade de voltar a estudar? De participar de algum curso profissionalizante? D-2)Acesso a formação técnica/empresarial; -No Crediamigo você recebeu alguma orientação para administrar o seu negócio? Qual? D-3)Acesso a formação humana/social/política; -No Crediamigo você recebeu alguma orientação humana, social, política? Qual? D-4)Visão (social/econômica) de futuro do cliente Crediamigo-Comunidade. -Você acha importante a poupança realizada no Crediamigo-Comunidade? Você consegue poupar mais que os 10% obrigatórios? Vai ficar poupando sempre 10% do que ganha? -Quais os resultados que você pretende alcançar com o Crediamigo-Comunidade: -Para sua vida pessoal e familiar? -Para o seu negócio? -Você acha que o Crediamigo vai conseguir mudar as condições de vida das pessoas da sua comunidade? 106 APÊNDICE B - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS GESTORES A) IDENTIFICAÇÃO: -Nome: -Idade: -Formação: -Função: -Tempo e trajetória no Crediamigo: B) QUESTÃO INICIAL: -Faça considerações sobre o texto a seguir: O microcrédito não pode ser entendido principalmente como uma ferramenta para superar a extrema pobreza e gerar empregos. Como qualquer ferramenta destinada a melhorar a produtividade de produtores pobres em capital, o microcrédito permite principalmente aumentar as rendas de trabalhadores pobres, reduzindo a pobreza deles, mas não dos mais pobres, que usualmente não estão em unidades produtivas capazes de incrementar produtividade, serão sempre poucos os “verdadeiramente pobres” que podem aproveitar este mecanismo. C) CREDIAMIGO: -Conte um pouco de sua experiência no Crediamigo... -Qual a sua percepção sobre o caráter social do Programa? (política de combate à pobreza) -Qual a sua percepção sobre o caráter econômico do Programa? (política de “microfinanças comercial”, auto-sustentável) D) CREDIAMIGO-COMUNIDADE -Qual a concepção do Crediamigo-Comunidade? Existiu algum motivo especial para a criação do crediamigo comunidade? (É um produto auto-sustentado e lucrativo) -Houve alguma mudança significativa no Programa com a implementação do Crediamigo- comunidade (2005)? E) CONCEPÇÃO, AVALIAÇÃO E AMPLIAÇÃO DO CREDIAMIGO-COMUNIDADE -Como se concretizam os benefícios do crediamigo-comunidade a seguir: 107 x Melhoria das condições econômicas e sociais do microempreendedor de pequenos negócios; x Incentivo à formação de poupança; x Empoderamento das comunidades através do convívio grupal; x Educação para o crédito. -Sobre mudanças na comunidade (benefícios sociais, econômicos, políticos patentes) Pode identificar algumas experiências nesse sentido? “Casos de sucesso de empoderamento” -Qual a sua avaliação do Crediamigo-Comunidade? (projeto-piloto, expansão, metas e desafios futuros) -Existe alguma convergência do programa com outras políticas públicas? F) CAPITAL SOCIAL: -Como se dá a formação dos Bancos-Comunitários? -O surgimento dos Bancos Comunitários facilitou o acesso político a prefeituras, associação de moradores, sindicatos...? Alguma experiência nesse sentido? -Existe alguma experiência de acesso a serviços ou equipamentos sociais para o Banco ou Comunidade decorrentes da participação do Crediamigo? -Existe alguma iniciativa de escala dos bancos comunitários, envolvimento de um grupo de bancos comunitários para uma feira estadual de bancos comunitários por exemplo? G) EMPODERAMENTO: -Melhorou a auto-estima das pessoas? -Aumentou o sentimento de “Comunidade”? Quais os reflexos disso? -Trata-se de questões comunitárias (problemas sociais, políticos da comunidade) nas reuniões dos bancos comunitários? Como se dá essa discussão? -Alguma iniciativa decorrente de empoderamento comunitário – moeda social, participação em orçamento participativo, iniciativas sociais em benefício da comunidade... (indicada pelo Banco ou de iniciativa própria?) -Para Baquero (2006) EMPODERAMENTO COMUNITÁRIO – “envolve um processo de capacitação de grupos desfavorecidos para a articulação de interesses e participação comunitária, visando à conquista plena dos direitos de cidadania, defesa de seus direitos e a influenciar ações do Estado”. (BAQUERO, 2006, p.82). Em que nível está nesse sentido o empoderamento comunitário do Crediamigo-comunidade? 108 -Qual o suporte que o Banco dá a iniciativas de empoderamento comunitário? H) EDUCAÇÃO PARA O CRÉDITO - Que tipo de educação ao crédito vocês dão acesso? (educação emancipatória ou educação empresarial?) -Existe alguma diferença entre a formação de um empesário crediamigo a outro empresário qualquer? Sua visão social é diferente? Suas práticas são diferentes “individualistas ou passam a ser mais solidárias”? -No Grameen existe 16 resoluções de vida, onde as pessoas passam a incorporar valores humanos e sociais na sua vida. Existe algo parecido no Crediamigo? 109 ANEXOS 110 ANEXO A – LEI Nº 11.110 - DE 25 DE ABRIL DE 2005 - DOU DE 26/4/2005 Institui o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado - PNMPO e altera dispositivos da Lei no 8.029, de 12 de abril de 1990, que dispõe sobre a extinção e dissolução de entidades da administração pública federal; da Lei no 9.311, de 24 de outubro de 1996, que institui a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF; da Lei no 9.872, de 23 de novembro de 1999, que cria o Fundo de Aval para a Geração de Emprego e Renda – FUNPROGER; da Lei no 10.194, de 14 de fevereiro de 2001, que dispõe sobre a instituição de Sociedades de Crédito ao Microempreendedor; e da Lei no 10.735, de 11 de setembro de 2003, que dispõe sobre o direcionamento de depósitos a vista captados pelas instituições financeiras para operações de crédito destinadas à população de baixa renda e a microempreendedores; e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Fica instituído, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado - PNMPO, com o objetivo de incentivar a geração de trabalho e renda entre os microempreendedores populares. § 1o São beneficiárias do PNMPO as pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de atividades produtivas de pequeno porte, a serem definidas em regulamento, especificamente para fins do PNMPO. § 2o O PNMPO tem por finalidade específica disponibilizar recursos para o microcrédito produtivo orientado. § 3o Para os efeitos desta Lei, considera-se microcrédito produtivo orientado o crédito concedido para o atendimento das necessidades financeiras de pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de atividades produtivas de pequeno porte, utilizando metodologia baseada no relacionamento direto com os empreendedores no local onde é executada a atividade econômica, devendo ser considerado, ainda, que: I - o atendimento ao tomador final dos recursos deve ser feito por pessoas treinadas para efetuar o levantamento socioeconômico e prestar orientação educativa sobre o planejamento do negócio, para definição das necessidades de crédito e de gestão voltadas para o desenvolvimento do empreendimento; 111 II - o contato com o tomador final dos recursos deve ser mantido durante o período do contrato, para acompanhamento e orientação, visando ao seu melhor aproveitamento e aplicação, bem como ao crescimento e sustentabilidade da atividade econômica; e III - o valor e as condições do crédito devem ser definidos após a avaliação da atividade e da capacidade de endividamento do tomador final dos recursos, em estreita interlocução com este e em consonância com o previsto nesta Lei. § 4o São recursos destinados ao PNMPO os provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT e da parcela dos recursos de depósitos a vista destinados ao microcrédito, de que trata o art. 1o da Lei no 10.735, de 11 de setembro de 2003. § 5o São instituições financeiras autorizadas a operar no PNMPO: I - com os recursos do FAT, as instituições financeiras oficiais, de que trata a Lei no 8.019, de 11 de abril de 1990; e II - com a parcela dos recursos de depósitos bancários a vista, as instituições relacionadas no art. 1o da Lei no 10.735, de 11 de setembro de 2003, na redação dada pelo art. 11 desta Lei. § 6o Para os efeitos desta Lei, são instituições de microcrédito produtivo orientado: I - as cooperativas singulares de crédito; II - as agências de fomento, de que trata a Medida Provisória no 2.192-70, de 24 de agosto de 2001; III - as sociedades de crédito ao microempreendedor, de que trata a Lei no 10.194, de 14 de fevereiro de 2001; e IV - as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, de que trata a Lei no 9.790, de 23 de março de 1999. § 7o Os bancos de desenvolvimento, as agências de fomento de que trata o inciso II do § 6o deste artigo, os bancos cooperativos e as centrais de cooperativas de crédito também poderão atuar como repassadores de recursos das instituições financeiras definidas no § 5o deste artigo para as instituições de microcrédito produtivo orientado definidas no § 6o deste artigo. Art. 2o As instituições financeiras de que trata o § 5o do art. 1o desta Lei atuarão no PNMPO por intermédio das instituições de microcrédito produtivo orientado nominadas no § 6o do art. 1o por meio de repasse de recursos, mandato ou aquisição de operações de crédito que se enquadrarem nos critérios exigidos pelo PNMPO e em conformidade com as Resoluções do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - Codefat e do Conselho Monetário Nacional – CMN. Parágrafo único. Para atuar diretamente no PNMPO, as instituições financeiras de que trata o § 5o do art. 1o desta Lei deverão constituir estrutura própria para o desenvolvimento desta atividade, devendo habilitar-se no Ministério do Trabalho e 112 Emprego demonstrando que suas operações de microcrédito produtivo orientado serão realizadas em conformidade com o § 3o do art. 1o desta Lei. Art. 3o O Conselho Monetário Nacional - CMN e o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - Codefat, no âmbito de suas respectivas competências, disciplinarão: I - as condições de repasse de recursos e de aquisição de operações de crédito das instituições de microcrédito produtivo orientado pelas instituições financeiras operadoras; II – as condições de financiamento das instituições de microcrédito produtivo aos tomadores finais dos recursos, estabelecendo, inclusive, estratificação por renda bruta anual que priorize os segmentos de mais baixa renda dentre os beneficiários do PNMPO; III – os requisitos para a habilitação das instituições de microcrédito produtivo orientado no PNMPO, dentre os quais deverão constar: a) cadastro e termo de compromisso no Ministério do Trabalho e Emprego; b) plano de trabalho a ser aprovado pela instituição financeira, que deverá conter, dentre outros requisitos, definição da metodologia de microcrédito produtivo orientado a ser utilizada, da forma de acompanhamento dos financiamentos, com os respectivos instrumentos a serem utilizados, e dos índices de desempenho; IV – os requisitos para a atuação dos bancos de desenvolvimento, das agências de fomento, dos bancos cooperativos e das centrais de cooperativas de crédito na intermediação de recursos entre as instituições financeiras e as instituições de microcrédito produtivo orientado. § 1o Quando a fonte de recursos utilizados no PNMPO for proveniente do FAT, o Codefat, além das condições de que trata o caput deste artigo, deverá definir: I - os documentos e informações cadastrais exigidos em operações de microcrédito; II - os mecanismos de fiscalização e de monitoramento do PNMPO; III - o acompanhamento, por amostragem, pelas instituições financeiras operadoras nas instituições de microcrédito produtivo orientado e nos tomadores finais dos recursos; e IV - as condições diferenciadas de depósitos especiais de que tratam o art. 9o da Lei no 8.019, de 11 de abril de 1990, com a redação dada pelo art. 1o da Lei no 8.352, de 28 de dezembro de 1991; o art. 4o da Lei no 8.999, de 24 de fevereiro de 1995; e o art. 11 da Lei no 9.365, de 16 de dezembro de 1996, com a redação dada pelo art. 8o da Lei no 9.872, de 23 de novembro de 1999. 113 § 2o As operações de crédito no âmbito do PNMPO poderão contar com a garantia do Fundo de Aval para a Geração de Emprego e Renda – Funproger, instituído pela Lei no 9.872, de 23 de novembro de 1999, observadas as condições estabelecidas pelo Codefat. Art. 4o Fica permitida a realização de operações de crédito a pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de atividades produtivas de pequeno porte, no âmbito do PNMPO, sem a exigência de garantias reais, as quais podem ser substituídas por formas alternativas e adequadas de garantias, a serem definidas pelas instituições financeiras operadoras, observadas as condições estabelecidas em decreto do Poder Executivo. Art. 5o O Ministério do Trabalho e Emprego poderá celebrar convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos que objetivem a cooperação técnico-científica com órgãos do setor público e entidades privadas sem fins lucrativos, no âmbito do PNMPO. Art. 6o Fica criado o Comitê Interministerial do PNMPO para subsidiar a coordenação e a implementação das diretrizes previstas nesta Lei, receber, analisar e elaborar proposições direcionadas ao Codefat e ao CMN, de acordo com suas respectivas atribuições, cabendo ao Poder Executivo regulamentar a composição, organização e funcionamento do Comitê. Art. 7o A alínea a do § 2o do art. 11 da Lei no 8.029, de 12 de abril de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 11 .................................................................................... ........................ § 2o .................................................................................... ............................. a) por intermédio da destinação de aplicações financeiras, em agentes financeiros públicos ou privados, para lastrear a prestação de aval parcial ou total ou fiança nas operações de crédito destinadas a microempresas e empresas de pequeno porte; para lastrear a prestação de aval parcial ou total ou fiança nas operações de crédito e aquisição de carteiras de crédito destinadas a sociedades de crédito ao microempreendedor, de que trata o art. 1o da Lei no 10.194, de 14 de fevereiro de 2001, e a organizações da sociedade civil de interesse público que se dedicam a sistemas alternativos de crédito, de que trata a Lei no 9.790, de 23 de março de 1999; e para lastrear operações no âmbito do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado; .................................................................................... ..........................." (NR) Art. 8o O caput do art. 8o da Lei no 9.311, de 24 de outubro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso VIII: 114 "Art. 8o .................................................................................... .......................... VIII - nos lançamentos a débito nas contas especiais de depósito a vista tituladas pela população de baixa renda, com limites máximos de movimentação e outras condições definidas pelo Conselho Monetário Nacional - CMN e pelo Banco Central do Brasil. .................................................................................... ............................" (NR) Art. 9o O § 3o do art. 2o da Lei no 9.872, de 23 de novembro de 1999, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 2o .................................................................................... .......................... § 3o O limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo poderá ser ampliado pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - Codefat, mediante proposta do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, até o valor de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais)." (NR) Art. 10. O inciso I do caput do art. 1o da Lei no 10.194, de 14 de fevereiro de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 1o .................................................................................... ........................ I - terão por objeto social a concessão de financiamentos a pessoas físicas e microempresas, com vistas na viabilização de empreendimentos de natureza profissional, comercial ou industrial, de pequeno porte, equiparando-se às instituições financeiras para os efeitos da legislação em vigor, podendo exercer outras atividades definidas pelo Conselho Monetário Nacional; .................................................................................... ................................" (NR) Art. 11. O caput do art. 1o e o inciso VI do art. 2o da Lei no 10.735, de 11 de setembro de 2003, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 1o Os bancos comerciais, os bancos múltiplos com carteira comercial e a Caixa Econômica Federal manterão aplicada em operações de crédito destinadas à população de baixa renda e a microempreendedores parcela dos recursos oriundos 115 dos depósitos a vista por eles captados, observadas as seguintes condições: .................................................................................... ............................" (NR) "Art. 2o .................................................................................... .......................... VI - o valor máximo do crédito por cliente; .................................................................................... .........................." (NR) Art. 12. Fica a União autorizada, exclusivamente para a safra 2004/2005, a conceder cobertura do Seguro da Agricultura Familiar – "Proagro Mais" a agricultores que não efetuaram, em tempo hábil, a comunicação ao agente financeiro do cultivo de produto diverso do constante no instrumento de crédito, desde que este produto substituto seja passível de amparo pelo "Proagro Mais" e o respectivo Município haja decretado estado de calamidade ou de emergência em função da estiagem, devidamente reconhecido pelo governo federal. Parágrafo único. O CMN disciplinará a aplicação da excepcionalidade de que trata este artigo, definindo as demais condições e realizando as necessárias adequações orçamentárias. Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 25 de abril de 2005; 184o da Independência e 117o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Antonio Polocci Filho Ricardo José Ribeiro Berzoini Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 26.4.2005. 116 ANEXO B – As 16 Resoluções do Banco Grameen As dezesseis Resoluções que norteiam a vida das mutuárias do Banco Grameen, desde um encontro nacional de líderes do Banco em 1984 em Joydevpur – Bangladesh. 1. Nós respeitaremos e aplicaremos os quatro princípios do banco Grameen: disciplina, união, coragem e trabalho árduo em todas as atividades de nossa vida. 2. Levaremos a prosperidade à nossa família. 3. Não viveremos numa casa em mau estado. Vamos manter nossa casa, e aspiraremos construir uma nova o mais breve possível. 4. Cultivaremos legumes durante todo o ano. Consumiremos bastante e venderemos o que sobrar. 5. Durante o período do cultivo, nós plantaremos tanto quanto nos for possível. 6. Tentaremos ter poucos filhos. Limitaremos nossas despesas. Cuidaremos de nossa saúde. 7. Daremos educação a nossos filhos e providenciaremos os meios de arcar com essa educação. 8. Zelaremos pela limpeza de nossos filhos e do ambiente. 9. Construiremos e utilizaremos fossas para servirem de latrina. 10. Beberemos água de poços salubres. Se não dispusermos deles, ferveremos a água ou a desinfetaremos com alume. 11. Não exigiremos nenhum dote para nossos filhos, assim como não daremos nenhum dote para nossas filhas. Os dotes serão prescritos de nossos centros. Nós nos oporemos ao casamento de crianças. 12. Não cometeremos nenhuma injustiça e nos oporemos à que for cometida pelos outros. 13. Iremos nos propor coletivamente investimentos cada vez mais elevados para obter maior renda. 14. Estaremos sempre dispostos a ajudar os outros. Se alguém estiver em dificuldade, nós o ajudaremos. 15. Se souberes que num centro a disciplina está sendo desconsiderada, iremos até lá para restabelecê-la. 16. Introduziremos os exercícios físicos em nossos centros. Participaremos coletivamente de todos os encontros organizados. Fonte: Yunus (2003, p.147)