UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM CONSTITUIÇÃO E GARANTIA DE DIREITOS MÁRIO AUGUSTO SILVA ARAÚJO CONTROLE DA DESPESA PÚBLICA COM PESSOAL NO ÂMBITO DA FUNÇÃO EXECUTIVA DO PODER ESTADUAL NATAL/RN 2017 MÁRIO AUGUSTO SILVA ARAÚJO CONTROLE DA DESPESA PÚBLICA COM PESSOAL NO ÂMBITO DA FUNÇÃO EXECUTIVA DO PODER ESTADUAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD), do Centro de Ciências Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial de obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Vladimir da Rocha França NATAL/RN 2017 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Araújo, Mário Augusto Silva. Controle da despesa pública com pessoal no âmbito da função executiva do poder estadual / Mário Augusto Silva Araújo. - Natal, 2017. 180f. Orientador: Prof. Dr. Vladimir da Rocha França. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito. 1. Despesa pública com pessoal - Dissertação. 2. Planejamento - Dissertação. 3. Lei de responsabilidade fiscal - Dissertação. 4. Participação popular - Dissertação. I. França, Vladimir da Rocha. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 336.5:351 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus pais, Mário Cipriano de Araújo e Maria de Fátima da Silva e aos meus irmãos, Gregório Luís Silva Araújo e Maria Manuela Silva Araújo, por sempre terem acredito no meu potencial e pelo incentivo constante. AGRADECIMENTOS Agradeço a minha persistência por ter me apoiado em todo o caminho que percorri até aqui passando por atribulações que nunca imaginei passar. Além de começar a me conhecer, aumentei a minha Fé e alternando os estudos desta pesquisa descobri um novo mundo no qual estou mergulhado cada vez mais que é a vida em Jesus Cristo. Aos Evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João por serem coautores da obra mais rica a qual tive oportunidade de pesquisar: o Novo Testamento. Ao movimento espírita do Estado do Rio Grande do Norte nas pessoas de Assis Pereira e Ronaldo Ferreira por ter contribuído para a minha formação cívica e cristã ao longo deste tempo. Ao senhor Antônio Alber da Nóbrega por confiar em meu potencial desde a época em que eu era estagiário na Secretaria de Administração e Recursos Humanos do Estado do Rio Grande do Norte, a quem me entregou a Coordenação da Assessoria Jurídica daquela pasta logo quando me formei e por me incentivar até hoje. Tanto na vida acadêmica, como na profissional e na pessoal. Agradeço também ao amigo Polion Torres por acreditar em mim e na minha vontade de colaborar com uma administração pública eficiente e proba conforme determina a Constituição Federal e como merece toda a sociedade seja qual for o ente federado a qual integra. Muito obrigado, Polion! Ao meu colega de especialização Guilherme Udre por me abrir as portas para a docência no ensino superior. Aquele Axé, mermão! Higor Kaliano, meu colega de mestrado e de docência, também é destinatário dos meus agradecimentos por ter me proporcionado a primeira oportunidade de lecionar em um curso de pós-graduação em Direito durante este período, ocasião na qual levei minha pesquisa para a especialização em Direito Constitucional, Administrativo e Tributário da Faculdade Estácio. Ao meu professor orientador Vladimir da Rocha França por ter acreditado no meu projeto de pesquisa e ter contribuído de maneira tão prestativa na condução desta pesquisa. Obrigado também, professor, por todas as oportunidades em relação à docência, desde o estágio à docência até os eventos da sua base de pesquisa. Obrigado por tudo que o senhor fez e faz para o desenvolvimento do Direito Administrativo. Ao professor Fabiano Mendonça pela paciência e responsabilidade pela qual conduziu comigo a turma de noções de direito administrativo comigo no estágio à docência no curso de gestão de políticas públicas. Meu muito obrigado também para Andréa da Silveira Lima Rodrigues pela oportunidade que me foi dada em integrar os quadros da Consultoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte no começo deste ano de 2017 e pela paciência em relação aos pareceres com tantas referências bibliográficas; hábito adquirido durante este período de Mestrado. Agradeço também aos meus colegas de trabalho pela receptividade em relação à problematização desta pesquisa que sempre levava para discutir quase que diariamente, por vezes indignado, com eles na Consultoria Jurídica. Vinícius Araújo da Silva, Ronald Medeiros de Morais; Edmilson Andrade Júnior, Alex Alfredo Meroni e Maria Elza Bezerra Cirne: saibam que vocês também colaboraram bastante para o amadurecimento das linhas vindouras. Agradeço também ao meu núcleo familiar composto pelos meus pais Mário Cipriano e Maria de Fátima e meus irmãos Gregório Luís e Maria Manuela. Nunca fugi das minhas convicções. Fugi e fujo do medo de ficar desempregado, mas não das minhas convicções. Portanto, cara (o) leitor(a), nunca fuja das tuas. Mas primeiro tenha segurança sobre elas. A raiz é responsável pelo sabor do fruto. Ademais, agradeço ao grupo do whatsapp do salesiano por sempre discutir a conjuntura econômica, política e social, principalmente às segundas- feiras, o que sempre me motivava no desenvolvimento deste trabalho tão sério. Que todos os nossos dias sejam segundas-feiras, pessoal. Por fim, agradeço a pessoa da Professora Karolline Lins Câmara Marinho de Souza pela sensibilidade quanto às observações na qualificação desta dissertação. A professora Karol presenciou a minha primeira aula na vida docente, no começo do mestrado, na seleção para professor substituto da UFRN, enquanto componente da banca avaliadora e neste final é responsável pela avaliação da minha pesquisa nestes últimos anos. A cada um conforme as suas obras – Jesus Cristo. Mateus, 16:27. RESUMO A despesa pública com pessoal é um tema que recentemente vem ganhando relevância em virtude da dificuldade que os entes federados, especialmente os Estados, estão encontrando em adimplir o seu pagamento. O objetivo deste trabalho é pesquisar a moldura do ordenamento jurídico em relação à matéria para isso se propõe a investigar desde o seu planejamento e até mesmo as formas de controle por intermédio de pesquisa bibliográfica feita através de fontes secundárias como livros e revistas especializadas e o posicionamento dos tribunais através de pesquisas jurisprudenciais. Descobriu-se que o ordenamento jurídico, a começar pela Constituição Federal, determina que a expansão daquele tipo de gasto deve ter planejamento estratégico que determina harmonia com as leis orçamentárias. Além disso, observou-se também que a legislação de regência, balizada pela lei complementar nº 101/2000, também conhecida como lei de responsabilidade fiscal, indexa o crescimento da despesa pública com pessoal à receita corrente líquida dos entes políticos com o objetivo de proporcionar o crescimento sustentável daquele tipo de gasto público. Percebeu-se também um sistema específico de controle que legitima a exoneração compulsória de servidores públicos comissionados ou efetivos. Estáveis ou não para garantir o custeio da folha de pessoal conforme determina o art. 169 da Constituição Federal. O crescimento da despesa pública com pessoal também deve ter pertinência jurídica com os princípios que estruturam o exercício da função administrativa. Ademais, o Estado Democrático de Direito determina que os atos da administração pública devem passar pelo crivo do controle externo, que engloba, nos parâmetros estabelecidos por esta pesquisa, a função legislativa do Poder, a sociedade e os tribunais de contas. O controle externo da política remuneratória no serviço público envolve desde a apreciação da matéria nas comissões de justiça e cidadania e orçamento, até a realização de audiências públicas onde não somente os servidores públicos e/ou sindicatos representativos podem participar das discussões, mas também toda a população, que com o acesso aos relatórios contábeis com destaque para o relatório de gestão fiscal, deve participar do processo de tomada de decisão correlato à expansão da despesa pública com pessoal. Palavras-chave: despesa pública com pessoal; planejamento; controle, lei de responsabilidade fiscal; participação popular. ABSTRACT Public expenditure on personnel is a subject that has recently gained relevance due to the difficulty that the federated entities, especially the States, are finding in paying their bills. The objective of this work is to investigate the legal framework in relation to the subject for which it proposes to investigate from its planning and even the forms of control through bibliographic research done through secondary sources such as books and specialized magazines and the positioning courts through jurisprudential research. It was found that the legal system, beginning with the Federal Constitution, determines that the expansion of this type of spending must have strategic planning that determines harmony with the budget laws. In addition, it was also observed that the regulative legislation, defined by supplementary law No. 101/2000, also known as fiscal responsibility law, indexes the growth of public expenditure with personnel to the net current revenue of political entities with the objective of providing the sustainable growth of that type of public expenditure. It was also perceived a specific system of control that legitimizes the compulsory exoneration of public servants commissioned or effective. Stable or not to guarantee the costing of personnel sheet as determined by art. 169 of the Federal Constitution. The growth of public expenditure on personnel must also have legal relevance with the principles that structure the exercise of the administrative function. In addition, the Democratic Rule of Law determines that the acts of public administration must pass through the sieve of external control, which encompasses, in the parameters established by this research, the legislative function of Power, society and the courts of accounts. The external control of remuneration policy in the public service involves from the consideration of the matter in the justice and citizenship committees and budget, until the public hearings where not only the public servants and / or representative unions can participate in the discussions, but also the whole with the access to accounting reports with emphasis on the fiscal management report, should participate in the decision-making process related to the expansion of public expenditure with personnel Keywords: public expenditure with personnel; planning; control, fiscal responsibility law; popular participation. ABREVIATURAS ADCT – ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade Art. – Artigo LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias LOA – Lei Orçamentária Anual LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal MCASP – Manual de Contabilidade Pública Aplicado ao Setor Público PPA – Plano Plurianual RCL – Receita Corrente Líquida STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TCE – Tribunal de Contas do Estado TCU – Tribunal de Contas da União TJ – Tribunal de Justiça SUMÁRIO 1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................... 12 2 – A DESPESA PÚBLICA COM PESSOAL NO ÂMBITO DA FUNÇÃO EXECUTIVA DO PODER ESTADUAL ........................................................ 16 2.1 –Requisitos para a expansão instituídos pela Constituição Federal: o diálogo entre as leis orçamentárias .............................................................. 32 2.2 – A legislação de regência: a premissa filosófica da Lei de Responsabilidade Fiscal em relação à matéria ............................................ 45 2.2.1 – A evolução da legislação em relação ao estabelecimento de controles: o ato das disposições constitucionais transitórias, a lei camata I e a lei camata II ............................................................................................ 46 2.2.2 – O atual parâmetro normativo: a lei de responsabilidade fiscal ......... 55 2.3 – Sistema de freios e contrapesos e os mecanismos de controle: termo de alerta, limites prudencial, legal e as vedações de recebimento de recursos estabelecidos pela lei de responsabilidade fiscal e a exoneração compulsória determinada pela constituição federal ...................................... 58 3 – A EXPANSÃO DA DESPESA PÚBLICA COM PESSOAL E OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: a delimitação do sistema constitucional brasileiro .............................................................. 73 3.1 – Princípio da juridicidade e delimitação normativa ................................ 76 3.2 – Princípio da impessoalidade e a proibição de aumento remuneratório em época de eleição ............................................................. 91 3.3 – Princípio da moralidade administrativa e a responsabilidade com a gestão fiscal ................................................................................................. 101 3.4 – Princípio da publicidade e a divulgação específica de remuneração .. 114 3.5 – Princípio da eficiência e a qualidade do gasto público com pessoal ... 120 4 – O PROTAGONISMO DA FUNÇÃO LEGISLATIVA DO PODER ESTADUAL EM RELAÇÃO À DESPESA PÚBLICA COM PESSOAL: O caso do Estado do Rio Grande do Norte.................................................. 129 4.1 – O devido processo legislativo e a discussão da matéria nas comissões de constituição e justiça e orçamento ......................................... 136 4.2 – O Estado Democrático de Direito, a submissão da matéria ao plenário para votação e democracia deliberativa: a importância das audiências públicas ...................................................................................... 143 4.3 – O tribunal de contas: do papel pedagógico ao parecer pela desaprovação das contas anuais ................................................................. 149 4.4 – A situação fiscal do Estado do Rio Grande do Norte em relação à despesa pública com pessoal: a iminência de um colapso............................160 5 – CONCLUSÕES ...................................................................................... 167 6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 171 12 1 INTRODUÇÃO As atribuições funcionais impostas pela Constituição Federal à administração pública demonstram que a mesma necessita lastrear as suas atividades por intermédio de políticas públicas e consequentemente dispor de recursos orçamentários para desempenhar as suas atividades. Nesse sentido, no que diz respeito ao processo de planejamento orçamentário, deve o gestor público observar as competências que lhe são delegadas de forma a alocar recursos suficientes para cobrir as despesas com custeio e investimentos de maneira a atender a demanda da sociedade que o elegeu satisfatoriamente. As despesas com custeio envolvem políticas públicas voltadas para a manutenção de ações basilares como, por exemplo, saúde, habitação, segurança e educação e possuem como elemento primordial a despesa pública com pessoal. Isso porque o servidor público é a representação da vontade do Estado; o verdadeiro responsável por conduzir as prioridades escolhidas em determinado plano de governo. A matéria de remuneração no serviço público possui uma característica multidisciplinar porque engloba regras de direito constitucional, administrativo e financeiro. Em virtude do princípio da autonomia administrativa dos entes federados, cada um pode se organizar da maneira conforme lhe for conveniente. No tocante à organização interna, dentro do espaço territorial dos entes políticos, cada função de Poder (Executiva, Legislativa e Judiciária), além do Ministério Público e Defensoria Pública, também possuem a prerrogativa de se organizarem de acordo com a sua demanda. A organização da política remuneratória no serviço público obedece a um regramento específico que objetiva estabelecer um planejamento estratégico para que a sua expansão aconteça dentro de um sistema de controles. Além da ritualística e da forma, a remuneração no serviço público deve observar planejamento estratégico no que diz respeito ao futuro impacto que 13 causará nas contas públicas para que aquele gasto público tenha sustentabilidade orçamentária. Ademais, como o regime jurídico administrativo brasileiro possui como uma premissa basilar a obrigação de que a maioria dos atos administrativos deve ser prescrita em lei, a estrutura de remuneração, uma vez inserida no ordenamento jurídico, pelo fato de ser por intermédio de lei, possui força vinculativa. Forma-se, pois, um plexo de normas jurídicas estruturantes que objetivam dar qualidade à Administração do Erário no tocante à despesa com pessoal na perspectiva de economicidade dos atos correlatos à política remuneratória. O que se deve observar é a importância do zelo em relação à matéria de planejamento orçamentário com a despesa pública de pessoal, pois os recursos com os quais o contribuinte lastreia o Estado já são insuficientes e a sua equivocada alocação é algo que não se deve aceitar. Nesse sentido, toda a atividade orçamentária do Estado em relação à despesa pública com pessoal deve observar, em um primeiro momento, a garantia do custeio da máquina pública e por essa razão deve a administração pública estabelecer um planejamento estratégico para garantir o seu custeio. A gestão fiscal em relação à despesa pública com pessoal resulta em responsabilidade em uma perspectiva multidimensional que envolve aspectos financeiros, de recursos humanos e até mesmo patrimoniais. Por isso estabelece o sistema constitucional regras de controles previstas para garantir o equilíbrio nas contas públicas. Com a reforma administrativa do Estado, instituída pela Emenda Constitucional nº 19/1998, o crescimento da despesa com pessoal passou a ter critérios mais técnicos, porquanto aquele marco constitucional acrescentou à Constituição no que diz respeito à política remuneratória de pessoal que o seu crescimento deveria obedecer a 02 (dois) critérios basilares: a) ser previsto por prévia dotação orçamentária suficiente para atender tanto às projeções como aos acréscimos dela decorrentes; e, b) ter autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias. A lei de diretrizes orçamentárias também é um instrumento de planejamento governamental estratégico, tendo em vista que é por intermédio 14 dela que são estabelecidas as metas e prioridades da Administração Pública em relação às despesas de capital, bem como é planejada a elaboração da lei orçamentária anual. Muito embora a Lei Complementar Nacional nº 101/2000 (LRF) não tenha sido o primeiro diploma legal a dispor sobre o limite de gasto com pessoal dos entes políticos que compõem a República Federativa do Brasil, aquele diploma normativo inovou a ordem jurídica no tocante à política remuneratória de pessoal tendo em vista que estabeleceu a obrigatoriedade do planejamento e consequente responsabilidade na gestão fiscal. O grande marco da LRF é o planejamento; é a determinação pela persecução constante da qualidade do gasto público e, para isso, o seu corpo textual obriga o gestor público a administrar o Erário com uma visão estratégica em harmonia com o crescimento econômico, de modo a evitar o endividamento público desenfreado. Como instrumento de planejamento, a LRF, além de estabelecer um limite para a despesa pública com pessoal aos entes federados, o subdivide entre as funções dos Poderes e o Ministério Público, no caso dos Estados. Ocorre que a moldura constitucional constante no art. 169 da Constituição Federal aliada às regras de planejamento previstas na LRF não tem sido suficiente e o que se observa, em relação à despesa com pessoal, é a crescente dificuldade dos Poderes Executivos Estaduais que compõem a República Federativa do Brasil em quitar a sua folha salarial em dia. O que se tem visto recentemente é o fracionamento no pagamento das despesas com pessoal. Foram os casos dos Estados do Rio Grande do Norte, que possui dificuldades em adimplir a folha de pagamento desde o ano de 2013; Distrito Federal, que reprogramou o calendário de pagamento atrasando a quitação da folha para algumas categorias. Minas Gerais também reformulou o seu calendário de pagamento na perspectiva de parcelamento; Rio de Janeiro, que decretou inclusive calamidade pública em suas finanças no ano de 2016 e o Rio Grande do Sul, que inclusive enviou o qual prevê indenização em caso de atraso no pagamento da remuneração. A responsabilidade na gestão fiscal em relação à folha de pagamento, elemento basilar do gasto público, reflete nos demais custeios da máquina 15 administrativa o que, por via de consequência, compromete a aplicação de recursos financeiros na busca pelo desenvolvimento da sociedade. Então, se a expansão com gasto de pessoal deve ter prévia dotação orçamentária suficiente e previsão em uma lei estratégica como é a lei de diretrizes orçamentárias, é necessário estudar qual a alternativa que o ordenamento jurídico oferece para eventual situação de descontrole em relação ao adimplemento da despesa pública com pessoal. O objetivo deste trabalho é pesquisar a moldura do ordenamento jurídico em relação à matéria, desde o seu planejamento até mesmo às formas de controle por intermédio de pesquisa bibliográfica feita através de fontes secundárias como livros e revistas especializadas e o posicionamento da jurisdição através de pesquisas jurisprudenciais. Para isso, em seu capítulo primeiro, apresenta como pesquisa os requisitos para a expansão da despesa pública com pessoal no âmbito da função executiva do Poder Estadual e possui como base o art. 169 da Constituição Federal, além do que é estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. No capítulo segundo a intenção da pesquisa é averiguar a correlação temática entre a despesa pública com pessoal e os princípios basilares que regem a administração pública e estão previstos expressamente no art. 37, caput da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Por fim, no capítulo terceiro, a pesquisa percorre o sistema de controle da expansão daquele tipo de política pública e estuda a participação popular, o processo legislativo e a atuação dos tribunais de contas como cortes constitucionalmente responsáveis por exercer o controle externo da administração pública e traz especificamente a situação fiscal do Estado do Rio Grande do Norte em relação à gestão da despesa pública com pessoal. 2 A DESPESA PÚBLICA COM PESSOAL NO ÂMBITO DA FUNÇÃO EXECUTIVA DO PODER ESTADUAL 16 Durante muito tempo a Sociedade se organizou sob a égide do absolutismo, época na qual o titular do Poder comumente era exercido por um Monarca sendo, pois, o epicentro do Estado; a fonte de onde emanavam todas as ordenações e decisões políticas e jurídicas1. Desde a época do absolutismo o homem sempre lutou para ser protagonista e ter direitos reconhecidos em detrimento da estrutura de Poder do Estado personificado em poucas pessoas. Sendo assim, em meados do Século XVIII eclodiu na Europa um movimento social denominado iluminismo, que resultou na ruptura ideológica do absolutismo para a concepção liberal; onde o indivíduo seria o centro das atenções e destinatário de direitos. Já não se vivia o governo dos homens, mas sim o governo das leis2. Essa vontade em se emancipar e de ter assento no processo de tomada de decisão das decisões políticas da comunidade deu ensejo à formação do Estado de Direito, que possuía como principal instrumento de legitimação a Lei, que atualmente é a Constituição3. 1 Ênio Mores da Silva pesquisa que “O absolutismo iniciou-se com o fim do feudalismo, tomando forma mais robusta à medida que o governante concentrava poderes em suas mãos, atingindo seu pináculo na Idade Moderna, tendo ficado conhecida de todos, nesse período, a frase de Luis XIV: L´Estat c´est moi (“O Estado sou eu”). Esse período histórico somente vem a ser ultrapassado por meio das revoluções europeias, iniciando-se na Inglaterra com a Revolução Gloriosa de 1688, tendo, em decorrência dela, sido assinalada a Bil of Rights em 1689m que instituiu o governo parlamentar inglês. Na França, por sua vez, o absolutismo foi afastado pela Revolução burguesa de 1789. SILVA, Ênio Moraes da. O Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa, v. 42, n. 167, p. 213-229, jul./set. 2005. 2 Ao estudar a revolução francesa com a respectiva ascensão da burguesia ao Poder, Paulo Bonavides anota que: “Visceralmente antagônico à concentração do poder, foi, portanto, o princípio fecundo que serviu para a proteção da liberdade o constitucionalismo moderno, ao fundar, com o Estado jurídico, o governo da lei, e não o governo dos homens, ou seja, a government of law and not a gonvernment of men, conforme asseverou judiciosamente, numa locução já histórica, o insigne John Adams, dissertando acerca da Constituição americana.” BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 11ª edição. Malheiros Editores. 11ª edição. São Paulo/SP: 2013. P. 72. 3 COELHO e ROCHA observam que “No decorrer dos tempos, o direito tradicional tornou-se um elo normativo para passagem das sociedades arcaicas às sociedades evoluídas. Da sociedade de status à sociedade de contratctus. Eram os anos do desenvolvimento da sociedade mercantil. Ainda ocorreu a expansão da sociedade civil em detrimento do Estado, da esfera das relações privadas percebidas como paritárias em detrimento do domínio das relações públicas com caráter não igualitário ou de supremacia de uma parte sobre outra. Previa-se, consequentemente, um amortecimento, senão uma supressão do Estado nas chamadas sociedades contemporâneas. O Estado, que até então detinha um poder de comando exclusivo e irresistível, tornou-se abalizado pelas novas relações sociais do mundo moderno. As sociedades contemporâneas e o Direito criaram um vínculo amplo, embasado no chamado Direito público, assim como no Direito Privado, pela multiplicidade de ações que deveriam ser resguardadas pelos direitos direcionados.”COELHO, Milton Schmitti; ROCHA, Claudine Rodembusch. O Estado de Direito e sua perspectiva constitucional e 17 Essa vinculação entre o Estado e a lei durante certo tempo teve como intepretação a prescrição normativa delimitada restritivamente naquelas regras de conduta, também conhecida como positivismo jurídico4. Porém, com o passar do tempo a demanda da sociedade mudou e deslocou valores morais para a interpretação do ordenamento jurídico. A “letra de lei”, portanto, já não é mais suficiente na procura pela justiça. Aquela mudança de parâmetro em relação à interpretação alterou as bases filosóficas do direito e o direito até então legalista, cuja intepretação possuía como protagonista tão somente a lei, passou a ser pós-positivista, onde a busca pela justiça ensejou a valorização moral na interpretação do direito5. Atualmente, a organização da vida em sociedade é regida pelo Estado Constitucional, aquele pelo qual a Constituição representa o pacto social de todos por todos, porquanto é o instrumento de representação estatal eleito pelos cidadãos que integram o seu povo. A valoração dos princípios que compõem a estrutura filosófica do ordenamento jurídico deve se sobrepor a intepretação literal do texto normativo oriundo das leis que até então se utilizava de uma perspectiva puramente gramatical6. democrática. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 28, n. 2:93- 120, jul./dez. 2012 4 Norberto Bobbio anota que “O positivismo jurídico, definindo o direito como um conjunto de comandos emanados pelo soberano, introduz na definição o elemento único da validade, considerando portanto como normas jurídicas todas as normas emanadas num determinado modo estabelecido pelo próprio ordenamento jurídico, prescindindo do fato se estas normas serem ou não efetivamente aplicadas na sociedade: na definição do direito não se introduz assim o requisito de eficácia”. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Lições de Filosofia do Direito. Editora Ícone. São Paulo/SP: 1999, p. 142. 5 Luís Roberto Barroso observa que “A doutrina pós-positivista se inspira na revalorização da razão prática, na teoria de justiça e na legitimação democrática. Nesse contexto, busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral da Constituição e das leis, mas sem recorrer a categorias metafísicas. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção, incluem-se a reentronização dos valores na intepretação jurídica, com o reconhecimento de normatividade aos princípios e de sua diferença qualitativa em relação às regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre a dignidade da pessoa humana. Nesse ambiente, promove-se uma reaproximação entre o Direito e a ética.” BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4ª edição. Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2014, pp. 271/272. 6 Sobre este tema anota Josep Aguilló Regla que “os princípios jurídicos têm um potencial explicativo e racionalista do Direito muitíssimo mais alto do que o das regras. O relevante na excelência jurídica não é, pois, o acúmulo de memorização das regras, mas uma adequada 18 A Constituição, além de ser um instrumento de afirmação do Estado de Direito, o qual se classifica como Estado Constitucional, possui como tarefa fundamental a formação e manutenção da unidade política e a criação e manutenção do próprio ordenamento jurídico sendo a mesma, portanto, uma ferramenta de organização estrutural7. O direito, enquanto instrumento de garantia da ordem social, deve ser estruturado mediante um conjunto de regras aptas a ensejarem uma harmonia nas relações sociais e enquanto complexo de normas jurídicas deve se basear em uma norma fundamental, a qual todo o ordenamento jurídico deva estar em harmonia. Na estrutura de organização de Poder do Estado moderno a Constituição nasce como instrumento de delimitação, legitimação e limitação de poder. Possui o texto constitucional 02 (duas) dimensões: a política e a jurídica8. Ao passo que a primeira diz respeito ao processo de participação combinação de conhecimentos normativos (regras à luz dos princípios que lhes dão sentido) e do desenvolvimento de habilidades metodológicas orientadas para solucionar problemas jurídicos. “Como resolver um problema jurídico?” deve ser o norte em direção ao qual deve tender o ensino do Direito. Isto é, o norte está em um ensino muito mais metodológico do que de memorização. E, pelo que se refere às profissões jurídicas, deve-se acabar com a “invisibilidade” e com a “intermobilidade” que o peso imponente do império da lei tem submetido aos profissionais do Direito. Um bom juiz, um bom fiscal ou um bom notário não é simplesmente alguém que conhece as leis e as usa para resolver casos. A concepção do Direito como prática, e não somente como regras e procedimentos, exige o desenvolvimento de uma cultura das virtudes profissionais dos juristas.” REGLA, Josep Aguiló. Do Império da Lei ao Estado Constitucional: dois paradigmas jurídicos em poucas palavras. In: Argumentação e Estado Constitucional. Coord. Eduardo Ribeiro, Ícone, SP, 2012. 7 A Constituição representa a escolha política por intermédio do qual se moldura as relações do Estado e lhe são atribuídas competências de organização. Sobre a sua importância eis o que leciona Konrad Hesse: “a Constituição estabelece princípios fundamentais do ordenamento jurídico, e não só da vida estatal em sentido estrito. Positiva princípios e critérios para estabelecer e aplicar as normas do ordenamento. Ordena todas as esferas de vida essenciais à convivência, precisamente porque ditas esferas são consubstanciais à vida do conjunto e se encontram indissoluvelmente conectadas com a ordem política. Nesse sentido também são ordenados na Constituição os fundamentos de esferas vitais que nada têm a ver, de forma direta, com a formação de unidade política e ação estatal, como é o caso dos fundamentos do ordenamento jurídico civil: matrimônio, família, propriedade, herança, fundamentos do Direito Penal, princípios do ensino, da liberdade religiosa ou das relações laborais ou sociais. Em tudo isso, a Constituição é o plano estrutural básico, orientado por determinados princípios que dão sentido à forma jurídica de uma comunidade.” HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. Textos selecionados e traduzidos por Carlos dos Santos Almeida, Gilmar Ferreira Mendes e Inocêncio Mártires Coelho. Saraiva: São Paulo/SP; 2009. 8 Paulo Bonavides observa que “Todo o problema constitucional ainda hoje procede, contudo, da ausência de uma fórmula que venha combinar ou conciliar essas duas dimensões da Constituição: a jurídica e a política. A verdade é que ora prepondera uma, ora outra. No constitucionalismo clássico e individualista preponderou a primeira; no constitucionalismo social e contemporâneo, a segunda. E quando uma delas ocupa todo o espaço da reflexão e da 19 democrática da sociedade pela escolha de como o Estado será estruturado, a segunda está ligada à coercibilidade do texto constitucional. A Constituição pode ser visualizada por intermédio de 03 (três) tipos de dimensões (sentidos): sociológico, político e jurídico. Este tipo de interação resulta em uma estrutura conceitual complexa; uma verdadeira conexão de sentidos9. A forma interna pela qual a Constituição se organiza delimita as competências e a forma de atuação do Estado e isso resulta em transparência e limitação da utilização do Poder. Sob esse panorama há quem classifique duas perspectivas pelas quais a Constituição pode ser considerada: a formal e a material10. O aspecto formal da Constituição reside na disposição das normas constitucionais ou do seu sistema diante das demais normas ou do ordenamento jurídico em geral, ao passo que o aspecto material se revela pelo acervo de princípios fundamentais estruturantes os quais exercem um papel essencial do Direito e do Estado na vida das relações em uma comunidade11. análise, os danos e as insuficiências de compreensão do fenômeno constitucional se fazem patentes.” BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros Editores. 4ª edição. São Paulo/SP: 2009, p. 95. 9 Ao refletir sobre o assunto José Afonso da Silva expõe que “A constituição seria, pois, algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder. Não pode ser compreendida e interpretada se não se tiver em mente essa estrutura, considerada como conexão de sentido, como é tudo aquilo que integra um conjunto de valores. Pode estuda-la sob ângulo predominantemente formal, ou do lado do conteúdo, ou dos valores assegurados, ou da interferência do poder. AFONSO DA SILVA, José. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. Malheiros Editores. 4ª edição. São Paulo/SP: 2000, p. 36. 10 BONAVIDES leciona que “Do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais. Tudo quanto for, enfim, conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento da ordem política exprime o aspecto material da Constituição [...] O contrário também ocorre. Com efeito, disposições de teor aparentemente constitucional penetram por sua vez na Constituição, mas apenas de modo impróprio, formalmente, e não materialmente, visto que não se reportam aos pontos cardeais da existência política, a saber, à forma de Estado, à natureza do regime, à moldura e competência do poder, à defesa, conservação e exercício da liberdade.” BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros Editores. 4ª edição. São Paulo/SP: 2009, pp. 80-82. 11 Para Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Ferreira Mendes “O conceito material de Constituição, portanto, segue a inteligência sobre o papel essencial do Direito e do Estado na vida das relações em uma comunidade. A Constituição, como ordem jurídica fundamental da comunidade, abrange, hoje, na sua acepção substancial, as normas que organizam aspectos básicos da estrutura dos poderes públicos e do exercício do poder, normas que protegem as liberdades em face do poder público e normas que tracejam fórmulas de compromisso e de 20 Como a Constituição moldura as relações entre a Sociedade e o Estado, bem como entre os cidadãos ente si, ela é o principal referencial normativo de um Estado de Direito devendo, portanto, ser obedecida em todos os seus termos. Contudo, em que pese ter emanações normativas claramente expressas (no caso das Constituições escritas), a efetividade das cartas constitucionais depende da imposição de respeito e o respectivo grau de aceitação por ela suscitado junto aos seus destinatários, pois o sentimento jurídico aparece em sua plena realidade quando está em conexão com um concreto sistema de valores, que o determina e assegura a sua efetividade12. Em outras palavras: além de ser um texto democraticamente legítimo, a Constituição se aperfeiçoa na práxis social e deve ser efetivada pela Sociedade a qual se destina. Há de se ter um protagonismo cívico em relação à aplicabilidade das normas constitucionais13. Enquanto instrumento de delimitação de poder escolhido pela sociedade a Constituição também representa uma garantia para os cidadãos em relação aos abusos de direito cometidos pelo Estado. arranjos institucionais para a orientação das missões sociais do Estado, bem como para a coordenação de interesses multifários, característicos da sociedade plural.” GONET, Paulo Gustavo; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 10ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2015, p. 57. 12 Sobre Sentimento Constitucional Pablo Lucas Verdú observa que “A afirmação do sentimento constitucional como Teoria da Constituição não pretende aniquilar a indispensável faceta normativa da Constituição, mas apenas demonstrar que: a) em todo processo constituinte opera o sentimento constitucional com maior ou menor intensidade; b) estabelecida a normatividade constitucional, é lógico que esta se explique tecnicamente, apesar da explicação de sua efetividade requerer o sentimento constitucional; c) nos momentos críticos da vida constitucional, o sentimento constitucional aflora impetuosamente, pois, quando se diz que uma Constituição não suscita adesão, sente-se faltado sentimento constitucional, sendo este substituído por outro; d) a suspeita e cautela da dogmática convencional ante o sentimento constitucional ou seu rechaço se explica mas não se justifica, uma vez que uma normatividade e uma dogmática não dão sustentáculo a si mesmas.” VERDÚ, Pablo Lucas. O SENTIMENTO CONSTITUCIONAL: aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de integração política. Editora Forense. Rio de Janeiro/RJ: 2006, p. 140. 13 Sobre eficácia social das normas constitucionais é sempre bom lembrar a seguinte lição de José Afonso da Silva: “Aplicabilidade significa qualidade do que é aplicável. No sentido jurídico, diz-da norma que tem possibilidade de ser aplicada, isto é, da norma que tem capacidade de produzir efeitos jurídicos. Não se cogita de saber se ela produz efetivamente esses efeitos. Isso já seria uma perspectiva sociológica, e diz respeito à eficácia social.” AFONSO DA SILVA, José. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. Malheiros Editores. 4ª edição. São Paulo/SP: 2000, p. 13. 21 Assim, umas das principais conquistas da Sociedade com o advento do sistema constitucional foram os direitos fundamentais, que se consolidaram como restrições impostas à atuação até então onipotente do Estado14. Os direitos fundamentais são prerrogativas dos cidadãos oponíveis à atuação do Estado de uma maneira racionalizada e são moldurados sistematicamente pelos postulados normativos15 do ordenamento jurídico. Ocorre que dentre a gama de direitos fundamentais que o cidadão possui em relação ao Estado nenhum é absoluto devendo os mesmos, pois, serem sopesados diante de um caso concreto de modo a se encontrar a melhor amplitude e contexto de aplicação da liberdade do indivíduo. A busca pela efetividade da Constituição abrange desde a persecução dos direitos fundamentais até a garantia de interesses coletivos e hoje em dia um exemplo disso é a possibilidade, pelo menos no ordenamento jurídico brasileiro, de ações que objetivam proteger o interesse de uma pluralidade de indivíduos, titulares de direitos difusos ou coletivos como são o caso, por exemplo, das ações civis públicas e ações populares16. 14 Para Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins “Direitos Fundamentais são direitos públicos- subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual. Essa definição permite uma primeira orientação na matéria ao indicar alguns elementos básicos, a saber: (a) os sujeitos da relação criada pelos direitos fundamentais (pessoa vs. Estado); (b) a finalidade desses direitos (limitação do poder estatal para preservar a liberdade individual); (c) sua posição no sistema jurídico, definida pela supremacia constitucional ou fundamentalidade formal.” DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Editora Atlas. 5ª edição. São Paulo/SP: 2014, p. 41. 15 Para Vladimir da Rocha França “Os postulados normativos são preceitos que estruturam a aplicação do sistema do direito positivo. São, na verdade, normas cujo escopo é orientar a aplicação das regras e demais princípios jurídicos, determinando os vínculos que devem ser desenvolvidos entre os elementos considerados relevantes para a decisão no caso concreto ou hipotético. Os preceitos que regem a hermenêutica jurídica, bem como a proporcionalidade, são bons exemplos de postulados normativos.” FRANCA, Vladimir da Rocha. Estrutura e Motivação dos Atos Administrativos. Malheiros Editores. São Paulo/SP: 2007, p. 30. 16 Vale destacar que segundo o Supremo Tribunal Federal a Defensoria Pública é parte legítima para postular interesses difusos: EMENTA: Direito Processual Civil e Constitucional. Ação civil pública. Legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública em defesa de interesses difusos. Interpretação do art.134 da Constituição Federal. Discussão acerca da constitucionalidade do art. 5º, inciso II, da Lei nº 7.347/1985, com a redação dada pela Lei nº 11.448/07, e do art. 4º, incisos VII e VIII, da Lei Complementar nº 80/1994, com as modificações instituídas pela Lei Complementar nº 132/09. Repercussão geral reconhecida. Mantida a decisão objurgada, visto que comprovados os requisitos exigidos para a caracterização da legitimidade ativa. Negado provimento ao recurso extraordinário. Assentada a tese de que a Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura da ação civil pública que vise a promover tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam titulares, em tese, pessoas necessitadas. RE 733433/MG. Relatoria do Ministro Dias Tofolli. Órgão Julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Data do Julgamento: 04/11/2015. 22 A proteção da Constituição representa a sustentabilidade de todo o ordenamento jurídico, até porque a função política da Constituição é estabelecer limites jurídicos ao exercício do poder e a garantia do que está previsto na Constituição significa a segurança de que tais limites não serão ultrapassados. É em decorrência da supremacia que representa que a Constituição exige que todas as situações jurídicas devem se conformar com os princípios e regras que ela adota, devendo qualquer norma em sentido contrário ser afastada do campo de validade17. Ao se debruçar sobre o constitucionalismo moderno, Figueroa observa- o sob 03 (três) distintas formas: a) o constitucionalismo teórico; b) o constitucionalismo ideológico; e, c) o constitucionalismo metodológico18. Para ele, a teoria central do constitucionalismo teórico é o seu caráter descritivo, na medida em que a tese central do ideológico é de caráter normativo. Por outro lado, o constitucionalismo metodológico se caracteriza pela relação conceitual necessária entre Direito e moral. No Neoconstitucionalismo a intepretação do ordenamento jurídico à luz dos princípios é uma realidade antes nunca vista no âmbito da aplicação e interpretação do Direito Constitucional. Assim, a carga valorativa dos preceitos morais os quais estruturam determinado ordenamento jurídico assume um protagonismo e é uma referência pela qual devem ser analisadas as normas jurídicas. Na interpretação desta nova postura do Direito pautada na supremacia das normas constitucionais, há quem visualize 02 (duas) categorias de 17 Dirley da Cunha Júnior entende que “Em decorrência dessa irrecusável posição de norma jurídica suprema, exige a Constituição que todas as situações jurídicas se conforme com os princípios e regras que ela adota. Essa indeclinável e necessária compatibilidade vertical entre as leis e atos normativos com a Constituição satisfaz, por sua vez, o princípio da constitucionalidade: todos os atos normativos dos poderes públicos só são válidos e, consequentemente, constitucionais, na medida em que se compatibilizem, formal e materialmente, com o texto supremo. Essa compatibilização deve ser formal, no sentido em que devem estar de acordo com o modo que o conteúdo desses atos guarde harmonia com o conteúdo da lei magna. Assim, a superioridade jurídica da Constituição implica, na prática brasileira, a revogação de todas as normas anteriores com ela materialmente constratantes e a nulidade de todas as normas editadas posteriormente à sua vigência”. JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática. 7ª edição. Editora JusPodivm. Salvador/BA: 2014, p. 35. 18 FIGUEROA, Alfonso Garcia. A teoria do direito em tempos de constitucionalismo. 23 princípios constitucionais: a) os político-constitucionais; e, b) os jurídico- constitucionais19. A primeira categoria é decorrente das decisões políticas fundamentais concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional positivo. É intrínseca às decisões políticas fundamentais sobre a particular forma de existência política da nação. Já os jurídico-constitucionais estão correlacionados às normas informadoras da ordem jurídica nacional. São, pois, decorrentes das próprias normas constitucionais na perspectiva de desdobramento dos princípios fundamentais (político-constitucionais). Sobre a argumentação no Estado Constitucional, a linguagem jurídica, como toda linguagem natural, apresenta um núcleo de certeza e uma zona de penumbra ou textura aberta20. A natureza jurídica pela qual se estrutura a República Federativa do Brasil, que se alicerça em um Estado Democrático de Direito21, convida a população a participar de todo o processo de tomada de decisão da Administração Pública. Vale lembrar que aquela participação vai desde o processo de planejamento até as estratégias para efetivar um controle de qualidade do gasto público na tentativa de utilização do Erário de forma sempre econômica pela qual se possibilite maximizar a utilização dos seus recursos na perspectiva global que envolve logística, recursos humanos e financeiros. 19 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ed. (reimpressão). Coimbra: Almedina, 1999. 20 SANCHIS, Luis Prieto. Os princípios, o problema da discricionariedade judicial e a tese da unidade de solução justa. 21 O Estado Democrático de Direito se caracteriza pela participação constante da sociedade como responsável pela construção de um modelo de convivência harmônica ideal. Sobre o tema eis o magistério de José Afonso da Silva: “A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.” AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores. 35ª edição. São Paulo/SP: 2012, pp. 119/120. 24 Para isso o sistema jurídico vigente oferece mecanismos de protagonismo cívico que vão desde o direito fundamental de acesso à informação, regulamentado através de uma lei específica22, até mesmo a possibilidade de exercício de cargo político de gestão por intermédio do gozo da capacidade eleitoral passiva. No caso da despesa pública com pessoal23 no âmbito da função executiva do Poder há outras ferramentas que também estimulam a participação popular como são o caso, por exemplo, dos relatórios de gestão fiscal pelos quais a sociedade pode exercer um tipo de controle intrínseco à participação popular, que é o controle social24. Através do acompanhamento dos relatórios de gestão fiscal a coletividade deve pressionar os gestores a realizarem audiências públicas, onde é possível se discutir democraticamente a gestão fiscal em relação à despesa pública com pessoal. Como instrumentos de efetivação da Democracia, as audiências públicas25 são vetores de moralidade e controle dos atos administrativos, 22 Lei 12.527/2011, que regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do §3º do art. 37 e no §2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. 23 Segundo o art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal “entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.” 24 Ao pesquisar sobre o fundamento constitucional do controle social Carlos Ayres Brito faz a seguinte e atual ponderação: “E por onde começa a Lei Maior o disciplinamento desse controle social do poder? Começa no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos (capítulo I do título II). Ora para habilitar o particular a saber das coisas do Estado em vista à defesa de direito ou de interesse pessoal, ora para habilitar o particular a saber das coisas do Estado com vista à defesa de direito ou de interesse geral; ou seja, a Constituição tanto aparelha a pessoa privada para imiscuir-se nos negócios do Estado para dar satisfações e reclamos que só repercutem no universo particular do sindicante, quanto aparelha a pessoa privada para imiscuir-se nos negócios do Estado para dar satisfações reclamos que repercutem no universo social por inteiro.” AYRES BRITTO, Carlos. Distinção entre “controle social do poder” e “participação popular”. Revista de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro/RJ: julho a setembro de 1992. Disponível em http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/45286/47723 acesso em 06/10/2017. 25 O Poder Executivo Federal estabeleceu um normativo por intermédio do qual instituiu a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS e nos termos do seu art. 2º, inciso VIII positivou audiência pública como “mecanismo participativo de caráter presencial, consultivo, aberto a qualquer interessado, com a possibilidade de manifestação oral dos participantes, cujo objetivo é subsidiar decisões governamentais.” 25 porquanto se apresentam como elo de cooperação na relação entre poder público e cidadão26. Além de serem correlatas à moralidade administrativa, as audiências públicas também estão vinculadas ao conceito de administração pública dialógica, vez que oportunizam a interação permanente com a sociedade. O modelo de gestão pública pautado no diálogo entre a administração e os cidadãos é característico do Estado Democrático de Direito e deve sempre balizar os atos administrativos, tendo em vista que o poder emana do povo e este deve estar ciente e participar de todo o processo de tomada de decisão na condução do Erário. A participação popular garantida pela administração pública dialógica proporciona confiança, segurança jurídica e a respectiva defesa de direitos fundamentais, além de evitar dissabores eventualmente causados por “surpresas administrativas” aptas a ocasionarem eventos danosos27. 26 Thiago Marrara entende que “A cooperação para o exercício dos direitos gera para a autoridade pública o dever de informar os cidadãos sobre os requisitos, condições e procedimentos para o devido gozo de direitos individuais, coletivos e difusos mesmo quando tal autoridade não esteja expressamente obrigada a se manifestar. O Estado, constatando as dificuldades do indivíduo para concretizar sua cidadania, deve agir de ofício, oferecendo-lhe as informações e, quando cabível, as condições materiais para que possa gozar de seus direitos legalmente garantidos. O fundamento para tanto é óbvio: se o Estado existe pelo povo e para o povo, não podem as autoridades públicas quedar inertes frente às dificuldades de um cidadão para compreender a ordem jurídica e, com base em seus mandamentos, exercer seus direitos.” MARRARA, Thiago. O conteúdo do princípio da moralidade: probidade, razoabilidade e cooperação. Revista Digital de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto/SP, vol. 3, n. 1, p. 104-120.2016. Disponível em https://www.revistas.usp.br/rdda/article/view/108986/107560 acesso em 06/10/2017 27 Ao escrever sobre o tema aponta Rafael Maffini que “A relação ora proposta entre a segurança jurídica (e o seu consecutário “proteção da confiança”) e os direitos fundamentais ao contraditório e à ampla defesa (que, a par do princípio da participação, fundamental o conceito de “administração pública dialógica”) se deve ao fato de que os destinatários da função administrativa não podem ser surpreendidos com a imposição de atos que lhe são prejudiciais ou com a extinção de condutas que lhe são benéficas, de modo abrupto, sem que se lhes assegurem tanto a ciência quanto à iminência de ocorrência de tais eventos danosos, quanto a efetiva participação tendente a evitar que eventuais prejuízos lhes sejam ocasionados. Daí a ideia de que a segurança jurídica e a proteção da confiança, em sua faceta procedimental, impõem sejam asseguradas a ciência e a participação prévia como condição formal para a eventual imposição de gravame pelo poder público na esfera dos direitos dos cidadãos, aí incluindo, por óbvio, a extinção de condutas administrativas que lhes são favoráveis.” MAFFINI, Rafael. Administração pública dialógica (proteção procedimental da confiança). Em torno da Súmula Vinculante nº 3, do Supremo Tribunal Federal. Revista de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas. V. 253. Ano: 2010. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/8051 acesso em 06/10/2017. 26 Aquele tipo de ativismo cívico não se dá somente na perspectiva executiva e a o instituto do amicus curiae, com a possibilidade de realização de audiências públicas pela função judiciária28 do poder são exemplo disso. O Código de Processo Civil29 prevê expressamente a realização de audiências públicas para instruir processos judiciais30 e ainda no âmbito do judiciário, o próprio princípio do livre convencimento do magistrado também legitima aquele tipo de participação popular, como aconteceu no Estado do Rio Grande do Norte momento no qual o Juiz Federal Eduardo Sousa Dantas presidiu uma audiência pública no curso de um processo, ocasião na em que se debatia o Plano Diretor do Sistema Prisional do Rio Grande do Norte31. Especificamente no tocante à despesa pública com pessoal, a assunção do protagonismo cívico contribui para a efetivação do princípio da eficiência administrativa e da qualidade do gasto público, além de colaborar com o equilíbrio e respectivo controle da sua expansão garantindo assim um desenvolvimento sustentável da folha de pagamento. A participação popular na política remuneratória do serviço público objetiva fiscalizar como é estruturado o sistema remuneratório, tendo em vista que os servidores públicos podem postular a expansão da sua remuneração individualmente, coletivamente ou através de representatividade. Vale destacar o fato que a sociedade também demanda fiscalizar os auxílios e vantagens de legitimidade duvidosa, como é o caso da remuneração da magistratura32. A perspectiva individual pode aqui ser representada, por exemplo, como a postulação a uma gratificação em virtude de uma especificidade laborativa a 28 O art. 9, §1º da Lei que rege a ação direta de (in)constitucionalidade (Lei nº 9.868/1999) prevê a possibilidade de audiências públicas para o esclarecimento do juízo: “Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria”. 29 Lei 13.105/015. 30 Art. 983, §1º e 1.038, inciso II. 31 “JFRN promove audiência pública sobre o Plano Diretor do Sistema Prisional“ disponível em https://www.jfrn.jus.br/noticia.xhtml?idNoticia=12606 acesso em 06/10/2017 32 Enquanto órgão de cúpula e controle da função judiciária do Poder, o CNJ tem fiscalizado o pagamento da remuneração da magistratura nacional, muito embora tenha encontrado resistência conforme demonstra a seguinte notícia: “Cármen Lúcia cobra dos tribunais planilhas com salários de juízes”. Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85873-carmen-lucia- cobra-dos-tribunais-planilhas-com-salarios-de-juizes acesso em 05/12/2017 27 qual o servidor está submetido ou pode se submeter de acordo com as suas capacitações técnicas. A coletiva, por outro lado, diz respeito a um conjunto de servidores de uma determinada categoria que requeira a estruturação da sua carreira por intermédio de um plano de carreira, cargos e remuneração onde se proporcione o desenvolvimento da vida funcional por intermédio de merecimento por produtividade ou até mesmo por cursos de capacitação na área de lotação. A representativa, por sua vez, é intrínseca à organização sindical como se vê nas carreiras da saúde e educação, por exemplo. O pleito sindical possui força política e por vezes pressiona o gestor público de uma maneira mais incisiva em virtude do tamanho da instituição sindical. Em virtude do regime jurídico administrativo o qual determina que toda a ação do gestor público deve ser pautada em uma prévia delimitação legal e que uma vez instituída por lei uma obrigação deve ser cumprida, o cumprimento das obrigações decorrentes de lei deve ser compulsório. Isso resulta no entendimento que o gestor público não pode se deixar influenciar por interferências externas caracterizadas, por exemplo, por uma pressão social de determinada classe de servidores como já aconteceu em Salvador com a Polícia Militar às vésperas do começo do carnaval do ano de 201233. Naquela época a Polícia Militar ficou em greve por 12 (doze) dias e o respectivo movimento grevista terminou a 05 (cinco) dias do começo do carnaval de Salvador, um evento nacional de grandes proporções. Como a sustentabilidade do gasto público com pessoal é uma preocupação de justiça intergeracional, tendo em vista que compromete de maneira permanente o orçamento público, deve toda a sociedade e não somente os servidores públicos se engajarem neste assunto em virtude da sua relevância. A preocupação da sociedade diz respeito ao fato que o fiel cumprimento da política remuneratória em termos de adimplemento e incentivo ao desenvolvimento da carreira então pactuada com os servidores públicos 33 http://g1.globo.com/bahia/noticia/2012/02/pms-em-assembleia-decidem-encerram-encerrar- greve-na-bahia.html acesso em 19/10/2017 28 proporciona uma prestação de serviços de qualidade, ao passo em que para os servidores públicos proporciona motivação no ambiente de trabalho. Para auxiliar o gestor na administração do interesse público em relação à expansão da despesa pública com pessoal, o ordenamento jurídico oferece uma pluralidade normativa, que vai desde a Constituição, até uma legislação de regência balizada pela Lei Complementar Nacional nº 101/200034, mas também se preocupa em estruturar as ações por intermédio das chamadas leis orçamentárias. O art. 169 da Constituição Federal estabelece que a despesa pública com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não deve ultrapassar aos limites estabelecidos em lei complementar. Além disso, determina obediência à prévia dotação orçamentária suficiente par atender às projeções e aos acréscimos dela decorrentes, bem como autorização específica na LDO. A instituição e até mesmo a expansão daquele tipo de política pública35, portanto, guarda compatibilidade a todo um sistema de freios e contrapesos que impõe ao gestor público prévio planejamento estratégico de modo a possibilitar o equilíbrio das contas públicas e possui como base a compatibilidade com as leis orçamentárias. De competência da função executiva do Poder Estadual, conforme estabelecido pelo art. 163 da Constituição Federal, as leis orçamentárias são divididas em 03 (três), a saber: a) Plano Plurianual; b) Lei de Diretrizes Orçamentárias; e, c) Lei Orçamentária Anual. Cada uma possui uma competência específica que será abordada oportunamente em tópico próprio. São as leis orçamentárias que estruturam todas as ações da Administração Pública, funcionando como um verdadeiro roteiro. 34 Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. 35 O conceito de política pública deve envolver uma visão macro da atuação do Estado e sobre isso escreve Maria Paula Dallari Bucci que se trata de programa de ação governamental, em cuja formação há um elemento processual estruturante. Alerta aquela autora que “Uma política pública qualquer pode revelar-se inovadora, do ponto de vista de seu desenho institucional, por exemplo, ao adotar uma forma organizacional ainda não experimentada naquele sistema jurídico. Isso não garante, todavia, que a política seja eficiente, no balanço entre custos e benefícios, ou que atenda às necessidades mais prementes, analisadas as prioridades, o escopo dos beneficiários ou a sua escala.” BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas. Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2013, p. 133. 29 Aquela vinculação obriga o gestor público a refletir sobre o conceito de sustentabilidade orçamentária36 porque como as leis orçamentárias possuem a função estratégica de balizar as ações da Administração Pública, as mesmas, enquanto instrumento de gestão estratégica, quando da sua elaboração e respectiva promulgação, determinam em uma perspectiva formal em critérios quantitativos de como devem ser realizadas as despesas públicas. As leis orçamentárias indicam onde gastar e quanto gastar. O procedimento de cada processo de despesa pública possui aspecto material e deve seguir a legislação de regência como é o caso, por exemplo, da aquisição de um bem pela Administração Pública, a qual deve obedecer às regras estabelecidas na lei de licitações (Lei nº 8.666/199337). Ao estabelecer que o crescimento da despesa pública com pessoal deve ter harmonia com as leis orçamentárias em curso, o legislador constituinte observa que a expansão da política remuneratória deve observância ao impacto que ocasiona nos cofres públicos. Esta relação de causa e efeito proporciona, pelo menos em tese, um controle estratégico, ao passo em que determina de maneira compulsória o planejamento prévio e sistemático das ações correlatas à remuneração. Assim, estabelece o texto constitucional que a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração só pode ser feita se obedecidas, no mínimo, as seguintes premissas: a) prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; e, b) autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. 36 A sustentabilidade orçamentária diz respeito ao fato que o custeio das presentes gerações não pode comprometer as futuras ou, em outras palavras: o endividamento para o futuro não pode comprometer direitos das futuras gerações. Ao estudar o tema anota CAMPOS que “As dimensões da sustentabilidade orçamentária, segundo Allen Schick, são: solvência (solvency); crescimento (growth); estabilidade (stability) e equidade (fairness). Ainda de acordo com ele, estas seriam definidas nos seguintes termos: a solvência seria a capacidade do governo pagar suas obrigações; o crescimento corresponderia à adoção de política fiscal que sustente o crescimento econômico; a estabilidade seria a capacidade do governo pagar as obrigações futuras com a tributação existente; a equidade seria a capacidade do governo pagar as obrigações presentes sem trasladar o seu custo para gerações futuras.” CAMPOS, Luciana Ribeiro. Direito Orçamentário em busca da sustentabilidade. Do planejamento à execução orçamentária. Editora Nuria Fabris. Porto Alegre/RS: 2015, p. 246. 37 Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. 30 As empresas públicas e as sociedades de economia mista, por serem pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública Indireta, sujeitam-se às mesmas obrigações das empresas da iniciativa privada, razão pela qual se justifica aquela exceção constitucional38. A obediência àquelas premissas deve ser concomitante a outros requisitos estabelecidos pelo sistema constitucional39 como, por exemplo, o princípio da legalidade específica correlato à despesa pública com pessoal40 e no caso da função Executiva do Poder, a obediência ao respectivo projeto de lei de sua iniciativa. Enquanto instrumento de repartição de competência do Poder soberano, a Constituição distribui as responsabilidades pela administração do interesse coletivo através dos entes federados que estruturam a república brasileira por intermédio do seu art. 18, que outorga liberdade para os mesmos se organizarem da maneira conforme lhes for conveniente, desde que obedecida a repartição de competências previamente delimitada. Dentro do âmbito territorial de cada ente político, o Poder é ramificado internamente, funcionando como um microssistema supervisionado pelo macro, e no que diz respeito à função executiva do Poder determina que somente ela 38 Agravo regimental no agravo de instrumento. Empresas públicas. Sujeição às convenções coletivas de trabalho. Artigo 169, §1º, incisos I e II, da Constituição Federal. Possibilidade. Precedentes. 1. A Corte firmou entendimento no sentido que a sujeição das empresas públicas e das sociedades de economia mista às convenções coletivas não ofende as normas do art. 169, §1º, incisos I e II, da Constituição Federal. 2. Agravo regimental não provido. Ag. Reg. No Agravo de Instrumento 751.727/RJ. Relatoria do Ministro Dias Toffoli. Órgão julgador: Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Data do julgamento: 18/06/2013. 39 Para Paulo Bonavides “o sistema constitucional teria por conteúdo, primeiro, a Constituição propriamente dita, segundo, as leis complementares previstas pela Constituição, terceiro, todas as leis ordinárias, que, do ponto de vista material, se possam reputar constitucionais, embora não estejam no texto da Constituição formal, e a seguir, com o máximo relevo, o conjunto de instituições e poderes há pouco referidos, a saber, os partidos e correntes de interesses.” BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª edição. Malheiros Editores. São Paulo/SP: 2009, p. 99. 40 Assenta o art. 37, inciso X da Constituição Federal que a remuneração dos servidores públicos só pode ser fixada ou alterada mediante lei específica. Isso quer dizer que uma Câmara de Vereadores, por exemplo, não pode dispor sobre a matéria por intermédio de Resolução, em que pese a autonomia administrativa, financeira e legislativa. Sobre o tema o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido que “Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei específica. CF, art. 37, X; art. 51, IV; art. 52, XIII. Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto 1, de 5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. ADI 3.369 MC, rel. min. Carlos Velloso, j. 16-12-2004, P, DJ de 1º-2-2005.] AO 1.420, rel. min. Cármen Lúcia, j. 2-8-2011, 1ª T, DJE de 22-8-2011. 31 é que é a maneira pela qual se estrutura a República Federativa do Brasil (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Assim, por exemplo, dentro do âmbito territorial dos Estados, cuja competência é previamente delimitada pelos arts. 25 e 26 da Constituição, o Poder é repartido entre a função executiva, legislativa e judiciária. Cada função de Poder possui autonomia administrativa, legislativa e financeira e isso possibilita um planejamento específico em relação ao custeio com a despesa pública com pessoal não podendo, pois, a função legislativa do Poder apresentar emendas que alterem e/ou resultem em aumento deste tipo de despesa em virtude da cláusula de reserva relativa à competência privativa do caso em tela41. A matriz normativa correlata à despesa pública com pessoal, que tem como base a Constituição Federal, objetiva estabelecer parâmetros de estabilidade aptos a subsidiarem o Gestor Público em seu processo de tomada de decisão em relação àquele tipo de política pública. Uma das legislações correlatas ao assunto, a Lei Complementar nº 101/200042, também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que é o marco da qualidade do gasto público, indexa a despesa pública com pessoal à receita corrente líquida no afã de proporcionar um crescimento de todo o sistema remuneratório de maneira sustentável. Assim, ao vincular toda a política remuneratória aos índices contábeis decorrentes da efetiva arrecadação fiscal, o legislador protege o erário à luz da vigência do princípio constitucional da eficiência administrativa. Além disso, a LRF impõe aos Estados-membros que compõem a República Federativa do Brasil limites por pessoa política e por exercício de competência. 41 Ao apreciar um caso no qual o Poder Legislativo alterou o projeto de lei encaminhado pelo Executivo que versava sobre remuneração, se posicionou o Supremo Tribunal Federal da seguinte maneira: “Segundo a jurisprudência reiterada desta Suprema Corte, embora o poder de apresentar emendas alcance matérias de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, são inconstitucionais as alterações assim efetuadas quando resultem em aumento de despesa, ante a expressa vedação contida no art. 63, I, da Constituição da República, bem como quando desprovidas de pertinência material com o objeto original da iniciativa normativa submetida a cláusula de reserva.” ADI 4433/SC. Relatoria da Ministra Rosa Weber. Data do Julgamento: 18/06/2015. Órgão Julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Data da Publicação: 02/10/2015. 42 Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. 32 A título de exemplificação, o Estado possui como limite máximo para fins de despesa com pessoal 60% (sessenta por cento) da sua receita corrente líquida, que possui uma subdivisão a qual envolve as seguintes instituições: Legislativo e Tribunal de Contas (3%), Judiciário (6%), Executivo (49%) e Ministério Público (2%)43. Ocorre que dentro daquela repartição de limites a despesa pública com pessoal possui uma especificidade, que é ser contemplada nas leis orçamentárias e estas, o que são? Como devem ser planejadas? Quais são os seus campos de competência? Por que a Constituição determina como requisito prévio para a expansão da despesa pública com pessoal a harmonia entre a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual? É o que ora se passa a estudar 2.1 – Requisitos para a expansão da despesa pública com pessoal instituídos pela Constituição Federal: o diálogo entre as leis orçamentárias Impõe o princípio constitucional da eficiência administrativa que as ações estatais devem ser planejadas de maneira estratégica de modo a potencializar o uso do erário sob 02 (duas) perspectivas: quantitativa e qualitativamente44. Para isso, apresenta a Constituição Federal um microssistema de planejamento para os entes federados que se sustenta em apenas 03 (três) diplomas normativos: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes 43 Aquele limite é delimitado pelo art. 20, inciso II da Lei de Responsabilidade Fiscal. 44 Sobre o princípio constitucional da eficiência administrativa escreve José Afonso da Silva: “Isso quer dizer, em suma, que a eficiência administrativa se obtém pelo melhor emprego dos recursos e meios (humanos, materiais e institucionais) para melhor satisfazer às necessidades coletivas num regime de igualdade dos usuários. Logo, o princípio da eficiência administrativa consiste na organização racional dos meios e recursos humanos, materiais e institucionais para a prestação de serviços públicos de qualidade com razoável rapidez, consoante previsão do inciso LXXVIII do art. 5º (EC-45/2004) e em condições econômicas de igualdade dos consumidores. O princípio inverte as regras de competência, pois o bom desempenho das atribuições de cada órgão ou entidade pública é fator de eficiência em cada área da função governamental.” SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros editores. 35º edição. São Paulo/SP: 2012, pp. 673-674. 33 Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), todas de competência privativa da respectiva função do Poder Executivo. Em que pese ser a responsável por apresentar à legislativa as chamadas leis orçamentárias45, a função executiva do Poder não faz da maneira que lhe for conveniente, tendo em vista que o contrato social vigente estabelece alguns parâmetros para a sua elaboração. Isso porque em virtude da autonomia administrativa e financeira das funções dos poderes, do Ministério Público e da Defensoria Pública, os mesmos possuem legitimidade para planejar as suas ações e consigná-las na respectiva lei orçamentária. Assim, encaminham o seu pleito à função Executiva e esta, como é constitucionalmente responsável por promover os respectivos ajustes, se for o caso, procederá a devida formatação. O PPA, a LDO e a LOA, portanto, são o resultado de uma reflexão administrativa das funções do Poder e dos órgãos constitucionalmente autônomos como são o caso, por exemplo, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Enquanto responsável por fazer os devidos ajustes nas leis orçamentárias, não pode a função executiva do Poder realizar adequações de maneira unilateral46. Até porque quem possui legitimidade constitucional para alterar proposta de legislação, aprovar ou rejeitar é a função legislativa do Poder. O PPA é uma lei orçamentária com efeito estratégico e não possui qualquer destinação financeira e/ou orçamentária. Funciona para estabelecer diretrizes e prioridades e se apresenta como um farol a iluminar o planejamento 45 Competência outorgada pelo art. 163 da Constituição Federal. “Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I – o plano plurianual; II- as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais.” 46 Sobre o tema eis o posicionamento do Supremo Tribunal Federal: “Nos termos do art. 134, §2º, da CF, não é dado ao Chefe do Poder Executivo estadual, de forma unilateral, reduzir a proposta orçamentária da Defensoria Pública quando essa é compatível com a LDO. Caberia ao governador do Estado incorporar ao PLOA a proposta nos exatos termos definidos pela Defensoria, podendo, contudo, pleitear à Assembleia Legislativa a redução pretendida, visto ser o Poder Legislativo a seara adequada para o debate de possíveis alterações no PLOA. A inserção da Defensoria Pública em capítulo destinado à proposta orçamentária do Poder Executivo, juntamente com as Secretarias de Estado, constitui desrespeito à autonomia administrativa da instituição, além de ingerência indevida no estabelecimento de sua programação administrativa e financeira.” ADPF 307-DF. Relatoria do Ministro Dias Toffoli. Órgão Julgador: Plenário do Supremo Tribunal Federal. Data do Julgamento: 19/12/2013. Data da Publicação: DJE de 27/03/2014. 34 da LDO e da LOA, bem como de todas as ações a serem tomadas pela Administração Pública. Qualquer ação administrativa, além de ter prévia dotação financeira e orçamentária, deve obedecer ao que é estabelecido no PPA, que pode ser entendido como um pacto de observância obrigatória para a Gestão Pública durante o período em que tiver vigência, que são 04 (quatro) anos. A determinação constitucional para o PPA estabelecer de forma regionalizada diretrizes, objetivos e metas da administração para as despesas de capital e outras delas decorrentes, como também para as relativas aos programas de duração continuada já apontava, à época da promulgação da Constituição, de maneira implícita, a incidência do princípio da eficiência administrativa porque determina um planejamento previamente moldurado. É importante informar que as despesas de capital são consideradas, pela “Lei Geral do Orçamento47” como ações administrativas em investimentos, inversões financeiras e transferências de capital. São, portanto, gastos públicos onde a utilização do Erário possui um retorno pelo ingresso de um bem no patrimônio de quem realiza aquela despesa48. As despesas de capital representam a expansão econômica da Administração Pública, porquanto possibilitam, dentre outras ações, a dotação para o planejamento e execução de obras, aquisição de imóveis e até mesmo amortização da dívida pública49. É por intermédio do PPA que o gestor público observa onde pode alocar recursos para o cumprimento do seu papel constitucional de administrar o interesse coletivo na perspectiva de alocação de recursos em material permanente. 47 Lei 4.320/1964, que estabelece Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. 48 Para Afonso Gomes Aguiar “Despesas de Capital são aqueles gastos públicos em que a saída do numerário dos cofres públicos é recompensada, em regra, pelo ingresso direto de um bem, de valor correspondente, no patrimônio da entidade que realizou a despesa.” AGUIAR, Afonso Gomes. Lei nº 4.320 comentada ao alcance de todos. Editora Fórum. 3ª edição. Belo Horizonte/MG: 2008, p. 191. 49 Vide art. 12 da Lei 4..320/1964. 35 Conforme ensina o Manual de Contabilidade Aplicado ao Setor Público50 (MCASP), no que diz respeito à classificação orçamentária das despesas, a sua natureza se bifurca em material permanente e material de consumo e a diferenciação se utiliza pelo período de utilização do bem. Em material de consumo se classificam aqueles bens com utilização limitada a 02 (dois) anos, ao passo em que o permanente possui durabilidade mais de 02 (dois) anos51. O PPA indica onde e como alocar recursos, mas não quanto. Isso fica a cargo do planejamento conjunto da LDO e da LOA. Ele é, portanto, um orçamento puramente programático que estabelece um plano de trabalho52 a ser seguido pela Administração Pública e de maneira transparente, já que é estabelecido mediante lei, proporciona a participação da sociedade no exercício do seu controle externo. Em virtude do seu caráter programático e abstrato, porquanto estabelece a moldura das ações administrativas durante um determinado período de tempo e tendo em vista o fato que é previsto em lei, caso uma ação esteja prevista no PPA e não for cumprida, é possível a obtenção da sua fiel execução através de uma decisão judicial? Porquanto o PPA é uma lei de caráter estratégico a qual estabelece diretrizes, não é possível exigir o cumprimento integral do que nele for disposto. 50 BRASIL, Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Aplicado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Portaria Conjunta STN/SOF nº 02, de 22 de dezembro de 2016. Portaria STN nº 840, de 21 de dezembro de 2016. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. 7ª edição. Brasília/DF: 2017. Disponível em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/456785/MCASP+7%C2%AA%20edi%C3 %A7%C3%A3o+Vers%C3%A3o+Final.pdf/6e874adb-44d7-490c-8967-b0acd3923f6d acesso em 24/08/2017. 51 BRASIL, Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Aplicado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Portaria Conjunta STN/SOF nº 02, de 22 de dezembro de 2016. Portaria STN nº 840, de 21 de dezembro de 2016. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. 7ª edição. Brasília/DF: 2017. Disponível em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/456785/MCASP+7%C2%AA%20edi%C3 %A7%C3%A3o+Vers%C3%A3o+Final.pdf/6e874adb-44d7-490c-8967-b0acd3923f6d acesso em 24/08/2017. 52 Afonso Gomes Aguiar, em outra obra assenta que “O plano plurianual a que alude a atual Constituição Federal (art. 165) tem natureza jurídica de lei, no seu sentido formal. Objetiva esse tipo de orçamento dar ao governante um plano de trabalho devidamente planejado e transparente para o período de toda sua gestão governamental e, ao mesmo tempo, permitir aos membros da sociedade, de quem são retirados os recursos para o seu custeio, o conhecimento prévio das ações que se deseja levar a efeito durante o período da gestão administrativa. Trata-se de um orçamento puramente programático, cujos planos de trabalho por ele previstos são, na prática, operacionalizados ou concretizados a cada exercício financeiro, por força do orçamento anual, que é um orçamento de caráter operativo.” AGUIAR, Tratado da Gestão Fiscal. Editora Fórum. Belo Horizonte/MG: 2008, p. 161. 36 Em que pese o STF legitimar o controle de constitucionalidade em face de uma lei orçamentária53, Se no PPA estiver prevista a construção de uma escola e a função executiva do Poder, por exemplo, alegar frustração de receita e consequente limitação financeira que impeça a execução daquela ação, pode o cidadão postular a sua efetivação compulsoriamente através de uma decisão judicial? Como a função constitucional do PPA é estabelecer diretrizes e metas, não é possível, em tese, o cumprimento integral das ações nele previstas de maneira compulsória. Contudo, em decorrência da garantia fundamental da inafastabilidade da jurisdição e da natureza jurídica dos direitos sociais enquanto obrigações de fazer54, o ordenamento jurídico apresenta ferramentas aptas a exigirem o cumprimento de uma política pública ineficiente como é o caso, por exemplo, de uma ação civil pública. A ação civil pública pode inclusive ser proposta pela defensoria pública na defesa de interesses difusos, em virtude da sua relevância e natureza jurídica, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal55. 53 ADI 5.449/RR. Relatoria do Ministro Teori Zavascki. Órgão julgador: Plenário do Supremo Tribunal Federal. Data do julgamento: 10/03/2016. 54 Na tentativa de construir um conceito sobre Direitos Sociais Alessandra Gotti arremata que “Efetivamente, uma característica comum da regulação jurídica dos âmbitos configurados a partir do modelo de Direito Social – como trabalho, seguridade social, saúde, educação, moradia ou meio ambiente – é a utilização do poder do Estado, com o propósito de equilibrar situações de desigualdade material0 seja a partir do propósito de garantir padrões de vida mínimos, melhores condições a grupos sociais postergados, compensar as diferenças de poder nas relações entre particulares ou excluir um bem do livre jogo do mercado. Daí que o valor que geralmente se ressalta quando se fala de direitos sociais é a igualdade material. Os direitos prestacionais são, por conseguinte, sobretudo, endereçados ao Estado, para quem surge, na maioria das vezes, deveres de prestações positivas, visando à melhoria das condições de vida e à promoção da igualdade material. Ao proporcionar condições fáticas para o efetivo exercício dos direitos fundamentais, os direitos sociais prestacionais asseguram que os indivíduos tenham iguais oportunidades de desenvolvimento pessoal e de participarem na vida política da sociedade.” GOTTI, Alessandra. Direitos Sociais. Fundamentos, regime jurídico, implementação e aferição de resultados. Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2012, pp. 40-41. 55 Regulamentada pela Lei 7.347/1985, a ação civil pública possibilita, dentre outros, a postulação de direitos correlatos ao interesse difuso como, por exemplo, reivindicação do direito à saúde pela Defensoria Pública e/ou Ministério Público. Ao apreciar o tema o Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido que a defensoria pública possui legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa de interesses difusos (RE 733.433/MG. Relatoria do Ministro Dias Toffoli. Data do Julgamento: 04/11/2015), bem como que “possui repercussão geral a controvérsia sobre a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública com objetivo de compelir entes federados a entregar medicamentos a pessoas necessitadas”. (RE 605533/MG. Relatoria do Ministro Marco Aurélio). 37 O ativismo judicial é um exercício de jurisdição pelo qual um membro do Poder Judiciário tem a prerrogativa constitucional de defender a juridicidade do ordenamento jurídico. Assim ele pode interferir diretamente na escolha ou execução de uma política pública determinando à Administração Pública a adoção de alguma medida para sanar a ineficiência de um serviço público que é contestado por alguma parte processualmente legitimada. Em virtude da relevância, o tema ativismo judicial, inclusive tem pautado discussões importantes na doutrina56 e recentemente, com a importação da teoria do estado de coisas inconstitucional do direito colombiano pelo Supremo Tribunal Federal, o cumprimento compulsório de uma política pública cujo planejamento foi previamente estabelecido e não está sendo cumprido decorrente de uma decisão judicial é plenamente cabível. O estado de coisas inconstitucional é uma corrente do pensamento jurídico que legitima a intervenção da função judiciária do Poder nas políticas públicas correlatas aos direitos fundamentais quando as mesmas não oferecem um mínimo de eficiência. Através de decisões estruturantes pelas quais o judiciário estabelece metas à Administração Pública, se objetiva assegurar a prestação de direitos fundamentais conforme é demandado pela sociedade57. Recentemente, informe-se, o Supremo Tribunal Federal, ao constatar a massiva e persistente violação de direitos fundamentais decorrente de falhas 56 Sobre o tema eis a pesquisa de Carlos Eduardo Dieder Reverbel: O Estado antes de ser de Direito é de política, de democracia. Neste sentido a melhor expressão para designar o Estado de Direito é Estado Democrático de Direito, e não Estado de Direito Democrático. É a democracia como fundamento (governo do povo), funcionamento (governo pelo povo) e finalidade (para o povo) que define o direito em nosso sistema jurídico. Assim, o juiz fica adstrito ao cumprimento da lei. Não esquecemos os velhos, mas sábios conselhos de Montesquieu de que o juiz é a bouche de la loi. O ativismo judicial centra-se neste ponto. O juiz transpassa o campo do direito e ingressa na seara da política. Assim “resolve” problemas políticos por critérios jurídicos Isto se dá dentre outras razões, pelo desprestígio da lei, ineficiência da política dificuldade da própria administração, malversação dos recursos públicos. REVERBEL, Carlos Eduardo Dieder. Ativismo Judicial e Estado de Direito. Revista Eletrônica de Direito da Universidade Federal de Santa Maria. V.4 n.1. 2009. 57 Ao pesquisar sobre o tema e pontuar sobre os critérios que devem nortear a decretação do estado de coisas inconstitucional anota Eduardo de Sousa Dantas que: “o foco da questão não é sobre a existência ou a delimitação de um direito fundamental, o debate público ou a aceitação popular acerca da existência desse direito, mas sim como concretizar ou garantir minimamente direitos básicos dos indivíduos já definidos pelos poderes democráticos diante de uma situação de prolongada inércia e omissão do poder público.” DANTAS, Eduardo Sousa. Ações estruturais, direitos fundamentais e o estado de coisa inconstitucional. Revista Constituição e Garantias de Direitos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. V.9 n.2. 2016. 38 estruturais e falência de políticas públicas no sistema penitenciário nacional, decretou aquela situação como um estado de coisa inconstitucional58. Desse modo, a depender do contexto no qual se insere determinada política pública, caso uma ação prevista no PPA não esteja sendo efetivamente cumprida, nada obsta ao judiciário, caso provocado, determinar a sua efetiva execução. Por seu turno, a LDO diz respeito às metas e prioridades em um período menor e, além disso, serve como referência para a elaboração da LOA, para alterações na legislação tributária e dispõe sobre a política de aplicação das agências financeiras de fomento59. Além disso, por determinação da LRF, a LDO deve regulamentar e orientar o planejamento da LOA tanto na perspectiva de previsão de arrecadação como também em soluções para períodos de recessão econômica e uma destas soluções é a limitação de empenho que objetiva contingenciar orçamento. A LDO, portanto, é outro marco estratégico por intermédio do qual a Administração Pública apresenta indicativos de como serão alocados os recursos públicos empregados na elaboração e execução de políticas públicas e para isso estabelece caminhos que devem ser seguidos quando a execução orçamentária estiver destoante, em termos deficitários, ao que foi previamente planejado na perspectiva de redução de gastos. 58 Para maiores informações se recomenda o estudo da ADPF 347, cuja ementa, em virtude da sua relevância, segue subscrita: CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS- ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caracterizado como “estado de coisa inconstitucional”. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS – CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigo 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão. Relatoria do Ministro Marco Aurélio. Data do Julgamento: 09/09/2015. Órgão Julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Data da Publicação: 19/02/2016. 59 Constituição Federal. Art. 165, §2º. 39 Como a LDO proporciona suporte para as ações estratégicas tanto de planejamento como de contingência no orçamento, a sua redação deve levar em consideração a conjuntura social e econômica60 e pensar o contrário é se omitir na responsabilidade constitucional de planejar as ações do Estado. Porquanto a sua natureza jurídica leva em consideração a conjuntura econômica, estabelece a LRF, que aquela Lei Orçamentária deve ter, dentre outros, 02 (dois) importantes instrumentos de planejamento: o anexo de metas e o anexo de riscos fiscais. O anexo de metas fiscais leva em consideração como a conjuntura econômica interfere na projeção da arrecadação de receitas. No anexo de metas fiscais deverão ser estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante de dívida pública61. Por seu turno, no anexo de riscos fiscais devem ser avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, como também ser informado sobre as providências que serão tomadas caso aqueles riscos efetivamente se concretizem62. O que se percebe é a preocupação do legislador com o planejamento. Tanto que se ao final de um bimestre do exercício financeiro o que for previsto no anexo de metas fiscais não for efetivamente cumprido, devem as funções dos Poderes e o Ministério Público promover, por ato próprio e nos montantes necessários, no prazo de trinta dias subsequentes, a limitação de empenho e respectiva movimentação financeira segundo critérios previamente estabelecidos na própria LDO63. Contudo, o que se tem visto recentemente em todo o país é que os estados-membros estão falhando em relação ao planejamento do devido processo orçamentário porquanto projetam uma receita e terminam por arrecadar outra menor. É o que tem se chamado de “frustração de receitas”. 60 Sobre LDO é válida a lição de Ricardo Lobo Torres, para quem “A lei de diretrizes é, em suma, um plano prévio, fundado em considerações econômicas e sociais, para a ulterior elaboração da proposta orçamentária do Executivo, do Legislativo (arts. 51, IV e 52, XIII), do Judiciário (art. 99, §1º) e do Ministério Público (art. 127, §3º).” TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na Constituição. Editora Renovar. 3ª edição. Rio de Janeiro/RJ: 2008, p. 86. 61 Vide art. 4º, §1º da LRF. 62 Art. 4º, § 3º da LRF. 63 Art. 9º da LRF. 40 É nítida a importância suplementar que a LDO tem em relação ao PPA. Se este estabelece metas macro em relação aos programas de duração continuada, aquela atribui resultados no âmbito micro, em médio prazo, dialogando diretamente com a atividade fiscal do Estado. A previsão da arrecadação a qual é competente a LDO possibilita que os agentes públicos, em conjunto com a iniciativa privada, monitorem como se comporta o ingresso das receitas públicas. Pelo menos deveria. O controle social que deve ser exercido pela sociedade civil organizada é balizado pela eficiência da arrecadação e pela forma como estão sendo realizados os gastos públicos. Contudo, o que se tem visto recentemente em todo o país é que os estados-membros estão falhando em relação ao planejamento do devido processo orçamentário porquanto projetam uma receita e terminam por arrecadar outra menor. É o que tem se chamado de “frustração de receitas”. O controle social deve ser entendido como a participação popular no monitoramento da execução orçamentária e fiscalização das políticas públicas na perspectiva de colaborar para a concretização do princípio da eficiência administrativa. Oportuno informar que é vedado ao controle social anular um ato administrativo conforme é possível no âmbito do controle judicial, por exemplo. Mas, nada impede que a participação popular em órgãos colegiados64 como o são, por exemplo, os conselhos, fomente a discussão técnica e até mesmo a transparência e probidade nos atos de gestão, sob pena de realização de denúncia às instâncias competentes que podem postular judicialmente a anulação de determinado ato administrativo. 64 Ana Carla Bliacheriene, Bruna de Cassia Teixeira e Davi Quintanilha Failde de Azevedo pesquisam que “O controle social externo também poderá se dar pelos Conselhos, que analisam o mérito das políticas públicas, bem como realizam fiscalização de caráter financeiro. Como exemplos, citam-se o Conselho de Alimentação Escolar o Conselho Municipal de Saúde e o Conselho do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e da Valorização aos Profissionais da Educação).” BLIACHERIENE, Ana Carla; Azevedo, Davi Quintanilha Failde de; Teixeira, Bruna de Cassia. Teoria do desenvolvimento e as perspectivas para um controle popular das contas públicas. Revista de Informação Legislativa, v. 52, n. 205 p. 107-126, jan. /mar. 2015. Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/509945/001032831.pdf?sequence=1 acesso em 20/11/2017. 41 A título de exemplificação, a União, ao final do exercício financeiro do ano de 2014, ao perceber que não conseguiria cumprir com a meta fiscal até então estabelecida, editou uma lei65 que alterou a LDO cuja validade estava para expirar. Para isso barganhou institucionalmente a aprovação daquele normativo por intermédio de um Decreto66 que condicionava a liberação de 10.032.697.201,00 (dez bilhões, trinta e dois milhões, seiscentos e noventa e sete mil, duzentos e um reais) à aprovação daquela própria mudança na LDO67. O que se percebe é que a Administração Pública não dá a devida importância ao planejamento orçamentário, o que resulta no entendimento que a propagada frustração de receita é decorrente da estimativa irreal de arrecadação. Isso reflete diretamente na despesa pública com pessoal porque a sua expansão requer autorização específica na LDO e ao projetar uma arrecadação de receitas irreal, o gestor público possui margem discricionária para conceder aumento de remuneração que não poderá ter o seu respectivo adimplemento em virtude da provável arrecadação destoante ao que fora previsto. Assim, com a então frustração de receita, resta a execução da despesa programada comprometida, tendo em vista que não há lastro financeiro suficiente para atender as respectivas projeções. A importância da LDO é estratégica para a despesa pública com pessoal. Tanto que a Constituição Federal estabelece que o aumento da mesma deve ter autorização específica na LDO. Além disso, estabelece também o texto constitucional que a expansão da despesa pública com pessoal deve ter prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes e aquela projeção deve ser feita na LOA. 65 Lei 13.053/2014, que altera a lei nº 12.919, de 24 de dezembro de 2013, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2014. 66 Decreto nº 8.367/2014. Amplia os limites constantes do Anexo I, altera o valor do inciso I do art. 8 o e os Anexos I, VII, VIII e X do Decreto n o 8.197, de 20 de fevereiro de 2014, que dispõe sobre a programação orçamentária e financeira e estabelece o cronograma mensal de desembolso do Poder Executivo para o exercício de 2014, e dá outras providências. 67 Vide arts. 1º e 2º daquele Decreto. 42 A LOA pode ser considerada como a mais concreta dentre as leis sobre orçamentos porque prevê a receita e fixa a despesa para o exercício financeiro a começar e é por intermédio dela que o Estado planeja e executa as suas ações de maneira finalística, pois é aquele diploma legal que contém o quantum financeiro a ser utilizado e estabelece o limite do gasto público68. A concretude da LOA é tão perceptível que até o texto constitucional dispõe que a mesma deve compreender o orçamento fiscal, o orçamento de investimento e o orçamento da seguridade social69. Daqueles orçamentos, os que englobam a despesa pública com pessoal é o orçamento fiscal e o orçamento da seguridade social. O orçamento fiscal diz respeito a todas as receitas e despesas da Administração Pública como um todo e muito embora exista a ideia de tripartição das funções do Poder em Executiva, Legislativa e Judiciária, quando da elaboração do orçamento público todos os recursos financeiros devem ser contemplados na LOA por intermédio do orçamento fiscal70. Isso inclusive é alçado a princípio que, no caso, é o princípio da unidade orçamentária71 o qual é previsto expressamente no caput do art. 2º72 da lei 4.320/196473. 68 Para JUCÁ “o Orçamento é disciplina jurídica concreta do exercício do poder financeiro do Estado, destinada a regrar a definição, destinação, aplicação e controle dos recursos financeiros que são os meios de ação de Estado e de Governo.“ JUCÁ, Francisco Pedro. Finanças Públicas e Democracia. Editora Atlas. São Paulo/SP: 2013, p. 63. 69 Art. 165, §5º. 70 Para José Ribamar Caldas Furtado “O orçamento fiscal abrange todas as receitas e despesas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público. Ou seja, o orçamento fiscal alcança toda a Administração Pùblica, exclusive o orçamento de investimento das empresas estatais e o orçamento da seguridade social (saúde, previdência e assistência social).” FURTADO, J.R. Caldas. Elementos de Direito Financeiro. Sistema Orçamentário, Despesa e Receita Pública, Crédito Público, Responsabilidade Fiscal e Controle da Execução Orçamentária. 2ª Edição. Editora Fórum. Belo Horizonte/MG: 2010, p. 115. 71 Conforme demonstra o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público de autoria da Secretaria do Tesouro Nacional o princípio da unidade determina a existência de orçamento único para cada um dos entes federados com o objetivo de se evitar variados orçamentos paralelos dentro da mesma pessoa política. O referido manual foi aprovado pelas seguintes portarias: a) portaria conjunta STN/SOF nº 01, de 10 de dezembro de 2014; e, b) portaria STN nº 700, de 10 de dezembro de 2014. 72 Art. 2º A Lei do Orçamento conterá a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Govêrno (sic), obedecidos os princípios de unidade universalidade anualidade. 73 Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e contrôle (sic) dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. 43 A título de esclarecimento do princípio da unidade orçamentária, o ordenamento jurídico vigente ensina que a independência orçamentária prevista constitucionalmente do Poder Judiciário74, Legislativo, Ministério Público75 e Defensoria Pública76 deve ser respeitada e para isso dispôs que mensalmente deve haver o repasse até o dia 2077, também conhecido como duodécimo. A função executiva do Poder, em que pese ser responsável pela consolidação da proposta da lei orçamentária deve obedecer, com fundamento na LDO, as propostas orçamentárias dos outros órgãos que possuem independência orçamentária. Quando se estuda orçamento público é necessário deixar clara a diferença entre previsão orçamentária e efetivação financeira. A previsão orçamentária diz respeito tão somente à rubrica; ao que se espera arrecadar, ao passo em que a efetivação financeira é o montante realmente arrecadado. Por vezes a receita arrecadada não comporta o orçamento previamente estabelecido, ocasião na qual, em virtude do princípio do equilíbrio orçamentário, deve a Administração Pública, no caso a função executiva do Poder, proceder a limitação de empenhos com o intuito de adequar o exercício financeiro ao cenário econômico que lastreia as receitas públicas78. Isso legitima inclusive a diminuição do repasse em relação aos duodécimos. Contudo, é necessária cautela para que a limitação de empenho e respectivo desembolso financeiro a ser feito pela função executiva do Poder 74 Art. 99. 75 Art. 127, §3º. 76 Art. 134,§2º. 77 Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhe-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165,§9º. 78 Sobre limitação de empenhos ensina DALAVERDE que “Também conhecido por limitação de empenho, constitui o contingenciamento mecanismo de flexibilidade orçamentária que permite ao Poder Executivo deixar de realizar certas despesas e virtude da ausência de recursos voltados à sua consecução, decorrente essencialmente da arrecadação de receitas em montante inferior àquele inicialmente previsto na lei orçamentária anual. Não apenas a arrecadação de receitas a menor, mas também outros fatores podem levar à necessidade de alteração da programação orçamentária, tais como problemas econômicos, erros de planejamento, ausência de uma disponibilidade financeira que não se confirmou, constatação de que determinada despesa prevista no orçamento não atendia ao princípio da economicidade e até mesmo a mudança de prioridades, desde que também inseridas no plano de governo.” DALAVERDE, Alexsandra Katia. As relações entre os poderes na gestão das finanças públicas. Editora Nuris Fabris. Porto Alegre/RS: 2013, pp. 135/136. 44 não afete o custeio da máquina pública em relação à despesa pública com pessoal. Em casos de limitação de empenho, portanto, devem as funções dos poderes e as instituições financeiramente autônomas (Ministério Público e Defensoria Pública) se adequarem a nova realidade verificando onde a despesa com o seu custeio pode e deve ser contingenciada. Aquele contingenciamento, conforme acima delimitado, possui como parâmetros critérios previamente estabelecidos pela LDO e é exatamente disso que o gestor público deve ter controle sobre o que é disposto nas leis orçamentárias, tendo em vista que as mesmas funcionam como a chave do cofre. Assim, o planejamento estratégico pelo qual devem ser pensadas as leis orçamentárias contribui para a preservação do interesse coletivo que, no caso deste estudo, é o adimplemento regular da remuneração com pessoal. A matriz normativa que pela qual se moldura a despesa pública com pessoal, portanto, se fundamenta por intermédio de ferramentas estruturantes as quais o gestor público não pode e nem deve abdicar e a harmonia entre as leis orçamentárias. A opção do legislador em vincular a expansão da política remuneratória à obediência às leis orçamentárias proporciona, através do que foi acima argumentado, que o gestor público envie o respectivo projeto de lei para o legislativo tão somente quando tiver uma percepção ampla do quanto aquela sua decisão impactará as contas públicas. Deve o mesmo ter prudência, tendo em vista que uma vez instituído o aumento remuneratório, com base na estrutura jurídica que baliza o direito administrativo, com ênfase para o princípio da legalidade administrativa e o da irredutibilidade dos vencimentos, não pode o mesmo verificar que a receita não comporta o pagamento da despesa com pessoal e simplesmente revogar uma lei que trate sobre a matéria. 45 2.2- A legislação de regência: a premissa filosófica da Lei de Responsabilidade Fiscal em relação à matéria A estrutura da norma jurídica leva em consideração, além dos aspectos previamente moldurados pelo Texto Constitucional, fatores históricos que balizam os anseios da sociedade que no exercício do Poder que lhe é intrínseco, por intermédio da democracia representativa, pressionam os parlamentares responsáveis pelo exercício da competência legislativa a editarem atos normativos aptos a estabelecerem ordem e harmonia nas relações sociais. O pluralismo jurídico79, representado pelo sistema constitucional das mais variadas normas jurídicas que controlam o comportamento da sociedade, deve ter unidade e coerência e se houver uma situação na qual o mesmo não oferte uma solução ao julgador do caso concreto, o próprio ordenamento jurídico vigente oferece uma alternativa que deve ser obedecida: analogia, costumes e os princípios gerais do direito80. Quis o legislador infraconstitucional que o núcleo jurídico que regulamenta a despesa pública com pessoal determinasse um sistema de planejamento estratégico apto a proteger o Erário, e, ao longo da vigência da 79 Neste trabalho pluralismo jurídico deve ser entendido exclusivamente como regras normativas oriundas do direito positivado emanadas exclusivamente pelo Estado e não sistema paralelo de controle de condutas sociais alicerçado em uma teoria institucionalista. Sobre o pluralismo jurídico fora do direito positivo estude-se o que escreve Norberto Bobbio: “É preciso reconhecer o mérito da teoria institucionalista de ter alargado os horizontes da experiência jurídica para além das fronteiras do Estado. Fazendo do direito um fenômeno social e considerando o fenômeno da organização como critério fundamental para distinguir uma sociedade jurídica de uma sociedade não jurídica, esta teoria rompeu com o círculo fechado da teoria estatalista do direito, que considera direito apenas o direito estatal e identifica o âmbito do direito com o do Estado. Embora possa escandalizar um pouco o jurista que, limitando as suas próprias observações e estudo ao ordenamento jurídico estatal, é induzido a julgar que não haja outro direito senão aquele do Estado, para a teoria institucionalista, até uma associação de delinquentes, desde que seja organizada com a finalidade de manter a ordem entre os seus membros, é um ordenamento jurídico. Além disso, não existiram, historicamente, Estados que pudessem ser comparados com associações de delinquentes, devido à violência e à fraude com que se conduziram frente aos seus cidadãos e àqueles de outros Estados? Não chamava Santo Agostinho dos Estados de magna latrocinia? E eram talvez por isso menos Estados, isto é, menos ordenamentos jurídicos do que aqueles Estados que porventura se fizeram conduzir segundo a justiça?” BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 3ª edição. Editora Edipro. Bauru/SP: 2005, pp. 30/31. 80 Eis a redação do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942): “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” 46 atual ordem jurídica, sempre se preocupou em estabelecer mecanismos de controle. A atual ordem jurídica da despesa pública com pessoal concretizada pela LRF é resultante de um amadurecimento da gestão que possui como principal vetor a obediência ao princípio constitucional da eficiência administrativa. Em virtude da sua importância, é necessário se analisar o contexto e a respectiva evolução normativa da expansão e do controle da política remuneratória. 2.2.1 – A evolução da legislação em relação ao estabelecimento de controles: O ato das disposições constitucionais transitórias, a lei camata I e a lei camata II. A preocupação do legislador constituinte em relação à despesa pública com pessoal é tão relevante que desde a época da promulgação da Constituição Federal a legislação correlata à matéria apresenta, paulatinamente, controles cada vez mais técnicos que obrigam o gestor público a elaborar um planejamento estratégico que albergue a execução deste tipo de política pública. Em que pese ser o atual diploma normativo que serve de parâmetro quando o assunto é despesa pública com pessoal, a LRF não é inovação em termos de planejamento e controle e sim resultado de um amadurecimento do legislador na persecução por uma gestão proba e que realmente maximize a utilização dos recursos públicos conforme determina o princípio constitucional da eficiência administrativa. O histórico da legislação na atual ordem jurídica vigente em relação ao controle da despesa pública com pessoal possui como marco o art. 3881 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que indexou a despesa pública dos entes federados ao patamar de 65% (sessenta e cinco por cento) das respectivas receitas correntes. 81 Art. 38. Até a promulgação da lei complementar referida no art. 169, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão despender com pessoal mais do que sessenta e cinco por cento do valor das respectivas receitas correntes. 47 Oportuno informar que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias possui eficácia normativa plena com valor constitucional82 e muito embora à época da promulgação da Constituição o legislador tenha deixado a mercê de lei complementar nacional estabelecer os limites em relação à matéria, ele próprio determinou um limite global. Logo após a constituinte, para ser específico em 13/03/198983, a então Deputada Federal Rita Camata (PMDB/ES), apresentou um projeto de lei que objetivava disciplinar os limites das despesas com o funcionalismo público conforme determinava o art. 169 da Constituição Federal. Em que pese a importância da matéria para a eficiência da administração pública, aquele projeto de lei só foi realmente transformado em um normativo em 1995, quando da promulgação da Lei Complementar nº 82/199584, também conhecida como Lei Camata. Legislação com apenas 03 arts., a Lei Camata inovou a ordem jurídica ao diminuir a indexação da receita corrente em relação à despesa pública com pessoal. Do limite de 65% das respectivas receitas correntes dos entes federados estabelecido até então pelo art. 38 do ADCT, a Lei Camata reduziu em 5%. Além disso, trouxe outra inovação que já apontava a preocupação com o comprometimento do orçamento público para o custeio da folha de pessoal: o conceito de receita corrente líquida. 82 Sobre a aplicabilidade do ADCT o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se pronunciar sobre a sua eficácia imediata sob a seguinte dicção: “Os postulados que informam a teoria do ordenamento jurídico e que lhe dão o necessário substrato doutrinário assentam-se na premissa fundamental de que o sistema de direito positivo, além de caracterizar uma unidade institucional, constitui um complexo de normas que devem manter entre si um vínculo de essencial coerência. O Ato das Disposições Transitórias, promulgado em 1988 pelo legislador constituinte, qualifica-se, juridicamente, como um estudo de índole constitucional. A estrutura normativa que nele se acha consubstanciada ostenta, em consequência, a rigidez peculiar às regras inscritas no texto básico da Lei Fundamental da República. Disso decorre o reconhecimento de que inexistem, entre as normas inscritas no ADCT e os preceitos constantes da Carta Política, quaisquer desníveis ou desigualdades quanto à intensidade de sua eficácia ou à prevalência de sua autoridade. Situam-se, ambos, no mais elevado grau de positividade jurídica, impondo-se, no plano do ordenamento estatal, enquanto categorias normativas subordinantes, à observância compulsória de todos, especialmente dos órgãos que integram o aparelho de Estado.” RE 160.486. Relatoria do Ministro Celso de Mello. Órgão Julgador: Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Data do Julgamento: 11/10/1994.Data da Publicação: DJe de 09/06/1995. 83 http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=233581 84 Disciplina os limites das despesas com o funcionalismo público, na forma do art. 169 da Constituição Federal (Lei Camata) 48 Quando da promulgação da Constituição Federal, quis o legislador constituinte originário indexar a despesa pública com pessoal a 65% (sessenta e cinto por cento) das respectivas receitas correntes dos estados-membros e quando se estuda direito financeiro, receita corrente possui como parâmetro a soma das “receitas tributária, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificadas em despesas correntes 85 “. A partir de 1995, a intenção do legislador era manter um controle mais estratégico em relação ao crescimento da despesa pública com pessoal ao indexar aquele tipo de gasto público a então recém-criada receita corrente líquida. Receita corrente líquida passou a ser, no âmbito da União, total da receita corrente, deduzidos os valores correspondentes às transferências por participações, constitucionais e legais, dos Estados, Distrito Federal e Municípios na arrecadação de tributos de competência da União, bem como as receitas de que trata o art. 239 da Constituição Federal, e, ainda, os valores correspondentes às despesas com o pagamento de benefícios no âmbito do Regime Geral da Previdência Social 86 ” No que diz respeito aos Estados, a delimitação de receita corrente líquida foi instituída como “os totais das respectivas receitas correntes, deduzidos os valores das transferências por participações, constitucionais e legais, dos Municípios na arrecadação de tributos de competência dos Estados 87 . O que se percebe é que ao instituir o conceito de receita corrente líquida no ordenamento jurídico brasileiro, a intenção do legislador foi estabelecer de maneira mais incisiva um crescimento sustentável da folha de pagamento, porquanto a União e os Estados só poderiam despender com remuneração os recursos que realmente lhe estavam disponíveis. O parâmetro então estabelecido visava resguardar o crescimento sustentável da remuneração e corrigiu um equívoco do legislador constituinte originário: a possibilidade de se utilizar contabilmente de um recurso para fins de planejamento da expansão da despesa com pessoal que não era efetivamente disponível aos cofres da União e dos Estados em virtude de obrigações concernentes às transferências constitucionais. 85 Art. 11, §1º da Lei 4.320/1964 86 Art. 1º, inciso I. 87 Art. 1º, inciso II. 49 Isso porque, conforme determina o sistema constitucional tributário nacional em relação aos Estados88, por exemplo, algumas receitas que o mesmo arrecada devem ser compartilhadas com os Municípios como são o caso de 50% (cinquenta por cento) do produto da arrecadação do imposto sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seu território. Além disso, também por determinação constitucional, 25% (vinte e cinco por cento) do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação também deve ser repassado para os Municípios. Pela então regra do ADCT, mesmo repassando aqueles valores aos Municípios, os mesmos eram contabilizados para fins de comprometimento da despesa pública com pessoal o que, tendo em vista que não era efetivamente arrecadado, impactava negativamente quando da busca pela receita para adimplir a folha de pagamento. Com o advento da Lei Camata a regra mudou, o que possibilitou à Administração Pública um planejamento mais real em termos de arrecadação e respectiva administração do Erário em relação à despesa pública com pessoal, porquanto a margem de comprometimento da receita para fins de indexação da despesa com pessoal, no caso receita corrente líquida, já despontava com os devidos abatimentos constitucionais. Outra inovação trazida pela Lei Camata em termos de planejamento e controle foi a determinação compulsória de obediência aos limites por ela estabelecidos através da determinação do prazo máximo de 03 (três) exercícios financeiros com o abatimento, no mínimo, de um terço do excedente por exercício89. Aqueles limites, vale a pena frisar, equivaliam a 60% (sessenta) por cento das receitas correntes líquidas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A Lei Camata, com base no princípio administrativo da publicidade, que possui como divisão a transparência na gestão fiscal90, também determinou 88 Art. 157, incisos III e IV da CF. 89 Art. 1º, §1º. 90 No entendimento de Fabrício Motta “O princípio da publicidade administrativa caracteriza-se também como direito fundamental do cidadão, indissociável do princípio democrático, possuindo um substrato positivo – o dever estatal de promover amplo e livre acesso à 50 que os entes federados publicassem a cada mês demonstrativo da execução orçamentária indicando os respectivos comprometimentos da despesa com pessoal em relação às respectivas receitas correntes líquidas. Além disso, também outorgou responsabilidade para que fossem divulgados periodicamente os respectivos limites totais das despesas com pessoal91. O devido monitoramento do custeio da remuneração com pessoal pode possibilitar aos órgãos de controle e à sociedade civil organizada, pelo menos em tese, uma participação mais efetiva na proteção ao Erário. Mas a Lei Camata não se limitou a estabelecer novos mecanismos de planejamento e transparência. Ela foi além e também se preocupou em estabelecer um controle indireto em relação ao crescimento da despesa pública com pessoal, pois proibiu, caso os limites instituídos por ela fossem descumpridos, a concessão de quaisquer revisões, reajustes ou adequações de remuneração que implicassem aumento de despesas92. Assim, caso o ente político estivesse fora dos limites estabelecidos pela Lei Camata, o exercício do direito subjetivo assegurado pela Constituição Federal em relação ao reajuste anual estaria sobrestado até que fossem promovidos os devidos ajustes. Ocorre que o Estado brasileiro no ano de 1998 percebeu que a gestão pública precisava se adequar às novas demandas da sociedade e para isso foi editada uma ampla reforma administrativa com o intuito de modernizar o modelo até então vigente, cuja amplitude foi tão relevante que precisou da edição de uma emenda constitucional que alterou a matriz constitucional que moldurava até então o comportamento da Administração Pública. Em termos de despesa pública com pessoal a Emenda Constitucional nº 19/199893 proporcionou uma reformulação estruturante em termos de informação como condição necessária ao conhecimento, à participação e ao controle da Administração – e outro negativo – salvo no que afete à segurança da sociedade e do Estado e o direito à intimidade, as ações administrativas não podem desenvolver-se em segredo.” MOTTA, Fabrício. Notas sobre publicidade e transparência na Lei de Responsabilidade Fiscal no Brasil. Revista de Direito Administrativo & Constitucional. Belo Horizonte/MG, ano 7, n. 30, p. 91-108, out./dez.2007. 91 Art. 1º, §2º. 92 Art. 1º, §3º 93 Em que pese promulgada em 1998, a Emenda 19 foi proposta em 1995, pelo Projeto de Emenda à Constituição nº 173/1995, o qual objetivava provocar a discussão, desde àquela época, sobre a qualidade do gasto público e a eficiência dos serviços públicos prestados pelo 51 planejamento e controle ao instituir, por exemplo, o princípio da legalidade específica em termos de política remuneratória, um novo parâmetro para o teto remuneratório, a vedação à vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias e até mesmo o instituto jurídico do subsídio94. Outro trecho constitucional que sofreu alteração significativa pela Emenda Constitucional nº 19/1998 foi o recorte correlato ao controle do aumento da despesa pública com pessoal, delimitado no art. 169 da Lei Maior. Quis o legislador constituinte derivado estabelecer que o aumento de remuneração fosse planejado de maneira estratégica e para isso determinou o diálogo permanente entre as leis orçamentárias, tendo em vista o seu caráter estratégico no âmbito do planejamento estatal. Ocorre que a sua preocupação não se restringiu tão somente em termos de planejamento. Com a Emenda Constitucional nº 19/1998 o legislador demonstrou uma preocupação mais ampla, em virtude da relevância da matéria. Devidamente pautada a obrigação constitucional de realização de estudo prévio com as respectivas projeções do custeio em relação à expansão de remuneração, contratação de pessoal e até mesmo criação de cargo público, foi determinado outro comportamento; este compulsório. É o ato vinculado que deve ter o gestor público diante da eventual situação de descontrole das finanças públicas com pagamento de pessoal. Para garantir a sustentabilidade do pagamento da remuneração com pessoal no âmbito da Administração Pública o legislador constituinte derivado autorizou a exoneração compulsória de servidores investidos em cargos em comissão e até mesmo, por incrível que pareça, também em cargos de provimento efetivo; inclusive com estabilidade já adquirida95. A estabilidade no cargo público depois da aprovação no estágio probatório é uma garantia que o servidor público possui de que, pelo menos expressamente, só seja destituído do cargo em virtude de 03 (três) hipóteses: Estado. Para maiores informações sobre a sua exposição de motivos recomenda-se o acesso ao seguinte endereço eletrônico: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/1998/emendaconstitucional-19-4-junho-1998- 372816-exposicaodemotivos-148914-pl.html acesso em 16/08/2017. 94 A Reforma do Estado alterou significativamente os arts. 37 a 39 da Constituição Federal, os quais se recomenda o estudo. 95 Constituição Federal. Art. 169, §§3º e 4º. 52 a) em virtude de sentença judicial transitada em julgado; b) mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; e, c) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa96. A possibilidade da perda de estabilidade, portanto, transpassa a prescrição constitucional do art. 41 e é regulamentada pela matriz normativa que dispõe sobre a obrigatoriedade de controle em relação à despesa pública com pessoal. Assim, a partir da Emenda Constitucional nº 19/1998, caso a arrecadação de receitas não suporte o custeio da política remuneratória, um dos cortes a serem feitos é o desligamento de servidores, mas não de qualquer maneira. O legislador estabeleceu um critério seletivo: o primeiro foco tem que ser nos servidores investidos em cargo em comissão e funções de confiança. Depois, os servidores não estáveis. A partir disso, caso o comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa pública com pessoal não obedeça aos patamares exigidos pela legislação, os servidores estáveis também devem ser desligados. Em que pese a Constituição Federal não determinar critérios objetivos de escolhas como, por exemplo, quais os servidores estáveis devem ser desligados em caso de descontrole das finanças com pessoal, outorgou competência às funções dos Poderes especificarem, em ato normativo devidamente motivado, qual deve ser “a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal97”. Além disso, delegou ao legislador infraconstitucional a competência para editar um ato normativo que disponha sobre normas gerais a serem obedecidas em caso de eventual desligamento de servidores estáveis e atualmente a lei que rege a matéria é a Lei Nacional nº 9.801/199998. Ao verificar o novo contexto constitucional da despesa pública com pessoal que enfatizou planejamento e controle, o legislador ordinário 96 Art. 41, §1º. 97 Art. 169, §4º 98 Dispõe sobre as normas gerais para perda de cargo público por excesso de despesa e dá outras providências. 53 reformulou a Lei Camata, editando a Lei Complementar nº 96/199999, também conhecida como Lei Camata II. De autoria da função executiva do Poder Federal aquela lei possuía como objetivo estabelecer mais controles do que o normativo anterior e ciente do regime jurídico administrativo que regulamenta a despesa pública com pessoal na perspectiva de garantia de direitos como, por exemplo, a irredutibilidade de vencimentos, a preocupação do legislador à época, em consonância com a Emenda 19 (Reforma do Estado), era de estabelecer critérios mais técnicos e específicos de controle, in verbis: A rigidez tradicional das despesas de pessoal combinada com a inexistência de dispositivos legais que possibilitem a sua redução tem sido um dos principais óbices para que o setor público brasileiro contribua, de maneira eficaz, para o processo de ajustamento macroeconômico tão necessário à economia brasileira como um todo. A recente aprovação da Emenda Constitucional nº 19, que trata da Reforma Administrativa, pendente de regulamentação, tornou possível a adoção de medidas fortes, mas necessárias ao atingimento dos limites que venham a ser estabelecidos, dentre as quais a exoneração de servidores. Dessa forma, o texto ora proposto, ao esclarecer conceitos e cobrir lacunas no controle da política de pessoal, torna factível a utilização dos limites estabelecidos como instrumento de controle efetivo de recursos direcionados a tal categoria de gasto 100 . Segundo o relator daquele projeto de lei, a intenção do legislador era promover atualizações na legislação correlata à despesa pública com pessoal em virtude do cumprimento do então princípio da eficiência administrativa e ao estudar a matéria o relator apontou a seguinte proposta de inovação: As inovações principais do texto proposto são: - altera os limites das despesas totais de pessoal para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. No caso da União, o limite é reduzido de sessenta por cento para cinquenta por cento, em relação ao estabelecido na Lei Complementar nº 82/95; para as demais unidades da Federação, propõe-se a manutenção do limite em sessenta por cento das respectivas receitas correntes líquidas (art. 1º). - define conceitos fundamentais para a aplicação da regra de limitação dos gastos com pessoal e encargos sociais de todos 99 Disciplina os limites das despesas com pessoal, na forma do art. 169 da Constituição. 100 Para ter acesso ao processo legislativo que ensejou a Lei Complementar nº 96/1999 se recomenda o acesso ao seguinte link, disponibilizado pela Câmara dos Deputados: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1232873&filename=D ossie+-PLP+249/1998 acesso em 18/08/2017. 54 os entes federados, tanto no que se refere ao detalhamento conceitual da despesa quanto à descrição pormenorizada da apuração da base financeira sobre a qual se calcula o limite de gasto (art. 2º). - em consonância com o §1º do art. 169 da CF, estabelece sanções para o caso de eventual cumprimento dos limites fixados no art. 1º (art. 3º). - altera critério da Lei Complementar nº 82/95, relativo ao cronograma de ajuste das despesas que estiverem acima dos limites fixados. Ao invés do prazo de três exercícios financeiros, à razão de um terço do excedente por exercício, fixa novos prazos de enquadramento, devendo o excesso ser reduzido à razão de dois terços no primeiro exercício subsequente à vigência da lei e o restante do exercício seguinte (art. 4º). - com base no §2º do art. 169 da CF, define sanções financeiras para o caso de inobservância das providências relativas à redução de excesso de despesa da espécie, conforme previsto no art. 4º, enquanto durar o descumprimento (art. 5º). - em conformidade com o §3º do art. 169 da CF, estabelece as medidas que deverão ser adotadas para o atendimento aos limites fixados para despesas com pessoal, estruturadas em passos sequenciais que se iniciarão pela redução, em pelo menos vinte por cento, das despesas com cargos em comissão e funções de confiança e, caso isso se mostre insuficiente para a adequação ao limite, a exoneração dos servidores não estáveis e, por fim, a exoneração de servidores estáveis (art. 6º). - consagra o principio da solidariedade entre os poderes públicos no cumprimento dos limites fixados no art. 1º (art. 9º). Instituído um novo parâmetro de Administração Pública a partir da Emenda Constitucional nº 19/1998, quis o legislador, conforme determinava a Constituição Federal, atualizar a legislação de regência correlata à despesa pública com pessoal para adequá-la ao novo contexto constitucional e para isso estabeleceu uma nova matriz normativa, a partir da Lei Camata II, que regulamentava a matéria com índices contábeis aptos a mensurarem a sustentabilidade do crescimento sustentável da política remuneratória de maneira mais estratégica. 2.2.2 – O atual parâmetro normativo: a lei de responsabilidade fiscal. No âmbito do direito administrativo o controle da administração pública pode ser no campo do controle interno, controle legislativo e controle 55 judiciário101. O controle em relação à despesa pública com pessoal, a depender do comportamento da gestão pública, pode se situar em qualquer uma daqueles mecanismos de monitoramento da qualidade do gasto público. Isso porque a administração pública deve, por intermédio de um estudo contábil do crescimento da sua receita observar como ele se comporta em relação à despesa pública com pessoal. É o controle interno ou controle administrativo. Caso aquela relação não seja analisada e eventualmente a função executiva do Poder envie um projeto de lei que verse sobre o aumento remuneratório, deve a legislativa, desde que baseada com critérios técnicos baseados em dados da execução e até mesmo projeção orçamentária obstar qualquer tendência de aumento do gasto com pessoal sem o devido lastro de sustentabilidade. É o controle legislativo. Já o controle judicial em relação à despesa pública com pessoal, em virtude da inércia da função judiciária do Poder, deve ser realizado mediante provocação de uma parte interessada que pode ser, desde um cidadão através de uma ação popular, por exemplo, ou o próprio ministério público. Um ano depois de publicada a Lei Camata II, o legislador verificou que o marco constitucional que moldurou a qualidade do gasto com pessoal no âmbito da Administração Pública não era exatamente o adequado aos anseios da sociedade e então modernizou, novamente, a legislação que rege a despesa pública com pessoal. Desta vez através da LRF. A LRF manteve o conceito de receita corrente líquida constante na Lei Camata II, mas trouxe inúmeras inovações que fortalecem o planejamento do gasto público com pessoal, pois determina que toda despesa deve ter o seu respectivo impacto orçamentário e financeiro previamente estudado, o que guarda harmonia com a determinação constitucional de que o gestor público deve proceder a um estudo prévio antes de qualquer expansão da despesa com pessoal. Este tipo de controle, em conjunto com o estudo em relação à verificação contábil do comprometimento da receita corrente líquida em relação 101 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Editora Forense. 30ª edição. São Paulo/SP: 2017. 56 à despesa com pessoal, representa o alicerce do planejamento em termos de política remuneratória. Só a partir da realização deste tipo de estudo é que o gestor, observando as prioridades estabelecidas nas Leis Orçamentárias, vai exercer o seu juízo de ponderação em relação à oportunidade e a conveniência da edição de um ato normativo que altere a estrutura remuneratória. Ao tornar mais rígido o crescimento da despesa com pessoal, o que é benéfico à Administração do Erário porque evita ações isoladas e sem o devido lastro orçamentário e financeiro para o respectivo pagamento, o legislador induz a Administração Pública a adimplir o pagamento da folha em dia. No que diz respeito à despesa pública com pessoal, a LRF fragmentou os limites até então vigentes e proporcionou que cada função de Poder, bem como o Ministério Público tivesse um planejamento próprio. Até aquela época o que se viam eram os limites máximos por entes federados e a partir de então os limites, no âmbito dos Estados, objeto desta pesquisa, ficaram assim delimitados: Função do Poder Executiva Legislativa (incluído Tribunal de Contas) Judiciária Ministério Público Comprometimento da Receita Corrente Líquida 49% 3% 6% 2% Além de inovar em relação àquela subdivisão, a LRF estabeleceu um parâmetro no que diz respeito ao conceito da despesa pública com pessoal por intermédio do seu art. 18: Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer 57 natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência. É importante observar que o legislador indexou como parâmetro, através da LRF, o gasto com pessoal aquele correlato aos “ativos, inativos e pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos civis, militares e de membros de poder.” Assim, não quis englobar o pagamento de verbas indenizatórias naquele conceito. Outro fator objeto deste estudo que merece destaque na LRF é a instituição da obrigatoriedade de divulgação do Relatório de Gestão Fiscal102 (RGF), por intermédio dos quais é possível monitorar como se comporta o comprometimento da despesa pública com pessoal em relação à receita corrente líquida. O RGF deve ser divulgado ao final de cada quadrimestre e, dentre outros indicadores contábeis, deve publicar a despesa total com pessoal, com a respectiva distinção entre inativos e pensionistas. Instrumento legal instituído por força do princípio da publicidade, o relatório de gestão fiscal é um indicativo da sustentabilidade fiscal do ente federado em relação à despesa pública com pessoal e é através dele que se verificam os comprometimentos orçamentários e financeiros da Administração Pública. A divulgação periódica dos indicativos contábeis possibilita o exercício do controle externo a ser exercido pelo Ministério Público, pelos Tribunais de Contas, como também pela Sociedade, através do controle social, no sentido de cobrar uma gestão proba e eficiente conforme determina a legislação pátria. A transparência na gestão fiscal é uma efetivação do próprio Estado Democrático de Direito, porquanto convida a população a participar da gestão pública por intermédio da divulgação dos dados correlatos à execução 102 O Relatório de Gestão Fiscal deve, por força do art. 54 da LRF, ser divulgado ao final de cada quadrimestre: “Art. 54. Ao final de cada quadrimestre será emitido pelos titulares dos Poderes e órgãos referidos no art. 20 Relatório de Gestão Fiscal, assinado pelo: I – Chefe do Poder Executivo; II – Presidente e demais membros da Mesa Diretora ou órgão decisório equivalente, conforme regimentos internos dos órgãos do Poder Legislativo; III – Presidente de Tribunal e demais membros de Conselho de Administração ou órgão decisório equivalente, conforme regimentos internos dos órgãos do Poder Judiciário; IV – Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados. Parágrafo único. O relatório também será assinado pelas autoridades responsáveis pela administração financeira e pelo controle interno, bem como por outras definidas por ato próprio de cada Poder ou órgão referido no art. 20. 58 orçamentária e esta possibilidade colabora com a construção do interesse público. O interesse público, vale a pena frisar, não diz respeito tão somente aos agentes públicos envolvidos na expansão da política remuneratória quer seja na qualidade de gestor público, quer seja na qualidade de servidor beneficiado. O interesse público engloba os anseios de toda a população, inclusive a sociedade civil organizada. A construção do conceito de interesse público deve levar em consideração a Constituição enquanto documento jurídico e democrático. Isso porque a mesma possui a marca da participação popular na vida política do país, tanto na via da democracia participativa, como também no formato da democracia participativa103. Isso porque a despesa pública com pessoal interfere em toda a estrutura da economia, tendo em vista que o serviço público é responsável por uma boa parcela de empregabilidade da população. Assim, o eventual atraso no pagamento da folha de pessoal de qualquer ente federado afeta diretamente toda a cadeia produtiva. 2.3 – Sistema de freios e contrapesos e os mecanismos de controle: termo de alerta, limites prudencial, legal e as vedações de recebimento de recursos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e a exoneração compulsória determinada pela Constituição Federal Sensível à relevância sobre o tema e balizado pela força normativa da Constituição Federal no sentido de estabelecer freios que evitem o descontrole em relação à despesa pública com pessoal, a LRF estabeleceu limites os quais 103 Esta é a ideia de Mariana de Siqueira sobre o conceito de interesse público, para quem “O conceito atual de interesse público não pode desconsiderar tais elementos, deve equilibrar interesses públicos e privados, intervenções e abstrações estatais, respeitar o conteúdo constitucional e a normativa infraconstitucional que o aborda especificamente. A complexidade na construção do conceito do interesse público, a dificuldade em atingir dentro dessa definição o equilíbrio de elementos aparentemente opostos, faz com que a ideia do interesse público seja, nos dizeres de José Eduardo Faria, verdadeiro dilema normativo de transição democrática.” SIQUEIRA, Mariana de. Interesse Público no direito administrativo brasileiro: da construção da moldura à composição da pintura. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro/RJ: 2016, p. 59. 59 servem de auxílio para o gestor público para evitar medidas drásticas de controle como são, por exemplo, as exonerações compulsórias104. O primeiro deles é de responsabilidade dos Tribunais de Contas, órgãos auxiliares das respectivas funções Legislativas do Poder no exercício do controle externo da Administração Pública, que são os termos de alerta. Delimitados por intermédio do art. 59, §1º, inciso II105 da LRF, os termos de alerta são de fundamental importância no monitoramento da expansão da despesa pública com pessoal, pois funcionam como indicadores de que a arrecadação de receita desconforme o previsto e indica uma dificuldade em relação ao custeio com da folha de pagamento. O parâmetro para a emissão do termo de alerta é 90% (noventa por cento) do limite a que pode chegar a despesa com pessoal em relação à Administração Pública em sentido estrito, o que no caso da função Executiva do Poder Estadual, cujo limite máximo de comprometimento da despesa com pessoal é 49% (quarenta e nove por cento) da receita corrente líquida, representa um comprometimento de 44,10%. O termo de alerta não traz qualquer obrigatoriedade para a gestão pública e serve apenas como uma recomendação para que gestor, ou potencialize a arrecadação de receita, ou haja com prudência em relação ao custeio de pessoal. Quando atingido o cumprimento concernente ao termo de alerta, é recomendável que se faça uma auditoria sobre as concessões de gratificação, por exemplo, tendo em vista que são vantagens consideradas transitórias que entram no cômputo da despesa com pessoal, mas que não se enquadram na inteligência do princípio da irredutibilidade de vencimentos por terem natureza jurídica precária106 e podem por isso serem suprimidas. 104 Constituição Federal. Art. 169, §3º e 4º 105 Art. 59. O Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público, fiscalizarão o cumprimento das normas desta Lei Complementar, com ênfase no que se refere a: [...] §1º Os Tribunais de Contas alertarão os Poderes ou órgãos no art. 20 quando constatarem: II – que o montante da despesa total com pessoal ultrapassou 90% (noventa por cento) do limite. 106 Ao estudar o tema remuneração no serviço público Hely Lopes Meirelles anota que “As gratificações são concedidas em razão das condições excepcionais em que está sendo prestado um serviço comum (propter laborem) ou em face de situações individuais do servidor (propter personam), diversamente dos adicionais, que são atribuídos em face do tempo de serviço (ex facto officii). Não há confundir, portanto, gratificação com adicional, pois são vantagens pecuniárias distintas, com finalidades diversas, concedidas por motivos diferentes. A 60 O termo de alerta, repise-se, funciona como uma advertência pedagógica no sentido de que a receita corrente líquida pode não ser suficiente para custear a folha de pagamento conforme outrora se pensara. É diferente, pois, do atingimento do limite prudencial, que é o patamar que gravita em torno de 46,55% e 49% do comprometimento da receita corrente líquida em relação ao custeio de pessoal. Em que pese a LRF não trazer este raciocínio, se apreende isso da conjugação concomitante entre o art. 22, parágrafo único e o art. 20, inciso II, alínea “b” daquele dispositivo legal. O art. 20, inciso II, alínea “b” estabelece como limite máximo de comprometimento da despesa com pessoal em relação à receita corrente líquida 49% (quarenta e nove por cento). Por outro lado, o art. 22, parágrafo único, determina, compulsoriamente, algumas vedações quando a função executiva do Poder Estadual atingir 95% (noventa e cinco por cento), litteris: Art. 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizado ao final de cada quadrimestre. Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limites, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso: I – concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição; II – criação de cargo, emprego ou função; III – alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; IV – provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança; V – contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do §6º do art. 57 da Constituição e as situações previstas na Lei de diretrizes orçamentárias. Conforme se vê, as vedações impostas quando do atingimento do limite prudencial possuem critérios objetivos e são balizadas por indicadores gratificação é retribuição de um serviço comum prestado em condições especiais; o adicional é a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns. Daí por que a gratificação é, por índole, vantagem transitória e contigente e o adicional é, por natureza, permanente e perene.” MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª edição. Malheiros Editores. São Paulo/SP: 2009, p.500. 61 contábeis divulgados pela própria Administração Pública a serem monitorados pelos Tribunais de Contas. Muito embora sejam órgãos com jurisdição eminentemente administrativa, como os Tribunais de Contas possuem competência constitucional para exercerem o controle externo da Administração Pública, a LRF lhes outorga competência para auditarem a despesa pública com pessoal a qualquer momento, independente da divulgação do RGF107. O sistema de freios estabelecido pela LRF, portanto, vai além do monitoramento das contas públicas quadrimestralmente por intermédio dos RGF´s, porquanto possibilita o monitoramento em tempo real pelas Cortes de Contas. Quando do atingimento do limite prudencial a primeira vedação é a concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título. Em que pese o aumento da remuneração ser uma expectativa de direito do servidor público, é necessário que a sua concessão seja precedida da real possibilidade de pagamento pela Administração Pública e o atingimento de 46,55% de comprometimento da despesa com pessoal em relação à receita corrente líquida no âmbito da função executiva do Poder Estadual representa óbice ao exercício daquele direito, pois é o ponto de equilíbrio para a sustentabilidade das contas públicas estabelecido pelo legislador. A preocupação com o controle da expansão do gasto com pessoal só possui uma exceção, que é o exercício de um direito previamente já assegurado: a revisão geral anual já garantida pelo art. 37, inciso X da Constituição Federal. A estrutura normativa da política remuneratória possibilita que o servidor público faça jus a uma recomposição salarial em virtude da perda inflacionária acumulada durante um exercício financeiro, também conhecida como data- base108. 107 Esta faculdade é atribuída nos termos do art. 59, §2º do art. 59 da LRF: “Compete ainda aos Tribunais de Contas verificar os cálculos dos limites da despesa total com pessoal de cada Poder e órgão referido no art. 20.” 108 É o que é garantido nos termos do art. 37, inciso X: “Art. 37. Omissis [...] X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o §4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.” 62 A exceção daquela vedação só se aplica quando já existe a lei que determina o reajuste anual de remuneração. Dessa maneira, se uma função de Poder, por exemplo, após atingir o limite prudencial decidir editar aquele dispositivo legal que repara a perda inflacionária e o respectivo poder aquisitivo do servidor público, ela estará objetivamente impedida pela preocupação da legislação que regulamenta a política remuneratória. A título de informação, já existe a lei109 que regulamenta o art. 37, inciso X da Lei Maior, a qual dispõe sobre a revisão geral e anual das remunerações no âmbito federal. Contudo, a mesma só possui aplicabilidade na União, tendo em vista a natureza jurídica da República Federativa do Brasil que outorga autonomia administrativa aos seus Estados-membros110. O Federalismo, diga-se de passagem, estabelece a separação do poder pelo qual se erige o Estado e esta divisão é delimitada por intermédio de regras de competência devidamente estabelecidas pela Constituição, marco normativo que representa o pacto social pelo qual se regula o comportamento o qual deve ter a administração pública111. A segunda vedação imposta pelo limite prudencial é a criação de cargo, emprego ou função pública e sobre este proibitivo poder-se-ia argumentar que a criação, por si, não resulta em expansão de gasto público, mas, este tipo de raciocínio é equivocado. Isso porque com a criação do cargo público a Administração expande a sua estrutura e no caso de eventual prestação ineficiente de políticas públicas 109 Lei nº 10.331/2001, que regulamenta o inciso X do art. 37 da Constituição Federal, que dispõe sobre a revisão geral e anual das remunerações e subsídios dos servidores públicos federais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais. 110 A autonomia administrativa dos Estados-membros é determinada por intermédio do art. 18 da Constituição Federal “Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” 111 Sobre o tema eis a lição de Dirley da Cunha Júnior: “Com a divisão do poder, atribuem-se aos entes da Federação um conjunto de competências próprias para que possam dispor de assuntos próprios. Competências, portanto, são faculdades ou poderes de agir dos quais se servem as entidades federadas para tratar de temas que lhes dizem respeito e orientados para a realização do bem comum. Com a atribuição de competências dotam-se as entidades federadas de autonomia para se organizarem e gerirem os assuntos de seus interesses. Providas de autonomia, as entidades da federação passam a exercer fundamentalmente quatro capacidades: 1) a capacidade de auto-organização; 2) a capacidade de autolegislação; 3) a capacidade de autogoverno; e 4) a capacidade de auto-administração” JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. Editora JusPodivm. 6ª edição. Salvador/BA: 2012, pp. 907/908. 63 pode ser compelida por intermédio de uma decisão judicial, por exemplo, a promover um concurso público. É o caso da função executiva do Poder do Estado do Rio Grande do Norte, que, em 2006, quando estava com 48,99% de comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa com pessoal112, criou 32.500 (trinta e dois mil e quinhentos) cargos públicos de professor113, mesmo sendo impedida expressamente por lei. A criação de cargos de professor legitima o Ministério Público, caso detecte a insuficiência de quadro docente que obste a prestação eficiente de serviços públicos correlatos à educação, a promover uma ação civil pública de obrigação de fazer para realização de concurso público para provê-los. Em caso de êxito, a eventual procedência da ação ocasionará em uma despesa até então não programada e comprometerá as finanças públicas porquanto haverá provimentos de cargos públicos sem o devido planejamento orçamentário e financeiro. A preocupação do legislador em manter o equilíbrio da despesa com pessoal objetiva evitar todos os cenários jurídicos possíveis de crescimento sem planejamento prévio. Por seu turno, a vedação a alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa diz respeito à criação de planos de cargos, carreira e remuneração e a priori poderia ser confundida com a primeira vedação imposta pelo limite prudencial e é necessário, portanto, estabelecer uma diferença entre aqueles dois proibitivos. 112 Em pesquisa sobre despesa pública com pessoal este subscritor se aprofundou sobre a situação fiscal da função executiva do Poder do Estado do Rio Grande do Norte, ocasião na qual dedicou o último capítulo da sua monografia de conclusão do curso de especialização em Direito Constitucional na Universidade Federal do Rio Grande do Norte para estudar como se comportou o crescimento da despesa pública com pessoal entre os anos de 2004 e 2014. ARAÚJO, Mário Augusto Silva. Despesa Pública com Pessoal: do planejamento através das leis orçamentárias e da lei de responsabilidade fiscal ao controle pelos tribunais de contas. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2015. Natal/RN: 2015. 87 páginas. 113 Veja-se a redação do art. 75 da Lei Complementar nº 322/2006, que instituiu o estatuto e o plano de cargos, carreira e remuneração do magistério público estadual, referente à educação básica e à educação profissional e deu outas providências: “Art. 75. Ficam criados e incluídos no quadro Funcional do Magistério Pùblico Estadual, os seguintes cargos públicos de provimento efetivo: I – trinta e um mil e seiscentos cargos de Professor, distribuídos nos seguintes níveis [...] um mil e quinze cargos de Especialista de Educação, distribuídos nos seguintes níveis: [...]” 64 O primeiro, já abordado acima, diz respeito a aumento e/ou expansão da despesa pública com pessoal e a terceira proibição é correlata à própria estrutura da carreira. Para efeitos de visualização de cenário deve ser lembrado o art. 39, caput da Constituição Federal, o qual assenta que os entes federados devem instituir planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e fundações públicas. Aquele dispositivo, inclusive, foi alvo de reforma por intermédio da Emenda Constitucional nº 19/1998, porém, em decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 2.135114 o Supremo Tribunal Federal suspendeu os efeitos daquela redação. A organização de carreira, além de ter previsão expressa na Constituição Federal por intermédio do art. 39, caput, possui motivação indireta o princípio da eficiência administrativa, pois a carreira estruturada que possibilite progressões por merecimento e qualificação, por exemplo, enseja motivação ao servidor público e por via reflexa, pelo menos em tese, proporciona incremento de qualidade nos serviços públicos que são prestados pelos agentes públicos. Se estiver no limite prudencial, a Administração Pública fica vedada a promover alteração na carreira, mesmo que isso não implique de imediato aumento na política remuneratória. Assim, uma carreira não pode ser modificada quando do atingimento daquele comprometimento, mesmo que as respectivas progressões sejam projetadas para o futuro. A título de exemplificação, se estiver no limite prudencial, a função executiva do Poder Estadual não pode editar um plano de cargos, carreira e remuneração que crie mecanismos de progressão mesmo que com efeitos futuros, porquanto a vedação é objetiva quanto ao sentido de “alterar”. Não pode, portanto, uma lei estipular uma possibilidade de progressão em virtude da vedação estabelecida pelos indicativos contábeis que apontam 114 Relatoria do Ministro Néri da Silveira. Relatora para Acórdão: Ministra Ellen Gracie. Data do Julgamento: 02/08/2007. Data da Publicação: 07/03/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. 65 para o enquadramento do comprometimento da receita corrente líquida acima de 46,55%. Outro impedimento elencado no art. 22 da LRF é a vedação de provimento de cargo público, salvo para a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança. Em que pese não haver diferença entre atividade-meio e atividade-fim estabelecida pelo normativo de regência, demonstra a matriz normativa que rege a despesa pública com pessoal que a interpretação daquele dispositivo deve ter harmonia com a vontade da Constituição e por isso aplicação hermenêutica teleológica115, possibilitando tão somente a contratação para as atividades-fim116. Como o art. 18, §1º da LRF estabelece que “os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como “Outras Despesas de Pessoal”” e não regulamenta o contexto para a terceirização de mão-de-obra no âmbito do serviço público, é necessário que o intérprete do direito se utilize de outra fonte do direito que é a doutrina. 115 Sobre este tipo de método de interpretação ensina Luís Roberto Barroso que “As normas devem ser aplicadas atendendo, fundamentalmente, ao seu espírito e à sua finalidade. Chama- se teleológico o método interpretativo que procura revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito [...] A Constituição e as leis, portanto, visam acudir certas necessidades e devem ser interpretadas no sentido que melhor atenda à finalidade para a qual foi criada. O legislador brasileiro, em uma das raras exceções em que editou uma lei de cunho interpretativo, agiu, precisamente, para consagrar o método teleológico, ao dispor, no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Nem sempre é fácil, todavia, desentranhar com clareza a finalidade da norma. À falta de melhor orientação, deverá o intérprete voltar-se para as finalidades mais elevadas do Estado, que são, na boa passagem de Marcelo Caetano, a segurança, a justiça e o bem-estar social.” BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª edição. Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2014, pp. 143-145. 116 Sobre terceirização de mão-de-obra na Administração Pública é recomendável o estudo da obra de Carolina Zancaner Zockun, para quem “A terceirização para a instrumentalização do Estado por meio de recursos humanos, segundo a doutrina dominante, tem assento constitucional no art. 37, XXI. Assim, não se tratando de atividade típica do Estado, em que se exija o poder de império, é possível (e, para muitos desejável) a utilização da terceirização. Desta forma, ganha relevância a distinção entre atividade-fim e atividade-meio, destacando-se não ser possível a terceirização, na Administração Pública, para as atividades-fim, sendo viável a terceirização par atividades-meio. Ocorre que o critério que aparta as atividades-fim das atividades-meio é extremamente impreciso, gerando, pois, dúvidas de toda a sorte em sua aplicação prática. De qualquer forma, para as atividades-fim consagrou-se a necessidade de realização de concurso público, ao passo que para as atividades-meio é admitido o uso da terceirização.” ZOCKUN, Carolina Zancaner. Da Terceirização na Administração Pública. Malheiros Editores. São Paulo/SP: 2014, p. 183. 66 Nesse sentido há quem estabeleça os seguintes requisitos que devem estruturar o contexto da terceirização: a) inexistência, no plano do órgão ou entidade, de cargos ou empregos com as mesmas atribuições dos terceirizados; e, b) existência de cargos, organizados ou não em carreira, que já tenham sido extintos total o ou parcialmente117. Por fim, o último impeditivo estabelecido pelo contexto do limite prudencial é a vedação de contratação de hora extra e nas situações previstas na LDO. Não é para menos, já que a intenção do legislador quando do atingimento do limite prudencial é evitar qualquer ação que onere os cofres públicos. Ora, se um dos princípios implícitos da Administração Pública é o do planejamento, deve a mesma adequar as suas atividades quando o monitoramento contábil do gasto com pessoal apontar para uma necessidade de controle maior sobre a sua expansão com o intuito de se evitar demandas aptas a ensejarem a contratação de horas-extras. Em que pese a LRF prever um dispositivo por intermédio do qual seja facultado ao gestor público a redução dos valores pagos em detrimento do exercício de um cargo público, bem como a redução de carga horária com a respectiva adequação da remuneração para menor118, aquele dispositivo foi declarado inconstitucional pelo STF119. Conforme já mencionado, se for o caso de superação do limite máximo estabelecido pela LRF para a função executiva do Poder Estadual, que é 49% (quarenta e nove por cento) da receita corrente líquida, o art. 169, §§3º e 4º da Constituição Federal estabelece as seguintes medidas: a) redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de 117 Esta é a lição de Luciano Ferraz, que ainda faz o seguinte alerta: “Não é possível, a nosso ver, a utilização da declaração de desnecessidade do cargo para autorizar a terceirização lícita. A extinção de cargo depende de lei, ao passo que a declaração de desnecessidade prescinde, já que resultante de ato administrativo motivado. É esta a inteligência do Supremo Tribunal Federal colhida do julgamento do Mandado de Segurança n. 21213-6, relator Ministro Octávio Galotti, bem como do Tribunal de Justiça de Minas Gerais na apreciação da Apelação Cível n. 110.807/7, Relator Sérgio Léllis Santiago.” FERRAZ, Luciano. Lei de Responsabilidade Fiscal e Terceirização de Mão-de-Obra no Serviço Público. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador/BA. Instituto Brasileiro de Direito Público. Número 8. Novembro, Dezembro de 2006 e Janeiro de 2007. 118 Art. 23, §1º e 2º. 119 ADI 2238 MC/DF. Relatoria do Ministro Ilmar Galvão. Órgão Julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Data do Julgamento: 09/08/2007. Data da Publicação: 11/09/2008. 67 confiança; b) exoneração de servidores não estáveis; e, em última hipótese: c) perda de cargo de servidor estável120. No caso específico da perda do cargo de servidor estável, a União editou uma lei que estabelece normas gerais aptas a balizarem os normativos a serem editados pelos demais entes federados no caso de exoneração compulsória de servidores estáveis, que é a Lei 9.801/1999121. Porém, aquelas medidas previstas na Constituição Federal somente devem ser colocadas em prática caso as alternativas previstas na LRF não sejam capazes de diminuir o comprometimento da receita corrente líquida, o que não se imagina. É que como a LRF funciona objetivando proteger o Erário em detrimento da oneração excessiva em relação à despesa com pessoal estabelece, para isso, que uma vez ultrapassado o limite previsto no art. 20, que para fins de Poder Executivo Estadual é de 49% da Receita Corrente Líquida comprometida com despesa com pessoal, o excesso deve ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, com a obrigatoriedade de um terço ser eliminado logo no primeiro122. A preocupação da legislação com o respeito ao “limite legal” do comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa com pessoal é tamanha que caso a redução não seja alcançada no prazo estabelecido, fica o ente, enquanto perdurar o excesso, proibido de: a) receber transferências voluntárias; b) obter garantia, direta ou indireta, de outro ente; e, c) contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao 120 Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar [...] §3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências: I – redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; II – exoneração de servidores não estáveis. §4º Se as medidas adotadas com base no artigo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal. 121 Dispõe sobre as normas gerais para perda de cargo público por excesso de despesa e dá outras providências. 122 Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§3º e 4º do art. 169 da Constituição. 68 refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal123. É importante lembrar que as transferências voluntárias são diferentes das obrigações constitucionais de repasse de receitas; estas compulsórias em virtude do pacto federativo vigente124. Essas limitações atrofiam tanto a capacidade de investimento como de custeio do Estado, porquanto o proíbe o acesso às verbas essenciais para a prestação de políticas públicas. As transferências voluntárias, conforme ensina a própria LRF são entendidas como a entrega de recursos (correntes ou de capital) a outro ente da federação, desde que não seja decorrente de determinação constitucional, legal, ou destinados ao Sistema Único de Saúde e possui, pois, característica de cooperação, auxílio ou assistência financeira125. O Governo Federal até que possui uma política de repasse de recursos que se caracteriza como transferência voluntária por intermédio do programa intitulado SICONV, regido pelo Decreto Federal nº 6.170/2007126, o qual versa exclusivamente sobre a ritualística a ser obedecida quando houver transferências de recursos da União por intermédio de convênios. Uma vez previsto o direito às transferências correntes, que são verbas de destinação voluntária pelo ente que pretende pactuar com o outro na perspectiva de promover o desenvolvimento nacional, que inclusive é um dos objetivos fundamentais da república, deve o gestor público estabelecer um planejamento de como operacionalizar o recebimento daqueles recursos127. 123 Art. 23, §3º 124 Conforme demonstra o caráter pedagógico do Ministério da Fazenda “A Constituição prevê a partilha de determinados tributos arrecadados pela União com os estados, o Distrito Federal e os municípios. As principais transferências constitucionais nessa categoria são os denominados Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e Fundo de Participação dos Estados (FPE), constituídos de parcelas arrecadadas do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre a Produção Industrial (IPI). Outros tributos arrecadados pela União e partilhados entre os entes federados são o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), o Imposto sobre a Produção Industrial Proporcional às Exportações (IPI-Exportação), a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre Combustíveis (CIDE0-Combustíveis) e o Imposto sobre Operações Relativas ao Metal Ouro como Ativo Financeiro (IOF-Ouro). http://www.tesouro.fazenda.gov.br/pt_PT/transferencias-constitucionais-e-legais acesso em 30/08/2017. 125 Vide art. 25. 126 Dispõe sobre normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, e dá outras providências. 127 Ao se debruçar sobre o tema José Ribamar Caldas Furtado observa que “Existem dois instrumentos para a operacionalização das transferências voluntárias: a) o convênio, que é qualquer instrumento que discipline a transferência de recursos públicos entre os entes da Federação, visando à execução de programas de trabalho, projetos, atividades ou eventos de 69 Os recursos financeiros provenientes das transferências correntes auxiliam a um ente político na persecução de suas políticas públicas, porquanto servem como fonte de custeio para isso. São, pois, um vetor de investimento do Estado (sentido lato sensu) que aplica a verba recebida da União, por exemplo, mediante um projeto então aprovado. A concessão de garantia, outra proibição quando da ultrapassagem do “limite legal”, é conceituada pela LRF como o compromisso de adimplência que pode ter 02 (duas) perspectivas: a) obrigação financeira; ou, b) obrigação contratual128 e isso, em outras palavras, quer dizer que garantia é um compromisso de pagamento em relação ao endividamento público de um ente da Federação. A terceira vedação diz respeito à contratação de operações de créditos, que não engloba as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária, bem como as que visem à redução das despesas com pessoal. O conceito de dívida pública, nos termos daquele diploma normativo, pode ser subdividido em: a) dívida pública consolidada (ou fundada), que corresponde ao montante das obrigações financeiras do ente da Federação assumido em decorrência de leis, contratos, convênios ou tratados, bem como da realização de operações de crédito para amortização em prazo superior a doze meses; e, b) dívida pública mobiliária, que são os títulos emitidos pela União (inclusive os do Banco Central), Estados e Municípios129. O excesso no custeio com a folha de pessoal interfere diretamente nas ações do Estado e nas suas respectivas políticas públicas, que são meios de ações políticos-administrativas do governo dirigidos à concretização de determinados fins preordenados com o foco, sempre, no interesse coletivo. Ao chegar no “limite prudencial” o gestor público deve ter como estratégias 02 (duas) alternativas: a) ações que possibilitem o aumento da interesse recíproco com duração certa e em regime de mútua cooperação. Na esfera federal, a Instrução Normativa STN nº 01/97 disciplina a celebração de convênios. b) o contrato de repasse, que é utilizado pela União para transferir recursos para Estados, Distrito Federal e Municípios, destinados à execução de programas governamentais por intermédio de instituições ou agências financeiras oficiais federais, que atuam como mandatárias da União para execução e fiscalização.” FURTADO, J.R. Caldas. Elementos de Direito Financeiro. Sistema Orçamentário (PPA, LDO e LOA), Despesa e Receita Pública, Crédito Público, Responsabilidade Fiscal e Controle da Execução Orçamentária. 2ª edição. Editora Fórum. Belo Horizonte/MG: 2010, p. 181. 128 Art. 29, inciso IV. 129 Art. 29, incisos I e II. 70 receita; ou, b) estratégias pelas quais o mesmo pode reduzir custos com despesas. É interessante observar que o planejamento em relação ao aumento de receita e as estratégias para a redução de despesas em termos de controle com a despesa de pessoal diz respeito tão somente às receitas e despesas correntes; excluindo-se, pois, as despesas de capital130 e permanece, então, a garantia de investimento na Administração do Estado. Essa diferenciação é primordial para que se desmitifique o jargão de que o comprometimento com a despesa de pessoal no serviço público acima do permitido significa que o “Estado quebrou”. Na verdade, sob uma perspectiva mais analítica da legislação de regência, não há nem que se falar em dificuldade para pagamento do custeio de pessoal, porque a legislação correlata à matéria demonstra que o aumento da remuneração no serviço público deve ter um crescimento sustentável porque só se recomenda expansão de despesa de pessoal se houver perspectiva de aumento de receita corrente líquida apta a lastrear o seu pagamento. Caso haja uma eventual queda nas receitas que aumente o comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa pública com pessoal, o próprio sistema constitucional delimita o que deve ser feito para garantir o pagamento do custeio da folha de pagamento e para isso legitima inclusive a exoneração compulsória de servidores públicos. Em outras palavras: deve ser obedecida a gestão fiscal responsável e a observância às leis orçamentárias, que funcionam como um instrumento de planejamento estratégico. Uma vez extrapolado o “limite legal”, o próprio corpo textual da LRF prevê ações a serem tomadas pela Administração Pública e somente no caso da mesma permanecer inerte diante de um eventual colapso nessa matéria de direito financeiro é que se deve recorrer ao disposto no art. 169, §§3º e 4º da Constituição Federal. 130 Observe-se o previsto no art. 11 a 13 da lei 4.320/1964. 71 Deve-se, pois, ser observado o ponto de equilíbrio equivalente ao comprometimento de 46,55% da Receita Corrente Líquida em relação à despesa com pessoal no âmbito da função executiva do Poder Estadual. Demonstra o histórico da vida em sociedade que a Administração Pública deve obedecer a critérios previamente delimitados e para que todos os administrados tenham ciência dos passos pelos quais o Estado caminha, a sua conduta deve ser pautada em lei. Em essência, esta é a carga filosófica do princípio da legalidade administrativa: a vinculação da atuação administrativa do Estado de Direito131. Ocorre que o amadurecimento acerca da interpretação do direito resultou, ao longo dos anos, no entendimento de que a incidência da norma jurídica deve possuir um caráter axiológico e não deve levar em consideração somente a aplicação literal do texto descrito em lei e é neste cenário que se alicerça a natureza jurídica do Estado Constitucional132, o qual protagoniza a utilização de princípios na interpretação da norma jurídica. Norma jurídica, diga-se de passagem, não é somente a interpretação restrita da linguagem contida no texto da lei conforme outrora se interpretou, mas sim a mensagem a qual o legislador quer transmitir133. 131 Ao se debruçar sobre a matéria leciona José dos Santos Carvalho Filho que: “É extremamente importante o efeito do princípio da legalidade no que diz respeito aos direitos dos indivíduos. Na verdade, o princípio se reflete na consequência de que a própria garantia desses direitos depende de sua existência, autorizando-se então os indivíduos à verificação do confronte entre a atividade administrativa e a lei. Uma conclusão é inarredável: havendo dissonância entre a conduta e a lei, deverá aquela ser corrigida para eliminar-se a ilicitude.” CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 30ª edição. Editora Atlas São Paulo/SP: 2016, p. 20. 132 O Estado Constitucional ou, em outras palavras, o Neoconstitucionalismo é decorrente de um processo de evolução histórica pelo qual se alça o texto constitucional e toda a sua carga valorativa como valor supremo do ordenamento jurídico. Para Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Ferreira Mendes “O valor normativo supremo da Constituição não surge, bem se vê, de pronto, como uma verdade autoevidente, mas é resultado de reflexões propiciadas pelo desenvolvimento da História e pelo empenho em aperfeiçoar os meios do controle do poder, em prol do aprimoramento dos suportes da convivência social e política [...] A Constituição, além disso, se caracteriza pela absorção de valores morais e políticos (fenômeno por vezes designado como materialização da Constituição ), sobretudo em um sistema de direitos fundamentais autoaplicáveis. Tudo isso sem prejuízo de se continuar a afirmar a ideia de que o poder deriva do povo, que se manifesta ordinariamente por seus representantes. A esse conjunto de fatores vários autores sobretudo na Espanha e na América Latina, dão o nome de neoconstitucionalismo.” GONET, Paulo Gustavo; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 10ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2015, p. 53. 133 Ao discorrer sobre norma jurídica aponta Vladimir da Rocha França que “uma coisa é o sentido imprimido por quem expediu o texto normativo; outra, o sentido expresso pela norma jurídica. O texto normativo é a norma potencial, que exprime apenas possibilidades de interpretação; a norma jurídica, por sua vez, é fruto da interpretação conjugada do complexo 72 Um dos grandes desafios aos quais se submete diariamente o operador do Direito é exatamente entender qual é a intenção do legislador e para isso, qualquer texto normativo deve ser interpretado com a mesma premissa: a Constituição Federal, tendo em vista que a mesma representa o grande pacto da sociedade brasileira pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária134. Desta forma, a semântica do texto normativo é mais do que uma leitura gramatical, pois a linguagem utilizada no discurso jurídico deve ser interpretada de maneira teleológica levando em consideração os diversos referenciais normativos existentes dentro do ordenamento jurídico que possuem como norte o texto constitucional. dos enunciados normativos com a realidade social.” FRANÇA, Vladimir da Rocha. Estrutura e Motivação do Ato Administrativo. Editora Malheiros. São Paulo/SP: 2007, p. 21. 134 Este inclusive é o tripé basilar cujo é um dos objetivos fundamentais da República, nos termos do art. 3º, inciso I da Constituição Federal. 73 3 A EXPANSÃO DA DESPESA PÚBLICA COM PESSOAL E OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: a delimitação do sistema constitucional brasileiro. O estudo do direito requer do estudioso, além do domínio da linguagem, uma visão panorâmica em relação à observação da vontade da legislação sobre determinado tema. Especificamente no que diz respeito à despesa pública com pessoal, deve o jurista ter domínio sobre a redação da Constituição, da LRF, da Lei 4.320/1964 e das leis orçamentárias do ente federado que seja objeto do seu estudo. A estrutura normativa do gasto com pessoal também envolve conhecimentos básicos de contabilidade pública porque como a intenção do legislador é proporcionar um desenvolvimento sustentável da folha de pagamento, ao estabelecer limites para o custeio da despesa pública com pessoal, utilizou como parâmetro a indexação da receita corrente líquida a alguns limites. Como o direito é um conjunto de enunciados normativos que devem ser interpretados concomitantemente e em harmonia, porquanto o ordenamento jurídico é coerente e não possui lacunas, é necessário que o intérprete, ao analisar o comando de uma norma jurídica verifique a sua premissa constitucional e identifique o seu valor e harmonia com o contrato social vigente. Isso porque o direito, enquanto instrumento de garantia da ordem social deve ser estruturado mediante um conjunto de regras aptas a ensejarem uma harmonia nas relações sociais e enquanto complexo de normas jurídicas deve se basear em uma norma fundamental, a qual todo o ordenamento jurídico deva estar em harmonia. A busca pela solução de litígios por intermédio de normas jurídicas resulta na necessidade de se exercer uma atividade interpretativa conhecida como hermenêutica e para isso o jurista deve delimitar o seu campo de compreensão observando o sentido das normas e entendendo o significado dos seus textos e intenções135. 135 Tércio Sampaio Ferraz Júnior estuda que “Em suma, não é qualquer conteúdo que pode constituir o relato das chamadas normas jurídicas, mas apenas os que podem ser 74 Dessa forma os princípios são de fundamental porque estruturam todo o processo de formação de uma norma jurídica e estabelecem diretrizes basilares que sustentam a racionalidade e a coerência de um ordenamento jurídico. Os princípios, assim como as regras, são enunciados normativos dotados de coercibilidade que devem ser obedecidos com a diferença de que ao passo em que estas possuem um grau de vinculação absoluto, ao passo que os princípios são mandamentos de otimização a serem satisfeitos mediante circunstâncias fáticas e jurídicas através de um juízo de ponderação136. Ocorre que no processo estruturante137 pelo qual se caracteriza o ordenamento jurídico, é natural que um princípio entre em conflito com uma generalizados socialmente, isto é, que manifestam núcleos significativos vigentes numa sociedade, nomeadamente por força de ideologia prevalecente e, com base nela, dos valores, dos papéis sociais e das pessoas com ela conformes. Assim, por exemplo, na cultura ocidental de base cristã, conteúdos normativos que desrespeitem o valor da pessoa humana (direitos fundamentais) serão rechaçados, como seria o caso de norma que admitisse a tortura como forma de obtenção de confissão para efeitos de processo de julgamento.” FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4ª edição. Editora Atlas. São Paulo/SP: 2003, p. 113. 136 Robert Alexy se aprofunda sobre aquela diferenciação e observa que: “O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio.” ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª edição. Malheiros Editores. São Paulo/SP: 2015, pp. 90/91. 137 Sobre estrutura de um ordenamento jurídico se recomenda o estudo da obra de MULLER, para quem “A compreensão estruturante da norma restringe e especifica ao mesmo tempo os problemas da “natureza das coisas”, da “lógica material” ou das “estruturas lógico-materiais”. Ela conduz à investigação dos âmbitos normativos e, com isso, a estruturas da realidade que são ligadas e transcritas em sua relevância e em sua extensão objetiva a partir da norma jurídica concretizante. O real não aparece mais como realidade que engloba as coisas de modo indistinto, mas surge absolutamente apenas na esfera da exigência normativa por validade, sem com isso poder ser adulterado na estrutura básica de seus atributos fáticos. Isso não deve ser intencionalmente temido, pois a análise do âmbito normativo produz resultados estruturais normativamente guiados, mas que não constituem resultados ontoógicos ou meramente ônticos.” MULLER, Friederich. Teoria Estruturante do Direito. Editora Revista dos Tribunais. P. 233. 75 regra e o desafio do intérprete é exatamente como solucionar eventual colisão normativa138. Ao passo em que os princípios são regras finalísticas as quais devem o intérprete sempre ser remetido antes de qualquer tomada de decisão hermenêutica, as regras são normas imediatamente descritivas, cujo grau de decidibilidade é restrito à sua estrutura semântica139. Em relação à despesa pública com pessoal o que o intérprete deve ter em consideração é um princípio geral de direito140 o qual determina a proibição do enriquecimento ilícito sem causa. 138 Felipe Oliveira de Sousa estuda anota que “A colisão de princípios e o conflito de regras convergem no sentido de que ambos apontam para duas normas que demandam condutas ou estados de coisas incompatíveis entre si, ou seja, apontam para duas normas que demandam, na ocorrência das hipóteses previstas em sua estrutura, consequências jurídicas mutuamente incompatíveis. Um conflito entre duas regras somente pode ser resolvido ou declarando pelo menos uma das regras como inválida (expurgando-a, assim, do ordenamento jurídico), ou inserindo uma cláusula de exceção em uma delas. Caso não seja possível inserir uma cláusula de exceção em uma das regras, e haja um problema em decidir qual das regras deve ser declarada inválida, pode-se fazer uso de critérios como lex posterior derogat legi priori, ou lex specialis derogat legi generali, ou lex superior derogat legi inferior, para resolver o conflito. Esse modo típico de solucionar os conflitos de regras guarda uma relação direta com a estrutura das regras como mandamentos definitivos. Isso porque as regras são aplicadas mediante subsunção ou seja, se a regra é válida e os supostos de fato que nela se subsumem ocorrem, então a consequência jurídica que tal regra demanda é válida, ou seja, deve ser aplicada. Se a regra não é válida, então a sua consequência jurídica também não o é, ou seja, não deve ser aplicada. Por sua vez, uma colisão de princípios é solucionada de modo inteiramente distinto do conflito de regras. De acordo com Alexy, uma colisão de princípios é solucionada mediante ponderação. Quando dois princípios colidem em um caso concreto não é possível solucionar essa colisão declarando um dos princípios como inválido (e, portanto, eliminando-o do ordenamento jurídico), ou inserindo uma cláusula de exceção em um deles. O que acontece é que, em face de determinadas circunstâncias concretas, um princípio tem um grau de importância maior em ser satisfeito que o outro, fato esse que não impede, como já notou Dworkin, que, mudadas as circunstâncias concretas, a situação se inverta.” OLIVEIRA, Felipe. O raciocínio jurídico entre princípios e regras. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 48, n. 192 out/dez. 2011. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242932/000936212.pdf?sequence=3 acesso em 20/11/2017. 139 Humberto Ávila anota que “As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.” ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. da definição à aplicação dos princípios jurídicos. Malheiros Editores. São Paulo/SP: 2007, pp.78-79. 140 Para Miguel Reale princípios gerais de direito são “enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Cobrem desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização prática.” REALE, 76 Assim, uma vez investido em um cargo público, deve qualquer cidadã(o) perceber a sua remuneração conforme determina aquele princípio, contudo, conforme demonstrar-se-á a partir de agora, a concessão de remuneração não deve ser feita de qualquer modo. Isso se deve ao fato que a administração pública é regida por princípios estruturantes, alguns previstos expressamente no art. 37, caput141 da Constituição Federal e cada um deles moldura especificamente a concessão de remuneração no âmbito do serviço público. E é exatamente interação entre a despesa pública com pessoal e aqueles princípios que ora se passa a analisar. 3.1 – Princípio da juridicidade e a delimitação normativa A Administração Pública, enquanto responsável pela elaboração de políticas e respectiva execução de ações aptas a garantirem o interesse coletivo, deve se estruturar por intermédio de um planejamento estratégico voltado à maximização dos recursos que lhe são disponíveis. Os cargos públicos, que possuem atribuições previstas em lei que devem ter a fixação dos seus padrões de vencimento e demais componentes do sistema remuneratório com base em 03 (três) aspectos, segundo o art. 39, §1º142 da Constituição Federal: a) a natureza, grau de responsabilidade e complexidade dos cargos componentes de cada carreira; b) requisitos para sua investidura; e, c) peculiaridade dos cargos. Como um dos princípios basilares da Administração Pública, conforme previsto no art. 37 da Constituição Federal é o da legalidade administrativa, de onde se depreende que toda a ação do gestor público deve ser pautada em critérios previamente estabelecidos em lei, a estrutura remuneratória atribuída Miguel. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27ª edição. 12ª tiragem. Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2014, p. 304. 141 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 142 Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração púbica direta, das autarquias e das fundações públicas. §1º A fixação dos padrões de vencimentos e dos demais componentes do sistema remuneratório observará: I – a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira; II – os requisitos para a investidura; III – as peculiaridades dos cargos. 77 aos cargos públicos deve ser prevista em lei específica143 sendo vedada, portanto, a inserção de “jabutis144” em projetos de lei correlatos à política remuneratória de despesa pública com pessoal. Além disso, o texto constitucional, por intermédio do seu art. 37, inciso XIII145, estabelece que é proibida a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para efeito de remuneração no serviço público e isso, objetiva combater reajustes automáticos de vencimentos146. E não poderia ser diferente, tendo em vista o fato que a Administração Pública deve planejar a estrutura de carreira dos seus cargos mediante a 143 Lei específica aqui deve ser entendida lei tanto no sentido formal como no sentido material. Nesse sentido eis o entendimento do STF: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: REMUNERAÇÃO: RESERVA DE LEI. CF, ART. 37, X; ART. 51, IV, ART. 52, XIII. ATO CONJUNTO Nº 01, DE 05.11.2004, DAS MESAS DO SENADO FEDERAL E DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. I. – Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores púbicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art, 52, XIII. II. – Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto nº 01, de 05.11.2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. III. – Cautelar deferida. ADI 3.369-MC. Órgão Julgador: Tribunal Pleno do STF. Relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Data do Julgamento: 17/03/2011. Data da Publicação: 07/06/2011. 144 Jabutis, ou contrabandos legislativos, são proposituras emendas sem relação de pertinência temática. Os jabutis (ou contrabandos legislativos) são muito vistos em Medidas Provisórias, mas, o STF, recentemente, na apreciação da ADI 51277 proibiu expressamente esse tipo de postura do Poder Legislativo no sentido de que não é compatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória submetida a sua apreciação: EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. CONTROL DE CONSTITUCIONALIDADE. EMENDA PARLAMENTAR EM PROJETO DE CONVERSÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA EM LEI. CONTEÚDO TEMÁTICO DISTINTO DAQUELE ORIGINÁRIO DA MEDIDA PROVISÓRIA. PRÁTICA EM DESACORDO COM O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E COM O DEVIDO PROCESSO LEGAL (DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO). 1. Viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática de inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão em medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória. 2. Em atenção ao princípio da segurança jurídica (art. 1º e 5º, XXXVI, CRFB), mantém-se hígidas todas as leis de conversão fruto desta prática promulgadas até a data do presente julgamento, inclusive aquela impugnada nesta ação. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente por maioria de votos ADI 5127/DF. Relatoria Ministra Rosa Weber. Órgão Julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Data do Julgamento: 15/10/2015. Data da publicação: 11/05/2016. 145 Art. 37. Omissis [...] XIII – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público. 146 Ao estudar o tema anota Maria Sylvia Zanella Di Pietro que “O inciso XIII do artigo 37, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, veda a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público. O que se visa impedir, com esse dispositivo, são os reajustes automáticos de vencimentos, o que ocorreria se, para fins de remuneração, um cargo ficasse vinculado ao outro, de modo que qualquer acréscimo concedido a um beneficiaria a ambos automaticamente; isso também ocorreria se os reajustes de salários ficassem vinculados a determinados índices, como o de aumento do salário mínimo, o de aumento da arrecadação, o de títulos da dívida pública ou qualquer outro.” DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30ª edição. Editora Atlas. São Paulo/SP: 2017, pp. 704/705. 78 especificidade de cada um. Tanto em termos de investidura, como em graus de responsabilidade. Isso quer dizer, a título de exemplificação, que não se pode estabelecer a mesma remuneração atribuída para o cargo de engenheiro para um cargo de médico, vez que possuem atribuições distintas. Ainda sobre a estrutura remuneratória no serviço público é necessário fazer um esclarecimento sobre a sua composição. Isso porque a todo cargo público, enquanto remuneração básica deve ser atribuído um vencimento e vencimento (básico) é diferente de vencimentos. Ao passo que este é o montante total que o servidor percebe (incluídos eventuais adicionais por tempo de serviço, gratificações e até mesmo indenizações, por exemplo); aquele é tão somente o valor pago em detrimento ao exercício de um cargo público. Os mesmos, pois, são espécies do gênero sistema remuneratório, o qual se subdivide nas seguintes espécies: a) subsídio; b) vencimentos; e, c) salário. São elas, portanto, as espécies remuneratórias147. Além de estabelecer a forma pela qual deve a remuneração ser estabelecida, a Constituição Federal se preocupou também em delimitar o limite a ser pago pela Administração Pública aos seus servidores, que é o chamado teto constitucional, previsto no art. 37, XI148. 147 No entendimento de Hely Lopes Meirelles “O sistema remuneratório ou a remuneração em sentido amplo da Administração direta e indireta para os servidores da ativa compreende as seguintes modalidades: a) subsídio, constituído de parcela única e pertinente, como regra geral, aos agentes políticos; b) remuneração, dividida em (b1) vencimentos, que corresponde ao vencimento (no singular, como esrtá claro no art. 39, §1º, da CF, quando fala em “fixação dos padrões de vencimento”) e às vantagens pessoais (que, como diz o mesmo art. 39, §1º, são os demais componentes do sistema remuneratório do servidor público titular de cargo público na Administração direta, autárquica e fundacional), e em (b2) salário, pago aos empregados públicos da Administração direta e indireta regidos pela CLT, titulares de empregos públicos, e não de cargos públicos.” MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo/SP. 2009, p. 482. 148 Art. 37 Omissis [...] XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do 79 Quanto ao tipo de remuneração submetida ao teto constitucional é para ser englobada naquele limite a remuneração como um todo; incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, excluídas, pois, as de caráter indenizatório previstas em lei. O alcance daquela norma jurídica possui como destinatários os titulares de cargos, empregos e funções da Administração Direta, autárquica e fundacional, incluindo-se detentores de mandato eletivo. Vale ressaltar que as empresas públicas e as sociedades de economia mista estão, em algumas hipóteses, incluídas no teto constitucional149. Isso porque quando as mesmas receberem recursos dos entes federados a que se encontram vinculadas com o objetivo de custear a despesa pública com pessoal devem se submeter ao teto150. Ainda sobre os requisitos formais pelos quais se estrutura a concessão da política remuneratória do serviço público é preciso informar que o instituto jurídico do direito adquirido à forma de cálculo de remuneração é completamente relativizado, devendo-se tão somente respeitar o princípio da irredutibilidade de vencimentos151. Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos 149 José dos Santos Carvalho Filho anota que “A Constituição determinou, ainda, que o teto remuneratório deve ser observado, da mesma forma, por empresas públicas e sociedades de economia mista e suas subsidiárias, quando receberem recursos das pessoas federativas a que estão vinculadas, com o objetivo de pagamento de despesas com pessoal ou com custeio em geral (art. 37, §9º, CF). Significa, pois, que a remuneração paga por tais entidades, quando dotadas de recursos próprios para despesas de pessoal, não está sujeita ao limite fixado para os demais empregados. O dispositivo merece críticas na medida em que permite o pagamento de salários muito superiores aos padrões de mercado me entidades administrativas, nas quais, como é sabido, impera frequentemente o mais deslavado nepotismo e a total falta de controle da respectiva administração direta.” CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 30ª edição. Editora Atlas. São Paulo/SP: 2016, p. 801. 150 Segundo o STF, “consoante dispõe o §9º do artigo 37 da Constituição Federal, o teto previsto no inciso XI do citado artigo alcança empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista e subsidiárias que recebam recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal e de custeio em geral.” EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Teto remuneratório. Empregado de sociedade de economia mista. CEDAE. Entidade sem autonomia financeira. Aplicação do art. 37, inciso XI, da CF. Precedentes. 1. A limitação remuneratória estabelecida pelo art. 37, inciso XI, da Constituição Federal aplica-se também aos empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista, mesmo antes da entrada em vigor da EC nº 19/98. 2. Agravo regimental não provido. ARE 647430 AgR/RJ. Órgão Julgador: Primeira Turma do STF. Relatoria do Ministro Dias Toffoli. Data do Julgamento: 27/11/2012. Data da Publicação: 19/12/2012. 151 Ementa: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Administrativo. Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro. Lei Estadual nº 2.990/98. Incorporação de gratificação. Ofensa a direito local. Violação reflexa. Análise de fatos e provas. Impossibilidade. Direito adquirido a regime jurídico. Inexistência. Redução remuneratória. Não ocorrência. 80 Assim, caso determinado plano de cargos, carreira e remuneração tenha em seu corpo normativo determinada fórmula de cálculo e posteriormente aquela lei for revogada, é possível que o novo diploma normativo altere a base de cálculo de pagamento da remuneração, desde que obedecida a irredutibilidade os vencimentos. No âmbito da função executiva do Poder Estadual, em virtude do princípio da simetria das formas, somente o mesmo pode dispor sobre a matéria, requisito previsto expressamente pelo art. 61, II, “a” da Constituição Federal152, entendimento inclusive consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual decidiu que é inviável a interposição de emendas parlamentares que impliquem aumento de despesas a projetos de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo153. Conforme já mencionado, o art. 169 da Constituição Federal estabelece que a despesa pública com pessoal, além de necessitar de dotação orçamentária suficiente para atender às suas projeções e aos acréscimos dela decorrentes e de autorização específica na LDO, também deve obedecer aos limites estabelecidos em lei complementar. Precedentes. 1. É pacífica a jurisprudência da Corte no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico, ficando assegurada a irredutibilidade de vencimentos. 2. No caso em tela, para rever o entendimento do Tribunal de origem, seria necessário analisar a legislação local e reexaminar os fatos e as provas constantes dos autos. Incidência das Súmulas nº 280 e 279/STF. ARE 905076 AgR/RJ. Relatoria do Ministro Dias Toffoli. Órgão Julgador: Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Data do Julgamento: 27/10/2015. Data da Publicação: 14/12/2015. 152 Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. §1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: [...] II – disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração. 153 EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 7.385/2002 do Estado do Espírito Santo. Alteração da nomenclatura do cargo de perito em fotografia criminal e dos requisitos de escolaridade exigidos para ingresso na função. Aumento de remuneração. Projeto de origem parlamentar. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade formal. 1. Lei estadual que trata do regime jurídico, da remuneração e dos critérios de provimento de cargo público componente dos quadros de polícia civil estadual. Inconstitucionalidade formal da norma, tendo em vista a usurpação da competência privativa do chefe do Poder Executivo – consagrada no art. 61, §1º, inciso I, alíneas a e c, da Constituição Federal – para iniciar processo legislativo que disponha sobre critérios de provimento de cargos, regime jurídico e aumento de remuneração de servidores públicos. Precedentes. 2. Ação julgada procedente. ADI 2.834/ES. Relatoria do Ministro Dias Toffoli. Órgão Julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Data do julgamento: 20/08/2014. Data da publicação: 09/10/2014. 81 Em que pese não ser a primeira a reger a matéria, a LRF é o diploma normativo a ser observado quando da expansão da despesa pública com pessoal. Aquele diploma normativo, ao instituir no ordenamento jurídico o princípio da gestão fiscal responsável154 trouxe uma grande inovação em relação ao gasto público: a obrigatoriedade do seu planejamento. Aquele referencial normativo possui uma proposta pedagógica, porquanto objetiva delinear uma gestão pautada em planejamento e transparência com o objetivo de equilibrar as contas públicas e moldurar limites com despesas de pessoal. Em que pese ser uma lei federal, a LRF possui abrangência em todo o âmbito nacional conforme demonstra o seu art. 2º155 e indexa o gasto com a política remuneratória no âmbito da Administração Pública com a receita corrente líquida (rcl) nos termos do seu art. 2º, inciso IV156, o que demonstra que o crescimento da folha de pagamento deve ocorrer de maneira sustentável, com a respectiva projeção de crescimento da receita para adimplir aquela despesa. Caso haja um cenário de retração de receita pelo Ente Federado, deve o seu respectivo gestor ter o máximo de cautela possível para não expandir a despesa pública com pessoal sem lastro suficiente para o seu respectivo pagamento. Não à toa que o art. 169, §1º, inciso I da Constituição Federal determina que o crescimento da despesa pública com pessoal deve ter prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções e aos acréscimos dela 154 Eis a dicção do art. 1º, §1º: “Art. 1º. Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição. §1ºA responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a receita de renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívida consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.” 155 Segundo aquele dispositivo o prescrito em seu corpo normativo obriga União, Estados, Distrito Federal e Municípios. 156 Art. 2º Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como [...] IV – receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos: [...] b) nos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional. 82 decorrentes como são o caso, por exemplo, dos encargos com a previdência social. Além de tudo já mencionado, a LRF traz em seu corpo normativo outros instrumentos de planejamento para toda e qualquer despesa pública (não só a despesa pública com pessoal), que são: a) a estimativa de impacto orçamentário financeiro no exercício que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes; e, b) declaração do ordenador de despesa que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a LOA e compatibilidade com o PPA e LDO157. Vale ressaltar que segundo a LRF, qualquer despesa pública em desarmonia com o PPA, a LDO e a LOA deve ser considerada nula de pleno direito158, o que corrobora com a característica de planejamento estratégico da Lei Complementar nº 101/2000. Enquanto legislação de regência a LRF conceitua despesa pública com pessoal da seguinte maneira: Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência. Depreende-se disso que o conceito de despesa com pessoal é amplo e engloba também o custeio com os inativos, quer seja aposentados ou pensionistas, salvo algumas exceções previstas expressamente no art. 19, inciso VI, as quais serão oportunamente abordadas ainda neste trabalho. 157 Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de: I – estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes; II – declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. 158 Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento de despesa com pessoal e não atenda: I – as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e disposto no inciso XIII do art. 37 e no §1º do art. 169 da Constituição. II - o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo. Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20. 83 Como um dos objetivos da LRF é harmonizar o equilíbrio das contas públicas com a intenção de evitar uma expansão de despesa pública com pessoal insustentável ao Erário, aquele diploma normativo assenta que no âmbito do Poder Executivo Estadual o comprometimento da despesa pública com pessoal não deve ultrapassar ao patamar de 49% da rcl159. Em que pese aquele limite de 49% a LRF, como possui uma proposta pedagógica, dispõe que há outro limite, que para a função executiva do Poder Estadual gravita entre o patamar de 46,55% e 49% da receita corrente líquida, também chamado de limite prudencial. Para fins de política remuneratória, o seu art. 22 estabelece que é vedado ao ente federativo que exceder o limite prudencial conceder qualquer aumento remuneratório. Mais que isso. Como também é um instrumento de controle, a LRF proíbe, naquele contexto, a expansão de despesa pública com pessoal em todos os seus sentidos, incluindo-se aí o provimento de cargos (salvo algumas exceções), criação de cargo, emprego ou função, alteração de estrutura de carreira e a até mesmo a contratação de hora extra da seguinte maneira: Art. 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre. Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso: I – concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição; II – criação de cargo, emprego ou função; III – alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; IV – provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança; V – contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do §6º do art. 57 da Constituição e as situações previstas na lei de diretrizes orçamentárias. 159 Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados [...] II – Estados: 60% (sessenta por cento) [...] Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais [...] II – na esfera estadual [...] c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo 84 O crescimento da despesa pública com pessoal no âmbito da função executiva estadual, portanto, deve obedecer, além da harmonia com as leis orçamentárias, aos limites impostos pela LRF, sob pena de dano ao Erário e temeridade quanto ao cumprimento do cumprimento daquela obrigação pelo ente público. Ademais, caso o ente federado não obedeça aos requisitos impostos pela LRF em relação ao descontrole da expansão da despesa pública com pessoal e fique com o comprometimento da receita corrente líquida acima do permitido, a própria Constituição Federal traz instrumentos indutores para a sua redução, nos termos do seu art. 169, §3º. Aquelas ferramentas compulsórias objetivam forçar o gestor público a redução da despesa pública com pessoal são: a) redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; e, b) exoneração dos servidores não estáveis. Caso aquelas providências não sejam suficientes para estabelecer um controle em relação à despesa pública com pessoal o legislador constituinte determina uma medida extrema, que é a exoneração de servidores estáveis160. Contudo, a eventual exoneração dos servidores estáveis não pode ocorrer de qualquer maneira porque estabelece o texto constitucional que a mesma deve seguir critérios estabelecidos em lei que estabeleça normas gerais161 e atualmente a legislação de regência é a lei nº 9.801/1999162. Além disso, enquanto legislação complementar à Constituição, a LRF estabelece também a obrigatoriedade da edição de alguns atos vinculados quando da extrapolação dos limites de comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa com pessoal como é o caso do art. 23, caput. Se a função executiva do Poder Estadual ultrapassar, fica obrigada reduzir o excedente nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro. 160 Art. 169. Omissis [...] §4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal. 161 Art. 169. Omissis [...] §7º Lei federal disporá sobre as normas gerais a serem obedecidas na efetivação do disposto no §4º. 162 Dispõe sobre as normas gerais para perda de cargo público por excesso de despesa e dá outras providêncas. 85 Para isso, além da adoção das medidas previstas no art. 169, §§3º e 4º da Constituição Federal, a LRF estabelece a faculdade de redução de carga horária, com a respectiva adequação à redução temporária da jornada de trabalho, a extinção de cargos e funções e até mesmo a redução dos valores a eles atribuídos. Caso mesmo não seja atingida a redução prevista, o ente é quem sofre a penalidade, que no caso é a proibição do recebimento de transferências voluntárias, a obtenção de garantia direta ou indireta de outro ente e até mesmo a proibição de contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal. Vale destacar o fato que o ente como um todo pode ser penalizado caso um dos órgãos descritos no art. 20 da LRF não controle a sua despesa pública com pessoal. A título de exemplificação, caso a política remuneratória da assembleia legislativa entre em colapso e não reduzir aos limites estabelecidos dentro do prazo previsto na LRF (dois quadrimestres seguintes),resta defeso à função executiva do Poder Estadual contratar operação de crédito, obedecidas as ressalvas acima descritas. É nítida, portanto, a preocupação do ordenamento jurídico no tocante à Administração do Erário em termos de remuneração de pessoal, pois o mesmo, na medida em que exige responsabilidade, outorga aos gestores públicos um diploma normativo específico sobre a matéria com uma proposta pedagógica e estratégica que abrange desde planejamento até controle. A despesa pública com pessoal deve obedecer, desde critérios meramente formais para a sua expansão, mecanismos de controle e averiguação para que o seu crescimento aconteça de maneira sustentável. O ordenamento jurídico vigente possui bases sólidas que auxiliam o administrador público a ter uma gestão fiscal responsável e que lhe fornece instrumentos precisos no tocante ao crescimento da folha de pagamento. Não é admissível, portanto, uma expansão desordenada da despesa com pessoal, tendo em vista todos os indicativos permissivos que autorizam a sua concessão, que vão desde aspectos meramente formais; que demarcam a moldura pela qual deve o gasto público com pessoal ser delimitado, bem como 86 aspectos materiais; que se caracterizam como indicativos contábeis e financeiros que autorizam aquele tipo de despesa pública. A expansão da despesa pública com pessoal no âmbito da função executiva do Poder Estadual é de competência privativa de quem o exerce por intermédio de lei específica, sem vinculação ou equiparação a quaisquer espécies remuneratórias e quanto à concessão de aumento remuneratório, a Constituição Federal estabelece critérios técnicos como, por exemplo, previsão específica na lei orçamentária e autorização específica na LDO. Além disso, a LRF estabelece parâmetros de comprometimento da receita corrente líquida à expansão da despesa pública com pessoal como forma de monitorar o seu crescimento, que deve ser feito de maneira sustentável. Para fins da função executiva do Poder Estadual o limite é 49%, mas há outro limite: o de 46,55%. E como instrumento de planejamento e controle, a LRF estabelece que quando do atingimento do comprometimento da receita corrente líquida na faixa que compreende 46,55% e 49%; chamada de limite prudencial, fica vedada a concessão de aumento remuneratório. Mesmo diante disso, o que se vê é o atraso no pagamento da remuneração no âmbito do serviço público. No Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, o relatório de gestão fiscal do 2º quadrimestre do exercício financeiro de 2017 demonstra que há o comprometimento de 46,21% da receita corrente líquida em relação à despesa pública com pessoal163. Aquele ente federado está com insuficiência financeira para adimplir a sua folha de pessoal e desde 2015 fraciona o pagamento, razão pela qual recentemente foi aprovada uma lei, de autoria da função executiva do Poder, a qual estabelece parâmetros de indenização aos servidores ativos, inativos e pensionistas por eventual descumprimento do prazo de pagamento da remuneração previsto na Constituição daquele Estado164. 163 http://www1.tce.rs.gov.br/aplicprod/f?p=20001:7:0:::RP,7:P7_ESFERAS:E acesso em 06/11/2017 164 Projeto de Lei Complementar nº 193/2017, disponível em http://proweb.procergs.com.br/consulta_proposicao.asp?SiglaTipo=PLC&NroProposicao=193& AnoProposicao=2017 acesso em 06/11/2017 87 O Estado de Minas Gerais, por sua vez, segundo a publicação do relatório de gestão fiscal referente ao 2º quadrimestre do exercício financeiro de 2017, está com 48,38% da sua receita corrente líquida comprometida em relação à despesa com pessoal e também está fracionando o pagamento do funcionalismo público em decorrência de insuficiência financeira165. O Distrito Federal também é outro ente da federação que encontra dificuldades no custeio do pagamento da sua folha de pessoal o que inclusive ocasionou uma decisão judicial recente que proibiu o parcelamento do pagamento da remuneração166. Em cenários como esses deve o gestor público elaborar uma estratégia para aumentar a arrecadação de receitas ou rever a sua política remuneratória, suprimindo vantagens como ferramenta para maximizar a utilização do Erário. É preciso estar atento ao comportamento da arrecadação quando da instituição de uma política remuneratória que expanda a despesa pública com pessoal, porquanto o regime jurídico correlato à matéria demonstra que uma vez concedido um reajuste e/ou aumento remuneratório, não é simples a tarefa de suprimi-los. Em outras palavras: concedida a expansão da despesa pública com pessoal é difícil suprimi-la em virtude do princípio da irredutibilidade de vencimentos. Além das dificuldades acima relatadas a função executiva do Poder possui outra, que é o custeio da educação. No tocante ao direito à educação, na medida em que a Constituição Federal atribui competência específica para União, Estados, Distrito Federal e Municípios, proporciona monitoramento em tempo real e integral na alocação dos recursos e é nesse contexto que também se pauta a importância dos Conselhos de Educação. A educação escolar, inclusive, objetiva o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e até mesmo a sua qualificação para o trabalho. 165 http://www.agenciaminas.mg.gov.br/noticia/secretaria-de-fazenda-divulga-pagamento-dos- servidores-para-novembro acesso em 06/11/2017. 166 http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2017/agosto/tjdft-determina-que- governador-pague-servidores-sem-parcelamento-1 acesso em 06/11/2017 88 Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional167 (LDB), a educação inclui todos os processos formativos que se desenvolvem em vários aspectos como, por exemplo, na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e manifestações culturais168 e se ramifica em: a) educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; e, b) educação superior169. Enquanto norma delimitadora de competências170 do Estado brasileiro, a Constituição Federal estabelece que a educação básica é de responsabilidade dos Estados e Municípios171 e o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) normatiza que lei específica disporá sobre o “piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica172”. Ocorre que aquela legislação de regência, também conhecida como lei do piso nacional173, estabelecia, à época da sua promulgação, que os Estados- membros não poderiam fixar para a carreira do magistério público da educação básica o valor abaixo de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais) mensais174, 167 Lei 9.394/1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 168 Art. 1º. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvam na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. 169 Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhes a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. 170 Sobre a delimitação de competências traçada pela Constituição Federal leciona Luís Roberto Barroso que: “As normas constitucionais têm por objeto estruturar e disciplinar o exercício do poder político. Elas se dirigem, na generalidade dos casos, aos próprios Poderes do Estado e a seus agentes. Incluem-se dentre as normas constitucionais de organização aquelas que: (i) veiculam decisões políticas fundamentais, como a forma de governo, a forma de Estado e o regime político, a divisão orgânica do poder ou o sistema de governo; (ii) definem as competências dos órgãos constitucionais e das entidades estatais; (iii) criam órgãos públicos, autorizam sua criação, traçam regras à sua composição e ao seu funcionamento; e, (iv) estabelecem normas processuais ou procedimentais: de revisão da própria Constituição, de defesa da Constituição, de elaboração legislativa, de fiscalização.” BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a edição do novo modelo. 4ª edição. Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2014, pp. 223/224. 171 Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino [...] §2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. §3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. 172 Art. 60, inciso III, alínea “e”. 173 Lei nº 11.738/2008, que regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. 174 Art. 2º. O piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica será de R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais) mensais, para a formação 89 o que foi prontamente atacado por intermédio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sob o argumento de que infringia um princípio básico intrínseco ao federalismo brasileiro: a autonomia dos entes políticos. Não é para menos. Ora, se a educação básica é de responsabilidade dos Estados e dos Municípios, logo, compete aos mesmos, mediante as suas peculiaridades, disporem sobre a política remuneratória sobre o assunto. Ao apreciar a (in) constitucionalidade daquela matéria, o Supremo Tribunal Federal (ADI 4167) entendeu que a mesma se encaixa no ordenamento jurídico sob o argumento, em síntese, que a União é competente para dispor sobre normas gerais relativas ao piso de vencimento dos professores da educação básica para fomentar o sistema educacional e até mesmo a valorização profissional175. Além disso, aquele referencial normativo estabeleceu um reajuste anual para aquela classe, que possui como base de cálculo o “mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano176” definido pela Lei nº 11.494/2007177. Ocorre que aquela indexação é inconstitucional, tendo em vista que afronta diretamente, além do princípio da legalidade específica, toda a estrutura normativa presente no art. 169 da Constituição Federal e na LRF. Em que pese a possibilidade de a União complementar o custeio da folha de pessoal do magistério conforme prevê a lei do Fundo de Manutenção e em nível médio, na modalidade Normal, prevista no art. 62 da Lei nº 9.934, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece diretrizes e bases da educação nacional. 175 Eis um trecho da ementa: “É constitucional a norma geral federal que fixou o piso salarial dos professores do ensino médio com base no vencimento, e não na remuneração global. Competência da União para dispor sobre normas gerais relativas ao piso de vencimento dos professores da educação básica, de modo a utilizá-lo como mecanismo de fomento ao sistema educacional e de valorização profissional, e não apenas como instrumento de proteção mínima ao trabalhador”. ADI 4167. Órgão Julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Relatoria do Ministro Joaquim Barbosa. Data do Julgamento: 27/04/2011. Data da Publicação: 24/08/2011. 176 Art. 5º. O piso salarial profissional nacional do magistério publico da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009. Parágrafo único. A atualização de que trata o caput deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2017. 177 Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei nº 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nºs 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. 90 Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), evitando assim um colapso nas contas dos entes federados que não possuírem margem financeira para custear aquele tipo de despesa pública, o assunto em tela merece uma outra preocupação. É que o reajuste automático do piso nacional do magistério, além de impactar financeiramente as contas dos entes federados também proporciona um impacto contábil. O impacto financeiro, conforme já acima mencionado, é amortizado pela complementação a qual a União deve realizar, mas, o impacto contábil não. Isso porque aquele reajuste automático impacta diretamente no comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa pública com pessoal e o Estado-membro nada pode fazer, mesmo eventualmente estando no limite prudencial e sendo vedado por outra lei nacional que, no caso é a LRF. Diante desta antinomia, e como o Direito é um sistema sem lacunas178, deve o intérprete estabelecer uma estrutura argumentativa para solucionar o impasse acima delimitado179 e a intepretação teleológica180 com base na 178 Para Maria Helena Diniz, quando houver conflito “Entre duas normas plenamente justificáveis, deve-se opinar pela que permitir a aplicação do direito com sabedoria, justiça, prudência, eficiência e coerência com seus princípios. Na aplicação do direito deve haver flexibilidade do entendimento razoável do preceito, permitida no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, corrigindo-se o conflito normativo, adaptando a norma que for mais razoável à solução do caso concreto, aliviando a antinomia.” DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. Introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica, norma jurídica e aplicação do direito. Editora Saraiva. 20ª edição. São Paulo/SP: 2009, p. 493. 179 Para Juarez Freitas “Como objeto de cognição e de compreensão, o sistema jurídico mostra- se dialeticamente unitário, aperfeiçoando-se no intérprete, sendo ele – o intérprete-positivador quem, na multiplicidade cambiante e enigmática da vida, outorga, por assim dizer, unidade ao ordenamento, epistemologicamente e ontologicamente considerado. Dessa maneira, para além da distinção entre “compreender” e “explicar”, imperioso tornar vívida, mais funda e, especialmente, prática a compreensão (necessariamente prescritiva) da totalidade (não- totalizante) do Direito (mais do que das leis), sobretudo quando se assume que o núcleo do sistema surge constituído de valores e de princípios que transcendem o âmbito da lógica estrita, por ter o intérprete jurídico, mesmo nos casos simples, que operar também com inferências não-dedutivas.” FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. Malheiros Editores. 5ª edição. 2010, pp. 33/34. 180 Para Luís Roberto Barroso “As normas devem ser aplicadas atendendo, fundamentalmente, ao seu espírito e à sua finalidade. Chama-se teleológico o método interpretativo que procura revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito. A formulação teórica da interpretação teleológica é tributária dos estudos de Heck, Geny, e, sobretudo, Ihering [...] A Constituição e as leis, portanto, visam a acudir certas necessidades e devem ser interpretadas no sentido que melhor atenda à finalidade para a qual foi criada [...]” BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. Editora Saraiva. 7ª edição. São Paulo/SP: 2014, pp.143-145. 91 legislação de regência aponta como diretriz a obediência à inteligência do art. 169 da Constituição Federal. Segundo aquele dispositivo constitucional, caso a despesa pública com pessoal cresça de maneira desordenada ao que prescreve a legislação que regulamenta a matéria, um dos mitos do serviço público, que é a estabilidade181, pode ser deixada de lado no afã de que se (re) estabeleça a harmonia na administração daquele tipo de despesa pública182. Diante disso, o reajuste automático anual previsto na lei do piso nacional, tendo em vista que vincula os Estados-membros a aumentarem a sua despesa com pessoal, como compromete o comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa com pessoal de maneira, não se alinha com a inteligência da Constituição em relação ao planejamento prévio e sustentável do crescimento da folha de pagamento. Exatamente por isso o sistema constitucional correlato à despesa pública com pessoal determina um planejamento estratégico onde se estude a receita e a projeção do gasto antes de expandi-lo. 3.2 – Princípio da impessoalidade e a proibição de aumento remuneratório em época de eleição Os períodos eleitorais no Brasil demonstram que o gestor público tenta de todo modo e dentro de uma moldura de juridicidade, promover a sua imagem ou a de um candidato que apoia. Para isso, utiliza-se da estrutura que tem a Administração Pública pela qual é responsável. 181 Conforme ensina Rafael Rezende de Oliveira “A estabilidade é a garantia de permanência no serviço público reconhecida ao servidor público estatutário, ocupante de cargo efetivo, após três anos de efetivo exercício da função e aprovação na avaliação especial de desempenho (art. 41 da CRFB)”. REZENDE OLIVEIRA, Rafael Carvalho. Curso de Direito Administrativo. Editora Gen. 5ª edição. São Paulo/SP: 2017, p. 702. 182 Segundo o art. 169, §4º, caso ações de contenção de gastos não sejam suficientes para conter a expansão desordenada da folha de pessoal “o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.” Há uma lei, de caráter nacional, que estabelece regras gerais para a perda do cargo público por excesso de despesa: 9.801/1999. 92 Muito embora a Constituição determine que a propaganda institucional deva ser feita com caráter educativo informativo ou de orientação social183, não raras vezes se vê a deturpação daquela divulgação dos atos institucionais184. Como a administração pública deve ser utilizada para fins realmente institucionais185, logo deve o ordenamento jurídico estabelecer um sistema racional de controle da utilização da estrutura administrativa para evitar distorções que eventualmente favoreçam particulares em detrimento ao interesse público. A gestão da coisa pública não pode ser utilizada para a obtenção de privilégios particulares quer seja através de promoção pessoal ou até mesmo de ostensivo apoio político e a legislação que regulamenta o procedimento pelo qual devem seguir as eleições186 veda expressamente algumas condutas aos agentes públicos em época de campanhas eleitorais187. 183 Art. 37 Omissis [...] §1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. 184 EMENTA: Publicidade de atos governamentais. Princípio da impessoalidade. Art. 37, parágrafo 1º, da Constituição Federal. 1. O caput e o parágrafo 1º do artigo 37 da Constituição Federal impedem que haja qualquer tipo de identificação entre a publicidade e os titulares dos cargos alcançando os partidos políticos a que pertençam O rigor do dispositivo constitucional que assegura o princípio da impessoalidade vincula a publicidade ao caráter educativo, informativo ou de orientação social é incompatível com a menção de nomes, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans, que caracterizem promoção pessoal ou de servidores públicos. A possibilidade de vinculação do conteúdo da divulgação com o partido político a que pertença o titular do cargo público manha o princípio da impessoalidade e desnatura o caráter educativo, informativo ou de orientação que constam do comando posto pelo constituinte dos oitenta. 2. Recurso extraordinário desprovido. RE 191668/RS. Relatoria do Ministro Menezes Direito. Data do julgamento: 15/04/2008. Órgão julgador: Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Data da publicação: 30/05/2008. 185 A impessoalidade na gestão pública é uma conduta de zelo ao Erário e sobre esta relação de administração anotam Cláudia Cavalari e Eduardo Fortunato Bum que “Percebe-se, pela relação de administração, que os titulares de cargos públicos devem pautar sua administração pelos fins previstos na legislação, que, por sua vez, é confeccionada pelos representantes do povo no parlamento. Os bens e serviços públicos têm importância por serem meios que dispõe a Administração para o atendimento de seus fins. Seu uso deve ater-se ao benefício da função, para melhor desempenho do cargo, e jamais em benefício próprio. As necessidades públicas são anônimas, embora possam, eventualmente, beneficiar determinadas pessoas.” CAVALARI, Cláudia; BIM, Eduardo Fortunato. Uso da máquina estatal para fins eleitorais pelos agentes públicos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 226, p. 33-58, out. 2001. ISSN 2238-5177. Disponível em: . Acesso em: 07 Nov. 2017. 186 Lei 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições. 187 Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais [...] 93 Dentre aquelas proibições uma inclusive é de se fazer propaganda institucional nos três meses que antecedem o pleito exatamente para se evitar eventual propaganda eleitoral através da utilização da administração pública. O conceito de propaganda eleitoral, diga-se de passagem, caracteriza- se mediante o pedido expresso de votos188, o que dá azo a condutas que se utilizam da máquina pública para promoção de interesses particulares em detrimento do público. É o caso, por exemplo, de uma pessoa investida na chefia da função executiva de determinado Poder Executivo Estadual que pretenda lançar como candidato a sucessão da sua gestão um (a) secretário(a). A utilização da estrutura administrativa pode ser realizada de uma maneira velada por uma política pública assistencialista, como, por exemplo, a distribuição de alimentos a uma comunidade carente devidamente cadastrada em uma Secretaria ou até mesmo a distribuição de cortesias em transportes coletivos para cidadãos que não possuem recursos para suprir a sua demanda em se locomover para realização de exames ou até mesmo entrevistas de emprego. 188 EMENTA: ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. REALIZAÇÃO DE CAMINHADAS. DISCURSO. DIVULGAÇÃO EM REDE SOCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE VOTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS NA REPRESENTAÇÃO E AFASTAR A MULTA IMPOSTA. RAZÕES DO RECURSO QUE NÃO ENSEJAM A REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTO DESPROVIDO. 1. Na linha da recente jurisprudência do TSE, a referência à candidatura e a promoção pessoal dos pré-candidatos, desde que não haja pedido explícito de votos, não configura propaganda extemporânea, nos termos da nova redação dada ao art. 36-A pela Lei 13.615/15. Precedente: AgR-Respe 12-06/PE, Rel. Min. ADMAR GONZAGA, Dje 16.8.2017. 2. TRE de origem entendeu que houve propaganda antecipada, consistente na realização de caminhadas por diversos bairros do Município de Itabaiana/SE, que, sob a alegação de destinarem-se ao colhimento de necessidades da população, tinham o propósito verdadeiro de divulgar a futura candidatura de ROBERTO BISPO ao cargo de Prefeito. 3. De acordo com o atual entendimento deste Tribunal Superior, desde que inexistente pedido expresso de votos, a referência à candidatura e a promoção pessoal dos pré-candidatos não configuram propaganda eleitoral extemporânea. Assim, não sepode confundir ato de mera divulgação de propósitos em evento promovido por associação local, com posterior replicação em rede social, com propaganda eleitoral extemporânea. 4. Agravo Regimental a que se nega provimento. RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 194 - ITABAIANA – SE. Acórdão de 17/10/2017. Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 03/11/2017. 94 O fato é que a promoção da imagem pessoal do gestor ou de uma pessoa que seja sua correligionária vai de encontro a propagando institucional permitida pela Constituição e através de um processo planejado de maneira minuciosa, orçamentos de secretarias e/ou ministérios estratégicos são reforçados para que aquelas pastas apresentem ações pontuais e relevantes em anos eleitorais disfarçadas de gestão pública com o propósito exclusivo de captar votos. A problemática em relação a isso diz respeito ao seguinte questionamento: como se comprovar a ilicitude se tudo se reveste de legalidade? Ocorre que o Estado Constitucional pelo qual se interpreta o direito brasileiro alça aos princípios uma força interpretativa ampliada e estratégica, que pode desestruturar um argumento amparado tão somente em leis, desde que o intérprete analise o ordenamento jurídico da maneira mais próxima à defesa do interesse público. E é exatamente esta tentativa de estabelecer uma construção semântica da ideia de interesse público que deve levar em consideração quando da elaboração de uma política pública. Sobre a seca, por exemplo, determina a Constituição Federal que “compete à União planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações 189” e o que se vê é sempre a promoção pessoal de políticos quando os mesmos se utilizam da estrutura administrativa a qual dispõe para realizar obras em período eleitoral para promoção do seu interesse190. 189 Art. 21. Compete à União: [...] XVIII – planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações. 190 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. INELEGIBILIDADE. PREFEITO. POTENCIALIDADE. CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Abuso do poder configurado, em face da construção de barragens e de concessão de transporte gratuito à população, em ano eleitoral, com potencial desequilíbrio no resultado do pleito. 2. A caracterização do abuso de poder não pressupõe nexo de causalidade entre as condutas praticadas e o resultado da eleição, mas a potencialidade lesiva dos atos, apta a macular a legitimidade do pleito. Precedentes. 3. O exame da potencialidade fica a cargo do tribunal regional, que é soberano na apreciação da prova. É inviável o reexame probatório em sede de recurso especial. 4. Agravo regimental desprovido. RESPE. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 26035 – MEDINA-MG. Acórdão de 15/05/2017. Relatoria do Ministro José Gerardo Grossi. Data da publicação: DJe de 29/06/2017. 95 Ora, se o combate à seca é uma política de Estado determinada pela Constituição Federal, logo, não há que se promover a figura pessoal do gestor pela construção de uma barragem em época de campanha eleitoral. A profissionalização e a respectiva valorização da Administração Pública passam, necessariamente, pela vivência em relação ao sentido que tem o princípio da impessoalidade. O agente político é mero representante ou, para os civilistas, um mandatário o qual recebe encargo do povo para a defesa dos interesses coletivos e a publicidade das ações da sua gestão não deve ser na perspectiva de promoção pessoal fomentada pelo fisiologismo político, mas sim pelo fortalecimento do ente político o qual representa. A impessoalidade na gestão resulta em seriedade da sua avaliação, pois o trabalho institucional fortalece a ideia de interesse público o qual representa determinado gestor público. A cobrança pela execução do PPA devidamente aprovado pela função legislativa do Poder corrobora com a importância da efetivação do princípio da impessoalidade. É assim que se deve ser visto e não como um “pedido de liberação de emenda”. A partir desta releitura, o gestor público percebe que não vai a um ministério e/ou secretaria postular a aprovação de um convênio para “o seu governo”, mas sim para o cumprimento de um PPA que foi discutido amplamente com a população e aprovado pelos seus respectivos representantes no Parlamento. É necessário, portanto, se efetivar o princípio da impessoalidade administrativa, que está acima de qualquer interesse. Quer seja político, partidário ou até mesmo sindical que pleiteie aumento de remuneração para determinada classe de servidores públicos. A Administração Pública não deve ser vista como um feudo no qual os governantes transmitem a mensagem de que “o governo é deles”. O governo, na verdade, o Estado, é de todos e exatamente por isso deve que ser administrado de maneira impessoal. Em um Estado Democrático de Direito, no qual a população é parte legítima para acompanhar e fiscalizar em tempo real as atividades da 96 Administração Pública, a impessoalidade em sua gestão deve ser seguida à risca. O princípio da impessoalidade administrativa garante o tratamento igual a todos os administrados, a imparcialidade no processo de tomada de decisão e até mesmo a neutralidade dos agentes públicos e políticos, que devem se afastar de interesses políticos partidários na gestão da res pública191. Em que pese ter a legitimidade para tomar as decisões que lhe forem sensatas no exercício do seu poder discricionário através do seu juízo de oportunidade e conveniência, o gestor público está estritamente vinculado a uma estrutura normativa que o assessora e a força normativa do princípio da impessoalidade limita o seu campo de atuação. A discricionariedade administrativa não é a mera faculdade pela edição de um ato administrativo pelo gestor público. Ela o é o exercício de um juízo de ponderação de acordo com a legislação existente que o pressiona a ter uma gestão proba, que proporcione igualdade quer seja na perspectiva formal ou material aos administrados e que realmente esteja em órbita com o interesse público192. O compromisso pela impessoalidade administrativa começa na investidura de cargo público ou função de confiança, conforme assenta o 191 Ao pesquisar sobre o tema Anízio Pires Galvão Filho observa que “A impessoalidade impõe à administração pública os deveres de conduta vinculantes de: a) respeitar o direito de igualdade dos administrados; b) não utilização da coisa pública em proveito próprio ou alheio; c) proceder com objetividade na escolha dos meios para a realização do bem comum; d) imparcialidade na prática de atos administrativos e de tomada de decisões administrativas que afetem interesses privados e públicos; e) neutralidade dos agentes públicos e políticos, no sentido de não atuarem movidos por interesses políticos-partidários ou ideológicos. Por isso mesmo, pode-se formular o enunciado no sentido de que a impessoalidade impõe limitações à atividade administrativa: a) restringindo o espaço da atividade discricionária; b) fixando parâmetros decisórios para a determinação do interesse público; c) fixando critérios objetivos para a solução dos conflitos de interesses privados postos perante à administração pública.” FILHO, Anizio Pires Galvão. O Princípio da Impessoalidade. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 33, janeiro/fevereiro/março de 2013. Disponível em: www.direitodoeestado.com/revista/REDE-33-JANEIRO-2013-ANISIO- FILHO.pdf 192 Ao propor um conceito de discricionariedade administrativa FREITAS pontua que “Pode-se conceituar a discricionariedade administrativa como a competência administrativa (não mera faculdade) de avaliar e de escolher, no plano concreto, as melhores soluções, mediante justificativas válidas, coerentes e consistentes de sustentabilidade, conveniência ou oportunidade (com razões juridicamente aceitáveis), respeitados os requisitos formais e substanciais da efetividade do direito fundamental à boa administração pública.” FREITAS, Juarez. Direito Fundamental à Boa Administração Pública. Malheiros Editores. 3ª edição. São Paulo/SP: 2014, p. 24. 97 verbete da súmula vinculante nº 13193, também conhecida como a súmula do nepotismo. Um grande desafio para o jurista é delimitar uma margem de discricionariedade pela qual se estabeleça um critério para aferir a impessoalidade na elaboração de um ato administrativo e a moldura para isso passa, necessariamente, pelo conceito de interesse público construído por determinada sociedade. Assim, observa-se que a impessoalidade na gestão pública não é um conceito jurídico indeterminado194, mas é um tipo aberto. Desta forma o princípio da impessoalidade se adequa a cada população e é construída dela para ela. Como durante a gestão de um mandato outorgado pelo povo, a impessoalidade deve marcar todos os passos do administrador público, caso eventual ato administrativo esteja desconforme com este princípio o mesmo é passivo de nulidade, como ocorre no procedimento de desapropriação. Característico da intervenção do Estado na propriedade, a desapropriação195 de um bem imóvel de um administrado deve, além de 193 Súmula Vinculante 13 – “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes de União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.” 194 Para Luís Roberto Barroso “Os denominados conceitos jurídicos indeterminados por vezes referidos como cláusulas gerais, constituem manifestação de uma técnica legislativa que se utiliza de expressões de textura aberta, dotadas de plasticidade, que fornecem um início de significação a ser complementado pelo intérprete, levando em conta as circunstâncias do caso concreto. A norma em abstrato não contém integralmente os elementos de sua aplicação. Ao lidar com locuções como ordem pública, interesse social ou calamidade pública, dentre outras, o intérprete precisa fazer a valoração de fatores objetivos e subjetivos presentes na realidade fática, de modo a definir o sentido e o alcance da norma. Como a solução não se encontra integralmente no enunciado normativo, sua função não poderá limitar-se à revelação do que lá se contém; ele terá de ir além, integrando o comando normativo com a sua própria avaliação.” BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4ª edição. Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2014, p. 349. 195 A desapropriação possui fundamento constitucional por intermédio do art. 5º, inciso XXIV, in verbis: Art. 5º Omissis [...] XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição. 98 obedecer ao interesse público, seguir toda a processualística estabelecida na legislação de regência196. O terreno o qual a administração pública exproprie do particular deve ter realmente finalidade pública (a escolha deve ser impessoal) e caso posteriormente ao processo expropriatório o gestor dê destinação diversa aos motivos que ensejaram a desapropriação, aquele ato pode ser anulado pelo judiciário por intermédio de um instituto jurídico chamado tredestinação, que pode ser lícita ou ilícita. A tredestinação lícita ocorre quando a administração pública desiste da finalidade pela qual se fundamentou a desapropriação, mas ainda permanece o interesse público. É o caso, por exemplo, da desapropriação de um imóvel para a construção de um hospital e na verdade se constrói uma escola. Por outro lado, a tredestinação ilícita ocorre quando o bem imóvel é destinado a um fim completamente diferente pelo qual foi desapropriado não persistindo, pois, qualquer interesse público. No que diz respeito à política remuneratória, há um microssistema que obriga que se paute impessoalidade na política remuneratória no exercício da função administrativa e o mesmo se observa tanto na Constituição Federal como na LRF. Percebe-se a preocupação do legislador constituinte em relação ao princípio da impessoalidade quando o mesmo instituiu que o regime remuneratório dos vereadores deve ser fixado de uma legislatura para outra197. O princípio da anterioridade ou regra da legislatura evita que os vereadores legislem em causa própria e isso obsta aos edis então (re)eleitos estabelecerem a sua própria remuneração. Desta forma, como uma legislatura dura 04 (quatro) anos, devem os respectivos parlamentos municipais editarem a sua política remuneratória antes do começo da vigência dos respectivos mandatos. No contexto acima delimitado é necessária a seguinte reflexão: qual é o prazo para editar o quantum referente ao subsídio dos vereadores: um dia 196 Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. 197 Art. 29. Omissis [...] VI – o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe a Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos: [...] 99 antes do final da legislatura que está se vencendo? as homologações das respectivas candidaturas? as homologações das eleições? O intérprete da norma, caso esteja desatento pode pensar que o dispositivo constitucional que versa sobre a política remuneratória do parlamento municipal é omisso em relação à matéria. Contudo, como aquele dispositivo assenta que “o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica”, é necessário que se faça um juízo de ponderação em sintonia com o interesse público quando da instituição dos subsídios dos vereadores. Como a leitura do texto constitucional deve ser feita de uma maneira teleológica198, o seu intérprete deve levar em consideração além da linguagem semântica a ser extraída da sua redação, a linguagem jurídica adequada ao interesse público, já que a Constituição Federal representa o pacto social feito por toda a população para balizar e harmonizar os comportamentos de todos. Agentes políticos ou não. Assim, o princípio da impessoalidade, enquanto postulado normativo do regime jurídico-administrativo brasileiro se impõe no planejamento daquele tipo de política pública, razão pela qual deve prevalecer o argumento que defende a instituição da política remuneratória dos parlamentos municipais até antes do início das eleições199. 198 Para Luís Roberto Barroso “As normas devem ser aplicadas atendendo, fundamentalmente, ao seu espírito e à sua finalidade. Chama-se teleológico o método interpretativo que procura revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito.” BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª edição. Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2008, p. 143. 199 Eis o entendimento sumulado do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte: Súmula nº 32- AGENTES POLÍTICOS MUNICIPAIS. REMUNERAÇÃO. EXIGÊNCIA EM LEI EM SENTIDO FORMAL. AUMENTO DE DESPESA. PREFEITOS, VICE-PREFEITOS E SECRETÁRIOS MUNICIPAIS. PUBLICAÇÃO DA LEI ATÉ 03 DE JULHO. VEREADORES. PUBLICAÇÃO DA LEI ATÉ 04 DE AGOSTO. ANO DAS ELEIÇÕES. OBSERVÂNCIA DOS LIMITES CONSTITUCIONAIS E DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL.A fixação da remuneração dos agentes políticos municipais exige lei em sentido formal, a ser publicada, quando implicar em aumento de despesas com pessoal, no caso dos prefeitos, vice-prefeitos e secretários municipais, até o dia 03 de julho, e dos vereadores, até o dia 04 de agosto, ambos do ano das eleições municipais, respeitados os limites constitucionais e da Lei de Responsabilidade Fiscal. 100 Vale destacar que o próprio texto normativo da LRF estabelece também que “é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato200” É possível que eventual parlamentar suscite a tese de que “A Constituição está acima da LRF” e que, portanto, aquele dispositivo da lei da qualidade do gasto público é inconstitucional. Contudo, uma leitura minuciosa do texto constitucional com base na força normativa do princípio da impessoalidade administrativa refuta qualquer eventual procedência daquela tese “positivista”. O intérprete do direito não deve se ater tão somente à estrutura semântica do ordenamento jurídico. Ele deve, e inclusive é a sua função social, defender a estrutura do sistema jurídico como um todo. O jurista, ao interpretar uma norma intrínseca a um ordenamento jurídico que impõe ordem e coercibilidade na busca pela harmonia das relações sociais deve ser responsável, prudente e cauteloso e por isso possui uma função social201. Sendo assim eventual dúvida em relação ao lapso temporal da fixação do regime remuneratório dos vereadores sob o argumento de que o art. 29, inciso VI da Constituição Federal é omisso em relação à matéria deve ser refutado com fundamento no princípio da impessoalidade administrativa. Por outro lado, em relação aos mandatos de deputados estaduais, a Constituição Federal, por força do art. 27, §4º, até a promulgação da Emenda 200 Art. 21. Omissis [...] Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20. 201 Paulo Nader ensina que “A organização jurídica de um país exige tanto o argumento de leis quanto a presença de operadores do Direito e de juristas. Os primeiros são versados na manipulação do sistema, seja na condição de postulantes, seja na aplicação de regras em casos concretos. O que identifica a classe de juristas não é tanto o conhecimento de sistemas jurídicos, mas fundamentalmente aptidão em conhecer o Direito. Caracteriza-se mais por essa capacidade de distinguir o lícito do ilícito e em assimilar os princípios e teleologia das leis. Ele não há de dominar, necessariamente, com o saber, as diversas ciências jurídicas. À sua percepção geral não pode faltar o senso do justo, nem a sensibilidade para o sociológico do Direito. Além de espirito lógico, a aptidão para conhecer o Direito requer uma formação cultural básica, capacidade de abstração e sentimento ético, visão sociológica e domínio da linguagem.” NADER, Paulo. Filosofia do Direito. Editora Forense. 14ª edição. Rio de Janeiro/RJ: 2003, p. 79. 101 Constitucional nº 19/1998, estabelecia expressamente que aquele regime remuneratório se submetia à regra da legislatura202. Ocorre que com a reforma administrativa do Estado brasileiro quis o legislador constituinte derivado suprimir aquela regra de planejamento, tirando- a expressamente daquele dispositivo203. Mesmo sem ser submetida expressamente à regra da legislatura, o subsídio dos Deputados Estaduais esbarra naquele raciocínio em virtude também do princípio da impessoalidade. 3.3 – Princípio da moralidade administrativa e a responsabilidade com a gestão fiscal A gestão pública brasileira, em que pese ter a finalidade conforme acima descrito, não raras vezes demonstra à sociedade uma mistura entre interesses públicos e particulares, situação a qual é combatida pelo princípio da moralidade administrativa. A defesa daquele princípio inclusive é um direito fundamental e pode ser exercida por qualquer cidadão através da propositura de uma ação popular204, mesmo que não se comprove dano material ao patrimônio público, conforme demonstra a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal205. 202 Eis a redação até então “Art. 27. O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze [...] §2º A remuneração dos Deputados Estaduais será fixada em cada legislatura, para a subsequente, pela Assembleia Legislativa, observado o que dispõem os arts. 150, II, 153, III e 153, §2º, I, na razão de, no máximo, setenta e cinco por cento daquela estabelecida, em espécie, para os Deputados Estaduais.” 203 Eis a redação atual do art. 27, §2º da Constituição Federal: “Art. 27 Omissis [...] §2º O subsídio dos Deputados Estaduais será fixado por lei de iniciativa da Assembléia Legislativa, na razão de, no máximo, setenta e cinco por cento daquele estabelecido, em espécie, para os Deputados Federais, observado o que dispõem os arts. 39, §4º, 57, §7º, 150, II, 153, III e 153, §2º, I.” 204 Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, que regula a ação popular. 205 EMENTA: Direito Constitucional e Processual Civil. Ação popular. Condições da ação. Ajuizamento para combater ato lesivo à moralidade administrativa. Possibilidade. Acórdão que manteve sentença que julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, por entender que é condição da ação popular a demonstração de concomitante lesão ao patrimônio público material. Desnecessidade. Conteúdo do art. º, LXXIII, da Constituição Federal. Reafirmação de jurisprudência. Repercussão geral reconhecida. 1. O entendimento sufragado no acórdão recorrido de que, para o cabimento de ação popular, é exigível a menção na exordial e a prova de prejuízo material aos cofres públicos, diverge do entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal. 2. A decisão objurgada ofende o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, que tem como objetos a serem defendidos pelo cidadão, separadamente, qualquer ato 102 Aqueles interesses particulares também são vistos se ramificando no processo legislativo, ocasião na qual o parlamento é envolvido na aprovação de uma pauta de interesse exclusivo de determinado grupo político, o que é feito através da barganha de cargos públicos e liberação de verbas do orçamento por intermédio da realização de convênios ou até mesmo emendas parlamentares. O presidencialismo de coalizão206 estruturada pela liberação de verbas em troca de votos dos parlamentares em decorrência de tratativas de interesse da função executiva do Poder é tão frequente que ao final do exercício financeiro de 2014, ao perceber que não cumpriria a meta de superávit fiscal proposta pela equipe do seu governo, a então presidente Dilma Rousseff editou um Decreto207 condicionando a liberação de R$ 10.032.697.201,00 (dez bilhões, trinta e dois milhões, seiscentos e noventa e sete mil, duzentos e um reais) à aprovação da alteração da LDO daquele exercício financeiro. Anos antes, vale lembrar, a Ação Penal 470, que tramitou no Supremo Tribunal Federal, mais conhecida como “mensalão”, investigou e condenou vários agentes políticos que vendiam os seus votos no Congresso Nacional em troca de apoio político em projetos do governo à época. Por vezes a gestão pública, para atender interesses específicos de determinada classe de servidores termina por se submeter a pressões por lesivo ao patrimônio material público ou de entidade de que o Estado participe, ao patrimônio moral, ao cultural e ao histórico. 3. Agravo e recurso extraordinário providos. 4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência. ARE 824781 RG/MT. Relatoria do Ministro Dias Toffoli. Órgão Julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal – meio eletrônico. Data do julgamento: 27/08/2015. Data da publicação: 09/10/2015. 206 Alexsandra Katia Dalaverde observa que o presidencialismo de coalizão “Representa, assim, um importante instrumento de fortalecimento do Poder Executivo, na medida em que constitui uma maneira de se assegurar a maioria parlamentar em um contexto onde nenhum partido determina o controle da maioria das cadeiras do Parlamento, sendo necessária a utilização de mecanismos que garantam ao Executivo o domínio sobre o processo decisório. A centralização da distribuição de recursos orçamentários em mãos do Poder Executivo, ao lado do poder de nomeação para cargos em comissão na estrutura organizacional da Administração Pública, constituem instrumentos que garantem ao Poder Executivo o domínio não apenas sobre o processo decisório, mas sobre o próprio Parlamento, culminando no controle da pauta de votações das Casas Legislativas, e até mesmo seu resultado. Por meio de tais instrumentos, o Poder Executivo acaba por angariar os votos dos parlamentares, necessários ao implemento das alterações e autorizações legislativas pretendidas. DALLAVERDE, Alexsandra Katia. As relações entre os poderes na gestão das finanças públicas. Editora Nuria Fabris. Porto Alegre/RS: 2013, pp. 162/163. 207 Decreto nº 8.367/2014, que amplia os limites constantes do Anexo I, altera o valor do inciso I do art. 8 o e os Anexos I, VII, VIII e X do Decreto n o 8.197, de 20 de fevereiro de 2014, que dispõe sobre a programação orçamentária e financeira e estabelece o cronograma mensal de desembolso do Poder Executivo para o exercício de 2014, e dá outras providências. 103 reajustes ou até mesmo aumento de remunerações, ocasionando na realização de políticas públicas mal planejadas que podem comprometer o desempenho da execução orçamentária. Mais que isso, em época de campanha eleitoral, pode um gestor mal intencionado manipular o interesse público e conceder vantagens a determinadas carreiras que eventualmente lhe proporcionem um capital político apto a desequilibrar o pleito eleitoral. Atenta a isso, a LRF proíbe expressamente o aumento de despesa com pessoal nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato208 e em que pese a doutrina especializada na matéria entender que aquele dispositivo objetive evitar o comprometimento do orçamento subsequente ou até mesmo superar o limite imposto pela lei e deixar para o sucessor o ônus de adotar as medidas cabíveis para alcançar o respectivo ajuste209, é necessário tecer alguns comentários a mais. Isso porque em decorrência da prática política partidária no país, pode um gestor priorizar uma classe de servidores com maior densidade eleitoral a outra com fins exclusivamente voltados para desequilibrar as eleições. Conforme determina a Constituição Federal, a função executiva do Poder possui competência exclusiva para dispor sobre remuneração dos seus servidores públicos210. 208 Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda: [...] Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos últimos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20. 209 Ao comentar aquela norma jurídica Carlos Valder do Nascimento Martins e Ives Gandra Garcia observam que: “A intenção do legislador com a norma do parágrafo único foi impedir que, em fim de mandato, o governante pratique atos que aumentem atos o total de despesa com pessoal, comprometendo o orçamento subsequente ou até mesmo superando o limite imposto pela lei, deixando para o sucessor o ônus de adotar as medidas cabíveis para alcançar o ajuste. O dispositivo, se fosse entendido como proibição indiscriminada de qualquer ato de aumento de despesa, inclusive atos de provimento, poderia criar situações insustentáveis e impedir a consecução de fins essenciais, impostos aos entes públicos pela própria Constituição. Basta pensar nos casos de emergência, a exigir contratações temporárias com base no art. 37, IX, da Constituição.” NASCIMENTO, Carlos Valder do; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 6ª edição. Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2012, p. 180. 210 Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. §1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: [...] II – disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração. 104 Suponha-se que a classe da saúde postule aumento remuneratório e a chefia da função executiva do Poder observe que há margem de comprometimento da receita corrente líquida e envie projeto de lei à Assembleia, que o aprova e devolve para a respectiva promulgação e sanção. Nesse interim aquela classe de servidores públicos, na iminência de começar a campanha política, decide apoiar a candidatura adversária a gestão, tendo em vista uma promessa de desenvolvimento e valorização da sua carreira. Assim, quando aquela lei for enviada à função executiva do Poder para a promulgação e respectiva sanção, o seu titular, por perceber a animosidade que foi criada com aquela classe decide vetar a lei em sua integralidade. Este cenário merece 02 (duas) reflexões, a seguir estudadas. A primeira é a juridicidade daquele veto, tendo em vista que na situação acima descrita, é um ato imoral, porquanto a expansão daquela despesa pública com pessoal foi devidamente planejada conforme determina o sistema constitucional correlato à matéria. No exemplo ora estudado o veto à lei não se coaduna com o interesse público, mesmo sendo possível à função executiva do Poder estabelecer limites ao processo legislativo brasileiro. Por outro lado, há de se discutir a legitimidade do parlamento para derrubar aquele veto, pois, nos termos do art. 66, §4º da Constituição Federal, compete à função legislativa do Poder o veredito final sobre o aperfeiçoamento da tramitação legislativa de um projeto de lei211. Muito embora parte legítima para derrubar um veto editado pela função executiva do Poder, em termos de política remuneratória, é defeso à função legislativa fazê-lo em decorrência da competência exclusiva daquela função em editar atos correlatos à remuneração dos seus servidores públicos. Assim, a especificidade em relação ao tema resulta no entendimento de que somente a função executiva pode editar políticas públicas correlatas à sua 211 Art. 66. A casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. §1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto [...] §4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores. 105 estrutura administrativa de pessoal no âmbito remuneratório, pois, conforme acertada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nem se quer a sanção de projeto de lei em que houve usurpação de competência tem o condão de sanar o vício radical da inconstitucionalidade212. Como o princípio da moralidade administrativa objetiva, dentre outros fins, evitar o desvio ou abuso do poder213, ele é argumento jurídico suficiente para estabelecer mecanismos de controle no âmbito da política remuneratória. Isso quer dizer que o preenchimento dos critérios estabelecidos pelo princípio da legalidade não é suficiente para a regularidade do exercício da 212 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – PROMOÇÃO DE PRAÇAS DA POLÍCIA MILITAR E DO CORPO DE BOMBEIROS – REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS – PROCESSO LEGISLATIVO – INSTAURAÇÃO DEPENDENTE DE INICIATIVA CONSTITUCIONALMENTE RESERVADA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO – DIPLOMA LEGISLATIVO ESTADUAL QUE RESULTOU DE INICIATIVA PARLAMENTAR – USURPAÇÃO DO PODER DE INICIATIVA – SANÇÃO TÁCITA DO PROJETO DE LEI – IRRELEVÂNCIA – INSUBSISTÊNCIA DA SÚMULA Nº 5/STF – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – EFICÁCIA REPRISTINATÓRIA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM SEDE DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. OS PRINCÍPIOS QUE REGEM O PROCESSO LEGISLATIVO IMPÕEM-SE À OBSERVÂNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS – O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República, impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à observância incondicional dos Estados- membros. Precedentes. – A usurpação do poder de instauração do processo legislativo em matéria constitucionalmente reservada à iniciativa de outros órgãos e agentes estatais configura transgressão ao texto da Constituição da República e gera, em consequência, a inconstitucionalidade formal da lei assim editada. Precedentes. A SANÇÃO DO PROJETO DE LEI NÃO CONVALIDA O VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE RESULTANTE DA USURPAÇÃO DO PODER DE INICIATIVA. - A ulterior aquiescência do Chefe do Poder Executivo, mediante sanção do projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa usurpada, não tem o condão de sanar o vício radical da inconstitucionalidade. Insubsistência da Súmula nº 5/STF. Doutrina. Precedentes. SIGNIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DO REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS (CIVIS E MILITARES). - A locução constitucional "regime jurídico dos servidores públicos" corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes. Precedentes. A QUESTÃO DA EFICÁCIA REPRISTINATÓRIA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE "IN ABSTRACTO". - A declaração final de inconstitucionalidade, quando proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de fiscalização normativa abstrata, importa - considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente - em restauração das normas estatais anteriormente revogadas pelo diploma normativo objeto do juízo de inconstitucionalidade, eis que o ato inconstitucional, por ser juridicamente inválido (RTJ 146/461-462), sequer possui eficácia derrogatória. Doutrina. Precedentes (STF). ADI 2867/ES. Relatoria do Ministro Celso de Mello. Data do Julgamento: 03/12/2003. Órgão Julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Data da Publicação: DJe de 09/02/2007. 213 Para Oswaldo Othon de Pontes Filho “O princípio da moralidade administrativa não era inusitado no direito brasileiro mesmo antes da Carta Política de 1988, uma vez que tanto a doutrina quanto a lei e a jurisprudência pátrias já o enxergavam como informador do princípio da legalidade quanto aos fins, tendo sido invocado como fundamento do combate ao desvio ou abuso de poder tanto em relação ao ato vinculado como ao ato discricionário.” SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. O princípio da moralidade da administração pública. Revista de informação legislativa, v. 33, n. 132, p. 125-129, out./dez. 1996 | Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, v. 6, n. 22, p. 129-132, jan./mar. 1998. 106 função administrativa. Deve, portanto, o intérprete do direito sempre observar se a edição de um ato administrativo gravita em torno do interesse público214. A moralidade na condução da gestão pública ressoa tanto no aspecto externo, cujos destinatários são os particulares ou a coletividade total que não se pode especificar, como nas relações internas, que corresponde à estruturação pela qual se alicerça o aparato administrativo215. A conduta da gestão pública, portanto, deve obediência a toda lógica ética pela qual se insere determinada política pública e para isso o princípio da moralidade administrativa obriga o intérprete a ter uma visão sistêmica pautada em todo o contexto e respectiva juridicidade pela qual se insere a edição de qualquer ato administrativo. A ótica pela qual se propõe a intepretação do direito a partir do princípio da moralidade administrativa pauta necessariamente a boa-fé da Administração Pública para com os seus administrados e não somente a estrita obediência à lei216. 214 Esta é a observação de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, para quem “Sob o prisma da moralidade a satisfação dos requisitos de legalidade do ato não é suficiente. Será necessário ir adiante, na análise da ação administrativa, para investigar se o conjunto dos seus elementos realmente sustenta o interesse público ou apenas dá a falsa impressão de que o faz.” MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Moralidade Administrativa: do conceito à efetivação. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Moralidade administrativa - Do conceito à efetivação. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 190, p. 1-44, out. 1992. ISSN 2238-5177. Disponível em: . Acesso em: 06 Nov. 2017 215 Entende Paulo Modesto que “A moralidade administrativa, porém, exige do administrador uma atuação ética tanto em suas relações externas com os administrados, tomados estes como particulares ou com uma coletividade total e inespecífica de homens, quanto nas relações internas relativas ao funcionamento e estruturação do aparato administrativo.” MODESTO, Paulo. Controle jurídico do comportamento ético da administração pública no Brasil. MODESTO, Paulo. O controle jurídico do comportamento ético da Administração Pública no Brasil. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 209, p. 71-80, jul. 1997. ISSN 2238-5177. Disponível em: . Acesso em: 06 Nov. 2017 216 Cesar Jackson Grisa Júnior entende que “O princípio da moralidade administrativa parece ser o valor jurídico certo a ensejar o entendimento de que a Administração deve agir de boa-fé, que tem deveres para com o s administrados e não somente com a lei, posto que isso é moral, isso é correto, é honesto. Aos órgãos de controle, sejam judiciais, sejam administrativos (inclusive da própria Administração/Poder Executivo) cabe definir a extensão do dever de ação moral da Administração e o campo da discricionariedade, com base em fundamentações jurídicas lastreadas na doutrina e na jurisprudência.” GRISA JÚNIOR, Cesar Jackson. A moralidade no controle da discricionariedade do ato administrativo. Debates em Direito Público. Revista de Direitos dos Advogados da União, v. 11, p. 91-110, 2012. Disponível em http://www.anauni.org.br/site/wp-content/uploads/2013/01/RDDP_11_2012.pdf acesso em 06/11/2017. 107 O controle da discricionariedade administrativa obrigatoriamente possui como vetor a incidência normativa do princípio da moralidade que alberga o combate ao desvio de poder, mesmo que exercido dentro de um parâmetro de legalidade217. A preocupação do ordenamento jurídico para o controle de todos os atos da Administração Pública se observa com a incidência do princípio da moralidade administrativa, que tanto orienta o comportamento da Administração Pública, como também serve de baliza para o seu controle na perspectiva inclusive de invalidá-los218. A moralidade administrativa também serve de baliza para a fiscalização do exercício do mandato outorgado pelo povo e evita que o exercício do poder discricionário de maneira subjetiva pelo gestor implique em atos desconforme o interesse público. Assim, um gestor que promete austeridade fiscal no âmbito da política remuneratória na campanha eleitoral não pode, depois de eleito, expandir aquele tipo de gasto público mesmo que haja margem de comprometimento da 217 Celso Antônio Bandeira de Mello observa que “Ora bem, ao lado destes casos em que há intenção viciada por parte do autor do ato, não se podem descartar hipóteses em que o agente, sem nenhuma intenção de evadir-se à finalidade legal, sem qualquer móvel incorreto, ainda assim incide em desvio de finalidade, ao valer-se de um dato ato que não era, categorialmente, o próprio para alvejar o fim buscado. Haverá também aí utilização desviada do poder. Isto sucede quando o sujeito supõe, incorretamente, que dada competência é prestante de direito para buscar certa finalidade, quando deveras não o é. Existirá um erro de direito, por força do qual o agente, ao servir-se de certo ato, o faz desnaturando-o, pois vale-se dele em desacordo com a finalidade que a lei lhe insculpiu como própria. Isto é o quanto basta para revelar ser errônea a inteligência dominante de que o desvio de poder é um vício de intenção, um vício subjetivo. Não é. É um vício objetivo, pois resulta do objetivo descompasso entre a competência utilizada e o fim categorial dela. O defeito na intenção, quando existente, denuncia a ocorrência do objetivo desencontro com a finalidade legal, mas é a resultante – o objetivo desencontro com a finalidade legal – aquilo que faz inválido o ato. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª edição. Malheiros Editores. São Paulo/SP: 2012, p. 70. 218 Vladimir da Rocha França pontua que “A relação do princípio da moralidade com o princípio da impessoalidade é bastante íntima. O princípio da moralidade administrativa concede efetividade jurídica à moral administrativa, aos condicionamentos éticos que devem estar onipresentes no exercício da atividade administrativa, justificando, por si só, a invalidação de ato administrativo desconforme com tais ditames morais, e a aferição da obediência a finalidade legal constitui instrumento da mais alta relevância para a constatação da imoralidade. O fim legal pode conter atentado aos valores da cidadania e da democracia, fundamentos constitucionais inerentes da ética, mas neste caso o ato administrativo torna-se teleologicamente ofensivo à Constituição, por padecer a lei que o ensejou de flagrante inconstitucionalidade.” FRANÇA, Vladimir da Rocha. Invalidação judicial da discricionariedade administrativa no regime jurídico-administrativo brasileiro. Editora Forense. Rio de Janeiro/RJ: 2000, p. 84. 108 receita corrente líquida para fazê-lo em virtude do princípio da boa-fé e até mesmo dever de honestidade219. Em um Estado Democrático de Direito onde o Poder emana do povo, é natural que a moralidade na administração do interesse coletivo seja objetivo em qualquer gestão, o que preserva a idoneidade da gestão e fortalece o sistema de controle. Como a LRF prevê planejamento em relação ao crescimento da despesa pública com pessoal através da sua indexação à receita corrente líquida, a sua implicância jurídica requer necessariamente uma análise contábil. Dessa maneira, os critérios não podem ser alterados mediante conveniência da administração em virtude de eventual excesso de gasto com pessoal além do que prevê a LRF. Cite-se como exemplo o que recentemente aconteceu com a função executiva do Poder Estadual do Estado do Rio Grande do Norte: acima do limite legal desde o exercício financeiro de 2014 com um constante crescimento do comprometimento da sua receita corrente líquida em relação à sua despesa com pessoal, aquele patamar atingiu inacreditáveis 57%, quando o limite máximo, lembre-se, é de 49%. No último relatório de gestão fiscal divulgado em 04 de outubro de 2017, forma divulgados 02 (dois) resultados: um com o comprometimento de 57,44% e outro com 40,98%. 219 Conforme pesquisa Rafael de Oliveira Costa “Ora, a moralidade administrativa reflete mecanismo constitucional para evitar que a subjetividade implique em verdadeira arbitrariedade no exercício do cargo, em razão da necessidade da observância das propostas para o desempenho legítimo das funções atribuídas ao chefe do Executivo. E essa legitimidade decorre não apenas do apoio manifestado nas urnas, mas no permanente controle do cumprimento das propostas apresentadas aos eleitores. Assim, o princípio da moralidade torna obrigatório que o móvel do agente e o objeto pretendido estejam em harmonia com o dever de bem administrar e a boa-fé no exercício do mandato. Ainda que os contornos do ato que empossou o então candidato estejam em conformidade com o ordenamento, deve-se afastar o eleito do dever de administrar, em razão da ausência de honestidade com eleitor e da ilegitimidade para atuar com base em novas diretrizes, diversas daquelas propostas durante o processo eleitoral. Destarte, a inadequação do programa político efetivamente implantado com a intenção anteriormente manifestada pelo agente implica em violação à moralidade administrativa e ao dever da honestidade.” COSTA, Rafael de Oliveira. Judicializando a Política: da responsabilidade por improbidade administrativa em razão do descumprimento de “compromisso eleitoral”. Revista Direitos Fundamentais e Democracia, v. 18, n. 18, p. 3-13, jul/dez. 2015. Disponível em http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/610/438 acesso em 06/11/2017 109 Aquela diferença abrupta, além de proporcionar insegurança jurídica, porquanto não se sabe efetivamente qual é o que deve ser adotado, se utilizou de uma premissa pontual, que foi a exclusão da despesa com inativos. Dispõe a LRF que no cálculo da despesa com pessoal devem ser incluídos os gastos com aposentados e pensionistas, com algumas exceções previstas expressamente no seu art. 19, inciso VI, alínea “a”220, a saber: a) quando a arrecadação das contribuições dos segurados seja suficiente para o seu respectivo custeio; b) quando os recursos provenientes da compensação financeira a qual trata o §9º do art. 201 da Constituição Federal; e, c) quando as demais receitas diretamente arrecadadas por fundo vinculado a tal finalidade, inclusive o produto da alienação de bens, direitos e ativos, bem como seu superávit financeiro consigam custear o gasto com inativos. Ao se estudar a legislação estadual se observa que o entendimento que fez com que a função executiva do Poder Estadual do Estado do Rio Grande do Norte reduzisse quase 17% em relação à despesa pública com pessoal foi o raciocínio de que o gasto com inativos deve ser suportado pelo ente federado e não por aquele órgão. Ocorre que aquele argumento não se sustenta, tendo em vista que a normativa de regência do regime próprio de previdência social estabelece que compete ao Instituto de Previdência Social do Estado do Rio Grande do Norte (IPERN) o custeio com ativos e inativos221. Acontece que determina a lei nacional que regulamenta a instituição de regimes próprios de previdência social222, que os respectivos entes federados 220 Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados: [...] VI – com inativos, ainda que por intermédio de fundo específico, custeada por recursos provenientes: a) da arrecadação de contribuições dos segurados; b) da compensação financeira de que trata o §9º do art. 201 da Constituição; c) das demais receitas diretamente arrecadadas por fundo vinculado a tal finalidade, inclusive o produto da alienação de bens, direitos e ativos, bem como seu superávit financeiro.” 221 Lei Complementar Estadual nº 308/2005, que reestrutura o regime próprio de previdência social do Estado do Rio Grande do Norte, reorganiza o instituto de previdência dos servidores do Estado do Rio Grande do Norte (IPERN). 222 Lei nº 9.717, de 27 de novembro de 1998, que dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências. 110 são responsáveis solidários pelo custeio da sua respectiva previdência social223 e aquela norma jurídica é replicada no ordenamento jurídico daquele ente federado nos termos do art. 18,§7º224 da LCE 308/2005, com redação dada pela Lei Complementar Estadual nº 575/2016225. Aquele comando normativo determina que o Tesouro Estadual deve suportar eventual insuficiência financeira em relação ao custeio da previdência social no âmbito do serviço público estadual, o que não retira a competência e respectiva responsabilidade da função executiva do Poder, a qual faz parte o órgão gestor de previdência social, o comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa pública com pessoal. Oportuno informar que no âmbito do Estado do Rio Grande do Norte, a função executiva do Poder possui 02 (duas) operações de crédito devidamente autorizadas pela Assembleia Legislativa para investimentos que encontram óbice em sua contratação por causa da situação da sua despesa pública com pessoal. Isso porque o art. 23, §3º226 da LRF dispõe que caso o órgão não reduza a despesa com pessoal aos limites estabelecidos nos dois quadrimestres seguintes à extrapolação do limite legal, além de eventual exoneração compulsória, é vedado o recebimento de transferências voluntárias, obtenção 223 Art. 2º A contribuição da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, aos regimes próprios de previdência social a que estejam vinculados seus servidores não poderá ser inferior ao valor da contribuição do servidor ativo, nem superior ao dobro desta contribuição. §1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras do respectivo regime próprio, decorrentes do pagamento de benefícios previdenciários. 224 Art. 18. Omissis [...] §7º A cobertura de eventuais insuficiências financeiras do FUNFIRN para pagamento dos benefícios previdenciários aos segurados do Regime Próprio de Previdência Social do Estado do Rio Grande do Norte (RRPS/RN) e a seus dependentes será suportada por recursos do Tesouro Estadual, nos termos do art. 5º, parágrafo único, da Lei Ordinária nº 8.633, de 3 de fevereiro de 2005, e do art. 21, §4º, da Lei Complementar Estadual nº 308, de 25 de outubro de 2005. 225 Altera dispositivos da Lei Complementar Estadual nº 526, de 18 de dezembro de 2014, e dá outras providências. 226 Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4o do art. 169 da Constituição [...]. § 3 o Não alcançada a redução no prazo estabelecido, e enquanto perdurar o excesso, o ente não poderá: I - receber transferências voluntárias; II - obter garantia, direta ou indireta, de outro ente; III - contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal. § 4 o As restrições do § 3 o aplicam-se imediatamente se a despesa total com pessoal exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do mandato dos titulares de Poder ou órgão referidos no art. 20. 111 de garantia direta ou indireta de outro ente federado e contratação de operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal. Assim, a publicação daquele relatório de gestão fiscal que resultou na inacreditável redução de quase 17% no comprometimento da despesa pública com pessoal em relação à receita corrente líquida conseguida sem qualquer ação que objetive a redução da despesa pública com pessoal se configura em um ato imoral e completamente inaceitável que deve ser combatido pelos órgãos de controle e defesa da moralidade administrativa, razão pela qual o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas contestou os critérios adotados e requereu a anulação do cálculo utilizado pelo governo do Estado para voltar aos limites impostos pela LRF. Em seus argumentos, o Parquet especial ponderou, dentre outras razões, as seguintes: A verificação acerca da necessidade de se contabilizar os dispêndios com inativos e pensionistas na despesa total com pessoal de todos os Poderes e Órgãos autônomos é patente, conforme estatui o caput do artigo 18 acima transcrito, como também por força do disposto no art. 19, §1º, inciso VI, do dispositivo subsequente, que afasta do cômputo das despesas com pessoal tão somente os gastos com inativos custeados por recursos provenientes de fontes específicas, consoante particularizado pelas alíneas do mencionado inciso. Nessa contextura, não parece factível que as despesas com inativos não seja englobada nos limites específicos de cada Poder ou Órgão do Estado, uma vez que essa modulação de sentido, além de não resultar dos termos empregados nos dispositivos constitucional e legal mencionados, reduziria o grau de efetivação do princípio que a Carta Magna pretende concretizar, qual seja, o princípio do equilíbrio fiscal. É mister salientar que essa interpretação tem sido utilizada por outras entidades federativas para evitar a aplicação das sanções previstas nos artigos 22 e 23 da LRF, em especial quanto à proibição de contratar operação de crédito. O conjunto de normas fiscais coordenadas leva à possibilidade de intelecção de que não subsiste interpretação que forneça guarida para o cômputo da despesa com pessoal inativo e pensionista apenas no âmbito do limite global de gastos do Estado, correspondente a 60% (sessenta por cento) de sua RCL. Isso porque se revela desarrazoado, à primeira vista, numa perspectiva teleológica, excluir os dispêndios com inativos e pensionistas da contabilização das despesas para fins de apuração dos limites específicos dos Poderes e Órgãos autônomos arbitrado no artigo 20 da LRF. Tombado sob o número 017065/2017-TC, aquele pedido do Ministério Público de Contas pela suspensão imediata dos efeitos da situação 2 do 112 Relatório de Gestão Fiscal da função executiva do Poder Estadual do Rio Grande do Norte atinente ao 2º quadrimestre do exercício financeiro do ano de 2017 está pendente de apreciação pelo Conselheiro Relator227. A imoralidade em relação à responsabilidade com a gestão fiscal no contexto acima mencionado é nítida, porquanto foram apresentados 02 (dois) relatórios e isso ocasiona instabilidade e insegurança jurídica em virtude do fato que não se sabe qual é o que realmente deve prevalecer. Pelo que se verifica há um forte indício de que aquele crossfit hermenêutico228 foi feito exclusivamente para burlar os limites e controles impostos pela LRF. Corrobora para esta percepção o fato que mesmo estando acima do limite legal desde o exercício financeiro de 2014, a função executiva do Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Norte ainda não enviou à Assembleia Legislativa qualquer projeto de lei que verse sobre a exoneração compulsória de servidores estáveis conforme determina o art. 169, §4º da Constituição Federal229. Especificamente sobre este tema já há uma lei nacional que direciona como devem ser elaboradas as leis dos entes federados para exoneração compulsória de servidores estáveis em caso de eventual descontrole da despesa pública com pessoal, que é a lei 9.801/1999230. Se o raciocínio que reduziu a indexação de 57,44% para 40,98% da função executiva do Poder Estadual do Rio Grande do Norte sob o argumento 227 Para maiores informações segue um endereço eletrônico onde está disponibilizada em sua integralidade a petição do MPC: http://www.tce.rn.gov.br/as/NoticiasTCE/3508/Rerpesenta%C3%A7%C3%A3o_MPC.pdf acesso em 06/11/2017 228 Crossfit hermenêutico é uma expressão utilizada pela Professora Mariana de Siqueira, a qual é membro do programa de mestrado em Constituição e garantia de Direitos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte a qual diz respeito a um esforço hercúleo do intérprete do direito para encontrar uma solução hermenêutica para solucionar problemas pontuais que nem sempre está alinhada com o interesse público. 229 Art. 169. Omissis [...] §4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal. 230 Dispõe sobre as normas gerais para perda de cargo público por excesso de despesa e dá outras providências. 113 de exclusão do cômputo com inativos (aposentados e pensionistas), resta possível a contratação dos empréstimos acima mencionados231. Um dos empréstimos, diga-se de passagem, possui como objeto aportar recursos em despesas de capital. Assim, com a eventual aprovação do empréstimo, a verba até então destinada para a realização de obras será destinada para o pagamento da folha, cujo pagamento vem sendo feito de maneira atrasada desde janeiro de 2016. Aquela operação de crédito apta a custear despesas com investimentos na verdade representa uma inversão financeira: com a eventual contratação do empréstimo, destinado exclusivamente para despesas de capital com saneamento básico, saúde pública, segurança pública, infraestrutura rodoviária, amortização de financiamento da dívida interna e desenvolvimento industrial, a dotação orçamentária até então prevista para aquele gasto seria “liberada” para o pagamento da folha de pessoal232. É, portanto, um ato imoral, tendo em vista que a LRF proíbe expressamente a contratação de operação de créditos para custear despesas correntes233 como o é, por exemplo, a folha de pessoal. Mesmo com a operação contábil para que sejam contratados os empréstimos, o princípio da moralidade administrativa é fato impeditivo para a efetivação daquela estratégia maquiavélica em que os fins justificam os meios em virtude da evidente burla à legislação. Assim, resta caracterizada como a responsabilidade com a gestão fiscal deve obediência ao princípio da moralidade e este pode ser argumento para 231 A Lei Estadual nº 9.934/2015 autoriza a função executiva do Poder do Estado do Rio Grande do Norte a contratar operação de crédito com o Banco do Brasil S.A. no montante de até R$ 850.000.000,00 (oitocentos e cinquenta milhões de reais). Por outro lado, a Lei Estadual nº 10.248/2017 também autoriza a função executiva do Poder do Estado do Rio Grande do Norte a contratar operação de crédito com a Caixa Econômica Federal até o valor de R$ 698.000.000,00 (seiscentos e noventa e oito milhões de reais). Em que pese ter capacidade de endividamento e autorização legislativa para contratar empréstimo, o Estado do Rio Grande do Norte não pode fazê-lo em virtude da vedação imposta pela LRF em virtude do comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa pública com pessoal. 232 http://www.al.rn.gov.br/portal/noticias/8646/ccj-aprova-solicitao-de-emprstimo-pelo-governo- caixa-econmica 233 Art. 35. É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente. §1º Excetuam-se da vedação a que se refere o caput as operações entre instituição financeira estatal e outro ente da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, que não se destinem a: I – financiar, direta ou indiretamente, despesas correntes. 114 decretar a nulidade de um ato administrativo ou até mesmo a inconstitucionalidade de uma lei, mesmo que a mesma preencha aos requisitos determinados pelo princípio da legalidade administrativa. 3.4 – O princípio da publicidade e a divulgação específica da remuneração O princípio da publicidade impõe à gestão pública o obrigatoriedade de ser transparente, que deve ser efetivada desde a divulgação de leis, como de atos administrativos e até mesmo a divulgação da remuneração no âmbito do serviço público234. Administrar o interesse coletivo impõe obrigações básicas para quem se habilita a fazê-lo que são descritas basicamente no art. 37 caput da Constituição Federal e um deles é ser transparente na condução da gestão pública, o que colabora para a seriedade da gestão e facilita o sistema de controle ao qual é submetido o Estado. Ser transparente significa responder aos anseios dos cidadãos, que possuem como direito fundamental garantido pela Constituição Federal a possibilidade de postular aos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou até mesmo de interesse coletivo ou geral235. O texto constitucional ainda legitima a participação do usuário dos serviços públicos em relação ao acesso aos registros administrativos e informações sobre atos de governo236, bem como determina à administração 234 Para Antônio Carlos Cintra do Amaral a publicidade “inclui-se em uma noção mais ampla, que é a transparência, esta abrangendo, ainda, a comunicação e a proximidade. A Administração Pública brasileira tem o dever de não apenas respeitar o princípio da publicidade, inscrito no art. 37 da Constituição, mas de ser transparente. É ingênua, porém, a afirmação de que a Administração deve ser uma “casa de vidro” totalmente translúcida. Nenhuma Administração, em nenhum país, corresponde a essa imagem. O que nos cabe é exigir que a relativa opacidade de seus atos respeite os limites impostos pela Constituição e pelas leis, em estrita obediência à estrutura escalonada das normas jurídicas.” AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. O Princípio da Publicidade no Direito Administrativo. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 23, julho/agosto/setembro de 2010. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=439 acesso em 06/12/2017 235 Art. 5º Omissis [...] XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. 236 Art. 37. Omissis [...] §3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: [...] II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XIII. 115 pública que adote providências necessárias para possibilitar a consulta da gestão documental que está ao seu encargo237. Aquela norma constitucional atualmente é regulamentada pela lei nº 12.527/2011, também conhecida como lei de acesso à informação238, a qual estabelece algumas diretrizes para o exercício do direito à informação. Por outro lado, ao se falar em publicidade dos atos administrativos, é sempre bom lembrar a obrigatoriedade de transparência na gestão fiscal que pelo texto constitucional possui como principal referência a obrigatoriedade em relação à divulgação, pelo Poder Executivo, do relatório resumido de execução orçamentária239. Além disso, no plano infraconstitucional a Lei Complementar Nacional nº 101/2000240, também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) atribui responsabilidade à publicação de outros relatórios, conhecidos como relatórios de gestão fiscal241. É através dos relatórios de gestão fiscal, os quais devem ser publicados quadrimestralmente, que a população e os órgãos de controle podem ter uma visão de como está o comprometimento da despesa pública em relação à receita corrente líquida. O acompanhamento daqueles relatórios proporciona o monitoramento do gasto público com pessoal e possibilita uma ação preventiva de todos os órgãos os quais integram determinado ente federado. 237 Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: [...] §2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. 238 Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do §3º do art. 37 e no §2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 janeiro de 1991; e dá outras providências. 239 Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: [...] §3º O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido de execução orçamentária. 240 Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. 241 Art. 48. São instrumentos de transparência na gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso ao público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias, as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. 116 Aquele acompanhamento é importante porque caso um dos órgãos delimitados no art. 20 da LRF ultrapasse o seu limite com gasto com pessoal o ente como um todo pode ser penalizado. A publicidade da gestão contábil não se restringe tão somente à despesa pública com pessoal, vale ressaltar. A transparência referente aos dados contábeis permite acompanhar a evolução da arrecadação de receita, como se comportam os repasses constitucionais e onde a administração pública aloca os recursos que lhe são disponíveis. A obrigatoriedade da transparência na gestão fiscal imposta pela LRF resulta no entendimento que do seu corpo textual o jurista extrai um princípio, na verdade um subprincípio subordinado ao princípio da publicidade: o princípio da transparência fiscal. É através da transparência fiscal, com o auxílio dos relatórios de gestão fiscal, por exemplo, que a sociedade fica ciente de como tem se comportado o crescimento da despesa pública com pessoal e a partir disso verificar se há margem de comprometimento da receita corrente líquida para lastrear eventual aumento de remuneração. Política pública estruturante, a despesa com pessoal é de responsabilidade de toda a sociedade que pode colaborar mediante o monitoramento do que é divulgado através dos relatórios gestão fiscal. Somente estabelecida esta premissa é que deve o serviço público postular aumento remuneratório242 A transparência na gestão pública possui como fundamento a ideia de Estado Democrático de Direito, método de organização social ao qual se oportuniza a população o direito de participar no processo de tomada de decisão243. 242 Para José Maurício Conti “Para se tomar uma decisão e fazer escolhas, é imprescindível ter informação sobre as opções. Saber as consequências. Permitir que se avaliem os custos e benefícios. E isso só é possível com transparência nas contas públicas. É, pois, fundamental que os orçamentos públicos sejam dotados da mais absoluta transparência, sem o quê as escolhas deixam de ser democráticas e fragilizam-se a fiscalização das contas públicas e o controle social das atividades governamentais. E transparência não se resume a tornar públicas as informações. É preciso que sejam compreensivas e úteis.” CONTI, José Maurício. Levando o direito financeiro a sério. Editora Blucher. São Paulo/SP: 2016, p. 108. 243 Roberto Magalhães, Simone Assis Medeiros e José Roberto Pereira observam que “Em qualquer atmosfera democrática, deve-se ter em mente que o interesse público caracteriza-se como objetivo primordial. Ocorre, porém, que se torna difícil garantir o interesse público sem que haja mecanismos de controle democrático Tais mecanismos servem, sobretudo, para 117 Além de possibilitar o monitoramento da qualidade do gasto público, a transparência na gestão fiscal possibilita também o controle no que diz respeito à execução orçamentária e, por via de consequência, da política remuneratória244. Isso porque pela publicação da remuneração no âmbito do serviço público a sociedade pode exercer um controle fiscalizando se determinado servidor público realmente está na repartição em que é lotado. Recentemente, inclusive no âmbito do Estado do Rio Grande do Norte, quando a Assembleia Legislativa publicou em seu portal da transparência relação nominal dos seus servidores com os valores das respectivas remunerações, foi descoberto que algumas pessoas que estavam investidas em cargos públicos naquele órgão não cumpriam expediente. A partir do acesso à informação, o Ministério Público constatou que algumas pessoas não frequentavam o seu ambiente de trabalho, razão pela qual ajuizou uma denúncia relatando algumas irregularidades cuja petição esta disponibilizada na íntegra em seu endereço eletrônico245. evitar que o interesse privado sobressaia ao público, jogando por terra toda busca por democracia [...] Nas sociedades onde existe pouca transparência nos atos da administração pública são comuns as práticas paternalistas, clientelistas, corrupções e outras formas de utilização dos bens públicos para atingir interesses particulares. Por esta razão, esforços têm sido empregados com mais frequência na tentativa de promoção de uma maior transparência nas ações governamentais. Isso ocorre porque a melhora do acesso à informação pública e a criação de regras que permitem a disseminação das informações produzidas pelo governo reduzem o escopo dos abusos que podem ser cometidos. MAGALHÃES, Roberto; MEDEIROS, Simone Assis; PEREIRA, José Roberto. Lei de aceso à informação: em busca da transparência e do combate à corrupção. Revista Informação & Informação, [S.l.], v. 19, n. 1, p. 55-75, dez. 2013. ISSN 1981-8920 disponível em http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/informacao/article/view/13520/14207 acesso em 07/11/2017 244 Sobre a participação popular na fiscalização e controle da gestão pública escrevem Patrícia Adiani Hoch, Noemi de Freitas Santos e Rosane Leal da Silva que “A Lei 12.527/2011, a Lei de Acesso à Informação, tem um importante papel para a consolidação do regime democrático no país, uma vez que amplia a participação cidadã nas questões de interesse público e fortalece instrumentos de controle da gestão pública ao garantir ao cidadão o exercício do direito de acesso amplo e irrestrito à informação. O controle da gestão pública nos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário ganhou uma importante ferramenta de transparência passiva do Estado, o Serviço de Informações ao Cidadão (SIC), que quando disponibilizado através da Internet torna-se um instrumento mais ágil e menos burocratizado, eliminando tempo e recursos da Administração Pública.” HOCH, Patrícia Adiani; SANTOS, Noemi de Freitas; SILVA, Rosane Leal da. A lei de acesso à informação pública e o dever de transparência passiva do Estado: uma análise do Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) de sites públicos. 2º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade. Edição 2013. 04, 05 e 06 de junho de 2013. Santa Maria/RS. Disponível em http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2013/2-3.pdf acesso em 07/11/2017. 245 http://www.mprn.mp.br/portal/files/ARP/2016/NOVEMBRO/Denuncia_ALRN.pdf acesso em 07/11/2017. 118 Ocorre que a transparência na gestão fiscal na Assembleia Legislativa que ensejou a divulgação em seu portal da transparência da lista nominal com a respectiva remuneração dos seus servidores não foi espontânea. Foi preciso o Ministério Público ajuizar uma ação civil pública de obrigação de fazer para conseguir a publicação em tempo real daqueles dados conforme determina a lei de acesso à informação246. À época, antes da propositura da ação, o endereço eletrônico da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, para fornecer informações sobre remuneração dos seus servidores, solicitava informações pessoais do requerente como, por exemplo, nome, CPF, endereço físico e eletrônico, os quais seriam armazenados em um cadastro prévio para, se fosse o caso, posteriormente fosse fornecida a informação requerida. Na sentença que julgou procedente o pedido do Ministério Público no sentido de cumprir o que determina o ordenamento jurídico em relação à publicidade da informação, o juízo responsável pelo processo ao analisar a situação fático-jurídica que estava sob a sua jurisdição ponderou que O atual modelo de funcionamento do site da Assembleia, operando sem que o usuário tenha acesso à lista integral da folha de pagamento, impossibilita a fiscalização por parte da sociedade e dos órgãos de controle, de diversas irregularidades infelizmente muito comuns e cada vez mais combatidas no âmbito da Administração Pública brasileira, em especial, a existência de funcionários “fantasmas”, a ocorrência do nepotismo direto e, especialmente, o cruzado com os outros poderes, sem falar nas concessões “graciosas” de vantagens remuneratórias. Se um “fantasma” for etéreo mesmo, do tipo que nunca vai lá mesmo, tanto mais se foi nomeado “por ato secreto” (não publicados no Diário Oficial – prática recentemente comprovada em diversas ações sobre as “efetivações” havidas na Assembleia Legislativa do RN), ninguém, nem mesmo os funcionários que trabalham naquela “Casa de Leis” vão saber da existência dos mesmos – salvo aquele (s) que o incluiu na folha. Tampouco permite se fiscalizar se há parentes, em grau defeso pela proibição do nepotismo, seja da Governadoria, seja de Juízes ou Desembargadores, seja de Procuradores de Justiça ou Promotores, ocupando cargos, e cujo cotejo com a transparência efetiva que já existe no Poder Judiciário e no Poder Executivo permitira descobrir uma eventual permuta de nomeações (nepotismo cruzado – do tipo: “nomei o meu aí que eu coloco o seu aqui!”). 246 Art. 6º Cabe aos órgãos e entidades do poder público, observadas as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar a: I – gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação. 119 É inegável que, sem o acesso a folha de pagamento em lista completa, fica muito mais difícil fiscalizar – e consequentemente muito fácil a ocultação de situações de nepotismo (direto e cruzado), de funcionários fantasmas, de funcionários em situação de acumulação ilegal de cargos e de deferimento gracioso de vantagens vencimentais ou parcelas indenizatórias como diárias e até de efetivações inconstitucionais de servidores, mazelas estas que têm sido frequentemente objeto de ações judiciais e, que, muitas vezes, tiveram sua origem em representações oriundas da fiscalização pelos cidadãos. É imperioso que se proceda a abertura da “caixa preta” da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, de modo a permitir que não somente os órgãos de controle, mas sobretudo o contribuinte tome conhecimento, de maneira satisfatória, de como, com quem e quanto do seu dinheiro está sendo gasto pela Assembleia Legislativa para remunerar seus agentes públicos 247 . Conforme se depreende da sentença acima mencionada, o acesso à informação em relação à política remuneratória no âmbito do serviço público possibilita a realização de controle tanto da concessão de remuneração, como também o combate a irregularidades que maculam a eficiência da administração pública como é o caso, por exemplo, do nepotismo cruzado e até mesmo funcionários “fantasmas”. Quando da publicação da remuneração dos servidores públicos com fundamento na lei de acesso à informação houve resistência da administração pública em efetivar aquela obrigação com o apoio de alguns servidores, que utilizaram como argumento um direito fundamental: o direito à privacidade. Por outro lado, os órgãos de controle, legitimados pelo princípio constitucional da publicidade administrativa, como foi o caso do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte no “caso Assembleia Legislativa”, queriam efetividade à ampla divulgação dos atos da administração pública. Aquele embate chegou ao Supremo Tribunal Federal que decidiu, com fundamento de que “é legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes dos seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias248” 247 Processo judicial nº 0800034-53.2013.8.20.0001 que está disponível na íntegra no seguinte endereço eletrônico: www.tjrn.jus.br, aba “serviços”, “consultas processuais” acesso em 07/11/2017. 248 EMENTA: CONSTITUCIONAL. PUBLICAÇÃO, EM SÍTIO ELETRÔNICO MANTIDO PELO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, DO NOME DE SEUS SERVIDORES E DO VALOR DOS CORRESPONDENTES VENCIMENTOS. LEGITIMIDADE. 1. É legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes dos seus servidores e do 120 Fica, portanto, evidenciado a obrigatoriedade a qual está submetida o gestor público em pautar transparência fiscal em sua gestão com o intuito de convidar a população a participar da sua administração, quer seja em uma perspectiva de controle ou até mesmo sob uma ótica propositiva. Uma gestão que priorize a publicidade administrativa em sua gestão fiscal evita o colapso da despesa pública com pessoal porque universaliza a informação acerca do comprometimento da receita corrente líquida, bem como contribui para a fiscalização concernente a sua folha de pagamento. 3.5 – O princípio da eficiência e a qualidade do gasto público com pessoal O princípio da eficiência administrativa pressiona o gestor público a agir racionalmente na condução do Erário e para isso deve o mesmo valorizar o processo de tomada de decisão das suas escolhas. Quando se pensa em eficiência administrativa não se pergunta na economia que deve ser feita, mas sim no quanto se pode fazer com poucos recursos. Economizar é uma premissa comum de quem é gestor público. A maximização na utilização do Erário é a sombra do princípio da eficiência administrativa. Na verdade um irmão siamês do qual não se deve dissociar a imagem. É oportuno informar que a maximização da utilização do Erário não diz respeito tão somente a valores pecuniários e sim a toda a estrutura administrativa a qual o gestor tem acesso, inclusive todos os recursos humanos que lhe são disponíveis. Um dos grandes desafios do gestor público é motivar os servidores que compõem a sua equipe e em virtude da estrita legalidade pela qual se pauta o regime jurídico administrativo brasileiro, a concessão de qualquer vantagem a determinado servidor deve ser criteriosamente planejada. O exercício da função administrativa de gestor, pois, requer interação com a equipe no sentido de motivá-la para que a mesma ofereça um serviço público de qualidade conforme determina o texto constitucional. valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias. 2. Recurso extraordinário conhecido e provido. ARE 652777/SP. Relatoria do Ministro Teori Zavascki. Órgão julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Data do julgamento: 23/04/2015. Data da publicação: 01/07/2015. 121 Assim, no exercício do seu poder discricionário, quando da eventual concessão de aumento remuneratório, deve o gestor observar todo o campo de juridicidade ao qual está submetido o que quer dizer, em outras palavras, que o mesmo não pode expandir a política remuneratória, mesmo com o argumento de que conseguirá melhorar a eficiência no serviço público, caso o contexto contábil seja desfavorável249. Em relação à política remuneratória a qualidade do gasto público deve levar em consideração, consoante o art. 169 da Constituição Federal, bem como no art. 16 da LRF no que diz respeito ao planejamento estratégico que deve estudar o impacto orçamentário-financeiro no exercício que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes. O planejamento contábil deve ser criterioso e só depois de verificada a disponibilidade de comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa pública com pessoal é que o gestor pode realmente exercer o seu poder discricionário para contemplar determinada carreira que eventualmente postule aumento de remuneração. 249 Para FRANÇA “Somente há o respeito e a observância do princípio da eficiência administrativa quando o administrador respeita o ordenamento jurídico, mesmo diante da finalidade legal efetivamente atingida. Por mais que esteja bem intencionado o administrador, este não pode afastar os preceitos do regime jurídico-administrativo sob o argumento de que os mesmos atrapalham o próprio interesse público.” FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência Administrativa na Constituição Federal. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado(RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 10, junho/julho/agosto, 2007. Disponível em www.direitodoestado.com.br/rere.asp acesso em 07/11/2017. 249 Sobre planejamento veja-se a lição de José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff: “A limitação do administrador público, no que se refere à geração e ao aumento das despesas, é objeto de rigorosa regulamentação pela LRF. O art. 16 traz exigências no que tange às ações governamentais que acarretem aumento de despesa, exigindo estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigore nos dois subsequentes, declaração do ordenador de despesa que há adequação com a LOA e compatibilidade com o PPA e a LDO, devendo estar conforme suas diretrizes, seus objetivos, suas prioridades e metas. Ou seja, a criação de despesa nova terá de ser planejada – somente poderá ocorrer se houver recursos disponíveis no curto e no médio prazos, com a garantia de que a arrecadação será suficiente para cobril-la. Não há mais como continuar a prática de geração de despesas novas sem a competente previsão de suficiência de receitas para cobri-las, sob pena de ilegalidade, por infringência da LRF. Maior ainda é o rigor com relação às despesas de caráter continuado, que só poderão ser efetuadas, nos termos do art. 17, mediante prévia estimativa do impacto orçamentário-financeiro e comprovação de que não afetarão as metas de resultados fiscais.” CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury. Lei de Responsabilidade Fiscal. 10 anos de vigência – questões atuais. Editora Conceito. São Paulo/SP: 2010, p. 50. (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 10, junho/julho/agosto, 2007. Disponível em www.direitodoestado.com.br/rere.asp acesso em 07/11/2017. 122 É defeso a um gestor, por exemplo, diante de um exercício bom e atípico em termos de arrecadação, conceder aumento remuneratório, porquanto aquele indicativo não representa a situação real. No ano da realização das olimpíadas na cidade do Rio de Janeiro/RJ, a função executiva do Poder do Estado do Rio de Janeiro apresentou dificuldades financeiras para custear a sua folha de pagamento, tendo realizado o fracionamento do adimplemento, o que ocasiona desgastes à administração, porquanto a mesma perde credibilidade, como também angústias aos servidores, que acostumados com o pagamento se viram surpresos com o adiamento do pagamento da sua remuneração. Tudo começou em abril de 2016, quando o Poder Executivo Estadual editou o Decreto nº 45.268/2016250, por intermédio do qual se tentou adiar o pagamento dos inativos referente ao mês de marco para a data limite de 12 de maio de 2016251. Aquele fato atípico e inesperado foi interpelado nos autos do processo judicial nº 0018812-32.2016.8.19.0000252 que suspendeu a eficácia daquela norma jurídica com fundamento na dignidade da pessoa humana, pois, para o relator, o pagamento em dia engloba a garantia dos direitos à saúde, alimentação, moradia, segurança, dentre outros previstos entre os arts. 5º e 7º da Constituição Federal. Além daquele argumento jurídico utilizado pela relatoria daquele processo, outro merece destaque, que foi o da obrigação que tem a Administração Pública em planejar e manter a organização do seu quadro 250 Dispõe sobre o pagamento dos servidores inativos e pensionistas do Estado do Rio de Janeiro referente ao mês de competência março 2016. 251 Eis a redação do seu art. 1º: “Art. 1º - O pagamento referente à competência março 2016, dos servidores inativos da Administração Estadual Direta e Indireta e dos pensionistas previdenciários do Estado do Rio de Janeiro que recebam benefícios previdenciários superiores a R$ 2.000,00 (dois mil reais) líquidos, será creditado até 12 de maio de 2016.” 252 Representação por inconstitucionalidade cujo Acórdão foi vazado nos termos da seguinte ementa: REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LIMINAR. Decreto estadual nº 45.628, de 12 de abril de 2016, que disciplina “o pagamento dos benefícios previdenciários dos servidores inativos e pensionistas do Estado do Rio de Janeiro referente ao mês de competência março de 2016”. Relevante fundamento jurídico do pedido, na medida em que, em juízo de cognição sumária, referido Decreto, ao postergar o pagamento dos servidores inativos, relativo à competência de março/2016, para a data de 12 de maio de 2016, ofendeu o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III). Presentes também os requisitos do perigo da demora e da inexistência de risco invertido contra o interesse público. Urgência da suspensão da eficácia da lei (REGITJRJ, art. 105, §2º) Deferimento liminar, por maioria. 123 funcional e das suas contas, dentre elas as relativas aos proventos dos servidores inativos253. O caos administrativo que vive o Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro o levou a fracionar a folha de pagamento dos servidores ativos254 e a elaborar uma reforma administrativa para diminuir o tamanho da máquina pública com o objetivo de diminuir o seu custeio255. Fato que chama atenção é que o colapso fiscal no qual o Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro possui em relação ao custeio da sua folha de pagamento vai de encontro à sua arrecadação de receita. Isso porque em visita ao portal da transparência daquele ente federativo, ao se pesquisar o período compreendido entre os anos de 2010 e 2015 observa-se que a receita corrente líquida teve o seguinte incremento: ANO ARRECADAÇÃO (R$) 2010 39.268.345.357 2011 40.613.414.957 2012 47.064.197,575 2013 46.045.517.775 2014 51.224.316.995 2015 53.547.483.833 Fonte: www.transparencia.rj.gov.br/sefaz Por outro lado, com o crescimento de receita, o comprometimento da despesa pública com pessoal em relação à receita corrente líquida segue abaixo daquele previsto para o “termo de alerta”, a ser emitido pelo Tribunal de Contas: 253 Eis o recorte de um trecho da fundamentação daquela decisão judicial: “dente as inúmeras atribuições da Administração Pública, está a de manter a organização de seu quadro funcional e a de suas contas – dentre elas as relativas aos proventos dos servidores inativos. Sequer o déficit orçamentário constitui causa impeditiva ao deferimento liminar. O Estado tem o dever de tomar efetivo e de preservar o direito de seus funcionários inativos, a afastar a possibilidade de frustrar o creditamento de seus proventos, que se destinam à sobrevivência do aposentado e de sua família, satisfazendo-lhes as necessidades básicas para aquisição de alimentos, remédios, assistência médica e demais despesas ordinárias do cotidiano de todo ser humano, sobrevivência essa que há de merecer consideração prioritária em face de encargos materiais de outra natureza, que não a de alimentos impenhoráveis, a serem supridos na gestão da administração estadual. 254 http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=2850716 acesso em 22/08/2016 255 http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=2849370 acesso em 22/08/2016 124 Ano 2010 2011 2012 2013 2014 2015 1º quadrimestre 36,87% 36,82% 36,65% 40,74% 40,80% 43,83% 2º quadrimestre 34,95% 36,47% 37,71% 41,66% 40,95% 42,78% 3º quadrimestre 36,22% 35,31% 39,02% 38,38% 43,30% 43,14% Fonte: www.transparencia.rj.gov.br/sefaz Isso demonstra que, em termos contábeis, a despesa pública com pessoal está sob controle, pois, os extratos dos Relatórios de Gestão Fiscal acima delimitados demonstram que o comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa com pessoal está totalmente sob controle, pois obedece ao prescrito na LRF. Segundo dados estatísticos oficiais256 disponibilizados à população, o Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro alocou R$ 8,6 bilhões de reais para estruturar a cidade do Rio de Janeiro no que diz respeito à realização dos jogos olímpicos. Segundo consta na LOA referente ao exercício de 2016257, o Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro alocou para o custeio dos jogos olímpicos somente neste ano o valor de R$ 21. 509.000,00 (vinte e um milhões, quinhentos e nove mil reais). Com os dados disponibilizados por intermédio do portal da transparência se observa que o Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro está com um problema de caixa que resulta no comprometimento do custeio em relação ao custeio da sua folha de pagamento. Diferente do Estado do Rio Grande do Norte, onde aquela função executiva do Poder Estadual está acima do limite legal, a situação do Rio de Janeiro é mais preocupante ainda, tendo em vista que há dificuldade para pagamento mesmo este Estado estando abaixo do limite normal. Esse cenário aparenta que aquele ente federado programou a expansão da despesa pública com pessoa com lastro orçamentário, mas, quando do início do exercício financeiro de 2016 o mesmo se deparou com insuficiência 256 http://www.brasil2016.gov.br/pt-br/legado/plano-de-politicas-publicas acesso em 22/08/2016 257 http://www.rj.gov.br/web/seplag/exibeconteudo?article-id=186183 acesso em 22/08/2016. 125 financeira para adimplir o pagamento dos seus servidores, o que demonstra um comportamento conflitante com o interesse público e desconforme ao ordenamento jurídico. Vale destacar o fato que em virtude do princípio da legalidade administrativa258, uma vez instituído por lei o sistema remuneratório correlato ao serviço público259, o mesmo, conforme interpretação decorrente da LRF, se transforma em uma despesa continuada de caráter obrigatório260, não tendo, pois, o gestor público, qualquer alternativa diferente do adimplemento daquela obrigação261. Os indicadores fiscais do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro demonstram dificuldade de caixa desde o exercício financeiro de 2014, e esse fato pode ser considerado como um cenário desfavorável para o custeio da máquina pública. Segundo o endereço eletrônico daquele ente federado eis os resultados financeiros do período compreendido entre 2011 e 2015: Ano 2011 2012 2013 2014 2015 Resultado Financeiro (R$ milhões) 1.669 33 1.458 - 651 - 1.143,41 Fonte: http://www.transparencia.rj.gov.br/ Aquela tendência acabou se confirmando para o exercício financeiro referente ao ano de 2016: a estrutura administrativa do Poder Executivo do 258 Para Celso Antônio Bandeira de Mello “Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização da vontade geral.” BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores. 20ª edição. São Paulo/SP: 2006, p. 89. 259 Segundo a Constituição Federal, por intermédio do seu art. 37, X a remuneração dos servidores públicos só poderá ser alterada ou fixada por intermédio de lei específica. 260 Segundo o art. 17 daquele diploma normativo “Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.” 261 Caso contrário é facultado ao servidor público impetrar um mandado de segurança em face daquele ente político. 126 Estado do Rio de Janeiro havia crescido além do previsto, o que levou a sua Chefia a declarar calamidade pública nas finanças públicas, por intermédio do Decreto nº 45.692/2016262 e logo em seguida a edição daquele ato administrativo a União autorizou a liberação263 de R$ 2.900.000.000,00 (dois bilhões e novecentos milhões de reais) para serem utilizados exclusivamente com despesas correlatas à segurança pública264. Na exposição de motivos daquela Medida Provisória o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles e o Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, informam, em suma, ao Vice-Presidente da República em exercício no cargo de Presidente, Michel Temer que: a) Em março de 2016, o governo do Estado do Rio de Janeiro revisou, para baixo, a previsão de arrecadação de suas receitas próprias para o ano de 2016. A revisão justificou-se especialmente pela queda de arrecadação de ICMS e dos royalties do petróleo. O quadro de contração de receitas do Estado também se tornou mais agudo por força da acentuada queda dos recursos do Fundo de Participação Especial, que nos últimos meses têm apresentado diminuição em termos reais; e, b) A redução da arrecadação gerou ajustes em todas as áreas, inclusive nas prioritárias, como segurança pública, em que houve redução de R$ 2 bilhões do orçamento da pasta para o exercício de 2016265. Diante disso fica demonstrada que a dificuldade do custeio da folha de pagamento do Poder Executivo Estadual é uma tendência que se confirma mediante ações mal planejadas e sucessivas, pois, o Poder Executivo do 262 Eis a sua íntegra: “Art. 1º. Fica decretado o estado de calamidade pública, em razão da grave crise financeira do Estado do Rio de Janeiro, que impede o cumprimento das obrigações assumidas em decorrência da realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016. Art. 2º. Ficam as autoridades competentes autorizadas a adotar medidas excepcionais necessárias à racionalização de todos os serviços públicos essenciais, com vistas à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016. Art. 3º. As autoridades competentes editarão os atos normativos necessários à regulamentação do estado de calamidade pública para a realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos 2016. Art. 4º. Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.” 263 Por intermédio da Medida Provisória nº 734/2016. Este subscritor ora reflete em 02 (dois) aspectos daquele ato normativo: a) qual o critério de relevância e urgência que se levou em consideração, tendo em vista que o Brasil soube que seria sede das olimpíadas em 2009 e teve todo esse tempo para planejar a segurança pública para aquele megaevento; e, b) e se o Congresso Nacional não ratificá-la, o Estado do Rio de Janeiro devolverá os recursos já gastos? Vale destacar que os jogos olímpicos já terminaram e a Medida Provisória ainda não foi aprovada pelo Parlamento. 264 Segundo consta no art. 144, §§5º e 6º da Constituição Federal o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública é de competência dos Estados-membros. 265 Para a leitura na íntegra recomenda-se o acesso do seguinte endereço eletrônico: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2016/Exm/Exm-MP-734-16.pdf 127 Estado do Rio de Janeiro apresenta, desde 2014, déficit orçamentário o que quer dizer, em outras palavras, que a receita estimada não corresponde à efetivamente arrecadada, o que dificulta a mantença do custeio básico do serviço público e por fim resulta no inadimplemento da folha de pagamento. A alocação de recursos públicos com as olimpíadas é importante para o desenvolvimento do Estado, mas não necessária, porquanto é preciso se priorizar o pagamento em dia do funcionalismo, tendo em vista que o mesmo é o responsável pelo funcionamento de toda a máquina administrativa e o risco de uma greve em serviços vitais como saúde e segurança pública, por exemplo, durante a realização dos jogos olímpicos em virtude do atraso da folha de pagamento colocaria em risco toda a realização dos jogos olímpicos. Ao gestor público compete refletir previamente à expansão de qualquer despesa pública, não necessariamente a de pessoal. Contudo, é imperioso alertar que toda demanda que aumente o custeio da máquina pública reflete, mesmo que indiretamente, no custeio da folha de pagamento, pois ela é o carro-chefe do gasto público seja ele em qual ente federado for. A realização dos jogos olímpicos na cidade do Rio de Janeiro/RJ convidou todos os agentes públicos tanto a nível municipal, estadual e federal, a pensarem conjuntamente as ações a serem efetivadas, o que foi claramente delimitado na matriz de responsabilidade. Dentre todos eles (município do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro e União), o que mais restou prejudicado com a realização das olimpíadas no Brasil foi o Estado do Rio de Janeiro, porquanto destinou R$ 8,6 bilhões de maneira direta para a realização de obras públicas e prestação de serviços públicos voltados especificamente para estruturar aquele megaevento. Aquela verba, conforme esclarece o colapso financeiro no qual está imerso o Poder Executivo Estadual do Rio de Janeiro, poderia ter tido destinação diferente; no caso, para o caixa que auxilia o Estado a perseguir as políticas públicas que o mesmo almeja de maneira exitosa. Mesmo com a ajuda pontual e inesperada da União às vésperas dos jogos olímpicos, em virtude do decreto de calamidade pública em decorrência da crise fiscal a qual se encontra aquele Estado-membro, os seus problemas não se acabarão. 128 A MP 734/2016 apenas adia um problema que virá o quanto antes: a falta de dinheiro em caixa para pagamento da folha de pessoal. Sendo assim se percebe que o Estado do Rio de Janeiro não tinha condições financeiras de custear a realização dos jogos olímpicos e se fê-lo, optou por deixar a folha de pagamento em segundo plano. Nesse sentido, a qualidade do gasto público de qualquer ente federado deve sempre levar em consideração a sustentabilidade do custeio da sua folha de pagamento. 129 4 O PROTAGONISMO DA FUNÇÃO LEGISLATIVA DO PODER ESTADUAL EM RELAÇÃO À DESPESA PÚBLICA COM PESSOAL: O caso do Estado do Rio Grande do Norte Em que pese possuir competência privativa em relação à elaboração da política pública no âmbito da sua estrutura administrativa, a função executiva do Poder depende do parlamento para a aprovação do seu planejamento estratégico em relação à despesa de pessoal em decorrência do fato que a política remuneratória é decorrente de lei. É preciso que se esclareça uma situação: caso haja usurpação de competência em matéria de remuneração de pessoal da função executiva do Poder, a eventual sanção do projeto de lei não convalida o vício de inconstitucionalidade resultante da usurpação do poder de iniciativa de quem é competente em fazê-lo266. É importante lembrar que despesa de pessoal não se dá tão somente em relação à concessão de criação de vantagem, concessão de reajuste ou aumento remuneratório. Quando se fala em despesa de pessoal é necessário que o intérprete tenha em mente todo o panorama correlato ao assunto que começa na própria criação de um cargo público, que aparentemente não significa gasto com pessoal. Isso porque em virtude do regime jurídico administrativo brasileiro, a criação de um cargo público possibilita a sua investidura nem que seja de maneira compulsória, sem que haja planejamento da própria administração pública responsável pelo ato. 266 EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Arts. 22 e 25 da Lei Complementar nº 176/2000, do Estado do Espírito Santo. Competência legislativa. Administração pública. Procuradoria-Geral do Estado. Organização. Designação de procuradores para atuar noutra Secretaria. Disciplina de processos administrativos. Criação de cargos na Secretaria da Educação. Inadmissibilidade. Matérias de iniciativa exclusiva do Governador do Estado, Chefe do Poder Executivo. Normas oriundas de emenda parlamentar. Irrelevância. Temas sem pertinência com o objeto da proposta do Governador. Aumento de despesas, ademais. Ofensa aos arts. 61,§1º, inc. II, “a”, “b” e “e”, e 63, inc. I, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. São inconstitucionais as normas que, oriundas de emenda parlamentar, não guardem pertinência com o objeto da proposta do Governador do Estado e disponham, ademais, sobre organização administrativa do Executivo e criem cargos públicos. ADI 2305/ES. Relatoria do Ministro Cezar Peluso. Data do julgamento: 30/06/2011. Órgão julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Data da publicação: 05/08/2011. 130 Conforme já mencionado neste trabalho, é possível que a criação de um cargo público sem a pretensão imediata para o seu provimento proporcione uma despesa com pessoal inesperada, tendo em vista a legitimidade do Ministério Público em propor uma ação civil pública de obrigação de fazer caso averigue a prestação ineficiente de serviços públicos em decorrência da falta de pessoal concomitante a existência de cargos públicos vagos para os respectivos provimentos. Além disso, é possível também que uma decisão judicial determine a criação de cargos públicos em virtude da precariedade de um tipo de serviço público como já aconteceu, por exemplo, no âmbito da função executiva Estado do Rio Grande do Norte. Em virtude do colapso no sistema prisional daquele ente federativo, o Ministério Público Estadual detectou insuficiência de pessoal e propôs uma ação judicial a qual objetivava o adequado funcionamento do sistema carcerário daquele Estado. Assim, aqueles órgãos celebraram um termo de ajustamento de conduta por intermédio do qual a função executiva do Poder ficou responsável por criar 530 (quinhentos e trinta) cargos de agente penitenciário267 e mesmo com o índice alarmante de 54,05%268 de comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa com pessoal, mais de 6% acima do limite legal, a vedação imposta pela LRF em criar cargos não foi empecilho para que fosse editada a Lei Complementar Estadual nº 594/2017269. Como o sistema constitucional outorga legitimidade à função judiciária do Poder para estabelecer obrigações aos particulares e ao poder público, é possível que uma decisão judicial, neste caso através da homologação de um acordo decorrente de um termo de ajustamento de conduta, determine a criação de cargos, mesmo com o impeditivo imposto pela LRF em detrimento do cenário fiscal de descontrole em relação à despesa com pessoal. 267 http://www.mprn.mp.br/portal/files/Sentenca_homologada_concurso_agentepenitenciario.pdf acesso em 09/11/2017 268 Eis o resultado do relatório de gestão fiscal para aquele quadrimestre: http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/control/DOC/DOC000000000143606.PDF acesso em 09/11/2017. 269 Dispõe sobre a criação de cargos de agente penitenciário, integrantes do quadro de pessoal efetivo da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (SEJUC), e dá outras providências. 131 Muito embora tenha competência constitucional para monitorar as ações da administração pública em todos os seus aspectos, a função legislativa do Poder tem se ocupado mais na discussão de leis, quando deveria, na verdade, ir mais além e monitorar a qualidade do gasto público. A divulgação dos relatórios de gestão fiscal pela função executiva do Poder, por exemplo, demonstra um indicativo pelo qual a despesa pública com pessoal deve ser monitorada. Assim, ultrapassado o limite prudencial, é dever das assembleias legislativas, no exercício da sua função institucional, auxiliar a função executiva na perspectiva de controlar o crescimento da despesa com pessoal desproporcional ao quanto se arrecada. Elas devem, neste contexto, rejeitar qualquer lei que versa sobre política remuneratória na perspectiva de expandir aquele tipo de gasto público com um único argumento: o comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa com pessoal acima dos limites estabelecidos pela LRF constitui um critério objetivo na perspectiva de proibição de aprovação de leis que pretendam expandir aquela matéria. Para isso o parlamento tem como assessoria os tribunais de contas, que surgem como órgãos técnicos aptos a auxiliarem àquela função constitucional de fiscalização, quer seja por intermédio de relatórios ou até mesmo inspeções. Além de serem órgãos técnicos que assessoram a função legislativa do Poder, os tribunais de contas possuem competências específicas no exercício do controle externo da administração pública sendo responsáveis, por exemplo, pelo registro dos anos de nomeação de cargo efetivo e concessão de benefícios previdenciários como, por exemplo, as aposentadorias e as pensões270. 270 Sobre as competências do Tribunal de Contas da União Juliane Erthal de Carvalho e André Rosilho consideram que “As normas (constitucionais e legais), segundo vemos, previram que o Tribunal seria competente para: a) editar normas; 2) praticar atos sancionatórios; 3) praticar atos de comando; 4) levantar dados e produzir informações; 5) formular orientações gerais; 6) representar [...] É importante destacar que cada uma dessas competências abarca um conjunto de atribuições distintas – por exemplo, a atribuição de “aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei” (art. 71, VIII, da Constituição) se inseriria na competência para praticar atos sancionatórios. As atribuições reunidas em uma única competência têm em comum o fato de que, quando concretamente exercidas pelo TCU, conduzem à elaboração de um mesmo tipo de produto final (dados ou informações; representações; orientações; atos sancionatórios; atos de comando; ou normas).CARVALHO, Juliane Erthal de; ROSILHO, André. A visão do STF sobre a 132 O monitoramento do crescimento da despesa pública com pessoal deve ser diário e não somente quando da publicação dos relatórios de gestão fiscal e neste cenário, a função legislativa do Poder surge como de fundamental importância porquanto possui legitimidade para determinar auditorias e promover audiências públicas a qualquer tempo. Desta forma, mesmo não podendo emendar um projeto de lei correlato à estruturação da máquina pública no âmbito da função executiva do Poder nem mesmo apresentar emendas à projetos de lei que versem sobre remuneração, a função legislativa pode rejeitar em sua integralidade qualquer tipo de lei, caso a mesma seja contrária ao interesse público. Demonstra o sistema constitucional que o ordenamento jurídico vigente possui uma preocupação sistemática em relação ao controle da despesa pública com pessoal que vai desde a Constituição Federal até uma legislação, complementar e específica sobre o tema, que é a LRF. Além de toda aquela delimitação normativa, como o poder emana do povo, que o exerce através de um poder político que se ramifica em jurídico, o mesmo deve exercer um controle socialmente responsável com o intuito de utilizar a legislação de regência como parâmetro a e comparar com a realidade fática para analisar de fato se a despesa pública com pessoal do ente ao qual integra é efetivamente sustentável. O exercício do poder político271 é concretizado no âmbito do parlamento e ele, junto com a população e a classe dos servidores públicos representa um forte aliado ao controle da despesa pública com pessoal. competência do TCU para praticar atos de comando. In PEREZ, Marcos Augusto; Souza, Rodrigo Pagani. Controle da Administração Pública. Editora Fórum. Belo Horizonte/MG: 2017, p. 187. 271 Ao estudar a matéria José Afonso da Silva delimita que “Sabemos que a sociedade, organizada num Estado, tem um Poder especial, qualificado como Poder político, que é manifestação interna da soberania estatal, e, como tal, detém algumas características, como a de unidade, de indivisibilidade e de indelegabilidade. Por isso, toda vez que se fala em divisão de poderes, sempre surge a indagação: em que sentido se deve tomar a expressão para que se harmonize com a ideia de indivisibilidade do poder? Demais, falar-se em divisão de poderes, sem mais explicação, dá a ideia de que há vários poderes. Em que sentido esse plural é correto? Em que sentido é correto dizer que o Poder Legislativo é um dos poderes do Estado, sem que isso signifique a quebra da unidade do Poder estatal, sem que isso queira dizer que a soberania estatal é múltipla? Se se disser que o Poder Legislativo é um dos poderes da soberania, já se aproxima da ideia de que o Poder é uno, mas se manifesta por várias funções, um centro de que emanam fluidos de poder, fluidos de dominação, projeção de tarefas que incumbem ao Estado. Não fora isso, o Poder seria estático. É pelas funções que ele atua, realiza suas finalidades.” AFONSO DA SILVA, José. Estrutura e funcionamento do Poder Legislativo. Revista de informação legislativa, v.47, n.187, p. 137-154, jul./set.2010. disponível 133 Como o assunto possui pertinência temática com toda a sociedade, deve a mesma ser diligente no estudo e constante discussão do crescimento sustentável e para isso a mesma tem que acompanhar a efetiva arrecadação de receita e a partir do crescimento econômico sem o incentivo ao déficit público272. Como a austeridade na gestão fiscal baseada em uma economia forte possibilita o custeio da despesa com pessoal sob 02 (duas) perspectivas: a) garante o lastro financeiro para o adimplemento; e, b) permite arrecadação que resulta em margem da receita corrente líquida a ser indexada. A despesa pública com pessoal, portanto, possui um custo racional e por isso deve ser bem planejada, fiscalizada e executada sistemática e diariamente. Assim, se percebe que o seu controle é concomitante à própria implantação e disso não deve ser dissociada. Diante desse contexto é possível se estabelecer um cenário em que se consiga economicidade em relação ao crescimento da despesa pública com pessoal: a discussão permanente sobre a matéria em harmonia com o resultado da arrecadação tributária na perspectiva de se estabelecer uma estratégia de controle273. em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/198698/000897822.pdf?sequence=1 acesso em 09/11/2017 272 Luciana Ribeiro Campos observa que “O crescimento sustentável requer uma economia forte, que possibilite a elevação da renda nacional em razão de seu crescimento econômico. Abandonam-se as teorias que veem no déficit fórmulas de incentivo e de retomada de crescimento econômico (keneysianismo e neokeynesianismo), e a moderna doutrina econômica aposta na política de austeridade que se fundamenta no equilíbrio orçamentário.” CAMPOS, Luciana Ribeiro. Direito Orçamentário em busca da sustentabilidade. Do planejamento à execução orçamentária. Editora Nuria Fabris. Porto Alegre/RS: 2015, p. 244. 273 Sobre economicidade e controle interno anota Luís Felipe Valerim Pinheiro que “Por fim, o controle sobre a economicidade procura avaliar o mérito dos atos de administração financeira e orçamentária do Estado, considerando a dualidade inerente à Economia, qual seja, recursos escassos e destinações infinitas. Com isso, é imprescindível estruturar a melhor alocação de meios em razão dos fins perseguidos. Contudo, note-se que o “dever de economicidade” incorporado pelo Ordenamento deve com ele se harmonizar, sendo que os fins escolhidos não o são livremente, como na lógica privada. Os objetivos a serem atendidos estão contidos no Direito vigente, devendo os administradores envidar os menores recursos (meios) para atende- los em sua maioria [...] o exame sobre a economicidade do ato de gestão exige o profundo conhecimento da atividade controlada, visto que se deve conhecer todos os procedimentos empreendidos e os motivos que o ensejaram, bem como as alternativas possivelmente mais eficientes. Nesse ponto, se retoma a importância do controle interno, considerando a supra referida proximidade e expertise a ele inerentes em relação à atividade controlada.” PINHEIRO, Luís Felipe Valerim. Controle Orçamentário e Eficácia do Planejamento Estatal. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n.3, setembro/outubro/novembro, 2005. Disponível em http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-3-SETEMBRO-2005-LUIZ%20FELIPE.pdf acesso em 09/11/2017. 134 É incontroverso, pois, o fato que os parlamentares, ao pautarem qualquer matéria sobre despesa pública com pessoal da função executiva do Poder Estadual, deve ter amplo conhecimento sobre a sua situação fiscal e caso necessite de informações complementares para discutir a matéria deve solicitá-las àquela função. Para isso, as assembleias legislativas se organizam em comissões274, que podem ser permanentes ou temporárias, as quais possuem competências previamente delimitadas para atuarem em assuntos específicos, o que contribui bastante para a melhoria da discussão do tema. No exercício do seu funcionamento institucional, as comissões podem promover, dentre outras ações: a) a realização de audiências públicas; b) o recebimento de petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas; e, c) solicitar o depoimento de qualquer cidadão. Antes de ser inserida no sistema constitucional, pois, a norma jurídica deve ter discussão qualificada no parlamento. Tanto em relação específica dos parlamentares quando votam os projetos de lei, quanto, principalmente, em relação à participação popular nos trabalhos das comissões. 274 As comissões parlamentares possuem previsão expressa no art. 58,§2º da Constituição Federal e as suas competências são estabelecidas em razão da matéria. Sobre comissões parlamentares e especificamente sobre a comissão de constituição, justiça e cidadania do Senado destacam Hugo R. Henriques e Márcio H. P. Ponzilacqua que “No que tange ao poder de deliberação das comissões, a Constituição Federal de 1988 se limitou a admitir o poder terminativo das comissões em relação aos projetos de lei, não mencionando outras proposições legislativas. Permitiu-se aos Regimentos Internos, dessa forma, a possibilidade de extensão do poder deliberativo das comissões a outros tipos de proposições legislativas não vedadas pelo texto constitucional. Em relação especificamente à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal, é importante salientar que essa comissão tem o dever regimental de analisar a admissibilidade das proposições que por ela tramitam, entre as quais se incluem todas as Propostas de Emenda à Constituição (PEC), que devem necessariamente receber parecer sobre sua admissibilidade. Além das PEC, o campo temático da CCJ, segundo o Regimento Interno do Senado Federal (RISF), inclui genericamente as matérias de competência da União, o que confere a essa comissão um campo de atuação imenso.” HENRIQUES, Hugo R. ; PONZILACQUA, Márcio H. Análise de admissibilidade de proposições legislativas. A atuação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal em 2014. Revista de Informação Legislativa, v. 54, n. 213, p39+62, jan./mar. 2017. Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/531152/001104084.pdf?sequence=1 acesso em 10/11/2017. 135 Aquele cenário de discussão democrática em que a sociedade não só pode como deve exercer o seu protagonismo em relação ao processo legislativo é entendida como esfera pública275. As audiências públicas podem tanto ser propostas pela administração pública em todas as funções do Poder (executiva, legislativa e judiciária), bem como pelo Ministério Público, como também, por intermédio do exercício do direito de petição, podem ser requeridas pelo administrado276. Elas são instrumentos de fomento à democracia e ao controle da execução orçamentária e a própria função executiva do Poder, conforme acima mencionado, pode realiza-las. Caso não o faça, a função legislativa do Poder pode promover a interação necessária antes da votação da lei em plenário. 275 Para Jurgen Habermas “A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. Do mesmo modo que o mundo da vida tomado globalmente, a esfera pública se produz através do agir comunicativo, implicando apenas o domínio de uma linguagem natural; ela está em sintonia com a compreensibilidade geral da prática cotidiana [...] A esfera pública constitui principalmente uma estrutura comunicacional do agir orientado pelo entendimento, a qual tem a ver com o espaço social gerado no agir comunicativo, não com as funções nem com os conteúdos da comunicação cotidiana.” HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia. Entre facticidade e validade; Volume II. Editora Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro/RJ: 1997, p. 92. 276 É o apontamento de Laís Sales do Prado, Murillo Giordan e Virgínia Juliane Adami, para quem “Foi dito sobre as audiências públicas que se trata de um chamamento feito pelo Poder Público aos seus cidadãos, mas para que não se cometa qualquer imprecisão neste instituto, bastante difícil de ser abordado, é preciso que se mencione que é também possível, em alguns casos, que interessados solicitem a realização de uma audiência pública, caso em que, “se formulado e deferido pela Administração, a realização ou emprego desse instrumento torna-se obrigatória. Esta possibilidade nos remete a uma particularidade da administração pública participativa que precisa ser bastante sublinhada. Trata-se sim de um direito a opinar sempre que a decisão a ser tomada afete diretamente um assunto do seu interesse, mas para que esse direito seja efetivo é necessário contrapartida caracterizada como dever cívico, ou seja, dever de se atualizar sobre os assuntos públicos, de consultar o Diário Oficial, de ser um cidadão atuante perante a coisa pública. Enfim, ao expor sobre a caracterização da audiência pública é, a nosso ver, essencial que ela seja mostrada a partir do prisma equilibrado de ser direito e dever, como aliás, tudo o mais que envolva a cidadania, na medida em que a vida em sociedade requer que tenhamos uma postura colaborativa perante o coletivo e para ter esta postura é essencial que saibamos exatamente a posição a ocupar num jogo público.” SILVA, Laís Sales do Prado e; SANTOS, Murillo Giordan; PAULINO, Virgínia Juliane Adami. Audiências públicas: histórico, conceito, características e estudo de caso. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 15, n. 62, p. 237-257, out./dez.2015. 136 4.1. O devido processo legislativo e a discussão da matéria nas comissões de constituição e justiça e orçamento Quando um projeto de lei é enviado à assembleia legislativa, a mesma deve analisar algumas premissas antes de leva-lo a votação e a ritualística pela qual o processo legislativo é efetivado deve ser claramente definida pelos respectivos regimentos internos, a depender da sua organização administrativa, sem olvidar do que é estabelecido pelo texto constitucional277. O poder político, porém, deve ser democraticamente controlado o que quer dizer, frise-se, que uma vez submetido um projeto de lei ao parlamento para respectiva discussão de sua legitimidade e possibilidade de aprovação, resta defeso ao parlamento discuti-lo entre quatro paredes. A título de exemplificação, o regimento interno da Câmara dos Deputados atribui à comissão de constituição, justiça e cidadania competência para apreciar “aspectos constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa de projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação da Câmara ou suas Comissões278”. (art. 32, inciso IV, alínea “a”). Em um primeiro momento, o aumento de remuneração, conforme determina a Constituição e a LRF, deve possuir compatibilidade com o PPA, a LDO e a LOA: primeiro panorama a ser observado pelo legislador em relação à observação do preenchimento dos requisitos mínimos de admissibilidade. Esta matéria eminentemente constitucional deve ficar ao encargo da comissão de constituição e justiça, de onde necessita ser exarado um parecer sobre a matéria para tão somente ser colocado em discussão. 277 Victor Aguiar Jardim de Amorim reflete que “Diante da expansão da regulamentação pelo próprio texto constitucional dos aspectos procedimentos e da rotina de funcionamento dos Poderes, deve-se empreender uma análise da tensão entre uma disciplina constitucional mais verticalizada a respeito da matéria legislativa e a dinamicidade política inerente à lógica da engrenagem parlamentar. Trata-se, portanto, da tentativa de estabelecimento ou conformação das balizas atinentes à autonomia parlamentar no contexto do atual paradigma do Estado Democrático de Direito, no qual está implícita a superação do ideal liberal de “soberania” de desígnios do Parlamento.” AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. O caráter dinâmico dos regimentos internos das Casas Legislativas. Revista de informação legislativa. V. 52, n .208, p.341-357, out./dez. 2015. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/517710/001056094.pdf?sequence=1 acesso em 11/11/2017. 278 Art. 32. São as seguintes as Comissões Permanentes e respectivos campos temáticos ou áreas de atividade: [...] IV- Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania: a) aspectos constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa de projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação da Câmara ou das suas Comissões. 137 É dever da comissão de constituição e justiça examinar a compatibilidade da expansão da despesa pública com pessoal em relação ao que determina o art. 169 da Constituição Federal no que diz respeito à compatibilidade daquela política pública com a dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa com pessoal e aos acréscimos dela decorrentes, bem como a averiguação de existência de autorização específica na LDO. No tocante à dotação orçamentária suficiente para atender às projeções da despesa com pessoal e aos acréscimos dela decorrentes é importante esclarecer o que se deve entender em relação “aos acréscimos dela decorrentes”. Isso porque determina a Constituição Federal que a previdência social deve ser organizada mediante caráter contributivo e solidário o que quer dizer, em outras palavras, que a mesma deve ter a sua própria fonte de custeio. Quando instituídos os regimes próprios de previdência social os respectivos entes federados não poderão cobrar contribuição aos seus servidores para o respectivo custeio de previdência social alíquota inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União279. Por outro lado, em que pese a contribuição previdenciária ser um encargo atribuído ao próprio servidor público, a Constituição Federal também determina que o ente público também deve contribuir para o regime de previdência própria, se for o caso de sua instituição280. Isso é: a instituição de um encargo financeiro que deve ter a sua respectiva expansão planejada. 279 Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. 280 Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. 138 Já a contribuição do ente federado, também conhecida como contribuição patronal, nos termos da lei 9.717/1998281, não pode ser inferior ao valor da contribuição do servidor ativo, nem superior ao dobro desta contribuição282. Atualmente, a contribuição do servidor público da União em relação ao regime de previdência daquele ente gravita entre 11 e 14%, conforme determina o art. 4º283 da Lei 10.887/2004284, com redação dada pela medida provisória nº 805/2017285. A contribuição patronal, um encargo expresso pela Constituição Federal e regulamentada por intermédio de uma norma de eficácia contida nos termos da lei 9.717/1998, em virtude do princípio da autonomia dos entes federados, deve ser regulamentada especificamente de acordo com a conveniência e oportunidade dos Estados-membros que instituírem regimes próprios de previdência social. O alerta que deve ser feito em relação ao tema é que o aumento de remuneração deve incluir o impacto que ocasionará também na contribuição patronal, pois, o conceito de despesa com pessoal delimitado pela LRF inclui encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência social. Dessa maneira, a expansão do gasto com pessoal não diz respeito tão somente ao aumento per si da remuneração, mas engloba também o impacto 281 Dispõe sobre as regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências. 282 Art. 2º A contribuição da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, aos regimes próprios de previdência social a que estejam vinculados seus servidores não poderá ser inferior ao valor da contribuição do servidor ativo, nem superior ao dobro desta contribuição. 283 Art. 4º A contribuição social do servidor público ativo de quaisquer dos Poderes da União, incluídas as suas autarquias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será calculada mediante a aplicação das seguintes alíquotas: I – onze por cento sobre a parcela da base de contribuição cujo valor seja igual ou inferior ao limite máximo estabelecido para os benefícios de Regime Geral de Previdência Social – RGPS; II – quatorze por cento sobre a parcela da base de contribuição que supere o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS. 284 Dispõe sobre a aplicação de disposições da Emenda Constitucional n o 41, de 19 de dezembro de 2003, altera dispositivos das Leis n os 9.717, de 27 de novembro de 1998, 8.213, de 24 de julho de 1991, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e dá outras providências. 285 Posterga ou cancela aumentos remuneratórios para os exercícios subsequentes, altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas, e a Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, quanto à alíquota da contribuição social do servidor público e outras questões. 139 que o mesmo ocasiona aos cofres públicos em relação aos regimes próprios de previdência social. O impacto da previdência social em relação à despesa com pessoal é tão importante que o constituinte derivado, atento ao tema, permitiu a criação de regimes complementares de previdência social286 que possibilitam o estabelecimento de um teto para o pagamento de aposentadorias e pensões equivalente ao limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral do qual trata o art. 201 da Lei Maior. Os regimes de previdência complementar, portanto, devem ser entendidos como uma estratégia a ser adotada pelo gestor público na construção de um subsistema da política remuneratória que possibilita uma redução de custos aos cofres públicos em relação ao pagamento da despesa com pessoal em relação às aposentadorias e pensões. A instituição de previdência complementar é um forte indicativo pelo qual se demonstra a preocupação do legislador em estabelecer alternativas de custeio no âmbito do crescimento constante da despesa com pessoal no âmbito da administração pública brasileira. Assim, estabelece o ordenamento jurídico vigente que além do sistema de freios em relação à despesa pública com pessoal previsto na LRF na perspectiva contábil como são o caso, por exemplo, dos limites normal, prudencial e normal em relação à indexação da receita corrente líquida em relação à política remuneratória, há outro, com característica de custeio efetivamente financeiro no âmbito da previdência social, que é a previdência complementar. A Comissão de Constituição e Justiça deve analisar qualquer projeto de lei que verse sobre política remuneratória à luz de todo o contexto acima 286 Art. 37 Omissis [...] §14 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201. §15 – O regime de previdência complementar que trata o §14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida. §16 – Somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto nos §§ 14 e 15 poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data de publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar. 140 delimitado e é responsável institucionalmente, no âmbito da função legislativa do Poder, pelo estudo da constitucionalidade dos respectivos normativos enviados pela função executiva. Vale informar que o seu juízo de valor não deve esgotar a matéria devendo, pois, o mesmo ser exercido por intermédio de uma análise perfunctória. Feito isso, deve a matéria ser submetida à comissão permanente de orçamento e finanças, responsável por deliberar especificamente sobre o tema. A Comissão de Orçamento, que é prevista expressamente pelo art. 166, §1º, inciso II287 da Constituição Federal, a qual deve examinar e emitir respectivo parecer sobre qualquer matéria que tenha pertinência temática com a execução orçamentária. Aquele parecer, contudo, como possui natureza jurídica eminentemente opinativa, não vincula a sua vinculação pelo parlamento288, sendo este, pois, legítimo e competente para se pronunciar de maneira conclusiva sobre a matéria, nos moldes estabelecidos pelo seu regimento interno. A Comissão de Orçamento possui um importante papel cívico em relação à educação fiscal289, porque ao analisar qualquer projeto de lei afeto à sua competência imediatamente deve contextualizá-lo com a execução orçamentária para poder a partir daquela conjugação iniciar a sua análise e, se 287 Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum. §1º Caberá a uma Comissão mista permanente de Senadores e Deputados: [...] II – examinar e emitir parecer sobre os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição e exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária, sem prejuízo da atuação das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo com o art. 58. 288 ADI 5.468/DF. Relatoria do Ministro Luiz Fux. Data do julgamento: 30/06/2016. Órgão julgador: Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Data da publicação: 02/08/2017. 289 Para Marcus Abraham “Educação Fiscal deve ser compreendida com uma abordagem didático-pedagógica capaz de interpretar as vertentes financeiras da arrecadação e dos gastos públicos, estimulando o cidadão a compreender o seu dever de contribuir solidariamente em benefício do conjunto da sociedade e, por outro lado, estar consciente da importância de sua participação no acompanhamento da aplicação dos recursos arrecadados, com justiça, transparência, honestidade e eficiência, minimizando o conflito de relação entre o cidadão contribuinte e o Estado arrecadador. A Educação Fiscal deve tratar da compreensão de que é o Estado, sua origens, seus propósitos e da importância do controle da sociedade sobre o gasto público, através da participação de cada cidadão, concorrendo para o fortalecimento do ambiente democrático.” ABRAHAM, Marcus. O Orçamento Público como instrumento de cidadania fiscal. Revista de Direitos Fundamentais & Democracia. V. 17, n. 17 (2015). Disponível em http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/596/421 acesso em 12/11/2017. 141 for o caso, promover uma audiência pública para estender o debate à sociedade. O protagonismo cívico em relação à cidadania fiscal proporciona um controle estratégico sobre o crescimento da despesa pública com pessoal e a partir disso, caso haja um impedimento de caráter financeiro em relação ao aumento da política remuneratória, pode determinada classe de servidor provocar a assembleia legislativa, por exemplo, a promover uma audiência pública com a participação do Fisco. Enquanto responsável pela arrecadação tributária, a pasta da tributação deve possuir um estudo contábil acerca do comportamento da receita, bem como da eficiência e do potencial em sua arrecadação em virtude da dívida ativa. O planejamento orçamentário é umbilicalmente ligado à despesa pública com pessoal e em virtude da estrutura normativa da LRF deve o legislador estar atento não só ao planejamento, como também a própria execução orçamentária através da divulgação dos relatórios de gestão fiscal. A despesa pública, qualquer que seja ela, principalmente a com pessoal, deve ser condizente com o interesse público porque a eficiência da execução orçamentária é interesse de todos os contribuintes, porquanto a qualidade do gasto público maximiza a utilização do Erário. Dessa forma, o conceito constitucional de despesa pública deve observar não somente aspectos micros em relação à legalidade da matéria por intermédio da processualística previamente delimitada, mas também a juridicidade do assunto, contemplando também aspectos políticos, vez que o seu crescimento, essencialmente, é uma decisão política290. 290 Ao construir um conceito sobre despesa pública ensaia Heleno Taveira Torres que “Como norma jurídica, pode-se falar no conceito constitucional de despesa pública, na medida em que todo o agir do Estado encontra-se submetido à Constituição neste domínio. A partir da decisão política e criação legislativa de “despesa pública”, sua concreta realização dependerá da autorização do orçamento, bem como da formalização dos atos administrativos e contratuais próprios. Portanto, a normatividade acompanha todo o percurso da despesa pública, segundo normas constitucionais que distribuem as competências relativa a cada uma das suas etapas [...] O conceito constitucional de despesa pública compreende o gasto ou conjunto de gastos públicos criados por lei expressa e autorizados pelo orçamento, que visam a atender às necessidades públicas objeto de competências materiais ou fins constitucionais do Estado [...] E como despesa pública tem-se ainda o custo da Constituição dirigente, inerente ao Estado Social e projetado pela Constituição para atender ao desenvolvimento econômico e social ou redução de desigualdades regionais, em favor das gerações presentes e futuras” TORRES, 142 A comissão de orçamento, em virtude da sua relevância, deve ser permanente conforme determinado pela Constituição Federal e no âmbito do parlamento é o segundo estágio em relação ao controle da despesa pública com pessoal, depois da comissão de constituição e justiça. Em relação ao planejamento, respectivo acompanhamento e crescimento da despesa pública com pessoal, recentemente foi aprovada uma lei com abrangência nacional a qual insere no ordenamento jurídico brasileiro a negociação coletiva no âmbito do serviço público. O projeto de lei nº 3831/2015291, que tramita na Câmara dos Deputados292, estabelece normas gerais para negociação coletiva nos entes federados inclusive com a possibilidade de participação de mediador. Como estabelece tão somente normas gerais, é plenamente possível a adoção de normas complementares pelos entes políticos. Aquela iniciativa é plenamente válida se aquela comissão também for convidada para participar das reuniões da comissão de orçamento, porquanto a premissa é que houve uma ampla discussão entre a classe dos servidores e a função executiva do Poder que precedeu a redação de eventual projeto de lei que verse sobre a expansão de política remuneratória. É mais um vetor de participação popular, concretização democrática e controle. Especificamente sobre participação popular e concretização democrática vale salientar que mesmo celebrando um plano de cargos, carreira e remuneração com determinada classe de servidores públicos, pode a função executiva do Poder Estadual, ao enviar o projeto à Assembleia Legislativa, alterá-lo de maneira unilateral. Assim, com a inserção daquele normativo no ordenamento vigente, a presença da comissão às reuniões da comissão de orçamento são imprescindíveis a celebração do que foi realmente acordado, já que o parlamento não pode apresentar quaisquer emendas. A sua função, conforme Heleno Taveira. Direito Constitucional Financeiro. Teoria da Constituição Financeira. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo/SP: 2014, p. 414-418. 291 Estabelece normas gerais para a negociação coletiva na administração pública direta, nas autarquias e nas fundações públicas dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 292 http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ADMINISTRACAO-PUBLICA/546679- SERVIDORES-PUBLICOS-DEFENDEM-QUE-PROJETO-DE-LEI-SOBRE-NEGOCIACAO- COLETIVA-SEJA-SANCIONADO-JA.html acesso em 12/11/2017 143 entendimento do STF já mencionado neste trabalho, é aprovar ou rejeitar na íntegra a matéria correlata à remuneração da função executiva do Poder. Como o orçamento é um instrumento de desenvolvimento nacional293, é natural que toda a população se engaje no acompanhamento da sua execução para que a mesma possibilite realmente o equilíbrio nas contas públicas conforme determina o sistema constitucional. 4.2. O Estado Democrático de Direito, a submissão da matéria ao plenário para votação e a democracia deliberativa: a importância das audiências públicas Tramitada a matéria naquelas comissões, o natural é que a mesma seja submetida ao plenário para que enfim possa ser apreciada pelos parlamentares e, se for o caso de aprovação, ser remetida novamente para a função executiva do Poder. A depender da estruturação do regimento interno, pode o parlamento, antes da apreciação, submeter o assunto a uma audiência pública onde possa escutar todos os membros da sociedade, desde o servidor público ao cidadão que não é afetado diretamente pela expansão da política remuneratória. Além de garantir maior transparência em relação à gestão fiscal, a promoção de audiências públicas também proporciona a possibilidade de um controle mais universal em relação ao aumento da despesa pública com pessoal. 293 Ivana Souto Medeiros observa que “O orçamento público revela-se como importante aliado na tarefa redistribuitiva empreendida pelo Estado. É no seio da elaboração orçamentária que será travado o debate sobre a definição de prioridades e identificação dos segmentos sociais mais carentes de recursos, subsidiando as decisões políticas atinentes às escolhas das necessidades que serão contempladas pelos gastos públicos. Esta é uma oportunidade crucial para que o Estado atue na correção das distorções de renda geradas pelo sistema capitalista, redistribuindo riquezas de forma equitativa entre os mais diversos setores da sociedade.” MEDEIROS, Ivana Souto. O Papel do Orçamento Público na realização do desenvolvimento nacional. Revista Constituição e Garantias de Direito, v.8, n. 1, 2015. Disponível em https://periodicos.ufrn.br/constituicaoegarantiadedireitos/article/view/8157/5895 acesso em 12/11/2017 144 As audiências públicas são vetores que proporcionam a educação político e o desenvolvimento cívico da população, muito embora esta não tenha ainda despertado para o seu verdadeiro papel social294. Se o poder emana do povo, conforme assevera a Constituição Federal, logo o mesmo deve garantir o seu exercício por todos os meios que lhe são ofertados pelo ordenamento jurídico vigente e as audiências públicas são um excelente canal de comunicação entre qualquer política pública, o parlamento e a sociedade. A educação política e o desenvolvimento cívico da população são ações primordiais para o desenvolvimento da democracia deliberativa295, característica do Estado Democrático de Direito296 a qual possibilita a pressão popular no processo de tomada de decisão da administração pública. 294 Caroline Leal Ribas anota que “As audiências públicas consistem em reuniões para se debater questões de âmbito público, o que se requer a participação ativa da sociedade civil durante processos de elaboração de planos orçamentários e na tomada de decisões. Segundo Carvalho Filho apud Felipe (2014, p. 59), a audiência pública destina-se a obter manifestações orais bem como provocar debates em sessão pública especificamente destinada para o debate acerca de determinada matéria. Frisa-se a necessidade de haver uma divulgação prévia e ampla do local, data e horário das audiências, para que sejam debatidos certos pontos acerca de uma determinada questão, abrindo-se a palavra a todos os interessados, de forma que a autoridade presente esteja aberta para aceitar críticas e propostas oriundas dos membros da sociedade (Medauar, 2012, p. 189). RIBAS,Carolline Leal. Equilíbrio Democrático e Controle Social: O Controle dos Atos de Gestão da Administração Pública por Meio da Participação Popular. Revista Direito Público. V. 12, n. 64, 2015. Temas Atuais de Jurisdição Constitucional e Controle de Constitucionalidade. Disponível em https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/2398/pdf acesso em 12/11/2017 295 Sobre democracia deliberativa eis o ensinamento de Luiza Christmann: “Na medida em que a política deliberativa visualiza a discussão e a decisão de temas públicos como um processo em que os indivíduos virtualmente atingidos devem participar e, nesse ínterim, estão potencialmente orientados para a formulação cooperativa de pretensões de validade, identifica- se a proposta de um processo democrático complexo e rico. A democracia deliberativa, nesse sentido, não se mostra limitada aos mecanismos de eleições e representação, incorporando outras esferas em que deliberações direcionadas à formação da opinião acontecem. Dessa maneira, tematizações realizadas na esfera pública informal devem ser consideradas na tomada de decisão final, pelo Poder Público, a fim de que o exercício do poder político seja legítimo. Diante do exposto, entende-se que a democracia deliberativa se constitui em um modelo analítico suficientemente promissor para a atuação da população. CHRISTMANN, Luiza Landerdahl. Democracia Deliberativa e Participação Popular no Licenciamento Ambiental do OSX-Estaleiro/SC: desafios e possibilidades. Revista Veredas do Direito: Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Belo Horizonte/MG: v. 10, n. 20, p. 111, abril de 2014. Disponível em http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/282/364 acesso em 12/11/2017. 296 O Estado Democrático de Direito proporciona o preenchimento de lacunas na administração pública e sobre isso escreve Caroline Muller Bitencourt e Eduarda Simonetti Pase que “a administração precisa ser vista (tanto pela sociedade civil como por seus representantes legítimos) como espaço onde a participação social seja livre e igualitária, de forma a permanentemente se propiciar o controle no que tange a administração e gestão dos interesses dessa sociedade. Daí porque se falar em democracia “não-amadurecida”, isto é, não 145 O exercício da democracia está diretamente relacionado à participação popular e a construção concomitante da administração pública que é determinada pela constituição federal: eficiente cuja racionalização dos recursos públicos é imperiosa. Determina a Constituição Federal que economicidade na gestão do Erário em relação às despesas correntes inclusive deve resultar em destinação orçamentária para aplicação em ações como desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade297. Além da imposição da LRF em se ter controle do gasto público em relação à despesa com pessoal, o próprio texto constitucional, influenciado pela positivação do princípio da eficiência administrativa, fomenta a racionalidade na expansão da política remuneratória como forma de insumo a própria melhoria na prestação dos serviços públicos. O incentivo a concessão de prêmios e até mesmo de gratificação por produtividade em virtude da economia em relação às despesas correntes é um convite que é feito para o gestor público no sentido de que o mesmo deve planejar sistematicamente as suas ações. A economia das despesas correntes remete ao custeio da máquina pública, que vai desde ações simples como a determinação de impressão se se pode admitir que o exercício da cidadania se reduza apenas a configurar um eleitorado temporário, por exemplo. Ou que venha esporadicamente ser suscitado a atuar em pesquisas de opinião política. Requer-se, ao invés que seja visto como “ator de política, mesmo não podendo sempre decidir de forma direta, pois a democracia direta não é nem a única forma nem a forma legitimamente superior. Também não se tem a visão romântica de que tudo se resolverá proporcionando esses espaços de participação à comunidade, até porque estes espaços existem e via de regra são apenas formalmente ocupados. O que se busca indicar como essencial para a realização da democracia em países em desenvolvimento como o Brasil, é a qualificação desses espaços de discussão, onde a participação deliberativa ocorra de forma espontânea, livre e igualitária, sem que se empregue meios tão somente formais de realização.” BITENCOURT, Caroline Muller; PASE, Eduarda Simonetti. A necessária relação entre democracia e controle social: discutindo os possíveis reflexos de uma democracia “não amadurecida” na efetivação do controle social da Administração Pública. Revista de Investigações Constitucionais. V. 2, n. 1, 2015. Disponível em http://revistas.ufpr.br/rinc/article/view/43663/26575 acesso em 12/11/2017. 297 Art. 38 Omissis [...] §7º Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade. 146 utilizando da configuração “frente e verso” até mesmo a estruturação de uma política remuneratória que incentive o aumento remuneratório vinculado ao desenvolvimento técnico da carreira. Este último cenário inclusive incentiva a competitividade no âmbito do serviço público sem prejuízo da defesa ao princípio da isonomia. Assim, uma vez investido em um cargo público, fica facultado ao servidor público se capacitar no âmbito da sua área institucional condicionado a concessão de um adicional por titulação. Para isso, no âmbito da função executiva do Poder, o próprio texto constitucional determina a criação de escolas de governo que são responsáveis pela formação e aperfeiçoamento dos servidores públicos, sendo a participação nos cursos um dos requisitos para a formação na carreira298. A capacitação do serviço público, que deve ser contínua, é um critério que deve ser levado em consideração quando do aumento remuneratório e vale lembrar que aumento remuneratório é completamente diferente de reajuste para recomposição das perdas inflacionárias, instituto previsto nos termos da revisão geral anual prevista expressamente no art. 37, X299 inciso da Constituição Federal. Caso a avaliação em relação à capacitação dos servidores não tenha sido feita no processo de planejamento no âmbito da função executiva do Poder, cabe à população, durante o trâmite da matéria no parlamento, averiguar se a classe de servidores que postula o aumento remuneratório tem se capacitado ao longo dos anos, porquanto a sociedade como um todo também é intérprete da Constituição. O conceito de gestão fiscal responsável deve levar em consideração critério técnico para o aumento remuneratório no âmbito do serviço público, pois o próprio texto constitucional resguarda a recomposição inflacionária anualmente. 298 Art. 39. Omissis [...] §2º A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento de servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados. 299 Art. 37 Omissis [...] X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o §4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices. 147 Assim, é defeso ao serviço público postular aumentos remuneratórios sem a apresentação de dados empíricos que legitimem o aumento daquele tipo de despesa pública com base na melhoria do serviço público conforme determina o texto constitucional. Dessa forma devem ser reinterpretados os critérios para o aumento remuneratório e a pressão que deve ser exercida é do serviço público e da sociedade para os servidores públicos e não o contrário conforme é feito atualmente inclusive com a utilização de greves para constranger o administrador público a conceder aumentos remuneratórios. A definição do gasto público possui relevância que ressoa a uma visão sistêmica da administração pública300 e esta é alicerçada na eficiência da prestação dos seus serviços. Logo, se não há eficiência na prestação dos serviços públicos, não há razões para a concessão de aumento remuneratório para os servidores que integram a sua carreira. A título de exemplificação, se não há aumento de arrecadação em virtude de problemas técnicos correlatos à gestão do fisco, não se vê possível a concessão de aumento remuneratório para a classe dos auditores fiscais em virtude da ausência de critérios técnicos. Por outro lado, quando não se possa mensurar critérios correlatos à arrecadação como forma de termômetro para a concessão de aumento remuneratório, deve o gestor público observar a qualidade dos serviços ofertados por determinada classe de servidores. O Ministério da Educação possui uma diretriz chamada Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, o qual possibilita o 300 Para Evandro José Bilyz de Camargo, Andréa da Silva Pereira e Janaína Rigo Santin “A definição de gastos públicos encontra-se alicerçada na movimentação das contas públicas e, dentro do que se refere à Lei de Responsabilidade Fiscal, normas de finanças voltadas para a responsabilidade, equilíbrio e sustentabilidade fiscal. Desta forma, ao olhar mais diretamente para tal definição é necessário que se entenda a relevância e a importância de uma gestão fiscal responsável dentro da administração pública como um todo, pois em um momento como o atual, onde a crise atinge economicamente a toda a sociedade e todos os entes federativos, a preocupação com os gastos está na primeira ordem. O administrador público deve estar preparado para o gerenciamento das variáveis que compõem um dos fatores de maior importância dentro do Estado brasileiro e que guarda a sua relevância para a boa gestão. Aliado a isso, o gasto público é visto sob a ótica das escolhas políticas a que os governos se propõem, as quais devem estar sempre atreladas a uma visão constitucional da receita e da despesa.” CAMARGO, Evandro José Bilyz de; PEREIRA, André da Silva; SANTIN, Janaína Rigo. Administração Pública Municipal e Lei de Responsabilidade Fiscal: gastos e receitas públicas. Revista de Direito Brasileira. V. 17, n. 7, 2017. Disponível em http://www.rdb.org.br/ojs/index.php/rdb/article/view/587/353 acesso em 13/11/2017. 148 monitoramento da qualidade da educação pela população por meio de dados concretos, com o qual a sociedade pode se mobilizarem busca de melhorias301. É aí onde se enquadra a participação popular em audiências públicas que devem ser promovidas pelo parlamento. Caso o gestor público, pressionado pela classe de professores que ameaça entrar em greve caso não seja concedido aumento remuneratório além dos valores previstos no reajuste em relação ao piso nacional, envie projeto de lei que contemple aumento remuneratório, pode a população, se convidada pelo parlamento através de uma audiência pública, colaborar emitindo a sua opinião sobre o mérito daquele ato administrativo. A consecução da administração pública democrática deve ser oportunizada diariamente e para isso é necessária a efetiva ampliação dos canais de participação entre o Estado e a sociedade civil organizada302. O direito administrativo deve se moldura ao interesse público da sociedade e para isso nada mais justo do que escutá-la durante o processo legislativo, pois, se o poder emana do povo, este realmente deve exercê-lo de forma plena. A função administrativa deve ser constitucionalizada em todos os seus termos e para isso não deve o gestor se ater especificamente ao seu múnus público em relação ao exercício da administração do Erário e dos serviços públicos que lhe são correlatos. Deve o mesmo planejar as suas ações com uma estratégia participativa além do espaço moldurado pelos gabinetes. Com a constitucionalização do direito administrativo o seu desafio é democratizar o exercício da do exercício 301 Para melhores informações deve o leitor consultar o endereço eletrônico do Ministério da Educação: http://portal.mec.gov.br/conheca-o-ideb acesso em 13/11/2017 302 José Sérgio da Silva Cristóvam anota que “A participação popular da sociedade civil na formulação, acompanhamento da execução e controle das decisões do Poder Público acerca de uma série de políticas públicas, apresenta-se como um dos mais fecundos traços de consolidação de um modelo de Administração Pública democrática. Isso reclama, inclusive, a efetiva ampliação dos canais de diálogo entre os governos e a sociedade civil, assecuratórios da participação social na atividade e na decisão administrativa, pela via instrumental das audiências públicas, consultas públicas, fóruns de debate etc. , com o fortalecimento da atuação de comissões e conselhos sociais e populares e a aproximação da sociedade civil ao debate democrático sobre as políticas públicas que impactam na vida da comunidade política.” CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. O Estado Democrático de Direito como Princípio Constitucional estruturante do direito administrativo: uma análise a partir do paradigma emergente da administração pública democrática. Revista de Direito Administrativo e Gestão Pública. Curitiba/PR. V.2, n. 2. Jul/Dez 2016. Disponível em http://www.indexlaw.org/index.php/rdagp/article/view/1302/1728 acesso em 13/11/2017. 149 da função administrativa e para isso escutar a população é de fundamental importância303. Para se instruir no processo de preparação das eventuais audiências públicas, a sociedade possui como referencial um órgão técnico que assessora o próprio parlamento, que é o tribunal de contas. 4.3. O tribunal de contas: do papel pedagógico ao parecer pela desaprovação das contas anuais O sistema de controle o qual o legislador constituinte se preocupou em estruturar para a administração pública brasileira vai desde o controle interno até o controle externo, passando, sempre, pelo controle social; que é aquele pelo qual é facultada a participação popular fiscalizar e até mesmo participar do processo de tomada de decisão do Estado. Para o exercício do controle interno se vê certas estruturas no âmbito da função executiva do Poder Estadual como é o caso, por exemplo, das assessorias jurídicas, comissões de controle interno e até mesmo as procuradorias jurídicas e estas últimas, vale informar, atuam tanto na defesa judicial dos órgãos públicos como também em sua assessoria interna. Diante disso recomenda-se para quem exerce a chefia da função executiva do Poder sempre submeter a matéria da despesa com pessoal aos seus assessores técnicos tanto contábeis como jurídicos, pois aquele trabalho 303 Gustavo Binenbojm observa que “assume cada vez mais proeminente no direito administrativo moderno a discussão sobre novas formas de legitimação da ação administrativa. Uma das vertentes desenvolvidas nesta linha é a da constitucionalização. Uma outra é baseada na democratização do exercício da atividade administrativa não diretamente vinculada à lei. Tal democratização é marcada pela abertura e fomento à participação dos administrados nos processo decisórios da Administração, tanto em defesa dos interesses individuais (participação uti singulus), como em nome de interesses gerais da coletividade (participação uti cives). Um dos traços marcantes dessa tendência à democratização é o fenômeno que se convencionou chamar de processualização da atividade administrativa. Tal termo é designativo da preocupação crescente com a disciplina e democracitazação dos procedimentos formativos da vontade administrativa, e não apenas do ato administrativo final. Busca-se, assim, (i) respeitar os direitos dos interessados ao contraditório e à ampla defesa; (ii) incrementar o nível de informação da Administração acerca das repercussões fáticas e jurídicas de uma medida que se alvitra implementar, sob a ótica dos administrados, antes de sua implementação; (iii) alcançar um grau mais elevado de consensualidade e legitimação das decisões da Administração Pública.” BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo. Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Editora Renovar. 2ª edição. Rio de Janeiro/RJ: 2008, p. 77. 150 interdisciplinar proporciona um estudo mais detalhado da expansão daquele tipo de gasto público. Além do controle interno, como todo o sistema constitucional se preocupa com a qualidade do gasto público, o ordenamento jurídico estabelece outro sistema de controle, que é o externo304. O controle externo é exercido pelos Ministérios Públicos (federal, do trabalho, militar, do distrito federal e dos territórios, dos estados), pela população, como também pelos tribunais de contas, órgãos de assessoramento técnico da função legislativa do Poder. Além da função de assessoramento à função legislativa do Poder, os tribunais de contas possuem competências próprias e para garantir o seu exercício pleno, quis o legislador constituinte estabelecer autonomia financeira, administrativa e até mesmo legislativa às cortes de contas. Enquanto tribunais competentes para exercer o controle externo da administração pública, devem os tribunais de contas, no exercício da sua competência legislativa, estabelecer diretrizes que moldurem o funcionamento da sua jurisdição. Isso é importante porque como são legitimados para aplicarem multas aos seus jurisdicionados, os tribunais de contas devem, sob a égide da teoria dos direitos fundamentais, proporcionar aos seus jurisdicionados um devido processo legal com garantia integral ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Em que pese contestada pelos gestores públicos a aplicação de multas pelos tribunais de contas, aquela possibilidade é atribuída expressamente pelo 304 Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara escrevem que “O controle externo no atual modelo, o da Constituição de 1988, ocorre por intermédio do julgamento das contas públicas, a ser feito pelo órgão técnico, o Tribunal de Contas (art. 71, II, da CF). A constatação de irregularidades pode ensejar a aplicação de sanções aos responsáveis, caso lhes seja atribuída culpa (art. 71, VIII, da CF). Pode ensejar, também, se a situação de fato o permitir, a abertura de prazo ao responsável, para correção da ilegalidade (art. 71, IX, da CF), o que pode ter efeito excludente ou mitigador da infração [...] O modelo de controle externo das despesa públicas, assim, baseia-se em uma relevante distinção das oriundas de atos administrativos e das decorrentes de contratações públicas. Em relação aos primeiros (atos), o poder de intervenção direta dos Tribunais de Contas existe, e se perfaz pela sustação de seus efeitos, nas situações em que o responsável, após receber prazo para correção da suposta irregularidade, não atende à deliberação do órgão de controle.” CÂMARA, Jacintho Arruda; SUNDFELD, Carlos Ari. Controle das contratações públicas pelos Tribunais de Contas. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro/RJ, v. 257, p. 111-144, mai. 2011. Disponível em http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/8589/7325 acesso em 20/11/2017 151 texto constitucional305 e corroborada pela jurisprudência do STF, muito embora a competência para o ajuizamento de ação de cobrança para as multas seja do ente beneficiário306. Ocorre que as multas devem ter previsão expressa nas respectivas leis orgânicas das Cortes de Contas e, se for o caso, terem a sua aplicação dimensionada nos respectivos regimentos internos. É importante frisar que o texto constitucional estabelece que as multas tenham previsão em lei. Enquanto órgãos técnicos de controle externo que auxiliam o Poder Legislativo no tocante à fiscalização da Gestão Pública, aos Tribunais de Contas é atribuída competência constitucional para supervisionar o gasto público e, inclusive, se for o caso, apreciar a economicidade de determinada despesa307. Além da função fiscalizadora que lhes é outorgada, aos Tribunais de Contas é delegada outra, também bastante importante, que é a função pedagógica308, aquela por intermédio da qual se contribui para o 305 Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...] VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário. 306 RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. 2. DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DAS DECISÕES DE CONDENAÇÃO PATRIMONIAL PROFERIDAS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS. LEGITIMIDADE PARA PROPOSITURA DA AÇÃO EXECUTIVA PELO ENTE PÚBLICO BENEFICIÁRIO 3. ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO, ATUANTE OU NÃO JUNTO ÀS CORTES DE CONTAS, SEJA FEDERAL SEJA ESTADUAL. RECURSO NÃO PROVIDO. Decisão: O Tribunal por maioria, reputou constitucional a questão, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestou a Ministra Carmén Lúcia. O Tribunal, por sua maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestou a Ministra Cármen Lúcia. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencidos os Ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio. Não se manifestou a Ministra Carmen Lúcia. 307 Essa interpretação é decorrente da análise do art. 70, caput, da Constituição Federal. Sobre o controle da economicidade do gasto público assenta BUGARIN que “Economicidade, então, parece conduzir a ideia-chave da busca permanente pelos agentes públicos delegados do complexo e diverso corpo social, da melhor alocação possível dos escassos recursos públicos disponíveis para a solução, ou pelo menos, mitigação, dos gravíssimos problemas sociais existentes no lamentável, vergonhoso e humilhante quadro de desigualdade que caracteriza o espaço socioeconômico nacional.” BUGARIN, Paulo Soares. O Princípio Constitucional da Economicidade na Jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Editora Fórum. 2ª edição. Belo Horizonte/MG: 2011, pp. 115-116. 308 Sobre a função pedagógica dos Tribunais de Contas, observa Paulo Roberto DECOMAIN que “Cabe aos Tribunais ou Conselhos de Contas responder a consultas sobre toda e qualquer matéria que, em tese, possa vir a ser objeto de sua apreciação, no exercício de suas demais funções. Em virtude disso, não há disparate em concluir que praticamente todos os assuntos inerentes à Administração Pública de um modo geral, excluídos aqueles inseridos nas competências privativas do Poder Legislativo, do Poder Judiciário ou do Ministério Público, 152 aperfeiçoamento da Gestão Pública, condizente com o princípio da eficiência administrativa. Cientes da sua importância constitucional, os próprios tribunais de contas estabelecem um procedimento específico por intermédio dos qual os jurisdicionados podem submeter uma consulta à sua análise em caso de dúvida interpretativa sobre legislação que esteja ao alcance do exercício da sua jurisdição. As consultas são uma importante ferramenta que deve ser explorada pelos gestores, pois, através dela o tribunal de contas proporciona transparência e até mesmo segurança jurídica em suas ações. A título de exemplificação, a legislação que delimita o funcionamento do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte309 o autoriza a esclarecer dúvidas dos jurisdicionados em relação à interpretação de lei ou regulamento em matéria abrangida pelo controle externo, ocasião em que decidirá sobre as consultas que lhe forem formuladas para interpretação das disposições legais e regulamentares relativas ao controle externo310. O protagonismo do Tribunal de Contas em relação às consultas, além de ser oriundo do seu caráter pedagógico, objetiva proporcionar transparência e segurança jurídica311 para os administrados e é exatamente por isso que as decisões correlatas a este assunto possuem caráter normativo312. podem ser objeto de resposta a consulta por parte dos Tribunais ou Conselhos de Contas. Na medida em que lhes incumbe a apreciação de toda a gestão pública, tanto na perspectiva da observância dos princípios constitucionais e legais que a norteiam, quanto no sentido da sua economicidade e eficiência, e da preservação do Erário público, tem-se que todo assunto relacionado à gestão da coisa pública pode ser objeto de análise por parte dos Tribunais ou Conselhos de Contas, em face de consultas que lhes sejam dirigidas.” DECOMAIN, Paulo Roberto. Tribunais de Contas no Brasil. Editora Dialética. São Paulo/SP: 2006, p. 149. 309 Lei Complementar Estadual nº 464/2012, que dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte. 310 É o que normatiza o art. 1º, inciso XIII da LCE 464/2012, in verbis: “Art. 1º O controle externo, a cargo da Assembleia Legislativa, é exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete: [...] XIII – solucionar consulta formulada por órgão ou entidade sujeita à sua jurisdição sobre a interpretação de lei ou regulamento abrangida pelo controle externo, tendo a decisão caráter normativo, como prejulgamento da tese e não do fato ou caso concreto.” Aquela incumbência é reiterada nos termos do art. 102 daquele diploma legal: “Art. 102. O Tribunal decidirá sobre as consultas que lhe forem formuladas para interpretação das disposições legais e regulamentares relativas ao controle externo.” 311 Sobre o princípio da segurança jurídica anota José dos Santos Carvalho Filho que “o desenvolvimento do princípio em tela denota que a confiança traduz um dos fatores mais relevantes de um regime democrático [...] O que se pretende é que o cidadão não seja surpreendido ou agravado pela mudança inesperada de comportamento da Administração, sem o mínimo respeito às situações formadas e consolidadas no passado, ainda que não se 153 É nesse cenário que deve o gestor evidenciar o contexto pelo qual eventualmente encontre óbice para exercer o seu múnus público. Além do caráter pedagógico, a atuação dos tribunais de contas possui também um aspecto concomitante em relação à execução orçamentária, que é a possibilidade de os mesmos fazerem auditorias por iniciativa própria ou provocados pela função legislativa do Poder. As auditorias são instrumentos de fiscalização por intermédio dos quais as cortes de contas podem averiguar a eficiência da execução orçamentária e se dividem em 03 (três) tipos: a) contábil; b) financeira; c) orçamentária; d) operacional; e, d) patrimonial313. A auditoria contábil, financeira e orçamentária diz respeito à forma pela qual tem sido realizada a execução orçamentária em relação às normas contábeis exigidas para tanto314. É a averiguação entre o que é e o que se deve ser em termos formais. Para isso, qualquer auditoria financeira e orçamentária deve levar em consideração o MCASP, que é uma publicação do Ministério do Planejamento, especificamente seu órgão Secretaria do Tesouro Nacional, visualiza a necessidade de estabelecer uma padronização de procedimentos contábeis em relação à execução orçamentária, litteris: A necessidade de evidenciar com qualidade os fenômenos patrimoniais e a busca por um tratamento contábil padronizado tenham convertido em direitos adquiridos.” CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Editora Atlas. 30ªedição. São Paulo/SP: 2016, p. 40. 312 Conforme o art. 316 do regimento interno desta Corte (Resolução nº 009/2012-TCE/RN): “Art. 316. O Tribunal decidirá sobre as consultas que lhe forem formuladas para interpretação das disposições legais e regulamentares relativas ao controle externo. Parágrafo único. A decisão, uma vez publicada no Diário Oficial Eletrônico, tem eficácia normativa para os sujeitos à jurisdição do Tribunal.” 313 Segundo o art. 71, inciso IV da Constituição Federal compete ao Tribunal de Contas da União realizar “por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II. 314 No endereço eletrônico do Tribunal de Contas da União se observam alguns conceitos sobre aquele tipo de auditoria: “a auditoria financeira tem como foco avaliar se as informações financeiras de uma entidade foram elaboradas e apresentadas de acordo com as normas e regulamentos exigidos para a sua divulgação. Além disso, no setor público essa auditoria pode abranger outros objetivos além daqueles de avaliar as demonstrações financeiras propriamente ditas. Esses objetivos podem incluir a auditoria de: contas de governo ou de entidades ou outros relatórios financeiros, não necessariamente as demonstrações financeiras padrão definidas pelas normas e regulamentos; orçamentos, ações orçamentárias, dotações e outras decisões sobre a alocação de recursos e sua implementação; categorias de receitas ou despesas ou de ativos ou passivos.” Disponível em http://portal.tcu.gov.br/controle- externo/normas-e-orientacoes/normas-tcu/auditoria-financeira.htm acesso em 19/11/2017 154 dos atos e fatos administrativos no âmbito do setor público tornou imprescindível a elaboração de um plano de contas com abrangência nacional. Este plano apresenta uma metodologia, estrutura, regras, conceitos e funcionalidades que possibilitam a obtenção de dados que atendam aos diversos usuários da informação contábil. Dessa forma, a STN editou o Plano de Contas aplicado ao Setor Público (PCASP) e o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP), com abrangência nacional, que permitem e regulamentam o registro da aprovação e execução do orçamento, resgatam o objeto da contabilidade – o patrimônio, e buscam a convergência aos padrões internacionais, tendo sempre em vista a legislação nacional vigente e os princípios da ciência contábil 315 . Assim, o MCASP deve ser a primeira diretriz a ser observada quando da realização de uma auditoria financeira e orçamentária, sem embargo do estudo conjunto entre o gasto público e o que realmente estava previsto nas respectivas leis orçamentárias dos entes federados. Em relação à despesa pública com pessoal aquele tipo de auditoria é de fundamental importância porque possibilita a averiguação de que todos os gastos com pessoal realmente estão sendo levados em consideração quando do cálculo em relação ao comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa pública com pessoal. Como o tema ainda é controverso, uma auditoria contábil, por exemplo, pode verificar se os gastos com os inativos realmente estão sendo computados como despesa pública com pessoal. Isso porque pode um gestor mal intencionado ou até mesmo mal instruído excluir do cálculo do comprometimento da receita corrente líquida em relação à despesa pública com pessoal o gasto com aposentados e pensionistas além das situações excepcionadas pelo art. 19, §1º, inciso VI da LRF. Recentemente, inclusive, especificamente quando da divulgação do 2º RGF do exercício financeiro de 2017, a função executiva do Poder do Estado do Rio Grande do Norte expurgou daquele comprometimento o custeio de 315 BRASIL, Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Aplicado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Portaria Conjunta STN/SOF nº 02, de 22 de dezembro de 2016. Portaria STN nº 840, de 21 de dezembro de 2016. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. 7ª edição. Brasília/DF: 2017. Disponível em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/456785/MCASP+7%C2%AA%20edi%C3 %A7%C3%A3o+Vers%C3%A3o+Final.pdf/6e874adb-44d7-490c-8967-b0acd3923f6d acesso em 19/11/2017 155 aposentados e pensionistas, pois, em seu entendimento, o mesmo é suportado pelo ente como um todo. Data vênia ao entendimento do Governador, Secretário de Planejamento e Finanças, Controladoria Geral do Estado e Procuradoria Geral do Estado, este trabalho de dissertação discorda em virtude dos critérios adotados naquela decisão. Isso porque naquele Estado existe o regime próprio de previdência social e a autarquia responsável pela gestão da previdência social dos servidores públicos do Estado do Rio Grande do Norte é que a responsável pelo seu custeio tanto em termos contábeis como em termos financeiros. Caso a arrecadação seja insuficiente aí sim é que o ente deve arcar com o custeio conforme inclusive determina o art. 2º, §1º316 da lei que estabelece normas gerais para a organização e respectivo funcionamento dos regimes próprios de previdência social. Este assunto já foi abordado no item 3.3, para o qual ora se remete o leitor interessado em relê-lo. A auditoria operacional, por seu turno, estrutura-se em uma visão sistêmica da execução orçamentária em relação à despesa pública com pessoal porque se propõe a promover o aperfeiçoamento da gestão pública317 e por isso é um vetor de fomento à racionalização daquele tipo de gasto público. É através da auditoria operacional que as Cortes de Contas podem avaliar desde a arrecadação tributária até mesmo ao monitoramento da execução da dívida ativa como forma de averiguação de entrada de receitas para o cálculo do comprometimento da receita corrente líquida em relação à 316 Art. 2º A contribuição da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, aos regimes próprios de previdência social a que estejam vinculados seus servidores não poderá ser inferior ao valor da contribuição do servidor ativo, nem superior ao dobro desta contribuição. §1º A União, o Estado, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras do respectivo regime próprio, decorrentes do pagamento de benefícios previdenciários. 317 Segundo o Manual de Auditoria Operacional do Tribunal de Contas da União “Auditoria operacional – ANOp é o exame independente e objetivo da economicidade, eficiência, eficácia e efetividade de organizações, programas e atividades governamentais, com a finalidade de promover o aperfeiçoamento da gestão pública.” BRASIL. Manual de Auditoria Operacional. 3ª edição. Brasília/DF. Tribunal de Contas da União. Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo (seprog), p. 11. 156 despesa pública com pessoal até mesmo a concessão de gratificações e efetiva melhoria da qualidade dos serviços públicos oferecidos. Por outro lado, o estudo da auditoria patrimonial, em que pese aparentemente não guardar pertinência temática com a despesa pública com pessoal também é importante. Isso porque em virtude do fato de que a mesma deve fazer um levantamento sobre todos os bens do Estado, tanto móveis como imóveis318, ela deve pode apontar bens ociosos passíveis de alienação que podem reduzir o gasto com o seu custeio e, por via de consequência, incrementar as receitas da administração pública com a sua venda. Além de todo este suporte e relação ao acompanhamento constante da execução orçamentária, compete também aos tribunais de contas emitirem juízo de valor sobre as contas anuais e as contas de gestão da administração pública. As contas anuais são aquelas pela quais os dados contábeis e de administração financeira e orçamentária em relação a um exercício financeiro são submetidos à apreciação das cortes de contas para a respectiva emissão do parecer prévio, a serem apreciados pelas respetivas funções legislativas dos Poderes dos entes federados. As contas de gestão, por seu turno, guardam pertinência com o exercício institucional do mandato a um gestor público outorgado pelo povo ou até mesmo a responsabilidade na gestão fiscal em relação a um ordenador de despesas319. 318 Wremyr Scliar ao estudar o controle externo brasileiro exercido pela função legislativa do Poder e pelos tribunais de contas, ao estudar auditoria operacional, anota que ela é “a mais antiga das ações fiscalizatórias, juntamente com a financeira, tem por objeto os bens que compõem o patrimônio público - não apenas imobiliário, também dinheiro, títulos e valores. Também se dirige aos bens móveis permanentes e de consumo.” SCLIAR, Wremyr. Controle externo brasileiro: Poder Legislativo e Tribunal de Contas. Revista de Informação Legislativa, v. 46, n. 181, p. 249-275, jan./mar. 2009. Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/194906 acesso em 19/11/2017. 319 CONSTITUCIONALE ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATOS PRATICADOS POR PREFEITO, NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E GESTORA DE RECURSOS PÚBLICOS. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. NÃO SUJEIÇÃO AO DECISUM DA CÂMARA MUNICIPAL. COMPETÊNCIAS DIVERSAS. EXEGESE DOS ARTS. 31 E 71 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Os arts. 70 a 75 da Lex Legum deixam ver que o controle externo – contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial – da administração pública é tarefa atribuída ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas. O primeiro, quando atua nesta seara, o faz com o auxílio do segundo que, por sua vez, detém competências que lhe são próprias e exclusivas e que para serem exercitadas independem da interveniência do Legislativo. O conteúdo das 157 Muito embora as contas anuais sejam analisadas pelos Tribunais de Contas por intermédio do parecer prévio, que deve ser apreciado pela respectiva função legislativa do Poder Estadual, o sistema constitucional oferece outros instrumentos à população para que a mesma aprecie os atos de gestão de quem exerce a chefia da função executiva. Um deles é o relatório resumido de execução orçamentária, previsto expressamente no art. 165, §3º320 da Constituição Federal, o qual deve ter publicidade bimestral e outro, conforme já tratado neste trabalho, é o relatório de gestão fiscal. O RGF, por imposição expressa da LRF, deve ter em sua composição analítica a indexação da receita corrente líquida em relação ao custeio de pessoal e é mais uma ferramenta que o Estado Democrático de Direito proporciona para controlar e até mesmo averiguar a qualidade do crescimento da despesa pública com pessoal. Por fim, a despesa pública com pessoal é um vetor estratégico da administração pública em qualquer esfera que se pense. Tanto no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Dentro de cada âmbito territorial, a mesma também deve ser pensada de maneira gerencial pelas funções do Poder. Quer seja a executiva, a legislativa e a judiciária, bem como, no âmbito dos Estados, o próprio Ministério Público. contas globais prestadas pelo Chefe do Executivo é diverso do conteúdo das contas dos administradores e gestores de recurso público. As primeiras demonstram o retrato da situação das finanças da unidade federativa (União, Estados, DF e Municípios). Revelam o cumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, demonstram os níveis de endividamento, o atender aos limites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento para saúde, educação, gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos Balanços Gerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (Art. 71, I c./c. 49, IX da CF/88). As segundas – contas de administradores e gestores públicos, dizem respeito ao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam com recursos públicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafo único da CF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais de Contas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e §3º da CF/88). Destarte, se o Prefeito Municipal assume a dupla função, política e administrativa, respectivamente, a tarefa de executar orçamento e o encargo de captar receitas e ordenar despesas, submete-se a duplo julgamento. Um político perante o Parlamento precedido de parecer prévio; o outro técnico a cargo da Corte de Contas. Inexistente, in casu, prova que o Prefeito não era o responsável direto pelos atos de administração e gestão de recursos públicos inquinados, deve prevalecer, por força ao art. 19, inc. II, da Constituição a presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo da Corte de Contas dos Municípios de Goiás. Recurso ordinário desprovido. RMS 11060. Relatoria da Ministra Laurita Vaz. Órgão julgador: Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça. Data do julgamento: 25/02/2002. Data da publicação: 16/09/2002. 320 Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: [...] §3º O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido de execução orçamentária. 158 Não pode cada órgão pensar isoladamente porque o custeio em relação à despesa pública com pessoal é responsabilidade solidária do próprio ente, pois, conforme determina a LRF o estabelecimento dos limites dentro daqueles órgãos na circunscrição dos Estados é apenas um sistema de freios. O administrador público, a depender da sua vigilância em relação ao crescimento com a despesa pública com pessoal pode estabelecer outro sistema dentro da sua jurisdição. Assim, por exemplo, a chefia do Poder Executivo Estadual, é competente e principalmente legítima para ramificar, no âmbito da sua organização administrativa, os 49% que são o limite da indexação da receita corrente líquida em relação à despesa pública com pessoal a qual administra. Pode, portanto, a título de exemplificação, dispor que 35% seja para a administração direta e 14% seja para a administração indireta. Os tribunais de contas, por sua vez, podem e devem editar normativos para que os entes federados os quais estão sob a sua jurisdição tenham um controle mais efetivo do crescimento do gasto com pessoal quando do atingimento do termo de alerta. Indubitavelmente, caso a discricionariedade administrativa em relação à autonomia legislativa dos entes federados e dos tribunais de contas esteja em órbita com o texto constitucional, pode o ordenamento jurídico estabelecer um controle mais eficaz em relação ao crescimento desordenado da despesa pública com pessoal. O que não se pode perpetuar é uma omissão institucional em relação ao controle, mesmo que para isso sejam tomadas medidas impopulares como é o caso, por exemplo, da exoneração compulsória de servidores comissionados e concursados, estáveis ou não. Este tipo de omissão é o que ocorre no Estado do Rio Grande do Norte onde, desde o exercício financeiro de 2014, a função executiva do Poder extrapolou o limite legal e a todos os prazos determinados pela LRF para controlar o custeio de pessoal. Em que pese ter uma lei nacional que estabeleça diretrizes para as exonerações compulsórias determinadas pelo art. 169 da Constituição Federal no afã de proporcionar equilíbrio às contas públicas, o legislador daquele ente 159 federado permanece omisso o que ressoa em irresponsabilidade jurídica e cívica na gestão fiscal. Aquela inércia é passível de ser atacada por uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão321 ou até mesmo por um mandado de injunção322, porquanto possui como recorte temático o exercício de direitos e liberdades constitucionais inerentes à cidadania323. Para isso, deve o jurista estar atento aos postulados normativos impostos pelos direitos administrativo e financeiro para realmente obter, conforme lhe é atribuída uma missão institucional, uma segurança fiscal para o desenvolvimento da sociedade de maneira sustentável324. 321 Sobre o contexto do ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão observa Dyrley da Cunha Júnior que “É necessário enfatizar que não é toda e qualquer omissão do poder público que a Constituição conduz à inconstitucionalidade. Não haverá omissão inconstitucional, v.g., se a medida omitida não for indispensável à exequibilidade da norma constitucional. Por outro lado, o conceito de omissão não é um conceito naturalístico, reconduzível a um simples “não fazer”. Omissão inconstitucional somente é aquela que consiste numa abstenção indevida, ou seja, em não fazer aquilo que se estava constitucionalmente obrigado a fazer, por imposição de norma “certa e determinada”. De observar-se que a inconstitucionalidade por omissão não se afere em face do sistema constitucional em bloco, mas sim em face de uma certa e determinada norma constitucional, cuja não exequibilidade frustra o cumprimento da constituição. Ademais disso, não basta o simples dever geral de legislar ou atuar, sendo necessária a existência de uma imposição constitucional ou ordem de legislar, seja ela, porém, abstrata ou concreta, mas forçosamente, reitere-se, definida em norma certa e determinada. Por tudo isso, anuncia-se, com acerto, que a omissão, para ser relevante, deve guardar conexão com uma exigência constitucional de ação: a Constituição determina uma atuação do poder público, que simplesmente não se realiza ou não se realiza a contento. Logo, só há falar em omissão constitucional quando há o dever constitucional de ação.” JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática. Editora JusPodivm. 7ª edição. Salvador/BA: 2014, pp. 234/235. 322 Segundo o art. 5º, inciso LXXI da Constituição Federal “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.” 323 Luís Roberto Barroso estuda a semelhança entre os institutos jurídicos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção e pondera que “À vista da clara distinção entre os dois remédios, afigura-se fora de dúvida que a melhor inteligência do dispositivo constitucional (art. 5º, LXXI) e de seu real alcance está em ver no mandado de injunção um instrumento de tutela efetiva de direitos que, por não terem sido suficiente ou adequadamente regulamentados, careçam de um tratamento excepcional, qual seja: que o Judiciário supra a falta de regulamentação, criando a norma para o caso concreto, com efeitos limitados às partes do processo. O objeto da decisão não é uma ordem ou uma recomendação para edição de uma norma. Ao contrário, o órgão jurisdicional substitui o órgão legislativo ou administrativo competentes para criar a regra, criando ele próprio, para os fins estritos e específicos do litígio que lhe cabe julgar, a norma necessária. A função de mandado de injunção é fazer que a disposição constitucional seja aplicada em favor do impetrante “independentemente de regulamentação, e exatamente porque não foi regulamentada.” BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade Brasileiro. 6ª edição. Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2012, p. 142. 324 Diogo de Figueiredo Moreira Neto ao estudar a efetividade da democracia em relação à execução orçamentária dispõe que “Por isso é que a caracterização jurídica de uma responsabilidade fiscal substantiva, que pudesse superar o simples aspecto formal, de mera 160 4.4 - A situação fiscal do Estado do Rio Grande do Norte em relação à despesa pública com pessoal: a iminência de um colapso A função executiva do Poder do Estado do Rio Grande do Norte não tem obedecido ao sistema constitucional de controle em relação à despesa pública com pessoal imposto pela LRF e pela Constituição Federal e atualmente está com dificuldades em adimplir a sua folha de pagamento325. O controle em relação à despesa pública com pessoal, é importante frisar, deve ser feito desde o processo de planejamento em relação ao aumento da despesa pública com pessoal, pois a constituição federal determina a previsão expressa na LOA e na LDO, além de ter saldo financeiro suficiente para atender à expansão e às projeções dela decorrentes. Aquele sistema de planejamento é reiterado pelo art. 16 da LRF que vai além e obriga declaração expressa do ordenador de despesa que a expansão do gasto público possui compatibilidade com planejamento orçamentário e financeiro. A publicação dos relatórios resumidos de execução orçamentária e dos relatórios de gestão fiscal impostos pela transparência na gestão fiscal possibilita à população, ministério público e às outras funções dos poderes (legislativa e judiciária) observarem o comportamento da receita corrente líquida e como está a sua indexação em relação à despesa pública com pessoal. Em que pese a função executiva do Poder do Estado do Rio Grande do Norte obedecer a todos os requisitos previstos pelo sistema constitucional em relação à transparência na gestão fiscal, do estudo dos relatórios disponíveis326, o que se observa é que aquela obediência em relação à transparência não é a mesma no que diz respeito à administração da folha de pagamento327. legalidade, tornou-se um tema juspolítico fundamental dentro da justa ambição, de maior envergadura, da implantação de uma real democracia material, com a esperança e a inspiração alimentadas nas experiências de outros países, que, de algum modo, já logram algum progresso no difícil caminho do aperfeiçoamento da legitimidade.” MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. Editora Renovar. 3ª edição. São Paulo/SP: 2007, p. 356. 325 326 http://www.transparencia.rn.gov.br/ acesso em 06/12/2017 327 161 Eis os dados específicos referentes aos Relatórios de Gestão Fiscal por exercício financeiro desde o ano de 2004: ANO RGF 1º quadrimestre RGF 2º quadrimestre RGF 3º quadrimestre 2004 46,58% 47,86% 45,26% 2005 47,77% 45,93% 48,81% 2006 48,99% 48,2% 48,23% 2007 48,05% 48,76% 47,84% 2008 47,56% 47,29% 47,1% 2009 48,22% 48,61% 50,08% 2010 49,43% 48,97% 48,8% 2011 48,61% 48,15% 48,35% 2012 47,71% 48,01% 48,93% 2013 48,94% 48,97% 48,86% 2014 48,91% 48,87% 53,41% 2015 53,49% 54,17% 51,57% 2016 51,45% 49,72% 54,05% 2017 56,87% 57,44% - O descaso em relação à gestão fiscal proba no âmbito da função executiva do Poder do Estado do Rio Grande do Norte se verifica desde o exercício financeiro de 2014, especificamente o 3º quadrimestre, ocasião na qual foi ultrapassado o limite legal e o prazo ao qual alude o art. 23 da LRF começou a ser contado. Segundo aquele diploma legal, uma vez ultrapassado o limite legal, fica o órgão responsável por baixa-lo nos dois quadrimestres seguintes sendo, obrigatoriamente, no mínimo um terço já no primeiro. Isso quer dizer, em outras palavras, que uma vez ultrapassado o limite legal em relação ao comprometimento da receita corrente líquida em relação à 162 despesa pública com pessoal, que no âmbito da função executiva do Poder Estadual é de 49%, o gestor público se depara com a obrigatoriedade de realizar um ato vinculado: reduzir o excesso abaixo daquele patamar. O que se observa com o relatório apresentado na tabela da página anterior é que no âmbito do Estado do Rio Grande do Norte o comando normativo do art. 23 da LRF foi desobedecido duplamente: primeiro porque não houve redução de um terço no primeiro quadrimestre seguinte à extrapolação dos 49% e segundo porque nem depois do segundo quadrimestre se chegou a menos de 49%. Pelo contrário. O que se percebe da análise dos relatórios de gestão cujos resultados em relação à despesa pública com pessoal acima mencionada é que no lugar de diminuir para menos de 49% aquele comprometimento foi para 54%. Aquele cenário atrai a incidência normativa do art. 169, §§3º e 4º da Constituição Federal, que é a exoneração compulsória de servidores públicos, que deve ser feita mediante critérios objetivos previamente estabelecidos por legislação própria. Como instrumento para planejamento em relação ao descontrole da despesa pública com pessoal, o art. 169, §7º328 da Constituição Federal remete ao legislador infraconstitucional a responsabilidade legislativa por elaborar uma lei que disponha sobre normas gerais em relação à exoneração compulsórias de servidores públicos como estratégia para conter o desequilíbrio fiscal em relação ao custeio da folha de pagamento. A legislação de regência no que diz respeito ao tema específico da exoneração compulsória é a lei nacional nº 9.801/1999329, a qual requer um estudo orçamentário aprofundado sobre a gestão pública que envolve desde a demonstração da economia de recursos e o número correspondente de servidores a serem exonerados até mesmo ao critério geral impessoal 328 Art. 169. Omissis [...] §7º Lei federal disporá sobre as normas gerais a serem obedecidas na efetivação do disposto no §4º. 329 Dispõe sobre as normas gerais para perda de cargo público por excesso de despesa e dá outras providências. 163 escolhido para a identificação dos servidores estáveis a serem desligados dos respectivos cargos330. Além disso, aquele normativo estabelece como critério geral para identificação impessoal concernente à identificação dos servidores estáveis a serem desligados dos respectivos cargos o seguinte panorama: a) menor tempo de serviço público; b) maior remuneração; e, c) menor idade. Oportuno informar que aquela lei estabelece tão somente normas gerais331, cabendo aos estados da federação, com fundamento no princípio da autonomia administrativa, editarem os seus próprios normativos de acordo com as peculiaridades que lhes for pertinente. Em virtude do cenário fiscal em relação à despesa pública com pessoal, o ministério público do Estado do Rio Grande do Norte expediu uma recomendação à chefia da função executiva do Poder Estadual para que a mesma adote as providências necessárias para o cumprimento do art. 169, §§3º e 4º da Constituição Federal332. Muito embora a recomendação seja referente ao ano de 2016, até agora nada se fez em relação ao cumprimento ao que foi determinado pelo ministério 330 Art. 2º A exoneração a que alude o art. 1º será precedida de ato normativo dos Chefes de cada um dos Poderes da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. §1º O ato normativo deverá especificar: I – a economia de recursos e o número correspondente de servidores a serem exonerados; II – a atividade funcional e o órgão ou a unidade administrativa objeto de redução de pessoal; III – critério geral impessoal escolhido para a identificação dos servidores estáveis a serem desligados dos respectivos cargos; IV – os critérios e as garantias especiais escolhidos para identificação dos servidores estáveis que, em decorrência das atribuições do cargo efetivo, desenvolvam atividades exclusivas de Estado; V – o prazo de pagamento de indenização devida pela perda do cargo; VI – os créditos orçamentários para o pagamento das indenizações. 331 Celso Antônio Bandeira de Mello observa a natureza jurídica das normas gerais com o seguinte raciocínio: “As leis, como é cediço, soam ser gerais e abstratas. Assim, quando a Constituição confere à União competência para expedir “normas gerais”, diferentemente do que o faz no art. 21, em que lhe atribui pura e simplesmente competência para legislar sem qualquer adjetivação restritiva, a toda evidência está outorgando uma modalidade específica de competência. Deveras, se é próprio de quaisquer leis serem gerais, ao se referir a “normas gerais”, o Texto da Lei Magna está, por certo, reportando-se a normas cuja “característica de generalidade” é peculiar em seu confronto com as demais leis. Em síntese: a expressão “norma geral” tem um significado qualificador de uma determinada compostura tipológica de lei. Nesta, em princípio, o nível de abstração é maior, a disciplina estabelecida é menos pormenorizada, prevalecendo a estatuição de coordenadas, de rumos reguladores básicos e sem fechar espaço para ulteriores especificações, detalhamentos e acréscimos a serem feitos por leis que se revestem da “generalidade comum” ou quando menos nelas é reconhecível uma peculiaridade singulizadora em contraste com as demais.” BANDEIRA DE MELLO , Celso Antônio. O conceito de normas gerais no direito constitucional brasileiro. Revista Interesse Público. Ano 13, n. 66, mar./abr. 2011. 332 Recomendação nº 001/2016-PGJ. Disponível em http://www.diariooficial.rn.gov.br/dei/dorn3/docview.aspx?id_jor=00000001&data=20160818&id_doc= 546783 acesso em 07/12/2017 164 público, fato que inclusive legitima um eventual ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão pela qual a função judiciária do Poder coloque em mora a função executiva no sentido de editar o normativo que regulamente a ritualística da exoneração compulsória decorrente do descontrole em relação à despesa pública com pessoal. Em uma análise da divulgação dos relatórios de gestão fiscal da função legislativa333 e judiciária334 do Poder, como também do ministério público335, no segundo quadrimestre do exercício financeiro do ano de 2017 o Estado do Rio Grande do Norte extrapolou o limite total do ente estadual, que é 60%. O Estado do Rio Grande do Norte está com 66,1% da sua receita corrente líquida comprometida com despesa pública com pessoal, o que ultrapassa qualquer senso de proporcionalidade e o que se vê é uma inércia legislativa e administrativa em relação ao controle que deve ser estabelecido em busca do equilíbrio fiscal. Ao contrário disso, o que se percebe são sucessivos aumentos remuneratórios que vêm sendo concedidos desde o ano de 2004, mesmo em afronta ao disposto na LRF, conforme pesquisa de lavra deste subscritor336. Em que pese aquela pesquisa ter pesquisado 10 (dez) anos acerca da concessão de aumentos remuneratórios ilegais no âmbito da função executiva do Poder Estadual do Estado do Rio Grande do Norte, o que se percebe, ainda hoje, é a perpetuação de aumentos remuneratórios mesmo com a incidência da proibição prevista no art. 22, parágrafo único, inciso I da LRF. 333 Comprometimento de 2,34% da receita corrente líquida, conforme relatório de gestão fiscal referente ao 2º quadrimestre de 2017. Disponível em http://transparencia.al.rn.leg.br/transparencia/docs/lrf/TCE_RGF_2QUAD2016_ANEXOI.pdf acesso em 07/12/2017 334 Comprometimento de 4,59% da receita corrente líquida, conforme relatório de gestão fiscal referente ao 2º quadrimestre de 2017. Disponível em http://ww4.tjrn.jus.br/portalTransparencia/arquivos/relatoriosGestaoFiscal/RelGestaoFiscal2qua dri2017.pdf acesso em 07/12/2017 335 Comprometimento de 1.73% da receita corrente líquida, conforme relatório de gestão fiscal referente ao 2º quadrimestre de 2017. Disponível em http://transparencia.mprn.mp.br/Arquivos/C0001/2017/R0077/20441.pdf?dt=07122017010134 acesso em 07/12/2017 336 Em pesquisa sobre despesa pública com pessoal este subscritor se aprofundou sobre a situação fiscal da função executiva do Poder do Estado do Rio Grande do Norte, ocasião na qual dedicou o último capítulo da sua monografia de conclusão do curso de especialização em Direito Constitucional na Universidade Federal do Rio Grande do Norte para estudar como se comportou o crescimento da despesa pública com pessoal entre os anos de 2004 e 2014. ARAÚJO, Mário Augusto Silva. Despesa Pública com Pessoal: do planejamento através das leis orçamentárias e da lei de responsabilidade fiscal ao controle pelos tribunais de contas. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2015. Natal/RN: 2015. 87 páginas. 165 Recentemente, a título de exemplificação, a Lei nº 10.203/2017337 reestruturou estrutura remuneratória dos cargos em comissão, ao passo em que concedeu aumento remuneratório, mesmo, à época, o comprometimento da despesa pública com pessoal estar no patamar de 56,87% da receita corrente líquida. Merece destaque a redação do art. 3º daquela lei, que condiciona a concessão do aumento da remuneração de cargos comissionados à exoneração de servidores não estáveis como forma de compensação orçamentária338. A situação fiscal do Estado do Rio Grande do Norte é tão comprometedora que a função executiva do Poder Estadual atrasou por 03 (três) meses o repasse referente aos duodécimos do Tribunal de Contas339 do Estado, do ministério público estadual340 função legislativa341 e função judiciária342 do Poder. Espera-se que a comissão permanente de finanças da assembleia legislativa343 cumpra com o seu papel constitucional de fiscalizar a qualidade e a execução do gasto público no Estado do Rio Grande do Norte, principalmente 337 Fixa a remuneração de cargos de provimento em comissão da Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Estado do Rio Grande do Norte, em subsídio mensal em parcela única, e dá outras providências. 338 Art. 3º As despesas decorrentes desta Lei correrão à conta das dotações do Poder Executivo no Orçamento Geral do Estado e serão compensadas com a extinção de gratificações de representação de gabinete (GRG) e demissão de servidores não estáveis, na mesma proporção. §1º A implementação desta Lei fica condicionada à observância dos requisitos do art. 169, §1º da Constituição Federal, das normas limitadoras da despesa pública com pessoal do Poder Executivo, previstas na Lei Complementar Federal nº 101, de 04 de maio de 2000, bem como da Lei Federal nº 9.504, de 30 de setembro de 2017. 339 http://www.tjrn.jus.br/index.php/comunicacao/noticias/13177-estado-tera-que-regularizar- repasse-de-duodecimo-ao-tce-ate-20-de-dezembro acesso em 07/12/2017 340 http://www.tjrn.jus.br/index.php/comunicacao/noticias/13118-justica-determina-que-governo- do-estado-repasse-duodecimos-devidos-ao-ministerio-publico acesso em 07/12/2017 341 http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/desembargador-determina-repasse-a-alrn-em-48- horas/398223 acesso em 07/12/2017 342 https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/governo-do-rn-atrasa-duodecimos-e- poderes-entrem-com-mandados-de-seguranca-exigindo-repasse-em-dia.ghtml acesso em 07/12/2017 343 Segundo o art. 54 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte “A Comissão Permanente de Finanças da Assembleia Legislativa, diante de indícios de despesa não autorizada, ainda que sob forma de investimentos não programados ou de subsídios não aprovados, pode solicitar à autoridade governamental responsável que, no prazo de cinco (5) dias, preste os esclarecimentos necessários. 166 em relação à despesa pública com pessoal, para que não se verifiquem mais atrasos no adimplemento da folha de pagamento344. 344 http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/sem-previsa-o-para-13ao-e-folha-de-novembro-governo- do-rn-paga-hoje-quem-recebe-ata-r-4-mil/399005 acesso em 07/12/2017 167 5 CONCLUSÃO A despesa pública com pessoal deve obedecer, desde critérios meramente formais para a sua expansão, mecanismos de controle e averiguação para que o seu crescimento aconteça de maneira sustentável. O ordenamento jurídico vigente possui bases sólidas que auxiliam o administrador público a ter uma gestão fiscal responsável e que lhe fornece instrumentos precisos no tocante ao crescimento da folha de pagamento. Não é admissível, portanto, uma expansão desordenada da despesa com pessoal, tendo em vista todos os indicativos permissivos que autorizam a sua concessão, que vão desde aspectos meramente formais; que demarcam a moldura pela qual deve o gasto público com pessoal ser delimitado, bem como aspectos materiais; que se caracterizam como indicativos contábeis e financeiros que autorizam aquele tipo de despesa pública. Demonstra o ordenamento jurídico vigente que a expansão da despesa pública com pessoal deve obedecer a um sistema de planejamento sistêmico que compreende a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a Lei Orçamentária Anual e a Lei de Responsabilidade Fiscal e possui como principal vértice o art. 169 da Constituição Federal. Nesse aspecto, uma despesa com pessoal mal dimensionada ocasiona um efeito em cascata aos cofres públicos porque a despesa continuada de caráter obrigatório incide tanto na perspectiva do orçamento fiscal como no da seguridade social, porquanto gastos com previdência também são englobados pelo conceito de despesa com pessoal. O controle da despesa com pessoal evoluiu desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 e o limite, que naquela época, era de 65% por cento das respectivas receitas correntes diminuiu ao logo desse tempo. Ocorre que desde a promulgação da Constituição Federal até os dias atuais o legislador infraconstitucional percebeu que o controle quanto a esse gasto deve ser mais detalhado e por isso atualmente dispõe que o limite deve levar em consideração a receita corrente líquida e ser divido no âmbito da estrutura dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e do Ministério Público dos Estados. 168 No que diz respeito à obrigação de controlar o gasto com pessoal o texto constitucional possibilita até mesmo exoneração, compulsória, de servidores comissionados e efetivos. Portadores de estabilidade ou não. Por outro lado, optou por sancionar aqueles entes políticos que desrespeitarem os limites estabelecidos ao longo da lei complementar nacional nº 101/2000 e as sanções vão desde a suspensão de transferências voluntárias até a proibição de contratação de operações de crédito. A expansão da política remuneratória também deve obedecer além das regras delimitadas pela legislação de regência princípios estruturantes pelos quais é submetida a administração pública o que quer dizer que não basta a norma ser válida; ela deve obedecer a toda a estrutura filosófica do ordenamento jurídico. Assim, não necessariamente a norma jurídica expressa em uma regra de comando normativo através de uma lei é válida e deve ter eficácia automaticamente porque a mesma deve guardar correlação em relação aos princípios que regem a administração pública. Objeto deste estudo, os princípios básicos que regem a administração pública previstos expressamente no art. 37, caput da Constituição Federal determinam que não só a expansão da despesa pública devem obediência a sua estrutura normativa, mas também a sua execução como é o caso, por exemplo, da obrigatoriedade a qual o gestor possui de divulgar especificamente a remuneração dos servidores públicos. Ao indexar a despesa pública com pessoal à receita corrente líquida o legislador objetiva um crescimento sustentável da folha de pagamento evitando assim ações danosas ao Erário, logo, vincular a possibilidade de aumento remuneratório à previsão de receita para pagá-lo é uma estratégia que se tem para garantir o seu pagamento de maneira sustentável. A despesa pública com pessoal possui como termômetro, então, 02 (dois) critérios: a) o comprometimento da receita corrente líquida, que para fins de Poder Executivo Estadual é de 49%; e, b) a própria disponibilidade de caixa para adimpli-la. Como instrumento de controle, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro com o objetivo de estabelecer responsabilidade na gestão fiscal, ao passo em que enseja ação planejada e 169 transparente de modo a prevenir risco e desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas. A LRF é um marco normativo no qual toda a sociedade, o próprio legislador enquanto controle externo e até mesmo os Tribunais de Contas na qualidade de órgãos técnicos de fiscalização do gasto público se utilizam de apoio para monitorar a execução orçamentária na perspectiva de identificar ações econômicas e eficientes nos moldes previstos na Constituição Federal. Há, portanto, um arcabouço normativo que protege o Erário contra a expansão do gasto público sem lastro orçamentário com instrumentos hábeis a frear qualquer ação desorganizada no exercício da administração da res pública. Não se deve permitir, tanto pela força coercitiva da LRF como pela conduta imperativa do texto constitucional que o gasto em relação à matéria remuneratória seja extrapolado em relação a toda a delimitação normativa que abrange o tema. Limite normal, limite prudencial e limite legal são referenciais que devem ser obedecidos em relação à harmonia que deve haver entre execução orçamentária e despesa com pessoal, sempre na perspectiva de diminuição do gasto público ou do devido aumento na arrecadação. As Chefias dos órgãos delimitados pela LRF e as instituições incumbidas de fiscalizar as ações da Administração Pública não podem, portanto, ser mais complacentes no que diz respeito à Administração do Erário em desconforme aos limites impostos em lei devendo exercer o seu controle através do acompanhamento dos relatórios de gestão fiscal, sob pena de serem coniventes com uma gestão fiscal irresponsável e danosa ao Erário. Além do controle estabelecido pela legislação de regência observou-se que há outro tipo de controle que pode e deve ser feito que é legitimado pela estrutura jurídica do Estado Democrático de Direito: a participação popular. Com a transparência na gestão fiscal determinada pela LRF é facultado à população fiscalizar o andamento da execução orçamentária em tempo integral, o que comprova a contribuição que a mesma deve dar em relação à administração do Erário. Em relação à participação popular por intermédio de audiências pública, por exemplo, o monitoramento da despesa pública com pessoal não deve ser 170 apenas dos servidores públicos ou dos sindicatos representantes das categorias, mas da sociedade como um todo que pode participar de audiências públicas a serem realizadas pela função legislativa do Poder. A própria função legislativa do Poder também possui instrumentos específicos de controle em relação à expansão da despesa pública com pessoal através das suas comissões de justiça e cidadania e de orçamento; esta última prevista expressamente no texto constitucional para acompanhar a execução orçamentária em tempo real. Ademais, os tribunais de contas enquanto órgãos técnicos de controle externo da administração pública também exercem a sua contribuição através do monitoramento contábil em relação à divulgação dos relatórios de gestão fiscal. Contudo, muito embora exista este vasto alcance normativo na perspectiva de controlar o aumento remuneratório no âmbito do serviço público, percebeu-se que os entes federativos que compõem a República Federativa do Brasil mantem uma forte tendência de desobediência ao comando normativo delimitado pelo direito financeiro sobre a matéria. A contribuição deste trabalho é no sentido de pesquisar e esclarecer o sistema de controle da despesa pública com pessoal para garantir o seu crescimento sustentável. E isto também envolve planejamento, controle e transparência. Deve, portanto, o gestor público ficar atento ao sistema constitucional que o envolve para evitar a situação catastrófica a qual se encontra o Estado do Rio Grande do Norte em relação à despesa pública com pessoal. 171 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAHAM, Marcus. O Orçamento Público como instrumento de cidadania fiscal. Revista de Direitos Fundamentais & Democracia. V. 17, n. 17 (2015). AFONSO DA SILVA, José. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. Malheiros Editores. 4ª edição. São Paulo/SP: 2000 __________________________, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores. 35ª edição. São Paulo/SP: 2012 ___________________________, José. Estrutura e funcionamento do Poder Legislativo. Revista de informação legislativa, v.47, n.187, p. 137-154, jul./set.2010 AGUIAR, Afonso Gomes. Lei nº 4.320 comentada ao alcance de todos. Editora Fórum. 3ª edição. Belo Horizonte/MG: 2008 _____________________, Tratado da Gestão Fiscal. Editora Fórum. 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Posterga ou cancela aumentos remuneratórios para os exercícios subsequentes, altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas, e a Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, quanto à alíquota da contribuição social do servidor público e outras questões. ________________ - Lei 9.801/1999. Dispõe sobre as normas gerais para perda de cargo público por excesso de despesa e dá outras providências. BRASIL. Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Aplicado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Portaria Conjunta STN/SOF nº 02, de 22 de dezembro de 2016. Portaria STN nº 840, de 21 de dezembro de 2016. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. 7ª edição. Brasília/DF: 2017 _______Manual de Auditoria Operacional. 3ª edição. Brasília/DF. Tribunal de Contas da União. 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