A l z i l e n e F e r r e i r a d a S i l v a Um estudo comparativo entre João Pessoa e Tours UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS UNIVERSITE FRANÇOIS RABELAIS – TOURS DOCTORAT DE SOCIOLOGIE ALZILENE FERREIRA DA SILVA O PAPEL DO CENTRO HISTÓRICO NA CIDADE: um estudo comparativo entre João Pessoa e Tours Tese para a obtenção do título de Doutora apresentada a Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a Université François Rabelais – Tours Orientadora: Professora Dra. Lisabete Coradini Orientador: Professor Dr. Patrick Le Guirriec NATAL/ RN 2014 Dedicatória Com profundo amor e gratidão dedico à minha avó, Maria Isabel, Obrigada pela beleza da sua alma generosa e fina sabedoria. Aos meus pais, Antonia e José Walter À Lo e Nadia pela beleza e generosidade. Aos meus irmãos e sobrinhos. Agradecimentos Quando chega-se a esse ponto da escrita não tem como não se emocionar… Uma breve história, que passou-se em uma das cidades que habitamos, pode ilustrar. A história ocorreu pouco tempo que tínhamos chegado a cidade. Em um dos dias de trabalho de campo, já era a tardinha o sol se escondia e começou a chover… As ruas dos centros históricos costumam deixar, nos primeiros contatos, a pessoa atordoada… Não temos muito o sentido de direção. Perguntei, então, a um passante como chegar a uma determinada rua para pegar um ônibus. A pessoa mesmo com a chuva parou para ensinar… Na realidade, a pessoa sabia onde era o local que perguntei, mas não sabia explicar como chegar. Pediu que eu me abrigasse embaixo do guarda-chuva e que também o segurasse. Enquanto isso, tirou um bloco de papel da pasta e uma caneta e fez um pequeno mapa para que eu podesse chegar ao local desejado. Além do cuidado e atenção, duas palavras dessa história são emblemáticas: o mapa que permite achar o caminho e o guarda-chuva que serve de proteção. Então agradeço a todos aqueles que apontaram geograficamente e simbolicamente caminhos, saídas e modo de ver diferente… Aos que generosamente nos acolheu e possibilitaram abrigo as vivências em várias cidades percorridas para realizar essa tese. Assim, ao realizarmos uma viagem de volta a fase embrionária do trabalho um sentimento se destaca: gratidão. Esse sentimento sublime que surge quando alguém faz algo a outro sem esperar outra coisa em troca. Se sente feliz pelo fato de poder ajudar. Junto com esse ato vêm outros sentimentos como generosidade, carinho e amizade. Então, percebe-se que no caminho da tese, esses elos nos faz lembrar que não estamos sozinhos, porque viver dá muito trabalho, e o que seria da vida sem as tantas mãos dadas que enlaçam-se e ajuda a caminhar? Outras que sustentam ou simplesmente apontam alguma direção. Eu agradeço aos ensinamentos recebidos e as oportunidades de aprendizados. Então, esse sentimento nos faz lembrar, que em um filme, logo após o término, uma lista enorme começa a ser exibida na tela. Para aqueles que continuam assistindo a película notará que o filme não é feito apenas pelo diretor e atores… Lá tem nomes de pessoas que nem imaginamos motoristas, eletricista etc. Se na tese pudéssemos agradecer a todos que passaram em nosso caminho a parte dos agradecimentos seria preenchido por um grande número de páginas. Esse seria o nosso desejo, mas como não podemos escreve tanto pedimos desculpas por não listar nomes, mas temos certeza que aqueles que ajudam de coração sabem o quanto somos grata pela oportunidade dada e possibilidade de crescimento e evolução. Agradecemos a todos, inúmeras pessoas que colaboraram nessa caminhada. Assim, agradeço de coração aos ensinamentos da minha avó, sempre presente. Aos meus pais, Antonia e José Walter, agradeço de coração por tudo. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Universidade François Rabelais de Tours. Em especial aos orientadores Dra. Lisabete Coradini e Dr. Patrick Le Guirriec: pela confiança e ao aceitarem a orientação viabilizou, a realização de um sonho, a continuidade dos estudos e pesquisa, um aprender constantes do qual sinto amor e alegria em me dedicar. Além disso, agradeço pela riquíssima experiência de vida de morar e realizar pesquisa em Tours, o meu muito obrigada. À Capes por ter-me concedido a bolsa de doutorado e a possibilidade de realizar o estágio doutoral viabilizada através da concessão da bolsa-sanduíche. Ao Navis – Núcleo de Antropologia Visual, no Brasil e a CITERES Equipe Construction Politique et Sociale des Territoires (CoST), na França. Aos funcionários da Université François Rabelais e da UFRN. Aos membros da banca responsável pela passagem direta do Mestrado para o Doutorado, as professoras: Dra Francisca Miller e Dra. Elisete Schwade. As professoras da banca de qualificação, outra vez a professora Dra. Francisca Miller e professora Dra. Edvânia Duarte, muito obrigada pelo apoio. Aos professores que gentilmente aceitaram participar da banca de defesa da tese, aos professores: Dr. Yankel Fijalkow, Dr. Laurent Devisme, Dr. Rubenilson Brazão Teixeira e Dr. Edmilson Lopes Júnior. A todos os entrevistados, “personagens” dessa pesquisa, que ajudaram a pensar sobre as cidades e os Centros Históricos. Agradeço pela paciência, pela atenção e disponibilidade dessas pessoas que muito contribuiu para a realização do trabalho. A todos que com carinho nos ajudou a encontrar outros moradores para entrevistas, o meu muito obrigada. Aos funcionários de todos os Órgãos e Instituições (Bibliotecas, Associações de Moradores – AHPHRV e da “Cathédrale”, Oficina-Escola, Arquivos etc.) consultados no Brasil e na França e que foram listados na tese. A todas as pessoas que nos ajudaram no processo de integração nas cidades que habitamos. Muito obrigada por nos ajudar a “enxergar”… Ao professor Paulo Peixoto pela atenção e por gentilmente ter enviado sua tese e textos tão importante para esse trabalho. Agradecimento especial a José e Alzira, por tudo agradeço de todo coração. A torcida sincera e afetuosa recebida durante todo esse trajeto, o apoio que foram essenciais e muito nos ajudou nos momentos certo, agradeço aos “daqui” – do Brasil e os de lá – França: amigos… A Cristiane, José, Dom, Maryse, Cédric, Mercylia, Martine... A Laurent e a Nadia pela generosidade, amizade e apoio em momentos tão decisivos, minha gratidão. Resumo É conspícuo, na cena contemporânea, que o patrimônio e a cultura vêm assumindo posições privilegiadas nas políticas urbanas, apresentando-se como instrumento de transformação do cariz das cidades. No entrecho dessa candente tendência ganha relevo a competitividade entre as urbes, que passam a granjear uma imagem que as tornem vendável, capazes de atrair investimentos e turistas. Nos holofotes desse tablado as cidades tornam-se notáveis protagonistas, dirigidas pelas políticas de reabilitação urbanas. Nesse enredo os centros históricos ganham visibilidade acentuada e são convertidos em palcos para a espetacularização e encenação da vida cotidiana. Imbricado a esse processo de produção de imagens recrudescem nesse cenário o fenômeno da gentrificação. Assim, a discussão tecida sobre o patrimônio ganha pujança nos estudos sobre o urbano, guardando íntima relação com as formas de perceber as cidades na contemporaneidade. Este trabalho parte do horizonte que desvenda o entendimento de que os centros históricos são engendrados e afeiçoados pelas políticas urbanas, e funcionam como instrumentos de transformação das percepções e vivencias citadinas. Nesse sentido, o modo como as pessoas, em especial, os habitantes compreendem o centro histórico, bem como a valorização dada as antigas edificações, são em grande medida norteadas pelas políticas urbanas que moldam uma imagem vendável da cidade. Á luz dessas elaborações realizou-se a pesquisa etnográfica focando dois contextos distintos, qual seja: os centros históricos das cidades de João Pessoa, no Brasil, e Tours, na França. Faz isso em uma perspectiva comparativa que permita traçar as principais especificidades de cada realidade, no sentido de salientar as similitudes e distinções acerca dos núcleos explicitados. Fez parte desse desiderato, apreender como o par abandono-requalificação engendrada, pelas políticas urbanas influenciam no processo de revalorização dos centros históricos, por parte dos moradores, e em que medida existe convergências nesses tipos de intervenções, enquanto objeto das políticas de desenvolvimento urbano e de turismo nas experiências brasileira e francesa. Para a feitura do trabalho, afora a abundante revisão bibliográfica efetivadas em diversas bibliotecas de universidades e instituições no Brasil e na França, realizou-se entrevistas com atuais habitantes, comerciantes, professores, representantes de órgão públicos e ex-moradores dos centros históricos das duas cidades. Em Tours destaca-se ainda as entrevistas com imigrantes/descendentes de portugueses que contribuiu sobremaneira para a compreensão do Centro Histórico antes da renovação e restauração do Vieux Tours. Ademais efetuou-se uma rica pesquisa em Arquivos e Órgãos Públicos, e investigações em jornais e artigos na Internet. O uso de fotografia apresenta-se como importante contributo a tessitura do trabalho de campo. Assim, no âmbito da etnografia realizada nos Centros Históricos, foi factível perceber que as duas realidades revelam similitudes em um quadro analítico comparativo. Palavras-chaves: Cidade, Centro Histórico, patrimônio. Resumé Il est visible que dans le contexte actuel le patrimoine et la culture ont pris une position privilégiée dans les politiques urbaines, se présentant comme des instruments de transformation de la nature des villes. Dans le cadre de cette effervescence, la compétition entre les villes prend de l'ampleur, afin de mieux vendre leur image, et d'attirer les investisseurs et les touristes. Sous les feux des projecteurs de cette scène, les villes deviennent des acteurs remarquables, transformées par les politiques urbaines de réhabilitation. Sur ce terrain, les centres historiques ont une forte visibilité et sont convertis en lieux pour la spectacularisation et la mise en scène de la vie quotidienne. Le phénomène de gentrification vient s'ajouter à ce processus de production des images qui réapparaissent dans ce contexte. Ainsi, les politiques patrimoniales prennent de l'importance dans les études du milieu urbain, elles participent aux manières de percevoir les villes de nos jours et constituent des instruments de transformation des perceptions et des expériences citadines. En ce sens, la façon dont les gens, en particulier les habitants comprennent le centre historique ainsi que sa valorisation, est en grande partie influencée par les politiques urbaines qui façonnent une image vendable de la ville. À la lumière de ces élaborations, nous avons réalisé notre recherche en nous concentrant sur deux contextes distincts, à savoir: les centres historiques des villes de João Pessoa au Brésil, et de Tours en France. Une perspective comparative permet de tracer les principales spécificités de chaque réalité, afin de mettre en évidence les similitudes et les distinctions qui existent dans les territoires analysés. Notre objectif était en partie d'appréhender la façon dont l'abandon et la requalification engendrés par les politiques urbaines, influencent la revalorisation des centres historiques par les habitants, et dans quelle mesure il existe des convergences dans ces types d'interventions de développement urbain et de tourisme dans les expériences brésilienne et française. Pour la réalisation de ce travail, en dehors de l'abondante révision bibliographique faite dans plusieurs bibliothèques au Brésil et en France, nous avons réalisé des entretiens avec des résidents actuels, des commerçants, des enseignants, des représentants d'organismes publics et d'anciens résidents des centres historiques des deux villes. À Tours, les entretiens avec les immigrés portugais et leurs descendants qui ont grandement contribué à ma compréhension du centre historique avant la rénovation du Vieux Tours. De plus, nous avons effectué une vaste recherche dans les Archives et les Organismes Publics, ainsi que dans les journaux et les articles sur Internet. L'utilisation de la photographie a fortement contribué à l'élaboration de ce travail sur le terrain etla démarche ethnographique appliquée aux terrains d’investigation a montré que les deux réalités révèlaient des similitudes dans un cadre d'analyse comparative. Mots-clés: Ville, Centre Historique, patrimoine. Abstract In the contemporary scene, it is conspicuous that the patrimony and the culture have assumed privileged positions in urban policies, presenting themselves as instruments for transforming and shaping the aspect of cities. In the plot line of such glowing trend, the competitiveness among cities has drawn more attention, for at present such urban centers garner an image that makes them suitable for economic purposes, thus more likely to attract investments and tourists. In the spotlight of such stage, the cities become notable actors, directed by policies of urban rehabilitation. In such plot line, the historical centers gain more visibility and are converted into venues for staging the spectacle of everyday life. Overlapped in this process of producing images, the phenomenon of gentrification recrudesces. Thus, the discussion threaded about the patrimony gains strength in urban studies, keeping a close relationship with the ways of perceiving the cities nowadays. This work is based on the principle that the historical centers are engendered and fond by urban policies, working as transforming instruments of city perceptions and living. In that sense, the way how the historic center and the valuation assessed to old buildings are comprehended by the inhabitants is largely guided by urban policies that outline a sellable image of the city. In the light of such elaborations, an ethnographic research was made with focus on two different contexts, namely: the historic centers of João Pessoa (Brazil) and Tours (France). It was done in a comparative perspective, for it allows us to trace the main specificities of each situation in order to highlight the similarities and distinctions about the two regions mentioned above. The research aimed at apprehending how the pair redevelopment-abandonment engendered by the urban policies influence on the process of revaluation of historical centers by dwellers and to what extent there are convergences regarding such kinds of interventions, as an object of policies of urban and touristic development in Brazil and France. In order to make this work – besides the abundant bibliographic review carried out in libraries of several universities and institutions in Brazil and France – dwellers, merchants, teachers, representative people of public agencies and former residents of the historic centers of both cities were interviewed. In Tours, immigrants/Portuguese descendants were interviewed, point that greatly contributed to the understanding of the historic center before Vieux Tours renewal and restoration. Moreover a rich research on Archives and Public Agencies was done, as well as investigations on newspaper and articles on the Internet. Thus, in the context of the ethnography in historic centers, it was possible to notice that both realities reveal similarities in a comparative analytical framework. Keywords: City, Historic Center, Patrimony. Índice de Figuras Figura 1: Igreja de São Francisco de Assis. Salvador-Ba. Foto: Alzilene Ferreira .... 53 Figura 2: Igreja de São Francisco de Assis. Minas Gerais. Foto: Alzilene Ferreira, 2011........................................................................................................................... 54 Figura 3: Praça Plumereau. Tours – França. Foto: Alzilene Ferreira ........................ 56 Figura 4: Praça Anthenor Navarro. João Pessoa, 2011. Foto: Alzilene Ferreira ....... 56 Figura 5: Show (Terreiro de Jesus, Salvador-Ba, 2010). Foto: Alzilene Ferreira ...... 60 Figura 6: Festa de São João (Terreiro de Jesus, Salvador-Ba, 2011). Fotos: Alzilene Ferreira ...................................................................................................................... 60 Figuras 7 e 8: Bares à noite, Centro Histórico de Diamantina-MG. Fotos: Alzilene Ferreira, 2010 ............................................................................................................ 68 Figura 9 e 10: Carnaval em Diamantina-MG. Fotos: Alzilene Ferreira, 2010 ........... 70 Figura 11: Rua do Centro Histórico de Paraty-RJ. Foto: Alzilene Ferreira, 2010 ...... 72 Figura 12: Igreja de São Francisco de Assis-João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira 164 Figuras 13, 14, 15 e 16: Comércios no Centro Histórico de João Pessoa – PB. Fotos: Alzilene Ferreira, 2011............................................................................................. 201 Figura 17: Mapa com a localização do Centro Histórico de João Pessoa. Fonte: Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa. 208 Figura 18: Mapa Uso do Solo. Centro Histórico de João Pessoa. Fonte: Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa ................. 209 Figuras 19, 20 e 21: Prédios degradados no Varadouro. Fotos: Alzilene Ferreira, 2012 ................................................................................................................................ 223 Figura 22: Proposta - Projeto de Revitalização do Centro Histórico. Fonte: Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa ................. 226 Figura 23: Grito do Rock – Praça Anthenor Navarro. Fonte: Grito do Rock. .......... 256 Figura 24: Fête de la Musique em João Pessoa – Praça Anthenor Navarro. Foto: Rafael Passos, 2010 ............................................................................................... 256 Figura 25: Place Plumereau – Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012 ....................... 270 Figuras 26, 27 e 28: Vieux Tours antes da Renovação/ Restauração. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J ........................... 285 Figura 29: Indicação de imóvel a ser conservado em Paris. Fonte: Archives Départementales: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J .................................................... 300 Figuras 30 e 31: Imóveis conservados após demolições. Rue de l’Hôtel de Ville, Paris... ..................................................................................................................... 300 Figuras 32, 33 e 34: Demolições dos imóveis. Fonte: Archives Départementales: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J ................................................................................. 314 Figura 35: Construção da Faculté des Tanneurs ao lado do Rio Loire. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République ........................................................................... 316 Figura 36: Terreno após demolições, em frente à Faculté des Tanneurs. Fonte: Archives Départementales d’Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J ............ 316 Figura 37: Tour de Ballan, edifício construído para realojar antigos moradores do Vieux Tours. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République ............................ 317 Figura 38: Tour de Ballan atualmente. Foto: Alzilene Ferreira, 2012 ...................... 317 Figura 39: Animações ocorridas na Place Plumereau. Foto: G. Proust. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République ........................................................................... 321 Figura 40: Animações ocorridas na Place Plumereau. Foto: sem autor. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République ............................................................ 321 Figura 41: Apresentação musical “des élèves de l’Académie Internationnale” – Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République ........................................................... 321 Figura 42: Vegetação em Tours 1839. Fonte: Pressibus – logcvl ........................... 335 Figura 43: Árvores no “Secteur sauvegardé” de Tours – 2013. Fonte: Pressibus – Blogcvl ..................................................................................................................... 336 Figuras 44 e 45: Cartaz da Campanha contra o Barulho. Fotos: Alzilene Silva, Tours, 2012 ........................................................................................................................ 353 Figuras 46 e 47: Estrada de acesso Centre Commerciale “Les Atlantes”, em “Saint Pierre des Corps”, 2012 .......................................................................................... 380 Figuras 48, 49 e 50: Obras de construção da Linha No 1 do Tramway – Rua Nationale. Fotos: Alzilene Ferreira, 2012.................................................................................. 382 Figura 51: O “Secteur sauvagardé” de Tours e sua extensão. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République ................................................................................ 389 Figura 52: Localização dos perímetros de estudos. Fonte: Observatoire de l’Economie des Territoires de Touraine – OE2T, Juillet 2012 ..................................................... 395 Figura 53: Cartão Postal – Rue Nationale .............................................................. 397 Figura 54: Rue Nationale. Foto Alzilene Ferreira, 2012 .......................................... 397 Figura 55: Rue Nationale – Foto Alzilene Ferreira, 2012 ........................................ 398 Figura 56: Projeto «du haut de la Rue Nationale» Fonte: ©Image de synthèse – La SET ......................................................................................................................... 398 Lista de Gráficos Gráfico 1: Centro Histórico de João Pessoa – Distribuição Percentual da População por faixa etária – 1980. Fonte: Plano de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, 1994 ......................................................................................................... 195 Gráfico 2: Centro Histórico de João Pessoa – Distribuição Percentual da População por faixa etária – 1987. Fonte: Plano de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, 1994 ......................................................................................................... 195 Gráfico 3: Centro Histórico de João Pessoa – Nível de escolaridade da população residente em 1987. Fonte: Plano de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, 1994 ......................................................................................................... 196 Gráfico 4: Interesse de permanência na área da população residente segundo o regime de ocupação da habitação. Fonte: Centro Histórico de João Pessoa – Monumento Nacional, 2002 ................................................................................... 198 Gráfico 5: Uso do solo – Centro Histórico de João Pessoa. Fonte: Projeto João Pessoa/ PB, 2001 ................................................................................................... 199 Gráfico 6: População de jovens e idosos – 2009. Fonte: INSEE. ......................... 340 Gráfico 7: População total – 2009. Fonte: INSEE.. ............................................... 341 Gráfico 8: Número de comércios, cafes-hotéis-restaurantes do setor protegido por atividades. Fonte: Observatoire de l'Economie et des Territoires Touraine – OE2T, Tours, 2013 ............................................................................................................ 391 Gráfico 9: Distribuição dos comércios de Tours de acordo pertecimento ao setor protegido. Fonte: Observatoire de l'Economie et des TerritoiresTouraine – OE2T. Tours, 2013 ............................................................................................................ 392 Gráfico 10: Distribuição setorial das lojas por ruas e praças. Fonte: Observatoire de l'Economie et des Territoires de Touraine – OE2T. Tours, 2013 ............................. 393 Lista de Siglas ACEHRVO – Associação Centro Histórico Vivo AECI – Ministério de Assuntos Exteriores e Agência Española de Cooperación Internacional AHPHRV – Association des Habitants Plumereau-Halles-Resistance-Victoire BHN – Banco Nacional de Habitação BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento CAGEPA – Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba CCCOD – Centre de Création Contemporaine Olivier Debré CCI – Chambre de Commerce et d'Industrie CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento CEDEST – Centro de Estudos das Desigualdades Socioterritoriais CEF – Caixa Econômica Federal. CES – Centro de Estudos Sociais CHC – Centro Histórico da Cidade CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna CIL – Comité Interprofessionnel du Logement de Tours et Environs CJK – Campus Juscelino Kubitschek COPAC – Coordenadoria do Patrimônio Cultural CPDCH-JP – Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa CT – Centro de Tecnologia CTAN – Campus Tancredo Neves CUMN – Conjunto de Monumentos Nacionais CURA – Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada DRAC – Direction des Affaires Culturelles EDUFBA – Editora da Universidade Federal da Bahia EDUNICAMP – Editora da Universidade de Campinas EDUSP – Editora da Universidade de São Paulo EMURB – Empresa Municipal de Urbanismo – São Paulo EUA – Estados Unidos da América FAPESP – Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado de São Paulo FAUFBA – Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia FIPLAN – Fundação Instituto de Planejamento da Paraíba FNAC – Fédération Nationale D'achats des Cadres FUNJOPE – Fundação Cultural de João Pessoa HLM – Habitations à Loyer Modéré IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IEE – Instituto de Estudos Especiais INEM – Instituto Nacional de Empleo INSEE – Institut National de la Statistique et des Études Économiques IPHAEP – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba IPHAN – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural MACT – Maison des Associations Culturelles de Tours MinC – Ministério da Cultura OE2T – Observatoire de l'Economie et des Territoires Touraine ONG – Organizações Não Governamentais OPAC – Organisme d'Habitations à Loyer Modéré PACCH – Programa de Aceleração do Crescimento Centro Histórico PAR – Programa de Arrendamento Residencial PLR – Programmes à Loyer Réduit PMJP – Prefeitura Municipal de João Pessoa PPG-AU – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo PRES – Pôle de Recherche et d’Enseignement Supérieur PROARQ – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura PRODETUR – Programa Internacional de Desenvolvimento do Turismo PRSH – Programa de Revitalização de Sítios Históricos PSMV – Plans de Sauvegarde et de Mise en Valeur PSR – Programmes Sociaux de Relogement PUCSP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SCIELO – Social Sciences English Edition SDF – Sans Domicile Fixe SEC – Secretaria da Educação e Cultura SECULT-BA – Secretaria de Cultura do Estado da Bahia SEMIREVIT – Société D'Économie Mixte de Restauration de la Ville de Tours SFH – Sistema Financeiro de Habitação SNCF – Société Nationale Chemins de Fer Français SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico SPU – Secretaria do Patrimônio da União TC/BR – Tecnologia e Consultoria Brasileira S/A TGV – Train à Grande Vitesse UFBA – Universidade Federal da Bahia UFPB – Universidade Federal da Paraíba UFPE – Universidade Federal de Pernambuco UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFS – Universidade Federal de Sergipe UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina UFSJ – Universidade Federal de São João del-Rei UFVJM – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESP – Universidade Estadual Paulista UNICAMP – Universidade de Campinas USP – Universidade de São Paulo ZPPAU – Zones de Protection du Patrimoine Architectural et Urbain Sumário Introducão .......................................................................................................................... 19 PARTE I: Referencial Teórico e os Centros Históricos: as experiências no Brasil 1.1. O Centro Histórico e a cidade .............................................................................. 49 1.2. Viagens em busca de um Centro Histórico: de Diamantina a João Pessoa... 63 Em Diamantina – Minas Gerais ..................................................................... 67 Paraty – Rio de Janeiro ..................................................................... 70 De volta a Minas Gerais: São João del-Rei ............................ 73 Em Aracaju – Sergipe ................................................. 75 De volta a Salvador rumo a João Pessoa ........ 79 Capítulo I – Cidades, centros: perspectiva teórica .......................................................... 84 Capítulo II – As imagens das cidades: intervenções urbanas ........................................ 94 Capítulo III – O Centro na cidade: evolução e algumas considerações sobre o Centro Histórico ........................................................................................................................... 115 Capítulo IV – Patrimônio e Centro Histórico ................................................................. 125 4.1. “A Descoberta do Brasil”: noção de Patrimônio ............................................... 134 Capítulo V – Antecedentes históricos da formação das cidades no Brasil ................ 140 5.1. “Tipologia das cidades” no Brasil e as reformas urbanas ................................. 149 5.2. Cidades “Esquecidas”: São João del-Rei ............................................. 151 5.3. Cidades “Históricas em sua origem”: Salvador ......................... 159 PARTE II: O Centro Histórico em João Pessoa Capítulo VI – Nossa Senhora das Neves abraça o Rio: origem da cidade .................. 165 6.1. Cidade alta e cidade baixa e suas funções ...................................................... 165 6.2. A vagarosa evolução de João Pessoa .................................................. 171 6.3. O século XIX: novos horizontes? ................................................... 174 6.4. Processo de modernização: as reformas urbanas ................. 178 6.5. Esquecimento e revitalização: “nasce” o Centro histórico… 189 Capítulo VII – Mudanças de usos: consumo cultural .................................................... 210 7.1. Você moraria no Centro Histórico? A insegurança e abandono ....................... 230 7.2. Entre silêncio e os sons: animações, os conflitos de usos ........................ 243 7.3. E o espetáculo continua: grandes projetos e enobrecimento ............. 264 PARTE III: A experiência na França: o Centro Histórico de Tours Capítulo VIII – Conhecer um pouco a cidade: “Jardim da França” .............................. 271 Capítulo IX – Fios de vidas tecem um bairro: o bairro antigo antes das operações de renovação e reabilitação urbana ................................................................................... 283 9.1. Descoberta do Centro Histórico: novos rumos da cidade ................................ 296 9.2. Renovação e restauração: uma situação complexa ............................. 311 Capítulo X – O Novo “Vieux Tours”: chegam os novos moradores e os comércios.. 318 Capítulo XI – É possível habitar em um “cartão postal”? Animação noturna e vitrine turística ............................................................................................................................ 328 11.1. “O efeito bumerangue” das políticas urbanas: centro histórico lugar de risco?......337 11.2. “Para melhor habitamos juntos”: a conflitualidade de usos ..................... 352 11.3. O comércio do Centro Histórico em crise? ................................ 367 11.4. Setor protegido novos rumos: grandes investimentos............. 373 V – Considerações Finais ............................................................................................... 401 VI – Acervos e Fontes ..................................................................................................... 433 VII – Referências Bibliográficas ..................................................................................... 451 Apêndice .......................................................................................................................... 468 Anexo I ............................................................................................................................. 493 Anexo II ........................................................................................................................... 505 19 1. Introdução A cidade consiste em um palco privilegiado onde pode-se perscrutar uma pluralidade de experiências cotidianas. Um olhar que paira sobre a cidade pode surpreender-se com a complexidade dos acontecimentos que engendram a história e memória desse cenário que guarda e revela experiências ambíguas – o “velho” e o “novo”, a riqueza e a pobreza, o “feio” e o “belo”. Adentrando-se mais nesses meandros, entre o silêncio e os ruídos da urbe, o simples ato de caminhar por uma cidade, pode ofertar uma miríade de reflexões. Seguindo os passos, nessa mesma senda, os Centros Históricos tornam- se um palco privilegiado para observação do enredo citadino. Espaços ricos de possibilidades de análise, esses núcleos, apresentam uma diversidade de grupos sociais e de manifestações culturais. Abrigam, também a dimensão política e simbólica, as exibições artísticas, às práticas religiosas, um número ainda significativo de comércios e serviços. São lugares, portanto, que concentram uma gama de atividades. Andar pelas praças e ruas pode-se observar o conjunto de característica bastante peculiar que notadamente marca esse espaço. O movimento de veículos e pessoas que caminham ou desaguam dos transportes coletivos. No enredo brasileiro, é comum logo cedo esses espaços serem ocupados por trabalhadores informais, que estrategicamente se posicionam em locais de maior movimento – praças, pontos de ônibus. Outros personagens muito conhecidos fazem parte desse cenário: crianças, adolescentes e adultos em situação de risco, os idosos aposentados que se encontram para conversar, jogar dama, xadrez... O vendedor de café, doces, lanches, cartões telefônicos... Cenas notáveis especialmente nos centros históricos mais degradados. Uma pletora de ruídos – os gritos dos ambulantes, os barulhos dos veículos, o burburinho... Mas sob esse invólucro, que de modo geral, emolduram comumente essa área das cidades, gestos denunciam uma teia de tensões, que fazem com que esses locais sejam percebidos como ameaçadores. São comuns ainda alguns enunciados de alerta: “cuidado ao 20 andar pelas ruas do Centro Histórico!” Nessa arena, os passos apressados dos transeuntes, corpos por vezes sobressaltados, bolsas e pertences protegidos junto ao corpo, denunciam a insegurança em se andar por essa parte da cidade. O medo, portanto, viceja diante da possibilidade de algum ataque inesperado. A imagem que vem à tona, de modo geral, remete ao contexto de violência, prostituição, pobreza... Convém lembrar que os fios que compõem essa trama revelam um quadro reverso da realidade atual. Outrora, o que transformou em centros históricos das cidades, era os locais mais valorizados, residências dos mais abastados, sua estrutura era composta por funções e usos diversos. De modo geral, ainda na primeira metade do século XX, o centro era um “local de consumo, comércio e negócio das elites.”1 Cenas estas, delineadas em distintas regiões e estados brasileiros, a exemplo de São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, João Pessoa, Recife entre outras cidades. A situação de abandono e decadência tornou-se aventada, sobretudo, na aurora da década de 1950, perfazendo uma trajetória que é sobremaneira ilustrativa de uma situação que ecoa nos Centros das urbes na atualidade. A saída da elite em direção a outras áreas, que passaram a ser valorizadas, contribuiu profundamente para delinear essa situação de pauperização dos núcleos tradicionais. Os ditames da modernidade são comumente apontados como elementos deflagradores do processo de fragmentação do centro. “A fragmentação do centro é paralela ao apagamento da convivialidade, e ambos são consequências da instalação na cidade dos microssistemas técnicos modernos.”2 Derivam, então, desse processo as alterações na estrutura interna da cidade. Outro aspecto que ganha ressonância na tecedura de modernização das cidades brasileiras são os projetos de conjuntos habitacionais orquestrados pelo BNH – Banco Nacional da Habitação. A facilidade de financiamento favoreceu a 1 FRÚGOLI JÚNIOR, Heitor. São Paulo: espaços públicos e interação social. São Paulo: Marco Zero, 1995, p. 21. 2 SANTOS, Milton. Salvador: centro e centralidade na cidade contemporânea. In.: GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras (Org.). Pelo Pelô. História, cultura e cidade. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia; Faculdade de Arquitetura; Mestrado em Arquitetura e Urbanismo, 1995, p. 19. 21 germinação de bairros de classe média, que levaram muito tempo para serem construídos em outros países da América Latina – excerto a Venezuela que possuía benefícios semelhantes ao Brasil. Santos (1995, p. 20), persevera que todo esse feixe de transformações desempenha fundamental importância na formação de novas centralidades, incluindo ai os shopping centers – que são precursores, nas cidades brasileiras, da especulação imobiliária alimentada pelos cofres públicos. a produção de auréolas habitacionais em torno dos lugares escolhidos para sediar novos comércios, isto é, toda uma produção de novos espaços ajudada pelo marketing urbano, o marketing imobiliário, que vai permitir esta floração de bairros de classe média e classe média alta, formados ao sabor das localizações privilegiadas acessibilidades e das decisões políticas (conjuntos habitacionais). (SANTOS, 1995, p. 21). A expansão frenética do consumo do automóvel inscreve-se como outro elemento viabilizador da descentralização do centro. A vista disso, paulatinamente percebe-se a migração dos investimentos públicos para as áreas ocupadas pela elite. Nas cidades litorâneas visualiza-se a valorização da paisagem, com o deslocamento dos grupos mais abastados rumo á orla marítima. Em João Pessoa desde o entardecer do século XIX, os grupos de maior poder aquisitivo começam a ocupar os grandes casarões localizados em Jaguaribe. Depois na Avenida Epitácio Pessoa e região vicinais – abrindo caminho rumo ao litoral. É curial assinalar, laconicamente, que os bairros antigos, quando redescobertos passam a ser escopo das políticas urbanas. Algumas palavras começam a fazerem parte desse painel: reabilitação, revitalização, requalificação, patrimônio. “No âmbito dessas operações, o passado é um recurso que pode e tem vindo a ser [re]inventado a cada instante de múltiplas formas.”3 Promovendo, indubitável, mudanças significativas na paisagem das cidades. Outras invocações imagéticas, certamente, povoam a mente do citadino ao escutar as palavras centro histórico. Fazem parte desse filme, as imagens das ruas delgadas, serpenteadas ou ainda enladeiradas como a paisagem de Diamantina. As 3 PEIXOTO, Paulo. O passado ainda não começou: funções e estatuto dos centros históricos no contexto urbano português. (Tese de Doutorado). Coimbra: Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 2006, p. 6. 22 igrejas, os casarões e sobrados... O badalar dos sinos, as ruas de pedras e o estilo barroco que marcam as chamadas cidades históricas. Nesse sentido são tão fáceis de serem imaginadas as cidades no interior de Minas Gerais... Cidades cujas arquiteturas foram tecidas no Período Colonial, mas que o vento da modernidade as tornaram “esquecidas”. E ao serem “redescobrimentas”4 seus tesouros, tornaram-se cenários voltados para os turismos. Então, a imaginação pode, ainda, acalentar-se com as lembranças de cidades como Paraty, Goiás Velho... E ao entrar em solo mineiro a lista se dilata, São João Del-Rei, Mariana... São tantas a serem “consumidas” que existe mesmo um guia de bolso: “Cidades Históricas de Minas”, com as cidades separadas por regiões – Região das Artes, Região das Manifestações, Região das Riquezas, Região das Histórias e Região das Tradições. Para cada cidade, é apresentada uma breve história do local, seguido de um guia que determina a quantidade de dias e noites que a pessoa deve passar na cidade e a orientação de locais para almoçar, o que se ver e fazer nos dias indicados. A seguir um trecho do que é previsto para o visitante que tem como destino a cidade de Itabirito. ROTEIRO “SABORES DA TERRA” – 2 DIAS / 1 NOITE. 1o Dia Chegada em Itabirito para a Visita Guiada ao Centro Histórico de Itabirito. Almoço na Pousada Cata Branca, com atividades culturais opcionais na parte da tarde. Os visitantes podem vivênciar: - Oficina de Ceramismo e Pintura de Bonecas Maria Conga e Philó, uma homenagem às criadoras do famoso pastel de angu. [...] Noite livre para vivenciar a vida cultural da cidade.5 No Brasil os ideais republicanos, que negaram as heranças do passado colonial, nortearam construções e reformas, configurando cidades que tivessem semelhanças com as cidades europeias, sobretudo, francesas. A tessitura de tal cariz promoveu a saída da elite dos núcleos originais promovendo a formação de outras 4 Para usar a expressão de Freitag (2003). FREITAG, Barbara. A revitalização dos centros históricos das cidades brasileiras. Caderno CRH. Salvador, n. 38, p. 115-126, jan./jun. 2003. Disponível em: www.cadernocrh.ufba.br/include/getdoc.php?id=949&article=145. Acesso em: 05 de maio de 2010. 5 CIDADES Históricas de Minas. Guia de Bolso. S.l.: Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais, s.d., p. 18. (Grifos conforme o original). 23 centralidades. Se para algumas cidades a fúria modernista promoveu a destruição de incontáveis imóveis coloniais, para outras o esquecimento serviu como um guarda- chuva, um anteparo dos ímpetos modernos. Hoje, são cidades visitadas por turistas advindos de diversas regiões brasileiras e de outros países. (FREITAG, 2003). Suas tradições, as belezas arquitetônicas e naturais foram convertidas em valores a serem consumidos. No contexto francês, os bairros antigos tiveram também seus anos de esquecimento, passando a ganhar robustez, após a Segunda Guerra Mundial, por causa de questões sociais e ambientais. “Les interventions des pouvoirs publics, quant à elles, se limitaient, encore dans les années 1950, pour des motifs d’hygiène et de salubrité, à éliminer les habitats devenus trop insalubres.”6 Desse modo, as intervenções giravam em torno dos aspectos pertinentes a salubridade e a relação do bairro com aspectos como saúde, delinquência etc. No dilúculo dos anos de 1960, a Lei Malraux criou os “Secteurs sauvegardés” e representa um importante contributo no sentido de promover a proteção do patrimônio, pois, Elle consacre une nouvelle approche de la ville en considérant le quartier ancien comme un ensemble cohérent dont l’intérêt ne se limite pas aux monuments les plus remarquables. Avant la loi, en milieu urbain, seuls les monuments tels que les cathédrales, palais, châteaux, hôtels particuliers et leurs abords, sont condérés pour leur valeur historique ou artistique et sont protégés en tant que tels.7 No rastro dessas transformações a Lei de 1962, torna-se um marco no processo das intervenções urbanas nos centros históricos, com a introdução de uma política de reabilitação dos imóveis. É interessante ressaltar que o planeamento nos centros históricos na França já vinha desde a década de 1930, com ações esporádicas e limitadas, a exemplo do bairro parisiense de Le Marais. As destruições 6 CHALINE, Claude. Les nouvelles politiques urbaines: une géographie des villes. Paris: Ellipses Édition Marketing, 2007, p. 107. 7 ALLETRU, Nelly. La sauvegarde du Vieux Tours sans Secteur sauvegardé: création et mise en oeuvre d'un Périmètre de restauration immobilière de 1961 à 1973. Tours/ France: Université François Rabelais [Master 2 d'Histoire des Arts], 2007, p. 5. Fonte: Bibliothèque Société Archéologique de Touraine. Cód.: MM 62 1-2. 24 promovidas pela II Guerra Mundial proporcionaram diversas abordagens à cidade existente, que em um primeiro momento exigia a construção sem delongas de habitações na periferia, ignorando o seu centro. Isso viabilizou, depois da década de 1950, amanhar o caminho para as operações de renovação ou de reabilitação imobiliárias nos bairros antigos. Seguindo essa senda, observa-se um progressivo deslocamento da atenção da periferia para o centro, acompanhadas das correspondentes políticas urbanas. Tais operações de “renovação” promoveram comumente os deslocamentos/ exclusão dos habitantes do “Secteurs Sauvegardés” para a periferia, operações que se apresentaram como essenciais para asseverar a valorização imobiliária. Aqui, vale destacar que nesse contexto ignora-se o conteúdo social dos centros urbanos, limitando-se aos aspectos físicos da cidade. Assim, apenas as características físicas do construído dão origem a síntese cartográfica, onde são anotadas as possibilidades de cada lote e imóvel que deve-se proteger, demolir, construir ou reabilitar. Nesse momento os conteúdos do edificado são ignorados quer quanto ao caráter funcional, quer quanto à composição sociológica. Sendo, portanto, somente mencionados as atividades comerciais a conservar ou criar, dependentes de uma teoria de “’animation urbaine’, o que reforça a ideia de que a reabilitação é essencialmente uma medida turístico-comercial.”8 Esse enredo vai direcionar os novos caminhos que marcam o bairro antigo em cidades francesas como a cidade de Tours, por exemplo. A partir desse breve panorama, enfeixa-se o ponto crucial do trabalho aqui proposto, a saber: o Centro Histórico. Os estudos referentes aos Centros Históricos tornaram-se amplamente discutidos pelas diversas áreas do conhecimento, recrudescendo, inclusive, no campo da Antropologia e da Sociologia. Assim, o debate em torno destes referenciais teórico-conceituais tem viabilizado inúmeras discussões interdisciplinares e vem configurando-se em campo fértil de 8 FLORES, Joaquim. Planos de salvaguarda e reabilitação de “centros históricos” em Portugal. In.: VII ENCONTRO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS COM CENTRO HISTÓRICO: CENTRO HISTÓRICOS E PLANOS MUNICIPAIS DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO. Porto/Portugal: Academia.edu, 2003, passim. Disponível em: http://www.academia.edu/799997/Planos_de_Salvaguarda_e_Reabilitacao_de_Centros_Historicos_e m_Portugal. Acesso: jul. 2013. (Grifos conforme original). 25 realização de pesquisas, delineando-se, portanto, em um caminho reptador e extremamente rico de possibilidades. Desse modo, apesar da temática sobre o Centro Histórico já figurar com destaque na Antropologia e Sociologia, o estudo, como salienta Beatriz Kara-José, “inscreve-se no debate sobre áreas urbanas centrais, tema de ampla extensão e obrigatório na atualidade.”9 Caminhando nos mesmos passos, Carlos Fortuna10 releva que o tema é indiscutivelmente atual e de imensa pertinência, visto que é indesmentível a urgência desta reflexão em um contexto em que 50% da população mundial reside em aglomerados urbanos. Esta civilização urbana não se refere apenas os milhões de pessoas que vivem em complexos urbanos recentes e de escalas metropolitanas e de concentração populacional gigantesca, mas enlaça igualmente os centros históricos de matriz histórica e pequena escala. De acordo com essas angulações é conspícuo apresentar as considerações de Paulo Peixoto11 acerca da temática. Para o sociólogo é permitido elencar três fatores, que designam o objeto de estudo para uma reflexão acadêmica e abordagem científica, quais sejam: 1) o fato da comunidade científica se interessar por esta questão em uma perspectiva crescentemente pluridisciplinar; 2) há pelo menos duas décadas o tema deixou de ser apenas foco de interesse científico e passou a suscitar a atenção dos governantes, de técnicos municipais, operadores diversos, de administrações locais e da opinião pública entre outros. Esta alteração conduziu à tradição de uma formulação especialmente teórico-metodológica para uma situação marcadamente mais operacional, onde ganha ressonância instrumentos específicos e normalizados de intervenção; 3) apesar do crescente interesse e atenção científica e técnica atribuída aos centros históricos, as inquietações iniciais que gravitam em torno do objeto parece não ter sido resolvidas, 9 KARA-JOSÉ, Beatriz. Políticas culturais e negócios urbanos: a instrumentalização da cultura na revitalização do Centro de São Paulo (1975–2000). São Paulo: FAPESP; Annablume, 2007, p. 13. 10 FORTUNA, Carlos. Centros Históricos e patrimônios culturais urbanos: uma avaliação e duas propostas para Coimbra. Oficina do CES – Centro de Estudos Sociais. N. 254. Jun. 2006, p. 1-2. 11 PEIXOTO, 2006, p. 23-24. 26 pelo contrário tem sido mesmo agravadas. Estes três fatores, portanto, definem o centro histórico como objeto de estudo. Na cena contemporânea os centros históricos estão em maior ou menor intensidade a serem palcos de exageradas intervenções urbanísticas, “constituindo- se como nova realidade alegórica das cidades.”12 Observando esses aportes indagou-se, se é possível perceber alguma confluência nos modos de intervenções instituídas, no que concerne a patrimonialização que faz parte das políticas destinadas a moldar uma imagem de cidade capaz de granjear investimentos. Uma grande questão a aprofundar nessa pesquisa, será que os centros históricos, existentes nos dois países, no que concernem as tendências das estratégias urbanísticas, são tão distintos? E no tocante aos moradores as políticas urbanas influenciariam a compreensão e valorização do que seria um centro histórico e consequentemente na escolha como local de morada? Faz parte do eixo de compreensão desse trabalho o fato de que os centros históricos são uma construção social forjada e moldada pelas políticas urbanas em curso, sendo desse modo instrumentos de transformação do espaço como igualmente das formas de compreensão, percepções e vivências das cidades.13 Dito isso, trabalhou-se com a hipótese de que o modo como as pessoas, em especial, os habitantes compreendem o Centro Histórico, bem como o valor que passaram a atribuir as velhas habitações, estão associados a revalorização do patrimônio cultural, que funciona como eixo de sustentação das políticas urbanas. Em outras palavras, a maneira como os habitantes compreendem esse espaço da cidade seria norteado pelas políticas (com seus “acertos” e “falhas”), que passaram a forja uma imagem acerca do Centro Histórico e influenciam no perfil da população que habita, tipos de comércios, em uma palavra, nas funções que o centro histórico assume no enredo citadino. Abraçou-se ainda a compreensão de que haveria uma convergência, nas 12 PEIXOTO, Paulo. Centros históricos e a emergência de uma nova realidade alegórica urbana. CES– Centro de Estudos Sociais. Coimbra (?), p. 01. Disponível em: http://saladeimprensa.ces.uc.pt/ficheiros/noticias/1254_PP_Centros_historicos_Revista_Arquitectura. pdf. Acesso: out. 2012. 13 Idem, s.d., p. 01. 27 duas realidades detidamente estudadas, com relação a patrimonialização e formulação de uma imagem das cidades como modo de obter investimentos através da ampliação das atividades de lazer e turismo. Abraçando esses aportes no que se referem a dois contextos distintos, a saber: o estudo que privilegia os centros históricos das cidades de João Pessoa – no Brasil, e Tours – na França. Faz isso em uma perspectiva comparativa que permita traçar as principais especificidades de cada realidade, no sentido de salientar as similitudes e distinções acerca dos núcleos explicitados. Nesse sentido faz-se um panorama do historial dos Centros, verificando nesse percurso as principais tendências que contribuíram/contribuem para moldar esses espaços e que ao mesmo tempo influenciam as vivências e percepções acerca desses núcleos originários. Assim, faz parte desse desiderato, apreender como o par abandono-requalificação engendrada pelas políticas urbanas influenciam no processo de revalorização dos centros históricos, por parte dos moradores, e em que medida existe convergências nesses tipos de intervenções, enquanto objeto das políticas de desenvolvimento urbano e de turismo nas experiências francesa e brasileira. Seguindo essas considerações cumpre salientar, que a ideia germinal desse tema de pesquisa floresceu a partir do trabalho desenvolvido no curso de Mestrado, intitulado “A magia do cinema na praça: apropriação do espaço e sociabilidade em Salvador-Ba”, que teve como um dos focos de investigação a Praça Tomé de Sousa, localizada no Centro Histórico da capital baiana. A partir da apresentação desse trabalho que surgiu o convite para realização de um estudo comparativo entre o Centro Histórico no Brasil e na França. Os contornos iniciais residiam no propósito de um estudo comparativo que privilegiasse os eventos – festivais de cinema, dança, teatro, música etc. – que ocorriam nas praças dos centros históricos dos respectivos países; e que de certo modo dava um prolongamento do tema abarcado na dissertação. Mas a partir das exposições das aulas do Curso de Antropologia Urbana, ministrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, sobre o centro da cidade na França, foi pensada um novo contorno para o trabalho. Nesse sentido, convém traçar uma breve explanação do conteúdo tratado. 28 Na tessitura de um referencial acerca do objeto proposto, pode-se destacar que ao longo do processo histórico, a cidade conforma características específicas que sofrem constantes transformações. Nesse particular, pode-se corroborar que a cidade não é fixa. O dinamismo marca o seu desenvolvimento e materializa novas formas e configurações. Essas novas formas trazem, em seu bojo, forte conteúdo simbólico e reverbera modos e ritmos de vida, valores, pensamentos, consumo, relações humanas pertencentes a um tempo singular. O centro histórico da cidade seria o local onde essas dimensões culturais e sociais ganham maior visibilidade, como bem afirma Frúgoli Júnior, os “espaços centrais das cidades são densos não só porque concentram atividades e grupos, mas também porque abrangem várias significações, que ao mesmo tempo se entrecruzam, completam-se, contradizem-se.” (1995, p. 12). De modo breve cumpre, nesse sentido, ressaltar o estrito engate da temática com as políticas de revitalização urbanas, que se alinham a nova onda de processos de gentrification do patrimônio cultural. No rastro dessas alterações sócio- espaciais, as áreas centrais e portuárias das cidades vêm sendo transformadas em pontos de consumo cultural e turístico, destinado, sobretudo, a classe média. Sobre isso elucida Featherstone, Em suma, aqueles que procuram investir em novas indústrias de serviços, informação e alta-tecnologia podem ser influenciados pelo ambiente e pelo capital cultural das cidades, eventualmente contribuindo para acelerar as estratégias de reconversão, como o redesenvolvimento e a gentrification de áreas urbanas centrais e portuárias. Sob condições globais de competição intensificada e com a liberação das forças de mercado para investimento e fluxos de capital, as cidades tornaram-se empresariais e mais conscientes de sua própria imagem, inclusive dos modos como essa imagem se traduz na geração de empregos para a economia local. Como disse Harvey (1988), as cidades precisam mobilizar a cultura para se transformar em iscas para o capital”.14 Leite (2004), por sua vez, esclarece que esse tipo de intervenção urbana tem-se proliferado no Brasil principalmente a partir da década de 1980, o que vem 14 FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995, p. 149. 29 transformando as áreas centrais de cidades históricas degradadas em locais de entretenimento e consumo cultural.15 Á luz desses norteamentos as experiências internacionais de preservação e revitalização urbana, que ganharam relevo como bem sucedidas, a exemplo de Paris, Barcelona, São Francisco, Madrid entre outras, servem de inspiração para as propostas a serem seguidas pelas cidades brasileiras. Esses novos impulsos surgem como estratégias capazes de dinamizar as economias no plano das disputas de visibilidade e poder, no mercado mundial das cidades.16 Nesse novo limiar o engate entre os setores públicos e privados surge igualmente como forte propensão. No que concerne ao patrimônio faz-se mister ressaltar que a França, com seus castelos, edifícios, museus, consiste em um dos países que mais investem em patrimônio histórico no mundo. Desse modo, o país ganha relevo no quadro internacional, não apenas pela diversidade de sua beleza, também por ser referência na área de valorização e restauração do patrimônio. Com uma experiência diversificada a França atende aos países do Leste Europeu, da Ásia e América do Sul17, a exemplo do Brasil. O conhecimento dos profissionais na área de preservação de patrimônio histórico da França é aplicado nos trabalhos de recuperação de centros urbanos brasileiros, realizados, sobretudo, através do Programa Cidade Brasil – acordo de recuperação de patrimônio assinado pelos governos dos dois países. Por ano o governo francês destina em média 300 milhões de euros para manutenção do patrimônio.18 Atualmente a França conta com mais de 100 cidades que possuem “Secteur Sauvegardé”.19 15 LEITE, Rogério Proença. Contra-usos da Cidade: lugares e espaço público na experiência urbana contemporânea. Campinas: Editora da Universidade de Campinas – Edunicam, 2004. 16 KARA-JOSÉ, 2007. 17 VINCENT, Jean-Marie. Conservação e valorização do patrimônio. Análise e Reflexões. Disponível: http://www.unisc.br/universidade/estrutura_administrativa/nucleos/npu/npu_patrimonio/producao_cient ifica/outros/artigos/conserva_valorizacao_patr.pdf. Acesso em: 6 de jun. de 2009. 18 SANTAMAURO, Antonio; MOLINA, Ligia. Referência da paisagem. Revista França Brasil. São Paulo: Editora Conteúdo, n 281, mar./abr. de 2007. Disponível em: http://www.conteudoeditora.com.br/franca_brasil/281_cultura.htm. Acesso em: 05 de junho de 2009. 19 Informação disponível em: http://www.alainmarinos.net/3-secteurs-sauvegardés/. Acesso em: 05 jun. 2013. 30 Nesse sentido, cumpre ressaltar que a França recebe por ano cerca de 76 milhões de visitantes estrangeiros, atraídos não apenas pela paisagem natural, especialmente porque o país “possui a fama de deter um dos mais ricos e conservados patrimônio do mundo.”20 Na esteira da grande ênfase atribuída ao patrimônio, Françoise Choay defende que os centros históricos precisam ser revitalizados para serem habitados e não para se tornarem objetos mortos para o consumo mercantil. Enfatiza, ainda, que os centros precisam ser reapropriados pelos seus cidadãos, para que, assim, sejam também preservadas a cultura e identidade.21 Atinente a esses aspectos o sociólogo francês Henri-Pierre Jeudy,22 afirma que na Europa, o patrimônio representa uma questão de identidade cultural e cada região dispõe do seu próprio patrimônio, o que demonstra sua capacidade multicultural, para satisfazer aos ditames da globalização. Nessa perspectiva, para Jeudy, O turismo cultural europeu é realizado dentro de uma “perspectiva identitária”, que pode chegar até a defesa das “diferenças étnicas” para preservar a imagem mais comum da alteridade. [...] Mas o turismo cultural baseia-se, em escala mundial, na manutenção de uma heterogeneidade cultural garantida pela museografia. O mundo deve se tornar um grande museu para que a identidade, a etnicidade, a alteridade não sejam mais do que rótulos, e que a invocação destas últimas sirva, sobretudo para o comércio turístico mundial. Três etapas são necessárias: a primeira é a da extinção das culturas vivas, já realizada desde o começo do século; a segunda é a da “passagem ao museu” dessas mesmas culturas, de uma homogeneização do espetáculo; e a terceira corresponde à reabilitação da heterogeneidade cultural ensejada pela “guerra cirúrgica” e pelos movimentos humanitários, preparando a conservação patrimonial e da museografia. (1990, p. 42). As referências registradas permitem entrever a natureza multifacetada do fenômeno. E para enlaçar, essa breve exposição, pode-se ainda considerar que, o “‘centro histórico’, não obstante a existência de novos espaços urbanos, diz respeito 20 VINCENT, 2002, s.p. 21 PATRIMÔNIO: Centros Históricos devem ser habitados e não “objectos mortos” defende investigadora francesa. Jornal Portal de Nisa. Nisa/ Portugal, 15 de maio de 2009. Disponível em http://jornaldenisa.blogspot.com/search?q=Fran%C3%A7oise+Choay. Acesso em: 5 de jun. 2009. 22 JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das Cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005, p. 42. 31 a um lugar circunscrito e delimitado onde se localizam as fontes deste ethos e as manifestações festivas, estéticas e emblemáticas da sua afirmação.”23 São essas considerações, apresentadas por Peixoto, que toma-se como referência desse trabalho. O sociólogo apresenta significativas contribuições acerca do objeto, aqui, apresentado. Para Peixoto (2006), a noção de centro histórico é uma construção social de discursos técnicos, políticos e científicos – relativamente recente. Expõe que para diversos autores os centros históricos são um produto da sociedade industrial. A partir do século XIX, os núcleos urbanos já constituídos, cresceram lenta e irrisoriamente em uma sociedade demograficamente de predominância rural, expandem-se de modo veloz e irreversível na cadência do avanço da industrialização. No bojo desse processo surge o “centro e o resto”, expressão que Peixoto toma emprestado de Alessandro Bianchi para designar a separação espacial que se efetiva à medida que a cidade dilata-se para além da cidade antiga. Cercada por muralhas ou fronteiras naturais esta cidade medieval é, no fundo, toda ela um único centro urbano. Aquilo que hoje podemos chamar de Centro Histórico das Cidades (CHC) costumava albergar em si todas as funções urbanas, tornando-se difícil estabelecer com rigor uma divisão clara entre áreas residenciais, de produção, comércio, ou administração, tal era a imbrincada malha que as interrelacionava. Esta cidade medieval expressa uma enorme multifuncionalidade e uma acentuada diversidade social.24 Carlos Fortuna, explica que o crescimento urbano arrastou consigo a separação espacial das funções da cidade. Desse modo, ao lado do centro histórico floresce outro centro comercial urbano, diferente do primeiro, e amiúde nas cercanias da cidade antiga. Nesse processo a “cidade cresceu para fora de si própria, em todas as direcções”. Conversaram-se as funções administrativas e algum comércio, em especial, de setores mais tradicionais ou em decadência. Fortuna, explica que nesse desenrolar assistiu-se igualmente o deslocamento do centro para a periferia urbana 23 PEIXOTO, 2006, p. 43. 24 FORTUNA, Carlos. Os centros das nossas cidades: entre a revitalização e a decadência. Oficina do CES – Centro de Estudos Sociais, Coimbra, n. 62, p.1, set. 1995. Disponível em: http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/ficheiros/62.pdf. Acesso: out. 2011. 32 de importantes franjas da classe média e dos mais abastados, em emergência. Logo, a cidade e seu centro esmaeceram a plenitude da sua plurifuncionalidade, ao mesmo tempo em que se foram especializando quanto às suas funções e ao seu tecido social. Esse desbotar do dinamismo da cidade traduziu-se, de modo gradual, no enfraquecimento do seu centro e na sua transformação em área mais velha, mais empobrecida e mais decadente do conjunto urbano.25 Essa configuração, à medida que a urbanização avança, se torna menos central e cada vez mais histórica. Afora, a fisionomia dissonante, se sobressai e assume uma base conflitual com o seu “resto”, à medida que vai atraído indivíduos de condições sociais desfavoráveis. A haussmanização dos núcleos urbanos antigos é a inclinação mais visível dessa relação altercadora entre a nova cidade e a velha cidade violentamente contestada à medida que o processo de urbanização ganha fôlego.26 Pensando esses contributos, observa-se que eles se aplicam a realidade como das cidades de Tours e João Pessoa. Em João Pessoa, até meados do século XIX, seu núcleo original, permaneceu “sem qualquer alteração por mais de três séculos.”27 Até hoje o bairro antigo guarda o traçado original, como também as marcas arquitetônicas que assinalam sua trajetória ao longo dos séculos.28 Ora, até esse momento são inseparáveis, falar da cidade e do seu centro que consiste a mesma coisa. Logo, a cidade “é, no fundo, toda ela um único centro urbano.”29 A capital só começa a tracejar mudanças mais significativas na alvorada do século XX. Nesse período começa-se a serem orquestradas as intervenções urbanas – alargamento e nivelamento de ruas, saneamento, abertura de novas vias etc. O plano de embelezamento e higienização da cidade teve como suporte o modelo haussmanniano. Mas é no arrebol do século 25 FORTUNA, 1995, p. 2. (Grafia conforme original). 26 PEIXOTO, 2006, p. 27. 27 TRAJANO FILHO, Francisco Sales. Do rio ao mar: uma leitura da cidade de João Pessoa entre duas margens. In.: Arquitextos. Ano 07, Nov. 2006. Disponível em: www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.078/298. Acesso em: set. 2011. 28 Registram-se no núcleo antigo edificações dos séculos XVII e XVIII, e ainda exemplares dos séculos XIX, que guardam e revelam o processo de evolução da cidade. 29 FORTUNA, 1995, p. 1. 33 XX que as transformações ganham ressonância. Com o processo de modernização dilata-se a cidade e novos eixos de expansão são engendrados. A cidade que teve seu nascedouro ligado ao Rio Sanhauá gradativamente vai se deslocando para a área litorânea. O deslinde desse processo é o desbotamento das funções do seu centro. Ocorre assim, de modo paulatino, a transformação do bairro antigo em área pauperizada, decadente e estigmatizada da cidade. Quadro que se agudiza, por encontrar-se vinculado a imagem de prostituição, violência e residência de uma população de baixo poder aquisitivo – destacando-se ainda a formação de favelas que foram erigidas às margens do Rio, especialmente após os anos de 1960 – por outro, concentra os principais monumentos que são considerados patrimônios nacionais. É tendo esse construto como elemento norteador que se busca traçar os capítulos pertinentes a cidade de João Pessoa – explicitando de modo resumido as funções/ transformações ocorridas na cidade, em seu centro, pois ter como amplexo quatro séculos de história é um trabalho de fito inalcançável. Desse modo, a escrita dedica-se, mormente a apresentar essas considerações que de algum modo tornaram-se responsáveis pela paisagem fitada atualmente. Diante da extensão dos Centros Históricos focados a delimitação da área de trabalho torna-se um imperativo. Em João Pessoa focou-se a pesquisa, no Bairro do Varadouro,30 mais especificamente suas áreas revitalizadas, quais sejam: a Praça Anthenor Navarro e o Largo São Frei Pedro Gonçalves e algumas ruas onde existe uma visível presença de habitações, como a Ladeira de São Francisco, por exemplo. Além dessas características que remete a origem de João Pessoa, a escolha ocorre, ainda, pela situação que vem se delineando ao longo de algumas décadas, qual seja: o impactante processo de abandono, cuja degradação encontra-se imiscuídas a produção de uma imagem destinada ao consumo cultural e turístico – no arrebol do século XX o centro foi foco de revitalização promovido pelo Convênio de Cooperação 30 A primeira delimitação do Centro Histórico de João Pessoa englobe as áreas correspondentes aos bairros do Varadouro, Centro, Tambiá, Trincheiras e Jaguaribe, que somam uma área total de 305, 40 hectares. A amplitude da área delimitada impõe desse modo, a realização de um recorte que viabilize a efetivação da pesquisa empírica. 34 Internacional firmado entre o Brasil e a Espanha, e no amanhecer do século XXI tornou-se palco para o cenário de consumo cultural e lazer (FEATHERSTONE, 2000), com as reformas dos referidos Largo e Praça. Sem dúvida, um dos aspectos destacáveis, advindos com as medidas empreendidas através do Convênio, foi a gestação da ideia de reabilitação e de valorização do patrimônio. Convém ainda sublinhar que foi a partir dessas iniciativas que vem a luz a noção de Centro Histórico para cidade.31 Já em Tours, envolveu-se a pesquisa nos Bairros que compõem o “Secteur Sauvegardé”, tendo maior enfoque o Vieux Tours, por ser a primeira área onde orquestrou-se as intervenções de renovação/restauração e onde as cenas sobre esses desdobramentos podem ser perscrutadas com maior ressonância. Visualiza- se nesse limiar diversas ações no sentido de dinamizar a área central impactada com a criação de novas centralidades geradas, sobretudo com a chegada dos Centros Comerciais e hipermercados, que praticam preços bem menores que as lojas situadas na região do centro. Via de regra, em solo francês, esses centros comerciais estão localizados na periferia da cidade, próximos as rodovias o que permite atender igualmente habitantes das cidades contíguas. Assiste-se nesse limiar projetos que têm o esforço de dinamizar essa área da cidade e criar uma imagem atrativa. Nesse sentido, ganha força tendências como a transformação das ruas em passagem exclusiva para pedestres, – “piétonisation” – que possuem, igualmente, o fito de atrair a visitação turística. Caminhando no mesmo compasso cumpre citar a criação exponencial de atividades lúdicas e recreativas, “englobées dans la notion composite de tourisme urbain [...] et signe d’une attractivité que favorisent toutes les politiques urbaines, s’identifie elle aussi, surtout avec le dynamisme renouvelé des centres-villes." (CHALINE, 2007, p. 102). Pode-se ainda ressalta como parte do fito que visa promover a transformação dessa área da cidade, a construção de grandes hotéis, o retorno do comércio e valorização do espaço público, – pois são previstos o aumento do fluxo de visitantes – que dará um novo 31 Como bem persevera a Coordenadora da Oficina Escola de João Pessoa, João Pessoa-PB. Entrevista concedida à autora em 01 de setembro de 2011. 35 valor ao Bairro. Seguem, igualmente, esses ditames a fixação de campus universitários, de museus e a valorização do patrimônio que visam a renovação do retrato da cidade.32 Deslizam, ainda, no sentido de criar uma imagem positiva da cidade e da região central os investimentos na modernização dos transportes coletivos, que são componentes possantes dessas estratégias. Em Tours esses feixes de alterações são traçados e formadores de uma nova paisagem urbana. Desse modo, na cena atual a parte antiga da cidade é alvo de projetos que visam a transformação de usos e funções, corroborando assim com a tendência contemporânea que enlaça os grandes projetos. Ademais, assiste-se nesse limiar o momento singular de florescimento da valorização do patrimônio cultural como meio estratégico de promover o desenvolvimento econômico. Assim, as cidades estudadas seguem os rastros da tendência contemporânea de valorização da cultura e de políticas voltadas para atividades ligadas ao consumo cultural e turístico. A restauração/reabilitação, portanto, sinaliza transformações à paisagem da cidade que estão fulcradas a estratégia que levam em consideração a apropriação de elementos simbólicos da cultura local. Nesse sentido a paisagem urbana guarda e revela na sua aparecia os sinais dos jogos de poder (ZUKIN, 2000) as camadas de memórias inscritas através dos tempos, das intervenções, confrontos e apropriações. Corrobora, portanto, com as propensões da cena contemporânea, em que a cidade torna-se cada vez mais mercadoria, que se coloca à venda, seja por meio do seu centro enobrecido ou ainda pela mercantilização33 da paisagem. Por ora cumpre evidenciar que a polissemia que envolve este tema, tem proporcionado um rico entrecruzamento de visões, consensos e discordância, especialmente no que diz respeito à valorização do patrimônio cultural e a necessidade de reabilitar os centros, que “na atualidade, constituem premissas básicas dos debates sobre o desenvolvimento sustentável.”34 32 CHALINE, 2007, passim. 33 ARANTES, O., 2000. 34 FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006, p. 29. 36 Esses aspectos permeiam o trabalho, uma vez que, as intervenções e políticas de conservação do patrimônio, podem contribuir para corroborar as percepções sobre o centro histórico. Estas relações apontam para a importância de estudos que levem em consideração aspectos referentes às cidades, ao simbólico, às representações, ao patrimônio. Nesse particular buscou-se apoio teórico em áreas do conhecimento como: a Antropologia, a Sociologia, o Urbanismo, a Geografia e a História, que trazem importantes contribuições ao trabalho. Para entendimento dessas amplas e complexas temáticas – admite-se que a noção de centro histórico e a ideia de patrimônio, são estudos nos quais não são dissociáveis.”35 Assim, no primeiro capítulo, uma introdução em que traça-se um panorama sobre centro histórico, explicitando exemplos que trazem a lume o contexto desses núcleos no Brasil – surge como frutos das observações e caminhadas por diversos Centros Históricos. Em seguida tem-se como foco a escolha do campo de pesquisa, narrando as viagens realizadas por diversas cidade, em busca de um centro histórico para compor o quadro desse trabalho comparativo. O segundo capítulo apresenta-se alguns aspectos referentes a perspectiva teórica sobre a cidade e o centro. O capítulo seguinte, pela própria natureza do trabalho, reclama um olhar mais atento acerca das intervenções e recuperações de áreas urbanas centrais. Os modelos urbanísticos que em certa medida foram responsáveis, ao longo dos tempos, pela modelagem das cidades. Expõem-se, assim, uma síntese do debate teórico, em especial que ganhou fôlego desde o pós-guerra. No quarto capítulo escreve-se sobre a evolução do centro na cidade até a presente cena caracterizada, via de regra, pelo abandono e degradação. Logo após, o estudo debruça-se sobre a temática sobre o patrimônio – embora de modo direto ou indireto estejam amalgamadas as discussões tratadas nos capítulos precedentes – uma breve apresentação sobre a origem do conceito, e seus deslindes até 35 PEIXOTO, 2006. 37 contemporaneidade marcada pelo consumo cultural da cidade, processo esse em que o patrimônio passa a ser moeda de indubitável valor. Já no quinto capítulo lança-se um feixe de luz sobre a temática, mais especificamente, no contexto brasileiro. Nesse sentido intenta contemplar o surgimento do que seria o centro histórico e o intrínseco conúbio desses lampejos com a temática sobre o patrimônio, a formação dos órgãos de preservação no país e sua atuação. Para melhor esclarecimento sobre a formação das cidades brasileira um primeiro item desse capítulo dedica-se a esse processo. E ainda caminhando nesse sentido, expõe-se a tipologia das cidades brasileiras desenvolvida por Barbara Freitag – cidades históricas esquecidas; cidades históricas em sua origem (revitalizadas ou destruídas), cidades históricas abandonadas e cidades sem história. Considera-se essa tipologia que também justifica, em parte, a escolha da cidade foco empírico da pesquisa. O destaque do estudo são as duas primeiras tipologias, as quais se apresentam nos itens seguintes, os exemplos das cidades de São João Del-Rei (cidades histórica esquecida) e Salvador (cidade histórica em sua origem). Uma tentativa de explicitar algumas peculiaridades que marcam os centros históricos no Brasil, em contextos distintos, de acordo com a tipologia. Consciente de que a complexidade do objeto reclamou o movimento de fontes diversas, já que foge ao propósito apresentar um único centro histórico, embora exija uma abordagem mais específica e minuciosa, que possa ser de alguma maneira ilustrativa dos processos que de modo geral vem ocorrendo em maior ou em menor grau nos centros históricos. Seguindo esse propósito que enlaçar-se a cidade de João Pessoa como destaque desse estudo. Sendo assim, o sexto e o sétimo capítulos debruçam-se sobre o contexto de João Pessoa. Inicialmente aborda-se sobre o processo de evolução da cidade e as funções por ela desenvolvidas, ao longo dos séculos. Torna-se mister sublinhar que trata-se de uma revisão sumaria diante da impossibilidade de abarcar mais de quatro séculos de história. Faz parte desse desiderato, compor a dinâmica que permita visualizar a sequência centralidade, expansão urbana, abandono e requalificação. Em seguida os desdobramentos, o contexto da gentrificação, transformação dos espaços, a insegurança, os moradores 38 e as novas perspectivas com as expectativas dos grandes projetos, voltados para a projeção da imagem da cidade na corrida por atrair investimentos e turistas. Etapas essas que igualmente bongou-se tecer na segunda parte quando se adentra o estudo sobre a cidade de Tours. Vale a pena ressaltar que em relação à cidade de Tours é apresentada uma outra maneira de abordar sobre o historial, uma vez que a cidade possui um percurso que tem seu nascedouro desde o Primeiro Século dessa Era, o que não seria possível em um trabalho como esse. Então, privilegiou-se apresentar a cidade em seus aspectos relacionados com a contemporaneidade e entrelaçando-os com alguns elementos do passado que notadamente são invocados como símbolos e referências. A segunda parte encontra-se dividida em quatro capítulos que versam sobre o abandono-renovação/restauração, o contexto da gentrificação e a transformação do bairro degradado em área de diversão e consumo cultural e os moradores. O Vieux Tours ocupar os artigos dos jornais não apenas no tocante ao valor patrimonial reconhecido, outrossim, pelo resultado da forte concentração de bares, restaurantes e boates, que têm promovido cenas de violência e evidentes conflitualidades de usos. Nesse horizonte, assiste-se o estímulo a fixação de jovens. A soma desses ingredientes vem sendo apontados como deflagradores de uma nova crise no Centro Histórico, resultando assim na saída progressiva das famílias e em contrapartida a chegada, cada vez maior, de jovens, especialmente estudantes. Seguindo as pegadas da propensão contemporânea assiste-se a adoção de investimentos para promoção da cidade através de grandes projetos, em que a cultura encontra-se como esteio. Ora, são investimentos em projetos que articulam “arquitetura espetacular”, conhecimento, pesquisa e arte como meio de estimular a formação de imagem da cidade, uma orientação que promovem as transformações físicas e também funcional com o fito de propiciar o desenvolvimento da cidade, no contexto de plena competição internacional.36 36 CANCLINI, 2008. 39 Envolvendo as duas experiências, almejou-se trazer a lume os carizes pertinentes aos processos de centralidade, abandono e intervenção urbana e desse modo compor uma ossatura que viabilize desenvolver uma lógica comparada. No que concerne a elaboração do referencial teórico, buscou-se aportes nas fecundas contribuições dos autores dedicados as investigações pertinentes à cidade, aos centros históricos e ao patrimônio. Sendo, assim, considerou-se os estudos de diversos pesquisadores que vêm desenvolvendo trabalhos relevantes no âmbito desses debates, a exemplo de Peixoto (2003, 2006), Jacques (2004, 2006), Jeudy (2005, 2006), Fortuna (1995, 2006), Choay (2001), Bidou-Zachariasen (2003), Sánchez (1999, 2007), Bourdin (1984), Canclini (1999, 1997, 2008), Zukin (2000), Leite (2001, 2002, 2004), Castells (1983), Frúgoli Júnior (1995, 2006, 2007), Kara- José (2007), Arantes, O. (2000), Scocuglia (2003), Villaça (2001) entre outros autores apresentados ao longo deste texto. Para dar conta do caminho teórico metodológico, efetivou-se uma vasta pesquisa em diversas instituições de ensino superior e bibliotecas. Assim, para elaboração da revisão bibliográfica realizou-se pesquisas, intensivas, em todas as cidades visitadas (excerto Paraty, porque não tem universidade) durante o período de escolha do campo empírico, bem como as cidades que viajei durante o período do curso de Doutorado. Desse modo, os autores que figuram esse texto fazem parte do material colhido nesses anos de caminhadas, em livrarias e em Bibliotecas das seguintes instituições: 1) Em Salvador – Biblioteca Central (Sessão de Estudos Baianos e Obras Raras), Biblioteca do Curso de Arquitetura, Biblioteca do Centro de Filosofia, Ciências Humanas e Letras; Biblioteca do Centro de Estudos Baianos e Biblioteca de Obras Raras da Universidade Federal da Bahia-UFBA, Biblioteca da Fundação Gregório de Matos e Biblioteca Central do Estado da Bahia; 2) Em São Paulo – Biblioteca da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – USP; 3) Em Campinas: Biblioteca Central; Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e Biblioteca do Instituto de Geociências da 40 Universidade de Campinas-UNICAMP; 4) Em Recife; Biblioteca Central, Biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Biblioteca do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e Biblioteca do Centro de Artes e Letras da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE; 5) Em Natal; Biblioteca Central e Biblioteca do Centro de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN; 6) Em Diamantina; Bibliotecas do Campus I e a Biblioteca do Campus Juscelino Kubitschek – JK da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM; 7) Em Florianópolis; Biblioteca Central da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC; 8) Em São João del-Rei: Biblioteca do Campus Dom Bosco e Biblioteca do Campus Tancredo Neves – CTAN – da Universidade Federal de São João del-Rei – UFSJ; 9) Em Aracaju: Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe – UFS e Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico; 10) Em João Pessoa: Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Biblioteca do Estado; 11) No Rio de Janeiro: No Campus Praia Vermelha – Biblioteca do Centro de Filosofia e Ciências Humanas; no Campus Fundão: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; e ainda na Biblioteca do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social Museu Nacional – UFRJ. Também pesquisas realizadas na Fundação Biblioteca Nacional, na cidade do Rio de Janeiro. Em Portugal a Biblioteca da Universidade do Porto. No que concerne a experiência na França para a tessitura do trabalho realizou-se pesquisa e coletas de dados, nas seguintes instituições: Bibliotecas da Universidade François Rabelais (dos Cursos de Letras, História e Ciências Humanas – Site des Tanneurs) e Bibliotecas Site 2 Lions (Cursos de Ciências Sociais e Geografia), Biblioteca d’École Polytechnique”, Biblioteca da “Société Archéologique de Touraine”, Biblioteca “Municipale de la Riche”, Biblioteca dos “Archives Municipales de Tours” – localizados nos prédios da “Mairie” e em “Saint-Éloi”, Biblioteca do INSEE – L’Institut National de la Statistique et des Études Économiques”, em Paris. Foram coletados documentos nas seguintes instituições: Arquivos “Municipale” – “Mairie” e “Saint Eloi”, “Archives Départementales d’Indre et Loire”, Associação dos Habitantes dos Bairros “Plumereau–Halles–Résistance–Victoire”, 41 Associação do Bairro “Cathédrale”, “Agence d'Urbanisme de l'agglomération de Tours”, Arquivo do Jornal “La Nouvelle République”, “Photothéque Mairie de Tours” , “Service Ville d'Art et d'Histoire de Tours”, “DRAC – Direction Régionale des Affaires Culturelles”, “Chambre de Commerce et d'Industrie”, “Service du Recensement de la Ville de Tours”, “Service Culturel de la Ville de Tours”. Convém mencionar que a grande parte do material coletado ao longo das pesquisas realizadas em diversas cidades, efetivou-se por meio de fotografias, tiradas de jornais, revistas, fotografias, textos, documentos etc. Isso tanto no Brasil como na França. Em Tours, o acesso aos materiais coletados nos Arquivos “Municipales” e Arquivos “Départementales” também foram realizados desse modo, uma vez que, ainda não estavam digitalizados. No que concerne ao Fonds Boille, por exemplo, demandou-se muita energia, pois consiste em um amplíssimo arquivo que abarca o processo de renovação e restauração do bairro antigo. Todos os papéis, fotografias e documentos encontram-se abrigados em muitas caixas. Por isso, um trabalho diário foi dedicado a esse arquivo, abrir caixa por caixa e olhar papel por papel, ler com atenção e assim garimpar informações que contribuíssem com o trabalho. Então, não foi raro investigar toda caixa com uma quantidade grande de documentos e não encontrar nada pertinente ao enfoque da investigação. Depois, tirar fotografias do foi encontrado e que poderiam auxiliar na tecedura da tese. Um minucioso trabalho que demandou meses de consulta. Mesmo procedimento ocorreu ao consultar os Arquivos Municipale – nos dois prédios na “Mairie” e em “Saint-Éloi”, além de textos, dissertações, periódicos, livros, consultou-se também a “Photothèque” – acervo de fotos sobre o antigo Bairro, as transformações advindas com a renovação/restauração. Também realizou-se consultas aos Jornais “La Nouvelle République” e “L’Espoir”. Investigação igualmente realizada nos Arquivos do Jornal “La Nouvelle République”, que além do acesso aos artigos consultou-se, também, o arquivo de fotografias, composto com fotos do antes, durante e após intervenções urbanas. Foram consultados inicialmente jornais dos anos de 1950, na tentativa de encontrar informações sobre o Vieux Tours e seus habitantes antes das operações de 42 renovação/restauração urbanas. Pesquisou-se, igualmente jornais da década de 1960, período de início das referidas intervenções. Após buscou-se jornais dos anos de 1980 e 1990 para ter-se acesso as informações pertinentes a animação do Bairro e as consequentes transformações engendradas. E a partir dos anos 2000, as consultas aos Arquivos da “Association des Habitantes Plumereau-Halles-Résistance- Victoire” foi importante para averiguar o contexto atual do Bairro e os desdobramentos acerca dos conflitos referentes a animação noturna, (concentração de bares, restaurantes e boates) e a relação com os moradores. Diversas entrevistas realizadas com diferentes atores, que inclui moradores atuais dos Bairros constituintes do Centro Histórico, ex-moradores, antigos moradores, comerciantes e trabalhadores de comércios dos bairros, professores, representantes da Mairie – Secretária do Turismo, Secretária do Patrimônio, Secretária dos Serviços Culturais e Secretária do Urbanismo. O trabalho amplo nas bibliotecas permitiu a recolha vasta e fecunda de obras sobre os diversos temas que encontram relacionados ao objeto. Parte desse material comparece na tessitura das linhas desse texto. Pode-se ainda citar como elemento importante desse trabalho a participação como aderente as reuniões mensais da “Association des Habitantes Plumereau-Halles-Résistance-Victoire”, a Assembleia Geral da Associação, bem como as reuniões realizadas com o poder público na Mairie. Referindo-se a cidade definida como campo de pesquisa, no Brasil, João Pessoa, além da revisão bibliográfica apresentada no texto, foram consultadas fontes documentais no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa, Biblioteca Juarez da Gama Batista, Biblioteca Pública do Estado, Biblioteca Central da UFPB, Arquivo Público do Estado da Paraíba. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, onde coletou-se depoimentos sobre o Centro Histórico, sobre o processo de tombamento, delimitação do Centro Histórico, as atividades desenvolvidas em prol da área de nascimento da cidade, e as ações implementadas a partir do Convênio estabelecido entre o Brasil e o Espanha. Nesse tocante foram 43 gravadas entrevistas com o Superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN na Paraíba, com a Coordenadora da Oficina-Escola de João Pessoa, com Coordenadora Pedagógica da Oficina Escola, com a coordenação da Comissão do Centro Histórico de João Pessoa. Representante da Funjope – Fundação Cultural de João Pessoa. Ainda com pessoas que desenvolvem atividades culturais no Centro Histórico. Entrevistas com os moradores do Centro Histórico – cujo trabalho enfoca o Bairro do Varadouro, sobretudo, a área revitalizada. No entanto, as entrevistas foram realizadas em diferentes partes do bairro, destacando ainda a Ladeira de São Francisco pela concentração de residências e região próxima a Igreja das Neves. Entrevistou-se igualmente ex-moradores, professores e pessoas idosas que poderiam contar sobre o passado da cidade e do seu centro. Além da realização de 85 entrevistas exploratórias em diferentes espaços sociais. Afora pesquisa em jornais e artigos na Internet. Sobre as entrevistas coletou-se um vasto material, de modo geral, tanto no Brasil como na França, teve-se em sua maior quantidade, longas entrevistas com mais de uma hora, e mesmo várias tendo mais de duas horas de conversação. Embora nem todas as entrevistas foram expostas nesse texto, a escuta dos diferentes entrevistados contribuiu sobremaneira para o enriquecimento desse trabalho. As entrevistas que compõem a escrita desse texto foram transcritas na sua totalidade, mesmo nos casos onde foram expostos apenas trechos.37 Desse modo para a composição do quadro comparativo, ancorado no referencial teórico, traçou-se o historial das cidades para identificar os processos 37 Cumpre assinalar que reconhece-se o valor e importância de cada entrevista no sentido de auxiliar na composição desse trabalho. Agradecemos muito a boa vontade e colaboração de todos os envolvidos. Não obstante, pela quantidade de entrevistas realizadas tornou-se imperioso realizar uma seleção. Processo esse nada fácil, mas necessário para a efetivação do texto. No entanto, os registros realizados poderá compor a tessitura de outros trabalhos. Vale esclarecer, quando os fatos contados foram transformados, pela pesquisadora, de forma ordenada em história (o que levou-se em consideração o contato físico com a pessoa) seguiu-se com fidelidade os fatos narrados. Para compor a tese os nomes dos entrevistados foram substituídos por nomes fictícios. Do mesmo modo, nas citações textuais foram apenas destacadas as letras iniciais do nome e sobrenome, como uma forma de guardar a privacidade dos informantes. 44 acima já referendados de abandono-requalificação. As entrevistas consistem em um fecundo material que viabilizaram realizar a tipificação dos moradores dos centros históricos estudados. Para sua efetivação, no Brasil e na França, foram adotados alguns modos distintos. Em João Pessoa as entrevistas com os moradores foram realizadas através de dois procedimentos principais, a saber: através da ida direta as residências ou por meio das indicações das pessoas que conhecia-se no decorrer do percurso da pesquisa. No primeiro caso, bateu-se na porta do residente, em seguida a pesquisadora se identificava, explicava sobre o trabalho, caso o morador aceitasse participar da pesquisa, agendava-se um dia e horário para a realização da entrevista. Já na cidade de Tours as entrevistas foram feitas por indicações. Quando chegou-se nas cidades e a medida que conhecia-se as pessoas, a pesquisadora explicava sobre o trabalho a ser feito e perguntava sempre se o informante conhecia algum morador do centro histórico que pudesse colaborar com a investigação. Nas duas cidades, encontrar pessoas que apresentassem disponibilidade não foi uma tarefa fácil, sobretudo, no início. Mas com a presença constante no local de pesquisa e com os primeiros entrevistados foi-se paulatinamente, ganhando a confiança das pessoas e formando-se uma rede de contatos. Cada elaboração de uma tese tem sua história peculiar, observar o contexto e os meandros ao qual faz parte, ajuda a entender melhor a trajetória de investigação que resulta no trabalho acadêmico. Uma cidade é sempre um enigma a ser desvendado. Em uma primeira vista talvez o que chame a atenção sejam a geometria expressa no formato das ruas, das praças, das casas, seus viadutos e avenidas. As formas traçadas pela mão humana que dão as cidades uma paisagem singular. Se é arborizada ou carece de uma vegetação mais abundante. Dependendo do ponto por onde se adentra a cidade, possivelmente, o relevo seja o desenho mais impactante, ou ainda a exuberância da natureza com seus rios e vegetação. Percepções que podem ser elaboradas à medida que o viajante percorre a cidade. Avoluma-se como elemento constituinte desse cenário o modo de ser das pessoas que nasceram ou moram na cidade, e sua expressão peculiar. Sempre que se viaja pensa-se como será o lugar, por mais que 45 se observe fotos ou vídeos nada pode substituir o prazer de observar ou perscrutar com os próprios olhos, pois cada percepção é singular. É como uma pedra que aos poucos vai sendo lapidada. Os olhos e a convivência cotidiana que são instrumentos lapidadores da imagem ou expectativas que se criou em torno do lugar “desconhecido”. As imagens internas por hora são retificadas, em outros momentos são revalidadas. A palavra viagem, aqui, comumente escrita, serve para referenciar que realmente esse trabalho se compõe de grandes viagens, primeiro em diversas cidades no Brasil e depois outras longas viagens... Para chegar a França foram alguns dias de deslocamentos. Partiu-se em uma segunda-feira e chegou-se ao destino em uma quarta-feira à noite. Cruzar o Atlântico, viver de um dia para o outro, duas Estações do ano, sair do verão e chegar em pleno rigorosíssimo inverno, em uma semana em que os termômetros registraram, em Tours, menos de 8 graus, temperaturas que assustou até mesmo, os já acostumados, franceses. Os rastros da neve ataviam o chão... Estão adentra-se em um outro mundo e de imediato dois fatores marcam: as diferenças de temperaturas e de horários entre os dois países. Soma-se a lista as diferenças como regras, comportamentos, estilo de vida... Tudo ao redor é novo e por dias não se tem o senso de direção. Sobretudo, nas ruas do Vieux Tours, estreitas, serpenteadas que no primeiro contato parece tudo igual e tem-se a sensação de caminhar sempre pela mesma rua. Por isso, equivoca-se é algo normal que atinge estrangeiros, visitantes e até mesmo habitantes da cidade. Então, os primeiros passos são dados no sentido de situar-se, e nesse contato com o diferente, pode causar como expõe Da Matta (1991), sérios problemas de orientação. No primeiro momento a arquitetura secular que impressiona... A vontade de conhecer é gigante, tudo desperta desejo de saber sobre o novo... Assim, os olhos atentos observam com atenção as singularidades... O passante na rua, os grupos de amigos… O interior dos comércios tão diferentes... Os modos de atendimento aos clientes, as formas de divisões das casas... A maneira como caminham nas ruas e de dirigir-se ao outro... Nesse novo enredo, até mesmo a compra de um simples pão tem sua forma distinta. Não é de se estranhar que uma constelação 46 de sentimentos vem à tona, uma mistura de alegria e ao mesmo tempo o impacto de todas as mudanças engendrada não apenas com a chegada a França como também dos outros lugares vividos que eram igualmente “estranhos” a pesquisadora, pois mesmo fazendo parte de um mesmo país as cidades têm suas diversidades. Dessa maneira, o tempo é fator primordial nesse processo de transformar e de tornar o local aos poucos mais familiar... De modo a compreender o “mundo” dos Pessoense e dos Tourangeaux. Esse processo de descortinar e atravessar as fronteiras que separam uma estrangeira e os moradores exigiu um esforço grande de interação com o local e os seus habitantes. E nesse compasso é verdade que a pesquisadora tornou-se alvo de investigação, os papéis se invertiam. E isso ocorreu em todas as cidades pesquisadas... Uma série de perguntas era feita e têm momentos, nesse processo de habituar-se ao local, sentimentos se misturam, como se sentir invadida na privacidade, e ao mesmo tempo para investigar, adentra-se nas casas das pessoas que não conhece, então sente-se o contrário como se estive invadindo, mas tudo também depende da situação e jeito como ocorrem as situações. Não obstante, é importante ressaltar que as surpresas sempre acompanharam a feitura desse trabalho, pois esteve-se em locais, que de início eram desconhecidos da pesquisadora. Assim, para o desenvolvimento do trabalho a metodologia indutiva apresenta-se como perspectiva de investigação científica. O estudo é de natureza qualitativa e comparativa. Seguindo essa trilha a construção de etnografia delineia-se como abordagem de investigação, devido sua importância “na apreensão e compreensão das circunstâncias quotidianas.”38 O que contribui sobremaneira para a elaboração da pesquisa qualitativa – pois congrega a descrição do observado e a interpretação viabilizada pelos diversos estudos procedidos. Uma vez que o olhar de “perto” e de “dentro” (Magnani, 2002) viabiliza uma maior aproximação aos atores sociais às suas práticas e suportes espaciais, esse olhar pode ser um importante contributo para responder às muitas questões que se colocam no âmbito do viver, pensar e atuar “na” e “com” a cidade. (MENEZES, 2009, p. 303). 38 MENEZES, Marluci. A Praça do Martim Moniz: etnografando lógicas socioculturais de inscrição da Praça no mapa social de Lisboa. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre. Ano 5, N. 32, p. 301-328, jul./dez. 2009. 47 Desse modo, destaca-se que a pesquisa participativa, através de um contato efetivo, direto e sistemático com as pessoas envolvidas, modo este primordial para desfazer barreiras, cria pontes e em uma palavra transformar o frio no quente e assim estreita laços... E através do trabalho e dedicação diários, e, sobretudo, verdadeiro, e repleto de afeto, pode-se transformar as pedras que formam muros que separam em pontes que unem e conquistam o respeito e com ele também amizades. Foi desse modo o caminho trilhado para realizar-se as entrevistas no Brasil e na França. Na busca diária para fazer dos muros alimento e força para continuar... Especialmente sentir que cada contato tem sua singularidade, e escolheu-se o caminho de aproximação através da empatia. A pesquisa realmente atinge seus objetivos quando para além da antiga forma de pensar, refaz-se o olhar, desfaz-se visões e valores, visualiza-se novas possibilidades de ser e fazer... Modos de pensar, isto, porque, A Antropologia, lá ou cá, na floresta ou na cidade, na aldeia ou na metrópole, não dispensa o caráter relativizador que a presença do "outro" possibilita. É esse jogo de espelhos, é essa imagem de si refletida no outro que orienta e conduz o olhar em busca de significados ali onde, à primeira vista, a visão desatenta ou preconceituosa só enxerga o exotismo, quando não o perigo, a anormalidade.39 O exercício de conhecer, deixar-se tocar, e alimentar reflexões. Porque não importa o Estado ou cidade, região ou nação, costumes adotados, aspectos culturais... Comportamentos e regras, que se aproximam ou que são completamente distintos, compreende-se que o valor encontra-se no humano. Nesse pensamento acarinha-se o entendimento de que não importa o lugar de origem, isso não faz a pessoa ser melhor ou pior, mas apenas diferentes. E não é isso que faz a grande riqueza humana? Essa inesgotável capacidade de saber, criar e fazer modos de realizar e perpetuar a vida. 39 MAGNANI, José Guilherme C.; TORRES, Lilian de Lucca (Orgs). Na metrópole: textos de Antropologia Urbana. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fapesp, 2000, p. 21. 48 Parte I – Referencial Teórico – Os Centros Históricos: as experiências no Brasil 49 1. 1. O Centro Histórico e a cidade O que é um Centro Histórico? A indagação a princípio pode parecer simples, pois não é raro escutarmos sua evocação em diversos meios, seja na grande mídia – meio de comunicação como a televisão, jornais e mais recentemente a Internet. Mas ao escutar tal pergunta o citadino pode ficar aturdido, sem saber o que poderia dizer para definir esse termo que de certo modo tornou-se tão recorrente. Um simples passeio por cidades, que ostentam o título de terem um Centro Histórico, facilmente nos deparamos com gigantescas placas sinalizando a direção e os quilômetros necessários para se chegar a essa parte da cidade. Ao viajante, antes mesmo de adentrar a urbe, e começar a desvendar seus mistérios, poderá obter informação nos postos de orientações turísticas. Se o viajante perguntar no setor, os lugares a ser conhecido na cidade, o Centro Histórico figura como um dos cenários principais a ser visitado. Comumente recebe-se um mapa turístico da cidade e lá está igualmente o Centro Histórico em destaque. E tão logo o visitante se despeça do local de chegada e se desloque pela cidade, a pé ou de carro, encontrará nas grandes vias de intenso fluxo, de veículos e pessoas, setas indicando o caminho para se chegar ao “chamado coração da cidade”. Nos locais de hospedagens facilmente se obtêm a orientação dos meios de acesso ao Centro Histórico – táxi, transportes coletivos que fazem o trajeto e a localização dos respectivos pontos de ônibus, e não sendo incomum a oferta de pacotes de passeio oferecidos às praças, principais ruas, visitação às edificações consideradas mais importantes, as festas e atrações culturais disponíveis. Alguns locais fixam cartazes com a listagem dos horários e as manifestações artísticas que se apresentarão durante o mês. Outras, no entanto, expõem o calendário de eventos do ano. Além de informações sobre os Museus, feiras, igrejas e outras edificações mais visitadas. Poder-se-ia comparar talvez a um cardápio em que se pode selecionar entre as opções disponíveis a mais aprazível. 50 Com afã de conhecer o tão almejado Centro Histórico, saem os visitantes, em pequenos ou grandes grupos, em duplas ou sozinhos, munidos com folhetos explicativos, mapa, câmaras fotográficas ou de vídeos. Os passeios diurnos reúnem frequentemente as visitações às igrejas, museus, prédios, lojas, restaurantes e feiras... Logo pela manhã observa-se a chegada dos ônibus de agências de turismo. Caminhando pelas ruas dos Centros Históricos o olhar mesmo aquele distraído reconhece os grupos de visitantes que pululam nas ruas, becos e praças. Vozes em tom um pouco mais alto rompem o discreto burburinho, trata- se de mais um grupo conduzido por um guia turístico, que percorre as edificações consideradas mais expressivas. A rapidez como são narrados as características e os fatos acontecidos nos prédios escolhidos chama a atenção. Assim, os visitantes percorrem os lugares que alguém previamente elegeu para ser visto. E num diminuto espaço de tempo a “história” da cidade é desnudada para o grupo de aprendiz... Em cidades onde nasceram ou moraram personagens que marcaram a história são pontos obrigatórios de visitação, e diante da edificação o guia entoa uma voz, por vezes, em tom dramático e declara: “nessa casa nasceu o ilustre... Nessa rua passou... Aqui morou... Foi aqui que aconteceu o grande conflito... Este museu foi a casa de...” São algumas das frases escolhidas para iniciarem as descrições. São, portanto, consideradas relíquias, títulos que podem proporcionar a cidade maior “valor”, e consequente poder de atrair mais turistas. Assim, até o próprio nome do filho ilustre serve como forma de identificar a cidade. Sendo comum escutar algum morador ou guia dizer: “esta é a terra de JK”, “aqui nasceu Tancredo Neves”, “aquela foi a casa de Gregório de Matos’, “daquela escadaria Castro Alves declamava seus poemas”, “A armadura de Jeanne D’Arc foi feita aqui, ela veio em nossa cidade”, “A casa de Leonardo da Vinci é em Amboise”, “Getúlio Vargas esteve aqui nesse hotel”, “Tiradentes nasceu foi aqui”,40 “Balzac 40 Fato esse que gera disputa entre as cidades de São João del-Rei, Ritápolis e Tiradentes pelo título de ter o personagem da Inconfidência Mineira, Joaquim José da Silva Xavier, como filho. Com relação às frases, foram escutadas durante visitas realizadas as cidades de Diamantina – se referindo à terra de Juscelino Kubitschek, São João del-Rei – Tancredo Neves, Salvador – reportando a casa de 51 nasceu aqui”, “Jeanne D’Arc passou por essa rua, em Chinon”... expressam notadamente com sentimento de orgulho: esses personagens históricos tornam-se símbolos cultuados pelas cidades. Suas residências por vezes são transformadas em museus que reúnem nos acervos: pertences, livros, gravuras, fotográficas, objetos, textos entre outros meios de expor a trajetória de vida do homenageado. Exemplar nesse sentido é a casa do ex-presidente da República Juscelino Kubitschek, na cidade de Diamantina, em Minas Gerais. Os cômodos da casa abrigam fotos, biblioteca, objetos pessoais e violões usados pelo político. Outras moradas, no entanto, abrigam museus não com o intuito de contarem a história pessoal do morador, como a casa do Padre Rolim (José de Oliveira Silva e Rolim) – além de padre, foi negociante de escravos e diamantes – um dos principais articuladores da Inconfidência Mineira. A residência, localizada em Diamantina, foi adquirida pelo Estado e transformada no Museu do Diamante, onde são expostos objetos de arte sacra (dos séculos XVII e XVIII), peças usadas no ciclo de exploração do diamante. O solar – le Clos Lucé – onde morou Leonardo da Vinci, em Amboise, na França, guarda no grande jardim reconstruções das invenções desenhadas pelo grande cientista, inventor e artista do Renascimento. O pequeno castelo recebe um grande número de visitantes, sobretudo, durante o verão. De modo semelhante às ruas e praças são identificadas com os nomes dos filhos egrégios, para citar ainda a cidade mineira de Diamantina, a Praça Juscelino Kubitschek é exemplar nesse particular. No centro do logradouro está a estátua do ex- presidente em tamanho natural. Muito visitada, a Praça é um dos locais mais apreciados para a realização das serestas, práticas tão marcantes na cidade. Em Chinon, na França, uma vasta Praça homenageia uma grande heroína da história da humanidade. No centro do logradouro há uma enorme estátua de Jeanne D’Arc em cima de um cavalo com um estandarte e uma espada em cada mão. Gregório de Matos e a Castro Alves, João Pessoa – ocasião que Getúlio Vargas esteve no Hotel Globo. Jeanne D’Arc por causa da sua passagem em Tours para fazer a armadura, também sobre sua ida a cidade de Chinon. Conselho dados para visitar a casa de Leonardo da Vinci, em Amboise. 52 Na praça, conta-se, que a heroína fez treinamento para a guerra, antes de partir para libertar a cidade de Orléans. As praças são referenciadas também de acordo com os feitos ocorridos no local ou, ainda, por alguma situação inusitada que foi recorrente outrora. Ilustrativo nesse sentido são os lugares onde foram erigidos os pelourinhos, na época colonial. Em Salvador, por exemplo, o pelourinho esteve situado em diversos lugares. Sua última implantação foi em um largo, oficialmente denominado de Praça José de Alencar, mas até hoje é conhecido como Largo do Pelourinho, justamente por esse fato. As igrejas são um capítulo importantíssimo na formação desse cenário, as explanações envolvem desde quem e os anos que foram construídas, origens dos materiais utilizados, a composição se em ouro até as curiosidades sobre a forma como foram edificadas e acontecimentos notáveis que se passaram. E quanto mais suntuosas mais atraem um número gigantesco de turistas que visitam por questões religiosas ou artísticas, ou ainda por curiosidade. Ilustrativa a esse respeito é a belíssima catedral de Saint Gatien, em Tours, na França. A catedral foi construída entre 1170 e 1547. Desde 1862 é considerada um monumento histórico. A imponente construção é um dos símbolos da cidade. A riqueza dos detalhes... Os vitrais... A beleza atrai turistas advindos de diversos países do mundo. Outras igrejas se tornam famosas se algum personagem ilustre a visitou ou teve com o templo alguma relação. Na França, a Igreja Saint Maurice, em Chinon, é famosa por ter acolhido Jeanne D’Arc que na ocasião em que esteve na cidade fez suas orações nessa Igreja. Essas histórias ecoam ao longo dos tempos, ganham valor... E tornam-se referências dos lugares para serem visitados. Sobre as igrejas, no Brasil, aquelas que ostentam o título de serem as mais ricas, exuberantes, e por guardarem e revelarem a beleza do barroco português são as mais escolhidas pelos turistas. Como ilustração pode-se citar a Igreja de São Francisco de Assis (Figura 1), em Salvador, Bahia. Possui impactante interior todo recortado em folha de ouro, diversos Painéis de Azulejos, em tons de azul, ornam a 53 Igreja que foi eleita como “uma das sete maravilhas de origem portuguesa no mundo.”41 Uma obra prima que arranca suspiros das pessoas, o ar de surpresa é notável nas expressões do rosto e no olhar. Indicada sempre nos guias de viagens e roteiros turísticos, consiste em uma das Igrejas mais visitadas da cidade – junto com as outras tantas famosas e monumentais igrejas diariamente vistas em Salvador. Cena que pode se repetir em maior ou menor intensidade em outras igrejas espalhadas pelos Centros Históricos brasileiros. Figura 1: Igreja de São Francisco de Assis. Salvador-Ba. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. No Brasil, nas cidades de origem colonial, o Barroco exprimiu um momento singular de grande efervescência. Seu afloramento foi profundamente beneficiado pelo ciclo do ouro, marcando a arquitetura de igrejas de diversas cidades 41 RABELO, Carina. Pobreza Preciosa. Istoé Independente. Comportamento. Salvador; N. 2098, 22 jan. 2010. Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/44502_POBREZA+PRECIOSA. Acesso em: jun. 2012. 54 brasileiras, das quais admiráveis criações resplandeceram em solo mineiro. A originalidade das obras de Aleijadinho (Antônio Francisco Lisboa) consiste em um forte atrativo aos turistas que percorrem as cidades onde são encontrados os trabalhos do artista, a exemplo de Mariana, Ouro Preto, Tiradentes, Congonhas, Sabará, São João Del-Rei entre outras. Embora suas obras sejam consideradas como ponto culminante do Barroco brasileiro, passou por um período de esquecimento. Foi a partir do Movimento Modernista que sua obra passou a ser revalorizada, bem como as cidades mineiras foram redescobertas abrindo caminho para o fluxo turístico que se assiste até os dias atuais. Figura 2: Igreja de São Francisco de Assis. Minas Gerais. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. Por isso, não é de se admirar o intenso fluxo de pessoas que procuram essas cidades. Os casarões e sobrados antigos passam a abrigar restaurantes, lojas e artesanatos, pousadas, hotéis, uma nova roupagem molda esses Centros Históricos, que passaram a atender a dinâmica do turismo e consumo. 55 Em solo francês essa realidade não se destoa, as ruas estreitas e serpentidas... As casas antigas de origem romana foram transformadas, antes que no Brasil, em locais que passaram a funcionar restaurantes, bares, lojas, cafés, hotéis que têm o intuito primordial acolher os turistas. À noite diversificam-se as opções com os bares e restaurantes noturnos. Normalmente são realizados projetos culturais que promovem shows e apresentações de artes. No encimar da tarde ou quando o sol se despede e saúda o despontar das estrelas, começam-se os preparativos para receber o público. Frequentemente as calçadas ou praças são invadidas por mesas e cadeiras dos restaurantes, bares ou casas noturnas. Não tarda a aparecer os primeiros clientes, e no mesmo compasso que avançam as horas, as ruas ou praças ficam “estreladas” de pessoas que permanecem até a madrugada. Muitas casas promovem apresentações de músicas ao vivo, que variam de estilo do rock ao samba... Passando pela música eletrônica... Uma forma talvez de atender e atrair uma diversidade maior de pessoas. Outras, no entanto, promovem apresentações artísticas... Dançarinos se ocupam de animar ainda mais a festa. Fazem apresentações de algum número e convida o cliente a permanecer por mais tempo e dançar. Aqui, o viajante pode se indagar: “_Qual o local narrado?” Então, pode até se confundir e não saber ao certo se o local descrito trata-se de uma cena vista na França ou no Brasil, pois as características são muito próximas. As animações nos Centros Históricos fazem parte da receita seguida nos dois países. Olhando as fotos a seguir pode-se observar a diferença na arquitetura dos prédios que circundam as praças fotografadas. Uma pessoa mais perspicaz perceberá os pormenores... Vestimentas das pessoas... A diferença do tipo de mesas ou cadeiras... Mas as cenas são parecidas... A situação pode-se dizer que é a mesma. 56 Figura 3: Praça Plumereau/ Tours-França, 2012. Figura 4: Praça Anthenor Navarro/ João Pessoa-Brasil, 2011. Fotos: Alzilene Ferreira. Com o intuito de manter um clima de animação e atração para os turistas ou frequentadores, inúmeros projetos são desenvolvidos pelo ou com apoio de instituições públicas. Um calendário vasto de eventos é anualmente projetado. De janeiro a dezembro desfila um menu de opções, a começar pelo réveillon e festas já consagradas. Nesse ponto também as duas realidades se misturam, isso porque as palavras: animação, festas, festivais, atração turísticas... São igualmente empregadas nas duas realidades: Brasil e França. Mas à medida que se pormenoriza a descrição pode-se compreender de que país se fala. Na cena brasileira, festas como o Natal, Carnaval, aniversário da cidade e festejos juninos... São comumente festejados nos Centros Históricos... Assim, palavras como Carnaval, São João… remetem-se ao contexto brasileiro. Não significa dizer, que na França o carnaval também não seja festejado, mas é uma tímida manifestação em relação a cena brasileira e a outras festas que resplandecem, como a “Fête de la Musique” (também ocorre em outras partes da cidade), Saint Patrick, a Festa Nacional – 14 de Juillet. Basta uma rápida visita nas páginas da Internet e um rol de atrações é ofertado pelas cidades. No Brasil as comemorações religiosas são consideradas mais pujantes que na França. Por exemplo, a festa de São João é celebrada na França mais não é algo popular no sentido de atrair multidões. A lista dilata-se com os incontáveis projetos e festivais que ocorrem em 57 diversas cidades brasileiras. Para citar alguns exemplos de eventos: festivais de cinema de Paraty, Tiradentes e Goiás, festivais de inverno de Ouro Preto e Mariana, festivais de gastronomia de Paraty e Tiradentes. Nesse particular, torna-se profícuo destacar o festival “Gastronomia e cultura da cidade de Goiás”. Com o tema “Onde a história tem sabor”, o evento revela a especificidade do engate patrimônio e turismo. Realizado em restaurante, praças e mercados da cidade da antiga capital do Estado de Goiás, o festival vem sendo desenvolvido com o propósito de alavancar o turismo regional. “Assim, além do cenário arquitetônico e natural, patrimônio da humanidade, a boa cozinha irá fortalecer o desenvolvimento do turismo na região do “Caminho do Ouro”, gerando empregos, renda.”42 Na França, no apagar das luzes do verão, quando as férias se despedem e os franceses retornam as atividades de trabalho ou escolares – la rentrée – ocorre um grande evento, qual seja: a Jornada Europeia do Patrimônio. Realizada sempre no terceiro final de semana de setembro, o evento atrai magotes de visitantes. Em 2012, teve como tema “‘Les patrimoines cachés’. Plus de 12 millions de visites, 16.175 sites ouverts, 20.000 animations, 50 pays en Europe, 20 millions de visiteurs, 30.000 monuments ouverts.”43 Já em 2013, a Jornada do Patrimônio comemorou o centenário da Lei de 1913, sobre os monumentos históricos e os trintas anos do evento, ou seja sua 30o edição. Assim, abrem-se as portas de distintos lugares para visitações, em geral, gratuitamente. Mesmo aqueles imóveis que são habitualmente fechados durante todo o ano para visitações, recebem o público nesses dois dias, como por exemplo, os locais de poder: “L’Elysée”, “Palais Présidentiel”, “le Sénat” e “l’Assemblée Nationale”. Famosos monumentos... Museus como o Louvre... Castelos famosos como o de Versailles... Ou ainda lugares menos conhecidos, talvez curiosos, como fábricas e grandes empresas como a SNCF – Société Nationale des Chemins 42 FESTIVAL de Gastronomia e Cultura da Cidade de Goiás: onde a história tem sabor. Disponível em: http://www.vilaboadegoias.com.br/noticias_locais/festival_gastronomico.htm. Acesso em: setembro 2011. 43 Os dados referentes a edição de 2012. Disponível em: http://www.journeesdupatrimoine.culture.fr/30e-edition/30-editions-30-affiches. Acesso em: out. 2013. 58 de Fer Français. Na cidade de Tours, partes inacessíveis ao público, como a torre da Catedral, podem ser vistas nesses dois dias... O público pode descobrir lugares surpreendentes como o prédio do Chambre du Commerce... Admirar a cidade do alto ao subir á “Tour Charlemagne”... São diversos cenários abertos para o consumo cultural. Outro grande evento que engloba uma diversidade de pessoas: produção, artistas e público é o Festival organizado pela Mairie de Tours, chamado “Rayon Frais”. Com enfoque na produção artística contemporânea, o Festival espalha-se pelas ruas, praças... Também salas, auditórios... Margem do Rio Loire – La Guinguette, esplanada do “Château de Tours”. Levando uma diversidade de espetáculos, músicas, teatro, dança e performances... Que fazem os espaços públicos da cidade ganhar uma nova dinâmica. As apresentações contam sempre com uma grande quantidade de pessoas. Realizado em pleno verão, o Festival apresenta espetáculos gratuitos, que contemplam também o grande número de turistas que visitam a cidade durante essa época. As ações ocorrem em diversos locais do Centro da Cidade – o que inclui o Centro Histórico. Vale lembrar que a arte é invocada sempre como imagem a ser plasmada sobre a cidade. Torna-se oportuno, nesse particular, salientar que frases como: “Capital das Artes” (cidade de Tours), “Capital da Cultura” (Cidade de Olinda), “Terceira cidade mais antiga do Brasil” (João Pessoa), “Terra da Alegria” (Salvador), “Capital do Vinho” (Bordeaux), “Capital da Gastronomia” (Lyon), “Cidade circuito dos inconfidentes” (Cidades Mineiras), “Caminho do Ouro” são alguns dos slogans que as cidades utilizam na corrida pela venda de suas imagens e consequente captura de nossos investimentos. Já que, “o que está à venda é um produto inédito: a própria cidade, que para tanto precisa adotar uma política agressiva de marketing.”44 No rastro do processo de afirmação das identidades locais, ensejadas em resposta ao imperativo de homogeneização cultural, amalgama-se as políticas 44 ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Cultura e transformação urbana. In.: PALLAMIN. Vera M. (Org.). Cidade e cultura: esfera pública e transformação urbana. São Paulo: Estação Liberdade, 2002, p. 59-60. 59 culturais e de turismo a estratégia que se apropriam dos marcos simbólicos das culturas locais. Desse modo, ensejados por essa candente tendência os elementos culturais – tradições, rituais religiosos, danças, canções, lendas etc. – são “reinventados” de modo a fornecer insumos que excitam o sentimento de pertencimento, tornando-os distintos no âmbito da homogeneidade da cultura. Seguindo essa mesma senda, os Centros Históricos se vestem ainda com o clima das festas que ganham lugar primordial nesse tablado. Uma constelação de festividades é incorporada ao calendário anual das cidades com forte apelo às tradições locais e são promovidas em prol do incremento da atividade turística. Assiste-se nesse horizonte o reavivamento de celebrações que foram esmaecidas com o tempo. Os festejos de São João, realizados em cidades como João Pessoa (Varadouro) e Salvador (no Pelourinho), ilustram esse sonante propósito. As festas são reinventadas com o fito de atrair turistas para o Centro Histórico das cidades. No caso de Salvador, promovido pela Secretaria de Cultura e pela Secretaria de Turismo do Estado, através do Programa Pelourinho Cultural, ataviam os largos, praças e casarões em um “verdadeiro arraial”, com decoração que pretende transformar a capital “em clima de festa do interior”. Dessa maneira o “Centro Histórico se veste para o tão esperado São João”45 e ganha ares de uma “cenografia”, uma “nova vitalidade inventada para turista [...] que se insere em uma estratégica de marketing genérica que visa construir uma nova imagem urbana.”46 Nos palcos montados em praças e largos ocorrem apresentações de cantores e bandas locais e do cenário nacional, além de apresentações de quadrilhas e montagem de barraquinhas que vendem comidas típicas juninas. Não somente os festejos de junho são “reinventados”, também fazem parte do painel do Programa Pelourinho Cultural as comemorações natalinas, e outras datas como dia das Mães e dos Pais com apresentações de shows musicais. O Dia 45 CENTRO Histórico se veste para o tão esperado São João. Pelourinho Cultural. Tô no Pelô. 9 de jun. 2011. Disponível em: http://www.pelourinho.ba.gov.br/2011/06/centro-historico-se-veste-para-o- tao-esperado-sao-joao.html. Acesso: junho de 2011. 46 JACQUES, Paola Berenstein. Préfacio. In.: JEUDY, Henri-Pierre. Espelho da cidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005, p 12. 60 das Crianças não passa em branco com uma vasta programação que insere música, peças teatrais infantis, concurso de desenho etc. Floresce, assim, a “cidade-festiva que se reinventa para o espetáculo e para o turismo. [...] Nasce a ‘festa-mercadoria’, que nega a invenção lúdica e vai transformando história, cultura e tradição em divertimento e lazer.”47 Figura 5: Show (2010); Figura 6: Festa de São João (2011). Ambas Largo Terreiro de Jesus – Centro Histórico de Salvador-Ba. Fotos: Alzilene Ferreira. O Pelourinho Cultural consiste em um Programa do Centro de Culturas Populares e Identitárias, órgão da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia – SecultBA, criado em 2007. Segundo informações do órgão no site na Internet, “a vida cultural do Pelourinho não para e diariamente traz atrações das mais diversas naturezas e expressões”. Desde 2007 já foram promovidas mais de 2 mil apresentações artísticas, eventos culturais e mobilização social, envolvendo cerca de 800 grupos artísticos locais, nacionais e internacionais.48 A tela exposta guarda uma singela pincelada do quadro que ainda falta a ser pintado e que resultará em uma paisagem mais completa do que vem ocorrendo 47 SERPA, Angelo. O espaço público na cidade contemporânea. São Paulo: Editora Contexto, 2007, p. 108. (Grifo conforme original). 48 PELOURINHO Cultural. Cultura BA. Salvador: Governo do Estado da Bahia; Secretaria de Cultura da Bahia. Disponível em: http://www.cultura.ba.gov.br/projeto/pelourinho-cultural/. Acesso: set. 2011. 61 nos Centros Históricos de modo geral. Torna-se conspícuo, no entanto, afirmar que a trama da problemática é assaz densa e complexa, e vem exigindo vigor de um número significativo dos estudos empíricos das Ciências Sociais e áreas que se debruçam sobre as questões urbanas. Ora, o caso do Pelourinho, é comumente tomado como emblemático, pode ser representativo do que vem acontecendo em maior ou menor grau em outros Centros Históricos brasileiros. Sendo registro frequente nas pesquisas acadêmicas seja como um dos marcos das políticas de revitalização e gentrificação ou exposto pelo menos como modelo a não ser seguido. Um cenário montado para promover a distração dos turistas. Diariamente as cidades, especialmente, as chamadas ‘históricas’, convivem com a pletora de visitantes, que caminham por ruas calçadas em pedra... Um observador que viaja por vários Centros Históricos, pode perscrutar cenas muito parecidas – apesar de cada lugar guardar e revelar suas singularidades. Admirável o lampejo com que os grupos ou pessoas entram e saem dos museus, igrejas. Escutam as torrentes exposições e concomitantemente tiram fotografias. E tratando-se de grupos guiados quanto maior o conjunto avoluma-se a intensidade da voz do guia que precisa esforçar-se ainda mais para manter o grupo unido e concentrado. Isso porque é comum alguém se desgarrar e sair tirando fotografias ou retardando de juntar-se ao grupo. A preocupação em registrar imageticamente o ambiente e a presença no lugar, em várias circunstâncias, parece ser mais forte do que a história contada pelo orador. Sem falar que o bulício se acentua com os comentários feitos sobre as edificações, especialmente quando ocorreu algum fato curioso ou/e marcante revelado pelo guia, ou simplesmente por pura distração em perceber algo não pertencente à narrativa. Concentração e dispersão par oponente, mas perceptível nessa composição quase teatral. E quanto mais turística a cidade, mais amiudado é essa situação. As pessoas percorrem as veredas, “desvendando” os lugares dessa “quase cidade a parte”. Ora, caminhando pelas ruas, geralmente, de traçado estreito e tortuoso, que marcam normalmente as cidades antigas (tanto as cidades coloniais 62 brasileiras, como os centros históricos de origem medieval na França) em um mergulho, por vezes, lacônicas, o viajante se deslumbra com o casario, com os monumentos pertencentes aos tempos remotos, “expressão da suma de nossa cultura artística, aquilo de que mais nos orgulhamos de ter feito, o sulco maior deixado no tempo pela nossa sensibilidade e nosso espírito.”49 E no presente tornam-se símbolo de um passado que precisa permanecer vivo. O que não é incomum são esses lugares não fazerem parte da história de vida dos seus próprios moradores, no sentido de que muitos desses aspectos são ou foram desconhecidos ou completamente ignorados por uma boa parte dos habitantes da cidade. Até mesmo para aqueles que transitam pelo Centro Histórico, em muitos casos, não foram criados liames que prendem o citadino a esse espaço. O desabrochar dos anos foi tornando-o anônimo, um cenário urbano desconhecido, à medida que a cidade foi se dilatando e se modernizando. Lugar que foi paulatinamente sendo abandonado e esquecido... Como o que vem ocorrendo com a cidade de João Pessoa ou o que ocorreu outrora em Tours, na França. O olhar dos habitantes deixou de pairar sobre seu antigo bairro, não mais o ato de deambular pelas ruas que outrora se identificava. O feito de se entregar, ver, perceber e sentir, essa parte da cidade, ao esmaecer-se promoveu um estado talvez de cegueira parcial diante da realidade que o circunda. O desfalecer das relações com esse espaço, que se estabelece a partir dos usos e interações cotidianas, promovem o sentimento de estranhamento com o bairro antigo – que amiúde tornaram-se áreas degradadas, escopo das políticas de revitalização. Se por um lado, os Centros Históricos, são admirados, valorizados, buscados, visitados, reconhecidos, fotografados. Por outro, em determinadas cidades, são tão abandonados, decadentes, empobrecidos, desconhecidos, esquecidos, degradados, estigmatizados. Mas na conjuntura atual em “que tudo se negocia, de imagem a outros itens menos simbólicos” [não é de se admirar que] “o seu cenário de 49 SANTOS, Paulo Ferreira. Formação de cidades no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 2001, p. 18. 63 origem vem a ser o do movimento de volta à cidade, no mais das vezes dando origem aos conhecidos processos de gentrification (ou “revitalização urbana”), em grande parte desencadeados pelo reencontro glamouroso entre Cultura (urbana ou não) e Capital.”50 Diante desse sumarizado panorama não é fortuito que rutile o pensamento que esclareça os meandros desse processo. Embora a complexidade da temática torne não factível de apresentar tamanha resposta, mas de todo modo alimenta a reflexão e questionamento sobre o significado desse lugar para as pessoas e as funções atuais desses núcleos urbanos antigos. O que é um Centro Histórico? Imbuído dessa indagação inicial buscou-se encontrar uma cidade, que fosse ilustrativa dos processos que vem ocorrendo nos núcleos históricos brasileiros. Logo, na propensão de estudar essa temática, requer descortinar o que veio a ser a semente que fez germinar esse trabalho. Uma breve apresentação se faz necessária e as linhas que se seguem, no próximo item, tem-se o intuito de traça os desdobramentos da pesquisa. 1.2. Viagens em busca de um Centro Histórico: de Diamantina a João Pessoa Pode-se comparar o processo de formação do trabalho como grandes viagens, tanto no sentido literal da palavra como no sentido figurado. Seria uma metáfora do próprio processo de conhecimento, que faz adentrar veredas não antes percorridas, e mesmo aquelas já caminhadas, maravilhar-se com a infinita possibilidade de reflexão dos distintos modos de perceber uma mesma realidade. Amiúde nos passeios depara-se com o desconhecido, e nesse enredo se admirar, se surpreender, se questionar, mudar o modo de olhar e compreender a realidade de 50 ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas. In.: ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 14-15. 64 modo desigual do que percebia-se antes. Um rico processo de formação, cada leitura vai dando a mão a outra e se entrelaçando, formando outras questões. Mesmo tratando-se de viagens reais cada uma é como a leitura de um livro, um fecundo aprendizado se si mesmo e do outro. E nesse percurso observar as peculiaridades pertencentes a cada grupo. Mergulhando no novo e ao mesmo tempo se impregnando, mesmo sem sentir, do modo de ser do lugar. Nesse movimento não apenas ser tocado, mas também tocar. Interessante sentir como cada lugar tem algo diferente que acende a admiração. Em algumas cidades o primeiro contato pode ser de estranhamento, e precisa-se de tempo para que a mente comece a assimilar a constelação de símbolos e novas informações. Outras, no entanto, parecem tão familiares e afins que tocam de modo especial e nesse contato tem-se a impressão de já fazer “parte”. Indubitavelmente nos lugares em que acontece o acolhimento, promovem uma sensação de bem-estar que facilita o processo de identificação, aproximação e interação das formas costumeiras de ser do outro. Nesse movimento, o ato de escutar é como um alimento para as reflexões. Outros verbos se abraçam a essa prática, observar e anotar. Em determinados momentos o gesto, a reação diante de uma pergunta ou quando narra-se um fato, o movimento do corpo, as mãos, o olhar são mais significativos que as falas, porque fornecem chaves que por vezes não se revelam na comunicação oral. Nessa trilha a sensibilidade e intuição são bússolas de inquestionável valor, e fazem perceber as coisas com outras perspectivas. Toma-se como referência a palavra viagem porque essa ação faz parte da própria tecedura do trabalho – viagem, primeiro, por várias cidades brasileiras e em um segundo momento a viagem ao Velho Continente. Os contornos iniciais do trabalho ocorreram com a realização de pesquisa bibliográfica para a realização do projeto que seria avaliado para o processo de passagem da seleção interna do Mestrado para o Doutorado. A essa altura a cidade de Salvador desponta como alternativa imediata para a feitura do trabalho de investigação, uma vez que, a pesquisa empírica do Mestrado ocorreu na Praça Tomé de Sousa – situada no Centro Histórico da capital baiana. A vista disso, tornou-se 65 imperioso uma volta à cidade, pois a pesquisa do Doutorado ganhou outro enfoque. E voltar a Salvador ofertaria a oportunidade de observar com outros olhos a paisagem que foi de certo modo focado para um recorte especifico no Mestrado, bem como a possibilidade de coletar material bibliográfico para o novo objeto que se desenhava. Nesse sentido, foram realizadas pesquisas, como já foi explicitado, nas Bibliotecas da UFBA e outras instituições. Nessa fase de preparação do projeto foram realizadas, ainda, pesquisas nas Bibliotecas da UFRN e da UFPE, bem como busca pelas grandes livrarias… Ato envolvente de olhar, selecionar os livros que enfocam o tema, ler, comprar e ter o contentamento de encontrar autores com os quais pode-se dialogar. Para o desenvolvimento do trabalho empírico abraçou-se o método indutivo, isso porque a cidade a ser pesquisada na França apresentava características desconhecidas e não seria possível eleger inicialmente quais os sujeitos a serem privilegiados no trabalho empírico – o mesmo ocorreu posteriormente com relação à cidade brasileira com as mudanças de campo. A escolha do método, desse modo, ajudaria no processo de desmembramento da investigação em um país e cidade muito distinta da realidade brasileira e desconhecida da doutoranda. O ponto de partida para lobrigar que sujeitos seriam partícipes do trabalho, se efetivaria com a aplicação de entrevistas exploratórias. Pois adentra-se nos campos de investigações onde não se guarda um conhecimento precedente aprofundado. Ademais, as entrevistas ajudam “a romper com as prenoções que informam nosso saber a respeito do referido campo.” Então, nesse particular, a entrevista exploratória consiste uma técnica valiosa “para uma grande variedade de trabalhos de investigação social (...) ela possibilita a descoberta dos contatos humanos mais ricos para o investigador.”51 O fito da entrevista consistia em coletar informação sobre o que seria o Centro Histórico na opinião das pessoas e qual o interesse delas nessa área da 51 AS ENTREVISTAS Exploratórias. Disponível em: http://pt.shvoong.com/humanities/482839- entrevistas-explorat%C3%B3rias/#ixzz1aoJQBOiU. Acesso em: mar. 2010. 66 cidade.52 A proposta foi então realizar as entrevistas em diferentes bairros e espaços sociais. Acordado essa escolha dos sujeitos ulteriormente ao projeto de investigação, a medida que iniciou-se as pesquisas bibliográficas, deu-se início a coleta de algumas entrevistas, que foram realizadas a princípio em Salvador. Mas os contornos iniciais desse projeto ganharam outros esboços, no que se refere a cidade a ser pesquisada no Brasil. Duas cidades, Diamantina, no Estado de Minas Gerais, e Paraty no Estado do Rio de Janeiro, são apontadas para serem visitadas e desse primeiro contato realizar a escolha de um Centro Histórico. Tão logo foi concluído o primeiro semestre do curso e realizada as atividades de escrita do artigo para a disciplina estudada, realizou-se a viagem para o Sudeste do Brasil. A primeira cidade visitada não foi nenhuma das já mencionadas para escolha do Centro Histórico. O início dessa grande viagem foi a cidade de Campinas, localizada no interior do Estado de São Paulo, mais precisamente a Universidade de Campinas – UNICAMP – e algumas das suas bibliotecas. Por ter-se conhecimento do grande leque de possibilidades de acesso a livros e periódicos ofertados pela Universidade, leva-se, então a considerar que a escolha não foi fortuita. Em seguida, deu-se continuidade ao trabalho de coleta de material bibliográfico, na cidade de São Paulo, na Universidade de São Paulo – USP. Cumprida essa parte do trabalho seguiu-se viagem para conhecer a cidade de Diamantina, interior de Minas Gerais. O acesso a Diamantina é um pouco difícil, pois era preciso viajar até Belo Horizonte e depois embarcar em outro ônibus até a cidade – um total de mais ou menos 14 horas de viagem. 52 Para a realização das entrevistas exploratórias não foram estipulados um número limite. Seguiria ao processo de ‘dar voz’ ao campo. Então, nesse sentido, à medida que fosse aparecendo respostas semelhantes seriam agrupadas, em uma variação até o momento que se percebesse que as respostas se repetem. O contato da pesquisadora com o campo deu o limite do número de entrevistas. 67 Em Diamantina – Minas Gerais “- Ah, o Centro Histórico?! Para mim é tudo! Tudo mesmo... É a nossa cidade. Lá tem tudo, as lojas, bancos, a igreja, os barzinhos. Eu amo o Centro, você desce a ladeira e encontra o que precisa. Lá todas as coisas estão muito perto, então não preciso andar muito para encontrar... Eu queria muito morar no Centro, e o bom que toda vez que vou encontro pessoas conhecidas, ai a gente conversa... As festas acontecem no Centro. No carnaval é bom demais! Muita gente na cidade, eu vou todo dia... encontro os amigos, bom demais para se divertir! Ainda mais aqui em Diamantina que é uma cidade de Universitários, então o Centro é o lugar.” (Estudante e moradora, Diamantina – Minas Gerais – 2010). Caminhando pelas ruas de Diamantina sentia-se a atmosfera de “cidade do interior”, no sentido de que percebia-se algo que não se assistia há muito tempo e fazia parte das lembranças de infância. As pessoas nas ruas se cumprimentavam e paravam para conversar. Nos estabelecimentos comerciais quando chegava alguém, era visível a forma familiar como se tratavam. Foi uma grande surpresa observar, em uma agência bancária, o funcionário chamar as pessoas da fila, não através de letreiro luminoso, mas gentilmente pelo nome. Com várias pessoas a conversa continuava com o cliente perguntando por alguém e que pelo que parecia tratava-se de alguém talvez da família ou amigo comum, ou ainda comentando de outros assuntos. Com o cliente desconhecido escutava-se: “senhor (a), por favor, sua vez” e em seguida: “boa tarde! Como vai, tudo bem?”. As despedidas ocorriam no mesmo clima. A roupa formal, comum nesses ambientes, contrastava com o modo como as pessoas eram tratadas. Em Diamantina, deu-se prosseguimento ao levantamento bibliográfico, nesse sentido foram feitas consultas nas bibliotecas dos dois Campi da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM – Campus I (localizado no Centro) e Campus JK (distante da cidade e de difícil acesso, pois localiza-se na rodovia e o transporte na época estava suspenso). Seguiu-se com a coleta de títulos que envolvia o tema geral da pesquisa e também sobre a cidade. A consulta a biblioteca foi outra adorável surpresa. A disponibilidade em auxiliar revelou algo muito raro pautado unicamente na relação de confiança – todos os títulos solicitados foram disponibilizados, sem a exigência de documentação. 68 Voltando a observação do campo e andando pela cidade à noite, percebe- se que o movimento é grande de pessoas nos bares. Desde o entardecer ladeiras são estreladas com cadeiras e mesas de bares, pastelaria, restaurantes. A cena comum e ainda emoldurada com os prédios coloniais faz sentir o clima muito parecido com outras cidades que possuem o mesmo estilo arquitetônico. Figuras 7 e 8: Bares à noite, Centro Histórico de Diamantina-MG. Fotos: Alzilene Ferreira, 2010. O período da viagem foi próximo dos festejos carnavalesco. Com o passar dos dias pode-se observar que aos poucos a cidade ganhava outros ares, um movimento que seria atípico, como bem salientava alguns moradores. Percebia-se a alteração no “ritmo” da cidade, que era observável pelo aumento da quantidade de carro, além dos ônibus de viagem estacionados. “- Diamantina é uma cidade ainda de costumes provincianos, mas aqui é muito bom, porque a cidade tem um ritmo muito seu... tranquilo, não nos contaminamos com essa coisa da velocidade. É tanto que os carros aqui não têm pressa param para você, esperam você passar, se você escutar algum motorista buzinando é sinal de que é visitante, você pode ter certeza viu buzinar pode saber que a pessoa não é daqui. Se tiver alguma coisa para fazer e o sol tiver quente, não tem problema a pessoa que nos espera entende que vamos chegar atrasados, não tem esse tempo do relógio. Se marcar um horário e o sol tiver quente, a gente só vai para o encontro depois. Mas quem é de fora não entende isso, e fica nervoso com os atrasos... Ai eu brinco e falo que a pessoa precisa se acostumar senão vai sofrer muito. Como eu disse o nosso ritmo é outro. É também uma cidade muito religiosa, você precisa ver a Semana Santa é uma festa belíssima! É uma beleza! Tá vendo essa cortina (se refere a uma cortina 69 feita de fibra com flores coloridas) não é cortina foi um tapete confeccionado para a festa, ficou tão bonito que coloquei para decorar... Tá vendo a pessoa nem percebe que não é uma cortina, e ficou diferente. Porque estou lhe dizendo essas coisas? Para lhe mostrar que aqui ainda guarda essas tradições... As pessoas se unem para fazer a festa... Aquele centro fica, menina, de um jeito, você vai ver, precisa passar uma Semana Santa aqui. Damos valor as tradições, aqui é tombado e sabemos que precisa cuidar... Você vai gostar de morar aqui as pessoas são amigas... Diamantina ainda guarda essas coisas boas. Uai, mas no carnaval, no carnaval... Diamantina vira terra de ninguém, se transforma. Aquele Centro fica irreconhecível... Diamantina vira terra de sem dono... Porque é muita gente de fora.” (Moradora, Diamantina – Minas Gerais-MG, 2010). E aos poucos as ruas tortuosas com suas múltiplas ladeiras muito íngremes vestiam-se de festa. Um movimento grande nas lojas e rodoviária. Também de pessoas retirando de suas casas móveis e objetos, pois torna-se uma prática cada vez mais recorrente os moradores saírem de suas habitações, e alugarem nos períodos de grande chegada de turistas. Ruas do centro interditadas. Antes mesmo da abertura oficial da festa as pessoas já se agrupavam nas ruas, colocavam caixas de som em frente às casas. Nos dias de carnaval observa-se na rodoviária dois movimentos: chegada de turistas, em sua maioria jovens e a saída de moradores para cidades vizinhas. Nas caminhadas e conversas escutou-se muito as pessoas perguntarem umas as outras se tinham alugado as casas, qual a cidade que passaria os dias festivos... Os dias de carnaval os desfiles de blocos enchem de colorido as íngremes e serpenteadas ruas do Centro. Mas de modo geral o carnaval espelha a festa realizada em Salvador, mesmo estilo de música e dança. 70 Figuras 9 e 10: Carnaval nas ruas de Diamantina-MG. Fotos: Alzilene Ferreira, 2010. Durante o período na cidade e com as conversas informais com os moradores, foi possível perceber o quanto o centro é significativo para a cidade. Local que guarda diversas funções e usos. Inclusive a função residencial, ainda muito valorizada pelos diamantinenses – local de morada de grupos mais abastados. Ainda o espaço por excelência das celebrações religiosas, festividades, do encontro e sociabilidade. Paraty – Rio de Janeiro “– O Centro Histórico daqui tem mais lojas, casas têm poucas. Ah, é coisa de gente rica, é muito caro morar aqui... Tem os gringos, pessoal com dinheiro. Centro Histórico? Ah, sei falar direito o que é não... São essas casas antigas, né? Casas do passado... Não sei muito não, só sei que os gringos gostam, acho que é coisa de gente que gosta de cultura, é isso ai. Têm muito shows aqui, no carnaval e o pessoal gosta e vem muito. Desculpa em não poder responder direito a pergunta da senhora. Acho que Centro Histórico tem as coisas do passado e todo mundo precisa cuidar.” (Morador – Paraty, 2010). A antiga Vila de Nossa Senhora dos Remédios de Paraty começou a ser aventada com descoberta do ouro em Minas Gerais. Uma nova dinâmica é orquestrada com a saída e entrada de mercadorias e escoamento do ouro através do porto da vila, de onde seguia viagem rumo as terras mineiras pelo famoso Caminho do Ouro. Mas com a proibição do transporte pela via de acesso a Paraty, e abertura do Caminho Novo, ligando o Rio de Janeiro às Minas, o movimento na vila sofreu forte impacto. Posteriormente, Paraty passa por um longuíssimo período de esquecimento 71 e isolamento. A contrapartida foi à conservação da beleza dos casarões e ruelas do período colonial. Além da bela arquitetura a exuberância da vegetação e da baía de águas azuis. Paraíso redescoberto na segunda metade do século passado, com a reabertura da via de acesso ao estado de São Paulo. A partir desse momento abrem- se as portas para o turismo que se intensifica com a abertura da estrada Rio-Santos. Em 1958, seu conjunto histórico foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Situada na Baía de Ilha Grande – dividida em duas partes: Baía de Paraty e Baía de Angra dos Reis – estrelada por ilhas, a cidade revela uma paisagem natural belíssima, que vai se desnudando à medida que caminha-se pela cidade, avista as casas, o rio e o mar. Decorrido mais de 20 horas de viagem chega-se a Paraty, após as festividades do Carnaval, e mesmo assim encontra-se a pequena rodoviária da cidade estrelada de turistas. Uma concentração grande de “mochileiros”. Chovia bastante e o período de espera na rodoviária foi possível perceber, mesmo que de modo insipiente, o perfil um pouco diferenciado dos visitantes em Diamantina. Na rodoviária havia muitos turistas estrangeiros, de modo geral, jovens. Observação que permaneceu durante a estadia na cidade e no próprio local de hospedagem. Seguindo a indicação em poucos minutos chegou-se ao local desejado. A decoração do carnaval ainda enfeitava as ruas. A cada passo dado deparava-se com restaurantes, agências de turismo, pousadas, alguns museus, lojas que vendem artesanato e outros produtos... Como um “shopping” a céu aberto. De imediato começou-se as caminhadas observando o local. Pergunta-se a um morador onde era o Centro Histórico e ele orienta de imediato, com a voz alegre, que andasse na mesma direção até encontrar uma corrente de ferro lá estava à entrada do Centro Histórico… Depois acrescenta que “lá tem muitas lojas, restaurantes e se quiser fazer passeios é fácil achar.” Além do Centro Histórico, Paraty apresenta outros símbolos que são exibidos como forma de atrair mais visitantes. Sendo comum a referência a antiga função da vila no Período Colonial, por fazer parte das cidades do Ciclo do Ouro, 72 slogan tão explorado para turismo. As cachoeiras, os passeios marítimos, de jeep, de bicicletas... Os mergulhos... Festivais gastronômicos, Festa Literária Internacional e outras realizações que avolumam a lista. Os passeios aos alambiques de cachaça, ao Quilombo do Campinho e a Vila Caiçara são tomados como emblemas, os novos tesouros que asseguram a cidade o ranking dos lugares mais visitados do país. Fluminenses, paulistas, mineiros... Franceses, alemães, argentinos, americanos, ingleses, italianos... Circulam diariamente pelas ruelas de pedras, alagadas nos dias de maré alta... No cenário recheados de lojas... Figura 11: Rua do Centro Histórico de Paraty-RJ. Foto: Alzilene Ferreira, 2010. E a cidade ainda não tinha “descansado” dos festejos carnavalescos já se avistava cartazes com programação de festas. A mais próxima seria o aniversário da cidade. A agenda anunciava programação de shows e outros atrativos nas praças da cidade. O tempo de permanência na cidade foi bem menor, porque já se aproximava o início do semestre letivo na universidade e precisava-se, portanto retornar. Entre as duas cidades pensadas como possibilidades de pesquisa, nessa 73 primeira visita, decidiu-se pela cidade de Diamantina, visto que Paraty para os contornos da pesquisa torna-se inviável pela quantidade grande de turista e em Diamantina podia-se ter mais contato de fato com a população residente. De volta a Minas Gerais: São João del-Rei “– Centro Histórico? É... É o local onde foi habitado, bastante antigo. Tem estrutura antiga, Igrejas feitas por escravos. Cidades Históricas quase sempre vai tá em uma cidade histórica. Ele conta a história da região... Que mais que eu posso falar? Tem estrutura construída na época do Barroco, feita por escravos. Cidades Históricas são aquelas feitas no período colonial. Hoje, o Centro é o lugar mais acessível para quem tem mais condições sociais, mas em São João del-Rei, existe ainda casas habitadas por pessoas de baixa renda. Tá perto de tudo por isso que elas preferem morar no Centro.” (Estudante do Curso de Zootecnia/ UFSJ, São João del-Rei, Minas Gerais, 2010). “ – É a história da cidade. Um local misturado [onde tem muitas pessoas], onde tem mais dinheiro, acesso a tudo, segurança, comércio bom. Mas as taxas são mais caras. Pra mim é o lugar que mora os mais ricos. Onde eu moro tem muita violência, precisa de ver... Aqui [no centro histórico] não é tudo bom.” (“Dona de casa”, moradora do Alto das Mercês, São João del-Rei, Minas Gerais, 2010). Depois de alguns meses, segundo semestre de 2010, volta-se ao Estado de Minas Gerais, dessa vez a cidade de São João del-Rei, que é então sugerida como possibilidade de realização da pesquisa. Como São João del-Rei é abordada no capítulo V – exemplo de cidade histórica abandonada – faz-se uma breve apresentação. Nessa ocasião, por um tempo bem maior visitou-se a cidade mineira. Três caminhos são mais indicados para chegar-se a cidade saindo da Região Nordeste, uma primeira opção seria viajar até a capital do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, depois seguir viagem de ônibus até São João del-Rei. Pode-se ainda seguir o mesmo procedimento, mas tendo como opções de desembarque as cidades de São Paulo ou Rio de Janeiro. Pensando nos encaminhamentos da pesquisa, como já havia sido recolhido a bibliografia sobre o tema nas bibliotecas da UNICAMP e da USP-SP, escolheu-se nesse momento viajar até ao Rio de Janeiro e ficar na capital, por alguns dias, antes de partir para São João del-Rei. O objetivo em permanecer na cidade era justamente para continuar com o trabalho de coleta de material bibliográfico. Desse 74 modo, realizou-se pesquisa nas Bibliotecas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Museu Nacional (Pós-Graduação em Antropologia) e na Biblioteca Nacional – lugares que possuem acervos riquíssimos e que muito favoreceram ao processo de coleta bibliográfica. Localizada na região do Campo das Vertentes, São João del-Rei, também é chamada de “Cidade Universitária, “Cidade do encontro, entre antigo e o Moderno”, “Cidade onde os sinos falam”. Outros emblemas são somados como “Capital Brasileira da Cultura” e “Cidade do Circuito dos Inconfidentes”. Frases que são divulgadas com o propósito de conquistar mais visitantes. Nesse tocante, a imagem de cidade patrimônio e cidade moderna sinaliza sintonia com a corrente contemporânea voltada para as políticas culturais e do turismo, uma estratégia que vale-se dos elementos simbólicos da cultura local. Detentora de um relevante conjunto de bens preservados, que são transformados em propaganda para atrair turistas. A música e os aspectos religiosos de São João del-Rei são bem ilustrativos a esse respeito, pois são transformados em eventos que tornam-se atrativos durante o ano inteiro. A agenda diversificada prevê realização de festas sacras e profanas. São notáveis nesse sentido os festejos realizados durante a Semana Santa – além de outras festividades religiosas que prosseguem por todo o ano – Inverno Cultural, shows, Carnaval, Encontros gastronômicos etc. Seguindo os mesmos passos com relação à pesquisa, desenvolveu-se os mesmos procedimentos, primeiro o levantamento bibliográfico nas Bibliotecas dos Campus da Universidade Federal de São João del-Rei. Em concomitância efetivou-se as observações e realização de algumas entrevistas preliminares. Algo surpreende ao percorrer as ruas de São João del-Rei, os postes ganham outra serventia, e são vestidos pelo inusitado informativo. Os toques dos sinos também consistem em uma forma de informar. Uma linguagem peculiar que transmitem uma mensagem de acordo com o repique, dobre ou toques. Na cidade é denominado Centro Histórico o núcleo urbano principal, “a parte que corresponde ao miolo inicial”. O córrego do Lenheiro trata-se de um referencial importante para o ordenamento da cidade, uma vez que atualmente o 75 córrego divide o Centro Histórico em duas partes distintas no que se refere aos usos. Durante as caminhadas pelo centro histórico percebe-se a variedade grande de casas comerciais, que surpreende para uma cidade que conta com apenas 85 mil habitantes. Um comércio muito ativo que atende também as cidades vizinhas, a exemplo de Tiradentes. Outro aspecto destacável é que a cidade ainda não vivenciou de modo marcante o turismo, nesse sentido a maioria dos imóveis da parte mais antiga da cidade a predominância é de casas residenciais. A presença religiosa, como toda cidade de origem colonial, é marcante. Por isso, diversas igrejas ornam as ruas estreitas da cidade. Além do comércio e residências, o centro histórico é marcado por uma pluralidade de usos, como o institucional e serviços. Outra característica observável é a presença de jovens no centro histórico principalmente nos finais de semana. Em Aracaju – Sergipe Uma nova viagem se desenha com a indicação de outra cidade para realização do trabalho. Desta vez a urbe possui alguns traços bem distintos dos apresentados até o momento. As cidades percorridas têm como características as singularidades do Período Colonial que marcou indubitavelmente o processo de formação e evolução das cidades. Cidade planejada, Aracaju, foi fundada, em 1855, especialmente para ser a nova capital da província. As ruas retas seguem o modelo de tabuleiro de xadrez, bem distante do traçado das ruas tortuosas das cidades já narradas. Anteriormente a capital era a cidade de São Cristóvão, e por motivos econômicos ocorreu a transferência para a nova sede – pois fazia-se mister que a capital tivesse um porto para escoamento da produção. O alto da colina de Santo Antônio é atribuído como núcleo original da cidade. No entanto seu centro do poder político-administrativo se efetiva em outra área da urbe, logo, foi a partir da Praça Fausto Cardoso que a cidade começa seu processo de crescimento. Outro aspecto que a difere das cidades aludidas, uma vez que, os núcleos originais, comumente, são considerados como sendo os centros históricos 76 das cidades. Não é por acaso que os moradores das cidades anteriormente visitadas, sempre se reportavam ao centro histórico como sendo o lugar onde a cidade nasceu. Na época em que foi construída, a praça, reunia praticamente todos os serviços públicos da Província: o palácio, algumas repartições e a Assembléia Provincial. Ainda hoje a praça abriga importantes instituições, como: o Tribunal de Justiça de Sergipe, a Assembléia Legislativa e Ministério Público Estadual.53 No contexto atual, a propagada e a onda de revitalizações de áreas centrais como forma de atrair turistas e novos investimentos afetaram igualmente a capital sergipana. Nesse tocante, medidas pontuais foram engendradas com essa finalidade – reformas orquestradas com esse objetivo. Assim, o centro da cidade passa ser então redesenhado no sentido de promover uma imagem positiva da urbe, já que essa área, como exemplo de muitas cidades brasileiras, encontrava-se no processo de empobrecimento e degradação. As reformas nos Mercados Antônio Franco e Thales Ferras tiveram como escopo inserir a cidade de Aracaju na rota do turismo do Nordeste.54 Restaurados, os antigos Mercados Antônio Franco e Thales Ferraz passaram a abrigar somente o comércio de artesanato, comidas e produtos tipicamente nordestinos, assim como bares e restaurantes requintados, numa clara alusão ao público que a partir de então deveria ocupá-los. Desse modo, o que se processou foi, na realidade, a permanência de produtos e práticas que pudessem interessar ao deguste turístico, sendo que a comercialização de produtos de outras naturezas foi deslocada para o novo Mercado Albano Franco.55 E tendo como referência essa área da cidade que começa-se as 53 ANDRADE, Adailton dos Santos. Praça Fausto Cardoso e suas histórias: na memória de Murilo Melins. Fontes da História de Sergipe – Sociedade e cultura sergipana. [S.l.], dez., 2009, s.p. Disponível em: http://fontesdahistoriadesergipe.blogspot.com.br/2009/12/praca-fausto-cardoso-e- suas-historias.html. Acesso em: mar. 2011. 54 Sobre esse aspecto ver: LIMA, Elaine Ferreira. Enobrecimento urbano e centralidades: a (re)invenção do centro histórico de Aracaju. (Dissertação). São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe/UFS, 2009. 55 LIMA, Elaine Ferreira. Etnografias do cotidiano: “revitalização” e (re)invenção do centro histórico de Aracaju. In.: CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 14, 2009, Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Sociologia, 2009, p. 10. Disponível em: www.sbsociologia.com.br/portal/index.php?option=com. Acesso: mar. 2011. 77 observações da nova realidade que se descortina depois dessas diversas caminhadas por outros centros históricos de cidades e estados. Primeiramente foi realizada uma visita exploratória. Mas a partir do começo ano de 2011 passou-se a residir na cidade para realização da pesquisa empírica. Dando continuidade à atividade de coleta de dados e referência bibliográfica, buscou-se essas fontes nas Bibliotecas da Universidade Federal de Sergipe – UFS e Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico. Seguiu-se igualmente com as entrevistas exploratórias, buscando compreender o entendimento que a população tinha acerca do centro histórico da cidade. Como o tempo de permanência na capital foi maior do que nas outras cidades visitadas, conseguiu-se coletar um número maior de entrevistas. Vale a pena apresentar um breve resumo dessa etapa. As entrevistas ocorreram em vários espaços sociais da cidade e em diferentes bairros. Nesse percurso algo chamou a atenção, já na primeira entrevista realizada no centro histórico de Aracaju, segue a transcrição do trecho abaixo: [O que é o centro histórico de Aracaju para a senhora?]. Centro histórico?! Ah, [silêncio longo e volto a perguntar] Centro histórico? Não sei o que é não, mas eu acho que é as coisas antigas, os prédios antigos, né. Mas eu não posso responder direito para a senhora não, porque eu não conheço o centro histórico. Eu não sou daqui. [Pergunto qual a cidade de origem e quanto tempo mora em Aracaju]. Eu vim pra cá faz 10 anos... perai 10, não, 12 anos. Vim de Estância... Já tem esse tempo que moro aqui, mas pra senhora ver sempre trabalhando, eu moro aqui faz 12 anos e nunca fui ao centro histórico, tenho muita vontade de conhecer, tenho amigos que já foram pra São Cristóvão. Eles falaram que é bom lá... É tão pertinho todo mundo diz que lá tem os prédios velhos, vejo sempre o ônibus passando, mas ainda não fui lá. [Pergunto novamente sobre o centro histórico de Aracaju e a entrevistada responde surpresa] Aqui? Aqui, não sei não, aqui tem o centro. [Então, pergunto para ela onde era o centro histórico de Aracaju]. O daqui? Sei não... Deve ser lá na Catedral, por ali. Não sei responder direito não sobre centro histórico, como falei esse tempo todo morando aqui, mas nunca fui lá em São Cristóvão. (Comerciante, Aracaju, 2011). A entrevista chamou a atenção, no sentido de que a pessoa entrevistada sempre trabalhou, por mais de 10 anos, na área que é denominada como centro histórico de Aracaju, mas sua compreensão se remetia a realidade da cidade vizinha de origem colonial, São Cristóvão. Para ela a área costumeira em Aracaju seria o centro da cidade. E mesmo perguntando sobre o centro histórico de Aracaju, a 78 entrevistada não desvinculou-se da imagem que possuía dos prédios antigos, da cidade que ela ainda não conhece, mas tinha a referência de outras pessoas que visitaram. Outras respostas ocorreram nesse sentido de referendar a antiga capital do estado como detentora de um centro histórico. Um número grande de respostas desliza no sentido de associar a imagem do centro histórico como o lugar de realização dos eventos. O trecho de uma entrevista abaixo é bastante ilustrativo. Centro Histórico, agora você me pegou... Moça você me pegou... Centro Histórico? Pra mim? [Momento de silêncio] Que pergunta difícil... Olha pra mim é o local dos shows, dos eventos, vende aqueles negócios lá, mulher é que gosta... As coisinhas de artesanato, as comidas. O lugar é bom demais! Você ir assim a tardezinha com os amigos, tomar uma cervejinha, sabe como é que é?! Assim, no sábado ou domingo um forrozinho... Hoje mesmo teve show lá, tava cheio de gente... O centro histórico para mim é o lugar da alegria, da curtição. Hoje mesmo o pessoal lá escutando aquele som... Já estive no Centro Histórico de Salvador... Bom demais! Só que, aqui, em Aracaju, o Centro Histórico é na praia. O centro histórico é em Atalaia! (Morador, Aracaju, 2011). Os entrevistados mais jovens, quando conheciam o lugar, comumente diziam ter ido ao local por causa de alguma visita realizada como atividade da escola ou ainda por causa dos pais que narravam como era o centro no passado. Encontrou- se ainda respostas que remetiam a compreensão do centro histórico como o local importante da cidade porque atrai os turistas e renda para cidade, sendo assim, visto como mero local de visita. Logo, algumas palavras foram ditas com mais frequência para definir o que seria o centro histórico: lugar do artesanato, onde se encontra as comidas típicas do Nordeste e da cidade, o museu para visitação, local para realização de shows e o lugar que deveria ser preservado por causa do turismo. A maior parte dos entrevistados declarou não tem vontade de morar no Centro Histórico, mesmo com todas as facilidades de serviços e comércio próximos. A ideia de modo geral que marcou as entrevistas foi a referência do lugar como sendo muito perigoso. Os entrevistados que conheciam o Centro Histórico, afirmaram que era um lugar bom apenas durante o dia, mas que a noite ficava muito esquisito, sendo então o local destinado a prostituição, uso de drogas e violência. Outras partes do centro, mais 79 afastadas e do Bairro de São José foram declaradas como opção desejável de moradia. De volta a Salvador rumo a João Pessoa Depois de alguns meses ocorreu outra mudança do campo empírico, agora para a cidade de João Pessoa. Durante os meses de morada em Aracaju fez- se necessário, para cumprimento dos créditos, solicitar a matrícula de disciplina no curso de Antropologia da Universidade Federal de Sergipe – UFS. Concomitantemente a efetivação da pesquisa realizar-se-ia o estudo da disciplina. Mas a solicitação de estudo no curso não foi aceita. Tendo em vista a necessidade de cumprir a disciplina a alternativa foi procurar uma instituição federal mais próxima. Nesse sentido, a Universidade Federal da Bahia – UFBa, seria a opção vai viável. Desse modo, realizou-se a inscrição junto ao Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da UFBA. A solicitação foi aceita. Sendo assim, para realizar os procedimentos planejados para o semestre – pesquisa e estudo, – precisou-se viajar semanalmente para a cidade de Salvador para assistir as aulas. Dividia-se, portanto, os estudos e pesquisa entre duas cidades. Mas o desencadear da pesquisa aponta outra direção e a cidade de João Pessoa foi então indicada como uma melhor possibilidade de estudo. Mas antes da ida para a capital paraibana, precisava-se concluir os estudos iniciados na Instituição em Salvador. Por isso, outra mudança de residência e cidade. Assim, até o momento de conclusão do curso morou-se em Salvador. No segundo semestre de 2012, fez-se outra viagem para residir em João Pessoa. Terceira cidade fundada no Brasil, João Pessoa conta atualmente com 723.515 habitantes.56 A cidade foi “fundada por portugueses e espanhóis, para dar segurança à região açucareira de Pernambuco, transformando-se em importante 56 Dados do censo 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, disponíveis em http://www.ibge.gov.br. Acesso em: set. 2011. 80 ponto de apoio para a conquista do litoral norte da Região Nordeste.”57 Por ser detentora de um importante acervo de valor arquitetônico e patrimonial, em 1938 iniciou-se o processo de tombamento, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, de várias edificações consideradas representativas para comporem o quadro de monumentos nacionais. A década de 1980 consiste em outro período marcante no que concerne o processo de tombamento e proteção do patrimônio material da cidade. Outros avanços são conquistados nessa década, quando é delimitado pela primeira vez, a área correspondente ao Centro Histórico da cidade, pelo Instituto Histórico e Artístico do Estado da Paraíba – IPHAEP. Desse modo, o Centro Histórico de João Pessoa encontra-se protegido e delimitado pelo Decreto Estadual no 9.484 de 10 de maio de 1982, abrangendo uma área total de 305,40 hectares – onde encontram-se localizados os bairros do Varadouro, Centro, Tambiá, Jaquaribe e Trincheiras – que corresponde a área de ocupação da capital até a primeira metade do século XX.58 Ainda nos anos de 1980, assiste no horizonte o raiar de uma nova etapa que marca indubitavelmente a história da cidade e do seu Centro Histórico. Por meio do convênio Brasil/Espanha, o Centro Histórico de João Pessoa passou a integrar o Programa de Preservação do Patrimônio Cultural da Ibero-América, mantido pela Agência Aspañola de Cooperacion Internacional – AECI, em diversos países da América Latina. Através deste Programa é implantado o Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa – Convênio Brasil/ Espanha – que envolve uma área de atuação de 117 hectares da área tombada a nível estadual, abarcando a parte originaria até a primeira metade do século XX. No que se refere à área objeto da solicitação de tombamento em nível federal, engloba o Conjunto de Monumentos Nacionais – CUMN, classificados pelo IPHAN, que compreende parte do perímetro 57 PROJETO de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa. João Pessoa: IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, s.d., p. 05. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. (Grifos conforme original). 58 CENTRO HISTÓRICO de João Pessoa Monumento Nacional. Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa – 1987-2002. João Pessoa: Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa; Convênio Brasil Espanha, out. 2002, p. 15. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. 81 inserido no Projeto de Revitalização, uma área que corresponde a 37,02 envolvendo os trechos considerados mais significativos do Varadouro e da Cidade Alta.59 Em 2007, o Centro Histórico de João Pessoa foi reconhecido como patrimônio nacional, a área compreende 370.000 m2. Abrange uma parte considerável da Cidade Baixa (Bairro do Varadouro) e da Cidade Alta. Estima-se a preservação de cerca de 502 edificações, 25 ruas e 6 praças. Faz parte ainda da área demarcada o antigo Porto do Capim.60 Uma perpectiva acentuada pelo tombamento do Centro Histórico de João Pessoa pelo Iphan é a atração turística. A superintendente do órgão na Paraíba ressalta que a preservação do patrimônio histórico é um dos principais pontos para a promoção do lugar. Ela cita as cidades europeias e até cidades brasileiras, a exemplo de Ouro Preto, em Minas Gerais, como típicos locais que atraem visitantes por manterem conservadas suas edificações e vias.61 O tombamento do Centro Histórico é comumente referendado como um título que abre portas e janelas para a entrada de investimentos através do desenvolvimento do turismo. Nesse contexto as belezas naturais e as peculiaridades, como o nascimento da cidade vinculado ao Rio e, ainda por ter seu traçado original preservado, são invocados como cenário singular para atração turística. Além disso, o título para a cidade é visto como uma forma de despertar a auto-estima da população. (LÚCIO, 2007, p. 1-6). Convém mencionar que durante a realização das entrevistas exploratórias – efetivadas com o escopo de favorecer a escolha dos sujeitos – algumas características chamaram a atenção. Primeiro o processo de evolução da cidade, que ficou por cause três séculos inalterados, as mudanças ocorreram, portanto, de forma muito lenta – e são recentes. Com as entrevistas e conversas informais percebeu-se o desconhecimento e esquecimento muito grande das pessoas acerca do núcleo de 59 CENTRO HISTORICO, 2002, p.15. 60 JOÃO Pessoa (PB) será tombada pelo Iphan. Cultura e Mercado. João Pessoa (?), 2008. Disponível em: http://www.culturaemercado.com.br/noticias/joao-pessoa-pb-sera-tombada-pelo-iphan/. Acesso: out. 2011. 61 LÚCIO, Marly. Iphan avalia tombamento do Centro Histórico. Correio da Paraíba. Caderno 2. João Pessoa, p. C-1 e C-6, 3 jun., 2007. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. 82 origem da cidade. Apesar dos entrevistados reconhecerem a existência e importância do Centro Histórico, o quadro de abandono em certas áreas é gritante. O fato de tornar-se uma área empobrecida, mas, sobretudo, por causa da localização de favelas, aumenta-se o estigma que envolve essa área da cidade. Delineando-se sucintamente essas considerações percebeu-se durante o trabalho de campo, a presença de poucas residências em comparação ao conjunto do Bairro. Observando essa tendência marcante e partindo dessa perspectiva que busca a compreensão, entre outras, do que é o centro histórico do ponto de vista dos seus moradores atuais. Percebe-se que a introdução de novos elementos, como a revitalização da área, pode sustentar a mudança sobre a imagem do lugar – que encontram-se articulados as questões patrimoniais – uma vez que, alterados são os usos e funções que pintam a paisagem atual. Observando, ainda que a “assunção de que a paisagem urbana é crucial para gerar sentimentos de identificação, norteia, em geral, os projectos de reabilitação e de requalificação urbanas.” (PEIXOTO, 2006, p. 254 – grafia conforme original). Traçadas essas considerações torna-se importante dizer que João Pessoa, além de ser uma cidade de porte médio, no contexto brasileiro, apresenta um panorama do percurso que de certo modo caracteriza os centros históricos no país – seu período de ascendência, modernização, declínio, abandono, ocupação por população de baixa renda e o contexto atual de espectacularização. Faz-se imprescindível salientar que a soma de viagens e de fixação de moradas em várias cidades leva a duas dimensões. Por um lado, um grande desafio, pois depara-se com lugares desconhecidos, e por isso sem a referência para iniciar o processo de interação, os primeiros contatos assemelham-se a sensação de adentrar- se em uma grande floresta, já que nenhuma cidade é igual à outra. Cada urbe apresenta uma singularidade, não apenas no contorno das suas traças, especialmente, no modo de ser dos seus habitantes. Assim, cada viagem encontra-se com o inaudito, o desconhecido e situações atípicas. Por outro lado, viabilizou a elaboração de um conjunto de experiências: agrupam-se imagens, as pessoas que conheceu-se ao longo do percurso, os diálogos notáveis... E isso permite gestar e 83 germinar ideias e sentimentos, reavaliar pontos de vista, reelaborar visões e conceitos sobre as situações da vida. Uma soma de experiência que certamente serve de suporte para ajudar a compreender determinados aspectos sobre o objeto de pesquisa. Como também alimenta outras indagações e possibilidades de reflexões. Como sementes lançadas à terra. Quando começam a germinar, um despontar que parece lento aos olhos humanos, mas que guarda seu próprio ritmo de crescimento e ocorre no momento certo. Se a pessoa detém o olhar é quase imperceptível enxergar a evolução. Mas no momento que se distancia, depois de algum tempo, ao retornar perceberá que cresceu... Enxerga-se o brotar das folhas, flores e frutos. Nesse sentido, então, à medida que o tempo passa, percebe-se que residir e visitar várias cidades – observar, caminhar, escutar as pessoas, as entrevistas realizadas, coleta de material – viabilizou uma pesquisa empírica, fecunda e mais abrangente. Sem ter a pretensão de abarcar diversas realidades, almeja-se, todavia, referenciar tendências que de certa maneira, efetivam-se nos centros históricos – que apesar dos processos que ora apresentem semelhanças ora distinções, encontram-se inseridos no contexto das operações de reabilitação, revitalização, patrimonialização. 84 Capítulo I Cidades, centros: perspectiva teórica Muito tem-se discutido sobre as questões referentes as cidades, temática sobre a qual debruçam-se distintas áreas do conhecimento, – antropólogos, sociólogos, urbanistas, geógrafos, historiadores, psicólogos etc. – cujos estudos versam sobre as incontáveis problemáticas oriundas do viver urbano. A cidade consiste, portanto, em um fecundo universo que viabiliza uma pluralidade de recortes analíticos. Nasce-se, mora-se, trabalha-se, vive-se nas cidades, sejam pequenas, médias, grandes ou megalópoles, são lugares onde as práticas cotidianas se desenrolam, e apresentam uma constelação de desafios a serem pesquisados, pensados ou/e solucionados. Essas investigações almejam a compreensão acerca de temas complexos e abrangentes como, as organizações sociais, dinâmicas populacionais, construção do espaço, significados simbólicos, violência urbana, segregação espacial e social, modos de vida etc. – gizados pelos habitantes que através das ações cotidianas vão engendrando a cultura urbana. A cidade indubitavelmente é marcada pela volatilidade, um incansável fazer, construir e desconstruir que são instituídos ao longo dos tempos pelas relações sociais. Cada sociedade em cada momento histórico desenha nas urbes uma imagem singular. Nesse particular a paisagem urbana fitada, encontra-se impregnada de memória e de significados – que se delineiam e se transformam a partir das vivências ulteriores, que deixam impressas distintas temporalidades. Como bem observa Baudelaire, “as formas de uma cidade muda mais depressa, lamentavelmente, que o coração de um mortal.”62 Assim, a “cada instante existe mais do que a vista alcança, mais do que o ouvido pode ouvir, uma composição ou um cenário à espera de ser analisado.”63 62 BAUDELAIRE apud LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1988, p. 143. 63 LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 11. 85 Tal angulação, que remete ao dinamismo foi também privilegiada no entendimento de Michel de Certeau. Para o autor a cidade é o “lugar de transformação e apropriação, objeto de intervenção, mas sujeito sem cessar enriquecido com novos atributos: ela é ao mesmo tempo a maquinaria e o herói da modernidade.”64 É nesse cenário de inquestionável riqueza que se engendram os processos e estruturas que enlaçam as diversas formas de sociabilidade, as relações, o público e o privado (DAMATTA, 1991). Em diferentes épocas, germinam as contradições, as rupturas, as artes, as ciências, o desenraizamento, espaço onde, aparece a multidão, a massa [...], assim como o líder, dirigente, demagogo, condottiere. Aí se formam o cidadão e a cidadania, o solitário e a solidão, o radical e o fanático, o suicida e o profeta, o artista e o cientista, assim como o aventureiro, o blasé, o flâneur. Embora traços e fragmentos de modernidade se encontrem por toda parte na sociedade moderna – o que pode significar que nos lugares mais óbvios os seus segredos permanecem indecifrados –, há não obstante dois lugares nos quais sobressaem acima dos outros: na metrópole e nas relações sociais capitalistas. Para Simmel, Berlim da passagem do século era o seu lugar por excelência; para Kracauer, Paris e, [...] para Benjamim, em sua visão pessoal a mesma Berlim, mas, na sua mais ambiciosa teoria social da modernidade, Paris no meio do século XIX. No que se refere ao capitalismo, Simmel prefere enfatizar o processo de troca e circulação na economia monetária desenvolvida; Kracauer acentuou o processo de racionalização da produção e das relações sociais, e Benjamin focalizou o processo de troca e circulação de mercadorias, compreendendo o fetichismo da mercadoria.65 As cidades inspiram reflexões que fazem florescer poesias, prosas, filmes, arte. Fermentam sonhos, amores e temores, incitam dúvidas, práticas e teorias. Esse extraordinário laboratório foi detidamente observado e estudado por Baudelaire, Benjamin e Simmel. A pletora de novas experiências das grandes cidades – na segunda metade do século XIX – serviu de estímulo para estes pensadores, que buscavam compreender a cidade moderna. “Baudelaire focalizou a Paris dos anos compreendidos entre 1840 e 1850, que posteriormente fascinaria Benjamin. [...] A obra de Simmel, Philosophy of maney, [...] publicada em 1900, também focaliza a 64 CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: arte de fazer. 10 edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1994, p. 174. 65 IANNI, Octavio. Enigmas da modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 125-126. 86 experiência de divagadores e consumidores nos espaços urbanos novos e repletos de Berlim.” (FEATHERSTONE, 1995, p. 106). Atinente a esse período de transformação da cidade moderna, Frúgoli,66 discorre que as memoráveis alterações ocorridas primeiramente em Londres e Paris – posteriormente em outras urbes ocidentais – tornaram as cidades desconhecidas aos seus próprios moradores. Os espaços centrais como ruas e praças passaram por profundas alterações, provocados pelo ritmo intenso de circulação. Situação desencadeada graças ao “movimento concomitante [da] expulsão [dos] moradores e [a sua] reintegração como transeuntes ou eventuais consumidores.”67 Dessa forma, intensifica-se, a diversidade social nos espaços públicos. Além disso, as intervenções mudam a relação da população com os espaços da cidade, transformando os tipos de usos tradicionais. As praças monumentais – com grandes espaços abertos e jardins – erigidas nesse período, em Londres e Paris, restringiam a aglomeração “pois mudou a liberdade com que as pessoas poderiam se reunir. A reunião de uma multidão se tornou uma atividade especializada; acontecia em três locais: no café, no parque para pedestre e no teatro.”68 Nega-se, desse modo, os usos que anteriormente caracterizavam o logradouro como espaço de usos múltiplos e popular, esmaecendo-o como ponto central da vida urbana. “Essas cidades deixam de ter um centro referencial, iniciando a dispersão e fragmentação de sua centralidade.”69 Diante de tantas mutações a cidade torna-se cada vez mais estudada, exigindo uma soma maior de interlocutores que possam dar contar de responder às questões e propor soluções a altura do grau de amplitude e complexidade do objeto. Ora, não é de se admirar que no bojo dessas considerações resplandeça a seguinte indagação: o que é a cidade? 66 FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 13. 67 FRÚGOLI JÚNIOR, Heitor. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Edusp, 2000, p. 20. 68 SENNETT, Richard. O Declínio do Homem Público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 76. 69 FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 14. 87 Nestor Garcia Canclini, referindo-se sobre o que seria uma cidade, assevera que até a primeira metade do Século XX, para responder a essa indagação, comumente os estudiosos teciam suas considerações a partir das configurações físicas. Nesse sentido, o campo era tomado como ponto primordial de comparação. A cidade seria, portanto, o oposto do campo, um agrupamento denso e extenso de indivíduos socialmente heterogêneos. Não obstante, nas duas últimas décadas do Século, ocorre profunda alteração no modo de se conceber e pensar a cidade, pois os processos culturais e os imaginários passam a figurar as elaborações acerca dessa temática tão complexa. Tendo como pilar essa compreensão, as cidades não subsistem apenas como ocupação de um território, construção de prédios e interações materiais entre seus habitantes. “O sentido e o sem sentido do urbano se formam, entretanto, quando o imaginam os livros, as revistas e o cinema; pela informação que dão a cada dia os jornais, o rádio e a televisão sobre o que acontece nas ruas.”70 O antropólogo declara, ainda, que não é possível estabelecer com precisão o que seria uma cidade, nem mesmo o que são cada uma de suas representações específicas. De fato desvendar, depreender o que seria a urbe é algo ainda labiríntico, implica trabalhar com palavras ou descrições imprecisas, que podem não atingir a plenitude dos seus significados. Dessa maneira, definir a cidade, bem como entender as miríades questões do fenômeno urbano são temáticas, sob as quais se debruçam os cientistas sociais. No rastro das profundas transformações promovidas pela Revolução Industrial, o frenético crescimento das cidades, novos modos de vida e interação social apontam novas problemáticas que estão amalgamadas a própria fundação das Ciências Sociais. Nesse tocante cumpre salientar que a urbe é analisada sob a ótica de distintas matrizes teóricas, notáveis desde os clássicos da sociologia – Karl Marx, Durkheim e Max Weber – que marcaram o pensamento sobre a cidade. 70 CANCLINI, Nestor García. Imaginários culturais da cidade: conhecimento/ espetáculo/ desconhecimento. In.: COELHO, Teixeira (Org.). A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras/ Itaú Cultural, 2008, p. 15. 88 Relativo a esse aspecto Bárbara Freitag, em “Teorias da Cidade”, persevera que Durkheim, Comte e Le Play “não mencionam o fenômeno ou fato social da cidade em suas obras.”71 No entanto, Freitag, argumenta que a sociologia desenvolvida na Alemanha, que teve um engate multidisciplinar (filosofia, literatura, política, economia, direito), elegeu a ‘cidade’ (grifo conforme original) como um “objeto de estudo privilegiado da modernidade”. Seus precursores Marx e Engels, Simmel, Sombart e Weber, são figuras que influenciam e influenciaram novas gerações de sociólogos e os estudos nos distintos campos da Sociologia – e em especial no tocante a Sociologia Urbana. Sant’Anna, ao debruça-se sobre as reflexões traçadas sobre o urbano, apresenta o pensamento engendrado pelas distintas matrizes teóricas. Nessa esteira desenha-se um panorama das concepções que marcam esse objeto de estudo, tendo como recorte analítico também os clássicos. Para a autora Durkheim interessou-se diretamente pela cidade, isso devido à atenção que o pensador dava à morfologia urbana. Segundo Sant’Anna, Durkheim, toma como referência para a análise da sociedade a disposição, em determinado território, de uma massa de população de certo volume e densidade, concentrada nas cidades ou dispersa nos campos, que, servida por diferentes vias de comunicação, estabelece diferentes tipos de contato. É, portanto, no contexto da anatomia da sociedade, em seus aspectos marcadamente estruturais, que a cidade surge como substrato da vida social, acumulando e concentrando parcelas significativas da população.72 Seguindo a essa mesma senda, mas entendendo a cidade com outros enfoques teóricos e uma conspícua abordagem empírica, a Escola de Chicago, consiste em outra relevante referência na história das Ciências Sociais e em especial 71 FREITAG, Bárbara. Teorias da cidade. Campinas: Papirus, 2006, p. 17. 72 SANT'ANNA, Maria Josefina Gabriel. A cidade como objeto de estudo: diferentes olhares sobre o urbano. RevistaComciência. Cidades. Campinas/ São Paulo: Universidade de Campinas, 10 de mar. de 2002, sem paginação. Disponível em http://www.comciencia.br/reportagens/cidades/cid24.htm. Acesso em: 5 de jun. 2009. 89 nos estudos urbanos. Sua importância é significativa, pois traz em cena reflexões inauditas sobre a cidade, elegendo-a como foco primordial de investigação. No cerne dessas considerações, faz-se mister sublinhar, o pioneirismo da Escola na prática etnográfica “voltada ao contexto urbano (num âmbito inicialmente sociológico) e a primeira, segundo Cuin & Gresle, a tomar a cidade como laboratório de análise da mudança social e a formular uma “concepção” 'especializada' do social e, reciprocamente, socializada do espaço.”73 Suas célebres contribuições dilatam-se, ainda, ao empregar a observação participante, história de vida, coletas de dados, entrevistas etc, nas análises das pesquisas, especialmente, por imiscuir ao trabalho investigativo o entendimento de que “os indivíduos estão permanentemente interagindo [...], em harmonia ou conflito, mas sempre através de relações sociais que são as unidades da vida social e não o indivíduo isolado.”74 Na trilha dessa percepção é factível reconhecer a forte influência de Georg Simmel, que se estabelece seja de modo implícito ou explícito. O quadro de reflexão simmeliana encontra-se ancorada em questões sobre as transformações da paisagem urbana, em especial a metrópole, e a relação desta com as alterações nos modos de vida, maneiras de pensar e se comportar nesse novo ambiente. Preocupava ao grande teórico entender as contradições peculiares a cultura que lhe era contemporânea. Nesse sentido buscava apreender no nível do cotidiano as inumeráveis mudanças do mundo moderno: crescimento urbano, a divisão do trabalho, o dinheiro, o ritmo vigoroso, ansioso, fragmentário e fugidio da grande cidade. Para Simmel75 (1979) a economia monetária, confere à metrópole traços insignes das pequenas urbes. Considerava que a vida dos habitantes das grandes cidades era caracterizada pela competição, calculismo, pontualidade, exatidão e a indiferença. Ademais, seu percurso teórico caminha pela compreensão das relações sociais e das formas de sociação e de sociabilidade na vida cotidiana. 73 FRÚGOLI JÚNIOR, Heitor. Sociabilidade Urbana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2007, p. 17. 74 VELHO, Gilberto. Individualismo, anonimato e violência na metrópole. In.: Revista Horizontes Antropológicos. Ano 6, N. 13. Porto Alegre, Jun. de 2000, p. 17. 75 SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In.: VELHO, Otávio Guilherme (Org.) O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. 90 No bojo dessas transformações a cidade de Chicago é tomada como ponto privilegiado das reflexões, dos estudiosos da Escola de Chicago, pois almejava- se formular soluções para os problemas que são inaugurados com o processo de industrialização e com o crescimento vertiginoso da cidade, ocorridos na passagem do Século XIX para o XX. Em poucas décadas Chicago torna-se uma metrópole, apresentando condições de vida e infra-estrutura precaríssimas. A chegada do enorme contingente de migrantes europeus e americanos altera em poucos anos a cidade, desenhando-se, assim, uma nova fisionomia. Esse caudal de transformações acaba por delinear uma sociedade heterogênea, complexa, diversificada em termos econômicos, sociais, culturais e étnicos, com a formação de guetos de distintas nacionalidades e com indubitável dimensão segregativa. Tal processo assinala, portanto, a separação do espaço da cidade em bairros étnicos, emoldurando fronteiras internas, que tornam-se pontos nodais dos estudiosos da Escola de Chicago. A dimensão da organização social do espaço será um dos temas fundamentais dos estudos urbanos, bastante marcados pela experiência de Chicago. A noção de região moral, desenvolvida por Park é exemplo significativo dessa tendência quando indivíduos com determinadas características sócio-psicológicas, cujas origens podem ser diversificadas, tendem a concentrar-se em áreas específicas da cidade. A preocupação com a ecologia das populações, as relações com o meio-ambiente e a lógica de seus deslocamentos são parte dessa visão significativamente orientada para a organização social no espaço. Uma das questões mais interessantes, a partir dessa vertente, é, portanto, compreender a dinâmica social dessas populações, suas relações com a cidade como um todo e entre elas próprias. O acelerado crescimento urbano produz, assim, grandes cidades e metrópoles que ocupam áreas vastas com um número de habitantes que chega, em vários exemplos, à casa dos milhões. Estabelece- se o contraste com as aldeias e pequenas comunidades. (VELHO, 2000, p. 16 – Grifos conforme original). Conforme exposto, Robert Park, um dos expoentes da Escola, apresenta a apreensão da cidade a partir de duas dimensões constitutivas: uma organização física e uma ordem moral. A cidade é entendida, em sua teoria, através de um referencial que tem como bússola os conceitos da ecologia humana. Traça-se, assim, uma análise – baseada na concepção darwinista – que tem como suporte a ecologia animal, o que facultou relacionar a Escola de Chicago a Escola Ecológica. 91 Outro aspecto relevante da ecologia urbana refere-se a sua contribuição nas investigações de novos modos de vida. As pesquisas têm como cenário as cidades, percebidas “como um amplo e complexo mosaico de posições geográficas e agrupamentos étnicos. Cada ‘peça’ desse mosaico apresenta leis próprias. A Ecologia Humana estuda os comportamentos humanos e os efeitos da posição espaço- temporal sobre os indivíduos.”76 De acordo com essas considerações existem ‘leis naturais’ que determinam o crescimento das cidades e a consequente competição entre indivíduos ou grupos de indivíduos pelos espaços. Dentro dessa perspectiva, a expansão territorial ocorreria a partir do modelo de zonas concêntricas – teoria elaborada por Park e Ernest Burgess. Contudo, é interessante registrar que, a perspectiva da ecologia, empregada pela Escola de Chicago, tornou-se alvo de críticas de pesquisadores. Comentando a esse respeito, Heitor Frúgoli,77 salienta o posicionamento de alguns estudiosos, a exemplo de Joseph – integrante do grupo de pesquisadores franceses que retomam criticamente a Escola de Chicago. Nas palavras do antropólogo, O autor frisa, todavia, que a cidade não seria um mosaico de territórios, já que pautada por relações entre duas ou mais populações num mesmo meio ou sistema de atividades, presentes em fenômenos, como a economia da mobilidade residencial, problemas sociais de co-habitação residencial ou de co- presença no espaço público. Nesse sentido, Joseph afirma que a cidade põe em contato sociedades heterogêneas, num espaço diferenciado, lembrando que a ecologia, segundo Park, remeteria principalmente à “descrição de constelações típicas de pessoas e instituições em uma área de habitat humano e das forças que convergem para produzir essas constelações. (2007, p. 22). Outras iniciativas deslizam no caminho que refutam as concepções engendradas pela Escola de Chicago. Em um artigo bastante elucidativo a esse respeito Maria Josefina Gabriel Sant'Anna, faz um arrazoado das contribuições dos sociólogos franceses, que defendem outra reflexão acerca da cidade. Para os sociólogos franceses o urbano deveria ser entendido como espaço socialmente 76 A CIDADE como habitat na Escola de Chicago. Áreas Vírus: Grupo de Estudos do Centro de Pesquisa ATOPOS. Sessão Estudos Urbanos, [s.n.], nov. 2008, sem paginação. Disponível em: http://areasvirus.site90.net/?p=6. Acesso em: 15 de abr. 2009. 77 FRÚGOLI JÚNIOR, 2007, p. 22. 92 produzido, incorporando distintas configurações de acordo com os diversos modos de organização socioeconômica e de controle político em que se encontra inserido. Ganha relevo a interação entre as relações de produção, consumo, poder que se reverbera no ambiente urbano. “Esse enfoque expressa o descontentamento dos neomarxistas franceses com a idéia defendida pela Escola de Chicago de que haveria um urbano per se, a partir do qual era possível explicar toda uma série de fenômenos sociais.”78 Nesse horizonte, torna-se pertinente sublinhar o marco que se desenha na segunda metade da década de 1960, com a renovação do pensamento sobre a cidade, proposta por uma nova vertente francesa: Manuel Castells, Raymond Ledrut e Lojkine.79 Segundo Sant'Anna, esses autores trazem a lume discussões que politizam os problemas urbanos, guindam novas questões como os movimentos sociais urbanos, o papel do Estado na urbanização, os meios de consumo coletivo entre outros temas. Cumpre, então, elucidar que tais teorizações sociológicas estão perpassadas pelo âmbito da teoria marxista. No contexto brasileiro, mostra Edgar Mendonza,80 que as pesquisas realizadas no campo da Antropologia e Sociologia Urbana sofrem influências teóricas de três escolas de pensamento, em distintos momentos históricos, a saber: a Escola de Chicago, a Escola Antropológica de Manchester e a Escola Marxista Francesa de Sociologia Urbana. Sem querer pormenorizar os construtos teórico-metodológicos que vicejam em cada Escola, pois se reconhece a amplitude de tal estudo, cumpre registrar a relevância dessas contribuições, que pavimentaram os estudos urbanos no Brasil. Sant'Anna assevera que a década de 1960 torna-se o marco do surgimento da sociologia urbana no Brasil como disciplina especializada. Salienta, ainda, que o pensamento de Karl Marx foi preponderante nos trabalhos sobre a 78 SANT'ANNA, 2002, sem paginação. (Grifo conforme original). 79 Id., 2002. 80 MENDOZA, Edgar. Donald Pierson e a escola sociológica de Chicago no Brasil: os estudos urbanos na cidade de São Paulo (1935-1950). Scielo. Porto Alegre, n. 14, jul./dez. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222005000200015. Acesso em: 6 de abr. de 2009. 93 cidade. Influxo exercido tanto através da sociologia urbana francesa – marcante nos anos de 1980, nos estudos referentes aos movimentos sociais urbanos – como pela visão crítica da teoria da marginalidade. (2002, sem paginação). A Escola de Chicago, por sua vez, ilustra outro quadro de influência pujante nas investigações sobre as cidades brasileiras. Deixou legado que até a atualidade galvanizam as pesquisas na Antropologia Urbana, sobretudo, daqueles que trabalham com os métodos e conceitos desenvolvidos pela Escola, a exemplo da noção de “zona moral” de Park.81 No tocante ao trabalho aqui proposto importa, no entanto, acentuar a contribuição da Escola para as pesquisas tecidas acerca dos centros das cidades. É a partir da década de 1920, com a Escola de Chicago, que os estudos sobre o centro da cidade ganham ressonância, tornando-se objeto prioritário de investigação. Seguindo essa trilha, ao privilegiarem as pesquisas sobre a evolução, crescimento e o declínio das cidades, e ao levarem em consideração as características históricas e funcionais das cidades, os pensadores de Chicago possibilitaram a formação das primeiras análises sobre o centro. 81 SANT'ANNA, 2002, sem paginação. (Grifos conforme original). 94 Capítulo II As imagens das cidades: intervenções urbanas As miríades de múltiplas e profundas transformações, que assiste-se na cena contemporânea, revelam características que vem sendo gestadas desde o século XIX e Século XX, onde se apresenta o entrecho da cultura urbana metropolitana. Um quadro marcado por intenso fluxo de alterações globais nos distintos e imbricados aspectos: sociais, econômico, políticos e culturais. O cenário apresenta a fisionomia das grandes metrópoles, com a crescente urbanização e industrialização, com a instalação do comércio, das inovações tecnológicas. A nova atmosfera forja inauditas formas de trabalho e lazer, que transformam os modos de ser, pensar, agir e sentir. Esse processo incita novas reações que passam a responder aos estímulos sensoriais, que fomentam o desejo de consumo – sobretudo através da produção em massa e geração dos signos, bens e imagens. No meio do frenético turbilhão de mudanças o desenvolvimento econômico, do período, propicia a geração de grandes fortunas. Ampliam-se, portanto, os investimentos do capital. Em resposta, a essas mutações, novos espaços de sociabilidade são criados em decorrência da separação entre tempo de trabalho e tempo livre. Tem-se como desdobramentos, dessa realidade, a vivencia de experiências coletivas, que possibilitam novas interações à vida social. No bojo dessas elaborações encontram-se como alavanca propulsora dos extraordinários avanços das técnicas, das teorias científicas e dos meios de comunicação. As descobertas de novas fontes de energia (petróleo, eletricidade), a chegada do aço e ligas de metal reverbera suas transformações de modo global. Assim, os novos meios de transportes e de comunicações, a exemplo do telefone, telégrafo, trem expresso, o automóvel, o avião etc., além da criação de uma variedade de eletrodomésticos, do motor elétrico, das novas tecnologias do lazer como parques de diversões, o advento da fotografia e do cinema promovem consequências antes inimagináveis. 95 Nesse particular é importante observar o olhar de Renato Ortiz, lançado com acuidade sobre o aperfeiçoamento registrado nesse período. Para o sociólogo, o progresso econômico passa necessariamente pelo progresso científico. Alerta, ainda, que os efeitos que essas mudanças operam, extrapolam os aspectos econômicos e técnicos. Seus desdobramentos promovem mudanças substanciais na esfera da cultura. A descoberta do automóvel é ilustrativa a esse respeito, pois redimensiona o emprego do tempo, as pessoas podem ir de um lugar a outro com mais velocidade e conforto. O mesmo pode-se assinalar com a eletricidade que propícia um conforto antes desconhecido (iluminação das casas, das ruas, funcionamento de uma série de utensílios, elevador etc.). Outro exemplo significativo é a propagação do telefone. Sua função extrapola o ambiente das transações comerciais; e ao viabilizar o contato direto entre as pessoas, o meio de comunicação altera sobremaneira as noções de proximidade e distância. “Dentro desse contexto, a própria sociabilidade dos indivíduos é reorganizada.”82 Para além do círculo íntimo das comodidades aristocráticas, o conforto, enquanto qualidade de vida adquire uma face também pública. Nesse contexto, ganha relevo os investimentos de grande soma dos Municípios para promover melhora substancial nos serviços públicos, quais sejam: água, iluminação, esgoto, transporte.83 A Revolução Industrial irá multiplicar o número desses objetos úteis. Eles cobrem os setores mais diferenciados da vida social. Nas casas surgem as pias, os banheiros, as privadas, os bidês: novos objetos de toilette são introduzidos, como a navalha para barbear e as escovas de dente. Nos escritórios, um conjunto de instrumentos auxiliam a realização das tarefas mecânicas: mata- borrão, borracha, grampeador, clipe, apontador de lápis [...] outra inovação penetra o mundo da administração: a caneta estilográfica. A seu lado, iremos encontrar a máquina de escrever, o papel-carbono, o estêncil. (ORTIZ, 1991, p. 140-141). As cenas descritas preparam os alicerces sobre os quais se constroem o novo palco gerado pela produção industrial, quais sejam: a dilatação da concorrência 82 ORTIZ, Renato. Cultura e modernidade: a França no século XIX. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991, 28. 83 Ibid, 1991. p. 141. 96 entre os países mais industrializados, que buscam matérias-primas para abastecer a produção de mercadorias. Ganha igualmente amplitude a procura por mercados consumidores. Essa corrida descortina uma nova etapa marcada pela política imperialista. O horizonte aponta a expansão europeia e posteriormente dos Estados Unidos por áreas do globo ainda não colonizadas. Então, o limiar do século XIX, período que comumente denomina-se como modernidade, abre as portas para as grandes transformações que fazem o mundo trilhar novos rumos. E já na aurora do século XX, observa-se a propagação da cultura do consumo, que “passa a significar não apenas a compra de bens materiais para a satisfação das necessidades, mas também o consumo de imagens e de valores para uma grande parte da sociedade.”84 Atento a essas reflexões Padilha elucida que a “cultura do consumo” que nasce na Europa Ocidental, vincula-se profundamente à reconfiguração do espaço urbano.85 Na modernidade o lugar torna-se fantasmagórico, ou seja, os locais são completamente penetrados e moldados por influencias sociais que encontram-se distantes deles. Nesse sentido, o que estrutura o local não é meramente presente na cena, pois a forma visível não revela as relações distantes que determina sua natureza.86 A par das alterações que amanham os passos da humanidade, Anthony Giddens,87 elucida que as mudanças ocorridas nos três ou quatro séculos, “um diminuto período de tempo histórico”, foram tão vastos e dramáticos em suas influencias decisivas, que para tentar interpretá-las tem-se apenas a ajuda limitada dos conhecimentos das tradições precedentes. De acordo com essa vereda, Giddens, 84 PADILHA, Valquíria. Shopping Center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 43. 85 Id., 2006, p. 43. 86 GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora UNESP – Universidade Estadual Paulista, 1991, p. 27. 87 Ibid., 1991, p. 14. 97 esclarece que existem continuidades entre o tradicional e o moderno, e que nem um e nem o outro elaboram um todo separado. Os modos de vida produzidos pela modernidade nos desvencilham de todos os tipos tradicionais de ordem social, de maneira que não têm precedentes. Tanto em sua extensionalidade quanto em sua intensionalidade, as transformações envolvidas na modernidade são mais profundas que a maioria dos tipos de mudança característico dos períodos precedentes. Sobre o plano extensional, elas serviram para estabelecer formas de interconexão social que cobrem o globo; termos intensionais, elas vieram a alterar algumas das mais íntimas e pessoais características e nossa existência cotidiana. (GIDDENS, 1991, p. 14). Nesse sentido, a cidade manifesta e guarda os elementos tecidos no passado. E o “momento atual, por sua vez, revela continuidades e descontinuidades que se combinam em consequências das transformações na relação espaço/tempo urbanos.”88 Os distintos usos e apropriações do espaço, as relações forjadas entre as gerações, a dinâmica dos grupos, do trabalho, do lazer, entre outros são frutos e sofrem influência da produção, do consumo e das práticas culturais. Em outros termos, pode-se, ainda, dizer que “a própria organização do espaço, o planejamento das edificações, é em si mesma uma manifestação de códigos culturais específicos.”89 Nesse sentido torna-se essencial compreender que o desenvolvimento das cidades ocidentais, no século XIX, em especial Londres e Paris, encontram-se imiscuídas com o nascimento da “sociedade de consumo”. Em contrapartida do cenário delineado, o desenvolvimento urbano é tecido por indubitável contradição. O acelerado crescimento da população revela, no entanto, o lado reverso desse processo de prosperidade, qual seja: o fenômeno da pobreza. Ora, nesse mar de caudalosa transformação, visualiza-se que no mesmo compasso que ocorre o problema da superpopulação ganha-se igualmente ressonância o incremento das condições de vida subumanas. Outro aspecto que marca sobremaneira, esse período, é o aumento gigantesco nos índices de prostituição, suicídios e alcoolismo. 88 CARLOS, Ana Alessandri. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2004, p. 8. 89 FEATHERTONE, Mike. Cultura de consumo e Pós-Modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995, p. 135. 98 Eis um momento curial: a chegada da pletora de trabalhadores advindos do campo inunda as cidades, que não possuem condições estruturais – saneamento básico, moradias e assistência médica etc. para receber tamanho contingente de pessoas. Os camponeses “convertidos em grandes massas de operários”,90 são submetidos às condições de trabalho e de vida profundamente desumanas. Ora, evidentemente, que o quadro pintado, com cores alegres que simbolizam o clima de progresso e prosperidade erigido pelas benesses proporcionadas pela industrialização e pelas novas descobertas no campo cientifico delineou outros contornos que efetivamente se constituíam em desafios, pois é “sabido que a industrialização que aumentou a produção provocando um aumento também da população no século XIX, trouxe consigo uma deterioração das condições de vida nos bairros pobres das principais cidades da Europa ocidental.” (PADILHA, 2006, p. 48). Nesse contexto, as ruas das cidades são palcos para mais um personagem urbano: a multidão. Nas ruas passa-se a “desfilar” distintos tipos humanos. Perscrutando esse fenômeno, Heitor Frúgoli, destaca que a gigantesca quantidade de desenraizados do campo que migram para a cidade, delineia uma nova paisagem: “o espetáculo da pobreza”.91 São membros da classe trabalhadora e desempregados em condições degradantes que passam a perambular pelas ruas. Essa nova ambiência forja-se uma nova consciência sobre a pobreza, propagando-se o medo quanto à possibilidade de agressão criminosa. “Já que a população trabalhadora era vista como um perigo a ser controlado, circunscrito, afastado.”92 No que concerne a esses aspectos, Carlos Roberto de Andrade assevera, que as cidades modernas se caracterizam pelo signo do confinamento. Primeiro nasceram amuralhadas, fortalezas novas, como as cidades militares do Renascimento, ou legado do período medieval com seus espaços de clausura. Para o autor a cidade moderna enquanto máquina territorial é construída para controlar todo 90 FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 13. 91 Ao referir-se “espetáculo da pobreza” o autor faz emprega o termo denominado por Maria Stella Bresciani. 92 FRÚGOLI JÚNIOR, op. cit. p. 14. 99 tipo de fluxos, e esta marca influencia sua forma e as múltiplas imagens que delas são engendradas. “Além do controle dos fluxos diversos que a atravessam – da água e ar, aos homens, mercadorias e desejos – como nó que une os fios de uma muralha, articulando-se em uma rede urbana, a cidade moderna também exercerá o controle do olhar, disciplinando-o.”93 Em meio a esse fremente processo não é de se admirar que, a história da urbanística moderna é marcada pela luta dos trabalhadores pelo direito à cidade, disputando o centro, mas também pela criação de modos de morar confinados, em vilas operárias, conjuntos de habitação social, subúrbios- jardins [...] que são a expressão físico-territorial da segregação social e das profundas separações que atravessam a cidade moderna – entre local de trabalho e local de moradia, entre o centro e periferia, entre o público e privado. (ANDRADE, C., 1997, p. 99-100, grifos da autora). As intervenções urbanísticas que rasgaram largas e novas avenidas e bulevares, como no caso de Paris, promoveram a demolição de antigos bairros, deslocando a população. Buscava-se inserir a capital francesa “numa escala de circulação mais propícia à ordem capitalista industrial. [Ao destruir os bairros populares] dominados pelas assim chamadas ‘classes perigosas’, com uma elevação dos aluguéis [empurrou-se] o proletariado para a periferia da cidade.”94 Ao mesmo tempo, que a ampliação do comércio apressurou a produção das mercadorias e bens de consumo, deflagrou as mutações no tecido urbano, redefinindo usos e funções dos espaços públicos. A partir deste momento o horizonte é estruturado tendo a perspectiva as grandes obras que tinham como fito promover uma nova imagem da cidade. Assim, sob a égide de uma operação política, visava-se criar uma imagem moderna de cidade. Todavia, o intuito de embelezar a Paris e adequá-la às necessidades de circulação, que a cidade industrial exigia, guardava também outras 93 ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. Confinamento e deriva: sobre o eclipse do lugar público na cidade moderna. In.: SOUZA, Célia Ferraz de; PESAVENTO, Sandra Jatahy. (Orgs.). Imagens urbanas: os diversos olhares na formação do imaginário urbano. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS, 1997, p. 97. 94 FRÚGOLI JÚNIOR, 2000, p. 20. (Grifo conforme original). 100 intenções, a saber: disciplinar estrategicamente os usos do espaço urbano, evitando com isso, a construção de barricadas. (LEITE, 2004, p. 18). Concernente a essas reflexões, Helena Angotti Salgueiro (2001, p. 23-24), apresenta outro ponto de vista, alerta, no entanto, para a renovação das interpretações que vieram a lume acerca do modelo haussmanniano. Segundo a autora alterou-se a visão do simplismo datado e redutor em perceber a abertura dos boulevards apenas como um ato deliberado para viabilizar a passagem dos canhões sobre o povo e cessar com as barricadas. Passou-se a estudar os resultados que a remodelação da cidade dava a representações anteriores e a problemas urbanos gritantes como a salubridade e circulação, o que significava equipar com praças arborizadas, jardins, ruas pavimentadas, esgotos, transportes, estações, prédios padronizados em pedra e providos de água, luz e gás etc., medidas que trariam condições novas a vida cotidiana. “Havia na Paris do Segundo Império, observa A. Picon, um sentimento geral de que era preciso fazer alguma coisa para resolver os conflitos sociais, os problemas decorrentes da falta de saneamento e de mobilidade na cidade capital, cada vez mais cosmopolita.”95 Na esteira dessas analises Antoine Picon96, em seu ensaio “Racionalidade técnica e utopia: a gênese da haussmannização”, traz contribuições importantes com relação a origem dos modelos urbanos, as alterações das representações no século XIX e prevalência da racionalidade técnica dos engenheiros e as intervenções na cidade. Recortando o ângulo de análise à luz das concepções e atuação dos engenheiros, o autor revela que a Paris de Haussmann não é apenas a cidade dos políticos e arquitetos. Picon (2001, p. 66), afirma, ainda, que para se compreender a gênese da haussmannização torna-se imprescindível levar em consideração a atuação dos engenheiros na cidade, na virada dos séculos XVIII e XIX, pois suas influencias 95 SALGUEIRO, Heliana Angotti. Cidades capitais do século XXI. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p. 24. 96 PICON, Antoine. Racionalidade técnica e utopia: a gênese da haussmannização. In.: SALGUEIRO, Heliana Angotti. Cidades capitais do século XXI. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p. 65. 101 sobrepujam a mera construção de pontes e portos. São esses profissionais, herdeiros das inquietações referentes à circulação, que tiveram seu nascedouro no século XVIII, que assumem papel decisivo em relação as transformações urbanísticas. “Nos anos de 1830-1840, essas redefinições se esboçam [...] nas reflexões feitas nos meios de engenheiros ligados a movimentos utópicos, como o sansimonismo e o fourierismo. É notável, sublinhar nesse particular, que as mutações impressas na urbi se efetivaram, igualmente, porque a “elite das Luzes”, do século XVIII, passa a reconhecer uma capacidade de crescimento que rompia com as representações tradicionais da cidade. Tal percepção é gerada pelo incremento dos fluxos naturais e humanos que passam a desenhar no espaço urbano novas características. A cité outrora fechada com seus limites definidos, cercada de fortificações ou boulevares de difícil acesso, abre-se para a possibilidade de expansão dos seus horizontes, assumindo limites transitórios. Picon aponta, ainda, que em concomitância a esse painel de alterações assiste-se o nascimento de uma ideia de solidariedade econômica entre as cidades dispersas no território. Eis um momento seminal, sob a regência de Georges-Eugène Haussmann, a cidade de Paris foi cenário, após a Revolução, de uma constelação de obras baseada em um novo urbanismo e arquitetura. A cidade guardada por muros, traçada por pequenas vielas, passa a ser algo da política que visava a salubridade da cidade. Para isso, a “Paris de Haussmann [passa a ser] também uma cidade de redes, rede viária [...], rede de água e esgotos [...] e ainda rede de parques e de lugares de passeio.” (PICON, 2001, p. 86). Inaugura-se além das linhas férreas, iluminação pública, tubulação a gás, mercados, novos prédios, hospitais. Assim, as observações dos aportes que marcam as tendências da época revelam que a cidade irregular, herança da Idade Média e época clássica passam a ser redesenhada tendo como base uma geometria que privilegia o movimento das mercadorias e das pessoas. Vem-se, desse modo, ganhar corpo uma nova traça bem distinta dos bairros antigos. Vale ressaltar que a redefinição do estatuto do urbano, como assinala Picon, relaciona-se naturalmente com a evolução dos valores e das práticas urbanas. Esse conjunto de variações reverbera-se inclusive na literatura, que 102 as divulga ao descrever as tensões da grande cidade. Essas tensões geram um novo prazer, o do caminhante, do flâneur, que percebe o urbano como uma paisagem na qual ele aprecia encontrar a variedade e o pitoresco.97 Tais acontecimentos engendram uma nova fisionomia, qual seja: as ruas passam a serem ocupadas pela multidão inebriada. Essas variações trazem à tona uma nova concepção acerca da cidade, que passa a ser percebida como espaço do perigo e ameaça. Reverso dessa percepção é assinalado por Walter Benjamin com a figura do flâneur, – que não se esquiva da multidão, nela penetra, simbolizando, desse modo, a vivencia de novas aventuras urbanas e negação do refúgio privado. Diante da novidade histórica, a cidade gera um novo olhar, “levando intelectuais como Baudelaire, seguido por Walter Benjamin, a cantar as suas virtudes, buscando romper com a nostalgia pelo campo.”98 Nas mãos de Haussmann Paris torna-se uma metrópole. No entanto seu modelo de modernização recebeu severas críticas. Walter Benjamin, analisando o período declara que o barão era um ditador que promovia mudanças antipopulares na cidade. Na leitura de Benjamin as intervenções que demoliram bairros inteiros, obrigaram o proletariado a se instalarem nos arrabaldes da cidade. Assim, Haussmann “faz de Paris, para seus próprios habitantes, uma cidade estranha, estrangeira. Os parisienses não se sentem mais como eles mesmos e começam a tomar consciência do caráter inumano da metrópole.”99 Corroborando com essas angulações, Ortiz, pontua que um novo modelo de modernidade urbanística se impõe com a configuração do espaço privilegiando as grandes vias, a circulação de transporte e pessoas. Para o sociólogo, as grandes reformas, ao redefinir a malha medieval com a demolição de prédios, desencadearam a remoção da população do antigo centro, deslocando as classes populares para os 97 PICON, 2001, p. 76. 98 GASTAL, Susana. Alegorias urbanas: passado como subterfúgio. Campinas: Papirus, 2006, p. 67. 99 BENJAMIN, Walter. Paris, capital do século XIX. Espaço & Debates: Revista de Estudos Regionais e Urbanos. São Paulo, Ano IV, N. 11, p. 05-13, 1984, p. 12. 103 bairros periféricos, locais onde se instalam as empresas fabris. “Tudo se passa como se as mudanças estruturais da sociedade se refletissem no espaço urbano, que deve agora se distanciar das cidades vetustas do Antigo Regime, com suas ruas estreitas e tortuosas.”100 Ora, embora o haussmannismo suscite críticas e opiniões convergentes, os estudos acerca do modelo de reformas parisiense revelam que sua influência se fez marcante, não apenas em solo francês – Lyon, Bordeaux, Marseille – ou nas cidades europeias. “O haussmannismo não se explica apenas com termos e valores de seu tempo, apresentando-se, sobretudo como um evento que foi capaz de pôr em prática valores representados em várias épocas que o precederam.”101 A onda modernizante cruzou o oceano e ganhou eco em outros países a exemplo do Brasil, cujas cidades passam a ser reformuladas tendo como aporte o modelo propagado pela “Cidades das Luzes”. Destacável, ainda, nesse sentido, são as novas concepções de modernidade, assomadas no Século passado, que desenrolou-se inicialmente nas cidades norte-americanas. Esta nova compreensão privilegia a segmentação, especialização e funcionalidade do desenho urbano, suprindo as necessidades da cidade no tocante a circulação motorizada. “Segundo Le Corbusier, um dos expoentes desse movimento, era preciso ‘matar a rua’ para transformá-la em ‘máquina de tráfego.’”102 Tal concepção, ao se expandir pelo mundo, promoveu profundas alterações à vida cultural das cidades. Heitor Frúgoli decorrendo sobre o tema expõe que esse tipo de planejamento “monofuncional” e atomizador ganhou relevo a princípio nos Estados Unidos, com o desenvolvimento dos subúrbios uniformes, que contribuíram significativamente para o processo de esvaziamento da vida pública.103 100 ORTIZ, Renato. Cultura e modernidade: a França no século XIX. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991, p. 21. 101 SALGUEIRO, 2001, p. 39-40. 102 FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 16. (Grifos conforme original). 103 Idem, 1995, p. 16. 104 Abordar essa temática torna-se imperioso referenciar as contribuições de Jane Jacobs (2000), que efetivou vigorosas críticas às práticas urbanísticas em voga nos Estados Unidos. Sua proposta desliza no sentido de combater o urbanismo moderno e ortodoxo, representados na sua obra – “Morte e vida de grandes cidades” – por urbanistas que tornaram-se referências na trajetória do urbanismo moderno, quais sejam: Ebenezer Howard, elaborador da proposta da Cidade-Jardim, Daniel Burnham, líder do projeto City Beautiful – apresentado em uma exposição realizada em 1893, na cidade de Chicago. Faz parte, ainda, da tessitura desse painel de ideias, as censuras veementemente endereçadas ao tipo de planejamento elaborado pelo arquiteto europeu Le Corbusier. Nas palavras da autora, Além de tornar pelo menos os princípios superficiais da Cidade-Jardim superficialmente aplicáveis a cidades densamente povoadas, o sonho de Le Corbusier continha outras maravilhas. Ele procurou fazer do planejamento para automóveis um elemento essencial de seu projeto [...]. Ele traçou grandes artérias de mão única para transito expresso. Reduziu o número de ruas, porque “os cruzamentos são inimigos do trafego.” [...] e claro, como os planejadores da Cidade-Jardim, manteve os pedestres fora das ruas e dentro dos parques.104 Em contrapartida ao quadro delineado, Jacobs, defende o desenvolvimento da vitalidade alcançada mediante o convívio entre as diversas funções urbanas. Em outras palavras, os pontos cardeais da reflexão da jornalista abraçam a ideia da necessidade da diversidade urbana, que viabilizaria a presença das pessoas em distintos horários do dia. Além disso, advoga a favor da existência de prédios antigos, pois “talvez seja impossível obter ruas e distritos vivos sem eles”. E ao intentar tal defesa, Jacobs adverte que não se refere a edifícios que sejam peças de museu ou prédios que passam por reformas dispendiosas, mas as edificações simples de baixo valor, incluindo prédios antigos deteriorados. Nesse sentido, torna- se imprescindível a mescla de prédios antigos para incentivar as misturas de diversidade principais, bem como para aquelas de diversidade derivada. (JACOBS, 2000, p. 206-216). 104 JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 23. 105 Desse modo, o conjunto das diferentes funções, somando-se a elementos considerados primordiais como a valorização da calçada, das esquinas e ruas curtas, somando-se ainda, a presença de edifícios de diferentes épocas são alguns dos fatores apontados por Jacobs como promovedores de uma experiência cotidiana marcada pelo convívio e pela vivacidade. Assim, com uma narrativa arguciosa, Jacobs destaca as problemáticas geradas com a aplicação de modelos que seguem tais diretrizes – apontados pela autora, como responsáveis pela desvitalização e desurbanização das cidades ou/e bairros. As críticas ferrenhas aos urbanistas modernos e ortodoxos direcionavam-se ao programa estadunidense de “renovação urbana das áreas centrais das cidades, do fazer tabula rasa de setores urbanos consolidados, substituídos por megaprojetos de reurbanização nos quais uma arquitetura burocrática ou monumental, viadutos, vias expressas e florestas de concreto”105 passam a compor de forma marcante a nova paisagem urbana. Indo um pouco mais amiúde nos fios que emaranham essa urdidura convém assinalar que os subúrbios, bairros de classe média vicinais a região central, ao seguir o modelo norte-americano, passaram a “recriar uma realidade urbana confinada e “a salvo” do intenso ritmo dos centros das metrópoles, sendo que sua expansão pelo mundo trouxe sensíveis mudanças á vida cultural das cidades.”106 Conforme assevera, Rose Compans, os contornos desse enredo ganham relevo no período do Pós-Guerra, apesar do termo urban renewal ter sido formulado nos Estados Unidos, em 1929, – encontra-se relacionado com a política de substituição de moradias precárias existentes nas cidades norte-americanas. Mas o término da Segunda Guerra molda outra realidade, a saber: era premente a reconstrução das cidades europeias atingidas pelo grande conflito. Além disso, tinha- se o desafio de solucionar os incontáveis problemas gerados com os anos de beligerância, apagar as marcas de destruição e superar o declínio populacional 105 SEGAWA, Hugo. Vida e morte de um grande livro. Vitruvius, Ano 01, jan. 2002. Seção Resenha Online. Disponível em: http://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.001/3259. Acesso em: jul. 2010. 106 FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 17. (Grifo conforme original). 106 avolumado no decurso das décadas precedentes. As nuances da discussão ganham mais volume, em 1951, período em que a temática da renovação urbana ocupa a cena nos debates teóricos no campo do urbanismo, sobretudo com a publicação do VIII Congresso Internacional de Arquitetura Moderna,107 – CIAM – denominada ‘O coração da Cidade’, a qual resumiu “um conjunto de diretrizes para a remodelação dos centros urbanos em conformidade com os postulados fundadores do Movimento Moderno, sintetizados na Carta de Atenas.”108 O processo de recentralização, ou seja, do renascimento dos “corações”, dependeria basicamente dos seguintes fatores: primeiro, privilegiar o pedestre, em detrimento dos automóveis; segundo, criar espaços de agradável fisionomia arquitetônica; terceiro, criar eventos promotores de encontros humanos (cafés, eventos, espetáculos). [...] O “coração”, por ser um conceito, não coincidia obrigatoriamente com o centro geográfico, histórico ou funcional das cidades. Então, propunha-se que a cidade fosse regida por um zoneamento funcional do solo (industrial, comercial, residencial), onde cada zona tivesse o seu coração. E haveria, no centro propriamente dito da cidade, o “coração” principal.109 A profusão de debates que resplandece com os CIAM não deixou de receber profundas críticas, tanto interna como externas ao Movimento Modernista. No cerne dessas discussões descortina-se o limiar de “um movimento intelectual de valorização da memória coletiva e da cultura urbana, responsável pela ampliação do conceito de patrimônio histórico e arquitetônico. Contra a ordem asséptica e desumana valorização do funcionalismo que abolida a rua.” Torna-se notável, nesse momento, a compreensão sobre a importância da rua para a promoção da sociabilidade e saúde mental.110 107 O primeiro CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna – ocorreu em 1928. Ao longo de vinte e oito anos foram realizados dez Congressos. Após o VIII CIAM (1951), aconteceram ainda mais dois Congressos, nos anos de 1953 e 1956. 108 COMPANS, Rose. Intervenções de recuperação de zonas urbanas centrais: experiências nacionais e internacionais. In.: COMIN, Álvaro A.; SOMEKH, Nadia (Orgs.). Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Caminhos para o centro: estratégias de desenvolvimento para a região central de São Paulo. São Paulo: EMURB, Prefeitura de São Paulo, CEBRAP, Centro de Estudos da Metrópole, 2004, p. 26. 109 MAYUMI, Lia. A cidade antiga nos CIAM, 1950-59. DOCOMOMO Brasil, 2005. Disponível em: http://www.docomomo.org.br/seminario%206%20pdfs/Lia%20Mayumi.pdf. Acesso: 05 de junho de 2011. (Grifo conforme original). 110 COMPANS, 2004, p. 27. 107 Rose Compans adverte, todavia, para o fato de que na primeira metade da década de 1960, tanto as reformas urbanas nas áreas centrais quanto a construção de grandes conjuntos habitacionais localizados na periferia, respondem igualmente ás necessidades dos governos de equacionar as tensões raciais que foram recorrentes, no caso dos Estados Unidos, e a escassez de habitações promovidas pela migração que teve lugar em vários países na Europa. A autora aponta que talvez por encontrar- se de acordo com a conjuntura econômica e política da época, o modernismo racionalista tornou-se hegemônico por décadas, não mais como modelo teórico. De toda maneira, esclarece Compans, o padrão adotado não foi capaz de adensar o centro, dilatar a superfície plantada e reduzir as distâncias. Ademais a dispersão suburbana ampliou-se devido ao aumento dos preços da moradia, do medo da violência e “da persistência do velho american way of life da casa com jardim.” (2004, p. 27-28). Logo, as transformações urbanas engendradas com o desenvolvimento industrial que tiveram como um dos pilares o princípio da circulação de pessoas e mercadorias, contribuíram significativamente para o processo de esmaecimento das antigas funções dos centros de convivência, a exemplo das praças. No entanto esse caleidoscópio, abriu caminhos que viabilizaram “novas ‘aventuras urbanas vitalizadas.’” Mas, que também, tornaram-se igualmente ameaçados por causa das novas concepções urbanísticas baseados nos subúrbios e nas autopistas que rasgaram o tecido urbano e deslocaram os moradores para longe do coração das cidades, com profunda deterioração da esfera pública no que se refere às possibilidades de interação social marcada pela diversidade.111 Contudo, a crítica mais contundente, da época, ocorre em relação a estratificação social presente nos modelos de cidades do modernismo racionalista que promoveram reformas em áreas centrais, tendo como pilar a expulsão dos moradores de menor poder aquisitivo e minorias étnicas e a apropriação por seguimentos sociais mais elitizados. Em contrapartida a esse processo inaugura-se um novo movimento intelectual denominado de “contextualismo”, que teve como um dos principais teórico 111 FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 17-18. (Grifo conforme o original). 108 o arquiteto Aldo Rossi. O movimento tinha como enfoque primordial a reabilitação do centro histórico a partir de sua destinação a novos usos e possibilidades produtivas, na reconversão dos edifícios antigos e na manutenção dos antigos moradores.112 À luz de referenciais mais recentes, um novo vetor passa a orquestrar as intervenções urbanas, que “relaciona-se com a gradativa mudança do regime de acumulação flexível, dentro do capitalismo avançado, do sistema fordista para o de acumulação flexível, processo de transformação cuja época aproximada de início é o começo dos anos 70.” (FRÚGOLI JÚNIOR, 2000, p. 21). O quadro emoldura uma nova realidade que torna-se avultada com o processo de desindustrialização, e as cidades vem tornando-se centros financeiros e de serviços, voltados para o consumo e entretenimento. Como se sabe, esse processo vem sendo marcado por um intenso avanço tecnológico e por transformações radicais nos padrões de produção, comercialização e consumo: por uma tendência à circulação cada vez mais ampliada de capitais e mercadorias, assim como uma desmaterialização crescente da riqueza; pela conformação de um mercado mundial e pelo enfraquecimento das instâncias reguladoras constituídas em escala nacional, com a expansão e incremento do poder de interesses e grupos transnacionais que se superpõem às fronteiras entre os países, pressionando pela redução dos “entraves” à sua livre circulação e maior lucratividade, com a redução de barreiras alfandegárias e a desregulamentação e flexibilização dos mercados; e também, por uma utilização e uma reconfiguração dos territórios, que alteram radicalmente o valor dos lugares e da sua gente.113 Nos passos das então recentes reflexões é profícuo registrar que o imensurável avanço tecnológico e dos modelos de produção vem promovendo avatares que se articulam em escala planetária. A gigantesca mobilidade do capital vem diminuindo o papel dos Estados e afetando a proporção das economias nacionais, cujos fluxos dinâmicos articulam espaços descontínuos, redefinindo regiões/territórios vinculando áreas remotas. Processo esse que ocorre de tal modo que as condições locais passam a ser definidas por eventos globais. Todo esse painel 112 COMPANS, 2004, p. 28. 113 CARVALHO, Inaiá Moreira de; ALMEIDA, Paulo Henrique de; AZEVEDO, José Sérgio Gabrielli. Dinâmica metropolitana e estrutura social em Salvador. Tempo Social: Revista de Sociologia. São Paulo: USP, N.13 (2), p. 89-144, nov. 2001, p. 90. 109 vem engendrando novas centralidades e exclusões, “na medida em que a dinâmica da globalização integra de forma bastante seletiva os diversos países, regiões e localidades, incorporando e dinamizando algumas áreas [...] e afetando negativamente ou marginalmente outras.” A essa altura chega-se ao ponto crucial da exposição, pois o desenvolvimento desse fenômeno tem promovido forte impacto sobre a estrutura econômica e social das áreas metropolitanas, sobre as condições de vida urbana, a pobreza, as desigualdades e mobilizações políticas e sociais.114 Vale, no entanto, trazer a lume a compreensão de que os impactos decorrentes da nova tendência contemporânea não se efetiva de modo único, pois as peculiaridades de cada cidade, sua história, instituições etc., influenciam sobremodo no grau de abrangência, maior ou menor, dos desdobramentos dessa dinâmica. Como foi assinalado esse processo tem promovido mudanças substanciais nas cidades. Nesse horizonte, “Harvey aponta que uma forma de retomada econômica de muitas metrópoles atingidas por tais alterações tem passado pela promoção da revitalização de suas áreas centrais”, fenômeno que configura-se em uma maneira de atrair capital e pessoas em especial da classe média, tornando as cidades atrativas do ponto de vista turístico e comercial, “por meio da ressignificação dos espaços urbanos.” Essa nova tendência responde aos imperativos da nova ordem econômica, em que os planejadores, arquitetos e urbanistas passam a imprimir intervenções urbanísticas adequadas as demandas de distintos clientes, na tentativa de implementarem soluções pontuais ou locais, postura contrária às medidas abrangentes, que foram outrora abraçadas pelos ideais modernistas. Cumpre, então, ressaltar que o desenvolvimento dessas práticas atende aos grupos sociais com maior poder aquisitivo, o que vem contribuindo para uma maior fragmentação do contexto urbano. (FRÚGOLI JÚNIOR, 2000, p. 21-22). Visualiza-se nesse horizonte a busca pela afirmação das identidades locais, tendência essa que marca indubitavelmente a cena contemporânea, em que os signos e imagens singularizam o âmbito da globalidade. No cerne dessa nova onda, 114 CARVALHO; ALMEIDA; AZEVEDO, 2001, p. 90. 110 a cultura ganha uma dimensão até antes não imaginada. Importa, no entanto, acentuar o conúbio, cada vez mais imbricado, entre a esfera da economia e da cultura. Diante dessa nova dinâmica a cultura passa a ser compreendida como área estratégica de investimento. Sua relevância vem sendo fortemente reconhecida como setor privilegiado no processo de geração de riqueza, emprego e renda. Desse modo, a cultura passa ser enfatizada como canal desencadeador do desenvolvimento econômico. Para a sociedade de consumo consideram-se adequadas as áreas urbanas que disponham de meios de transporte e de comunicação avançados, que apresentem qualidades em termos de residências e ambientais, alto nível de ofertas culturais e educacionais, atendendo aos condicionamentos locais mais também aos globais. Esta soma de qualidade decorre da disputa entre as cidades que buscam apresentar as melhores condições para atrair moradores, capitais, investimentos, empresas e turistas. Algumas zonas são privilegiadas nestes processos de renovação urbana, como centros históricos, áreas centrais degradadas e vazios urbanos resultantes do processo de desindustrialização – antigas zonas portuárias, ferroviárias e industriais.115 Partindo dessa moldura pode-se perscrutar o engate entre as políticas culturais e o urbanismo, atentando para o papel que a cultura vem apresentando nos processos de revitalizações urbanas, em especial no que se refere aos Centros Históricos. Para isso, faz-se mister trazer a lume as transformações que evidenciam a contextura da “espetacularização” e “culturalização” urbana, que encontram-se amalgamadas as estratégias de “revitalização.”116 No rastro desses processos de revitalização urbana e de tomada da cultura como estratégia fundamental, monumentos e espaços da urbe são alvo de investidas que visam a alteração da imagem da cidade através de uma pujante campanha de marketing. No entrecho dessa candente tendência ganha relevo a competitividade entre as cidades, que passam a granjear uma imagem que as tornem vendável. “O que se vende hoje internacionalmente é, sobretudo, a imagem de marca da cidade e, 115 VAZ, Lilian Fessler. A “culturalização” do planejamento e da cidade: novos modelos? In.: Ana, FERNANDES; Paola Berenstein, JACQUES (Orgs.). Cadenos PPG-AU/FAUFBA. Ano 2, número especial. Salvador: PPG-AU/ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-FAUFBA, 2004, p. 32. 116 FERNANDES; JACQUES, 2004, p. 11-12. (Grifos conforme original). 111 paradoxalmente, essas imagens de marca de cidades distintas, com culturas distintas, se parecem cada vez mais.”117 Nessa nova perspectiva, o centro pretende ser hoje o local de encontro. A limpeza não basta para a unificação da cidade. É necessário ainda que agregue, atraia e, portanto, que reúna, dos quatro cantos do mundo, todos os membros e uma mesma sociedade. A “re-centração” é a palavra-chave das cenografias urbanas.118 É possível entender nessa metamorfose, desencadeada graça a ação de grandes investimentos em projetos de intervenções urbanas, o elo cada vez mais frequentes com o “marketing citadino”, atrelado aos interesses de formação de uma imagem que projete a cidade no cenário internacional. E no fiar dessa urdidura encontram-se os interesses da indústria turística–cultural entrelaçados aos interesses políticos que “estariam delineando uma específica ‘gestão urbano-cultural’ que transforma a própria cidade em espetáculo a ser consumido. (FERNANDES; JACQUES, 2004, p. 12). Ou ainda para usar as palavras de Otília Arantes, o que está em “promoção é um produto inédito, a saber, a própria cidade, que não se vende, [...] se não se fizer acompanhar por uma adequada política de image-making.”119 Tal angulação foi privilegiada, também por Paola Jacques, em seu artigo “Espetacularização urbana contemporânea”. Para a autora o momento atual de crise da noção de cidade ganha visibilidade, sobretudo, através das ideias de “não-cidade”: seja por congelamento – que seria a cidade-museu e patrimonialização desenfreada – seja por difusão – cidade genérica e urbanização generalizada. Não obstante, esclarece que as duas correntes do pensamento urbano, apesar de parecerem paradoxais, têm a tendência de manar consequências bem semelhantes, qual seja: “espetacularização” das cidades contemporâneas.120 117 JACQUES, Paola Berenstein. Espetacularização urbana contemporânea. In.: FERNANDES, Ana; Paola Berenstein, JACQUES (Org.). Cadenos PPG-AU/FAUFBA. Ano 2, número especial. Salvador: PPG-AU/ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-FAUFBA, 2004, p. 24. 118 JEUDY, Henri Pierre; JACQUES, Paola Berenstein (Orgs.). Corpos e cenários urbanos: territórios urbanos e políticas culturais. Salvador: EDUFBA; PPG-AU/FAUFBA, 2006, p. 26. 119 ARANTES, O., 2000, p. 17. 120 JACQUES, 2004, p. 23. 112 A corrente mais conservadora, pós-modernista tardia ou neo-culturalista, radicaliza a preocupação pós-moderna com as culturas pré-existentes, e preconiza a petrificação ou o pastiche do espaço urbano, principalmente de centros históricos, provocando uma museificação e patrimonialização, e também o surgimento da cidade-parque-temático e de uma disneylandização urbana, exemplos típicos da cidade-espetáculo. (JACQUES, 2004, p. 23). A confluência destes modelos deságua no que a autora denomina de quase esquizofrenia dos discursos contemporâneo sobre a cidade, que vem surgindo muitas vezes concomitantemente em uma mesma cidade, com intentos preservacionistas para os centros históricos, que se tornam receptáculos de turistas, e com o erigir de novos bairros ex-nihilo nas áreas de expansão periféricas, que se tornam produtos para especulação imobiliária. Experiências facultadas muitas vezes pelos mesmos atores e patrocinadores. Outros aspectos semelhantes desses contornos, apontados por Jacques, é a não-participação da população em suas elaborações, e a gentrificação das áreas como resultado, revelando que as duas correntes antagônicas são faces de uma mesma moeda, a saber: a mercantilização espetacular das cidades.121 Desse modo, tais angulações permitem facultar que a espetacularização das cidades é um processo que encontra-se imbricado nas estratégias de marketing urbanos. No bojo dessas alterações comparecem as ações de revitalizações, que almejam erigir uma nova imagem da cidade vendável para granjear o capital, turista, especialmente estrangeiros. Isso diz respeito a “expressão urbanística do chamado empresariamento urbano (HARVEY, 1996), característica do capitalismo que vem se consolidando nesta virada de século, em que diversos constrangimentos e receituários têm sido impostos às cidades”, que tomam parte do processo de conformação estrutural à nova ordem econômica mundial. (SÁNCHEZ, 2007, p. 25). Como parte desse “receituário” destaca-se a formação de parcerias entre o setor público e a iniciativa privada: a implantação de novas instituições e instrumentos voltados para o governo urbano e a efetivação de arquitetônico-urbanísticos de grande 121 Id., 2004, p. 23. 113 força de impacção, principalmente equipamentos culturais emblemáticos, edifícios- âncoras, como partes principais da mercantilização das cidades.122 Com referência ao tema “culturalização”, Lilian Fessler Vaz (2004), observa que o termo vem sendo difundido, tanto em relação aos espaços revitalizados quanto à prática do planejamento que os gera. Em seu texto “Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas”, a filosofa Otília Arantes (2000), lança um olhar com bastante acuidade sobre essas reflexões. Apresenta como um dos pontos nodais de análise a “venda” da cidade por meio de políticas de image-making e abordagem culturalistas, e o deslinde desse processo com a transformação da cidade em mercadoria. No tocante a esses aspectos convém explicitar o desenvolvimento de um fenômeno que ganhou ressonância na cena dos estudos socioculturais, a saber: a gentrification. Em seu artigo substancialmente elucidativo acerca dos processos de intervenção e recuperação de zonas urbanas centrais, Rose Compans faz um arrazoado sobre o debate teórico que se desenvolveu na área do urbanismo desde o pós-guerra e que gravita em torno do tema da renovação urbana. Nela, revela-se como a indiferença deste campo disciplinar em relação à dinâmica real da economia política urbana contribuiu para que as alternativas que propuseram a revitalização de áreas centrais – fundadas na constatação de que sofriam processos de esvaziamento, degradação ou perda de significado social e histórico – agravassem os problemas que desejavam resolver ou gerassem outros de natureza distinta, como o fenômeno da “gentrificação”. (COMPANS, 2004, p. 24-25, grifo conforme original). Além disso, Compans evidencia o fato de que, os programas de renovação urbana intentadas nas décadas de 1980 e 1990 foram influenciados rijamente pela agenda política dos governos locais ou nacionais e pela crise do financiamento público, que dimanou no forte nexo com os critérios de rentabilidade do capital privado. Como exemplos desse processo, a autora assesta as experiências da London Docklands, e as Áreas de Nueva Centralidade da Vila Olympica em Barcelona. 122 SÁNCHEZ, Fernanda. Cultura e renovação urbana: a cidade-mercadoria no espaço global. In.: LIMA, Evelyn Furquim Werneck; MALEQUE, Miria Roseira. Espaço e cidade: conceitos e leituras. 2 edição. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007, p. 25. 114 Devido à importância de tais práticas, que tornaram-se padrão para outras intervenções que ocorreram em diversos países e continentes, salienta-se a seguir algumas intervenções que são ilustrativas desses processos. (2004, p. 25). Como bem observa Compans (2004) a experiência ocorrida em Londres consiste indubitavelmente em uma referência para os estudos sobre revitalização de áreas centrais. A arquiteta esclarece que essa relevância ocorre devido ao fato de talvez ter sido a ação mais bem acabada do urbanismo neoliberal anglo-saxão – “ao delegar ao próprio capital a gestão de espaços e de políticas urbanas” e por esse motivo ter sido seguido por diversas cidades europeias ao longo dos anos de 1980. 115 Capítulo III O Centro na cidade: evolução e algumas considerações sobre o Centro Histórico O objeto expresso ganha mais enfoque com o contexto de reconstrução europeia, após a Segunda Guerra Mundial. Nesse particular, o interesse pelo centro caminha no sentido de sobrepujar a degradação por este sofrida. Em uma perspectiva funcionalista, o centro era visto com a finalidade de viabilizar sua renovação. Desse modo, as reformas que promoviam a destruição do já construído, eram alicerçadas na compreensão de que era imperioso remover o que impedisse a evolução do centro. Assim, erigiam-se novas edificações sem levar em consideração o valor histórico ou estético.123 De acordo com essas angulações as palavras de ordem eram destruir, construir e reconstruir. As formulações em torno da renovação urbana coadunam-se com o conceito sobre patrimônio vigente na época, em que apenas os monumentos históricos artísticos construídos antes da Revolução Industrial eram considerados bens patrimoniais. Comumente as demolições eram realizadas visando a valorização do patrimônio; retiravam-se os prédios que circundava um monumento com o intuito de torná-lo mais evidente. O apelo à salubridade, outra característica da época, acaba por justificar uma constelação de intervenções nos bairros antigos.124 Tecidas essas considerações mais iniciais, torna-se forçoso indagar porque o centro da cidade torna-se alvo de operações orquestradas com a finalidade de renová-lo. Como surge e o que é o centro da cidade? Puxando o fio que leva a uma melhor elucidação das complexas e abrangentes questões aduzidas, torna-se relevante salientar as considerações de Flávio Villaça, que consiste em um importante contributo a compreensão do objeto apresentado. 123 FERREIRA, Eduarda Lago. Apontamentos sobre o lazer e o patrimônio urbano edificado no centro histórico de Vila Nova de Gaia. Revista da Faculdade de Letras – Geografia I. Porto-Portugal; v. 5/6, p. 117, 1999/2000. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1622.pdf. Acesso em: 5 de maio de 2009. 124 FERREIRA, 1999/2000, passim. 116 Villaça125 declara que “toda aglomeração socioespacial humana – da taba indígena à metrópole contemporânea, passando pelas cidades medievais e as pré- colombianas – desenvolve um, apenas um, centro principal.” Com essa afirmação, o autor segue com a tarefa de tecer considerações acerca da natureza do centro e sobre o conceito de centro urbano. Para a tecedura de tais meandros o autor propõe que se considere uma aglomeração composta de algumas dezenas de casas, na qual ainda não tenha surgido nenhuma instituição coletiva (governo, organização religiosa). Nesse contexto não existe disputa pelas localizações. A partir do momento em que se desenvolvem relações sociais entre as famílias e articulam-se interesses em comum, dilata-se a cooperação e a interdependência entre elas. Surgem, então, os deslocamentos espaciais regulares e socialmente determinados e disputas ocorrem por localizações em função do domínio ou controle do tempo e energia gastos nos deslocamentos espaciais. Surge um ponto que otimiza os deslocamentos socialmente condicionados da comunidade como um todo – um centro. (VILLAÇA, 2001, p. 239). Nessa perspectiva, o centro resulta da necessidade de afastamentos indesejados, mas forçosos. Seu nascedouro encontra-se entrelaçado ao desenrolar da vida social, que faz com que desponte atividades que exigem o movimento para um ponto comum (comércio, religião, governo, lazer). Essas atividades devem situar- se em um local que reduza o somatório de todos os deslocamentos. Em outras palavras, o centro constitui-se à medida que se desenvolve a comunidade organizada, desse processo floresce um ponto que “seria aquele no qual toda a comunidade se reuniria no menor tempo possível.”126 Por isso, não é de se admirar, que ocorra uma disputa pelo centro, e isso, faz com que os terrenos localizados nesse ponto adquiram elevado valor de uso. O autor afirma, ainda, que à medida que a sociedade torna-se mais complexa, grupos ou famílias podem optar por deslocar-se para a periferia. 125 VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. 2 edição. São Paulo: Studio Nobel; FAPESP, 2001, p. 237 – grifo conforme original. 126 Ibid., 2001, p. 239. 117 Frúgoli em sua obra “São Paulo: espaços públicos e interação social” salienta que as distintas e ricas manifestações que germinam na cidade, as relações do comércio, a dimensão política e simbólica, as práticas religiosas, as exibições artísticas, as relações de encontro, sociabilidade, do ócio (lazer), ganham mais eco, mais visibilidade nos centros públicos. Estes seriam, portanto, os espaços onde se assiste a diversidade sociocultural, onde a vida ganha mais veemência e se exterioriza muitas vezes de modo dramático. O centro seria, portanto, uma “espécie de ‘coração’ da cidade, onde se intensificam seus pulsares.”127 Ora, caminhando por essa vereda, torna-se possível perceber “a excepcional importância comunitária e social dos centros que faz com que eles passem a ser objeto de grande valorização simbólica.”128 Ao perscrutar essa abordagem tão ampla, Villaça lança luz que pretende desvendar a noção de centralidade. Para isso, apresenta as considerações de Gottdiener. Segundo Gottdiener, o modelo de círculos concêntricos de Burgess destaca a noção de centralidade nos seguintes termos: “Assim, as diversas posições não são iguais na competição espacial – existe uma hierarquia de localizações e a posição central domina essa hierarquia em virtude de estar no centro”. Sem dúvida, esse modelo implica que as forças econômicas e políticas requerem centralidade a fim de organizar atividades sociais. Até que ponto a posição central domina a hierarquia de localizações, pode ser uma questão complexa para as metrópoles norte-americanas, mas é mais clara nas brasileiras e provavelmente na maior parte das metrópoles do mundo. (2001, p. 244 – grifo conforme original). Seguindo a reflexão, o autor indaga até que ponto a posição central domina a hierarquia de localizações, pode ser uma questão complexa para as metrópoles norte-americanas. Sendo isso mais claro nas cidades brasileiras e eventualmente na maioria das metrópoles do globo. Baseando-se nos argumentos intentados por Gottdiener, Villaça esclarece que existe nos Estados Unidos uma forma de assentamento denominado de “multicenterd metropolitan region” ou “polynucleated metropolitan region”, inexistente, num sentido qualitativo, em outros países do mundo. 127 FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 12. (Grifos conforme original). 128 VILLAÇA, 2001, p. 241. 118 Referindo-se especificamente sobre o “centro principal”, Villaça (2001) assegura que é inegável que nas regiões metropolitanas em geral, inclusive nos Estados Unidos, permanece um centro principal (tradicional), seja em cidades como Chicago, São Francisco como também em Nova Iorque. Estes centros seriam mais desenvolvidos que os demais e por isso são chamados de “principal”. (grifo do autor). Isso se revela, [...] por meio de alguns equipamentos e instituições que inegavelmente são característicos de centros metropolitanos. Em matéria de números, importância, qualidade ou âmbito de influência de equipamentos e instituições culturais, diversão, lazer noturno, hotéis e restaurantes, por exemplo, os centros tradicionais das metrópoles americanas ultrapassam em muitos os demais. [Os demais centros apresentam seus teatros museus restaurantes]. Mas em nenhuma delas os centros apresentam a quantidade, a importância e a qualidade desses equipamentos e instituições que possam ser remotamente comparados às sinfônicas, óperas, balé, teatros, museus e restaurantes encontrados nos centros principais de Nova Iorque ou São Francisco. O mesmo pode ser dito com relação a agências do poder público, em qualquer de seus níveis. (2001, p. 245). Essas inferências são descortinadas com o intuito de caracterizar o que se entende por um centro principal e salientar seu papel, sua relevância e unicidade presente em qualquer aglomeração territorial humana, mesmo em regiões metropolitanas norte-americanas, consideradas as mais dispersas, e simultaneamente a mais polinucleadas do mundo. Raquel Ronik (1986), abordando sobre essa temática assegura que o centro é uma zona privilegiada no que concerne às vantagens locacionais por abarcar investimentos urbanos acumulados ao longo dos tempos. Nesse sentido, o centro de uma cidade é percebido em todos os pontos como um lugar estratégico. É uma área de distribuição de transporte e de intensa circulação de pessoas. Além disso, de modo geral, é o local onde nasceu a cidade, por isso concentra as edificações mais antigas, envelhecidas pela ação do tempo. O centro é a área da cidade que mais curto-circuita grupos sociais, que intercepta e redistribui fluxos que percorrem a cidade inteira; que, por princípio mesmo de formação é a região mais misturada da cidade. No entanto, e provavelmente por isso mesmo, os empreendedores de re-urbanizações se referem ao centro urbano como se este fosse uma unidade; em seu nome e 119 benefício o centro deve ser transformado – para ser signo evidente das normas que imperam na cidade.129 Corroborando com essas elaborações Villaça,130 referindo-se ao contexto das cidades brasileiras, salienta que os centros tradicionais das metrópoles, apesar da evidente “decadência”, continuam sendo os pontos irradiadores da organização espacial urbana. Os centros ainda abrigam a maior concentração de lojas, escritórios e serviços da cidade. Por isso, também, continuam destacando-se como o local que mais oferta empregos. Sendo assim, atendem mais a população do que outros centros das metrópoles, pois atraem o maior número de viagens. São ilustrativas a esse respeito as cidades de São Paulo e Salvador, onde o centro apesar de apresentar notável declínio, continua sendo áreas de intenso fluxo. Outro aspecto destacável remete-se a importância que a elite sempre atribuiu ao centro da cidade. Por possuir uma pluralidade de características, almejava- se residir no centro ou nas áreas próximas. Desse modo, a ocupação do centro com residências dos mais abastados não foi fortuita. No cenário brasileiro essa realidade é marcante desde a gênese das vilas e cidades. A partir da doação de terra denominada sesmaria “para determinado santo, com a consequente construção de uma capela e instituição de uma paróquia ao seu louvor”,131 surgiam as cidades coloniais brasileiras. Em frente à capela eram erigidos os primeiros espaços públicos do Brasil: as praças. Assim, no espaço livre em frente às igrejas, a vida social e cultural ganha mais visibilidade. A praça era, portanto, “um espaço polivalente, palco de muitas manifestações dos costumes e hábitos da população, lugar de articulação entre os diversos estratos da sociedade colonial” (ROBBA; MACEDO, 2004, p. 22). Paulatinamente, em seu entorno surgiam os mais relevantes prédios administrativos, os melhores comércios, atraindo desse modo, as mais ricas residências. Foi 129 RONIK, Raquel. São Paulo na virada do Século: o espaço é político. Espaço & Debates. São Paulo: Editora Cortez. Ano VI, N.17, 1986, p. 50. 130 VILLAÇA, 2001, p. 246. (Grifo conforme original). 131 ROBBA, Fábio; MACEDO, Silvio Soares. Praças Brasileiras. 2 edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003, p. 18. 120 justamente esse núcleo a partir do qual se propagou as urbes – formando-se ruas, largos, outras praças – que deu origem aos centros das cidades. No Período Republicano, os valores vigentes na época pespegam um novo panorama, desejava-se apagar as marcas do passado, de um Brasil colonial, sinônimo de atraso, antítese do progresso e modernidade. Nesse compasso forjava- se uma imagem cosmopolita para a cidade, com indubitável influência francesa. Desde o final do Século XIX, assiste-se o surgimento de projetos de modernização das cidades brasileiras com forte influência europeia, mas notadamente da França e Inglaterra. Nesse sentido a valorização dada a esses países nortearam as reformas urbanas, – com a finalidade de sanear, ordenar a malha viária, embelezar – que visavam a transformação da cidade colonial em republicana. No cerne dessas alterações, os centros urbanos foram alvo do chamado “bota fora”, casas foram demolidas, ruas foram alargadas, a população pobre foi varrida das áreas centrais das cidades. No ceio dessas alterações, o Rio de Janeiro, capital do Brasil nesse período, torna-se a vitrine da qual as demais cidades se espelhavam. Desse modo, as reformas ocorridas no tecido urbano carioca, orquestradas pelo engenheiro Pereira Passos, espalhou-se por todo país – São Paulo, Salvador, Recife entre outras. Evidenciava-se uma nova ordem, pois as cidades, em especial seus centros, deveriam exibir a aparência de bela e higiênica. Reportando-se ao contexto paulistano, Frúgoli,132 elucida que a partir do Século XIX, com o fim da escravidão e a necessidade de grande mão-de-obra para suprir as indústrias, afloram-se a presença popular na cidade. Delineia-se, assim, um novo quadro social: negros, imigrantes estrangeiros, mulheres, crianças, comerciantes passam a figurar os espaços públicos. Esses novos atores sociais são fortemente reprimidos pelo poder público, através de intervenções saneadoras, que objetivavam segregá-los em espaços circunscritos. Ocorre, portanto, uma notória separação com a concentração das camadas sociais de baixa renda em bairros operários. Ou seja, mesmo apresentando traços de ocupação popular, o centro tradicional abrangia tipos de usos destinados ao grupo social de maior poder 132 FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 22-23. 121 aquisitivo. Situação que persiste até as primeiras décadas do Século XX, quando o centro torna-se um local heterogêneo, deteriorado e popularizado, sendo por esse motivo gradativamente abandonado pela elite. As experiências de cidade brasileiras facultam perceber, que mesmo não habitando o centro, a população de alta renda deslocou-se para as áreas vicinais. É ilustrativo a esse respeito à cidade de São Paulo, em que a elite concentrada em áreas centrais como Higienópolis, Pacaembu, Alto de Pinheiros, Jardins entre outros, é muito maior que os que optaram por locais afastados como Granja Viana e Alphavilles. No entanto, o anverso dessa tendência também se faz perceptíveis em algumas capitais, exemplar nesse tocante são as cidades do Rio de Janeiro e do Recife. (VILHAÇA, 2001). Outro aspecto importante diz respeito ao deslocamento dos centros, que seguem na direção ao local de concentração da camada de poder aquisitivo elevado. Dito de outra forma, “outra manifestação da importância dada ao centro pelas camadas de mais alta renda [...] consiste no fato de levarem o centro a se deslocar em sua direção, [...] mesmo quando se afastam dele, esse afastamento seja em parte neutralizado pelo deslocamento do próprio centro na direção dele.” (Ibid., 2001, p. 248-249). Algumas exceções dessa tendência podem ser apontadas como as imediações do Shopping Center Iguatemi em Salvador, o Bairro de Boa Viagem na capital pernambucana, Recife. Na esteira dessas reflexões, referindo-se em um contexto geral, Villaça argumenta que a “proximidade ao centro foi valorizada pela elite urbana em vários períodos da história. Uma possível exceção talvez sejam as metrópoles norte- americanas, [...] que revelaria uma tendência crescente de as camadas de mais alta renda ocuparem os subúrbios.”133 A proximidade com o centro foi valorizada na cidade medieval, na cidade hispano-americana através das Leyes de lãs Índias, em Machu Pichu, em Teotiuhacan ou em Tenochtitlan (no Peru e México pré-colombianos), nas 133 Ibid., 2001, p. 247. 122 cidades latino-americanas e mesmo no Rio de Janeiro de meados do século XIX.134 Nas décadas de 1950 e 1960 os centros das grandes cidades ainda possuíam expressiva relevância no sentido de agregar atividades e comércio. Nesse contexto assiste-se à penetração de altos investimentos de capital imobiliário na substituição das estruturas pretéritas. “Nesse período ocorre o ápice do processo de “americanização” dos velhos bairros centrais na América Latina, onde grande parte do patrimônio histórico construído foi substituída por estruturas modernas.” Momento igualmente de consolidação do processo de esvaziamento habitacional. Desencadeando o padrão do “Central Business Distict”, ou seja, durante o dia grande densidade humana, por causa do período de trabalho, e a noite vazio ou ocupado com atividades de diversão.135 No bojo dessa tendência começam a tracejar os sinais mais forte de abandono pela população mais abastada. O centro, paulatinamente, vai deixando de ser o lugar profícuo de compras, serviços, empregos, lazer e moradia. Em contrapartida surgem os chamados subcentros136 que visam a atender uma clientela de alta renda. Para esses novos espaços deslocam-se os serviços como: cinemas, restaurantes, lojas de artigos de luxo, bancos, escritórios, profissionais liberais etc. Assiste-se nesse horizonte a tomada do centro pela camada popular. As teias que foram tecidas desenham um novo quadro, e na aurora dos anos de 1970, os subcentros atingem seu apogeu – com suas lojas departamentos e seus gigantescos cinemas polarizam uma considerável área de influência. Na mesma esteira visualiza-se a proliferação, nas metrópoles brasileiras, dos shopping centers. 134 VILHAÇA, 2001, p. 247. 135 TREVISAN. Tais. Um porto vazio no centro da capital gaúcha: vazios e proposta para sua revitalização. Salvador: Universidade Federal da Bahia/ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo [Mestrado], 2004, p. 75. 136 Segundo Villaça (2001, p. 293-294), o subcentro consiste numa réplica em tamanho inferior ao centro principal, com o qual concorre em parte sem, a ele se igualar. Atende, no entanto, aos mesmos critérios de acesso. A diferença capital é que o subcentro apresenta esses requisitos apenas para uma parte específica da cidade, ao passo que o centro principal engloba toda cidade. Deve-se, ainda, esclarecer a diferença existente entres estes e os centros especializados – a exemplo da Rua Santa Efigênia, em São Paulo, especializada em material elétrico e eletrônico. Estes centros frequentemente atendem a toda cidade, como o centro principal. No entanto, por causa da sua especialização são usados com menor freqüência e por um menor número de usuários. O centro principal ao contrário exerce uma atração mais constante e intenso de pessoas. 123 Sobre esse aspecto Featherstone (1995, p. 145) esclarece que à medida que as cidades se desindustrializam e se transformam em centro de consumo, ocorre o considerável crescimento do número de shopping centers. Assim, este sucesso das lojas de departamento – o shopping center - possui indubitável poder polarizador e junto com os supermercados e os hipermercados representam, como afirma Villaça, uma grande força de concentração e de rentabilidade espacial. Ou ainda nas palavras de Jean Baudrillard, “há que se ver como centraliza e redistribui toda uma região e uma população, como concentra e racionaliza horários, percursos, práticas.”137 Ora, por isso, não é de se admirar que os hipermercados e os “shoppings vêm apresentando, (...) uma participação significativa no processo de prosseguimento do esvaziamento dos centros principais de nossas metrópoles, embora o declínio desses centros tenha se iniciado antes da vulgarização dos shoppings” (VINHAÇA, 2001, p. 307-308). Vale, ainda, ressaltar que esse leque de transformações contribui expressivamente para o esmaecimento das funções desempenhadas pelo centro. Além disso, a situação de abandono torna-se mais gritante quando o Estado deixa de realizar investimentos na área central. Nesse tocante a cidade de Salvador é emblemática. Com o argumento de que afastando-se do centro atenderia melhor a população como um todo, o Estado optou pela descentralização, promovendo, então, a migração das funções administrativas para um local, na época, deserto. Com a migração das principais atividades administrativas, comerciais e serviços e a facilidade de acesso à nova área, o centro tradicional entra em decadência transformando-se numa área residencial de baixíssima renda, marginalidade e prostituição e numa área comercial para as classes baixas – Avenida 7 de Setembro e a Baixa dos Sapateiros.138 As incontáveis obras, realizadas nos centros de diversas cidades brasileiras, a exemplo do Rio de Janeiro e São Paulo fazem pensar que “não foi por seu ‘envelhecimento’ que o centro principal foi abandonado. Se conviesse às 137 BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Editora Relógio D´Água, 1991, p. 97. 138 PINHEIRO, Eloísa Petti. Dois Centros, duas políticas, dois resultados. X Colóquio Internacional de Geocrítica: Diez Años de câmbios em El mundo, em La Geografía yem las Ciências Sociales, 1999-2008. Barcelona: Universidade de Barcelona, 26 – 30 de maio de 2008. 124 burguesias continuar a usá-lo, elas o teriam renovado e aprimorado, como, aliás, já haviam feito no passado, em inúmeros casos.”139 No cenário mundial, nos anos de 1960, as preocupações sobre os centros urbanos ganham robustez. As concepções modernas de cidade, o urbanismo racionalista e, sobretudo, o zoneamento funcional – a divisão do território em diferentes áreas e distintas funções que nelas aconteciam, das quais se destacam trabalhar, habitar, circular e o lazer – é alvo de inexoráveis críticas. Desenha-se nesse limiar a compreensão de que o zoneamento funcional promove o esmaecimento das funções nas áreas residenciais, além de favorecer o afastamento entre as habitações e áreas centrais. O efeito mais notável desse tipo de planejamento seria o esmorecimento da animação social no centro após o período de trabalho. Começa a considerar-se que o centro da cidade se caracteriza pela sua cultura, ética, valores e instituições, vividos no quotidiano, e não apenas pelos aspectos econômicos e sociais. Os críticos do funcionalismo chamam a atenção para o fato de aquela abordagem se limitar a determinadas funções ignorando os aspectos lúdicos e simbólicos, designadamente. (FERREIRA, 1999-2000, p. 118). Então, na segunda metade do Século XX, abre-se as cortinas para um novo entendimento sobre o centro da cidade, mudam-se substancialmente o planejamento e as políticas. Nesse compasso as palavras que embalam essas novas elaborações são: recuperar, preservar e requalificar os espaços e usos. No rastro dessas alterações a cidade de Tours é ilustrativa, algo que será tratado na segunda parte dessa tese. Cumpre ainda dizer que é igualmente nos anos de 1960, que ganha fôlego a compreensão da urbe como objeto patrimonial. Expande-se igualmente o conceito do que seria patrimônio. 139 VILLAÇA, 2001, p. 279. (Grifo conforme original). 125 Capítulo IV Patrimônio e Centro Histórico Após a Revolução Industrial, a noção de patrimônio passar a enfeixar obras construídas, o que significa dizer, que o tecido urbano é inserido nessa nova ordem, algo que era antes restrito aos monumentos, como foi explicitado anteriormente. A discussão tecida sobre o patrimônio ganha pujança nos estudos sobre o urbano, guardando íntima relação com as formas de perceber as cidades na contemporaneidade. Uma contextualização parece necessária para estabelecer-se um fio-guia que conduza ao melhor entendimento do objeto apresentado. Devido a sua complexidade e importância a escrita debruça-se, mormente, sobre a temática do patrimônio, expondo-se de modo sucinto, suas implicações nas intervenções e usos dos centros das cidades. Pedro Paulo Funari e Sandra Pelegrini,140 na obra “Patrimônio histórico e cultural”, apresentam um rico panorama sobre o percurso do patrimônio no contexto mundial, lançando luz sobre o conceito tão em debate na atualidade. Os autores esclarecem que patrimônio é um vocábulo de origem latina patrimonium, que se referia entre os romanos a tudo que pertencem ao pai. Sobre esse aspecto Françoise Choay esclarece, Patrimônio. Esta bela e antiga palavra estava, na origem, ligada às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade estável, enraizada no espaço e no tempo. Requalificada por diversos adjetivos (genético, natural, histórico, etc.) que fizeram dela um conceito "nômade", ela segue hoje uma trajetória diferente e retumbante. Patrimônio histórico. A expressão designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam por seu passado comum: obras e obras-primas das belas-artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos. Em nossa sociedade errante, constantemente transformada pela mobilidade e ubiquidade de seu presente, "patrimônio 140 FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006, p. 10-11. 126 histórico" tornou-se uma das palavras-chaves da tribo midiática. Ela remete a uma instituição e a uma mentalidade.141 Da origem até hoje, o termo sofreu expressivas alterações, mas foi com o surgimento dos Estados nacionais que desencadeia-se uma transformação radical no conceito de patrimônio. Nesse tocante o exemplo mais fecundo de criação do Estado Nacional seria a França, a partir de 1789, a história revela que não foi fortuito o desenvolvimento do moderno conceito em solo francês. A Revolução Francesa veio desfalecer com as bases do antigo regime. Com o advento da República tornou-se imperioso criar cidadãos, valores, costume, uma língua, uma cultura e origem supostamente em comum. Para que isso fosse perenizado políticas educacionais que difundissem, inclusive entre as crianças, foram empreendidas com o intuito de imbuir desde a mais tenra idade a ideia de pertencimento a uma nação. “Assim, começa a surgir o conceito de patrimônio que temos hoje, não mais no âmbito privado ou religioso das tradições antigas e medievais, mas de todo um povo, com uma única língua, origem e território.” (FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 17). Em meio às lutas que marcaram a Revolução Francesa, criou-se uma comissão incumbida da preservação dos monumentos nacionais, cujo propósito era salvaguardar o que seria representativo da incipiente nação francesa e sua cultura. Apesar de iniciativas desta natureza, a legislação protetora do patrimônio só surgiu na França em 1887, sendo completada por uma legislação na aurora do Século XX, em 1906. “Essas e outras disposições legais, na França, voltavam-se para limitação dos direitos de propriedade privada, em benefício do patrimônio nacional, de acordo com a tradição do direito romano.” Em outros países de tradição latina, a trajetória é semelhante, como no caso do Brasil.142 Tanto a tradição pautada no direito romano, que orienta o entendimento sobre o patrimônio na França e Brasil, como nos países de direito consuetudinário, anglo-saxão, o patrimônio é entendido como um bem material concreto, bem como os 141 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p. 11. 142 FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 19. 127 objetos de valor material e simbólico para a nação. A rigor possuem, igualmente, a compreensão de que existem valores comuns, compartilhados por todos que se unificam no concreto. Afora, aquiescem que aquilo que é considerado patrimônio é o belo, excepcional e que, portanto, representam a nacionalidade. Por fim, ambas as concepções preocuparam-se em criar instituições patrimoniais e legislação específica. Cabe, ainda, frisar, que a ênfase no patrimônio nacional ganhou mais relevo no período compreendido entre os anos de 1914 a 1945, quando o mundo assistiu a eclosão de duas grandes guerras, desencadeadas pelo impulso do nacionalismo. No pós-guerra, novos e relevantes agentes sociais destacam-se no cenário internacional, registrando com isso, a decadência dos modelos nacionalistas que enfocaram um patrimônio homogêneo. As experiências fermentadas no mundo, nesse período, – criação de movimentos sociais –, acentua o ímpeto de se valorizar a diversidade nas sociedades. Remetendo-se a esse período Françoise Choay, discorre que na França logo depois da Segunda Guerra Mundial, o número de bens que foram inventariados decuplicara. Envolvendo todas as formas de arte, o domínio “patrimonial não se limita mais aos edifícios individuais; ele agora compreende os aglomerados de edificações e a malha urbana: [...] casas e bairros, aldeias, cidades inteiras, [...] conjuntos de cidades, como mostra ‘a lista’ do Patrimônio Mundial estabelecida pelo Unesco.”143 Na esteira desses acontecimentos a definição do que seria um patrimônio dilata-se. Em meados da década de 1950, ocorre a inclusão não somente da cultura, como também do meio ambiente, grupos sociais e locais como proteção do patrimônio. Com o despertar para a importância da diversidade, já não fazia sentido valorizar apenas, e de forma isolada, o mais belo, o mais precioso ou o mais raro. Ao contrário, a noção de preservação passava a incorporar um conjunto de bens que se repetem, que são, em certo sentido, comuns, mas sem os quais não pode existir o excepcional. È nesse contexto que se desenvolve a noção de imaterialidade do patrimônio. (FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 24-25). Em 1972 é realizada a primeira conversão sobre o patrimônio mundial, cultura e natural adotada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a 143 CHOAY, 2001, p. 13. (Grifo conforme original). 128 Educação, a Ciência e a Cultura). Desse ponto crucial passou-se a considerar que os sítios manifestados como patrimônio da humanidade pertenciam a todos os povos do globo. A partir disso, o reconhecimento de um sítio como patrimônio mundial tem tornado um atrativo cultural e econômico, acentua-se com isso, o fluxo de turismo. Conforme destaca Beatriz Kara José (2007), desde meados da década de 1960, vem desenvolvendo-se, no Brasil, a política de preservação do patrimônio histórico associada a política de desenvolvimento turístico. Em alguns momentos essa política amalgama-se a meta de dinamizar a economia urbana e reverter o quadro de degradação de diversas cidades. Já nos anos de 1990, esses objetivos imbricam-se a uma nova regência, que se desenha com a perspectiva de modernização produtiva e a competição do país no mercado internacional. Nesse sentido, a indústria do turismo ganha extraordinário destaque, sendo inserido nos planos de desenvolvimento do país, tornando-se, portanto, setor estratégico. No rastro desse novo processo, os investimentos em recursos, tendo em vista a melhoria da infra- estrutura para o turismo, inserem a recuperação do patrimônio histórico. Esse processo, que ganha corpo, na conjuntura atual, comumente batizado de patrimonialização e estetização urbana, abordado por Henri-Pierre Jeudy (2005), em sua obra “Espelho das cidades”, estão imiscuídas as novas estratégias de marketing, “ditas de revitalização, que buscam construir uma nova imagem para as cidades contemporâneas que lhe garantam um lugar na nova geopolítica das redes internacionais.”144 Fenômeno estes que “os centros históricos não escapam” (PEIXOTO, s.d.). Cumpre assinalar que essa “reinvenção do patrimônio” (BOURDIN, 1984), vem operando-se em escala global. Um exemplo da operacionalização deste fenômeno é a conexão estabelecida entre cultura e publicidade. [...] A cultura recebeu um papel proeminente, sugerindo consistência e responsabilidade social a uma marca que invista neste campo. Esta perspectiva, do imagemakeing, transcendeu os produtos industrializados, passando a condicionar ações em outros âmbitos, inclusive no da cidade. (KARA-JOSÉ, 2007, p. 21). 144 JACQUES, 2005, p. 9. 129 O novo quadro que se desenha insere-se na lógica contemporânea do consumo cultural urbano, em que a cultura, patrimônio (e tradições), passam a ser moeda de altíssimo valor. No que concernem às cidades, essa realidade é tecida com iguais propósitos, a competição especialmente por turistas e investidores estrangeiros, mobiliza os governos em esforçar-se para vender a imagem de suas cidades. As especificidades de cada urbe adquirem notoriedade, uma vez que, as cidades passam a seguir um modelo homogeneizador, impingido pelos financiadores multinacionais dos gigantescos projetos urbanos. O modelo de gestão patrimonial mundial, por exemplo, segue a mesma lógica de homogeneização. Ao preservar áreas históricas, de forte importância cultural local, utiliza normas de intervenção internacionais que não são pensadas nem adaptadas de acordo com as singularidades locais. Assim, esse modelo acaba tornando todas as áreas – em diferentes países, de culturas das mais diversas – cada vez mais semelhantes entre si. Seria um processo de museificação urbana em escala global: e os turistas acabam visitando as cidades do mundo todo como se visitassem um único e grande museu. (JACQUES, 2005, p. 10). Dito em outras palavras, o crescimento do processo de homogeneização simbólico e cultural, engendrado com o desenvolvimento em esfera mundial dos conglomerados midiáticos, mobilizou os grupos políticos em todo o globo a efetivarem ações em torno da valorização dos distintivos culturais, imprescindíveis na formulação do sentimento de pertencimento. Esse conjunto de transformações acaba resultando em uma paradoxal discussão: de um lado a padronização cultural, do outro a autenticidade das culturas. Nesse sentido, a valorização do patrimônio desponta como a “palavra mágica” ou a “expressão-chave” (CHOAY, 2001). No entrecho das cidades latino-americanas, como salienta Funari e Pelegrini, a valorização do patrimônio cultural e a necessidade de reabilitar os centros históricos, estão inseridos nas páginas do debate acerca do desenvolvimento sustentado, pois esses “centros representam a síntese da diversidade que caracteriza a própria cidade.” (2006, p. 29). Ou, ainda, para usar a expressão de Sharon Zukin, “o centro histórico é um fragmento fundamental da memória pública.”145 145 ZUKIN, Sharon. Paisagens do Século XXI: notas sobre a mudança social e o espaço urbano. In.: ARANTES, Antonio Augusto (Org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000, p. 109. 130 Vista por esse ângulo, a reabilitação dos centros históricos, além de potencializar a identidade coletiva dos povos e promover a preservação de seus bens culturais – materiais e imateriais – pode contribuir para o desenvolvimento econômico e social e, ainda, otimizar os custos financeiros e ambientais do desenvolvimento urbano, através do aproveitamento da infra-estrutura de áreas centrais e do incremento da indústria turística.146 Até mesmo nos países da Europa, as políticas sistemáticas de recuperação de centros históricos são recentes, adquiriram proeminência com as reflexões suscitadas pelo desenvolvimento do urbanismo moderno. Assim, nas décadas de 1970 e 1980, assiste-se a um novo processo, o nexo entre o patrimônio histórico com a indústria da cultura, transformando-os em produto de consumo. Nesse mesmo compasso, nas cidades europeias e americanas, uma nova experiência passa caracterizar as medidas de intervenções governamentais, a saber: as políticas de gentrification. Esse processo diz respeito a uma nova tendência mundial, fruto da desindustrialização das urbes e da resultante crise de vitalidade econômica de certos espaços da cidade. Autores como Zukin (1995), Featherstone (1995), Leite (2004), Bidou-Zachariasen (2003) e Harvey (1983, 1996) ente outros, vêm dando indubitável contributo para compreensão dessa temática. Esse modo de intervenção, inaugurada nos Estados Unidos, ganhou eco também em cidades europeias e na América Latina. Como se pode notar, o “processo em questão é claramente um fenômeno mundial, ocorrendo em cidades de diferentes países como Espanha, EUA [Estados Unidos], Canadá, Austrália, África do Sul, Japão, Portugal, Argentina, França, entre outros.”147 No Brasil são ilustrativas, nesse tocante, os Centros Históricos das cidades do Recife, Salvador, São Paulo entre outras e na França pode-se citar os exemplos de Lyon, Tours e Paris. Já em solo francês os “processus de 'gentrification' perceptibles dans de 146 FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 29. 147 SILVEIRA, Carlos Eduardo Ribeiro. Processos de gentrificação: a (re)organização espacial nas cidades, a construção de territórios e a questão do espaço como um sistema informacional. VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação: debates em museologia e patrimônio. Salvador: Universidade Federal da Bahia-UFBa, 28 a 31 de out. de 2007, p. 7. Disponível em: http://www.enancib.ppgci.ufba.br/artigos/DMP--184.pdf. Acesso em: 5 de maio de 2009. 131 nombreuses villes participent de celles-ci.”148 Anne Clerval em seu texto «Gentrification» chama a atenção para o fato de que na Europa continental esse processo começou a ser estudado a partir dos anos 1960-1970, notadamente em torno do Centre de sociologie urbaine de Nanterre, que estudou e criticou profundamente as operações de renovação realizadas pelo Estado na região de Paris. No entanto, a noção de gentrificação não foi utilizada até recentemente na literatura francesa. Clerval elucida que somente nos anos 2000, um primeiro livro sobre a gentrificação foi publicado em francês. "C’est seulement en 2003 qu’un premier ouvrage lui est explicitement consacré, solidement appuyé sur un article de N. Smith traduit en français (Bidou-Zachariasen, 2003) et qu’une entrée lui est attribuée dans deux dictionnaires"149 científicos. Ainda sobre essa perspectiva a autora acrescenta que na França o termo se limita a esfera científica e é pouco usado pelos meios de comunicação, “qui préfèrent parler des “bobos” ou de “boboïsation”; paré de l’aura des mots anglais, il ne semble pas faire polémique.”150 Ce n’est donc que très récemment que la notion de gentrification suscite l’intérêt de chercheurs français (Bidou-Zachariasen, 2003; Simon, 2005; Fijalkow et Préteceille, 2006), principalement en sociologie urbaine. Parallèlement, l’embourgeoisement de Paris semble autant aller de soi qu’il est peu étudié en réalité. Depuis les années 1980, les travaux qui y sont consacrés sont rares. En outre, un hiatus existe entre les recherches statistiques menées à l’échelle de toute l’Île-de-France (Préteceille et Rhein, op. cit.) et les enquêtes de terrain limitées à un seul quartier. Parmi ces dernières, certaines avaient pourtant cerné – sans toutefois le nommer – les prémices d’un processus de gentrification à Paris (Chalvon-Demersay, 1984; Bidou, 1984, Simon, 1994). Depuis, l’appréhension du processus se limite à des mémoires de maîtrise ou de master 148 BIDOU-ZACHARIASEN, Catharine; HIERNAUX-NICOLAS, Daniel; D’ARC, Hélène Rivière (Dir.). Retours en ville: des processus de « gentrification urbaine aux politiques de «revitalisation » des centres. Paris: Descartes & Cie, 2003, p. 9-10. 149 CLERVAL, Anne. La gentrification à Paris intra-muros: dynamiques spatiales, rapports sociaux et politiques publiques. (Doctorat de géographie, d’aménagement et d’urbanisme). Paris: Université de Paris 1 – Panthéon Sorbonne; École Doctorale de Géographie de Paris (ED434), 2008, p. 17. Disponível em: http://tel.archives-ouvertes.fr/docs/00/34/78/24/PDF/These_Anne_Clerval_2008.pdf. Acesso: dez. 2012. 150 CLERVAL, Anne. Gentrification. Hypergeo. Disponível: http://www.hypergeo.eu/spip.php?article497. Acesso em: jul. 2013. 132 (Feger, 1994; Djirikian, 2004; Mandel, 2005) et à un rapport de recherche (Bacqué, 2005), toujours concentrés sur un seul quartier.151 O termo gentrification, foi empregado pela primeira vez na aurora da década de 1960, pela socióloga Ruth Glass, para denominar o conjunto de expulsões da população de baixo poder aquisitivo que residiam em áreas centrais da cidade, e sua substituição por moradores de classe média. Ocorrendo, assim, a renovação das habitações, alterando profundamente a forma e o conteúdo social desses espaços urbanos. (SILVEIRA, 2007, p. 7). Catharine Bidou-Zachariasen, na obra “Retours en ville”, apresenta importante contributo sobre a temática e esclarece que, Longtemps ce processus de ralliement des centres est resté un mystère pour la theorie économiques de la localisation résidentielle qui considérait que les quartiers centraux devenaient, au fil fu temps, de moins en moins attractifs pour les ménages solvables. Puis, étant donné sa persistance et son extension, des explications en ont été proposées. La littérature qui a été consacrée à ce processus urbain – à l’image de la plupart des travaux en sciences sociales – s’organise selon deux tendances : une partie opte pour un cadre explicatif relevant du structurel (poids économique de la promotion immobilière par exemple et rôle de la rent gap ou « différentiel de loyer » : Smith, 1979, 1982, 1987 a et b). Une autre partie replace le phénomène par rapport à une stratégie des acteurs, et même des acteurs individuels (Ley 1981, 1986), correspondant à une attirance pour des modes de vie et de consommation qu’autorise l’habitat en centre-ville. Mais tous ceux qui ont traité de la gentrification la replacent aussi dans le contexte de la transformation des formes familiales, de l’accroissement du nombres des femmes au travail, la fréquence des ménages à double salaire et la montée de l’individualisation des modes de vie. (2007, p. 11). Bidou-Zachariasen diz ainda que são igualmente copiosos os autores que vinculam esse processo urbano, e de modo central, a ascensão das classes médias superiores, crescimento este que remota ao início do século XX nos países industrializados e que acelera na fase de pós-industrialização. Acrescenta ainda que uma parte dos que se dedicam a temática utilizam o termo pós-fordismo.152 Na trilha dessas alterações, áreas centrais e portuárias, antigas fábricas 151 CLERVAL, 2008, p. 5. 152 BIDOU-ZACHARIASEN, 2007, p. 11-12. 133 tornam-se alvos de medidas de revitalização e enobrecimento. De modo geral, essas locais passam a ser habitadas pela camada social de maior poder aquisitivo, formando com isso, novos enclaves residenciais. Vale à pena lembrar que, comumente, o desdobramento desse processo, provoca a retirada dos moradores mais pobres. Antigas áreas “marginais” das grandes cidades vão transmudando em complexos centros de lazer, com sofisticados bares, restaurantes e galerias de arte. Numa apropriação quase privada do espaço urbano, essas práticas segmentam áreas centrais das cidades históricas e as transformam em cenário de disputas por um fragmentado espaço de visibilidade pública. Sobretudo para a crítica pós-moderna (Harvey, 1992), essa noção de fragmentação urbana tem sintetizado esse caráter especializado das relações sociais na experiência urbana contemporânea.153 Sob essa lógica, a associação dos bens culturais ao valor de mercado corroborou para alavancar o consumo cultural e para converter a paisagem construída em marketing citadino, isto é, transformar a cidade em mercadoria de consumo. “Criou-se um simulacro de preservação, uma vez que, não raro, a intervenção nos conjuntos históricos limitou a recuperar apenas a plasticidade expressa no traçado e nas características estéticas das construções.”154 No encalço dessa candente propensão, voltada para o consumo cultural, surge a cidade da ‘festa-mercadoria’. Essa nova (velha) cidade folcloriza e industrializa a história e a tradição dos lugares.”155 É sob essa nova lógica que se estabelece o engate entre a imagem criada para atração turística e “lugares- espetáculos.”156 Aqui, torna-se oportuno, uma breve exemplificação desses ditames. Serpa, remetendo-se ao contexto francês afirma que, Na França, um dos principais destinos turísticos do mundo, os pátios das igrejas, dos castelos e das fortificações tornam-se lugares privilegiados e cenários naturais para a realização de espetáculos musicais e teatrais, com a participação, não raro, das populações locais em costumes “de época”. A estação de festivais de teatro de rua no país se inicia em Bourges para terminar em Aurillac, passando por Annonay, Châlon-sur-Saône, Belfort, La Rochelle e 153 LEITE, 2004, p. 20. 154 FUNARI; PELEGRINI, 2006, p. 52. 155 SERPA, 2007, p. 107. (Grifos conforme original). 156 Id., 2007, p. 107. 134 Nyons. A dimensão popular dessas manifestações culturais se opõe a caráter “tecno-cientifico” dos modernos complexos culturais (teatros, salas de concertos e óperas, cinemas multiplex), mas ambos participam da instrumentalização cultural da cidade contemporânea. Desse modo, a cidade-festa vai substituindo pouco a pouco a cidade-máquina, transformando todo o espaço urbano em equipamento cultural. (2007, p. 107-108). De acordo a inclinação contemporânea em que a cultura tornou moeda rentável, e o consequente engate do patrimônio cultural com as estratégias para alavancar o turismo, vem tornando os centros históricos das cidades espaços para o consumo cultural. Diversas cidades, em maior ou menor grau, estão passando por esses processos, como o caso de Paris, Tours, Lille, Lyon, na França, e os exemplos de Diamantina, São João Del-Rei, Salvador, Recife, João Pessoa, Paraty – no Brasil. 4.1. “A Descoberta do Brasil”: noção de patrimônio O período que marca a passagem do Século XIX para o Século XX abre as cortinas para um cenário pintado com profundas mudanças que reverberaram em escala global, imiscuindo-se os diversos contextos: social, político, econômico e cultural. O processo de transformação alavancado pelo avanço tecnológico, pela introdução de novas formas técnicas e ampliação dos investimentos do capital desenha uma nova fisionomia mundial. Além disso, dilata-se a produção em massa e o aumento dos estímulos sensoriais, que alimentam novos desejos de consumo. No cerne dessas elaborações visualiza-se o frenético crescimento urbano, com a formação das grandes metrópoles e o desenvolvimento de inauditas formas de sociabilidades, resultantes da vivência do tempo livre. Os desdobramentos das inovações técnicas e a formação de novas ambiências de convivência, inaugurado nas cidades, assinala uma cultura marcada pelo entretenimento – novas opções de lazer a exemplo do cinema, parques de diversões etc. Mudanças irreversíveis igualmente são tecidas com a chegada dos novos meios de transportes e de comunicação, como o avião, os carros, trens expressos, o telefone, o telégrafo, destaca-se ainda nesse painel de mutações a energia elétrica (usos de novos 135 utensílios eletrodomésticos), a fotografia e o cinema. Ora, todo esse fecundo cenário engendrou uma atmosfera marcada pela expectativa de criação de um mundo com melhores condições de vida. Assim, essa constelação de transformações encontra-se ainda embalado por um pujante sentimento nacional. Nutrido por esse clima nações são geradas. No rastro dessa propensão, as nações são movidas pela dicotomia do mundo que cria novas relações, se integra e se conhece, mas que, por outro lado, elabora caminhos alicerçados pelas heterogeneidades, em que as diferenças levam ao estranhamento. Nesse compasso ganha nitidez a construção de “histórias nacionais que se materializavam em “patrimônio nacionais” a serem protegidos da destruição, como legado de um tempo – passado – às gerações futuras.”157 A necessidade de proteger e conservar o “patrimônio nacional’, processo detonado pela Revolução Francesa, enraizou-se paulatinamente no mundo ocidental com a criação das nações. Essa necessidade tornou-se quase tão natural e reconhecida quanto a própria ideia de “nação” (Handler, 1988), a tal ponto que, apesar das lutas travadas em torno de sua designação e de sua legítima propriedade, não mais se questionaram as motivações históricas que a engendraram. A noção de patrimônio então concebida estava irremediavelmente atrelada ao surgimento dos Estados nacionais modernos, e ao processo de construção da nação a ele inerente, em que se verifica um enorme investimento na invenção de um passado nacional. (CHUVA, 2009, p. 30). Não alheia a essa reluzente inclinação, o Brasil, através de iniciativa do Estado, inicia o processo de elaboração de uma concepção de cultura, tendo como pilar a ideia de nação, “construída pelas políticas oficiais e práticas de preservação.”158 Almeja-se, portanto, nesse contexto, a formulação da identidade nacional. Assim, as discussões em torno dessas concepções entrelaçam-se com a preocupação em pensar o ‘Brasil-Nação, sua identidade nacional e sua cultura no contexto pós-abolicionista, republicano e capitalista’. (LEITE, 2004). 157 CHUVA, Márcia Regina. Os arquitetos da memória: sociogenese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930 – 1940). Rio de Janeiro: Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009, p. 43. 158 LEITE, 2004, p. 48. 136 Seguindo essa senda, as práticas de preservação cultural no Brasil busca promover a integração cultural e territorial. Por ser primordial a definição do patrimônio histórico e artístico nacional, cria-se, de acordo com a política nacionalista do Estado Novo, o SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1937, através do decreto Lei No 25, sob a regência de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde, do Governo Getúlio Vargas. Iluminado pelos ideais modernistas da Semana de Arte Moderna, ocorrida em São Paulo em 1922, o SPHAN segue o caminho delineado pelo Movimento Modernista, que além de difundir uma mudança estética, engendra uma nova linguagem e modo de ver e pensar o Brasil e a sua cultura. O Estado Novo consiste um período extremamente fecundo para analisar as relações estabelecidas entre os intelectuais e o Estado. O governo de Capanema, comprometido com a elaboração de uma cultura erudita, congrega intelectuais do movimento modernistas (Carlos Drummond de Andrade, Portinari, Oscar Niemeyer, Mário de Andrade etc.), que são envolvidos com as políticas culturais “em pleno Estado Novo. Tal aproximação [...] iria desenhar a fisionomia conceitual de uma expressão embrionária de cultura nacional e culminar em uma concepção arquitetônica que simbolizasse uma nova tradição brasileira.”159 O grupo de intelectuais modernistas mineiros articulados em torno de Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde de 1934 e 1945, era fortemente marcado por um racionalismo universalista, e tinha na “civilização” seu projeto de modernidade, o que significava participar do concerto internacional das nações modernas, mesmo considerando as especificidades que distinguiriam o “ser brasileiro”. Seria, portanto, o “patrimônio nacional” um elo de integração do Brasil ao mundo civilizado, o que se processou por meio da identificação de valores universais na produção artística colonial herdada pela nação brasileira. “Unificavam-se, assim, nação e cultura, constituindo-se o patrimônio nacional” em peça fundamental no processo de construção da nação.” (CHUVA, 2009, p. 32 – Grifos conforme original). A ideia de patrimônio desenvolve-se como “expressão de um ‘caráter nacional’ ao mesmo tempo histórico e universal.” Assim, ao incorporar o pensamento de unicidade de formas e conteúdo, os modernistas abrem caminho contrário ao estilo 159 LEITE, 2004, p. 49. 137 desenvolvido na Europa, a saber: o eclético. Este estilo era representativo das concepções de modernização para o republicano. Advém da germinação dessas ideias as viagens dos modernistas para o interior do Brasil, sobretudo, para as cidades coloniais de Minas Gerais, “cuja arquitetura barroca poderia expressar o retorno a um passado ‘legitimo’ e representativo de uma originalidade cultural brasileira.” (LEITE, 2004, p. 49 – grifo conforme original). Outras regiões do país receberam as visitas de Mário de Andrade. Em solo paraibano o modernista fez anotações admiráveis sobre a Igreja de São Francisco de Assis, localizada em João Pessoa: “estou assombrado. Do Nordeste à Bahia não existe exterior mais bonito nem mais original que este. E mesmo creio que é a igreja mais graciosa do Brasil – uma gostosura que nem mesmo as sublimes mineirices do Aleijadinho vencem em graciosidade.” Além disso, Mário de Andrade fez registro na Paraíba, com certo detalhe, sobre o grupo carnavalesco dos caboclinhos.160 As idas e vindas dos modernistas pelos lugares recônditos de Minas Gerais viabilizou a valorização da tradição, um resgate do passado, cujo símbolo maior foi o barroco mineiro. O grupo de modernistas – Mario de Andrade, Oswaldo de Andrade, Rodrigo Franco, Tarsila do Amaral, Lúcio Costa – visitaram as cidades do ouro, quais sejam: Sabará, Ouro Preto, Tiradentes, São João Del-Rei entre outras. Não foi fortuito, entretanto, que em 1933, se deu na cidade de Ouro Preto, a primeira ação de preservação em solo brasileiro. Ouro Preto torna-se o emblema, o parâmetro arquitetônico que “representariam a ideia de nação”. A cidade “tornou-se, assim, uma espécie de laboratório prático das referencias conceituais que o próprio SPHAN tentava construir. [...] tornou-se um mito fundante, espécie de centro exemplar da própria ideia de Brasil.”161 Fato esse ainda mais incentivado com a descentralização das políticas de preservação no Brasil. Nos anos de 1970, o SPHAN viu-se impossibilitado de 160 ANDRADE apud ANDRADE, Maristela Oliveira de. A viagem de Mário de Andrade ao Nordeste: Missão cultural e pesquisa etnográfica. Cadernos de Estudos Sociais. Recife, v. 25, n. 2, p. 171- 182, jul./dez., 2010, p. 177. 161 LEITE, op. cit., p, 50. 138 manter com recursos federais, a agenda de conservação e manutenção do acervo brasileiro. Outro fato marcante é que os anos pós 1970 consistem o momento em que floresce o avanço teórico em relação à preservação. “Minas Gerais passa a concentrar o maior número de sítios reconhecidos pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade, Ouro Preto, Diamantina, e Congonhas do Campo, um grande peso na configuração do Circuito das Cidades Históricas Mineiras.” (COSTA, E., 2007, p. 35). Nesse sentido dois eventos principais influenciam sobremaneira os novos rumos do processo de preservação do patrimônio no Brasil, a saber: a realização dos Encontros dos Governadores, ocorridos em 1970 em Brasília e em 1971 na cidade de Salvador – momento em que foram gizados os novos princípios de preservação levando-se em consideração a participação dos estados. Estes eventos basearam-se nas diretrizes sublinhadas na Carta de Veneza (1964), que tinha como base o nexo entre a preservação do patrimônio e estratégias de planejamento urbano. Diante do breve encadeamento cumpre salientar que a Carta de Veneza já destacava a importância de desenvolver cuidados especiais e de preservação com os centros históricos das cidades. É sob esse novo enfoque que redefinem-se as ações de preservação no Brasil. Daí decorre, igualmente, a incorporação das práticas de preservação as políticas urbanas e o conúbio com o desenvolvimento regional e local. Chega-se, assim, ao novo ponto conceitual, que desfoca da ideia da preservação relacionada à formação da nação e passa a adotar outra concepção teórica “a valorização do patrimônio como recurso para o desenvolvimento das cidades históricas.” (LEITE, 2004, p. 58). Cumpre salientar que essa “orientação econômica nas políticas de patrimônio, [...] representa também uma reformulação da noção de lugar.”162 Já ao entardecer do século XX, aprofunda-se outra realidade, o nexo entre cultura e mercado, e os centros históricos passam a ser alvo de projetos de revitalização urbana “de caráter patrimonial. [...] A maior parte desses projetos repete 162 Ibid., 2004, p. 60. 139 a mesma fórmula, sem questionamento crítico: patrimonialização, estetização, especularização, padronização dos espaços, e o que é pior, gentrificação.”163 A adoção da arquitetura do período colonial como a “representante ‘genuína’ das origens da nação”,164 significou também a adoção de um estilo, ao estabelecer as linhas a serem seguidas para as novas construções realizadas no Centro Histórico de Ouro Preto. Assiste-se, ainda, nesse limiar, a partir dessa ‘redescoberta’ do Brasil, a introdução de cidades históricas no cenário do turismo. 163 JACQUES, 2005, p. 11–12. 164 CHUVA, 2009, p. 48. 140 Capítulo V Antecedentes históricos da formação das cidades no Brasil Quem caminha pelos Centros Históricos de ruas estreitas e sinuosas, talvez não tenha em mente o acúmulo de experiências que foram passadas de geração em geração e que materializaram no espaço a paisagem observada. É até comum escutar a frase de que os portugueses não tiveram o desvelo em erigir as cidades, deixando o acaso gerir. A traça, no entanto, revela o legado do modo como povos pretéritos concebiam as cidades, uma dupla origem, como bem elucida Paulo Santos, a informal da Idade Média e a formalizada da Renascença.165 Outras opiniões vestem essa compreensão, existindo os que defendem o ponto de vista de que as cidades eram feitas sem nenhuma ordem, como bem assevera o grande historiador Sérgio Buarque de Holanda, em sua clássica obra Raízes do Brasil. Segundo Holanda, ação reversa animou a fundação de cidades espanholas na América Latina, marcadas pelo zelo minucioso e previdente. “As ruas não se deixavam modelar pela sinuosidade e pelas asperezas do solo; impõem-lhes antes o acento voluntário da linha reta.”166 Para Paulo Santos, cidades como Diamantina, Serro, São João Del-Rei, Mariana, Paraty etc. são mais significativas do que as cidades brasileiras regulares e retilíneas que foram construídas depois da Independência, como a capital mineira, Belo Horizonte. Sob esse aspecto explana o autor: É naquela aparente desordem, [...] existem uma coerência orgânica, uma correlação formal e uma unidade de espírito que lhe dão genuinidade (Tábua IIIa). Genuinidade como expressão espontânea e sincera de todo um sistema de vida, e que tantas vezes falta à cidade regular, traçada em rígido tabuleiro de xadrez. Esta, dado o processus mesmo de sua criação, há de ser, necessariamente, produto de uma ideia preconcebida com que o projetista pretende, não raro artificiosamente, ordenar, disciplinar, modelar a vida que nela vai ter lugar. (SANTOS, P., 2001, p. 18). 165 SANTOS, P., 2001, p. 17. (Grifos conforme original). 166 HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 96. 141 Atentos a tal conluio, Veríssimo, Bittar e Alvarez167 asseguram que a gênese das cidades no Brasil está imiscuída por laços culturais do modelo lusitano, que foi influenciado pela cultura latina, proveniente dos romanos da Antiguidade Clássica. Assim, à luz dessas considerações, Paulo Santos, advoga que a cidade informal possui além de uma ordem e rigor específico, valores singulares. As cidades de origem colonial são tidas, pelo autor, como expressão “da suma de nossa cultura”. (2001, p.18). Paulo Santos, destaca ainda a influência importante dos mulçumanos na arquitetura em Portugal. Embora tal traço seja mais insigne na Espanha, o autor traz a lume que a marca muçulmana se fez presente também nos costumes da população metropolitana portuguesa de tal maneira que o transladar para o Brasil, se fez presente até séculos XVIII e XIX. “É muito expressiva a descrição que faz Vilhena das casas e ruas de Salvador, as primeiras com suas varandas de rótulas (maxarabis), as segundas, estreitas, irregulares, interrompidas por becos e com os característicos passadiços ligando as casas de um e outro lado da rua.”168 Referindo-se a formação das cidades brasileiras, Robba e Macedo, esclarecem que ao traçar um paralelo entre as cidades medievais e os assentamentos coloniais do Brasil, pode-se perceber similitudes na sua organização geral, porque “a colonização portuguesa trouxe arraigadas as tradições urbanísticas da Europa medieval [...] pois estas eram, também, núcleos que se desenvolveram a partir de estruturas religiosas independentes ou a partir de entrepostos comerciais.”169 Ademais, a semelhança ocorre igualmente quando se analisa a estrutura morfológica (ruas tortuosas que convergiam para uma edificação central do assentamento), mas as distinções podem ser constatadas quando leva-se em consideração as funções, usos e apropriação do espaço livre público. 167 VERISSÍMO, Francisco Salvador; BITTAR, William Seba Mallman; ALVAREZ, José Maurício Saldanha. Vida Urbana: a evolução do cotidiano da cidade brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 18. 168 SANTOS, P., 2001, p. 28. 169 ROBBA, Fábio; MACEDO, Sílvio Soares. Praças Brasileiras. 2 Edição. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003, p. 20. 142 Atinente a esse processo, Murilo Marx170 assinala o papel incontestável da Igreja na formação da paisagem dos núcleos urbanos brasileiros. O autor, ressalta que tem-se dado pouca importância, pelos estudiosos da questão a esse aspecto primordial. Observa, contudo, que a influência da Igreja permanece mesmo quando se acentua a secularização e quando advém a República a separação entre Igreja e Estado – apesar dessa ascendência arrefecer ainda mais. Mesmo assim, sua posição geográfica privilegiada se mantém além da significação de seus adros no tecido urbano, bem como as ruas que servem de ligação entre eles. Marx chama atenção, todavia, para outro aspecto importantíssimo para a formação dos primeiros núcleos brasileiros, o fundiário. Interessante notar, nesse particular, que mesmo quando a aglomeração surgia naturalmente, ao longo do tempo, ia transpondo distintas etapas hierárquicas, que eram orientados pela Igreja até o momento de criação do município. Desse modo, seguiam-se os seguintes estágios: uma concentração de casas e uma capela, em seguida capela-curada (ou visitadas por um padre). Em tempo posterior um povoado de certo porte formaria uma paróquia ou freguesia. Alcançadas essas fases, a freguesia aspira a autonomia municipal, que implicará no seu símbolo, o pelourinho, casa de câmara e cadeia. Logo, sede do município e símbolos deverão se conformar- se com templo preexistente. Deste modo, a área mais prestigiada encontrava-se estabelecida, o largo principal erigido. (MARX, 1991). Parece-se incontornável explicitar que na cidade escravista, as famílias abastadas evitavam o contato com as ruas, tendo ainda como traço singular a ausência feminina nos logradouros públicos, salvo em condições especiais como ir à missa e as procissões religiosas. Outro aspecto característico da época era a precariedade das ruas sem calçamento adequado que dificultava o deslocamento e a sujidade que imperava nos logradouros. No entanto, Era sem dúvida a escravidão o fator fundamental a afastar as elites das ruas. A necessidade de reproduzir no cotidiano a dominação senhorial materializava-se, no meio urbano, na recusa do espaço público como ‘locus’ de sociabilidade possível aos homens livres da elite dirigente. Enquanto espaço do trabalho 170 MARX, Murilo. Cidades no Brasil: terra de quem? São Paulo: EDUSP, 1991, p. 11-13. 143 braçal, isto é, dos negros, as ruas tornavam-se indignas das classes “superiores”, que deviam evitá-las o máximo que pudessem.171 Descortinando essas especificidades na cidade de São Paulo, Rolnik assegura que o centro consiste em um local de moradia e trabalho dos mais abastados; sendo marcado pela presença constante dos escravos e comércio, a exemplo da negra com seu grande tabuleiro. As vistas disso, os logradouros públicos enfeixavam uma mistura de grupos sociais e funções, não obstante, as fronteiras e limites entre os grupos sociais se estabeleciam de modo claro e rijo.172 No entardecer do século XIX, com a abolição da escravatura, em 1888, as cores desse quadro ganham novas matizes, repercutindo profundamente nas atividades agrícolas mantidas devido ao trabalho escravo. Nesse momento o café desponta como produto de grande valor no cenário internacional. Fato esse que repercute nas posições das cidades no plano nacional. Salvador que sofreu com a transferência da capital para o Rio de Janeiro ostentava a posição de segunda cidade brasileira. Mas, enquanto o país trilha os caminhos da industrialização, Salvador sofria com a falta de capital. Nessa nova trama a cidade não teve como acompanhar os novos rumos, justamente, por não ter se modernizado. E nesse limiar assiste-se a cidade esmaecendo sua influência, deixando assim seu posto de segunda cidade do país. É São Paulo, então, que assumirá a nova posição.173 Salvador, vem desde o século XIX agudizando um processo de declínio da economia em relação aos Estados do Centro-Sul do país, como bem pontua Consuelo Sampaio,174 em seu texto “50 anos de urbanização: Salvador da Bahia no século XIX”. No painel das alterações assinaladas, o Estado de São Paulo, destaca-se como grande produtor. Chega-se, aqui, no ponto nodal, a produção e comércio do 171 MARQUES JÚNIOR, Arnaldo Ferreira. Campos, parques, jardim: transformações do espaço público: a Praça Visconde de Mauá em Santos – 1740 a 1940. Dissertação (Mestrado em História Social). São Paulo: Universidade de São Paulo-USP; Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2006, p. 50. 172 ROLNIK, Raquel. São Paulo na virada do século: o espaço político. Espaço & Debate: Revista de Estudos Regionais e Urbanos, São Paulo: Editora Cortez, ano 6. n. 17, p. 44-54, 1986. 173 SANTOS, Milton. O centro da cidade do Salvador: estudos de geografia urbana. Salvador: Edufba, 1959, p. 51. 174 SAMPAIO, Consuelo Novais. 50 anos de urbanização: Salvador da Bahia no século XIX. Rio de Janeiro: Versal, 2005. 144 café desenvolvidos pelo Estado, viabilizou o acúmulo de grandes capitais. Montante que possibilitou o Estado engendrar seu processo de industrialização. (SANTOS, M., 1959). A cidade veste uma nova roupagem com a avalanche de imigrantes, especialmente, europeus que chegam ao país para substituir a mão-de-obra mantida com a escravidão. À lógica econômica da imigração europeia – cafeicultores paulistas conseguiram que o governo provincial subsidiasse a vinda dos trabalhadores – colou-se um discurso político que redefinia os termos da desigualdade social sem, no entanto romper com as premissas etnocêntricas da escravidão. Segundo os fazendeiros, os novos trabalhadores eram livres porque tinham “sangue livre”. Como eram europeus, traziam sua cultura e assim contribuiriam para a necessária ação civilizatória que acompanharia o progresso advindo do café. Assim, a nação se veria livre de escravos, marcados pela barbárie de sua cultura africana e pela vergonha da escravidão. (ROLNIK, 1986, p. 45). Outras cenas, porém, perfilam esse quadro que compõe a vida cotidiana da cidade. A substituição da mão de obra, a expansão industrial e a explosão do café internacionalmente acentuam essas mutações, como bem esclarece Frúgoli, são fatores desencadeadores de uma nova realidade, com afloramento de novos tipos humanos que começam a tracejar a inaudita cena social da cidade: estrangeiros, negros, comerciante, mulheres etc. Não resta dúvida de que esse contexto configurou- se como reverso do período da escravidão, em que visualizava-se uma clara demarcação da esfera pública entre homens escravos e livres. Indo um pouco mais amiúde nos fios desse enredo cumpre dizer que o novo panorama que corroborou com a presença popular nos logradouros públicos, promoveu igualmente a segregação dos grupos em espaços circunscritos. Situação reverberada com as intervenções “saneadoras”, orquestradas pelo poder público, com o fito de dissipar os pobres das ruas centrais.175 Tal tônica foi igualmente privilegiada por Rolnik, no que tange os desdobramentos desse feixe de transformações, afirma a autora, A maior transformação foi sem dúvida, a configurações de uma segregação espacial mais clara: territorial específicos e separados para cada grupo social. Isto de deu através da constituição dos bairros proletários e dos loteamentos 175 FRÚGOLI JÚNIOR, 1995, p. 22-23. (Grifo conforme original). 145 burgueses; da apropriação/reforma do centro urbano pelas novas elites dominantes e através da produção permanente de um paradigma de cidade, contra o qual se definia a marginalidade urbana.176 Costura-se uma nova dinâmica na cidade, se antes o trabalhador habitava junto com o dono da casa, como trabalhador livre passa a pagar aluguel por uma moradia distante da casa do patrão, mas próximo ao local de trabalho. Nesse sentido a segregação espacial fica visível, com territórios distintos, separados e hierarquizados. A camada popular, que envolve os operários vai habitar à margem das ferrovias, em cortiços com vielas serpenteadas e vilas, entrecortado pela acinzentada fumaça desenhada no céu pelas fábricas. Cenário reverso se examina nas alamedas retilíneas, largas, iluminadas e arborizadas ornadas pelos belos palacetes, morada dos ricos. Outros espaços intermediários se formavam como área de transição que medeia os dois ‘mundos’ dos ricos e pobres. No compasso que a zona popular se dilatava, a elite se transferia em uma diáfana demonstração de fuga dos indesejáveis vizinhos. “Os bairros abandonados então se encortiçam e assim sucessivamente...” E nesses ambientes passam a ser emblema de todas as formas de desordem, promiscuidades, imoralidade e sujidade. Dos cortiços irradiaria, então, as epidemias que invadiria a cidade... O espaço estigmatizado justificaria, portanto, a submissão dos habitantes a controles e leis específicas – esses lugares passam a ser disciplinado, invadidos e os moradores doentes eram removidos, tudo em prol da saúde da população.177 Nesse momento chega-se a um ponto crucial, com a fixação da população de baixa renda no centro, o poder urbano passa a orquestrar uma constelação de práticas coercivas e intervenções violentas, que desaguavam em cenas dramáticas como demolições e expulsões dos moradores das áreas centrais – que passam a ser redefinidas. O apelo à salubridade vem justificar as ações que almejam transformar antigas áreas em locais destinados a atividades dos mais abastados. 176 ROLNIK, 1986, p. 45. (Grifos da autora). 177 Ibid., 1986, p. 46. 146 O ônus da modernização atingiu os setores mais pobres da população, afetados com a crise habitacional gerada pelas demolições, pois os vendedores ambulantes foram banidos das ruas, o transporte animal também banido, a prostituição e a mendicância perseguidas, escondendo-se assim a imagem da miséria e da profunda desigualdade social.178 No que diz respeito a essas questões Rolnik traz a lume as seguintes linhas explicativas: essas operações implicam em um deslocamento da população e atividades; mudança de ‘zonas decaídas’ em territórios conquistados/ reconquistados pelo capital. Via de regra a área, objeto de intervenção vai acabar nas mãos dos promotores da reforma ou dos grupos econômicos que os representam. Outro ponto significativo é que as operações podem ser vistas como redistribuição de territórios e redefinição da hierarquia da segregação espacial.179 Assim, na aurora do Século XX, o olhar voltado para a influência cultural, sobretudo, da França e Inglaterra, emerge no Brasil, a necessidade de inserir-se na nova ordem econômica e social tecida desde a virada do Século XIX. Os passos a serem seguidos para alcançar tal objetivo seriam apagar as marcas do Brasil Colonial, sinônimo de atraso. Nesse sentido, as cidades brasileiras foram alvo de reformas urbanas, com forte apelo a modernidade, salubridade e embelezamento. As reformas marcaram as cidades em várias regiões do país. No Rio de Janeiro, então Capital Federal, as reformas urbanas realizadas sob a batuta do engenheiro Pereira Passos, consiste o emblema maior dessa fase. “Proclamada la República a finales del siglo XIX, la adopción del modelo haussmaniano entró en conflicto con el paisaje y la herencia colonial.”180 No rastro do projeto republicano implementado pelas oligarquias cafeeira no poder, a sociedade foi se amoldando ao modelo de desenvolvimento marcado pela intervenção do Estado como agente central no processo de modernização. Inspirados no ideal de progresso, a política das elites engendrou novos parâmetros com o 178 LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Arquitetura do Espetáculo: teatro e cinemas na formação da Praça Tiradentes e da Cinelândia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000, p. 182. 179 ROLNIK, 1996, p. 49-50. (Grifo conforme original). 180 SEGRE, Roberto. Rio de Janeiro Metropolitano: añoranzas de la “Cidade Maravilhosa. Arquitextos. mar. 2004. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.046/599. Acesso em: 05 de abr. 2009. 147 propósito de afirmar o caráter cosmopolita da cidade. Com isso, simultaneamente, projetar uma imagem de credibilidade ao mundo civilizado, o que significava copiar o padrão cultural da Europa.181 No bojo, desse processo surge alterações, não apenas no espaço físico, com o alargamento das ruas que passam a ser ornadas com os novos prédios estilo eclético, formulam-se novos códigos de comportamentos. Se antes a elite esquivava- se das ruas e praças, distanciando-se e muito das formas de sociabilidades que eram vivenciadas na Europa, com o advento da República amplia-se os usos dos espaços públicos – assiste-se inclusive uma maior participação da mulher. Nesse limiar pode- se avistar o nascedouro de inauditas formas como a elite passa a tracejar no espaço público, pois o ideal cosmopolita exigia novos modelos de sociabilidades e condutas. As praças, avenidas e parques são os lugares primordiais onde a burguesia passa a frequentar e exibir seus trajes, acessórios, joias (vindos da Europa) com o intuito de ver e ser vista. Dessa maneira, a “nova imagem desejada pelo poder construiu-se em torno da reforma urbana, de uma nova civilidade e de uma rotina que conduzia as classes privilegiadas a procurarem os espaços públicos, em especial àqueles destinados ao lazer.”182 Torna-se patente que as incontáveis reformas tiveram como escopo apagar as marcas da cidade colonial, transformando-as em cidades republicanas: bela e higiênica. Esse processo alterou “profundamente a face das capitais e cidades modernas e modernizadas brasileiras.”183 Tanto que Freitag compara essas reformas às cidades “feridas” da Europa das duas grandes Guerras Mundiais. Embora as cidades brasileiras nunca tenham sido invadidas por tropas e recebido bombardeios aéreos, foram como que rasgadas, golpeadas, “‘demolidas’ e reconstruídas caoticamente, sem plano, sem previsão sem concepção.”184 Ilustrativo nesse contexto as reformas operadas no “centro da cidade do Rio de Janeiro [que] teve grande parte 181 NOGUEIRA, Sonia Aparecida. Memória e planejamento urbano: um estudo sobre o centro histórico do Rio de Janeiro, no século XX. Rio de Janeiro: UFRJ/ FAU/ PROARQ, 2000. 182 LIMA, 2000, p. 98. 183 FREITAG, 2003, p. 124. 184 Id., 2003, p. 124. (Grifos conforme original). 148 de seus antigos casarões demolidos para dar lugar a largas ruas e avenidas”. Vale a pena dar voz as palavras de Robba e Macedo sobre esse aspecto, Embalados pelas políticas sanitaristas vigentes, o processo de remodelação urbana foi usado como justificativa para expulsar as camadas mais pobres da população que porventura ocupassem as áreas centrais. Em Paris, por exemplo, grande parte do antigo núcleo medieval foi rasgado por boulevard e avenidas arborizadas, muitos imóveis foram demolidos e a população pobre foi desalojada e transferida para a periferia da cidade. A abertura da Avenida Central no Rio de Janeiro seguiu o modelo parisiense não só na questão estética e formal, mas também na questão política. A população pobre, feia e suja que habitava o centro colonial do Rio foi banida, passando a ocupar os morros adjacentes.”185 Assim, o impulso de urbanizar o país caminha no sentido de promover a modernização que passa a ser vista como a chave possível de superação do Brasil arcaico, que estaria amalgamado à hegemonia da economia agroexportadora. Mas esse processo abre as cortinas para uma nova realidade, pois “recria o atraso através de novas formas, como contraponto à dinâmica de modernização.”186 Desse modo, como bem observa Ermínia Maricato, as reformas urbanas no Brasil – impunham mudanças que conjugava embelezamento, saneamento ambiental e segregação territorial – efetivadas desde o anoitecer do século XIX e início do século XX, lançaram as bases de um urbanismo “à moda” da periferia. A população à parte desse processo era expulsa para os morros e franjas da cidade.187 A par dessas transformações, na cidade do Rio de Janeiro, Evelyn Lima, chama a atenção de que a introdução do trabalho assalariado, a partir de 1860, em conjunto com a inexistência de políticas de integração dos escravos libertos agravou as condições de vida na área urbana central, já habitada igualmente por imigrantes. O centro passa a atrair grande número de “preto de ganho”, que ali moram e trabalham como vendedores ambulantes, operários da construção civil e ainda como condutores de veículos. É esse contexto que direciona os pobres a morarem no centro, ao passo que os ricos se deslocam para outros bairros da cidade – zonas sul e oeste. O centro 185 ROBBA; MACEDO, 2003, p. 27–28. (Grifo conforme original). 186 MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. 3 edição. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 15. 187 Ibid., 2008, p. 17. (Grifo conforme original). 149 adquire outra fisionomia, pois nesse contexto funcionários públicos, artesãos, pequenos empresários fixam residência no centro, constituindo uma população independente do mundo agrário e escravagista.188 O quadro pintado, no entanto, não tarda a desbotar e ganhar novas colorações. Enfeixa-se uma nova realidade, o paulatino abandono do centro pela elite, o que favoreceu sobremaneira o processo de degradação desses núcleos originários. 5.1. “Tipologia das cidades” no Brasil e as reformas urbanas Barbara Freitag, em seu artigo “A revitalização dos Centros históricos das cidades brasileiras”, defende a tese de que existe uma “itinerância” das cidades no Brasil e aliado a esse processo acontece concomitante o que a autora denomina de “poderes peregrinos” e “representações nômades”. Explicando sobre os termos a socióloga assevera que é, corriqueiro na história das aldeias, vilas e cidades brasileiras (desde os primórdios da colônia), abandonar ou deixar atrás de si núcleos urbanos criados, para fundar outros, paralelos, transferindo as funções do antigo para o novo. Deste modo, a cidade “abandonada” pode viver um período de estagnação e até mesmo cair no esquecimento. Enquanto isso, a cidade nova, paralela, que passa a assumir as funções político-administrativas, econômicas e comerciais atrai todas as atenções e concentra riqueza e prestígio. É para essas cidades que se dirigem as ondas migratórias; é para elas que tradições e costumes regionais (indumentária, comidas, arte, música) são levadas e refundidas, num verdadeiro “melting pot” das culturas (o que chamamos de “representações nômades” em nossa pesquisa).189 Freitag (2003), a partir dessa moldura teórica geral, desenvolve uma ‘tipologia’ (grifo conforme original) das cidades brasileiras. De acordo com a metodologia proposta por Max Weber, seria possível identificar cinco tipos de cidades, quais sejam: 1) Cidades históricas esquecidas, [...] sobrevivem intocadas às 188 LIMA, 2000, p. 180-181. (Grifos conforme o original). 189 FREITAG, 2003, p. 116. 150 intempéries do tempo e à margem da fúria modernista. Sua beleza e originalidade são redescobertas e revalorizadas no Brasil na segunda metade do século 20 (Paraty, Tiradentes, Olinda entre outras); 2) Cidades históricas (em sua origem), via de regra construídas no período colonial, sitiadas, invadidas, destruídas e revitalizadas pela modernidade, tendo como base a higienização (Osvaldo Cruz e Pereira Passos), o embelezamento (Sitte) e a funcionalidade (Haussamann). Nesse tocante têm-se como exemplos as cidades do Salvador, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e que inclui-se a cidade de João Pessoa, entre outras; 3) Cidades históricas abandonadas, descuidadas, em ruínas, “mortas” (São Miguel – dos Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul); 4) Cidades sem história, projetadas na prancha, para territórios vazios (Belo Horizonte, Goiânia, Brasília, Marília, Londrina, entre outras; 5) Cidades utópicas são cidades que não saíram do papel (os projetos urbanísticos de Le Corbusier para o Centro de Paris, Rio de Janeiro, São Paulo, Buenos Aires e Montevidéu, entre muitos outros). Para o intuito da abordagem, aqui, proposta sobre Centro Histórico – abraçando a “tipografia” apresentada, que serve de fio guia para relacionar as cidades históricas e seus respectivos centros históricos – a escrita, mormente debruçasse, mais especificamente, sobre os dois primeiros grupos das cidades históricas nascidas no Período Colonial: cidades coloniais esquecidas e cidades históricas (em sua origem), revitalizadas na modernidade. Esses dois conjuntos de cidades destacam-se na contemporaneidade notadamente pelos projetos de “preservação” e “revitalização”. As primeiras passaram por um longo período de ‘adormecimento’. Foram em sua maioria cidades que tiveram seu ápice durante o século XVIII. Fazem parte desse grupo de cidades, para citar algumas, Olinda, em Pernambuco, as cidades do ouro, em Minas Gerais, Diamantina, São João Del–Rei, Tiradentes, Ouro Preto, Mariana, e ainda Paraty, no Estado do Rio de Janeiro – que servia como porto por onde escoava o mineral. Barbara Freitag (2003) argumenta que o esgotamento das minas de ouro, prata e das jazidas de pedras preciosas foi o principal fator de promoção do declínio dessas cidades, que deixaram de fazer parte da rota do comércio e portos de 151 exportação. Mas essas riquezas não esgotaram completamente. Por isso, essas cidades coloniais – que durante um período pavimentaram um ciclo econômico responsável pelo progresso que reverberou-se em todas as artes e arquitetura urbana – não foram abandonadas totalmente. Eis o ponto de elucidação, essas cidades permaneceram, como bem afirma Freitag, ‘vegetando’ até terem sua bela arquitetura colonial redescoberta, com suas maravilhosas igrejas barrocas, seus becos românticos e seus sobrados imponentes, como um verdadeiro tesouro histórico, uma espécie do “Brasil verdadeiro”, do “Brasil profundo”. Foram elas o objeto dos cuidados do Patrimônio Histórico Nacional, inaugurado no governo Vargas, por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema e de seus assessores como Carlos Drummond de Andrade e Rodrigo de Mello Franco. (2003, p. 120). É interessante notar que algumas dessas cidades desapareceram, outras, no entanto, sobreviveram esquecidas e/ ou abandonadas, mas conservadas o seu patrimônio histórico e arquitetonicamente. Isso invoca o seguinte traço explicativo, a proximidade com outras cidades, como o que ocorre com Recife e Olinda – sendo que uma assumiu o preço da modernização deixando a cidade colonial livre das investidas de remodelação. Assim, convém frisar o papel do planejamento urbano moderno que ao erigir novas cidades, viabilizou a sobrevivência de cidades coloniais. Vale dizer que na maior parte são capitais de Estados que sofreram deslocamento, muito ilustrativo a esse respeito é a construção da capital Belo Horizonte, a proximidade com algumas cidades como Ouro Preto e Mariana.190 5.2. Cidades “Históricas Esquecidas”: São João del-Rei O intuito nesse momento é registrar algumas características reveladas pelo primeiro grupo elencado – cidades históricas esquecidas, que permaneceram intactas ao longo do tempo e longe da onda modernista. As cidades que fazem parte 190 FREITAG, 2003. 152 do chamado Circuito das Cidades Históricas de Minas Gerais são emblemáticas nesse sentido, porque possuem um valioso conjunto de bens patrimoniais que permaneceram resguardados ao logo dos tempos. Atualmente, os Centros Históricos destas cidades “representam uma materialidade refuncionalizada, quer dizer, tais bens culturais são transformados em atrativo para o desenvolvimento da atividade e para a satisfação dos turistas. Esta materialidade pretérita remanescente torna-se “objeto atrativo” através de uma construção simbólica influenciada pelo mercado por meio do ‘marketing turístico.’”191 Para exemplificar a tendência que vem caracterizando esse grupo de cidades, toma-se como foco a cidade mineira de São João Del–Rei.192 Com cerca de 80 mil habitantes, São João del-Rei, teve seu núcleo histórico original (cujo estilo arquitetônico é o colonial barroco), tombado pelo SPHAN, em 1938. Como já foi assinalado, o nascedouro das políticas de preservação patrimonial teve como pilar a busca pela construção de uma nação e identidade nacional. Essas ações, orquestradas pelo Estado, nos anos de 1930, consiste no prelúdio do engate das cidades mineiras com o turismo cultural. No rastro dessa trilha seguiram outros Estados como a Bahia e o Pernambuco. A descoberta do ouro, no Século XVII, no Estado de Minas Gerais, sem dúvida, influenciou profundamente a formação de diversas cidades. Número gigantesco de pessoas deslocou-se para o interior, onde ocuparam-se nas minas. Mas era imperioso abastecer essa população, fato esse que levou o crescimento das fazendas de gado, atividade já estabelecida no Estado na Bahia. “O rio São Francisco tornou-se, então, a via de comunicação entre o Nordeste e o centro do país, entre a região de produção e a região de consumo e em consequência suas margens vieram 191 COSTA, Everaldo. Turismo e organização sócio-espacial no centro histórico de São João D’el Rey – MG. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007, p. 18. (Grafia conforme original). 192 Em 2007, foi eleita a Capital Brasileira da Cultura, corroborando para os anseios de ter o nome da cidade na vitrine do cenário nacional ou até mesmo internacional. Alimentando, desse modo, o turismo, que se tem como pilar, além do consumo visual da arquitetura colonial a elaboração de uma imagem simbólica dos lugares. (COSTA, E., 2007). 153 a se povoar. Ainda hoje se reencontram os antigos pousos na localização de cidades e vilas atuais.”193 Milton Santos, narra que Salvador se beneficiou muitíssimo com o tráfego de gado e do ouro, pois a cidade se firmou de um lado como praça comercial que abastecia uma grandiosa região, pois atingia do Estado do Piauí até Minas Gerais; e por outro lado como porto de exportação para o ouro e demais produtos.194 Pode-se perceber que a descoberta do ouro promoveu a configuração de uma nova dinâmica, antes uma produção agrícola exportadora que consolidou-se no litoral, com a extração do ouro, passa-se a ocupar o interior do Brasil. Adentra-se, portanto, em solo desconhecido, uma aventura que passa a atrai multidões e consequentemente altera substancialmente as condições sociais e espacial. Resulta daí a formação dos primeiros núcleos habitacionais que espraiam-se pela parte continental. “São João D’el Rey surge neste novo contexto da colonização e representou peça fundamental para nova fase econômica, seja como cabeça da Comarca, seja como entreposto comercial, centralizando a organização política de parte da capitania ou dinamizando o Comércio de Abastecimento na região.”195 Em 1704, surge o Arraial de Nossa Senhora do Pilar, atual São João Del- Rei, pouco tempo depois em 1713 é elevada à categoria de Vila. A nascente vila já ocupa posição privilegiada como núcleo e centro econômico e administrativo com forte supremacia regional. As transformações ocorridas na Vila muito foram vicejadas pela posição estratégica de passagem de tropas, mercadorias e viajantes. Além disso, a fertilidade do solo foi outro aspecto muito relevante, que contribuiu sobremaneira para a dinâmica da Vila com o comércio de abastecimento. O ouro da sua comarca, todavia, não foi abundante em comparação com as outras áreas de minério, e não tardou a extinguir-se. Mas a Vila possuía outras atividades (agrícolas, pecuaristas e comerciais) que a sustentou economicamente, inclusive como importante abastecedora de alimentos para outros mercados como o Rio de Janeiro. Nesse 193 SANTOS, M., 1959, p. 38. 194 Id., 1959, p. 38. 195 COSTA, E., 2007, p. 46. (Grafia conforme original). 154 sentido, vale dizer que São João Del-Rei teve um caminho distinto de outras vilas, que sofreram o processo de estagnação com a decadência da mineração. E com a vinda da Corte para o Brasil, a região centro-sul firmou-se enquanto centralidade, antes exercida pelo Nordeste. Tal acontecimento, sem dúvida, favoreceu a posição de São João Del-Rei como centro de comércio regional, capaz de destacar-se como importante setor financeiro. Resulta daí o surgimento de casas bancarias, em São João del-Rei, ligadas às operações de câmbio e crédito. Os relatos dos viajantes sobre a localidade denunciam sua infra-estrutura já consolidada,196 pois é “descrita pela variedade de lojas comerciais, com grande estoque de produtos diversos, entre eles muitos importados, outros mais grosseiros, fabricados na província e grande carga de sal.” (COSTA, E., 2007, p. 54). Essas atividades influenciaram as edificações de São João del-Rei no Período Colonial e Imperial deixando suas marcas “a opulência e a ostentação do barroco através de suas representações na arquitetura, sobretudo religiosa.”197 Segundo Everaldo Costa, a organização do espaço estabelecida no centro histórico de São João del-Rei cristalizou os distintos momentos da história da economia da cidade, quais sejam: o período da mineração e a fase agropecuária e comercial vigente até a atualidade. Apesar da sua peculiaridade no que se refere a uma dinâmica econômica contínua, que cooperou para uma “relativa descaracterização do seu centro histórico, persiste um espaço antigo que apresenta formas mantenedoras de antigos conteúdos [...] que denominamos eixo colonial.” [Este eixo que representa] “uma espacialidade caracteristicamente barroca, concentra hoje os principais ‘objetos atrativos e suporte’ ao turismo da cidade.”198 Cumpre, então, salientar que, São João del-Rei possui uma formação singular, evoluiu de arraial minerador para um polo comercial região do Campo das Vertentes, é responsável por sua característica mais interessante: uma mescla de estilos arquitetônicos que tem origem na arte barroca, passa pelo ecletismo e alcança o moderno. Em São João del-Rei, é possível apreciar a evolução urbana de uma vila colonial mineira, cujo núcleo histórico permanece bastante 196 COSTA, E., 2007, passim. 197 Ibid., 2007, p. 57. 198 Ibid., 2007, p. 81. (Grifos conforme o original). 155 preservado em harmonia com as construções ecléticas do século XIX e as mudanças ocorridas no século XX.199 Se de um lado São João Del-Rei não foi completamente abandonada por causa do esgotamento do ouro, reverso de outros exemplos de cidades mineiras, porque manteve uma dinâmica econômica. Mas guardou seu núcleo original, situação que para Bárbara Freitag, “sem dúvida se deveu ao fato de outras cidades em sua proximidade,”200 como é o caso de Tiradentes. Por outro lado as mutações ocorridas no Século XX, não feriu substancialmente a cidade, ou seja, São João Del-Rei não sofreu as cirurgias no seu tecido urbano engendrado pela febre modernista, que almejava forjar a imagem de uma cidade diferente da colonial. São João Del-Rei apresenta, portanto, uma situação bastante peculiar, pois viveu distintas etapas históricas que foram materializadas no espaço – da construção colonial a moderna. A cidade ainda não vivenciou as marcantes transformações geradas pelo turismo, como a vizinha Tiradentes e Ouro Preto, Salvador entre outras, onde a atividade turista abarcou grande parte do núcleo histórico. O turismo conta, como no caso de São João d’Rey, atrativa pelo seu patrimônio histórico, artístico e cultural, representação material e imaterial de nossa memória, com uma agenda estabelecida anualmente o que prevê a realização de eventos diversos, festas sacras e profanas como: Encontros Gastronômicos, Feiras de Artesanatos, Programação da Semana Santa (tradicional no Brasil por conservar as antigas características barrocas), Festividades religiosas ao longo do ano, Inverno Cultural, [...] Encontros de Motocicletas, Shows, Peças Teatrais e Musicais, etc.201 Exumando as especificidades de cada parte do Centro Histórico sãojoanense, pode–se identificar uma outra parte onde agrupa-se as construções ecléticas, do início do Século XX. É nessa área, que estão localizados alguns equipamentos, como o Shopping da cidade, restaurantes, pousadas, danceterias, bares etc., que segue uma nova tendência e função que remete a lógica das cidades 199 ÁVILA, Cristina. São João D´el Rei História. Cidades Históricas Brasileiras. Disponível em: http://www.cidadeshistoricas.art.br/saojoaodelrei/sjdr_his_p.php. Acesso: 06 de out. 2010. 200 FREITAG, 2003, p. 21. 201 COSTA, E., 2007, p. 24. 156 maiores. E ainda uma terceira parte identificada como eixo comercial, que assim como o eixo eclético enfeixa um número representativo de comércio e serviço, voltado para a camada de maior poder de compra e turistas. A população de maior poder aquisitivo reside mais na parte onde estão concentradas as construções ecléticas, dado a valorização imobiliária, do que na parte colonial que é mais ‘desvalorizada’. O eixo comercial ocorre os eventos como shows, desfile de escolas de samba que atraem a camada popular.202 Essas singularidades remetem-se a outras experiências que possuem percurso distinto, especialmente no que se refere à função residencial. Comumente os centros históricos vêm sofrendo paulatino processo de esvaziamento. No que se refere às cidades que são, aqui, identificadas como pertencentes ao grupo das cidades históricas (em sua origem) essa problemática apresenta-se de forma mais gritante. Os desdobramentos dessa situação foram gestados desde a virada do Século XIX para o Século XX. Nesse período as cidades, em sua grande maioria, refletiam o retrato dos tempos da colônia e começam a tracejar os primeiros contornos da grande batalha que era moldá-las a imagem e semelhança das cidades inglesas, sobretudo, francesas. Mas é com a República que o sonho adquire maior consistência de um projeto sistemático que visava a romper com os laços de um imaginário colonial. Isso ecoa nos quatro cantos do país, a exemplo de Minas Gerais, que a arquitetura colonial se apresenta de modo pujante. Então, Belo Horizonte surge como síntese de uma arquitetura da modernidade, em um momento em que o barroco ainda não exercia o simbolismo que passou a ter com o movimento modernista. Salvador ilustra bem esse processo, os sobrados “com suas portas estilo barroco, esculpidas em pedra e encimadas por brasões de nobreza”,203 residência dos mais ricos, foram abandonados gradualmente, desde o anoitecer do Século XIX. Logo na aurora do Século XX a elite encontra-se instalada em um bairro muito luxuoso, 202 Emprega-se no tocante a divisão das áreas do Centro Histórico a ‘classificação’ apresentada por COSTA, E., (2007), que a separa por eixos: eixo colonial, eixo eclético e eixo comercial. 203 SANTOS, M., 1959, p. 105. 157 ocupada “por enormes casarões com feições arquitetônicas distintas do então predominante estilo colonial, abrigando em parte a nascente aristocracia imperial que fugia das estreitas e acidentadas ruas do centro Histórico.” O bairro chamado Corredor da Vitória, além de morada dos aristocratas também torna-se o lugar escolhido pelos “comerciantes estrangeiros ingleses, franceses, espanhóis e italianos recém- chegados à cidade da Bahia, que se instalaram nesse trecho trazendo inovações construtivas baseadas nos princípios higienistas europeus”204 Observa-se nesse limiar a chegada igualmente de um novo e significativo contingente de pessoas da camada popular, advindas de outros estados vizinhos e cidades do interior para a capital baiana, em busca de ocupação. Essa parcela ao “invés de buscar as periferias urbanas voltou-se exatamente para o núcleo do Centro Histórico.”205 A saída da elite dos Centros Históricos foi algo recorrente, especialmente, nas cidades coloniais (em sua origem), fato este, sem dúvida, que contribuiu profundamente para o que se chama de processo de ‘decadência’ ou ‘deterioração’ Esmaecendo, assim, uma das características primordiais de um centro que é o seu poder de agrupar uma diversidade de funções, usos: comércio, habitação, serviços etc. Há um aspecto, nesse tocante, ainda mais premente que seria a capacidade de aglutinar pessoas de diferentes camadas sociais. A pujança dessa articulação se desbota quando a camada de maior poder aquisitivo migra para outra parte da cidade. (Villaça, 2001, p. 277 – Grifos conforme originais). Nesse processo aqui em foco, apresenta uma característica instigante que vem ganhando relevo, especialmente, nas cidades de grande ou médio portes, a criação do que Tereza Caldeira, denomina de “enclaves fortificados” – a exemplo da versão residencial de novos empreendimentos urbanos: os condomínios fechados. Eles vêm alterando significativamente o modo como as pessoas da classes média e alta vivem, consomem etc. São locais fisicamente demarcados e isolados por muros, 204 Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Vit%C3%B3ria_(Salvador). Acesso em: 05 de setembro de 2010. 205 CARVALHO, Edmilson. A questão da população no Centro Histórico de Salvador. RUA – Revista de Arquitetura e Urbanismo. V.1, jun. 1988, p. 63. 158 grades etc., voltados para o interior e não para rua. Os enclaves fortificados tendem a ser ambientes socialmente homogêneos, que permitem seus moradores ficarem distantes das interações indesejáveis. É interessante salientar que os “enclaves fortificados conferem status. A construção de símbolos de status é um processo que elabora diferenças sociais e cria meios para a afirmação de distâncias e desigualdades sociais.”206 Voltando ao contexto das cidades históricas esquecidas, em algumas cidades percebe-se que a função residencial, do centro histórico, não desempenha papel significativo. Paraty, no Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a função residencial ocorre de modo tímido. O Centro Histórico é, sobretudo, ocupado por estabelecimentos comerciais destinados a atender o grande número de turistas que procuram a cidade. Com relação a cidade de São João del-Rei, pode-se anotar outro aspecto notável, o seu Centro Histórico abriga função residencial, mas com algumas especificidades. Segundo Everaldo Costa, o eixo colonial “tem como principal uso o residencial” (2007). Não obstante, começa-se a visualizar um movimento de saída dos mais abastados. Assim, teceu-se, um panorama geral de São João del-Rei e seu Centro histórico, que desempenha relevante valor histórico e simbólico para a cidade. Sendo ainda um fecundo exemplo das discussões aqui apresentadas. A partir deste momento, o horizonte é observado com o empenho de perscrutar, em linhas gerais, as características referentes às cidades pertencentes ao segundo grupo elencado – cidades históricas (em sua origem), que foram construídas no período colonial – destruídas e revitalizadas pela modernidade tendo como base os modelos infligidos de higienização/ embelezamento/ funcionalidade. Para tanto a 206 CALDEIRA, Tereza Pires do Rio. Cidades de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34/ Edusp, 2000, p. 258-259. 159 princípio toma-se, de modo lacônico, o exemplo fecundo das duas primeiras cidades do Brasil: Salvador e Rio de Janeiro. 5.3. Cidades “Históricas em sua origem”: Salvador Para melhor elucidação, tece-se, em linhas gerais o percurso do Centro Histórico de Salvador, primeira cidade e capital brasileira, que teve seus “velhos sobrados, que nos séculos XVIII e XIX conheceram o fausto e a riqueza, […] ameaçados de desaparecer.”207 Seu Centro Histórico, que enlaça a área denominado de Pelourinho, antiga morada dos nobres e dos mais ricos da cidade, ganha nova configuração, os palacetes conhecem outra utilidade, como bem descreve Milton Santos (1959) em sua obra “O Centro da cidade do Salvador”, passam exclusivamente à residência dos menos favorecidos economicamente. Nos térreos dos sobrados funcionam os comércios de transição e artesanato. As degradações graduais dos antigos casarões e sobrados têm como resultados a formação de cortiços, que atingem até mesmo as áreas vicinais. No século XVII, residia no Pelourinho uma população muito diversificada do ponto de vista social. Abrigava moradores de posse, nobres, pessoas bem sucedidas nos negócios (grandes exportadores e importadores), senhores de engenho e altos funcionários administrativos, também classe média e trabalhadores. Quadro reverso é forjado na virada do Século XIX para o Século XX, o Pelourinho “sofre uma grande mudança no uso e ocupação do solo. As camadas mais abastadas que ali residiam começam a migrar para outros pontos da cidade, a exemplo do Corredor da Vitória, Piedade, Nazaré, Brotas e outras localidades.”208 Permanece morando, ainda, a população de classe média e a atividade comercial é intensa. Mas foi no Século XX, na década de 1930, que a tessitura desse processo revela-se mais 207 BAHIA Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural. Levantamento sócio-econômico do Pelourinho. 2 edição. Salvador, 1997. 208 VIEIRA, Natália Miranda. O lugar da história na cidade contemporânea: revitalização do bairro do Recife X Recuperação do Pelourinho. [Dissertação]. Salvador: Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, 2000, p. 157. 160 problemática.209 O Pelourinho passa a abrigar seus moradores em situações extremamente precárias. Com a saída da classe média a decadência do local torna- se mais gritante, “tendo como marco desse processo de degradação, o deslocamento do meretrício da Rua Carlos Gomes e do Beco de Maria da Paz para o Maciel210 onde existia grande quantidade de prédios arruinados e abandonados.”211 O sociólogo Gey Espinheira, em seu estudo produzido sobre o Centro Histórico, afirma que uma parte reduzida das pessoas que residem no Pelourinho dedica-se a atividades ligadas a prostituição, roubo ou venda de drogas. A área do Maciel que chegou a abrigar a maior zona de prostituição de Salvador reduziu significativamente esse percentual. “O simples fato da área ter entrado em decadência econômica, mesmo em razão dos planos de recuperação da área que acabam por inibir uma série de atividades que aí outrora vicejava.” Segundo Espinheira isso, explica em parte a diminuição da prostituição, uma vez que, essa atividade só ganha impulso onde há circulação de pessoas que possam demandar os serviços prestados pelas prostitutas. Nesse sentido o sociólogo defende a ideia de que a imagem de área marginal “não faz mais sentido.”212 A verdade que é que parte dessa área histórica é ocupada por um número reduzido de pessoas que se dedica a prostituição (mulheres e travestis) e à sua economia: subornos, proteção individual, tráfico de drogas, etc., além de constituir uma ecologia favorável ao acoitamento de malandros, transgressores e criminosos. Nesta área está o Maciel, que no passado já foi a maior zona de prostituição concentrada de Salvador, a que deu fama de “zona marginal” ao Centro Histórico, e a que a imprensa, em suas páginas especializadas, refletindo a perspectivas da polícia de costumes, cuidou de tecer a personalidade divergente, perigosa e irrecuperável(!) da gente que a habita. (ESPINHEIRA, 1989, p. 37). Milton Santos aponta a introdução de novos meios de transportes como um dos fatores que contribuiu para o deslocamento da população mais abastadas para bairros exteriores, longe do centro. Somam-se a esses avanços, as 209 VIEIRA, N., 2000, passim. 210 O Maciel consiste uma área do Pelourinho onde encontravam-se os mais enriquecidos sobrados do XVIII. (VIEIRA, N., 2000). 211 Ibid., 2000, p. 38. 212 ESPINHEIRA, Gey. Pelourinho: a vez do Centro Histórico. Caderno do CEAS – Centro de Estudos e Ação Social. N.119. Salvador, Jan./ fev. de 1989, p. 39. 161 aberturas das chamadas avenidas de vale, que favoreceram a implantações de bairros destinados a camada média, para além dos contornos centrais.213 As décadas de 1970 e 1980 já assinalam algumas tentativas de promover intervenções no Pelourinho. Ocorreram, entretanto, algumas ações de recuperação imobiliária pontuais, mas que limitavam-se a reparação ou conservação de monumentos isolados.214 Em um artigo sobre o Centro da capital baiana, denominado “Salvador: centro e centralidade na cidade contemporânea”, Milton Santos volta a debruçar-se sobre o tema e traça um perfil do quadro evolutivo dessa área da cidade. Antes Salvador apresentava um único centro, mas já no amanhecer dos anos de 1960 desenvolvem-se alguns embriões de novos centros. Exemplar desse sentido é o centro que começa a florescer no bairro pobre da Liberdade e “o centro novo de Salvador”, localizado na região do Shopping Iguatemi. O novo centro destinado para os ricos descortina uma realidade não prevista, sobre esse aspecto, Santos declara, “quer dizer que está havendo esta vingança do velho centro sobre o novo pela possibilidade, malgrado os ricos e a classe média, de um acotovelamento nesses lugares de pessoas das mais distintas origens.” (1995, p. 15). Santos, reconhece a formação de três grandes momentos do centro em Salvador. O primeiro seria o centro único e original, monopólico e unipolar, limitado no espaço – ponto de estudo do autor na sua tese de doutoramento. O segundo momento desenha-se um novo processo de multipolarização, uma redistribuição das funções originarias. O centro começa a espraiar-se, e seus tentáculos ganha novas artérias. Concomitantemente a esse processo floresce o centro turístico na Barra e orla marítima. Ocorre, com isso, uma decadência do velho centro com o deslocamento de atividades, a exemplo das atividades portuárias e financeiras que passam a ocupar outras áreas mais pertinentes ao desenvolvimento de suas funcionalidades. Chega-se aqui em um momento bastante crucial, pois Salvador vai passar por alterações no que concerne à sua funcionalidade, seja pelo fato da cidade assumir 213 SANTOS, 1959, p. 160. 214 VIEIRA, N., 2000. 162 novas atividades, como pelo fato de torna-se um grande centro turístico. Ora, o turismo vai configurar-se como fator preponderante para se entender as questões relacionadas à centralidade. Isso porque de um lado encontram-se os moradores da cidade que tem uma lógica de consumo do centro ligado ao seu poder de compra e a suas condições de mobilidade. Por outro lado tem-se o turista que possui maiores condições de mobilidade, disposto a estar nas diversas áreas da cidade, “começam a repovoar, recolonizar, a refuncionalizar e a revalorizar, com sua presença e seu discurso, o velho centro.” E o terceiro momento remete-se ao contexto atual, que o autor denomina como de rejuvenescimento parcial do velho centro, moldado aos imperativos do turismo e do turista. (SANTOS, 1995, p. 16). Em 1984, Salvador tem seu Centro Histórico tombado como patrimônio histórico pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural – IPHAN, e no ano de 1985 é reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade. Em 1992, o governo do estado abriu caminho para “o ambicioso projeto de recuperação de um dos mais expressivos conjuntos arquitetônicos do período colonial brasileiro, foi uma experiência precursora das práticas de gentrification no Brasil.” (LEITE, 2004, p.72 – grifos conforme originais). É factível reconhecer que o projeto de revitalização do Centro Histórico (Pelourinho) promoveu a retirada dos moradores de nível socioeconômico muito baixo e de “suas respectivas práticas cotidianas populares [substituindo-as] por simulacros culturais turísticos.”215 Nesta direção aliando-se a corrente contemporânea, o Governo do Estado planeja fomentar o turismo, como alternativa econômica. Desse modo, o Pelourinho torna-se o lócus privilegiado, pois congrega uma pluralidade de elementos que evocam, em virtude do imaginário que permeia o lugar, dos signos que referenciam a baianidade. Esse processo de revitalização vem ocorrendo em diversas cidades do mundo desde a década de 1980. Sintonizada com essa lógica, as residências foram substituídas por bares, lojas restaurantes, banco, ateliês etc., voltados para atender aos visitantes da capital baiana. O projeto enquadra-se a nova corrente de 215 JACQUES, 2005, p. 12. 163 ‘revitalização’, de espaços centrais das cidades e segue a propensão de reordenamento da paisagem urbana com fins a uma perenidade do tempo e do espaço por meio da preservação do seu patrimônio. Entra em cena, então, o “plano, que visa vender o produto cultural ‘Pelourinho’ para os turistas, conta com uma programação de animação cultural nas praças. “Pelourinho” Noite & Dia” – que visa exatamente dar “vitalidade” ao local.”216 Ancorado em uma ampla estratégia de marketing, com vigorosa invocação aos estereótipos da cultura africana que marca o lugar, o projeto visa, desse modo, engendrar uma nova imagem urbana e do seu núcleo central. Com algumas diferenças e similitudes, essa foi uma ilustração do percurso dos Centros Históricos das cidades históricas revitalizada pela modernidade. Mas, via de regra, seus centros históricos tornaram-se um lugar, abandonado, estigmatizado, comumente habitado pela população de baixa renda. A partir deste momento, o horizonte é observado com o empenho de perscrutar, em linhas gerais, as características referentes à cidade de João Pessoa, a qual se inclui no grupo elencado – cidades históricas (em sua origem) – por pertencer ao grupo e ser foco do trabalho de pesquisa proposto. 216 JACQUES, 2005, p. 12. 164 Parte II O Centro Histórico em João Pessoa Figura 12 : Igreja de São Francisco de Assis – João Pessoa. Fotos: Alzilene Ferreira, 2012. 165 Capítulo VI Nossa Senhora das Neves abraça o Rio: origem da cidade 6.1. Cidade alta e cidade baixa e suas funções Distinta das diversas cidades coloniais brasileira, que nasceram com as pálpebras abertas admirando o agitado movimento das ondas do mar, a terceira cidade mais antiga do Brasil, contemplou a paisagem, de um ângulo muito peculiar, a doce calmaria das águas do Rio Sanhauá. Do alto da colina, bem ao modo Português, surge os primeiros contornos e casario da então denominada Nossa Senhora das Neves. Certamente, do topo do outeiro, os primeiros habitantes rejubilaram-se com o esplendoroso pôr-do-sol que acarinha e matiza o Rio de laranja e dourado. No horizonte o sol se esconde, mas ainda propaga sua força como um fogo que beija as nuvens do céu pintando-as de arrebol. Espetáculo belíssimo que certamente enche de luz os olhos de todos aqueles que têm a oportunidade de contemplar. Para arrematar o verde impactante da floresta presenteia o olhar que pousa na paisagem. A cidade foi fundada em 1585, no dia de Nossa Senhora das Neves. Por isso, em homenagem a Santa, a cidade é batizada com o mesmo nome. Após foi chamada de Filipéia de Nossa Senhora das Neves, Frederikstadt (Frederica) e Parahyba.217 No que consiste aos nomes da cidade, Aguiar e Octávio explicam que com o plantio de cana-de-açúcar, a cidade cresceu em casas e igrejas, e nesse contexto foi denominada Filipéia de Nossa Senhora das Neves. O motivo de acrescentar o 217 HISTÓRIA de João Pessoa. João Pessoa. Disponível em: http://www.de.ufpb.br/~ronei/JoaoPessoa/histor.htm. Acesso: out. 2012. 166 nome Filipéia ocorreu devido a uma homenagem a Filipe II, o rei da Espanha. No período em que a Paraíba foi conquistada, Portugal encontrava-se sob o domínio espanhol, por causa da unificação da Coroa Ibérica. Foi chamada assim até a substituição por Frederica ou Frederikstadt, período de domínio Holandês – século XVII.218 Passa a ser denominada Parayba quando retornou ao domínio português. O nome persistiu até o advento da Revolução de 1930, ocasião que passa a vestir outra denominação, João Pessoa – nome que permanece até os dias. Convém salientar que a cidade foi fundada com o intuito de responder ao imperativo da política colonizadora de Portugal, que tinha o desígnio de firmar a posse irrevogável da colônia, disputadas por ingleses, franceses e holandeses. Atinente a esse aspecto, Nelci Tinem,219 chama à atenção que a presença holandesa em solo paraibano não efetivou os benefícios e feitos admiráveis imprimidos a capital pernambucana, Recife. Embora não tenha deixado um legado material expressivo, os holandeses contribuíram com a elaboração de um fecundo acervo documental e iconográfico sobre a cidade de João Pessoa no Período Colonial. É destacável que fora graças à cartografia holandesa do período que pode-se ter um conhecimento mais preciso da estrutura urbana e do conjunto edificado. Nunca é demais trazer à luz a gigantesca importância que o Rio Sanhauá teve para a cidade desde a conquista do território. Fato que pode ser comprovado através dos registros iconográficos e a recorrência como é citado, leva as pistas da sua relevância para a vida citadina. Post retrata uma cidade que mal contava com meio século de existência, com uma população por volta de duas mil almas em meio à natureza pujante, aparecendo duplicada nas águas do Sanhauá. Junto às margens do rio, se avista uns poucos equipamentos acessórios ao funcionamento do ancoradouro instalado no Varadouro, e no alto da colina, separada por uma densa faixa de vegetação, o núcleo urbano propriamente dito, com sua silhueta estendida longitudinalmente de norte a sul e da qual sobressaem as construções mais proeminentes.220 218 AGUIAR, Wellington; OCTÁVIO, José. Uma cidade de quatro séculos: evolução e roteiro. João Pessoa: Governo do Estado da Paraíba/ GRAFSET, 1985, p. 62. 219 TINEM, Nelci (Org.). Fronteiras, marcos e sinais: leituras das ruas de João Pessoa. João Pessoa: Editora Universitária/ Prefeitura Municipal de João Pessoa, 2006. 220 TRAJANO FILHO, 2006, s. p. 167 Ainda sobre o acervo iconográfico realizados pelos holandeses, é importante salientar que tratam-se dos primeiros registros realizados sobre o Novo Mundo. Ou seja, foi devido à ação do Conde João Maurício de Nassau-Siegen, o que corresponde o marco inaugural, essa região do Brasil foi a primeira a ser pintada por expressivos artistas, antes mesmo de países como os Estados Unidos, por exemplo. Sua traça apresenta certa regularidade, o que Paulo Santos, aponta que tenha sido talvez, introduzida pelos holandeses: “uma grande praça, outra menor, e edificações de forma geométrica (C,L,I) com grandes quintais. (2001, p. 102). Ele decidiu então que as ruas deveriam ser retas e paralelas e que as travessas seriam dispostas perpendicularmente a elas, mas sem gerar uma quadrícula. [...] Com essa abordagem híbrida, ele conseguiu produzir um assentamento de caráter inovador que conciliava traços de origem medieval, prezados pelos portugueses, com características modernas preconizadas pela cultura renascentistas.221 De certa maneira, aconchegando-se a geometria do seu solo, começa a medrar-se a cidade de dicotômica: Cidade Alta e Cidade Baixa. É, portanto uma cidade de contrastes, cidade de rio e de mar. A escolha na parte alta para erigir a cidade não foi fortuita, pois “os lugares desiguais se utilizavam com mais frequência, dado que podiam fortificar-se e defender-se melhor.” (SANTOS, P., 2001, p. 20). Do alto tem-se uma melhor visibilidade e controle visual de quem se aproxima da cidade seja por terra ou por meio do Rio Paraíba e Sanhauá. Outros aspectos que são preponderantes para a escolha do sítio é a existência de mananciais, que além de garantir o próprio desabrochar e sustentação da vida, propícia a salubridade. Nesse sentido, a escolha do sítio assinala o despontar das funções da então Nossa Senhora das Neves. “Senhora do seu porto”, a cidade se alça no topo da colina, extraindo do solo a pedra de cal para sua edificação, das águas e da natureza do entorno seu sustento e do rio seu vínculo com o mundo.”222 221 NOGUEIRA; SOUSA, 2008 apud COSTA, Ana Luiza Schuster da. Perímetro de proteção do Centro Histórico de João Pessoa: três décadas de história. Dissertação (Mestrado em História Social). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba-UFPB; Centro de Tecnologia, 2009, p. 81. 222 TINEM, 2006, p. 20. (Grifo conforme original). 168 A função portuária emerge, ao mesmo tempo, que se desenvolvem as funções primitivas, administrativa, religiosa e militar. O “pôrto, que é singular e tão alcantilado, que da proa de 60 navios de tonéis sefala em terra, d’onde sahe um poderoso torno d’àgua para provimento das embarcações, que a natureza alli poz com maravilha arte, e com muita pedra e cal.”223 Diante do breve encaminhamento é possível perceber um ponto fulcral, que desenha os contornos referentes às definições dos papéis atribuídos a parte baixa e o “andar” da cidade. Logo, a Cidade Baixa – Varadouro – por causa da sua ligação com o Rio Sanhauá, e seu porto destina-se ao comércio. O porto consiste em uma característica que singulariza esse núcleo da cidade, pois através do Rio dava-se entrada a tudo que era necessário para prover a urbe. Local, portanto, de chegada e saída de mercadorias e pessoas. O desenvolvimento e declínio do seu porto refletem nas distintas etapas de valorização do seu território e seria o principal responsável pelo delineamento do organismo urbano. Nossa Senhora das Neves surge, portanto, para contemplar as necessidades da Metrópole, sendo assim, uma das funções primordiais desenvolvida seria de porto exportador. Diante disso, o açúcar desponta como o primeiro produto explorado para o mercado europeu, e no mesmo ano que a cidade foi fundada surge seu primeiro engenho, denominado Tibiri. Depois dele multiplicam-se os engenhos e sítio.224 Somando-se à cultura da cana-de-açúcar outros três produtos básicos destinados à exportação são produzidos em terras paraibanas, quais sejam: o couro, o algodão e a madeira. Subindo a ladeira chega-se ao topo, a Cidade Alta, e caminhando pelas exíguas ruas pode-se exumar as demais funções necessárias a manutenção da cidade. É nesse núcleo que encontravam-se as residências da nobreza da época, as igrejas, e as edificações que serviam de sede administrativa. Era evidentemente muito pequena a (Filipéia de) Nossa Senhora das Neves dos primeiros tempos. No outeiro, edificou-se a Capela de Nossa Senhora das Neves, padroeira da cidade de onde saiam duas ruas. A primeira, descendo a 223 AQUINO, 1988 apud TINEM, 2006, p. 20. (Grafia conforme original). 224 AGUIAR; OCTÁVIO, 1985, p. 50. 169 encosta, assegurava ligação com os armazéns do Porto da Casaria, para embarque de mercadorias às margens do Sanhauá, um braço do Paraíba. Trata- se da atual ladeira de São Francisco. A segunda, atual general Osório, ganhou a denominação de rua Nova, onde se instalaram Casa de Câmara, açougue e cadeia.225 Outro aspecto notável em Nossa Senhora das Neves era a presença das fortificações e da Casa da Pólvora, edificadas com o intuito de garantir a posse da terra – fato este que assinalava a função militar da cidade. A primeira fortaleza foi construída nos arredores da Ladeira de São Francisco, no ano de 1585. Os Fortes de Cabedelo e Santo Antônio, localizados nas margens do rio, garantiam a guarda da cidade. João Pessoa já nasceu cidade, sede de capitania real, não passou pelas fases (anteriormente descritas – capela, capela-curada, freguesia... Até chegar ao título de cidade), que comumente caracterizou as demais cidades construídas no período colonial. Como toda cidade fundada nesse Período, já amalgama desde seu nascedouro uma representação religiosa. E logo que os portugueses chegaram trataram de edificar uma capela, batizada de São Gonçalo e concomitantemente começou-se a construção da Igreja de Nossa Senhora das Neves, a igreja matriz. A edificação por ser de caráter provisório no dorso da montanha, bem próximo ao Rio Sanhauá, não guardava valor artístico. Feitas as pressas, por isso revelava a simplicidade de uma capela estilo rural. Nesse rastro abrigou outras ordens religiosas, passando a contar na cidade seis igrejas e conventos, quais sejam: Convento de São Francisco, o maior e mais imperioso; Convento das Carmelitas; Convento de São Bento; Igreja da Matriz, a principal; Igreja da Misericórdia e a Igreja de São Gonçalo localizada no limite extremo da cidade. “Daí estende-se a cidade para o oriente até o convento de São Francisco com o comprimento de quase um quarto de hora de viagem, mas escassamente edificada e com muito terreno desocupado.”226 225 MELLO, 1978, p. 161 apud CASTRO, Amaro Muniz. Centro histórico de João Pessoa: ações, revitalização e habitação. Dissertação (Mestrado em Engenharia Urbana). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba-UFPB; Centro de Tecnologia, 2006, p. 09. 226 AGUIAR; OCTÁVIO, 1985, p. 63. 170 A função religiosa desde o princípio revela o intuito de garantir os padrões cristãos, a religião configura-se como pilar fundamental do processo de colonização. Por isso, não é de se admirar sua construção premente desde o nascedouro da urbe. Presença marcante ainda no próprio batismo da cidade, em homenagem a Nossa Senhora das Neves. É digno de registro a influência profunda da igreja na estruturação do espaço urbano, sendo que os demais elementos constitutivos da paisagem estavam subordinados a esse ponto nodal da cidade – capelas, igrejas, conventos. Então, as ruas e as casas obedeciam a essa ordem e quanto mais perto do prédio religioso, mais valorizadas. Era por essas ruas que passavam as procissões, manifestação de extrema importância para a época. Portanto, a partir da igreja floresciam as residências dos mais abastados e outras atividades necessárias a manutenção da vida citadina. Aguiar e Octávio, narram que próximo ao coração, mais ou menos no meio da cidade, ficava a casa do Conselheiro com a praça do mercado, aí encontrava-se igualmente o pelourinho, que marca o lugar das punições da cidade. Em Nossa Senhora das Neves, acha-se o Tribunal de Justiça de toda capitania, o colégio ou assembleia de juízos. Havia um ouvidor a quem poderia apelar para o Supremo Tribunal de Justiça da Bahia. Contava ainda com autoridades e inspeção que desempenhavam também o cargo de intendentes e fiscais dos edifícios, perscrutando se as estradas e ruas estavam em bom estado de conservação. Além disso, tinha autoridade sobre os prédios para proibir que a casa de um não chegasse muito próximo do outro. (1985, p. 63). Em 1634 a cidade contava com mais de mil habitantes. A cultura da cana- de-açúcar adquire relevantes proporções, servindo de matéria prima para os dezoito engenhos de açúcar, “todos servidos de moradores, escravatura africana e silvícolos domesticados.”227 O cultivo da cana-de-açúcar favoreceu o crescimento populacional, e consequente aumento do número de casa, além das igrejas. Com passos lentíssimos, a Filipéia assiste o nascimento das casas de pedra e sal, as igrejas e prédio administrativos. Tratava-se de um pequeno núcleo 227 AGUIAR; OCTÁVIO, 1985, p. 60. 171 urbano e mesmo, anos “depois da expulsão dos holandeses, notava-se, ainda, a pobreza e a desolação na cidade, particularmente, no setor residencial.”228 No amanhecer do século XVIII a cidade ainda apresentava em seu conjunto poucas ruas, a exemplo da antiga Rua da Boa Vista, Rua Nova, Rua da Direita, Rua do Rosário, Travessa da ‘Misericórdia’. No anoitecer do mesmo século, em 1790, já se registrava a existência de uma Estrada Velha, localizada atrás da Casa da Pólvora, por trás da Rua das Trincheiras. (AGUIAR; OCTÁVIO, 1985, p. 66). No dilúculo do século XVIII, João Pessoa revelava uma estrutura muito precária e ruas ainda sendo gestadas. Na segunda metade do século, em 1774, a população urbana contava “já 10.050 habitantes, 9 igrejas, 5 conventos e 2.437 fogos.” À vista desses dados pode-se perceber que não apenas as ruas apresentavam aspecto rudimentar, a iluminação igualmente o era – fachos e tochas eram usados para apaziguar a escuridão e possibilitar saída à noite.229 Diante do breve encadeamento sublinhado torna-se premente esclarecer que a cidade teve um vagaroso crescimento em relação aos dois núcleos desde a sua fundação e isso perdurou até o anoitecer do século XIX. João Pessoa era menor que cidades como Mamanguape e Areia, que dispunham de elite cultural e social.230 6.2. A vagarosa evolução de João Pessoa É recorrente a abordagem acerca da lenta evolução da cidade que permaneceu “sem qualquer alteração por mais de três séculos.”231 Os raios que incidem sobre esse aspecto, permitem enxergar as leituras que corroboram com o estado de estagnação urbana da cidade que o transeunte poderia atravessar “a pé em dez ou quinze minutos.”232 Fato peculiar que merece um quadro explicativo. 228 AGUIAR; OCTÁVIO, 1985, p. 65. 229 Ibid., 1985, p. 67. 230 CASTRO, 2006, p. 09. 231 TRAJANO FILHO, 2006, s.p. 232 AGUIAR; OCTÁVIO, 1985, p. 21. 172 As explanações acerca dessas questões desembaraçam-se na afirmação de que a aproximação geográfica com as cidades do Recife e Olinda tenha engendrado uma constelação de empecilhos ao desenvolvimento da capital paraibana. Um dos pontos nodais dessa relação vicinal com as cidades aduzidas seria a limitação imposta ao comércio da Paraíba. Dito de outra forma, João Pessoa por não ter se destacado como centro econômico de uma região mais ampla, configura- se como uma cidade onde o ritmo opera-se de modo mais lento. Situação que torna- se premente com a proximidade das cidades pernambucanas, onde o dinamismo dos negócios congregava pessoas e promoviam mutações. A formação de uma sociedade mais tradicional pode ser indicada como outro aspecto que corroborou para o deslinde dessa situação de poucas transformações. Além disso, é importante rememorar que João Pessoa, era a sede de “uma província que havia pouco retornado a autonomia frente a Pernambuco, meados do século XVIII por conta da precária situação financeira em que se encontrava e que avançaria o século adentro, com seus efeitos se rebatendo sobre a estrutura e a paisagem urbana.”233 Para avolumar a precariedade da situação, a localização singular da cidade em relação ao caminho do comércio vindas do sertão não favorecia o desenvolvimento do comércio. João Pessoa encontrava-se fora da rota que ligava o sertão ao Recife, ou seja, estava distante do caminho que uniam as cidades do norte ao litoral. Desse modo, o porto do Recife era escolhido por facilitar o embarque e desembarque de mercadorias. Mas a situação se agudiza ainda mais por causa da situação de pauperização das instalações portuária do Varadouro – ancoradouro situado às margens do Rio Sanhauá. A necessidade de um porto aparelhado se articula ao propósito de criação de um sistema econômico abrangente ao território paraibano capaz de organizar num coeso arranjo econômico e comercial a capital e o interior – sobretudo o longínquo sertão, de onde provinha cada vez mais a riqueza paraibana, com o algodão – através da construção de estradas atrelando os centros de produção do interior com a capital. 233 TINEM, 2006, p. 25. 173 Ponto de confluência da rede de estradas que deveria cortar o território paraibano para conduzir à capital se não toda, a maior parte da produção recolhida nos vários centros dispersos pelo interior, a necessidade de um porto aparelhado localizado na capital e capaz de fazer frente à concorrência do porto do Recife torna-se recorrente nas pautas dos presidentes de província ao longo da segunda metade do século XIX como uma questão a reclamar uma solução premente.234 No caudal que, aqui, se apresenta torna-se conspícuo registrar que a cidade teve seríssimos problemas, que fragilizaram seu desenvolvimento econômico, fato este que refletiu nas funções desempenhadas interna e externamente – quando uma cidade amplia seu raio de influência isso consequentemente marca as transformações internas – e isso de reverbera na paisagem urbana. Apesar do afloramento dessa situação, bastante precária, vale trazer à luz o “fato de que a Capitania da Paraíba, [...] era uma das mais prosperas. Situando-se logo depois da de Pernambuco e da Bahia, presumivelmente por ser possuidora dos quatro produtos básicos de exportação da época: Açúcar, algodão, couro e madeira.”235 Mas com o pulsar dos tempos a cidade margeia da prosperidade para um estado de declínio. Partindo da observação dos elementos constitutivos do quadro pintado por Post, Francisco Sales Trajano Filho (2006), apresenta um arrazoado elucidativo acerca dessa singularidade da cidade – sua lenta evolução. Vale trazer as palavras do autor, a importância dessa obra de Post reside no fato dela se constituir numa espécie de síntese das leituras e registros até então elaborados acerca da cidade. Representação simbólica, como tal a Vista... condensa em sua construção aspectos significativos à compreensão da cidade, sua forma de organização espacial estendida sobre a colina, sua inserção na geografia, sua disposição, enfim, como “senhora do porto” atrelada ao rio. Posicionado no rio, o olhar de Post define um marco duradouro na forma de percepção da cidade que perduraria até pelo menos o início do século XX sem qualquer alteração, e que encontra sua razão de ser na relação de origem que a cidade estabelece com o rio. Dele dependente para sua fundação e manutenção nos primeiros séculos, é apenas quando a relação com o rio é 234 TRAJANO FILHO, 2006, s.p. 235 AGUIAR; OCTÁVIO, 1985, p. 52. 174 questionada por força de novas circunstâncias que essa forma de ver a cidade começa a perder validade como agente produtor de significados e leituras passíveis de se incorporarem na escrita da história urbana. (2006, s.p.). Trajano Filho observa que uma nova imagem da cidade, começa a ser engendrada apenas na segunda metade do século XX, vinculada não mais com o rio, a cidade corre para os braços do mar. As tintas que vão dar forma a essa nova tela que começa a ser preparada no entardecer do século XIX. 6.3. O século XIX: novos horizontes? O século XIX é marcante para a trajetória das cidades brasileiras, pois foram engendradas incontáveis mutações que desenharam novas cenas urbanas. Perscruta-se nesse momento a introdução de novos valores, conceitos e condutas que visavam a romper com os padrões tradicionalmente estabelecidos. No bojo desse processo as cidades passam a refletir esses valores que tinham como foco primordial modernizá-las, o que significa dizer, fazê-las semelhantes às cidades europeias. Pode-se traduzir esses intentos com o crescente afastamentos dos valores então vigentes alicerçados pelos padrões rurais e religiosos. Essa tendência se efetiva por todo século XIX, e um dos marcos introdutório seria a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, em 1808. A presença da Corte em solo brasileiro vai instituir uma miríade de transformações, em especial na cidade do Rio de Janeiro. A cidade passa, então, ser foco de uma série de melhoramentos urbanos que almejavam a construção de uma imagem condizente com a posição cultural e econômica exigidas pela Corte. É nesse momento singular que chega ao Rio de Janeiro, em 1816, a Missão Francesa, trazida pela Corte Real Portuguesa, sua influência vai reverberar- se em maior ou menor força por todo território brasileiro. O fito era moldar a capital do Brasil aos imperativos da Corte, “que tinha como referência de cidade, a Lisboa 175 reconstruída após o terremoto de 1755, sob os ditames do Marquês de Pombal.”236 Assim, com a chegada dos franceses, introduzia-se a idéia de monumento e o modelo estético neoclássico, que geraram um consequente sentimento de desprezo pela cidade existente. Nesse contexto, cabia aos membros da Missão Artística Francesa, a difícil tarefa de projetar o reordenamento urbano, estético e simbólico do Rio de Janeiro, dotando-o de ruas largas, praças, edifícios monumentais, eixos visuais, configurando assim, os cenários apropriados à sede de um império.237 Nos passos desse recrudescente modelo vicejam, nas cidades brasileiras, ao seu tempo, o processo de modernização que teve a então Capital Federal como bússola. Devido ao poder político e econômico, cidades como Salvador e Recife em pouco tempo sintonizam-se com o frenesi modernizante. Mas enquanto as referidas cidades iniciaram esse processo no princípio do século XIX, na Paraíba, os efeitos desse modelo operam-se na segunda metade do século, mas não com tamanha pujança. As descrições que se seguem sobre a cidade, ao longo do século, pouco se diferenciam dos contornos já enunciados: cidade provinciana, com parcos recursos e com uma estrutura urbana muitíssimo precária. Com sua típica divisão em Cidade Alta – onde agrega o maior número de prédios administrativos, conventos, igrejas e residências – e Cidade Baixa – localizava-se a maior parte do comércio, o porto e pequenas casas – em número bem inferior a quantidade de residências da Cidade Alta. Era, portanto, “um misto de área residencial e comercial, onde famílias de negociantes e seus caixeiros acomodavam-se nos andares superiores de sobrados. No térreo, os estabelecimentos comerciais: ‘armazéns, boticas, lojinhas.’"238 O porto 236 MOURA FILHA. Maria Berthilde. O cenário da vida urbana: a definição de um projeto estético para as cidades brasileiras na virada do século XIX/XX. João Pessoa: CT/ Editora Universitária/UFPB, 2000, p. 48. 237 Ibid., 2000, p. 54. 238 CAVALCANTI, 1972, p. 39 apud MAIA, 2005, p. 8480. MAIA, Doralice Sátyo. A morfologia urbana no movimento da modernidade. In.: ENCONTRO DE GEÓGRAFOS DA AMÉRICA LATINA. 10, 2005. São Paulo. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina. São Paulo: Universidade de São Paulo-USP, 2005, p. 8426-8443. Disponível em: http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal10/Procesosambientales/Geomorfologia/04.pdf. Acesso em: set. 2011. 176 do Capim em meados do século XIX esteve pleno funcionamento, como bem persevera Sales (2008), e a proximidade dos armazéns com o porto viabilizava o rápido escoamento dos produtos. O que possivelmente tenha atraído a Capitanias dos Portos e a construção de estabelecimentos comerciais. No que concerne o comércio de varejo foram erigidos casarios – no piso inferior funcionava o comércio e no superior a habitação. “Algumas ruas da Cidade Baixa aglomeraram estabelecimentos comerciais provocando a centralização física destas atividades no bairro do Varadouro. Uma destas ruas ficou conhecida como Rua do Comércio, atual Maciel Pinheiro.”239 Aguiar e Octávio esclarecem que os dados totais da população da cidade permanecem nebulosos, devido à falta de estatísticas precisas. Situação que deixa dúvidas, uma vez que, o primeiro recenseamento oficial só ocorreu, no Brasil, em 1872. Desse modo, os números expostos sobre épocas pretéritas são indicadores que não se tem uma confiabilidade. Em 1847, os dados oficiais apontam o total de 20.099 pessoas. Dado que corrobora com as dúvidas levantadas, trata-se de um quantitativo questionável, pois realizando a estimativa por número de habitações daria em torno de 20 pessoas por residência. Atinente à impossibilidade de tão proporção, os autores levantam a hipótese de que esses números sejam o total do Município ou ainda da “massa proletária residente nos casebres situados em ruas não cadastradas.” Já em 1859, as estimativas apontadas, relevam que a capital paraibana possuía em torno de 25 mil habitantes. Com relação às residências, em 1859, a cidade possuía, aproximadamente, o total de mil e quinhentas casas, não chegando a contar cinquenta sobrados. De modo geral as residências eram modéstias segundo a arquitetura das casas coloniais. Os autores esclarecem que os sobrados em número reduzido pertenciam à aristocracia rural e eram, via de regra, pintadas em cores berrantes.240 São, portanto, os ricos proprietários que erigiram os sobrados, símbolos do poder econômico. Não obstante, as habitações eram ocupadas somente em 239 SALES, Andrea Leandra Porto. O centro principal de João Pessoa: espacialidade historicidade e centralidades. (Mestrado em Geografia). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba-UFPB; Centro de Ciências Exatas e da Natuteza, 2008, p. 47. 240 AGUIAR; OCTÁVIO, 1985, p. 90-97. 177 ocasiões especiais como, por exemplo, durante as intempéries ou festividades. Essa característica era bastante peculiar no cenário brasileiro. A respeito dessa particularidade cumpre acentuar que no período colonial as terras destinadas ao plantio era amiúde o endereço dos grandes proprietários. “Nas cidades apenas residiam alguns funcionários da administração, oficiais mecânicos e mercadores em geral.”241 Sobre esse aspecto, Sérgio Buarque de Holanda elucida que essa característica se instala no Brasil com os colonos portugueses. Fato este que marcou a cena brasileira especialmente no primeiro e segundo século da colonização, já no terceiro a vida urbana, em determinados lugares, parece adquiri mais firmeza com a prosperidade dos comerciantes reinóis que se fixavam nas cidades. Panorama reverso assiste-se em Pernambuco por causa da ocupação holandesa. Enquanto as capitanias do sul, povoadas por portugueses, enfrentavam problemas com a defesa urbana justamente por causa da escassez de moradores, em Recife ocorria o reverso, faltavam casas para abrigar o número grande de pessoas que não cessavam de afluir. (1995, p. 90-92). A cidade alta, por sua vez, continuava como tradicionalmente, zona residencial e de atividades religiosas e administrativas, embora possuísse um total equivalente a 454 prédios de moradia, destas 44 sobrados e 410 casas de palha. [...] A maior parte dos moradores ainda moravam em chácaras e granjas dando um ar rural à cidade, ainda construída em largos espaços vazios entre as moradias dispersas entre os três grandes bairros da época: Trincheiras e Tambiá na parte alta da cidade e o Varadouro, na parte baixa.242 Em meados do século XIX o cenário começa a sofre algumas alterações, especialmente com o governo de Henrique Beaurepaire Rohan, de 1857 a 1859. Foi nesse governo que ocorreu o levantamento da planta da cidade com alinhamento das praças e vias existentes. Iniciam-se, igualmente, as intervenções urbanas com o alagamento e nivelamento das ruas. Além do trabalho de preparação para rede de 241 HOLANDA, 1995, p. 90. 242 SILVA, Edjane Luna da; SOUZA, Eliane Abrantes da Silva; MELO, João Eduardo Moraes; et all. Reformas urbanas: cidade de João Pessoa – 1850 a 1920. Arte e Ciência. 26 de abr. de 2010. (sem paginação). Disponível em http://www.webartigos.com/artigos/reformas-urbanas-cidade-de-joao- pessoa-1850-a-1920/36777/. Acesso em: jul. 2011. 178 esgoto e água. Novas vias foram abertas em locais onde até então apresentavam desenho irregular. Essas intervenções ocorreram obedecendo ao modelo haussmanniano, embora que em menor proporção. Nesse sentido, seguiu-se o plano de embelezamento e higienização da cidade.243 No anoitecer do século, em 1893, chega à cidade os primeiros bondes com atração animal, que simbolizam um marco do processo de modernização da cidade. Mesmo com o feixe de transformações apontadas, considera-se que a expansão da cidade opera-se em passos lentos, quadro que se alterar com mais vigor no século XX. 6.4. Processo de modernização: as reformas urbanas No século XX ganha fôlego as transformações que começaram a ser gestadas desde a aurora do século XIX. Na primeira década do século João Pessoa já começa a sentir de modo tímido o vendaval de alterações que ecoou com força no Rio de Janeiro, e espalhou-se aos quatros cantos do Brasil. Mas tais ventos chegaram tardiamente em solo paraibano como uma leve brisa. Ou seja, não teve os impactantes efeitos das intervenções que ocorreram, na então Capital. Assiste-se nesse raiar de séculos – 1908 a 1913 – mais especificamente na administração de João Machado, significativas mudanças na infra-estrutura da cidade. Diversas obras foram realizadas seguindo as pegadas de modernização da Capital Federal. Assim, no feixe de obras realizadas pode-se destacar: melhorias dos espaços públicos praças e ruas, iluminação, saneamento, abastecimento de água, modernização dos transportes. A cidade da Parayba começa a definir novos ares, começando a distanciar-se da imagem que ficou ‘congelada’ por três séculos. A ampliação da esfera pública nessa época começa a delinear uma nova relação das pessoas com a cidade. Praças, jardins, coretos passam a fazer parte da 243 CASTRO, 2006; COSTA, A., 2009. 179 opção de lazer da população, tornando-se locais fecundos de encontros. Observa-se nesse horizonte uma alteração nos modos de sociabilidades antes restrita as casas e as igrejas. Contudo, a frequência a esses lugares “passou a exigir novos padrões de sociabilidade implicando também em divulgar diferentes formas de conduta.” (LIMA, 2000, p. 183). A antiga Parayba começa a desatar-se dos tempos nebulosos de crise econômica, a ascendência do algodão – muito valorizado durante a Primeira Guerra Mundial – propiciou a formação de um acúmulo de capital, que vai reverberar na fisionomia da cidade. Segundo Sales (2008), o algodão chegou a responder por 68,5% das exportações e em 1929 a 73,9%. O produto escoava do interior pela estrada de ferro que ligava os municípios produtores ao porto, situado na Cidade Baixa. Isso veio contribuir para o crescimento e consolidação da área comercial nesse núcleo da cidade – nos anos 30, do século passado, os trilhos foram alargados até o município de Cabedelo, em virtude da transferência das atividades portuária para essa localidade. É notável nesse momento a construção de ricos palacetes que passam a compor a nova paisagem. Eis um ponto crucial, pois começa-se a adotar um novo estilo arquitetônico em substituição ao estilo colonial. Os suntuosos casarões são erigidos de acordo os ditames arquitetônicos europeus, e seguem as pegadas das normas vigentes de higiene. As residências dos mais ricos que amiúde situava-se na parte rural, ou até mesmo aqueles que tinham sobrados na cidade, mas só ocupavam em ocasiões especiais, passam a fixar moradia na cidade. Isso vai favorecer sobremaneira a orquestração de uma nova dinâmica, bem como a valorização de ruas onde eram construídos os palacetes, a exemplo da Rua das Trincheiras. Data desse período a chegada dos primeiros arquitetos modernos na cidade. A atuação desses profissionais vai imprimir mudanças expressivas, as antigas casas de pedra e cal começavam a serem substituídas por construções que revelavam uma distinta concepção arquitetônica, casas consideradas alegres e arejadas vão compondo a nova paisagem. 180 Embelezar e higienizar verbos que se tornam imperativos nessa época, igualmente as ações vigiar, controlar, disciplinar, separar. Embora a cena que comumente se associa a esse período é de grande movimento em praças, parques, ruas alargadas, o cenário dessa trama é composto por personagens pertencente à elite ou a emergente classe média. Caminhar por esses espaços exigia normas de condutas, que excluía os não detentores de tais códigos. Não apenas uma separação simbólica se efetivava, mas também física, uma vez que, esses espaços eram comumente cercados. O poder público investe não apenas no processo de embelezamento, igualmente em medidas de controle dos usos dos espaços. A cidade já apresentava uma população superior a 20 mil habitantes e “começava a ser configurada, sobretudo de um ponto de vista geométrico (neste momento), no casco antiguo.” No bojo da febre motivada pelas mudanças na política econômica do Período Republicano, a cidade crescia espacialmente, sobretudo por causa do processo de migração rural urbana.244 Paulatinamente os ventos modernizantes vão promovendo alterações na cidade e nesse processo ruas antigas são alinhadas, calçadas e arborizadas. Praças e ruas são construídas favorecendo a formação de novos eixos de extensão da cidade. Um marco nesse processo é o início das obras da Avenida Epitácio Pessoa. Assim, as ruas que antes foram formadas com o intuito de ligar o núcleo original às áreas vicinais, viabilizou a formação dos eixos de crescimento da cidade. Examinando com atenção a planta da cidade do ano de 1923, Ana Luiza Costa (2009, p. 98-99) chama a atenção para os eixos de extensão com a abertura da Avenida João Machado, que recebia transversalmente as seguintes ruas: Trincheiras e Palmeira, e as Estradas de Jaquaripe e do Macaco, estimulando o assentamento do Bairro de Jaquaribe. A autora assinala ainda outro setor de expansão no Montepio, porção a leste da Lagoa e o prolongamento da Avenida Monsenhor Walfredo Leal até a Praça da Independência. No entanto, na década de 1920, o horizonte da cidade se alarga desse modo, 244 SALES, 2008, p. 50. 181 sua expansão seguia duas direções: nordeste e sudeste. Entre essas duas, havia o sítio Lagoa, grande área alagadiça já conhecida como Lagoa, que representava um problema no que diz respeito ao controle das infecções, como também ao crescimento da cidade. [...] No ano de 1924, Joaquim Inácio (Inácio, 1987, p. 16) registra modificações realizadas nessa área, como o saneamento e a existência de ruas que ali desembocam. Até então, as ruas de expansão da cidade eram as ruas das Trincheiras e a Odon Bezerra - Walfredo Leal que conduziam, respectivamente, a ocupação dos bairros das Trincheiras, a sudeste, e o de Tambiá, a nordeste. (SILVA; SOUZA; MELO, 2010, sem paginação). A abertura da Rua João Machado consiste um marco do processo de modernização da capital paraibana. Sua construção alterou sensivelmente a imagem da região do Jaguaribe. Na paisagem que antes era composta por construções precárias e ruas repletas de mato, com a abertura de boulevard, largos e extensos, que facilitava o acesso a essa área da cidade, deu-se início a uma nova etapa na capital, qual seja: a ocupação pela população mais abastada que fugia dos sobrados do centro. “A regularidade da nova via afirmava-se como um gesto simbólico de negação do passado tortuoso das ruelas coloniais e de suas pragas. A modernidade ensejada parecia se avistar sem empecilhos na perspectiva retilínea da Avenida João Machado.”245 Esta nova paisagem que se desenha negação do passado colonial, pode ser percebida como o prelúdio de uma situação que doravante se acentuará. Os deslocamentos espaciais da elite podem ser vistos como um afastamento simbólico do que representa as antigas moradias. Acredita-se que o abandono que configurará a paisagem do centro atualmente não se opera apenas por causa da não adaptabilidade das casas, seu estilo, mas que a imagem gestada no século passado – de pobreza, atraso – e que o período republicado fez ecoar aos quatro ventos, como algo que deve ser combatido e apagado; o que influencia sobremaneira sobre o modo de perceber o núcleo original da cidade. Na esteira do afã de remodelar e promover uma nova imagem da cidade, fez com que as intervenções ganhassem mais relevo, sobretudo, a partir da década de 1920, período em que o “maquiamento urbano na face rural da cidade foi mais 245 TRAJANO FILHO, 2006, s.p. 182 marcante, dando rumo à expansão e modernização dos espaços públicos.”246 Deriva dessa época a preocupações com expansão do parque industrial e a dilatação das atividades de comércio. Nesse período são realizadas construções a partir da demolição de obras centenárias. No processo aqui em foco convém destacar a Praça Vidal de Negreiros. A abertura da praça promoveu a derriba da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Construída, “em meio ao traçado mais antigo da cidade”, a praça comumente conhecida como Ponto dos Cem Réis, por causa da implantação dos bondes – a primeira linha realizava o percurso da estação ferroviária e a Praça Vidal de Negreiros. Como o custo da passagem correspondia ao valor de cem réis, a praça foi batizada com esse nome. Mesmo com a alteração dos preços das passagens e da moeda; e ainda com o desuso do meio de transporte o nome permaneceu ao longo dos anos.247 É importante notar que a Praça foi construída com o intuito de melhorar a circulação dos bondes. A vista disso transformou-se “um lugar de convergência da população, que dele se apropria tomando-o como símbolo de um momento de “modernização” de João Pessoa, intrinsecamente associado àquele sistema de transporte.”248 Obras de vulto, que viabilizaram a expansão da cidade, foram realizadas nos anos de 1920. Notável nesse sentido é a urbanização do sítio da antiga Lagoa dos Irerês, hoje parque Sólon de Lucena, que possibilitou a abertura de diversas ruas importantes como Princesa Isabel, Dom Pedro II, Dom Pedro I entre outras. Fato esse que favoreceu o crescimento da cidade até o atual bairro da Torre. Segundo Castro (2006), as intervenções na capital tiveram início em várias frentes, mas foi em 1932 que a região central adquire parte da fisionomia que observa-se atualmente. Para isso adotou-se o Plano de Remodelação e Extensão, baseado no modelo haussmaniano. Sob a batuta de Nestor de Figueiredo o plano 246 SILVA; SOUZA; MELO, 2010. s.p. 247 Sobre os bondes, informações disponíveis em: http://www.novomilenio.inf.br/santos/bonden33.htm. Acesso em: jul. 2011. 248 SARMENTO, Bruna Ramalho; MOURA FILHA, Maria Berthilde; AZEVEDO, Maria Helena de Andrade. As construções e desconstruções do Ponto de Cem Réis na cidade de João Pessoa. In.: Seminário Internacional Urbicentros: morte e vida dos centros urbanos. João Pessoa, 2010. Disponível em: http://lppmacervo.files.wordpress.com/2010/06/pag-039-as-construoes-e- desconstrucoes-do-ponto-de-cem-reis.pdf. Acesso em: set. 2011. 183 abrangia a cidade existente e a cidade futura. Na cidade existente as intervenções foram menos agressivas, considerou-se parte do desenho urbano construído, isso ocorreu por causa dos altos custos que tornavam as intervenções mais radicais inviáveis. Ademais, considerava-se que a fisionomia da cidade apresentava boa qualidade, por isso empregou-se o conceito de Remodelagem. Cabe, no entanto, frisar que esse conjunto de fatores possibilitou guardar a traça da cidade com pouquíssimas alterações. Algo muito peculiar e distinto de outros exemplos de cidades brasileiras, de origem colonial, que tiveram seus centros profundamente feridos pela onda modernizante. Já para a cidade do futuro abraçou-se o conceito de extensão: que sobrepujaria as barreiras da insalubridade, representada pela Lagoa dos Irerês, expandindo a cidade até o bairro da Torre. O mesmo conceito definiu algumas áreas, quais sejam: o bairro 13 de maio, axiais da Avenida Epitácio Pessoa até a praia de Tambaú e definiu a atual Avenida Rui Carneiro beneficiando o acesso para estimular a expansão da região das praias. Vale lembrar que nesse período a cidade concentrava-se na atual região central desde os idos de 1920. Chega-se um ponto crucial para o processo de expansão da cidade rumo às praias, momento em que o rio vai desbotando sua influência e sentido para a cidade e o mar vai ganhando significado maior e valor para os pessoense. A “cidade nova” começa a ser sonhada como local de morada, a cidade do “passado” que começa a ser “esquecida”. No encaminhamento das obras da Avenida Epitácio Pessoa, vale lembrar que o trecho da Avenida, que foi construída em 1933, viabilizou o avanço da cidade no sentido leste, até as praias de Tambaú e Cabo Branco. Na década de 1940, ganha maior robustez o processo de expansão da cidade em direção ao litoral com a pavimentação da Epitácio Pessoa, caracterizada, na época, pelo uso essencialmente residencial, e na direção sul por meio da Avenida Cruz das Armas, que singularizava- se pelo uso de serviços e comércio. Diante do panorama instaurado torna-se curial salientar o papel fundamental da Avenida Epitácio Pessoa para o desdobramento desse quadro. Após 184 32 anos do princípio das obras, em 1952, inaugura-se em clima de festa, a tão esperada avenida que passa a galvanizar as terras banhadas pelo mar. Se antes a população fluía para praia para desfrutar dos momentos de lazer, para a prática do veraneio, com a conclusão da Avenida uma boa parte da população começa a migrar para o litoral, mas, agora, com o intuito de fixar residência. Em um breve espaço de tempo a Avenida começa a ser vestida com residências luxuosas. A Avenida Epitácio Pessoa começa a ser o novo endereço da elite. Até a década de 60, João Pessoa se concentrava na atual região central, com ocupação mais rarefeita na medida em que se distanciava do centro. Tudo contido pelos elementos naturais do sítio urbano, visto que estes elementos naturais como o Rio Sanhauá no lado oeste, o vale do Rio Jaguaribe no sudeste, o vale do Rio Paraíba no noroeste limitava o seu crescimento, obrigando-a a se expandir na direção leste. (CASTRO, 2006, p. 15). Na década seguinte, anos de 1960, a fixação de tais residências já começa a atrair o comércio e serviços – lojas luxuosas que outrora ocupavam o centro da cidade. Avista-se nessa década o desabrochar de uma nova dinâmica com a implantação de conjuntos habitacionais destinados a classe média. Através do Sistema Financeiro de Habitação – SFH – e do Banco Nacional de Habitação – BHN, as linhas de financiamento foram disponibilizadas para as construções de moradias nos conjuntos. Tais recursos concentravam-se, sobretudo, nos bairros que floresciam nas margens da Avenida Epitácio Pessoa. Essas medidas favorecem profundamente a ampliação do ambiente construído de vários bairros, a exemplo de Tambaú, Bairro dos Estados, Cabo Branco, e consequente valorização da Avenida. Assim, no mesmo compasso que surgem outros bairros o centro – seu núcleo original – assiste a paulatina fuga dos seus moradores e comerciantes.249 Os bairros da Torre e Jaguaribe, na década de 1970, concentram uma representativa quantidade de uso do solo residencial, revelando uma vida independente. No compasso reverso, o centro da cidade, sobretudo, nas áreas vicinais ao Parque Sólon de Lucena, enreda-se os primeiros contornos do processo de transferência de usos habitacionais por usos destinados aos serviços terciários. 249 CASTRO, 2006. 185 Nesse sentido, as residências que abrigava a população de alta renda paulatinamente foram sendo substituídas por prédios designados ao comércio e serviços. Nunca é demais lembrar que nos anos de 1960 esse era o endereço para os encontros e momentos de lazer dos jovens mais abastados. C.D. – A Lagoa? A Lagoa, ela começou... Deixa eu me lembrar das coisas, a Lagoa começou a ser o foco assim, digamos assim, de sociabilidade quando para lá passou o carnaval. Antes era um local de passagem no Centro da cidade. A Lagoa está no Centro, praticamente, mas vamos dizer no Centro da cidade o Ponto Cem Reis, e a Lagoa, ali era só residência. Só ia para lá quem morava lá, era totalmente residencial, não tinha comércio, não. Era de passagem Iá muito por ali para o Liceu, eu quando sair do Colégio Marista eu fui estudar no Liceu. Aí me lembro já, um pouco a Lagoa mais presente, mas nunca... A Lagoa teve isso, aí depois em torno da Lagoa começou a aparecer, função da Lagoa começou a aparecer o Ponto Cem Reis, das campanhas eleitorais, os grandes comícios, aconteciam na Lagoa. O Ponto Cem Reis começou a ficar pequeno. Ali onde é o Cassino tinha um restaurante, o Cassino, ali era o comício. O desfile era uma outra coisa que acontecia no Centro da Cidade, o desfile de 7 de setembro, que era um pouco já abandonando a Duque de Caxias, o desfile de 7 de setembro passou a ser na Lagoa. Aí marcou um pouco aí a história, a minha lembrança era mais feliz, a cidade era mais bonita, lá em Duque de Caxias, nas Trincheiras, a Lagoa... É porque terminava um pouco ali. Depois o bairro das Torres, que é um bairro que foi criado, já depois, era um bairro que eu me lembro ter mais visto casa de palha, era um bairro todo de casa de palha, o bairro da Torres, parecia um cinema, para você vê como é que era o cinema. 250 C. D. – Professor da Universidade Federal da Paraíba e ex-morador. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2012. Outros aspectos relevantes podem ser apontados como elementos promovedores da expansão urbana, como os grandes investimentos em infra- estrutura viária com a construção dos eixos rodoviários da BR-101 e da BR-230. Investimentos estes que viabilizaram dilatar os limites de ocupações e deslocamentos. As implantações de investimentos de grandes envergaduras, a exemplo do Distrito Industrial – à margem da BR-101 – e da Cidade Universitária – Universidade Federal da Paraíba – UFPB, tiveram como manifestação o crescimento da malha urbana no sentido Sul e Sudeste. Esse leque de transformações influenciou, sobremaneira, a incorporação de outras áreas distantes do centro da cidade, “que recolheriam muitas vezes populações das muitas favelas que proliferavam rapidamente na capital a partir 250 Identificação para todas entrevistas: Entrevistador: E; Entrevistados: iniciais do nome e sobrenome. 186 da década de 1970 – a periferização atingiria uma escala vertiginosa com a construção de enormes conjuntos habitacionais.” (TRAJANO FILHO, 2006, s.p.). Desse modo, desde a década de 1970, um fenômeno ganha relevo na cena urbana, a saber: a favelização. Tem-se como explicação para a formação das favelas o êxodo rural, desencadeada pela modernização de algumas atividades canavieiras e pecuárias. Situação dilatada graças a carência de proteção social e econômica. A população advinda do campo, sem condições de ingressarem no mercado de trabalho, passa a fazer parte do numeroso grupo dos trabalhadores informais. De acordo com dados apresentados pela Fundação Instituto de Planejamento da Paraíba – FIPLAN – até os anos de 1970 existiam 16 favelas na capital. O número toma impulso e praticamente duplica na década seguinte, chegando 31 favelas.251 É nesse período que começa as primeiras ocupações da Favela Porto do Capim, localizada no Bairro Varadouro. O contorno dessa narrativa teve início nos anos de 1930, momento que o porto fluvial, na cidade baixa é desativado, possibilitando o surgimento de uma colônia de pescadores que ocupou parte de suas instalações. Essa situação, conjugada com o crescimento da cidade e as dificuldades econômicas verificadas nos últimos anos, propiciou a formação da atual Favela Porto do Capim.252 Ainda conforme dados da FIPLAN, na Favela Porto do Capim, na década de 1980, tinha 91 moradores e 22 domicílios. Vinte anos depois o número de pessoas que vivem no local multiplica-se por seis, ou seja, chega atingir 550 moradores. E o 251 De acordo os dados apresentados em: SANTOS, Jocélio Araújo dos. Análise dos riscos ambientais relacionados às enchentes e deslizamentos na favela São José, João Pessoa – PB. João Pessoa: Programa de Pós-Graduação em Geografia [Mestrado em Geografia], 2007, p. 32 e 33. O processo de empobrecimento torna-se mais premente, e no ano 2000, a cidade registra 101 favelas em 38 bairros dos 60 existentes em João Pessoa, agrupando uma população de 112.277 mil habitantes, em 24.314 domicílios. (SANTOS, J., 2007, p. 39). 252 PLANO de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa. João Pessoa; TCI – Planejamento, Projeto e Consultoria Internacional; Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa, 1994, p. 89. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. 187 número de domicílios avoluma-se em quase igual proporção, apresentando no ano de 2000, 130 domicílios.253 No entanto, dados presentes no texto do Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, revelam que, em 1993, a Favela possuía um quantitativo populacional ainda maior, cerca de 870 moradores, cuja renda média mensal apresentada era de um salário mínimo. O estudo destaca ainda que 38,46% da população ativa encontrava-se desempregada, tendo como meio de sobrevivência trabalhos ocasionais. Os baixos índices de escolaridades são igualmente preocupantes, -71,43% dos moradores não concluíram o ensino fundamental (antigo 1o grau) e a taxa de analfabetismo atingia a casa dos 24,24%.254 Além disso, os anos de 1970 pavimentam outras significativas transformações na capital paraibana, com a implantação do Projeto Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada – CURA. Visando a instalação de infra-estrutura básica nas cidades de todo país, o CURA, possibilitou em João Pessoa o desenvolvimento de obras de infra-estruturas que viabilizaram os velhos estoques imobiliários e a consolidação de novos sub-centros, a exemplo dos bairros de Tambaú, Manaíra, Cabo Branco, Cristo Redentor e Mangabeira. Torna-se, portanto, oportuno mencionar que a implantação do CURA teve como desdobramentos a duplicação da cidade. Cumpre ainda aduzir que “tais fenômenos contribuíram fortemente para o quadro de abandono e subutilização, do patrimônio construído para uso residencial e mais recentemente do patrimônio para uso comercial, que caracterizam o Centro Histórico da cidade de João Pessoa no presente momento.”255 253 Os dados são da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social – SEDES, (ano de 2000), apresentados em: SANTOS, J., 2007, p. 32 e 36. Conforme os dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social – SEDES, (ano de 2000) no Bairro do Varadouro, existiam ainda mais sete favelas, somando 1.940 habitantes, no total de 448 domicílios. Número muitíssimo superior ao quantitativo dos habitantes que residem no Bairro, mas não nas áreas das favelas – apenas 481 moradores e 154 habitações são registrados. (SANTOS, J., 2007, p. 36). 254 CENTRO HISTÓRICO de João Pessoa Monumento Nacional. Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa – 1987-2002. João Pessoa: Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa; Convênio Brasil Espanha, out. 2002, p. 50. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. 255 CASTRO, 2006, p. 4-5. 188 Vale ainda ressaltar a importância, já mencionada, para a expansão urbana a implantação de equipamentos de grande alcance como a construção da Cidade Universitária e o Distrito Industrial Dessa maneira, as construções modernas, tornaram-se convidativas às famílias que habitavam a região central e o Centro Histórico. A atração, pelos novos bairros, tornou-se ainda mais estimulados devidos a ausência de investimentos públicos no núcleo inicial da cidade. Com a decadência física da área central, os então, locais de convivialidade passam, igualmente, por processo de abandono, tornando-se espaços considerados de insegurança. O estigma é alimentado ainda mais pela animação noturna que se efetiva através da presença conhecida dos cabarés – casas de prostituição. Assim, as palavras violência, insegurança, prostituição são os rótulos que passam a designar essa parte da cidade. Na década de 1980, observa-se nesse horizonte, a aceleração do processo de despovoamento do “coração da cidade”. É conspícuo que o acesso ao automóvel, pelas camadas médias e alta, favoreceu sobremaneira os deslocamentos e fixação de residências, dessa parcela da população, nos bairros situados próximos as praias. Em contrapartida os antigos imóveis recebem novos moradores que possuem baixa renda. São esses contornos gestados em décadas precedentes que são ainda notáveis até os dias atuais. Fato esse que alterou radicalmente a paisagem da cidade e influenciou o processo de abandono do seu centro. 189 6.5. Esquecimento e revitalização: “nasce” o centro histórico Na segunda metade da década de 1980, a marola, de algumas transformações, começa a agitar o bairro antigo da cidade. Trata-se da implantação do Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa – Convênio Brasil/ Espanha, cuja área de atuação, envolve um perímetro de 117 hectares. Esta delimitação abrange o núcleo original e corresponde aos limites da cidade no ano de 1855 – a cidade manteve seu traçado genuíno. A área delimitada possui edificações de vários períodos da história de João Pessoa, sendo considerado patrimônio de indubitável valor histórico e arquitetônico, que incorpora-se de forma harmônica ao patrimônio natural da cidade.256 Os objetivos primordiais do Projeto deslizam na perspectiva de recuperar as raízes culturais comuns entre Brasil e Espanha; a valorização e recuperação do patrimônio natural e construído. Além disso, visa à formação de mão-de-obra especializada em diversos níveis, o que inclui a revalorização de ofícios artesanais. O convênio se efetivou graças ao empenho do então Ministro da Cultura, o paraibano Celso Furtado. Por meio da implantação do projeto de Revitalização, o Centro Histórico de João Pessoa, passou a integrar o Programa de Preservação do Patrimônio Cultural da Ibero-América, mantido pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional em vários países da América Latina. Tal parceria foi consolidada através do Convênio MinC – Ministério da Cultura – no 01/87 – Convênio Brasil/Espanha. As parcerias integram Governo do Brasil (Governo Federal – MinC e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN), Governo da Paraíba (Secretaria da Educação e Cultura – SEC e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba – IPHAEP), Prefeitura Municipal de João Pessoas e 256 O PROCESSO de Revitalização. Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa Convênio Brasil/ Espanha. In.: A revitalização do centro histórico de João Pessoa. João Pessoa (?): Comissão do Centro Histórico de João Pessoa; Convênio Brasil / Espanha, s.d, p. 108. Fonte: Arquivo da Biblioteca do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. 190 Governo da Espanha (Ministério de Assuntos Exteriores e Agência Española de Cooperación Internacional – AECI).257 Dentro desse processo, e assim, as coisas iniciaram o convênio com a Cooperação Espanhola, que é a partir dai que eu entro nessa atuação mais concreta em relação a João Pessoa, começa em 87, não é? Quando o entendimento desses dois Governos Espanha e Brasil. Espanha através do Ministério de Relações Exteriores e a Cooperação Espanhola que é uma organização do Ministério das Relações Exteriores, e o Brasil através do Ministério da Cultura. Ai na época o nosso Ministro da Cultura era Celso Furtado, paraibano, então quando a Cooperação vem ao Brasil e /// sobre esta parceria, não é? Essa cooperação, essa ação de cooperação, em relação a preservação dos sítios históricos, no caso o objetivo. Eles já vinham com a proposta completa de implantar um projeto de revitalização de centro histórico, na negociação com o Ministro da Cultura identificasse que João Pessoa, essa parceria séria, daria bons frutos porque, os argumentos, digamos assim, acadêmicos ou teóricos, seria, João Pessoa, ela é fundada na época da colônia do Brasil e Portugal os dois, aliás, Espanha e Portugal e ai segundo a Espanha na época. E também em João Pessoa não havia ainda, vamos dizer assim, uma ação contundente ou uma organização suficiente e de trabalho no sentido em resgatar ou visualizar até, na época até visualizar melhor, identificar melhor, a existência, não é? De um centro histórico em João Pessoa, era perceptível, não é? E para a cooperação era melhor trabalha em um espaço desse porque a contribuição seria melhor ou seria maior. [...] Então vamos implantar isso em João Pessoa, é nesse somente que eu passo, começo a fazer parte desse processo, porque eu e um grupo de arquitetos éramos na época 7 ou 8 é, trabalhamos ai por 1 ano, não é? Veio essa seta, da cooperação espanhola, a M.P., não é? E também implantou esse mesmo projeto de revitalização do centro histórico em outros países da América Latina. Arquiteta e Diretora Geral da Oficina-Escola de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. No mesmo ano, 1987, foi criada a Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa – CPDCH/ JP, que teve como objetivo primordial proporcionar a implantação do Projeto de Revitalização. Ligada ao Conselho de Preservação de Bens Histórico Culturais do IPHAEP e ao Instituto Histórico e Artístico da Paraíba – Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Paraíba, a Comissão teve algumas metas primordiais, quais sejam: “realização de 257 O PROCESSO, s.d., p. 108. 191 estudos, desenvolvimento de projetos e ações com o objetivo de revitalização do centro histórico e a restauração de seus monumentos.”258 A partir dos estudos empreendidos diversas dificuldades foram encontradas, entre elas destaca-se a escassez de mão-de-obra especializada para a realização das obras em desenvolvimento. Diante dessa incontornável realidade, quatro anos após, em 1991, é assinado um novo acordo de cooperação que teve como fito a criação da Oficina-Escola de Revitalização do Patrimônio Cultural de João Pessoa. […] começando as obras não tínhamos pessoal, não tinha empresa, não tinha nada, vai de cabeça e, tanto que a mesma empresa que assume a obra da Igreja de São Bento assume a obra do antigo Hotel Globo, é a mesma ///, não é? E a gente então é que, essas duas ações financiadas quase 90% pela Cooperação Espanhola, 90% as duas ações é, uma parte mínima pelo IPHAN [Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] a outra parte mínima pelo Governo do Estado, os três, os dois envolvidos, Federal e Estadual, e a cooperação mais a participação financeira do processo do jeito brasileiro mais simbólica, na verdade foi muito mais de ação institucional, de acordo institucional, não é? Então se desapropria, o governo do estado desapropria, o antigo Hotel Globo, e ai /// não sei te dizer nada sobre isso, porque ai já é uma parte mais e, decisão de governo, mais desapropriou porque estava dentro do ///, havia interesse do governo do estado na época nesse processo e o que era para ser feito ele, o Hotel Globo foi desapropriado e São Bento teve entendimento com Arquidiocese e se iniciou a obra, no meio do caminho é, trabalhar restauro com empresa privada, ainda que essa empresa privada tinha a sua formação na época, era uma empresa de restauro, mais é um conflito, conflituoso porque a empresa tem interesse de lucro, de aumento, não é? E por um lado é, você tem um risco de estender essa obra por muito tempo, certo? E havia uma certa dificuldade no diálogo para levar adiante essas duas obras, a gente da comissão fiscalizando Projetos da Comissão do Centro Histórico, todas as duas intervenções, acompanhamento de equipe de Oficina-Escola, fiscalização da Oficina-Escola, e a gente então percebia a dificuldade dessa coisa, é quando a própria Cooperação já lança a segunda ideia, vamos trazer para cá um outro projeto da, que é idealizado na Espanha que chamado as Escuelas-Taller - são instituições, são ações, são projetos que capacita jovens em restauro. E ai foi na época a Coordenadora da Comissão do Centro Histórico e o representante do IPHAN local e mais um representante do IPHAN de Brasília, perdão do Rio de Janeiro foram para a Espanha e ali junto com os outros projetos de revitalização dos centros históricos implantados nesta mesma linha, aqui na América, eu acho que Brasil, Venezuela, acho que Nicarágua, eu não, agora não sei, eram cinco, eram cinco países que buscavam esse trabalho com a cooperação espanhola, a Cooperação Espanhola tinha feito essa parceria de cooperação técnica com, 258 O PROCESSO, s.d., p. 108. 192 eram cinco países na América, menos o Brasil e mais, e então se viu as oficinas escola de lá da Espanha, e apresentou os projetos para implantar aqui, e claro foram aprovados, e ai 91 a gente inicia o processo de construção dessa nova ação que se chama Oficina-Escola de João Pessoa, eu considero que dentro desse processo de trabalho em função do resgate do Centro Histórico de João Pessoa de atuar no Centro Histórico, para o Centro Histórico eles, nesse momento ele recebe uma grande ajuda que é exatamente esse programa por causa da filosofia do programa, na medida que o programa de Oficina-Escola, identifica que tem que trazer os jovens da comunidade para resgatar o patrimônio e identidade de sua comunidade, isso toma, assume um novo patamar nessa, vamos assim, nestas estratégias de intervenção de resgate da memória de qualquer lugar, não é? Arquiteta e Diretora Geral da Oficina-Escola de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. A Oficina-Escola desenvolve entre outras ações a capacitação de jovens desempregados (de ambos os sexos, faixa etária ente 18 a 25 anos), em ofícios da construção civil, com especialidade em restauração do patrimônio natural e construído. Os jovens são pertencentes à camada de baixa renda, que vivem em situações precárias (advindos de programas assistenciais, orfanatos, que foram abandonadas ou moraram nas ruas etc.) e cujos índices de analfabetismo e subnutrição reverberam-se de modos acentuados. Os jovens recebem apoio assistencial, uma bolsa no valor de um salário mínimo, além de vale transporte, seguro-saúde, café da manhã e almoço.259 Essa ação teve como base o programa de ESCUELAS-TALLER, implantado na Espanha desde 1986, através do Instituto Nacional de Empleo – INEM e que apresentava desde então saldos muito positivos, com a inclusão de jovens nas ações de regaste de seu patrimônio cultural. O Programa foi expandido para o Ibero América a partir de um Convênio – Marco de Colaboração entre aquele órgão e a Agência Espanhola de Cooperação Internacional, firmado em 21 de novembro de 1990. (OFICINA-ESCOLA, s.d., p.7). A experiência da Oficina-Escola, ação piloto iniciada em João Pessoa, serviu de referência para a implantação em outras cidades brasileiras como exemplos pode-se citar as cidades do Salvador-Ba, Goiana-PE, Vitória-ES entre outras. 259 OFICINA-ESCOLA de Revitalização do Parimônio Cultural de João Pessoa. João Pessoa, s.d., p. 9. 193 O fato é que no processo de obra no final das contas mudou-se a questão do uso e o projeto idealizado do ponto de vista dessa perspectiva ele foi abandonado, não é? Não sei se faço umas criticas sobre isso porque de certa forma também a gente conclui a primeira obra, que até foi a primeira obra da oficina escola, é lá, com a gente conclui ela em 95, 94, perdão em 94, é 94, 94, bom eu vou pendurar ai essa reflexão mais na frente eu respondo eu preciso de mais dados para poder entender o que eu acho disso, mas bom voltando, então constitui /// começa essa daqui da comissão do centro histórico, instituído, regulamentado, decreto, comissão /// atrelado como uma adento mais com autonomia, não é? Em relação ao IPHAEP [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba] a gente vai pula e, /// começando as obras não tínhamos pessoal, não tinha empresa, não tinha nada, vai de cabeça e, tanto que a mesma empresa que assume a obra da igreja de São Bento assume a obra do antigo Hotel Globo, é a mesma, [...] não é? E a gente então é que, essas duas ações financiadas quase 90% pela Cooperação Espanhola, 90% as duas ações é, uma parte mínima pelo IPHAN [Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] a outra parte mínima pelo governo do estado, os três, os dois envolvidos, federal e estadual, e a cooperação mais a participação financeira do processo do jeito brasileiro mais simbólico, na verdade foi muito mais de ação institucional, de acordo institucional, não é? Então se desapropria, o governo do estado desapropria, o antigo Hotel Globo, e ai /// não sei te dizer nada sobre isso, porque ai já é uma parte mais e, decisão de governo, mais desapropriou porque estava dentro do ///, havia interesse do governo do estado na época nesse processo e o que era para ser feito ele, o Hotel Globo foi desapropriado e São Bento teve entendimento com Arquidiocese e se iniciou a obra, no meio do caminho é, trabalhar restauro com empresa privada, ainda que essa empresa privada tinha a sua formação na época, era uma empresa de restauro, mais é um conflito, conflituoso porque a empresa tem interesse de lucro, de aumento, não é? E por um lado é, você tem um risco de estender essa obra por muito tempo, certo? E havia uma certa dificuldade no diálogo para levar adiante essas duas obras, a gente da comissão fiscalizando Projetos da Comissão do Centro Histórico, todas as duas intervenções, acompanhamento de equipe de Oficina- Escola, fiscalização da Oficina-Escola, e a gente então percebia a dificuldade dessa coisa, é quando a própria Cooperação já lança a segunda ideia, vamos trazer para cá um outro projeto da, que é idealizado na Espanha que chamado as ESCUELAS-TALLER – são instituições, são ações, são projetos que capacita jovens em restauro. E ai foi na época a Coordenadora da Comissão do Centro Histórico e o representante do IPHAN local e mais um representante do IPHAN de Brasília, perdão do Rio de Janeiro foram para a Espanha e ali junto com os outros projetos de revitalização dos centros históricos implantados nesta mesma linha, aqui na América, eu acho que Brasil, Venezuela, acho que Nicarágua, eu não, agora não sei, eram cinco, eram cinco países que buscavam esse trabalho com a cooperação espanhola, a Cooperação Espanhola tinha feito essa parceria de cooperação técnica com, eram cinco países na América, menos o Brasil e mais, e então se viu as oficinas escola de lá da Espanha, e apresentou os projetos para implantar aqui, e claro foram aprovados, e ai 91 a gente inicia o processo de construção dessa nova ação que se chama Oficina-Escola de João Pessoa, eu considero que dentro desse processo de trabalho em função do resgate do Centro Histórico de João Pessoa de atuar no Centro Histórico, para 194 o Centro Histórico eles, nesse momento ele recebe uma grande ajuda que é exatamente esse programa por causa da filosofia do programa, nà medida que o programa de Oficina-Escola, identifica que tem que trazer os jovens da comunidade para resgatar o patrimônio e identidade de sua comunidade, isso toma, assume um novo patamar nessa, vamos assim, nestas estratégias de intervenção de resgate da memória de qualquer lugar, não é? […] Você já está trazendo já um pessoal que está fazendo um trabalho de educação patrimonial no final das contas e que você está criando aliados não só qualificando do ponto de vista do ofício, mais também vivendo o seu centro histórico, portanto fazendo uma nova, um novo link com esses, não é? Com esse espaço, né? As pessoas falavam que, as pessoas já tinham, estavam abandonando, já não tinha nenhuma e agora... Arquiteta e Diretora Geral da Oficina-Escola de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Para a efetivação do Projeto de Revitalização, um grande trabalho foi empreendido, que inclui a delimitação do perímetro do Centro Histórico, levantamento de acervo patrimonial que faz parte da área delimitada, – cadastro – normas gerais e específicas por lote e um estudo detalhado dos aspectos tipográficos dos imóveis de valor patrimonial. Foram realizados 2.193 cadastros individuais das edificações e lotes tipológicos, e ainda 180 fichas de trechos de ruas, que formam o quadro da imagem urbana da área. Ademais, a realização de pesquisa histórica e da evolução urbana e investigação sócia econômica.260 A equipe responsável pelo Projeto foi pioneira ao efetivar a coleta de dados sobre os aspectos sócio-demográficos do Centro Histórico. As informações foram adquiridas por uma amostra de 140 domicílios, que corresponde a 22,0% dos domicílios totais do perímetro. Realizado em 1987, o estudo revela que a população residente era constituída por 3.366 pessoas, excluindo ai os habitantes da Favela Porto do Capim. Conforme dados apresentados no “Plano de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa”, em investigação realizada no ano de 1980, observou-se a diminuição (-7,8%) da população do Centro Histórico. A justificativa para o fenômeno se deve ao abandono da área pelos habitantes, que ocorre por causa do gradual processo de deterioração da qualidade de vida no bairro. Outra explicação exposta 260 A REVITALIZAÇÃO do Centro Histórico de João Pessoa. João Pessoa: Comissão do Centro Histórico de João Pessoa – Convênio Brasil/ Espanha, s./d., p. 110. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. 195 refere-se a intensificação do setor terciário no Centro que originou numa intensa apropriação de imóveis, tanto sob a forma de aluguel como de posse definitiva, que antes era designada ao uso residencial.261 Já com relação ao Centro da Cidade, a população no ano 2000 registra 4.990 habitantes e em 2010 passa para 3.644 habitantes. Efeito contrário tem passado a capital paraibana, pois o número de habitantes vem aumentando. No ano 2000 a cidade contava com 597.934 habitantes, esse número salta para 723.515 habitantes, em 2010.262 No que se refere à ocupação e permanência da população, destacam-se algumas razões principais, a saber: proximidade com o local de trabalho, “uma vez que 57,93% trabalham num raio do entorno de 1,0% Km. Além disso, existem os usos institucionais, fortemente reunidos no local.” (PLANO, 1994, p. 87). Gráficos 1 e 2: Percentual da População por faixa etária – 1980 e 1987. Fonte: Plano de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, 1994. 261 PLANO de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa. João Pessoa; TCI – Planejamento, Projeto e Consultoria Internacional; Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa, 1994. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB, p. 86. 262 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica – IBGE, Censo Demográfico 2000-2010. 39,9% 41,9% 18,2% Centro Histórico de João Pessoa Distribuição Percentual da População por Faixa Etária - 1980 Menos de 20 anos 20 a 50 anos Maiores de 50 anos 31,4% 51% 17,6% Centro Histórico de João Pessoa Distribuição Percentual da População por Faixa Etária - 1987 Menos de 20 anos 20 a 50 anos Maiores de 50 anos 196 Indo um pouco nas minúcias sobre os aspectos concernentes a população residente no Centro Histórico, nos anos de 1980 e 1987, os dados descortinam o crescimento do percentual de pessoas entre 20 e 50 anos. Em sete anos ocorre uma diminuição de 9% da população menor de 20 anos. Observa-se, ainda, que os moradores com faixa etária acima de 50 anos permanecem estáveis. Como já foi exposto com a saída dos antigos moradores, uma população de baixa renda, – com média salarial global de 4,8 salários mínimos e sendo o menor equivalente a 41% de um salário mínimo263 – passa habitar os velhos prédios. Isso se traduz não somente pela renda como também pela baixa escolaridade. Conforme ilustra o gráfico, um percentual considerável de 10,60% da população residente do Centro Histórico não passou por processo de aprendizagem referente à leitura e escrita. A maioria, 57% tem apenas o Ensino Fundamental ou não chegou a concluir. Isso reflete consequentemente nos baixos salários e atividades remuneradas exercidas.264 Gráfico 3: Nível de Escolaridade da população residente – 1987. Fonte: Plano de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa, 1994. 263 Dados são: CENTRO HISTÓRICO de João Pessoa Monumento Nacional. Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa 1987-2002. João Pessoa: Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa; Convênio Brasil/ Espanha, out., 2002, p. 46. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. 264 Os dados são: CENTRO HISTÓRICO, 2002, p. 48. 10,60% 57,30% 22,90% 9,20% Centro Histórico de João Pessoa - Nível de Escolaridade da População Residente em 1987 Não sabe ler Ensino Fundamental completo ou não Ensino Médio completo ou não Superior completo ou não 197 A maior parte dos moradores, especialmente aqueles de renda inferior, possui condições de trabalho autônomas, ligadas a pequenos comércios e a prestação de serviços do setor informal. É interessante destacar que 44,4% do total dos habitantes que exercem atividades remuneradas as fazem fora do perímetro do Projeto de Revitalização. Para a maioria dos moradores a proximidade domicílio e trabalho são os motivadores da permanência, uma vez que, o bairro é o “centro de empregos.”265 Da população ativa que corresponde a 65,3% dos moradores encontravam-se ligados a dois tipos de serviços, a saber: servidores públicos (24,5%) e trabalhadores autônomos (30,3%) que realizam atividades relacionadas ao pequeno comércio e serviços do setor informal.266 Composto por um total de 632 unidades habitacionais, o Centro Histórico possuía uma média de 5,3 habitantes por residência. Em sua maior parte, as edificações são classificadas de “baixo padrão”, o que se traduz em 64,2% dos imóveis investigados. Desse total 62,3% são ocupadas por moradores que alugam em áreas menos valorizadas do Varadouro. Isso, segundo informações do estudo realizado pela equipe do Projeto de Revitalização, favorece a manutenção do baixo padrão e baixa qualidade dos prédios, pois os moradores não têm condições financeiras de promover as melhorias que os imóveis reclamam. Outro aspecto destacável é que “apesar de uma população tão reduzida, e em sua maioria portadores de uma renda média baixa, esta, apresenta uma média de tempo de moradia superior a 15 anos.”267 265 CENTRO HISTÓRICO, 2002, p. 46. 266 Dados obtidos em: WANDERLEY, Adriana Papaleo, CAMARGO, Alexandre, BASTOS, Maria Luiza Lavenère et al. Monumenta BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] – Ministério da Cultura. Projeto João Pessoa/PB: Carta Consulta Junho de 2001. Brasília: TC/BR [Tecnologia e Consultoria Brasileira S/A], 2001, p. 22. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. 267 CENTRO HISTORICO, op. cit., p. 48. 198 Gráfico 4: Interesse de permanecer na área da população residente. Fonte: Centro Histórico de João Pessoa – Monumento Nacional, 2002.268 Nesse sentido, existe uma predisposição dos residentes permanecerem. Cerca de 56% dos habitantes que são proprietários dos imóveis não pretendem se mudar do bairro e 40,70% manifestaram intenção de habitar outro local. Dos que alugam os imóveis, 59,30% apresentaram intensão de morar em outro bairro. Cumpre, no entanto, salientar que aqueles que pretendem se mudar, algumas razões são preponderantes, quais sejam: a aquisição da casa própria, o “desejo de morar na praia ou local mais arejado.”269 É interessa frisar que do percentual das habitações alugadas, 62,3% encontram-se localizadas na área desvalorizadas do Varadouro. Outra característica destacável é que, “praticamente inexistem equipamentos voltados para o atendimento do uso residencial, sendo que 95% da população residente não utilizam o centro para as atividades de lazer.”270 268 Gráfico elaborado a partir dos dados apresentados em: CENTRO HISTÓRICO, 2002, p. 49. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. 269 CENTRO HISTÓRICO, 2002, p. 48-49. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. 270 Dados obtidos em: WANDERLEY; CAMARGO; BASTOS, 2001, p. 22. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. Proprio Alugado Cedido 56,5 41,2 2,3 40,7 59,3 0 Interesse de Permanência na Área da População Residente Segundo o Regime de Ocupação da Habitação Nao pretende se mudar pretende se mudar" 199 30,4% 34,3% 12,5% 3,1% 1,5% 0,3% 0,45% 0,2% 8,2% 9,1% Uso do Solo – Centro Histórico de João Pessoa Uso habitacional Comercial Serviços Uso institucional Industrial Educacional Assistencial Recreacional Usos mistos Edificações vazias Gráfico 5: Uso do solo. Fonte: Projeto João Pessoa / PB, 2001.271 O gráfico, acima, mostra o percentual de usos existentes na área e descortina a preponderância da função comercial (34,3%). Essa função em conjunto com outros índices mais expressivos como: serviços (12,5%), institucional (3,1%), usos mistos (8,2%) e edificações vazias (9,1%) redundam em quase 70% dos usos do bairro. O que significa dizer que “apenas 1/3 do patrimônio edificado do Centro Histórico serve como habitação.”272 Tendência essa que prevalece até a atualidade. Contudo faz-se mister observar que apesar da evidente situação de degradação, o Centro Histórico concentra, outrossim, atividades econômicas que dinamizam a área. Desse modo, a função comercial embora tenha debotado durantes algumas décadas ainda confere ao bairro o papel de centralidade. Os bairros do Centro e do Varadouro, em 2010, registraram 3.059 imóveis destinados ao uso comercial e 2.356 residências. 271 Dados apresentados em: WANDERLEY; CAMARGO; BASTOS, 2001, p.19. 272 Id., 2001, p. 19. 200 Como é de conhecimento comum o comércio existente no bairro atende a população de baixa renda e converge-se especialmente, nas ruas que integram o Eixo Central do Transporte Coletivo, quais sejam: Avenida General Osório, Rua Guedes Pereira, Rua da República e Avenida Beaupaire Rohan. As atividades do comércio são possantes, igualmente em uma das suas principais ruas, a saber: a Rua Maciel Pinheiro – outrora, foi local destinado a comercialização de produtos finos, onde os comerciantes mais afortunados erigiam sobrados para uso comercial na parte do térreo e residência no andar superior – e espraiam pelo bairro e encostas da Cidade Alta. As lojas famosas que exerciam atração à elite local figuram um passado que não faz parte das lembranças de algumas gerações. Hoje, são lojas que vendem materiais de construção, elétricos, autopeças, ferramentas, ferragens, motores etc., que animam as ruas do velho bairro. Essa situação abre espaço para discussão sobre descaracterização dos imóveis. Uma simples caminhada pelas antigas ruas o observador tem de imediato a visão e proporção desse processo. Edificações fechadas ou alteradas para abrigar usos não projetados como oficina mecânica, gráficas etc. 201 Figuras: 13, 14, 15 e 16: Comércios no Centro Histórico de João Pessoa. Fotos: Alzilene Ferreira, 2011. No que tange a infra-estrutura nunca é demais lembrar que se trata do núcleo original da cidade o que significa afirmar que compreende aos primeiros investimentos governamentais para atender às necessidades primordiais: administração, moradia, comércio, produção etc. Com isso o bairro assume uma posição de destaque dos investimentos. Perscrutando os dados gerais de João Pessoa pode-se verificar a situação privilegiada do bairro. Ora, enquanto apenas 39,1% da cidade é contemplada com o serviço de esgoto, o Centro Histórico tem 90% da área beneficiada. O mesmo ocorre com o acesso a água tratada e energia, o bairro é atendido em sua totalidade, ou seja, 100%. Na cidade os serviços de água tratada atende 93,8% da população e energia 94,8%. Outrossim, o Centro Histórico possui superioridade com relação ao 202 restante da cidade, no que se refere ao item pavimentação. 91% do bairro possuem pavimentação e apenas 38,1% da cidade possuem esse benefício.273 Infra-estrutura que é ainda deficiente em bairros onde residem grupos sociais de média e/ou alta renda. Exemplar, nesse sentido, é o bairro dos Bancários, onde pode-se facilmente encontrar ruas sem pavimentação (asfalto) e calçamento. Durante os períodos de chuvas não é nada fácil transitar por certas ruas que ficam completamente alagadas. Outro exemplo de bairro que carecem de melhor infra- estrutura é o Altiplano Cabo Branco, que abriga casas de alto padrão e recentemente vem recebendo altos investimentos imobiliários com a construção de torres de luxo. Um artigo, publicado em janeiro de 2013, aborda sobre obras de infra- estrutura em bairros de João Pessoa, como Altiplano, Cidade Verde-Mangabeira e Cidade Universitária. O texto expõe que as obras serão concluídas ainda em 2013 e o Altiplano será contemplado com 100% de benefício de esgotamento sanitário.274 Convém, contudo, lembrar que as obras de esgotamento no bairro fazem parte dos investimentos do Polo Turísticos Cabo Branco. Mesmo com uma infra-estrutura privilegiada o núcleo original da cidade não chama a atenção de grupos sociais de média renda. A presença de favelas no bairro consiste em outro fator que influência na imagem pouco convidativa. Como já foi exposto os anos de 1970 são marcados pelo início do processo de construção de favelas que hoje ganha a cena urbana da cidade. Os agrupamentos, normalmente ocorrem em terrenos vazios sejam privados ou púbicos, e de pouco interesse da especulação imobiliária. A progressiva dilatação ocorre de modo desordenado e em situação de extrema pobreza. O comércio informal tornou-se o meio de conseguir algum dinheiro. Então, por questão de sobrevivência, a maior parte dessa população almeja habitar próximo dos locais onde exercem as atividades que proporcionam a 273 Dados obtidos em: WANDERLEY, Adriana Papaleo, CAMARGO, Alexandre, BASTOS, Maria Luiza Lavenère et al. Monumenta BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] – Ministério da Cultura. Projeto João Pessoa/PB: Carta Consulta Junho de 2001. Brasília: TC/BR [Tecnologia e Consultoria Brasileira S/A], 2001, p. 19. 274 CAGEPA [Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba] intensifica obras de esgotamento sanitário em três bairros de João Pessoa. Governo da Paraíba. João Pessoa, 10 jan. 2013. Disponível em: http://www.paraiba.pb.gov.br/62435/cagepa-intensifica-obras-de-esgotamento-sanitario-em-tres- bairros-de-joao-pessoa.html. Acesso em: fev. 2013. 203 aquisição de alguma renda. No caso da Favela Porto do Capim seus moradores se beneficiam da aproximação com o centro da cidade local de intenso fluxo durante todo o dia. Movimento ainda mais dilatado por causa da Estação Ferroviária, do Terminal de Integração de Passageiros e da Rodoviária que estão situados no Bairro do Varadouro. Seguindo as pistas contidas no texto do Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa (1987–2002), tem-se um panorama do quadro sócio- econômico da área de estudo (área delimitada pelo poligonal de entorno do IPHAN). Em mãos das informações concernentes aos prédios (cadastro) e a população residente, o Plano de Revitalização entra em cena com algumas intervenções pontuais. Segundo a Diretora Geral da Oficina-Escola para a aplicação do plano de ação elaborou-se uma hierarquia de prioridades, ou seja, as intervenções foram iniciadas pelas edificações que apresentavam em seu diagnóstico um caráter emergencial. Nas palavras da arquiteta: E vem para cá e capacitar essa equipe de técnicos, de arquitetos, é nesse levantamento e identificação, catalogação, análises e diagnósticos, não é? Da sua ação completa, que resultou obviamente numa elaboração de uma normativa de proteção, isso quadra por quadra, lote por lote, e verificou-se inclusive o perímetro que na época esse trabalho identificou, elegeu, como núcleo original da cidade de João Pessoa, não é? Aqui perto de Nossa Senhora das Neves, Paraíba e João Pessoa, não é? [...] projeto é, também como quarto do próprio processo da metodologia aplicada, também é, vamos dizer assim, ela elencou uma série de, se não me falha a memória, vinte intervenções urgentes no território de João Pessoa para que é, que só a partir dessa ação era possível é, vamos dizer assim, resgatar as características minimamente, não é? As características originais do Centro Histórico numa ação urgente para, eu não digo reverter o processo de degradação mais pelo menos estacionar assim, em uma ação mais emergencial, só vai guardar ainda o que havia de representatividade em relação ao processo histórico de construção da cidade, não é? Então a gente elaborou vinte intervenções, que compunha de intervenções pontuais. [...] Mais existiam os órgãos federal e estadual de patrimônio e a gente aqui em João Pessoa com esse arsenal de dados e de informações e de levantamentos com uma equipe que tinha vivenciado todo esse processo por um período de 1 ano, agente andou por todas as ruas desse centro histórico, parados agentes de frente de lote por lote para preenchimento de ficha e identificação, depois junta, coleta a própria informação, elabora a normativa então havia... 204 Arquiteta e Diretora Geral da Oficina-Escola de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. De acordo com as informações da diretora da Oficina-Escola foram realizadas 23 intervenções urgentes, e foram escolhidas duas intervenções pontuais. A primeira edificação identificada para serem iniciados os trabalhos de restauração localiza-se na Cidade Alta, trata-se da Igreja de São Bento. Construída nos séculos XVII e XVIII a Igreja barroca faz parte do antigo conjunto beneditino. Já na Cidade Baixa, foi identificada a segunda edificação, o antigo Hotel Globo. Conjunto composto por duas edificações, erigidas no princípio do século XX: uma construção térrea reservada inicialmente à residência do proprietário. O outro prédio composto por dois pavimentos destinava-se ao uso do hotel, em atividade até a década de 1960. Desapropriado pelo Estado em abril de 1988, “para ser ‘restaurado e ser utilizado publicamente’”275, o Hotel Globo passou a ser inserido nos planos turísticos da cidade e “símbolo” do processo de Revitalização do Centro Histórico da cidade. Mas por que a escolha da Igreja de São Bento como primeiro edifício a ser restaurado? Bom, então esse passo foi dado, constituiu-se a Comissão do Centro Histórico e a gente começou a implementar esse plano de ações das 23 intervenções urgentes, foi quando, que intervenção a gente vai fazer primeiro, de novo a cooperação espanhola dando suporte, não é? Vamos eleger duas intervenções, no caso ai intervenção pontual, não é? A gente ainda não tinha é espaço suficiente para propor uma intervenção que a gente chamava até na época de, chamava- se projeto piloto, pegava toda uma área, ou toda uma quadra, toda uma área, todo um espaço, certo, ainda não então vamos começar com os pontuais e ai se identificou na cidade alta, ai a Igreja São Bento, porque a igreja São Bento? Não só pelo valor arquitetônico e a representatividade histórica do prédio, não é? A questão da ocupação dos Beneditinos, a ocupação da cidade de João Pessoa com as diversas obras religiosas, no caso dos Beneditinos, mais também porque era uma edificação que a gente já percebia que já não fazia parte mais do... Chamado consciente coletivo das pessoas, as pessoas não sabem. A gente pegava táxi, dizia: “me leve na igreja de São Bento”. “Onde é isso?” /// Não havia mais referência, o tempo que a igreja de São Bento estava fechada já levava ai já uma geração inteira mais de 50, 60 anos que ele estava completamente fora do cotidiano da cidade mesmo porque ele 275 UM HOTEL tombado. O Momento, João Pessoa (?), 14 abr. 1988, s/p. Fonte: Arquivo do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN/PB. 205 estava fechado ou em uma época conhecido de biblioteca. […] Mas era uma coisa que já não fazia parte mais da referência da população, não é? Estava fechada no tempo, então a gente identifica ele como a primeira intervenção. E no caso, aqui, da Cidade Baixa a gente elege o antigo Hotel Globo imaginando que até pelo uso proposto do projeto que a gente idealizou que era de uma, um restaurante-escola, a gente imaginava transformar essa intervenção ou o antigo Hotel Globo em um elemento catalisador da vamos dizer assim, mudança de pelo menos de acessibilidade, Não é a palavra acessibilidade – não é bem a palavra, mas você entende o que eu quero dizer – é mais conhecida quanto ao dizer, de visibilidade dessa área da Cidade Baixa, era, ela ia assim da dinâmica, da dinâmica de ocupação do espaço... […] Agente catalisador dessa dinâmica, o Centro Histórico sofria, como a maioria, dos centros históricos em geral, não é? Quando não há uma preocupação da interdição nesses centros históricos, e só para quando dá abandono, não é? O pessoal então durante a noite ele é a área de prostituição e durante o dia quanto muito, serviços comerciais, não é? Mas assim o residencial tá caindo fora e a perda daquele espaço no dia-a-dia da população toda, não é? Eu acho engraçado que é... As pessoas, muita gente não vinha a cidade, ao centro histórico, quando vinha a cidade, porque já era um lugar depreciado, né? Então os jovens viriam fazer o que aqui? Não é? Então aquela coisa da cidade realmente como foi feito a […] E cada vez o centro histórico já não tinha referência […] Não foram eles que construíram… E mesmo para identificação dos ocupantes […] já não tinham referêcia de identidade. /// Foi a casa que meu pai fez, já é a casa do tataravô e foi, e olha que já foi alugado, vendido e tudo mais ela já não é mais, já não tem mais identidade, já não sei mais o que é, não eu tenho algo... Não tem mais uma referência, não tem mais uma relação. E.: Referência afetiva não tem? Toda, não tem nenhuma referência afetiva e nem uma relação, não se vê nesse espaço, não se vê no Centro Histórico. Então a gente imaginava que o antigo Hotel Globo ia ser esse salvador da pátria, em uma […] por outro lado, não é? Arquiteta e Diretora Geral da Oficina-Escola de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Para a arquiteta e diretora da Oficina-Escola a compreensão de que a cidade teria um Centro Histórico encontra-se enlaçado as medidas empreendidas através do Acordo Brasil/ Espanha. Dito de outra forma é a partir da revitalização que os habitantes passam a adquirir conhecimento, ou pelo menos, começam a receber notícias dessa parte da cidade que se encontrava esquecida para a maioria da população. Em anotações também registradas, em conversas informais, com pessoas que trabalham na Oficina-Escola. Elas afirmaram igualmente não conhecerem antes 206 o “coração” da cidade passando a tomar conhecimento e interesse com o convite para trabalharem no projeto. O Centro Histórico sofria, como a maioria, dos Centros Históricos em geral, né? Quando não há uma preocupação da interdição desses Centros Históricos, e só para quando dá abandono, né? O pessoal então durante a noite ele é a área de prostituição e durante o dia quanto muito, serviços comerciais, não é? Mais assim o residencial tá caindo fora e perda daquele espaço no dia-a-dia da população toda, né? Eu acho engraçado que é... As pessoas, muita gente não vinha a cidade, ao Centro Histórico, a cidade, porque já era um lugar depreciado, né? Então os jovens viriam fazer o que aqui, não é? Então aquela coisa da cidade realmente foi feita a história. […] E cada vez o Centro Histórico já não tinha referência /// não foram eles que construíram /// Essa coisa assim, não é? Foi a casa que meu pai fez, já é a casa do tataravô e foi, e olha que já foi alugado, vendido e tudo mais ela já não é mais, já não tem mais identidade, já não sei mais o que é... Arquiteta e Diretora Geral da Oficina-Escola de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Na década de 1980 a decadência do Varadouro e Centro da Cidade ganha mais pujança, no sentido reverso os bairros da Orla marítima e proximidades aglutinam moradia da parcela de média e alta renda. Os serviços e comércios modernos acompanharam os moradores mais abastados e a partir dessa época, passam a concentra-se igualmente em Shopping Centers destinados a essa clientela. Exemplar nesse tocante é o Manaíra Shopping – maior centro comercial da cidade, criado na segunda metade da década de 1980. Dez anos depois, em 1999, outro shopping Center, localizado na orla da cidade, Mag Shopping, é inaugurado. Os shoppings Centers além de se destacarem como novas centralidades urbanas passam, outrossim, a serem desfrutados como locais de encontro e lazer. Reverso ocorre com a deterioração dos Bairros de Varadouro e Centro da Cidade, que cada vez mais enfraquece suas funções e usos, deixando de desempenhar importância comercial e habitacional. Tornando-se local que impera o abandono e onde o estado físico das edificações toma proporções cada vez mais gritantes. Com o processo de revitalização, em 1987, na cena urbana, o Centro Histórico começa a sair da invisibilidade, mesmo porque a imprensa local, da época, enceta a exibição de reportagens sobre o processo de tombamento e obras a serem 207 feitas no local. A ativação de uma visibilidade opera-se ao lado do desconhecido. Ora, essa área da cidade deixou a algum tempo de tracejar o cotidiano da maioria da população. Para que se efetive uma proximidade ou/e afeto com o espaço de vida, torna-se necessário estabelece-se uma relação com o local. Elas se estabelecem a partir do cotidiano dos elos elaborados com o desenrolar do tempo através dos usos e apropriações cotidianas. Esta parceria, em 22 anos, promoveu um grande impacto no Centro Histórico de João Pessoa, sendo o mais relevante, a visibilidade ao nosso Patrimônio Cultural, reforçando nossa identidade e contribuindo para o desenvolvimento da cidade; incorporando o Centro Histórico no imaginário da população.276 Esse espiral traz também à população o conhecimento sobre o Acordo Internacional realizado entre Brasil e Espanha. A partir desse momento passa-se a estimular certo orgulho, porque João Pessoa é detentora de um Centro Histórico. Ao que toca aos desdobramentos da implantação das políticas de revitalização urbana, frutos do Convênio de Cooperação Internacional entre o Brasil/ Espanha, pode-se citar a “invenção” ou “nascimento” do que se chama Centro Histórico, que passa a ganha forma no imaginário cultural da cidade. 276 COMISSÃO Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa, PB. Centro Histórico de João Pessoa. Centro Histórico JP Blog. João Pessoa, 14 mar. 2012. Disponível em: http://centrohistoricojp.blogspot.com.br/2012/03/comissao-permanente-de-desenvolvimento.html. Acesso em: out. 2012. 208 Mapa localização do Centro Histórico de João Pessoa Figura 17: Mapa com a localização do Centro Histórico de João Pessoa. Fonte: Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa. 209 Mapa do Uso do Solo – Centro Histórico de João Pessoa Figura 18: Mapa Uso do Solo. Centro Histórico de João Pessoa. Fonte: Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa. 210 Capítulo VII Mudanças de usos: consumo cultural Se por um lado a experiência que teve seu nascedouro em 1987 ativou o processo de apropriação do patrimônio e aos olhos da cidade começa-se a estimular o apelo ao que seriam as singularidades culturais paraibanas. Assim, ter o título de terceira cidade fundada no Brasil, suas características naturais “Cidade Verde”, (uma das cidades mais verdes do mundo), cidade detentora do ponto mais Oriental do Brasil – a Ponta do Seixas, localizada a 14 quilômetros do centro da cidade etc., são motores que inserem João Pessoa em certos aspectos em caminhos similares a outras cidades que passaram por processo de revitalização urbana – a eleição de símbolos que possam identificar a cidade. Fotos do Centro Histórico, das praias paradisíacas e do Ponto do Seixas são facilmente encontrados nos catálogos turísticos. Por outro lado, a segunda fase do processo de revitalização do Centro Histórico, realizadas a partir de 1997, vem desencadear outros usos e atores sociais que marcaram o “espetáculo” urbano. No bojo desse processo uma nova imagem do antigo bairro é engendrada como local de consumo cultural e de lazer. Nesse sentido, a noção do que seria um Centro histórico “nasce” ou é reinventada. Fato esse que passa singularizar a tomada de consciência da existência de um Centro Histórico na cidade. No rastro dessa luzente tendência o patrimônio e tradições locais são inseridos como ingredientes principais do marketing citadino. Nesse sentido, locais abandonados passam a ser inseridos em um novo contexto visando a reaquisição do valor simbólico e também imobiliário. No cerne dessas estratégias cumpre ressaltar que a cultura se insere como elemento primordial, como alavanca propulsora do potencial turístico. Nesse compasso identidades coletivas são galvanizadas e “reinventadas” de maneira a tornar a urbe um produto a ser negociado e vendido. Estratégias que apoiam-se na imagem da cidade para atrair capital adotam medidas que levam em consideração a patrimonização dos bens culturais, nessa tessitura os centros históricos passam a serem alvos das medidas de planejamento urbano. Em outras palavras, “mais que a 211 própria cidade material, o que se vende hoje é, sobretudo a imagem de marca da cidade.”277 No caudal dessas estratégias reverbera-se processos que tem como fito modificar o perfil sociocultural dos que figuram o local. Toda essa constelação de transformações leva a reflexão de que au niveau social, les processus de peuplement urbain connaissent aussi de nouvelles dynamiques. Les processus de “gentrification” perceptibles dans de nombreuses villes participent de celles-ci. “Aujourd’hui la gentrification est reconnue comme un élément saillant de la transformation des centres urbains” (N. Smith, 1999).278 Tal panorama coloca em destaque além dos investimentos públicos a atração de recursos da iniciativa privada. Desse modo, presencia-se a entrada nesse horizonte de novos autores sociais. Em meio a esse contexto, embora o engate cultura e intervenção urbana vem ocorrendo no plano internacional desde a década de 1960 – a exemplo da França, algo que será abordado na segunda parte desse texto, quando a escrita é dedicada a cidade de Tours – para o Brasil essa realidade ganha relevo nos anos de 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, na Presidência da República (1994-2002). Período esse marcado por iniciativas de adequar o país as regras neoliberais. Embora em escala diferente, a chave de entendimento da cultura como ingrediente de marketing passaria a ser introduzida nas políticas brasileiras durante o governo de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República (1994-2002), época marcada pelo empenho do governo federal na adequação do país aos cânones neoliberais. É possível perceber tanto em comunicações presidenciais da época, como através de algumas ações, tais como a realização de megaexposições no exterior e a injeção de recursos federais em equipamentos culturais e em preservação de centros históricos com potencial turístico, a aproximação entre política cultural e marketing nacional. (KARA- JOSE, 2007, p. 22-23). Em uma perspectiva cada vez mais estreita observar-se as parcerias entre poder público e o setor privado – através da participação do capital privado em 277 FERNANDES, Ana; JACQUES, Paola Berenstein (Org.). Territórios urbanos e políticas culturais. Cadernos PPG-AU/FAUFBA. Ano 2. Número especial. Salvador: Universidade Federal da Bahia/ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, 2004, p. 12. 278 BIDOU-ZACHARIASEN, Catharine. Retours en ville: processus de “gentrification” urbaine aux politiques de “revitalisation” des centres. Paris: Descartes & Cie, 2003, p. 9-10. 212 projetos culturais. Nesse novo limiar alarga-se a compreensão empresarial da cultura e o delineamento de iniciativas voltadas para o patrimônio histórico. Tal angulação exerceu mudanças significativas nas ações de recuperação do patrimônio histórico urbano no Brasil. Para financiar projetos de expressão cultural algumas medidas foram implementadas pelo Governo Federal. No tocante as áreas consideradas menos atrativas para o mercado, como o patrimônio histórico, foram adotadas como medidas empréstimos ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Em conjunto com o BID foram injetados recursos que visavam a ampliação da infra- estrutura turística, com o fito de estimular o turismo cultural. No rastro dessas transformações a cidade passa fazer parte das políticas culturais. Descortina-se, no cenário nacional, nos anos de 1990, as revitalizações em centros históricos e a construção de grandes equipamentos culturais passam a ser o escopo das políticas públicas culturais e urbanas. Vale a pena salientar que esses investimentos encontravam-se em harmonia com a compreensão empresarial de gestão urbana. Essa situação exprime planos estratégicos que se articulam de modo integrado e que se desenham com perspectivas de serem colocados em prática em atuações de pequeno e longo prazos. São, portanto, grandes projetos que entrelaçam objetivos de crescimento econômico e desenvolvimento urbano. Ademais, para assumirem o papel regional ou internacional, as cidades devem atender os requisitos no que concerne a novos serviços e infra-estrutura, como centro de convenções, hotéis cinco estrelas, aeroporto internacional, polos de pesquisas tecnológico entre outros itens que garanta a ascendência e visibilidade.279 Esses planos, para usar a expressão de Fernanda Sánchez, são “verdadeiras fábricas de imagem”, capazes de promover no exterior, através do marketing seus “principais produtos”, a exemplo da cultura, serviços de ponta e turismo.280 Difundida entre as cidades latino-americanas, com o apoio das agências multilaterais do Banco Mundial, a cartilha dos planos estratégicos atribuiu um papel de destaque à cultura em operações de revalorização e marketing urbano. Esta perpectiva seria reforçada no Brasil após a assinatura do 279 KARA-JOSE, 2007, passim. 280 SÁNCHEZ, Fernanda. Políticas urbanas em renovação: uma leitura crítica dos modelos emergentes. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. N. 1, p. 115-116, mai. 1999. 213 convênio que daria origem ao Programa Monumenta-BID, uma das primeiras iniciativas do BID na área de patrimônio histórico urbano. O encontro entre políticas urbanas se configurou à medida em que as leis de incentivo cultural, acionadas para o restauro dos edifícios de interesse histórico, passaram a figurar em orçamentos de projetos voltados para a requalificação urbana. (KARA-JOSÉ, 2007, p. 134-135 – grifos da autora). Com o Programa Monumenta,281 como bem aponta Beatriz Kara-José, foi oficializado o discurso público sobre o elo entre cultura e transformação urbana. Além disso, o Programa significou a adaptação das políticas direcionadas para a preservação do patrimônio cultural as regras do BID, que é um dos meios de implantação das políticas liberais na América Latina. No cerne dessas articulações a conservação do patrimônio é evidenciada como promovedora da reabilitação urbana, acordada como estratégia de desenvolvimento em cidades da América Latina. Assim, as atuações nos centros históricos são regidas pela aliança público-privada, em que os interesses da comunidade e do mercado imobiliário igualmente se apresentam como papéis complementares ao poder público. Nessa tessitura o setor público entraria como regulador e promoveria os investimentos na reabilitação dos espaços públicos e da infra-estrutura com o intento primordial de atrair o capital privado. A expectativa é que à medida que a comunidade passe a valorizar o patrimônio restaurado, o valor imobiliário tanto dos prédios restaurados como do entorno aumente.282 Não sendo contrária a onda que passa a reger a política urbana em contexto nacional, em João Pessoa esses aportes são visualizados a partir dos trabalhos realizados na Praça Anthenor Navarro e do Largo de São Frei Pedro Gonçalves – ambos localizados no Bairro do Varadouro. Assim, a cidade segue a luz do debate contemporâneo em que as políticas direcionadas para as atividades que amalgama consumo cultural e turismo são empreendidas como modo de delinear uma imagem da cidade, em especial a Praça e o Largo, seu marco especial. Nessa sintonia assiste-se o conúbio entre o poder público – Governo do Estado e Prefeitura Municipal 281 O Monumenta consiste em um Programa estratégico do Ministério da Cultura, que conta com o financiamento do BID e apoio da UNESCO. Atualmente 26 cidades brasileiras participam do Programa. Informações disponíveis em: http://www.monumenta.gov.br/site/?page_id=164. Acesso: maio 2013. 282 KARA-JOSÉ, 2007, passim. 214 – e a iniciativa privada, através de grandes financiamentos internacionais advindos do Programa Internacional de Desenvolvimento do Turismo – PRODETUR (que recebe financiamento do BID, tendo como executor o Banco do Nordeste, sua ação engloba além dos nove Estados do Nordeste dois Estados da Região Sudeste, o norte de Minas Gerais e o Espírito Santo) e da Agência Espanhola de Cooperação Internacional – AECI. Se nessa experiência embora não tenha ocorrido a expulsão dos moradores locais (nem das favelas que existem no Bairro do Varadouro e as moradias em condições precárias), uma nova dinâmica foi instalada com a abertura de bares, cafés, boate, retorno de festas como o Carnaval e São João, realizações de shows, apresentações artísticas, lançamento de livros etc. Além de abertura de lojas de artesanato, antiquário, atelier – artes plásticas etc., que visavam a atrair ao Centro Histórico, um público específico, qual seja: a elite local. Uma moradora do Centro Histórico, narra como as noites eram animadas: M.F. – Como eu já falei, e quem animava aqui era R. que está aqui, era prédio antigo, e ele revitalizou, restaurou esse prédio, e era uma boate, era casa de show, menina era muita gente, era muita gente, dava muita gente nessa casa de show, que eles fechavam essa descida aqui, fechava lá, aqui era uma fila tão grande que quando eles esgotavam, eles comprando o ingresso aqui na porta na janelinha, quando eles esgotavam não tinha mais, todo mundo ficava... […] M.F. – Depois da praça funcionou o Parahyba Café, e funcionou esse outro bar, esse outro restaurante da esquina, como era o nome? M.F. – É, agora eu esqueci, Engenho do Chopp. M.F. – Era, ai funcionou o Engenho do Chopp, e dava muita gente... E – Engenho do Chopp. M.F. – É o Engenho do Chopp, dava muita gente, a praça revitalizada, restaurada... M.F.: Moradora e comerciante do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. A recriação de tradições faz parte da receita que almeja gerar uma imagem distintiva e uma atmosfera de lugar, em que eventos e tradições locais alimentam o atrativo tanto para o capital como para os bons consumidores. Uma ação que já ocorrera em outras cidades brasileiras a exemplo da pioneira capital da Bahia, Salvador. Seguindo as trilhas já abertas inclusive pela capital vizinha Recife, o Centro 215 Histórico, mas especificamente a Praça Anthenor Navarro e o Largo de São Pedro Gonçalves, passam a ser palco onde desfilavam escritores, estudantes universitários, artistas, profissionais liberais etc. Ora, o processo de gentrificação não ocorre unicamente quando existe a substituição dos moradores por outros pertences a grupos sociais de maior poder aquisitivo. A par dessa questão Leite (2001), em sua tese esclarece: Os processos de gentrification segregam o espaço também numa espécie de enclave que se estrutura através de correntes, de cavaletes e da vigilância e alteram o padrão de sociabilidade pública. No entanto, essas áreas mantêm uma complexa relação de consumo cultural do patrimônio, que elabora uma “arquitetura dos lugares”, cujas fronteiras são continuamente negociadas. Para frequentar esses espaços, as pessoas terão necessariamente que vivenciar de algum modo a presença de diferentes grupos, ainda que essa interação pública – muitas vezes implicando uma reelaboração das interações com moradores locais e a própria população de rua – seja contrastiva porque é medida substantivamente pelas tensões e disputas advindas das diferentes e desiguais relações sociais e suas assimétricas modalidades de interação, que formam e dão sentido público a esses espaços.283 A experiência em João Pessoa segue igual sintonia, e o processo de gentrificação é desenhado por atores diversos ligados a área empresarial – comerciantes, produtores musicais etc., e o poder público. Em sua tese, Scocuglia (2003) apresenta um arrazoado sobre essa dinâmica e seus desmembramentos no Centro Histórico de João Pessoa. Analisou bem como as interações e conflitos ocorridos entre comerciantes e membros da Comissão do Centro Histórico, os novos comerciantes e as velhas atividades – casas de prostituição e comércio varejista e atacadista. Atenta a essa direção, Scocuglia (2003, 2010), destaca a formação de Associações e organizações não-governamentais como uma singularidade apresentada a partir do processo de gentrificação do Centro Histórico de João Pessoa. A organização de fóruns, associações para defesa da manutenção dos antigos habitantes e para o debate em torno dos problemas existentes no bairro, enlaçou moradores, consumidores, comerciantes em prol de objetivos comuns. Desde 1997 283 LEITE, Rogerio Proença de Sousa. Espaço público e política dos lugares: usos do patrimônio cultural na reinvenção contemporânea do Recife Antigo. (Doutorado em Ciências Sociais). Campinas: Universidade Estadual de Campinas; Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2001, p. 357. (Grifos conforme original). 216 ocorreram reuniões com esse intuito, são ilustrativas nesse tocante a realização do Workshop Construindo o Futuro (2000), Oficina de Planejamento Participativo do Monumenta (2001) e I Fórum de Construção de Parcerias para o Desenvolvimento Socio-Econômico do Porto do Capim (2005). Esses canais de discursões abriram importante janela de diálogo pelo Centro Histórico na mídia, na Assembleia Legislativa, Câmara Municipal e outros espaços públicos. Três associações são criadas a partir do processo de revitalização, quais sejam: a Associação Centro Histórico Vivo – Acehrvo, Associação Oficina- Escola de Revitalização do Patrimônio Histórico de João Pessoa e a Associação Folia de Rua com o Projeto Folia Cidadã. Elas representam formas de ações sociais organizadas com o propósito de engendrar uma maior participação da população nos projetos.284 Ilustrativa a esse respeito é o artigo “Vez do Centro Histórico”, de 24 de março de 2001, que aborda sobre o lançamento, no afamado Bar Parahyba Café, do minucioso diagnóstico “Construindo o Futuro do Centro Histórico”, fruto de diversas reuniões englobando representantes de segmentos oficiais e não-governamentais. O documento apresenta as questões econômicas e culturais pertinentes ao Centro Histórico da cidade.285 Como o governo e a prefeitura anunciam diversas ações na infraestrutura do CH [Centro Histórico], espera-se que as duas instâncias de poder possam abrigar a participação da Achervo [Associação Centro Histórico Vivo], por representar as entidades não-governamentais, construindo uma estratégia combinada onde cada segmento contribua, mesmo que haja diferenças políticas em curso. (SANTOS, W., 2001, s.p.). O diagnóstico foi elaborado pelo Acehrvo – Associação Centro Histórico Vivo – em parceria com o Sebrae – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. O lançamento, como bem informa a reportagem do Jornal o Norte, contou 284 SCOCUGLIA, Jovanka Baracuhy Cavalcanti. Sociabilidade e usos contemporâneos do patrimônio cultural. Vitruvius. Ano 05. S.l. 2004. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp251.asp. Acesso em: 17 mar. 2008. 285 SANTOS, Walter. Vez do Centro Histórico. O Norte (?). João Pessoa, 24 mar. 2001. Fonte: Arquivo do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN/PB. 217 com a participação de “empresários líderes comunitários, professores universitários, além de representantes dos principais órgãos públicos responsáveis pela infraestrutura do Estado e Prefeitura de João Pessoa.”286 Concomitantemente ao processo de revitalização, que ganhou relevo na mídia – tanto por conta dos eventos, como o estímulo por frequentar e conhecer a parte antiga da cidade – as notícias acerca dos problemas vivenciados pela população local. Situação que evidenciou o descuido da administração pública, seja com o estado precaríssimo de vida dos residentes locais, como igualmente com a poluição do Rio Sanhauá. Surgem, no entanto, em contrapartida a esse processo, ações empreendidas por associações não-governamentais no sentido de ajudar mais especialmente a comunidade do Porto do Capim. Segundo Scocuglia, que analisa essas novas formas participativas, essas associações empreendem esforços de maneira articulada no centro histórico, em especial, junto ao bairro Varadouro e aos moradores do Porto do Capim, reunindo novos agentes ao processo, mobilizando a população para integrar-se as reuniões e fóruns e motivando outras associações mais antigas como a Associação de Moradores da Comunidade Porto do Capim e a Associação Comercial. Assim, assoma-se a análise da autora além dos problemas relacionados à Favela Porto do Capim, o temor dos moradores de serem removidos para bairros longínquos. A arquiteta cita os comerciantes e empresários (Associação Comercial, Câmara de Diretores Lojistas, donos de bares, boates e outras atividades de diversão que se instalaram na Praça e no Largo), aliançados ao poder público – Governo do Estado e Prefeitura Municipal – produtores culturais e artistas como os sujeitos principais dessa fase de gentrificação.287 A praça abandonada (onde existia antes um posto de gasolina instalado) 286 PLAQUETE sobre Centro Histórico será lançada no Parahyba Café. O Norte. João Pessoa, 22 mar. 2001. Fonte: Arquivo do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN/PB. 287 SCOCUGLIA, Jovanka Baracuhy Cavalcanti. Sociabilidade, espaço público e cultura: usos contemporâneos do patrimônio na cidade de João Pessoa. (Doutorado em Sociologia). Recife: Universidade Federal de Pernambuco-UFPE; Centro de Filosofia e Ciências Humanas, 2003. 218 e o Largo, espaços revitalizados e enobrecidos, novo local de encontro dos pessoense, localizam-se bem próximos. Nesses logradouros os sobrados provenientes das reformas urbanas das décadas de 1920 e 1930 – identificada como protogentrification (LEITE, 2002; SCOCUGLIA, 2003), ganharam na atualidade pintura com cores vivas. Vale lembrar que as reformas realizadas nas primeiras décadas do Século XX, cuja ação demoliu as construções de origem colonial, fez surgir uma arquitetura ulterior que revela os traços de influência francesa, art nouveau e art déco, seguindo o modelo modernista vigente na época. Essa nova roupagem, com cores vibrantes disto completamente do entorno, ruas vizinhas, marcadas por edificações em estado crítico de conservação, moradias precárias e favelas. Há outro aspecto, nesse contexto, que é premente a ser salientado, na realidade quando se fala do Centro Histórico de João Pessoa, comumente, para as pessoas que o conhece, para turistas e até mesmo para aqueles que sabem de modo remoto (porque escutaram falar), a imagem formada é apenas dos dois logradouros. Ou seja, como se o Centro Histórico fosse somente a Praça e o Largo. As fotografias projetadas em cartazes, folhetos turísticos etc., ou ainda as frases que visam transformar a cidade em “marca nacional” (SÁNCHEZ, 1999), “criar imagem” a “venda” do produto (PEIXOTO, 2006; ARANTES, O., 2000) João Pessoa, mostram comumente a imagem da Praça Anthenor Navarro ou do antigo Hotel Globo. Essas imagens, do “ponto turístico”, Centro Histórico, não revelam o restante do bairro, com seus prédios degradados, quando não em ruínas ou descaracterizados por usos inadequados, – como oficina mecânica, gráficas e lojas de peças – as tantas casas de prostituição. Mas, sobretudo não retratam os moradores, pois são “indesejáveis para a cidade-mercadoria, pois afetam a imagem que se deseja vender.” (KARA-JOSÉ, 2007, p. 111). Inobstante aos anseios dos que intentam comercializar a imagem da cidade, comparece nesse cenário a população de baixa renda residente (em moradias precárias e na Favela Porto do Capim), que dependem da proximidade com Centro da cidade para sua sobrevivência. A nova dinâmica inaugurada com a instalação de 219 bares, ocorrências de shows, festas etc., torna-se um atrativo. Assim, dessa presença dimana igualmente a existência de atividades informais, como a venda de lanches, pipoca, bebidas, guardador de carros entre outras, nada em consonância com as expectativas das políticas de gentrificação. A Praça Anthenor Navarro e o Largo de São Pedro Gonçalves se tornaram lugares, por exemplo, à noite quando as demarcações espaço-temporais intensificam suas fronteiras, assumindo sentidos além de sua funcionalidade, sentidos construídos e praticados. Pode ser até um espaço evitável (para quem não participa), mas é sempre relacional e reflexivo para as ações que o constroem. É, além disso, um espaço de convergência de sentidos, no qual “contextos de tempo-espaço flexível se estruturam mais do que como territórios” (Arantes, 2000: 125), considerando-se as alterações que ocorriam quando à noite essa área enobrecida absorvia as ruas em volta da Praça e do Largo, fechando-se muitas vezes as ruas próximas a partir das 18:00 horas, impedindo o fluxo normal dos veículos e, assim, delimitando fronteiras. (SCOCUGLIA, 2003, p. 233). Apesar de não ter ocorrido o processo de substituição dos habitantes do bairro, esses moradores podem comumente reapropriarem-se destes espaços, destacam-se, portanto, duas formas primordiais, a saber: as pessoas que desenvolvem o trabalho informal e as “tribos urbanas” que utilizam o local como ponto de encontro. Além disso, espaços foram criados no sentido de abrigar diversos seguimentos da população a exemplo das Associações – Organizações não governamentais (ONG), festas populares como o São João e o Carnaval. Momentos esses em que ocorrem uma diversidade de apropriações desses espaços e mistura de diferentes grupos sociais. Esses aspectos são observados por Scocuglia (2010) como uma especificidade, embora paradoxal, dos exemplos de gentrificação e requalificação, realizadas no Brasil em comparação as experiências norte-americanas ou europeias.288 Assim, nesse espaço comum estrema práticas e mundos antagônicos, para utilizar as palavras de Antonio Arantes, as delimitações espaço-temporais potencializam “fronteiras simbólicas que separam, aproximam, nivelam, 288 SCOCUGLIA, Jovanka Baracuhy Cavalcanti. Imagens da cidade: patrimonialização, cenários e práticas sociais. João Pessoa: Editora da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, 2010, p. 23-24. 220 hierarquizam.” Desnudam situações conflituosas, tensões e sociabilidades.289 Nesse tablado ganha ressonância ainda os direitos não atendidos daqueles que “invisíveis” trabalhadores informais, a exemplo dos que esperam ansiosos que os goles da bebida sejam cada vez mais rápidos e o consumidor possa lançar a “preciosa” latinha no chão. Pés ágeis se ocupam de comprimir o objeto dando uma forma achatada, que é velozmente resgatada do solo sujo e lançada dentro da grande sacola “cor de chão”. Passam a noite na expectativa, seu olhar não monta em direção às estrelas... É o chão o alvo de vigilância daquele que mergulha por entre os pés, embaixo das cadeiras e mesas, na espera que alguém reproduza o gesto famigerado de arrojar, em plena via pública, aquilo que guardava o líquido que deu prazer. Dessa maneira, em movimentos, que parecem ganhar ar de normalidade, o consumidor se desfaz do recipiente. De modo semelhante parece normal a cena assistida, (quando vista) da coleta e há quem ache que é algo positivo, porque a ‘profissão’ ajuda a deixar as ruas limpas. A ginástica é feita rapidamente porque a concorrência pela lata é grande e se amplia nos dias de festas. Dai deriva o sustento da família. Então, são crianças, idosos, jovens e adultos que se lançam as ruas e praças na caça pelas latinhas. Essas imagens talvez não sejam filmadas pelas câmaras de vídeo dos visitantes. Os prédios que são enquadrados nas lentes dos turistas são as imagens que foram promovidas pelo marketing engendradas pelas políticas de revitalização. Nesse contexto, as “tradições” e os “produtos típicos”, são como assevera Peixoto recursos estratégicos de desenvolvimento urbano, vistos como modo de fomentar o mercado de lazer e turismo histórico e patrimonial e em promover a propagação de novas imagens. (PEIXOTO, 2006). Durante os “anos de ouro” da revitalização eventos culturais eram comumente promovidos pela Prefeitura Municipal de João Pessoa. Alguns bares tornaram-se sinônimo da Praça, nesse período, como é o do Parahyba Café. Frequentado por um público seleto, no Bar ocorriam lançamentos de 289 ARANTES, Antonio Augusto. A guerra dos lugares: mapeando zonas de turbulência. In.: ARANTES, Antonio Augusto. Paisagem paulistana: transformações do espaço púbico. Campinas: Editora da Unicamp [Universidade de Campinas]; Imprensa Oficial, 2000, p. 106. 221 livros, recitais e diversos cantores lançaram seus CDs no considerado espaço boêmio da cidade. No rastro dessas transformações resplandece uma questão: quanto tempo durou esse cenário? Uma antiga moradora narra melhor sobre esse aspecto. Nas palavras da informante: E – Tinha muito show também, não tinha? M.F. – E o show, tinha muito show, e com esse aqui ai era muito bom. E – Isso mais ou menos até quando dona M.? M.F. – Isso passou uns 3 anos, foi a mais ou menos 3 anos, ai que as pessoas alugam, tentam crescer, mais depois, ai depois veio... E – A senhora acha que as pessoas saíram porque dona …? M.F. – Saem porque não dá para suprir as despesas, não dá para suprir as despesas, não tem ajuda de ninguém, é uma coisa assim, não tem ajuda de ninguém, é como se diz, aqui está abandonado, abandonado pelas autoridades... E – As ruas ali para baixo está tudo escuro, sem iluminação. M.F. – É. E – Isso cria uma má impressão. M.F. – É, cria uma má impressão, e assaltante também, em todo canto da cidade, não é? E – É, verdade, não é só aqui não. M.F. – Porque aqui dizia também, é criar aqui um posto de polícia, aqui era para ter um posto de polícia, porque é um lugar habitado à noite, devia ter um posto policial, e aqui não tem. […] M.F. – É, você vê ai no Varadouro que era Matarazzo, que antigamente lá no coisa que era onde fazia tecido de algodão, que tem esses prédios bem grande ai, que ai era vinha todo o algodão, ás vezes (///) minha mãe trabalhava na roça, e ela apanhava muito algodão, quando era no final do ano eles faziam aqueles sacos desse tamanho assim, fazia aqueles sacos, enchia aqueles sacos, e era 12 burros carregando para a cidade, e este algodão todinho vinha para João Pessoa, que é para Matarazzo, ai eu cheguei aqui, ai vi de onde era que vinha todo o algodão (///) para a fábrica, e todo tecido tinha assim na auréola do pano Matarazzo, que é o tecido de algodão, que tinha que se chama opala, esse tecido para camisola, aquele tecido de algodão que hoje quase não existe, é tudo, é tecido de malha, ai tinha Matarazzo que era dessa fábrica aqui, aqui Varadouro que hoje em dia está só aqueles prédios preto, não é? Tudo abandonado àqueles prédios, ai a gente pergunta assim, para onde que foi que se já morreu todo mundo, cadê os últimos da família, meu eu fico me perguntando, eu fico assim olha, ansiosa para saber como que foi essa história, como que foi que todo mundo para o prédio abandonado, o Varadouro inteiro, não é? Porque que aqui nesse comecinho aqui ainda fizeram uma lambisgoiazinha, um mínimo. M.F.: Moradora e comerciante do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Testemunha dessas mutações, a chegada da entrevistada no Centro Histórico data do amanhecer da década de 1990. Ela conta que as noites animadas 222 eram regadas com muita música, o que atraia uma quantidade gigante de pessoas. No entanto, para a permanência dessa estrutura de animação requer investimento constante e alto. E com a diminuição da participação do poder público, tornou-se inviável a manutenção do cenário. Como bem declarou a moradora do bairro em trecho em destaque acima. Outras reflexões deslizam no sentido de perceberem a presença crescente de vendedores ambulantes na Praça como outro fator que favoreceu o declínio dos bares. As mesas e cadeiras colocadas, pelos ambulantes, na praça são apontadas como empecilho ao acesso das pessoas ao local. À medida que crescia a frequência de público na Praça dilatava-se igualmente o número de ambulantes e consequentemente os conflitos com os donos dos bares. “Naquela época não existia a fiscalização e o cadastramento do comércio informal e a desorganização era visível, o que acabou acarretando o fechamento dos bares.”290 O fogo revitalizador que promoveu o frenesi na Praça Anthenor Navarro e no Largo de São Pedro Gonçalves manteve-se aceso não por dilatado tempo. O vento dos acontecimentos sopra sobre a chama, que exânime não pode mais arder com a mesma pujança e apenas “labaredas” se mantiveram. Os bares famosos como o Parahyba Café, as lojas de artesanatos… Fecharam e os atores começaram a sair de cena. Com esmaecimento dessa fase de requalificação é interessante registrar que mudanças de usos foram efetivadas, pois foram gerados outros tipos de comércios e serviços. No entanto, cumpre dizer que o perfil cultural gizado nas décadas precedentes persevera, não com a mesma pujança. Alguns eventos são ainda mantidos pela Prefeitura para garantir a atração turística. Bares garantem movimento e realização de shows e lançamento de bandas. Algumas propostas foram desenhadas para promoverem mudanças de usos e revitalização do bairro, a saber: os projetos Porto do Capim e Moradouro. 290 CAVALCANTE, Roberta Paiva. Intervenções de Recuperação no Centro Histórico de João Pessoa: Bairro do Varadouro. (Mestrado em Engenharia Urbana e Ambiental). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba; Centro de Tecnologia, 2009, p. 160. 223 Figuras: 19, 20 e 21: Prédio degradados no Varadouro. Foto abaixo Rio Rio Sinhauá. Fotos: Alzilene Ferreira, 2012. No decorrer de mais de duas décadas, ou seja, 24 anos, o Projeto de Revitalização do Porto do Capim, elaborado pela Comissão do Centro Histórico de João Pessoa, ainda não saiu do papel. Reportagens recentes publicadas na imprensa local revelam que as obras deverão ser efetivadas pela atual gestão municipal em até dois anos. Fato este que vem trazendo incontáveis controvérsias, porque o Projeto prevê a remoção de 250 famílias que habitam a Comunidade Porto do Capim, é o que informa o artigo intitulado “Revitalização do Porto do Capim, em João Pessoa, divide opiniões.”291 Vale a pena reproduzir duas opiniões expostas no artigo, A dona de casa Maria da Penha Maciel, de 69 anos, mora na região desde 1958. Para ela, o mais importante, caso as famílias sejam retiradas do local, é continuar 291 BRITO, Juliana. Revitalização do Porto do Capim, em João Pessoa, divide opiniões. G1 Paraíba. Globo.com. João Pessoa, 5 agos. 2013. Disponível em: http://g1.globo.com/pb/paraiba/festa-das- neves/2013/noticia/2013/08/revitalizacao-do-porto-do-capim-em-joao-pessoa-divide-opinioes.html. Acesso em: agos. 2013. 224 morando perto dos vizinhos, com os quais mantém laços de amizade, ao longo do tempo em que vive nas imediações do Rio Sanhauá. “Se a gente for sair para um lugar melhor, vai ser bom demais. Eu ‘vou sair do mosquito’. Mas, eu quero que Deus abençoe, para eu ficar perto da minha vizinhança”, afirmou Maria da Penha. Ela conta que, na década de 1970, a maior parte dos moradores do Porto do Capim trabalhava nas fábricas que funcionavam na área. “Meu pai trabalhava no curtume. Eu trabalhei na Saboaria de João Minervino. Trabalhava todo mundo aqui”, relatou a dona de casa. Outra moradora antiga do local, a aposentada Maria Souza, de 75 anos, não demonstra contentamento quando pensa na possibilidade de sair da casa em que mora há 27 anos, às margens do Rio Sanhauá. “Se tiver que sair, é o jeito. Mas, tem que colocar a gente em um lugar civilizado. Aqui é Centro, a gente vai para todo canto a pé. Eles não ficam felizes porque a gente mora no Centro”, afirmou. Polêmica já presente desde o lançamento e início do processo de revitalização, a retirada dos moradores causa divisão de opiniões. Situação que vem servindo de interesse da comunidade acadêmica, alguns pesquisadores já debruçaram-se sobre o tema e dão importante contributo sobre as expectativas, opiniões e representações dos moradores do Porto do Capim.292 De um lado estão os que acreditam que saído do local de precárias condições de vida a população habitará em casas com mais dignidade. Por outro lado não deixa de despertar desconfiança daqueles que moram já muito tempo e tem com/no lugar laços de vizinhança e afetividade, – local onde criaram-se os filhos ou netos – ou ainda porque a proximidade com o centro da cidade garante o acesso rápido aos comércios, serviços e transportes, sendo igualmente o Centro, local de trabalho e, portanto, de obtenção do sustento da família. O projeto prever a retirada das famílias do local e a alocação para unidades habitacionais multifamiliares, situadas próximo ao Porto do Capim. No lugar 292 Sobre esse aspecto ver: SCOCUGLIA (2003; 2010). Nesse sentido o trabalho desenvolvido por Maria das Dôres Vital, cujos resultados são apresentados em sua dissertação de Mestrado consiste em importante reflexão. A autora estudou os discursos e as representações sociais apresentadas por distintos grupos sociais em relação ao processo de revitalização do Centro Histórico de João Pessoa. Nesse sentido faz parte igualmente do foco de investigação a representação dos moradores do Porto do Capim. Ver: VITAL. Maria das Dôres de Queiroga. A revitalização do Centro Histórico de João Pessoa: discursos e representações sociais. (Dissertação). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba – UFPB; Programa de Pós-Graduação em Sociologia, 2007. 225 das casas uma grande praça para a realização de grandes eventos, com o propósito turístico, que pode ou não agregar a comunidade que viveu no local há décadas. O artigo intitulado “Prefeito recebe moradores e defende diálogo no processo de revitalização do Porto do Capim”, de abril de 2013, relata sobre a reunião do Prefeito da cidade de João Pessoa com a Comissão de Moradores da Comunidade Porto do Capim. Além disso, anuncia a visita realizada pelo Prefeito em companhia dos técnicos do Banco Interamericanos do Desenvolvimento (BID) e da Caixa Econômica Federal (CEF), a comunidade Porto do Capim.293 A área para a construção do Projeto pertence à Secretaria do Patrimônio da União – SPU e foi doado à Prefeitura Municipal de João Pessoa. Os recursos para a efetivação do Projeto serão advindos do Programa de Aceleração do Crescimento – Centro Histórico (PACCH), do Governo Federal, que dispõe de 1 bilhão de reais para o financiamento de revitalização em 44 cidades brasileiras que possuem Centro Histórico. O valor do Projeto apresentado pela Prefeitura ao Governo Federal chega a 106 milhões de reais, sendo que 16,8 milhões serão destinados a construção da ‘Praça de Eventos do Porto do Capim’.294 293 PREFEITO recebe moradores e defende diálogo no processo de revitalização do Porto do Capim. Prefeitura Municipal de João Pessoa. João Pessoa: Prefeitura Municipal de João Pessoa, 2 de abr. 2013. Disponível em: http://www.joaopessoa.pb.gov.br/prefeito-recebe-moradores-e-defende-dialogo- no-processo-de-revitalizacao/. Acesso em: 5 de abril de 2013. 294 BRITO, 2013, s.p. (Grifos conforme original). 226 Figura 22: Proposta – Projeto de Revitalização do Centro Histórico. Fonte: Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa.295 Como já foi explicitado, os anos de 1990 apontou relevantes mudanças de perspectivas no que se concerne aos projetos de revitalização urbana. No bojo dessa rutilante propensão amalgama-se a construção de equipamentos culturais e revitalização urbana, tendo o patrimônio como pilar crucial. Essa articulação deu impulso para a elaboração de grandes projetos. Estes, por sua vez, além de promoverem a recuperação de áreas degradadas, visam dotar a cidade de condições físicas para abrigar novos usos e funções capazes de direcionar uma nova fase de desenvolvimento urbano. Nesse horizonte a construção desses novos espaços, no contexto fortemente engendrado pela competição entre as urbes, almeja-se, igualmente, a venda da imagem da cidade para a atração de capital e de consumidores. Nessa perspectiva as grandes obras, que apoiam-se na valorização do patrimônio, impulsionam a reconversão de áreas degradadas em novos centros de atração turísticas. A cidade de João Pessoa os passos dados nesse sentido podem 295 PERSPECTIVA, do Projeto de Revitalização do Centro Histórico de J Pessoa, Pb. Centro Histórico de João Pessoa. Centro Histórico JP Blog. João Pessoa, 14 mar. 2012. Disponível em: http://centrohistoricojp.blogspot.com.br/. Acesso em: out. 2012. 227 ser visualizados através de Projetos de revitalização. Assiste-se nesse horizonte grandes investimentos aplicados para transformar João Pessoa na cidade que segue os trilhos da modernização. Caminhando um pouco mais amiúde nos fios dessa tessitura, o texto disponível no Blog “Centro Histórico de João Pessoa” corrobora com esses aspectos. É oportuno observar o item que toca sobre a Revitalização do Porto do Capim, nele lê-se o seguinte: Ao processo de decadência econômica seguiu-se a invasão do antigo cais por uma população carente que hoje configura a Comunidade do Porto do Capim, e que ocupa a área há mais de 40 anos e são oriundos, em sua maioria de outras áreas da cidade. Buscando reverter este quadro, desde 1997 a Comissão desenvolve o Plano de Revitalização do Varadouro e Antigo Porto do Capim, por ser esta área estratégica para o desenvolvimento do Centro Histórico e da cidade dado seu potencial de interface entre o patrimônio cultural e ambiental.296 Ora, nesse caleidoscópio, além das propostas baseadas nas estratégias dos “grandes projetos”, ganha fôlego, outrossim, os desígnios que evocam a função habitacional, como possibilidade de promover a revitalização nos Centros Históricos. O Bairro do Varadouro conta com uma população de 4.121 habitantes e um total de 1.116 domicílios, já o Centro da Cidade esse número é um pouco maior 4.998 habitantes e 1618 domicílios297 outrora foram locais bastantes povoados, e com foi explicitado o quantitativo vem diminuindo consideravelmente. Nesse sentido, alguns projetos foram elaborados com o fito de promover a reocupação de construções, atualmente em condições deterioradas do Centro Histórico da cidade, através do uso habitacional. Um exemplo é o Programa de Revitalização de Sítios Históricos – PRSH. Escolhido para ser implantado em nove capitais brasileiras, o que inclui a cidade de João Pessoa, o PRSH é fruto de um convênio de cooperação técnica entre a Caixa Econômica Federal e o Governo Francês. Os estudos do PRSH foram 296 COMISSÃO, 2012. Disponível em: http://centrohistoricojp.blogspot.com.br/. Acesso em: out. 2012 297 Dados disponíveis em: SPOSATI, Aldaíza (Coord.). Topografia social da cidade de João Pessoa. S.l.: Centro de Estudos das Desigualdades Socioterritoriais – CEDEST; Instituto de Estudos Especiais – IEE; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, 2009, p. 47. Disponível em: http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-content/uploads/2012/04/TOPOGRAFIA-SOCIAL-DE- JOAO-PESSOA_2009.pdf. Acesso: out. 2012. 228 iniciados no ano de 2002, na capital paraibana. Para tanto foram investigados 30 imóveis que se caracterizavam por serem abandonados, subutilizados ou em ruínas. No entanto, em 2012, muitos dos imóveis não tinham sido reabilitados e continuavam em preocupante estado de conservação.298 Lançado em 2007, pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, o Programa Moradouro visa transformar antigos casarões em unidades habitacionais. Sete sobrados, em estilo artdecor, construídos por italianos nos anos de 1930 e 1940, em precários estados de conservação, foram escolhidos para a realização do projeto piloto. Situados na Rua João Suassuna, esses sobrados abrigariam 35 apartamentos e seriam financiados pelo Programa de Arrendamento Residencial – PAR, com recursos do Governo Federal e da Prefeitura Municipal. Cada edificação contaria com apartamentos com variação entre 52 a 68 metros quadrados. Não obstante, como bem assinala o título do artigo do Expresso PB, “Lançado em 2007 por Ricardo, ‘Projeto Moradoura’ no Centro Histórico de JP [João Pessoa] nunca saiu do papel”.299 Foram cadastradas 180 pessoas para concorrerem aos apartamentos previstos no Programa. Alguns critérios foram estabelecidos, quais sejam: Não poderiam ter contrato no Sistema Financeiro de Habitação (SFH); idade maior que 18 anos ou emancipado; não tivessem contrato anterior de arrendamento rescindido por inadimplência ou outra falta contratual; não tivessem pendência no SPC ou Serasa; com renda entre R$ 900,00 e R$2.100,00 (pode ser a soma da renda familiar); que tivesse ciência de que iriam residir em um lugar onde sempre haverá festas e shows e que soubesse que nos prédios não haverá garagem.300 É importante observar que entre os critérios para concorrer ao novo imóvel o candidato deve aceitar que a morada se insere em um local que ocorrerá 298 CLEMENTE, Juliana Carvalho. Vazios urbanos e imóveis subutilizados no Centro Histórico Tombado da cidade de João Pessoa – PB. (Mestrado em Engenharia Urbana e Ambiental). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba-UFPB; Centro de Tecnologia, 2012, p. 57. 299 JUNIOR, Clilson. Lançado em 2007 por Ricardo, “Projeto Moradouro” no Centro Histórico de JP nunca saiu do papel. Clickp PB. João Pessoa, 6 jul. 2011. Disponível em: http://www.clickpb.com.br/noticias/paraiba/lancado-em-2007-por-ricardo-projeto-moradouro-no-centro- historico-jp-nunca-saiu-do-papel/. Acesso em: dez. 2012. 300 CAVALCANTE, 2009, p. 148. (Grifos da autora). 229 constante animação, ou seja, os barulhos promovidos pelas festas. O que já anuncia antecipadamente a continuação da fórmula com foco em atrações culturais para garantir a animação do bairro. Busca-se, portanto, um perfil populacional que coadune com as estratégias de animação do espaço público, que guarda o intuito de pavimentar o caminho de sustentação turística. Desse modo, não sendo “natural” a chegada dos novos moradores. Sabe-se, no entanto, que a animação pode promover o choque de funções – função lúdica/ lazer com a função residencial que requer o direito ao repouso – e gerar desse modo constantes conflitos entre realizadores de eventos, comerciantes ligados ao setor de animação (bares, boates etc.) e os residentes. Desenha-se nesse limiar uma cena, cujos autores previamente escolhidos (moradores) aceitem igualmente o papel dado de atuação e contribua com a montagem e encenação do espetáculo urbano. Essas elaborações deixam importantes pistas para reflexão e desse ponto de vista é interessante acompanhar o que diz Paulo Peixoto. a animação crescente dos centros históricos e a sua turistificação, constituem e originam expressões performativas e plásticas que pretendem sugerir ideais de cidadania e de participação cívica. O espaço recuperado aparece assim como uma nova plataforma de pendor artístico capaz de gerar significados sociais, como se o visual fosse a condição fundadora de novas sociabilidades. Finalmente, os centros históricos funcionam como alegoria nas situações em que o seu esplendor e a qualidade urbanística dos seus espaços, as cores garridas das fachadas recuperadas, frequentemente contrastando com o resto da cidade que os envolve, os tornam uma espécie de obra de arte que representa uma ideia abstracta de qualidade de vida. (2006, p. 48). A animação frequentemente invocada e que passa a identificar, e ao mesmo tempo se confunde com o local, a tal ponto que aos olhos da população centros históricos e animação cultural passam a ser sinônimos. Para Peixoto as ações de animação fazem parte, do que ele chama de “panóplia de outros recursos culturais e simbólicos”, que unidos, almejam “dar corpo a uma logística de difusão de um espírito de lugar.” E diante da dificuldade de voltarem a ser um centro “da vida urbana 230 local, é verosímil sustentar a tese que os centros históricos parecem readquirir um papel central por via da função representacional que preenchem.”301 Nessa perspectiva desenha-se o intento de um retorno das camadas médias ao bairro antigo, uma vez que os critérios para obtenção da moradia inviabilizam o acesso da camada popular, privilegiando moradores com outro perfil sócio-econômico – favorecendo, sobretudo, setor artístico. A moradia surge como meio de atrair para o bairro novos usos e ocupações diversas, além de investimentos para que a infra-estrutura existente não seja subutilizada. Visando com isso a alteração do estigma que veste o bairro e engendrando um novo estilo de habitar, conforme exemplos já experienciados em cidades europeias. A moradia desponta ainda como forma de promover uma dinâmica que perdure tanto durante o dia (com o comércio de bairro: padarias, mercearias, farmácias etc), como no período noturno com as atrações destinadas ao lazer e consumo cultural. São, portanto, intervenções destinadas a promoção de uma nova imagem e valorização da cidade. Vale a pena assinalar, não obstante, o processo de gentrificação em curso – no cerne de ambos os planos. 7.1. Você moraria no Centro Histórico? A insegurança e abandono Nascida no interior do Estado da Paraíba. Em sua trajetória de vida, sempre se dedicou as atividades de auxílio às crianças e aos idosos, pessoas que habitam em comunidades carentes, em situação de risco social. Como têm habilidades manuais sabe moldar vestidos, blusas, calças... A arte de produzir metamorfoses inopinadas ao tecido é também sua profissão e meio de obter algum recurso para sustentar a vida. Na cozinha também aprendeu os segredos. Guiada pelo sentimento de fazer bem feito, das suas mãos saem saborosos quitutes. Atualmente tem um pequeno comércio onde vende caldos, coxinhas, empadão e outras delícias. Esteve pela primeira vez, em João Pessoa, no apagar das luzes da 301 PEIXOTO, 2006, p. 12. 231 década de 1980, para participar de uma reunião. Então, nessa ocasião recebeu um convite para ficar na cidade e fazer parte da equipe de trabalho assistencial junto às pessoas que viviam da coleta do lixo, no “Lixão do Roger”. Situado no Bairro do Roger, próximo ao Centro Histórico da Cidade, o Lixão reverberava gravíssimos problemas sociais, de saúde e ambiental. Toneladas de detritos eram lançadas a céu aberto e diretamente sobre o solo. O lixão, no entanto, era a fonte de sobrevivência de diversas famílias. Sobre os resíduos depositados, crianças, jovens, adultos e idosos lançavam- se na coleta diária daquilo que a população considerava imprestável. Do lixo retiravam objetos para “construírem as moradas”; roupas e sapatos para vestirem: móveis para casa; recipientes recicláveis para serem vendidos... E até mesmo frutas, verduras, legumes estragados, carnes – em estados proibidos para o consumo humano – que serviam de alimentos para as famílias. As palavras aqui descritas certamente não podem traduzir com pujança o estado dramático de profunda pobreza e riscos para a saúde em que viviam essas pessoas. Essas condições de vidas de extremas precariedades social e sanitária, tocaram e muito Clara302 que aceitou de imediato o convite. Ela sempre quis conhecer e morar em João Pessoa, assim, mesmo com o trabalho realizado na creche, em sua cidade, ela se comprometeu com o trabalho de ajudar a comunidade que vivia do lixão do Roger. Veio sozinha para a capital, deixando a família: o marido e os filhos na cidade de origem. Dividia seu tempo entre o trabalho com as 200 crianças no Lixão do Roger e as 80 crianças e adolescente da creche na Favela Porto do Capim. A Creche funcionava em uma casa de taipa, forrada com lonas. Vendo essas circunstâncias, foi proposto à Igreja de São Frei Pedro Gonçalves a transferência da creche do Porto do Capim, para uma casa da Instituição. Então, as 80 crianças passaram a receber assistência nesse novo espaço ao lado da Igreja, na casa que passou se chamar ‘Creche Pedrelina Maria de Jesus’. Resolvido parte desse 302 Nome fictício, História desenvolvida a partir da entrevista realizada com a moradora do Centro Histórico de João Pessoa-PB. Entrevista com M.F., concedida à autora na cidade de João Pessoa, Brasil, em 2011. 232 problema, e como as necessidades das pessoas que trabalhavam no lixão eram dilacerantes, passou dedicar atenção a essas crianças com a ajuda de um padre francês. Eram 200 crianças que catavam lixo. Para garantir um mínimo de estrutura alugaram uma sala perto do lixão para abrigar as crianças. Sentindo a necessidade de uma estrutura melhor alugaram uma casa abrigar as crianças. Nesse período algumas pessoas passaram a trabalhar filantropicamente na creche. Um grupo junto com Clara fazia o almoço para alimentar as 200 crianças assistidas. Ela ficava nessa creche até às 14 horas, depois se ocupava das crianças da ‘Pedrelina Maria de Jesus’. Durante esse período de trabalho morou no Lar Alternativo Bom Pastor, instituição católica de fins filantrópicos, que oferece assistência a meninas de 12 a 17 anos em situação de risco social e pessoal (desabrigadas, vítimas de violência familiar e prostituição), visando sua integração a família. Também ajudava a instituição dando aula de costura às 50 meninas assistidas. Nesses primeiros momentos de trabalho seu filho mais velho veio ficar em João Pessoa com ela. O comprometimento de Clara com as obras de assistência social a fez sentir que deveria morar definitivamente na cidade, pois não podia ficar indo visitar sempre a família. Então, começou a alimentar a esperança de alugar uma casa para que os filhos pudessem vim morar com ela. Com essa expectativa comentou com uma companheira que seria ideal encontrar uma casa nas proximidades da Igreja Frei Pedro Gonçalves, pois estaria perto dos locais de trabalho: Lar Alternativo Bom Pastor, a creche das crianças do Porto do Capim e do Lixão do Roger. No dia seguinte que comentou isso, voltou a Igreja e viu uma casa com uma placa afixada e escrito: “Aluga-se”. Seu filho ficou entusiasmado e pediu à mãe que alugasse aquela casa. Mas ela pensou que a renda do marido não seria suficiente para manter o aluguel, pois ele trabalhava na roça, tinha criação e aquele ano estava ocorrendo uma grande seca. Cada vez mais ficava menos fácil ir visitar os familiares no interior. Também porque sentia vergonha de viajar e não levar nada para os filhos, pois fazia atividades filantrópicas, e por isso não recebia financeiramente pelo seu trabalho. 233 Foi, então, que a mesma pessoa que fez o convite a Clara, para participar das obras assistenciais, conversou com o esposo para vim trabalhar em João Pessoa. Ofereceu-lhe um emprego, qual seja: tomar conta da granja do Lar Alternativo Bom Pastor. Dessa forma Clara poderia fixar residência na capital. Com o ano de dificuldades com a seca, o esposo aceitou o convite e toda família mudou-se para o Centro Histórico de João Pessoa. Foi assim que o lugar vazio de habitações recebeu a primeira família. Quando chegaram não tinha quase vizinhos todas as casas estavam em condições de abandono e deterioradas, algumas quase em ruínas. O imóvel que estava em melhor estado de conservação foi a casa que a família de Clara foi morar. Nas casas vizinhas a vegetação tomava conta. A casa ao lado tinha somente as paredes e muito mato e ratos. Com o tempo, após quatro anos pagando aluguel, a família comprou a casa que vive até hoje. Os outros imóveis tinham preços menores, mas Clara conta que não era possível morar porque estavam muito abandonadas, somente as paredes estavam de pé e nem mesmo energia elétrica tinha mais. Em frente a sua casa havia somente uma oficina mecânica... Ela mesma pode contar como era o local quando chegou, M.F – antigamente, quando eu cheguei aqui estava na primeira reforma, do Hotel Globo, já teve já duas reformas depois dessa, essa casa aqui que hoje pertence a […] era só, era mato, só tinha mato, só tinha as paredes, e matos, era só mato, mato tinha rato, tudo. […] A minha eu terminei comprando, porque a minha era a melhor que tinha, essas outras eram um preço menor, mas como não dava pra eu morar, porque já estavam abandonadas, e não tinha mais energia, só tinha as paredes, não tinha mais nada, que hoje é, é de Senhor M., e da Dona M.J. que é uma contabilidade hoje. Não é? Aconteceu a reforma da Igreja, que o teto, não tinha quase o teto, era uma dificuldade para o padre celebrar missa para os fiéis. A creche ‘Amiguinhos’ foi entregue para o governo, foi a Pedrelina Maria de Jesus, que foi entregue ao Governo, que hoje é entregue pra o Governo que já teve duas reformas. A ‘Amiguinhos’ foi entregue a Diocese, que a Diocese hoje é quem mantém a despesas. Quando chegou o quadro era desolador, ela narra que naquela ocasião não havia a quantidade de entidades de assistência ao menor como existe hoje. As casas abandonadas e o Largo serviam de “abrigo” para mais de 20 crianças em 234 situação de risco social. Eram chamados de “cheira cola”, porque inalavam solventes, drogas usadas normalmente por crianças que moram nas ruas. O consumo mais comum é da cola usada por sapateiros. Além da dependência, o uso da droga produz consideráveis comprometimentos físicos e psíquicos. As crianças andavam por outros locais da cidade, realizando delitos, roubos ou furtos. M.F. – É, muita gente, porque aqui antigamente que não tinha esse trabalho com as crianças, que tem diversas entidades, não é? Que abrigam essas crianças, aqui eram mais de vinte cheira cola, inclusive tinha Aninha que foi embora para São Paulo, Aninha, Eliberto, os meninos que habitavam aqui, dormiam aqui na porta, e a gente aqui ajudava eles, eles eram amigos da gente, porque a gente não podia, a gente não bulia com eles, a gente tinha uma educação por eles, a gente conversava com eles, que muitas vezes V. [filha de dona “Clara”] ia lá para cima, lá para igreja, ai encontrava eles, eles se jogavam em V., o pessoal tinha maior medo, pronto eles agora vão matar a menina, mas eles conheciam a gente, nessa lagoa por todo canto que a gente andava a gente conhecia eles. M.F. – Iam para rodoviária, iam para Tambaú, a gente pegava o ônibus, era cheio de menino pendurado, menino de todo jeito, menino assaltando, era assim, inclusive tinha cachorra com um monte de cachorro, a gente fechava aqui, até que eu coloquei essas grades, porque eles ficavam ai, tinha uma cachorra […] e ela dormia junto com esses cachorros, com um monte de roupas no saco, despejava no chão, ai fazia aquele ninho e ela dormia junto com as cachorras, essa menina Aninha, e tinha muitos meninos, mais depois do trabalho das pessoas com as crianças, agora melhorou, aqui não tem mais crianças de rua... E – Quando moravam essas crianças aqui, as pessoas tinham muito medo? M.F. – Tinham muito medo por conta das crianças, as crianças, os meninos, eles viviam meninos de rua, viviam traquinando na rua, pela rodoviária, teve um dia aqui que a gente trabalhava aqui nessa igreja, e eu morei um tempo aqui nessa igreja, eu estava com umas máquinas, eu tinha 5 máquinas, que eu trabalhava também com costura para vender para alimentar 80 crianças, e eu estava para viajar e estava fechando as máquinas, e eles passaram por esses janelões da igreja, passaram e roubaram tudo que a gente tinha, porque ia ter a inauguração da creche e tinha uma sala cheia de brinquedos que o povo estava doando esses brinquedos que era para essa inauguração da creche para as crianças quando começar a brincar, não é? E eles roubaram um monte, saíram correndo com os brinquedos, e a gente saiu encontrando os brinquedos pelo meio rua, e quando a gente foi ver na roupa da gente eles levaram, na hora da gente viajar, a roupa dos meus dois meninos que estava comigo eles levaram, levaram as bolsas, levaram o dinheiro da gente, as bolsas com o dinheiro levaram tudo, era assim, era bastante a gente ter um descuidozinho eles já passavam a mão nas coisas, a gente tinha que ter muito cuidado, era assim. A falta de segurança sempre é apontada pela população como sendo algo recorrente no Centro Histórico. Antes o local abandonado gerava medo por causa das crianças que moravam nas ruas, apesar de ter melhorado esse problema, o temor 235 persiste, pois o bairro ainda é identificado como local frequentado por usuários de drogas, por cenas de violência e prostituição. Não é raro encontrar artigos divulgados pela imprensa local, sobre os episódios de roubos, arrombamentos, mortes e agressões. Clara narra acontecimentos dramáticos, como o tiroteio que ocorreu em frente a casa onde ela mora, inclusive com vítima fatal. Também sente muitíssimo o que vem ocorrendo com os jovens envolvidos com drogas e que têm morte prematura, muito deles ela conheceu cuidando na creche. M.F. – Segurança que a gente vê, tomara que melhore, porque para a gente ver cada vez mais a bandidagem está no mundo, não é? Os jovens morrem nas drogas, você vê hoje os idosos não estão morrendo, quem está morrendo quem? Os jovens de drogas, não é? O que se deve fazer? A não ser que tenha cada casa uma polícia, não é? Cada casa uma polícia, não é? Porque a bandidagem está grande, a droga está grande, não é? […] Que há poucos dias foi morto um aqui na frente, todo mundo trabalhando... E – Aqui dona M.? M.F. – É a gente trabalhando e no meio do povo aconteceu, um tiroteio, havia um tiroteio e, […] e lá morreu, foi do Porto do Capim, filho do Porto do Capim, um menino com 29 anos. M.F. – Pai de família, criança com 6 meses, o mais novo, a criança mais nova dele tinha 6 meses, e menina tinha 16 anos... E – Foi aqui dona Maria, aqui na porta? M.F.– Foi na esquina aqui na descida, […], ai na esquina, ainda tem as mãos suja sim, passaram a mão assim, […], ainda está lá, e o sangue desceu... E – Foi quando isso, essa semana? e – Foi no dia 29 desse mês passado, foi no dia 31, completou um mês, dia 31 completou um mês, foi no dia 30... […] M.F. – 30 de agosto que aconteceu, está se vendo que todo dia 10, 12 que morre, não é? Meninos que foram criados na creche que a gente cuidou deles, não é? Já viam morrer ai, menino com 15 anos, não é? A avó criou ele com 15 anos mataram, droga, a droga está assolando o mundo inteiro... E – Esse que morreu também era envolvido com drogas? M.F. – Não, não era envolvido com drogas não, era não, ele trabalhava, ele tinha a mulher dele, tinha 16 anos e tinha duas menininhas pequena, uma com 2 anos, que ela casou com ele com 14 anos, uma menina com 2 anos e outra com 6 meses... […] M.F. – Foi, foi aqui no meio de todo mundo, que muita gente aqui na, foi aqui na frente da igreja, e ele só não morreu aqui na frente porque ele correu para ali, ali pertinho, ai caiu ali... E – Ah o tiroteio foi aqui? M.F. – O tiroteio foi ai, no meio do povo. […] E – Foi a noite dona M? M.F. – À noite, era uma e meia da madrugada, uma e meia da madrugada, ai pronto a gente fica a mercê das balas perdidas, quando aconteceu a gente trabalhando para sobreviver, não é? E a gente a mercê das balas, das drogas, 236 não é? A mercê das drogas, a gente pede também, pede socorro, a gente está pedindo socorro, entendeu? E – É verdade. M.F. – A gente está pedindo socorro, porque a gente não pode mais andar, não pode mais entrar no ônibus, que ninguém está mais seguro em canto nenhum, cada vez mais, não é? Em 2010, hoje é 2011, 2011 está pior que 2010, que aqui nunca aconteceu de queimar ônibus, quem se viu isso aqui, está se vendo agora, não é? M.F.: Moradora e comerciante do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Quando Clara chegou ao bairro a Igreja São Frei Pedro Gonçalves estava em condições precárias e até mesmo para o padre realizar a missa era com dificuldade, pois não existia quase teto. A situação agravou-se e o prédio da Igreja foi interditado. A missa passou a ser realizada em uma casa de taipa da comunidade do Porto do Capim. Naquela mesma época começou a reforma do Hotel Globo. Desse modo, Clara chegou ao Centro Histórico justamente no momento que começou as transformações com a revitalização urbana iniciada na segunda metade da década de 1990. Aos poucos ela assistiu as transformações ganharem forma de festas. Os prédios abandonados passaram a ser endereço de antiquário, loja de artesanato, bares, boates… Para ela a revitalização foi algo muito bom para o Varadouro, porque alguns prédios foram reformados e assim impedidos de desmoronar. No entanto ela chama a atenção para o fato de que o trabalho maior ainda deve ser feito. Pois boa parte, dos imóveis do bairro, encontra-se em estado precário de conservação. Além disso, ela discorre sobre a situação da população do Porto do Capim, pessoas que ela tem intenso contato por causa dos trabalhos sociais desenvolvidos junto à comunidade. M.F - A revitalização foi muito bom, foi ótimo, foi a riqueza mais que a gente pode receber, não é? Porque a revitalização melhorou muito o bairro, o Varadouro, não é? E ainda falta muito, que a gente espera, a gente sonha, não é? Porque daqui para a ilha do Bispo, esse mundo todo, Porto de Capim que fala, o governo fala, não é? Porque as também coisas são muito difíceis, e muita coisa também para o governo, não é? Ai tem espera também essas mães […] porque a gente trabalha na igreja, e a gente visita, a gente visita todas as casas, e casinha uma por dentro da outra, é quartinho por todos os cantos, e crianças, mães com oito crianças, mães grávidas tudo ai dentro, muita, muita gente ai 237 dentro desse Porto do Capim, espera a restauração, restauração não, as casas, não é? Que o prefeito, que o governo promete, se fizer as casas ai vai ser muito mais bonito para a gente viver, para a gente vivenciar, para os turistas, não é? Porque o Rio Sanhauá é a coisa mais linda, e mais ainda porque ele está ocupado, ele está subterrado com casas... E – Poluído, não é? M.F. – Poluído, a poluição muito grande, se acontece isso, a gente sonha, se acontece isso é a coisa mais linda, e a coisa melhor que João Pessoa pode receber, é a restauração de todos esses prédios, porque é um trabalho muito grande, é muitos prédios, aqui foi poucos prédios que foram restaurados, e falta muitos, não foi um terço, um terço não foi, e parou, está parado no tempo, e agente espera quando vai ser isso, a restauração do centro histórico, que é a historia de João Pessoa, foi onde João Pessoa começou a cidade baixa que se chama, a cidade baixa, então todo mundo foi subindo para lá, para a praia, e aqui foi desativado, se caso João Pessoa ganha essa restauração desses prédios que não são poucos, seria a riqueza maior que João Pessoa pode ganhar, porque o centro histórico está todo no chão, a mercê dos bandidos, das drogas ///, os artistas que podiam morar aqui, pessoas de bem, e hoje está assim... Em sua narrativa, Clara aborda pontos importantes, de acordo com a sua convivência com os moradores do Porto do Capim. Também, pelo trabalho que realiza junto com a Igreja de cadastramento das famílias residentes na comunidade. Ela decorre que durante o período de realização dessa atividade, em que o grupo da Igreja batia de porta em porta para coletar informações, os moradores pensavam que o grupo religioso levaria notícia sobre as novas casas. Assim, segundo ela os moradores estão a espera dos imóveis, sonham com as novas casas para que possam habitar em condições mais dignas de vida. E – Mais de 100 famílias? M.F - Mais de 100 famílias, ainda tem mais de 100 famílias, para falar certo umas 200 famílias, porque a gente fez, muitas casas estão fechadas sabe? Fechadas porque o pessoal trabalha, você sabe que quando é na semana a gente volta várias vezes, mais muita gente está com as casas fechadas, apesar de todo mundo conhece a gente, mais muita gente já trabalha, outras pessoas saem, outras pessoas tem viajado, ai muitas vezes as casas estão fechadas, quer dizer que quase 200 famílias a gente fez de pessoas que se encontram em casa. E – Mais de 200 famílias, que a senhora encontrou, não é? M.F – É que a gente encontra, ai eles fizeram até, é uma felicidade, a gente tem dó, ai a gente tem dó, porque quando a gente chega para fazer um trabalho aqui eles pensam que a gente vai dar alguma noticia das casas, ai vai mostrar logo a casa, a casa é, são as casinhas limpinhas, o povo limpo, gente trabalhadora, mãe de família que mora ali dentro, três quatro famílias dentro de um quarto, família assim, a gente fala de família, filhos, mãe e pai, é mães de famílias e pai 238 de famílias que moram lá, que precisa, não é nem assim, caso de animal, um quarto de pessoas humanas que faz dó quando você vê, a água dentro, é se chove a água entra para dentro de casa, a água vem para dentro de casa e acaba com as coisas, eles botam um tijolo em cima do outro para colocar a cama... […] M.F. – Sofrimento, pessoas idosas, pessoas cegas, pessoas enfermas, que a gente trabalha com eles e vê, e eles perguntam assim: olha minha gente, olha minha casa como é que está, a minha casa como é que está, a minha mãe está ai deitada em uma cama, a gente está esperando a casa, quando é que o governo vai fazer a casa da gente, que eles pensam que a gente é a resposta, e todo mundo vem fazer sua fichinha, todo mundo quis fazer sua fichinha pensando que vai receber a casa, pensando que vai receber, e a gente está nesse pensamento, que eles vão receber, não é? Que eles vão receber, a gente junto com a Diocese, com todo o Varadouro, a gente fez esse trabalho, e a gente já entregou o retrato da comunidade. […] M.F. – A Diocese, os padres da… que vai ter uma santa missão agora no mês de abril vai ter a visita deles, e os padres vão visitar toda família, ai tomara que venham meu Deus porque eu estou aqui nessa casa, porque eles pensam que quem vai dar a casa é a Igreja, mais não é, o trabalho é, de quem? Do Governo, do Governo, não é? Para Clara a revitalização é importante não somente porque o Varadouro é o local de origem da cidade, mas também por causa do turismo. Em sua fala evidencia elaborações que corroboram com o discurso oficial de associar Centro Histórico às atividades de consumo cultural, turístico e de lazer. Outro aspecto que desliza nesse mesmo eixo de compreensão – do discurso oficial – refere-se a restauração das casas, que no seu modo de ver poderiam ser ocupadas por artistas. Desse ponto de vista torna-se interessante observar que as casas abandonadas, após reformadas ou transformadas em apartamentos – como o exemplo do Programa Moradouro – não são vislumbradas como possibilidades de serem ocupadas pelos próprios moradores do bairro que vivem a margem do Rio. Do ângulo institucional são as unidades habitacionais multifamiliares que surgem como opção para as centenas de famílias do Porto do Capim. Seguindo, portanto, os eixos de sustentação gizados com o foco na formação de uma imagem vendável da cidade, do “espetáculo” para a atração de empreendimentos e turistas. Essa nova configuração foi inaugurada na cidade com o processo de revitalização urbana realizada no Largo Frei São Pedro Gonçalves e da Praça Anthenor Navarro, na segunda metade da década de 1990. As casas vizinhas, outrora 239 abandonadas, passaram a abrigar comércios destinados aos turistas. Com a reforma da Igreja, do antigo Hotel Globo e da Praça Anthenor Navarro, o Largo e a Praça ganharam novos ares. Bares, shows, boites e festas garantiam a animação noturna. Clara lembra que naquela época a praça ficava inundada de gente… M.F. – Não tinha mais espaço, ai todo mundo ficava aqui, todo mundo, e nessa época eu também trabalhava, de dia trabalhava no Alternativo, e a noite eu trabalhava aqui na casa de show, aqui trabalhava, e ai era quinta, sexta, sábado, domingo, é… Dava muita gente. E – Isso foi em que ano? […] M.F.– 97, foi junto com a reforma da praça, da Anthenor Navarro foi... E – A reforma da Praça Anthenor Navarro. M.F. – Teve a reforma, foi muito boa a reforma da Praça, que ali era roubada toda semana, ali era um posto de gasolina, quando a gente chegou ali não via quase ninguém, até que o posto foi desativado, a gente tinha só o posto, o posto de gasolina ali na praça, ai foi revitalizada, deu valor aqui a esse centro, ai foi revitalizada a Praça, os prédios que estava tudo... M.F. – Na praça não funcionava, não tinha nada... Para garantir mais uma forma de renda, Clara, impulsionada pelo grande volume de frequentadores da Praça e do Largo, resolveu investir no comércio de gêneros alimentícios. Sobretudo, porque na Praça e no Largo os comerciantes vendem mais bebidas, como cerveja. Então, a venda de lanches é um diferencial, ela possui habilidade para cozinha, começou a fazer e vender junto com os filhos. Do ponto de vista financeiro, ela considera a revitalização muito boa, pois em conjunto com a família ela pode montar um pequeno negócio para venda de lanches. Apesar do esmaecimento dos eventos na Praça e Largo, mas alguns bares ainda garantem a animação noturna do local. E – A senhora começou a vender aqui quando? M.F – Não, nessa época eu trabalhava com criança, é já faz uns 5 anos já, uns 3,4 anos por ai. Eu achei que tinha gente… Se agente não trabalhasse aqui o povo saia tudo com fome, só bebia cerveja, que o povo vende cerveja, não é? A gente tem que trabalhar com alimentação, porque pessoas vêm ai lancha aqui… M.F– Aqui acabou tudo, as festas acabaram, está sendo no Espaço Cultural, está sendo no Ponto de Cem Réis. A nossa sorte é que as pessoas não esqueceram do Centro Histórico, [...] a gente põe lanchonete, e as pessoas do Ponto de Cem Réis, do Espaço Cultural, vem todo mundo pra cá. Porque assim, quem está sustentando as festas aqui somos nós, porque tem o Broto 21, o Broto 21 que nós estamos nos arrastando, pode-se dizer que nós estamos se arrastando, segurando não é? A barra, estamos nos arrastando, como é que se 240 diz, o Broto 21, tem ... com o bar que bota as bandas. As festas da Prefeitura é até 12 horas, então quando termina lá, vem pra cá, e aqui passa a noite, porque no final de semana vem todinho os jovens, não tem como as pessoas vim, então aqui é uma, é o lar da gente, é a casa da gente, o lar da gente, não é? Que está esquecido, está esquecido [...] as festas são no Ponto de Cem Réis. M.F. – E o pessoal vem todo pra cá, e passa a noite aqui. E – É mais jovem, não é? [...] M.F. – É, é mais jovens, os jovens passam a noite aqui, muito bom, muito tranquilo, todo mundo lancha, todo mundo passa a noite, é muito bom. [...] M.F. – Venha hoje, ai vende caldo, purê de macaxeira com charque, calabresa, carne de sol, cachorro-quente, empadão, coxinha, tudo a gente vende, tudo feito na hora. Para Clara, nem todo tipo de comércio é ideal para o local, conta que um comerciante abriu um restaurante, mas não tem clientela. Antes quando funcionava um local para festa vinha muita gente. Na opinião dela o local é propício para os eventos e festejos. M.F – Ai tem uma boate, era uma boate era muito bom, era muito bom, mas depois o esse rapaz aqui não quis, arrumou um amigo e alugou pra restaurante, primeiro dia não veio ninguém, primeiro dia ai ele ficou pouco que era sócio com ele, ele ficou pouco que tinha sociedade com outra pessoa, mas eu creio, eu que moro aqui a muito tempo sei que não é, não é isso, se ele voltar, mudar pra festas dava mais certo pra ele, ele vai ganha. […] M.F – Eu sei que ai era festa a noite toda cheia de gente muito bom, acabou esse homem botou o restaurante ai não vem ninguém, primeiro dia, segundo, terceiro, ai pronto ele fechou, tá restaurando, esta limpando tudo de novo pra começar com a mesma coisa, vai ser a mesma coisa, porque os restaurantes… E – Ai é outro dono não é? M.F. – É outro dono, porque se ele voltar, porque o povo chega, quer fazer festa, festão dessa cidade muita gente era aqui, fazia festa aqui, não sei se você lembra, conheceu, muitas festas foi aqui, as festas daqueles homens, daqueles meninos, daqueles morenos, daqueles da tropa, não é tropa não das carambolas, daquele povo moreno, como é que chama? Eu sei que vinha gente da Bahia, de São Paulo, de todo mundo era uma congregação uma coisa assim que vinha, que celebrava, que vinha pra cá, a festa a noite todinha. Era muito bom mas depois, ai pronto agora dessa fez restaurante de novo, ele vai apanhar de novo, porque não tem clientela. […] porque se ele colocar de novo, vai apanhar de novo, vai apanhar de novo, porque se ele botar festa é bastante… Ele pode alugar para casamento, não é? Aniversário, festa e […] botar bandas aqui […] muita gente tocava vinha pra cá, era banda, vinha de Recife, tudo, vinha banda [...]. Quando era R.303 fazia festa da comida, fazia festa das mulheres, [...] tudo eles faziam festa, era bom demais, era muito bom, mas ele acabou com tudo, ai comida é, aqui o povo já esta te arrastando. 303 R. proprietário do Bar e animador cultural. 241 E – Ai acabou por quê? […] M.F. – Lançamento de livro era muito bom! Ai depois aconteceu esse povo aqui da… Começaram a reclamar, do como é que se chama? O Conselho do Centro Histórico… É. E – A Comissão? M.F. – A Comissão… Foi porque tinha furado um buraco estava acabando com o piso do Centro Histórico que era uma coisa toda, ele disse olha eu estou vim aqui pra agradar as pessoas, se eu não estou agradando eu vou embora, ai ele foi pra Fortaleza, ele era de lá e esta lá muito bem… Em suas falas são recorrentes alguns aspectos, quais sejam: o abandono dos imóveis, a violência e os perigos que envolvem os prédios abandonados vêm servindo para a prática de crimes. Além disso, destaca sempre as festas que animam a Praça e o Largo. Também, refere-se a intervenção dos agentes de preservação patrimonial junto aos comerciantes que deixam de observar as normas de conservação estabelecidas. Na opinião da moradora, muitas pessoas querem viver no Centro Histórico e que os prédios deveriam ser ocupados com o uso residencial. No Largo, que é a parte revitalizada, segundo Clara, todos os imóveis estão alugados. No entanto, alerta que o preço para locação, nas proximidades, não é nada barato. No local onde mora têm somente mais dois imóveis ocupados com residências, como ela descreve: M.F. – Não, aqui não tem ninguém, por aqui só a gente mesmo, não mora mais outra pessoa, que aqui não tem casa de família morada não é, só quem mora aqui sou eu, a casa da dona ... é fechada, ela mora no …, a vizinha é dona, que é D., ai a outra de lá, é que também é novata tem uns três anos que mora aqui, ai pronto. M.F. – É, aqui são todos alugados e muito caro, esse aluguel dessas casas que tem esses pé de bananeira na frente e essas plantas é mil e quinhentos reais esse ai é muito caro. [...] Muita gente quer morar, inclusive esses prédios estão para restaurar para pessoas, para alugar as pessoas, esses grandes prédios que tem aqui rodeando esse trecho aqui, […] e o povo já doido para alugar para morar. E – Teve inscrição para os apartamentos. M.F. – Já teve /// pessoas, que mora duas pessoas, três pessoas, já teve gente que chegou aqui dizendo que já estava pagando, e não saiu nunca. […] M.F. – Os prédios tudo abandonado servindo para a bandidagem, não é? Porque que não fazem, tanta entidade que precisa para idosos, não é? Entidades, que para fazer trabalho e está tudo acabado, acabando tudo, não é? E não tem... […] Deixando acabar por terra servindo para as bandidagens, e não é (?) por que aqui vem de fora, aqui vem de fora e a bandidagem muito de Pernambuco, desses cantos que vem para cá, é o tanto de todo dia que você vê que está 242 trabalhando, mais você vê como que matam 10,12 por dia, no outro dia aquele que escutou já está morrendo, aquele que escutou (?) já está morrendo, é verdade é desse jeito, não é? M.F. – Porque você vê, não é nem no meio da rua, e dentro daqueles […] dos prédios, se vê dentro daqueles negócios daqueles prédios, tudinho vendendo, é o comércio grande, e quem está matando está ganhando muito dinheiro, não é brincadeira não, e os prédios estão servindo para isso, para ao invés de estar servindo para os... Clara, apesar de salientar esses pontos desfavoráveis do Centro Histórico, acredita que o local é muito bom para morar, que é tranquilo, apesar da violência que toma proporções preocupantes e o abandono dos prédios que fazem parte do bairro, mas que não sofreram nenhum tipo de intervenção. Entre os aspectos positivos pontua a proximidade com o comércio e serviços, pois pode fazer tudo a pé, sem precisar utilizar transporte coletivo. M.F. – O positivo que o lugar excelente, perto de tudo, perto de comércio, perto de tudo, um lugar tranquilo, esse lugar eu acho que, eu só vim pra cá, porque eu acho que se fosse pra outro não tinha vindo, porque se você vê a gente tá no paraíso, muito bom, e a noite que é bom que a gente poe aqui fora, que vem as festas todo mundo fica aqui, todo mundo é amigo, então tudo muito claro tudo muito bom, nunca aconteceu nada ninguém envolve com ninguém, todo mundo amigo e principalmente os universitários, as festas do pessoal universitário, é aconteceu muitas vezes aqui nesse prédio aqui, muito bom! M.F., moradora e comerciante do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Mesmo com todas as situações descritas de violência, abandono, consumo de drogas… No tocante as festas, Clara considera que são muito boas, condição que favorece o comércio e as vendas, a convivialidade, tranquilo, o lugar do paraíso… Outros moradores, que não comungam da mesma opinião, acreditam que deve-se respeitar o direito ao repouso, e que esses tipos de eventos não devem ocorrer no Centro Histórico. 243 7.2. Entre silêncio e os sons: animações, os conflitos de usos O dia começa com os raios de sol já com intensidade a brilhar sobre a água doce do Sinhauá. Nas primeiras horas da manhã o silêncio é por vezes rompido pelo gralhar dos pássaros. Pelas ruas do Varadouro poucos ouvidos para escutar... Aos poucos os sons ligados à luz do dia fazem o silêncio se despedir... O ruído dos ônibus, os carros que buzinam... O forte barulho que fazem as portas de ferro das lojas ao serem elevadas e ajudam a violar a quietude... Aos poucos o dia se veste de normalidade... O comércio aberto, o vai e vem dos transeuntes, vendedores recebendo os clientes, ponto de ônibus cheios... Caminhando pelas calçadas de algumas ruas escuta-se o barulho das máquinas das gráficas, os roncos dos motores dos carros sendo consertados nas oficinas... Outros estabelecimentos são mais silenciosos como as lojas de elétrico, peças para carros, de ferragens e de tintas... Também as que vendem móveis e os serviços diversos. Se de um lado existem ruas cujos comércios imprimem o dinamismo, outras, no entanto é somente solidão. Diversas ruas parecem estéreis... A deterioração dos prédios é fator que impacta o olhar... Mas, parece que aquilo que impressiona tornou-se uma paisagem natural no fitar do jovem ou adulto que não tiveram a oportunidade de ver e criar dentro de si outra imagem do bairro. Na Praça Anthenor Navarro e no Largo São Frei Pedro Gonçalves o movimento é tímido... Na Praça a tranquilidade é diminuída pela quantidade de carros e ônibus que passam na rua em frente – Rua Cardoso Vieira, após a Praça passa a chamar-se João Suassuna – e dos veículos que trafegam na rua lateral a Praça. O fluxo de veículos é apontado por Rafael,304 morador do Centro Histórico, como algo que precisa ser melhorado. Além do barulho intenso provocado por ônibus, 304 Nome fictício, morador do Centro Histórico de João Pessoa-PB. Entrevista com J.S., concedida à autora na cidade de João Pessoa, Brasil, em 2011. 244 caminhões e carretas que circulam durante todo o dia, esse tráfego compromete a preservação dos prédios tombados... J.S. – Outra coisa negativa que eu não falei que eu acho que eu esqueci citar, aí é até uma questão muito grave que eu sei que é até complicado, muito complicado, que é, por exemplo, o Centro Histórico que eu conheço, que eu conheci assim, ele não tem o tanto que tem aquele ali. Porque, por exemplo, para quem vem de qualquer outra cidade da Paraíba, que vem no sentido de Cabedelo, que vai passar por dentro de João Pessoa, ele passa no Centro Histórico, todo o Centro Histórico, ali é carreta é caminhão, ônibus, toda hora, a maior doideira do mundo, aquele calçamento afunda direto, quer dizer, aquela questão de tombamento que eles tanto falam, né, então não era para ter todo aquele trânsito infernal do jeito que é. J.S., morador do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Já no Largo a chegada dos ônibus de turismo, que normalmente estacionam nesse local, é o momento que escuta-se mais um bulício. A visita ao antigo Hotel Globo tornou-se um imperativo... Os turistas entram, conhecem o interior, o terraço do prédio... Da colina avista-se o Rio Sanhauá... Tiram fotos da paisagem, registram o momento... Em frente, o antiquário, é uma das poucas opções de visita. Nos passeios feitos através de agências de viagens, o guia geralmente encerra a visita com uma pequena caminhada na Praça vizinha. Assim, os turistas podem admirar os prédios localizados no entorno da Praça e tirar fotos. Diminutas são as residências dessa área do Centro Histórico. Descendo a Rua Padre Antônio Pereira, o visitante vai encontrar algumas oficinas mecânicas, borracharias... Seguindo sempre em frente chegará a Ladeira de São Francisco – via de acesso a Cidade Alta. Lá localiza-se construções emblemáticas da cidade como a Igreja de São Francisco, situada no alto, e o Casa da Pólvora. Locais de visitação turística e escolar. Caminhar por essa via íngreme pode- se encontrar grupos de estudantes acompanhados por professores que dão explicações sobre o Centro Histórico da cidade. Da Ladeira os alunos seguem normalmente o caminho, rumo aos locais revitalizados: a Praça Anthenor Navarro e o Largo São Frei Pedro Gonçalves. 245 Em uma simples visita tem-se a sensação de que a tranquilidade reina. São poucos os transeuntes que passam na rua, igualmente os carros. Também é raro encontrar moradores nas portas ou nas calçadas. Casas grandes, normalmente com jardins ou varandas, se alargam por toda a Ladeira. Normalmente erigidas na parte alta do terreno, as habitações não seguem o mesmo nível da rua. Então, das varandas, os moradores têm uma vista privilegiada do Rio Sanhauá, do verde intenso da mata e do belíssimo pôr-do-sol. Embora a Ladeira seja secular, ao visualizar as edificações percebe-se que não tratam-se de imóveis tão antigos. No entanto, o primeiro olhar que discorre a Ladeira de São Francisco como sendo o lugar tranquilo se engana fortemente. A imagem se desfaz após escutar os depoimentos dos moradores do local e das ruas vicinais. A via silenciosa guarda seus perigos. Ao visitante que pergunta sobre a Ladeira para visitá-la poderá escutar do informante além da localização o alerta: “Tome muito cuidado ao passar por lá, porque tem muitos assaltos”. A mesma informação é confirmada pelos habitantes que dizem visualizarem, do alto das varandas, várias ações por dia. As pessoas que cometem os delitos passam correndo com as bolsas nas mãos. Ou ainda escutam-se os gritos das vítimas. Todos os moradores entrevistados, que vivem na Ladeira, narraram situações como essas perpetradas não importa a hora do dia. E a noite alerta “se alguém passar aqui a noite é certo ser roubada.” Os habitantes contam que as pessoas que realizam os delitos, ficam nas esquinas ou ainda se aproveitam de imóvel abandonado para se esconder. Mas, cumpre frisar que não é somente na Ladeira que ocorrem atos desse tipo. O abandono e a falta de segurança estimulam habitantes que anseiam em sair do Centro Histórico. Como é o caso da moradora que tem uma história familiar com a residência, mas nem isso a faz sentir vontade de continuar vivendo no bairro. Nasceu e passou toda a vida no Bairro, pois desde que veio ao mundo foi criada com os avós. Mora em uma a casa com varanda e plantas, que embelezam o local, propiciando igualmente uma agradável ventilação. Mas essas características, o 246 espaço verde, uma história familiar que vem desde os avós, não motivam Anita305 o gosto pela localização. M.M. – Desde que eu nasci eu fui criada com meus avós, e fui criada nessa casa aqui ó, debaixo. Aqui era tudo residência familiar construída direitinho. [...] M.M. – Isso aqui é abandonado e eu só moro aqui porque a minha casa é própria e porque sou professora aposentada e não tenho condições de sair daqui. Aqui é muito perigoso, à noite então. Um foi esfaqueado uma vez na Casa da Pólvora... Deveria ser bem cuidado daqui a pouco só vai ter prédio caindo. Porque está todo mundo saindo. E quem quer comprar? E – Então, se a senhora pudesse sairia daqui? M.M. – Sim, eu só não saio por causa das minhas condições. [...] M.M. – Vantagem é que aqui é perto de tudo, eu mesma só ando de táxi, porque não podemos andar mais, porque é muito assalto. Aqui é abandonado só quem vem para cá são os turistas. E – Na opinião da senhora o que deve ser mudado no Bairro? M.M. – Que houvesse mais segurança, mais policiamento, mais limpeza. Que obrigasse...Que restaurassem isso é horrível! Essa casa ai na frente abandonada, as pessoas pulam o muro... Agorinha mesmo saiu um casal... A gente nem olha porque fica amedrontado. Procurasse falar com as pessoas para as casas não ficarem abandonadas ou desse a casa para uma pessoa pobre tomar conta... M.M., moradora do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Ângela306 como Anita tem uma relação com o local desde a infância e, portanto, várias décadas que habitam o Centro Histórico. Viram praticamente o nascimento das casas que hoje compõem o local. Isso porque não se trata de imóveis tão antigos. Ângela explica que o terreno, onde são, hoje, construídas as residências, pertencia ao Convento das Neves e foi loteado. Antes era tudo mato. Embora na sua narrativa a questão da violência resplandece como fator a ser urgentemente tratado, ao contrário de Anita, ela persevera que não sente vontade de se mudar. Isso porque a casa guarda a memória dos momentos em família, especialmente do seu pai. É a 305 Nome fictício, aposentada e moradora do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista com M.M., concedida à autora na cidade de João Pessoa, Brasil, em 2011. 306 Nome fictício, Historia desenvolvida a partir das entrevistas realizadas com a moradora do Centro Histórico de João Pessoa-PB. Entrevistas com L.C., concedidas à autora na cidade de João Pessoa, Brasil, 2011 e 2012. 247 relação de afeto, as lembranças dos momentos fugidios, que a faz permanecer morando no mesmo lugar. Sobre esse aspecto é interessante trazer a história contada por uma moradora, sobre uma habitante que apesar de mudar-se da antiga casa situada no Bairro, não se desvinculou do lugar. A casa ela não aluga mais e nem vende. Segundo a moradora ela, M.F. – [...] vem, ela troca de roupa, veste uma camisola, fica um pedaço aqui fecha e vai embora, ela mora ali no C.L., ai assim. Ela [a casa] vive fechada uma casona grande é fechada. Essa era antes era a dois anos era o posto médico, o posto que é lá no, era isso esse prédio, ela alugou passou uns tempos ai. E – Agora ela disse que não aluga mais? M.F. – E agora ela disse que não aluga mais, nem vende, nem aluga, ai ela limpa ajeita, lava, ai passa um pedacinho, troca de roupa, coloca uma camisola, diz que deita um pedacinho ai e vai embora, é assim. M.F., moradora do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. A propósito do afeto pelo bairro, Ângela narra com saudade dos tempos de ouro do Centro, das lojas luxuosas... Dos passeios feitos... Ela gostava de observar as vitrines com admiração... Amava as festas da cidade e que ocorriam no Centro, como o Carnaval e a esperada Festa das Neves. Ocasião, aliás, aguardada com ansiedade pelos pessoense. Recorda-se que para a festa eram confeccionadas roupas especialmente para serem inauguradas durante a semana da festividade. Barracas que vendiam comidas, bebidas eram colocadas nas ruas... Carrosséis e parque de diversão eram montados para o deleite das crianças e adultos também. Hoje, afirma não ter mais gosto de ir às festas que têm muita gente, porque tem muita violência. Somente na Festa das Neves, que de vez em quando, ela vai ver a procissão. Fala com saudade do posto de gasolina que localizava-se na Praça Anthenor Navarro, local onde costumava ir com frequência. O posto foi retirado com a revitalização da Praça. Sobre as lembranças do local, Rafael narra de fatos não pertences aos tempos de outrora... Sua trajetória de vida no Centro Histórico começou desde que chegou à João Pessoa, quando tinha por volta de 18 anos. Hoje com menos de 35 248 anos diz que não pretende morar em outro bairro. Recorda-se que quando chegou o estado de abandono do Centro Histórico era grande. As fotos que enviava aos familiares, do local que mora, causava surpresa... Hoje, ele diz que vive no lugar mais visitado de João Pessoa. Conta que as pessoas pensavam que ele habitava em uma favela, tamanha era a degradação. Rafael, no entanto, guarda boas e inesquecíveis recordações... Dos artistas que ele teve a oportunidade de ver, quando fizeram visita ao bairro... Como o dia que os irmãos artistas Sandy e Júnior foram ao Centro Histórico... Da visita do ator Tony Ramos... J.S. – Ah, eu não sei nem o que dizer, mas a lembrança é as pessoas que a gente conheceu ali através, por exemplo, o turismo, chegou pessoas ali que a gente não conhecia, né, Sandy e Júnior, eu conheci ali a Sandy e o Júnior. Eu nunca imaginei que eles fossem usar lá em casa como... Como é que se diz? Como camarim. É um negócio que eu não esqueço nunca. E – E como foi isso? J.S. – [...] fecharam aqui, fecharam lá embaixo, chegou um carro e parou assim o maior tempão, ficou lá parado um tempão depois abriu era eles, Sandy e Júnior, isolado que não passavam ninguém, ficava louco o pessoal aqui fora que não podia entrar só quem morava lá, e aí foi lá em casa que era a casa principal onde que eles queriam gravar, tem banheiro aí? Tirou foto com a gente está lá [...] E – E quem mais assim, você tem lembrança? J.S. – Tony Ramos [...] assim, as pessoas mais ilustres, eles ficaram aqui. J.S., morador do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Por falar em memórias, Ângela, não podia esquecer também de contar sobre os diversos cabarés que já existiam nessa área da cidade. Quando pequena sempre escutava falar que não poderia passar pela Rua da Areia e a moça que passasse sozinha ficava “falada”, ou seja, não teria mais uma boa fama e respeito das pessoas. Foi então testemunha do processo de esvaziamentos, de saída das lojas sofisticadas... Dos moradores mais abastados... Viu o centro se configurar em abandono. L.C. – O que mais mudou? Você não ver mais residências no Centro Histórico. O Centro que tem comércio mas muitas casas fecharam. L.C. – moradora do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevistas concedidas à autora na cidade de João Pessoa, Brasil, 2011 e 2012. 249 Mesmo com a torrente de transformações, por ela assistida, Ângela, ainda considera o local bom para morar. Apesar de algumas reclamações como a falta de liberdade em modificar a casa como deseja. Como ela diz, “Nunca vi a pessoa ter seu imóvel e não mandar. É o outro que manda, por isso que isso aqui é um atraso”. Gostaria de construir uma garagem, pois precisa de lugar para guardar o carro. Mas a solicitação feita junto ao órgão competente não foi aceita. Morar em um imóvel tombado é um dos pontos considerados desfavoráveis, não somente por Ângela, como para outros entrevistados, moradores do Centro Histórico. Mesma opinião é exposta por Rafael, que cita o exemplo de uma outra moradora. J.S. – Eu acho, eu vejo lá muitas casas, para você ter uma noção, tem um número de casas lá, que assim, tem a casa e do lado, a casa da Dona M., a casa é dela, mas assim, até pra ela pintar a casa, ela não pode simplesmente comprar uma tinta e pintar a casa dela. Eu não digo mudar, porque a gente... É claro que ela adora aquela casa, o estilo, mas você não poder pintar uma casa sua e ter que esperar que sai uma tinta que seja de acordo que o prefeito. Acaba que ninguém faz e ninguém deixa você fazer. Muitos, muitos donos de prédios ali, os proprietários às vezes dizem: “por que eu vou esquentar a cabeça aqui, deixa cair”. Porque tem muita coisa, o custo ali é altíssimo, a água ali parece que a gente mora [///]. A energia ali, eu moro em casinha pequena, a minha, a minha casa ali praticamente ali onde eu moro, a minha esposa, comparada a Dona M. é pequena né. Mas a energia é muito alta, a gente paga ali 89. J.S. – morador do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Para Ângela o abandono e a violência tornaram-se fatores que reclamam medidas urgentes e cita o exemplo do que vem ocorrendo com a Casa da Pólvora, que encontra-se abandonada. L. C. – Primeiro essa Casa da Pólvora tem que melhorar, revitalizar isso... Ai tá fechado e o pessoal precisa cuidar. Hoje é para o uso de drogas. Quando eu vim para a casa era bom. Eu sei que é esquisito aqui, mas eu gosto daqui. Segurança a gente precisa e muito. Posto de saúde, que por aqui não tem, isso é uma vergonha! [Aqui] é muito calmo, até demais! Muito esquisito, até demais! Muito perigoso, até demais! Segurança é o principal, infelizmente, é a verdade. L.C. – moradora do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. 250 A propósito do abandono e quando se fala dos projetos de revitalização, a reação dos moradores é de pouca confiança. Porque já escutaram muitas promessas de que o Bairro vai melhorar... Mas frisam que os planos não saíram do papel... Para eles o que foi feito pelo Bairro foi muito pouco. Outras ruas do Centro Histórico e do Centro da Cidade são, igualmente, sinônimas de perigo. A pesquisadora, mesma, durante os trabalhos de campo, passou por esse tipo de violência. Levaram naquela ocasião algo muito preciso para quem faz pesquisa: o gravador com todas as entrevistas realizadas – depois as mesmas pessoas foram reentrevistadas. É verdade que após escutar esse tipo de declaração andar pelas ruas se torna um ato não natural. E depois que se torna vitima a situação se agrava, pois fica-se o tempo todo em estado de alerta... Os passos não são mais normais, anda-se muito rápido e em muitos momentos quando não têm outras pessoas na rua, e que, portanto, aumenta a vulnerabilidade, a sensação de exposição ao perigo e de tensão toma proporções ainda maiores. Se nessa área o silêncio promovido pela ausência de comércios e de transeuntes dão a impressão de tranquilidade. Situação reversa encontrará o visitante que caminhar nas proximidades do Terminal Rodoviário. Importa salientar a gigantesca circulação de pessoas, nessa área, durante todo dia, seja para os deslocamentos internos, na própria cidade, ou para as viagens com destino a outras cidades paraibanas e Estados brasileiros. Lá também encontra-se motoristas que fazem viagens em carros particulares para cidades do interior da Paraíba ou para as capitais dos Estados vizinhos. Somente o Terminal de Integração, implantado em 2005, é o responsável pelo fluxo diário de cerca 42 mil pessoas.307 O barulho é em proporções dilatadas, vendedores ambulantes (de lanches, churrasquinhos, CDs; DVDs, bebidas, doces etc.) disputam o espaço das calçadas ou até mesmo se posicionam nas ruas próximos aos passeios. A passagem até chegar à Rodoviária ou ao Terminal urbano torna-se um desafio, um teste de paciência, especialmente, se o transeunte tem pressa… Nada raro quando se trata de um local onde as pessoas têm 307 Dados encontrados em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Terminal_de_Integra%C3%A7%C3%A3o_do_Varadouro Acesso: maio 2013. 251 horário para embarcar e muitas vezes passam correndo, porque chegam atrasadas ou perto do momento de partida do ônibus… Os motoristas que fazem viagens particulares estão no local logo cedo e abordam os passantes para saber se a pessoa vai viajar e qual o destino… E com o passar dos ponteiros do relógio o barulho intensifica-se ainda mais. Além do bulício, os vendedores de CDs e DVDs porfiam o ponto de venda e para isso aumentam os sons ao máximo. É verdade que na maioria das vezes não se pode identificar qual a música, porque os ritmos se misturam. Os vendedores ambulantes anunciam em voz alta os seus produtos… Os motoristas seguem na caça por viajantes, a concorrência é grande e para preencherem rapidamente o carro com o número de passageiros necessários para seguir a viagem, passam a gritar ainda mais forte. Quem entra ou sai do Terminal urbano pode escutar os gritos os nomes de várias cidades – é a forma encontrada para identificar qual a cidade o motorista destina-se e desse modo se o passageiro tem interesse aborda o motorista. Sem falar na circulação intensa dos ônibus que entram e saem do Terminal, um número grande de veículos, pois quase todas as linhas de transporte coletivo convergem para o Terminal e também para a Lagoa do Parque Sólon Lucena. Uma mistura de ingredientes que pode resultar em uma receita nada agradável. Assim, certo desconforto pode apresentar-se seja pela superabundância de ruídos, pela quantidade de lixo lançado nas vias públicas ou ainda pela dificuldade em caminhar por calçadas que tornam-se estreitas para a circulação de pedestres e para os vendedores. Seguindo em direção ao Centro a cena continua e dessa vez são as lojas que colocam grandes caixas de sons nas portas dos estabelecimentos, ingrediente que amplificam ainda mais o barulho. Geralmente, o vendedor com voz potente utiliza o microfone para chamar ainda mais a atenção dos consumidores… Anunciam normalmente alguma promoção e os produtos que estão a venda: “Você cliente amiga venha conferir as nossas promoções!” “Não deixem de conferir a qualidade dos nossos produtos!”, “Você que tá passando não deixe de entrar em nossa loja e conferir nossas ofertas”, “Preços baratos é aqui! Situações muito semelhantes são assistidas 252 pelas pessoas que caminham pelo Ponto de Cem Réis… E ruas próximas ou pela Lagoa do Parque Sólon Lucena… Ao longo da Lagoa existem vários pontos de ônibus, cujo movimento é constante durante todo o dia. A inquietação por vezes para pegar o ônibus pode distrair o passageiro que pode sofrer a ação de pessoas que fazem furtos ou roubos. Mesma situação, podem estar expostos não somente os usuário de transportes coletivos, igualmente aqueles que tracejam pelas ruas do Centro, do Bairro do Varadouro e o Terminal de Integração. Quando a noite começa declarar sua chegada o movimento se torna mais forte… Saída do trabalho e escolas… Pontos de ônibus inundados de gente... Os ambulantes que têm ponto fixo nas ruas se preparam para encerrar o dia de trabalho, guardam suas mercadorias… Os vendedores que caminham pelas ruas, ainda mais presentes nos pontos de ônibus, para aumentarem a renda do dia… À medida que a noite chega ao centro os arredores do Terminal de Integração mudam de ares. Agora é a vez dos trabalhadores noturnos… Ambulantes que vendem lanches, milho cozido, cachorro quente, churrasco e cerveja ocuparem alguns locais do Centro e do Varadouro. Os banquinhos de plástico branco são espalhados pelas calçadas e Praças. A quantidade de pessoas nas ruas diminui sensivelmente. No Ponto de Cem Réis, frequentado durante o dia também por aposentados, no início da noite pode-se ainda encontra-los jogando dama ou xadrez. Casais conversas e namoram… No Varadouro, o fluxo por causa do Terminal ainda é intenso, mesmo com a chegada da noite… As lojas fecham, os ambulantes diurnos (sobretudo os que vendem acessórios, sombrinhas, bijuterias etc.) também se despendem do local de trabalho… Outros atores destacam, dessa vez os que vendem churrasco e bebidas (cervejas, cachaça etc.) são os que marcam mais a paisagem. Os vendedores de CDs continuam sua jornada com as músicas amplificadas. Do lado de fora, ao longo do terminal de integração é onde os ambulantes espalham bancos de plástico e os clientes se reúnem após o dia de serviço. É comum ver pessoas com as fardas dos trabalhos… Bebem e comem antes de pegarem o ônibus. Nas ruas onde existem os famosos cabarés – casas de prostituição – luzes acesas, certo barulho e a presença de muitos carros nas ruas revela a presença de clientes. Com o 253 avançar das horas o ambiente torna-se mais deserto e “esquisito”… Ruas com pouca iluminação, despidas de gente… O cenário causa desconforto e sentimento de insegurança dilata-se, especialmente nas ruas que não trafegam ônibus e onde a passagem de pessoas é quase inexistente… E quando mais tarde da noite, menos pessoas mesmo nas ruas onde os ônibus trafegam. O cenário da prostituição ganha mais evidência, situação, sobretudo marcada nos arredores dos Terminais, a sensação de perigo é evidente. Depois desse grande passeio, se o visitante retornar à Anthenor Navarro e ao Largo, observará que os ares mudaram. O silêncio que imperou durante o dia ‘dá passagem’ ao barulho dos bares, das pessoas que se agrupam e conversam na Praça. Logo que o sol começa dar os primeiros sinais de partida, mesas e cadeiras começam a serem espalhadas ao longo da Praça. Aos poucos os clientes vão chegando. Os vendedores ambulantes também. Em dias de shows bandas tocam dentro ou em palcos instalados fora dos bares. A concentração de pessoas é grande, em especial, a partir de quinta-feira... Quem passa de ônibus ou de carro pela Rua Cardoso Vieira pode se impressionar com o fluxo de pessoas que destoa das outras ruas vizinhas. Com o processo de esmaecimento dos investimentos públicos e com custos altos para manter a estrutura de animação, os bares, loja, boates... Despediram-se da área revitalizada. Então, quem hoje são os animadores do local? Nesse período de enfraquecimentos dos investimentos e de público aparece em cena um novo comércio, na Praça Anthenor Navarro. A casa funciona como restaurante, bar na parte da tarde e da noite, casa de show, exposição de arte, debates, oficinas, além de uma série de atividades que têm atraído muitos frequentadores para a casa e a Praça. Uma pergunta então ressalta, mas por que escolher o Centro Histórico? Especialmente no momento de esmaecimento das atrações. “Luís”308 explica melhor como surgiu. 308 Nome fictício, comerciante e produtor cultural no Varadouro, entrevista com A.S., concedida à autora na cidade de João Pessoa, Brasil, 2011. 254 A.S. – É, na verdade, o Centro Histórico, ele já tem historicamente uma certa vocação pra tá tendo iniciativas culturais, sim. Quando a gente se instalou, quando a gente chegou aqui, e abriu o nosso centro cultural, normalmente não tinha nenhuma casa, estava meio frio, só que antes disso, há anos atrás já existiram outras movimentações desse tipo, tinha o Galpão 14, tinha acabado de fechar quando a gente abriu, era a última casa que ainda estava dando abertura, pelo menos naquela época. Antes disso, eu não sou daqui, mas eu sei de histórias de outras casas que tinham aqui com outras movimentações desse tipo. Então o Centro Histórico meio que já tem um, já tem historicamente uma vocação pra esse tipo de iniciativa, e pra nós foi, assim, tiro certo... Assim, o público daqui que a gente, na verdade, o público que a gente conseguiu trazer pra cá, que hoje frequenta muito o Centro Histórico, tem tudo a ver com... O ambiente em que a gente tá agora. Desde que a gente abriu a casa, a gente abriu primeiro como centro cultural e, como nosso coletivo foi formado mais por músicos, a gente tem como, mais forte a linguagem da música, então a gente tem muitos shows aqui, a gente utiliza o nosso mezanino pra tá fazendo, realizando shows, já passaram por aqui algumas centenas de bandas, a gente consegue ter um volume legal de shows, principalmente de artistas locais que tão produzindo alguma coisa e também de artistas de circulação. A gente faz parte de uma rede que chama-se Circuito Fora do Eixo, que é uma rede de coletivos culturais, todos parecidos ou então pelo menos com uma proposta parecida com a nossa, e essa rede também é muito utilizada como plataforma de circulação de artistas. Então, a gente, ‘linkado’ com essa rede, a gente consegue receber muitos artistas de fora, que circulam e passam aqui pelo E.M.. Fora isso, a gente já fez algumas exposições de arte, sempre com artistas locais e emergentes, a gente oferece nossas paredes e... Pra intervenções de artes visuais... De acordo com “Luís”, a casa atrai muitos artistas, seria o ponto de encontro dessas pessoas, também dos moradores do bairro. A instalação da casa possivelmente surgiu como combustível que impulsionou a instalação de outros comércios do gênero. Segundo o proprietário, antes existia somente o Centro Cultural, e em 2011 já eram cinco novos comércios noturnos que promovem shows e realizações culturais. Narra, ainda, que desde que a casa foi aberta a Praça tornou-se palco onde brilharam diversas iniciativas artísticas, realizadas não somente pela casa, como igualmente por outras entidades. A.S. – Então, quando a gente começou um diálogo com a mesma ideia de ativismo que a gente teve pra formar o C., a gente entendeu que seria interessante... Que é importante essas instituições, essas entidades estarem também dialogando pra ter legitimidade, pra ter uma afinação no perfil, certo, então a gente surgiu com essa história, inclusive impulsionado também muito 255 pela produção da Festa da Música pela primeira vez, a primeira edição a formar o que é hoje o Movimento Varadouro Cultural, que nada mais é do que um polo, um núcleo de instituições culturais que hoje ocupa o Centro Histórico de João Pessoa e focam suas ações aqui, certo? A.S., comerciante, realizador e articulador cultural do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Cita algumas organizações culturais importantes que tem sede no Varadouro: Fundação Cultural Companhia da Terra, Casa da Música e Cultura, Paralelo Companhia de Dança, o grupo de teatro “Quem tem Boca é para Gritar”. Além dos estúdios: Estúdio Mutuca, Estúdio do Coletivo 401 e Estúdio Vila Musical. Conta que em conjunto com a Fundação Companhia da Terra vem desenvolvendo projetos que levam em consideração a interação com a comunidade do Porto do Capim. A partir dessas iniciativas o número de frequentadores vem aumentando consideravelmente. As bandas que participam dos shows normalmente tocam Rock, mas há abertura para outros estilos musicais. Inclusive afirma que essa é uma imagem que tentam desfazer e cita alguns exemplos: A.S. – A gente... Ó... As pessoas têm muito isso de: "Pô... Não... O pessoal do C.M. é mais Rock... Alternativo, não sei o quê", mas isso acabou acontecendo pelas pessoas que formaram o C., certo? Então necessariamente, de repente a gente tem maior facilidade, mais know-how de estar trabalhando com certo gênero ou outro, mas hoje em dia não é mais assim, e essa imagem a gente tenta, ao máximo, apagar, porque a gente tenta trabalhar com todo tipo de linguagens, primeiro: música, arte visual, seja lá qual for, e dentro de música, por exemplo, todos os gêneros: bandas regionais, já fizemos Samba aqui, no São João a gente faz Forró aqui, certo? Então a gente tenta dialogar com todo mundo, dando abertura pra tudo, desde que seja um trabalho autoral, com produção real e não bota banda cover pra tocar, ou coisas do tipo, e um autoral independente, certo? Então o perfil é esse. Na verdade, gênero musical a gente não tem preferência. Acaba, de vez em quando indo mais numa direção, mas é pura e simplesmente por conta de know-how mesmo. A.S., comerciante, realizador e articulador cultural do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Além disso, outros eventos vêm sendo realizados no Centro Histórico sob a batuta do produtor cultural e outros realizadores. Em alguns eventos palcos são montados na Praça, bandas tocam ao vivo... Um intenso fluxo de pessoas... O Grito do Rock e a Festa da Música são exemplos a esse respeito. 256 Figura 23: À esquerda Grito do Rock – Praça Anthenor Navarro. Fonte: Grito do Rock.309 Figura 24: Fête de la Musique em João Pessoa – Praça Anthenor Navarro. Foto: Rafael Passos, 2010.310 Com história originária da França a “Festa da Música”, difundiu-se por outros países. Um dia especial dedicado aos distintos estilos musicais, que passam a ocupar as ruas das cidades. Criada por Jack Lang, Ministro da Cultura, a festa teve início em 21 de junho de 1982 – primeiro dia do verão. Com a manifestação de grande público e sucesso, a festa espalhou-se pelos quatros cantos do mundo, ou seja, faz parte do calendário de mais de 100 países nos cincos continentes.311 Em solo brasileiro a festa encontra-se em algumas cidades como Belém; e em João Pessoa igualmente faz parte dessa festa. O evento surgiu a partir de uma iniciativa da Aliança Francesa, que apresentou a proposta aos agentes culturais que realizam projetos no Varadouro. A.S. – O Grito do Rock foi em fevereiro, dias... Perai que eu vou...Fevereiro, dias vinte e cinco e vinte e seis de fevereiro foi o Grito do Rock e a Festa da Música foi dia vinte e um de junho. A Festa da Música foi um marco também, mas...e...deixa eu ver quanto dá (///). Foram vinte e tantos artistas tocando em cinco palcos diferentes em toda a praça, então, duas mil pessoas na praça, circulando em vários palcos diferentes e consumindo cultura essencialmente paraibana, exclusivamente paraibana. Já é o segundo ano também que a gente faz... A.S. – O primeiro ano que a gente fez, que foi 2010, a ideia partiu deles, da Aliança Francesa, ele procurou algumas pessoas que... Alguns agentes culturais, aqui, do Varadouro, e a gente acabou, nesse momento, formando um grupo, que hoje é o movimento Varadouro Cultural, que teve como primeira realização essa Festa da Música. Na época só tinha a gente e mais uma casa 309 Disponível em: http://gritorock.com.br/grito-rock-alagoas-reuniu-3000-pessoas-ontem-e-hoje-a- festa-continua/. Acesso: out. 2013. 310 Fonte: http://www.portalcodisma.com.br/joao-pessoa-e-sede-da-%E2%80%98festa-da- musica%E2%80%99-hoje/. Acesso: jul. 2013. 311 Sobre esse aspecto: http://www.france.fr/pt/festas-e-festivais/festa-da-musica. Acesso: set. 2013. 257 que tinha acabado de abrir na cidade, certo, então a gente fez em duas casas o primeiro ano. Aí, esse ano como já tinha mais gente, a gente conseguiu fazer uma, duas, três, quatro casas e mais um palco... Não, esse ano não teve palco, não, no Grito do Rock teve. Não, então foram as quatro casas e a gente fez na praça uma apresentação só de algumas intervenções de teatro, dança, essas coisas. A.S. – Teve, teve movimentação na praça toda, todas as casas com portas abertas e pessoas circulando em todas as casas, rolando show simultaneamente a cada vinte minutos... A gente montou a programação de uma forma que a cada vinte minutos estava começando um novo show. Então foram... Poxa, eu não lembro do número, quantos artistas tocaram na Festa da Música, mas foram quase trinta artistas também, num dia só em seis horas, na verdade. Começou às sete horas e foi até o iniciozinho da madrugada. A.S., comerciante, realizador e articulador cultural do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Com uma agenda considerável de shows, local onde já passou dezenas de bandas. Uma pergunta vem à tona, como seria a relação com os órgãos responsável pela proteção do patrimônio? Desliza no mesmo sentido a reflexão: quais seriam as desvantagens de instalar um comércio no Centro Histórico. Com esse painel grande de eventos e estilos diversificados de músicas, rutila ainda o questionamento se o volume do som – o impacto que tem uma banda tocando ao vivo – e as muitas festas promovidas, que consequentemente atrai uma multidão, não geram conflitos com moradores. Acerca dessas indagações o entrevistado explica, A.S. – É... Realmente isso é um problema. João Pessoa não tem o Plano Diretor da cidade não tem um zoneamento que favorece iniciativas culturais, certo? Essa zona aqui, se a gente for lá na (///), na Secretaria de Planejamento, esse tipo de coisa, a gente vai ver que aqui é zona comercial, certo? E isso se faz necessário, o poder público tem que conseguir visualizar que o Centro Histórico tem essa vocação, certo? Hoje em dia é nítido isso, muito forte, certo? E fazer o zoneamento direcionado pra esse tipo de iniciativa, certo? Então a gente já teve problemas com o (?), certo? A gente já teve dificuldade em conseguir ter aqui... Apesar de quando a gente (?), por exemplo aqui nessa casa, ela já tinha sido um bar antes, entendeu, a estrutura já estava bem encaminhada pra isso, mas ainda assim isso é um problema, porque o poder público não vê ainda esse tipo de iniciativa. Em João Pessoa não existe um espaço próprio, pelo menos planejado próprio pra isso, certo? Então é como se entendesse que não vai existir iniciativas culturais como essas que a gente tem visto no Varadouro, então isso realmente é um problema. A gente tem envolvimento nesse debate aqui, já tivemos contato com a (///), que é a Secretaria de Meio Ambiente, já tivemos até um embate forte com eles via internet uma vez. Eles pararam dois shows numa semana só. A gente fez uma campanha no Twitter, deu até uma mídia boa. 258 A.S. – Eles fecharam alguns shows. E – Fecharam os shows? A.S. – Foi. Pararam o show duas vezes, assim, num período curto de tempo, aí a gente foi pra cima, mídia veio aí, a gente deu... aí nesse momento eles: " Pôxa, banda, e aí?" Vieram, dialogaram, foi até um diálogo bacana, conseguimos fazer alguns acordos, meio que não tão formalizados de que...não saiu ainda a questão do zoneamento, este tipo de coisa, a gente tá batalhando por isso, mas conseguimos fazer um acordo da questão de horários, este tipo de coisa, só que isso realmente é um problema pra gente, a gente tem que entender, a gente tanto população quanto os agentes culturais, quanto o poder público tem que entender que a cidade precisa de um espaço próprio pra estar realizando esse tipo de iniciativa, e o Centro Histórico tem que ser esse local, porque tem uma vocação própria e em si já tá acontecendo, certo? Então é muito pertinente estar olhando pra isso na hora de... Por exemplo, a gente tem aquele PAC das cidades históricas, agora, que tem todo aquele projeto de revitalização do Centro Histórico, e isso de certa forma não tá sendo tão... a vocação... o que tá acontecendo nesse momento não tá sendo muito levado em consideração nessa hora, certo? A gente... Os planejamentos disso é em torno de décadas atrás, então, tá defasado, claro, tá obsoleto, certo? Então essa é realmente uma dificuldade... Não tá sendo muito... Sim, a gente tem aberto esse debate, tem falado sobre isso, vamos batalhar sempre por isso, mas é um empecilho ainda pra gente aqui. A.S., comerciante, realizador e articulador cultural do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Em se tratando desse aspecto outras opiniões são tecidas no que concernem aos usos atuais dos imóveis na Praça e no Largo. Recentemente tem acontecido uma coisa muito interessante, que é preciso os organismos de patrimônio parar pra pensar três vezes. Começa um pessoal a ocupar o Centro Histórico, né? Uma moçada aí que fez... Um pessoal que faz lá um "não sei o quê" de teatro, um pessoal que faz lá um... Como é... Um estúdio de música, com direito a um espaço pequeno, mas pra aquelas... As bandas daqui, a moçada daqui, [...] o pessoal do rock, o pessoal do... rap, sei lá, da música ali se apresentar e tudo mais. Eu estava outro dia conversando na praça ai com uma dessas criaturas que tá dentro desse movimento, dessa dinâmica cultural da cidade, que eu acho excessivamente positiva. A moçada jovem ocupando... [...] Hoje essa moçada tá ocupando e inclusive colocando suas atividades, seus estabelecimentos, "nego" tá alugando pra botar um... Como é?...Um negócio pra ensaio de som... Como chama?... Um... E – Um estúdio? Um estúdio. Ou tá alugando pra botar, sei lá, coisas pra essas atividades que... Muito bem. Aí um desses grupos fez uns trabalhos de grafismo, né, na sua fachada, olha, quase que fecha, porque o (///): "Não pode!". "Perai", aí eu digo... Ai eu venho pra cá exatamente nessa coisa. A vida, ela é muito dinâmica, eu me 259 lembro de que na época que a gente elabora a normativa, a gente identifica que a tipologia do centro histórico de João Pessoa pra o tratamento de fachada indica que as fachadas deverão ser em argamassa, né, e pintada, certo, com pintura lavável, logicamente... Ou pintura... Acho que uma pintura dessas, normais, certo, e não permitindo, obviamente, revestimentos de azulejo na fachada, revestimento (///) aquelas pedras, assim, um negócio horroroso, não. Tem que ser a parede pintada normal, certo, parede com argamassa e pintura lavável e pronto. Mas perai, a gente não identifica que patrimônio é aquilo onde a gente se vê e se enxerga? Eu só reconheço meu patrimônio quando eu me vejo nele. Aquilo pra mim só tem representatividade se eu me vejo naquilo ali. Então tem uma moçada se apropriando disso aqui, inclusive do ponto de vista da dinâmica do uso. Quer fazer uma marca na sua fachada pra identificar o seu ponto comercial ou o seu ponto de lazer ou o seu entretenimento, sei lá o quê, e é criticado. É como você ter a criança, ela pega o brinquedo, se a criança pegar o brinquedo e de alguma forma ela, sei lá, ela pintar... "Não, menino, lava e bota lá na prateleirazinha!" Você quer que o menino brinque com o brinquedo? Não estou dizendo que você vai destruir, porque aí não. Arquiteta e Diretora Geral da Oficina-Escola de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. A pintura a qual se refere foi realizada na parede de um imóvel para identificar uma casa de teatro aberta no Largo São Frei Pedro Gonçalves. Outro aspecto que recebe crítica seria o uso dos prédios do Centro Histórico para instalação de estúdios musicais. A utilização de palcos igualmente é restrita havendo inclusive normas para montagem na Praça. Esses são alguns aspectos que vêm gerando, conflitos e insatisfações. Rafael,312 expõe sobre as dificuldades de realizar as festas no local. Diante disso, os eventos realizados pela Prefeitura foram transferidos para o Ponto de Cem Réis. J.S. – Para você ver como a coisa é (///) a gente tinha a maior dificuldade para fazer uma festa no Centro Histórico, que ele dava o mapa para a gente, que eu trabalhava na produção do evento, ele dava (///) e aí já vinha tudo e o mapa que eles davam para a gente é assim: casa número tal, vou dar um exemplo para você entender. Azulejo, 300 metros, qualquer palco, qualquer barraca, qualquer coisa dessa casa. Casa número tal, 30 metros de distância, casa número tal, 50 metros e tal, tal. Quando terminava isso tudo a gente ficava com tudo certinho para fazer uma festa, isso já sem falar na semana que vinha para arrumar a festa, um monte de coisa, até que finalmente saiu, o Ponto Cem Reis que é onde 312 Nome fictício, morador do Centro Histórico de João Pessoa-PB. Entrevista com J.S., concedidas à autora na cidade de João Pessoa, Brasil, 2011. 260 a gente conseguia fazer ali. Mas ali embaixo dá para fazer, na Lagoa não pode, com o meio ambiente o tempo todo em cima da gente o tempo todinho. J.S., Morador do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Não somente com os órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio que os conflitos vêm ocorrendo, moradores igualmente encontram-se incomodados com a realização das apresentações musicais e pela concentração de casas de shows que promovem eventos, sobretudo, entre as quintas-feiras e domingos. O som amplificado durante as madrugadas e o movimento de pessoas nas vias públicas certamente é um transtorno para aqueles que querem dormir. Esses inconvenientes junto com a segurança são alguns dos principais pontos destacados por moradores que precisa melhorar na Praça e no Largo. E a segurança surge como reinvindicação que envolve o bairro como um todo. Embora na Praça e no Largo a presença policial durante o dia tem assegurado mais tranquilidade aos habitantes. Todavia, à noite precisam de mais segurança. S.A. – E também tá precisando mudar muita coisa com relação a adequação de usos, como por exemplo casas de shows. Tem muita casa de show ainda, não é? Mas já tá sendo mudado. O que era ali o Galpão 14, que era casa de show, agora é uma casa de teatro, o que era ali outra casa de show, que era o (///) hoje é um restaurante e ao lado uma loja de algodão colorido, não é? Então temos mais três moradias, fora a minha, um escritório e o Largo da Igreja, aí ascendendo aqui pra Praça Antenor Navarro onde ainda continua tendo casas de show. Mas a Prefeitura pelo menos já não faz mais apresentações, não arma mais palco, não é? E estamos precisando de melhor segurança durante a noite, durante o dia já tem o carro da Polícia Militar que fica parado aqui. Então, aí tem o IPHAN que tá aqui também na Praça, não é? Tem o IPHAN, tem o IBAMA, tem um antiquário, duas gráficas... Duas pequenas gráficas e... um pequeno restaurante e um bar...está bem usado. Agora só precisa mais de segurança durante a noite, não é? E as pessoas que tem casa de show fazerem as adequações, isolamento acústico, porque dificulta durante a sexta e o sábado, que eles mais fazem shows, aí dificulta pra gente aqui, porque a gente... E – O barulho, não é? S.A. – O barulho, né? O barulho vai até o dia amanhecer, então isso aí tem que haver adequação desse uso aí, o respeito com o morador e o morador também com eles, né? Por exemplo, acontecia às vezes aqui da Igreja durante o domingo tá tendo missa e eles com... e o pessoal aqui da esquina fazendo... utilizando o 261 som alto, sem respeitar, né? Mas ultimamente já tá mais... Eles estão respeitando... Mas as coisas estão melhorando. S.A., morador do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Segundo depoimento, de uma garçonete e ex-funcionária de um bar situado na Praça, o trabalho é intenso. Isso porque no começo da semana, ou seja, segunda-feira e terça-feira, o serviço começava às 17 horas até às 23 horas. Então nesses dias era mais tranquilo. Porém, a partir de quarta-feira ela tinha hora para entrar, às 17 horas, mas não tinha hora para sair. E – Quais são os pontos positivos que você acha desse lugar e os pontos negativos? V.O. – [...] é só a zoada, sim, porque tem esse bar funciona até cinco horas da manhã, entendeu? A pessoa quer descansar, tá trabalhando sem descanso. E – Como é que é o movimento de pessoas aqui no Centro Histórico? V.O.– Ótima, muita gente, principalmente quando tem show aí na casa de (///). Muito ótimo, muito bom. Fica lotado de gente, tanto o bar como aí em cima. E – E qual tipo de público... Mais jovem... V.O.– É uma "misturada" de jovem, adulto... É uma "misturada". V.O. – Mais praia. V.O. – Pessoas mais... Que tem mais dinheiro. [...] V.O. – É, a galera de lá é (///), super educada, tudinho. Vieram pra cá pra casa...(///)...numa quarta-feira, no dia...21 teve uma festa aí pra eles...pessoal super educado, tudinho "filhinho de papai", mas são tudo educado. E – Você presenciou alguma festa que teve palco? V.O. – Presenciei só uma só... Só uma. [...] V.O. – Também deu muita gente. Todo dia lota aqui, menos na segunda-feira e na terça-feira, mas de quarta em diante... E no domingo aqui que não tem nada, né? E – E como é que é o ambiente aqui, você acha tranquilo? V.O. – Tranquilo é, né? Agora aqui já tem muita droga, porque é liberado bastante droga também, mas não tem morte, não tem briga, não tem essas coisas... Super calmo. Acho que eles só se drogam mais pra poder ficar mais à vontade. V.O., garçonete e ex-funcionária de um bar no Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Conta que o movimento de pessoas é grande, sobretudo, quando acontecem shows nas casas. Diz que há uma mistura no que concerne aos frequentadores dos bares. Sendo, portanto um público jovem e também adulto, pertencente ao grupo economicamente mais privilegiado. Para usar sua expressão: 262 “mais praia”, o que significa que é frequentado por pessoas que residem nos bairros mais elitizados da cidade. Observa, igualmente, presença de turistas e estudantes universitários. Apesar das considerações feitas ela considera o público educado e tranquilo... Ainda segundo a opinião do animador cultural, o Centro Histórico é o local propício, para o desenvolvimento de atividades ligadas às artes e a cultura. Afirma que na cidade deve existir um local previsto no Plano Diretor para as manifestações desse tipo. E o Centro Histórico, seria esse local, porque teria “historicamente essa vocação para iniciativas culturais”. A.S. – Pois é, é um espaço que não tem, não tem... Não tem pelo menos no entorno da nossa Praça, onde se concentra as atividades não tem muitas moradias no redor, e as que têm, a grande maioria são de pessoas que tem interesse nisso, por exemplo, dona M, ali, que é uma das mais antigas moradoras daqui do lado, ela vende lanche na noite, certo, então pra ela é interessante. Então é a vocação do local, e tá sendo bem aceito. Tem alguma pessoa ou outra, um morador ou outro que, de repente vai "embaçar", mas eu acho que é entender que isso já vem acontecendo espontaneamente, e poxa, vamos contemplar, né, esse tipo de iniciativa, o que faz um bem danado, que traz vida ao Centro Histórico. A.S., comerciante, realizador e articulador cultural do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. A ‘vocação’ que é chamada para justificar as atividades culturais, no Centro Histórico, pode ser vista como uma invocação baseada na “difusão do espírito de lugar.” (PEIXOTO, 2006). Assinala várias vezes, na entrevista, esse ponto de vista como forma de afirmar a legitimidade de realizar os eventos e shows no local. Desse modo, por causa dessa “vocação” moradores e poderes responsáveis pela preservação do patrimônio arquitetônico devem comprometer-se ou aceitar a consolidação dessas iniciativas no Centro Histórico de João Pessoa. Ações essas que destaca como sendo meios que viabilizar a vinda de um público, que contribui sobremaneira para a vivacidade do local. Persevera, ainda que as atividades culturais já existiram no Centro Histórico, isso em um passado não distante, e essa nova etapa vem dando continuidade a esse tipo de ação. 263 Desse modo, essas animações comumente associadas aos centros históricos plasmaram uma imagem, em uma relação tão intensa, que chega a confundir-se entre si. A multiplicação de atividades da função lúdica, comercial e turística nos centros históricos, surge como urgência de manter o lugar vivo. Isso direciona ações de enobrecimento urbano alicerçados pelas atividades culturais. Essas observações fazem pensar igualmente, como persevera Peixoto (2006), que a animação funciona como o outro lado de uma certa desvitalização dos centros históricos e da crise. [...] contra a desvitalização há uma tentativa de revivificação, em parte encenada por um certo excesso de animação e por uma recuperação voluntaria de tradições, que se constitui como parte da logística patrimonializadora dos centros históricos e que faz do patrimônio uma espécie de elixir das políticas urbanas. (PEIXOTO, 2006, p. 64). Nesse rol de transformações desenhadas desde o entardecer da década de 1990, cumpre, no entanto, pensar o papel das políticas de revitalização urbana, como formadoras do que seria um Centro Histórico, bem como, sua força de atuação na tessitura do que se compreende e a representação... a imagem que foi formada pela população sobre essa parte antiga da cidade. Ora, foi justamente a partir da revitalização, seguindo modelos engendrados em outros países e Estados brasileiros, de apelo à cultura, como ingrediente propulsor da transformação urbana, que se desenhou a compreensão do Centro Histórico como lugar de eventos culturais. 264 7.3. E o espetáculo continua: grandes projetos e nobrecimento Água e tinta. Uma paisagem… Mãos habilidosas para dissolver os pigmentos… Umedecer os fios do pincel na mistura… Tocar o papel e dar forma… Casas, igrejas e sobrados… São assim que as belas e antigas edificações das cidades são representadas em aquarelas. Dessa técnica milenar surgem lindos quadros retratando Centros Históricos. Esse registro gravado pela sensibilidade guarda as singularidades arquitetônicas de belos prédios que fazem parte da cidade de João Pessoa. Através desse trabalho o artista plástico exterioriza o seu gosto pelas áreas históricas. Razão esta que fez Francisco313 escolher o Centro Histórico como local de morada. Tanto ele, como a esposa, Roberta,314 apreciam a vida no Bairro. A vista disso afirmam: “gostamos de morar aqui no Centro Histórico inclusive por essa paz que tem aqui, que emana.” E – E com relação a sua vinda pra cá? S.A. – Ah, a minha vinda pra cá tem até um... Fizeram até uma matéria, um filme que mostra não só meu depoimento, como o de outras pessoas, […] então, mostrando justamente essa vinda das pessoas, essa convocação que eu faço nesse documentário, que as pessoas que são envolvidas com o Centro Histórico, que venham morar. Porque as pessoas correm pra praia, você vê? Porque não vir morar? Porque não morar no Centro Histórico, já que é envolvido com o trabalho? Se comprometa também, né? Compromisso é envolvimento, né? Porque é muito fácil defender sem estar aqui, então o apelo que eu faço é que as pessoas convivam, vivenciem o Centro Histórico. Foi daí… À partir desse princípio é que eu vim pra cá, quando eu comecei... Quando houve essa oportunidade de eu ficar com essa casa, porque eu sempre quis um espaço aqui, (///), mas sempre procurei até que eu achei essa casa, e daqui eu não saio. […] S.A. – Justamente porque já faz mais de vinte anos que eu retrato o Centro Histórico de vários Estados, de vários locais, (///) de vários países.(///) Centro Histórico há mais de vinte anos é que eu tava querendo encontrar um local pra mim. (///) aí calhou de eu vir pra cá... (///). 313 Nome fictício, Historia desenvolvida a partir da entrevista realizada com o morador do Centro Histórico de João Pessoa-PB. Entrevista com S. A., concedida à autora na cidade de João Pessoa, Brasil, 2011. 314 Nome fictício, Historia desenvolvida a partir da entrevista realizada com a moradora do Centro Histórico de João Pessoa-PB. Entrevista com A. A., concedida à autora na cidade de João Pessoa, Brasil, 2011. 265 S.A., morador do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Comunga da opinião de que o Centro Histórico passa a ser vivo quando há moradia. Por isso, faz uma convocação às pessoas que gostam e que estão envolvidas com a causa do bairro, que venham habitar… Do seu ponto de vista um compromisso abraçado é o comprometimento, e esse se efetiva através da vinda para o local. Sobre esse aspecto, o casal ressalta que a ida de moradores para o Centro Histórico tem motivado mais pessoas advindas de outros Estados. A.A – Mas assim, de restauro mesmo assim, quem se interessa é o povo de fora. A.A. – (///) a Paraíba ainda anda muito a passos lentos, né? Na educação pra se ter uma visão (///) Centro Histórico. A.A., moradora do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Como pessoa que se interessa pelo bairro, Francisco, conhece a história, os detalhes sobre a fachada, idade e peculiaridades do imóvel que adquiriu. S.A. – Essa casa aqui... Essa minha casa aqui eu adquiri...Já faz uns cinco ou seis anos que eu tô aqui, mas eu a adquiri faz três anos, certo, e ela é datada de … É a única casa de frontispício datado, de fachada datada é essa, você pode ir lá na frente quando você sair e você fotografar, tá lá escrito: "mil novecentos e …". Aí tem umas iniciais: [...] que foi o construtor da casa, e só morou uma família aqui, e agora... Sou eu. S.A. – Era da família dos S. […]. S.A. – Foi. Aí vendeu pra o D. H. E., que não veio morar. Ele restaurou toda a casa, mas nunca morou aí eu aluguei a casa a ele e depois ele me vendeu a casa. Então eu sou o segundo morador... Morador, né? Terceiro dono. S.A., morador do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Francisco conhece profundamente os Projetos que foram realizados ou estão em fase de preparação para darem continuidade ao processo de revitalização do Bairro. Por isso, afirma que o local vai melhorar e muito. Descreve alguns desígnios que serão em breve executados. Nas palavras do informante: S.A. – A tendência aqui é melhorar, e também a Praça vai passar por uma revitalização recente, que... Não vai mais circular carro aqui, porque tá... Está impraticável durante o dia durante a semana, de segunda a sexta, está 266 impraticável a quantidade de carros que transita aqui e gera esse maior congestionamento, caminhões passando, porque vem das madeireiras passando aqui, então a praça já tá o projeto pronto feito pela Coordenadoria do Patrimônio, no qual eu sou membro, sou um dos arquitetos de lá, e elaboramos esse projeto e já, já ela vai passar por uma requalificação, então vai melhorar muito com esse trabalho urbanístico que vai acontecer aqui, né, promovido pela Prefeitura, em convênio com o IPHAN e IFAEP [Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba]. Bom, é isso, e além do mais, com a revitalização também do Porto do Capim a tendência é quando for remanejada a comunidade, de forma bem adequada, não é, que eles não vão fugir da ambiência deles, não vão sair da ambiência, então aquela parte que era… Que é o porto que eles invadiram... Tudo bem que eles estão lá, mas é uma invasão... Aquilo sempre foi um porto. A ideia é devolver esse espaço pra cidade, então, as pessoas de João Pessoa, o turista, os locais todos querem esse Rio de volta, querem tomar esse espaço de volta. Sei que são trezentas famílias que tem lá, mas elas vão ser relocadas de forma completamente adequada e dentro da sua ambiência. Então, sem condições dignas, né? Aí quando essa parte... Quando for finalmente feita essa transição, não é, aí vai ficar o porto livre, vai ter uma esplanada, vai receber barcos que vem lá do Jacaré, para as pessoas verem o centro antigo da forma como o colonizador chegou aqui, que foi tudo pelo Rio. Então não é justo que a cidade tenha uma parte histórica, como o Rio Sanhauá, por onde tudo começou tá sendo usado de uma forma... Tá sendo usado dessa forma. S.A., morador do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Os planos envolvem grandes investimentos como a Revitalização do Porto do Capim e uma nova intervenção na Praça Anthenor Navarro – com o intuito de melhorar a circulação de veículos, pois durante o dia é intenso, inclusive com a passagem de caminhões e carretas. Ainda como parte das medidas de retomada da revitalização do Centro Histórico outro grande projeto é a reforma da Casa da Pólvora, onde será construído um parque ecológico em seu entorno: o “Parque da Pólvora”. Planeado para construção em breve, o Parque consiste em um grande investimento que prever a instalação de um complexo que contará com um teatro de arena (que funcionará como 267 anfiteatro), um café cultural e a sede administrativa do Parque. Ademais, no interior da Casa da Pólvora, foram previstos, igualmente espaço para exposições.315 S.A. – Então, aí a tendência disso aqui tudo, desse Largo, da Praça, até chegar a Igreja de São Francisco vai criar esse caminho... Caminho maravilhoso que as pessoas podem vir agora da Igreja de São Francisco, descer a Ladeira de São Francisco, inclusive também já foi aprovado, não é, o projeto já foi aprovado pelo PAC do Centro Histórico a revitalização do Parque Casa da Pólvora. Casa da Pólvora vai ter todo um espaço, todo aquele entorno da Casa da Pólvora, houve até umas desapropriações do lado do posto, onde vai ter a administração do parque, incluindo a Fonte dos Milagres, que é no pé da Ladeira de São Francisco, que pra quem não sabe é a mais antiga fonte da cidade, que está aí, está entalada e atrás funciona dentro... Os muros da fonte funcionam dentro de uma casa... e perfeitamente onde ela foi (///), e outra, tem a marcação de... Mil oitocentos e quarenta, a data... Datada lá, cunhada na pedra calcária a data... S.A., morador do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Artigos atuais pululam sobre o novo Projeto que já tinha sido aprovado, há pelo menos uns dois anos, visto que a entrevista destacada acima data de setembro de 2011. A novidade anunciada, no segundo semestre deste ano faz parte do conjunto de ações que visam à criação de um polo turístico, cujos investimentos advindos da ação conjunta entre a Prefeitura Municipal de João Pessoa e o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional – IPHAN – chegam a 1,3 milhões. Desse modo, com a construção do Parque Ecológico elabora-se, igualmente uma via de passagem entre os locais turísticos, que vai desde a Igreja de São Francisco, passando pela Ladeira, onde o visitante encontrar o Parque, em seguida a Praça Anthenor Navarro, o Largo até chegar ao Porto do Capim. No encalço desse feixe de transformações, convém, no entanto, ressaltar que com a criação do Parque Ecológico visa-se, trazer de volta ao Centro Histórico os shows que fizeram fervilhar a Praça e o Largo nos anos de 1990. É o que informa o artigo: “Casa da pólvora terá antiteatro mini-campo; ‘JP [João Pessoa] vai ter seu por do sol’, diz Cartaxo.” 315 BANDEIRA, Wênia. Casa da Pólvora será reformada para receber turistas. Leia Já. João Pessoa (?), 17 out. 2013. Disponível em: http://www.leiaja.com/cultura/2013/casa-da-polvora-sera-reformada- para-receber-turistas/. Acesso em: 18 out. 2013. 268 O prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo (PT), garantiu nesta sexta-feira (18) que a reforma da Casa da Pólvora deixará o equipamento público em condições para retomar shows e programação que já agitaram a noite da Capital na década de 80 e início dos anos 90. “A Casa da Pólvora tem uma simbologia muito grande em João Pessoa”, explicou o prefeito, lembrando a importância do investimento também pela tradição e história da Capital ao ser a terceira cidade mais antiga do país.316 Outra reportagem, alusiva ao Projeto de reforma da Casa da Pólvora, destaca que serão construídas 52 moradias no Centro Histórico. Além disso, será feito um estudo arqueológico de oito casarões, localizados próximos a Praça Anthenor Navarro, para serem iniciadas as reformas das mesmas.317 Estamos iniciando mais uma ação importantíssima na revitalização do Centro Histórico”, destacou o prefeito. “O início das obras na Casa da Pólvora demonstra que estamos trabalhando na perspectiva de criar um polo turístico, econômico, cultural e histórico na cidade. O Parque Casa da Pólvora dará a oportunidade para que o nosso povo e todos os turistas possam apreciar o pôr do sol de João Pessoa”, complementou.318 Faz parte ainda desse feixe de transformações a execução de outros projetos: Escola de Gastronomia, revitalização das Praças Napoleão Laureano e Álvaro Machado entre outros. Contudo, nesse novo limiar, cumpre evidenciar o projeto de instalação do Campus da Universidade Estadual da Paraíba, no Centro Histórico. A Universidade ainda não tem uma sede própria, funciona em um prédio alugado. Então, o Centro Histórico, mais precisamente o prédio da antiga fábrica Matarazzo, foi escolhido como local para acolher a Universidade. Trata-se de uma um projeto que visa garantir a revitalização da área. 316 DANTAS, Paulo. Casa da pólvora terá antiteatro mini-campo: ‘JP [João Pessoa] vai ter seu por do sol’, diz Cartaxo. Paraíba. João Pessoa (?), 18 out. 2013. Disponível em: http://www.paraiba.com.br/2013/10/18/82564-casa-da-polvora-tera-anfiteatro-mini-campo-e-abrira-de- domingo-a-domingo-jp-vai-ter-o-seu-por-do-sol-diz-cartaxo. Acesso em: 19 out. 2013. 317 CALLADO, Pedro. Cartaxo assina Ordem de serviço para reforma da Casa da Pólvora nesta sexta- feira. Paraíba. João Pessoa (?), 17 out. 2013. Disponível em: http://www.paraiba.com.br/2013/10/18/82564-casa-da-polvora-tera-anfiteatro-mini-campo-e-abrira-de- domingo-a-domingo-jp-vai-ter-o-seu-por-do-sol-diz-cartaxo. Acesso em: 19 out. 2013. 318 CARTAXO autoriza início das obras do Parque Casa da Pólvora no Centro Histórico. WSCOM Online. João Pessoa (?), 17 out. 2013. Disponível em: http://www.wscom.com.br/noticia/paraiba/PMJP+CRIA+PARQUE+DA+CASA+DA+POLVORA-158612. Acesso em: 19 out. 2013. 269 S.A. – Agora, outra coisa importante que vai acontecer em breve é a fábrica Matarazzo, que vai passar a ser... Da Universidade Estadual, vem pra cá, então a fábrica vai se transformar em uma Universidade. Então, eu acredito que com a vinda desses estudantes vão querer procurar locais que fique aqui próximo pra moradia, vai dar uma revitalizada boa. S.A. – Então a tendência é acontecer muito isso aqui. Eu não sei se eu posso até se eu posso falar sobre isso, mas tá vindo uma Universidade de outro Estado pra cá... De Pernambuco, pra cá. Inclusive eu tô até procurando um local pra ela, mas acho que ela já encontrou, então vai ser aqui dentro do Centro Histórico, eu só não posso dizer aonde por enquanto porque não foi firmado ainda, mas quer dizer, mais universidade, vai dar gente… E – Muita gente...Um público mais jovem também. S.A. – Isso. E essa vinda da Universidade Estadual vai ser uma coisa muito bacana, entendeu? E também tem, olha, aqui em frente a Estação Ferroviária, a gente tá fazendo um projeto, que é o projeto de revitalização de toda aquela área ali embaixo, que é a Praça Laureano e Álvaro Machado. O posto de gasolina, a tendência é sair daí, e tá sendo feita a Escola de Gastronomia, tá já perto de concluir, aqui na Praça Laureano...Entre a Laureano e a... S.A. – A Oficina-Escola que está construído (///) e nós já estamos (///) foi feito o CVT, que é o Centro Vocacional Tecnológico, que é um polo de confecção. Se você for lá você vai ver maquinários de última geração (///) qualificando as pessoas pra trabalhar na área de moda, na área de vestuário. S.A., morador do Centro Histórico de João Pessoa. Entrevista concedida a autora na cidade de João Pessoa/Brasil, 2011. Chega-se, aqui, no ponto crucial, com a chegada da Universidade o Centro Histórico possivelmente ganhará outra atmosfera… Novos rumos podem anunciar a chegada de estudantes que provavelmente, por praticidade, poderão habitar nas proximidades da Universidade… O âmago dessas percepções faz lembrar o processo de renovação e revitalização do Centro Histórico da cidade de Tours, na França, onde igualmente foi instalada um Campus da Universidade François Rabelais, em frente ao Rio da cidade, chamado Loire. Isso ocorreu nos anos de 1970 e a chegada dos estudantes, fez parte dos planos de revitalização do bairro antigo da cidade. As políticas urbanas da época empreenderam fortes desdobramentos que se fazem sentir até os dias atuais… Essas e outras considerações serão tratadas na próxima parte dessa tese. Importa, no entanto, ressaltar que o olhar distante pode pensar que existem somente diferenças… Mas, o fitar mais de perto pode desvendar surpresas que são peculiares do fazer humano. 270 Parte III A experiência na França: o Centro Histórico de Tours Figura 25: Place Plumereau – Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 271 Capítulo VIII Conhecer um pouco sobre a cidade: “Jardim da França” Tours pode ser considerada uma das mais bonitas cidades do Indre-et- Loire chamada capital do “Jardim da França” podendo-se, ainda, escutar referências como “Cidade de Arte e História” ou capital dos Castelos. Seus prédios com telhados negros e pontiagudos se estendem ao longo da margem sul do Rio Loire. Diminutas são as suas sinuosidades e a poucos metros do Rio encontram-se ainda alguns poucos vestígios do que fora sua antiga fortificação construída pelos Romanos. Nessa lacônica apresentação pode-se extrair elementos que inspiram algumas imagens sugestivas dessa cidade. De imediato as palavras fortificação, castelos, romanos sugerem que não trata-se de uma cidade de origem recente. Seguramente o pensamento vai se abraçar com as lembranças dos filmes medievais com castelos, réis e rainhas... Embora as páginas do livro da cidade começam a encher-se de letras no longínquo Primeiro Século desta Era, o sabor do passado ainda é invocado e as histórias vividas ou símbolos são como alimentos que persistem em sobreviver ao vendaval dos tempos. Ao entrar na cidade o viajante pode-se admirar com algumas construções emblemáticas, e se perguntar de quem é (ou foi) ou o que o prédio abriga. A visita pode começar pelo “Château de Tours”, situado em frente ao Loire. A construção não tão imponente, pois trata-se de um modesto castelo medieval do século XI. Sofreu alterações nos séculos XIII e XV. Foi quase completamente destruído no século XVIII, o que restou foi restaurado na segunda metade do século XX.319 Atualmente o prédio abriga diversas exposições, que seduz um número significativo de visitantes entre 30 e 50 mil pessoas por ano.320 Saindo do castelo, andando pela “Rue Lavoisier”, o visitante chega 319 Informações disponíveis em: http://fr.wikipedia.org/wiki/Ch%C3%A2teau_de_Tours. Acesso: out. 2012. 320 CHÂTEAU. Tours. fr. Disponível em: http://www.tours.fr/139-chateau.html. Acesso: jun. 2013. 272 facilmente a um dos lugares mais visitados da cidade. Um pasmo possivelmente pode ocorrer quando chega-se à Praça da “Cathédrale”, local onde encontra-se a imperiosa Catedral de “Saint Gatien.” Construída entre 1170 e 1547, a igreja com sua fachada gótica e vitrais coloridos é um monumento histórico admirado e fotografada pelo grande número de visitantes que chegam a Tours, especialmente durante o verão. A poucos passos desta construção, na Praça “François Sicard”, o visitante depara-se com outro local de admirável beleza, trata-se do antigo “Palais des Archevêchés” (Palácio do Arcebispo). Atualmente funciona o “Musée des Beaux-Arts.” Criado oficialmente em 1801, o Museu guarda importantes obras como a Coleção Richelieu (de imóveis do Século XVII, pertencentes ao antigo Castelo de Richelieu), e uma significativa coleção de pinturas. No interior o visitante pode depara-se com obras de célebres artistas, a exemplo de Delacroix, Monet, Rodin e Degas. O belíssimo jardim convida o visitante à pequena caminhada por caminhos repletos de flores e plantas. Além disso, o prédio abriga galerias subterrâneas que conduzem o passante a descobrir o ancião Anfiteatro. Uma obra admirável de 12 mil lugares, fundada pelos romanos. Vale, no entanto, dizer que restam apenas vestígios dessa construção gigantesca. Situação semelhante pode ser observada com relação a antiga muralha que circundava a cidade. Alguns rastros podem ainda ser visualizados na Rua “Des Ursulines”, situada ao lado do “Musée des Beaux-Arts”. Continuando o passeio, os passos levarão o turista a descobrir ruas tortuosas, casas com belas aparências, e agradáveis praças como a “Place des Petites Boucheries.” A vista remete o transeunte a uma atmosfera impregnada de história do passado e do presente. É nesse local onde encontra-se, hoje, o Bairro da Cathédrale, no alto da montanha, 8 metros acima do Rio Loire, denominada “Colline de César”, que os romanos erigiram a cidade.321 Vers 500 avant notre ère les Turons, peuplade celtique probablement originaire du Main, viennent s'y fixer. Lors de la conquête de la Gaule, les légions de 321 PÉCHINOT, Jean-Luc. Tours: une histoire capitale. Tours: La Nouvelle République, 2011. 273 Crassus s'installent et y passent leurs quartier d'hiver. Un peu plus tard, vers l'an 50, les Romains qui ont sans doute reconnu la valeur stratégique de ce carrefour occupent un espace étendu entre Loire et Cher. […] La ville est appelée Caesarodunum. […] La religion chrètienne progresse lentement, il faut attendre saint Martin pour la voir s'implanter un profondeur et prendre une véritable ampleur. Le rayonnement de saint Martin, évêque de Tours de 371 à 397, se propage à travers l'empire et jette sur notre cité un éclat extraordinaire et durable. La ville devient un grand centre de la chrétienté en même temps qu'elle accède au rang politique de métropole de la IIIème Lyonnaise, nouvelle province romaine.322 Deslocando-se à pé, o passante, pode sem dificuldades, encontrar bem próxima a Cathédrale, na esquina com a Rua “des Ursulines”, a rua “Jules Simon”, que consiste em “une rue de passage le jour et la nuit c'est un passage qui conduit à la prostitution entre la Loire et le Boulevard Heurteloup.”323 Ao chegar ao Boulevard, importante via de árvores imperiosas, o visitante encontra uma paisagem nova e distinta do que vira antes. E possivelmente se admirar com as grandes casas com suas belas fachadas construídas no Século XIX. Apesar da circulação intensa de veículos e pessoas, não deixa de ser agradável o passeio entre as árvores, que durante o outono douram o caminho com as folhas amarelas que o vento faz cair e beijar o chão. Galeria comercial, hotéis, bares, restaurantes, embaixada e uma variedade de comércios e serviços encontram-se facilmente ao longo do Boulevard. Deslocando-se em direção ao “Hôtel de Ville” (Prefeitura), ao lado esquerdo, o passante pode avistar a “Place du Général Leclerc”, uma pequena praça ornada de flores rosadas, onde se localiza a “Gare de Tours” – importante local de saída e entrada da cidade, com linhas de trens nacionais e internacionais. Se o viajante deseja ir à Paris, por exemplo, a viagem de trem elétrico TGV ("Train à Grande Vitesse") dura apenas 55 minutos. Do lado direito situa-se o “Centre International de Congrès de Tours – Vinci” – local que pode acolher 3 mil pessoas em eventos culturais e científicos. Do outro lado da rua localiza-se o “Office de Tourisme”, local onde o turista ou morador pode obter informações sobre os 322 BOILLE, Pierre. Le Vieux Tours. França: Editions de la Nouvelle République, 1987, p. 3 e 4. Fonte: Bibliothèque Société Archéologique de Touraine. Cód.: BBH 2553/98. 323 L.B., frequentador do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora na cidade de Tours/ França, 2013. 274 “lugares atrativos” da cidade, orientações sobre hospedagens, espetáculos, visitas aos castelos, plano da cidade... Com passos ágeis ou lentos o caminhante em poucos minutos chega a uma espécie de clareira em meio às árvores, trata-se da linda “Place Jean Jaurès”, com seus canteiros cuidadosamente tratados, flores multicores e suas duas fontes. O prédio do “Palais de Justice” dá um toque especial a Praça. O mesmo pode-se dizer com relação aos charmosos cafés, “Brasseries”, restaurantes e bares, com agradáveis terraços. Os estabelecimentos são muitos frequentados seja para se tomar um pequeno café, chá, chocolate quente, comer ou ainda um simples aperitivo. Mas são nos horário do almoço e jantar, e ainda no início da noite que as calçadas ficam estreladas de gente. Ainda na Praça um sentimento de beleza inesperada pode tocar o caminhante que se depara com o suntuoso prédio da Mairie – Prefeitura – (também chamado Hôtel de Ville). Outra vez as câmaras fotográficas ou de vídeo serão bem- vindas para registrar o encontro com esse importante prédio da cidade. Se continuar o passeio do outro lado da Praça, o transeunte realizará sua marcha pelo conhecido Boulevard Béranger. Lá não somente as árvores voltam a tomar a cena como também as flores que embelezam a via nos dias de quartas-feiras e aos sábados, quando ocorre o “Marché aux Fleurs”. Movimento igualmente incitado pelas barracas que vendem roupas, acessórios, sapatos, relógios e alimentos como pães, bolos e crepes. Consiste também em uma das principais vias de acesso ao “Quartier des Prébendes” – considerado um dos bairros mais etilizados da cidade. Essa área repleta de casas de fachadas ricamente decoradas e o lindo “Jardin des Prébendes” atrai o visitante a descobrir outra fase da vila. Nos pés do Boulevard o caminhante pode ainda embater-se com a antiga Capela de “Saint-Eloi”, onde atualmente funciona o “Archives Historique Municipales”. Além dos edifícios situados ao logo da via, o Boulevard liga-se com diversas ruas de acesso ao Centro da cidade e ao Centro Histórico. Mas se o visitante fizer a opção por seguir a rua lateral ao “Hôtel de Ville”, uma nova paisagem se descortina ao entrar na “Rue Nationale”. Com 700 metros de comprimento a Rua conecta-se ao Sul, com a “Avenue de Grammont” e ao 275 norte com a “Place Anatole France”. Antes denominada Rua “Royale”, consiste em uma das vias mais antigas de Tours. Ela guarda e revela as metamorfoses da cidade. Não é raro escutar os moradores mais antigos narrarem sobre as diversas transformações ocorridas, sobretudo, após a II Guerra Mundial. Marcada pelos bombardeamentos ocorridos em 1940, a “Rue Nationale”, teve sua parte norte quase que completamente destruída. No entanto, os novos edifícios não foram erigidos de acordo com as características dos prédios anteriores e uma nova roupagem é inaugurada. Artéria principal da cidade a Rua é sinônimo de comércio. Lá de tudo se encontra um pouco. Galeria, grandes lojas que vendem roupas, sapatos, livros, padaria, supermercado, artigos de lazer, bares, cafés, restaurantes... Logo pela manhã a rua é muito tranquila e poucos são os que passam. O movimento de pessoas progressivamente aumenta com o passo das agulhas do relógio, entre 8 horas e 30 minutos e 9 horas a circulação de pedestres ainda é significativamente tímida, pois as lojas encontram-se fechadas. Então, são após as 10 horas da manhã, com a abertura do comércio, que a rua ganha dinamismo. Após as 11 horas, o vai e vem de pessoas intensifica-se e por volta do meio-dia são os locais que vendem lanche rápido que atraem o maior número de pessoas. É comum observar os transeuntes passarem comendo sanduíches ou com as tradicionais baguetes em baixo do braço. Vivacidade poderia ser a palavra para qualificar essa rua, onde se tem a oportunidade de encontrar “todo mundo”. Ao observar a rua do alto é admirável a quantidade de pessoas que desfilam com sacolas, notadamente durante o período do “soldes” – liquidação geral que ocorrem duas vezes por ano (uma antes do Inverno e outra antes do Verão). Aos sábados ela é repleta, carrinhos de bebês, bicicletas, adultos, jovens e crianças dão uma animação especial. Olhos atentos às novidades expostas nas lojas… O burburinho intenso se estende até às 19 horas momento de fechamento das lojas. No entanto, a circulação ainda persiste algum tempo. À noite, embora fiquem abertos bares e restaurantes a rua é mais usada como passagem e também de admiração dos que observam as vitrinas. Em dezembro de 2012, durante as festividades de Natal, a rua tornou- se exclusiva para pedestres o que favoreceu ainda mais o passeio para contemplar 276 as vitrinas. As ruas transversais levam igualmente a novas descobertas gastronômicas e a outras lojas. Vale, no entanto, advertir que trata-se das lojas onde os preços são mais elevados. Comprar no Centro da Cidade é saber que as lojas são mais caras. No princípio da rua o visitante deparar-se com dois notáveis imóveis a “Bibliothèque Centrale de Tours”, “Musée du Compagnonnage” e a “Église Saint- Julien”. Certamente se faz caminhada acompanhada de um guia turístico o mesmo advertirá sobre casa do ilustre escritor Balzac. Um quarteirão antes de atingir o início da “Nationale” encontra-se uma rua transversal que tende a tornar-se cada vez mais estreita. Se virar à direita o visitante vai seguir uma rua “semi-piéton”, ou seja, uma via quase que exclusiva para pedestres. Batizada atualmente de “Colbert”, sem dúvida uma rua de importância ímpar para a cidade. As casas da Idade Média e do Século XVII ornam a rua e arredores. “C'était l'une des rues de la ville romaine” Les terres humides qui bordaient au nord cet ancien decumanus ont été progressivement asséchées pour gagner de l'espace et pour élever la muraille doublées d'un fossé qui au XIIe siècle étaient destinés à protéger le bourg de Arcis, né contre la cité de Caesarodurum (autour de la cathédrale), et qui s'était étendu vers l'ouest. L'enceinte, qui était paralléle aux rues des Amandiers et du Cygne, était percée de quatre portes, dont une donnant sur la rue de la Scellerie et une autre sur la rue Colbert. Cette fortification fut abandonnée lorsque, dans la seconde moité du XIVe siéle, on décida de réunir dans une seule et méme enceinte l'ensemble de la ville, du quartier de Saint-Martin au quartier de la cathédrale.324 Falar da Rua “Colbert” é especialmente remeter-se ao nascedouro da cidade. Antes era denominada “La Grande Rue”, lugar onde “Les riches bourgeois, hommes de loi, ecclésiatiques, soldats et marchands fréquentaient chaque jour les boutiques richement garnies de marchandises diverses.” (AUDIN, s.d., p. 7). Nesta velha rua cada construção é testemunha de histórias marcantes, seja da vida particular ou sobre assuntos que tocam a cidade de modo particular. Narrativas que ecoam através dos tempos, como a passagem de Joana d'Arc por Tours, em abril de 1429. Foi no número “39, le logis “de la Pucelle Armée”, qui date du début du XVIème siècle, occupe l'emplacement de la boutique d'un armurier, Colas de 324 AUDIN, Pierre. Le quartier Colbert. Joué-lès-Tours: Éditions La Simarre, s.d., p. 8. 277 Montbazon, à qui Jeanne D'Arc passa commande de son armure.” (AUDIN, s,d., p. 13). Uma placa indicando o fato fixado na parede do antigo prédio, informa o passante sobre o fato histórico. Certamente observar as lindas casas com detalhes em madeira, os desenhos esculpidos nas fachadas, a geometria dos telhados pontiagudos, as janelas e escadas lindamente trabalhadas, faz a imaginação se reportar aos modos de vida da época, forma como as pessoas se vestiam... Os costumes, valores e regras... Indubitável reflexão, quiçá, venha à tona, quando o visitante adentra a vetusta, estreita e escura passagem medieval que conduz a “Place Foire-le-Roi” – era o caminho percorrido pelos condenados até chegarem a Praça onde recebiam sentença. Os comércios antigos que desapareceram... Cada época assinala a existência de ofícios e lojas específicos pertencentes ao um tempo particular. Outrora a rua mais comercial da cidade, concentrando uma população abastada, butiques diversificadas. Mas se antes aglutinava um número grande de estabelecimentos cuja maioria de ofícios desapareceu, hoje, são, sobretudo, os restaurantes, bares e cafés que ocupam de modo considerado a parte térrea dos edifícios. Desse modo, seja por encontrar os amigos para beber “un verre”, comer crepes, pizzas, um almoço ou um jantar mais sofisticado ou quem almeja saborear as especialidades culinárias de outros países como Índia, Japão, Itália, Líbano, Marrocos... Ou mesmo para quem não tem muito dinheiro, pode experimentar sanduíches nos diversos restaurantes que vendem comida rápida... A Rua Colbert oferece um leque de opções, nessa agradável rua, existem em torno de 35 restaurantes. Os bares ou as duplas bar-tabac, bar-brasserie, bar-café são igualmente em número representativo, uma média de treze. Mas não apenas essas atividades que vivificam a rua... A presença de pequenos e tradicionais comércios como padarias, supermercado, cafés, livraria, papelaria, farmácia, lojas de roupas, acessórios, artesanatos, mercearias, hotéis, lavanderia, cabeleireiros, Correios, loja de cosméticos, decoração, antiquário, galeria de arte... Fazem da Colbert um dos pedaços da cidade mais bem equipados. 278 Não é por acaso, no entanto, a visão positiva que aos olhos da população essa anciã via desperta. Comumente apontada como a rua ideal, pois guarda as singularidades de um passado que se anseia encontrar. A aproximação com o Rio, a natureza, o sonho da vida rural ou do pequeno vilarejo, com as casas comerciais pequenas onde outrora favorecia a aproximação entre os consumidores… Tempo da vida tranquila, onde os vizinhos se conheciam e se davam bom dia. A Rua Colbert representa, portanto, um pouco o símbolo de uma simultaneidade entre o “antigo” e o “moderno”, o sentimento por vezes saudosista de um passado que é referendado como sendo os melhores tempos. Então, se os ares convidativos da Rua persuadir o viajante a ficar mais um pouco, poderá se sentar nas confortáveis cadeiras distribuídas ao longo da Rua e desfrutar da aprazível sensação de ficar ao ar livre nos dias ensolarados. Para quem é amante da música os shows ao vivo são também comuns no interior ou exterior dos bares e restaurantes. Essa simpática Rua se estende até o cruzamento com a “Rue Lavoisier”, quando adquire o nome de “Rue Albert Thomas.” Se o visitante seguir reto, a caminhada o levará novamente a “Place des Petites Boucheries”, situada no Bairro “Cathédrale”. Se preferir seguir no sentido contrário, logo após a “Rue Nationale”, começa a “Rue du Commerce”, e o visitante adentrará um novo bairro. Embora seja uma prolongação as duas ruas apresentam suas peculiaridades e relevância para história e desenvolvimento de Tours. “Étroite, active, la rue du Commerce, tronçon d'un voie de l'époque romaine, fut d'abord dite rue Saint-Saturnin, du nom de l'église qui la bordait, puis plus tard rue du Commerce.”325 Igualmente repleta de gente e de lojas, somente o trecho mais largo da rua, até o encontro com a “Rue du Président Merville”, é permitido a passagem livre de carros. Na parte mais estreita a Rua se torna “piéton” e somente alguns carros autorizados podem passar. Assim, o visitante pode observar com tranquilidade os prédios em pedra com suas belas sacadas. Ou ainda pousar os olhos sobre detalhes, que por vezes 325 AUDIN, Pierre. Le quartier de la rue du Commerce. Joué-lès-Tours: Éditions la Simarre, 2011, p. 3. 279 passam despercebidos, como os desenhos dos portões, das maçanetas e fechaduras... Estrelada de bares e restaurantes... Ao longo da rua é comum a presença de cadeiras, mesas ou guarda-sóis onde as pessoas se reúnem especialmente no período do almoço e no dormir da tarde. Pela manhã a Rua é quase deserta. Após as dez horas um discreto vai-e-vem de transeuntes se faz mais marcante por causa da abertura das lojas. A tarde é especialmente uma via de passagem. A calmaria vestida nas horas diurnas esconde o reverso quando as ‘estrelas chegam ao céu’, ou seja, no começo da noite. Ora, se a tranquilidade impera durante o dia, a noite um mar de gente circula pelas ruas estreitas e serpenteadas do bairro batizado de “Vieux Tours”. Comumente frequentado por jovens estudantes do Ensino Médio ou da Universidade François-Rabelais. Igualmente por pessoas de distintas idades advindas de outros bairros ou cidades vicinais que procuram diversão nos bares, boîtes e restaurantes. A proximidade com a Faculdade de Letras (Faculdade de “Tanneurs”) é apontada como fator que favorece a fixação dos estudantes no Bairro. A quem considere que o '“Vieux Tours’ só existe por causa dos estudantes que fazem a animação do local.’”326 O passeio pela “Rue du Commerce” viabiliza o acesso a outras diversas delgadas e tortuosas vias, a exemplo da “Rue Paul-Louis Courier” e “Rue de la Paix”, que permitem chegar rapidamente à Faculdade. Do mesmo modo pode conduzir o visitante a famosa “Place Plumereau”, 'coração' festivo do bairro. Carinhosamente chamada de “Place Plum”, é, sobretudo, nesse local que os estudantes, visitantes e turistas fazem a festa. Cartão postal de Tours, sua fotografia é comumente registrada nos panfletos e sites de divulgação da cidade. Em todo entorno da Praça novamente são os restaurantes e bares que predominam e tecem o cenário. Centre névralgique de la fête tourangelle, si proche de la faculté et superbement entourée de maisons à pans de bois, la place Plumereau fait terrasse au moindre rayon de soleil. Juste à côté, les fouilles archéologiques du jardin Saint-Pierre-le-Puellier vous font hésiter entre plonger la tête dans les 326 Entrevista com comerciante do “Vieux Tours”. Tours, 2013. 280 vestiges et lever le nez vers les escaliers extérieurs à colombages. Autour de vous, les très belles ruines de l'ancienne église sont aujourd´hui habitées en leur rez-de-chaussée par un pub ; toutefois, l'ensemble reste d'une grande beauté.327 Certamente o turista que chega à cidade escutará falar do lugar. Em formato quadricular a Praça é ornada com algumas árvores. Embora careça dos bancos que habitualmente encontram-se nas praças públicas, é sempre repleta de mesas e de cadeiras pertencentes aos comerciantes. Habitualmente distribuídas em torno das entradas dos estabelecimentos e ainda em todo o centro da Praça, o que faz lembrar uma praça de alimentação de um Shopping Center. No ano de 1985, a transformação em área exclusiva para pedestre, pode ser apontada como uma iniciativa para beneficiar “le tourisme de la ville et il n'est pas un visiteur qui oublie de venir prendre un verre en terrasse, place ‘Plum'.”328 Diversas são as ruas que 'desaguam' na “Plumereau”, e se o visitante quiser conhecer outras famosas Praças basta seguir a caminhada pela “Rue du Grand Marché”... As cenas vistas nas ruas já percorridas se repetirão... Poucas opções de comércio... Muitos lugares para comer e beber. Se seguir até o final da rua o visitante vai descobrir a “Place de la Victoire”. No entanto, se anseia por conhecer a famosa “Place du Grand Marché”, deve antes dobrar na esquina com a “Rue Bretonneau”. Certa variedade de comércio, como farmárcia, padarias, chapelaria, loja de telefonia, loja de acessórios e artigos para presente, tabacaria, livraria... Fazem mudar um pouco a paisagem. Mas o que o turista vai ainda avistar são os bares e restaurantes. O mesmo que acontence na “Place Plum” se reproduz na “Place du Grand Marché”, cadeiras, guarda-sóis e mesas dos comércios são espalhadas pela praça. Lugar de encontro, sobretudo, dos jovens e estudantes durante a noite, ela é comumente chamada “Place du Monstre”. É verdade que entre os jovens ou adultos o nome “Grand Marché” é raramente usado. Mas se perguntar onde é a “Place du Monstre”, a orientação correta será facilmente encontrada. O apelido que ganhou mais 327 PRIEUR, Patrick; SIGRIST, Michel. Tours une ville à vivre. La Chèche: Geste Éditions, 2008, p. 52. 328 GIROUDEAU, Nicolas. Tours en 100 dates. Saint-Avertin: Editions Alan Sutton, 2012, p. 113. 281 voz que o nome oficial, ocorre por causa da instalação de uma estátua de um monstro. De tamanho monumental, a obra de arte, que gerou polêmica, tornou-se local de visita e de registros fotográficos. Na “Rue du Châteauneuf”, localizada ao lado da Praça o visitante vai encontrar outro ponto turístico da cidade, a saber: os vestígios da “Tour Charlemagne”, da “Tour de l'Horloge” e as ruínas da “Basilique Saint-Martin”. Après les invasions normandes, la Martinopole se met à l’abri derrière un rempart et prend le nom de « Châteauneuf ». La basilique, complètement détruite, est reconstruite dès le XIe siècle, encore plus grande. Elle mesure 114 m de longueur et 24 m de hauteur sous voute. [...] La basilique du XIe siècle, remaniée plusieurs fois au fil du temps et des modes architecturales, survit jusqu’à la révolution. Pendant cette époque mouvementée, elle sert d’abord d’écurie, puis de carrière de pierres. Disons que les gens viennent se servir tout simplement. Une fois les pierres du chaînage enlevées, la nef s’effondre. En 1802, le préfet Pommereul veut en finir avec cette ruine et ordonne sa destruction. Les pierres sont vendues, on fait construire la rue des Halles et des immeubles pour assurer la démolition presque complète de la basilique. Il n’en reste aujourd’hui que quelques vestiges, dont deux tours: - la “tour Charlemagne” […] – la “tour de l'Horloge”.329 Um novo prédio foi constuido entre os anos de 1886 e 1992. Em 1925 o edifício foi consagrado como Basílica. Aberta diariamente das 7 horas e 30 minutos, da manhã até as 19 horas (e até as 21 horas durante o verão), a Basílica é uma das razões que levam muitas pessoas visitarem a cidade. Saint-Martin é um indubitavelmente um personagem marcante para a cidade. Graças a sua reputação que atraiu multidões advindas dos locais mais longínquos, que favoreceu o desenvolvimento de Tours. São os elementos constituintes dessa história que vão viabilizar a edificação de um núcleo urbano à parte, que tem seu nascedouro a partir das grandes peregrinações à Basílica de Saint- Martin. Au XIIe siècle, le paysage urbain se dessine ainsi : Châteauneuf ou bourg Saint- Martin s'est installé autour de son site de pèlerinage, la basilique. À l'autre bout de l'axe médiéval, principalement reconstituée aujourd'hui par la rue du 329 LA BASILIQUE Saint-Martin. Histoire de la Basilique Saint-Martin. Histoire et aventures en Pays de Loire. S.l., 29 nov. 2009. Disponível em: http://www.histoires-et-aventures-en-pays-de- loire.com/article-25-la-basilique-saint-martin-40207564.html. Acesso em: mai 2013. 282 Commerce et la rue Colbert, la ville du Bas Empire (Ceasarodunum) s'articule autour du site de Saint-Gatien. [...] Peu à peu, les deux villages se rejoignent et c'est au XVIIe que la cité est enclose dans une zone allant des bords de Loire aux futurs boulevards. 1850, la ville bascule sur son axe, les remparts sont abattus, tout est permis pour croître dans les Varennes entre Cher et Loire. (PRIEUR; SIGRIST, 2008, p. 60). Nesse momento o visitante compreende que sua marcha o fez percorrer a distância entre os dois núcleos distintos e a parte que formaram posteriormente a cidade. Trata-se, igualmente, dos núcleos antigos que consistem o perímetro dessa pesquisa. Tamanha caminhada certamente ativa a imaginação, talvez o cansaço e a vontade de comer e beber algo. Se tiver ainda fôlego, o caminhante poderá passar em um lugar para saciar a fome. Ele é bem perto e vale a pena conhecer esse outro simbólico lugar de Tours, a saber: les Halles (mercado coberto). Em formato de navio, o edifício abriga na parte térrea dois bancos, loja de alimentos e 38 comerciantes... Uma variedade de comércios... No mercado é possível encontrar pães, cafés, verduras, legumes, frutas, carnes bovina, suína, frango, peixes, especiarias, comidas prontas, lacticínios e uma multiplicidade de queijos e vinhos. Existe ainda estacionamento subterrâneo e salas nos andares superiores – onde ocorrem reuniões e diferentes atividades culturais. Muito frequentado, o mercado vende sempre produtos de qualidade. No entanto, apenas uma clientela de condição econômica privilegiada pode realizar suas compras semanais ou diárias, pois os preços são mais elevados que nos supermercados. Mas essa história nem sempre foi assim. O mercado era destinado a camada mais popular, também as lindas casas antigas fotografadas por turistas e admiradores igualmente passaram por transformações. Eram residências que abrigavam uma população de baixa renda da cidade. Para saber um pouco mais sobre essa narrativa o visitante precisa de um pouco mais de tempo para acompanhar. Vejamos um pouco sobre isso. 283 Capítulo IX Fios de vidas tecem um bairro: o bairro antigo antes das operações de renovação e reabilitação urbana Em uma encosta com terra fértil para cultura e pastagens, localiza-se a pequena Baraçal, uma simpática aldeia de Portugal. Ano de 1965, lá vivia uma família de quatro pessoas: o pai e a mãe, com seus dois filhos: uma menina com 6 anos e um caçula com 4 anos. O pai exercia a função de serralheiro, mas só trabalhava quando o patrão o chamava, pois nem sempre tinha serviço. Quando não estava na oficina, dedicava-se o cultivo no campo. A situação não era nada fácil, porque o que colhia na lavoura não dava para comercializar, somente para suprir as necessidades da família. Todas essas incertezas exponham-os a situações preocupantes. E não é difícil imaginar as incalculáveis dificuldades que podiam passar. A aldeia não ofertava melhores perspectivas. Por isso, João330 precisava encontrar trabalho em outro lugar que o ajudasse a oferecer melhores condições de vida aos filhos. Assim, a falta de um emprego instável e a necessidade de promover o sustento da família impulsionou- o a lançar-se em uma longa viagem junto com um familiar e outros companheiros. Uma viagem que o marcou por toda a vida: a viagem de oito dias. Essa situação não era exclusiva da família de João. Na época, era comum, a partida, sobretudo, dos pais de família, para procurar trabalho e melhores condições de vida em terras distantes. Havia, então, pessoas que se ocupavam em organizar as viagens daqueles que sonhavam com um trabalho e um futuro melhor. Isso tornou-se, então, uma forma de ganhar dinheiro. Os organizadores procuravam pessoas que tinham interesse, agrupava-os em um caminhão e partiam. Mas a percurso “confortável” no caminhão não durava dilatado tempo e logo precisavam abandonar o meio de transporte e seguir a viagem andando. Oito dias de viagem a pé, caminhando por montanhas, fora das cidades 330 João, nome ficticio. História desenvolvida a partir das entrevistas realizadas com a filha, antiga moradora do Vieux Tours. Entrevista com A.M, concedida à autora na cidade de La Riche, França, em dezembro de 2012 e janeiro de 2013. 284 por lugares onde não havia a possibilidade de serem vistos por outras pessoas. Quando encontravam alguma cidade escondiam-se, esperavam a chegada da noite para reiniciarem a longa caminhada. É durante a noite também que podiam contar com alguma ajuda de caminhões que faziam viagens clandestinas. O carro era encontrado em pontos marcados. Um motorista era pago para ajudar atravessar as cidades e leva-los até onde era possível ir, sem perigo de serem descobertos. Assim, o caminhão os deixava um pouco mais longe. Mas quando não era possível o uso do carro, os trajetos, mesmo à noite, eram feitos a pé. O medo de serem descobertos faziam andar por entre os matagais, expostos as intemperes – a chuva, o vento e o frio – condições nada fáceis. Se em plena luz do dia, desbravar terras desconhecidas já representa um risco à integridade física, a macha em meio as incertezas da escuridão abrigava ainda inumeráveis perigos. Imagine andar sem poder enxergar os riscos. Por isso, acidentes são bem prováveis de acontecer. Foi em uma dessas caminhadas noturnas que João, em um acidente, talhou a perna. Os cuidados adequados era inacessíveis em uma viagem como essa. As dores do ferimento o impedia de andar normalmente, então o ombro do cunhado servia como apoio para continuar a travessia. Mas passado o tempo encontrou um bom pedaço de pau que lhe servia de bengala. Toda essa situação faz invocar imagens do sofrimento que passava e o esforço sobre-humano para chegar. Um ferimento que facilmente se agrava sem a higienização e medicamentos, e especialmente quando não se tem repouso. O contrário, continuava a andar em meios pedregosos, sendo obrigado a subir montes, desvencilhar-se de prováveis desníveis, árvores... Mesmo sem os cuidados necessários, a dor e as dificuldades seguiu o trajeto, determinado a chegar ao destino programado. A mente ainda pode invocar outras fortes imagens, como faziam para se alimentar, para dormir, repousar... Não só pelos perigos assoma-se ainda o estresse de serem surpreendidos por alguém que os delatassem após tamanho desgaste físico e psíquico. Por isso, não é de se admirar que a lembrança dessa semana, durou até o tempo da velhice, uma experiência que não se esmaece facilmente com o passar dos anos. 285 Depois de percorridos os quilômetros, abraçam a vitória e o alívio de chegarem sem serem descobertos. Agora o desafio era encontrar um emprego e local para ficar... Normalmente era fácil, pois tinha muito trabalho disponível. João nem precisou lançar-se na busca de uma ocupação, pois foi a irmã da sua esposa que o convidou. Ela já morava na cidade e ciente da situação do cunhado o aconselhou: “aqui tem muito trabalho, se precisas trabalhar, então venhas que eu já encontrei para você”. A cidade estava estrelada de construção, carente de mão-de-obra, sobretudo porque era um tipo de ofício realizado não pelos filhos da cidade e sim por pessoas que vinham de outras regiões. Igualmente não preocuparam-se com moradia, ficaram na casa da cunhada de João, que morava em um bairro muito antigo e muito pobre da cidade. Aliás, esse era o endereço da maior parte da leva de pessoas que chegava à cidade procurando emprego. Figuras 26, 27 e 28: Vieux Tours antes da Renovação/ Restauração. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 286 Chegavam muitas pessoas a “ville”, e a maioria nessa condição, vinham a pé, se escondendo durante o trajeto. A oferta de emprego era grande, na agricultura e especialmente na construção civil - pois era um tipo de serviço, que os habitantes da cidade não se interessavam em realizar. Havia uma quantidade enorme de prédios em construção. Uma vez instalados na cidade e conseguindo serviço o governo liberava os papéis e a pessoa vivia legalmente. Viajavam mulheres também, mas normalmente eram os maridos que vinham primeiro, depois que conseguiam serviço e casa para morar providenciavam a vinda das esposas. Elas comumente encontravam trabalho na parte de serviços gerais ou realizando limpeza nas casas de famílias. As relações no emprego não eram muito fáceis, uma vez que, a maioria vinha de aldeias, que tinham outra forma de ligação com o trabalho. Não existiam as regras que passam a encontrar e o horário rígido de trabalho. Além disso, chegavam sem falar a língua e isso, certamente, seria o desafio maior. O que indubitavelmente ajudava e muito, era o fato de todos agruparem- se no mesmo bairro. Assim ficava mais fácil receber ajuda dos que já estava mais tempo e possuíam experiência. Com o passar do tempo aprendiam um pouco mais da língua no trabalho, em contato com os poucos nativos que trabalhavam na construção. Ou ainda com os companheiros que já sabiam falar. Uma luta diária marcava a vida dessas pessoas. À vinda cladestina para outro país tornou-se comum naquela época. Era dessa forma que os portugueses cruzavam a fronteira para trabalharem na França. Instalavam-se, de modo geral no mesmo bairro. Depois da entrada ilegal no país, quando conseguiam trabalho os patrões davam os documentos necessários para que os empregados solicitassem a “Carte de Séjour” na “Préfecture”, permanecendo dessa forma de modo legal no país. João logo que começou a trabalhar deixou a casa da cunhada e foi morar com o patrão. Em 1966, após um ano fora de Portugal, retornou para buscar a esposa e os dois filhos. Estes já não precisaram passar pelo sofrimento que sentira, pois toda família já tinha os Passaportes e as autorizações de entrada na França. A confortável 287 chegada da família no trem, em nada se assemelhou a aventura vivida por João. Sua viagem de oito dias a pé foi uma dessas situações que ficam na memória e que marcam profundamente por toda vida. Família toda reunida em solo francês passam a morar no mesmo bairro da cunhada de João, na “Rue Eugène Sue”, no “Vieux Tours” – lugar onde os estrangeiros comumente viviam principalmente os portugueses. Eis uma pergunta fundamental, como foi o processo de adaptação para essa família, a convivência no bairro? É a filha de João que toma a palavra para narrar um pouco sobre esses fatos, que são representativos de outras tantas histórias de vida dos moradores do “vieux quartier”. A.M. – Era muito diferente. Mas eu me adaptei facilmente, como era. Depois eu vim no mês março e parece que só tive dois ou três dias em casa, a minha mãe me pôs logo na escola e depois logo aprendi a... E – O francês? A.M. – A falar francês. Passou-se bem. E – E a sua mãe? A senhora se lembra? A.M. – Para a minha mãe foi mais complicado porque ela não sabia falar nada A.M. – ... Bom tinha cá a irmã dela e foi... E – O que salvou? A.M – Sim, sim. E depois o meu irmão também era pequenito e depois ele ficou... Primeiro ela não queria trabalhar porque senão tinha que levar o meu irmão para creche e depois eu também não estava habituada, em Portugal só nos conhecia a nós, pois ainda era pequenino, não estava habituado assim, a ir com qualquer pessoa e ela teve até que o meu irmão tinha idade para ir, dois ou três anos quando ela começou a procurar trabalho. Pois a minha tia arranjou algumas horas para ela ir fazer limpeza em casa de pessoas que precisavam e depois também foi como eu lá, começou a aprender, mas ela já tinha uma certa idade e a minha mãe não sabia escrever. E então por causa disso era mais complicado para ela... E – Arrumar trabalho? A.M. – Sim, sim. Para encontrar trabalho e para aprender a falar até que ela nunca aprendeu a falar bem como uma pessoa nova. [...] A.M. – A convivência, quer dizer, havia muito pouco, poucos franceses lá no bairro eram muitos estrangeiros lá, sobretudo muitos portugueses e havia alguns espanhóis também, mas convivia a gente com os espanhóis, a gente convivia umas com as outras não era tão complicado como agora. E eram as pessoas da mesma classe e eram as pessoas quase todas pobres, naquele tempo aquelas casas eram baratas, não tinham conforto, não tinham... Eu me lembro que sequer algumas tinham água em casa, não tinha sala de banho, tinha uma coluna. E – E como, por exemplo, tinha muitos portugueses, como é que era o processo de integração? A senhora lembra que na outra entrevista a senhora 288 me disse que sentia como se estivesse no seu país. A.M. – Pois, porque nas ruas daquele bairro era quase tudo português, depois as crianças brincavam na rua. A gente saia fora de casa para ir buscar água, as que não tinham água em casa se juntava uma com as outras, a noite elas punham-se na frente das portas e falava... E – Colocavam cadeiras? A.M. – Sim. E – E sentava? A.M. – Sim, sim. Sentava sim. E – Para conversar? A.M. – Sim, a conversar umas com as outras e conviviam. Agora isso já não existe, já não se vê. A.M. – Pois, eu lembro quando a gente era pequena e depois a noite, depois que na gente comia, depois saímos e as pessoas adultas falavam uma com as outras, a crianças brincavam umas com as outras até que... Até que não houvesse sol e depois cada um ia para a sua casa. Mas era como se fosse, se tivéssemos em Portugal era. E – Quando tivesse lá em seu país. A.M. – Pois é, era. […] E – Então ficavam mais na rua durante o verão? A.M. – Pois é, era mais no verão, no inverno não saíam tanto. E – Faziam. Viam o por do sol, caía a noite já botava as cadeiras do lado de fora para contar história e... A.M. – Eu me lembro de que às vezes passavam um francês e depois eles olhavam porque eles não estavam habituados a viver assim nos bairros e ficavam assim a olhar. Era uma maneira de ver a diferença deles. A.M., antiga moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de La Riche/ França, 2012. Se de um lado a convivência considerada tranquila, lugar onde todos se conheciam e por isso era mais forte os laços de solidariedade. De outro, as condições do bairro não era nada agradáveis do ponto de vista estrutural. Não que o bairro fosse feio, mas a situação de abandono e pauperização das casas localizadas nas estreitas e tortuosas vias revelavam circunstâncias de vida bastante precárias. Os prédios muito velhos e os frágeis estados de conservação escondiam a beleza dos imóveis. Muitas em estado físico preocupante, escoradas com tábuas. No interior de muitas casas as escadarias em madeira lindamente desenhadas, encontravam-se deterioradas. Muitos em lamentáveis estados, portas e janelas prestes a desabar. Pisar os degraus exigia um certo malabarismo para não pousar os pés em madeira apodrecida. Mas isso não era a situação mais grave... Tábuas eram igualmente colocadas para segurar o telhado que já não tinha mais sustentação. Não 289 era incomum encontrar casas em estado de quase ruína, onde o lixo no interior servia de abrigo para animais. O passante aspirava ao odor das águas que corriam nas ruas por causa da falta de saneamento básico... Ratos e ratazanas eram também moradores sempre presentes, não sendo nada raro os ver correr nas ruas de pedra como se a brincar com o lixo que ornava as ruas ou aquelas construções que se encontravam quase em ruínas. A baixa luminosidade e umidade aumentavam o desconforto, que se tornava ainda mais intenso com a chegada do inverno, com as baixas temperaturas. Nas casas com dois ou três andares habitava uma população muito pobre e era normal, várias famílias, dividirem um andar do prédio ou sala. Normalmente as casas não tinham banheiros ou quando tinha era compartilhado por todos os moradores do edifício. Apenas 8,15% das casas tinham sanitário interno. Muito parecida era a porcentagem de imóveis que possuíam sala de banho, somente 8,70%. O asseio pessoal era feito normalmente com tecidos embebidos em água. Uma vez por semana esquentava-se água para o banho completo. Mesma surpresa pode provocar a estatística dos imóveis que não possuíam cozinha, 21% (58% não possuía uma cozinha independente). Era possível ainda encontrar casas sem eletricidade, cerca de 4,60%, não dispunha desse conforto em casa. A falta de água era algo recorrente não sendo raro, os moradores procurá-la nas bombas localizadas nas ruas. Além disso, 21% das casas não tinha equipamento de gaz. E mesmo com o inverno rigoroso somente 11% das casas oferecia central de aquecimento.331 Entretanto essa era uma situação recorrente na época, uma realidade presente não apenas do Bairro Vieux Tours, mas algo que caracterizava as casas antigas como um todo. O que implica dizer que era comum aos imóveis de outros 331 Os dados expostos foram coletados: VILLE de Tours: restauration du quartier Nord-Ouest: étude générale de restructuration. Société d'Economie Mixte de Restauration de la Ville de Tours – S.E.M.I.R.E.V.I.T., 1962, p. 6. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. A analise do estato do bairro compreende a seguinte limites de estudo: la Rue des Tanneurs au nord, la Rue Constantine et la Rue du Président Merville à l'est, la Rue des Halles au sud, la Place du Grand- Marché et la Rue Bretonneau à l'ouest. (Ibid., 1962, p. 5). 290 bairros, como Cathédrale. N.S. – […] dans les vieilles maisons il n'y avait pas de salle de bain pas de cuisine pas de grenier/ y avait une pièce à vivre par famille donc la maison un/ deux : trois niveaux et à chaque niveau il y avait deux pièces et dans chaque pièce il y avait une famille de trois quatre cinq jusqu'à huit neuf personnes dans la même pièce/ ils s’avaient très froid/ c'était un quartier très pauvre à l'époque/ il faisait très froid/ très faim / c'était très dur heu : Donc nous on a ramené les salles de bain les cuisines les salons dans ces maisons et maintenant on vit à pas beaucoup de monde/ une famille par maison heu... N.S. – Arquiteta e Moradora do Bairro “Cathédrale”. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Ora, o quadro bastante rudimentar das habitações, que não proporcionavam o mínimo de conforto estimulou a saída dos moradores mais abastados. “En effet, la population traditionnelle a déserté le quartier pour les constructions neuves. Les immeubles se délabrent et abritent des catégories d'occupants de plus en plus pauvres.”332 Fato esse que contribuiu sobremaneira para o processo de decadência do local. Considerado, aos olhos dos moradores dos outros bairros, como um lugar que não tinha boa fama. O Vieux Tours possuía um forte estigma, sobretudo, pelas condições de pauperização que era exposta a população e também porque era um lugar que habitava estrageiros. Além disso, concentrava algumas atividades não bem vistas como a prostituição. E – E normalmente quem só frequentava o bairro eram as pessoas que moravam lá? A.M. – Eram as pessoas que moravam lá. E – As pessoas de fora não vinham? A.M. – Não, não vinham tanto porque era o bairro mais antigo de Tours e que havia estrangeiro e as pessoas não iam muito para lá. E – E para a senhora, como era esse bairro? Para as pessoas que moravam fora, qual era a visão do bairro? A.M. – Eu penso que elas tinham uma visão que era mal famado. Pensavam que... Quer dizer, as pessoas que iam passear lá era as mais curiosas. Passavam para ver como é que as pessoas viviam, mas parece que olhavam assim para as pessoas... 332 VILLE de Tours: Restauration du quartier Nord-Ouest: étude générale de restructuration. Société d'Economie Mixte de Restauration de la Ville de Tours – S.E.M.I.R.E.V.I.T., 1962, p. 8. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 291 E – Meio esnobe? A.M. – Sim, sim. E as pessoas assim que habitavam, que habitavam nos bairros mais chiques não frequentavam ali. A.M. – Antiga moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de La Riche/ França, 2012. O bairro por registrar um número significativo de portugueses, promovia uma maior integração daqueles que chegavam à cidade para trabalhar e “fazerem a vida”. Sendo assim, o modo de ser peculiar do português reverberava nas ações cotidianas, como por exemplo, a prática de colocar as cadeiras para fora de casa para conversar com os vizinhos e apreciar o movimento... As crianças que corriam e brincavam pela rua... Os adultos contavam história... As práticas alimentares como o consumo do bacalhau... Traços característicos que traziam do lugar de origem e os distinguiam do modo de ser local. As manifestações culturais e as práticas religiosas eram feitas com parcimônia, talvez por receio da população nativa. O mês de maio era marcante, por causa da Festa de Nossa Senhora de Fátima, mas a procissão ocorria apenas nas proximidades da Igreja. Como tinham uma Associação Cultural Portuguesa, os moradores utilizavam o local para reuniões. Então, era comum realizarem festas aos domingos no local. Também as comemorações da Páscoa e Natal, bem como outras atividades culturais eram realizadas na Associação. A.M. – Ah, eu lembro quando era pequena que havia uma Associação Portuguesa que fazia festas nos domingos e então... Bom, mas era só para aqueles que faziam parte da associação, assim, os meus pais não iam. Mas eu fui lá com os pais de uma amiga minha que iam lá e me levaram lá, umas duas ou três vezes e então também havia a igreja em frente da faculdade, havia cá um padre português ele nos domingos a tarde fazia uma missa em português e quando era festa assim como a Pascoa, o Natal, faziam assim, sempre uma festa e quando era no mês de maio, os portugueses gostam muito de Nossa Senhora de Fátima e então o padre português fazia a festa... E – De Nossa Senhora de Fátima. A.M. – De Nossa Senhora de Fátima e as pessoas faziam a procissão. E – No bairro? A.M. – Lá fora, assim em volta da igreja. E os franceses, eu não sei se eles gostavam muito de ver assim, os portugueses a aplicar a religião deles assim, fora... 292 E – Fora da Igreja? A.M. – É… Fora da igreja. E – Por que eles não gostavam de ver? A.M. – Porque eles punham-se a olhar assim, muito curiosos e bem via-se que encontravam um bocado esquisito, que não fizessem, que não mostrassem assim os hábitos dele E – Os hábitos religiosos. A.M. – Sim, sim. E – Além dessa festa de Nossa Senhora de Fátima. A.M. – Sim. E – Tinha outra atividade que reunisse os portugueses? A.M. – Não, assim, fora da associação não. Faziam assim, tudo lá na Associação Cultural portuguesa é que faziam... Mas era assim fora da vila, era assim criado fora da vila que iam faziam danças folclóricas e os portugueses que iam lá à Associação. E – Na rua não tinha nenhum outro evento? A.M. – Não, não faziam muito, não, não. E – E por que fazia na associação? A.M. – Eu penso que eles tinham vergonha ou que os franceses não aceitassem que eles fizessem isso. Eu penso que era mais... E – Era mais por isso. A.M. – antiga moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora na cidade de La Riche/ França, 2012. Afora todas as dificuldades, uma vida se tecia cotidianamente do “Vieux Tours”. Os estrangeiros faziam daquele local um pouco o “pedaço” do país de origem. Além disso, existia no bairro um comércio ativo com lojas, padarias, mercearias, bares, restaurantes, cafés, farmácias etc. A concentração de estabelecimentos comerciais dava-se especialmente nas ruas próximas “Les Halles” e na Place du “Grand-Marché” Não existia supermercado somente pequenos comércios que supriam as necessidades dos moradores. A.M. – gente tinha ali tudo, tudo perto que naquele tempo não havia supermercados e o primeiro supermercado que eu vi aqui em Tours, era, foi o Auchan em Tours Nord, e chamava-se Mammouth, naquele tempo. Mas eu já tinha passado 15 anos quando vi o supermercado, só havia comércios pequenos. E – Isso na década de 70/80? A senhora se lembra? A.M. – 70. [...] E – 75? A.M. – Não, mais cedo do que isso. No princípio dos anos 70, por aí, apareceu, devia ser no princípio dos anos 70. E a minha mãe, eu lembro da minha mãe só fazia as compras ali nesses pequenitos comércios a minha mãe não conhecia outra coisa. 293 E – Era barato? A.M. – Sim, era barato e ela estava habituada a comprar tudo ali perto... [...] E – A senhora se lembra qual era a rua no bairro que tinha mais comércio? A.M. – Que tinha mais comércio? E – Hum... A.M. – O mais que eu via era a padaria. E – Era mais padaria? A.M. – É mais padaria... Havia perto da minha rua, havia uma na minha rua, um bocadinho mais em cima onde a gente habitava e havia mais duas ao fundo da rua. Havia uma peixaria, ao fundo da rua também. E o que tinha mais? Sim, havia também uma charcutaria também lá ao fundo da rua. E – O comércio era disperso ou tinham ruas que se encontravam mais comércios? A.M. – Havia ruas que se encontravam mais, na Rua du Grand Marché havia mais comércio, porque era lá que estavam mais padarias, havia duas, perto uma da outra, a peixaria as charcutaria. [...] no cano da rua, na rua onde eu habitava era só aquela especiaria pequena porque tinha muito pouquinha coisa. Era só para... E – Coisa rápida para comprar. A.M. – Pois, pois, coisa rápida não tinha tudo. A.M. – antiga moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de La Riche/ França, 2012. Outro local imprescindível para o comércio e sociabilidade do bairro era o mercado – Halles. Lá se encontrava de tudo a preço bem mais barato. Agrupava comerciantes de distintas especialidades e nacionalidades. Apesar de ser um bairro notadamente de imigrantes, os franceses também tinham comércios no mercado. A população atendida era, mormente, do bairro, que tinha oportunidade de comprar alimentos produzidos por diferentes especiarias. Uma grande feira também era realizada no exterior, onde compravam-se até vestimentas e sapatos. Era um comércio muito popular, habitualmente voltado para uma clientela menos favorecida economicamente. E – Você conhecia também os comerciantes? A.M. – Pois, era ali tudo perto e a gente conhecia as pessoas. Era ali e então Les Halles, bom era o Halles antigo, e não tinha nada a ver com o que é agora. E – É… Eu vi as fotos era muito diferente, uma grande feira na frente e muita gente. A.M. – Eram eu lembro-me que quando eu vi para a França as pessoas pobres iam todas lá no Halles. E – As pessoas pobres compravam lá? A.M. – Sim, sim. Compravam lá porque naquele tempo era barato e havia o mercado assim fora do Halles, mas naquele tempo quando vinha todas as 294 pessoas vinham fazer as compras naqueles comércios pequenos, os comércios pequenos só tinham especiarias, mas não tinham, não vendia carne, não faziam. E a gente tinha que a comprar tudo o que era carne, ia comprar no Halles, tudo, peixe, carne, era tudo. Era tudo no Halles. E – Verduras, legumes? A.M. – Sim, sim. E – E era assim todos os dias a feira ou tinha os dias na semana que eram certos? A.M. – A feira era dois dias por semana. Era na... Parece-me que era na quarta A.M. – ... Parece-me que era nos mesmos dias que agora. Quarta e sábado. E – Quarta e sábado. A.M. – Quarta e sábado. Nesses dias lá comprava os legumes lá na feira, mas o resto era tudo no Halles: peixe, ovos, e isso era tudo no Halles as especiarias era só para comprar o arroz, a massa, a farinha. A.M. – Antiga moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora na cidade de La Riche/ França, 2012. Então, tudo que era preciso, encontrava-se a poucos minutos de casa. Se os habitantes tivessem encaminhamentos burocráticos a fazer, a “Mairie” - Prefeitura – fica apenas 500 metros do bairro. Mesma localização privilegiada é mantida em relação a “Rue Nationale”, apenas 200 metros de distância. Na “Rue Nationale” já existia um comércio significativo, mas voltado para uma população que detinha melhores condições econômicas. Outra rua que era destinada ao público mais elitizado situava-se na parte mais alta da “Rue des Halles”. E – E essas pessoas mais ricas, onde é que elas compravam e onde que elas moravam também? A.M. – Moravam a partir da rua des Halles. Na rua des Halles já começava a ser para estas pessoas para o outro lado onde tem a Rue Nationale já eram as pessoas mais, mais ricas. E – E nessa época tinha casas, as casas como eram? Eram bonitas as casas? Eram novas? A.M. – Sim, na Rue des Halles eram mais, mais modernas. E – Eram modernas. A.M. – Eram mais modernas e foram casas que já tinham sido construídas depois da Guerra. E já tinham conforto e tudo. Mas na Rua des Halles eu lembro que quando eu passava não havia muito comércio. Havia… Bom já havia armazéns de roupa, já havia mais comércio no meu bairro, mas não havia tanto como é agora. E – E esse comércio que a senhora me falou muito que tinha padaria, peixaria, esse comércio de comprar sapato, roupa, chapéu era onde? Entrevistado: Era na Rua des Halles e na Rua Nationale. [...] A.M. – Eram porque as pessoas que moravam no bairro, onde eu morava não compravam nos armazéns. Compravam no marché iam... 295 E – Ah, no marche também vendia roupa? A.M. – Sim, vendia roupas, vendia sapatos e as pessoas naquele tempo, eu penso que elas não... Até se avergonhavam de ir aos armazéns, compravam só no marché, ia tudo ao marché. E – E na Rua Nacional tinha as lojas mais sofisticadas é isso? A.M. – Sim, sim. Roupas e calçados, sim, na Rua Nationale era mais sofisticado. Eu comecei a comprar na rua nacional quando já tinha 16 ou 17 anos que... E – E a senhora ainda morava no bairro? A.M. – Sim, eu ainda morava. Entrevistador: E como era... E que outra parte da cidade que as pessoas ricas moravam? A.M. – A partir da Rue des Halles, e as outras ainda muito mais chiques então era para baixo do Boulevard, o Boulevard Béranger e o Centro da vila, Rue de la Scellerie. E – É onde fica o bairro Prébendes, que é onde tem o jardim. A.M. – Sim, sim, sim. A partir do Boulevard Béranger ali era tudo, era tudo só chique. A.M. – antiga moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora na cidade de La Riche/ França, 2012. Apesar de todo quadro bastante rudimentar das habitações, o comércio enfeixava algo positivo no bairro. Uma admirável quantidade de lojas que se concentrava “au sud, où la grande majorité des 268 établissements est implantée, le nord étant essentiellement résidentiel. La proximité des Halles en est la raison; on constate que la densité commerciale est d'autant plus élevées que l'on se rapproche des Halles et de la place du Grand-Marché.” Outras duas ruas são também apontadas como sendo locais relevantes as atividades comerciais, quais sejam: a “Rue du Commerce” e a “Rue Bretonneau”.333 Nesse sentido o mercado exercia papel importantíssimo no bairro, pois tudo que era do consumo diário – alimentação e uso pessoal – eram comprados lá. Certamente o bulício fazia eco às vozes daqueles que se encontravam na feira... Os preços mais baratos, os produtos populares atraiam as pessoas àquele espaço, que servia igualmente como local primordial de encontro dos moradores não abastados. Mas esse quadro começa a ganhar outras colorações, com a chegada da novidade sobre a restauração/ renovação do bairro, e consequente saída paulatina 333 VILLE de Tours, 1962, p. 6. Os 268 estabelecimentos comerciais encontravam-se dentro do perímetro de estudo de estado do bairro, anteriormente referendado. 296 dos moradores. A vida cotidiana instalada começa a desbotar... A família de João também recebeu o aviso que a casa onde moravam seria destruída, e que deveria desocupar o imóvel. Mas tiveram sorte que tinha uma casa na mesma rua que não sofreria intervenção imediata, e estava desocupada. Alugaram então a casa vizinha e permaneceram por mais tempo. Por mais de 14 anos a família de João morou no Vieux Tours. Saíram não por livre escolha, mas porque após a reforma da casa, o preço do aluguel subira acima das possibilidades financeiras da família. Amigos e vizinhos foram morar longe e os laços de vizinhança e solidariedade existentes esmaeceram devido a distância e por não estarem mais no mesmo contexto cotidiano. E como foi esse processo de mudança, em que circunstâncias isso ocorreu? Observa-se a seguir um pouco dessa história. 9.1. Descoberta do Centro Histórico: novos rumos da cidade O mundo do Pós-Guerra, a Europa aspira ainda o odor asfixiante do Segundo Grande conflito mundial. Como um sabor amargo impregnado na boca, uma saliva que desce seco e revela toda angústia e dor. Indubitavelmente na mente e no coração de quem viveu na pele os dias intermináveis de Guerra as lembranças eram ainda frescas, como as gotas de orvalho sobre as folhas ao alvorecer... As tintas desse quadro negro e vermelho cintilam na tela, e o cheiro rijo e os contornos do grosso pincel, terrivelmente visíveis, denunciava que o laivo demora muito para secar. Apesar das décadas passadas, quase 70 anos do término da Guerra, as páginas dessa história parece não sofrer tão fortemente a ação do tempo... O desbotado do papel ganha cor viva quando a experiência é contada. Sentimento esse percebido ao escutar as narrativas de pessoas que tiveram suas vidas atravessadas pelos seis anos de beligerância. Certamente para quem passou por suas marcas a tinta é como o pincel recém-tocado na tela. Porque ao lembrar ou falar, o olhar, a saliva que trava... As mãos vão denunciar a dor que o tempo pode esconder mais não 297 apagar completamente. Foi assim, o sentimento ao conversar com moradores da cidade de Tours, na França. E – pendant la guerre il y a eu beaucoup de morts ↑ F – il y a eu des morts mais y a pas de proportions de dégâts H – car c'est beaucoup de maisons cassées / mais des morts / pas trop E – comment s'est passé l'occupation allemande ↑ H – l'occupation des Allemands ↑ / bah moi j'étais pas là F – alors là oui / les Allemands sont arrivés en mille neuf cent quarante / alors là ça s'est passé en mille neuf cent quarante quatre / les Allemands étaient là depuis mille neuf cent quarante alors là / il y avait des attaques / des petits bombardements on peut dire / y en avait mais de cette force là non / c'était pire/ bon bah les Allemands ils occupaient partout / ils se ravitaillaient eux et puis bon on avait rien H – les Allemands avaient tout et le peuple français avait rien : y en avait / ceux qui étaient en campagne / ils souffraient pas trop parce qu'ils avaient des élevages / dans les villes c'était restreint E – la nourriture c'était très difficile à cette époque ↑ F– c'était difficile pour manger oui / alors on avait des tickets / il fallait des tickets/ c'est aussi quand il y avait de la marchandise / les gens faisaient la queue / on faisait longtemps la queue H – par exemple le pain / on avait le droit à combien de grammes F – je m'en rappelle plus mais : / on avait très peu de pain / alors on était tous maigres et puis malades H ah ouais il fallait donner des tickets E – et les tickets ↑ / c’est le gouvernement qui ↑ H – ah oui / c'est le gouvernement F – on allait les chercher à la mairie / à la mairie on nous donnait des tickets / on avait le droit à trente grammes de pain ou de viande / si y avait de la viande ou du lait / du chocolat / enfin des choses comme ça / élémentaires quoi mais très peu H – heureusement il y a eu des faux tickets qui étaient imprimés F – on appelait ça le marché noir / alors on arrivait / on achetait des faux tickets/ et puis on avait un peu plus de pain H – plus à manger / un petit plus E – les légumes ↑ H – ah oui les légumes F – un peu un peu / maintenant on ne vit plus de cette façon là / maintenant c'est oublié / c'est oublié E – c'était pour acheter ou c’est le gouvernement qui donnait F – le café ↑ E – non / de la nourriture ou H – c'est le gouvernement E – le gouvernement donnait de la nourriture / […] F – le X E – le X oui / il faut payer ↑ F – non pas pour payer / c'était seulement pour avoir droit à acheter de la marchandise / c'était pas gratuit 298 H – c'était pas un cadeau / il fallait payer F – par exemple le café / on ne trouvait pas de café / on ne trouvait plus de café / alors on faisait du café avec de la chicorée H. (homme) e F. (femme) moradores do Bairro “Cathédrale”, entrevistas com P.M. (marido) e G.M. (esposa), concedidas à autora, Tours/ França, 2012. O contexto apresenta incalculáveis problemas, não só a memória e os danos físicos e psíquicos. O “retorno a vida” imperativamente incluía entre outras urgências, a reconstrução das cidades europeias. Na França os passos eram dados no sentido de priorizar as novas construções que pudessem suprir as necessidades advindas com o aumento da população urbana. Entre os anos de 1954 e 1962 o censo demográfico revela um acréscimo de 23% da população. O número de habitantes passa de 25,5 milhões para 31,3 milhões, em oito anos. O relevante movimento de migração da população do campo para as cidades, bem como de estrangeiros que chegam buscando trabalho (ou para ajudar na reconstrução do país), contribuíram sobremaneira para o patamar populacional atingido. Assomados aos imóveis destruídos com a Guerra e ainda a insalubridade dos bairros antigos, são elementos que agravaram uma crise gigantesca de imóveis. Por essa razão, os números das construções montam consideravelmente, em 1953, foram 115 000, já em 1953, o número passa para 278 000, atingindo ainda 422 000 no ano de 1967.334 À luz da sincronia entre construções e demolições, os estudos sobre as condições de vida e de moradia pululam em diversas cidades francesas. Nesse compasso investigações e delimitações de áreas para intervenções são efetivadas... Moradores são remanejados... Alcoolismo e delinquência juvenil, falta de higiene e de moralidade são apontados como consequências do tipo de habitação. “A la date du 1er décembre 1957, 355 projets de rénovation d'îlots étaient à l'étude. 27 opérations étaient approuvées dont 24 bénéficié d'une subvention du Ministère de la Reconstruction et du Logement.” (Grifos conforme original). O conjunto desses 27 334 ALLETRU, Nelly. La sauvegarde du Vieux Tours sans Secteur sauvegardé: création et mise en oeuvre d'un Périmètre de restauration immobilière de 1961 à 1973. Tours/ France: Université François Rabelais [Master 2 d'Histoire des Arts], 2007, p. 28-29. Fonte: Bibliothèque Société Archéologique de Touraine. Cód.: MM 62 1-2. 299 projetos financiados interessa a demolição de 5.734 imóveis insalubres destinados a serem substituídos por 8.784 habitações modernas, dotadas de equipamentos individuais e coletivos, inclusive espaços verdes.335 Nessa perspectiva é empreendida “La lutte contre le taudis” que consiste na “reconquête du centre de nos villes, souci majeur de nos édiles et de nos urbanistes, évitera l'extension excessive et onéreuse des constructions périphériques.”336 Novos prédios são erigidos para abrigar a população, novos bairros são gerados. A Paris, la rénovation des îlots défectueux présente une complexité qui n'a d'égale que son urgence. La densité de peuplement y est une des plus fortes du monde (2.850.000 habitants en 1954 sur 10.539 hectares), soit 270,4 habitants à l'hectare (New York 99, Londres 77, Berlin 38). Et pourtant la capitale compte de nombreux îlots mal bâtis (installations industrielles, dépôts, bâtiments d'un étage, etc.). Cette situation ne permet plus de différer la reconquête du sol et la destruction d'îlots insalubres depuis très longtemps répertoriés et classés (4.200 immeubles inclus en 17 îlots), voire d'immeubles en état de péril grave dûment recensés par la commission compétente et qui sont encore évalués à près de 250. (LA LUTTE, s.d., p. 33). As fotos, a seguir, podem ilustrar a situação de degradação dos imóveis, em Paris. As demolições dos prédios tornaram-se igualmente uma das marcas recorrentes das operações. A primeira foto, por exemplo, indica o prédio em destaque a ser conservado, ao passo que, os demais, ao entorno estavam incluídos nos planos de demolição. 335 LA LUTTE contre le taudis et la rénovation de l´habitat défectueux. s.l. Ministère de la Reconstruction et du Logement/ Imprimerie Nationale, s.d., p. 29. (Grifos conforme original). Fonte: Archives Municipales de Tours. Código: 168W1 – T50 – Curetage. 336 Ibid., s.d. p. 41. 300 Figura 29: O imóvel, contornado com a linha branca foi conservado, os demais, ao entorno, foram demolidos. Figuras 30 e 31: Imóveis conservados após demolições. Rue de l’Hôtel de Ville, Paris.337 Na cidade de Tours, centro da França, o relatório elaborado pelo “Comité Interprofessionnel du Logement de Tours et Environs – C. I. L.”, apresenta a situação grave que se encontrava uma pluralidade de habitações da cidade, sobretudo com a aproximação do inverno. O estudo desenvolvido englobava 61 casas e alerta sobre as precárias condições de vida de centenas de famílias. No texto são apresentados 26 casos que são extremamente ilustrativos da criticidade das moradias e de vida. A seguir apenas um exemplo: Cas No 11  7 personnes, dont cinq enfants de moins de 11 ans.  1 seule pièce (4 m. X 3 m.) sans cuisine, sans aucun débarras. Tout se fait dans cette pièce: toilette, cuisine, lessive...  Accès en descendant deux marches (dans une rue très étroite) par une porte basse et petite, seule ouverture de la pièce.  Pas d'aération ni de lumière naturelle : la pièce doit demeurer éclairée toute la journée.  Très grande humidité.  Ni eau, ni gaz. 337 Fonte: Fonds Pierre Boille, Archives Départementales d'Indre et Loire. Cód.: 30J. 301  Promiscuité des parents et enfants qui grandissent.  Repos et détente impossibles. Logement minimum nécessaire : 3 pièces et 1 cuisine ; eau et gaz.338 Na trilha dessa candente tendência Tours assiste igualmente o crescimento populacional. Em 1954 registra uma população de 83.618 mil habitantes, já em 1968 a soma atinge a casa de 132.861 mil pessoas. Na década seguinte os dados são ainda positivos e em 1975 a cidade conta com o total de 145.441 mil moradores.339 Nos jornais locais da cidade, “L'Espoir” e “La Nouvelle République”, do início da década de 1960, apresentam diversas reportagens que versam sobre a temática. Os textos informam sobre as novas construções que florescem nos “quatros cantos da cidade”, datas de entrega dos imóveis... Além de avisos convidando a população para mais uma inauguração. Seguindo essas pegadas, o texto intitulado “Le cadre de l'effort de construction entrepris par la municipalité tourangelle”, do jornal “L'Espoir”, de 30 de setembro de 1961, informa sobre a inauguração de novos imóveis no bairro “Rotonde”. Um total de 400 famílias vão encontrar alojamentos agradáveis no novo prédio, diz a reportagem.340 O texto relembra ainda os acontecimentos da guerra e os bombardeamentos ocorridos na cidade, sobretudo, a partir do dia 3 de junho de 1942. Os “bombardements se succédèrent jusqu'à la nuit tragique du 20 au 21 mai 1944, où le quartier fut écrasé sous un tapis de bombes. On releva 116 morts et 79 blessés parmi les décombres de 300 maisons détruites et plus de 1.000 autres détériorées et Tours compta 6.000 sinistrés. (LE CADRE, 1961, p. 3). 338 RAPPORT d'enquête sur les conditions dans lesquelles sont actuellement contraints de vivre un nombre important de foyers à Tours et dans la banlieue proche. Tours: Comité Interprofessionnel du Logement de Tours et Environs – C. I. L./ Imp. GIBERT-CLAREY, 1948, p. 16. Fonte: Archives Municipales de Tours. Cód.: 168W1 – T50 – Curetage. (Grifos conforme original). 339 LIVRE Blanc. Tours, 1959/1988. Fonte: Archives Municipales de Tours, Código: 258/3. 340 LE CADRE de l'effort de construction entrepris par la municipalité tourangelle. L'Espoir, Tours, p. 3, 30 sept. 1961. Fonte: Arquivo do Jornal La Nouvelle République. 302 E – pouvez-vous me raconter cette époque de la guerre ↑ H – ah oui on a connu la guerre / c'est à dire que moi quand je suis arrivé en Touraine la guerre était finie hein F – non ce n'était pas fini / c'était l'occupation allemande H – ah oui / moi quand je suis arrivé à Tours / les Allemands qui occupaient la France étaient partis / donc je vivais au Foyer Ouvriers et Geneviève / son père était aux chemins de fer F – SNCF H – SNCF / alors elle est née près d'Orléans / à Olivet près de Orléans / elle est née là / et quand elle est venue à Tours avec ses parents / eh bien F – on habitait Saint Pierre-des-Corps E – et après ↑ H – et après bon bah : F – nous avons été bombardé / y a eu des bombardements à Saint Pierre-des- Corps / parce que c'était un grand centre de triage de trafic / de transports : alors y avait les Anglais qui bombardaient / ils voulaient anéantir les Allemands mais bon / ça bombardait d'en haut et les Allemands ripostaient d'en bas / alors c'était tragique / tragique / alors une nuit il y a eu un très grand bombardement et notre maison a été bombardée et alors quand on est sorti / parce qu'on était dans des abris / blockhaus / et quand on est sorti /bon on avait plus de maison / c 'était un trou H – y a eu une alerte / ils sont partis dans les cars / se cacher / et puis ils sont partis comme ça et quand ils sont remontés / il y avait plus de maison / il y avait un trou / plus rien F – c'était pas XXX H – Saint Pierre-des-Corps/// ah oui c'était affreux F – y avait des bombes / d'abord des bombes éclairantes / des fusées éclairantes / et puis après des bombes / parce qu'on était près de la gare de Saint -Pierre-des-Corps / alors il y avait des citernes de carburants / alors les bombes tombaient dans les citernes et puis ça explosait H – ah oui c'était pas beau F – alors on suppose que notre maison a reçu une bombe / mais y avait pas mal de bombes / on appelle ça à retardement / c'est à dire qui explosaient après H – qui tombaient là / alors elle explosait plus tard F – mon père est allé voir et la maison elle brûlait / et alors après quand c'était fini / il est retourné et la maison / c'était une bombe à retardement / et la maison a été [...] F – alors on avait plus rien / on a été / des amis nous ont reçus / nous ont accueillis et puis par un collègue de travail / il louait une partie de son appartement alors c'est comme ça / qui est pas loin / on est arrivé dans le quartier H (homme) e F (femme) moradores do Bairro “Cathédrale”, entrevistas com P.M. (marido) e G.M. (esposa), concedidas à autora, Tours/ França, 2012. Outro exemplo a respeito das construções foi publicado no Jornal “La Nouvelle République” do dia 10 e 11 de fevereiro de 1962, cujo título em letras garrafais alerta para a terceira etapa de novas construções no novo bairro de Sanitas, 303 que resulta no total de 504 alojamentos. O destaque é a edificação de uma torre de 20 andares, com 80 apartamentos, o que seria o prédio mais alto da cidade.341 Bem claro é que a municipalidade se defronta com uma espinhosa crise. Jean Royer, então Prefeito (Maire) de Tours, afirmara: “rappelle le but que s'est proposé qu'il dirige: construire 8.000 logements en six années. Les prochaines réalisations comprendront la construction de 2.000 logements sur les rives du Cher; 1.500 logements sur coteaux sud et 1.000 logements au Champ-Girault.” (LE CADRE, 1961, p. 4). Segundo o “Livre Blanc”, a política imobiliária, primeiro foi uma política social de habitação, isso permitiu a mobilização de financiamentos do Estado e das coletividades. “D'où l'importance des programmes d'habitations à loyer modéré (H.L.M.), de programmes à loyer réduit (P.L.R.) et de programmes sociaux de relogement (P.S.R.). […] permettre aux couches populaires l'accession à la propriété en concevant des logements ou des pavillons bon marché.”342 A onda de construção faz alargar os limites da cidade para além dos núcleos originais. Novos bairros próximos ao Centro da cidade como o “Sanitas”, “Rotonde” e bairros mais distantes são formados. L'OPAC [Organisme d'Habitations à loyer modéré]343 de Tours est le premier à construire 12 immeubles dans ce quartier très novateurs à l'époque appelés les 811. Suivent la réalisation de 1279 logements en 1961, puis l'érection de la plus grande tour de la ville en 1965 : la Tour U, haute de 71 mètres, place du commandant Tulasne. Les dernières constructions ont lieu en 1970 au sud du quartier où sont implantées huit barres autour d'une tour de onze étages.344 A ausência de empregos igualmente atravessou as colunas dos jornais. No artigo do jornal “L'Espoir”, de 29 de julho de 1961, o Jean Royer, prefeito da cidade, 341 LA TROISIEME tranche du Sanitas comprendra 504 logements avec une tour de 20 étages: la plus haute de la ville. La Nouvelle République. Tours, 10 e 11 fév. 1962. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 342 LIVRE Blanc. Tours, 1959/1982, p. 33. Fonte: Archives Municipales de Tours, Código: 258/3. 343 São organismos públicos ou privados que constróem ou gerenciam imovéis destinados às pessoas de condições modestas. Fonte: http://fr.wikipedia.org/wiki/Organisme_d%27habitations_%C3%A0_loyer_mod%C3%A9r%C3%A9_%2 8France%29. Acesso: mar. 2013. 344 SANITAS. Wikipédia. Disponível em: http://fr.wikipedia.org/wiki/Sanitas. Acesso: Dez de 2012. 304 relata, além da carência de imóveis, as dificuldades apresentadas no que tange as possibilidades de emprego para os jovens. Primeiro a cidade “est situé dans une région dépourvue de matières premières et de sources d'énergie. Il ne pouvait donc être question d'envisager l'implantation d'industries lourdes.” O que significa dizer que a cidade poderia implantar unicamente indústrias leves ou de transformação. A construção de uma zona industrial é proposta com o propósito de gerar milhares de empregos. Em contrapartida ganha fôlego outra questão a ser resolvida, qual seja: a mão-de-obra disponível não concerne somente de jovens nascidos e educados na cité. É composta igualmente de pessoas que se desenlaçam do campo e vão tentar a sorte na cidade. Chegam sem qualquer qualificação válida, por isso, a necessidade de se criar dois centros de formação profissionalizante. E paralelamente, nos dois anos seguintes, realizar o projeto de construção de um Colégio Técnico Industrial, com 800 vagas e uma Escola Nacional Industrial para 1.200 alunos. Nesse sentido a cidade, o Departamento e o Estado, em conjunto, devem fazer os esforços, não somente para atingir esse objetivo, “mais en même temps pour faire de Tours une ville universitaire. Il ne s'agirait d'ailleurs que de la consécration officielle d'une réalité déjà bien vivante avec l'École de Médecine, l'École de Lettres, l'École de Droit et le Collège Scientifique Universitaire”. [adiciona-se ainda a essa listagem de estabelecimentos educacionais o] “Centre d'Études Supérieures de la Renaissance, l'Institut de Touraine, et enfin la filiale française de l'Université de Standford.” No discurso, o prefeito, acrescenta ainda, que todos os problemas que são interligados e se sobrepõem podem ser resolvidos através de um método a serviço de um plano claro: a prosperidade da cidade.345 Tal angulação foi privilegiada como forma de promover a prosperidade de Tours, como diz no artigo. A instalação de universidade desenvolve-se no contexto de busca de capitação de recursos capazes de promover o desenvolvimento econômico da cidade, também em uma conjuntura que aumeja “renouveler l’image de 345 EN SURVOLANT l'histoire. L'Espoir. Tours, p. 01 e 04, 29 juil. 1961. Fonte: Archives Municipales de Tours. 305 la ville.”346 Tal estratégia se inscreve como uma tendência, na França, adotada por diversas cidades sobretudo a partir da década de 1970. A cidade de Tours, pelo exposto acima, segue as mesmas trilhas. Esse caminho escolhido vai determinar os contornos da cidade nas décadas que sucedem. Mais especialmente o Bairro que se chama “Vieux Tours”. A problemática em torno da crise habitacional contínua a desfilar nos jornais ao longo da década de 1960. Ilustrativa é ainda a reportagem “Pour combattre avec vigueur la crise du logement: 2.500 logements nouveaux peuvent être construits en 1966”, publicada no Jornal “L'Espoir”, de 22 de janeiro de 1966. “O texto informa a construção de 2.500 novos imóveis e 745 quartos para estudantes”. Enfatiza ainda a necessidade urgente de edificar entre 1.500 a 2.000 novos imóveis por ano. Esta seria uma tentativa de solucionar a crise, uma vez que, a cidade reclamava a construção de 7.400 habitações. Desse total a metade deveria ser destinada a pessoas que ocupam as funções diversas como operários, empregados, dirigentes, pessoas idosas e estudantes. Ressalta outra dificuldade a ser enfrentada, qual seja: melhorar o patrimônio imobiliário existente, o que significa um total de mais de 18.000 imóveis em toda a cidade. A metade, do número de imóveis, é considerada, bastante velha. (de muitas décadas ou de séculos).347 A quantidade expressiva de prédios velhos faz adentrar no terreno movediço das operações de renovação/reabilitação urbana. Se de um lado a cidade assiste o nascer dos novos bairros, por outro as construções antigas tornaram-se um problema de interesse urgente. O quadro pavimenta o caminho das discussões sobre o futuro dos Centros Históricos, que ganha relevo nos anos de 1950, “por força da destruição massiva e consequente necessidade de reconstrução e revitalização de tecidos 346 CHALINE, p. 100. 347 POUR combattre avec vigueur la crise du logement: 2.500 logements nouveaux peuvent être construits en 1966 dans les chantiers de la ville. L'Espoir. Tours, p. 01 e 04, 22 jan. 1966. Fonte: Archives Municipales de Tours. 306 urbanos já então, com reconhecido cunho histórico e patrimonial.”348 No bojo dessa cintilante tendência surge, na França, umas das primeiras iniciativas legislativas que traz em cena uma nova política de preservação dos bairros antigos, a saber: a Lei n° 62-903 de 4 de agosto de 1962. Elaborada pelo então ministro “des Affaires culturelles et de la Construction”, André Malraux. Também chamada Lei Malraux, representa um contributo que promove substancial transformação do enredo das cidades na França, pois consiste na primeira legislação de salvaguarda dos centros históricos. Logo no Projeto de Lei, apresentado, em 23 de julho de 1962, na Assembleia Nacional, o Ministro expõe os propósitos, quais sejam: Sauvegarder un quartier ancien, c'est donc à la fois en préserver l'extérieur et en moderniser l'intérieur, et pas nécessairement au bénéfice du luxe, puisqu'un certain nombre de maisons restaurées de l'îlot rive gauche sont destinées aux étudiants. Une opération de restauration consiste à conserver au quartier considéré son style propre, tout en transformant les aménagements internes des édifices de façon à rendre l'habitat moderne et confortable. La restauration concilie deux impératifs qui pouvaient paraître jusque-là opposés : conserver notre patrimoine architectural et historique et améliorer les conditions de vie et de travail des Français.349 Tecidos são os novos caminhos que abrem as portas para uma nova realidade, se antes apenas os monumentos e o entorno eram protegidos e considerados os valores histórico e artístico, com o advento da lei, os centros históricos passam ser alvo de conservação e restauração. Igualmente nesse contexto viceja a urgência de evitar o desaparecimento dos numerosos bairros antigos distribuídos em diferentes cidades francesas. 348 EVANGELISTA, Sandra Mariana Ferreira Simões. Sustentabilidade em Centros Históricos: a Baixa Pombalina. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa [Mestrado], 2008, p. 3. Disponível em: https://fenix.tecnico.ulisboa.pt/downloadFile/395137885639/Disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso: dez. 2012. 349 FRANCE, Débats Assemblée Nationale n° 67, 23 juillet 1962. Présentation du projet de loi complétant la législation sur la protection du patrimoine historique et esthétique de la France et tendant à faciliter la restauration. Journal Officiel de la République Française. Paris, Assemblée Nationale, 24 juil. 1962, p. 2775-2780. Disponível em: www.assemblee-nationale.fr/histoire/andre- malraux/discours/malraux_23juil1962.asp. Acesso: out. 2012. 307 Desse modo, a política de salvaguardar os centros históricos vai transformar profundamente os passos e imagem da urbe. Nas cidades passam existir um bairro antigo. Tours faz também projetar o olhar para esse bairro, que poucos habitantes conheciam de fato. Seja porque tornou-se um lugar considerado insalubre, despiciendo e ou ainda por causa da fama de não ser bem frequentado... De toda maneira, a visão pouco simpática em relação ao bairro fez com que um riquíssimo conjunto arquitetural, os prédios mais bonitos da cidade, tornaram-se desconhecidos da maior parte dos Tourangeaux.350 Entre os anos de 1952 e 1956, a cidade realiza a sua primeira experiência de restauração de um conjunto de imóveis. Em texto bastante elucidativo a esse respeito, Nelly Alletru351 faz um arrazoado do contexto político e cultural da Lei Malraux. Igualmente uma análise sobre a originalidade da experiência “piloto” de Tours. Como observa Nelly Alletru, vários são os fatores que predispuseram Tours, entre os anos de 1961 e 1973, a torna-se uma cidade “piloto”, em matéria de restauração dos bairros antigos. A autora elenca as razões possíveis, quais sejam: Primeiro, seu passado de capital do reino da França – testemunha de um número grande de sumptuosos prédios. Segundo, que os bairros antigos, da época Medieval e do Renascimento, não são mais o centro da cidade desde o Século XVIII. O que significa dizer, que essa evolução preservou os bairros de todas as modificações relevantes e dos bombardeamentos da Segunda Grande Guerra. Visto que os bairros estavam geograficamente afastados dos pontos estratégicos da cidade. Em terceiro lugar, a mobilização dos habitantes, desde os primeiros projetos de reconstrução, por conservar a cidade, suas características arquiteturais e a sua imagem de “ville bien bâtie”. Outro aspecto ainda marcante diz respeito à ação apaixonada do arquiteto, Pierre Boille, combinada com a de Pierre Labardie, arquiteto e urbanista a cargo do programa de Renovação urbana. Se os dois estavam conscientes da necessidade de 350 Tourangeaux – pessoa que nasce em Tours. 351 ALLETRU, 2007. 308 construir o novo, eles eram também defensores da cidade velha. Destaca-se ainda a política de salvaguarda favorecida por Jean Royer. Além disso, pode-se também acrescentar os contatos realizados bem cedo com Michel Debré, o Primeiro Ministro, e com Pierre Sudreau, Ministro da Construção, que permitiram aos atores locais beneficiar-se das informações e da dinâmica de uma pluralidade de pontos de vistas concernentes à restauração dos bairros antigos.352 Seguindo essa trilha, vale a pena dar voz as considerações de Pierre Boille – arquiteto responsável pela renovação e restauração do bairro antigo – em Conferência realizada, em Tours, na “Société Archéologique”, em 1964. Tours a été une ville pilote dans le domaine de la Restauration des vieux quartiers et, depuis quatre ans, des enquêtes et des études ont été faites sans arrêt en liaison avec le Ministère de la Construction, conjointement à l'élaboration des textes qui ont abouti à la loi d'août 1962 signée par Monsieur le Ministre des Affaires Culturelles et Monsieur le Ministre de la Construction : cette loi fixe la doctrine juridique, administrative et financière de la restauration.353 O arquiteto apresenta uma breve explanação sobre as condições do bairro, os objetivos traçados. De início faz uma sumária diferenciação do que seria renovação e restauração. Segundo o autor: “Il s'agit toujours de quartiers particulièrement insalubres: mais dans le premier cas, les immeubles présentant un intérêt artistique, archéologique, n'existent pas ou sont en nombre très limité”. [Nesse caso a operação consiste, sobretudo em demolir, recriar novas vias e reconstruir prédios novos: isso é a renovação. No segundo caso o bairro apresenta um grande número de prédios interessantes:] ils sont alors nettoyés, remis en valeur par la destruction des appendices sans intérêt qui sont venus s'ajouter au cours des siècles:” isso é a Restauração. (BOILLE, 1964). Data do Século XIX o esmaecimento do bairro com a saída da burguesia das lindas casas. A ausência de conforto é apontada como um dos principais motivos 352 ALLETRU, 2007. 353 BOILLE, Pierre. La restauration du quartier Nord-Ouest de Tours. Bulletin Trimestriel de la Société Archéologique de Touraine. Tome XXXIV. Tours: Société Archéologique de Touraine, 1964, p. 109. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 309 dessa transferência. il est situé au coeur de l'ancienne Martinopole, une bourgade s'étant développée autour de la basilique abritant le tombeau de l'évêque Martin de Tours à partir de la fin du Véme siècle. Rebaptisé Chateauneuf au Xéme siècle, ce secteur devint au Moyen-Age le lieu où vivait la population bourgeoise de Tours, et le quartier au début du XXème siècle en avait gardé la majorité des habitations de l'époque.354 Na aurora dos anos 1960, Tours empreende um estudo minucioso que permite a elaboração de um método de salvaguarda do bairro antigo. Em pesquisa realizada no “Archives Départementales”, especificamente tendo como ponto de investigação o “Fonds Boille”, teve-se contato com um riquíssimo material que revela a profundidade das obras de restauração/ renovação. O “Fonds Boille” consiste em um conjunto de documentos que engloba correspondências, projetos, cartas, regulamentações, mapas, dossier, “Réunion du Conseil Municipal”, circular, “Avis de conseil à la ville de Tours”, “documentos da Commission Municipale du Patrimoine Historique”, artigos de jornais sobre a restauração, patrimônios e temas relacionados, cartazes de exposições, fotografias do bairro antes, durante e após a restauração etc., ou seja, um impressionante material de pesquisa sobre a operação no bairro antigo. Os meses de pesquisa no “Archives Départementales” possibilitaram um contato forte com essa documentação, bem como com a história de Tours. Uma grandiosa pesquisa foi realizada na área que corresponde hoje ao “Vieux Tours”. Rua por rua... Prédio por prédio, comércio por comércio foram investigados. Um detalhado estudo de aspectos importantíssimo do bairro. Assim, foram examinados desde as condições estruturais das habitações (quantidade de cômodos, salubridade, iluminação, ventilação, se possuía água, eletricidade, gaz, aquecimento etc.); a estrutura sócio-econômica da população (quantidade de pessoas que ocupava cada habitação, idade, renda, profissão, origem etc.). Bem como os tipos de comércios existentes, o tempo que funcionou, o que abrigava antes, número de empregados, número de fábricas e serviços. Graças a 354 VANTOUROUX, Stephane. Le quartier Plumereau de Tours (1921-1954). Tours: Université François Rabelais/ Section Sciences Humaines [Mémoire de Maîtrise], 1992, p. 3. Fonte: Archives Municipales de Tours. Código: 95 304.6-445. 310 esse trabalho, portanto, foi possível exumar o contexto arquitetural e funcional do tecido urbano. No documento, que faz parte do “Fonds Boille”, “Ville de Tours: restauration du quartier Nord-Ouest: étude générale de restructuration”, põe a vista os resultados dos aspectos históricos, econômicos, demográficos e sociais do local. A seguir, à luz dessas exposições, destaca-se algumas dos resultados mais expressivos que permitem trazer a lume uma melhor compreensão do estado do bairro antes da operação. A zona de Restauração apresenta-se na forma de quadrilátero, limitando- se à Oeste pela “Rue Bretonneau”, ao Norte pela “Rue des Tanneurs”; à Leste pela “Rue Constantine” e a “Rue du Président Merville”; ao Sul pela “Rue des Halles”. Sua superfície envolve cerca de 9 hectares, o que corresponde em torno de 1.500 habitações e 270 estabelecimentos.355 Segundo o estudo, dos 475 imóveis, 102 apresentam interesse arquitetural (“entre 75 et 90% d'immeubles médiocres, vétustes et très vétustes”).356 Dos prédios 92% não possuíam banheiros, 94% sem sala de banho, 21% sem eletricidade. Ademais, os números de moradores que se queixavam das invasões de ratos e camundongos chegavam a taxa de 27%. (BOILLE, 1964, p. 111). Soma-se ainda a inexistência de drenagem de esgoto em todo perímetro da área da restauração, tudo era lançado em caneleiras na rua.357 Entre os 268 estabelecimentos instalados, 192 são destinados a atividades do comércio, o que corresponde 72% da totalidade. Havia ainda 7 indústrias, 56 artesões e 11 profissionais liberais. O quantitativo total de estabelecimentos garantia o salário de 913 pessoas.358 Si l'on tient compte du nombre des exploitants, on arrive à environ 1.000 postes de travail. Par ailleurs, on a recensé dans le secteur 1.348 personnes actives qui, naturellement, ne travaillent pas toutes sur place, mais le rapport “1.000 postes de travail et 1.348 personnes actives” montre l'importance de ces établissements pour la vie du quartier. (VILLE, 1964, p.7). 355 VILLE de Tours: Restauration du quartier Nord-Ouest: étude générale de restructuration. Tours: Société d'Economie Mixte de Restauration de la Ville de Tours – SEMIREVIT, 1964, p. 1. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 356 Ibid., 1964, p. 5. 357 BOILLE, 1964, p. 111. 358 VILLE, op. cit., p. 7. 311 Essas informações trazem a tona a importância e força do comércio do bairro, apesar do processo de decadência a função comercial permaneceu ativa, garantindo emprego e uma animação no bairro, especialmente, por causa do mercado – Les Halles – lugar rico do ponto de vista econômico e social. No que concerne a situação demográfica 3.574 pessoas moravam na área delimitada. Cerca de 50% dessa população vivia em estado de superpovoamento, "78% des logements ne comportent qu'une ou deux pièces et 7,2% seulement ont plus de trois pièces.” (VILLE, 1964, p. 8). Como já foi explicitado anteriormente, as diferentes funções dos cômodos das casas são concentrados em uma só parte. Sendo assim, todas as atividades como cozinhar, dormir, higiene e todos os trabalhos domésticos eram realizados no mesmo cômodo. A população idosa, em condições bastante precárias, representava a maior parte dos habitantes e um número reduzido de crianças morava no local. Em outro estudo, denominado “Problèmes humains du secteur sauvegardé de Tours”, aduz importante contributo no que tange a população. O texto enfoca aspectos pertinentes a esse bairro de comerciantes, artesãos… E também o “bas-quartier” com seus bares e prostitutas, raramente frequentados pelos Tourangeaux ao fim da Guerra. O bairro serviu igualmente como local que acolheu as ondas sucessivas de imigrantes vindos de países como a Argélia, Marrocos e Portugal etc. O estudo mostra que o bairro nunca esteve vazio, pelo contrário, sempre apresentou uma grande densidade populacional, uma vida muito intensa.359 9.2. Renovação e restauração: Uma situação complexa Aos poucos ganhou nitidez o novo enredo que começava a se tecer. A saída dos moradores para os novos prédios que eram construídos na cidade. O depoimento de uma ex-moradora que viveu no bairro antes e durante as ações de restauração/ renovação é exemplar. Nas palavras da informante: 359 PROBLEMES humains du secteur sauvegardé de Tours. Tours (?), 1974 (?). Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 312 A.M. – Sim, eu me lembro de ouvir os meus pais dizer “bom, agora temos que encontrar outras casas porque aqui já não podemos ficar” e depois tivemos a sorte de que a casa que estava perto da nossa, essa não ia ser destruída. Quer dizer, podia ser mais depois mais tarde. E depois então alugamos a do número é... 7 para o número... É, eu não sei, sei que a gente ia para o número 9, era logo ao pé. E – Era perto? A.M. – Era sim só mudamos assim... E – Era vizinho. A.M. – Sim, sim, não foi preciso... E – Ah, teve muita sorte. A.M. – Sim, sim, foi logo ali ao pé e depois então muito mais tarde, já tinham começado a destruir mais para o fundo da rua. E depois mais tarde, dissera então que a casa de onde nós estávamos que ia ser arranjada. E eles viram que a gente podia ficar porque o apartamento era grande e tinha uma separação e eles disseram que a gente podia mudar para o lado e eles arranjavam e depois a gente mudava para o lado arranjado e eles arranjavam do outro. Mas depois disseram também que a renda depois que ia aumentar. E – O aluguel ia ser mais alto? A.M. – Sim, mais alto. Pois então a minha mãe... E – Era muito mais alto? A.M. – Pelo o que eu compreendi parece que sim. E depois a minha disse pois para pagar tão caro, vamos a sair daqui e se encontrarmos uma assim mais ou menos nos preços que a gente puder, vamos depois vamos pensar em comprar uma casa”. E depois então foi o que fizeram. […] E – Ah, então a senhora acompanhou bem o processo de transformação. A.M. – Sim, foi de pouco a pouco. E – Como é que... A senhora se lembra como eles faziam? Como é que era a organização para fazer a... A.M. – Investigaram muito tempo as casas, assim, desabitadas sem eles mexerem em nada. Começaram primeiro a destruir a beira do rio, a escola onde eu ia já, bom, lá não estava depois quando a escola foi destruída, eu já tinha ido para outra, mas começaram a fazer a faculdade e vida que começaram com a faculdade começaram a botar tudo abaixo, tudo que ia assim, ao longo do rio foi... Botaram tudo abaixo. E – Tinham muitas casas? A.M. – Ah, eram, eram muitas. Desde a faculdade até a torre. […] A.M. – Isso tudo foi feito tudo abaixo. E – Então ali não tem nenhuma casa antiga? A.M. – Não tem não. Ali não ficou nada e existiam lá casas bonitas, grandes, quer dizer, que eram feitas de maneiras diferentes. Ficava a beira do rio e a beira do rio vinha uma estrada, mesmo a beira do rio e depois as casas já estavam do lado de baixo da estrada e depois já havia outra estrada para pararem... E – O rio? A.M. – Sim. E tudo isso foi tudo abaixo, a primeira fase da destruição, foi tudo a beira do rio, a primeira. E – A beira do rio. A.M. – Sim. 313 E – Em frente à faculdade também derrubaram casas também? A.M. – Sim. E – Eu li em um artigo, derrubaram ali para construir a ponte. A.M. – Sim, sim. Todo em frente ao rio. E – Para construir o restaurante também? O restaurante da universidade que fica em frente. A.M. – Ali também eram casas não havia... Foram casas que foram destruídas ali. E – Foram muitas famílias? Foram muitas famílias que foram tiradas? A.M. – Ah sim, foi, foi. E foi assim que os portugueses foram... A.M., Antiga moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de La Riche/ França, 2012. Para a efetivação das operações de renovação e restauração era imprescindível realojar os habitantes, “il faut reloger pour démolir, mais il faut démolir pour reconstruire sur place. – D'un point de vue social, il faut construire des logements adaptés aux ressources des familles.”360 Desse modo, os antigos moradores começaram a ocupar as habitações erigidas nos bairros recém-criados, a exemplo do Sanitas. Alguns tiveram a sorte de serem realojados em imóveis próximo ao bairro. Outros, no entanto, foram habitar em áreas mais periféricas, em cidades vizinhas: Saint-Pierre-des-Corps, Joué-lès-Tours, La Riche, onde os preços dos aluguéis eram mais baratos. A expectativa de receber um imóvel recém-construído condizente com os novos imperativos da modernidade – o que implica dizer, com o conforto proporcionado com a estrutura de uma casa dividida com todos os cômodos. (cozinha, banheiro, quartos etc.), além de acesso a água, luz, gaz e aquecedor – parece ter animado alguns moradores que tiveram que deixar o bairro. Outros, no entanto, preferiram voltar para Portugal. E – E para os portugueses que moravam, a senhora lembra o que eles falavam porque tinha que sair? Como é que foi esse processo para eles? A.M. – Alguns até disseram que já não queriam... Alguns há muito tempo gostavam e já não queriam mudar, pois tinham medo que já não houvesse casas assim, velhas para eles habitarem e alguns até foram embora para Portugal. A maior parte não, a maior parte não, encontraram assim, apartamentos em abatimentos e não foram, mas alguns tiveram que... Já 360 LA RENOVATION des quartiers Nord-Ouest... (S.l.). L'Espoir. Tours, p. 4 (?), 15 oct. 1966. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 314 faziam menos economias porque eles mandavam, as pessoas portuguesas naquele tempo, mandavam o dinheiro que ganhavam, mandavam para Portugal. E depois alguns, eu ouvi alguns dizer, que, pois já não se ganhava já não se ganhava tanto que tinham que pagar a venda mais cara, mas que bom que se encontrassem assim casas que não fossem muito caras, mesmo que fossem mais longe, eles aceitavam e a maior parte preferiam ir buscar e assim, encontravam como eles queriam. E – E como é que... Essas pessoas passaram a moram em que bairros? Qual eram os lugares que eles mudaram? A.M. – As pessoas mais pobres que foram as mais ricas encontraram apartamento a maior parte delas a Sanitas. Também aqui uma parte em La Riche. E – Em La Riche? A.M. – Sim, a maior parte foi tudo assim. E aquela torre alta já foi construída também para... E por causa disso que eles começaram por ali, começaram a construir a torre já com ideias que as pessoas que estavam naquelas ruas todas... E – Pudessem mudar? A.M. – Sim, pudessem mudar para lá. E algumas foram. A: E tem algum outro bairro da cidade que a senhora se lembra que outras pessoas mudaram? A.M. – Para mim foi o principal. […] E – Joué-Lès-Tours teve gente que mudou para lá, para as cidades vizinhas? A.M. – Saint Pierre, Saint Pierre foram muitas pessoas... Saint Pierre portugueses. E alguns também foi ocasião para eles encontraram casas baratas para comprarem e então alguns compraram naquela altura também. A.M. – Antiga moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de La Riche/ França, 2012. \ Figuras 32, 33 e 34: Demolições dos imóveis. Fonte: Archives Départementales: Fonds Pierre Boille. Cód. 30J. 315 Nos jornais desfilam frases como: “les travaux de démolition commenceront en 1963”361 ou “la Rénovation est essentiellement “Mort et Résurrection”362 ou ainda “Tours: on a beaucoup rasé”363 Os artigos salientam as transformações realizadas no tecido urbano. îlot de la future Faculté des Lettres. – Les démolitions vont se poursuivre et pratiquement se terminer jusqu'en février 1969. Après exécution des voiries et des réseaux, le terrain sera cédé à l'education Nationale. îlot de la rue de la Victoire. – La démolition d'une quarantaine d'immeubles (au total 150 logements) en voie d'être terminée, permettra la construction par l'Office des H.L.M. de Tours d'un ensemble d'immeubles collectifs d'environ 110 appartements dont l'aspect sera particulièrement soigné et dont les plans sont actuellement en cours de réalisation. (LA RENOVATION, 1996, p. 4). O par opositor, construção/ destruição faz parte dessa história. Como bem conta a antiga moradora do bairro sobre a demolição das casas que existiam à margem do Rio Loire, para darem espaço para a construção da Faculdade de Letras e uma grande torre (prédio alto) que localiza-se em frente a “Rue Tanneurs” (Fotos no 37/38). O trecho a seguir é relevante pela tônica exposta no que toca as transformações engendradas no tecido urbano.364 E – […] E já tinha esse nome o Bairro de Vieux Tours? A.M. – Sim, era o que chama agora de Vieux Tours, sim ainda existe, mas aquelas casas que havia já são três ou quatros, mas depois destruíram tudo e depois fizeram apartamentos mais modernos. E – Onde foi? A senhora se lembre onde teve mais destruição? A.M. – Foi nesse bairro, entre a rua place de la Victoire e penso que foi aí e no lugar onde havia a Catedral também, houve muitas casas velhas. E – Que foram destruídas? A.M. – Foram destruídas sim. E – A senhora se lembra como era é... Por exemplo, para a construção da Faculdade? A.M. – Sim. 361 ENQUÊTE et information sur la rénovation dans les quartiers: Tanneurs – Grand-Marché – République. La Nouvelle République. Tours, 3 e 4 fév. 1962. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 362 LA RESTAURATION de nos vieux quartiers. Tours, (s.p), 17 e 18 fév. 1968. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 363 LE COÛT du “social”: 20 millions de centimes par ans. La Charente Libre. Urbanisme. s.l., 3 fév. 1982. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 364 Para saber mais sobre o processo de Renovação e restauração da cidade de Tours: LIVERNET, Sylvain. Tours du XVIIIe au XXe siecle: la conservation des éléments anciens dans une ville moderne. Lille: Université de Lille, s.d. 316 E – Muitas casas... A senhora lembra como era? A.M. – Sim. Aqui onde era a faculdade eu lembro que a minha escola era mesmo ali perto, era onde estão aqueles apartamentos onde estão em frente a beira do rio. A beira do rio, perto da faculdade, a minha escola era, era ali, e a minha escola também foi destruída, tudo. E – Era velha a escola? A escola era antiga? A.M. – Os apartamentos não eram muito antigos. Eu não... Não era muito antigo, mas bom eu não sei, eu não sei por que naquele tempo destruíram a escola. E – Teve muita destruição? A.M. – Sim, sim. Desde... Começou... Aquela grande torre que está ao pé do Rio, isso tudo ali era casa tudo, tudo, tudo velha. E– A grande torre que a senhora diz é a que fica em frente a Rue des Tanneurs? A.M. – Sim, essa grande torre foi construída quando destruíram aquelas casas velhas todas. Aquele bairro começa dessa torre, da rua o pé dessa torre até a Faculdade. E – Tudo foi destruído? A.M. – Foi tudo... Umas até a Faculdade foi quase tudo destruídas. Só deixaram algumas que puderam renovar… Não, foi tudo destruída. E depois essa que... Le quartier Plumereau e isso tudo pra ai não destruíram tanto, preferiram deixar a... E – A fachada? A.M. – Sim, sim, sim. As pessoas que tinham dinheiro naquele tempo compraram essas casas baratas e depois a compuseram e a vila ajudou-lhe e essas ficaram, essas ficaram… Arranjaram e ficaram casas bonitas, mas as outras eram muito, muito velhas. Não tinha... Era preciso fazer lá, muitos trabalhos e os patrões, alguns não tinham capacidades para financiar os trabalhos e depois preferiram vender, a vila comprou e depois destruiu tudo. A.M. – antiga moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de La Riche/ França, 2012. Figura 35: Construção da Faculté des Tanneurs ao lado do Rio Loire. Fonte: Arquivos Jornal La Nouvelle République. Figuras 36: Terreno após demolições, em frente à Faculté des Tanneurs. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 317 Figura 37: Tour de Ballan, edifício com formato de estrela (59 metros), construído para realojar antigos moradores do Vieux Tours. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. Figura 38: Tour de Ballan atualmente. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. Com a política de renovação e restauração dos bairros antigos produziu- se uma nova configuração urbana. Contudo se faz necessário observar que o movimento de transformação não ocorreu unicamente no aspecto físico. De bairro degradado, nada bem visto aos olhos da população, torna-se um local com habitações cujas velhas estruturas guardam nos interiores aspectos modernos. No cerne desse leque de mutações, inéditas atividades são implantadas e os espaços do bairro passam a ser palco para prática de consumo cultural e turismo. No rastro dessa cadente tendência o patrimônio é invocado como bandeira dos interesses vinculados ao crescimento do turismo, como alternativa de desenvolvimento local. Nesse intento as belezas dos casarios antigos ganham eco, as lembranças medievais ganham força e resplandecem como porta-voz da preservação contra os ímpetos de transformações urbanas. E nesse rio de metamorfose corre em direção dos usos destinados as práticas de lazer e diversão. Assim, nesse enredo, as operações de renovação/ restauração abrem as cortinas de um novo cenário. Outros atores passam a fazer cena no velho/ moderno bairro, outros tipos de comércios enfeixam uma nova atmosfera. O bairro passa estrelar nos anúncios e propagandas da cidade. O “Vieux Tours” torna-se cartão postal. 318 Capítulo X O Novo “Vieux Tours”: chegam os novos moradores e os comércios – gentrificação Ao abrir os jornais os artigos reverberam outros tipos de notícias. O lugar considerado “chaud” começa a abrigar outros habitantes de nível econômico mais elevado. Tours chega à aurora dos anos de 1970 com uma nova roupagem. Entre os anos de 1965 a 1973, o bairro foi reconstruído, a problemática sofrida com a crise das habitações tornou-se algo secundário. O setor – que sofreu renovação das “îlots insalubres” e renovação dos prédios considerados de relevância arquitetônica – ao entorno da Place Plumereau, agora apresenta ruas limpas, fachadas e interiores reformados, áreas verdes criadas... As mutações realizadas no velho coração da cidade, alerta também que “la vocation résidentielle est tout à fait concevable mais non unique.”365 Nesse sentido, o comércio ainda continua sendo um motor de importância para a ambiência do bairro. As pequenas casas comerciais davam vivacidade e sentido de convivência. As ruas tinham calçadas e passavam carros. A Place Plumereau do mesmo modo era via de passagem de veículos e no seu centro abrigava um grande estacionamento. No entorno pequenos comércios como farmácia, padaria, loja, café ocupavam a parte térrea dos prédios. Famílias mais abastadas com crianças são os novos moradores. A facilidade em encontrar uma pluralidade de comércios e serviços a poucos minutos de casa – o que significa poder fazer compras a pé, sem precisar do uso do carro, – certamente, é uma das razões positivas para escolher o bairro. Convém lembrar ainda que a Mairie e a Préfecture de Tours localizam-se próximo ao local, bem como a Rua Nationale. Afora, as vantagens listadas… A tranquilidade que reinava no local enfeixava as qualidades que fazia do Vieux Tours uma moradia ideal. Mas com os 365 LA RESTAURATION ET LA RENOVATION: II. - Le Vieux Tours ne devrait pas devenir un quartier uniquement résidentiel. La Nouvelle République (?). Tours, p. 2, 11 juil. 1973. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 319 preços elevados dos aluguéis, após as operações de renovação e restauração, habitar no bairro era o sonho de muitos, mas privilégio para poucos. Os pontos positivos elencados acima seriam algumas das razões que fez Francine escolher morar no bairro. E – pourquoi avez-vous choisi de vivre ici↑/ donnez-moi cinq raisons positives M.F. – on avez choisi de vivre ici X alors premièrement parce que le quartier n'était pas encore piéton et que c'était un quartier très animé très commerçant donc la deuxième c'est parce que nous on voulait habiter sur un autre endroit X de travail c'était plus facile parce qu'on avait des enfants petits qu'est-ce qui nous a attiré // justement c'est que voilà quand on est arrivé/ on est arrivé à une époque où c'était plus agréable le quartier parce que: on avait pas besoin d'aller loin pour aller faire nos courses on a pas besoin d'utiliser de voiture et la c'est encore possible pas besoin d'utiliser la voiture pour aller faire les courses et c'est très bien. M.F. – moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Não apenas o Vieux Tours sofre alterações, a França e a Europa respiram novos ares... A riqueza econômica do país se destaca, a Europa completa provoca um movimento de turistas – graças ao desenvolvimento das férias pagas, os meios de comunicação mais rápidos e os salários que permitem viajar. O vale do Loire recebe os veraneantes para as visitas aos castelos. A situação de Tours, “ville- carrefour”, no coração dos circuitos turísticos, movimenta uma multiplicidade de serviços de hotelaria e uma tomada de consciência, qual seja: o turismo é um meio de atrair capital, as indústrias, a mão-de-obra... Em uma palavra, o que faz a riqueza de uma cidade. “C'est alors que se font les “premiers essais de restauration”. “Une vieille ville peut, si elle est bien aménagée, attirer les touristes!”366 No escopo dessa luminosa tendência evidencia-se uma série de alterações que vão influenciar profundamente a política urbana e consequentemente os rumos do velho bairro e da própria cidade. A ex-moradora do Vieux Tours, Alícia367 366 LIVERNET, Sylvain. Tours du XVIIIe au XXe siecle: la conservation des éléments anciens dans une ville moderne. Lille: Université de Lille, s.d., p. 62. Fonte: Bibliothèque Société archéologique de Touraine. Código: C 1255 1-2. 367 Nome fictício, antiga moradora do Vieux Tours. Entrevista com A.M., concedida à autora na cidade de La Riche, França, em dezembro de 2012. 320 – que conheceu o bairro antes, durante e após as operações de renovação e restauração – narra a respeito das atividades culturais realizadas na Place Plumereau, nos anos de 1970, com o intuito de granjear turistas. E – E após a restauração, começa a ter muitos eventos culturais, a senhora se lembra? Por exemplo, se tinha algum show na praça, algum concerto? A.M. – Sim, eu lembro, em primeiro para atraírem os turistas…Faziam... Vinha lá até uma emissão de televisão e ia à rádio, a rádio também que vinha lá e trouxe cantores e grupos. Sim, lembro de…Eu assisti ainda. E – A senhora se lembra a época que foi? A.M. – Sim. Em 73 por aí, entre 70/73, sim, naqueles anos, 70 até 75, mais ou menos. E – Tinha muito concerto na praça? A.M. – Sim, sim. Concertos, emissão de televisão, rádios que vinham de tempos em tempos. E – E como era a emissão? A.M. – Vinha... Quer dizer, punham assim, uma escada e vinha os animadores da televisão ou da rádio e fazia uma emissão indireta. A.M. – E traziam três ou quatro cantores e depois eles cantavam e a gente estava em toda volta. E – Ah, na praça. A.M. – Sim, da praça. E – Isso era muito para atrair turista? A.M. – Pois. Eu penso que quando passava na rádio e na televisão, pois a gente ouvia e depois... E – Queriam ir para praça. A.M. – Pois, pois. E – E na rádio era como? Era a mesma coisa? A.M. – Era a mesma coisa, era a mesma coisa. E – Alguém cantava e eles anunciavam que estavam na Praça Plumereau? A.M. – Pois, anunciavam que estava na ville de Tours e depois anunciavam a praça onde eles estavam. E – A Place Plumereau? A.M. – Pois. E – E as pessoas iam para escutar? A.M. – Pois. E – Ah, uma forma de atrair as pessoas. A.M. – Sim, sim. A.M. – antiga moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de La Riche/ França, 2012. 321 Figuras 39, 40 e 41: Animações ocorridas na Place Plumereau. Fotos: primeira à esquerda: G. Proust. Embaixo: sem autor. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. Figura 41: À direita: Apresentação musical “des élèves de l’Académie Internationnale.368 Sempre tomando por apoio os jornais em circulação em Tours, o artigo de 10 de julho de 1973, intitulado “L'animation de la Place Plumereau”, aborda justamente sobre um festival de arte drámatica que ocorre na Place Plumereau, e por extensão em todo Vieux Tours. Embora o festival seja elogiado pela qualidade e sucesso de público, a matéria enfoca, também, sobre a insatisfação dos donos de comércios. O descontentamento ocorreu por causa da preparação do evento, que promoveu alguns problemas aos comerciantes. O tempo de montagem dos elementos indispensáveis a atividade cênica, como palcos e arquibancadas metálicas – e como o festival ocorreu também nas ruas adjacentes a Praça – demoraram cerca de quinze dias para serem instalados, isso desagradou os comerciantes locais. 368 Foto do artigo: BODDAERT, Alexis. La nuit sied au viers. La Nouvelle République du Centre- Ouest. Tours (?), p. 2, 31 juil. 1985. Foto: Pierre Fitou. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 322 On voit bien qu'il s'agit toujours d'une question d'esprit, et de l'esprit avec lequel on veut animer le Vieux-Tours. Encore une fois, les visiteurs, les touristes, les spectateurs de passage apporteront leur part. Mais pourquoi oublier pour autant les riverains, les habitants et parmi eux les commerçants? Eux aussi ont droit à leur part et celle qu'ils pourraient apporter à l'animation recherchée, ne serait pas négligeable : Encore faut-il leur en donner les moyens et que tous certes se décident à y participer.369 É interessante observar que além das transformações já elencadas outro ator passa a fazer parte do novo cenário, a saber: o turista. Nesse sentido, as palavras turismo/turista, como também animação, começam a desfilar nos artigos referente ao Vieux Tours, algo que não fazia parte das matérias da década anterior. Espetáculos (dança, teatro, circenses), apresentações de corais, orquestras, cantores, desfile de moda, programas de rádio e televisão, festivais... Vão inundar de gente as ruas medievais, especialmente a Place Plumereau, novo endereço do encontro de pessoas e das festas da cidade. Sempre seguindo as pistas dos jornais em circulação em Tours, durante a década de 1970, as manchetes continuam a abordar sobre os eventos culturais que fervilham no velho bairro. A inauguração da Faculté des Lettres consiste em outro importante acontecimento que avoluma a torrente de transformações que vão marcar o bairro nas décadas seguintes. Novas metamorfoses chegam ao 'paraíso' do Centro Histórico de Tours... Desta vez é o mercado que recebe outra morada. Na aurora dos anos de 1980 é inaugurado o novo Halles. O mercado antigo, erigido em 1866, inspirado na construção do “Halles parisiennes”, possuía uma estrutura de metal e vidro. Antes da sua construção, fazer compras não era nada prático, pois “au début du XIXe siècle, le chaland devait courir la ville pour s'approvisionner: il trouvait le poisson rue de la Poissonnerie, les légumes place de Châteauneuf, le beurre place du Grand- Marché...”370 Foi quando o “Conseil municipal” resolveu reunir tudo em um mesmo 369 L'ANIMATION de la Place Plumereau: un voeu des habitants mérite d'être retenu. La Nouvelle République. Tours (?), 10 juil. 1973. Fonte: Arquivo do Jornal La Nouvelle République. 370 LES HALLES ont vingt ans. La Nouvelle République du Centre-Ouest. Tours, p. 7, 19 nov. 1999. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 323 lugar, e assim, na Praça Gaston-Paillhou, nasceu o Halles. Lugar de compras, como também do bulício... De tudo se encontrava... Sapatos, roupas, legumes, frutas, carnes, queijos... Nos tempos antigos abrigava várias categorias de feirantes: “les maraîchers, les grossistes, les détaillants.”371 Os baixos preços revelavam que o mercado atendia a camada da população menos abastada. Sendo dessa forma um lugar que fazia parte do cotidiano dos moradores do “Vieux Tours”. Do lado de fora do Halles, também existia uma grande feira que seduzia multidões... Um mar gente, de barracas, guarda-sóis e carros tomava toda a extensão da praça. Essa história chega ao seu desfecho em 1976, quando começa a destruição da centenária estrutura de metal e vidro. Assim, F.G. – tout ce qui était vieux soit cassé donc on a cassé par exemple: les Halles à Tours étaient très belles, c'était un bâtiment en acier et en verre... très joli, très beau. Les Halles étaient très importantes et voilà, tout a été cassé. F.G. – Antiga moradora do Vieux Tours, atualmente reside na Rue Nationale. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Se a construção do novo mercado não agradou a todos, ela “s'intègre cependant parfaitement, selon le maire de Tours dans la politique de réhabilitation et de revitalisation des quartiers.”372 No artigo intitulado “Assurant la vocation économique d'un des plus beaux quartiers de Tours: le complexe des Halles a été inauguré samedi par M. Royer”,373 do Jornal “La Nouvelle République”, traz uma grande reportagem sobre a cerimônia de inauguração que atraiu um grande número de pessoas. Equipado com estacionamento subterrâneo (700 vagas), elevador, sala polivalente, lojas... Um barco (formato do prédio) que âncora no mar da renovação do velho “quartier”. Uma grande festa foi organizada, com música da “1er Région Militaire et de la Musique Municipale. Pour terminer cette journée mémorable, dans les 371 LES HALLES, 1999, p. 7. 372 ASSURANT la vocation économique d'un des plus beaux quartiers de Tours: le complexe des Halles a été inauguré samedi par M. Royer. La Nouvelle République. Tours, p. 3, 28 avr. 1980. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 373 ASSURANT, 1980, p. 3. 324 flonflons de la fête populaire, et joie de voir.”374 E.M. – […] et ici aussi les Halles: y avait de très belles Halles qui étaient avec une structure métallique, une verrière qui ont été démontés en dix neuf cent soixante dix sept ici, et c'est des Halles qui rappelaient bon les anciennes Halles de Paris. Tout ça a été remplacé par des bâtiments, par ce bâtiment-là, qui est très pratique mais qui est très laid... qui est très moche il faut en convenir. E.M., Pesquisador, antigo morador da Rue Colbert e atual morador “des Halles”. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Nada parecido com a primeira construção, o novo Halles é aferido pelos entrevistados como um prédio prático, mas feio. O mercado projetado para abrigar: “un ensemble commercial couvert, une maison des sociétés, une maison des syndicats,375 também significa mudança dos feirantes. A parte grossista foi transferida para a zona periférica de Rochepinard. A Municipalidade desejava com isso não somente “compenser la perte d'activité subie par le quartier, mais également offrir aux commerçants des Halles la possibilité d'accéder à des conditions de travail et de vente modernes. Além disso, oferecer a sociedade tourangelle e as organizações sindicais os meios materiais que permitem exercer suas atividades de uma maneira funcional.376 Segundo o depoimento da antiga moradora, Alícia, a maioria dos comerciantes teve que sair do Halles. Isso, porque, não puderam mais pagar o valor do aluguel que aumentou bastante com a construção do novo prédio. Ficaram bem mais caros, igualmente, os preços das mercadorias. Nesse compasso, não é de se admirar que os consumidores não sejam mais os mesmos. Se antes era o lugar frequentado pela camada popular, lugar do “bon marché”, dos preços convidativos... Com o novo mercado, comprar no Halles passou a ser sinônimo de status. Uma nova clientela, elitizada, passa a desfilar pelos novos corredores do mercado. Desse modo a população de baixa renda foi afastada do lugar que fazia parte da vida diária. 374 LES HALLES EN FÊTE... Parlez en voyage ! Du 23 au 27 avril grande animation commerciale du quartier “Halles-Grand-Marché”. La Nouvelle République. Tours, p. 3, 23 avr. 1980. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 375 LA RÉNOVATION des Halles. L'Espoir. Tours, s.p., 25 mai 1974. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. (Grifos conforme original). 376 Id., 1974, s.p.. (Grifos conforme o original). 325 No “coração festivo” da cidade as manifestações culturais continuam de “vento em popa”. Os turistas passeiam pelas labirínticas ruas de pedra, máquinas fotográficas no pescoço... Olhares de surpresa... As caminhadas de franceses (advindo de outras cidades) e de estrageiros pelos bairros antigos de Tours, torna-se cada vez mais frequente. Mas imagine o turista ou o habitante admirar as belas fachadas sem o incômodo ou preocupação de observar a chegada de carros? A caminhada seria muito mais prazerosa... Fazer compras seria mais convidativo, poderia espiar melhor as vitrinas... Tomar um café ou um aperitivo nas mesas espalhadas pelas calçadas... A conversa seria mais aprazível... E mesmo para tirar fotos seria mais tranquilo, escolher o melhor ângulo... Então, facilitaria bastante... No dilúculo da década de 1980, essa comodidade começa ganhar ares de realidade com os projetos que visam transformar as ruas dos bairros antigos – Vieux Tours e Cathédrale – em passagem destinadas aos transeuntes. Nos dois setores históricos da cidade: Caesarodunum de um lado e a Martinopole de outro. “Chaque secteur correspondra tout à la fois un pôle d'attraction et un style de traitement.” Nessa nova ação a Place Plumereau recebe um novo desenho, nasce uma nova praça. “Autour de ce décaissement, les cafés, crèperies et autres commerces de boissons et bouche disposeront de terrasses participant à l'animation, avec des plantations en caissons.”377 É interessante salientar que a transformação das ruas em passagem somente para pedestre – piétonnisation – é uma tendência que ganha relevo na França, sobretudo, após a segunda metade da década de 1970. Tal estudo, enfocando a cidade de Tours foi privilegiado por Claire Bisault, em seu texto: “Fonctionnement, évolution et perception des espaces piétonniers de Tours”. Segundo a autora a “piétonnisation” responde a uma racionalização do movimento automobilístico graças a um plano de circulação. As zonas exclusivas para pedestre satisfazem, de modo geral, a dois tipos de usuários, a saber: os pedestres que vão fazer compras de carro e aproveitam o espaço de lazer; os comerciantes que aumenta o volume de negócios, 377 LA FUTURE Place Plumereau. L'Espoir. Tours, p. 3, 4 déc. 1981. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 326 além de participarem da promoção da rua.378 Facilidade para fazer compras e observar as vitrinas, foi o que aconteceu, em 1973, com a Rue Bordeaux, primeira zona de Tours, destinada aos pedestres. E em 1985 é a vez do Centro Histórico da cidade tornar-se lugar reservado aos transeuntes. E a mais famosa praça também tornou-se de uso único dos pedestres. Nesse particular, a municipalidade, com o fito de alavancar a economia local, continua a investir em ações que possam garantir o crescimento dos índices turísticos. O informativo municipal da cidade de Tours, de junho de 1985, em uma edição especial, transmite aos usuários as alterações feitas com a transformação do Centro Histórico em zona para pedestres. Apresenta um mapa do bairro indicando as vias de acessos exclusivas aos passantes. Informa que a circulação e estacionamento nas ruas indicadas são proibidos, com exceção ao serviço público, moradores para terem acesso a garagem e outros serviços necessários a vida como: médicos, carros que fazem mudança etc.. Já na capa do informativo apresentam em letras garrafais as palavras: segurança, estacionamento, limpeza e recepção de turistas.379 Nesse particular as operações vão promover significativas alterações nos desenhos dos bairros centrais. O debate sobre essa decisão vai desfilar nas páginas dos jornais, que acompanham o desenvolvimento da ação. É ilustrativo a esse respeito a reportagem “Des piétons place Plumereau? Un vieux projet qui avance à petits pas”, do Jornal La Nouvelle République, de 1984. O artigo fala justamente do atraso das obras, pois a ideia despontou desde o ano de 1977, com promessa feita em 1981 que a obra seria realizada em 1982. Mas a transformação da Place Plumereau seria ainda um projeto. Se por um lado a população ansiava, por outro a 378 BISAULT, Claire. Fonctionnement, évolution et perception des espaces piétonniers de Tours. Tours: Université François Rabelais/ Institut de Géographie de Tours. [Memoire de Maîtrise], 1988. Fonte: Archives Municipales de Tours. Cód.: 711.5-445. 379 TOURS Actualités: une nouvelle aire piétonne quartier Plumereau. Victoire: sécurité, stationnement, propreté, accueil des touristes et riverains. Lettre Municipale d'informations. Numéro Spécial. Tours, p. 2, Juin 1985. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 327 municipalidade aguardava o término das férias de verão para tomar a decisão. “Par contre, une expérience est en cours: l'installation de terrasses sur la place Plumereau depuis le 15 juin. Ebauche de ce que pourrait-être un “quartier latin tourangeau.”380 A chegada dos terraços, na Praça “Plum”, vai favorecer ainda mais a fixação das pessoas. Se durante o dia reina a paz, as ruas são locais de passagem, das caminhadas dos turistas, na parte da noite a Praça e ruas contiguas se despertam. As duas fases da moeda são antagônicas. Se por um lado existem os que defendem a animação noturna: “C'est la foule qui fait notre chiffre d'affaires, il faut choisir. Ici, la nuit est faite pour travailler, pas pour dormir.” Do outro lado, estão aqueles que se incomodam e muito a ponto de ameaçar comprar um fuzil por causa das brigas, dos atos de vandalismo e o barulho que acorda a Praça: “C'est le quartier chaud de Tours, il y a du bruit jusqu'a trois heures du matin, des bagarres tous les week-ends. Des actes de vandalisme. On va acheter un fusil” râle un commerçant.”381 O mesmo vento que fez ancorar o barco do novo mercado, é prenunciador do vendaval que não tarda a chegar... E fazer levantar o tapete e mostrar a poeira que estava escondida... O céu azul começa a aconchegar nuvens nada leves... O vento da transformação que fez ecoar novos dias... E as consequências da política urbana começam a denunciar que nem tudo é um mar de rosas. 380 SARRAN, Patrice de. Des piétons place Plumereau? Un vieux projet qui avance à petits pas. La Nouvelle République du Centre-Ouest. Tours, p. 2 e 3, 8 août 1984. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 381 LE BARS. P.. Place Plumereau: entre Pigalle et Pyccadily. La Nouvelle République du Centre- Ouest. Vie des Quartiers. Tours, p. 2, 14, 15 e 16 août 1981. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 328 Capítulo XI É possível habitar em um “cartão postal”? Animação noturna e vitrine turística382 Ananda383 é professora aposentada, tem 70 anos e uma vida muito ativa. Chegou à cidade de Tours em 1964 e reside no Vieux Tours desde 1972. Vive sozinha em um charmoso apartamento, com dois quartos, cozinha, uma “cave et un grenier”, além de confortáveis salas de visita e de jantar. Tem orgulho em morar em uma casa que guarda as marcas dos tempos… Sente visível prazer em contar sobre as peculiaridades históricas do imóvel. Das janelas do apartamento pode-se avistar uma bela paisagem... Das ruas serpenteadas, com seus prédios antigos... Jardim com flores. O prédio onde mora não possui garagem, mas isso para ela não é um problema – embora seja para uma boa parte dos moradores do bairro – porque não tem carro. Antes, para ir ao trabalho, pegava o ônibus, próximo a sua casa. Normalmente gastava 23 minutos para chegar, mas o local onde trabalhava não era tão distante, apenas 2,5 km de distância. Em compensação para fazer compras nunca precisou de ônibus. Tudo que tem necessidade é facilmente encontrado a poucos metros da sua casa. O mercado – Les Halles – e os dois supermercados onde semanalmente faz compras são muito próximos. Então, como não tem automóvel pode fazer tudo a pé. Os outros locais que frequenta de tempos em tempos, como o teatro, o cinema são igualmente próximos. Aliás, essa é uma das razões que a fez escolher morar no bairro, o fato de ser um local central. Soma-se ainda a tranquilidade e o preço do aluguel que lhe foi convidativo. Possui uma forte relação de vizinhança. Então, morar no Vieux Tours lhe dava uma ótima condição de vida. O belo bairro, tranquilo... Os vizinhos se conheciam e conversavam. Os pequenos comércios favoreciam a aproximação entre as pessoas. 382 FRESNAULT-DERUELLE, Pierre. Pouvoir habiter une carte postale. La Nouvelle République du Centre-Ouest. Tours, 30, 31 e 1er Juin 1998. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 383 Nome ficticio. História desenvolvida a partir da entrevista realizada com a moradora do Vieux Tours. Entrevista com M.B., concedida a autora na cidade de Tours, França, 23 de julho de 2012. 329 Ir a mercearia, ao açougue, a farmácia, a padaria... Significava também reencontrar pessoas e fazer amizades. É visível seu amor pelo bairro, e sua intensa ligação a faz se interessar muito pelos problemas do lugar. Problemas? Até aqui tudo parecia tão perfeito, o Vieux Tours era o paraíso... Bem, ela mesma pode explicar o que aconteceu, um dos problemas é que: “en 1972 il n'y avait que 33 bars aujourd'hui il y en a 158.” M.B. – avant mille neuf cent quatre vingt six, c'était le paradis, c'était merveilleux, parce que c'était un beau quartier, très calme, avec des gens qui se connaissaient... donc on se parlait beaucoup et puis on avait pleins de petits commerces. Donc on allait chez l'épicier, chez le charcutier, le boucher, le pressing, à la droguerie, à la pharmacie. Vous voyez sur la place Plumereau, il y avait une droguerie, une pharmacie, deux magasins de vêtements, maintenant il n'y a plus que des bars et des restaurants. M.B. – Aposentada e moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. A Place Plumereau tinha uma drogaria e uma farmácia, lavanderia, loja de roupas... Como conta Ananda, quando ela se mudou para o Vieux Tours já existiam bares, mas não a quantidade que apresenta hoje. O número subiu assustadoramente, passou de 33 para 158 bares. Mas agora não existe muita variedade… Na paisagem avista-se dois tipos de comércios: bares e restaurantes. Isso tem influenciado e muito a qualidade de vida, atualmente ela não tem muitas boas lembranças. As noites sem dormir por causa do intenso barulho das pessoas nas ruas e dos bares que colocam música... Os vizinhos têm bastantes problemas com a justiça. Justo ao lado da sua casa tinha uma pessoa que vendia drogas toda noite. Em baixo existia outra que também comercializava drogas... E logo no bonito jardim, que ela pode ver da janela, alguém envolvido com a criminalidade foi ferido gravemente. M.B. – des souvenirs horribles parce qu'on a eu beaucoup de locataires qui ont eu beaucoup de problèmes avec la police et la justice. Il y a eu à côté quelqu'un qui vendait des stupéfiants toute la nuit. En bas une autre personne... une autre année qui vendait des stupéfiants et cette année je sais pas si vous avez su mais il y a eu une reconstitution d'une affaire très grave avec un blessé grave, ça s'est passé dans le jardin, là... donc ce ne sont pas de bons souvenirs. M.B. – Aposentada e moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. 330 Ora, desde o ano de 1985 uma nova trama é urdida com a transformação das ruas em áreas privilegiadas aos pedestres e com as instalações dos bares e restaurantes. Logo as ruas foram tomadas por mesas e cadeiras dos estabelecimentos comerciais... Um lugar sem dúvida paradisíaco para quem queira desfrutar da paisagem e de momentos de lazer. Então, as noites parecem intermináveis porque enquanto a rua é estrelada de gente, os moradores não podem dormir por causa do barulho. M.B. – J'ai le souvenir d'un centre historique qui était plus agréable à vivre / avant mille neuf quatre vingt six / entre mille neuf soixante douze et mille neuf cent quatre vingt six / c'était très calme et cependant des maisons restaurées / mais en mille neuf cent quatre vingt six il y a eu la piétonnisation / le quartier est devenu piétonnier / donc les bars se sont installés et ont obtenu beaucoup de terrasses donc le jour il n'y a plus qu'une population agréable et la nuit une population difficile à concilier avec le repos. M.B. – Aposentada e moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. No cerne desse feixe de alterações multiplicam-se o número de moradores, sobretudo, famílias com crianças, que começam a abandonar o bairro em busca de local mais tranquilo para viver. Proprietários também colocam a venda os imóveis. Hoje, Ananda considera que não existe mais as pessoas agradáveis de antes, mas uma população muito difícil de conciliar com o repouso. M.B. – Alors les habitants ont vieilli/ et surtout les propriétaires ont/ soit vendu leurs appartements parce que le bruit était insupportable/ ils ont habité ailleurs/ et quand ils n'ont pas pu vendre/ ils les louent/ et ils ne peuvent plus les louer à des gens qui ont des activités normales/ donc ils louent à des étudiants en colocation/ ce qui augmente encore la fête. M.B. – Aposentada e moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. É, sobretudo, nas noites de quinta-feira que os estudantes fazem a grande festa. Isso, porque, para uma boa parte dos estudantes, os pais residem em outras cidades e na sexta-feira, comumente, viajam para visitarem os familiares. É muito comum passarem nas ruas estreitas, nas tardes de sexta-feira, com malas ou mochilas… Com destino a estação de trem. Não que o Vieux Tours fique vazio... 331 Outros usuários, pessoas adultas e moradores de outros bairros desfrutam dos momentos de tempo livre nas ruas, bares, boates e restaurantes do Vieux Tours. E – A comment qualifierez-vous vos conditions de vie dans le quartier ↑ / très bien/ bien/ moyen/ mal ↑ M.B. – pas très bien/ à cause du bruit et de l'alcoolisme des visiteurs la nuit/ des gens qui ont entre seize ans et quarante ans/ ce ne sont pas que des étudiants/ c'est vraiment une population très nombreuse de Tours mais aussi des environs de Tours E – mais pas que des étudiants↑ M.B. – pas forcément/ ce sont aussi ce qu'on appelle les jeunes actifs/ c’est-à- dire des gens qui ont entre vingt cinq et trente cinq ans et qui travaillent/ et qui viennent: le vendredi et le samedi/ les étudiants c'est le mercredi et le jeudi toute la nuit M.B. – Aposentada e moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. De toda maneira o único dia mais calmo é o domingo, pois a maioria dos estabelecimentos encontra-se fechado. Mesmo durante as grandes férias de verão, quando a cidade fica visivelmente vazia... Os estudantes viajam... Até mesmo lojas, bares, padarias, mercearias e restaurantes fecham... Os moradores vão desfrutar do sol em outras cidades ou países... O Vieux Tours não fica deserto. Pois dessa vez são os turistas que chegam para fazer a festa. A vantagem é que os visitantes fazem menos barulho, mas os bares, que ficam abertos, investem em animação interna com muita música para atrair o turista. As noites são longas para quem não consegue dormir... Curtas para quem anseia em permanecer nos bares, que por lei têm o direito de ficarem abertos até 2 horas da manhã. Mas para continuar bebendo as pessoas tem a opção das discotecas que fecham bem mais tarde. Com a nova regulamentação nacional autorizando as discotecas a fecharem as 7 horas da manhã “favorise le phénomène des After, la poursuite de l'alcoolisation et d'un tapage amplifié par les regroupements de fumeurs sur la voie publique.”384 O texto publicado 27 de dezembro de 2009, no “Journal Officiel, instaure une heure et demie dite «blanche». Ainsi, les établissements, 384 PLACE Plum': les riverains s'invitent dans le débat. La Nouvelle République. s.p., 2 mars 2012. Fonte: Arquivo da Association des Habitants Plumereau-Halles-Resistance-Victoire. 332 qui ferment à 7 heures, ne pourront pas servir d'alcool à partir de 5h 30.”385 Terraços dos bares e restaurantes sempre cheios, nas ruas uma circulação impressionante de jovens com garrafas de bebidas. Nos supermercados do bairro, logo ao entardecer, o movimento de pessoas, especialmente de jovens, aumenta consideravelmente sejam para comprar pães, alimentos para o jantar, como também bebida alcoólica. Quando não fazem a festa na rua, fazem dentro dos apartamentos. Comumente quando saem dos bares vão continuar a festa em casa. A música, a conversação em alto volume certamente incomodam os vizinhos que não participam da reunião. As casas antigas com pisos de madeira contribuem ainda mais para amplificar o barulho, seja da música ou das pisadas das pessoas que dançam e pulam. Barulho de copos e garrafas que se partem no chão... Para quem mora no andar de baixo dormir torna-se impossível... Pessoas alcoolizadas têm dificuldades para subir as escadas… Como são de madeira fazem ruídos ao pisarem fortemente nos degraus... Os degraus das escadas são igualmente utilizados como assento, desse modo, o consumo de bebida e a conversação forte pode se estender até mesmo na área comum do prédio. Os que participam da festa ao sair ou entrar batem o portão... Os convidados ao chegarem, de madrugada, muitas vezes já alcoolizados, tocam na campainha errada, acordando abruptamente o morador vizinho... Para outra entrevistada, professora e também aposentada, o barulho é uma das questões mais sérias do bairro. Ela narra sobre uma vizinha que fazia festa no apartamento todos dos dias: M.F. – au dernier étage ce sont c'est la petite fille du propriétaire bah on l'entend pas beaucoup / elle fait de la musique mais on l'entend même pas et puis au- dessus de chez nous bah là en ce moment la jeune fille est bien // on en a eu quelques fois qui étaient pendant deux ans ou il y a deux ans y en avait une qui était vraiment insupportable qui a fait la fête tous les soirs toute l'année et la maman sa mère nous avait dit si y a un problème vous m'appelez / elle avait donné son téléphone alors je l'ai appelée une fois deux fois et puis après j'ai dit c'est pas la peine. 385 TOUTES les boîtes de nuit vont fermer à 7 heures du matin. 20 Minutes Fr. Paris, s.p., 29 déc. 2009. Disponível em: http://www.20minutes.fr/france/372932-toutes-boites-nuit-vont-fermer-a-7-heures- matin. Acesso: out. 2010. (Grifo conforme original). 333 M.F. – Professora aposentada e moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Nas ruas pessoas embriagadas cantam, falam alto, isso quando não gritam forte, risadas... Uma orquestra nada prazerosa se mantem ativa toda noite. A saída dos bares outra etapa difícil um momento delicado quando as pessoas alcoolizadas ao passarem pelas ruas quebram lixeiras ou as lançam no chão espalhando o lixo pela rua... Tocam as campainhas das casas, danificam carros que se encontram estacionados etc... A lista pode ficar por aqui porque uma breve ideia do cenário já se fez. Mas não significa que tenha acabado... Depois a saída das boates, outra sessão de gritos, brigas e barulhos... Às seis horas da manhã é possível ver pessoas nas ruas ainda bebendo... O cenário nada agradável pintado durante a noite, pode ser visto com a chegada da manhã... Ruas estreladas de lixo, lixeiras derramadas no chão, garrafas de bebidas espalhadas... Estilhaços de vidro... Vômitos e um odor forte de urina, em algumas ruas, é o resultado da interminável noite para quem não pode dormir... Mas quem disse que é hora de descansar... Logo bem cedo chega ao Vieux Tours os carros de limpeza pública... Então entra em cena outra modalidade de barulho... Um eficiente serviço promove a limpeza do local. Jatos potentes de água são lançados nas ruas e nas praças que “tomam banho todos os dias”... Aos poucos tudo volta ao seu devido lugar... As marcas deixadas durante a madrugada vão sendo apagadas... Alguns poucos vestígios... É como se a noite em que as pessoas deixaram tudo terrivelmente sujo não existisse. Então, para a população o serviço de limpeza é muito eficiente. Ananda elogia o serviço, mas ressalta que o fato de ser uma área turística existe uma preocupação por deixar o ambiente limpo. M.B. – alors le service / c'est très propre parce qu'il y a beaucoup de tourisme / mais la mairie met beaucoup de choses en œuvre pour que ce soit propre / il y a un service nettoiement de la mairie qui est très très efficace et qui travaille de cinq heures à huit heures le matin / et à cinq heures si vous saviez tout ce qu'il ramasse et des choses dangereuses comme des bouteilles cassées / des verres cassés et il y a des employés qui quelques fois sont très fatigués et inquiets. 334 O enredo torna-se ainda mais dramático com a famosa “rentrée des étudiants”, que consiste na volta às aulas, no mês de setembro, depois das longas férias de verão. Nesse momento os colegas e amigos se reencontram e fazem uma grande festa que tomam as ruas do Vieux Tours e em especial a Place Plumereau. Uma grande noite regada à bebida... Uivos são possiveis de se escutar de longe... Uma praça inundada de gente que grita e bate nas mesas (que ocupam todo o centro e entorno da praça) em uníssono... Um filme muito parecido pode ser revisto durante as festas de Halloween e Saint Patrick. Imenso burburinho ocorre também durante a “Fête de la Musique”. As festas que têm no bairro não agradam em nada a Ananda. Para ela essas manifestações deveriam ocorrer em outros bairros e não somente no Vieux Tours. Ela conta que as pessoas que conhecia saíram do bairro justamente por causa do barulho, porque não puderam suportar. Na opinião dela, no bairro não tem muita mistura social. Os mais abastados mudaram de residências e atualmente a população é composta mais de pessoas aposentadas e de estudantes. M.B. – parce que les gens que je connaissais bien ont tous déménagé à cause des nuisances / donc aujourd'hui il y a des retraités / ce sont des catégories sociales moyennes je dirais / employés / ou anciens commerçants mais des petits commerces / et il y a très peu de personnes de catégories sociales supérieures / très peu // il y a surtout beaucoup d'étudiants voilà. M.B. – Moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Mesmo com todas as turbulências ela acredita que o Centro Histórico arquiteturalmente é muito interessante, restaurado… M.B. – maintenant on ne restaurerait plus exactement plus de cette façon et agréable le jour et très désagréable la nuit. Alors je pense qu'il y a quelques secteurs un peu protégés: des rues qui sont moins bruyantes que là où je suis, mais les gens sont quand même très négatifs. Na opinião de Ananda existem muitas coisas para melhorar no Centro Histórico: a primeira menos barulho durante a noite. Em segundo lugar, diminuir o número de bares e de restaurantes e aumentar a variedade de comércios. Pensa que 335 os comerciantes devem respeitar as prescrições arquiteturais. E com relação a paisagem natural ela também tem suas reivindicações: M.B. – moins de minéralisation de l'espace public et plus de végétalisation: C'est à dire que toutes les placettes ont été pavées alors qu'autrefois, enfin y a pas longtemps il y a quatre cinq ans, il y avait beaucoup de fleurs et de plantes, et les employés municipaux en ont assez de voir les gens qui font pipi ou pire derrière les plantes ou les arrachent. on verra, on a un exemple ici. M.B. – moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Vegetação em Tours 1839 Figura 42: Vegetação em Tours. Fonte: Pressibus – Blogcvl.386 386 Informações disponíveis em: BEYRAND, Alain. L’arbre à Tours à travers les sièces, de 1600 à 2000. In.: Tours et ses arbres qu'on ne laisse pas grandir: chronique d’un saccage écologique urbain. Jouy le Moutier (?): ILV Edition, 2012. Disponível em: http://pressibus.org/blogcvl/a2/arbres2c.html. Acesso: out. 2013. 336 Árvores no “Secteur sauvegardé” de Tours – 2013 Figura 43: Árvores no “Secteur Sauvegardé” de Tours. Fonte: Pressibus – Blogcvl.387 Mesmo com todos os problemas, diminuição da vegetação presente no bairro… Com as incontáveis noites sem dormir, Ananda pretende continuar vivendo no mesmo apartamento, embora tenha plano de mudar-se para um imóvel que tenha elevador. Enquanto isso, ela segue na luta pela promoção da qualidade de vida no bairro. 387 Informações disponíveis em: BEYRAND, Alain. L’arbre à Tours à travers les sièces, de 1600 à 2000. In.: Tours et ses arbres qu'on ne laisse pas grandir : chronique d’un saccage écologique urbain. Jouy le Moutier (?): ILV Edition, 2012. Disponível em: http://pressibus.org/blogcvl/a2/arbres2c.html. Acesso: out. 2013. 337 11.1. “O efeito bumerangue” das políticas urbanas: Centro Histórico lugar de risco? A saída progressiva dos moradores revela a outra fase das políticas urbanas. As reclamações fazem parte do cotidiano dos habitantes. Ora, a animação noturna tem promovido sérios conflitos de vizinhança e com os proprietários dos estabelecimentos. Tudo isso tem gerado forte efeito e os preços dos aluguéis têm baixado. E.M. – aujourd'hui un appartement qui serait à vendre sur la place Plumereau / y a personne qui l'achète / si ce n'est pas un commerçant qui va loger ses employés dedans / c'est à dire des gens qui travaillent comme dans les bars / de nuit / bon qui finissent leur boulot à trois heures du matin / et puis c'est impossible de dormir / donc il faudrait vraiment que de nouveau ces quartiers- là / je ne dis pas pour Tours / ce quartier / mais vous avez la même chose là- bas / rue Colbert / Cathédrale / c'est pareil / c'est quand même / y a beaucoup de bruit / c'est très dégradé / y a beaucoup de violence / bon il faudrait que de nouveau ces quartiers retrouvent une sorte de climat de sérénité / pour qu'on puisse tranquillement s'y balader le jour mais aussi la nuit / […] moi si vous voulez je comprends pas / une mesure qui pourrait être efficace / je ne comprends pas qu'aujourd'hui il y ait des bars qui / après avoir fermé à deux heures du matin / ouvrent à cinq heures du matin mais pas pour vendre des cafés et continuer de vendre comme de l'alcool / bon y en a un qui était fermé à côté qui s'appelait le X Café / fermeture administrative / et ça a mis un temps fou / y a eu des bagarres extrêmement violentes / des gens hospitalisés / alors ça oui il faut que ça change / c'est pas qu'il faut plus de police / il faudrait arriver à faire comprendre que ces lieux peuvent être des lieux de divertissement sans être des lieux de perdition / l’état / faut voir l'état dans lequel les gens se mettent / il faut dire ce sont des états extrêmes qui touchent aujourd'hui les filles comme les garçons / les filles ayant leur comportement sur celui des garçons / ici on le voit / alors justement autrefois les garçons hurlaient comme des veaux dans la rue / y avait les filles à côté qui disaient chut / maintenant c'est l'inverse / moi je suis réveillé par des cris suraigus de jeunes filles / j'ouvre la fenêtre : je pourrais reconnaître une de mes étudiantes / c'est pas des gens qui viennent de l'extérieur / ce sont des gens de la ville dont les parents sont souvent de la bourgeoisie / c'est pas des quartiers défavorisés / c'est pas ça du tout ici E.M., Professor e pesquisador, morador do Centro Histórico de Tours – "Les Halles”. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Conforme depoimentos dos entrevistados, o aluguel no bairro é cada vez mais barato. Exemplar é o artigo cujo subtítulo já expressa claramente o conteúdo: 338 “La place dont on était si fier semble avoir pris de vilaines rides. On y dénonce le bruit, l'insécurité, le trop grand nombre de cafés. Le prix de l'immobilier y a dégringolé.”388 O texto salienta, ainda, as complicações já elencadas: quantidade nímia de bares, cafés e restaurantes e possíveis buscas de soluções pela municipalidade. No que tange a esse assunto algumas regulamentações foram fixadas. Em 21 de maio de 1990, “le préfet prend un arrêté de lutte contre les bruits de voisinage.” Entrementes, outro “Arrête” é aprovado, dessa vez para proibir o consumo de bebidas alcoólicas nas vias públicas (no exterior dos terraços). O crescimento exponencial do número de restaurantes, bares e discotecas leva a uma vida noturna, que não é nada fácil para os moradores. Nos anos de 1980 havia cerca de 50 comércios dessa natureza, esse número subiu para 209, em 1997 – “153 cafés, 71 restaurants et 85 commerces de bouches avec produits à emporter.” Afora, a matéria toca no problema da insegurança – gritos dos clientes – e das drogas. Outro assunto mencionado é a coabitação.389 Outras medidas foram implementadas, como o “Arrêté Préfectoral”390 datado de 2 de abril de 1997, que proíbe toda nova instalação de bares no Vieux Tours. Como explícita o documento a seguir: VU la demande de la Chambre de l'Industrie Hôtelière d'Indre-et-Loire tendant à ce que soient réglemenées les distances d'implantation des débits de boisson á consommer sur place de 2a, 3a et 4a catégorie autour de débits existants. [...] CONSIDERANT que la concentration importante des débits de boisson dans le centre du Vieux Tours et ses rues piétonnes, présente un danger pour la santé et l’ordre public. CONSIDERANT que ce danger est aggravé par la présence, dans le périmètre défini ci-aprés, d'une importante population scolaire et étudiante qui fréquente les débits de boissons du quartier.391 388 M. P. M.. Faut-il raser Plumereau: La place dont on était si fier semble avoir pris de vilaines rides. On y dénonce le bruit, l'insécurité, le trop grand nombre de cafés. Le prix de l'immobilier y a dégringolé. La Nouvelle République du Centre-Ouest. Tours, p. 1, 24 avr. 1997. Fonte: Arquivos da Association des Habitantes Plumereau-Halles-Résistance-Victoire. 389 PLUS de nouveaux cafés à Plumereau. La Nouvelle République du Centre-Ouest. Tours, p. 8, 4 juin 1997. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 390 Lei que assinada pelo Prefeito de Tours, que se aplica a todo Departamento – Indre-et-Loire. 391 FRANÇA, ARRETE DU 2 AVRIL 1997. Portant reglementation des distances d'implantation de debits de boissons a consommer sur place autour des débits déja existants dans un quartier de la ville de Tours. Préfecture d'Indre-et-Loire. Tours. Fonte: Association des Habitantes Plumereau-Halles- Résistence-Victoire. 339 O trecho acima é relevante pela tônica posta a uma questão que emoldura o bairro nos últimos tempos, qual seja: o consumo elevado de bebidas alcoólicas. Problema esse agravado, segundo o artigo, “Plus de nouveaux cafés à Plumereau”392 pela presença dos estudantes (do Lycée – Ensino Médio – e da Universidade). Ainda seguindo essa trilha, em 2009, foi proibida a venda “d'alcool à emporter en ville, le soir.” Assim, após as 21 horas, em todos os dias do ano, os estabelecimentos comerciais como supermercados, mercearias etc, não podem mais vender bebidas alcoólicas que serão levadas pelos clientes para serem consumidas em outro local. A interdição, segundo Jornal La Nouvelle République, foi tomada com o fito de lutar contra a alcoolização de jovens.393 Se para os moradores os jovens estudantes são promovedores de constrangimentos, para os comerciantes e para a administração pública a presença dos estudantes é fator de dinamismo econômico da cidade. O que se leva em consideração é o poder de compra, a consumo dos estudantes. Além disso, a Universidade, contribue à la croissance de façon plus indirecte en proposant des filières de formation susceptibles de répondre à des besoins en personnel qualifié, en fournissant aux entreprises des compétences scientifiques exploitables en termes de transfert des technologies. C'est donc un atout important pour l'agglomération en matière d'attraction des entreprises dans le contexte de concurrence entre les villes françaises et européennes.394 A cidade de Tours conta com uma população de 138.268 habitantes (2010)395 e possui uma ampla população estudantil. A Université François Rabelais tem um total de 22.500 alunos e 2.500 alunos estrangeiros (advindos de mais de 115 392 PLUS de nouveaux cafés à Plumereau. La Nouvelle République du Centre-Ouest. Tours, p. 8, 4 juin. 1997. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 393 BELLANGER, Évelyne. Vente d'alcool à emporter : prohibition à la tourangelle. Commerce. La Nouvelle République. Tours, p. 10, 17 juil. 2010. Fonte: Arquivos da Association des Habitantes Plumereau-Halles-Résistance-Victoire. 394 LA CHARTE de l'agglomération tourangelle. Tour(s) Plus. Tours, mai 1999, p. 8. Fonte: Archives Municipales de Tours. Cód.: 168W1 – T50 – Curetage. 351 – 445 A. 395 Fonte: LA VILLE de Tours. Annuaire-Mairie.fr. Disponível em: http://m.annuaire-mairie.fr/ville- tours.html. Acesso: jun. 2012. 340 países e dos cinco continentes).396 De acordo os dados referentes ao ano letivo de 2012-2013, a Faculdade de Tanneurs (Letras), localizada no perímetro do “secteur sauvegardé”, concentra 30% dos alunos da Universidade. Seguido dos campus de Deux Lions que agrupa 23%, Tonnellé 20%, Grandmont 15% e Jean Luthier 7%, na cidade de Tours. Dois campus situados nas cidades de Blois e Fondettes registram 4% e 1% respectivamente. Dados da população por faixa etária, do ano de 2009, revelam a prepoderância de moradores jovens nos bairros que compõem o centro histórico da cidade, como ilustra o gráfico a seguir. Gráfico 6: População de jovens e idosos – 2009. Fonte: INSEE.397 396 Informações disponíveis em: http://www.univ-tours.fr/l-universite/presentation- 185785.kjsp?RH=ACCUEIL_FR&RF=1227187094781. Acesso: jun. 2013. 397 Fonte: Bibliothèque de l’INSEE – Institut National de la Statistique et des Études Economiques.18 boulevard Adolphe Pinard 75014 Paris. Segundo o Institut National de la Statistique et des Études Economiques não existe estatística concernente ao Centro Histórico e sim dados por centros, que correspondem a população do setor Centre 1 (Nationale - Colbert) Centre 2 (Nationale - Plumereau) Centre 3 (Plumereau - Victoire) Centre 4 (Halles - Saint Eloi) Centre 5 (Halles - Nationale) Cathédrale 1057 491 709 403 1016 865 468 285 279 229 367 517 População de Jovens e Idosos - 2009 Pop 18-24 ans en 2009 (princ) Pop 65 ans ou plus en 2009 (princ) 341 Gráfico 7: População total – 2009. Fonte: INSEE. Conforme os dados a quantidade de pessoas jovens e idosas que habitam no Secteur Sauvegardé é expressiva. O Centre 1 (quartier National e quartier Colbert) possue o maior número de habitantes jovens 1.057, com faixa etária entre 18 a 24 anos e o Bairro Cathédrale congrega o maior número de idosos com 517 moradores com mais de 65 anos. O Bairro da Cathédrale é comumente referenciado como um local tranquilo. Apesar disso, os moradores manifestam reclamações por causa dos pequenos comércios que existiam no Bairro e que fecharam as portas por falta de clientela. Não obstante as queixas, o bairro é central, tem uma ótima localização no que concerne a proximidade aos comércios e serviços. Basta lembrar que a Rue Nationale situa-se a menos de 10 minutos da “Place de la Cathédrale”, por isso os moradores podem ir à pé fazer compras, ir á “Gare de Tours” ou ir a “Mairie”… Pois somados com os dados da população do Bairro Cathédrale. São 5 centros que correspondem as seguintes divisões: centro 1: a população da Rue Nationale e da Rue Colbert; Centro 2: da Rue Nationale a Place Plumereau; Centro 3: da Place Plumereau a Victoire; Centro 4: do Halles até Saint- Éloi e Centro 5: do Halles a Rue Nationale. Ver mapa, em anexo, com as divisões dos bairros de Tours, segundo o Institut National de la Statistique et des Études Economiques. IRIS définition. Institut National de la Statistique et des Études Économiques – Insee. Disponível em: http://www.insee.fr/fr/methodes/default.asp?page=definitions/iris.htm. Acesso abr. 2013. Centre 1 (Nationale - Colbert); 3680 Centre 2 (Nationale - Plumereau); 1579 Centre 3 (Plumereau - Victoire); 2258 Centre 4 (Halles - Saint Eloi); 1676 Centre 5 (Halles - Nationale); 2745 Cathédrale; 4000 342 tudo fica muito perto. Nascido em Tours e morador do Bairro Cathédrale desde a década de 1960, Thierry398 foi um dos comerciantes que viu paulatinamente a diminuição da clientela. Ex-dono de uma charcutaria no Bairro narra com sentimento sobre o momento que teve que planejar o fechamento do comércio. Declara que os clientes foram diminuindo progressivamente após a chegada dos grandes supermercados. Dedicado ao seu ofício ele mesmo fazia os embutidos. Por isso, fala com emoção, que a decisão de deixar seu trabalho não foi nada fácil, mas necessária, pois não tinha como manter as portas abertas com a situação econômica. Relutou o quanto pode para permanecer com o comércio que era feito com amor. E – Quand vous avez fermé votre commerce, c’était dur pour vous↑ G.G. – C’était dur parce que moi j’ai perdu beaucoup, mais on s’y ait préparé… G.G. – On savait qu’on ne vendrait pas… il n’était pas question de se beuh beuh beuh ! Se dire qu’on ne vendrait pas donc fallait qu’on se prépare notre retraite tout doucement en disant le jour où l’on va baisser le rideau on aura quelque chose… ce n’est pas grand mais on a quelque chose pour vivre vous voyez ↑ C’était ça notre… E – Vous vous étiez préparé pendant longtemps ↑ G.G. – C’était ça notre but, faut prévoir, faut pas tout… tout… parce qu’on gagnait notre vie quand même, mais si il y avait un peu d’argent c’était de le mettre de côté pour plus tard. Hein c’est sûr on n’a pas fait de voyage on n’a pas fait de ceci, cela parce qu’on n’avait pas les moyens. C’est tout mais faut pas… se plaindre plus que les autres, du moment que vous avez une ambiance de vie qui est bonne que vous vous entendez bien avec votre femme, que vous côtoyez des gens qui sont gentils… c’est ça la vie de toutes manières… ce n’est pas d’avoir de l’argent… on n’est pas envieux de toutes manières. Moi je n’envie pas de la personne qui a une grosse belle voiture, ça me fait pas envie je ne suis pas… jaloux je ne suis pas envieux. Je me contente de ce que je suis, et de ce que j’ai et c’est pour ça hein que je fais toujours un peu d’heures dans la viande parce que ça me permet de garder des contacts avec ma profession… G.G. – Et que je peux discuter avec des gars de choses que je connais et qu’eux connaissent aussi. On échange, on parle, on échange les procédés, ah bah tiens moi mon saucisson je le faisais comme ça… mon jambon je le faisais cuire comme ça, bah ça je faisais ça comme ça vous voyez ↑ Donc ça vous garde une bonne ambiance de vie quoi. Et puis c’est ça qu’il faut avoir, vous avez des gens qui disent ah c’est ça la retraite ! Moi je dis la retraite si c’est pour vous foutre le cul sur la banquette et puis devant la télé toute la journée… Moi ça ne va pas ça faut trouver, faut que je fasse autre chose autrement. Bah oui puis 398 Nome fictício, História desenvolvida a partir da entrevista realizada com o morador e ex-comerciante do Bairro Cathédrale. Entrevista com G.G. concedida a autora na cidade de Tours/ França, 2013. 343 c’est la vie, c’est… Bon tant qu’on peut qu’on a la santé j’ai une voiture moi… à part les courses en campagne qu’on était ce matin, la voiture elle est au parking, je vais la reprendre demain matin, pour aller travailler autrement toutes mes courses je les fais en vélo. Je ne vais pas m’embêter à aller aux halles avec la voiture, je vais tourner en rond pendant 3h pour trouver une place… G.G., ex-comerciante e morador do Bairro Cathédrale. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2013. Na ocasião, para encerrar suas atividades ele deu uma festa, um churrasco, para dizer “au revoir” aos clientes. Diz com um ar de saudade e ao mesmo tempo de estranhamento diante de tantas mudanças, pois assistiu a saída dos colegas comerciantes... Dos moradores. Viu os laços de vizinhança se desfazer. Com relação a essa situação vale a pena conhecer uma história que mudou essa atmosfera. Recentemente vem ocorrendo, através da Associação do Bairro, reuniões entre os habitantes. A iniciativa começou em 2011, quando uma das moradoras, devido a um problema de saúde recebeu, sem esperar, visita de uma vizinha, que percebeu a situação e bateu na porta para oferecer ajuda. Esse ato tocou e muito a moradora, porque não esperava a demostração de solidariedade, pois cada residente permanece muito restrito a sua própria casa e nem mesmo conhece os vizinhos. O gesto amoroso a fez refletir o quanto poderia existir, no Bairro, pessoas com problemas, sobretudo porque é um local onde habita muitos idosos, e essas pessoas poderia se encontrar, como ela, com problemas, sozinhas e precisando de ajuda. Foi a partir dessa história que a moradora tomou a iniciativa de reunir os habitantes do Bairro em uma festa para que todos pudessem se conhecer e assim estreitar os laços de vizinhança e amizade. Imbuída com esse propósito passou de casa em casa para entregar aos moradores o convite para a festa do Bairro e junto uma poesia… O chamado foi aceito e a festa realizada. Depois disso a ambiência mudou completamente e as pessoas passaram a se cumprimentarem, visitar um ao outro. Uma vez no ano realizam a festa dos Habitantes do Bairro Cathédrale (Fotos 59 e 60 – Apêndice). O ar de satisfação ilumina o rosto de todos, especialmente daqueles que têm mais idade, cujo contato social e laço de amizade ajudam nessa fase da vida muitas vezes costurada pela solidão. Na verdade todos os moradores entrevistados dizem que a vivência no Bairro tornou-se mais aprazível gerando laços 344 de solidariedade.399 Um momento alegre com música ao vivo, danças, comidas, histórias dos moradores antigos são narradas através de cartazes e muita conversa entre os habitantes que não são mais desconhecidos. Assim, uma vez por ano, os moradores se reúnem em uma agradável festa que ocorre na “Place des Petites Boucheries”. Mesma Praça em que Thierry teve sua charcutaria, local que outrora abrigava diversas lojas. Mesmo com as reuniões entre os habitantes, atualmente não existe mais a sociabilidade de antes, promovida pelos comércios próximos, pois todos os pequenos comércios saíram. Ele detalha como aconteceu, G.G. – Qui a fermée, il y avait une petite entreprise de manufacture de chaussures rue Albert Thomas qui a fermée aussi. […] G.G. – Donc tout ça / ça a poussé à nous faire démarcher et l’école qui a fermée… pareil. Donc l’école il y avait quand même 120… 120 enfants hein, et ça faisait quand même une animation dans le quartier / où il y avait quand même madame David qui était épicière rue Albert Thomas avec un café, madame Shutcher qui était épicière Café sur la place, madame Gaunaut qui était café épicerie dans la rue Blanqui au début/ G.G. – Madame Cornuaut qui était crémière, vous voyez Il y a avait une petite droguerie où il y a N. [une voisine] maintenant c’était une crèmerie ça. G.G. – Et il y avait encore un café à côté… hein vous acquiescez. G.G. – Et où il y a le restaurant c’était une boulangerie. Alors tout ça, ça faisait quand même… Et rue Blanqui il y a avait un boucher qui a fermé qui est décédé malheureusement et qui a fermé au même moment que moi qui a arreté. Donc ça faisait quand même… Et sur la place il y avait un dépôt de bière donc ça faisait une animation, plus, un dépôt de papier pour imprimerie. […] G.G. – il y a eu un dépôt de chaussure en demi-gros, en gros quoi… et après il y a eu un dépôt pour les produits de matelas, matelassier, heu… placements prises, beaucoup de choses comme ça… Et ça c’est pareil ça a disparu, ça a été racheté par une société… pour faire des appartements… pour faire tout oui tout ça un sacré machin... Et puis où il y avait monsieur Shussler, sur la place, bon bah l’épicerie ou je vais ça a été démolie parce que c’était une très belle maison en ardoise… mais ah…[…] G.G. – Bah / ça été démolie en … 75-80 surement… Et tout ça a fait que bon… il y avait un coiffeur aussi. Le coiffeur a donc fermé, ça a fermé mais ça a été repris par un bar qui maintenant ça fait attraction pour les mariages heu… madame cornet… ça c’est fermé aussi… hein… heu… ca avait été repris par un plombier qui avait un petit dépôt / Il y avait une petite droguerie aussi qui faisait les journaux, un peu de couture aussi… ca a disparu aussi maintenant c’est une chose de sport qu’il y a là-dedans… je sais pas quoi… machin de danse… je sais pas quoi. […] 399 História narrada a partir da entrevista e conversas com a moradora do Bairro Cathédrale. Entrevista com N.S., concedida a autora na cidade de Tours/ França, 2012. 345 G.G. – Etaient obligé d’avoir un appartement conforme au… à… leur vie de famille hein. […] G.G. – Bah Oui puis dans les quartiers comme ça, des quartiers les jeunes d’abord ils ne font pas de cuisine / hein… ils achètent des sandwichs, ils achètent des pizzas ils achètent… oui c’est… bon et puis ils sont à l’école… beaucoup sont à l’école… ils ne font pas…Il n’y a pas de cuisine. Il n’y a plus de famille, plus de parents pour dire on va faire de la cuisine pour qui que ce soit… ce sont des étudiants de toutes manières… G.G. – Des logements étudiants hein… Ça s’est transformé en logements étudiants comme la rue Colbert, comme… des studios quoi… voilà… bah ces studios là il y avait des familles qui vivaient… G.G. – Et tout ça… Ca a partie sur Tours nord et nous donc bon plus de clients, école fermée, tout ça… on a été obligé de prendre la décision de partir sur les marchés pour continuer à vivre… donc ça il y a 30 ans qu’on aurait qu’on aurait fermé… que ça serait terminé… E – Et à votre avis maintenant il y a plus des etudiants ↑ G.G. – Ah bah oui maintenant c’est que des étudiants. […] G.G. – Même ici je vois içi dans l’immeuble ici il y a deux, trois étages, il y a deuxième, troisième c’est que des étudiants hein ↑ G.G. – Premier, deuxième, troisième c’est des étudiants. A la charcuterie ou j’étais, le propriétaire a fait que des studios… G.G. – Pour mettre des étudiants… vous voyez ↑... La grande maison qui est au coin là-bas c’est pareil c’est pas des familles, c’est des étudiants… et puis chez… en face où il y avait la maison en face de chez nous, et bien c’est pareil il y a un monsieur qui est tout seul mais le reste c’est des étudiants… G.G. – Ex-comerciante e morador do Bairro “Cathédrale”, entrevista concedida à autora, Tours/ França, 2013. A propagação da paisagem de cidade universitária faz com que habitações para estudantes se espalhem pelo Centro Histórico de Tours. Essa propensão faz parte do caudal de encadeamento promovida pelas políticas urbanas. Nesse sentido ocorre uma redefinição do lugar que encontra-se cada vez mais atrelado a criação de ambiência para estudantes e formação de uma imagem de cidade voltada para o conhecimento e saber (CANCLINI, 2008), e dessa forma ganhar espaço no contexto de competição entre as cidades para captação de investimentos. A emergência de uma urbe para estudantes molda os espaços e as relações… O Bairro apesar do número crescente de jovens, que passam a morar no local, ainda guarda seu ar de tranquilidade, pois as festas são realizadas no Vieux Tours onde existe a concentração de bares, restaurantes e boates. O Bairro da Cathédrale é considerado, hoje, um dos mais elitizados da cidade. Corroborando com 346 essas observações, vale a pena destacar o trecho da entrevista realizada com uma professora e moradora do Bairro Cathédrale. M.R. – en tout cas dans le quartier où je suis / c'est plutôt des couches sociales favorisées qui habitent là / ça c'est clair / parce que les loyers sont chers où les habitations / et aussi les gens sont propriétaires / euh nous par exemple à côté du lieu où nous vivons il y a eu / ça s'est créé depuis que je suis à Tours / il y a eu un lieu d'accueil qui a été construit pour des personnes en difficulté / qui ne sont pas en capacité de vivre de façon autonome / elles ont donc chacune leur chambre / et des lieux de vie communs / c'est très bien / du coup ça crée une autre atmosphère dans le quartier / ça évite qu'on soit simplement je dirais entre personnes d'un milieu social commun M.R. – Professora e moradora do Bairro Cathédrale. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Além do sossego a beleza que veste o bairro, com suas velhas edificações valorizadas após o processo de restauração – que seguiu as pegadas do caminho aberto com as operações realizadas no Vieux Tours – mudanças dos moradores de baixa condição social e econômica por habitantes mais favorecidos economicamente – o bairro ganhou uma outra dinâmica, de local insalubre, moradia dos mais pobres passou a ser referenciado, também como local turístico da cidade. N.S. – alors là c'est parce que j'aime beaucoup l'architecture / j'aime beaucoup la nature et j'ai besoin quand je vais travailler de traverser un quartier qui me fait plaisir aux yeux / qui est beau / j'aime les belles choses / je vais beaucoup aux musées / enfin j'aime tout ce qui est beau / les belles personnes / les belles chaussures / les beaux vêtements / la belle architecture les belles rues […] parce que j'ai besoin que le trajet entre la maison et le travail soit beau / j'ai visité des maisons dans des quartiers / des maisons belles mais le trajet alors en définitif mon trajet pour aller au travail c'est la gare donc mon trajet de la maison jusqu'à la gare il est beau / tu vois c'est très agréable mais j'avais visité d'autres maisons où le quartier / les rues que je devais emprunter pour aller au marché ou pour aller à la gare étaient pas belles et j'ai pas le moral / je vais pas bien donc j'ai acheté là parce que c'est beau / c'est un beau quartier ou c'est vrai c'est calme ça joue aussi mais c'est beau N.S. – Arquiteta e moradora do Bairro Cathédrale. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. A par dessas considerações o silêncio ganha “preço de ouro”, em outras palavras, por causa das celeumas existentes no Vieux Tours, os preços dos aluguéis vem abaixando significativamente, ao passo que a Cathédrale é por ora um bairro 347 calmo e os custos para habitar ainda são elevados. Observa-se ainda que é o Bairro onde existe a maior quantidade de idosos. E – pensez qu'il y a une différence d'ambiance entre la journée et la nuit ↑ M.R. – alors je pense que ceux qui habitent aux Halles répondraient sûrement différemment de nous / ici y a pas de différence d'ambiance entre le jour et la nuit puisque globalement / en tout cas dans le quartier où j'habite c'est tranquille la journée et très tranquille la nuit / je pense que ceux qui habitent du côté des Halles / place Plumereau / eux disent des choses différentes / mais ici c'est calme. M.R. – Professora e moradora do Bairro Cathédrale. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Atinente a esse aspecto, é muito comum ouvir dos moradores a seguinte declaração: foi depois que os estudantes passaram a morar no “Vieux Tours” que o problema tomou proporções gigantescas. Ou então, que são os estudantes, que fazem fervilhar as ruas medievais, os responsáveis pela saída das famílias, que não suportaram a maneira de viver dos jovens. No entanto, nunca é demais lembrar que a construção da Faculdade foi prevista, conforme já foi explicitado, nos planos de renovação e restauração urbana. A criação da Faculdade promoveria a animação do bairro uma vez que dotaria o local de habitantes jovens. Intenções inclusive apresentadas no “Étude générale de restructuration”, conforme trecho a seguir: Il faut ajouter enfin que dans l'hypothèse envisagée où la Faculté des Lettres s'installerait à immédiate du quartier historique, la fonction résidentielle devrait faire la place à l'aménagement de chambres pour étudiants et de logements pour les membres du corps enseignant. Certains grands hôtels comme ceux de la Croix-Blanche, de la Monnaie, etc..., pourraient devenir des annexes de la Faculté ou des foyers d'étudiants en raison de leur valeur culturelle.400 Tal angulação foi abordada por Pierre Boille no texto da sua conferência, “La restauration du quartier Nord-Ouest de Tours”. O texto da conferência já previnia que os preços dos aluguéis seriam superiores, nas palavras do arquiteto: […] La création d'une Faculté des Lettres en bordune de la Loire permettra de 400 VILLE de Tours: restauration du quartier Nord-Ouest: étude générale de restructuration. Société d'Economie Mixte de Restauration de la Ville de Tours – S.E.M.I.R.E.V.I.T., 1962, p. 13. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 348 lui donner une vie active grâce aux étudiants, ce qui nécessitera la création de chambres, de petits restaurants, de magasins universitaires, etc. […] Les loyers futurs seront supérieurs à ceux actuels et cependant, tant à Tours que dans les autres villes de France, le coût de l'opération donne des montants de loyers moins éléves pour des caractéristiques semblables que ceux qui seront édifiés dans la zone de Rénovation. (BOILLE, 1964, p. 115-116). Do mesmo modo o texto “Une Nouvelle Jeunesse pour des quartiers historiques”, esclarece que o primeiro setor operacional de restauração é delimitado nas proximidades da Place Plumereau, por três razões, quais sejam: primeiro por apresentar o conjunto de imóveis mais degradados, que eram invadidos por ratos e enumerava 50% dos casos de sífilis do departamento. Segundo por ser o mais espetaculoso, ou seja, a place Plumereau já era citada nos guias turísticos antes da guerra. E terceiro: “c'est ici, enfin, qu'on peut le plus facilement ramener une activité, grâce à la Faculté des Lettres qui doit lui faire face.”401 Seguindo, ainda, o caminho de informação aberto pelo texto, os primeiros moradores que fixaram residência no Vieux Tours foram os “jeunes étudiants et de professeurs. En effet la Faculté des Lettres est toute proche et la plupart des appartements réalisés (studios, F2 [apartamento que tem 1 quarto]) leur sont bien adaptés”402 Naquele início da década de 1980 esses vetores desenham outros contornos que vão refletir profundamente na paisagem que se observa atualmente. Vale a pena reproduzir na íntegra as palavras do Informativo da cidade: “Bien vite la place Plumereau devient un pôle d'attraction nocturne et touristique où se développent les commerces de luxe et les restaurants, au détriment des commerces traditionnels nécessaires à la vie quotidienne (alimentations, boulangeries, etc...).”403 Nesse novo horizonte pode-se perscrutar dois pontos importantes: primeiro a transformação dos estabelecimentos, passa-se a ter comércios de luxo e especializados: cafés, bares, restaurantes. Segundo animação do bairro promovido 401 TOURS ville-pilote de la restauration-rénovarion. Informations. Dossier. Tours, p. 6, sept. 1982. Fonte: Arquivo do Jornal La Nouvelle République. 402 Id., 1982, p. 6. 403 Id., 1982, p. 6. 349 pela presença estudantil. Outra tendência que ganha relevo no contexto mais atual são os comércios de alimentação mais baratos destinados aos estudantes, um grande número de restaurantes que vendem comidas rápidas como sanduíches, pizzas, pastas, batata fria, quebab são incorporados à paisagem do bairro. No entanto é plausível observar que o engate entre moradores jovens e concentração de bares pode resultar em um coquetel perigoso. Voltando aos jornais da época, diante da dilatação dos problemas advindos com o ritmo frenético das mudanças do cenário urbano, no palco as luzes fazem resplandecer a nova Place Plumereau... Durante toda a segunda metade da década de 1980, década de 1990 e ainda nos anos 2000, a praça vem sendo sempre alvo de reportagens que versam sobre a complexidade de problemas que a cada ano se agravam e tomam proporções cada vez mais preocupantes. Alcoolismo, drogas, barulhos, festas e violência são as palavras que circulam e passam a definir o bairro. Exemplar nesse sentido é a reportagem, “Jeunes, alcool et cannabis: le cocktail du Vieux-Tours”,404 em que os jovens contam sobre as aventuras noturnas regadas a muito álcool, nos bares e discotecas do bairro medieval. As opções são enormes, pois no bairro existem 117 bares que funcionam até às 2 horas da manhã e 9 discotecas, que fecham as 7 horas. Não somente artigos sobre o consumo de álcool pululam nas páginas do jornal local, as cenas de violência igualmente tem seu espaço. Comumente são textos que falam de brigas que ocorrem no bairro, mas também situações dramáticas, como mortes ou ferimentos graves. A lista desse tipo de agressões não é pequena. Parece incontornável delinear um breve quadro acerca desse problema. Pode-se citar como exemplo, a violência ocorrida, próximo a Place Plumereau, em julho de 2011. Em torno das 5 horas da manhã, em frente a Rue de la Paix, número 20, um jovem de 17 anos pede 404 BELLANGER, Évelyne. Jeunes, alcool et cannabis: le cocktail du Vieux-Tours. La Nouvelle République. Tours, p. 11, 3 fév. 2012. Fonte: Arquivos da Association des Habitantes Plumereau- Halles-Résistance-Victoire. 350 cigarro ao um homem de 36 anos. Diante da recusa, o jovem agride o homem, deixando-o deitado no chão. Após a agressão, o jovem consegue levantar uma pesadíssima tampa de ferro (de um bueiro) e lança sobre o rosto do homem ferindo- o gravemente. Antes de sair pega no bolso da vítima o cartão de crédito. As pessoas que foram testemunhas da cena seguem o jovem fazendo-o parar a poucos metros do local, logo na Place Plumereau. A polícia chega em seguida e o aborda. O crime chocou a população e fez reagir à opinião pública. Em junho de 2012, a reconstituição judicial da cena foi realizada no Vieux Tours. “Nombreux sont les passants qui en voyant les mètres de barrières barrant tout un secteur allant de la rue de la Paix à la rue Briçonnet ont posé cette question : «Vous savez ce qui se passe ?»”405 Outro drama, dessa vez mais grave, foi noticiado no Jornal “La Nouvelle République”, o título do artigo é revelador: “Rixe mortelle dans le Vieux-Tours”. Em maio de 2001, às 21 horas e 30 minutos, em um bar do Vieux Tours, alguns homens começam a discutir. A briga vai continuar na rua e terminar quando um dos agressores fere o outro mortalmente com uma faca, em plena Place Plumereau.406 O Vieux Tours, e em especial sua principal Praça, são focos de noticiários contantes. Na maioria das vezes os artigos parecem se repetir, porque falam comumente dos mesmos assuntos: lugar turístico e de lazer da cidade, alcoolismo, violência, poluição sonora, as queixas dos moradores, brigas, a ação da polícia... Na verdade explicitam outros episódios da mesma série de acontecimentos que se reverberam no bairro, desde os anos de 1980. Mas, em março de 2009, algo inesperado, faz a Place Plumereau e as ruas do Vieux Tours rutilar, não apenas na impressa local, como também nas telas das televisões do país. Novamente são as cenas de violência que fazem parte desse filme. Tudo começou quando um grupo de pessoas teve a iniciativa de postar em uma rede social um convite para uma festa, na Place Plumereau. A novidade sobre a festa 405 DEVOS, Caroline. A Tours, la reconstitution judiciaire d'une violente agression. La Nouvelle République. Tours. s.p., 28 juin 2012. Disponível em: http://www.lanouvellerepublique.fr/Indre-et- Loire/Actualite/Faits-divers-justice/n/Contenus/Articles/2012/06/28/A-Tours-la-reconstitution-judiciaire- d-une-violente-agression#. Acesso: jun. 2012. (Grifos conforme o original). 406 BZ. J. Rixe mortelle dans le Vieux-Tours. La Nouvelle République. Tours, s.p., 5 mai 2011. Fonte: Arquivos da Association des Habitantes Plumereau-Halles-Résistance-Victoire. 351 se espalha rapidamente entre os jovens (e menos jovens). O número muito grande de festeiros vão se agrupa na Praça, mas comparecem não somente pessoas que procuravam se divertir. Por volta das 22 horas, um grupo coloca fogo em caixas de papelão e paletas de madeiras. Os moradores chamam os bombeiros que ao chegar à Place Plumereau, são recebidos com jatos de latas (de cervejas), pedras e outros objetos. A polícia é chamada, mas não pode entrar no bairro porque os jovens fizeram barricadas com paletas, garrafas de vidros... As pedras que formam o piso da praça e dos pavimentos foram arrancadas e utilizadas pelos jovens... “Puis, le face à face s'est déplacé place du Grand-Marché où la police s'est retrouvée devant une barricade de poubelles enflammées.”407 Assim, os jovens colocam fogo em grandes lixeiras para fazer barricadas. “Echanges avec les forces de police du côté de la rue des Halles et entre 200 et 300 'fêtards' regroupés entre l'extrémité sud de la place Plumereau et la rue de la Rôtisserie.” Às 2 horas e 30 minutos da manhã a polícia pede reforço “des gerdarmes.”408 Afrontamentos por vezes mais violentos são igualmente ocorridos na place du Grand-Marché. “Il fallu plus d'une dizaine de charges des forces de l'ordre pour mettre fin vers 4 h à ces incidents totalement inédits à Tours.” Após passadas seis horas do início dos acontecimentos a situação foi controlada pela polícia. E as 5 horas da manhã o serviço de limpeza da Mairie interveio sob escolta policial para deixar a praça limpa.409 Daniel habite rue du Grand-Marché. Il a été réveillé par le chahut ambiant, les slogans hostiles contre les forces de l'ordre vers 2 h 45. Il raconte : “Sous mes fenêtres, les jeunes ont dressé un barrage de poubelles auxquels ils ont mis le feu. Les policiers et les gendarmes ont chargé à deux reprises en tirant des grenades lacrymogènes. C'était très impressionnant. L'air était irrespirable. Dans le quartier, on et habitué au tapage nocturne, mais là c'était franchement surréaliste. Je n'avais jamais vu ça” 407 DEVOS, Caroline. “Un événement festif qui a dégénéré rapidement”. La Nouvelle République. Tours, p. 2, 10 mars 2009. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 408 Na França há dois tipos de polícia: a “Police Nationale” e “Gendarmerie”. “La gendarmerie est la force armée chargée de missions de police parmi les populations civiles. […] Les membres de ce corps sont appelés gendarmes, ou « soldats de la loi »." (Grifo conforme original). Fonte: GENDARMERIE. Wikipédia. Disponível em: http://fr.wikipedia.org/wiki/Gendarmerie_nationale. Acesso: set. 2013. 409 EMBARECK, Michel. Nuit d'affrontements dans le quartier Plumereau. La Nouvelle République. Tours, p. 2, 9 mars 2009. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 352 Daniel avoue qu'il a eu peur que le feu de poubelles ne provoque un incendie dans le quartier. Le calme est revenu vers 4 h du matin avec une nouvelle intervention des pompiers mais le riverain a eu du mal à fermer l'oeil de la nuit. Il a trouvé le sommeil seulement au petit matin lorsque les éboueurs de la ville sont apparus pour nettoyer les gravats dans les rues.”410 Indo um pouco mais amiúde nesse foco, o bairro tornou-se um espaço de conflitos constantes, os exemplos expostos dão uma visão geral e forte da direção e resultados alcançados com a concentração de bares e restaurantes. Lugar que traz a tona reflexões de que a animação que fora forjada é sintomática da crise que se encontra os Centros Históricos e em síntese a própria cidade. (PEIXOTO, 2006). Ora, problemas que vem de longa data, uma noite no Vieux Tours pode- se facilmente constatar que atualmente a situação vem talvez tomando proporções mais graves. Na contrapartida dessa teia de conflitos, que desponta nos anos 80, surge algo que é revelador dessa crise, a saber: a criação da Association des Habitantes Plumereau-Halles-Résistance-Victoire. 11.2. “Para melhor habitarmos juntos”: a conflitualidade de usos Quem anda pelas ruas do Vieux Tours possivelmente já se deparou com um grande cartaz amarelo, um desenho de uma pessoa com as mãos nas orelhas e escrito em letras garrafais: “LE BRUIT en sourdine: pour mieux vivre ensemble”. Logo na esquina da Rua do Commerce com a Rua Constantine a mensagem e o desenho chamam à atenção. Quiçá, o passante que faz um passeio diurno pelas ruas tranquilas do Vieux Tours, não compreenda a razão de tal cartaz e nem imagina o que ele significa. Para os moradores do bairro antigo, denota noites em claro ou despertar súbito de madrugada, volume alto das músicas nas casas ou bares, conflitos com os vizinhos, telefonemas para a polícia... 410 DENIS, Pascal. ... «On a vécu une nuit surréaliste». La Nouvelle République. Tours, p. 2, 9 mars 2009. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 353 Figuras 44 e 45: Cartazes da Campanha contra o Barulho. Fotos: Alzilene Silva, Tours, 2012. O cartaz faz parte da campanha denominada “Le bruit en sourdine”, e tem como objetivo sensibilizar os festeiros a baixar o som. “Mais avec seulement quelques affiches disposées aux entrées du Vieux-Tours, l'impact semble limité.”411 A campanha contra a poluição sonora é também abraçada pela Associação dos Habitantes do Bairro. Criada em 1986, a Association des Habitantes Plumereau-Halles- Résistance-Victoire surgiu como uma forma de reação a multiplicação das atividades noturnas no bairro. O âmbito geográfico de ação “de l’association est celui délimité par les voies communales suivantes: rue Nationale, boulevard Béranger, rue Léon Boyer, avenue Proudhon, quai Port-Bretagne, quai du Pont neuf, rue des Tanneurs, celles-ci comprises.”412 411 WEYNANTS, Émilie. ...La lutte contre les nuisances sonores. La Nouvelle République Tours, p. 16, 28 avr. 2012. Fonte: Association des Habitants Plumereau-Halles-Resistance-Victoire. 412 ASSOCIATION des Habitants Plumereau-Halles-Resistance-Victoire (AHPHRV). Journal Officiel de la République Française. Paris: Direction de l'information légale et administrative, 23 mars 2013. Disponível em: http://www.journal- officiel.gouv.fr/association/index.php?ctx=eJxty8sKwjAQQNH5FOlWSjIzMY9uBUFwJe5DqaMWSlLT6 Pdb0KXbe7hxgluB!E7QL0seID5hM!Qy59JXUbWIdM0lz!os9zEntZe0NnVM1yKt1PaUxyLNv6OBOMA WjbcYkJgNebTM6PkLSIEwMGl2PjjtvLc*0BiMNZaIDWtHlld4jPXwmiagHXwASicx1Q__&cref=%2B997 0844391287112139&ACTION=refine&JRE_ID=Centre/Indre-et-Loire. Acesso: jul., 2013. 354 A representante da Associação explica que a fundação ocorreu em um momento crítico, quando o barulho se instalou no bairro após a transformação das ruas em passagem para pedestre e com a abertura em quantidade dos bares e dos terraços. Naquela época tiveram reuniões na Mairie, mas as coisas não funcionaram muito bem. As atividades da Associação pararam em 1988, aproximadamente. Mas em 1993 o problema do barulho agravou-se de modo tão intenso que a Associação foi recriada. No mesmo ano a Associação foi convidada para participar de reuniões, todo mês, com os serviços “municipaux” e “préfectoraux”. les activités se sont arrêtées en quatre vingt huit ou neuf/ et puis en mille neuf cent quatre vingt treize/ les nuisances étaient tellement intenses que moi j'ai recréé l'association/ quelqu'un est devenu président/ j'étais secrétaire/ on a trouvé un trésorier et on a eu des adhérents qui sont montés jusqu'à cent trente huit/ ce qui est beaucoup pour une association du quartier/ de mille neuf cent quatre vingt treize à quatre vingt quinze j'ai eu des réunions chaque mois/ avec des réunions qui s'appelaient inter-polices avec la police nationale et la police municipale et un élu/ un représentant du maire et on a vu des progrès/ en mille neuf cent quatre vingt quinze il y a eu un nouveau maire/ donc il ne voulait plus de ces réunions/ l'association a continué/ on a écrit/ on a fait paraître des articles dans les journaux et finalement la nouvelle équipe municipale nous a reçu en mille neuf cent quatre dix sept / et depuis janvier mille neuf cent quatre dix huit jusqu'à maintenant nous avons une réunion chaque mois sauf au mois d'août avec les élus donc la X juin à la police municipale/ le directeur de la police municipale/ quelqu'un de la police nationale/ quelqu'un du service des déchets et du nettoiement et chaque mois nous faisons le point que tout ce qui se passait/ tapage euh : hygiène alcoolisme et sécurité voilà/ nous continuons notre prochaine réunion qui aura lieu en septembre/ début septembre et une en octobre/ novembre etcetera alors il y a quelques améliorations mais pas beaucoup / il faut être vraiment vigilant et je sais pas comment ça va se passer à la rentrée de septembre... Association des Habitantes Plumereau-Halles-Résistance-Victoire. Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Com cerca de 120 aderentes as reuniões da Associação são realizadas mensalmente, em uma sala no mercado – “Halles”. São discutidos assuntos pertinentes à segurança, limpeza, não cumprimento das normas (não permissão para consumir bebida alcoólica nas vias públicas, som amplificado após o horário permitido etc.), poluição sonora, visual e olfativa que podem prejudicar a saúde (isolamentos de som e odor dos comércios), defesa do patrimônio vegetal e da qualidade de vida dos moradores. 355 Para os aderentes é uma janela aberta para negociação e a Associação ajuda a multiplicar forças em defesa do bairro. Sem dúvida a soma de esforços torna- se mais fácil realizar as solicitações junto a Mairie. Encaminhar os papéis, com ajuda da Associação têm-se mais vantagens, como explica uns dos aderentes, H.D. – bah parce que ça a commencé pour défendre le quartier / pour pouvoir aller à la mairie / parce que quand on est seul pour demander des trucs / quand j'ai voulu demander pour faire des pétitions pour le bruit de la rue / pour les cafés / j'étais seul / tandis qu'avec l'association on avait l'avantage de quoi / on a été plusieurs fois avec madame X / on a été plusieurs fois à la mairie / à la préfecture / tandis que / étant seul / on peut pas faire grand chose / tandis qu'en faisant parti de l'association / on a beaucoup plus de poids / c'est pour ça que je me suis mis dans l'association / pour pouvoir avoir davantage de possibilités d'avoir des entrevues / d'aller à la mairie et ainsi de suite E – ça marche monsieur / c'est mieux avec l'association que tout seul↑ H.D. – ah bah oui c'est mieux avec l'association parce que / quand on est un groupe / on peut avoir davantage de poids / pour pouvoir demander quelque chose / tandis qu'avant je faisais des pétitions avec mes voisins pour / j'écrivais à la mairie / mais y avait pas de suite / alors quand j'ai été à l'association / à ce moment-là tout de suite on m'a aidé avec madame X E – et il y a beaucoup de problème / que l'association a résolu ↑ H.D. – y a eu beaucoup de travail pour faire ça / ah oui oui E – par exemple ↑ H.D. – si on est seul / on dit oh / tandis qu'avec l'association on rouspète davantage E – et la première fois que vous avez cherché l'association pour le problème du bruit ↑ H.D. – c'était pour le problème du bruit E – quelle année monsieur ↑ H.D. – j'ai commencé à faire les / c'était dans les années quatre vingt dix / mille neuf cent quatre vingt dix / quand j'ai commencé à m'occuper de faire des pétitions pour avoir / même avant / en mille neuf cent quatre vingt cinq / d'abord je me suis beaucoup investi dans le quartier pour refaire faire les trottoirs / pour refaire faire la rue / pour refaire faire la lumière / j'ai demandé tout ça à la mairie / j'étais tout seul à ce moment-là / j'ai fait ça seul / alors c'est là que je me suis occupé du quartier pour pouvoir rénover / puis après quand il y a eu le bruit / je me suis mis avec l'association. E – et ça c'est améliorer ↑ H.D. – ah bah ça s'est amélioré beaucoup / quand on fait partie d'une association H.D., ex-comerciante, morador e aderente da Association des Habitantes Plumereau-Halles-Résistance-Victoire. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Na presente ocasião, do período da pesquisa na França, a participação da autora foi constante em reuniões mensais. Mais que como pesquisadora, a 356 integração ocorreu igualmente como moradora do bairro e dessa forma como aderente a Associação. Fato esse que viabilizou a participação das reuniões junto a Mairie de Tours. Assim, pode-se mais que assistir as reuniões, partícipe da mesma situação, podendo compreender perfeitamente a forma de sentir dos moradores. Durante esse contato direto com outros habitantes, pode-se escutar diversos relatos sobre os problemas sofridos por causa do choque de funções do bairro. Em cada narrativa foi possível visualizar como é complexa o caso e sofrido para os residentes. Indignação, raiva, descrença e em muitos momentos impotência, como se fosse algo inelutável… São alguns dos sentimentos exteriorizados diante dos decibéis acima dos níveis aceitáveis. Igual contato foi viável graças a realização das entrevistas com atuais moradores dos bairros antigos e novos moradores, de distintas idades, também com pessoas que viveram nesses locais (Cathédrale, Vieux Tours, Résistance, Halles, Victoire), comerciantes, antigos moradores que mudaram-se do bairro, antigos comerciantes. Quando acontece algum problema os aderentes ou não entram em contato com a Associação, por telefone ou por e-mail, e transmitem as reclamações. Normalmente é necessário que o morador informe o tipo de ocorrência, o local, dia e horário. Na primeira segunda-feira de cada mês, das 20 até 23 horas, ocorre a reunião da Associação, onde são lidas todas as reclamações para que todos tenham conhecimento. Os presentes também podem acrescentar alguma irregularidade que tenham presenciado ou tomado conhecimento. As reclamações versam sobre os diversos problemas como: segurança, coleta de lixo, meio ambiente, estacionamentos, degradação, terraços, falta de obediências às regulamentações por parte dos donos de bares, restaurantes e discotecas, ou seja, as dificuldades assinaladas durante todo o mês. Mas são os problemas referentes a poluição sonora e segurança os que comparecem com maior frequência. Tudo que é verbalizado é anotado e esse material fará parte da reunião do “Comité de suivi de la Charte du Bien-Vivre dans le Vieux-Tours”, realizado mensalmente na Mairie. Abaixo alguns exemplos de situações relatadas e que foram expostas nas reuniões. 357 BRUIT et SECURITE TAPAGE: - “Rue de la Paix“, le 15 septembre: tapage à 1h00. Suite à l’appel d’un habitant, une intervention conjointe Police Municipale / Police Nationale a mis fin aux nuisances. [...] - “Rue du Président Merville“, le 9 septembre: tapage d’étudiants. Le voisin qui subissait le tapage a préféré régler le problème seul. BARS et DISCOTHEQUES: - “Le Vieux-Tours“, place Plumereau: musique très forte, de 23h à 2h00, dans la nuit du 7 au 8 septembre. De plus, il est signalé que la terrasse est quelquefois installée dès 5h45 (le 11 septembre, par exemple). SÉCURITÉ: - « Place Plumereau », le 12 septembre : à 5h30, rixe et intervention de la Police Municipale. - “Rue du Commerce“ : le 30 septembre, présence de la Police Municipale et de la Police Nationale, entre 2h et 2h30, pour une rixe. - “Rue Foch“: les nuits du 21 au 22 octobre et du 22 au 23 octobre, signalement de rixes. DEGRADATIONS: - “18 place de la Victoire“: effraction de la porte d’entrée, une plainte a été déposée. - “Rue Foch“: un pare-brise a été fracassé dans la nuit du 6 au 7 septembre. Une plainte a été déposée. Des rétroviseurs ont également été cassés dans la nuit du 7 au 8 septembre. Dans la nuit du 15 au 16 septembre, une vitre de voiture a été brisée et un vol effectué, ce qui a entraîné un dépôt de plainte. - “Rue du Président Merville“: la vitrine d’un bar a été cassée, dans la nuit du 11 au 12 septembre. Une plainte a été déposée. - “Place Plumereau“: dans la nuit du 4 au 5 octobre, la vitrine d’un établissement a été brisée après 3h. Une plainte a été déposée.413 As reuniões do “Comité de Suivi” contam com a presença de representantes da Associação, da Mairie (Serviços de Urbanismo, Serviço de Higiene etc.), Polícia Municipal. Desse modo, são passadas todas as reivindicações dos moradores diretamente aos responsáveis. Desde 1997 ocorrem as reuniões na Mairie de Tours, segundo reportagem do Jornal La Nouvelle République, “cela faisait avancer les choses au début mais depuis le nouveau mandat de Jean Germain, il n'y a plus le même engagement de la mairie.“414 413 COMITE de Suivi de la Charte du Bien Vivre dans le Vieux Tours. Tours: Réunion du jeudi 11 octobre 2012. Fonte: Association des Habitants Plumereau-Halles-Resistance-Victoire (AHPHRV). 414 LOURY, Juliet et LE BRIS, Antonin. L'impossible entente entre riverains et fêtards. La Nouvelle République. Tours, p. 16, 28 avr. 2012. Fonte: Arquivos do Jornal La Nouvelle République. 358 Quando telefonam para a polícia, e o chamado é atendido, a polícia chega e resolve o problema daquela noite. Mas a situação em essência não é de fato solucionada, porque na outra semana reaparece. Se não é com o mesmo vizinho é com outro... Ou ainda com os proprietários de bares que colocam música amplificada... Ou com pessoas que se agrupam nas ruas que fazem grande ruído... Na maioria das vezes os entrevistados declaram que chamar a polícia para vizinho é complicado. As pessoas, de modo geral, não almejam que as coisas cheguem a esse ponto, pois vai sempre encontrar o vizinho, algo nada confortável. Segundo uma entrevistada, ao chamar a polícia ela intervém uma primeira vez, e adverte para não recomeçar. Na segunda vez a polícia aplica um processo verbal. Acrescenta que é verdade que todo mundo hesita em chamar a polícia, porque não é isso que vai possibilitar um bom entendimento entre os vizinhos. M.F. – ici aussi normalement c'est à partie de dix heures du soir dans les immeubles on a pas le droit de faire du bruit après dix heures du soir de gêner les voisins / on est patient on dit rien mais euh : si les gens font trop de bruit on a toujours la possibilité d'appeler la police municipale qui intervient la première fois ils leur disent que il faut pas recommencer la deuxième ils leur donnent un procès verbal / mais bon c'est toujours compliqué on ne veut pas non plus / c'est vrai que tout le monde hésité à faire venir la police municipale pour des voisins parce que c'est pas ça qui va faire mettre une bonne entente avec les voisins / il y en a qui ne comprennent pas. M.F. – Professora aposentada e moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Os conflitos gerados entre os que querem fazer a festa e os moradores são por vezes intermediados pela polícia que é chamada. Uma multa é cobrada de quem faz barulho acima do permitido. No entanto, as reuniões realizadas com música alta e muita bebida alcoólica parecem não diminuir. Os dados sobre a quantidade de intervenções da polícia, publicados no Jornal “La Nouvelle République”, apesar de envolver toda a cidade, são reveladores. Em 2011, entre 21 horas e 5 horas da manhã ocorreram 1.242 intervenções: “831 chez des particuliers, 203 sur la voie publique et 208 auprès des établissements recevant du public.” Já em 2010 a polícia arrolou 872 e em 2009 foram 669 intervenções. (WEYNANTS, 2011, p. 16). 359 Se para os moradores adultos e idosos isso consiste em um problema incontornável, para os jovens o Centro Histórico é o lugar primordial para acolher as pessoas que desejam se divertir. Isso foi percebido claramente a partir das entrevistas realizadas com jovens moradores dos bairros antigos. É ilustrativo as falas a seguir: E.N. – le bruit:/ il est là/ on l’entend mais en même temps quand tu habites au centre/ il faut savoir que tu habites avec le bruit/ il faut être prêt de vivre avec le bruit // moi personnellement ça ne me dérange pas plus que ça/ quand il y a trop de bruit ça me dérange effectivement par exemple avant-hier il y a des gens qui se sont garés devant ma fenêtre et ils ont mis la musique au max et ils ont commencé à danser et chanter mais très fort devant ma fenêtre à deux heures et demie du matin et j’ai essayé d’appeler la police pour qu’ils viennent mettre une amende et ils décrochaient pas au téléphone/ donc ça m’a un petit peu embêtée mais généralement les bruits c’est / quand c’est dans des limites normales/ ça me gêne pas plus que ça. E.N. – estudante e moradora do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. N.T. – Oui, le problème c'est que... comment dire↑ Quand on vient habiter dans le vieux Tours... [...] N.T. – On est au courant de ça / on sait qu'il y a du bruit... N.T. – On est conscient du bruit... c'est comme un stade de football par exemple, on dit on va habiter là-bas, on dit qu'on construit une maison à côté du stade de football... toi tu dis oui ! Je vais aller habiter au stade de football/ donc il faut te dire que quand il y aura un match il y aura du bruit... N.T – Tu peux pas dire que quand il y a un match on a arrêté de faire le bruit... N.T. – Tu vois↑ C’est ça en fait/ c'est dire que / on vient / on sait à quoi s'attendre en fait... N.T. – C'est pas... Ce qui dérange/ ce qui va déranger c'est pas les bars en fait... N.T. – C'est plus les voisins/ par exemple si il y a quelqu'un en haut qui fait du bruit / ça dérange plus en fait que les bars... E – Ils dérangent plus que les bars↑.: N.T. – Ils dérangent plus que les bars / s’ils font du bruit / ça dérange plus que les bars... Les bars/ on sait qu'il y a du bruit tu vois / donc quand on vient au vieux Tours/ on sait qu'il y a du bruit / donc il faut faire avec... on peut pas couper ça en fait... ça fait partie... […] N.T. – De la beauté / le bruit est là / ça fait partie de la beauté de... E – Du quartier↑ N.T. – Voilà en fait/ donc quand tu viens habiter / c'est que d'ailleurs tu fais le choix de venir ici il faut accepter ça... N.T. – Très souvent... c'est ça en fait... E – J'ai compris... N.T. – Voilà non mais... voilà sinon tu vas déranger le voisin qui tape... non... mais le bruit ça va. Tu vois par exemple là / je ferme la fenêtre... E – Oui il n'y a pas de bruit... 360 N.T. – Il n'y a pas de bruit/ mais peut-être plus tard dans la soirée/ comme c'est plus calme dehors / le bruit ressort un peu / mais sinon ça va... E – Oui N.T. – Mais ça peut aller... E – Mais... alors les bruits des voisins↑ N.T. – Oui... E – C'est le public qui dérange ↑ N.T. – Voilà, voilà... Parce que le voisin fait quoi↑ Il est allé boire dehors dans le vieux Tours/ il rentre chez lui / il veut continuer / et c'est ça qui fait le bruit.. N.T. – C'est ça qui est le plus dérangeant en fait... voilà c'est comme ailleurs quoi... c'est les voisins... E – Pour le bruit dehors tu peux fermer la fenêtre↑ N.T. – Voilà pour calmer le bruit... mais c'est plus le voisin qui va déranger mais sinon c'est bien... E – Oui... D'habitudes les voisins font du bruit la nuit↑ N.T. – Avant on avait une voisine qui faisait du bruit mais là elle est partie c'est bon... E – Hmmm … et comme en fait la particularité du vieux Tours... c'est que...le parquet... N.T. – Donc quand on marche ça fait beaucoup de bruit... E – Ah oui c'est vrai N.T. – C'est ça en fait/ c'est ça qui... voilà c'est ça. Comme c'est des vieux bâtiments donc quand quelqu'un marche un peu comme ça tu vois ça fait du bruit ca dérange beaucoup. E – Dérange beaucoup... N.T. – C'est plus heu... les gens qui va dehors c'est bon/ N.T. – estudante e morador do Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. No depoimento a estudante e moradora do bairro, conta que escuta barulhos, mas isso não a incomoda. Para ela a pessoa que reside no Centro Histórico deve se habituar a isso, e que é necessário que a pessoa esteja preparada para viver com barulho. No entanto, quando isso atinge proporções maiores ela não deixa de explicitar sua indignação. Ela relata que em uma noite de sábado, um grupo de pessoas parou o carro em frente à janela do seu quarto. Depois ligaram o som no máximo, começaram a cantar bem alto e dança bem embaixo da janela, às 2 horas da manhã. Isso a incomodou e a estudante tentou chamar a polícia para solucionar o caso. Seguindo a mesma linha de pensamento o jovem estudante, expõe que a pessoa que escolhe morar no Vieux Tours é ciente que existe barulho. E faz uma comparação com um estádio de futebol. Para ele, quem mora perto do estádio sabe 361 que quando tem jogo terá ruídos. Então, nos dias de partidas a pessoa não pode simplesmente dizer para pararem o barulho. Afirma que o barulho dos bares não o incomoda, mas dos vizinhos sim, especialmente, dentro de casa quando escuta as pisadas no piso de madeira. Declara que o barulho faz parte da beleza do bairro e é necessário, quem fez a escolha para morar no local, aceitar isso. Não obstante, nos dois exemplos dados, os entrevistados se contradizem, pois no momento que o barulho toma proporções maiores se sentem incomodados. E podem mesmo terem reações semelhantes – como chamar a polícia, no primeiro caso, e no segundo, achar bom porque a vizinha, que fazia barulho, foi embora do prédio – aos que não percebem a poluição sonora como algo normal. Não somente o volume das músicas nos bares e as festas nos apartamentos que provocam aborrecimentos aos habitantes. A saída das discotecas e bares revela outra faceta. A história contada por um morador do Centro Histórico, desde a década de 1960, é bastante ilustrativa, H.D. – quand les jeunes ils passent/ la nuit quand ils chantent/ à quatre heures du matin/ ça chante/ parce que quand il a fait chaud au mois d'août là/ la nuit je laisse la fenêtre ouverte/ les volets ouverts/ et puis un matin j'ai trouvé ici les boîtes de conserve/ les bouteilles de bière/ les boîtes de toutes sortes/ qu'ils avaient balancées par dessus la fenêtre/ le matin y en avait plein comme ça H.D. – chez lui parce qu'il avait vu une poubelle en face/ là-bas/ alors ils avaient balancés tout par la fenêtre comme ça dans la nuit/ c'étaient probablement des jeunes/ alors le matin y avait des canettes de bière/ des boîtes de conserve et tout ça/ que c'était tombé ici E – et ici c'est le premier étage H.D. – le premier étage comme la fenêtre était ouverte / et bah de la rue ils ont tout balancé par la fenêtre / d'en bas / ils avaient vidé la poubelle chez moi. H.D. – ex-comerciante e morador do Centro Histórico de Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Entre os que se incomodam e os que acham que é normal e que, portanto, a pessoa que mora no bairro deve se adaptar ao barulho. Existe ainda o ponto de vista dos donos de estabelecimentos no Vieux Tours. Na opinião dos entrevistados (donos de bar e restaurante e trabalhador) o bairro é ideal para o comércio porque atrai muitos turistas e tem uma confluência grande de pessoas. Mas por outro lado existem pontos a ser melhorados. Atinente a esse aspecto é 362 interessante observar a opinião do comerciante, ex-dono de um bar e atualmente dono de um restaurante – creperia – no Vieux Tours. Há doze anos tem a creperia e antes no mesmo endereço foi dono de um bar, entre os anos de 1986 a 1999. No total o comerciante tem 27 anos que trabalha no bairro. O comerciante conta que muitas coisas mudaram no Vieux Tours, primeiro a clientela que antes era mais burguesa e atualmente é mais popular. Na opinião do comerciante, o fato do Vieux Tours ser um bairro histórico, que foi restaurado, o que torna o lugar agradável arquiteturalmente, consiste um aspecto positivo do lugar. Do ponto de vista comercial é o bairro que funciona melhor no Indre-et-Loire, que seduz toda sorte de pessoas, de Tourangeaux e de turistas. Sobre as circunstâncias desfavoráveis do bairro explica que, P.B. – D’un point de vue plus négatif/ c’est mais c’est comme partout en France/ l’incivilité des gens, qui crient n’importe quand. Une augmentation sensible heu… de… des mendiants: spontanément des mendiants/ des jeunes qui demandent plus ou moins agressivement de l’argent aux passants mais/ et c’est valable pour tous nos pays occidentaux mais …comme… comme le Vieux Tours draine énormément de clients automatiquement heu … les gens qui font la manche heu… et la propreté n’est pas toujours au rendez-vous / notamment en ce qui concerne le ramassage des poubelles… P.B. – Comerciante, dono de restaurante no Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Ainda na opinião do comerciante a segurança das pessoas que passeiam é outra situação que deve melhorar no bairro. Para isso torna-se necessário um reforço da polícia. Como conhece os dois tipos de negócios: restaurante e bar, o comerciante opina que creperia é mais fácil de gerenciar a clientela. O bar é mais divertido que uma creperia, mas o problema do bar é que: P.B. – n’importe qui peut rentrer et c’est beaucoup plus difficile à… gérer le comportement des individus surtout que le bar ferme à deux heures du matin, et on peut avoir des gens saouls et difficile à gérer. P.B. – Comerciante, dono de restaurante no Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Desse ponto de vista torna-se interessante acompanhar a opinião dos 363 envolvidos sobre quais seriam as soluções possíveis para uma melhor convivência no bairro. O mesmo comerciante entrevistado declara: P.B. – mon avis… à mon avis, il n’y a pas de solution pour ce type de problème, si ce n’est comme je disais plus de policiers ou d’animateurs de rue qui passent… heu… qui calment… les relations des uns et des autres. [...] Je dis que dans le quartier il faudrait plus de policiers/ et d’animateurs de rue… vous savez ce que c’est ↑ P.B. – Les animateurs de rue…. P.B. – Vous savez ce que c’est ↑ Parce que pour moi il n’y a pas que les policiers/ c’est des gens un peu qui/ des animateurs/ des éducateurs de rue, vous savez… c’est des gens qui font entre la sécurité des touristes… à ce que ce soit plus heu… sympathique comme ambiance…[…] P.B. – C’est des gens qui sont payés par la mairie par exemple et qui se promènent et qui discutent un peu avec les gens qui vont pas bien/ qui sont SDF [Sans Domicile Fixe] ou alors des bandes de jeunes un peu excités ont les calmes. Par ce qu’il a des gens très différents dans le quartier, il y a des gens assez riches, des jeunes: des fils à papa/ et des gens plus pauvres… P.B. – Parfois ça… ah… on y va P.B. – Comerciante, dono de restaurante no Vieux Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Em meio ao turbilhão, para quem é comerciante a diminuição dos comércios específicos não são nem de longe cortejados como desfecho exequível. A esse respeito os segundos de silêncio diante da questão são bem expressivos e em seguida a resposta de que não existe solução. Do lado dos que têm comércios o argumento de que o Vieux Tours é desse jeito mesmo resplandece. Algumas medidas paliativas em seguida são verbalizadas, como uma maior presença policial e a substituição das janelas comuns dos apartamentos por janelas de dupla vidragem – para maior proteção contra o barulho ou simplesmente sugere que os moradores incomodados mudem de bairro. Outra opinião, já exposto no depoimento acima, do comerciante ao sugerir que a administração pública poderia agir no sentido de debelar tal situação com a criação de animadores de rua e a presença de mais policiais. Ele explica que os educadores/animadores de rua seriam pessoas pagas pela Mairie para fazerem a segurança dos turistas. Os animadores passeariam pelas ruas do bairro e conversaria com aqueles que não estivessem bem, pessoas que não têm domicílio, acalmaria os 364 jovens excitados. Porque no bairro pode-se encontrar, segundo o comerciante, todo tipo de gente: pobres, jovens e ricos. Do lado da administração os horizontes não são os mais claros e o vento parece nem sempre soprar em benefício dos moradores. Em entrevista concedida a autora, o responsável pelo Serviço de Urbanismo, responde a diversas questões pertinentes ao Centro Histórico da cidade. No que toca aos aspectos acima abordados – quais seriam as possíveis soluções para o conflito de usos do bairro: função turística/lazer e função residencial – é oportuno observar o seguinte trecho da entrevista, pois nele lê-se o seguinte: E – à votre avis comment peut on concilier les conflits d'usage / fonctions ludique et touristique / concentration de bars / de restaurants / avec la fonction résidentielle ↑ P.D. – alors comment les concilier E – quelles peuvent être les solutions possibles pour résoudre ces problèmes là↑ P.D. – le sujet est très vaste là aussi / ça se fait pas du jour au lendemain / on peut les concilier peut-être en contrôlant / alors le mode d'implantation des différentes activités par rapport à la population / alors y a différentes façon / on peut contrôler le nombre / on peut contrôler la façon de les aménager / on a mis en place / on impose aux exploitants de bars / à titre d'exemple hein / par exemple / d'aménager un sas d'entrée pour éviter la dispersion du bruit / on est exigeant sur la façon de construire / les conduits d'évacuation des odeurs et de fumée pour les restaurants / ça fait toute une somme de dispositifs techniques/ que l'on pourrait imposer au moment de la relégation / de l'aménagement de ces établissements / à l'inverse on a pas le droit d'interdire un bar comme ça / tout simplement c'est un bar / on a pas le droit de l'interdire / on a pas le droit non plus d'interdire tel ou tel type de restaurant / c'est le principe / c'est le libre commerce E – c'est pour ça je vous ai posé la question comment concilier les deux choses↑ P.D. – comment concilier les deux choses ↑ /donc on a ce système de dispositifs techniques / y a des comités de quartier qui existent aussi / qui concertent ce sujet/ et qui essaient d'amorcer une discussion / pas un débat amis une discussion entre les exploitants et les résidents / chacun parfois se cantonne dans son camp / donc l'idée c'est de faire en sorte de les mettre en communication les uns avec les autres / c'est vrai que peut-être les commerçants essaient de faire des efforts / mais aussi les habitants / il faut arriver à trouver un juste milieu / donc ça c'est très lent / ça se fait pas du jour au lendemain et ça relève pas de dispositions techniques / ça relève vraiment d'une concertation entre les deux populations. P.D. – Service de Urbanismo – Mairie de Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. 365 Toda essa espiral de mudanças alicerçou uma teia complexa e seu desfecho parece algo distante de se atingir. Visto que em longo prazo as prováveis elucidações são embaladas pela tentativa de encontrar dispositivos técnicos que favoreça a diminuição da poluição sonora ou ainda aguardar uma conscientização de comerciantes, usuários e moradores. Em meio a esse contexto a Associação dos Habitantes parece nadar em pleno alto mar. É notável o impacto sobre a vida dos que residem no bairro, em especial nas ruas de maior circulação. As negociações junto aos órgãos competentes absorvem muita energia daqueles que se dispuseram dedicar seu tempo à causa da Associação. A resistência por parte de moradores que não pretendem se mudar do bairro revela a contrapartida desse jogo de forças. A oposição da Associação ganha visibilidade na imprensa local, e isso seria um aliado no sentido de conter as atividades barulhentas e o não cumprimento dos ditames. Vale a pena observar o depoimento a seguir, que chama a atenção para essas circunstâncias, M.B. – et bien il y a des restaurateurs et des bars et qui ont transformé en douce le premier étage en bar-restaurant pour augmenter le chiffre d'affaires / or c'est interdit dans les secteurs sauvegardés / mais personne ne fait rien je suis en très mauvaise relation avec l'adjoint à l'urbanisme parce qu'on lui a apporté des dossiers pour lui montrer que ceux qui installaient une activité au premier étage étaient en infraction / il ne fait rien parce que / il ne veut pas se fâcher avec les commerces et parce que la mairie reçoit des taxes / c'est pas simple / c'est difficile les secteurs sauvegardés / mais c'est partout / dans toutes les villes / alors c'était tellement grave qu'en mille neuf cent quatre vingt dix sept / le préfet a pris un arrêté en disant sur ce secteur là / alors c'est pas tout le secteur sauvegardé / rue Constantine / rue des Halles / rue des Tanneurs / et puis rue de la Victoire et c'est tout / si un bar veut ouvrir il faut que ça soit à plus de cent soixante quinze mètres d'un bar existant / donc ça c'est un arrêté préfectoral qui peut vous intéresser / vous voyez il y a toutes les réglementations / il y a une réglementation en France / quand on est dans un établissement qui reçoit du public / ce sont les bars / les restaurants et les boîtes de nuit / si on met de la musique on doit avoir fait une études et on doit si la musique est trop forte / on doit insonoriser les locaux et c'est aux frais du restaurant et bien y en a pleins qui diffusent de la musique sans être insonorisé / c'est à dire que toutes les réglementations existent et elles sont bien faites mais elles ne sont pas appliquées ////// si vous faites le total sur notre secteur ça fait trois cent neuf au total de commerces de rue et il y avait à cette époque sept discothèques / aujourd'hui y a pas plus de bars / ils sont limités mais y a beaucoup plus de fast-foods / c'est à dire on vient ici uniquement pour manger et boire. 366 Association des Habitantes Plumereau-Halles-Résistance-Victoire-Nationale. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Mais de 100 bares e 7 discotecas apontam a evolução do problema, estimulando a chegada das drogas e de cenas de violência. São 346 cafés, hotéis e restaurantes concentrados no “secteur sauvegardé”, segundo dados do “Observatoire de Touraine.”415 O número de restaurantes rápidos – que vendem sanduíches, quebabs – cresce a olho nu e transforma igualmente a paisagem. Somente na Rue Colbert, por exemplo, somam-se 11 estabelecimentos desse tipo. No curso contrário desse rio a Associação reúne forças que visam fazer valer as regras existentes e negociar também no sentido de promover novas regulamentações dentro do contexto local. Normalmente são proprietários que aderem a essa causa. Ainda residem no bairro pessoas de boa condição econômica – bourgeois – mas o número não é tão expressivo como antes ou ainda pessoas de classe média, profissionais liberais, professores universitários, comerciantes etc. A vigilância constante é outro elemento presente nessa aliança. Isso se fez notável, sobretudo, durante as reuniões da Associação. Os que participam dessa luta em menor sinal de não observância as regras registram a situação – dia, horário, rua – e transmitem as informações a Associação. Um simples passeio ou caminhada pelo bairro e ao presenciar qualquer uma irregularidade o procedimento é adotado. Isso porque é através da Associação que os moradores têm acesso direto a administração local. E nesse sentido ela representa uma janela de diálogo e um meio de ação coletiva. 415 Dado conforme artigo: C. G; A. B. L’été dans le Vieux-Tours c’est le retour au calme. La Nouvelle République. Tours, 17 août 2013. Disponível em: http://www.lanouvellerepublique.fr/Indre-et- Loire/Actualite/Environnement/n/Contenus/Articles/2013/08/17/L-ete-dans-le-Vieux-Tours-c-est-le- retour-au-calme-1580624. Acesso: août 2013. 367 11.3. O comércio do Centro Histórico em crise? Vivia em um pacato vilarejo... A vida no campo... Seus pais trabalhavam no cultivo. Como era o mais velho precisou deixar os estudos, aos trezes anos de idade, para ajudar os pais. Cuidava das vacas e dos afazeres da fazenda. Mas como não podia executar o trabalho de agricultor seu pai decidiu que ele aprenderia um ofício de maneira que pudesse permanecer sentado. Na mesma cidade que nasceu, adquiriu o conhecimento sobre a profissão que seguiu por toda vida. Como tinha habilidade com as mãos aprendeu a arte de cortar e colar com precisão... Costurar com fineza. Dedos delicados para fazer quadros e desnudar a beleza ao tocar o acordeão ou a bateria. Tem taleto para arte e para a comunicação... Pois possui a serenidade dos que gostam de cavaquear, a boa conversa de contar casos. Alegre e gentil, o simpático senhor de 83 anos enveredou, pela trilha de ajudar caminhar os pés daqueles que passaram pelo seu caminho. Com suas mãos fazia a proteção e tratamento adequado para os pés despidos. Aquecer durante o inverno e possibilitar leveza no verão. Foi assim aos 15 anos de idade brotou para o mundo, mais um artista do couro, somando-se assim ao time do tão antigo ofício de sapateiro. Com a profissão no coração, François416 chegou à Tours, em 1951, com apenas 21 anos, e vive desde essa época no mesmo lugar. E exatamente no mesmo prédio realizava o seu trabalho de reparar e dar forma ao couro. De suas mãos nasceram distintas e diversas peças de sandálias, sapatos, botas, bolsas... Bom para o cliente que poderia escolher o modelo e encomendar o favorito a ser feito com precisão para os seus pés. Seis horas de trabalho e a encomenda estava pronta. Então, não importa o tamanho dos pés pequenos ou enormes, para as crianças ou adultos... Todos tinham a satisfação de sair da loja com o seu sapato predileto. Não é de se espantar que tivesse muitos clientes. Divertia-se ao trabalhar e das suas mãos também floresciam lindíssimas miniaturas de sapatos e sandálias minuciosamente moldadas durante dezesseis 416 Nome fictício, História desenvolvida a partir das entrevistas realizadas com o ex-comerciante e morador antigo do Centro Histórico. Entrevistas com H.D., concedida á autora na cidade de Tours, França, em 2012 e 2013. 368 horas de labor. Trabalhou em uma oficina, como empregado, até o momento que o patrão deixou o ofício e ele então comprou a oficina. Com a clientela satisfeita à loja sempre andava cheia. Na rua onde trabalhava tinha mais duas sapatarias, mas isso não era problema, pois nessa época tinha-se bastante trabalho. Aliás, o ofício era espalhado por vários endereços do velho bairro: Rua Rouget de Lisle, Rua do Commerce... Todos os comércios funcionavam muito bem... E a arte milenar ou dom de fazer sapatos artesanalmente continuava a perpetuar de geração a geração… Mas algo faz essa correnteza seguir outro rumo... Bem, ele mesmo pode contar o que aconteceu: H.D. – y en avait un sous les Halles / y en avait un rue Rouget de Lisle / y en avait deux rue du Commerce / y en avait beaucoup de cordonniers / bah oui parce qu'à ce moment-là y avait pas de baskets ni de tennis / c'était que de la chaussures en cuir / alors il fallait réparer réparer / y avait beaucoup d'enfants avec des petites chaussures / alors y avait beaucoup de travail / puis après quand les baskets sont venues / les tennis / bah y avait plus de chaussures / vous mettez des chaussures / maintenant les jeunes ils mettent des baskets ou des tennis / mais y a plus de belles chaussures comme avant. H.D. – ex-comerciante e atual morador do Centre Histórico. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Apesar de existir várias oficinas a concorrência não denotava algo preocupante porque existia clientela para todos. Não apenas a modernização promoveu a diminuição progressiva da procura pelo conserto ou encomenda de calçados. Com a chegada das grandes lojas que podiam praticar preços bem mais baratos, a escolha por esse tipo de comércio foi abraçada pela população que ainda tinha a vantagem de provar e levar no mesmo instante a peça escolhida. Algo que vai abalançar não apenas contra a profissão de sapateiro, outros ramos do comércio vão sentir com mesma magnitude os efeitos que dimanam com a facilidade de circulação e compras das mercadorias. No rastro desse movimento reverbera-se uma constelação de alterações, que impactam de modo determinante o curso da história dos pequenos comércios, sobretudo, com a inauguração de algo que “é inseparável das auto- estradas que o reclamam de estrelas e o alimentam, dos parques de estacionamento com as suas camadas de automóveis”, a saber: o hipermercado. Desse modo, assiste- 369 se no acender das luzes da década de 1960, o nascer de novas formas de relações cujo “papel ultrapassa de longe o 'consumo'”.417 Ao imiscuir loja de departamento com supermercado, a nova fórmula de compras projeta uma avalanche que remodela não somente as relações cotidianas, como inclusive o espaço urbano, pois o hipermercado preexiste à aglomeração; é ele que provoca a aglomeração enquanto que o mercado tradicional estava no coração de uma cidade, local onde a cidade e o campo vinham conviver em conjunto. O hipermercado é a expressão de todo um modo de vida do qual desapareceram não apenas o campo mas também a cidade, para dar lugar à “aglomeração” – zoning urbana funcional inteiramente sinalizada, da qual é o equivalente, o micromodelo no plano do consumo. (BAUDRILLARD, 1991, p. 99 – grifo conforme original). Ao enlaçar no mesmo lugar distintas funções: vestuário, higiene, açougue, peixaria, frutaria, padaria, artigos domésticos, jardinagem etc., o hipermercado projeta novas formas de sociabilidades. Se antes a relação entre os comerciantes e os fregueses se davam em um patamar de maior aproximação com o advento dos hipermercados a convivialidade ganha nova dimensão. Pois no pequeno comércio não era raro o tratamento personalizado, em que o patrão se habituava a ponto de saber os gostos dos fregueses. Conversas corriqueiras acerca do cotidiano do bairro ou mesmo os fios de um contato mais aprofundado são urdidos. Ocorre a dilatação da conversa para além dos contornos da simples compra, e adentra-se no terreno do mais pessoal... Dos gestos, o jogo de palavras... “uma prática falada: discussões, informações, ajuda na hora da escolha do produto, crédito.”418 Do bom dia, as novidades contadas na hora do pagamento... Durante a ida ao mercado, leva- se no carrinho de compras, não apenas os produtos ou os alimentos… Nutre-se, igualmente, com o prazer do encontro com o vizinho que se sente bem ao trocar ideias, conversar sobre os acontecimentos... As trocas entusiasmadas de receitas, o comentário sobre a qualidade de um produto aprovado. Esse desenrolar ganha expressividade diante da boa escolha realizada. A alegria de ser reconhecido ao entrar no ambiente que é familiar, e que se ilumina ainda mais ao ser surpreendido com a 417 BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 1991, p. 98-99. 418 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 2. morar, cozinhar. Petrópolis: Editora Vozes, 1996, p. 120. 370 gentileza de receber o produto da forma que gosta... Tudo isso alimenta a confiança e fortalece os laços de fidelidade. Ainda mais alicerçados com o passar dos anos e quando tanto comerciantes e fregueses vivenciaram situações de vida pertencente a uma mesma época. Tecem-se, portanto, formas de afetividade que vai determinar a escolha particular por este e não aquele estabelecimento. Era dessa maneira que François se sentia no bairro que conheceu antes da chegada das grandes lojas... A relação amigável com vizinhos e com os seus clientes... Ele se lembra, H.D. – bah tout le monde se connaissait / c'était comme un petit village / y avait quelqu'un qui avait un anniversaire / on lui souhaitait l'anniversaire / y avait une fête / c'était comme un petit village / ah bah oui c'était bien[…] mon souvenir c'est quand je suis arrivé ici pour travailler / et puis après quand j'ai racheté le magasin / enfin pour moi c'est mes meilleurs souvenirs / avec ma clientèle après / j'avais beaucoup de clients qui / c'étaient des amis enfin les clients / alors mes clients ils m'aimaient bien / quand je leur ai dit que j'arrêtais tout le monde était / d'abord j'ai encore des vieilles personnes qui viennent me voir / qui me disent ah bah vous êtes toujours là H.D. – Ex-comerciante e atual morador do Centre Histórico. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Aos poucos as páginas do livro vão ficando amareladas e as velhas formas de consumo são paulatinamente revestidas pelas novas práticas, inauguradas pelos grandes mercados, que passam gravitar próximo as rodovias das cidades... E as portas dos pequenos comércios foram abertas para outras atividades... O mesmo caminho seguido pelos sapateiros percorreram os açougueiros, padeiros... Em Tours o agradável sapateiro narra o acontecido, quando os pequenos comércios começaram a desaparecer, H.D. – ah bah ça a commencé à disparaître quand les grandes surfaces sont arrivées / quand Mammouth est arrivé / c'est quand Continent est arrivé / que y a eu les grandes surfaces / les grands magasins / ah bah ça a commencé en mille neuf soixante / en mille neuf soixante ça a commencé à décliner / les petits commerces dans la rue ici / y avait cinquante commerçants E – ah : cinquante ↑ H.D. – cinquante / dans cette rue-là / y avait trois cordonniers / trois boulangers/ les bouchers / les charcutiers / les petites galeries / les marchands de vélos / les cafés / y avait six épiceries E – c'est beaucoup H.D. – c'était un petit village 371 E – il y avait beaucoup de convivialité aussi ↑ H.D. – ah oui y avait beaucoup de monde ici / ah oui oui / c'était conséquent à ce moment-là / forcément y avait pas de grandes surfaces / y avait pas de grands magasins / à part Monoprix en ville / et puis c'était tout / je crois / et puis autrement y avait pas les Mammouth ni les Continent / ni tous ces magasins- là/ alors c'est ça / c'est pour ça que tout marchait bien jusqu'à mille neuf cent soixante / et puis là en mille neuf cent soixante ça a commencé à décliner E – à cette époque-là comment était le quartier ↑ H.D. – c'était un beau quartier / là / là y a la rue Charpentier / c'était renommé / y avait beaucoup de passages / ah bah oui y avait beaucoup de clients / ah bah ça y avait du travail / et après / quand les grands magasins sont arrivés / les épiceries ont fermées / après c'est la droguerie / après ça fermait les uns après les autres / c'est pour ça y avait plus / après j'étais resté tout seul comme cordonnier / les deux autres cordonniers ont fermé / parce qu'ils étaient vieux et ça a pas été repris / tout ça c'est loin/ ah ouais ouais H.D. – ah bah quand les commerçants sont partis / beaucoup ont mis ça en maisons d'habitation/ y avait plus de commerce/ c'est pour ça y a plus beaucoup de commerce / ça ça a beaucoup changé en maisons d'habitation [...] H.D. – bah avant c'était convivial / c'était comme un petit village / on se connaissait tous / mais maintenant dans le quartier on connaît plus personne / ou plus beaucoup / comme c'est beaucoup de jeunes / on les connaît pas beaucoup H.D. – Ex-comerciante e atual morador do Centre Histórico. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Na opinião de François o bairro era como um pequeno vilarejo, pois a pluralidade de comércios favorecia a convivialidade. Nessa época vivia-se um momento muito peculiar, os vizinhos se conheciam, porque tinham os mesmos espaços de encontro e habitavam muitos anos no mesmo lugar. A vida dele se preenchia com o trabalho na oficina e igualmente com outras atividades em prol da comunidade, dedicava-se aos trabalhos voluntários. Dirigia ainda as partidas de futebol e o “Comité de Quartier”, organizava festas e as comemorações de aniversários dos vizinhos. Para ele adquirir o pão, a carne, as frutas... As compras cotidianas significavam o prazer de reencontrar o comerciante amigo... Os outros fregueses... Mas essa ambiência mudou profundamente… Não somente por causa do fechamento das pequenas lojas e oficinas… No entanto, para respirar os ares de outrora, François faz suas compras no Halles, onde pode encontrar a velha prosa com os comerciantes... Apesar de no mercado os comerciantes praticarem os preços bem mais elevados que os hipermercados, ele fez a opção pela comodidade de ter tudo 372 perto de casa e a ambiência de amizade que foi habituado. Por isso, logo pela manhã ele vai ao mercado buscar o pão e aproveita para conversar e rever os amigos. Assim, não é apenas as ascendências das grandes lojas vai desbotar essa imagem que na memória do antigo comerciante representava os inesquecíveis e saudosos bons tempos. Naqueles anos de 1960, um novo vetor atravessou o enredo do bairro: as operações de renovação e restauração. H.D. – ah bah quand c'est que la restauration a commencé / les gens se sont demandés / ce qu'ils allaient devenir / y en a qui ont été obligés de quitter leur appartement pour faire la rénovation / parce que ça s'est vendu / la mairie a beaucoup acheté des vieilles maisons pour les rénover / alors à ce moment-là y a beaucoup de personnes qui se sont trouvés à déménager / ah bah oui ça a fait beaucoup de gens à déménager à ce moment-là / parce que ça a beaucoup changé le quartier / c'était plus du tout les mêmes habitants E – et dans la maison c'était devenu différent / le quartier Plumereau / le quartier protégé↑ H.D. – toutes les maisons du quartier / bah c'est pour ça que y a beaucoup de personnes qui sont parties / quand ils ont voulu rénover le quartier / les gens ont été obligés de s'en aller […] quand les commerces ont commencé à disparaître / ah bah ça a beaucoup changé le quartier / et puis après les gens sont partis d'ici / les Portugais sont partis d'ici / alors y a eu beaucoup de changements. [...] H.D. – dans la rue c'est plus du tout la même chose / y a plus d'habitations comme avant / quand les commerces ont disparu / ils ont fait beaucoup de petits logements pour la jeunesse / alors ça a beaucoup changé le quartier / c'est plus du tout la même chose. H.D. – Ex-comerciante e atual morador do Centre Histórico. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. As décadas sucessivas chegam com uma roupagem bastante distinta, que vai delinear um novo quadro com a instalação em grande quantidade de bares e restaurantes no velho bairro. Com, isso, também François passa a viver problemas antes nunca imaginados… A saída dos antigos moradores… Hoje, ele é o habitante mais antigo da rua… O único que resistiu… Ele viu todos os vizinhos, de tantos anos de convívios, irem embora. Atualmente ele nem conhece direito quem são os moradores da velha rua, porque são jovens estudantes que passaram a ocupar as casas. Alugam somente por alguns meses… Durante o ano letivo. Normalmente, quando chega o verão e os estudantes saem de férias, eles entregam o imóvel. No ano seguinte outro locatário é que vem morar. Conta também que muitos proprietários 373 modificaram a parte interior dos imóveis para obterem mais renda e, outrossim, adaptarem-se a nova realidade… O que significa dizer, que as casas antigas foram divididas para formar pequenos studios para morada, especialmente, de estudantes. Ou então, os grandes apartamentos são mesmo locados por vários estudantes, é a chamada “colocation”, que cada vez mais, ganha viveza como opção de moradia para os tantos estudantes advindos de outras cidades francesas ou de outros países. Os jovens que passam embriagados e fazem festas… O que indubitavelmente incomoda a tranquilidade de todos que têm o direito ao descanso. Miríades de transformações, que tecem uma nova paisagem em nada semelhante com o velho bairro das lembranças do antigo sapateiro. Mesmo com todas as controvérsias, François diz que nunca pensou em sair do bairro, porque sente prazer em viver em uma velha casa… Isso é um tesouro para ele… Como precioso é igualmente toda a história costurada durante décadas de moradia no mesmo local… Que se confunde com a sua própria trajetória de vida na cidade, seu ofício, suas memórias do trabalho, dos clientes queridos, dos vizinhos amigos, dos fregueses do mercado… Então, essa constelação de emoções e sentimentos está impregnada também nas paredes e local que sente amor em morar. Assim, no mesmo compasso ganha nitidez o fechamento progressivo dos comércios e a substituição dos moradores e comerciantes. Esses desdobramentos correspondem o entrelaçamento de diferentes fatores, que vão redundar na substituição paulatina das habitações que passam a serem divididas para abrigar pequenos studios para os estudantes e nos térreos os cafés, bares ou restaurantes. 11.4. Setor protegido: novos rumos, grandes investimentos O desaparecimento progressivo dos comércios tradicionais do bairro e a substituição por um único tipo de comércio – “pour manger et boire” – tem promovido conflitos de usos. Como foi explicitado os envolvidos até o momento não vislumbram solução imediata nem mesmo em médio prazo. Nas reuniões, conversas informais e 374 entrevistas comumente escuta-se que a situação chegou a esse ponto porque não existe mais os comércios tradicionais no bairro. O surgimento dos hipermercados e dos Shoppings Centers, na periferia da cidade, é frequentemente apontado como os responsáveis pelo desaparecimento progressivo desses tipos de comércios. Sempre nas falas o sentimento de saudade é marcante, o passado é reportado como um lugar de felicidade, porque as pessoas se conheciam... Assim, a vida era ricamente marcada por uma sociabilidade que alimentava os laços de afetividade e convivência. Parece que uma breve explanação acerca desses meandros torna-se inevitável. O aparecimento dos shopping centers em solo francês é indubitavelmente imbricado ao desenvolvimento das lojas de departamento e das galerias de Paris. “Les passages commerciaux sont nés à la fin du XVIIIe siècle à Paris à partir de l'expérience des galeries du Palais Royal aménagées par le duc d'Orléans (1786).”419 A arquitetura traçada com as passagens cobertas para o transeunte passa a estimular de modo especial o imaginário e consumo. O engate compras e lazer, certamente, fez brilhar o sucesso desse tipo de empreendimento. Trajetória que é igualmente abraçada na França, em que os laços entre atividades comerciais e lazer se fizeram presentes. Si Aristide Boucicaut a révolutionné les méthodes de vente en créant “Le Bon marché” au milieu du XIXe siècle, les autres grands magasins parisiens sont plus tardifs: Le Printemps en 1865, La Samaritaine en 1869 et Les Galeries Lafayette en 1899. (DESSE, 2012, p. 247). As grandes lojas, comércios especializados e butiques de luxo se instalam preferencialmente ao longo das novas e largas avenidas das grandes cidades, na segunda metade do Século XIX. Com a crise dos anos 1930, as lojas populares vão oferecer então uma versão de grandes lojas que se adaptam ao poder de compra. Essas novas lojas instalam-se especialmente nos bairros pericentrais das grandes cidades ou no hipercentro das pequenas cidades, na ausência de lojas de departamento. “Au lendemain de la crise de 1929, les grands magasins, comme Le Printemps, Les Galeries Lafayette et Les Nouvelles Galeries diversifient en créant respectivement Prisunic, Monoprix et Uniprix.” (DESSE, 2012, p. 247). 419 DESSE, René-Paul. Aménagement et commerce dans les viles françaises. In.: DUMONT, Gérard- François (Dir.). La France en Villes. Paris: Éditions Sedes/Cned, 2012, p. 247. 375 Perscrutando ainda mais os fios que tecem esse assunto, o centro comercial como se conhece atualmente, na França, teve sua origem a partir da reconstrução imobiliária efetivada após a Segunda Guerra Mundial, que tinha como objetivo desenvolver conjuntos imobiliários nos bairros periféricos das grandes cidades. Nesse rastro nascem os primeiros centros comerciais franceses, na aurora da década de 1960. O primeiro complexo comercial a atingir 22 mil metros quadrados de área foi o de Saint-Dizier (Haute-Marne). Em 1963 apareceram, em solo francês, os primeiros shopping centers nos arredores das cidades de grande ou médio porte. Somente em 1969 a França conheceu um centro comercial com as proporções dos shopping centers norte-americanos, ou seja, com uma área de construção superior a 50 mil metros quadrados (como o Parly 2, na região de Versailles, com 89 mil metros quadrados de área destinada às lojas). (PADILHA, 2006, p. 63). Em Paris, os promovedores imobiliários visando dilatar suas ofertas de moradia para o público de maior poder aquisitivo, oferecem prédios de alto padrão. Desse modo torna-se imprescindível desenvolver estratégias para atrair essa clientela para os bairros mais afastados do centro, uma vez que, seria preciso oferecer uma forma de consumo próprio para esse grupo – os comércios nos grandes boulevards. É dessa forma que surgem os primeiros complexos imobiliários que abrangem conjuntos habitacionais de alto padrão e comércios de luxo. É interessante observar que esses primeiros centros comerciais já eram compostos por uma loja-âncora. Nesse caso, de modo geral um minimercado na década de 1950 e um supermercado na década de 1960. Nesse período também surge o primeiro centro comercial totalmente fechado, separando o consumidor de qualquer contato com o exterior. E é igualmente a partir desse momento, que proliferam os centros comerciais na França, especialmente, em Paris. Segundo Koehl, o grande problema na época eram as grandes lojas lançarem-se na aventura. A loja Printemps foi a primeira a aceitar. (PADILHA, 2006, p. 64). No entanto, entre 1971 e 1981, o vento começa a soprar em direção reversa, e a França vive, uma redução no desenvolvimento dos centros comerciais, isso ocorre não somente por causa da crise econômica francesa, mas igualmente por 376 causa da Lei Royer. Nesse horizonte, “l'expansion des magasins populaires, avec 770 points de vente, atteint son apogée.”420 A Lei de Orientação do Comércio e do Artesanato, comumente chamada de Lei Royer, nome do ministro do comércio na época, institui as regras destinadas a proteger o pequeno comércio das grandes empresas. Votada em 1973, a Lei restringiu também o aumento das grandes empresas varejistas. Nesse sentido é exemplar o caso da instalação da empresa Carrefour, “o Brasil é o primeiro país fora da Europa em que o Carrefour investiu, fruto das adversidades que a Lei Royer de 1973 trouxe.”421 A Lei Royer estabeleceu a autorização antecipada para a abertura de qualquer empreendimento comercial com mais de 1.500 m2. Entretanto entre os anos de 1970 e 1980 registrou-se uma abertura em direção a uma clientela de alto poder aquisitivo; graças à criação de novos centros comerciais nas áreas residenciais das grandes cidades da França, bem como à evolução do poder de compra dos franceses. É oportuno sublinhar a relevância que esses centros comerciais foram ganhando no país, mormente a partir de 1985. Isso resulta do fato de tais empreendimentos responderem às necessidades geradas não somente no circuito das mercadorias, como também no que diz respeito ao descanso e lazer. Os centros comerciais possibilitam encontrar no mesmo lugar o lúdico, o bonito e seguro... As lojas, supermercados, restaurantes, diversão (shows, exposições etc.), ou seja, é um lugar para compras como igualmente para os passeios. É essa praticidade que atrai os franceses. Por isso que os gerentes dos centros comerciais apostam no engate entre diversão e consumo, tornando esses locais um “espetáculo constante”. Ademais, o relevo dado à vida “extracomercial” presente nos shopping centers (das cidades de médios e grandes portes) fazem com que esses locais sejam associados a uma segunda cidade, o que é anunciado pelos próprios nomes, a saber: Parly 2, Villeneuve 420 DESSE, René-Paul. Aménagement et commerce dans les villes françaises. In.: DUMONT, Gérard- François (Dir.). La France en Villes. Paris: Éditions Sedes/Cned, 2012, p. 248. 421 SILVA, Carlos Henrique Costa da. As grandes superfícies comerciais: os hipermercados Carrefour no Brasil. GEOUSP – Espaço e Tempo. São Paulo, n. 14, p. 99, 2003. Disponível em: http://www.geografia.fflch.usp.br/publicacoes/Geousp/Geousp14/Geousp_14_Silva.htm. Acesso: dez. 2012. 377 2, Evry 2 entre outras. Dessa maneira o mesmo nome da cidade ou do bairro onde foi instalado, batiza igualmente o shopping. É oportuno salientar que esses centros comerciais vêm ganhando importância ao longo dos anos a ponto de serem considerados lugares de atração turística, e nesse particular a cidade de Lille, situada no norte da França, é exemplar, pois “o Centre Comercial Euralille estampa um dos cartões-postais da cidade.” (PADILHA, 2006, passim). Jusqu'aux années 1970, l'action des municipalités reste discrète. Puis, à partir de 1975-1976, la demande d'une intervention en centre-ville devient de plus en plus pressante, venant souvent des commerçants qui subissent un recul de leur clientèle lié au déclin démographique du centre-ville et à la concurrence de la périphérie. (DESSE, 2012, p. 248). Nesse tecedura as linhas levam igualmente a uma lacônica nota sobre o enredo acerca dos hipermercados. Após a II Guerra Mundial surgem lojas que praticam preço baixos – que fazem promoção durante todo o ano – lojas de auto- serviço e grandes 'surfaces alimentaires'.422 Essa modalidade de comércio, na França, tem como pioneiro Édouard Leclerc, que em 1949, abre em Landerneau, sua primeira loja. Já em 1963, inaugura-se o primeiro hipermercado francês, o Carrefour, em Sainte-Geneviève-des-Bois, na região parisiense. A fórmula pioneira de auto-serviço ganha destaque e se reproduz por toda a França, os números são reveladores. Em 1963, data de abertura do primeiro hipermercado, havia somente 1 e 326 supermercados, dez anos após são 275 hipermercados e 2.455 supermercados. No ano de 1983 a quantidade dos hipermercados quase dobra chegando a 521, após em 1993 atinge a casa dos 1.008 e em 2008 já são 1.435 lojas. Os supermercados seguem a mesma tendência de crescimento registrando sempre números maiores, 4.580 em 1983, uma década após o quantitativo chega a 7.275 estabelecimentos. Nos anos de 2003 e 2008 arrolam respectivamente 9.000 e 10.100 supermercados. A desaceleração notada após os anos de 1990 são resultantes de diferentes regulamentações que freiam a evolução e impedem novas aberturas. (DESSE, 2012, p. 251). 422 Grande surface é um estabelecimento comercial com uma área de mais de 300 m2 de vendas. 378 Os hipermercados, na França, concentram-se comumente na área metropolitana de Paris e nas grandes cidades, a exemplo de Marseille, Lille, Lyon etc. Em Tours e como na maioria das cidades francesas os hipermercados estão localizados nas periferias e ao longo de rodovias. Isso viabiliza atender não somente a população da cidade onde se encontra instalados como também das cidades vicinais. As grandes cidades viram nascer, no espaço de aproximadamente um século (1850-1950), uma geração de grandes armazéns “modernos”, […] mas esta modernização fundamental, ligada à dos transportes, não abalou a estrutura urbana. As cidades continuaram a ser cidades, enquanto as cidades novas estão satelizadas pelo hipermercado ou pelo shopping center, servidos por uma rede programada de trânsito, deixando de ser cidades para se tornarem aglomerações. […] É ele que estabelece uma órbita sobre a qual se move a aglomeração. (BAUDRILLARD, 1991, p. 100 – Grifos conforme o original). À luz dessa sincronia em Tours e cidades contíguos seguem as mesmas pegadas. “Suma” foi o primeiro hipermercado do Indre-et-Loire, inaugurado 1969, na cidade de Chambray-lès-Tours, simultaneamente com o primeiro Shopping Center do departamento, o “Cats Shooping”. Composto por 30 lojas, o shopping foi destruído por um incêndio em 1991, o que culmina com o seu fechamento definitivo. Após, o “Suma” assume o nome de “Mammouth”, e nos anos de 1980 passa a chamar-se “Rallye”. Outro “Mammouth” é aberto na década de 1980, no Centre Commercial Chambray 2. Mas o comércio muito precário vai esmaecendo as forças, especialmente agravado com o incêndio do Centre Commercial. Diante disso, o Rallye muda-se, em 2002, para a cidade de “La Riche”, com o nome “Géant Casino”.423 Nos arredores de Tours (aglomeração) pode-se citar alguns exemplos de centros comerciais como o “La Riche Soleil”, situado próximo do rodoanel Tourangeau oeste, na cidade de “La Riche”. O empreendimento conta com 38 butiques e a presença do hipermercado “Géant Casino” que possui uma área de 8.770 m2. Na cidade “La Ville aux Dames” encontram-se o centro comercial e o 423 Conforme informações disponíveis em: http://fr.wikipedia.org/wiki/Centre_commercial_Cats. Acesso: jun. 2013. 379 hipermercado “Leclerc”. A cidade de “Joué-lès-Tours” é o endereço de outro hipermercado Leclerc e do “Centre Commercial Bretonnières”, que abriga o supermercado chamado “Super U”. Já o hipermercado “Auchan” (7.900 m2) localiza-se no centro comercial “Tours Saint-Cyr”, na cidade de Saint-Cyr-sur-Loire, noroeste de Tours, ao longo da rodovia RN 138 (Estrada Nacional 138). Com uma área de 40.000 m2 – excluindo as lojas de automóveis e cafés-hotéis-restaurantes – o centro comercial é o quinto polo da aglomeração tourangelle, com 6% do volume de negócios, de acordo com pesquisa da AID Observatoire, realizada em 2008. Mesmo hipermercado, “Auchan” (11.700 m2), faz parte das lojas do “Centre Commercial Tours Chambray 2”, na cidade de “Chambray les Tours”. O centro comercial situa-se ao lado da RN 10 (Estrada Nacional 10) e ao longo de toda a cidade pela “Route Nationale”. Primeiro polo comercial do Indre-et-Loire, com 31% do volume de compras, conforme os dados da AID Observatoire, em 2008. Totaliza uma área de 121.000 m2, sem contar os comércios de automóveis e hotéis- restaurantes. 96% desse espaço é composto por médias e grandes lojas. E ainda ao lado de Tours, o consumidor pode fazer as compras no famoso hipermercado “Carrefour Planet” (10.700 m2), que localiza-se no centro comercial “Les Atlantes”, na cidade de “Saint Pierre des Corps”, próximo da saída da estrada A10 e é vizinho de bairros das duas cidades – Saint Pierre des Corps e Tours. Quarto polo do departamento, com 12% do volume de vendas, o centro comercial abriga 8 grandes e médias lojas, além de 54 butiques, 4 restaurantes424 e estacionamento com mais de 2.000 vagas. Afora, o “Jardin d’Atlantix”, local gratuito, com animadoras, para as crianças entre 4 a 12 anos, se divertirem.425 424 Todos os dados referentes aos centros comerciais são da CCI Touraine. Disponíveis em: http://www.touraine.cci.fr/les_poles_commerciaux_de_l_agglomeration_tourangelle.html. Acesso: jun. 2013. 425 Conforme informação disponível em: LES ATLANTES. Services & Engagements. Espace Enfant. Disponível em: http://www.les-atlantes.fr/services-engagements/services. Acesso: jul. 2013. 380 Figuras 46 e 47: Estrada de acesso «Centre Commerciale Les Atlantes», em «Saint Pierre des Corps». Fotos: Alzilene Ferreira, 2012. Desse modo, seguindo os rastros da tendência nacional, em Tours, os hipermercados e centros comerciais maiores foram igualmente construídos distantes do centro. É ilustrativo, ainda, a esse respeito o “Tours Petite Arche”, segundo maior polo comercial do Indre-et-Loire, em número de vendas (24%), segundo pesquisa realizada em outubro de 2008, pela “AID Observatoire”. Localiza-se ao lado da RN, – Estrada Nacional – vizinho do rodoanel tourangeau Norte e próximo de um cruzamento de estrada A 10. Ademais, é o centro comercial mais próximo do aeroporto da cidade – Aeroport Tours Val de Loire. O centro comercial possui uma área total de 74.000 m2, isso sem contar os espaços destinados aos comércios de automóveis (30.000 m2) e 33 cafés-hotéis-restaurantes. Existem ainda duas grandes lojas: uma de “bricolage” “Leroy Merlin” (11.800 m2) e outra especializada em produtos eletrodomésticos (2.040 m2). Além disso, é composto por um hipermercado “Auchan” (10.450 m2) e 32 lojas.426 No extremo contrário, sul da cidade, existe outro centro comercial, “L'Heure Tranquille”, situado na periferia, no bairro de Deux Lions, limite entre cidade de Tours e Joué-lès-Tours. Com 21.000 m2, o centro comercial é composto por cerca de 27 butiques, 7 restaurantes – o que inclui tradicionais e “fast-food” – um 426 Os dados expostos são da CCI Touraine. Disponíveis em: http://www.touraine.cci.fr/pole_tours_nors.html. Acesso: jun. 2013. 381 supermercado “Monoprix”, com 1.860 m2 e estacionamento com 1.000 vagas.427 Vale a pena salientar que “L'Heure Tranquille” conta com serviços de animação, shows gratuitos que ocorrem no terraço, desfiles de moda, exposições etc. Famosa fórmula que enlaça no mesmo espaço consumo e lazer, estratégia habitualmente usada pelos centros comerciais para seduzir o público. Desse modo inauditas aventuras urbanas são experienciadas com a modernização do aparelho de distribuição e com a chegada dos hipermercados nas periferias. O que é ainda mais estimulado, no arrebol da década de 1970, com a onda de transformação das ruas do centro das cidades, em acesso exclusive para pedestres. Algo que ocorre tardiamente e a primeira operação de relevo data de 1972, na rua “du Gros-Horloge”, na cidade de Rouen, região da Normandie, no noroeste da França. A nova onda vai atingir cada vez mais as pequenas cidades. Em 2000 a estimativa aponta 800 ruas dessa natureza no país. Isso traduz na diminuição da circulação de carro no perímetro do centro da cidade. “Pour lutter contre la concurrence des nouveaux centres périphériques, il s'agir de revitaliser l'espace central en le valorisant au maximum.” Nessa contrapartida vale investir nas infraestruturas de transportes coletivos como o metrô e o tramway.428 Tomando essa propensão como modelo, na cidade de Tours, os moradores estão contando os dias para a inauguração do tão esperado tramway. É certo que os diversos transtornos trazidos com o fechamento (parcial ou total) de ruas para a realização das obras (escavações, barreiras impedindo a passagem, calçadas desfeitas, o barulho das máquinas, demolições, alterações do tráfego para os pedestres e veículos etc.), alteraram significativamente o cotidiano da população. 427 Os dados são da CCI Touraine. Disponíveis em: http://www.touraine.cci.fr/pole_l_heure_tranquille.html. Acesso: jun. 2013. 428 DESSE, 2012, p. 248. 382 Figuras 48, 49 e 50: Obras de construção da Linha No 1 do Tramway – Rua Nationale. Fotos: Alzilene Ferreira, 2012. No período dos trabalhos, percorrer por certas partes da cidade tornou- se uma árdua tarefa. Algo que, indubitavelmente, promoveu incontáveis reclamações por parte dos transeuntes e comerciantes. Durante o tempo de construção da linha, o uso de bicicletas foi a melhor alternativa para os moradores diante das dificuldades para circular. Com 29 estações, a primeira linha de 15 quilômetros, que liga as duas maiores cidades da aglomeração, Tours e Joué-lès-Tours, vai atender diretamente 62 mil habitantes, 33 mil funcionários e 24 mil estudantes.429 En termes de transport, la ligne 1 est destinée à relier les pôles générateurs de déplacements les plus importants de l'agglomération, avec: - Les activités du centre-ville, avec ses commerces et services publics; la gare de Tours, fréquentée par 40 000 voyageurs quotidiens; - Joué-lès-Tours, second pôle urbain de l'agglomération, en pleine mutation; - Le quartier récent des Deux- Lions, avec ses 1 200 logements, 50 entreprises offrant 2 000 emplois et 6 000 étudiants, et dont l'aménagement prévoit la création de 40 000 m² de bureaux, 429 Os dados coletados em: LE TRAMWAY à Tours em 2013. Tours.fr. Disponíveis em: http://www.tours.fr/322-le-tramway.htm. Acesso: out. 2013. 383 50 000 m² de logements et 21 000 m² de commerces; - Trois quartiers faisant l'objet d'un projet de rénovation urbaine (PRU) conventionnés avec l'ANRU, en vue de leur désenclavement, le Sanitas (Tours), la Rabière (Joué-les-Tours) ainsi que le Plateau nord.430 O tramway de Tours tem data agendada para chegar ainda no verão desse ano, começando a circular no início de setembro. A modernização dos transportes urbanos, as rede de tramways, como bem afirma Dumont, são frequentemente a ocasião de “redonner au centre une fonction d'échange et d'attractivité qui s'était largement émoussée.” (2012, p. 274). Muito se têm discutido sobre a crise dessa parte pulsante da urbe, cuja decadência tem atingido diversas cidades em distintos países. Na França, o eco desse processo se fez mais perceptível nos anos 1960 e 1970, com o crescimento geográfico da cidade e a emergência da lógica polinuclear, que resultou no declínio do centro da cidade. Por muito tempo o centro exerceu papel essencial, concentrando praticamente todas as funções que regem a cidade: econômica, política, religiosa, cultural... Congrega os prédios mais representativos e símbolos de centralidade e de poder: o “hôtel da ville”, a igreja e o mercado. É, portanto, nesse ponto nodal, que se instalam, igualmente, os outros prédios relevantes da cidade, hospitais, justiça, bancos, colégios, lojas... Eis um momento seminal onde o centro se fundamenta como espaço ímpar dos contatos humanos, da sociabilidade e da vida em conjunto. Sendo, ainda, comum registrar-se como lugar de nascimento da urbe. Assim, o centro e a cidade se constituíam a mesma parte. A par disso, não é fortuito ser identificado como o coração da “ville”. Local a partir do qual a cidade adquire outras dimensões, cresce e faz expandir seus raios de alcance para além do arrabalde anteriormente definidos. E é justamente a partir desse ponto que essa história secular começa a ser escrita de outra maneira, pois é com a expansão urbana que o centro esmaece sua abrangência de ação dominante. Como já foi abordado, o enredo que tem como nascedouro o processo de aceleração da urbanização/ industrialização, cujos contornos mais dramáticos ganham relevo no arrebol da segunda metade do século XX. É patente 430 TRAMWAY de Tours. Wikipédia. Disponível em: http://fr.wikipedia.org/wiki/Tramway_de_Tours. Acesso: set. 2013. 384 que a exiguidade de espaço no centro promoveu a urbanização para lugares remotos... Para bem além dos contornos de origem da cidade. Assim, a periferia oferece mais espaço para instalação das empresas. Nos anos de 1960 e 1970 os habitantes da periferia adquirem um potencial de consumo crescente. As empresas oferecem empregos, atividades e mercados são criados, o que indubitavelmente promove o desenvolvimento das zonas suburbanas, “qui deviennent quasi autonomes par rapport aux centres-villes.” Se antes as pessoas que viviam na periferia mantinham um laço de dependência com relação ao centro da cidade, sendo imperativos os deslocamentos para ir ao trabalho, fazer compras ou simplesmente com o intuito de participar de atividades de lazer. Com o recrudescimento das zonas periféricas, – com a criação de atividades, áreas residenciais, centros comerciais e espaços de lazer – descortina-se um novo horizonte e as áreas periféricas tornam-se cada vez mais independentes do centro da cidade. Em resumo, no âmago dessa possante tendência forjam-se significativas mutações, a saber: uma autonomia de funções e os moradores das áreas distantes não precisam mais realizar os grandes deslocamentos. Além disso, uma ação inversa ganha ressonância, ou seja, são os habitantes do centro da cidade que viajam até a periferia para realizar compras nos centros comerciais.431 Par contrecoup, ceux-ci voient leur impotance diminuer, d'autant que certaines lois leur sont parfois défavorables : lois sur le logement, lois sur l'implantation commerciale , réglementations fiscales. Dans le même temps, la nouvelle idéologie urbaine, inspirée par la charte d'Athènes, considère qu'il faut faire table rase du passé et construire, dans des lieux géographiquement déconnectés de la ville ancienne, la ville du futur, d'où la réalisation de grands ensembles spatialement séparés et souvent éloignés des anciens centres- villes. En outre, l'État, dans cette période antérieure à la décentralisation, oriente ses financements vers les grands ensembles, délaissant les centres- villes. Aussi ces derniers perdent-ils une parti de leur attractivité, voyant nombre de commerces fermer et, souvent, périclitent faute d’entretien des bâtiments, des places ou des immeubles d’habitations. Pour ne prendre qu'un exemple, le centre-ville de Tours, constitué par la place Plumereau et son quartier environnant, présente un aspect repoussant qui a alors perdu toute fonction de centralité. (DUMONT, 2012, p. 271 – Grifo da autora). 431 DUMONT, Gérard-François. Déclin ou renouveau des centres-villes?. In.: DUMONT, Gérard- François (Dir.). La France en Villes. Paris: Éditions Sedes/Cned., 2012, p. 270-271. 385 Nesse momento, na França, assiste-se o movimento de reconquista do centro. A nova política urbana empreende esforços no sentido de preservar ou revitalizar essa parte considerada histórica. O fenômeno denominado gentrificação igualmente surge como a contrapartida dessas novas políticas urbanas. O abandono da elite e a carência de investimentos na área delineou o quadro de profunda decadência. A ocupação do bairro pela camada popular viabilizou o florescimento de práticas ligadas a esse grupo. Também todo o comércio e serviços que pulsavam, como o exemplo estudado, da cidade de Tours. Desse modo, o bairro antigo não era vazio, pelo contrário, era populoso (com forte concentração de imigrantes, sobretudo portugueses) e sempre manteve uma animação apesar das situações de vida… De pobreza e de degradação do espaço físico. Correntemente associado a elementos nada valorizados como: a sujidade, prostituição, pobreza, insalubridade. Por isso, não é de se admirar que o bairro recebesse rótulos nada simpáticos, sendo de modo geral, aviltado, pelos habitantes de outros bairros. Não sendo fortuito, em vista disso, que o local fosse pouco frequentado pelos Tourangeaux. Os prédios abandonados pela elite tornaram-se desconhecidos da população de um modo geral, logo, não sendo reconhecidos os valores arquitetônicos. Os atributos que davam a essa área da cidade uma fisionomia peculiar são prestigiados após as medidas políticas de renovação e restauração urbanas. O retorno de moradores abastados e a substituição dos usos delineiam o quadro de profunda remodelagem no que tange aos aspectos econômicos, políticos e sociais do espaço urbano. Essa reconfiguração incorre em uma mutação da paisagem incorporando ainda as práticas de lazer e consumo cultural com o intuito de promoção turística. Estratégias que ganham ecos como modo de captar capital em meio ao contexto de forte competição entre as cidades. Nesse particular, as políticas inauguradas caminham no sentido de ressaltar o bairro antigo como lugar guardiã da memória, do patrimônio e de arquitetura singular. Assim, os passos são dados em direção ao fortalecimento dos laços entre as atrações do centro, então revalorizadas, e as atividades turísticas. Os anos que se seguem, as políticas que visam a dinamização do centro 386 vão empreender uma constelação de mudanças. Nesse conjunto de ações, a maioria das cidades francesas segue de modo resumido, o seguinte percurso: criação de política que assegure a atração e fama do centro da cidade; estratégia de desenvolvimento do centro procurando sua diversificação tanto no conjunto das funções centrais como da função residencial. O fito almejado é a promoção do centro tanto durante o dia como a noite. Desse modo, “le centre-ville doit devenir l'endroit où il y a le plus de monde, où l'information circule le plus, et où l'on peut choisir l'occupation de son temps: travailler, habiter, se détendre, se cultiver, s'informer, etc.” Outro intento elaborado consiste na proteção do patrimônio, no embelezamento e criação de espaços públicos. “À l'inverse de son abandon dans les années 1960, le centre-ville doit être beau et valoriser l'image de la ville.” Valorização que passa pelo fortalecimento do terciário superior, especialmente os “Palais des Congrès”, os centros de comércio especializados e internacionais, as sedes de empresas etc. Concomitantemente o centro da cidade é dinamizado pelo desenvolvimento e retorno dos prédios universitários, com a criação de uma política de alojamento para estudantes para reabilitação do antigo parque. Ademais, o progresso e atração do centro da cidade se efetiva igualmente pela melhoria da qualidade do comércio, benfeitoria das vitrinas e fachadas. Em sintonia com esses objetivos soma-se a melhoria da circulação para os pedestres com a “piétonnisation” das ruas. (DUMONT, 2012, p. 275-276). Seguindo as trilhas abertas por Desse (2012), o comércio é a atração fundamental dos setores piétonnes. Após a instalação de ruas para os pedestres observa-se modificação também na clientela, que passa a ser cada vez mais jovem. A chegada massiva dos jovens que possuem hábitos e poder de consumo diferente sugere transformações no tecido comercial, a saber: a diminuição do comércio independente, forte avanço das franquias e rede de lojas, especialmente nas áreas de roupas femininas e comida rápida. Em Tours reflete a onda que marcou outras cidades do país. Na cidade de Tours o centro da cidade é constituído por um hiper-centro formado pelas: Rua Nationale, Rua des Halles, Rua de Bordeaux e a Praça Jean 387 Jaurès. O perímetro quadrilátero esquematicamente definido: ao norte – pelas margens do Rio Loire: a oeste – pela Rua da Victoire; a leste – pela Rua Bernard Palissy; sul – pelo Boulevard Béranger, Praça Jean Jaurès, Avenida Grammont (parte norte) e Rua Charles Gille. O hyper-centre apresenta diversas atividades comerciais, a saber: alimentação (7%), supermercados (5%), produtos pessoais (45%), produtos para casa (13%), cultura/ lazer (14%), higiene-saúde-beleza (13%) e serviços (3%).432 Principal rua da cidade e a número 1 do hipercentro, a Rua National, é um espaço onde o comércio é especialmente dinâmico e diversificado. Ao longo dos 700 metros pode-se encontrar diferentes atividades. Antiga estrada que ligava a Espanha à Paris (ex-RN), hoje, ela é dos transeuntes, significa dizer que nem os carros nem os ônibus desfilam mais pela Rua secular. Amada pelos que são imbuídos pelo afã de comprar, seguramente a via é indicada como possibilidade de se encontrar aquilo que se deseja adquirir. De utensílios para casa, decoração, veraneio, pesca... Ao uso pessoal como vestimentas, adereços... Passando pelo lazer, leituras, músicas... Até os sonhos das delícias de uma boa mesa regada a vinho... Olhos atentos perscrutam as novidades que chegam a cada estação. Como um termômetro ou uma grande vitrina da cidade onde pode-se observar o clima, a energia que reverbera em cada época do ano. Do inverno ao verão, do Natal aos “soldes”, que pintam as lojas de promoção e a “braderie”, ocasiões em que a Rua se veste de mais animação. A braderie acontece no mês de setembro, uma grande feira e mercado que ocorrem nas ruas… Dia de festa para os comerciantes que inundam o centro da cidade, o que inclui as ruas do Centro Histórico. Em 2013 foram 1.100 expositores. Roupas, bolsas, casacos, sapatos, acessórios, artigos de decoração, livros, móveis, instrumentos musicais, câmaras fotográficas, bicicletas… Os artesãos que fazem peças… Música ao vivo… Balões coloridos… A lista é gigante… E não pode faltar comidas, guloseimas e um ingrediente primordial: as ruas estreladas de gente. E é na Rue Nationale que esses acontecimentos se fazem também perceptíveis e audíveis. 432 Fonte: LE CENTRE ville de Tours. Touraine Terre d'Entreprise. Chambre de Commerce et d'Industrie. Disponível em: http://www.touraine.cci.fr/le_centre_ville_de_tours.html. Acesso: jul. 2013. Dados referentes ao ano de 2008. 388 Duas grandes lojas como “Printemps” e a “Galeries Lafayette” têm morada na Rua Nationale. Além de 4 agências bancárias, 1 agência dos Correios – “La Poste” – 1 museu, 3 livrarias (La Boîte à Livres – 960 m2), 3 tabacarias433 e a Galerie Nationale – que ocupa uma área de 5.000 m2 – composta por 35 butiques e duas grandes lojas: FNAC – Fédération Nationale d'Achats des Cadres (2 214 m2) – e Zara. (LE CENTRE, s.d.). O centro da cidade é o endereço certo para se encontrar as “enseignes nationales”,434 são 251 lojas. E é na Rua Nationale, que concentra-se o maior número, 40% desses tipos de comércios. A segunda que se destaca é a “Rue des Halles”, pois agrupa 16%. Já a Rua Colbert, segunda colocada em número de comércios do setor, tem somente 3 lojas.435 Saindo da Rua Nationale são exemplares ainda outros destaques do centro da cidade como: a “Galerie du Palais” (4 300 m2), situada na Praça Jean Jaurès, hospeda duas grandes lojas: o supermercado “Simply Market” e a “La Grande Récré” afora as 11 butiques. Na movimentada Rua de Bordeaux, a Galerie du Grand Passage, com 800 m2, abriga 22 butiques e serve de passagem para o Boulevard Heurteloup. Segundo informações do CCI – Chambre de Commerce et d'Industrie, esse conjunto de características possibilitaram o hipercentro atingir a terceira posição como polo comercial da cidade, com 22% do volume de compras, no ano de 2008 – conforme a já citada pesquisa do AID Observatoire. Recrudesce ainda a lista outros pontos positivos do 'coração da cidade', a saber: 6 grandes estacionamentos que disponibilizam 2.600 vagas; a presença do Halles no ramo do comércio alimentício e a atratividade do Vieux Tours no campo da alimentação. (LE CENTRE, s.d.). 433 Dados apresentados em: BERTHELEMY, Laure; RABUSSEAU, Cyril. Mutations du commerce sur le secteur sauvegardé de Tours entre 1996 e 2012: Zoom sur les 4 principales rues commerçantes: rue Nationale, rue Colbert, rue des Halles et rue du Commerce. Observatoire de l'Economie et des Territoires de Touraine–OE2T. Tours, p. 5 e 6, avr. 2013a. Disponível em: economie- touraine.com/iso_upload/OE2T_cce_sstours_1996-2012_4rues.pdf. Acesso : jul. 2013. 434 Enseignes nationales (franchises/franquia): cadeia franqueada de lojas (chaìne). Como por exemplo: Jennifer, Zara, McDonald’s, C%A, Eram, Planet Sushi, Jules, Mariannaud etc. 435 Dados apresentados em: BERTHELEMY, Laure; RABUSSEAU, Cyril. Mutations du commerce sur le secteur sauvegardé de Tours: étude 1996-2012. Observatoire de l'Economie et des Territoires de Touraine–OE2T. Tours, p. 34, avr. 2013b. Disponível em: http://economie- touraine.com/iso_upload/OE2T_commerce_sstours_1996-2012.pdf. Acesso: jul. 2013. 389 Seguindo essa senda, importa, mormente, debruçar-se sobre a constelação de mutações do setor protegido da cidade. Nunca é demais lembrar, que data de 9 de novembro de 1973, “un arrêté ministériel”, que cria um “secteur sauvegardé” de 90 hectares. No ano de 2008, “l'arrêté préfectoral n° 02-08 du 16 janvier 2008 portant extention du secteur sauvegardé et prescrivant la révision du plan de sauvegarde et de mise en valeur du secteur sauvegardé de la ville de Tours.”436 O setor foi extendido em mais 60 hectares e passa englobar os imóveis “du XIXe siècle des boulevards Béranger et Heurteloup; la cité Mame construite entre 1860 et 1875 [...]; le secteur de la rue Lamartine et ses maisons du XVe siècle; la partie sud de la Rue Blanqui autour de l'église Saint-Pierre Ville.”437 Quase 40 anos após, é aprovado a modificação do plano de sauvangarda do setor, “et mise en valeur du secteur sauvegardé de la ville de Tours – Secteur du Haut de la rue Nationale” (FRANCE, Arrêté, du 9 mai 2012). Figura 51: O ‘Secteur sauvagardé’ de Tours e sua extensão. Fonte: Jornal La Nouvelle République.438 436 FRANCE, ARRETE DU 9 MAI 2012. Plan de Sauvegarde et de mise em valeur du secteur sauvegardé (PSMV). Appobation de la modification du plan de sauvegarde et mise em valeur du secteur sauvegardé de la ville de Tours – Secteur du Haut de la rue Nationale. Arrêté préfet d'Indre-et-Loire. Tours, p. 1-3. Disponível em: http://www.indre-et-loire.gouv.fr/content/download/4055/20153/file/ap- approbation-PSMV-HtRueNale.pdf. Acesso: avr. 2013. 437 LE PLAN de sauvegarde et mise en valeur. Tours.fr. Disponível em: http://www.tours.fr/338-plan- de-sauvegarde.htm. Acesso: jun. 2013. 438 GUILLERMIN, Johan. Le Plan de sauvegarde révisé préfigure la ville de demain. La Nouvelle 390 A Rue Nationale é a artéria principal da cidade e do setor, com cerca de 137 estabelecimentos o que representa 1.057 empregos.439 Pode-se ainda citar 7 ruas e 3 praças do setor onde, indubitavelmente, o comércio é pujante e constituem logradouros principais, quais sejam: - Rua Colbert: 98 comércios - Rua des Halles: 91 comércios - Praça Gaston Paillhou e praça “des Halles” (Quartier des Halles): 81 comércios - Rua do Commerce: 68 comércios - Rua da Scellerie: 61 comércios - Rua do Grand Marché: 49 comércios - Praça do Grand Marché: 48 comércios - Rua Marceau: 47 comércios.440 Dessa forma o setor protegido envolve a maior parte do hipercentro da cidade. Um estudo realizado pela OE2T apresenta as mudanças ocorridas no comércio entre os anos de 1996 a 2012. Vale a pena atentar-se aos dados, pois o setor possui uma forte densidade comercial, apresentando o total de 1.154 estabelecimentos. Isso se traduz no quantitativo de 4.335 empregos, 41% dos empregos comerciais da cidade e 12% da aglomeração – Tours(s)plus.441 Como é de conhecimento, no setor existe a predominância de dois tipos de atividades: cafés- hotéis-restaurantes, com 346 estabelecimentos, o que corresponde 30% do comércio do setor; e bens pessoais, com 257 comércios (22%).442 République. Tours, 23 mai 2013. Disponível em: http://www.lanouvellerepublique.fr/Contenus/Articles/2013/05/23/Le-plan-de-sauvegarde-revise- prefigure-la-ville-de-demain-1476195#. Acesso: maio de 2013. 439 BERTHELEMY; RABUSSEAU, 2013a, p. 05. 440 Segundo dados apresentados em: BERTHELEMY; RABUSSEAU, 2013b, p. 11. 441 Aglomeração – Tours(s)plus: agrupamento de cidades próximas que participam de projetos e encargos em comum. 442 Os dados são: BERTHELEMY; RABUSSEAU, 2013b, p. 07. 391 Número de comércios, cafés-hotéis-restaurantes do setor protegido por atividades Gráfico 8: Número de comércio por atividades – Secteur Sauvagardé. Fonte: Observatoire de l'Economie et des Territoires de Touraine – OE2T, Tours, 2013.443 Nos últimos 16 anos certos comércios desapareceram e novos tipos de comércios ocupam o lugar. “Ces évolutions mettent en évidence le fait que le petit commerce de centre-ville a souffert de la concurrence des grandes surfaces, pour l’équipement de la maison et l’alimentation en particulier.” (BERTHELEMY; RABUSSEAU, 2013b, p. 21). Dito de outra maneira, o comércio do setor sofre os efeitos da forte concorrência imposta pelas grandes lojas e hipermercados situados na periferia. Igualmente têm dificuldades para se adaptar aos novos comportamentos dos consumidores gerados por causa do surgimento desses estabelecimentos que praticam preços mais baratos. 443 BERTHELEMY; RABUSSEAU, 2013b, p. 7. 392 Distribuição dos comércios de Tours de acordo pertencimento ao setor protegido Gráfico 9: Distribuição de comércio – Secteur sauvagardé. Fonte: Observatoire de l'Economie et des Territoires de Touraine – OE2T. Tours, 2013.444 Entre os anos de 1996 e 2012 o número de grandes 'surfaces' passou de 73 para 112 estabelecimentos. “Par ailleurs, selon une étude sur les modes d’achats en Indre et Loire, les tourangeaux dépensent 77% de leur budget alimentaire en grandes surfaces.” (BERTHELEMY; RABUSSEAU, 2013b, p. 21). Situação reversa sofre comércio do setor protegido que assiste a diminuição progressiva do número de estabelecimentos. Perscrutando alguns dados pode-se visualizar melhor a situação, nesses últimos 16 anos o número de estabelecimentos destinados à casa, passou de 166 para 115. Redução assistida em quase todos os tipos de comércios, com maior ênfase para os ramos: antiquários e venda de livros antigos (passam de 47 para 29); mobiliário em geral (antes 16 e atualmente 7) e casa têxtil – cama, mesa e banho – (passaram de 11 para 3).445 Enquanto a quantidade de comércio do setor decresceu 444 BERTHELEMY; RABUSSEAU, 2013b, p. 10. 445 Ibid., 2013b, p. 22. 393 em 5% desde 1996, o número de “enseigne nationale” revela um acréscimo de 42%, passou de 177 para 251. Com destaque para o ramo de higiene-saúde-beleza que apresenta a maior taxa de crescimento, mais de 121%. Em segundo lugar os comércios de alimentação com o aumento de 80%. E em terceira posição, a tríplice cafés-hotéis-restaurantes que registram crescimento de mais de 77%.446 Vale dizer que esses tipos de comércios se instalaram especialmente na Rua Nationale e cercanias. As chocolatarias também registram aumento, pulou de 5 para 11 lojas. Mas o ramo de fotografia assistiu uma significativa diminuição das 11 lojas que situavam- se no setor restam apenas 3. (BERTHELEMY; RABUSSEAU, 2013b, p. 23 e 24). Distribuição setorial das lojas por ruas e praças Gráfico 10: Distribuição setorial das lojas por ruas e praças. Fonte: Observatoire de l'Economie et des Territoires de Touraine – OE2T. Tours, 2013. 447 No curso inverso dessa maré seguem os restaurantes que vendem comida rápida (sanduíches, quebab etc.), que progridem a olhos nus, em 1996 446 BERTHELEMY; RABUSSEAU, 2013b, p. 35. 447 Ibid., 2013b, p. 12. 394 registrou-se 28 e em 2012 o número pulou para 71, bem mais que o dobro. Esse tipo de restaurante concentra-se, especialmente, no Vieux Tours, e destacam-se pelo menos 3 ruas onde a presença é mais possante, quais sejam: Rua do Commerce (mais de 10 estabelecimentos), Rue Colbert (mais de 8 estabelecimentos) e a Praça do Grand Marché (mais de 6 estabelecimentos).448 > Offre alimentaire. Elle a changé de visage en 16 ans. Les commerces de bouche traditionnels présents en 1996 ont entièrement disparu comme la poissonnerie, la boucherie et la fromagerie. Seules trois boulangeries subsistent. Le secteur alimentaire est désormais tourné vers l'animation de quartier et l'épicerie fine. > Hébergement et restauration. Les cafés, hôtels et restaurants déjà très présents en 1996, se renforcent de 8 établissements, dont 7 spécialisés. La restauration rapide, qui était faiblement représentée en 1996, a désormais toute sa place dans la rue, passant de 4 à 11 établissements.449 Mesmo a Rua Colbert que habitualmente é citada como a via que ainda tem-se um pouco o prazer de fazer compras nos pequenos comércios, as mudanças recentes são gigantescas. É plausível considerar o fenômeno que ocorre na Colbert como um espelho do que vem acontecendo em todo setor protegido: o desaparecimento gradual dos pequenos comércios. Dados recentes revelam que 50% do comércio da Rua450 são ocupados por cafés, hotéis ou restaurantes. Como foi já indicado, de acordo com a pesquisa realizada, em 2008, pelo AID Observatoire, o Centre Commercial Tours Chambray 2 destaca-se como primeiro polo comercial da aglomeração, seguido do polo Tours Nord – Centre Commercial de la Petite Arche – e o Centro da Cidade (hipercentro) ocupando a terceira posição. No estudo recente apresentado, em 2013, pelo Observatoire de l'Economie et des territoires de Touraine, sobre a evolução do setor protegido, o hipercentro apesar da diminuição do número de comércios tradicionais e das transformações já descritas, volta a ocupar posição principal no que concerne as atividades comerciais. Ora, com esse raio de abrangência essa parte da cidade torna- 448 BERTHELEMY; RABUSSEAU, 2013b, p. 28. 449 LES Secteurs gagnants et perdants. La Nouvelle République, Tours, 05 août 2013. Disponível em: http://www.lanouvellerepublique.fr/Indre-et-Loire/Actualite/24-Heures/n/Contenus/Articles/2013/08/05/Les- secteurs-gagnants-et-perdants-1569623. Acesso: set. 2013. 450 BERTHELEMY; RABUSSEAU, op. cit., p. 13. 395 se ainda mais vantajosa, basta lembrar que estima-se que 4.781 estabelecimentos estão presentes no seio do setor expandido. Esse número se traduz em 41,9% dos estabelecimentos situados na cidade de Tours e 22,8% da aglomeração Tours(s)plus. O estudo enfatiza que o setor protegido expandido concentra uma grande parte dos principais empregadores do departamento (isso sem incluir o Hospital Bretonneau primeiro empregador do Departamento), e essa centralidade afirma-se na combinação do papel tradicional do centro da cidade (comércio, administração etc.) e a continuação dos grandes equipamentos públicos que possuem localização central (hospital Clocheville, Universidade François Rabelais – campus de Tanneurs) e, em uma menor medida, o desenvolvimento de projetos imobiliários no bairro da estação de trem – quartier de la Gare.451 Figura 52: Localização dos perímetros de estudos. Fonte: Observatoire de l’Economie des Territoires de Touraine – OE2T, Juillet 2012.452 451 RABUSSEAU, Cyil; BERTHELEMY, Laure. Activités et emplois au sein du secteur sauvegardé élargi de Tours. Observatoire de l'Economie et des Territoires de Touraine–OE2T. Tours, juil. 2012, p. 2. Disponível em: http://economie-touraine.com/iso_upload/OE2T_activites_sstours_2012.pdf. Acesso em: mai de 2013. 452 Ibid., 2012, p. 1. 396 Atinente a esse aspecto, o artigo “Secteur Sauvegardé: des commerces en mutation“, especificamente o ítem “L'hypermarché“, do Jornal La Nouvelle République, corrobora com a preocupação e bons resultados, acerca dos dados referentes a economia do coração da cidade, e acrescenta que “L'arrivée du tramway dans un mois devrait confirmer les bonnes pulsations de l'électrocardiogramme économique de ce périmètre si fréquenté.” Não somente a chegada do novo transporte – que passa pela Rua Nationale e liga a região norte de Tours até a cidade de Joué- lès-Tours, no sul – é saudado como investimento que beneficiará o hipercentro, “d'autres projets se profilent près du pont Wilson. Demain, un hôtel grand luxe et un relookage des architectures en entrée d'artère.”453 As obras de transformação da Rua Nationale em “semi-piéton”, ou seja, via de passagem apenas para os pedestres e o tramway, já foram concluídas, mas o trabalho continuará com o outro desígnio a ser realizado no alto da Rue Nationale. Composto de três fases o projeto de restruturação tem data prevista para ser concluído em 2019. A primeira etapa iniciou-se em 2012, com o estudo operacional e também “une démarche d'information et de communication des habitats et commerçants du secteur.”454 A segunda e terceira etapas estão assim previstas: L'objectif est à la fois de rénover les bâtiments qui seront conservés, en l'occurrence à l'angle de la rue Nationale et de la rue du Commerce – sur le côté Ouest – mais aussi de gagner en hauteur. C'est-à-dire de leur rajouter au moins un étage. Au cours du deuxième acte, en principe de 2013 à 2016, il est prévu de mener une première tranche qui comprendra la construction des deux hôtels (160 chambres au total), ainsi que la « reconstitution » de 2.500 m 2 de surfaces commerciales. L'aménagement des voiries et des abords du centre Olivier- Debré est également prévu durant cette période. Concrètement, cela se traduira tout d'abord par un important chantier de démolition, tout d'abord là où seront bâtis les futurs commerces – tous sur deux niveaux – et les deux hôtels, puis à proximité de l'église Saint-Julien, dont le parvis sera dégagé lors de la troisième 453 PILLE, Bruno. Secteur sauvegardé : des commerces em mutation. La Nouvelle République. Tours, 29 juil. 2013. Disponível: http://www.lanouvellerepublique.fr/Indre-et-Loire/Actualite/24- Heures/n/Contenus/Articles/2013/07/29/Secteur-sauvegarde-des-commerces-en-mutation-1563445. Acesso em: 29 de julho de 2013. 454 C.G. Aménagement de la rue Nationale: sept ans de réfection... minimum! La Nouvelle République. Tours, 20 mars 2012. Disponível em: http://www.lanouvellerepublique.fr/Indre-et- Loire/Actualite/Politique/n/Contenus/Articles/2012/03/20/Amenagement-de-la-rue-Nationale-sept-ans- de-refection-minimum. Acesso em: 25 de maio de 2013. 397 et dernière étape du projet. (C.G. 2012, s.p.). Um grande investimento com o custo aproximado de 100 milhões de euros de engenharia civil, o projeto terá financiamento da iniciativa privada (os dois hotéis de luxo – 3 e 4 estrelas – e imóveis) e a construção do Centre de Création Contemporaine Olivier – Debré (CCCOD) e os espaços públicos serão financiados pelo Estado e atividades locais.455 Somente o CCCOD custará 13,67 milhões de euros, a realização terá os investimentos de “Tour(s) plus, qui bénéficiera du concours financier de l'État (1,5 M€), de la Région (4,8 M€), du Département (1,46 M€) et de l'Europe (600.000 €) sur cette opération.”456 O centro contará com uma área de aproximadamente 4.500 m2. Faz parte ainda desse feixe de mutações a criação de 5.000 m2 de comércio,457 área livre para as pessoas realizarem passeios e ainda serão colocados em evidência os prédios históricos como o Musée des Beaux-Arts, a igreja de Saint-Julien e o Musée du Compagnonage. Figura 53: Cartão Postal – Rua Nationale.458 Figura 54: Rua Nationale. Foto Alzilene Ferreira, 2012. 455 TV TOURS. Haut de la rue Nationale: un projet ambitieux. Disponível em: «http://www.dailymotion.com/video/x11mbdc_haut-de-la-rue-nationale-un-projet-ambitieux_news». Acesso em: 15 de julho de 2013. 456 GUILLERMIN, Johan. Centre d'art Olivier-Debré: vernissage prévu em 2015. La Nouvelle République. Tours, 11 déc. 2012. Disponível em: http://www.lanouvellerepublique.fr/Indre-et- Loire/Actualite/24-Heures/n/Contenus/Articles/2012/12/11/Centre-d-art-Olivier-Debre-vernissage- prevu-en-2015. Acesso em: 26 de dez. de 2012. 457 GUILLERMIN, Johan. Tours: la mue de la rue Nationale. La Nouvelle République. Urbanisme. Tours, 05 juil. 2013. Disponível em: http://www.lanouvellerepublique.fr/Indre-et- Loire/Communes/Tours/n/Contenus/Articles/2013/07/05/Tours-la-mue-de-la-rue-Nationale-1537676. Acesso em: 06 de julho de 2013. 458 VIEIRA, Ludociv. Tours il y a 100 ans, commerces & industries. Prahecq: Éditions Patrimoines et 398 Figura 55: Rua Nationale – Foto Alzilene Ferreira, 2012. Figura 56: Projeto «du haut de la Rue Nationale». Fonte: ©Image de synthèse - La SET.459 Com a ação de restruturação da Rua Nationale a cidade ganhará uma nova entrada em frente ao Rio Loire. O redesenho que dará “un coeur nouveau pour la ville”, prevê igualmente novos usos que pretendem, segundo o projeto, reequilibrar as funções e os serviços da entrada da cidade. Ações possíveis graças às modificações realizadas, em 2012, no plano de proteção da cidade de Tours, que permite “d'accorder un 'droit à construire' sur les îlots 'Saint-Julien' et 'l'école des Beaux-Arts.'”460 Sur le plan urbanistique, cette refonte du haut de la rue Nationale vise à renforcer son rôle d'entrée de ville. Il s'agit aussi, à travers ce projet, de muscler sensiblement l'offre commerciale sur ce secteur, avec une hôtellerie haut de gamme pour les touristes et des magasins avec un fort pouvoir d'attraction.461 Além das mutações acima elencadas, o plano prevê a criação no Hôtel Goüin de residência para artistas contemporâneos locais, nacionais e internacionais, que serão convidados a trabalhar com as coleções da Société Archéologique de la Touraine. Os artistas habitarão próximo da l’école des Beaux-Arts e igualmente, após execução do projeto, do Centre d’art contemporain Olivier-Debré.462 Médias, 2007, p. 15. Fonte: Bibliothèque Société Archéologique de Touraine. Cód.: B 906. 459 HAUT de la rua Nationale: le projet urbain qui va transformer l’entrée historique de la ville de Tours. La Set. Disponível em: http://www.set.fr/actualites/haut-de-la-rue-nationale-le-projet-urbain-qui-va- transformer-l-entree-historique-de-la-ville-de. Acesso em: jun. de 2013. 460 LE HAUT de la Rue Nationale. Tours.fr. Tours. Disponível: http://www.tours.fr/340-le-haut-de-la-rue- nationale.htm. Acesso em: julho de 2012. 461 GUILLERMIN, 2013. 462 PILLE, Bruno. L’hôtel Goüin, rénové peut retraverser le temps. La Nouvelle République. Patrimoine. Tours, 7 sept. 2013. Disponível em: http://www.lanouvellerepublique.fr/Indre-et- 399 Outro exemplo de grande projeto é a criação de um polo de ensino de artes gráficas e imagem, na antiga tipografia Mame, uma obra da arquitetura industrial. Localizado dentro do perímetro do setor protegido, o polo de ensino prever a instalação: “l’Ecole supérieure des beaux-arts, le Département histoire de l'art de l'université et l'école Brassart.” O primeiro passo é a criação de uma residência estudantil, habitações e escritórios previstos para ocupar o lugar dos antigos ateliês anexos sem interesse arquitetural.463 O conjunto de intervenções e projetos se articula, igualmente, com o investimento na infraestrutura de transporte, que representa um vetor de desenvolvimento econômico. Considerado um meio de transporte coletivo rápido, acessível e confortável o tramway coaduna com a ideia de cidade moderna. O quadro de alterações emoldura iniciativas que visam dar uma nova imagem a cidade, e nisso se inscreve os grandes projetos arquiteturais que têm como eixos de apoio o patrimônio e a cultura. Prédios significativos situados no seio da cidade vão ganhar mais visibilidade e ao lado disso os grandes investimentos que promovem a transformação física e funcional do centro. As gerações, desses novos espaços, se apoiam na conhecida receita de enlaçar usos que privilegiam práticas de consumo, residências, comércios, cultura e lazer.464 Os caminhos da cidade se desenham na elevação do centro como vitrina que viabiliza a atração turística, e nesse sentido a construção de hotéis de luxo, ao lado de centro de cultura, lojas e espaços de lazer é extremamente exemplar. Uma marca presente nesse caleidoscópio é que “certes, le centre-ville n'exerce plus as domination sur la totalité des fonctions urbaines car nombre d'entre elles exigent d'importantes facilités foncières, mais il est au coeur des politiques urbaines.”465 Loire/Loisirs/Patrimoine-tourisme/n/Contenus/Articles/2013/09/07/L-hotel-Gouein-renove-peut- retraverser-le-temps-1602727. Acesso em: set. de 2013. 463 LE SITE Mame. Tours.fr. Urbanisme. Tours: Mairie de Tours. Disponível em: http://www.tours.fr/315- mame.htm. Acesso em: 06 de julho de 2013. 464 RODRIGUES, Arantxa; ABRAMO, Pedro. Reinventar a cidade, ubanismo, cultura e governança na regeneração de Bilbão. In.: COELHO, Teixeira (Org.). A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2008, p. 103-104. 465 DUMONT, 2012, p. 275. 400 Nesse rol entra igualmente a estratégia de criar-se ‘valor na vizinhança’466 que estimulem a vinda de pessoas que querem morar e investir. Um desses ingredientes é a criação de espaços de arte e moradia para artistas. No rol dessas mutações assiste-se o controle que se disfarça no bojo das políticas contemporâneas de “revitalização” do patrimônio que intentam amoldar as cidades as demandas e fluxos internacionais e turismo e consumo urbano. Assim, a conformação dessa nova realidade “voltam-se hoje a formas de reapropriação cultural das imagens das cidades, objetivando – na maioria das vezes – recriar sentidos e usos dos conteúdos e materiais do passado.”467 466 DAVIES, Rita. A cultura é o futuro das cidades. COELHO, Teixeira (Org.). A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2008, p. 74. 467 LEITE, Rogério Proença. Contra-usos e espaço público: notas sobre a construção social dos lugares na Manguetwn. Scielo – Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 17, n. 49, jun. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092002000200008&script=sci_arttext#tx. Acesso em: 15 de jun 2011. 401 V. Considerações Finais Quando chega-se as linhas derradeiras o pensamento insiste em dizer que tem algumas coisas para acrescentar. Observa-se como se teve fome de pesquisa, pois tem-se uma quantidade grande de material coletado e a sensação pode ser comparada a um pintor que em todo momento acredita que a obra não está pronta e que precisa-se ainda de algumas pinceladas, fazer algumas demãos. Isso porque tem-se com o objeto uma relação de afeto, de cuidado com algo que passou a ser parte da vida… Da cabeceira da cama... Livros... Textos e tudo o que concerne o assunto. No caso da pesquisadora morou, respirou distintos ares... Viveu em várias cidades e casas por causa da pesquisa... Mudou a vida profundamente. O objeto de estudo ocupou espaço preponderante. Tendo a vivência no terreno empírico sido principiada em Salvador, passada por Diamantina, Paraty e São João Del-Rei, caminhada por Aracaju, retornada a Salvador, fixada em João Pessoa, concluída em Tours e o desfecho da escrita no Brasil. Com isso, dorme-se e acorda-se e o primeiro pensamento é sobre o trabalho a ser feito... Em um primeiro tempo os livros, teses, artigos a serem pesquisados e lidos, a busca em tantas universidades, bibliotecas e livrarias, as entrevistas a serem feitas, as fotos a serem tiradas, as participações em reuniões pertinentes ao assunto, os arquivos para consultar... A tessitura da escrita... Concatenar copiosos dados e informações coletadas ao longo dessa longa trajetória de estudo… Seguindo ainda as formatações do texto... Então, algo dessa magnitude se efetiva mediante um ingrediente indispensável à vida, uma carga grande de afetividade... Uma entrega incondicional para a efetivação do trabalho... Um comprometimento sincero, cuidadoso e diário. O teor que se segue almeja arrematar algumas explicações que foram deixadas como pistas ao longo do texto, ou que estiveram circunstancialmente abordadas em partes da tese. Abarcar dois Centros Históricos é um longínquo trabalho pela dimensão que a pesquisa exige de debruçar-se sobre várias realidades distintas. Se em um mesmo país as distinções são vistas com grandeza, abraçar os 402 contextos que remetem a dois países pode o leitor à primeira vista pensar que existiria muito pouco ou nada de similitude entre um Centro Histórico no Brasil e outro na França. O que poderia ser comparado entre João Pessoa e Tours? A pergunta quiçá rutile. E é compreensível, mesmo porque o processo de comparação é muito delicado, evidenciar as particularidades que distinguem os lugares. Cumpre, no entanto, sublinhar que em se tratando das duas experiências urbanas mais detidamente pesquisadas, não teve-se o desígnio de embrear por veredas que explicitassem os dados quantitativos, como número de habitantes, moradias, comércios – mesmo porque a escala das duas realidades apresentam grandes disparidades – o tipo de arquitetura, “qualidades” ou “defeitos” no sentido de os comparar…Que seria muito pouco profícua, uma vez que se vistos desse ponto, poder-se-ia desflorir o sentido do trabalho. O horizonte vislumbrado ancora-se na compreensão de que cada Centro Histórico é um universo único, ou seja, têm suas particularidades, histórias e ambiências pertencentes ao um tempo e lugares singulares. Por isso, o que almejou- se bispar são tendências que podem ser percebidas em maior ou menor intensidade nas duas cidades – assim como em outros Centros Históricos abordados ao longo da tese. Nesse sentido, evitou-se costurar o texto pontuando um lugar em comparação ao outro. Escreveu-se sobre cada cidade, apontando as tendências que caracterizam e materializam–se no espaço suas marcas, e ao mesmo tempo influenciam as relações. Deixando o leitor ir percebendo à medida que desvenda as páginas o que vem ocorrendo e que de certa forma, efetiva-se, apesar das peculiaridades, nas duas experiências analisadas. Desde logo, convém anotar que a primeira semelhança evidenciada é que as duas cidades têm um Centro Histórico reconhecido, sem o qual tal pesquisa não teria sentido. Então, daí pode-se se seguir as primeiras pistas... Ancorados no referencial teórico bussolar do trabalho aprofundou-se o olhar, que em uma visão geral e menos esclarecida poderá ver somente diferenças. Os autores são como lentes que potencializam a capacidade de visão, e por isso, conformidades se desnudam e os conceitos apresentados são possivelmente visíveis 403 nos dois estudos: patrimonialização, espetacularização, enobrecimento, gentrificação… A primeira uma jovem cidade, embora seja a terceira mais velha do Brasil, com pouquíssimos anos de caminhada... Sua história registra uma tímida evolução, sobretudo se se levar em consideração que a urbe permaneceu quase três séculos com a sua estrutura urbana quase inalterada... Tendo o crescimento urbano, em se tratando do contexto brasileiro, considerado muito lento. Tours, por sua vez, uma anciã cidade, cuja origem remota aos romanos, portanto, um percurso que atravessa séculos e séculos... Como bem expresso na página do “Office de Tourisme de Tours”, na Internet: “Tours é uma rica herdeira da História Francesa, da Idade Média até o Renascimento. Capital do reino nos séculos 15 e 16.”468 Então, percebe-se a grande complexidade histórica... É igualmente verdade que João Pessoa, com seus 428 anos, guarda sua densidade histórica de acordo ao contexto da qual faz parte. Importa, no entanto acentuar que na realidade toda cidade é histórica, pois o instante vira passado continuadamente… Espaço e tempo surgem em sintonia. As cidades são espaços depositárias de um tempo… Atinente a essa reflexão, corrobora-se com Peixoto (2006), e invoca-se, igualmente, a sua afirmativa ao esclarecer que, Porém, a expressão centro histórico, parece pretender, precisamente, reforçar o ethos de uma cidade que tem agora uma outra história, novas dinâmicas, novas ambições, mas que, de algum modo, não rompeu com o seu passado. (2006, p. 44). É conspícuo avultar, o que, de modo geral, chama-se de Centro Histórico consiste os núcleos originais das cidades. O que significa dizer que outrora eram o cerne da vida urbana, local onde encontravam-se o que era necessário a manutenção social, política, cultural, religiosa e econômica… Local polifuncional, mas que a expansão urbana colocou “debaixo do tapete” … Mantiveram-se, assim, por longo tempo numa morfologia pouco dinâmica. Basta lembrar do que afirma Fortuna (1985), que antes o crescimento urbano era tecido de modo quase imperceptível, em passos 468 TOURS CAPITALE des Châteaux de la Loire. Tours: Office de Tourisme de Tours Val de Loire. Disponível em: https://www.ligeris.com/minisite/7/portugues.html. Acesso: março 2012. 404 pausados… Numa paisagem quase imutável. Era a vida no campo que concentrava o maior contingente de pessoas. Após o renascimento e a industrialização, as cidades irrompem para além do seu eixo central. Um vendaval de transformações impressas, que viabilizou o crescimento das cidades para além dos seus contornos originais… E mesmo naquelas onde a industrialização se fez mensurar como lampejos, a atração desenrolada viabilizou o deslocamento da população rural. Em contrapartida ao desenvolvimento urbano acelerado, os centros históricos assistem o florescimento de um outro centro econômico, distinto e comumente vicinal a antiga cidade. Nesse panorama o núcleo antigo, como sugere Fortuna, começa a ficar a parte; lobriga o esmaecimento gradual das funções que o animava e a separação espacial da cidade. E é justamente essa separação de funções que marca o nascedouro da decadência dos centros históricos, que eram polifuncionais. As forças produtivas vão sendo moderadamente, ou não, transferidas para as periferias. Nesse compasso emergem novas habitações, o centro urbano caminha para outro rumo e com eles importantes parcelas dos grupos médios e da elite. Essa nova conjuntura encontra-se, desse ponto de vista, indissociável dos determinantes da urbanização. Portanto, acionados são outros vetores, e o bairro antigo, local que abrigava múltiplas funções, valorizado centro da vida urbana, passa a exibir um outro panorama, tornando-se locais abandonados, estigmatizados e desprezados. Componentes estes presentes nas duas realidades investigadas, cujos processos de abandono do bairro antigo se efetivaram, mesmo que com aspectos históricos distintos, mas que assinalam o mesmo fenômeno oriundo da dilatação urbana. Não obstante em Tours o bairro permanece com sua função habitacional ativa, ao passo que em João Pessoa o declínio populacional ganha contornos mais dramáticos. No contexto Europeu, o período do pós-guerra recrudesce uma nova paisagem com a conversão do bairro antigo em Centros Históricos, palco de investimentos e atribuição de valor econômico, social, político e simbólico. “Sendo uma noção relativamente recente, que só ganha sentido face à proeminência e à 405 centralidade de novos espaços citadinos.”469 No esteio desse mar de ebulições, o novo conceito de patrimônio é que promove a sustentação dessas novas propensões. Aqui, a palavra patrimônio ganha impulso e nesse horizonte inaugura-se as novas políticas de regulamentação urbana. Em resultado da revalorização das cidades, o velho centro ganhou novas capacidades de atracção e alguns sectores empresariais anteviram, na sua fixação no renovado CHC, [Centro Histórico da Cidade] um potencial de lucro a não perder. Gradualmente, a cidade regressa à fase original e sobreposição espacial das suas várias funções, à medida que atividades anteriormente situadas nas periferias se “recentram”, outras, tradicionais e que nunca haviam saído do centro, renovam-se e remodelam-se e, outras ainda, é ali que se constituem de novo.470 O alargamento da compreensão patrimonial desabrolhou novas formas de vivências, como também novas dinâmicas econômicas amalgamadas ao turismo. No cerne dessas transformações convém lembrar a importância da Lei Malraux, de 1962, que revela o pioneirismo da França ao traçar o primeiro exemplo na Europa de legislação concernente a conservação e reabilitação dos bairros antigos. No rastro dessas mutações as políticas de proteção dos bairros antigos vão constituir um novo espaço urbano, qual seja: os centros históricos. O essencial é perceber que a partir dessa redescoberta os bairros antigos vistos como lugares insalubres, focos de doenças, antro de prostituição e delinquência, abandonado pela elite passam a ocupar lugar privilegiado na cena citadina. Depuis 1962 la loi, dite loi Malraux donne la possibilité de créer des Plans de sauvegarde et de mise en valeur (PSMV). Ils furent les premiers signes d’un intérêt qui allait se généraliser dans les années 1970, pour les valeurs culturelles et tout ce qui pouvait contribuer à nourrir la mémoire collective des lieux et leur identité. Très vite nombre de municipalités ont souhaité disposer de tels moyens pour faire obstacle à la léthargie ou au déclin de leur centre et elles ont eu à choisir entre procédure très centralisées et celle plus flexible des ZPPAUP [Zone de protection du patrimoine architectural urbain et paysager].471 469 PEIXOTO, Paulo. Centros históricos e sustentabilidade cultural das cidades. In.: Colóquio A Cidade entre Projectos e Políticas. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 2003, p. 213. Disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo8511.pdf. Acesso: set. 2011. 470 FORTUNA, 1995, p. 3. (Grafias conforme original). 471 CHALINE, 2007, p. 111. “Em 1983, vinte anos passados sobre a regulamentação da Lei Malraux, é aprovado um novo texto legal na tentativa de resolver alguns dos problemas entretanto levantados pela aplicação prática dos documentos de 1962 e 63. Pela Lei de 7 de Janeiro são criadas as Zones de 406 O bairro de elevada concentração populacional, cujos moradores viviam em prédios em precaríssimas condições de conservação e habitabilidade; após as políticas de proteção, a paisagem muda completamente, os imóveis são revistos e revalorizados, parte demolidos, outros restaurados e reabilitados para o uso dos novos habitantes pertencente as camadas mais abastadas. Em outras palavras, a partir dessa nova perspectiva não é mais as populações desfavorecidas que vão permanecer no local ou que vão desfrutar dos benefícios resultantes do processo de renovação/ restauração/ reabilitação urbanas. Aspectos fortemente marcados em Tours, com a substituição dos habitantes do bairro – composta por uma população de baixíssima renda, imigrantes advindos sobretudo de Portugal – e do comércio, que passa a ser voltado para atender a nova clientela mais elitizada. Convém, no entanto, acentuar que a renovação/restauração realizada, sobretudo, no Vieux Tours, delineou uma nova imagem, transformando o bairro degradado em vitrine turística da cidade. Deriva daí o processo de gentrificação. No rastro desse feixe de transformações uma outra fase, no entanto, institui-se a partir de 1985, com “piétonisation” do setor, isto é, com as transformações de ruas em passagem exclusiva para pedestres. Novas atividades econômicas e culturais foram inauguradas com a substituição dos pequenos comércios – padarias, farmácias, açougues, charutarias, mercearias etc. – por bares, restaurantes e boates. Transformando-se no centro de lazer e de turismo. Em João Pessoa, nos anos de 1980 a decadência e abandono do bairro antigo e do Centro da Cidade atingiram sua pujança. Assiste-se nesse horizonte o enfraquecimento das funções e usos comerciais e habitacionais que caracterizavam essa área da cidade. No dilúculo da década de 1980, marca o nascedouro do processo de revitalização/ requalificação do bairro antigo da cidade: o Varadouro. Em uma segunda fase o processo efetiva-se de uma outra maneira, com a mudança profunda de usos voltados para as esferas média e alta da cidade. Desse modo, os novos usos Protection du Patrimoine Architectural et Urbain (Z.P.P.A.U.), abrangendo sectores mais vastos, de acordo com a revisão que se vinha operando no conceito de património, tendente a englobar os conjuntos urbanos.” (FLORES, 2003, p. 10). 407 se configuram com as instalações de bares, boates, loja de artesanato etc. Uma intensa programação cultural é mantida como shows, exposições de arte, lançamento de livros... Festas regressam ao bairro do Varadouro. Assim, o “retorno” do escol ao antigo bairro não se efetuou a partir da fixação de residências, mas através dos novos usos forjados. Tornando-se ponto de encontro da elite local e opções para turistas. E, ao mesmo tempo, esmeram-se em engendrar uma nova imagem, um processo de “recriação” do bairro histórico. Uma tentativa de recriar o glamour que vestia o Varadouro em décadas precedentes, quando o local era endereço da camada rica da cidade. O novo cenário inventado pelas políticas urbanas é algo distante do cotidiano da população do local – que vivem em situações precárias, a exemplo dos moradores da Favela Porto do Capim. E embora não tenha ocorrido ainda o processo de expulsão dos moradores, o fenômeno de gentrificação revela-se pela nova dinâmica apoiada nas práticas de consumo das camadas médias, geradoras de uma imagem que destoa do cotidiano dos habitantes. Convém, ainda, sublinhar, que a gentrificação opera-se mesmo quando existe o esforço de manter os moradores, mas com a tentativa de higienização e de criação de padrões de comportamentos que se adequem aos novos desígnios pensados para um espaço de consumo visual e de atração para turistas. As reconquistas dos bairros antigos operam-se mediante aos processos de requalificação, sobretudo em termos de gentrificação. Palmilhando, assim, ao longo de décadas, uma propensão que descortina-se em avatares que corroboram-se em escala mundial. Apesar das distinções que ocorrem nos contextos das cidades da Europa e América Latina, (KARA-JOSÉ, 2007) a requalificação é um processo que ganha especificidades e sentido distintos de acordo com o contexto e escala. (PEIXOTO, 2006). Assim, a produção do que se chama centro histórico tem ganhado fôlego por meio de iniciativas públicas de delimitam esses espaços e adotam medidas de valorização e a criação de uma imagem vendável do local. Imbricado a esse processo de produção de imagens recrudescem o fenômeno da gentrificação. A escolha pelo Varadouro se justifica pelo fato do bairro ter sido por dilatado tempo, por mais de trezentos anos, o espaço dinâmico da vida social, 408 econômica e cultural da cidade. Em meados do século passado, paulatinamente essa atmosfera começou a ser redefinida com a saída dos moradores e do comércio. Se outrora o bairro e também o centro era populoso, abraçavam as residências dos mais abastados, com o passar dos anos o processo de abandono redundou em um novo quadro. Assim, a imagem de bairro marginalizado passa a vestir as referências sobre o local. A ocupação dos imóveis por uma população de baixa renda e a formação de favelas, a qual destaca-se a do Porto do Capim, instalada à margem do Rio Sanhauá, agudizou ainda mais a representação pouco favorável sobre o bairro antigo. Prostituição e violência são as palavras empregadas para definir o Varadouro na segunda metade do Século XX. Esquecimento pode ser ainda acrescentado a lista, uma vez que os investimentos são voltados cada vez mais para os novos bairros, sobretudo aqueles destinados a elite, que passa habitar nas proximidades das praias. Nesse sentido, a inauguração da Avenida Epitácio Pessoa consiste um marco primordial para a expansão urbana da cidade, que galvaniza os bairros vicinais a Avenida e próximos ao mar. Desse modo quadro inaudito é delineado com o desabrochar de uma nova dinâmica advinda com a construção de conjuntos habitacionais destinados a classe média, através do Sistema Financeiro de Habitação – SFH – e do Banco Nacional de habitação – BNH. Nos anos de 1970, a capital paraibana assiste profundas transformações com a implantação do CURA – Projeto Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada. O CURA instalou obras de infra-estruturas que viabilizou a duplicação da cidade e a consolidação de novos sub-centros, a exemplo dos bairros de Cabo Branco, Manaíra, Tambaú, Cristo Redentor e Mangabeira. Além disso, bairros como Torre e Jaguaribe enredam uma vida independente ao Centro da cidade. Outros aspectos promoveram a expansão urbana como a construção dos eixos rodoviários da BR-101 e da BR-230, investimentos que favoreceram sobremaneira os deslocamentos e a fixação de grandes empreendimentos, quais sejam: o Distrito Industrial e a Cidade Universitária.472 Com isso a malha urbana no sentido Sul e Sudeste ganha pujança. Nesse compasso, o Bairro do Varadouro e o centro da cidade 472 CASTRO, 2006. 409 assistem a fuga dos comerciantes e moradores. Novas centralidades são formadas com o florescimento do comércio em outros bairros, a inauguração de Shopping Center são fatores prementes desse processo de esmaecimento do bairro antigo e o centro. Casas deterioradas, igrejas em ruínas, prédios em estados críticos é o panorama que se configura nos anos de 1980. Em 1987 um novo vetor inaugura outra etapa na história da cidade e do bairro com a assinatura do Convênio de Cooperação Internacional entre o Brasil/ Espanha. Agora seriam exaltados os valores arquitetônicos do bairro, a partir desse ponto nodal o Varadouro começa a ganhar visibilidade na cena urbana, como local detentor de Patrimônio, reforçando assim a identidade local, o orgulho de ser pessoense. No arrebol dos anos de 1990 eis que viceja um momento seminal com o processo de requalificação da Praça Anthenor Navarro e o Largo São Frei Pedro Gonçalves. Nesses momentos os vocábulos “Centro Histórico” e “patrimônio” passam a fazer parte dos discursos e práticas urbanísticas. Não apenas isso, pululam nos textos jornalísticos, nas falas de técnicos, políticos e acadêmicos… Incorpora-se na linguagem do senso comum. Passa ser interesse não apenas do setor público como da iniciativa privada da economia, que lobriga no patrimônio histórico perspectivas de lucro e de promoção para a empresa. Nessa luzente tendência ganha vigor o engate entre poder público, iniciativa privada – recursos advindos do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. No bojo dessa constelação de mudanças o patrimônio cultural é tido como estratégia primordial no sentido de mudar o cariz da cidade e com isso atrair investimentos e turistas. O percurso trilhado pela cidade de João Pessoa deriva dos construtos engendrados no país desde o amanhecer da década de 1990. Data desse período iniciativas pioneiras como ocorrida no Pelourinho, em Salvador e no Bairro do Recife, na capital pernambucana. No bojo dessa propensão, os usos noturnos servem como alavanca para o “marketing citadino”. Cria-se, portanto, um cenário destinado ao consumo cultural da elite local que passa a frequentar o novo espaço espetacularizado. Almeja-se, portanto, uma centralidade cultural. No entanto, a imagem forjada que se tem da Praça 410 e do Largo dissona completamente do restante do bairro, com seus prédios vetustos, que parecem agonizar em meio ao abandono. Esquecidos foram igualmente os moradores do bairro, cujos novos usos e sociabilidades, gerados a partir do processo de revitalização, não os incluíam. As cores dessa nova dinâmica, marcada por uma função monofuncional, começam a debotar já no arrebol dos anos 2000. Embora ainda permaneça até hoje o cenário voltado para o consumo cultural e turístico, é conspícuo que a engrenagem não se sustenta por dilatado tempo isso porque, No ritmo frenético das mudanças nas sociedades modernas enfraquece a representação da duração e da continuidade. Por isso, o patrimônio e os centros históricos parecem ser hoje em dia, como as ruínas milenares noutros contextos, uma solução possível para responder a essa imponderável fuga do tempo e para fixar uma continuidade temporal (Simmel, 1985; Lowenthal, 1999; Fortuna, 1999). A animação dos espaços patrimoniais que alimenta esse mercado de experiências permite manter uma relação relativamente harmoniosa entre o efêmero e a duração. Mesmo quando esses espaços (promovendo a folclorização) acabam por se converter em palcos de verdadeiras redes de simulacros desligados da vida cotidiana, o seu “valor patrimonial” é utilizado para difundir uma atmosfera de prazer e de encanto que, oferecendo experiências, procura transcender o ordinário e produzir permanentemente a “exemplaridade” e a “fascinação” de que nos fala Henri-Pierre Jeudy (1996). (PEIXOTO, 2006, p. 371-372). Nos rastros dessas transformações novas perspectivas começam a aparecer e o quadro parece ganhar novas demãos com o avultar de grandes projetos a serem implantados no Centro Histórico. Atualmente o Bairro do Varadouro vive a expectativa de novas intervenções como o projeto de revitalização do Porto do Capim. O plano prever, para a execução da obra, a retirada de 250 famílias que moram na Favela Porto do Capim, localizada às margens do Rio Sanhauá. No local será construído uma Praça de Eventos, prevista para acolher todas as festas da cidade: eventos ocorridos durante o verão, Festa das Neves e o São João. Com a capacidade para 60 mil pessoas, trata-se de um grande plano elaborado há 24 anos pela Comissão de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa, mas que ainda não foi executado. Ademais, o Complexo Porto do Capim, prever ainda a construção de um píer para a atracagem de barcos, revitalização de diversos prédios históricos com o fito de implantar no local biblioteca pública, museu da cidade e salas destinadas realização de oficinas de arte e cultura. (BRITO, 2013). 411 Outra intervenção contará com investimentos de 1,3 milhões, para a construção do “Parque Casa da Pólvora”. O projeto faz parte também da revitalização do Centro Histórico e inclui além da restauração da Casa da Pólvora (que abrigará exposições de arte), a construção de um parque ecológico, café, quadra, mini-campo e teatro de arena (anfiteatro). Insere-se nos planos da administração pública a utilização do espaço para o retorno de shows e eventos culturais que marcaram o Centro Histórico no dilúculo dos anos de 1990. (DANTAS, 2013). Diante da novidade histórica os bairros antigos passam a assumir o papel de vitrine para os processos de reabilitações urbanas, surgem como cenários para a espetacularização e encenação da vida cotidiana (PEIXOTO, 2006). Em sintonia segue formando o mesmo fio de sustentação a ideia de espaço público constituído como modo a atração turística e de entretenimento. Dai a quantidade demasiada de animações e o estimulo ao lazer noturno. Em Tours essa realidade delineia-se de modo pujante, e o Centro Histórico passa a ser reconhecidamente visto como o “coração festivo” da cidade, com mais de 100 bares e 07 discotecas – ao todo no “Secteur sauvegardé” registra a surpreendente soma de 346 estabelecimentos de cafés, hotéis e restaurantes.473 Situação engendrada a partir dos anos de 1980 com a transformação do “Secteur” em zona “piétonnes”, outra estratégia que visa também favorecer as atividades turísticas. Plus que le tourisme patrimonial, le succès de ce nouveau type de centralité a un impact sur les dynamiques résidentielles et sur l’image du quartier. Terrasses, foule constante, amplitude des horaires des bars et discothèques sont considérées comme des nuisances par les habitants ayant investi dans la restauration, la réhabilitation ou simplement l’achat dans un secteur valorisé du centre historique. Ce type de spécialisation est décrit comme une surexploitation commerciale freinant ou rendant impossible la poursuite ou la stabilisation de "l’embourgeoisement" ou de la gentrification. L’offre résidentielle se tourne vers certains secteurs de la population - étudiants, jeunes célibataires - recherchant 473 Dado conforme artigo: C. G; A. B. L’été dans le Vieux-Tours c’est le retour au calme. La Nouvelle République. Tours, 17 août 2013. Disponível em: http://www.lanouvellerepublique.fr/Indre-et- Loire/Actualite/Environnement/n/Contenus/Articles/2013/08/17/L-ete-dans-le-Vieux-Tours-c-est-le- retour-au-calme-1580624. Acesso: août 2013. 412 l’ambiance du quartier autant que l’historicité. Certains espaces seraient voués à une nouvelle phase de déclin.474 Nesse sentido, as reflexões de Peixoto (2006) são elucidativas, essa animação e ‘turistificação’ constituem e originam expressões performativas e plásticas que pretendem sugerir ideais de cidadania e de participação cívica. O espaço recuperado surge como plataforma de pendor artístico e estilizado, que geram significados sociais, como se o visual fosse a inevitável das condições fundadoras de novas sociabilidades. A alegoria é visível, ainda em outros dois planos de consolidação das funções dos centros históricos, quais sejam: a compreensão do espaço público que faz com que a cidade seja imaginada e transformada a partir do seu passado. E ainda na concretização de representações destinadas a funcionar como imagens de marca das cidades, que difunde a ideia abstrata de qualidade de vida. Logo, requer descortinar que a estetização dos centros históricos é um fenômeno contemporâneo, amplo e globalizante, que liga-se a esfera íntimas ou das práticas cotidianas.475 Para Peixoto o que atualmente chama-se de centro histórico é lugar exclusivo da vida urbana para uma espécie de hipercentro alegórico das cidades, que “funcionam como figuras que objectificam ideias de continuidade e de afirmações identitária de comunidades urbanas.”476 Os centros históricos tornaram-se, portanto, foco de idealização das políticas urbanas, um hipercentro das cidades. Alvo de incontáveis investimentos que articulam e mobilizam diferentes esferas que passa pelo campo político, técnico e empresarial, que se consolidam através das políticas de reabilitação urbana. Por isso, não é por acaso que os centros históricos ganham relevo na cena contemporânea, e consolidar-se como imagem de lugar do bem viver e de centralidade cultural. 474 MELÉ, Patrice. Habitants mobilisés et devenir d’un espace patrimonial? Géocarrefour. [Online]. Vol. 79/3, p. 223-230, 2004. Disponível em: geocarrefour.revues.org/734. Acesso: jul. 2013. (Grifo conforme original). 475 PEIXOTO, Paulo. Centros históricos e a emergência de uma nova realidade alegórica urbana. CES– Centro de Estudos Sociais. Coimbra (?), p. 01. Disponível em: http://saladeimprensa.ces.uc.pt/ficheiros/noticias/1254_PP_Centros_historicos_Revista_Arquitectura. pdf. Acesso: out. 2012. 476 PEIXOTO, 2006, p. 26. (Grafia conforme o original). 413 Como parte dos investimentos realizados com o fito de promover a animação do bairro, que se desdobram nas práticas lúdicas, assistem-se medidas que inclui a fixação de jovens estudantes através da instalação de campus universitários no “coração da cidade”. Caminho este percorrido pela cidade de Tours... Estratégia cada vez mais adotada pelas cidades francesas como um dos meios de promover a revitalização dos centros das cidades com a instauração de campus universitários. l’université dans la ville accompagne la montée en puissance d’un volet culturel intégré aux choix stratégiques de nombreuses villes moyennes où l’on estime qu’ontre l’ouverture de musées, la valorisation des patrimoines, il convient de miser davantage sur une prospective fondée sur la recherche/ développement qui permettra de revouveler l’image de la ville.477 Em uma iniciativa mais recente, João Pessoa assinala igual intensão ao aprovar a instalação do campus da Universidade Estadual da Paraíba, no Centro Histórico da cidade. Logo requer descortinar as estratégias que visam a alteração da imagem de decadência e estigma que veste o Centro Histórico. Algo que possivelmente promoverá significativas alterações, no que tange a ocupação do bairro tendo em vista o foco no residencial e a criação de outros usos que venham atender a nova clientela. Outro projeto caminha no sentido de favorecer igualmente a fixação de artistas. Ora, os critérios de seleção não favorecem a aquisição dos imóveis pela população já residente de baixíssima renda. Seleciona ainda um perfil de moradores que de antemão estão cientes – e por isso que estejam de acordo – que habitarão em uma área que ocorrem festas e eventos culturais. Tentativa, quiçá de evitar prováveis conflitualidade de usos. Os casarões a serem transformados em apartamentos são vicinais as áreas revitalizadas, ou seja, a Praça Anthenor Navarro e o Largo São Frei Pedro Gonçalves. Locais onde concentram as manifestações culturais, recreativas e de festividades. Se em João Pessoa isso irrompe como uma cintilante tendência, em Tours os desdobramentos da química que mistura função lúdica e função residencial tem resultado profundos choques de usos. Nesse tocante adentra-se uma questão 477 CHALINE, 2007, p. 100. (Grifos conforme original). 414 pertinente que toma importante energia de parte dos habitantes do Vieux Tours. O barulho dos jovens estudantes é um dos principais problemas apontados pelos moradores. Mesmo no período de dormência das atividades acadêmicas, quando os estudantes saem de férias, entra em cena outros autores: os turistas. O Vieux Tours exacerba uma constelação de conflitos e a reivindicação de direitos. É patente, que as políticas que foram desenvolvidas com escopo de viabilizar novos usos e animação noturna não afinam-se com a função residencial. Isso, no entanto, tem gerado não somente contendas, como também, ressoam como um desmentido da imagem propagada, pelas políticas urbanas, de que o Centro Histórico é o bom lugar para morar, retorno a boa e sonhada qualidade do passado. Ou ainda pode gerar, no morador, o sentimento de não ser atendido ou assistido em seus direitos. Para os jovens e estudantes que já conheceram o bairro com esse perfil – voltado para a atração lúdica, com acentuada quantidades de bares, restaurantes e boates – o que ocorre no Vieux Tours é descrito e aceitável como normal… E quem lá habita de antemão sabe que o barulho faz parte da atmosfera do lugar e, portanto, os moradores devem aceitar a situação. Nessa nova etapa o bairro ganha as páginas do jornal, agora com reportagens que versam sobre temas como poluição sonora, consumo exagerado de álcool e outras drogas ilícitas, violências, contendas entres vizinhos que fazem festas nos apartamentos durante as madrugadas… Ou ainda conflitos entre proprietários de bares e restaurantes com os moradores... A polícia é constantemente chamada pelos moradores que passam a exercer sobre o bairro ações de vigilância. Na contrapartida dessa torrente de transformações surge a “Association des Habitantes Plumereau-Halles-Résistance-Victoire”. A luta contra o barulho e o respeito às regulamentações estabelecidas são importantes bandeiras defendidas pelo grupo de moradores. Sintomática da crise que se agudiza, a Associação consiste em uma porta de reveinvidicação entre os moradores e o poder público. Nesse sentido a experiência da Associação abre igualmente a reflexão sobre as implicações das políticas urbanas que de certo modo estimula a moradia nos centros históricos, entretanto, essa função se retrai quando ocorrem conflitos com 415 outras funções economicamente mais rendíveis. Dito de outra forma, as conflitualidades de usos têm sido um dos pontos contraditórios das políticas de urbanísticas. A multifuncionalidade, que estimula a diversão gerada entre as economias diurnas e noturnas. Estimula-se a diversão, advinda com a adoção de modelos culturais, e os moradores reivindicam seu direito ao descanso. E isso vem promovendo sérios conflitos, longos embates entre poder público e os moradores, e estes com os comerciantes. Soma-se ainda a esse caudal a concentração de jovens, cujos modos de vida não têm criado boas condições de convivência, mas que, por outro lado, são os principais consumidores dos espaços de lazer. É patente reconhecer que os modelos culturais, chaves com as quais almeja-se reabilitar os centros históricos vem gerando incontáveis altercações e as políticas públicas parece que vem falhando no sentindo de compatibilizar essas funções. Como conciliar a função residencial e a função lúdica? Essa questão parece sem resposta para os envolvidos. Isso porque embora as políticas destaquem o uso residencial com a presença de jovens, como meio de garantir a vivacidade do bairro, no momento em que ocorrem retesias, o poder público tende a favorecer a dinâmica turística e do lazer. Desse modo, a situação que se configura nesse momento, dos conflitos acimas explicitados, podem ser vistos igualmente como resposta as políticas urbanas engendradas. Nesse oceano de transformações observa-se dois movimentos, a saber: de um lado a saída progressivas das famílias – que embora demonstrem gostar do bairro antigo, mas o resultado da ambiência promovida com a quantidade de bares, restaurantes e boates tem incompatibilizado a permanência; por outro lado a substituição desses moradores por jovens, especialmente estudantes. Os dados da população, do ano de 2009,478 revelam uma preponderância de jovens que habitam nos bairros que compõe o Secteur Sauvegardé. O Bairro Cathédrale, por exemplo, apresenta o maior índice de pessoas com mais de 64 anos. Além disso, é também o bairro mais populoso com 4.000 mil habitantes. 478 Fonte: Bibliothèque de l’INSEE – Institut National de la Statistique et des Études Economiques. 416 Frequentemente é referenciado como local tranquilo, tanto no período diurno como noturno, motivo esse sublinhado pelos moradores, como uma das razões que o Bairro é atualmente mais valorizado que o Vieux Tours. Apesar de abrigar cada vez mais estudantes, não possui a concentração de estabelecimentos comerciais voltados para o lazer noturno. Pois as estratégias engendradas pelas políticas para esse Bairro atende a outro tipo de turismo. Possivelmente um fator que contribui para a satisfação dos moradores. Outro aspecto que é interessante ressaltar é a presença da Faculdade de Letras no Centro Histórico, algo já previsto desde a aurora do processo de renovação e restauração, visto como forma de dotar o Bairro de uma vida ativa. Já naquela época previa-se igualmente a ocupação estudantil no Bairro através da construção de quartos para estudantes, pequenos restaurantes e lojas,479 voltados para atender a nova clientela. A transformação da cidade em universitária arrola ainda como meio de promover o desenvolvimento local, uma das possíveis razões reside no fato de Tours ter tido uma desbotada industrialização. Assim, os investimentos continuam nesse sentido: “Demain, l'université ambitionne de prendre une dimension européenne pour attirer étudiants et chercheurs. Pour acquérir cette visibilité internationale, Tours a créé avec Orléans le Pôle de Recherche et d’Enseignement Supérieur (PRES).”480 A presença de estudantes no Centro Histórico foi compreendida como forma de manter animação do bairro, que desde aquela época lançava-se na tarefa de transformar a imagem do Vieux Tours, em especial a Place Plumereau, em vitrine turística da cidade. “É a cidade das requalificações e revitalizações urbanas, a cidade que busca vantagens comparativas no mercado globalizado das imagens turísticas e dos lugares-espetáculos.” (SERPA, 2007, p.7). Como em João Pessoa, recentemente o poder público anunciou algumas ações de grande envergadura, ou seja, Tours vai passar por outros processos de 479 BOILLE, 1964, p. 115. 480 S’IMPLANTER à Tours. Tours.fr. Tours: Mairie de Tours. Disponível em: www.tours.fr/26-s-implanter- a-tours.htm. Acesso: set. 2013. 417 requalificação e revitalização urbana através de grandes projetos. A construção do uma nova entrada da cidade, no alto da Rue Nationale, prever ainda a mudança de usos e chegada de novos moradores através da fixação de residências para artísticas. O projeto compreende a criação do […] Centre de Création Contemporaine Olivier – Debré, deux hôtels en symétrie, le parvis et le cloître de l’église Saint-Julien mis en valeur, de nouvelles constructions de logements et de commerces, un travail sur les façades, des orientations retrouvées et la Loire redécouverte, de nouveaux usages... voilà le projet pour demain… L'idée est de rendre le lieu à la promenade et de faciliter les accès vers la Loire autour d'un cœur d'îlot bordé par le Centre de Création Contemporaine et l'église Saint-Julien. Les commerces actuels sous terrasses vont laisser place à deux hôtels de chaque côté de la rue (un 3 * et un 4 *, soit un total de 170 chambres), complétés par 5 000 m² de commerces et une quarantaine de logements. […] Se promener, consommer, se loger, se cultiver, on pourra tout faire dans ce nouveau quartier.481 Seguindo as mesmas pegadas, a cidade abraça outro projeto de grande investimento, trata-se da criação de um polo de Ensino de artes gráficas e de imagem, na antiga tipografia Mame. No novo empreendimento prever a “installeront l'école des Beaux-Arts, le département histoire de l'art de l'université et l'école Brassart. La création d'une résidence étudiante, de logements et de bureaux est également à l'étude. Le tout devrait concourir à revitaliser le quartier.”482 Nas duas realidades focadas, nesse trabalho, apesar de apresentarem suas peculiaridades os contornos que se alicerçam seguem igual propensão. Assim, os projetos que visam a dotar o Centro Histórico em atrativo ancoram-se na fórmula que compreende a cultura como ímã capaz de atrair investimentos, e dessa forma promover o desenvolvimento econômico da cidade. No bojo dessas mudanças o patrimônio reluz como moeda rentável. Dito de outra forma, essas novas dinâmicas apoiadas na construção de grandes projetos, que promovem significativas alterações tanto físicas como funcionais, fazem parte das estratégias para promoção citadina. No 481 LE HAUT de la Rue Nationale. Tours.fr. Tours. Disponível em: http://www.tours.fr/340-le-haut-de-la- rue-nationale.htm. Acesso: jul. 2013. (*) Grafia conforme original – hotéis de 3 e 4 estrelas. Acesso: jul. 2013. (Grifos da autora). 482 8 GRANDS Projets: Mame, pôle des arts graphiques et de l’image. L’Urbanisme à Tours. Disponível em: http://urbanisme.tours.fr/2_padd_projet_mame.php. Acesso: set 2013. 418 cerne dessa luminosa tendência a cultura ascende como fator primordial capaz de lançar a cidade em condições favoráveis no cenário de grande competitividade locais e internacional. Nesse contexto vale sustentar-se na já conhecida receita que amalgama usos produtivos, comércios, cultura, lazer e residências, como meio de atrair investidores e consumidores. (COELHO, 2008). Turismo e patrimônio dão-se as mãos em uma imbricada articulação, que vem influenciando sobremaneira as políticas locais de desenvolvimento econômico e urbano. Basta lembrar que o turismo vem sendo despontado como uma das indústrias que apresentam um dos maiores dividendos. Em uma palavra, a indústria do turismo é apontada como uma das que mais cresce no mundo, depois da indústria bélica.483 Não sendo surpresa que o turismo e lazer sejam associados as políticas de preservação do patrimônio, com o fito de alavancar a economia urbana. Nessa conjuntura onde a base se sustenta no “consumo do espaço e cultura” as políticas urbanas vendem a imagem do centro histórico como o bom local, belo, aprazível e admirável. Nesse oceano de mutações cintila a indagação como seria morar nesse bairro? Ora local visto como depositário dos bens mais caros e futuro da cidade, ora se apresenta como espaço de incontornáveis problemas, local onde reverbera-se com mais pujança a crise urbana, recheado de contradições. Com o foi explicitado anteriormente, em Tours, ainda como resultado da crise acentua-se o número de moradores que deixam o Bairro, especialmente, por causa do barulho provocado por uma atividade noturna exacerbada. Em substituição aos habitantes que saem do Bairro são os estudantes que passam a ocupar os apartamentos abraçando o sistema de moradia em coabitação. Nesse novo caminho cresce igualmente o número de proprietários que transformam os imóveis em pequenos studios destinados aos estudantes. Estes por sua vez, são favorecidos com os comércios, serviços e os locais de lazeres (bares, boates e restaurantes) próximos, sobretudo, com o acesso rápido a Faculdade de Letras situada ao lado do Rio Loire. No rastro dessas transformações os comércios de proximidade estão cada vez em 483 KARA-JOSE, 2007, p. 148. 419 menor número, ocorrendo a abertura progressiva de estabelecimentos voltados para o público jovens como os restaurantes que vendem comida rápida e sanduíches. A par desse mar de turbulências que marcam a cena em Tours, mesmo com todos conflitos gerados entre os usos comerciais e os usos vivenciais, observou- se, um gosto especial por parte dos moradores em viver em um bairro antigo. E quanto mais velha a casa mais o sentimento de orgulho se explicita. Sem querer generalizar, mas com base na experiência obtida com as entrevistas, percebeu-se algo que se expressa além da fala... O olhar e sentimento de satisfação em morar em um prédio que guarda as marcas do passado. Mesmo para aqueles que moram em apartamentos que foram construídas durante o período de renovação, demostram contentamento por habitarem em um Bairro bonito e artigo. Isso advém tantos dos moradores idosos como dos mais jovens. O depoimento a seguir é bastante ilustrativo e vale a pena resgatar os detalhes do argumento do morador sintetizados nesse trecho. E.M. – bah vous êtes là/ dans un quartier ancien/ dans une vieille maison/ avant ici c'était des sœurs religieuses qui y habitaient/ c'était un couvent/ alors à Tours il y avait beaucoup de couvents et des religieux/ donc vous aviez ici un couvent de sœurs/ qu'on appelle les Capucines/ alors moi-même je travaille au centre de Tours/ à côté des cinémas/ des Studios/ bon là-bas c'est le couvent des Ursulines/ vous voyez c'était un autre ordre/ puis en bas vous voyez ici là/ donc cette partie-là a été refaite y a pas très longtemps/ y a deux ans/ partout vous voyez les petits pavés / des petites pierres/ donc au départ ils avaient l'intention de construire un parking souterrain/ et ils n'ont pas pu le faire parce qu'il y a un /// sœurs Capucines qui date donc du dix septième siècle/ seizième siècle/ moi j'aime beaucoup/ j'ai toujours aimé les vieilles maisons/ je peux pas vivre/ enfin peut-être dans des immeubles neufs/ de construction récente/ les vieilles maisons elles sont habitées vous voyez/ elles ont un charme que les maisons plus récentes/ c'est mon point du vue/ y a des personnes qui n'aiment pas l'ancien/ parce que c'est moins confortable/ je trouve/ enfin pour moi/ y a un esprit qui habite ces lieux/ qu'on ne trouve pas dans une construction moderne/ donc moi ça me plaît beaucoup d'habiter ici/ et de savoir qu'avant moi / à la période Renaissance/ avant même/ au Moyen- Age/ c'étaient des religieuses qui habitaient ici et elles sont encore là en fait /// donc je vis avec mes prédécesseurs / ceux qui m'ont précédé ici / qui sont venus avant moi / et sont enterrés là vous voyez / donc c'est ça l'ancien / le lien entre les vivants et les morts E – et le moderne ↑ E.M. – ah le moderne c'est autre chose/ par exemple les jeunes gens/ vous voyez les jeunes qui ont vingt ans/ vingt cinq ans peut-être/ des jeunes gens 420 comme vous/ sont davantage tournés vers le moderne/ vers la modernité/ moi quand j'avais vingt ans l'ancien m'intéressait y avait une sorte de renouveau vous voyez / et en France/ en Europe/ l'intérêt pour l'ancien par exemple/ quand on avait vingt ans donc en soixante huit/ soixante dix/ on avait la rencontre de sa culture/ de sa grand-mère/ de son grand-père/ et un retour vers une civilisation qui était en train de disparaître/ mais aujourd'hui puisqu'on a la plupart des jeunes gens/ parce que je pense qu'il y a une différence de ce point de vue-là / enfin il faudrait trancher en terme de sociologie/ les tranches d'âge/ je pense que les jeunes/ vingt ans/ trente cinq ans/ quarante ans allez/ sont plus attirer par le neuf/ vous voyez le moderne/ le confortable / la tranche d'âge/ peut-être quarante cinq/ soixante/ soixante cinq ans/ plutôt par des types d'appartements/ de maisons qui ont un passé historique/ et puis évidemment c'est le corps qui empêche d'habiter des maisons avec des escaliers de partout etcetera/ et quand on devient vieux/ on trouve que le neuf c'est pas beau/ mais c'est bien pratique E – c'est vrai/ je dis aussi qu'il y a un mélange/ entre la façon de vivre moderne/ et les bâtiments anciens E.M. – bien sûr/ oui oui tout à fait/ c'est la réunion/ on peut concilier comme ça la modernité de la vie et puis / mais bon / quand je dis les appartements anciens/ si vous voulez autrefois dans ces appartements/ y avait rien pour se chauffer/ vous voyez y avait des petites cheminées/ donc l'ancien c'était aussi un ancien qui est revisité/ qui est repensé/ dans la modernité /// E.M. – Professor e pesquisador, antigo morador da Rue Colbert e atual morador do Centro Histórico de Tours. Entrevista concedida a autora, na cidade de Tours/ França, 2012. Para a realização da pesquisa adentrou-se diversas edificações, seja em João Pessoa, como em Tours. Em João Pessoa praticamente todas as entrevistas, com os habitantes, foram realizadas em suas residências – somente uma no local de trabalho do morador. Já em Tours embora as casas tenham sido o local primordial do encontro, outros espaços sociais foram utilizados para a efetivação das entrevistas como parque, praças, sala da universidade, cafés, bares ou ainda a beira do Rio. Embora os habitantes reconheçam que as residências têm suas limitações e apresentem algumas reclamações, como por exemplos: o fato de não ter elevador, – isso presente, sobretudo, nas falas das pessoas idosas –, garagem para guardar o carro, as escadas no interior do imóvel para ascender os distintos cômodos… Utilizar o telefone celular torna-se algo nada fácil dentro das casas feitas com espessas pedras, a existência ainda de habitações que apresentam umidade e pouca luminosidade… A lista prolonga-se com os descontentamentos advindos com o barulho e a impossibilidade de conciliar uma convivência harmoniosa com os 421 vizinhos ou comerciantes. Mas nada disso tira o brilho no olhar ao falar do local onde mora. Algo recorrente ocorria antes ou após o término das conversas, o prazer de mostrar a casa, as dependências, a cava ou jardim… Falar sobre a história, quem morou antes, a que século pertence. O depoimento acima é muito ilustrativo a esse aspecto. Mas como começou esse interesse e valorização das casas antigas? Como foi visto isso não foi algo constante. Ora, em Tours foi a partir das operações de renovação e restauração que o Vieux Tours passou a ser conhecidos pela população de modo geral, pois o quartier insalubre e despiciendo não tinha uma boa fama. Por isso, os prédios que, hoje, são considerados os mais bonitos da cidade, eram desconhecidos da maior parte dos Tourangeaux. Como já foi abordado, faz parte da compreensão que norteia esse estudo que os centros históricos são uma construção social, elaborados pelas políticas urbanas, que além de promoverem mudanças no espaço são igualmente instrumentos que influenciam na formação dos modos de compreender e perceber esses locais da cidade.484 Daí a hipótese de que o modo como os habitantes compreende o centro histórico, bem como a visão e valor dado as antigas habitações são influenciados pelas políticas urbanas, tendo como força de sustentação o patrimônio. Sendo assim, observou-se que a forma como os moradores se referem sobre as questões pertinentes aos patrimônios, preservação e mesmo a valorização destas advindos, encontram-se amalgamados aos discursos que propagados pelas políticas urbanas. Basta lembrar que, embora em contextos e situações distintas, os bairros antigos em ambas as realidades (João Pessoa e Tours) passaram – ou passa ainda, no caso da cidade brasileira – por processo de abandono. Escopo de políticas urbanas que imprimem um novo entendimento e valor simbólico aos bairros. Se em Tours ocorre uma tendência mais acentuada em valorizar a habitação antiga, em João Pessoa talvez isso ocorra ainda de modo tímido devido ao ritmo lento – embora progressivo – como as intervenções urbanas vêm sendo instaladas. Essa lentidão nas execuções é visível, a exemplo do projeto Porto do Capim, já elaborado a cerca de vinte anos. Também pode-se citar o modo ainda incipiente com relação a educação 484 PEIXOTO, s.d. 422 voltada para preservação patrimonial. No entanto, na capital paraibana foi possível encontrar moradores que têm uma visão que se aproxima dos moradores de Tours. Que discorrem sobre valor simbólico do imóvel e por isso a escolha em habitar no Centro Histórico. Escolha efetivada após as medidas de intervenção urbanísticas. Embora o contexto do conjunto do bairro ainda encontra-se pleno de prédios em estado deteriorado, os grandes projetos, – voltados para o turismo – anunciados para serem executados brevemente surgem como promessa de novos tempos, cujo patrimônio valorizado certamente vai içar o mercado imobiliário. Durante os quatro anos de caminhadas, viagens, conversas, as entrevistas muitas vezes bem longas, realizadas com moradores, comerciantes e usuários dos Centros Históricos em diversas cidades, pode-se traçar um panorama de alguns “tipos” de moradores dos centros históricos visitados. Isso porque, A comparação, enquanto momento da atividade cognitiva, pode ser considerada como inerente ao processo de construção do conhecimento nas ciências sociais. É lançando mão de um tipo de raciocínio comparativo que podemos descobrir regularidades, perceber deslocamentos e transformações, construir modelos e tipologias, identificando continuidades e descontinuidade, semelhanças e diferenças, e explicando as determinações mais gerais que regem os fenômenos sociais.485 Desse modo essas experiências advindas com esses contatos facultou- se observar o modo como as pessoas percebem e exteriorizam seus sentimentos com relação ao bairro antigo. Nesse sentido, traçou-se uma “tipologia” dos moradores tendo como base os depoimentos realizados ao longo do trajeto da pesquisa, a saber: 1) “Práticos”: são aqueles que moram no centro histórico por causa da praticidade em encontrar próximo de suas residências os serviços e comércios que precisam cotidianamente. Ou ainda por habitarem próximo ao local de trabalho. Esses moradores contam com a vantagem de economizarem tempo, especialmente nos casos daqueles que não têm automóveis. Além disso, não precisam usar com 485 SCHNEIDER, Sérgio; SCHMITT, Claúdia Job. O uso do método comparativo nas Ciências Sociais. Cadernos de Sociologia. Porto Alegre, v. 9, p. 49-87, 1998. Disponível em: http://www.ufrgs.br/pgdr/arquivos/373.pdf. Acesso em: nov. 2012. 423 frequência o transporte coletivo, mas podem usá-lo com facilidade se o precisar, pois normalmente os centros históricos são bem assistidos nesse sentido, tendo ônibus para os diversos locais da cidade. Esse “tipo” de morador consiste um achadiço em todos os Centros Históricos visitados. 2) “Afetivos”: são aquelas pessoas que residem no Centro Histórico por terem com o local um laço de afetividade proveniente da trajetória de vida. São laços como os de famílias ou porque tem o comércio próximo a residência etc., que os fazem permanecerem na casa onde tiveram uma história particular que os tocam. Por isso, não cogitam a possibilidade de mudança de residência, mesmo que tenham condições financeiras para residirem em bairros mais valorizados da cidade. Normalmente são moradores antigos. Estes normalmente elencam como vantagem em residir no Centro Histórico, além do afeto pelas casas mais antigas e pelo local, a praticidade de obterem próximas as residências aquilo que precisam em termos de serviços, comércios e transportes. Embora apresentem as mesmas reclamações feitas de modo geral pelos moradores, quais sejam: a ausência na maior parte dos imóveis de garagem e a impossibilidade de fazerem alterações e reformas na casa como almejam, porque a casa é tombada; a violência que torna-se cada vez mais gritante e o abandono da grande parte do Bairro que não passou ainda por reformas. Mas isso, de maneira alguma, faz abalar a convicta afirmação de que vão permanecer por toda a vida no imóvel. Embora as mudanças orquestradas no Bairro – lazer noturno, como em Tours, ou o quadro de abandono, em João Pessoa – promove incômodos não pensam em sair do Centro Histórico. 3) “Simbólicos”: chama-se desse modo àquelas pessoas que residem no Centro Histórico por escolha pessoal, impulsionados pelo valor alegórico dado as habitações. Geralmente esses moradores ao falar sobre o porquê, ou ainda, sobre o sentido de viverem no Bairro, justificam a escolha ressaltando o valor simbólico dado em especial pela idade do imóvel, as pessoas que habitaram antes, quem construiu, o estilo da casa etc. Esses moradores normalmente passaram a viver no bairro depois das intervenções urbanas. Após a “invenção” do Centro Histórico e consequente valorização patrimonial. A forma de ver o centro histórico é possivelmente influenciada 424 pelas políticas de revitalização, que criaram uma imagem desses bairros, de bom lugar, do seu potencial turístico e vitrine da cidade. 4) “Compulsórios”: Seriam os habitantes que tendo vivência familiar no local – por ter passado a maior parte ou mesmo toda a vida no imóvel, não saem, mas não porque gostam da casa ou do Bairro. A fixação se dar por falta de condições materiais que possibilitem a saída do Centro Histórico. Ao contrário dos moradores afetivos, esses não se sentem ligados ao lugar e sonham morar em outro bairro mais valorizado. No mesmo sentido, são aqueles que habitam não por longo tempo, mas que sentem vontade de residir em outro local. Se não mudam de bairro são por razões que estão acima da vontade. Apresentam notáveis queixam e é visível o aborrecimento. Normalmente a visão patrimonial não os tocam no sentido de motivar o gosto pelo local. Consideram, geralmente, que o Centro Histórico deve ser destinado aqueles que visitam a cidade, o local, portanto, de atração turística, que igualmente vincula-se a imagem promovida pelas políticas urbanas. 5) “Museum”: pode-se ainda citar os que considerem o Centro Histórico como um lugar intocável, ou seja, um museu. O bairro deve ser mantido para os usos de visitantes – turistas, escolas, universidades etc. – e não para ser habitado. Convém esclarecer que embora os “tipos” explicitados não abarquem o perfil de todos aqueles que residem nos centros históricos, a intensão, no entanto foi traçar um panorama, que pudesse facultar uma visão geral. E com ela perceber que os “tipos” não são percebidos isoladamente, eles se penetram e são encontrados em um mesmo morador diferentes “tipos”. Vale lembrar que os dois últimos descritos – “compulsórios” e “Museum” – baseiam-se em moradores que teve-se contato somente em João Pessoa. É interessante ressaltar que a tipologia que foi desenvolvida, a partir da pesquisa, exterioriza o modo como os moradores compreendem o centro histórico, sendo perceptíveis igualmente como as intervenções realizadas pelas políticas públicas, podem contribuir para moldar a forma como essas pessoas percebem esse espaço da cidade. As permanências (resistências), saídas (ou chegadas) e 425 reinvindicações dos moradores assinalam igualmente os desdobramentos dessas intervenções. Tanto nas entrevistas exploratórias como nos depoimentos dos moradores a palavra centro histórico é comumente associada a imagem de “coração” ou ainda o local que guarda a “origem” e que conta a “histórica da cidade”. Assestam ainda como local onde ocorrem as festas e manifestações culturais. Opiniões essas registradas tanto em João Pessoa como em Tours. Nesse sentido ocorre uma relação da imagem centro histórico com as cidades os locais mais antigos. É interessante observar, que na realidade brasileira, existe a associação do objeto com as chamadas cidades históricas de origem colonial. Convém lembrar que as políticas de preservação patrimonial, que possuem seu nascedouro nos anos de 1930, tiveram como esteio a busca pela construção de uma nação e identidade nacional. Nesse sentido o Estilo Barroco é tomado como expressão representativa de uma originalidade cultural brasileira486 – como resultado dessa articulação o Barroco de Minas Gerais reluz como símbolo. Não sendo, portanto, fortuito que a primeira ação de preservação no Brasil, ocorreu em solo mineiro. No entanto, essa valorização que ocorre, hoje, outrora remete-se a um contexto distinto. As cidades medievais passaram a ser contestadas. A traça irregular, legado da Idade Média e da Época Clássica foram redelineadas tendo como base um desenho que privilegiasse a circulação de mercadorias e pessoas. Momento esse onde as ruas estreitas passam a ser alvo de políticas que visavam a transformação dessas áreas consideradas insalubres. Era preciso abrir novas e largas ruas, e se afastar das cidades vetustas do Antigo Regime. Essas operações políticas visam a formulação de uma imagem moderna, era imperioso adequar a cidade aos imperativos da circulação, exigência da cidade industrial. Essas operações que deflagraram uma constelação de mutações no tecido urbano teve a cidade de Paris como exemplo exponencial. (Ortiz, 1991; Leite, 2004; Frúgoli, 2006). 486 LEITE, 2004, p. 49. 426 Essa influência atravessou o Atlântico e em solo brasileiro opera igualmente uma série de operações que tem o fito de transformar as cidades coloniais em republicanas. Assim, era imperioso modernizar as cidades e torna-las semelhantes as cidades europeias, sobretudo francesas. Criar novas cidades era a forma de romper com o passado considerado arcaico. Nesse contexto, as palavras de ordem eram demolir, construir, embeleza e higienizar, gerando assim, indubitável segregação sócio-espacial. A cidade do Rio de Janeiro é o símbolo mais reluzente dessa fase. É patente que a saída da elite dos antigos bairros deflagrou um acentuado declínio dessa parte da cidade. Em Tours, como foi visto, o antigo bairro permaneceu densamente povoado, mesmo após a saída da elite, graças ao movimento de entrada de estrangeiros que marcou a cidade. “L’afflux a été marqué lors de l’ouverture des grands chantiers. Les Portugais sont venus nombreux, anticipant sur une intégration à l’Europe.”487 Ao passo que na capital paraibana o abandono se efetiva em esferas mais profundas, no sentido que a diminuição da população residente é claramente visível, outrossim, de imóveis em ruínas ou vazios. Situação que persevera até os dias atuais. Nesse sentido é interessante notar que a consciência patrimonial que encontra-se imbricado a expressão “centro histórico”, assesta que os núcleos antigos são reflexo do presente e do futuro mais do que do passado. Seja qual for a consciência patrimonial, ela vem a torna a partir de um traumatismo de ruptura. Ela é, portanto, a reação contra o risco de desaparecimento, mas que traz junto um intuito de proporcionar uma regeneração.488 Os centros históricos revelam histórias densas, e a partir do momento que tem-se contato com o terreno empírico, desvenda-se realidades complexas, como as cenas observadas em João Pessoa, que chocam e sensibilizam por causa dos contextos sociais, ou ainda causam sensações nada agradáveis de vulnerabilidade diante do grave quadro de violência, que reverbera-se nas ruas estreitas... Por vezes 487 LIVRE, 1959/1982, p. 4. 488 PEIXOTO, 2003, p. 213-214. 427 escondidas por detrás das velhas fachadas... Causa sentimento embrear-se pelas ruas nuas de gente e deparar-se com imóveis em estado de conservação lastimáveis. Então a pesquisa faz igualmente de inopinados episódios, que toma a pesquisadora na condição de frequentadora e moradora dos espaços de investigação. Desse modo, percebe-se a existência de vários centros históricos, os que desfilam nos catálogos de divulgação da cidade, nas agências de turismo... Nas páginas na Internet... A imagem de local de festa e do encontro entre amigos para “boire un verre”… Do comércio, serviços e residências que coexistem em harmonia, se desfaz com a participação nos espaços, percebe-se uma realidade que promove certa perplexidade. Por traz da aparecia esconde-se outro local e circunstâncias adversas, como o abandono que choca em João Pessoa, as condições sociais... Ou ainda por abrigar as práticas ilícitas. Não fugindo a esse compasso, o Centro Histórico de Tours igualmente promoveu seu grau de surpresa... Aos primeiros olhares... Um bairro normal, bonito, com seus comércios e serviços... Nas primeiras caminhadas durante o dia sentia-se uma enorme tranquilidade... No entanto, ao perceber a quantidade de bares, isso foi à primeira pista de que existia algo fora daquela normalidade. Sobretudo, porque observava-se a quantidade de jovens, sobretudo, nas noites de quintas-feiras, que caminhavam pelas ruas com garrafas de bebidas alcoólicas – mesmo que não estivessem consumindo. Pensou-se, então, que essa não seria uma boa combinação uma vez que onde existe consumo exagerado de álcool pode-se repulular situações difíceis de controlar. Cartazes espalhados no Centro Histórico, alertando para que não fizesse barulho serviu como outro indício de que a imagem do bairro teria outras facetas, que se escondem na imagem de beleza e quietude diurna. O que se desenhava como possíveis suposições confirmaram-se a partir do momento que fixou-se residência em uma das ruas mais movimentadas e consequentemente considera uma das mais barulhentas. Os artigos dos jornais abordam a cerca dessas tessituras, mas não se imaginou que poderia ser de tamanha magnitude, especialmente nas quintas-feiras, nos dias de festividades e na famosa volta dos estudantes depois dos meses de férias durante o verão. Não somente o barulho do 428 bairro causou surpresa também a quantidade de casos registrados de agressões. Embora se apresentem de modos distintos esse consiste um dos pontos comuns dos dois Centros Históricos pesquisados, qual seja: a questão da violência. Assomados ainda pelo contexto de prostituição e consumo de drogas. Cumpre, no entanto, dizer que em Tours apesar dos registros de violência, não chega às proporções de alerta a ponto de causar receio de passar por determinados lugares. Enquanto pesquisadora e moradora em nenhum momento teve-se medo em transitar pelas ruas do Bairro, mesmo à noite. Ao passo que em João Pessoa sentiu-se isso de modo muito forte, os moradores denunciam e descrevem os constantes roubos que ocorrem à luz do dia. Sensação de vulnerabilidade avultada, sobretudo, depois que a pesquisadora não somente escutou os relatos como também foi vítima. Em Tours, sentiu-se durante o período de moradia, uma sensação que remete-se aos tempos de infância, quando habitou-se em uma pequena cidade onde podia-se andar pelas ruas e praças sem medo. Ainda como parte das surpresas, durante os meses de residência em Tours escutou muitas histórias dos moradores e ex-moradores, de distintas idades, jovens, adultos e idosos, com o intuito de abarcar uma melhor compreensão e visões acerca do local de pesquisa. Mesmo quando as entrevistas chegaram ao ponto de repetirem, não as histórias pessoais, mas o olhar e vivência no bairro continuou-se o registro de depoimentos. Nesse trajeto sentiu-se que seria incontornável escutar a opinião de pessoas que viveram no bairro antes do processo de renovação e restauração. Encontrou-se residentes antigos, mas pensou-se que seria relevante escutar a opinião e vivência de pessoas que formaram a paisagem daquele bairro, que outrora degradado e não valorizado... Habitado por estrangeiros…489 Então, empenhou-se na busca por encontrar imigrantes que pudesse narrar a vida no bairro no período que antecedeu as intervenções urbanas. Um primeiro ponto que estimulou essa busca foi o fato de que as pessoas entrevistas, em sua grande maioria, começaram a residir no bairro após as operações. O que deixa explícito que essas 489 Embora tenha sido naquela época habitado também por franceses o Bairro é sempre referenciado como sendo um Bairro de imigrantes. 429 pessoas conheceram um outro centro histórico, não o bairro degradado. Se o conhecera antes fora por escutar falar não porque tiveram vivência no local. Outro ponto que chamou a atenção refere-se ao fato que os entrevistados sabiam que o bairro era insalubre, os imóveis não ofereciam o mínimo de condições de conforto – muitos não tinham água, banheiros, sala de banho e cozinha – e que fora antes habitado por pessoas de baixíssimo poder aquisitivo, estrangeiros vindos, sobretudo de Portugal. No entanto, a retirada da população pobre, na visão dos atuais residentes, parecia como algo “normal”… Que as casas foram reformadas e os antigos moradores simplesmente saíram para morar em bairros como Sanitas ou em outras cidades próximas como Saint-Pierre-des-Corps, La Riche, Joué-Lès-Tours… Porque não tinham condições econômicas para pagarem os preços dos aluguéis que subiram após as operações de renovação e restauração, são algumas das explicações encontradas pelos atuais residentes. Com o intuito de saber como tinha sido a vida no/do bairro e igualmente como foi para essas pessoas saírem do local onde estabeleceram laços de convivência e solidariedade, empenhou-se na árdua tarefa de encontrar testemunhas daquela época e que aceitassem dar o depoimento. No primeiro movimento buscou- se saber das pessoas conhecidas se sabiam de algum morador antigo do Vieux Tours e que era imigrante. Procurou-se mesmo os portugueses que teve-se contato na cidade, mas declararam não conhecer, porque chegaram a Tours depois das operações urbanas, ou ainda quando conheciam alguém, a pessoa já tinha retornado ao país de origem. Do mesmo modo procurou-se junto as pessoas que tinha-se contato diário nos locais de pesquisas, arquivos, bibliotecas, universidade e informantes... Meses de procura sem uma entrevista efetivada. Precisava-se então procurar outro caminho... Nas proximidades de Tours existe uma antiga rádio portuguesa, que além de tocar músicas do país e do Brasil, presta diversos serviços que visam a integração dos portugueses que chegam a região, bem como auxiliar a comunidade já instalada. Então, esteve-se na rádio, na cidade de Ballan-Miré, e durante dois meses foi ao ar o anúncio procurando pessoas para as entrevistas. Assim, após alguns meses de busca, conseguiu-se com as iniciativas realizadas, 430 através dos contatos e por meio da rádio, pessoas para serem entrevistadas. Foram encontrados ex-moradores que puderam testemunhar diferentes períodos, inclusive uma informante que os pais chegaram ao Vieux Tours antes da Segunda Guerra Mundial e ela nasceu no Bairro, saiu quando ocorreu as operações de renovação e restauração. Com as entrevistas foi possível escutar o outro lado da história como viviam os antigos moradores, as sociabilidades, o comércio que era ativo... O mercado – Les Halles – que hoje atende a uma clientela elitizada, outrora fora o local destinado aos habitantes pobres do Vieux Tours. Local de intensa sociabilidade, o mercado era ativo e vendia-se desde alimentos a roupas e calçados. O Bairro pela força dos que no local habitavam tinha uma vivacidade, de modo que existia uma vida social que se desenrolava. Como declarou uma entrevistada, os moradores se sentiam como se estivesse em seu país, o Portugal. A grande entrada de estrangeiros ocorreu, sobretudo, na ocasião de reconstrução das cidades, a exemplo do Pós-Guerra. Outro aspecto que surpreendeu foram as narrativas sobre a forma como os portugueses chegavam a França para trabalhar, especialmente, na construção civil... Impressionantes e longínquas viagens feitas a pé, uma caminhada que durava dias. Escutar essas narrativas causou impacto, imaginar as circunstâncias nada favoráveis para percorrer grandes distâncias, agravadas pelas condições climáticas: o frio intenso e o vento… Como se abrigavam, alimentavam e dormiam... Caminhavam por matos, a pletora de perigos os quais estavam expostos… Viagem, sem dúvida, que marcou profundamente as vidas daqueles que a fizeram. Ainda pode-se citar como elementos que impactaram as entrevistas com os moradores que vivenciaram o período da Segunda Guerra Mundial. Primeiro a história da cidade é dividida com o grande conflito, sendo comum escutar “isso foi construído após a guerra” ou “destruído durante”. Como no Brasil não tem-se a memória de destruição dessa magnitude, o que se conhece sobre o assunto se efetiva através dos estudos, leituras, filmes... Depoimentos dos que partiram. No solo do país não se tem as lembranças marcadas pelos anos de beligerância. Por isso, ao escutar as histórias, sobretudo, a expressão do olhar… E ver que eles mudam de cor 431 avermelhando-se… A voz que trava e se inunda de emoção… A fisionomia pode-se perceber que apesar de passadas várias décadas, estas são memórias que permanecem vivas e que tocam ao serem escutadas. Pela primeira vez teve-se contato com pessoas que narraram essas experiências… Sabe-se, através das imagens sobre o horror da guerra, mas é verdade que o contato fase a fase com quem a viveu toma proporções dramáticas, é forte e toca profundamente… São situações muito duras de falar e escutar. Cria-se uma outra dimensão sobre o conflito e mais do que isso a conversa pela densidade arrola para além do instante da entrevista e acompanha na mente pela força que o depoimento tem. Por isso, a visão que se tinha do conflito muda… Nos locais de pesquisa como os arquivos, foi recorrente o tema em conversações, pessoas que narravam sobre entes que passaram por situações relacionadas ao conflito, os que ficaram ou que partiram para o fronte. Em conversas mesmo informais, o tema segue com pessoas jovens que contam sobre o que os avós as transmitiram. Assim, a memória dos jovens se efetiva igualmente com as lembranças dos entes queridos… Que apesar dos anos já passados foram inexoravelmente marcados por toda vida. Se as cidades têm suas cicatrizes que podem ser refeitas, a dimensão na alma ganha amplitude e tenacidade maior, por isso as palavras são sempre reticenciadas, não são ubertosas para expressar. Outro aspecto que favoreceu, acompanhar essas situações, foi o fato de que a tese se fez a partir da pesquisa participante, inserção no campo empírico – de participações em diversas reuniões, eventos etc. E no que concerne o Centro Histórico, na França, uma profunda aproximação ao objeto através da fixação de residência no Centro Histórico de Tours. Sem dúvida essa aproximação e vivências ajudam a afinar o olhar e as maneiras de ver uma dada realidade. Para a realização da primeira parte do trabalho expõe-se a perspectiva teórica que norteia o trabalho e o Centro Histórico de João Pessoa. Busca-se, igualmente, enfocar a realidade brasileira, em uma abordagem geral, com o intuito de demonstrar que não existe apenas um centro histórico, mas a existências de outras realidades. Concomitantemente assinalando que as distintas realidades sofrem de modo mais ou menos impactante os imperativos do contexto econômico, político e 432 cultural atual. Nesse âmbito, os Centros Históricos refletem a tendência contemporânea que segue a ideia de reabilitação e de requalificação das cidades históricas. No rastro dessa nova orientação reside a “noção de ‘projeto urbano’ que, ganha maior robustez na década de 1990, no contexto de estetização urbana, nas noções de planejamento estratégico, cultura urbana, cidade sustentável etc. Nesse sentido, “os centros históricos reabilitados estão, em maior ou menor grau, a converter-se em palcos de sociabilidades espectacularizadas e de encenação da vida quotidiana, constituindo-se como uma espécie de nova realidade alegórica das cidades.”490 A trajetória seguida pelos centros históricos, em destaque, apesar das distintas realidades, permite observar que seguem processos de patrimonialização e intervenções nos bairros antigos. No bojo dessas alterações pode-se visualizar a forte influencia das politicas urbana que efetivam-se como meios que viabilizam mutações das percepções e modos de viver das cidades. É interessante ressaltar que na trajetória de um trabalho como esse, em que residiu-se em várias cidades desconhecidas e onde a solidão ganha uma dimensão nunca imaginada. Mesmo com todos os sentimentos advindos por entrar nessas esferas tão profundas das emoções e do labor com a tessitura do trabalho, o lado bonito: olhar o princípio e ver e sentir que algo mudou. Sente-se então contentamento ao chegar a esse ponto do trabalho. Também, por perceber as singularidades e aprender com elas... Um exercício de crescimento pessoal, porque onde quer que esteja à vida é o mais importante. E uma bonita mensagem que fica é que em todos os lugares, a essência humana é a mesma. Revelam suas facetas, e é possível ver beleza nas distinções e nas semelhanças. 490 PEIXOTO, 2006, p. 47. 433 VI Acervos e Fontes A REVITALIZAÇÃO do Centro Histórico de João Pessoa. João Pessoa: Comissão do Centro Histórico de João Pessoa – Convênio Brasil/ Espanha, s./d. Fonte: Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Paraíba – IPHAN-PB. ASSOCIATION des Habitants Plumereau-Halles-Résistance-Victoire (AHPHRV). Journal Officiel de la République Française. Paris: Direction de l'information légale et administrative, 23 mars 2013. Disponível em: . Acesso: jul. 2013. BAHIA Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural. Levantamento sócio-econômico do Pelourinho. 2 edição. Salvador, 1997. CENTRO HISTÓRICO de João Pessoa Monumento Nacional. Projeto de Revitalização do Centro Histórico de João Pessoa 1987–2002. João Pessoa: Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa; Convênio Brasil/ Espanha, out. 2002. 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Campinas: Papirus, 2000. 467 APÊNDICE 468 tours: atualmente 01 02 03 04 05 06 07 08 09 469 10 11 12 13 14 15 16 470 17 18 19 20 21 22 23 24 471 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 472 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 473 46 47 48 49 50 51 52 53 54 474 Tours: algumas animações atuais 55 56 57 58 59 60 61 475 João Pessoa 62 63 64 65 66 67 68 69 476 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 477 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 478 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 479 100 101 102 103 104 105 106 107 480 108 109 110 111 João Pessoa: Uma outra paisagem 112 113 481 114 115 116 117 118 119 120 121 482 122 123 124 125 126 127 128 129 483 130 131 132 133 484 134 135 136 137 138 139 485 João Pessoa: Algumas animações 140 141 142 143 144 145 146 486 Legenda das Fotos: 01) Place Plumereau. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 02) Place Plumereau a noite. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 03) Charrete – Passeio turístico - Rue du Commerce. “Secteur Sauvegardé ” Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 04) Rue du Commerce. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 05) Place de la Résistance “Secteur Sauvegardé”. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 06) Place Jean Jaurès: Prédio da Mairie de Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 07) Prédio da Mairie de Tours. Place Jean Jaurès, durante as festividades de Natal. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 08) Rue Briçonnet próximo de Place Saint-Pierre-le-Puellier. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 09) “Marché de Noël” – mercado durante as festividades do Natal. Place du Général Leclerc, ao fundo a “Gare de Tours”. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 10) Rue du Camp de Molle. “Secteur Sauvegardé”. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 11) ) Rue Briçonnet próximo de Place Saint-Pierre-le-Puellier. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 12) Detalhe fachada de um prédio, Place du Grand-Marché. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 13) Novos edifícios que substituíram antigas casas – Tanneurs. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 14) Place des Halles em dia de feira. Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 15) Rue des Tanneurs. Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 16) Edifício Place Saint-Pierre-le-Puellier. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 17) “Secteur Sauvegardé”. Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 18) Rue des Cerisiers. Foto: Alzilene Ferreira, 2013. 19) Place des Carmes. Foto: Alzilene Ferreira, 2013. 20) “Secteur Sauvegardé”. Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 21) Place Saint-Pierre-le-Puellier. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 22) Place du Grand Marché – Terraço de um bar. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 23) Ruínas galo-romanas. Rue du Petit Cupidon. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 24) Place du Grand Marché «Le Monstre». Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 25) Rue des Tanneurs. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 26) Université François Rabelais, Rue des Tanneurs. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 27) “Secteur Sauvegardé” Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 28) Rue du Grand Marché. Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 487 29) Rue Littré. Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 30) Place Saint-Pierre-le-Puellier. Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2013. 31) Rue du Grand Marché. Foto: Alzilene Ferreira, 2013. 32) Rue du Grand Marché. Foto: Alzilene Ferreira, 2013. 33) “Secteur Sauvegardé” Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2013. 34) “Secteur Sauvegardé” Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2013. 35) “Secteur Sauvegardé” Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2013. 36) “Secteur Sauvegardé” Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2013. 37) O edifício “Ballan” (59 metros, 20 andares). Rue Alleron. Foto: Alzilene Ferreira, 2013. 38) Teatro Tours “Secteur Sauvegardé”. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 39) Cathédrale de Tours à noite “Secteur Sauvegardé ». Foto : Alzilene Ferreira, 2012. 40) “Secteur Sauvegardé” Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 41) “Secteur Sauvegardé” Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 42) “Secteur Sauvegardé” Vieux Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 43) Castelo de Tours “Secteur Sauvegardé”. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 44) Rue Colbert. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 45) "Secteur Sauvegardé”. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 46) Place Plumereau a noite. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 47) Place Plumereau a noite. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 48) Place Plumereau durante o dia. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 49) Trem turístico Place du Grand Marché. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 50) Comércio – Place du Grand Marché. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 51) Place de la Monnaie. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 52) Les Halles. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 53) Fonte Beaune-Semblençay. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 54) Les Halles “Secteur Sauvegardé”. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 55) “Guinguette” na margem do Rio Loire – Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 56) Animação Place “Foire Le Roi”. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 57) Show – Place de la Préfecture. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 58) “Marché de Noël” – mercado durante as festividades do Natal. Boulevard Heurteloup. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 59) Festa do Bairro Cathédrale. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 60) Festa do Bairro Cathédrale. Tours. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 488 61) O “Braderie de Tours”. Foto: Alzilene Ferreira, 2012. 62) Fachada do sobrado abandonado na Rua Duque de Caxias. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 63) Bairro do Varadouro, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 64) Bairro do Varadouro, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 65) Rua Duque de Caxias, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 66) Bairro do Varadouro, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 67) Bairro do Varadouro, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 68) Bairro do Varadouro, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 69) Bairro do Varadouro, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 70) Bairro do Varadouro, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 71) Bairro do Varadouro, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 72) Bairro do Varadouro, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 73) Bairro do Varadouro, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 74) Avenida Visconde Pelotas, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 75) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 76) Rua Vigário Sarlens perto da Igreja de São Fransisco de Assis, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 77) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 78) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 79) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 80) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 81) Rua Conselheiro Henriques, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 82) Igreja de São Bento, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 83) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira 2011. 84) Casa Praça Barão do Rio Branco. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 85) Casa Praça Barão do Rio Branco. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 86) Ladeira do São Francisco. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 87) Rua Vigário Sarlens. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 88) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 489 89) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 90) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 91) Casas, Avenida General Osório. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 92) Casa Praça de São Frei Pedro Gonçalves Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 93) Casa da Pólvora. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 94) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 95) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 96) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 97) Estação de Trem – CBTU – Bairro do Varadouro, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 98) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 99) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 100) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 101) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 102) Casa Praça Barão do Rio Branco. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 103) Avenida General Osório. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 104) Detalhe de um prédio abandonado. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 105) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 106) Casa, Rua Padre Antônio Pereira. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira 2011. 107) Casa, Rua Padre Antônio Pereira. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira 2011. 108) Rua Braz Florentino. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 109) Rua Braz Florentino. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira 2011. 110) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 111) Rua Braz Florentino. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011 112) Praça Anthenor Navarro. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 113) Praça Antenor Navarro. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 114) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 490 115) Rua Vigário Sarlens perto da Praça Dom Ulrico. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 116) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 117) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 118) Igreja de São Frei Pedro Gonçalves. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 119) Casa, Rua Padre Antônio Pereira (Largo de São Frei Pedro Gonçalves) Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira 2011. 120) Prédio na Avenida General Osório, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 121) Praça Anthenor Navarro. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 122) Praça Anthenor Navarro. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 123) Paraíba Palace Hotel, Praça Vidal de Negreiro – Ponto de Cem Réis. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 124) O Hotel Globo – Largo São Frei Pedro Gonçalves, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 125) Catedral Nossa Senhora das Neves. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 126) Catedral Nossa Senhora das Neves. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 127) Casa, Avenida General Osório, Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 128) Rua Padre Antônio Pereira (Largo de São Frei Pedro Gonçalves). Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira 2011. 129) Igreja de São Francisco de Assis. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira 2011. 130) Rua Padre Antônio Pereira. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira 2011. 131) Rua Padre Antônio Pereira (Largo de São Frei Pedro Gonçalves). Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 132) Casas, Praça Dom Ulrico. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 133) Casa, Praça Dom Ulrico. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 491 134) Imóvel, Avenida General Osório. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 135) Praça Anthenor Navarro. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 136) Praça Antenor Navarro. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 137) Igreja de São Francisco de Assis. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 138) Casa, Rua Padre Antônio Pereira (Largo São Frei Pedro Gonçalves). Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 139) Praça Barão do Rio Branco. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 140) Apresentação musical – Praça Barão do Rio Branco. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 141) Centro Histórico a noite. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 142) Praça Anthenor Navarro. Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 143) Show Praça Barão do Rio Branco. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 144) Festa. Praça Vidal de Negreiro – Ponto de Cem Réis. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 145) Apresentação musical. Rua Braz Florentino. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 146) Festa das Neves. Praça Vidal de Negreiro – Ponto de Cem Réis. Centro Histórico de João Pessoa. Foto: Alzilene Ferreira, 2011. 492 Anexo I 493 Tours Antes da Renovação/ Restauração – “Vieux Tours” 1 2 3 4 5 6 494 7 8 9 10 11 12 495 Tours durante a Renovação/ Restauração 13 14 15 16 17 18 19 20 21 496 22 23 24 25 26 27 28 29 30 497 31 32 33 498 As animações do « Vieux Tours » 34 35 36 37 38 499 João Pessoa: fotos antigas da cidade 39 40 41 42 43 500 44 45 46 47 48 501 Legenda das Fotos: 1) Vieux Tours. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. 2) Vieux Tours – Place Plumereau. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cod.: 30J. 3) Vieux Tours. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 4) Vieux Tours – Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód : 30J. 5) Vieux Tours – Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 6) N. 15 e 17 Rue du Grand Marché antes da restauração. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. RES 73 Do IV. 7) N. 11 e 13 Rue de l’Ermitage 26/05/1982. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque - Mairie de Tours. RES 93 Do IV. 8) Casa em ruínas Vieux Tours. Vieux Tours – Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 9) Edifício em ruínas Vieux Tours. Fonte: Arquivos Jornal La Nouvelle République. 10) Quarteirão Isalubre. Vieux Tours – Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 11) Vieux Tours – Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 12) Vieux Tours – Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 13) Vieux Tours. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 14) Rue de l’Arbalète. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. RES 43. Do IV. 15) Rue du Grand Marché. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. RES 28. Do IV. 16) Demolição de edifícios Rue Paul Louis Courier. Vieux Tours. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 502 17) Casa durante a operação de renovação/restauração, Rua Briçonnet. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. RES 38. Do IV. 18) Vieux Tours – Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. 19) Demolição de edifícios perto da Faculté des Tanneurs. Vieux Tours. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 20) Demolição de edifícios perto da Universidade des Tanneurs. Vieux Tours. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 21) Place Saint Pierre le Puellier. Vieux Tours. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 22) Construção do novo Halles. Fonte: Arquivos Jornal La Nouvelle République. Indre et Loire DC 373. 23) Quarteirão Isalubre, construção de um muro. Vieux Tours. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 24) Edificio Rue Paul Louis Courrier. Vieux Tours. Fonte: Archives Départementales d'Indre et Loire: Fonds Pierre Boille. Cód.: 30J. 25) Rue de la Paix. Anos 1970. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. RES 29. Do IV. 26) Champ de Mars, bairro des Tanneurs. Ano 1972. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. REN 32.1 Do IV. 27) Rue Briçonnet, ano 1968. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. REN 35.1 Do IV. 28) Rue de La Paix. Anos 1976-7. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. REN 32 Do IV. 29) Reconstrução Vieux Tours. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. REN 2 Do IV. 30) Rua de la Crosse 1998. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. RES 49 Do IV. 31) Rue de la Paix ano 04/1969. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. RES 41 Do IV. 32) Rue de la Cuillère 01/1984. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. RES 52 Do IV. 33) Rue Briçonnet antes da renovação ano 1968. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. RES 40 Do IV. 503 34) Place Plumereau. Vieux Tours. Fonte: Arquivos Jornal La Nouvelle République. 35) Fête de la Musique – Rue du Commerce – Vieux Tours. Fonte: Archives Municipales de Tours Photothèque – Mairie de Tours. 36) Cospe-fogo Place Plumereau 07/1978 – Vieux Tours. Fonte: Arquivos Jornal La Nouvelle République. 3H-T8-23381. 37) Concerto Place Plumereau 04/06/1986 – Vieux Tours. Fonte: Arquivos Jornal La Nouvelle République. 37 3C-08. 38) Place Plumereau – Vieux Tours. Fonte: Arquivos Jornal La Nouvelle République. 39) 1928 – Rua Maciel Pinheiro. Arquivo: extraído de vídeo da Prefeitura Municipal de João Pessoa. Disponível em: . Acesso em: out. 2011. 40) 1931 - Casa da Pólvora. Disponível em: . Acesso em: out. 2011. 41) 1942 - Praça Vidal de Negreiros (Ponto de Cem Réis) Foto: acervo da família Stuckert. Disponível em: . Acesso em: out. 2011. 42) 1944 – Av. Guedes Pereira (Ladeira do Rosário) (Caminho das Cacimbas). Arquivo: extraído de vídeo da Prefeitura Municipal de João Pessoa. Disponível em: . Acesso em: out. 2011. 43) 1943 – Largo da Praça Antenor Navarro. Foto: acervo da família Stuckert. Disponível em: . Acesso em: out. 2011. 44) Praça Vidal de Negreiros (Ponto de Cem Réis). Foto: acervo do Google Images. Disponível em: . Acesso em: out. 2011. 45) 1946 – A v. Guedes Pereira. Arquivo: álbum de família de Drayton Correa. Disponível em: . Acesso em: out. 2011. 46) Rua Peregrino de Carvalho (antigo Beco da Misericórdia) em 1940. Acervo Museu Walfredo Rodriguez. Disponível em: . Acesso em: out. 2011. 47) 1898 – Rua Duque de Caxias (Rua Direita). Disponível em: . Acesso em: out. 2011. 504 48) 1912 – Praça Barão do Rio Branco. Arquivo: Acervo Fotográfico Humberto Nóbrega. Disponível em: . Acesso em: out. 2011. 505 Anexo II 506 Localização da cidade de João Pessoa – Brasil Fonte: Blog Centro Histórico de João Pessoa, 2008.491 491 Disponível em: . Acesso: jul. 2011. 507 Localização do projeto de revitalização do Varadouro e antigo Porto do Capim – João Pessoa Croqui de localização. Fonte: João Pessoa Histórica. Comissão do Centro Histórico de João Pessoa – Convênio Brasil/ Espanha.492 492 Disponível em: . Acesso: jul. 2011. 508 Localização da cidade de Tours – França Fonte: Benoot: Carte de France Indre et Loire Tours, 2010.493 493 Disponível em: . Acesso: nov. 2013. 509 Localização dos bairros de Tours segudo o INSEE com as divisões dos Centros de 1 a 5 e Bairro Cathédrale Fonte: Plan d’assemblage Grande Quartier – IRIS 2000. Commune: Tours – 37261. L’INSEE.494 494 Disponível em: . Acesso: abril 2013. 510 Vieux Tours Vieux Tours: Contexte réglementaire. Fonte : Geocarrefour.revues495 495 Fonte: MELÉ, Patrice. Habitants mobilisés et devenir d’un espace patrimonial? Géocarrefour. [Online]. Vol. 79/3, 2004. Disponível em: . Acesso em: jul. 2013. 511 Les Villes à Secteurs Sauvegardés – France Fonte: Alain Marinos – Secteurs Sauvegardés.496 496 Disponível em: . Acesso: jul. 2013. 512