1UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Neila Reis Correia dos Santos Natal 2006 EDUCAÇÃO DO CAMPO E ALTERNÂNCIA: /PAreflexões sobre uma experiência na Transamazônica 2UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM EDUCAÇÃO Neila Reis Correia dos Santos Educação do campo e alternância: reflexões sobre uma experiência na Transamazônica, 2000-2005. Tese de doutoramento, apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do grau de doutor em Educação. Orientador: Prof. Dr. JOSÉ WILLINGTON GERMANO NATAL – RN 2006 3Imagem: Foto dos alunos e monitor da Casa Familiar Rural de Uruará/PA, 2004. Fonte. Delídio Abenaldi. Pesquisa de Campo, 2005. Imagem 1 – Aluno e pais da CFRU. Fonte Neila Reis, 2003. Imagem 2 – Condição na Rodovia Transamazônica. Fonte: Neila Reis, 2005. Imagem 3 – Casa originária da Colonização da Transamazônica. Fonte: Neila Reis, 2005. Imagem 4 – Aula Inaugural da CFRU, 2005. Fonte: Odete Reis, 2005. Imagem 5 – Alunos da CFRU no Tempo Escola. Fonte: Delídio Abenaldi, 2004. Imagem 6 – Membros da ASPCFRU e ARCAFAR em atividades. Fonte: Odete Reis, 2005 Imagem 7 – Prédio da CFRU. Fonte: Odete Reis. SANTOS, Neila Reis Correia Educação do campo e alternância: Reflexões sobre uma experiência na Transamazônica/Pará/Neila Reis Correia Santos – Natal, 2006. 401 f. il. Orientador: Prof. Dr. José Willington Germano. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação. 1. Educação – Tese. 2. formação Básica – Tese. 3. Política educacional – tese. 4. Pedagogia – Tese. 5. Cultura – Tese. 1. Germano, José Willington. II Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 37 (81) (043.2) Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN/Biblioteca Setorial o CCSA Divisão de Serviços Técnicos 4Neila Reis Correia dos Santos Educação do campo e alternância: reflexões sobre uma experiência na Transamazônica/Pará. Tese de doutoramento, apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do grau de doutor em Educação. Orientador: Prof. Dr. JOSÉ WILLINGTON GERMANO NATAL – RN 2006 5Neila Reis Correia dos Santos Educação do campo e alternância: reflexões sobre uma experiência na Transamazônica/Pará. Tese de doutoramento, apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do grau de doutor em Educação. Aprovado em: Banca Examinadora ________________________________________________ Prof. Dr. José Willington Germano _UFR – (Orientador) ________________________________________________ Prof. Dr. Francisco de Assis Costa – UFPA ________________________________________________ Profª Drª Édna Bertoldo – UFAL ________________________________________________ Profª Drª Maria Aparecida de Queiroz – UFRN ________________________________________________ Profª Drª Irene Alves de Paiva – UFRN ________________________________________________ Profª Drª Alda Maria Duarte Araújo Castro – UFRN (suplente) ___________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Lessa – UFAL (suplente) 6Eu sou América, sou o Povo da terra, da terras sem Males, o Povo dos Andes o Povo das Selvas, o Povo dos Pampas, o Povo do Mar... Eu, Guarani, E é com canto Guarani Que todo o resto do Continente, Todo os povos do meu Povo, Cantam agora seu lamento. Irmãos vindos de fora, se quereis ser irmãos, escutai o meu canto! Queremos escutar de coração aberto, com a mão do remorso sobre a ara do peito. Queremos reparar A História desta Terra, massacre secular. (Martins Coplas, Pedro Tierra e D. Pedro Casaldáliga) Ao vir à Terra, todo homem tem direito a se educar e, depois, como pagamento, o dever de contribuir para a educação dos demais Na escola há que se aprender a manejar as forças com que na vida se há de lutar. José Martí 7Ao Joselito Reis e a Keila Reis, minhas crias amadas, motivação indelével para meus projetos e pelo muito que aprendo com eles. Ao meu genro, Erasmo Dias, um filho que ganhei. Ao amado neto José Miguel, tão esperado... Ao meu pai Zenaide de Oliveira Reis, pela vida, ensinamentos de respeito ao outro, à cultura de nossos pares colonos e ao zelo à palavra dada. In memoriam. À minha mãe Arlinda da Silva Reis, pela vida, exemplo de força, seriedade, auto-estima pelas nossas origens camponesas e confiança no trabalho com a Terra. Ao meu irmão Rui e às minhas irmãs Odete, Solange, Zenaide e Elaine da Silva Reis, pela saudosa convivência, e também como reconhecimento pelo trabalho suado e o sentido das suas mãos calejadas pelo fazer nos roçados de arroz, feijão, milho e cacau, na gleba 60, lote 04, Km. 158 da Rodovia Transamazônica/Pará (Altamira/ Itaituba). Aos agricultores, seus familiares e filhos e aos professores da Transamazônica, especialmente aos da Casa Familiar Rural de Uruará/PA e do MDTX, os quais lutam e fazem a educação do campo, pela possibilidade deste estudo, o que seria impossível sem a sua contribuição. Aos autores, sou devedora pelas possibilidades dadas para esta leitura. Ao professor José Willington Germano, pela sábia orientação e afetuoso acolhimento. Ao D. Pedro Casaldáliga, ao Dema e Ir. Dorothy Stang, pela grandiosa luta na Amazônia. 8AGRADECIMENTOS À Profª Drª Maria Aparecida de Queiroz, pela orientação fundamentada. Pelo diálogo no momento de decisão para reorientar os caminhos para os estudos. Ainda, pela referência de continuidade da relação, em uma lição de posicionamento democrático. À profª Ms. Maria Neusa Monteiro, pelo trabalho de procuradora junto à UFPA. Ao antigo mestre amigo e fiador, prof. Ms. Paulo Watrin, pela confiança. À chefia do Departamento de Fundamentos da Educação (DFE), nas pessoas da Profª Dtdª Socorro Coelho Costa, Profª. Drª Yvani Pinto, Prof. Ms. Fernando Filho e Profª Drª Rosimê Meguins, pelo trato zeloso com as questões burocráticas apresentadas. Aos professores do DFE, pelo voto favorável à liberação das minhas atividades. Aos professores da UFRN, pelos seus ensinamentos nas disciplinas cursadas. A todos os colegas que passaram/chegaram/estabeleceram relações pessoais e profissionais nesta passagem acadêmica de três anos, de forma direta e indireta, deixando seus saberes, deixando algo que serve para a aprendizagem. Aos prof. Dr Antônio Spinelli e profª Ms. Conceição Spinelli, pela aprendizagem e amizade. Ao prof. Dtdº Francisco José Sales e à profª Drª Adelaide Coutinho pelo apoio e acompanhamento em uma clínica médica, no momento de uma mini-cirurgia. À profª Drª Adelaide Coutinho, pelas contribuições ao primeiro seminário, pela leitura, de textos e sugestões. Às profªs. Drªs Maria Doninha de Almeida, Alda Araújo Castro, Magna França e prof. Dr. Antônio Cabral Netto, pelas leituras/sugestões, pela aprendizagem. 9Aos doutorandos Márcio e Luciane, pelas interlocuções além de nossas pesquisas. À profª Ms. Goretti Cabral, pelas discussões acadêmicas, pela amizade. À profª Drª Severina, pelas referências além da academia. Aos colegas e professores do Ciclo Freiriano, pela aprendizagem. Ao prof. Dr. Orlando Souza, pela leitura ao Projeto de Tese, no momento da entrevista para a UFRN. Também, pelo envio de texto sobre a alternância. Às amigas Aléa Nascimento, Ana Lúcia Dias, Delmaria Albuquerque e Orlandina Guilhomens pela busca e envio de textos e documentos. À amiga Marlene Souza, por ser minha procuradora em Castanhal/Pará, por tudo. Aos que fazem a ARCAFAR/NORTE, na pessoa do coordenador, senhor Leônidas Martins, pelo apoio, entre outras muitas atenções para além deste trabalho. Aos que fazem o MDTX e FVPP, nas pessoas de Paulo Medeiros e João Batista Uchôa, pelo apoio e entrevistas, além da pesquisa. Ao Engº Agrº Ms. Eliomar Arapiraca, coordenador da CEPLAC, pelo apoio para a pesquisa de campo, assim como os demais técnicos e o motorista desta Instituição em Uruará. Aos colegas da EMATER-Pará Luisa, João Carlos, Ademar, Izabel, Domingos, Gilson, Rogério e Elaine pelo amplo apoio, além da pesquisa. Ao Darcírio Wronsky e sua esposa, da CFRM, pelo apoio e as entrevistas. A todos os professores da CFRU, em especial Agnaldo, Damião, Delídio e Josélio, pelas entrevistas, cessão/envio de documentos, pela grandiosa disponibilidade. 10 Aos alunos e ex-alunos da CFRU, pelo acolhimento em suas casas, cessão dos cadernos, entrevistas, estendidos aos seus pais, inesquecíveis momentos. Às professoras coordenadoras do PPEDU/FRN, Márcia Gurgel e Magna França pela séria, democrática, respeitosa e ética relação profissional, na trajetória destes três anos do curso. Pelo calor humano, além desta relação. Aos professores membros do colegiado do PPGED, pela relação respeitosa para com esta representante discente, ouvindo-a e, por sua opinião ter tido validade, de fato. Aos técnicos/funcionários do PPGED, Edenise, Radi, Raquel I e II, Letissandra, Cristiane e Milton que sempre atenderam com prestimosidade às demandas acadêmicas. Aos colegas/professores do Grupo de Aprendizes da Pós Graduação em Ciência Sociais, das Linhas de Pesquisa, Cultura e História da Educação e de Política Educacional do PPGED/UFRN, pelos momentos sapiens e demiens, fecundos de aprendizagem. À profª Drª Vânia Gico, pelos textos, pelo apoio no momento difícil em Maceió. Ao meu ex-exposo, Pedro Correia dos Santos, pelo textos. Aos Técnicos Agrícolas da Prefeitura Municipal de Uruará, pelo apoio. Ao então Secretário de Agricultura de Uruará, senhor Gilson, pelo apoio/entrevista. A todos os entrevistados, pelos ricos depoimentos. Às professoras/técnicas da SEDUC/PA, na pessoa de Lila e Joana, pelas entrevistas/informações dadas . À profª Luciane Almeida, pelo envio de textos. Aos irmãos Maria e Nilo Azevedo, grandes amigos/vizinhos em Belém do Pará, pela acollhida de Joselito, no momento de uma cirurgia, por tudo. 11 À professora Altamira Medeiros, pela correção segura e sugestiva para o texto. À Albanita Oliveira, pela fundamentada revisão bibliográfica. Aos colegas de Mestrado e Doutorado, pelas partilhas em diversos momentos, destacando-se, Iran de Maria, Neide, Goretti, Maria José, Nilma, Vera, Paulo, Florisvaldo, Oneide, Clarice, Georgina, Renata, Marta, Danielle Dorothéia, Rita, Brandemberg e Claudyane. À professora Rosália, pelo forte apoio e encaminhamento para o dr. Ricardo Curioso, e a este, pela acolhida e continuidade no tratamento pós-operatório. Ao Dr. Cláudio Cavalcanti, pelo acolhimento afetuoso em Maceió. Aos amigos, pela força, José Pedro, Leandro, José Ricardo, Aldecy e Alexandre, os três últimos por também terem me recebido em sua casa, um feito impagável. Especialmente, ao Gilmar e Paulo Henrique, pelos sentimentos fraternos. À Elisângela, Edenise, Pablo e Maria José, pelas fotos escaneadas e última formatação, além da relação carinhosa. Ao Prof. Dtdº Paulo Roberto Medeiros, pela elaboração prestimosa dos gráficos. Ao prof. Dr. Jefferson, pelas orientações/sugestões para organização das figuras. Aos colegas do Hospital Espírita Santa Clara da Luz Divinal, pelo acolhimento. Ao Grupo de Estudos Espíritas na Associação Médica de Natal, pelo acolhimento. À UFPA, na pessoa do então coordenador do PPGED/UPFA, prof. Dr. Ronaldo Lima, pelo encaminhamento burocrático da bolsa de estudos da CAPES. À CAPES, pela concessão de bolsa por meio do Programa de Qualificação Docente (PQI) para financiar este estudo. 12 À profª e amiga Ana Lúcia Bentes Dias, pela responsabilidade – desinteressada – em ter assumido a coordenação do GETI, leveza de ensinamento. À Ana Patrícia, por ter sido minha procuradora em Natal, em momentos de 2004. À profª Drª Joelma, pela partilha de belos momentos e a amizade. À profª Drª Marlúcia Paiva, pelo acolhimento em atividades de seu Grupo de Pesquisa. Às cunhadas Geselita e Ilda Correia, pelos acolhimentos de Keila e Joselito. Ao prof. Dr. João Batista de Queiroz, pelo envio de textos, inclusive, de sua tese. À Raquel Carvalho, ao Jorge e prof. Dr. Antônio Munarim, pelo envio de informações/documentos do MEC/SECAD/CEEC/INEP. Às profªs Drªs Edileuda Rego e Reny Maldonado, pelos resumos. À Cláudia, Elizabeth e Rafaela, pela transcrição de alguma fitas. Ao Dr. Levi Sales, pelo respeitoso acolhimento e sua acupuntura. À profª Drª Raimunda Germano e suas filhas, Sylvia e Raquel, pelo gentil recebimento. 13 RESUMO O Tema deste estudo é o Programa das Casas Familiares Rurais (CFRs), por meio da Casa Familiar Rural de Uruará/PA (CFRU), entre os anos de 2000 e 2005. Considera-se, como base, a formação ofertada aos jovens do campo, na modalidade de educação básica, pela metodologia de alternância entre os Tempos Escola e Familiar, nas duas primeiras turmas de 5ª à 8ª série. Parte-se do argumento sobre a importância do entendimento e da necessidade de transmissão/construção do conhecimento, fundados na inter-secção entre referências gerais da realidade social e das subjetivas. Constitui um trabalho educativo que valoriza, tanto o domínio dos saberes, como a capacidade criativa de cada aluno. Considerando que o fim maior da educação é a emancipação humana, definiu-se esta temática para o desenvolvimento da pesquisa documental e de campo, com o recorte para a proposta/prática educativa em alternância, escolhendo o Programa das CFRs como a referência para realizar uma análise que se propôs fecunda na articulação entre educação e trabalho educativo. Este estudo teve o objetivo de contribuir para o debate acerca da alternância e compreender os pressupostos e a prática educativa das CFRs e qual a sua importância para o jovem, a sua emancipação e sua relação com a política educacional do campo. Para isto, valeu-se, principalmente, das referências analíticas de autores, como Williams, Gramsci, Adorno, Freire, Shiva, Soares, Molina, Tonet, entre outros, todos também importantes para a construção deste trabalho. As fontes documentais estudadas, assim como as orais – os atores entrevistados – também permitiram, de modo insubstituível e significativamente, uma análise crítica sobre as proposições pedagógicas e a articulação entre a escola, trabalho familiar e educação, realizada na formação da CFRU, nas sessões de alternância entre Tempo Escola e Tempo Família. Os resultados são pontuados ao decorrer da estruturação dos capítulos, conforme se apresentaram nas diversas fontes e na leitura que destes se fez. Uma leitura que sinaliza para a afirmação de que é possível ultrapassar a ênfase sobre o tecnicismo, mediado na relação prática/teoria/prática, ainda presente na alternância, e, assim, poder fazer um trabalho educativo que pretenda contribuir para a formação de jovens com capacidade de ser, pensar e agir de fato como sujeitos de sua história. Palavras-chave Educação – política educacional – formação básica – alternância – emancipação humana 14 ABSTRACT The study theme is the Rural Familiar House Program (RFHP), through the Rural Familiar House of Uruará-PA city (URFH), from 2000 to 2005. It is considered as base the education offered to the field young people, in the modality of basic education by alternation methodology between the Familiar and School Times in the two first from 5th to 8th grade classrooms. From the argument about the understanding importance and need of knowledge transmission and construction to be established in the inter-section between general references of the social reality and the subjective ones. It constitutes an educative work that both values domain of knowing and the creative capacity of each pupil. Considering that the greatest aim of the education is the human being emancipation, this thematic for the development of the documentary and field research was defined with the delimitated thematic for the educative practice-proposal in alternation, choosing the Program of the RFHs as the reference to carry out an analysis which considered fruitful in the articulation between education and educative work. This study had the objective to contribute for the debate concerning the alternation and to understand presuposals and educative practice of the RFHs what its importance for the young people and its relation with the field educational policy. For this, it was used, mainly, from analytical references of authors, such as Williams, Gramsci, Adorno, Freire, Shiva, Soares, Molina, Tonet, et. all, all were also important for the construction of this work. The studied documentary sources, as well as the verbal ones – the actors also interviewed had allowed, in irreplaceable way and significantly, a critical analysis on the pedagogical proposals and the articulation among school, familiar work and education, which was carried out in the formation of URFH, the sessions of alternation between Time School and Time Family. The results are scored with the chapter construction, as they had presented themselves in several sources and the reading which was made. A reading that signals for the affirmation which is possible to overtake the emphasis on technicality, mediated in the practice-theory-practice relation, still present in the alternation, and, thus, to be able to make an educative work that intends to contribute for the young people education with capacity of being, thinking and to act actually as subjects of their history. Word-key: Education; Educational Policy; Basic Formation; Alternation; Human Being Emancipation. 15 "Educación del campo y alternancia: análisis de una experiencia en la Transamazônia/Pará". RESUMEN El Tema de este estudio es el Programa de las Casas Familiares Rurales (CFRs), por medio de la Casa Familiar Rural de Uruará (CFRU), entre los años del 2000 y 2005. Se considera, como base, la formación ofrecida a los jóvenes del campo, en la modalidad de educación primaria, por la metodología de alternancia entre los Tiempos Escuela y Familia, en las dos primeras turmas de 5º a 8º años. Se parte del argumento sobre la importancia del entendimiento y de la necesidad de transmisión/construcción del conocimiento, que sean fundados en la inter- sección entre referencias generales de la realidad social y de las subjetivas. Constituye un trabajo educativo que valora, tanto el dominio de los saberes, como la capacidad creativa de cada alumno. Considerando que el fin mayor de la educación es la emancipación humana, se ha definido esta temática para el desarrollo de la investigación documental y de campo, con el recorte para la propuesta/práctica educativa en alternancia, eligiendo el Programa de las CFRs como la referencia para realizar una análisis que se propuso fecunda en la articulación entre educación y trabajo educativo. Este estudio tuvo el objetivo de contribuir para la discusión acerca de la alternancia y comprender los embases y la práctica educativa de las CFRs, cuál su importancia para el joven y su relación con la política educacional del campo. Para esto, se ha embasado, principalmente, de las referencias analíticas de autores, como Williams, Gramsci, Adorno, Freire, Shiva, Soares, Molina, Tonet, entre otros, todos también importantes para la construcción de este trabajo. Las fuentes documentales estudiadas, así como las orales – los actores entrevistados – también han permitido, de modo insustituible y significativamente, una análisis crítica sobre las proposiciones pedagógicas y la articulación entre la escuela, trabajo familiar y educación, realizada en la formación de la CFRU, en las secciones de alternancia entre Tiempo Escuela y Tiempo Família. Los resultados son expuestos a lo largo de la estruturación de los capítulos, conforme se presentaron en las diversas fuentes y en la leitura que se ha hecho de estos. Una lectura que da señal para la afirmación de que es posible traspasar la énfasis sobre el tecnicismo, mediado en la relación práctica/teoría/práctica, todavía presente en la alternancia, y, así, poder hacer un trabajo educativo que pretenda contribuir para la formación de jóvenes con capacidad de ser, pensar y actuar realmente como sujectos de su historia. Palabras-clave Educación – política educacional – formación básica – alternancia -emancipación humana. 16 LISTA DE TABELAS Tabela 1- Número médio de anos de estudos da população de l5 anos ou mais Brasil e Regiões, 2001 ...........................................................................................................................78 17 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Distribuição da Inserção profissional dos alunos entrevistados...........................60 Gráfico 2- Inserção profissional de 43 sujeitos sociais entrevistados. .....................................62 18 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Demonstrativo dos alunos entrevistados e o local de trabalho. ...........................59 Quadro 2 – Demonstrativo dos pais dos alunos da CFRU entrevistados e local de trabalho. 61 Quadro 3 – Demonstrativo dos entrevistados envolvidos no movimento relacional das CFRs da Transamanônica e tipo de trabalho ......................................................................................61 Quadro 4 – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF / Custo Aluno em Valores Mínimos- Decretos do Governo Federal ......................................................................................................................................90 Quadro 5 – Calendário Escolar Ajustado ao Período das Safras (%) – Brasil e Grandes Regiões – 2004 .........................................................................................................................96 Quadro 6 – Existência de Turmas Multisseriadas no Ensino Fundamental (%) Brasil e Grandes Regiões – 2004...........................................................................................................96 Quadro 7 – Pessoas com 08 anos de estudos em alguns Municípios do Pará, em 2000. ......121 Quadro 8 – Distribuição do Número de Casas Familiares no Mundo por Continente, Segundo o País e o Ano de Fundação. ..................................................................................................182 Quadro 9 – Casas Familiares Rurais da Arcarfar/Norte........................................................202 Quadro 10 – Síntese da Organização Curricular CFR /Uruará – Temas Profissionalizantes276 Quadro 11 – Classes Toxicológicas dos Agrotóxicos..........................................................288 Quadro 12 – As Classes Toxicológicas dos Agrotóxicos .....................................................288 Quadro 13 – Recomendações de adubo químico para a pimenta-do-reino...........................294 19 LISTA DE FOTOS Foto 1: II Seminário Estadual de Educação do Campo do Pará ..............................................66 Foto 2: II Seminário Estadual: Educação e Diversidade no Campo, no Pará. Palestra do Secretário da SECAD/MEC. .......................................................................................92 Foto 3: Apresentação cultural no II Seminário Estadual de Educação do Campo do Pará. ..134 Foto 4: 8º Congresso Internacional de Alternância: Família, Alternância e Desenvolvimento. Foz de Iguaçu/PR ......................................................................................................143 Foto 5: Apresentação dos representantes dos diversos países para a AIMFR, biênio 2005-07, no 8º Congresso Internacional de Alternância. Foz de Iguaçu-PR. Entre estes, o Senhor Leônidas Martins (Calça Jeans) da ARCARFAR/NORTE. .........................172 Foto 6: Casa original – para colonos – do Projeto de Colonização. Rodovia Transamazônica, Trecho Altamira/Itaituba. Árvore Castanheira..........................................................210 Foto 7: Prédio original do INCRA/ Escritórios desta Instituição e da ARCAPARÁ, 1973. Residência para Técnicos Agrícolas/Assistentes Sociais. Km. 200 do trecho ATM/ITB. .................................................................................................................210 Foto 8: Caravana pela consolidação das CFRs......................................................................235 Foto 9: Condições da Rodovia Transamazônica entre Altamira e Medicilândia. .................238 Foto 10: II Tapiri da família do colono Zenaide Reis/Atividade do Projeto RONDON. Dentista Haroldo – de Uberlândia – em atendimento à Elaine da Silva Reis, janeiro de 1973. ....................................................................................................................243 Foto 11: Vista panorâmica de uma rua de um bairro popular de Uruará / PA................................................................................................................260 Foto 12: Alojamento da Casa Familiar de Uruará antes da atual Reforma/Monitor Damião Silva. ............................................................................................................261 Foto 13: Monitor orientando nos tratos culturais da pimenta-do-reino, 2002 .......................291 Foto 14: Casa original do Projeto de Colonização da Transamazônica, entre Altamira e Brasil Novo. .........................................................................................................................301 Foto 15: Alunos da CFRU – 2ª Turma, 2004.........................................................................301 Foto 16: Prof. Josélio Riker. Aula sobre Extensão Rural, no auditório da UFRA / Belém / PA. .................................................................................................302 Foto 17: Alunos da CFRU – 2ª Turma, 2004.........................................................................311 Foto 18: Colação de Grau da 1ª Turma da CFRU/2002 ........................................................331 20 Foto 19: Condições da Rodovia Transamazônica no inverno de 2005, entre Brasil Novo e Medicilândia..............................................................................................................332 Foto 20: Avós, mãe e irmãos de um aluno da CFRU, Vicinal 180 Sul. ................................359 Foto 21: Aluno da CFRU, irmão, mãe e avô. Uruará, vicinal do Km. 180 Sul. ....................360 Foto 22: Aluna da CFRU, seu irmão e irmã. Uruará, vicinal do Km. 180 Sul. .....................368 Foto 23: Aluna da CFRU, suas irmãs e mãe. Uruará/PA.......................................................368 21 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABCAR Associação Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural ABMS Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior ACAR Associação de Crédito e Assistência Rural AEERS Association dé tude pour l’Expansion de la Recherche Scientifique AEERS Association d’Étude pour l’Expansion de la Recherche Scientifique AES Associação dos Amigos do Espírito Santo AIA American International Association for Economic and Social Develoment AID Agency for International Development AIMFR Association Internationale des Mouvements Familiales de Formación Rurale AIMR Associação Internacional das Maisons Familales Rurales ALCA Acordo do Livre Comércio das Américas ARCAFAR/NORTE Associação das Casas Familiares da Região Norte ARCAFAR/SUL Associação das Casa Familiares da Região Sul ARCARFAR Associação Regionais das Casas Familiares Rurais (CFRs) ARCARPARÁ Associação de Crédito e Assistência Rural do Estado do Pará ATER Serviço de Extensão Rural BID Banco Interamericano de Desenvolvimento BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento. Banco Mundial BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Social CAP Centro Agropecuário CAT/UFPA Centro Agroecológico do Tocantins CBAR Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais CD Caderno Didático CDFRs Casas das Famílias Rurais CEB Câmara de Educação Básica CEB Câmara da Educação Básica CEC Coordenação de Educação do Campo CEDEMPA Centros de Estudos e Defesa do Negro do Estado do Pará CEETESP Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza CEFFAs Centro Educativo de Formação em Alternância CEPLAC Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira CFRs Casas Familiares Rurais CFRU Casa Familiar Rural de Uruará CIMMT Centro Internacional de Melhoria do Milho e do Trigo CNDRS - Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável CNE Conselho Nacional de Educação CNEE Conselho Estadual de Educação COBAL Companhia Brasileira de Alimentos COODESTAG Cooperativa de Desenvolvimento Rural Sustentável SAGRI Secretaria de Agricultura do Estado do Pará CONED Congresso Nacional de Educação CONTAG Confederação dos Trabalhadores em Agricultura COPERSAM Cooperativa Agropecuária de Medicilândia 22 COPERTRAM Cooperativa Agropecuária da Transamazônica CPT Comissão Pastoral da Terra DIRETRIZES Diretrizes Operacionais da Educação Básica para as Escolas do Campo DOEBEC Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo. DPI Direitos de Propriedade Intelectual EA ESCOLA ATIVA -FUNDESCOLA EAFC Escola Agrotécnica Federal de Castanhal, ECBs Escolas Comunitárias Rurais ECO-92 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ECRs Escolas Comunitárias Rurais EFAs Escolas Famílias Agrícola EFBB Estrada de Ferro Belém Bragança EJA Educação de Jovens e Adultos EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa em Agropecuária ENEM Exame Nacional de Ensino Médio ENERA Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária EPAs Escolas Populares de Assentamentos EPAS Escolas Populares de Assentamento ETAs Escolas Técnicas Agrícolas ETF Escolas Técnicas Federais FADESP Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa FAO Food and Agricultural Organization (Órgão da ONU para Agricultura e Alimentação) FATA Fundação Agrária do Tocantis FETAGRI Federação de Trabalhadores em Agricultura FGV Fundação Getúlio Vargas FMI Fundo Monetário Internacional FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FNO Fundo Constitucional do Norte FNO-Especial Fundo Constitutucional do Norte para pequenos agricultores FPEC Fórum Paraense de Educação do Campo FPEC Fórum Paraense de Educação do Campo FUNADESP Fundação Instituto para o Desenvolvimento do Ensino Superior FUNDEB Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação Básica FUNDEF Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental ede Valorização do Magistério. FUNDEPAR Fundação para o Desenvolvimento do Estado do Paraná FVPP Fundação Viver, Produzir e Preservar GATT Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio; General Agreement on Tariffs and Trade. GCIPA Grupo de Consultoria Internacional de Pesquisa Agrícola GEEM Grupo Especial de Educação Modular da SEDUC Ha Hectare I PND I Plano Nacional de Desenvolvimento IATAI Instituto Agrícola da Transamazônica IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 23 IIPA Instituto Internacional de Pesquisa de Arroz INCRA Instituto Nacional de Colonização na Reforma Agrária INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IREO Institutut Rural d’Éducation et d’ Orientation/ Instituo Rural de Educação e Orientação ISO-9000 Selo de Qualidade ISSAR Instituto Saber Ser Amazônia Ribeirinha IUCN União internacional para Conservação da Natureza JAC Movimento da Juventude Agrária Católica LAET/UFPA Laboratório Agroecológico da Transamazônica LASAT/UFPA Laboratório Sócio-Agronômico do Tocantins LDBEN e LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira MA Ministério da Agricultura MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário MDTX Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu MEB Movimento de Educação de Base MEC Ministério da Educação e Cultura MEPES Movimento de Educação promocional do Espírito Santo MFREO Maisons Familiales Ruralesde Educação e Orientação MFRS Maisons Familiales Rurales MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização MOCAMBO Movimento AFRO-DESCEDENTE MOEG Movimento de Educadores de Gurupá MOEG Movimento de Educadores de Gurupá MPA Movimento de Pequenos Agricultores MPEG Museu Paraense Emílio Goeldi MPST Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra NPK Nitrogênio, Fósforo, Potássio (fertilizante químico) OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OERALC Oficina regional para a América Latina e Caribe OMC Ogrnização Mundial do Comércio ONGs Organizações Não Governamentais ONU Organização Mundial das Nações Unidas PAEPA Plano de Educação do Estado do Pará Pas Projetos de Assentamentos PDEPT Plano Decenal de Educação para Todos PE Plano de Estudo PEE Plano Estadual de Educação PEEPA Plano Estadual de Educação Pará PF Plano de Formação PICs Projeto Integrado de Colonização PIN Programa de Integração Nacional PND Plano Nacional de Desenvolvimento PNDU Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNE Plano Nacional de Educação PNERA Pesquisa Nacional de Educação na Reforma Agrária; POLAMAZÔNIA Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia PPEEPA Proposta Plano Estadual Educação/SEDUC/PA 24 PPJ Projeto Profissional do Jovem PPPFT/PPG-7 Programa Piloto para Preservação das Florestas Tropicais PROJOVEM Programa de Formação de Jovens Empresários Rurais PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária PROTERRA Programa de Redistribuições de Terras e de Estímulos à Agropecuária do Norte e do Nordeste. PSDB Partido Social Democrata Brasileiro PT Partido dos Trabalhadores REFERÊNCIAS Referências para uma Política Educacional do Campo – Caderno de Subsídios/MEC. RV Revolução Verde SAEB Sistema de Avaliação de Educação Básica SAGRIMA Secretaria Municipal de Agricultura de Uruará SCIR Secretaria Central de Iniciativa Rural SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade Plano Nacional de Educação (PNE) SECTAM Secretaria Estadual de Tecnologia e Meio Ambiente SEDUC Secretaria Executiva de Educação do Estado do Pará SENAR Serviço de Aprendizagem Rural SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SESPA Secretaria de Estado de Saúde Pública SIMFR Solidariedade Internacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural SINTEPP Sindicato dos Trabalahdores em Educação do Estado do Pará SNNAEB Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica STRs Sindicatos dos Trabalhadores Rurais SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste TC Tempo Comunidade TE Tempo Escola TF Tempo Familiar TRAVESSÕES Estradas vicinais UFES Universidade Federal do Espírito Santo UFPA Universidade Federal do Pará UFRA Universidade Federal da Amazônia UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação UNEFAB União Nacional das Escolas Família Agrícola do Brasil UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura UNICEF Fundo Nações Unidas para a Infância UNMFREO Union Nationale des Maisons Familiale Rurale Éducation et Orientation. França UNMFRs União Nacional das Maisons Familiaes Rurales USAID Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional UVA Universidade do Vale do Acarai VARs - Variedades de Alto Rendimento VF Visita às famílias ANCA Associação Nacional de Coperação Agrícola 25 LISTA DE ANEXOS Anexo A Crédito das Fotos Anexo B Caderno de Fotos Anexo C Mapas Anexo D Lista de Alunos da CFRU Anexo E Documentos Anexo F Figuras 26 SUMÁRIO Introdução ...............................................................................................................................27 1 Contextualizando a temática ..................................................................................................27 1. 1 Um breve olhar sobre o campo..........................................................................................27 1.2 Por uma Educação Escolar do Campo: um primeiro posicionamento ..............................30 2. Delimitando o objeto de estudo............................................................................................47 3. O caminho da pesquisa .........................................................................................................53 3. l Um aporte metodológico. ...................................................................................................53 3. 2 Procedimentos de pesquisa................................................................................................58 4. Estruturação do Trabalho .....................................................................................................63 Capítulo 1. Políticas educacionais do campo: um retrato do cenário no contexto da transição do século XX ao XXI..............................................................................................66 1.1 Política Educacional: uma breve reflexão introdutória ......................................................66 1. 2 Situando historicamente as políticas educacionais............................................................70 1.3 Fragmentos de movimentos sociais no campo ..................................................................80 l.4 A Educação do campo na LDB de 1996: pontuando as adequações..................................82 1.5 Pontuando a educação do campo no Plano Nacional de Educação....................................86 1.6 Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo: marcando avanços democráticos na política educacional ? ...............................................................................................................92 1.7 Apontamentos sobre a educação do campo paraense: perspectivas para a construção das suas Diretrizes Operacionais. .................................................................................................117 Capítulo 2 – A Alternância na encruzilhada do debate social em torno da educação. ..143 2.1 Situando o contexto ..........................................................................................................143 2.2 Alguns traços da trajetória do conceito em alternância educativa....................................150 2.3 O debate social em torno da alternância: apontando algumas definições ........................159 2.4 A alternância como relação social ....................................................................................167 Capítulo 3. Maisons Familiales Rurales: pontuando sua origem e expansão.........................172 3.1 Situando o contexto ..........................................................................................................172 3.2 A expansão na França das Maisons Familiales Rurales. ..................................................176 3.3 Os instrumentos pedagógicos das Maisons. .....................................................................183 3. 4 As experiências educativas em alternância no Brasil......................................................190 CAPÍTULO 4 – Sustentabilidade – educação – e sociedade: tendências e desafios .......210 4.1 Sustentabilidade – educação – e sociedade: uma reflexão para o debate.........................210 4.2 Sustentabilidade e o espaço regional: o MDTX pela educação na Transamazônica........235 CAPÍTULO 5. Programa das Casas Familiares Rurais: a Casa Familiar Rural de Uruará – (CFRU) construindo a formação em educação básica .....................................260 5.1 A CFRU: um retrato de sua trajetória de implantação .....................................................261 5.2 Uma leitura sobre o Projeto Político Pedagógico.............................................................266 5.3 Uma abordagem sobre o cenário da CFRU......................................................................280 5.4 Folheando os cadernos dos alunos da CFRU: a diversidade de temas e de saberes locais.......................................................................................................................................282 27 Capítulo 6. Compreensão dos atores sociais sobre a Alternância: uma formação construindo novos temas, a sustentabilidade presente......................................................301 6.1 O olhar dos monitores: reconstruindo o ensino escolar....................................................301 6.2 A voz dos alunos: a formação como pertencimento à terra..............................................311 6.3 – A compreensão dos pais sobre a CFR: “um estudo dos trabalhos da roça, das técnicas para a gente produzir melhor” ................................................................................................331 6.4 A interface das falas dos atores da CFR de Uruará: pontuando uma leitura ....................344 Capítulo 7 – Educação, trabalho e vida: alguns desafios da alternância da CFRU para além da monocultura do saber. ...........................................................................................351 7.1 Formação escolar para a emancipação humana: uma reflexão ao debate ........................351 7.2 Programa das CFRs na encruzilhada do debate/construção da alternância: pontuando alguns desafios........................................................................................................................359 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................370 9. FONTES ............................................................................................................................376 10 REFERÊNCIAS: .............................................................................................................384 ANEXOS ...............................................................................................................................401 27 Introdução 1. Contextualizando a temática O foco deste trabalho é o Programa de Alternância das Casas Familiares Rurais da Transamazônica (CFRs), com remetimento ao seu segmento, a Casa Familiar Rural de Uruará (CFRU) no município de Uruará/Pará, por meio de estudos da proposição/operacionalidade desta formação básica. 1. 1 – Um breve olhar sobre o campo Para construir uma formação escolar reflexiva é necessário que se conceba que a educação escolar é envolvida nas dimensões da sociedade. Neste sentido, o olhar sobre a educação requer o olhar, também, sobre a concepção de sociedade. Nesta, o campo e a cidade são partes constitutivas da realidade social em nível horizontal, não hierárquico. Como assinala Williams (1989, p. 387), [...] o campo e a cidade são realidades históricas em transformação tanto em si próprias quanto em suas inter-relações. Temos uma experiência social concreta não apenas do campo e da cidade, em suas formas mais singulares, como também de muitos tipos de organizações sociais e físicas intermediárias e novas. No entanto as idéias e imagens do campo e da cidade ainda conservam sua força acentuada. Esta persistência é tão significativa quanto a grande variedade, social e histórica das idéias em si. O contraste entre campo e cidade é uma das principais maneiras de adquirirmos consciência de uma parte central de nossa experiência e das crises de nossa sociedade. Isto, porém, dá origem à tentação de reduzir à variedade histórica de formas de interpretação aos chamados símbolos e arquétipos. Muitas vezes, tal redução acontece quando constatamos que certas formas, imagens e idéias importantes persistem durante períodos de grandes transformações. Mas, se percebermos que a persistência depende das formas, imagens e idéias em mudança, podemos ver também que a persistência indica alguma necessidade permanente ou praticamente permanente, que se reflete nas diferentes interpretações que vão surgindo. Creio que há, de fato, uma tal necessidade, e ela é criada pelos processos de um desenvolvimento histórico específico. Contudo, se não vemos esses processo, ou se só os vemos por acaso, recaímos em formas de pensamento aparentemente capazes de criar a permanência sem a história. 28 Nesta perspectiva, Williams assinala que muitas percepções sobre relações concretas foram interpretadas parcialmente. Estas interpretações sobre a cidade e o campo representam posicionamentos, desde os tempos iniciais da maneira capitalista de organização da produção agrícola, sobre todo um processo de desenvolvimento social. Refletindo sobre a importância de se ter um olhar sobre o momento contemporâneo, visando ultrapassar a divisão cidade e campo, para a sociedade atual, não só para a futura, Williams afirma que [...] é significativo que a imagem comum do campo seja agora uma imagem do passado, e a imagem comum da cidade, uma imagem do futuro. Se as isolarmos deste modo, fica faltando o presente. A idéia do campo tende à tradição, aos costumes humanos a naturais. A idéia da cidade tende ao progresso, à modernização, ao desenvolvimento. Assim, num presente vivenciado enquanto tensão, usamos o contraste entre campo e cidade para ratificar uma divisão e um conflito de impulsos não resolvidos, que talvez fosse melhor encarar em seus próprios termos (WILLIAMS, 1989, p. 397). Para garantir a reprodução humana, Williams (1989) enfatiza que é necessário encarar as situações de crise e explorações, da divisão do mundo, estabelecidas pelo imperialismo, considerando que um dos caminhos é desenvolver e ampliar a agricultura. Assim, a agricultura não é um aporte marginal; pelo contrário, é um eixo central para a reprodução da sociedade; é atualíssima. Contrapondo-se às concepções que consideram o campo como um espaço isolado, perdido e atrasado, Williams (1989, p. 401-402) enfatiza que [...] a idéia comum de um mundo rural perdido não é apenas uma abstração desta ou daquela etapa do processo histórico contínuo: está em contradição direta com qualquer visão efetiva do futuro, no qual o trabalho agrícola deverá se tornar mais importante e central, e não menos. É uma das mais impressionantes deformações do capitalismo industrial o fato de uma das nossas atividades mais centrais, urgentes e necessárias ter sido tão deslocada, no espaço, no tempo ou em ambos, que só é associada ao passado ou a terras distantes. Nesse sentido, o campo é associado ao passado e ao pressuposto de estar perdido, sem rumo, significando tais caracterizações o aniquilamento não só dos valores, das tradições, do modo de socialização dos conhecimentos transgeracionais do campo, como da maneira de 29 reprodução da sociedade de forma saudável, para dar lugar aos grandes projetos e programas que mudam o habitat e o hábito de produzir, por meio da monocultura, para alcançar o crescimento econômico, decompondo as redes de biodiversidade e de diversidade cultural, em nome das dimensões ecológica e social. Visando ultrapassar essa lógica, Williams (1989) afirma que [...] os poderes ativos do capital, concentrados nas mãos de uma minoria, sob todas as suas formas possíveis, constituem nossos inimigos mais ativos, e que será necessário não apenas persuadí-los, mas sim derrotá-los e ultrapassá-los. A magnitude e o inter-relacionamento das decisões necessárias exigem poderes sociais e recursos que são negados, atacados e alienados pelo capitalismo em todas as suas formas. A consciência social diferente dos trabalhadores urbanos, fruto do protesto e do desespero, tem de se manifestar de novas formas, como uma sociedade coletivamente responsável. Nem a cidade irá salvar o campo, nem o campo, a cidade. Em vez disso, a velha luta travada entre ambos se tornará um conflito generalizado, o que num certo sentido sempre foi. Temos mais que trabalhar do que normalmente pensamos. A Inglaterra rural costuma ser considerada algo do passado, e sem dúvida as mudanças são evidentes. Mas, se compararmos a idéia com o campo real, vemos o quanto dele ainda está presente, mesmo nesta nação excepcionalmente industrializada e urbanizada. Quatro quintos de superfície de nossa terra: a terra cultivada, boa parte dela mais bem-tratada do que jamais foi no passado [...].(WILLIAMS, 1989, p. 403). Williams caracteriza as inter-relações entre campo e cidade, evidenciando o quanto o primeiro contribui para a reprodução da vida humana, chamando a atenção para a importância de cuidar de ambos, uma vez que a crise capitalista se reproduz e as formas tomadas para superá-la são voltadas para a lógica da acumulação, reproduzindo também mais exploração ambiental e humana, materializando-se num quadro simultâneo de pobreza e degradação da natureza. Lembra que a problemática não está centrada só no âmbito da industrialização, como também no da agricultura capitalista. Este cenário requer para Williams (1989, p. 403) não só o esclarecimento sobre a problemática, tendo em vista que todas as decisões significativas são concernentes “[...] a modos de interesse e controle social [..]”. Assim, ter consciência não basta, requer um avanço a partir de intervenções embasadas em planejamento e movimento de suas localizações, não com políticas focalizadas, mas sim, com intencionalidade social positiva para o presente e, do ponto mais crítico, no aspecto que determinará o futuro dos indivíduos: o das decisões. Implica considerar, como afirma o autor, 30 que cada processo é um fato, e o que se tem é uma luta ativa, imediata e persistente, considerando que a luta é complicada e atinge todas as dimensões da vida humana. Desse modo, Williams (1989, p. 408) defende a proposição de que [...] nada é mais urgente do que tomar a idéia fundamental, o problema de ultrapassar a divisão de trabalho, e testá-la através de análises rigorosas, propostas rigorosas e práticas rigorosas. Isto pode ser feito sob novas formas de esforço cooperativo. Se queremos de fato realizar o que já se delineia como um novo movimento, com o entendimento e a força necessários, teremos de explicitar em detalhe o que pode ser feito na prática, desde uma ampla gama de planejamentos regionais e de investimentos até mil e um processo de trabalho, educação e comunidade [...] Como assinala Williams (1989), o capitalismo, enquanto modo de produção, constitui- se na maior parte da história do campo e da cidade que a sociedade ocidental conhece. Em seus pressupostos, orientações político-econômicas e nas relações sociais estabelecidas, trouxe alterações aos espaços do campo, além de criar e ampliar as cidades. Neste sentido, “[...] a resistência ao capitalismo é a forma decisiva de defesa humana e necessária [...]” (Williams, 1989, p. 404), por meio de um conjunto de ações contra-hegemônicas, fazendo parte, destas, outras políticas públicas, em um processo que a educação contextualizada é parte fundamental, visando-a para além deste sistema dominante. 1.2 – Por uma Educação Escolar do Campo: um primeiro posicionamento Defende-se a proposição de que a educação, no seu sentido integral, é um dos processos de formação dos atores históricos, formação esta não pensada de forma isolada do contexto histórico-social, porquanto é uma prática social no processo cultural. Assim, esta constitui-se, a partir dos interesses contraditórios da sociedade, dos atores sociais a quem se destina, no caso da educação do campo, os camponeses agricultores e extrativistas, em todas as modalidades: assentados, sem terra, ribeirinhos; aos trabalhadores do campo (assalariados e meeiros), quilombolas, pescadores, povos da floresta etc., considerando-se, para todos, os princípios de pertencimento que orientam as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo e, para além destas, em 31 consonância com princípios filosóficos, pedagógicos e sociológicos contextualizados1, que são interligados e remetem a um contraponto à ciência compartimentada e ao tecnicismo da pedagogia moderna. Os pressupostos dessas referências são aportes, entre outros, como da filosofia, sociologia, antropologia, história, piscicologia, biologia crítica, do conhecimento da tradição e da prática social, para conduzir à uma formação com esclarecimento ao sujeito e não à sua adaptação (ADORNO, 1995). É este o princípio central que orienta a realização de uma formação na perspectiva integral, podendo evitar uma educação presenteísta, destituída da história, uma vez que “[...] os homens inclinam-se a considerar a técnica como sendo algo em si mesmo, uma força própria, esquecendo que ela é extensão dos braços dos homens” (ADORNO, 1995, p. 132); assim, muitos atores e instituições pensam e tratam a educação de forma instrumental. Esse princípio do esclarecimento contextualizado conduz à compreensão de que a educação e a escola são inerentes à vida social de seus atores, envolvendo diferentes dimensões da realidade, cultural, econômica, ecológica e política. Ambas são consignadas ao valor social do trabalho, à organização social das Vilas do campo, não sendo alheias às formas diversas de reprodução socioeconômica dos trabalhadores e trabalhadoras desse espaço. Assim, estudiosos, trabalhadores da educação e movimentos sociais consideram os diversos e específicos espaços geográficos. Também é relevante a importância da condição política para ser levada a cabo, tanto à implementação, como à continuidade da escola do campo: do campo, no sentido de partir de sua realidade social e cultural e do protagonismo de sua população e dos Movimentos Sociais; no campo, para ser pensada e realizada neste espaço físico e cultural, não em si mesmo, mas, em sentido contextualizado (KOLLING; NERY; MOLINA, 2002), considerando a completude e as inter-relações dinâmicas com a cidade, com a necessidade de se fazer a interligação entre os conhecimentos universal e local, entre as partes e o todo, voltando-se para ambos os espaços (WILLIAMS, 1989). Essa concepção de educação, que é herdeira de Marx, de Gramsci, de Paulo Freire, é defendida pelos movimentos sociais, como o Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST), o Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX), e o Movimento Nacional de Articulação por uma Educação do Campo. Infere-se que estes movimentos concebem o ato educativo como possibilidade de intervenção na sociedade, como práxis. 1 Os princípios filosóficos dizem respeito à concepção de mundo, de sociedade que se defende. Os pedagógicos, consignam-se ao modo de pensar e de fazer a educação. Os sociológicos se embasam na maneira de pensar e defender o ser humano, em âmbito relacional, tanto individual como coletivamente. 32 Nesse sentido, compreende-se que a educação vincula-se aos processos sociais, com a convicção de que a formação escolar do ser humano necessita ocorrer ligada às dimensões orgânicas da realidade entre a economia, a política, a cultura, a ecologia, a biologia e o social, na perspectiva do esclarecimento. Desse modo, o objetivo da educação escolar não é ajustar conteúdos, mas sim formar uma identidade coletiva, afirmando o indivíduo. Para tanto, a base da ação pedagógica é o diálogo contextualizado, visando construir o processo da educação do campo com a participação de seus atores (CALDART, 2002). Esses traços delineados são referências que interferem na maneira de se compreender as condicionalidades econômicas e políticas, tanto internas como externas neste tempo presente, condicionalidades estas, em sua maioria, orientadas por organizações internacionais para reproduzir os interesses do sistema dominante. Convém ressaltar que o capitalismo é uma relação social norteada pela lógica econômica que prioriza o lucro, reproduzindo a desumanização e a pobreza, -- estas tratadas como se fossem fenômenos naturais. Diante do contexto de separação entre as questões sociais e a sociedade, considera-se a pertinência de se construir e reconhecer o Projeto Educativo à base do diálogo com os movimentos sociais e com os setores organizados da sociedade, que se propõem contra- hegemônicos, visto que se compreende a importância da participação qualificada das pessoas na intencionalidade do esclarecimento e da preservação dos meios de produção e da biodiversidade. Essa educação remete-se ao sentido de resistência cultural e das transformações culturais para a não conformação. Na perspectiva de Santos, B. (2000, p. 47), o projeto de uma cultura global é uma das referências da modernidade para concentração simbólica, configurando um movimento intercontinental que gera hibridizações entre as diferentes culturas nacionais. Este projeto, apesar da sua grande dimensão e esforços, não alcançou a universalização de uma cultura hegemônica. Explicita que “[...] a cultura é por definição um processo social construído sobre a intercepção entre o universal e o particular. [...] é a luta contra a uniformidade. [...] os processos de imposição têm sido confrontados por processos de resistência [...]”. Santos, B. (2000) lembra que os Estados Nacionais são as instâncias para realizar a defesa da diversidade cultural, mas comportam uma dicotomia prática, uma vez que na esfera intranacional reforçam as desigualdades culturais regionais, chegando a mutilar esta diversidade. Ressalta, ainda, que o sistema dominante atual empreende relações socioeconômicas para aprofundar esta desigualdade, tendo em vista que o seu projeto é embasado na lógica quantitativa, passando pelo critério seletivo que prioriza/transforma as manifestações culturais e a escola, como elementos, meramente, comercializáveis. 33 O Movimento de Articulação Nacional é um contraponto a esta globalização, referendando o significado social de o ato educativo estar vinculado com os pressupostos filosóficos e pedagógicos contextualizados local e universalmente, e embasados na vida social do campo e da cidade, para a humanização. Vale ressaltar que o trabalho educativo escolar necessita ser comprometido com a defesa e ação de manter a curiosidade filosófica da criança e não a sua mutilação, contribuindo para o desenvolvimento humano. O trabalho educativo remete à motivação de construir à capacidade de o aluno organizar o conhecimento para saber mover-se nas relações sociais. Concebe-se que a educação escolar tem uma função social significativa, aprofundando-se à medida que considere o saber da tradição como elemento fundamental para a formação das gerações atuais e futuras, se estiver sob a forma contextualizada. A dimensão da dissociação entre os conhecimentos é demonstrada por Shiva (2003, p. 175), ao afirmar que [...] a destruição dos meios de subsistência e sobrevivência das pessoas anda de mãos juntas com a erosão dos recursos biológicos e suas capacidade de satisfazer diversas necessidades humanas ao mesmo tempo em que se regeneram e se renovam. [...] a biodiversidade não poderá ser conservada enquanto a diversidade não se transformar na lógica da produção [...]. A relação entre a natureza, a cultura, o social, a política e o conhecimento, na forma educacional escolar atual, é distante e empobrecida para assegurar conhecimentos contextualizados. Cabe assinalar que a educação para o desenvolvimento dessa inter-relação privilegia a dimensão qualitativa e envolve o cuidado com os saberes que têm valor transgeracional, visto que há uma dimensão educativa do ser humano com a terra: terra de cultivo, de vida, terra de luta, terra ambiental, planeta. A educação do campo é intencionalidade de educar e reeducar o povo que vive no campo na sabedoria de se ver como guardião da terra, e não apenas como seu proprietário ou quem trabalha nela (CALDART, 2002, p. 33). 34 Assim, concebe-se como premissa considerar todos os atores como indivíduos de direito, diferentes culturalmente, mas nunca inferiores uns aos outros, uma vez que campo e cidade são realidades históricas inter-relacionadas dinamicamente (WILLIAMS, 1989). Estas realidades, que são fundamentais para a reprodução da vida humana, coexistentes em um sistema dominante que produz desigualdades sociais e as políticas no âmbito do paliativo, estão refletindo os seus valores, os do consumo, negando, assim, as pessoas e os saberes. Para a afirmação destas realidades, as pessoas, os seus saberes, as tecnologias, como infere Williams (1989), a memória contextualizada é um instrumento fundamental, pois tem a capacidade de identificar o passado e o presente, contrapondo-se às deformações sociais. Como ressalta Williams (1989), a afirmação e a compreensão de uma sociedade são significativas, onde o ator social seja membro ativo consciente, descobridor e não estranho. Isto requer, também, que o processo de desenvolvimento humano seja vinculado a uma formação contextualizada. Para se fazer uma leitura além das imagens, de ambos os espaços, é importante que o princípio do esclarecimento seja o eixo condutor da educação. Este autor afirma “[...] que é necessário examinar [...] os processos sociais concretos de alienação, separação, exterioridade e abstração, de relações recíprocas [...] que poderemos definir qual foi a verdadeira deformação” (Williams, 1989, p. 399), para possibilitar a emancipação, à base de uma fonte de vida partilhada. Nesses processos sociais vinculados, tanto na cidade como no campo, os jovens, tendo a capacidade de pensar criticamente, podem realizar sua reprodução social e ser reconhecidos por sua cultura, intencionando aprender e tomar lições da importância de se ter uma cultura geral, como também local, de cuidar do trabalho, da casa, do emprego, do lazer, da terra, do ser humano e de sua educação. Na perspectiva que tece Williams (2000), a aprendizagem é o eixo central da vida humana; pois, aprender o máximo consiste na base constitutiva para o desenvolvimento humano. Assim, aprender para o trabalho imediato, mas também para o trabalho mediato, aprender as culturas, considerando que, no processo de aprendizagem, a produção e as artes necessitam estar inter-relacionadas. No sentido que também orientam os estudiosos do Movimento Nacional por um Educação do Campo (como ARROYO, 1999; MOLINA, 2002), para que seja realizada uma educação na proposição integral, os desafios são muitos. Compreendem a necessidade permanente de educadores e educandos estudarem sempre para aprender mais e estar atentos ao movimento do campo e da cidade. Molina (2002) lembra que não basta aprender, tornar-se culto, conhecer os problemas desses espaços, mas é fundamental a reorganização do conhecimento, com ação nas relações sociais. 35 No ato educativo, considera-se a importância da relação dialética entre pensamento e ação, na perspectiva de transformar conhecimento em ação e ação em conhecimento, à base de reflexão, de buscar conhecer as diferentes experiências educativas, não só para aprender, como também para qualificar a prática pedagógica. O trabalho educativo do “[...] educador do campo é aquele que contribui com o processo de organização do povo que vive no campo” (MOLINA, 2002, p. 38). Ressalta-se que vivenciar conteúdos e reflexões contextualizadas é necessário tanto no espaço da cidade como no do campo. A educação escolar necessita ser valorizada na perspectiva de unir o conhecimento científico e o saber da tradição. Cabe assinalar que a educação especialista da pedagogia moderna, em detrimento da geral, limitou também o desenvolvimento do trabalho educativo, reduzindo o professor a um trabalhador para a esfera produtiva do capital. Uma contribuição, para evitar esse estado, é o de reforçar o pressuposto de os trabalhadores em educação buscarem a formação contínua, acompanhando e aprofundando o conhecimento em todas as dimensões: econômica, social, cultural e política, como a das políticas públicas, a agrária, a agrícola, a ambiental, visando entender este movimento e saber andar nos caminhos que instituem tais contextos, além de conhecer os caminhos novos para as mudanças inovadoras, uma vez que potencializam o ato pedagógico (MOLINA, 2002), no contexto histórico-social. Um outro ponto que reforça suas proposições é criar as possibilidades para que todos os atores saibam o que é bom para si, no sentido social das dimensões individual e coletiva, entre permanências e mudanças, posto que as mudanças trazidas de fora, ou mesmo, as de dentro, podem, às vezes, não ser sempre inovadoras; pelo contrário, sob as proposições de dimensionar os interesses ecológico e o social, realizam o econômico, haja vista que muitas são criadas, sob orientações de uma política de frações de grupos sociais dominantes, como os grandes agentes financeiros e empresariais. Considera-se que as políticas constituem-se, sempre, em estado de interesses. Atualmente pode-se citar as fabricações do neoliberalismo – que não é novo --, vindo estas fabricações reforçar as perspectivas da lógica liberal para implementar condições para a realização da acumulação, como assinala Hobsbawm (1998). Nessa perspectiva, que reflete o pensador citado, reiterando a contraposição ao movimento neoliberal e a tradição que se pretende hegemônica de olhar o campo, o Movimento de Articulação Nacional concebe 36 [...] a educação do campo como área própria do conhecimento, que tem o papel de fomentar reflexões no sentido de contribuir na desconstrução do imaginário sobre a relação hierárquica que há entre campo e cidade; sobre a visão tradicional do campo como lugar de atraso [....] (MOLINA, 2002, p.39). Na mesma direção, procurar estabelecer e pontuar as inter-relações entre campo e cidade, nesta contemporaneidade em que a globalização é aprofundada, como assinala Williams (1989), pode conceber-se como algo deslocado e até mesmo desnecessário para aqueles que compreendem estes espaços como separados e independentes. É significativo divulgar as reflexões esclarecedoras, pois tais espaços são constituídos de vida e cultura, e interligados, mantendo características próprias e entrelaçadas pelo processo histórico, pois, em torno das comunidades existentes, historicamente bastante variadas, cristalizaram-se e generalizam-se atitudes emocionais poderosas. O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida – de paz, de inocência e virtudes simples. À cidade associou-se a idéia de centro de ralizações – de saber, comunicações, luz.. Também constelaram-se poderosas associações negativas¨a cidade como lugar de barulho, mundanidade e ambição; o campo como lugar de atraso, ignorância e limitação. O contraste entre campo e cidade, enquanto formas de vida fundamentais, remonta à antiguidade clássica (1989, p. 11). Neste início do século XXI, observa-se que o campo mantém características próprias e estas entrelaçam-se com a economia da cidade, em um processo dinâmico, em que a globalização é expandida em todas as dimensões. Para entender a concepção desse movimento, é interessante observar como o pensamento conservador privilegia a lógica econômica e como isso aparece no processo histórico. Williams (1989, p. 380) chama a atenção para o corolário do advento da globalização, a partir da colonização européia, e do desenvolvimento industrialista, mostrando que, apesar da divulgação ampla da cidade como lugar de melhoramento, este foi pago pelos trabalhadores, inclusive os britânicos, pela forma direta de exploração no processo de trabalho, pela deformação de espírito, pelas guerras. As cidades foram sendo constituídas como resultado do desenvolvimento imposto, ocorrendo em processo, como da etapa do imperialismo político, transformando-se, como forma sucessória, em controles econômicos, financeiros, comerciais. Estes controles sendo implementados pelo aparato institucional, em 37 dimensões políticas, culturais e também militares, não encontram muitas resistências em todos os espaços. Neste contexto, “[...] as relações dominantes continuam sendo cidade – campo, e a exploração é levada ao ponto máximo”. Como o autor ressalta, a trajetória histórica das cidades e dos campos são marcadas por formas perversas, constituindo-se em “ [...] uma complexidade inimaginável”. As estratégias, para realização dos objetivos do sistema dominante são encaminhadas, como destaca Williams (1989, p. 380), “[...] enquanto idéias de ‘melhoramento’: uma hierarquização das sociedades, uma industrialização universal. [...] Mas, [...] povos que praticavam a agricultura de subsistência foram transformados, em economias, mineração, monocultura [...]”. Longe de estimular um relacionamento equilibrado, com relações sociais e de produção à base de formas cooperativas, o investimento é promovido para atender às necessidades dos países centrais do capitalismo, aprofundando a dominação (WILLIAMS, 1989). O relacionamento promovido por esses países converge para induzir a adaptação das economias dos países “subdesenvolvidos” às suas, intervindo com força bélica, contra as experiências, para afirmar uma economia independente. Além desse relacionamento de tensão, é inserida uma forma ideológica, em nível sobreposto: “[...] conceito abstrato de ‘desenvolvimento’, segundo o qual, o país pobre está caminhando no sentido de tornar-se um país rico. Porém, o abismo entre nações ricas e pobres está aumentando, com conseqüências tão importantes [...]” (WILLIAMS, 1989, p. 381). As relações dominantes exigem o imperativo do crescimento, e este é uma categoria que produz outra, como, no âmbito do campo, a monocultura, em oposição às formas diversificadas de produção que oferecem a estabilidade ecológica. O Movimento de Articulação Nacional por uma Educação do Campo posiciona-se ativamente na sociedade brasileira, tanto reivindicando, como apresentando proposições por uma outra política educacional. Na leitura que se faz, apesar da ênfase dada ao termo desenvolvimento, este é concebido na forma de garantir a biodiversidade e potencializar as tecnologias da tradição, que garantem a reprodução da sustentabilidade social e ambiental, constituindo-se em um movimento contra-hegemônico. Este movimento luta por uma educação que defenda e una os saberes, no sentido de que é necessário se fazer a escolha pela formação que não recaia sobre a que cultua a produtividade e o falso universalismo dos conceitos de desenvolvimento sustentável, além de não reforçar a separação entre campo e cidade. No que concerne, a esse entendimento, tal Movimento defende a produtividade para a reprodução humana, com uma agricultura que privilegia a produção sob bases de 38 sustentabilidade ecológica. Esta prática se dá por bases tecnológicas que utilizam as sementes auto-reprodutivas, mantendo, assim, a capacidade da natureza regenerar a diversidade (SHIVA, 2003). Para tanto, a educação, no sentido que esse Movimento defende, é um dos elementos chave para afirmar as raízes culturais, constituindo uma “nova” visão do campo, e para construir o conhecimento escolar contextualizado. A sua proposta visa introduzir os saberes tradicionais e inter-relacioná-los com os da academia. Neste sentido, alguns autores citados defendem que esta educação é um dos aportes para promover mudanças e para afirmar e valorizar a identidade e autonomia – tecnológica -- do campo por meio da cultura escolar, como também para preservar e socializá-lo, na sua importância social, política, cultural e econômica, uma vez que a agricultura familiar é uma força socioeconômica que contribui para a preservação dos recursos naturais e da vida. Nesta contemporaneidade, apesar da existência da legislação educacional prevendo atenção especial para as escolas do campo, de substituição dos ajustes pelos de adequação às necessidades regionais, o quadro é o do descaso, com aportes de um currículo homogêneo. O cenário de mudança foi construído por movimentos sociais, entre eles, MST, o Movimento Nacional de Articulação por uma Educação do Campo, no que comprende dar voz e rumo a uma outra política educacional, apresentando reivindicações e proposições. Outras atividades também foram planejadas, como a elaboração de Encontros, Seminários, entre outras, para debater, de maneira coletiva e democrática, os princípios, pressupostos, metas e elementos políticos valorativos dos saberes e das culturas regionais e locais, principalmente, evocando que o campo não é um reflexo da cidade, mas que ambos se complementam. O desencadeamento do debate foi viabilizado em função da organicidade dos movimentos sociais. A realização desses fóruns possibilitou a constituição de programas de educação para o campo, como o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), a elaboração de documentos que contribuíram e conduziram para a aprovação, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, aprovadas em 2002. É significativo tal cenário, e sua afirmação depende da política exercida na prática. Por essa razão, esses movimentos exigem que os poderes públicos tratem respeitosamente a educação do campo e considerem a relação campo e cidade em nível horizontal, não hierárquica e nem preconceituosamente, visto que 39 o campo é lugar de vida, onde as pessoas podem morar, trabalhar, estudar com dignidade de quem tem o seu lugar, a sua identidade cultural. O campo não é só lugar da produção agropecuária e agroindustrial, do latifúndio e da grilagem de terras. O campo é espaço e território dos camponeses e dos quilombolas. É no campo que estão as florestas, onde vivem as diversas nações indígenas. Por tudo isso, o campo é lugar de vida e sobretudo de educação (FERNANDES, 2002, p. 92). Os princípios educativos contidos nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo voltam-se para um tratamento respeitoso, visando uma formação contextualizada. É relevante registrar que as Diretrizes foram elaboradas com a participação qualificada dos movimentos sociais, do Movimento de Articulação Nacional, e que, após pressão reivindicativa, foram incorporados pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). O Art. 2º, em seu parágrafo único, prevê: A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes a sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país (BRASIL/MEC, 2002, p.41). Nas Diretrizes são incluídas as demandas dos povos do campo, configurando um aspecto democrático, pois se entende que, na construção deste documento, nem tudo se deu e se dá no âmbito institucional, sinalizando para que a educação escolar possa ser elaborada com a participação das pessoas e voltada para a vida. Neste sentido, entende-se, também, que os movimentos sociais, como o MST e estudiosos do Movimento Nacional de Articulação por uma Educação do Campo, concebem a importância de se ter esta educação para a emancipação humana, no sentido que Adorno (1995, p. 180) assinala, pois, [...] a emancipação precisa ser acompanhada de uma certa firmeza do eu. [...] A situação [...] inevitável, de se adaptar a condições em permanente mudança, em vez de formar o eu firme, relaciona-se, de uma maneira problemática, com os fenômenos da fraqueza do eu conhecidos pela psicologia [...]. 40 O pressuposto de Adorno (1995, p. 181) concerne à necessidade de a educação ser orientada para “[...] a emancipação de um modo inteiramente conseqüente, não como uma categoria estática, mas como uma categoria dinâmica [...]”. Adorno (1995, p.182) destaca que o trabalho educativo para contribuir com a emancipação, como uma das tarefas mais relevantes na reforma da escola, “[...] é o fim da educação como um cânone estabelecido e a substituição deste cânone por uma oferta disciplinar muito diversificada [...]”, convergindo para possibilitar a participação do aluno na construção do currículo escolar. Torna-se significativo assinalar um dos pressupostos para a emancipação do sujeito em Adorno (1995, p. 183), tendo em vista que contribui para que haja mudanças. Assim, ela [...] precisa ser elaborada em todos os planos da nossa vida, que, a única concretização efetiva da emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua energia para que a educação seja voltada para a contradição e para a resistência [...]. Uma educação problematizadora procura debater e refletir sobre as dimensões da realidade e do movimento político, cultural, ecológico, econômico em curso, como na produção de programas culturais, de filmes e de políticas promovidas pelo Estado. Também procura despertar, continuamente, a consciência para o mecanismo que está contido nas intencionalidades para evitar o esclarecimento, pois, as resistências e as concepções que defendem um pensamento não crítico apontam para a não potencialização tanto das idéias, como das ações. Ainda transforma a impotência gerada e a do próprio indivíduo -- comprometido com o esclarecimento --, em um momento de reforço ao pensamento e à ação, para conduzir à capacidade desta realização (ADORNO, 1995), como nas políticas públicas e suas implicações para o campo brasileiro. Inserem-se, nesse contexto, as estratégias das políticas públicas educacionais na contemporaneidade, mediadas, na maioria das vezes, pela racionalidade da Ciência e Tecnologia, expressas no âmbito institucional, evocando um desenvolvimento sustentável, mas sob bases, apenas, de um crescimento econômico, diferente de uma lógica de reprodução dos trabalhadores do campo, agricultores, extrativistas e índios. Vale ressaltar que a classificação de camponeses e agricultores, definidas em trabalhos acadêmicos, em geral, orienta-se pelas relações sociais constituídas nos processos de produção. Neste trabalho, camponês é compreendido e abrangente ao agricultor familiar, tanto dono da terra, como não dono, o qual realiza atividades agrícolas, desempenhadas por si próprio e pela família. 41 Considera-se, assim, o critério de que o objetivo central é a reprodução de sua família, de seus meios de subsistência, e não a relação empresarial, o ideal de progresso econômico. O que caracteriza a diferenciação é a especificidade da mão-de-obra utilizada e das relações de produção, uma vez que não se orienta para mudanças no universo da unidade familiar, e se é mantido o princípio de atender as necessidades desta unidade (COSTA, F.1999 b; CARVALHO, 2000). O referencial de progresso está presente e consagrado no projeto de modernidade da Revolução Industrial, do século XVIII ao século XIX, mas suas origens estão na história dos povos denominados antigos. A idéia de desenvolvimento tem suas raízes nos pensadores gregos, em sentido evolutivo; o mundo segue um caminho e neste evolui. Esta noção é inserida na visão cristã, no sentido de os sujeitos sociais terem um destino, com vistas ao paraíso, à base de sacrificios, orientados pelos preceitos de um deus. No interior de algumas discussões sobre o desenvolvimento, enquanto processo de mudança social, perpassa o ideário de progresso, de trajetória direcional, uma noção defendida pelos iluministas, afirmando-se com a Revolução Francesa, desde o século XVIII até os dias atuais. Este desenvolvimento metamorfoseia-se no crescimento de produtos manufaturados, com a ciência e a tecnologia constitui a sua base de aperfeiçoamento. No final do século XX, com as reformas neoliberais, uma forma particular de crescimento econômico é apropriada pela economia, com pretensões hegemônicas. Assim, para o chamado “[...] senso comum a idéia de progresso parece evidente por si mesma. É uma daquelas noções que assumimos como verdadeira devido ao uso generalizado [...] e à conotação aparentemente clara” (SZTOMPKA, l998, p. 57). Essa concepção ocidental afirma-se secularmente, buscando expressão ilimitada, como referência para todas as sociedades. O saber ocidental moderno, como evidencia Shiva (2003), constitui-se em um sistema cultural específico, com uma relação distinta com o poder, coexistindo como formas próprias e inter-relacionadas para potencializar interesses políticos, econômicos e culturais, entretanto, divulgados como se fossem instâncias neutras. O projeto de desenvolvimento tratado pelo sistema dominante concerne a viabilizar a lógica do uso irracional da natureza, promovendo este saber, no âmbito econômico, uma relação invisível, tornando-se mediante este mecanismo, parte de um processo que fortalece a homogeneização, chegando, até a destruir as bases ecológicas e culturais. O desenvolvimento e o saber globalizante ancoram-se na mediação do conhecimento fragmentado, uma vez que deixam de lado saberes diferentes e contextualizados, a diversidade cultural e da natureza, priorizando um conhecimento monopolizado, impondo-o ao países do Terceiro Mundo. 42 Como contraponto a este quadro, a democratização do saber transformou-se num pré-requisito crucial para a liberação humana porque o sistema de saber contemporâneo exclui o humano por sua própria estrutura. Um processo desse tipo de democratização envolveria uma tal redefinição do saber que o local e diversificado viria a ser considerado legítimo e visto como um saber indispensável porque a concretude é a realidade, a globalização e a universalização são meras abstrações que violam o concreto [...] (SHIVA, 2003, p. 81). Cabe registrar que as políticas públicas, programas e projetos refletem os interesses do sistema dominante. Assim, este cria diversas estratégias para sua acumulação, como as reformas neoliberais que são orientadas por perspectivas economicistas que limitam as escolhas e possibilidades de preservação. Tanto a natureza e a cultura, em seus meios e fins, são vinculadas aos valores financeiros do mercado. Essa lógica – centrada no valor econômico -- transforma os recursos naturais em matéria-prima para a produção industrial, promovendo o desenraízamento cultural, o controle da biodiversidade e a exclusão social, mas não a preservação dos meios de produção embasados na diversidade. Como assinala Martins (1997, p. 30), [...] é uma sociedade que tem como lógica própria tudo desenraizar e a todos excluir, porque tudo deve ser lançado no mercado, para que tudo e todos sejam submetidos às leis do mercado. A lógica do sistema capitalista é o mercado, é o movimento, é a circulação: tudo tem de ser sinônimo ou equivalente de riqueza que circula, de mercadoria [...]. Os setores dominantes excluem para poder incluir, sob a lógica, embasada em formas de opressão e diferenciação social. A educação escolar é concebida nesta lógica, como produto para o mercado. A democratização do saber é uma das formas para romper a uniformidade. Com efeito, como contraponto a esse ideário economicista e esse cenário de exclusão, diversos atores organizados, como o MST, setores da Igreja Católica, trabalhadores do campo, professores e outros movimentos sociais, lutam, propondo outras políticas públicas. Reivindicam outra escola com qualidade social, vinculada à indissociabilidade entre ensino e pesquisa. Segundo Abramovay, 43 o mais importante desafio que tem pela frente as forças capazes, em princípio, de levar adiante um pacto de desenvolvimento territorial consiste na mudança – do ambiente educacional -- existente no meio rural. A tradição histórica brasileira (própria das sociedades de passado escravista), que dissocia o trabalho do conhecimento, persiste até hoje no meio rural [...] ABRAMOVAY (2000, p. 15), A escola do campo brasileiro, no passado e no presente, é dicotomizada, apresentando graves problemas decorrentes das políticas focalizadas, como: número insuficiente para atender às demandas sociais, falta de infra-estrutura, de financiamento específico, distorção idade/série, falta de uma política de formação de professores, currículo e calendários dissonantes da realidade. A luta por uma outra política educacional tem como base a ação dos movimentos sociais, conduzindo à aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo, por meio do Parecer nº 36/2001, da Conselheira Edla Soares, o qual trata sobre o Projeto de Resolução que fixa estas Diretrizes e da Resolução 1/2002 [...] do Conselho Nacional de Educação, que no seu Artigo 1º, “institui as Diretrizes Operacionais [...] para serem observadas nos diversos projetos das instituições dos sistemas de ensino [...]” (RESOLUÇÃO. MEC/CNE/CEB, 2002. p. 32). Constitui-se numa conquista na esfera das políticas públicas, abrindo assim, o espaço para a agenda de debates e de afirmação da educação do campo entre os diversos setores e instituições. Como parte desta agenda, o documento da II Conferência Nacional de Educação do Campo (2002, p.2) defende um “[...] projeto de desenvolvimento do campo onde a educação desempenhe um papel estratégico no processo de sua construção e implementação”. Neste sentido, defende-se que a escola necessita estar embasada nas referências de um currículo construído com a participação qualificada dos atores sociais e unindo os diferentes saberes. Por conseguinte, estudiosos têm destacado que a relação entre educação e trabalho é orgânica, sendo fundamental para a formação no sentido integral. Esses elementos constituem aportes para que o ato pedagógico se dê em processo democrático e que a escola venha a se tornar unitária e contínua, o que remete ao compromisso e à práxis dos educadores como um dos pontos atualíssimos para inserir o aluno na atividade social, visando à transformação deste ambiente. 44 Entende-se que o pensamento da Gramsci (2004) é um contraponto atual à educação direcionada para o mercado, tratada como serviço, uma vez que não só denuncia a reprodução da divisão do trabalho no interior da escola, por meio da separação da formação entre a clássica e a profissional, a primeira, de cunho instrumental, para os filhos dos trabalhadores, a segunda, de cunho da cultura geral, para os filhos dos empresários, como propõe uma escola que ultrapasse este caráter dicotômico e predeterminado, direcionando de forma excludente a vida do aluno. A escola unitária, no sentido que teorizou e defendeu Gramsci (2004), visando ao indivíduo esclarecido, como assinala Nosella (2004, p. 167), não descarta a essência metodológica da escola humanista tradicional, que concerne ao seu caráter de cultura geral -- desinteressada. Também, não deixa de lado os pressupostos técnicos e de produtividade da escola técnica profissional, orientando para realizar a união entre trabalho, cultura e educação, por meio do processo de integração destas categorias na escola. Para Gramsci apud Germano (2005, p. 1749), a educação no ensino fundamental e médio deve ocorrer pela escola unitária, a de “[...] ‘cultura geral, humanista, formativa’ para equilibrar o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente e o desenvolvimento das capacidade do trabalho intelectual [...]”. Gramsci (2004, p. 39) ressalta a importância de que, “[...] na escola unitária, a última fase deve ser organizada como a decisiva, na qual se tende a criar valores fundamentais do ‘humanismo’, a autodisciplina intelectual e autonomia moral [...] o estudo dos métodos criativos nas ciências e na vida, não mais ser um monopólio da universidade ou ser deixado ao acaso da vida prática [...]”. O autor destaca que o movimento prático da escola unitária conduz à iniciação de novas relações sociais entre trabalho intelectual e manual, ultrapassando o espaço institucional, estendendo-se à vida social. Assim, essa educação, embasada na prática pedagógica que conduz o indivíduo para si2, é pressuposto básico para contribuir com a afirmação do lugar social da pedagogia, da cultura e das demandas do campo, em sentido de estender-se a escola do campo à essência e à integração dos saberes humanistas, técnicos e da tradição, como parte de processos contra- hegemônicos. Como assinala Willliams (1989), cultura é um elemento em potencial de criação, na região do instituído e do instituinte, portanto, em processo de construção/reconstrução, de 2 Como assinala Duarte (2003, p. 29), “[...] a categoria de indivíduo para si é a formação do indivíduo como alguém que faz de sua vida uma relação consciente com o gênero humano. Essa relação se concretiza através dos 45 continuidades e de mudanças. Mostra, o autor, que esta é de caráter contributivo e comum, compreendendo toda a maneira de viver e organizar as sociedades e comunidades, sendo parte interdependente de uma condição essencial para reproduzir determinada estrutura social. Assim, destaca que a cultura tem um sentido – não fixo -- de prática e de pensamento, com significações inter-relacionadas em experiências comuns; tem também uma qualidade, a ordinária. Com efeito, corresponde a uma dimensão ampla, comum, de sociabilidade da sociedade, implicando não considerar que a sociedade é embasada em pressupostos de neutralidade e de igualdade econômica. A compreensão de que a cultura é construída de forma comum é uma das referências de Williams (1992) porque mostra que esta não é assentada nas categorias valorativas de posse de uma determinada classe social. Cabe assinalar que a cultura é organizada socialmente, em rede de relações e de atividades, em movimento. Sendo percebida durante o tempo da afirmação da sociedade moderna (Séculos XVII, XVIII; XIX), apenas, como se fosse constituída na esfera intelectual, moral e das artes; entretanto, como concebe Williams (2000, p. 217), é criada, também, na vida comum, em fluxo contínuo, pois, [...] em todas as sociedades há produtores culturais e tanto seu grau de especialização quanto suas relações sociais conseqüentes são historicamente determinados. Mas, por outro lado, também, qualquer que seja o grau de especialização funcional em determinada época e lugar, nenhum aspecto da produção cultural é de todo especializado, pois é sempre um elemento de uma produção social e cultural bastante geral. Por isso também é que as funções estritamente ‘intelectuais’ não podem ser isoladas. E isso não só porque a inteligência , em seu sentido mais geral, esteja envolvida em todas as atividades sociais e produtivas. Mas também porque ‘idéias’ e ‘conceitos’ são tanto produzidos quanto reproduzidos dentro da estrutura social e cultura global. [...] só de maneira abstrata se pode separar o ‘sistema social’ e o ‘sistema de significações’, uma vez que, na prática, em graus variáveis são mutuamente constitutivos. Compreende-se, portanto, que a essência da cultura não é mercadológica, nem cria de uma só classe, país, etnia. Em âmbitos geral e particular, é necessário se contrapor às qualificações em inferior ou superior, pois, ela é uma prática social, tendo a mesma validade, nas esferas – interdependentes -- intelectual e manual. Thompson, E. (1998), ao analisar os costumes e a cultura, mostra, também, a processos de objetivação e apropriação que, na formação do indivíduo para si, tornam-se objeto de constante 46 dissociação produzida, do século XVIII ao XIX, entre as culturas dos trabalhadores e a patronal. Ressalta que, no século XVIII, o costume estava presente no discurso clamando pela legitimação de práticas e direitos reclamados, sendo este um aporte de movimento. Este historiador esclarece que o costume, ao contrário de manifestar o estado de permanência – compreendida pela palavra “tradição”- constitui-se em uma região para a transformação e a disputa, envolvendo tensões, promovidas pelos interesses demarcados, manifestando-se pelas reivindicações diferentes e opostas. Chama a atenção, ainda, para a importância de se ter cuidado com as generalizações do termo cultura popular, pois [...] esta pode sugerir, numa inflexão antropológica influente no âmbito dos historiadores sociais, uma perspectiva ultraconsensual dessa cultura, entendida como ‘sistemas de valores e significados compartilhados, e as formas simbólicas em que se acham incorporados. Mas uma cultura é também um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole; é uma arena de elementos conflitivos, que somente por uma pressão imperiosa – o nacionalismo, a consciência de classe ou a ortodoxia predominante – assume a forma de um ‘sistema’. O próprio termo cultura, com sua invocação de um consenso, pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e operações dentro de um conjunto (THOMPSON, 1998, p. l6-17). Como afirma Thompson (1998, p. 17), é necessário que o conceito da cultura dos trabalhadores seja fundamentado nas relações sociais em que se situam, chamando a atenção para a dinâmica e a herança das definições, marcadas pela transmissões dos costumes, além da sua expressão formal. Destaca que as generalizações dos universais da cultura popular, se não estiverem ancoradas nos contextos históricos específicos, tornam-se vazias. A coexistência de programas e projetos, como o PRONERA,3 e de outras iniciativas para a educação do campo, como as do MST, defendendo pressupostos democráticos em seus fundamentos para uma formação de cultura geral e profissional, também é uma realidade contra-hegemônica no campo brasileiro. Também faz parte, desta realidade, fragmentos de referenciais dualistas – patrimonialistas e urbanos – que separam campo e cidade, herdados de um passado colonial, desenhando traços hegemônicos – das especificidades regionais do Sudeste e do Sul – no currículo e instrumental didático escolar. questionamento, de constante desfetichização. [...]”. 3 PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NAS ÁREAS DE REFORMA AGRÁRIA. 47 2. Delimitando o objeto de estudo Tendo em vista a insuficiência, bem como as características da política educacional brasileira, no passado e ainda no presente, não considerarem as demandas sociais dos filhos dos trabalhadores do campo, como agricultores, quilombolas, pescadores e índios, não se voltando para a educação contextualizada, nem priorizando a educação pública,4 é que atores sociais do campo, no Brasil, a partir da década de 1960, como alguns setores da Igreja Católica, buscaram outras modalidades complementares ou substitutivas de formação neste espaço, inicialmente de 5 à 8ª série. No Pará, este movimento ocorreu a partir da década de 1990, com a iniciativa de movimentos sociais, instituições, alguns políticos e Organizações da Sociedade Civil, entre estas: a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI), Fundação Agrária do Tocantins (FATA), a Fundação Viver, Preservar e Produzir (FVPP); instituições acadêmicas, como a Universidade Federal do Pará, por meio do Centro Agropecuário (CAP), do Campus Universitário de Altamira, o Laboratório Sócio-Agronômico do Tocantins (LASAT), tudo isso, como forma de ação coletiva e com pretensão de valorização da cultura camponesa e dos saberes tradicionais. Entre essas modalidades de educação, se situa, a Pedagogia da Alternância, materializada, em uma das vertentes, pelo Programa das Casas Familiares Rurais. Para os atores construtores desta pedagogia, tanto das Casas Familiares Rurais (CFR), como das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), é “[...] por meio da alternância que a sabedoria prática e a teoria se juntam. Ajuda aprofundar as coisas no dia a dia da família, comunidade e mundo em geral. Ajuda a valorizar o trabalho do agricultor como forma de valorizar a cultura camponesa” (ZAMBERLAN, 1995, p.11). Compreende-se que a alternância tem a finalidade de integrar os estudos entre o tempo, o espaço e os campos educacionais. O tempo: o presencial e o não presencial. Os campos: teórico, técnico e prático, de uma cultura geral e profissional. Enfim, os espaços da escola, da família, nas partes e na totalidade, abrangendo a Vila e o Município. Segundo assinala Gineau (2003, p. 183), “[...] na pesquisa de novas temporalidades educativas de conquista de seu tempo, a tese simples mais comum da 4 Mesmo, na atualidade (2006), as Diretrizes Operacionais ainda não foram implementadas nos Estados e nos Municípios para se chegar às escolas; estas foram divulgadas e debatidas, por meio de Seminários Estaduais de Educação e Diversidade no Campo, pela iniciativa do MEC/SECAD/CEC. Uma das questões é: se há a intencionalidade de os governos regionais e municipais implementá-las de forma contínua e democrática. 48 educação permanente é dizer que, de fato, a educação não seria permanente, mas alternante. Períodos de formação se alternariam com períodos de trabalho [...]”. A importância do trabalho educativo na formação, embasado na relação indissociável trabalho e educação, conhecimentos gerais, técnicos e práticos, considera-se ser basilar para o jovem ter a capacidade de pensar e agir criticamente. Nesta perspectiva, a proposição de unir a formação escolar às dimensões da realidade é uma idéia que se considera atual, como também os sistemas naturais e o debate sobre as tecnologias, implicando em estar consciente sobre a concepção, o uso e a preservação da ecologia que se defende. Shiva (2003) assinala que a preservação da biodiversidade, os fins e os meios das tecnologias são dois fatores interdependentes. Esta autora destaca a importância de se observar que as ciências e as tecnologias não devem estar embasadas no paradigma que privilegia o uso irrestrito dos recursos naturais, tendo como decorrência tanto a promoção da redução da biodiversidade, como a expulsão de pessoas da esfera produtiva específica. Alerta para a necessidade de conservação da biodiversidade, pois esta é a base para a reprodução da vida humana, denunciando que as tecnologias com base nas biodiversidades das sociedade tribais e camponesas são vistas como ultrapassadas e primitivas, sendo substituídas por tecnologias que usam os recursos biológicos de forma insustentável para a diversidade e o meio de vida das populações locais. Essas referências, apontadas por Shiva (2003, p. 170-171), compreende-se, são necessárias, como partes constitutivas fundamentais para uma formação contextualizada: “[...] Assim, como a roca era vista como retrógrada pela industrialização de tecidos, as sementes, dos agricultores, estão sendo vistas como obsoletas e sem valor pela mudança tecnológica associada à industrialização da produção de sementes”. Como bem evidencia esta autora, questões dessa natureza são interdependentes e são pontos centrais para o conhecimento escolar, merecendo a intervenção de jovens na sua realidade. O Programa de Alternância se propõe a ser embasado em questões de natureza agronômica, pedagógica e nas demandas socioprodutivas das famílias, tendo como referência curricular os temas geradores, discutidos entre pais e alunos, além da metodologia de tempo e espaço diferenciados. Duffaure (1993, p. 83) potencializa que [...] es la mayor razón que pondría hoy en valor “la alternancia” -yo lo pienso. Mejor pienso está Ilamado a la alternancia está vinculado con la diferencia mas grande siempre entre la escuela y la vida económica, 49 productiva. Esto presenta en la escuela una necesidad de investigación de la realidad [...]. A rigor, esta idéia de formação por meio da alternância, a partir da realidade produtiva familiar do campo, teve sua gênese na França, em 1935, estendendo-se para o Brasil em duas dimensões: as Escolas Família Agrícola (EFAs), vinculadas à União Nacional das Escolas Família Agrícola do Brasil (UNEFAB), e as Casas Familiares Rurais, vinculadas às Associações Regionais das Casas Familiares Rurais (ARCARFAR). As Casas Familiares Rurais foram constituídas com as referências do modelo francês das Maisons Familiales Rurales (MFRs), sendo expandido nacionalmente em rede, em ambas modalidades. No Pará, a discussão sobre sua inserção ocorreu na década de 1990. No Município de Uruará, tendo em vista a abrangência insuficiente do ensino escolar no campo, a política educacional e o currículo das escolas públicas não se voltaram para as necessidades básicas, como a exigência de um calendário diferenciado. A característica básica do programa educativo de alternância é formada por um preceito metodológico específico, – o planejamento de formação dos jovens do campo -, mediado pela valorização do estudo e trabalho. O Programa toma como referência curricular temas geradores, emanados de pesquisa sobre as demandas problemáticas nas unidades produtivas familiares. Assim, este plano de formação norteia as atividades decorrentes, visando realizar um processo interdisciplinar, consistindo em desenvolver uma metodologia que prioriza um ensino simultâneo entre as dimensões da escola e da experiência produtiva familiar. O ponto de partida para os estudos é o – plano de estudo -, que permite os monitores e alunos construírem os instrumentos técnicos para a pesquisa, que consta de entrevista sobre o tema gerador, a ser estudado no período de alternância na casa, o qual é escolhido a priori no Plano de Formação. Este plano consiste em elaborar o tema gerador que embasa as referências dos saberes locais para os estudos científicos e a formação, remetendo à pretensão de possibilitar uma compreensão contextualizada por parte dos alunos. Assim, o plano preconiza viabilizar, por meio dos resultados de sua pesquisa, a sistematização, a socialização das experiências e os debates em torno destas, além de trazer a diversidade de ações e inovações. 50 Os cadernos de alternância – são referências pontuais sobre o trabalho produtivo, envolvendo diversos aspectos da esfera cotidiana da produção familiar para registrar e desencadear outras atividades e sessões pedagógicas. O tempo de alternância, nas Casas Familiares Rurais5, viabiliza a previsão de sessões coletivas de estudo, além da sala de aula, para os alunos. Como exemplo, cita-se: contatos, estágios, visitas às famílias e às instituições, intercâmbio interinstitucional, além de palestras, dias de campo, práticas demonstrativas, como é assinalado em relatórios dos monitores Josélio Riker e Delídio Sanches (2001; 2002). A gestão que a CFRU propõe é fundamentada nas diretrizes do Plano Educacional do Programa de Alternância das CFRs, de forma compartilhada com a Associação de Pais, com a proposição de ser participativa para estes. Diante da experiência singular do Programa de Alternância das Casas Familiares Rurais, como uma modalidade de escola do campo que se propõe favorável à agricultura familiar, é fundamental estudá-lo e analisá-lo para compreender quais as contribuições, limites e implicações que ele apresenta. É importante ressaltar que, face à estruturação do conjunto de seu ensino, como os temas geradores, um calendário especial, uma metodologia diferenciada que supera a da escola pública, ele está embasado na alternância entre o espaço escolar e o processo produtivo dos pais e dos alunos, no cotidiano de sua prática. O Programa Pedagogia da Alternância das Casas Familiares Rurais de Uruará-PA consiste no objeto de estudo deste trabalho, com foco no caráter de sua prática pedagógica, visando estabelecer o contraponto entre as diretrizes de seu planejamento e a natureza do trabalho em impulsionar o ensino fundamental, no contexto das Políticas Educacionais do Campo. Ao dar relevância ao campo como um lugar de educação, pretende-se realizar um percurso na prática cotidiana do Programa. Este configura a complexidade de relações em movimento entre os diversos sujeitos. É significativo analisá-lo, contextualizando as compreensões construídas pelo entrevistados, assim como as implicações que vêm como corolários. Visa-se percorrê-lo, para além da categoria alternativa que, inicialmente, o distingue, remetendo a análise a uma fragmentação, uma vez que suas proposições e métodos são considerados – pelos monitores e dirigentes do Programa de Alternância – como os viáveis para a formação dos alunos (SILVA, M., 2004). 5 Nos Planos do Programa das CFRs, o tempo é compreendido entre os espaços da CFRU, da Unidades Familiares. 51 Além do recorte do objeto de estudo, é importante estudá-lo em seu sentido específico e geral, para compreendê-lo no contexto do campo em que está situado. Considerando a relevância social da educação nas esferas produtiva e reprodutiva da existência humana, é necessário assinalar o significado, do planejamento – nas dimensões quantitativas e qualitativas – da formação escolar e seus desdobramentos para o densenvolvimento humano, em cada uma destas esferas. No âmbito da educação do campo, para este estudo, cabe refletir/analisar a importância desta educação para os seus jovens. Na esfera produtiva, os referenciais são voltados para um ensino que forneça habilidades técnicas, isto corresponde que o ensino atenda as demandas sociais e não só as econômicas. Na esfera reprodutiva, as referências têm dimensões profundas e mais abrangentes, concernem/abrangem, além das necessidades sociais imediatas, as mediatas; alcançam à produção/reprodução do conhecimento. Isto remete a compreensão da educação como um processo de apropriação, uma condição central para que o sujeito social se realize (LEONTIEV, 1978). Nesse sentido, a criança, necessita ter acesso a uma formação à base de um trabalho pedagógico que oportunize condições para aquisições/apropriações, para alcançar aptidões humanas das gerações antecedentes nos tempos/espaços da História, e criar novas, assim poder se desenvolver, ancorada na realidade social, cada vez mais ampla, por meio de seu processo educativo.6 As tensões entre tais esferas são acentuadas, prevalecendo nesta contemporaneidade, a lógica da pedagogia moderna, que valoriza a produtividade, a flexibilidade; ademais, uma formação de caráter instrumentalizador, para o componente tecnicista. Prevalece, na natureza dessas demandas, um controle dos países centrais, como os Estados Unidos, conduzindo as políticas educacionais a um deslocamento, como no âmbito das prioridades, assim, os recursos públicos, constituem um alvo importante; o financiamento é conduzido para a iniciativa privada. Este quadro é extensivo, inter-relacionado à realidade do campo. O enfoque dos pilares aprender a aprender, saber-fazer, constituem-se para viabilizar as competências voltadas para o setor econômico, para o mercado, secundarizando as aptidões para o desenvolvimento humano, de forma plena. A vida dos jovens do campo expressa-se na dinâmica destas duas esferas, estes podem estar motivados tanto para o âmbito da produção, como para o da reprodução, ou apenas para um. Isto envolve aspectos de permanência e de mudança nas unidades familiares, visualizando-se para a continuidade dos conhecimentos da tradição, assim como para a 6 É importante ressaltar que se entende, que a educação, especificamente, a formação escolar, é apenas uma das possibilidades. 52 inserção de inovações socialmente desejáveis. O envolvimento da formação escolar nestas duas esferas remete ao questionamento: qual o sentido da educação do campo para cada uma destas duas esferas? A importância da educação é socialmente referenciada nas duas esferas, produtiva e reprodutiva. A partir desta inter-relação entre ambas ser indissociável para os fins dignos da vida humana, defende-se a tese de que o Programa de Alternância das Casas Familiares Rurais da Transamazônica, em Uruará, tem relevância pedagógica, social, política e ecológica, pois tem possibilidades de ser – e é – uma escola em movimento de construção/reconstrução, mas, na forma atual, pode distanciar-se da formação integral a que se propõe, uma vez que, se tiver dissociado da esfera reprodutiva, se reporta a estar sendo um instrumento intermediador para uma formação técnica agrícola, de certa forma, convencional. Essa formação em alternância se estiver à base de referências centrais agronômicas, responde às necessidades técnicas imediatas/mediatas do processo produtivo para a afirmação da agricultura familiar, mas, embora diferenciada, pela metodologia da alternância, pode estar deixando de lado, em sua prática, os aportes históricos, sociológicos, filosóficos e antropológicos, além dos da tradição, para uma educação integral. O trabalho tem como objetivo central compreender o Programa de Alternância das CFRs em conexão com a sociedade, e com o significado da educação no âmbito de reprodução da sociedade, nas condições de sua implementação e desenvolvimento. Considera- se este Programa como sujeito e não, apenas, o objeto de estudo. Neste sentido, parte-se das indagações: 1) Quais os pressupostos adotados pelo Programa da Pedagogia da Alternância das Casas Familiares Rurais da Transamazônica? 2) Quais as ações, da CFRU, em seu conjunto, que expressam contribuições relevantes para a transformação na vida social dos alunos? 3): Qual a articulação deste Programa com as Diretrizes Operacionais da Educação Básica para as Escolas do Campo? Este trabalho visa analisar o Programa da pedagogia da Alternância das CFRs, na operacionalidade da CFRU/PA, nas dimensões históricas, educacional e política, evidenciando suas potencialidades e desafios, procurando contribuir para o debate do tema. Tenta-se destacar duas dimensões propositivas do Programa: a individual, que concerne à formação do aluno, para a sua vida social, e a coletiva, que remete -socialmente – aos desdobramentos para as unidades familiares (SILVA, M., 2004). Toma-se como referência autores que estão citados neste trabalho, a compreensão dos alunos, professores e pais envolvidos na formação, como também os documentos das CFRs e dos alunos. 53 3. O caminho da pesquisa 3. l – Um aporte metodológico. Estudar o Programa de Alternância das Casas Familiares Rurais, nas dimensões pedagógica e política implica considerar as mediações que envolvem o objeto no contexto histórico-social em que este se inscreve. Concebe-se que o espaço social da educação não se assenta só na escola; esta é situada no concreto das dimensões políticas, sociais, ecológicas, culturais e econômicas. Remetendo, ao entendimento, conforme Marx (1962), de que o objeto e o sujeito do conhecimento são históricos, uma vez que estima as possibilidades históricas de transformação dos indivíduos, da educação7, destacando a importância da participação do ser humano na vida social. Nesta perspectiva, é necessário que a investigação considere o objeto de estudo na complexidade das relações sociais, na lógica dinâmica das ligações orgânicas entre as partes e o todo, ligações estas que têm movimento entre tensões e contradições no interior da sociedade. Assim, a delimitação do tema tem a probabilidade de não se orientar pela aparência, pois, como demonstra Kosik (1976, p. 11), “[...] a essência não se dá imediatamente; é mediata ao fenômeno, se manifesta em algo diferente do que é. O fato de se manifestar no fenômeno revela seu movimento [...] não é inerte nem passiva [...]”. O esforço para descobrir os fundamentos do objeto concerne a considerar, como assinala Kosik (1976, p. 12), que “[...] a realidade é a unidade do fenômeno e da essência. Por isso a essência pode ser tão irreal quanto o fenômeno, no caso que se apresentem isolados e em tal isolamento sejam considerados como a única realidade”. Neste sentido, considera-se a categoria totalidade como recurso metodológico para a compreensão das conexões do Programa de Alternância da Casa Familiar Rural de Uruará e a sociedade, entre as continuidades e descontinuidades do 7 Suchodolski (1976, p.57) qualifica a importância da análise de Marx sobre a educação: “[...] é evidente o duplo significado da palavra educação na sociedade burguesa: educação como processo de adaptação às relações existentes. [...] Educação como arma na luta contra a opressão, como instrumento moral e intelectual da jovem geração da classe oprimida [...].” 54 movimento do objeto, não à base de conceitos fechados, mas abertos, tentando perceber os limites das idéias do sujeito pesquisador. Considerando os fatos educacionais em sua relação dialética, na perspectiva de Marx, posto que se considera uma referência metodológica significativa, uma vez que viabiliza condições para compreender o objeto na diversidade das relações sociais, e encaminha para se chegar a um processo de abstração para interacionar tais fatos nestas relações sociais, em um contexto da conjuntura político-econômica em curso para a construção de uma análise. Neste sentido, o Programa de Alternância das Casas Familiares Rurais é concebido na trama das relações sociais. Assim, para apreendê-lo em sua historicidade, acreditando em uma totalidade na contemporaneidade, a qual remete a mediações8 que envolvem a operacionalização desse Programa, é necessário considerar o contexto em que este se insere. Entendendo que [...] os fatos devem ser tomados corretamente, convém, inicialmente apreender, clara e exatamente, esta diferença entre a sua existência real e seu núcleo interior, entre as representações que deles se formam e os conceitos [...]. Trata-se, de uma parte, de arrancar os fenômenos de sua forma imediatamente dada, de encontrar as mediações pelas quais eles podem ser relacionados a seu núcleo e a sua essência e tomados em sua essência mesma, e, de outra parte, de alcançar a compreensão deste caráter fenomênico, desta aparência fenomênica, considerada como sua forma de aparição necessária (LUKÁCS, 1981, p. 68). As dimensões de Educação do Campo, Formação em Alternância e Política Educacional são consideradas fundamentais para a constituição do trabalho, mediante as referências de alguns autores que tratam sobre o tema, o que possibilita, nesta pesquisa, percorrer o caminho de construção da problemática estudada, entre os nexos específico e geral, tendo a realidade como ponto de partida para se chegar à dimensão mais próxima do objeto. Desse modo, a primeira dimensão, a educação do campo, em síntese, é compreendida como um conjunto de modalidades de ensino, articulada às diferentes instâncias formadoras, 8 Estas entendidas como “[...] a visão historicizada do objeto singular, cujo conhecimento deve ser buscado nas determinações mais gerais, nos seus universais, assim como ser situada no tempo e no espaço, na sua 55 científicas e políticas, situando-se no contexto histórico-social. É central para visualizar a importância da formação escolar em um sentido integral, – a cultura geral e profissional -, uma vez que não deve separar educação e trabalho, considerando que estas categorias têm relação orgânica. Isto remete à importância de seu significado para desenvolver a capacidade de o aluno se inserir na atividade social (GRAMSCI, 2004; SAVIANI, 2005 a; GERMANO, 1998). Concernente à dimensão formação em alternância, compreende-se que é situada, também, no contexto histórico-social. É privilegiada como um processo dinâmico de construção e reconstrução do trabalho educativo.9 Reporta-se à importância de que esta formação, com uma metodologia de tempo e espaço simultâneos, não seja realizada em si mesma, mas sim com conteúdos formativos de uma cultural geral e da profissional (GRAMSCI, 2004), relacionando – contextualizadamente e, a partir da pesquisa – os diversos conhecimentos, tanto o científico, como o da tradição, , assim, contribuindo para o desenvolvimento da capacidade de o aluno construir o conhecimento e pensar criticamente (GERMANO, 1998). Concebe-se esta educação como dimensão conceitual e prática, tendo significado de pertencimento dos filhos de trabalhadores do campo e da cidade, valorizando a identidade e os saberes locais, não deixando, de lado, o inter-relacionamento entre estes saberes, o conhecimento científico e a cultura geral, à base de diálogo, para construir um outro currículo. Desse modo, percebe-se que o currículo é socialmente referenciado, pois se embasa em referências da Cultura, da História, da Sociologia, da Filosofia, da Antropologia, da Piscologia, da Geografia e da biodiversidade, com pressupostos da ecologia do conhecimento. Na construção/reconstrução curricular cabe uma evocação e função teóricas/práticas da Universidade, em viabilizar, como assinala Santos, B. (2000, p. 224), condições para que sejam repensados, pelos pesquisadores, os custos sociais da produção científica em diversos espaços sociais locais. A primeira condição concerne a “[...] promover o reconhecimento de contextualização histórica. São as determinações histórico-sociais, o campo do particular, que permitem à apreensão de um objeto à luz das determinações mais gerais” (CIAVATTA, 2001, p.136). 9 O Trabalho educativo é inerente a categoria trabalho. O trabalho educativo compreende a relação entre duas dimensões interligadas: como dimensão geral da atividade humana (work) e como reprodução do educando (labour). No sentido de que o ato educativo do professor tenha significado social: “[...] o educador precisa, para poder efetivar plenamente sua tarefa educativa, manter uma relação consciente para com o papel do trabalho educativo na formação daquele indivíduo-educando-concreto que tem diante de si e para com as implicações desse trabalho educativo na produção e reprodução da vida social [...]” (DUARTE, 2001, p. 5l). Assim, “[...] o ponto de chegada é a própria prática social, compreendida, agora, não mais em termos sincréticos pelos alunos. Neste ponto, ao mesmo tempo que os alunos ascendem ao nível sintético [...] Essa elevação dos alunos ao nível do professor é essencial para se compreender e especificidade da relação pedagógica [...]” (SAVIANI, 2005, p. 72). 56 outras formas de saber e o confronto comunicativo entre elas. A universidade deve ser um ponto privilegiado de encontro entre saberes [...]”, no sentido de desenvolver o apoio à sustentabilidade social e à sustentabilidade ambiental no espaço público de construção/reconstrução curricular. Da formação em alternância, em suas diversas experiências, as EFAs e as Casas Familiares Rurais no Brasil se remetem à constituição de um processo de construção/reconstrução curricular da Pedagogia de Alternância como projeto educativo para os filhos dos trabalhadores do campo, visando ao encontro de saberes. Vale ressaltar que se trata de uma dimensão fundamental para o estudo do Programa, posto que se tem a presença de referências socioculturais para o ensino e para a pesquisa que podem contribuir para um curso com caráter emancipador. Pontuando a consideração de que um curso não é capaz “[...] de dar conta de um desafio grandioso, o de transformar as pessoas e sua prática social, e mesmo que ele em si possa se materializar como práxis, [...] é a da possibilidade de um curso fazer parte deste processo amplo de formação [...]”, da dinâmica da realidade social, no sentido que Caldart (2001, p. 93) assinala. A terceira dimensão trabalhada é a política educacional, considerando-a como parte das políticas sociais. Tem significado histórico para a compreensão da articulação do objeto estudado, haja vista que apresenta elementos para a construção de uma explicação contextualmente situada. Isto implica um posicionamento sobre qual a política educacional é relevante socialmente para os jovens do campo, uma vez que “[...] o debate precisa desmistificar a atual orientação da política educacional que imprime ao projeto político/pedagógico a lógica do mercado, privilegiando os conhecimentos instrumentais e secundarizando as dimensões social, moral e ética do homem” (CABRAL NETO, 2004, p. 28). É significativa por oferecer suporte à contextualização da educação do campo, pois o momento fértil da expansão de controle das políticas públicas e as prioridades para os setores empresarias e organismos internacionais nas últimas décadas do século XX, sobretudo na de 1990, no Brasil, não podem ser deixadas de lado para se compreender a diversificação de estratégias e a implementação das reformas neoliberais, enfocando o Estado e reduzindo-o na sua regulação econômica. Desse modo, é no processo articulado entre políticas e reformas que se tem o desdobramento para a educação. Por isso e pelas suas características próprias, é importante que se tenha uma compreensão das Diretrizes e das práticas para estas políticas. É 57 fundamental perceber o lugar destas políticas e como estão sendo tratadas no processo social em curso. Isso constitui um conjunto dos elementos que estão presentes e se ligam à educação. Assim, considera-se uma referência singular para apreender os discursos dos planos do Programa da Casa Familiar Rural, em seus princípios, metas e prática desta experiência de educação. Essa dimensão possibilitará a utilização de instrumentos para relacionar o que está privilegiado na legislação para as escolas do campo e o que está sendo pensado e operacionalizado na Casa Familiar Rural, no contexto da herança, da construção das referências culturais da escola e da escolha do professor. Considera-se, para isso, como assinala Carthier (2005), que a cultura escolar é decorrente de uma referência instituída, referência comum, sendo construída na trajetória histórica, e mediada em espaços/tempos de tensões, debates e acordos. Em cada tempo histórico, as referências culturais - escolares - são construídas/reconstruídas no campo de conflitos, no qual diversos atores se movem para apresentar e defender seus interesses. Ressalta Chartier (2005, p. 25) que “[...] existe uma regra que ninguém pode desconhecer num debate público sobre a escola de uma sociedade democrática: não se pode defender interesses particulares, mas sim, o bem comum [...]”, patrimônio da humanidade. Como lembra a Chartier (2005), a escola, acrescente-se, os professores devem escolher, entre os saberes possíveis, unindo os diferentes saberes àqueles que têm valor para as gerações atuais e futuras – os que são importantes. Isto corresponde a buscar a autêntica liberdade humana, com procedimentos do trabalho educativo ligados entre conhecer/transmitir conteúdos específicos no contexto da prática social. Neste sentido, entende-se que é necessário se ter pressupostos para um trabalho educativo que visa contribuir para a emancipação humana, como o fim maior da educação – não vago -, e o do domínio de conteúdos pelos professores – e não apenas a vontade política, embora também tenha relevância fundamental – para que os jovens possam se apropriar dos saberes e das técnicas construídas, até a contemporaneidade de seu tempo (TONET, 2005). 58 3. 2 – Procedimentos de pesquisa Para a efetivação deste trabalho, optou-se por uma abordagem qualitativa, uma vez que se considera como uma referência que possibilita uma análise fundamentada no movimento relacional inseparável entre a subjetividade e a objetividade, presentes estas nos fatos do sistema complexo de relações sociais que se estabelecem na sociedade. Assim, é necessário começar pelas partes mais simples para alcançar a totalidade das relações do programa de formação em alternância, considerando que os aspectos quantitativos e qualitativos fazem parte da realidade social; interpenetram-se, são complementares (MINAYO, 1994). Certamente, o desafio está em apreender os elementos mais concretos, como assinala Ciavatta (2001, p. 135), “[...] metodologicamente é o resgate da dimensão histórica de uma questão que permite superar o nível de expressão formal pelo desvelamento dialético da realidade [...]”. A pesquisa bibliográfica, a análise documental e a análise das entrevistas constituem os procedimentos essenciais desta investigação. A pesquisa bibliográfica viabilizou o acesso e o revisitar da literatura concernente às transformações contemporâneas em relação ao Estado, ao trabalho, às políticas públicas, observando as suas funções e inter-ligações no processo histórico, e como repercutem na educação. Também oportunizou a busca de suporte analítico para se ter uma compreensão sobre o tratamento dado à educação do campo nas prioridades governamentais, incluindo-se as políticas que são resultado de reivindicações/sugestões de particulares e dos movimentos sociais. A análise documental teve como objetivo estudar e sistematizar, a partir da coleta de documentos de diversas instituições, entre as quais: MEC, Secretaria Executiva de Educação do Pará (SEDUC), ARCARFAR/Norte e Casa Familiar Rural de Uruará. Também foram estudados/analisados o Projeto Político/Pedagógico do Programa de Alternância/CFRU, cadernos dos alunos, cartas, atas. Para analisar a prática educativa do programa de Alternância da Casa Familiar Rural de Uruará, considerou-se significativo ancorar-se tanto nos documentos (planos de estudo, cadernos dos alunos, relatórios), como nos depoimentos dos entrevistados. A pesquisa de campo foi realizada por meio de entrevistas abertas, privilegiando os aspectos gerais do programa e específicos de sua formação. Portanto, foram entrevistados 59 monitores, pais, professores, alunos, alguns membros de movimentos sociais, pesquisadores e técnicos de instituições parceiras, líderes sindicais e coordenadores do Programa das CFRs. Os critérios de escolha dos entrevistados foram aleatórios, considerando o seu envolvimento na condição de aluno, professor, pais, e da relação institucional com as CFRs., conforme quadro Codinome Categoria Turmas de 5ª à 8 série Inserção Profissional Nildo Ex-aluno 1ª Unidade familiar Fábia Ex-aluna 1ª Unidade familiar Ana Ex-aluna 1ª Ensino médio Nero Ex-aluno 1ª Unidade familiar Jacó Desistente 1ª Unidade familiar Lena Aluna 2ª Doméstica Ane Aluna 2ª Unidade familiar Leonel Aluno 2ª Unidade familiar Peri Aluno 2ª Unidade familiar Davi Aluno 2ª Unidade familiar Sara Aluna 2ª Unidade familiar Alba Aluna 2ª Unidade familiar Clara Aluna 2ª Unidade familiar Rui Aluno 2ª Unidade familiar Vera Aluno 2ª Unidade familiar Abrão Aluno 2ª Unidade familiar Ivo Aluno 2ª Unidade familiar Diva Aluna 2ª Unidade familiar Quadro 1 Demonstrativo dos alunos entrevistados e o local de trabalho. Fonte: Pesquisa de Campo, jul. 2003, fev. e mar. 2005. 60 Gráfico 1 – Distribuição da Inserção profissional dos alunos entrevistados Fonte: Pesquisa de Campo. Uruará, fevereiro de 2005. Os depoimentos dos entrevistados possibilitam um retrato panorâmico sobre as ocupações profissionais dos adolescentes no espaço das unidades produtivas das vicinais da Transamazônica. Estes dados estatísticos revelam a presença ativa dos jovens alunos como força de trabalho nestes espaços, contribuindo para a reprodução da socioeconomia familiar, fato constado pelas entrevistas, com remetimento, tanto para o Tempo Escola, como para o Tempo Familiar. Uma leitura sobre a tipologia da presença dos jovens nestas unidades familiares, expressa, a sua importância, como um dos elementos do trabalho familiar, seus interesses mediatos, sua cultura e, a relação dimensional para o trabalho educativo e a organização curricular escolar. Ademais, esta leitura sobre os números, aponta, também, sobre a necessidade imperiosa de o trabalhador em educação deter o compromisso com a transmissão do conhecimento vinculado ao patrimônio histórico da humanidade, o que inclui os Distribuição da inserção profissional do aluno Ensino Médio; 6% Doméstica; 6% Unidade Familiar; 88% 61 saberes/culturas locais e as globais, na dimensionalidade das relações estabelecidas com este particular da vida/eco-socioeconomia/cultura dos jovens alunos. Codinome Categoria Inserção profissional Catarina Mãe de aluno Unidade familiar1011 Júlia Mãe de aluno Unidade familiar Madalena Mãe de aluno Unidade familiar Lúcia Mãe de aluno Casa Esther Mãe de aluno Unidade familiar Nísia Mãe de aluno Unidade familiar Paulina Mãe de ex-alunos Unidade familiar Jorge Pai de aluno Unidade familiar Gabriel Pai de ex-alunos Unidade familiar Rildo Pai de aluno desistente Unidade familiar Rafael Pai de aluno Unidade familiar Miguel Pai de aluno Unidade familiar Quadro 2 – Demonstrativo dos pais dos alunos da CFRU entrevistados e local de trabalho. Fonte: Pesquisa de Campo, 2005. Codinome Categoria Inserção Profissional Lívio Agricultor Agricultor, monitor CFRU Dimas Agricultor Agricultor José Técnico agrícola Monitor Odilon Técnico agrícola Monitor Sião Técnico agrícola Monitor Olavo Pedagogo Monitor, professor Ari Engº agrônomo Técnico e pesquisador Tito Engº agrônomo Professor e pesquisador Lídia Pedagoga Técnica Jaci Pedagoga Professora e técnica Jane Pedagoga Professora Mário Agricultor Agricultor João Engº Agrônomo Ex-monitor Quadro 3 – Demonstrativo dos entrevistados envolvidos no movimento relacional das CFRs da Transamanônica e tipo de trabalho Fonte: Pesquisa de campo, Pará/Transamazônica, julho/2003, Fev/mar/jun/2005. 10 O termo unidade familiar compreende o desenvolvimento do trabalho na agricultura, em todo o seu processo produtivo. A inserção profissional das mulheres corresponde à participação em algumas atividades do processo produtivo, destacando-se na economia de quintal – como o cultivo de fruteiras, hortaliças, avicultura de pequeno corte, entre outras, com contribuição significativa para a reprodução socioeconômica, similar aos resultados dos estudos feitos por COSTA (2000) no nordeste paraense. 62 Gráfico 2- Inserção profissional de 43 sujeitos sociais entrevistados. Fonte: Pesquisa de Campo, julho/2003, fevereiro, março e junho/2005. Gráfico produzido pelo prof. Dtdº. Paulo Roberto N. M./UFRN. A realização de um registro fotográfico concerne à orientação de que possibilita um produto – a fotografia – para auxiliar na compreensão do objeto. Este registro é secundário, no sentido para prioridade das análises documentais, mas defende-se que este tipo de fonte traz uma linguagem histórica do ato educativo, expressando um momento singular da realidade, que mostra-a e a esconde, não permitindo conhecê-la pela sua aparência. Assim, as fotografias como mediação, no aspecto metodológico, têm a imagem e os valores/relações que conduziram a sua realização, como assinala Ciavatta e Alves (2004, p. 45), São mundos de relações silenciosas, densas, congeladas no tempo mínimo do obturador. [...] É o conhecimento dessas relações ocultas, expressões complexas do mundo da cultura, que permitem aproximarmo-nos das fotografias além do prazer estético, da sua imediaticidade encantadora. É este o caminho tortuoso da fotografia como fonte histórica. Inserção profissional dos entrevistados envolvidos no movimento relacional Monitor Agricultor Monit./Prof. Téc./CEPLAC Téc./SEDUC Professor Ex-monitor 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 4,5 63 Vale salientar que este estudo, ao direcionar-se para o programa das CFRs, tem relevância por procurar pontuar as propostas e a prática educativa em alternância deste Programa, por meio da CFRU, e, assim, poder contribuir para a sua valorização/socialização e para o debate da educação do campo. 4. Estruturação do Trabalho Este trabalho, em sua estrutura formal, é organizado em duas partes interligadas: a primeira privilegia a discussão da Educação do Campo por meio das políticas educacionais brasileiras. Esta parte refere-se ao primeiro capítulo, no qual estas políticas são situadas historicamente no contexto das constituições brasileiras, visando subsidiar a análise sobre a conjuntura atual. Para esta análise, toma-se o debate do Movimento de Articulação Nacional por uma Educação do Campo como referência, em torno das mudanças por outra política educacional. Também como elemento para subsidiar a discussão, é brevemente abordada a política para a educação básica, da década de 1990 no Brasil, pontuando algumas dimensões e as marcas dos embates para o seu desenvolvimento, no que concerne à do Campo, por meio das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Visando complementar a discussão, é feita uma análise sobre a configuração do cenário regional, no âmbito do Pará, privilegiando alguns momentos para a divulgação/implementação das Diretrizes, por meio dos Seminários Estaduais das Diretrizes Operacionais, promovido pelo MEC, assim como por parte da Secretaria de Educação do Estado e do Fórum Paraense de Educação do Campo, nesse processo de busca por outra política educacional. Na segunda parte, é analisado o Programa da Pedagogia da Alternância da Transamazônica, em Uruará, abordando os capítulos II, III, IV, V, VI e VII. No segundo capítulo, é pontuado o conceito de alternância, procurando situar o contexto geral de seus fundamentos, das tendências e das especificidades Para essa compreensão, considera-se algumas referências documentais e empíricas da realidade, a configuração estrutural e conjuntural do Programa, em suas diversas relações, com o Estado e com as Instituições públicas, como Secretarias de Educação, Conselho Estadual de Educação e Universidade. Busca-se apontar os nexos entre as diretrizes do Programa e as falas dos alunos, pais e monitores. 64 No terceiro capítulo, é feita a descrição da trajetória do Programa de Alternância das Maisons Familiales Rurales, relacionando-a com o contexto brasileiro das experiências das Casas Familiares Rurais (CFRs), dando o recorte para o cenário no Estado do Pará. No quarto capítulo, são pontuadas algumas considerações sobre o conceito de sustentabilidade, tendo como compreensão a importânciada da ecologia no conhecimento, na cultura escolar, motivando os jovens para a importância da responsabilidade sobre a preservação da biodiversidade e da reprodução da vida humana, de uma forma contextualizada. Faz-se uma breve reflexão sobre a importância da relação entre sustentabilidade, educação e o espaço regional na cultura escolar, tecendo alguns pontos sobre a colonização da Transamazônica, sobre o papel do Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica (MPST), em torno da educação das Casas Familiares Rurais (CFRs). No quinto capítulo, faz-se um estudo sobre o Programa de Alternância da Casa Familiar Rural de Uruará, Transamazônica, Pará, nos âmbitos de suas diretrizes documentais, de sua operacionalidade e da – articulação – com o Movimento Social pela Sobrevivência da Transamazônica e Xingu, na encruzilhada e complexidade de seu contexto, de uma área de fronteira, para apreciação de seus resultados. No sexto capítulo, esse Programa é estudado, também, a partir da opinião dos entrevistados que o integram e das implicações decorrentes. Põe-se em destaque, nesses dois últimos capítulos, a importância de referências teóricas e empíricas para uma compreensão do movimento, da natureza das finalidades e da prática do Programa das CFRs. Para tanto, destaca-se as informações, entre os Planos de Alternância, o instrumental pedagógico, a metodologia, a relação pais, monitores e educandos, a relação desta Casa Familiar Rural com o Estado do Pará e alguns resultados desta experiência. Ainda nesse capítulo sexto, procura-se mostrar a avaliação e as perspectivas dos alunos envolvidos, procurando respeitar as suas compreensões. Assim, vale privilegiar o conteúdo de suas falas e o significado atribuído por esses educandos à experiência de Alternância, seja nas atividades escolares, seja nas atividades das unidades familiares produtivas. Também tenta-se fazer uma relação entre as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo e o fazer pedagógico do Programa de Alternância das CFRs no decorrer dos capítulos, considerando o contexto que lhe sustenta. No sétimo capítulo, considerando a importância das demandas dos pais e alunos, pontua-se algumas reflexões, com recorte para as proposições em torno do processo de construção/reconstrução do Programa das CFRs, inclusive a dimensão política de seus 65 pressupostos. Como ponto de partida deste trabalho, o compromisso, como registra Chartier (2005, p. 24) é saber como pensar uma nova maneira para a escola e o trabalho educativo, em uma sociedade em que prevalece valores antiéticos. É necessário “[...] se desfazer da representação escolar da cultura, tão apegada a obras inscritas numa transmissão obrigatória controlada. Se a cultura não está em produtos, mas em gestos e ações, se ela é um – fazer - de sentido, deve ser pensada, constantemente na perspectiva dos atores”. A autora ressalta que a cultura escolar é conduzida pelas estratégias institucionais, enquanto as táticas se movem na região do instituinte, pelos atores; mas estes constróem a cultura na inter-relação com o outro. Finalmente, são feitas algumas reflexões – considerações conclusivas -, visto que o tema e a experiência estão em curso, interligando o movimento entre o cenário nacional, regional e local, e entre os capítulos, visando contribuir para o debate sobre a educação básica por meio da alternância. 66 Capítulo 1 – Políticas educacionais do campo: um retrato do cenário no contexto da transição do século XX ao XXI. Foto 1 – II Seminário Estadual de Educação do Campo do Pará Fonte: Neila Reis. Pesquisa de Campo, Ananindeua/PA, junho de 2005. 1.1 Política Educacional: uma breve reflexão introdutória As políticas públicas compreendem além da dimensão da política em si, a dimensão do trabalho como categoria fundante da reprodução humana, e deste trabalho no contexto da forma capitalista de produção tem um fim não direcionado para aquisições da cultura humana. A sociabilidade capitalista, toma/cria/usa instrumentos, como exemplo: “[...] a política social é a forma pela qual o Estado tenta resolver o problema da transformação duradoura de trabalho não assalariado em trabalho assalariado. O processo de industrialização capitalista é acompanhado de desorganização e mobilização de força de trabalho [...]” (OFFE, 1984, p. 15). Offe (1984, p. 15) explicita que este fenômeno está presente desde os momentos iniciais da formação capitalista, sendo atual até esta contemporaneidade. Um dos pontos relevantes desse processo, do ponto de vista da organização deste sistema dominante, concerne à “[...] ampliação das relações concorrenciais aos mercados, a introdução permanente de mudanças técnicas poupadoras da força de trabalho, as influências de crises 67 cíclicas, têm o efeito de destruir, as condições de utilização da força de trabalho até então dominantes [...]”. A preocupação de Offe (OFFE, 1984, p. 15), assim como a de outros estudiosos, como as de Marx (1978); Gramsci (2004); Manacorda, (1989) e Germano (2005) sobre a inter-relação entre trabalho e educação e as extensões desse processo de construção/reconstrução do sistema capitalista tem relevância sociopedagógica; cita-se a revolução da ciência, nesta, a da informática. Um fenômeno, entre outros, que atingem os indivíduos, forçando-os a “[...] entrar numa tal situação na qual não conseguem mais fazer de sua própria capacidade de trabalho a base de sua subsistência, já que não controlam, as condições de utilização dessa capacidade [...]”. Offe (1990) enfoca, também, a inversão da perspectiva atribuída, pelos empresários, ao trabalhador, este é tratado e conduzido ao lado da oferta de mercadoria, no sentido que assinala Germano (2005, p. 173), embasado em Marx (1975), como se esse trabalhador fosse um objeto, desqualificando sua força de trabalho. Nesse processo, a tese de Offe (1984) sobre a política social tem um cunho sociológico, filosófico e pedagógico, procurando mostrar as lógicas relacionais no processo de sua constituição e operacionalidade. Concerne, entretanto, ressaltar de como a política social é tratada na sociabilidade capitalista, que toma o trabalho como uma categoria não fundante da reprodução social da existência humana. Daí considerar, que o processo de apropriação dos objetos/fenômenos é um processo que se dá nas relações sociais, na formação de homens e mulheres, neste sentido, é válida a importância de se considerar as categorias trabalho, educação e política educacional para compreender o movimento da política educacional capitalista, no e além do contexto das condições de sua produção material. A dimensão formativa escolar no contexto das políticas públicas do Estado Capitalista é decorrente das escolhas/decisões dos técnicos do Estado – em tensões e conflitos com setores da sociedade civil organizada - que as remetem aos âmbitos estrutural e conjuntural. Mostra Offe, que o controle do processo produtivo e de circulação é exercido pelo sistema dominante, configurando, desse modo, a apropriação privada das políticas sociais e um padrão de comportamento dos trabalhadores. Este controle é um elemento chave, em função de que “[...] a força de trabalho depende de qualificações profissionais, da política educacional e de profissionalização, bem como da política de aperfeiçoamento profissional, que asseguram a correspondência entre a força de trabalho e a demanda, também do ponto de vista qualitativo” (OFFE, 1984, p, 25). Offe ressalta que para se alcançar as intenções lucrativas – de maneira estratégica -, os planejadores envolvem políticas, “[...] a fim de combater formas de socialização alheias ao 68 mercado, o Estado pode mobilizar os recursos naturais e simbólicos para o controle dos desempregados [...]” (1984, p. 25). Este mecanismo de controle dos desempregados é possível de ser organizado diretamente pelo Estado, segundo o autor, de forma restrita; no entanto, como também afirma, os planejadores podem viabilizar funções sociais tradicionais, como aportes instrumentais à regulação quantitativa do mercado de trabalho. O instrumento legal da educação escolar pode ser utilizado na forma de extensão temporal/qualitativa da formação dos jovens, o que permite reduzir a força de trabalho. Vale ressaltar, no entanto, que as classes sociais não se esvaízam, pelo contrário, nesta sociabilidade dominante, elas permanecem, e se reproduzem. Para se alcançar o desenvolvimento do gênero humano, resistindo às regulações capitalistas, a educação tem uma função fundamental, o problema está na construção de barreiras que impedem o acesso aos bens materiais e não materiais, da divisão entre trabalho manual e intelectual, não na esfera pessoal, de aptidão ou sua falta. Concorda-se com Offe, quando demonstra os mecanismos que o pensamento conservador dominante cria/recria, na medida que o seu sistema, o dominante, não está tratando com desempregados, mas com indivíduos estudantes: “[...] A manutenção dos trabalhadores em potenciais em instituições do sistema educacional tem ao mesmo tempo a vantagem de que nelas pode ser exigida uma certa forma de comportamento disciplinado, que, em geral, corresponde à exigida no processo de trabalho” (1984, p. 27) Offe mostra a relação funcional entre as instituições da política social e o problema da socialização por meio do trabalho assalariado. Reforça que uma análise mais profunda reiteraria a impressão de que os três distintos problemas: “[...] o da disposição para o trabalho, o da capacidade de trabalho individual e o das ‘oportunidades objetivas da venda’ da força de trabalho – poderiam ser delimitados, mas que, ao nível das medidas correspondentes da política social, predominam instituições ‘multifuncionais [...]’” (1984, p.31). Estas, constituídas, como expressa o autor, para desenvolverem um processo operacional em que cabem objetivos distintos, mas que são interligados pelo mesmo fim, que é o de priorizar as metas socioeconômicas; não o ser humano. No contexto dos bens públicos, têm-se os instrumentos legislacionais, entre esses, as Constituições, a LDB, outros também fazem parte deste conjunto para nortear a organização da vida pública e privada, como os Planos Nacionais de Educação, que constituem os elementos do sistema educacional e têm como principal objetivo implementar a Lei Nacional de Educação, no sentido de abranger e reunir os pressupostos da política educacional atual, vislumbrando construir estratégias vinculadas ao cumprimento da referida lei. Para levar a cabo tais objetivos, de acordo com Saviani (2004), Frigotto e Ciavatta (2003), é necessário 69 que os procedimentos na trajetória do processo ocorram na dimensão de uma relação democrática entre técnicos, parlamento e sociedade, para que, de fato, seja assegurada a orientação política da lei, por meio da alocação concreta de recursos e de instrumentalização legal complementar. Os pressupostos evidenciados por tais autores acenam que prevalece a regra da tradição conservadora, trazendo conseqüências, como a continuidade de sua forma técnica e econômica para o Projeto Educacional até as últimas décadas, assim, priorizando o caráter instrumental, em detrimento das dimensões sociais, políticas e culturais. Esta é uma das faces das políticas e planos que envergam práticas autoritárias, impedindo a participação política qualificada dos atores sociais e, em dimensão maior, um projeto democrático nacional, pois, nas sociedades capitalistas, o planejamento, a reforma e expansão das instituições educacionais são instrumentos dinâmicos, visando a uma formação voltada para o mercado. Nesta dinâmica, este planejamento é constituído por dados orientadores, entretanto, os interesses do próprio sistema dominante remetem às suas invalidações (OFFE, 1990). Segundo Offe (1990), o planejamento, em grandes dimensões, não é possível, dadas as características dos investimentos serem embasados nos interesses do mercado, portanto, sendo reservado pouco tempo para a formação de pessoal qualificado, tendo em vista a pressa de atender as necessidades das empresas. Assim, este planejamento é voltado, como assinala Germano (1999, p. 124-125), para a busca do lucro, mostrando, este autor, que o problema da pobreza é repassada, pelo sistema dominante, para ser compreendida, como se fosse restrita à problemática da falta da formação escolar. A reforma das políticas educacionais liberais para a América Latina, ao olhar dos técnicos dos organismos internacionais, confere à educação a referência para o enfrentamento das desigualdades sociais, mas o que cabe, para os filhos dos trabalhadores, é uma educação instrumental, a – cesta básica – da educação. Como Germano (1999) afirma, o sistema educacional não detém poderes para resolver a problemática do desemprego e da pobreza. Cabe ressaltar a validade pedagógica destes pressupostos, mas, é necessário acrescentar que é relevante socialmente, também, saber o quê, de quem parte e o porquê desses programas e projetos, tendo em vista que, tanto as criações, permanências e transformações são aportes decorrentes das intenções iniciais, podendo haver ajustes e re- ajustes para dissociar as demandas sociais. Assim, para evitar intencionalidades que visam à hegemonia, o ponto de partida, concerne a desenvolver a luta/organização/ação associativa 70 como instância contra-hegemônica, sem exigências burocráticas, para a participação de forma contínua e crítica. 1. 2 -Situando historicamente as políticas educacionais – Pontuando as políticas educacionais nas Constituições Ao longo do processo histórico do Brasil a educação do campo não é priorizada pelas políticas oficiais, pois a escola tem transmitido um conhecimento descontextualizado, em classes do tipo multisseriadas.1112Os conteúdos de ensino são embasados em referências culturais vindas de fora, esvaziadas de saberes regionais/locais e de uma ecologia do conhecimento, assim como da relação orgânica entre educação, trabalho e cidadania. Os gestores e legisladores foram e ainda são omissos com a educação, em relação à diversidade e às inter-relações do campo, desse modo, silenciando as suas demandas. Tal cenário é reconhecido e registrado em documento oficial: “[...] a situação deficitária da oferta educacional no campo é agravada pela ausência de uma política pública específica no Plano Nacional de Educação” (BRASIL/MEC, 200l, p.6). Assim, historicamente, a escola no campo ofereceu uma formação elementar, embasada em aportes culturais heterônomos, desconsiderando, sobretudo – a união entre cultura geral e profissional – a diversidade nos campos da Amazônia, como a dos povos quilombolas, povos da floresta, povos ribeirinhos. Destituída de aportes filosóficos críticos – em relação à cidade e ao campo – e da formação com qualidade social, vincula-se ao processo de reprodução social dos sistemas dominantes de cada época histórica e à divisão no mundo do trabalho, à medida que se restringe a um ensino instrumental aos filhos dos trabalhadores. 11 Considera-se o imenso desafio dos professores das escolas com classes multisseriadas em dar conta de diferentes e diversos conteúdos, com esforço memorável. Conduzem o espaço pedagógico de melhor forma possível; os colegas merecem ser sempre reconhecidos, lembrados e respeitados. Sem o seu trabalho, como estariam as velhas e atuais gerações? Questiona-se, diante desse quadro, as imposições da pedagogia tradicional e da moderna e a permanência, ao longo da História da Educação brasileira, a forma compensatória da política educacional levada ao campo. 71 Uma das referências acerca do ensino para os contextos do campo, em nível nacional, é o ensino agrícola estabelecido na Carta Régia de 25 de junho de 1813. Em 1875, com o declínio do Império, foi fundada, na modalidade de ensino regular e oficial, a “Imperial Escola Agrícola da Bahia”, com fins profissionalizantes; também outras escolas foram criadas, nesse período, nos Estados do Rio Grande do Sul, em Pelotas; em São Paulo, na cidade de Piracicaba; e em Minas Gerais, na cidade de Lavras (CALAZANS, 1982). Dos latifundiários das capitanias, passando pelos “novos” fazendeiros, até chegar aos empresários do século XX, observa-se o descaso pelos problemas sociais e ecológicos, com decorrência para o ser humano, principalmente para as crianças. Na contemporaneidade, os corolários das políticas públicas têm desdobramentos nas dimensões ambiental,1213social, econômica, cultural, na saúde, na segurança e na educação, com reprodução da desigualdade entre a classe de trabalhadores e a das elites, seja no campo, seja na cidade. Morin (2003, p. 71) destaca esse cenário, denominando os novos perigos: “[...] a possibilidade de morte ecológica. [...] As emanações do desenvolvimento técnico-industrial urbano degradam a biosfera e ameaçam envenenar ao meio vivo [...]: a dominação desenfreada da natureza pela técnica conduz a humanidade ao suicídio”. Configurou o exercício prático dessas políticas, no Brasil, como assinala Edla Soares (2002), um ensino elitista, levado a cabo sob os parâmetros da contra-reforma, sendo que um tratamento digno à educação do campo não foi dispensado. A maioria dos políticos e legisladores foram e ainda são indiferentes às questões do campo, marcas que se expressam nos textos oficiais, como na Lei Maior. Essa indiferença se observa nas Constituições de l824 e l89l, de como a educação do campo ficou, de fato, à margem da própria legislação. Na Carta Magna de 1824, o Artigo 179 trata da educação escolar, nos incisos “[...] XXXII. A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”, e o XXXIII dispõe sobre a criação de instituições escolares: “[...] Colégios e Universidades, aonde serão ensinados os elementos de Sciencias, Bellas Letras e Artes”. 12 O Meio ambiente não foi preocupação do sistema dominante; pelo contrário, os pressupostos ainda estão assentados na lógica do lucro. Assim, sob o discurso de defesa e de sua preservação, é constituído um ecologismo que assume, no discurso, uma preocupação com o patrimônio da natureza. Na realidade, o ecologismo, como afirma Costa (1992, 1999), consubstancia-se no privilegiamento do preservacionismo; desse modo, é reducionista, pois busca assegurar os recursos naturais para o benefício da política de organismos financeiros internacionais. Para o êxito de seus objetivos, envolve-se com os povos indígenas e os seringueiros extrativistas, que, por sua tradição, reproduzem sua sobrevivência, mantendo o ambiente natural originário, para, em nome da preservação, desqualificar os camponeses agricultores, enquanto, na realidade, estão visando alcançar seus próprios interesses. Esse movimento se dá em nível local e regional, com desdobramentos para o elo da cadeia social do capitalismo mundial. O uso da floresta também passa pelo fornecimento das essências. A apropriação é realizada em nome da preservação. 72 A Constituição de 1891 se reporta aos pressupostos da laicidade e à liberdade profissional como referências ao ensino nas escolas públicas, estas previstas no Artigo 72, § 6: “[...] será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos” e no § 24 “[...] É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial”. Como expressa Soares (2002, p. 9), o documento desta Carta contém uma dimensão de relevância social, no que concerne ao reconhecimento da autonomia dos Estados e Municípios, consignando a forma federativa da República brasileira. Esta autora destaca a criação das condições legais para implementações institucionais descentralizadas, porém, o campo educacional foi prejudicado pelo afastamento de um sistema nacional de educação que garantisse a viabilização de uma política educacional nacional. Na transição de uma sociedade agrária para uma industrializada, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, afirma-se um ideário positivista que tem como como pressuposto filosófico uma visão de educação como instrumento balizador da mobilidade social. A adoção da pedagogia liberal e, notadamente, a disputa entre católicos e liberais representam este cenário. Esta pedagogia, embasada na perspectiva de inserção no mundo da industrialização brasileira, contribui para as proposições serem conduzidas por demandas do espaço citadino. A inserção da educação do campo, no Brasil, como referência oficial, segundo mostra Soares (2002, p. 10), aparece na legislação tardiamente e teve espaço nos debates sobre o papel significativo da formação escolar como instrumento dissimulador, por meio dos patronatos, constando na agenda das discussões acerca da problemática agrária. Isto é registrado nos documentos dos Congressos Rurais, como o I Congresso da Agricultura do Nordeste Brasileiro, em 1923. A intencionalidade voltava-se em torno de se criar condições para reverter a migração campo/cidade e, assim, para que ocorresse contribuição dos jovens no processo da produção das grandes lavouras e iniciativas de pecuária nos latifúndios. O ensino agrícola faz parte de um conjunto do ensino profissionalizante para atender às demandas para o mercado de trabalho, pensado para os adolescentes pobres, tanto para os do campo, como para os da cidade, na perspectiva de que este ensino por si só – levasse “[...] à transformação de crianças indigentes em cidadãos prestimosos”. Desse modo, na leitura de alguns desses documentos oficiais, observa-se que algumas políticas educacionais, principalmente aquelas instituídas para as camadas populares, a partir das instituições militares, têm um cunho assistencialista, tratamento não diferente aos camponeses; as condicionalidades são impostas. Os camponeses, entretanto, também, têm 73 manifestações de lutas ao longo da história brasileira (CALAZANS,1982; DAMASCENO, 1990). Como exemplo, no contexto da educação destinada aos filhos dos trabalhadores, a Marinha do Brasil, já em l837, incorporou, em suas atribuições, a instrução profissionalizante aos adolescentes abandonados, uma proposição não diferente para os filhos dos camponeses. Visando a profissionalizar os filhos dos negros, ex-escravos, Dom Pedro II cria a Escola de Santa Cruz, em 1885. No início do século XX, por decreto presidencial, as escolas primárias e secundárias incorporaram uma nova tarefa, pois, além do ensino regular da escrita, foi estabelecido que deveriam instrumentalizar as habilidades manuais (SOARES e TAVARES, l999). Com o apoio do Estado, o caráter da educação brasileira acena para a dualidade entre ensino propedêutico e profissional. Os Patronatos Agrícolas são criados em l9l0, resultado de discussões de Congressos sobre agricultura e direcionados aos “menores desvalidos”, que tinham entre 10 a 16 anos. Para esses jovens, “bastava” qualquer ensino. Assim, os Patronatos eram relegados a um ensino de caráter secundário, à medida que ensinavam apenas “[...] os conteúdos de instrução primária e cívica, além de noções práticas de agricultura, zootecnia e veterinária [...]” ( SOARES, 2002). Concebidos como espaços para realizar a instrução, sua finalidade visava associar educação, trabalho e ordem patronal, sob o discurso de contribuição ao desenvolvimento do campo e à formação da cidadania aos filhos dos trabalhadores; unia, assim, distintos interesses, entre a indústria e as elites agrárias, como assinala Edla Soares (2002, p.55): “[...] a perspectiva salvacionista dos patronatos, prestava-se muito bem ao controle que as elites pretendiam exercer sobre os trabalhadores, diante de duas ameaças: quebra da harmonia e da ordem nas cidades e baixa produtividade do campo [...]”. Foram criados os Aprendizados Agrícolas, antecessores das Escolas Agrotécnicas, simultaneamente aos Patronatos, visando à profissionalização sobre a agricultura, sem o caráter assistencialista, mas voltados para o mercado de trabalho, com ênfase nas habilidades das técnicas de agricultura. Oliveira (1998) assinala que, a partir da década de 1920, a formação foi constituída por mais amplitude de conteúdos, abertos para jovens entre 14 a 18 anos. O ensino agrícola, de 1910 a 1967, esteve vinculado ao Ministério da Indústria e do Comércio. A Constituição de l934 refletiu a emergência de outros atores na discussão de uma política educacional que atendesse às mudanças sociais e econômicas na sociedade, principalmente, no caso de educação, de grupos que conduziram a sua representação por meio do Manifesto dos Pioneiros de 1932. Este foi redigido por Fernando de Azevedo, 74 constituindo-se em um documento que sistematiza uma concepção pedagógica, abrangendo as dimensões da filosofia, da política educacional e da construção de projetos políticos/didáticos/pedagógicos, chamando a atenção para a necessidade de a escola ser vinculada aos pressupostos da modernidade, aos métodos científicos (GHIARLDELLI, 2003). Esta Constituição apresenta inovações, uma vez que atribui ao Estado a responsabilidade em garantir o direito à instrução escolar. Um dos pontos relevantes registrados é o Plano Nacional de Educação, como a constituição dos Conselhos de Educação e a Organização do ensino por meio de Sistemas. O texto incorporou a responsabilidade do Estado com a educação do campo, sendo seu financiamento constado no item “a família, a educação e a cultura”. No seu Artigo 156, estabelece que “[...] a União, os Estados e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento da renda na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos”. Em seu Parágrafo único, “[...] para a realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no mínimo, vinte por cento das cotas destinadas à educação no orçamento anual”. Como afirma Soares, E. (2002, p.56), este dispositivo da Carta, para alguns atores sociais, pode ser lido como uma motivação nacional para interiorização do ensino, ensejando um contraponto às iniciativas que representavam os interesses de domínio e expansão das elites, de modo inconseqüente; para outros, as orientações do texto constituíam-se em elementos mediadores para controlar conflitos e interesses distintos entre trabalhadores e latifundiários. A Constituição de 1937 é decretada em 10 de dezembro, voltando-se para o contexto da educação profissional sob os interesses da indústria em implementação. Esta modalidade é dirigida aos filhos dos trabalhadores, sendo assegurado no seu Artigo 12, que “[....] é dever das indústrias e dos sindicatos criar, escolas de aprendizes [...], não fazendo referências propositivas para o ensino agrícola”. O Artigo 132 destaca a importância do trabalho no campo, enfatizando que [....] o Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às fundadas por associações civis, tendo uma e outras de por fim organizar para a juventude períodos de trabalho anual nos campos e oficinas, assim promover-lhe a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepará-la ao cumprimento dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação. 75 Assim, o compromisso do Estado concerne a fundar e/ou auxiliar e financiar as instituições já existentes, nos moldes dos antigos patronatos (SOARES, E., 2002), com o objetivo de – vincular - o trabalho e a educação, quer seja no campo, quer seja na cidade, vislumbrando a responsabilidade do jovem em cumprir suas tarefas para contribuir com o crescimento econômico do país, assim como desenvolver – diretivamente – as disciplinas pessoal e social. Nesta perspectiva de engajamento com o ideário liberal do desenvolvimento, foi constituído o cenário pós-II Guerra, para o Brasil nele ser inserido, incluindo a educação escolar como um instrumento norteador; assim, o recurso da adaptação foi utilizado para incoporar o ensino agrícola. Vale destacar que os governos do Brasil e dos Estados Unidos formularam acordos de cooperação técnica e científica que viabilizaram a reformulação do ensino agrícola. Nessa lógica de adaptação, o Decreto-Lei nº 96l3, de 20 de agosto de l946, trata sobre a Lei Orgânica do Ensino Agrícola, que sistematiza o ensino Técnico Agrícola, tendo, em seus objetivos, a formação profissional para os jovens do campo, como referência principal. Foi estabelecido que os cursos de técnico agrícola e de economia rural doméstica teriam validade em todo o território nacional e o caráter de continuidade em nível superior. Embora, também, o texto enseje sobre a relevância dos valores humanos, da cultura geral e do conhecimento científico, assinala as restrições impostas para os jovens que ingressassem em tais cursos; caracterizando-se que visava-se a qualificação da força de trabalho mais especializada em processo contínuo (SOARES, E., 2002, p. 58). Quanto ao curso profissional para mulheres, em relação ao texto, é de um entendimento sobre gênero por meio das prescrições pontuais do Artigo 52, que recomenda a exclusividade de freqüência feminina e a observância quanto à “natureza” da personalidade feminina, como prevê o item 3: “Na execução de programas, em todos os cursos, ter-se-á em mira a natureza da personalidade feminina e o papel da mulher na vida do lar”, incorporando na legislação específica, como afirma Soares, E. (2002, p. 59), “[...] o papel da escola na constituição de identidades hierarquizadas a partir do gênero”. A Constituição de 1946 estabeleceu no Artigo 168, a gratuidade do ensino primário, mas o financiamento do ensino agrícola teve a responsabilidade transferida para o setor privado, para as empresas industriais e comerciais realizarem, em forma de cooperação, a qualificação dos jovens trabalhadores, excluindo desta obrigatoriedade, como destaca Soares (2002, p.18), as empresas agrícolas “[...] o que denota o desinteresse do Estado pela aprendizagem rural, pelo menos a ponto de emprestar-lhes status constitucional”. Nesse entendimento, 76 [..] a educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos idéias de solidadiredade humana. III – as empresas industriais, comerciais e agrícolas em que trabalham mais de cem pessoas são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e para os filhos destes (BRASIL, 1988.) Como assinala Soares, E., (2002, p. 17), este inciso, sendo norma de princípio, tinha um caráter jurídico limitado, pois dependia de lei ordinária para viabilizar resultados práticos. No entanto, a Carta de 1934, em seu Artigo 156, garantia a operacionalidade direta, tendo em vista que sua norma legislacional era constituinte de poderes plenos. O ideário do desenvolvimento norteou o processo conjuntural, remetendo-se ao ensino escolar do campo, com ênfase para a sua especialização, como observa-se pela Lei de Diretrizes e Bases de 1961 (LDB), com a estruturação de Ginásios Agrícolas e Colégios Agrícolas. A década de 1970 aprofundou este ideário, sob a orientação da Revolução Verde e dos Acordos Internacionais, como o MEC/USAID, marcada pela Lei nº 5.692/71, que pretendeu – universalizar – o ensino médio em profissionalizante. A Constituição de 1967 seguiu as mesmas referências das Cartas de 1937 e de 1946, transferindo a responsabilidade da educação às empresas convencionais agrícolas e industriais, com a diferença de que, apenas, as comerciais e industriais estavam obrigadas a garantir o ensino aos trabalhadores menores, em forma de cooperação. Por sua vez, a Emenda Constitucional de 1969, inserida na Constituição de 1967, reafirmou as referências constitucionais anteriores, no que diz respeito às normas, reduzindo a obrigatoriedade das empresas privadas com o ensino primário gratuito, incluindo-se as agrícolas, podendo ser de forma direta ou indireta, a critério das empresas; no segundo caso , por meio de suas contribuições com o salário educação, conforme o que for estabelecido na lei. Nessa perspectiva, o texto prevê a obrigatoriedade das empresas comerciais e industriais realizarem a qualificação dos trabalhadores. Entretanto, como ressalta Soares (2002), as empresas agrícolas, novamente, foram isentas desta obrigatoriedade, dessa forma, beneficiadas. Neste cenário, embasado em um elo de relações sociais, o fazer legislacional não está dissonante de interesses antagônicos entre trabalhadores e os empresários, favorecendo as demandas dos segundos. Em relação à realidade do campo, é necessário considerar uma questão central entre a produção do conhecimento e o desenvolvimento humano: a 77 dissociabilidade entre as escolas do campo (a maioria de nível fundamental) e as políticas públicas agrárias, agrícolas e ambientais, configurando um retrato de descaso com as questões da educação do campo, em âmbitos específico e geral. Ao retratar o cenário social, desencadeado pela política educacional, Leite, S., (1999, p. 105) analisa o papel do Estado e a trajetória do ensino do campo, mostrando que a intersecção com os camponeses e suas demandas ficam à margem do fazer institucional, já que alguns gestores municipais defendem a concepção que privilegia a hierarquia entre a cidade e o campo. Isto pode ser observado pela prática que visa à retração de déficit orçamentário; a do envio das crianças às escolas da cidade, como se este procedimento fosse resolver a questão da educação escolar do campo e fosse a política mais certa. O autor enfatiza que “ [...] o ponto crucial não está no planejamento em si, mas no ponto em que esse planejamento estabelece a intervenção do Estado no processo educativo, na implantação de uma política educacional em função dele próprio e não nos objetivos da sociedade”. A Constituição de 1988 inclui os princípios de responsabilidade do Estado e do direito de todos à educação, conferindo aos três níveis de ensino a mesma garantia. Embora não tenha estabelecido os espaços, subentende-se que seja instituída nos espaços rurais e urbanos como direito público subjetivo, concernentes a todas as modalidades de ensino e a todos os cidadãos. Nesse contexto, embora não inclua o ensino do campo de forma específica, viabilizou condições para as Constituições Estaduais e a LDB implementarem essa educação nos âmbitos do direito à igualdade e do respeito às diferenças, com perspectivas de superar a dicotomia entre tais espaços. No que diz respeito à educação do campo, o Artigo 62 menciona a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), consignando, em função desta especificidade, viabilizar uma rediscussão sobre as políticas educacionais e o ensino do campo. A ênfase, entretanto, para o âmbito técnico é a expressão maior da política educacional brasileira para o campo, desenvolvendo o Estado, a partir dos meados do século XX, uma formação embasada nos aportes fordistas, privilegiando a teoria do capital humano.14Até a década de 1990, as mudanças foram muito tímidas nas Escolas Agrotécnicas Federais, no que diz respeito ao projeto político/pedagógico e, no âmbito de sua forma estrutural, permanece a forma de “Escolas Fazenda”. A Lei 9.394/1996 em curso no país trará impactos, valendo citar que esta não parte do pressuposto básico de considerar como seus fins uma formação integral 13 Conforme Oliveira (1998, p. 8), “ a teoria do capital humano esteve contida na política educacional do país, desde a década de 1940, quando o acordo Brasil-Estados Unidos pelo qual o ensino agrícola estaria integrado ao projeto de desenvolvimento econômico”. 78 entre cultura geral e profissional, apesar de considerar que a formação profissional deve ser adequada à realidade do mercado de trabalho. Contudo, esta não é desvinculada das instâncias do sistema dominante que interligam as políticas sociais. Partindo do pressuposto de que o ethos acadêmico é um substantivo relevante para a produção e ligação entre os saberes e os conhecimentos, não devendo ser desfigurado desde os anos iniciais da escolarização, é necessário mostrar os dados de sua permanência média, de apenas 3 e 4 anos, da população que reside no campo. Estes anos correspondem às categorias acesso e nível de instrução, constituindo um indicador central para mostrar a desigualdade social/educacional entre cidade e campo (REFERÊNCIAS, 2004). Anos de EstudoRegiões Geográficas Urbano Rural Brasil 7,0 3,4 Norte 6,4 3,3 Nordeste 5,8 2,6 Sudeste 7,5 4,1 Sul 7,3 4,6 Centro-Oeste 7,0 4,1 Tabela 1- Número médio de anos de estudos da população de l5 anos ou mais Brasil e Regiões, 2001 Fonte: IBGE – PNAD 2001 apud Referências (2004, p. 13)1415. Os dados apresentados pelo IBGE, em 2001, ( REFERÊNCIAS, 2004, p. 13) apontam que o analfabetismo no Brasil é muito elevado, com uma taxa de 10,3%, aprofundada no espaço rural. Neste, o Censo Demográfico aponta que 29,8% da população, acima de quinze anos, são de analfabetos, sem considerar o índice de analfabetos funcionais, aqueles que com escolarização inferior às quatro séries do ensino fundamental. Este problema não é o único, cita-se o da exclusão de crianças de 7 a l4 anos da escola, com cerca de 2,7 milhões (l996), com percentual mais expressivo nas periferias das cidades e no campo, conforme tabela . 14 “Exclusive população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá” (REFERÊNCIAS, 2004, p. 13). 79 Taxa de Analfabetismo(%) Total Rural Urbana Regiões Geográficas 1991 2000 1991 2000 1991 2000 Brasil 19,7 13,6 40,1 29,8 13.8 10,3 Norte 24,3 16,3 38,2 29,9 15,5 11,2 Nordeste 37,1 26,2 56,4 42,7 25,8 19,5 Sudeste 11,9 8,1 28,8 19,3 9,8 7,0 Sul 11,9 7,7 18,2 12,5 9,7 6,5 Centro-Oeste 16,6 10,8 30,0 19,9 13,6 9,4 Fonte: IBGE – Censo Demográfico 1991 e 2000 apud Referências, 2004, p. 14. Tabela 01 Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais do Brasil em Grandes Regiões 1991-2000 Em relação ao ensino médio, o problema é mais acentuado, pois a sua ausência, quase no total, existindo apenas algumas experiências e as Escolas Agrotécnicas, relegadas estas ao abandono (REFERÊNCIAS, 2004). Nesse sentido, [...] há no plano das relações, uma dominação do urbano sobre o rural que exclui o trabalhador do campo da totalidade definida pela representação urbana da realidade. Na verdade, diz bem Arroyo, que o forte dessa perspectiva é propor a adaptação de um modelo único de educação aos que se encontram fora do lugar, como se não existisse um movimento social, cultural e identitário que afirma o direito à terra, ao trabalho, à dignidade, à cultura, e à educação (SOARES, E., 2002, p. 76). Assim, como assinala Soares (2002), percebe-se que, no texto das Constituições brasileiras, as abordagens referentes ao ensino no campo se expressam descontextualizadas e voltadas aos interesses das elites, seja para atender à ordem social, seja para direcioná-la à formação para o trabalho – este tratado como espaço privado – e aos valores do mercado, ou para atender a ambos simultaneamente. A importância política da educação do campo, tanto em sua especificidade, como em sua qualidade social, só foi discutida quando os movimentos sociais passaram a construir e exigir uma outra educação, interferindo e exigindo políticas públicas para os filhos dos trabalhadores. Decorrentes dessas ações, iniciativas vão ser constituídas na dimensão social, de programas e projetos consistentes,1516culminando com a 15 No contexto das políticas educacionais para o campo, na década de 1990, tem-se a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), uma das conquistas mais expressivas, como resultado das lutas dos Movimentos Sociais no Campo. As reivindicações, que deles decorrem, nascem, oficialmente, sob 80 conquista das Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo, na perspectiva desta ser voltada para os sujeitos da outra margem do campo. 1.3- Fragmentos de movimentos sociais no campo Muitos movimentos sociais no campo, como o Movimento dos Trabalhadores Sem- Terra, rompem com os valores de submissão civil e inserem princípios de uma relação insubstituível entre educação, trabalho e terra. Isto evidencia a importância de uma escolha necessária a uma construção social para a formação integral, esta como uma necessidade imperiosa à compreensão da história local, em interação com a história global, para evitar a perda da memória histórica, por meio de processos de destruição do passado, os quais influenciam o legado histórico do presente (HOBSBAWM, l998, p. 2l-22). No Brasil, desde a chegada dos portugueses, depois com os espanhóis, holandeses, franceses e ingleses, a disputa pela terra foi o eixo principal. O governo monárquico de Portugal organizou a vida social e econômica, com o cuidado de assegurar os seus interesses, orientando para a institucionalização política que viabilizasse tal intencionalidade. Assim, os meios de subsistência e os recursos da natureza foram considerados – privados -, da Coroa portuguesa. O trabalho escravo e a monocultura foram práticas socioeconômicas de produção de impostos no sistema colonial, acompanhado de lutas sociais. A Lei de Terras, de nº 601, de 1850, constituiu uma forma de controle da propriedade privada, favorável ao sistema capitalista. Com o advento da República, os negros permaneceram sem condições de acesso à terra, sendo substituídos, acentuadamente, como mão-de-obra, por trabalhadores europeus. A constituição da população do campo, de o signo do deslocamento, vinculado, não ao Ministério de Educação e Cultura, mas sim ao Ministério Extraordinário de Política Fundiária, hoje, 2005, Ministério de Desenvolvimento Agrário, conduzido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Este Programa é fundamental, mas, ainda, constitui-se à base de aportes fragmentados, posto que, por si só, não dá conta de atender às demandas de ensino à educação do campo. Na atualidade, já viabiliza a elaboração e execução de projetos de formação com qualidade social, como Alfabetização de Adultos e escolarização para o ensino fundamental e médio. Não consignando, ainda, a efetivação, de uma política para além de um programa, de forma estrutural e permanente, de ensino em todos os níveis, apesar de já se ter alcançado o nível superior, com o Curso de Pedagogia, denominado Pedagogia da Terra, o de História entre outros em cooperação com algumas Universidades, como parte importante do Programa PRONERA. Este Programa, no entanto, infelizmente, realiza a educação no campo nas áreas de assentamento, ficando uma parte considerável do campo sem ser atendida com as referências conceituais da pedagogia crítica. Os seus pressupostos contribuíram para a formulação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo, sistematizadas à luz de reivindicações dos camponeses. 81 forma heterôgenea – no final do século XIX -, possibilitou a formação de trabalhadores do campo, envolvidos em movimentos sociais de caráter contra-hegemônico. No campo, o cenário é marcado historicamente por conflitos, por ações de movimentos sociais pela posse da terra, contra a exploração do trabalho e do latifúndio, pelo direito à organização sindical. Como exemplo, cita-se, a partir de 1955, as Ligas Camponesas, movimento pelos direitos sociais à terra e contra a exploração, atuando por cerca de dez anos. O seu trabalho, principalmente, no Nordeste, destaca-se, como afirma Stédile (2002), em forma de organização social, pois envolveu tais questões, exigindo dos governos, soluções para seus problemas imediatos e mediatos, o que remete, ao entendimento de um caráter pedagógico, não só de instrumentalização necessária, como de qualificação para o desenvolvimento de uma consciência política de seus participantes. No final deste século, surgiu o MST, que se caracteriza como um movimento social que defende e exige a reforma agrária. Realiza ações em busca da terra, que culminam com a repressão do Estado do Pará, em sua forma mais extrema, em assassinato de dezenove pessoas, conhecido como o Massacre de Eldorado de Carajás, em l7 de abril de 1996. Os movimentos sociais, na sua maioria, se apresentam como expressão memorável pelo acesso à terra, pelos direitos sociais no campo brasileiro. O MST, em busca da cidadania, realiza diversas ocupações de terra, como uma das preocupações significativas de que, nos espaços dos assentamentos sejam viabilizadas experiências educativas, à base de um currículo que valorize a relação orgânica entre trabalho e educação. Essas experiências educativas detêm relevância social e têm contribuído para a construção de um outro cenário socioeconômico no campo brasileiro, com peculiariedades de outra educação do campo. O MST se faz sujeito mediante as suas experiências para a conquista de direitos sociais; entre estes, outras políticas públicas, organicamente ligadas. Nesse sentido, “[...] muitos princípios da educação [...] do Movimento são frutos de suas experiências, onde se enfatizam os vínculos da escola com os processos organizativos, econômicos, políticos, culturais vivenciados no conjunto do MST [...]” (CALDART, 2000, p.174). Um marco, foi a I Conferência por uma Educação Básica do Campo, em 1998, quando foram apresentadas proposições pedagógicas coerentes com os interesses sociais da maioria dos trabalhadores. Nos movimentos sociais, há diversas participações de homens, mulheres, velhos e jovens; todas elas são importantes, mas, optou-se, por registrar, um fragmento da participação feminina, em relação ao significado pedagógico que as suas práticas revelam à História da Educação brasileira. Ressalte-se a participação de Elizabeth Teixeira, que não só alfabetizou 82 seu companheiro, João Pedro Teixeira, como também lia e redigia cartas para os sindicalistas; cruzou as fronteiras das cercas do latifúndio, das instituições governamentais, em busca da afirmação dos direitos sociais dos camponeses. Por sua vez, a experiência de Margarida Alves deixou um legado de educadora, não só por ser uma mártir, em defesa da posse da terra e do direito à organização sindical, mas também por ter contribuído para a não extinção dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, como o de Alagoa Grande, na Paraíba; também, pelo exemplo, sem medo, de não fugir à luta. Outra experiência social, mais recente, é a de Deolinda Alves de Souza, membro do MST, que vivenciou e vivencia as ocupações, pelo acesso à terra, pela Reforma Agrária; é um retrato vivo no movimento social do campo, nesta atualidade de reformas neoliberais (NOVAES, 2002). O ponto em comum da prática dessas mulheres nos movimentos sociais, com a educação, é a luta pela terra e pelos direitos sociais. l.4 A Educação do campo na LDB de 1996: pontuando as adequações Considerando a legislação como uma das fontes documentais para compreender as políticas educacionais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nº 9394/96, apesar de suas contradições sociais, é um instrumento fundamental para analisar o último período decenal do século XX, momento de disputa entre empresários e setores organizados da sociedade civil pelo campo educacional. Esta Lei retrata, até certo ponto, uma compreensão da riqueza da diversidade cultural do campo, mediada pelos Artigos 207, 208 e 2l0 da Constituição de 1988, quando estabelece em seu Artigo 28: Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiariedades da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III – adequação à natureza do trabalho na zona rural. Ao substituir o processo de adaptação pelo de adequação para a educação nas escolas do campo, o texto da LDB considera as peculiariedades da vida nesse espaço, em relação ao 83 trâmite e tratamento escolar, identificando e respeitando a sua diversidade cultural, social e geográfica. Este ponto de inferência de normatização pela Lei traz, indiretamente, o objeto biográfico dos movimentos sociais do campo, inserido e defendido pelo legislador, que inaugura uma forma de inclusão de reivindicações históricas, em um documento oficial. Como mostra Soares (DIRETRIZES, 2003, p. 30), “o legislador inova”, à proporção que considera algumas referências para uma educação popular, sem as feições de enquadramento, parecendo, assim, se transpor aos atores sociais. Apesar de reconhecer as diversidades do campo, as fundamentações contidas no documento, como assinala Soares (2002), não rompem com a racionalidade tecnocrática e mercantilista de um projeto de educação para o país, resultante da cultura política brasileira autoritária, acenando para a continuidade de uma política a ser desenvolvida em bases clientelistas, portanto, escassa de debates. Assim, não assegura uma outra política educacional. No texto oficial, por um lado, é reconhecida a heterogeneidade cultural do campo e a importância do respeito às diferenças, rompendo com a homogeneidade. Por outro, mantém o vínculo, de certa forma, hierárquico com o projeto geral de educação, pressupondo a necessidade de controle sobre a organização dos sistemas de ensino, por meio da coordenação centralizada em todas as dimensões educacionais pelo governo federal, sob o discurso de descentralização. O texto da LDB, em decorrência do princípio de adequação, contém um aceno dirigido à abertura para a elaboração das Diretrizes. A sua elaboração e aprovação no CNE, ocorreram porque houve as ações dos movimentos sociais e de trabalhadores em educação, como correlação de forças para viabilizar realizações de seminários, como instâncias para debates democráticos, fazendo proposições que foram incorporadas às Diretrizes. Embora a LDB tenha reconhecido a diversidade regional e local, quanto a conteúdos e metodologias concernentes às demandas dos povos do campo, a lei por si só não garante a efetivação das condições necessárias preconizadas e condicionantes para o exercício prático de tais proposições. É notória a importância desses incisos e de sua valorização, de maneira geral e específica, para o desenvolvimento do processo educativo ser, na prática, à base das especificidades do campo, como mostra Soares, E., (2002). Evidencia-se, assim, a necessidade de realizar tal processo, procurando ultrapassar a herança da política micro/macroreducacional, sob a lógica de celebração do mercado, pelos últimos governos. A trajetória da descentralização aponta que esta foi decorrente de “[...] uma determinação legal imposta à escola”, o que “[...] dificulta o engajamento dos atores educacionais e esvazia o debate político em torno da necessidade de conceber um projeto 84 político/pedagógico articulado com as mudanças ocorridas na sociedade” (CABRAL NETO, 2004, p.27). O redimensionamento das políticas educacionais é uma perspectiva urgente dos movimentos sociais para assinalar mudanças no quadro geral do sistema educacional e na qualidade do ensino da escola pública, isto tão presente no discurso governamental, mas não viabilizada na prática. Pelo contrário, mantêm-se as condições precárias para a escola pública, como as destacadas pelos dados estatísticos do ensino fundamental, pois “[...] revelam que 59% das crianças de 4ª série ainda não estão alfabetizadas” ( CABRAL NETO, 2004, p. 23)1617, percentual significativo – representando uma parte - deste quadro. A base para a territorialização das demandas educativas da sociedade é a dos movimentos sociais. Logo, evocar tais demandas implica defender uma concepção que tenha aportes inclusivos, que não assente exclusividade ao geral, nem reduza o específico à forma complementar do ensino escolar (SOARES, E., 2002). O texto oficial da LDB para a educação, em seu Art. 26, preconiza que [...] os currículos de ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser implementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar; por uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar; por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. Entendendo o específico e sua inserção como meios de conteúdo e finalidades, de forma horizontal de prioridades, é necessário que faça parte da política para a educação, não sendo dissociada de uma formação de cultura geral e profissional. O problema está em discutir as formas de valorização que não se dão em si mesmas, mas sim situadas no contexto político. Assim, saber que projeto se defende para a sociedade, na perspectiva de uma formação integral, é uma necessidade social. Este projeto precisa enfrentar os desafios para a reversão das tendências delineadas que congregam os interesses econômicos para a educação, em detrimento da qualidade social. Não basta introduzir, nas escolas do campo, os conteúdos regionais e locais e empreender narrativas na cultura. É necessário autoconfigurá-las no contexto político/pedagógico, com postura crítica do professor, o que implica desenvolver uma política de continuidade de formação e de carreira, para que o professor se atualize e esteja atento ao 1617 Dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (2002), citado por Cabral Netto (2004). 85 contexto histórico-social. Nesse sentido, considerar o que o sistema cria, transforma e mantém, as finalidades, conteúdos, princípios, diversidade e especificidade do campo têm relevância social para que se faça ultrapassar os dispositivos da Lei, de forma democrática e inclusiva para todos os atores, como assinala Soares, E., (2003, p. 3l): “[...] ao combinar o artigo 26 e 28, não se pode concluir apenas por ajustamento. Assim, parece recomendável, por causa da própria Lei, que a exigência mencionada no dispositivo pode ir além da reivindicação de acesso, inclusão e pertencimento”. A relevância social de saber qual é e o porquê do projeto de educação – o que está por trás da Lei -, é necessário, como um pressuposto norteador, para se ter o entendimento do movimento/funcionamento da política educacional, do que ela cria e transforma, além de se considerar as diferenças sociais que entram em jogo, considerando que a forma do trabalho educativo preenche funções sociais. Então, como mostra Soares, E., (2003), a política educacional é concebida em um espaço político de movimento, de articulações, no qual cabe reivindicar decisões que conduzam à pertinência democrática do que se pretende e muito além do que é preconizado inicialmente, sempre de acordo com as demandas sociais. Assim, pode- se incluir e afirmar tais demandas para as políticas públicas, rejeitando tendências que se propõem absolutas e conduzem à adaptação. Reconhecer as demandas sociais significa respeitar os seus sujeitos, com direitos iguais, em uma sociedade desigual, que os concebe iguais, mas que os trata e reduz a desiguais no exercício prático das leis e das relações sociais e econômicas, não considerando que todos os indivíduos são construtores da História, não estranhos, muito menos seus expectadores. Então, ao prever a organização escolar própria, com base em um calendário escolar que corresponda às diferentes fases das culturas agrícolas e à dimensão da natureza do trabalho do campo, a legislação em foco abrange um contexto especial das necessidades sociais dos educandos do campo quanto ao acesso à educação escolar, o que não pressupõe reforçar a dicotomia entre a cidade e o campo, apenas, considerar as suas necessidades específicas. Essa linha de conceber a adequação constitui um aspecto democrático de concessão a um acesso diferenciado, procurando atender às exigências da organização do trabalho agrícola, em suas esferas social e econômica. Essas exigências sociais são objeto de reivindicação dos movimentos sociais na participação paralela, mas qualificada, criada na dinâmica dos atos políticos, face à omissão do poder público. Tais demandas não são originárias ou percebidas no interior das instituições normativas educacionais, como os Conselhos de Educação e o Ministério da Educação, mas, apesar deste perfil das esferas do 86 governo, as demandas são inseridas e contribuem para que o legislador possa considerar finalidades, metodologia e conteúdos diversificados. 1. 5 Pontuando a educação do campo no Plano Nacional de Educação O ideário do urbano como modelo de vida, de educação e como um projeto único a ser seguido, fez-se presente na trajetória histórica da legislação, seja nas Constituições, seja nas Leis de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional. Como assinalam Arroyo (200l); Mançano Fernandez (2002) e Soares (2002), o campo foi concebido e tratado como espaço de atraso, como um espaço de ninguém, vazio, o qual deve ser ocupado, preenchido e civilizado, com algumas letras da cultura geral, pois, para os “fora do lugar”, bastam estes fragmentos para que “possam desenvolver suas funções e serem integrados na sociedade”. O Projeto das elites para afirmar o campo, os seus projetos, têm um sentido exclusivo de adaptação, envolvendo todas as políticas públicas. Nesta perspectiva, esta argumentação de adaptação total ou parcial abrange a política educacional, a escola, a sociedade, estendendo-se e prevalecendo nas propostas e debates pedagógicos, isto já registrado no 8º Congresso Brasileiro de Educação, em 1942. Como assinala Souza, N. (2004, p. 185), “[...] a instrução deve se limitar aos conhecimentos que tenham aplicação prática na vida sertaneja”. Prover um ensino de caráter adaptativo, implica priorizar o significado de controle maior pelos planejadores do Estado, para poderem realizar os ajustes políticos e econômicos, também por meio da escola. Essa referência constitui a base para as propostas de adaptação ao ensino no campo, sendo mantida na trajetória das políticas até recentemente. Assinalando, desse modo, o prevalecer de ações sociais verticalizadas, conduzidas por técnicos que compreendem a identidade do campo como inferior, enquanto condutoras do projeto de seus sujeitos para o tempo pretérito. Esta não é tomada como um projeto dinâmico que tem referências culturais e identitárias movidas pela lógica de um tempo social diferente, lógica que combina e reproduz suas identificações com caráter próprio e transgeracional, mantendo técnicas e saberes entrelaçados entre a vida humana e a da natureza física. Uma identidade diferente da imposta pelo colonizador de ontem e pelo de hoje, que tem diversidade, com características de permanência e de transformação, pela própria dinamicidade do processo histórico, embora o 87 capitalismo tenha trazido modificações nos hábitos, como no vestuário, nos gestos e na linguagem, o desejo de acesso às tecnologias que trazem melhorias na qualidade de vida e no consumo. Esta identidade, na leitura que se faz, é movida, também, pela lógica produtiva, que não se direciona, prioritariamente, para o mercado, mas sim visando à reprodução da unidade familiar; na maioria das experiências, pelas tecnologias – não obsoletas -, embasadas na diversidade, na ênfase do uso da força humana em inter-relação com a biodiversidade. Esse pensamento dos planejadores – que tenta uniformizar – está presente no Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado no segundo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, de 1998-2002. Também é expressão de continuidade de políticas elaboradas já no Plano Decenal de Educação para Todos, a partir do governo do presidente Itamar Franco, 1992-94, refletindo os interesses das políticas internacionais. Também dá continuidade às referências do modelo citadino, com ênfase na estruturação do ensino em séries, apesar de prever a flexibilização da organização escolar, no âmbito de seus objetivos e metas. Essa preferência é notória, quando estabelece tal organização escolar – seriada – como ponto essencial em sua diretriz, em seus objetivos e metas, prevendo “associar as classes isoladas unidocentes remanescentes a escolas de, pelo menos, quatro séries completas”. O “Plano Decenal de Educação para Todos”, apresentado em 1992, para o período de 1993-2002, no Brasil, foi decorrente dessa lógica, conduzido pelo próprio MEC, com três eixos temáticos de metas, como a gestão e administração do sistema educacional, com ênfase na eficiência, produtividade, sistematização do processo; a universalização da educação básica, com a eqüidade, universalização, novas articulações institucionais; a formação da cidadania para o desenvolvimento, envolvendo o movimento para se deter as competências cognitivas e sociais, visando à participação na vida socioeconômica brasileira, novos padrões de conteúdos mínimos nacionais (MELO, 1998). O Ministro da Educação, Murílio de Avellar Hingel, assumiu o cargo em setembro de 1992, no governo do presidente Itamar Franco, participando, na China, em 2003, como assinala Peroni (2003), da Conferência de Educação para Todos, constatando que o Brasil não havia cumprido as metas estabelecidas no acordo de Jomtien, em 1990. A opinião do Ministro, em seguir tais orientações políticas/pedagógicas já acena sobre a concepção que norteia o planejamento, e para quem é a prioridade e a secundaridade da política do governo, para qual esta se abrirá e se manterá fechada (OFFE, 1984). Visualizando cumprir o acordo, o Ministro parte para a ação: 88 [...] o Brasil ainda não tinha tomado iniciativas consistentes para cumprir o compromisso da Declaração Mundial de Educação para Todos. [...] após ter convivido com esta experiência de indiferença de nosso país em torno de um compromisso assumido internacionalmente, tomei a decisão de elaborar o Plano Decenal de Educação para Todos, determinando que sua metodologia se orientasse por uma ampla participação e mobilização da sociedade (HINGEL apud PERONI, 2003, p. 94).18 O Plano Decenal, dessa forma, confere a meta de delinear perspectivas econômicas, em nome das sociais, à base de enfrentamento dos problemas e elaboração de estratégias para realizar a “[...] universalização da educação fundamental e a erradicação do analfabetismo, indicando as medidas como os instrumentos para a sua implementação” (SAVIANI, 1998, p. 77). Assim, portanto, por meio de realizações de eventos, promovidos pelo MEC, como “A Semana Nacional de Educação para Todos”, em 1993, e a “Conferência de Educação Nacional de Educação para Todos”, em 1994, ambos constituem um processo para reforçar os aportes teóricos/metodológicos para o Plano Decenal, culminando com a elaboração do Acordo Decenal de Educação para Todos. Tais eventos empreenderam a descentralização da política educacional, com o objetivo de transferir as respondabilidades para os âmbitos dos poderes estaduais e municipais. Este Acordo é um instrumento de referência para a afirmação das políticas educacionais neoliberais, uma vez que seus programas têm um caráter emergencial, enfatizando uma contenção no financiamento da educação (MELO, 2004, p. 214). O Plano corresponde, na concepção e elaboração, como medida de urgência para atender às exigências de organismos financeiros, visando à obtenção de financiamento internacional, notadamente, pelo Banco Mundial. Este, entretanto, insere a proposta dessas reformas para a educação no Brasil, tornando as suas referências as orientações norteadoras, visíveis estas quando restringem a política educacional à educação fundamental oficial, apenas, para crianças dos 7 aos 14 anos. Na prática, as ações do governo voltaram-se para a redução do financiamento, configurando um quadro de descaso com a formação escolar de qualidade. É necessário buscar as condições para a realização da educação do campo, como uma das referências abertas no Plano Nacional de Educação, para que esta seja assegurada pela via do financiamento estatal e para que haja outras modalidades de organização de ensino que viabilizem possibilidades e compromissos de educadores, e também para que se faça cumprir 17 Discurso proferido pelo Ministro da Educação e do Desporto, Murilo de Avelar Hingel, na abertura da 89 os indicativos presentes em seu interior. O cumprimento pelo poder público, principalmente dos que acenam para a diversidade regional e atendem aos interesses das populações, estendendo-se para os Planos Estaduais e Municipais, assim como em outros projetos, como o político/pedagógico, com caráter democrático e concernentes à educação no espaço público. O item 15 dos objetivos e metas, desse Plano, contempla que o poder público garantirá, em regime de colaboração, entre os níveis da União, dos Estados e Municípios que estes venham “[...] prover de transporte escolar nas zonas rurais, quando necessário, de forma a garantir a escolarização dos alunos e o acesso à escola por parte do professor”. Esta meta deveria ser cumprida integralmente, mas se mostra insuficiente por deixar em aberto a exigência normativa para que os poderes públicos assumam tal responsabilidade, uma vez que o financiamento da educação fundamental se restringe ao custo/aluno de R$ 300,00, em 1997, quando a necessidade social de cada aluno é muito maior. A proposta do Plano Nacional de Educação, elaborado pelas organizações da sociedade civil, aponta para este nível de ensino um “parâmetro [de] um custo aluno/ano a US$ l.000,00, que é a quantia gasta pelos municípios que oferecem um ensino de melhor qualidade” (Universidade e Sociedade, 1998, p. 138). Este parâmetro é baseado nas necessidades de 1997, tomando-o como base para 2006, remetendo ao entendimento de que esse custo é mais elevado que o projetado pelo poder público, – que deveria ser -, segundo o MEC, de R$ 1,133,08. O custo aluno/ano assegurado pelo FUNDEF evidencia este distanciamento. Conferência Nacional de Educação para Todos, em 29 de agosto de 1994, apud PERONI, 2003, p. 94. 90 ANO R$ 1ª a 4ª série R$ 5ª a 8ª série 1997 (Pará) 300,00 300,00 1998 315,00 315,00 1999 315,00 315,00 2000 333,00 349,65 2001 363,00 381,15 2002 418,00 348,90 2003 446,00 468,30 2004 564,63 592,86 2005 620,56 (Esc de Zona Urbana) 632,97 (Esc. de Zona Rural 664,00 (Aluno Ed Especial) 651,59 (Esc de Zona Urbana) 664,00 (Esc. de Zona Rural) ------ 2006 682,60 (Esc de Zona Urbana) 696,25 (Esc de Zona Rural 696,25 (Aluno Ed Especial) 716,38 (Esc. de Zona Urbana) 730,38 (Esc de Zona Rural) 730,38 (Aluno Ed Especial) Quadro 4 – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF/Custo Aluno em Valores Mínimos- Decretos do Governo Federal Fonte : www.mec.gov.br/sef/fundef.1819 O documento das Referências (2004, p. 30) registra as condições precárias para a efetivação desse direito social, assegurado na própria legislação que, [...] no caso do ensino fundamental de 1ª a 4ª série, das 1.146.451 crianças atendidas, somente a metade é transportada para as escolas na zona rural. Este percentual aumenta no caso das séries finais do ensino fundamental. Dos 1.814.715 alunos residentes na zona rural e que são atendidos pelo transporte escolar público, 69% têm como destino uma escola urbana, sugerindo a carência de escolas rurais que oferecem esse tipo de ensino. O mais grave desse processo é que, como mostram estudos da área, os alunos da zona rural, ao continuarem seus estudos numa escola urbana, passam por uma dura vivência de preconceito, que muitas vezes os leva ao abandono escolar. Além de os recursos financeiros terem sido insuficientes, a disponibilidade para sua aplicação não foi, em geral, efetivada nas escolas da cidade, muito menos nas do campo. O comprometimento com a aplicação prevista é de caráter duvidoso com a qualidade da 18Primeiro reajuste: 6,7 %. O segundo, no mesmo ano, 2004. 2006 1 – A arrecadação vinculada ao FUNDEF, em média, cresceu 13% (STN – utilizado pelo MEC), apenas dois Estados receberão complementação da União (Pará e Maranhão) e a complementação encolherá de 465 milhões (2005 – 4 Estados) para 360 milhões em 2006. 2 – O custo-aluno deveria ser de R$ 1.133,08, o que equivaleria a beneficiar doze Estados (Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) e a complementação da União seria de 5 bilhões. 91 educação ofertada pelos municípios, aprofundando-se este quadro, com a descentralização imposta pela política educacional do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. O projeto da sociedade brasileira foi embasado em aportes políticos e econômicos que privilegiaram a concentração de renda, principalmente, em meados do século XX, encaminhando para um aprofundamento entre as classes trabalhadoras e proprietárias. Entre 1964 e 1985, os governos militares exerceram uma política austera para reimplementar o crescimento econômico; a partir de 1985 até o período atual 2006, o cenário das políticas é constituído por governos que acenam às propostas neoliberais, enfatizando o mercado como referência para a organização social, política e econômica do país. Esta abertura para a configuração das políticas, mediadas pelo mercado, é caracterizada pela “[...] cisão entre o social e a sociedade, essa subordinação da vida social à econômica cresce no discurso. Hoje está mais forte, até do que no regime militar [...]. A privatização das empresas estatais [...] para o resgate da dívida social” (RIBEIRO, J. 2000, p. 24). O período pós-privatizações continuou com a característica de retração às políticas sociais, implicando, como mostra o autor, em aumento dos déficits sociais, e que o problema antecede a este recurso, uma vez que os meios de comunicação foram os mediadores do discurso dominante para a privatização da – sociedade -. Como afirma Ribeiro, J. (2000, p.19), a voz dos atores dos poderes econômico e político, do governo e da imprensa conduz ao entendimento de que “a ‘sociedade’ veio designar o conjunto dos que detêm o poder econômico, ao passo que o ‘social’ remete [...] a uma política para minorar a miséria. A – sociedade – é ativa: ela manda [...] sabe o que quer”. Dessa forma, o social, na concepção da classe dominante, – é uma dimensão secundária -, por isso, conduzido por políticas focalizadas “[...] na esfera do paliativo [...]” (RIBEIRO, J., 2000, p. 20). Destaca-se, nesta reflexão, o tratamento diferenciado conferido às áreas do social, como se fossem apêndices da sociedade, com isto aprofundando as desigualdades sociais. O movimento dos gestores governamentais – dos presidentes José Sarney, Fernando Collor de Melo, Fernando Henrique Cardoso, acrescente-se, do presidente Luís Inácio Lula da Silva -, no modo de construir/ajustar as políticas públicas da dimensão social, como se estas fossem um mero instrumento quantitativo, é assinalado por Germano (2002, p. 42), como “[...] sendo objetos de constantes cortes orçamentários”, além de ser esta dimensão “acusada de corporativismo e corrupção [...]”. 92 1.6 Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo: marcando avanços democráticos na política educacional ? Foto 2- II Seminário Estadual: Educação e Diversidade no Campo, no Pará. Palestra do Secretário da SECAD/MEC. Fonte: Neila Reis. Pesquisa de campo, Ananindeua/PA, junho de 2005. 93 – - Algumas considerações introdutórias A educação básica nas escolas do campo é compreendida como parte constitutiva da educação nacional, defendendo-se que seja vinculada, não isolada, nem exclusiva, de modo a incluir as diversidades culturais, étnicas, os saberes locais, nas formas teórica e prática, necessitando ser compreendida no reflexo da organização de sua vida social e na inter-relação com a cidade. A luta por outra educação do campo contribuiu para a construção do referencial das Diretrizes. Estas, não estão dissociadas da questão do desenvolvimento sustentável, concebendo-o como um processo de preservação dos meios de subsistência interligados com a preservação da biodiversidade, em que as tecnologias de produção não são aportes acima dos recursos biológicos, mas sim, elementos interdependentes para dar continuidade à manutenção da vida. Este processo se dá com tecnologias em bases ecológicas, considerando a ciência, a tecnologia e a educação, construídas sob uma pluralidade associada às culturas e às civilizações (SHIVA, 2003, p. 162). Estas Diretrizes são voltadas para as especificidades e a totalidade do campo, sem deixar de lado a importância da cidade, encontrando-se em consonância com os interesses camponeses e com o papel da educação, além do estabelecido anteriormente pelo e ao sistema educacional, conferindo a importância do seu significado para a efetivação da formação dos jovens do campo. Todavia, as políticas que consideram o campo como um espaço de atraso embasam-se em referências que separam e não o percebem em suas inter-relações dinâmicas com a cidade. Assim, estas desqualificam sua capacidade para a produção do conhecimento, evitando e até mesmo negando que a escola do campo seja instrumento de formação para além da cidadania burguesa, para a identidade, para o trabalho e para a cultura. Um exemplo é o atual Plano Nacional de Educação, aprovado em 09 de janeiro de 2001, proposto pelo MEC, que não oferece proposições específicas com qualidade social destinada a uma educação integral para os filhos dos trabalhadores do campo, apesar de contemplar problemáticas gerais. Outro exemplo, são os Parâmetros Curriculares Nacionais que não incluem a escola do campo como construtora do conhecimento; pelo contrário, os seus aportes pedagógicos são embasados em um currículo voltado para a cidade. Embora apresentando o campo como incluso, valorizam, apenas no discurso, a sua diversidade cultural. 94 O dimensionamento entre a educação do campo, o trabalho e o desenvolvimento sustentável, entre a cidade e o campo, é defendido por uma outra concepção de desenvolvimento e de educação, a qual entende a importância da História para a compreensão da sociedade e concebe a interdependência entre as diversas dimensões da realidade: econômica, política, social, ecológica e cultural. Esta concepção não defende uma pseudo- inclusão, mas sim, uma interação entre os trabalhadores do campo e os da cidade, considerando que existem interesses diferentes e opostos entre esses e os latifundiários, detentores de outro projeto para o campo. Esses trabalhadores reivindicam inclusão social, compreendendo que esta se dá “[...] como situação social de pertencimento e de identidade comum” (MARTINS, 2002, p.17). Desse modo, uma inclusão que garanta a condição de políticas educacionais no espaço público, com caráter universal, contribuindo para a reprodução digna da vida humana e a de seus meios de existência em conexão com a natureza. Neste processo reivindicatório/propositivo por outra política educacional, tais atores sociais vão além da luta pela educação básica, expressando a demanda que ultrapassa a esfera deste grau de ensino – um limite das Diretrizes Operacionais. A demanda concerne da educação infantil ao ensino superior e da relação interativa da escola, nas dimensões orgânicas da realidade, expressando a importância de se considerar que os projetos não são neutros. Assim, é pertinente a vigilância sobre qual a educação e qual o inter-relacionamento entre campo e cidade que o poder público está defendendo e realizando. A continuidade e a valorização dos saberes locais são categorias socialmente relevantes para resguardar seu potencial, e a escola é o espaço para prover uma outra educação, com qualidade social, considerando a importância da formação integral para a constituição da concepção de mundo do jovem e deste poder fazer a ultrapassagem de indivíduo em si para o indivíduo para si, como assinala Duarte (2003), embasando-se em Vigotsky e Marx: Nessa concepção vigotskiana do desenvolvimento da personalidade por meio do conhecimento mais profundo da realidade objetiva (incluídas nesta as ações realizadas pelos seres humanos e pelo próprio indivíduo em desenvolvimento) evidencia-se a importância da educação escolar, da transmissão do saber objetivo pelo trabalho educativo na escola. Ao conseguir que o indivíduo se aproprie desse saber, convertendo-o em ‘órgão de sua individualidade’, o trabalho educativo possibilitará ao indivíduo ir além dos conceitos cotidianos, superá-los, os quais serão incorporados pelos conceitos científicos. Dessa forma, o indivíduo poderá conhecer de forma mais concreta, pela mediação das abstrações, a realidade da qual ele é parte (DUARTE, 2003, p. 82). 95 Um trabalho educativo, que se propõe ser instrumento para o indivíduo conhecer a realidade, necessita incluir os saberes locais, para não se esvaírem pelo esquecimento – imposto – através de mecanismos sociais e ideológicos neoliberais que priorizam o presenteísmo fora do contexto histórico (HOBSBAWM, l998, p. 22). De acordo com Germano (2001, p. 230): “[...] o neoliberalismo, [...] pode ser definido como um ‘sistema de receitas práticas para a gestão pública’, cujas palavras chaves são, agilidade, eficiência, eficácia, produtividade, nada, portanto, que diga respeito aos ideais de eqüidade e justiça”. Contrapor-se a este movimento, que infere a lógica econômica, é uma proposição urgente e necessária, socialmente, para que se tenha outra política pública em que a escola possa fazer a transmissão e a construção do conhecimento. Na atual conjuntura brasileira – dos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva -, apesar de todo o discurso oficial e propaganda veiculada em torno do slogan “Educação para Todos”, nota-se que, em geral, o incentivo da política educacional é voltado, essencialmente, para o setor produtivo, conferindo uma política focalizada em alguns níveis, como os recursos destinados ao ensino fundamental. As ações, por meio de programas, em sua maioria, são restritas, não atendem às demandas da sociedade – necessidades específicas, quantitativa e qualitativamente, entre campo e cidade -; assim, estas ações são tímidas para afirmar um conhecimento escolar contextualizado entre cultura geral e profissional. Os dados sobre o atual cenário das escolas do campo no Brasil, a partir de uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), nas áreas de assentamentos, podem ser lidos como indicativos de uma condição desfavorável à formação integral, inadequada para o jovem ter uma compreensão contextualizada da realidade, bem como para atender às necessidades dos povos da cidade, do campo e da floresta, sob bases para ligar os conhecimentos dos pais, avós e os da ciência. Conforme demonstrativo abaixo: 96 REGIÃODISCRIMINAÇÃO GERAL NORTE NORDESTE CENTROOESTE SUL SULDESTE Totalmente ajustado 4,2 4,0 3,8 3,4 7,4 6,5 Parcialmente ajustado 10,2 11,4 10,0 9,1 7,1 13,1 Não ajustado 85,6 84,6 86,3 87,5 85,5 80,4 Quadro 5 – Calendário Escolar Ajustado ao Período das Safras (%) – Brasil e Grandes Regiões – 2004 Fonte: MEC/INEP e MDA/INCRA/PRONERA – PNERA apud Referências 2004. Os dados quantitativos possibilitam uma amostragem panorâmica do que acontece em termos qualitativos acerca da política educacional para as escolas do campo. As estatísticas sobre o calendário escolar, aparentemente, compartimentado dos outros fatores que constituem o currículo escolar, no entendimento que se faz, representam um elemento norteador para se exigir outra política educacional. O percentual de 85 % corresponde um dado, praticamente, hegemônico, sobre a adaptação do sistema de ensino das escolas brasileiras, tendo em vista que, sobre a categoria calendário não se considera as especificidades concernentes às necessidades socioeconômicas das famílias trabalhadoras, as quais têm nos adolescentes uma força de trabalho significativa, dependendo estas unidades produtivas desta força de trabalho – marginal -. É uma adaptação hegemônica, uma vez que não se faz, pelo menos, os ajustes dos calendários escolares com os períodos especiais do processo de trabalho na agricultura, por regiões e localidades, conforme já indica a leitura sobre o que está por trás dos números do quadro sétimo. REGIÃO DISCRIMINAÇÃO GERAL NORTE NORDESTE CENTRO OESTE SUL SUDESTE Escola turmas multisseriadas 70,5 84,9 68,2 60,5 45,6 57,2 Com 1 turma 52,0 59,7 46,6 52,9 41,9 50,5 Com 2 turmas 36,3 30,1 42,0 28,4 38,9 42,5 Com 3 ou + turmas 11,4 9,9 11,0 18,0 19,2 6,5 Quadro 6 – Existência de Turmas Multisseriadas no Ensino Fundamental (%) Brasil e Grandes Regiões – 2004 Fonte: MEC / INEP e MDA / INCRA / PRONERA – PNERA 97 Para a reversão de tal política, o Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (ENERA), realizado em 1997, é uma referência para a História da Educação brasileira, visto que foi a instância para os debates sobre a política educacional em curso, sob orientação de pressupostos democráticos. As referências para este debate em torno da escola do campo constituem um conjunto de elementos embasados nas demandas trazidas pelos Movimentos Sociais. Estas, em sua maioria, se vinculam às experiências educativas escolares, como as do MST, a partir de 1984. Conseqüentemente, a discussão referente à identidade do campo e à sua afirmação, como parte constitutiva da realidade brasileira, sem referências verticais entre cidade e campo, foi abraçada pelas universidades públicas. Um posicionamento destas, no sentido não só de compreensão, como também de vinculação, para atender às demandas dos trabalhadores do campo, em função da nova configuração deste, por meio da luta política dos movimentos sociais. Estes movimentos mostram a importância de se compreender a inter-relação entre as diversas políticas públicas e do Estado em relação a estas. As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo foram aprovadas pela resolução nº l, de 3 de abril de 2002, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação CEB/CNE, sendo um marco referencial das políticas públicas, enquanto instrumento norteador para a constituição, a implementação, a operacionalização e a avaliação de programas e projetos educativos para o campo. A aprovação destas Diretrizes representa, como assinala Fernandez (2002), um ponto relevante que demarca uma conquista, decorrente da luta histórica dos movimentos sociais, que, paradoxalmente, exige, por meio do movimento histórico, um ponto de continuidade. Esta se dá, mediante novo ponto de partida, com a participação dos trabalhadores, em torno da organização social. Esta organização pressupõe a necessidade de se estar atento às diversas políticas públicas e às condicionalidades estruturadas para tais políticas, inserindo-se, nesse contexto, as formas de seu desenvolvimento, para o campo, a política agrária, a agrícola, a ambiental e a tecnológica, com desdobramentos para os educandos. O sentido de inter-relação horizontal entre campo e cidade constitui a base principal de reivindicação dos setores organizados para garantir as políticas públicas, em instâncias coletivas democráticas. Como expressa Fernandez (2002, p. 91): 98 a aprovação das Diretrizes [...] é um novo passo de uma caminhada de quem acredita que o campo e a cidade se complementam e, por isso mesmo, precisam ser compreendidos como espaços geográficos singulares e plurais, autônomos e interativos com suas identidades culturais e modos de organização diferentes, que não podem ser pensados como relação de dependência eterna ou pela visão urbanóide e totalitária que prevê a intensificação da urbanização como o modelo de país moderno. [...] um país moderno, é aquele que tem um campo de vida, onde os povos do campo constroem sua existência. Neste sentido, a concepção teórica que norteia as Diretrizes para a Educação nas Escolas do campo contrapõe-se às outras concepções que privilegiam a cidade como locus exclusivo, ou mesmo aquelas que consideram o rural como um apêndice do urbano mediante o seu acelerado crescimento. Nesta concepção, o urbano apresenta-se delimitando e sobrepondo-se ao rural, como se a realidade social fosse instaurada a partir de uma relação linear, e não histórica. Ao contrário desta concepção, o campo e a cidade constituem-se e expressam-se enquanto espaços de organização social e econômica em movimento, inter- relacionados, em formação identitária e de diversidade cultural. Por sua vez, a concepção presente no texto do parecer das Diretrizes tem uma singularidade democrática e respeito à identidade cultural, cujo território está incluso na legislação educacional, contemplando os povos do campo e os seus direitos; este como espaço heterogêneo, no qual cabem os quilombolas, pescadores, camponeses, indígenas e extrativistas. A força do parecer das Diretrizes é significativa, pois este apresenta, como princípio, a defesa de políticas sociais universalistas, rejeitando as de caráter compensatório. Assim, estas remetem à participação qualificada dos professores, alunos, pais, movimentos sociais e setores organizacionais, visando à vinculação da escola às demandas do campo, pois, [...] há no plano das relações uma dominação do urbano sobre o rural que exclui o trabalhador do campo da totalidade definida pela representação urbana da realidade. Com esse entendimento, é possível concluir pelo esvaziamento como espaço de referência no processo de constituição de identidades, desfocando-se a hipótese de um projeto de desenvolvimento, apoiado, entre outros, na perspectiva de uma educação escolar para o campo. No máximo, seria necessário decidir por iniciativas advindas de políticas compensatórias se destinadas a setores cujas referências culturais e políticas são concebidas como atrasadas. [...] O problema posto, quando se projeta tal entendimento para a política da educação escolar, é o de afastar a escola para a temática do rural: a retomada de seu passado e a compreensão do presente, tendo em vista o exercício do direito de ter direito, a definir o futuro, no qual os brasileiros de 30 milhões, no contexto de vários rurais, pretendem ser incluídos (SOARES, 2002, p. 76). 99 Retomando a discussão sobre como a educação do campo deve ser tratada, portanto, em inter-relacionamento dinâmico e complementar com a cidade, não como algo estranho e, muito menos, como algo atrasado, o Movimento de Articulação Nacional por uma Educação do Campo evidencia a importância de que a política educacional seja voltada para a sua dimensão. Para isto, a escola é uma referência para a apreensão do conhecimento, para o exercício da reflexão contínua dos educadores sobre a educação e as suas responsabilidades no conjunto da sociedade, em torno de fazer diferente, como o de se estar atento aos próprios sistemas de ensino, enquanto parte desta sociedade e do sistema dominante, em cuja reflexão os contextos social e político estejam presentes, visando evitar as reformas/mudanças para desqualificar a força de trabalho e a formação do ser humano. Visando a que essa perspectiva possa ser levada a cabo, caminhos tensos foram percorridos para a conquista da educação do campo no espaço oficial do MEC. As Diretrizes são corolário desse movimento no campo. Constituem-se na forma de dezesseis Artigos, vinculados entre si, tendo como eixo principal a importância dada à construção/reconstrução da educação do campo, expressando-se em um documento normativo, que insere as referências de demandas sociais. Também configuram um caráter democrático, tendo em vista que há abertura, em instâncias deliberativas, como Seminários, e a criação de Fóruns, como no Pará e Grupos de Trabalho no Rio Grande do Norte, para a participação e para o debate em torno de sua implementaçãoção nos Estados e Municípios. O ponto de partida, nesta fase, foi o de divulgação das Diretrizes, por meio da realização de 24 Seminários Estaduais de Educação do Campo (MEC/SECAD/CEC, 2005).1920 Desse modo, as finalidades que norteiam as Diretrizes são abertas à participação de movimentos sociais, especialmente, pais e alunos, na política educacional. Também considerar dos povos do campo, através de um conjunto de princípios e procedimentos que objetivam adequar o projeto institucional das escolas do campo às Diretrizes Curriculares Nacionais para as modalidades e níveis de Educação. As Diretrizes constituem um avanço no interior de um processo que exige um compromisso de fazer presente encaminhamentos, com envolvimento permanente para a efetivação prática de pressupostos de uma pedagogia crítica, encaminhamentos já clamados na ENERA, em 1997, e na I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo (1998), a qual “[...] teve como principal mérito recolocar, sob outras bases, o rural e a educação que a ele se vincula” (SOARES, E., 2002, p.63). 19 No Pará, o II Seminário Estadual de Educação do Campo foi em junho de 2005, o I, em 2004, este com iniciativa de atores regionais, que não permitiram que fosse – esquecido – pelo MEC (JACI, 2006). 100 - Os Artigos, entre a abertura e a renovação As Diretrizes, como um conjunto de princípios e de procedimentos embasados na legislação educacional, não só visam a adequar currículos e programas às Diretrizes Nacionais para a educação, mas também, oficialmente, defendem a criação de condições para a inclusão das demandas do campo, além de conferir um outro ponto de partida às políticas educacionais. Por sua vez, uma abertura democrática, conferida por meio do parágrafo único, do Artigo 2º, é importante que seja considerada nas Diretrizes Regionais: [...] a identidade da escola do campo é definida por sua vinculação às questões inerentes a sua realidade, ancorando-se a sua temporalidade e nos saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de Ciência e Tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva do país (DIRETRIZES, 2003, p . 41). A expressividade do texto das Diretrizes, consonante às expectativas dos Movimentos Sociais, permeia não só um Artigo, mas sim o seu conjunto, sinalizando para que o exercício prático seja conduzido de acordo com as especificidades culturais, ambientais de cada realidade, refletindo sobre o significado de estarem interligadas entre as questões locais e globais. No sentido que assinala Santos, B., (2003), cabe ressaltar a função essencial desses movimentos para a institucionalização da diversidade cultural, atentos às relações/articulações estabelecidas com o global. Este autor, ancorando-se em Williams (2000), que defende o pressuposto de que a cultura é uma referência dimensional no campo de todas instituições, econômicas, sociais e políticas, faz a reflexão de que, no âmbito da teoria dos movimentos sociais, pela característica da política, há um movimento tensional de lutas em torno e sobre o conjunto dos significados/tradição/modificações culturais. Desse modo, chama a atenção para a extensão do campo político, por meio de tais movimentos, com reivindicações, ações e proposições para haver mudanças nas práticas dominantes pelos direitos sociais e pelo acesso à participação qualitativa aos sistemas e dos sistemas da sociedade, por atores sociais que estão às suas margens. Posto essa compreensão, estatui-se a condição legal da importância da educação escolar contribuir com a conquista de direitos sociais. Nesse sentido, implica considerar a 101 distância entre o discurso da cidadania e as condições oferecidas pelos poderes públicos para a sua efetivação, em uma sociedade capitalista que reforça, na prática de seus projetos, a ambigüidade e a divisão de classes. Na expectativa e na defesa de que o Estado venha a garantir a universalização da educação, em todos os níveis, com a união da cultura geral e profissional (GRAMSCI, 2004), reconhece-se o avanço do Artigo 3º, mas também, o seu limite, este concernente, apenas, para a educação básica e profissional: O Poder Público, considerando a magnitude da importância da educação escolar para o exercício da cidadania plena e para o desenvolvimento de um país cujo paradigma tenha como referências a justiça social, a solidariedade e o diálogo entre todos, independentemente de sua inserção em áreas urbanas ou rurais, deverá garantir a universalização do acesso da população do campo à educação Básica e à Educação Profissional de Nível Técnico (DIRETRIZES, 2003, p.42). Neste Artigo, é previsto que o poder público deve assumir o diálogo como um dos mecanismos para desenvolver políticas educacionais referentes à inclusão de todas as crianças e jovens ao ensino escolar público, à proporção que pode contribuir para o dimensionamento de mudanças sociais, econômicas e políticas necessárias à concretude da educação escolar. Se este poder, entretanto, assumir uma forma democrática e apresentar um projeto político/econômico consoante aos interesses coletivos do campo. Tal poder, se assim proceder, poderá vir a ser o maior provedor de uma educação com qualidade social, mas dificilmente procederá dessa forma, pois é parte instrumental de uma estrutura dominante que, no Brasil, se orienta pela divisão internacional do trabalho, com trabalhadores integrados e não integrados no mercado de trabalho. No sentido político, as Diretrizes pautam-se em uma concepção crítica de sociedade, com uma preocupação central direcionada para o desenvolvimento sustentável, considerando- a pertinente, pois busca a construção/reconstrução do conhecimento, para uma ecologia do conhecimento escolar, bem como o seu inter-relacionamento com os saberes tradicionais; no entanto, a dimensão ontológica necessita estar presente na luta por uma educação integral, na medida que se concebe a importância da compreensão da natureza da educação. Isto significa, perceber seu caráter histórico, seu papel social para os jovens se apropriarem dos seus elementos culturais.2021 É importante lembrar, a violência do sistema capitalista que 20 “Da perspectiva de Lukács, ser social e natureza são esferas distintas, portanto não há como encontrar na processualidade natural o fundamento de um fenômeno social. Fundar em determinações naturais o mundo dos 102 desestabiliza tanto os espaços biofísicos, como os culturais, e não permite este desenvolvimento e o humano. Também as Diretrizes consideram todos os atores do campo e da cidade como atores de direitos, os do campo construindo a sustentabilidade social e ecológica regional, conferindo, assim, significados culturais e a lógica socioeconômica próprias, mas não isoladas, voltadas aos meios de produção que se assentam no uso racional de recursos naturais. Infere-se – reiteradamente – a importância da compreensão da relação entre local, regional, nacional e internacional da necessidade social de a escola estar vinculada a esta compreensão, à luta pela Reforma Agrária, pelas condições de permanência na terra e pela consideração à identidade de seus sujeitos. Na busca pelo respeito ao mundo do trabalho do campo, o Artigo 4º das Diretrizes estabelece que o projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho compartilhado de todos os setores comprometidos com a universalização da educação escolar com qualidade social, constituir-se-á num espaço público de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o mundo do trabalho, bem como para o desenvolvimento social, economicamente justo e ecologicamente sustentável (DIRETRIZES, 2003, p. 42). A base de considerar a relação indissociável entre educação e trabalho se justifica pela dimensão social, pedagógica e política que este defende, a qual é inerente ao ato de educar. Observa-se, nesse propósito, a inclusão dos jovens do campo num espaço escolar que é relevante viabilizar a investigação e produção do conhecimento. Inerente à inclusão está a reafirmação da universalização da educação escolar, esta com qualidade social à medida que se concebe a importância do lugar social desta educação, não apenas no espaço da escola, mas homens implicará conferir uma legalidade natural ao ser social, ou então reduzir a legalidade social às leis da natureza. Em ambos os casos, segundo Lukács, está perdida a possibilidade de construção de uma ontologia que reconheça o ser social em sua simultânea conexão e radical diferenciação do mundo natural. Como pano de fundo dessa ineliminável articulação entre ser social e natureza está a afirmação de Lukács de que o ser social é um complexo histórico. O desdobramento categorial do ser ao longo do tempo, pelo qual a esfera inorgânica se complexifica originando a vida e, posteriormente, o ser social, possui duas consequências imediatamente perceptíveis. Em primeiro lugar, aumenta a heterogeneidade, a complexidade interna do ser. Em segundo lugar, em nada diminui (apenas torna mais articulado) o caráter de complexo por último unitário do ser. Para Luckács, os momentos de heterogeneidade apenas podem existir em permanente articulação entre si; tão-somente enquanto diferentes momentos de uma mesma totalidade podem surgir e se desenvolver os elementos de diferenciação. Em suma, a vida só pode existir tendo por base o ser inorgânico, e sem a natureza como um todo não pode haver ser social. A troca orgânica do ser social com a natureza é a mediação ontológica particular no 103 além, uma vez que se entende que é constituída pelos aspectos políticos, sociais e culturais, na trama das relações sociais. A escola pode ocupar espaços em rede para a construção de projetos sociais, políticos e pedagógicos destinados aos interesses da sociedade, à base de práticas tecnológicas contra- hegemônicas, como a camponesa, estas concernentes ao uso equilibrado de meios de produção, preservando os meios de subsistência, e inter-relacionadas com os recursos naturais, no sentido que expressa Shiva (2003), com fins de transmissão geracional e construção do conhecimento. Desse modo, pode provocar possibilidades de rupturas com as formas hegemônicas, por meio de prática educativa que conduza a novos valores na base das relações sociais, contrapondo-se às políticas educacionais filantrópicas. Nesta perspectiva, de acordo com o Artigo 5º, [...] as propostas pedagógicas das escolas de campo, respeitadas as diferenças e o direito à igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos artigos. 23, 26 e 28 da Lei nº 9.394, de 1996, contemplarão a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia. Parágrafo único. Para observância do estabelecido neste artigo, as propostas pedagógicas das escolas do campo elaboradas no âmbito da autonomia dessas instituições serão desenvolvidas e avaliadas sob a orientação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica e a Educação Profissional de Nível Técnico (DIRETRIZES, 2003, p. 42-43). Ao considerar o sentido da identidade cultural, da expressividade heterogênea do campo, as Diretrizes incluem as especificidades do pensar e do fazer do campo, respeitando os saberes da tradição. Assim, é relevante que a escola seja ligada às demandas locais e, a partir destas, viabilize em instâncias coletivas os seus projetos, pois, [...] tendo por fim a produção de sujeitos, a educação só se realiza afirmando essa condição de sujeito do educando, como um ser de vontade que é o que caracteriza sua subjetividade histórica. [...] Educar-se é um verbo reflexivo. O educando, a rigor, nunca é educado por alguém, mas sim educa-se pela mediação do educador. Aqui se itendifica uma relação em que há sempre o consentimento livre do outro. Sem o consentimento livre do educando, não há educação (PARO, 2002, p.5). interior da totalidade do ser em geral. Na tradição marxiana, tal mediação é o trabalho” LESSA, Sérgio. Mundos dos homens. Trabalho e ser social. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 66-67. 104 Importa, como assinala Paro (2002), o caráter político e democrático da educação, compreendido sob o conceito histórico da educação, a qual viabiliza a construção do indivíduo, a sua aprendizagem permanente, histórica-cultural e ambiental. A historicidade, como processo dinâmico comporta, a dimensionalidade política; como parte desta dimensão, o “poder” como referência de força, construído e consentido aos interesses coletivos, e não privados. Apesar de serem os dispositivos legais das Diretrizes emanados do MEC, sua construção foi consentida, partindo dos setores organizados da sociedade civil e dos movimentos sociais, referendando as demandas do campo. Em todo o caso, é relevante reforçar a necessidade de que os projetos e programas pedagógicos contenham pressupostos filosóficos, sociológicos e antropológicos – de pertencimento, de identidade, de respeito às culturas -, para a transmissão e construção do conhecimento, em significados que reafirmem direitos sociais. Estes direitos negam a reintegração de políticas e a experiência educacional sob a lógica do sistema dominante, a qual cria mecanismos ideológicos via propaganda e informação – digital, visual, auditiva -, com força de abrangência e de convencimento, para a informação veicular as suas proposições e vincular a educação à economia competitiva do mercado capitalista. É necessário fazer a reflexão sobre a não possibilidade de a escola se desvencilhar do mercado em uma economia com este embasamento. A educação, no entanto, é entendida como realização de um processo relacional em que motiva o aluno a envolver-se com a capacidade de pensar e agir com distinção própria e autônoma, contribuindo para que se evite a atração “natural” ao mercado, do ponto de vista tecnológico por si só. Esta formação possibilita que a escola não seja transformada em seu instrumento, tendo, assim, como decorrência, um resultado social: os jovens não serem transformados em meros consumidores e objetos para recebimento de conteúdos descontextualizados, como evidencia Freire (1979- 92). Essa não é uma realidade distante do espaço do campo; pelo contrário, este é atrativo para o capital, entre seus setores, a educação. As Diretrizes consideram a escola do campo, e por considerar, dão visibilidade à questão da sua autonomia, expressando a importância de se reconhecer e dar ênfase ao lugar social das especificidades de cada uma. Neste sentido, assegurar a inserção do contexto social do campo na formação escolar é uma proposição de seu compromisso, compromisso que remete ao poder público educacional assumir, ou não. Considerando o contexto social como 105 aporte para subsidiar os parâmetros para a autonomia da escola, esta poderá avançar por meio de lutas históricas de seus sujeitos, mesmo compreendendo a impossibilidade desta autonomia com plenitude perante o sistema. Assim, evita, como assinalam Rosar e Krawczyk (2001), o estado de subordinação às finalidades do projeto de sociedade capitalista e a – fetichização – da necessidade do conhecimento instrumental para inserção dos países ditos emergentes no mercado mundial. Ao prever a abrangência da contemplação das dimensões da realidade social, em espaços da União, dos Estados e dos Municípios, para os projetos políticos/pedagógicos das escolas, as Diretrizes, mesmo respeitando a autonomia destas, fazem referência à vinculação com as orientações estatuídas na legislação nacional, por meio de observâncias, quer no processo de exercício prático, quer no processo de avaliação destas, mediante recomendação de serem objeto das orientações constituídas nas Diretrizes Curriculares Nacionais. De um lado, é significativo, posto a responsabilidade social que cabe ao Estado, deter ao assumir uma Política Educacional Nacional includente, como a das Diretrizes Operacionais, a fim de garantir responsabilidades de financiamento e os direitos concernentes a uma política universal, respeitando as demandas de todos os trabalhadores, não só as do latifúndio e as das empresas agropecuárias. Para tanto, cabe aos trabalhadores o desenvolvimento de instâncias organizativas, como Associações, Sindicatos, Fóruns, entre outros, que tenham compromisso ético com a formação política dos pais, alunos, professores. Logo, é importante que todos os grupos sociais se movimentem para que haja, conforme Offe (1990) propõe, a socialização do processo de ensino escolar e a construção de condições para a participação no sistema educacional e o seu reconhecimento como sendo um espaço público, portanto, das pessoas. Por outro, esta política, se for desenvolvida sob os preceitos atuais neoliberais, expressando-se via MEC, de forma tradicional, desrespeitará as Diretrizes e se constituirá compensatória, à medida que a ação é permeada pelo propósito de redução de encargos financeiros públicos, pela transferência aos Estados, Municípios, escolas privadas, ONGs, restando à União apenas controle, apoio técnico e, reduzidamente, investimento suplementar (SAVIANI, 2004). Isto configura uma política que estará fechada à formação de cultura geral e profissional para os jovens trabalhadores. Neste sentido, qualquer medida que for tomada fora dos parâmetros do universo das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo pode conduzir à desfiguração destas. O Artigo 6º diz respeito à importância que deve assumir “[...] o Poder Público, no cumprimento das suas responsabilidades com o atendimento escolar [...]”. Assim, “[...] proporcionará Educação Infantil e Ensino Fundamental nas comunidades rurais, inclusive 106 para aqueles que não o concluíram na idade prevista [...]” ( DIRETRIZES, 2003, p. 43). Prevê, desse modo, a responsabilidade do Estado, articulando-se, em seus diversos níveis (Federal, Estadual e Municipal), com políticas de ações interativas para realizar educação infantil e fundamental nas escolas do campo. Constitui-se em uma disposição de relevância social para as populações do campo, à proporção que inclui a educação infantil, historicamente relegada à condição de apêndice na legislação escolar. Na medida em que a responsabilidade direta da União com o ensino médio e técnico é transferida para os Estados, tanto pela garantia ao acesso e a sua permanência nestes níveis, não os inclui de fato. Ensino em todos os graus, como o médio e superior não são méritos concedidos pelos governos; fazem parte da educação escolar democrática, que é social para todos os indivíduos da cidade e do campo, entendidas as demandas que exigem uma escola com conhecimentos – gerais e profissionais – reflexivos e contextualizados. A educação requer compromisso social dos trabalhadores em educação para que o processo pedagógico seja efetivado com bases em pressupostos políticos, consignados, como no caso da escola do campo, em diversos documentos do Movimento de Articualçaão Nacional pela Educação do Campo. 2122Isto exige a condução de uma prática ética para que esta educação se afirme sob tais princípios e, assim, o jovem reconstrua este patrimônio, de forma transgeracional, autoconsciente de que tem direitos e expectativas de ocupar qualquer espaço na sociedade, inclusive a opção de lutar pelo seu espaço ou de conquistar outros. O jovem do campo deve ser respeitado como sujeito que tem direitos e uma cultura singular, diferente, nunca inferior. É esta moldura conceitual que permeia os princípios das Diretrizes Operacionais, assinalando para uma compreensão de que não referendam um caráter inexorável à permanência no campo, mas sim a uma formação integral que o habilite a ter condições de fazer opções. Nesta perspectiva, sobretudo para os jovens, é necessário que não haja imposições, como uma condição profissional, com caráter “vitalício” para que permaneça em determinada atividade de trabalho e/ou de estudo. Neste sentido, construir uma educação do campo significa pensar numa escola sustentada no enriquecimento das experiências de vida, obviamente não em nome da permanência, nem da redução destas experiências, mas em nome de uma reconstrução dos modos de vida, pautada na ética da valorização humana e do respeito à diferença. Uma escola que proporcione aos seus alunos e alunas condições de optarem, como cidadãos e cidadãs, sobre o lugar onde 21 Não se considera um visão idílica do campo, nem dos seus movimentos sociais; sim uma compreensão de que estes vivem em um espaço de conflitos internos/externos, têm disputas de projetos entre os diversos atores e contextos rurais. 107 desejam viver. Isso significa, em última análise, inverter a lógica de que apenas se estuda para sair do campo (REFERÊNCIAS, 2004, p. 39). Posto assim, concebendo a importância de reverter a lógica conceitual de educação que visa, indiretamente, a educar o jovem para sair do campo, é significativo refletir que este jovem do campo não necessita ser tratado e formado apenas para a profissionalização técnica do campo, mas também para a cultura geral, visando valorizar a diversidade cultural, a organização da vida social e os saberes transgeracionais da tradição. Reiterando a importância do lugar social da escola, junto às demandas dos seus sujeitos, é previsto que o Estado detenha, também, a responsabilidade social do financiamento da educação do campo, de forma aberta para os jovens e adultos. Implica, também, garantir as condições necessárias à consecução destas educações, o que inclui todos os aspectos, desde a infraestrutura, passando pelo suporte instrumental, à remuneração e à qualificação continuada dos professores. Compreende em seu conjunto, o desenvolvimento de uma política educacional que priorize, em seu exercício prático, a formação unitária na escola. O Artigo 7º evidencia uma determinação para que a educação seja assumida como preocupação maior pelos gestores, para o campo, considerando sua heterogeneidade, posto que infere aos sistemas de ensino a responsabilidade de regulamentar estratégias viáveis à especificidade deste campo, assim como confere a observância da flexibilização, quando inclui no texto a sua relevância, no momento da organização do calendário escolar. Este calendário deve ser embasado em uma racionalidade social. O texto deste Artigo diz que é de responsabilidade dos respectivos sistemas de ensino, por meio de seus órgãos normativos, regulamentar as estratégias específicas de atendimento escolar do campo e a flexibilização da organização do calendário escolar, salvaguardando, nos diversos espaços pedagógicos e tempos de aprendizagem, os princípios da política de igualdade (DIRETRIZES, 2003, p.43). Assim, as Diretrizes são firmadas com o propósito de serem instrumento para viabilizar outra política educacional extensiva aos Estados e Municípios, como a construção/reconstrução de Planos de Educação e a sua própria implementação, sendo importante que sejam expressadas nas unidades de ensino, para contribuir, no local, com os princípios para uma política de igualdade. O calendário escolar representa um dos elementos constitutivos para garantir a permanência dos jovens na educação escolar, face à sua jornada 108 dupla, entre a escola e o espaço produtivo, e tripla, para as jovens, no espaço social doméstico. Este espaço compreende diferentes exigências – de tempo, de clima – para a reprodução de diferentes culturas agrícolas e para a manutenção da diversidade destas na reprodução socioeconômica das unidades familiares camponesas. Esta moldura organizacional requer a presença destes jovens como força de trabalho, para garantir o processo socioprodutivo interno, simultâneo, entre permanências e mudanças tecnológicas, nestas unidades (CHAYANOV, 1974; SHANIN, 1980; ABRAMOVAY, 1992; COSTA, 1999). As Diretrizes, por meio do § 2º, consideram a importância de que “[...] as atividades constantes das propostas pedagógicas das escolas, preservadas as finalidades de cada etapa da educação básica e da modalidade de ensino previsto, poderão ser organizadas e desenvolvidas em diferentes espaços pedagógicos [...]” (DIRETRIZES, 2002, p. 43). Desse modo, respeitam a abrangência de tempo e de espaço diferenciados, procurando atender às necessidades sociais dos jovens camponeses face às condicionalidades de suas experiências simultâneas entre trabalho e escola. Assim, infere-se, diretamente, a importância da inclusão da metodologia de alternância, na educação do campo. Para que essa alternância possa ocorrer, de forma integrativa e contextualizada, entre a escola, a unidade familiar produtiva, a comunidade e o município, é necessário que sejam criadas as condições para a sua realização. O Artigo 8º remete à discusão da questão das parcerias, no sentido de que se faça a abertura para a participação qualificada da sociedade civil: As parcerias estabelecidas visando ao desenvolvimento de experiências de escolarização básica e de educação profissional, sem prejuízo de outras exigências que poderão ser acrescidas pelos respectivos sistemas de ensino, observarão: I – articulação entre a proposta pedagógica da instituição e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a respectiva etapa da Educação Básica ou Profissional; II – direcionamento das atividades curriculares e pedagógicas para um projeto de desenvolvimento sustentável; III – avaliação institucional da proposta e de seus impactos sobre a qualidade de vida individual e coletiva; IV – controle social da qualidade da educação escolar, mediante a efetiva participação da comunidade do campo (DIRETRIZES, 2003, p. 449). As parcerias a serem constituídas contemplam a inserção de instituições escolares privadas da formação escolar no campo, pois, no item I, é preconizada a exigência de 109 articulação entre a proposta política/pedagógica da instituição escolar e os princípios das Diretrizes. Isso requer a observância da condução do ato pedagógico, mediante as consignações destas, mas abre espaço para outras iniciativas de caráter privado com fins não filantrópicos serem contempladas e, assim, estarem presentes no financiamento público, por meio das próprias Diretrizes. Outro ponto relevante, contido no item II, diz respeito ao fato de as atividades curriculares e pedagógicas estarem ligadas a um projeto de desenvolvimento sustentável, entendido como processo interativo entre os saberes locais e os da ciência, preservando os meios de produção, os recursos da natureza e os direitos sociais. Assim, o trabalho educativo, se for desenvolvido com estes pressupostos – ecológico e os fundamentos sociais – constituirá uma ecologia do conhecimento contextualizada para os alunos, abrangendo, dessa forma, as dimensões da realidade do campo e da cidade. Esse processo de ensino escolar envolve conhecimentos, valores, práticas e hábitos construídos no desenvolvimento da ciência e dos saberes da tradição, que têm relevância social para serem incorporados e refletidos na totalidade do sistema escolar e em seus currículos, de maneira dialógica e contínua. A sustentabilidade do território – por meio de práticas que detenham uma lógica de uso racional de florestas, terras, águas, animais e das próprias pessoas – tem um significado fundamental para os sujeitos do campo, tendo em vista ser relevante defender a concepção de desenvolvimento sustentável – que é distinto – com aportes da lógica tecnológica “[...] que preserva recursos, os meios de subsistência de seu povo e o controle popular sobre seus meios de vida [...]” (SHIVA, 2003, p.169) e se contrapõe ao ecologismo – entendido como instrumento para adequação à lógica capitalista -, porque preserva e usa racionalmente os recursos naturais, implicando em respeitar os princípios das práticas camponesa e indígena. Inerente ao pensar projetos, programas, disciplinas, conteúdos voltados para o desenvolvimento sustentável, é substantivo relacioná-los ao potencial da tradição local, em termos de construção coletiva, com a participação permanente dos educandos, que são parte deste coletivo. Convergindo para tratar temas educacionais vinculando-os à realidade social, visando não permitir mais que as escolas do campo e da cidade estejam distantes das outras suas dimensões, principalmente, no âmbito das políticas públicas: agrária, agrícola, econômica, ecológica, tecnológica, em todos os níveis: local, regional e global. Neste sentido, uma escola democrática e atenta à dinâmica histórica concerne à conduzir o aluno a uma autoconfiguração, enquanto sujeito do ato educativo, no sentido legado por Paulo Freire, que vai além da recuperação de traços de tempo e conhecimentos – perdidos -. 110 No Artigo 9º, é estabelecido que “[...] as demandas provenientes dos movimentos sociais poderão subsidiar os componentes estruturantes das políticas educacionais, respeitado o direito à educação escolar, nos termos de legislação vigente” (DIRETRIZES, p. 44). Considera-se, isto posto, que tais demandas propostas pelos movimentos sociais têm substantividade, porque fazem críticas às políticas focalizadas e reivindicações, mas, ao mesmo tempo, apresentam propostas, que, em seu conjunto e em sua especificidade, têm caráter social e decorrem de demandas consubstanciadas em necessidades reais, com fins que revelam a importância da formação escolar contextualizada. No Artigo 10º, é também estabelecido que o “[...] Projeto das escolas do campo, considerado o Art. 14 da LDB, garantirá gestão democrática, constituindo mecanismos que possibilitem estabelecer relações entre a escola, os movimentos sociais, o sistema de ensino e a sociedade” (DIRETRIZES, 2003, p. 44). No sentido de garantir a inserção e continuidade desta gestão, considera-se que esta é fundamental para a democratização geral do sistema escolar, se for desenvolvida em termos práticos, para que possa contribuir para a estruturação de uma outra política educacional. O objetivo fim concerne não só à autonomia das escolas – que se sabe, é relativa -, como também, como ponto de partida, tornar possível a implementação e continuidade, de forma democrática, dos Conselhos Escolares. Neste sentido, percebe-se a relevância social de estes atores sociais terem vozes representativas nos espaços do campo, bem como nos demais conselhos, sem a tutela invisível da direção institucional ou de partidos e gestores políticos. Isto implica também na escolha democrática e que todos os seus membros tenham direito a ter voz deliberativa. Essas instâncias constituem uma potencialidade para desencadear uma gestão democrática e ganham força à medida que se conquiste garantias para a participação dos seus membros. A gestão como referência compartilhada, defendida nas Diretrizes, é rica em determinações que podem caminhar no sentido de problematizar todas as situações, como constituição de projetos, do currículo, de conteúdos temáticos inclusivos à cultura local, a serem adotados com o propósito de evitar que a cultura heterônoma continue a ser conduzida nos planos e programas educacionais. No Artigo 11º, é disposto que os mecanismos de gestão democrática, tendo como perspectiva o exercício do poder nos termos do disposto no § do Art. 1º da Carta Magna, contribuirão diretamente: I – para a consolidação da autonomia das escolas e o fortalecimento dos Conselhos que propugnam por um projeto de desenvolvimento que torne possível à população do campo viver com dignidade; 111 II – para abordagem solidária e coletiva dos problemas do campo, estimulando a autogestão no processo de elaboração, desenvolvimento e avaliação das propostas pedagógicas das instituições de ensino (DIRETRIZES, 2003, p. 45). A importância dos Conselhos como instâncias em que se pode viabilizar o dever democrático, para que sejam incluídas as vozes de seus diversos atores, é o ponto de partida para atingir o ponto de chegada preconizado nas Diretrizes, que são a autonomia da escola e a afirmação do Conselho. Porém, embora já se tenha pontuado, é necessário ressaltar que a autonomia da escola, em relação ao sistema, é relativa. Os Conselhos, como instrumentos para a gestão democrática, são uma referência consensual aos sistemas de ensino, mas, na prática educativa, é necessário que estejam atentos ao contexto histórico-social, cuja responsabilidade vai além dos problemas intra-escolares. Implica em reconhecer a dimensão política na educação, na escola e na diversidade cultural do campo, em considerar que os – conteúdos - não são suficientes, numa compreensão contextualizada do que é a cultura. Isto concerne a respeitar os saberes locais e as manifestações culturais e os valores construídos historicamente, representados no Conselho, por seus atores membros, constituindo uma ação fundamental , como também a perceber os interesses – individuais – entre os grupos sociais das camadas populares, mediando os conflitos, em direção à escolha dos aportes sociais e coletivos, aportes estes que têm valores de democracia, que são objeto para a aprendizagem e transmitidos pelo trabalho educativo. Partindo do pressuposto que este trabalho, quando é feito na relação dialógica – entre sujeitos -, conduz à educação escolar como uma relação social plena, contra-hegemônica às relações de dominação (FREIRE, 2000). Neste sentido, os trabalhadores em educação, participantes desses conselhos, necessitam conhecer a compreensão dos pais – representantes da cultura popular e de sua leitura sobre a realidade -, para que seja socializada esta compreensão crítica de como funciona a sociedade para desenvolver atividades educativas, o que implica processos, técnicas, perspectivas, tensões para que se supere um problema de natureza política: conteúdos heterônomos e/ou enviezados de ideologia. Quais são? Por quê? Para quem? Esses trabalhadores, atuando com a responsabilidade social nestes e além destes Conselhos, – na totalidade da vida social -, podem expandir e convencer sobre a relevância do dever ético de assim proceder. 112 No Artigo l2º, é inclusa, em seu parágrafo único, a responsabilidade dos sistemas de ensino por conduzir políticas de formação inicial e continuada para os professores leigos: O exercício da docência na Educação Básica, cumprindo o estabalecido nos arts. 12, 13, 61 e 62 da LDB e nas resoluções nºs 3/1997 e 2/1999, da Câmara de Educação Básica, assim como os pareceres nºs 9/2002, 27/2002, e 28/2002 do Plano Nacional de Educação, a respeito da formação de professores em nível superior para a Educação Básica, prevê a formação inicial em curso de licenciatura, estabelecendo como qualificação mínima, para a docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o curso de formação de professores em Nível Médio, na modalidade normal. Parágrafo único. Os sistemas de ensino, de acordo com o art. 67 da LDB desenvolverão políticas de formação inicial e continuada, habilitando todos os professores leigos e promovendo o aperfeiçoamento permanente dos docentes (DIRETRIZES, 2002, p.45). A formação inicial com perspectiva integral é uma meta de significado social inadiável, pois constitui uma referência com princípios embasados na relação indissociável entre educação, sujeito e sociedade. Neste sentido, é importante refletir sobre qual a concepção de educação e de sociedade é inferida na política de formação e de sua continuidade – o que ela cria e transforma e ao que ela se fecha, como assinala Offe (1990) -, via intra/extra-sistema escolar, mesmo considerando e concordando com os pressupostos assegurados nas Diretrizes. Posta esta problemática de natureza política, o olhar sobre ambas as políticas exige que o seu exercício prático seja reivindicado sempre, conforme tais pressupostos, lembrando que o aperfeiçoamento dos educadores, em termos de sistemas de ensino das redes estadual e municipal, raramente, na trajetória das políticas de aperfeiçoamento docente, foi e é efetivado na perspectiva das demandas sociais e pedagógicas. Na prática, o aperfeiçoamento é feito por conta dos próprios professores, ou então, a priori, na sua formação acadêmica, fato acentuado para os educadores das escolas do campo. Assim, é urgente e atualíssimo o desenvolvimento de tais políticas, sob a discussão e o acompanhamento dos setores organizados da sociedade. No sentido de superar muitas problemáticas, o Artigo l3º das Diretrizes traz a preocupação com a responsabilidade social da educação escolar do campo em todas as dimensões, nestas, a continuidade da formação – que inclui alunos e professores -, necessitando ser garantida pelo Poder Público, por meio dos sistemas de ensino, além das referências potenciais, inclusas em seus princípios. Esses componentes apreendem o sentido 113 histórico da relação interdependente entre trabalho e escola, que é relevante que seja efetivado, negando o apartheid educativo imposto às escolas do campo e da periferia das cidades. O estabelecido no Inciso I das Diretrizes é que sejam viabilizados “estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças, dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da vida individual e coletiva, da região, do País e do mundo” (DIRETRIZES, 2003, p. 41). Isso confere o sentido social dos seus princípios, enquanto defensoras, não só pelo fato da inclusão das escolas, assim também como uma força viabilizadora para que professores exerçam práticas democráticas e escolas repassem conhecimentos diversos, contextualizados e construídos coletivamente com os alunos. É necessário enfatizar que a consciência dos educandos não é vazia, para receber, por receber, conteúdos democráticos, mas sim, para compreendê-los e reconstruí-los, considerando que a consciência crítica não se constitui em um dado, muito menos em caráter de posse. O protagonismo dos jovens e adultos do campo é contínuo, não se resume em estar presente fisicamente na escola, pois há a vontade de construir a organização democrática dos conteúdos, já que se defende a importância da concepção de sociedade que se contrapõe às teses neoliberais de “fins das ideologias” (FREIRE, 2004, p. 117). Também, a despolitização do projeto político pedagógico e sua decorrente “economização” (APPLE, 2003, p. 55), configurando um cenário, como assinala Cabral Neto (2004, p. 28), que acentua as condições que viabilizam o “[...] desenvolvimento de uma cultura despolitizada”. O Artigo 14º assegura que o financiamento da educação nas escolas do campo, tendo em vista o que determina a Constituição Federal, no Art. 212 e no Art. 60 dos atos das Disposições Constitucionais Transitórias, a LDB, nos Artigos 68, 69, 70 e 71, e a regulação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Lei nº 9.424, de 1996, será assegurado mediante cumprimento da legislação a respeito do financiamento da educação escolar no Brasil (DIRETRIZES, 2003, p. 45). Apesar de compreender que o Estado, sob o regime capitalista, não institui Leis, sistemas e programas de educação que tragam, em sua essencialidade, transformações sociopolíticas, pois estas têm limites estruturais, isto não significa que não possa ocorrer mudanças, pois a política se constitui em movimento; é um campo relacional de forças – com concepções e ações distintas, construídas em conflito. As Diretrizes Operacionais, no século 114 XXI, por exemplo, pressupõem mudanças, decorrendo de um processo de lutas e das ações de determinados atores sociais. Estas, além de assegurarem o financiamento público da educação básica do campo, também visam que o Estado, em suas diversas instâncias, assuma seus compromissos. Assim, é necessário lutar para que este se embase na necessidade social de resgatar tal compromisso e para que haja a reconstrução do Plano Nacional de Educação. O seu papel não deve ser restrito à iniciativa de elaborar Diretrizes e outros documentos, já que se exige, da União, a contemplação, por meio do próprio MEC, de uma proposta e operacionalidade, que tragam investimentos às escolas e a programas. Não qualquer investimento, nem qualquer programa, mas estes consubstanciados nas demandas dos estudantes. Para tanto, o envolvimento dos movimentos sociais é fundamental para reconstruir esse Plano. No Artigo 15º, é considerada a importância de se observar que, no cumprimento do disposto no §, do art. 2º, da lei nº 9.424, de 1996, que determina a diferenciação do custo-aluno com vistas ao financiamento da educação escolar nas escolas do campo, o Poder Público levará em consideração: I – as responsabilidades próprias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios com o atendimento escolar em todas as etapas e modalidades da educação Básica, contemplada a variação na densidade demográfica e na relação prof./aluno; II – as especificidades do campo, observadas no atendimento das exigências de materiais didáticos, equipamentos, laboratórios e condições de deslocamento dos alunos e professores apenas quando o atendimento escolar não puder ser assegurado diretamente nas comunidades rurais; III – remuneração digna, inclusão nos planos de carreira e institucionalização de programas de formação continuada para os profissionais da educação que propiciem, no mínimo, o disposto nos Arts. 13, 61, 62 e 67 da LDB. (DIRETRIZES, p. 46-47). Com a aplicação do percentual de financiamento da educação, definido na Constituição Federal de 1988, as Diretrizes reiteram a exigência do cumprimento desse compromisso, tanto pela União, de cerca de 18%, como pelos Estados e Municípios, com cerca de 25%, em termos de buscar a sua ampliação, mediante diálogo com os dirigentes executivos e por meio do legislativo dessas instâncias, para que sejam extensivos tais percentuais para além de problemas de natureza conjuntural. Este documento constitui um marco divisório para a política educacional do campo, considerando as dimensões temporal e conceitual entre o que era antes – uma perspectiva 115 assistencialista de normas – e o que está sendo após as Diretrizes – uma concepção que defende um formação qualitativa para os filhos dos trabalhadores. Observa-se que, em seu tempo inicial, no limiar do século XXI, a equipe da Coordenação de Educação do Campo realiza ações para esta legislação não permanecer em referência documental, visto que para a sua implementação, de forma democrática, nos Estados e Municípios, se realiza por meio de divulgação e orientação dialogada em instâncias coletivas. O primeiro passo dado pelo MEC, apesar de o governo atual configurar políticas centradas na lógica econômica do sistema dominante, em 2005, foi o de realizar cerca de 24 Seminários Estaduais de Educação do Campo, visando à discussão do texto das Diretrizes e às condições para sua implementação em nível regional, como é o caso do Pará.23 Cabe assinalar que as condições, neste Estado, também são criadas pelos setores organizados da sociedade, como os movimentos sociais, professores, estudantes, sindicatos, que realizaram uma trajetória histórica por outras políticas educacionais, antes da iniciativa do MEC, como o I Seminário de Educação do Campo, em 2004. Visando à implementação destas Diretrizes, foi constituído um Grupo Permanente de Trabalho, no âmbito do Ministério da Educação, conforme o que dispõe a Portaria nº l.374, de 3 de junho de 2003, publicada no Diário Oficial da União, de 4 de junho de 2003: O Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo é formado por uma ampla composição institucional e interinstitucional com outros ministérios e com a efetiva participação dos movimentos sociais, com o compromisso de construir uma política de Educação do Campo que respeite a diversidade cultural e as diferentes experiências de educação em desenvolvimento, em todas as regiões do País [...] (DIRETRIZES, 2003, p. 1). Assim, considerando a importância social das Diretrizes para delinear novos caminhos das políticas educacionais, afirma-se que são necessários o engajamento e o compromisso permanentes dos atores sociais que compreendem o campo como um espaço político e heterogêneo, no qual vivem fazendeiros, empresários, latifundários, camponeses, povos da floresta, quilombolas e trabalhadores em geral, que detêm pequenos espaços de terra, posicionando-se entre os que têm bastante, os que têm pouca terra e os que não a têm. Nesse 23 PARÁ. Assembléia Legislativa do Estado do Pará. Projeto de Lei nº ____/2003, de autoria do Deputado Valdir Ganzer (PT). Belém (PA): Gabinete do Deputado Valdir Ganzer, 2003, digitado. O qual “Dispõe sobre as Diretrizes para a Educação do Campo no Estado do Pará e dá outras providências”, (p. 1) em trâmite na Assembléia Legislativa, datado de 14 de outubro de 2003. 116 espaço, existem interesses distintos e concepções diferentes e antagônicas, mas é o lugar onde as Diretrizes vão ser operacionalizadas. Para estas afirmarem-se enquanto política representativa e legítima que confere a confiança da sociedade, é necessário um envolvimento de todos os atores, exigindo-se dos governantes e parlamentares a sua efetivação. Para isso, a vigilância e a ação são necessárias em processo para que este compromisso seja efetivado, posto que uma educação com qualidade social, que é reflexiva, não é significativa aos interesses do empresariado do campo, mesmo considerando a criação do Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) e a Coordenação da Educação do Campo. Além destas referências, outras devem ser constituídas e incorporadas à medida que esse Grupo, a secretaria e a Coordenação, com características democráticas, se diferenciam em relação aos demais setores do MEC – com tradição conservadora -, que, dificilmente, poderão abranger a diversa e extensiva problemática de concepções, projetos e gargalos estruturais do sistema capialista. São problemas estruturais que envolvem o debate sobre a educação. Isto implica a necessidade de se defender um Projeto democrático para a sociedade brasileira, tendo como ponto de partida a criação de fóruns para participar deliberativamente na construção/reconstrução de políticas sociais. Para tanto, modificar os elos em que estas e os poderes públicos se fecham para que, por meio da correlação de forças se possa resolver os desafios, face às contradições herdadas de governos anteriores e as constituídas pelo governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, contradições sociais que espraiam desafios para muitas décadas, extensivos a todos os Estados. Isso representa um avanço democrático para as políticas educacionais do campo, marcas que deverão se consubstanciar nos programas, nas escolas e nas práticas pedagógicas. No entanto, é importante atentar para o que a legislação, em geral, cria e transforma, especificamente, o exercício prático da implementação, e a movimentação de lutas por direitos aos sujeitos sociais, em curso no campo, visando afluir igualdade em todas as experiências sociais e não exclusão, para, assim, garantir a realização do que preconiza o Artigo 5º dessas Diretrizes. Para contribuir à mudança desse cenário, é necessário registrar a importância da continuidade da ação dos movimentos sociais por uma outra política educacional, que defenda novas legislações com o perfil destas Diretrizes Operacionais. Portanto, é preciso que todos estejam atentos quanto aos resultados de sua aprovação, os interesses diversos que sustentam ou não a sua operacionalidade e o que será criado e transformado a partir dessa legislação. Pela inserção de princípios e significativas demandas dos movimentos sociais aponta-se para 117 seu exercício democrático, como a participação dos estudantes, pais, outros segmentos sociais no movimento do sistema educacional. Para isto, inclusive, e principalmente, a construção e reconstrução dos Planos Estaduais e Municipais de Educação, projetos políticos/pedagógicos das escolas, currículo escolar, criação dos Conselhos Escolares, dando-se abertura às possibilidades de gestão partilhada, modificação no calendário escolar, de acordo com o ano agrícola regional. Considera-se a forma e a trajetória de lutas para a construção dessas Diretrizes, como um marco referencial à História da Educação, porque possibilitou a ruptura com a visão patronal, com o modelo que pretendia ser homogeneizador, inserindo na agenda da política educacional uma outra concepção de educação, de campo e de cidade. Na contemporaneidade das reformas neoliberais, a constituição das Diretrizes ocorre com participação dos movimentos sociais, entre esses, o MST. Nessa conjuntura, é construída a luta em torno de outra política educacional, mas, para a sua afirmação, é necessária a participação qualificada dos atores sociais e, mesmo assim, sua consolidação não atingirá seus objetivos sem a reforma agrária e sem a superação da cidadania burguesa. 1.7 Apontamentos sobre a educação do campo paraense: perspectivas para a construção das suas Diretrizes Operacionais. - Um breve percurso do contexto da política educacional A política educacional para as escolas do Pará, ao longo do processo histórico foi, similar à política nacional, associada à lógica cultural hegemônica, por meio de reformas educacionais voltadas para as cidades e um currículo que tentou ser homogeneizador e dissonante dos interesses das camadas populares, muito mais ainda, das especificidades das localidades do campo. A maioria da população paraense vivia nas áreas rurais e a política educacional era voltada para o aproveitamento das pessoas que detinham certo domínio da leitura e da escrita para exercerem o cargo de professor, direcionando-se o ensino, especificamente, para as crianças. É em 15 de abril de 1799 que o governo do Pará regulamentou o ensino público da Capitania. Em 1834 é criada, pelo parlamento, a primeira Lei que regulamenta o sistema de ensino de 1ª à 4ª série, designando a responsabilidade às Províncias e, ao Governo Imperial, o 118 ensino médio e superior. A Carta Régia de 28 de fevereiro de 1800 aprovou a reforma que concedeu 13 escolas elementares ao Pará (em Barcelos, Bragança, Cametá, Cintra, Gurupá, Monsarás  hoje Salvaterra , Melgaço, Macapá, Marajó, Monte Alegre, Santarém, Oeiras e Vigia). Diversas reformas ocorreram entre 1874 a 1887. O Decreto 1.280, de 24 de fevereiro de 1904, regulamentou os grupos escolares e escolas isoladas do Estado. A partir do final da década de 1930, a discussão sobre a fixação do homem no campo e a erradicação do analfabetismo foi efetivada com mais intensidade, principalmente, com o Estado Novo (1937), com uma proposta pedagógica adaptada ao meio rural, repercutindo nas propostas regionais, como no governo paraense, do interventor Magalhães Barata (1938). No 8º Congresso Brasileiro de Educação, no início da década de 1940, essa proposta é reforçada, evidenciando-se que a escola é posta em estreita relação com o projeto político, econômico e ideológico dos setores dominantes, proposta essa de um ensino adaptado que se estende à década de 1960 (FPEC/2004). Assim, a década de 1930 é marcada pelas propostas pedagógicas, tendo destaque a corrente liberal, com a Escola Nova, que dá ênfase às idéias de igualdade de oportunidades e a relação educação e democracia, por meio da escola (GHIRARDELLI, 2003, p. 50-51). Esse ideário, que se estende nas décadas posteriores – 1940, 1950, 1960, 1970 -, tem em vista a formação centrada na atividade do aluno, priorizando a dimensão profissional e a entrada dos jovens no mundo do trabalho, reforçando a diferenciação social. Para o campo, “além” da escola pública, essas décadas foram pontuadas pelas discussões sobre a educação comunitária (FPEC, 2004), destacando-se a criação do Serviço de Extensão Rural (ATER),2324como uma das formas educativas, “substituindo” o espaço da educação escolar; voltando-se este serviço para as técnicas agropecuárias. Para tanto, nos Programas de ATER, destacam-se os “[...] os Centros de Treinamentos; Semanas Ruralistas; Clubes Agrícolas [...]” (CALAZANS, 1993, p. 21). A extensão rural priorizou as orientações teórico/metodológicas sobre organizações comunitárias, no sentido assistencialista, como os Clubes 4-S (SAÚDE, SABER, SENTIR e SERVIR), para os jovens rurais, Clube de Mães, para as mulheres e Grupos e/ou Associações 23 O serviço de ATER foi organizado, embasando-se em modelo e financiamento norte-americano, para realizar a “educação do campo”. A criação da Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais (CBAER), em 20 de outubro de 1945, por meio de acordo entre os governos brasileiro e dos Estados Unidos, representa uma perspectiva de que a educação do homem do campo é um elemento para subsidiar o “progresso” da agricultura brasileira. A estruturação deste serviço ocorreu com a criação nos Estados, da Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR), a partir de 1948, com a ACAR-MG, com a parceria da American International Association for economic and social develoment (AIA). Em 21 de junho de 1956 foi criada a Associação Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (ABCAR) (CALAZANS, 1993, 21-23), no contexto do desenvolvimentismo. 119 de agricultores. As orientações técnicas embasavam-se no uso de insumos químicos e no incentivo à introdução de monoculturas. Para as mulheres, especificamente, o trabalho educativo consistia na formação de hortas de quintais, fabrico de doces caseiros e conservação artesanal dos alimentos. A partir de 1976, o instrumental pedagógico, pesquisas, formação de curta duração, reciclagem em forma de treinamento, elaboração de cartilhas, reformas dos espaços físicos das escolas, como também pesquisas estiveram sob orientação do Banco Mundial (FPEC, 2004). A marca do trato dessa política acentua-se nas décadas posteriores, permanecendo resultados negativos2425. Esse quadro continua apesar de a Constituição paraense considerar como foco alguns pontos da educação rural. Edla Soares (2003), relatora do Parecer às Diretrizes da Escolas do Campo, comenta que, na maioria, as novas constituições estaduais têm a preocupação com algumas questões da escola do campo, como: o currículo, o calendário, a expansão do ensino, a qualificação e valorização dos docentes, o que representa um fato notório. Reconhece-se, assim, a forma de adequação, não mais a de adaptação, mas, permanece ainda só no papel. No caso da Constituição do Pará, esta considera a obrigatoriedade do Estado na promoção da expansão, concomitante, do ensino médio, por meio da criação de escolas técnicas agropecuárias ou industriais (Artigo 280). Também referenda, em seu Artigo 281, que os Planos Estaduais de Educação deverão incluir – modelos – de ensino do campo, coerentes com a realidade regional (SOARES, E., 2002, p. 68-69). No Artigo 272, parágrafo único, é contemplado que “[...] o poder público estimulará o desenvolvimento de propostas educativas diferenciadas com bases em experiências pedagógicas, através de programas especiais destinados a adultos, crianças e adolescentes carentes e trabalhadores [...]” (CONSTITUIÇÃO DO PARÁ, 1989). Na década de 1990, as ações governamentais no Pará visam realizar as metas que estão contidas nas Diretrizes Nacionais de Educação (FPEC, 2004), marcadas, entretanto, pelas referências tecnoburocráticas, buscando financiamento por meio de parcerias com o MEC, organismos internacionais e ONGs, referências essas voltadas, geralmente, para critérios quantitativos – como a oferta de cursos de aperfeiçoamento aligeirados para professores,2526 24 Fundamenta-se esta afirmação só na constatação/leitura sobre a distorção idade/série, oferta e qualidade do ensino para o campo, por meio dos próprios dados estatísticos do INEP; neste trabalho, o recorte sobre o cenário da luta do MDTX pela educação do campo. 25 Conforme entrevista da então coordenação de educação do campo da SEDUC/PA, a qualificação para professores das escolas da zona rural não era prioridade desta secretaria, antes da criação de sua coordenação (LÍDIA, fevereiro de 2005). Esta criação só foi motivada pela característica de luta por outra política educacional 120 especialmente os de graduação, em licenciaturas, com dois anos de duração, visando assim, apenas, à certificação. As suas metas são concernentes aos princípios do Plano Decenal de Educação para Todos, – do governo Itamar Franco -, visando afirmar este plano nacional, por meio de bases estaduais, e, assim, contornar o agravamento das condições precárias de oferta,2627 sob a lógica dos interesses do sistema dominante. O quadro social de baixa oferta é retratado em documento oficial: Em 1998 as mesorregiões do Marajó e sudoeste Paraense são aquelas de maior nível de carência educacional apresentando um aumento em seus índices contribuindo, assim, para o baixo desempenho do sistema educacional como um todo. [...] De fato, os índices são muito mais expressivos nas áreas rurais das microrregiões paraenses, acontecendo o mesmo em relação à rede municipal de ensino (SEDUC/DIAGNÓSTICO EDUCACIONAL, 1999, p.15). Essas constatações registradas são corolário das ações do poder público paraense, revelando assim, um cenário de políticas educacionais focalizadas, acentuando-se para a escola do campo, uma vez que – raramente  este espaço foi e é o foco de atenções. As dificuldades constituem os indicadores sociais que maior expõem a atual situação dessa educação escolar paraense: [...] pode-se dizer que as escolas localizadas na zona rural diferem substancialmente daquelas da zona urbana. Aquelas sofrem à espera do livro didático, da merenda escolar. Geralmente funcionam em local não apropriado para as escolas, o que não acontece para a escola urbana. Em geral quem tem o curso de magistério e reside na sede do muncípio, não quer trabalhar como professor na área rural devido o baixo salário e as dificuldades de transporte. O professor da zona rural é quem recebe e transporta por conta própria, o volume de merenda escolar e, na maioria das vezes, é o próprio quem prepara a merenda. Em geral as escolas possuem classes multisseriadas unidocentes e com significativa distorção série idade (DIAGNÓSTICO, 1999, p. 17). Esta análise de 1999 confirma a precariedade do trato governamental para o desempenho das políticas educacionais, sendo presente em 2005, em seus diversos níveis e e de visibilidade no espaço público pelo movimento relacional empreendido pelos movimentos sociais, professores, agricultores, ONGs, entre outros segmentos sociais. 26 Vide um cenário dessas condições por meio de dados estatísticos no quadro I e IV. 121 modalidades.2828 Nesse espaço, os indicadores apontam a alta taxa de analfabetismo, a distorção idade/série,2829 a qualificação e a carreira do professor, a gestão e financiamento; a inexpressiva oferta e escolarização do ensino médio; as escolas da zona rural não detêm infra- estrutura, nem iluminação adequada, muito menos energia elétrica. Apresentam baixa percentagem de alunos que concluem o ensino fundamental; número elevado de classes multisseriadas, com expressividade na metodologia2930 específica da Escola Ativa 30 31(PA/SEDUC/PROPOSTA PLANO ESTADUAL EDUCAÇÃO, 2005). Municípios/Pará 15-17 18-24 25 anos Altmira 75,64 56,01 76,74 Anapu 89,95 85,84 91,51 Brasil Novo 84,67 77,08 88,59 Itaituba 82,83 64,22 78,66 Medicilândia 83,55 75,51 85,89 Pacajá 97,89 89,35 93,24 Placas 89,37 78,38 91,01 Rurópolis 83,54 72,02 87,36 Senador José Porfírio 90,67 86,96 91,54 Trairão 85,20 85,73 89,59 Uruará 82,66 75,31 86,96 Vitória do Xingu 90,67 78,16 88,54 TOTAL 86,91 77,05 86,89 Quadro 7 – Pessoas com 08 anos de estudos em alguns Municípios do Pará, em 2000. Fonte: Atlas Desenvolvimento Humano apud Cordeiro, Georgina Kalif N; SCALABRIN, Rosemeri. In: _____. Educação Cidadã. A experiência do PRONERA na Transamazônica. Belém, PA: Nossa Gráfica, 2005. Além dessa situação, a baixa nota atribuída aos alunos da escola pública, por ocasião do irrelevante rendimento destes na avaliação do SAEB, é um fato que aumenta os índices negativos. Esta modalidade de avaliação é contestada pela secretária de educação, professoras e técnicas da SEDUC/PA, uma vez que é descontextualizada da realidade amazônica, assim 27 Em nível de Brasil, “[....] Dos 207 mil estabelecimentos escolares existentes na educação básica, 53,4% estão localizados na Zona Urbana, com 86,4 do total das matrículas registradas em 2005. Já na Zona Rural, registram- se 46,6 % dos estabalecimentos, com 13,6 % das matrículas. BRASIL/MEC/INEP. Censo Escolar de 2005. Brasília: httpp:// inep. gov.br. Acessado em 26.6.2006. 28 A taxa de distorção idade/série na região Norte é de 58,8% no ensino fundamental e 75,8% no médio (REFERÊNCIAS, 2004, p. 17). No Pará, em 2003, a distorção no ensino fundamental, em nível total é de 52,4 %; no campo, é de 61,2%, e na cidade, 46,9 % (INEP/MEC, 2006. EMAIL enviado em julho de 2006). 29 A organização curricular da Escola ativa é feita com conteudos de diversas áreas, em processo modular (MEC/FUNDESCOLA/COORDENAÇÃO DE INOVAÇÕES PEDAGÓGICAS). 30Proposta para uma aprendizagem que leva em consideração a realidade social do aluno, mas é centrada nas atividades do aluno, com programas preconfigurados, remetendo assim a uma obrigação à invenção, secundarizando e, até mesmo, não permitindo a criatividade, uma vez que o eixo extremo da atividade não conduz à reflexão auto-sociocriativa, considerando no sentido que destacou Gramsci (2004): não significa negar o momento das atividades, sim considerá-lo como parte apenas da formação, como instrumento de conversão da criatividade. 122 como o livro didático também o é, tendo em vista que se volta para a realidade do Sul e do Sudeste (LÍDIA, fev. 2005). Este cenário da Educação no campo quantitativa e qualitativamente se aprofunda – negativamente – com o exercício prático da política educacional e porque em sua própria concepção, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-98; 1999-2002), não considera o espaço dos assentamentos como espaço prioritário para a implementação de programas e projetos. No governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-06), a perspectiva para a educação do campo é relevante, entretanto, mudanças qualitativas no cenário geral das políticas educacionais não se realizaram. Muitos esforços foram para o PRONERA, como a criação/expansão de cursos de nível médio – como o magistério -, de especialização e superior – como os Cursos de Pedagogia da Terra -, no entanto, não abrangem, certamente, todas as demandas dos assentamentos e, muito menos, as dos demais espaços do campo. Além disto, é necessário destacar o perfil frágil de um programa educacional tão relevante socialmente, frente ao situado contexto de políticas neoliberais da sociabilidade capitalista, também presentes neste governo. O Plano Estadual de Educação do Estado do Pará, 1995-99, prioriza a escola em seus princípios gerais, ressaltando que para transformar a atual realidade da escola, que, segundo o documento, é oriunda de descontinuidade de projetos, gestão/qualidade precária de financiamentos, de concepções pedagógicas conservadoras e da desvalorização dos trabalhadores em educação, é necessário que “[...] se estabeleça uma política que assuma o compromisso fundamental com a melhoria da educação, através da participação da sociedade e com base na descentralização das ações” (PEEPA, 1994, p. 34). Embora esse Plano tenha estabelecido, em uma das suas diretrizes gerais, o compromisso de “[...] investir na melhoria da qualidade do ensino Fundamental [...]” (PEE, 1994, p.35), reconhecendo a precariedade do ensino, estas diretrizes, sendo referências para a reorganização do ensino no interior do Pará, constituiram, assim, um traço para as políticas serem feitas sob nova lógica, voltando-se texto, no entanto, para ações que estimulam o trabalho voluntariado. Cita-se “o Programa Integração Escola-Comunidade”, que visa estabelecer uma relação social que insira a escola aos segmentos populares. Este Programa tem como eixo central o trabalho com esportes, por meio do “Centro de Atendimento de Educação Física”, constituindo-se uma ação focalizada (PEEPA/1995-99, 1994, p. 53), só para as cidades. Expressa-se, nesse sentido, a transferência de responsabilidade do Estado para a população, na forma de integração de “manutenção física e financiamento das escolas”. 123 Compreende-se que o eixo central da questão está na participação qualificada da sociedade na construção das políticas educacionais e na gestão, com controle social dessas políticas. Este Plano não inclui a educação rural como parte significativa nesse grau de ensino e nem em outros. Nos planos e organização político-administrativa da SEDUC, esta educação fazia parte, até 2004, do Departamento de Ensino Fundamental; assim, nesse sentido, a leitura que se faz, é de que foi e ainda é considerada como apêndice. Esse documento também não incorpora a escola do campo no ensino médio; dá destaque, apenas, ao ensino profissionalizante. O Programa 3, intitulado “Direcionamento do Ensino para Vocações Econômicas do Estado”, visa redefinir, equipar, recuperar as escolas técnicas, agrotécnicas e implantar cinco escolas dessa modalidade. A prioridade, em suas ações básicas, é ressaltada em relação “[...] ao projeto político-pedagógico e a proposta socioeconômica das escolas, evidenciando o tipo de formação que pretende dar, suas possibilidades. [...] redirecioná-las de acordo com suas potencialidades e as necessidades do mercado [...]” (PEEPA, 1994, p. 51). Outro ponto das ações básicas do Programa 3 é a “[...] construção e aparelhamento de novos Centros de Formação profissionalizante”, em municípios que sejam pólo do crescimento econômico, objetivando, desse modo, atender a alunos de ensino fundamental e médio, com aulas simultâneas nos cursos regulares. Os cursos previstos para a implantação são em mecânico de motores de embarcações, técnico em piscicultura, técnico do setor oleiro, tratamento de madeiras (PEEPA/1995-99, 1994). O sentido da “empregabilidade” está presente nos Programas desse Plano, precisamente neste, que é direcionado também ao ensino fundamental, parecendo, dessa forma, se enfatizar este objetivo como o principal na relação escola e trabalho, e o conhecimento universal como secundário. A formação por meio desse programa sinaliza para não abranger o mundo do trabalho, na perspectiva de preparar com qualidade o jovem, para este estar apto ao emprego, visualizando atender à lógica da quantidade. Um olhar sobre as fundamentações do texto do Plano de Educação de 1995-99, a municipalização do ensino fundamental é o grande eixo que norteia as diretrizes, sendo concebida pelo poder público como um mecanismo favorável à reestruturação da intervenção do Estado, pois as responsabilidades deste são retraídas. Como destaca Almeida (1997), a pretensão do governo do Estado Pará, a partir do programa de municipalização, volta-se para fortalecer o ensino médio, mas, esta formação visa atender às demandas do mercado (PEEPA/1995-99, p.51). 124 O documento que trata da reestruturação do Plano Estadual da Educação do Pará (SEDUC/PPEEPA, 2005), em trâmite no Conselho de Educação (JACI; LÍDIA, 2005/06), traz em relação a política educacional do campo, uma abordagem diferenciada, não mais de adaptação, mas sim a de adequação, no entanto, este documento não foi discutido em instâncias coletivas,com a sociedade civil, sendo construído de forma isolada e internamente, sob a visão institucional, a de um governo. O texto fortalece a análise sobre a permanência do agravado quadro de oferta de escolarização e do precário embasamento sobre a realidade amazônica, trazendo, além disso, o reconhecimento do vazio de uma política educacional de qualidade social referenciada: A educação no campo no Estado do Pará apresenta desvantagem em relação a outras regiões do país, é ainda embrionária a concepção e implementação de uma política que venha oferecer a população do meio rural uma educação de qualidade. O quadro existente é de algumas escolas isoladas, funcionando com classes multisseriadas, atendendo apenas de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental, apresentando a seguinte situação: elevado índíce de jovens e adultos analfabetos; a inexistência de uma política de valorização cultural e familiar, o que força os que querem estudar a deixar sua vida familiar no campo e ir em busca de melhores perspectivas educacionais; pouca preocupação com as especificidades do meio rural; em decorrência da dificuldade de acesso, quase não há prosseguimento de estudos, nem inserção de qualificação para o mundo do trabalho (PEEPA, 2005, p. 28). O documento registra o cenário de descaso com a escolarização dos filhos dos trabalhadores do campo, por não se voltar para atender às demandas dos agricultores. Nesse documento, a afirmação da inexistência de uma política de valorização da cultura e da família dos povos do campo, conduzindo os jovens para outros espaços em busca da continuidade da formação escolar, é outro ponto forte, que reafirma o estado da política educacional e de outras políticas que interferem na vida desses jovens e a tendência de regionalizar-se o analfabetismo nos campos paraenses, apesar de programas como o PRONERA, pois se restringe aos assentamentos, deixando de lado outros espaços. Os dados educacionais da década de 1990 evidenciam esta realidade; no Brasil, estudos do IBGE/PNAD 2001, apontam que a média de anos de estudos da população é de 7 anos para a cidade, 3,4 anos para o campo; na região norte, é 6,4 e 3,3 anos (REFERÊNCIAS, 2004). Mesmo apontando a existência de esforços e a intenção do governo estadual e da sociedade civil organizada, em reorientar a política educacional por meio de parcerias, estas, 125 se não forem cumpridas por um dos parceiros pode inviabilizar a resolução de problemas. Para garantir uma política efetiva é necessário que o Estado seja o responsável pela garantia do financiamento da educação pública, uma vez que as receitas deste são produzidas pelos atores sociais, do campo e da cidade. O documento, ao mesmo tempo que mostra o déficit educacional, procura conduzir ao entendimento de que há ação efetiva satisfatória do Estado, evidenciando para isso o instrumental das parcerias. Este fio condutor de abrir-se às parcerias consigna um aspecto democrático do trato às políticas, no entanto, não afirma uma política de financiamento público efetivo; este instrumental não é suficiente por seu caráter transitório, gerando instabilidade para as iniciativas de cunho social e pedagógico. Esta conjuntura permanece em fevereiro de 2006. A perspectiva pedagógica das instituições Conselho Estadual de Educação e Secretaria de Educação do Pará não valoriza a importância social do atendimento das necessidades locais. Apesar das demandas não serem originárias do Estado, o que “força” os movimentos sociais a construírem iniciativas educacionais, estas são incorporadas pela SEDUC na forma de convênios, embora com o perfil tradicional do trato à política educacional: Diante deste quadro, além dos esforços do Estado há a preocupação da sociedade organizada, tais como os Sindicatos, Centros de Formação de Agricultores, Associações, e Fundações, em estabelecer parcerias com os órgãos governamentais para resolver o problema. No Estado do Pará, como exemplo dessa iniciativa, com o apoio do Governo do Estado existem as Casas Familiares Rurais gerenciadas pelas Associações de Pais e pela Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Pará/ARCARFAR-PA e a Escola Família Agrícola/EFA, com apoio da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará – FETAGRI (PEEPA/SEDUC, 2005, p. 29-30). É enfatizado, neste documento, que o governo paraense apóia às experiências em curso, como as das CFRs e das EFAs, porém, na prática, para viablizar a operacionalidade dessas experiências, há uma distância de suas ações efetivas, uma vez que o repasse de verbas de convênios, constituídos com essas organizações citadas, é entravado pela própria SEDUC. Como expressa a constatação da pesquisa de campo deste trabalho, do não cumprimento até fevereiro de 2006, nos moldes do que foi assinado, essa é reforçada pelas falas dos entrevistados. Mesmo que se considere as justificativas e os critérios de praxe que as instituições exigem para a efetivação dos convênios, e as conveniadas assumirem o 126 cumprimento de tal compromisso, os jovens é que são prejudicados com o não financiamento em tempo hábil ou, o extremo, a revogação do termo de compromisso. Visando mudar esse quadro de parcerias, o PEEPA do Pará (2005), em trâmite no Conselho Estadual de Educação, prevê em suas Diretrizes realizar: 1 – Ampliação do número de escolas agro-ambientais, que também considerem os saberes de quilombolas e povos indígenas; 2 – Elaboração de um programa específico para o meio rural; 4 – implantação de políticas educacionais direcionadas a zona rural, com ênfase no desenvolvimento sustentável; Identificação e socialização de experiências bem sucedidas de educação rural (escola ativa, nucleação, escola itinerante, com regimes de alternância, etc); [...] (SEDUC, 2005, p. 59). O compromisso previsto no Plano Estadual de Educação do Pará (PEE/PA), que está sendo submetido à aprovação do Conselho Estadual de Educação (CEE/PA), apresenta, com essas diretrizes, metas que sinalizam para uma possível implementação de políticas que fomentem condições de trabalho e atendam às demandas regionais; entretanto, este Plano, embora apresente avanços e pressupostos democráticos, a sua construção não respeitou um processo participativo de deliberação coletiva, por meio de seminários. Vale ressaltar que ele foi elaborado pela SEDUC, em 2005, de maneira intra-institucional (JACI, 2006), constituindo-se um indicador que sinaliza para a não prioridade do poder público no trato democrático com a política educacional paraense. A conjuntura de um Movimento de Articulação Nacional, com bases regionais, em torno de outra política e por uma educação do campo, no sentido de mudar o atual tratamento dessa política e estabelecer um campo de ações, contribuiu para que a Secretaria Executiva de Educação do Estado do Pará (SEDUC) criasse, em abril de 2004, a Coordenação de Educação do Campo, visando dar prioridade à educação neste espaço (JACI, 2005; LÍDIA, 2005),. A equipe é formada, apenas, em meados de junho de 2004, pela coordenadora, e por mais quatro pedagogas, três são contratadas na categoria de professor e uma de técnica (LÍDIA, 2005). Esse número de pessoas para atender a uma rede de ensino, em um Estado que tem dimensões sociogeográficas grandes, defasagem escolar, demandas diversas, problemas fundiários e ambientais, de porte continental, representa um desafio substantivo, quase impossível, na perspectiva de realização satisfatória, para essa equipe, planejar e atender às especificidades de cada escola nas Vilas e vicinais rurais. 127 O planejamento das ações dessa equipe da SEDUC é embasada em projetos,32 como: Guia Didático, Arca das Letras – Projeto de Bibliotecas, Projeto de Capacitação de Professores, Projeto São Geraldo do Araguaia e a parceria com as CFRs e com o Fórum Paraense de Educação do Campo (LÍDIA; JACI, 2005). Lídia (2005) afirmou que o Projeto Guia Didático é voltado para a educação do campo, de cunho itinerante; o “Projeto Arca das Letras”33 constitui-se em biblioteca fixa e itinerante, a ser implantado nas escolas. Alguns desses projetos estão em nível de planejamento, de discussão e elaboração; os já prontos, em sua maioria, encontram-se aguardando recursos para serem operacionalizados: A gente só tem recurso para trabalhar quando é montado um projeto que está dentro do nosso plano de trabalho. Nós só temos verba para capacitação de professores. Só posso falar que é um bom orçamento, e o de recursos didáticos. Um dos melhores orçamentos, por exemplo, dentro dessas coordenações, é o da educação do campo. A gente vê nos discursos, que ela dá muita ênfase a educação do campo. A gente corre atrás de convênio, de parceria para projeto. Por exemplo, como eu te disse, do livro didático. Para os restantes, a gente está correndo com um convênio com o Banco do Brasil, também com o BASA. A gestão da Secretária têm três pontos bons: o princípio pedagógico, o da gestão e o do financiamento (LÍDIA, 2005). O depoimento de Lídia (2005) é contextualizador e uma fonte histórica para aprofundar análises posteriores sobre a política educacional da Secretaria de Educação do Pará. A entrevistada, quando afirma que “[...] ela dá muita ênfase a educação do campo [...]“, está se referindo à então Secretária Executiva de Educação do Estado do Pará, Drª Rosa Cunha. Para entender a prática dos princípios priorizados – pedagógico, de gestão e de financiamento – é necessário estudar, posteriormente, a prática dessa gestão, considerando qual a concepção que norteia esses princípios, qual é a prioridade e como é sua operacionalidade. Considerando o trato dado ao projeto conveniado e firmado com as CFRs, com uma “invisibilidade” de descompromisso à iniciativa dos agricultores e lideranças do campo, e ao 32 A pesquisadora não teve acesso aos documentos. A justificativa foi de que esses projetos estão em fase de construção interna e não estão autorizados para consultas externas (LÍDIA, JACI, fev., jun. 2005). 33 Projeto Governo Federal. 128 centro do projeto, que é a formação respeitando o aluno, o calendário e o currículo diferenciados, é necessário dar outra forma ao processo em curso, no sentido de valorizar os atores mais importantes deste processo, como os alunos, os professores e os pais, tendo, assim, a escola e os alunos como prioridade da política educacional, e não os critérios burocráticos. Esta breve análise pode apontar que há disposição da equipe de educação do campo em construir outra política educacional, apesar do retrato dicotômico discurso/prática da SEDUC e de esta coordenação do campo não ter autonomia relativa para tomar decisões e para realizar/autorizar convênios. Os projetos relatados durante a entrevista, como o livro didático regional, não o do Estado do Pará, mas os livros do Pará, expressam o resultado de esforço da equipe. O recurso foi oriundo do FNDE, mas a demanda do Estado do Pará, de cerca de dois milhões de reais, não foi contemplada, pois esta quantia, foi aquela destinada para todo o Brasil, segundo menciona Lídia (2005). Diante desse fato, para a realização desse projeto, a escolha de prioridades foi inevitável, sendo direcionada para “ [... ] três disciplinas: matemática, português e ciências [...], contemplando só a quinta série, porque o projeto era para atender às necessidades da 5ª à 8ª série [...]. A opção por estas disciplinas, no entanto, aponta para a compreensão da continuidade da ênfase para a Matemática e para o Português, em detrimento da História e da Geografia local, uma postura tomada que desloca a intencionalidade de conduzir ao resgate da cultura local contextualizada, com tendência a fortalecer a concepção tradicional de formação. Este fato acaba deixando de lado, principalmente, a História Paraense, assim como os saberes locais, sobre o passado e o presente não socialmente padronizados, além da oportunidade da inserção desses saberes no espaço da escrita e da cultura escolar. O projeto de bibliotecas itinerantes do Governo Federal é outra política para atender à formação dos professores, projeto que é levado a cabo pelos Estados, ficando os livros por certo período em determinado município, para os professores consultarem por meio de um grupo de estudos. O uso é rotativo, portanto, dificilmente poderá abranger todas as escolas, principalmente as do campo, que são mais distantes. No caso do Pará se acentua, pois a diversidade e a dimensão geográfica são grandes, além de se considerar a relevância e a necessidade social de se ter uma biblioteca fixa em cada escola, para contribuir ao ensino de qualidade. Este projeto de bibliotecas fixas – da SEDUC – é um avanço, conforme ressalta Lídia (2005), devendo assim ser estimulado e cobrado o orçamento previsto, e, até além deste, para 129 que seja implementado urgentemente, e venha atender às demandas de todas as escolas, e não apenas àquelas dos municípios-pólo. O projeto de formação dos professores, em sua primeira turma, foi feito, de agosto a setembro de 2004, por meio da Coordenação de Educação do Campo, o Grupo Especial de Educação Modular (GEEM). Esta coordenação é a responsável pela realização da formação dos professores locais, nos municípios e nas vilas rurais, na modalidade modular (LÍDIA; JACI, 2005). A previsão da SEDUC era a capacitação para os professores do ensino regular, no período de maio e junho de 2005. Um dos objetivos da Secretária, conforme destaque dado pela professora I, é estar atuando de acordo com a experiência dos professores, na perspectiva de unir o trabalho desses professores com as diretrizes da SEDUC. Assim, na compreensão da equipe, esta instituição está com uma nova visão de educação do campo: “[...] própria ao meio, ao homem do campo; então você vai ter que mudar muita coisa, currículo, metodologia, livro didático [...]” (LÍDIA, 2005). Com essas perspectivas, o discurso da SEDUC sinaliza para uma aproximação de diálogo com o professorado e os alunos. No início de 2006, entretanto, a partir do final de janeiro, a coordenação de educação do campo foi extinta, sendo a equipe realocada na Diretoria do Interior (JACI, 2006). Esta decisão, tomada pela Secretária de Educação, na leitura que se faz, é para um redirecionamento não só em nível de organização intra- institucional, como também no trato da educação do campo, podendo ser voltada para dar certa autonomia à equipe e abertura à participação e à influência dos movimentos sociais na formulação das políticas ou então, para retrair ainda mais o pequeno espaço dado – até 2005 – à equipe e, assim, aprofundar o distanciamento com a sociedade. O movimento desse redirecionamento exige um estudo posterior para compreender a mudança em curso. O cenário atual que se expressa, em nível de Brasil, nas estatísticas de baixa escolaridade, é evidenciado nos indicadores de desigualdade social. Tais indicadores mostram a distância aproximada de 50% de retratação da escolarização das pessoas do campo em relação as da cidade. No campo, a média de anos de estudos é de 3,4 anos; e, na cidade, é de 7 anos, além de prevalecer um alto índice de analfabetismo: na cidade, uma taxa de 10,3%, e no campo, com 29,8% da população adulta, sem se considerar os analfabetos funcionais (REFERÊNCIAS, 2004). Desse modo, é notória a necessidade de ser revertido esse quadro deficitário. A tendência do analfabetismo regionalizar-se no campo paraense é presumida, apesar de programas de porte social como o PRONERA, mas que, no governo Fernando Henrique 130 Cardoso foi restrito aos assentados, deixando de lado outros espaços. Embora com esta ação tenham sido criados projetos, não foi assegurada – ainda - uma perspectiva potencializadora para o Pará. Visando superar as políticas centralizadoras, o caminho para a mudança foi iniciado por atores que integram os movimentos sociais, isto, já na década de 1990, como os “Gritos da Amazônia”, posteriormente, “Gritos da Terra Brasil”, e com continuidade no início deste século. Essas práticas sociais são necessárias como estratégias para a conquista da construção de outra política e sua implementação, com a formação plural e a interação entre saberes locais e globais. No Pará, os movimentos de agricultores e sem-terra, quilombolas das águas, da floresta, sindicalistas, de docentes e discentes procuram assegurar a participação da sociedade no planejamento do poder público. Assim, têm como fio condutor perspectivas de sociedade, democracia e autonomia, estas consubstanciadas nas suas reivindicações e proposições, que não secundarizam a educação escolar, reconhecendo-a no lugar social que esta merece estar: no conjunto das políticas públicas. Esses atores da Amazônia, participando dos “Gritos”, além de outros movimentos sociais, como o Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica, conjuntamente, também contribuíram, em sua longa trajetória, para a aprovação das Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo na esfera nacional. Neste contexto, compreende-se a importância da superação da dicotomia campo e cidade que embasa as políticas públicas. A luta dos agricultores por seus direitos e por políticas públicas34, expressa as suas necessidades e especificidades, que são deixadas de lado nos processos dessas políticas em curso. A essa atitude de defender e pela necessidade de preservar as vivências sociais e os saberes da tradição do território da Amazônia, como a de lutar por outras políticas públicas, somam-se “outros” atores, como o Fórum Paraense de Educação do Campo e representantes do parlamento estadual. O parlamento estadual, por meio de alguns deputados comprometidos com as questões do campo e da educação, movimenta-se no Palácio da Cabanagem,35 em torno das demandas dos povos desse espaço. Nessa perspectiva, a construção das Diretrizes Operacionais para a Escola do Campo no Pará é um dos fortes indicadores da agenda de compromisso desses parlamentares. O deputado Valdir Ganzer (PT) elabora, com a participação – do deputado 34 “[...] Entende-se por políticas públicas os conjuntos de ações resultantes do processo de institucionalização de demandas coletivas, constituído pela interação Estado-sociedade”. KOLLING, Edgar Jorge; Ir. Nery e MOLINA. Mônica Castagna. (Orgs.). Brasília: UNB/MST, 1999, p.57. (Coleção Por uma Educação Básica do Campo). 35 Sede do Poder Legislativo do Estado do Pará. 131 Airton Faleiros (PT) -, da sua assessoria e de alguns membros do MDTX – o Projeto de Lei que trata desse tema, apresentando-o na Assembléia Legislativa do Estado do Pará, em 14 de outubro de 2003, e ainda em trâmite em fevereiro de 2006. Na justificativa de apresentação deste Projeto, os deputados contextualizam o atual cenário, sinalizando que há dicotomia na política educacional paraense, que reforça o processo de concentração do conhecimento. Enfatizam que há a distinção entre formação geral e formação técnica para os filhos dos trabalhadores: “[...] os projetos estatais de educação não têm se preocupado com as especificidades do meio rural. [...] seus conteúdos estão distantes da realidade, da vida e do trabalho [...], não levam em conta o saber popular e o calendário agrícola [...]” (PROJETO DE LEI, 2003, p. 2). A perspectiva do Fórum Paraense de Educação do Campo36 é similar a dos movimentos sociais, constituindo-se para contribuir, participar e formular políticas públicas, e para ter controle social na gestão educacional, por meio de mecanismos democráticos. A caminhada para a constituição dessa instância teve início em outubro de 2003, com sua organização em 2004, sendo um marco para a História da Educação Paraense. Assim, [...] essa reuniões, elas começam com uma discussão que teve uma audiência pública, que foi proposta por um deputado estadual, o Valdir Ganzer. A partir daí a gente chamou para um café, um conjunto de pessoas para fazer discussão sobre isso [...].O fórum começa com esse conjunto de articulações, tendo algumas pessoas receio de que sua institucionalização levaria ao processo de burocratização [...]. O Fórum se estabelece como um instrumento de articulação e de consolidações de proposições. E a partir daí começa o trabalho, a discussão para a possibilidade de um encontro. [...] Esse, o I Seminário de Educação do Campo (OSMAR, 2005). 36 O FPEC é formado por agricultores, assentados, ribeirinhos, indígenas, quilombolas, sindicalistas, professores, alunos, jovens – representantes de Movimentos Sociais, como, MST, AFRO-DESCEDENTE (MOCAMBO), Movimento Sindical, Popular, Estudantil e Organizações Sociais de Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo e da Educação, Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), Movimento de Educadores de Gurupá (MOEG), Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu (MDTX); Associação dos Povos Indígenas do Araguaia Tocantins, comunidade Ribeirinha São José (município de São Domingos do Capim); Escola DENSA/Nova Amafrutas, Instituições de Pesquisa, Instituto Saber Ser Amazônia Ribeirinha (ISSAR), CEDEMPA, ONGs e de Centros Familiares de Formação por Alternância (EFAs e CFRs); de Secretarias Municipais e Estadual de Educação, do Ministério da Educação, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Trabalho e Emprego e de outros órgãos de gestão pública com atuação vinculada à educação e ao campo, como EMATER, EMBRAPA, CEPLAC, ARCAFAR, Escola Agrotécnica Federal de Castanhal (ETFC), Universidade Rural da Amazônia (UFRA); Universidade Estadual do Pará (UEPA/Núcleo de Educação Popular), Museu Paraense Emílio Goeldi/MPEG, Universidade Federal do Pará (UFPA/Centro Agropecuário, Centro de Educação/GEPERUAZ/ GESTAMAZON/Centro Socioeconômico); Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/PRONERA), EFAs, entre outros. 132 Vale ressaltar que este Fórum é resultado também do trabalho dos movimentos sociais desde a década de 1990, representando um avanço para as políticas públicas, com a possibilidade afirmativa de propor, articular programas, projetos e, principalmente, para construir linhas para a reconstrução das diretrizes estaduais para a educação do campo. Também o Fórum, como representação legítima da sociedade, detém poderes consultivos, podendo interferir, propor, e exigir o cumprimento das políticas e projetos. Nesse sentido, o documento Carta de Belém, resultado do I Seminário de Educação do Campo do Pará, realizado no espaço da Universidade Rural da Amazônia (UFRA), é histórico para registrar o movimento em curso, e por ser constituinte para as novas diretrizes para as políticas educacionais. Expressa, nesta perspectiva, além de seus propósitos, nas entrelinhas dos princípios e finalidades, de quem é a iniciativa legítima para abrir e dar continuidade ao debate pela educação. Considera-se que a educação defendida pelo Fórum não é isolada dos contextos nacional e urbano, aportando-se para dar forma e conteúdo aos projetos políticos/pedagógicos, embasados, certamente, em princípios universalistas que potencializam o desenvolvimento da cidadania (CABRAL NETO, 2004, p.30), e não para corroborar com as desigualdades sociais. Ao lado disso, os membros do Fórum, na leitura que se faz, partem de pressupostos favoráveis a uma educação reflexiva, com aportes universalistas, para um conduzir à emancipação humana e à transformação social. Um outro ponto marcante da Carta de Belém é a declaração de reconhecimento da importância das práticas educativas de iniciativa dos atores sociais locais, assumindo, assim, o compromisso em dar ênfase à articulação para afirmação dessas experiências. Nesse sentido, o projeto para a educação do campo, também defendida pelo Fórum, é pautado na experiência social que produz o processo da existência desses trabalhadores. Para viabilizar a continuidade das experiências educativas, a voz dos membros é representada nesse documento, destacando “[...] a necessidade do poder público e a sociedade reconhecerem [...]; e se comprometerem com a garantia do direito à educação no campo [...], o que requer políticas públicas referenciadas, legislações e financiamento, [...]” (CADERNO DE TEXTOS/FPEC, 2005, p. 8). Observa-se que essa manifestação não só apresenta o posicionamento sociopolítico dos participantes, como também, a realidade da atual política educacional paraense. Ultrapassar esse estado atual do trato às políticas educacionais do Pará, exige que seja discutida coletivamente pelo poder público, para que se possa projetar novos caminhos para a educação, em âmbitos regional e local, contendo os objetivos e fins dos atores que estão construindo o FPEC. 133 Nessa perspectiva, os atores do Fórum se obrigam, nesse documento, a “[...] trabalhar pela elaboração e implementação de políticas públicas de educação comprometidas com o desenvolvimento do campo e a inclusão social, valorizando a diversidade e os saberes das populações do campo [...]” (CADERNO DE TEXTOS/FPEC, 2005, p.8). O compromisso assumido pelo Fórum, segundo os seus princípios, tem a intencionalidade social de construir uma política educacional que parta e atenda as demandas dos trabalhadores do campo, incluindo-se na luta desses povos. Essa luta não se esgota na educação e na política, em termos quantitativos, mas vai além, no campo dos direitos sociais, como a reforma agrária, saúde, trabalho, habitação, previdência, crédito, estradas, assistência técnica, participação política, entre outros. Na Declaração de Princípios pelo FPEC, destacam-se o compromisso social e político das instituições e os movimentos sociais que constituem esta entidade com os povos do campo, para a realização de um trabalho de parceria que implemente políticas integradas aos seus princípios e à sua cultura (CADERNO DE TEXTOS/FPEC, 2005). Quinze princípios totalizam o norte desse documento, construídos em respeito às demandas conduzidas pelos movimentos sociais participantes do Fórum. Em seu ítem I, confere referenciar o democrático, o ético, o de justiça e igualdade social, e o de luta por direitos humanos (CADERNO/FPEC, 2005, p.9). Tais princípios são os aportes que consignarão as considerações em torno da construção de uma política pública. O item II reafirma o I, no sentido de se defender e lutar para, na prática, se ter “[...] o direito à terra e ao usufruto sustentável dos ecossistemas naturais” (CADERNO/FPEC, 2005, p.9). O III princípio, ao defender “[...] a liberdade de expressão e de proposição, o pluralismo de idéias e experiências; [...]” (CADERNO DE TEXTOS/FPEC, 2005, p.9), potencializa a intenção de construção participativa e o respeito ao direito subjetivo e coletivo dos atores sociais, de uma política de educação do campo que seja embasada nesses referenciais e não restrita às regulações das relações de mercado. 134 Foto 3 – Apresentação cultural no II Seminário Estadual de Educação do Campo do Pará. Fonte: Neila Reis. Pesquisa de campo, junho de 2005. No IV item, afirmando “ – O respeito à diversidade [...]” (FPEC, 2005, p.10), motiva a compreensão da definição de uma política educacional com cunho democrático, constituindo- a em um instrumento de organicidade às diversidades culturais e, assim, indutora de reivindicações e especificidades locais ao focalizar a questão da população ter “- O Direito de Acesso ao Patrimônio Cultural, Científico, Artístico, Técnico, Tecnológico, Construído pela Humanidade [...]” (FPEC, 2005, p. 10), não só afirma seu posicionamento, como fortalece o debate para que essa dimensão da vida social não seja tratada à margem de instrumentos legais. O VI item dá ênfase “[...] a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, conhecer, produzir e se organizar” (CADERNO/FPEC, 2005, p. 10), conduzindo ao entendimento de que a política educacional seja aberta ao fortalecimento de uma formação com qualidade social referenciada e às motivações de relações democráticas na escola. No princípio VII, o Fórum evoca “[...] o respeito à autonomia das instituições, entidades e movimentos sociais” (CADERNO/FPEC, p.10), preconizando, assim, as relações éticas, democráticas e anti-clientelistas. O VIII princípio prevê “- o engajamento na elaboração, implementação e consolidação de políticas educacionais voltadas para as populações do campo, comprometidas com o desenvolvimento rural sustentável econômica e ambientalmente” (FPEC, 2005, p.10). Nesta perspectiva, o Fórum assume o compromisso efetivo com os trabalhadores do campo para 135 fortalacer a necessidade permanente de organização e luta pela educação pública sem o caráter filantrópico e de voluntariado. Compreende-se que esse princípio tem uma responsabilidade sociopedagógica de marco referencial, uma vez que insere a questão ambiental como uma dimensão pedagógica, política e de projeto de sociedade para ser discutida na formação escolar. Dessa forma, a leitura sobre esse posicionamento é de que o Fórum não apóia projetos na ótica reprodutivista em nome de defesa do meio ambiente para assegurar interesses comerciais. O ponto chave, de caráter imediato e a longo prazo, é para além da reconstrução dos Planos e Projetos Políticos Pedagógicos à base de uma política que não reforce a fragmentação do saber, e que considere a educação no elo e horizontalidade com as demais políticas públicas. Considera-se, para esse debate, a relação orgânica da formação assentada entre trabalho e vida, e a importância dos sistemas locais como locus para a escola. A reflexão de SHIVA (2003, p. 27) é pertinente para contribuir nesta reconstrução da política e cultura educacional. Discutindo as questões de estratégia do desenvolvimento e defendendo a proteção para a biodiversidade, a autora mostra os corolários da separação entre saber da tradição e da ciência, tendo em vista que “[...].a criação de categorias fragmentadas faz com que os olhos se fechem para espaços inteiros que o saber local compreende, saber que está muito mais perto da vida da floresta e é muito mais representativo de sua integridade e diversidade [...]”. O princípio IX reafirma “- o compromisso com o direito à educação pública e gratuita, acesso e permanência com qualidade social, a escola como instrumento de desenvolvimento e emancipação das populações do campo, dos rios e da floresta [...]” (CADERNO/FPEC, 2005, p. 10). A orientação de corroborar para a educação ser tratada como direito social, pois esta o é, é um dos compromissos assumidos por Fórum paraense. Pelo seu desempenho, até este tempo presente, pode-se afirmar que ele está no front do debate para que o poder público não limite este direito social ao plano de intenções. Isto corresponde à observância de que planos, programas e projetos necessitam ter continuidades – de governo para governo, evitando o desordenamento e o trato de “naturalidade” dado a este estado. O X princípio vem retratar este quadro de descaso das políticas públicas, também no âmbito do financiamento, e reforçar os demais princípios, direcionando a necessidade de se efetivar “- a luta incessante pela garantia de verbas públicas à educação do campo” (CADERNO/ FPEC, 2005, p.10). O XI princípio enfatiza a necessidade de fazer “- o resgate e a (re) valorização da identidade e dos processos educativos das populações do campo, dos rios e da floresta” 136 (CADERNO/FPEC, 2005, p.10). A perspectiva de resgatar e valorizar as referências identitárias desses atores não concerne em reforçar a visão idealizada do campo, ou das relações sociais e das concepções. Também, não cabe considerar como trabalho pedagógico para produzir um conhecimento descontextulizado, nem para desqualificar o espaço da cidade. O sentido dado pelos membros do Fórum é na direção de lançar um olhar de respeito e de afirmação, dessa identidade, para a produção do conhecimento, que não seja homogeneizador e que se dê como processo no currículo escolar. Isto, significa considerá-lo como um instrumento fim para a desconstrução da dicotomia tradicional entre campo e cidade O XII princípio contempla “- a defesa da gestão democrática na educação do campo” (CADERNO/FPEC, 2005, p.10), configurando, de maneira geral, um olhar a respeito de que a categoria democracia está distante do sistema de ensino paraense. O Fórum, visando inscrever a gestão escolar na modalidade partilhada, conduz à leitura de que é preciso considerá-la aberta, para se ter a participação qualificada de todos os atores. Essa dimensão, na forma atual de seu exercício, expõe a necessidade da criação e fortalecimento dos Conselhos Escolares e Municipais de Educação, assim como nas demais dimensões, como agricultura, saúde, entre outras. O XIII princípio acresce a necessidade de instaurar “- a luta incessante pela universalização do acesso à educação básica, profissional e superior com qualidade social, pelas populações do campo, dos rios e da floresta” (FPEC, 2005, p.10). É tanto na cidade, como no campo que a luta pela universalização da educação para todos os atores, em todos os graus e modalidades, deve se dar. Lugar social que os membros do Fórum vão se defrontar com outras concepções e outras formas de socialização, tanto para defender, como atacar a escola, por isso ressaltam a necessidade permanente de esforços para a conquista dessa meta. O princípio XIV, destacando “- a valorização de educadores e educadoras do campo” (CADERNO/FPEC, 2005, p.10), enfatiza o entendimento da importância da qualificação desejada aos professores, o que significa uma formação não aligeirada, com consistência e possibilidades técnicas. Também, o trato social e o piso salarial na carreira docente são necessidades sociais pertinentes à responsabilidade do Estado. A formação do professor é interligada ao trabalho educativo na escola, tanto na transmissão, como na produção do conhecimento, devendo assim ser articulada, para ocorrer em todos os graus (médio e superior), como um veículo de aportes teóricos/metodológicos reflexivos, assim contribuindo para a capacidade do desenvolvimento de pensar, tanto da criança, como do adolescente, por meio desse trabalho devido ao potencial crítico que muitos professores estarão adquirindo. Nesse sentido, situa-se a relevância social dessa proposta, em 137 planejar, apoiar e se engajar no processo de formação e valorização dos trabalhadores em educação (CADERNO DE TEXTOS/FPEC, 2005). Visando assumir os princípios defendidos e o alcance de algumas metas, o FPEC partiu para ações, sendo possível, em 2005, realizar seminários regionais e o II estadual. Estes seminários são instrumentos chave para o debate, para a construção e a articulação por outra política pública, entre essas a reconstrução do Plano Estadual de Educação e dos municipais. O Fórum trabalhou para que seja construída a política educacinal que se quer, assim,”[...] ao todo, foram realizados 11 eventos preparatórios ao II Seminário Estadual de Educação do Campo, envolvendo mais de 1.500 participantes de 40 municípios do Estado do Pará [...]” (HAGE, 2005, p. 15). Este Seminário se propõe a ser não apenas um encontro oficial, mas sim norteador para a participação e a articulação para a implementação da gestão democrática institucional. Com vistas para afirmar a educação do campo e garantir políticas públicas democráticas, os representantes regionais, por meio de documentos intitulados Manifestos, contextualizam a sua realidade, apresentando suas demandas. O subitem “O que queremos” retrata tais demandas, como as do Fórum da Transamazônica e do Xingu, podendo-se perceber o trato e o padrão da política educacional para os filhos dos trabalhadores nessa região: [...] Garantia de Formação permanente dos profissionais de educação que atuam no campo [...] Garantia de material didático diferenciado para o campo [...]. Construção de currículo para as escolas do campo valorizando a realidade vivenciada pelos educandos. Extinguir o caráter temporário dos projetos de educação do campo, tornando-se de fato projetos de educação permanente [...] Educação do campo como prioridade do governo, tendo como metodologia o envolvimento das famílias no processo educacional, otimizando a agricultura familiar, legalização das CFRs do Estado do Pará, tendo o reconhecimento por parte do poder público da Pedagogia da Alternância, com orçamentos garantidos na legislação; criar uma área para produção de alimentos nas CFRs; garantia de vagas nas CFRs a todas as pessoas que vivem na agricultura familiar; reconhecimento do regimento Interno que se encontra no Conselho E. de Educação [...] (FECP,2005, p. 20). O II Seminário de Educação do Campo do Pará, em junho de 2005, segue na direção desse fio condutor de participação da sociedade, com destaque de incentivo à voz dos representantes das regiões no último dia do evento. Essa participação de certa forma foi 138 restrita, tendo em vista que o tempo destinado às discussões pelos Grupos de Trabalho foi exíguo, prejudicando a sistematização das reivindicações e das sugestões pelo próprio grupo, assim como a socialização das experiências. A iniciativa desse Seminário foi dos membros do Fórum, da coordenação de educação do campo do MEC, com apoio da SEDUC, tendo à frente do planejamento e coordenação uma comissão executiva, para a realização das tarefas, formada por professores, técnicos, pesquisadores, graduandos e pós-graduandos, representantes de entidades, como também alguns membros dos movimentos sociais, visando estabelecer a continuidade do debate sobre a educação e a política educacional, tanto aquelas em curso como as que se desejam. A opinião de Osmar (Belém, 2005) retrata um pouco do cenário para a construção do Fórum e das atividades mais importantes que desenvolve: O II Seminário é a conjugação um pouco da proposta das Diretrizes, da Coordenação de Educação do MEC. Começa-se toda a articulação em relação a essas questões. Vem um assessor do MEC, o Breno. Tive conversando com ele, na verdade, já tinha um proposta mais acabada, a gente ficou ponderando as questões a partir da nossa experiência. Acho que a gente chegou a um consenso sobre a possibilidade do encontro para discutir as Diretrizes, encontros temáticos. [...] Começou-se a chamar as entidades; a SEDUC veio mais porque é um encontro oficial, promovido pelo MEC. [....] A SEDUC tem travado um pouco o debate, por algumas razões, que eu acho que são mais políticas do que qualquer coisa [...]. A SEDUC quer mais fazer um encontro oficial, do que um debate sobre a questão da educação do campo. Um debate que possa efetivamente colocar diretrizes efetivas para a educação do campo no Pará. [...] que busca responder as perspectivas das populações do campo, a partir do seu modo de vida. [...] Preparar um documento que responda aos anseios dessa população [...]. Nessa perspectiva é elaborado o documento intitulado – Manifesto -, resultante do II Seminário de Educação do Campo do Pará, em junho de 2005, expressando a necessidade de luta contínua por políticas públicas para a educação. Ressalta este documento, a importância de se ter, na pauta do Fórum, a construção de uma agenda da sociedade e dos governos em suas diferentes esferas. Esse Seminário constitui-se num momento histórico em que representantes do poder público de governos municipais, estadual e federal, instituições de ensino e pesquisa, ONGs e movimentos sociais se articularam, coletivamente, afirmando um compromisso para a construção de tais políticas no Estado do Pará. 139 O Manifesto do II Seminário Estadual de Educação do Campo, no subitem “O que defendemos”, reforça o exposto no contexto dos Manifestos Regionais quanto à concepção de educação e qual o projeto de políticas públicas que permeia nas aspirações, na voz e no pensamento dos atores paraenses para uma boa formação, contrapondo-se, assim, às alianças conservadoras e ao conjunto de políticas impostas. O objetivo do Fórum é recorrrer ao passado e ao presente para afirmar as possibilidades do desenvolvimento democrático como contraponto às ações que gestam pacotes pedagógicos e a persistência de padrões tradicionais nessas políticas. O Manifesto desse Fórum Paraense além de posicionar-se abertamente quanto às políticas públicas e à educação que defende, expressando o seu compromisso de lutar pela universalização da educação, praticamente em cada subitem reforça a importância dessas políticas estarem vinculadas ao processo de existência dos atores locais, não alijando a participação destes na definição das políticas. Ao incorporar alguns desafios quanto ao contexto atual da educação do campo na Amazônia paraense, procura, dessa maneira, evidenciar a problemática do déficit educacional na região: garantia de acesso e permanência na escola, particularmente em nível de educação infantil; ampliação da oferta educacional em nível de ensino fundamental (5a à 8a séries) e ensino médio, cujas limitadas oportunidades determinam o deslocamento de jovens e adultos para a cidade; bem como a educação de jovens e adultos e a educação superior; reversão da precariedade da oferta educacional, particularmente no que se refere às classes multisseriadas; valorização do magistério, contemplando a formação continuada, implantação e cumprimento do Plano de Carreira; melhoria da infra-estrutura nas escolas; implantação de escolas nas áreas de assentamentos, quilombos e aldeias indígenas; implementação de propostas educativas e currículos que valorizem a identidade e necessidades dos sujeitos do campo; indispensável garantia de financiamento diferenciado para a educação do campo; importância e necessidade de assegurar gestão educacional participativa. No sentido de contribuir para que sejam vencidos os desafios citados, o documento ressalta que: 140 [...] lutamos por uma sociedade que valorize a diversidade étnico-racial, a sustentabilidade como projeto de desenvolvimento regional, valorização dos recursos naturais e culturais; garantia de terra, trabalho; fortalecimento da agricultura familiar, contrapondo-se ao agronegócio e ao latifúndio (MANIFESTO, 2005, p. 11). No item “o que vamos fazer” do Manifesto do II Seminário de Educação do Campo do Pará, os membros do Fórum assinalam o compromisso para articular, contribuir, reivindicar, construir coletivamente e apresentar propostas que venham possibilitar o diálogo com os poderes públicos. Nesse sentido, o diálogo constitui um dos instrumentos para assegurar mudanças no trato da política educacional do campo. Para isto, a reordenação de projetos e programas com caráter permanente é um dos passos prioritários de intervenção na realidade, tendo como referência inicial “ [...] contribuir na construção coletiva do Projeto Político Pedagógico (PPP) para escolas do campo na perspectiva de implementar um currículo e elaborar materiais didáticos pedagógicos vinculados com a realidade local [...]” (MANIFESTO, 2005, p. 12 ). Essa reorientação vinculada à experiência social das crianças, dos jovens e adultos, se trabalhada pelos professores, de maneira reflexiva e contextualizada, motivará a participação e a compreensão crítica do mundo. Um trato de intervenção dessa natureza não compreende a educação fragmentada de outras dimensões, aportando, assim, a responsabilidade de não se esgotar em implementação e continuidade de planos, projetos e programas de escolarização, mas sim compreende um conjunto de políticas que são sínteses de demandas socioculturais, ambientais, etc. O Fórum se propõe a [...] reivindicar a participação de representantes dos movimentos sociais do campo no controle social das políticas públicas e programas implementados na educação do campo nas diversas esferas (municipal, estadual e federal), bem como nos Conselhos Municipais de Educação, do FUNDEB, Merenda Escolar, Bolsa-Família, etc. [...] (MANIFESTO/FPEC, 2005, p. 12). O compromisso contido nesse documento procura, com a participação desses atores, evitar as práticas não transparentes. Propõe-se, principalmente, lutar para que as políticas públicas, na prática, sejam universalizadas e tenham gestão controlada socialmente. Esse compromisso do Fórum reforça a compreensão de que os programas são tratados de maneira 141 fechada, ficando, assim, distantes de uma prática democrática e da publicização real de sua operacionalidade. Outro compromisso do Fórum, de relevância social como os demais elencados no Manifesto do II Seminário, prevê: “ [...] estimular, articular e apoiar a construção de políticas municipais e estadual de educação do campo, [...] baseados nas Diretrizes Operacionais, experiências vivenciadas pelas comunidades, educadores e educandos; [...]” (MANIFESTO/FPEDC, 2005, p. 10). Assim, apoiar a construção de políticas regionais, não em nome do regional, mas sim, intrinsecamente, relacionadas a um projeto de investimento instituído e instituinte de um conjunto de processos que se articulam nas dimensões da realidade, representa um avanço para a conquista desse direito. O objetivo do Fórum é resguardar as diferenças socioeconômicas e culturais significativas, interligado com amplos setores da sociedade civil organizada, com base no processo de experiência social na Amazônia paraense. Na plenária da reunião do Fórum Paraense de Educação do Campo de outubro de 2005, foi discutida a escolha das principais prioridades para as ações deste Fórum para 2006 (FPEC/PLENÁRIA, outubro de 2005), tendo como eixo a construção das Diretrizes Operacionais da educação do campo no Estado e Municípios. Entre os pontos priorizados se têm: a construção de uma proposta política de Formação para a educação do Campo, que se encontra em andamento, com a participação de movimentos sociais e professores, pesquisadores; a reconstrução de Políticas Públicas de Educação do Campo (estadual e municipais); revisão e/ou elaboração dos Planos Municipais e Estadual de Educação, com incorporação da educação do campo nesses processos; revisão do Plano Nacional de Educação, a fim de assegurar alocação de recursos e um capítulo próprio para a educação do campo, encontrando-se em tramitação no Congresso Nacional; socializar o Projeto Saberes da Terra/MEC, de formação e qualificação social e profissional. Dessa discussão, a elaboração do Projeto Saberes da Terra para o Pará, por membros do FPEC, entre outubro e novembro, confere a disposição e responsabilidade dos membros desse Fórum, constituindo um avanço para a implementação de outra política educacional, uma vez que os princípios que embasam o projeto-mãe (nacional) são concernentes a algumas demandas dos filhos dos trabalhadores do campo, reforçados no projeto paraense em apreço. O movimento empreendido pelo FPEC caracteriza-se pela dinamicidade, tendo, a plenária de 8 de fevereiro de 2006, aprovado o esboço da proposta do III Seminário de Educação do Campo do Pará (FPEC/Síntese de Plenária, fevereiro de 2006). 142 Os objetivos dessa proposta preliminar para o III Seminário, prevê a aprimoração de discussões e construção de elementos bases que nortearão as principais diretrizes por outra política educacional. As perspectivas são para delinear medidas que configure as responsabilidades de cada participante e, principalmente do Estado. Para tanto, é necessário [...] debater e propor instrumentos e mecanismos para elaboração e implementação de Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do Campo no Estado e nos Municípios. Estimular e apoiar a elaboração e implementação de Planos Municipais de Educação e Plano Estadual de Educação, focando/enfatizando a educação do campo. Debater a questão do financiamento da educação do campo e propor alternativas e encaminhamentos. Aprofundar o debate sobre políticas públicas para educação do campo e desenvolvimento rural na Amazônia, particularmente no Estado do Pará. Fortalecer a articulação interinstitucional sobre a educação do campo. Promover o intercâmbio de experiências sobre educação do campo e desenvolvimento rural sustentável na região (SÍNTESE DE PLENÁRIA/FPEC, 2006, p. 1). Entende-se, a partir desses objetivos, que a perspectiva do Fórum não é para consolidar o recuo estratégico do Estado, principalmente, quanto ao financiamento, e nem que esteja disposto à conciliação de posições que reafirmem a política em curso. Acena estar disposto a efetivar-se com o comprometimento social, com o ambiental e com os saberes locais, projetando-se, assim, para qualificar-se como instância de planejamento consequente. Diante das afirmações da Carta de Belém, dos Manifestos Regionais e o do II Seminário, acredita-se que este movimento não silenciará para a articulação e luta pela garantia de direitos sociais às pessoas, enfrentando os desafios e as adversidades das condições políticas e de vida no meio rural do Estado do Pará. Ademais, o Fórum motiva para a compreensão de que é uma instância democrática, podendo, nessa perspectiva, contribuir para evitar o descaso com a educação pública e às imposições de pacotes exteriores de educação que são trazidos para a formação dos jovens. Este, também sinaliza as relações de causa e efeito de déficit educacional, e não a sua naturalização; defende o espaço público como referência para debater/construir/reconstruir as políticas públicas, entre essas, as educacionais. 143 Capítulo 2 – A Alternância na encruzilhada do debate social em torno da educação. Foto 4 – 8º Congresso Internacional de Alternância: Família, Alternância e Desenvolvimento. Foz de Iguaçu/PR Fonte: Neila Reis. Pesquisa de campo, maio de 2005. 2.1 Situando o contexto As formações educativas em alternância são presenças marcantes nas últimas décadas do século XX e neste início do século XXI, sendo esse conceito o eixo central das Maisons Familiales Rurales da França (Casas Familiares Rurais). Constituem-se na diversidade de experiências locais e regionais, tanto em países centrais, assim como nos classificados emergentes, como o Brasil. Essas formações educativas têm, entretanto, um objetivo geral, com caráter que se pretende universal, o de efetivar a articulação entre os pressupostos teóricos e práticos, porquanto, diferenciadas da escola tradicional, substituindo ou complementando os processos educativos formais, regulamentados pelos sistemas oficiais de ensino. Do ponto de vista etimológico, a palavra alternância origina-se do latim alternare, compreendendo o outro. Corresponde, em âmbito geral, a um movimento de 144 mudança/permanência intercaladamente, com ordem de sucessão regular, nas dimensões de tempo ou de espaço (LAROUSSE DO BRASIL, 2004; SILVA, L.H., 2003). Silva, L.H.(2003) assinala que o vocábulo alternância, na França, vem do século XIV, mas sua introdução no dicionário da educação escolar oficial ocorreu só em 1973, no Colóquio de Rennes, apesar de ser usado pelas Maisons Familialles Rurales – Casas Familiares Rurais – desde a década de 1940. Após a 2ª Guerra Mundial, também foi pensada para ser utilizada no âmbito industrial. Apesar de ser largamente utilizada, a alternância não era reconhecida, por isso não era citada e muito menos legalizada. Valorizando e visando afirmar o seu reconhecimento, Gimonet (1984, p. 41) enfatiza que “[..] a alternância pedagógica [...] foi praticada desde muito tempo e em diversos lugares sem que tenha sido designada como tal [...]”. A afirmação de Gimonet (1984) sobre o direito social do termo alternância ganhar espaço é atual, não só pelos antecedentes histórico-sociais das experiências na França, mas também pela singularidade em possibilitar a interação da relação orgânica entre trabalho e educação, de forma reflexiva. As raízes da alternância educativa, nessa atualidade, encontram-se no pensamento elaborado e veiculado por duas grandes correntes pedagógicas: a Socialista e a Liberal, que se preocuparam com a problemática situacional das crianças das classes populares. Tais correntes partiram do pressuposto social de defender a criança da condição imposta pelo mundo do trabalho, nos séculos XIX e XX, contrapondo-se à – naturalidade – dessa ser tratada como força de trabalho e levada para realizar atividades com cobrança de produtividade no mercado de trabalho, concebendo a tese do conhecimento para todos e da participação democrática (CAPELO, 1994). Nesse contexto, para situar brevemente o tema, é feita uma abordagem pontual para a Pedagogia das Competências, um dos paradigmas pedagógicos da década de 1990. É necessário citar, pela relevância social, as duas grandes matrizes pedagógicas antecedentes: a Socialista, que toma como referência a categoria trabalho37, considerando-a na relação, 37 “Embora Marx se debruce em analisar exaustivamente o trabalho alienado que ocorre no processo de produção capitalista (o que ele faz magistralmente em O Capital), onde o conceito de trabalho produtivo corresponde ao trabalho que produz mais-valia; na verdade, o trabalho para Marx era muito mais que isso; era uma esfera de realização humana e o trabalho produtivo dizia respeito ao processo de transformação da natureza. No capitalismo vira outra coisa, o que, em tese, deveria ser a realização do homem torna-se uma força estranha, uma força de alienação humana” (GERMANO, José Willington, 2006, nota de orientação à este trabalho). Neste sentido, “[...] a centralidade ontológica do trabalho é um dos fundamentos que possibilitou a Marx a propor a superação da submissão do trabalho ao capital.[...] o reconhecimento do caráter fundante do trabalho para o ser social não inviabiliza a crítica radical de suas formas historicamente concretas. Pelo contrário, esse reconhecimento está na base da proposta marxiana da superação do trabalho abstrato por uma sociedade de produtores livremente associados. Justamente por ser o trabalho, a categoria fundante do mundo dos homens, 145 interdependente, trabalho/educação; e a Liberal, mais precisamente a Pedagogia Nova, defensora do método ativo38, centrado no aluno, que viabilizou o surgimento de programas educativos por meio da noção de alternância. Na década de 1990, é criada a Pedagogia das Competências, com raízes decorrentes da Pedagogia Liberal, as quais enfatizam, entre outros, o princípio de desenvolvimento dos talentos individuais, centrando, assim, na educação, a tarefa de eqüalizar as questões sociais e democratizar o conhecimento. Assim, Capelo (1994) ressalta que tais pedagogias, na prática, têm caminhos opostos. Para as pedagogias socialistas, o eixo central constitui-se na inter-relação entre o trabalho manual e o intelectual, valorizando a produção de bens materiais socialmente úteis. Tais correntes concebem assim que o lugar de formação também se dá no espaço do trabalho, com o sentido de realizar a intersecção entre o trabalho e os estudos escolares. Já as pedagogias liberais constroem suas referências enfocando espaços delimitados, diferentes e, com características de isolamento nos dois momentos, entre a escola e o trabalho, não ligando o momento do trabalho como referência da realidade para a escola, transparecendo, assim, um – esquecimento – sobre a importância deste trabalho como elemento para a produção da existência humana, portanto, educativo. Essa concepção, consequentemente, privilegia a separação da formação por meio do repasse diferenciado do saber, mas no discurso defende a sua democratização. Assim, a escola é o espaço da formação e o trabalho é – apenas – classificado como “[...] uma atividade manual que está ao serviço da formação intelectual” (CAPELO, 1994, p.3), reforçando, desse modo, a hierarquização e a separação dos saberes. Marx pode postular a necessidade de superação do trabalho abstrato, forma historicamente particular de exploração do homem pelo homem. A análise ontológica do trabalho tal como realizada por Luckács em nenhum momento vela os graves problemas oriundos, para nossa sociedade, de vigência quase universal do trabalho abstrato. [...] Nada mais falso, portanto, que tomar um “trabalho” pelo trabalho abstrato. O fato de termos apenas uma palavra para expressarmos os dois sentidos em que o trabalho comparece na reflexão marxiana e o fato de vivermos em uma quadra histórica de agudas transformações na forma imediata do trabalho abstrato não devem nos conduzir à confusão entre trabalho enquanto categoria fundante do mundo dos homens e trabalho abstrato, produtor de mais-valia [...]”. LESSA, Sérgio. Mundo dos homens. Trabalho e ser social. SP: Boitempo, 2002. 38 “[...] essa renovação foi maior no âmbito da tradição ativista, quando a escola se impôs como instituição chave da sociedade democrática e se nutriu de um forte ideal libertário, dando vida tanto a experimentações escolares e didáticas baseadas no primado de ‘fazer’ quanto a teorizações pedagógicas destinadas a fundar/interpretar essas práticas inovativas partindo de filosofias ou de abordagens científicas novas em relação ao passado. O ativismo foi uma grande voz da pedagogia novecentista, pelo menos até os anos 50, e alimentou toda uma série de posições que deixaram sua marca na escola contemporânea e na pedagogia atual. Além disso foi um movimento internacional – embora sobretudo europeu e norte-americano – [...]. Enfim, realizou uma reviravolta geral na educação, colocando no centro a criança, suas necessidades e as suas capacidades; o fazer que deve preceder o conhecer, o qual procede do global para o particular e, portanto, amadurece inicialmente num plano ‘operatório’, como sublinhou Piaget; a aprendizagem coloca no centro o ambiente e não o saber codificado e tornado sistemático”. CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP:1999, p. 513. 146 Nessa perspectiva, as proposições dos organismos internacionais, sob o discurso para uma – política educacional universal -, assentam-se nas demandas do setor produtivo, por meio da Pedagogia das Competências e dos Projetos. Dessa forma, dizem respeito à ênfase para a transmissão de um saber com caráter instrumental na educação básica. A noção do saber sistematizado, resumidamente, materializa-se no instrumental didático e no ato pedagógico descontextualizado, vindo da matriz liberal. Em direção similar, também o saber técnico estende-se para os cursos profissionalizantes, acentuando-se esta noção para as requalificações e aperfeiçoamentos profissionais, acontecendo, geralmente, nas formações intra-empresas. Capelo (1994) assinala a ramificação de cada uma dessas correntes, evidenciando que cada uma produz diversas fórmulas pedagógicas. Também registra que as referências filosóficas e ideológicas, que orientam tais correntes, as oportunizam para a identificação de cada uma, mediante, inicialmente, a caracterização metodológica que confere o seu desenvolvimento. Tal caracterização é possível de ser completada pelo quadro econômico, político e institucional e pelo perfil dos profissionais da educação que o viabilizam. Assim, as correntes pedagógicas estão presentes, também, em outras dimensões da sociedade. Nesta circunstância, para atender à lógica do atual quadro político-econômico, a globalização se materializa nesse processo em curso,39 orientada pelas diretrizes do projeto capitalista de sociedade em diversos espaços, com projetos e subprojetos interferindo nas esferas da vida produtiva, educativa e social. Isso exige uma reciclagem periódica do trabalhador. As mudanças tornam-se rápidas em função de extremo aceleramento tecnológico, tendo como base a condicionalidade do conhecimento ser a referência principal para gerar as novas tecnologias, portanto, novos conhecimentos. Assim, esses conhecimentos passam a ser considerados, quase que exclusivamente, como patrimônio econômico, como um instrumento para a acumulação.40 39 Santos, B. (2000, 321) destaca que, “[...] o segundo vetor da desigualdade Norte/Sul no espaço-tempo mundial: a globalização da economia. Mesmo admitindo que existe uma economia-mundo desde o século XVI, é inegável que os processos de globalização se intensificaram enormemente nas últimas décadas. Isso é reconhecido mesmo por aqueles que pensam que a economia internacional não é ainda uma economia global, em virtude da continuada importância dos mecanismos nacionais de gestão macroeconômica e da formação de blocos nacionais. Isso é reconhecido mesmo por aqueles que pensam que a economia internacional não é ainda uma economia comercial. Entre 1945 e 1973, a economia mundial teve uma enorme expansão: uma taxa de crescimento anual do produto industrial de cerca de 6%. A partir de 1973 esse crescimento abrandou significativamente [...]. Mesmo assim, a economia mundial cresceu mais do Pós-Guerra até hoje do que em toda a história mundial anterior”. SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. O social e o político na pós- modernidade. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2000. 40 Como assinala Duarte (2001, p.13-14), “[...] o capitalismo do final do século XX e início do século XXI passa por mudanças e que podemos sim considerar que estejamos vivendo uma nova fase do capitalismo. Mas isso não significa que a essência da sociedade capitalista tenha se alterado ou que estejamos vivendo uma sociedade 147 Neste sentido, a partir da contínua criação e inserção de tecnologias novas, visando ao aumento da produtividade e à retração de custos sociais, construiu-se, intencionalmente, novas necessidades para a realização da acumulação de capital, tendo, como implicação decorrente, novos desafios e novos padrões para a reorganização no mundo do trabalho, requerendo mudanças na esfera política, materializadas na redefinição do papel do Estado. Esta reorganização é norteada para a adaptação das tais mudanças. A construção de um projeto de sociedade, embasado em pressupostos da modernidade, para ser inserido no contexto econômico da globalização, exige uma adequação dos sistemas educacionais às políticas econômicas atuais, delegando à escola outras tarefas educativas. As novas tecnologias, como assinala CASTRO (2001, p.85), constituem a razão para a exigência de uma qualificação extensiva da força de trabalho, com vistas a contribuir para a inserção do trabalho em setores econômicos, aprofundando a condicionalidade de se ter as novas competências para o exercício de tais funções. Nesse sentido, assinala Ramos (2001, p. 24) que a interface constituída pela relação trabalho/educação é tomada como aporte para envolver a noção de competência como uma nova mediação, visando à acumulação do capital. Ressalta que entende a noção das competências não simplesmente no campo das idéias, as quais, nesta esfera, podem ser modificadas, mas sim, muito além, como fenômeno, na realidade concreta. Nesta dimensão concreta, o fenômeno se manifesta em sua aparência, de forma relacional, buscando o envolvimento de todas as políticas sociais para realizar-se por meio das reformas políticas, cabendo à educação escolar uma missão específica. À escola são designadas as tarefas para desenvolver as habilidades e as competências exigidas para o novo perfil do trabalhador. Assim, a flexibilização é a nova modalidade para o mundo do trabalho. Neste âmbito da formação educativa, o impacto é significativo, exigindo-se cada vez mais, dos sistemas de ensino, uma reordenação, para que estes se tornem também flexíveis, visando à efetivação de uma educação voltada para atender à competitividade do sistema produtivo. A educação é redimensionada como espaço de destaque, em nível básico e profissional, objetivando o atendimento ao mercado, portanto, com caráter comercializável (ARAÚJO, 2001; FRIGOTTO, 2003; ALMEIDA, 2004; CABRAL NETO, 2004). radicalmente nova, que pudesse ser chamada de sociedade do conhecimento. A assim chamada sociedade do conhecimento é uma ilusão que cumpre determinada função ideológica na sociedade capitalista contemporânea. [...] é preciso compreender qual o papel desempenhado por uma ilusão na reprodução ideológica de uma formação societária específica [...]”. 148 No contexto conjuntural desse quadro político-econômico, os paradigmas educacionais liberais têm função fundamental, exigindo-se que se atualizem para construção das mudanças necessárias para a mediação das crises de acumulação. Assim, são empreendidas reformas educativas em que as tarefas e desafios são lançados para a política educacional, em nível mundial. O marco histórico para realizar a flexibilização na educação do trabalhador é a Conferência de Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em março de 1990. Esta referência é a norteadora para desenhar as metas da educação para o século XXI; é de iniciativa das entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), sob financiamento do Banco Mundial, materializando-se por meio do Relatório para a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), popularmente chamado de Relatório Jaques Delors, elaborado pela Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI (desta Organização). Comissão esta, constituída em 1991, oficialmente reconhecida em 1993. Apesar da justificativa da imensa diversidade de informações e de ter assimilado apenas parte dessas informações, fato que gerou a necessidade de delimitar as prioridades educacionais, a função central da comissão era constituir referências norteadoras e intencionalizadoras para desencadear práticas sociopedagógicas, cabendo materializá-las sob forma de [...] optar e determinar o que era essencial para o futuro, numa dialética entre evoluções geopolíticas, econômicas, sociais e culturais, por um lado, e as possíveis contribuições das políticas de educação, por outro. A comissão definiu seis pistas de reflexão e trabalho, do ponto de vista das finalidades (individuais e sociais) do processo educativo: educação e cultura; educação e cidadania; educação e coesão social; educação, trabalho e emprego; educação e desenvolvimento; educação, investigação e ciência. Estas seis pistas foram completadas pelos temas transversais, mais diretamente relacionados com o funcionamento dos sistemas educativos, a saber: as tecnologias de comunicação; os professores e o processo pedagógico; financiamento e gestão (DELORS et al., 2003, p. 269). Nessa perspectiva, o documento delineia os princípios e os eixos condutores para as políticas educacionais no cenário internacional, e, nestas, as de formação escolar, tanto dos alunos como dos profissionais de educação, de forma distante dos interesses desta categoria profissional. Recomendando tarefas para se enfrentar os desafios, e o maior deles cabe à 149 escola resolver por meio das práticas pedagógicas, como os problemas de desigualdades sociais, principalmente, o de desemprego, com ênfase na competência individual. Como ponto de partida – e de chegada – as prioridades têm um recorte, com ênfase para a educação básica, assim, só esta é constituída como objeto de oferta, compreendendo a noção de que é capaz de responder às demandas socioeducativas, além de ser um passaporte para a vida (DELORS, et al., 2003, p. 123), um passaporte, entretanto, restrito à vida no setor produtivo. 150 2.2 Alguns traços da trajetória do conceito em alternância educativa O surgimento de programas educativos em alternância, que tiveram origem na França, com as experiências no campo, aconteceu em 1935 (GIMONET, 1999 a). No âmbito da Europa, como exemplo a França, as Maisons Familiales Rurales (Casa Familiares Rurais) marcam, historicamente, a expansão, em 1946, da idéia de alternância, visando à interação educativa entre tais casas e as unidades produtivas familiares (Capelo, 1994, p.3). A afirmação da idéia de alternância, no mundo empresarial, ocorreu após a 2ª Guerra Mundial, visando envolver os trabalhadores das cidades. Este envolvimento, conforme assinala Capelo (1994), tinha um caráter ideológico, além de se reportar ao processo contínuo do trabalhador na produção. Já a constituição da definição e das transformações da noção de alternância para a educação foi efetivada por Girod de l’Ain (1982) apud Silva, L.H. (2003), ressaltando que, embora a alternância tenha marcos de experiências, o reconhecimento legal ocorreu só na década de 1970. Silva, L.H. (2003, p 19) destaca que houve dois movimentos em torno desta noção, com as experiências educativas das Maisons Familiales Rurales: um, nos campos da França; e o outro, com a manifestação da legalidade para alternância, no campo da educação, tendo como incentivador o governo da Suécia. Na década de 1960, a concepção sobre as casas familiares é entendida e construída para contrapor-se à escola oficial. Assim, críticas são difundidas, atribuindo à formação escolar como distante da realidade social, além de ser analisada como fechada em si mesma. A afirmação das casas familiares, nesse momento histórico, é de que são pensadas como uma formação complementar, com caráter de adequação para os alunos (CAPELO, 1994, p.3). Nessa década, a crise no ensino francês aprofunda-se e o sistema escolar é visto como incapaz para atender às exigências dos organismos econômicos e empresariais, bem como é acusado de não acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Neste contexto, o modelo em alternância é difundido (CAPELO, 2004, p.3). Uma referência singular de fatos, entre outros, para a história da educação em alternância da França, é o Colóquio de Amiens, intitulado “Une autre école”, realizado em março de 1968, pela Association d’étude pour l’Expasion de la Recherche Scientifique (AEERS)”, como assinala Girod de l’Ain (1982) apud Silva, L.H. (2003). 151 Nesse Colóquio, a educação é pensada como uma função essencial e atual, envolvendo todos os níveis formativos, com responsabilidade tanto para quem transmite, como para quem recebe (SILVA, L. H., 2003). Silva, L.H. (2003) assinala que esse Colóquio representa um marco para o desencadeamento das reformas destacadas nas reivindicações de maio de 1968. As reivindicações eram contrárias ao estado tradicional das escolas, pautando-se em expressar o desejo por mudanças na educação, mudanças estas que se embasavam em exemplos de experiências de fora do país. No contexto do movimento social de maio de 1968, na França, as experiências educativas das Maisons Familiales Rurales não foram incorporadas nas reivindicações, apesar de serem expressivas no interior do país. Foram compreendidas como não significativas para as reivindicações de mudanças exigidas, face aos seus pressupostos políticos/pedagógicos darem ênfase aos aspectos técnicos (SILVA, L.H., 2003). Só em 1969, após esse movimento social, por meio da 6ª Conferência de Ministros Europeus da Educação, em Versalhes, o Ministro da Educação da Suécia, Olof Palme, situou o cenário social desfavorável para os jovens e adultos reinserirem-se na formação escolar, apresentando, como viável, a reorganização do ensino pós-básico (GIMONET, 1984; SILVA, L.H., 2003). Assim, este ministro propõe uma organização do ensino superior embasada em alternância, combinando a formação teórica com alguns períodos de formação prática, que consistia em revezamento de tempos e espaços após a educação secundária completa, compreendendo o movimento relacional do jovem entre o trabalho no novo período de educação, para retomar o trabalho (GIMONET, 1984; SILVA, L.H, 2003). A alternância foi tomada como instrumento apropriado para veicular programas e políticas educacionais focalizadas para os trabalhadores. Nesta direção, privilegiou-se o discurso das vantagens (CAPELO, 1994; SILVA, L.H. 2003). Entre as vantagens da formação em alternância, o ministro Olof Palme ressaltou a opção da diversificação de atividades como eixo central e, assim, a riqueza das experiências profissionais constituiriam a motivação maior para o desenvolvimento da aprendizagem dos trabalhadores e de seus filhos. O discurso desse ministro, ao trazer para as políticas públicas a alternância como recurso metodológico no ensino escolar, de forma obrigatória, é considerado outro marco para a História da Educação, visto que a medida confere a oficialização, além de reorientar a percepção do termo. O significado do termo alternância como referência de mudança para as escolas, após o pronunciamento do ministro Olof Palme, passou a ser visto como 152 continuidade. A alternância designada como obrigatoriedade para o nível pós-secundário representou uma busca de adaptação do sistema educacional (BACHELARD, 1994 apud SILVA, L.H.; CAPELO, 1994; SILVA, L.H. 2003), trazendo, como corolário, uma única oportunidade e não uma opção para os alunos, conferindo uma decisão política de caráter delegativo. Desse modo, Silva, L.H. (2003), embasada em Bachelard (1994), ressalta que reflexões sobre as lógicas internas da alternância, relacionadas a uma outra maneira de se efetivar a aprendizagem nos diversas áreas do conhecimento, foram deixadas de lado. Silva, L.H. (2003, p. 22) assinala que [...] buscava-se a introdução de uma pedagogia da ruptura, o objetivo foi o de romper com a submissão e a desmotivação dos jovens, mesclada à indisciplina e à sujeição. O trabalho, a profissão, deveriam, no entanto, fornecer um sentido à vida, uma motivação aos jovens, para o processo de aprendizagem. Silva, L.H. (2003), embasada em Girod d’Ain (1994), ressalta a lógica do projeto de política pública que o governo estava defendendo, em um sentido circunstancial, a qual é ligada pelas dimensões econômica e ideológica, como um fato fundamental para fortalecer as referências que defendiam a alternância como pedagogia da ruptura: a preocupação de economistas com a formação escolar. Esta preocupação é veiculada sob o ponto de vista econômico, que correspondia, no discurso, à justificativa do alto custo com a formação escolar, compreendendo que esta formação não apresentava produtividade garantida, além de que era contestada pelo movimento estudantil. Assim, a alternância constituiu-se um aporte político para os programas das políticas públicas, não só apresentando-a com a possibilidade de reduzir o tempo de formação, como a de reorientar a qualidade de ensino. Esta proposta, naquela conjuntura, visava desmobilizar o movimento estudantil e empreender políticas focalizadas para retrair o descontentamento dos estudantes. O discurso sobre a inserção dos estudantes no mundo do trabalho constituiu-se em uma das estratégias para limitar a influência das idéias oposicionistas, geradas nas universidades, finalizar o movimento e atender às necessidades dos setores econômicos, representando, assim, uma forma autoritária de controle da política educacional. Silva, L.H. (2003) registra que a demanda e a oferta de experiências de formação em alternância acontecem estruturadas em diversos níveis de ensino. Um fato propositivo para as 153 experiências das MFRs, posto que foram viabizadas políticas para que ocorressem, simultaneamente, experiências educativas em alternância. Na perspectiva de explicitar o movimento conjuntural nacional e internacional, Gimonet (1984) ressalta que, enquanto os organismos internacionais expressavam a preocupação com a efetivação da alternância como modalidade de política para a educação, como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a UNESCO, também estudavam novas modalidades educativas. Na França, as Maisons Familiales Rurales de Educação e Orientação (MFREO) debruçaram-se sobre a afirmação da experiência educativa em alternância. A concepção defendida pelo movimento Maisons, na percepção de instituições educacionais e sindicais, permaneceu compreendida como se esta estivesse fora do contexto socioeducativo e legislacional (GIMONET, 1984; SILVA, L.H. 2003). A mudança desse quadro vai ocorrer só após a realização do Colóquio de Rennes, em 1973, organizado pela Association d’Étude pour l’Expansion de la Recherche Scientifique (AEERS), tendo como tema a “Formation Superieur em Alternance”, viabilizando o incentivo para a expansão de programas educativos. Assim, esse Colóquio significa o marco histórico para o conceito de alternância, tendo em vista ter constituído aportes por meio das comunicações proferidas e das experiências nacionais e estrangeiras relatadas, representação, ainda preliminar, da delimitação dos objetivos, das características e das modalidades de alternância (GIMONET, 1984; SILVA, L.H, 2003). Gimonet (1984) e Silva, L.H (2003) expressam que a alternância foi afirmando-se como a resposta para atender às problemáticas e demandas sociais e educativas. Neste sentido, destacam que os objetivos dos relatórios do Colóquio expressaram as esperanças dos educadores em relação à alternância, como: “[..] facilitar os estudos para os adultos [...] permitindo-lhes retornar periodicamente ao trabalho e tornar os estudos superiores menos teóricos ou menos artificiais, associando-os à utilização pedagógica de uma prática” (GIMONET, 1984, p. 45). No cenário de reestruturação do sistema educativo, o Colóquio de Rennes, a partir de seus objetivos favoráveis à alternância, consistiu no elemento motivador para que diversos programas fossem constituídos em níveis diferentes e diversos, como o ensino superior e a formação contínua. Nessa perspectiva, a conquista maior dos programas em alternância corresponde à constituição da Lei sobre as formações profissionais em alternância, de 12 de julho de 1980, pensada e partilhada com os setores produtivos. O estado das condições sociais dos trabalhadores e o descontentamento com a educação escolar, com retração de emprego 154 dos jovens, são referências para a legalização, representando o eixo principal que baliza as defesas em torno da formação em alternância (GIMONET, 1984; SILVA, L.H, 2003). Em função da problemática social, Gimonet (1984, p. 49) destaca que “[...] foi necessário que as distorções tenham sido extremamente fortes nos sistemas atuantes da sociedade [...] para que se buscasse novos meios de rearticulação [...]”, no âmbito das políticas educacionais. Nessa perspectiva, Silva, L.H. (2003) ressalta a análise deste autor, quanto à – oportuna – decisão governamental, concebida como fundamental, embora paradoxalmente, para a criação de rupturas necessárias ao combate da inércia do sistema escolar, como visavam os organismos internacionais, entre os quais a OCDE, que empreendem desdobramentos, como mudanças para a escolarização de tempo integral e para a prática pedagógica. Como destaca Silva, L.H. (2003), a trajetória histórica de alternância, para que esta fosse inserida no sistema educativo da França, foi longa e caracterizada por luta. Sua legalização ocorreu, mediante as circunstâncias históricas para resolver o contexto conjuntural político-econômico, especificamente, pela configuração da situação social de desemprego dos filhos jovens dos trabalhadores, e, também, pelo descontentamento com o sistema educacional. Naquele momento histórico, as decisões de políticas públicas, nos âmbitos educacional e econômico, representaram a necessidade política de interação com as diversas práticas sociais, entre essas, os programas educativos em alternância. A década de 1980 é marcada pela tentativa de viabilizar a formação em alternância. Na França, o seu significado ganhou cada vez mais espaço nas dimensões política e pedagógica, além de ser veiculada por meio de eventos acadêmicos, produções e publicações. Neste cenário, em função de suas técnicas metodológicas motivadoras para a participação dos jovens no ato educativo, foi tomada como formação capaz de resolver as questões da escola tradicional, esta avaliada como se fosse inerte. Diante deste cenário, as propostas e as práticas da alternância, ao fracionar a hegemonia da escola oficial, representam, conforme assinalam Gimonet (1984) e Silva, L. H. (2003), um avanço. Gimonet (1984) caracteriza a alternância, no âmbito pedagógico e por suas relações expressivas com a família e outros sujeitos institucionais, como uma ruptura, especificamente, frente à formação oficial fechada. Esta afirmação expressa, como destaca Silva, L.H (2003), as possibilidades conquistadas pela alternância, pelo que remete à importância de ser reconhecida por este mérito. No sentido de buscar a compreensão da Pedagogia da Alternância nesta contemporaneidade, enquanto referência e além do aspecto metodológico – como instrumento 155 para efetivar uma educação reflexiva – cabe questionar, como faz Silva, L. H. (2003), qual era o sentido da extensão da alternância naquele momento histórico, ou afirmar, como faz Capelo (1994), que a alternância representou um instrumento para preparar os jovens não qualificados para o mercado de trabalho. Toma-se como referência para compreender as proposições oficiais para a alternância, na atualidade, a Conferência Internacional de Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, por meio do Relatório Jacques Delors, um marco da política educacional internacional. Este relatório constitui a matriz da Pedagogia das Competências, conforme assinalam alguns autores (RAMOS, 2001; FRIGOTTO 2003; RABELO, 2005), sendo delineados, a partir desse evento, os principais pressupostos filosóficos desta referência pedagógica, sob a justificativa de que era necessário atender às exigências das transformações tecnológicas e socioeconômicas, acordando o slogan “Educação para Todos” e para o Século XXI. Neste cenário, tal pedagogia vem sendo tratada pelos organismos internacionais como a referência capaz de desenvolver habilidades que criem convergência entre os diferentes saberes, elegendo o conhecimento técnico e manual como referência articulada para empreender a efetivação da sociedade do conhecimento. Para tornar-se esta sociedade, é necessário que a educação atenda às demandas atuais, consideradas aquelas priorizadas pelo mercado, restringindo-se às metas, ao aprender a aprender para a dinâmica da economia concorrencial. Assim, [...] o mundo do trabalho, constitui, igualmente, um espaço privilegiado de educação. Trata-se, antes de mais nada, da aprendizagem de um conjunto de habilidades e, a este respeito, importa que seja reconhecido, na maior parte das sociedades, o valor formativo do trabalho, em particular quando inserido no sistema educativo. Este reconhecimento implica que se leve em conta, em especial por parte da universidade, a experiência adquirida no exercício de uma profissão. O estabelecimento sistemático de pontes entre a universidade e a vida profissional deveria, nesta perspectiva, ajudar os que assim o desejassem a completar a sua formação. Devem multiplicar-se as parcerias entre o sistema educativo e as empresas de modo a favorecer a aproximação necessária entre formação inicial e formação contínua. As formações em alternância para os jovens podem completar a formação inicial e, conciliando saber com saber-fazer, facilitar a inserção na vida ativa. Podem, também, facilitar muito a tomada de consciência pelos adolescentes das dificuldades e oportunidades da vida profissional, ajudando-os a adquirir um conhecimento mais perfeito de si mesmos e a saber orientar-se. Favorecem, ainda, o acesso à maturidade e são, ao mesmo tempo, um importante fator de inserção social (DELORS et al, 2003, p. 113). 156 O relatório aponta, neste sentido, a importância da formação profissional; para tanto, as parcerias entre empresários e Estado são um mecanismo para desenvolver a educação no âmbito produtivo. O conhecimento mais perfeito de si mesmo corresponde a uma exigência central para atender aos interesses do setor produtivo capitalista. Logo, [...] a participação direta do empresariado no trato de questões da educação e da escola é importante, por três razões: porque familiariza os empresários com essas questões; porque no estado atual da educação, é útil completar a ação do governo; e, como atesta a própria vivência dos empresários, é a empresa quem mais ganha quando a comunidade onde se insere melhora seu padrão educacional (DELORS et al, 2003, p. 88). Neste sentido, ao refletir sobre os desdobramentos desta ênfase para a qualidade total da formação profissional, apartada do sentido do trabalho como elemento para a reprodução humana, fica clarificado que a política desse modelo volta-se para contribuir com a reorganização da economia. Como decorrência e como ordem por base política/ideológica, interessa ao projeto de sociedade capitalista um filho de trabalhador competente para atender ao mercado, não para a formação no sentido de uma cultura geral e profissional. Para tal, uma ação pedagógica viabilizadora é destacada: [...] Aprender na empresa e na escola: a formação em alternância na Alemanha. O sistema alemão de formação profissional chamado “sistema dual”, ou formação em alternância, suscitou nos últimos anos enorme interesse em todo o mundo. Este sistema de formação é, muitas vezes, considerado como um dos fatores graças aos quais o desemprego dos jovens na Alemanha é relativamente baixo. Pensa-se que permite uma transição com sucesso entre a escola e o mundo do trabalho e que reforça a capacidade de adaptação das empresas. A formação em alternância permite que os jovens tenham acesso ao fim de dois ou três anos a três anos e meio, a uma qualificação correspondente ao nível de operário (ou de empregado) qualificado. Atualmente esta formação abrange cerca de trezentas e oitenta profissões (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS DA ALEMANHA apud DELORS et al, 2003. p.114). A formação profissional, por meio da alternância, suscitou com profundidade o interesse dos empresários pelo que é ressaltada na recomendação do relatório, com citação de 157 destaque e como referência para resolver os problemas de desemprego, vindo a ser, na concepção dessa Pedagogia, a qualificação adequada para a classe trabalhadora – ter – inserção no mercado de trabalho. Assim, tem como pressuposto que o primeiro objetivo dos sistemas educativos deve ser reduzir a vulnerabilidade social dos jovens oriundos de meios marginais e desfavorecidos, além de romper o círculo vicioso da pobreza e da exclusão. [...] deve-se recorrer a meios suplementares e a métodos pedagógicos especiais a favor de público alvo e estabelecimentos situados em zonas urbanas ou suburbanas desvaforecidas [...] Pode-se pensar em sistemas de apoio em todos os estabelecimentos de ensino: criar percursos de aprendizagens mais suaves e flexíveis para os alunos que estiverem menos adaptados ao sistema escolar mas que se revelem dotados para outras atividades. O que supõe em particular, ritmos especiais de ensino e turmas reduzidas. As possibilidades de alternância entre escolas e empresa permitem, por outro lado, uma melhor inserção no mundo do trabalho. O conjunto dessas medidas deveria, se não suprimir, pelo menos limitar significativamente o abandono da escola e as saídas do sistema escolar sem qualificações (DELORS, 2003, p.147). Ao dizer que se prioriza as situações mais suaves e flexíveis para evitar o êxodo escolar, compreende-se, como assinala FRIGOTTO (1995), aprofundar o descaso com o saber do trabalhador uma vez que se condiciona que tipo de saber é competente, além de se exigir que este seja integralmente disponível para o setor produtivo. Nessa direção, os sistemas educativos de diversos países, acentuadamente os denominados emergentes, são orientados a recomendar as políticas de valorização da educação básica, com pistas que trazem os indicativos das finalidades das funções que os jovens devem assumir, desde os períodos iniciais da educação escolar, para que tenham as competências pessoais e aprendam a ser. Assim, a predisposição educativa defendida nesse relatório volta-se para os âmbitos individual e cognitivo isolados do contexto histórico-social. Nesta perspectiva, delimita-se as políticas educacionais para o [...] reforço da educação básica; daí a importância dada ao ensino primário e suas aprendizagens básicas clássicas, ler – escrever – calcular, mas também poder exprimir-se numa linguagem que facilite o diálogo e a compreensão [...] Adaptar a educação básica aos contextos particulares , aos países e populações mais desfavorecidas. Partir de dados da vida cotidiana, que oferecem oportunidades de compreender os fenômenos naturais bem como 158 ter acesso às diferentes formas de sociabilidade. O desenvolvimento da educação ao longo de toda a vida, implica que se estudem novas formas de certificação que levem em conta o conjunto das competências adquiridas (DELORS, 2003, p.149). Embora buscando-se a sociabilidade e levando-se em consideração a adaptação da educação básica nos contextos socioculturais específicos, os fins de ser homem, de ser mulher necessitam estar delineados para que possam ser destinados aos atores sociais, e não para serem restritivos do setor produtivo. O ser humano não necessita ser secundarizado nas questões imediatas, muito menos na condicionalidade de subserviência para garantir sua sobrevivência, visto que o ser se realiza com o trabalho e este é compreendido enquanto reprodução privilegiada desse ser humano, em relação de respeito com a natureza e entre todos os demais seres humanos. Neste sentido, a escola não necessita ser limitada às aprendizagens básicas de ler, contar e escrever. A educação escolar não é consignada aos serviços de interesses particulares, pois o trabalho pedagógico por ser como é, nessa forma, não poderia ser chamado como tal (DUARTE, 2001, 2003). A perspectiva das recomendações da pedagogia das competências passa por assegurar os princípios e critérios que embasam a lógica da produtividade na escola, apesar de reconhecer as especificidades culturais, a importância da cognição, da natureza, mas, estas são vistas em si mesmo, prevalecendo o encaminhamento para o desenvolvimento das competências e aptidões para atender às demandas do mercado, e não das necessidades sociais e das suas lutas. A discussão das mudanças sociais para atender aos interesses da sociedade – nestes, a educação -, passa a ser em torno do novo, mas na forma como este novo foi pensado, não se constitui enquanto tal; é reiventado para adaptar o que é necessário adaptar, sob o discurso de adequação. A educação, nas referências liberais, é tomada como um instrumento norteador/embasador para a viabilização de reformas, assim, a ela é delegada a materialização de mudanças ou de permanências de projetos/programas do contexto político-econômico em curso. O Banco Mundial passou a assumir os projetos sociais, empreendendo políticas que se traduzem em pacotes para os governantes/gestores contemporâneos, buscarem financiamentos; decisão que sinaliza para a mercanilização, não sendo, precisamente, a privatização, como a oferta de serviços nas Universidades. Tanto o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, como o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminharam- 159 se para atender a tais orientações. Um dos objetivos desses pacotes é exercer o controle sobre as instituições de cada nação. O sistema de ensino passa a ser mais fiscalizado, estendendo-se aos professores e às formações escolares, incluindo-se as desses profissionais, com o discurso sobre [....] a importância do papel do professor enquanto agente de mudança, favorecendo a compreensão mútua e a tolerância, nunca foi tão patente como hoje em dia. Este papel será mais decisivo no século XXI. Os nacionalismos mesquinhos deverão dar lugar ao universalismo, os preconceitos étnicos à tolerância, à compreensão e ao pluralismo, o totalitarismo deverá ser substituído pela democracia em suas variadas manifestações, e um mundo dividido, em que a alta tecnologia é apanágio de alguns, dará lugar a um mundo tecnologicamente unido (DELORS, 2003, p. 152-153). As recomendações contidas no relatório não se restringem às pistas e aos pilares em si mesmos; estão assentadas na concepção liberal de sociedade e de educação que mexe com toda a vida social dos indivíduos e do coletivo, empenhando-se em mudar para ajustar, segundo os princípios e interesses de um projeto do capital. Assim, em nome da multiculturalidade41, realizam a dimensão econômica, deixando de lado o recorte de classe (FREIRE, 2004) e os princípios sociais de respeito ao ser humano. A função do professor é realizar tarefas cognitivas em si. Estas são os aportes para a realização da qualidade da formação escolar; este profissional é chamado para promover mentes que sejam abertas à cooperação internacional, à união, ao diálogo com os diferentes, isto em estado de subordinação, não de afirmação. Assim, a alternância é utilizada como o recurso metodológico competente para dar conta desta tarefa. 2.3 O debate social em torno da alternância: apontando algumas definições 41 Como concebe Freire, “[..] a multiculturalidade não se constitui na justaposição de culturas, muito menos no poder exacerbado de uma sobre as outras, mas na liberdade conquistada, no direito assegurado de mover-se cada cultura no respeito uma pela outra, correndo o risco de ser diferente, de ser cada uma ‘para si’”. [...] não há verdadeiro bilingüismo, muito menos multilingüismo fora da multiculturalidade e não há esta como fenômeno espontâneo, mas criado, produzido politicamente, trabalhado a duras penas na história. Daí, mais uma vez, a necessidade da invenção da unidade na diversidade. Por isso é que o fato mesmo da busca da unidade na diferença, a luta por ela, como processo, significa, já o começo da criação da multiculturalidade. [...] como fenômeno que implica a convivência num mesmo espaço de diferentes culturas não é algo natural e espontâneo. É uma criação histórica que implica decisão, vontade política, mobilização, organização de cada grupo cultural com vistas a fins comuns”. FREIRE, Paulo Pedagogia da Esperança. Um reencontro com a pedagogia do oprimido. 11ª ed. RJ: Paz e Terra, 1994, p. 156-157. 160 O debate sobre a alternância constitui um espaço fundamental para se efetivar reflexões/ações em torno dela e aprofundar as já feitas, considerando o movimento de construção/reconstrução das idéias sociopedagógicas, com vistas que a ação pedagógica escolar possibilite ao aluno a capacidade de pensar para mover-se nas diversas esferas da vida social. Para Duffaure (1974) apud Silva, L. H (2003), a alternância consiste em uma forma dinâmica de formação educativa, portanto, possibilita a inovação em diversos espaços e contextos histórico-sociais. O pensamento de Gimonet (1999) é constituído na direção de afirmação da alternância, mas concebe que a inovação ainda não se realizou. Considera-se, assim, como assinala Silva, L.H (2003), as especificidades e modalidades das experiências, tanto nas formações de jovens, como na de adultos e nos estágios escolares da alternância, com requisitos que revigoram a educação escolar, mas, só por isso, não alcançou a totalidade exigida para uma inovação. A preocupação de muitos autores (entre esses, GIMONET, 1984; SILVA, L. H. 2003) em continuar estudando o conceito de alternância é em função, primeiramente, da complexidade do termo; em segundo, por haver certas denominações equivocadas em torno desta, tendo em vista que são associadas algumas experiências educativas com pretensões profissionais a este termo alternância, sem deterem as viabilidades concretas entre atividades relacionais – práticas e teóricas -, para se construírem como tal. Lesne (1982) apud Silva, L H (2003) considera a complexidade para elaborar o conceito de alternância. Nesta perspectiva, esta autora destaca que se faz necessário muitos estudos sistemáticos para definições do conceito de alternância, mas também enfatiza que diversos trabalhos têm sido realizados por estudiosos para conceituá-la. Neste sentido, L .H. (2003, p. 27) assinala que [...] muitas das definições não pretendem reduzir a alternância a um conjunto coerente, preciso. [...] apresentam a vantagem de identificarem seus traços a diferentes perspectivas, evidenciando a originalidade das práticas de alternância no conjunto do arsenal de técnicas pedagógicas Assim, remete ao entendimento de que a alternância não consiste em um modelo homogêneo, mas, sim, é construída sobre diversas experiências e programas educativos. 161 Os modelos propostos são fundamentados em dois eixos: o de separar e o de ligar a prática educativa. O eixo que conduz à separação dos momentos pedagógicos delimita estudos, espaços e tempos entre os dois períodos da alternância, escola e empresa/comunidade. O outro eixo busca a articulação e a unidade de formação entre os dois momentos. Silva, H. (2003) ressalta que, apesar de cada autor apresentar suas próprias definições sobre alternância, estas apresentam similaridade. Para Girod Del’Ain (1974) apud Silva, L.H. (2003), a alternância consiste em efetivar a articulação entre a teoria e a prática, ou entre o campo educativo e o econômico, correspondendo, na maioria das vezes, ao aspecto econômico, mas, o envolvimento também ocorre com outras dimensões da realidade social42, na qual os dois momentos podem ser separados fisicamente, mas são interligados pelos objetivos a que se propõem. Classifica em alternância externa e alternância interna. A alternância externa é assentada na relação fundamental entre escola e empresa. O objetivo central é proporcionar cursos noturnos ou a distância para os jovens e adultos trabalhadores, com o critério de escolha, como forma de estímulo ou de condicionalidade. No último caso, têm um caráter impositivo, tendo o trabalho como pré-requisito para a inserção em nível superior (BACHELARD apud SILVA, L.H. 2003). A alternância interna compreende as atividades profissionais no interior do processo de estudos; assim, é simultânea ao período da formação. O critério do trabalho profissional, como exigência para garantir o acesso à formação escolar, não está presente nesta modalidade. Este tipo de alternância, segundo Gimonet (1984) e Silva, H. (2003), não é recente e se expande no final do século XX, nos Estados Unidos, Inglaterra e França. A alternância, em seu sentido essencial, se fundamenta e se constitui, concretamente, em movimento interacional entre as atividades práticas e teóricas, movimento este de caráter reflexivo e embasado nos ensinamentos das experiências acumuladas. Silva, H (2003) ressalta a preocupação de Bachelard (1994), ao chamar a atenção para a criação, na década de 1970, da dualidade entre alternância interna/alternância externa, afirmando que este tipo de modalidade tem seu significado retraído frente à importância das experiências desenvolvidas antes, considerando, como exemplo, a referência às experiências das Maisons Familiales Rurales. Silva, L. H (2003) ressalta que o importante para a reflexão sociopedagógica diz respeito à forma de organização de uma alternância interna para que esta possa ser valorizada, 42 Vale ressaltar que, muitas vezes, a relação com o aspecto econômico influencia as outras dimensões, como a cultural, a política, a ecológica. 162 implicando, como assinala a autora, na necessidade de saber qual a alternância, como também o porquê desta. No sentido de explicitar a alternância, Malglaive (1979) apud Silva, L. H (2003) busca uma conceituação que englobe a formação tanto dos alunos, como dos professores, classificando-a em três tipos: a alternância falsa, que não efetiva a interação; a aproximativa, que corresponde à vinculação de dados recolhidos pelos alunos; e a real, que compreende atividades interligadas do aluno nos espaços da escola e das unidades produtivas, com participação teórico-prática reflexiva. Assim, Silva, L.H. (2003) enriquece a explicação de Malglaive, ressaltando que a falsa alternância traz implicações, à medida que se expressa em si mesma, construindo por isto hiatos no processo pedagógico, uma vez que não consegue fazer a interação entre os momentos teóricos e as atividades práticas. Essa falsa alternância privilegia apenas atividades de rodízio entre o tempo de recebimento de informações de conteúdos e o de estágio profissional. Neste sentido, a relação com as experiências de vida, tanto no âmbito produtivo, como no cultural, e também na formação escolar com o seu instrumental didático, envolve trabalhos pedagógicos que trazem ligação, por meio do produto trazido pelos alunos, constituindo os resultados do plano de estudos, conferindo uma alternância não completa, uma vez que ao aluno é delegada a tarefa de observar; assim, apenas aproxima a teoria da prática (BACHELARD, 1994 apud SILVA, L.H, 2003). Como destaca Silva, L.H. (2003), a alternância concreta é a que dispõe de instrumental teórico/metodológico e de formadores que possibilitam a inserção participativa do aluno. Isto implica em que tenha adquirido capacidade para formular um projeto de atuação na unidade produtiva da terra e da Vila Rural. Nessa perspectiva, Gimonet (1982, p. 52) considera que “[...] a alternância real é aquela que visa a uma formação teórica e prática global possibilitando o aluno construir seu projeto pedagógico, desenvolvê-lo e realizar um distanciamento reflexivo sobre a atividade desenvolvida”. Esta alternância compreende a total participação dos atores envolvidos, seja em âmbito individual, seja no coletivo e no institucional, com a característica principal de buscar a relação orgânica entre os momentos de formação teórica e de formação prática, visando à transformação do ambiente e dos sujeitos (GIMONET, 1982; SILVA, L.H, 2003). Para Bourgeon (1979) apud Silva; L.H. (2003), as alternâncias consistem em três modalidades. A primeira, corresponde à alternância justapositiva, entre trabalho e escola, em que uma predomina sobre a outra. Neste sentido, uma é privilegiada, ganhando espaço, e à 163 outra é reservado posicionamento/atividade em segundo plano. Assim, Silva, L.H. (2003) ressalta que o trabalho e/ou o estudo fica (m) e é (são) tratado (s) superposto (s ), prevalecendo, geralmente, a primeira categoria; como exemplo, cita os cursos noturnos e, notoriamente, o curso de Jovens e Adultos. Bourgeon (1979) apud Silva, L.H. (2003) caracteriza o segundo tipo como alternância associativa, modalidade esta que busca a relação mais próxima entre a formação profissional e a geral. Os instrumentos diretivos norteiam as grades curriculares entre as áreas comuns e as específicas, tendo como referência a vinculação legal entre as formações, assim como a horizontalidade de pressupostos teóricos e práticos. Silva (2003) destaca que a alternância associativa corresponde a uma formação que não efetiva a ligação no sentido pleno entre os momentos teóricos e os práticos, apenas se faz complementação. Para o terceiro tipo, Bourgeon (1979) apud (SILVA, L.H. 2003) denomina-o como a alternância copulativa. Esta compreende um processo unitário entre tempo e espaços, com a efetiva inter-relação do ato pedagógico entre as dimensões teóricas e práticas. Dessa maneira, Silva, H. (2003) destaca que o autor evidencia a importância da relação orgânica entre o meio socioprofissional e o de formação escolar, similar ao sentido dado por Gimonet (1984). Esta relação implica o envolvimento coerente e a interação entre as diversas atividades, objetivando à elaboração de reflexões em torno destas duas dimensões, no sentido de buscar o porquê e o como da formação educativa (SILVA, L.H. 2003). Nessa perspectiva, Pineau (1999) assinala que a alternância é uma escola da experiência, não funcionando por si só, constituindo-se em um movimento integrado de aprendizagem. Ressalta que necessita de três condições para efetivar-se: que se tenha a experiência, a reflexão, e a interação entre ambas. Enfatiza que, para se desenvolver a experiência, é necessário que haja a alternância entre a interação e a reflexão, conferindo o sentido de dupla alternância. Reforça, assim, a intenção da alternância em forma orgânica, que compreende a associação da ação com a reflexão, e vice-versa, a reciprocidade integrada como assinala Gimonet (1984/1999). Para que haja o processo de efetivação, é necessário “[...] passar do modelo transmissivo de educação bancária ou da ciência aplicada àquele do ator reflexivo se conscientizando pela transformação, aprendendo ao empreender [...]” (PINEAU, 1999, p. 60). Para Forgeard (2005), a alternância constitui-se no intercurso entre os momentos teóricos e práticos. Isso implica, segundo o autor, em ter responsabilidade na educação dos jovens, preparando-os para que despertem para uma formação com competências. Ressalta 164 que essa responsabilidade é um marco da pedagogia da alternância para a formação integrada dos jovens. A alternância integrada, envolvendo, fundamentalmente, como assinala Coceiro (2002), a educação/formação, corresponde a um sistema interface, complexo, acrescente-se, pela sua natureza relacional e pela sua intencionalidade ao realizar o trabalho pedagógico em dado contexto histórico-social: Importa, por isso, desenvolver e potenciar a alternância entre a teoria e a prática, entre mundo socioprofissional e contextos formalizados de formação, não nos limitando a olhá-los como dois campos separados e que se justapõem ou que sendo o campo da prática, seja ela vivenciada onde for, o mero campo de aplicação da teoria. A alternância trabalha os dois campos e trabalha o modo como se interrogam, as questões de diferente natureza que geram, valoriza o seu confronto, possibilitando que se fecundem, num processo de vai e vem permanente (COCEIRO, 2002, p. 87). Concebe-se a importância da reciprocidade integrada, visando realizar um outro modo de aprender os saberes da experiência e os da escola, no momento da interface entre os dois campos. Por isso e pela riqueza da interdependência dos saberes, é necessário buscar uma das ramificações da alternância, a alternância na educação do campo, a qual, como assinala Zamberlan (1995), compreende uma relação envolvente entre as dimensões teóricas e práticas, tendo em vista que, [...] por meio da alternância, a sabedoria prática e a teoria se juntam. A alternância ajuda a aprofundar as coisas que acontecem no dia a dia da família, comunidade, país e mundo em geral. A alternância ajuda a valorizar o trabalho manual do agricultor [...] (ZAMBERLAN, 1995, p. 11). Este autor toma como referência as atividades na agricultura e o trabalho como categoria central na vida da família e da economia camponesa. O ponto de partida de sua análise é a dimensionalidade da profissão do agricultor, que é construtora da reprodução da socioeconomia dos pequenos estabelecimentos agrícolas, tendo a originalidade inicial de formação na instituição família, com caráter de preservação, de continuidade. Esta continuidade, ressalta Zamberlan (1995), é peculiar às unidades produtivas familiares, por meio do trabalho na terra, dando oportunidade para inclusão deste trabalho 165 entre os membros da família – dos velhos às crianças, as atividades são distribuídas para todos. Situa a importância do trabalho, lembrando que este permite criar as riquezas para a reprodução do indivíduo, envolvendo as mãos e o espírito, estimulando, assim, o amadurecimento, além da auto-estima do jovem, uma vez que ele se sente útil na construção da sociedade. É nesse contexto que o autor envolve o conceito de alternância das EFAS: [...] o jovem que freqüenta a EFA, continua trabalhando com os pais, com isso ele valoriza aquilo que eles fazem e sabem. Isso acontece por meio da alternância, onde o aluno e a aluna transcorrem, um tempo na escola e outro em casa e na comunidade, como mão-de-obra ativa no período que passa em casa inserido no seu meio natural. Esse ir e voltar, ajuda os pais a se engajarem diretamente no trabalho da EFA, assim, como acompanhar mais intensamente o desenvolvimento intelectual dos filhos (ZAMBERLAN, 1995, p. 11). Nessa perspectiva, Zamberlan destaca o sentido da formação em alternância das EFAs para inter-relacionar as demandas socioprodutivas com as educativas, tendo como eixo a valorização do trabalho na terra, do saber dos alunos e do estudo na escola, sem hierarquizar as dimensões. Trata a relação pedagógica e metodológica, concebendo a importância do movimento de ida e volta entre escola/unidade produtiva familiar, como instrumentos decisivos para a efetivação da relação pais/professores/alunos e do aprendizado intelectual destes alunos. A ação do programa educativo de alternância das Casas Familiares Rurais é destacado por Barrionuevo (2005) como uma prática que parte da realidade social do aluno, portanto das demandas sociais, assegurando a seleção dos temas geradores, considerando-os na especificidade técnica para passarem ao status de temas transversais. É significativo para o atendimento das necessidades da economia camponesa, mas, por outro lado, têm um limite. Apesar de partir da realidade das unidades familiares, para se desenvolver como uma prática pedagógica ampla, é necessário ir além do caráter transversal em si mesmo, tendo em vista precisar inter-relacionar a transmissão/construção do conhecimento teórico/prático no movimento das partes (realidade local) para o todo (a realidade geral), para se ter o conhecimento integrativo e não se descuidar do universal. Para Barrionevo (2005), parte-se do pressuposto de que 166 [...] toda ação se fundamenta na pedagogia da Alternância. Esta , por sua vez, tem características próprias, cuja metodologia é específica. Fundamenta todo ensino-aprendizagem em temas geradores de interesse dos alunos. Estes temas estão relacionados aos cursos profissionalizantes, ordenados pelos alunos e suas famílias, de acordo com as realidades. Passam a ser temas transversais. [...] Outro ponto muito importante que não se pode descuidar é a articulação dos tempos e espaços de formação e todos os decorrentes intermediários que devem estar em perfeita interação (BARRIONERO, 2005, p. 26). Esta ação pedagógica ao fundamentar-se nos temas de interesse dos alunos tem relevância social, pois atende a uma necessidade socioeconômica, mas, é necessário ir além desta necessidade local. Na perspectiva que orienta Caldart (1997, p. 100), a formação em alternância pressupõe, considerando as recomendações não especificamente para o Curso de Pedagogia da Terra, viabilizar. [...] as exigências específicas desse processo formativo, tais como: não tirar os educadores/ras do seu trabalho nos assentamentos e acampamentos, apenas implica em ajustes para viabilizar a presença no curso durante três meses ou um pouco mais durante cada ano; vincula mais diretamente o currículo do curso com as demandas concretas de formação dos/das participantes à medida que implica em num ir e vir constante entre diferentes práticas e estudos teóricos; faz das próprias práticas pedagógicas nas comunidades parte integrante do currículo e da formação da/os educadores no curso; permite um processo acelerado de ajustes ou transformações na Proposta Pedagógica do Curso, em função de sua permanente avaliação pelo conjunto de pessoas envolvidas, direta e indiretamente, com os seus resultados (CALDART, 1997, p. 100). Por isso, implica, como ressalta a autora, que a alternância acontece no movimento de ir e de vir, consonante à efetivação do nexo de estudos teóricos com estudos práticos, na viabilidade da permanência no trabalho com a terra. Isso também, na perspectiva que assinala Gimonet, em articular as dimensões profissionais e gerais, mas apesar disso e de considerar as avaliações de um coletivo, não basta. É necessário estudar tais conhecimentos, com aportes do local e do universal, para que os jovens entendam e movam-se em ambos os espaços. Assim, é significativo perceber esse saber local, atendendo às necessidades do trabalho de cada Vila Rural/localidade, para, juntamente com ele, se ter referências do conhecimento universal, de cultura geral, de forma reflexiva e crítica. Embora o delinear desses traços sobre a alternância seja pertinente, concorda-se com Silva, L.H. (2003), e também com Gimonet (1984), que conferir uma conceptualização 167 completa em torno da alternância no âmbito pedagógico está para ser alcançada, face aos limites, aos desafios e às interfaces desta, e apesar da realização de diversos estudos sérios nesta direção. Assinala-se o entendimento de Capelo (1994), que sobre a alternância e por seu intermédio se constróem projetos, sendo realizados para resolver problemas de diversas naturezas, como econômica, social, política e pedagógica. Cabe lembrar que, cada experiência em alternância, é construída nas relações sociais, com uma concepção de sociedade/educação e intencionalidades que a norteia; este pressuposto cabe também para as análises que sobre ela se debruçam. Se é tomada, como instrumento para a mudança/trabalho educativo como processo para apropriação do patrimônio histórico pelo jovem, este tarabalho como processo para desenvolver todas as suas potencialidades, ou se, para o desenvolvimento de uma só potencialidade humana? 2.4 A alternância como relação social Os estudos realizados sobre alternância apontam que esta é feita abrangendo espaços distintos da escola e da produção, como também envolvem culturas diferentes, por meio de articulações sociopedagógicas, tendo suas atividades educativas a capacidade de ocasionar rupturas com os conteúdos, espaços e tempos. Por isso, exige um movimento relacional (GIMONET, 1985; SILVA, L.H.2003). Considerando, portanto, o movimento relacional em que a alternância é envolvida, diversos autores apontam as dimensões econômica e pedagógica como as centrais na construção/reconstrução dos projetos educativos (SILVA, L.H. 2003). Na dimensão econômica, tem-se presente o foco de estudos, assim como experiências educativas voltadas para os interesses imediatos da conjuntura político-econômica em curso, exigindo novas habilidades e competências para os trabalhadores. A partir das exigências de maior produtividade e menos gastos sociais, a alternância é tomada como referência para conduzir a uma formação profissional ajustada para o mercado e para o mundo do trabalho (SILVA, L.H. 2003). Silva, L.H. (2003) expressa que a composição formação/trabalho continua limitada e com obstáculos de ordem político-econômica para sua efetivação. A relação orgânica entre educação e trabalho é deixada de lado em muitas experiências, condicionando-se a prática pedagógica ao estabelecimento de um hiato no envolvimento entre os pressupostos da teoria e 168 da prática. Assim, compreende-se que a alternância é secundarizada em seus princípios por meio da prática de muitos programas. Nessa perspectiva, Silva, L.H. (2003) assinala que é privilegiado o maior domínio de novas técnicas e conhecimento mais elevado, mas reproduzindo-se as formas de subordinação e as condicionalidades de trabalho concernentes aos interesses patronais. Isso implica em acrescentar qual é a qualidade defendida e o porquê desses conhecimentos? Na dimensão pedagógica, Malglaive e Veber (1983) apud L.H. (2003) apontam análises desfavoráveis para as experiências, no que diz respeito ao apartheid entre a teoria e a prática, nos espaços de formação, tanto na escola, como nas unidades produtivas (empresa ou na terra). A articulação recípocra, como assinala Silva, L.H. (2003), é o princípio que norteia as atividades educativas em alternância, correspondendo, por meio da teoria: a transmissão do conhecimento; e por meio da ação: a transmissão do saber manual. Nesta intenção, Aballea (1991) apud Silva, L.H. (2003) registra que a relação teoria e prática concerne a um movimento de ida e volta, da teoria para a prática e vice-versa, para ambas constituírem-se para além da reprodução em si, permitindo, assim, emergir o novo saber. Posta essa relação, a alternância, assinala Silva, L.H. (2003), contribui para uma redefinição do trabalho educativo, alterando os conteúdos e trazendo outra maneira de transmitir o conhecimento. Nessa direção, Silva, L.H. (2003) assinala o reconhecimento de que as relações entre teoria e prática se expressam em espaços distintos, o que implica a reflexão sobre como as experiências educativas em alternância se organizam, se relacionam, se sustentam. Estudos, buscando a percepção dos atores protagonistas das experiências em alternância, se assentam, principalmente, na relação constituída entre a escola e o espaço produtivo. Silva, L. H. (2003), em seu trabalho, privilegia o aspecto relacional das experiências em alternância, por meio das representações sociais que os atores envolvidos diretamente no processo educativo constroem. Expressa que os entrevistados, geralmente, têm uma percepção distinta sobre tais experiências educativas, tanto no âmbito das atividades desenvolvidas na escola, como das unidades produtivas. Registra que a visão dos atores entrevistados, sobre a alternância das EFAs brasileiras estudadas, não remete à compreensão de um modelo único, mas sim plural, tendo cada experiência uma singularidade, apesar da unidade geral metodológica que a norteia, sob o fundamento relacional entre formação na escola e nas unidades produtivas. Assim, 169 [...] sob lógicas distintas, a sucessão de seqüências no meio familiar e no meio escolar, base do processo de formação em alternância, evidencia uma dupla finalidade: de escolarização no meio rural e de qualificação profissional para os jovens agricultores. São representações que, no conjunto, revelam a situação de marginalização do meio rural em nossa sociedade, de desvalorização de sua população e do descaso com os seus inúmeros problemas. Capelo (1994) também pontua o aspecto relacional de programas de alternância entre o Estado, empresas e o sistema escolar de Portugal, registrando que, a partir da entrada na Comunidade Européia, são criados cursos de profissionalização, financiados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, o que remete à diversidade relacional e de interesses, nestes, as dimensões política, econômica e pedagógica. Para Capelo (1994), a alternância, segundo as circunstâncias, foi considerada como capaz de resolver problemas bem diferentes, entre estes, amortecer o movimento social de 1968, atenuar a crise da escola secundária e a desmotivação dos estudantes, além de buscar a inserção de jovens não qualificados no mercado. Um movimento relacional, nesse contexto histórico, onde perpassam motivos de ordem propriamente político-econômica, por meio do entrelaçamento de proposições e ações de alternância, direcionadas como instrumento aos pressupostos educativos que reorientem as esferas social cotidiana e não cotidiana. Diante dessas experiências, Capelo (1994, p.4) afirma que a alternância tem diversos objetivos, sendo adequada às necessidades do momento, e, ressalte-se, aos interesses que estão em cada concepção/projeto político/pedagógico/decisão/ação. Alerta que a alternância, “[...] como qualquer outra corrente pedagógica, esta não foge à regra, andando um pouco ao ‘sabor do tempo’”. Enfatiza, Capelo (1994), que a alternância tem finalidades e formas diversificadas, uma vez que não detém qualidades superiores às de outras práticas pedagógicas. Ressalta, ainda, que a qualidade e eficácia sociopedagógicas dependem da escolha, condução e da forma que seus atores a promovem, organizam e operacionalizam. Nessa perspectiva, sempre é necessário refletir sobre qual concepção de sociedade e de educação está presente na formação em alternância, o porquê desta alternância e para quem. Nessa perspectiva, Silva, L.H. (2003) assinala que o estudo desenvolvido pelos autores em torno dos atores dos meios educativos na formação em alternância das Maisons Familiales Rurales da França, acrescente-se, da própria autora, e de outros estudiosos brasileiros sobre alternância nas Escolas Familiares Rurais, traz informações significativas das experiências em curso, apontando as modalidades de relações sociais, como as interinstitucionais e pessoais, 170 bem como ressaltam os fatores similares e divergentes no posicionamento de cada sujeito institucional. Concebe-se a alternância, também, no âmbito relacional nas dimensões econômicas, políticas e sociais. Neste sentido, como assinala Silva, L.H. (2003), é relevante – socialmente – inserir o currículo em alternância, como também as suas práticas pedagógicas, em suas interfaces com relações sociais mais amplas. A alternância educativa se realiza nas relações sociais, correspondendo à interação dessas relações de expressividade social, visto que não se efetivam em si mesmas, mas sim no contexto histórico-social que as sustenta. Expressando-se esta, a partir da agenda educacional que defende, se propondo moderna e contra interesses particulares, porém, como qualquer outra agenda educacional, não é isenta de contradições. Por isso, o Tempo Escola, da discussão teórica, materializada pelo conhecimento de conteúdos/temas geradores, e os Tempos Familiar e Comunidade, o das experiências práticas, da importância de possibilitar estes dois momentos para o desenvolvimento de capacidades físicas e de pensar criticamente. Para uma educação ampla, é necessário fazer a inter-relação entre o conhecimento local e o universal, considerando-se que a alternância se constrói nas – tramas das relações sociais, na educação enquanto processo sociohistórico, educação que promove o desenvolvimento humano, o homem sujeito de sua História. Também enfatiza-se que, na educação, o movimento relacional não é isolado, nem neutro, é político. Nessa perspectiva, [...] a possibilidade de desenvolvimento dos indivíduos enquanto personalidades cada vez mais complexas e ricas é fundada pelo desenvolvimento social. Quanto mais rica e intensa for a vida social, quanto mais articulada for a vida do indivíduo com a história de toda a humanidade, mais desenvolvida no sentido humano será sua existência. Por isso, a reprodução da sociedade e a reprodução do indivíduo são dois pólos do mesmo processo, isto é, são momentos distintos, porém sempre articulados, da reprodução social (LESSA, 2005, p. 97). Nesse processo de reprodução da sociedade e do indivíduo estão presentes diversos pensamentos, estendendo-se e interferindo no movimento relacional, entre esses, o pensamento dominante; este pensamento vem conduzindo para abertura de um espaço para o Terceiro Setor, anunciando, como novos parceiros na educação, as ONGs, retraindo, desse modo, a responsabilidade do Estado. Muitas optam pelo discurso, tomando, assim, esferas 171 públicas como espaço para mediar os conflitos com base no – melhor – projeto/argumento, secundarizado uma formação para o desenvolvimento de todas as potencialidades humanas. Os programas educativos para a formação em alternância constituem-se, em linhas gerais, na articulação entre temporalidades e espaços diferentes e simultâneos, ou seja, entre escola e espaço socioprodutivo. Assim, muitos foram tomados como formas flexíveis, neste contexto da globalização do sistema dominante, visando atender às expectativas e habilidades para responder às dificuldades de conversão profissional e para – inserir de qualquer forma – os jovens no mercado de trabalho, para responder ao entendimento evocado pela política econômica em curso. No caso das Casas Familiares Rurais, a proposição é a de realizar uma formação integral e atender às demandas sociais das Vilas Rurais e das unidades produtivas familiares, estimulando o desenvolvimento do meio e a permanência do jovem na terra (CAPELO, 1994; SILVA, L.H. 2003; GIMONET, 1999). Na diversidade do movimento relacional e das práticas pedagógicas em alternância será que tais proposições são qualificadas nessa intencionalidade? 172 Capítulo 3. Maisons Familiales Rurales: pontuando sua origem e expansão. Foto 5 – Apresentação dos representantes dos diversos países para a AIMFR, biênio 2005-07, no 8º Congresso Internacional de Alternância. Foz de Iguaçu-PR. Entre estes, o Senhor Leônidas Martins (Calça Jeans) da ARCARFAR/NORTE. Fonte: Neila Reis. Pesquisa de campo, maio de 2005. 3.1 Situando o contexto O movimento de camponeses em torno de uma educação diferenciada para seus filhos nasce na França, entre as duas guerras mundiais que abalaram o século XX. A razão dessa ação corresponde à preocupação de um pai, o senhor Jaime Peyrat, membro do sindicato de agricultores, em Sérignac-Péboudou, com a insatisfação de seu filho para continuar seus estudos na escola, posto que a organização desta escola não se voltava para as atividades agrícolas das unidades produtivas. A percepção do pai com relação a este fato e pelo significado positivo do conhecimento escolar para seu filho, impeliu-o para tomar a iniciativa de recorrer à autoridade de referência para um diálogo, o padre Grannereau. Do diálogo inicial passou-se para outros diálogos, já em forma de reunião, inserindo- se, nesse processo, os senhores M. Callewaert e Edward Clavier, também ligados ao sindicato 173 de agricultores, quando é tomada uma decisão para uma formação diferenciada destinada aos seus filhos, uma vez que a escola além de não atender às demandas dos agricultores, desenvolvendo uma formação que não correspondia à finalidade das demandas da agricultura familiar, muito menos sinalizava para a continuidade dos estudos. A base da compreensão da importância de uma escola que congregasse atividades cotidianas do processo de produção das culturas agrícolas era um objetivo fundamental desses pais, envolvidos, também, com a preocupação de que o campo dos conhecimentos técnicos, importante para seus filhos, fosse incorporado na formação. Assim, foram feitas reuniões, com debates, envolvendo mais pessoas e instituições, como o sindicato, tendo como decisão a realização de uma formação que fizesse a combinação de estudos teóricos junto com os práticos. Desse modo, atende a questões postas pelas exigências das etapas e do ciclo de cada uma dessas culturas, podendo aprofundar o conhecimento cotidiano sobre tais atividades com os aportes técnicos. Assim, o jovem, conforme as proposições em apreço, passou a ser o centro dessa formação. Para Chartier (2003); Chartier (1986) apud Silva, L.H (2003), o jovem tem o direito de conhecer – o porquê – das numerosas ações que a maioria realiza na rotina das atividades do processo produtivo nas lavouras de culturas anuais ou perenes, com o direcionamento para o conhecer, o aprender a fazer e acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Nessa perspectiva, o cenário é construído pelos pais e representantes sindicais e religiosos, em torno da importância dos estudos em alternância, reunindo os jovens entre o tempo das unidades produtivas e o tempo da escola. Este tempo compreende, na proposição, o período de atividades de caráter de ação e de reflexão, entre os âmbitos técnico e geral. Silva, L.H. (2003) e Estevam (2003) assinalam que essa experiência é o marco inaugural das Maisons Familiales Rurales, embora a sua constituição, em termos de referência estrutural, tenha ocorrido após um processo de muitos esforços e luta para tal. A sua criação não foi construída por si só, ocorrendo em função da necessidade de mudar a realidade que se apresentava. À frente dessa iniciativa estavam os pais de alunos e o padre, ambos membros da Secretaria Central de Iniciativa Rural (SCIR). Esta tinha a finalidade de estimular a formação de sindicatos de trabalhadores rurais, cooperativas e organizações para coordenarem projetos de agricultura. A idéia central dessa Secretaria era a de que os próprios camponeses tivessem iniciativa própria, como desafio para a realização de projetos agropecuários e também de educação, voltados para o desenvolvimento local. As raízes desse sindicato encontram-se no Movimento Sillon, do início do século, da Igreja Católica, visando estimular e movimentar os princípios da ação comunitária em todas 174 as dimensões da vida social nos campos da França, com a criação do movimento SULCO RURAL, em 1904, no 3º Congresso do Sulco em Lyon. Em 1908, no I Congresso Nacional Rural do Sillon, em Laumes-Alésia, o movimento se encontra presente em 30 Departamentos franceses. Este Congresso vem afirmar a organização dos jovens e das Maisons Familiales, enfatizando a importância da formação escolar no campo (QUEIROZ, 2004). A criação do Movimento da Juventude Agrária Católica (JAC), conforme Gramsci (2004), representa o verdadeiro partido da Igreja Católica; neste sentido, é uma das suas referências na influência do sindicalismo do campo, com destaque para a SCIR. Esta secretaria, em sua legislação, prevê a criação de Centros de Treinamentos para jovens do campo, empenhando-se na expansão e afirmação dessas Maisons, assim como das cooperativas agrícolas. A relação entre ambas é estreita e compreende a influência e dinamicidade de seu vice-presidente, Arsene Couvreur, para efetivar esta modalidade educativa (ESTEVAM, 2003). A conjuntura entre Guerras e o desenvolvimento tecnológico em avanço são razões que exigem uma reestruturação no sistema produtivo da agricultura francesa, segundo as propostas de políticas do Estado, envolvendo uma relação de parceria entre este, os empresários e agricultores, para mudar o processo produtivo de agricultura nos campos franceses, constituindo-se na introdução da modernização agrícola. No conjunto dos programas, estava presente o projeto de profissionalização dos filhos dos camponeses. A SCIR, portanto, foi criada nesse quadro de referência (ESTEVAM, 2003). É nesse contexto de envolvimento entre o Estado, o setor privado e os agricultores que emerge a modalidade de alternância educativa nos campos franceses, com empenho singular dos pais. O sucesso da experiência em Sérignac-Péboudon torna, a partir de 1937, o espaço limitado para atender às demandas humanas, remetendo a necessidade de transferência para Lauzan: [...] em uma reunião realizada em 2l de março de 1937, ficou decidido a transferência para Lauzan, no qual foi adquirido um prédio e organizado de fato a primeira turma da MFR., funcionando nos moldes conhecidos atualmente. Composto de 30 jovens e sob o comando e responsabilidade moral, jurídica, financeira e pedagógica de uma associação de famílias de pequenos agricultores (ESTEVAM, 2003, p. 36). As primeiras experiências aconteceram em função do empenho e participação dos pais para a nova formação dos seus filhos, inserindo no processo educativo os saberes repassados 175 pelos pais, conforme as necessidades de cada cultura e do calendário agrícola. Uma modalidade educativa, representando um novo projeto de escola e para a agricultura camponesa da França, se afirmou, recebendo a denominação de Maisons Familiales, que, caminhando para a organização administrativa, financeira e jurídica deu continuidade ao processo de desenvolvimento da formação em alternância. A busca foi pela gestão partilhada, constituindo, assim, a associação de pais, com fins jurídicos/administrativos para coordenar o processo dessa formação. O entendimento geral concerne à participação dos pais na condução do processo sociopedagógico, mas, com orientação dos dirigentes sindicais e religiosos e priorizando-se a formação técnica. Para a realização dessa formação, é contratado um profissional de Agropecuária para realizar a função de professor, sendo chamado de monitor, realizando todas as etapas do ato pedagógico dessa formação e, simultaneamente, visitando as unidades familiares. As necessidades das unidades envolviam as práticas educativas inicialmente, porém exigiam mais o envolvimento com os conhecimentos tecnológicos, principalmente, nas orientações do processo de tratos culturais e palestras sobre outros temas. Também a discussão de uma formação geral entre História, Ciências, Geografia, História Agrícola, além de conteúdos para a organização associativa, mas também a inserção de conteúdos religiosos cristãos, em função da concepção defendida pelos seus fundadores. Além do monitor, atores religiosos e sindicais faziam parte da equipe pedagógica na formação desses alunos, compreendendo uma semana no tempo das Maisons e três semanas no tempo das unidades familiares. Estevam (2003) destaca que a participação das famílias constituía-se não de forma espontânea nem aleatoriamente, mas sim como resultado de um processo de construção/reconstrução, com alguma resistência nos momentos iniciais, mas, mudando para uma motivação que conduzia ao empenho efetivo. A base para tal mudança de atitude, segundo este autor, concerne à relação de participação qualificada desses pais no processo educativo por meio da Associação que é o eixo central para a condução deste modelo pedagógico. Silva, L.H.(2003), embasada em Chartier (1986), afirma que não foram os ideários filosófico, nem o pedagógico, os elementos motivadores para a afirmação do modelo de alternância educativa, mas sim o instrumento da participação concedida aos pais que os motivou para a condução do projeto educativo, e também a possibilidade de permanências desses filhos como força de trabalho nas unidades familiares, viabilizando a eficiência social e 176 reprodutiva da família camponesa. No sentido que assinala Silva, L.H. (2003), a proposta educativa objetiva uma ação que corresponda a formar o jovem para que ele vá além das atividades técnicas, com elementos de uma formação geral e profissional. 3.2 A expansão na França das Maisons Familiales Rurales. A receptividade dessa modalidade, o seu sucesso com alunos do sexo masculino, o interesse dos pais e dos atores institucionais promoveram a sanção da Lei de Ensino Agrícola da França, de l7 de junho de 1938 , tornando o método das Maisons Familiales Rurales obrigatório para os jovens do campo. Estevam (2003) destaca que é só em 1940 que foi criada a escola feminina, com duração de cerca de seis meses apenas. Apesar dessa breve tentativa para a formação das mulheres, as experiências pioneiras constituíram a matriz para o movimento de extensão em outras regiões francesas, pela SCIR. Esta Secretaria tornou-se o órgão difusor dessa modalidade de ensino, por meio de instrumentos de comunicação, de relações e contatos políticos, religiosos, empresariais e pela sua condição organizacional (CHARTIER, 1986 apud SILVA, L.H. 2003; ESTEVAM, 2003). Já em 1941, os registros documentais das MFRs apontam o funcionamento de 16 Maisons; em 1942, são 17, nos campos da França, com cerca de mais de 500 jovens alunos voltados para uma formação de agricultores, em plena 2ª Guerra Mundial. O processo de expansão, no período 1941-45, foi norteador para a criação da União Nacional das Maisons Familiales Rurales (UNMFRs), em setembro de 1942. Visava-se com a constituição de uma coordenação centralizada efetivar os trabalhos de coordenação da gestão partilhada, em um cenário de diversidade e apontando distanciamento dos princípios adotados. O Conselho das Associações das MFRs constituía-se de cerca de 30 membros, o qual passa a se embasar na Lei l901/1941, que diz respeito aos estatutos das Associações. Esta lei, segundo Estevam (2003) e SILVA, L.H. (2003) passa a ser a referência legal para as referidas Maisons. Tal fato confere tê-la como instrumento para afastar a inserção/atrelamento político deste Movimento, mediante a ameaça de unificação dos sindicatos no interior da corporação dos camponeses. Conforme registra Estevam (2003), a orientação foi acertada para os fins de preservação da autonomia das MFRs, em nivel institucional. Estevam (2003) destaca a vigorosa expansão, tendo um resultado quantitativo de 35 novas experiências em 1943; em 1944, eram 60. Silva, L.H. (2003) registra que em 1945 o 177 quadro de unidades de Maisons era de 80. Apesar da situação de dificuldades, em função, principalmente, da ocupação alemã no território francês, este modelo educativo teve expressiva expansão, mas, com essa conjuntura emergiram as diferenças de pensamento e de organização dos princípios iniciais, expressando-se em torno de duas correntes: uma que analisava o modelo com tendências para a laicidade; outra, com afinidades religiosas. O período posterior à 2ª Guerra corresponde a uma reestruturação das MFRs. Assim, é constituída assembléia para assegurar alterações justificadas sob o objetivo de buscar uma unidade central e sob os princípios consagrados na experiência inicial, compreendendo-se, entre esta unidade, a responsabilidade da associação de pais em todas as dimensões das CFRs, dando autonomia aos pais para a escolha do ensino religioso, geralmente, católico ou evangélico. Este princípio traz restrições à gestão pedagógica e administrativa, pois, parte da decisão legal de que a autoridade religiosa não poderia mais ser o diretor da escola, assim como não poderia mais habitá-la (SILVA, L.H. 2003). A busca pela centralização, reordenação e uma identidade de referência das MFRs teve em seus elaboradores a decisão de desconvidar – que significa desligar -, as experiências que não se ajustassem ao novo quadro organizacional nacional do Movimento Maisons. O ato decisório dos membros dirigentes da assembléia compreende um movimento conjuntural de afirmação identitária aos princípios de formação MFR, denominado por Chartier (1986) apud SILVA, L.H. (2003) de desconfessionalização do movimento popular das famílias, como também o de afastamento tanto da Igreja, como do Estado, o que não significa ruptura, mas compreende-se como contraposição às ingerências diretas, culminando com a saída do padre Grenneareau. A trajetória de expansão das MFRs foi constituída, simultaneamente, com a organização orientada pelos princípios institucionais, visando realizar uma rede em que as famílias assumissem a responsabilidade e tivessem uma relativa autonomia para poder realizar a formação em alternância, sob a coordenação da União Nacional. O funcionamento desta União, como coordenadora de diferentes experiências, só seria possível em função da afinidade entre cada Maison. Isto, compreende-se, segundo Chartier (1986) apud Silva, L.H.(2003, p. 52), que [...] essa vida associativa intensa e a alternância possibilitaram vencer as dificuldades mais difíceis, constituindo-se nos elementos dinamizadores do movimento. O tipo de ‘escola’ criada desta forma despertou bastante a atenção; todavia, sua originalidade sempre esteve situada em oposição ao 178 esquema tradicional de formação da juventude. Assim, as pressões sempre foram feitas para alinhar com a maioria [...] Uma instituição nasceu. As afirmações de Chartier (1986) apud Silva, L.H. (2003) evidenciam o estado de incerteza, de desafios, de receios de uma experiência diferente, perante um universo de tradição escolar, assentado no modelo de tradição escolar. Neste sentido, de construção e ajustes para a constituição do modelo pedagógico de alternância nas escolas do campo, Silva, L.H. (2003) destaca que esta pedagogia não nasceu pronta, foi sendo construída nas dimensões do processo histórico-social. Esta autora evidencia que o objetivo principal da formação realizada pelas Maisons era de atender às demandas das unidades familiares, visando preparar o aluno para a vida profissional de agricultor, em inter-relação com a abordagem técnica e geral, possibilitando ser este um difusor das transformações desejadas para o campo. Chartier (1986) apud Silva, L.H. (2003) assinala a contradição entre os objetivos do projeto das Maisons e a prática de formação, uma vez que os monitores efetivavam o Tempo Escola ainda embasados nas referências da escola tradicional, com predominação da postura, do método e conteúdo repassado, da centralização do saber em torno deste e não no saber do aluno, apesar de buscar este saber. Ressalta que, embora houvesse esforço, os monitores não compreendiam que os resultados positivos emergiam porque os temas versavam sobre a realidade do campo, sobre interesse dos pais e dos alunos. A continuidade do processo educativo trouxe um avanço democrático na postura dos monitores, à medida que o movimento relacional dos alunos entre as Maisons e as Unidades familiares intensificou a relação social entre pais, alunos e esses professores, passando não só a ser mais freqüente, como possibilitou à consecução de abordagens questionadoras e expressivas quanto à solicitação e realização de atividades teóricas/práticas, de maneira vertical (SILVA, L.H. 2003). Silva, Lourdes Helena (2003) afirma que os jovens alunos passaram a questionar as orientações distantes de sua realidade e convergindo para a participação dos pais e a reorientação das técnicas, de forma adaptativa às necessidades das unidades produtivas. Este fato implica a gradativa compreensão de muitos monitores, em relação à necessidade de considerar tanto os jovens como os saberes desses, correspondendo também à reorientação da própria formação das Maisons. O ano de 1943 marca a primeira referência documental em torno de um projeto da Pedagogia da Alternância do Campo da UNMFRs, indicando os pressupostos pedagógicos e 179 metodológicos para uma formação integrada. A experiência nas unidades produtivas é base para a formação nas Maisons, pois transmite e cria as condições, por meio do professor, de referências que consignem refletir, sistematizar e transformar a experiência em conhecimento, para melhorá-la e coordenar experiências diversificadas, visando efetivar a inovação desse conhecimento, por meio da inter-relação do conhecimento escolar e do prático (SILVA, L.H., 2003). Assim, essa inter-relação é fruto da integração do conhecimento, possibilitando mostrar a capacidade de ação dos jovens, não visando a uma dinâmica de individualidade e de superioridade entre esses ou mesmo uma simples prova de sua capacidade, mas da compreensão e reflexão sobre o que entenderam. Esses princípios educativos e metodológicos demonstram uma proposição favorável para uma ação norteadora, em que o professor seria o coordenador do processo educativo, embasado nas necessidades socioprodutivas, deixando de lado a prática tradicional de ensino/aprendizagem/avaliação, sendo levado a conhecer a realidade dos alunos e a auxiliá- los nos problemas técnicos. A partir de 1945, já estavam delineados traços constitutivos da metodologia da Pedagogia de Alternância, partindo sempre da realidade do campo e visando resolver os problemas pedagógicos contemporâneos, pois esses princípios educativos necessitavam ser divulgados e efetivados de forma coerente nas Maisons Rurales. (SILVA, L.H. 2003). O período de 1945-50 vai delinear a construção dos aportes instrumentais e das referências metodológicas do projeto político/pedagógico do Programa da Pedagogia de Alternância, contribuindo para a afirmação da alternância nessas escolas. Esses instrumentos constituíam-se nos pressupostos da corrente que defendia a alternância e não o ensino tradicional. Considerando-se como ponto de partida a realidade social dos alunos, como instrumental de conteúdo, a inovação pedagógica foi expressiva para os novos rumos na formação escolar. Essa postura pedagógica não se constituiu num ambiente de consenso, mas sim de conflito entre posicionamentos a favor e contrários. Assim, enquanto correntes eram favoráveis à alternância, outras evidenciavam esta como um obstáculo à formação do jovem, como referência menor. Silva, L.H. (2003) assinala o surgimento do terceiro pilar em alternância, construído pelos atores das MFRs, correspondendo ao princípio de que o conhecimento deve partir das experiências sociais dos alunos. O conhecimento prático das unidades familiares, portanto, é fonte para os estudos das Maisons 180 A busca pelos princípios de alternância, a partir das experiências produtivas, foi uma política decisória para a firmação não só do método ativo, mas da proposta política/pedagógica das Maisons, uma vez que por meio da construção e atualização dos instrumentos pedagógicos, realização de encontros de trabalho com os monitores fortalecia-se este Programa de Alternância, tendo como pressuposto que o aluno é o centro do processo ensino/aprendizagem, pois constitui [...] outra revolução menos visível, mas talvez mais importante: a partir de agora, é o aluno que tem que fazer as perguntas para a família, para os professores de prática, para os amigos e seus monitores. É o inverso do tradicional onde é o professor que formula as perguntas (MFR, 2001a, p. 3- 4, apud SILVA, L.H. 2003, p. 57). As Maisons Familiales Rurales em movimento de expansão internacional O movimento internacional das Maisons teve início na década de 1950, por ocasião de uma viagem de representantes do governo e instituições da Itália que conheceram a experiência, dando início à expansão, sendo, então, este país marco de referência, na região de Verona, em 1959. Queiroz (2004) aponta a Feira Internacional da Tunísia, em 1954, também como uma referência em intercâmbio, que permitiu aos representantes das Maisons Familiales socializarem a experiência de formação em alternância. Os intercâmbios marcaram a abertura à expansão para as décadas posteriores, expansão que ganhou força com a primeira experiência, em 1966, na Espanha e, em 1985, em Portugal. Estevam (2003) ressalta que, na Itália, o Programa de Alternância sofreu algumas alterações, visando à adaptação, sendo denominado de – Escola Família Rural – ou resumidamente – Escola Família -. Um dos pontos modificados foi o tempo da alternância, compreendendo 15 dias na escola, em regime de internato, e l5 dias nas unidades familiares. Este cenário é estendido para outros continentes, como a África, com contatos, a partir de 1959, acentuando-se em 1962. Estevam (2003) e Silva, L.H. (2003) comentam que a equipe das Maisons ofereceu, para diversos países africanos, tanto técnicos como monitores para assessorarem as implantações desta modalidade de ensino. Assinala-se a presença de muitos organizadores; Estevam (2003) registra que, em 1962, foram implantadas no Congo, no Togo e Senegal. No final de 1960, as Maisons funcionavam em 7 países desse continente. 181 Na América Latina, o marco da experiência em alternância das Maisons Familiales é no Brasil, em 1968, no Estado do Espírito Santo, sob as referências das Maisons Italianas de Castelfranco-Vêneto. Em 1969, é estendida para a Argentina, tendo continuidade em outros países da América do Sul. Para a América Central, os contatos e intercâmbios foram feitos com os dirigentes das Maisons Francesas, em regime de colaboração com o Ministério das Affaires Estrangeiros, possibilitando a sua implantação. Em 1973, foi implantado na Nicarágua. Na América do Norte, em Quebec, no Canadá, na região de Sherbrooke em 1999 (PINEAU, 2002). Queiroz (2004) afirma que, além das Casas Familiares Rurais, tanto na França, como em outros países existem muitos outros Centros Educativos que trabalham com a Pedagogia da Alternância. A designação da alternância escolar corresponde a três formas, quais sejam: ensino cooperativo, alternância trabalho/estudo e alternância escola/trabalho. Na França, elas ocorrem com o ensino profissional e técnico e superior. Na Bélgica, a alternância é oferecida por meio de quatro tipos de organização: a alternância/fusão, a alternância justapositiva, a alternância/complementaridade e a alternância/articulação. Na Alemanha, a alternância é denominada de Sistema Dual, organizado no sentido de colaboração entre os atores sociais trabalhadores, o patronato e os sindicatos. No continente asiático, o marco da primeira experiência foi nas Filipinas, com orientação e apoio das Maisons Espanholas, em 1988. A expansão teve continuidade na década de 1980, sendo implantadas no Vietnã, em 1998. Também na Nova Caledônia, com oito casas, e no Taiti, com quatro. Na Oceania foram implantadas em 1977. Queiroz (2004) assinala que as Maisons, na atualidade, de sua pesquisa constituíam- se em um universo de 898, tendo como referência de materialidade maior a Europa e, em segundo lugar, a América Latina, com maior representatividade, o Brasil. Na França, as Maisons são agregadas à Union Nationale des Maisons Familiale Rurale Éducation et Orientation (UNMFREO). Estevam (2003) registra que o universo é de 450, entre associações, institutos rurais e centros de adultos, contando com 50 Federações, que estão empenhadas em atividades para a formação e e para o desenvolvimento do campo. 182 Continente País Ano de Fundação Nº de Casas Europa França 1937 450 Nova Caledônia 1977 08 Polinésia francesa 1980 04 Itália 1961 06 Espanha 1966 65 Portugal 1985 05 Sub-total 06 538 África Tunísia 1950 00 Madagascar 1959 01 República do Congo 1962 11 Côte de Ivore 1962 00 Gabão 1962 00 Algéria 1963 00 Togo 1963 17 Senegal 1964 28 Chad 1965 10 Camarões 1966 00 Rep. Centro Africana 1966 17 Ruanda 1974 31 Etiópia 1978 00 R.D. Congo 1990 00 Benin 1991 03 Ilhas Maurício 1993 0l Mali 1996 01 Marrocos 1998 02 Burkina Faso 2000 00 Sub-total 19 122 Ásia Filipinas 1986 05 Vietnã 1998 01 Sub-total 02 1986 06 América (d Sul) Brasil 1968 150 Argentina 1969 35 Venezuela 1973 01 Chile 1976 05 Equador 1997 01 Uruguai 1980 01 Sub-total 06 193 América (Central Nicarágua 1973 09 Guatemala 1978 12 Honduras 1980 06 Panamá 198l 05 El Salvador 1992 03 Repub.Dominicana 1994 0l Sub-total 06 36 América do Norte México 1974 02 Canadá 1998 01 Sub-Total 02 03 Total de Países 41 898 Quadro 8 – Distribuição do Número de Casas Familiares no Mundo por Continente, Segundo o País e o Ano de Fundação. Fonte: UNMFREO, 2003 apud Queiroz, 200443. 43 O Folder de divulgação do 8º CONGRESSO INTERNACIONAL EM ALTERNÂNCIA: FAMILLE, ALTERNANCE ET DÉVELOPPEMENT, organizado pela ASSOCIACIÓN INTERNACIONAL DE LOS MOVIMIENTOS FAMILIARES DE FORMACIÓN RURAL (AIMFR), realizado em Puerto Uguazú/Argentina e Foz do Iguaçu/Brasil, de 04 a 06 de maio de 2005, registra a presença do Movimento desta Associação, em 40 países, 5 Continentes, com l.300 associações, 35.000 alunos e 45.000 famílias. 183 A UNMFREO, em parceria com o Centro Nacional Pedagógico em Chaing, efetiva uma relação de cooperação com os países da África e da América Latina para a formação de monitores e a produção de materiais pedagógicos. O Ministério da Cooperação e do Desenvolvimento da França apóia os países africanos. Para os países da América Latina, a ajuda é oriunda do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Comissão da Comunidade Européia. O apoio é constituído de missões de assistência técnica, organização de seminários e envio de monitores por cooperação para o fortalecimento da formação. Estas modalidades metodológicas são referências para manter o intercâmbio e buscar recursos financeiros e também organizar e dar continuidade aos princípios das Maisons. Estevam (2003) afirma que os convênios e parcerias são efetivados de forma descentralizada, já diretamente com as federações regionais e departamentos locais, como é o caso do Brasil, que recebe o apoio do departamento de Mayenne. A criação, em 1975, da – Association Internationale des Mouvements Familiales de Formation Rurale AIMFR – ocorreu durante o Congresso Internacional realizado em Dakar, Senegal, o qual contou com a participação de 20 países e 21 organizações que desenvolvem as experiências em alternância. Esta Associação tem como objetivos centrais promover os princípios e métodos, a integração, a expansão e a representação das Maisons Familiales em diversas nações (SILVA, L.H., 2003; ESTEVAM, 2003). A AIMFR, em 1987, segundo Estevam (2003) e SILVA; L.H. (2003), criou uma Fundação, um Centro Europeu para a Promoção e Formação do Meio Agrícola e Rural, e o Comitê de Administração das MFRs, com o objetivo de buscar recursos e dar estrutura organizativa mais consistente ao Movimento Maisons nos espaços geopolíticos de diversos continentes. 3.3 Os instrumentos pedagógicos das Maisons. O pressuposto que embasa o programa de Alternância das Maisons Familiales Rurales é de que a formação educativa seja um processo de construção do conhecimento, envolvendo a troca de saberes, fundamentando-se seu projeto político/pedagógico, como ponto de partida, nas experiências sociais das unidades produtivas familiares em que seus alunos são os atores participantes. 184 As proposições dos instrumentos pedagógicos das Maisons visam buscar as demandas da realidade da agricultura familiar, considerando a intermediação entre os tempos escola e unidade produtiva, como momentos singulares para a aprendizagem, passando, assim, a considerar-se a forma dialógica de participação do aluno como o meio de trazer os aportes práticos do seu trabalho cotidiano para serem entendidos e aprofundados. Entre os instrumentos se têm: le plan de formation (plano de formação), e le plan d’étude (plano de estudo). Le cahier d’exploitation familiale (o Caderno de Propriedade) vai sendo aperfeiçoado no processo de cada nova formação. Este caderno teve uma trajetória de busca pelas referências históricas da Vila Rural e era então denominado de – La monographie de village -, mas não se afirmou em função das dificuldades para a realização das pesquisas e do desinteresse dos jovens para realizá-la. No Caderno de Alternância estão reunidos os planos de estudos, os dados quantitativos e qualitativos, as problemáticas, resultados e experiências de cada aluno; é o ponto de partida para a constituição das fichas pedagógicas. O plano de formação é o elemento central para constituir e conduzir a Alternância das Maisons. (SILVA, L.H. 2003 e ESTEVAM, 2003). Silva, L.H. (2003) assinala que Bachelar considerava ambicioso, tendo em vista que se exigiria do jovem uma capacidade de análise profunda para um adolescente. O monitor seria o condutor das orientações por meio de questionários e análises, as quais conduziriam à compreensão das etapas para se ter os resultados satisfatórios. Houve, no entanto, desigualdades de resultados, de não motivações, diante da profundidade de uma pesquisa, das especificidades priorizadas, em relação à História da Igreja e dos aspectos gerais a serem abordados, contrastando com o interesse dos jovens para os temas de cunho técnico. Mediante este fato, a estratégia foi reordenar a proposta da pesquisa, restringindo-se ao espaço das unidades produtivas familiares, tendo em vista que esta é a referência para a busca da compreensão das problemáticas fitossanitárias, de tratos culturais, de plantio, de armazenamento, de técnicas que resolvam as necessidades específicas e gerais da agricultura, além dos questionamentos e reflexões para a formação em alternância. É criado, assim, La monographie de l’exploitation familiale. Este caderno da propriedade viria corresponder às expectativas de motivar os jovens para se engajarem nas atividades e responsabilidades das unidades produtivas, visando efetivar o movimento interacional e participativo entre os pais, jovens e monitores. Vale ressaltar que esse instrumento constitui um relatório, contendo dados quantitativos e qualitativos sobre as unidades produtivas e aspectos da Vila local. O citado caderno é o instrumento inicial para ser acompanhado durante a formação do curso, visando, gradativamente, incorporar, passar do caráter descritivo para o analítico, com 185 perspectivas de, no final dos três anos, o jovem deter um conhecimento geral e técnico do conjunto desta unidade, com inserção profissional nas atividades desenvolvidas no processo produtivo local. O caderno da propriedade, no final da década de 1940, afirma Silva, L.H., (2003), passou a ser o instrumento central da Alternância das Maisons Familiales Rurales, pois a formação foi orientada pelas informações trazidas pelos alunos por meio deste caderno, expressando tanto os seus questionamentos, como as suas sugestões, a partir da vivência nas atividades agrícolas familiares. Assim, tendo como complementaridade, para o conjunto de instrumentos, as observações/orientações feitas pelos monitores e alunos no caderno de campo e as visitas às unidades produtivas, são deixadas para, em última etapa, as realizações das discussões teóricas. As abordagens das referências de História, Geografia, Matemática são feitas, tendo como recomendação recorrer às anotações deste Caderno como fonte documental (SILVA, L.H. 2003). Este caderno possibilita a criatividade do aluno, como assinala Chartier (1978) apud SILVA, L.H (2003), não tendo um caráter de modelo único, apenas recomenda-se que esteja mais próximo das atividades agrícolas e dos fenômenos biológicos de cada cultura trabalhada. As anotações feitas pelos alunos, no tempo das unidades produtivas, constituem-se em aportes para a seleção de conteúdos da organização curricular da formação em alternância. Para Estevam (2003) e Silva, L.H. (2003), este instrumento é inovador, permitindo uma contraposição e a realização de uma inversão quanto à ordenação do sistema tradicional escolar e à aquisição do saber, privilegiando os momentos produtivos que interessam, em primeiro lugar, ao aluno. A partir do conjunto de anotações dos Cadernos de Propriedade, é criado o Plano de Estudos, derivando do conjunto desses planos, o Caderno de Alternância, contendo a totalidade de observações e análises, permitindo o processo da formação, com a participação do jovem. Assim, o Plano de Estudo é constituído de [...] temas que têm relação com sua vida profissional, familiar e social. [...] permite a cada jovem: Informar-se, pesquisar: olhar, observar, perguntar e discutir. Analisar, refletir: por que, como, onde, quando e conseqüências. Expressar suas descobertas e reflexões (GILLY, s/d, p. 30). 186 Do conhecimento possibilitado pela sua experiência nas unidades produtivas, o aluno vai descobrindo o conhecimento científico. Para tanto, as visitas às propriedades, denominadas de visitas de estudos, constituem outra referência metodológica que possibilita a troca e o cruzamento de experiências entre monitores, alunos e os pais, visando responder às dúvidas, à construção e ao diálogo dos saberes. As anotações iniciais dão subsídios para a elaboração de questionamentos e expressam a importância da observação sobre a realidade no Caderno de Alternância, durante este Tempo Escola. Silva, L.H.(2003) e Estevam (2003) ressaltam que o retorno das unidades produtivas às escolas, neste tempo, tem como objetivo estimular a compreensão de sua própria vivência e da realidade que o cerca, facilitar o raciocínio, melhorar a expressão verbal, adquirir novos conhecimentos, realizando a reflexão, o debate e a personalização das suas descobertas, para, se necessário, voltar ao local municiado de elementos de especialização em alguns conhecimentos, embasada esta volta em pesquisas bibliográficas. A cada nova alternância, assim como a cada novo retorno das visitas de estudo, a proposição é de que haja a socialização dos resultados, denominada de la mise comum, (colocação em comum), a fim de que o aluno exponha suas dúvidas, partilhe as novas observações e apresente os seus questionamentos. Este momento pedagógico é considerado de importância fundamental para a formação em alternância, sendo vislumbrada a constituição de uma memória síntese de cada experiência temática. Visando ao aperfeiçoamento da formação das Maisons e à efetivação da alternância integrada, são introduzidas as fiches pédagogiques (fichas pedagógicas) como instrumento metodológico para fazer a relação teoria e prática. Estevam (2003, p. 47) ressalta que são documentos, geralmente, elaborados pelos monitores, com perspectivas de dar continuidade ao processo formativo por meio dos temas e da socialização em comum. O objetivo central é buscar o conhecimento mais elaborado das referências temáticas discutidas e a construção do conhecimento dos Planos de Estudo. As fichas são ordenadas para fazerem a ligação entre o conhecimento inserido nos planos de estudo e a colocação em comum, contribuindo para a efetivação de um conhecimento mais sistematizado sobre a realidade social e sobre os conteúdos de cada área (como Matemática, Português). As fichas permitem que os alunos façam suas anotações e planejem diversas atividades educativas: sessão com os monitores, realização de estudos em grupo, pesquisas. Conforme este autor, permitem ao aluno estudar do local ao global e deste global voltar ao detalhe, realizando este caminho dentro do seu objeto de estudo. 187 Outro recurso teórico e metodológico, preconizado pelas Maisons Familiales são Les Cours (os cursos), visando à sua efetivação dar complementaridade teórica à formação, enriquecendo e aprofundando os conhecimentos técnicos e científicos do Tempo Escola. Para os cursos terem êxito, Estevam (2003) aponta que é necessário que estejam orientados para a demanda socioeconômica de cada jovem. O objetivo principal é de que os jovens tenham a compreensão desse conhecimento e desenvolvam o interesse em fazer a ligação com as visitas de estudo e assim possam realizar novas atividades práticas. O processo de avaliação, nos anos iniciais das Maisons, visava avaliar a capacidade de cada aluno e o avanço no que dizia respeito à sua compreensão do conhecimento e, sobretudo, do comportamento desse aluno frente às experiências que fossem surgindo. Esse processo de avaliação se dava no tempo e no espaço do curso, correspondendo, no primeiro ano, às atividades socioeducativas; no segundo, às atividades socioprofissionais; no terceiro ano, à elaboração de um projeto de intervenção na unidade produtiva ou na comunidade. Nesta contemporaneidade, Estevam (2003) assinala que essa avaliação consiste no diálogo, troca de experiências entre pais, alunos e monitores, nas atividades dos alunos nas unidades produtivas e nas Maisons, concernentes ao acompanhamento, às observações e às análises dos monitores, quanto às diversas atividades dos alunos e à compreensão teórico/prática dos conhecimentos repassados no Tempo Escola. O estágio também é outro instrumento propositivo das Maisons, compreendendo a oportunidade de o aluno buscar novos conhecimentos e trocar experiências, apreender e intervir em outras realidades, além de poder escolher sobre qual realidade profissional quer atuar (ESTEVAM, 2003) Les exercices (os exercícios) são outro recurso metodológico, consistindo em realizar atividades individuais, com caráter avaliativo, visando a que o aluno possa, além de obter o conhecimento, refletir sobre qual é o mais viável para atender às suas necessidades, também de descobrir a sua capacidade de esforço teórico-prático e aperfeiçoar suas capacidades de linguagem e a escrita. A partir de 1968, decorrente das mudanças, a educação escolar até os l6 anos passou a ser de caráter obrigatório, influenciando o Movimento das Maisons Familiales. Dentre as mudanças, Estevam (2003) destaca a criação do – Institut Rural d’ Éducation et d’ Orientation (IREO) -, o qual reuniu cerca de quatro a cinco Maison, sendo chamado de – Ensembles pédagogiques -, constituindo-se em nova modalidade organizacional, que visava respeitar os princípios de autonomia de cada Maisons. Entre os objetivos destaca-se um novo 188 direcionamento na formação, no que tange à oferta de cursos, extensivos para outras áreas do conhecimento, como o comércio, artesanato e empresa. Nesse sentido, a partir desta nova modalidade, as mudanças no ensino em alternância alcançaram o tempo de formação, sendo constitutivo em duas etapas: a primeira correspondia aos três anos iniciais, nas Maisons; a segunda, correspondia ao tempo dos Institutos, com estudos de mais um ano, visando à complementação da formação. Essa mudança trouxe a criação das Maisons profissionais, com cursos de mecânica, marcenaria, carpintaria. Também ressalta-se a criação da formação em alternância no ensino superior (ESTEVAM, 2003). Vale acrescentar que essas mudanças, principalmente, pela inclusão no sistema escolar oficial, permitiram a incrementação financeira do programa em alternância, assim como a sua expansão, mas, por outro lado, como ressalta Estevam (2003), trouxeram a descaracterização do projeto inicial. Apesar da extensão, da dinâmica, houve necessidade de fechamento de muitas escolas. Para contornar tal situação foi aprovada a Lei Guermeur, na década de 1960, devolvendo a autonomia para as Maisons. Estevam (2003, p. 51) assinala que a década de 1980 foi orientada pelo movimento de busca dos princípios – tradicionais – da alternância e da permanência do Programa das Maisons sob o controle privado, mas, o financiamento devia permanecer por meio das verbas públicas do Estado. Este movimento relacional trouxe a discussão de reivindicações para o Estado assumir a manutenção financeira, originando uma forma de contrato, estabelecendo, assim, um acordo, expresso por meio de uma lei aprovada em 1984. As características principais foram mantidas; no entanto, a financeira permanece problemática: “[...] atualmente o orçamento das MFRs é constituído da seguinte forma: 20 % da taxa de aprendizagem; 36% das famílias; e 44 % de subvenções do Governo”. Le Plan de Formation (O Plano de Formação) constitui a referência a priori para nortear as atividades contidas nos métodos defendidos, compreendendo a organização dos objetivos gerais, assentados nas demandas das famílias, e das finalidades específicas dos planos de estudos em alternância, expressando, assim, as missões que consignam ao buscar a autonomia do indivíduo e contribuir para o desenvolvimento local. Esse Plano se realiza na mediação de vários sujeitos, entre estes, os monitores, estudantes, pais e profissionais envolvidos no programa. O Plano de Formação é estruturado a partir de uma pesquisa junto às unidades familiares, visando trazer para os estudos, a partir das experiências cotidianas, problemáticas diversas para serem estudadas e compreendidas no Tempo Escola, de forma abstrata. O Plano parte, assim, das informações trazidas pelos jovens, por meio de Temas de Estudo, em uma 189 lógica horizontal, perfazendo uma lógica vertical (1º, 2º temas...) no Programa de Alternância, representando o conteúdo a ser estudado no período de três anos do curso. Cada alternância conta com uma ficha pedagógica, que permite o aluno ter uma orientação de estudo, a partir de sua realidade profissional familiar, para chegar à compreensão técnica e científica. 190 3. 4 As experiências educativas em alternância no Brasil. Como assinalam autores e atores sociais de ONGs, das Igrejas Católica e Luterana, dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, professores, políticos e agricultores, o Programa do Centros Educativos de Formação em Alternância (CEFFAs) inclui, em sua formação, conteúdos do saber local, das experiências cotidianas no trabalho produtivo dos sistemas de produção familiares e considera também a importância do jovem no processo educativo, tratando-o como um “[...] ator socioprofissional que busca e constrói seu próprio saber [...]” (GIMONET: l999 a). A experiência da Alternância foi expandida por toda a França, principalmente após a 2ª Guerra Mundial, contribuindo, segundo GIMONET (1999, b), por meio da formação das Maisons Familiales Rurales aos jovens do campo para a transformação da agricultura francesa Gimonet (1999 a), enfatiza que os pressupostos pedagógicos e as práticas nesta modalidade de educação não estão dissociados da realidade contemporânea; pelo contrário, estavam vinculados a essa realidade, além de inserirem-se na dinâmica social local. Os conteúdos trabalhados são voltados para as necessidades do meio rural; o ensino tem um sentido social e busca interações com as demandas culturais e socioeconômicas. Assim, para o autor, a formação em alternância vai ao encontro dos problemas específicos dos agricultores familiares, envolvendo a importância da educação em alternância em consideração ao calendário agrícola, como também aos seus significados político e social para as populações rurais. Um dos objetivos da Pedagogia da Alternância, segundo o autor, era e é contribuir para o desenvolvimento local, tendo, como referência, os estudos das culturas agrícolas, desenvolvidas nas unidades de produção familiar, considerando as necessidades imediatas (de orientações técnicas e fitossanitárias) dessas culturas e dos camponeses. Incluíam-se, também, as questões de saúde, de gênero, da economia familiar camponesa. A introdução da Pedagogia da Alternância, no Brasil, remonta ao final da década de 1960. Os atores locais conhecem o Programa de Alternância sob o modelo italiano, e, assim, fundam as EFAs, por meio da UNEFAB e CFRs. Estas instituições são organizadas na forma de Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Norte e Nordeste do Brasil (ARCARFAR/NORTE) e da Associação das Casas Familiares Rurais do Estado do Pará 191 (ARCAFAR/PARÁ) para os filhos (as) dos agricultores.44 No Espírito Santo, a discussão sobre a implantação dessa escolas ocorreu a partir de l968, (GIMONET, l999, a); em Pernambuco, em l984 (SILVA, Maria, 2003), estendendo-se, também, aos outros Estados, como Paraná, Rio Grande do Sul. Esta expansão teve uma dinâmica significativa na década de 1980, para o Piauí, e Maranhão; e para o Pará, na de 1990, nas cidades de Medicilândia, em l995, Pacajá em 1998, e em Uruará, em 2000. Duas experiências educativas em alternância marcam o Movimento Maisons Familiales Rurales no Brasil: as EFAs e as CFRs. O ponto de partida em alternância é a experiência das EFAs, em 1969, no Estado do Espírito Santo, tendo, em 2004, sete Centros Educativos, denominados, no Encontro de Foz do Iguaçu, em 2001, de CEFFAs, em que a maioria assumiu este termo (QUEIROZ, 2004). Os CEFFAs reúnem sete diferentes experiências de formação em alternância: as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), as Casas Familiares Rurais (CFRs), Escolas Comunitárias Rurais (ECRs), Escolas Populares de Assentamentos (EPAs), Programa de Formação de Jovens Empresários Rurais (PROJOVEM) e Escolas Técnicas Agrícolas (ETAs), reunindo, até 2004, 224 experiências nessa formação (VISBISKI et al, 2000; QUEIROZ, 2004). A alternância é o eixo metodológico central do Programa CEFFA, o qual se baseia em um plano de formação, que prioriza o âmbito profissional, considerando as necessidades do meio local. O CEFFA e o meio se interligam mutuamente por meio da absorção e interação do primeiro às demandas técnicas do segundo, em sentido dinâmico, característico da realidade social. Esse programa se envolve com o desenvolvimento local, e o meio é o elemento motivador de mudança evolutiva do CEFFA, o qual se adapta às novas demandas socioeconômicas (FORGEARD, 2001). Assim, os princípios da Pedagogia da Alternância valorizam a importância da experiência dos sujeitos no trabalho cotidiano da economia camponesa, como forma de conhecimento do aluno, que deve ter continuidade e se desenvolver, simultaneamente, com a formação na escola. Desse modo, o Programa da Pedagogia da Alternância insere as atividades educativas nas unidades produtivas, constituindo a alternância familiar. Esta é concebida como um elemento estrutural para a formação profissional, assim como as 44 É relevante registrar outras experiências: A alfabetização de Adultos, desenvolvida por Paulo Freire no Nordeste Brasileiro, nos anos sessenta; a alfabetização de jovens e adultos do (Movimento de Educação de Base (MEB); as experiências dos povos indígenas e da floresta por uma escola que insira sua cultura; outras iniciativas “anônimas” em diversas localidades rurais; o papel indispensável desempenhado pelas professoras e professores do campo, em meio a tantas injunções políticas, aviltamento salarial e circunstâncias desfavoráveis, e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), pelos projetos políticos/pedagógicos, para o 192 atividades teóricas e metodológicas no ensino escolar formam a alternância escolar. Engloba, dessa forma, os coletivos familiar e escolar. Segundo alguns educadores deste programa, simultaneamente, a Pedagogia da Alternância insere os jovens na escola e contribui para a permanência destes nas unidades camponesas, além de viabilizar a formação para a certificação que confere a continuidade. dos seus estudos. As Escolas Família Agrícola As EFAs constituem a referência pioneira em formação em alternância no campo brasileiro, como no Estado do Espírito Santo, na década de 1960, a partir de orientação das Maisons italianas, de Vêneto. Queiroz (2004) assinala que a experiência italiana surgiu, em 1961, na região de Treviso e Ancona, sendo denominada de Scuola della Famiglia Rurale ou Scuola-Famiglia, com apoio da Igreja, mas como iniciativa de atores políticos. No Brasil, o diálogo inicial com os camponeses e lideranças locais sobre a formação em alternância foi efetivada pelo padre jesuíta Humberto Pietrogrande, visando à implementação dessa educação por meio de adaptação da proposta italiana. Dessa discussão resultou a criação da EFA, a primeira em alternância, em 1968 (UNEFAB, 1999, ZAMBERLAN, 1995; QUEIROZ, 2004, SILVA, L.H. 2003; ESTEVAM, 2003). A região sul do Espírito Santo, com predominância da economia primária, com tradição na cultura do café, cultivada por descendentes de imigrantes italianos, nesse período, estava em crise socioeconômica em função da política governamental – de retirar o componente estimulador do Programa da Cultura do Café. Tal política trouxe não só a crise e a erradicação dessa economia dos agricultores camponeses, mas, também, a emigração para as cidades. É nesse cenário que o padre Pietrogrande vai atuar em missão religiosa e educativa com tais atores sociais, vindo a envolver-se na construção da experiência em alternância, evidenciando, assim sua insatisfação com o modelo atual da escola para o campo (MEPES, 1996; SILVA, L.H. 2003). Silva, L.H. L.H. (2003) comenta que o envolvimento do padre Pietrogrande se deu, via discurso sobre o desenvolvimento comunitário, junto aos movimentos sociais e projetos de educação popular, que, no início da década, orientavam-se para modificações nas estruturas desenvolvimento do campo e da reforma agrária; as diversas experiências e resultados (na formação de seus filhos e qualificação de professores) dignificantes e memoráveis da política educacional brasileira. 193 político-econômicas. Tais movimentos sofreram imposições e outras orientações passaram a compor a conjuntura da realidade social com a efetivação do Golpe Militar de 1964, por políticas públicas direcionadas para integrar o Brasil ao desenvolvimento capitalista (SILVA, L.H. 2003, QUEIROZ, 2004). No âmbito educacional, incluindo-se a educação do campo, as políticas educacionais tiveram reorientações para adaptar-se às regras gerais, fundamentadas nos paradigmas tecnicistas e voltadas para uma concepção de educação que priorizava esta orientação, além de também priorizar a esfera econômica. Calazans (1983) e Silva, L.H. (2003) registram que, na perspectiva de integração do campo ao projeto desenvolvimentista econômico, os atores – governantes militares – atribuíam à escola o papel de mediadora, além de ser designada como responsável para garantir os princípios básicos para uma educação nacional, tendo como ponto de partida a realidade local, visando construir uma formação voltada para a vida. Para viabilizar essas metas, os propositores defendiam que a formação do professor é fundamental, sendo importante que este ator veicule a cultura, utilizando instrumental tecnológico que tenha imediato alcance, estimulando, também, a integração da escola às Vilas Rurais, mudanças no currículo e calendários escolares de acordo com o ano agrícola. Estas medidas visavam amenizar os problemas socioeducativos, de evasão, repetência e mudança para as cidades. Este cenário histórico-social da política educacional estava na orientação de seus planos voltar-se para a efetivação de educação para o campo, devendo esta ser adaptada à realidade da vida e da agricultura camponesa. Foi nesse contexto que a proposta das Maisons Familiales Rurales encontrou um campo favorável para sua implementação. O empenho do padre Pietrogrande para a criação da escola familiar foi considerável, indo muito além da ação pastoral. Esta ação do padre Pietrogrande, vale ressaltar, como destaca Queiroz (2004), é decorrente, também, do compromisso de alguns setores da Igreja Católica com a justiça social, tendo como referências as proposições do Papa João XXIII, no Concílio Ecumênico Vaticano II, em l962, a Conferência dos Bispos Latino-Americano de Medelín, em 1968, conclamando a paz mundial e a ação social da Igreja, além da postura engajada da Teologia da Libertação em relação às questões sociais. Teve início então, no contexto das EFAs, um movimento de visitas e contatos que conduziu à criação da Associação dos Amigos do Espírito Santo (AES), ítalo-brasileira, visando à realização de intercâmbios econômicos, educativos, religiosos e culturais. Silva, L.H. (2003) assinala que essa instituição foi o eixo central para o processo de implantação, 194 tanto no campo do apoio financeiro, como no de capacitação de formadores e da estruturação desta modalidade de Escola. Nessa perspectiva, foi elaborado um Plano de desenvolvimento socioeconômico para os municípios, em que o padre Pietrogrande atuava, com a participação de profissionais italianos. Para o desenvolvimento de Programas e Projetos socioeconômicos, este Plano incluía a criação de uma instituição de cunho jurídico, objetivando reunir e defender os interesses dos agricultores, assim como a criação das Escolas Familiares, como proposta educacional alternativa para a formação dos filhos dos trabalhadores do campo. Nesse contexto relacional, é fundado, em abril de 1968, o Movimento Educacional e Promocional do Espírito Santo (MEPES), com a finalidade social e status de coordenação nas dimensões da saúde, educação e ação comunitária (ZAMBERLAN, 1995; SILVA, L.H. 2003; ESTEVAM, 2003). Isso possibilitou, a partir de 1969, sob orientação do MEPES, a implementação das ações educativas em alternância no Espírito Santo, em Anchieta e a Escola Família de Alfredo Chaves, tendo um movimento de continuidade para afirmação e expansão para outros Estados, como Bahia, Minas Gerais, a partir de 1973, dessa modalidade educativa, mediado por atores ligados aos sindicatos de trabalhadores rurais e à Igreja Católica. Com o crescimento do projeto em Alternância surgiu a necessidade de uma maior estruturação, sendo criada, em 1982, por meio da primeira assembléia geral das EFAs, a União Nacional das Escolas Família Agrícola do Brasil (UNEFAB), com a tarefa de coordenar, implantar, assessorar e agregar as ações das escolas vinculadas (ZAMBERLAN, 1995; SILVA, L.H. 2003; ESTEVAM, 2003; QUEIROZ, 2004). A partir de 1982, a UNEFAB foi executando e ganhando espaço em relação ao MEPES. Para legitimar a independência foi criada uma equipe pedagógica nacional com fins de construir planos de formação com caráter regional. Essa desvinculação permitiu a aproximação com as experiências francesas, e a introdução dos princípios originais de formação das Maisons. Hoje, a UNEFAB é sediada em Brasília. Também foram constituídas, em 2004, 113 EFAs, atuando em 16 Estados (QUEIROZ, 2004). As experiências em alternância no campo, tendo como matriz as EFAs, são marcadas por alguns aspectos similares que as caracterizam, em seus contextos gerais. Como ressalta Queiroz (2004), no âmbito de vínculo com as Igrejas Católica e Luterana, embora nascidas da experiência italiana, as suas raízes e características gerais foram adaptadas e estão assentadas nas raízes francesas; as experiências levadas a cabo, no curso de sua trajetória histórica, 195 constituem-se em ênfase para a escolarização, e o financiamento maior dessas experiências educativas em alternância compreende recursos estrangeiros, notadamente vindos da Europa. Quanto à expansão da alternância no campo, as EFAs são um referencial, expressando-se em sua materialidade em diversas experiências, como as Escolas Comunitárias Rurais (ECRs), criadas a partir da experiência da EFA do município de Jaguaré, na década de 1990. As Escolas Populares de Assentamento (EPAs), também no Estado do Espírito Santo, desenvolvem sua ação educativa por meio da Pedagogia da Alternância, sob a coordenação do MST. Também as Escolas Técnicas Agrícolas em São Paulo, de Rancharia, Mirassol e Andradina passaram, em 1998, a trabalhar com a alternância; todas essas experiências estão sob orientação das EFAs (QUEIROZ, 2004). No Pará, a partir de 2004, a Escola Agrotécnica Federal de Castanhal passou a adotar a Pedagogia da Alternância em algumas de suas atividades pedagógicas, aos moldes das CFRs. Estevam (2003) ressalta que o sistema de alternância das EFAs é diferente daquele das CFRs, quanto ao ritmo do tempo de alternância: de uma semana no Tempo Escola e uma semana no Tempo Comunidade e ao critério da flexibilidade, permitindo o gênero feminino fazer parte do quadro dos seus alunos. As Casas Familiares Rurais A experiência educativa em alternância das CFRs tem o marco histórico-temporal na década de 1980. Segundo Estevam (2003) e Queiroz (2004), estas Casas têm diferença em relação às EFAs quanto ao movimento relacional das primeiras ser ligado aos governos e instituições do Estado. A criação desta modalidade educativa está vinculada diretamente à iniciativa e influência da UNMFRs francesas, desvinculadas, portanto, das EFAs, constituindo outro movimento relacional, com participação direta, por meio de assessoramento técnico/pedagógico francês (SILVA, L.H. 2003; ESTEVAM, 2003). Em relação ao despertar do interesse pela implantação das Casas Familiares Rurais, Silva, L.H. (2003) e Estevam (2003) registram que este interesse ocorreu em função de contatos e conhecimentos da experiência, por meio de uma viagem de técnicos do MEC à 196 França, em 1979. Objetivando divulgar a proposta de alternância, o Movimento das UNMFRs enviou um técnico para realizar o diálogo e incentivar a implantação. Silva, L.H. (2003), visando situar a história das CFRs, destaca três momentos distintos: [...] um primeiro momento, no qual foram realizados os primeiros ensaios de organização das CFRs, no Nordeste brasileiro,; um segundo momento, que registra a ocorrência de migração dos Projetos das CFRs para o Sul do Brasil, caracterizando, assim, a implantação e o desenvolvimento das primeiras experiências educativas no Paraná. Com a consolidação da experiência no Paraná, teve início o terceiro momento da trajetória das CFRs, com uma expansão para outras regiões do Estado do Paraná, ao mesmo tempo em que ocorreu também o início dessas experiências em outros estados da Região Sul. [...] ainda inserir um quarto momento, referente à fase atual, em que vem ocorrendo uma expansão ofensiva das CFRs em vários Estados brasileiros [...] (SILVA, L.H. 2003, p. 76-77). A implantação ocorreu no Nordeste, na cidade de Arapiraca, em Alagoas, e em Riacho das Almas, em Pernambuco, por meio de convênios e acordos de cooperação entre os governos da França e do Brasil. Ressaltam os autores que a relação e iniciativa primeira esteve ligada à Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Apesar de a fase inicial ter ocorrido no Nordeste, com o patrocínio da SUDENE, o Movimento não teve êxito, porém encontrou um campo fértil, com apoio financeiro de instituições governamentais estaduais e municipais, além da ONG Belga DISOP/SIMFR e da embaixada francesa no Brasil (QUEIROZ, 2004), para sua afirmação e expansão. Silva, L.H (2003) assinala que a expansão teve início a partir do Seminário Franco-Brasileiro, realizado, em 1985, no Paraná. Este marco constituiu o início da ação conjunta e ligação direta do assessor das UNMFRs Pierre Gilly e do Governo do Estado do Paraná. Nesse contexto, são criadas as primeiras Casas Familiares no Paraná; em 1989, a de Barracão, e, em 1990, a de Santo Antonio do Sudoeste, possibilitando a obtenção do apoio oficial do governo do Estado, em 1991, por meio do Setor de Ensino Técnico Agrícola, da Secretaria Estadual de Educação, das prefeituras municipais e da Fundação para o Desenvolvimento do Estado do Paraná (FUNDEPAR). Além desta conquista, tem relevância a rápida expansão, com 37 Casas Familiares no ano de 2000 (ESTEVAM, 2003). A institucionalização das Casas Familiares e o reconhecimento oficial possibilitaram a expansão para os demais Estados do Sul, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Diante da intencionalidade de expandir e de padronizar as experiências educativas em alternância, e da 197 necessidade de estruturação organizativa para coordenação, realização de formação dos monitores do movimento relacional dessas Casas, é criada a Associação das Casas Familiares Rurais ARCARFAR/Sul. A ARCAFAR/Sul, entre outras responsabilidades, tem a função de buscar e realizar convênios, tanto públicos, como privados. No Paraná, em 1994, foi aprovado pelo governo do Estado, o Programa da Casa Familiar Rural, determinando que as Secretarias de Educação, de Agricultura e Fazenda viabilizassem as estratégias e ações para estender e consolidá-lo. Isso possibilitou a continuidade do Programa, envolvendo, a partir de 1995, formação profissional para os filhos dos trabalhadores do campo, em nível fundamental, de 5ª à 8ª série. Também, nesse ano, o nome do programa foi modificado, passando a ser chamado de – Escola do Campo – Casa Familiar Rural -, mas o apoio e a linha de ação foram mantidos (ESTEVAM, 2003). Para afirmar-se em suas atividades, a ARCARFAR/Sul firmou convênios com o Governo da França e ONGs da Europa, lideradas pela UNMFRs. Estevam (2003) indica que o objetivo maior desses convênios era de implementar mudanças no campo agrícola brasileiro, mais precisamente, nas regiões de maior expressão da agricultura familiar. Além da formação dos jovens, inclui-se a meta de divulgação e treinamentos dos agricultores, exigindo, para tanto, um novo convênio entre a ARCARFAR/Sul, a UNMFREO, governo francês e ONGs européias. Esse convênio permitiu a expansão das CFRs e a permanência de Pierre Gilly como assessor técnico e pedagógico para dar assessoramento às implantações. Foi prevista a implantação de 67 CFRs no Brasil, sendo 5 na região Amazônica, 8 na região Nordeste, 01 em Goiás e 53 na região Sul, destas, 30 no Paraná (ESTEVAM, 2003). Estevam (2003) destaca a oficialização do convênio em 14 de março de 1994, por meio do Decreto nº 3.106, visando realizar assessoria técnica, extensão do programa, visitas às Vilas Rurais para divulgação, além de atividades pertinentes à organização burocrática, promoção de cursos, palestras, e capacitação de recursos humanos. Uma das metas principais foi a elaboração de um currículo mínimo, com a participação das associações, para assegurar a regulamentação perante o Conselho Estadual de Educação. Em 1995, novo convênio foi firmado com a embaixada francesa, permitindo a permanência de Pierre Gilly, como funcionário da ARCARFAR/SUL, e, assim, dando continuidade ao trabalho de assessoramento. Com o fim desse convênio, foi feito outro, com a SUDENE, possibilitando este assessor deslocar-se para atuar nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/Programa Nacional 198 de Estabelecimento da Agricultura Familiar (PNUD/PRONAF), visando implantar a ARCAFAR/NORTE (ESTEVAM, 2003). Estas Associações, em nível regional, objetivam organizar e buscar a padronização da estruturação e da ação educativa em alternância das CFRs. A ARCARFAR/SUL tem sua sede administrativa em Barracão, no Paraná. Atualmente, com 69 Casas Familiares45, presente com o ensino fundamental de 5ª à 8ª série, oferecem em sua prática educativa, além da formação geral, uma qualificação em agricultura (ARCAFAR/NORTE, 2005). A ARCARFAR/NORTE é sediada no espaço físico da Comissão Executiva da Lavoura Cacueira (CEPLAC), com disponibilidade de duas salas, em Belém, no Estado do Pará. O objetivo direciona-se para a implantação das ARCARFAR/Nordeste e ARCAFAR/Centro Oeste. Nesta perspectiva, está sendo discutida a possibilidade de estadualização da ARCAFAR/SUL, mas sem esta perder as funções de coordenação da região. Nesse cenário de (re)organização, foi discutida a criação do termo Centros Familiares de Formação em Alternância (CEFFAs). A expansão das CFRs para as regiões Norte e Nordeste é ligada às instituições federais, estaduais e municipais, juntamente com organismos do terceiro setor, como as ONGs nacionais e internacionais e outros atores sociais (ESTEVAM, 2003). Queiroz (2004, p. 38) destaca que, “[...] ao contrário das EFAs, as CFRs surgem no Brasil a partir das experiências francesas, ligadas aos órgãos públicos, com prioridade na formação técnica sobre a formação escolar e recebem apoio financeiro de entidades européias [...]”, havendo uma relação com as prefeituras e uma busca dessa relação com os Estados, no sentido de conseguir financiamento, legalização e apoio necessários à realização da ação educativa. Este autor aponta que as CFRs foram referência para a constituição de dois outros CEFFAs, trabalhando em Alternância: o Programa de Formação de Jovens Empresários Rurais (PROJOVEM) e as Casas das Famílias Rurais (CdFRs), por meio de projetos e cursos. 45 As Casas Familiares Rurais da ARCAFAR/SUL: Boa Esperança do Iguaçu/PR, Bom Jesus do Sul/PR, Capanema/PR, Capitão Leônidas Marques, Dois Vizinhos/PR, Enéas Marques/PR, Francisco Beltrão/PR,.Manfrinópolis/PR, Marmeleiro/PR, Pérola d’Oeste/PR, Santo Antonio do Sudoeste/PR, Santa Isabel do Oeste/PR,, Bituruna/PR, Boa Vista da Aparecida/PR, Candói/PR, Chopinzinho/PR, Coronel Vivida/PR, Novas Laranjeiras/PR, Pato Branco/PR, Pinhão/PR, Porto barreiro/PR, Rio Bonito do Iguaçu/PR, São Jorge do Oeste/PR, Sulina/PR, Três Barras do Paraná/PR, Virmond/PR, Cândido Abreu/PR, Figueira/PR, Grandes Rios/PR, Iretama/PR, Ortigueira/PR, Pitanga/PR, Rosário do Ivaí/PR, Santa Maria do Oeste/PR, Sapopema/PR, Reserva/PR, Tapejara/PR, Nova Prata do Iguaçu/PR, Águas de Chapecó/SC, Águas Frias/SC, Angelina/SC, Armazém/SC, Caibi/SC, Erval Velho/SC, Galvão/SC, Guaraciaba/SC, Iporã do Oeste/SC, Iraceminha/SC, Irineópolis/SC, Laguna/SC, Maravilha/SC, Modelo/SC, Orleans/SC, Quilombo/SC, Rio do Sul/SC, Riqueza/SC, São Francisco do Sul/SC, São José do Cerrito/SC, Saudades/SC, Sombrio/SC, Xaxim/SC, Major Vieira/SC, São José do Cedro/SC, Seara/SC, Ituporonga/SC, Restinga Seca/RS, Agudo/SC, Alpestre/RS, Frederico Westhphalen/RS, com escolarização de 5ª à 8ª série do ensino fundamental e a qualificação em agricultura. Fonte: ARCAFAR/SUL, email repassado pela coordenação da ARCARFAR/NORTE, setembro de 2005. 199 O PROJOVEM surgiu em 1995, no Estado de São Paulo, a partir de mobilização de famílias, formação de associação de pais, tendo o apoio do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETESP). As CdFRs surgiram na Bahia e em Pernambuco, visando oferecer educação básica e aulas práticas (QUEIROZ, 2004). - Um cenário das Casas Familiares Rurais no Pará No âmbito do Estado do Pará, a criação das CFRs está ligada às demandas socioeducativas e tecnológicas para a agricultura familiar e para a formação escolar dos filhos dos trabalhadores do campo, especificamente na região da Transamazônica, pelo MSPT, hoje, MDTX46. Desde as discussões iniciais, a partir de junho de 1994, representantes deste Movimento estiveram à frente do processo de busca e conhecimento sobre as CFRs. O marco da inserção da alternância na região é o Encontro promovido por este MDTX, em parceria com o Laboratório Agroecológico da Transamazônica (LAET) da UFPA, realizado no município de Altamira, com a presença do assessor das Casas Familiares Rurais no Brasil, senhor Pierre Gilly (ARCAFAR/NORTE, s/d). Esse encontro incentivou as lideranças regionais47 a visitarem as experiências em alternância das CFRs em Barracão, no Paraná, para conhecerem essa realidade. Assim, as experiências paranaenses, como a de Barracão, serviram de base para fortalecer o movimento em torno das CFRs, viabilizando, juntamente com o apoio do prof. Pierre Gily, o avanço da discussão para implantação dessas Casas. A mobilização de incentivo ocorreu no espaço 46 No capítulo V faz-se uma abordagem sobre este Movimento. 47 Entre as lideranças regionais para a Defesa da Transamazônica e pela inserção das CFRs na Transamazônica, cita-se alguns nomes: Paulo Medeiros, Leônidas Martins, Waldir Ganzer, Lenir Trevisan, Bruno Kemfuer, Darcírio Wronsky. Com avanço na discussão em 1993 e 1994, totalizando cerca de 65 reuniões só em Medicilândia, com destaque para a participação dos senhores Raul, Ailson, Gilberto. Dalcírio, também, profissionais de instituições, como Eliomar Arapiraca, além de muitos agricultores “anônimos”. A criação da Associação da Casa Familiar de Medicilândia ocorreu em 21 de março de 1995, com estrutura cedida pela CEPLAC. Dimas assinala que, com o tempo de seis meses, sentiu a diferença na relação CFRM e os pais. Estes pais e mães foram chegando para participar das Assembléias. Segundo seu depoimento, os relatos de algumas mães de alunos de Medicilândia expressaram que houve mudança no comportamento dos filhos: “’[...] nunca esperava que meu filho Marcos fosse me ajudar. Não esperava que fosse fazer as tarefas de casa”’. Além desse fato, as esperanças em torno da terra e de melhoria da agricultura na Transamazônica como projeto de sobrevivência foram renovadas: [...] muitos agricultores iriam vender o lote, como o do Km. 1l5 Norte, em Medicilândia, mas um ano após, já tinha Plano de Consórcio de pimenta-do-reino com café. As mudas melhoradas permitiram a colheita da pimenta, após dois anos, com rendimento de 800 Kg. por hectare, vendida R$ 11,00, é marcante; o agricultor pagou toda a conta no banco (DIMAS, entrevista, Altamira, 02/05). 200 local, por meio de visitas às estradas vicinais e divulgação in loco aos agricultores, de contatos com autoridades e lideranças locais, tendo, de forma imediata, retorno concreto favorável para dar início às atividades educativas no Município de Medicilândia. Nos municípios de Uruará, Brasil Novo, Pacajá e Vitória do Xingu, o processo de discussão teve continuidade. Esse movimento possibilitou a criação da Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Norte – ARCARFAR/NORTE -, visando coordenar o processo de discussão e de implementação dessas Casas na região. A criação das Casas Familiares está ligada ao processo de luta dos atores sociais da Transamazônica, em torno da superação da crise do Projeto de Colonização da Transamazônica por melhorias socioeconômicas, técnicas e com outra lógica para o processo de reprodução da agricultura – com trato de cuidado da terra e renovação de seus recursos naturais. A intencionalidade para a implantação era, inicialmente, como experiência piloto, para, após seu desenvolvimento e resultados, pudessem essas Casas ser reconhecidas oficialmente. Ressalta-se que este processo contou com o apoio e participação significativa de pesquisadores e docentes do LAET/UFPA e de outros professores e alunos do Campus da UFPA em Altamira, da CEPLAC, Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs), Setores da Igreja Católica e dos agricultores. A implantação em Medicilândia48, com sua sede no Km. 110 da Rodovia Transamazônica, em infra-estrutura cedida pela CEPLAC, aconteceu em 06 de novembro de 1995, com vinte e cinco jovens filhos de agricultores da região. Após três anos, ocorreu a conclusão de curso da primeira turma, em 28 de setembro de 1998, com l9 jovens agricultores (RELATÓRIO/CFRM, 1996). O reconhecimento dos estudos desenvolvidos pelas CFRs, no Estado do Pará, pelo Conselho Estadual de Educação foi solicitado pela ARCAFAR/NORTE, vindo a ter materialidade positiva sobre o reconhecimento para o funcionamento da Casa Familiar de Medicilândia, em 03 de outubro de 2000, pela Resolução de nº 690, devendo estender-se aos 48 Araújo (2002) comenta que a organização em torno da divulgação, mobilização de lideranças e reuniões em Medicilândia contribuiram para que este município fosse o escolhido para a primeira experiência das CFRs na Transamazônica. Nessa direção, Ribeiro (2003) também registra que a escolha não foi feita a priori, mas sim embasada nesses critérios. Destaca que a divulgação foi realizada em vários municípios, sendo provável que a força política dos cacauicultores da região da Transamazônica tenha influenciado nessa escolha. Ressalta-se, concordando com Ribeiro, que, a relação entre política e educação são dimensões qualificadas estreitamente nas relações sociais. Neste sentido, a força política dos cacauicultores, também presente em Uruará, não ocorre isoladamente, mas sim em conjunto com os sujeitos sociais, políticos e lideranças institucionais atuantes na região. Destacando-se esta presença em Medicilândia em termos de liderança, aliada a uma ligação com os agentes institucionais, sindicais e professores. Outro fator é a condição favorável da infra-estrutura da CEPLAC, parceira efetiva, desde o início, das CFRs. 201 demais CEFFAs, mas seu reconhecimento não é definitivo. Os certificados de conclusão de curso em alternância serão expedidos pela Escola Sede, situada em cada município em que tiver um CEFFA em atividade (PPP/ARCARFAR/NORTE, s/d). Dimas (2005) registra que, neste movimento relacional, “[...] em 1998, houve um ganho grande, “[...] a filosofia da alternância ganhou a Câmara Técnica do Conselho Estadual de Educação, com a aprovação do regimento interno. Falta, porém muita coisa, como a documentação dos jovens”. Essa experiência pedagógica de Medicilândia consta de 4.758 horas no ensino fundamental, de 5ª à 8ª série, estando em tramitação, neste Conselho, a solicitação de reconhecimento definitivo, bem como o regimento escolar das Unidades de Formação das CFRs. Entre as solicitações da ARCAFAR está presente a de autorização para que cada Casa Familiar Rural e Escola Família Agrícola possam expedir os documentos dos alunos, tendo, para isso, em sua organização um pedagogo e um (a) secretário (a) (SOUZA, J. 2004, p. 7). Entre as Portarias da Secretaria de Educação do Estado do Pará, que oficializam as CFRs, cita-se49: a de nº 0739/2002 sobre a criação da CFR de Santarém; a de nº 0740/2002, a do município de Ourém, denominada Casa Familiar Rural 25 de Março; a de nº 0743/2002, na Vila de Arapacu, município de Óbidos; a de nº 0744/2002, na Vila de Cipoal; a de nº 0745, na Vila de Mocambo, município de Óbidos; a de nº 0746/2002, no município de Pacajá; a de nº 0747/2002, de Cametá; e a de nº 0748, de Uruará (PARÁ. SEDUC. PORTARIAS, 2002). 49 A restrição de citação das Portarias deve-se ao fato de ter sido obtido acesso apenas a estas durante a pesquisa de campo para este trabalho. 202 Qte. Nome da CFR Mun. SEDE Nível Ensino Mun. Atendidos Nº de comunidades Nº de Alunos Nº de Monitores 01 Medicilândia MedicilândiaPA Fund. 01 18 58 03 02 Gurupá Gurupá-PA Fund. 01 12 26 03 03 Uruará Uruará-PA Fund. 01 10 23 03 04 Cametá Cametá-PA Fund. 01 10 23 03 05 Pacajá Pacajá-PA Fund. 01 10 23 03 06 Brasil Novo Brasil NovoPA Fund. 01 15 31 02 07 Santarém SantarémPA Fund. 01 15 22 03 08 Arapucu Óbidos-PA Fund. 01 25 25 03 09 Mocambu Pauxi Óbidos-PA Fund. 01 30 33 02 10 Alenquer Alenquer-PA Fund. 01 20 44 04 11 Curuá Curuá-PA Fund. 01 15 28 02 12 Coquelândia Imperatriz-MA Fund. 02 06 30 02 13 S.João Sóter São João Sóter- MA Fund. 01 15 50 03 14 São Luiz São Luiz-MA Fund. 01 15 46 05 15 SJoão Batista S.JoãoBatistaMA Fund. 01 17 24 03 16 Chapadinha Chapadinha-MA Fund. 01 18 27 03 17 Sítio Novo Sítio Novo-MA Fund. 02 06 35 05 18 Conceição do raguaia Conceição do Araguaia-PA Fund. 01 10 200 03 19 Presidente Tancredo Neves Presidente Tancredo Neves- BA Fund. 01 10 25 03 20 São Félix Xingu S. Félix Xingu/PA Fund. 01 15 25 03 21 Boa Vista dos ramos Boa Vista dos Ramos Fund. 01 12 26 02b 22 Tucuruí Tucuruí Fund. 02 15 26 03 23 Açailândia Açailândia-MA Fund. 03 15 25 03 24 Timon Timon-MA Fund. 01 10 24 02 25 Capitão Poço Capitão Poço-PA Fund. 01 10 30 03 26 Mocajuba Mocajuba-PA Fund. 01 20 30 03 27 Baião Baião-PA Fund. 01 30 30 03 28 Igarapé-Miri Igarapé-Miri-PA Fund. 01 15 30 03 29 Cachoeira do Ararar Cachoeira do Arari PA Fund. 01 20 30 03 30 Santa Maria das Barreiras Santa Maria das Barreiras PA Fund. 01 20 30 03 31 Amarantes Amarantes-MA Fund. 01 20 30 02 Total 36 479 1109 91 Quadro 9 – Casas Familiares Rurais da Arcarfar/Norte Fonte: ARCAFAR/NORTE, 200550. Entre os anos de 1995 até 2005 foram criadas 31 Casas Familiares Rurais, coordenadas pela ARCARFAR/NORTE, totalizando 36 municípios, atendendo 479 Comunidades Rurais, com a totalidade de 1109 alunos e 91 monitores, no âmbito do ensino fundamental de 5ª à 8ª série. 50 A Casa Familiar Rural de Cachoeira do Arari foi inaugurada em 02 de outubro de 2005. 203 No Estado do Pará, são atendidos os Municípios de Medicilândia51, Gurupá, Uruará, Cametá, Pacajá, Brasil Novo, Santarém, Gurupá, Óbidos (2), Alenquer, Curuá, Conceição do Araguaia, Presidente Tancredo Neves, São Félix do Xingu, Tucuruí e Santa Maria das Barreiras; no Estado do Maranhão: Imperatriz, S. João do Sóter, São Luiz, São João Batista, Chapadinha, Sítio Novo, Açailândia, Timon e Amarantes; no Amazonas: em Boa Vista dos Ramos, valendo ressaltar que todas em nível do ensino fundamental (ARCARFAR/NORTE, 2005). Para dar continuidade à implementação e dar conhecimento do Programa das Casas Familiares Rurais foram feitas diversas iniciativas, sendo, a primeira, a celebração de um Convênio de Cooperação técnico/científico entre a Associação da Casa Familiar de Medicilândia, a Secretaria de Estado de Educação do Pará, a Universidade Federal do Pará, a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, a Secretaria de Estado de Agricultura, a Empresa de Assistência e Extensão Rural do Estado do Pará – que demarcou o processo de articulação junto às instituições do governo do Pará – e a Prefeitura Municipal de Medicilândia, em 18 de janeiro de 1996. Este processo de articulação para o funcionamento efetivo das CFRs compreende toda a trajetória histórica destas, sendo marcado pela falta de apoio do governo do Estado, no exercício prático. Esse fato é ressaltado pelos entrevistados que, desde as discussões iniciais, “[...] a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) não estava preocupada com as CFRs; [...] a sorte foi o Secretário Paes Loureiro ter se sensibilizado com a situação da educação nesta 51 Entre os resultados obtidos na Casa Familiar Rural de Medicilândia, é assinalada por Dimas, a introdução de hortaliças nos hábitos alimentares. Das 25 famílias dos alunos, só duas cultivavam hortaliças. Com seis meses, o universo dessas famílias passou a adotar este hábito. Outro resultado, apontado pelo entrevistado, diz respeito à melhoria da casa, considerando que, após vinte anos de Transamazônica, nenhuma reforma na casa havia sido feita. Ressalta que as dificuldades não são poucas, estas estão presentes na família, na comunidade, no governo (nas esferas, estadual, municipal e até federal). Problemas existentes também com os monitores, em função de virem de uma educação tradicional tendo , assim, dificuldades para se libertar dessa formação.Quanto ao financiamento, Dimas (2005)afirma que “[...] em 2002, com a eleição do presidente Luis Inácio Lula da Silva foi aprovado o Projeto para os CEFFAs, no valor de R$ 6 milhões [...]”. Neste recurso consta a rubrica para visita à propriedade do agricultor, com recurso de cerca de R$ 120,00 para cada uma. Esta rubrica destina mais recursos para a formação de monitores. Entre os pontos positivos destacados em sua memória, este entrevistado enfatiza, a ampliação do ensino fundamental para o ensino médio, a partir de julho de 2005, em Medicilândia. Também, o resultado de ampliação do acervo da biblioteca dessa escola. O pedido foi feito ao Ministério de Desenvolvimento Agrário, em 2002, tendo a resposta materializada em 5/l2/04, com 33 livros, 10 fitas de vídeo, 250 fitas técnicas de vídeo. Outro resultado é a parceria efetiva com a França e a Bélgica, com recursos para deslocamentos e intercâmbios, visando estes a transferência de conhecimento e adaptação à região. Ressalta também, como resultado, a formação de 3 turmas e de duas em processo de formação, com destaque para a formação em agricultura com manejo da floresta, da agricultura para a preservação, conhecendo os alunos, a importância de uma andirobeira, de uma fonte d’água, das diferentes espécies de animais. A lembrança de Dimas buscou o discurso de José Milani, presidente da ARCAFAR/SUL, no que tange ao reconhecimento dos saberes dos diferentes povos e do descaso de alguns quanto à questão da importância da agricultura familiar para a Amazônia: “[...] parece que essas pessoas gostam mais é de gabinetes. Venham conhecer a Amazônia!” (DIMAS, 2005). 204 região” (DIMAS, fevereiro de 2005). Foi o primeiro convênio viabilizado através da SEDUC concedendo equipamentos, e entre os quais, a TV, vídeo, parabólica, armários e a biblioteca, sendo esta comparada superior à da UFPA (DIMAS, 2005). No movimento de articulação por financiamento e parcerias, Dimas assinala o apoio recebido de Cooperativas, como a CODESTAG, STR, Igrejas. Destaca o apoio e participação especial da CEPLAC desde os momentos iniciais. Em 1998, esta instituição repassou para a CFRU o montante de R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) para construir a estrutura da escola. Em 1998 e 1999, com a sede já construída, os representantes da CFRM deslocaram- se para Brasília a fim de buscar apoio parlamentar. Um dos resultados, foi a “[...] aprovação da emenda parlamentar, do deputado César Medeiros, reconhecendo a Pedagogia da Alternância, em 19 de outubro de 2002” (DIMAS, 2005). Outro momento de articulação foi a reunião de 06 de agosto de 1996, com a Secretaria Estadual de Tecnologia e Meio Ambiente (SECTAM), contando com a participação de diversas instituições ligadas à agricultura e à educação, tendo como pauta a apresentação do Programa das Casas Familiares Rurais e a justificativa para a solicitação de um convênio de cooperação técnica e financeira para viabilizar o seu funcionamento. A visita do então Secretário de Educação do Estado do Pará, professor Dr. João de Jesus Paes Loureiro, em setembro de 1996, à Casa Familiar de Medicilândia, permitiu um olhar institucional favorável sobre essa modalidade de ensino em alternância. Dessa visita, emergiu a criação de um Convênio entre a Secretaria Executiva de Educação (SEDUC), a SECTAM, Universidade Federal do Pará (UFPA), Secretaria Executiva de Agricultura (SAGRI) e a Associação Regional da Casa Familiar de Medicilândia. Este convênio foi de iniciativa da ARCARFAR/NORTE, que visava, também, ao pagamento dos trabalhadores em educação das CFRs, dos monitores, por meio de repasse da vice-governadoria para a SECTAM, por um período de cinco anos, tendo sido encerrado em 2000. Ele é lembrado por Dimas (2005): “[...] Em 1999, foi efetivado convênio via SECTAM, por mais dois anos, com a SEDUC [...]”. Após a assinatura deste Convênio, segundo o relatório de Sousa (2004), iniciou-se o assessoramento técnico/pedagógico pelos técnicos da SEDUC/PA às CFRs, com deslocamento desses profissionais para as cidades de Altamira e Medicilândia para conhecimento e discussão do projeto pedagógico, resultando na tomada de decisão, quanto a: 205 reformulação da estrutura curricular e do conteúdo programático de acordo com a lei vigente, porém respeitando a metodologia utilizada, que é a Pedagogia de Alternância; esclarecimentos sobre a avaliação; preenchimento do senso escolar; calendário escolar com 200 dias letivos de acordo com o calendário agrícola da região; encaminhamento dos documentos ao Conselho Estadual de Educação para autorização de funcionamento (SOUSA, 2004, p. 3). A articulação com o poder público estadual é uma das ações na agenda da ARCAFAR/NORTE para continuar o movimento pelo reconhecimento do ensino em alternância. Nessa trajetória, têm-se diversas audiências solicitadas, para discussão das CFRs, com a participação de outras instituições. Entre as atividades definidas na reunião da pauta da Pedagogia da Alternância, em 23 de abril de 2002, em Belém, entre representantes do governo do Estado e dos Movimentos Sociais e institucionais com a ARCAFAR/NORTE,52 tem-se como a principal conquista, segundo atores envolvidos no processo da formação em alternância, a celebração do acordo visando ao apoio do Governo do Estado do Pará para o financiamento de R$ 11,5 milhões ao Programa das CFRs, com recursos vindos da União e do Estado para construção/reconstrução e outras atividades de l2 CFRs. Desse total, a contrapartida do Estado é de R$ 3,2 milhões e R$ 8,3 milhões do BNDES. Este convênio com o BNDES, firmado em 23 de janeiro de 2004, é considerado muito importante nas lembranças de Dimas, ressaltando que parte dos recursos foi liberada pelo BNDES, sendo feita a aquisição de 7 veículos e de 3 motos para a Transamazônica, construção e reforma de prédios das CFRs; mas a contrapartida do Estado do Pará, no valor de R$ 3.250 milhões, não foi repassada, lamentavelmente, como assinala o entrevistado. As demais definições da reunião de 23 de abril de 2002 marcam momentos da caminhada pela formação em alternância nas CFRs: I – Garantia do reconhecimento da Pedagogia da Alternância, praticada pelas Casas Familiares Rurais (CFRs) e Escolas Famílias Agrícolas (EFA) como modelo de educação profissionalizante para o meio rural 52 Participaram representantes da Secretaria de Estadual de Educação (SEDUC), ARCARFA/NORTE, representantes das CFRs e das EFAs, Secretaria Estadual de Agricultura (SAGRI), Secretaria Estadual de Planejamento, Federação dos Trabalhadores em Agricultura (FETAGRI), Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), BNDES, Confederação dos Trabalhadores em Agricultura (CONTAG). 206 . Constituição de um Grupo Técnico Estadual formado por representantes da SEDUC, SAGRI, SECTAM, CEPLAC, UFPA, FVPPP, FETAGRI, ARACARFAR, FATA, FASE e CEFTBAM. Este grupo terá como missão assessorar e acompanhar a implantação da Pedagogia da Alternância no Estado; com agenda inicial de trabalho para 2 de maio de 2002 na SEDUC. . Deveriam ser encaminhadas ao Conselho de Educação a elaboração de um desenho curricular para o ensino médio para todas as CFRs que atuam no ensino fundamental, incorporando a participação dos monitores para dar continuidade ao processo de formação por meio dos temas geradores trabalhados nesse nível. . A SEDUC assume o compromisso junto com o Grupo Técnico de conduzir o processo de expansão da Pedagogia de Alternância em nível de Ensino Médio, inicialmente em Altamira e Marabá. II – Regularização do passivo com os monitores das CFRs de Medicilândia, Pacajá e Uruará. ACORDADO QUE: o governo do Estado assume o compromisso de viabilizar, num prazo máximo de 20 dias, o pagamento dos salários atrasados dos monitores que totaliza a quantia de R$ 187.680,00. III – Assinatura do convênio referente ao projeto de ‘Consolidação da produção Familiar e Contenção dos desmatamentos na Transamazônica e Xingu’. ACORDADO QUE: A) o Governo do Estado assume integralmente a contrapartida que lhe cabe no convênio entre a Fundação Viver, Produzir e Preservar – (FVPP) e o BNDES. B) o projeto será imediatamente apresentado para análise e votação da Diretoria do BNDES. C) O governo do Estado, a Associação Regional das Casas Familiares Rurais do Norte e Nordeste (ARCARFAR) e o Ministério do Meio Ambiente – (MMMA) serão intervenientes. IV – Garantia de funcionamento das CFRs já implantadas, até que se viabilize o pleno funcionamento do Convênio entre Governo do Estado, Fundação Viver, produzir e preservar e BNDES. ACORDADO QUE: A) O BNDES assume o compromisso em apoiar o funcionamento da CFRs em Cametá e Santarém. B) as demais CFRs nos municípios de Monte Alegre, Alenquer, Gurupá, Óbidos, Ourém, Pacajá, Uruará e Medicilândia. ACORDADO QUE: Existe Possibilidade de Apoio por parte do Governo do Estado e do BNDES, desde que as escolas estejam integradas no contexto de um projeto de desenvolvimento dando suporte e promovendo a difusão das ações concretas ao projeto. B) Há possibilidades de apoio por parte do Governo do Estado em viabilizar o funcionamento das mesmas nos municípios de Marabá, Paraopebas, São Domingos do Araguaia, Itupiranga, Nova Ipixuna e Jacundá. IV – Implantação do ensino médio regular nos municípios de Placas, Medicilândia, Anapu, Senador José Porfírio e Porto de Moz. ACORDADO QUE: será atendida a solicitação e para viabilizar a demanda será dado encaminhamento uma reunião do Grupo de Trabalho (GOVERNO DO ESTADO, 2002; ARCAFAR/NORTE, 2002). A ARCAFAR, nas reuniões realizadas no ano de 2002, solicitou à SEDUC emitir uma portaria de reconhecimento definitivo da formação em alternância, tanto em nível fundamental como em nível médio para cada Casa Familiar Rural do Estado do Pará. 207 Para assegurar a continuidade das CFRs, a procura de financiamento foi e é um trabalho contínuo na ARCAFAR/NORTE. Nessa perspectiva, era necessário reivindicar o cumprimento do acordo celebrado na reunião de abril de 2002. Para tanto, esta instituição envida esforços para a liberação dos recursos desse convênio efetivado entre ARCARFAR/NORTE, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a SEDUC/PA, visando imediatamente ao seu cumprimento. A cessão de instrumental de infra-estrutura, como gerador de luz, carteiras escolares, material de cantina, por parte da SEDUC faz parte do acordo dessa reunião. Souza (2004) assinala, no relatório de atividades desenvolvidas junto às Casas Familiares Rurais como assessora de educação do campo da SEDUC, que esta instituição durante a vigência do convênio fez trabalho de acompanhamento como parceira, não desenvolvendo a função de interferência em relação à metodologia em alternância das CFRs. O convênio assinado em 2l de janeiro de 2004 entre aFVPP e a Secretaria Executiva do Governo do Estado do Pará, na quantia de R$ 3.258.000,00 (três milhões duzentos e cinqüenta e oito mil reais), faz parte da Cooperação Técnica e Financeira para as Casas Familiares Rurais. Este Convênio visa à construção e reconstrução de bases físicas dessas escolas e para aquisição de outros materiais de infra-estrutura, como veículos, materiais de instalação, em doze municípios da Transamazônica, com participação direta do BNDES. Com a aprovação do Projeto, dentre as instituições financiadoras, o BNDES repassou os recursos à FVPP e esta os repassou para as CFRs, possibilitando, assim, tanto a construção e reconstrução dessas Casas, como a aquisição de bens e materiais permanentes, como veículos com capacidade de trafegar, no período de inverno, nas estradas vicinais da região da Transamazônica. Vale ressaltar que estas são de difícil acesso em relação às condições já críticas na rodovia principal. Apesar de todo esse esforço, o Governo do Estado do Pará, até 4 fevereiro de 2006, não havia transferido para esta Fundação os recursos acordados53. Por contato telefônico, umas das professoras da equipe de coordenação do campo da SEDUC informou que esta Secretaria repassaria o recurso para as prefeituras fazerem o pagamento dos monitores. Outra forma foi a cessão de professores para a CFRU, – um de História e outro de Geografia – que iniciaram as aulas a partir de outubro de 2005. Assim, como os recursos da Cooperação Técnica não foram repassados pelo Governo do Pará até essa data, é relevante registrar que a relação entre ARCARFAR/NORTE e o atual 53 Segundo informações, por telefone, da coordenação da ARCARFAR/NORTE e de Professoras/técnicas da SEDUC/PA. 208 governo do Estado do Pará é tensa, materializando-se – diretamente – via SEDUC, apesar do aparente diálogo. Um outro fato, além do não repasse dos recursos, vem evidenciar as divergências e conflitos não só de concepções, mas de caráter político, como a mudança na coordenação do Departamento de Educação de Campo da Secretaria Executiva de Educação, uma vez que a anterior é reconhecida pela seu trabalho, de acordo com a percepção de dirigentes da ARCARFAR/NORTE e dos outros atores institucionais entrevistados. Este fato tem registro escrito pela coordenação anterior, mediante relatório. Este expressa indignação quanto à sua substituição no cargo de coordenação, pela forma como o processo foi tratado, vindo esta profissional a saber de sua destituição do cargo, por terceiros. Lídia (2005), expressou que, ao longo da trajetória da parceria entre SEDUC e a ARCAFAR/NORTE, esta última voltou-se quase que, exclusivamente, para “[...] a parte financeira [...]”, ressaltando que por conta deste fato, as parcerias não compreendem só a dimensão financeira, mas outras dimensões, devendo ser constituídas à base do diálogo, mesmo com o conflito de concepções. Em relação ao quadro da trajetória das CFRs, junto à SEDUC, foi explicitado que a equipe atual está à frente do Departamento de Educação do Campo, a partir de julho de 2004, e que esta não tem a documentação que envolve a memória dos convênios que formalizaram as parcerias. Foi ressaltado que este Departamento, na atual gestão, não recebeu nenhum documento referente às ações da gestão anterior. Quanto à certificação dos alunos das CFRs do Estado do Pará, foi registrado por um membro da equipe dessa instituição que estas Casas Familiares não são aprovadas pelo Conselho Estadual de Educação porque não têm um corpo técnico/administrativo formado, pelo menos, de secretária e assessor pedagógico, ficando assim inviabilizada a possibilidade da autorização para essas Escolas emitirem os certificados. A preocupação sobre o processo de reconhecimento da formação em alternância é expressa pelos dirigentes do MDTX, das CFRs e da coordenação da ARCAFAR , não só no momento das entrevistas concedidas para este trabalho, como também nos discursos em eventos, como no 8º Congresso Internacional das Maisons Rurales, em Foz do Iguaçu, e no I Seminário Estadual sobre as Diretrizes Operacionais de Educação para as Escolas do Campo, em Belém. A trajetória das CFRs da Transamazônica é sintetizada neste depoimento: 209 [...] As CFRs como projeto foram construídas em uma conjuntura muito especial, desde 1995. Podendo ser entendida em uma trajetória de três fases: a primeira, de experimentação, com o Movimento Social MDTX bancando e cristalizando a proposta inicial para a região e para o Estado. O segundo momento compreende a discussão com os poderes públicos dos Municípios, Estado e da União. BNDES abre espaço para a discussão dos convênios. [...] Movimento criterioso com a SEDUC/PA para consolidar o processo, em duas direções: a primeira, no âmbito pedagógico e técnico, objetivando a regulamentação das CFRs; a segunda, em relação ao custeio, concedendo recursos para o pagamento dos monitores: o Convênio saiu no Diário Oficial, mas não foi operacionalizado. Com a expansão e reinauguração das Casas é fundamental a contratação de monitores de forma definitiva. Os municípios acham caro bancar o projeto; hoje, só 10% desse custeio é feito, para pagamento de vigia, aquisição de alimentação. Os recursos da União garantem a aquisição de veículos à tração, infra-estrutura, construção e regularização dos espaços adequados, como salas de aula, de reuniões, de assembléias. Foi elaborado o Plano Político-pedagógico. A necessidade de contratação de monitores e equipe pedagógica para aperfeiçoamento de instrumental pedagógico. Organização maior da parte burocrática para não prejudicar os alunos. A terceira fase compreende a busca por mais instituições parceiras, reinauguração de quatro Casas até março de 2005, com previsão de conclusão de mais quatro para outubro, e mais quatro para 2006. A quarta fase compreende a caminhada para transformação da formação em alternância em política pública (JOSÉ, 2005). O compromisso dos monitores, dos pais, de lideranças sindicais, de pesquisadores, de técnicos, professores e alunos envolvidos com as CFRs da Transamazônica paraense compreende uma trajetória de busca da formação, a partir das realidades locais, lutando por condições objetivas para a educação escolar dos seus filhos e pela agricultura camponesa. Também tem um sentido social, haja vista que “[...] não se trata, pois, de uma educação ou de uma luta para ‘os’, mas sim ‘dos’ trabalhadores do campo e é assim que ela deve ser assumida por todos os membros deste movimento Por uma Educação do Campo” (KOLING; CERIOLLI; CALDART, 2002, p. 17). É pertinente acrescentar que não se trata de uma luta em oposição à cidade, mas sim de afirmação do campo com pertencimento das suas raízes e de motivar a inter-relação com a cidade. 210 CAPÍTULO 4 – Sustentabilidade – educação – e sociedade: tendências e desafios Foto 6 – Casa original – para colonos – do Projeto de Colonização. Rodovia Transamazônica, Trecho Altamira/Itaituba. Árvore Castanheira. Fonte: Neila Reis. Pesquisa de Campo, fevereiro de 2005. 4.1 Sustentabilidade – educação – e sociedade: uma reflexão para o debate Foto 7 Prédio original do INCRA/ Escritórios desta Instituição e da ARCAPARÁ, 1973. Residência para Técnicos Agrícolas/Assistentes Sociais. Km. 200 do trecho ATM/ITB. 211 Fonte: Neila Reis. Pesquisa de campo, fevereiro de 2005. As relações da modernidade com o meio ambiente são baseadas em tensões motivadas pelas características do seu conhecimento, que, na trajetória histórica da sua civilização, privilegia a lógica do consumo, do mercado, da globalização. Contrapondo-se a estes valores que se pretendem ser hegemônicos, estudiosos da questão socioambiental (como SHIVA, 2001, 2003; SACHS, 1998, 2004; SEN, 2000; SANTOS, B., 2005; LATOUCHE, 2005, COSTA, F., 1992; GUIMARÃES, 2001, entre outros) movimentam-se por meio de reflexões e ações para que esta sociedade possa legar às gerações atuais e futuras aportes transgeracionais, à base de fundamentos éticos, sociais e ecológicos. Vale ressaltar que, ao longo do curso de organização da sociedade ocidental, aprofundando-se no final do século XX e início do XXI, o sistema dominante capitalista utiliza o discurso do desenvolvimento, nas últimas décadas, como sustentável, nas diretrizes de seus planejamentos; no entanto, suas práticas situam-se distantes do respeito às dimensões éticas, ecológicas, culturais e sociais, uma vez que promovem a desigualdade entre/intrapovos, a degradação do meio ambiente, destruindo patrimônios naturais da biodiversidade, como a fauna e a flora. O debate para a importância da sustentabilidade tem seu marco na Conferência sobre Meio Ambiente, em Estocolmo, em 1972, com o conceito de desenvolvimento sustentável54. Este conceito tem sua afirmação na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), no Rio de Janeiro, em 1992. Em meio às diversas referências conceituais da literatura e das concepções dos discursos sobre a sustentabilidade, a definição acordada e difundida foi a da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – da ONU pelo relatório Brundtland de 1987, expressando que “[...] o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades” (apud BRĥSEKE, 2001, p. 33). O Relatório, como ressalta BrĦseke (2001) mostra a inter-relação entre economia, tecnologia, sociedade e política, lembrando da importância/continuidade da materialização de 54 Como afirma Stahel (2001, p.104), o conceito de desenvolvimento sustentável é recente, da década de 1970, criado para se contrapor ao desenvolvimento industrial; este conceito é utilizado em documentos da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), a partir dos anos iniciais de 1980, sendo difundido em 1987 pelo Relatório Brundtland (Nosso Futuro Comum). O autor chama a atenção para a imediata expansão deste conceito que “[...] está hoje no centro de todo discurso ecológico oficial, sem que haja um mínimo consenso quanto ao seu significado e sem que se quer tenha colocado a questão, no entanto crucial, se tal conceito tem algum sentido dentro do quadro institucional e econômico atual, o capitalismo”. STHAEL, Andri Werner. O ambientalismo como Movimento Vital: Análise de suas Dimensões Histórica, Ética e Vivencial. In: CAVALCANTI, M Clóvis. (Org.). Desenvolvimento e Natureza: Estudos para uma sociedade sustentável. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 141-27. 212 postura ética, tanto pelas pessoas da geração atual, como as das futuras. Embora seja delimitada a produção das necessidades/medidas, em torno de uma prudência ecológica55, tendo como base o critério de não afetação dos recursos originários que subsidiam a continuidade do processo de reprodução da existência humana e da biodiversidade, esta definição, no, entanto, não mostra quais são essas necessidades. A partir desses marcos conferenciais, a dimensão ambiental passa a ser inserida nas definições de planejamento governamental, na tentativa do conceito de desenvolvimento não ser reduzido – e confundido – a relações econômicas, uma vez que as recomendações dessas conferências se direcionam para a lógica do cuidado com a biodiversidade, assim, por uma outra forma de se fazer ciência e tecnologia. Neste sentido, contrapõem-se ao movimento de racionalização técnica da sociedade. Nesta perspectiva, a discussão sobre o desenvolvimento e ciência é entendida conforme a necessidade de se considerar a dimensão política e de concepção de sociedade, a sua organização e a dinâmica do processo ordenador ocidental para se perceber o que são, que desenvolvimento e ciência se quer e quais os que não se quer. Pois, como afirma Shiva (2003), [...] a invisibilidade é a primeira razão pela qual os sistemas locais entram em colapso antes de serem testados e comprovados pelo confronto com o saber dominante. Quando o saber local aparece, fazem com que desapareça negando-lhe, o status de um saber sistemático e atribuindo-lhe os adjetivos de ‘primitivo’ e ‘anticientífico’. Analogamente, o sistema ocidental é considerado o único ‘científico’ e universal. Entretanto, os prefixos ‘científico’ para os sistemas modernos e ‘anticientífico’ para os sistemas tradicionais de saber tem pouca relação com o saber e muita com o poder (SHIVA, 2003, p.22). O conhecimento ocidental moderno com atribuições de democrático, ancorando-se no prefixo científico, como destaca Shiva (2003), estatui uma referência de sacralidade, fechando-se para a avaliação/reconstrução, criando, assim, uma exclusividade em si, um estado de privilégio (Harding apud SHIVA, 2003), acrescente-se, com perspectivas para a vitaliciedade deste status. 55 Como exemplo, cita-se a Agenda 21 global, que é um documento desenvolvido pela Eco-92, constituindo um Plano Geral de ação para o desenvolvimento sustentável no século XXI, a base de considerações sobre as relações entre as políticas de desenvolvimento e o meio ambiente em diferentes áreas. Este documento contém uma declaração de objetivos, metas, estratégias e ações, recomendadas como orientação para o alcance de um futuro sustentável para os povos. 213 Nos aspectos geral e específico, o conhecimento científico moderno é inter- relacionado com a sua dimensão econômica e é por ela amplamente impulsionado. Nesta perspectiva, ele é vinculado ao movimento capitalista que se iniciou com a expansão dos mercados (a partir do século XVI, permeando, fortemente, os demais séculos, até o atual, século XXI). Vale destacar que o capitalismo afirma-se integrando os espaços local, regional, nacional e internacional, por meio de relações econômicas largamente mercantis. Acumular lucros e homogeneizar a economia, culturas e o pensamento são duas perspectivas que acompanham este sistema dominante da sociedade ocidental, que busca o controle da biodiversidade para atender às demandas do sistema tecnológico por matérias- primas e mais mercados, destruindo, assim, a soberania e os instrumentos de reprodução de vida das populações tradicionais. Já na época colonial, no século XVI, a transferência dos recursos bioecológicos, chamados – drogas do sertão -, para as metrópoles acontecia dentro dos princípios de uma relação econômica que priorizava a mudança da biodiversidade por monoculturas da agricultura, da silvicultura e da bovinocultura, visando atender às demandas da indústria européia. A transferência de produtos agrícolas e silvícolas, como milho, batata, pau-brasil e outros recursos, aconteceu, simultaneamente, com a produção nas terras colonizadas com açúcar, café, borracha, de forma controlada pelos colonizadores e desigual para os colonizados. Shiva (2003) mostra que esse processo foi de transferência contínua de riquezas para o Norte, possibilitando a acumulação, acompanhado dos elementos da violência e de forte controle para a sua garantia. O resultado das ações não se resume na violência desse processo e da acumulação em si; vai além, pois elimina a vida humana e o ecossistema. Shiva (2003, p. 100) ressalta que “[...] a destruição da biodiversidade que poderia usar ou controlar foi o outro lado menos visível desse processo de colonização”. Shiva (2003) expressa, também, a estreita relação entre saber e poder, como categorias que fazem parte do sistema dominante, repercutindo na ciência ocidental, cuja gestão está polarizada nos países centrais. Essa gestão configura um conjunto referencial de conceitos envolvidos e se reproduz associado à miríade de valores que se assentam no poder que foi propiciado desde o século XVI, aprofundando-se na trajetória para afirmação do capitalismo. As estratégias deste paradigma dominante para o alcance dos seus fins políticos e econômicos consistem em neutralizar as diversas formas de organização social, cultural e 214 econômica locais por meio do domínio geofísico e psicológico, nos termos da metáfora de Shiva (2003), de forma monocultural, não tendo constrangimento em usar as diferentes formas de violência, desconsiderando os saberes tradicionais e mutilando com as suas técnicas industriais – paradoxalmente -, também a força vital das unidades básicas da diversidade vegetal e animal que garantem a reprodução da vida de inúmeras espécies. Essa concepção dominante compreende e trata a natureza e a cultura, tanto na esfera cotidiana como na não cotidiana, em bases – ideológicas e tecnológicas – unidimensionais. Assim, [...] além de tornar o saber local invisível ao declarar que não existe ou não é legítimo, o sistema dominante também faz as alternativas desaparecerem apagando ou destruindo a realidade que elas tentam representar. A linearidade fragmentada do saber dominante rompe as integrações entre os sistemas. O saber local resvala pela fragmentação. É eclipsado com o mundo ao qual está ligado. [...] o saber científico cria uma monocultura mental ao fazer desaparecer o espaço das alternativas locais, de forma semelhante à das monoculturas de variedades de plantas importadas, que leva à substituição e destruição da diversidade local [...] (SHIVA, 2003, p. 25). A criação da monocultura mental, novamente parafraseando Shiva, é uma estratégia de dominação que se constitui na sua trajetória histórica. Nessa busca de acumulação, o sistema capitalista se organiza para a produção, considerando o princípio do crescimento econômico, não o de articulação social. Para alcançar essa meta, seu movimento muda as noções de tempo e espaço. Na atualidade, o avanço tecnológico, como a internet, traz mudanças e implicações à organização social e à vida local, manifestando-se de forma presenteísta, como assinalam Hobsbawm (1998) e Castro (2001, p. 10). Apesar desse presenteímo neoliberal, como afirma esta autora, “[...] existem fios que ligam esses processos anteriores de acumulação e conhecimentos e a racionalização dos saberes e suas aplicações [...]”. Considerando este pressuposto sobre as questões concretas, os fios orgânicos que tecem outro processo de reprodução da sociedade são necessários para o debate em torno do desenvolvimento, com perspectivas para o alargamento da esfera pública, a base de um movimento relacional com o passado histórico-social. Contribuem, para tanto, Brüseke (1997); Castro (2001), como também Shiva (2001, 2003), que fazem reflexões sobre as mudanças sociotecnológicas, utilizando como referência 215 os conceitos de tempo e evolução. A presença destes conceitos no processo de globalização, na atualidade, segundo os autores, têm tido relevância e reconhecimento, sendo registrados/usados em horas, minutos, dias, um novo tempo social. Este novo tempo traz ainda mais forte a perspectiva de aceleramento, de produtividade, em relação ao do tempo/relógio do fordismo. Na inter-relação tempo e espaço da sociedade da informação, Castro (2001) evidencia, embasada em Whitrow (1993), que a sociedade moderna depende do tempo em grau mais elevado do que outras civilizações. A reflexão de Brüseke (1997, p. 119) confere o entendimento de que o conceito de desenvolvimento necessita estar embasado em todas as dimensões da realidade, considerando que “[...] o objeto do desenvolvimento global é uma totalização. [...] conhece passado e futuro, e é então uma medida do tempo com o homem no seu centro; mas desconhece progresso ou retrocesso [...]”. Segundo o autor, as concepções de desenvolvimento global, para serem pertinentes ao seu objeto, necessitam compreender e tratar os fenômenos regionais e locais sem referências hierárquicas e de princípios do progresso. A visão dominante moderna, mediada pelas filosofias do progresso, ao caracterizar as organizações socioeconômicas locais, como primitivas e obsoletas, não só expressam um conceito equivocado sobre desenvolvimento, e, – longe da sustentabilidade – uma vez que ambos são construídos em um processo social – apresentando um limite -, pois sua fundamentação embasa-se em pressupostos econômicos/produtivos, remetendo-se à questão tecnológica e às competências, como forma para omitir a dimensão ideológica (BRĥSEKE, 1997). Assim, BrĦseke defende a tese de que o [...] subdesenvolvimento é hoje um conceito errado para caracterizar os processos eco-socioeconômicos em vastas regiões do mundo. É o próprio desenvolvimento global do industrialismo, seja na sua variante fordista ou pós-fordista, que gera desequilíbrios ecológicos, econômicos e sociais de maneira mais diversificada. Uma teoria do subdesenvlvimento tem que ser substítuída necessariamente por uma teoria eco-socioeconômica de desenvolvimento global (BRĥSEKE, 1997, p. 19). A racionalidade moderna, como assinala Brüseke (1997), enfatiza o auto-aceleramento do tempo, para que o capital constante e variável permaneça em maior parte no campo da produção, para garantir, assim, a produtividade do capital. O tempo da produção/circulação constitui-se diferente do tempo natural da biosfera. O aceleramento deste tempo, como o 216 capital bancário, materializando-se por meio da velocidade de sua circulação, aumenta a contradição entre tais dimensões. Como evidencia BrĦseke (1997), esta ordem de tempo, mediada pelo mecanismo de auto-aceleração, criada e expandida pelo sistema socioeconômico dominante, violenta os espaços biofísicos na medida em que os desestabiliza ecologicamente, com tendências a multiplicar-se em rede. Esta violência, a rigor, é mais profunda porque as suas implicações atingem a vida humana. Assim, “[...] a racionalidade parcial do mercado não corresponde à racionalidade sistêmica do mundo vivo” (BRĥSEKE, 1997, p. 121). Apesar das possibilidades de acumulação do conhecimento, como assinala Whitrow (apud Castro 2001, p. 10), “[...] nosso sentido de continuidade com o passado tem declinado, o tempo se tornou tão fragmentado que apenas o presente parece ter significado, o passado é visto como obsoleto, portanto, inútil”. O tempo atual, da globalização em curso, assume uma feição – natural -, enfatizando um crescimento econômico profundo, com vistas à concentração de capital, de forma a estimular a competição, a desregulação, a diminuição do Estado e das formas societárias; é um elemento central para incentivar/realizar o mercado. As alterações que são conduzidas pela globalização – processo de modernização em curso – são produzidas por relações de poder em todos os âmbitos, como no espaço do trabalho, da vida das sociedades, relações essas que se entrelaçam entre mercado e sociedade, de forma a submeter a organização socioprodutiva local ao mercado (ALTVATER, 1993; SHIVA, 2001, 2003; CASTRO, 2001). Os vínculos de conhecimento com o passado têm significações sociais, haja vista que são considerados aportes para a sustentabilidade dos meios de vida. Esta sustentabilidade, como afirma Shiva (2003, p. 163), é uma relação contínua, orgânica, “[...] em última instância, ligada à preservação e uso sustentável dos recursos biológicos em toda a sua diversidade [...]”. Nesta perspectiva, o debate chama a atenção para as características específicas, com intencionalidades de uniformidade dos instrumentos econômicos, com potencialidade de reconstituir pontos centrais da economia/mercado internacional, com ênfase na produtividade e competitividade. Desse modo, mostra que a dinâmica da globalização se dá em forma de processo social, materializando-se em diferentes territórios, contendo contradições, implicando, assim, em provocar movimentos locais contra-hegemônicos a sua forma/organização. 217 Cabe assinalar que, além das tecnologias locais, as potencialidades da diversidade ambiental e cultural não são consideradas pelas políticas públicas do sistema capitalista, muito menos pelos atores locais. Os programas governamentais, em sua maioria, privilegiam as estratégias de controle do tempo, do espaço, do mercado, das relações internacionais – mesmo com as de parceria -, usando a linguagem de uma cultura empresarial, em geral, sem debate com a sociedade civil. Os projetos desenvolvimentistas têm fins econômicos, como os agropecuários, promovendo, como mostra Shiva (2003) , [...] a situação paradoxal em que a melhoria de plantas e animais tem-se baseado na destruição da biodiversidade que ela usa como matéria prima. A ironia da melhoria das variedades de animais e plantas existentes é que ela destrói exatamente as unidades constituintes, da qual a tecnologia depende. Os projetos de desenvolvimento florestal introduzem monoculturas de espécies industriais como o eucalipto e levam à extinção a diversidade de espécies locais que satisfazem as necessidades do lugar. Os projetos de modernização agrícola introduzem novas safras uniformes nos campos dos agricultores e destroem a diversidade das variedades locais (SHIVA 2003, p. 161). Ademais, Shiva (2003) assinala que a concepção predominante da ciência moderna conduz a uma compreensão de que o saber ocidental é superposto aos demais, envolvendo, assim, o desenvolvimento como sinônimo de introdução de sua ciência e tecnologia em outros espaços. Assim, com propriedade, Shiva (2003) argumenta a tese de que: [...] as ciências são vistas como ‘formas de saber’ e as tecnologias como ‘formas de fazer’, todas as sociedades, com toda a sua diversidade, tiveram sistemas científicos e tecnológicos nos quais seu desenvolvimento distinto e diversificado se baseou. Os sistemas de saber e cultura fornecem o quadro de referências para a percepção e utilização de recursos naturais. Duas mudanças ocorrem com essa alteração da definição de ciência e tecnologia. A ciência e tecnologia deixam de ser vistas como exclusivamente ocidentais e passam a ser consideradas uma pluralidade associada a todas as culturas e civilizações. E uma determinada ciência e tecnologia não se traduzem em desenvolvimento em todos os lugares (SHIVA, 2003, p. 162). Contrapor-se a este ideário de ciência e tecnologia, de desenvolvimento voltado à industrialização e ao manejo irracional da natureza é a razão de debates internacionais e 218 nacionais, visando à ruptura com a lógica do consumo dos recursos naturais para obter o lucro. Assim, conforme mostra Shiva (2003, p. 161), “[...] a ciência e a tecnologia são convencionalmente vistas como aquilo que os cientistas e tecnólogos produzem, e o desenvolvimento é visto como aquilo que a ciência e a tecnologia produzem [...]”. Neste contexto, a autora esclarece que a concepção predominante expressa o entendimento de que a diversidade não é a base para a produtividade, optando, na esfera produtiva, pelo modelo da uniformidade e da monocultura. Este modelo que não considera o fato de as exigências naturais serem observadas para que haja a continuidade da existência dos aportes biológicos em sua diversidade, e, atentando-se que estes, como já foi citado, não existem, uniformemente, nos espaços da terra. Ela também evidencia que tal paradigma não tem como fim o ser humano. Desse modo, neste trabalho, o conceito de desenvolvimento é entendido em um sentido inter-relacional e organicamente vinculado às esferas econômicas, políticas, culturais, sociais e ambientais, privilegiando a indissociabilidade entre estas dimensões para se ter qualidade e continuidade de vida. Concebido, assim, numa perspectiva não hegemônica, como afirma Santos, B. (2000), construído na diversidade de grupos locais, regionais, nacionais e internacionais, se diferenciando/distanciando, portanto, da forma vertical como ocorreu com o modelo desenvolvimentista/industrial, que priorizou as demandas econômicas das sociais e, recentemente, como sustentável, em nome dos aspectos ambientais. O cenário da globalização, sob o aporte desse paradigma dominante de produção, é construído pelos atores sociais defensores do aprofundamento do crescimento econômico e do mercado, este como instituição reguladora da economia, conferindo críticas ao Estado, suas instituições e aos políticos seus gestores. O sentido dado pelos agentes das corporações internacionais é o de promover a nova modernidade, interferindo no espaço público, com vistas à ação de poder conquistado, fato que conduz a uma influência coercitiva para decisões macro/microeconômicas em relação às questões nacionais e regionais, conferindo, assim, uma ocupação na esfera política. A dimensão da política, como assinala Guimarães (2001, p. 48), numa perspectiva democrática, é a base mediadora para a elaboração e a gestão da vida pública, acrescente-se, para a garantia da sustentabilidade e das políticas públicas, como as educacionais. Neste contexto, o fundamento ético para a governabilidade se expressa pela importância social dos partidos políticos para construírem/ampliarem a democracia participativa. Esta governabilidade, assentada nesses pressupostos éticos/democráticos, necessita estar ancorada 219 nas sustentabilidades social e ambiental, respeitando, assim, a integridade da biodiversidade, o ser humano e a sua transgeracionalidade como fins do processo de desenvolvimento. Com esse entendimento, considera-se relevante a necessidade de se estabelecer a relação da educação com a temática da sustentabilidade e do desenvolvimento, num quadro democrático, de busca dos fios com os aportes pedagógicos do passado. Um quadro em que a totalização – passado/presente/futuro – seja a medida do tempo, a base de direta participação qualificada dos atores locais na construção/reconstrução dos planos de políticas públicas, como as de desenvolvimento, educação, na organização curricular, nos projetos políticos/pedagógicos. Pois vale reforçar a reflexão de Santos, Milton (2004), que mostra a dimensionalidade e diversidade que assume a mais valia em termos globais, mediante as possbilidades proporcionadas pelos processos técnicos, passando esta a ser um grandei exio central para mover as relações socioeconômicas. O tempo passa a ser o tempo do computador, mais veloz que o do relógio, acelerando a acumulação do capital, envolvendo uma – adequação forçada – aos interesses dos grandes grupos econômicos. Contra esta potencialização da Globalização e para além do capital, isto é entendido como considerações que expressam um ponto de partida para que este debate perpasse o trabalho educativo, como forma para que o adolescente adquira conhecimentos e capacidade crítica para pensar e compreender a sua realidade. Além das razões de ordem de necessidade para a realização da aprendizagem dialogada para a não adaptação, do esclarecimento contextualizado para os jovens, o conceito da sustentabilidade, na relação educação/ambiente/economia/sociedade, é fundamental que seja entendido a base de razões transgeracionais. A partir desta convicção, expressa-se a necessidade de que o desenvolvimento seja considerado para além do tratamento da produção/reprodução da economia (de bens e serviços), de forma dissociada das dimensões políticas, sociais, culturais, da diversidade e isolada da inter-relação entre campo e cidade. A dimensão ambiental, parte orgânica da sustentabilidade, na visão dominante ocidental, como assinala Shiva (2003), é deixada de lado. Neste sentido, intencionalmente, as causas primeiras da destruição da biodiversidade não são priorizadas, escolhendo este sistema, concentrar-se nos motivos secundários, como a pressão populacional. A erosão da biodiversidade ocorre em elos; o desaparecimento de uma espécie provoca o início da extinção de outras, trazendo, assim, não só a crise da biodiversidade, como a crise mais profunda, a que ameaça os sistemas de sustentação da vida (SHIVA, 2003), com implicações 220 nas dimensões ecológica e social, uma vez que a diversidade é o elemento base para a estabilidade ecológica e social. Neste sentido, [...] há duas causas principais para a destruição em larga escala da biodiversidade. A primeira é a destruição do habitat devido a megaprojetos com financiamento internacional, como a construção de represas, rodovias e atividades de mineração em regiões florestais ricas em diversidade biológica. A segunda principal causa da destruição da biodiversidade em áreas cultivadas é a tendência tecnológica e econômica de substituir a diversidade pela homogeneidade na silvicultura, na agricultura, na pesca e na criação de animais. A Revolução Verde na agricultura, a Revolução Branca nos latícinios e a Revolução Azul na pesca são revoluções baseadas na substituição deliberada da diversidade biológica pela uniformidade biológica e monoculturas (SHIVA, 2003, p. 88-89). No âmbito técnológico, as experiências científicas motivaram tendências referenciais para a especialização – como a monocultura, na agricultura – e o uso acentuado de energia de recursos naturais, conduzindo à entropia. Neste processo histórico das revoluções tecnológicas e agrícolas, o uso exarcebado destes recursos ambientais e o modelo monocultural mecânico/químico constituem aportes para gestar/afirmar uma economia que envolve todas as dimensões da realidade, como a política, a social, cultural e a ambiental, entre outras. Este paradigma ocidental moderno conduz à uma relação não harmônica com as possibilidades/limites e o processo/tempo vital de reprodução da natureza, prejudicando os ecossistemas e os sistemas sociais locais, destruindo a biodiversidade. Assim, os sistemas socioeconômicos, como mostra Shiva (2001, 2003), que priorizam a uniformidade, não se expressando pela relação com a diversidade, são vulneráveis, tanto à destruição, como à sua desestruturação. Reiterando estas razões, de que a riqueza biológica não se distribui uniformemente pelo mundo e que há interdependência entre os fatores da biodiversidade e das tecnologias de produção (SHIVA, 2003, p. 159), vale considerar a importância da questão da sustentabilidade como aporte pedagógico, tendo em vista o seu caráter vital para a reprodução dos sistema sociais e da biodiversidade, numa perspectiva histórico-social. Defendendo este pressuposto, considera-se que as coletividades nacionais, regionais e locais constituem-se em um movimento de pressão social contra o contexto da política econômica capitalista em curso. Estão presentes, neste movimento, pesquisadores e atores 221 sociais defensores da ecologia, do alargamento das esferas públicas, do campo indevassável dos direitos sociais, que lutam por uma condição qualificada de vida e pela permanência das identidades culturais locais das sociedades marginalizadas pelas políticas convencionais de desenvolvimento. Estas políticas são compreendidas como a base de transferência de tecnologia e sistemas, por meio de instrumentos assistencialistas ou de mercado, que se contrapõem às tecnologias nativas e tradicionais, sem a mediação do diálogo, desconsiderando, assim, os valores de cada grupo social, empobrecendo os sujeitos e desintegrando os sistemas sociais locais. As políticas públicas, constituídas pelo Estado capitalista na trajetória de afirmação de sua organização política/econômica, conferem uma relação vertical, autoritária, sobre as diversas áreas a serem operacionalizadas, como as de desenvolvimento e as ambientais. Assim, as primeiras, conferem um estado de descompasso entre as dimensões e as especificidades dos processos naturais, sociais e econômicos. Em meio aos modelos de desenvolvimento que priorizaram a intervenção, a experiência brasileira, buscou e busca o crescimento econômico. Neste sentido, as diretrizes das políticas de desenvolvimento levadas a cabo na Amazônia, a partir dos meados do século XX, com corolários sociais e ambientais, têm como elemento fundamental, a orientação emanada pelo Estado56. A pressão tecnológica sobre os recursos da biodiversidade foi e ainda é intensa, permitindo afirmar-se que, em quinze anos – em meados das últimas décadas do século XX -, pode-se fazer um inventário de destruição de áreas de floresta primária e secundária comparáveis a cerca de dois séculos de colonização. Além desse impacto ambiental, se tem o social, pois, ao introduzir uma nova organização socioeconômica, o Estado contribuiu com a fragmentação da diversidade das culturas, assim como motivou a desestrutração dos sistemas sociais e econômicos locais (BRITO, 2001). Neste sentido, como destaca Santos, B. (2005), [...] as relações entre as alternativas de produção e o Estado são complexas e ambíguas. Em muita ocasiões o Estado entra como catalisador eficaz, e inclusive como criador, das alternativas. [...] Um terceiro grupo de casos existe uma relação tensa e ambígua entre o Estado, organizações e movimentos. Isso é ilustrado de forma paradigmática pela relação entre o MST e o Estado brasileiro [...] que tanto inclui nexos de colaboração e apoio 56 Como assinalam diversos autores, entre eles, COSTA (1992, 1999); Brito (2001), Instituições públicas, como a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), o Banco da Amazônia (BASA), INCRA, Serviço de Extensão Rural (ATERs), com a EMATER-PA, no Pará, EMBRAPA, entre outras, foram as responsáveis pela implementação e gestão de Programas e Projetos que buscavam a modernização desenvolvimentista nas regiões de fronteira na Amazônia. 222 financeiro como relações de antagonismo e oposição política. Face a tudo isto, acreditamos que as alternativas não podem ser a escolha entre lutar dentro ou fora do Estado. Devem lutar dentro e fora do Estado. A primeira para não ceder o terreno político ao poder econômico hegemônico e mobilizar os recursos do Estado a favor dos setores populares. A segunda para manter a sua integridade, não depender das flutuações do ciclo político e continuar a formular alternativas aos status quo (SANTOS, B. 2005, p. 68). Santos, B. (2005) faz uma análise pertinente ao cenário de tensões entre diferentes concepções de sociedade que se materializam nas relações políticas, econômicas e sociais, por meio de projetos e programas das políticas públicas. Chama a atenção para a importância de os atores populares envolvidos caminharem lutando pelas alternativas de acessar os direitos sociais e econômicos, nas esferas do Estado e da sociedade civil. Acrescente-se, lutando por alternativas para além do sistema capitalista. O cenário é de crise do modelo de desenvolvimento com bases no industrialismo. O esgotamento desse modelo se faz sentir nas esferas sociais, econômicas e ecológicas. Na dimensão econômica, a própria caracterísitica da acumulação capitalista concentra poder de controle dos recursos naturais, requer escalas cada vez maiores de produção, promove um padrão econômico de racionalidade tecnológica dominante, convergindo para implantar um processo de uniformização dos conteúdos biofísicos, visando atender às necessidades do mercado e a contrapor-se à lógica da tecnologia tradicional, embasada no tempo natural de desenvolvimento dos processos produtivos. Na dimensão social, a automação e flexibilização do trabalho; e na ecológica, o uso predatório da natureza, no caso da agricultura, a questão da mecanização associada ao uso de insumos químicos. Esse conjunto de elementos leva à crise socioecológica, ao aprofundamento das desigualdades sociais e à impossibilidade de continuidade do crescimento econômico, uma vez que a sua lógica e pilares – como o industrialismo automotivo atual, embasado no uso de materiais fósseis, não é sustentável para a reprodução dos sistemas da vida, e o mecânico/químico para a ‘grande’ agricultura da monocultura – são desfavoráveis aos princípios éticos, sociais e ecológicos, além de desconsiderar os fundamentos do espaço coletivo, necessário à memória social e ao desenvolvimento humano. Contrapor-se a essa lógica para alcançar alternativas de produção e de vida social compreende continuar as lutas sociais contra a autocracia político-econômica do sistema atual, construindo o potencial e aprofundando-o socialmente em busca da radicalização democrática e participativa nas unidades de produção e nas esferas da vida social (SANTOS, B., 2005), para que se tenha uma sociedade sustentável. 223 Também Sen (2000) explicita que para se ter essa sociedade é necessário ter liberdade humana como pressuposto básico, mostrando, assim, que a concepção, que defende o desenvolvimento como liberdade, pressupõe a não privação dos atores sociais aos bens materiais, culturais, ecológicos, entre outros, tendo acesso de forma igual e ética, para o uso ponderável, em todas as dimensões da vida – pessoal e profissional -, em que os aportes da democracia e dos direitos políticos, sociais e civis são instrumentos de relevância sociopolítica no processo de conquista, participação e funções meio e fim do desenvolvimento social. Nesse sentido, Sen (2000.) considera que a liberdade seja posta como eixo central do desenvolvimento sustentável, em relação aos meios e aos fins desse processo, com garantias de que haja participação efetiva dos indivíduos, destacando que [...] as capacidades individuais dependem crucialmente, entre outras coisas, de disposições econômicas, sociais e políticas [...].Os papéis instrumentais da liberdade incluem vários componentes distintos, porém inter-relacionados, como facilidades econômicas, liberdades políticas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora. Correspondendo a múltiplas liberdades inter-relacionadas, existe a necessidade de desenvolver e sustentar uma pluralidade de instituições, como sistemas democráticos, mecanismos legais, provisão de serviços, de educação, etc (SEN, 2000, p. 71) Para tanto, e visando ter as disposições econômicas, sociais e políticas, uma das ações das sociedades política e civil é priorizar a diversidade e a soberania política, econômica, ecológica e cultural dos povos do Terceiro Mundo, com a perspectiva de que não se tenha privação material e política, podendo, assim, haver engajamento e liberdade dos atores sociais na sociedade e em vários movimentos sociais, com destaque tanto para os do campo, como para os da cidade. Nesta perspectiva, é necessário contrapor-se aos significados e às ações dos países dominantes, que, desde o período colonial, visam à acumulação de riquezas por meio de exploração da natureza e da força de trabalho dos países colonizados, passando pela Revolução Verde57 até a contemporaneidade com as revoluções tecnológicas atuais, como a biotecnologia, a genética, entre outras, que têm, em sua maioria, princípios democráticos e 57 Paradigma, que se afirmou a partir das décadas de 1950 e de 1960 do século XX, embasado nos aportes da produção/expansão de monoculturas, da larga utilização de insumos químicos como base para a produtividade e 224 coletivos, mas que, em suas práticas, se distanciam e até negam os fundamentos éticos, sociais e ecológicos. A destruição da diversidade local envolve tanto o âmbito territorial da ecologia, como o da organização socioeconômica, influenciando não só uma política de extinção em si, como também a elaboração de uma mediação retrativa sobre a memória dos sujeitos sociais, quanto às referências culturais de produzir alimentos de forma natural e partilhada por uma imensa diversidade de atores locais menos abastados, como mostra Shiva (2003) [...] no sistema ‘científico’ que separa a silvicultura da agricultura e reduz a silvicultura ao fornecimento de madeira, a comida não é mais uma categoria relacionada à silvicultura. Portanto, essa separação apaga o espaço cognitivo que relaciona a silvicultura à produção de alimentos, diretamente, por meios dos elos de fertilidade [...] (SHIVA, 2003, p. 27). A política de expansão e de acumulação do sistema dominante, como expressa a autora, se afirma pela ciência e tecnologia que, por sua vez, empreende critérios universais e metas que visam ao aceleramento do crescimento e ao aumento do rendimento das árvores uniformes, voltados para a indústria. O deflorestamento e os impactos locais exigiram a elaboração de programas e projetos de reflorestamento, mas estes, sob bases monoculturais, fragmentam a reprodução natural, a alimentação natural, a forragem, comprometendo árvores, animais e florestas. Neste quadro, “[...] a criação de categorias fragmentadas faz com que os olhos se fechem para espaços inteiros que o saber local compreende, saber que está muito mais perto da vida da floresta e é muito representativo de sua integridade e diversidade” ( SHIVA, 2003, p. 27). controle de doenças, de uso de maquinário/combustíveis para o aceleramento do trabalho produtivo, garantia da rentabilidade quantitava na agricultura, esta voltada para os fins do mercado. 225 Figura 1 – Contribuição comparativa entre as práticas da diversidade de espécies florestais naturais/tradicionais e a da monocultura do eucalipto para os sistemas de sustentação/reprodução da vida do campo. Fonte: Wandana Shiva. Defendendo o paradigma da diversidade, Shiva (2003) discute a problemática do aceleramento da anti-sustentabilidade do sistema dominante, que se estende em todos os continentes, aprofundando-se no Terceiro Mundo. Ela enfatiza a necessidade social de se fazer, neste presente, a preservação e o fortalecimento dos saberes tradicionais para a realização da mudança de paradigma de produção para a garantia da biodiversidade. 226 Evidencia, esta autora, que as formas de violência física, na atualidade, talvez não sejam as principais referências de controle; no entanto, o controle da biodiversidade dos países chamados emergentes para o lucro dos países centrais é a lógica fundamental que ainda permanece nas relações socieconômicas e políticas entre Norte e Sul, no âmbito da biodiversidade. A lógica dessa relação do desenvolvimento tecnológico tem como fulcro a exploração mercantil, como um valor em si, à base das monoculturas perenes e não das policulturas anuais e perenes, da produtividade qualitativa que respeita a diversidade ecológica. Os fundamentos e objetivos do projeto dominante são voltados para atender aos interesses mercadológicos58. Neste sentido, certamente, é necessário ir de encontro à lógica de uniformidade, de forma reflexiva, nos níveis de organização e de atuação de atores sociais, numa perspectiva de globalização contra-hegemônica. Isto implica um longo caminho de experiência de lutas, de interações com perspectivas democráticas, de cunho socialista, com uma aliança mais ampla, que ultrapassa o espaço do chamado Terceiro Mundo. As experiências de lutas, embasadas em reflexões, consubstanciam projeções no sentido de tranformações radicais para este presente, conferindo o entendimento, como assinala Oliveira (2002, p. 8), “[...] não para um dia qualquer após a revolução, mas diuturnamente [...]”. Este é um dos caminhos, entre outros, que muitos movimentos sociais estão fazendo para reverter o processo de disseminação da dominação da biodiversidade e do tratamento da economia dispensado pela globalização hegemônica, como se esta não fosse política. Como alerta Shiva (2003), [...] a diversidade não será preservada enquanto a lógica da produção não for transformada. [...] A disseminação de monoculturas de espécies de ‘crescimento rápido’ na silvicultura e de ‘variedades de alto rendimento’ na agricultura tem sido justificada em nome da ‘melhoria’ e do maior valor econômico’. No entanto, ‘melhoria’ e ‘valor’ não são termos neutros. São contextuais e determinados por um quadro de referências. A melhoria de espécies de árvores significa uma coisa para a indústria do papel que precisa 58 O período anterior à Revolução Verde foi marcado, na gênese da agricultura, pela diversidade no campo produtivo das culturas agrícolas, com transformações tecnológicas ao longo do processo histórico, como a biotecnologia. Cabe assinalar, como afirma Guimãres (2001, p. 53-55), que a transição ecológica caracteriza-se por uma verdadeira revolução de padrões e de consumo, tendo sua origem há cerca de nove mil anos, com o advento da Revolução Agrícola. Vale ressaltar a forma de colonização européia, a partir do século XVI, a base da exploração econômica, da introdução de monoculturas, como, no caso do Brasil, com a cana-de-açucar. Já, no Século XX se tem “[...] a introdução em larga escala de monoculturas no Terceiro Mundo por meio da Revolução Verde. Foi liderada pelo Banco Mundial, em 1970” (SHIVA, 2003, p. 100-101). 227 de madeira para transformar em polpa, e outra inteiramente diferente para o agricultor que precisa de forragem e adubo orgânico vegetal. No entanto, as categorias de ‘rendimento, produtividade’, ‘melhoria’ surgiram com o ponto de vista da grande empresa e têm sido tratadas como universais e neutras em termos de valor (SHIVA 2003, p. 93), A reflexão dessa autora é pertinente para os povos do Sul, porque pensa e age de forma séria e comprometida – assim como outros autores – com a problemática da apropriação da biodiversidade e dos impactos sociais do uso utilitário e dos riscos para a humanidade e o ecossistema. Também se posiciona contra a forma atual de produção e evidencia qual é o projeto viável para uma sociedade sustentada, mostrando que não há neutralidade em nenhuma dimensão; cada um tem cor de interesses heterogêneos, tem voz de classe. Considerando a importância do pensamento de Shiva (2003), em seu conjunto, sobre a sustentabilidade da Terra, neste trabalho é destacado apenas alguns pontos, como a preocupação com o aceleramento do desenvolvimento – linear – capitalista que promove com maior probabilidade a destruição da biodiversidade. Esta autora chama a atenção para o discurso da promoção da produtividade por meio da uniformidade e das monoculturas, tendo em vista que a diversidade constitui referência para realizar uma outra produtividade. A tecnologia, ao transformar e criar novas espécies de vegetais e de animais, provoca a morte da biodiversidade das matérias-primas que proporcionam a realização tecnológica, configurando assim, um estado de contradição. Pois, para realizar-se – na lógica de acumulação lucrativa – opera a mutilação dos recursos naturais que garantem a reprodução da vida, não possibilitando a sua legitimação e, muito mais, a continuidade do ser humano e das diversas espécies da terra. Apresenta, como exemplo, os Projetos Florestais que inserem as monoculturas voltadas para o mercado, como o eucalipto e os projetos de modernização agrícola, com safras anuais e uniformes, que destroem a diversidade das variedades locais. Sobre a questão da melhoria das plantas na agricultura, Shiva (2003, p. 93) assinala que esta assenta-se “[...] no aumento da produtividade às expensas das partes indesejáveis da planta. O produto não é o mesmo para a agroindústria e para um agricultor. Que partes de um sistema serão tratadas como ‘indesejáveis’ depende da classe e do gênero [...]”. Explicita que as características e motivações diversificadas dos atores – ricos e pobres – são diferentes e influenciam no habitat das espécies e do ser humano, como nas suas reproduções. O trato tecnológico da agroindústria visa utilizar, apenas, as partes úteis da matéria-prima de seu 228 interesse. Desse modo, quando elimina partes da biodiversidade produz índices de pobreza e degradação ecológica. Na perspectiva do paradigma dominante das Variedades de Alto Rendimento (VARs), como registra Shiva (2003), vale a uniformidade das espécies modificadas em laboratórios; assim, o valor da produtividade repousa no grande retorno do lucro aos atores que se beneficiam das VARs, por meio do controle centralizado no mercado agrícola de grãos. As variedades de culturas, de palhas que são substratos das forragens e fertilizantes, os legumes, as espécies vegetais, as sementes oleaginosas, como elementos fundamentais para a fertilidade do solo, foram eliminadas na Índia. Assim, neste país, com as monoculturas de variedades de trigo e de arroz; no Brasil, com as variedades de trigo e soja mutilaram-se as matérias-primas importantes para o solo. A autora, a partir da reflexão sobre a produtividade e sobre a relação orgânica do solo e a natureza do trato tecnológico que preserva ou não a sua fertilidade, evidencia a essencialidade da biodiversidade para a reprodução da vida humana, além de que a destruição da diversidade representa um perigo transgeracional. Em relação às tipologias da produtividade, defendidas pelo sistema dominante e pelo tradicional, conclui que o consenso é impossível, pois são conceitos distintos, e, acrescente-se, antagônicos. Shiva (2003, p. 94), afirma que “ [...] a produtividade difere, dependendo de ser medida pela diversidade ou pela uniformidade”. Neste sentido, o ponto de partida consiste em sair da visão “natural” e unidimensional em conceber os valores e sistemas ocidentais, como sendo os únicos que têm a capacidade de determinar o que é bom e útil para a qualidade e modo de vida, considerando que existem múltiplos valores e sistemas de reprodução da sociedade e da vida. O cenário impõe pensar na necessidade de se afirmar planos e ações de responsabilidade que eliminem os valores do sistema dominante que prioriza o mercado e defende a inevitabilidade da monocultura, na essência, o valor do lucro. Ademais, vale ressaltar que a inter-relação entre o novo que surge e mantém, em processo, a essência do velho, tendo em vista que este novo não é vitalício, pois, exige, também, a transformação, e ao mesmo tempo a preservação das marcas que são vitais para a continuidade da reprodução das espécies e de uma vida digna – a da essencialidade da ética e do princípio da responsabilidade nas relações sociais e com a natureza. No sentido que defende Shiva (2003), 229 [...] primeiramente é preciso dar apoio aos modos de vida e sistemas de produção que se baseiam na preservação da diversidade e que têm sido marginalizados pelo modelo dominante de desenvolvimento. Ecologicamente, essa mudança envolve o reconhecimento do valor da diversidade em si. Como disse Ehbrenfeld: ‘o valor é parte intrínseca da diversidade’ [...] No plano social, os valores da biodiversidade em diferentes contextos culturais precisam ser reconhecidos. [...] a biodiversidade tem outros valores, como o de promover sustento e significado, e esses valores não precisam ser tratados como subordinados e secundários aos valores do mercado. O reconhecimento dos direitos da comunidade à biodiversidade e as contirbuições dos agricultores e membros das tribos para a evolução e proteção da biodiversidade também precisam ser admitidos – tratando seus sistemas de saber como sistemas futuristas, e não como primitivos (SHIVA, 2003, p. 111). O pensamento de Shiva é atualíssimo, sendo relevante pela sua natureza em se posicionar em torno da dimensão política da não neutralidade, dando recorte de classe, voz e cor à opinião dos povos do Terceiro Mundo que defendem a sociedade sustentável, envolvendo os interesses comuns dos indivíduos locais – heterogêneos -, que realizam a integração entre a floresta e a unidade familiar da agricultura, preservando o sistema diversificado que se autoreproduz e garante a vida. A defesa dos direitos sociais é necessária, envolvendo o acesso e as prerrogativas de diferentes grupos sociais, exigindo que seja permeada a garantia da manutenção dos sistemas que dão sustentabilidade à vida. Como mostra Shiva (2003, p. 114), as necessidades humanas não passam pelo uso monolítico da madeira, água e fertilizantes insustentáveis, mas sim por múltiplos usos, passando também pela necessidade da produção de sementes, de grãos, de forragem, de fertilizantes naturais: Até pouco tempo atrás, eram as comunidades locais que usavam, desenvolviam e preservavam a diversidade biológica, que eram as guardiãs da riqueza biológica deste planeta. É o seu controle, o seu saber e os seus direitos que precisam ser fortalecidos se quisermos que a preservação da biodiversidade seja real e profunda. Esse fortalecimento tem de ser feito por meio da ação local, da ação nacional e da ação global. Depois de séculos em que o Sul geneticamente rico contribuiu com recursos biológicos gratuitos para o Norte, os governos do Terceiro Mundo não estão mais dispostos a ver sua riqueza biológica ser levada de graça e revendida ao Terceiro Mundo por preços exorbitantes sob a forma de sementes ‘melhoradas’ e pacotes de remédios. Do ponto de vista do Terceiro Mundo é extremamente injusto que a biodiversidade do Sul seja tratada como a ‘herança comum da humanidade’ e o fluxo de mercadorias biológicas que volta para cá seja de artigos patenteados, cotados e tratados como proproiedade privada de grandes empresas privadas do Norte. Essa nova desigualdade e essa nova injustiça estão sendo impostas ao Terceiro Mundo pelo sistema de patentes e direitos de propriedade intelectual do GATT, do Banco Mundial e da Lei do Comércio dos Estados Unidos (SHIVA, 2003, p. 114). 230 Shiva (2003) explicita as contradições do sistema dominante que trata a diversidade biológica e o ser humano em segundo plano, dando lugar exclusivo ao sistema de saber da monocultura, por meio de Variedades de Alto Rendimento (VARs) na agricultura, que viabiliza a realização da acumulação e não a das necessidades humanas e ecológicas. A lógica desse pensamento chega a conceber a diversidade da natureza vegetal – que não é rentável à indústria – como um conjunto de – ervas-daninhas -, mutilando espécies para a auto- reprodução do ecossistema e que são vitais ecológica, econômica e socialmente. Contrariamente a essa lógica, a gestão da biodiversidade dos povos indígenas é embasada na conservação da diversidade biológica, por meio de diversas estratégias técnicas, como plantando hortas de floresta e cuidando da regeneração das capoeiras (floresta secundária), chegando próximo à biodiversidade da floresta primária. Similar a esses procedimentos, os agricultores tradicionais mantêm essa lógica produtiva indígena, com a diversidade de culturas agrícolas, obtendo resultados com baixos níveis de tecnologia. Os índios, como registra Posey (1997, p. 350-351), por meio de sua tecnologia realizam a conservação do solo, o aumento da sua fertilidade, o manejo da caça, da pesca e da floresta. Posey (1997, p. 351) cita a administração dos Kaiapó, na Amazônia, que, à base de “[...] categorias superpostas e inter-relacionadas; transferências de materiais biogenéticos entre ecozonas similares; integração dos ciclos agrícolas com os de manejo florestal”, mantém os recursos destinados à alimentação, saúde e habitação. A agricultura não é o centro, faz parte do sistema desta sociedade. Posey (1997) destaca que as terras em descanso (puru tum), consideradas, equivocadamente, como inativas, constituem referência para esse povo, tanto quanto a floresta e as terras cultivadas no momento, pois é parte central para assegurar a reprodução da vida e da biodiversidade. A lógica do sistema dominante, entretanto, assenta-se nas transferências dos recursos da natureza e do conhecimento dos países periféricos, de forma gratuita, pelos colonizadores do passado, como os do presente dos países centrais, por meio da globalização hegemônica, baseados na exportação da alta entropia e dos produtos tecnológicos com preços superfaturados, contrastando com os princípios e ações de cunho ecológico. Tanto a ida, como o retorno das matérias-primas, já industrializadas, promovem a desigualdade social e a degradação ambiental. No entanto, todo esse conjunto de procedimentos que desestrutura as redes socioeconômicas locais é defendido como – válido – , em níveis legislacional e institucional, por atores que movem a política e o mercado. Contrapondo-se a essa lógica de crescimento do sistema dominante, Latouche (2005, p. 1) apresenta a tese sobre a necessidade de viabilizar o decrescimento econômico, 231 mostrando que o desenvolvimento tem contradições básicas, uma vez que apresenta um caminho linear e unilateral da organização da produção. Essa lógica é embasada na infinitude do consumo, desconsiderando os limites da biodiversidade, conferindo, assim, a insustentabilidade ecológica por meio dessas relações de produção. Neste sentido, para Latouche (2005) [...] o desenvolvimento é um conceito armadilha. O conceito consegue realizar admiravelmente o trabalho de ilusão ideológica [...], que consiste em criar um consenso entre as partes antagônicas graças a um obscurecimento do julgamento e a anestesia do senso crítico das vítimas, quando, na verdade, as expressões acumulação do capital, exploração da força de trabalho, imperialismo ocidental ou dominação planetária descrevem melhor o desenvolvimento e a globalização [...]. A obra-prima desta arte de mistificação é, incontestavelmente, o ‘desenvolvimento sustentável’. [...] O desenvolvimento sustentável tira de nós qualquer perspectiva de saída ele nos promete desenvolvimento por toda eternidade. Felizmente o desenvolvimento não é nem sustentável e nem durável (LATOUCHE, 2005, p. 1). Latouche (2005) chama a atenção para a construção de conceitos que aparentemente apresentam um cunho socioecológico, no entanto, constituem a combinação de tipos de ciência e tecnologia que têm aportes destrutivos quanto ao equilíbrio entre natureza e economia. As condições desiguais produzidas pelo sistema dominante, tanto no âmbito produtivo como no de circulação, fazem parte da reflexão do autor, mostrando que são atores sociais – especiais – que realizam um trabalho de sedução por meio das comunicações, apresentando os projetos oficiais e das multinacionais como portadores de um caráter coletivo, escondendo a centralidade de seus propósitos de dominação e acumulação. Este trabalho ideológico tenta universalizar as cortinas da – neutralidade – da ciência, da – democracia – e da biotecnologia -, sob as formas invisíveis do controle da biodiversidade, utilizando as palavras de Shiva (2003). Latouche (2005), para se contrapor à globalização hegemônica e ao termo desenvolvimento, na forma atual apropriada pelos colonizadores do passado e do presente, faz sua reflexão sobre o processo de produção/reprodução da sociedade, utilizando o conceito de decrescimento. Ele chama a atenção para a necessidade de se compreender e se posicionar contra a lógica liberal da economia capitalista. Para isto, concebe que o decrescimento é o crescimento de outra forma, esclarecendo que a referência que o sustenta é a ecológica, visualizando que seja adotado o planejamento com bases na tecnologia da agricultura camponesa, diferente do modelo hegemônico ocidental. 232 Para essa perspectiva de crescimento, evidencia que [...] é preciso descolonizar nosso imaginário. Em especial, desistir do imaginário econômico. O bem e a felicidade podem ser atingidos com menor despesa. Redescobrir que a verdadeira riqueza consiste no pleno desenvolvimento das relações sociais de convívio. [...] O decrescimento per se não é realmente uma alternativa concreta, é, antes de mais nada, uma matriz que autoriza uma série de alternativas. Trata-se de uma proposta necessária para reabrir o espaço da inventividade e da criatividade do imaginário [...]. Não se trata de fazer com que o sistema funcione, tal qual ele é hoje [...]. A longo prazo, a solução proposta é a transformação da sociedade e das formas de riqueza (reavaliação, reestruturação e, em especial, reconversão). É claro que o crescimento é uma necessidade política para resolver o problema em sociedade de crescimento, mesmo sabendo que o xis do problema social reside na distribuição, e não na produção. É mais fácil, de fato, redistribuir as migalhas do bolo [...] (LATOUCHE, 2005, p. 2-3). Latouche (2005) trata da importância de construção de programas embasados no uso sustentável dos recursos da natureza, os quais são antagônicos à forma atual de produção que exige altas despesas ecológicas e da circulação para o uso de poucos que consomem muito. Ele ressalta a não viabilidade da continuidade do crescimento econômico embasado na alta entropia, concebendo que o decrescimento – que é o crescimento – tem princípios éticos e é uma condição essencial para reduzir tal crescimento econômico, por meio de alternativas concretas. O autor toma a esfera da circulação como referência da problemática social, sinalizando que a distribuição eqüitativa dos bens produzidos ameniza a pobreza. Latouche (2005), no entanto, deixa em plano secundário o espaço produtivo da sociabilidade capitalista, quando este é o eixo central da degradação da biodiversidade e do ser humano, da extração da força de trabalho, nas palavras de Marx, a mais-valia. Tanto a forma da produção, como a da distribuição não se dão isoladas. Se há bens no espaço do mercado para realizar o circuito da mercadoria, por meio do valor de troca, é porque o espaço antecedente possibilitou a forma da exploração do trabalho e da natureza e conduz à realização total do sistema na atual forma de circulação. Analisando a questão profunda das políticas de desenvolvimento que trazem o empobrecimento da natureza e dos indivíduos do Terceiro Mundo, Latouche (2005, p. 3) propõe: 233 [...] uma política de decrescimento poderia consistir na redução, ou até mesmo, na supressão das externalidades negativas do crescimento. [...] por fim da abolescência acelerada dos produtos e aparelhos descartáveis sem outra justificativa a não ser a de fazer com que a megamáquina infernal ande cada vez mais rápido, são reservas importantes de decrescimento no consumo material. Sem falar nos enormes orçamentos militares. Para pensar a transição, podemos imaginar, além disso, um programa completo, por exemplo: l) Voltar aos anos de 1960-1970 com uma marca ecológica igual ou inferior a um planeta; 2) re-regionalizar as atividades; 3) adotar o planejamento de um retorno à agricultura camponesa; 4) implodir a “produção” de bens relacionais; etc. (LATOUCHE, 2005, p. 2-3). Ao refletir sobre o exercício prático da tese do decrescimento, Latouche visualiza como ponto de partida, para a transformação da sociedade, um programa com caráter de sustentabilidade ecológica que leve em consideração a realidade de suporte das unidades básicas da natureza da Terra. Esse programa prevê a revalorização do sentido da vida e de consumo com qualidade social, além de mudança do paradigma tecnológico, visando a abraçar a lógica tecnológica camponesa. Na perspectiva de envolver projetos e motivar o movimento que se contrapõe ao paradigma dominante, defendidos por Posey (1997), Santos, B. (2005), Sen (2000); Shiva (2001;2003) e Latouche (2005), Löwy (2005) também parte da idéia de mudança qualitativa do desenvolvimento da sociedade. Esta mudança, como ponto de partida, envolve a exigência de troca de orientação da produção, o que implica realizar as necessidades reais e não as padronizadas socialmente, como água pura, alimentação, habitação, saúde, educação, o tempo livre, entre outras. Assim, a realização da satisfação das necessidades e justiças sociais, à base de valores qualitativos e não mercadológicos, constitui uma proposta para reter a pressão das multinacionais e dos países dominantes . Concorda-se com Löwy (2005, p. 72-73) quando traduz não só reconhecer os sistemas de conhecimento e os direitos das populações tradicionais, como também a necessidade de realizar a mudança de paradigma, mudança que consiste, inicialmente, em construir hipóteses para o debate sobre o caminho para a sociedade sustentável: [...] trata-se, parece-me, de um ética social: não é uma ética de comportamentos individuais, não visa culpabilizar as pessoas, promover o asceticismo, ou a autolimitação. Com certeza, é importante que os indivíduos sejam educados para respeitar o meio ambiente e recusar o desperdício, mas o verdadeiro jogo se joga noutra parte: na mudança das estruturas econômicas e sociais capitalistas/comerciais, no estabelecimento de um novo paradigma de produção e distribuição, fundado em levar em conta as necessidades sociais – notadamente, a necessidade vital de viver num ambiente natural não degradado. Uma mudança que 234 exige atores, movimentos sociais, organizações ecológicas, partidos políticos, e não apenas indivíduos de boa vontade. Löwi (2005) ressalta que o processo para a mudança é construído coletivamente, fundada no social e no ambiental. Esse processo necessita de uma mente, nos termos de Shiva (2003), com compreensão reflexiva de atores que ajam na perspectiva do desenvolvimento humano e da liberdade, exigindo uma postura de classe, acrescente-se, sem apatia política, em um sistema que produz uma sociedade desigual. Na intenção de inverter as prioridades, – do deslocamento das necessidades meramente econômicas para as que privilegiem as necessidades sociais -, é significativo considerar os pressupostos socioecológicos dos autores, anteriormente citados, que enfatizam os princípios éticos sociais e os direitos igualitários a todos os povos. Assim como ressaltam esses autores e Germano (2006)59 é necessário e urgente superar esse paradigma amparado num capitalismo sem freios. Paradigma capitalista que destrói as formas transgeracionais de sobrevivência e implementa técnicas que conduzem à eliminação dos recursos da biodiversidade, e por conseqüência, da vida humana. 59 Nota de orientação a esta tese, contida nos manuscritos preliminares. 235 4. 2 Sustentabilidade e o espaço regional: o MDTX pela educação na Transamazônica Foto 8 – Caravana pela consolidação das CFRs. Fonte: Jornal Liberal, Belém/PA, 2004. Arquivo pessoal de Delmaria Albuquerque (Belém/PA). Pesquisa de campo, junho de 2005. Ao pretender refletir sobre as interfaces sobre sustentabilidade, educação e o espaço humano na Amazônia paraense, por meio do Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu (MDTX), cabe aqui idenficar o sentido e a importância do espaço como elemento sui generis para a (re)construção da política educacional e da organização curricular, e, também, para evitar que tudo se torne objeto para o mercado. O espaço tem a sua dimensão ideológica, e, como assinala Santos M. (2004), para o homem não ser tratado como valor de troca, a educação escolar – num espaço social – é um dos elementos fundamentais para conduzí-lo à compreensão dos significados da realidade e à reprodução da vida, pois, [...] todos nós somos hoje como o cocheiro de Heine, a quem este perguntou o que eram as idéias. A resposta foi: ‘as idéias são coisas que enfiam em nossa cabeça’ (Ortega y Gasset, 1963, p. 302). Heine se lembrava de Hegel e do laborioso processo de elaboração do conhecimento. Em nossos dias, o conhecimento mercantilizou-se como tudo o mais, e as idéias são ‘designed’ antes de serem fabricadas; já não representam as coisas tal como elas existem; procuram criar uma 236 nova existência pela fabricação de objetos dotados de uma finalidade submetida à lei do mercado (SANTOS, M. 2004, p. 37). Como ressalta Santos, M. (2004, p. 38), parte-se do pressuposto de que o fundamental não é a lei dos objetos, – porque eles são objetivações -, mas sim, a lei do movimento geral da sociedade, pois é em sua função que se apreende o movimento geral de construção/reconstrução do espaço. Nesta perspectiva, ancorando-se em Santos. M. (2004), considera-se a importância do espaço como presente, num sentido histórico, em que o passado é o elemento que remete as bases para a atualidade, com o fim de se situar no presente concreto, potente, em movimento, tendo em vista que [...] o momento passado está morto como tempo, não porém como espaço, o momento passado já não é, nem voltará a ser, mas sua objetivação não equivale totalmente ao passado, uma vez que está sempre aqui e participa da vida atual como forma indispensável à realização social (SANTOS, M. 2004, p. 14-15) Embasado em Luckács, Santos, M. (2004, p. 15), destaca a relevância da motivação para apreender o presente como História, concebendo que os fatos estão na realidade, cabendo a cada indivíduo torná-los históricos, pela apreensão das suas relações, tanto por meio de estudos, como observação de sua trajetória, como pela constatação de sua organização, visando constituir um novo sistema, pois estes fatos têm existência histórica. No âmbito da sustentabilidade, é relevante considerar o exemplo brasileiro na organização do seu espaço e nas relações estabelecidas, como o da política econômica do seu governo. Pelos fatos, pode-se constatar que esta política está distante em considerar as questões ambientais como referências primeiras, para a construção de grandes projetos, principalmente os projetos de hegemonia política e econômica para a integração dos mercados. A noção de integração, como cita Castro (2001, p. 26), necessita considerar problemas para além dos interesses de mercado e de hegemonia política, tendo em vista que “[...] certamente as vantagens tecnológicas e a intensificação da comunicação e dos conhecimentos sobre os ecossistemas e a ação humana na Amazônia fascinam a muitos [...]”. Isto tem referência, pois a criação/transmissão de conhecimento tem cunho social, entretanto, as análises apontam que as estratégias de cooperação, como o Programa Piloto para 237 Preservação das Florestas Tropicais/PPG-7 (PPPFT/PPG-7), ainda são constituídos à base de interesses para afirmar blocos hegemônicos. No sentido de manifestar a atualidade e a interdimensão da sustentabilidade para as referências pedagógicas da formação escolar, cabe assinalar que os debates em curso sobre a globalização, desde a década de 1990 (como as de SHIVA, 2003; SACHS, 1993; ALTVATER, 1996, COSTA, 1992; 2000, CASTRO, 2001, LėWY, 2005) expressam a relevância de se ter a compreensão sobre as dimensões da realidade social, envolvendo análises que se embasam nas inter-relações que configuram este processo de organização espacial da produção. Assim, refletir sobre o espaço regional, em tempos de aceleramento da globalização, constitui um desafio, pois é necessário tratar a especificidade deste enquanto espaço territorial e formas de organização socioespacial humana. O trabalho não visa discutir a colonização da Transamazônica, apenas entender a dinâmica deste processo social de ocupação nas últimas décadas do século XX. Esta dinâmica esteve sob a ordenação oficial e espontânea diante de uma diversidade geográfica, cultural e étnica: são índios; ribeirinhos; pequenos, médios e grandes agricultores; fazendeiros; empresários agropecuários; pescadores; madeireiros; trabalhadores do campo e da cidade, constituindo uma dinâmica extensa, como a diversidade do trabalho em açaizal nativo e na “inovação” da monocultura de cacau, pimenta-do-reino e dendê. O espaço é ocupado em meio a muitas tensões e projetos diferentes para a sociedade local; de um lado, os grandes projetos, voltados para a esfera econômica; de outro, os pequenos projetos, pensados para a esfera social, para a reprodução da vida das famílias e da biodiversidade. - O contexto histórico-social da Transamazônica: da colonização dirigida ao processo de implantação do Programa das Casas Familiares Rurais. 238 Foto 9 – Condições da Rodovia Transamazônica entre Altamira e Medicilândia. Fonte: Neila Reis, Pesquisa de Campo, fevereiro de 2005. Nesse contexto, o estudo sobre a singularidade que se desenvolve o Projeto de Alternância da Casa Familiar Rural de Uruará-Pará implica a necessidade de entendê-la no movimento de relações em uma região de fronteira. A fronteira, como entende Martins (1997b, p.11-12), é ”[...] um ponto limite de territórios que se redefinem continuamente, disputados de diferentes modos por diferentes grupos humanos”, um espaço instituído e instituinte de modos de vida, de diversidades culturais, de dificuldades, de conflitos e de reconstrução de projetos. A dinâmica de ocupação da fronteira amazônica no século XX é marcada, por um lado, com intensa instauração de projetos estatais de ocupação60 e, por outro, pela diversidade de relações socioeconômicas da população local com os recursos naturais. É no contexto histórico da dinâmica da fronteira amazônica61 que é criada a colonização dirigida por meio dos Projetos Integrados de Colonização (PICs), como o de 60 Como o Projeto de Colonização e Reforma Agrária do Governo Federal na fronteira amazônica na década de 1970, denominados PICs, como o PIC-Altamira, ao longo e no interior das estradas vicinais da Rodovia Transamazônica, no Estado do Pará. 61 A Amazônia brasileira tem um espaço físico diversificado e favorável a uma vida saudável para a sua população. Localiza-se na área equatorial, com características especiais, entre as quais, um rico complexo hídrico/florestal. As fronteiras internacionais constituem 11.248 Km, sua área corresponde a cerca de 4.892 Km2, com cobertura de florestas primárias e secundárias de grande potencialidade econômica – madeiras, látex, oleaginosas, essências, frutíferas, medicinais etc. Os recursos hídricos constituem cerca de l/5 das reservas de 239 Altamira, na década de 1970. Decorrente dessa colonização, foram construídas Agrovilas de 10 em 10 Km, e de 5 em 5 km, as estradas vicinais, constituindo, no ano de 2000, 13 mil Km. de extensão, estando em processo de expansão. Tais estradas viabilizam a interiorização do território da colonização agrícola por meio da alocação dos migrantes em busca de terra, denominados de colonos. A Rodovia corta um eixo de 1.100 Km, entre as cidades de Marabá e de Itaituba, no Estado do Pará. Em face da não conservação adequada da Rodovia Transamazônica, o cenário é de poeira no verão, e atoleiros no inverno, tornando-a intrafegável; esse problema afeta diretamente a economia da região – muito significativa para o Estado do Pará -, ficando, praticamente, paralisada, além de interferir no deslocamento e na vida das pessoas. Resultante desse Projeto e, principalmente, da dinâmica do trabalho dos agricultores, foram criados diversos municípios, entre estes, em 1987, o município de Uruará, parte da região da Transamazônica. A gênese dessa região liga-se, de certa forma, ao ideário agrícola que emergiu com as referências que marcam os projetos de colonização na Amazônia Paraense, primeiramente com a construção da Estrada de Ferro Belém – Bragança (EFBB), no nordeste paraense, no final do século XIX e início do XX, gênese essa que tem suas raízes na colonização do Brasil.62 A segunda referência é o início da construção da Rodovia Belém-Brasília, em 1959, no governo Juscelino Kubitscheck, abrindo a malha viária para outras regiões, como marco histórico de abertura ao desenvolvimentismo. Esta última referência é o início de mudanças nas políticas públicas, como a econômica, na organização do espaço, com vínculos com o capital internacional e nacional, processo que continua, de forma reformista, com o Presidente João Goulart. Os tempos do governo do presidente João Goulart foram tempos de reformas sociais, como as reformas de base, entre as quais, a Reforma Agrária. O processo de reformas estava em curso, pois, “as mobilizações populares em favor de reformas na estrutura da água doce mundial, com rios propícios à navegação; detém recursos minerais significativos, como manganês, ouro, ferro etc. A totalidade de sua população, segundo o IBGE, em 2002, é 19 milhões de pessoas, que representam 12% da população brasileira. 62 Embora o tema do trabalho não seja a colonização da Transamazônica, considera-se de relevância social por situar, brevemente, o histórico atual desse tema, no contexto da forma neocolonial como os países do Terceiro Mundo são tratados neste início do século XXI. O pensamento de Vandana Shiva (2001, p. 23-24) expressa a visão eurocêntrica dos Projetos de Colonização, para quem são os privilégios de ‘descoberta e conquista’. Um ano depois, em 4 de maio de 1493, o Papa Alexandre VI, por meio de sua ‘Bula de Doação’, concedeu à rainha Isabel e ao rei Fernando todas as ilhas e territórios firmes ‘ descobertos e por descobrir, cem léguas a oeste e ao sul dos Açores, em direção à Índia’ e ainda não ocupadas ou controladas por qualquer rei ou príncipe cristão até o natal de 1492. [...] Cartas de privilégios e patentes transformaram, assim, atos de pirataria em vontade divina. Os povos e nações colonizados não pertenciam ao papa, que, entretanto, os ‘doava’, e essa jurisprudência canônica fez dos monarcas Cristãos da Europa, os governantes de todas as nações. [...] A Bula Papal, a carta de Colombo e as patentes concedidas pelos monarcas estabeleceram os fundamentos jurídicos e morais da colonização e do extermínio de povos não europeus. [...] Quinhentos anos depois, uma versão secular está em 240 sociedade brasileira intensificaram-se e o conflito entre capital e trabalho acentuou-se, agravando a crise de direção política do Estado [ ...]” (GERMANO, 2005b, p. 50). Este processo foi interrompido pelo golpe civil-militar de 1964, atingindo os movimentos populares que emergiram em torno de práticas educativas democráticas e que se expressavam como resistência às influências interna e externa. Como registra Germano (2005b, p. 153- 154), [...] a doutrina de ‘segurança nacional’, expressão máxima da Guerra Fria do ponto de vista dos EUA, tornou-se a ideologia que justificou o golpe e deu sustentação ao regime implantado (1964-1985). Os movimentos populares são severamente reprimidos e destruídos, a resistência que faziam foi desfeita, vários de seus participantes tornaram-se perseguidos políticos, foram processados, presos, exilados, alguns foram torturados e cassados, perdendo seus direitos políticos (GERMANO, 2005b, p. 153-154). É nesse contexto que é criado o projeto de colonização para as últimas fronteiras da Amazônia; assim, a abertura da Rodovia Transamazônica constituiu um dos subplanos para subsidiá-los, como a infra-estrutura para o acesso à região. Estes projetos foram materializados por meio dos PICs, como os de Altamira, Itaituba, Marabá, coordenados pelo INCRA, planos dos governos militares, no final da década de 1960 e início da de 1970. Tais projetos são resultados do Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) que, para o Centro- Sul, priorizava um modelo agrário assentado nas grandes empresas, com complexos agroindustriais, e, no Nordeste, centrado nos grandes latifúndios. A construção e povoamento da Rodovia Transamazônica, com cerca de aproximadamente cinco mil quilômetros, visava abrir a região para o restante do país, atenuar as tensões sociais nas cidades, no campo – pela posse da terra em outras regiões brasileiras – e para resolver a situação da seca no Nordeste, sob a lógica da – Segurança Nacional -. Na apresentação do documento do Projeto de Colonização de Altamira – PIC/ATM -, José Francisco de Moura Cavalcanti, presidente do INCRA, pontua os objetivos do governo em relação a essa colonização da Amazônia: [...] este é o Projeto Altamira I. Além das primeiras 3.000 famílias de colonos em processo de assentamento pelo INCRA, ao longo do eixo da Transamazônica, ele andamento por meio das patentes e dos direitos de propriedade intelectual (DPI). A Bula Papal foi substituída pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade, GATT)”. 241 transcende do significado de um simples projeto para se eregir em verdadeiro marco do processo de ocupação da Amazônia. A estratégia do desenvolvimento regional preconizada pelo PND, que objetiva, em especial, a ocupação da Amazônia e o progresso do Nordeste, tem no projeto Altamira-l a primeira expressão real de sua viabilidade e do acerto da política de integração nacional. A estratégia fixada para a Amazônia, que é a de integrar para desenvolver, baseou-se em duas linhas mestras complementares e interdependentes: integração física, econômica e sociocultural da área, na comunidade brasileira, e expansão da fronteira agrícola com vistas a absorção dos excedentes demográficos de outras regiões, tendo por apoio um arrojado programa de obras de infra-estrutura de transportes e comunicações [...]. Desde a década de 1970, com a colonização oficial63, dirigida na Transamazônica em pleno tempo de modernização da agricultura, o Estado gestou grandes projetos mínero/metalúrgicos e agropecuários subsidiados, empreendendo também a demarcação de terras em pequena escala. Voltou-se, contraditoriamente, para dar incentivo à agricultura familiar, mas esta sob a lógica capitalista. Assim, viabilizou os interesses do mercado, acentuando ainda mais as prioridades dessas políticas públicas que conferem programas e projetos com incentivos fiscais ao agronegócio. O Projeto de Colonização da Transamazônica não era prioridade fim no planejamento de desenvolvimento dos governos militares para a Amazônia. Costa (1998, p. 47; 2000 a, p. 52) mostra que se “[...] não fora a grande seca do nordeste [...] e a necessidade de acalentar a imagem do ‘Brasil potência’, tão necessária como elemento ideológico capaz de permitir os altos índices de aceitação do regime ela jamais teria acontecido”. Em sentido similar e como política sociogeográfica para deslocamento das populações sem-terra, outros projetos de colonização foram realizados, como no Estado de Rondônia, 63 O documento de apresentação do Projeto de Colonização da Amazônia, o PIC-Altamira é uma fonte para a História Agrária e da Educação da Amazônia porque expressa a tipologia das políticas públicas pensadas para a região: “[...] Instituído o Plano de Integração Nacional (PIN) pelo Decreto-Lei nº 1.106/70, verificou-se o engajamento efetivo do Ministério da Agricultura e conseqüentemente do INCRA nas atividades prioritárias para cumprimento da estratégia de desenvolvimento da Amazônia, em que se sobressai o programa de ocupação racional da faixa de terras de 10 Km em ambas as margens das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém, com a previsão do assentamento de 70.0000 famílias no período de 1972-74. O projeto Altamira foi elaborado simultaneamente com o Plano Regional da Amazônia e ambos vieram encontrar a colonização daquela área em pleno curso. Não obstante a isso, e talvez até por isso, tornou-se possível a elaboração de um projeto onde a prática e a teoria de campo se integram em perfeita harmonia. Do desconhecimento inicial quase absoluto da área, pelo menos, no nível requerido por um projeto específico, partiu o INCRA para a ação imediata, com base em uma programação de Emergência que, sem embargo desse caráter contingencial, já encerrava as diretrizes básicas que acabariam por informar os rumos desse projeto. O Altamira I é o primeiro de uma série de projetos, na zona de influência do município que lhe emprestou o nome. Ao liberá-lo para execução, esperamos que ele responda efetiva e eficientemente às necessidades da área a que se propõe servir”. Brasília, 3l de março de 1972. José Francisco de Moura Cavalcanti. Presidente do INCRA. BRASIL/INCRA. Projeto de Colonização Altamira I. Brasília, DF: INCRA, 1972. 242 assim, contribuindo para novas frentes de agricultura familiar, evitando e retardando a inserção e a pressão de latifundiários e empresas sobre o espaço da fronteira da Amazônia e, de modo específico, o da Transamazônica (COSTA, 2000a, p. 52). O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) elaborou diversos projetos, entre estes o Projeto PIC-Altamira-I que coordenaria a ocupação das terras próximas ao município de Altamira. A maneira como se desenvolveu a prática do Projeto, alocando as famílias de camponeses sem as mínimas condições de infra-estrutura, principalmente, os que receberam os lotes a partir do Km l40 ao Km. 220, sentido Altamira – Itaituba64. As casas não tinham sido construídas, muito menos as agrovilas, e, estas últimas, nesse percurso, nunca foram viabilizadas. As famílias deparavam-se com essa “chocante realidade”; a estrada no meio e, em ambas as margens, a floresta cercando suas improvisadas “casas”. Essas famílias eram levadas em caminhões abertos para morarem em tapiris,65 construídos pelos membros de cada família, similarmente, também as primeiras escolas. Esse breve retrato dos tapiris aponta para as condições em que foram inseridas as pessoas no projeto. 64 Na chegada à Transamazônica, o INCRA fazia à recepeção aos colonos, no denominado – Alojamento – João Pezinho, Km. 23 da Rodovia, até serem transferidos para as suas casas nas Agovilas e nos lotes. Estas casas, no entanto, não foram feitas para todos os colonos, assim, eles foram obrigados a construirem os tapiris, barracos de barro, com cobertura, no telhado, com folhas de palmeiras e de açaizeiros, e nas laterais, com barro ou bambu; este tipo foi a forma residencial mais comum para os primeiros migrantes. A não construção das casas pelo INCRA se estendeu além do Km. 220; este “marco” faz parte da área do Km. 140 ao 220 da Rodovia Transamazônica, demarcado por esta Instituição como parte da administração do PIC/Altamira, área esta que a pesquisadora conheceu na época em que residiu no Lote 04, da Gleba 60, no Km. 158; também porque trabalhou como auxiliar social no INCRA, entre o Km 140 ao 180. Cabe ressaltar que o percurso de trabalho se estendeu, esporadicamente, em acompanhamento à Assistente Social, responsável pela área, até o Km. 220, onde se localizava um dos Escritórios do Incra, o outro localizava-se no 140. 65 Casas construídas de tronco de árvores, como alicerce, e de folhas de palmeiras regionais, como cobertura e fechamentos laterais, sendo o – assoalho -, de terra batida. 243 Foto 10 – II Tapiri da família do colono Zenaide Reis/Atividade do Projeto RONDON. Dentista Haroldo – de Uberlândia – em atendimento à Elaine da Silva Reis, janeiro de 1973. Fonte: Álbum de Família. Foto de Marisa II, assistente social do INCRA Para cultivar a terra, os instrumentos de trabalho mais utilizados foram o machado, a foice, o facão e a enxada, pois a maioria dessas famílias não tinha recurso financeiro para comprar uma motosserra para cortar a floresta primária66. A ajuda de custo para implantar as lavouras anuais – arroz, feijão, milho - era chamada de salário. Este “salário” tinha a finalidade de garantir a sobrevivência das famílias, por um período de seis meses, período este compreendido para se ter a primeira colheita; a partir daí, a reprodução da família seria com recursos próprios. A expressão monetária desse recurso oficial era insuficiente para as necessidades básicas da família, como a alimentação, acentuando-se ainda mais em relação àquelas da saúde, educação e processo produtivo das culturas. Nesse cenário, também outras necessidades não foram atendidas. Apesar dos créditos de custeio subsidiados e mesmo com a implantação do crédito, a partir de 1973, para as culturas perenes – como cacau e pimenta-do-reino -, os recursos alocados não eram suficientes para atender satisfatoriamente à implantação e manutenção das culturas e da 66 Motosserra é um tipo de máquina com potência para derrubar árvores de tamanho de médio e grande porte, necessárias no primeiro momento da colonização, mas só disponíveis, via crédito bancário, posteriormente, com os projetos de investimento em culturas perenes, e não faziam parte do crédito de custeio com as culturas anuais, para subsistência básica das famílias. 244 família, mesmo considerando que todos os membros da família participavam do processo produtivo. No trabalho, para garantir a sobrevivência, estava presente o sonho de se ter educação e outros direitos sociais, como saúde adequada, transportes, estrada, alimentação, tendo em vista que só existia, de infra-estrutura, o armazém da Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL) e os escritórios do INCRA e da Associação de Crédito e Assistência Rural do Estado do Pará (ACARPARÁ). As famílias foram distribuídas nas terras com módulos de 100 hectares, o que era atrativo para as expectativas da maioria; assim, essas famílias enfrentaram as dificuldades buscando alternativas para a permanência na terra, com o complemento alimentar da caça (mutum – galo do mato -, tatu, paca, cutia, macaco), da pesca (traíra, piranha, tucunaré, surubim) e das culturas temporárias (arroz, feijão, macaxeira e milho), além de hortaliças e fruteiras, que foram sendo introduzidas, como também, as originárias, cita-se o açaí, bacaba, cupuaçu, entre outras. A infra-estrutura mínima foi construída até o quilômetro 90 – hoje, município de Medicilândia -, lado oeste da Transamazônica. Do quilômetro l20 ao l40, na época era reserva florestal; na atualidade, apenas o lado sul tem essa característica. Do quilômetro 140 ao quilômetro 220, as famílias eram ligadas ao PIC-Altamira. As pessoas buscaram adaptar-se às condições adversas de uma região de fronteira para garantir a posse da terra e sua sobrevivência. O PIC de Altamira faz parte do I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), que estabelecia estratégias regionais para ocupação, com o lema “integrar para desenvolver”. 67 O INCRA manteve essa infra-estrutura insuficiente de serviços e não teve disponibilidade de verbas para construir as agrovilas no espaço citado, para viabilizar condições dignas de vida social para os agricultores. Dessa forma, nos primeiros anos e nos posteriores, só as famílias lotadas até o Km 90 usufruíram dessa precária infra-estrutura dos PICs (como as casas de madeira, escolas, posto de saúde – sem médico, dentista e enfermeira, profissionais existentes apenas na Agrópolis Brasil Bovo)68. Esta instituição, já no final da década de 1970, retirou-se, 67 Fazem parte, desse primeiro Plano, o Programa de Integração Nacional (PIN) e o Programa de redistribuição de Terras e de Estímulos à Agropecuária do Norte e do Nordeste (PROTERRA). 68 As agrovilas construídas na Rodovia Transamazônica, Trecho Altamira – Itaituba, foram de dez em dez quilômetros. A partir do município de Altamira, no sentido para o de Itaituba, foi construído um ponto de apoio às famílias recém-chegadas, denominado de – João Pezinho -, no Km. 20. Este constituía-se de um prédio de madeira, tipo alojamento provisório, com pequenos quartos para abrigar, cada um, toda a família até a mudança para as agrovilas ou para os lotes. Era similar a um abrigo para indigentes. As Agrovilas foram construídas, no espaço, à localização do Km. 40, do Km. 46 ( esta última, ao lado da Agrópolis Brasil Novo), hoje Município de Brasil Novo, a do Km. 60, a do km. 70, a do km. 80, “Nova Fronteira”, a do Km. 90, “Medicilândia”, hoje município, a do Km. 100, a do Km. 110 e a do Km. 115. 245 gradativamente, em função do redirecionamento das políticas públicas da União visando cumprir os acordos estabelecidos sobre as dívidas externas. Nesse contexto, é criado o II PND. O programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLAMAZÔNIA), em 1974, direciona-se à exploração de minerais e madeiras para a exportação. A saída de ações efetivas das instituições federais, como o INCRA e a CEPLAC, por meio de esvaziamento de verbas dessas instituições, assim também das estaduais, como a Empresa de Assistência e Extensão Rural (EMATER-PARÁ) e a política de exportação de matérias-primas caracterizam o abandono do Projeto e a emergência da crise para os agricultores.69 Além do isolamento das famílias ao longo da Rodovia Transamazônica, acentuando-se nas estradas vicinais – sem serviços de saúde, de educação, de assistência técnica satisfatórias -, a comercialização dos produtos por preço aviltante beneficiava os atravessadores, fatores que motivaram a saída de muitas famílias. Simultaneamente a essa saída, a migração espontânea acontece. Esses fatores marcam o nascimento de organizações populares, a partir dos trabalhadores do campo da Transamazônica, evidenciando também o esgotamento das políticas públicas para esse projeto de colonização. Para situar o cenário de contradição existente, toma-se os dados da educação tratada no projeto do governo, como bem registraram Pfiz (1999, p. 19) e Ribeiro, B. (2003, p. 29), destacando-se que nesse projeto de colonização foi prevista uma população de 250 habitantes por agrovila, sendo que 14 % deveriam ser de crianças em idade escolar; assim, cada escola teria o nº de 30 alunos. Mas, o planejamento para implantação das escolas foi inferior à demanda social, ficando 3.500 crianças sem escola, em 1971/72. É relevante registrar que mesmo as crianças que tiveram acesso às escolas, as dos lotes mais distantes enfrentavam caminhadas de cerca de 5 Km para chegar à escola da Agrovila, e as crianças das estradas vicinais, no espaço citado, a maioria ficou sem escola, pois estas “estradas”, em sua maioria, existiam em forma de picadas na mata70. 69 Os manuscritos de história de vida da agricultora Arlinda Reis (2006, p. 6), assinalam que tal afastamento, das instituições governamentais, ocorreu, mais ou menos, a partir de 1978. 70 As condições de acesso aos lotes localizados às margens das estradas vicinais, no início da colonização da Transamazônica eram – e muitos continuam sendo – de precárias condições, alguns, inclusive, até janeiro de 2002, não tinham abertura de estrada, como o assentamento Tutuí-Sul (Depoimento do professor deste assentamento, participante da Oficina para monitores do Projeto Alfa-Cidadã/PRONERA, em Altamira, ministrado pela pesquisadora, no campus da UFPA, em janeiro de 2002). Do Km. 140 ao Km. 220, sentido Altamira/Itaituba, a pesquisadora, auxiliar social do INCRA, no período de 1973 a 1974, acompanhada pelos “prefeitos” da área (técnicos agrícolas desta instituição), entrava regularmente nestas “estradas vicinais” para fazer o trabalho de campo – assessoramento junto às famílias recém chegadas. Os pais de família carregavam os instrumentos de trabalho e de sobrevivência mais pesados, enquanto as mulheres, os mais leves. Muitas famílias ficavam residindo nos chamados alojamentos do INCRA, mudando-se para os tapiris construídos nos lotes de 246 Contrapondo-se a esse cenário de descaso com as políticas públicas e com os colonos, Costa (1992); Gonçalves (2001), Hechem (2002) e Ribeiro (2003) mostram que o final da década de 1970, e durante as décadas de 1980 e 1990 no Pará, particularmente na Transamazônica, são períodos marcados pela organização dos agricultores, mediados pela orientação das pastorais católicas em defesa dos interesses dos camponeses, surgindo, primeiramente, as Delegacias Sindicais e, posteriormente, os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs). – Pontuando o caminhar do MPST em torno da formação em alternância O nascimento do Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica (MPST) constitui um momento de decisão acerca da importância da luta dos atores organizados por uma outra colonização (MPST, 1990). A transição da década de 1980 para a de 1990, com a participação de um conjunto de Sindicatos, destacando-se os STRs, e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Pará (SINTEPP), como também Cooperativas, Associações e Movimentos Sociais, representa, como assinalam RIBEIRO, B. (2003), Henchem (2002) e Hébette (1994, p. 2), um marco histórico nos campos do Pará, evidenciando este último autor, que “[...] toda reflexão sobre seu passado, seu presente e, acredita, sobre seu futuro, deve estar vinculada a essa dimensão histórica”. A organização inicial assentava-se na busca de resoluções de problemas imediatos face à situação de abandono, resultado da estagnação da política oficial, voltando-se, assim, para reivindicações de melhoria das estradas, crédito e transportes coletivos para escoamento da produção. No entanto, este coletivo, de agricultores da Transamazônica, tem entendimento numa dimensão social e política e suas ações de enfrentamento com os governos federal e estadual, em busca de outra política pública para a colonização, demonstram sua força de participação. A constituição desta organização social vai se aprofundando na Transamazônica em torno de uma luta geral que vai além do âmbito educacional daquela dos professores e da melhoria das estradas, ampliando-se e incluindo as dimensões de políticas públicas agrária, agrícola, econômica, de saúde, de transporte, entre outras. Isto representa uma mudança das “vizinhos” à margem da rodovia, e, posteriormente, para os seus. Os homens ocupavam primeiro, face às condições de inexistência de infra-estrutura. Apesar de tudo isso, muitas mulheres, acompanharam seus maridos 247 finalidades e no seu trato para com a agricultura familiar ali construída, um redirecionamento para as práticas institucionais na região. Ao promover encontros regionais da Transamazônica, o movimento discute os problemas percebidos, fazendo reivindicações, como também apresenta proposições para a sua resolução, isto na ordem de natureza socioeconômica, compreendendo que esta colonização, assim como – qualquer – outra política, é resultado de uma política pública que detém dimensões políticas, econômicas e culturais. A direção da política de colonização dos governos militares, à medida que foi constituída para amenizar as questões sociais de outras regiões, teve como pauta integrar a região amazônica no contexto do desenvolvimentismo, especificamente, com privilégios aos segmentos sociais que estavam à frente dos – grandes projetos” – agropecuários e minerometalúrgicos, assim secundarizando outros, como os agricultores familiares. Um dos corolários é o abandono da colonização na Amazônia. O MSPT se constitui em um contraponto a esta concepção e maneira de se fazer política pública; Gonçalves (2001); Hechem (2002) e Ribeiro (2003) assinalam que o documento, em forma de carta da Transamazônica, desse movimento resultou na primeira reflexão sobre a realidade desta colonização – abandonada pelo governo federal. Esse contexto contribuiu para que os atores sociais se mobilizassem, constituindo, assim, uma entidade em defesa do direito social de existência dessa região, enquanto projeto de vida socioeconômica das famílias camponesas, tendo como parceiros diversos profissionais. Entre estes, como ressalta Ribeiro (2003), os professores, que fizeram o elo de ligação entre o campo e a cidade no MPST, hoje MDTX, que tem como um dos objetivos viabilizar muitas ações de luta pela melhoria da agricultura familiar e da educação. A constituição do Movimento Social pela Sobrevivência da Transamazônica e sua ampliação são redefinidas, no final da década de 1990 (MONTEIRO, 1996; RIBEIRO, 2003), com o fortalecimento da luta e organização dos agricultores sob novas feições, contrapondo- se ao sindicalismo regulado pelos agentes do Estado, que declina, como destaca Costa, F. (2000 b, p. 97), com “[...] a assunção da FETAGRI pela oposição sindical, em 1997, após quase uma década de mobilização contra o sindicalismo oficial”. É a mobilização dos agricultores e suas organizações que constroem, em processo, um espaço político, materializando-se juridicamente, em 1990, como o MPST, visando uma perspectiva de integrar (MONTEIRO, 1996) para resolver os problemas conjunturais e para dar apoio e contribuir – desde a iniciação do processo de preparo do solo – para a formação da agricultura familiar na Amazônia, levando seus filhos. 248 imediatos, trazer mudanças (ALMEIDA, A., 1995) e para criar outra condição política. Este movimento, como analisa (RIBEIRO, B. p. 33), passa a existir dessas duas dimensões, e, acrescente-se, constitui-se como sujeito social contra-hegemônico que defende um projeto com identidade de pertencimento territorial, com legitimidade política da sociedade para movimentar-se na redefinição do planejamento regional, assentado nos fundamentos eco- agro-socioeconômicos do manejo racional dos recursos naturais. O Projeto da Colonização da Transamazônica, a partir da distribuição dos lotes de 100 hectares, representou uma forma contraditória de alocar os migrantes sem-terra, em relação aos demais projetos de desenvolvimento dos governos militares, uma vez que os outros projetos eram voltados para a dinâmica capitalista, com dependência tecnológica, e a agricultura era induzida a ser adotada de maneira passiva, com matrizes tecnológicas vindas de fora, sem condições para a adaptação ao clima tropical (COSTA, F. 2001, p. 291). Mesmo para a agricultura familiar, as culturas perenes introduzidas – monoculturas -, como cacau e pimenta-do-reino, tiveram (e têm) orientações da tecnologia mecânica/química, também construindo uma compartimentação social. Apesar dessa contradição, a região foi planejada para incorporar grandes propriedades, como as glebas de 500 hectares, localizadas nos fundos desses lotes, formando, assim, as fazendas empresas, como registra Hurtienne (1999). É nesta confluência de projetos para a Transamazônica que o MPST, como ator social representante dos agricultores da região, está numa encruzilhada de demandas, entre os grandes e os pequenos proprietários, tomando a iniciativa de optar, desde sua gênese, pela categoria dos pequenos, com o movimento dinâmico de uma região de fronteira que vai reivindicar e propor políticas públicas para a agricultura familiar. A falta de bases elementares de uma política pública de colonização com infra- estrutura, como estradas em bom estado para escoar a produção e preços de mercado equilibrados, representou uma crise para os agricultores (RIBEIRO, 2003). Assim, a constituição do MSPT nasce da crise criada pelos atores governamentais que não tinham compromisso com um projeto de agricultura familiar para a Transamazônica; é uma idéia e ação que renovam os projetos profissionais e a vida familiar sob as bases de posse e condições para reproduzir-se na terra. A trajetória do MPST e a sua articulação com outros movimentos para mudar a atuação deletéria do governo da União é que vão construir os denominados – Gritos da Amazônia -, a partir de 1990 e, posteriormente, tomando a dimensão nacional, com os – Gritos do Campo – e – Gritos da Terra Brasil -. São experiências dos movimentos sociais do campo que redefinem as políticas de crédito para o Norte, configurando mudanças nas 249 diretrizes de financiamento, tendo como resultado a ampliação do Programa Fundo Constitucional do Norte (FNO), para os pequenos agricultores com o FNO-Especial. Essas mobilizações, como afirma Costa (2000b, p. 99), mudaram o cenário das políticas públicas, pois [...] os Gritos deram rosto e voz aos camponeses, ensejaram, pois, a possibilidade de se constituir sujeitos, pois interlocutores do conjunto da sociedade, em um campo até então absolutamente reservado às elites: o campo das políticas públicas agrárias e agrícolas (COSTA, 2000b, p. 99). Em seus estudos sobre as políticas públicas para a Amazônia, Costa, F. (2002) identifica que essas foram gestadas sobre uma concepção fechada que compreende o desenvolvimento econômico, como portador de inovação, e os meios de produção e sistemas eco-socioeconômicos locais, como um estado de paralisação das atividades econômicas. Nesse sentido, são concebidos para o campo grandes projetos agropecuários, à base de maquinário e insumos químicos. Essas atividades empreendidas pelos empresários e fazendeiros – são - as que – trazem a inovação -, a modernidade; e as dos agricultores, como as tradicionais, que empreendem – uma baixa tecnologia -, o – subdesenvolvimento -, e portanto a – estagnação economia regional -. A trajetória do processo dos – Gritos – por um outro desenvolvimento para a Amazônia representa um posicionamento contra as políticas autoritárias do Estado, para a agricultura, com reivindicações e proposições nas dimensões sociais e econômicas, fazendo parte, de suas demandas, a questão da educação escolar e a formação de professores; assim, o movimento dos – Gritos – apoiou e reivindicou a regularização do Programa das Casas Familiares Rurais. O MPST indica este Programa como portador de um ensino que, ao mesmo tempo que vai trabalhar com o conhecimento científico – incorporando as inovações técnicas -, vai também trabalhar como instrumento para reunir e socializar o saber da tradição por meio dos agricultores da região. O documento destaca a importância de se “[...] repensar um novo modelo de desenvolvimento para a região que leva em consideração a tradição da agricultura familiar” (MPST, 1996, p. 11). Nesta afirmação evidencia-se a concepção do MPST em promover o diálogo entre os saberes da tradição e do conhecimento científico, como mediador e motivador para que os jovens realizarem as inovações na construção da socioeconomia regional. 250 É no contexto de busca por mudanças e de políticas públicas que o MPST se afirma como sujeito social, com legitimidade política, e atrai diversas responsabilidades sociais, como qualificação, organização e continuidade das articulações sociopolíticas, sendo necessário criar uma instituição para atender às demandas gerais e específicas – a Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP). A opção pela agricultura familiar, sob as bases agroecológicas, é uma das metas da Fundação, em observância às demandas da sociedade. A base propositiva do Programa de Formação em Alternância para a Transamazônica é o MPST, tendo presente a reivindicação desta educação escolar como ponto essencial na agenda de reivindicações com o governo, com o olhar reflexivo e crítico dos nexos orgânicos entre educação, trabalho e sustentabilidade, com a percepção da formação escolar em um projeto de desenvolvimento social. No processo de luta pelas políticas públicas para a região, a formação em alternância é uma conquista dos atores envolvidos nesse movimento, contribuindo ainda mais para que ganhassem visibilidade. Ribeiro, B. (2003) registra que, em junho de 1994, foi realizado o encontro promovido pelo Laboratório Agroecológico da Transamazônica (LAET/UFPA) e pelo MPST, “onde decidiu-se na presença do Coordenador do Programa de Cooperação do Governo Francês das CFRs pela implantação, na região, de uma experiência piloto do projeto [...]”. Registra ainda que neste mesmo ano foi dado início ao processo de reuniões e visitas às famílias de agricultores e a pesquisa participativa para levantamento das demandas para elaborar o Plano de Estudos, a partir dos temas que foram apontados pelos atores entrevistados. A participação do MPST, CEPLAC, SINTEPP, do LAET e da Cooperação Internacional franco-brasileira foi fundamental já no período inicial para construir o Projeto das CFRs. O entrelaçamento desses atores sociais convergiu para a implantação dessas Casas e a legitimidade do movimento social foi afirmada por meio de mobilizações para a expansão dessa formação. Também ocorreu a participação de outros movimentos nas lutas em torno das reivindicações por políticas públicas, em diversas áreas, como: agrária, educacional, saúde, agricultura, estrada e transporte. A região da Transamazônica foi colonizada pela União com incentivos do crédito subsidiado, primeiramente com as culturas anuais (arroz, milho e feijão) e, a partir de 1973, com as culturas de cacau e pimenta-do-reino, mas logo, no final da década de 1970, com o redirecionamento da política de incentivos, para a extração de minério, foi realizada a retirada parcial da Instituição administrador INCRA. Apesar desse contexto, os incentivos de créditos subsidiados continuaram em menor escala para a agricultura familiar, possibilitando, como assinala (HURTIENNE, 1999), a formação de sistemas produtivos mais complexos que 251 contribuíram para retardar a pressão sobre as florestas primárias, mesmo com a diminuição desses incentivos. Ocasionado assim, a trajetória diferenciada entre os agricultores da região, entre os que implantaram culturas perenes e os que, em áreas de solo não fértil, não tiveram o mesmo rendimento e, ainda, os que se limitaram ao cultivo das culturas anuais, também não tiveram o mesmo resultado (HURTIENNE, 1999). A retração das políticas governamentais, em relação aos serviços públicos, no caso, a agricultura, a desestruturação da extensão rural, a partir do Governo de Fernando Collor de Melo, 1990-1992, tendo como corolário um trabalho que não atendia às demandas dos agricultores, estava ainda embasado em pressupostos da – Revolução Verde -, exigiu, assim, a formação qualificada em agricultura dos filhos dos agricultores, com aportes agroecológicos. Desta forma, a permanência, simultaneamente ao declínio do Projeto de Colonização, foi um fator decisivo para o Movimento buscar técnicas agroecológicas para os sistemas de produção, convergindo para as ações coletivas dos – Gritos - e agendas construídas para esta problemática ser pauta das reuniões com os governos federal e estadual. Soma-se, a essa questão, a dificuldade da desconcentração da terra que influencia a sucessão familiar, pois a nupcialidade dos jovens conduz à constituição de novas famílias e mesmo os solteiros ficam sem garantia de ter sua terra. Estas questões, mais a preocupação com a incerteza de um futuro garantido aos jovens e ao da própria Transamazônica, são fatores fundamentais para a opção pela formação em alternância das CFRs que proporcionam uma qualificação em agricultura, modalidade não viabilizada pelo Estado. O MPST tem uma atuação destacada e tem também com seus parceiros a função de articular e defender uma educação que trata da formação dos jovens agricultores a partir de suas demandas. Com o declínio das instituições do Estado, a influência religiosa se fez sentir na região, como forma de incentivo à organização comunitária e de partidos políticos na estruturação sindical, que contribuíram para a afirmação da socioeconomia familiar (HÉBETTE, 2002; HECHEM, 2002; RIBEIRO, 2003). O cenário da colonização envolve mediações dos diversos atores por um lado e por outro. Como registra Ribeiro (2003), a combinação de elementos ambientais, econômicos, políticos e o nível de organização social, em torno dos projetos dos agricultores, constituem um conjunto de elementos importantes para acompreensão das trajetórias de acumulação diferenciadas, regionalmente, e a composição regional do MPST e sua opção pela formação dos jovens pelas CFRs. 252 O surgimento do MPST, em 1990, para discutir uma proposta favorável às demandas da agricultura familiar envolve a responsabilidade de redirecionar a colonização; nesta proposta, a educação escolar é projeto central, mediada pelos agricultores e trabalhadores em educação. Os agricultores produtores de cacau tiveram vantagens na acumulação de bens, tendo participação expressiva na organização do movimento social (RIBEIRO, 2003). A primeira CFR da Transamazônica foi implantada no município de Medicilândia, local onde foi criado este Movimento e teve um agricultor sindicalista como seu primeiro coordenador. A década de 1990 marca também a atuação do MPST em torno da mobilização para a conquista da política de Crédito Agrícola, sendo exigida a formação de Associações – muitas criadas de forma vertical por atores ligados ao governo – para a concretização do acesso ao crédito subsidiado por meio dos Projetos do Fundo Constitutucional do Norte (Programa FNO-Especial) 71, mais do que para o exercício de práticas associativistas. O luta do MSPT por um projeto de agricultura familiar, nas bases de uma gestão ambiental, inclui a dimensão educacional, como elemento vinculado à totalidade do projeto por outro desenvolvimento, que se defende para a Transamazônica. Como assinala Ribeiro (2003, p. 69), “[...] a opção do MPST pelo projeto CFR deu-se, em função da possibilidade de contribuição deste para a concretização do desenvolvimento local [...]”, visando também a que “ [...] os jovens retomassem o interesse pela agricultura”. A divulgação da proposta da CFR por meio do MPST, em parceria com o LAET, CEPLAC, envolveu palestras e visitas a várias instituições, por professores e estudantes de Pedagogia da UFPA, em vários municípios, a partir de setembro de 1994, tendo o movimento de Mecidilândia avançado na organização, recebendo o apoio do poder legislativo e executivo municipal, sendo implantada a 1ª CFR da Transamazônica nesse espaço, em março de 1995 - Caminhando pela sustentabilidade e educação na Amazônia paraense Contra a lógica neocolonial, implantada na Amazônia – com os grandes projetos -, o MDTX, continua a construir um novo cenário, mediado por mobilizações, reivindicações, 71 O Programa FNO é oriundo de recursos da União, e é aprovado pelos constituintes e previsto pela Constituição de 1988. A aprovação do FNO-Especial se dá posteriormente, por meio de lutas dos agricultores, sindicalistas e outros atores sociais ligados à Agricultura Familiar, como os “Gritos da Amazônia”. 253 proposições e por um projeto de desenvolvimento com característica de uso racional da natureza e com feições democráticas. Como afirma Costa, F. (2001), [...] uma proposta de desenvolvimento para a região que contemple as necessidades da construção de uma sociedade brasileira melhor em seu conjunto, deverá contribuir para a redução das desigualdades sociais como forma, inclusive, de ampliar a base do mercado regional para novos níveis de desenvolvimento do país como um todo (o que só é possível se apresentar eficiência econômica de longo prazo); deverá, igualmente, induzir à formação e à adoção de tecnologias adequadas às condições do trópico úmido e minimizar as tensões sobre a diversidade, contribuindo para a revelação de suas potencialidades enquanto um estoque de capital natural de realização futura compensadora [...] COSTA, F. (2001, p. 91-92). Pensar e propor políticas públicas que envolvam essas reflexões e que se assentem na participação democrática de todos os atores sociais em bases materializadas, necessitam, como propõe Costa (2001), ter as condições para sua viabilidade, que são políticas, econômicas e de formação de sujeitos sociais com capacidade de coordenar e executar tais propostas. Essas propostas necessitam estar ancoradas nos fundamentos éticos da sociedade sustentável – e na relação indissolúvel entre campo e cidade -, sendo que esses fundamentos são inerentes à sua eficiência social. Esse conjunto exige a interligação de atores coletivos, nos âmbitos econômico, político, cultural e ecológico, visando ir além dessas formas de produção que criam a insustentabilidade, pois, os dados censitários mostram, uma enorme diferença entre a rentabilidade liquida total por unidade de área – ou do Índice de Intensidade de Uso do solo – da produção camponesa em relação às outras formas de produção: R$ 142/ha, R$ 4l/ha e R$ 6/ha para, camponeses, fazendas e latifúndios empresariais. [...] A rentabilidade média para as atividades agrícolas baseadas em culturas permanentes se mostrou negativa tanto nas fazendas como nos latífúndios. Aqui se repete o que toda a experiência agrícola da região vem demonstrando desde a experiência da Ford Tapajós (COSTA,1993): a dificuldade da agricultura homogênea praticada por estes estabelecimentos confirma-se como sustentável na região e, isso posto, confirma-se também a importância da diversidade como fundamento da sustentabilidade (COSTA, 2001, p. 310). Construir, no sentido que Silva, L. H. (2003) registra, para se ter o suficiente para crescer social e economicamente de forma justa, é necessário se ter o conhecimento e 254 tecnologia para se apreender, da realidade social e da natureza, esses fatores que são articulados com uma perspectiva econômica, social e cultural mais ampla. Nesse sentido, novos conceitos se materializam por meio das ações, estratégias e escritos. As ações compreendem a autonomia para mobilizações, reivindicações, pauta de reunião na agenda dos governos; as estratégias correspondem ao alcance de mandatos políticos para reforçar o espaço local e regional público para representação dos agricultores familiares. Destacam-se como ativos atores políticos e preocupados com o cuidado com a biodiversidade (COSTA, 1998) : O restabelecimento da ordem democrática criou o ambiente político ao qual constituem-se novos sujeitos, capazes de, pelo caráter e urgência das suas demandas, estabelecer as tensões necessárias à formação de novas configurações do campo de C & T na região. [...] Entre esses, os que têm apresentado uma posição estrutural assentada em dinâmicas inovativas inusitadas, nem sempre compreendidas, são os camponeses de diversas matizes. [...] desde a implantação de um fruticultura tropical [...] até a pecuária leiteira de pequeno porte associada a sistemas de diversidade e sustentabilidade elevadas, passando por iniciativas diversas de valorização do produtos de origem, tanto extrativa como agrícolas (COSTA, 1998, p. 120- 121): . Neste sentido, os escritos desses atores aconteceram em forma de projetos, visando criar e usar racionalmente reservas de florestas, dar abertura à participação dos atores sociais; no âmbito da região da Transamazônica, a proposição é para um processo de redirecionamento das políticas públicas para a Amazônia, com bases em uma relação horizontal entre campo e cidade. Segundo os dados do Censo do IBGE, 2000, na região da Transamazônica existem quarenta e dois mil estabelecimentos de agricultores familiares, sendo que, destes, cerca de doze mil estão organizados em cooperativas, associações e sindicatos. O projeto para o desenvolvimento sustentável da Transamazônica do MDTX, em sua proposição, objetiva envolver quatro municípios, com cem famílias por município. As famílias envolvidas são as que estão localizadas há mais de 10 Km do eixo principal da rodovia Transamazônica, a fim de redirecionar “[...] a lógica do uso da terra, devendo evoluir da base exclusivamente agrícola para uma base agroextrativista que inibe a pressão sobre as florestas, valorizando os recursos atualmente desconhecidos” (FVPP, 2000). 255 Além do reordenamento fundiário e da agricultura familiar, com base agroecológica, as metas são voltadas para recuperar e aumentar a produtividade de áreas alteradas, introdução de espécies florestais e frutíferas regionais, em roças já existentes, preparo de áreas com práticas alternativas de uso do fogo, utilização sustentável das reservas legais, formação de um Conselho de Gestão, formação dos jovens agricultores por meio das CFRs, entre outros. Nessa perspectiva, o projeto destaca-se pela busca de cidadania e direitos sociais para a categoria dos agricultores trabalhadores do campo, tendo como título “O Fortalecimento da Produção Familiar e Contenção dos Desmatamentos da Transamazônica e Xingu: [...] pretende-se trabalhar três eixos principais: o reordenamento fundiário da região, a disseminação de práticas agroecológicas e a implementação de unidades de conservação entre o rio Amazonas e a Transamazônica às margens dos rios Xingu e Iriri. Como eixos transversais, os tópicos a serem trabalhados serão: agroindustrialização e comercialização; fortalecimento da capacitação dos produtores, assistência técnica e extensão rural; e integração da educação rural no desenvolvimento regional, baseado em Casas Familiares Rurais (CFRs), no ensino fundamental e médio e na formação em Ciências Agrárias em nível superior (MDTX/PROJETO REORDENAÇÃO FUNDIÁRIO, 2001, p. 1). Em um contexto social brasileiro, atual, em que a educação do campo compreende um universo de 57% de escolas, 16% dos alunos são de 5ª à 8ª série, com 48 mil escolas apenas com uma sala de aula (BENCINI, 2005), projetos e ações construídas a partir dos movimentos sociais constituem um cenário de avanço democrático porque reivindicam mudanças desse quadro social. Assim, atores organizados da sociedade civil, comprometidos com as camadas populares, trazem suas expressões para espaços públicos que, no processo histórico, na maioria das vezes foram-lhe negados. O MDTX é um desses atores, que assinala, simultaneamente, o compromisso com a sustentabilidade e com a educação escolar dos filhos dos agricultores. O projeto para um campo sustentável, desse movimento, tem como um dos pontos fundamentais o estímulo à educação dos filhos dos agricultores, e como base a formação em alternância, propondo a implantação das CFRs em 12 municípios envolvidos nesse projeto, para 2005/06. A partir dos documentos e ações desse movimento social na Transamazônica, é notável sua opção pela educação, como referência central que atenda aos interesses dos jovens rurais, por meio de uma formação substantivada pela integração entre disciplinas gerais e profissionais, com pretensões de ser ligada aos pressupostos da escola unitária pensada por Gramsci, valorizando as dimensões sociais, culturais e políticas e defendendo a incorporação 256 do saber local à escola, portanto, valorizando-o. No entanto, a origem dessas escolas é a Ação Católica Francesa, logo, diferente da proposição de Gramsci. Salvaguardar esta inserção pressupõe construir o saber coletivamente – professores e alunos -, de forma processual, que permita a reconstrução contínua, aprofundando esse saber como elemento que não é acabado e nem concebido a priori, mas sim ligado à dinâmica da realidade, que passa pela tradição local e é vinculado às dimensões da cultura geral e dos pressupostos profissionais (GRAMSCI, 2004). Nesta perspectiva, os agricultores, professores e jovens da Transamazônica trabalham com capacidade para decidir e não apenas seguir o ensino oficial – atual – – dado – ao campo pelo Estado. Como assinala Freire (2000, p. 94), os atores sociais, na tensão entre o ser e o não ser, reconhecem a situação de serem relegados à subcidadania e reagem, conscientemente, autenticando-se como sujeitos. A caminhada desses atores é feita ao longo de passos com os pés encharcados de barro ou o rosto coberto de poeira, que se acentua nas pálpebras, para ter condições dignas de trabalhar, estudar e viver. Objetivando a continuidade do funcionamento das CFRs, o MDTX buscou várias formas de diálogo com o governo do Estado do Pará, tendo resultados em forma de convênios de cooperação técnica e financeira por meio da Secretaria Estadual Executiva em Educação (SEDUC), e da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP)72. O MDTX, como movimento social, configura um ator que defende e propõe políticas sociais para os agricultores, compreendendo ações contra-hegemônicas as propostas do sistema dominante para a agricultura, repercutindo, em sua maioria, nos projetos e programas 72 A contrapartida do Estado do Pará no Projeto Consolidação da Produção Familiar Rural e Contenção dos Desmatamentos na Transamazônica e Baixo Xingu’, a ser executado pela Fundação em parceria com o BNDES, foi formalizada pelo Contrato nº 03.2.571.2.1, assinado em 24/10/2003 [...]”. O valor deste convênio é de R$ 3.258.0000.00 (Três milhões e duzentos e cinqüenta e oito mil reais). O diálogo continuou em busca de financiamento por meio do Projeto deste Movimento, com o BNDES e com o Estado e a busca pela regularização legal das CFRs. O BNDES repassou os recursos previstos em dezembro de 2004, no entanto, até o mês de outubro de 2005, a SEDUC/PA não repassou a contrapartida do financiamento. Este órgão adiou o repasse de recursos, fundamentando-se que a Associação Regional das Casas Familiares Rurais (ARCARFAR), parceira do projeto, tem questões pendentes de Prestação de Contas no Tribunal de Contas do Estado (Lídia e Jaci, Belém, entrevista em fevereiro de 2005). Entretanto, a Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP) é que será a gerenciadora dos recursos e não a ARCAFAR//NORTE72. Como Ribeiro (2003) afirma, a partir da elaboração do projeto das CFRs esta é identificada com o Projeto maior de desenvolvimento sustentável do MTDX e com atores políticos do PT; fatos que influenciam o governo do Estado do Pará – de outro partido, o Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB) não mais viabilizar o financiamento nem os procedimentos administrativos/burocráticos – em tempo normal – para a regulamentação das referidas Casas. Mesmo com o repasse da verba do BNDES, em dezembro de 2004, esse fato de a SEDUC não repassar os recursos para pagamento dos monitores trouxe problemas para a continuidade regular da formação em alternância. Tanto que a segunda turma da CFR de Uruará só foi iniciar suas atividades em 29 de setembro de 257 dos governos do Estado e da União. O Programa das Casas Familiares Rurais (CFRs) é parte constitutiva do Projeto de sustentabilidade na agricultura do MDTX, sendo considerado como a referência entre os projetos para o campo na região e o trabalho agroecológico dos agricultores. O MDTX mantém um ritmo contínuo de trabalho, desde levantamentos sobre as necessidades dos camponeses, das situações fundiária e ambiental, às mobilizações para reivindicações, que passam por estudos para se fazer proposições em defesa do território dos povos trabalhadores da Amazônia. A pauta temática dos agricultores organizados evidencia o princípio de responsabilidade com o trato das questões gerais, como as educacionais, ambientais, de planejamento de programas, que requerem ser sistematizados com compromissos éticos na esfera pública. São questões interligadas e necessárias para serem debatidas na esfera da sociedade política, considerando sempre as referências sociais. Esta dinâmica é materializada por meio do [...] esforço da sociedade organizada da região para tirar o oeste paraense do isolamento perante o restante do País, manteve a certeza de que este canto do Brasil a partir de tudo o que representa de potencial social, econômico, político e ambiental terá a chance de obter os investimentos necessários para consolidar o plano de desenvolvimento territorial tendo como eixos centrais as seguintes questões: I – Eletrificação rural; II – Saneamento e infra-estrutura para as cidades; III – Política fundiária, ambiental e florestal; IV – Asfaltamento das rodovias (BR-230 e BR-163); abertura e recuperação de estradas vicinais e rodovias estaduais (PAs); V – Crédito e Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER; VI – Cadeia produtiva e Verticalização da Produção; VII – Educação; VIII – Saúde; IX – Segurança Pública; X – Previdência Social 73 (SILVA, Marta, 2005, p.7). 2003, fazendo 12 tempos escola até fevereiro de 2005, paralisando novamente para a reforma do prédio – com a liberalização da verba do BNDES -, retomando-se as aulas só em 29 de setembro de 2005. 73 “Plano Amazônia Sustentável: proíbe a implantação de Projetos de Assentamentos que não sejam sustentáveis na Amazônia. No Congresso Nacional tramita a Lei que regulamentará a Gestão de Florestas Públicas e deve ficar pronta para efetivação em outubro de 2007. Ela já foi aprovada na Câmara e agora espera aprovação do Senado. [...] Georeferenciamento da Terras Públicas: iniciação pelas terras do Oeste do Pará. Diagnóstico fundiário.Titulação dos lotes. As áreas de Assentamentos, áreas de terras públicas de até 100 hectares, as situações constituídas (área autorizadas pelo poder publico acima de 100, de 500 até 3.000 mil hectares, com posse mansa e passiva as Superintendências Regionais estão autorizadas a titular. Depende apenas de vistorias e no INCRA tem recursos para vistoria. Obs. As áreas de 500 ha. serão revertidas para propriedades de 100 ha. e destiná-las para agricultura familiar”. SILVA, Marta Suely. A Transamazônica e BR – 163 Vão a Belém e Brasília! Relatório Final da Caravana da Transamazônica. Resultado das negociações ocorridas em Belém e Brasília com o Governo do Estado do Pará e Governo Federal entre os dias 28 de julho a 19 de agosto de 2005. ALTAMIRA, PA: Federação dos Trabalhadores na Agricultura – FETAGRI Regional Transamazônica e Xingu e Fundação Viver Produzir e Preservar FVPP), jul./ag. 2005. 258 A pauta de reivindicações apresentadas pelo MDTX e setores organizados da sociedade passa pela necessidade de elaboração e execução de programas no campo, que, tenham, em seus princípios, a sustentabilidade da Amazônia. Os pressupostos do Relatório da Caravana dos camponeses e sindincalistas da Transamazônica e Xingu à Brasília expressam a atualidade da questão da terra, ambiental, da floresta e das políticas sociais, embora se considere que as políticas públicas são mecanismos para atenuar os impactos socio-ambientais e econômicos, característicos da estrutura do sistema dominante e não têm capacidade por si só para realizar a transformação. O recorte, aqui destacado, é para as prioridades em educação, não que os outros eixos não sejam importantes. As idéias e ações desses atores da Amazônia evidenciam que suas vozes, em busca dos direitos sociais, não se calaram neste início de século. Tanto em nível regional, como em nacional, reivindicam o atendimento de suas necessidades básicas, mesmo em meio à realidade de dificuldades e tensões agrárias e de projetos diferentes para a região e sub- regiões. No âmbito da educação escolar, embora o MEC já tenha assumido como referências legislacionais as demandas dos movimentos sociais, na prática, em função das especificidades e disputas políticas partidárias nos Estados, o processo de implantação dessa legislação é lento. Segundo o documento da Caravana de atores que foram à Brasília (2005, p. 4), o representante oficial da educação da União informou da política diferenciada do Ministério que visa “ [...] – traçar mudanças estratégicas para fortalecimento da educação no campo”, capazes de abranger as carências locais e serem sentidas na prática. As necessidades das CFRs como também as das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), que se destacam pelo caráter de urgência, compreendem dois eixos: o legislacional visa à sua regulamentação oficial permanente, permitindo, assim, a emissão de certificação dos alunos concluintes e a regularização para prosseguir em nível médio; o outro, diz respeito ao financiamento público, que é fundamental para a vida da Escola, tanto para a manutenção, como para o pagamento do corpo docente, técnico e administrativo. Estes dois pontos concernem à base urgentíssima reivindicatória da Caravana, para que ocorra a continuidade dos estudos em Alternância pelos jovens camponeses, estudos que atendem às expectativas dos pais e alunos, conforme os depoimentos das entrevistas. O Relatório explicita que, apesar de haver recursos do FUNDEF, este é repassado para as Prefeituras, tendo em vista a não regulamentação programa das CFRs, fato que impede o 259 recebimento direto dos recursos públicos, por parte da ARCARFAR e ou da FVPP. Existe uma movimentação dos atores sociais, envolvendo articulações com o MEC e com o Governo do Estado do Pará, no sentido de viabilizar a médio e longo prazo a regulamentação desta experiência pedagógica.74 74 No âmbito da União, via Ministério da Educação/SECAD/Coordenação da Educação do Campo, havia disponibilidade de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) para, em média de quatro meses, ser realizada uma pesquisa nacional sobre a realidade das experiências educativas em Pedagogia da Alternância, visando sistematizar dados quantitativos e qualitativos dessa formação, e subsidiar a análise do Conselho Nacional de Educação, para que este possa se posicionar (SILVA, M.S., 2005). Até fevereiro de 2006, esta pesquisa não tinha sido realizada (Informação via telefone, QUEIROZ, 2006). No âmbito do governo do Pará, foram previstas reuniões, para agosto de 2005, entre SEDUC/FVPP e Assessoria Jurídica, com o fito de resolver pendências de prestação de contas e elaboração de um termo de compromisso do Convênio 004/SEDUC/FVPP, objetivando dar andamento à regulamentação e liberação de recursos. Foi acordado, na reunião, que o governo do Estado realizaria concurso público, previsto para o final de setembro de 2005, com o objetivo de contratar professores para as CFRs, a partir do início de 2006. Até junho de 2006, o concurso ainda não foi realizado. Este ocorreu no mês de julho de 2006. Este Relatório também registra a discussão junto à SEDUC, quanto à demanda por CFRs, na BR-163, Santarém/Cuiabá. O Projeto das escolas familiares oferece manual de orientação para as Prefeituras, com o fim de dar suporte, por meio de modelo, à construção física desse tipo de escola, para ensino fundamental e médio. Nessa perspectiva, a Pedagogia de Alternância será trabalhada para tornar-se uma política pública educacional no Estado do Pará. 260 CAPÍTULO 5. Programa das Casas Familiares Rurais: a Casa Familiar Rural de Uruará – (CFRU) construindo a formação em educação básica Mapa 1 – Mapa Sobre a Localização do Município de Uruará. Fonte: Dissertação de Beatriz Figueiredo, apresentada ao NAEA/UFPA, 2003. Foto 11 – Vista panorâmica de uma rua de um bairro popular de Uruará/PA. Fonte: Neila Reis. Pesquisa de Campo, fev. 2005. 261 5.1 A CFRU: um retrato de sua trajetória de implantação Foto 12 – Alojamento da Casa Familiar de Uruará antes da atual Reforma/Monitor Damião Silva. Fonte: Neila Reis. Pesquisa de Campo, jul. 2003. Na perspectiva de inter-relacionar a educação escolar com a sociedade local, como um trabalho educativo que contribui para a construção da cidadania em uma realidade do campo que é parte integrativa de uma realidade maior, da qual faz parte também a cidade – num contexto político-econômico em curso – buscando a lógica do mercado, é que se situam as CFRs. Dados de pesquisa oficial apontam que, no campo, a possibilidade de acesso dos jovens à educação escolar é difícil, com atendimento de apenas 4,5% dos jovens de 15 a l7 anos (REFERÊNCIAS/MEC, 2004). Em meio a este cenário, as CFRs se estruturam e objetivam realizar uma formação integral, de caráter geral e profissional, destinada aos jovens do campo. No município de Uruará, o início da discussão, em torno da CFR, para divulgação da proposta ocorreu a partir de l99475, motivando a criação da Associação de Agricultores, em maio de 1995, visando em breve à sua implantação; no entanto, por divergências políticas esta ocorreu só em abril de 2000. 75 Ata de reunião para Formação da Associação da Casa Família Rural de Uruará, de 2 de março de 1996. 262 A iniciativa partiu do MPST, atualmente, MDTX. Também participaram o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Uruará, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), a ARCARFAR-NORTE, e os atores sociais ligados à Igreja Católica, que atuavam e ainda atuam nessa região, visando atender às demandas dos camponeses e de seus filhos. Defendem a educação voltada para a agricultura familiar, tendo em vista a ausência de uma educação oficial com essas características. A Casa Familiar de Uruará localiza-se no município de Uruará, do lado oeste da Rodovia Transamazônica, no Estado do Pará, no Km 185 sul, distando 5 Km da sede do município, no sentido para Itaituba. Uruará faz parte da região de fronteira da Transamazônica. O município foi criado em 1987 e tem uma população de cerca de 58.979 habitantes, com 70% de habitantes no campo e 30%, na cidade, em uma área76 de 10.791 km277. É cortado pela Rodovia Transamazônica – BR 230 -, no sentido leste-oeste, com a organização das estradas vicinais ou travessões – de 5 em 5 quilômetros, nos sentidos norte – sul e sul – norte, em forma de – espinha de peixe -; nesse espaço, essa rodovia é a única via de locomoção.78 76 A partir da implantação do PIC-ATM I, em 1972, a estrutura fundiária de Uruará se constitui de módulos agrícolas – em sua maioria -, com cerca de 3.740 lotes de 100 hectares, 186 lotes de 500 hectares e 27 lotes de 3000 hectares, totalizando 3.953 estabelecimentos agrícolas. Próximo à sede do município vem ocorrendo uma ação de subdivisão desses estabelecimentos em forma de chácaras. Fonte: Pesquisa de Campo: Prefeitura Municipal, CEPLAC, INCRA em Uruará e Belém, 2005. É relevante registrar que esse processo faz parte de um processo maior de concentração de terras, em que as famílias mais abastadas e empresários estão aumentando sua áreas por meio da compra de lotes de 100 hectares, circunvizinhos. Também empresários do sul e Centro – Oeste estão chegando, comprando os lotes dos agricultores e implantando a monocultura da soja. 77 O município de Uruará tem 5 Projetos de Assentamento (PAS): Assentamento Rio do Peixe, com 26.234.000 hectares, 228 famílias assentadas, não tituladas, com vagas para mais 32 famílias. O Assentamento Uirapuru, com 18.900,000, 228 famílias assentadas, não tituladas, com vagas para mais 24 família. O Assentamento Tutuí- Sul, com 16.000,000, 139 famílias assentadas, não tituladas, com vagas para mais 61 famílias. O Assentamento Rio Trairão, com 17.000,000, 157 famílias assentadas, não tituladas, tendo o excedente de sete famílias. O Assentamento Tutuí Norte, com 28.000,000, 336 famílias, com vagas para mais cinco famílias. MDA/INCRA/SD. Quadro Demonstrativo sobre Área do projeto. Capacidade de Assentamento, nº de famílias, tituladas, nº de vagas e excedentes nos projetos de reforma agrária. Belém, PA: INCRA, 2003. 78 A base da economia do município é a agricultura, com as culturas de arroz, feijão, milho, mandioca, banana, cupuaçu, citros, coco, café, pimenta-do-reino, cacau, madeira. A pecuária está presente com cerca de 240.000 hectares de pastagens artificiais, com rebanho de mais de 1.000.000 de cabeças de gado de corte e mais de 10.000 cabeças de gado de leite. A educação obedece ao contexto da centralização, com a Secretaria de Educação do Estado (SEDUC) administrando a maior parte das escolas. A rede municipal complementa a rede estadual e atende basicamente ao ensino fundamental – 1ª à 4ª série, com 8.204 alunos, – com 5 escolas na cidade, com 4.272 e 73 escolas no campo, com 3.932 alunos. Também atende a 599 alunos em nível de EJA. A rede particular funciona com o Instituto Agrícola da Transamazônica (IATAI), ensino fundamental, Km 152, com 160 alunos, 100 alunos com recursos particulares e 60 com recursos da Prefeitura Municipal de Uruará; a Escola Adventista na sede, em nível fundamental, funciona do maternal à 7ª série. A escola Sistema Objetivo de Ensino atende a 69 alunos em nível fundamental e 85 em nível médio. O Instituto de Educação La Salle, com ensino fundamental e médio. Em nível superior, existe um núcleo da Universidade Vale do Acaraú (UVA), e outro, da Universidade Federal do Pará (UFPA). 263 Sua força social, política e econômica é oriunda da agricultura familiar, predominando as culturas perenes de cacau e pimenta-do-reino; e as anuais de arroz, milho e feijão. O município é decorrente do marco inicial de relações de produção de caráter capitalista na região, por meio dos Projetos de Colonização, visando a um desenvolvimento que articulasse os projetos agrícolas e pecuários subsidiados e com intensificação da produção à base do modelo da homogeneidade das culturas. A Casa Familiar de Uruará é uma instituição educativa que privilegia os princípios da autonomia, da alternância entre o tempo escola e o tempo comunidade/família. Propõe-se a utilizar e adaptar os instrumentos pedagógicos das Maisons Familiales, considerando a realidade local, o envolvimento da família, o da associação, e o do campo sustentável para realizar uma formação integral que ligue os aspectos geral e técnico. No caso da Transamazônica, o MDTX foi o principal responsável pela criação das CFRs na região, em conjunto com o SINTEP, setores da Igreja Católica, pesquisadores e professores do Campus Universitário da Universidade Federal do Pará, técnicos da CEPLAC e agricultores, trazendo a problematização das políticas públicas na discussão para o desenvolvimento do campo, entre uma dessas políticas, a questão da educação dessa região, com a defasagem de escolas e a ausência destas em muitas estradas vicinais, fazendo reivindicações e apresentando a proposta de uma escola que procurasse atender às necessidades dos jovens trabalhadores: Eu tive a felicidade de acompanhar desde o início toda essa caminhada de expansão das CFRs, hoje me parece que são l6 ou l7 Casas funcionando no Estado do Pará79. Amanhã terá a inauguração da CFR em Capitão Poço. O último dos oito seminários regionais para construção da política estadual, assistência técnica e rural – que é uma proposta assim de construção compartilhada com as organizações e a sociedade -, no encerramento do evento, o pessoal da Fundação Viver, Produzir e Preservar pediu que a coordenação daquele evento autorizasse que eles fizessem a entrega de 7 veículos Hilux novos para as CFRs. São a parte de um projeto maior da Fundação junto com o BNDES. Eu me emocionei porque olho para trás e esse trabalho, eu tive a felicidade, junto com a colega Marizete, de elaborar a primeira versão desse projeto, lá atrás, há cinco, seis anos. Estão entregando agora três Casas dessas doze desse projeto de onze milhões de reais, só a parte do BNDES. E nós sabemos da dificuldade que isso apresentou porque o Banco se propõe a financiar, mas as condições era de que o governo do Estado fizesse a contrapartida. O BNDES financiou essa infra-estrutura, e para ter Existem dois hospitais, um particular e uma unidade mista da Secretaria de Estado e Saúde Pública (SESPA), com um médico, mas faltam instrumentos, limitando-se a consultas e primeiros socorros. Fonte: Prefeitura de Uruará. 79 O documento – via email – da Coordenação da ARCAFAR, enviado em outubro de 2005, afirma que estão em funcionamento 14 CFRs: “[...] Cametá, Conceição do Araguaia, Santa Maria das Barreiras, Gurupá, Óbidos (Mocambo Pauxi e Arapucu), Santarém, Medicilândia, Tucuruí, São Félix do Xingu, Mocajuba, Baião, Igarapé- Miri, Cachoeira do Arari e Capitão Poço”. 264 funcionalidade caberia ao Estado fazer isso, garantindo a contratação dos monitores e a manutenção das Casas. Aí que a coisa complicou, porque no governo anterior não saiu80. No mandato atual foi uma ameaça de paralisação. São três Casas que estão sendo entregues agora. Você vê, são pessoas simples que estão construindo esta educação; não são doutores, que é a lógica da sociedade. E você tem pessoas nessas organizações populares que estão à frente dessa iniciativa. Você tem esses jovens que a curto e médio prazo venham a ser o elo fundamental no trabalho de Desenvolvimento Rural, pois é um trabalho que vai qualificando com o tempo (ARI, 2005). A ênfase sobre a articulação formação geral, profissional e o desenvolvimento sustentável está presente tanto no Projeto Político-pedagógico, como nos relatórios e nas vozes dos atores que constroem as CFRs da Transamazônica, resultando da vivência nos movimentos sociais pelo fortalecimento da agricultura familiar. As primeiras discussões para divulgação dessas Casas foram iniciadas, de maneira geral, nos municípios, em 199481, para em breve se ter a sua implantação, mas em Uruará, as dificuldades foram diversas. Apesar da formação da Associação dos Pais, tendo, como presidente provisório, o secretário desta, senhor Lourival Muller, assumindo o cargo efetivo em junho de 199682, por meio de eleição direta, – uma exigência para o funcionamento da formação em alternância -, esta implantação só ocorreu em 10 de abril de 2000. 80 Governo do Pará: anterior, de Almir Gabriel, atual de Simão Robson Jatene, ambos do PSDB. 81 Entre os documentos encontrados na CFR de Uruará, se têm as atas das primeiras reuniões de divulgação, ocorridas no mês de novembro de 1995. No dia l2 de novembro, a reunião para divulgação com pais ocorreu no Km 170 sul, a vinte quilômetros da Rodovia Transamazônica, participando 25 pais, coordenada pela professora Zita Pfiz. No dia 12 de novembro, no Km 165, à margem da rodovia Transamazônica, na sede da Escola Nossa Senhora da Paz, com a participação de 47 pais. No dia 25 de novembro de 1995, na escola Uruará, Km 175-sul, a 8 Km da Rodovia, com a participação de 20 pais. A reunião do dia 26 de novembro, sobre a divulgação das CFRs, ocorreu no Km 190 norte, na Escola Santo Irmão Benildo, com a presença de 20 pais. A reunião do dia 10 de dezembro de 1995 ocorreu no Km 190-sul, com a presença de 46 pais. A reunião do dia 16 de dezembro ocorreu na vicinal do Km 180-sul, com a participação de 08 pais. No dia 17 de dezembro de 1995, a reunião aconteceu no Km 175-norte, na sede da Comunidade Nossa Senhora do Carmo, com a presença de 22 pais. 82 A ata de Fundação da Associação da Casa Familiar Rural de Uruará, de 07 de junho de 1996, registra a assembléia, no Centro de Formação La Salle, com a presença de agricultores, de mães e sob a coordenação do senhor Leônidas Martins, representante do MSPT, que deu início aos trabalhos para confirmar a vontade desses atores em formar a referida associação. Após a leitura dos XXVI artigos do estatuto foi realizada a eleição para a coordenação dessa organização, sendo: Presidente, o senhor Lourival Muller (165/N), vice-presidente, a senhora Clotilde da Rosa, secretário-geral, o senhor Reginaldo Miguel da Silva e demais membros do Conselho Fiscal e suplentes, com mandato de 3 anos. Este documento assinala a decisão dos 32 agricultores (as) presentes sobre o espaço físico ideal para funcionar a CFR de Uruará, optando pelo terreno da prefeitura, às margens da Rodovia Transamazônica, entrada da vicinal do Km 185-sul. Para tanto, seria feita a solicitação ao prefeito municipal de uma área de cerca de 2 a 5 hectares. A Ata da Assembléia Geral da Associação Casa Familiar Rural de Uruará, de 19 de fevereiro de 1999, registra a eleição da nova diretoria, na pessoa do senhor Milton Silvino da Silva, como presidente, e a senhora Cleusa Rodrigues Dias como vice. A ata da Associação da casa Familiar Rural de Uruará, de 16 de maio de 2000, registra que o senhor Nilton Silvino da Silva pede licença do cargo da presidência e também o secretário, senhor Reginaldo Miguel da Silva para concorrerem às eleições municipais. A vice-presidente, senhora Cleusa, não aceita assumir a presidência da Associação, sendo indicada a associada, senhora Clotilde da Rosa, que já exercia a coordenação da Casa – criada pela prefeitura – sendo indicada para assumir a presidência. Por problemas de desvio de verbas, a senhora Clotilde é afastada da presidência e o senhor Nilton volta a assumir este cargo. 265 Em 1996 foi legalizada a Associação, e a prefeitura, na gestão do prefeito Jailson Rocha Brandão, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), fez a doação do terreno para a construção do prédio, com apoio da Câmara Municipal, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, da EMBRAPA, das Cooperativas, entre outras instituições. O recurso para construção da CFRU foi oriundo do Ministério de Agricultura (MA), com verba do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), sendo a gerenciadora dos recursos a Prefeitura Municipal de Uruará. Em função das divergências de concepções e disputas políticas das lideranças, acentuando-se com a eleição de uma dessas lideranças ao executivo municipal, pois era contrária ao Movimento Social pela Sobrevivência da Transamazônica, aprofundaram-se os entraves. A trajetória entre 1996 e 2000 foi de impasses políticos partidários, resultando o primeiro no afastamento do Sindicato dos Trabalhadores (STR) de Uruará, visto que não se articulou com a gestão centralizadora da Prefeitura, e o segundo, em razão da articulação do executivo para monopolizar a gestão da CFR. Esse processo passa pela criação de uma coordenação da Prefeitura para dar andamento na implantação, culminando por assumir legalmente a presidência da associação de agricultores em função do afastamento do presidente para concorrer às eleições. Nessa trajetória, a implantação da CFR de Uruará sofreu descontinuidades para viabilizar uma formação em tempo integral e relacional com as famílias, por conta da desarticulação entre os atores do movimento social (MDTX), e das organizações, como o STRU, a Associação Casa Familiar de Uruará, a ARCAFAR e a FVPP, outros atores institucionais, como a Prefeitura e políticos. Esse impasse inviabilizou um trabalho de conjunto e, nos primeiros anos, a participação efetiva das famílias, legando, assim, aos monitores um envolvimento direto, de caráter administrativo e pedagógico na condução do processo em curso, para garantir a formação dos jovens, fazendo parceria com as famílias e a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Apesar dos conflitos das lideranças, gerando a problemática relacional e financeira na CFR de Uruará e o retardamento de sua implantação e operacionalidade, a formação dos jovens da primeira turma foi realizada considerando os princípios de Alternância das Maisons, com responsabilidade social. A responsabilidade dos monitores com os jovens é manifestada por meio de carta aos pais: 266 [...] tomamos a decisão conjunta de pararmos nossas atividades no meio desta Semana de Alternância, não por rebeldia, por fazer greve, mas por respeito ao seu filho e ao senhor e senhora, pois não podemos dar uma formação sem compromisso e temos a responsabilidade de construirmos uma educação decente. A situação que vivemos está afetando nossas atividades profissionais e nossas famílias. O fato de dependermos de salário nos coloca em situação muito difícil no município. Nenhum de nós três tem a quem recorrer nesta hora difícil, e a muito tempo não estamos conseguindo cumprir com nossos compromissos particulares e financeiros [...] (RIKER; ABENALDI; SILVA, 2001, p.2). A carta dos monitores, enviada às famílias e às instituições locais, revela as dificuldades vivenciadas não só pelos monitores, alunos e pais, mas pela própria ARCARFAR e o Movimento Social na condução do processo para regularização das CFRs, e, de operacionalidade, também, o descaso de atores institucionais com a problemática do trabalhador da educação, em relação à questão salarial. Acrescente-se que, no processo de sua produção profissional e pessoal, existe a necessidade social de recursos financeirosa para reproduzir sua existência dignamente. Esta problemática não se desdobra só para os professores, mas para a formação em tempo hábil dos jovens, ocasionando, no mínimo, a defasagem de tempo na formação que influencia sua vida profissional e familiar. Visando a uma sinalização para garantir o funcionamento legal que, por si só, traz decorrências sociais à materialidade da formação, a ARCAFAR83 busca, incansavelmente, o financiamento para as CFRs, tendo em vista que o recurso financeiro é um dos pilares básicos para o funcionamento das escolas. Nessa intenção, visitas e reuniões foram articuladas, além de elaboração de documentos de natureza reivindicatória, como cartas, para o reconhecimento legal, de forma institucional e coletiva. 5.2 Uma leitura sobre o Projeto Político Pedagógico O Projeto Político Pedagógico da CFR de Uruará tem como um de seus objetivos realizar uma formação geral e profissional integrada, elevando a escolarização dos alunos, 83 “[...] A questão legal das CFRs, elas estão contempladas nos artigos 23 e 24 da LDB. Foi a partir dos artigos 23 e 24 que a Secretaria e o Conselho de Educação do Estado do Pará autorizou o funcionamento das CFRs. Todas as Casas em funcionamento para ensino fundamental e médio têm o parecer; e o processo definitivo de reconhecimento estava na Câmara Técnica do Conselho Estadual de Educação para a aprovação final. Têm algumas questões legais que a gente precisa cumprir” (LÍVIO, 2005; informação via telefone, mar. 2006). 267 fundamentada na concepção de educação como ato para desenvolver a capacidade reflexiva do jovem e em consonância com as demandas da agricultura familiar: Proporcionar uma formação humana e profissional para o exercício da cidadania, através da Pedagogia da Alternância, onde o princípio básico é a integração entre o conhecimento do mundo do produtor rural com o saber científico, visando à preparação dos jovens agricultores para serem agentes de transformação do campo, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população rural do município de Uruará numa visão de desenvolvimento sustentável integrado. Estimular os processos de mudanças na produção familiar, nos campos técnicos, econômico e social, possibilitando aos jovens alunos e pais da CFR/Uruará conhecimentos e habilidades que lhes dêem condições de melhorar a sua qualidade de vida (CASA FAMILIAR RURAL DE URUARÁ/PPP., 2004, p. 10-11). É nesta perspectiva que o currículo é construído a partir da realidade dos alunos, visando à realização de uma aprendizagem significativa, que incorpora as experiências de trabalho nas unidades familiares, procurando articulá-las com o conhecimento científico de diversas áreas e, assim, tomar a formação em alternância como um instrumento para conduzir o aluno no cenário profissional da agricultura familiar. Os princípios da educação da CFR de Uruará, contidos no Projeto Político Pedagógico (2004), são considerados como pontos de embasamento desta, similares às raízes de uma árvore que tira a seiva da terra – os conhecimentos -, nutrindo a escola para que esta tenha flores – os resultados. Estes princípios objetivam o desenvolvimento de uma relação pedagógica democrática entre monitores e alunos, tendo como centro o sujeito que aprende, especialmente aqueles princípios concebidos para a integração dos saberes tradicionais e científicos, à medida que essa pedagogia “[...] é uma alternativa para um dos sérios problemas da escola tradicional: a separação entre o ambiente familiar e a vida escolar, entre pais e filhos; entre trabalho e estudo; entre prática e teoria” (PPPCFRU, 2004, p. 4). No PPPCFRU, o trabalho pedagógico é integrado, assim, o tempo é distribuído em: período de estudo na instituição de formação: momento onde os jovens aprendem as disciplinas teóricas e experimentam práticas agrícolas possíveis de serem aplicadas na propriedade familiar e comunidade. O regime de internato permite aos jovens experiências de cooperação e vivência comunitária, em vista da formação global, a partir da realidade dos próprios jovens (CASA FAMILIAR RURAL DE URUARÁ/PPP. 2004, p. 9). 268 Na perspectiva do documento, a formação por meio da alternância possibilita a efetivação da ligação dos conteúdos escolares com os saberes dos pais, além de envolver os pais no levantamento das questões técnicas problematizadas em função das exigências surgidas em cada atividade desenvolvida nas culturas agrícolas, no retorno do conhecimento já sistematizado pelos estudos científicos, assim como na relação com a vida social. O respeito da articulação prática e teoria, mediada pelo Tempo Escola e o Tempo Comunidade, é proposição que a integração seja considerada como elemento embasador para uma educação escolar que visa promover a agricultura familiar. O documento enfatiza não só esta reciprocidade, como também o significado da formação em alternância da CFR, esta compreendida para orientar os alunos a conduzir-se na vida profissional. O ponto de partida para o sistema integrado teoria e prática é a unidade familiar; assim, esta é concebida como base para a construção do conhecimento. Este princípio é compreendido no contexto do movimento das partes para o todo e do todo para as partes, envolvendo o processo ação/teoria/ação. Defende-se a partida de ida da realidade desta unidade familiar para se chegar ao conhecimento da realidade da comunidade, mais ampla, e a da volta para se ter a apreensão do movimento e das interligações e implicações, pois, se defende a perspectiva da formação escolar que conduza o jovem para ter a capacidade de entender o mundo, organizar seu pensamento e mover-se nas relações sociais. Assim, a formação que contribua para o jovem não se encantar pelo não compreendido, como assinala (ADORNO, 1995) [...] com o abandono do pensamento – que, em sua figura coisificada como matemática, máquina, organização, se vinga dos homens dele esquecidos – o esclarecimento abdicou de sua própria realização. Ao disciplinar tudo o que é único e individual, ele permitiu que o todo não-compreendido se voltasse, enquanto dominação das coisas, contra o ser e a consciência dos homens. Mas uma verdadeira práxis revolucionária depende da intransigência da teoria em face da inconsciência com que a sociedade deixa que o pensamento se enrijeça. Não são as condições materiais da satisfação nem a técnica deixada à solta enquanto tal, que a colocam em questão. [...] A culpa é da ofuscação em que está mergulhada a sociedade. [...] Enquanto órgão de semelhante adaptação, enquanto mera construção de meios, o esclarecimento é tão destrutivo como o acusam seus inimigos românticos. Ele só se reencontrará consigo mesmo quando renunciar ao último acordo com esses inimigos e tiver ousadia de superar o falso absoluto que o princípio da dominação cega [...] (ADORNO, 1995, p. 50-51), 269 Este princípio da proposta curricular da CFRU é, essencial para uma formação que tenha como perspectiva o esclarecimento, no sentido democrático, para a vida social, e não o de cunho autoritário, como se compreende ser os pressupostos do esclarecimento da pedagogia moderna. Outro princípio que embasa a prática educativa da CFU é o [...] da Formação Integral. Permite as formações integrais da pessoa, levando em consideração as dimensões intelectual-profissional, humano-social e ético-espiritual. Este aspecto e seu detalhamento encontram-se contemplados na Pedagogia da Alternância em consonância com a LDB (CASA FAMILIAR RURAL DE URUARÁ,/PPP., 2004, p.9). Concernente a este princípio, a educação consiste em um processo de formação do indivíduo inserido na vida produtiva familiar e social, por meio de uma relação orgânica entre as dimensões do conhecimento intelectual e manual. Nesta perspectiva, na concepção do documento, a educação das CFRs ultrapassa o ambiente da escola, alcançando uma dimensão fundamental nos âmbitos profissional e pessoal do aluno agricultor. Como afirma Arruda (2003) [...] trata-se da apropriação da educação como relação de mútuo ensino e de aprendizagem e como caminho da construção de sujeitos históricos. A educação da práxis ultrapassa os conceitos meramente funcionais ou estruturais de educação. Reconhece a transmissão de informações e de habilidades como elementos indispensáveis do processo educativo. Porém crítica a redução da educação a estes aspectos e a toda concepção e prática educativa que fragmenta o ser humano em vez de os integrar, tanto no plano teórico como no prático (ARRUDA, 2003, p. 244). Ao referir-se à dimensão intelectual/profissional, este princípio de formação integral, mesmo sem mencionar diretamente, trata da relação indissociável entre educação e trabalho; assim, procura dimensionar para os alunos a importância do trabalho no campo, compreendendo todos os aspectos da vida dos jovens, visando amenizar a dicotomia entre trabalho intelectual e manual na sociedade atual. 270 Buscando essa perspectiva, o documento considera o princípio do Desenvolvimento Sustentável, estimando que a agricultura camponesa é portadora de uma base ecológica, defendendo princípios agroecológicos, apoiada por movimentos sociais e pesquisadores que convergem com o paradigma contra-hegemônico que motiva o manejo do agroecosistema para garantir a vida, de forma sustentável e não centrada para o mercado. Assim, a sustentabilidade é um conceito desenvolvido internacionalmente para assinalar que o desenvolvimento não pode se obtido a partir da exploração desenfreada de recursos, sejam eles naturais ou humanos. Também não pode se basear exclusivamente, na abordagem econômica. Educação é fundamental para solidificar um conhecimento que garanta recursos humanos capazes de sustentar na prática os princípios da produção familiar (CASA FAMILIAR DE URUARÁ, 2004, p.9). Na fundamentação deste princípio, o documento defende a educação das CFRs em sentido amplo e específico, compreendendo a interligação com outras dimensões da realidade, e, nestes pressupostos, a preocupação e o envolvimento da educação em alternância com as questões ambientais e humanas. Este documento delineia traços em defesa do desenvolvimento que assegure condições de reprodução da vida humana e da natureza, ensejando relações sociais não exploratórias e educativas que formem o jovem para intervir concretamente em sua realidade. A intencionalidade de uma formação integral, embasada nos princípios da alternância, é mediada pelos instrumentos pedagógicos que constituem os meios para materializar os objetivos fins desta formação. Um desses instrumentos é o projeto profissional do jovem agricultor84, previsto pela ARCAFAR/NORTE (2001) para o último ano de estudos, após os estudos técnicos na CFR. Esta formação, assentada na relação prática/teoria/prática, possibilita as ferramentas para a motivação dos projetos, em que a realização parte da demanda do aluno, como iniciativa individual. A criação dessa expectativa se deu em torno da obtenção de financiamento por meio do PRONAF, mas não aconteceu para os jovens alunos de Uruará. Odilon afirma, em relação aos projetos, que dois alunos implantaram Projetos de Apicultura, assim como houve e há 84 A informação recebida, via email, por Lívio (2005) “[...] estamos encaminhando a nossa demanda de jovens egressos das CFRs e os que estão no último ano na CFR, pois o recurso está nos bancos para que os mesmos possam acessar, mediante a apresentação do seu projeto profissional”. Em 25 de outubro de 2005. 271 aulas práticas sobre técnicas de tratos culturais sobre as culturas perenes e anuais, manejo dos recursos naturais, como adubação orgânica com os resíduos da casca do cacau, que podem ser identificados como propostas que se materializaram em elo com a proposta das CFRs e, esta, como uma referência para o campo sustentável proposto pelo MDTX. No intento de realizar uma formação humana integral, capacitada e envolvida com a reprodução socioeconômica para dar continuidade à lógica da agricultura familiar, como prevê este princípio educativo – defensor do desenvolvimento sustentável -, ela necessita estar ancorada na tarefa, assinalada por Santos, B. (2005, p. 53), que [...] é formular modos de pensamento e de ação tão ambiciosos em termos de escala, ou seja, que sejam capazes de pensar e atuar em escala local, regional, nacional e até mesmo global, dependendo das necessidades das iniciativas concretas. Para isso, é preciso passar da imagem da comunidade como uma coletividade fechada e estática para uma imagem de uma comunidade como uma entidade viva e dinâmica, aberta simultaneamente ao contato e à solidariedade com outras comunidades [...]. No campo da produção, a fragilidade das alternativas existentes torna necessária a articulação destas entre si – em condições que devem ser negociadas para evitar a cooptação e o desaparecimento de alternativas -, com o Estado e com o setor capitalista da economia. Esta articulação em economias plurais em diferentes escalas que não desvirtuem as alternativas não capitalistas é o desafio central que enfrentam, hoje, movimentos e organizações de todo o tipo que procuram um desenvolvimento alternativo (SANTOS, B. 2005, p. 53). Considera-se que o lugar social da educação não se limita ao espaço escolar, pois é pertinente à sua territorialidade e está ligado com às outras dimensões deste espaço: social, cultural, econômico, ecológico e político. Assim, ao tratar das alternativas do desenvolvimento, em orientações gerais e no que tange à articulação entre local, nacional e global, Santos atenta para a importância das experiências em projetos de economias não capitalistas. Neste sentido, é de se associar a relevância eco-socioeconômica dos sistemas de produção das unidades familiares da Transamazônica e a CFR de Uruará como Projeto para os filhos dos camponeses destas unidades. O pensamento deste autor contribui com a reflexão para a prática educativa em alternância, uma vez que não dissocia a relação orgânica entre educação, trabalho e desenvolvimento agro-eco-socioeconômico. Neste sentido, o caminho construído pela CFR de Uruará vem mostrando a relevância da formação em alternância como lócus para as demandas dos alunos e seus pais e também fontes para o projeto de desenvolvimento da agricultura familiar, pois é uma 272 formação reconhecida pelo movimento social, como base estratégica para a relação educação e sustentabilidade se afirmar no contexto da escola. A educação escolar em alternância, voltada para a sustentabilidade, necessariamente, na perspectiva que assinala Germano para a Universidade (2004, p. 10), também “[...] não deve prescindir em seus princípios, de combate ao conhecimento instrumental e à técnico- ciência produzidos sem considerações éticas, deve propugnar, para que o know-how técnico se subordine ao know-how ético”. Na intencionalidade de não dissociar os conteúdos teóricos e práticos, integrando-os – com ética – às esferas da vida humana, é reforçado no Projeto Político Pedagógico/CFR (2004, p. 11), para esta formação em alternância, a não instrumentalização: Considerando a difícil situação em que estamos vivenciando com relação às nossas instituições de Assistência Técnica, e preocupados com a situação da Agricultura Familiar, os movimentos sociais vêem a oportunidade de através da Educação Rural, baseada na Pedagogia da Alternância e na formação integral das pessoas, possibilitarem às mesmas, serem sujeitos de sua própria formação, e comprometidas com o desenvolvimento sustentável, incluindo- se como parte desse meio, sua família, sua comunidade [...] O princípio do fortalecimento da agricultura familiar, defendido pelas CFRs, é embasado na agroecologia, contrapondo-se ao modelo convencional de agricultura, que prioriza a prática das monoculturas, os insumos mecânicos/químicos e o mercado e, assim, desconsidera a realidade dinâmica da ecologia. Este princípio move a articulação dos temas geradores e a lógica da formação em alternância. Esta formação, nos termos dos seus princípios, é voltada para as várias dimensões da realidade, dando importância à relação democrática no processo formativo que se compromete a ser integral. Assim, se faz a leitura de que a escola CFR pretende ser embasada em formações organizativas, técnicas e profissionais, com valores éticos, afetivos, ecológicos, para além da cidadania burguesa, para que o aluno venha a ser ator social atuante, destacando- se na práxis social. Este destaque envolve uma dimensão política e pedagógica em que o aluno vai construindo também um processo educativo, aptos a reagir nas situações diversas das relações sociais, concebendo-se que a escola não é só livros, cadernos e canetas; é também o roçado, é também os instrumentos de trabalho, é a vida em seu redor. Isto tem um significado no trabalho educativo para que o aluno tenha a compreensão da importância da agricultura familiar, como projeto de vida e aja nas esferas da vida cotidiana e não cotidiana. 273 O princípio da autonomia é enfatizado no documento como “[...] forma de gestão democrática, solidária e participativa, onde os atores principais do processo devem ser o jovem, a família, a comunidade e as organizações para consolidação da Associação e do desenvolvimento local” (CFR de Uruará, 2004, p. 9). Este princípio valoriza o coletivo, tendo em vista que sinaliza para a importância da formação organizativa e a participação de pais e alunos na Associação dos Agricultores da Casa Familiar Rural de Uruará. Esta associação detém a coordenação da gestão compartilhada entre a própria Associação e a Casa Familiar enquanto escola. Este princípio é próximo ao da Associação, que é [...] concebida como uma entidade de caráter formal, organizativo, associativo, jurídico, econômico e de gestão democrática. Também deverá colaborar na implementação do ‘Projeto Educativo’, através do Plano de Formação da CFRU [...]” (CASA FAMILIAR DE URUARÁ/PPP, 2004, p. 9). O princípio da autonomia é ligado ao aspecto econômico, – concebendo este em inter- relação com os demais aspectos da realidade social -, apesar de não estar mencionado no Projeto Político Pedagógico, uma vez que defende a afirmação da agricultura familiar e do desenvolvimento, paradigmas que não são dissociados dos processos produtivos e educativos, que envolvem as dimensões ecológica, econômica e social. – Sobre a organização curricular O processo de construção da organização curricular das CFRs, em geral, é dinâmico, sendo compreendido na forma de construção e reconstrução, tendo como ponto de partida os temas geradores, com a participação dos monitores, das famílias e dos alunos. A concepção do processo de formação em alternância da CFR de Uruará visa à produção e socialização de conhecimentos articulados com as experiências sociais de trabalho e de vida dos alunos. A referência principal para problematizar a formação é a Transamazônica, nas dimensões econômicas, sociais, culturais, ecológicas da agricultura familiar, entre outras, como ponto de partida e de chegada na formação. Visando alcançar um dos significados que a alternância pode possibilitar: [...] a Alternância, em comparação com a escola tradicional, inverte a ordem dos processos, colocando em primeiro lugar o sujeito que aprende, suas experiências e seus conhecimentos, e, em segundo lugar, o programa. O jovem ou o adulto em formação não é mais, neste caso, um aluno que recebe um saber exterior, mas um 274 ator socioprofissional que busca e que constrói seu próprio saber. Ele é sujeito de sua formação, ele é produtor de seu próprio saber (GIMONET, 1999a, p. 45). As disciplinas de formação geral do ensino regular e disciplinas relativas às atividades agropecuárias – de maneira interligada – em seu currículo constituem um dos pilares da proposta pedagógica dessa Casa Familiar, visando oferecer as condições adequadas para uma qualificação em agricultura, com perspectiva de incentivar a permanência desse jovem no campo. Como assinala Silva, Maria (2003), a expectativa é para a escola se constituir um instrumento ou uma das formas para este jovem se fixar no campo, manter os vínculos com a família e a terra e, assim, contribuir para o fortalecimento da agricultura familiar (PPP da CFR de Uruará, 2004), contrapondo-se ao modelo convencional praticado na agricultura brasileira. Neste sentido, os pressupostos dessa proposta de educação visam formar para o trabalho e para a cooperação familiar85. A articulação entre os conteúdos técnicos e gerais é mediada pelo Plano Geral de Formação, constituindo-se este instrumento pedagógico pelo conjunto dos demais instrumentos, como o Plano de Estudo, com a proposição de serem trabalhados com base no processo produtivo. Nos termos do documento do Projeto Político Pedagógico, os planos devem considerar as experiências dos alunos, com perspectiva de compreensão científica das matérias técnicas e de conteúdo geral. Assim, o Plano diz respeito aos temas sobre agricultura, pecuária, meio ambiente, saúde, solos, organizações rurais, administração e planejamento da Propriedade, além dos temas gerais. É a partir de temas profissionalizantes que são trabalhados os conteúdos das disciplinas de formação geral do ensino fundamental de 5ª à 8ª série. Estes temas são organizados no plano de formação, podendo ser definidos como o currículo das escolas, onde são planejadas as atividades ligadas à agricultura e aos conteúdos de formação geral, como Matemática, Português, Ciências, História, Geografia e Artes. A organização curricular é assim apresentada: Eixo Vegetal – culturas anuais e culturas perenes -, fruticultura, horticultura. Eixo Animal: Bovinocultura, Piscicultura, Suinocultura, Avicultura, Apicultura. Eixo humano: Administração e Planejamento da 85 Considera-se a importância da formação em alternância concebida pelos sistema CEFFAs, mas não se pensa que a formação é instrumento para solucionar os problemas da agricultura familiar em sua totalidade, tendo em vista que esses problemas são construídos desde o processo da colonização e na lógica da modernização agropecuária. São problemas ligados em outras dimensões da estrutura social e – qualquer - educação escolar, é claro, não resolve sozinha; o tratamento passa por esta, como uma das alavancas que conduz às transformações da vida social. 275 Propriedade e Saúde. Conteúdos diversos: Solos, Organizações Rurais e Recursos Naturais foram definidos em pesquisas participativas nos municípios onde já estão em funcionamento as CFRs. Estes temas poderão ser enriquecidos para atender às especificidades reveladas nas pesquisas participativas dos novos municípios inseridos no programa de implantação das CFRs do Estado do Pará, constituindo para as CFRs a organização curricular (ARCAFAR/PPP, s/d; CASA FAMILIAR RURAL DE URUARÁ/PPP, 2004). Conforme quadro 10. 276 Primeiro Ano Segundo ano Terceiro Ano Milho Pimenta-do-Reino Cacau Feijão Café Horticultura Horticultura Fruticultura Fruticultura Bovinos Bovinos Piscicultura Administração e Planejamento Avicultura Suinocultura Saúde Administração e Planejamento Apicultura Solos Saúde Administração e Planejamento Recursos Naturais Solos Saúde Organizações Rurais Solos Recursos Naturais Temas Gerais Primeiro ano Segundo Ano Terceiro Ano Matemática Matemática Matemática Português Português Português História História História Geografia Geografia Geografia Ciência Ciência Ciência Religião Religião Religião Esportes Esportes Esportes Educação Artística Educação Artística Educação Artística C.H. teórica: 650 650 650 CH. Prática 936 936 936 Total: 1.586 1.586 1.586 Quadro 10 – Síntese da Organização Curricular CFR /Uruará – Temas Profissionalizantes Fonte: CFR de Uruará, dezembro de 2004. Pesquisa de Campo, fevereiro de 2005. Este projeto curricular da CFR de Uruará é organizado para a formação de 5ª à 8ª série, compreendendo um período de três anos, tendo, em cada ano, o total de l3 semanas na CFR e 39 semanas na família. O funcionamento é organizado em regime de semi-internato, com a perspectiva da alternância integrada entre as atividades escolares, – com 1 semana – no Tempo Escola, e as práticas, – com 2 semanas – no Tempo Familiar. As disciplinas do currículo profissional compreendem as dimensões do trabalho manual e intelectual, no sentido técnico, para fazer as ligações com as disciplinas gerais. Com base nos princípios educativos defendidos no PPP, os monitores tentam articular, metodologicamente, a organização do ensino para um processo de formação e de capacitação, formação esta mais específica às culturas agrícolas trabalhadas e aos métodos e técnicas para o desenvolvimento do processo produtivo nas unidades familiares. O princípio da alternância consiste em fazer o elo entre o Tempo Escola e o Tempo Família, sendo estes tempos o eixo orgânico na formação das CFRs. 277 Os princípios estão combinados entre si e tratam da relação educação e desenvolvimento, e podem ser observados nessa proposta curricular e pedagógica, para ser trabalhada na interação entre os processos de educação individuais, intencionando a organização coletiva dos jovens agricultores num futuro próximo, por meio da Associação e da organização cooperativa. A gestão democrática é uma forma de exercício da participação tanto na Associação dos Agricultores, como na CFR. O Tempo Comunidade para as CFRs compreende, em geral, as atividades que serão desenvolvidas pelo jovem nas unidades de produção familiar, por meio do Plano de Estudo, com a realização de trabalhos de caráter científico, por meio de pesquisas e aplicação prática, considerando a realidade das atividades agrícola, extrativa, de pesca e pecuária. O ponto de partida, como assinalam Silva, L.H (2003); Estevam (2003), é o levantamento dos problemas e das demandas da unidade produtiva, à base de discussão com a família e monitores, por meio do Plano de estudos e de visitas desses monitores para resolver as questões técnicas. Esse movimento relacional tem a perspectiva de aproximar CFR e famílias. A problemática técnica e do desenvolvimento da agricultura envolve o eixo central da relação contínua aluno/pai/monitor. Neste sentido, o tempo da escola é o momento dos estudos técnicos/científicos em relação à compreensão das demandas trazidas pelas atividades dos projetos e do trabalho prático desenvolvido pelos alunos e pelos pais. Os conteúdos de caráter profissional vão sendo trabalhados em interligação com os de caráter geral, como Matemática, Física, Química, sendo necessário que estes sejam trabalhados com a realidade local. Nessa relação, para a constituição do Plano de Formação, as disciplinas gerais são incorporadas sob a coordenação do monitor, com assessoramento de outros profissionais. No tempo de estudos na unidade familiar, o aluno busca, por meio do Plano de Estudos, realizar as atividades práticas e de pesquisa de acordo com as experiências em agricultura ou pecuária desenvolvidas no sistema produtivo. A base para este trabalho consiste no levantamento das atividades de cada cultura ou atividade em pecuária, apontando os problemas e dúvidas para serem discutidos com a família e, posteriormente, na CFR. São previstas, para este tempo, visitas sistemáticas dos monitores para orientação e acompanhamento das atividades práticas. O tempo de estudos na CFR de Uruará é destinado às atividades teóricas para compreensão sistematizada das culturas, nos eixos técnicos/científicos, de acordo com o levantamento das questões observadas no processo de produção, com base no Plano de Estudo. Nesse tempo, as atividades educativas são desenvolvidas nos aspectos das questões levantadas em cada cultura, em relação aos conteúdos de Matemática, Português e diversos 278 outros que deverão ser associados para a compreensão do aluno. Neste sentido, os conteúdos das disciplinas gerais são incorporados aos temas específicos. Este tempo da escola concerne à realização dos estudos do período antecedente ao que o aluno esteve nas unidades familiares, mas também é de construção do Plano de Estudo da próxima alternância nestas unidades, carecendo ser embasado nas atividades que estão sendo desenvolvidas naquele momento no processo de produção. A orientação é assentada nos questionamentos que envolvem os aportes técnicos, com a participação da família. Dessa forma, os conteúdos curriculares estão ligados às experiências dos alunos, e esse fator motiva- os para a participação nas etapas do processo ensino/aprendizagem. A formação ligada à realidade social dos alunos é relevante socialmente e se completa com as reflexões do conhecimento universal, como aponta Apple “[...] é possível combinar currículos e ensino socialmente justos com uma ênfase na cultura popular dos alunos e ao mesmo tempo não ignorar o conhecimento dominante, que é o capital cultural dos poderosos [...]”(2001, p.162 ). – Percorrendo os instrumentos pedagógicos O Programa das CFRs tem uma característica em comum, que é a metodologia específica mediada pelos temas geradores. A pesquisa participativa é o instrumento primeiro utilizado pelas CFRs, abrindo e possibilitando o elo entre os saberes da tradição e o conhecimento científico, tendo como objetivo geral conhecer as atividades socioeconômicas das unidades familiares e assim buscar elementos para os temas geradores que serão trabalhados na formação em alternância. Constitui-se, assim, na forma de um inventário sobre a realidade do campo (FETAGRI, 2003), porque abrange diversas informações sobre os sistemas produtivos e podem reunir também as modificações e introduções de culturas e atividades diversas na agricultura familiar, as quais, se atualizadas e trabalhadas continuamente por meio dos outros instrumentos, consolidarão um documento com características de um censo sobre a agricultura familiar na Transamazônica. O Plano Geral ou Plano de Formação no Projeto Político Pedagógico das CFRs e dos CEFFAs é concebido pela Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Norte (FETAGRI et alli, 2003, p. 08) como “[...] instrumento facilitador dos processos educativos que visam à aprendizagem contextualizada, de conhecimentos gerais e específicos, e o desenvolvimento pedagógico em diferentes situações educativas”. Este Plano é central para os estudos, 279 reunindo o conjunto dos instrumentos pedagógicos que serão processados para serem materializados no trabalho educativo durante os Tempos Escola e Família/Comunidade, todos os conteúdos que se pretende desenvolver, plano esse que é ponto de partida para as demais atividades. Assim, os Planos de Estudos são construídos individual e coletivamente pelos alunos, sob a orientação dos monitores, a partir do planejamento dos temas geradores para a abordagem específica, por meio de um roteiro de pesquisa para a realização de entrevista, já definido, a priori, no Plano de Formação, com perspectivas de ligar as disciplinas específicas com a parte geral, e vice-versa. O caderno de Alternância ou Caderno da Empresa constitui o instrumento pedagógico significativo para a prática educativa, tendo em vista que possibilita as anotações das atividades do aluno no processo socioprodutivo e as questões não resolvidas nestas atividades técnicas/práticas para serem discutidas no Tempo Escola subseqüente. Para materializar esse processo pedagógico, os monitores e alunos elaboram, na última aula na Casa, o Plano de Estudos, que consiste em questões relativas a um tema gerador para fazer a pesquisa de campo no lote familiar ou de vizinhos, ou ainda na Vila, para subsidiar a próxima discussão – a socialização em comum – no primeiro dia da sessão escola. Esse plano, assim como os demais instrumentos pedagógicos, tem um caráter dinâmico, se os dados pesquisados forem operacionalizados na prática, de forma contínua e organizacional. Constituem um instrumento que traz a diversidade dos saberes e informações da família, sejam da tradição ou como elementos da agricultura convencional que esses atores detêm, face às orientações recebidas das instituições de pesquisa e extensão rural. A colocação em comum possibilita a socialização das informações obtidas pelos alunos e é o momento de reunir e sistematizar esses dados para a escolha do tema gerador a ser pesquisado no Tempo Família e problematizado no Tempo Escola. É o momento em que o jovem agricultor conhece as experiências dos colegas e de outras famílias, aprofundando seus conhecimentos. A discussão dos alunos e a exposição dialogada dos monitores possibilitam a intersecção com o conhecimento científico e a aprendizagem dos jovens com conteúdos técnicos. As Fichas pedagógicas constituem outro instrumento pedagógico considerado pelas CFRs como o material didático que substitui o livro didático, contendo orientações/sugestões que auxiliam os trabalhos teórico-práticos e conduzem ao vínculo com as disciplinas gerais e específicas. Este referencial associado com o Plano de Estudos e o Caderno da Realidade dos alunos formam um instrumental fundamental para a sistematização dos dados, em termos 280 quantitativos e qualitativos para a construção de textos, vídeos e livros sobre o contexto cultural, econômico, ecológico e agronômico da agricultura familiar. Constitui, assim, o Projeto das CFRs como uma escola que está voltada para as dimensões da realidade local e regional e não uma escola alheia ao contexto histórico-social. As visitas às unidades familiares constituem outro recurso pedagógico que é potencializado pelas observações, anotações e aulas teórico/práticas, envolvendo os alunos e os pais no tempo comunidade. Os estudos e debates no Tempo Escola proporcionam a compreensão dos temas abordados e de reflexão sobre os novos temas pesquisados, como as inovações tecnológicas – de cunho orgânico – para as culturas agrícolas. Outras formas pedagógicas são propostas da formação alternância, como as coletivas, por meio de Dias de Campo, estágios e visitas às instituições de pesquisa e técnicas ligadas às atividades agropecuárias. 5.3 Uma abordagem sobre o cenário da CFRU As atividades gerais e específicas da CFR de Uruará são embasadas pela Associação de Famílias dos Agricultores de Uruará, que tem representatividade jurídica, com um Conselho constituído por l8 membros, sendo um presidente e um vice-presidente, um secretário, um tesoureiro, três membros do Conselho Fiscal, três suplentes deste Conselho e oito conselheiros gerais. Essa associação estabelece em seu estatuto todas as responsabilidades: financeira, administrativa e funcional da CFR, com autonomia para realizar convênios e trabalhos de natureza de cooperação financeira e técnica/científica. Os seu membros têm legalidade para participar deliberativamente na condução do processo sociopedagógico da instituição. A CFR de Uruará é mantida pelos esforços das famílias, responsáveis por parte da alimentação, transporte, material didático, roupa de cama e banho. A Prefeitura Municipal e o Governo do Estado, em períodos alternados, foram e são responsáveis pelo salário dos monitores. Os convênios estabelecidos entre a ARCARFAR/FVPP/BNDES/SEDUC-PA constituem a base de manutenção da infra-estrutura atual, para a reconstrução do prédio escolar, construção de Malocas para atividades de oficinas pedagógicas e culturais, e aquisição de veículos e equipamentos permanentes para o funcionamento da escola. 281 O termo monitor tem suas raízes na denominação dada ao professor pelas Maisons Familiales, constituindo para os atores não só uma denominação diferente, como uma função social, além do repasse do conhecimento. O quadro, na época da pesquisa de campo – fevereiro de 2005 – era constituído por três monitores (dois técnicos agropecuários e um pedagogo), ressaltando-se que durante a formação da primeira turma compôs o quadro pedagógico um engenheiro agrônomo. Na reinauguração da CFR, em 17 de setembro de 2005, foram incorporados professores do município, pela Secretaria Municipal de Educação, nas disciplinas de História e Geografia. A perspectiva de atuação dos monitores vai além do espaço CFR e unidades familiares, compreendendo o envolvimento nos eventos de caráter técnico, científico, cultural e social promovidos pelas instituições educativas e econômicas do município. São 17 as famílias de agricultores86 pais dos alunos da CFRU, detentoras da posse da terra, com área média de 100 hectares. Os seus lotes, em sua maioria, localizam-se nas estradas vicinais que cortam a Rodovia Transamazônica. Dezessete também é o universo dos alunos, na faixa etária de l4 a 20 anos, tendo como atividade socioprodutiva a agricultura familiar, compondo uma força de trabalho ativa nas unidades familiares e obtendo, cada família, uma renda mensal média de R$ 700,00 (Setecentos reais), no ano de 2005 (ODILON, fev. 2005). O princípio de autonomia envolve uma dimensão sociopolítica coletiva, a associação, com categorias de participação qualificada e uma forma de gestão democrática, solidária, onde os atores principais do processo devem ser os jovens, a família, os monitores, a comunidade e as organizações representativas dos beneficiários atuantes na construção e consolidação da Associação de Agricultores e de um campo sustentável local e regionalmente. É relevante citar que a autonomia eco-agro-socioeconômica e política é relativa perante a sociabilidade capitalista; só é possível se forem respeitados os direitos sociais, acompanhada do processo social orgânico entre indivíduo, natureza e sociedade e forem superadas as atuais formas da cidadania burguesa. Considerando esses pressupostos – associação e autonomia – e também a importância da organização social mais abrangente, os atores das experiências em Alternância no Pará – EFAs e CFRs – constituíram uma instituição conjunta, os CEFFAs, para redimensionarem 86 A informação sobre o universo de 17 alunos que freqüentavam a 2ª turma da CFRU, na época do início da reforma do seu prédio, fevereiro de 2005, foi fornecida, tanto pelos monitores, como pelos alunos entrevistados, em fevereiro de 2005. A lista de alunos desta segunda turma, enviada pela coordenação da CFRU, em outubro de 2005, via email, contém um número de 68 alunos matriculados. As fotos do professor, na capa deste trabalho, com os alunos mostra qual é o universo destes jovens . 282 suas ações em prol do reconhecimento legal perante o Estado do Pará, nos âmbitos da Secretaria Executiva de Educação e Cultura (SEDUC) e Conselho Estadual de Educação (CEE). Outro ponto para afirmação do princípio associativo é a relação de poder em nível coletivo e horizontal, visando à participação qualificada da família no processo de gestão – que é necessária ser partilhada, – para não ser apenas concordância – passiva – com as decisões dos gestores nas assembléias. Outro elemento democrático, previsto no Projeto Político Pedagógico, é a abertura às diversas formas de participação dos pais, seja no acompanhamento do tempo intra-escolar, seja em atividades extra-escolares, como visitas e intercâmbios. Se esses momentos forem trabalhados com oficinas de cultura, de pesquisa, e de esporte e lazer retomarão, na prática, a intencionalidade prevista nesse projeto. 5.4 Folheando os cadernos dos alunos da CFRU: a diversidade de temas e de saberes locais Figura 2 – Cadernos de alunos das turmas primeira e segunda da CFRU, entre 2000 e 2004. Fonte: Pesquisa de campo, fevereiro de 2005. Face à pouca documentação existente, na sede da CFR de Uruará, sobre os instrumentos pedagógicos trabalhados e visando conhecer os temas discutidos, optou-se por buscar tais documentos junto aos entrevistados. O documento a que se teve acesso é o caderno de acompanhamento dos ex-alunos da 1ª turma e dos alunos da 2ª turma que estão ainda cursando, sendo os registros dos cadernos aqueles relativos ao roteiro de pesquisa do Plano de 283 Estudos, efetivado no Tempo Escola, por meio de temas geradores das culturas agrícolas. Esses temas trabalhados pelos monitores, de forma comprometida com as questões de pesquisa sobre o trabalho agrícola, de modo que nas disciplinas gerais, como a Matemática, foram feitas as conexões com a realidade das unidades produtivas, com atividades de análise e cálculo sobre o sistema de medidas de área. - A cultura do feijão como tema gerador No Tempo Escola, na aula do dia 2 de maio de 2000, foi abordado o Plano de Estudos que continha o Tema Gerador sobre a cultura do feijão. As entrevistas feitas pelos alunos com os pais e vizinhos permitiram o debate e aprofundamento científico sobre essa cultura. As respostas no caderno de Nero (2000) apresentam informações substantivas sobre as experiências com essa cultura, trabalhadas pelo agricultor entrevistado e familiares, como a importância de seu cultivo, para a própria alimentação, sendo o produto excedente destinado à comercialização. Outro ponto de informação importante nesse caderno diz respeito às práticas culturais utilizadas pelos agricultores na Transamazônica, baseadas no preparo da terra, por meio da capina manual e do roçado de facão na vegetação secundária, chamada popularmente de capoeira ou juquira. Outras práticas da tradição dos agricultores que emergem nas anotações do caderno de Nero (2000, p. 22), situam a recomendação do tempo apropriado para o plantio do feijão, que é feito no mês de abril, com a sugestão do entrevistado para observar a “lua crescente [...] porque ele produz mais”. Em relação às técnicas utilizadas para o cultivo, esse agricultor afirma que é por meio “de abafar ou plantar”, utilizando um espaçamento regular, e fazendo as covas de 50 centímetros. A variedade que mais ele utiliza é a conhecida como feijão carioca. Afirma que faz o plantio com a técnica de “ [...] abafar porque é mais difícil de dar pragas, com 4 sementes por cova”. Afirma que esta técnica dá uma rentabilidade, em uma roça de 4 tarefas, de “ [...] três a quatro sacas [...]“87. Registra que as pragas e doenças que atacam a essa planta é chamada pelos agricultores de “lesmas”.88 O armazenamento do feijão é feito em garrafões e sacas apropriadas. 87 As sacas são, em geral, de 60 Kg. 88 A lesma é um tipo de molusco que ataca o feijão. 284 No caderno estudado, na aula do Tempo Escola, do dia 3 de maio de 2000, consta um exercício que trata da função da planta, contendo e abrangendo a discussão sobre a raiz, as flores, as sementes e as folhas. É ressaltado o cuidado que se deve ter na escolha de sementes, observando a necessidade destas serem de boa qualidade para garantir potencialidade na germinação. Neste enfoque, foi utilizado o recurso pedagógico do desenho para explicar as partes das sementes, orientação sobre os tipos de solo, sua adequação, as exigências técnicas para o preparo de área, o plantio e sobre os tratos culturais, incluindo uma aula prática sobre a germinação. Na pesquisa com o tema gerador feijão, emergem, também, anotações, no caderno de Nero (2000, p. 23-24), sobre as práticas dos jovens agricultores com esta cultura. O jovem, entrevistado por este aluno, responde que a idade apropriada da semente de feijão para o cultivo é de “[...] 10 meses [...]”, ocorrendo a germinação com “[...] 3 a 4 dias”. O entendimento do jovem sobre a técnica de rotação de cultura:“[...] é quando a gente planta um ano uma coisa e no outro ano outra [...]”, significa que o seu entendimento aponta que há necessidade de fazer revezamento de culturas na mesma área, para que o solo não fique compactado e evitar a degradação deste. Neste sentido, Vieira, L. (2001, p. 101) assinala a importância da agricultura familiar na reprodução da sociedade e no uso racional dos recursos naturais, quando cita o posicionamento contrário dos países do Terceiro Mundo, que foram excluídos das negociações que a Organização Mundial do Comércio (OMC), por meio da Conferência de Seatle, intencionava “[...] derrubar subsídios e tarifas em vários setores, e promover acordos para a liberalização cada vez mais abrangente do comércio mundial”. O autor apresenta também os pontos que o manifesto elaborado por 1.200 ONGs, de 87 países, contempla.89 O ponto 6 contemplado trata da [...] agricultura: primeiramente, reivindicam a proteção dos pequenos e médios agricultores contra a concorrência externa. A OMC incentiva os grandes agricultores e fazendeiros, ameaçando o pequeno produtor que vive em harmonia com a natureza. A função da agricultura encerra ainda a denominada multifuncionalidade: a agricultura não é somente ‘produzir batatas’, mas implica também a defesa do meio ambiente, do modo de vida rural e da segurança alimentar (VIEIRA, L., 2001, p.104). 285 A relação da educação com o trabalho é significativa, neste estudo, tratando do espaço da educação do campo, e, especificamente, de uma formação a partir das atividades na agricultura familiar, daí defender-se que a formação em alternância se torna mais rica porque trata da ligação orgânica entre educação, trabalho e sustentabilidade. A abordagem de Vieira, L. (2001) contribui para que se perceba a importância não só da agricultura familiar nos contextos local e global, como também dos vínculos que a educação pode abranger para que se defenda a natureza, a socioeconomia agrícola/da floresta/das águas, a partir da sala de aula. No geral, a formação em alternância da CFR de Uruará procura dar conta dessa relação. Sobre a aula do dia 4 de maio de 2000, o caderno de Nero indica que houve continuidade desse tema, sendo feita a socialização em comum com ênfase para os tratos culturais, como a adubação apropriada, a questão das pragas, quais os insetos que mais atacam a cultura do feijão, as doenças, e também a forma de armazenamento: [...] lá em casa a gente usa o esterco de gado e o feijão de porco90, mas nós já usamos adubo químico. [...] nós capinamos, na hora de plantar é quando a gente abafa, aí é só roçar. Lá em casa deu lesma no feijão abafado e no plantado deu vaquinha. Os principais problemas do mela é que as folhas começam a amarelar e a secar. Os insetos que atacam o feijão armazenado são o caruncho,91 o grugui92. Para o plantio, no modo do abafado93 a gente procura uma área com juquira de 2 a 4 anos, 94 pois melhora a produtividade. Escolha das sementes: nós escolhemos na área em que o feijão está mais bonito. Modo de plbantio: no (modo de plantar ) abafado são feitas as picadas de 50 centímetros. Tratos culturais95: fazemos as picadas e jogamos o feijão e, daí roça e rebaixa. Para melhorar a produtividade o ideal seria a utilização de inseticida. Lá em casa nós armazenamos (o feijão) em bujão de 200 litros e colocamos cinza ou pimenta do reino (CADERNO DE NERO, 2000). 89 Este manifesto foi circulado via Internet contra a centralização e direcionamento favorável aos países ricos das políticas que seriam discutidas na Conferência de Seattle, em 30 de novembro a 3 de dezembro de 1999. 90 Uma planta da família das leguminosas para servir como nutriente para o solo e a planta, evitando o nascimento de outras plantas “daninhas” ao desenvolvimento da cultura que foi plantada. 91 Um tipo de mofo que ataca os grãos de feijão, de arroz e outras culturas. 92 Chamado também de gorgulho – cocumeris; um tipo de inseto que ataca os grãos do feijão. 93 A técnica do abafado consiste em roçar a vegetação secundária – geralmente com facão, deixando-a sob a terra que será semeada, não se utiliza a técnica da queima. 94 Juquira: vegetação secundária que os agricultores preservam para fazer o novo plantio. Quanto mais tempo esta vegetação for mantida, melhor é a recomposição – descanso – da terra. 95 Consiste nas etapas de cuidados e tratos técnicos com as diversas culturas no processo de seu cultivo, com vistas à qualidade e rentabilidade da produção. 286 O tema gerador trabalhado e pesquisado pelos alunos possibilitou construir um inventário sobre as práticas agrícolas utilizadas na cultura do feijão, nas unidades produtivas familiares dos alunos da CFR de Uruará, informações que possibilitam aos monitores fazer o diálogo entre os saberes dos alunos e o saber científico. As informações contidas no caderno expressam a maneira como os agricultores cuidam das plantações, desde o momento da escolha da área adequada até o armazenamento da colheita; são saberes que mostram o envolvimento dos jovens com a vida profissional de seus pais. A intencionalidade de escolha da área é uma amostra do cuidado com a terra, mas, simultaneamente, evidencia como está sendo reduzido o tempo dado à preservação da vegetação secundária para revitalizar o solo, posto que o ideal médio mínimo é de 6 anos, satisfatoriamente de 10 anos, o que não está sendo mais observado na unidade familiar de Nero. Este fato pode estar acontecendo de maneira geral, em função da pouca terra para partilhar com uma produção independente para os filhos. - A cultura do Cacau como tema gerador A continuidade da aula no Tempo Escola dessa data envolveu o tema gerador sobre a Cultura do Cacau, por meio da socialização em comum das entrevistas feitas e anotações observadas pelos alunos – tratadas em forma de roteiro de pesquisa -, contendo o caderno de Nero as informações sobre a época e modalidade dos tratos culturais, sobre as doenças, e a adubação: [...] a terra em que planto o cacau é a terra mista. [...] O tipo de poda que eu faço por ano é a desbrota96 e a limpeza, nos meses de outubro e novembro. Utilizo para podar o cacau, o facão e o podão. No verão eu capino a área toda. Não uso nenhum produto para limpar as ferramentas. [...]. As principais doenças são a vassoura de bruxa que ataca o cacau e a podridão parda, também tem o mal rosado97, a traquinose98 e o cupim. Previno, derrubando as casas dos cupins, sem veneno. A vassoura de bruxa eu combato tirando os galhos, ela ataca o cacau formado; ataca mais no mês 96 É a técnica de retirada dos galhos e das folhas que estão em excesso nas plantas, visando melhorar o seu crescimento. 97 Doença provocada pelo fungo Corticum salmanicolor. Ataca com maior freqüência os galhos finos e forquilha das plantas novas.. Inicialmente o micélio apresenta-se na forma de pontuações brancas, e posteriormente adquirem a cor rosada. SILVA, João de Jesus da Silva, OLIVEIRA, Francisco Ilton e DIAS, Jefferson. Sistemas de produção do cacaueiro na Amazônia. Belém (PA): CEPLAC, 1985. 98 A actronose é uma doença que ataca as plantas, provocada pelo fungo colletotrin gloeosporiordes. Manifesta- .se nas folhas, ramos e frutos, aparecendo manchas escuras nas folhas. 287 de maio. [...] Dá formiga no cacau por causa dos fungos. O fungicida é para combater os fungos e inseticida é para combater os insetos.O cacau dá um pouco de renda para a família [...]. Na aula do dia 23 de maio de 2000, teve continuidade a abordagem sobre este tema gerador, contendo as anotações do caderno de acompanhamento sobre o nome científico do cacaueiro, a instituição governamental que orienta técnicamente os agricultores, inclusive sobre os tipos de doenças mais comuns: “[...] o nome do cacau é theobroma. Para combater a podridão parda deixo pouca sombra. Ela ataca mais no inverno por causa da umidade”. No dia 24 de maio ainda continuou a discussão sobre esse tema, dando-se ênfase sobre o subtema adubação e tratamento dos cacaueiros, partindo dos conhecimentos trazidos nos cadernos dos alunos: “[...] podemos plantar outra planta na área do cacau. [..] o espaço de uma cova para outra é 3 por 3 cm”. O solo mais adequado para esta cultura “[...] é a terra roxa, porque tem o solo mais forte [...]”. A informação do entrevistado apresenta a orientação sobre o tempo necessário para se fazer a primeira poda do cacaueiro que é quando “ [...] ele está com quatro anos”. Afirma que se faz uma poda ao ano, logo em seguida inicia-se o processo de adubação, utilizando “[...] os adubos 11.30.17 ou 10.21.20”. Entre os insumos agrícolas para o combate às pragas, o caderno do aluno apresenta anotações das respostas do agricultor entrevistado, apontando que este afirmou que as pragas que mais atacam o cacau “[...] é a Monalonion Tripés99”. É utilizado o inseticida “[...] malatol e o manejo” é feito com a técnica manual para cuidar da planta. O agricultor explica que a doença vassoura de bruxa100 abrange todo o cacaueiro: “[...] ataca no pé, na flor e depois na fruta”. Explica também que a maneira de transmissão dessa doença “[...] ocorre pelo vento [...]”. O caderno do aluno, na aula do dia 25 de maio de 2000, apresenta as informações sobre a classificação de insumos químicos, conforme quadro 11: INSETOS FUNGOS HERBICIDA NEMATICIDA Folidol Dithane Roundup Bronex Folisuper Fungaran Tordon Carboran Stron Benlate Aldrin Furadan Malatol Formicida Acaricida Forminex Bactericida Mirenex Folidol Cobre Sandos Stron 99 Tipo de inseto que ataca a cultura do cacau. Constitui-se em uma das principais pragas que ocorre na região. Tanto as larvas como os adultos vivem em colônias, na parte dorsal das folhas ou na superfície dos frutos. O ataque nas folhas manifesta um sintoma amarelado. Nos frutos causa a “ferrugem”. 100 Cientificamente tem o nome de Crinipellis perniciosa. É a doença mais importante da cacauicultura na Amazônia. Provoca hipertrofia; os brotos das plantas são de diâmetro maior que os sadios. Os frutos infectados apresentam-se em forma de morangos e os mais jovens em forma de cenoura, tornando-se de cor preta e endurecidos. 288 Quadro 11 – Classes Toxicológicas dos Agrotóxicos Fonte: Caderno de Nero, da 1ª turma de Pedagogia em Alternância da CFR de Uruará, entrevistado em fevereiro de 2005. As orientações sobre a classificação de agrotóxicos estão presentes na página l7 do caderno de Nero, tendo sido discutidos pelos monitores, visando ao conhecimento e entendimento dos alunos sobre as finalidades, implicações que tais insumos trazem às plantas, ao meio ambiente e a quem utiliza: Receituário agronômico é a fiscalização do uso dos agrotóxicos. Inseticidas: combatem os insetos; Fungicidas: combatem os fungos; Acaricidas: combatem ácaros; Herbicidas: combatem ervas Invasoras: folhas largas; Nematicidas: combatem nematóide; Formicidas: combatem as formigas; Bactericidas: combatem bactérias. Embora não se tenha anotado as orientações e discussões teóricas sobre o tema agrotóxicos, as informações a respeito da finalidade de cada insumo químico sinaliza a preocupação dos monitores para a problemática do uso exacerbado – ainda – desses venenos nos cultivos das monoculturas de cacau e pimenta-do-reino na Transamazônica. Reconhece-se também a mudança de orientação técnica dada pela CEPLAC para um trato ecológico, por meio de cursos, ao quadro técnico, encarregado de repassar as orientações para os agricultores. Classes Cores Grau Tóxico I Vermelho Altamente II Amarelo Médio II Azul Pouco IV Verde Praticamente não tóxico Quadro 12 – As Classes Toxicológicas dos Agrotóxicos Fonte: caderno do ex-aluno Nero. Este quadro sobre a classificação dos agrotóxicos remete ao entendimento de que houve e há uma preocupação para que o ato pedagógico possa envolver exposição detalhada 289 sobre o tema e, também, com a forma de socialização com as famílias. Isto ficou evidenciado nas falas das mães e dos pais entrevistados, ressaltando os cuidados mais redobrados que passaram a ter com as informações trazidas pelos filhos. Na pesquisa com um agricultor sobre o processo de cuidados e beneficiamento da cultura do cacau, o caderno de acompanhamento das atividades de Nero (2000, p. 26) apresenta os dados: [...] a semente pego na CEPLAC, porque é semente híbrida. Faço o viveiro no mês de agosto e planto no saquinho porque a CEPLAC orienta assim. Após colher os frutos faço a quebra deles – com facão. As amêndoas vão para a fermentação em sacos (de plástico), levando três dias para fermentar. Após três dias, as amêndoas são colocadas na barcaça para fazer a secagem de 3 a 4 dias; depois é a comercialização. As amêndoas são para a venda e as sementes são para plantar. A fermentação é importante para matar o embrião e dar qualidade ao produto. As afirmações do agricultor entrevistado mostram seu saber técnico e as práticas que são feitas no cotidiano das roças de cacau, práticas que ressignificam o currículo e são partes da relação trabalho e educação. Mesmo evidenciando que segue as orientações dos técnicos da CEPLAC, quanto a seguir as técnicas recomendadas, como o uso das sementes híbridas,101 o seu conhecimento sobre o processo técnico do cultivo do cacau é tão significativo como os dos técnicos das instituições agrícolas e dos monitores da CFR. As aulas expositivas dos monitores sobre as culturas compreendem uma abordagem teórica das técnicas apropriadas para cada etapa do processo produtivo, como a construção do viveiro de mudas: [...] o viveiro de cacau deve ficar próximo d’agua, em local que não seja alagado e bem aberto. A cobertura é feita com palha de babaçu. O tamanho do canteiro é de 5 metros de comprimento e l2 de largura. A distância de um canteiro para o outro é de 50 centímetros. O tamanho dos saquinhos é de 17 por 27 centímetros e 15 por 28 cm. O tamanho depende do tempo que a semente vai ficar no viveiro (CADERNO DE FÁBIA, 2000, p. 4). Pelos dados do caderno de acompanhamento, o roteiro da pesquisa é feito por meio do instrumento Plano de Estudos, no Tempo Escola, e esta é efetivada pelos alunos, de forma s de duas maneiras principais: por meios técnicos e pelos direitos de propriedade. Processos como a hibridização são os meios tecnológicos que impedem as sementes de se reproduzir. Isso dá ao capital uma via extremamente eficaz de driblar os impedimentos naturais de mercantilização das sementes. As variedades híbridas não produzem sementes iguais ao tipo original e os lavradores precisam retornar ao fornecedor a cada ano para obter 290 contínua, nas sessões do Tempo Familiar. É este caderno que guarda as informações sobre os saberes dos pais, os saberes técnicos da tradição, tão ricos na expressão da realidade dos sistemas produtivos da agricultura familiar da Transamazônica. - Uma introdução ao manejo do solo No Tempo Escola, as aulas são orientadas sobre a importância de estudar o solo para a introdução das culturas agrícolas. O destaque é dado à importância de se fazer análise do solo, para testar a sua adequação ao plantio de determinada cultura; no exemplo do caderno, é dirigido às culturas perenes, já contendo a recomendação do tipo de adubação mais adequada: Ficha para coleta de solo (CEPLAC) Dia 15 de junho de 2000. Nome do proprietário: Neiton Algecir Berwian Nº da amostra (Laboratório): 15259 (Ou número do lote e Gleba). R.CFR. Estado do Pará. Município de Uruará. Tamanho da área mostrada: R. 0,5 ha. Profundidade da amostra: 20 cm. Cobertura vegetal: capoeira. Idade: 10 anos Data da coleta: 15 de junho de 2000 Recomendação para adubação: 10.28.20; 10.10.10; 10.30.17. Nitrogêneo: NPR: Fósforo e potássio (CADERNO de NERO, 2000, p. 21- 22). Apesar de o roteiro da pesquisa ter sido breve, este documento – caderno de acompanhamento – de Nero registra informações diversas dos agricultores entrevistados, entre estas, o manejo do solo, o preparo da área para o plantio e quem constitui a força de trabalho utilizada nessas atividades: [...] a melhor área para fazer o plantio é a plana. Faço a broca e depois a derrubada, um ano antes do plantio. Não uso a queimada para ter mais adubo. Toda a família ajuda e ainda tenho que contratar mais gente de fora para dar conta (CADERNO DE NERO, 2000, p. 24). um novo estoque”. SHIVA, Vandana. Biopirataria. A pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis (RJ):Vozes, 2001. 291 A afirmação do agricultor, de que faz a broca e a derrubada um ano antes de realizar o plantio, evidencia uma mudança nas práticas técnicas de manejo do solo, não que seja uma prática comum e geral entre os agricultores, mas significa que este está adotando a prática da derruba e trituração e deixando de lado a técnica de derruba e queima. Esta nova técnica exige este tempo considerável para a matéria-prima – tronco, galhos e folhas – se decompor e tornar-se fonte propícia, como material orgânico, para o plantio, sendo ecologicamente correta, à medida que não retira os nutrientes da terra como faz a prática da queimada. Ao relatar que é utilizada toda a força de trabalho familiar e recorre-se à externa, o agricultor aponta a exigência de muitos braços para realizar a atividade de roçar as plantas menores, depois derrubar as árvores grandes, de forma manual – com machado e mesmo com a motosserra -, constituindo-se em um trabalho árduo. O ideal é utilizar uma máquina trituradeira para realizar essa etapa, entretanto, os agricultores cortam com o facão a madeira dos troncos, em pequenos pedaços. O uso desta máquina implica custos altos e muito recurso para o agricultor familiar, recurso que ele não tem; assim, será necessária a adoção de uma política agrícola que invista recursos para o uso e gestão coletiva nas Vilas ou Vicinais, obedecendo aos fins ecológicos. Mesmo com as dificuldades financeiras, este agricultor inova tecnicamente no trato da terra. - A cultura da Pimenta-do-Reino como tema gerador Foto 13 – Monitor orientando nos tratos culturais da pimenta-do-reino, 2002 Fonte: Álbum de Família, Delídio Abenaldi. Pesquisa de campo 2005 292 As informações dos agricultores sobre o cotidiano de seu trabalho na agricultura trazem uma mostragem sobre as culturas mais desenvolvidas por esses atores, os aspectos técnicos, as preocupações com os tratos culturais para o desenvolvimento normal da planta. Observa-se que, em geral, ainda prevalece o uso de insumos químicos para aumentar a produtividade da monocultura da pimenta-do-reino, tanto para a adubação como para combater as doenças. Revelam, também, as estratégias para alcançar um preço adequado, envolvendo todo um processo de trabalho para garantir a manutenção de sua família: [...] eu capino o pimental após a colheita para eliminar o mato e conservar a pimenta. Uso o inseticida Folisuper e Benlate para combater os insetos e prevenir as doenças. Uso adubo foliar. Também uso a leguminosa chamada feijão de porco para adubação e para ele dar sombra e ter menos mato nas plantas. Quando a pimenta começa a trocar de cor ela está boa para colher. Faço a colheita com as mãos, duas vezes por ano, porque ela não madura parelha. Uso um pano e um tamborete para alcançar os cachos mais altos. Após a colheita faço a adubação. Uso adubo orgânico para dar mais força no pé. A pimenta leva cinco dias para secar normal. Ela é secada em lona ou na barcaça e guardada em saco (CADERNO DE NERO, 2000, p. 25). Eu deposito a pimenta para esperar um preço melhor e não perder peso. Não vendo na folha102 porque só ganho a metade do preço (CADERNO DE ANA, 2000, p. 28). Do período adequado para a capina ao período esperado para a comercialização da pimenta-do-reino, as informações do agricultor entrevistado mostram o tipo de tecnologia utilizada, muitas sob orientação do serviço de extensão rural oficial, ainda sob influência das técnicas recomendadas pela “Revolução Verde”, servindo para o aprendizado dos atores que formam a CFRU. Tem-se, neste registro, a maneira em que são feitas as etapas de trabalho para se chegar ao processo final do seu cultivo. Ao relatar os nomes dos agrotóxicos, nela utilizados, 102 Vender na folha significa um acordo entre o agricultor e o comerciante, estabelecendo-se uma relação de confiança em que o recebimento monetário pela comercialização do produto é paga pelo preço do dia – geralmente um preço menor – a quem cultiva e o ator produtor entrega a produção em momento posterior à colheita. É uma prática de uso muito comum na região, mas contraditoriamente feita em último recurso. Assim, é realizada pelas necessidades imediatas do agricultor para atender à compra de alimentação, remédios ou insumos; caracteriza uma relação de exploração, visto que quem é beneficiado economicamente é o agente comerciante. 293 o agricultor revela que esta prática coexiste com a inserção da prática orgânica nos tratos culturais com as plantas; no caso deste agricultor, a leguminosa feijão-de-porco é a técnica adotada tanto para a adubação, como para proteger o solo. No tocante às práticas técnicas e às demais abordagens, as informações do agricultor evidenciam a diversidade de saberes armazenados em sua memória, como também na de cada entrevistado. Tem-se a leitura de que as informações registradas pelo aluno em sua atividade de pesquisa no Tempo Familiar são fontes originais para serem catalogadas, armazenadas e socializadas pela CFR. Nesse sentido, a diversidade de informações, entre essas, a maneira e o tipo ideal da madeira, o tamanho das estacas, a escolha da variedade da pimenteira, o espaçamento e o tempo adequado para o plantio definitivo desta cultura são saberes acumulados pelos agricultores. Estes saberes têm significado social como aqueles da educação escolar em alternância, pela sua validade, não só como saber da tradição, como também para a ciência, e, principalmente, para as gerações futuras usufruírem as técnicas sustentáveis, como [..] a pimenta é plantada nas estacas grandes porque já é no local definitivo. Uso a (madeira) itauba, canela, massaranduba e sapucaia.O tamanho da cova é 40 x 40 cm. Escolho os pés de pimenta de dois anos, os mais sadios para tirar as mudas. O tipo de pimenta que planto é a guajarina, porque (ela) não adoece tão fácil. As mudas levam de 45 a 60 dias para levarmos para o lugar definitivo (CADERNO DA FÁBIA, 2000). Os saberes dos agricultores registrados no caderno dos alunos, por meio da pesquisa de campo no Tempo Familiar, ensinam a importância do trabalho como princípio educativo e exclusivo dos seres humanos, reconhecido por vários pensadores como o marco do fundamento do processo educativo. Esses saberes que legam para as gerações atuais e futuras referências técnicas e práticas para se conceber a importância de evitar a dicotomia entre trabalho manual e intelectual. O tempo, citado pelo agricultor, – do plantio até a colheita da pimenta e sua comercialização -, oferece lições educativas para todos os indivíduos do campo e da cidade. No caderno de Fábia (2001) constam orientações dos monitores, por meio de uma aula expositiva, sobre os tratos culturais para a pimenta-do-reino: Antes da colheita: capina-se um mês antes, passando veneno uma semana antes (Folidol, Folisuper e Tamaron). Não recomendamos o uso de veneno. 294 Depois: Poda e após aduba com esterco de gado para evitar o desgalhamento. O adubo químico ouro verde 10.28.20 evita o ramo ladrão ou chupão que tira a força do pé da pimenta. O pé da pimenta fica bem formado e bonito. As ferramentas usadas na poda: tesoura de poda, faca e canivete. Devemos fazer a limpeza da ferramenta. Após a poda pulverizar com um fungicida, o Benlate para evitar os fungos que atacam os pés de pimenta. A adubação é feita para repor o nitrogênio que sai através dos cachos de pimenta (CADERNO DE FÁBIA, 2000, p. 18). A aula do monitor sobre o tema gerador pimenta-do-reino teve como eixo central o subtema tratos culturais e adubação, com conteúdos que se reportam às fases do processo produtivo da planta e as práticas que devem ser adotadas. Nas anotações sobre essa aula, observa-se uma dualidade nas orientações técnicas/pedagógicas, uma vez que estão presentes tanto recomendações para o uso de insumos orgânicos, como para o uso de insumos químicos, embora os monitores tenham afirmado que não orientam o uso de agrotóxicos, pois esses caracterizam-se pelas fórmulas venenosas, prejudiciais à saúde humana e à biodiversidade. A recomendação de uso ou não de agrotóxicos, segundo a orientação dos monitores, revela uma preocupação com o desenvolvimento qualitativo e quantitativo das plantas, e da saúde humana, em contraste com a produtividade dessas sob a ótica meramente econômica. Tais orientações são constatações nos cadernos dos alunos, mas nas falas dos monitores e dos alunos, essa contradição é expressada como se tivesse sido superada. Percebe-se, também, nos cadernos estudados, que as aulas expositivas tratam de forma mais acentuada das orientações voltadas para a agricultura agroecológica. Neste sentido, a ênfase geral sinaliza para a adubação orgânica nas culturas anuais e perenes, devendo ser indicada a adubação convencional só para as culturas que exigirem tais insumos. O quadro, a seguir, e a abordagem feita pelo monitor demonstram esse movimento: Tipo de adubo Ano/dosagem Ano/dosagem Ano/dosagem Fertilizante 1º ano 2º ano 3º ano Uréia 65 gramas 130 gramas 250 gramas Superfosfato Triplo 50 gramas 100 gramas 200 gramas 40 gramas 80 gramas 200 gramas Quadro 13 – Recomendações de adubo químico para a pimenta-do-reino Fonte: Caderno de Ana, pesquisa de campo, fevereiro de 2005. 295 Por este quadro, observa-se a preocupação dos monitores em transmitir as informações técnicas sobre o uso correto dos adubos mais indicados para a cultura da pimenta, visando a que os jovens alunos repassem as informações aos seus pais e que estes venham a realizá-las. Esse objetivo delineia-se em todo o conteúdo do texto do caderno de Ana (2000, p. 25-26): A adubação nitrogenada potássica deve ser parcelada de 3 vezes em cobertura no intervalo de 45 dias, em cada ano de cultivo, iniciando-se no começo do ano chuvoso. A adubação fosfatada deve ser aplicada de uma só vez, em cobertura juntamente com a primeira aplicação de adubação nitrogenada e potássica a partir do segundo ano, visto que no primeiro ano é aplicado na cova de plantio. No início das chuvas deve-se também proceder a adubação orgânica, na cova, todos os anos. Como sugestão: fazer a aplicação de 10 litros de esterco de curral curtido ou l, 5 que é um quilo e meio de torta de mamona. Na ausência de análise de solo recomendamos a necessidade da calagem, com a aplicação de 500 gramas de calcário dolomítico por planta em anos alternativos, como fonte de cálcio para a planta. - Diversidade de temas: páginas e leitura incompletas - sobre a Horticultura A discussão sobre a motivação da horticultura na CFR envolve muito mais que uma discussão para cumprir o tema gerador, tendo em vista que os dados são um inventário de como estão os hábitos alimentares dos agricultores, e de como pode haver mudanças qualificadas no hábito dos jovens e também como estes e seus pais podem contribuir para que monitores e alunos ensinem e aprendam mutuamente. Isto é possível e fundamental, no sentido de como os monitores expressaram sua intencionalidade, no momento do Tempo Escola, em encaminhar o debate para fluir e mostrar a importância das culturas agrícolas nos hábitos das pessoas, e principalmente quanto à base de alimentação equilibrada, na qual as hortaliças são componentes fundamentais. O olhar do agricultor entrevistado sobre o cultivo e o uso de hortaliças mostra que este dá destaque a esse hábito alimentar e também apresenta o seu saber sobre as técnicas e tratos culturais para essa modalidade de atividade no campo: 296 [...] acho que a horta é bom para a saúde porque é medicinal, evita muitas doenças e serve de vitaminas e sais minerais. Serve para o consumo familiar e não precisa comprar na cidade. O clima quente é melhor pois produz mais. O clima frio apodrece a raiz e é mais fácil de dar insetos. É melhor plantar na terra preta porque tem mais nutrientes e produz melhor. O canteiro deve pegar o sol de manhã para não prejudicar as verduras. Os principais problemas para nós é que no inverno chove demais e fica difícil encontrar o adubo e a falta de técnico para orientar os agricultores. O melhor tipo de adubo é o orgânico, tem que misturar bem no solo. O adubo orgânico é feito de casca de cacau, palha de milho, arroz, feijão e café (CADERNO DE FÁBIA, 2000, p. 16-17). O ponto que se entende como o mais relevante do saber do agricultor entrevistado refere-se à modalidade de fazer a adubação orgânica, aproveitando os resíduos diversos dos produtos e das plantas, mostrando a importância do uso racional de todos os componentes da planta, entre frutos, raízes e folhas. O mais significativo é a inter-relação com a segurança alimentar e a saúde, em geral, que esse tipo de adubação proporciona, além da proteção à natureza. O caderno de acompanhamento é um instrumento insubstituível nas práticas pedagógicas em alternância porque retrata a realidade desse espaço de fronteira amazônica, uma vez que contém informações que servem muito além do espaço pedagógico da CFR, se forem catalogadas, pois poderão subsidiar muitas pesquisas e políticas públicas. Nas anotações deste caderno, a fala do agricultor evidencia a problemática que sofrem todos os agricultores da Transamazônica, em relação às ações das políticas públicas, como a agrária, a agrícola, a de educação, e a de transportes. Também reflete sobre as condições de infra-estruturada da Rodovia e das estradas vicinais, bem como a escassez de recursos humanos nas instituições que trabalham com extensão rural, para atender à demanda de todas as vicinais do Município de Uruará. O diagnóstico dessa situação precária atinge praticamente cerca de cem por cento das falas dos entrevistados neste estudo. - Sobre bovino Observa-se que a pesquisa da Fábia foi para subsidiar o tema gerador sobre Bovino no Tempo Escola, envolvendo muitas informações, as quais, pelo grande número, se tornam 297 inoportunas listá-las neste trabalho. Por que a criação de bovino não dá lucro ao agricultor? É importante registrar o saber e a opinião desse ator: [...] o gado é criado para nosso consumo e para vender, mas para nós não deu lucro. Depois da introdução do gado na Transamazônica mesmo aumentando o gado não significa que desenvolveu. Crio a raça ‘pé duro’ porque não tenho condições de trazer de fora. Vacino o gado contra brucelose, febre aftosa e vermes para prevenir. Dou o mineral laboratório Zôo e flora porque acho melhor. Uso um reprodutor para 25 fêmeas (CADERNO DE FÁBIA, 2001, p. 21). - Sobre as queimadas: agricultores reconfigurando o manejo Uma das entrevistas, a de Fábia (CADERNO, 2001) trata sobre as queimadas, sendo registradas informações das técnicas adotadas pelo agricultor: Não tenho certeza se é bom ou ruim fazer a queimada, porque se não queima não mata os insetos e queimando mata. Se queimar a planta sai mais bonita, dá menos trabalho e vai produzir mais. O problema da queimada é porque queima uma parte do adubo que tem no solo, enfraquecendo-o. Queimo na hora que não está ventando muito, aviso os vizinhos para ajudar a queimar. Para prevenir da queimada faço o aceiro e fico observando (CADERNO DE FÁBIA, 2001, p. 25). O agricultor, ao relatar que faz a queimada com os cuidados necessários, avisando aos vizinhos antecipadamente, fazendo o aceiro103 e observando a dimensão que o fogo está tomando, este ator procura demonstrar que utiliza esta técnica para o preparo do solo, como forma da tradição de derruba e queima, mas, apenas para o uso restrito da agricultura familair. Assim, utiliza essa técnica para garantir a reprodução socioeconômica de sua família. Este agricultor afirma que conserva as nascentes d’agua mantendo a vegetação secundária ao redor dessas nascentes, uma prática que é importante para a conservação dos rios na Amazônia e corresponde a uma visão ecológica e um cuidado com a natureza, embora já tenha derrubado espécies medicinais, como a andirobeira: 298 [...] para conservar as minas de água aqui no lote uso a moita de juquira. Já vendi madeira: jatobá, ipê, cedro, sucupira e andiroba. Os tipos de fruto ou sementes que tiro da natureza para a alimentação é castanha, açaí e bacaba. Utilizo copaíba e andiroba; são cicatrizantes. A caça mais comum que faço é a da cutia, do tatu e da paca. No passado existiam mais, agora foram matando e espantando os animais. Ao citar os animais que caça, esse agricultor mostra qual o seu hábito alimentar e, principalmente, registra a diminuição e o afastamento dos animais para lugares mais distantes na floresta amazônica, em face do desmatamento, o que interfere na reprodução das espécies e na economia familiar na Transamazônica. - As disciplinas gerais nas páginas lidas: uma descrição Nos sete cadernos dos ex-alunos, aos quais se teve acesso, o conteúdo diversificado foi o exposto até agora, e os conteúdos das disciplinas gerais compreenderam aulas sobre Biologia104, fazendo-se a interface com o tema apicultura e aquicultura. Na aula de História foi abordado o tema – Descobrimento da América -, fazendo a ligação com as culturas agrícolas trazidas pelos europeus, como o trigo. Na aula de Geografia, a abordagem foi sobre o tema Amazônia, relacionando-o como a ocupação deste espaço, a colonização da década de 1970, com os governos militares e a criação de instituições, como o Incra. O caderno da aluna Diva (2004) registra as aulas das disciplinas gerais, como Português, com os conteúdos: verbo – conjugações e tempos -, redação (6ª alternância), pronomes e substantivos (5ª alternância). Outra disciplina trabalhada é a Matemática, com os 103 O aceiro é a prática – racional – de abertura de uma vala rasa – tipo trincheira militar – entre a área de vegetação que vai ser preservada e a que vai ser queimada, no comprimento de todas suas extensões; sendo a queimada, a técnica tradicional utilizada como preparo do solo para o plantio das culturas agrícolas. 104 “Aula – Biodiversidade: vida+ diversidade. Riqueza natural constituída pelo conjunto de espécies vivas de uma região ou de toda a Terra. Ecologia: meio-ambiente. Ciência que trata de relações entre os seres vivos e o meio em que vivem.Biologia: ciência dos seres vivos e das leis da vida. Habitat: lugar natural de vida de um organismo. O conjunto de características ecológicas desse lugar. Ecossistema: sistema formado pelo relacionamento mútuo entre os fatores físicos, químicos, metereológicos de um meio ambiente etc.” (CADERNO DE FÁBIA, 2000, p. 26). 299 conteúdos: conjunto de números (5ª alternância), números primos, múltiplos, perímetro de área, circunferência (9ª), unidades de medidas de massa e de volume, unidades de medida de superfície, medidas agrárias e área de figuras geométricas planas. Observa-se a preocupação dos monitores e da coordenação da escola, em seus planejamentos, 105 com atividades diversas, qual seja a dinâmica da Música como forma para reflexão sobre a realidade brasileira. Entre as músicas trabalhadas, tem-se o registro nos cadernos: Aquarela do Brasil (Ari Barroso), Para não dizer que não falei de flores (Geraldo Vandré) e Alegria, alegria (Caetano Veloso). Buscar os cadernos dos alunos foi um dos procedimentos realizados para uma das análises documentais, que tem como um dos objetivos registrar os conhecimentos de homens e mulheres do campo nas atividades socioprodutivas que a tarefa/pesquisa na CFRU proporcionou para servir de base aos temas geradores trabalhados no Tempo Escola. Esses conhecimentos não foram lembrados nos momentos das entrevistas com os monitores, pois apenas foi dito que tais profissionais aprenderam muito com os pais. Também foi dito pelos alunos e pais que aprenderam muito com os monitores, procurando mostrar que ocorreu reciprocidade; no entanto, pelo conjunto dos depoimentos destes últimos atores, a leitura que se faz é que houve ênfase sobre o conhecimento indo da escola para o lote familiar e não deste lote para a escola. 105 Os planejamentos das Alternâncias que se teve acesso foram os da 5ª à 13ª, apontando para a seguinte programação: 5ª alternância, de 6 a 11 de janeiro 2004, chegada dos alunos na segunda, mutirão de limpeza pela manhã, almoço às 12; 00 horas, aulas práticas na Embrapa, das 14: horas às l5:45 horas, socialização em comum das l6: 00 às 17:00 horas. E das 20:00 às 22:00 horas. Terça-feira: aula: das 8:00 às 12:00 horas e das 14:00 às 15:45:00, aula prática das 16:00 às 17:15 horas. Esporte: 17:30 às 18:00, aula das 20:00 às 22:00 horas. Na sexta feira: Plano de estudo das 8:00 às 9:00 horas, aula prática das 9:00 às 9:45 horas e aula teórica das 10:00 às 11:00 horas e avaliação das 11:00 às 12:00 horas, pela manhã. Retorno ao Tempo familiar a partir das 13:00. Na sétima alternância, o retorno dos alunos é previsto para às 8:00 horas da manhã. Assim, na sexta-feira, as atividades previstas em relação à formação são aulas teóricas das 8:00 às 12:00 horas. Nos demais planos, exceto o 13º, as atividades são previstas em horários similares aos demais, com programação normal na sexta feira, tanto no período da manhã como no da tarde: das 15:00 às l5:45 horas aula, e a elaboração do Plano de estudo das 14 às 15 horas e a noite. Também há mudança em relação aos dias da 13ª alternância, iniciando-se na sexta-feira e terminando na terça- feira à noite, com o retorno ao tempo família na quarta-feira às 8:000 horas. É o único Planejamento em que consta o nome do tema gerador a ser trabalhado: Bovino. O que muda na programação dessas alternâncias é a previsão de uma palestra no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Uruará e um Dia de Campo para a 12ª alternância. Entre as atividades do Plano de Trabalho de 2004 dos monitores estão previstas as visitas às unidades familiares, com a moto de um dos técnicos, para o mês de fevereiro, dos dias 2 a 19, reuniões na Secretaria Municipal de Agricultura (SAGRIMA). Contatos do monitor coordenador da Casa Familiar no Laboratório Agroecológico da Transamazônica (LAET) para fins de articular visitas externas dos alunos e convidar os pesquisadores para palestras na Casa Familiar. Para o mês de março de 2004 consta a previsão de visitas do coordenador às cooperativas agrícolas de Uruará, à Câmara Municipal, visitas dos monitores às unidades produtivas familiares das vicinais do Km 224 e 213. Para o mês de abril, a programação da coordenação está agendada entre os dias 19 e 23, com atividades de visitas às instituições na sede do município. 300 Apesar de considerar a abertura, o ensino e a metodologia de forma diferenciada pelo programa das CFRs, partindo da realidade do aluno por meio dos temas geradores, esses saberes locais foram pouco explorados pelos monitores no Tempo Escola. Mesmo discutindo a questão do desenvolvimento sustentável em aulas dialogadas, os conhecimentos da tradição não estavam presentes nos apontamentos dos cadernos, como elementos de conteúdo analítico para a produção do conhecimento escolar, parecendo que subsidiaram a construção do nome tema gerador; o conteúdo teórico trabalhado, no entanto, foi embasado no conhecimento científico moderno. Vale assinalar que o enfoque trabalhado, nos cadernos lidos, conforme as anotações dos alunos, são estritamente técnicos; não há registros de conhecimentos de plantas herbicidas (da tradição) ou conhecimentos de cultura/cidadania. Assim, é significativo ressaltar que os conhecimentos dos agricultores são formas de saber que expressam a lógica de cuidar do homem e da natureza, podendo se esvaírem, após a morte dos atores; esses conhecimentos não poderão ser recuperados se os filhos não os adotarem. As CFRs, como já assinalou Ribeiro (2003), se estimular a catalogação desses saberes e trabalharem de forma contínua na pesquisa, estarão contribuindo para que as gerações atuais cheguem ao espaço não só da formação escolar com caráter não expressivo da pedagogia moderna, como também à pesquisa acadêmica e à transformação da ciência. 301 Capítulo 6. Compreensão dos atores sociais sobre a Alternância106: uma formação construindo novos temas, a sustentabilidade presente. Foto 14 – Casa original do Projeto de Colonização da Transamazônica, entre Altamira e Brasil Novo. Fonte: Neila Reis, pesquisa de campo, fevereiro de 2005 6.1 O olhar dos monitores: reconstruindo o ensino escolar Foto 15 – Alunos da CFRU – 2ª Turma, 2004 Fonte: Delídio Abenaldi. Pesquisa de Campo, 2005 106 São impagáveis a receptividade e a aprendizagem que a pesquisadora teve destes atores sociais; uma força de leveza para mover em mim projetos de revoluções no campo e na cidade. 302 Foto 16 – Prof. Josélio Riker. Aula sobre Extensão Rural, no auditório da UFRA/Belém/PA. Fonte: Neila Reis. Pesquisa de campo, mar. 2005 A compreensão dos monitores, em relação à CFR de Uruará, é de que esta é uma instituição escolar que efetiva uma educação diferente e voltada para o desenvolvimento da agricultura familiar, à medida que constitui a sua organização curricular com conteúdos a partir da realidade socioprodutiva das unidades familiares, por meio da metodologia em alternância. A alternância é compreendida pelos professores/monitores, como “[...] uma metodologia onde o aluno fica uma semana na CFR e duas na propriedade. A atividade para a semana que o aluno está em casa, ele trabalha com o tema gerador proposto pelos monitores” (OLAVO, 2005). A formação em alternância tem como ponto de partida os temas geradores, oriundos da pesquisa participativa, que é feita com os agricultores no momento de implantação da Casa Familiar. O roteiro de pesquisa sobre a realidade é formulado no caderno dos alunos, na ocasião de discussão do Plano de Estudos, sendo esta pesquisa realizada pelos alunos com os pais ou vizinhos, quando não existe no lote a cultura que é objeto de estudo. Esse roteiro versa sobre a experiência familiar nas diversas etapas do processo produtivo da cultura trabalhada. O resultado das respostas e das questões é materializado nas práticas pedagógicas tanto no Tempo Escola – com a ação em comum – como no Tempo Familiar, por meio do diálogo com os pais, de maneira democrática, envolvendo a participação direta dos alunos. 303 Olavo afirma que são utilizados os demais instrumentos pedagógicos, como “[...] o plano de estudo, o plano de formação e as fichas pedagógicas”. Ressalta que estes instrumentos e, principalmente, as visitas aos estabelecimentos familiares possibilitam uma aproximação com os pais. Neste sentido, os monitores convergem na opinião de que construíram uma relação positiva com os pais: [...] tivemos um relacionamento bom com os pais, fomos bem recebidos em suas casas e os jovens foram os responsáveis por essa recepção, pois são eles que levam a impressão crítica das aulas em alternância, avaliando o nosso trabalho [...]. Nós não chegamos a fazer as visitas necessárias, essa foi uma das maiores deficiências. Porque por obrigação a gente tem que fazer, mas não tinha moto, não tinha nada (JOÃO, 2005). A relação com os país é boa, também é muito boa com os alunos (ODILON, 2005). A compreensão dos monitores passa pelo consenso entre eles de que a aceitação, pelos pais, do ensino – técnico e científico – conduzido na CFR é pertinente às expectativas destes atores, permitindo a instauração e continuidade do bom relacionamento. Apesar da expectativa e aceitação dos temas profissionalizantes pelos pais, a preocupação na construção do tema gerador para obter as informações necessárias é expressada por Odilon (2005): [...] as aulas eram dadas com o tema gerador, não com o Livro. Com o livro é fácil, é só adaptar à situação. Aqui constrói a aula com cada tema, tentando colocar o que acontece no dia-a-dia. As aulas foram sobre o tema gado, cacau, café, pimenta, cupuaçu. Aprendi muito com os alunos. Trabalhava Matemática para chegar mais próximo da interdisciplinaridade, fazendo a relação com a quantidade e espaçamento. Ao analisar as aulas da CFR, Odilon lembra do grau de facilidade quando já se tem pronto o conteúdo, enquanto que, na formação em alternância, as dificuldades e o empenho para ultrapassar os desafios são grandes. Para quem vai trabalhar pela primeira vez, a partir da realidade, com temas geradores, é exigido um esforço grande, quando o “natural” é trabalhar com o livro didático – com o saber já construído a priori – para o aluno consumir. Foi, 304 realmente, um desafio enfrentado por esses monitores, considerando, como exemplo, só a ligação entre os conteúdos gerais da Matemática e a do espaçamento correto das culturas trabalhadas em cada unidade de produção. Cabe ressaltar que os poucos livros existentes na pequena biblioteca da CFRU, são, na maioria, de cunho técnico, assim como as fitas de vídeo são filmes referentes a outras realidades.107 Enfrentar o desafio de construir os temas geradores se tornou maior quando os recursos financeiros inexistiram – face ao não compromisso das instituições parceiras -, e os poucos que foram repassados foram desviados pela coordenação da ACFRU. Assim, foi impossibilitada a realização de todas as visitas, como um dos instrumentos pedagógicos dessa formação. A falta de apoio financeiro tornou-se um fato marcante durante os três anos do processo educativo da primeira turma. Desse modo, a relação de ir e vir dos monitores nas unidades familiares não aconteceu de forma prevista nos planejamentos. Este fator limitante impediu a periodicidade dessa relação, sendo expressado por João, quando justifica a sua pouca presença nas unidades produtivas, durante a formação da primeira turma, em função da CFRU não ter veículo próprio, não dispor de recursos para combustível e haver problemas de apoio do governo municipal da época: [...] na relação que nós tivemos com a prefeitura, quando eu fui pegar a moto, o secretário disse: olha, nós só temos duas, mas o pessoal vai precisar, os técnicos. Aí eu disse: porque se tivessem usando a moto da prefeitura eu podia emprestar a moto do Sindicato (Sindicato dos Trabalhadores Rurais). Na hora, o Secretário disse: libera a moto para o [...] (JOÃO, 2005). [...] a nossa relação com a prefeitura foi difícil, muita perseguição! (OLAVO, 2005). A importância do transporte próprio para a efetivação das visitas às unidades familiares é fundamental, mas também o apoio das instituições é da mesma forma imprescindível para que a formação em alternância integrada possa acontecer; para isso, é necessário que os interesses políticos/partidários sejam deixados de lado. A visita dos pais à CFR de Uruará é destacada pelos monitores como aquém das perspectivas, em função da dificuldade do transporte e das atividades no processo produtivo. Esta pouca presença dos pais no espaço da escola fragiliza a participação e as decisões deliberativas. Para viabilizar essa participação, os monitores concebem que há necessidade de ações para envolvê-los, de maneira coletiva. 107 A pesquisadora esteve na secretaria da CFRU em julho de 2003, e esta estava com as suas atividades 305 A preocupação dos monitores em realizar as aulas com qualidade é expressada por João (março de 2005), quando buscou a interlocução com a Universidade Rural da Amazônia para realizar um intercâmbio educativo: Nós tivemos uma experiência em Uruará, foi iniciativa própria lá. Conversei com o pessoal da Casa Familiar Rural para o Movimento Social fazer esse estreitamento de relações, entre a Casa Familiar e a Universidade. Até há pouco tempo a gente via muito a questão dos livros didáticos, lá na CFR e a Pedagogia da Alternância, nós tínhamos outra denominação, se chama Ficha Pedagógica, onde se trabalha todas as questões agrícolas, pecuária e também os conteúdos mais formal, e aí português, matemática. Então, a gente estudava todo o espaçamento da cultura, começando a estudar geometria, tipo de relação entre as disciplinas – conteúdo formal, com a realidade que eles enfrentavam lá no campo -, o espaçamento do cacau. Lá na região três por três. A partir disso você pode fazer muitas coisas, operações matemáticas. E aí surgiu a questão porque não levamos a Universidade lá. Foi feito o estágio de vivência na Universidade Rural da Amazônia (UFRA). Quando eles passaram duas semanas aqui, foi feito por cada professor uma linguagem bem simples, passando muitas informações, como o processo de agricultura, o de várzea, a parte de tecnologia de alimentos, zootecnia; de microbiologia foi mostrar os fungos que causam as doenças nos pimentais, no laboratório. A iniciativa dos monitores da CFR de Uruará revela a seriedade e a preocupação com o processo educativo, buscando constituir uma relação de intercâmbio com a Universidade, visando aprofundar o conhecimento científico dos alunos. Ao buscar essa relação, é notória a questão da qualidade na formação dos jovens agricultores. Esta qualidade é enfatizada no âmbito técnico, tanto na busca pelos conhecimentos das disciplinas, como na ligação com os conhecimentos das disciplinas gerais. A inter-relação entre algumas disciplinas gerais e técnicas é feita de forma exemplar, como nas aulas de Matemática utilizando-se o espaçamento das culturas para a compreensão dos conteúdos desta disciplina, que é de relevância sociopedagógica. Um outro ponto ressaltado pelos monitores é a importância da tecnologia para o aprendizado dos jovens e esta tem a receptividade dos pais: [...] a cada alternância é repassado um tema gerador que, geralmente, traz uma técnica nova, esta é bem recebida pelos alunos. O uso dessa nova técnica pode trazer mudanças para o manejo das culturas, como os tratos paralisadas; em 2005, também estava fechada para a reforma do prédio. 306 culturais na etapa de produção, a utilização de adubação orgânica nas hortaliças [...] (JOÃO, 2005). Assim, em grande maioria, os diálogos entre os pais e seus filhos, quando estes retornam ao espaço familiar, são orientados para se saber quais foram as discussões feitas no Tempo Escola, emergindo a curiosidade no que concerne às questões técnicas. Estas, são relacionadas com a natureza das atividades agrícolas desenvolvidas, constituindo o eixo central na compreensão da função educativa desses professores na CFR, similares ao entendimento dos monitores da CFR de Quilombo/SC, assinalado por Silva, L. H. (2003). Esta autora enfatiza muito bem que o lugar da escola vai além dos conteúdos de cunho técnico, compreendendo os mais abrangentes e socialmente úteis à vida social e profissional dos jovens. A formação em alternância também não foi pensada e praticada rigorosamente sob este enfoque; a preocupação com as questões de gênero tiveram espaço na integração dos conteúdos, com discussões acerca da saúde da mulher, como prevenção de câncer uterino, orientações sobre o ciclo menstrual, sobre gravidez, sobre doenças sexuais transmissíveis (JOÃO, 2005), constituindo, assim, um avanço para a formação dos jovens. Embora tenha sido tratado somente por um dos monitores, é relevante tal abordagem para que o adolescente tenha uma informação séria. Os depoimentos dos monitores, na formação da primeira turma da CFR, são de que esta foi realizada por meio de dois eixos centrais: os temas profissionais e as disciplinas gerais. Como mediação entre estes dois eixos, sobressaíram-se os temas geradores. Essa mediação ultrapassou o caráter formal, tendo sido relacionada com a vida na escola e com os projetos dos alunos, revelando-se uma prática pedagógica nessa Casa Familiar, que faz a ligação entre os campos do afetivo e do emocional no processo de ensino e aprendizagem dessa primeira turma. Considera-se que não ficou restrita ao trabalho intelectual e científico isolado da totalidade da vida do aluno, tanto na questão de gênero, como na questão de considerar e ouvir os alunos, apesar de os monitores, na época, não serem pedagogos nem licenciados. Nesse sentido de ouvir, dar lugar às perspectivas dos alunos, é valorizada e motivada a sensibilidade desses monitores na relação social de pares – professor e aluno: [...] O Raimundo Nonato dizia que estava estudando porque ele gosta muito de ler. Dizia que estava estudando lá porque não podia estudar na cidade, 307 porque a família não tinha condição. Quando eu vinha a cidade levava muita revista; ele era o que mais lia. No dia-a-dia, a gente percebia o interesse dele, não era na agricultura; ele queria seguir outro caminho (JOÃO, 2005). Ao considerar a importância do ato de ler, da busca pelo conhecimento sistematizado, o monitor João não está desconsiderando o saber da tradição, o saber dos pais e nem a perspectiva de o aluno estudar para permanecer no campo, um dos objetivos das CFRs; pelo contrário, ele valoriza ambas as perspectivas, tendo em vista que assume uma orientação educativa que privilegia a escolha democrática de cada aluno ter o direito social de escolher sua vida profissional. É nesse contexto de ligação entre a não dicotomia conhecimento intelectual e manual, entre o campo e a cidade que se compreende que ambos se interpenetram e nenhum é superior ao outro, que a educação escolar necessita ser trabalhada para que concepções de sociedade e educação, assim como as posturas institucionais, e de professores, não se fechem em si mesmas e, sob este aporte, não sejam repassadas. Um dos pontos destacados por João (2005), quanto ao eixo geral, diz respeito a não dicotomizar as atividades intelectuais e manuais – para a realização da alternância interativa -, assim, valorizar a construção de uma escola unitária entre trabalho e vida social, a partir da própria interação e não divisão, das atividades internas, as quais fazem parte das atividades sociais, tarefas sociais denominadas domésticas. Nesse sentido, o trabalho pedagógico no âmbito organizacional e para a reprodução da Casa Familiar passa por uma “divisão” rotativa de tarefas em equilíbrio entre alunos e monitores, conforme assinala João (2005): “[...] tinha divisão de trabalho dentro da Casa Familiar, um grupo limpava a sala de aula, o outro a cozinha, outros nas áreas externas. Era a forma de mostrar que todo mundo participava”. Nessa perspectiva, este monitor afirma que a experiência “[...] foi interessante, aprendemos, ensinamos e creio que plantamos a sementinha da mudança através de um trabalho feito com dedicação e transparência com os alunos e seus familiares”. As condições de acesso às vicinais e à própria Rodovia Transamazônica, como a escassez de veículos e o alto preço do transporte entre as unidades familiares, a sede do município de Uruará e a Casa Familiar Rural – distante 5 km da cidade – são fatores que se constituíram fortes, entre outros, para que ocorresse desistência por estudantes dessa Casa. Como lembra João (2005), o estado das estradas vicinais ocasionava – e ocasiona – as dificuldades de deslocamento dos pais e alunos, reduzindo, em média, durante o inverno, o Tempo Escola, sofrendo os alunos as condicionalidades de políticas públicas não voltadas 308 para reconstruir e cuidar das estradas no interior dessa região, com desdobramentos nas suas vidas e no deslocamento para a cidade e para a escola: O período de alternância de semana de aula começava a partir do meio dia de segunda-feira, eles passavam a semana inteira conosco. De manhã fazíamos a recepção deles. Tem alunos que saíam as três horas da manhã, lá do último lote para fazer uma caminhada à margem da rodovia para esperar algum caminhão passar, e, pagava R$ 5,00 (cinco reais). Uma das vezes, já era meio-dia e os meninos do 201 não tinham chegado; quando chegaram estavam cheios de lama. No inverno não passa e é difícil o transporte para chegar na escola até o meio dia. De domingo a domingo nós trabalhávamos; não tínhamos descanso. O maior aprendizado foi com os alunos; uma coisa que eu tenho que repassar para a Universidade que nós aprendemos muito com o agricultor. A realização das alternâncias em meio às dificuldades de locomoção fizeram com que os monitores realizassem as aulas teóricas em horários extensivos ao período noturno para não haver perda no momento educativo. Em relação à troca de saberes entre professor, monitor e jovem agricultor, a afirmação de João (2005) é referente aos saberes dos pais, mas não especifica quais foram as técnicas aprendidas com estes. pais Os alunos avançaram mais, pois fizeram citações das aulas dadas, tanto no campo teórico, como no prático. A opinião dos alunos, na maioria das entrevistas, é unânime em reconhecer que foi muito importante o conhecimento repassado na CFR. Esta informação verbal é expressada por meio de uma correspondência de uma ex-aluna – entregue pela pesquisadora – ao monitor João, como este assinala: “[...] a carta que eu recebi é o maior presente, representa uma satisfação pessoal por ter me esforçado nesta experiência em alternância na CFR de Uruará [...]” (JOÃO, 2005). Este reconhecimento dos alunos, aos saberes dos monitores, representa também a compreensão de uma relação de pares efetivada democraticamente no cotidiano das atividades professor/aluno na CFR de Uruará. Essa problemática de transporte traz um impedimento à participação efetiva dos pais no espaço da Casa Familiar, além de outras, resumindo-se à participação dos pais nas reuniões. A mesma problemática, e também outras foram ocasionadas pela frágil relação da CFR e os poderes públicos do município, bem como pelas divergências internas no Movimento Social, que contribuíram para a fragmentação da organização/gestão administrativa, pedagógica e financeira da CFRU e da Associação desta Casa, como registram 309 os entrevistados e Ribeiro (2003). O desdobramento é, infelizmente, repassado para os sujeitos fins do ato educativo em alternância: os alunos e pais, com a falta de transporte, tanto o transporte de linha, como o da prefeitura, contribuindo para que a participação dos pais ficasse limitada ao tempo/espaço familiar, não tendo avanço significativo no Tempo Escola. A relação frágil é estentida e sentida também internamente pelos monitores, que no tempo da formação da primeira turma se sentiram distantes das decisões: [...] A relação com a ARCAFAR também era difícil. O responsável pelas Casas não repassava informações, não havia treinamentos; o monitor não podia falar nada. As coisas aconteciam lá e não chegavam aqui, a equipe ficou muito isolada. Havia falta de diálogo com a própria ARCAFAR (ODILON, 2005). Entre os resultados colhidos pela formação em alternância, os monitores apontam o diálogo entre os pais e os alunos, como elemento motivador para as mudanças no planejamento das atividades produtivas e na participação qualificada dos jovens alunos em decisões importantes para a reprodução social e econômica das Unidades Familiares. Mesmo considerando a continuidade da autoridade e iniciativa do pai, no âmbito do espaço do roçado, esta passou a ter feições democráticas para ouvir e depois constatar os saberes trazidos pelos filhos, resultados compreendidos como decorrentes das idéias e técnicas trabalhadas no Tempo Escola de forma participativa, contribuindo para a adoção destas pelos alunos e, principalmente, pelos pais. Outro ponto relevante, apesar da realização de só algumas visitas, é a maior aproximação entre os atores alunos e os pais, pois: “[...] as técnicas de adubação, de horta orgânica, de enxertos de plantas foram as mais adotadas pelos alunos [...]” (Sião, Uruará, fevereiro de 2005). A aquiescência dos pais contribuiu muito, possibilitando, assim, a introdução de outras técnicas no espaço da produção familiar. Além da introdução de técnicas, a ação educativa dos monitores, na percepção de um deles, é assim compreendida pelos pais: “[...] os trabalhos dos monitores são vistos como uma orientação inovadora para a agricultura” (Olavo, 2005). O monitor Odilon relaciona algumas das técnicas repassadas por ocasião das visitas aos estabelecimentos familiares para realização de aulas práticas, como a construção de espaldeiras para a produção de mudas de pimenta-do-reino. Outras técnicas de manejo da 310 cultura do café e cacau (poda), manejo sanitário dos pequenos, médios e grandes animais, além de incentivar a criação de abelhas para a produção de mel. A adoção de técnicas e de manejo tanto nas culturas, como na criação de animais, evidencia o incentivo à diversificação das atividades que possibilitam um maior rendimento da produção, além de gerar divisas monetárias para a economia familiar. O incentivo à criação de abelhas, embora a experiência tenha sido iniciativa de apenas dois jovens, no Km. 201, é um exemplo relevante do seu papel como monitores na propriedade. Como ponto positivo, Odilon enfatiza que a relação com os pais “[...] foi boa, porque existia transparência em nossa relação”. Esta relação é construída, principalmente, por meio das visitas, perpassando, indiretamente, pelo caderno de alternância discutido entre pais e filhos, nas reuniões da Associação de Pais, contribuindo em seu conjunto para ser uma relação democrática. Atualmente, com a segunda turma, a equipe tem se esforçado para realizar palestras e minicursos para envolver os pais no ambiente escolar e na concepção de uma agricultura com trato de insumos orgânicos, como afirma Olavo (2005):”[...] nessa retomada de atividades, os pais têm participado ativamente, quando convidados. Hoje à noite e mais sexta e sábado os pais estarão participando de um curso sobre recursos naturais da Amazônia”. A função desempenhada pelos monitores na formação da primeira turma foi de muitos esforços e comprometimento para que o curso fosse dado. Esta atuação, embora com pouca presença no espaço familiar, contribuiu para fortalecer um bom relacionamento entre tais atores. Quanto ao financiamento das CFRs, na compreensão de Odilon (2005), este se deu por meio de pagamento dos monitores que trabalharam com a primeira turma, tendo sido assumido pelo Estado; com a segunda turma, os recursos, até a l2ª alternância, foram repassados pela Prefeitura de Uruará. A prefeitura também pagou as despesas de parte da alimentação, material didático, transporte, uma pessoa para serviços gerais e uma cozinheira” (Odilon, 2005). A trajetória de conquista desse financiamento, com as instituições municipais e estadual, foi de luta e tensões para ser materializado, não ocorrendo em tempo hábil. A paralisação dos monitores é a maior referência para sensibilizar as autoridades da Transamazônica e do Estado do Pará. A comunicação democrática entre monitores e alunos, das sessões de aulas teóricas, passando pela divisão de tarefas para a manutenção da Casa até as aulas práticas no Tempo Familiar, estabeleceu uma relação sociopedagógica afetiva, contribuindo para este 311 relacionamento estender-se entre pais e filhos e internalizar entre os jovens a sua importância enquanto construtores do trabalho educativo. E foi além, como registra Odilon (2005): “[...] a auto-estima dos alunos mudou muito”. A dinâmica da alternância, no Tempo Familiar, na compreensão de Odilon possibilitou não só o estímulo ao diálogo entre pais e filhos, mas também foi referência para as aulas práticas, assim como ocorreu uma aprendizagem do professor monitor em relação ao “[...] conhecimento popular das famílias que utilizamos para realização dos nossos trabalhos; nos ajudou muito”. Os conhecimentos dos pais, entretanto, não foram especificados pelos monitores. Mesmo citando a mudança no relacionamento entre pais e filhos, na introdução das técnicas recomendadas durante as aulas práticas, os monitores não destacam a participação dos pais no Tempo Escola, nem na adoção de técnicas vindas destes pais, sinalizando ao entendimento de que a participação dos pais foi restrita ao tempo familiar e às reuniões e assembléias no Tempo Escola. O monitor Odilon (2005) aponta, como um dos limites para o funcionamento da CFRU “[...] o pouco conhecimento da proposta por parte dos parceiros, a falta de interesse público, muita politicagem e pouco compromisso de algumas – lideranças”. 6.2 A voz dos alunos: a formação como pertencimento à terra. Foto 17 – Alunos da CFRU – 2ª Turma, 2004 Fonte: Prof. Delídio Abenaldi. Pesquisa de campo, 2005. 312 A compreensão dos alunos e ex-alunos entrevistados sobre a formação em alternância da Casa Familiar Rural de Uruará é considerada muito importante para suas vidas. Assim, apontam que esta formação corresponde à motivação do binômio aprender/transformar, isto, no âmbito de mudanças internas dos alunos, refletindo-se no processo produtivo e no relacionamento familiar. Vale a pena salientar o que refere Nildo (2003): O papai adotou técnicas, não teimei com ele, ele me apoiou muito bem; consegui colocar em prática as técnicas com a pimenta-do-reino, produzir mudas de qualidade, porque antes eram poucas. Também consegui o cultivo do cacau, recuperar o café velho. Abandonei o uso de agrotóxico. Nildo, ao citar a adoção das técnicas para as culturas agrícolas anuais e perenes trabalhadas no espaço produtivo da terra, pelo pai, evidencia o grau de receptividade dessa formação pelos alunos. Denota também a problemática da ausência ou da periodicidade regular da assistência técnica oficial, principalmente, em relação às orientações com a lógica das técnicas da tradição.108 Implantar a cultura do cacau significa para o aluno ter alcançado uma meta para introduzir mais uma cultura perene e, desse modo, diversificar os cultivos na unidade familiar, além da recuperação do cafezal, dada a importância deste ato como resultado satisfatório no âmbito do processo ensino/aprendizagem. A afirmação do abandono do uso de agrotóxicos revela o grau de presença das recomendações dos pacotes tecnológicos implementados nas culturas perenes na região da Transamazônica; uma mudança considerável, como resultado do ensino da CFR. As mudanças apontadas por Nildo (2003) são corolário das aulas do Tempo Escola, voltadas para [...] ensinar fazer o plantio correto, técnicas para produzir, adubação para ajudar na produção, fazer o espaçamento adequado. Na adubação, a recomendação era para não usar mais inseticida, era para fazer repelente caseiro. Aprendi muito sobre horta, como usar o adubo orgânico e fazer os canteiros para usar na alimentação, como alface, pepino, melancia, cheiro verde. 108 A agricultura familiar percebida como sujeito que detém uma lógica que reproduz a sustentabilidade, ainda sofre resistências de profissionais e instituições da área agronômica, corolário da concepção dominante que defende e formou os profissionais sob referência paradigmática da ciência ocidental, que é difundida como se fosse a universal, e a agricultura como – o centro das atividades no campo. 313 A prioridade dos temas geradores profissionalizantes prevalece na opinião dos alunos, apontando para uma preocupação dos monitores com a melhoria da agricultura da região, no âmbito das práticas orgânicas. É necessário enfatizar o entendimento de que as aulas eram mediadas pelo Tempo Escola e o Tempo Familiar, com desenvolvimento de práticas técnicas no próprio Tempo Escola, como a horticultura: As aulas eram normais, com aula prática, com acompanhamento do monitor: Aprendia todo mundo junto. Era uma semana na Casa e duas no lote. As duas semanas no lote tinha acompanhamento do monitor [...] avaliação era com aula prática, era para colocar em prática, era a principal prova (NILDO, 2003). Há um consenso, na opinião dos alunos, que as aulas teóricas são muito importantes, pois representam um aprendizado de conteúdos que vai ser útil nas atividades produtivas; por isso, estas são compreendidas como superiores aos conhecimentos trazidos pelo cotidiano, repassados pelos pais. A ênfase é atribuída às aulas com temas geradores de cunho profissional, prevalecendo, assim, a busca pelo conhecimento sistematizado, sendo construído no coletivo e a partir da realidade desses alunos: Eu gostava quando era o pessoal de fora, quando ia fazer palestra. Era sobre cacau mesmo, sobre gado também (ANA, 2005). A gente tinha de tudo um pouco, estudava história. Sobre história a gente estudava e, escreveu bastante. Só tinha texto, eles tinham apostila e iam explicando. No final eles fizeram a prova só para fazer. [...] tivemos aulas sobre café, cacau, pimenta, piscicultura, matemática e história. Eu gostava quando era o pessoal de fora que vinha fazer palestra. Tinha palestra sobre o cacau mesmo, sobre o gado também. Nós tínhamos de tudo um pouco (FÁBIA, 2005). [...] Eu aprendi muita coisa. As aulas eram de matemática, português, horticultura, piscicultura, bovino, cacau, pimenta. Ele dava aula, assim, na prática e teoria. Eu gostei muito de matemática. Ensinaram a fazer contas; aquelas coisas de medir área de terra, perímetro e de medir aqueles triângulos. Português também, aprendi os predicados. Estamos há l5 semanas parados para fazer a construção (ANE, 2005). [...] as aulas são feitas em teoria na escola, depois os monitores vão fazer a aula prática no lote (RUI, 2005) [...] as aulas são para aprender sobre a agricultura e as culturas. Sobre as plantações, colheitas, e vários tipos de sementes [...] (VERA, 2005). As aulas eram de matemática, português, horta, cacau, pimenta, café. As aulas são com o professor Delídio, de matemática, português, cacau, horta (LENA, 2005). 314 As aulas na Casa Familiar foram de cacau, pimenta, gado, piscicultura, suinocultura. O professor Delídio deu aula de geografia, português. Português serviu muito, melhorou a minha leitura. As aulas de espaçamento foram muito importantes. No lote, faço os canteiros das hortas e as técnicas de balizamento, no cacau (LEONEL, 2005). As aulas iniciaram em 29 de setembro de 2003. O professor Delídio deu aulas sobre cacau, pimenta, gado, café, com as apostilas. Lá na Casa não faz prova, só exercício e trabalho de Grupo (PERI, 2005). A forma de ensino é diferente porque eles dão liberdade para você expor o que sabe, você debate a idéia com o seu colega, com o monitor; lá não tem essa diferença, é difícil de explicar, mais uma coisa que abre a tua mente, porque é uma educação voltada pra Zona Rural. Eu acho que a Zona Rural aqui está muito esquecida, não só a Zona Rural, como a Zona Urbana também; acho que tem que mudar um pouco isso, porque a gente é muito sofrido aqui (JACÓ, 2005). [...] as aulas são muito boas porque tem aulas com técnicos agrícolas e eles explicam bastante a prática, ensinam muito bem (MAÍRA, 2005). Um destes relatos sobre o esquecimento do campo e das cidades denuncia a realidade da Transamazônica, quanto aos aspectos precários de infra-estrutura, educação escolar, saúde, condições para as instituições que trabalham no campo, resultantes ainda das políticas públicas voltadas para os grandes projetos na Amazônia, ao longo de décadas, não priorizando as demandas da agricultura familiar. As demais falas reportam-se aos temas geradores, à metodologia, aos conteúdos das aulas no Tempo Escola e às possibilidades que estas trouxeram para a aplicabilidade prática no trabalho com as culturas. Também as opiniões referem-se ao relacionamento monitor e aluno e ao desempenho dos professores monitores no processo pedagógico na CFRU. A afirmação de Nero (2005) confere a ligação, em algumas disciplinas, de conteúdos gerais com os profissionais: “[...] Gostei de matemática, aprendi a cubar a terra”. Esta aprendizagem de cubar a terra tem um significado importante para os jovens do campo, pois é uma necessidade contínua de se fazer cálculos de espaçamento no momento do preparo da terra para plantio das culturas agrícolas, evidenciando que a ligação entre os conteúdos gerais e profissionais é favorável à aprendizagem e às demandas socioprodutivas da agricultura camponesa. As demais matérias do currículo geral foram citadas em menor proporção pelos alunos, entre essas, a de História, citada apenas por Fábia (2005), que afirmou gostar da matéria e que espera voltar a estudá-la. Uma constatação lamentável é não ter encontrado referências, tanto nos cadernos dos alunos, como nos depoimentos, sobre momentos pedagógicos direcionados para abordagens 315 sobre cultura geral, literatura, cidadania/emancipação humana no Tempo Escola; desse modo, devem ter sido pouco incentivadas ou não realizadas no trabalho educativo. Em relação às aulas práticas, a compreensão dos alunos entrevistados é de que estas são importantes para a aprendizagem, destacando também que são delas que mais gostam. Tais aulas foram efetivadas de maneira satisfatória, uma vez que diversas práticas técnicas estiveram presentes, procurando atender às problemáticas da realidade das unidades produtivas trazidas pelos alunos em seus Cadernos de Propriedade (ou de alternância). Assim, não concernem a uma prática instrumentalista, mas sim com conteúdos qualificados na agricultura, embora estejam voltados, com ênfase, para essa esfera. As técnicas foram direcionadas para atender às etapas do processo produtivo das culturas, tendo como ponto de partida o manuseio correto dessas atividades, como a seleção e produção das mudas, o plantio das sementes, as técnicas da podagem das árvores, a adubação e tratos culturais diversos, conforme a especificidade de cada planta, como se observa na lembrança de cada aluno entrevistado sobre as aulas práticas, estas foram sobre como se produz o café, sobre o plantio e as doenças do cacau, - vassoura de bruxa, podridão parda, sobre as doenças da pimenta (CLARA, 2005). As aulas práticas foram sobre adubação, poda, inseminação de Gado (LEONEL, 2005). As aulas práticas que achei mais importantes foram sobre a poda de pimenta e a de cacau. Também nós tinha uma horta na Casa Familiar Rural e aprendemos a fazer os canteiros direitinho, a adubação. Todas as tarefas eram iguais, dividia o trabalho e todos iam ajudar, na horta, na limpeza da escola, ao redor e por dentro, tudinho (FÁBIA, 2005). Havia carência de conhecimento técnico e na Casa Familiar eles ensinaram muito para a gente. Na teoria ele trabalhava com as folhas tantas vezes, nas apostilas. Ele dava aula para a gente e na prática ele levava nós para ver como é. Ele levava nós na Chácara do Tarcísio, onde tem peixe (SARA, 2005). Na horta nós aprendemos a fazer os canteiros, como fazia a terra, os canteiro de tomate. Só que eu não apliquei nada ainda no lote (LENA, 2005). Aprendi a fazer a inseminação de gado, plantio e adubação de pimenta, com NPK e poda do café (PERI, 2005). As aulas práticas que tivemos foram sobre poda, enxertia de árvores, inseminação, melhoria do plantio, adubação dos pés de cacau com folhas. Também foram sobre como se faz os canteiros da horta. Para a adubação da horta foi ensinado que se faça com esterco de gado, de porco ou de galinha (LEONEL, 2005). As aulas que a gente tinha eram sobre poda. A gente aprendeu também a fazer enxertos nas frutas. Era laranja, limão, foi o que a gente aprendeu. Eu ajudo na roça direto. O pai ensinava a gente, aí quando a gente ia fazer monitoria na roça, o pai falava que ele fazia como ele achava certo. Assim, por exemplo a poda, porque ele não tinha orientação. 316 Aprendi muitas coisas sobre as doenças, para ter cuidado, para vacinar. Teve uma prática lá em casa, mas só que eu não vacinei Tudo a gente passou a conhecer mais do que a gente já conhecia, do qual a gente pensava que era de um jeito, mas conhecendo os monitores era muito diferente do que a gente pensava. Como no plantio, a gente faz uma horta, a gente plantava lá do jeito que a gente bem pensava e depois a gente começou a estudar, na hora a gente sabia todas as regras, o professor ensinava como tinha que fazer, quando tinha que mudar as mudas das plantas, quantos dias precisava para fazer o replantio. Foi muito bom (FÁBIA, 2005). As aulas práticas que mais gostei foram as de pimenta, poda de cacau e a horta. Aprendemos a fazer os canteiros, a adubação. Também aprendi a fazer a poda de pimenta; fazia a saia109 para proteger o pé de pimenta contra a podridão. Com o cacau, foi a tirar a vassoura de bruxa, essas coisas que prejudicava a produção (LENA, 2005). Lá na CFR, a gente já estuda mais sobre cacau, pimenta do que outras partes, como também, a gente estuda matemática, mas é mais na área agrícola. Cinqüenta por cento, porque tem as outras matéria também, por isso que eu acho que seja cinqüenta por cento. A gente trabalhou e estudou muito sobre cacau. Eu aprendi como a gente ia fazer o viveiro do cacau: pegava o caroço do cacau, colocava dentro d’agua e deixava ficar lá uns dias; quando ele grelasse, aí que mudava para sacolinha. Aqui não, era mais fácil, a gente faz o cacau na areia primeiro, para depois quando tiver grelando110 passa para a sacolinha. É diferente porque, quando a gente fazia a muda de cacau, primeiramente n’água, ela fica mais fácil da gente plantar uma muda que não é boa, porque na água ela pode pegar qualquer uma coisa, qualquer um tipo de doença, a água suja e tal, e na areia não, a gente já vai vendo o brotinho, já vai ver aquela que vai nascer bem mais bonita; e dá para definir qual a que presta e qual a que não presta. Prova até que a gente não faz, era muita redação, trabalho. Trabalho escrito e apresentado também (ANE, 2005). Ao opinar sobre o ensino na Casa Familiar ser diferente, Ane (2005) concebe a sua importância não só no aspecto metodológico em si, assim como pelos conteúdos partirem das experiências do cotidiano nas roças familiares e ainda pela interação entre as aulas teóricas e as práticas, possibilitando que os alunos tenham a vivência no laboratório das próprias roças. Um fator importante é o ato educativo ter sido conduzido de forma que os alunos tenham participação qualificada nas atividades técnicas. O conjunto de procedimentos técnicos/práticos constitui um resultado positivo pela abordagem ser de interesse do aluno, como também pelo fato de a relação monitor e aluno ser democrática, possibilitando que os 109 A saia corresponde a uma técnica em que os galhos baixos da pimenteira são cortados para não entrar em contato com o solo, para a planta ficar mais ventilada e evitar contato com o fungo samonela, fusariose, fungo de solo. A vassoura de bruxa é uma doença do cacaueiro, que ocasiona a hipertrofia dos ramos, flores e do fruto, que fica em forma de morango ou cenoura; quando adulto fica deformado e com manchas escuras (CEPLAC, 1995). 110 Termo utilizado pelos agricultores e seus filhos, significando o tempo em que a semente necessita para germinar e a planta crescer sobre a superfície do solo, os primeiros estágios. 317 alunos não tenham mais medo de expor suas idéias no momento coletivo da sala de aula e em outros espaços, como afirmam, Jacó, Leonel e Miguel (2005): Agora tenho chance de estudar de novo, vou estudar, já estou decidido porque eu tenho uma visão mais ampla daquela casa; é um estudo diferente. Por exemplo, você não estuda só na teoria; e acho que para os jovens rurais isso é bom, não só para jovens rurais, mas é mais para o lado rural esse estudo. Assim vejo uma saída nesse estudo da Casa Familiar Rural, porque ela assim estimula o jovem a ter mais vontade de fazer as coisas, ele vê, ele aprende muita coisa. Quando entrei lá, eu tinha medo, não sei se é medo; eu tinha vergonha, medo para falar, hoje em dia não; você sabe que errar é humano, você erra e você conserta. Eu já falei até em microfone, já fui filmado falando. Eu saí de lá com uma visão política diferente (JACÓ, 2005). [...] a relação com os monitores é muito boa. O Damião tem interesse e corre atrás das coisas. O Delídio tem muita capacidade e mais paciência (LEONEL, 2005). [...] entre os alunos notáveis temos muitas brincadeiras, com os professores é muito diferente, temos que respeitar. Para mim eles (monitores) são legais [...] eu tenho que agradecer a essas pessoas, estou gostando muito (MIGUEL, 2005). A opinião dos alunos, quanto à metodologia de ensino da CFR e quanto aos monitores, é positiva, com depoimentos que explicitam o avanço na visão de mundo dos jovens, estímulo à realização de atividades próprias de produção, a perda do medo de expressar-se em público. Ao afirmar que o estudo é enfatizado para o conhecimento do campo, Jacó (2005) reforça as outras afirmações similares quanto às disciplinas que mais marcaram estes jovens, como as de caráter diversificado sobre as técnicas em agricultura. O caráter democrático desta relação é percebido na opinião de todos os alunos entrevistados, tanto no momento da entrevista, como antes e após as concessões destas. É um ensino com proposta pedagógica, em que seus conteúdos são embasados na realidade local, com disciplinas gerais e temas da agricultura, sinalizando para atender aos princípios contidos nas Diretrizes Operacionais das Escolas do Campo. Na opinião dos alunos, as técnicas científicas são viáveis para as etapas do processo de trabalho de todas as culturas perenes e anuais cultivadas nas roças. Ane, ao expor a experiência com as aulas práticas, expressou não só com palavras, mas também com gestos e emoção, o significado do processo ensino/aprendizagem na passagem do conhecimento teórico para a efetivação prática, embasada na aula dialogal do monitor para o aluno. Ela 318 ainda ressalta as técnicas ensinadas e adotadas pelos monitores, entre essas a que tem o nome popular de saia, visando proteger a planta da pimenta-do-reino contra as doenças que se instalam nessa cultura na região amazônica, configurando, assim, a importância dada ao conhecimento científico. Também denota o valor atribuído aos cuidados que são necessários e que se devem ter nos tratos culturais com as monoculturas. A doença da vassoura de bruxa, que se instala nas plantas, prejudicando-as, com secamento das folhas e apodrecimento dos frutos, é também uma das grandes preocupações dos jovens agricultores. Essas doenças têm corolários além do sistema de produção, atingindo todo o sistema das unidades familiares, nas dimensões econômica, social e afetiva, pois a não realização das culturas significa a não reprodução desse sistema, a não garantia da continuidade econômica regular da economia familiar. Garantir essa reprodução integral é uma meta dos alunos, meta expressa na maioria das entrevistas. Isso remete à interface da formação em alternância, pela organização curricular construída a partir da realidade desses alunos da CFR de Uruará. Neste sentido, é necessário não pensar e nem desvincular a formação escolar do campo da agricultura familiar. Entre os fatos – não ditos - pelos alunos encontra-se a diversificação nas unidades familiares entre as culturas perenes e anuais, embora sobressaindo as primeiras, se tem essa diversificação nas unidades visitadas. A importância dada às aulas práticas pelos alunos é um indício da necessidade social em suas atividades do cotidiano. Outro fato é a importância econômica das culturas da pimenta-do-reino e do cacau para as unidades familiares, valendo ressaltar que estas foram introduzidas e tratadas pelas instituições à base de orientações tecnológicas com insumos químicos, sendo priorizadas nos projetos de crédito111. Esta importância é valorizada nas falas e gestos dos alunos, assim como na de seus pais, além da preocupação em se ter o acesso aos projetos de financiamento dessas culturas, como a assistência técnica in loco dos técnicos das instituições, como a CEPLAC e a EMATER: Nas aulas práticas aprendi a fazer poda de café, de cacau, de pimenta. Sobre a poda de cacau não pode deixar os galhos crescerem muito. Aprendemos sobre adubação química, mas não é para aplicar, só a orgânica, com casca de cupu, de cacau. Adubação com esterco de gado é para curtir o esterco, se não curtir, não nasce e, dá praga. Faz buraco no chão, coloca o esterco com 45 dias de curtido. Também aprendi sobre vacinar gado, capar porco. 111 Culturas inseridas na forma de orientações da RV; o paradigma das monoculturas está presente no Projeto de Colonização da Transamazônica. 319 O que mais eu lembro foi a prática de enxertia, de flores, de goiaba, de laranja, cupuaçu; a podagem de café. Eu aprendi a fazer isso, não lá na Casa, mas quando a gente saía, a gente ia pra Altamira, pra casa dos próprios alunos, em outros travessões. A gente aprende muito na prática, muito mais que na teoria. Na teoria você aprende com o livro, mas se você for pegar na prática, se você ver uma folha você consegue fazer um livro; porque na prática é diferente, você escreve sobre o que você sabe; é melhor que você aprender só na teoria. Você fala num dia, mas se não fazer, não adianta mais você falar. Você tem que fazer, e eu aprendi muita coisa lá, por exemplo, não foi só enxertia, também aprendi como cuidar de um pé de pimenta. Você planta uma cultura e o que a gente sabia mais ou menos o rumo que ia, mas a gente não tinha a certeza de como fazer, você fazia em dúvida. Hoje não, hoje se for para mudar uma pimenta eu sei como fazer certinho. Eu digo isso porque aprendi com meu irmão, só que era o meu começo, a isca da coisa foi lá na Casa Familiar Rural. Eu tenho as fichas pedagógicas de lá, tudo guardado, quando eu precisar eu sei de onde tirar, eu sei que eu aprendi muito lá dentro. É incrível como a CFR abre a mente das pessoas (NERO, 2005). A gente aprendeu a fazer enxerto nas frutas. Era laranja, limão Nas aulas práticas aprendi como se faz a poda, como se faz o enxerto de rosas; também sobre a adubação orgânica e química. Fizemos uma visita à criação de peixe, no lote do senhor Tarcísio. O trabalho na CFR é o dia todo; as meninas fazem a capina, roçam, não têm escolha (ANA, 2005). Aprendi a fazer enxerto de mudas, plantar e podar cacau, adubar e criar peixe. Eu não sabia adubar nem fazer os enxertos, agora já sei e ainda este ano botei em prática todos os enxertos (LEONEL, 2005.). As aulas que a gente tinha eram sobre poda. A gente aprendeu também a fazer enxertos nas frutas. Era laranja e limão. Eu ajudo na roça direto. O pai ensinava a gente, aí quando a gente ia fazer monitoria na roça, o pai falava que ele fazia como ele achava certo, como a poda, porque ele não tinha orientação. Aprendi muitas coisas sobre as doenças, para ter cuidado, para vacinar. Teve uma prática lá em casa, mas só que eu não vacinei (FÁBIA, 2005). As aulas são muito boas, os professores explicam bem. As práticas sobre as culturas são muito boas porque a gente estuda com professores formados, eles ensinam bastante como cultivar as culturas que trabalhamos na colônia (DAVI, 2005). O significado positivo da maioria das aulas práticas citadas é profundo na opinião de 100% dos alunos entrevistados. A diversidade das atividades técnicas retratadas na memória desses alunos evidencia a importância dos conteúdos técnicos dados na prática, como destaca Jacó (2005): “[...] saí do rumo duvidoso de fazer as técnicas e aplicar os insumos [...]”. Assim, este tem a convicção de que após as orientações dadas pelo monitor, faz o trabalho, desde o processo do plantio ao do beneficiamento dos produtos, com a – certeza - da técnica aprendida no Tempo Escola ser a mais correta. 320 As opiniões destacam que o conhecimento escolar é considerado como o mais importante. Apesar deste conhecimento ser trabalhado a partir de temas geradores, da realidade do aluno, a ênfase maior é para o trato com temas técnicos. O seu caráter é atualíssimo, uma vez que a maioria é embasado em métodos e na utilização de insumos orgânicos, garantindo a rentabilidade da produção e a qualidade de saúde, a reprodução econômica da economia familiar camponesa, mas, por outro lado, ainda se sobrepõe ao conhecimento da tradição dos pais. Mesmo considerando que os monitores em suas aulas nas CFRs têm consideração e incorporam, em seus temas/conteúdos e técnicas, a lógica preservacionista – com a alternância no âmbito metodológico -, discute-se a relação unidirecional da CFR para as unidades familiares, constatada pelas opiniões dos entrevistados e na ênfase das aulas práticas terem sido efetivadas priorizando o saber acadêmico. Portanto, prevaleceu o – pouco dito - de que um aluno ou um ex-aluno, ou seu pai tinha esse ou outro conhecimento que foi incorporado pelos monitores e materializado nas aulas práticas, para haver a alternância integrativa, nos termos de Gimonet (1999a). Jacó (2005), ao citar que “[...] a isca da coisa [...]” está na CFR, remete ao entendimento que foi priorizado no ato educativo escolar, o conteúdo sistematizado – científico -, apenas técnico, o que é válido e necessário, mas não é o necessário para se ter as condições necessárias para a apropriação, as aquisições, para aprender com o seu mundo exterior, pois é, apenas, um dos conhecimentos. É necessário ir além, com um processo para aquisição de aportes das humanidades, inter-relacionando-os com os da tradição para desenvolver as capacidades humanas; uma inter-relação em movimento entre o local e o universal. Assim, o local, o campo e a escola – não serem mais vistos como uma singularidade isolada, mas sim em processo relacional que se estabelece entre o particular e o universal. É importante que o trabalho educativo seja considerado, de fato, como de grande responsabilidade, “[...] pois como José Martí deixou claro, a busca da cultura no verdadeiro sentido do termo, envolve o mais alto risco, por ser inseparável do verdadeiro sentido da libertação. Ele insistia que ‘ser cultos es el único modo de ser libres’” (MÉSZÁROS, 2005, p. 58). Nesta direção, para compreender a relevância dos estudos feitos e do conhecimento repassado/aprendido na CFR, sobre as referências técnicas, significa olhar criticamente112 para este trabalho educativo, pelo qual, o aluno recebeu um conhecimento teórico novo no 112 Olhar criticamente significa estar referenciado por uma concepção de sociedade e educação que seja ancorada na sua realidade social. 321 Tempo Escola, materializado nas aulas práticas nas unidades familiares. Considera-se que havia a pretensão de que fosse construído em partilha no ato educativo por meio do tema gerador, da metodologia prática/teoria/prática, e na relação democrática entre monitor e aluno; entretanto, para estas duas primeiras turmas, as falas sinalizam que prevaleceu a ênfase unidirecional, no sentido do movimento relacional Casa Familiar para a família; similar à análise que assinala Silva (2003), a respeito da alternância. O sentido das aulas teóricas e práticas para os alunos é memorável para a construção/reconstrução da agricultura familiar, sendo inquestionável a utilidade das técnicas trabalhadas nas seções dos Tempos Escola e Comunidade, consignando uma interface de complementaridade entre os dois espaços e entre os dois tempos para fins de se ter a - totalidade - de conhecimento do tema gerador, a interação. Desse modo, este aprender faz a ligação entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, mas ainda se incorporar o conhecimento da tradição, – apenas - aportes das técnicas orgânicas do trato com a terra, com a agricultura, apreendidas nas escolas agrotécnicas e na UFRA, no Movimento Sindical e Social, assim, com essas turmas iniciais, os monitores não valorizaram, efetivamente, as técnicas dos pais de seus alunos. Considera-se que essa valorização é uma autoconquista dos monitores, e que a CFR de Uruará se dá em processo de construção e reconstrução do Projeto Político Pedagógico - que não tinha até 2004. Este projeto está aberto aos conhecimentos trazidos pela dinâmica de novos pais, novos professores e de novos alunos que estão chegando, se aconchegando e também ensinando aos monitores, em ações e caminhos pedagógicos que não são de via única, nem homogêneos. As lembranças não relatadas pelos alunos e ex-alunos nas entrevistas, quanto ao saber dos pais e aos seus próprios, apontam para a leitura de que há ausência da interface integral entre saber científico e saber da tradição, por estarem os segundos saberes presentes de modo secundário nos momentos educativos vivenciados por esses alunos e, assim, continuarem ainda a ser considerados por seus protagonistas. Ana, ao expressar que as primeiras lições sobre enxertia foram repassadas pelo seu pai, de maneira incorreta, evidencia a importância dada ao saber científico. Neste sentido, o monitor é visto como o profissional que leva um conhecimento considerado superior em relação às técnicas dos pais, como assinala Silva, L.H. (2003). Entre as entrevistas com os alunos, apenas Fábia (2005) citou o saber observado e transmitido por seu pai aos monitores, mas, destacando que o seu pai fazia daquela maneira metodológica porque “ninguém” havia ensinado antes. Embora esta seja a afirmação de 322 apenas um aluno, está presente, nos demais depoimentos, a valorização atribuída pelos pais ao saberes dos monitores, portanto, o da escola. Apesar de, nas falas dos monitores, se ter a afirmação de que aprenderam muito com os alunos e seus genitores, as falas dos alunos sinalizam para um entendimento de que houve uma via preponderante para a produção do conhecimento e de que continuou a ter força, no sentido da escola para o lote, mas não do lote para a CFR. Constatação similar foi assinalada por Silva, M. (2003), em seus estudos em Escolas Famílias Agrícolas no Espírito Santo. Se estudar só as falas, parece que a relação família/escola foi e continua secundária no âmbito do envolvimento dos pais no processo educativo; no entanto, quando é estudado o caderno de acompanhamento dos alunos, observa-se a contribuição dos pais para a formação em alternância, embora se considere que, no âmbito da gestão da Casa, estes pais tenham tido pouca participação. Aspectos políticos e de financiamento desfavoráveis prejudicaram os monitores, alunos e pais. Por isto, não se teve transporte para os alunos e para os pais, sendo este um dos fatores que impediu a participação destes últimos. A visão de superioridade do conhecimento científico está presente na fala de todos os alunos entrevistados, e por decorrência do conhecimento do monitor, que é o mediador desse conhecimento, destacando-se na afirmação de que as aulas “[...] práticas são muito boas porque estudamos com professores formados [...]” (DAVI, 2005). Assim, na percepção dos alunos, o conhecimento – não está - acumulado no saber e nas práticas transmitidas pelos pais; está na escola. Nesse sentido, a CFRU passa a ser o “único” lugar onde o conhecimento técnico está, e, assim para os alunos, é necessário buscá- lo para aprender a conduzir-se na vida produtiva, como destaca Nildo (2003): “[...] Sou filho de agricultor. Precisava do conhecimento, do planejamento. Estou satisfeito, tive bom resultado; aprendi técnicas de trabalho, passei a ter planejamento”. A formação, entretanto, não basta ser voltada só para esta dimensão, é necessário ser envolvida com a dimensão unitária e da vida social, com a seriedade leve, com o ensinar e aprender como prática alegre (FREIRE, 2004). Ressalta-se nas lembranças dos alunos, no momento da entrevista, o desejo de obter conhecimento escolar e o ensino ter sido dimensionado na esfera dos temas profissionalizantes, por meio de conhecimentos e atividades de técnicas de trabalho. Estas atividades, aliadas ao planejamento organizacional para introdução e manejo das culturas perenes e anuais, objetivando as etapas posteriores de armazenagem, transporte e comercialização dos produtos no mercado local, são práticas pedagógicas concernentes aos 323 Planos de Estudos desenvolvidos pelos alunos com orientação dos monitores. São momentos pedagógicos que auxiliaram estes alunos a ter as primeiras noções da interligação necessária entre o planejamento das culturas, as etapas do processo produtivo, como guardar as sementes para a continuidade dos plantios e da alimentação familiar e a comercialização no momento da circulação, compreendendo um movimento relacional que é orgânico para a realização das unidades familiares. Ao afirmar que é filho de agricultor, Nildo (2003) expressa as suas raízes com convicção, mas, quanto à valorização do seu saber e o repassado pelos seus pais, desconsidera-os como construtores importantes da realidade agrícola familiar, principalmente, a escolar, enfatizando isto na afirmação de que precisava de conhecimento, de planejamento, permanecendo assim, em sua compreensão, a – naturalidade - da lógica unidirecional escola/família e não família/escola. Estar satisfeito com os resultados, face às técnicas agronômicas recebidas por meio dos temas geradores, é uma expressão forte que mostra a validade dos estudos recebidos, não questionando se poderia ter sido ampliado com outros temas, como política, cidadania e organização social. O planejamento de estudos voltou-se para o sistema produtivo, envolvendo o interesse do jovem agricultor para o momento de sua vida produtiva no lote; entretanto, ele não se limita a este espaço e é fundamental trabalhá-lo nessa perspectiva, pois, esses jovens podem desejar prosseguir seus estudos, como assinala Nildo (2003): “[...] pretendo seguir em frente, ter o segundo grau. Já tenho um roteiro, faz de conta que vou começar tudo de novo [...]”. Assim, o ensino em alternância na Casa Familiar é significativo porque não se detém em um planejamento exclusivo, tendo, como uma de suas maiores metas, a permanência do jovem no campo; dialeticamente, é dinâmico, porque desperta a liberdade de o aluno planejar suas escolhas e ter direito social de ir e vir entre o campo e a cidade. A escolha do aprofundamento do conhecimento versa sobre as culturas da época; assim, a alternância, como recurso metodológico, conduz à valorização do trabalho agrícola e da vida no campo. O significado da alternância, para os alunos entrevistados, compreende a pesquisa dos temas geradores que subsidiarão os estudos do Tempo Escola, em sucessivas alternâncias mediadas pela discussão sobre cada cultura, de forma coletiva entre monitores e alunos, com explicações técnicas/científicas dos primeiros. As atividades do tempo comunidade/familiar, além da pesquisa sobre as outras culturas para a próxima alternância escolar, eram orientadas 324 pelos estudos repassados pelos professores, em forma de questionário devendo o retorno ser socializado no próximo tempo escola: Em cada alternância eu levava um dado. Uma semana a gente estudava sobre cacau, outra sobre pimenta e assim ia. Aí levava as perguntas para casa. Nós que éramos em três, sentávamos os três e respondíamos as perguntas, aí muitas vezes chegava lá e conversava, e todos falavam, quem respondeu em casa (FÁBIA, 2005). .. Ficávamos estudando uma semana na Casa Familiar e duas semanas no lote (PERI, 2005). A alternância era I semana na Casa Familiar e duas semanas no lote. As duas semanas passadas no lote, além dos dados que deviam ser anotados sobre o que nós trabalhamos no cacau, tínhamos que responder as perguntas que o Delídio e o Josélio passavam (FÁBIA, 2005). [...] a alternância era duas semanas no travessão e outra semana na Casa Familiar. Fizemos lá na Casa l3 alternâncias e as aulas começaram no dia 29 de setembro de 2003 (DAVI, 2005). A alternância, na visão dos alunos, corresponde a uma lógica de levar aos pais os estudos aprendidos, para serem repassados no âmbito prático das roças, no qual se “[...] destaca o conteúdo técnico/pedagógico da formação, apreendendo-o como possíveis saídas, e ou, caminhos para a melhoria das condições técnicas e econômicas da agricultura familiar [...]” (SILVA, M., 2003, p. 142). As principais afirmações entre levar os dados das unidades produtivas, responder às questões dos conteúdos repassados pelos monitores socializando-os com os pais e aplicando- os nas etapas da produção vivenciada em cada cultura, com acompanhamento de seu desenvolvimento, correspondem à forma concreta de o aluno ser o principal ator na realização da formação em alternância. Os depoimentos dos alunos apontam que as atividades em alternância no Tempo Escola proporcionam novos conhecimentos técnicos/práticos e novas tecnologias para serem difundidos além do universo familiar. Nas falas dos jovens, a sua ação é orientada para que assumam a responsabilidade na condução de suas atividades, compreendendo uma autodisciplina na implementação de novas técnicas e na condução do processo produtivo, para garantir a qualidade e preservação das plantas, e, principalmente, para a rentabilidade da produção. Estas etapas têm a orientação dos monitores no Tempo Escola e são a base para que os alunos realizem as novas experiências. 325 No universo dos alunos entrevistados, levar os saberes para as unidades familiares é o entendimento da formação em alternância, valorizando os saberes recebidos na Casa como superiores aos seus e aos de seus pais, pois não conseguindo perceberem suas ações e os saberes práticos como conhecimentos; neste caso, prevalece uma percepção unidirecional, como resquício da escola tradicional. Associada à lógica de uma escola que concebe seu lugar além do sistema de ensino, é necessário que a formação seja voltada para as dimensões da realidade local, das unidades familiares e também esteja inter-relacionada com o contexto global. No momento atual dessa experiência educativa, por meio da fala dos alunos, destacam-se os conteúdos técnicos trabalhados no Tempo Escola, de cunho profissional, com raras lembranças de conteúdos gerais, como os de Matemática e Português; assim, o trabalho com estes conteúdos estão em estado de perspectivas para relacionar – efetiva e continuamente – as questões universais do campo e da cidade, a par de uma cultura geral, para que os alunos tenham mais conhecimento. A dificuldade dos alunos, em geral, relaciona-se aos poucos recursos financeiros para a implantação das técnicas que exigem insumos e mais mão-de-obra. No que tange às dificuldades de entendimento das técnicas, é um problema que pode ser resolvido pela disponibilidade dos monitores em repetir as orientações. Entre as principais dificuldades encontradas na formação em Alternância, os jovens apontam a questão do transporte e do acesso às estradas vicinais. Uma problemática que se acentua profundamente na época de inverno, face às fortes chuvas, é a não conservação das estradas, e, por não serem asfaltadas, os atoleiros emergem, restringindo e impedindo a circulação dos poucos veículos coletivos, principalmente, nas estradas vicinais, espaço em que mora a maioria dos alunos da CFR de Uruará. Estas questões são grandes obstáculos, exigindo dos jovens um grave ônus: Muita gente tem facilidade para estudar, mas nós temos dificuldade para estudar, porque vinha para a CFR de Uruará a pé, com bolsa na mão. Caminhava 27 Km até a faixa para pegar transporte, e, 47 Km. até a cidade; tinha que enfrentar (NILDO, 2003). A dificuldade é, principalmente, no transporte. Do lado do 203 eram três pessoas, e, aqui do 185, acho que eram uns 11. E vai levar a gente no 213, que nós éramos três. Eles pegavam o carro e levavam o pessoal do 180. As vezes ia de moto; levava uma e vinha buscar a outra. Nós pagava R$ 40,00, eu e meu irmão e, meu colega paga R$ 20,00. Às vezes, a gente ia no inverno mesmo. Chegava lá na faixa, vindo de lá do travessão, entre onze horas e meio dia, a pés; deixando a bola, porque não dava para levar o material todo (LENA, 2005) 326 Tinha vez da gente chegar do lote e passar até o dia todo sem almoçar, na segunda-feira. A gente vinha aqui para a rua direto porque já tinha certeza que quando chegasse lá ia ficar sem comer. Chegava ali no sindicato e ficava esperando muito tempo para pegar um carro e ir para a CFR (ANE, 2005). O que mais a gente enfrentou foi a falta de transporte. Não tinha transporte para levar da rua até a escola. Teve um dia que a gente saiu cinco horas da manhã de casa, quando foi cinco horas da tarde a gente chegou na escola. Nesse dia, até o professor Josélio chourou. A gente chegava toda enlameada, com os pés descalços (FÁBIA, 2005). O Transporte é difícil para a Casa. Não quero mais estudar, só trabalhar (NERO, 2005). Se os obstáculos para a ARCARFAR e os coordenadores das CFRs no Pará são as questões da legalização e do financiamento, frente à resistência do governo do Estado do Pará em cumprir o acordado nos convênios assinados, para os alunos é a falta de transporte próprio e a dificuldade com o deslocamento e com o transporte coletivo, face às péssimas condições das estradas, sem manutenção. Esta situação da Rodovia Transamazônica é grave, pois, se no verão é insatisfatória, no inverno se acentua, visto que não há condições para uma trafegabilidade normal e necessária para o deslocamento de veículos e do andamento normal do ir e vir dos indivíduos. Esta situação está presente desde sua abertura, perdurando até os dias atuais, com problemas mais graves em suas vicinais. Nos relatos dos alunos está contida a marca das dificuldades enfrentadas por estes atores para terem acesso à formação escolar em alternância, e de suas famílias, no – cotidiano - de ir e vir entre a cidade e as suas terras, para garantirem a sua reprodução socioeconômica. É válido ressaltar que são esses atores que privilegiam o abastecimento alimentar e a produção na Amazônia paraense, com uma produção considerável, de cerca de 80 %.113 Junto com a dificuldade do transporte, estes alunos registram o alto custo das passagens, onerando ainda mais as famílias que têm mais de dois filhos estudando na CFR. Existe uma preocupação geral nas falas dos alunos, pois estes sentem, juntamente com os pais, o preço elevado para ter acesso à escola, mesmo considerando que a formação desta 113 “Quanto ao peso das diversas formas de produção no agrário paraense, destacam-se os camponeses com 64,4 % do valor da produção total, seguidos das fazendas com 27,1 % e dos latifúndios empresariais com 8,5 %. [...] as diversas estruturas têm características econômicas próprias que as levaram a diferentes opções e preferências produtivas, a importância relativa de cada uma delas varia de subsetor para subsetor, refletindo em nível macro a composição interna de cada estrutura. Retenha-se, pois, o seguinte: [...] na agricultura em geral, a participação camponesa. No valor da produção é de, 86,2% – para 11,5 % das fazendas e 2,3% dos latifúndios empresariais[...]”. COSTA, Francisco de Assis. Desenvolvimento sustentável na Amazônia: o papel estratégico do campesinato. IN:VIANA, Gilney; SILVA, Marina e DINIZ, Nilo. (Orgs). O Desafio da sustentabilidade. Um debate socioambiental no Brasil. SP, Perseu Abramo, 2001, p. 289-314. 327 Casa – não é paga -; mesmo o preço do transporte e dos custos parciais – como alimentos e roupas de cama – fazem parte do financiamento das CFRs e são oriundos da economia familiar. Considerando o pressuposto de que esta economia familiar não detém recursos disponíveis ao longo do ano civil, uma vez que a colheita das culturas são anuais e são estas que geram as receitas das famílias, ressalta-se que a diversificação das culturas pode amenizar este problema, mas nem todos os pais dos alunos detêm esta prática, e mesmo aqueles que detêm, não destinam toda a sua produção para o mercado, pois guardam as sementes para o próximo plantio. Esta prática da tradição camponesa é uma necessidade social para garantir o cultivo de cada cultura e a alimentação da família. Um fato que mesmo traduzido na voz dos pais e alunos, no âmbito do preço das passagens, está inserido no contexto geral do sistema da economia familiar. Além da dificuldade de acesso e transportes, os alunos registram a dificuldade em cada Tempo Escola com o fornecimento da alimentação, da viabilidade de organização da infra- estrutura necessária, em tempo hábil, para garantir o processo educativo. O financiamento da alimentação pelos pais e alunos, na forma de produtos da própria unidade de produção familiar, é destacado por Ane (2005): “[...] nós levávamos arroz, essas coisas para ajudar na alimentação”. Além das condições precárias de financiamento, atingindo o salário dos monitores, tem-se a problemática do fornecimento da alimentação, para os alunos, pois estes chegam cansados da viagem, quase sempre, a pé. Estes fatos demonstram a fragilidade da relação política e das condicionalidades vivenciadas pela CFR de Uruará – sem recursos próprios e financiamento do poder público: [...] fica difícil porque os monitores eram poucos para dar aula o dia todo e até de noite. Na minha opinião, para melhorar, primeiramente, tem que contratar mais monitores e ter mais atendimento. Que nem quando a gente chegava lá era uma correria danada, o Damião (é um monitor), e tinha que ficar correndo para lá e para cá, para resolver as coisas e, o Delídio, dava aula o dia todo e quando chegava a noite estava cansado. Também, teve um sábado que foi roubado lá, porque o vigia não estava (ANE, 2005). [...] para a Casa Familiar funcionar era muito difícil. Então, quando chegava lá a dificuldade era de chegar os alimentos para poder fazer o almoço; às vezes a gente ia almoçar lá pelas duas ou três horas da tarde. A governanta chegava na hora (FÁBIA, 2005). 328 Apesar dessas condicionalidades políticas e financeiras, que repercutiram na contratação, no atraso de salários e na vida pessoal dos monitores, a formação em alternância em Uruará conquistou resultados além do âmbito econômico, resultados que, na opinião dos alunos, alcançaram a esfera das relações sociais familiares, não só nas atitudes práticas, como na concepção de organização e planejamento da economia familiar. Um ponto marcante é a participação na divisão social do trabalho doméstico, na dimensão afetiva para com os pais e os próprios jovens, ressignificando sua auto-estima, no sentido de valorizar-se como ator social e de pertencimento à terra, projeto de vida tão importante quanto ao da cidade: [...] houve mudança na consideração e no comportamento com a minha família, com mais respeito.Também conheci como se dava a relação com outras famílias. Mudança no trabalho em casa, pois antes eu não fazia trabalho de mulher. Tive que aprender tudo isso: fazer café de manhã, passar pano no chão, lavar vasilha. Eu achava que era trabalho de mulher. Aprendi na CFR que todo mundo tinha que participar; é muito importante. Aprendi a me sentir importante, pois tinha grande dificuldade com a auto-estima, me sentia inferior. Os colegas foram jogar no Club e o pessoal falou: vamos tirar esses colonos daí. Agora, o que dizem os rapazes da cidade já não me afeta mais. A CFR ensina a viver (NILDO, 2005). [...] houve mudanças na família, a relação melhorou. Na casa, hoje o pai e meu irmão ajudam nos serviços, como lavar roupa. Passei a gostar mais de mim, a mãe também. Também melhorou a maneira de cuidar das plantas e dos animais, melhorou a produção do milho. E a importância da terra! Todos dão mais valor (FÁBIA, 2005). Dessa forma, tanto a divisão do trabalho doméstico, como as relações sociais intrafamiliares, em geral, tiveram mudanças significativas no comportamento dos jovens, como a discriminação sob o estereótipo de inferioridade sobre o jovem do campo. Esta discriminação já não é considerada um fator para baixar a auto-estima. As abordagens dos monitores permitiram a renovação da auto-estima desses jovens, fato que é destacado por Ane (2005): Eu tenho muito orgulho de ser filha de colono porque a gente tem o nosso lugar, mesmo que tem gente que fala dos colonos; para mim é um orgulho dizer que sou filha de colono e que não tenho estudo por causa da dificuldade. Eu tava conversando com a doutora e o tenente, eles me perguntaram porque eu não tinha estudo, porque eu não moro mais tempo na rua, se eu estou gostando, se eu não quero mais voltar para o lote, e eu falo que não. Se eu pudesse voltar para o lote eu voltava. O problema é que eu não volto para lá 329 é por causa de minha mãe que é doente. A gente tinha que vir porque lá é muito difícil, mas, se, a Casa Familiar voltar a funcionar e minha mãe sarar, eu volto para o lote de novo, por isso eu sonho com o dia. Outro ponto abordado por Ane (2005) é a perspectiva de voltar para o campo, trabalhar no roçado e deixar o trabalho de doméstica; isto constitui um resultado positivo, tendo como influência os estudos na CFR. A perspectiva marcante é a de continuidade dos estudos na CFR, principalmente dos alunos egressos, estando 20% residindo na cidade, estudando e trabalhando. Dos jovens que estão nas unidades familiares, apenas Nero (2005) evidenciou que não deseja continuar os estudos, em função das dificuldades de transporte. Em relação à disciplina Educação Física, esta é bem recebida pelos alunos, tendo a maioria mencionado que o jogo de bola predominava nos momentos de esporte e de lazer na CFR “[...] Os jogos eram a bola” (ANE; FÁBIA, 2005). Nos depoimentos dos alunos, apenas Ane (2005) se reportou à Associação de Pais, indicando que esta Associação teve uma mudança rotativa de gestão, afirmando que primeiro” [...] era um presidente, depois uma mulher, depois um homem [...]”. Esta visão sinaliza para a pouca participação e discussão sobre a temática de organização social, enquanto instrumento fundamental para a gestão e participação qualificada dos pais na Associação, bem como o tema sobre cidadania, tanto para os alunos como para os pais. A relação entre aluno e professor, na opinião dos alunos, é democrática, tanto na sala de aula, como nos momentos de intervalo no internato da CFR, priorizando o diálogo entre ambos. Assim, permeava um estímulo de âmbito pessoal e profissional, com ênfase na orientação para a realização de projetos produtivos e de inovações tecnológicas nas unidades familiares. O diálogo é a base para esta relação, como destacam os alunos: A relação dos monitores com a gente é muito boa porque em cada movimento nós estamos juntos e, os pais também podem participar juntos. A relação com os agricultores também é muito boa (PERI, 2005). A relação professor e aluno é muito boa porque eles ensinam na sala de aula e na hora de folga podemos tirar algumas dúvidas conversando. Nas reuniões, os pais podem participar. Pretendo sempre estar junto dos Movimentos da CFR e, fazer o possível para dar continuidade aos estudos (ANE, 2005). 330 A perspectiva de participação em movimentos sociais incentivados ou organizados pela CFR sinaliza que os monitores discutem temas e fatos de natureza política e de organização social, pois os depoimentos enfatizam os de caráter religioso e intra-escola, como “[...] os da Igreja, os grupos eucarísticos, e também em reuniões na CFR e nas Comunidades, Seminários na cidade e na CFR e debate de grupos” (PERI; DAVI; ANE, 2005). A questão da organização está ligada ao contexto sociopolítico e financeiro da CFR de Uruará, que, como Projeto de CFR, é importante que esteja inserido na dimensão das políticas públicas municipais, estaduais e federais para a agricultura familiar, para a educação, e as políticas ambientais. A crise financeira, a relação difícil com os poderes estaduais e municipais e seus desdobramentos, por definição de prioridades ou por ausência destas, são elementos apreendidos pelos jovens: [...] Eu queria que as coisas fossem diferente. E para isso tem que mudar muita coisa. Agora a CFR tem uma outra estrutura e está mais organizada; tem gente mais interessada nisso, não financeiramente, de ver a coisa funcionando. Eu acho que vai dar certo. Espera-se porque a gente já lutou muito, já sofremos bastante. O tempo que eu estudava, em vez de estudar, tinha primeiro que descansar, para ter vontade de estudar, porque era muito cansativa nossa viagem. Teve interesses políticos, de fazer campanha, a gente não aceitou botou para fora. Eu acho que é errado, é uma coisa mais particular ali, por ser uma escola. Lá tem gente que quer estudar aprender alguma coisa, aí você vai e empurra promessa ali, porque quando é tempo de campanha é aquela coisa e, depois morre tudo. Teve gente que falava da CFR como se soubesse tudo. Nunca pisou os pés naquela Casa (JACÓ, 2005). A perspectiva da maioria dos ex-alunos entrevistados concerne à continuidade dos estudos por meio da CFR, sendo que dois deles estão hoje estudando na cidade, mas se tiver o ensino médio, eles voltarão para a Casa, como afirma Ana (2005): “[...] se tivesse o 2º grau eu ia continuar estudar lá. Hoje estou estudando na rua”. Nesse sentido, Ana percebe a importância da Casa voltar a funcionar: “[...] pretendo trabalhar com o que eu aprendi e continuar meus estudos enquanto tiver uma oportunidade”. Uma outra possibilidade levantada é a de continuidade das visitas dos monitores à propriedade, o que reforça o significado social do monitor para as famílias; também denota ser considerado, além de professor, um profissional técnico que leva o conhecimento 331 científico: “[...] Eu achava melhor se eles continuassem a fazer as visitas nos lote, continuando as orientações. A mãe sempre fala para eles continuarem indo lá em casa; não é para esquecer” (FÁBIA, 2005). 6.3 – A compreensão dos pais sobre a CFR: “um estudo dos trabalhos da roça, das técnicas para a gente produzir melhor” Foto 18 – Colação de Grau da 1ª Turma da CFRU/2002 Fonte: Família Berwien. Vicinal do Km. 201-Sul/Uruará/PA.Pesquisa de Campo, fevereiro de 2005 332 Foto 19 – Condições da Rodovia Transamazônica no inverno de 2005, entre Brasil Novo e Medicilândia. Fonte: Neila Reis. Pesquisa de campo, fevereiro de 2005. No conjunto dos pais entrevistados, a opinião sobre como aconteceu a entrada de seus filhos na CFR corresponde à divulgação aos pais, seguida do convite feito pelos monitores para que os seus filhos fossem admitidos como alunos da formação de 5ª à 8ª série, por meio da metodologia de alternância: [...] Nós dois permitimos para eles estudarem lá na CFR, para aprender mais (JÚLIA, 2005) No início nós não ia deixar, mas o professor Damião veio procurar e nós permitimos ela estudar. Agora estou desanimada, pois não teve mais aula, a escola estava em construção. Ela está gostando das aulas (MADALENA, 2005). Nós queríamos que eles fossem estudar na escola agrícola, daí eles vieram atrás, começavam a fazer reunião. Demorou mais de dois anos, fizeram reunião até que conseguiram construir. Mandamos os três, só uma menina não dá. A gente sempre falava que não era para eles desanimarem, chovendo ou não eles não falhavam nenhuma semana; nunca falamos que não, que não podia ir (NÍSIA, 2005). Eles (monitores) vieram aqui para fazer o convite. Nós deixamos ele estudar (ESTER, 2005). Ela estudava no Km. 140, mas rolava gang, então ela saiu de lá para não pagar pendência na rua. Aí surgiu a CFR, o professor Damião fez o convite e nós autorizamos os dois. Foi muito bom porque as crianças não precisam sair de casa para estudar. Quero que ela permaneça (LÚCIA, 2005). 333 No universo dos pais entrevistados, a relação escola/família é embasada na confiança nos monitores, nos contatos quando da participação dos pais nas reuniões da escola ou das assembléias da Associação de Pais e das visitas e aulas práticas dos monitores nas unidades familiares. O elemento embasador para essa relação são as visitas dos monitores às unidades familiares: [..] Com os monitores há a conversa, é boa. Eles vieram com a turma ensinar os meninos a capar porco, a vacinar os animais, a podar o cacau Por isso quero que eles não esqueçam a gente (GABRIEL, Uruará, fevereiro de 2005). Quando eles vinham aqui o assunto foi sobre as aulas lá na Casa e sobre o que ele (meu filho) fez. Eles vão olhar os trabalhos do meninoS e na conversa vão explicando o que ele aplicou certo e o que precisa melhorar (JORGE, 2005). Eu confio nos monitores, pois eles tratam bem os meninos e sempre contam o que eles fizeram na escola. Compreendem os alunos e têm paciência para ensinar. A conversa com o Delídio, com o Josélio e o Damião sempre foi muito boa, agora, também com o professor Agnaldo (RILDO, 2005). Os meus filhos gostam muito do Delídio, do Damião e do Josélio. O Josélio sempre dava incentivo para eles não desistirem e o Delídio sempre teve paciência para eles aprenderem. Eles foram responsáveis e fizeram de tudo para eles se formarem (CATARINA, 2005). A relação monitores e alunos é compreendida pelos pais na dimensão socioafetiva, com a presença dos componentes de confiança e carinho dos pais para com estes trabalhadores da educação, pois entendem que os monitores realizam muitas orientações para a vida profissional de seus filhos. A apreensão do monitor como amigo se estende à idéia deste como professor, marcando os dois espaços do tempo escolar: o coletivo do internato e o individual da aprendizagem. Como afirma Silva, L.H. (2003), a compreensão do monitor como professor soma-se ao entendimento de valorização do seu conhecimento. O trabalho educativo é mencionado pelos pais, o qual, segundo suas perspectivas, deve convergir para os moldes da escola tradicional, em que o professor deve ensinar e o aluno ser disciplinado: “[...] lá na Casa Familiar eles explicam tudinho, quando eles não aprendem direito o Delídio repete a aula. Ele tem mais paciência, ele sabe e repassa, é um professor: Os meninos têm que obedecer eles” (ESTER, 2005). O trabalho pedagógico da CFR, na compreensão dos pais, é percebido como similar ao da escola oficial, uma relação de ensino/aprendizagem, avançando na prática além do Tempo 334 Escola, de modo que os monitores estabelecem laços afetivos com os alunos, por meio de aulas práticas e acompanhamento de algumas atividades no Tempo Familiar, como os Dias de Campo. Um acompanhamento que visa analisar e avaliar as atividades desenvolvidas, mas sofreu descontinuidades nas alternâncias de inverno. Este acompanhamento e a visita dos monitores significam ainda mais resultados positivos, visto que passam a ser considerados um instrumento para os monitores repassarem orientações técnicas a esses pais. Assim, os monitores são considerados como os profissionais que dão apoio e incentivo, como assinala Silva (2003). A participação dos pais na escola, na opinião da maioria, está ligada às reuniões da Associação ou do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, quando há o convite por parte da associação ou dos monitores; assim, esta participação é compreendida como uma obrigação dos pais com a CFR, ficando restrita à idéia de que o ponto de partida é o da escola e não o da família, sinalizando para uma participação de caráter consultivo: [..] Na reunião da associação eu nunca fui. Fui umas duas vezes na reunião do sindicato. Ele ia, pois era da diretoria, daí não podia falhar. Nós dois nunca podia ir, porque sempre no mesmo dia da reunião eles estavam na escola, tinham a aula, com isso, eu nunca fui na Escola (NÍSIA, 2005). O monitor faz o convite para as reuniões e os meninos trazem. Sempre que eu posso eu vou, para ver como eles estão lá (RAFAEL, 2005). Eu nunca fui em reunião, sempre quem foi é o pai deles, porque eu sou mais do trabalho de casa (ESTER, 2005). Nas reuniões, nem todos os pais vão, porque são feitas quando os meninos estão na Casa Familiar e, eu tenho a roça para trabalhar (JORGE, 2005). Apesar de todas as dificuldades com a problemática da falta de transporte, com as condições de estrada, no período do verão os monitores fizeram as visitas e as aulas demonstrativas no Tempo Família. Este esforço representa não só o compromisso com o ato educativo, mas a responsabilidade com os pais e os jovens. Na maioria das opiniões dos pais, a ida dos monitores às unidades produtivas corresponde à realização de práticas que são importantes para a formação dos filhos e para orientar as atividades trabalhadas em cada cultura. A efetiva presença dos oito alunos da primeira turma de Uruará evidencia o apoio aos filhos e o reconhecimento aos monitores pela formação escolar que desenvolviam no Tempo Escola. A dificuldade com o transporte e com as estradas foram enfrentadas pelos alunos, com 335 o estímulo dos pais, como afirma Catarina (2005):”[...] na volta da escola, toda vez, era chuva, era sol, eles vinham a pé; todo o sábado a volta era assim [...]. O pedido do pai e da mãe para os monitores não esquecerem de continuar as visitas denota o grau de satisfação dos diálogos desenvolvidos entre estes atores, e também a satisfação do trabalho dos monitores para as orientações de novas técnicas a serem desenvolvidas pelos jovens. Na opinião dos pais entrevistados, a CFR representa um espaço essencial para a formação de seus filhos, por ser a única escola de 5ª à 8ª série atendendo em regime de internato, em Uruará, e utilizando a metodologia da alternância, permitindo, assim, que os jovens estejam presentes como força de trabalho nas unidades produtivas e obtenham maior conhecimento das técnicas em agricultura sobre as culturas que estão sendo cultivadas: Eu acho que é uma coisa bem inventada essa CFR, principalmente, para quem mora na roça, porque esse tempo de dizer quem mora na roça não precisa de estudo, já acabou, hoje em dia tem que ter estudo até para quem trabalha na roça. O estudo da CFR porque ali a diferença que tem, é que ele vai aprender os trabalhos que os pais vem fazendo, para melhorar (RILDO, 2005). A Casa Rural para nós foi bom, porque a gente não podia botar os filhos para estudar, adquirir mais base para trabalhar na agricultura. Para nós é melhor. Ainda hoje meus meninos estão esperando a oportunidade para voltar para a Casa de novo, porque eles não querem sair da roça. Se a Casa voltar a funcionar, eu vou botar eles para estudar de novo. A gente quer que eles estudem para ter mais base e trabalharem. Apesar de eu ser analfabeta eu sempre incentivava eles a estudarem, porque estudar é bom para a gente (ESTER, 2005). Na maioria dos depoimentos dos pais, a CFR é analisada positivamente, indo ao encontro da expectativa dos pais em relação aos conteúdos profissionais transmitidos, sendo um consenso a necessidade do conhecimento técnico voltado para a agricultura. Isto se torna evidente tanto na fala das mães, como na fala dos pais, com ênfase para o aprofundamento das técnicas, necessárias às etapas do processo produtivo de cada cultura trabalhada no cotidiano. Assim, as dúvidas sobre o trato com tais culturas, levadas pelos alunos para o tempo de alternância na escola, possibilitam a discussão e a aprendizagem sobre as atividades desenvolvidas pelos pais e um retorno desse conhecimento, de forma sistematizada. Além da satisfação, a opinião dos pais revela a possibilidade de continuidade dos estudos na CFR e uma preocupação para que os filhos aprendam novos conteúdos, nova 336 tecnologias para aplicar nas unidades produtivas. Reportando-se ao conjunto dos olhares desses pais, a dimensão técnica da formação de 5ª à 8ª série está ligada à importância da agricultura, das transformações no campo e dos desdobramentos para a economia familiar. Este fato, como afirmam Silva, L. H. (2003) e Ribeiro, B (2003), sobre as expectativas dos atores (pais, monitores, técnicos) envolvidos nesse processo de ensino e das transformações atuais, é trabalhado como um discurso em defesa da profissionalização dos filhos dos agricultores, compreendida por eles como um fator para a permanência nas unidades familiares. Nesse sentido: Estou feliz! Só ouvia falar da CFR, chegou a oportunidade de botar ele lá. Com a escola pronta, acho que vão continuar os estudos lá. Queria até matricular a minha menina lá. Acredito que os professores estão lutando lá (ESTER, 2005). Ele já falou para mim das técnicas, os estudos que vem fazendo. Daqui para a frente vamos esperar mais dele. Acredito que ele vai aprender mais (JORGE, 2005). Tem esse menino de treze anos e tem vontade de estudar, e, agora, parece que a escola vai tornar a funcionar lá de novo, eu to pensando em botar ele lá de novo. Aqui tem um escola mas é só até a quarta série, não tem outro jeito é obrigado a ficar em casa. O importante não é como vai, mas é botar na casa dos outros, é complicado demais. E eu largar daqui da roça e morar na cidade é o fim da picada. Tem exemplo de famílias que fizeram isso e virou em nada a família. Com a Escola Familiar a vontade é essa, do aluno estudar lá, vai estudar na Casa os trabalhos da roças, as técnicas, para poder produzir melhor. Eu acho que é uma vantagem dessa escola, porque o outro ensino, para gente que mora na roça eu acho que pouco adianta, porque não ensina nada do objetivo da gente, do que a gente está fazendo na verdade (RILDO, 2005). A CFR, na opinião dos pais, vai além de um ensino diferenciado no seu âmbito metodológico, tendo em vista que se direciona para intercalar os aspectos teóricos e práticos dos temas geradores, temas que emergiram da realidade das culturas trabalhadas por cada família. A afirmativa de pais, como Ester, Jorge e Rildo, em que os filhos estão esperando pela volta do funcionamento normal da Casa corresponde a uma avaliação de aprovação dos estudos em alternância. Esta modalidade atende, simultaneamente, a duas expectativas dos pais: valorização do jovem trabalhador do campo e a permanência e envolvimento deste nas atividades produtivas familiares. Isto se justifica pelas atividades agropecuárias exigerem o empreendimento de considerável força de trabalho, e os filhos, como demonstrou Chayanov 337 (1974), são parte desta força de trabalho familiar para as unidades produtivas reproduzirem-se internamente. Nesta perspectiva, o entendimento dos pais é de que a formação na CFR é positiva, pois enfatiza a qualificação em agricultura, atendendo assim às necessidades das unidades familiares. Consideram a formação em alternância como instrumento para o crescimento econômico, ambiental e social da propriedade, e o monitor, como agente que tem a função além da de professor, pois é este que orienta as novas técnicas no processo produtivo: “[...] a alternância é uma semana na CFR e outra no lote. Na CFR, as técnicas são repassadas para os meninos. [...] botando os adubos no cacau e podando, se tem mais renda” (JORGE, 2005). A alternância para os pais entrevistados é entendida como um movimento relacional, partindo da escola para as unidades familiares. Nesse entendimento, o movimento, o conhecimento teórico – da escola – é para ser aplicado na unidade produtiva (SILVA, L.H., 2003), visando a que se tenha rendimento na produção: [...] O estudo na CFR é a alternância, e é para ser aplicado na propriedade. O meu filho chega em casa e a gente vai olhar nos cadernos para ver o que ele aprendeu nessa alternância, para depois ele fazer (JORGE, 2005). [...] alternância é o período que os meninos estão estudando, que eles estudam uma semana lá na Casa Familiar e ficam as outras trabalhando em casa, isto é a alternância (MIGUEL, 2005). A compreensão dos pais entrevistados sobre os estudos em alternância passa pela centralidade das técnicas agrícolas nos temas geradores, pois concebem a sua aplicação como elemento para uma maior produtividade e rentabilidade de recursos. Por um lado, como afirma Silva, L.H. (2003), continua-se a dar importância às novas tecnologias, difundidas pelo serviço de extensão rural, mas, por outro, tem- se a exigência de atualização dos pais, quanto à tecnologia e à profissionalização, que é alcançar este – status - e de resistir como agricultores na terra. No caso dos agricultores da CFR de Uruará, as novas tecnologias adotadas são as de orientações de insumos orgânicos – só quando estritamente necessário, é recomendado o uso de agrotóxicos. Este entendimento e a perspectiva dos pais passam pelo compromisso dos monitores em trabalhar os eixos temáticos das técnicas agrícolas – em adubação e defensivos -, por meio de recursos orgânicos, naturais, utilização de esterco dos animais e outros resíduos das próprias culturas. Portanto, o ensino em alternância conduz à introdução de técnicas saudáveis para o ser humano e o meio ambiente, conforme o relato dos atores envolvidos. Este fato leva ao entendimento – por parte dos pais e alunos – de que a função da CFR é a de repassar os conhecimentos técnicos para contribuir com a melhoria socioeconômica das unidades familiares. Assim, a Casa Familiar “[...] é uma escola com o ensino diferente porque tem 338 ligação com o cacau, com a pimenta, com os serviços que faço aqui na propriedade. Ensina as novas técnicas, como a de adubação e a espaldeira para a pimenta (GABRIEL, 2005). Ao se reportar às técnicas transmitidas, a fundamentação de Gabriel concerne em defender o estudo por meio da alternância e a valorizá-la em função de que esta é embasada na realidade de seu trabalho. Os pais compreendem também, no cenário heterogêneo da formação em alternância, que esta tem a função de transmitir as inovações técnicas e profissionalizar os jovens para que estes tenham estímulo para permanecer na terra e, assim, garantir a reprodução socioeconômica da família. A percepção dos pais é centralizada na dimensão técnica, e esta é associada a uma formação que desperte os jovens à sociabilidade e à internalização de valores éticos e respeitosos para com a família. O ponto de partida para esta mudança no comportamento dos jovens com a família é a relação democrática entre monitores e alunos, tendo como corolário a abertura na relação pais e filhos, por meio do diálogo. A relação interpessoal democrática é um dos pontos que possibilita os jovens a serem os agentes difusores, tanto na transmissão dos conhecimentos teóricos, como na implantação prática e a participação da família na formação. A valorização da educação escolar pelos pais é representada na fala de Ester (2005), quando afirma que estudar é bom. Esta percepção evidencia a valorização do saber escolar, escrito, considerando em plano secundário o saber oral. A relação Casa Familiar e pais, na opinião deles, é satisfatória, constituindo-se por meio de diálogo, em sua maior parte realizado quando das visitas às unidades produtivas ou nas reuniões da CFR. Também o acompanhamento dos estudos: [...] Nós sempre ajudava, em tudo, nós olhávamos os cadernos, tudinho. Em cima disso nós falava: agora essa semana vocês tem que fazer alguma coisa em cima dessa aula” (CATARINA, 2005). Eu senti que eles aprendem a conviver melhor com os pais, aprenderam a ter mais educação; o menino ajuda mais em casa do que as meninas. Ele aprendeu mais, teve mais compreensão de que pode trabalhar ali dentro de casa. [...] o ensino da CFR veio educar toda a família, com o ensino das técnicas para adubação e poda. Nas visitas aqui no lote e nas reuniões, o Delídio, o Damião sempre deram atenção para nós. A alternância é um ensino que une a família (ESTHER, 2005). A fala dos pais aponta para o reconhecimento da CFR como escola que confere o acesso à continuidade da formação de seus filhos, ao mesmo tempo revelando as condições infra-estruturais das famílias camponesas na Transamazônica, de um modo geral, como 339 destaca Silva, L.H. (2003), a condição de marginalização da agricultura familiar brasileira. É no contexto dessa realidade que os pais têm a perspectiva de que a escola conduza a uma formação profissional que atenda à reprodução necessária da economia familiar. Esta perspectiva evidencia-se nos fatores marcantes da formação em alternância, que é a motivação para continuar na agricultura familiar, nas possibilidades da aplicação dos conhecimentos técnicos e na diversificação das culturas: [...] Aprendi com eles a fazer enxerto da bananeira, a adubar o cacau. Em cada alternância eles trazem coisas novas, eles vão aprendendo e a gente também (ESTER, 2005). [...] O trabalho dos monitores é muito importante na propriedade do agricultor e também para os alunos, pois eles ensinam para os meninos técnicas novas, para o cacau, para a pimenta, para o café. As técnicas da horta fica para a mulher e os meninos (MIGUEL, 2005). A fala dos pais é favorável ao envolvimento de toda a família em torno dos conhecimentos escolares trazidos pelos seus filhos, permitindo no Tempo Familiar realizar uma articulação com o conteúdo teórico produzido no Tempo Escola, por meio da realização de práticas, em um sentido complementar. Esta articulação em seu exercício prático é compreendida como a base para as mudanças qualitativas e quantitativas não só na qualidade das culturas, como também na rentabilidade, melhorando a socioeconomia dos pais camponeses agricultores. Assim, [..] o aprendizado que eles trazem para a gente é grande. Os monitores têm paciência de ensinar e eles aprenderam direitinho, tudo foi repassado. As duas semanas aqui no lote, eles repassavam para a gente as técnicas que aprenderam na semana lá na CFR. Eu sempre incentivei para eles fazerem como os professores ensinaram. [...] Aqui em casa todos trabalham e as meninas também. Na roça eu ajudo sempre, adubemos o cacau, ninguém veio ajudar, mais eu já sei como é que faz. A gente coloca o adubo e os outros a gente aduba com esterco, aí eu ajudei. Tinha esterco sobrando e aí no lugar do adubo coloquei o esterco de gado, é a mesma coisa. É melhor que o adubo químico (CATARINA, 2005). A participação dos pais está presente na relação Tempo Família, por meio do regime de colaboração e no sentido de enviar para o Tempo Escola as informações para definir os temas geradores e as mudas para as práticas de horticultura, visando ao envolvimento efetivo de seus filhos. Esta participação é ativa, em função da abertura proporcionada pelos 340 monitores, no sentido de dirimir as dúvidas na implantação das novas culturas. A forma de participação, era direta e indiretamente, com o conhecimento dos pais, partindo em uma dimensão, pois Catarina [...] mandava para elas mudas de cebola, couve, para elas plantarem lá. A horta deles é a coisa mais linda lá. Ainda não tive lá, não sei como é. Não tive a oportunidade de ir lá, mas elas tiravam foto. Só uma vez que a aula é a noite, às vezes o sono é muito e no outro dia cedo tem que ir para plantar alguma coisa, pois tinha a horta atrás do terreno. Em casa eles também ajeitam os canteiros, semeiam, aprenderam com os professores de lá. Sempre há alguma dificuldade na hora de plantar, mas os monitores explicavam bem e eles tiravam as dúvidas, lá nas aulas. Eles foram até para Belém, ficaram três semanas lá, no último mês de aula que eles foram. O Josélio que fez o convite (CATARINA, 2005). A satisfação da mãe com os estudos que os filhos adquiriram na Casa Familiar é expressada não só pela citação da existência do diálogo entre monitores e alunos, como também pela postura democrática dos monitores, permitindo um avanço no comportamento e posicionamento dos filhos no processo ensino/aprendizagem, e conduzindo à autonomia de decisões como atores que apresentam suas dúvidas aos professores, sem a mediação do medo. Assim, os jovens ampliam sua visão de mundo e podem participar de outros espaços públicos que a vida social oferece. Entre os ex-alunos entrevistados, mais de 50 % continuam vivendo nas unidades familiares, com atividades na agricultura, apresentando uma diversificação expressiva com culturas perenes e semiperenes. As aulas práticas foram extensivas para essas unidades, com revezamento na unidade de produção dos pais e nos de seus filhos (apenas uma família os filhos têm lote), como destaca Catarina (2005)114: [...] Eles têm pimenta, banana no meio do cacau. Tem uns pés bonito, umas árvore, tudo bonito. A gente está plantando todo o ano. Eles se interessam bastante no trabalho da lavoura deles, aqui também nesse lote. Eles preferem lá pra conseguir alguma coisa, mais daí como não dá, tem que ficar aqui e lá. Às vezes eles ficam uma semana, as vezes um ou dois dias, depende da necessidade. 114 É relevante citar que, entre os alunos entrevistados, apenas três tem a propriedade da terra, sendo apenas um lote para os três irmãos. 341 Os estudos na CFR estimularam os jovens a desenvolver atividades diversificadas e a ter seu roçado. Infelizmente, apenas, uma minoria tem a terra própria. A participação da família na formação em alternância é realizada por meio da colaboração, tanto com a adoção das técnicas, como do trabalho de execução; assim, é compreendida como uma obrigação social para se ter os resultados esperados na formação dos filhos e na melhoria da produção. O uso do adubo orgânico compreende uma retomada nas práticas das famílias sem-terra de 1970, que se tornaram agricultores da Transamazônica, e ainda voltavam-se às orientações da extensão oficial que recomendava os pacotes químicos e, a partir de 1990, um abraçar à concepção que defende as técnicas – alternativas - da tradição indígena e camponesa. Outro ponto compreendido como fator de participação social é o próprio financiamento para a manutenção da CFR, que segue nesta compreensão de responsabilidade dos pais: [...] Para completar alimentação dos meninos tinha que levar comida da roça, roupa, rede. Aí eles compravam só a mistura. [...] A gente mandava toda semana que eles iam, um quilo de feijão, um de arroz, abóbora, macaxeira; eles pediam para levar. O transporte é por nossa conta (ESTER, 2005) No sentido de obrigação, o Tempo Familiar é preenchido pelos filhos nas atividades práticas necessárias ao andamento do processo produtivo. Neste tempo, os pais atribuem a responsabilidade aos filhos para a condução do processo e esses tornam-se os assessores técnicos que aprendem com os filhos (SILVA, L.H., 2003), mas também por meio da operacionalização das inovações técnicas, simultânea e dialeticamente, ensinam os filhos, e ambos aprendem: [..] aqui na roça eles tem que fazer as técnicas que os monitores mandam, para ver se dá certo, já fizeram a poda e a adubação, só não fizeram mais porque as aulas pararam. O problema, primeiro foi a greve dos professores, agora a Casa está fechada para a construção. Os meninos gostam deles, e vão continuar, quando as aulas voltarem (ESTER, 2005) 342 Uma das referências que prepondera na expectativa dos pais não é a inovação técnica em si, mas sim a certeza de que ela dá certo; por isto, muitos deles são abertos à aplicação experimental dessas inovações e, de certa forma, cobram dos filhos a utilização equilibrada do Tempo Familiar (SILVA, L.H., 2003). Justificam que as aplicações de novas técnicas não tiveram continuidade em função da paralisação das aulas, lamentando inclusive, e enfatizando que os jovens gostam dos monitores. Assim, para os pais, como ressalta Silva, L.H. (2003), os filhos são os atores principais para efetivar as orientações quanto ao trato das culturas agrícolas e para a introdução de pecuária. A compreensão da maioria dos pais entrevistados sobre os conhecimentos apreendidos pelos seus filhos é de que estes têm importância para suas atividades socioeconômicas, sendo favoráveis à adoção das técnicas recomendadas pelos monitores, mas, apresentam, como impedimento à aplicação imediata e total dos projetos técnicos, as dificuldades monetárias. A voz dos Pais e alunos é de esperança: [...] Os meninos falam que ainda não saiu o financiamento para eles investirem. Querem aplicar em gado (ESTER). [...] está faltando sair o financiamento do projeto para eles poderem aplicar [...] (JORGE, 2005). Um dos instrumentos pedagógicos para a formação em alternância é o Projeto Profissional para os jovens, visando à sua integração na vida profissional, preferencialmente, para contribuir na economia do estabelecimento familiar, de forma agroecológica, um instrumento não lembrado na fala dos monitores e também não enfatizado nos documentos da CFRU (RIBEIRO, B., 2003). Este Projeto tem sua origem no modelo das Maisons e é adaptado para as CFRs como Projetos de Campo, com perspectivas de sua implantação no 3º ano do curso: “[...] Para concluir seus estudos na CFR, cada jovem durante o terceiro ano deverá planejar e executar um projeto prático em sua propriedade, com base em seus conhecimentos acumulados durante os três anos de estudos” (ARCARFAR/NORTE/PLANO DE ESTUDOS, 2001, p. 9). Para o desenvolvimento desses projetos pelos alunos, a proposta pedagógica das CFRs prevê três anos de estudos, estando planejados em torno do embasamento de conteúdos específicos e gerais, além de orientações para que os jovens conheçam a realidade social do município e das relações sociais e políticas em que a CFR esteja envolvida. 343 Este financiamento é importante se for trabalhado em função das demandas dos alunos; de forma geral, só é possível sua materialização via articulação da CFR/FVPP com a instituição financiadora; e em função da difícil relação entre CFR de Uruará, prefeitura e STR, os projetos não aconteceram, como já assinalou RIBEIRO, B. (2003). Apesar dessa problemática, a avaliação da maioria dos pais entrevistados sobre a realização das atividades técnicas no Tempo Família é de aprovação, pois os filhos têm dado incentivo e têm a iniciativa de realizar as experiências com as novas técnicas. Outro aspecto avaliado é a mudança comportamental dos filhos, com a renovação da auto-estima e a sociabilidade nas relações intrafamiliares, sentindo-se, tais jovens, úteis ao processo de gestão e execução da economia familiar. O comportamento disciplinar do aluno é também observado no Tempo Escola, pois tem a responsabilidade de aprender e ser o monitor no Tempo Família, repassando os conhecimentos, com vistas à imediata aplicação (SILVA, L.H., 2003). A importância dada ao conhecimento escolar é presente na fala da maioria dos pais entrevistados, deixando de lado o próprio saber acumulado, prevalecendo uma visão sobre o conhecimento do monitor como sendo o mais correto. Na opinião dos pais, a sua Associação da CFR de Uruará, enquanto organização social, no que concerne ao seu desenvolvimento no princípio da autogestão, não realizou as funções necessárias, posto que o processo de gestão dessa CFR ficou centralizado na diretoria. Isto ocorreu por influência de fatores externos, como a ingerência política do executivo municipal, e fatores internos, como a não participação qualificada dos pais e dos monitores, contribuindo para sua desarticulação. Um dos problemas citados foi [...] a questão do desvio; que eu fiz um levantamento e descobri. Vinha uma quantia X de dinheiro, aí uns quatorze dias depois fizeram uma outra prestação de contas, aí não apareceu nem mais cinqüenta por cento do dinheiro. Ai eu pedi para onde foi esse dinheiro? A pessoa, que era a vice- presidente passou a ser a presidente, porque o presidente saiu candidato a vereador. Eu não podia adivinhar que foi ela que tirou. Ela mesma falava que ela precisava, que recuperava, que é aposentada. Foi mais de R$ 5. 000,00 (Cinco mil reais). A escola foi construída porque existe professor que disse que ia detonar. Aí o prefeito construiu aquela escola. Esse convênio foi feito para ser de três anos para completar aquela turma, aí virou e mexeu, vacilaram e eles botaram na hora de fazer os papéis, dois anos. O que aconteceu, os monitores foram trabalhando sem receber. Foi nesse período que aconteceu o desvio do dinheiro. O dinheiro vinha todo para a diretoria da escola. Aí o dinheiro foi aplicado, daí ia sempre sobrando. 344 Então faz outro Convênio para concluir os três anos, mais houve desvio de novo RILDO (2005). [...] Com esses problemas todos, o da demora para iniciar as aulas e depois os professores pararam, a metade para mais dos alunos foram desistindo (CATARINA, 2005). Eu participo de reuniões na CFR e de assembléias da Associação. Nós acompanhamos quatro visitas com os monitores visitando o PDA115, dois em roça de cacau e dois em horta (MIGUEL, 2005). A fala de Rildo (2005) destaca o grau de dificuldade de participação qualificada dos pais, mostrando que a gestão ficou centralizada na figura da direção da Associação. A gestão democrática e a perspectiva de autogestão está na perspectiva da organização das CFRs, por meio da Associação de Pais em cada CFR, e, regionalmente, a cargo da congregação dessas Associações, a ARCAFAR/NORTE, como está previsto no projeto político pedagógico e como defende os CEFFAs. Miguel (2005) expressa a opinião de motivação em relação à participação em reuniões e assembléias convocadas e realizadas pela coordenação da Casa Familiar e da Associação. 116 O estímulo desse pai é observado também no esforço de acompanhamento das visitas e aulas práticas nas unidades familiares de seus vizinhos. Esta modalidade de participação no acompanhamento das visitas não é a regra prática dos pais, assim como nos Dias de Campo. A participação dos pais, em média, compreende a presença nas reuniões da CFR e nas assembléias da Associação, mas a intervenção nas decisões da Diretoria da Associação, a partir das falas dos pais entrevistados, é necessário ressaltar que é muito tímida, apenas um destaca-se. 6.4 A interface das falas dos atores da CFR de Uruará: pontuando uma leitura Na compreensão dos pais e alunos que constroem a CFR perpassa uma idéia geral de que a formação em alternância está vinculada e direcionada como eixo central para a reprodução econômica das unidades familiares. Assim, esta formação é concebida como o lócus para a profissionalização dos jovens, sendo extensiva aos pais, por meio da socialização 115 Plano de Desenvolvimento da Amazônia. 116 A coordenação da CFRU, na época da entrevista, fevereiro de 2005, foi eleita e exercia, também, a função de monitor/coordenador, visto que é pedagogo, e também é agricultor. 345 que seus filhos fazem a cada retorno do Tempo Escola. A compreensão de alternância passa pela referência de conteúdos técnicos como aportes para a realização da melhoria da produtividade e rentabilidade em seu sistema de produção. Os estudos na Casa Familiar são concebidos como os pilares essenciais para ocorrer as mudanças e inovações tecnológicas na propriedade, conduzindo ao seu desenvolvimento econômico, por meio de uma orientação voltada para a agricultura orgânica. Tanto para os pais como para os filhos, esse conteúdo técnico está focado nas demandas do estabelecimento. Para os monitores, a formação em alternância é mediada pela inter-relação entre conteúdos gerais e técnicos. As unidades produtivas constituem o espaço basilar em que se constrói a formação em alternância, num movimento relacional de ida e volta de informações, com a intencionalidade de, a partir das demandas do Espaço/Tempo Família, ser desencadeado o estudo teórico no espaço/Tempo Escola para um retorno à ação prática das famílias. As falas da maioria dos atores entrevistados, envolvidos no processo formativo em alternância, vislumbram uma escola diferente, voltada para o fortalecimento da agricultura familiar, à base de temas geradores emergidos da realidade cotidiana das culturas que estão sendo trabalhadas nas unidades produtivas daquele período de alternância. A adoção dos temas ligados aos problemas com o sistema de produção diz respeito ao trabalho pedagógico de incentivo ao envolvimento dos jovens com o trabalho da agricultura familiar. O retrato construídos tanto pelos pais, como pelos alunos sobre a função do monitor compreende, como assinala Silva, L.H. (2003), uma dimensão do professor/técnico, voltada para repassar as novas técnicas como elementos estratégicos que contribuirão para a rentabilidade econômica da produção do lote. Este retrato sinaliza para um discurso de reconhecimento pelos saberes e experiências dos pais em relação aos saberes dos monitores. Entretanto, os monitores compreendem o seu trabalho como elo educativo entre os saberes da família e o conhecimento científico. A produção do conhecimento por meio do trabalho educativo escolar, que compartilha os diferentes saberes, não é assim compreendido pelos pais e alunos, mas sim de que este conhecimento é produzido pelo monitor. Esta visão dos atores predomina, na medida em que as visitas dos monitores e as aulas práticas no Tempo Família são concebidas com o caráter de orientação; assim, a visão do professor/monitor se amplia para a compreensão do monitor/técnico (SILVA, L.H. 2003). 346 Para os monitores, as suas funções correspondem à formação educativa embasada no diálogo entre eles, os alunos e os pais. A relação entre estes atores é democrática, mas perpassa uma certa centralização do conhecimento trazido pelo monitor ao ato pedagógico, como um movimento de ida ensino/aprendizagem e não ensino/aprendizagem/ensino, tanto para as matérias de cunho geral, como para as específicas. Um outro ponto relevante, que os alunos e pais enfatizam em suas opiniões, é a relação afetiva desenvolvida pelos monitores nos espaços e tempos de convivência em comum. Esta percepção do monitor companheiro juntamente com a do monitor técnico evidencia a atuação ampla em que este ator se movimenta, seja no Tempo Escola, seja no Tempo Família. Assim, o monitor vem a ser o ator social que dá exemplos de bom comportamento, é aberto ao diálogo e à busca do conhecimento, visando conquistar a confiança dos seus alunos e, simultaneamente, contribuir para o despertar do sentimento da autoconfiança dos jovens. A percepção sobre o papel dos alunos é de que estes correspondam, com bom desempenho, tanto no Tempo Escola como no Tempo Família/Comunidade. No processo do tempo presencial na Casa Familiar, seu comportamento deve estar voltado para a participação nos trabalhos de grupo e assiduidade nas aulas. No Tempo Família, o jovem tem a responsabilidade de conduzir as orientações dos novos conteúdos recebidos no Tempo Escola, cabendo-lhe também a tarefa de trazer, para o Tempo Escola, as dúvidas e as demandas das exigências de cada cultura trabalhada. Assim, para os atores entrevistados, o aluno é um ator essencial que faz o elo para a efetivação prática dos temas geradores discutidos. Nesse contexto, o jovem é um aluno que dialoga com os monitores no Tempo Escola, mas ainda permanece na condição de receber os conteúdos. Já no Tempo Família, este jovem deve ter a motivação para repassar os novos conhecimentos técnicos e implementá-los. Na concepção dos pais, jovens e monitores, o aluno é a referência principal do processo ensino/aprendizagem, uma vez que é ele que recebe a informação, a transfere e a coloca em prática. Assim, ao retornar ao Tempo Escola, as tarefas práticas são cobradas pelo monitor, sendo atribuída a ele a responsabilidade no processo produtivo e de gestão. Para os pais, a formação profissional dos alunos é avaliada satisfatoriamente, pois permite sua atuação no sistema produtivo com referências técnicas que contribuirão com o rendimento econômico, ecológico, além de estimular tanto o estudo, como o trabalho, a permanência na terra, a auto-estima do jovem e a disciplina para cumprir as normas da escola. Estas normas, avaliadas positivamente, são introduzidas no novo comportamento dos jovens, assimiladas pela família e propiciando a identificação com a cultura do campo. 347 Esse estímulo aos estudos qualificados em agricultura, transmitidos pelos monitores, desperta outros, como a permanência na terra, e a assiduidade dos jovens na formação, que é uma referência nos estudos da CFR de Uruará. Os monitores avaliam positivamente a atuação da maioria dos alunos, seja por meio do diálogo nas orientações técnicas complementares, no sentido que assinala Silva, L.H, 2003, seja na resolução de problemas surgidos no processo produtivo, também apresentando iniciativas práticas que evidenciam a motivação para interagir e obter o conhecimento científico. Os pais e irmãos destacam as mudanças no pensar e no comportamento dos jovens, tanto nas atividades produtivas, como nas atividades de casa, rompendo os estereótipos de que certas tarefas são responsabilidades só das mulheres. Cem por cento dos jovens entrevistados apontaram o valor dos estudos em alternância, pelo fato de os temas estarem voltados para a sua realidade de trabalho e, principalmente, pela imediata compreensão dos conteúdos teóricos no momento das aulas práticas, além de o movimento família/escola/família permitir a adequação e a permanência do trabalho produtivo e na vida familiar. As aulas práticas constituem destaque nas avaliações desses jovens, haja vista que facilitam a difusão no processo de produção, além de incentivar a potencialidade criativa e a interação dialógica com os pais. Em relação aos problemas identificados na formação em alternância, quanto à família, correspondem à implantação efetiva das técnicas que exigem recursos extras, em função das condições financeiras, geralmente desfavoráveis dos pequenos agricultores, por isso, esperam os recursos de financiamento para os projetos dos alunos. Outra preocupação dos pais são as dúvidas em relação ao entendimento das técnicas ainda não assimiladas totalmente pelos alunos; no entanto, estas são resolvidas pelos monitores, que retomam o assunto. Os entrevistados identificam o problema das condições das estradas vicinais e da Rodovia Transamazônica, o do transporte coletivo e o preço das passagens – muito alto – para suas posses, além da grande dificuldade, quanto ao acesso, ocasionando desgastes físicos aos alunos para estudarem imediatamente após a chegada à CFRU. Quanto à função da família, tanto no Tempo Escola, como no Tempo Família, a opinião dos entrevistados é de que os pais devem participar ativa e efetivamente do processo educativo. Enquanto a participação das famílias é vista pelos pais como a função de acompanhamento, de cobrança e de valorização das atividades atribuídas aos alunos, os monitores pensam que a família tem voz fundamental para o processo de difusão das técnicas. A fala dos pais, citando a importância de “ver o que ele aprendeu lá” e “antes eu fazia do jeito que eu aprendi”, sinaliza para uma postura de abertura às inovações técnicas e ao 348 conhecimento dos monitores, de forma democrática. A fala dos monitores, afirmando que “aprenderam com os alunos e com os pais”, evidencia o respeito pelo conhecimento da tradição. Ao não citar nenhum desses conhecimentos aprendidos, motiva para o questionamento: até que ponto houve preocupação em materializar tais conhecimentos? Assim, nas falas, a participação dos pais parece se encerrar no aceitar a implementação das inovações trazidas pela CFRU. Os conteúdos registrados nos cadernos de alternância, no entanto, apontam para a diversidade de conhecimentos dos pais e dos alunos, conhecimentos não recordados na memória dos entrevistados, sinalizando para uma desvalorização dos saberes e experiências dos agricultores, apesar do discurso contrário. Essa desvalorização é sentida em função da recorrência “natural” na atribuição ao conhecimento científico como se fosse o único, assim, os demais saberes não são percebidos como aportes de ciência (SHIVA, 2003). As opiniões dos pais, quanto à formação no Tempo Escola, conduzem a uma avaliação positiva tanto para os conteúdos teóricos, como para os práticos, reiterando que a formação em alternância é voltada para os serviços e as demandas da agricultura familiar, como destaca o pai . As mães reforçam essa positividade, quando afirmam que o comportamento dos filhos mudou para melhor, pois, além dos jovens se interessarem pela inovação no processo produtivo, também passaram a ter diálogo e participação nas atividades sociais domésticas. Cem por cento dos pais entrevistados analisam o tempo Escola como favorável e sem problemas; só apresentam apreensão com as filhas mulheres, as quais não são maioria nas duas turmas da Casa. Os monitores avaliam de forma positiva a convivência com os jovens, ressaltando a preocupação em agir corretamente, com cuidados de um parente próximo. Apresentam a problemática de alguns jovens – do sexo masculino -, como a dificuldade na adaptação às tarefas sociais domésticas, mas, logo contornada até pelo exemplo das suas participações na divisão social das tarefas. Também apresentam as dificuldades de acompanhamento, por alguns jovens, dos conteúdos trabalhados em função de lacunas no ensino fundamental menor. Os pais e os alunos, ao indicarem os estudos teóricos e práticos como referências que atendem às suas expectativas, avaliam a CFRU como uma escola voltada para o trabalho na agricultura familiar, aprovando-a em cem por cento. Apenas um dos dezoito alunos entrevistados indicou que os monitores devem aproveitar mais o Tempo Escola; e dois falaram sobre a necessidade de se contratar mais monitores. Estes monitores avaliam a formação em alternância como um instrumento que potencializa os jovens para a qualificação 349 em agricultura, cuja potencialidade decorre, também da metodologia e comprometimento da relação democrática entre professor e aluno. Um conjunto de fatores possibilita a participação qualificada deste aluno nos trabalhos de grupo e a socialização (denominada de colocação em comum) na sessão escola das informações contidas no Caderno da Realidade, resultante do que foi discutido no Plano de Estudo. Também um dos monitores avalia positivamente algumas atividades dos Projetos para os alunos, como o de apicultura. Ainda é necessário acrescentar que a formação em alternância, baseada nos pressupostos de conteúdos vinculados à formação humanística ou à cidadania, ampliará a sua participação em outras esferas da vida social, mas, isto não apareceu nos cadernos estudados. Também não foram evidenciados conteúdos relacionados à economia solidária; a ênfase foi dada à propriedade familiar. Os atores da CFR, no entanto, avaliam satisfatoriamente a relação entre as famílias e a Casa Familiar Rural de Uruará, não tendo sido efetivada, com maior presença dos monitores, em função da falta de recursos financeiros e de transporte próprio. Os alunos expressam a satisfação na relação com os monitores, embasada no diálogo e na confiança, contribuindo para a liberação do medo, estimulando a fluência verbal, – até - em espaços públicos além da escola, bem como para o resgate da auto-estima. Os monitores apresentam uma avaliação positiva na relação com os pais, principalmente, quanto à permissão para os filhos e filhas participarem no regime de internato no Tempo Escola, assim como estarem abertos para as técnicas e inovações alternativas discutidas e trabalhadas na CFR. O olhar dos atores sociais envolvidos diretamente na Casa Familiar de Uruará corresponde a uma avaliação altamente favorável à formação escolar por meio da alternância, apenas com a ressalva de algumas mães, sugerindo que as reuniões para os pais não aconteçam no tempo que seus filhos estão no Tempo Escola, possibilitando, assim, as suas participações. Os monitores ressaltam a relação democrática que empreendem com os alunos, tendo como corolário a afetividade recípocra, sem deixar de lado o compromisso com o andamento das aulas e a autodisciplina de cada aluno. Os alunos expressam a competência de conteúdos e o compromisso dos monitores para que as aulas aconteçam, mesmo no período dos salários atrasados, dizendo da importância da relação afetiva entre seus pares e os professores, convergindo para um ambiente alegre e motivador para a continuidade do curso, mesmo tendo que enfrentar as condicionalidades péssimas das idas e vindas entre as unidades familiares e a CFR, muitas vezes a pé. As aulas e acompanhamento de orientações técnicas pelos monitores constituem a indicação positiva mais citada nas falas dos pais e dos alunos. 350 A avaliação positiva dos pais, quanto à mudança do comportamento dos jovens, tanto nas tarefas do sistema de produção, quanto nas domésticas, permeia em quase todas as falas, assim como a instalação do diálogo, conduzindo a um relacionamento democrático entre pais e filhos. A opinião dos alunos em relação ao comportamento dos pais é de satisfação por estes estarem abertos à introdução das novas técnicas – à base de insumos orgânicos – para o tratamento das culturas trabalhadas em seus sistemas de produção. Estes atores consideram que a mudança ocorreu após a entrada dos jovens na CFRU, de forma recípocra; os pais percebem a motivação dos jovens para o trabalho na agricultura, e os filhos, na mesma direção, afirmam o envolvimento dos pais com as atividades técnicas orientadas no Tempo Escola. Os pais, os alunos e os monitores mantêm opinião favorável à potencialidade da metodologia da alternância das CFRs e da organização pedagógica por meio dos temas geradores. Apesar das avaliações positivas dos atores envolvidos na formação em alternância, a relação Casa Familiar e família apresentou fragilidade quanto à presença contínua e participação qualificada dos pais na escola e nas assembléias da Associação, e dos monitores nas unidades produtivas, decorrente, segundo eles, da problemática de financiamento do Projeto CFRU, face às condicionalidades externas: do não cumprimento do Estado no repasse da verba de pagamento aos monitores, da indisponibilidade de veículo e orçamento próprio; e interna: pelo desvio da verba repassada pela prefeitura à Associação de Pais. 351 Capítulo 7 – Educação, trabalho e vida: alguns desafios da alternância da CFRU para além da monocultura do saber. 7.1 Formação escolar para a emancipação humana: uma reflexão ao debate A educação é uma prática social no contexto histórico-cultural que produz o conhecimento, repassando informações e valores, constituindo-se na realidade do mundo do trabalho e da sociedade de seu tempo. Com possibilidades de se dar em um processo irrestrito ligado à vida. A educação acontece de forma circunstanciada socialmente; por isto, transformada também por sujeitos que a tornam, por meio da escola, separada da vida social. O pensamento de estudiosos também é inerente ao contexto sociopolítico de seu tempo. Neste sentido, entende-se que as reflexões de Theodor Adorno, Paulo Freire, Antônio Gramsci e Ivo Tonet são pertinentes ao entendimento das práticas pedagógicas da formação em alternância da Casa Familiar Rural de Uruará. Adorno (1995) compreende a educação como uma relação dialética que visa emancipar o aluno e, simultaneamente, não ignorar o objetivo da adaptação à sociedade em que vive. Assim, é importante prepará-lo para orientar-se no mundo, com pressupostos de adaptação – apenas a necessária para garantir sua reprodução – e de reflexão. A educação para o desenvolvimento da consciência racional expressa uma ambigüidade em sua formação, uma vez que na sociedade atual, é quase impossível superá-la e desviá-la. Neste sentido, Adorno (1995) situa e se contrapõe à idéia e à forma da escola moderna realizar a aprendizagem, pois conduz o jovem a um estado de necessidade de orientação de outrem para mover-se nas relações sociais. Partindo da reflexão sobre a estruturação da escola no capitalismo, altamente hierarquizada, mostra que “[...] encontra-se nela já prefigurada uma determinada menoridade inicial [...]” (ADORNO, 1995, p. 170). Com base em estudos de psicólogos e sociólogos, afirma que o talento individual não é preconfigurado no ser humano. Assim, no processo de seu desenvolvimento, é mediado pelas condições sociopedagógicas que cada sujeito vivencia para enfrentar os desafios; também destaca que isto significa um processo de produzir/reproduzir talentos às pessoas, por meio de uma motivação para aprender, que “[...] converte-se a uma forma particular de desenvolvimento da emancipação”. Ademais, ADORNO (1995, p. 170) ressalta o sentido democrático e de cidadania que a escola necessita ter para poder ser estruturada de outra maneira: a que não reproduz as 352 desigualdades de classes e desenvolve a emancipação do sujeito. Para tanto, Adorno propõe uma expansão qualitativa da oferta escolar, com base diversificada, a partir do ensino infantil ao aperfeiçoamento contínuo. Concordando com a sua concepção de Educação, que concerne (1995, p. 141), [...] evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar as pessoas a partir de seu exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimento, cuja característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira, isto seria inclusive de maior importância política; sua idéia, se é permitido dizer assim, é uma exigência política [...]. O autor se contrapõe à educação como um fim em si mesma, apontando para a sua importância no contexto social contemporâneo, em que a consciência do indivíduo é coisificada. Neste sentido, chama a atenção da relação da educação com as outras dimensões da realidade e destaca a sua relação com a técnica, considerando que esta última tem aportes decisivos na formação dos jovens, o que implica superdimensioná-la, esquecendo que esta é apenas um meio e não um fim da vida social. Ressalta também que a vida humana com qualidade social e acesso aos bens materiais e simbólicos estão em estado de “[...] encontrarem-se encobertos e desconectados da consciência das pessoas [...]” (ADORNO, 1995, p. 132). Nesta perspectiva, um projeto de formação escolar com princípios de responsabilidade social envolve os aspectos gerais e profissionais de forma não dicotômica, embasados nos fins dignos da vida humana, entre os quais estão os conteúdos e o trabalho educativo que conduzam o jovem a tornar-se sujeito. Este projeto não se encaixa em procedimentos modelados, tal qual uma forma, pois não são concebidos a priori da realidade. Adorno lembra que na educação não há receitas, pois estas tornam a reflexão humana mediada pela forma, que provê uma consciência coisificada, tornando este estado ainda mais sólido, quando a irracionalidade cientificista mutila a arte pedagógica. Este quadro se reproduz, uma vez que o sistema dominante tenta reduzir a educação a uma finalidade, que é o enquadramento do indivíduo ao mercado do trabalho, pois a escola é decorrente da complexidade de relações sociais, tendo sentido se estiver envolvida com o todo da formação humana, não podendo resolver problemas estruturais da sociedade. 353 Adorno (1995), trabalhando com a metáfora que Auschwitz 117não se repita, chama a atenção do controle exercido pelos sistemas dominantes sobre as mentes dos atores sociais e da importância da educação política para combater a lógica unidirecional educativa de um sistema que produz indivíduos frios. Assim, [...] é preciso buscar as raízes nos perseguidores e não nas vítimas [...] reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos, é preciso revelar os mecanismos a eles próprios. [...] Culpados são os que desprovidos de consciência, voltaram contra aqueles seu ódio e sua fúria agressiva. É necessário contrapor-se a uma tal ausência de consciência, é preciso evitar que as pessoas golpeiem para os lados sem refletir a respeito de si próprias. A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-reflexão crítica. Como refere Adorno (1995, p. 137), o trabalho educativo pode contribuir para a realização de um projeto de sociedade que não enquadre os atores sociais. Nesta perspectiva, conduzir a formação para prover a auto-reflexão e as referências sociológicas que constituem um dos eixos norteadores da educação, tendo em vista que podem esclarecer as forças sociais que se movimentam no interior das formas políticas, movimento que é jogado invisivelmente fazendo parecer “natural” que as instituições estejam acima dos desejos humanos e dos direitos sociais. Favorável à educação com referências políticas e sociológicas, não empreendendo a dominação e a desigualdade, Freire entende o trabalho educativo como um campo de problematização da realidade e de construção do conhecimento à base do diálogo entre professor e aluno. Assim, o ato pedagógico não significa o repasse de informações em si, que reforça o aluno como sujeito passivo e o professor como detentor do saber, reproduzindo a memorização e não a reflexão. Para ultrapassar a educação convencional, afirma que [...] somente um método ativo, dialogal, participante poderá fazê-lo. E o que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade. Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso só o diálogo comunica [...] (FREIRE, 2001, p. 115). 117 O autor trata do acontecimento de violência e dominação nazista, culminando com o assassinato de judeus no campo de concentração de Auschwitz. 354 O autor enfatiza a importância da educação dialógica para ajudar os jovens a melhorar suas capacidades para movimentarem-se nas relações sociais; neste sentido, o professor é um agente social a quem cabe assumir uma responsabilidade com a educação problematizadora, mediada pela práxis, para transformar as condições de opressão nas consciências produzidas pela educação em sentido vertical, instaurando a sua ação de modo horizontal com os alunos. A educação para a auto-reflexão, como se posicionou Freire (2000, p. 21), é construída no campo da diversidade, com respeito à cultura diferente do outro e no estado permanente de viver e de não deixar de aprender; reside nesta inter-relação vida, trabalho e educação problematizadora, que motiva o sujeito a se “entranhar na prática educativa a vida toda e não eventualmente, pois [...] o ser humano jamais pára de educar-se”. As contribuições de Gramsci (2004) para a educação são também significativas e atuais, compreendendo que a escola é o lugar social de formação do jovem consciente do seu tempo, contrapondo-se à formação dicotômica que produz intelectuais de diferentes níveis. Para se ter uma formação integral, denomina a escola de unitária, pois [...] a tendência atual é a de abolir qualquer tipo de escola ‘desinteressada’ e ‘formativa’, ou de conservar um reduzido exemplar, destinado a uma pequena elite de senhores e mulheres que não devem pensar em preparar-se para um futuro profissional, bem como a de difundir cada vez mais as escolas profissionais especializadas, nas quais o destino do aluno e sua atividade são predeterminados. [...] escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre de modo justo o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Ao defender o princípio da escola unitária, Gramsci (2004), no princípio do século XX, se posiciona por uma outra concepção de educação; não a clássica, de origem greco- romana, nem a dual, que reproduz desigualdades e dominações, mas sim a educação integral, ligando de forma equilibrada as dimensões práticas e teóricas, sem distinção de classe e de conteúdo, pois, [...] a divisão fundamental da escola em clássica e profissional era um esquema racional. A escola profissional destinava-se as classes instrumentais, ao passo que a clássica destinava-se as classes dominantes e os intelectuais. O desenvolvimento da base industrial, tanto na cidade como 355 no campo, provoca uma constante necessidade de um novo tipo de intelectual urbano. Desenvolveu-se, ao lado da escola clássica, a escola técnica (a profissional, mas não a manual), o que colocou em discussão o próprio princípio da orientação concreta de cultura geral, da orientação humanista da cultura geral fundada sobre a tradição greco-romana. Esta orientação, uma vez posta em discussão foi destruída, pode-se dizer, já que sua capacidade formativa era em grande parte baseada sobre o prestígio geral e tradicionalmente indiscutido de uma determinada forma de civilização (GRAMSCI, 2004, p. 118). A posição de Gramsci é atual, pois já ressalta a função da escola de acordo com o paradigma moderno, que é o de preparar o indivíduo para as necessidades do mercado de trabalho do momento. Destacando também a separação entre saberes e trabalho, classifica o trabalho e o saber intelectual como sendo “superiores” ao saber e ao trabalho manual. A tese do autor motiva a compreensão de que a escola, enquanto elemento sociocultural que repassa e constrói conhecimentos, tem a necessidade de ser vinculada à vida dos sujeitos sociais. Para a construção da escola unitária, Gramsci (2004) aponta a importância das condições materiais, humanas, e de instrumentos didáticos acessíveis aos alunos. Tavares de Jesus (2005) embasado neste autor, lembra que a sua plena realização, no capitalismo, não é possível, mas sim para uma nova sociedade, sob outro modo de produção. Ressalta Gramsci (2004) a importância da vida coletiva dos alunos intra/extra-escola e do currículo ser embasado, conforme a idade e aprendizagem dos jovens, para estes serem formados com capacidade de pensar: O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social. O princípio unitário, por isso irá se refletir em todos os organismos da cultura, transformando-os e emprestando-lhes um novo conteúdo [...] (GRAMSCI, 2004, p. 40). Ao refletir sobre a escola profissional, Gramsci chama a atenção para a crise da educação moderna e destaca a sua dicotomia, lembrando que os fins da formação da escola profissional tem um caráter pragmático, não orgânico. Elabora o princípio educativo da formação escolar unitária para que esta seja ligada ao trabalho e à vida dos atores sociais. Como assinala Germano (2005a, p. 175), “[...] o surgimento da escola unitária não se restringe a uma mudança na esfera da educação escolar, porém é algo que diz respeito a toda vida social e cultural [...]”. 356 Gramsci (2004), ao eleger o trabalho como princípio educativo, registra a relevância deste como unidade entre as funções teóricas e práticas, não havendo oposição entre esses dois níveis, e ressalta que há graus diversos de atividades intelectuais. Acrescenta Gramsci (2004, p. 38) que “[...] a escola unitária deveria ser organizada em tempo integral, com vida diurna e noturna, liberta das atuais formas de disciplina hipócrita e mecânica, e o estudo ser feito coletivamente, com assistência de professores [...]”. Com essa preocupação pedagógica, como assinala Jesus (2005, p. 78), [...] Gramsci resgatou conceitos como educação-instrução, escola-vida e tantos outros, que se identificavam com o ativismo, mas que, com ele, assumem um novo significado. Assim, a oposição entre formar e informar foi considerada por Gramsci uma ‘falsa questão’, porque ‘não é completamente exato que a instrução não seja completamente educação’ (Q12:9a). E, argumentou, recorrendo à natureza do sujeito da educação, o aluno, que não sendo uma mera passividade, um recipiente mecânico de noções abstratas, se auto-educa ao receber as informações escolares. Existe ainda um outro componente social constituído pela ‘fração da sociedade civil da qual participa, das relações sociais tais como elas se concentram na família, na vizinhança, na cidade, etc’. (idem, ibidem), todas influenciam na educação da criança. Todos esses elementos educam e são, portanto, ‘escola”. Gramsci (2004), ao propor a escola unitária tem como pressuposto ligar trabalho e conhecimento118, possibilitando uma relação democrática – de pares – entre professor e aluno. No sentido que destaca Jesus (2005), Gramsci, cuidadosamente, observou e expressou os corolários dessa relação, tanto o – dogmatismo -, como o – esponteísmo -, o ativismo e a criatividade, como elementos orgânicos do processo educativo escolar. Desse modo, Gramsci, em seus princípios pedagógicos, considera a formação escolar como referência ao desenvolvimento da consciência do aluno de forma não mecânica, sendo este um dos eixos balizadores. A função do professor como mestre é fundamental, um pressuposto central, que exige deste uma responsabilidade e sua educação permanente. Isto visa a condução dos jovens à dimensão da cultura geral, com bases no contexto histórico- social, pois “[...] o verdadeiro mestre deve assumir a mediação entre a sociedade e o jovem. Para isto é preciso estimular o processo de evolução da personalidade do jovem em busca de sua autonomia social [...]” (JESUS, 2005, p. 79). Nesta perspectiva, de que mestre e aluno são 118 JESUS, Antônio Tavares de. O pensamentto e a prática escolar de Gramsci. 2ª ed. Campinas (SP): Autores Associados, 2005. 357 sujeitos do processo pedagógico, exercendo funções tão por demais significativas, existe a possibilidade de que o trabalho educativo seja pleno, um processo em que o aluno não anula o professor, nem por este é anulado. Deste modo, o aluno passa a formar-se com capacidade para pensar e dirigir-se na sociedade, com liberdade para escolher sua profissão. Concebendo as contribuições do Programa das CFRs, enquanto sujeito pedagógico que investe na intervenção social da agricultura familiar, tendo como princípio educativo, em seu discurso, a formação integral, a partir do inter-relacionamento entre o trabalho prático e o conhecimento teórico, é de se reconhecer a riqueza desta proposta, ratificada pelos pais, monitores e alunos entrevistados. Cabe destacar, entretanto, que nos documentos estudados (como os cadernos dos alunos, projeto político/pedagógico da CFRU e Planos de Trabalho dos monitores), este princípio na forma como foi registrado não é evidenciado. Também, como foi trabalhado, conforme apontam os conteúdos desses cadernos, tal princípio não foi realizado de acordo com os pressupostos de Gramsci, até fevereiro de 2005, prevalecendo a ênfase pela abordagem técnica. O Tempo Escola e o Tempo Família constituem momentos interligados e são um dos pilares fundamentais da proposta das CFRs, assim como a atuação da família no processo de formação. É inquestionável a qualidade das referências trabalhadas na CFR de Uruará para a dimensão profissional, pois há o compromisso e a ação educativa de relacionar o processo pedagógico ao processo produtivo familiar e às experiências produtivas – independentes - destes jovens, por meio do repasse das técnicas que o capacitam – conforme a “sua escolha” -, para o mercado de trabalho ou permanência na terra. Isto ocorre, principalmente, em consideração às especificidades e demandas dos agricultores da Amazônia paraense por um paradigma agro-eco-socioeconômico. O Programa visa cuidar da biodiversidade da Transamazônica, tendo como ponto de partida as referidas Casas Familiares. A expressão de muitos jovens e pais entrevistados concerne ao entendimento de a prática pedagógica da CFR de Uruará trazer o conhecimento necessário às atividades da agricultura familiar. A intervenção nas aulas, por meio das entrevistas e dos cadernos, aponta para um estímulo à profissionalização agropecuária. Para compreender este programa é importante considerar a perspectiva e a mediação que são verificadas com o princípio do trabalho, no sentido de que a profissionalização técnica em si não pode ser tomada como aquela capaz de resolver os problemas da agricultura familiar. É necessário que a formação, como assinala Silva, M. (2004, p. 56), não seja subdimensionada às relações estritas dos sujeitos com o mundo do trabalho, como relação para uma reprodução apenas individual. 358 Esta, com efeito, tem um sentido interdimensional, sendo relevante para o jovem apreender a vida social, para a sua subjetividade e, assim, ter capacidade para mover-se em suas relações. Concebe-se que os aportes técnicos são fundamentais para a atuação nas unidades produtivas e que, para seguir no ensino médio e superior como técnico e agrônomo, tendo em vista a reprodução da existência dos jovens do campo, é necessário que o trabalho como labour seja desenvolvido na formação das CFRs. É fundamental que a formação não seja restrita a esta dimensão, mas efetivada para a ampliação, para o trabalho não material como work, uma vez que ambos influenciam na reprodução da sociedade. A mediação feita sobre essas duas dimensões permite que a formação ultrapasse as especificidades individuais, como assinala Duarte (2001). Apesar de todos os esforços dos monitores, o tratamento dado nas aulas no Tempo Escola ainda não foi materializado nessas duas dimensões, caminhando e sendo reconstruído para responder além das questões imediatas da vida cotidiana. Ressalta-se a importância da contribuição dos professores/monitores para a re-configuração da auto-estima dos jovens, mas, no entendimento de quem escreve, não é o suficiente. É necessária a dimensão de uma formação integral – no sentido auto-reflexivo, numa perspectiva histórico-social – para que os jovens não sejam circunstanciados pela relação prática com a sociedade, mas sim tenham a capacidade de entender a realidade além da superficialidade que se apresenta. O Projeto pedagógico das CFRs, em suas diretrizes curriculares, se propõe a realizar em seu processo pedagógico uma intervenção que conduza à formação integral do jovem agricultor. A formação direcionada à qualificação na agricultura, como agente técnico agrícola ou ambiental em seu exercício prático, acaba enfatizando a formação técnica e a profissional, como a ideal, deixando de lado os conteúdos das humanidades, – sociologia, filosofia, psicologia, antropologia e história -, não conseguindo, assim, realizar a formação integral – na vida social e cultural, como assinalam Gramsci (2004), Freire (2004b), Silva, M. (2003), Silva, L.H. (2003) e Germano (2005a). Este Projeto, no entanto, é construído em processo, logo, aberto à perspectiva de reconstrução permanente e é ligado à vida dos jovens da Transamazônica. 359 7.2 Programa das CFRs na encruzilhada do debate/construção da alternância: pontuando alguns desafios. Foto 20 – Avós, mãe e irmãos de um aluno da CFRU, Vicinal 180 Sul. Fonte: Neila Reis. Pesquisa de Campo, fev. 2005 360 Foto 21 – Aluno da CFRU, irmão, mãe e avô. Uruará, vicinal do Km. 180 Sul. Fonte: Neila Reis. Pesquisa de Campo, fev. 2005. As experiências das CFRs na Transamazônica, tanto em seus documentos, como na fala dos atores envolvidos, têm apresentado um resultado expressivo para a formação dos jovens agricultores, reconhecido pelos entrevistados como portador de uma formação integral, à base de responsabilidade direta dos pais, conduzindo à compreensão de que tais experiências têm um objetivo social para a educação escolar. Tendo na continuidade de seu percurso um grande desafio, – o de continuar na construção de uma escola diferente -, essas experiências aprimoram-se em seus fundamentos e construindo a sua afirmação/inter-relação com a agricultura familiar e com os pressupostos ontológicos119, com vistas à emancipação dos indivíduos, ou posicionando-se de forma passiva, bastando-se em ser mais uma escola do 119 “Ontologia: parte da filosofia que trata do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres”. HOLANDA, Aurélio Buarque. Dicionário, 1995. Considera-se como referência, a perspectiva de Luckács, “[...] ser social e natureza são esferas distintas. Fundar em determinações naturais o mundo dos homens implicará conferir uma legalidade natural aos ser social, ou então reduzir a legalidade social às leis da natureza. [...] possibilidade de construção de uma ontologia que reconheça o ser social em sua simultânea conexão e radical diferenciação do mundo natural. [...] o ser é um complexo histórico” (LESSA, SÉRGIO, 2005, p. 66-67). . 361 campo com a metodologia da alternância, em respeito ao calendário agrícola. Neste sentido, a alternância das CFRs está preparada para a emancipação ou para a adaptação? 120 Um – primeiro desafio – consiste na obtenção do financiamento estatal para a manutenção do Projeto CFR, nas dimensões administrativa e pedagógica, considerando que o Projeto tem viabilidade socioeducativa, pois sua finalidade é a formação integral (cultura geral e profissionalização), realizando a intersecção entre trabalho e educação para os jovens do campo. Estes, com seu trabalho, geram receitas com os impostos pagos mediante à comercialização dos produtos cultivados, portanto, têm direito social à formação escolar gratuita para seus filhos. Pensando o Projeto CFR, como propõe Gramsci (2005). [...] a escola unitária requer que o Estado possa assumir as despesas que hoje estão a cargo da família no que toca à manutenção dos escolares, isto é, requer que seja completamente transformado o orçamento do Ministério da Educação nacional, ampliando-o enormemente e tornando-o mais complexo: a inteira função de educação e formação das novas gerações deixa de ser privada e torna-se pública, pois somente assim ela pode abarcar todas as gerações, sem divisões de grupos ou castas (GRAMSCI, 2001, p. 36). O – segundo desafio – é a afirmação do Programa Pedagogia da Alternância com autonomia para propor, decidir, organizar e realizar o trabalho educativo, sem, necessariamente, estar atrelado aos pressupostos heterônomos, mas sim, às demandas dos atores sociais que o constroem, na intencionalidade de um projeto de identidade com a agricultura familiar camponesa e indígena. O – terceiro desafio – compreende a formação e a qualificação sociopedagógica dos profissionais que estão exercendo a função de monitor, como também a formação de nível superior para os que detêm – a maioria – o ensino médio, visando a se ter uma qualidade social e permanente atualização desses profissionais. O – quarto desafio – se relaciona à legalização e à certificação dos alunos, além da inserção de profissionais para compor o quadro de funcionários e de monitores, para que haja este reconhecimento. Esta contratação exige o esforço dos Estados ou Municípios para assumirem esta lacuna. Como assinala Queiroz (2004, p. 160), “[...] isso será possível através 120 Considera-se que as dimensões emancipação e adaptação não são, a rigor, excludentes, mas sim constitutivas no /do processo de reprodução da existência humana, nas tensões sistêmicas, são construídas nas relações sociais . 362 de parcerias com as Universidades, Centros de Ensino Superiores e Faculdades para que possam certificar estes cursos que já acontecem em várias regionais das EFAs no Brasil”. O – quinto desafio – é a adoção prática dos instrumentos pedagógicos de forma efetiva, tanto o Plano de Estudos (PE), como o Caderno Didático (CD), as Visitas às famílias (VF), as relações com outras instituições e, precisamente, o Projeto Profissional do Jovem (PPJ). Incluir em sua organização curricular as disciplinas História, Filosofia, Psicologia, Antropologia e Sociologia, de forma introdutória, mas que contemplem as principais noções do pensar reflexivo dessas referências na formação do jovem do campo e assim contribuir na sua compreensão ampla da sociedade. O – sexto desafio – consiste na igualdade de gênero, visto que tanto na turma dos egressos, como na segunda turma, a participação efetiva das mulheres é bem inferior a dos homens. O – sétimo desafio – refere-se a dotar a CFR de recursos orçamentários e humanos para atender a todos os jovens filhos de agricultores. A não existência de escolas do ensino fundamental maior e médio nas Vilas Rurais do município de Uruará por si só justifica a legalização e a tendência de consolidação do Projeto CFR, face à compreensão favorável dos pais, e é outro motivo para ocorrer a procura por esta formação. Na atualidade, a CFR de Uruará não tem condições financeiras e humanas para atender à demanda de todos os jovens do campo, mesmo considerando a cessão de professores do município para as disciplinas gerais, no recente cumprimento parcial do convênio acordado entre SEDUC/PA e os municípios deste Estado onde há CFRs em funcionamento121. O – oitavo desafio – é construir uma política de financiamento para a realização e acompanhamento dos Projetos Profissionais para os jovens alunos e também – em caráter permanente – para os egressos, mesmo considerando o processo em curso do Programa PRONAF/Jovem Agricultor e a proposição para a implantação do ensino médio pela CFR de Uruará. Na perspectiva de compreensão sobre a experiência da formação em alternância na CFR de Uruará, considera-se a importância da realidade deste Projeto que se dá em movimento, com a pretensão de se estar em consonância com as referências conceituais de Freire (2001, 2003, 2005), Gramsci (1995, 2004), Adorno (1995) e Gimonet (1999 a e b). 121 Por meio de contato telefônico, Lídia (2005) informou que a SEDUC irá repassar a verba do convênio assinado com a FVPP – visando garantir o salário dos monitores – para as prefeituras, em função de a ARCAFAR/NORTE ter problemas de prestação de contas junto ao Tribunal de Contas do Estado. Em contato telefônico (junho de 2006), esta entrevistada informou que a SEDUC, em breve, realizará uma seleção para contratação de novos monitores para as CFRs, por cerca de dois anos. 363 Concebe-se que esta análise é circunstanciada pela intencionalidade de fixar a dinâmica dos atos pedagógicos em alternância, portanto, inacabada, necessitando estar em estado de reconstrução para apreender as relações socioeducativas entre os atores sociais que constroem esta formação. A formação em alternância na CFR de Uruará pode ser identificada como aquela que procura fazer a interação entre o Tempo Escola e o Tempo Família, por meio dos temas geradores oriundos da pesquisa participativa e os trazidos pelos alunos para a sessão escola. Esta interação apresenta um limite, pois os temas são discutidos teoricamente na escola e as inovações técnicas são conduzidas para o exercício prático no Tempo Família. A formação em alternância, interagindo com o conhecimento familiar e dando-lhe destaque nas falas dos atores entrevistados e nos documentos analisados (Caderno de Alternância e Plano de Estudos), de fato, não aconteceu plenamente, mas aproximou um e outro conhecimento. As opiniões sobre as mudanças no comportamento dos alunos e a motivação para a agricultura reforçam as opiniões similares sobre a importância da formação por meio da alternância para esses jovens, constituindo um fator analítico favorável às implementações e afirmações das inovações técnicas e ao apoio das famílias. Apesar da impossibilidade da presença regular dos monitores no Tempo Familiar, a sua pouca presença foi marcante para os pais, evidenciando o elo de confiança entre ambos e principalmente com os alunos, sendo um componente que baliza o apoio e a abertura dos pais ao ensino por meio da alternância. A participação destes pais, no entanto, ficou limitada à voz – apenas consultiva -, uma vez que a coordenação do processo e o conhecimento, que ainda prevalecem, são dos monitores. A não inclusão plena dos pais nos processos de planejamento e de construção do Projeto Político Pedagógico constitui um limite ao exercício de uma alternância integrativa, considerando a importância da participação coletiva qualificada dos pais e monitores e a eqüidade do conhecimento científico e do saber da tradição na formação entre o Tempo Escola e o Familiar. O – novo desafio – para as CFRs é estabelecer, na prática de todas as experiências, a forma de gestão democrática, apesar de se reconhecer que muitas Casas detêm a unidade de avanço na participação dos pais. Assim, considerando o pressuposto de que, na formação em alternância, a gestão e os conhecimentos são partilhados, é relevante reforçar que os pontos de partida e de chegada são os atores fins – os pais e os alunos – e, também, a realidade local, com os temas geradores sendo trabalhados de forma contextual e incluindo a alternância família/escola como o eixo central do processo educativo. A participação qualificada dos pais constitui um dos desafios para a parceria efetiva da CFR de Uruará. 364 Assim, tomando como referência a participação qualificada de todos os atores que constroem a CFR, compreende-se que a relação de parceria é assentada no respeito a cada ator integrante, em que todos formam uma rede deliberativa em torno de princípios e objetivos sociopedagógicos, e as decisões são tomadas em conjunto. Para a instauração da rede, os atores partilham suas perspectivas, de forma democrática, por meio de reuniões com participação horizontal de cada um. Como afirma Silva, L.H. (2003, p. 257), [...] a construção de novas relações orientadas para a socialização do poder da formação, numa dinâmica de complementaridade das diferenças, é um dos caminhos para se consolidar o processo pedagógico da alternância como um esforço coletivo em direção a fins coletivamente deliberados. O Projeto das CFRs preconiza que o processo pedagógico precisa ser feito por meio das decisões coletivas, que consubstanciam as práticas da Associação dos Pais, com a presença efetiva destes, objetivando decidir, acompanhar e gestar uma outra escola e uma outra Associação. Para ter vida plena, a Associação é feita pelas falas e pela participação das famílias, visando à obtenção de laços indissociáveis para a construção de um processo democrático deste Projeto, considerando o contexto histórico-social, político e econômico em que ele se situa para efetivar uma formação que vá além dos muros da escola. O Projeto CFR não está voltado só para as questões intra-escola; na prática, é necessário que esteja ainda mais vinculado às demandas locais das famílias, dos alunos e dos movimentos sociais para alcançar a meta do desenvolvimento regional equilibrado, à base da lógica do conhecimento indígena e camponês que garante a sustentabilidade. A participação dos atores que constroem a CFR, de forma qualificada e articulada com outros atores sociais do local e da região, permite o engajamento de todos e a ruptura com os preceitos da escola oficial que se embasa só no conhecimento acadêmico em si, desconsiderando a cultura geral e o saber da tradição. A construção das CFRs, enquanto projeto, se dá de forma dinâmica, aberta aos conhecimentos diversos; assim, é possível que algumas posturas embasadas no conhecimento – superior - do monitor/professor possam ser superadas. Romper com as práticas pedagógicas unilaterais é um dos grandes desafios que o Projeto CFR pode abraçar. A formação em alternância das CFRs, como Projeto Socioeducativo para fortalecer a agricultura familiar, tem um grande desafio, é o de construir relações de poder 365 intra/extraprojeto de forma democrática, de pares, que conduza a práticas de gestão e de ensino em nível horizontal com os saberes da tradição e do conhecimento científico, com responsabilidade social e política de todos os atores parceiros. Neste sentido, a responsabilidade do poder partilhado dispensa a tomada de iniciativa vertical de um ator sobre o outro, e da centralização de funções que conduz a não participação. O desafio é construir a alternância integrativa para além dos termos que defende Gimonet (1999), visando inter-relacionar as experiências socioprodutivas dos jovens e dos monitores, os saberes da tradição e o conhecimento científico tanto no Tempo Escola, como no tempo Família/Comunidade, em que a formação da CFR seja integral. O – décimo desafio -, para as CFRs, é construir a prática da pesquisa de forma continuada, visando constituir, reunir e socializar um memorial das atividades de ensino, dos documentos construídos, oriundos dos instrumentos pedagógicos, das fontes orais e da realidade das unidades familiares, como forma de pesquisa em rede. Neste sentido, é importante que as Fichas Pedagógicas e a Pesquisa Participante tenham continuidade anualmente e após a formação dos alunos, com sua função muito além de subsídio para a definição dos temas geradores e a utilização durante o processo de ensino, pois detêm informações em várias dimensões da realidade local, principalmente, a socioeconômica, a cultural e a ecológica. O -décimo primeiro – desafio é o Projeto das CFRs tornar-se uma política pública estatal, acompanhada pelos atores construtores da formação em alternância e da sociedade política e civil, isto, em todas as dimensões, de forma qualificada, em instância de espaço público. O – décimo segundo – desafio é estimular a prática da organização, sistematização e produção de documentos escritos, orais e visuais por meio de recursos técnicos pertinentes para o presente, antes mesmo do alcance de recursos para a pesquisa em rede, visando preservar – em lugar público e não particular – a memória das práticas institucionais em alternância dos sistemas CEFFAs no Estado do Pará. Nesse contexto, é também relevante estimular o trabalho educativo de maneira profunda e reflexiva, os conteúdos dos instrumentos pedagógicos como as viabilidades sociopedagógicas que eles detêm – e como prevê o Projeto Político Pedagógico das CFRs -, para a construção/reconstrução democrática do conhecimento e assim não se resumirem em uma prática que pode conduzí-los a um instrumento em si, só para o novo Tempo Escola, como assinalam Ribeiro (2003) e Queiroz (2004). 366 O – décimo terceiro – desafio corresponde à realização do trabalho educativo conjuntamente com os saberes e a sua expressão concreta, como habilidades e competências122 em abordagem interdisciplinar, como conhecimento, prática, e ação sociopolítica, em nível de horizontalidade na convivência entre diferentes culturas e o respeito mútuo dos atores. Para se ter uma formação embasada nos princípios pedagógicos de uma escola unitária, o décimo quarto desafio exige, no sentido que lega Gramsci (2004, p. 78), depreender que educar-instruir é uma outra relação destacada por Gramsci. Não se trata de um conceito abstrato, mas absolutamente histórico, que considera em primeiro plano, os métodos de aprendizagem, a natureza da aprendizagem e, em seguida, o papel do educador dentro desse processo. Por esse prisma, os conteúdos culturais e matéria do ensino adquirem importância, assim como o conceito de esforço como condição para adquirir conhecimentos e o objetivo ou perspectiva, que ao comprometer o aluno, torna menos pesado o ato educativo. Mesmo sabendo da metodologia diferenciada e dos temas geradores partirem do processo produtivo das famílias de agricultores e da relação democrática entre professor e aluno, o décimo quinto desafio, para superar a tradição pedagógica de uniformidade de concepção, pensamento e hábitos, consiste em inter-relacionar a cultura geral com a local nos Tempos Escola e Tempo Família/Comunidade. Uma integração que atente para o pressuposto de que [...] a autonomia relativa não é uma condição abstrata de qualquer forma de instituição ou prática cultural, mas sim uma variável social e histórica, ela mesma amplamente determinada pelo tipo de integração característica da ordem social como um todo [...] (WILLIAMS, 2000, p. 219). Neste sentido, o trabalho educativo necessita considerar a diversidade pessoal e cultural dos alunos, bem como os seus estilos de linguagem e a sua identidade, numa perspectiva sociopolítica. Com efeito, 122 As competências citadas não correspondem ao sentido que é tomado pelos atores empresários e o Estado, mas sim no de qualificação necessária para uma formação integral do sujeito social, exigindo, como assinala Gramsci (2005), uma forma orgânica entre a formação profissional e a formação de uma cultura geral. Inclusive, é importante ressaltar que esta posição é contrária aos princípios dos pilares propostos pela Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI (UNESCO), e incorporadas à LDB: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser”. Estes pilares estão presentes no Plano Pedagógico dos CEFFAs. Belém: ARCAFAR/NORTE, 2002, versão preliminar, p. 7. 367 [...] a abrangência do desenvolvimento curricular estende-se dos campos profissionais aos diferentes estágios da orientação científica e àqueles setores da vida que são circunscritos através do lar, do contato com as pessoas, da atividade política, da religião, do esporte, das conversas’ (Deutscher Bildungsrat, 1970, p. 60), e além disso, até os papéis ligados à idade, saúde, sexualidade, direito, tempo livre, tráfego, consumo. Em todos esses campos, o programa do sistema escolar e as concepções curriculares devem se desenvolver adequadamente de modo a preencher as lacunas que um conceito burgês de educação geral e seus órgãos deixaram como herança (OFFE, 1990, p.45-46). De forma que os professores observem e tratem qualitativamente todos esses campos, com base em princípios e ações que estimulem/permitam a comunicação e a relação com diferentes culturas, com vistas à integração qualificada entre escola e comunidade (TURA, 1999). O – décimo sexto – desafio compreende a busca pela produção, consumo e estilo de vida à base de produtos orgânicos. Isto compreende inserir e enfatizar ações para além da economia solidária na formação em alternância visando o processo de produção/circulação/consumo não centrados na lógica do mercado. Cabe, assim, lutar pelas condições políticas e eco-socieconômicas favoráveis para que estas se tornem um elemento concreto de auto-sustento, estendido para todos, e um projeto superior e para além do capitalismo. O – décimo sétimo – desafio consiste na preparação para a ruptura com os pressupostos heterônomos – como um certo pragmatismo na formação que conduz à adaptação – contidos nas raízes das propostas e práticas em alternância das Maisons, que são transferidos e ainda atuais, no trabalho educativo, para se ter autonomia relativa perante e além das AIMRs. 368 Foto 22 – Aluna da CFRU, seu irmão e irmã. Uruará, vicinal do Km. 180 Sul. Fonte: Neila Reis. Pesquisa de Campo, fev. 2005. Foto 23 – Aluna da CFRU, suas irmãs e mãe. Uruará/PA. Fonte: Neila Reis. Pesquisa de Capo, fev. 2005. 369 O – décimo oitavo – desafio, decorrente do anterior, e para sair dos mecanismos de controle da ciência atual e de uma formação para a adaptação, pois, o talento não decorre de uma disposição natural (ADORNO, 1995; TONET, 2005), ele envolve um trabalho educativo em que a leitura, as fontes de comunicação e os livros123 são referências básicas para se ter a mediação com a cultura geral. Mesmo considerando a disposição natural presente no talento individual, Adorno destaca que este (1995, p. 171), “[...] tal como verificamos na relação com a linguagem, na capacidade de se expressar, em todas as coisas assim, constitui-se, em uma importantíssima proporção, em função de condições sociais [...]”. 123 A importância da leitura e de uma contra-comunicação, como tomada decisiva por uma ética pedagógica e como forma contrária à adaptação mercadológica e ao mecanismo de dominação da ciência, é destacada por Ramos (2001, p. 30), embasado em Chartier (1998b, p. 8), considerando que “[...] a ordem istaurada não obteve a onipotência de anular a liberdade dos leitores [...]. A corrente preocupação de educadores sobre o aspecto nocivo dos denominados veículos de massa não encontrará espaço nos meios estudantis se a atenção com a formação crítica do leitor se fizer presente”. 370 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS O pressuposto principal que norteou este trabalho é o concebimento de que a educação se constitui em uma prática social e histórica que é inter-ligada à vida social, objetiva e subjetivamente, no seu tempo e espaço. O legado de desigualdades e a reprodução de contradições sociais do capitalismo, extensivos à educação e aprofundando-se com a globalização contemporânea, contribuem para que a educação do campo, no Brasil, seja uma questão atual. Contrapondo-se às perspectivas que tentam uniformizar/colonizar a educação e as mentes, parafraseando Shiva (2003), parte-se da afirmação de que o trabalho educativo viabiliza, para as pessoas, o apreender de conhecimentos históricos, em suas dimensões gerais e particulares, contribuindo, dessa forma, para o domínio de saberes. É a natureza democrática do trabalho educativo que pode conduzir ao alcance do fim que se deseja, a emancipação humana (ADORNO, 1995; TONET, 2005). Como desdobramento, não é qualquer conceito de educação que empreende uma educação para a cultura geral e profissional para todos os atores (GRAMSCI, 2004), desdobramento que exige articulação prática/teoria/prática. Neste sentido, e não só por isto, campo e cidade são realidades históricas inter-relacionadas dinamicamente (WILLIAMS, 1989); assim também a educação “da cidade” e a “do campo”, não são realidades dicotômicas. Vale destacar a perspectiva, segundo Williams (2000), de que, para a educação, a aprendizagem é a base norteadora da vida humana, isto é no sentido para a autoconstrução do seu desenvolvimento, pressuposto por ele assinalado que requer aprender para além do trabalho imediato, inter-relacionando cultura e artes. Nesta direção, para a proposição de configuração do gênero humano, Saviani (1997) destaca a relevância da educação, tendo em vista que “ela é o ato de produzir [...], em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 1997, p.17). Assim também orientam os estudiosos do Movimento Nacional por uma Educação do Campo (como ARROYO, 1999; FERNANDEZ, 1999; MOLINA, 2002), no sentido de que seja realizada uma educação na perspectiva de valorização da identidade e da não dicotomia entre campo e cidade. Também na perspectiva de considerar a inter-relação constitutiva da educação entre cultura geral e profissional, conforme os ensinamentos de Gramsci (2004), os 371 desafios são muitos. Compreende, para enfrentá-los, como ressalta Molina (2002), a necessidade permanente de professores e alunos estudarem sempre não só para aprender, como também para agir em sua realidade; acrescenta-se, para a sua autoconstrução emancipatória e estar atentos/envolvidos quanto ao movimento/relação estabelecidas entre campo e cidade, o local e o global. Considera-se as condições sociais e históricas do processo de construção/reconstrução do programa das CFRs, numa sociabilidade capitalista, em que os processos sociais e decisórios globais que impedem/repercutem/se apropriam de propostas pedagógicas dessa natureza – de não formar para o mercado – e, como corolário, o trabalho docente. Para tanto, acredita-se ter sido importante pontuar os conceitos sobre educação e alternância, procurando mostrar um retrato sobre o Programa das CFRs na Transamazônica, por meio da CFRU. Concebe-se esta formação, na perspectiva de vir a ser um contraponto fecundo à educação atual ofertada pelo Estado, interligando o – conhecimento -, o particular e o geral no processo do trabalho educativo. Neste sentido, o caminho construído pela CFR de Uruará vem mostrando a relevância da formação por meio da alternância como lócus para as demandas dos alunos e seus pais e também fontes para o projeto de desenvolvimento da agricultura familiar camponesa, pois é uma formação reconhecida pelo movimento social, como base estratégica para a relação educação e sustentabilidade se afirmar no contexto para além da organização curricular da escola. A educação escolar em alternância, voltada para a sustentabilidade, necessariamente, na perspectiva que assinala Germano para a Universidade (2004, p. 10), também “[...] não deve prescindir em seus princípios, de combate ao conhecimento instrumental e à técnico - sem considerações éticas, deve propugnar, para que o know-how técnico se subordine ao know-how ético”. À base dessas argumentações/convicções, esta investigação considerou a referência do processo histórico para compreender, como afirma Shiva (2003, p. 22), a dicotomia universal/local produzida pelo movimento do capitalismo, que potencializou sua visão por meio da colonização intelectual, negando a socialização do universal e estruturando uma ligação estreita entre saber e poder. O saber da ciência ocidental constrói sua dominação com o pressuposto de que os saberes tradicionais não são saberes, afirmando que o seu saber é superposto aos saberes locais. Certamente, isto vale para a educação. A partir desta suposição, “[...] os modelos de ciência moderna que promoveram essas visões derivaram menos da 372 familiaridade com uma prática científica real e mais da familiaridade com versões idealizadas que deram a ciência um status epistemológico especial [...]”. Ademais, para alcançar patamares para a emancipação humana, ainda é necessário aprofundar/reconstruir continua e dinamicamente o Programa/PPP/CFRs, para ele não se tornar estático. Pois se considera o movimento do processo histórico, com ele novas aquisições/apropriações são fundamentais para o densenvolvimento do gênero humano; além da existência de posições antagônicas de classes sociais na sociedade brasileira, empreendendo-se nos projetos, entre esses, os educacionais, com valores e fins diferentes, portanto, um espaço de lutas contínuas entre propostas específicas. Também vale lembrar o caráter contraditório e alienante da sociabilidade do sistema dominante e do trabalho educativo, contribuindo este para o apreender do patrimônio social e, ao mesmo tempo, resguardando os interesses deste sistema. Como assinala TONET (2005, p. 223), este patrimônio social não é um todo homogêneo, acabado e neutro; ele é constituído em processo, um campo complexo. Campo este em que determinados fundamentos norteiam a escolha de valores e objetivos para constituirem projetos/programas, por meio de políticas educacionais focalizadas, mas que também podem ser mudadas; como é o caso das políticas educacionais para o campo. Como este autor evidencia, a importância do trabalho educativo concerne não só em apreender um patrimônio sociocultural, mas também investir para se ter um conhecimento sólido sobre o processo histórico e uma compreensão dos fins da educação, tanto na perspectiva dominante (adaptação em si mesma) como na da emancipação. Assim, visando à segunda perspectiva, é necessário se criar convicções. O que o Programa das CFRs faz, no entanto, na CFRU, é um trabalho educativo que precisa ir além da prática aferida até fevereiro de 2005, que apresentou, no geral, ênfase para uma abordagem técnica. Desse modo, deixou de lado a abordagem da cultura geral, da leitura fecunda e da perspectiva para a emancipação humana. Esta constatação foi evidenciada, tanto pelos conteúdos dos cadernos, como pelos depoimentos dos alunos entrevistados. Para evitar e ultrapassar um trabalho educativo centrado nos elementos técnicos do conhecimento, mesmo que os temas geradores sejam sobre as culturas agrícolas, pode-se trabalhar outras dimensões que envolvem tais culturas. 124 Isto requer embasar-se na 124 Certamente, vale citar, sem ter a pretensão desta proposta ser a proposta, apenas uma das que necessita ser construída/reconstruída para fazer a interface entre o conhecimento científico, o da tradição e o mais geral. Desse modo, o desdobramento da atividade educativa, para além da dimensão técnica, implica em recorrer ao contexto histórico-cultural, eco-socioeconômico em que cada cultura agrícola é introduzida e as relações local e global são estabelecidas. Como no âmbito da cultura: a trajetória histórica das culturas agrícolas e o significado das 373 realidade, além da esfera do cotidiano, desvelar a sua superficialidade, as questões imediatas, significando, nesse sentido, uma construção de atividades subjetivas, sem nestas ficar limitado, porquanto diz respeito ao compromisso político e ao domínio do saber. Com isso, vale, para quem escreve, a proposição de as CFRs manterem os requisitos das Ciências da Natureza e inserirem os das Ciências Sociais e da Filosofia para a autoconstrução do jovem com capacidade para mover-se na concreta totalidade da vida social, não – apenas - na ênfase para as atividades técnicas/produtivas, e para a temática do desenvolvimento. Reconhece-se a relevância social da experiência da CFRU em produzir a auto-estima dos jovens alunos do campo, tão perdida e tratada preconceituosamente, sob os impulsos dos valores dominantes e dicotomias entre campo e cidade, também enfatizadas pela pedagogia moderna. Considerando a educação como possibilidade para a emancipação humana, por meio do seu exercício de atividade pedagógica reflexiva, no sentido que se posicionou Freire (2000), corresponde construí-la, permanentemente, no campo da unidade na diversidade. Isto siginifica o respeito às culturas diferentes, a sua inter-relação com a vida e o trabalho, capacitando o jovem para as diferentes relações sociais, para além desta atual socibilidade. Com efeito, Tonet (2005, p. 202) assinala a importância de se ter o domínio sólido e profundo nos campos teórico e prático das culturas geral e específica. Assim, como compreende este autor, trata-se de empreender um trabalho educativo que faça a articulação entre o geral e o particular. Com efeito, trata-se também de considerar, na prática formadora, que objetividade e subjetividade são momentos interligados, pois, “[...] são sempre o resultado concreto de sua mútua interação [...]”, assim, uma educação com possibilidade para fazer frente ao pragmatismo liberal atribuído à educação. Este pragmatismo escondido pelo e no discurso ideológico, em torno da educação para a cidadania envolve, a adequação, ao sistema dominante burguês. As contribuições de Gramsci (2004, p. 33) para a educação são significativas e atuais, compreendendo que a escola é o lugar social de formação do jovem consciente do seu tempo, contrapondo-se à formação dicotômica que produz intelectuais de diferentes níveis. Para se ter festividades de cada uma delas, agrícolas/extrativas, – na colheita. No âmbito do desenvolvimento tecnológico e da sustentabilidade: a importância da reflexão sobre a inter-relação do contexto social e ecológico das tecnologias dos agricultores e dos povos indígenas, visando a que a semente não se transforme em mercadoria, nem que os seus meios de subsistência sejam destruídos (SHIVA, 2003). A influência tecnológica e os fins dos paradigmas da agricultura: na escolha de cada cultura, na conservação da biodiversidade, como a questão da importância das raízes para o cuidado com o solo, assim como na alimentação, na relação com a saúde, com a força de trabalho, com a circulação no mercado. É necessário observar a exigência de cada cultura e suas implicações para a reprodução eco-socioeconômica, a importância dos meios de produção em consonância com os princípios ecológicos e sociais; introduzir/discutir/refletir/apropriar dos aportes das humanidades. 374 uma formação integral, denomina a escola de unitária, valendo ressaltar que esta, conforme seu entendimento, é impossível na sociabilidade capitalista. Com efeito, a relação educação, trabalho e vida é uma perspectiva que remete à realização do ser humano, passa pela apropriação da cultura. Conforme Calazans assinala (1993, p. 10), a premissa fundamental [...] é a possibilidade que a educação tem de exercer um papel preponderante na criação de uma nova cultura, privilegiando uma educação que não seja mero instrumento de valores dominantes, mas que contenha o embrião de uma sociedade realmente democrática. Isso significa reconhecer a importante tarefa que a educação pode desempenhar no jogo de forças que tem lugar na sociedade civil. No desafio motivado pelo jogo de forças antagônicas na sociedade capitalista, compreende-se que a articulação da formação básica por meio da alternância, interdependente entre trabalho, educação e cultura, na perspectiva de afirmar a dimensão do desenvolvimento humano, é relevante e atualíssima. Compreende-se que o movimento das reformas neoliberais conduz para uma formação instrumental, negando as possibilidades para apropriação deste desenvolvimento, priorizando, apenas a esfera produtiva, com o víes da lógica do lucro. O trabalho, nesse sentido, enquanto categoria central para a reprodução humana, é materializado como forma para gerar mais valia e não como processo educativo mais amplo, tendo, assim como na escola, uma natureza histórico-social. No campo, a dinâmica sistêmica exige uma mudança continuada, as tensões encaminham/provocam as pessoas, para que estas se ajustem às necessidades imediatas, pois há uma unidade indissolúvel entre as esferas produtivas e reprodutivas, característica de sua especificidade estrutural. Cabe assinalar, no entanto, que é uma realidade com fins diferentes da empresarial, pois a família não se constitui/não se realiza em esferas cindidas; a sua sustentabilidade é um eixo central, esta é instituída/instituinte, fundamentalmente, nas esferas da produção e da reprodução. A sustentabilidade exige a permanência de elementos da esfera da produção, assim como não exclui, nem secundariza a gestão na esfera da reprodução para a apropriação de aquisições feitas, possibilitando, assim, via educação enquanto processo, e no sentido de relevância transgeracional, novas criações para o desenvolvimento humano. O processo para sua reprodução geral, envolve elementos de permanência e de mudança, com possibilidades para se fazer a inter-relação entre as necessidades imediatas e mediatas, sem ajustes a priori. Um esforço político consegue superar essa tensão central que pressiona a 375 família? Assim, cabe ajustar o P.P.P. educativo à – e para – tais esferas? Tensões entre planejamentos, leis e práticas na escola, conduzem para a emancipação ou para a adaptação? Em que se encerram essas atitudes educativas? Isto implica em observar como esses elementos são tratados pela pedagogia, pela escola, ou não? No sentido para afirmar possibilidades de desenvolvimento do gênero humano, a perspectiva para a alternância, que repassa/constrói valores não dominantes, exige uma atividade educativa constitutiva, instituinte de condições para apropriação do saber, atuando nas duas esferas. Desse modo, é necessário levar em consideração o significado e os encantamentos dos discursos democráticos que a Pedagogia das Competências tem produzido, uma vez que envolve, a separação dos espaços de estudo e de trabalho, enfocando, apenas, os talentos individuais em si mesmos; assim, delega à educação escolar a tarefa de eqüalizar as questões sociais. A articulação da atividade educativa, com vistas a não se deixar seduzir pelo pragmatismo promovido pelos organismos internacionais que viabilizam a atual globalização, corresponde a conhecer/transmitir o legado do patrimônio cultural. É relevante socialmente, que se tenha um conhecimento sólido, com habilidades/aportes teóricos e práticos – como os da tradição, da ciência, da filosofia, entre outros - de modo crítico, e, assim, compreender as propostas gerais do paradigma dominante, para se alcançar uma visão/ação sobre as questões do mundo atual. Isto compreende um posicionamento contínuo, não se resume, só em inserir conteúdos, referências das humanidades, mas necessitando ir além, se apropriar destes, construindo um trabalho educativo que proporcione condições para reflexões, para desenvolver capacidades psíquicas e não só daquelas especificamente – e também importantes – físicas (LEONTIEV, 1978). Nesse sentido, criar novas aptidões, pois, estas não são inatas, assim como também não é o processo de apropriação do conhecimento. Para finalizar, vale destacar a educação, a sua natureza com o vínculo do trabalho e com a vida, no que concerne em empreender um ato educativo que conduza o jovem a apropriar-se do patrimônio sociocultural geral, logo, ser sujeito de sua história. Isto exige mover uma luta/organização/formação indelével, contínua, com ética, para se conseguir as condições necessárias. Considera-se, como assinala Tonet (1998), que a plena emancipação é impossível na sociabilidade atual, que aprofunda a contradição entre capital e trabalho, mas uma oposição a sua hegemonia, é uma possibilidade real; como reflete Mészáros (apud SADER, 2005) uma – contraconsciência -, – contra-interiorização -, compreensão do mundo, uma educação para a desalienação. 376 9. FONTES ORAIS Abrão Alba Ana Ane Ari Catarina Clara Davi Dimas Diva Esther Fábia Gabriel Jaci Jacó Jane João Jorge Júlia José Ivo Lídia Lívio Lena Leonel Lúcia Madalena Miguel Mário Nero Nildo Nísia Odilon Olavo Paulina Peri Rafael Rildo Rui Sara Sião Tito Vera 377 ESCRITAS ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DOS MOVIMENTOS FAMILIARES DE FORMAÇÃO RURAL. Manifesto de Iguaçu. In: Congresso Internacional da Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural (AIMFR) Família Alternância e desenvolvimento. Promoção Pessoal e Coletiva: Chaves para o Desenvolvimento Rural Sustentável, 8º, 2005. Anais do Congresso. 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