0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL PRISCILA MONICK DE ARAÚJO BARBOSA DANTAS AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DA GARANTIA DOS DIREITOS DO PACIENTE IDOSO INTERNADO: O CASO DE UMA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN NATAL/RN 2015 1 PRISCILA MONICK DE ARAÚJO BARBOSA DANTAS AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DA GARANTIA DOS DIREITOS DO PACIENTE IDOSO INTERNADO: O CASO DE UMA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Serviço Social. Orientadora: Dra. Carla Montefusco de Oliveira NATAL-RN 2015 2 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Dantas, Priscila Monick de Araújo Barbosa. As múltiplas dimensões da garantia dos direitos do paciente idoso internado: o caso de uma instituição hospitalar pública no município de Natal/RN / Priscila Monick de Araújo Barbosa Dantas. - Natal, RN, 2015. 236 f. Orientadora: Profa. Drª. Carla Montefusco de Oliveira. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós- graduação em Serviço Social. 1. Direitos fundamentais - Dissertação. 2. Direitos do idoso – Dissertação. 3. Cidadania - Idoso - Dissertação. 4. Saúde pública - Questão social - Dissertação. I. Oliveira, Carla Montefusco de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título. RN/BS/CCSA CDU 342.7-053.9 3 4 Dedico esse trabalho a minha família e amigos que torceram e incentivaram em todos os momentos. 5 AGRADECIMENTOS Quando olhamos para o nosso lado e vemos alguém que está sempre presente e que nunca nos deixa desanimar, só podemos estar gratos. Sem dúvida, jamais um empreendimento desses poderia ser implementado individualmente. Portanto, todas as pessoas que contribuíram com esse processo, sabendo ou não, merecem agradecimentos. Pessoalmente, esse é um momento de muita alegria e satisfação, que fico grata e honrada de compartilhar com todos que estiveram ao meu lado nessa trajetória. Dito isto, começo a expressar minha gratidão: A Deus, pela oportunidade, coragem e força concedidas para chegar até aqui, apesar das dificuldades vivenciadas ao longo desse processo. Ele que me ajudou a realizar mais um sonho! Por mais essa conquista, pelos momentos de tranquilidade e por saber o tempo certo para que meus desejos se realizem, muito obrigada! Aos meus pais, Luciana de Araújo Barbosa Dantas e Mário Medeiros Dantas, que são à base da minha vida. Foi por seus sacrifícios e abdicações, que pude chegar até aqui. A jornada pareceu árdua e difícil e o desânimo tentou se apossar por vezes. Entretanto, ao lembrar de suas faces preocupadas, de seu trabalho, de seu apoio incondicional para me dar sempre o melhor, fui impulsionada para a luta mais uma vez. Obrigada pelo amor, pelo incentivo, por tudo e por nada! Essa vitória também é de vocês! Ao noivo, Wagner Luiz, pela compreensão das ausências e incentivo concedidos durante os anos de mestrado. Alguém que acompanha de perto todos os meus desafios, conquistas e fracassos acadêmicos e pessoais, mas que está sempre ao meu lado, lembrando o quanto a vida é bela. Obrigada pela atenção, pelos elogios e críticas sinceros que só vem de quem ama. A irmã, Ingrid Kaline, e amiga Bruna Rânelly, pela ajuda e opiniões prestadas durante a confecção da dissertação, pela amizade e companheirismo e que tanto torceram para que esse momento se concretizasse. Os verdadeiros amigos são aqueles que se fazem presentes nas melhores e piores fases e por isso sei que nossa amizade é real e eterna. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte e ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, que oportunizaram a janela que hoje vislumbro em um horizonte superior, perpassado pela certeza do mérito e da ética aqui presentes. Aos mestres, por toda sua dedicação e por me proporcionar o conhecimento não apenas científico, mas de exemplo dos profissionais que almejo ser. 6 Agradeço a minha orientadora e amiga, professora Carla Montefusco pelo tempo dedicado a construção desse trabalho, pelo auxílio, pela disponibilidade e pela paciência durante o processo da elaboração da dissertação. Fico muito feliz em contar, não apenas com as orientações acadêmicas, mas também pelo apoio pessoal imensurável concedido durante esse tempo. Mostrou-se não apenas uma profissional formidável, como também uma companheira e amiga para todas as horas. Fico muito grata por ter tido a oportunidade de te ter como parceira e poder compartilhar mais uma finalização de trabalho com você! A minha banca examinadora, cujas observações foram igualmente imprescindíveis, pelas contribuições inegáveis e por dedicarem um pouco do seu tempo, já restrito, para leitura e análise desse trabalho. Fico muito feliz por contar com sua disposição, que conclui uma pequena, porém importante jornada na minha vida. A equipe de profissionais e pacientes do Hospital Estadual Dr. Ruy Pereira dos Santos pelas informações prestadas e por estarem sempre disponíveis e solícitos para qualquer eventualidade. Agradeço também aos companheiros de trabalho do meu setor que tanto me ajudaram durante o período das disciplinas do mestrado para que eu não faltasse às aulas, com inúmeras trocas de plantão, em especial a Verônica Salustino, Alex Jorge e Alisson Pontes. Não tenho como expressar o quanto vocês foram importantes para que eu conseguisse finalizar essa etapa. Aos amigos de turma de mestrado pelas contribuições, pelos momentos de angústia e felicidade compartilhados, pelas brincadeiras e risos, por dividir as mesmas expectativas em relação à conclusão dessa etapa acadêmica. Por tudo que vivenciamos juntos, certamente a amizade construída nunca será esquecida. Trabalhar e estudar não é tarefa fácil e desde o início do mestrado eu vivenciei essa experiência, a qual foi acentuada com um novo trabalho em meados da pós-graduação. No entanto, com a proximidade, amizade e apoio dessas pessoas amadas e queridas, encontrei a força e o estímulo que precisava para seguir em frente. Sei que não existam palavras suficientes que me permitam agradecer a vocês com a justiça que merecem, mas agradeço de coração a todos que fizeram parte desse momento. Admiro e amo de muitas maneiras especialmente essas pessoas! Que Deus ilumine a todos sempre. Obrigada! 7 Não me pergunte sobre a minha idade, Porque tenho todas as idades, Eu tenho a idade da infância, Da adolescência, da maturidade e da velhice. (Cora Coralina) 8 RESUMO No contexto da atual sociedade capitalista, marcada pela lógica que restringe a pessoa humana a sua condição de força de trabalho, de modo a gerar lucros, a velhice costuma ser tratada como uma etapa desprivilegiada da vida. Essa realidade torna-se mais intensa considerando que o acentuado processo de envelhecimento que acomete a sociedade brasileira está acompanhado da entrada do país em um mundo globalizado e tensionado pelos ditames do capital. Desse modo, apesar do crescente desenvolvimento das políticas destinadas a fortalecer a garantia dos direitos do idoso, torna-se necessário estabelecer estratégias de efetivação dessas medidas de modo a garantir uma maior qualidade de vida a esses sujeitos. Nesse sentido, é necessário desenvolver estudos que problematizem a questão do idoso, que representa uma parcela cada vez maior da população brasileira, e, consequentemente, apresenta demandas mais evidentes, inclusive na área da saúde. Com o aumento da população idosa no Brasil é possível perceber o país está passando por um processo de transição demográfica e mudanças epidemiológicas, que contribuem para alterar o cenário do atendimento a saúde dos idosos, destacando-se a hospitalização. Nesse sentido, esse trabalho objetivou analisar os múltiplos aspectos da garantia dos direitos dos pacientes idosos internados no Hospital Estadual Dr. Ruy Pereira dos Santos (HRPS), localizado em Natal/RN, cuja maioria dos pacientes é idosa. Especificamente buscou entender o processo de envelhecimento, suas repercussões sociais e a situação de vulnerabilidade a qual está exposto, sobretudo durante a situação de doença; compreender o processo de construção da saúde pública brasileira e suas ações destinadas aos idosos; apreender as expressões da formação da cidadania no Brasil no que se refere às políticas destinadas aos idosos; e, investigar a concepção dos profissionais de saúde acerca da garantia dos direito do idoso internado. Partindo de um coordenado integrado de possibilidades teórico-práticas, foi realizada uma revisão de literatura, bem como uma pesquisa de natureza qualitativa e de caráter documental e de campo. Para isso, foram realizadas quatro entrevistas semi-estruturadas com profissionais da saúde do Hospital lócus da investigação – a saber: dois assistentes sociais, um médico e um enfermeiro –, além de histórias de vida com os pacientes idosos internados, sendo um em cada pavimento do referido Hospital, totalizando três. Os resultados apontaram para a dificuldade da política de saúde se efetivar enquanto direito, bem como ressaltaram um cenário de violação histórica dos direitos dos pacientes idosos hospitalizados, que persiste devido à conjuntura de precarização e a dificuldade da efetiva implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) e de outras políticas públicas destinadas a esse fim. 9 Palavras-chave: Saúde; Direitos; Cidadania; Idosos. 10 ABSTRACT In the context of current capitalist society, marked by the logic that restricts the human person their status as workforce, in order to generate profits, old age is often treated as an underprivileged life stage. This reality becomes more intense considering the sharp aging process that affects brazilian society is accompanied by the country's entry into a globalized world and tensioned by the dictates of capital. Thus, despite the increasing development of policies to strengthen the guarantee of elderly rights, it is necessary to establish effective strategies of these measures to ensure a higher quality of life to these subjects. Therefore, it is necessary to develop studies that problematize the issue of the elderly, which represent a growing portion of the population, and hence have more visible demands, including in health. With the increase in the elderly population in Brazil it is possible to realize the country is going through a demographic transition and epidemiological changes that contribute to change the landscape of health care of the elderly, especially the hospitalization. Thus, this study aimed to analyze the multiple aspects of ensuring the rights of elderly patients admitted to the State Hospital Dr. Ruy Pereira dos Santos (HRPS), located in Natal / RN, whose most patients are elderly. Specifically sought to understand the aging process, its social consequences and the vulnerability to which it is exposed, especially during the disease situation; understand the process of construction of the Brazilian public health and their actions for older people; learn the expressions of citizenship formation in Brazil with regard to policies for older people; and investigate the design of health professionals about the guarantee of the right of hospitalized elderly. Starting from an integrated coordinated theoretical and practical possibilities, a qualitative research and literature character, documentary and field was held. For this, there were four semi-structured interviews with health research locus Hospital professionals - namely, two social workers, a doctor and a nurse - as well as life stories with the hospitalized elderly patients, one in each deck the said Hospital, totaling three. The results pointed to the difficulty of health policy become effective as law and stressed one historical scenario violation of the rights of elderly hospitalized patients, which persists due to the precarious situation and the difficulty of effective implementation of the Unified Health System (SUS ) and other public policies to that end. Keywords: Health; Rights; Citizenship; Elderly. 11 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Comparativo das Pirâmides Etárias do Brasil de 1960 a 2060..................... 31 Quadro 1 – Os direitos constituintes da cidadania para Marshall.................................... 54 Quadro 2 – As gerações de Direitos para Bobbio............................................................ 58 Quadro 3 – Princípio e Direitos das Nações Unidas em Favor das Pessoas Idosas......... 83 Quadro 4 – Princípios e Diretrizes da Política Nacional do Idoso................................... 87 Figura 2 – Recomendações do Plano de Ação Internacional de Madri sobre o Envelhecimento e da Declaração Política sobre os Idosos........................... 90 Figura 3 – Agenda Internacional sobre o Envelhecimento e Principais Marcos Regularórios da Pessoa Idosa no Brasil........................................................ 97 Figura 4 – Dimensões da qualidade de vida segundo Lawton (1983)............................ 118 Figura 5 – Determinantes sociais: modelo de Dahlgren e Whitehead............................ 121 Figura 6 – Determinantes sociais: modelo de Diderichsen, Evans e Whitehead........... 122 Quadro 5 – Rede hospitalar por município de localização e total de leitos do RN em 2011............................................................................................................... 167 Gráfico 1 – Cobertura da População de Natal pela Estratégia de Saúde da Família de 2009 a 2015 em Porcentagem....................................................................... 178 Gráfico 2 – Mortalidade de Idosos em Natal/RN em 2013.............................................. 180 Gráfico 3 – Idade dos pacientes internados no mês de junho de 2015............................ 188 Gráfico 4 – Internações no HRPS em 2014 por sexo....................................................... 188 Gráfico 5 – Número de Internações no Hospital Estadual Dr. Ruy Pereira dos Santos de 2010 até 2014........................................................................................... 189 Gráfico 6 – Tempo de internação dos pacientes internados no HRPS em junho de 2015............................................................................................................... 190 12 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Taxa de mortalidade infantil total (%), segundo as Grandes Regiões - 1940/2010...................................................................................................... 28 Tabela 2 – Taxas de fecundidade total, segundo as Grandes Regiões -1940/2010........ 28 Tabela 3– Despesas e projeções com AIH até 2030...................................................... 156 Tabela 4 – Distribuição do número de leitos hospitalares por especialidades e quantidade do SUS no RN em 2012............................................................. 169 Tabela 5 – Número de leitos de UTI habilitados por região de saúde, especialidade e a real necessidade do RN em 2012............................................................... 170 Tabela 6 – Rede própria de serviços municipais de saúde dos distritos sanitários de Natal/RN de 2013.......................................................................................... 177 Tabela 7 – Mortalidade por grupos de causas e faixa etária em Natal/RN em 2013............................................................................................................... 179 Tabela 8 – Morbidade hospitalar por grupos de causas e faixa etária em Natal/RN em 2013............................................................................................................... 181 13 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABVD – Atividades Básicas da Vida Diária AIH – Autorização de Internação Hospitalar Art. Artigo BPC – Benefício de Prestação Continuada CAP – Caixas de Aposentadorias e Pensões CAPS – Centro de Atenção Psicossocial CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CIB – Comissão Intergestores Bipartite CIR – Comissão Intergestores Regionais CNDI – Conselho Nacional dos Direitos do Idoso CNDSS – Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde COHUR – Coordenadoria de Operação de Hospitais e Unidades de Referência CES – Conselho Estadual de Saúde CRA – Centro de Referência Adulto CRI – Centro de Referência Infantil CRM – Conselho Regional de Medicina DDS – Determinantes Sociais em Saúde DIRES – Diretorias Regionais de Saúde DM – Diabetes Mellitus Dr. Doutor ESF – Estratégia de Saúde da Família FENASAÚDE – Federação Nacional de Saúde Suplementar GEL – Grupo Executivo Local HAS – Hipertensão Arterial Sistêmica HEWG – Hospital Estadual Walfredo Gurgel HRPS – Hospital Estadual Dr. Ruy Pereira dos Santos HEMONORTE – Hemocentro do Rio Grande do Norte Dalton Cunha IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IAP – Instituto de Aposentadorias e Pensões INPS – Instituto Nacional de Previdência Social IRC – Insuficiência Renal Crônica ITORN – Instituto de Trauma e Ortopedia do RN 14 LACEN – Laboratório Central LBA – Legião Brasileira de Assistência LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social LOS – Lei Orgânica da Saúde MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social Nº – Número NOAS – Normas Operacionais da Assistência à Saúde NOB – Normas Operacionais Básicas OMS – Organização Mundial da Saúde ONU – Organização das Nações Unidas OPAS – Organização Pan-americana de Saúde PAISI – Programa de Atenção Integral à Saúde do Idoso PNSPI – Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa PMN – Prefeitura Municipal de Natal PNI – Política Nacional do Idoso RMN – Região Metropolitana de Natal RN – Rio Grande do Norte SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SCNES Sistema Nacional de Estabelecimento de Saúde SDH/PR – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República SESAP – Secretaria de Estado da Saúde Pública SindSaúde – Sindicato da Saúde SINPAS – Sistema Nacional da Previdência Social SMS – Secretaria Municipal de Saúde SNS – Sistema Nacional de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde SVO – Serviço de Verificação de Óbito TCE – Tribunal de Contas do Estado UBS – Unidade Básica de Saúde UNICAT – Unidade Central de Agentes Terapêuticos UPA – Unidade de Pronto Atendimento URSAP – Unidade Regional de Saúde Pública UTI – Unidade de Terapia Intensiva 15 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 16 2 CIDADANIA, DIREITO E POLÍTICAS SOCIAIS NO ÂMBITO DA SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA PARA A PESSOA IDOSA: ELEMENTOS EM DEBATE............................................................................... 26 2.1 ASPECTOS DEMOGRÁFICOS E CONCEITUAIS DO ENVELHECIMENTO NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS................................................... 27 2.2 “DIREITO NÃO SE PEDE, SE CONQUISTA”: O DEBATE ACERCA DA CIDADANIA E DO DIREITO NO BRASIL....................................................... 44 2.3 RESTROSPECTIVA HISTÓRICA DA FORMULAÇÃO DOS APARATOS LEGAIS DESTINADOS AOS IDOSOS............................................................... 72 3 ENVELHECIMENTO: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA................. 101 3.1 A QUESTÃO SOCIAL DO ENVELHECIMENTO E A PROMOÇÃO DA SAÚDE: REPERCUSSÕES SOCIAIS E A SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE DA PESSOA IDOSA...................................................... 102 3.1.1 Envelhecimento: uma expressão da questão social............................................. 103 3.1.2 Apontamentos sobre a promoção da saúde e a qualidade de vida.................... 113 3.2 BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA E AS AÇÕES DE SAÚDE PARA OS IDOSOS..................................................... 127 3.2.1 Aspectos da saúde pública brasileira: reconstrução histórica e perspectivas atuais....................................................................................................................... 128 3.2.2 Saúde e envelhecimento: o percurso da conquista de direitos........................... 145 4 A INSERÇÃO DO HRPS NA SAÚDE PÚBLICA NO RN E O PAPEL DOS PROFISSIONAIS E CUIDADORES: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DESAFIOS DA GARANTIA DOS DIREITOS DOS PACIENTES IDOSOS INTERNADOS...................................................................................................... 160 4.1 CARACTERÍSTICAS DA SAÚDE PÚBLICA LOCAL: A ESTRUTURA DA REDE DE ATENDIMENTO DO RIO GRANDE DO NORTE E DO MUNICÍPIO DE NATAL...................................................................................... 161 4.1.1 “A saúde pede socorro”: reflexões sobre a realidade da saúde pública do Rio Grande do Norte............................................................................................. 162 4.1.2 Notas sobre a saúde do Município de Natal: um panorama situacional.......... 174 4.2 MÃOS QUE CUIDAM: O IDOSO INTERNADO NO HRPS E A GARANTIA 16 DOS SEUS DIREITOS PELOS PROFISSIONAIS E CUIDADORES................ 183 4.2.1 Caracterização e localização do HRPS nos serviços de saúde de Natal............ 185 4.2.2 Os profissionais e o processo de identificação dos direitos dos pacientes idosos....................................................................................................................... 192 4.2.3 O cuidador enquanto alicerce da garantia dos direitos dos idosos internados............................................................................................................... 201 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 210 REFERÊNCIAS..................................................................................................... 216 APÊNDICES.......................................................................................................... 230 Apêndice A – Roteiro das Entrevistas................................................................. 231 Apêndice B – Roteiro das Histórias de Vida....................................................... 233 17 1 INTRODUÇÃO Crescendo numericamente, os velhos se tornam objeto de estudo. Propostas aparecem pela boca da “ciência”, do Estado, dos meios de comunicação... Enquanto isso a história não se altera. Não mudando a história do trabalhador Não muda a história do menino, Não muda a história do velho, Não muda a história do homem. (Eneida Haddad) O aumento da população idosa no Brasil tem se tornado uma realidade cada vez mais presente na sociedade e traz repercussões para o modo de vida dessa população no país. Na medida em que o tempo passa, o processo de envelhecimento traz um conjunto de mudanças físicas, biológicas e psicossociais, relacionadas a maiores desgastes. No entanto, segundo Lemos (2003, p. 116), mesmo sendo esse um processo natural, cujas limitações trazem consequências, não significam que provocam uma estagnação das pessoas. Nesse sentido, a tendência ao envelhecimento acarreta mudanças importantes em todos os setores da sociedade, principalmente em relação às alterações significativas na forma de lidar com as características inerentes a essa faixa etária. De acordo com Paschoal (1999) o impacto que o crescimento da população idosa pode acarretar sobre os gastos previdenciários, bem como para utilização de serviços de saúde e para manutenção da independência e da vida ativa dessa faixa etária, deve receber maior atenção do Estado, dos setores produtivos, da comunidade científica e das famílias na tentativa de promover o envelhecimento saudável e com mais qualidade de vida. A radical transformação do padrão demográfico corresponde a uma das mais importantes modificações estruturais verificadas na sociedade brasileira, com reduções na taxa de crescimento populacional e alterações na estrutura etária, com crescimento mais lento do número de crianças e adolescentes, paralelamente a um aumento da população em idade ativa e de pessoas idosas. Nesse contexto, definir a velhice parece, à primeira vista, uma tarefa bastante simples, de afirmações quase óbvias. No entanto, a velhice é uma temática imensamente complexa, que requer uma análise mais aprofundada e detalhada nas múltiplas dimensões: a biológica, a psicológica, a existencial, a cultural, a sociológica, a econômica, a política, entre outras, para se chegar a uma conceituação que melhor expresse a realidade. 18 A leitura de obras – tais como Camarano (1999), Camarano e Pasinato (2004), Almeida (2003), Ariès (1991) e Messy (1993) – a respeito da velhice mostra a dificuldade em delinear um conceito preciso – fundamental para situar o objeto da pesquisa – dada a parcialidade de diferentes disciplinas que tratam da questão e às especificidades próprias do processo de envelhecimento. Fundamentalmente, a dificuldade primordial para categorizar a velhice consiste em não poder enxergá-la como unicamente um estado, mas um constante processo de permanente construção e reconstrução que leva a inúmeras subjetivações. Uma visão unilateral impossibilita, assim, construir uma categorização que valorize o idoso 1 em todas as suas dimensões e todas as suas experiências acumuladas ao longo dos anos e seu conteúdo em termos de vivência. Paradoxalmente, o problema da velhice é novo. Do ponto de vista histórico-cultural, a velhice, tanto científica como socialmente falando, é o período etário do qual se dispõe de menos conhecimentos e só recentemente, vem se constituindo em objeto de estudos sistemáticos. Além disso, as populações compostas por um grande número de pessoas idosas são um advento recente na evolução da sociedade. O modelo de sociedade capitalista ancorado em bases extremamente perversas voltado para o mercado e o lucro, coisifica e mercantiliza tanto as relações efetivamente econômicas, quanto as de cunho afetivo, emocional e social. O capitalismo, prima pelo individualismo, pela indiferença, pela competição entre os seres humanos, que destituídos da sua condição de SER, (humano, gente, pessoa, indivíduo), são inseridos no conjunto da sociedade enquanto força de trabalho a serviço do capital. A abordagem do tema aqui proposto parte dos pressupostos analíticos de que o envelhecimento do trabalhador é expressão da questão social, o que significa atribuir centralidade à problemática social do envelhecimento do trabalhador, e não uma condição inexorável que atinge a todo o grupo etário, indistinta e independentemente, conforme a força de trabalho é expropriada e explorada das condições de produção e da reprodução social, inclusive, do seu tempo de vida. Assim sendo, o envelhecimento não se constitui um problema social pelas restrições físicas, fisiológicas ou biológicas do organismo, pelo crescimento demográfico da população idosa, pela restrição de papéis sociais, familiares, trabalhistas. Mas sim, na medida em que o reconhecimento dos idosos implica em tornar visível o crescimento da população idosa que 1 Reconhece-se a questão de gênero, mas para facilitar o processo de leitura ao inserir “idoso(a)”, optou-se por utilizar o termo de forma generalizada nesse trabalho. 19 impera no Brasil, e colocá-lo no centro das preocupações sociais, de modo que se possa agir sobre ele e poder ser elaborado um programa em função desses novos atores. É a classe trabalhadora a protagonista da tragédia no envelhecimento, considerando-se a impossibilidade de reprodução social e de uma vida cheia de sentido e valor, na ordem do capital, principalmente, quando perde o valor de uso para o capital, em função da expropriação dos meios de produção e do tempo de vida. Portanto, não é para todas as classes que o envelhecimento promove efeitos imediatos de isolamento, de exclusão das relações sociais, do espaço público, do mundo produtivo, político, artístico, dentre outras expressões fenomênicas dos processos produtores de desigualdades sociais. Isso porque a questão social 2 do envelhecimento, no Brasil, apresenta contradições regionais e desigualdades sociais que refletem a injusta distribuição de renda da população dificultando aos brasileiros a vivencia real da cidadania. Essa realidade é corroborada por Veras (2003) ao salientar que num país como o nosso, com um vasto contingente de pobres de todas as idades, com uma política de saúde caótica, com benefícios previdenciários ínfimos, com uma assistência social praticamente inerte e com um forte preconceito contra os idosos, não é difícil presumir as dificuldades que estes, principalmente os mais pobres, vivenciam. A percepção do problema social da velhice e a proposta de políticas é resultante de um processo de negociação em que se realiza o diálogo entre os sujeitos do problema (a sociedade e o movimento social dos idosos) e os agentes das políticas (Estado e instituições) na busca pela co-responsabilidade pela preservação de direitos. Contudo, deve-se perceber também que ao se considerar a velhice como um aspecto social está-se referindo não só à importância e à visibilidade que esta adquire perante a sociedade, mas, fundamentalmente, à atenção que o Estado passa a dar a ela. Conforme nos destaca Banhato [et al.] (2008), na saúde é grande o impacto das novas estruturas demográficas nos diversos níveis assistenciais existentes. Isso porque é o idoso que mais utiliza os serviços de saúde, com internações hospitalares frequentes e mais longas. Além disso, as doenças dos idosos são em geral crônicas 3 e múltiplas e exigem 2 Segundo Iamamoto (2008, p. 77), a questão social consiste nas “(...) expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. Sendo assim, ela é uma categoria que expressa à contradição fundamental do modo capitalista de produção, a qual se evidencia no antagonismo entre as classes sociais. 3 As doenças crônicas são doenças que não põem em risco a vida da pessoa num prazo curto, logo não são emergências médicas. No entanto, elas podem ser extremamente sérias e incluem também todas as condições em que um sintoma existe continuamente, e mesmo não pondo em risco a saúde física da pessoa, são extremamente 20 acompanhamento constante e cuidados médicos permanentes. Sendo assim, ainda para esses autores, o desafio atual no âmbito da saúde é gerir a escassez de recursos para o crescente contingente populacional e suas demandas. Com esse aumento da população de idosos, o número de sujeitos portadores de doenças crônicas tende a crescer e, consequentemente, os leitos dos hospitais serem ocupados, em grande parte, por idosos. Assim a população idosa passa a requerer assistência de serviços especializados, pois há maior incidência de doenças crônicas, que podem levar a perda da autonomia e da capacidade funcional e cognitiva. Há também mudanças fisiológicas, que se caracterizam basicamente em um declínio biológico, que torna o corpo mais suscetível às enfermidades e que com o passar dos anos o efeito prejudicial e acumulativo destas doenças tem maior possibilidade de se manifestarem. O paradigma atual em saúde focaliza a manutenção da capacidade funcional e da qualidade de vida, e não apenas a prevenção e o controle das doenças. No entanto, ainda que seja comum que o idoso apresente pelo menos uma doença crônica no seu curso de vida, o estudo do envelhecimento não deve focar apenas a patologia. Nesse contexto, surge como desafio à atenção à saúde dos idosos que estão em situação de doença e hospitalizados, como é o caso do Hospital Estadual Dr. Ruy Pereira dos Santos (HRPS). Para compreensão das condições de vida no envelhecimento, partimos do princípio que as condições subjetivas, materiais e de sobrevivência da população idosa são diversas. Portanto, as perdas e limitações que o envelhecimento traz e também as possibilidades que contribuem para um envelhecimento ativo e digno devem ser levadas em conta na luta contra o isolamento, ociosidade e solidão. Assim, é preciso programar formas de atuar no ambiente de vida da pessoa idosa, de modo que elas desenvolvam possibilidades que garantam sua qualidade de vida, através da ênfase no sentido da continuidade da vida. Segundo Menezes [et al.] (2011), para se formular uma política pública de saúde específica para este grupo populacional, é necessário levar em consideração os múltiplos aspectos que envolvem o envelhecimento, o que exige uma concepção mais abrangente da saúde, levando em consideração a inter-relação entre variadas dimensões, tais como os aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos, bem como as condições de saúde doença e as possibilidades de garantia dos direitos dessa parcela populacional. incômodas levando ao comprometimento da qualidade de vida e das Atividades Básicas da Vida Diária (ABVD) das pessoas. 21 A escolha do tema referente ao idoso se justifica considerando ser essa uma abordagem que representa uma realidade que impera cada vez mais sobre a sociedade, trazendo repercussões substanciais para ela. Isso é, como a velhice expressa um dado da sociedade moderna, um conjunto de relações sociais são efetivadas cotidianamente, trazendo diversos desdobramentos. Nesses termos, por se tratar de uma temática ampla, faz-se necessário realizar um recorte analítico para fins desse estudo, o qual será a análise das múltiplas dimensões que possibilitam a garantia dos direitos dos pacientes idosos internados para submissão a tratamento clínico, tomando com referência o Hospital Estadual Dr. Ruy Pereira dos Santos (HRPS) situado em Natal/RN. O HRPS é vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS) e é referência no tratamento de patologias vasculares, cujo principal grupo de risco é a população idosa em função das morbidades associadas – tais como Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Diabetes Mellitus (DM) e Insuficiência Renal Crônica (IRC). Disponibiliza 84 leitos de enfermaria distribuídos em três pavimentos, dos quais 81 estão aptos a receber pacientes, bem como 8 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Desse modo, a opção por esse Hospital se justifica uma vez que foi a partir da experiência profissional desenvolvida nessa instituição enquanto técnico em enfermagem, onde verificou-se a necessidade de identificar as relações sociais estabelecidas entre os idosos com a equipe em saúde, de modo a assegurar uma efetiva garantia dos direitos desses pacientes internado no Hospital em questão. As crescentes iniciativas com ênfase na pessoa idosa desenvolvidas nos últimos anos reiteram a pertinência desse tema, considerando que essa parcela da população tem adquirido uma maior visibilidade diante da sociedade. No entanto, apesar disso, essas ações são incipientes, sobretudo ao se considerar a ausência de análises críticas, inserindo o idoso em uma perspectiva de totalidade e no âmbito das determinações da saúde pública brasileira. Diante dessa realidade, o aumento da demanda do idoso na saúde torna-se um fenômeno inquestionável, sendo fundamental para garantir os direitos dessas pessoas à consideração das múltiplas dimensões que perpassam a vida cotidiana desses sujeitos históricos durante o atendimento nas instituições de saúde – sobretudo aquelas com público- alvo predominantemente idoso. Além disso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) (1984) recomenda o desenvolvimento de estudos e pesquisas que subsidiem a tomada de decisão e dirijam as ações e prioridades no nível das políticas públicas relativas à terceira idade. Portanto, deve-se ainda considerar que a análise das múltiplas dimensões da garantia dos direitos dos idosos internados no HRPS, cujos usuários majoritários são a população idosa, não possui estudos, 22 corroborando para suscitar novos conhecimentos enquanto temática atual, original e dotada de relevância acadêmica e social. No contexto da sociedade atual, pautada por profundas transformações, o fenômeno do envelhecimento reveste uma pertinência renovada, constituindo um dos maiores desafios da humanidade, cujas repercussões se estendem a diversos domínios. Compreendendo a velhice enquanto uma expressão dos desdobramentos da questão social, a partir do conjunto de implicações que ela traz a vida dos sujeitos, esse trabalho apresentou como objetivo geral realizar um estudo de caso de modo a analisar as múltiplas dimensões da garantia dos direitos dos pacientes idosos internados em um hospital público no município de Natal/RN. Como objetivos específicos visou entender o processo de envelhecimento, suas repercussões sociais e a situação de vulnerabilidade a qual está exposto, sobretudo durante a situação de doença; compreender o processo de construção da saúde pública brasileira e suas ações destinadas aos idosos; apreender as expressões da formação da cidadania no Brasil no que se refere às políticas destinadas aos idosos; e, investigar a concepção dos profissionais de saúde acerca da garantia dos direito do idoso hospitalizado. Apropriar-se do objeto de estudo inserido na realidade social carece de uma investigação pautada na totalidade concreta dos fenômenos considerando os seus determinantes, em uma perspectiva relacional. Sendo assim, utilizou-se o método de pesquisa do materialismo histórico dialético, que, de acordo com Netto (2009), propicia o conhecimento teórico tomando como ponto de partida a aparência, tendo em vista alcançar a essência do fenômeno social. Para contemplar os objetivos propostos, foi realizada uma pesquisa de caráter bibliográfico e documental, a fim de formar bases conceituais indispensáveis para a análise da problemática abordada. Nesse sentido, recorreu-se a concepções de alguns autores – tais como Almeida (2003), Camarano (2002), Ceslestino (2006), Lobato (2010), Motta (2001), Teixeira (2008), dentre outros – bem como a documentos que aportam informações diretamente, como arquivos institucionais e aparato jurídico a partir de legislações que versam sobre o tema. Para investigar o objeto desse estudo também foi imprescindível a realização de atividades de campo no HRPS de modo a caracterizá-lo e investigar as múltiplas dimensões que perpassam a saúde do idoso hospitalizado. Assim, tem-se que mesmo as próprias complicações do campo possam constituir um aspecto positivo para o pesquisador (BEAUD e WEBER, 2007, p. 12), uma vez que “(...) nada pode substituir as tentativas e os erros pessoais, o encontro direto das dificuldades, a ‘dúvida’, a experiência da ‘solidão do campo’”. 23 Além disso, recorreu-se ao recurso da observação participante, considerando que a pesquisadora trabalha no Hospital de estudo há 5 anos. Destaca-se que a inserção no campo possibilita uma melhor aproximação do objeto de estudo e dos sujeitos que foram investigados nessa pesquisa. Salienta-se que essa técnica de investigação foi realizada através do consentimento dos profissionais e da gestão, pois pode incorrer da não autorização do pesquisador adentrar o cotidiano da instituição por motivos adversos. Considerando que uma amostra qualitativa ideal é aquela que reflete a totalidade das múltiplas dimensões do objeto de estudo (MINAYO, 2006), foram utilizadas amostras não- probabilísticas, a partir da amostra típica. A pesquisa de campo foi realizada no período de maio e junho de 2015 e contou com três histórias de vida realizadas com pacientes idosos internados. Também foram realizadas quatro entrevistas semiestruturadas com profissionais de nível superior, sendo 1 médico, 1 enfermeiro e 2 assistentes sociais 4 . Além disso, foi utilizado o instrumento das histórias de vida com os pacientes hospitalizados, uma vez que, conforme Soriano (2004, p. 188) essa técnica “(...) fornece informação que permite analisar o processo de vida dos indivíduos na sua relação com o processo social em que se desenvolve”. Além disso, ela possibilita abranger um período mais longo do percurso histórico do indivíduo, destacando para essa pesquisa, os fatos importantes que repercutiram na garantia dos direitos desses pacientes ao longo de sua vida. Conforme previsto, foram realizadas 3 histórias de vida sendo um por pavimento, utilizando-se majoritariamente o critério de permanência estendida definidos a partir do diagnóstico clínico dos idosos. Elas foram realizadas no período de maio e junho de 2015. A fim de colher mais informações para o trabalho, foi necessário retornar ao campo para realizar duas sessões com um dos pacientes selecionados. Ainda assim, como faz parte dos limites da pesquisa, os informantes não conseguiram promover uma articulação mais ampla para refletir acerca de sua vida. Além disso, a falta de sistematização de alguns dados institucionais dificultou a coleta de informações para a operacionalização desse estudo. Por esse motivo, alguns aspectos relacionados à caracterização do HRPS foram restritos ao momento da pesquisa, não contemplando todo o período de fundação do referido Hospital. A título de preservação da identidade dos participantes da pesquisa, os informantes foram denominados de Informantes X, Y e Z. O primeiro é do sexo masculino, 70 anos, aposentado e internado por 23 dias no segundo pavimento do Hospital. Natural do interior da 4 A previsão era realizar apenas uma entrevista com cada profissional, mas optou-se por fazer duas com os profissionais de serviço social, uma vez que essa categoria lida cotidianamente com as problemáticas sociais que perpassam os pacientes internados. 24 Paraíba, estudou até a segunda série do ensino fundamental e começou a trabalhar aos 8 anos de idade. Casado há 50 anos, possui 7 filhos, 16 netos e 2 bisnetos. O segundo é do sexo feminino, 66 anos, aposentada e internada há 20 dias no dia da entrevista, no terceiro pavimento do hospital. Estudou até a primeira série do ensino fundamental e começou a trabalhar aos 10 anos de idade. Casada há 55 anos, teve 15 filhos, dos quais 7 estão vivos, não soube dizer quantos netos, mas a filha (que estava acompanhando no hospital) alegou que só ela tinha 8 filhos e 10 bisnetos. O terceiro, do sexo masculino, 69 anos e internado há 17 dias até o dia da entrevista, no primeiro pavimento. Natural de Arês/RN, estudou até terminar o ensino médio e começou a trabalhar aos 9 anos. Casado há mais de 30 anos, possui 2 filhos e 1 neto. Como aspectos em comum, destacam-se que todos são do interior e com pais agricultores. Além disso, todos começaram a trabalhar cedo na agricultura, tem pouca escolaridade o, que, de um modo geral, justificam o fato de terem uma compreensão mais restrita acerca dos direitos. Por fim, para compreender o referido objeto de estudo dessa pesquisa, foi pertinente realizar entrevistas semiestruturadas com as categorias profissionais de médico, assistente social e enfermeiro, considerando que esses profissionais atuam cotidianamente na atenção do paciente, ao passo em que outros profissionais desempenham ações esporádicas, com o intuito de verificar como eles concebem a noção de direito dos pacientes internados. De acordo com Minayo (2006, p. 191), essa modalidade de entrevista facilita a abordagem na medida em que permite uma maior flexibilidade nas conversas, bem como possibilita abranger novos temas e questões que sejam pertinentes à análise do pesquisador. A profissional A é do sexo feminino, com 34 anos de exercício profissional. É formada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. A profissional B também é do sexo feminino, com 25 anos de exercício profissional. Sua graduação foi pela UFRN com Especializações em Saúde Pública, em Unidades Básicas e Serviços de Saúde e Linguagem e Educação. A profissional de medicina – denominada com a letra C – é do sexo feminino, possui 18 anos de exercício profissional e formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Em função das características do trabalho desse profissional – com atendimentos em consultórios e com tempo disponível escasso, não foi possível realizar a entrevista presencial, sendo necessário mandar as questões via e-mail. 25 A profissional de enfermagem – referida ao longo do trabalho com a letra D – é do sexo feminino, com 6 anos de formação profissional, formada pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e possui Especialização em Vigilância Sanitária. A análise do material qualitativo visa o enriquecimento da leitura da realidade a partir do fornecimento de respostas às perguntas, hipóteses e pressupostos. Assim, a análise dos dados foi efetivada a partir da análise de conteúdo das informações obtidas durante a pesquisa. Além disso, interpretação dos dados foi concretizada através da formulação de gráficos, tabelas, quadros dentre outras formas que se fizeram necessárias para o enriquecimento do trabalho. Desse modo, observou-se que a análise das múltiplas dimensões que perpassam pela garantia dos direitos dos pacientes idosos hospitalizados, supõe compreender a forma com que a cidadania e a concepção de direito estão inseridas na sociedade capitalista, na medida em que eles são os elementos norteadores da constituição dos instrumentos de garantia dos direitos, materializados nos aparatos legais e viabilizados, dentre outras formas, através das políticas públicas. Nesse sentido, no segundo capítulo tornou-se necessário empreender uma breve reflexão sobre as políticas públicas voltadas para a população idosa no Brasil, enfatizando como ocorreu historicamente a consolidação de algumas das principais políticas públicas destinadas à população com idade mais avançada, destacando sua ainda incipiente, mas importante repercussão na sociedade. Além disso, a política de Seguridade Social (assistência, saúde e previdência) foi realçada, devido ela ser responsável pela afirmação da cidadania e da defesa dos direitos das minorias na sociedade e nos espaços ocupacionais, onde se encontra o idoso. Em seguida, no terceiro capítulo foram resgatados alguns aspectos que perpassam o processo de envelhecimento enquanto questão social, articulado com a promoção da saúde e a garantia da qualidade de vida dos idosos, bem como um breve histórico da formação da saúde pública brasileira, com ênfase nas políticas voltadas para a conquista de direitos da população idosa nesse âmbito. Por fim, no quarto capítulo, foi realizada uma caracterização e localização do HRPS em meio aos tensionamentos impostos à efetivação da rede de saúde pública do RN e de Natal. Além disso, buscou-se empreender reflexões acerca da garantia dos direitos dos pacientes idosos internados a partir dos profissionais de saúde e dos cuidadores, uma vez que eles atuam cotidianamente na atenção e no cuidado do paciente. 26 Sendo assim, observa-se que a compreensão da temática de estudo desse trabalho requer uma ampla reflexão acerca da cidadania, dos direitos, da saúde pública e do espaço de inserção do idoso da sociedade capitalista, ratificando a sumária importância dos aparatos legais para a viabilização dos direitos dos pacientes idosos internados. 27 2 CIDADANIA, DIREITO E POLÍTICAS SOCIAIS NO ÂMBITO DA SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA PARA A PESSOA IDOSA: ELEMENTOS EM DEBATE “Os idosos são fruto de sua experiência de vida, e enquanto há vida, existe a possibilidade de aprender, de rever posturas e de conquistar direitos”. (Torres e Sá, 2008, p. 09). A legislação traduz tanto a necessidade de proteção, como o incentivo ao protagonismo, à participação e a qualidade de vida, dimensões que, de fato, devem ser articuladas na implantação das políticas sociais. Ela fortalece quando é imprescindível discutir e colocar na agenda política o debate referente ao lugar social ocupado pela população idosa na sociedade brasileira. Além disso, a implementação de políticas sociais é compreendida como um direito dos cidadãos, permitindo-lhes participar do conjunto de bens e serviços socialmente produzidos. Analisar as múltiplas dimensões da garantia dos direitos dos pacientes idosos internados em um hospital público de Natal/RN suscita ressaltar as contribuições das legislações destinadas a eles, de modo a elucidar o processo de efetivação de seus direitos, que ressalta um processo histórico contínuo de lutas, conquistas e desafios. Isso se justifica na medida em que ao determinar legislações específicas – os quais destacaram o papel de cidadania dos idosos, não mais em uma fase produtiva para o mercado de trabalho e, consequentemente, para o capital – legitima-se a pessoa idosa enquanto sujeito de direito e, portanto, objeto das políticas sociais. Assim, com o intuito de atender aos objetivos desse trabalho, cabe destacar o processo de envelhecimento, os aspectos teóricos da cidadania e do direito, relacionado com as políticas públicas e os aparatos legais mais significativos que versam sobre o idoso, com ênfase na PNI e no Estatuto do Idoso. Essa análise faz-se necessária por entendermos que, mesmo sendo recentes, essas leis congregam um conjunto de direitos que articulam as expressões da questão social a realidade social do idoso. Partindo dessas concepções, o estudo proposto por esse capítulo retrata o contexto da formulação dos aparatos legais que privilegiam o amparo ao idoso, o qual ocorre em um período nacional da busca pela valorização de direitos sociais, além de tratar das políticas públicas que versam sobre os idosos. Verificamos que essa reflexão é de fundamental importância para subsidiar a análise das legislações, uma vez que ela possibilita a 28 compreensão socio-histórica dos determinantes nos quais estão fundamentados os aparatos legais em questão. 2.1 ASPECTOS DEMOGRÁFICOS E CONCEITUAIS DO ENVELHECIMENTO NO BRASIL: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS Nas últimas décadas, o processo de envelhecimento das populações, via de regra, observado em escala mundial, adquiriu o status de fenômeno e tem sido considerado um marco na história da humanidade, exigindo novas posturas do poder público e da sociedade civil para responder às questões impostas a partir o processo de transição demográfica em curso. Diante desse cenário, é certo que não se pode desconsiderar a necessidade de evidenciar os dados que destacam o envelhecimento populacional em termos das dimensões demográficas, na medida em que tais informações são um fato da realidade social, que impõe uma averiguação, a fim de caracterizar as transformações sociais que estão postas no cotidiano. Isso porque ignorar a evolução e as contradições do processo de mudanças demográficas constitui uma grave lacuna na possibilidade de reflexão sobre as condições de vida e reprodução da sociedade brasileira. Além disso, dificulta a utilização de instrumentais adequados para a formulação de políticas. A problemática do envelhecimento enquanto fenômeno social e processo multifacetado, diante dos vários componentes que interferem e contribuem para a sua dimensão e complexidade, impõe uma reflexão enquanto problema social, que se configura enquanto uma expressão da questão social. Essa compreensão suscita considerar também os aspectos demográficos que perpassam a temática abordada, de modo a compreender as particularidades do envelhecimento populacional no Brasil. Até meados dos anos 1940 do século passado, o Brasil apresentava um padrão demográfico relativamente estável e de caráter secular. Segundo o IBGE (2009), desde o século XIX, tanto os níveis de fecundidade como os de mortalidade mantinham-se com pequenas oscilações em patamares regularmente elevados, embora já se pudessem observar, a partir da virada do século, pequenos declínios dos níveis de fecundidade. O comportamento reprodutivo da família brasileira durante todo esse período se caracterizava por uma concepção de família numerosa, típica de sociedades agrárias e precariamente urbanizadas e industrializadas. 29 As transformações no padrão demográfico começam a ocorrer inicialmente e de forma incipiente, a partir dos anos 1940, quando se nota um consistente declínio dos níveis gerais de mortalidade (Tabela 1), com a fecundidade mantendo-se em níveis altos (Tabela 2). O quadro de mudanças se acentua após os anos 1960, em decorrência de quedas expressivas da fecundidade, muito em função da descoberta da pílula anticoncepcional, a tal ponto que, quando comparado com situações vivenciadas por outros países, o Brasil – seguindo o mesmo passo dos que compõem o capitalismo periférico – realizava uma das transições demográficas mais rápidas do mundo 5 . Tabela 1 – Taxa de mortalidade infantil total (%), segundo as Grandes Regiões - 1940/2010 Grandes Regiões 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 Norte 166,0 145,4 122,9 115,0 79,4 44,6 29,5 18,1 Nordeste 187,0 175,0 164,1 104,3 117,6 74,3 44,7 18,5 Sudeste 140,0 122,0 110,0 146,4 57,0 33,6 21,3 13,1 Sul 118,0 109,0 96,0 96,2 58,9 27,4 18,9 12,6 Centro- Oeste 133,0 119,0 115,0 81,9 69,6 31,2 21,6 14,2 BRASIL 150,0 135,0 124,0 115,0 82,8 48,3 29,7 15,6 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. Tabela 2 – Taxas de fecundidade total, segundo as Grandes Regiões - 1940/2010 Grandes Regiões 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 Norte 7,17 7,97 8,56 8,15 6,45 4,20 3,16 2,47 Nordeste 7,15 7,50 7,39 7,53 6,13 3,75 2,69 2,06 Sudeste 5,69 5,45 6,34 4,56 3,45 2,36 2,10 1,70 Sul 5,65 5,70 5,89 5,42 3,63 2,51 2,24 1,78 Centro- Oeste 6,36 6,86 6,74 6,42 4,51 2,69 2,25 1,92 BRASIL 6,16 6,21 6,28 5,76 4,35 2,89 2,38 1,90 Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1940/2010. 5 Segundo o IBGE (2009) em países como a França, por exemplo, essa transição levou quase dois séculos. 30 Como ressalta Netto (2000), o envelhecimento que se restringia, quase exclusivamente, a esfera privada familiar, passou, sobretudo após esse período, nos países em desenvolvimento – no qual pertence o Brasil –, a se transformar em uma questão de política pública, apesar de nunca romper com as formas privadas de proteção social, considerando-se a baixa socialização da reprodução do trabalhador, via recursos públicos. Somente ao se começar o declínio sustentado da fecundidade é que se inicia o processo de envelhecimento de uma população. Em vários países que até então tinham uma população extremamente jovem, com o declínio da fecundidade, o ritmo de crescimento anual do número de nascimentos passou, imediatamente a cair, culminando com que se iniciasse um processo contínuo de estreitamento da base da pirâmide etária – em que a base alargada traduzia a predominância das camadas mais jovens em relação as mais velhas, representadas no cume –, e, consequentemente, do envelhecimento populacional. No que concerne ao envelhecimento populacional brasileiro, Albuquerque (2008) ressalta que espaço de tempo de 1940 a 1960, a população apresentou-se quase estável, com distribuição etária praticamente constante. Era uma população eminentemente jovem, com, aproximadamente, 52% dos habitantes com idade inferior a 20 anos, e mesmo de 30% acima de 65 anos. Nesse período, houve significativo declínio da mortalidade e leve queda da fecundidade. No final da década de 1960, iniciou-se um rápido e generalizado declínio da fecundidade no Brasil. A taxa de fecundidade passou de 5.8 em 1970, para 2.3 filhos por mulher em 2000. O nível de fecundidade, em 2000, já está bem próximo daquele de reposição, ou seja, aquele que produz crescimento nulo da população ao longo prazo. Como consequência, a população entra em um sustentado processo de desestabilização de sua estrutura etária, com estreitamento continuado da base da pirâmide e envelhecimento da população (CAMARANO, 1999). Tura, Carvalho e Bursztyn (2014) ressaltam que as transformações sociais proporcionando melhores condições de vida e o próprio desenvolvimento da medicina e das demais áreas do setor de saúde, com ênfase na saúde pública contribuíram para a mudança do quadro demográfico do país. O grupo que compreende os idosos é a faixa etária que cresce com maior velocidade. Segundo Veras (2003, p. 14), “(...) a cada ano que passa, mais 650 mil idosos são incorporados à população brasileira”. A população brasileira com mais de 40 anos cresceu consideravelmente a partir da década de 1960 e mudou a pirâmide etária nacional. Deste modo, o fenômeno de envelhecimento populacional aponta diversas consequências nos 31 diferentes setores da vida humana tais como na esfera econômica, na saúde, na previdência, no lazer e na cultura. Este fenômeno vem sendo acompanhado por relevantes transformações demográficas, biológicas, sociais, econômicas e comportamentais. Os valores inerentes à representação que uma sociedade tem sobre a velhice serão os norteadores responsáveis pelas ações que podem (ou não) oferecer a proteção e a inclusão social de seus idosos, bem como qualidade das relações a serem determinadas com eles. Segundo Borges (2006), observa-se que a forma da pirâmide está associada ao nível de desenvolvimento do país. Na qual, a pirâmide com forma irregular topo largo e base estreita, correspondem aos países com predomínio de população adulta e população envelhecida, caso dos países desenvolvidos que atingiram ou estão próximos de atingir a fase de estabilização demográfica. Já as pirâmides de base larga e forma triangular representam países com população predominante jovem e baixa expectativa de vida, caso dos países subdesenvolvidos, em fase de crescimento acelerado, ainda na primeira fase da transição demográfica. No caso do Brasil, observa-se a partir dos censos já realizados e das projeções (Figura 1) que ele tende a seguir com o crescimento da população idosa associado à diminuição da base da pirâmide, indicando a transição demográfica que o país vem passando, com uma mudança mais perceptível a partir de 2040. 32 Figura 1 – Comparativo das Pirâmides Etárias do Brasil de 1960 a 2060 Pirâmide Etária Absoluta do Brasil – 1960 Pirâmide Etária Absoluta do Brasil – 19 Pirâmide Etária Absoluta do Brasil – 2020 Pirâmide Etária Absoluta do Brasil – 2040 Pirâmide Etária Absoluta do Brasil – 20 Fonte: Censo Demográficos IBGE (1960, 1980, 2000, 2010). Bruno (2003) destaca que a sociedade brasileira está sendo surpreendida por uma “revolução demográfica” e não está preparada para receber um contingente tão grande de idosos. Deste modo, é de grande importância que se criem mecanismos para ajustar a sociedade ao convívio e acolhimento desses idosos, assim como para garantir a esta parcela da população melhor qualidade de vida. Pirâmide Etária Absoluta do Brasil - 1980 Pirâmide Etária Absoluta do Brasil - 1960 Pirâmide Etária Absoluta do Brasil - Projeção 2020 Pirâmide Etária Absoluta do Brasil - 2000 Pirâmide Etária Absoluta do Brasil - Projeção 2060 Pirâmide Etária Absoluta do Brasil - Projeção 2040 33 Carvalho e Garcia (2003) ressaltam para o fato de que, como o envelhecimento ocorre a partir do declínio da fecundidade, ao se alcançar a estabilidade estaria haverá necessariamente um número absoluto de idosos menor do que aquele que se teria na ausência de queda na fecundidade. Nesse caso, os problemas porventura advindos desse processo relacionam-se ao peso relativo dos idosos na população total. Não estamos aqui falando estritamente de números e dados estatísticos, mas da qualidade de vida de milhares de indivíduos situados na condição de idoso, e principalmente de uma nova sociedade que se forma, exigindo a reformulação das políticas públicas e do planejamento estatal visando ao desenvolvimento deste novo perfil social. Após ilustrar os dados referentes ao crescimento da população idosa no Brasil, torna- se relevante destacar alguns conceitos que perpassam o debate acerca da velhice e do processo de envelhecimento. Isso se faz necessário de modo a reiterar a visibilidade do envelhecimento enquanto questão social na atual sociabilidade. Isto é, a concepção de direito supões considerar diversas dimensões, quais sejam os aspectos sociais, a utilização dos serviços de saúde, o uso de medicamentos, as consultas e internações, a autopercepção da saúde, o processo de apreensão das condições de saúde e doença, bem como as condições de realização das ABVD, considerando que a falta de conhecimento sobre a legislação referente aos idosos pode causar a violação de seus direitos. O exame desses aspectos é fundamental para empreender uma avaliação abrangente do idoso internado, constituindo um completo indicador de saúde que se relaciona diretamente com a qualidade de vida e os aspectos biopsicossociais da velhice. Viterbino (2001) concebe que a velhice costuma ser tratada pela sociedade capitalista como uma etapa desprivilegiada da vida, pois o capitalismo introduz a imagem de que o idoso é um “peso morto”, uma vez que ele não produz, em uma lógica que restringe a pessoa humana a uma condição de força de trabalho. Tal concepção é percebida no cotidiano profissional dos entrevistados na presente pesquisa, conforme reflete o trecho da fala da profissional A 6 : A sociedade, de forma geral, discrimina, certo? [...] está no imaginário das pessoas: o velho não serve pra nada. A nossa sociedade trata assim, ne? Se você for pra sociedade no mercado de trabalho, com 45 anos 50, você já não consegue mais, ne? A não ser que você entre prum concurso público e tal, mas se não, via de regra nas empresas privadas.. aí outro dia apareceu: ‘não porque os aposentados estão 6 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 34 conseguindo, estão entrando no mercado de trabalho’. Aí se você ver a legião que tem pra um ou dois que entra, mas né? Eu acho que não representa estatisticamente, não sei se estou sendo negativa, mas eu acho que não tem essa representação. A profissional B 7 ressalta que o idoso é “tratado com preconceito, discriminação e até negligência”. A profissional D8 também encara que o preconceito é uma característica marcante na concepção da sociedade acerca do idoso, ao afirmar que Infelizmente, o idoso tem sua autonomia diminuída à medida que começa a apresentar limitações físicas e/ou neurológicas. Sofrem muito com discriminação, especialmente por parte de muitos adolescentes que ao invés de tentar aprender com as experiências vividas, acabam não tendo paciência com o ritmo mais lento de alguns idosos. Fora a questão de garantir que os idosos tenham prioridades em filas, estacionamentos, transportes coletivos, atividades de lazer. Já a profissional C 9 destaca que “Como atualmente as pessoas estão chegando bem aos 60 anos e vivendo mais, alguns idosos vivem bem na sociedade. Porém, os idosos que tem mais dependência e algumas deficiências não encontram suporte na nossa sociedade”. Analisando as reflexões dos profissionais entrevistados, observa-se que “(...) dentro de uma cultura de consumo, pragmática, não é surpreendente que as pessoas prestem mais atenção ao seu aspecto, porque ele é uma forma de poder. O poder não somente vem do dinheiro ou do capital cultural, mas também do corpo” (FEATHERSTONE, 1998, p. 16.) Almeida (2003, p. 41) também empreende uma análise sobre o papel do idoso da sociedade capitalista ao definir que a velhice compreende a “diferença, o ‘outro’ da modernidade”, pois Nas sociedades modernas, a velhice é sinônimo de recusa e banimento. Recusa vestida com diferentes roupagens: algumas, bastante evidentes, passam pela segregação e pelo isolamento social, pela ruptura dos laços afetivos, familiares e de amizade, pela negação do direito de pensar, propor, decidir, fazer, pela expropriação do próprio corpo; outras, mas sutis, são encontradas no tom protetor, muitas vezes cercado de cinismo, com que lidamos com nossos “velhinhos”. (ALMEIDA, 2003, p. 41). 7 Assistente social, feminino, 25 anos de exercício profissional, com Especializações em Saúde Pública, em Unidades Básicas e Serviços de Saúde e Linguagem e Educação. 8 Enfermeira, feminino, 6 anos de exercício profissional, com Especialização em Vigilância Sanitária. 9 Médica, feminino, 18 anos de exercício profissional e especialista. 35 Essas são concepções errôneas no que se refere ao entendimento dessa etapa da vida, uma vez que está inserida em uma análise apenas produtiva da velhice, desconsiderando aspectos psicossociais dessa população. Isso porque, o que mais caracteriza o idoso socialmente é o aspecto cronológico, embora deva se ter em mente que a compreensão da velhice exige uma compreensão mais ampla, levando em consideração também os fatores sociais e culturais presentes no processo de envelhecimento. Isso porque, como nos elucida Celestino (2006, p. 90), “Categorias e grupos de idade implicam, assim, a imposição de uma visão de mundo social que contribui para manter ou transformar as posições de cada um em espaços sociais específicos”. Desse modo, segundo Almeida (2003, p. 39) na velhice, como em todas as etapas da vida, as pessoas são marcadas pela articulação entre os mecanismos universais e as escolhas particulares, denotando o caráter complexo da padronização dessa faixa etária. Ariès (1981, p. 36) conceitua velhice em um plano bem distanciado do biológico quando diz que “(...) a velhice é uma criação cultural podendo encobrir significados diversos”. De acordo com essa afirmação, Beauvoir (2000, p. 18) propõe que a velhice só pode ser compreendida em sua totalidade; não representa somente um ato biológico, é também um fato cultural. Mesmo porque, como ainda afirma a autora, a velhice aparece mais claramente para os outros do que para o próprio sujeito; ela é um novo estado de equilíbrio biológico: se a adaptação se opera sem choques, o indivíduo que envelhece não percebe. As montagens e os hábitos permitem amenizar durante muito tempo as deficiências psicomotoras. Para Messy (1993, p. 17) a velhice não é um processo como o envelhecimento, é um estado que caracteriza a posição do indivíduo idoso. E ainda, completa, é o registro social portador de designações, que é quem define a “pessoa idosa”, de acordo com um estatuto político e econômico. Essas marcações autoritárias, cronológicas e arbitrariamente impostas nem sempre convêm ao conjunto dos interessados. Salgado (1982, p. 29) sustenta que a atitude mais acertada está em entender a velhice como uma circunstância ampla com múltiplas dimensões. O autor propõe que a velhice seja entendida como uma etapa da vida na qual, em decorrência da alta idade cronológica, ocorre modificações de ordem biopsicossocial que afetam a relação do indivíduo com o meio. Declara, ainda, que o século atual recebeu e reforçou uma imagem negativa da velhice, sobretudo a fragilidade biopsíquica e a decadência. Isso aconteceu exatamente em uma época em que crescia a moral que valorizava os homens pela sua força física e capacidade de produção. 36 Assim encarada, a velhice faz parte do desenvolvimento humano integral e não representa simplesmente uma predestinação ao fim. É o resultado dinâmico de um processo global de uma vida, durante a qual o indivíduo se modifica incessantemente. É uma continuação da adolescência, da juventude, da maturidade que podem ter sido vividas de diversas maneiras. As mudanças que um ser humano experimenta em qualquer idade podem ser lentas ou abruptas, conscientes ou inconscientes, culturais, históricas, sociais, psicológicas ou biológicas. Quando conscientizadas, requerem dele um confronto, um diálogo entre a sua situação vivencial presente e a anterior. Paralelamente, conforme nos destaca Debert (1996, p. 35), “(...) a representação da velhice como processo contínuo de perdas é responsável pela criação de estereótipos negativos em relação aos velhos, mas foi fundamental para a legitimação de um conjunto de direitos sociais (...)”. Isso porque para a autora, observa-se uma tendência de representar a velhice como um momento privilegiado de investimento em novas conquistas, em busca da realização pessoal. Não obstante, na visão dos profissionais entrevistados, a noção puramente etária acerca do ser idoso é contestada, conforme se verifica nas reflexões dos profissionais entrevistados. A profissional C 10 , por exemplo, concebe o idoso como “Pessoas acima de 60 anos”. Já o profissional B11, concorda com essa concepção, todavia reitera que é possível haver uma variação dessa idade, se considerar que “(...) se você é desprovido dos direitos mínimos e não tem condições sociais, já pode ser idoso até mais cedo”. Colaborando com essa análise, a profissional D 12 destaca que Cronologicamente, são pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, apesar de já terem estudos sugerindo o aumento para os 65. Porém, sabemos que ser idoso vai muito além disso. Existe a parte biológica que é ligada ao estilo de vida que o indivíduo adotou durante toda a vida. O idoso, para mim, é aquela pessoa que começa a ter limitações cognitivas e físicas. O profissional A 13 , ressalta também que ser idoso está relacionado a como você se sente, ao destacar que: 10 Médica, feminino, 18 anos de exercício profissional e especialista. 11 Feminino, 25 anos de exercício profissional, com Especializações em Saúde Pública, em Unidades Básicas e Serviços de Saúde e Linguagem e Educação. 12 Enfermeira, feminino, 6 anos de exercício profissional, com Especialização em Vigilância Sanitária. 13 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 37 Eu acho que idoso, apesar da Constituição definir que a partir de 60 anos e tal, eu acho que também é muito um estado de espírito: como é que você se sente? Eu acho que você pode ser novo e velho porque a cabeça é realmente (...) a cabeça é o seu guia. (...) Eu acho que não existe uma cronologia. (...) Tudo depende de como você encara a vida e encara o mundo, de como você lida com todas as questões que estão ao seu entorno. Carvalho e Garcia (2003) definem o envelhecimento populacional como a mudança na estrutura etária da população, o que produz um aumento do peso relativo às pessoas acima de certa idade considerada como definidora do início da velhice. Para esses autores, longevidade refere-se ao número de anos vividos por um indivíduo ou ao número e anos que, em média, as pessoas de uma mesma geração viverão, definindo-se como geração, o conjunto de recém- nascidos em um mesmo momento ou mesmo intervalo de tempo. Desse modo, o envelhecimento populacional constitui um dos mais importantes desdobramentos da reestruturação etária do Brasil, devido profundas alterações na dinâmica demográfica no cenário mundial. A partir dessas transformações foram sendo delineadas iniciativas privadas e públicas, programas e políticas setoriais voltadas ao enfrentamento das vulnerabilidades 14 advindas com a idade, ampliando-se a cobertura das políticas sociais. Contudo, diante das contradições que perpassam a inserção do idoso na sociedade capitalista, e, particularmente, no Brasil, define-se um grande desafio: aumentam-se os anos vividos, sem, contudo, garantir melhores condições e qualidades de vida para toda população, como consequência da desigualdade social. O campo do envelhecimento, dada sua importância na sociedade, está condicionado a problemáticas sociais expressivas, tais como a realidade do envelhecimento populacional mundial e suas repercussões nas políticas sociais, as desigualdades sociais em suas relações com a expectativa de vida e a cidadania, e a luta permanente por direitos fundamentais. Dessas problemáticas sociais, cabe ressaltar para esse capítulo, aquelas relacionadas ao processo de envelhecimento, bem como as representações sociais que surgem com o avanço da idade. Nesses termos, Camarano e Pasinato (2004, p. 03) compreendem que a idade, associado ao processo de envelhecimento, traz vulnerabilidades, expressas além das perdas de papeis sociais com a retirada da atividade econômica e o aparecimento de novos papéis (ser 14 Salienta-se a concepção de vulnerabilidade entendida como condições determinadas oriundas de um conjunto de fatores que possibilitem a exposição de indivíduos ou grupos a agravos de diferentes naturezas que podem estar implicados com a maior suscetibilidade ao adoecimento e, concomitantemente, com a maior disponibilidade de recursos de proteção (MEYER, ET AL., 2006). 38 avós), agravamento de doenças crônicas e degenerativas, perdas de parentes e amigos entre outras. Além disso, deve-se considerar que a partir das concepções de Camarano (2002), compreende-se que os idosos são definidos enquanto um grupo heterogêneo e desuniforme, que abarca fragilidades diferentes por envolver um grupo de pessoas classificadas em dois grupos: os idosos jovens (60 a 79 anos) e os mais idosos (acima de 80 anos). Está se falando aqui de um segmento que vivencia a última etapa da vida, composto tanto por pessoas com total autonomia, com capacidade de contribuir para o desenvolvimento econômico e social e que desempenham papéis importantes na família quanto por pessoas que não são capazes de lidar com as atividades básicas do cotidiano e sem nenhum rendimento próprio, ou seja, um grupo com necessidades bastante diferenciadas (CAMARANO e PASINATO, 2004 p. 02). Embora o processo natural de envelhecimento se inicie ao nascer, Kilsztajn e Rossbach (2003, p. 94) nos destacam que “(...) somente a partir dos 45 anos que o envelhecimento é acompanhado por uma elevação significativa das taxas de mortalidade da população”. De acordo com Camarano (2002), o envelhecimento pode ser entendido de várias formas, contribuindo para sua definição, padrões culturais, ou seja, “Pode-se referir a processos biológicos, aparência física, eventos de desengajamento da vida social como aposentadoria, e o aparecimento de novos papeis sociais, como o de avós” (CAMARANO, 2002, p. 05). Segundo o Art. 1º do Estatuto do Idoso (2003), bem como a Política Nacional do Idoso (PNI) (1994), os idosos são aquele grupo de pessoas que possuem 60 anos ou mais. A definição proposta pela OMS também considera como idosas as pessoas com 60 anos ou mais, porém se elas residem em países em desenvolvimento, e com 65 anos e mais se residem em países desenvolvidos. Ressalta-se que a concepção de idoso adotada nesse trabalho condiz com a definição dos aparatos legais nacionais. Conforme Camarano (1999), o grupo social dos idosos, mesmo quando definido apenas etariamente, não suscita somente referências a um conjunto de pessoas com idades avançadas, mas a pessoas com determinadas características sociais e biológicas. Isso porque, essa forma de se referir ao idoso não leva em consideração a dimensão temporal da subjetividade, uma vez que o tempo vivido é um reservatório de experiências acumuladas. Nesse sentido, o conceito de idoso envolve mais do que a simples demarcação de idades limítrofes biológicas e enfrenta pelo menos três obstáculos: a heterogeneidade entre os indivíduos no espaço e no tempo; a suposição de que características biológicas existem de 39 forma independente de características culturais; e a finalidade social do conceito de idoso (ALBUQUERQUE, 2008). Embora seja difícil superar simultaneamente esses três obstáculos, isso não significa que ele não deva ser considerado quando se debate acerca de idosos. Para Paschoal (1999), não se pode definir o envelhecimento no idoso apenas pelo critério cronológico, pois se deve considerar as condições funcionais, físicas, mentais e de saúde que estes apresentam, porquanto o processo de envelhecimento é individual, verificando que se pode observar diferentes condições biológicas em indivíduos situados na mesma faixa cronológica de idade. Conjuntamente, Simões (1994) destaca a idade cronológica como sendo perceptível e variando de indivíduo para indivíduo. Desse modo, assegura que, quando a análise passa da esfera cronológica para a fisiológica, há uma variação nas interpretações da idade, sendo quase impossível aferi-la. Para Hayflick (1997), o envelhecimento é resultado das interações de fatores genéticos, ambientais e estilo de vida. Motta (2004) afirma que o envelhecimento é reflexo de inter-relações sociais e individuais, oriundas da educação, do trabalho e da experiência de vida. A cada idade a sociedade determina certas funções, adequando o individuo a certos papéis sociais (como estudante, cônjuge, trabalhador e aposentado) que este deve desempenhar. Já na compreensão de Zimerman (2000), o envelhecimento social da população modifica o status do idoso e a sua forma de se relacionar com as pessoas. Estas modificações ocorrem em função de uma: crise de identidade (perda da autoestima, ocasionada pela ausência de papel social); mudanças de papéis (adequação a novos papéis decorrentes do aumento do seu tempo de vida. Essas mudanças ocorrem no trabalho, na família e na sociedade); aposentadoria (os idosos devem estar preparados para não ficarem isolados, deprimidos e sem rumo); perdas diversas (aqui se incluem perdas no campo aquisitivo, na autonomia , na independência, no poder de decisão, e na perda de parentes e amigos); e uma possível diminuição dos contactos sociais. Teixeira (2004) expressa que as condições de vida e as oportunidades que os sujeitos desempenham ao longo da vida influenciam diretamente o envelhecimento saudável do idoso, pois, para este, velhice é fruto da trajetória social exercida pelo indivíduo desde o nascimento. Afirma, assim, que os sofrimentos físicos, econômicos e psicológicos muitas vezes intrínsecos ao ser humano são produtos estruturais da sociedade, possuindo influência negativa nas condições de vida daqueles que envelhecem. Vale ressaltar que a ênfase na demarcação cronológica para designar etapas singulares da vida, numa perspectiva fragmentada do todo, é uma característica da sociedade moderna (ALMEIDA, 2003). A velhice, nessa concepção, não é uma etapa naturalizada do curso da 40 vida, mas sim, vivências permanentemente construídas de acordo com diferentes modos de subjetivação. No entanto, o envelhecimento não deve ser entendido como uma entidade isolada, mas como uma pluralidade de descrições socioculturais, acarretando a diferença entre a representação social do idoso, dependendo do contexto no qual ele se insere. Sobre esse aspecto, Lobato (2010, p. 215) nos revela que [...] o processo de envelhecimento não se resume apenas aos aspectos demográficos, é condicionado pela classe social, gênero, etnia, raça e implica a garantia de melhores condições de vida que justifiquem a ampliação dos anos de vida. Daí que envelhecer com dignidade não é uma responsabilidade individual, mas coletiva. Implica não só na criação de políticas públicas como também a garantia de acesso aos idosos a essas políticas. Isso porque, o aumento dos anos vividos traz uma demanda a serviços que garantam uma melhor qualidade de vida a população idosa. Sendo assim, é imperativo considerar que a viabilização dos direitos após a velhice, requer um comprometimento por parte do Estado e da sociedade, de modo a assegurar a eficiências das políticas destinadas a faixa etária supracitada. Teixeira (2008) ressalta que se deve considerar também o fato de que há idosos de diferentes camadas, segmentos e classes sociais e que vivem o envelhecimento de forma diferente e, principalmente, de que é para os trabalhadores envelhecidos que essa etapa da vida evidencia a reprodução e a ampliação das desigualdades sociais, constituindo o envelhecimento do trabalhador uma das expressões da questão social na sociedade capitalista, constantemente, reproduzida e ampliada, dado o processo de produção para a valorização do capital, em detrimento da produção para satisfazer as necessidades humanas dos que vivem ou viveram da venda se sua força de trabalho. Desse modo, os idosos que vivenciam a realidade do envelhecimento a partir da ótica do proletariado, se deparam com maiores dificuldades de desfrutar de um envelhecimento ativo de forma ampla, considerando as limitações a que lhe são impostos os interesses do capital na atual sociabilidade. Assim, o idoso, embora marcado por transformações físicas acarretadas pelos anos, é perpassado por determinantes sociais, com a rejeição da sociedade em relação a ele, que começa a se conceber como velho, o que torna a concepção da velhice variável entre as culturas e as épocas. Por esse motivo é imprescindível desconsiderar o envelhecimento desconectado de um contexto histórico determinado. 41 Como não poderia ser diferente, na particularidade do Brasil, o processo de envelhecimento não ocorre de forma igual para todos. A velhice – como as demais fases da vida – é determinada pela inserção em uma determinada classe social, pelas questões de gênero, raça e etnia, o que implica em uma apreensão da velhice de maneira diversificada. Nesses termos, envelhecer com dignidade implica uma responsabilidade coletiva, considerando não apenas a criação de políticas públicas, como condições objetivas para sua materialização com qualidade e, consequentemente, efetividade. Para Teixeira (2008), os programas e projetos sociais destinados à questão do envelhecimento, expressam o objetivo de integração, ressocialização e valorização social, legitimadas pela PNI. Contudo, essa autora ainda afirma que é preciso fugir de práticas culpabilizadoras dos indivíduos pelo seu próprio processo de envelhecimento, como se observa em certa medida se a ação não for orientada por uma intervenção profissional devidamente respaldada em uma perspectiva de totalidade. Sendo assim, novos conceitos e terminologias vêm surgindo para tentar classificar os indivíduos de idade mais avançada. A chamada “terceira idade” designava os idosos de maneira geral. O aumento da longevidade e da qualidade de vida de seus membros levou a proposição da existência de uma “quarta idade” nos Estados Unidos. Todavia, ela não seria uma nova categoria, mas a terceira, com o intuito de classificar indivíduos que não são mais enquadrados na idade do trabalho (ou segunda idade), porém tampouco apresentam sinais de senilidade e decrepitude, que se associa a inclusão dos indivíduos idosos em diversas esferas da vida social (CAMARANO, 2009). Em meados do século XX, também aparece à concepção de “envelhecimento bem- sucedido”, relacionado a uma importante mudança ideológica, contemplando que a velhice e o envelhecimento não são sinônimos de doença, inatividade e contração geral do desenvolvimento, podendo ser caracterizado pela presença de três situações essenciais: a baixa probabilidade de doenças e de incapacidades associadas a elas, a boa capacidade funcional e a participação ativa na sociedade. Por esse motivo, foi possível considerar também os aspectos positivos da velhice, o potencial para desenvolvimento, bem como a heterogeneidade, a multidimensionalidade e a multicausalidade associada a esse processo. No entanto, Mendes et. al. (2014) destaca que o modelo do envelhecimento bem- sucedido foi alvo de críticas porque se entendia que a capacidade funcional excepcional seria um privilégio de poucos idosos, para além de gerar equívocos sobre as condições de doença e dependência que representavam marcadores do fracasso. Além disso, o termo “bem-sucedido” 42 é problemático, uma vez que pressupõe a dicotomia sucesso-fracasso e remete ao contexo competitivo, no qual há ganhadores e perdedores. Um conceito que se destaca no presente século é o de “envelhecimento ativo”, no qual o processo de envelhecimento passa a ser representado como algo gratificante. Segundo Albuquerque (2008, p. 26), pode ser definido como “(...) um processo de otimização de oportunidades de bem-estar físico, mental e social através do curso da vida, de forma a aumentar a expectativa de vida saudável e a qualidade de vida na velhice”. Nesses termos, o envelhecimento ativo está pautado nos direitos humanos dos idosos e no princípio de independência, participação, cuidado e autodesempenho. Conforme Mendes et. al. (2014, p. 79) “o atual modelo do envelhecimento ativo preconiza a integração plena dos idosos na sociedade, considerada a única forma de estes poderem exercer o seu direito de cidadania”. Nesse sentido, esse modelo implica na participação e envolvimento em assuntos sociais, culturais, econômicos, civis e espirituais. O envelhecimento ativo depende de uma diversidade de fatores “determinantes” que envolvem toda a sociedade e o Estado, estipulados pela World Health Organization (2005). A compreensão das evidências que temos sobre esses fatores irá nos auxiliar a elaborar políticas e programas que obtenham êxito nessa área. São eles: os serviços sociais e de saúde, os pessoais e biológicos, os comportamentais, o ambiente físico, os sociais e os econômicos, ambos determinantes são perpassados pela cultura e pelo gênero. Os determinantes dos serviços de saúde e sociais estão focados na perspectiva de curso de vida que vise à promoção da saúde, prevenção de doenças e acesso equitativo a cuidado primário e de longo prazo de qualidade. Os serviços sociais e de saúde precisam ser integrados, coordenados e eficazes em termos de custos. Não pode haver discriminação de idade na provisão de serviços e os provedores destes devem tratar as pessoas de todas as idades com dignidade e respeito. Os pessoais e biológicos concebem que envelhecimento representa um conjunto de processos geneticamente determinados, e pode ser definido como uma deterioração funcional progressiva e generalizada, resultando em uma perda de resposta adaptativa às situações de estresse e um aumento no risco de doenças relacionadas à velhice. Em outras palavras, a razão principal dos idosos ficarem doentes com mais frequência do que os jovens é que devido à vida mais longa, foram expostos por mais tempo a fatores externos, comportamentais e ambientais que causam doenças do que os indivíduos mais novos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005). 43 A adoção de estilos de vida saudáveis e a participação ativa no cuidado da própria saúde são importantes em todos os estágios da vida. Um dos mitos do envelhecimento é que é tarde demais para se adotar esses estilos nos últimos anos de vida. Pelo contrário, o envolvimento em atividades físicas adequadas, alimentação saudável, a abstinência do fumo e do álcool, e fazer uso de medicamentos sabiamente podem prevenir doenças e o declínio funcional, aumentar a longevidade e a qualidade de vida do indivíduo, ressaltando a importância dos determinantes comportamentais. O ambiente físico adequado à idade pode representar a diferença entre a independência e a dependência para todos os indivíduos, mas especialmente para aqueles em processo de envelhecimento. Os perigos no ambiente físico podem causar lesões incapacitantes e dolorosas nos idosos, e as mais frequentes são decorrentes de quedas, incêndios e batidas de automóveis. Por sua vez, para os determinantes sociais o apoio social, oportunidades de educação e aprendizagem permanente, paz, e proteção contra a violência e maus-tratos são fatores essenciais do ambiente social que estimulam a saúde, participação e segurança, à medida que as pessoas envelhecem. Solidão, isolamento social, analfabetismo e falta de educação, maus- tratos e exposição a situações de conflito aumentam muito os riscos de deficiências e morte precoce. Considerar os determinantes econômicos supõe analisar três aspectos que têm um efeito particularmente relevante sobre o envelhecimento ativo. O primeiro é a renda que afeta seriamente o acesso a alimentos nutritivos, moradia adequada e cuidados de saúde. Assim, as políticas de envelhecimento ativo precisam se cruzar com projetos mais amplos para reduzir a pobreza em todas as idades, que apresentam um risco maior de doenças e deficiências e os idosos estão particularmente vulneráveis. O segundo é o trabalho, o qual com oportunidades dignas (com remuneração adequada, em ambientes apropriados, e protegidos contra riscos), pode favorecer a chegada à velhice com capacidade de participar da forca de trabalho. O terceiro é a proteção social, onde as famílias providenciam a maior parte do auxílio para idosos que precisam de ajuda. Contudo, à medida que as sociedades se desenvolvem e a tradição de convivência entre as gerações no mesmo ambiente começa a mudar, os países são cada vez mais chamados a desenvolverem mecanismos que deem proteção social a idosos incapazes de ganhar a vida e que estejam sozinhos e vulneráveis. Conforme Albuquerque (2008), esses fatores determinantes tem em comum a convergência na cultura e no gênero. A cultura é um fator determinante transversal dentro da estrutura para compreender o envelhecimento ativo. A cultura, que abrange todas as pessoas e 44 populações, modela nossa forma de envelhecer, pois influencia todos os outros fatores determinantes do envelhecimento ativo. Os valores culturais e as tradições determinam muito como uma sociedade encara as pessoas idosas e o processo de envelhecimento. Por sua vez o gênero é uma “lente” através da qual se considera a adequação de várias opções políticas e o efeito destas sobre o bem estar de homens e mulheres. Assim, a atuação sobre esses determinantes visa contribuir para a satisfação e qualidade de vida dos idosos através da otimização de oportunidades que proporcionem saúde, participação e segurança, de modo que se tenha qualidade de vida e bem-estar e da opção por estilos de vida saudáveis, de acordo com interesses e capacidades pessoais de cada idoso. Isto é, o envelhecimento ativo é desejável como condição que permite desfrutar da longevidade. Diante do exposto, por um lado, observa-se que as conceituações da velhice como um estado, do envelhecimento como um processo e este último podendo ser entendido em diferentes dimensões e vertentes do conhecimento. Por outro lado, encontram-se os sujeitos do envelhecimento, podendo ser analisados nas subjetividades do processo. Além das transformações demográficas, Veras (1994) reitera que o Brasil tem experimentado uma transição epidemiológica, com alterações relevantes no quadro de morbi- mortalidade. Essa mudança no perfil de morbidade faz com que o cenário caracterizado por uma população jovem, com maior incidência de doenças infecciosas, se transforme em outro, no qual predominam os agravos crônicos, caracterizando uma população mais envelhecida, com consequente aumento dos custos com tratamento, hospitalização e reabilitação. Proporcionalmente a idade, o idoso tende a apresentar mais episódios de doenças, em geral crônicas, levando ao aumento nos gastos em saúde, já que o custo com o idoso tende a ser maior do que para as outras faixas etárias. O investimento na educação em saúde, bem como nas ações preventivas da atual população de jovens e a consequente redução da morbidade, são apresentadas como alternativas capazes de minimizar o impacto do envelhecimento populacional sobre a qualidade de vida. As questões que perpassam a transição demográfica levantam o questionamento se a sociedade brasileira está preparada para lidar com o avanço da idade, oferecendo condições de garantir um envelhecimento ativo com qualidade de vida e políticas publicas capazes de assegurar os seus direitos. Essa dimensão normativa é essencial, pois implica que se discutam, considerando a transição, os projetos de sociedade, e caracterizando o envelhecimento em meio a uma sociabilidade que privilegia o aspecto econômico em detrimento do social. Na 45 sequencia do trabalho, destacamos alguns aspectos da cidadania e do direito, para, posteriormente, enfatizar as políticas públicas direcionadas aos idosos. 2.2 “DIREITO NÃO SE PEDE, SE CONQUISTA”15: O DEBATE ACERCA DA CIDADANIA E DO DIREITO NO BRASIL O desenvolvimento da noção de cidadania é um tema que merece bastante atenção por ser articulado com a história das sociedades e dos direitos dos indivíduos. É com a legitimação do homem cidadão que ele se sente parte da sociedade e sujeito defensor de seus interesses. A cidadania confere ao homem o direito de sê-lo com dignidade na sociedade, ao mesmo tempo em que confere munição para que ele defenda este direito. Com o advento da propriedade privada e das classes sociais, através da instauração do modo de produção capitalista a partir da apropriação privada da força de trabalho coletiva, as relações entre os homens passaram a ser antagônicas e não mais se sustentavam pelas “leis” e pelo tipo de poder típico das sociedades comunitárias, mas sim pelo poder político. Nesse sentido, conforme Marx (1998, p. 31), o poder político consiste no “(...) poder organizado de uma classe para opressão de outra”, tornou-se então uma condição indispensável para a reprodução social. Desse modo, esse poder corresponde à força social apropriada por determinados grupos particulares e posta a serviço da reprodução de uma forma de sociabilidade, onde os interesses desses grupos se sobressaem. Essa força social privatizada, cujo núcleo é o Estado, com todo o seu aparato político, jurídico, ideológico e administrativo, apresenta-se – sob formas, ao longo do tempo cada vez mais diferenciadas – como algo destacado da sociedade, pairando por cima e representando os interesses da sociedade (TONET, 2002, p. 4). Tonet (2002) destaca que apenas o poder político não seria possível para garantir a reprodução de uma forma de sociabilidade marcada pelo antagonismo de classes. Ele tem no Estado um instrumento a mais para se consolidar, embora seu critério determinante esteja centrado na posse dos meios de produção. Assim, uma nova dimensão, além da política surgiu com a função de garantir a reprodução dessa forma de sociedade: o direito (uma força indireta, mas apoiada em uma força direta: a força pública armada). Nesse sentido, a desigualdade social é propulsora do direito, no qual este regula a atividade social, mas sem, de fato, interferir naquela. 15 Adaptado de Sindsaúde (2015). 46 Apreender as concepções de cidadania e de direito na atual conjuntura supõe uma compreensão acerca da percepção da sociedade civil, bem como do Estado, na medida em que ambos constituem parte de um processo que está relacionado a uma forma específica de atuação, a qual remonta as características da sociabilidade capitalista, determinando os grupos sociais privilegiados nas formas de intervenção a partir da formulação de direitos. Para Marx, a sociedade civil 16 é concebida como a sociedade burguesa. Sendo assim, constitui com componente estrutural ou da base material sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política (PEREIRA, 2011). Já para Gramsci (1991), a sociedade civil é a esfera das mediações do exercício de dominação de classe através do exercício do convencimento. Sendo assim, a sociedade civil representa um conjunto dos organismos chamados “privados”, com a atuação de instituições que garantem a hegemonia das classes dominantes, exercendo as funções de hegemonia, consenso e direção. Conforme Ianni (1986), a sociedade na sua abrangência incorpora grupos e classes sociais subalternas e dominantes. Já o Estado configura-se como uma condensação dos interesses das classes e grupos sociais dominantes, formando o bloco do poder. Esse poder consiste em uma força concentrada e organizada da sociedade, ou seja, na realidade, a sociedade contém o Estado, ainda que possam se dissociar. Nesse sentido, É claro que o Estado e a sociedade se constituem reciprocamente, realizam-se em uma totalidade aberta, em movimento. São constituídos e constituintes, na trama das relações, processos e estruturas que caracterizam as partes e o todo. Ao mesmo tempo, no entanto, criam-se e recriam-se disparidades e antagonismos entre ambos (IANNI, 1986, p. 57). A sociedade civil não se esgota no povo ou no cidadão. Baseia-se nas classes sociais, cujos interesses diversos, antagônicos, fundam as contradições e lutas de classe (IANNI, 1986). Representa, segundo Wood (2003, p. 217), uma rede particular de relações sociais que não apenas se coloca em oposição às funções coercitivas do Estado, mas também na transferência dessas funções. No entanto, com a disseminação do capitalismo, a sociedade civil é reatualizada como expressão dos interesses particulares que têm no mercado a sua racionalidade, que conflui também para sua racionalidade política (DURIGUETTO, 2007). O Estado sempre existiu por surgir a partir da sociedade. Contudo, só se tornou uma instituição verdadeiramente política, com a ascendência sobre as demais instituições, a partir 16 Outros autores contribuem para as formulações do conceito de sociedade civil. Contudo, para fins desse trabalho, evidenciaram-se as concepções de orientação marxista. 47 do século XVII, quando adquiriu uma característica própria, desvinculada da pessoa do governante e de influências religiosas, devido à ascensão da organização burocrática e de seu relativo distanciamento do controle da sociedade civil. Foi o fortalecimento da burocracia – a partir da demarcação das fronteiras territoriais – que possibilitou recolher informações, cobrar tributos e exercer a regulação institucional. Assim, a combinação de uma estrutura técnico-administrativa mais forte com recursos garantidos por pela arrecadação de impostos, possibilitou a criação e manutenção das forças armadas como representante do aparelho repressivo do Estado (PEREIRA, 2011). Ainda de acordo com Pereira (2011, p. 142), o conceito de Estado “(...) é amplo e complexo, existindo considerável discordância sobre a sua caracterização”. De um modo geral, pode-se definir a presença de quatro elementos constituintes do Estado: um poder coercitivo único delegado pela própria sociedade; um espaço politicamente delimitado, onde o poder estatal é exercido: o território; uma máquina burocrática capaz de administraras instituições e as políticas governamentais; e, uma cultura política comum a todos os que fazem parte da comunidade nacional (ou nação). É possível compreender que o Estado é um fenômeno histórico e relacional. Histórico, porque o Estado contemporâneo contém muitos elementos do passado ao mesmo tempo em que convive com novos elementos recém incorporados. Ele não existe de forma absoluta e inalterável e sua organização do poder não mais se respalda na fé, mas na política enquanto atividade humana e dotada de intencionalidade. É também relacional, uma vez que não é um fenômeno isolado, mas sim em constante relação com a sociedade, bem como com os determinantes históricos que o perpassam (PEREIRA, 2011). Diante das particularidades do capitalismo, Saes (1998) observa que o Estado correspondente a essas relações de produção é o Estado burguês, o qual se organiza de um modo particular a dominação de classes. Isso porque somente “(...) uma estrutura jurídico- política específica torna possível à reprodução das relações de produção capitalistas” (SAES, 1998, p. 22). Portanto, o Estado foi o primeiro meio sistemático de apropriação de excedentes e talvez o primeiro organizador da produção excedente no capitalismo (WOOD, 2003, p. 37). Assim, tem-se que [...] o Estado burguês constitui-se de um conjunto de recursos materiais e humanos utilizados na conservação do processo de extorsão do sobretrabalho e, portanto, na conservação da dominação de uma classe (explorada) por outra (exploradora): forças armadas (= homens, armas, conhecimento da arte militar), forças coletoras (= 48 agentes arrecadadores que recolhem, através de tributos vários, os meios materiais necessários à criação, conservação e expansão das forças armadas). (SAES, 1998, P. 39). Para Marx (1968), o Estado capitalista é resultante da divisão da sociedade em classes e não é um poder neutro acima dos interesses das classes. Sua ênfase coloca-se no caráter de dominação de classe do Estado, considerando-o, exclusivamente, um mecanismo de opressão e de repressão ao proletariado/trabalhadores para garantir a acumulação e reprodução do capital, e com isso, a reprodução do capitalismo. É o Estado que possibilita a reprodução das relações capitalistas a partir da criação das condições ideológicas necessárias a essa reprodução. Ele corresponde à instância que se propõe a atender ao interesse universal, mas representa apenas uma classe: a dominante. Ou seja, a partir da instauração de uma coletividade, denominado Povo-Nação, unificam-se os agentes da produção antagônicos, enquanto iguais, segundo sua condição de habitante de um mesmo território. Com isso, impede-se a constituição de uma consciência de classe social. Com isso, verifica-se que o Estado é o produto e a manifestação do fato que as contradições de classe são incompatíveis. Sendo assim, o Estado só existe e se mantém devido o papel fundamental de conciliar as classes, se destacando enquanto um organismo de dominação e opressão de classe, moderando os conflitos que inevitavelmente se apresentam na sociedade. Isto é, com a superação do modo de produção capitalista, o Estado tende a ser extinto 17 . Destacam-se ainda as formulações de Gramsci (1991) para a compreensão do Estado. Segundo o autor, o Estado é um espaço de contradição, conflito e interesse. É uma síntese dos desdobramentos da relação capital x trabalho. Esse autor apresenta uma concepção ampliada do Estado, na qual reconhece não apenas as relações de poder (exército e burocracia), como também as relações de hegemonia e consenso. Desse modo, de forma “ampliada” compreende que o Estado é formado pela sociedade civil (conjunto de organizações que elaboram e divulgam ideologias) e pela sociedade política (elementos de coerção sob controle das burocracias executivas e policial-militar, configurando o Estado-coerção). Sendo assim rompe com a ideia do Estado enquanto representante exclusivo da burguesia, de Marx e outros marxistas, identificando que quem tem a hegemonia do aparato estatal deve se preocupar com a questão da legitimidade do governo, pois, nenhum poder se 17 O Estado não existe desde sempre. Em um determinado estágio do desenvolvimento econômico, relacionado a divisão da sociedade em classes, o Estado tornou-se necessário. Quando as classes deixarem de existir, a partir do surgimento de um novo modelo econômico, o Estado, inevitavelmente, cairá com elas (LENIN, 1978). 49 sustenta só na sociedade política mais também com a sociedade civil em um constante paradoxo entre força e consenso. Logo, não concebe o Estado apenas como um aparelho de violência/repressão, mas como um aparato jurídico-político cuja organização e intervenção varia de acordo com a organização social, política, econômica e cultural da sociedade, mediadas pelas correlações de forças entre as frações de classes vigentes. Desse modo, na sociedade civil, busca-se ganhar aliados por meio da direção e do consenso, ao passo em que na sociedade política, as classes exercem sempre uma coersão mediante a dominação. Ambos os elementos constituintes do Estado não se separam: há um equilíbrio entre a sociedade civil e a política. Corroborando com a concepção gramsciana, Saes (1998, p. 39) destaca que “(...) só um modo de organização das forças armadas e das forças coletoras – e não, qualquer modo – cria as condições ideológicas necessárias à reprodução das relações de produção capitalistas”. Para Faleiros (2008, p. 37), “(...) a constituição do Estado de Direito, como pacto e como lei, torna-se o eixo de organização da vida em sociedade e do processo de fabricação do sujeito cidadão na modernidade”. Nesse sentido constitui uma pactuação das forças em presença no processo de hegemonia, elucidado por Gramsci (1978, p. 71), ao afirmar que a estrutura e as superestruturas formam um “(...) bloco histórico, o conjunto complexo, contraditório e discordante das superestruturas é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção”, implicando em uma reciprocidade entre a estrutura e a superestrutura. Assim, O Estado moderno, e não mais a religião, torna-se organizador da vida social, por meio de normas que educam o indivíduo na construção de si mesmo, estabelecendo as regras de um jogo que articula a produção econômica e social com a produção do sujeito de direito e de deveres. A produção da sociedade e do Estado e a produção do sujeito articulam-se de forma contraditória e combinada. A construção da cidadania passa a ser a construção da política, entendida como pactos e direitos de convivência cotidiana, de relação entre si e o outro, de relação entre grupos, num determinado território e cultura de convívio como polis, com interesses e normas definidos para todos os que sejam reconhecidos como membros de uma sociedade (FALEIROS, 2008, p. 37). No entanto, o direito estabelecido pelo Estado, por si só, não é suficiente para definir e assegurar a construção da cidadania, uma vez que está inserido em uma determinada correlação de forças socioeconômicas. Assim, estabelecer direitos pode significar a cristalização do poder de um grupo dominante ou dirigente em detrimento de outros grupos, posicionando-se como uma parte dominante acima de outra parte da sociedade, em um 50 processo que fragmenta a sociedade entre os “com cidadania” e os “sem cidadania”, ou estabelecendo apenas direitos formais para todos e reais para alguns. Nessa perspectiva, o próprio entendimento da noção de Estado de direitos, bem como do que é ser cidadão ainda é difusa no entendimento do informante X 18 que apesar de reconhecer a necessidade de intervenção do Estado e de garantir seu papel como instituição provedora, não o afirma na direção da igualdade de direitos, revelando que: “Eu vejo pelos outros, né? A decadência de muitos órgãos, né? Que a gente poderia desfrutar melhor. Um deles é a saúde”. Isso reforça a concepção de que o Estado deve garantir o direito, mas somente daquelas pessoas que não possuem outros meios de conquistá-los conforme sua necessidade, como se os direitos não fossem de caráter universal e que devessem ser assegurados, independente da condição social. No caso, em certa medida, o informante desresponsabiliza o Estado de zelar por suas condições de subsistência com um valor de aposentadoria mais digno para sua sobrevivência pela Previdência Social, pelo fato de ter outra fonte de renda, que atende suas necessidades. Esse seria o eixo da crítica à cidadania burguesa desenvolvida por Marx (1968), no qual seria preciso nos emancipar politicamente como seres humanos para podermos unir o direito formalmente estabelecido às condições reais existentes. Isto é, seria necessário romper com a separação entre sociedade política e sociedade civil. Assim, verifica-se que o estabelecimento do direito formal instituído pela lei, não reduz sozinho a desigualdade social real, visto que a lei não é neutra e se inscreve em um processo político de correlação de forças, de protagonismo dos sujeitos, de pressão, de condições desiguais de impor a lei. Contudo, segundo Lenin (1978), de um modo geral, o Estado está relacionado à classe que domina o aspecto econômico e, consequentemente, o político, constituindo o instrumento da exploração do trabalho assalariado pelo capital. Isso porque quem detém o poder econômico, tem possibilidade de ser hegemônico 19 na sociedade. Assim, conforme Pereira (2011, p. 146), “(...) apesar de ele [Estado] ser dotado de poder coercitivo e estar predominantemente a serviço das classes dominantes, pode também realizar ações protetoras, visando às classes subalternas, desde que pressionado para tanto, e no interesse de sua legitimação”. Segundo Saes (1998), o Estado pode ser dividido para fins analíticos em duas 18 Masculino, 70 anos, aposentado e internado por 23 dias. 19 A hegemonia está relacionada com as disputas pelo poder, que fornecem a direção econômica, política e cultural da sociedade. 51 partes: o burocratismo e o direito. Ambos fazem parte da mesma estrutura, mas separam-se e relacionam-se simultaneamente. O burocratismo constitui um “(...) sistema particular de organização das forças armadas e das forças coletoras do Estado” (SAES, 1998, p. 40), uma vez que deriva de duas formas fundamentais: a não-monopolização das tarefas do Estado pela classe exploradora e a hierarquização das tarefas do Estado segundo o critério da competência. Ainda conforme Saes (1998), a primeira norma é fundamental, considerando que ela determina a separação entre os recursos materiais dos proprietários do Estado com os dos proprietários dos meios de produção, enquanto a segunda norma sintetiza a divisão do trabalho no seio das forças armadas e coletoras do Estado. Assim, O burocratismo consiste, portanto, nesse conjunto particular de normas de organização do aparelho do Estado (forças armadas, forças coletoras), e está presente nos diversos ramos desse aparelho: a Administração, o Exército, o Judiciário (SAES, 1998, p. 43). Por sua vez, Saes (1998, p. 35) evidencia que o direito consiste em um “(...) conjunto de regras (escritas ou não) que disciplinam e regularizam as relações entre os agentes da produção (produtor direto x proprietário, produtor direto x produtor direto, proprietário x proprietário), possibilitando a sua reiteração (...)”. Não é exclusivo das relações capitalistas, embora se trate de um mesmo tipo de direito, isto é, a cada tipo de relação de produção, desenvolve-se um tipo de direito particular que viabilize sua reprodução ideológica. Além disso, há que se considerar que os tipos de diversos de direito apresentam um aspecto comum: Enquanto sistemas de normas – imperativos que dominam ideologicamente os agentes da produção e que, por isso mesmo, disciplinam e regularizam as relações múltiplas entre os agentes da produção -, eles instauram igualmente a previsibilidade nas relações entre os agentes e, portanto, criam igualmente a possibilidade de repetição dessas relações (SAES, 1998, p. 36). Diante das particularidades do sistema capitalista, existe uma diferença fundamental entre o direito burguês e os anteriores (escravista e feudal): ao passo em que esses determinam um tratamento desigual aos desiguais, aquele confere um tratamento igual aos desiguais. Assim, ao tratar igualmente a classe exploradora e a explorada, atribui vontade subjetiva e, com isso, capacidade de praticar os mesmos atos a todos, culminando com uma culpabilização dos indivíduos. 52 Contraditoriamente, o direito também passa a ser cobrado enquanto um instrumento voltado para a consolidação da cidadania, tendo que dar sua contribuição à solução de tais questões, fazendo com que os processos legislativos e a aplicação das normas se voltem, obrigatoriamente, para um contexto de justiça social, passando a ter responsabilidades diretas na mediação dos conflitos de classe e na diminuição das desigualdades sociais. Diante desse quadro, o direito também passa a ser cobrado enquanto um instrumento voltado para a consolidação da cidadania, tendo que dar sua contribuição à solução de tais questões, fazendo com que os processos legislativos e a aplicação das normas se voltem obrigatoriamente para um contexto de justiça social, passando a ter responsabilidades diretas na mediação dos conflitos de classe e na diminuição das desigualdades sociais. Conforme destaca Oliveira (2007, p. 9): Ao longo da história da humanidade e no contexto da ordem burguesa, os direitos de cidadania se tornaram fundamentais para que as classes subalternas e o conjunto das forças interessadas na construção de uma sociedade mais igualitária conseguissem avançar na construção de projetos políticos que apontassem nesta perspectiva. Com isso, torna- se importante, sobretudo para os excluídos do mercado e da participação política, a luta para garantir melhores condições de vida e por oportunidades de participar das decisões que dizem respeito à vida de toda a sociedade. A burguesia não tem interesse pelos direitos que são voltados para a classe trabalhadora. Por isso, verifica-se que os direitos, que formam o núcleo ideológico, estão assegurados de acordo com as necessidades da burguesia. Diante dessa formação de direitos, na qual se atribui uma responsabilidade aos indivíduos de garantir as condições imperativas para efetivá-los, pode-se inferir então que no caso dos idosos, esse processo se torna ainda mais agravado, uma vez que essa população possui o processo de implantação tardia dos direitos, devido sua função social historicamente atribuída para os moldes capitalistas. Torres e Sá (2008, p. 04) destacam-nos que O entendimento é o de que exercer direitos não é uma questão de idade, de saúde mental, de condição social. Deve ocorrer em qualquer tempo da vida. Exige do sujeito uma tomada de consciência acerca de suas vivências cotidianas, de sua possibilidade de expressar necessidades de forma individual e coletiva. 53 Entretanto, essa tomada de consciência é um processo que depende, dentre outros fatores, do rompimento com padrões ideológicos típicos da construção da moderna cidadania burguesa, conforme ilustra o fala do informante X 20 : Aqui, eu digo a senhora que eu não tenho o que dizer, não. Eu só tenho a agradecer, viu? E se a gente não... vamos dizer assim, não tem a vida que tem em casa, é assim mesmo. Sobre o tratamento e cuidado, eu acho excelente. Do mesmo modo, o informante Z 21 revela que sobre os serviços de saúde que já frequentou não precisa melhorar nada, afirmando “(...) não, tá bom. Tá ótimo”. E o informante Y 22 alega que “falta nada não” em termos de estrutura do hospital. Percebe-se, então, que a noção de agradecimento ainda persiste no ideário dos usuários dos serviços de saúde, ao mesmo tempo em que a auto-responsabilização pelo cuidado e pelo direito da assistência com qualidade. Assim, infere-se que esse paciente não concebe o direito enquanto uma conquista, perpassado por um processo de lutas, e acaba recaindo na concepção errônea de que o direito é um favor, a ser agradecido. São expressões de conformismo e passividade que revelam naturalidade e aceitação diante do atendimento prestado. Esses usuários entendiam o atendimento recebido não como um direito, e sim, como um favor ou doação. Nesses termos, tem-se que tanto o burocratismo burguês quanto a concepção de direitos, contribuem para criar as condições ideológicas necessárias à reprodução das relações de produção capitalista. Por isso, a sua diversidade não exclui a unidade de que um é condição de existência do outro e que ambos são partes da estrutura do Estado burguês. Sendo assim, o interesse particular desses elementos é a conservação dessa forma de Estado, condizente com os interesses das classes dominantes e, consequentemente, do capital. Após tecer algumas considerações acerca da sociedade civil, do Estado e dos direitos, abordar a temática da cidadania também supõe considerar os ensaios de T. H. Marshall no seu clássico “Cidadania, Classe Social e Status”, publicado originalmente em 194923. Conforme Saes (2003, p. 2), “(...) o ensaio de Marshall continua a ser a referência teórica fundamental para quem começa a refletir a cidadania na sociedade contemporânea”. Isso porque ele empreende a moderna concepção de direitos, associada à democracia e as classes. Nesse 20 Masculino, 70 anos, aposentado e internado por 23 dias. 21 Masculino, 69 anos, não é aposentado e internado há 17 dias no momento da entrevista. 22 Feminino, 66 anos, aposentada e internada há 20 dias no dia da entrevista. 23 Nesse trabalho será utilizada a obra de edição do ano de 1967. 54 clássico, o autor oferece a experiência inglesa como um modelo do modo de pertencimento e participação na ordem vigente. Marshall (1967) concebe a cidadania como “status de igualdade” extensivo a todos os indivíduos em meio a uma sociedade dividida em classes e perpassada por desigualdades. Esse “status” não dissolve a sociedade de classes, mas estabelece “zonas de igualdade”. Segundo Abreu (2008), o “status” adquiriu um significado de estilo de vida que remonta a posição que o indivíduo e os grupos sociais ocupam na coletividade. Desse modo, o termo qualifica e mede o pertencimento e a participação do indivíduo em uma sociedade. Portanto, a cidadania marshalliana tolera a desigualdade do sistema de classes sociais, desde que a igualdade de cidadania seja reconhecida. Logo, Abreu (2008, p. 303) ressalta que O suposto marshalliano da “igualdade” reproduz, ou pelo menos, assegura que se reproduzam, os fundamentos burgueses do domínio privado e a mercantilização dos meios e dos recursos necessários à vida social de todos os homens, inclusive da capacidade humana de trabalho. Para Saes (2003, p. 5), a relação entre a cidadania e as desigualdades de classe teria sido funcional, uma vez que “(...) o livre funcionamento do mercado faria com que os homens se distribuíssem em posições extremas e desiguais: capitalistas e empregados”. Assim, Marshall (1967, p. 77) considera “(...) a desigualdade social como necessária e proposital”, embora mais adiante ressalte que “A desigualdade, portanto, embora necessária, pode tornar- se excessiva”. Sobre isso Abreu (2008) destaca que nas concepções desse autor “(...) a desigualdade excessiva e a pobreza acentuada constituem ‘um incômodo’ que precisa ser evitado, pois excitam e tornam pertinente a atuação das classes”. Ou seja, Marshall buscava dissolver a autoconsciência de classe (classe para si), individualizando as desigualdades sociais, tendo em vista a manutenção da sociedade capitalista. Isso porque, conforme já destacava Marx (1998, p. 18), “todas as classes que, no passado, conquistaram o poder, procuraram conservar a situação alcançada, submetendo toda a sociedade às suas condições de apropriação”. Marshall considera que a pobreza é indispensável para existir uma civilização, ou seja, apresenta uma preocupação direcionada a estabilização e legitimação da sociedade de classes e da ordem social dominante (ABREU, 2008). Como “(...) para oprimir uma classe, é necessário assegurar-lhe ao menos as condições mínimas em que possa ir arrastando a sua existência servil” (MARX, 1998, p. 19), os direitos que possibilitavam o ingresso a cidadania, 55 bem como a melhores condições de vida, foram sendo firmados paulatinamente na sociedade como forma de inibir a atuação das classes proletárias. Ao dividir o conceito de cidadania em três partes, Marshall (1967) espera enunciar aspectos históricos da formulação desse conceito. São elas: a civil, a política e a social. Para melhor apresentar as características dessa divisão proposta por Marshall, elaborou-se um quadro comparativo, com suas principais características, conforme exposto no Quadro 1 a seguir. Quadro 1 – Os direitos constituintes da cidadania para Marshall Direitos Século Direitos Correspondentes Instituições de Amparo Civis XVIII Concretizam a liberdade individual Tribunais de Justiça Políticos XIX Concedem o benefício de participar do poder político. Parlamento e os conselhos do governo local Sociais XX Inscrevem-se no acesso a um mínimo de bem estar e segurança. Sistema educacional e os serviços sociais Fonte: Adaptado de Mashall (1949); Saes (2003). Conforme exposto no Quadro 1, Saes (2003) destaca que para a concretização desses direitos sob a concepção marshalliana é necessário emergir quadros institucionais específicos: as instituições que mais se relacionam com os direitos civis são os tribunais de justiça; no caso dos direitos políticos, as instituições correspondentes são o parlamento e os conselhos do governo local; e, as instituições de amparo dos direitos sociais são o sistema educacional e os serviços sociais. Contudo, Abreu (2008) reitera que não são as instituições introduzidas no ordenamento jurídico que garantem o exercício real de qualquer direito. O que se espera é que “(...) o direito só se materialize na prática dos que detém os meios de concretizá-los ou implementá-los conforme a correlação de forças e o consentimento no processo real” (ABREU, 2008, p. 191). Segundo Marshall (1967), durante os modos de produção anteriores – sobretudo no feudalismo – esses três direitos estavam fundidos, uma vez que as instituições estavam unidas. Então, 56 Quando os três elementos da cidadania se distanciaram uns dos outros, logo passaram a aparecer elementos estranhos entre si. O divórcio entre eles era tão completo que é possível, sem distorcer os fatos históricos, atribuir o período de formação da vida de cada um a um século diferente – os direitos civis ao século XVIII, os políticos ao XIX e os sociais ao XX. Esses períodos, é evidente, devem ser tratados com uma elasticidade razoável, e há algum entrelaçamento, especialmente entre os dois últimos (MARSHALL, 1967, p. 66). O reconhecimento dos direitos civis (desenvolvidos no século XVIII) acarretava a aceitação formal de uma mudança de atitude fundamental, onde as restrições decorrentes dos monopólios eram uma ofensa à liberdade do subalterno e, consequentemente, uma ameaça à prosperidade da nação. O costume (através do direito consuetudinário) e a lei escrita constituíam obstáculos a essa mudança sob um viés liberal 24 . Considerando que no setor econômico, o direito civil básico é o direito de trabalhar, o marco da aquisição desses direitos é a mudança do trabalho servil para o livre. Portanto, para Marshall (1967, p. 68) “A história dos direitos civis em seu período de formação é caracterizada pela adição gradativa de novos direitos a um status já existente e que pertencia a todos os membros adultos da comunidade”. Vale destacar que para Saes (2003, p. 5), “A instauração dos direitos civis teria sido indispensável à própria implantação do capitalismo, já que sem tais direitos os homens não poderiam participar livremente do mercado, seja como compradores, seja como vendedores da força de trabalho”. Isto é, essa formulação sequencial dos direitos, proposta por Marshall, seria desnecessária a outros modos de produção. No que concerne aos direitos políticos (com surgimento no século XIX), Marshall (1967) aponta que durante o seu desenvolvimento, os direitos civis já estavam consolidados. Até o século XIX, os direitos políticos não estavam incluídos nos direitos da cidadania, tendo em vista serem considerados um privilégio de uma classe econômica especifica: a dominante. Não obstante, eram tratados como um produto secundário dos direitos civis. Somente com a 24 O viés neoliberal apresenta como sustentáculo o princípio do trabalho como mercadoria e sua regulação pelo livre mercado, o qual passa a ser regulador das relações sociais e só pode se realizar na condição de uma suposta ausência de intervenção estatal. Nesse sentido, apresenta como características principais o predomínio do individualismo, ênfase na liberdade e na competitividade e a naturalização da miséria. O liberalismo econômico e político postula que a liberdade seja o fundamento da produção da sociedade, implicando, pois, uma ação desigual dos indivíduos na disputa ou concorrência para garantir os seus interesses e a chamada racionalidade econômica na busca pela lucratividade. Nessa perspectiva, as políticas sociais estimulam o ócio e o desperdício e deve ser um paliativo. Assim, o liberalismo está pautado em uma perspectiva de maximizar o setor econômico e financeiro de comércio mundial, de segurança internacional e dos blocos econômicos e comerciais. Nesse sentido, a esfera social é banalizada frente à necessidade de ampliar os lucros e reproduzir o capital e o Estado passa a ter algumas funções coesivas diminuídas, principalmente àquelas que atendem aos direitos sociais (Estado mínimo) (BEHRING e BOSCHETTI, 2006; NETTO e BRAZ, 2008; SOARES, 2003). 57 concepção de que esses direitos eram fundamentais para assegurar a liberdade proposta pelos direitos civis, a partir do sufrágio universal, que, já no século XX, houve a associação dos direitos políticos a cidadania. Os direitos sociais (com início no século XX) tiveram suas fontes na participação nas comunidades locais e associações funcionais, posteriormente substituída por uma Poor Law (Lei dos Pobres) – cujo objetivo estava em preservar a ordem existente com um mínimo de mudança essencial. Um marco para a definição desses direitos foi à criação da escola primária pública, sob a necessidade formar um eleitorado educado (viabilizando os direitos políticos), bem como técnicos e trabalhadores qualificados. Contudo, Marshall (1967, p. 94) ressalta que “(...) a ampliação dos serviços sociais, não é, primordialmente, um meio de igualar as rendas”, ou seja, o que interessa é um enriquecimento geral da vida civilizada, uma igualação entre os mais e menos favorecidos em alguns níveis específicos: sadio e doente, empregado e desempregado, dentre outros. Na perspectiva marshalliana, essa evolução dos direitos é irreversível (pelo menos no caso inglês), de modo que a conquista de cada um serviu de ponto de apoio para a conquista dos direitos seguintes. Saes (2003) destaca que essa concepção da evolução dos direitos em escala progressiva, sugere a concepção de uma evolução natural da cidadania, desconsiderando as possibilidades de realização de qualquer “revolução da cidadania” em um momento posterior. Compartilhando da concepção de Saes, Abreu (2008), ressalta que Marshall não analisa o processo político e as formas funcionais e burocráticas de controle e organização desse consenso, reduzindo o significado de atores e das estratégias que disputaram essa hegemonia. Uma das críticas levantadas à análise de Marshall (1967) está relacionada à sua desconsideração do papel dominante das lutas populares nesse processo de aquisição de direitos. Além disso, deve-se ponderar que na concepção presente no ensaio de Marshall vislumbra-se um déficit teórico, no qual o autor não se debruça sobre os papéis das classes trabalhadoras, das classes dominantes e da burocracia do Estado dentro do processo de criação de novos direitos, que repercute nas formas práticas de cidadania. Por esse motivo, Saes (2003, p. 4) adverte que “(...) Marshall chega por vezes a constatar, de modo teoricamente inadvertido, a coexistência, num mesmo processo de concretização de direitos, da pressão popular em prol desses direitos e da ‘outorga’ desses direitos ao povo pelas classes dominantes e pela burocracia do Estado”. Nesse sentido, a reestruturação e a ampliação dos direitos de cidadania configuram-se como necessários, não só a elevação dos mínimos sociais, mas principalmente, à constituição 58 de valores e símbolos que proporcionam o consenso moral e político entre todos os indivíduos, especialmente os trabalhadores, assim integrados a ordem social. Assim, a necessária regulação pública das condições de reprodução social dos trabalhadores implicaria, ainda que a contragosto para os defensores da ordem, o reconhecimento e a institucionalização dos direitos desiguais aos desiguais, e não apenas a maior participação dos trabalhadores no produto do trabalho (ABREU, 2008). Gestam-se então três modernas gerações de direitos (civis, políticos e sociais), que indicam um processo real de ininterruptos esforços da humanidade para conquistar direitos à liberdade, à participação e à igualdade. Segundo Pereira (2007, p. 15), a história da conquista desses direitos é a história de sua expansão e fusão, o que confere a cidadania um processo paradoxal. Recentemente, a partir do último quarto de século XX e início do século XXI, ganharam visibilidade os denominados direitos difusos, os quais são extensões dos direitos sociais em um mundo globalizado e tecnologicamente avançado. Nesses termos, “(...) tais direitos refletem, ainda, as novas realidades que afetam o planeta e as transformações globais, requerendo solidariedade e fraternidade entre os povos como princípios básicos” (PEREIRA, 2007, p. 16). Podem ser definidos enquanto direitos difusos: a paz, a autodeterminação dos povos, o meio ambiente saudável e a preservação do patrimônio cultural da humanidade. No entanto, a mesma autora destaca que nessa categoria ainda não é possível delimitar os titulares e as instituições que a sustentarão devido ainda ser incipiente e por abarcar toda a humanidade com as suas divisões nacionais. O surgimento sequencial dos direitos sugere que a própria ideia de direitos (e de cidadania) é um fenômeno histórico que adquire as características distintas em um determinado contexto. Segundo Carvalho (2009), o modelo formulado por Marshall não se aplica na realidade brasileira, devido suas particularidades históricas na implantação da cidadania. Houve então, segundo o autor, pelo menos duas diferenças importantes existentes: a ênfase nos direitos sociais em detrimento dos demais; e a alteração na sequência em que os direitos se desenvolveram, onde o social foi o pioneiro. Bobbio (1992) também acata a ideia de uma cidadania em processo. Para ele, os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Desse modo, 59 [...] os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem — que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens — ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios que são providenciados através da exigencia de que o mesmo poder intervenha de modo protetor (BOBBIO, 1992, p. 9). Assim, os direitos fundamentais não surgiram simultaneamente, mas em períodos distintos conforme a demanda de cada época, tendo esta consagração progressiva e sequencial nos textos constitucionais, dando origem à classificação em gerações. Como o surgimento de novas gerações não ocasionou a extinção das anteriores, os quais coexistem na medida em que surgem. Bobbio (1992) categoriza, então, os direitos em quatro gerações, conforme o Quadro 2 a seguir: Quadro 2 – As gerações de Direitos para Bobbio Geração Direitos Primeira geração Direitos civis e políticos Segunda Geração Direitos sociais. Terceira Geração Ainda pouco sistematizados, mas onde se podem incluir os movimentos ecológicos que pleiteiam viver num ambiente não poluído. Quarta Geração Os direitos decorrentes da pesquisa biológica, para garantir o patrimônio genético dos indivíduos ou grupos. Fonte: Adaptado de Bobbio (1992). Os direitos fundamentais de primeira dimensão são os ligados ao valor liberdade, são os direitos civis e políticos. Configuram-se como direitos individuais e exigem diretamente uma abstenção do Estado, seu principal destinatário. Ligados ao valor igualdade, os direitos fundamentais de segunda dimensão são os direitos sociais, econômicos e culturais. São direitos de titularidade coletiva e com caráter positivo, pois exigem atuações do Estado. Sobre os direitos de terceira e quarta geração, Bobbio (1992) ressalta que a única coisa que até agora se pode dizer é que são expressões de aspirações ideais, às quais o nome de “direitos” serve unicamente para atribuir um título de nobreza. Nesses termos, proclamar o direito dos indivíduos, não importa em que parte do mundo se encontre (os direitos do homem são por si mesmos universais), de viver num mundo não poluído não significa mais do que 60 expressar a aspiração a obter uma futura legislação que imponha limites ao uso de substâncias poluentes. Mas uma coisa seria proclamar esse direito, e outra, desfrutá-lo efetivamente. Bobbio (1992) nos adverte das possibilidades e dos limites do controle dos poderes constituídos em relação aos direitos de terceira e quarta gerações. Os direitos da quarta geração estão na ordem do dia do debate contemporâneo, com a viabilização de novas tecnologias da genética e da discussão da bioética. Uma quinta geração de direitos poderia se referir ao reconhecimento das diferenças na busca de maior equidade nas políticas e na sociedade, para que os diferentes sejam tratados distintamente sem perder a igualdade universal. Contudo, Bobbio (1992) recai nas mesmas práticas da análise de Marshall (1967), a partir da concepção do surgimento sequencial dos direitos, bem como desconsidera as particularidades de cada país ao não considerar as variações que podem ocorrer em um determinado período e tempo histórico. Conforme destaca Teixeira (2008), o surgimento de uma questão a partir de necessidades problematizadas nem sempre engendra respostas públicas voltadas para o seu substantivo equacionamento, isso porque as respostas através das políticas públicas ou a ausência destas expressam também os interesses políticos de classe, a defesa de projetos de sociedade antagônicos e de interesses contraditórios atendidos pelo Estado. É, portanto, desse jogo político de interesses que se compõe o desenho das políticas públicas. Nesse caso, impera a necessidade do capital de valorizar aquele indivíduo que ainda possui uma força de trabalho capaz de retornar os investimentos destinados as políticas públicas. Como os idosos carregam o estereótipo de improdutivo ao capital, são escassos os recursos voltados não apenas para a formulação, como também para a manutenção e a garantia de acesso das políticas públicas destinadas a essa parcela da população. Sendo assim, tecer considerações acerca dos aparatos legais voltados para os idosos apresenta importância, uma vez que ressaltam o enfoque historicamente atribuído ao idoso, sobretudo a partir da gênese do modo de produção capitalista. Entendemos a política pública como um conjunto de medidas que informam determinado programa de ação governamental e que condicionam sua execução. Para tanto, faz-se necessária à formação de uma equipe multidisciplinar, considerando que um projeto de política pública deve, obrigatoriamente, permitir a transversalidade, além de estabelecer um diálogo entre as partes. Corroborando com essa perspectiva, Costa e Pádua (2007, p. 09) nos elucidam que 61 As políticas públicas funcionam como instrumentos de aglutinação de interesses em torno de objetivos comuns, estruturando, por conseguinte, uma coletividade de interesses. Nestes termos, toda política pública é um instrumento de planejamento, racionalização e participação popular. Os elementos das políticas públicas são o fim da ação governamental, as metas nas quais se desdobram nesse fim, os meios alocados para a realização das metas e, finalmente, os processos de sua realização. A política pública em si contém o nexo de interesse comum, geral. Logo, as políticas públicas representam as ações do Estado sobre um determinado tema – tais como políticas sociais, de segurança, de educação, dentre outros. Assim, as políticas sociais podem ser compreendidas como um tipo de política pública que compreende aquele conjunto de ações determinantes de Estado na formulação, execução e avaliação de programas que visem estabelecer medidas de proteção social aos indivíduos marcados pela exclusão econômica resultante do modelo de produção capitalista, ou mesmo dos múltiplos imprevistos do quotidiano. Nesse caso, toda política social deve ser voltada para trabalhadores e/ou aqueles que estão à margem do processo de trabalho e torna-se um instrumento para dar respostas a questão social. Os resultados deste enfoque do ponto de vista social são o crescimento da pobreza, da desigualdade social, do desemprego e da exclusão social, acompanhados de uma lógica economicista, autoritária e tecnocrática, que é impressa pelo poder executivo. No campo político, configura-se uma crise da democracia e, no campo cultural, um aprofundamento do individualismo, do consumismo e do pensamento único (DRAIBE, 1985). Desse modo, As políticas sociais conduzidas pelo Estado capitalista representam um resultado da relação e do complexo desenvolvimento das forças produtivas e das forças sociais. Elas são o resultado da luta de classes e ao mesmo tempo contribuem para a reprodução das classes sociais. (FALEIROS, 2008, p. 46) Trotta (2010) considera ser essa a mais contundente assertiva acerca do papel que as políticas sociais desempenham no Estado capitalista, ratificando ao mesmo tempo a exclusão social dos assalariados e a manutenção de grupos políticos no aparelho de Estado. As políticas sociais não constituem (ou não deveriam constituir) em si, necessariamente, numa visão ideal como instrumentos de manutenção do capital ou reprodução das condições objetivas do capital; poderiam e deveriam ser medidas ampliadoras de bem-estar social e inclusão dos 62 trabalhadores através de programas assistenciais, não fosse o pensamento existente por trás das medidas tomadas pelos órgãos de Estado, sobretudo no Brasil. Essa concepção implica em concordar com Faleiros (2008), que as políticas sociais não são pensadas como alavanca de direitos, mas como resultados dos interesses do capital e não da expansão de cidadania, o que não exclui o sentido de luta de classes. Ressalta-se que as políticas sociais são o que são pela natureza do sistema que as produz, e não como uma relação utópica entre a realidade e o desejo do que poderia ou deveria ser. Nesse sentido, Faleiros (2008, p. 59) acentua que “(...) a análise da política social não pode ser colocada em termos de um esquematismo rígido, de leis imutáveis, como se a realidade se desenvolvesse segundo um modelo teórico ideal”, o que, para Trotta (2010), não significa renegar a teorização em função de uma falsa compreensão da práxis, até porque a teorização do real é condição de sua representação, se quisermos compreender os acontecimentos determinados historicamente. Todavia, o exame da política social “(...) implica, assim, metodologicamente a consideração do movimento do capital e, ao mesmo tempo, dos movimentos sociais concretos que ‘obrigam’ a cuidar da saúde, da duração da vida do trabalhador” (Faleiros, 2008, p. 59). Entendendo que as políticas sociais são construções históricas determinadas politicamente, ou programas políticos a partir de situações dadas historicamente, seu estudo deve ser tomado por uma análise não focada ou estancada das relações política, econômica e cultural. Para Trotta (2010, p. 87) Não levar em conta essa trilogia analítica supõe que a pesquisa sobre políticas sociais sucumbirá por duas razões básicas, a saber: primeiro porque as políticas sociais são programas pensados, eleitos e tomados por instâncias políticas que estão subordinadas à opinião pública; segundo as políticas sociais só vingam por meio de acordos historicamente construídos para composição de interesses, e interesses estão sempre assentados sobre um complexo de desejos. Desse modo, as políticas sociais no Estado capitalista não tem por fundamento primeiro a resolução de carências concretas ou abstratas, mas através das carências obter rendimentos para a reprodução do capital. O original desse enfoque é saber, conscientemente, que as políticas sociais apresentam uma dupla face, por sinal muito interessante. Assumem o caráter de buscar soluções de assistência para os excluídos do mundo do trabalho, ao mesmo tempo em que se tornam excelente fonte de ganho para o capitalismo monopolista, visto que o Estado se tornou um garantidor dos negócios da burguesia (TROTTA, 2010). 63 O suporte do seu sentido é a revitalização do capitalismo, o que torna o sistema mais complexo, pois pressupõe um conhecimento mais amplo acerca dos interesses da política social, que, conforme Faleiros (2008, p. 60), “(...) só podem ser entendidas no contexto da estrutura capitalista e no movimento histórico das transformações sociais dessas mesmas estruturas”. Logo, é relevante pensar no complexo papel do Estado contemporâneo como uma máquina que se tornou presente no financiamento do capital e ausente para o mundo do trabalho, pois o Estado “(...) não é um árbitro neutro, nem um juiz do bem-estar dos cidadãos. Nem é um instrumento, uma ferramenta nas mãos das classes dominantes, para realizar seus interesses. O Estado é uma relação social” (FALEIROS, 2008, p. 52). Sendo o Estado uma relação social, e o é, esse mesmo Estado toma partido pelo conjunto dos seus artífices, logicamente assumindo os interesses da classe hegemônica. Logo, é um instrumento a gerir os interesses da burguesia, e nesse caso o poder coercitivo com toda sua força ideológica consegue compor políticas sociais compensatórias, visando com isso, a reprodução social do conflito capital-trabalho, conforme a sobrevivência burocrática dessa instância jurídica e sua legitimação. Contudo, segundo Berhing (2007) as despesas de manutenção da regulação do mercado colocam também em crise a política social, na medida em que a política social não é uma estratégia exclusivamente econômica, mas também política, no sentido da legitimação e controle dos trabalhadores. Nessa perspectiva, as políticas sociais não podem ser tomadas como estorvo pelo pensamento liberal, pois em certa medida os gastos públicos com tais programas alimentam o aumento dos negócios burgueses. Yazbek (2007, p. 22), elucida que as políticas sociais tomadas como assistenciais “(...) reproduzem, portanto, a exploração, a dominação e a resistência, num processo contraditório em que se acumulam riqueza e pobreza. E a cumulação da pobreza na sociedade brasileira põe em questão os limites das políticas voltadas ao seu enfrentamento”. Dessa forma, Yasbek (2007) faz coro com outros autores acerca da ineficácia das políticas sociais brasileiras, mas com uma ressalva: apresenta, pormenorizadamente, as ações de Estado como meio de criar subalternidade por parte dos necessitados e enriquecimento nas hostes da acumulação. Assim, “(...) trata-se de uma relação que, sob a aparência de inclusão, reitera a exclusão, pois inclui de forma subalternizada, e oferece como benesse o que é na verdade um direito” (YAZBEK, 2007, p. 60). Nessa perspectiva de que as políticas sociais devem ser pensadas como direitos e não como “benesse” cabe importante reflexão de natureza política. Ao tratar política social como direito, deve-se considerar que tal concepção surge de uma profunda reflexão em que os 64 embates políticos na esfera social não podem alimentar a ilusão de o Estado atuar como uma instituição benevolente, mas compreender que esse direito é resultado do jogo de força, procurando ao mesmo tempo sinalizar que o Estado, ao tributar a sociedade, acumula recursos para satisfazer interesses do capital quando deveria através de outra postura perseguir os interesses coletivos. A luta por direitos não significa lançar mão sobre aquilo que é de poucos e distribuir para muitos, pelo contrário, essa perspectiva de luta significa que se deva colocar a mão naquilo que fora apropriado indevidamente pelas forças agregadas entre capital e coerção estatal (TROTTA, 2010). Portanto, não se pode pensar política social como um plano determinado de mera assistência, e muito menos imaginar que as políticas sociais são condição de mobilidade social. As políticas sociais tem se configurado “(...) ambiguamente na perspectiva de acomodação das relações entre Estado e a sociedade civil” (Yazbek, 2007, p. 35). Então, para Trotta (2010), enquanto perdurarem as relações entre liberalismo de um lado, e economia de mercado de outro, as políticas sócias só serão efetivadas quando interessar à acumulação como instrumento de sua perpetuação. Portanto, ao pensar política social no atual quadro histórico, em que as forças sociais estão diluídas por conta de um eficiente quadro ideológico, somente se pode considerar que sua eficácia visa manter as coisas como estão por conta de forças que se entrecruzam no embate concreto no interior do Estado. Vale ressaltar que na redefinição do Estado de Bem-Estar Social no Brasil, legitimado a partir do avanço neoliberal, se sustenta na desvinculação entre políticas sociais e cidadania. Essa relação constitui uma das alternativas possíveis no campo do processo de democratização do país. Tal afinidade não é simples, uma vez que envolvem um processo de conflito e negociação entre diversas forças sociais e políticas – classes sociais, sindicatos, partidos, movimentos sociais, burocracia estatal, dentre outros. De um modo geral, envolve os tensionamentos de um processo de pactuação que define, em cada momento, o conteúdo e a abrangência das políticas sociais e sua relação com a política econômica, podendo priorizar as necessidades de crescimento/acumulação ou da ampliação da cidadania. Nessa perspectiva, conforme elucida Leite (1991, p. 130) [...] o processo de consolidação democrática na formação social brasileira envolveria como um de seus eixos fundamentais a constituição de uma dimensão ético-política para orientar a pactuação entre os diferentes interesses e projetos políticos-sociais. Dimensão que não estaria dissociada da consciência de que a equação políticas 65 sociais/cidadania resulta das lutas sociais e políticas que conquistaram a afirmação de que as liberdades e os direitos humanos se ampliam com o desenvolvimento da participação política e com a substantivação da democracia representativa pelas políticas sociais. Esse seria o sentido do processo de ampliação do Estado e da cidadania, que representam a aproximação possível entre os valores de igualdade e liberdade nas sociedades modernas. O sistema representativo e a universalização dos direitos civis, políticos e sociais, constituem, no ideário democrático, conquistas que não se restringem às classes subalternas, mas são imprescindíveis para toda a humanidade. Acerca da cidadania e a democracia, ainda que não haja uma identidade total entre cidadania e democracia, tem-se que esses os dois conceitos podem ser considerados sinônimos, devido sua relação inerente: ambos estão relacionados ao controle da vida social, o qual deve pertencer à coletividade e não deve estar centrada no poder de minorias. Além disso, embora em níveis e graus diversos, dependendo do momento e dos lugares históricos, eles fazem parte de uma mesma unidade (TONET, 2005). Assim, segundo Coutinho (2005, p. 02), Cidadania é a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem de bens socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinado. Para Crove (1993, p. 10), “(...) só existe cidadania se houver a prática da reivindicação da apropriação de espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão”. Por esse motivo, observa-se a relevância das potencialidades, uma vez que é em busca da realização das necessidades humanas que ocorrem as lutas, segundo os interesses dos cidadãos. Essa noção é percebida também pela profissional B 25, “(...) só é possível ter cidadania, se obtiver consciência dos direitos e ter consciência de que ser cidadão pressupõe uma luta por direitos”. Logo, a cidadania é um processo, uma conquista e não somente uma condição estática e formal inscrita nos textos legais. Além do reconhecimento legal, a cidadania implica a política e as políticas desenvolvidas, a garantia dos direitos e do sujeito de direitos em suas relações com o Estado, a sociedade, a comunidade e a família, para que se possa exercê-los na 25 Assistente social, feminino, 25 anos de exercício profissional, com Especializações em Saúde Pública, em Unidades Básicas e Serviços de Saúde e Linguagem e Educação. 66 prática cotidiana. Assim, cidadania implica um pacto de reconhecimento de direitos e deveres e de participação social e política num Estado de Direito que os garante e os faz efetivar. A cidadania então não é uma prática recente; ao contrário: remonta a Antiguidade, mas sua prática ocorria de forma excludente e centrada na participação política, sem considerar os demais direitos – principalmente os sociais e civis. O contexto histórico da cidadania supõe que ela seja algo que se conquiste mediante lutas e, geralmente, conforme elucida Coutinho (2005) é o resultado de um processo constante de reivindicações efetivadas a partir das classes subalternas na defesa de seus direitos, em um longo processo histórico. Conforme elucida Gohn (1997) a cidadania pode se caracterizar mediante dois aspectos: individual e coletivo. A cidadania individual está relacionada à liberdade e a autonomia, em um espaço organizado pelo Estado (o poder público). No que se refere à cidadania coletiva, se expressam as concepções de direitos e deveres e as reivindicações por espaços representativos mais participativos e que atendam aos interesses da população como um todo. A cidadania moderna nos remete às conquistas sociais da Europa no século XVII, datam dessa época importantes revoluções e conquistas que garantiram direitos aos seres humanos. É nesse contexto que Konder (2003) e Singer (2003) apresentam como se dá a origem da cidadania e dos direitos sociais que temos hoje. Para Konder (2003), a Revolução Francesa – iniciada em 1789 – é imprescindível para a compreensão do que denomina “socialismo moderno”, pois os fatos acontecidos durante essa revolução mostram como as várias lutas da época acabaram transformando o socialismo em uma utopia. A derrota do governo dos jacobinos, que acabou por despertar nas massas o desejo por melhores condições de existência, trouxe à época uma série de manifestações de ideais diversos dos que imperavam naquele momento. A organização da população em busca de melhorias de condições de vida, trabalho e sobrevivência, era frequentemente reprimida pela burguesia, que se unia para tornar o restante da sociedade cada vez mais dependente e conformada com a exploração e miséria a que era submetida. Com isso, a maturidade do socialismo só foi alcançada em meados do século XIX, e a necessidade dos teóricos agora era a de levar em conta a humanidade tal como se encontrava, não mais na idealização do que seria bom para ela, assim: [...] se defrontavam com a pressão desses grupos humanos mais aguerridos, que reivindicavam na prática, na ação política, elementos da cidadania que lhes faltavam, que não lhes eram reconhecidos. Então, a teoria precisava levar em conta humanidade, sem dúvida, mas 67 tinha de ancorar, mais precisamente, no movimento específico desses grupos (KONDER, 2003, p. 176-177) Singer (2003) apresenta o surgimento da cidadania baseando-se nos direitos sociais que são oferecidos aos trabalhadores, sejam eles assalariados, autônomos ou sem atividade remunerada por falta de empresa empregadora. Entende que a sociedade capitalista é dividida em duas grandes classes sociais, a dos capitalistas e a dos trabalhadores. Os capitalistas representam a camada da população que não necessita do exercício de atividade remunerada para garantir sua sobrevivência e a de seus dependentes; os trabalhadores são aqueles que desenvolvem atividades em troca de remuneração, para que possam sobreviver e garantir sobrevivência a seus dependentes. Apresenta as conquistas da população como resultado da organização da classe trabalhadora num momento em que a Revolução Industrial moldava a Europa no século XIX. As cidades acabavam sendo construídas ao redor das fábricas, e cada vez mais surgiam necessidades, não só dos trabalhadores do chão da fábrica, como também de seus familiares. Direitos como diminuição das horas de trabalho – sobretudo para mulheres e crianças –, educação, saúde e moradia estão entre as conquistas que foram fruto de reivindicações e greves. É com a legitimação do homem cidadão que ele se sente parte da sociedade e sujeito defensor de seus interesses. A cidadania confere ao homem o direito de sê-lo com dignidade na sociedade, ao mesmo tempo em que dá munição para que ele defenda este direito. No decorrer dos tempos, a ausência de uma ampla organização autônoma da sociedade possibilita que os interesses particulares se sobreponham aos coletivos. Sobre a evolução da concepção de cidadania no Brasil, Gohn (1997) elucida que o processo de construção da cidadania nunca foi linear. Assim, sempre possuiu fases de recuo e de avanços, de acordo com as características dos períodos em que ela se inseriu. Assim, a autora evidencia que no período colonial, a cidadania possuiu uma maior expressão, ainda que rara, com a luta pela emancipação política da nação, que determinava a formação de uma cidadania coletiva, na busca por uma identidade nacional. Carvalho (2009, p. 24) elucida ainda que nesse período “os direitos civis beneficiavam a poucos, os direitos políticos a pouquíssimos, dos direitos sociais ainda não se falava, pois a assistência social estava a cargo da Igreja e de particulares”. Diferentemente, na fase imperial, intensificaram-se as lutas pelo abolicionismo e pela aproximação do poder de decisão pela classe subalterna. Com a República, a cidadania 68 política brasileira estava restrita a alguns membros da sociedade, bem como estava ausente de participação popular. Conforme Carvalho (2009), os direitos políticos saíram na frente com a Constituição Federal de 1824, determinando quem teria o direito de votar e ser votado. Acerca dos direitos civis, o autor destaca que a herança colonial pesou mais na área dos direitos civis: O novo país herdou a escravidão, que negava a condição humana do escravo, herdou a grande propriedade rural, fechada a ação da lei, e herdou um Estado comprometido com o poder privado. Esses três empecilhos ao exercício da cidadania civil revelam-se persistentes. A escravidão só foi abolida em 1888, a grande propriedade ainda exerce seu poder em algumas áreas do país e a desprivatização do poder público é tema da agenda atual de reformas (CARVALHO, 2009, p. 45). Com direitos civis e políticos tão precários, no período imperial também não existiam direitos sociais. De fato, o que se tinha enquanto assistência social até então, eram as irmandades religiosas oriundas da época colonial, cujas ações eram relacionadas ao tratamento de algum agravo a saúde, auxílio funerário, empréstimos e pensões para viúvas e filhos; e no campo, a pequena assistência social que existia, era exercida pelos coronéis 26 . Com a análise dessas informações, pode-se perceber que desde o início da formação histórica do Brasil, se desenvolveu uma sistemática repressão às classes subalternas, caracterizando um transformismo próprio da sociedade brasileira. Nesse sentido, sempre houve a exclusão do povo do poder político, o qual sempre esteve nas mãos das elites. Com relação à democracia, entende-se que ela corresponde à presença efetiva das condições sociais e institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa para formação do governo e, no controle da vida social. Assim, a democracia 27 constitui uma tentativa de superar a alienação da esfera política. Somente a partir do século XX a cidadania se configurou como campo de direitos, compondo o que se considera a cidadania brasileira – mediante os movimentos feministas, as lutas pelos direitos sociais, dentre outros – o que foi ampliado com o período populista, cuja expressão máxima da cidadania era o avanço dos direitos sociais. A concretização dos direitos 26 Os coronéis eram os grandes latifundiários que controlavam a justiça e a polícia. A dominação exercida por essa figura incluíam aspectos paternalistas que lhes atribuíam legitimidade perante a população. 27 Conforme ressalta Wood (2003), na democracia capitalista moderna, a desigualdade e a exploração socioeconômicas coexistem com a liberdade e a igualdade cívica. Isso ocorre porque na atual sociedade, a classe trabalhadora está sujeita a pressão econômica independente de sua condição política ou civil. Com isso, ao invés de se constituir numa esfera aberta a formação da participação das vontades populares, a democracia é concebida como um instrumento de controle social, evidenciando uma inadequação dos procedimentos democráticos para conduzir a vida social e reduzir suas desigualdades econômicas e sociais (DURIGUETTO, 2007). 69 políticos teve nesse período uma evolução mais complexa devido o país ter entrado – no início do século – em uma fase de instabilidade alternando-se ditaduras e regimes democráticos. Os direitos civis também progrediram lentamente, obtendo uma estagnação durante as ditaduras, mediante a supressão de alguns deles (como a liberdade de expressão do pensamento e de organização). No que se refere à emergência das políticas sociais, a partir de 1930, não pode ser corretamente compreendida se a desvincularmos das lutas sociais pelos direitos de cidadania já conquistados pelas classes subalternas em sociedades liberais democráticas, como parte do processo de ampliação do Estado. Lutas conduzidas na República Velha 28 por um operariado marcadamente constituído por imigrantes europeus que não encontraram aqui um excedente disponível para ser socialmente distribuído ou uma vontade democrática para realizá-lo. Para compatibilizar as necessidades de acumulação e de contenção dos conflitos sociais, a ordem institucional que se abriu em 1930 reestruturou o conceito liberal de cidadania, transfigurando os critérios de igualdade e de justiça social nos da maximização da eficiência no mercado sob direção do Estado. A 'publicização do privado' que acompanhou a implantação do corporativismo associou a regulamentação dos fatores de produção com a implantação de políticas sociais. Sua matriz, no entanto, reside na concepção de cidadania regulada, a qual, segundo Santos (1979), fazia com que os direitos do cidadão derivassem de sua posição específica na estratificação ocupacional, relacionando os direitos à profissão, de acordo com sua importância para o processo de acumulação e redefinido atores e formas de ação. Logo, a implantação da cidadania regulada através da estrutura corporativa sindical – canal institucionalizado para veicular e atender as demandas dos subalternos por direitos sociais – permitiu, e mesmo aprofundou, a manutenção da estrutura de desigualdades sociais, em um equilíbrio entre as exigências da acumulação e do consentimento. Conforme demonstra Crove (1993), no período de 1945 a 1964, mesmo com a democracia sendo autoritária e atravessada, houve um significativo avanço da cidadania em função das reivindicações, antes tratadas como casos de polícia, e agora definidas como questões políticas. Em contrapartida, durante a Ditadura Militar (1964-1985), os governos militares restringiram os direitos civis e políticos através da violência, ao passo em que investiam na expansão dos direitos sociais. Vale destacar que houve progresso na formação de 28 Período da história do Brasil que se estendeu da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, até a Revolução de 1930. 70 uma identidade nacional a partir do surgimento de movimentos de real participação popular, devido os movimentos de resistência. Conforme Silva (2003), em meados do século XX, mais precisamente a partir da década de 1960, a democracia participativa começou a ser pensada na Europa, e entrou de fato no Brasil a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal. Nesse sentido, efetivamente pode-se considerar que se iniciou o processo do que Silva (2003, p. 19) destaca como “(...) a concepção de participação como prática educativa, por meio da qual se formam ‘cidadãos’ voltados para os interesses coletivos e para os assuntos da política nacional”. Segundo Netto (2004), com a promulgação da Constituição Federal de 1988, abriu-se no Brasil a era dos direitos, cuja sistemática baseava-se na desconstrução dos direitos sociais, de acordo com a forma como se implantou no Brasil o ideário liberal (sob uma sociedade escravocrata), que por si só é antidemocrático. Nesse sentido, entre formalizar e garantir a efetivação dos direitos existe uma grande diferença. Assim, o autor elucida que o liberalismo no país cultivou instituições sem intencionalidade democrática, aumentando as disparidades entre as classes. Desse modo, a partir da segunda metade da década de 1980, se iniciou o processo de redemocratização do país, após um longo período de ditadura militar no país, trazendo para agenda política o debate sobre a questão das desigualdades e da pobreza. Conforme Silva e Souza (2009) a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi um marco para as políticas públicas brasileiras, pois introduziu um conceito de proteção social mais abrangente, ao considerarmos que até então, a proteção social era baseada em princípios estritamente social- trabalhistas. Vislumbra-se a partir dessa análise que a conjuntura que envolve a construção das políticas destinadas à pessoa idosa revela a força do movimento social dos idosos, no qual alguns se comportam como verdadeiros atores e protagonistas coletivos na luta pelos seus direitos, por conquistas sociais, bem como pela sua própria cidadania. Além disso, observamos que essas ações se tornam mais efetivas quando se é aliado à sociedade civil, juntamente com a sensibilização do poder público. Isso implica inferir que a partir da Constituinte de 1988, pela primeira vez o Brasil apresentou um enfoque nos direitos, sendo por isso a mais avançada. Assim, as novas formas de inserção do indivíduo na sociedade ganharam um sentido histórico-social até então inexistentes, sobretudo com as políticas de Seguridade Social. Vale destacar que nesse processo, nos últimos anos, é possível detectar o aparecimento de novos sujeitos, cujas garantias legais se especificam guiadas pelo critério das diferenças concretas que distinguem 71 esses sujeitos entre si, tais como: idosos, crianças, mulheres, pessoas com deficiência, gerações futuras. (PEREIRA, 2008, p. 13). No entanto, abriu-se o espaço de direitos, mas não se instrumentalizou sua efetivação, culminando com a consolidação de uma democracia em parte enviesada. Isso porque logo após a aprovação da Carta Magna, tomou posse um governo com premissas eminentemente neoliberais, instituindo um processo de disputa para as condições de sua efetivação plena. Além disso, não houve uma superação das desigualdades sociais e econômicas vigentes no país. Desse modo, conforme elucida Silva (2003, p. 20), a instauração da democracia participativa na sociedade brasileira [...] não rompeu com a noção de que a política deve ser para os ‘especialistas’ ou de que as classes populares somente estão aptas a participar se forem ‘educadas’ de modo a não oferecer riscos ao poder das classes dominantes. De acordo com Abreu (2008), atualmente, a cidadania como “bem comum”, vem perdendo suas referências identitárias e de compromisso entre as classes. Começa-se então a enfrentar uma era de desconstrução das instituições reguladoras e dos compromissos nacionais pelos defensores e beneficiários da liberalização do mercado e da acumulação capitalista em escala mundial. Isso ocorre, especialmente porque [...] sem uma forte oposição e contrapoderes efetivos no cenário mundial, com a crescente impotência das formas nacionais da cidadania – especialmente das classes que vivem do seu trabalho – e sem ação coletiva supranacional, as ideias de restauração da soberania do capital e dos mercados, identificadas como neoliberais, avançam gradualmente até a desinstitucionalização da lealdade nacional e de diversos direitos e obrigações que regulavam e compensavam “os efeitos mais desagradáveis do mercado competitivo” (ABREU, 2008, p. 301-302). Diante dessa realidade, pode-se inferir que o modo de desenvolvimento e estruturação da cidadania – com finalidade de legitimar a ordem social vigente, bem como garantir a obediência das classes subalternas – de acordo com o pensamento de Marshall, parece ter se realizado e se esgotado no Estado de Bem-Estar social 29 . O que possibilita destacar que “(...) a 29 O Consenso pós Segunda Guerra Mundial institucionalizou a possibilidade de estabelecimento de políticas abrangentes e mais universalizadas em prol da ampliação da cidadania, o compromisso governamental com os benefícios sociais e a ampliação do sistema de bem-estar a partir do comprometimento estatal com crescimento econômico e pleno emprego. Os princípios do Estado de Bem-Estar Social se baseiam na responsabilidade 72 cidadania que se expressa no pensamento de Marshall vive uma crise de realização com um possível esgotamento de sua forma nacional e de sua possível transcendência pelo movimento da história” (ABREU, 2008, p. 302). De um modo geral, tem-se que na cena contemporânea, o capitalismo tem dificuldade de conviver com o Estado de Bem-Estar, mas contraditoriamente, não pode mais se consolidar sem ele. O custo econômico para o capital é recompensado pelos benefícios da estabilidade política. Com isso, a cidadania acabou por constituir uma fusão entre os direitos individuais e sociais, onde os direitos civis estão na base ao passo em que os direitos políticos e sociais são fortalecidos por ele. Conforme aponta Carvalho (2009, p. 224), alguns estudiosos destacam que o caminho estaria na realização de reformas políticas (eleitoral, partidárias, forma de governo). Para ele, essas reformas poderiam amenizar os problemas enfrentados na democracia brasileira, mas não atingiriam o principal fator inibidor da democracia: a persistente desigualdade. Na contramão desse processo, há a atuação dos movimentos sociais, que buscam ir de encontro à lógica capitalista estabelecida, questionando decisões autoritárias e buscando formas de enfrentamento que colaborem com a expansão da participação popular nas decisões. Esses movimentos expressam a insatisfação da população e revelam o questionamento da lógica vigente. Esse tem sido um processo civilizatório que permite conquistas emancipatórias, que, atualmente no Brasil, deixa claro que a relação originária entre a ordem do capital e a aquisição de direitos, está antagônica e não apenas contraditória. Para a melhoria desse quadro com a ampliação efetiva da cidadania, tem-se como possibilidade a luta pela garantia dos direitos, o que se observa que não está consolidada com a Constituição Federal de 1988, bem como a configuração de uma luta anticapitalista, de modo a solucionar as divergências de interesses vigentes na sociedade atual, a fim de eliminar a alienação política. Conforme Borges (2002), o Estado brasileiro não garante o acesso de uma população amplamente desprivilegiada, a exemplo da maioria dos idosos, aos serviços públicos que poderiam dignificar o seu cotidiano. Na pratica, salienta a autora, o que ocorre é que os que detêm renda mais alta suprem suas necessidades e resolvem seus problemas no âmbito do privado (por exemplo, através de organizações privadas de assistência médica), com o incentivo da perspectiva neoliberal, porque isso favorece o desenvolvimento do mercado. No estatal na manutenção das condições de vida dos cidadãos, na universalidade dos serviços sociais e na implementação de uma rede de segurança de serviços de assistência social (BEHRING e BOSCHETTI, 2006). . 73 entanto, é inegável que o Estado tem um papel importante na dinâmica social por produzir bens e serviços que abrangem o coletivo. Isso é fundamental para a concretização da democracia na sociedade, considerando que isso ocorre através do espaço político, como o direito a ter direitos. Corroborando essa assertiva, Draibe (1995) ressalta que as bases do neoliberalismo estão na focalização, privatização e descentralização, que geram uma situação de assistencialismo e uma desuniversalização das ações. Neste contexto, o corte dos gastos sociais contribui para o equilíbrio financeiro do setor público e à política social cabe somente o papel de solucionar os problemas que o mercado, a comunidade e a família não conseguem suprir. Um salto qualitativo para a participação popular em meio à sociedade capitalista seria a deflagração de uma epidemia democrática na periferia do sistema político global, tanto na esfera econômica, quanto no âmbito político local. Diante desse cenário que se revela, seriam as lutas populares, desde que potencializadas pelas divergências internas das classes dominantes, o fator determinante no processo global de criação de direitos na sociedade capitalista. É essa busca por direitos que proporciona a realização da igualdade entre os homens – o que não é possível na sociedade capitalista, constituindo um processo ininterrupto. Pode-se destacar, portanto, que a participação das classes populares depende da compreensão da função do Estado capitalista, a qual, segundo Iamamoto (2008, p. 120) sustenta a estrutura de classes, bem como as relações de produção. Desse modo, mesmo ainda sendo tarefa do Estado garantir e expandir a cidadania, sua característica de fortalecimento do capital – sobretudo sob a égide neoliberal, tenciona a concepção de cidadania, uma vez que a cidadania plena deve ser igualitária e não desigual. Segundo Pereira (2008, p. 4) a política social permite a formação de contra-poderes em busca de ganhos para a comunidade e de ampliação da cidadania. Logo, é por meio dessa luta política que a cidadania se amplia a amadurece. Esse aumento possibilita a valorização da dimensão social como um espaço que se situa entre as dimensões política e econômica, se contrapondo a lógica do mercado e impondo ao Estado o cumprimento de suas obrigações no tocante a viabilização da cidadania. Contudo, apesar das políticas de atenção as pessoas idosas brasileiras retratarem o envelhecimento populacional e assegurarem as necessidades básicas, bem como a proteção dos direitos humanos, sua implementação ainda está distante da realidade, na medida em que o aparato legal, mesmo sendo um grande passo, não garante por si só a afirmação da 74 cidadania do idoso. Não obstante, torna-se necessário ressaltar o processo de lutas e conquistas que culminou com a elaboração das legislações destinadas aos idosos, de modo a compreender a atual configuração das políticas específicas para essa faixa etária e evidenciar os desafios que ainda estão postos para a plena efetivação dos direitos assegurados. 2.3 RESTROSPECTIVA HISTÓRICA DA FORMULAÇÃO DOS APARATOS LEGAIS DESTINADOS AOS IDOSOS O campo do envelhecimento, dada sua natureza eminentemente interventiva, dada sua importância na sociedade, está condicionado a problemáticas sociais expressivas, tais como a realidade do envelhecimento populacional mundial e suas repercussões nas políticas sociais, as desigualdades sociais em suas relações com a expectativa de vida e a cidadania e a luta permanente por direitos fundamentais. Os dois últimos, foco de análise desse capítulo, demarcam a busca pelo reconhecimento social dos sujeitos em meio a uma sociabilidade que considera o idoso enquanto improdutivo para o capital e, portanto, passível de marginalização. Na humanidade primitiva, na qual os povos viviam em cavernas e eram nômades, andando em busca de alimento, que era obtido exclusivamente da terra, aqueles que não aguentavam esse modo de vida, geralmente não sobreviviam. Posteriormente, encontram-se os povos que plantavam e criavam animais para seu sustento, caracterizando os primeiros traços da organização familiar patriarcal. Nesse contexto Pré-Histórico, a expectativa de vida era reduzida e eram poucos os que chegavam à velhice devido às condições de subsistência existentes (SANTIN; BOROWSKI, 2008). Em seguida, já analisando os grupos organizados formado a partir da Idade Antiga, houve a formação de sociedades com estruturas mais sólidas, firmadas por um conjunto de normas e valores. De acordo com Palma e Schons (2000), nesse momento histórico verificamos que a religião passa a integrar o meio social, desencadeando ao velho um poder religioso que o tornou detentor de sabedoria e dos poderes, uma vez que ele detinha na memória os ritos, as danças e cantos para celebração do culto. Sendo assim, Santin e Borowski (2008) nos ressaltam que os idosos mantinham toda a sabedoria como segredo e não repassavam a seus descendentes o conhecimento, detendo o poder de vida e de morte sobre os filhos e a esposa, os quais lhes eram obedientes e submissos. Desse modo, pode-se inferir que Em todas as sociedades em que se exaltava o velho, o que se constata é o domínio social deste em relação à apropriação do saber. Quanto 75 mais simples a sociedade e quanto mais ela depende do saber acumulado, da memória dos seus membros mais idosos, mais poder os velhos retêm [...] é, portanto, a participação dos velhos que assegura a continuidade, a unidade das sociedades primitivas no campo religioso, político, econômico e social (PALMA; SCHONS, 2000, p. 52). Em Roma Antiga, o velho assumia um papel essencial na sociedade enquanto juiz dos destinos de seus familiares. Para Beauvoir (1990) as condições de poder do idoso estavam vinculadas a propriedade, vínculo que o mantinha como pessoa de respeito. Nesse sentido, não era considerado as suas particularidades como ser humano, isto é, se tal condição se repousasse na força, certamente o velho não teria o mesmo prestígio. Contudo, “(...) aquele que não possuía bens patrimoniais não obtinha reconhecimento na sociedade, muitas vezes acabando como dependente dos filhos ou institucionalizado” (SANTIN; BOROWSKI, 2008). O papel atribuído ao idoso permaneceu semelhante nos séculos subsequentes. Com o passar o tempo, as necessidades vão mudando, na medida em que ocorre a transformação de uma sociedade agrária em uma sociedade eminentemente urbana e industrializada. Assim, no final do século XVIII, com a Revolução Industrial, a invenção da máquina culminou com uma expansão do capitalismo, que desmembrou a estrutura da sociedade, a partir da valorização do lucro, da intensificação do trabalho em ambientes fabris, aumentando a pauperização, dando início a questão social, tal como conhecemos atualmente. A partir de então, o respeito destinado aos idosos começaram a se perder, culminando com a desestruturação do esquema social no qual viviam até então. Mendes, Gusmão e Faro (2005), ressaltam que o modelo capitalista fez com que a velhice passasse a ocupar um lugar marginalizado na existência humana, na medida em que a individualidade já teria os seus potenciais evolutivos e perderia então o seu valor social. Desse modo, não tendo mais a possibilidade de produção de riqueza, a velhice perdeu o seu valor simbólico. Todos os seres vivos são regidos por um determinismo biológico e sendo assim, o envelhecimento envolve processos que implicam na diminuição gradativa da possibilidade de sobrevivência, acompanhada por alterações regulares na aparência, no comportamento, na experiência e nos papéis sociais. Santin e Borowski (2008) averiguam então que ocorre um processo de inversão de valores, visto que a capacidade de produção de bens materiais passa a ser mais apreciada que o valor humano. Logo, começa a instalar-se o conceito negativo de velhice, considerando que 76 o idoso, por não ser mais produtivo economicamente, passa a perder espaço na sociedade 30 , perdurando até o século XIX. Todas as alterações que ocorreram no século XIX, foram mantidas no século XX, com um acréscimo ainda maior de estigma e desvalorização do velho. A partir da aceleração da urbanização, a industrialização passou a ter um importante papel na economia. Assim, a preocupação com a produção e comercialização tornou-se cada vez maior, atribuindo um importante papel social aos homens jovens, os quais detinham a força física para assegurar esse processo. Nesse contexto, o idoso perde ainda mais espaço, sendo-lhes fornecidos funções de pouco significado. Portanto, com o passar do tempo, o seu poder econômico e social passa a ser inexpressivo e, a valorização da experiência de vida e das memórias – significativas em um momento anterior –, passa a ser desconhecida e sob o idoso recai o peso da inutilidade e da decadência, devido “(...) agora o mundo é dominado por estes, que detêm a ciência e a técnica” (PALMA; SCHONS, 2000, p. 53). Diante desse quadro, podemos considerar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 consiste na primeira legislação que contribui para a atenção aos idosos. Isso porque ela proclama a proteção dos direitos do homem através de um regime de direitos, ressaltando a liberdade e a dignidade em direitos dos seres humanos. Sendo assim, garante assistência ao idoso, ao dispor no Art. 25 que Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez,velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. Entretanto, essa situação de indiferença passou a ser questionada na sociedade contemporânea e agora, há movimento em prol da busca pela inserção social do idoso. Nesse momento se constata a importância da elaboração de políticas, programas e projetos destinados à questão do envelhecer, o que repercute diretamente sobre a aposentadoria. Sendo assim, torna-se indispensável à atuação das instituições (como o Estado e as empresas) para 30 Vale ressaltar que nas sociedades mais conservadoras, como nas orientais os homens idosos mantiveram lugares importantes e ativos, muitos integrando o poder do país, como é o caso do Japão. 77 [...] a criação de espaços voltados a avaliação da qualidade de vida das pessoas idosas, sempre sob a égide dos princípios da liberdade, respeito, dignidade e justiça social, com o intuito de que os idosos, mesmo os portadores de limitações, possam sentir-se úteis, usufruir de momentos de lazer, produzir e conviver com outras pessoas, crescer culturalmente e, ainda, contribuir com a sociedade (SANTIN; BOROWSKI,2008, p. 147). A questão da velhice no Brasil era tratada, até meados da década de 1960, por uma abordagem assistencialista, através de ações de caráter asilar, com serviços de acolhimento, alimentação e tratamento de enfermidades. Aos idosos que não necessitavam recorrer à residência em asilos, praticamente não era ofertados programas ou serviços de qualquer natureza, organizados pelo Estado ou pelas comunidades. Essa conjuntura retrata um período em que os idosos encontravam-se excluídos da sociedade pela perda de seu papel social com a aposentadoria, pelas concepções estereotipadas atribuídas a velhice, pela ausência de um papel econômico ou social por parte dos idosos, bem como pelo pouco interesse da parcela populacional mais jovem com a questão social da velhice. Isso porque, como destaca Teixeira (2008), na sociedade capitalista em que vivemos a questão social está diretamente ligada ao trabalhador, em que produz lucro e mais valia ao capital. Na sociedade capitalista, a questão social é indissociável do trabalhador “livre”, do sistema de exploração capitalista, da expropriação não apenas dos meios de produção, mas do tempo de vida do trabalhador, de suas necessidades submetidas e subordinadas às necessidades de valorização, de auto-expansão do capital. Assim, se a origem da questão social, em todas as sociedades anteriores, e principalmente na sociedade capitalista, é econômica, cabe à dimensão política proporcionar o questionamento, a problematização dessas condições de vida dos despossuídos de propriedades. Isso porque as lutas sociais ascendem à esfera pública, ao espaço do debate, de visibilidade pública e política e que exige respostas do Estado e da sociedade (TEIXEIRA, 2008, p.48). A velhice vem suscitando crescente interesse por parte dos mais diferentes setores da sociedade. Contudo, é necessário tentar compreender suas especificidades, uma vez que a diferenciação de um grupo etário e sua identificação como um problema social importante, a ponto de atrair as atenções de tantos setores da sociedade, pode ser compreendida como resultado de uma construção social. Tal processo envolve seu reconhecimento – pressupõe que grupos interessados tenham agido para "produzir uma nova categoria de percepção do 78 mundo social" – e sua legitimação – o que implica uma empresa de promoção para inseri-lo no campo das "preocupações sociais" do momento. De acordo com Prado e Sayd (2006), no Brasil, entre as décadas de 1960 e 1970 iniciou-se uma busca ainda incipiente em função da conjuntura sociopolítica vislumbrada no Brasil, marcada pelo Regime Militar, pela atenção do Estado no trato das questões relacionadas à velhice, para lhe fornecer maior visibilidade em relação ao poder público, sobretudo na área médica, com o surgimento de uma especialização voltada ao idoso, denominada geriatria. Ainda nos anos de 1970, houve uma iniciativa do Governo Federal 31 em prol dos idosos, com a criação de dois tipos de benefícios não contributivos: as aposentadorias para os trabalhadores rurais e a renda mensal vitalícia para os necessitados urbanos e rurais com mais de 70 anos que não recebiam benefício da Previdência Social e não apresentavam condições de subsistência. Segundo Pacheco (2008, p. 21), A partir do ano de 1974, ocorre a primeira iniciativa do governo federal na prestação de assistência ao idoso, através do Ministério da Previdência e Assistência Social - MPAS, desenvolveu-se ações preventivas nos Centros Sociais do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS. Essas ações tinham por objetivo o pagamento da internação custo-dia, restrita aos seus aposentados e pensionistas, a partir de 60 anos de idade, em sistema de asilamento. Nesse mesmo período, o governo propôs reformulações e coube à Legião Brasileira de Assistência Social (LBA) a responsabilidade de desenvolver os programas de assistência social, inclusive o de assistência ao idoso. A ação da LBA ocorreu através de dois projetos principais: o conviver e o asilar, que por meio de convênios de cooperação técnica e financeira, revitalizaram os equipamentos públicos e privados de atenção ao idoso. Assim, podemos inferir que até a década de 1970, as políticas desenvolvidas para a pessoa idosa adquiriu um caráter paliativo, fragmentário e focalizado, uma vez que não abrange, em sua plenitude, uma noção ampla dos direitos sociais desses cidadãos. A partir da década de 1980, com o cenário internacional reconhecendo a questão do envelhecimento enquanto alvo de políticas sociais, principalmente a partir da 1ª Assembleia Mundial sobre Envelhecimento, ocorrida em Viena em 1982. Ela foi o primeiro fórum global intergovernamental centrado na questão do envelhecimento populacional, sendo considerada o marco inicial para o estabelecimento de uma agenda internacional de políticas públicas para 31 Durante o governo de Emílio Garrastazu Médici. 79 a população idosa, ou seja, apresentou como fruto um plano global de ação para as políticas sobre o envelhecimento, com uma série de recomendações para melhorar as condições de vida dos idosos, sendo transposto também para constantes debates no cenário brasileiro. No contexto de envelhecimento populacional, algumas políticas se inter-relacionam, sobretudo, aquelas relacionadas à assistência, saúde e previdência. A articulação e a integração entre as políticas públicas constituem uma ação estratégica para assegurar a complementaridade da rede de atendimento às pessoas idosas, para que a população possa envelhecer com segurança e dignidade (GOMES, 2009, p. 25). Nos Estados democráticos, a política pública está intimamente relacionada à cidadania e a sua concretização no cenário político. Segundo Paiva (2014), apesar de introduzir o debate do envelhecimento na agenda internacional, essa Assembleia não avançou como esperado no sentido de subverter a lógica de privilegiar os planos econômicos e políticos em detrimento dos temas sociais no âmbito das Nações Unidas. Na verdade, o foco da atenção principal do plano era a situação de bem-estar social das pessoas idosas dos países capitalistas hegemônicos, dotado de um forte apelo à promoção da independência e autonomia do(a) idoso(a), “novo ator social”, concebido como indivíduo independente financeiramente (PAIVA, 2014, p. 171). Para Mattos (2011), a inclusão dos idosos como discussão na agenda da política brasileira sofreu influências, ocasionados por dois momentos de manifestações, onde de um lado estava a crescente pressão da sociedade civil sobre o aumento populacional de pessoas idosas, principalmente a partir da década de 1970; e por outro lado à influência sofrida pela agenda internacional de discussão sobre o envelhecimento, a partir da realização da Assembleia Mundial de Direitos Humanos (1980); dando origem a essa Assembleia em 1982. Nesse período, a problemática do envelhecimento já estava sendo bastante discutida, sendo reconhecida como questão social e política relevante, exigindo respostas para esse segmento. No entanto, a percepção do problema social da velhice e a proposta de políticas sociais são resultantes de um processo de negociação em que se realiza o diálogo entre os sujeitos do problema (a sociedade e o movimento social dos idosos) e os agentes das políticas (Estado e instituições) na busca de coresponsabilidade democrática pela preservação dos direitos e garantias sociais (PAZ, 2002). 80 A politização dos idosos, especialmente dos mais escolarizados, associado aos ideais dos tempos pós-industriais, trouxe à pauta algumas questões culturais que favorecem um novo modo de pensar e agir no âmbito do envelhecimento que, de algum modo, tem influenciado as políticas públicas e os direitos dos idosos: a primeira foi a quebra da centralidade do trabalho, como valor maior na visão de mundo da sociedade (aspecto dominante na sociedade industrial), o que permitiu ao idoso construir sua identidade numa ótica não de trabalho, mas de utilidade e sentido da vida; a segunda é o pluralismo de ideias, de comportamento e de atividades, como valor, quebrando estereótipos ideológicos e comportamentais; a terceira é a valorização da subjetividade como um plano importante a ser incluído em todos os níveis da vida, da ciência e das políticas (Minayo, 2000). E sob esta conjuntura que os idosos encontram espaço adequado para suas reivindicações, fortalecendo o movimento dos aposentados e pensionistas, sendo este o movimento mais expressivo já realizado pelas pessoas idosas no país (SILVA; SOUZA, 2009, p. 85). Conforme supracitado, até pouco tempo o Brasil era considerado um país jovem, mas nas últimas décadas o perfil da pirâmide etária 32 transforma-se, paulatinamente, assumindo a forma de um fuso em que a base estreita representa a tendência à diminuição do crescimento dos mais jovens e o alongamento, a tendência do aumento do envelhecimento da população foi modificando e hoje temos um aumento significativo da população idosa, levando os governantes a criar e reestruturar as políticas públicas voltadas para esse segmento. A percepção do problema social da velhice e a proposta de políticas públicas são resultantes de um processo de negociação em que se realiza o diálogo entre os sujeitos do problema (a sociedade e o movimento social dos idosos) e os agentes das políticas (Estado e instituições) na busca pela coresponsabilidade pela preservação de direitos. Contudo, deve-se perceber também que ao se considerar a velhice como uma questão social está-se referindo não só à importância e à visibilidade que esta adquire perante a sociedade, mas, fundamentalmente, à atenção que o Estado passa a dar a ela. No próprio Estatuto do Idoso 33 , o Art. 9º assegura que é obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade. De acordo com Fernandes e Santos (2005) a partir de uma politização dos idosos, trouxe a pauta de discussões algumas questões culturais que favorecem um novo modo de pensar e agir no âmbito do envelhecimento que tem influenciado a agenda das políticas 32 Conforme a Figura 1. 33 Cuja análise mais minuciosa será feita mais adiante nesse capítulo. 81 públicas e os direitos dos idosos. São elas: “(...) o pluralismo de ideias, de comportamento e de atividades, como valor, quebrando estereótipos ideológicos e comportamentais; (...) e a valorização da subjetividade como um plano importante a ser incluso em todos os níveis de vida, da ciência e das políticas” (FERNANDES; SANTOS, 2005, p.54). Após destacarmos alguns percursos adotados pelos idosos, pela sociedade civil e pelo Estado voltado à efetivação do conjunto de políticas e leis destinadas à proteção do cidadão idoso, passamos agora a discorrer sobre os princípios e estratégias incorporadas nesses dispositivos legais, para melhor clarificar as conquistas e desafios no âmbito legal a serem enfrentados pelos idosos brasileiros na contemporaneidade, inserido nas políticas de Seguridade Social e após da Constituição Federal de 1988. Até a década de 1980, as políticas destinadas à população idosa centravam suas ações na garantia de renda e assistência social através do asilamento para os idosos em risco social; àqueles que tinham melhores condições socioeconômicas não dispunham de programas ou serviços de qualquer natureza. Essa década – ainda que as grandes questões sobre o envelhecimento não tenham sido objeto de ações governamentais – representou um período absolutamente rico, em que os idosos começaram a se organizar e em que surgiram às primeiras associações de idosos no Brasil. Foi também nesse período que a sociedade científica iniciou os primeiros estudos gerontológicos e realizou inúmeros seminários e congressos, sensibilizando dessa forma, os governos e a sociedade para a questão da velhice. Contudo, essa realidade não se aplica ao universo dos informantes da pesquisa. Nenhum participa de algum tipo de associação ou grupo de idosos, sendo sua participação social restrita ao aspecto religioso – como declaram os informantes X34 e Y35, ao afirmarem, respectivamente “Eu sou evangélico. Da assembleia de Deus” e “Eu sou do grupo das senhoras [da Igreja]”. Além disso, a profissional D36 destacou que “O Brasil é carente de profissionais que tenham conhecimentos mais aprofundados em geriatria e gerontologia.”, o que reitera a ausência do alcance desses estudos e divulgações. Segundo Pereira (2007), do conjunto de leis, direitos e políticas que compõem a rede de proteção ao idoso no Brasil, instituídas a partir da Constituição Federal de 1988, a assistência social consiste na mais importante fonte de melhoria das condições de vida e de cidadania dessa parcela da população em crescimento acentuado. Isso porque a atual concepção da assistência social enquanto política pública de direitos voltada a prevenção, 34 Masculino, 70 anos, aposentado e internado por 23 dias. 35 Feminino, 66 anos, aposentada e internada há 20 dias no dia da entrevista. 36 Enfermeira, feminino, 6 anos de exercício profissional, com Especialização em Vigilância Sanitária. 82 proteção, inserção e promoção social, reverte o paradigma de caráter clientelista, imediatista e assistencialista que sempre marcou essa área. Segundo Gomes (2009, p. 14) A assistência social visa a garantir proteção social a todos os que dela necessitam, independentemente de qualquer contribuição prévia. Isso significa que qualquer cidadão brasileiro tem direito aos benefícios, serviços, programas e projetos socioassistenciais sem o caráter contributivo, o que permite eliminar ou reduzir os níveis de vulnerabilidade e/ou fragilidade social. Embora a Constituição promulgada em 1988 tenha registrado, pela primeira vez na história brasileira, que a proteção social ao idoso é um dever do Estado e um direito de todo o cidadão ocorrem poucos avanços e muitos retrocessos em termos de política social. Entretanto, os movimentos de idosos já organizados e a ação de algumas entidades, não só mantem em pauta o debate sobre a necessidade de políticas de atenção à velhice, como realizaram demandas significativas, que contribuíram para a visibilidade aos velhos e a suas condições de vida. É preciso ressaltar ainda que, a partir do aumento das taxas longevidade, houve um consequente número de aposentados, principalmente na década de 1980, a questão da velhice passou a ganhar maior visibilidade. Esse cenário, não só contribuiu para uma mudança na concepção do idoso, como também culminou com a inserção da temática referente ao idoso na agenda política e acadêmica, lançando as bases para o fortalecimento da velhice enquanto questão social. Concomitantemente a esse quadro, nascem também às demandas provenientes de tais problematizações, fortalecendo o envelhecimento enquanto questão cientifica interdisciplinar. Segundo Carvalho e Garcia (2003), a institucionalização das leis e das políticas de proteção social ao idoso foi delineada a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, uma vez que ela trouxe o amparo legal para respaldar a configuração das políticas presentes atualmente na sociedade. Nesse sentido, a Carta Magna ao propor avanços no âmbito da Seguridade Social, enfatizava a cidadania do idoso, formando-se então reflexões fundamentais para o enfrentamento da questão social relacionada a esse grupo etário. Dito de outro modo, a Constituição brasileira de 1988 foi a primeira a tratar o idoso e a velhice como um problema social, avançando para além da assistência previdenciária e assegurando a proteção na forma de assistência social. Alguns artigos destacam uma atenção específica à pessoa idosa. Nesses termos, o Art. 203, assegura que “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, 83 independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos” no Inciso I “a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice”. No Art. 129 ainda determina que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar seus filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Além disso, o Art. 230 prevê que A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. § 1º - Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares. § 2º - Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos. Para compreendermos o contexto que propiciou inserção das legislações que tratam dos direitos dos idosos, é preciso tecer algumas considerações acerca da política em que elas se inserem: a Seguridade Social. De acordo com o Art. 194 da Constituição Federal (1988), a Seguridade Social “(...) compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Camarano e Pasinato (2004) ressaltam que a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como um divisor de águas para a política e para a pessoa idosa, pois ela levou em consideração algumas recomendações expostas na 1ª Assembleia Mundial sobre Envelhecimento (1982), que teve o mérito de colocar a questão do envelhecimento em geral a ser pauta na agenda das nações e de começar a tratar o tema de forma integral e unificada. Somente em 1990, a sociedade brasileira demonstrava crescente sensibilidade à questão da velhice, marcando a criação de diversos serviços especializados; elaboração de projetos e programas para a terceira idade nas universidades, nas prefeituras e em diversas instituições; fundação de centros de estudo, programas de pós-graduação, residências, estágios, orientações curriculares; a formação de políticas e programas cada vez mais específicos; dentre outros. Em conformidade com o Plano de Ação Internacional sobre os Idosos, adotado pela Assembleia Mundial sobre os Idosos e endossado pela Assembleia Geral na sua resolução 37/51, de 3 de dezembro de 1982. Em 1991, a Assembleia geral adotou o Princípio das Nações Unidas em Favor das Pessoas Idosas, elencando 18 direitos para esse público em 84 relação à independência, a participação, ao cuidado, a autorrealização e a dignidade (Quadro 3). Quadro 3 – Princípio e Direitos das Nações Unidas em Favor das Pessoas Idosas Princípios Direitos dos Idosos Independência 1. Ter acesso a alimentação, água, alojamento, vestuário e cuidados de saúde adequados, através da garantia de rendimentos, do apoio familiar e comunitário e da autoajuda. 2. Ter a possibilidade de trabalhar ou de ter acesso a outras fontes de rendimento. 3. Ter a possibilidade de participar na decisão que determina quando e a que ritmo tem lugar a retirada da vida ativa. 4. Ter acesso a programas adequados de educação e formação. 5. Ter a possibilidade de viver em ambientes que sejam seguros e adaptáveis às suas preferências pessoais e capacidades em transformação. 6. Ter a possibilidade de residir no seu domicílio tanto tempo quanto possível. Participação 7. Permanecer integrados na sociedade, participar ativamente na formulação e execução de políticas que afetem diretamente o seu bem-estar e partilhar os seus conhecimentos e aptidões com as gerações mais jovens. 8. Ter a possibilidade de procurar e desenvolver oportunidades para prestar serviços à comunidade e para trabalhar como voluntários em tarefas adequadas aos seus interesses e capacidades. 9. Ter a possibilidade de constituir movimentos ou associações de idosos. Assistência 10. Beneficiar dos cuidados e da proteção da família e da comunidade em conformidade com o sistema de valores culturais de cada sociedade. 11. Ter acesso a cuidados de saúde que os ajudem a manter ou a readquirir um nível ótimo de bem-estar físico, mental e emocional e que previnam ou atrasem o surgimento de doenças. 12. Ter acesso a serviços sociais e jurídicos que reforcem a respectiva autonomia, proteção e assistência. 13. Ter a possibilidade de utilizar meios adequados de assistência em meio institucional que lhes proporcionem proteção, reabilitação e estimulação social e mental numa atmosfera humana e segura. 14. Ter a possibilidade de gozar os direitos humanos e liberdades fundamentais quando residam em qualquer lar ou instituição de assistência ou tratamento, incluindo a garantia do pleno respeito da sua dignidade, convicções, necessidades e privacidade e do direito de tomar decisões acerca do seu cuidado e da qualidade das suas vidas. Realização Pessoal 15. Ter a possibilidade de procurar oportunidades com vista ao pleno desenvolvimento do seu potencial. 16. Ter acesso aos recursos educativos, culturais, espirituais e recreativos da sociedade. Dignidade 17. Ter a possibilidade de viver com dignidade e segurança, sem serem explorados ou maltratados física ou mentalmente. 18. Ser tratados de forma justa, independentemente da sua idade, gênero, origem racial ou étnica, deficiência ou outra condição, e ser valorizados independentemente da sua contribuição econômica. Fonte: Assembleia Geral das Nações Unidas (1991). Disponível em: (Acesso em: 03/04/2015). Em 1992, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Proclamação sobre o Envelhecimento, estabelecendo o ano de 1999 como o Ano Internacional 85 dos Idosos, com o slogan “Uma sociedade para todas as idades”. Os parâmetros para a adoção de um marco conceitual sobre a questão do envelhecimento foram elaborados pela ONU em 1995 e envolveram quatro dimensões para a análise de “Uma sociedade para todas as idades”: a situação dos idosos, o desenvolvimento individual continuado, as relações multigeracionais e a inter-relação entre envelhecimento e desenvolvimento social. Com o anseio pela efetivação da Seguridade Social, percebeu-se a necessidade de um amparo normativo mais específico, de modo a orientar o exercício profissional da assistência. Em 1993 foi aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) – lei 8.742/93 – que contribuiu para o amparo a pessoa idosa na Assistência Social. Isso porque, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com a LOAS (1993), a assistência social também ganhou uma nova institucionalidade, se distanciando de práticas assistencialistas, que a fez ser baseada na cidadania ampliada, funcionando como uma das principais políticas públicas concretizadoras de direitos sociais básicos, especialmente para as crianças, idosos, famílias e pessoas economicamente vulneráveis. Constitui-se então como objetivo da Assistência Social a proteção dos grupos vulneráveis, conforme estabelecido no Art. 2, inciso I, “a proteção à família, à maternidade, a infância, à adolescência e à velhice”. Além disso, a LOAS propôs em seu capítulo IV a criação de benefícios à pessoa idosa, bem como para outros casos em que o sujeito não teria a possibilidade prover a manutenção de vida ou de sua família, que atesta a valoração do idoso. Sob essa direção, a LOAS enquanto parte integrante da Seguridade Social deve contribuir para a ampliação da cidadania ao incorporar o circuito de bens, serviços e direitos a serem usufruídos por uma minoria populacional historicamente excluída desse processo. Assim, trata-se de um direito gratuito que se apresenta como dever de prestação e/ou de ressarcimento dos poderes políticos (PEREIRA, 2007). Silva (2006) destaca que o grau de seletividade existente na LOAS faz com que muitos idosos não sejam incluídos nos benefícios, seja por estarem fora do patamar de pobreza ou da faixa etária estipulados pelos critérios da lei (65 anos), seja por não terem acesso aos documentos exigidos ou por não se encontrarem na condição de “incapazes para o trabalho”. Ante essa realidade, a autora acrescenta: para ter acesso ao benefício, a pessoa precisa estar numa condição vegetativa enquanto ser humano, embora haja várias formas de deficiências que não permitem a inserção nas relações de trabalho. Reforçando essa assertiva, destacamos que os idosos, pela falta de qualificação e/ou pela estigmatização cultural, são, no geral, menos competitivos no mercado de trabalho, o que não deixa de ser uma “incapacidade”, pois “os capazes” asseguram a própria sobrevivência. 86 Isso pode ser identificado no caso do informante X 37 , o qual relatou Graças a Deus porque é... é até meio chato eu falar isso, mas graças a Deus eu não esperava, não confiava muito no INSS, eu me preparei, fiz minhas economias e construí umas casinhas e hoje, graças a Deus, eu tenho meu salariozinho melhor por conta disso, né? Nesse caso, o informante atribuiu como conquista um aspecto pessoal que lhe propiciou um salário melhor – o que, na verdade, é uma exceção a grande maioria da população. No que concerne ao idoso, à política pública de assistência social está respaldada pelo princípio de democracia participativa, valorizando a descentralização político-administrativa, bem como a participação da população. Com isso, prevê transferência continuada de renda a idosos impossibilitados de prover a sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família expressa na proteção social básica e especial 38 . Além disso, parcerias entre as esferas estatais podem contemplam a prestação de serviços especiais, tais como a distribuição de benefícios, realização de programas educativos e culturais, dentre outros. Pereira (2007) nos elucida alguns serviços e benefícios específicos para a pessoa idosa. São eles: o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – benefício não contributivo que confere um salário mínimo ao idoso que não possua meios de prover sua subsistência – e a proteção básica e especial à pessoa idosa – apoio financeiro federal a serviços, programas e projetos executados por Estados e Municípios, bem como por entidades sociais, com o intuito de contribuir para a promoção da autonomia, integração e participação do idoso na sociedade. Ainda na década de 1990, destaca-se a elaboração da PNI (1994) 39 , que representou o marco na definição das políticas voltadas para o idoso no Brasil, uma vez que foi a primeira legislação específica para essa faixa etária. Ela assegura os direitos sociais e amplo amparo legal ao idoso e estabelece as condições para promover sua integração, autonomia e participação efetiva na sociedade (Art. 1º). Sendo assim, objetiva atender as necessidades básicas da população idosa no que concerne a educação, saúde, habitação, urbanismo, esporte, trabalho, assistência social e previdência. 37 Masculino, 70 anos, aposentado e internado por 23 dias. 38 Vale salientar que a consideração dos direitos dos idosos deve ocorrer no âmbito da noção de universalidade do direito de cidadãos de todas as idades à proteção social, quando se encontrarem em situação de vulnerabilidade. 39 Regulamentada pela Lei nº 8.842, sancionada em 04 de janeiro de 1994 e regulamentada pelo Decreto nº 1.948 de 03 de julho de 1996. 87 Mais ainda, Pessôa (2010, p. 106) nos elucida que a PNI “(...) foi criada para promover a longevidade com qualidade de vida, preocupando-se não apenas com os que já estão velhos, mas também com os que vão envelhecer”. Surge em um cenário de crise no atendimento à pessoa idosa exigindo uma reformulação em toda a estrutura disponível de responsabilidade do governo e da sociedade civil. Podemos inferir então que a PNI consiste em uma resposta diante das reivindicações da sociedade, da qual fizeram parte diversos segmentos sociais: idosos ativos, aposentados, profissionais da área de gerontologia, dentre outros. Para Bruno (2003), a PNI divide-se em dois eixos básicos: proteção social – que inclui as questões de saúde, moradia, transporte e renda mínima – e inclusão social, que trata da inserção ou reinserção social dos idosos a partir da participação em atividades socioculturais e educativas. Essa estrutura geral permite que haja uma articulação com as famílias e com a sociedade com a finalidade de inserir temáticas pertinentes aos idosos na agenda pública, possibilitando uma expansão dos estudos e pesquisas, o que acarreta uma melhor capacitação no atendimento ao idoso. Para garantir essa efetividade, a PNI é baseada em alguns princípios e diretrizes, que permitem uma consideração maior acerca do papel social atribuído ao idoso com a promulgação dessa lei, os quais estão sintetizados no Quadro 4. 88 Quadro 4 – Princípios e Diretrizes da Política Nacional do Idoso Princípios Diretrizes  Compete à família, a sociedade e ao Estado o dever de assegurar ao idoso todos os direitos referentes à cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e qualidade de vida;  O processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento de todos;  O idoso não deve sofre discriminação de qualquer natureza;  O idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem efetivadas através desta política;  As diferenças econômicas, sociais, regionais e as contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas pelos poderes públicos e pela sociedade em geral, na aplicação da PNI.  Viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso, que proporcionem sua integração a demais gerações;  Participação do idoso, através de suas organizações representativas, na formulação, implementação e avaliação das políticas, planos, programas e projetos a serem desenvolvidos;  Priorização do atendimento ao idoso através de suas próprias famílias, em detrimento do atendimento asilar;  Descentralização político-administrativa;  Capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços;  Implementação de sistema de informações que permita a divulgação da política, dos serviços oferecidos, dos planos, programas e projetos em cada nível do governo;  Estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento;  Priorização do atendimento ao idoso em órgãos públicos e privados prestadores de serviços, quando desabrigados e sem família;  Apoio a estudos e pesquisas sobre as questões relativas ao envelhecimento. Fonte: Adaptado da PNI (1994). A análise dos referidos princípios e diretrizes no Quadro 4 nos permite inferir que a PNI atende à concepção de Assistência Social prevista pela LOAS enquanto política de direito, implicando, não apenas na garantia de uma renda, mas também na explicitação de vínculos relacionais que assegurem mínimos de proteção social, visando a participação, a emancipação, a construção da cidadania, bem como na construção de um novo conceito social atribuído à velhice. Para atender essa nova concepção atribuída ao idoso, foi criado o Plano Integrado de Ação Governamental, o qual incorporou novas ações no que se refere a readequação da rede da saúde e assistência social para atendimento integral ao idoso, elaboração de instrumentos 89 que permitem a inserção da população idosa na vida socioeconômica das comunidades, modernização das leis e regulamentos, desenvolvimento do turismo e lazer, além da reformulação dos currículos universitários no sentido de melhorar a performance dos profissionais no trato das questões do idoso. Ao prever a utilização da modalidade asilar em regime de internato, apenas ao idoso sem vínculo familiar ou sem condições de prover a própria subsistência de modo a satisfazer suas necessidades de moradia, alimentação, saúde e convivência social, pontua que a atenção ao idoso deve ser feita por intermédio de sua família, em detrimento da internação em instituições de longa permanência. Assim, no Art. 4, estabelece por modalidade não-asilar de atendimento ao idoso o Centro de Convivência, o Centro de Cuidados Diurno, o Hospital-Dia, Centro-Dia, Casa-Lar, Oficina Abrigada de Trabalho e atendimento domiciliar. Além disso, o Decreto nº 1.948/96 estabelece no Art. 6 que Compete ao INSS esclarecer o idoso sobre os seus direitos previdenciários e os meios de exercê-los. § 1º - O serviço social atenderá, prioritariamente, nos Postos do Seguro Social, os beneficiários idosos em via de aposentadoria. § 2º - O serviço social, em parceria com os órgãos governamentais e não governamentais, estimulará a criação e a manutenção de programas de preparação para aposentadorias, por meio de assessoramento às entidades de classe, instituições de natureza social, empresas e órgãos públicos, por intermédio das suas respectivas unidades de recursos humanos. É importante ressaltar que as políticas do trabalho e da previdência devem atuar conjuntamente, uma vez que dada as mudanças no mundo do trabalho em função das transformações societárias, quanto maior a idade, maior a discriminação, a partir da concepção de “improdutivo” e “incapaz”, exigindo assim, que os funcionários das empresas sejam preparados para uma futura aposentadoria, de modo a garantir que o idoso se autointitule conforme esses conceitos. No referente à saúde, a PNI estabelece que se deve desenvolver ações compartilhadas com diversos parceiros que atendem o idoso, realização de estudos com a intenção de promover a prevenção bem como o tratamento e sua reabilitação; em contrapartida, a educação constitui um grande movimento para que o idoso seja respeitado em seus direitos, com o propósito de identificar seus limites, particularidades e habilidades, a partir da transmissão das informações; sobre a habitação, essa lei visa consolidar as construções destinadas ao idoso, assim, a diminuição de barreiras arquitetônicas se faz de grande 90 importância, uma vez que, o idoso é um ser que já não possui sua força física íntegra; acerca da participação em eventos culturais, os preços de ingressos devem ser reduzidos, como forma de preservar e continuar a identidade social. Ambas as necessidades básicas supracitadas devem estar direcionadas ao idoso e articuladas entre si, de modo a evitar qualquer situação de descumprimento da lei, constituindo um fator essencial para uma maior efetivação dos direitos dos idosos. Dito de outra forma põe-se a necessidade de uma intersetorialidade na ação pública, na medida em que a PNI só pode ser efetivada no âmbito das políticas sociais setoriais, de modo a garantir que cada esfera cumpra suas funções de formular, coordenar, supervisionar e avaliar as ações executadas. Nesse sentido, trouxe uma nova perspectiva para o atendimento ao idoso e uma nova forma de encará-lo, considerando-o como um cidadão com direitos e deveres e pessoa apta a se cuidar e a se governar. Constitui um marco, chamando a atenção para o fato de o tema velhice ser pertinente a toda a sociedade. A partir do pioneirismo conferido a essa lei, cabe ressaltar que a edição da lei que institui a Política Nacional do Idoso “(...) trouxe vários avanços para a proteção aos idosos, no entanto tal lei se preocupa mais com a atuação do poder público e sua forma de promover políticas sociais de atendimento ao idoso” (PACHECO, 2008, p. 21). Assim, a PNI prevê a garantia de direitos sociais de forma ampla, defendendo o idoso nos mais diversos parâmetros. Segundo Gomes (2009, p. 34), a PNI cumpre sua missão, entre outras estratégias, “(...) quando atribui competências a órgãos e entidades públicos, sempre de forma alinhada a suas perspectivas e funções”. Desse modo, ela determina que cada ministério, de acordo com suas competências específicas, elabore propostas orçamentárias com o intuito de financiar programas voltados aos idosos e promover cursos de capacitação, estudos, levantamentos e pesquisas relacionadas à temática do processo de envelhecimento, considerando-o em suas múltiplas dimensões. Apesar dessa proposição de esforços nas diferentes áreas do governo, a implementação da PNI revelou-se apenas em ações isoladas e incipientes sobre a realidade da pessoa idosa no país, esbarrando em um complexo de variáveis que se entrelaçam (como a escassez de recursos financeiros) tornando-a de certo modo, apenas um ideal. Dito isto, é preciso considerar que a PNI apresenta algumas limitações no que se refere a sua operacionalização, devido à falta de alguns artigos que tratem de temas específicos. Isso porque ela não dispõe de redação referente às consequências e punições dos idosos que sofrem algum tipo de maltrato e/ou violação de seus direitos por parte da família ou da sociedade. Além disso, há um distanciamento entre a lei e a realidade por não especificar os 91 crimes contra o idoso, não tratar sobre a regulamentação dos asilos, bem como não tipificar o abandono. Por isso, outra legislação foi necessária para destacar os pontos que não foram abordados na PNI, dando origem a proposta do Estatuto do Idoso. Após um salto de pouco menos que uma década da aprovação da PNI, no cenário internacional aparece a 2ª Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, ocorrida no período de 8 a 12 de abril de 2002 em Madri, a qual e teve como proposta debater sobre os impactos e as consequências do processo de envelhecimento da população mundial, visando rever o Plano Internacional de Ação sobre o Envelhecimento que fora aprovado 20 anos antes, na I Assembleia que ocorrera em 1982, em Viena. A 2ª Assembleia concluiu por unanimidade dois documentos, quais sejam: o Plano de Ação Internacional de Madri sobre o Envelhecimento e a Declaração Política, com o intuito de garantir a plena proteção e promoção dos direitos e liberdades fundamentais dos idosos em todo o mundo. Nos dois textos estão as seguintes recomendações, distribuídos para fins analíticos nesse trabalho, em três categorias, conforme ilustrado na Figura 2: Figura 2 – Recomendações do Plano de Ação Internacional de Madri sobre o Envelhecimento e da Declaração Política sobre os Idosos Fonte: Adaptado de Menicalli, Dias e Silva [et al] (2009). Criado em 13 de maio de 2002, o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI) contabilizou avanços importantes na política de promoção dos direitos das pessoas idosas no país. Entre eles, destaca-se a criação do Estatuto do Idoso, instrumento que assegura direitos Participação na Sociedade Fomentar a participação dos idosos na sociedade em que vivem e que não sejam considerados como uma carga; Estimular a transmissão de informações aos idosos sobre os seus direitos para que sejam capazes de lutar por si mesmos e conquistar outros direitos. Mundo do Trabalho Incluir os idosos na economia produtiva; Flexibilizar a idade de trabalho sempre que seja possível e a pessoa queira fazê-lo; Aspectos Socioeconômicos Estimular a valorização do idoso, especialmente entre os mais jovens; Assegurar meios de apoio; Buscar recomendações para atuar contra os maus-tratos aos idosos; Reconhecer a vinculação entre envelhecimento e desenvolvimento; Avançar na saúde e bem- estar do idoso; 92 especiais e institui programas de promoção da qualidade de vida desta parcela da população. O CNDI é um órgão superior de natureza e deliberação colegiada, permanente, paritário e deliberativo, integrante da estrutura regimental da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Cabe a ele elaborar as diretrizes para a formulação e implantação da PNI e as diretrizes do Estatuto do Idoso, bem como acompanhar e avaliar a sua execução. Ainda em 2002, em âmbito estadual, é implantada a Política Estadual do Idoso no RN, durante o governo de Fernando Freire que tem por objetivo assegurar os direitos da pessoa maior de 60 (sessenta) anos de idade, criando condições para sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Ela confere providências a esfera administrativa estatal, especificando suas competências no que concerne a pessoa idosa. Sendo assim, estipula, dentre outras atividades, a articulação com as secretarias estaduais e órgãos federais responsáveis pelas políticas do idoso; a prestação de assessoramento técnico as entidades, prefeituras e organizações de atendimento ao idoso; e a formulação de políticas para a qualificação de recursos humanos na área do idoso. A fim de superar algumas limitações que existiram na PNI, o Estatuto do Idoso representa um avanço nas legislações que versam sobre a pessoa idosa, uma vez que prevê punições para os que violam os direitos dos idosos, conferindo uma maior proteção a essas pessoas. Após anos de tramitação no Congresso o Estatuto do Idoso 40 reconhece a presença e a importância dos idosos no cenário da sociedade brasileira, conferindo direitos e assegurando o firme exercício da cidadania, principalmente mediante os conselhos instituídos nas esferas municipais, estaduais e na federal, responsáveis pela elaboração e fiscalização de políticas públicas destinadas especificamente a esse segmento. Conforme Carvalho (2010, p. 29), o Estatuto do Idoso, objetiva regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, além de criar o Conselho Nacional do Idoso, vetado no texto da Política Nacional do Idoso. Pessôa (2010, p. 110) ressalta que a Lei nº 10.741/2003 é denominada enquanto “Estatuto” de modo a referendar seu “alto teor de relevância e significação quanto ao atendimento prestado ao idoso, como mecanismo de promoção de comportamento eticamente mais avançada”. Desse modo, ele estabelece prioridade absoluta às normas protetivas ao idoso, elencando novos direitos e estabelecendo vários mecanismos específicos de proteção os 40 Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. 93 quais vão desde precedência no atendimento ao permanente aprimoramento de suas condições de vida, até a inviolabilidade física, psíquica e moral. O Estatuto pode ser considerado um marco significativo no que concerne a conquista de direitos da população idosa. Ele foi consequência da organização e mobilização dos aposentados do nosso país, sendo resultado de uma grande conquista para a sociedade em geral. Aborda diversos aspectos da vida do idoso e amplia os direitos dos cidadãos com idade acima de 60 anos e trouxe inovações ao definir penalidades e sanções para aqueles que impuserem qualquer ação de negligência, discriminação, crueldade e opressão, além de determinar penas de reclusão para pessoas que praticarem qualquer tipo de violência contra a pessoa idosa. Veio, portanto, fortalecer e ampliar os mecanismos de controle das ações desenvolvidas, em âmbito nacional e complementar à lei que instituiu a PNI. O universo da ação do Estatuto está pautado em princípios éticos, priorizando o atendimento das necessidades básicas e a manutenção da autonomia como conquista dos direitos sociais. O atendimento se compõe de serviços de atenção à saúde e assistência social, benefícios permanentes e eventuais, programas educacionais para o envelhecimento, restabelecimento da participação social, e uma gama considerável de ações que objetivam a promoção social desse grupo etário. Nesse sentido, o Estatuto “(...) quanto aos direitos fundamentais e sociais já garantidos pela Constituição Federal de 1988, não somente se repete, mas indica instrumentos mais eficazes para dar efetividade as garantias já determinadas” (PESSÔA, 2010, p.110). Assim, é possível sintetizar as indicações estruturantes do Estatuto, conforme o exposto a seguir. De início, o Estatuto coloca que a família, a comunidade, a sociedade e o Poder Público devem assegurar ao idoso com prioridade absoluta os direitos que foram descritos na Política Nacional do Idoso (Art. 3º). Além disso, no Art. 4, ressalta também que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. Nos artigos que elucidam o direito a vida, verificamos o estabelecimento da obrigatoriedade do Estado de garanti à pessoa idosa à vida e à saúde, a partir da elaboração de políticas sociais que assegurem a população um envelhecimento saudável e digno. No Art. 10, certifica as pessoas dessa faixa etária, enquanto pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, contidos na Constituição Federal de 1988. Os artigos subsequentes (11, 12, 13 e 14) versam sobre o fornecimento de alimentos ao idoso, em consonância com o Código Civil. Conforme Gomes (2009, p. 36) 94 Salientam que é preciso garantir não apenas a alimentação a pessoa idosa, mas também sua sobrevivência. O conceito, portanto, tem de ser entendido de forma ampla, englobando alimentação, medicamentos, vestuário, habitação, lazer, saúde, entre outras despesas. Assim, a pessoa idosa que precisar de ajuda financeira e não a obtiver de modo espontâneo deve, se necessário, interpor recurso judicial (ação de alimentos em face de seus familiares, ou seja, filhos, irmãos e netos maiores). A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar, entre os prestadores, a quem demandar seu direito. Entretanto, se a família não possui condições de lhe prestar alimentos, impõe-se ao poder público esse provimento, competindo tal responsabilidade à assistência social, conforme dispõe a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (LOAS). A Lei 10.741/2003 também ampara o direito à atenção integral à saúde do idoso, a partir do Sistema Único de Saúde (SUS). Além da garantia do acesso universal e igualitário, com atendimento preferencial a pessoa idosa. É importante salientar, ainda, que cabe ao poder público fornecer gratuitamente à pessoa idosa: medicamentos, inclusive aqueles de uso continuado, próteses, órteses, reabilitação ou habilitação. O idoso tem também o direito, em caso de internação ou observação, a acompanhante, cabendo ao médico responsável pelo tratamento autorizar esse acompanhante ou, no caso de impossibilidade, justificá-la. O acesso à educação, cultura, esporte, lazer e diversão, visando à participação e à integração da pessoa idosa, estão previsto nos artigos nos artigos 20 a 25. Já os artigos 26 a 28 tratam do trabalho e da profissionalização, estabelecendo que o idoso pode ser admitido em qualquer emprego e tipo de trabalho. No caso de concursos públicos, é proibida a discriminação por idade, salvo quando houver ressalva em razão da natureza do cargo. Os artigos 29 a 32 tratam da Previdência Social. São reafirmadas as condições para a concessão dos benefícios de aposentadoria e pensão, por idade e tempo de contribuição. A Assistência Social é elucidada nos artigos 33 a 36. Em articulação com a PNAS, “A assistência social aos idosos será prestada, de forma articulada, conforme os princípios e diretrizes previstos na Lei Orgânica de Assistência Social, na Política Nacional do Idoso, Sistema Único de saúde e demais normas pertinentes” (Art. 33). O Estatuto também garante ao idoso o direito à moradia digna, no âmbito de sua família ou não, quando ele assim desejar, ou em instituição pública ou privada. Institui regras, bem como outros direitos no tocante a habitação nos artigos 37 e 38. Além disso, descreve que programas habitacionais públicos ou subsidiados com recursos públicos o idoso goza de prioridade na aquisição, observando a acessibilidade ao idoso, a reserva de 3% das unidades e critérios de financiamento de acordo com os rendimentos de aposentadoria ou pensão. 95 O Estatuto do Idoso dispõe sobre o transporte que, até então não se falava, e a política de atendimento ao idoso, isto é, como deve ser realizado o atendimento ao idoso, considerando as diretrizes que estão na PNI que é trabalhada no Estatuto. Assim, os artigos 39 a 42 asseguram-se aos maiores de 65 anos a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semiurbanos (para tanto, basta à apresentação de qualquer documento que prove sua idade) e a reserva de 10% dos assentos em veículos de transporte coletivo. No transporte interestadual, o estatuto estabelece que sejam reservadas, por ônibus, duas vagas gratuitas para idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos e desconto de 50%, no mínimo, no valor das passagens para aqueles que excederem as vagas gratuitas, com renda inferior ou igual a dois salários mínimos. A pessoa idosa também tem garantidos o direito de vagas preferenciais nos estacionamentos públicos e particulares, nos termos da legislação local, e a prioridade no embarque e desembarque no sistema de transporte coletivo. No que concerne as medida de proteção, Gomes (2009, p. 40), nos ressalta que O Estatuto do Idoso trata das medidas de proteção à pessoa idosa, com o objetivo de punir todo aquele que violar ou ameaçar seus direitos por ação ou omissão, não importando por quem seja praticada (Estado, família ou sociedade). Essas medidas podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa, visando sempre à proteção ao idoso. Não sendo cumpridas, o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), assim que tiverem conhecimento da lesão ao direito, tomarão as medidas legais necessárias, de modo a salvaguardar a integridade física, psíquica e moral da pessoa idosa. O próprio estatuto estabelece, nos artigos 96 a 106, as penas para cada tipo de lesão, seja ela de cunho sexual, financeiro, psicológico, medicamentoso, de assistência médica ou alimentar, de ameaça, de cárcere privado, de abandono, de morte, de espancamento, de coação, de abandono, entre outros. Nesses termos, a Lei 10.741/2003, estabelece prioridade absoluta às normas protetivas ao idoso, destacando novos direitos e estabelecendo vários mecanismos específicos de proteção, os quais perpassam pelo aprimoramento de suas condições de vida, até a inviolabilidade física, psíquica e moral (CENEVIVA, 2004). Sendo assim, o Estatuto do Idoso consiste na forma de maior potencial da perspectiva de proteção e regulamentação dos direitos da pessoa idosa: é uma “(...) nova cultura de fazer política social, aquela que divide responsabilidades sociais no trato das refrações da questão social” (TEIXEIRA, 2008, p. 296). Confere também um novo panorama de organização da sociedade com ênfase nos problemas da população idosa, vislumbrando as possibilidades de 96 construção de novos movimentos de intervenção. Logo, reconhecer e legitimar os direitos historicamente conquistados consiste em um avanço, especialmente no reconhecimento do papel do idoso na sociedade. Assim, a partir do disposto na Lei, tem-se a construção de um novo sujeito político, enquanto um sujeito de direitos assegurados. Contudo, conforme salienta a profissional A 41 , Tem muitas políticas, se você ver ai, o Estatuto do Idoso, que são voltadas pra eles, né? Lógico que muitas conquistas deveriam ainda ter, mas já tem muita coisa, e assim mesmo muitas coisas não são respeitadas né? porque a gente sabe muito bem que no papel, como diria uma professora minha ”o papel aguenta tudo, os melhores planos”, mas assim, eu acho que no dia a dia a gente, né? (...). Assim, é necessário considerar a distância entre o que está posto na legislação e o que é vislumbrado efetivamente em termos da materialização desses direitos dos idosos de modo a impedir sua violação. Apesar da importância dos aspectos ora explícitos referentes ao Estatuto do Idoso, Neri (2005), ao analisar as políticas de atendimento aos direitos do idoso expressos nesse marco legal, concluiu que o documento é revelador de uma ideologia negativa da velhice, compatível com o padrão de conhecimentos e atitudes daqueles envolvidos na sua elaboração (políticos, profissionais, grupos organizados de idosos), segundo os quais o envelhecimento é uma fase compreendida por perdas físicas, intelectuais e sociais, negando análise crítica consubstanciada por dados científicos recentes que o apontam, também, como uma ocasião para ganhos, dependendo, principalmente, do estilo de vida e do ambiente ao qual o idoso foi exposto ao longo do seu desenvolvimento e maturidade. Assim sendo, Neri (2005) ressalta que políticas de proteção social, baseadas em suposições e generalizações indevidas, podem contribuir para o desenvolvimento ou a intensificação de preconceitos negativos e para a ocorrência de práticas sociais discriminatórias em relação aos idosos. A consideração dos direitos dos idosos deve ocorrer no âmbito da noção de universalidade do direito de cidadãos de todas as idades à proteção social, quando se encontrarem em situação de vulnerabilidade. A despeito dessa ideologia negativa da velhice embutida na construção do Estatuto do Idoso, é de fundamental importância que todos os segmentos da sociedade, operadores jurídicos e, principalmente, os 41 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 97 idosos, sejam instruídos quanto aos seus aspectos positivos, pois eles precisam conhecer seus direitos para exercê-los e reivindicá-los. No entanto, o que se observa é um distanciamento entre alguns idosos com a própria noção de direitos e/ou com o conhecimento acerca deles. Durante a entrevista, a profissional A 42 destacou que “A questão do idoso, eles não sabem os direitos. Não sabem onde procurar.” Além disso, ocorre também a sua simplificação aos benefícios oferecidos pela Seguridade Social – sobretudo a Previdência Social. Ao ser questionada se usufruía algum direito, a informante Y 43 assentiu apenas alegando: “eu sou aposentada.”, expressando esse aspecto como o único que conseguira relacionar à proteção social que lhe é devida. Com o exposto acerca dessa legislação, podemos inferir que embora a legislação brasileira relativa aos cuidados com a população idosa seja bastante avençada, a prática ainda é insatisfatória. Desse modo, a vigência do Estatuto do Idoso e seu uso enquanto instrumento de efetivação da conquista de direitos dos idosos nos mostra que a presença dessa parcela populacional nas famílias ainda encontra-se fragilizada e em situação de grande vulnerabilidade social. O envelhecimento constitui uma característica inerente ao homem. Desse modo, o Estatuto do Idoso delimita um espaço social de mediação entre o idoso e os demais grupos etários. É certo que, mesmo fornecendo as diretrizes, por si só, ele não garante a conscientização da sociedade em relação ao papel do idoso, pois a aceitação do “ser idoso” está inserida na imagem social que ele possui, a qual ainda está muito atrelada a condição de incapacidade. Todavia, consiste em um passo importante, pois assegura o reconhecimento desse grupo populacional. Conforme observado com a PNI e com o Estatuto do Idoso, os desafios provenientes da evolução da longevidade no Brasil tem seu âmbito marcado pela complexidade do papel social do idoso, apontando um processo de exclusão por parte de uma sociedade que cada vez mais privilegia o novo, gerando assim, dificuldades no enfrentamento e intermediação nas relações sociais. Contudo, apesar das políticas sociais de atenção as pessoas idosas brasileiras retratarem o envelhecimento populacional e assegurarem as necessidades básicas, bem como a proteção dos direitos humanos, sua implementação ainda está distante da realidade, na 42 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 43 Feminino, 66 anos, aposentada e internada há 20 dias no dia da entrevista. 98 medida em que o aparato legal, mesmo sendo um grande passo, não garante por si só a afirmação da cidadania do idoso. Segundo Gomes (2009) a instituição da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em 2004 – prevista com a promulgação da LOAS – enquanto política pública de viabilização de direitos, requer dos profissionais um profundo conhecimento da legislação e deve oferecer-lhes programas de requalificação e educação de forma sistemática e continuada, para maior capacidade de gestão e controle da sociedade sobre as ações do Estado. Assim, com a instituição da PNAS, houve a garantia da pessoa idosa e da sua família ao acesso a programas, serviços, projetos e benefícios que contribuam para a efetivação de seus direitos (GOMES, 2009). De um modo geral, é possível resumir os aspectos legislativos destinados aos idosos na Figura 3 abaixo: Figura 3 – Agenda Internacional sobre o Envelhecimento e Principais Marcos Regularórios da Pessoa Idosa no Brasil Década de 1940 Década de 1980 Década de 1990 Década de 2000 Década de 2010 1948: Declaração Universal dos Direitos Humanos 1982: 1ª Assembleia Mundial sobre Envelhecimento 1991: Princípios das Nações Unidas para as Pessoas Idosas 2002: 2ª Assembleia Mundial sobre Envelhecimen- to 1988: Constituição Federal 1993: Lei Orgânica da Assistência Social 2002: Conselho Nacional dos direitos dos idosos 1994: Política Nacional do Idoso 2003: Estatuto do Idoso 1999: Ano Internacional das Pessoas Idosas das Nações Unidas 2004: Política Nacional de Assistência Social Fonte: Adaptado de Mattos (2011). A partir da análise realizada, podemos observar que na presente década não houve acréscimo nas legislações destinadas aos idosos. Isso não significa necessariamente que os aparatos legais em vigor contemplam todos os aspectos da garantia de direitos, na medida em 99 que outras demandas podem surgir no futuro. Todavia, esse intervalo de mais de uma década em que as leis específicas para a população idosa não aparecem, revelam que, diante do que já existe é preciso desenvolver mecanismos efetivos para materializá-los, garantindo sua efetividade. O que observamos na realidade do sistema capitalista é uma transfiguração de direitos em benefícios que absorvidos como tal pelos idosos e sociedade em geral, onde o Estado cria respostas mínimas, possibilitando, ilusoriamente, que o idoso se identifique como integrante dessa sociedade e fazendo com que ele se perceba como um ator social que não atua mais, mas que já atuou e “merece” ser recompensado por isso. Então, o que se tem por meio de tais políticas, é a preservação da hegemonia dominante. No sentido de podermos pensar ações que venham ao encontro das necessidades sociais, da saúde, da habitação, bem como de tudo que se faz necessário para uma qualidade de vida, o profissional deverá intervir na realidade pautando sua intervenção através de critérios legais, que sejam direcionados as necessidades de todos os idosos. Assim, no campo jurídico, o idoso assume personalidade própria, a partir da promulgação de diversas leis específicas que regulam direitos, políticas e serviços, dentre elas podemos elencar como as principais a PNI, promulgada em 1994, e o Estatuto do idoso, em 2003. Dada à importância dessas legislações, elas serão analisadas de forma mais aprofundada nos tópicos subsequentes. No âmbito da saúde, o próximo capítulo se debruçará sobre sua análise mais profunda. Contudo, de antemão, pode-se ressaltar que as necessidades de saúde dos idosos requerem uma atenção específica que pode evitar altos custos ao Sistema Único de Saúde (SUS) e, principalmente, possibilitar melhores condições de saúde a essas pessoas. Todavia, é preciso considerar que essas mesmas necessidades precisam ser adequadamente identificadas e incorporadas em novas práticas de saúde psicossocial, as quais requerem a voz e a participação ativa do idoso no movimento de construção efetivação das leis e políticas sociais e de saúde que viabilizem o viver e o envelhecer com qualidade. Assim, os dispositivos legais que foram abordados até o momento, tem o intuito de garantir os direitos das pessoas idosas, além de obrigar o Estado na proteção dos mesmos, considerando a especificidade da demanda atenção em saúde especializada. Porém, é sabido que a efetivação de uma política pública “(...) requer a atitude consciente, ética e cidadã dos envolvidos e interessados em viver envelhecendo de modo mais saudável possível. Estado, profissionais da saúde, idoso e sociedade em geral são todos corresponsáveis por esse processo” (MARTINS, ET AL, 2007, p. 20). 100 Desse modo, um desafio que pode ser identificado é a possibilidade de viabilização desses direitos, em meio aos processos contraditórios que perpassam pela sociabilidade capitalista. Sobre isso, a profissional D 44 ressaltou na entrevista que Os direitos do cidadão, que existem teoricamente na Constituição e que vivemos em busca, são pressupostos para se falar em saúde. Não há saúde no indivíduo se o meio em que ele está inserido está em desequilíbrio. Ou seja, há uma compreensão de que o que está posto na Constituição Federal – bem com nos demais aparatos legais – apesar de legalmente assegurado, não garante que é possível pensar que existe de fato uma efetivação dos direitos, uma vez que a prática profissional, por vezes, demonstra o contrário. Então, conforme Costa e Pádua (2007, p. 307), na sociedade moderna as políticas públicas destinadas à população idosa encontram dificuldades para sua implementação e apontam duas atitudes: a primeira, negativa, é de desgaste, de enfraquecimento e de discriminação; a segunda, positiva, é de maturação, de experiência e de acréscimo do conhecimento, da sabedoria e sensibilidade. Estamos, portanto, diante de uma contradição, pois a sociedade moderna tem no discurso o privilégio de valores como respeito à vida, singularidade pessoal, direito à cidadania, autoestima, capacitação profissional e realização pessoal, mas não os aplica aos idosos. Ao invés disso, convida-os a ceder seus lugares aos mais jovens. Assim, o processo político ocorrido no Brasil, sobretudo a partir de 1988, demonstra a força política dos idosos e aposentados, assim como evidencia o avanço significativo no tocante à conquista da legislação vigente para a defesa dos direitos da pessoa idosa. Contudo, apesar das políticas sociais de atenção às pessoas idosas brasileiras retratarem o envelhecimento populacional e assegurarem as necessidades básicas e a proteção dos direitos humanos, sua implantação ainda está distante da realidade, ressaltando que o processo de viabilização da cidadania do idoso ainda está longe do fim. Diante disso, para a concretização das políticas para idosos estima-se que seja necessário elevar o idoso ao papel de protagonista de suas ações pela luta de seus direitos, bem como o Estado deve realizar parcerias com a sociedade civil, visando criar estratégias de atuação, para viabilizar serviços de atenção ao idoso. Ademais, somente a sociedade pode promover o avanço da luta pelos direitos dessa parcela da população, pela dignidade do 44 Enfermeira, feminino, 6 anos de exercício profissional, com Especialização em Vigilância Sanitária. 101 envelhecimento e pelo cumprimento das leis existentes. Sua contribuição não consiste só em denunciar o não cumprimento das leis, mas acima de tudo em colocar-se como parceira do poder público na construção de ações, programas e projetos que resultem em apoio, proteção e assistência ao idoso. Afinal, como ressaltou a profissional A 45 em entrevista: “Existem caminhos. Agora, nem sempre as pessoas tem coragem de trilhar porque tem dificuldades, tem barreiras e aí você acaba... retrocedendo”. Por fim, vislumbramos a partir dessa análise que a conjuntura que envolve a construção das políticas destinadas à pessoa idosa revela a força do movimento social dos idosos, no qual alguns se comportam como verdadeiros atores e protagonistas coletivos na luta pelos seus direitos, por conquistas sociais, bem como pela sua própria cidadania. Além disso, observamos que essas ações se tornam mais efetivas quando se é aliado à sociedade civil, juntamente com a sensibilização do poder público. De um modo geral, podemos perceber que mesmo os aspectos que relacionam a cidadania com o processo de aquisição de direitos no capitalismo, estão associados aos interesses da dita sociedade, uma vez que o exercício da cidadania está condicionado à categoria do trabalho. Contudo, de um modo geral, o idoso não exerce a atividade laboral, ou seja, o atendimento de suas demandas torna-se condicionado ao poder estatal, contribuindo para uma marginalização dessa parcela da população, e que se traduz no acirramento da questão social. No que se refere às políticas de Seguridade Social, observa-se uma dupla face: elas seguem a direção da cidadania burguesa, mas não inviabiliza a luta pela ampliação de seus direitos. Nesse sentido, torna-se necessária uma discussão acerca da forma como a problemática do idoso se expressa na questão social, bem como as inflexões sobre a política de assistência a saúde – que é foco desse trabalho –, conforme o capítulo que se segue. 45 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 102 3 ENVELHECIMENTO: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA “O envelhecimento da população é, antes de tudo, uma estória de sucesso para as políticas de saúde pública, assim como para o desenvolvimento social e econômico.” (Gro Harlem Brundtland, Diretor-Geral, OMS, 1999). A problemática do envelhecimento, enquanto fenômeno social e processo multifacetado, diante dos vários componentes que interferem e contribuem para a sua dimensão e complexidade, impõe uma reflexão enquanto problema social, demográfico, de saúde e organizacional da sociedade. O crescimento da população idosa constitui um fenômeno mundial. De acordo com o censo de 2010 do IBGE. Estima-se que a população com 60 anos ou mais de idade passará de menos de 20 milhões, em 2010, para aproximadamente 65 milhões, em 2050. Sem dúvida, o processo de envelhecimento traz um conjunto de mudanças físicas, biológicas e psicossociais, relacionadas a maiores desgastes. Por isso, frente ao crescimento da população idosa brasileira, há a necessidade de estruturação de serviços e de programas de saúde que possam responder às demandas emergentes do novo perfil epidemiológico do país. Isso porque, devido fatores biopsicossociais, o idoso adoece com mais frequência e, consequentemente, utiliza serviços hospitalares de maneira mais intensiva que os demais grupos etários, implicando no tratamento de duração mais prolongada e de recuperação mais lenta, envolvendo maiores custos para a saúde, indicando a relação indissociável entre o envelhecimento e a saúde pública. Neste contexto, algumas discussões repercutem diretamente sobre o entendimento de tais questões que se referem à afirmação dos sujeitos idosos na sociedade, dada as transformações pelas quais elas passam no seu desenvolvimento humano, uma vez que agregam características que dão sustentação ao processo de envelhecimento, culminando com a construção de um novo ideário dessa parcela da população. Acreditamos que esses debates possibilitam formar bases conceituais indispensáveis para uma análise da problemática abordada, na medida em que auxiliam no resgate de aspectos relevantes para conceber os rebatimentos da questão social e o papel social dos idosos na sociedade. É nesse sentido que encaminharemos o terceiro capítulo desse trabalho. 103 3.1 A QUESTÃO SOCIAL DO ENVELHECIMENTO E A PROMOÇÃO DA SAÚDE: REPERCUSSÕES SOCIAIS E A SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE DA PESSOA IDOSA O envelhecimento pode variar de indivíduo para indivíduo, sendo gradativo para uns e mais rápido para outros. Essas variações são dependentes de fatores como estilo de vida e condições socioeconômicas. Já o conceito biológico relaciona-se com aspectos no plano orgânico do indivíduo, enquanto o conceito psíquico é a relação das dimensões cognitivas e psicoafetivas, interferindo na personalidade e afeto. O que se pode inferir dessas vastas considerações acerca do processo de envelhecimento, é que é preciso ponderar os múltiplos aspectos que perpassam por essa definição, os quais se entrelaçam ao cotidiano e a perspectivas culturais diferentes. Historicamente, o envelhecimento foi encarando sobre diversas formas, assumindo assim, uma dimensão heterogênea. Alguns o caracterizaram como uma diminuição geral das capacidades da vida diária, outros o consideram como um período de crescente vulnerabilidade e de cada vez maior dependência no seio familiar. Outros, ainda, veneram a velhice como o ponto mais alto da sabedoria, bom senso e serenidade. As várias concepções acerca do idoso, bem como do processo de envelhecimento desponta como um desafio para a definição de políticas e estratégias que possibilitem um envelhecimento ativo, acompanhado de uma qualidade de vida satisfatória, frente a um crescimento cada vez mais acentuado, dos idosos no Brasil. Esse desafio se intensifica ao se considerar o aumento da demanda pelas políticas de Seguridade Social, sobretudo a política de saúde, considerando que o aumento da população idosa pressupõe mais gastos na saúde em função das fragilidades próprias da idade. Acresce-se a isso o fato da sociabilidade capitalista transforma tudo em mercadoria, inclusive o tempo. Desse modo, o idoso – que já foi trabalhador e, portanto, submetido à exploração durante toda sua trajetória de sua vida – que não dispõe mais de sua força de trabalho, passa a ser desqualificado para o capital. É sob essa perspectiva que a expressão da questão social que inclui o processo de envelhecimento passa a ser evidenciada, sobretudo com o aumento da população idosa. Diante disso, cabe explicitar as relações entre o envelhecimento e a questão social, considerando a apresentação dessa relação como indispensável para a compreensão de que forma o envelhecimento populacional tem influenciado a mudança do perfil demográfico da sociedade brasileira, contribuindo para emergir a necessidade de um direcionamento das políticas voltada para essa faixa etária – enfatizando as políticas de saúde. Além disso, deve- 104 se considerar também o modelo de saúde e doença que tem se caracterizado atualmente, de modo a possibilitar a afirmação de uma melhor qualidade de vida que acompanhe o crescimento dos anos vividos. 3.1.1 Envelhecimento: uma expressão da questão social A reflexão a que destina essa seção diz respeito à leitura da realidade vivenciada pela população brasileira no que se refere às transformações demográficas em andamento e as projeções do porvir, a partir do corte analítico do envelhecimento populacional, este sendo analisado a partir das mudanças de comportamento da sociedade, bem como pela cidadania negada à população ao longo da sua vida e que atinge seu ápice quando esta parcela não pode mais servir ao capital na condição de força de trabalho e perde seu papel na sociedade de consumo e não consegue se inserir na sociedade capitalista. Consideramos necessário e de extrema relevância tecer uma reflexão em torno de envelhecimento e trabalho no sistema capitalista, considerando que as concepções acerca do envelhecimento estão pautadas em um estereótipo de improdutividade, que remonta as características da atual sociabilidade. Assim, independentemente da delimitação do tema, é importante destacar o contexto de reprodução das percepções do idoso. Isso porque entender essas diferentes formas de vivenciar o envelhecimento requer interpretá-lo no curso da vida, mas também situar o contexto em que esse processo ocorre. Daí a necessidade de esclarecer o modo como o capitalismo impõe seus reflexos na vida dos trabalhadores que envelhecem. Além disso, já foi exposto o conceito de questão social adotado nesse trabalho 46 , contudo deve-se considerar que, segundo Netto (2001) a determinação fundamental da questão social está na relação capital/trabalho via exploração do trabalho. Segundo o autor, outras determinações de ordem cultural, política, tecnológica, etc., se relacionam à primeira. Afirma ainda que, o próprio desenvolvimento do capitalismo é que produz a questão social. Portanto, diferentes estágios do capitalismo (e em diferentes locais), encontramos diferentes expressões da questão social. Logo, a questão social revela o antagonismo de classes e diz respeito ao “(...) conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs no mundo no curso da constituição da sociedade capitalista” (CERQUEIRA FILHO, 1982, p.21). Vale ressaltar que a questão social representa não apenas as desigualdades, mas também o processo de resistência e luta dos trabalhadores. 46 Nota de rodapé 2. 105 Sabe-se que a questão social é única, porém se manifesta em inúmeras expressões. Nesse sentido, questões relacionadas a problemáticas de caráter social – tais como à saúde, educação, alimentação, moradia, violência, etnia, gênero, velhice, dentre outros – são apresentadas como expressões da questão social. Sendo assim, ao estudar a velhice percebemos que o processo de envelhecimento é multifacetado e se manifesta de modo diferente de pessoa para pessoa, ou seja, não existe um único processo de envelhecimento, apesar dele ser uma expressão única da questão social. É nesse ponto que identificamos as múltiplas dimensões da garantia dos direitos dos pacientes idosos internados em um hospital público de Natal/RN, como uma delas. O centro da análise busca ir além da questão específica da faixa etária, para refletir sobre o que significa ser idoso e pobre na sociedade de classes, no sistema capitalista, na periferia do sistema, com um Estado indiferente e ausente para as problemáticas da questão social. A questão a ser apresentada perpassa pela compreensão e pelo entendimento de refletir o envelhecimento populacional como uma questão de classe social e não simplesmente uma questão geriátrica ou especificamente de política pública de assistência social. Para Teixeira (2008) o processo de reconhecimento do envelhecimento do trabalhador como uma das expressões da questão social se inicia justamente com as primeiras gerações operárias por meio de lutas e reivindicações. A conquista da aposentadoria fez parte do conjunto de reivindicações do movimento operário, no início do século XX. Logo a aposentadoria e as políticas sociais destinadas ao segmento idoso seguiram uma trajetória de luta da classe trabalhadora, a qual o Estado e a sociedade procuram atender de acordo com as correlações de forças presentes nas diversas conjunturas 47 . Na sociedade capitalista em que vivemos a questão social está diretamente ligada ao trabalhador, que produz lucro e otimiza o capital. Desse modo, [...] diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho –, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos (IAMAMOTO, 2001, p.10). 47 Vale salientar que as mudanças em curso no país para ter o benefício da aposentadoria, provocam uma regressão nos direitos já conquistados, uma vez que aumenta as condições para ter acesso ao Fundo de Amparo ao Trabalhador e a Previdência Social. Ver mais em: (Acesso: 20 de março de 2015). 106 Assim, se a origem da questão social é econômica e cabe à dimensão política proporcionar o questionamento, a problematização dessas condições de vida dos despossuídos de propriedades. Isso porque as lutas sociais ascendem à esfera pública, ao espaço do debate, de visibilidade pública e política e que exige respostas do Estado e da sociedade. Logo, a questão social está relacionada ao exercício empobrecido e desumanizado das funções do trabalho vivo sob o controle do capital. Conforme Teixeira (2008), abordar o envelhecimento do trabalhador, como expressão da questão social, implica o resgate dos determinantes econômicos, políticos, culturais que engendram essa problemática social, na ordem e no tempo do capital, bem como das lutas sociais que problematizam necessidades não satisfeitas. O desvendamento dos determinantes demonstra que o envelhecimento do trabalhador constitui-se em problemática social na ordem do capital, em virtude da vulnerabilidade social em massa dos trabalhadores, em especial, ao perderem o valor de uso 48 para o capital, pela idade. Esses trabalhadores, por não disporem dos meios de produção, de rendas advindas da propriedade e de riqueza socialmente produzida, capazes de garantir uma velhice digna, assim como de uma família com meios e recursos disponíveis para responder às dificuldades sociais vividas por grande parte deles, principalmente, famílias empobrecidas, em situação agravada com o desemprego estrutural, com a precarização do trabalho, dentre outras vicissitudes sociais que impedem os familiares de prover cuidados e a subsistência do grupo, nessas circunstâncias, esses idosos são, então, submetidos à pobreza, à dependência dos recursos públicos e privados, ao abandono, às doenças, dentre outros. Cabe esclarecer que as condições materiais de produção e reprodução social sob a lógica do capital (da produção para valorização do capital e não, de satisfação de necessidades humano-sociais) são geradoras de desigualdades sociais, pobreza, desemprego, população excedente, desvalorizações e degradações sociais. Essas desigualdades sociais são reproduzidas e ampliadas no envelhecimento do trabalhador, sobretudo, para os trabalhadores 48 Segundo Iamamoto (2008, p. 32) “(...) as mercadorias são objetos úteis, produtos de um trabalho de qualidade específica (trabalho útil concreto) que atendem a necessidades sociais; como objetos úteis, de qualidades materiais diferenciadas, são valores de uso”. Para a autora, o valor de uso é a própria materialidade da mercadoria e se realiza com o consumo dos objetos úteis. Conforme Marx (1998, p. 58), “(...) a utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso [...]. Os valores de uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social dela. Na forma da sociedade que vamos estudar [capitalista], os valores de uso são, ao mesmo tempo, os veículos materiais do valor de troca”. “Mas as mercadorias não são apenas valores de uso; são grandezas ou magnitudes sociais que têm em comum o fato de serem produto do trabalho humano geral e indiferenciado (trabalho abstrato); são valores enquanto materialização de força humana de trabalho [...]. São valores que se medem pelo tempo de trabalho socialmente necessário, incorporado na sua produção. É esta ‘substância comum’ que viabiliza que objetos úteis de qualidades diversas sejam trocados numa relação equivalente. O valor das mercadorias só se expressa na relação de troca” (IAMAMOTO, 2009, p. 33). 107 pobres, cuja trajetória foi marcada por piores condições de vida e trabalho, que tiveram suas necessidades sociais rebaixadas, submetidas a mínimos sociais para sua sobrevivência e de sua família. Os determinantes materiais somam-se aos subjetivos, aos culturais, como a predominância do valor econômico dos indivíduos, que promove desvalorização social (aos destituídos de renda), quando retirados do mundo produtivo, tendo perdido a rentabilidade para o capital, privando-se da qualidade de homem (econômico), parâmetro para a definição dos direitos humanos e de cidadania (TEIXEIRA, 2009). Às determinações gerais acrescentam-se outras determinações particulares, como as condições de emergência e a expansão da ordem capitalista na sociedade brasileira, e aquelas relacionadas à enorme concentração de renda, marcadas pelas disparidades entre rendimentos do capital e do trabalho, e a superexploração do trabalho. De acordo com Teixeira (2009, p. 68), Imensas massas excedentes (quase a metade da população economicamente ativa) sobrevivem, num mercado marginal e informal da economia, às formas modernas de subsunção do trabalho ao capital e a outras expressões próprias da dinâmica conflitiva e contraditória da relação entre classes antagônicas na periferia do sistema capitalista, imprimindo particularidades na condição social dos idosos das classes subalternas. A essas particularidades está associada à generalidade da condição da força de trabalho no capitalismo, como sua objetivação em força material de produção, desvalorizada, ao perder o valor de uso para o capital; o valor econômico do indivíduo na definição de utilidade que não considera as qualidades humanas na vida e no trabalho, mas apenas a quantidade, definida pelo tempo da produção, o tempo de trabalho, ou quando os considera é para atualizar formas de subsunção do trabalho ao capital, de captura de sua subjetividade no processo de trabalho, ou de suas necessidades no seu tempo livre, como forma de reprodução do capital pelo incentivo ao consumo e de controle opressivo do tempo de vida do trabalhador. Deve-se frisar que a demarcação das etapas da vida e a construção social da velhice são recentes e estão relacionadas a advento do capitalismo que estabeleceu a configuração das novas relações entre o trabalho e o capital. Conforme Paiva (2014), na concepção capitalista, o tempo foi expropriado do trabalhador em uma dinâmica que o alienou de qualquer 108 possibilidade de exercer controle sobre o seu tempo vital, desde então, submetido ao imperativo da cronologia do capital. Logo, na perspectiva capitalista, o tempo de vida do trabalhador coincide com o tempo de seu processo produtivo. Para Paiva (2014, p. 130) A mesma engrenagem destrutiva que transforma ‘uma relação social definida, estabelecida entre homens na forma fantasmagórica de uma relação entre coisas’, processo em que Marx denominou de ‘fetichismo’, fragmenta a vida humana em fases que, por sua vez, serão coisificadas. Como o fetichismo oculta da mercadoria não apenas a sua história, mas também a memória da sua produção, negando qualquer centelha de vida humana na sua visualização, produz o efeito de isolar o idoso na sua própria velhice, arrancando de sua vida as raízes, história e a memória, transfigurando o homem em um ser isolado. O modelo societário em vigor impõe aos idosos, estereótipos que conduzem por processos alienantes a enxergar o velho como um improdutivo, ultrapassado, que vive doente, entre outros estigmas. Sendo assim, [...] “o caráter descartável do idoso é funcional a sociedade de consumo, reproduzindo, sem máscaras, as mazelas do capitalismo” (Goldman, 2000, p. 19). A esse respeito esclarece Ferrigno (2002, p. 56): A discriminação dos velhos é o resultado dos valores típicos de uma sociedade de consumo e de mercantilização das relações sociais. O exagerado enaltecimento do jovem, do novo e do descartável além do descrédito sobre o saber adquirido com a experiência da vida são as inevitáveis consequências desses valores. Paz (2001, p. 232), compactua com essa prerrogativa ao afirmar que O acentuado desenvolvimento do capitalismo da era moderna vem desprezando a tradução humana e sua memória, e culturalmente descaracterizando a velhice, pelo processo de desprestígio, exclusão social e anulação, que este modelo impõe aos que não “servem”, aos que não possuem uma perspectiva de imediatamente útil, ou vigorosamente produtivo, conforme as necessidades lucrativas do capital, ou seja, aqueles que não se encontram diretamente nos meios de produção. O trabalho sempre foi uma atividade inerente da condição humana. Em outras palavras, o que caracteriza o ser humano em sua identidade é o trabalho, como expressão de sua condição ontológica inalienável. Logo, segundo Netto e Braz (2008, p. 29), além de estar 109 na base da atividade econômica, “(...) faz referência ao próprio modo de ser dos homens e da sociedade”. Portanto, é um conjunto de atividades intelectuais e manuais, organizadas pela espécie humana e aplicadas sobre a natureza, visando assegurar sua subsistência, podendo ser definido então como: [...] um processo de que participam igualmente o homem e a natureza, e no qual o homem espontaneamente inicia, regula e controla as relações materiais entre si próprio e a natureza. [...] Atuando assim sobre o mundo exterior e modificando-o, ao mesmo tempo ele modifica a sua própria natureza. Ele desenvolve seus poderes inativos e compele-os a agir em obediência à sua própria autoridade (MARX, 1982, p. 197-198). Isto é, o trabalho humano consiste em uma atividade pensada, empreendida a partir da transformação da natureza. Em suma, verificamos que a categoria trabalho, quando compreendida na sua historicidade, possibilita uma definição de homem como ser que necessita produzir os seus próprios meios de subsistência material e simbólica, via transformação da natureza. Nesse sentido, tem-se que o trabalho “(...) implica mais que a relação homem/natureza: implica uma interação no marco da própria sociedade, afetando os seus sujeitos e a sua organização” (NETTO; BRAZ, 2008, p.34). Como a esfera do trabalho compreendida como da produção material da riqueza é solo fundante de qualquer forma de sociabilidade, seus determinantes são capazes de influenciarem e permearem outras dimensões sociais. Em outras palavras, as dimensões abarcadas pela esfera do trabalho são reproduzidas para as demais dimensões da sociabilidade. Logo, o preconceito e o estigma sobre os idosos ocorrem mesmo em áreas em que certamente teriam bastante para contribuir, como na cultura, (principalmente ocidental), na educação e mesmo na família, entre outras. Assim, do ponto de vista do trabalhador velho, as contradições do capital e as mudanças na esfera do trabalho 49 impulsionam a situações de maior gravidade. Para os 49 Esse processo de mudanças no mundo do trabalho começou a ocorrer a partir da década de 1970, com o aperfeiçoamento da tecnologia, bem como com as sucessivas crises do Petróleo (em 1973 e em 1979) gerou-se grandes variações nas taxas de câmbio da economia, acentuando a internacionalização e o crescente volume de investimentos em capitais financeiros, o incremento do avanço tecnológico, acarretando uma instabilidade macroeconômica nos investimentos produtivos industriais. Com isso, os modelos produtivos presentes até então no taylorismo e no fordismo tiveram que ser totalmente reestruturados, sem, contudo, transformar as bases fundamentais do modo de produção capitalista – daí a nomenclatura de Reestruturação Produtiva – passando ao atual estágio de acumulação flexível. De acordo com Antunes (1999, p. 36), “(...) tratava-se, para o capital, de reorganizar o ciclo reprodutivo preservando seus fundamentos essenciais”. Nesses termos, ao considerar o processo de Reestruturação Produtiva como resposta a crise de acumulação capitalista, esse processo encerra uma estratégia de reorganização da produção e de mercadorias. Assim, ele interfere diretamente na organização 110 trabalhadores envelhecidos, essa fase da vida evidencia a reprodução e a ampliação das desigualdades sociais, porque, como bem aponta Teixeira (2008, p. 15), O capital transforma o tempo de vida do trabalhador em tempo de trabalho para fins de valorização do capital em detrimento das qualidades e necessidades humanas do produtor, principalmente para os que envelhecem na periferia do sistema, em que o tempo de trabalho se estende ao tempo de envelhecer, ou ao tempo de consumo manipulado de bens, serviços e mercadorias. Conforme destaca Teixeira (2008), a centralidade no envelhecimento do trabalhador advém do movimento real e não apenas de pressupostos teórico-metodológicos. Isso porque os aspectos negativos do envelhecimento recaem sobre os que tem seus meios de produção expropriados, o que na sociedade capitalista, representa uma pequena parte da população. Sendo assim, os idosos perdem o valor de uso para o processo produtivo, e, consequentemente, para o capital. Como esclarece Teixeira (2008, p. 18) “O trabalhador idoso, na grande maioria, é assim destituído [...] em um tempo de sua vida em que, ele perde o valor de uso para o capital, que o condena a uma antecipação do processo de depreciação natural de sua capacidade de labor”. Diante da conjuntura social regida pela lógica mercantil, parar de trabalhar significa a perda do papel profissional, familiar e social. Consequentemente, essas perdas afastam o idoso da sociedade a qual ele está inserido, refletindo na construção de diversos estigmas sobre a pessoa idosa. Para Beauvoir (1990) mais escandaloso do que o tratamento destinado à velhice é o empregado à maioria dos indivíduos independente de sua idade. A autora aponta que a sociedade capitalista só se preocupa com os sujeitos na medida em que produzem força de trabalho, na medida em que geram mais valia, e produz lucros a burguesia. Por sua vez, na medida em que trabalhamos, envelhecemos, nem sempre temos autonomia para escolher a forma para viver. Isso porque, O capitalismo aloca e realoca o tempo de vida dos trabalhadores ou o tempo social, por meio do controle das práticas temporais, espaciais e dos meios de produção, redefinido pelas necessidades reprodutivas ampliadas do capital, seja enquanto tempo de trabalho, “tempo livre” ou tempo de envelhecer. Por esse motivo, o envelhecimento do trabalhador traz uma conotação negativa e que se expõe associado às da sociedade e no conjunto das relações que se estabelecem entre o capital, o trabalho e o Estado, uma vez que apresenta como consequências inseridas no aprofundamento da questão social. 111 desvalorizações sociais (em função do valor econômico dos indivíduos), à pobreza e às restrições físicas e sociais, que representam parte dos problemas que essa classe enfrenta na velhice (TEIXEIRA, 2008, p. 40). Isso porque, por ser a velhice uma condição vital da espécie humana, uma fase da vida que seres humanos deverão experimentar, do contrário, a alternativa é a morte precoce, para os indivíduos que chegam a essa idade, essa experiência implicará demandas do Estado, tendo em vista que as questões acumuladas durante o curso da vida e evidenciadas na velhice, cada vez menos caberão nos limites do espaço privado de proteção social, considerando que a política social opera no campo da reprodução social. Teixeira (2008) é enfática quando diz: “A valorização do trabalhador, em especial dos envelhecidos, requer uma transformação radical; impossível obter esses resultados [...] deixando sem alterações o sistema capitalista” (p. 309). Então, o idoso tem vivenciado um processo desrespeitoso e socialmente injusto pelo qual são tratados aqueles que viveram ou ainda vivem de sua força de trabalho, apesar de sua idade mais avançada. Dentro dessa discussão, se insere outra questão relevante acerca do envelhecimento: é certo que ele é um fenômeno heterogêneo e multidimensional, ou seja, que atinge todas as camadas sociais, mas o modo de vivenciá-lo varia em cada uma delas. A priori, o que os idosos das camadas menos favorecidas e os idosos das camadas mais abastadas têm em comum é o fato de estarem na mesma etapa da vida e de estarem suscetíveis a perder a identidade de trabalhador. Portanto, não é para todas as classes que o envelhecimento promove efeitos imediatos de isolamento, exclusão das relações sociais, do espaço público, do mundo produtivo, político, artístico, dentre outras expressões fenomênicas dos processos produtivos de desigualdades sociais. Desse modo, as diferenciações no processo de envelhecimento humano dependerão de fatores associados à história de vida, condição socioeconômica, inserção na sociedade, no âmbito familiar, no mercado de trabalho. Vale ressaltar que o envelhecimento caracterizado e definido como um processo sugere, não a compreensão do sujeito velho, mas, sim, da dinâmica do sujeito na processualidade do envelhecimento – o ser envelhecendo num permanente, mutante e inacabado processo. Corroborando com essa concepção, Fraiman (1995) afirma que o envelhecer não é somente um “momento” na vida de um indivíduo, mas um “processo” extremamente complexo e pouco conhecido, com implicações tanto para quem o vivencia como para a sociedade que o suporta ou assiste a ele. 112 Com isso, conclui-se que a velhice não se manifesta da mesma forma para todos e é mais heterogênea do que pensamos. Concordamos com Teixeira (2008) ao enfocar que o processo do envelhecimento perpassa as questões econômicas O envelhecimento como problema social é correlato das reviravoltas econômicas que por muitas vezes acabam por afetar as estruturas familiares (que é o primeiro espaço de sociabilidade e produção do indivíduo), pois o fato de estar velho, e não possuir mais produtividade ao sistema capitalista acaba inviabilizando sua sobrevivência sem o trabalho abstrato (TEIXEIRA, 2008, p. 37). Teixeira (2008) observa ainda que é para os trabalhadores pobres e envelhecidos que essa etapa evidencia a ampliação das desigualdades sociais, constituindo-se, portanto, uma das expressões da questão social. Pois quando se torna “descartável” para o capital, o idoso fica desprovido de renda e meios de subsistência capazes de promover uma velhice digna. A menos que tenha direito de aposentar-se o que diminui, mas não extirpe sua vulnerabilidade. Nas sociedades contemporâneas, a valorização excessiva da força de trabalho colocou os idosos em posição inferior, aliada ao fato de que as sociedades urbanas industriais designam o valor do ser humano na produção direta do que sejam capazes de produzir. Lobato (2010) ao analisar sobre este prisma pontua que, o processo de envelhecimento não se dá de modo igual para todos. Daí que envelhecer com dignidade não é uma responsabilidade individual, mas sim responsabilidade coletiva. Implica não só a criação de políticas públicas como também a garantia de acesso dos idosos a essas políticas. Outra particularidade, na periferia do sistema capitalista, está relacionada ao Estado e à sua relação com a sociedade. A forma como o Estado periférico, capturado pelas classes dominantes, é subserviente às necessidades da acumulação do capital nacional, associado ao capital internacional, como se estrutura a classe trabalhadora, do mesmo modo, os canais de institucionalização de suas demandas e reivindicações no aparelho de Estado constituem expressões dessas particularidades, nas relações Estado/sociedade, assim como se estruturou o sistema de proteção social e , nas últimas décadas, se expande e se reestrutura, em relação direta com: os projetos societários das classes; a correlação de forças internas; as transformações no sistema capitalista mundial, impostas a esses países através dos ajustes estruturais à nova ordem. Desse modo, Teixeira (2008, p. 49) destaca que 113 À situação daqueles que vivem da venda de sua força de trabalho, como única condição de satisfazer suas necessidades, nem sempre absorvidos no mercado de trabalho, ou absorvidos em situação precária, ou deles “excluídos”, marginalizados, segregados, estigmatizados e sujeitos a estereótipos negativo, pela sua condição social. Contudo, o modo particular como a questão social se produz, se reproduz e se expressa na sociedade capitalista está articulada ao modo específico de organização econômica, social e política dessa formação social. Além disso, as manifestações da questão social também alteram em respostas as crises cíclicas do capital, bem como as formas de protestos em decorrência das mudanças no sistema produtivo, nos mecanismos de exploração. Mas em todas as manifestações o elemento básico da questão social está lá envolvido na dissociação entre trabalho, produção e apropriação, ou simplesmente alienação. (TEIXEIRA, 2008). Segundo Beavouir (1990) estamos vivendo no período da “hegemonia da involução orgânica e da hipervaloração da estética e do consumismo”, e este fato contribui cada vez mais com a estigmatização dos idosos e implica no distanciamento entre as gerações, pois a condição de idoso implica em sinônimo de improdutividade que é o oposto do sinônimo da juventude. Como a velhice é estereotipada como um período de ‘decadência’, reconhecer-se velho torna-se complicado, pois o envelhecer distancia o homem do ideal concebido. É uma forma também de esconder o envelhecimento da sociedade e servir aos meios de consumo, onde o idoso, contraditoriamente, passa a servir aos interesses do capital, favorecendo a lógica capitalista, uma vez que cresce, o mercado de cosméticos, cirurgias plásticas, academias, indústrias de lazer, dentre outros. Com isso, observa-se ainda a recorrência generalizada da classe mais favorecida na resistência das expressões físicas do envelhecimento, transfigurada em cirurgias plásticas. Esse processo desnaturaliza a velhice, o que reforça a imortalização do ideal de juventude. Isso demonstra ainda em nas sociedades capitalistas, há uma tendência à homogeneização, no qual o idoso deve “rejuvenescer”. Assim, os idosos que possuem condições de vida mais favoráveis são vistos como uma possibilidade para o capital. Não é por acaso que o mercado de consumo se aquece em diversos setores visando esse segmento populacional. Por outro lado, é importante destacar que são poucos os que se inserem nesse perfil, haja vista que a maioria dos idosos está longe de vivenciar essa fase de lazer e descanso. Segundo Debert (1996) a expansão do capitalismo nos anos de 1970 reelaborou as concepções sobre corpo e saúde como forma de redefinir um 114 novo mercado de consumo. Daí que mudanças culturais radicais procuram um novo significado à experiência do envelhecimento. Essa situação cambiante entre a juventude e a velhice, entre o tempo interior e o exterior e o modo como a sociedade trata o idoso se transformam a cada período sócio- histórico, e novos elementos são adicionados quando a cultura se massifica e a comunicação se industrializa. A produção ideológica da sociedade, através dos estereótipos negativos que marcam a experiência do envelhecer, define o perfil identitário dos sujeitos do processo, o qual é alvo de preocupação, na medida em que ressalta a influência que a “eterna” juventude tem sobre a população idosa – que não se aceita enquanto tal – negando a realidade do envelhecer. Com isso, inferimos que, ao passo em que o capitalismo considera o idoso como improdutivo do ponto de vista da força de trabalho, reitera sua importância enquanto consumidor de produtos específicos para essa faixa etária (como academias e pacotes de viagem), bem como do ideário de juventude que é vendido. Isso nos permite evidenciar que o atual modelo de produção se reinventa de modo a aproveitar as potenciais fontes de obtenção de lucro e infligir sobre eles, seu grau de interesse. Diante do que foi ora apresentado, observa-se que o envelhecimento humano não constitui um problema social em função do declínio biológico e do crescimento demográfico dos indivíduos nessa faixa etária, mas sim, para as classes destituídas de propriedade (que dispõe apenas de sua força de trabalho) e de controle do seu tempo de vida, em função das contradições e determinações da sociedade capitalista que engendram desigualdades, vulnerabilidade social em massa, degradações, desvalorizações e pseudovalorizações para essa classe social, especialmente com o avanço da idade cronológica, com o desgaste da força de trabalho. Sendo assim, com o aumento do número de idosos no Brasil, surgem demandas que se voltam para a necessidade de somar o aumento da longevidade com a melhoria e a garantia da promoção a saúde, bem como de uma qualidade de vida que propicie desfrutar do acréscimo dos anos. Diante disso e dos objetivos desse trabalho, cabe explicitar alguns aspectos que contemplam essa concepção, conforme será destacado a seguir. 3.1.2 Apontamentos sobre a promoção da saúde e a qualidade de vida A expectativa de vida saudável – que se traduz no tempo de vida que se pode ficar sem necessitar de cuidados de saúde especiais – e a qualidade de vida são conceitos centrais para a 115 operacionalização do envelhecimento ativo. Assim, o objetivo dessa concepção é que o envelhecimento ocorra com qualidade de vida e manutenção da autonomia dos indivíduos, de modo a preservar as oportunidades dos idosos de continuarem a participar da sociedade e, simultaneamente, minimizar as possibilidades de exclusão social. A qualidade de vida é uma noção eminentemente humana, que está relacionada ao grau de satisfação encontrado na sua vida considerando os múltiplos aspectos que a perpassam, tais como o âmbito familiar, social e econômico. Nesses termos, supõe a capacidade de efetuar uma síntese dos elementos que determinada sociedade considera como padrão de conforto e bem-estar. Por esse motivo, esse termo envolve muitos significados, os quais estão relacionados aos conhecimentos, experiências e valores dos indivíduos que reportam diversas conjunturas, sendo, portanto, uma construção social (MINAYO, HARTZ e BUSS, 2000). Nota-se que essa abordagem esbarra numa compreensão social do termo, que considera questões subjetivas como bem-estar, satisfação nas relações sociais e ambientais, e a relatividade cultural. Ou seja, esse entendimento depende da carga de conhecimento do sujeito, do ambiente em que ele vive, de seu grupo de convívio, da sua sociedade e das expectativas próprias em relação a conforto e bem-estar. Gonçalves e Vilarta (2004) abordam qualidade de vida pela maneira como as pessoas vivem, sentem e compreendem seu cotidiano, envolvendo, portanto, saúde, educação, transporte, moradia, trabalho e participação nas decisões que lhes dizem respeito. Essa abordagem indica, num primeiro momento, para as expectativas de um sujeito ou de determinada sociedade em relação ao conforto e ao bem-estar. Isso depende das condições históricas, ambientais e socioculturais de determinado grupo, ou seja, o entendimento e a percepção sobre qualidade de vida, nessa perspectiva, são relativos e variáveis. Qualidade de vida não se esgota nas condições objetivas de que dispõem os indivíduos, tampouco no tempo de vida que estes possam ter, mas no significado que dão a essas condições e à maneira com que vive. Nessa concepção, a percepção sobre qualidade de vida é variável em relação a grupos ou sujeitos. Para Gonçalves e Vilarta (2004), o termo está relacionado ao significado que damos às condições objetivas da vida. Contudo, Minayo, Hartz e Buss (2000) elucidam que apesar do relativismo, existe um modelo hegemônico que predomina na concepção de qualidade de vida. Segundo os autores, É o preconizado pelo mundo ocidental, urbanizado, rico, polarizado por certo número de valores, que poderiam ser assim resumidos: 116 conforto, prazer, boa mesa, moda, utilidades domésticas, viagens, carro, televisão, telefone, computador, uso de tecnologias que diminuem o trabalho manual, consumo de arte e cultura, entre outras comodidades e riquezas (MINAYO, HARTZ e BUSS, 2000, p. 09). Isto é, a qualidade de vida na atual sociedade está relacionada aos padrões econômicos, sociais e culturais arraigados e padronizados pelo capitalismo. Esses modelos ancorados em tal perspectiva – que pressupõe uma desigualdade e uma contradição entre duas classes sociais antagônicas – impossibilita atingir um padrão de qualidade de vida que possa ser estendido para toda sociedade. De acordo com Melo e Cunha (1999), a qualidade de vida e as necessidades mantém entre si uma relação indissociável. Além disso, também é certo que satisfazer as necessidades de saúde, tanto individual, quanto coletivas, implica levar em conta as varias dimensões do ser humano, sejam elas biológicas psicológicas ou sociais. A OMS (1995) define qualidade de vida como "(...) a percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações". Martin e Stockler (1998) adicionam que a qualidade de vida pode ser definida em termos de distância entre as expectativas individuais e a realidade. Desse modo, verifica-se que é um termo cuja relatividade da noção remonta pelo menos três aspectos: histórico (em um determinado período que compreender um desenvolvimento econômico, social e tecnológico específicos, uma sociedade estabelece um parâmetro de qualidade de vida própria), cultural (a partir da construção de necessidades hierarquizadas por diferentes povos, revelando suas tradições peculiares) e referente às estratificações ou classes sociais (onde a ideia de qualidade de vida está relacionada ao bem-estar das camadas superiores e a passagem de um patamar a outro). Destaca-se também a participação dos movimentos sociais – como o ambientalista –, que, sobretudo a partir da década de 1970 – coloca, dentre outras pautas de discussão, o questionamento dos modelos de bem-estar predatórios hegemônicos, agregando-se a perspectiva da ecologia humana, que trata do ambiente no qual vive o indivíduo, bem como o conjunto de relações que os seres humanos estabelecem entre si e com a própria natureza, respaldado pela ideia de excelência das condições de vida e de desenvolvimento sustentável (MINAYO, HARTZ e BUSS, 2000, p.10). Assim, questiona as condições reais e universais de manutenção de um padrão de qualidade de vida fundado no consumismo e na exploração da natureza. 117 Logo, observamos que não é possível existir um conceito único e definitivo sobre qualidade de vida, mas se podem estabelecer elementos para pensar nessa noção enquanto fruto de indicadores ou esferas objetivas (sociais) e subjetivas, a partir da percepção que os sujeitos constroem em seu meio (BARBOSA, 1998). Há uma relação íntima entre aspectos objetivos e subjetivos a respeito desse tema: “nenhuma análise sobre qualidade de vida individual poderá ser desenvolvida sem uma contextualização na qualidade de vida coletiva” (TUBINO, 2002, p. 263). Segundo Gonçalves e Vilarta (2004, p. 33), essas esferas se caracterizam como: Objetividade das condições materiais: interessa a posição do indivíduo na vida e as relações estabelecidas nessa sociedade; Subjetividade: interessa o conhecimento sobre as condições físicas, emocionais e sociais relacionadas aos aspectos temporais, culturais e sociais como são percebidas pelo indivíduo. Pontos de vista objetivos buscam uma análise ou compreensão da realidade pautada em elementos quantificáveis e concretos, que podem ser transformados pela ação humana. A análise desses elementos considera fatores como alimentação, moradia, acesso à saúde, emprego, saneamento básico, educação, transporte, ou seja, necessidades de garantia de sobrevivência próprias da sociedade contemporânea. Essa perspectiva caracteriza a análise em qualidade de vida como uma busca por dados quantitativos e qualitativos que permitam traçar um perfil de um indivíduo ou grupo em relação ao seu acesso a bens e serviços. Esses dados são gerados com base em informações globais dos grupos estudados. A partir deles, são traçados índices estatísticos de referência sobre posições socioeconômicas de populações, assim como comparações entre objetos diferentes. Com esse tipo de tratamento, torna-se possível estabelecer quadros de perfis socioeconômicos para ações voltadas à melhoria da qualidade de vida dos sujeitos envolvidos. A análise de qualidade de vida sob um aspecto subjetivo também leva em conta questões de ordem concreta, porém, considera variáveis históricas, sociais, culturais e de interpretação individual sobre as condições de bens materiais e de serviços do sujeito. Não busca uma caracterização dos níveis de vida apenas sobre dados objetivos; relaciona-os com fatores subjetivos e emocionais, expectativas e possibilidades dos indivíduos ou grupos em relação às suas realizações, e a percepção que os atores têm de suas próprias vidas, considerando, inclusive, questões imensuráveis como prazer, felicidade, angústia e tristeza. Quanto aos aspectos subjetivos, é preciso uma caracterização prévia do ambiente histórico-social em que vive o grupo ou sujeito para uma análise sobre seus níveis de 118 qualidade de vida. Lembrando que o estabelecimento desses níveis se dá de forma relativa às necessidades, expectativas e percepções individuais. Relacionando as definições de qualidade de vida apresentadas com as duas esferas em que circula essa área de conhecimento, pode-se observar que, embora os autores citados apresentem prevalências individuais de análise quanto a elementos objetivos ou subjetivos, não é possível isolá-los em suas definições. De um modo geral, o patamar mínimo e universal que remonta a qualidade de vida está relacionada à satisfação das necessidades mais elementares da vida humana, quais sejam acesso a água potável, habitação, trabalho, educação, saúde e lazer, elementos materiais que tem como referência noções relativas de conforto, bem-estar e realização individual e coletiva. De acordo com Minayo, Hartz e Buss (2000), trata-se de componentes passíveis de mensuração e comparação, mesmo considerando que atingir a qualidade de vida de forma igualitária é impensável na atual sociedade. Em qualquer ciclo de vida e em qualquer sociedade, a qualidade de vida é um fenômeno de várias faces e, assim, é mais bem descrito por intermédio de um construto multidimensional. Assim, definir qualidade de vida na velhice não é tarefa fácil, pois tanto a velhice quanto a qualidade de vida são eventos dependentes do tempo. A avaliação das características dos seus vários domínios tem como referência critérios biológicos, psicológicos, espirituais e sociais aplicados às relações atuais, passadas e prospectivas de indivíduos, grupos e sociedade com o ambiente físico e social. Nessa avaliação, são também levados em consideração os valores individuais e sociais a respeito do que é tido como agradável ou ideal quanto ao bem-estar subjetivo e objetivo. Especificamente na velhice, a preocupação com a qualidade de vida ganhou expressão nos últimos trinta anos. Isto se deu, entre outros motivos, devido ao aumento do número de idosos na população e a expansão da longevidade. Além disso, o processo de envelhecimento e a vivência da velhice são experiências particulares. Utilizando a ideia de Viana (2004), a qualidade de vida dos idosos está ligada a varias mudanças que ocorrem no dia-a-dia, desde condições de higiene, moradia, alimentação, bem estar físico, convivência familiar e satisfação com a vida. Em contrapartida, para que o ser humano envelheça com saúde é necessário que durante seu desenvolvimento este tenha acesso à satisfação de suas necessidades básicas, ou seja, a qualidade de vida perpassa por toda formação do indivíduo. Lawton (1991) sustenta a ideia da multidimensionalidade da qualidade de vida na velhice e acrescenta que ela seria realizada a partir de critérios intrapessoais e socionormativos, a respeito do sistema pessoa-ambiente de um indivíduo, no momento atual, 119 no passado e no futuro. Para ele, a qualidade de vida na velhice é dependente de muitos elementos que estão inter-relacionados, sendo o produto de uma história interacional que iria se delineando na medida em que os indivíduos e sociedades se desenvolvem. Ela envolveria uma comparação entre critérios objetivos e subjetivos associados a normas e a valores sociais e individuais, os quais estariam igualmente sujeitos a alterações no decorrer do tempo. O modelo de Lawton (1983) propõe que a avaliação da qualidade de vida na velhice dá-se sobre quatro dimensões sobrepostas e inter-relacionadas (Figura 4): condições ambientais, competência comportamental, qualidade de vida percebida e bem-estar subjetivo, das quais dependeria a funcionalidade do idoso. Figura 4 – Dimensões da qualidade de vida segundo Lawton (1983) Fonte: Adaptado de Lawton (1983) e Neri (2001). As condições ambientais dizem respeito ao contexto físico, ecológico e ao construído pelo homem, que influi e fornece as bases para a competência comportamental. Essa última traduz o desempenho das pessoas frente às diferentes situações de sua vida e, portanto, depende do potencial de cada um, de suas experiências e condições de vida, dos valores agregados durante o curso da vida e do desenvolvimento pessoal, que é influenciado pelo contexto histórico-cultural. A qualidade de vida percebida reflete a avaliação da própria vida, influenciada pelos valores que o idoso foi agregando e pelas expectativas pessoais e sociais. Por fim, o bem-estar subjetivo representa a satisfação com a própria vida e reflete a avaliação pessoal sobre o conjunto e a dinâmica das relações entre as três áreas precedentes. No que concerne ao campo da saúde, o interesse pela qualidade de vida é relativamente recente e decorre, em parte, dos novos paradigmas que tem influenciado as Condições ambientais Qualidade de vida percebida Bem-estar subjetivo Competência comportamental 120 políticas e as práticas desse setor nas últimas décadas. As tendências que apontam que, na relação entre saúde e qualidade de vida, o aspecto da saúde ganha dimensão e aparece como um de seus indicadores, ligada ao conceito holístico de saúde. Com a definição de saúde proposta pela OMS (1948), enquanto “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Essa concepção, que destaca a saúde como um componente fundamental do desenvolvimento humano, procura resgatar e valorizar fatores que propiciem uma vida digna e de bem-estar coletivo. Assim, tal conceituação representou não apenas a ampliação do conceito de saúde, como enfatizou o caráter subjetivo da avaliação. Desse modo, segundo Chachamovich (2005, p. 27), “(...) introduz de modo inequívoco a percepção de bem-estar subjetivo como um dos pilares do conceito de saúde”. Cabe ressaltar que a dimensão da subjetividade não desobriga o Estado de viabilizar estratégias de modo a garantir os aspectos que proporcionam uma saúde com qualidade. Saúde transformou-se assim, em um conceito multidimensional – incorporando os diversos aspectos da vida cotidiana – e também dinâmico e pessoal – pois se a perspectiva de vida, as relações, os papeis sociais e as expectativas mudarem, o estado de saúde também se altera. Partindo dessa concepção, criou-se o conceito ampliado de saúde no Brasil, definido pela 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986), como sendo: Resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. Além disso, a Lei Orgânica da Saúde, pautada nessas definições, complementa que as ações que se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social (Art. 3º) também tem relação com a formulação do conceito ampliado de saúde. Portanto, a saúde define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em sua luta cotidiana, passando a se constituir enquanto direito fundamental da pessoa humana sem distinções, constituindo um bem coletivo. 121 Esse conceito ampliado encontra-se presente nas reflexões dos profissionais entrevistados, para a profissional C 50 a saúde significa “Assim com a OMS - estado de bem estar físico, mental e social”. A profissional D51 relata que “Saúde eu entendo como o equilíbrio de corpo, mente e condições ambientais e sociais favoráveis, como por exemplo: educação, saneamento, segurança, transporte e alimentação”. A profissional B52 assegura que “(...) a saúde não significa apenas ausência de doenças, e que, em uma concepção ampliada a partir da Constituição Federal de 1988, é fruto dos determinantes sociais (como saneamento, ambiente saudável, direitos sociais)”. A profissional A 53 se posiciona afirmando que: Para mim saúde, como a gente entende hoje, a princípio seria, de cara você poderia dizer ‘ausência de doenças’, mas não é só isso. Saúde é todo um bem-estar, é como você está se sentindo físico, mental, que não é só a questão física e eu entendo também saúde como o acesso a vários serviços como saneamento básico; a escola mesmo; a educação; a moradia; a todo um lazer; até um grupo comunitário onde você possa ‘tá’ interagindo, se envolvendo, discutindo; então tudo isso gira em torno da saúde, além do acesso também aos serviços de saúde porque aí você não vai só para ‘encontrar doenças’, você vai fazer uma prevenção, então é um serviço preventivo. Essa noção ampliada destacada pelos profissionais supracitados mostra-se importante, na medida em que consideram como componente do entendimento conceitual acerca da saúde inserida os diversos determinantes sociais. Segundo Buss e Filho (2007) as diversas definições de determinantes sociais de saúde (DSS) expressam, com maior ou menor nível de detalhe, o conceito atualmente bastante generalizado de que as condições de vida e trabalho dos indivíduos e de grupos da população estão relacionadas com sua situação de saúde. Para a Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) (2006), os DSS são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população. Krieger (2001) introduz um elemento de intervenção, ao defini-los como os fatores e mecanismos através dos quais as condições sociais afetam a saúde e que potencialmente podem ser alterados através de ações baseadas em informação. Tarlov (1996) propõe, finalmente, uma 50 Médica, feminino, 18 anos de exercício profissional e especialista. 51 Enfermeira, feminino, 6 anos de exercício profissional, com Especialização em Vigilância Sanitária. 52 Assistente social, feminino, 25 anos de exercício profissional, com Especializações em Saúde Pública, em Unidades Básicas e Serviços de Saúde e Linguagem e Educação. 53 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 122 definição bastante sintética, ao entendê- los como as características sociais dentro das quais a vida transcorre. Diversos são os modelos que procuram esquematizar a trama de relações entre os diversos fatores estudados através desses diversos enfoques. Por permitir identificar pontos para intervenções de políticas, no sentido de minimizar os diferenciais de DSS originados pela posição social dos indivíduos e grupos, apresentaremos o modelo de Dahlgren e Whitehead 54 e e o modelo de Didericksen e outros (EVANS et al., 2001). O modelo de Dahlgren e Whitehead (1999) inclui os DSS dispostos em diferentes camadas, desde uma camada mais próxima dos determinantes individuais até uma camada distal, onde se situam os macrodeterminantes. Apesar da facilidade da visualização gráfica dos DSS e sua distribuição em camadas, segundo seu nível de abrangência, o modelo não pretende explicar com detalhes as relações e mediações entre os diversos níveis e a gênese das iniquidades. Como se pode ver na figura 5, os indivíduos estão na base do modelo, com suas características individuais de idade, sexo e fatores genéticos que, evidentemente, exercem influência sobre seu potencial e suas condições de saúde. Na camada imediatamente externa aparecem o comportamento e os estilos de vida individuais. Esta camada está situada no limiar entre os fatores individuais e os DSS, já que os comportamentos, muitas vezes entendidos apenas como de responsabilidade individual, dependentes de opções feitas pelo livre arbítrio das pessoas, na realidade podem também ser considerados parte dos DSS, já que essas opções estão fortemente condicionadas por determinantes sociais - como informações, propaganda, pressão dos pares, possibilidades de acesso a alimentos saudáveis e espaços de lazer etc. 54 In: GUNNING-SCHEPERS, L. J. Models: instruments for evidence based policy. J Epidemiology Community Health, n. 53, p. 263, 1999. 123 Figura 5 – Determinantes sociais: modelo de Dahlgren e Whitehead Fonte: Buss e Filho (2007). A camada seguinte destaca a influência das redes comunitárias e de apoio, cuja maior ou menor riqueza expressa o nível de coesão social que, como vimos, é de fundamental importância para a saúde da sociedade como um todo. No próximo nível estão representados os fatores relacionados a condições de vida e de trabalho, disponibilidade de alimentos e acesso a ambientes e serviços essenciais, como saúde e educação, indicando que as pessoas em desvantagem social correm um risco diferenciado, criado por condições habitacionais mais humildes, exposição a condições mais perigosas ou estressantes de trabalho e acesso menor aos serviços. Finalmente, no último nível estão situados os macrodeterminantes relacionados às condições econômicas, culturais e ambientais da sociedade e que possuem grande influência sobre as demais camadas. O modelo de Diderichsen e Hallqvist, de 1998, foi adaptado por Diderichsen, Evans e Whitehead (2001). Esse modelo enfatiza a estratificação social gerada pelo contexto social, que confere aos indivíduos posições sociais distintas, as quais por sua vez provocam diferenciais de saúde. No diagrama abaixo (Figura 6), (I) representa o processo segundo o qual cada indivíduo ocupa determinada posição social como resultado de diversos mecanismos sociais, como o sistema educacional e o mercado de trabalho. De acordo com a posição social ocupada pelos diferentes indivíduos, aparecem diferenciais, como o de exposição a riscos que causam danos à saúde (II); o diferencial de vulnerabilidade à ocorrência de doença, uma vez exposto a estes riscos (III); e o diferencial de consequências sociais ou físicas, uma vez contraída a doença (IV). Por “consequências sociais” entende-se o impacto que a doença pode ter sobre a situação socioeconômica do indivíduo e sua família. 124 Figura 6 – Determinantes sociais: modelo de Diderichsen, Evans e Whitehead Fonte: Buss e Filho (2007). Essa compreensão dos determinantes sociais está presente na concepção de todos os profissionais entrevistados – conforme supracitado –, mas destaca-se a da profissional D55, quando diz: Para se ter saúde é imprescindível que os direitos enquanto cidadão estejam assegurados. Uma pessoa que vive em condições precárias, sem habitação adequada, sem saneamento básico, sem assistência médica adequada, sem alimentação balanceada, sem qualidade da água de consumo e em um ambiente de violência tem o quadro geral de saúde afetado. Além dos DSS, tem-se também os determinantes do processo de saúde e doença, que são multidimensionais e complexos. Conforme Seidl e Zannon (2004), a saúde e doença configuram processos contínuos e relacionados aos aspectos econômicos, sociais, culturais, a experiência pessoal e ao estilo de vida. Consoante a essa mudança de paradigma, a melhoria da qualidade de vida passou a ser um dos resultados esperados tanto nas práticas assistenciais quanto nas políticas públicas para o setor nos campos da promoção da saúde e na prevenção de doenças. A atual concepção a promoção da saúde representa uma estratégia promissora para se enfrentar os diversos problemas de saúde que afetam as populações humanas. Partindo de uma concepção ampla do processo de saúde e doença e de seus determinantes, propõe a articulação de saberes técnicos e populares e a mobilização de recursos institucionais e comunitários para seu enfrentamento e resolução. 55 Enfermeira, feminino, 6 anos de exercício profissional, com Especialização em Vigilância Sanitária. 125 Esse termo está associado a um conjunto de valores expressos na qualidade de vida, saúde, solidariedade, equidade, democracia, cidadania, desenvolvimento, participação e parceria. Refere-se também a uma combinação de estratégias a partir da ação do Estado (por meio de políticas públicas), da comunidade (reforço da ação comunitária), de indivíduos (desenvolvimento de habilidades pessoais), do sistema de saúde (a partir de uma reorientação) e de parcerias intersetoriais. Embora o termo “promoção da saúde” tenha sido usado a princípio para caracterizar um nível de atenção da medicina preventiva (LEAVELL e CLARK, 1976), seu significado foi mudando, passando a representar, mais recentemente, em enfoque político e técnico em torno do processo saúde-doença-cuidado. Leavell & Clark (1976) utilizam o conceito de promoção da saúde ao desenvolverem o modelo da história natural da doença, que comportaria três níveis de prevenção. Dentro dessas três fases de prevenção existiriam pelo menos cinco níveis distintos, nos quais seriam possível aplicar medidas preventivas, dependendo do grau de conhecimento da história natural de cada doença. A prevenção primária, a ser desenvolvida no período de pré-patogênese, consta de medidas destinadas a desenvolver uma saúde geral melhor, pela proteção específica do homem contra agentes patológicos ou pelo estabelecimento de barreiras contra os agentes do meio ambiente. A educação em saúde é elemento importante para esse objetivo. Afirmam os autores que os procedimentos para a promoção da saúde incluem um bom padrão de nutrição, ajustado às várias fases do desenvolvimento humano; o atendimento das necessidades para o desenvolvimento ótimo da personalidade, incluindo o aconselhamento e educação adequados dos pais, em atividades individuais ou de grupos; educação sexual e aconselhamento pré-nupcial; moradia adequada; recreação e condições agradáveis no lar e no trabalho. A orientação sanitária nos exames de saúde periódicos e o aconselhamento para a saúde em qualquer oportunidade de contato entre o médico e o paciente, com extensão ao resto da família, estão entre os componentes da promoção. O que, entretanto, vem caracterizar a promoção da saúde, modernamente, é a constatação do papel protagonista dos determinantes gerais sobre as condições de saúde. Sustenta-se no entendimento que a saúde é produto de um amplo espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida, incluindo um padrão adequado de alimentação e nutrição, e de habitação e saneamento; boas condições de trabalho; oportunidades de educação ao longo de toda a vida; ambiente físico limpo; apoio social para famílias e indivíduos; estilo de vida responsável; e um espectro adequado de cuidados de saúde. Suas atividades estariam, então, mais voltadas ao coletivo de indivíduos e ao ambiente, 126 compreendido num sentido amplo, de ambiente físico, social, político, econômico e cultural, através de políticas públicas e de condições favoráveis ao desenvolvimento da saúde (as escolhas saudáveis serão as mais fáceis) e do reforço da capacidade dos indivíduos e das comunidades. Para Gutierrez (1996) a promoção da saúde é o conjunto de atividades, processos e recursos, de ordem institucional, governamental ou da cidadania, orientados a propiciar a melhoria das condições de bem-estar e acesso a bens e serviços sociais, que favoreçam o desenvolvimento de conhecimentos, atitudes e comportamentos favoráveis ao cuidado da saúde e o desenvolvimento de estratégias que permitam à população maior controle sobre sua saúde e suas condições de vida, a níveis individual e coletivo. Neste conceito, mais apropriado à realidade latino-americana, agrega-se ao papel da comunidade a responsabilidade indelegável do Estado na promoção da saúde de indivíduos e populações. Conforme elucida Albuquerque (2008), a aplicação dos conceitos de saúde relacionados ao envelhecimento é complexa, uma vez que essas medidas sofrem a interferência de atitudes culturais negativas relativas ao envelhecimento, da própria disponibilidade de recursos para assistência médico-sanitária e também das mudanças biopsicossociais, inerentes a essa etapa da vida. A promoção da saúde também sofre influência dos desafios ocasionados pelo fenômeno do envelhecimento, os quais tem impactos significativos sobre a sociedade, tais como: os sistemas de aposentadorias e pensões, a composição dos padrões de participação na força do trabalho, as disposições de caráter familiar e domiciliar, as transformações intrafamiliares entre gerações e as condições de saúde dos mais velhos. Para os idosos, essa análise põe em destaque o estilo de vida, valorizando comportamentos de autocuidado e focalizando a capacidade funcional como um novo conceito de saúde. No Brasil, a PNI incorpora os postulados da promoção da saúde para a orientação das ações de atenção, ajustando-as às particularidades nacionais. Preceitua que cabe ao setor de saúde prover o acesso dos idosos aos serviços e às ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, mediante o estabelecimento de normas específicas para tal, como o desenvolvimento da cooperação entre as esferas de governo. Para Albuquerque (2008, p. 43), o enfoque da promoção da saúde possibilita identificar seis princípios referentes à saúde do idoso, quais sejam, A velhice não é doença, mas sim uma etapa evolutiva da vida; a maioria das pessoas de 60 anos ou mais estão em boas condições 127 físicas e sua saúde é boa, mas ao envelhecer perdem a capacidade de se recuperar das doenças rapidamente e de forma completa, tornando- se mais debilitadas e propensas a necessidades de ajuda para seu cuidado pessoal; pode-se fortalecer a capacidade funcional na velhice mediante capacitação e estímulos ou prevenindo agravos à saúde; do ponto de vista social e psicológico, as pessoas idosas são mais heterogêneas do que os jovens; a promoção da saúde na velhice deve ter seu foco no bom funcionamento físico, mental e social, assim como na prevenção das enfermidades e incapacidades. Para assegurar esses princípios é preciso promover o envelhecimento saudável, a manutenção e a melhoria, ao máximo, da capacidade funcional dos idosos, a prevenção de doenças, a recuperação da saúde dos que adoecem e a reabilitação daqueles que venham a ter capacidade funcional restringida, de modo a garantir-lhes a permanência no meio em que vivem, exercendo de forma independente suas funções na sociedade. No entendimento de Assis (2004), o envelhecimento e suas alterações de saúde levam o idoso ao estreitamento da sua inserção social. As alterações físicas, como perdas sensoriais (déficit auditivo e visual), déficits cognitivos, problemas osteoarticulares, sequelas ou descontrole de doenças crônicas, são fatores que limitam a mobilidade e a independência do idoso, prejudicando sua sociabilidade, atividades diárias e bem-estar. Desta maneira, um estado de saúde satisfatório permite ao ser humano usufruir do potencial de realização e desenvolvimento pessoal em todos os momentos da vida. É importante também destacar o fato de que questões sociais que permeiam o envelhecimento são enraizadas pelas ideologias e valores de determinado contexto histórico e cultural. Para Buss (2000), proporcionar saúde significa, além de evitar doenças e prolongar a vida, assegurar meios e situações que ampliem a qualidade da vida “vivida”, ou seja, ampliem a capacidade de autonomia e o padrão de bem-estar que, por sua vez, são valores socialmente definidos, importando em valores e escolhas. Nessa perspectiva, a intervenção sanitária refere-se não apenas à dimensão objetiva dos agravos e dos fatores de risco, mas aos aspectos subjetivos, relativos, portanto, às representações sociais de saúde e doença. Em um contexto nacional de importantes desigualdades regionais e sociais, idosos não encontram amparo adequado no sistema público de saúde, acumulam sequelas daquelas doenças, desenvolvem incapacidades e perdem autonomia e qualidade de vida. Assim, conforme Kunzler (2009, p. 53) o que se presencia, é a persistência de um novo paradigma que se instala que tem como bases a fragmentação dos direitos, a desproteção social e o desmantelamento do indivíduo. Reforça o estereótipo de sujeito carente, pobre, necessitado, debilitado, e não o consideram enquanto homem de direitos e deveres. Intervir nessa realidade 128 e se posicionar frente a ela, exige uma leitura crítica que se proponha a superar ações isoladas e promover a articulação coletiva dos sujeitos. Diante disso, deve ser dada uma ênfase à avaliação dos cuidados de saúde prestados a esse segmento populacional, incluindo aqueles proporcionados pelos hospitais, tanto para promover um maior conhecimento sobre a efetividade desses cuidados, quanto para proporcionar maior eficiência na utilização de recursos de saúde. Para isso, torna-se indispensável compreender de maneira ampla a garantia dos direitos dos pacientes idosos internados, considerando assim, suas múltiplas dimensões. O grande desafio na atualidade consiste em mediar o aumento da expectativa de vida em todo mundo e a necessidade de proporcionar qualidade a esta vida mais longa. Isto exige da sociedade uma conscientização de seus direitos e do Estado, uma maior preocupação com a efetivação de políticas públicas sociais voltadas a este segmento. Haja vista que os gastos com a população idosa pela saúde pública – e para outras políticas de Seguridade Social – marcham para ampliação, torna-se imperativo o desenvolvimento de políticas públicas relacionadas à ampliação da qualidade de vida, considerando que esses fatores são fundamentais para diminuir a demanda por atendimento hospitalar no futuro. 3.2 BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA E AS AÇÕES DE SAÚDE PARA OS IDOSOS O modelo de saúde pública que se implantou no Brasil foi resultado de um processo histórico marcado por práticas com ênfase nas medidas curativas e pontuais sobre determinados focos que incidiam na sociedade. É sob esse viés que as políticas de saúde desenvolvidas para as pessoas idosas foram se desenvolvendo lentamente, sendo enfatizadas somente a partir da década de 1990. Ou seja, no âmbito da saúde, os idosos brasileiros sofreram com a falta de ações e, consequentemente, foram submetidos a um processo histórico de violação de direitos. Para compreender de que forma isso ocorreu, cabe realizar uma breve análise acerca da construção da saúde pública no país. Bravo (2013, p. 116) salienta que somente no final do século XIX e início do século XX, ocorre na saúde a “(...) importação e desenvolvimento de novas técnicas de combate às doenças, conforme as descobertas recentes na bacteriologia, que são incorporadas às atividades sanitárias”. Nesse sentido, somente a partir desse período, ocorre uma mudança no perfil da saúde brasileira, enfatizando medidas preventivas, associadas ao desenvolvimento da medicina. Por esse motivo, o presente estudo se debruça 129 mais sobre o resgate histórico desse período até o cenário atual, destacando a ênfase conferida ao idoso. Vale destacar que considerando a conjuntura na qual se insere a questão relacionada ao envelhecimento, torna-se relevante a contextualização histórica das ações de saúde voltadas para o envelhecimento na sociedade brasileira, tendo em vista evidenciar o papel social do idoso ao longo do tempo, de modo a caracterizar os fundamentos das políticas de saúde para a pessoa idosa atualmente. Isso porque, conforme nos destaca Palma e Schons (2000, p. 50), “(...) não se pode compreender a realidade e o significado da velhice sem que se examine o lugar, a posição destinada aos velhos e que representação se faz deles em diferentes tempos e em diferentes lugares”. Segundo Santin e Borowski (2008), o envelhecimento biológico do ser humano é um processo natural, porém não se encontram dados suficientes para determinar com exatidão em que momento histórico a velhice foi socialmente contextualizada. Sendo assim, será realizada uma análise acerca da formação da saúde pública brasileira para, posteriormente, elucidar os principais marcos de como ocorreu a inserção do idoso nas pautas de discussão da saúde na sociedade brasileira. 3.2.1 Aspectos da saúde pública brasileira: reconstrução histórica e perspectivas atuais A questão da saúde já se encontrava em pauta no Brasil desde os primeiros anos de colonização. Segundo Bertolli Filho (2002), no século XVII, a colônia portuguesa da América era identificada como local com poucas chances de sobrevivência. Os conflitos entre os indígenas e as dificuldades materiais da vida região, associadas às múltiplas e frequentes enfermidades, consistiam nos principais obstáculos para o estabelecimento dos colonizadores. Nesse sentido, os poucos médicos que se instalaram no Brasil, se deparavam com problemas para exercer a profissão. Isso porque além do grande território e da pobreza da maior parte dos habitantes, a população tinha medo de se submeter aos tratamentos, pois “(...) baseados em purgantes e sangrias, esses tratamentos em geral enfraqueciam os pacientes e causavam a morte daqueles em estado mais grave” (BERTOLLI FILHO, 2002, p. 6). Assim, de um modo geral, a população preferia utilizar os remédios recomendados pelos negros ou indígenas. A ausência de serviços de saúde eficientes culminava com que a procura pelos médicos só fosse aceita em épocas de epidemias, os quais pouco podiam fazer em função da 130 restrição de conhecimento acerca das doenças infectocontagiosas. Nesse sentido, a única opção conhecida era exigir a exclusão dos enfermos da proximidade dos sadios. Bravo (2013) ressalta que no século XVIII, o setor de saúde tinha como característica a predominância de doenças e pestilências, com uma organização precária dos serviços de saúde, bem como o exercício de uma prática médica pautada em conhecimentos tradicionais. Logo, a assistência médica era pautada nas formas de filantropia ou na prática liberal e a questão da saúde não estava diretamente relacionada aos médicos, uma vez que não existia educação superior no país. Assim, é no século XIX que vão ocorrer modificações no âmbito da medicina, considerando a situação geral da sociedade, o que culmina com o processo de penetração da sociedade brasileira e apoio científico indispensável ao exercício do poder do Estado. Isso porque “(...) um novo tipo de indivíduo e de população necessários à existência da sociedade capitalista, antes mesmo das grandes transformações industriais, estão intrinsecamente ligados ao novo tipo de prática médica” (BRAVO, 2013, p. 112). Conforme Cavalheiro, Marques e Mota (2013), será na segunda metade do referido século que a higiene se torna um saber social que envolve toda a sociedade e faz da saúde pública uma prioridade política. Os autores afirmam ainda que é nesse momento que surgem as primeiras tentativas de relacionar a saúde e a economia, reforçando a utilidade do investimento no setor. Com esse histórico, a Proclamação da República em 1889, foi marcada pela ideia de modernizar o Brasil. Como primeira medida em busca dessa modernização, surgia à necessidade urgente de capacitar física e intelectualmente os operários e os camponeses, com base no reconhecimento dos trabalhadores como capital humano e considerando as forças produtivas como a fonte geradora de riqueza (BERTOLLI FILHO, 2002). Segundo Bravo (2013), essa percepção marcou o apontamento de um incipiente capitalismo no Brasil, que contribuiu para a expansão das forças produtivas do país, cujo desenvolvimento adquiriu um crescimento notório. Sob essa perspectiva, a medicina assumiu o papel de guia nas ações sanitárias e se comprometeu em contribuir para a garantia da saúde individual e coletiva através das teorias da medicina moderna e, consequentemente, com a defesa de modernização do país. Paulatinamente, se delineou um novo campo de conhecimento com ênfase na prevenção das doenças e para o desenvolvimento de formas de atuação nos surtos epidêmicos. Desse modo, definiu-se uma área científica denominada “medicina pública”, “medicina sanitária” ou “saúde pública”. 131 Com a mudança na saúde operada pelos governos republicanos, foi necessária uma reorganização dos serviços sanitários estaduais. Conforme Bertolli Filho (2002), esses novos serviços eram precários e pouco fizeram pela melhoria da saúde popular, sob a forma de vigilância do exercício profissional e realização de campanhas limitadas, tornando-se alvo de críticas da população e das próprias autoridades. Essa desorganização facilitou a ocorrência de epidemias 56 e diante dessa situação, os médicos receberam incentivos do governo federal, passando a ocupar cargos importantes na administração pública e assumiram o compromisso de estabelecer estratégias para o saneamento das áreas mais vulneráveis. Os principais objetivos da atuação desses médicos eram a fiscalização sanitária dos habitantes das cidades, a retificação dos rios que causavam enchentes, a drenagem dos pântanos, a destruição dos viveiros de ratos e insetos disseminadores de enfermidades e a reforma urbanística das grandes cidades (BERTOLLI FILHO, 2002, p. 14). Deveriam também divulgar as regras básicas de higiene e tornar obrigatório o isolamento das pessoas atingidas por moléstias infectocontagiosas e dos pacientes considerados perigosos para a sociedade. Sendo assim, iniciava-se a era da hospitalização compulsória das vítimas das doenças contagiosas e dos doentes mentais. A partir da concepção de que a população constituía capital humano e da incorporação de novos conhecimentos clínicos e epidemiológicos às práticas de proteção da saúde coletiva, os governos republicanos passaram a elaborar minuciosos planos de combate às enfermidades que reduziam a vida produtiva da população. Nesse sentido, houve uma participação inédita do Estado no sentido de conferir a área de saúde um viés mais global, não limitando sua interferência às épocas de surto epidêmico, mas estendia-se por todo tempo e a todos os setores da sociedade. Segundo Bertolli Filho (2002), a contínua intervenção do Estado nas questões referentes à saúde revela a criação de uma “política de saúde”. Esta, não pode existir de forma isolada, devendo articular-se com os projetos e as diretrizes governamentais articulados a outros setores da sociedade – tais como educação, habitação, alimentação, dentre outros – articulando um conjunto de políticas sociais. Na transição do século XIX para o XX, com a incorporação e desenvolvimento de novas técnicas voltadas para a saúde, algumas características foram introduzidas no Brasil, 56 Segundo Bravo (2013), a situação de saúde nesse período era péssima, com mortalidade elevada e presença de diversas doenças, destacando-se a hepatite, tuberculose, varíola, hanseníase e febre amarela. 132 dentre os quais Bravo (2013) ressalta a queda dos coeficientes de mortalidade de algumas doenças; a expansão das atividades sanitárias, sua reorganização e centralização do processo decisório; e, a criação de institutos de pesquisa e instalação de novas escolas médicas. Devido essas mudanças, Cavalheiro, Marques e Mota (2013, p. 2), destacam que no início do século XX encontra instaurada a proteção sanitária como política de governo. Isso porque esse período caracteriza a República Velha (1889-1930), onde o país foi governado pelas oligarquias dos estados mais ricos. Nesse período, o café consistia na atividade econômica mais rentável e seus lucros foram parcialmente aplicados nas cidades, favorecendo a substituição da economia agroexportadora pela industrial, a expansão das atividades comerciais e o aumento da população urbana – impulsionada também pela chegada dos imigrantes a partir do fim do século XIX. Conforme destaca Braga e Paula (1986, p. 41), a saúde emerge enquanto questão social no Brasil no início do século XX, permeada pela economia capitalista exportadora cafeeira, reforçando o avanço da divisão do trabalho, isto é, a emergência do trabalho assalariado e assumindo de forma embrionária a característica de política social. Tendo em vista a modernização, a República desenvolveu ações de modo a reformar as principais cidades e portos. Para isso, as oligarquias buscaram apoio na ciência da higiene para examinar o ambiente físico e social da população urbana. Isto é, tratava-se de definir estratégias para melhorar as condições sanitárias das áreas vitais para impulsionar a economia nacional, constituindo as protoformas de políticas públicas de higiene e saúde. Por esse motivo, foram montados os primeiros laboratórios de pesquisa médico-epidemiológicas do Brasil. Todavia, as ações sanitárias até então eram limitadas aos estados do Sudeste do país – sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo, em função dos interesses da rica oligarquia dessa região, a qual destinou grandes verbas para área da saúde pública. Diante desse quadro, Bertolli Filho (2002) destaca que enquanto diminuía (ou se estagnavam) os índices de doenças infectocontagiosas nas grandes cidades brasileiras, nas demais localidades do país, os indicadores dessas mesmas doenças se elevaram salientado a escassez de recursos e de interesse. Outro aspecto relevante desse período consiste no fato de que a maioria das oligarquias estaduais não se dispunha com os órgãos da saúde pública. Assim, a maior parte da população brasileira, continuava a sofrer muitas enfermidades de caráter endêmico. Nesse contexto, sem uma legislação específica, saúde e desenvolvimento econômico eram considerados elementos de uma mesma realidade. 133 Por ser porta de entrada do Brasil e principal saída das exportações, o Rio de Janeiro foi à cidade que mais recebeu investimentos em ações médicas. Isso justificou que, durante o período presidencial de Rodrigues Alves (1902-1906) a então capital da República passou por uma mudança urbanística e sanitária pelo prefeito da cidade, Pereira Passos, e por Oswaldo Cruz, diretor geral do Departamento Nacional de Saúde Pública. Ao passo em que Pereira Passos começou a expulsar milhares de trabalhadores pobres que viviam nos prédios antigos e decadentes do Rio de Janeiro, alegando que tais construções possibilitavam a proliferação de mosquitos transmissores de doenças e construindo grandes avenidas em seu lugar, Oswaldo Cruz iniciou os trabalhos de higienização da capital, montando um esquema de fiscalização das ruas e das casas que abrigavam a população do centro carioca, tendo em vista uma “expulsar os pobres” da cidade. Com essas ações, aos poucos o Rio de Janeiro ganhou uma nova fisionomia de acordo com os padrões sanitários e arquitetônicos dos países europeus. Em São Paulo, segunda cidade a receber mais investimentos nesse período, passou por processos semelhantes, distinguindo-se da então capital federal apenas por sua transformação ter sido menos abrupta. Logo, segundo Bertolli Filho (2002, p. 26), “(...) também houve a demolição de inúmeros prédios do período colonial, abriram-se novas ruas e foram inaugurados edifícios e fábricas”. Assim, vislumbra-se que as medidas de saúde estavam atreladas as necessidades econômicas, e não as condições de vida da população, já sinalizando a supremacia do econômico sob o social. Essas medidas, em maior ou menor escala, foram reproduzidas em outras capitais do Brasil e nas principais cidades do interior, contribuindo para a redução dos índices de mortalidade e morbidade. Com isso, as mudanças sanitárias do período começaram a surtir um efeito positivo na higiene pública. Porém, foram as elites econômicas que mais se beneficiaram: Não só receberam, nos bairros que moravam, equipamentos urbanos como água encanada, esgotos subterrâneos e serviços de luz elétrica, como também garantiram, nas áreas de indústria e comércio, condições minimamente saudáveis para a estabilidade e a eficiência das atividades produtivas (BERTOLLI FILHO, 2006, p. 26). Quanto à população mais pobre, esse quadro não imperou mudanças significativas, mantendo suas precárias condições de vida, tornando o ambiente propício para o desenvolvimento e a proliferação de doenças infectocontagiosas. Nesse sentido, ao privilegiar 134 as elites, o governo destituía as demais pessoas, que continuavam a sofrer com os maiores índices de morbi-mortalidade, reforçando o caráter elitista que perpassou a política de saúde que predominou nesse período. Apesar das promessas de proteger a saúde de todos os grupos sociais, em situações de epidemias, estava claro que as populações mais carentes estavam pouco cobertas pelo Estado. Diante dessa conjuntura, a crescente intervenção médica nos espaços urbanos foi recebida com desconfiança e medo pela população. A retirada à força dos ambientes a serem saneados, com a presença constante da polícia, com o objetivo de evitar revoltas populares contra os agentes da vacina, contribuiu para esse receio. Com a aprovação da lei que instituía a obrigatoriedade da vacina no Rio de Janeiro em 1904, proposta por Oswaldo Cruz, desencadeou uma revolta em massa, devido ao desconhecimento das propriedades e da ação da vacina, nomeada de Revolta da Vacina. A morte de um dos revoltosos a partir de conflitos com a polícia foi o estopim para mudar a característica desse movimento, que se transformou em uma ação violenta. Segundo Bertolli Filho (2002), a revolta da vacina exigiu que o Estado e a medicina buscassem outras formas de relacionamento com a sociedade, propiciando o surgimento de novas formas de organização das ações em favor da saúde coletiva. Até então, o que se observa na saúde pública brasileira eram ações médicas essencialmente curativas com medidas preventivas destinadas a questão sanitária, uma vez que elas eram prioridade, considerando que a maioria das doenças infectocontagiosas da época poderiam ser evitadas, a partir da adoção de estratégias que contemplassem essa questão. No período de 1910 a 1920 – quando a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) também repercute no Brasil – ocorre uma intensificação do debate sobre a saúde (CAVALHEIRO, MARQUES e MOTA, 2013). Foi marcado por intensa atuação de movimento nacionalistas, que pretendiam descobrir, afirmar e reclamar os princípios de nacionalidade e realizá-los mediante o Estado. Configurava-se no Brasil, em uma época de apogeu político da saúde pública, a ideia de que o poder delegado pelo Estado se daria no sentido de traçar metas, prioridades e ações que pudessem solucionar a questão sanitária, ‘limpando’ o caminho para que a economia se expandisse (CAVALHEIRO, MARQUES e MOTA, 2013, p. 6). 135 Simultaneamente, conforme Bravo (2013, p. 119), ocorria a “(...) deteriorização das condições de vida da população, com redução de emprego, elevação dos preços dos gêneros de primeira necessidade, o que acarretou um aumento nas taxas de mortalidade por tuberculose e da mortalidade infantil”. Segundo Bravo (2007), a saúde pública na década de 1920, adquire um novo relevo no campo de poder a partir da tentativa de expansão para todo o país. Assim, a reforma Carlos Chagas (1923) tentou ampliar o atendimento à saúde por parte do poder central, enquanto uma estratégia da União de ampliação do poder nacional. Além disso, a indicação das questões de higiene e saúde do trabalhador, sendo tomadas algumas medidas que se constituíram no incipiente esquema previdenciário brasileiro. Um importante marco desse esquema previdenciário foi o Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923 57 , o qual determinou a criação da Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAP). De acordo com Araújo (2004), essas eram voltadas aos empregados de cada empresa que possuía uma grande importância para o momento histórico vivenciado no Brasil (como os ferroviários e os trabalhadores navais), como consequência da luta organizada dos trabalhadores. A partir de desconto mensal de 3% do salário dos funcionários e 1% da renda bruta da empresa, ficava assegurado aos trabalhadores que primeiro lutaram pela organização das Caixas 58 em suas empresas, o direito de aposentadoria por tempo de serviço ou invalidez, o tratamento médico e os medicamentos, o auxílio para o funeral e o direito de pensão aos herdeiros. Somente os grandes estabelecimentos tinham condições de mantê-las. Contudo, não era para todos os trabalhadores e ofereciam pouca cobertura aos doentes mais graves, configurando-se como uma solução parcial para os problemas de saúde da classe proletária, tendo como consequência o acirramento da questão social. As transformações operadas na sociedade brasileira a partir da década de 1930 foram, conforme elucida Bravo (2007), proporcionadas pelo crescente processo de industrialização, pela redefinição do papel do Estado, pelo surgimento das políticas sociais, bem como por outras respostas as reivindicações dos trabalhadores. Assim, esse contexto contribuiu para o surgimento de políticas sociais nacionais que respondessem as necessidades sociais que se apresentavam de forma orgânica e sistemática. 57 DOU de 28.01.23 – Lei Elói Chaves. 58 Os ferroviários foram os primeiros (1923), seguidos pelos estivados e os marítimos (em 1926). Os demais só conseguiram após 1930. 136 Isso porque as problemáticas sociais em geral e as de saúde, já postas na década de 1920, precisavam ser enfrentadas de forma mais sofisticada, ou seja, necessitavam transformar-se em questão política, com a intervenção estatal e a criação de novos aparelhos que contemplassem, de algum modo, os assalariados urbanos – até então marginalizados da política agrária predominante no Brasil até a década precedente, que se caracterizavam como atores políticos importantes no cenário político nacional, em decorrência da nova dinâmica da acumulação (BRAVO, 2013). A mesma autora reforça que esse processo, sob o domínio do capital industrial, teve como características principais a aceleração da urbanização e a ampliação da massa trabalhadora, em precárias condições de higiene, saúde e habitação. Sobre a década de 1930, Bravo (2013) elucida que é possível vislumbrar uma política de saúde de caráter nacional, organizada em dois setores: o de saúde pública (centralizado na criação de condições sanitárias mínimas para a população) e o de medicina previdenciária (voltado para os trabalhadores que participavam da formação dos fundos de seguridade social). Resultantes de uma concepção que somente reconhecia como pertencentes à esfera pública os problemas individuais que ameaçassem o restante da população ou a ordem econômica e social vigente, essas duas vertentes de desenvolvimento dos serviços de atenção à saúde vão trilhar caminhos bastante diferentes até serem criadas as bases que atualmente conformam o Sistema Único de Saúde no Brasil. Investido na Presidência da República em 1930, Getúlio Vargas procurou destituir o Estado do poder das oligarquias. Para isso, promoveu uma ampla reforma política e administrativa. Durante todo o seu governo, que durou até 1945, Vargas buscou centralizar a máquina governamental, bem como bloquear as reivindicações sociais. Desse modo, recorreu a medidas populistas, nas quais o Estado se apresentava como tutor da sociedade, provendo o que julgava ser indispensável ao cidadão. Nesse sentido, as políticas sociais foram à arma utilizada pelo ditador para justificar diante da sociedade o sistema autoritário, atenuado pela “bondade” do presidente. Bertolli Filho (2002) ressalta que incluída no conjunto das reformas realizadas por Vargas ainda em 1930, a área sanitária passou a compartilhar com o setor educacional um ministério próprio: o Ministério da Educação e da Saúde Pública. O novo Ministério determinou uma ampla remodelação dos serviços sanitários do país. Essa ação foi intencional para garantir à burocracia federal o controle desses serviços, numa estratégia decorrente do centralismo político-administrativo imposto por Vargas. 137 O mesmo autor destaca que a nova organização do setor de saúde anunciava o compromisso do Estado de primar pelo bem-estar sanitário da população. Contudo, como o Brasil recebeu investimentos distintos nesse âmbito, os estados estavam desnivelados no que concerne à assistência médico-hospitalar. Assim, em alguns estados que já possuíam um setor de saúde mais organizado – como São Paulo –, essa iniciativa federal foi considerada desnecessária. Nesse mesmo estado, as reformas varguistas decretaram o fim da experiência descentralizadora e instituíram uma organização centralizada dos serviços. Os médicos foram praticamente excluídos das decisões sanitárias, que passaram a ser tomadas por políticos e burocratas, que em muitos casos desconheciam a situação epidemiológica do país. Desse modo, os problemas de saúde pública eram intensos, na época, apesar da criação de um aparelho estatal. Este foi insuficiente frente às reais necessidades de saúde da população, pois os gastos ainda eram limitados e o modelo sanitarista adotado, muito oneroso (BRAGA e PAULA, 1986). Posteriormente ao golpe que criou o Estado Novo em 1937, a política populista e autoritária de Getúlio Vargas voltou-se ainda mais para a população urbana, empregada nos setores industrial e comercial. Assim, a necessidade “(...) de obter apoio social e político e conferir alguma legitimidade ao Estado ditatorial exigiu uma legislação social que permitisse maiores direitos aos trabalhadores urbanos” (BERTOLLI FILHO, 2002, p. 32). Isso porque o governo já não podia tratar com indiferença a questão social, na qual se incluíam os reclames da sociedade acerca da saúde. No período da República Velha, portanto, há a criação de um conjunto de leis que, contradizendo umas as outras, pouco garantiam aos trabalhadores quanto ao direito de assistência médica e indenização por enfermidade ou por acidade de trabalho, cuja ação seria recorrer aos hospitais filantrópicos, que não cobravam pelo tratamento. A única exceção foi a Lei Elói Chaves. O modelo ofertado a partir da criação das CAP foi adaptado por Vargas e expandida a outras categorias profissionais. Organizou-se então a unificação dessas Caixas no Instituto de Aposentadorias e Pensões (IAP) 59 . Isso significou a intervenção do Estado na reivindicação à saúde do trabalhador, passando a ser tripartite: era sistematizado pela empresa, pelo trabalhador e pelo Governo. Algumas características do IAP devem ser destacadas: os fundos passaram a ser por categorias profissionais (e não mais por empresas); eram considerados autarquias, com maior controle do Estado; os benefícios dentro de uma mesma categoria eram 59 Os primeiros criados foram: dos Marítimos (1933), dos Bancários (1934), dos Industriários (1936), dos Servidores do Estado (1938), dos Empregados em Transporte e Cargas (1938) e dos Comerciários (1940). 138 igualados em todo território nacional; e as contribuições do Estado para o financiamento dos Institutos tornaram-se apenas formais, uma vez que a Previdência deveria ser autofinanciável com o aumento das contribuições dos empregados e empregadores (BRAVO, 2013, p. 134). Embora os trabalhadores pudessem participar do gerenciamento das ações do IAP Cavalheiro, Marques e Mota (2013), destacam que esse foi um período marcado pela desigualdade na assistência, uma vez que a força política exercida por categorias profissionais específicas e sua capacidade de pressionar resultava em melhor ou pior serviço. Isso porque, apesar de os programas de assistência médica terem se ampliado, não se desenvolveu uma política deliberada de assistência à saúde com o IAP (MENICUCCI, 2007). Além disso, a Constituição Federal de 1934 – instituída durante o governo Vargas – incorporou algumas garantias ao operariado (assistência médica, licença remunerada a gestante trabalhadora, jornada de trabalho de oito horas). Nos anos seguintes, outros benefícios foram incluídos na legislação trabalhista, desencadeando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tais como o salário mínimo, a indenização a acidentados, as férias remuneradas, dentre outros. Com isso, o atendimento aos enfermos e seus dependentes expandiu-se, simultaneamente a estruturação do setor previdenciário – tornando-se o principal veículo de assistência médica da população. Contudo, é importante assinalar que essa assistência era seletiva, uma vez que apenas tinha acesso à saúde os trabalhadores com carteira assinada, enquanto os demais estavam descobertos. Ainda nos primeiros anos da República, iniciou-se um movimento de educação em saúde com o intuito de convencer a população da necessidade de mudar hábitos tradicionais anti-higiênicos, que facilitavam a propagação de doenças (BERTOLLI FILHO, 2002). Com a instalação do Estado Novo, a administração sanitária reforçou as campanhas de educação popular atrelando técnicas pedagógicas e de comunicação com os princípios da medicina sanitária. De um modo geral, a Era Vargas (1930-1945) apresentou uma diminuição das mortes por enfermidades epidêmicas; em contrapartida, cresceram as chamadas doenças de massa – como esquistossomose, a doença de Chagas, a tuberculose, dentre outras. No entanto, o investimento oficial no setor da saúde pública e no tratamento dos enfermos continuou a ser muito pequeno em relação à demanda. Soma-se a isso o fato dos enfermos serem considerados “páreas da sociedade”, na medida em que além de deixarem de trabalhar (e de produzir riquezas) ainda utilizavam de assistência médica e tratamentos gratuitos, tornando-se 139 uma espécie de “inimigos do país”. Desse modo, apesar do presidente declarar que cabia ao Estado preservar a saúde da população, na prática, isso acontecia precariamente. Portanto, o cenário político no Brasil nesse período foi caracterizado por uma ditadura populista que [...] em vista dos interesses econômicos e políticos privilegiava diferentes espaços urbanos estratégicos e diferentes categorias profissionais. O restante da população brasileira, sem vínculo com os IAPs, deveria pagar por uma assistência médica especializada, ou continuaria, como antes, a depender da assistência de serviços locais que não conseguiam atender à demanda (CAVALHEIRO, MARQUES E MOTA, 2013, p. 8). Após o período da Era Vargas, a situação da saúde de 1945 a 1964 não conseguiu eliminar o quadro de doenças infecciosas e parasitárias, bem como os elevados índices de mortalidade da população brasileira (BRAVO, 2007). Ainda nesse momento, a estrutura de atendimento hospitalar de natureza privada já direcionava a formação de empresas médicas com o apoio financeiro do Estado. Não obstante, a política de saúde esboçada a partir de 1930, foi consolidada nesse período. Logo, conforme Oliveira e Teixeira (1986) houve um crescimento relativo dos gastos da previdência social com a assistência médico-hospitalar. Sobre isso, Bravo e Matos (2012, p. 27) elucidam que A política de saúde teve como características gerais a racionalização administrativa e a distribuição de maior sofisticação às campanhas sanitárias. Continuou organizada nos dois subsetores (saúde pública e medicina previdenciária). A medicina previdenciária só vai sobrepujar a saúde pública a partir de 1960, apesar de seu predomínio anunciar-se desde o início da década de 1960. Desse modo, apesar das pressões, a assistência médico-predivenciária era formada basicamente pelos serviços próprios dos Institutos, com características essencialmente hospitalar e curativa. A conjuntura política e econômica que marcou a década de 1950, impulsionada pela intensificação do processo de industrialização brasileira, encerrou o modelo econômico agrário-exportador que predominava no Brasil. Forjava-se então um período fértil para a adoção de uma perspectiva médico-sanitária que “(...) ligava os entraves econômicos nacionais às péssimas condições de vida de grande parte da população, passando a economia 140 ser apreendida como apoio da determinação das condições de saúde” (CAVALHEIRO, MARQUES e MOTA, 2013, p. 10). De um modo geral, a situação da saúde da população nesse período não conseguiu eliminar o quadro de doenças infecciosas e parasitárias, bem como as elevadas taxas de morbi-mortalidade infantil, como também a mortalidade geral. Em suma, conforme Bravo (2013, p. 149), “(...) a melhoria da qualidade de saúde da população não foi alterada substancialmente, havendo a opção governamental pela intervenção setorial, segundo as necessidades mais prementes da saúde pública”. De acordo com Bravo (2013), a ascensão do discurso desenvolvimentista na saúde, na década de 1960, predominou as práticas sanitaristas campanhistas, como herança da década de 1950, pautada em uma rotina burocrática herdada da década de 1940. A medicina previdenciária passou a ser considerada como um aspecto importante para o processo de trabalho, uma vez que a massa assalariada possuía péssimas condições de trabalho e baixa remuneração, sendo a previdência indispensável à sua renda. Assim, O crescimento da saúde da medicina previdenciária ocorreu num período em que os problemas de saúde pública continuavam intensos, com incidência de endemias e a própria medicina previdenciária era incapaz de atender às demandas por assistência médica individual (BRAVO, 2013, p. 148). Com a ditadura militar (1964-1985), os grandes problemas estruturais do Brasil não foram resolvidos, mas aprofundados. No âmbito da questão social, o Estado utilizou o binômio repressão-assistência para sua intervenção (BRAVO, 2007). A partir das dificuldades das CAP e do IAP, o governo criou em 1966 o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), unificando todos os órgãos previdenciários. Estabeleceu-se então na esfera pública, um sistema dual em saúde: ao passo em que o INPS tratava doentes individualmente, o Ministério da Saúde deveria elaborar e executar programas sanitários, bem como assistir a população durante as epidemias. Conforme ilustra Menicucci (2007), o fato de a previdência social assumir a assistência médica como uma de suas atribuições, não implicou necessariamente, na instalação de uma infraestrutura própria de produção de serviços de saúde. Nesse sentido, com a unificação dos institutos, a existência de grande demanda reprimida, gerou uma pressão muito grande sobre as unidades de saúde incorporadas pelo INPS, sem condições de ser atendida de imediato na rede própria previdenciária. 141 Será assim, somente com a ampliação da demanda após a unificação dos institutos e com a expansão da cobertura previdenciária, associada a uma opção pela compra dos serviços, que o setor privado irá se fortalecer ao se tornar o mecanismo pelo qual se garantirá a ampliação da cobertura assistencial pública. Ao não se optar pela expansão da rede própria, a política governamental irá favorecer a expansão da rede privada, escolha que será condicionante da evolução da assistência médica posterior (MENICUCCI, 2007, p. 74). Bertolli Filho (2002) destaca que com o golpe militar, o Ministério da Saúde passou a conceber a saúde enquanto elemento individual e não como fenômeno coletivo, além de reduzir as verbas destinadas à saúde pública. Por esse motivo o setor da saúde precisava assumir as características capitalistas, já iniciadas no período anterior, com altos investimentos internacionais na área do seguro-saúde. Isso porque a opção pela compra de serviços privados encontra explicação no contexto político pós-64, integrando um modelo mais geral de relacionamento Estado e sociedade, bem como de uma política de centralização e privilegiação do produtor privado (MENICUCCI, 2007). A mesma autora assinala que o Estado, como organizador dos serviços de saúde, os privatiza progressivamente por intermédio dos hospitais e clínicas credenciados. Com isso, o INPS tornou-se o grande comprador dos serviços médicos privados e passou a sustentar uma procura ampliada por meio da previdência social. Mesmo assim, é a partir da década de 1960, que fica explicitada a disposição pública no sentido de tornar a assistência à saúde uma política governamental 60 . Em 1977, foi criado o Sistema Nacional da Previdência Social (SINPAS), base jurídica do sistema de saúde dessa década. Com o apoio da lei do Sistema Nacional de Saúde (SNS) (1975), pretendia-se reorganizar, racionalizar e centralizar administrativamente a previdência. A lógica desse sistema que caracterizou a década de 1970 era baseada no Estado como grande financiador da saúde, através da Previdência Social. Entretanto, o modelo não respondia aos problemas de saúde da população como o comprovam as epidemias da época, os indicadores de saúde externamente negativos e as constantes denúncias contra o sistema de atenção médica (ZIONI, ALMEIDA e PEREIRA FILHO, 2013). Um marco da década de 1970 para a saúde brasileira foi à institucionalização do modelo médico de assistência privada, determinando a competência das instituições privadas 60 conforme supracitado no item 2.3 desse trabalho. 142 e públicas e consolidando a divisão entre as ações de saúde pública e a atenção médica. Assim, de acordo com Cavalheiro, Marques e Mota (2013, p. 13), A saúde pública não rentável foi entregue à responsabilidade do governo, ao passo que a atenção médica, ao setor particular, sob a intervenção e com o apoio do Sistema Nacional de Saúde. Esse plano e outras ações jurídicas adotadas durante os anos 1970 estabeleceram os fundamentos que permitiram a hegemonia do sistema de saúde, tendo como base: a) O Estado como maior incentivador do sistema por intermédio do Programa Nacional de Previdência Social; b) O setor nacional privado como maior provedor de serviços médicos; e c) O setor privado internacional como o mais significativo mercado de equipamentos e tecnologias médica. Ainda durante a década de 1970, em meio ao cenário nacional de crise econômica, ocorreram movimentos políticos e institucionais contra o sistema de saúde pública hegemônico vigente. Foram esses movimentos – presentes, sobretudo, nas universidades e instituições de saúde – que se constituíram como bases importantes para a Reforma Sanitária, ocorrida nos anos 1980. Conforme Menicucci (2007, p. 168), Esse movimento envolveu a construção a construção teórica de um modelo de compreensão dos determinantes sociais da saúde e um conjunto de ações estratégicas visando à divulgação das ideias, à articulação de pessoas e organizações e à ocupação de espaços institucionais para a experimentação de projetos inovadores como mecanismo de constituição de uma alternativa à política vigente. Tem-se que a política de saúde no período de 1964 a 1974, desenvolve-se com base no privilégio do setor privado, em consonância com as tendências da política econômica implantada no país (BRAVO e MATOS, 2012). De acordo com Oliveira e Teixeira (1986), suas principais características foram: a extensão da cobertura previdenciária, a ênfase na prática médica curativa orientada pela burocratização do setor, a criação do complexo médico-industrial e a diferenciação de atendimento à clientela. Assim, segundo Bravo e Matos (2012, p. 28) “Após esse período, a política de saúde enfrentou a permanente tensão entre os interesses dos setores estatal e empresarial e a emergência do movimento sanitário. Nessa contradição, algumas medidas de saúde pública foram retomadas, embora de forma limitada”. Com o fim da ditadura militar no Brasil, gradativamente, “(...) a saúde deixou de ser interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão política, estando estreitamente 143 vinculada a democracia” (BRAVO, 2007, p. 8). A 8ª Conferência Nacional de Saúde61 (1986) foi o grande marco para a saúde no Brasil, uma vez que representou a primeira vez que a população participou das discussões da conferência. Participaram dessa conferência mais de 4.000 delegados, os quais propuseram, dentre outras ações, a criação de uma ação institucional correspondente ao conceito ampliado de saúde, que envolve promoção, proteção e recuperação. No início da década de 1980, iniciou-se no Brasil – com a instalação do governo de transição democrática, um movimento político e social em prol de mudanças na configuração do sistema de saúde pública. Desse modo, duas propostas políticas emergiram das discussões e dos movimentos: a reforma sanitária (mais democrática) e uma proposta conservadora de ajuste do modelo privado (impulsionado pelo aumento dos planos empresariais de assistência à saúde, bem como pela redução da qualidade dos serviços estatais). O processo de redemocratização do país, no âmbito do qual ocorreu essa reforma sanitária, trouxe no seu bojo a preocupação com os aspectos substantivos da democracia que remetem aos direitos sociais, entre eles o direito à saúde. Assim, as propostas políticas dos setores de oposição enfatizavam a redefinição das políticas sociais, considerando a universalização de benefícios mediante um processo redistributivo. No campo da saúde, a discussão acerca da “democratização da saúde” ocorria de forma mais interna via “movimento sanitário”, que passou a ter maior visibilidade política (MENICUCCI, 2007). O marco teórico que foi o referencial ideológico do movimento sanitário e sustentou suas propostas políticas tem origem na universidade e se expressa na teoria social da saúde. Ao movimento sanitário é atribuída a liderança política e intelectual da reforma, no interior do qual foi construída uma proposta alternativa para a política de saúde. De origem acadêmica, esse movimento se articulou com outros segmentos sociais e governamentais (...), que, como vários outros, emergiam ou se fortaleciam na conjuntura da transição democrática. No âmbito governamental, teve o apoio de segmentos burocráticos que questionavam o modelo assistencial vigente (MENICUCCI, 2007, p. 169). O objetivo do movimento era “(...) elaborar uma política de saúde de caráter universal, com uma concepção ampliada de saúde que se expressasse em termos de direito social, de 61 As Conferências de Saúde se iniciaram cumprindo o disposto no artigo 90 da Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, que determina a nova organização do Ministério da Educação e Saúde Pública. A Conferências Nacionais de Saúde vinham sendo desenvolvidas desde a década de 1940. Ocorreram em ordem cronológica nos anos: 1941, 1950, 1963, 1967, 1975, 1977, 1980, 1986, 1992, 1996, 2000, 2003, 2007, 2011 e 2014, totalizando 15 até o ano de 2015. 144 componente de cidadania” (ZIONI, ALMEIDA e PEREIRA FILHO, 2013, p. 120). Uma das questões mais originais desse movimento foi a preocupação em inserir a presença da sociedade civil nas políticas de saúde. Conforme Bravo (2011, p. 43), “(...) a luta pela reforma sanitária se insere no quadro mais geral da luta de classes no país e só pode ser efetivada em um Estado democrático”. Para isso, é essencial que se introduza na cena política a noção de direito social universal, a partir de uma responsabilização do Estado pelo fornecimento das condições adequadas para a efetivação desse direito. Em 1988, a promulgação da Constituição Federal representou a possibilidades de afirmação e extensão dos direitos sociais. No que concerne à saúde, ela enfatizou seu direito universal e a responsabilidade estatal na regulamentação, fiscalização e controle; na constituição do SUS, integrando os serviços públicos em uma rede hierarquizada, regionalizada, descentralizada e de atendimento integral, com participação da comunidade; destacou a complementaridade do setor privado; dentre outras ações (BRAVO, 2007). No entanto, segundo Cavalheiro, Marques e Mota (2013), a Carta Magna incorporou conceitos, princípios e diretrizes no âmbito da saúde, com a mistura das propostas da Reforma Sanitária e do projeto neoliberal. Como resultado desse processo iniciado com a 8ª Conferência Nacional de Saúde e com a Constituição Federal de 1988, em 1990, houve a criação do SUS, a partir da Lei Orgânica da Saúde, nº. 8.080/90 e, posteriormente, a lei nº. 8.142/90 (que dispõe sobre a participação popular), constituindo um aparato legal que particularizam as disposições da Carta Magna de 1988 no que se refere à saúde pública brasileira. De acordo com Zioni, Almeida e Pereira Filho (2013), as diferentes reflexões sobre a elaboração do SUS, como política pública e processo de disputa política, convergem no sentido de reconhecer a participação popular como um dos elementos importantes nessa trama, ainda que haja divergência significativa quanto à avaliação da efetiva importância desse processo. Assim, O controle social é exercido por intermédio das Conferências de Saúde, nacional, municipal e estadual, e pelos Conselhos de Saúde, que também existem por nível da federação. Nessas instâncias são avaliadas as políticas existentes e propostas novas diretrizes. Se aceitas, essas propostas passam a ter força de lei e devem ser aplicadas. Ao longo das Conferências também são eleitos os conselheiros municipais, estaduais e nacionais (ZIONI, ALMEIDA e PEREIRA FILHO, 2013, p. 127). 145 Vale ressaltar que, nesse cenário, a formação do SUS foi uma conquista que se insere em contexto de tensionamentos, uma vez que foi desenvolvido na contramão do processo liberal que se ascendia no Brasil. Desde então, está em um processo de disputa constante marcado por avanços e retrocessos na afirmação dos direitos por ele legitimado. Menicucci (2007, p. 41) assinala que Os problemas concretos para a implantação da nova política de saúde na década de 1990, orientada para uma ampliação do papel do Estado, foram, às vezes, vistos como sinalizadores de um redirecionamento das atribuições públicas na área de saúde, justificável nos termos do debate internacional que passou a enfatizar as opções de políticas voltadas para o mercado. Em consequência, além da limitação financeira, ao contexto nacional e internacional de restrição e reformulação de políticas sociais costuma ser impulsionado o crescimento do setor privado ante um suposto afastamento do Estado das atividades relativas à saúde. Sobre isso, assinala o informante X 62 “A gente encontra dificuldades [nos serviços de saúde]. É... nós temos o posto de saúde no bairro, quando a gente precisa de qualquer coisa lá, é uma dificuldade terrível pra marcar. Passa um mês, ‘passa dois’, a gente termina deixando e procurando o particular.” Ou seja, diante da longa espera de atendimento nos serviços de saúde, os usuários que possuem condições financeiras recorrem a clínicas particulares, ao passo em que o Estado se omite de garantir a prestação dos serviços de saúde, favorecendo o capital privado. Logo, o contexto político nacional e internacional de implantação do SUS não foi favorável após sua consagração constitucional. Isso porque a transição democrática do país ocorreu com [...] a manutenção no poder das mesmas forças políticas conservadoras ligadas ao regime anterior, sendo que os grupos indutores da reforma, particularmente os partidos e lideranças de esquerda e parcelas dos movimentos populares não tinham ampliado de forma considerável seu poder relativo e também não contavam com apoiadores do período de transição, como a categoria médica (MENICUCCI, 2007, p. 197). Além disso, a postura conservadora dos governos que sucederam o período de transição democrática estava em perfeita sintonia com o ambiente internacional, marcado pela rediscussão do papel do Estado, que se traduzia em propostas de novos modelos de políticas 62 Masculino, 70 anos, aposentado e internado por 23 dias. 146 sociais. Sendo assim, conforme destaca Draibe (1995), antes que se implementassem as diretrizes da agenda de reforma social da transição democrática, esgotaram-se os conteúdos de suas proposições e, simultaneamente ao avanço teórico da implantação, desenhava-se outra agenda de reformas, sem enfatizar o aspecto da saúde. Nessa direção, a profissional A 63 ressalta que, na verdade, Não existe aquele investimento nem do público nem do privado, na realidade dos serviços de saúde. Existe mais um comércio, cada um que quer ganhar muito dinheiro e é muito caro. No publico você não tem, aí você vai pagar um ultrassom, vai pagar... porque aqui no hospital a gente tem mais facilidade [quando está internado]. Esse processo caracterizou o que Bravo (2011) vai denominar de “reforma da reforma”, na década de 1990. O Estado não tinha uma política de investimento compatível com a expansão da cobertura, funcionando como mecanismo de seleção negativa que permitiu a formação de um novo padrão segmentado na prestação e utilização dos serviços. Isso acrescentado ao contexto adverso com o avanço do projeto neoliberal do país, no qual se efetivou a Reforma Sanitária. Nos anos seguintes a regulamentação do SUS prosseguiu através das Normas Operacionais Básicas (NOB) e das Normas Operacionais da Assistência à Saúde (NOAS), determinadas pelo Ministério da Saúde, buscando regular as relações entre os gestores do sistema de saúde nas três esferas de Governo e formular novos objetivos estratégicos, prioridades e movimentos tático-operacionais para a implantação do SUS no território nacional. Conforme com Cavalheiro, Marques e Mota (2013, p. 14), embora o projeto brasileiro de saúde pública tenha avançado com a Constituição Federal de 1988, a realidade da saúde ainda está distante da organização prevista no texto constitucional. Os autores elencam alguns possíveis motivos para essa dificuldade, quais sejam: a) O projeto político e social do neoliberalismo não foi capaz de solucionar as desigualdades presentes na realidade brasileira; ao contrário, intensificou-as; b) O Estado não foi capaz de organizar e coordenar o setor privado de saúde, que é forte e independente; c) Os gastos com o setor de saúde no Brasil são insuficientes e a implementação da proposta tem sido lenta e desintegrada; e 63 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 147 d) A proposta de assistência para todos tem demonstrado, em sua desigualdade de implementação, as profundas diferenças sociais e econômicas da sociedade brasileira. Além disso, a dinâmica interna da própria política de saúde mostra várias contradições e estrangulamentos, que produz ineficiências para sua implantação. Conforme Minecucci (2007, p. 302) “(...) essa situação tende a produzir crises que, dependendo da forma como forem utilizadas pelos atores políticos, poderão abrir novas janelas políticas e levar a rupturas, mesmo que limitadas pelas políticas prévias”. Logo, os desdobramentos dela são incertos, uma vez que depende das condições mais favoráveis ao seu desenvolvimento e carecem de um maior controle social, de modo a garantir que as mudanças ocorram tendo em vista uma maior garantia dos direitos sociais já conquistados. Diante desse quadro de tensionamentos da política de saúde pública do Brasil, ressalta-se que os grupos, cujos interesses não coincidem com as necessidades de reprodução do capital, têm seus debates reduzidos, diante de temas de maior rentabilidade. Nesse sentido, apesar do indiscutível crescimento da população idosa no país, as políticas sociais voltadas para as pessoas com essa faixa etária, apesar de terem ganhado maior visibilidade, apresentam uma fragilidade no que se refere à garantia dos direitos assegurados por lei. Por esse motivo, torna-se relevante contemplar uma análise acerca dessas principais políticas, conforme será evidenciado na seção subsequente. 3.2.2 Saúde e envelhecimento: o percurso da conquista de direitos Em alguns contextos históricos houve a atribuição de poderes à pessoa conforme seu ciclo vital. Logo, a figura da pessoa idosa, nesses mesmos contextos históricos sofre um intenso “desinvestimento” social e político. No entanto, reconhece-se que o aumento da longevidade é uma conquista social que marcou o século XX em quase todo o mundo, mas tal conquista gerou impactos e novas demandas para o Sistema de Saúde e para a família. Vale ressaltar que para ilustrar alguns aspectos da saúde e do envelhecimento na sociedade brasileira, pressupõe-se que “(...) as desigualdades que presidem o processo de desenvolvimento do País tem sido uma das suas particularidades históricas” (IAMAMOTO, 2008, p. 128), que remete a questão social brasileira. Conforme destaca Paiva (2014), é nesse campo, onde se travam as lutas sociais, produto da sociedade moderna, que pautam as 148 reivindicações por direitos. Esse processo essencial de lutas para a conquista de direito, é reforçado na reflexão da profissional A 64 , a saber: [...] eu acho que se você tem saúde, se você tem direito a todas essas questões que eu já falei [saúde na concepção ampliada], você é um cidadão. Então cidadão, quer dizer, é você inclusive você lutar por isso. Então na hora em que eu estou lutando pela minha saúde, que a gente ‘tá’ correndo, por exemplo, não conseguimos um serviço de saúde ‘x’, a gente que procura as outras instâncias. Então é uma luta constante. Na hora em que eu consigo uma luta por melhores salários, que também eu acho que é saúde, porque se você não tiver um salário digno, você também não tem como cobrar uma alimentação digna, porque também a saúde também passa muito pela forma de você se alimentar [...] Então eu acho que a gente também tem que ter esse acesso. Se você não tem acesso a uma alimentação digna, a um saneamento, então que qualidade de cidadão é você? E se você também não procura lutar para que isso melhore, você pode até não conseguir, aquele ideal, aquela coisa que você imagina, mas se você lutar, o pouquinho que você conseguir você já vem desenvolvendo, já praticando a sua cidadania. Conforme assinalado anteriormente, a história da política de saúde enquanto direito social, no Brasil, se confunde, em alguns períodos, com a trajetória da política previdenciária, legitimadas nos aparatos legais. Isto é, [...] as respostas engendradas pelo Estado, às questões apresentadas pelo movimento operário, historicamente, tendem a contemplar aspectos integráveis específicos – inclusive geracionais – relacionado à saúde do(a) trabalhador(a), de modo a promover o mínimo de sua reprodução social, seguindo os ditames dos processos de exploração e acumulação inaugurados pelo capital (PAIVA, 2014, p. 175). Desse modo, observa-se que as políticas de saúde pública no país, estiveram inseridas no avanço do capitalismo, sofrendo a forte determinação do capital internacional. Sendo assim, a saúde nunca ocupou lugar central na política do Estado – tanto no que diz respeito à solução dos grandes problemas, quanto na destinação de recursos direcionados ao setor. A inserção da temática do envelhecimento na agenda da saúde, em âmbito nacional, foi realizada tardiamente. Isso ocorreu como desdobramento histórico da política de saúde, que ocorreu inicialmente exclusiva aos trabalhadores, dentre os quais os idosos estavam excluídos. Além disso, como os padrões de morbimortalidade da população idosa diferem 64 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 149 radicalmente dos observados para o restante da população, é requerido que estes sejam alvo de políticas de saúde especiais, o que só foi possível observar a partir de meados do século XX. A questão da velhice era tratada, até meados da década de 1960, por uma abordagem assistencialista, através de ações de caráter asilar, com serviços de acolhimento, alimentação e tratamento de enfermidades. Aos idosos que não necessitavam recorrer à residência em asilos, praticamente não era ofertados programas ou serviços de qualquer natureza, organizados pelo Estado ou pelas comunidades. Essa conjuntura retrata um período em que os idosos encontravam-se excluídos da sociedade pela perda de seu papel social com a aposentadoria, pelas concepções estereotipadas atribuídas a velhice, pela ausência de um papel econômico ou social por parte dos idosos, bem como pelo pouco interesse da parcela populacional mais jovem com a questão da velhice. Conforme já ressaltado, a partir da década de 1980, com o cenário internacional reconhecendo a questão do envelhecimento enquanto alvo de políticas sociais, principalmente a partir da 1ª Assembleia Mundial sobre Envelhecimento (1982), bem como na particularidade brasileira, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi possível iniciar efetivamente o reconhecimento do idoso enquanto sujeito de direitos, sobre diferentes formas e com ênfase na Seguridade Social. Assim, em 1990, a sociedade brasileira demonstrava crescente sensibilidade à questão da velhice, marcando a criação de diversos serviços especializados; elaboração de projetos e programas para a terceira idade nas universidades, nas prefeituras e em diversas instituições; fundação de centros de estudo, programas de pós-graduação, residências, estágios, orientações curriculares; a formação de políticas e programas cada vez mais específicos; dentre outros. Com o anseio pela efetivação da Seguridade Social, percebeu-se a necessidade de um amparo normativo mais específico, de modo a orientar o exercício profissional da assistência. Em 1993 com a aprovação da LOAS, houve uma contribuição no amparo à pessoa idosa na Assistência Social. Constitui-se então como objetivo da Assistência Social a proteção dos grupos vulneráveis, conforme estabelecido no Art. 2, inciso I, “a proteção à família, à maternidade, a infância, à adolescência e à velhice”. Além disso, a LOAS propôs em seu capítulo IV a criação de benefícios à pessoa idosa, bem como para outros casos em que o sujeito não teria a possibilidade prover a manutenção de vida ou de sua família, que atesta a valoração do idoso. Além disso, a PNI (1994) trouxe considerações específicas para o poder público o âmbito da saúde do idoso ao incluir no Art. 10, inciso II: 150 a) garantir ao idoso a assistência à saúde, nos diversos níveis de atendimento do Sistema Único de Saúde; b) prevenir, promover, proteger e recuperar a saúde do idoso, mediante programas e medidas profiláticas; c) adotar e aplicar normas de funcionamento às instituições geriátricas e similares, com fiscalização pelos gestores do Sistema Único de Saúde; d) elaborar normas de serviços geriátricos hospitalares; e) desenvolver formas de cooperação entre as Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios e entre os Centros de Referência em Geriatria e Gerontologia para treinamento de equipes interprofissionais; f) incluir a Geriatria como especialidade clínica, para efeito de concursos públicos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais; g) realizar estudos para detectar o caráter epidemiológico de determinadas doenças do idoso, com vistas à prevenção, tratamento e reabilitação; e h) criar serviços alternativos de saúde para o idoso; Mesmo com o direcionamento dado pela PNI, tornou-se necessária a reestruturação dos paradigmas da política de saúde para esta população, a partir da elaboração de um programa específico, materializado no Programa de Atenção Integral à Saúde do Idoso (PAISI) (1995) – em consonância com a PNI – com um maior envolvimento, integração e coordenação em todos os níveis, como na promoção da saúde, na prevenção, na assistência primária, secundária e terciária, nos recursos comunitários e familiares entre outros. De acordo com Martins et al (2007), para efetivar tal política, é necessário definir e/ou readequar planos, programas, projetos e atividades do setor saúde, que de modo direto ou indireto se relacionam com o seu objeto. É primordial a articulação entre Ministério da Saúde e as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, para sua operacionalização. Enfim, para que o mesmo alcance seus objetivos, as suas diretrizes essenciais necessitam ser cumpridas. Segundo Motta (2001, p. 15) também [...] é de fundamental importância que se desenvolvam técnicas de avaliação e identificação de idosos no âmbito hospitalar, visando o correto diagnóstico e a instituição de abordagens terapêuticas apropriadas, voltadas para a reabilitação precoce e retorno à comunidade com sua capacidade funcional preservada sempre que possível. Em 1999, a Portaria Ministerial nº 1.395/99 estabelece a Política Nacional de Saúde do Idoso (PNSI), na qual se determina que os órgãos do Ministério da Saúde relacionados ao tema promovam a elaboração ou a adequação de planos, projetos e ações em conformidade com as diretrizes e responsabilidades nela estabelecidas. 151 Nos anos 2000, com o redirecionamento do papel do Estado, a partir das políticas com viés neoliberal com início ainda na década de 1990, o que se observa é que tem ocorrido um forte ataque por parte do grande capital e dos grupos dirigentes à saúde pública. Nesse sentido, o Estado transfere para o setor privado suas atividades de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social. Segundo Bravo (2007, p. 14), a materialização dessa hegemonia neoliberal no Brasil tem desencadeado uma “(...) redução dos direitos sociais e trabalhistas, desemprego estrutural, precarização do trabalho, desmonte da previdência pública, sucateamento da saúde e da educação”. Isso reforça a disputa de projetos privatistas e públicos no âmbito da saúde. No que se refere ao idoso, a nível internacional merece destaque a II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, ocorrida no período de 8 a 12 de abril de 2002 em Madri, a qual e teve como proposta debater sobre os impactos e as consequências do processo de envelhecimento da população mundial, visando rever o Plano Internacional de Ação sobre o Envelhecimento que fora aprovado 20 anos antes, na I Assembleia que ocorrera em 1982, em Viena. Nessa ocasião, Paiva (2014, p. 172) ressalta que “(...) não era mais possível ignorar um processo tão antigo como a própria humanidade, tendo em vista a imposição de novas demandas perante as autoridades, diante do impacto da velhice desprotegida, na agenda da seguridade”. Em 2002 é proposta a organização e implantação de Redes Estaduais de Assistência à Saúde do Idoso (Portaria GM/MS nº 702/2002) tendo como base a condição de gestão e a divisão de responsabilidades, definidas pela NOAS (2002). Como parte de operacionalização das redes, são criados os critérios para cadastramento dos Centros de Referência em Atenção à Saúde do Idoso. Ressalta-se que é nesse período que foi criada a Política Estadual do Idoso no RN, conforme já assinalado. Outro marco importante para as políticas de saúde direcionadas a população idosa no Brasil foi o Estatuto do Idoso (2003) que, conforme supracitado destaca o direito à atenção integral à saúde do idoso, a partir do SUS, reiterando a necessidade de promover um atendimento considerando as especificidades do idoso, garantindo o acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais. Para o informante Z 65 – que reside no interior – essa rede de serviços é mais articulada. Diz ele: “Pra mim é tudo fácil lá em Arês (...) eu tenho o cartão do SUS, tenho tudo... quando eu preciso, eu tenho [...] e quando eu preciso tem na hora.” Para a informante Y66, apesar de 65 Masculino, 69 anos, não é aposentado e internado há 17 dias no momento da entrevista. 66 Feminino, 66 anos, aposentada e internada há 20 dias no dia da entrevista. 152 morar também no interior, o processo de internação no HRPS precisou ser realizado a partir de alguns encaminhamentos. Afirmou que “A gente tava em Poço Branco, aí fomos pro [hospital] Santa Catarina e depois pro Walfredo 67, ai depois ‘praqui’”. Todavia, a precariedade nos análises críticas referente aos idosos dificulta a discussão e a proposição de estratégias para se desenvolver abordagens específicas que impliquem numa maior identificação das questões de saúde específicas desta população. Assim, torna-se fundamental o reconhecimento das particularidades dos idosos durante o período de internação hospitalar, objetivando a identificação ampla de problemas e a proposição de formas de atendimento diferenciadas que permitam uma melhor qualidade no atendimento e uma melhor utilização dos recursos disponíveis dentro da realidade existente. No Pacto pela Vida (2006) – compromisso entre os gestores do SUS em torno de prioridades que apresentam impactos sobre a situação de saúde da população brasileira –, a saúde do idoso se destaca: a ênfase no envelhecimento ativo e saudável, atenção integral e integrada à saúde da pessoa idosa, a implantação de serviços de atenção domiciliar, o destaque na qualidade dos serviços prestados a essa população, bem como a formação e educação permanente dos profissionais de saúde do SUS na área do envelhecimento, são algumas diretrizes propostas para essas pessoas. Ainda em 2006, foi criada a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI), devido escassez de estruturas de cuidado intermediário ao idoso no SUS, pelo número insuficiente de serviços de cuidado domiciliar ao idoso frágil previsto no Estatuto do Idoso, a escassez de equipes multiprofissionais com conhecimento em envelhecimento e saúde da pessoa idosa, bem como a implantação insuficiente das Redes de Assistência à Saúde do Idoso. Sendo assim, sua finalidade primordial consiste em recuperar, manter e promover a autonomia e a independência dos indivíduos idosos, direcionando medidas coletivas e individuais de saúde para esse fim, em consonância com os princípios e diretrizes do SUS. Nessa política, a saúde do idoso é parte desta prioridade, ao buscar a atenção integral e a implementação da PNSPI. Temos então que [...] com o crescimento da população idosa, ocorreram mudanças relacionadas à desigualdade socioeconômica, afetando a estrutura etária da população e ocasionando problemas que necessitam de solução imediata que garantam ao idoso a preservação da saúde e condições de autonomia e dignidade. Para que essas situações sejam viabilizadas, urge a necessidade de trabalhar o contexto social e 67 O Hospital José Pedro Bezerra (também conhecido como Hospital Santa Catarina) e o Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel são hospitais da SESAP. 153 humano do idoso em suas diversas interfaces. (MARTINS ET AL, 2006, p. 27). Desse modo, as diretrizes da PNSPI são: promoção do envelhecimento ativo e saudável; atenção integral à saúde da pessoa idosa; estímulo às ações intersetoriais, visando à integralidade da atenção; provimento de recursos capazes de assegurar qualidade da atenção à saúde da pessoa idosa; estímulo à participação e fortalecimento do controle social; formação e educação permanente dos profissionais do SUS; divulgação e informação sobre a PNSPI; e apoio e desenvolvimento de estudos e pesquisas na área. No que se refere às diretrizes do Pacto pela Vida e da PNSPI que destaca a importância da educação permanente no âmbito do envelhecimento, verificou-se que isso não tem acontecido no universo dos profissionais entrevistados da pesquisa. Além disso, os profissionais que foram entrevistados também destacam que essas políticas não estão chegando ao público alvo e que não se sentem preparados para lidar com as especificidades da velhice. As profissionais C 68 e D 69 ainda reiteram as deficiências do sistema de saúde para o tratamento adequado a essas particularidades. A primeira diz “Tenho dificuldades em trabalhar com o idoso pela falta de estrutura do sistema de saúde.” E a segunda alega não se sentir preparado para isso e complementa, afirmando: E não me refiro só as minhas limitações enquanto profissional em sim para lidar com as questões cognitivas relacionados à memória e orientação. Vejo que os hospitais não estão preparados para atender a idosos, especialmente os dependentes. Nem todas as camas possuem grades de proteção, nem todos os banheiros são realmente adaptados, com barras de apoio e vaso elevado. E outro fator importantíssimo é a quantidade insuficiente de profissionais de enfermagem para a assistência direta... Fora que enquanto o idoso está hospitalizado o máximo que se consegue é realizar a parte curativa. A parte de reabilitação e promoção à saúde fica muito a desejar. Já a profissional B 70 elucida que participa de congressos e pesquisa na literatura, mas reforça que os governantes não investem em capacitações. A profissional A 71 , reforça a dificuldade do acesso às produções voltadas para o envelhecimento, diante da atual conjuntura de mudança na estrutura etária no Brasil, como aspecto a se considerar para o tratamento das especificidades dos idosos. Destaca então que 68 Médica, feminino, 18 anos de exercício profissional e especialista. 69 Enfermeira, feminino, 6 anos de exercício profissional, com Especialização em Vigilância Sanitária. 70 Assistente social, feminino, 25 anos de exercício profissional, com Especializações em Saúde Pública, em Unidades Básicas e Serviços de Saúde e Linguagem e Educação. 71 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 154 Eu acho que tem a questão do acesso também, né? Lógico, a gente as leituras, que apesar de não existir uma coisa específica, mas tudo na universidade, tudo na academia você acaba, né? E hoje tem muita coisa porque o Brasil envelheceu, né? Já deixou de ser o país que vai pra frente, porque o Brasil está envelhecendo, né? Por isso, de acordo com Martins et al (2007), para efetivar tal política, é necessário definir e/ou readequar planos, programas, projetos e atividades do setor saúde, que de modo direto ou indireto se relacionam com o seu objeto. É primordial a articulação entre Ministério da Saúde e as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, para sua operacionalização. Enfim, para que o mesmo alcance seus objetivos, as suas diretrizes essenciais necessitam ser cumpridas. No que concerne ao atendimento no SUS para as pessoas idosas, a profissional de B 72 destaca que, os hospitais acolhem a todos que precisam, de acordo com a hierarquização do SUS 73 , sem um público específico. Porém, no âmbito da atenção primária, é possível trabalhar com uma assistência a saúde voltada para o idoso, com ênfase na prevenção. No entanto, muitos pacientes quando internados alegam que tem dificuldade no acesso a rede básica e quando procuram pelo serviço de saúde, já estão com a saúde mais comprometida e precisam de internação. A profissional C 74 avaliou esse atendimento de forma incisiva que é “péssimo”. Já a profissional D 75 destaca como [...] pontual e não voltado propriamente para o idoso. Tanto na atenção primária quanto na média e alta complexidade, as políticas de saúde são mais definidas para crianças, gestantes e adultos em geral. Ainda falta uma maior efetividade no atendimento domiciliar e de internação. Fora isso, falta uma equipe multiprofissional voltada para reabilitação de idosos para reduzir sequelas decorrentes de algum agravo, como um AVC 76 ou alguma limitação física. 72 Assistente social, feminino, 25 anos de exercício profissional, com Especializações em Saúde Pública, em Unidades Básicas e Serviços de Saúde e Linguagem e Educação. 73 O SUS hierarquiza o sistema público de saúde em três níveis: baixa (unidades básicas de saúde), média (hospitais secundários e ambulatórios de especialidades) e alta complexidade (hospitais terciários). 74 Médica, feminino, 18 anos de exercício profissional e especialista. 75 Enfermeira, feminino, 6 anos de exercício profissional, com Especialização em Vigilância Sanitária. 76 Sigla para Acidente Vascular Cerebral. 155 Por sua vez, o profissional de serviço social A 77 ressalta que é importante pensar na articulação dos serviços de saúde de modo a construir uma rede de proteção à saúde do idoso mais articulada, ao afirmar que: Eu acho que tem um olhar diferente, certo? Até porque tem todas as associações, tem um monte de coisas assim voltadas para o idoso, talvez.. não seja uma rede ainda organizada, sabe? Assim, redondinha que funcione.. é que tem várias pessoas fazendo as mesmas coisas quando poderia ter um consórcio das pessoas, né? Estarem cada dia melhorando.. tipo assim, aqui eu faço só isso aqui e você já aumentava.. aí tem.. sei lá.. associação de ‘num sei o que’, aí faz trabalho com diabetes, aí eu posso estar trabalhando com diabetes, aí ‘vai lá e vai cá’. E continua afirmando: Assim, eu acho que num tá ‘bom’, né? mas tem melhorias, com certeza, a gente considerando que se você tiver um olhar no passado o idoso realmente, né? Hoje já está numa posição, tem muitas políticas voltadas, por exemplo, ‘dia do diabético’, tudo bem que tem muito jovem diabético, mas a maioria é idoso e está sempre tentando chamar atenção e essas coisas. A capacidade funcional surge como um novo conceito de saúde, mais adequado para instrumentalizar a política de atenção à saúde do idoso. Esse conceito diz respeito à capacidade de manter as habilidades físicas e mentais necessárias para uma vida independente e autônoma (PNSPI, 2006). Nesse sentido, essa Política afirma que o poder público deve criar condições para a promoção do envelhecimento saudável e a melhoria da capacidade funcional dos idosos de modo a garantir a participação na comunidade em que vivem para que exerçam de forma independente suas funções. Melo (2012) ressalta que para que isso ocorra, cabe ao setor saúde promover o acesso dos idosos aos serviços e ações voltadas à prevenção e recuperação de sua saúde. Afinal, a existência de doenças crônicas não impede o idoso de viver de forma independente, desde que devidamente tratadas. Apesar do avanço nas legislações que contemplam a saúde da pessoa idosa, é importante compreender que o processo de violação dos direitos relacionados a esse aspecto ocorre desde a infância, uma vez que as pessoas entrevistadas não tiveram acesso ao cuidado 77 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 156 da saúde ao longo da vida. O informante Z 78 destaca que “[...] quando eu adoecia em casa antes eu tomava uns remédios de casa mesmo e ficava bom”. E ainda hoje afirma que não faz nenhuma consulta preventiva, ou seja, a procura da saúde continua recaindo em práticas meramente curativas, apenas quando já tem a doença e busca-se algum tratamento. Do mesmo modo, a informante Y alega que, na infância, não tinha acesso à saúde nem quando adoecia e diz que: “(...) nesse tempo não tinha essas coisas não [postos de saúde]. Eu tomava chá de casa”. Sabe-se que até antes da implantação dos marcos regulatórios legais – sobretudo a Constituição Federal de 1988, a PNI (1994) e o Estatuto do Idoso (2003) – a rede de atenção à saúde ainda não estava completamente delineada e era mais frágil que hoje, em função da inexistência desses serviços. Contudo, ainda hoje o processo de consolidação da saúde como um direito se torna um desafio e cabe mostrar que a violação desses direitos é histórica e crônica. Embora a saúde apareça como a principal necessidade da classe trabalhadora, esta não é a prioridade de governo. Ainda mais em tempos de crise econômica, as iniciativas para o setor tem sido a manutenção do subfinanciamento, acrescido de sucessivos cortes orçamentários e ainda, a ampliação da saúde como espaço de acumulação de capital, com incentivo do governo para planos de saúde privados e terceirização da gestão pública. Envelhecer é um processo multidimensional – biológico, psicológico, social e cultural – inerente ao ser humano. É iniciado antes da velhice, fase que completa o curso natural da vida, cuja delimitação varia conforme o contexto. Assim, segundo AYRES et. al. (2003), a vulnerabilidade social é atribuída ao modo de obtenção de informações como acesso aos meios de comunicação, escolaridade, disponibilidade de recursos materiais, poder de influenciar decisões políticas, possibilidades de enfrentar barreiras culturais, estar livre de coerções violentas ou poder defender-se delas, bem como todos os aspectos referentes à estrutura, à organização e à dinâmica familiar. Assim, as condições culturais, econômicas e políticas precisam ser consideradas, quando se deseja compreender as razões pelas quais as pessoas pensam, fazem e querem coisas que as expõem a um agravo de longa duração ou a eventos não condizentes à qualidade de vida. A vulnerabilidade social do idoso decorre da diversidade de circunstâncias enfrentadas no cotidiano pela população envelhecida. Tais circunstâncias referem-se aos aspectos relacionados a questões culturais, sociais, econômicas, de saúde, entre outros. No 78 Masculino, 69 anos, não é aposentado e internado há 17 dias no momento da entrevista. 157 Brasil, o baixo valor das aposentadorias constitui um fator de vulnerabilidade social, pois expõe não apenas a pessoa idosa, mas todo o grupo familiar que sobrevive com esse recurso. O baixo valor das aposentadorias não consegue promover condição social adequada, ao alcance da qualidade de vida. Isso porque, conforme nos destaca Motta (2001, p. 02) o idoso apresenta peculiaridades distintas das demais faixas etárias, e sua avaliação no que se refere ao âmbito da saúde deve ser feita objetivando a identificação de problemas subjacentes à queixa principal, incluindo as avaliações funcionais, cognitivas, psíquicas, nutricionais e sociais, que interferem diretamente na sua saúde, grau de autonomia e independência. A falta de uma avaliação ampla, considerando as múltiplas dimensões e biopsicossociais, está diretamente relacionada ao retorno à internação e ao maior uso de serviços de saúde observados, culminando com maiores gastos na política de saúde, bem como nas demais políticas de Seguridade Social. Segundo Melo (2011), as despesas com o atendimento do idoso no âmbito da saúde é superior ao do restante da população. Em 2008, o custo médio de internação de uma criança ou adolescente foi de R$ 662,62, enquanto um indivíduo com 60 anos ou mais custou R$ 1.019,11, ou seja, o custo da internação do idoso é 53,8% superior ao da internação de uma criança ou adolescente (BRASIL, 2009). Além disso, conforme Hart (1971), considerando a “Lei dos Cuidados Inversos”, segundo a qual a disponibilidade de uma assistência médica tende a variar inversamente com a necessidade da população atendida, há uma tendência de redução dos atendimentos médicos aos idosos, ao passo em que cresce a demanda. Essa diferença ocorre em função de diversos fatores, dentre eles: a) a quantidade de dias de internação ser maior entre idosos; b) o tratamento exigir a utilização de meios e equipamentos de custos mais elevados, como hemodiálises, quimioterápicos; c) necessidade de medicamentos de custo elevados e por períodos maiores; e por último, d) a necessidade mais frequente de internações em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) (MELO, 2011, p. 13). Justificando esses gastos, Góis e Veras (2010) elucidam no que se refere ao SUS, que a elevação do custo com atenção médico-hospitalar aos idosos está principalmente relacionada com a taxa de utilização e de permanência nas instituições. Um fator preponderante para este alto custo é o fato de os idosos consumirem mais os serviços de saúde que pessoas de outras faixas etárias, pois, a presença de doenças crônico-degenerativas é bastante expressiva para essa população, implicando assim, internações contínuas, 158 recuperação mais lenta e permanência maior no leito, fazendo com que os gastos desse grupo sejam mais elevados que dos demais (VERAS, 2003). Diante desse cenário, a Tabela 3 destaca as despesas com a Autorização de Internações Hospitalares (AIH) para os idosos em 2010 e uma projeção para 2030. Tabela 3 – Despesas e projeções com AIH até 2030 Ano População Idosa Autorização de Internações Hospitalares (R$) 2010 19.282.049 2.796.680.762,30 2015 23.230.287 3.632.084.142,84 2020 28.321.799 5.087.897.711,44 2025 34.476.073 7.646.726.599,33 2030 40.472.804 11.373.217.541,99 Fonte: Adaptado de Melo (2011). Esses dados elucidam a necessidade de enfatizar a prevenção em longo prazo, uma vez que quanto mais idosos saudáveis, menores serão os custos com a saúde deste estrato populacional que tende a crescer ainda mais nos próximos anos. Em outras palavras, é necessário criar condições a partir de uma proposta integrada do conjunto das políticas que perpassam o âmbito da Seguridade Social, para que a população em geral tenha acesso a hábitos de vida saudáveis, considerando o conceito ampliado de saúde, de modo a favorecer a diminuição dos gastos com o setor saúde futuramente. Ou seja, evidencia-se que considerar a saúde do idoso, pressupõe contemplar a saúde das demais faixas etárias e, considerando o envelhecimento populacional, torna-se cada vez mais imperativo buscar estratégias de saúde que permitam a integração dos jovens do país. Sobre esse aspecto, Melo (2012, p. 56) assinala que Não existe a cultura de se pensar na longevidade. Quando se tem uma juventude saudável, dificilmente pensa-se em prevenção em longo prazo, não há preocupação com o futuro, com precaução ou cuidados, daí a maior propensão para o aparecimento de doenças crônicas na velhice. Mas é importante assinalar que envelhecer não significa necessariamente viver doente ou dependente. Reforçando essa concepção, Schraiber e Mendes (2000) acreditam que os principais fatores de risco associados ao aparecimento de doenças na velhice estão relacionados ao 159 “estilo de vida”. Desse modo, muitas doenças são decorrentes de péssimas condições e longas cargas horárias de trabalho, má alimentação, hábitos nocivos como tabagismo, sedentarismo, etilismo e nenhuma prevenção. De acordo com Veras (2003), envelhecer com alguma debilidade é quase uma regra, o que explica a grande procura por serviços de saúde. Para este autor a maioria das doenças que acometem os idosos tem na própria idade seu principal fator de risco. Tal concepção apesar de verdadeira desconsidera que as condições de saúde dos idosos também têm estreita relação com a trajetória de vida e de trabalho que estes percorreram, e com o ambiente e o acesso aos serviços de saúde. Por isso Todaro e Jacob Filho (2009) desmistificam a ideia de que velhice é doença, e afirmam que é necessário romper com esses estigmas e que a sociedade também é responsável para promover boas condições de vida para os idosos. Vale salientar que No que se refere aos serviços oferecidos pelo SUS, não se verifica a hipótese de que os custos médios dos procedimentos realizados em idosos sejam mais caros do que aqueles das idades mais jovens. A elevação das despesas com saúde dos idosos não é explicada pela elevação dos custos dos procedimentos e, sim, pela frequência, ou seja, pelo consumo mais elevado destes (NUNES, 2004, p. 433). Os indivíduos devem sim preservar sua própria saúde, mas o Estado deve criar condições que favoreçam a qualidade de vida na velhice. Mais que uma atitude individual de prevenção torna-se necessário desenvolver medidas preventivas por parte do poder público. E porque não dizer a realização de um trabalho com a população jovem e adolescente de educação em saúde, visando um envelhecimento saudável. Segundo Melo e Maia (2010) um dos principais desafios na área da saúde além de maciço investimento financeiro é a presença de instituições com estrutura adequada para responder as demandas dos idosos, principalmente pela falta de recursos humanos qualificados e comprometidos com a promoção da saúde deste estrato populacional. Como os idosos são grandes usuários dos serviços de saúde é imprescindível que os profissionais compreendam que a velhice é um fenômeno complexo e constituído de inúmeras dimensões. Não é objetivo aqui negar que área da saúde avançou bastante nos últimos anos, entretanto, muito ainda precisa ser feito, pois existe um fosso entre a legislação e a realidade dos idosos no país. Quando o Estatuto do Idoso assegura a prevenção e a proteção da saúde desse segmento, o Estado deve responsabilizar-se por promover as condições adequadas para alcançar esses princípios. 160 Observa-se então que o aumento da expectativa de vida tem suscitado uma demanda maior no setor da saúde pública para a população idosa, culminando com uma expansão significativa de custos ao SUS, confirmando a concepção da “lei dos cuidados inversos” proposta por Hart (1971). Nesse sentido, conforme Góis e Veras (2010), as medidas de saúde pública que objetivem melhor atenção ao idoso não precisam, necessariamente, elevar as despesas com saúde, mas sim substituir a quantidade de procedimentos de internação pela qualidade desse serviço, reduzindo assim as taxas de utilização, de forma que o paciente volte menos vezes ao hospital. Conforme destaca Melo (2012), é possível notar que o perfil epidemiológico do Brasil mudou consideravelmente nos últimos anos. Antes o perfil de mortalidade era característico de uma população jovem, atualmente é marcado por doenças próprias do envelhecimento. Não bastassem esses entraves, os idosos ainda se deparam com o precário cenário do setor saúde do país e muitas vezes são culpabilizados por este estado, haja vista a grande demanda por estes serviços. Além disso, Melo (2011) aponta que as doenças crônicas constituem as principais causas de óbitos e de gastos hospitalares e ambulatoriais. Os custos com as doenças crônicas são elevados e que demandam mais serviços de saúde por serem de longa duração. Mantida a tendência de gasto, o envelhecimento da população deverá comprometer mais recursos públicos com saúde, o que demanda uma maior preparação desse setor para lidar com essa provável realidade. Assim, a problemática social que envolve a saúde do idoso, face à sua dimensão, exige uma política ampla e expressiva que suprima ou, pelo menos, amenize a realidade que espera aqueles que vivem até idades mais avançadas. Exige, principalmente, uma política que seja efetivada considerando as perspectivas de desenvolvimento para a fase tardia do ciclo de vida, o que significa que o perfil biopsicossocial do ser humano passa a exigir novos enfoques culturais, sociais e de saúde. Diante desse quadro, Montaño (2007) argumenta que os que tiverem condições de contratar serviços privados terão serviços de boa qualidade, mas os que não puderem, terão que receber os pontuais e paliativos serviços estatais. Para este autor, essa situação além de aumentar as desigualdades sociais, elimina a política social como direito e fomenta o clientelismo. De fato, se observarmos o perfil dos usuários do SUS veremos que a maioria é constituída por pessoas da camada baixa, afinal poucos que têm acesso ao mercado fazem uso deste sistema. 161 Além disso, para Paiva (2014), um dos grandes desafios para a saúde pública do Brasil está relacionado com o cuidado da população envelhecida, sendo a maioria com pouca ou nenhuma escolaridade, baixo nível socioeconômico e acometida por elevada prevalência de doenças. Soma-se a isso a abolição de práticas sociais profissionais responsáveis por promover a estigmatização e a segregação da velhice ao desvincular a pessoa idosa de sua condição de indivíduo social, no âmbito do SUS. É necessária a criação de alternativas viáveis para a reversão do atual quadro das políticas de saúde no país, de modo que supere seu histórico padrão excludente e ineficaz, principalmente no que concerne à saúde do idoso (MELO, 2012). Cabe ao Estado assegurar a saúde da população idosa, através da criação de ações e serviços que visem à redução dos riscos de doenças ou do estabelecimento de condições que garantam o acesso dessa população a melhores condições de sobrevivência, haja vista que a saúde não se refere à ausência de doença apenas, mas à qualidade de vida em sua totalidade. 162 4 A INSERÇÃO DO HRPS NA SAÚDE PÚBLICA NO RN E O PAPEL DOS PROFISSIONAIS E CUIDADORES: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DESAFIOS DA GARANTIA DOS DIREITOS DOS PACIENTES IDOSOS INTERNADOS “Não venci todas as vezes que lutei, mas perdi todas as vezes que deixei de lutar”. (Mário Quintana) Frente ao envelhecimento da população idosa brasileira, há a necessidade de estruturação de serviços e de programas de saúde pública de modo que possam responder às demandas emergentes do novo perfil demográfico do país em suas especificidades. Como já destacado, os idosos utilizam os serviços hospitalares de maneira mais intensiva que os demais grupos etários, envolvendo maiores custos, implicando no tratamento de duração mais prolongada e de recuperação mais lenta e complicada. Isso porque, com o avanço na idade, a manutenção da qualidade de vida torna-se mais desafiadora. Assim, a ideia que norteia as questões da saúde do idoso diz respeito à manutenção de vida autônoma e independente, expressa pela capacidade de autodeterminação e execução de ABVD sem necessidade de ajuda durante a velhice, de modo a tornar imprescindível sua avaliação. Desse modo, o modelo de saúde pública que se implantou no Brasil foi resultado de um processo histórico marcado por práticas com ênfase nas medidas curativas e pontuais sobre determinados focos que incidiam na sociedade. É sob esse viés que as políticas de saúde desenvolvidas para as pessoas idosas foram se desenvolvendo lentamente, sendo enfatizadas somente a partir da década de 1990. Ou seja, no âmbito da saúde, os idosos brasileiros sofreram com a falta de ações e, consequentemente, foram submetidos a um processo histórico de violação de direitos. Aliada a essa transição demográfica, observa-se também a transição epidemiológica caracterizada no mais das vezes pela redução da morbi-mortalidade por doenças infectoparasitárias e aumento da morbi-mortalidade por doenças crônicas. As doenças crônicas são em geral incuráveis, demandam tratamento contínuo e possuem complicações que podem culminar em incapacidades funcionais. A idade avançada contribui para a suscetibilidade a doenças e maior probabilidade de morte. Assim, o idoso é um ser vulnerável não apenas no aspecto biológico, mas também no aspecto social decorrente das diversas situações cotidianamente vivenciadas e relacionadas a questões culturais, econômicas e políticas. Quando existe a necessidade de hospitalização do idoso, espera-se que não tenha longa duração e que ele e sua família recebam orientações para 163 o cuidado domiciliar. No entanto, o que se observa é a falta de preparo dos serviços de saúde para lidar com as características dos idosos, onde o HRPS não está excluído. Como os serviços de saúde estão inseridos em uma realidade mais ampla de saúde pública, torna-se necessário empreender uma breve análise da atual conjuntura vivenciada pelo RN, de modo a compreender o contexto em que o Hospital em análise está inserido. Posteriormente, busca-se realizar uma caracterização do HRPS, destacando a importância dos profissionais de saúde e dos acompanhantes para evitar a violação de direitos dos pacientes idosos internados. 4.1 CARACTERÍSTICAS DA SAÚDE PÚBLICA LOCAL: A ESTRUTURA DA REDE DE ATENDIMENTO DO RIO GRANDE DO NORTE E DO MUNICÍPIO DE NATAL A saúde de uma população, nítida expressão das suas condições concretas de existência, é resultante, entre outras coisas, da forma como é estabelecida a relação entre o Estado e a sociedade. A ação do Estado no sentido de proporcionar qualidade de vida aos cidadãos é feita por intermédio das políticas públicas e, dentre as políticas voltadas para a proteção social, estão às políticas de saúde. É importante considerar que as necessidades de saúde dos idosos requerem uma atenção específica que pode evitar altos custos para o SUS e, sobretudo, proporcionar melhores condições de saúde a essas pessoas. Conforme já analisado, em atenção a essas necessidades programou-se no Brasil uma série de estratégias voltadas especificadamente para essa parcela da população, tendo como base assegurar o envelhecimento saudável. Miyata et al. (2005) destacam que evocando as responsabilidades institucionais, compete ao Estado e aos gestores do SUS, de forma articulada e em conformidade às suas atribuições comuns e específicas, prover os meios e atuar de modo a viabilizar o alcance do propósito dessas políticas. Por outro lado, reitera-se a importância da sociedade, faça jus ao seu papel de eleitora e fiscalizadora, e cobre de seus governantes para que essas medidas sejam efetivamente cumpridas. Isso implica o desenvolvimento de um amplo conjunto de ações, com ênfase naquelas compreendidas no processo de promoção da saúde e que, por isso mesmo, requer o compartilhamento de responsabilidades específicas tanto no âmbito interno do setor saúde, quanto no interior das demais políticas de Seguridade Social. Nesse sentido, os gestores do SUS deverão estabelecer, em suas respectivas áreas de abrangência, processos de articulação permanente, visando o estabelecimento de parcerias e a 164 integração institucional que viabilizem a consolidação de compromissos multilaterais efetivos. Em igual medida, estimular a participação de diferentes segmentos da sociedade na definição de estratégias para a saúde contribui para garantir um SUS democrático e que atenda aos interesses da população 79 . Com isso, modificar conceitos já enraizados, incorporar de forma sistemática e crítica as novas tecnologias, aprender a falar em recursos financeiros e levar o conhecimento da saúde coletiva para o interior da rede de assistência médica, além da necessidade de viabilizar uma política de saúde para um país com demandas crescentes tornam-se desafios. A transição demográfica, no Brasil, está em curso e ainda vai se expressar de forma mais intensa a partir dos próximos anos. Portanto, este crescimento populacional demanda novas estratégias que possam fazer frente ao aumento exponencial ao número de idosos potencialmente dependentes, capazes de consumir uma parcela desproporcional de recursos do setor de saúde. Diante desse cenário, é preciso analisar como está estruturada a rede de serviços de saúde do RN, a fim de compreender as particularidades do sistema de saúde no que se refere às demandas da população idosa, enfatizando a rede de serviços que inscreve o HRPS, cujo público majoritário consiste nessa parcela da população. 4.1.1 “A saúde pede socorro” 80: reflexões sobre a realidade da saúde pública do Rio Grande do Norte A precariedade da saúde no Brasil está condicionada pela etapa do capitalismo em que estamos inseridos. Sob o imperialismo, não há mais possibilidades de avanços sociais permanentes e em larga escala. O Brasil comparece perante o sistema capitalista mundial como um país semicolonial, onde concepções atrasadas e formas altamente tecnológicas são combinadas. As longas filas de espera para exames, consultas e cirurgias, a falta de médicos, hospitais, leitos e equipamentos não podem ser vistas de forma isolada. Conforme Madeiro (2013), em que pesem os louváveis diplomas legais criados para garantir e viabilizar a efetivação do direito à saúde no Brasil, enquanto direito fundamental de todos e dever do Estado, é observada atualmente pela sociedade a decadência da saúde pública em todos os estados brasileiros e o consequente sucateamento do SUS. A crise na saúde pública do Brasil deve ser considerada sob três aspectos básicos, quais sejam: a deficiência na estrutura física, a falta de disponibilidade de material-equipamento- medicamentos e a carência de recursos humanos. Além disso, 79 Conforme consta na Lei 8.142/1990, a qual dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS. 80 Adaptado de SindSaúde (2015). 165 A dificuldade no acesso e a ineficácia dos serviços prestados na Atenção Primária têm contribuído cada vez mais para a superlotação dos hospitais públicos, onde milhares de brasileiros padecem nas filas, mendigando por uma simples consulta, um exame diagnóstico ou uma cirurgia eletiva. A deficiência no número de leitos obriga os pacientes, na maioria das vezes, a passarem semanas acomodados no chão, em colchões ou em macas, largados nos corredores ou na recepção dos hospitais, à espera de um leito de enfermaria ou de UTI. Tal situação fere não só a dignidade do povo, mas também dos profissionais de saúde que são obrigados a conviverem diariamente com cenas tão fortes. A precariedade dessa situação fática leva ao retardo no diagnóstico de doenças e, consequentemente, uma piora em muitos prognósticos, podendo ocasionar em alguns casos, a própria morte, antes mesmo do atendimento (MADEIRO, 2013, p. 3). A partir das tarefas democráticas não resolvidas, verifica-se que o capitalismo é um regime histórico esgotado. Segundo o Sindicato da Saúde do RN (SindSaúde) (2015) não haverá direito universal à saúde no país enquanto existir a miséria (que persiste apesar da maquiagem do governo); analfabetismo; falta de saneamento básico e um salário mínimo que preenche menos de ¼ das necessidades vitais de uma família trabalhadora. A solução desses problemas, por sua vez, se choca com a base do próprio sistema capitalista, que é a apropriação privada da riqueza produzida socialmente. Nesse contexto, o sistema de saúde expressa o domínio da classe burguesa. Os atendimentos mais eficazes da medicina tecnológica são destinados à burguesia e à alta classe média, capazes de pagar enormes custos dos planos de saúde privados. As desigualdades regionais, que correspondem à lei do desenvolvimento desigual e combinado, operam decisivamente sobre o atendimento recebido. Há uma gigantesca concentração de médicos e hospitais no Sudeste e nas capitais. Segundo pesquisa realizada pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) (2011), 45% dos cursos de medicina estão no Sudeste. Do total de vagas disponíveis, 58,7% são oferecidas por instituições privadas e 41,3% por escolas públicas. Além disso, O Sudeste, com 2,61 médicos por 1.000 habitantes, tem concentração 2,6 vezes maior que o Norte (0,98). O resultado do Sul (2,03) fica bem próximo do alcançado pelo Centro Oeste (1,99). Ambos têm quase o dobro da concentração de médicos por habitantes do Nordeste (1,19). A concentração tende a ser maior nos polos econômicos, nos grandes centros populacionais e onde se concentram estabelecimentos de ensino, maior quantidade de serviços de saúde e, consequentemente, maior oferta de trabalho. Regiões menos desenvolvidas, mais pobres e interiores de estados com grandes territórios e zonas rurais extensas têm, sabidamente, maior dificuldade para fixar e atrair profissionais médicos. 166 Ainda segundo a pesquisa realizada pelo CRM (2011), os conselhos de Medicina registravam em 2011 a existência de 371.788 médicos em atividade no Brasil. O número confirma uma tendência de crescimento exponencial da categoria, que perdura 40 anos. Entre 1970, quando havia 58.994 médicos, e o presente momento, o número de médicos saltou 530%. O percentual é mais de cinco vezes maior que o do crescimento da população, que em cinco décadas aumentou 104,8%. O aumento expressivo do número de médicos no Brasil resulta de uma conjugação de fatores. Entre eles, estão as crescentes necessidades em saúde, as mudanças no perfil de morbidade e mortalidade, as garantias de direitos sociais, a incorporação de tecnologias médicas e o envelhecimento da população. Também não podem ser ignorados fatores como a expansão do sistema de saúde e a oferta de mais postos de trabalho médico, entre outros. Conforme o Relatório Anual da SESAP (2014) tem a sua missão estabelecida no âmbito da Administração Estadual, estando a sua linha de competência atrelada à responsabilidade de coordenar e implementar a Política Estadual de Saúde em consonância com os princípios e diretrizes do SUS, na perspectiva da promoção à saúde, atenção integral à saúde, promovendo a melhoria da qualidade de vida da população norteriograndense. Para a consecução de tal missão direciona suas ações a partir do macro-objetivo de avançar na consolidação de um sistema de saúde universal, equânime e integral, articulando territorialmente, de forma solidária e intersetorial com enfoque sobre necessidades, risco, determinantes sociais e condição de vida. Órgão de natureza substantiva, integrante da Administração Direta, a SESAP foi fundada em 1964, através da Lei nº 3.088, de 17/02/1964. No final da década de 1970 e início dos anos 1980, foram organizadas sete estruturas regionais, denominadas na época de Diretorias Regionais de Saúde (DIRES), tendo como sede municípios considerados naquele momento como polos ou estratégicos, por servirem de referencial para a população de uma determinada área, sendo este mesmo critério adotado para a definição da base territorial de cada DIRES. Desse modo, foram estruturadas as seguintes DIRES: I - São José de Mipibu, II – Mossoró, III – João Câmara, IV – Caicó, V – Santa Cruz, VI – Pau dos Ferros e Metropolitana. Essas estruturas regionais foram reconfiguradas ao longo do tempo, e atualmente correspondem a oito, denominando-se Unidade Regional de Saúde Pública (URSAP). A estrutura organizacional, e o quadro de cargos comissionados e funções gratificadas da SESAP/RN sofreram modificações desde a sua criação, acompanhando as reformas administrativas da Administração Estadual, sendo as alterações mais recentes introduzidas 167 pela Lei Complementar nº 163, de 05/02/1999, alterada posteriormente pelos dispositivos da Lei Complementar nº 168, de 28/10/1999, e mais adiante pela Lei Complementar nº 215, de 11/12/2001. Atualmente a rede prestadora de serviços de saúde da SESAP é constituída de 41 unidades, caracterizadas como unidades e hospitais de referência e unidades de apoio, seguindo ainda a mesma linha de competência estabelecida pela já mencionada Lei Complementar nº 163/99. Apesar de poder ser constatado que a estrutura e a competência da SESAP passaram por diversas transformações desde a sua criação, as mesmas necessitam submeter-se a novas modificações, a fim de tornarem-se compatíveis com a conjuntura atual das políticas de saúde, sendo capazes de contemplar os modelos de gestão e organização aqui preconizados, dotando a instituição de atributos que possibilitem o enfrentamento dos problemas de saúde da população, em conformidade com os preceitos constitucionais e com o que hoje se coloca como função das secretarias estaduais no âmbito do SUS. Isso pode ser ratificado mediante as constatações evidenciadas por uma breve análise dos processos produtivos da SESAP/RN, que revelam: desorganização e inadequação dos processos; falta de padronização e diferentes interpretação sobre um mesmo processo; indefinição dos fluxos e das interfaces; indefinição de papéis e responsabilidades; e falta de alinhamento dos processos com os produtos/serviços entregues, resultando na baixa produtividade da organização. Além disso, as responsabilidades da SESAP/RN, enquanto Órgão de Direção Estadual do SUS trazem um novo balizamento no campo da sua competência para o alcance das diretivas apontadas pelo Decreto nº 7.508/2011, correspondentes a saber:  Promover a descentralização para os municípios dos serviços e das ações de saúde;  Acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do SUS;  Prestar apoio técnico e financeiro aos municípios e executar supletivamente ações e serviços de saúde;  Coordenar e, em caráter complementar, executar ações e serviços de vigilância epidemiológica, vigilância sanitária, alimentação e nutrição e saúde do trabalhador;  Participar, junto com os órgãos afins, do controle dos agravos do meio ambiente que tenham repercussão na saúde humana;  Participar da formulação da política e da execução de ações de saneamento básico; 168  Participar das ações de controle e avaliação das condições e dos ambientes de trabalho. Evidencia-se, portanto, a real necessidade de efetivação de um novo ajuste na estrutura organizacional da SESAP de modo a adequá-la às suas novas funções, enquanto órgão gestor no SUS, permitindo o atendimento da complexidade que reveste as práticas de saúde, a partir do exame da dinâmica operacional pretendida. Para tanto, considerando-se que a definição de uma estrutura organizacional deva resultar da soma dos meios empregados para dividir tarefas e realizar sua coordenação, sem que haja fragmentação da visão macro e micro-sistêmica, coloca-se como imperativo a adoção de mecanismos que efetivem a linha de gestão, representados pelo ajustamento mútuo, com a utilização de processos informais de comunicação, promovendo a integração intra-institucional; da supervisão direta, com o envolvimento dos atores relacionados à função sob a ótica da responsabilização; e da padronização de procedimentos, visando resultados e qualificação necessários para o exercício de cada função. Nesse contexto, o entendimento da dinâmica organizacional requer o aprofundamento das considerações sobre as suas partes componentes e os circuitos ou fluxos que integram e articulam estas diversas partes, por meio dos quais o processo decisório, os materiais e a informação circulam e produzem os seus efeitos. Desse modo, torna-se necessária, além da contemplação dos fluxos de autoridade e de regulamentos, a inclusão nessa linha de aprimoramento dos fluxos de comunicação informal, de constelações de trabalho e possibilitando a organização do processo de trabalho a partir dos próprios indivíduos. Assim, vislumbra-se a precisão de dotar a instituição de setores especializados capazes de responder à complexidade organizacional que reveste a SESAP, enquanto órgão gestor, dando conta tanto das atividades operacionais ou finalísticas, como das atividades administrativas ou intermediárias. Conforme Campos (2008), essas formulações devem buscar articular os serviços de saúde em rede sob a ótica da gestão pública; recriar/reinventar os serviços de saúde, democratizando-os e permitindo a expressão dos interesses e necessidades de trabalhadores e usuários, de tal forma que fosse possível tornar as organizações de saúde ao mesmo tempo produtoras de valor de uso (de serviços com utilidade para a sociedade) e se constituírem em espaços privilegiados de produção de novos sujeitos. Lançava a discussão, nesta via, sobre as finalidades das organizações, que não se restringiam, como se advogava predominantemente, à produção de serviços e bens, incluindo entre seus fins a produção de sujeitos. 169 A rede hospitalar gerida pela SESAP no RN é composta pelos hospitais, listados abaixo (Quadro 5): Quadro 5 – Rede hospitalar por município de localização e total de leitos do RN em 2011 Unidade Município Total de Leitos Acari Hospital Regional Odilon Guedes 32 Apodi Hospital Regional Hélio Morais 43 Angicos Hospital Regional de Angicos 28 Assu Hospital Regional Nelson Inácio 50 Caicó Unidade Hospitalar Regional do Seridó 81 Caraúbas Hospital Regional Aguinaldo Pereira 30 Canguaretama Hospital Regional Getúlio Sales 40 João Câmara Hospital Regional Josefa Alves 37 Macaíba Hospital Regional Alfredo Mesquita 38 Mossoró Hospital Rafael Fernandes 33 Mossoró Hospital Regional Tarcísio Maia 104 Mossoró Hospital da Mulher Parteira Maria Correia 38 Natal Hospital Giselda Trigueiro 126 Natal Hospital José Pedro Bezerra 176 Natal Hospital Estadual Walfredo Gurgel 243 Natal Hospital Maria Alice Fernandes 77 Natal Hospital Colônia Dr. João Machado 160 Natal Hospital Estadual Dr. Ruy Pereira dos Santos 92 Parnamirim Hospital Regional Deoclécio Marques 84 Pau dos Ferros Hospital Regional Cleodon Carlos 54 Santo Antônio Hospital Regional Lindolfo Gomes Vidal 40 São Paulo do Potengi Unidade Materno Infantil São Paulo do Potengi 40 São José do Mipibu Hospital Monsenhor Antônio Barros 53 Total 1729 Fonte: Ministério da Saúde – Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) do Brasil, 2014. A partir da análise do Quadro, pode-se vislumbrar a complexidade no sistema hospitalar do RN, por ter a característica de muitos hospitais de pequeno porte. Além disso, de acordo com o Relatório Situacional da SESAP (2014), no período de 2008 a 2011, deve-se 170 considerar a concentração dessas unidades (64%) na Região Metropolitana de Natal (RMN), seguida da Região Oeste (Mossoró), da Região do Seridó e do Alto Oeste, ao passo em que as internações ocorridas na Região do Mato Grande e Salineira e do Vale do Assu não foram significativas. Além disso, o referido documento aponta que as especialidades que mais internaram nesse período foram a clínica médica (com 29,2%), ocorrendo 28,8% das internações na clínica cirúrgica, seguida da clínica obstétrica com 23,4% e a pediatria com 12%. O Ministério da Saúde 81 orienta que os estabelecimentos de saúde que possuem um quantitativo inferior a 50 leitos cadastrados no Sistema Nacional de Estabelecimento de Saúde (SCNES) e classificados como Unidades Mistas, hospitais gerais e hospitais especializados, que tenham ou não aderido à Política Nacional de Hospitais de Pequeno Porte, tendo um período de 3 anos, para se enquadrarem em um dos seguintes perfis:  Hospital geral ou especializado com, no mínimo, 20 leitos;  Hospital especializado em pediatria, cuidados prolongados ou maternidade, com, no mínimo, 40 leitos;  Hospital-dia clínico e/ou cirúrgico com, no mínimo, 5 leitos;  Centro de parto normal;  Unidade de Pronto Atendimento (UPA);  Unidade Básica de Saúde (UBS) com ou sem sala de estabilização;  Centro de Atenção Psicossocial (CAP);  Clínica especializada ou sem sala de estabilização;  Policlínica com ou sem sala de estabilização;  Outros. A mesma normativa propõe os seguintes objetivos:  Reformular o atual modelo de gestão e atenção hospitalar no SUS do RN;  Definir e classificar o perfil dos estabelecimentos hospitalares, respeitando as necessidades locais e regionais de saúde, bem como, diretrizes das redes temáticas em saúde em cada região; 81 Consulta Pública, N. 19. DOU 05/11/2012. 171  Estabelecer os mecanismos de articulação entre os hospitais e demais pontos da rede de atenção, na perspectiva da integralidade e continuidade do cuidado, de forma racional, harmônica, sistêmica e regulada;  Estabelecer as competências e as responsabilidades dos gestores, transformando as relações de trabalho e formando compromissos entre profissionais, usuários e instituição. Para isso e visando fortalecer as práticas assistenciais e gerenciais, o Relatório Situacional da SESAP (2014) destaca que os hospitais da rede estadual devem possuir densidade tecnológica e estrutura física, processos organizativos e profissionais adequados ao perfil assistencial e contar com, no mínimo, 30 leitos. Vale ressaltar que essa nova configuração da rede hospitalar do estado deve ser baseada nas necessidades regionais com aprovação obrigatória na Comissão Intergestores Regionais (CIR) e pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB). Conforme o Relatório Situacional da SESAP (2014), no RN existe um total de 6.758 leitos SUS (Tabela 4) para o atendimento da população de forma geral. Todavia, salienta-se que esses apresentam baixa resolutividade, observando uma melhor resposta na RMN. Tabela 4 – Distribuição do número de leitos hospitalares por especialidades e quantidade do SUS no RN em 2012. Especialidade Existente SUS Cirúrgico 1.749 1.307 Clínico 2.629 2.233 Complementar 726 456 Hospital-Dia 81 47 Obstétrico 1.139 1.083 Pediátrico 1.105 1.066 Outras 793 566 Total 8.222 6.758 Fonte: Adaptado do Relatório Situacional da SESAP (2014). De um modo geral, o Brasil conta com poucos leitos de terapia intensiva disponíveis para atender a demanda de pacientes, o que se justifica pelo alto custo de manutenção. A insuficiência de leitos de cuidados intensivos vem sendo um dos grandes entraves do cuidado, 172 uma vez que, no RN existe um défict de 237 leitos de terapia intensiva, tornando-se ainda mais grave a situação pela inexistência desse cuidado em cinco regiões de saúde. No que se refere a UTI, o número de leitos, pode ser descrito na Tabela 5 abaixo: Tabela 5 – Número de leitos de UTI habilitados por região de saúde, especialidade e a real necessidade do RN em 2012 Região Adulto Pediátrico Neonatal Total Necessidade* I 0 0 0 0 53 II 51 0 17 68 68 III 0 0 0 0 47 IV 4 0 0 4 45 V 0 0 0 0 28 VI 0 0 0 0 35 VII 132 28 64 224 179 VIII 0 0 0 0 23 Total 183 28 81 292 478 Fonte: Relatório Situacional da SESAP (2014). * No cálculo das necessidades foram considerados os leitos de UTI adulto, pediátrico e neonatal. Esse estudo foi elaborado pelo Relatório Situacional da SESAP em 2014 e foi feito com base nos parâmetros da OMS, que estabelece uma oferta adequada de 2,5 a 3 leitos/1.000 habitantes, e que destes, de 4 a 10% devem ser destinados a UTI. A SESAP assinala que a dificuldade maior nesse nível de atenção ocorre pela falta de médicos intensivistas, sobretudo nas regiões mais afastadas da capital. O retrato do caos da saúde pública do RN é assustador. A falta de medicamentos, insumos, reagentes para laboratório, leitos em clínica médica, UTI´s, pediatrias e ortopedias fazem com que as macas se amontoem nos corredores dos hospitais do estado sem a mínima condição de assistência a saúde. Isso sem considerar a falta de profissionais, que segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE) em 2014, chegam a, aproximadamente, 2000 profissionais de saúde. A Coordenadoria de Operação de Hospitais e Unidades de Referência (COHUR) possui uma governabilidade delimitada para com as unidades de referência abaixo relacionadas. Por questão de celeridade nos processos de trabalho em cada unidade, o gestor atribuiu uma determinada autonomia, onde essas unidades realizam suas próprias aquisições de bens e serviços e se reportam diretamente ao Gabinete do Secretário-Adjunto. No entanto, 173 a COHUR realiza de maneira efetiva um acompanhamento das ações dessas unidades. São elas:  UNICAT;  Centro de Referência Infantil e Adulto (CRI/CRA);  Laboratório Central (LACEN);  Hemocentro do Rio Grande do Norte Dalton Cunha (HEMONORTE);  Serviço de Verificação de Óbito (SVO). Além disso, a SESAP dispõe do Conselho Estadual de Saúde (CES), que é um órgão colegiado, deliberativo, paritário e de natureza permanente, que integra o SUS no âmbito da SESAP. Está diretamente ligado ao gabinete do secretário de saúde, de forma a preservar sua autonomia. A criação do CES foi estabelecida por lei estadual com base na Lei nº 8.142/90. O CES/RN é presidido por um dos seus membros, escolhido mediante eleição, através do voto direto e secreto, por maioria simples, exigido o comparecimento de metade mais um de seus integrantes. O mandato é de um ano, podendo ser reconduzido por igual período. O que se observa no RN, é que os governos vem reduzindo o investimento na saúde. Segundo o SindSaúde (2015), o investimento caiu de 16% em 2007 para 12,9% em 2014. Mesmo estando dentro do limite constitucional, está claro que é insuficiente. O resultado foi uma grande crise de desabastecimento afetando toda a rede hospitalar e o serviço de distribuição de medicamentos de alto custo pela Unidade Central de Agentes Terapêuticos (UNICAT). O resultado é a realidade vivida pelos pacientes do Hospital Estadual Walfredo Gurgel (HEWG), onde em 2013 morriam cerca de 200 pessoas todos os meses por falta de leitos de UTI e onde os corredores seguem lotados (SINDSAÚDE, 2015). Além disso, segundo o Sindsaúde (2015), é o caso das péssimas condições em que são submetidas às mulheres durante o parto, muitas vezes ficando o período de pré-parto em cadeiras ou mesmo parindo no chão como assistimos no Hospital José Pedro Bezerra (também conhecido como Hospital Santa Catarina) ou duas pacientes com seus recém-nascidos dividindo um leito no Hospital da Mulher, em Mossoró. Nos últimos anos 82 , houve intensificação do desabastecimento, atraso no pagamento de fornecedores e das empresas terceirizadas, e suspensão dos repasses do Programa de 82 Sobretudo no governo de Rosalba Ciarlini (2010-2014). 174 Farmácia Básica aos municípios, resultando numa constante instabilidade no funcionamento de toda rede de saúde pública do RN. Soma-se a isso o fechamento de serviços como as pediatrias do Deoclécio Marques e Santa Catarina e do Centro de Saúde Reprodutiva. Um constante movimento de reduzir ainda mais os gastos na saúde. Ao passo em que ocorre o sucateamento e a destruição da saúde pública, o setor privado encontra espaço para ser fortalecido e avançar, utilizando o amparo legal da Lei Orgânica da Saúde (LOS) da saúde complementar, das terceirizações, contratações de serviços, de pessoais e de equipamentos para retirar recursos do Ministério da Saúde que poderiam ser direcionadas para o investimento da saúde pública. Além de mais da metade dos gastos com saúde terem origem privada, o que desnuda a farsa da universalização, grande parte do orçamento público para a saúde é transferido para a iniciativa privada. Conforme enfatiza o Sindsaúde (2015), atualmente 62% dos recursos públicos destinados a procedimentos de alta e média complexidade são absorvidos por convênios e serviços de rede privada, por meio do SUS. Desde o movimento pela Reforma Sanitária, que antecedeu e influenciou a Constituição Federal de 1988, estabeleceu-se a meta de uma estatização gradual e progressiva. O SUS já foi lançado como um sistema apenas parcialmente público, que admitia a saúde privada como complementar. O complementar, porém, torna-se cada vez mais o principal. As políticas do Estado não apontam para o caminho da progressiva estatização, mas sim da acelerada universalização do sistema privado. Ou seja, a coexistência do público com o privado condiciona a destruição do público. O Governo Federal, estados e municípios lançam medidas que aprofundam a privatização da Saúde. Com incentivos aos planos privados na forma de isenções fiscais, subsídios para a expansão do mercado e linhas de crédito. O número de usuários de planos de saúde passou de 34,5 milhões, em 2000, para quase 47 milhões, em 2011, tornando o Brasil o 2º mercado mundial de seguros privados (SINDSAÚDE, 2015). Além disso, a pesquisa do CRM (2011) revelou que os usuários do SUS contam com quatro vezes menos médicos que os usuários do setor privado para atender suas necessidade de assistência. Quando se considera a dimensão da população que depende exclusivamente do SUS (3,25 vezes maior que a dos planos), constata-se que a clientela da saúde privada conta com 3,9 vezes mais postos de trabalho médico disponíveis que os usuários da rede pública. O levantamento indica a existência de 354.536 postos de trabalhos médicos em estabelecimentos privados que, em tese, prestam todos eles serviços às operadoras de planos de saúde. Isso significa que para cada 1.000 usuários de planos no país, há 7,60 postos de trabalho médico 175 ocupados. Esse índice salta de 3,17 no Amazonas – o pior colocado entre os estados –, para, em unidades como Sergipe, Piauí, Acre, Distrito Federal e Bahia, entre 12 e 15 postos ocupados por 1.000 usuários privados. Esse índice cai para 1,95 quando se faz a razão entre postos ocupados nos estabelecimentos públicos – que são 281.481 –, e a população que depende exclusivamente do SUS, que soma 144.098.016 pessoas. Porém, o pagamento de um plano não garante atendimento adequado, há dificuldades em marcar consultas, alta rotatividade dos médicos, exames e cirurgias não credenciados, preços exorbitantes, dentre outros. Inclusive, o informante X 83 declara que Eu comecei a pagar duas vezes. Pagava, pagava, quando eu precisei, me negaram, eu terminei não pagando mais. Eu digo, eu pretendo estar com o dinheiro e na hora que eu precisar eu pago. Porque aí eu não estou sendo enganado, lesado. Aí a pessoa paga caro, não é? Para não ter acesso.. é difícil. Vale ressaltar que as punições da Agência Nacional da Saúde são seletivas, atingem as empresas menores, não cartelizadas na Federação Nacional de Saúde Suplementar (FENASAÚDE), impondo restrições que favorecem futuras aquisições por parte dos grupos mais fortes, vinculados ao capital internacional. Sendo assim, o cenário estadual aponta que o RN convive com uma crise geral na saúde pública. Cada governo que entra tem sua contribuição para a destruição e sucateamento dos serviços públicos, principalmente a saúde. Os projetos e propostas apresentados são continuidade dos programas do governo federal, com justificativa de melhoria na saúde. Como o HRPS está inserido no município de Natal, é importante realizar também uma breve consideração acerca da saúde dessa cidade. Isso porque, para buscar a essência dos fenômenos é preciso considerar o contexto em que o objeto está inserido de modo a não recair em práticas reducionistas. Sendo assim, a seguir será empreendida uma descrição de alguns aspectos da estrutura da saúde de Natal. 4.1.2 Notas sobre a saúde do Município de Natal: um panorama situacional A Secretaria Municipal de Saúde de Natal (SMS) foi criada sob a égide do Movimento de Reforma Sanitária, imbuída das lutas pela redemocratização e reorientação de Modelo de 83 Masculino, 70 anos, aposentado e internado por 23 dias. 176 Atenção à Saúde, evoluiu em sua composição estrutural, alinhando o seu Modelo de Gestão os contínuos avanços experimentados pelo Setor no País, buscando adequação às Normas Operacionais que regularam o SUS ao longo das duas últimas décadas, culminando com a assunção de responsabilidade de Gestão Plena a partir da adesão ao Pacto pela Saúde. Adotou como conduta organizacional uma atuação por eixos, sendo Atenção Integral e Gestão dos Recursos articuladas com a finalidade de dar concretude à proposta desenvolvida com o intuito de fazer funcionar o sistema de saúde, observando a característica básica de que sendo a capital do Estado adensa o maior e mais qualificado potencial tecnológico do Estado, o que torna imperiosa a prestação de atendimento à população própria e oriunda de outros municípios, em decorrência do processo de pactuação intergestores. A organização da rede de serviços do município de Natal se fundamenta nos eixos transversais da universalidade, integralidade e equidade, em um contexto de descentralização e controle social da gestão, princípios assistenciais e organizativos do SUS, consignados na legislação constitucional. Ao longo dos últimos anos, a SMS vem intensificando esforços no ajuste organizacional para o aprimoramento da qualidade das ações, serviços e práticas de saúde em todos os níveis de atenção. Compete à SMS:  Promover medidas de prevenção e proteção à saúde da população do Município de Natal, mediante o controle e o combate de morbidades físicas, infectocontagiosas, nutricionais e mentais;  Promover a fiscalização e o controle das condições sanitárias, de higiene, saneamento, alimentos e medicamentos;  Promover pesquisas, estudos e avaliação da demanda de atendimento médico, paramédico e farmacêutico;  Promover contratação supletiva de serviços médicos, paramédicos e farmacêuticos, em situações emergenciais;  Promover campanhas educacionais e informativas, visando à preservação das condições de saúde e a melhora na qualidade de vida da população;  Implementar projetos e programas estratégicos de saúde pública;  Promover medidas de atenção básica à saúde;  Capacitar recursos humanos para a saúde pública; 177  Atender e orientar, com cordialidade, a todos quantos busquem quaisquer informações que se possa prestar relacionadas ao sistema de saúde da Cidade do Natal, em particular aqueles gerenciados pela SMS;  Proceder, no âmbito do seu órgão, à gestão e ao controle financeiro dos recursos orçamentários previstos na sua Unidade, bem como à gestão de pessoas e recursos materiais existentes, em consonância com as diretrizes e regulamentos emanados do Chefe do Poder Executivo;  Atender ao disposto na Lei Federal nº 8.080/90;  Manter, em local visível em cada unidade de saúde, informações para os cidadãos acessarem a ouvidoria através do telefone ou ‘site’, fazendo valer os seus direitos a um atendimento digno;  Exercer outras atividades correlatas, Natal desencadeou o processo de distritalização em 1987, em referência ao processo de regionalização intramunicipal, fruto da assinatura de convênio de cooperação técnica com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), sob a coordenação da SESAP, objetivando reorientar a política institucional da SMS através de uma série de consultorias com foco em áreas específicas, a saber: organização e estruturação do Sistema Municipal de Saúde, modelo assistencial com ênfase na Vigilância à Saúde, Sistema de Informações em Saúde e Territorialização. Com destaque para o tema da territorialização, enfatizou-se a região norte da Cidade, naquela época, denominada preliminarmente de Distrito Sanitário 1, estando o trabalho a cargo de um corpo técnico intitulado Grupo Executivo Local (GEL). O período seguido entre os anos de 1987 e os dois anos seguintes, resultou em propostas apresentadas em janeiro de 1989, quando da realização de um Seminário de Avaliação da Política Municipal de Saúde. Evidencie-se que os desdobramentos desse processo foram impulsionados no início da década de 1990, período em que se efetivaram as consultorias, ao mesmo tempo em que se observava no cenário nacional, o crescente movimento pela municipalização, cristalizado pela deflagração dos convênios envolvendo os entes públicos gestores do SUS. Em se tratando do cenário local, destaca-se a promulgação da Lei n.º 3.878 de 07/12/1989 que dispunha sobre a reorganização político-administrativa da Prefeitura do Natal, criando inclusive, as Regiões Administrativas Norte, Sul, Leste e Oeste, enquanto primeira iniciativa de zoneamento 178 urbano, para tratamento microlocalizado dos problemas identificados no contexto da atuação das Políticas Públicas. O resultado das discussões do processo de territorialização em 1990 culminou com a divisão do Município em quatro distritos sanitários, respeitando a mesma conformação das Regiões Administrativas, que atuavam sob regime de organização em subprefeituras. Em 2005, decorrente de novas discussões a região norte da Cidade passa por mais uma delimitação, desta vez, criando para o Sistema Municipal de Saúde, os Distritos Sanitários Norte 1 e Norte 2, resultante das peculiaridades sócio-demográficas e sanitário- epidemiológicas locais e da necessária intervenção do Poder Público sob uma ótica de gestão participativa com racionalização estratégica de condutas. Essa nova configuração regional no âmbito do Município se encontra fortalecida nos atos normativos da Administração, com ênfase para a Lei Complementar n. º 061 de 02/06/2005, Decreto n.º 7.642 de 10/06/2005, dentre outros instrumentos que norteiam a condução da Política Municipal. Além disso, a SMS dispõe de uma rede própria de serviços distribuídos nos distritos sanitários, de acordo com a Tabela 6 abaixo: 179 Tabela 6 – Rede própria de serviços municipais de saúde dos distritos sanitários de Natal/RN de 2013 Distrito Sul Distrito Leste Distrito Oeste Distrito Norte I Distrito Norte II TOTAL Unidade de Saúde 5 4 2 1 1 13 Centro de Saúde 2 3 5 Unidade Mista 1 2 3 Policlínica 1 1 1 1 4 Unidade de Saúde da Família 1 3 10 11 10 35 Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 1 1 2 Centro de Atenção Psicossocial 2 2 4 Clínica Especializada Odontologia 1 1 2 Clínica especializada Saúde do Idoso 1 1 Clínica especializada saúde do trabalho 1 1 Clínica especializada saúde mental 1 1 Hospital 1 1 Maternidade 1 1 Pronto Atendimento Infantil 1 1 Unidade Móvel de Nível Pré- Hospitalar (SAMU) 1 1 Centro de Controle de Zoonoses 1 1 Fonte: SMS (2013). Apesar dessa rede disponível, no cenário municipal, a atenção básica também sofre com os rebatimentos da atual conjuntura de precarização da saúde pública. Assim, as unidades de saúde estão funcionando em condições precárias e com um déficit de profissionais, culminando com a distribuição insuficiente das fichas de atendimento ofertadas para a população para atender a demanda dos bairros restringindo a possibilidade do acesso à saúde. Além disso, as equipes das Estratégias de Saúde da Família (ESF) cobrem apenas 50% da população de Natal (Gráfico 1), onde em 2015 deveriam ter 409 equipes credenciadas, e tem apenas 200. 180 Gráfico 1 – Cobertura da População de Natal pela Estratégia de Saúde da Família de 2009 a 2015 em Porcentagem Fonte: Departamento de Atenção Básica (2015). Cabe também destacar o perfil de mortalidade do município de Natal, conforme a Tabela 7. Em Natal ocorreu uma média de 388 óbitos mensais de pessoas residentes no município. As maiores causas de mortalidade são as doenças do aparelho circulatório que representam um percentual de 27,3% da ocorrência. Em segundo lugar estão as Neoplasias (tumores) e em terceiro as Causas externas de morbidade e de mortalidade, com percentuais de 18,4% e 14,0%, respectivamente. 38,47 33,72 30,81 28,33 23,83 46,84 50,21 0 10 20 30 40 50 60 jan/09 jan/10 jan/11 jan/12 jan/13 jan/14 jan/15 181 Tabela 7 – Mortalidade por grupos de causas e faixa etária em Natal/RN em 2013 Internações Menor que 1 1 a 9 10 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 A partir de 80 Idade Ignorada Total Algumas doenças infecciosas e parasitarias 6 3 0 10 19 34 27 34 23 65 0 221 Neoplasias 1 4 8 18 35 72 167 194 194 165 0 858 Doenças do sangue e dos órgãos hematopoeticos 0 0 1 0 0 4 2 5 2 6 0 20 Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas 8 5 2 4 2 10 41 81 70 171 0 403 Transtornos mentais e comportamentais 0 0 0 1 1 6 4 3 5 19 0 39 Doenças do sistema nervoso 1 6 5 4 6 8 6 9 21 70 1 137 Doenças do ouvido e da apófise mastoide 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 Doenças do aparelho circulatório 1 2 3 11 25 89 159 204 288 488 2 1272 Doenças do aparelho respiratório 4 5 0 3 7 17 26 55 83 224 1 425 Doenças do aparelho digestivo 3 1 1 4 46 38 53 37 32 49 1 235 Doenças da pele e do tecido subcutâneo 1 0 0 1 0 1 2 4 5 17 0 31 Doenças do sistema osteomuscular 0 0 0 1 0 1 1 3 5 5 0 16 Doenças do aparelho geniturinário 1 2 0 3 3 8 10 14 32 79 0 152 Gravidez, parto e puerpério 0 0 2 1 4 1 0 0 0 0 0 8 Algumas afecções originadas no período perinatal 66 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 67 Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas 30 3 1 3 0 3 2 0 1 1 0 44 Outros 2 2 2 10 18 13 11 5 7 8 0 78 Causas externas de morbidade e de mortalidade 0 3 101 208 147 60 41 28 19 45 0 652 Total 124 36 126 282 283 365 552 676 796 1413 6 4659 Fonte: Portal DATASUS Tabnet/SIM (2013). É importante destacar também os grupos de causas das Doenças do aparelho respiratório (9,1%) e das doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (8,7%) que se encontram em quarto e quinto lugar na ordem de classificação, com percentuais significativos. 182 Além disso, esses grupos englobam as pneumonias e as diabetes que estão entre as principais causas de morte, depois do infarto agudo do miocárdio. Quase 62% dos óbitos que ocorreram na faixa etária de idosos com 60 anos ou mais e as principais causas foram àquelas relacionadas às doenças do aparelho circulatório e as doenças do aparelho respiratório (Gráfico 2). Gráfico 2 – Mortalidade de Idosos em Natal/RN em 2013 Fonte: Portal DATASUS Tabnet/SIM (2013). As crianças menores de um ano têm como principal causa de óbitos algumas afecções originadas no período perinatal, com percentual de 53%. Nas faixas etárias mais jovens a morte por causas externas é a que predomina. Historicamente a maior frequência de internações na rede hospitalar é por causas relacionadas à gravidez, parto e puerpério, que em 2013, totalizou 7.430 internações, correspondendo a 21% de hospitalizações ocorridas (Tabela 8). Chama a atenção nesse dado, o fato de 1.730 dessas internações se inserirem no grupo de 10 a 19 anos, representando 23% das hospitalizações. As internações desse grupo de causas, na sua maioria, se referem a partos e a proporção chega a mais de 80%. 0 100 200 300 400 500 600 Algumas doenças infecciosas e parasitarias Neoplasias Doenças do sangue Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas Transtornos mentais e comportamentais Doenças do sistema nervoso Doenças do ouvido e da apófise mastoide Doenças do aparelho circulatório Doenças do aparelho respiratório Doenças do aparelho digestivo Doenças da pele e do tecido subcutâneo Doenças do sistema osteomuscular Doenças do aparelho geniturinário Gravidez, parto e puerpério Algumas afecções originadas no período perinatal Malformações congênitas e deformidades Outros Causas externas de morbidade e de mortalidade A partir de 80 70 a 79 60 a 69 183 Tabela 8 – Morbidade hospitalar por grupos de causas e faixa etária em Natal/RN em 2013 Internações Menor que 1 1 a 9 10 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 A partir de 80 Total Algumas doenças infecciosas e parasitarias 295 414 177 191 261 298 299 247 226 228 2636 Neoplasias 28 203 172 177 371 884 930 764 577 261 4367 Doenças do sangue 5 34 26 14 14 11 13 4 6 6 133 Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas 11 17 22 37 62 109 149 177 107 119 810 Transtornos mentais e comportamentais 0 0 24 190 284 241 171 68 9 1 988 Doenças do sistema nervoso 30 39 44 64 82 120 152 154 93 77 855 Doenças do olho 6 1 14 20 18 36 47 52 49 17 260 Doenças do ouvido 1 24 13 4 4 2 3 3 0 0 54 Doenças do aparelho circulatório 16 14 35 88 206 365 489 584 477 339 2611 Doenças do aparelho respiratório 443 1023 195 97 85 104 136 142 156 271 2652 Doenças do aparelho digestivo 102 438 332 321 353 399 406 333 211 111 3006 Doenças da pele e do tecido subcutâneo 70 315 155 118 135 103 81 55 39 65 1136 Doenças do sistema osteomuscular 0 23 55 152 180 140 100 85 80 57 872 Doenças do aparelho geniturinário 41 375 148 202 236 298 272 241 163 91 2067 Gravidez, parto e puerpério 0 0 1730 3692 1782 217 6 3 0 0 7430 Afecções originadas no período perinatal 520 1 3 3 2 0 2 0 0 0 531 Malformações congênitas e deformidades 97 153 56 28 13 25 20 13 1 7 413 Outros 2 11 31 57 52 104 146 153 98 78 732 Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas 17 181 424 728 568 445 342 221 203 170 3299 Causas externas de morbidade e de mortalidade 0 0 1 3 0 0 0 1 1 0 6 Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde 4 7 30 147 202 78 34 24 6 3 535 Total 1688 3273 3687 6331 4910 3979 3798 3324 2502 1901 35393 Fonte: Portal DATASUS Tabnet/SIM (2013). A segunda causa de internação, cujo percentual foi de 12,3%, se refere às neoplasias, que ocorrem em todas as faixas etárias, porém acima de 40 anos a ocorrência é muito maior. O grupo de causas relacionadas às violências, denominado de “Lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas”, correspondem a 9,3% do total de 184 internações de residentes no município. As internações por Doenças do aparelho digestivo e Doenças do aparelho respiratório estão em quarto e quinto lugares, com percentuais de 8,5% e 7,5%, respectivamente. As faixas etárias de 20 a 50 anos são as que apresentam maiores ocorrências de internações, com destaque para a faixa de 20 a 29 anos, que supera as demais. O Plano Municipal de Saúde de 2014-2017 (2014) ressalta que embora Natal tenha um percentual alto da população sem cobertura da Atenção Básica, uma grande parte tem saúde suplementar e, de acordo com o ministério da saúde, mais de 60% dos habitantes de Natal possuem plano de saúde. Segundo o Relatório Anual de Gestão de 2013 84 da SMS, em decorrência do processo contínuo de organização e modelagem do sistema de saúde em todo o território nacional, é imprescindível compreender o subsistema municipal como interconectado com as outras dimensões, percebendo-se as especificidades por esfera administrativa (entes federados) e adequabilidade ao cenário das dificuldades de cunho administrativo geral, demandando preocupação no que tange ao aspecto do financiamento, das práticas de assistência/atenção e das iniciativas inovadoras de gerência e gestão. Nesses termos, há que se priorizar um desenho de rede de atenção em conformidades com as regras delineadas no âmbito nacional, como também, pensar e agir com fundamento em repactuações junto aos municípios do RN e ajustamento com a SESAP. Garantir investimentos na rede é condição indispensável para alcance desse intento. Esse aporte deverá ter ingresso de recursos mediante repasses de origem federal, sobremaneira, contando-se com contrapartida negociada da Administração Municipal. A busca de condutas transparentes e eficientes das práticas gerenciais tem por amparo a necessidade extrema de imprimir uma lógica de gestão por resultados, calcada em formulações programáticas, exercícios de monitoramento e avaliação e ainda, no contínuo diálogo com as instâncias de pactuação e controle do SUS. Pressupõe-se, sobretudo, qualificação técnico-profissional, valorização do corpo técnico e adoção da Educação Permanente como eixo orientador dessas condutas (RELATÓRIO ANUAL DE GESTÃO, 2014, p. 42). As alianças para o SUS fortalecido tem, enquanto elemento norteador, a maximização dos resultados pretendidos, sem fugir da perspectiva do cumprimento da normatividade vigente, bastante extensa, e do ajustamento das metas e compromissos com a sociedade, preservando a cidadania e a atenção resolutiva às pessoas, indivíduos e coletividade, 84 Disponível em março de 2014. 185 focalizando-se também seus ambientes de vida, numa concepção ampliada, tal e qual se apregoa na Carta Magna. O movimento para mudar essa realidade deve partir das reivindicações mais sentidas pelos explorados, que permitem unificá-los e organizá-los com independência perante a burguesia, seu Estado e seus partidos. A defesa da saúde pública para ser consequente se choca com as multinacionais e os grupos monopolistas. Terá de derrotar a política privatista do governo e a colaboração das burocracias sindicais. Partindo desse pressuposto, é impossível reformar progressivamente o sistema de saúde no interior do sistema capitalista. As reivindicações quanto ao direito à saúde estão ligadas à tarefa histórica de destruir a sociedade de classe, transformando a propriedade privada dos meios de produção em propriedade social (coletiva), por isso são reivindicações transitórias que levam à luta por outras formas de sociabilidade. Diante disso, o tema da saúde no Brasil necessita reposicionamento em novas bases que, por mais complexas que se apresentem, devem estabelecer caminhos alternativos para a sua garantia enquanto direito de fato. Para isso, contudo, cabe a constituição de uma nova agenda da saúde, que implique constituir uma nova maioria política defensora de políticas públicas de atenção plena a saúde ampliada. 4.2 MÃOS QUE CUIDAM: O IDOSO INTERNADO NO HRPS E A GARANTIA DOS SEUS DIREITOS PELOS PROFISSIONAIS E CUIDADORES Como já mencionado, proporcionalmente a idade, o idoso tende a apresentar mais episódios de doenças, em geral crônicas, levando ao aumento nos gastos em saúde, já que o custo com o idoso tende a ser maior do que para as outras faixas etárias. Segundo Carboni e Reppeto (2007), a pessoa idosa possui, em média, pelo menos três enfermidades crônicas e a probabilidade de internação hospitalar em decorrência de agravo à saúde é 20% maior. Por esse motivo, os dilemas e conflitos éticos nessa faixa etária podem ser identificados no mais largo espectro, indo desde a discutível competência dos atos até a aproximação da morte. Incorpora-se ainda outro dilema, como a frequente incapacidade de dar o consentimento para decidir sobre a manutenção da vida ou a retirada de suporte de vida. Ou seja, na medida em que a idade progride, a autonomia declina. O fato é que, nessas circunstâncias, a alocação de recursos exige uma maior atenção da sociedade quanto à sua aplicação, em detrimento de resultados nem sempre compensadores em qualidade. 186 O investimento na educação em saúde, bem como nas ações preventivas da atual população de jovens e a consequente redução da morbidade, são apresentadas como alternativas capazes de minimizar o impacto do envelhecimento populacional sobre a qualidade de vida. Sendo assim, para Motta (2001), a hospitalização faz parte da assistência geriátrica, a qual se define como o conjunto de níveis de assistências, hospitalares e extra-hospitalares, sanitários e sociais que devem dar uma resposta escalonada nas diferentes situações de enfermidade ou necessidade que permeiam o cuidado integral à saúde do idoso. No entanto, essa assistência deve ser setorizada e integrada em todos os seus níveis como na atenção primária a saúde com equipes de atenção primária e domiciliar; na atenção hospitalar e atenção domiciliar; e os serviços sociais com os cuidados na comunidade, no domicílio e nas residências dos idosos. A hospitalização, em qualquer indivíduo, pode repercutir negativamente em sua qualidade de vida e no seu bem-estar, na medida em que o afastamento de seu meio, de seu cotidiano, de seu trabalho e de sua família já produz por si mesmo, consequências significativas no aspecto emocional (CASTRO, 2009). E considerando que o conceito ampliado de saúde discorre sobre a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social, além de considerar os condicionantes de saúde, apenas o afastamento com danos já se configura como um problema de saúde, principalmente quando acrescido de outras enfermidades. No que se refere ao idoso, Castro (2009, p. 2) ressalta que a hospitalização no idoso possui um caráter distinto, pois, em alguns casos, pode virar sinônimo de institucionalização na própria unidade hospitalar. Isso acontece quando nos deparamos com uma internação prolongada, onde a permanência do paciente se dá por um tempo maior que o necessário para o seu tratamento, podendo refletir de forma relevante em seu estado emocional. Esse é justamente o caso dos pacientes internados no HRPS, devido o tratamento de patologias cardiovasculares associadas a doenças crônicas, tornar mais lenta a evolução do quadro dos idosos. Além disso, segundo Siqueira et al (2004), A hospitalização é considerada de grande risco especialmente para as pessoas mais idosas. Como repercussões, a hospitalização é seguida, em geral, por uma diminuição da capacidade funcional e mudanças na qualidade de vida, muitas vezes, irreversíveis. No que se refere aos pacientes internados no HRPS, cujo tratamento depende de intervenções cirúrgicas, vale destacar que, conforme ressalta Lenardt et al (2007) o período pré, trans e pós operatório do paciente idoso é um tempo que requer cuidados especiais, considerando a fragilidade imposta pela doença, envelhecimento e ainda pela própria situação 187 cirúrgica que provoca estresse físico e psicológico. Logo, esse quadro configura-se como mais um agravante para a situação de fragilidade e vulnerabilidade do paciente idoso internado. 4.2.1 Caracterização e localização do HRPS nos serviços de saúde de Natal Há muito se diz sobre a necessidade de implementação políticas específicas para o setor hospitalar brasileiro que induzam a uma reestruturação capaz de responder às efetivas necessidades de saúde da população de forma integrada à rede de serviços de saúde local e regional. A atenção hospitalar tem sido, ao longo de décadas, um dos principais temas de debate acerca da assistência no SUS. É indiscutível a importância dos hospitais na organização da rede de saúde, seja pelo tipo de serviços ofertados e sua grande concentração de serviços de média e alta complexidade, seja pelo considerável volume de recursos consumido por esse nível de atenção. Segundo a OMS (2000), o conceito de hospital é aplicado para todos os estabelecimentos com pelo menos cinco leitos para a internação de pacientes que garantam um atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médicos. Na prática, estas instituições agregam uma série de funções que as caracterizam como as organizações mais complexas do setor Saúde. Suas funções têm atravessado um período de rápidas mudanças que envolvem questões sociais, emprego, ensino e pesquisa, assistenciais e de apoio aos serviços de saúde. Assim, ao se discutir a necessidade de (re)construção de um novo papel dos hospitais brasileiros dentro da rede de serviços do SUS é preciso apreender sua historicidade, seus determinantes, os valores e atores envolvidos, com vistas à elaboração de propostas que possam ser, de fato, estruturantes e coerentes para a garantia e ampliação do acesso à população usuária dos serviços do SUS. Ao longo dos anos os hospitais têm se apresentado como organizações formais e hierarquizadas, funcionando como centro do sistema de saúde que atrai uma demanda inadequada e sobrecarrega todos os seus serviços, fato mais evidente nos setores de urgência, emergência e até mesmo nas enfermarias. A importância dos hospitais na organização da rede de assistência é dada pelos tipos de serviços ofertados e a grande concentração de serviços de média e alta complexidade, como também pelo volume de recursos consumidos por ele. Historicamente construiu-se um modelo de organização de saúde hospitalocêntrico. 188 No Brasil, a atenção hospitalar tem sido um dos principais pontos de debate acerca da assistência no SUS, pois há uma supervalorização dos hospitais enquanto espaço de produção de conhecimentos e ações de saúde em qualquer um dos níveis de atenção. A rede hospitalar brasileira é bastante heterogênea do ponto de vista de incorporação tecnológica e complexidade dos serviços, com grande concentração de recursos e de pessoal em complexos hospitalares de cidades de médio e grande porte, evidenciando o claro desequilíbrio regional (BRASIL, 2004). Por lidar com pessoas gravemente enfermas, agudas e com risco de morte, adquire, sob a perspectiva dos usuários, uma grande importância dentro da rede. Os hospitais são estruturas hipercomplexas e uma das instituições contemporâneas mais impermeáveis a mudanças (CAMPOS, 2008). Logo, mexer em sua organização e em seus modos de gestão, tomando por princípio o método da Política de Humanização, é uma tarefa que exige preparação e acompanhamento avaliativo (SANTOS FILHO, 2009). A estrutura organizativa e a tradição gerencial dos hospitais brasileiros os têm tornado organizações burocráticas, autoritárias e centralizadoras (CAMPOS, 2008). Estas características têm sido apontadas como relevantes na produção de uma série de problemas, como a oferta de assistência impessoal e fragmentada, a indefinição de vínculos entre usuários e profissionais, o que produz baixa responsabilização e descompromisso, fragmentação do trabalho e insatisfação dos trabalhadores, e também dos usuários. A estas características têm sido agregados como problemas frequentes nos hospitais brasileiros a existência de sistemas de gestão centralizados, com baixa participação dos trabalhadores; organização do trabalho por categorias profissionais, o que dificulta o trabalho em equipe; segmentação do cuidado pela lógica da seção, da unidade, com fragmentação dos processos de trabalho. Além disso, a estrutura interna de poder tem sido marcada pelo excessivo poder técnico-burocrático, em geral colonizado pela tradição médica, que tem ação disciplinadora, de ordenamento e controle do conjunto dos processos de trabalho. Isso tem produzido relações de trabalho bastante hierarquizadas, com divisão desigual do poder e, desta maneira, a vida cotidiana para os trabalhadores dos hospitais tem sido experimentada de forma bastante diversa, considerando a posição que se ocupa na estrutura organizativa do trabalho (BRASIL, 2011). Assim, o hospital produz e convive com relações de poder que conformam uma realidade paradoxal, pois enquanto alguns são bem remunerados, outros nem tanto; para alguns os espaços de autonomia e liberdade são amplos, para outros – maioria – a força do poder administrativo e seus instrumentos de controle e submissão são a principal forma de 189 interação com a organização. Não bastasse isto, a relação com os usuários/pacientes e sua rede sociofamiliar tem sido marcada pela pouca participação destes na definição do cuidado, com restrições importantes no acesso a informações e mesmo aos profissionais, sobretudo médicos. Enquanto hospital público, o HRPS não foge a essa tendência. Ele está localizado no bairro de Petrópolis, na cidade de Natal, capital do estado do RN. Foi inaugurado, no dia 08 de outubro de 2010, pelo governo de Iberê Ferreira de Sousa 85 , com o objetivo inicial de desafogar os leitos do HEWG, maior hospital estadual do estado supracitado, o qual passava por superlotação. A natureza da organização do hospital é Órgão Público do Poder Executivo Estadual ou do Distrito Federal, por meio da administração direta do Ministério da Saúde e da SESAP. O valor total do investimento foi da ordem de R$ 2,4 milhões, referente ao valor mensal de R$ 200 mil pelo período inicial de 12 meses de locação. O contrato para a locação do antigo Instituto de Trauma e Ortopedia do RN (ITORN) foi publicado na edição do Diário Oficial do Estado do dia 9 de setembro de 2010. Assinaram o documento, pelo Governo do Estado, o secretário estadual de Saúde, George Antunes, responsável pela administração da nova unidade, e o médico Cipriano Correia, proprietário do ITORN – prédio alugado para o funcionamento do Hospital. Por ser referência do estado no tratamento das patologias vasculares, conta com uma grande demanda de pacientes idosos. Conforme o Gráfico 3, 80,8% dos pacientes internados são idosos. 85 Em 2006 foi eleito vice-governador do estado pelo. Em 2010 assumiu o comando do governo do estado em 31 de março de 2010 mediante a renúncia de Wilma de Faria para disputar o pleito de 2010. 190 Gráfico 3 – Idade dos pacientes internados no mês de junho de 2015* Fonte: Pesquisa (2015). *No momento da pesquisa, alguns leitos estavam vagos. Além disso, observa-se que o número de internações por sexo, não sofreu uma grande variação em 2014, conforme destaca o Gráfico 4 a seguir: Gráfico 4 – Internações no HRPS em 2014 por sexo Fonte: Pesquisa (2015). As admissões no HRPS são realizadas a partir de encaminhamento de outras unidades ou por meio do retorno dos pacientes, no qual os médicos avaliam a necessidade ou não de 0 5 10 15 20 25 30 < 60 anos 60 a 69 anos 70 a 79 anos 80 a 89 anos Acima de 90 anos N ú m er o d e P a ci en te s Idade 0 10 20 30 40 50 60 70 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez N ú m er o d e in te rn a çõ es Mês Feminino Masculino 191 uma nova internação para tratamento. A maioria das internações do Hospital é realizada a partir do HEWG, representando 14% em 2014. Até 2014, foram realizadas 3475 internações (Gráfico 5) Gráfico 5 – Número de Internações no Hospital Estadual Dr. Ruy Pereira dos Santos de 2010 até 2014* Fonte: Pesquisa (2015). * Em 2010 as internações foram menores, em função de o Hospital ter sido criado já no final do ano e em 2015, os dados ainda não foram computados. Uma característica do HRPS é que os pacientes passam algum tempo internados, devido à patologia vascular requer diversas intervenções (Gráfico 6). 184 684 780 920 907 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 2010 2011 2012 2013 2014 N ú m er o d e p a ci en te s Ano 192 Gráfico 6 – Tempo de internação dos pacientes internados no HRPS em junho de 2015* Fonte: Pesquisa (2015). *No momento da pesquisa, alguns leitos estavam vagos. Em 2013, o HRPS passou por um período de reforma e reabilitação no 1º pavimento, culminando com a interdição de 14 leitos nesse setor. As enfermarias receberam pintura nova, revisão hidráulica e elétrica e ganharam novos equipamentos. Dez desses leitos voltaram a ser disponibilizados à população em dezembro de 2014, dispostos em seis leitos de clínica médica e quatro de cirurgia odontológica para pacientes especiais. Em dezembro de 2013, o HRPS passou implanta incipientes internações para cirurgias ortopédicas. Todavia, somente em dezembro do mesmo ano passou a destinar 4 leitos para essa especialidade, realizando até janeiro de 2015, 25 procedimentos. Na doutrina fundadora do sistema público de saúde, Campos e Amaral (2007) identificam o hospital como fazendo parte de uma rede de atenção à saúde, devendo funcionar de forma articulada com outras organizações. Para Merhy (2005, p. 39): [...] para superar o modelo médico hegemônico neoliberal, devem constituir-se organizações de saúde gerenciadas de modo mais coletivo, capazes de incorporar processos de trabalho cada vez mais partilhados, que busque um ordenamento organizacional coerente com uma lógica usuário-centrada, que permita construir cotidianamente vínculos e compromissos estreitos entre trabalhadores e os usuários nas formatações das intervenções tecnológicas em saúde, conforme suas necessidades individuais e coletivas. No Brasil, o campo da saúde, especialmente a partir dos anos de 1980, com a Reforma Sanitária e consequente criação e implantação do SUS, vem-se ampliando o reconhecimento 0 5 10 15 20 25 30 1 a 10 dias 11 a 18 dias 19 a 30 dias De 31 a 60 dias Entre 61 e 90 dias Acima de 90 dias N ú m e ro d e P ac ie n te s Tempo de Internação 193 de que é preciso repensar o modelo hegemônico e as práticas cuidadoras no sentido de buscar a integralidade da assistência, ordenadas pela radical defesa da vida: promover saúde, baseada nos direitos de cidadania e não como bem de mercado. Cecílio (2000) defende a ideia do hospital como espaço de defesa da vida, traduzido como aquele hospital comprometido com a integralidade da atenção e centrado na dimensão cuidadora das pessoas. Porém, as habilidades e a formação de força de trabalho, a estrutura organizacional complexa e a natureza delicada do serviço prestado, ao longo dos séculos, tem tornado os hospitais instituições efetivamente de difícil gerenciamento. Somam-se a isto as dificuldades geradas pelos aspectos financeiros, políticos, assistenciais, conflitos existentes entre as diversas categorias profissionais, pouco investimento na formação de gestores das unidades hospitalares, pouca vinculação entre trabalhadores e usuários, precarização das relações de trabalho, pouca participação dos trabalhadores na gestão dos serviços e baixo investimento em educação permanente. Por esse motivo, a profissional C 86 identifica que a violação de direitos está no sistema de saúde, ao afirmar que “No SUS essa violação é visível pela falta de estrutura no atendimento”. O informante X87 também reconhece essa limitação ao afirmar que “[...] a gente vê... eu vejo e acredito que todo mundo vê, a estrutura, né? Por parte dos governantes do nosso país, que deveria ser melhor, a saúde [...]”. No Art 15, parágrafo 2 do Estatuto do Idoso, lê-se “Incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação”. Contudo, tem se tornado uma realidade constante no HRPS, a compra, pelos pacientes, de medicamentos que estão em falta no Hospital. O informante Z 88 alega que quando falta medicação que ele usa para DM, “Essa eu trago de casa porque eu pego no posto”. Já a informante Y89 declara que “As vezes eu pego no posto, só que falta muito lá. Aí eu compro, quando sobra dinheirinho”. Em ambos os casos, quando o Hospital não dispõe da medicação, o paciente precisa buscar outras formas de tomar, inclusive comprando, violando um direito. É importante destacar que esse cenário é reflexo da realidade vislumbrada em toda a estrutura do estado do RN. A situação nos hospitais encontra-se agravada pela desarticulação da rede de atenção à saúde, com baixa resolutividade e precariedade no funcionamento de muitos serviços, 86 Médica, feminino, 18 anos de exercício profissional e especialista. 87 Masculino, 70 anos, aposentado e internado por 23 dias. 88 Masculino, 69 anos, não é aposentado e internado há 17 dias no momento da entrevista. 89 Feminino, 66 anos, aposentada e internada há 20 dias no dia da entrevista. 194 ocasionando uma demanda exagerada de pacientes, que na sua maioria seria responsabilidade da atenção básica, sobrecarregando os atendimentos hospitalares, dificultando assim um atendimento humanizado e qualificado. 4.2.2 Os profissionais e o processo de identificação dos direitos dos pacientes idosos A implantação de políticas e programas considerando o novo perfil demográfico do país inclui a necessidade de ampliação quantitativa e qualitativa de profissionais para atuar na área do envelhecimento. Para Lenardt et al (2007), a relação profissional-paciente deve ser vivida num ambiente humanizado por atitudes e gestos que promovem a dignidade, autoestima, privacidade e individualidade. Entre as ações que respeitam a dignidade e a autonomia do paciente está a comunicação com o direito à informação. De acordo com Pena e Diogo (2005, p. 667) A convivência humana é um fenômeno difícil, complexo e desafiante. Isso porque as pessoas relacionam-se e trabalham com pessoas e portam-se como pessoas, isto é, reagem àquelas pessoas com as quais entram em contato: comunicam-se, simpatizam e sentem atrações, antipatizam e sentem aversões, aproximam-se, afastam-se, entram em conflito, competem, colaboram, desenvolvem afetos. O processo de interação humana, se dá constantemente nas relações pessoais, por meio de comportamentos verbais e não-verbais, sentimentos, reações mentais e/ou físico-corporais, os quais desencadeiam diferentes reações pessoais. A pesquisa apontou que dificuldades de comunicação entre idosos e equipe profissional pode ser prejudicada devido ao constrangimento dos pacientes. O informante Y alega que não diz tudo o que sente ao médico porque “(...) eles tem muita coisa para fazer”. Além disso, ressalta que só avisa que está precisando de algo em último caso e apenas “quando o pé tá doendo (...) porque tenho vergonha de ficar chamando direto”. Sobre isso, a profissional A 90 declarou que Como também às vezes ele [médico] vai fazer a visita e, eles [pacientes] também, não sei porque, não tem coragem de falar ou na hora não lembra. Ai quando o serviço social entra e vai conversando talvez menos pesado do que chegar com uma agulha, sei lá com uma injeção, aí eles dizem: ‘olhe, faz uns três dias que eu não faço cocô’, ai eu disse: ‘e por que não falou com o médico?’ e quando vou dizer ao 90 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 195 médico, ele pergunta: ‘mas eu não passei ainda agorinha, por que você não me disse?’ sabe assim? Assim, ao refletir sobre a autonomia e decisão do paciente, destaca-se a importância do diálogo entre os profissionais e o paciente. Estas ações expressam o respeito à dignidade, o reconhecimento da autonomia e da liberdade do sujeito. Nesta abordagem da relação profissional-paciente torna-se imprescindível apontar a necessidade da interação: [...] a interação é uma constante no processo de viver de cada ser humano e este é único, inicia-se na concepção e vai até a morte, desenvolvendo-se contínua e dinamicamente, a partir de todos os eventos, acontecimentos e experiências que descrevem sua história e trajetória de vida, através de ininterruptos processos interacionais. Esses processos são desenvolvidos consigo mesmo, mediados pela cultura na qual o sujeito vive (LENARDT, 1996, p. 45). A comunicação é um processo que se realiza nas interações humanas, na qual se partilham e compreendem-se ideias, podendo ser um recurso valoroso na relação de ajuda. Nesse processo, alguns instrumentos como a observação são fundamentais no cuidado de pacientes idosos, os quais têm dificuldade em verbalizar os sentimentos. Para Porchet e Silva (2008) para lidar com outro, é preciso utilizar os recursos da comunicação, uma vez que é por meio dela que somos capazes de nos relacionarmos e construirmos uma condição de atendimento e interação com o outro, seja ele idoso ou colega de trabalho. A comunicação é a essência da vida e inerente ao ser humano, pois traz a possibilidade de as pessoas se relacionarem, compartilhando suas ideias, pensamentos, vivências e sentimentos. Ao se relacionarem, sofrem influências de si próprias, do outro e do ambiente, com isso podendo sentir-se mobilizadas a transformar a realidade na qual estão inseridas. O fato é que a comunicação é o processo pelo qual podemos compreender o mundo, nos relacionarmos com os outros e transformarmos a nós mesmos e a realidade. Para Prochet e Silva (2008, p. 313), A importância da comunicação no atendimento ao cliente hospitalizado é vital para se estabelecer um diálogo produtivo, positivo e ajustado às necessidades. Para que a comunicação seja efetiva é necessário estar sempre atento não só nas palavras, mas também aos gestos, expressões e atitudes. Conforme ressaltam Lenardt et al (2007), o profissional da área de saúde deve estar ciente de que o próprio processo de envelhecimento muitas vezes pode trazer tristeza e 196 introspecção para o idoso. Cabe ao profissional estimular processos que façam o idoso reagir, ser sujeito participativo e protagonista no evento. A participação ativa dele, como modo de revelar detalhes percebidos, auxiliará no processo de cuidados e de tratamento. Acresce-se a isso a importância de que a necessidade do cuidado personalizado, direcionado as exigências de cada cidadão, considerando seus valores. Ser sensível possibilita ampliar o leque perceptivo e não se restringir às formas convencionais de usar os sentidos. Agindo desse modo, não só facilita a promoção da saúde, como também impede que um agravo maior à saúde do indivíduo se instale. “Utilizar-se de mecanismos de comunicação interpessoal é um dos caminhos que estreitam essa possibilidade e, consequentemente, pode proporcionar ao paciente uma assistência mais adequada, capaz de satisfazê-lo” (PROCHET e SILVA, 2008, p. 313). Além disso, Almeida e Aguiar (2011, p. 204) destacam que “(...) o cuidado depende de uma concepção ética que contemple a vida como um bem valioso em si”. Logo, no exercício da profissão, os profissionais de saúde devem respeitar a vida, a dignidade e os direitos humanos em todas as suas dimensões – o respeito é valor fundamental na prática profissional. Segundo Barroco (2010, p. 16), “(...) a ética diz respeito a prática social de homens e mulheres, em suas objetivações na vida cotidiana e em suas possibilidades de conexão com as exigências éticas conscientes da genericidade humana”. Barroco (2009, p. 12) reitera que A ética profissional se objetiva como ação moral, através da prática profissional, como normatização de deveres e valores, através do código de ética profissional, como teorização ética, através das filosofias e teorias que fundamentam sua intervenção e reflexão como ação ético-política. Cabe destacar que essas não são formas puras e/ou absolutas e que sua realização depende de uma série de determinações, não se constituindo na mera reprodução da intenção dos seus sujeitos. Barroco (2009) ressalta ainda que a moral profissional diz respeito à relação entre a ação profissional do indivíduo singular (produto de determinado comportamento prático, objetivados de decisões, escolhas, juízos e ações de valor moral), os sujeitos nela envolvidos (usuários/colegas) e o produto concreto da intervenção profissional (avaliado em função de suas consequências éticas, da responsabilidade profissional, tendo por parâmetros valores e referenciais dados pela categoria profissional, como o Código de Ética). Assim, a moral [...] é reveladora de uma dada consciência moral ou moralidade que se objetiva através das exigências do ato moral: escolha entre 197 alternativas, julgamentos com base em valores, posicionamentos que signifiquem defesa, negação, valorização de direitos, necessidades e atividades que interfiram e/ou tragam consequências sociais, éticas e políticas para a vida de outros indivíduos (BARROCO, 2009, p. 12). Conforme destaca Almeida e Aguiar (2011, p. 208), Todo paciente hospitalizado tem direito a atendimento atencioso e respeitoso; à dignidade pessoal; ao sigilo ou segredo profissional; de conhecer a identidade dos profissionais envolvidos em seu tratamento; à informação clara, em linguagem acessível, sobre seu diagnóstico, tratamento e prognóstico; de recusar tratamento e ser informado sobre as consequências dessa opção e, também, de reclamar do que discorda sem que a qualidade de seu tratamento seja alterada para pior. Conforme supracitado, o Estatuto do Idoso garante as pessoas nessa faixa etária direitos fundamentais como a vida, liberdade, respeito, dignidade, alimentação, saúde, educação, cultura, esporte, lazer, exercer uma profissão, previdência e assistência social, habitação e transporte. Sendo assim, os profissionais de saúde precisam estar ciente desses direitos e respeitá-los não apenas como profissional, mas também como cidadão. No entanto, é importante destacar que muitas vezes os profissionais não dedicam uma atenção maior aos pacientes em função das condições e da sobrecarga de trabalho, sobretudo na saúde pública, onde a falta de recursos humanos e materiais é crônica e representa um desafio para a qualidade da assistência. Logo, os trabalhadores da saúde não podem mais ser considerados simplesmente “instrumentos” ou “recursos” na oferta de cuidados necessários, mas atores estratégicos que podem agir individual ou coletivamente influenciando na construção das políticas (BRASIL, 2011). Por esse motivo, não podem ser considerados como únicos responsáveis pela qualidade da assistência, uma vez que estão inseridos em uma conjuntura que ultrapassa sua atuação em meio a suas condições objetivas de trabalho. Outro ponto importante é que o Estatuto do Idoso obriga os profissionais de saúde a notificarem, aos órgãos competentes, casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos aos mais velhos. Lê-se no Art. 19.: “Os casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra idosos serão objeto de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade sanitária, bem como serão obrigatoriamente comunicados por eles a quaisquer dos seguintes órgãos”. Sobre a identificação de um caso de violação de direitos, o profissional D 91 que 91 Enfermeira, feminino, 6 anos de exercício profissional, com Especialização em Vigilância Sanitária. 198 É possível sim, desde que o olhar do profissional vá além do biologicismo. Durante as visitas diárias é possível observar comportamentos tanto do paciente quanto do acompanhante que apontam que há algo errado. Claro que a correria do plantão muitas vezes atrapalha, por isso que é imprescindível que toda a equipe da assistência direta ou indireta esteja envolvida de verdade. A profissional B 92 alega que durante a entrevista social no ato da internação, o assistente social faz o processo de orientação para a família e para o idoso. Além disso, discorre que o assistente social tem o “(...) papel de democratizar o serviço e o acesso e que, quando há violação, já procura os mecanismos para viabilizar o direito do idoso”. A profissional A 93 Assim, porque esses problemas já chegam, ne? Eles já estão postos. Então assim, quando tem alguma agressão.. assim, as meninas, principalmente as técnicas de enfermagem que estão mais próximas, as vezes, tem.. enxergam e passam pra gente e a gente tenta conversar. Chama a promotoria do idoso, ne? A gente tem essa questão (parcerias).. ou então, o Ministério Público também. O pessoal vem e faz visita, faz relatório. Então tem essas coisas assim, que é pra minimizar, ne? Melhorar.. as vezes nem vem, mas só em falar ‘promotor’, eles já.. ne?.. já baixam, certo? Já dá um medo.. E também a justiça é de uma rapidez, assim estonteante [risos]. Nessa fala da referida profissional destaca-se que a garantia de direitos esbarra no burocratismo do aparelho do Estado, que por suas muitas divisões, regras, controles e procedimentos redundantes comprometem o funcionamento do sistema e dificultam a agilidade de alguns órgãos – independentemente de sua natureza público ou privado, mas com maiores entraves na primeira. E no caso de comprovada a violação de direitos, os profissionais estão cientes da importância da denúncia e atuam em conjunto com os órgãos de defesa do idoso – dos quais foram citados a Promotoria do Idoso, o SOS Idoso, Coordenação de Promoção à Saúde na Secretaria de Saúde e Ministério Público. A profissional C 94 destaca que o papel é “orientar e 92 Assistente social, feminino, 25 anos de exercício profissional, com Especializações em Saúde Pública, em Unidades Básicas e Serviços de Saúde e Linguagem e Educação. 93 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 94 Médica, feminino, 18 anos de exercício profissional e especialista. 199 denunciar”, assim como a profissional A95, a qual afirma “denunciar” esses casos. Já a profissional D 96 ressalta que “Sempre que necessário fazemos ações conjuntas [com os órgãos de defesa dos idosos] para evitar que os idosos tenham os seus direitos violados”. Por sua vez, a profissional B 97 refere “Acionar os órgãos de defesa caso tenha algum direito violado; informar o direito enquanto idoso”. Vale destacar que segundo a profissional A 98: “Os técnicos, as próprias... os acompanhantes eles denunciam, às vezes eles denunciam na sala” que elucida que os profissionais e os acompanhantes estão atentos para identificar os casos de violação no que se refere aos maus-tratos e as situações de violência. A notificação da violência contra o idoso, exigida pela lei, tem um papel fundamental no combate à violência contra o idoso. No entanto, esse papel pode ser otimizado se não for limitado a uma função meramente punitiva. A notificação pode ser um instrumento de proteção aos direitos do idoso e das políticas públicas, na medida em que permite articular ações e recursos públicos e privados que somem esforços para promover ações solidárias e reconstruir relações afetivas, bem como ajuda a dimensionar a questão da violência em família, a determinar a necessidade de investimentos em núcleos de vigilância, assistência e ainda permite o conhecimento da dinâmica da violência doméstica. Se os saberes e as práticas institucionais valerem-se da notificação para ampliar a análise da dinâmica das relações intra e extrafamiliares; para ampliar a compreensão dos modos como as condições sociais, econômicas e culturais afetam a dinâmica familiar; e se essa compreensão puder contribuir para criar alternativas de intervenção sobre os conflitos, então a notificação pode ser o primeiro passo na proteção do idoso e na defesa de seus direitos. Contudo, é fato que a conscientização da sua importância, a quebra de idéias pré- concebidas e o treinamento correto para diagnosticar situações de violência são condições necessárias para que o profissional de saúde seja capaz de detectar e notificar, a quem for competente, essa realidade que se apresenta de forma tão expressiva no cotidiano dos seus atendimentos, seja qual for a sua área de atuação. 95 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 96 Enfermeira, feminino, 6 anos de exercício profissional, com Especialização em Vigilância Sanitária. 97 Assistente social, feminino, 25 anos de exercício profissional, com Especializações em Saúde Pública, em Unidades Básicas e Serviços de Saúde e Linguagem e Educação. 98 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 200 O trabalho em saúde se caracteriza por ser reflexivo, que depende da colaboração de saberes distintos (como o científico, o técnico, os sociais e os provenientes de dimensões éticas e políticas). É marcado também pela complexidade, isto é, a diversidade profissional, dos atores, das tecnologias, das relações sociais e interpessoais, da organização do espaço e dinâmica. Outras características do trabalho em saúde são: a heterogeneidade devido à variedade de processos de trabalhos coexistentes e; a fragmentação conceitual, do pensar e fazer, da técnica (pluralidade profissional) e social (divisão social do trabalho e entre as categorias). Por fim, o trabalho em saúde é marcado pelas relações interpessoais entre os profissionais da equipe, e entre estes e o usuário de forma bastante significativa. Por isso, outro aspecto importante a ser considerado dentro da equipe de saúde que pode favorecer a melhora na qualidade da assistência prestada a população diz respeito à interdisciplinaridade. Para a profissional D 99 A interdisciplinaridade na saúde é imprescindível. É impossível realizar uma assistência de qualidade sem que todos os profissionais estejam envolvidos. O que eu percebo é que, especialmente em municípios menores, profissionais como fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e fisioterapeutas, raramente conseguem desenvolver suas atividades a contento. Falta um maior empenho nos gestores para reforçar a parte de reabilitação e atividades de proteção. Não se pode se concentrar em curar a doença, tem que priorizar a qualidade de vida. O que perpassa pela dimensão da interdisciplinaridade é estabelecer ligações de complementaridade, convergência, interconexões e passagens entre os conhecimentos. A profissional B 100 ressalta que atua “(...) em conjunto com as outras categorias profissionais – tais como a psicologia a enfermagem, os médicos, a nutrição – desenvolvendo parcerias a fim de buscar formas de solucionar os problemas identificados”. Segundo Almeida e Aguiar (2011, p. 211) “(...) a interdisciplinaridade representa a possibilidade da compreensão integral do ser humano no processo saúde-doença, visando superar a visão fragmentada do indivíduo, até então em vigor”. Deve-se pensar também que o conceito de interdisciplinaridade fica mais claro quando se considera o fato trivial de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente como os outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de confirmação, de complementação, de negação, de ampliação, dentre outros. Além disso, o SUS preconiza o trabalho 99 Enfermeira, feminino, 6 anos de exercício profissional, com Especialização em Vigilância Sanitária. 100 Assistente social, feminino, 25 anos de exercício profissional, com Especializações em Saúde Pública, em Unidades Básicas e Serviços de Saúde e Linguagem e Educação. 201 interdisciplinar, ao reconhecer enquanto diretriz a integralidade, que parte da concepção de que existem várias dimensões que devem ser integradas para envolver a saúde dos indivíduos e das coletividades. Por envolver conceitos muito parecidos, desperta-se a necessidade de conceituar e diferenciar inter de multi, pluri e transdisciplinaridade 101 . Hoje, percebe-se o conceito de interdisciplinaridade como polissêmico, pois a atitude interdisciplinar depende da história vivida, das concepções apropriadas e das possibilidades de olhar por diferentes perspectivas uma mesma questão. No que concerne à saúde pública, Gomes e Deslandes (1994, p. 108) elucidam que O que também se coloca em debate é que na Saúde Pública, como campo político, o espaço de hegemonia de uma disciplina ou de articulação cooperativa entre disciplinas é um campo de correlação de forças, fortemente relacionado à consciência social e política que se engendra no confronto das práticas. Hoje, pode-se dizer que desfrutamos de um consenso acerca da inegável complexidade do objeto de Saúde Pública. Na saúde confluem diferentes dimensões e aspectos. Numa dimensão há as instâncias do biológico e do social, em outras há o indivíduo e a comunidade e ainda em outra há a política social e a política econômica. Partindo desse pressuposto que a saúde é um meio de realização pessoal e coletiva, a saúde pública deve levar em conta esses diferentes prismas relacionados ao seu objeto (GOMES e DESLANDES, 1994). Assim, conforme destaca a profissional A 102 “(...) então eu acho que trabalho no hospital é muito, é um trabalho conjunto, não dá pra você ser só assistente social, ser só médico nas suas caixinhas, nos seus guetos, não sabe? Eu acho que tem que sair dos guetos e tem que... transpor, né?”. Reitera ainda que, no caso do HRPS, essa relação ocorre de forma harmoniosa entre as categorias profissionais, como ressalta no trecho da entrevista: 101 Interdisciplinaridade: Axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas e definida no nível hierárquico imediatamente superior, o que introduz a noção de finalidade. Multidisciplinaridade: Gama de disciplinas que propomos simultaneamente, mas sem fazer aparecer às relações que podem existir entre elas. Pluridisciplinaridade: Justaposição de diversas disciplinas situadas geralmente no mesmo nível hierárquico e agrupadas de modo a fazer aparecer as relações existentes entre elas. Transdisciplinaridade: Coordenação de todas as disciplinas e interdisciplinas do sistema de ensino inovado, sobre a base de uma axiomática geral. (JAPIASSU, 1976, p. 73-74). 102 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 202 Então assim, a gente ainda tem uma relação com a psicologia. A gente vai lá em cima e discute o caso, sobe [nas enfermarias] pra falar com a família, sabe? Quando o caso é mais complicado, né? Muitos médicos procuram, certo? A gente também procura ter abertura de conversar, então, eu acho isso tudo muito rico porque você vai aprendendo algumas falas e também você vai ensinando. Então eu acho que essa interdisciplinaridade na... não só na saúde, mas em todo canto, mas como a gente está aqui, é de suma importância porque ninguém é isolado. Você não pode tratar o homem como só uma perna, só um braço, ele é um ser social e tem mil coisas que está influenciando (PROFISSIONAL A, 2015). A compreensão dos problemas de saúde requerem, no mínimo, diferentes tipos de informações, sejam ambientais, clínicas, epidemiológicas, comportamentais, sociais e culturais sendo necessária uma abordagem ampla dos problemas, aliando os aspectos clínicos da patologia com os demais aspectos que influenciam a vida cotidiana das pessoas. Por esse motivo, a profissional C 103 elenca que a interdisciplinaridade é “Fundamental para funcionar o sistema de saúde”. Tendo em vista essas reflexões a interdisciplinaridade se realiza como uma forma de ver e sentir o mundo, de estar no mundo, de perceber, de entender as múltiplas implicações que se realizam, ao analisar um acontecimento, um aspecto da natureza, isto é, os fenômenos na dimensão social, natural ou cultural. É ser capaz de ver e entender o mundo de forma holística, em sua rede infinita de relações, em sua complexidade. Gomes e Deslandes (1994) apontam obstáculos à interdisciplinaridade no campo de saúde pública. Eles podem ser de caráter epistemológico, institucional e psicossociológico e contam com alguns aspectos relacionados: a forte tradição positivista 104 e biocêntrica 105 no tratamento dos problemas de saúde; os espaços de poder que a disciplinarização significa; a estruturação das instituições de ensino e pesquisa em departamentos, na maioria das vezes sem nenhuma comunicação entre si; as dificuldades inerentes à experiência interdisciplinar tais como a operacionalização de conceitos, métodos e práticas entre as disciplinas. Além disso, para Sthal, Berti e Palhares (2010), também é muito importante o papel de solidariedade desempenhado pela equipe de saúde. O cuidado dos profissionais ao idoso 103 Médica, feminino, 18 anos de exercício profissional e especialista. 104 Para Levine (1997), a concepção positivista pode ser identificada em narrativas geradas em uma situação definida como aquela em que os métodos das ciências naturais são eminentemente aplicáveis ao estudo dos fenômenos sociais e à solução dos problemas sociais. A moral de suas histórias é a sabedoria de promover uma visão da sociologia científica como uma disciplina cumulativa e progressiva, animada por rigor empírico e coerência teórica, orientada por descobertas de leis gerais. 105 Considera o aspecto biológico como central para a definição da saúde, desconsiderando a multiplicidade de determinantes envolvidos na sua definição. 203 hospitalizado deve envolver, além do cuidado físico, um apoio emocional, um canal aberto de comunicação, ações centradas na família, favorecendo o vínculo com o idoso durante o período de internação e incentivando o comportamento de independência e autonomia. Isso porque a população idosa representa uma clientela cada vez mais presente nos serviços de saúde, sendo necessário aprender a cuidar das peculiaridades envolvidas e nos conscientizarmos da fonte benéfica que a comunicação interpessoal constitui. Hoje, o grande desafio dos profissionais de saúde é cuidar do ser humano em sua totalidade. Isso porque existem muitos entraves para que a integralidade do cuidado seja alcançada, sobretudo no que se refere à estrutura física precária e a recursos materiais humanos insuficientes, que prejudicam o atendimento. Assim, os profissionais de saúde precisam não apenas respeitar os direitos do idoso hospitalizado como também demonstrar atenção, respeito e compreensão, fornecendo as informações as quais têm direito, estimulando, assim, sua participação nas decisões sobre seu tratamento – promovendo sua autonomia, uma vez que essas ações fazem a diferença no cuidado prestado. Embora, atualmente, a situação dos hospitais públicos brasileiros submeta os profissionais de saúde a longas jornadas de trabalho, falta de leitos, recursos humanos e materiais insuficientes – circunstâncias que contribuem para a insurgência de problemas bioéticos no cotidiano –, é possível lutar por melhores condições de trabalho, o que certamente contribuirá para a humanização do cuidado. 4.2.3 O cuidador enquanto alicerce da garantia dos direitos dos idosos internados O grupo populacional idoso é, em geral, considerado um grupo vulnerável, alvo, portanto, de políticas públicas específicas. Isso se deve ao fato de se reconhecer que ele não participa do processo produtivo e, consequentemente, não tem renda e apresenta incapacidades físicas e mentais causadas pela idade, ou seja, acredita-se que é um grupo que tem a sua autonomia comprometida pela falta de renda e/ou de saúde. Esses são dois determinantes importantes das condições de vida da população idosa e da organização dos arranjos familiares e que podem ser muito afetados pelas políticas sociais. Pela própria limitação da doença e pela situação de internação, o idoso hospitalizado está ainda mais exposto às facetas da vulnerabilidade, como vulnerabilidades biológicas, sociais, culturais, econômicas, pragmáticas, entre outras. Por isso, deve ser dada uma ênfase à avaliação dos cuidados de saúde prestados a esse seguimento populacional, incluindo aqueles 204 proporcionados pelos hospitais, tanto para promover maior conhecimento sobre a efetividade desses cuidados, quanto para proporcionar maior eficiência na utilização de recursos de saúde. Para isso, torna-se indispensável a figura do acompanhante, enquanto eixo de ligação entre o paciente internado – e, por conseguinte, afastado de seu ambiente familiar – e seu espaço de inserção socioespacial. A vulnerabilidade social do idoso decorre da diversidade de circunstâncias enfrentadas no cotidiano. Tais circunstâncias referem-se a questões culturais, sociais, econômicas, de saúde, entre outros. No Brasil, o baixo valor das aposentadorias constitui um fator de vulnerabilidade social, expondo não apenas a pessoa idosa, mas todo o grupo familiar que sobrevive com esse recurso. Quanto à vulnerabilidade programática, percebe-se violação aos direitos do idoso através da omissão do Estado na oferta e na avaliação de instituições que oferecem assistência aos idosos. Nas instituições hospitalares, observa-se a vulnerabilidade programática e institucional no que se refere à falta de preparo dos profissionais de saúde para orientar o idoso e o seu cuidador. Conforme Floriani (2004, p. 341) Cuidador é a pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, cuida do idoso doente ou dependente no exercício das suas atividades diárias, tais como alimentação, higiene pessoal, medicação de rotina, acompanhamento aos serviços de saúde e demais serviços requeridos no cotidiano - como a ida a bancos ou farmácias -, excluídas as técnicas ou procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas, particularmente na área da enfermagem. O perfil do cuidador é, em geral, formado por cônjuges ou filhos, do sexo feminino, que vivem no mesmo domicílio do idoso. Em muitas situações, também são pessoas fragilizadas, pois apresentam dificuldades financeiras, problemas de afeto e de relacionamento, sobrecarga de tarefas e solidão, sendo doentes em potencial e com a capacidade funcional em risco (WHO, 2005). No que se refere à concepção de família, Mioto (2010, p. 167) destaca que A família, nas suas mais diversas configurações constitui-se como um espaço altamente complexo. É construída e reconstruída histórica e cotidianamente, através das relações e negociações que estabelece entre seus membros, entre seus membros e outras esferas da sociedade e entre ela e outras esferas da sociedade, tais como Estado, trabalho e mercado. Reconhece-se também que além de sua capacidade de 205 produção de subjetividades, ela também é uma unidade de cuidado e de redistribuição interna de recursos. Portanto, ela não é apenas uma construção privada, mas também pública e tem um papel importante na estruturação da sociedade em seus aspectos sociais, políticos e econômicos. E, nesse contexto, pode-se dizer que é a família que cobre as insuficiências das políticas públicas, ou seja, longe de ser um “refúgio num mundo sem coração” é atravessada pela questão social (MIOTO, 2010). A crítica mais contundente à afirmação da família como referência das políticas públicas, na atualidade, está associada à regressão da participação do Estado Social na provisão de bem-estar. Ou seja, desvia da rota da garantia dos direitos sociais através de políticas públicas de caráter universal e entra na rota da focalização das políticas públicas nos seguimentos mais pauperizados da população, fortalece significativamente o mercado enquanto instância de provisão de bem-estar e aposta na organização sociedade civil como provedora. Nessa configuração a família é chamada a reincorporar os riscos sociais e com isso assiste-se um retrocesso em termos de cidadania social. Logo, ao contrário, na proposta protetiva, persiste-se na afirmação que a proteção se efetiva através da garantia de direitos sociais universais, pois somente através deles é possível consolidar a cidadania e caminhar para a equidade e a justiça social. Assim, conforme Esping- Andersen (2000), pode-se dizer que a cidadania social vincula-se a dois processos: ao processo de desmercadorização – que consiste na possibilidade que o indivíduo e a família têm de se manter sem depender do mercado-; e ao processo de “desfamilização” - que significa o abrandamento da responsabilidade familiar em relação à provisão de bem estar social, seja através do Estado ou do mercado. Consequentemente, se contrapõe às concepções que tomam a família como a principal responsável pelo bem-estar de seus membros, desconsiderando em grande medida às mudanças ocorridas na sociedade. Dentre as mudanças que merecem destaque estão as de caráter econômico, relacionadas ao mundo do trabalho e as de caráter tecnológico, particularmente àquelas vinculadas ao campo da reprodução humana e da informação. Além, sem dúvida, das novas configurações demográficas, que incluem famílias menores, famílias com mais idosos e também das novas formas de sociabilidade desenhadas no interior da família. Para Mioto (2010), em uma sociabilidade marcada pelo aumento da tensão entre os processos de individuação e pertencimento, tais indicadores sinalizam que a família não tem 206 condições objetivas de arcar com as exigências que estão sendo colocadas sobre ela na sociedade contemporânea, especialmente nos países como o Brasil que é marcado por uma desigualdade estrutural. Antes do Estatuto do Idoso dispor sobre a necessidade dos acompanhantes, a Portaria nº 280 de 7 de abril de 1999 do Ministério da Saúde, a qual torna obrigatória nos hospitais públicos, contratados ou conveniados com o SUS, a permanência do acompanhante hospitalar para pacientes maiores de 60 anos de idade. Tal Portaria estabelece que o hospital deve receber do SUS diária de acompanhante quando devidamente formalizada pela AIH. Esta Portaria veio referendar a necessidade da prática do acompanhamento hospitalar pela família. No Art. 16, o Estatuto do Idoso, elucida que: “Ao idoso internado ou em observação é assegurado o direito a acompanhante, devendo o órgão de saúde proporcionar as condições adequadas para a sua permanência em tempo integral, segundo o critério médico”. Entretanto, o acompanhante não precisa, necessariamente, ser um membro da família. Contudo, a presença de um familiar pode ser importante, porém, quando nenhum familiar pode ficar presente durante o período de hospitalização, a família pode contar com a ajuda, por exemplo, de um amigo, um vizinho, um parente distante, ou de um cuidador ou acompanhante profissional. Reconhece-se que o cuidado é multidimensional, identificando suas dimensões ou concepções. Almeida e Aguiar (2011) identificaram cinco: cuidado como característica humana; como imperativo moral; como afeto; como interação interpessoal e como intervenção terapêutica. O cuidado como característica humana é entendido como inerente a todas as pessoas. O cuidado como imperativo moral leva à preocupação com o bem do paciente, com a manutenção de sua dignidade e respeito ao mesmo como pessoa. O cuidado como afeto é descrito como o sentimento de compaixão ou empatia que motiva o enfermeiro a cuidar. Por fim, o cuidado como intervenção terapêutica é centrado nas necessidades do paciente. Observa-se que em nosso dia-a-dia que a família é ainda, em nossa cultura, o seio do cuidado humano. A pessoa idosa, à medida que envelhece e se fragiliza, exige cada vez cuidados mais contínuos e diretos. Esses encargos atribuídos de forma equivocada quase sempre aos familiares cuidadores são desempenhados solitariamente em função de nossa precária realidade dos serviços públicos e sociais que não oferecem às famílias recursos mínimos, tampouco a comunidade dispõe de uma rede suficiente de apoio. O Ministério da Saúde (Brasil, 2007, p. 6) aponta alguns itens de importância da presença dos acompanhantes no ambiente hospitalar, quais são: 207 • Para melhor captar os dados do contexto de vida do doente e do momento existencial por ele vivido, possibilitando um diagnóstico abrangente; • Para ajudar na identificação das necessidades do doente e, por meio de outras informações fornecidas pelos familiares, compor o quadro dos seus principais problemas, a fim de facilitar a elaboração do projeto terapêutico singular; • Para manter a inserção social do doente durante toda a sua internação; • Para permitir, desde o início, a integração do acompanhante e dos familiares no processo das mudanças provocadas pelo motivo da internação e das limitações advindas da enfermidade, colaborando com o doente no enfrentamento destas; • Para incluir, desde o início da internação, a comunidade no processo dos cuidados com a pessoa doente, aumentando a autonomia desta e a dos seus cuidadores; • Para propiciar outra ordem de relações de solidariedade e responsabilização pelo espaço hospitalar. Acompanhantes mais experientes têm demonstrado que isso é de grande ajuda, orientando os recém-chegados; • Para a equipe orientar os membros da família quanto ao seu papel de cuidadores leigos, que podem aprender algumas técnicas para a continuidade do cuidado em casa; • Para permitir que a pessoa internada perceba a participação dos familiares no seu tratamento, enquanto confirmação do afeto. No caso especial dos idosos, o mesmo ocorre como forma de retribuição a tudo o que estes já deram de si. Isso corrobora a ideia de que os laços familiares e afetivos são fortalecidos nos momentos de hospitalização; • Para colaborar na observação das alterações no quadro clínico e comunicá-las à equipe. Não existe melhor monitor que o acompanhante atento; • Para que a equipe de cuidados possa detectar manifestações excessivas ou condutas inadequadas ao projeto terapêutico do doente, seja por parte dos familiares ou dos visitantes da comunidade, com a finalidade de tentar influir no seu reajuste; • Para fortalecer, na pessoa doente, a sua identidade pessoal e sua autoestima. Logo, estar hospitalizado para o idoso é um processo árduo no qual o mesmo pode sentir-se fragilizado, necessitando de um suporte de um acompanhante durante seu processo de hospitalização (CASTRO, 2009). Nesses termos, torna-se fundamental a presença de um acompanhante que favoreça a aproximação dos aspectos de sua vida cotidiana, bem como afaste alguns sentimentos negativos que podem aparecer, tendo em vista o afastamento do convívio familiar – tal como a sensação de abandono e/ou solidão. 208 Além disso, Karsch e Leal (1998) reconhecem, em seu estudo, que o cuidador é um parceiro dos profissionais de saúde e que, quando devidamente treinado, é um parceiro também no tratamento, prestando assistência ao doente e participando da promoção da sua saúde. Isso porque Idosos e familiares não podem considerar a si próprios, nem mesmo serem vistos como receptores passivos de serviços de saúde. Eles precisam e devem ser agentes ativos na construção de um novo cuidado à saúde participando do tratamento e sendo apoiados nesse sentido. Esse cuidado envolve informações atualizadas, instruções compartilhadas e rede de atenção integrada de forma a atuar na minimização dos efeitos incapacitantes das doenças e na diminuição do risco de óbito precoce (CARBONI e REPPETO, 2007, p. 258). Segundo Pena e Diogo (2005) essa interação pode corroborar as reações favoráveis das famílias frente à doença, pois, quando a família responde de forma adequada e positiva às mudanças impostas pela doença, pode ocorrer a absorção do impacto, diminuindo seus efeitos deletérios. Nessas circunstâncias, os familiares passam a colaborar com o indivíduo doente para que enfrente as mudanças ocorridas na sua rotina de vida, bem como as limitações advindas do próprio estado de saúde. Contrariamente, quando as famílias respondem de forma inadequada, pode surgir a confusão de papéis, ocorrendo atritos e sentimentos de isolamento que podem influir sensivelmente nos processos de ajuda ao indivíduo hospitalizado. Desse modo, o familiar e/ou cuidador pode participar como membro da equipe de trabalho, tornando-se, também, responsável pela assistência prestada e, desse modo, contribuindo muito para a manutenção da integridade emocional do idoso. Pena e Diogo (2005) enfatizam a importância de o idoso perceber a participação de seus familiares no seu tratamento. Além disso, a participação dessas pessoas no cuidar pode ser favorecida pelo fornecimento de informações relevantes sobre as possibilidades de participar do planejamento, da tomada de decisão e da avaliação do cuidado. Além da inter-relação pessoal e do interesse do familiar em participar do processo de cuidado do idoso hospitalizado, outro fator que facilita sua participação nesse processo, segundo Pena e Diogo (2005), diz respeito ao fato de o familiar possuir competência emocional 106 , principalmente, para reagir diante da situação de doença do seu idoso e ter 106 Segundo Pena e Diogo (2005, p. 668) “A competência emocional se constitui em um conjunto de aspectos emocionais que estão intimamente inseridos na “competência interpessoal”. Decorre de treinamento, de desenvolvimento e de educação. Assim, pode haver pessoas sem habilidade emocional, mas que têm possibilidade de modificar esse comportamento, mediante as diferentes situações enfrentadas na vida e de suas respostas a elas”. 209 paciência. Competência emocional e paciência são referidas como qualidades indispensáveis no processo de acompanhamento e cuidado do idoso hospitalizado. Conforme Camarano, Kanso e Mello [et al.] (2004), Os aspectos internos aos arranjos familiares são complexos e difíceis de ser analisados. Não se deve assumir que um número maior de pessoas morando juntas se traduza, necessariamente, em maior suporte aos idosos. Diversos são os motivos para isso acontecer. Dentre eles, pode-se citar o fato dos filhos e netos trabalharem fora de casa ou ter algum conflito familiar que cause algum conflito entre os parentes. O informante X 107 se insere no primeiro caso, ao alegar que quando adoece em geral apenas a esposa – também idosa – pode o acompanhar no período de internação. No caso dos conflitos nas relações que permeiam o cuidado do idoso hospitalizado ocorrem quando os atores envolvidos possuem valores diferentes. Isso desencadeia um problema social que pode se traduzir no abandono e, às vezes, nas situações de violência e/ou maus-tratos. No que se refere ao abandono, à presença do acompanhante deve estar associada à permanência constante com o paciente, de modo a esclarecer dúvidas do mesmo ou da equipe de saúde. A profissional A 108 ressalta que O que eu entendo por abandono? Só o fato de não estar acompanhando? Isso num é abandono não? Você bota uma pessoa no hospital e ela desaparece, isso num é abandono não? Está sozinho do mesmo jeito. . Há também situações em que a família se exime da responsabilidade de cuidar do idoso, que lhe cabe por definição legal, expressa no Estatuto do Idoso, deixando-o aos cuidados dos profissionais de saúde. A profissional A 109 ressalta que Aí assim, se não tiver acompanhante, o hospital é que tem que dar as condições daquela pessoa se cuidar. A gente tenta de alguma forma trazer a família, né? Mas às vezes eles tem alguns problemas pessoais entre eles e não colaboram. Porque também a gente não tem um técnico pra cada idoso, ou pelo menos um técnico pra cada três.. e você não tem como, você tem que ter um suporte da família, né? Você tem o conhecimento, você tem a sua técnica de fazer, mas a família tem que estar dando suporte, se não você não dá conta de estar pra lá e pra cá. 107 Masculino, 70 anos, aposentado e internado por 23 dias. 108 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 109 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 210 Sobre as situações de violência ou maus-tratos, esse mesmo profissional destaca São muitos e muitos processos com essa questão do idoso.. maus tratos da família, né? Roubo, assim, as pessoas sabem que o idoso tem dinheiro, tem uma aposentadoria e bate.. no interior também acontece.. dentro dos sítios, o pessoal sabe que o pobre do idoso tem uma aposentadoria e vai lá e bate até mesmo, até porque a violência, ne? Hoje está muito generalizada.. então assim, as pessoas perderam a noção. Então assim, as vezes acontece, agora assim, você está dentro de um hospital, com 1500 olhos, você pensa duas vezes, ne? Conta até 20, até 100-150, e não fazer besteira porque sabe que está sendo olhado aqui, agora eu não sei dentro de quatro paredes. Então, aqui a gente tem essa questão de coibição, coibir não por pressão, mas por medo mesmo de todo mundo, ne? Porque você não está só num quarto, você tem outra pessoa do lado, você tem acompanhantes, você tem as técnicas que entram, você tem o médico, você tem o.. enfim, todos os profissionais da equipe que entram e você fica mais inibido, mas as vezes ainda solta, ne? Algumas coisas chegam pra gente e a gente.. eu particularmente já disse: ‘olhe, se continuar assim, eu vou denunciar’. Porque assim, não que nós presenciássemos, mas vinha de denúncias, ne? Existem também as fofocas, ne? Você sabe como é.. e enfim.. as coisas melhoraram (pra essa paciente). Mas assim, a gente não garante ao sair daqui , mas a gente vê muito ne? Que as pessoas realmente já tem um outro olhar, denúncias anônimas, ne? Enfim, já denunciam mesmo esse tipo de maus-tratos. Os arranjos e laços familiares podem ser considerados um tipo de “seguro” na velhice e significar diferenciais na sua qualidade de vida. No entanto, como ressaltam Camarano, Kanso, Mello [et al.] (2004), é preciso considerar que a solidariedade entre os membros da família é tida como dada, desconhecendo-se as contradições e os conflitos do cotidiano. Na sociedade capitalista, que almeja sempre a produção, os idosos são excluídos por não produzirem com tanta eficácia. A aposentadoria passa a ser a única fonte renda para a maioria dos idosos, sendo eles, muitas vezes, os provedores de seus lares dada à situação conjuntural do desemprego, estamos diante de uma grande massa de aposentados globalizados, ou seja, que são excluídos. Diante disso, alguns problemas sociais aparecem no âmbito da internação hospitalar. No caso do HRPS, a profissional A 110 identifica alguns deles, tais como: Problemas com acompanhamento, problemas com filhos que não ‘quer’ dar conta, problemas com filhos e familiares que querem só a aposentadoria do idoso e brigam pra até ficar juntos pra não perder 110 Assistente social, feminino, 34 anos de exercício profissional, com Especializações em Serviço Social e em Políticas Sociais. 211 esse dinheiro que sai todo mês, certo? Então, o problema que a gente tem aqui dentro do hospital com o idoso, são os problemas sociais com a família, que deixam, não tem pra onde ir, não tem como levar, tá todo mundo muito cheio, sei lá, de afazeres, de coisas, certo? E aí não tem como levar uma pessoa muitas vezes, que é o caso nosso, ‘amputada’, ne? Pra casa. Quer dizer, você tem que modificar a casa, tem que abrir portas. Lamentavelmente as nossas casas, nossas residências elas não são feitas para o idoso ou nem seria o idoso só, mas para o deficiente, que tem que te acesso a um banheiro, cadeira de rodas, tem que ter acesso a várias dependências, os corredores muitas vezes são pequenos. Os próprios apartamentos, mesmo os apartamentos mais, sei lá, classe B, enfim, aí você vai ter que quebrar, botar barra, botar isso e ninguém quer e as vezes nem é questão de querer, é questão de não ter suporte financeiro para isso, ne? Então assim, a gente tem os problemas, ne? Porque o idoso em si, ele não dá esses trabalhos. Ele está lá, quietinho no canto dele. No entanto, de um modo geral, cada vez mais a família está presente na internação e que, por esse motivo, é preciso ter a colaboração da equipe de saúde e da instituição. Desse modo, tem-se a compreensão do familiar e/ou cuidador, requer a educação em saúde e envelhecimento necessária ao desenvolvimento de habilidades para o cuidado e autocuidado, e estratégias de enfrentamento do estresse que envolve o ato de cuidar de outrem e o preparar- se para os cuidados no domicílio após a alta hospitalar da pessoa idosa. Percebe-se então que neste processo de capacitação e integração, o idoso precisa participar ativamente dos seus cuidados e tratamento, de modo a aceitar melhor sua internação, ao passo em que o familiar e/ou cuidador se preparam para a alta hospitalar. Por isso é necessário que a sociedade, feita de cidadãos, profissionais ou não, reveja constantemente os pontos de desequilíbrio, para agilizar as retificações e/ou o aperfeiçoamento do sistema de atenção às populações específicas. E, falando especificamente do estrato idoso da população, urge colocar à disposição da sociedade uma rede de serviços e programas alternativos que dê cobertura a uma gama de necessidades das pessoas idosas, e represente ser co-partícipe da família cuidadora. No âmbito da saúde, é importante relembrar que as necessidades de saúde dos idosos requerem uma atenção específica que pode evitar altos custos ao SUS e, principalmente, possibilitar melhores condições de saúde a essas pessoas. Isso porque uma importante consequência do aumento de pessoas idosas em uma população é que esses indivíduos provavelmente apresentarão um maior número de doenças e/ou condições crônicas que requerem mais serviços sociais e médicos e por mais tempo. 212 Todavia, é preciso considerar que essas mesmas necessidades precisam ser adequadamente identificadas e incorporadas em novas práticas de atenção biopsicossocial, as quais requerem a voz e a participação ativa do idoso no movimento de construção efetivação das leis e políticas sociais e de saúde que viabilizem o viver e o envelhecer com qualidade. Logo, é sabido que a efetivação de uma política dessa natureza “(...) requer a atitude consciente, ética e cidadã dos envolvidos e interessados em viver envelhecendo de modo mais saudável possível. Estado, profissionais da saúde, idoso e sociedade em geral são todos co- responsáveis por esse processo” (MARTINS, et al, 2007, p. 20). Tem-se então que [...] com o crescimento da população idosa, ocorreram mudanças relacionadas à desigualdade socioeconômica, afetando a estrutura etária da população e ocasionando problemas que necessitam de solução imediata que garantam ao idoso a preservação da saúde e condições de autonomia e dignidade. Para que essas situações sejam viabilizadas, urge a necessidade de trabalhar o contexto social e humano do idoso em suas diversas interfaces. (MARTINS et al, 2006, p. 27). Assim, a questão de saúde do idoso, face à sua dimensão, exige uma política ampla e expressiva que suprima ou, pelo menos, amenize a realidade que espera aqueles que vivem até idades mais avançadas. Exige, principalmente, uma política que seja efetivada considerando as perspectivas de desenvolvimento para a fase tardia do ciclo de vida, o que significa que o perfil biopsicossocial do ser humano passa a exigir novos enfoques culturais, sociais e de saúde. 213 CONSIDERAÇÕES FINAIS “O capital não tem a menor consideração pela saúde ou duração da vida do trabalhador, a não ser quando a sociedade o força a respeitá-la”. (Karl Marx) O envelhecimento populacional é, hoje, um proeminente fenômeno mundial. A heterogeneidade desse segmento extrapola a da composição etária. Dadas as diferentes trajetórias de vida experimentadas pelos idosos, eles têm inserções distintas na vida social e econômica do país. O aumento da população idosa e o consequente período de transição demográfica e epidemiológica, pelo qual passa o Brasil, desperta para a necessidade de considerar esse grupo enquanto alvo de políticas públicas. A composição demográfica da população brasileira, com a participação ascendente dos idosos, demanda novos desafios para o Estado, governos, sociedade e a família, no que se refere à necessária tomada de consciência da presença dos sujeitos sociais que podem e devem ser tratados enquanto cidadãos que merecem como toda a dignidade, respeito e condições materiais que lhes permitam uma qualidade de vida digna. Cabe ao Estado elaborar e fazer cumprir leis que garantam a integração social, econômica e politicamente os idosos, de forma que esta fase da vida seja de fato encarada como ganho no aspecto tecnológico quanto nas possibilidades de interação dos sujeitos que compõem a sociedade como um todo. Nesse sentido, atualmente, o Brasil atinge os mais elevados níveis de população idosa. No entanto, conseguir viver por mais tempo nem sempre é sinônimo de viver melhor. A velhice pode estar associada ao sofrimento, aumento da dependência física, declínio funcional, isolamento social, depressão e improdutividade, entre outros fatores que não representam significados positivos. Porém, é possível viver mais com uma qualidade de vida melhor, através da busca do envelhecimento com independência e autonomia, com boa saúde física e mental, enfim, com um envelhecimento saudável e ativo. É necessário reconhecer o significado de ser idoso em uma sociedade capitalista organizada em função da produção material e da atividade profissional, onde a inserção social está diretamente relacionada à força de trabalho. Esse tipo de organização socioeconômica, estruturada sob a divisão de classes, coloca o idoso a margem da sociedade. Ou seja, essa categoria carrega diferentes significados, dentre os quais o de ser velho, ou melhor, de se tornar velho, dentro de um modelo econômico que propõe o trabalho como meio de sobrevivência. 214 Isso porque o capitalismo exacerba a busca pelo lucro, onde tudo de torna mercadoria, inclusive o trabalhador. Como somente a mercadoria tem valor, a ausência da atividade profissional representa a perda do valor atribuído ao indivíduo pela sociedade. Nesses termos, os idosos são qualificados como improdutivos, sendo desvinculados da dinâmica social que somente absorve e valoriza aqueles indivíduos que estão inseridos na lógica de produção e consumo. O processo de envelhecimento se caracteriza por ser contínuo, irreversível e universal. Não obstante a sua universalidade, existem várias formas de envelhecer, associadas tanto a variabilidade das características dos idosos quanto ao contexto sociocultural. Nesse sentido, conforme supracitado, envelhecer relaciona-se não apenas com as alterações biológicas, mas, sobretudo, com os padrões sociais dominantes e a forma como a sociedade concebe o envelhecimento. Assim sendo, apesar do envelhecimento, é preciso o idoso enquanto construtor da sua realidade e com potencial para contribuir com suas experiências, aqueles que o cercam. Sentir-se valorado e valoroso como todos merecem ser, mas que, no entanto alguns não são reconhecidos enquanto tal. E valores são para serem não apenas cultivados, mas agregados a uma lógica de emancipação humana. Quando se perde tais características ganha-se o medo de ser descartado, desprezado, deixado de lado, já que sendo trabalhador o indivíduo ganha o direito de exercer um papel na sociedade, onde ele tem um determinado tempo para desempenhá-lo, que lhe escraviza, que o submete a produzir aquilo que não é seu e que quando se esgota e chega o tempo de envelhecer o trabalhador se vê à margem do mundo do trabalho. Esse trabalhador não se encontra, seu tempo está vazio e sem sentido e o destrói, pois não permitiu que ele produzisse e cultivasse o seu próprio papel. Apenas lhe deu a tarefa de figurar uma realidade que lhe é alheia, mas não possibilitou protagonizar sua própria história. Isso porque envelhecer na sociedade atual também implica em um processo de “disputa” dentro do próprio capitalismo, que ao mesmo tempo em que exclui o idoso das atividades produtivas que remetem ao mundo do trabalho, os incluem enquanto consumidores, desencadeando, inclusive, uma oferta especial de produtos e serviços voltados para seu grupo etário – como pacotes de viagem e tratamentos estéticos voltados para rejuvenescê-los. Depara-se então com outra dualidade: o capitalismo reconhece o envelhecimento para o consumo, mas oferece possibilidades de tornar jovem o idoso, isto é, institui-se uma cultura de idealizar a juventude, mesmo com serviços voltados para a pessoa idosa. Vale ressaltar que em função das desigualdades inerentes ao sistema capitalista, o envelhecimento não acontece 215 da mesma forma para todas as pessoas. Nesse sentido, em geral, somente aquelas pessoas que tem acesso aos meios de produção podem usufruir dessas opções de consumo. A heterogeneidade do grupo de idosos, seja em termos etários ou socioeconômicos, traz também demandas diferenciadas, o que tem rebatimento na formulação de políticas públicas para o segmento. Destaca-se então que as políticas públicas existem, mas não são plenamente efetivadas, assim como serviços que não oferecem qualidade no atendimento da demanda constituindo-se em elementos de vulnerabilidade programática e institucional para a população idosa. O processo de envelhecimento traz consigo algumas implicações que requerem políticas públicas e sociais ao longo do mesmo, no sentido de assegurar aos indivíduos acesso à saúde, transporte, moradia, alimentação, dentre outros. A ampliação da discussão sobre as essas políticas – entendidas como direitos de cidadania, com vista à redefinição de espaços sociais significativos à melhoria na dignidade e nas condições de vida dos idosos – são algumas das significativas mudanças ao desenvolvimento de ações para esse segmento. É certo que a análise da conjuntura envolvida na construção das políticas destinadas à pessoa idosa revela que os idosos historicamente se comportam como verdadeiros atores e protagonistas coletivos na luta pelos seus direitos, por conquistas sociais e pela cidadania. Apreendeu-se também que as conquistas obtidas pelos idosos só se tornaram mais consistentes quando a sociedade civil esteve aliada com eles na sensibilização do poder público. Apesar disso, muito ainda precisa ser feito para os idosos, pois, embora essa população tenha formal e legalmente assegurada à atenção às suas demandas, na prática, as ações institucionais mostram-se tímidas, limitando-se a experiências isoladas. Todavia, mesmo diante dos dispositivos legais disponíveis, ao mesmo tempo em que o Brasil está passando por uma transição demográfica e epidemiológica, também passa por um período de transição social e jurídica para o reconhecimento dos direitos da pessoa idosa enquanto sujeito de direitos. Isso porque a história dos direitos no Brasil é feita a partir de conquistas e uma persistente prática de sua negação. Logo, o envelhecimento da população apresenta alguns desafios para o Estado e a sociedade, de modo que necessita que se consolidem políticas públicas que atendam essa demanda e as necessidades desses idosos neste tempo de envelhecer. A construção de tais políticas é desafiadora, portanto, não somente no que tange á consolidação da perspectiva do direito, mas também dada a relevância da consolidação de um orçamento público que possa efetivamente garantir os custos concernentes à demanda crescente de gastos com as políticas 216 de Seguridade Social, sobretudo a Previdência Social – através das aposentadorias – e do custeio da saúde voltada a esse segmento. Em consequência, no que se refere à saúde – por ser objeto desse estudo –, diante da complexidade que envolve essa conjuntura, o que se tem observado é um movimento crescente de se realizarem análises que possam abrir um espectro maior de fatores intervenientes na relação saúde, envelhecimento e cidadania. Assim, observa-se que o direito individual ultrapassa o coletivo e que a cidadania acompanha, aperfeiçoando e adequando os direitos às necessidades dos indivíduos. Conforme elucidado, o aumento do número de idosos indica grandes despesas no setor de saúde, uma vez que as doenças que os acometem são crônicas e consequentemente duradouras, exigindo a busca constante por serviços nessa área. Assim, quanto maior o grau de compromisso, a qualidade, os recursos, a gerência e o monitoramento de programas de promoção da saúde, prevenção de agravos e de cuidado ao idoso, maiores serão as chances de canalizar os recursos sociais, otimizar seu uso e identificar a necessidade de outros recursos. Deve-se encontrar os meios para incorporar os idosos em nossa sociedade, mudar conceitos já enraizados e utilizar novas tecnologias, com inovação e sabedoria, a fim de alcançar de forma justa e democrática a equidade na distribuição dos serviços e facilidades para o grupo populacional que mais cresce em nosso país. É preciso considerar ainda a contradição elencada por meio da luta empreendida pela população para o avanço nas políticas de saúde aliada ao conhecimento tecnológico, bem como a busca incessante pela elevação da expectativa de vida, quando efetivamente esta significa apenas a ampliação da penosidade, da exploração, do sofrimento, da exclusão social e econômica. Isto é, se para viver mais, a expectativa é que a qualidade de vida venha indexada. No que concerne à população idosa, é preciso aprender a cuidar das especificidades envolvidas. Urge que o cuidado integralizado seja uma realidade ao atendimento do idoso, portanto, respeitar a velhice e seu processo; utilizar uma abordagem individual centrada na pessoa, e não na doença; considerar o idoso como participante ativo no controle e no tratamento da saúde e lutar por condições cada vez mais humanas da assistência, as quais se ancorem na prática diária, nos mínimos cuidados, no respeito e na preservação da dignidade dos pacientes. Em função da complexidade da estrutura hospitalar, faz-se necessário, acima de tudo, o esforço em tratar o paciente idoso hospitalizado reconhecendo suas especificidades, 217 estimulando sua independência, garantindo o seu acesso aos recursos terapêuticos disponíveis e indicados ao seu caso, bem como respeitando sua autonomia. Nessa perspectiva, o processo saúde-doença se traduz pela inter-relação entre aspectos de ordem clínica e sociológica. Analisando as falas dos informantes da pesquisa, evidencia-se que historicamente os idosos sofreram um processo de violação dos direitos relacionados à saúde, considerando que o envelhecer saudável implica em viver bem cada etapa da vida. Mesmo considerando que até antes da Constituição Federal de 1988 o SUS não existia e as políticas de saúde como um direito tampouco, o fato é que esse processo continua, uma vez que os idosos não dispõe de uma rede efetivamente integrada, acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de complexidade, disposição de medicamentos e/ou materiais para viabilizar um tratamento clínico que propicie uma melhor recuperação mais rápida, dentre outros. Além disso, os próprios profissionais reconhecem a carência dos recursos disponíveis na saúde pública, o que compromete a assistência aos pacientes internados. Assim, faz-se necessário levar em consideração – além dos aspectos anatômicos e fisiológicos – valores, atitudes e crenças que se encontram no universo das representações dos atores sociais que vivenciam esse processo. Além disso, observam-se expressões de conformismo e passividade que revelam naturalidade e aceitação diante do atendimento prestado. Os informantes da pesquisa entendiam o atendimento recebido não como um direito, e sim, como um favor ou doação. Nessa direção, alguns retrocessos na garantia do direito a saúde também são observados. É inerente ao capitalismo a necessidade de criar novos campos – ainda não explorados ou ocupados – para a valorização do capital. Com a crise econômica mundial, por sua vez, avança a destruição dos serviços sociais e a transformação de parte deles em mercadoria, justamente a parte que pode servir para valorizar o capital. Assim, a mercantilização da saúde pública é parte deste contexto e o RN está inserido nessa conjuntura. Como mercadoria, a saúde é impactada pelas tendências de concentração do capital. Essa tendência desresponsabiliza o dever do Estado, no sentido de garantir o acesso e a promoção, proteção e recuperação da saúde, tal como disposto na Constituição Federal de 1988. Quanto ao componente programático e institucional, percebe-se um despreparo dos profissionais de saúde e dos cuidadores leigos para lidar com as especificidades do paciente idoso internado. Durante a realização da pesquisa, verificou-se que não existe um programa de capacitação permanente para os profissionais do HRPS voltados para esse público. Vale ressaltar, entretanto, que a formação da equipe de saúde para esta área de conhecimento é urgente, em virtude da demanda de atenção a essa população, no sistema de saúde. Contudo, 218 não se pode esquecer que o principal desafio é o de retomar a luta dos direitos sociais e humanos do idoso, para a construção da sua cidadania. Assim, a família, os cuidadores e os profissionais de saúde devem trabalhar no sentido de preservar e incentivar a autonomia e independência do idoso. Percebe-se então que a relação entre familiares e equipe sofre influência do contexto socioeconômico e cultural no qual a família está inserida, além dos problemas organizacionais da instituição de saúde. No que tange à dimensão política, faz-se necessária à melhoria do sistema de saúde como um todo: ampliar o acesso aos serviços, melhorar a qualidade da assistência no tocante aos recursos humanos e materiais e fornecer apoio às famílias cuidadoras, para que minimizem conflitos e gerenciem melhor os que porventura surgirem. Desse modo, tem-se que a violação de direitos ainda é muito presente no país e que as políticas públicas destinadas a assegurá-los não se efetivam plenamente. Isso porque estas são criadas a partir da obrigação de destacar algum serviço, sem, contudo, articular a dimensão dos direitos, recaindo em práticas compensatórias e discriminatórias, as quais contribuem para que ambos não sejam materializados no cotidiano dos seus destinatários. 219 REFERÊNCIAS ABREU, Haroldo. Para além dos direitos: cidadania e hegemonia no mundo moderno. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. ALBUQUERQUE, Sandra Márcia Lins de. Envelhecimento ativo: desafio do século. São Paulo: Andreoli, 2008. ALMEIDA, Aline Branco Amorim de; AGUIAR, Maria Geralda Gomes. O cuidado do enfermeiro ao idoso hospitalizado: uma abordagem bioética. Revista bioética. V. 19, n. 1, 2011. [p. 197 - 217]. ALMEIDA, Vera Lúcia Valsecchi de. Modernidade e velhice. In: Revista Serviço Social e Sociedade. Edição especial Velhice e Envelhecimento. Ano XXIV. Nº 75, Cortez: 2003. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. Ed. Boitempo, São Paulo, 1999. 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Dados Gerais 1.1 Profissão: ___________________________________________________________ 1.2 Sexo: Feminino Masculino 1.3 Tempo de profissão:___________________________________________________ 1.4 Instituição em que formou: _____________________________________________ 1.5 Pós-graduação: Sim Não Em caso afirmativo, qual(is)? ___________________________________________ ___________________________________________ ___________________________________________ 2. Conteúdo 2.1 O que você entende por saúde? 2.2 Como avalia a relação entre saúde e cidadania? 2.3 Qual a sua concepção de idoso? 2.4 Se sente preparado para trabalhar as especificidades do processo saúde e doença com os idosos? 234 2.5 De modo geral, como o idoso é tratado na sociedade atual? 2.6 Você acha que o sistema de saúde no Brasil está preparado para atender a demanda do crescimento do envelhecimento? 2.7 Como você considera que é o atendimento do SUS ao idoso atualmente? 2.8 Dentro da sua especialidade, de que forma é possível contribuir para evitar um caso de violação de direitos? 2.9 Na sua opinião, como é possível identificar um caso de violação de direitos de um paciente internado? 2.10 Como você avalia a interdisciplinaridade na saúde? 235 APÊNDICE B – Roteiro da História de Vida UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DA GARANTIA DOS DIREITOS DO PACIENTE IDOSO INTERNADO: O CASO DE UMA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR PÚBLICA HISTÓRIA DE VIDA 1. Primeira Infância Perguntas sugeridas:  Você pode me contar um pouco sobre seu ambiente familiar e como foi sua infância?  Quantos irmãos e irmãs você tem e onde você se situa pela ordem de nascimento?  O que seus pais faziam profissionalmente?  Você teve alguma doença grave quando criança?  Como você se relacionava com seus pais?  O que seus pais faziam quando você desobedecia?  Como você se relacionava com seus irmãos?  Havia outros adultos importantes para você na infância?  Com quem você se relacionava melhor na infância?  Tem alguma lembrança marcante da infância?  Você lembra de ter ido a algum posto de saúde? Existia, e se sim, cumpriu o calendário de vacinas? 2. Idade escolar Perguntas sugeridas:  Você teve a oportunidade de ir a escola?  Existia escola próxima a sua casa?  Havia um transporte público?  O que se lembra da escola? Existiam refeições? 3. Adolescência 236 Perguntas sugeridas:  Depois do primeiro grau você continuou os estudos?  Comente como foi seu desempenho como estudante? ou O que você fez depois de parar de estudar?  Como era o seu relacionamento com os colegas?  Você exercia alguma atividade profissional? Se sim, qual?  Você já teve alguma experiência com o tabagismo ou o álcool? 4. Idade adulta Perguntas sugeridas:  O que você fez depois de terminar (ou abandonar) os estudos? Permaneceu muito tempo nessa atividade? Quais outros trabalhos você realizou?  Você gostava do trabalho (dos trabalhos)?  Como você se relacionava com seus chefes e colegas?  Você mora em casa própria? Como é sua casa?  Você teve alguma dificuldade financeira?  Você casou-se (manteve um relacionamento emocional mais estável)?  Como é (foi) seu casamento (relacionamento emocional mais estável)?  Você teve filhos?  Como se relaciona com eles?  Como tem sido sua saúde e a de seus familiares?  Já perdeu alguém importante para você?  Você tem amigos ou amigas? Alguns deles podem ser considerados íntimos, a ponto de você recorrer a eles no caso de ter algum problema?  O que você faz no seu tempo livre?  O que você acha que estará fazendo daqui a cinco anos? O que você gostaria de estar fazendo? 5. Atualmente  Qual foi sua maior conquista como idoso(a)?  O Sr.(a) se preparou para esta etapa de sua vida?  No caso de ser viúvo(a), separado(a) ou divorciado(a): - Em que mudou sua vida? E a sua saúde? - Pensou em se casar novamente ou em ter um(uma) companheiro(a)? - Isso aconteceu? Por quantas vezes? Teve aprovação dos filhos?  Como o relacionamento entre pais e filhos muda quando os filhos atingem a idade adulta?  Como é o relacionamento com os netos? 237  Tem ido a algum centro de idosos? Tem ido a alguma igreja ou templo? Tem ido ao cinema, evento esportivo ou semelhante?  Que atividades realiza com o cônjuge? E com os amigos?  O que mais proporciona satisfação ou prazer no atual momento de sua vida?  Tem tido alguma atividade como voluntário(a)?  Participa de Clubes ou Associações?  Você se considera cidadão?  Quem costuma cuidar de você quando adoece?  Que direitos acredita que o idoso deve ter?  Em sua opinião, o que é ter qualidade de vida?  Se pudesse, faria algo diferente na vida? Perguntas sugeridas:  Se aposentado: - Há quanto tempo está aposentado? - Como recebeu sua aposentadoria? - Quais são as diferenças entre o trabalho no atual momento da vida e o trabalho no início da vida adulta? - Está satisfeito com sua remuneração profissional? - O Sr. Ou a Sra. nota mais vantagens ou desvantagens em ser aposentado(a)? - Quais vantagens? - Quais desvantagens?  Se não estiver aposentado, por que? 6. Perguntas gerais sobre a saúde  O que fazia quando adoecia em cada época da vida?  Já esteve internado antes?  Se sim quantas vezes e por que motivo?  Realiza alguma consulta preventiva? De qual especialidade?  Como são os serviços de saúde que você utiliza?  Qual sua opinião sobre os serviços de saúde hoje? Falta algo?  Como você avalia seu acesso a saúde?  Já precisou de algum exame/consulta/procedimento e não conseguiu atendimento pelo SUS? Em caso afirmativo, o que fez?