UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO REABILITAÇÃO DE ÁREAS EM PROCESSO DE DESERTIFICAÇÃO NO SEMIÁRIDO NORTERIOGRANDENSE COM A FAVELEIRA: ESPÉCIE-CHAVE CULTURAL DO BIOMA CAATINGA Josimar Araújo de Medeiros Natal/RN 2018 Josimar Araújo de Medeiros REABILITAÇÃO DE ÁREAS EM PROCESSO DE DESERTIFICAÇÃO NO SEMIÁRIDO NORTERIOGRANDENSE COM A FAVELEIRA: ESPÉCIE-CHAVE CULTURAL DO BIOMA CAATINGA Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, associação ampla em Rede, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor. Orientador: Prof. Dr. Magdi Ahmed Ibrahim Aloufa Natal/RN 2018 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências da Saúde - CCS Medeiros, Josimar Araujo de. Reabilitação de áreas em processo de desertificação no semiárido norteriograndense com a faveleira: espécie-chave cultural do bioma caatinga / Josimar Araujo de Medeiros. - 2018. 151f.: il. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Biociências, Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA). Natal, RN, 2018. Orientador: Prof. Dr. Magdi Ahmed Ibrahim Aloufa. 1. Áreas degradas - Tese. 2. Euforbiáceae - Tese. 3. Reabilitação - Tese. 4. Espécie-chave cultural - Tese. 5. Desenvolvimento sustentável - Tese. I. Aloufa, Magdi Ahmed Ibrahim. II. Título. RN/UF/BSCCS CDU 551.577.5(813.2) Elaborado por Adriana Alves da Silva Alves Dias - CRB-15/474 Josimar Araújo de Medeiros Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, associação ampla em Rede, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor. Aprovada em: BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________________________________________ Prof(a). Dr(a). Magdi Ahmed Ibrahim Aloufa (Orientador) Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PRODEMA/UFRN) ______________________________________________________________________________________________ Prof(a). Dr(a). Jacob Silva Souto Universidade Federal da Paraíba (Pós-Graduação em Agronomia) ____________________________________________________________________________ Prof(a). Dr(a). Maria Cristina Basilio Crispim da Silva Universidade Federal da Paraíba (PRODEMA/UFPB) ______________________________________________________________________________ Prof(a). Dr(a). Ione Rodrigues Diniz Morais Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PRODEMA/UFRN) _____________________________________________________________________________ Prof(a). Dr (a). Ramiro Gustavo Valera Camacho Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – (PPCN/ UERN) Campus Central AGRADECIMENTOS Ao Programa Regional de pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UFRN) pela atenção dispensada sempre que solicitado. Ao meu orientador, Professor Magdi Ahmed Ibrahim Aloufa, pelo entusiasmo com a minha proposta e pelas contribuições que tanto engrandeceram o trabalho. A sua vibração com os resultados da pesquisa que realizamos sempre representou um combustível a mais para as minhas buscas. À minha eterna professora Ione Rodrigues, estudiosa das causas do semiárido, incentivadora desse trabalho desde a ideia original, pelos idos de 2008, até as precisas observações na organização final. A Daguia (esposa) e Anna Alice (filha) pelo apoio e pela compreensão, incondicionais. Para essas duas, não tenho palavras... Aos meus pais, Zeca Rodrigo (in memorian) e Maricinha, pela lição de que é com coragem e determinação que os sonhos são feitos. Aos meus irmãos, Josenilson e Julimar, muito mais do que ficar na torcida, “meteram a mão na massa” e muito contribuíram na execução desse projeto. Ao meu irmão José Filho (Bolos) e sua família que me acolheram na sua casa em Natal, imprescindível no encurtamento desse caminho. À professora Joana Macêdo que por sucessivas vezes, seus conhecimentos em Língua Portuguesa foram requeridos para inserir os textos dentro dos padrões da língua mãe. À professora Soray Medeiros, responsável pelo Abstract dos textos. À direção da Escola Raimundo Silvino da Costa (Jocildo e Iêda), pessoas que estiveram à frente da instituição ao longo da empreitada: agradeço pela compreensão nos momentos que tive de me afastar das atividades. Aos meus colegas: Jalvani (Matemática), Carlos Jorge (Informática), Marquinhos e Daniel (Cartografia) pelas contribuições pontuais dos seus conhecimento para o trabalho. A Valmir e Igsson funcionários da Secretaria de Meio Ambiente do município. Minha gratidão pelo empenho na produção de mudas e na coleta de sementes de faveleira. Ao ex-prefeito do município de São José do Seridó/RN, Jacksom Dantas e a prefeita atual, Maria Dalva, pelo apoio no desenvolvimento e replicação da pesquisa. A todos os meus colegas de turma com os quais convivi e construí uma solida amizade, em especial a seridoense Luziana que pela proximidade estivemos em contato permanente nessa caminhada. Não poderia deixar de mencionar a contribuição das populações rurais dos municípios de Caicó e São José do Seridó que, com tanto apreço me receberam nas suas residências por ocasião das entrevistas realizadas sobre a faveleira. Os meus profundos agradecimentos também são estendidos para os produtores rurais que proporcionaram maior significado a pesquisa na medida que resolveram replicar os resultados, plantando a faveleira nas suas propriedades. Não poderia deixar despercebido as “pessoas ocultas”, aqui compreendidas pelos avaliadores (as) dos artigos submetidos aos periódicos, tanto nos momentos em que foram rejeitados, como nas situações exitosas. Aos examinadores (as), responsáveis pela lapidação do constructo com suas diversas visões sobre o tema, contribuições sem as quais tudo o que foi realizado ficaria manco. Por fim, ficam os agradecimentos especiais ao agricultor Francisco Gonçalves (Chicão, 78 anos) e seus familiares. O conjunto da obra teve o epicentro nas suas inquietações. Coletor, consumidor e plantador da faveleira há mais de 70 anos. Minhas inquietações com essa xerófita endêmica da Caatinga começaram numa tarde primaveril do ano de 2006. Ao retornar de uma visita ao mesmo, na comunidade Cajazeiras, onde residia na época, constatei que umas sementes do vegetal que o mesmo tinha descartado em frente a sua residência (no terreiro) tinham germinado. Arrancamos as plantas e ao chegar na cidade transplantei para embalagens plásticas no viveiro de mudas do município, lá permanecendo até o final daquele ano quando realizei o plantio. “A SORTE ESTAVA LANÇADA”. Embora não tivesse a noção do que estava por vir. Nas pesquisas do Doutorado, além dos conhecimentos sobre a faveleira, Chicão também nos doou sementes para plantio. Por fim, no “apagar das luzes” lá estava novamente Chicão: afinal de contas a fuba de sementes de faveleira que servimos após o “embate da defesa da Tese” foi produzida pelo mesmo, com seus familiares. A foto doravante mostra o mesmo coletando os frutos da faveleira. Um gesto que, segundo ele afirmou, repete a mais de sete décadas. Por tudo isso, sou muito grato. NADA, NADA MESMO É OBRA DO ACASO. DISSO SOU CONVICTO A inclemência climática do semiárido tem levado todas as formas de vida que por aqui têm passado a um exercício permanente na busca pela sobrevivência. Por aqui, abundância e escassez se alternam. A vida animal e vegetal sempre “atentas” às mudanças (dizem que aqui já foi muito chuvoso) compreendeu logo os “truques”. A faveleira, ponto das minhas inquietações e teimosias é prova dessa assertiva. A espécie humana, aqui se referindo à postura do colonizador (do qual descendemos) parece que tem demorado a entender esses recados. Na ânsia de enriquecer a qualquer custo, trouxemos o “chibante”, a foice e o machado para devorar nossas matas, transformando-as em cinzas e daí em locais de plantação de algodão e até de pasto para o gado. Nessa fúria, quem melhor podia nos ensinar sobre a Caatinga, a curto prazo (os indígenas) com ensinamentos milenares, infelizmente fizeram parte do envelope da barbárie. Sou parte desse enredo. Afinal de contas “ceguei” foices, “chibantes” e machados, tentando derrubar juremas, pereiros, marmeleiros ... até perdi as contas. Ainda não entendia os efeitos colaterais. Também ainda não enxergava outros horizontes. Até descobrimos no refrigério dos rios e riachos, nos açudes e barragens os “segredos” para fazermos fartura na terra seca. Vi e vivenciei, embora já se passaram quase 30 anos. Tudo era produzido organicamente. Infelizmente, também participei ativamente do nocaute final desse enredo. Não percebemos que os agrotóxicos que “gentilmente” nos ofereceram seriam mais uma “pedra” no nosso caminho. Embora pareça romantismo, não foi fácil chegar aqui. Afinal de contas, como primogênito de uma família de seis, nascido na sexta década do século passado, logo cedo (digo, seis, sete, oito anos) comecei a ter as primeiras lições desses ofícios: plantar a vazante no rio, no açude, carregar água para minha mãe plantar hortas, cortar o capim para o gado, lenha, “amansar” o boi de cultivador e por aí vai. O tempo passou. Da minha geração filho de agricultor familiar, residente no sítio São Paulo, fomos a primeira a continuar os estudos na cidade. Felizmente fui teimoso. Uma vida de estudante/agricultor com muitos outros afazes muitos obstáculos foram criados na trajetória. “Reprovação, Recuperação, Reposição”. Apenas livrei minha “pele” no PRODEMA. Afinal de contas, por aqui, encontrei a “praia” onde a Ciência (embora com algumas pessoas torcendo o nariz) mostrou-se resiliente com o meu empirismo. E até que deu certo. Afinal de contas minha “teimosia” tornou-se mais convicta, pois já se encontra noutra metade de século de existência. Por tudo isso, embora reconheça que a academia ficaria saciada com um trabalho que investigasse os conhecimentos dos agricultores sobre a faveleira. Ninguém tinha feito ainda. Bastava um bom “lero”. Embora sabendo do custo da minha teimosia segui em frente. Nunca passou pela minha cabeça (e o meu orientador muito reforçou esse pensamento) ser apenas mais um trabalho. Buscava algo concreto. Capaz de alimentar minha teimosia (e de todos os catingueiros de plantão que tem me acompanhado). APRESENTAÇÃO A Tese tem como título “REABILITAÇÃO DE ÁREAS EM PROCESSO DE DESERTIFICAÇÃO NO SEMIÁRIDO NORTERIOGRANDENSE COM A FAVELEIRA: ESPÉCIE-CHAVE CULTURAL DO BIOMA CAATINGA”, e, conforme padronização aprovada pelo colegiado do DDMA local, se encontra composta por uma Introdução geral (embasamento teórico e revisão bibliográfica do conjunto da temática abordada, incluindo a identificação do problema da Tese), uma Caracterização geral da Área de estudo, Metodologia geral empregada para o conjunto da obra e por quatro Capítulos que correspondem a artigos científicos. Todos os capítulos/artigos estão no formato do periódico ao qual está publicado/submetido; os endereços dos sites onde constam as normas dos periódicos estão destacados em cada capítulo/artigo. REABILITAÇÃO DE ÁREAS EM PROCESSO DE DESERTIFICAÇÃO NO SEMIÁRIDO NORTERIOGRANDENSE COM A FAVELEIRA: ESPÉCIE-CHAVE CULTURAL DO BIOMA CAATINGA O presente trabalho trata de estudo sobre a faveleira e o uso do vegetal na reabilitação de áreas degradadas. Objetivou-se compreender o processo de reabilitação em áreas de ocorrência da desertificação, por meio do plantio dessa espécie. O trabalho é composto por quatro manuscritos. O primeiro, classificou a faveleira, como espécie-chave cultural (CKS) do bioma Caatinga realizado através do uso de metodologia proposta por Cristancho e Vining (2004), com a colaboração de revisão de literatura sobre o vegetal, informações colhidas em entrevistas e observações in loco em áreas com a presença do vegetal. A relação da faveleira com cinco entre os sete indicadores de CKS propostos, classifica-a como sendo um CKS do bioma Caatinga. No segundo analisou-se a percepção de moradores da zona rural do Seridó acerca dos usos da faveleira. O estudo realizou-se em comunidades rurais de Caicó e São José do Seridó/RN, onde o táxon se apresenta em meio à caatinga. Além de visitas prévias, realizou-se 57 entrevistas semiestruturadas. A todas as partes do vegetal foi atribuído relevância. O uso das sementes na alimentação dos animais domésticos, silvestres e humano e das folhas na alimentação dos animais domésticos foi apontado por 100% dos interlocutores. No terceiro e quarto manuscritos avaliaram a capacidade de fixação da faveleira, em área em processo de desertificação (APD) e em área desertificada (AD). Na estação chuvosa de 2009, foi definida a área do estudo, através de observações in loco, com a colaboração de agricultores familiares do local. Ambas se encontram localizadas na zona rural de São José do Seridó/RN. O plantio na APD ocorreu em março de 2009. As mudas foram fornecidas pelo município. A avaliação realizada em abril de 2014, das 82 mudas introduzidas, 65 se encontravam vivas. O plantio na AD ocorreu em março de 2015. As mudas foram produzidas pelos agricultores do local com uso de embalagens plásticas e através de sementeira. Um ano depois, entre as 60 mudas plantadas com uso de cada técnica, sobreviveram, respectivamente, 56 e 46. A APD e a AD da pesquisa, se mantiveram sendo exploradas com o pastoreio. Após o plantio, foi depositado uma camada de pedras no entorno das covas para faclitar o armazenamento de água e outras partículas. No microssítio do entorno de 100% das covas, constatou-se o recrutamento de espécies comuns na estação chuvosa e a presença de plantas da vegetação permanente do entorno. A faveleira é uma CKS da Caatinga, adequada para uso na reabilitação de áreas degradas, desde que com o plantio de mudas seja realizado após quatro meses de emergência. É uma xerófita bem adaptada à semiaridez e apresenta vínculos estreitos com a população campesina. Palavras-chave: Áreas degradas; Euforbiáceae; Reabilitação; Espécie-chave cultural; Desenvolvimento sustentável. REHABILITATION OF AREAS IN THE PROCESS OF DESERTIFICATION IN NORTERIOGRANDEN SEMIARID WITH FAVELEIRA: CULTURAL KEY SPECIMEN OF CAATINGA BIOMA The present work deals with a study on the faveleira and the use of the vegetable in the rehabilitation of degraded areas. The objective was to understand the process of rehabilitation in areas of desertification occurrence, through the planting of this species. The work consists of four manuscripts. The first, classified the faveleira, as a key cultural species (CKS) of the Caatinga biome carried out through the use of a methodology proposed by Cristancho and Vining (2004), with the collaboration of literature review on the vegetation, information collected in interviews and observations in loco in areas with the presence of the vegetable. The relation of the faveleira with five among the seven indicators of CKS proposed, classifies it as being a CKS of the caatinga biome. In the second, it was analyzed the perception of residents of the rural area of Seridó about the uses of the faveleira. The study was carried out in rural communities of Caicó and São José do Seridó / RN, where the taxon presents itself in the middle of Caatinga. In addition to previous visits, 57 semi-structured interviews were conducted. To all parts of the vegetable has been given relevance. The use of seeds in the feeding of domestic, wild and human animals and leaves in the feeding of domestic animals was pointed out by 100% of the interlocutors. In the third and fourth manuscripts were evaluated the capacity of fixation of the faveleira, in area in process of desertification (APD) and desertified area (AD). In the rainy season of 2009, the study area was defined, through in situ observations, with the collaboration of local farmers. Both are located in the rural area of São José do Seridó / RN. ODP planting took place in March 2009. The seedlings were provided by the municipality. In April 2014, of the 82 seedlings introduced, 65 were alive. AD planting took place in March 2015. The seedlings were produced by local farmers using plastic packaging and by sowing. One year later, among the 60 seedlings planted with each technique, 46 and 56 survived, respectively. The APD and AD of the research survived through grazing. After planting, a layer of stones was deposited around the pits to facilitate the storage of water and other particles. In the microsite of 100% of the pits, it was observed the recruitment of common species in the rainy season and the presence of plants of the surrounding permanent vegetation. The faveleira is a Caatinga CKS, suitable for use in the rehabilitation of degraded areas, since with the planting of seedlings is carried out after four months of emergence. It is a xerophyte well adapted to semiaridity and has close links with the peasant population. Keywords: Degraded areas; Euforbiáceae; Rehabilitation; Faveleira; Key cultural specie; Sustainable development. LISTA DE SIGLAS APD Área em processo de desertificação AD Área desertificada ASD Áreas susceptíveis à desertificação CKS Espécie chave cultural CA Crescimento em altura CPMX Centro de produção de mudas xique-xique EMPARN Empresa de pesquisa agropecuária do Rio Grande do Norte NDS Núcleo de desertificação do Seridó ND Núcleo de desertificação NUDES Núcleo de desenvolvimento sustentável do Rio Grande do Norte PA Percepção ambiental PDSS Plano de desenvolvimento sustentável do Seridó PPA Plano plurianual SAB Semiárido brasileiro SMUMA Secretaria municipal de urbanismo e meio ambiente TS Taxa de sobrevivência SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ...............................................................................................................4 APRESENTAÇÃO.....................................................................................................................7 RESUMO ...................................................................................................................................8 ABSTRACT...............................................................................................................................9 LISTA DE SIGLAS..................................................................................................................10 SUMÁRIO................................................................................................................................11 1 INTRODUÇÃO GERAL E REVISÃO DA LITERATURA..............................................14 1.1 Relevância do saber local na mitigação dos problemas socioambientais......................16 1.2 Esforços para mitigar o processo de desertificação no NDS...............................................20 1.3 Importância da faveleira no reflorestamento de área de ocorrência da desertificação.........21 1.4 Faveleira: espécie-chave cultural (CKS) do bioma Caatinga..............................................24 2 CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ÁREA DE ESTUDO..................................................26 3 METODOLOGIA GERAL .................................................................................................30 CAPÍTULO I: ASPECTOS SOCIOAMBIENTAIS E ECONÔMICOS DA FAVELEIRA (C. QUERCIFOLIUS), ESPÉCIE-CHAVE CULTURAL DO BIOMA CAATINGA: ESTUDO DE CASO ...............................................................................................................40 RESUMO..................................................................................................................................40 ABSTRACT..............................................................................................................................40 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................41 2 METODOLOGIA...............................................................................................................45 3 CARACTERIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL E SOCIOECONÔMICA FAVELEIRA.....46 4 FAVLEIRA: ESPÉCIE-CHAVE CULTURAL (CKS) DO BIOMA CAATINGA..........54 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................61 REFERÊNCIAS........................................................................................................................62 CAPÍTULO II: PERCEPÇÃO DA POPULAÇÃO DAS ÁREAS COM A PRESENÇA DA FAVELEIRA SOBRE OS USOS DO VEGETAL .......................................................66 RESUMO..................................................................................................................................66 ABSTRACT..............................................................................................................................66 RESUMEN................................................................................................................................67 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................67 2 METODOLOGIA.............................................................................................................70 2.1 Área de estudo...................................................................................................................70 2.2 Procedimentos...................................................................................................................70 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO......................................................................................71 3.1 Informações gerais sobre os entrevistados e sobre a faveleira..........................................71 3.2 Análise do discurso dos interlocutores a respeito do uso das partes da faveleira.............75 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................82 CAPÍTULO III: REABILITAÇÃO DE ÁREA EM PROCESSO DE DESERTIFICAÇÃO COM A FAVELEIRA (C. quercifolius Pohl) NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO SERIDÓ/RN............................................................................................................................86 RESUMO..................................................................................................................................86 ABSTRACT..............................................................................................................................86 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................87 2 MATERIAL E MÉTODOS..............................................................................................90 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO......................................................,...............................93 3.1 A fixação da faveleira na área do estudo............................................................................93 3.2 Povoamento do microssítio no entorno das faveleiras por espécies da vizinhança..........97 4 CONCLUSÕES..............................................................................................................100 REFERÊNCIAS......................................................................................................................100 CAPÍTULO IV: PARTICIPAÇÃO POPULAR NA REABILITAÇÃO DE ÁREA DESERTIFICADA NO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO SERIDÓ/RN..........................103 RESUMO................................................................................................................................103 ABSTRACT............................................................................................................................103 1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................104 2 MATERIAL E MÉTODOS............................................................................................108 3 PARTICIPAÇÃO DOS AGRICULTORES NA REABILITAÇÃO DE ÁREA DESERTIFICADA (AD) COM O PLANTIO DA FAVELEIRA..........................................113 4 FIXAÇÃO DA FAVELA NO SÍTIO DEGRADADO...................................................116 5 REPLICABILIDADE DA PRODUÇÃO DE MUDAS DE FAVELA VIA SEMENTEIRA.......................................................................................................................121 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................124 REFERÊNCIAS......................................................................................................................125 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................129 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................132 APÊNDICE A: Roteiro das entrevistas, sobre a faveleira, realizadas junto a comunidades rurais de áreas com a presença do vegetal..........................................................................................138 APÊNDICE B: Reflorestamento em áreas de ocorrência da desertificação no semiárido norteriograndense com a faveleira (Cnidoscolus quercifolius)...............................................139 14 1 INTRODUÇÃO GERAL E REVISÃO DA LITERATURA Durante o século XX, a relação entre o mundo dos homens e o planeta que o mantém passou por transformações consideráveis, posto que em tempos pretéritos, nem a tecnologia nem o número de pessoas, nem os sistemas técnicos tinham capacidade para promover intervenções em profundidade nos sistemas planetários (LEFF, 2001; SOUZA, 2013). Conforme Santos (1994), a modernização científico-tecnológica e neoliberal em ascensão no mundo agrava a exclusão social e a destruição dos ecossistemas, afetando a qualidade e sustentabilidade da vida e a sustentabilidade no planeta, provocando inconformismo e uma crítica aos rumos da ciência moderna. O Papa Francisco (2015, p. 19) afirma que a tecnologia associada às finanças, vistas como única solução para os problemas, pela incapacidade de enxergar a multiplicidade das relações “[...] às vezes resolve um problema criando outros”. Ressalta ainda que as diversas formas de degradação ambiental poderão esgotar além dos meios locais de subsistência da humanidade os “[...] recursos sociais que consentiram um modo de viver que sustentou, durante longo tempo, uma identidade cultural e um sentido da existência e da convivência social.” (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 120). Sobre esse tema Santos (1994, p. 194) ressaltou que a ciência moderna, embora tenha possibilitado assombroso desenvolvimento cientifico, “[...] constituiu-se contra o senso comum, expropriando a pessoa humana da capacidade de participar [...].” Como contraponto ao cenário retrocitado, têm-se acumulado trabalhos (SANTOS, 1994; TRICAT, 1977; WHYTE, 1977; DIEGUES, 2000; MORIN, 2000; LEFF, 2001; SANTOS, 1997; COSTA, 2011; TUAN, 2012; GUIMARÃES e MEDEIROS, 2016) focados na análise dos conhecimentos sobre a natureza, milenarmente e empiricamente acumulado e apropriado pelos grupos humanos1, relevantes na produção de bens ambientais, além do reconhecimento de que os exemplos de paisagens naturais são, na realidade, o produto da atividade humana ao longo de centenas ou milhares de anos. Outros estudos (WHYTE, 1977; DIEGUES, 2000; MORIN, 2000; LEFF, 2001; MATURANA, 2001; SANTILLI, 2009; RICKLEFS, 2015) têm focado, em carater mais consistente, 1 É importante salientar que a ideia de desenvolvimento do projeto, que culminou com o trabalho em tela é uma expressão viva do pensamento desses autores. Embora na localidade rural onde o autor passou parte da sua vida trabalhando na agricultura, constata-se a ausência quase completa da faveleira, por muitas vezes o mesmo escutou de sua mãe, quase octogenária, nascida e criada numa propriedade rural, onde esse vegetal aparece em caráter gregário, histórias sobre o seu uso por parte de sua família. Inclusive, certa vez “receitando” o uso da casca em processo inflamatório pelo mesmo apresentado. Quanto as pesquisas com o plantio do vegetal, tudo começou ainda no primeiro semestre do ano de 2006. Em visita ao agricultor F. G. S, que fazia a coleta de sementes da faveleira, na zona rural do município de São José do Seridó/RN, para uso na alimentação da família e para o plantio nas áreas de Caatinga onde o mesmo criava ovinos, constatou em frente à residência muitas plantas nascidas, resultante de sementes descartadas. Todas foram arrancadas e levadas até o viveiro de mudas do município, permanecendo até dezembro daquele ano, quando o plantio de 38 mudas foi realizado na propriedade rural dos seus familiares. 15 a singularidade da participação das comunidades remenescentes de áreas com perturbações ambientais, com sua riqueza cultural material e imaterial, como sendo capital nas ações voltadas para a transformação da realidade socioambiental ameaçadora, conforme discutido nos trabalhos doravante analisados, em sintonia com essa matiz do conhecimento. Diante do disposto nas matizes teóricas este trabalho parte da seguinte questão central: Em que medida o plantio da faveleira promove a reabilitação de áreas de ocorrência da desertificação? de forma mais especifica, questiona-se: A faveleira é considerada uma espécie-chave cultural do bioma Caatinga? A faveleira ao se fixar em área em processo de desertificação (APD) e área desertificada (AD) cria condições para o recrutamento de espécie da caatinga no microambiente do seu entorno? Qual a percepção de moradores da zona rural do Seridó acerca dos usos da faveleira? Para responder essas indagações partiu-se da seguinte premissa: A faveleira é uma espécie- chave cultural da caatinga, utilizada pelo homem do campo com fins diversos e que apresenta potencial para promover a reabilitação de áreas degradadas pela desertificação, contribuindo para o repovoamento desses locais por espécies presentes em seu entorno, aumentando a oferta de alimento animal e humano nessas áreas. Considerando a problematização em pauta, definiu-se como objetivo geral: Compreender o processo de reabilitação de áreas de ocorrência da desertificação por meio do plantio da faveleira. Esse objetivo gerou seis objetivos específicos: avaliar a capacidade de fixação da faveleira em APD e AD; examinar a capacidade da faveleira de recrutar espécies para o microambiente do seu entorno; utilizar a faveleira na reabilitação florestal de áreas perturbadas; analisar a percepção de moradores da zona rural do Seridó, acerca dos usos da faveleira; aplicar a metodologia proposta por Cristancho e Venig (2004) na classificação da faveleira como espécie-chave cultural do bioma Caatinga e divulgar informações pesquisadas sobre a espécie em questão. Com referência à hipótese principal desse estudo, constatou-se a presença de rico acervo de informações orais, por parte das populações rurais, sobre os usos da faveleira, assim como o processo contínuo de transmissão intra e intergeracional e a disponibilidade dos sujeitos locais de envolver-se no plantio e manutenção da integridade da área de pesquisa, dentro dos limites estabelecidos, além dos esforços de replicar espontaneamente a técnica com o plantio do vegetal na propriedade. Apesar disso, limitações foram verificadas, como a dificuldade de se fazer a coleta das sementes para plantio do vegetal, em função da palatividade por parte dos animais e a abertura do fruto ter caráter explosivo, provocando a dispersão das sementes. Os impactos da irregularidade espaço-temporal do regime pluviométrico, compreende outro obstáculo quando se trata de pesquisas dessa natureza no semiárido brasileiro (SAB). 16 1.1 Relevância do saber local na mitigação dos problemas socioambientais Constata-se que vem crescendo o interesse científico com relação ao conhecimento acumulado por comunidades tradicionais, incluindo agricultores familiares2 e sobre os bens naturais, diante da sensibilidade que essas experiências construídas ao longo dos séculos, pode, em muitos casos, ter comprovação científica que habilite a extensão desses usos à sociedade. Esse argumento aponta a relevância dos estudos de percepção ambiental com esse segmento da economia rural (ALBUQUERQUE e SILVA, 2004; ALBUQUERQUE, 2005; PATZLAFF e PEIXOTO, 2009; COSTA, 2011; TUAN, 2012). De acordo com Diegues (2008) pesquisas acerca da relação homem-ambiente e do gerenciamento de ecossistemas devem incluir a percepção dos grupos sociais remanescentes dessas áreas como parte da abordagem interdisciplinar. Santilli (2009, p. 383-84) define esses conhecimentos como sendo bens imateriais “[...] que fazem parte do patrimônio cultural brasileiro e devem ser objeto de ações e políticas de salvaguarda e fomento.” De acordo com Albuquerque (2005); Carvalho e Rodrigues (2015), os conhecimentos acumulados das investigações etnobotânicas possibilitam a promoção de programas para a utilização do conhecimento tradicional e dos complexos sistemas de manejo e conservação dos recursos naturais dos povos tradicionais. Ainda contribui para o reconhecimento e a preservação de plantas potencialmente importantes em seus respectivos ecossistemas. Sobre essa discussão o Papa Francisco (2015, p. 119) enfatiza que o desenvolvimento de um grupo social “[...] requer constantemente o protagonismo dos atores sociais locais a partir da sua própria cultura.” Nessa perspectiva, Cristancho e Vining (2004) revelaram que, apesar dos esforços no campo dos estudos das espécies que são fundamentais para o funcionamento do ecossistema natural onde estão incorporados, não há conhecimento suficiente sobre a importância de certas espécies vegetais e animais para a estabilidade econômica e cultural das comunidades humanas remanescentes desses ambientes. Nesta linha de raciocínio, o território brasileiro, com a diversidade de domínios naturais existentes, apresenta grande diversidade biocultural (COSTA, 2001). Todavia, Santilli (2009) 2 Para os propósitos do trabalho em tela, utilizou-se a definição de agricultura familiar proposta por Santilli (2009) como sendo estabelecimentos que atendem simultaneamente às seguintes considerações: a) o produtor é o responsável pela direção dos trabalhos na propriedade e b) a mão-obra-familiar empregada supera aquela objeto de contrato. 17 ressalta que, apesar do rico patrimônio biológico e cultural que o país apresenta, o modelo agrícola de colonização baseou-se na monocultura e no uso de espécies exóticas. O bioma Caatinga compreende uma das expressões mais singulares nesse universo por ser genuinamente brasileiro. Essa formação vegetal, que na língua indígena significa “mata branca”, é composta por uma grande biodiversidade vegetal e animal, adaptada às condições de semiaridez, cobrindo genericamente o semiárido nordestino do Brasil (SAMPAIO et al., 2003). Em função do regime pluviométrico dessa área, permanece a maior parte do ano com feição cinzenta e com emaranhado de galhos secos e desramados. Transforma-se radicalmente com a ocorrência das primeiras chuvas, de sorte que o verde recobre até aquelas áreas sem vegetação permanente, constituindo uma vegetação rasteira, popularmente conhecido por babugem (LEAL et al., 2003). Outra singularidade da área originalmente encoberta com esse bioma é a ocorrência do processo de desertificação, fenômeno causado por uma correlação de efeitos climáticos e ações antrópicas. O aumento da população humana, o pastoreio excessivo, as práticas nocivas de uso da terra, sobretudo o desflorestamento para a retirada de madeira para uso agrícola e pecuário do solo, associado à marginalidade população, são apresentadas como as causas principais da ocorrência desse fenômeno (ROSS, 2008; VEZZANI, 2015). No núcleo de desertificação do Seridó (NDS), localizado na porção Centro-Sul do Estado do Rio Grande do Norte, outro fator que muito tem concorrido para a ocorrência desse fenômeno é a consolidação do setor ceramista, atividade associada a dois impactos ambientais que concorrem para o processo de desertificação: o corte da caatinga para uso da lenha na queima dos produtos cerâmicos (telhas, tijolos e lajotas) e a larva de argila, extraídos dos parcos solos agricultáveis existentes nas margens dos rios e nos açudes (PAN-BRASIL, 2004; PAE/RN, 2010; CGEE, 2016). Para Sampaio et al. (2003), essa atividade representa uma das principais razões da existência do Núcleo de Desertificação Seridó potiguar. Conforme PAE/RN (2010) apresenta como singularidade a maximização da degradação ambiental que, associado a variáveis naturais e humanas se evidenciam de forma clara, deixando transparecer no espaço a deterioração das relações sócio-ambientais. Com referência as estratégias para mitigação, por tratar-se de um problema cujo homem remanescente contribui para sua ocorrência através de práticas inadequadas de manejo dos bens naturais e, simultaneamente, sofre as consequências mais imediatas, não terão guarida caso as discussões para implementação de medidas mitigadoras, não tenham como centro a participação efetiva dos povos remanescentes dessas áreas (PAN-BRASIL, 2004; MMA, 2005; PAE/RN, 2010; BEZERRA, 2011; MEDEIROS, 2012; CGEE, 2016). 18 Conforme Vasconcelos Sobrinho (1982), além de fatores ligados à ação antropogênica, variáveis inerentes às áreas semiáridas, como os baixos índices pluviométricos, acentuada irregularidade espaço temporal das precipitações, ocorrência de ventos quentes e secos, presença de drenagens intermitentes e sazonais, forte incidência de radiação solar, baixa capacidade de retenção de água dos solos de natureza cristalina, também contribuem na ocorrência do processo de desertificação. Na visão de Guerra et al.(2012), a ocorrência da desertificação reflete a relação estabelecida pela sociedade com esses espaços. Além dessas variáveis citadas como causas do fenômeno, ressalta-se que a desertificação vem sendo potencializada pelos efeitos das mudanças climáticas globais, sobre o bioma Caatinga (PAN-BRASIL, 2004; PAE/RN, 2010; ANGELOTTI, 2015). A área de ocorrência de desertificação no Brasil, compreende SAB, onde se localiza aproximadamente 90% do território do Rio Grande do Norte. Porém, constata-se onde se verifica o fenômeno, espaços que apresentam níveis de degradação mais críticos. São os Núcleos de desertificação: Irauçuba/CE, Cabrobó/PE, Gilbués/PI e o Seridó/RN. (PAN-BRASIL, 2004). De acordo com o PAE/RN (2010) as áreas susceptíveis à desertificação (ASD) potiguares ocorrerem de forma muito grave, grave e moderada e abrigam um contingente de 2.680.347 habitantes, sendo 73,91% residentes em espaços urbanos e 26,08% moradores rurais, correspondente a 97,26% da população urbana e 94,48% da população rural do Estado. O recorte de ocorrência muito grave do fenômeno compreende 20 municípios, incluindo São José do Seridó e Caicó onde a pesquisa foi realizada (FELIPE et al., 2011). De acordo com o PAN-Brasil (2004) nesse universo, as marcas mais intensas da degradação são verificadas nos municípios de Currais Novos, Acari, Cruzeta, Carnaúba dos Dantas, Parelhas e Equador, constituindo o NDS (Figura 1). Figura 1: Localização da área de ocorrência muito grave da desertificação no Estado do Rio Grande do Norte e dos municípios que formam o NDS. 19 É bom lembrar que com exceção de Equador/RN, cuja atividade mineradora aparece como fator de peso na ocorrência do fenômeno, as demais municipalidades concentram a maior parte do parque ceramista do Seridó. Vasconcelos Sobrinho (2002) ressalta que os núcleos de desertificação correspondem a áreas de amplitude variável onde aparecem “manchas aproximadamente circulares3” com a fisionomia desértica apresentando-se de forma denunciadora. Nesses locais, verifica-se o desaparecimento gradativo da cobertura vegetal permanente, constituindo clareiras florestais, encobertas por vegetação apenas temporariamente na estação favorável, em função do solo ainda dispor de resiliência necessária ao desenvolvimento de processos ecológicos como banco de sementes e de plântulas4. São definidas como sendo áreas em processo de desertificação (APD) (DUQUE, 1980; VASCONCELOS SOBRINHO, 1882; OLIVEIRA- GALVÃO, 2001; PAN-BRASIL, 2004). O recobrimento vegetacional, embora sazonal e vulnerável às incertezas climáticas, garante o usufruto pela pecuária, atividade realizada nessas áreas desde o século XVII. Todavia, em meio às clareiras, são verificadas manchas de solo desnudo com a presença de afloramentos rochosos de permeio, onde a emergência da vegetação herbácea na estação chuvosa não tem ocorrido, constituindo sítios perturbados, permanentemente sem vestígios da flora, caraterizadas como AD (VASCONCELOS SOBRINHO, 1982; 2002; MACIEL, 1992; PAN-BRASIL, 2004; PINHEIRO et al., 2009). Nessas áreas, a resiliência necessária para ocorrência de processos ecológicos, vem desaparecendo. O cenário verificado, ou seja, a presença de APD e de AD, está de acordo com as constatações de Santos et al. (2009) que, ao analisarem a diversidade e densidade de espécies vegetais da caatinga, constaram diferenças substanciais entre os ambientes considerados degradados, mediamente degradado e conservado. De acordo com Felipe et al. (2011) a natureza da desertificação requer uma ação do Estado tendo como foco a criação de instrumentos e identificação de espaços a serem objetos de identificação de demandas e de implementação das políticas locais. O Programa de Ação Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca do Estado do Rio Grande do Norte - PAE/RN (PAE/RN, 2010) foi construído nessa ótica tendo em vista que a metodologia aplicada possibilitou a participação da sociedade civil organizada, representações das instituições dos governos federal, estadual e municipal e do setor patronal. 3 É essa a fisionomia apresentada pela APD e pela AD de realização da pesquisa do trabalho em tela. 4 Essas áreas apresentam como ponto em comum, a presença de solo do tipo Neossolo Litólico (BEZERRA JÚNIOR; SILVA, 2007), raso e pedregoso e uma vegetação rarefeita, com pereiro (Aspidosperma pyrifolium) como vegetal dominante. 20 1.2 Esforços para mitigar o processo de desertificação no NDS É na esteira desse pensamento cujo conjunto de ações doravante relacionadas vieram à tona no NDS. O reconhecimento do Seridó como área de ocorrência muito grave do processo de desertificação e, dentro dessa o registro do NDS já evidenciado na literatura mais pretérita sobre o tema (VASCONCELOS SOBRINHO, 1982; 2002), são variáveis que concorreram para que as ações mencionadas doravante tivessem essa unidade espacial como escopo. Nesse envelope uma das ações reconhecidas, inclusive com registro no Pan-Brasil (2004), foi a criação do Grupo de Estudos sobre Desertificação no Seridó – GEDS5, constituído por organizações governamentais e não- governamentais com o objetivo de fomentar estudos e debates sobre o tema, articulando ações capazes de promover o desenvolvimento sustentável na região. Nesta mesma linha de ação, na primeira década desse século foi criado o Núcleo de Desenvolvimento Sustentável da Região do Seridó – NUDES, no município de Parelhas/RN. O arcabouço de ações desenvolvidas no âmbito do NUDES norteou-se por três vertentes: educação ambiental, medidas jurídicas de proteção ao meio ambiente e introdução de propostas econômicas alternativas, que conciliem a preservação ambiental com a geração de renda (MMA, 2005). A área piloto escolhida para implantação do projeto abrange as comunidades rurais de Cachoeira, Juazeiro e Santo Antônio da Cobra, inseridas na bacia hidrográfica do Rio Cobra, Parelhas/RN. Em função de suas particularidades sociais, econômicas, políticas e ambientais ainda coube ao Seridó a primazia de vivenciar um processo que culminou com a elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Seridó - PDSS. O PDSS foi elaborado com base em uma metodologia que envolveu a compilação e análise de dados e documentos sobre a região; a consulta à sociedade, através de reuniões municipais e sub-regionais, e a realização de entrevistas com personalidades e lideranças de diversos segmentos da sociedade, conhecedoras da problemática regional. Nesta perspectiva, foram convidados a participar das reuniões municipais, sub-regionais e regionais6 os representantes das várias instituições e organizações públicas e privadas da região que tiveram um importante papel na identificação dos problemas existentes, na indicação das possíveis soluções, no desvendamento das potencialidades e na delineação dos cenários desejados. A 5 O autor por dois anos (1997-1998) realizou um trabalho de assitência técnica para o GEDS. Atuou na organização de um seminário sobre o tema realizado na cidade de Caicó/RN e outro em Currais Novos/RN. Realizou um trabalho de sensibilização através de palestras sobre a desertificação em escolas, associações comunitárias rurais e sindicatos de trabalhadores rurais dos municípios de Caicó, São José do Seridó, Jardim do Seridó, Ouro Branco, Currais Novos, Acari, Cruzeta, Parelhas e São João do Sabugi. O viveiro florestal onde foram adquiridas as mudas de faveleira para plantio na APD é remanescente dessa época, ou seja, como parte das ações efetivas implementadas. 6 O autor atuou nos três níveis como um dos representantes da sociedade civil organizada do município de São José do Seridó/RN. 21 elaboração do PDSS, assim como outras ações originalmente desenvolvidas no NDS com amplo processo de participação popular se encontram alinhadas com o estado da arte, que reconhece a participação dos remanescentes das áreas com perturbações ambientais, incluindo a desertificação como sendo essenciais na implantação das medidas mitigadoras (MATURANA, 2001; MORIN, 2000; PAN-BRASIL, 2004; COSTA, 2011; DIEGUES, 2000; 2008; SANTOS, 2007; SANTILLI, 2009; PAPA FRANCISCO, 2015). Apenas relacionando alguns trabalhos nessa ótica incluído no trabalho em tela. 1.3 Importância da faveleira na reabilitação de área de ocorrência da desertificação Locais com fisionomia de APD e AD padecem de estratégias reparadoras, por meio do reflorestamento, para fazer frente ao processo de empobrecimento da flora e outros bens naturais. Para a compreensão da realidade do trabalho em tela, considera-se como mais apropriado o termo reabilitação proposto por Rodrigues e Leitão filho (2001); Corrêa (2006); Aronson et al. (2011); Bezerra (2011). Nessas matizes teóricas, a reabilitação é entendida como sendo o retorno do ecossistema degradado, a uma situação adequada a um determinado uso, com a participação do homem na implantação das medidas de cunho mitigatório, via redução da força dos agentes impactantes, por meio do reflorestamento. Por conseguinte, melhorando funções do ecossistema originalmente estabelecidas como a proteção do solo, dos recursos hídricos, sequestro de carbono, habitat para a fauna, fonte de propágulos, entre outros. Aronson et al. (2011) ressaltaram que, mesmo não sendo possível o retorno de um ecossistema ao estado anterior, ou seja, pré-distúrbios, a reabilitação é uma boa opção, embora com o cuidado no sentido de que determinado processo ou função não seja fortalecido em demasia, fragilizando ainda mais o ecossistema. Conforme mencionado em APD e AD, a reabilitação poderá ser realizada com o reflorestamento, tendo em vista melhorar a resiliência do ambiente, podendo ser acelerado com o emprego de espécies arbóreas pioneiras. Entre outros aspectos positivos, há as vantagens auferidas ao solo pelas raízes e pelo dossel e a ampliação das possibilidades de aproveitamento pelos agricultores familiares e seus rebanhos (TRICART, 1977; DUQUE, 1980; VIEIRA e VERDUM, 2015; CGEE, 2016). Para Poggiani (1982), a floresta plantada constitui-se numa sucessão secundária racional, pois visa atender determinadas finalidades humanas. O autor (1982) ressalta que para o semiárido brasileiro, o reflorestamento reflete-se no aumento da infiltração e armazenamento de água no solo e na redução da erosão e do assoreamento das coleções de água. 22 Na aplicação do método vegetativo empregado no reflorestamento, optou-se pelo preparo prévio das plantas em viveiro, para transplantio, conforme o IBAMA (1990), o mais usado no Brasil. Isso porque no semiárido brasileiro a irregularidade do regime pluviométrico no tempo e no espaço compreende um fator crítico para o desenvolvimento de plântulas. Corroborando com esse pensamento, Fenner (1987) ressaltou que o risco de morte das plântulas muda ao longo do ciclo de vida, com os maiores registros de perdas ocorrendo entre a disseminação de sementes e a emergência. Para os ecossistemas semiáridos, Santos et al. (2009) ressaltou que a escassez de água afeta de maneira mais severa as plântulas do que outros estágios do vegetal7. Dentre as diversas espécies vegetais de relevância reconhecida pela população das áreas de domínio da caatinga está a favela, faveleira, faveleiro, mandioca-brava, queimadeira, favela-de- cachorro e favela-de-galinha (Braga, 2001). Xerófita endêmica desse bioma, pertencente à família Euphorbiaceae, apresenta potencialidades para contribuir com a reprodução social dos remanescentes do campo por ser amplamente explorada pelo homem e na reabilitação de áreas degradadas em função da capacidade de fixar-se em ambientes perturbados (BEZERRA, 1972; DUQUE, 1980; ANDRADE, 2007). Contribuindo com essa discussão, Arriel et al. (2004) ressaltaram que o caráter xerófilo da faveleira (Cnidoscolus quercifolius) permite a sua sobrevivência, mesmo em períodos de secas prolongadas, contribuindo para o equilíbrio do ecossistema e atenuando a degradação ambiental. Essa particularidade do vegetal apresenta sinergia com as medidas de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas globais sobre o processo de desertificação no semiárido nordestino propostas por Marengo (2006); Santilli (2009); PAE/RN (2010); Vezzani (2015); CGEE (2016). Conforme Lima (2004); Drumond et al. (2007), o vegetal apresenta distribuição geográfica irregular pelo território, podendo constituir concentrações em pontos determinados quando as condições locais são adequadas. Andrade (2007) verificou que a densidade em meio as outras espécies da caatinga, forma populações ora se apresentando de forma agregada, ora mais dispersa. Em consonância com essas constatações, observações de campo do autor8, associado a informações fornecidas por agricultores familiares, numa área de aproximadamente 40 ha onde se localiza a APD 7Também corroborou para o uso de mudas preparadas em viveiro, pesquisa de campo realizada pelo autor no ano de 2007, como parte das atividades da base de pesquisa Espaço e Sociedade. Na estação chuvosa foi realizado o plantio de 120 covas de faveleira, em meio à caatinga, com quatro sementes em cada cova. Na área não existia essa planta em meio à comunidade vegetal. Embora tenha germinado, não suportaram a semiaridez e ação de herbívoros. Nenhuma planta sobreviveu. 8 Informações colhidas através de trabalho de campo realizado pelo autor, na área de localização da APD e da AD onde foi realizado o plantio da faveleira com o propósito de reabilitar a área em 2009. 23 e a AD da pesquisa, foram verificadas 12 faveleiras com altura variando entre 2-8 m, sendo oito ocupando uma área de 20 x 20 m, enquanto as demais localizadas de forma difusa. Numa abordagem aproximada, Bezerra (1972) afirmou que a faveleira encontra-se distribuída em manchas, por toda a zona Semiárida, não se conhecendo até o momento os fatores que regulam essa dispersão. Segundo o autor, na região Centro-Sul do Rio Grande do Norte, incluindo o Seridó e o Oeste pernambucano, são encontradas as maiores densidades de povoamento dessa espécie do SAB, com ênfase para os municípios de Salgueiro e Petrolina/PE, onde a espécie ocupa cerca de 70 - 80% da vegetação nativa. Apontando numa direção um tanto diferente, Leal et al. (2003, p. 23) ressaltaram que esse táxon se encontra entre os grupos das espécies lenhosas “[...] mais típicas da vegetação das caatingas [...].” A longevidade desse vegetal, estimada em um século9, potencializa a relevância na conservação do ecossistema e no usufruto dos recursos oferecidos por parte dos remanescentes do campo. Outra variável que reforça o uso do vegetal no reflorestamento de áreas degradas, se refere à viabilidade do plantio, sem que para isso seja necessário a interrupção do pastoreio, tendo em vista que a presença de acúleos urticantes dificultar a ação da herbivoria. As folhas e os frutos após o amadurecimento caem e permanecem no solo sendo consumidas pelos animais nativos e domesticados (MEDEIROS, 2012; 2013; MEDEIROS e ALOUFA, 2016). Além desses predicados, é uma planta que vegeta e apresenta significativo incremento de biomassa, mesmo por ocasião das estiagens prolongadas, o que demonstra a relevância para o equilíbrio ecossistêmico. Para Ribeiro Filho et al. (2011), isso acontece porque o sistema radicular não costuma atingir grandes profundidades, o que facilita o contato com a água das primeiras enxurradas, antecipando o desenvolvimento das folhas, mesmo com a ocorrência de pequenos volumes de chuvas. As sementes, em geral apresentando três unidades em cada fruto, um total de 400 sementes retiradas aleatoriamente de 1 kg coletadas no solo, sob faveleiras adultas, entre os meses de abril e maio de 2015, nas adjacências da cidade de São José do Seridó/RN, cada uma pesou o equivalente a 0,29 g10 em média. 9 Em 57 entrevistas realizadas (Cap. 2), com populações de áreas com a presença do vegetal, 91% dos interlocutores estimaram a vida do vegetal em um século. Entre os entrevistados octogenários e nonagenários, não faltaram relatos de faveleiras vivas, que quando crianças, eram plantas adultas onde os mesmos coletavam sementes sob a copa. O autor tem conhecimento de faveleira que, a quatro décadas, era uma planta adulta. 10 Sementes coletadas pelo Sr. Valmir Vieira, responsável pelo trabalho de produção de mudas da SMUMA do Município de São José do Seridó/RN. 24 Observações de in loco11 realizadas em janeiro de 2017, na localidade rural São Paulo, município de São José do Seridó/RN, revelaram que faveleiras adultas que se encontravam desfolhadas em função da estiagem, quinze dias após a ocorrência de chuva de 20 mm, estavam repletas de folhas. Aliado a isso Poggiani (1982) ressaltaou que nas regiões semiáridas, embora o sistema radicular não seja profundo, acumula a maior parte da fitomassa terrestre. Essa observação do autor (1982), na faveleira, é representada pela presença de raízes em forma de xilopódio, visível nas plantas com pouco mais de um mês de emergência. De acordo com Andrade (2007), apesar de produtora de amido, óleo, forragem e outros produtos, a faveleira é uma espécie sub-explorada, pouco conhecida pela ciência, embora seja verificada em associação com uma gama variada de espécies de diferentes tipologias da caatinga e de valência ecológica ampla para os fatores edáficos. De acordo com Duque (1980); Andrade (2007), compreende uma boa pioneira de sítio antropizado, uma espécie que apresenta potencial promissor para exploração com fins econômicos no semiárido nordestino, apresenta vultoso volume de folhas, além do florescimento e frutificação mesmo nos anos de seca no Semiárido brasileiro (SAB). Na sua contribuição com o debate Araújo (2015, p. 600) ressaltou que no SAB, a deficiência hídrica no solo resultante das mudanças climáticas elevará “[...] o risco climático para o cultivo e produção de espécies forrageiras principal fonte de alimentos para os ruminantes.” De acordo com Medeiros e Aloufa (2016) todas as partes do vegetal (raízes, caule, folhas, frutos, flores) são usadas direta ou indiretamente na reprodução social das comunidades humanas remanescentes das áreas com a presença dessa xerófita em meio à comunidade vegetal. 1.4 Faveleira: espécie-chave cultural (CKS) do bioma Caatinga As informações anteriormente relacionadas, apontando o prestígio em que se inscreve esse vegetal para o ecossistema onde se encontra inserido e do ponto de vista sociocultural, através do seu caráter utilitário direto e indireto se enquadra no proposto por Garibaldi e Turner (2004) ao ressaltarem que algumas espécies de planta ou de animal, em função da relevância no funcionamento da comunidade, por ser essenciais para sua integridade são conhecidas como espécie-chave ecológica. Da mesma forma, indivíduos com uma relação estreita com a cultura de um povo são compreendidas como espécie-chave cultural (CKS). 11 Observações realizadas pelo autor do trabalho, em faveleiras adultas resultantes de refloreatmento na localidade rural São Paulo, zona rural do município de São José do Seridó/RN. 25 De acordo com Bonifácio et al. (2016), a definição de uma CKS constitui um modelo social propondo uma categorização das espécies de valor local baseado na intensidade das interações estabelecidas entre comunidades e espécies locais. Reis et al. (2010, p. 10-11) relatou que a importância econômica da CKS está vinculada ao uso na subsistência e em caráter comercial por parte da “[...] população humana, que convive com a espécie e a conhece tão bem a ponto de possuir estratégias bastante específicas de reconhecimento dessa espécie [...]”. Bonifácio et al. (2016) ressaltaram que uma CKS, embora apresente a interação com povos locais como singularidade, também poderá desempenhar papel importante nos sistemas ecológicos. Nessa mesma linha de entendimento, Garibaldi e Turner (2004) afirmam que, assim como as espécies-chave estão para os ecossitemas, as espécies-chave culturais estão para os sistemas culturais, pela efetiva presença no saber-fazer das populações12. No trabalho em tela, para a identificação da faveleira como sendo CKS do bioma caatinga, optou-se pelo uso da metodologia aplicada por Cristancho e Venig (2004, p. 159) para designar uma espécie-chave cultural. Esses autores transpuseram o conceito de espécie-chave da Ecologia, para designação das espécies de plantas e animais, cuja existência e valor simbólico são essenciais para a estabilidade de uma cultura ao longo do tempo, cujos danos causados pela sua perda são maléficos para o grupo. De acordo com Bonifácio et al. (2016), este foi o primeiro estudo voltado para a avalição da importância de uma espécie com a aplicação do método CKS, originalmente desenvolvido por Cristancho e Venig (2004) depois de buscarem entender por meio de entrevistas e observações diretas populações indígenas da Amazônia colombiana. Nesse sentido, a caracterização da faveleira como CKS foi realizada através das analogias entre os critérios propostos pelos autores para definir as espécies rotuladas como tal e as informações levantadas sobre a xerófita em fontes documentais e entrevistas com populações rurais de áreas com a sua presença. De acordo com Reis et al. (2010), o uso de indicadores para classificar uma espécie como chave dentro de determinado grupo humano constitui importante ferramenta interpretativa das relações dialéticas entre sociedade/cultura e natureza. O trabalho citado (REIS et al.,2010) nas análises feitas sobre a integração do homem com a floresta de araucária, as características ecológicas responsáveis pela integração humano-floresta 12 Faveleiras remanescentes de plantio realizado por agricultores na década passada, na localidade rural São Paulo, município de São José do Seridó/RN algumas com cinco metros de altura, as folhas quando secas são consumidas por bovinos. As sementes por aves domésticas e silvestres. Chama atenção que crianças da comunidade também consumem as sementes in natura. Anteriormente ao plantio não existia o vegetal no local o que explica o fato de seu pai e tios não cultivar esse habito. Essa curiosidade empírica demonstra um processo natural de inserção do vegetal no saber-fazer local. 26 atribuídas foram: elevada produtividade das sementes, sendo um atrativo humano e para a caça; capacidade de adaptação a uma diversidade de ambientes; regeneração em ambientes abertos e a dispersão por ação da gravidade. Todas se enquadram nas proprieadades do vegetal em estudo. Para Garibaldi e Turner (2004) o conceito de CKS adquire relevância em projetos de restauração ambiental e conservação da biodiversidade, sobretudo para comunidades com paisagens em transição, reforçando a integração da comunidade local com o seu lugar. Conforme anteriormente argumentado, a faveleira compreende um vegetal de fácil difusão, sendo viável técnica-ambiental-econômica e cultural para uso na reabilitação de APD e AD, o que justifica sua relevância nas ações desenvolvidas para esse fim. Para Santilli (2009), o Brasil embora seja o país de maior biodiversidade do mundo, parte da dieta básica dos brasileiros é proveniente de plantas de outros países. A escolha desse vegetal ainda representa uma estratégia de valoração do patrimônio genético da Caatinga. No âmbito dos estudos sobre a reabilitação de áreas de ocorrência da desertificação no SAB, não foram encontrados trabalhos que conduzam ao conhecimento do vegetal como sendo CKS do bioma Caatinga e o seu uso no reflorestamento de áreas perturbadas pela desertificação com a participação de agricultores familiares, o que caracteriza o ineditismo deste trabalho. O levantamento do conhecimento acumulado sobre a faveleira com comunidades remanescentes de áreas com a presença do vegetal e seu uso na reabilitação de áreas degradas pela desertificação, contribui para a manutenção do vegetal em ambientes naturais (in situ) em que “[...] pode evoluir e se adaptar às mudanças ambiental e socioculturais, ou seja, há forte interação entre o genótipo, o ambiente e os processos sociais e culturais.” (SANTILLI, 2009, p. 226). Essas singularidades são potencializadas sabendo-se que é uma xerófita endêmica do SAB e que se desenvolve tanto em ambientes com condições de solo e umidade mais favoráveis como nos locais onde essas variáveis apresentam maiores limitações, conforme ocorre nas áreas com níveis de degradação à vista. 2 CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ÁREA DE ESTUDO As municipalidades da pesquisa estão localizados ao Centro-Sul do Estado do Rio Grande do Norte, na região de planejamento Seridó. A distância rodoviária da sede dessas municipalidades para Natal, capital do Estado é pouco mais de 240km (Figura. 2) . 27 Figura 2: Municípios onde se localizam as comunidades rurais nas quais realizou-se entrevistas e de plantio da faveleira: São José do Seridó e Caicó/RN. Em termos populacionais, Caicó conta com 62.727 habitantes, sendo 57.464 na zona urbana e 5.263 na zona rural e São José do Seridó possui 4.231 habitantes, dos quais 3.302 são moradores urbanos e 929 residem na zona rural (IBGE, 2010). Os recortes territoriais dos municípios citados, conforme Felipe e Carvalho (2001), estão localizados na Depressão Sertaneja13, são banhados pelas águas da Bacia Hidrográfica Piranhas-Açu, da qual o Rio Seridó é um dos afluentes e estão inseridos no ecossistema Caatinga. Quanto ao clima desses municípios, predomina o tipo Tropical Quente e Seco ou Semiárido (FELIPE e CARVALHO, 2001). Apresenta temperatura média anual de 27,5 °C, com máximas de 33 °C, mínimas de 18 °C, e insolação de aproximadamente 2.455 horas/ano, sujeito à influência dos ventos alísios secos do Nordeste (IDEMA, 2004). As médias de chuvas oscilam entre 400 e 600 mm, concentrados nos primeiros meses do ano, além de mal distribuídas no tempo e no espaço, o que significa que em poucas horas poderá chover o que estava previsto para um mês inteiro em um local, chegando a causar enchentes, seguido de veranicos14 extensos, ao tempo que outros locais permanecerão secos. 13 Terrenos baixos situados entre as partes altas do Planalto da Borborema e da Chapada do Apodi, com estrutura geológica constituída por rochas cristalinas e terrenos antigos, com origem no Pré-Cambriano 14 É importante lembrar que esse compreede um dos grandes desafios para a agricultura de sequeiro no SAB, haja vista que a desconitnuidade de água no solo, em função dos veranicos, incorre em prejuízos, pois são comuns o colapso total ou parcial das colheitas (DUQUE, 1980). 28 Periodicamente esses índices não são atingidos, provocando as secas, potencializando as dificuldades impostas pela escassez de água (FELIPE e CARVALHO, 2001). A estação chuvosa é de curta duração, da ordem de três a quatro meses (janeiro a maio), enquanto a estação seca se estende pelo resto do ano (BEZERRA JÚNIOR e SILVA, 2007). A vegetação predominante, diante das adversidades climáticas, é caracterizada segundo Duque (1980), pela presença de vegetação baixa, muito espaçada, com capins (poáceas) e solo muito erodido. Impressão parecida é a de Ross (2008) que define como do tipo caatinga seca arbórea, com o predomínio do pereiro e arbustos isolados. Na sua classificação ecológica para o domínio da Caatinga, Andrade-Lima (1981) reconheceu seis unidades, cada uma com um ou vários tipos vegetacionais, totalizando 13 tipos. A área do estudo se localiza na unidade IV, apresenta tipo vegetacional 9 e caracteriza-se pela Caatinga arbustiva aberta, correspondente a parte do Seridó do Rio Grande do Norte e da Paraíba. De acordo com Leal et al. (2003) esse autor publicou uma primeira aproximação para a classificação dos diferentes tipos de caatingas, utilizando aspectos fisionômicos e dados florísticos para caracterizar os agrupamentos, destacando também a importância de fatores abióticos como clima, especialmente a precipitação e o solo. Esse autor ressalta que esse é o trabalho mais coerente e compreensivo nesse tipo de vegetação e tem se mantido praticamente inalterado até o momento. (LEAL et al., 2003). Em consonância com essa classificação, na área de plantio da faveleira, em meio à vegetação permanente, constata-se a presença de clareiras florestais, caraterizadas pela ausência de espécies de ciclo perene. Essas áreas se apresentam, na maior parte do ano, sem cobertura vegetacional. São encobertas tão somente por vegetação herbácea, genericamente conhecida por “babugem”, de caráter temporário, ou seja, que completa o ciclo reprodutivo, aproveitando-se da curta estação chuvosa. Embora isso não chegue a ocorrer nos anos de chuvas irregulares conhecidos como anos de seca (Figura 3). 29 Figura 3: Área em processo de desertificação (APD), encoberta por plantas herbáceas na estação chuvosa. Fonte: Arquivos do autor, abril de 2009. Outra singularidade dessa formação vegetal cujo ciclo de vida é vinculado a curta estação chuvosa é ser muito consumida por parte dos animais da atividade criatória (plantas terófitas). Nas circunstâncias favoráveis, com o cessar das chuvas, a vegetação que não é consumida pelo gado, termina “incinerada” pelos ventos secos, aquecidos pelas temperaturas elevadas. Segundo Vasconcelos Sobrinho (1982); PAN-Brasil (2004); PAE/RN (2010), essas áreas apresentam entre suas características, o processo de desertificação. Também já tem sido observado, em plena estação chuvosa, situações cujas clareiras florestais, em função do elevado grau de perturbação alcançado já não apresentam resiliência capaz de provocar a ocorrência de processos ecológicos. Por isso, não ocorre o recrutamento de plantas herbáceas, quando as condições de umidade são favoráveis, ou seja, a interrupção da evolução natural foi substituída pela degradação generalizada e portanto, sem possibilidade de retorno econômico para a comunidade local. Essas áreas são caracterizadas por Maciel (1992), como sendo AD (Figura 4). É essa a fitofisionomia das áreas reflorestadas com a faveleira, como forma de promover a reabilitação. 30 Figura 4: Área desertificada (AD), sem resquícios de vegetação e com afloramentos rochosos. Fonte: Arquivos do autor, abril de 2009. É importante registrar que essas clareiras, conforme o agricultor F. A. M. (90 anos) (Informação verbal)15, estão situadas em áreas sem registros de desmatamentos ou queimadas, nos últimos 90 anos, o que mostra a ocorrência de um processo de desertificação gradativo, no qual estão associados fatores de ordem natural e antrópicas, potencializados sobretudo pelo pastoreio. 3 METODOLOGIA GERAL Esta pesquisa, que foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa – CEP da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Protocolo CAAE: 9228515.8.0000.5568), quanto aos objetivos, classifica-se como descritiva e exploratória (GIL, 2008) e quanto aos procedimentos técnicos é do tipo pesquisa-ação. De acordo com Thiollent (1996, p. 16), a pesquisa-ação “[...] é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou tem a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.” Conforme o autor é possível através da pesquisa-ação captar informações geradas pela mobilização coletiva em torno de ações concretas que não seriam alcançáveis nas circunstâncias da observação passiva. No que se refere aos procedimentos técnicos, realizou-se pesquisa bibliográfica sobre as seguintes temáticas: processo de desertificação; espécie-chave cultural; vegetação da caatinga, em 15 Informação fornecida na sua residência, situada na comunidade rural São Paulo/zona rural do Município de São José do Seridó/RN, em setembro de 2015. O mesmo é remanescente de famílias que já eram proprietárias e exploravam a área com a pecuária, no início do século XIX. 31 particular a faveleira; percepção ambiental; participação popular no enfrentamento dos problemas socioambientais, incluindo o processo de desertificação e reabilitação de áreas perturbadas. A pesquisa de campo foi um procedimento fundamental para que se atingisse os objetivos deste trabalho, tendo sido desenvolvida a partir de etapas sequenciadas, conforme descrito a seguir. Na estação úmida de 2009, ocorreu a localização geográfica das áreas a serem reflorestadas com o plantio da faveleira. A realização dessa etapa com o período chuvoso em curso corroborou para a identificação da APD, pois o solo da clareira florestal ficou encoberto pela vegetação espontânea, conhecida por babugem, que nasce e completa o ciclo de vida nesse período (plantas terófitas) e da AD cujo patamar de perturbação em que se encontrava, o solo não apresentava resiliência suficiente para a ocorrência de processos ecológicos que ainda ocorriam na APD. Por conseguinte, a ocorrência de chuvas não é mais o único fator que define o ingresso vegetativo nessas áreas dado o nível de perturbação do substrato. O trabalho de identificação dessas áreas ocorreu através de observações in loco da paisagem. Na oportunidade, também foram feitos contatos informais, com duas famílias de agricultores familiares que desenvolvem atividades agrícolas e pecuárias na localidade rural São Paulo, em São José do Seridó/RN, onde se localiza a APD e a AD16. No ensejo foram obtidas informações sobre o uso da área do estudo frente aos agricultores familiares e a confirmação de apoio ao trabalho de plantio da faveleira nessas áreas, pelos agricultores, sobre as orientações da coordenação da pesquisa. Logo, na primeira etapa do trabalho em tela, foi realizado o plantio da faveleira numa APD e numa AD. O plantio das faveleiras na APD17 realizou-se em abril de 200918. As plantas foram provenientes do canteiro de mudas implantado no mês de outubro de 2008, no Centro de Produção de Mudas Xique-Xique (CPMX), unidade de produção de mudas de São José do Seridó/RN, na alçada da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SMUMA), entidade que mantém um projeto dessa natureza para distribuição gratuita à comunidade. Foram selecionadas no viveiro as plantas mais vigorosas. Antecedendo o plantio, permaneceram por quinze dias expostas ao sol nas adjacências da área de plantio. Em março de 2009, contando com cerca de quatro meses de idade, foi realizado o plantio. Foram introduzidas 82 mudas numa parcela situada em área de pastoreio, medindo 50 m x 40 m, 16 O autor é conhecedor da propriedade onde se localiza a APD e a AD, a mais de quatro décadas. Inclusive, tendo trabalhado na agricultura e na pecuária no local por mais de 20 anos. 17 Localiza-se nas coordenadas: 6º 31’ 19” LN e 36º 52’ 95” LW. A distância entre o local onde as mudas permaneceram na propriedade e o local de plantio é de aproximadamente 200m. 18 A concretização da pesquisa em tela dependia de muitas variáveis. Portanto, o lapso de tempo entre o plantio na APD (2009) e a continuidade com o plantio na AD (2015), decorreu dos insucessos obtidos em seleções para cursar um Programa de Pós-Graduação cuja proposta fosse aceita. E, dessa forma, viabilizasse o prosseguimento da pesquisa. 32 perfazendo 2000 m². Constatou-se no local tão somente espécies herbáceas de ciclo vegetativo limitado à estação úmida. As covas foram abertas com 50 cm de abertura, 40 cm de profundidade, com 4 m x 4 m de espaço entre as covas e de largura entre as fileiras, em uma parcela única. No ato de plantio o solo encontrava-se úmido. Por isso, as plantas não foram irrigadas. Todas as plantas se apresentavam com altura total variando entre 30 cm e 50 cm conforme medição realizada no ensejo do plantio. A embalagem plástica onde o vegetal se encontrava foi revolvida. O plantio da faveleira na AD19 foi realizado no ano de 2015. Cumpre acrescentar que, no interregno 2009-2015, a área manteve-se temporariamente em pousio para o pastoreio, no início da estação úmida, variável que muito contribuiu para verificação de que no local não ocorreu o ingresso vegetativo, conforme observações in loco, especialmente nos anos de normalidade pluviométrica20 de 2009 – 2010 – 2011, com o sítio degradado permanecendo sem recobrimento vegetacional, diferente do ocorrido na adjacência O semeio para produção das mudas para plantio na AD, realizou-se em outubro de 2014, na localidade rural São Paulo, onde se localiza a propriedade rural, base empírica da pesquisa. Essa tarefa foi realizada pelos próprios agricultores, com orientações do coordenador da pesquisa, junto a uma área irrigada, com cultivos destinados à subsistência. As sementes foram doadas pela SMUMA do município de São José do Seridó/RN. Duas sistemáticas foram usadas para produção das mudas: o semeio em embalagens plásticas de polietileno, de 22 cm x 12 cm, em substrato de argila, esterco bovino e areia21, com proporções volumétricas iguais e diretamente no solo, com uso do mesmo material, na forma de sementeira. Vale ressaltar que a produção de mudas da faveleira, com uso dessa técnica, realizou-se atendendo a uma sugestão dos agricultores, sobre o pretexto de que evita gasto de tempo em demasia para encher as embalagens, assim como também o tempo necessário para transporte para os locais de plantio, em função da redução no volume transportável. O transplantio das mudas na AD foi realizado em parcela única, de dimensões de 60 m de comprimento, largura oscilando entre 8 e 20 m, perfazendo cerca de 850 m². No ato do plantio foi realizada a medição da altura total (AT) de todas as plantas, do coleto até o meristema apical. Foram levadas a campo plantas mais viçosas e com altura média de 35 cm. As unidades menores 19 Localiza-se nas coordenadas geográficas: 6º 30’ 25” LN e 36º 52’ 57” LW, distante aproximadamente 2 Km da área de produção das mudas. 20 Nos anos de 2009-2010-2011 de acordo com o monitoramento pluviométrico realizado pela Emparn, no posto situado na comunidade rural Caatinga Grande a cerca de 10 Km da localidade rural de localização da APD e da AD, choveu, respectivamente, 865, 735,6 e 929 mm. Disponível em: < http://189.124.201.150/monitoramento/monitoramento.php>. Acesso em outubro de 2017. 21 Esses materiais usados na produção de mudas são abundantes na propriedade. 33 apresentavam 26 cm, enquanto as maiores 60, uma amplitude de 34 cm. Compôs a área experimental 120 mudas metade proveniente do semeio em embalagens plásticas, enquanto a outra metade tansplantadas da sementeira. As plantas provenientes da sementeira foram retiradas com o uso de uma alavanca22. Na operação, o solo aderente ao sistema radicular desprendeu-se. A embalagem das mudas foi revolvida no ato do plantio, permanecendo o substrato. As covas foram abertas com dimensões de 50 cm de abertura, por 25 cm de profundidade com espaço de 3 m x 3 m entre as covas e entre as fileiras. Nessa etapa, aproveitou-se o registro de chuvas no local, variável que muito contribuiu na operacionalização, pois os solos da área, quando secos, são enrijecidos. O plantio foi realizado no mês de março de 2015, após registros pluviométricos no local, suficientes para provocar acúmulo de água nas covas abertas previamente. Na distribuição das mudas, nas fileiras pares foram alocadas as plantas provenientes das embalagens plásticas, enquanto nas ímpares, foram aquelas retiradas da sementeira, procedimento que objetivou analisar o comportamento da faveleira nas técnicas de plantio em campo usadas, na avaliação realizada um ano depois. As folhas de todas as mudas plantadas na APD e na AD foram retiradas, com uso de uma tesoura ou luvas de couro, permanecendo apenas aquelas adjacentes ao meristema apical, procedimento que teve como objetivos aumentar a taxa de sobrevivência (TS) e reduzir o volume transportado para o campo. As áreas de plantio não foram submetidas à nenhuma alteração, além da abertura das covas, nem o solo foi submetido à adubação. A realização de tratos culturais foram dispensados e a água recebida foi exclusivamente proveniente das chuvas ocorridas no período23. Além disso, não se constatou a presença da faveleira nas adjacências da área de plantio. O solo retirado no ato de abertura das covas foi depositado a jusante para que os resíduos não reutilizados contribuissem no processo de contenção de detritos, no entorno e dentro do microambiente criado. A outra parte foi recolocada no ato do transplantio, até atingir o coleto com uso de uma colher de pedreiro. O restante da cova, que não recebeu solo, formou uma depressão preenchida com uma camada de pedras, coletada no local, com uso de um ciscador, estimada em 10 cm de altura, recobrindo a abertura da cova, até ultrapassar a superfície do terreno. Essa técnica, proposta por Lima (2004) e aplicada em trabalho de reflorestamento por Medeiros (2012; 2013), objetiva otimizar a captação de água de chuva no entorno do vegetal, 22 Barra de ferro cilíndrica apresentando em geral mais de 1,5m de comprimento, usada na lida do campo na perfuração de buracos para construção de cercas de madeira e na extração de objetos no solo. 23 No ano de 2009, de acordo com o monitoramento pluviométrico realizado pela Emparn, no posto situado na comunidade rural Caatinga Grande, a cerca de 10 Km da localidade rural de localização da APD e da AD, choveu 865 mm em 2009 e 374 em 2015. Disponível em: < http://189.124.201.150/monitoramento/monitoramento.php>. Acesso em março de 2016. 34 incluindo a que escorre das áreas com cobertura vegetal adjacentes, contendo partículas orgânicas, sementes e fragamentos de rochas, providencial na sedimentação a montante, no recrutamento de plântulas cujas sementes fixaram-se no microssítio ao redor da planta24. Outra função da deposição desse material foi contribuir com o processo de identificação dos locais de plantio das faveleiras na APD e da AD, respectivamente, cinco e um ano após o plantio, tendo em vista que o amontoado de pedras melhorou a visibilidade da cova onde as faveleiras morreram e não existiam mais vestígios do vegetal. Para execução do trabalho de plantio da faveleira na APD e na AD, foram usadas ferramentas manuais: chibanca, colher de pedreiro e ancinho de propriedade dos agricultores familiares. Em todas as etapas do plantio contou-se com a colaboração de agricultores familiares, proprietários da área, sobre a orientação da coordenação da pesquisa. A avaliação do plantio na APD ocorreu em abril de 201425, cinco anos após o plantio. No ensejo, o volume de chuvas ocorrido tinha deixado o solo encoberto por plantas herbáceas. A AD teve a avaliação no mês de março de 2016, um ano após o plantio e registros pluviométricos de 300 mm, distribuídos no primeiro trimestre. Para a coleta dessas informações foram realizados trabalhos de campo que incluiu contagem e medição das faveleiras vivas, mortas e das espécies arbóreas-arbustivas e herbáceas colonizadoras do microambiente em torno da planta. A coleta das informações foi reforçada com cobertura fotográfica e as informações dos agricultores que ajudaram na identificação do nome popular das espécies. As medições foram realizadas com o auxílio de uma fita métrica, sendo mensurado a parte do vegetal não envolta pela camada de pedras, fixada no microssítio do entorno até o meristema apical. Os parâmetros usados para a avalição do plantio da faveleira na APD e na AD foram taxa de sobrevivência (TS), tendo a presença das folhas na estação favorável, como indicador da planta, em estado vivo ou morto; crescimento em altura (CA), através da medição da parte aérea e recrutamento de outras espécies para o microssítio no entorno das plantas. Esses parâmetros foram os mesmos aplicados nos estudos de dinâmica florestal, realizados por Fenner (1987); Oliveira et al. (2005). 24 Observações do autor em janeiro de 2017, antecedendo o registro de chuvas, em faveleiras com um ano de plantio, onde essa técnica foi aplicada, constatou-se a presença de volume significativo de folhas de pereiro, sobre e entremeando as pedras, muito provavelmente transportadas pelo vento. 25 De acordo com o monitoramento pluviométrico realizado pela Emparn, no posto situado na comunidade rural Caatinga Grande, a cerca de 10 Km da localidade rural de localização da APD e da AD, choveu 577 mm no ano de 2014 e 377 no ano de 2016. Disponível em: < http://189.124.201.150/monitoramento/monitoramento.php>. Acesso em janeiro de 2017. 35 Na segunda etapa contabilizou-se as plantas nascidas no microambiente do entorno das faveleiras plantadas. Para a compreensão da composição florística permanente do entorno dos locais de plantio foram instaladas oito parcelas, medindo 1 m x 4 m no mês de dezembro de 2009, a cerca de 2 m da borda da APD e da AD de plantio, para identificação das diferentes espécies da vegetação permanente existentes (Quadro 1). Foram contabilizadas espécies com altura mínima de até 10 cm. O processo de identificação dos táxons ocorreu a partir de analogia com o trabalho de Andrade (2007), contendo as populações verificadas nas áreas com a presença da faveleira na Estação Ecológica do Seridó, Serra Negra do Norte/RN e na Fazenda Ingá, Acari/RN. Quadro 1: Espécies de plantas encontradas nas parcelas instaladas no entorno da APD e da AD, com a base em Andrade (2007) Espécies verificadas na APD Espécies verificadas na AD Jurema preta (Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir. Pereiro (Aspidosperma pyrifolium Mart.) Xiquexique (Pilosocereus gounellei) (F.A.C.Weber) Byles & G. D. Royley Velame (Croton argyroglossum Baill.) Pinhão bravo (Jatropha molíssima (Pohl) Bail) Palmatória (Opuntia palmadora; Britton & Rose) Catingueira (Poincianella pyramidalis Tul.) Jurema preta (Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir. Pereiro (Aspidosperma pyrifolium Mart.) Xiquexique (Pilosocereus gounellei) (F.A.C.Weber) Byles & G. D. Royley Velame (Croton argyroglossum Baill.) Pinhão bravo (Jatropha molíssima (Pohl) Bail) Cardeiro (Cereus jamacaru) (DC) Fonte: Elaboração do autor, 2009 Para a identificação do nome popular das espécies que completam o ciclo na estação chuvosa (plantas terófitas), popularmente chamado de babugem, foram realizadas três visitas aos locais de plantio da faveleira, compreendendo o início, meio e final da estação chuvosa do ano de 2014 na APD e de 2016 na AD. Conforme Leal et al. (2003) são espécies que formam estrato herbáceo dominado por ervas terófitas, que se tornam ausentes por um período prolongado do ano (estação seca) embora as sementes permaneçam sobre o solo. A dormência é quebrada durante as chuvas. As espécies herbáceas encontradas no microambiente de plantio das faveleiras que não foram identificadas in loco pelo autor26, a parte caulinar com a presença de flores e folhas eram retiradas e levadas até os agricultores que desenvolvem atividades agrícolas e pecuárias na comunidade. Na terceira etapa a coordenação da pesquisa propôs aos agricultores da propriedade da realização do trabalho com o plantio da faveleira em APD e da AD, a implantação de uma sementeira para produção de mudas do vegetal em maior escala para plantio nas áreas degradadas da propriedade e a doação dos excedentes para outros agricultores que manifestassem interesse no plantio do vegetal. Com a aceitação da proposta de produção de mudas do vegetal para plantio, também foi realizada 26 O autor por mais de duas décadas, trabalhou na agropecuária na áreas pesquisadas, o que contribuiu sobremaneira no acúmulo de conhecimentos acerca da nomenclatura das espécies vegetais localmente encontradas. 36 uma apresentação na comunidade, via palestra, por ocasião de uma assembleia da Associação dos produtores e pescadores da comunidade rural São Paulo (ASPAULO), organização comunitária local. Contatos foram estabelecidos com a SMUMA do Município de São José do Seridó/RN, responsável pela doação das sementes para o plantio e pela implantação de uma sementeira, em espaço público, próximo à zona urbana do município, com a produção de mudas, destinadas aos agricultores de outras comunidades, interessados no plantio do vegetal, informados pelos conhecedores do trabalho e via divulgação pela imprensa local. As sementeiras foram implantadas no mês de outubro de 2015. A coordenação do projeto responsabilizou-se pela entrega das mudas na propriedade e o repasse da técnica de transplantio em campo para os agricultores. Entre os meses de janeiro e março de 2016, foi realizado o plantio de 1701 mudas, em 13 propriedades rurais do município de São José do Seridó e uma na vizinha municipalidade de Jardim do Seridó/RN. As áreas se encontravam sendo exploradas com o pastoreio de bovinos, ovinos e caprinos. Em seis propriedades verificou-se a presença da faveleira, no entorno da clareira, onde foi realizado o plantio. A área total de 7,1ha, plantada nas 14 propriedades, 4,8ha, foram introduzidas 1157 mudas, em oito propriedades rurais, em clareiras florestais originadas de uma associação da semiaridez com o pastoreio. Nas 2,3ha restantes, foram plantadas 545 mudas, em seis propriedades, em clareiras florestais provenientes de desmatamentos, para uso do solo, com fins agropecuários. O trabalho foi realizado aproveitando-se a umidade das parcas chuvas27 ocorridas no ano de 201628. Na quarta etapa realizou-se um trabalho de percepção dos moradores da zona rural do Seridó, acerca dos usos da faveleira. No ano de 2015, foram realizadas entrevistas com moradores de comunidades rurais acerca dos usos do vegetal, com populações das municipalidades de São José do Seridó e Caicó/RN. Para o levantamento das informações, realizou-se trabalhos de campo de reconhecimento da área de estudo e pré-definição das comunidades do trabalho, acompanhado de registro fotográfico, dado a necessidade no âmbito da investigação etnobotânica de se conhecer o quotidiano local. 27 Conforme o monitoramento pluviométrico realizado pela Emparn na estação situada na Fazenda Caatinga Grande, zona rural do município de São José do Seridó/RN, choveu 377.4 mm no ano de 2016. Disponível em:< http://187.61.173.26/monitoramento/2016/acumulapr.htm>. Acesso em 12 de outubro de 2017. 28 Vale ressaltar que a SMUMA, deu continuidade ao trabalho de produção de mudas através de sementeira para distribuição para os agricultores da municipalidade. A sementeira implantada em outubro de 2016 o plantio foi realizado nas chuvas de 2017. Em 2017, outra sementeira foi implantada para plantio em 2018. No mês de outubro o projeto foi divulgado em palestras no Sindicato de Trabalhadores Rurais e na Associação comunitária da Localidade rural São Francisco. 37 A coleta dos dados etnobotânicos aconteceu no mês de novembro de 2015, via roteiro de entrevistas semiestruturadas, aplicadas em comunidades rurais onde a faveleira é bem distribuída na paisagem. Foram entrevistados moradores (as) das comunidades Viração, Badaruco, Quixabinha, Retiro, Barra do Rio, em São José do Seridó e Espinheiro, Quixaba, Algodão, Carcará, Riacho da Serra, em Caicó. Para participar da pesquisa, o critério de inclusão foi residir na localidade há um período não inferior a dez anos e ser maior de 18 anos. Compuseram os sujeitos da pesquisa 5729 colaboradores, sendo 48 homens e nove mulheres, com idade variando entre 30 e 100 anos. As perguntas envolveram dados pessoais dos entrevistados (nome, residência, idade, profissão, sexo, escolaridade) e sobre a faveleira, referentes às dimensões socioambientais, socioeconômicas e culturais (apêndice A). Após o contato inicial, visando deixar os interlocutores à vontade, o trabalho iniciou-se com uma conversa com o informante, usando linguagem simples, levando o (a) a começar a falar, com intervenções apenas quando estritamente necessário para a manutenção do diálogo. Essa metodologia sugerida por Resende (1998) possibilita ao entrevistado, maior liberdade de expressão com relação a aspectos socioculturais, socioeconômicos e socioambientais pertinentes e maior riqueza em detalhes acerca do tema abordado. Por conseguinte, maximizando o seu ponto de vista e minimizando a influência do pesquisador. Por fim, foram feitas interrogações referentes à longevidade do vegetal e às atitudes do interlocutor, com relação à prática de conservação e plantio. O constructo da entrevista teve sua conclusão no ensejo em que o (a) informante, além desses questionamentos, era levado a relatar seus saberes sobre a raiz, o caule, a folha, a flor e a semente do vegetal. Os depoimentos dos entrevistados foram enriquecidos pelos acréscimos dos demais presentes no domicílio, o que foi importante na divulgação de outras experiências. No decurso do trabalho, os entrevistados fizeram menção a pessoas idosas, com notória experiência sobre os usos do vegetal, residentes na zona urbana das municipalidades de São José do Seridó, Caicó, Cruzeta, Jardim do Seridó e Parelhas/RN, pelo notável conhecimento sobre o vegetal. Quando localizados, esses informantes30 também foram entrevistados, conforme a técnica 29 A opção por um total de 57 entrevistas decorreu da constante repetição das informações sobre a faveleira por parte dos interlocutores. 30 Os informantes referidos são formados por agricultores e agricultoras aposentados (as) com idade entre 70 e 100 anos, que residiram nas comunidades onde foi realizado o trabalho de percepção ambiental. Todos são residentes nas cidades embora tenham sido citados pelo entrevistados como detentores de muitas informações sobre a faveleira. Em janeiro de 2018, quatro já tinham falecido. 38 denominada “bola de neve”, segundo Resende (1998); Oliveira et al. (2011). Resende (1998) destaca que o informante se mostra mais confiante em falar quando o seu nome foi sugerido por alguém do seu conhecimento. Todas as informações foram anotadas no caderno de campo. No mesmo dia da entrevista, o conteúdo era passado a limpo e organizado em frases mais completas. Diante da importância sócio-econômica-cultural apresentada pela faveleira, na quinta parte aplicou-se a metodologia proposta por Cristancho e Venig (2004) para fins de classificar o vegetal como espécie-chave cultural do bioma Caatinga. Essa metodologia, de acordo com lista de estudos científicos sobre a identificação de CKS, cronologicamente apresentado por Sousa (2014), numa relação de 12 trabalhos é citada como sendo usada nos cinco primeiros da lista. Utilizou-se no estudo, fontes documentais, relatos de entrevistas com populações rurais de áreas com a presença do vegetal, observações in loco em áreas com a presença do vegetal e até em eventos culturais cuja reputação cultural do vegetal terminou por aflorar31. Cristancho e Vening (2004) propuseram que uma planta ou animal que atenda a maioria das sete caraterísticas apresentadas no quadro 3, em relação a um contexto cultural específico, pode ser considerado como sendo espécie-chave cultural, autodenominado pela sigla CKS, pelos autores. Verificou-se a resiliência do vegetal em cinco indicadores. Quadro 3: Situação da faveleira no âmbito dos indicadores de espécie-chave cultural (CKS), propostos por Cristancho e Vening (2004). Indicadores de CKS Situação 1 A história de origem das espécies está ligada aos mitos, a antepassados ou a origem da cultura. X 2 A espécie é central para a transmissão do conhecimento cultural. X 3 A espécie é indispensável nos principais rituais sobre qual a estabilidade da comunidade depende. 4 A espécie é relacionada ou usada em atividades com a finalidade de suprir as necessidades básicas da comunidade tais como a obtenção de alimentos, construção de abrigos, obtenção de lenha, curar doenças, etc. X 5 A espécie tem valor espiritual ou religiosa significativa para a cultura no qual ela está inserida. 6 A espécie existe fisicamente no território que o grupo cultural habita, ou a que tem acesso. X 7 O grupo cultural refere-se à espécie como uma das mais importantes. X Fonte: Elaboração conforme Cristancho e Vining (2004) Na sexta e última parte foi escrita uma cartilha intitulada: Reflorestamento em áreas de ocorrência da desertificação no semiárido norteriograndense com a faveleira (Cnidoscolus 31 Sobre a influência de contribuições dessa natureza na classificação da faveleira como sendo CKS, verificadas em eventos culturais, o autor constatou em 2017 na Cidade de São José do Seridó/RN, duas situações bem peculiares. Na primeira, num evento promovido pela Secretaria Municipal de Educação, como parte das comemorações do centenário do município, brinquedos feitos com os frutos do vegetal foram apresentados em praça pública, fazendo alusão aos brinquedos usados em tempos de antanho. Outra constatação foi feita num leilão alusivo a festa do padroeiro da cidade, quando um recipiente de fuba de faveleira, doado por uma família de agricultores foi arrematado por R$ 55,00 (cinquenta e cinco reais). 39 quercifolius) (apêndice B). O texto contém informações socioeconômicas e socioambientais sobre a faveleira, condensadas da produção literária utilizada no trabalho32, de observações in loco nas áreas onde se encontra em meio à Caatinga e entrevistas realizadas com moradores das áreas onde há presença do vegetal. Por fim, também são explicitados os procedimentos para o plantio. Todo o material foi ilustrado com fotografias para melhor compreensão das informações escritas. O conteúdo foi escrito com linguagem simples e acessível não apenas ao mundo acadêmico, pois o foco principal é a distribuição em Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Associações Comunitárias Rurais do Seridó e Secretarias Municipais de Meio Ambiente do Seridó. Para melhor adequação a públicos diferentes, contou-se com a colaboração de duas pedagogas e uma geógrafa33, com opiniões referentes à adequação do conteúdo proposto na cartilha ao público-alvo. 32 Foram consultados 31 trabalhos contendo análises sobre o uso de todas as partes da faveleira com os mais diversos fins. 33 As pedagogas S. D. C.; F. D. A. M e a geógrafa J. A. A., com experiência em sala de aula, fizeram a leitura do trabalho individualmente e emitiram importantes observações acerca da adequação do conteúdo ao público destinado. 40 CAPÍTULO I – Aspectos socioambientais e econômicos da faveleira (C. quercifolius), espécie-chave cultural do bioma Caatinga: estudo de caso Josimar Araújo de Medeiros (orientando) Geógrafo, Especialista em Bioecologia, Mestre em Engenharia Sanitária, Doutorando do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente/PRODEMA/UFRN, Professor da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio Grande do Norte. josimarsaojosedoserido@gmail.com Magdi Ahmed Ibrahim Aloufa (orientador) Engenheiro agrônomo, Doutor em Biologia e Fisiologia Vegetal, Professor do Departamento de Botânica e Zoologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coordenador do Laboratório de Biotecnologia de Conservação de Espécies Nativas do Rio Grande do Norte – LABCEN, - magdialoufal@gmail.com ESTE ARTIGO FOI SUBMETIDO PARA AVALIAÇÃO PELO CADERNO DE GEOGRAFIA DA PUC MINAS GERAIS. PORTANTO, ESTANDO FORMATADO DE ACORDO COM AS RECOMENDAÇÕES DESSE PERIÓDICO http://periodicos.pucminas.br/index.php/geografia/index RESUMO Conhecendo a importância da vegetação nas iniciativas de reabilitação de áreas degradadas e no fornecimento de bens naturais, objetiva-se com este trabalho analisar a importância socioambiental, econômica e cultural da faveleira, para o semiárido brasileiro. A caracterização como espécie-chave cultural (CKS) do bioma caatinga realizou-se com a aplicação de metodologia já usada em outros trabalhos, em analogia com fontes documentais, observações de campo em áreas rurais com a presença dessa xerófita e a realização de 57 entrevistas com populações rurais de áreas com a presença do vegetal nos municípios de São José do Seridó e Caicó/RN. Considerando as fontes informacionais escritas, 31 apontaram a resiliência do vegetal com as condições edafoclimáticas, com a fauna e a flora silvestre, na alimentação humana e dos seus animais, como fitoterápico, produto madeireiro, na geração de energia e as formas de propagação. A faveleira apresenta relevância na manutenção da fauna silvestre, de espécies da flora que se desenvolve sob o seu dossel, na reabilitação de áreas degradas, na alimentação humana, dos seus animais, produção de medicamentos, como produto madeireiro e na geração de energia. O fato do vegetal reunir cinco entre os sete critérios propostos na metodologia aplicada, o qualifica como sendo CKS do bioma caatinga. Palavras-chave: Euforbiaceae; Endêmico; Espécie-chave Cultural; Floresta seca. Faveleira (C. quercifolius), cultural Key species of the Caatinga Biome relevant to the sustainable development of the brazilian semi-Arid: case study ABSTRACT Knowing the importance of vegetation in the rehabilitation initiatives of degraded areas and the supply of natural resources, this work aimed to analyze the socioenvironmental, economic and cultural importance of the faveleira, for the Brazilian semiarid region. The characterization as a key cultural species (CKS) of the caatinga biome was carried out with the application of methodology already used in other studies, in analogy with documentary sources, field observations in rural areas with the presence of this xerophyte and the realization of 57 interviews with rural populations of areas with the presence of the vegetable in the municipalities of São José do Seridó and Caicó / RN. Written information sources, 30 have pointed out the resilience of the vegetable with the edaphoclimatic conditions, with the fauna and the wild flora, in the human food and of its animals, as phytotherapic, wood product, in the generation of energy and the forms of propagation. The faveleira has relevance 41 in the maintenance of wildlife, species of flora that develops under its canopy, rehabilitation of degraded areas, human food, its animals, production of medicines, as a wood product and in the generation of energy. The fact that the plant meets five of the seven criteria proposed in the applied methodology, qualified as CKS of the caatinga biome. Keywords: Euforbiaceae; Endemic; Key Cultural Species; Dry forest 1. INTRODUÇÃO A urgência de se produzir cada vez mais alimento e matéria-prima para a população e para a manutenção da atividade criatória vem comprometendo a capacidade de suporte de muitas áreas pelo mundo, ignorando procedimentos sustentáveis e aumentando a fragilidade ambiental. Por outro lado, a avaliação do desenvolvimento tão somente pelo viés da produção material sem observância das relações complexas entre as sociedades humanas e a biosfera vem sendo compartilhado com outros conceitos entendidos como não menos importantes como a justiça social e a prudência ecológica (RICKLEFS, 2013; GUIMARÃES; MEDEIROS, 2016) O desafio do caminho desenvolvimentista a ser seguido também se coloca para o Semiárido Brasileiro (SAB) cujas condições naturais, associadas ao problema histórico de acesso à terra impõe um leque mais robusto de dificuldades, sobretudo para as populações do campo. Em função dessas e outras variantes, de acordo com Mendes (1997); PAE/RN (2010), para o desenvolvimento econômico em bases sustentáveis nesse espaço regional, é importante o uso de espécies nativas da caatinga, com notória relevância para a conservação do ecossistema e para a economia regional. Conforme Leal et al. (2003) essa formação vegetal apresenta inúmeras espécies de notável valor socioeconômico, além de portadoras de fenótipos condicionados pelo patrimônio genético, permitindo a evolução em ambientes como o SAB com condições edafoclimáticas que impõem limitações à sobrevivência vegetal. Ab’Saber (1974), ressalta que a Caatinga estabeleceu-se desde o limiar do Terciário, corroborando para a existência de acentuado grau de endemismo. Apesar de ainda se saber muito pouco acerca do aproveitamento econômico da sua biodiversidade (SAMPAIO et al., 2005), compreende um dos biomas brasileiros menos conhecido e protegido pela ciência, embora apresente muitas áreas perturbadas com evidências de desertificação, ofuscando riquezas com potencial para a promoção do desenvolvimento sustentável (LEAL et al., 2003). De acordo estudo realizado pelo IBAMA (2010) em números absolutos, a Caatinga teve sua cobertura vegetal original e secundária reduzida de 460.063km² para 443.121km², entre 2002 e 2008, uma perda aproximada de 2%. 42 Com relação a desertificação, uma das consequências da ação antrópica, caracteriza-se como a degradação das terras nas áreas áridas, semiáridas e subúmidas secas provocado por fatores diversos, incluindo as variações climáticas e a ação antropogênica. Nesse documento também consta que o Brasil, desde 1997, é signatário da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) (BRASIL, 2004). Silva et al. (2005) acrescentaram que o estado avançado de degradação ambiental em que se encontra o SAB, potencializado nos períodos de estiagens prolongadas, a manutenção e recuperação dos recursos florestais representam estratégias indispensáveis. Isso porque os fragmentos florestais são elementos importantes na paisagem, pois exercem papel relevante na proteção do solo, dos recursos hídricos, sequestro de carbono, habitat para a fauna, fonte de propágulos, entre outros (RICKLEFS, 2013; VEZZANI et al., 2015). Corroborando com essa discussão, Cristancho e Vining (2004) revelaram que enquanto grande esforço tem sido dispensado no estudo das espécies que são fundamentais para o funcionamento do ecossistema natural onde estão inseridas, não há conhecimento suficiente sobre a importância de certas espécies vegetais e animais para a estabilidade cultural das comunidades humanas. A faveleira compõe o seleto grupo de táxons da caatinga com potencial econômico e ambiental, passível de ser usada como lavoura xerófita nas áreas degradadas e explorada racionalmente onde se apresenta em meio a caatinga (DUQUE, 1980; MENDES, 1997; LORENZI, 1998; ALOUFA; MEDEIROS, 2016). O desfolhamento total desse vegetal ocorre na estação seca, embora a reidratação do caule aconteça nos primeiros dias após a ocorrência das chuvas, provocando o brotamento e a floração (ANDRADE, 2007). Apresenta frutos deiscentes que ao estalarem as sementes são alçadas para além do local de origem (BRAGA, 2001; SAMPAIO, 2005; FIGUEIREDO, 2010). Compreende uma xerófita detentora de grande importância para o desenvolvimento regional pela resistência à seca, potencial para produção de óleo, amido e forrageiro (PEREIRA, 2005). No contexto da localização geográfica, a faveleira encontra-se distribuída na região Nordeste, especificamente nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, destacando-se no meio dos outros vegetais pela resistência a semiaridez (BRAGA, 2001; SAMPAIO, 2005; CAMPOS, 2010). Para Andrade (2007) é verificada em associação com uma gama variada de espécies de diferentes tipologias da caatinga e de valência ecológica ampla para os fatores edáficos, apresentando distribuição agregada em algumas áreas e dispersa noutras. Faz parte dos táxons do bioma Caatinga, reconhecidas pelas propriedades econômicas e ecológicas apresentadas (DUQUE, 1980; SAMPAIO, 2005; ARAÚJO et al., 2010; OLIVEIRA at al., 2011; LIMA, 2012; MEDEIROS; ALOUFA, 2016). 43 Essas informações introdutórias ilustram a viabilidade do vegetal para exploração como lavoura xerófita no SAB, o que é potencializado sabendo-se que a área de abrangência no Nordeste é caracterizada por ocorrência de desertificação. Além disso, em quatro Estados são registrados núcleos de desertificação, característica atribuída ao elevado nível de perturbação alcançado pelo solo, fauna, flora e recursos hídricos nessas áreas. São eles: Seridó/RN, Cabrobó/PE, Irauçuba/CE e Gilbués/PI (BRASIL, 2004). Nessas áreas a implantação de maciços florestais são relevantes, tendo em vista melhorar a resiliência do ambiente, podendo ser acelerados pelo reflorestamento com espécies arbóreas pioneiras (DUQUE, 1980; VEZZANI, 2015). Corroborando com essa assertiva de acordo com o PAE/RN (2010) o grupo de trabalho instituído no Rio Grande do Norte no ano de 2007, para trabalhar na elaboração do Plano Estratégico para Enfrentamento das Mudanças Climáticas no Estado foi unânime no que se refere ao relevo apresentado pelas florestas existentes e o reflorestamento no fortalecimento da gestão dos recursos florestais, bem como a preservação, conservação e recuperação de ecossistemas naturais, visando a promoção do desenvolvimento sustentável. De acordo com Garibaldi e Turner (2004) algumas espécies de planta ou de animal em função da relevância no funcionamento da comunidade, por serem essenciais para a sua integridade, são conhecidas como espécies-chave ecológicas. Assim como indivíduos com uma relação estreita com a cultura de um povo são compreendidas como espécies-chave cultural (cultural keystone species) (CKS). O conceito de espécie-chave cultural (CKS), adquire relevância em projetos de restauração ambiental e conservação da biodiversidade, podendo ser vantajoso no processo de interpretação das alterações e restaurações ecológicas, econômicas e culturais que operam ao longo do tempo. Portanto, sendo útil em iniciativas de recuperação ambiental e conservação da biodiversidade (GARIBALDI; TURNER, 2004; CRISTANCHO; VENING, 2004; BONIFÁCIO et al., 2016). Nessa mesma linha de pensamento Reis et al. (2014) ressaltaram que a intervenção de grupos humanos amplia a probabilidade de dispersão de uma espécie em função da sua importância socioeconômica e cultural e tendo em conta a capacidade para adaptação a uma ampla gama de ambientes. Conforme Assis et al. (2010), esse termo adaptado do conceito ecológico de espécie-chave (KS), cunhado por Paine, foi criado para melhor compreender as relações entre as populações humanas e as espécies biológicas. Garibaldi e Turner (2004) ressaltaram que os estudos sobre CKS são importantes para a conservação e restauração de paisagens pelo reforço empreendido na compreensão das relação das comunidades com o seu lugar. Por representar um ponto de partida para uma análise em profundidade com relação às alterações no ambiente e à resistência da comunidade diante de tais alterações. Por proporcionar melhor compreensão da interação entre espécies não chave 44 e espécies chave culturais e, finalmente, pelo fato desses estudos incluírem as comunidades envolvidas, agentes que apresentam influência mais direta entre as espécies e seus habitats. Assis et al. (2010) ressaltaram nos indicadores de CKS, não apenas o domínio cultural é o que indica as espécies-chave culturais: os domínios econômico e ecológico também estão presentes, mesmo que em menor grau. Continuando a acumulação teórica nessa corrente, Cristancho e Vining (2004) revelaram que, apesar dos esforços no campo dos estudos das espécies que são fundamentais para o funcionamento do ecossistema natural onde estão incorporados, não há conhecimento suficiente sobre a importância de certas espécies vegetais e animais para a estabilidade econômica e cultural das comunidades humanas remanescentes desses ambientes. Em face dessa lacuna reconhecida, os autores propõem o conceito de espécies-chave cultural, para designar espécies de plantas ou de animais essenciais para o desenvolvimento humano no contexto em que se encontra inserida. Por conseguinte, o seu afastamento implicaria em rupturas culturais significativas. De acordo com Assis et al. (2010, p. 2) esse termo foi criado por alguns autores “[...] para melhor compreender as relações entre populações humanas e espécies biológicas [...]”. Bonifácio et al. (2016) ressaltaram que o método CKS é recente e tem sido empregado na mensuração do grau de importância das espécies de plantas e de animais para os seres humanos em vários trabalhos. De acordo com Assis et al. (2010); Noble et al. (2016) o uso de indicadores para classificar uma espécie como CKS dentro de determinado grupo humano constitui importante ferramenta interpretativa das relações dialéticas entre sociedade/cultura e natureza, representando elemento de relevo na conservação da espécie e das comunidades humanas dela dependentes para a sobrevivência. Os estudos sobre a faveleira têm se concentrado nos usos potenciais do vegetal pelos habitantes das áreas com a sua presença, assim como pelo potencial existente passível de exploração. Tendo como enfoque a classificação do vegetal como sendo CKS do bioma Caatinga, não foram verificados registros nos bancos de dados consultados. Apesar disso, as propriedades usadas no trabalho de Reis et al. (2014) em que a araucária é analisada como sendo portadora desses predicados, as características ecológicas responsáveis pela integração humano-floresta atribuídas como: elevada produtividade das sementes, sendo um atrativo humano e para a caça; capacidade de adaptação a uma diversidade de ambientes; regeneração em áreas abertas e a dispersão por ação da gravidade, também são apresentadas pelo vegetal em estudo. Nesta mesma direção em Noble et al. (2016) constatou-se que, apesar de ser uma análise sobre comunidades indígenas dedicadas à pesca, apresenta em comum com as comunidades remanescentes 45 das áreas com a faveleira um conhecimento profundo sobre o vegetal e até sobre a Caatinga, incorporados ao seu saber-fazer e portanto, a sua identidade cultural. Não há registro de trabalho caracterizando a faveleira como sendo CKS do bioma Caatinga. Diante dos fatos supracitados, o trabalho em tela parte da seguinte questão central: a faveleira possui uma relação estreita com as condições ecológicas e com a diversidade biocultural da caatinga, representando uma espécie passível de ser explorada nas áreas em que se apresenta em meio a comunidade vegetal e em projetos de reflorestamento? A hipótese da presente pesquisa é que a faveleira é uma CKS do bioma caatinga, relevante sócio-econômico-cultural e ambiental, para as populações rurais remanescentes das áreas com a sua presença. Considerando a lacuna em matéria de estudos mais amplos sobre o vegetal e ciente da sua importância nas iniciativas de conservação, de reabilitação de áreas degradadas e no fornecimento de bens naturais para as formas de vida do ecossistemas (incluindo o homem), o objetivo geral desse trabalho foi validar a hipótese de que a faveleira é uma espécie-chave cultural do bioma Caatinga. Na organização do trabalho, além da introdução e dos aspectos metodológicos, para o entendimento em profundidade, quanto à relevância do vegetal em estudo é apresentada uma síntese do estado da arte, com referências aos seus aspectos ecológicos e sócio-econômicos-culturais. Por fim, aborda-se a classificação da faveleira como CKS. 2. METODOLOGIA A caracterização da faveleira como CKS do bioma Caatinga, foi realizada via aplicação da metodologia proposta por Cristancho e Vening (2004). Esse trabalho propõe que uma planta ou animal que atenda à maioria das sete caraterísticas assinaladas no Quadro 1, em relação a um contexto cultural específico, possa ser considerado como sendo CKS. Quadro 1- Indicadores de espécie-chave cultural (CKS), propostos por Cristancho e Vening (2004). 1 A história de origem das espécies está ligada aos mitos, a antepassados ou a origem da cultura. 2 A espécie é central para a transmissão do conhecimento cultural. 3 A espécie é indispensável nos principais rituais dos quais depende a estabilidade da comunidade. 4 A espécie é relacionada ou usada em atividades com a finalidade de suprir as necessidades básicas da comunidade, tais como a obtenção de alimentos, construção de abrigos, obtenção de lenha, curar doenças, etc. 5 A espécie tem valor espiritual ou religioso significativo para a cultura no qual ela está inserida. 6 A espécie existe fisicamente no território que o grupo cultural habita ou a que tem acesso. 7 O grupo cultural refere-se à espécie como uma das mais importantes. Fonte: Elaboração dos autores, 2016. 46 As informações levantadas para classificação da faveleira como sendo uma CKS, foram embasadas em fontes documentais publicadas sobre o vegetal entre os anos de 1977 e 2016. Também foram realizados estudos de campo no período de produção de folhas e sementes no primeiro semestre do triênio 2014-2015-2016, através da percepção da paisagem encontrada, registros fotográficos e diálogos estabelecidos com moradores das áreas com a presença dessa xerófita sobre seus usos, nos municípios de Caicó e São José do Seridó/RN. Por fim, foram realizadas entrevistas no ano de 2015, com moradores de comunidades rurais desses municípios acerca dos usos do vegetal. Compuseram os sujeitos da pesquisa 57 colaboradores, sendo 48 homens e nove mulheres, com idade variando entre 30 e 100 anos. Foram visitadas 5734 residências de agricultores (as) que praticam e/ou praticaram a pecuária e cultivos de subsistência onde a faveleira se encontra presente em meio a comunidade vegetal. Além do informante principal, também contou-se com a colaboração de outras pessoas presentes no ensejo. No decurso do trabalho, os entrevistados (as) fizeram menção a pessoas idosas, residentes na zona urbana das municipalidades de São José do Seridó, Caicó, Cruzeta, Jardim do Seridó e Parelhas/RN, pelo notável conhecimento sobre o vegetal. Um total de oito informantes indicados foram localizados. Nesse universo, duas mulheres e um homem centenários. O conjunto de informações colhidas nas fontes visitadas sobre o vegetal, associado às informações empíricas foram elementos essenciais nas analogias feitas entre a faveleira e as características de uma CKS, apontadas na metodologia aplicada. 3. CARACTERIZAÇÃO SOCIOAMBIENTAL E SOCIOECONÔMICA DA FAVELEIRA A faveleira (Cnidoscolus quercifolius) pertencente à família botânica Euphorbiaceae é uma xerófita típica da vegetação das caatingas do semiárido brasileiro (SAB). Tem como uma das características a capacidade de sobrevivência a períodos prolongados de seca, contribuindo com o equilíbrio ecossistêmico e atenuando a degradação ambiental. Apresenta elevado porte da massa verde, espinhos, pelos urticantes, tronco curto e ramificado desde a base, mais ou menos cilíndrico e casca fina, com frutos em geral com a presença de três sementes (Fig. 1 – A) (DUQUE, 1980; OLIVEIRA et al., 2011). 34 Resolveu-se limitar o trabalho a 57 entrevistas em função da constatação de que no discurso dos interlocutores não registravam-se elementos novos acerca da faveleira. Ou seja, as informações fornecidas repetiam-se com frequência. 47 Apresenta raízes tuberculadas (Fig. 1- B), contendo reservas alimentares elaborada durante as chuvas para manutenção vegetal no período da seca. Conforme Ribeiro Filho et al. (2011) o sistema radicular não costuma atingir grandes profundezas, o que facilita o contato com a água das primeiras chuvas, antecipando o desenvolvimento das folhas após a ocorrência de volumes pluviométricos de até 10 mm. Em geral são portadores de acúleos urticantes no caule e folhas (Fig. 1- C), embora Cavalcanti (2011) registre a existência de faveleiras sem a presença dessa estrutura na superfície da planta, constatada pela primeira vez no município de Independência, no Ceará. Em trabalho de campo, observou-se a presença de duas plantas com esse fenótipo, em junho de 2015 e de 2017, na localidade rural Quixaba (Fig. 1- D), Caicó/RN, com idade estimada em 80 anos, cerca de 6 m de altura e copa com diâmetro cobrindo aproximadamente 50 m. Figura 1- Sementes sob uma faveleira ( A); Sistema radicular de plantas jovens com formação de xilopódio (B ) Folhas, flores e frutos da faveleira com a presença de acúleos (C ); Folhas e frutos da faveleira sem acúleos (D). Fonte: Arquivo dos autores. De acordo com Lorenzi (1998); Braga (2001); Andrade (2007) constata-se a presença de faveleiras em meio à caatinga com elevada frequência e irregular dispersão sendo a época de produção A B C D 48 de folhas, flores e frutos vinculada à sazonalidade das chuvas. Para Duque (1980) a floração ocorre nos meses de janeiro e fevereiro. Todavia, observações de campo utilizadas neste trabalho, nas localidades rurais São Paulo, Retiro, Melado e na zona urbana do município de São José do Seridó/RN, permitiu constatar na primeira quinzena de agosto de 2015, a presença de flores em faveleiras em meio a frutos de tamanhos diversos, embora com chuvas abaixo da média histórica, demonstrando a adaptação desta espécie a fatores de estresse. Em relação à preferência desse táxon quanto ao solo de acordo com Nóbrega (2001); Fabricante (2007); Figueiredo (2010) demonstraram que esse não representa um fator determinante, por ser verificada em solos férteis e em sítios antropizados, nas margens de estradas e em áreas desmatadas no entorno das cidades. Com relação à altura conforme Souza et al. (2012), plantas adultas poderão atingir 4 m. Segundo Pereira (2005) oscila entre 4-8 m, enquanto de acordo com Silva et al. (2005); Dantas et al. (2010); Figueiredo (2010), pode atingir até 5 m de altura. É dominante nas áreas do SAB onde se apresenta em meio à caatinga em função de apresentar altura total superior à vegetação circundante e um dossel expressivo, possibilitando a formação de um sub-bosque de plantas lenhosas e herbáceas abaixo do dossel florestal. Essa singularidade demonstra a relevância na manutenção do ecossistema por manter a resiliência sob a sua copa, capital à sobrevivência de outras espécies vegetais (Figura 2), alimento, refúgio e local de reprodução por parte da fauna silvestre (MEDEIROS, 2013; MEDEIROS; ALOUFA, 2016). Figura 2 - Faveleiras na estação chuvosa (A) e na estação seca (B), com mais de cinco metros de altura, e a presença de um sub-bosque de plantas lenhosas e herbáceas sob a copa. Fonte: Arquivos dos autores, abril e novembro de 2016. Nessa mesma perspectiva Andrade (2007), verificou nas áreas core do seu estudo, situadas nos municípios de Serra Negra do Norte e Acari (RN), Santa Luzia e Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), que a xerófita apresenta superioridade na área basal e altura, diante das demais espécies. A B 49 Para Duque (1980, p. 111) “[...] vegeta na terra escaldante do sertão, do Seridó e, em menor proporção, na caatinga baixa, em companhia do pereiro, do xiquexique, do pinhão. De acordo com Andrade (2007) uma das estratégias das plantas em resposta às secas é a maximização de água e nutrientes na curta estação de crescimento e a perda das folhas na estação adversa para conter o estresse hídrico. A faveleira utiliza essa adaptação para superar as adversidades do ambiente semiárido, caracterizado pela ocorrência de secas estacionais e periódicas (FABRICANTE et al., 2007; COSTA JÚNIOR, 2011). Apesar desse vegetal ser uma caducifólia, observações de campo em faveleiras com 11 anos de idade, plantadas na localidade rural São Paulo, São José do Seridó/RN, constatou-se num universo de 38 plantas, três que se encontravam entre dois e três metros de uma área irrigada, no biênio 2015- 16, permaneceram com a presença de folhas e frutificando por todo o período, o que não se verificou nas plantas afastadas com ocorrência de senescência das folhas (Figura 3). Corrobora com essa assertiva o trabalho de Nóbrega (2001) ao destacar que esse vegetal poderá permanecer todo o tempo com folhas desde que condições favoráveis estejam presentes. Figura 3 – Faveleiras desfolhadas (A) e com a presença de folhas, flores e frutos, por se encontrar junto à área irrigada, na localidade rural São Paulo, São José do Seridó/RN, no segundo semestre de 2016 (B). Fonte: Arquivo dos autores, nov./2016 Para Lorenzi (1998); Medeiros e Aloufa (2016) poderá ser aproveitada para a primeira fase de reflorestamentos de áreas desmatadas e com ocorrência de processo erosivo da caatinga. Andrade (2007) ressaltou que a faveleira pode ser considerada como bioindicadora do estado de conservação da vegetação, uma vez que nas áreas mais degradas a espécie apresenta maior densidade e menor área basal, enquanto nos locais sem registro de perturbações recentes, esses indicadores se mostraram A B 50 invertidos. Também em conformidade com essa assertiva, o aporte de Arriel et al. (1999) relataram que o caráter xerófilo desse vegetal permite a sua sobrevivência, mesmo em períodos de secas prolongadas, contribuindo para o equilíbrio do ecossistema e atenuando a degradação ambiental. Nessa mesma linha de pensamento Costa Júnior et al. (2011) classificou a faveleira como sendo xerófita verdadeira, em função do ajuste osmótico desencadeado por ocasião do estresse hídrico do período estacional seco, atenuando os impactos da redução na oferta de recursos hídricos sobre a produção de biomassa. Para Sousa e Lichston (2011) a cutícula da faveleira associada à cera epicuticular, por representar a interface com o ambiente concorrem na redução da perda de água e exercem proteção contra agentes externos. Outro mecanismo do vegetal na luta para a sobrevivência no SAB é a grande quantidade de acúleos pequenos, agudos e urticantes nos limbos e pecíolos das folhas. No sistema reprodutivo desse vegetal constatou-se em estudo realizado por Arriel et al. (1999) que é alógama, embora possa ocorrer autofecundação, a ocorrência de monoicia e, principalmente, protoginia são responsáveis pela predominância da fecundação cruzada. Conforme Nóbrega (2001), a deiscência dos frutos acontece entre 56 e 57 dias após a fertilização das flores, enquanto a abertura explosiva do fruto leva por volta de cinco dias, com o lançamento das sementes à até 30 m. Com relação à renovação das populações e o povoamento de novas áreas por parte da faveleira, são obstáculos iminentes a dispersão autocórica e o amadurecimento dos frutos coincidir com o fim da estação chuvosa, pois a vegetação herbácea além de seca é consumida pelo rebanho, deixando o solo desnudo, facilitando a ação de herbívoros às sementes (MENDES, 1997; BRAGA, 2001; CAMPOS, 2010). Essas constatações alimentam a tese de que a elevada densidade do vegetal, em meio a terrenos muito pedregosos, chegando a crescer em meio a fissuras nas rochas, reflete a dificuldade de acesso às sementes e até das plântulas, nesses ambientes por parte da fauna. Por tratar-se de uma região com chuvas muito incertas, as sementes que chegam a germinar, muitas plântulas não suportam o estresse hídrico numa fase em que a água é tão capital para o atendimento das necessidades metabólicas do vegetal (FIGUEIREDO, 2010). Com essas assertivas concorda Lorenzi (1998) ao destacar que esse vegetal apresenta irregular dispersão. No escopo socioeconômico a faveleira compreende uma das xerófitas da Caatinga que oferece várias alternativas para a alimentação do rebanho. Além das folhas consumidas em alta escala quando secas, também compõem a dieta animal os brotos, cascas, raízes e sementes. Nas áreas de pastoreio com a presença do vegetal, a folha exerce função importante sobretudo na dieta de bovinos, ovinos e de caprinos, sendo associado a engorda dos animais (MENDES, 1997; BRAGA, 2001; MEDEIROS; ALOUFA, 2016). De acordo com Drumond et al. (2007) a biomassa aérea da faveleira proveniente 51 de regeneração natural apresenta um percentual de proteína bruta nas folhas de 19,15%. Nóbrega (2001) em análise da folha, ramos e sementes constatou volume proteico de 25% nessas partes do vegetal. Nos contatos estabelecidos com populações rurais dos municípios de Caicó e São José do Seridó/RN, relatos foram feitos sobre a prática de agricultores de cortarem as plantas adultas nos anos de seca para uso da casca e dos galhos finos por parte dos animais diretamente no campo, informação relatada nos aportes de Moura Fé (1977); Duque (1980). Corroborando com esses aportes, Souza et al. (2012) destacaram que a faveleira apresenta aspectos nutricionais nas sementes e folhas (incluindo proteínas) que qualifica para uso no suprimento animal. Porém são as folhas secas (Fig. 6) a principal forma de aproveitamento da faveleira, tendo em vista que a desrama culmina com o fim da estação úmida quando a oferta de alimento volumoso proveniente da babugem35, para uso animal escasseia (MOREIRA et al., 2007; MEDEIROS, 2012; MEDEIROS; ALOUFA, 2016). Trabalho de campo constatou que volumes de chuvas de 10 mm é o suficiente para as faveleiras jovens e adultas se revestirem de folhagem. Figura 4: Folhas secas sob a copa de uma faveleira (A) e servindo de alimento para ovinos (B). Fonte: arquivo dos autores, agosto/2015. Os relatos do uso dessa parte do vegetal em fontes informacionais mais antigas (Moura Fé, 1977; Duque, 1980) e em trabalhos mais recentes (MEDEIROS, 2012; 2013; MORAIS et al., 2013; MEDEIROS; ALOUFA, 2016) revelaram ser uma prática muito sedimentada. 35 Nos anos de chuvas regulares, as áreas da caatinga não ocupadas por vegetação permanente, ficam encobertas por um tapete de plantas que nascem, crescem, reproduzem e morrem nesse curto período. B A 52 As raízes também são muito apreciadas pelos animais silvestres e pelos animais da atividade criatória. Para o suprimento de bovinos são arrancadas e administradas, enquanto os suínos conseguem remover o solo e alimentar-se dessa parte vegetal em campo (DUQUE, 1980; BRAGA, 2001). Corroborando com essa assertiva, o agricultor J. L. M. N. (59 anos) (Informação verbal)36, relatou que no ano de 1964, seu avô, durante a estação chuvosa, foi impossibilitado de deixar o rebanho de suínos da propriedade em local de existência da faveleira, pois as plantas começaram a ser arrancadas, em função do uso alimentar das raízes no campo nativo, por parte dos animais. É possível afirmar que a presença da faveleira no saber-fazer das populações rurais independe da sazonalidade das chuvas. Se na estação chuvosa outras populações se desenvolvem sob a sua copa é na estação seca quando folhas e frutos são liberados para consumo. Pela altura das arvores é comum o uso no sombreamento dos currais de ovinos, caprinos e nos locais de criação de aves (galinhas, guinés). Nesse último caso, além do sombreamento também é o local de dormida (poleiro)37. Com a ressignificação que o setor pecuário vem galgando na economia campesina no SAB, constata-se que a faveleira tem ocupado áreas que antes eram de cultivo dos algodoais, com fins de alimentação animal, através de povoamento espontâneo ou plantio pelos agricultores. Essa constatação foi feita através de observações in loco nas localidades rurais Riacho do Roçado e Viração, São José do Seridó/RN e Barra da Espingarda e Algodão, Caicó/RN, no biênio 2015-2016. Embora relevância seja dispensada quanto à importância da faveleira na alimentação do rebanho, não pode-se perder de vista a diversidade de usos diretamente pelo homem das áreas da caatinga com a presença do vegetal. As pesquisas em fontes documentais e empíricas revelaram duas categorias de uso humano: na alimentação e na medicina popular. Conforme relatos das comunidades das áreas com a presença da faveleira, as sementes compreendem a única parte do vegetal usado diretamente na alimentação humana, embora a intensidade de uso venha perdendo força. Em conformidade com essa assertiva, o agrônomo J. P. L (58 anos), ressaltou que quando criança, a merenda que utilizava no intervalo escolar era a fuba da semente de faveleira feita pela sua mãe [cenário inimaginável nos dias atuais]. As sementes eram coletadas pelo mesmo juntamente com seus irmãos38. Conforme Nóbrega (2001) essa parte da faveleira apresenta em média 60% de amêndoa, consumida in natura, ou macerada em pilão e 36 Informação fornecida na sua residência, comunidade rural Anins, Caicó/RN, em 2015. 37 O autor constatou nas adjacências da cidade de São José do Seridó/RN o uso do vegetal no sombreamento de currais de criação de caprinos e de ovinos. Na localidade rural Quixaba, Caicó/RN, verificou o uso no sombreamento e como local de pernoite de galinhas e guinés. 38 Informação verbal fornecidade pelo mesmo, em contato informal com o autor, em dezembro de 2017, na UFRN/CERES/CAMPUS de Caicó/RN. 53 misturada com farinha de mandioca e açúcar ou rapadura, usada pura ou na fabricação de cocadas, bolos e biscoitos. Corroborando com esse aporte, Medeiros (2013) coletou sementes desse vegetal no Seridó do Rio Grande do Norte, separando-as em três lotes referentes a períodos climáticos opostos. Trituradas e analisadas constatou-se a predominância de lipídios e de proteínas, sendo caracterizado como um alimento de elevado valor nutritivo. No seu estudo, Nóbrega (2001) também verificou que a semente apresenta na sua composição componentes com valor culinário comparável aos óleos de girassol, milho e oliva. Essa assertiva representa uma expectativa para a exploração do vegetal por parte de agricultores familiares, organizados em cooperativas. Por conseguinte, criando uma cadeia produtiva responsável pela geração de emprego e renda de grande relevo para o desenvolvimento local e para a convivência com a seca. Trata-se de uma atividade extrativista, consorciável com a pecuária praticada nessas áreas, com potencial para ocupar o nicho de mercado dos produtos orgânicos. Outro aspecto digno de relato e que demonstra o potencial econômico das sementes da faveleira, refere-se ao fato do vegetal produzir considerável volume de sementes mesmo nos anos de volumes pluviométricos muito abaixo da média histórica do SAB, conforme tem sido constado em observações de campo na sequência de anos de seca de 2012-2017, nos municípios da pesquisa39. Na zona urbana de São José do Seridó/RN, o agricultor F.G.S., 75 anos, cultiva o hábito iniciado há cerca de 65 anos, de coletar as sementes para produção de fuba, para uso na alimentação da família (Fig. 7A). Após moídas num moinho manual juntamente com farinha de mandioca, o produto é adoçado com açúcar e/ou rapadura, produzindo um alimento de excelente paladar. A agricultora N. B. (72) além do domínio da técnica de produção de fuba, extrai o leite (Fig. 7B) e o óleo (Fig. 7C) das sementes, usados para o tempero de alimentos. Após a moagem no moinho, as sementes são colocadas em água fervendo ou água fria. Ao coar, originou o leite da favela, usado no preparo de alimento. Do restolho das sementes, após permanecer na geladeira, misturado com água, é feita a extração do óleo40. 39 Na sequência de anos de seca supracitados o autor realizou observações in loco em áreas com a presença da faveleira nas adjacências da cidade de São José do Seridó/RN (onde o mesmo reside desde 1997), constando a produção de sementes do vegetal nessas circunstâncias adversas. As sementes coletadas quando plantadas, se mostraram viáveis. 40 Em agosto de 2015, constatou-se em visita as residências de ambos, na Rua 13 de Maio, São José do Seridó/RN, o trabalho de processamento dos subprodutos das sementes da faveleira. 54 Figura 5 - Subprodutos alimentícios da semente da faveleira: fuba, extraída após as sementes serem moídas e peneiradas (A); extração do leite, após as sementes moídas e colocadas em água fria ou fervendo (B) e o óleo extraídos das sementes moídas (C). Arquivo dos autores, agosto/2015 A extração do óleo da semente está de acordo com o verificado em Santos et al. (2005) cujas análises revelaram que é salutar na alimentação humana, podendo ser explorado em caráter industrial e artesanalmente pelas famílias que labutam nas áreas com a sua presença. As cascas e o látex são apontados por Duque (1980); Nóbrega (2001) como sendo úteis no combate de processos inflamatórios em humanos e nos outros animais. 4. FAVLEIRA: ESPÉCIE-CHAVE CULTURAL (CKS) DO BIOMA CAATINGA Conforme Cristancho e Vining (2004) o conceito de espécies-chave em biologia e ecologia ganhou notoriedade nos estudos de compreensão dos ciclos biológicos e nichos ecológicos. Reis et al. (2014) ressaltaram que são verificadas duas tendências para o uso do termo espécie-chave. Uma trata da espécie-chave ecológica (CK) principalmente referente à conservação. A outra tendência é o uso do termo espécie-chave cultural (CKS), aplicado à espécie ou grupo de espécies que são elementos-chave para a manutenção da cultura de uma sociedade humana. Conforme Cristancho e Vining (2004) a importância de uma espécie-chave cultural não é determinada apenas pela sua abundância, mas pelo seu papel fundamental para a comunidade humana. Os sete indicadores por eles desenvolvidos para identificação de uma CKS, ocorreram após estudarem a relação estabelecida entre indígenas amazônicos com o meio ambiente e referências de civilizações antigas como a greco-romana (CRISTANCHO; VINING, 2004). São muitas as espécies que exercem funções ímpares na sobrevivência material e cultural dos grupos humanos. Para Garibalde e Turner (2004), aquelas que apresentam relevância direta para o modo de vida das populações locais , pelo papel singular exercido, na caraterização de sua identidade, A B C 55 são as espécies-chave cultural (CKS). Essas autoras ressaltaram que essas espécies apresentam contribuições na conservação e restauração de paisagens, entendido como sendo sistemas ecológico- culturais, construídos historicamente, reforçando a integração da comunidade local com o seu lugar41. A condição de endêmica do bioma Caatinga da faveleira, adaptada às adversidades do SAB, com relação estreita com a vida animal é muito usada pelas comunidades locais, coloca esse táxon dentro dos conceitos de espécie-chave cultural propostos por Cristancho e Vining (2004). Para os propósitos aqui definidos, a caracterização da faveleira como espécie-chave cultural do bioma Caatinga, foi realizada através das analogias entre os critérios propostos pelos autores retrocitados para definir uma CKS e as informações levantadas sobre a xerófita. Essa metodologia, de acordo com lista de estudos científicos sobre caracterização de CKS, cronologicamente apresentado por Sousa (2014), numa relação de 12 trabalhos é citada como sendo usada para definição de CKS, nos cincos primeiros da lista. A seguir análises serão realizadas para classificar a faveleira como sendo um CKS do bioma Caatinga. De acordo com metodologia para classificação de uma planta, como sendo CKS, proposta por Cristancho e Vening (2004), usada no trabalho em tela, esse vegetal apresenta relação com cinco das sete características propostas, conforme análises doravante. Não constatou-se consistência na correlação do vegetal no contexto analisado, com os indicadores: “A espécie é indispensável nos principais rituais dos quais depende a estabilidade da comunidade” (3) e “A espécie tem valor espiritual ou religiosa significativa para a cultura no qual ela está inserida” (5). Doravante, serão avaliados os indicadores aplicados no trabalho em tela em que foram verificados consistência na relação com a faveleira. A história de origem das espécies está ligada aos mitos, a antepassados, ou à origem da cultura (indicador 1) - é aplicável tendo em vista que a madeira da faveleira era fundamental nos rituais de queima dos objetos cerâmicos (panelas, potes, alguidás) de uso corrente pelas famílias. Após o uso de produto madeireiro de outro táxon da caatinga, a madeira do vegetal era usada por 41 Observações in loco realizadas, nesse 31 de maio de 2017, ilustram a relação com o proposto pelas autoras. Naquela data, ao realizar caminhada matinal numa área próximo a cidade de São José Seridó/RN conhecida por “Alto de Dona Vitória”, nome de uma senhora já falecida, responsável pelo plantio da grande quantidade de faveleiras existentes no local, realizou-se a coleta de um total de 390 sementes. Já na zona urbana, ao cruzar com o Sr. C. L. (79 anos), conduzindo as sementes numa embalagem plástica, o mesmo assim se expressou: “comi muita fuba de semente da favela. É bom demais”. No mesmo ensejo, ao acompanhar uma turma de crianças para uma aula de campo na Trilha Ecológica do município, quando fazia a exposição sobre o Bioma Caatinga, ao falar sobre a faveleira, ainda conduzindo a embalagem com as sementes, ao questionar: “quem já comeu semente de faveleira?”. Mais de metade do grupo de cerca de 30 crianças ergueram as mãos. Esses fatos empíricos muito ressaltam a reputação cultural da espécie. 56 último, para “limpar” as peças42. Esse mesmo ritual era praticado na queima de tijolos, telhas e cal, matéria-prima das primeiras construções em alvenaria. A vinculação com o estabelecimento da pecuária, atividade econômica responsável pela efetiva ocupação das municipalidades de realização das entrevistas (MEDEIROS, 2012), pode ser ilustrado através do uso da madeira na confecção de caixotes para uso na construção de açudes. Ainda era usada na produção de “cambito gradeado”43, importante apetrecho para o transporte de mercadorias (lenha, estacas, mourões, ração para o gado) com uso de animais na propriedade (sobretudo jumentos). Além dos agricultores que confeccionavam para consumo na propriedade, também tinham aqueles que produziam peças para comercialização nas feiras livres. “Eu fazia cambito gradeado para o meu uso e para a venda aqui na Feira de São José e na de Cruzeta”, relatou S. F. O., 70 ano (informação verbal)44. Esses elementos revelam a relação do vegetal com os aspectos históricos da cultura da população rural nas áreas com a presença da faveleira. Os relatos das entrevistas também apontaram o uso do vegetal na manutenção da atividade criatória, em especial nos anos de seca, quando a oferta de alimentos volumosos fica escassa. “Meu pai contava que em 1915, com 12 anos de idade, o trabalho dele era arrancar raiz de faveleira, no sítio Umari/Caicó, para alimentar 12 vacas”, relatou F. S. M., 62 anos (informação verbal)45. Esse fato aponta uma estratégia de sobrevivência dos antepassados. Esses informes estão em conformidade com Mendes (1997) ao ressaltar que o uso da vegetação nativa representa a principal estratégia de sustentação do rebanho no SAB. O presente autor acrescentou ainda que nos anos de prolongamento da deficiência hídrica, conhecidos popularmente por anos de seca (conforme tem sido registrado entre 2012-2016), as forrageiras arbóreas e arbustivas constituem o único pasto disponível (Mendes, 1997). Vale registrar que algumas aplicabilidades do vegetal têm atravessado gerações e se mantêm vivos. É o caso do uso da madeira no cozimento de produtos regionais como a manteiga da terra e o chouriço e na fogueira dos festejos juninos. Outra singularidade do uso dessa parte vegetal, refere- se à queima do espinho dos cactos para alimentar o rebanho nas secas, na queima de cal (Fig. 5A), telhas e tijolos, demonstrando a relevância como energético florestal. A madeira também representa matéria-prima para a confecção de móveis residenciais e colher de pau, apetrecho usado no manejo com os alimentos no ensejo do cozimento e ao ser servido, móveis para guardar roupas, mesa para 42 O uso da madeira da faveleira para concluir a queima das peças objetivava deixá-las com coloração avermelhada. 43 O autor é testemunha do uso desse tipo de apetrecho, nas décadas de 1970-1980, confeccionado pelo seu avô, Severino Hipólito (In memorian), para ser usado na sua propriedade, situada na localidade Anis/Caicó/RN, no transporte de mercadorias em jumentos. No decurso da pesquisa foi verificado um exemplar numa propriedade rural da localidade Quixada, Caicó/RN, embora já sem ser utilizado. 44 Informação fornecida na sua Residência, R.Miguel Berto, 339, São José do Seridó, RN, em 2015. 45 Relato feito na sua residência, R. Joaquim Loló, 87, São José do Seridó/RN. 57 servir os alimentos (Fig. 5B), cavalete e canoa para uso na travessia de açudes e rios, cocho usado para servir alimento ao rebanho (Fig. 5C). Essa mesma trajetória de resistência às mudanças socioculturais ressignificando os seus usos e mantendo o status quo, é constatado nos aportes de Assis et al. (2010); Reis et al. (2014); Noble et al. (2016) nas análises realizadas, respectivamente, sobre o uso da araucária e espécies de peixe de água, pelas comunidades humanas em diferentes temporalidades e originalmente classificados como CKS nos respectivos trabalhos. Figura 6 - Usos da madeira da faveleira: tora do vegetal junto a forno aguardando o uso na queima de cal (A); mesa confeccionada com a madeira do vegetal, usada para servir alimentos (B) e cocho sendo usado para servir sal ao gado (C). Fonte: Arquivos dos autores, Ago./2015 A espécie é central para a transmissão do conhecimento cultural (Indicador 2) - embora reconheça-se que muitos usos do vegetal vem atravessando um processo de erosão cultural é bom lembrar que informes dos entrevistados, assim como observações de campo, constataram que a faveleira continua exercendo importância para a atividade criatória via uso de raízes, cascas, folhas, galhos finos e sementes, no alimento de aves domésticas, bovinos, suínos, caprinos, jumentos, ovinos e para a apicultura46, o que denota que o conhecimento e o manejo da espécie, são essenciais na transmissão do conhecimento cultural. A faveleira é um vegetal melífero. Esse fato associado ao uso das sementes, cascas e raízes na dieta de animais de caça (aves, mamíferos) e proporcionar o desenvolvimento sob a sua copa de espécies florísticas permanentes e temporárias significa que o conhecimento e o manejo da espécie são essenciais para que outros saberes sobre a flora e até sobre a fauna local também sejam apreendidos. Essas observações estão se acordo com o disposto em Souza (2014) ao revelar que a CKS interage com outros elementos materiais do sistema cultural e apresenta potencial utilitário direto e indireto para a cultura, ou seja, sua função sistêmica. 46 Em observações de campo, no mês de janeiro de 2017, constatou-se a presença de colmeia sobre os galhos de faveleiras, assim como a presença de abelhas na floração nas comunidades rurais Olho D’água e São Paulo, São José do Seridó/RN. A B C 58 A espécie é relacionado ou usada em atividades com a finalidade de suprir as necessidades básicas da comunidade tais como a obtenção de alimentos, construção de abrigos, obtenção de lenha, curar doenças, etc. (Indicador 4) - são muito consistentes os relatos da aplicabilidade do vegetal na alimentação do homem (farinha, bebida e óleo), medicamentoso humano e animal (látex e cascas), confecção de móveis, revelando o caráter utilitário para o homem. Esse usos do vegetal são referendados nos aportes de Duque (1980); Pereira (2005) destacando que essas formas de usos da faveleira em geral são transmitidas para a geração seguinte. Em estudo de caráter mais pontual, Cavalcanti (2011) sugeriu o uso das sementes na fabricação de bolos e sorvetes. Corroborando com esses apontamentos Garibaldi e Turner (2004) sugerem que a CKS se reflete nos papéis desempenhados na dieta, fornecimento de medicamentos e materiais para comunidades humanas, moldando sua identidade cultural. A espécie existe fisicamente no território que o grupo cultural habita ou a que tem acesso (Indicador 6) – embora irregularmente distribuída em meio à Caatinga, as entrevistas foram realizadas em localidades rurais onde o vegetal apresenta elevada distribuição conforme percebido em meio a paisagem através de observações in loco. Vários aportes analisados (DUQUE, 1980; BRAGA, 2001; ANDRADE, 2007) a faveleira é caracterizada como sendo um vegetal endêmico do semiárido brasileiro. O grupo cultural refere-se à espécie como uma das mais importantes (Indicador 7) - as evidências apontando o vegetal como um dos mais importantes são muito consistentes nos relatos da população. “A favela dá alimento para o animal e para a própria pessoa”, relatou S. C., 91 anos (Informação verbal)47. “Fomos criados com coisas do mato. A favela é a melhor que encontramos”, relato de R. M. C., 67 anos (Informação verbal)48. “Eu queria que os matos daqui fosse só favela”. Relato de C. F. C. 56 anos (Informação verbal)49. Corroborando com essas informações empíricas, Duque (1980); Andrade (2007) caracterizaram a faveleira como uma espécie que apresenta potencial promissor para exploração com fins econômicos no semiárido nordestino, apresenta vultoso volume de folhas [alimento animal], além do florescimento e frutificação mesmo nos anos de seca no SAB. Reforça esse entendimento, práticas de gestão relatadas por agricultores familiares, como o plantio de sementes, o transplante de plantas jovens para povoar novas áreas e o fato do vegetal ser poupado, quando a vegetação passa por perturbações para uso do solo com a pecuária, caracterizando 47 Relato feito na sua residência, Av. Manoel Teodoro, São José do Seridó/RN. 48 Notícia fornecida na sua residência, localidade rural Algodão, Caicó/RN, em 2015. 49 Relato feito na sua residência, localidade rural Anis, Caicó/RN, em 2015. 59 uma ação direta do homem na distribuição da espécie50. Sobre esse assunto, o Sr. O. S. (78 anos), fez o seguinte relato: “Nos anos de 1950 eu juntava sementes de faveleira para Zé Cadete usar na alimentação e para plantar na zona rural de São José do Seridó.” (informação verbal)51. A existência de práticas de gestão que favoreceram a manutenção da espécie e o estabelecimento de novas populações, atribuído a ação humana é verificado em Reis et al. (2014), nos seus estudos sobre a araucária. Esses informes empíricos referendando o exercício humano na configuração da paisagem e da biodiversidade dos lugares está em conformidade com a linha de pensamento de Costa (2011) sobre a mitigação dos problemas ambientais, em que o homem é visto como criatura da natureza e “[...] produtor de diversidade biocultural, e a natureza é vista como criadora de vida e produtora de diversidade biocultural, mas também como produto dos seus habitantes, que, interagindo com ela, a modificam e recriam, permanentemente.” (COSTA, 2011, p. 106). À luz dos depoimentos, relatando a importância da planta na alimentação humana, constatou- se, em tempos de antanho, uma potencialização por ocasião dos anos de seca total. Isso porque essa xerófita também frutifica por ocasião das calamidades climáticas, popularmente conhecido como anos de seca. Os relatos doravante confirmam essa assertiva. “Em 1931, meu pai escapou a família de 12 filhos, quase com semente de favela”, relatou M. H. M., 96 anos (Informação verbal)52. A agricultora aposentada M. A. S. (100 anos), acrescentou que na época de produção das sementes do vegetal, passava todo dia fazendo coleta na zona rural de Parelhas/RN, para ser usada na alimentação da família por todo ano. Além do consumo in natura, produzia a fuba e o leite para consumo direto e uso no tempero de alimentos (informação verbal)53. Em corroboração com essas informações, Assis et al. (2010) relataram que a importância econômica da CKS está vinculada ao uso na subsistência e em caráter comercial por parte da “[...] população humana, que convive com a espécie e a conhece tão bem a ponto de possuir estratégias bastante específicas de reconhecimento dessa espécie [...]” (p. 10-11). Entre os entrevistados sobre a faveleira, não constatou-se diferenças nas informações fornecidas nas perspectivas de gênero e com relação ao grau de escolaridade. Essa assertiva está em conformidade com Sousa (2014) que constatou que as espécies-chave culturais diferem daquelas de 50 Em palestra sobre a faveleira para membros da associação comunitária da localidade rural São Francisco, zona rural do município de São José do Seridó/RN, em outubro de 2017, constatou-se no entorno da residência do associado onde ocorreu a palestra faveleiras adultas plantadas pelo mesmo. No ensejo, o mesmo também apresentou um recipiente com 1 Kg de sementes do vegetal para plantio na estação chuvosa. 51 Relato feito na sua residência, localidade rural Algodão, Caicó/RN, no ano de 2015. 52 Informações fornecidas na sua residência, Av. Manoel Teodoro, Centro, São José do Seridó/RN, em 2015. 53 Informações fornecidas na sua residência, R. Roberto Pereira da Costa, Bairro Ivan Bezerra/Parelhas/RN, em 2015. 60 importância tão somente cultural e/ou econômica, o que pode ser verificado no elevado prestígio que essas espécies (animal ou vegetal) apresentam ao nível local, independente de variáveis como escolaridade, gênero, ocupação e idade da população entrevistada. É digno de relato a ocorrência da erosão do conhecimento tradicional sobre o vegetal em função de alterações nos padrões sócio-econômico-culturais das populações rurais das áreas com a sua presença. Por outro lado, verifica-se uma ressignificação de sua importância diante da força da pecuária, importante atividade econômica do campo no Seridó54, concorrendo para que os níveis de regeneração da espécie não sejam reduzidos. A municipalidade de São José do Seridó/RN, incluiu o plantio do vegetal nas ações no campo do meio ambiente, no Plano Plurianual (PPA) para o quadriênio 2018-202155. São iniciativas importantes para a revalorização cultural da espécie. A inclusão do plantio da faveleira como política pública está de acordo com o verificado em Reis et al. (2014) no estudo sobre a araucária, compreendido pelos autores como um processo de revalorização cultural, de ressignificação como símbolo de um modo de vida que valoriza as tradições e o ambiente no Sul do Brasil. Corroborando com esse raciocínio, Cristancho e Vining (2004) salientaram ser possível a aplicação do conceito de CKS para as culturas remanescentes de ambientes alterados situadas em nações industrializadas. Um indicador do desvelo com o vegetal pode ser observado nos relatos de moradores quanto à presença de plantas, contando com um século ou mais na propriedade. O outro é verificado na atitude de agricultores se envolverem no plantio do vegetal, no biênio 2016-1756. Em consonância com essa atitude, Garibalde e Turner (2004), ressaltaram que o fortalecimento cultural de populações locais, em volta das espécies-chave culturais pode levar ao fortalecimento dos ecossistemas. Apontando em direção contrária, todavia, o estudo de Reis et al. (2014) sobre a araucária, como espécie-chave cultural, revela que as mudanças de hábito da população quanto aos usos, tem preocupado quanto a renovação dos estoques da espécie. Verificou-se que a faveleira reúne pelo menos cinco critérios CKS. Resultado semelhante foi verificado em Cristancho e Vining (2004) ao usarem essa mesma metodologia na caracterização da palmeira vinho de palma (Jubaea chilensis), como sendo um CKS. Conforme as análises de Sousa 54 Espaço regional geograficamente situado no Centro-Sul do Rio Grande do Norte, de clima semiárido, cujo processo de ocupação por volta do século XVII, teve a pecuária como atividade econômica principal. 55 Informações obtidas pelo autor ao participar das discussões para elaboração PPA do município, realizadas no segundo semestre do ano de 2017. O PPA, previsto no artigo 165 da Constituição Brasileira, estabelece as diretrizes, objetivos e metas a serem seguidos pelas três esferas de Governo ao longo de um período de quatro anos. 56 O autor desenvolveu um trabalho na estação chuvosa do biênio 2016-17 de distribuição de mudas do vegetal para plantio por parte dos agricultores, em áreas perturbadas pela desertificação no município de São José do Seridó/RN. Foi realizado o plantio de aproximadamente 2.200 mudas, cobrindo aproximadamente 10 ha de clareiras florestais. 61 (2014), os indicadores 1, 4 e 7, aqui aplicados para a faveleira, também são utilizados por Garibaldi e Turner (2004) e Assis et al. (2010), em trabalhos de identificação de espécie-chave cultural. A capilaridade apresentada pela xerófita com o saber-fazer das populações rurais das áreas com a presença do vegetal, concorre para a circulação de saberes fundamentais para a construção da identidade e do bem-estar dos sujeitos envolvidos, assim como a sobrevivência de suas tradições, tais como a produção de leite e seus subprodutos (manteiga, queijo, iogurte, entre outros) gerados pela atividade pecuária e a carne de sol. Por fim, o estudo de Reis et al. (2014) os quatro fatores considerados fundamentais no desenvolvimento de uma inter-relação humano-floresta, aplicados na classificaçãção da araucária como CKC, são facilmente captáveis na literatura e nas informações empiricas aqui analisadas no trabalho em tela. São eles: elevada produtividade das sementes, a qual é atrativo como uso alimentar e para a caça; capacidade de adaptação a uma vasta gama de ambientes; a regeneração em ambientes abertos e dispersão por ação da graidade. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS As análises apresentadas nesse trabalho apontam a relevância desse vegetal na conservação da caatinga, na exploração com o manejo sustentável e no reflorestamento de áreas degradadas. Um trabalho dessa natureza apresenta relevância singular na salvaguarda de conhecimentos tradicionais sobre os usos da faveleira que se encontram ameaçados, pelas mudanças de hábitos da população mais jovem e pela morte da população envelhecida. A importância da faveleira na alimentação animal e humana, além de matéria-prima para confecção de artigos diversos, evidencia um papel-chave apresentado pelo vegetal na reprodução social das comunidades humanas. A dimensão humana estabelecida com a faveleira, representa elemento de monta na sua conservação, fato percebido nas estratégias para conservação da espécie. A sintonia do vegetal com cinco, dentre os sete indicadores de CKS apresentados, qualifica a faveleira como sendo uma CKS do bioma Caatinga com significativa relevância para a identidade regional e apropriada para uso na reabilitação de áreas degradas pela desertificação no SAB. O percurso teórico-metodológico aplicado para a classificação do vegetal como sendo uma CKS do Bioma Caatinga, com a realização de ampla revisão bibliográfica, entrevistas com populações com vivências com o vegetal e a aplicação de metodologia já testada em outros trabalhos, representa importante subsídio para a realização de estudos congêneres com outras espécies nativas de reconhecida reputação cultural nesse e noutros biomas brasileiros. 62 O estudo para identificação da faveleira como sendo CKS do bioma Caatinga é relevante no processo de reestruturação ecológica e sociocultural. REFERÊNCIAS AB’SABER, A. N. O domínio mormoclimático das caatingas brasileiras. São Paulo: Instituto de Geografia, USP, Geomorfologia, n. 43, 1974. ASSIS, A. L.; HANAZAKI1, N.; REIS, M. S.; MATTOS, A.; PERONI, N. Espécie-cultural: indicadores e aplicabilidade em etnoecologia. In: ALVES, A. G. C.; SOUTO, F. J.; B.; PERONI, N. Etnoecologia em perspectiva: natureza, cultura e conservação. 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Coordenador do Laboratório de Biotecnologia de Conservação de Espécies Nativas do Rio Grande do Norte – LABCEN, - magdialoufal@gmail.com ESTE ARTIGO FOI PUBLICADO NA REVISTA CASA DA GEOGRAFIA. PORTANTO, ESTANDO FORMATADO DE ACORDO COM AS RECOMENDAÇÕES DESSE PERIÓDICO http://uvanet.br/rcgs RESUMO A C. quercifolius compreende um vegetal do Bioma Caatinga relevante para a sua conservação. No trabalho em tela objetivou- se compreender a percepção de moradores de áreas com a presença desse vegetal sobre os seus usos. O estudo foi realizado em comunidades rurais dos municípios de Caicó e São José do Seridó/RN, onde o táxon se apresenta em meio à Caatinga. Realizou-se visitas prévias às comunidades e 57 entrevistas semiestruturadas. Também foram entrevistados ex-moradores citados pelos informantes. A todas as partes do vegetal (raiz, caule, folhas, flor, fruto) foi atribuído relevância, embora em graus diferenciados. O uso das sementes na alimentação dos animais domésticos, silvestres e humano foi relatado por 100% dos interlocutores, o mesmo acontecendo com a folha na alimentação dos animais domésticos. O estudo além da valorização do saber local apontou a relevância do vegetal na conservação do ecossistema e em projetos de desenvolvimento. Palavras-chave: Percepção ambiental; Comunidade tradicional; Espécie nativa; Conservação. ABSTRACT C. quercifolius comprises a vegetable Caatinga relevant to conservation. Work on screen was aimed at understanding the perception of residents of areas with the presence of this plant on their uses. The study was conducted in rural communities in the municipalities of Caico and São José do Seridó / RN where the taxon is presented amidst the Caatinga. Held previous visits communities and conducting 57 semi-structured interviews. Former residents were also cited by respondents interviewed. The all parts of the plant (root, stem, leaves, flower, fruit) was awarded relevance, though in different degrees. The use of seeds in feed for pets, wild and human animals was reported by 100% of the interlocutors, as does the sheet in the feeding of domestic animals. The study beyond the appreciation of local knowledge, pointed out the relevance of the plant in ecosystem conservation and development projects. Keywords: Environmental perception; Traditional community; Native species ; Conservation. 57 Parte da Tese de Doutorado, do primeiro autor, no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente - PRODEMA/UFRN. O referido trabalho, ainda conta com uma pesquisa, com o plantio do vegetal, em área em processo de desertificação, com a participação de agricultores familiares. 67 RESUMEN C. quercifolius comprende a uno vegetal de la Caatinga relevante para la conservación. En la de trabajo con pantalla está orientado a la comprensión de la percepción de los residentes de las zonas con presencia de esta planta en sus usos. El estudio se realizó en las comunidades rurales de los municipios de Caico y São José do Seridó / RN donde el taxón se presenta en medio de la Caatinga. Ocupó visitas anteriores a las comunidades y la realización de 57 entrevistas semi-estructuradas. Antiguos residentes también fueron citados por los encuestados entrevistados. En todas las partes de la planta (raíz, tallo, hoja, flor, fruto) se le dio relevancia, aunque en diferentes grados. El uso de semillas en la dieta de los animales domésticos, salvajes y humanos fue reportado por 100% de los interlocutores, al igual que la hoja en la alimentación de animales domésticos. El estudio más allá de la valoración de los conocimientos locales, señaló la relevancia de la planta en los proyectos de conservación y desarrollo de los ecosistemas. Palabras clave: Percepción ambiental; Comunidad tradicional; Sabana vegetal; Conservación INTRODUÇÃO A humanidade na sua história evolutiva sempre apresentou uma relação estreita com a natureza enquanto fonte de alimento imediato, abrigo, produção de remédio e palco de rituais (DIEGUES, 2008; COSTA, 2011; CARVALHO et al., 2015). Para Resende (1998) nossos antepassados pré-históricos foram mais habilidosos que a civilização atual no que concerne ao uso da botânica aplicada, em função do grau de informação necessário na identificação de uma cultura alimentar. Nas últimas décadas, as conquistas do avanço científico e tecnológico têm limitado o uso das plantas na alimentação humana, em contraposição com a popularização de muitas marcas (GARIBALDI e TURNER, 2004; HAMMES et al., 2012). Práticas médicas cada vez mais sofisticadas, vêm restringindo o uso de plantas medicinais pela população como um todo. De acordo com Morais (2011); Hammes et al. (2012); Lucena e Freire (2014) para o homem do campo, as plantas estão intrinsecamente ligadas à sua subsistência. Integrado à natureza, ele supre as suas necessidades utilizando os produtos que a generosa terra oferece. A longa experiência lhe proporciona a vantagem de conhecer e utilizar as espécies vegetais em seu próprio benefício e as convertem em muitos artigos e produtos usados na alimentação, na cura de doenças, na construção de objetos e benfeitorias. O bioma caatinga, pela feição cinzenta na estação seca, com espinhos à vista, para suportar a semiaridez e a imprevisibilidade climática, além das ameaças da ação antrópica, termina por passar para as comunidades humanas dessas áreas uma visão de inércia frente às suas necessidades materiais (GARIGLIO et al., 2010). Apesar de aparente fragilidade, é detentora de uma rica biodiversidade. Apresenta alto número de endemismo vegetal, embora, não tenha sua importância devidamente reconhecida pelo poder público, passando por extenso processo de alteração e deterioração ambiental, em função do uso em caráter predatório de recursos naturais-chave relevantes para a melhoria da qualidade de vida da população (LEAL et al., 2003; PEREIRA et al., 2014). É responsável pelo fornecimento de importantes ativos socioambientais relevantes para a população remanescente dessas áreas como a manutenção do padrão climático, fornecimento de água, alimento, energia e manutenção dos rebanhos (GARIGLIO et al., 2010; BRASIL, 2011). É notório o potencial para o desenvolvimento 68 de novas pesquisas científicas em vários aspectos, tais como fauna, flora, recursos hídricos e minerais, além dos aspectos ecológicos e climáticos (LEAL, 2003; GARIGLIO et al., 2010; PEREIRA et al., 2014). A percepção ambiental (PA) é um valor humano sobre a natureza, importante para determinar as preocupações sobre impactos socioambientais. A maneira como as pessoas percebem que seu ambiente está intimamente relacionado com aspectos socioculturais, como a experiência do passado, o valor econômico dado aos recursos naturais e o conhecimento ecológico acumulado pela população (WHYTE, 1977; DIEGUES, 2008; COSTA, 2011; TUAN, 2012; LUCENA e FREIRE, 2014; CARVALHO et al., 2015). Para Tuan (2012, p. 3) “É tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos, como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem para sombra ou são bloqueados.” A PA vem sendo usada como instrumento de gestão em diversas áreas do conhecimento, tendo como foco a melhoria da qualidade de vida das pessoas e a preservação ambiental. Conforme Diegues (2008) pesquisas focadas na relação homem-ambiente e no gerenciamento de ecossistemas devem incluir a percepção dos grupos sociais remanescentes dessas áreas como parte da abordagem interdisciplinar suscitados nesses projetos. Consoante com isso, a etnobotânica compreende o estudo das sociedades humanas de tempos pretéritos e da contemporaneidade atual, diante das suas relações com a vegetação. Ou seja, investiga a relação homem-flora e suas interações com o ambiente, representado ferramenta de relevo no resgate e preservação do conhecimento tradicional de populações em função de viabilizar o registro de histórias quase esquecidas ou de domínio de poucos, além de auxiliar na conservação das espécies (WHYTE, 1977; DIEGUES, 2008; SILVA et al., 2011; HAMMES et al., 2012). As pesquisas nesse campo têm mostrado que os conhecimentos e práticas podem ser validados cientificamente, além de facilitarem a busca de novos produtos. De acordo com Patzlaff e Peixoto (2009, p. 2) a investigação no âmbito da etnobotânica o “Pesquisador olha a comunidade como um espaço de aprendizagem e, de modo geral, procura mostrar que está aí para aprender e trocar conhecimentos.” Procura compreender a cultura e o dia-a-dia da comunidade, o modo como se apropria dos recursos naturais na cura dos seus males, na construção das habitações, na sua alimentação e até dos seus animais. Aliado a isso Santilli (2009); Costa (2011) ressaltou a necessidade de caminharmos no debate sobre a interdisplinaridade e incorporarmos outros saberes produzidos a partir de outras matizes da racionalidade, que não são disciplinares. Ou seja, um novo conhecimento capaz de contemplar paralelamente o saber academicista e o popular. A força desses antecedentes compreende motivação importante para o estudo empreendido sobre a Cnidoscolus quercifolius, popularmente conhecida pelo nome de faveleira. Árvore da família Euphorbiaceae, representa uma das 180 espécies endêmica da caatinga e apresenta reconhecida relevância para as populações humanas residentes nas áreas com a sua presença, além de expressividade na conservação do 69 ecossistema pela resistência às condições adversas, incluindo o estresse hídrico (CAVACANTI, 2011). Duque (1980, p. 295) classificou esse táxon como sendo “[...] o vegetal de maior importância econômica no polígono das secas”. (figura 1). Figura 1. Detalhe da faveleira após a desrama, localidade Quixaba, Caicó/RN, 2015. Fonte: Arquivos dos autores, novembro de 2015. Apresenta distribuição geográfica irregular, embora não se conheceu os fatores que regulam essa dispersão (DUQUE, 1980; PEREIRA et al. 2014). Só para ilustrar essa assertiva, no trabalho de Bezerra (2011, p. 107) sobre os conhecimentos acerca dessa xerófita, por parte de agricultores cooperados de Apodi/RN, 79% desconheciam o táxon, enquanto um universo de apenas 21% “[...] conheciam ou já ouviram falar sobre ela e suas utilizações.” O esvaziamento do campo no semiárido nordestino, associado à substituição por parte da população rural de produtos feitos a partir dos recursos oferecidos pela caatinga, por artigos industrializados vem contribuindo para que os conhecimentos seculares da população, acerca do uso de espécies da flora, sejam cada vez mais escassos. A partir dessa premissa o trabalho em tela parte da seguinte questão central: os habitantes das áreas rurais, com a presença da faveleira, detém na história oral informações acerca dos usos desse vegetal pelas populações humanas e de animais das áreas com a sua presença? A hipótese do presente estudo é de que a população remanescente das áreas com a presença da faveleira, contém informações acerca da importância desse táxon nas suas atividades econômicas, na alimentação dos animais domésticos e silvestres e na geração de energia. O estudo objetivou compreender a percepção de moradores de áreas com a presença da faveleira sobre os usos atribuídos a esse vegetal. Em levantamento bibliográfico realizado nos principais bancos de dados com a presença de estudos com plantas do bioma caatinga, não foram verificados registros de estudos sobre a percepção da população com relação ao uso desse vegetal. Esse elemento justifica a valia da realização do presente estudo no intuito de avaliar a importância socioeconômica, socioambiental e sociocultural, para otimizar 70 projetos voltados para o uso por parte de populações endógenas remanescentes de áreas com a sua presença, no povoamento de novas áreas e na reabilitação de áreas degradadas, contribuindo para a preservação do vegetal e para alavancar pesquisas de áreas afins, gerando produtos com potencial de inserção na cadeia produtiva regional, tendo a melhoria das condições das comunidades locais como dínamo. No trabalho em tela, realizou-se uma investigação etnobotânica frente à população acerca da percepção de pessoas que residem e/ou residiram em localidades rurais do Seridó potiguar sobre os usos da faveleira. Buscou-se compreender o manejo com o vegetal envolvendo o aproveitamento e a conservação. METODOLOGIA Área do estudo - O estudo foi realizado nos municípios de Caicó e São José do Seridó/RN. O primeiro conta com uma população de 57.464 habitantes na zona urbana e de 5.263 na zona rural, enquanto no segundo esses índices são respectivamente, 3.302 e 929 habitantes (IBGE, 2010). Geograficamente, estão inseridos na unidade geoambiental da Depressão Sertaneja, com altitude em torno de 160 m e ao Sul do Estado do Rio Grande do Norte fazendo parte da Mesorregião Central Potiguar e, respectivamente, das microrregiões do Seridó Ocidental e Oriental. Esse espaço regional caracteriza-se pela presença de vegetação baixa, muito espaçada, com capim e solo muito erodido (DUQUE, 1980). Procedimentos no trabalho percepção sobre a faveleira - A pesquisa é do tipo exploratória e descritiva, por tratar-se de questionamento direto das pessoas cujo comportamento se deseja conhecer. No que concerne à forma de abordagem do problema, pode ser caracterizada como sendo uma pesquisa qualitativa, com enfoque na pesquisa quantitativa, pois apresenta ao mesmo tempo a subjetividade e a necessidade de quantificação de resultados (GIL, 2008). O levantamento das informações, foi realizada através de trabalhos de campo de reconhecimento da área de estudo e pré-definição das comunidades do trabalho, acompanhado de registro fotográfico dado a necessidade no âmbito da investigação etnobotânica, de se conhecer o cotidiano da comunidade. De acordo com Whyte (1977); Albuquerque e Silva (2004) esse procedimento possibilita a observação e o registro livre dos fenômenos em campo, captando um conjunto de informações via situações e fenômenos observados cujas perguntas não conseguem contemplar. Para Patzlaff e Peixoto (2009) com a inserção no contexto da comunidade, o respeito adquirido frente à população transforma-se em peça relevante para melhor apreensão do saber local. A coleta dos dados etnobotânicos aconteceu no mês de novembro de 2015, via roteiro de entrevistas semiestruturadas. As entrevistas foram aplicadas em comunidades rurais onde a faveleira é bem distribuída na paisagem, conforme observações in loco realizada previamente. Para participar da pesquisa, 71 o critério de inclusão foi residir na localidade há um período não inferior a dez anos e ser maior de 18 anos. Compuseram os sujeitos da pesquisa 57 colaboradores, sendo 48 homens e nove mulheres com idade variando entre 30 e 100 anos. As perguntas envolveram dados pessoais dos entrevistados (nome, residência, idade, profissão, sexo, escolaridade) e sobre a faveleira referente às informações com relação às características ecológicas e econômicas. Após o contato inicial, para deixar os interlocutores à vontade, as entrevistas começavam com uma conversa com o informante, usando linguagem simples, levando o (a) a começar a falar, com intervenções por parte dos entrevistadores apenas o necessário para manutenção do diálogo. Essa metodologia sugerida por Resende (1998) possibilita ao entrevistado, maior liberdade de expressão com relação a aspectos socioculturais, socioeconômicos e socioambientais pertinentes e maior riqueza em detalhes acerca do tema abordado, maximizando o seu ponto de vista e minimizando a influência do pesquisador. Por fim, interrogações referentes à longevidade do táxon e às atitudes do interlocutor com relação à conservação. O constructo da entrevista tinha sua conclusão no ensejo em que o informante, além desses questionamentos, mencionava seus saberes sobre a raiz, o caule, a folha, a flor e a semente do vegetal. Vale lembrar que os depoimentos dos entrevistados, foram enriquecidos pelos acréscimos dos demais presentes no domicílio no ensejo, importante na divulgação de outras experiências. Todas as informações foram anotadas no caderno de campo. No mesmo dia da entrevista o conteúdo era passado a limpo e organizado em frases mais completas. Ao longo das entrevistas novos informantes, residentes ou não nas comunidades do trabalho que foram citados pelo notável conhecimento sobre a espécie do estudo, também foram entrevistados, procedimento sugerido por Resende (1998); Oliveira et al. (2011), por esses denominada “bola de neve”. Resende (1998) destaca que o informante mostra-se mais confiante em falar quando o seu nome foi sugerido por alguém do seu conhecimento. Com relação aos dados coletados nas entrevistas fez-se uma qualificação, quantificação e análise das falas dos informantes de acordo com os usos das partes do vegetal apontadas, pelo entendimento da relevância desses métodos para melhores esclarecimentos com relação ao alcance e o significado do uso desse táxon por parte das populações do campo. RESULTADOS E DISCUSSÃO Neste item são relatados informações gerais acerca dos entrevistados e da faveleira e os discursos dos interlocutores acerca do uso das partes do vegetal: raiz, caule, folha, flor e semente. Informações gerais sobre os entrevistados e sobre a faveleira 72 Entre o universo responsável pelas informações, 49 (86%) é do sexo masculino, 8 (14%) do sexo feminino e uma média de idade de 67 anos. 53 (93%) relatou ser agricultor (a) enquanto 4 (6%), atuavam no serviço público. Considerou-se como agricultor (a) e como servidor público (a) os interlocutores aposentados nessas profissões. O entrevistado mais jovem tinha 30 anos enquanto a mais idosa tinha um século. Com relação à escolaridade 25 (44%) manifestou ser analfabeto, enquanto 32 (64%) alfabetizado. 25 (cerca de 43%) residia no município de São José do Seridó e 28 (cerca de 49%) em Caicó/RN. Foram entrevistados moradores (as) das comunidades Viração, Badaruco, Quixabinha, Retiro, Barra do Rio, em São José do Seridó e Espinheiro, Quixaba, Algodão, Carcará, Riacho da Serra, em Caicó. Os demais entrevistados compõem o universo de informantes residentes noutras municipalidades que foram localizados. Todos residiam em casa de estrutura em alvenaria, com energia elétrica e água encanada proveniente de sistemas comunitário e/ou próprio. Com relação a esse último serviço, em levantamentos do gênero também realizados em comunidades, Lucena e Freire (2014) detectaram que 98% das famílias entrevistadas apresentavam esse serviço nas residências, enquanto em Morais (2011), esse índice foi de 20%. Nas residências rurais, onde foram realizadas as entrevistas, constatou-se a presença de cisterna para acumular água de chuva em 92%. Na perspectiva de gênero, embora a figura masculina tenha predominado não se constatou diferença efetiva no nível de conhecimento apresentado sobre o vegetal, muito provavelmente em função da sua presença nas proximidades e distantes das residências. Em trabalho de campo, constatou-se uma simetria acentuada do vegetal, com as atividades domésticas em geral na alçada das mulheres, como o uso das sementes na alimentação humana, de aves domésticas, medicamentoso e na atividade pecuária mais vinculada à labuta do homem, desde a produção de objetos madeireiros até a alimentação dos animais. Em trabalho parecido Silva et al. (2015) constataram que apesar de não representar uma especialização rígida, em geral as mulheres dominam o conhecimento referente às plantas que crescem junto às residências, enquanto os homens referentes às plantas que crescem em áreas mais afastadas. Ao final dos contatos, os entrevistados foram questionados sobre a longevidade da faveleira, se já tinham plantado esse vegetal e se consideravam importante essa atitude. Com referência à longevidade 91% estimou em um século. O caráter longevo exposto associado à capacidade do vegetal em responder às adversidades climáticas do semiárido brasileiro (SAB), aliado à valia biocultural representam fatores de grande relevância na contribuição desse táxon, para a conservação das demais espécies dos ecossistemas das áreas com a sua presença e, portanto, exercendo função relevante no funcionamento do ecossistema atenuando a degradação ambiental, além de permitir uma exploração econômica sustentada (FABRICANTE et al., 2007). Outro aspecto revelado nas entrevistas relaciona-se com a resistência do vegetal, as estiagens prolongadas e a significativa produção de folhas e sementes mesmo nas adversidades 73 climáticas, um aliado na mitigação da escassez de alimento para consumo humano e animal. Por conseguinte, melhorando a qualidade de vida da população. Corrobora com essa assertiva Tuan (2012) ao revelar no seu trabalho que muito do que percebemos tem valor para nós, para a sobrevivência biológica e para propiciar satisfações enraizadas na cultura. Com relação ao plantio do vegetal, 89% se mostrou favorável, enquanto 10% mencionou que não há necessidade sobre o pretexto de que essa planta é bem distribuída em meio a caatinga. Esse percentual de favoráveis se aproxima ao verificado no trabalho de Bezerra et al. (2011) em que 100% dos entrevistados, também constituído de pessoas que se dedicam à atividade rural, concordaram com o plantio desse táxon nas suas propriedades. O agricultor J.F.A., 74 anos, ao mencionar que nunca plantou o vegetal salienta: “É importante plantar. É a coisa de mais futuro do mundo.” Esses depoimentos de reconhecimento da relevância do vegetal, encontra escudo no trabalho da EMBRAPA (2007), ao ressaltar que todas as suas partes podem ser aproveitadas, desde a raiz até suas folhas e Bezerra et al. (2011) ao classificarem como de grande importância no desenvolvimento do SAB, pelos múltiplos usos apresentada e ser bem adaptada a ecologia local. O conceito de espécie-chave ecológica, cunhado por Garibaldi e Turner (2004) para designar as espécies pelo papel desempenhado na estruturação de comunidades e de espécie-chave cultural para designar as espécies reconhecidas como parte do modo de vida das populações locais, podem ser estendidos para esse táxon pela relevância como peça chave ecológica e cultural nas áreas onde se apresenta em meio a caatinga. Dentre o universo que considera importante o plantio do vegetal, 10% manifestou já ter plantado. O agricultor D. M., 70, relatou ter levado sementes na década de 1970, de Caicó/RN, para plantar na localidade rural Gassinhos, Iracema/CE, pois não tinha registro da sua presença naquele local. F. G. S., 75, destacou que coletava sementes de favela, fazia diques de pedras para plantá-la em volta e no entorno de touceiras de xique-xique. Outro agricultor entrevistado, S. B., 68, há aproximadamente 26 anos, desmatou uma área de 2 ha, da propriedade coberta por jurema preta (Mimosa hostilis) para permitir o povoamento pela faveleira para iniciar a criação de caprinos. A referida se encontra coberta por centenas de plantas com mais de quatro metros de altura. Para 15% dos entrevistados, por ocasião de desmatamentos nas suas terras preservavam a faveleira em detrimento da subtração das demais espécies. Sobre esse assunto, J. D. M., 71, assim se manifestou: “Meu pai não arrancava as favelas, eu também não arranco”, o que é um indício de um comportamento que atravessa gerações. Esses atores locais que atuam na coleta de sementes para plantio ou na seleção das espécies nativas que deverão povoar uma área conforme suas conveniências, para Costa (2011) compõe as etnicidades ecológicas “[...] que vivem nas chamadas culturas de habitats, num mundo rural, em estreita relação com os elementos naturais.” (p. 47). Essa prática do homem interferir na formação 74 das paisagens vegetais reforça as posições tomadas nos trabalhos Whyte (1977); Diegues (2008); Santilli (2009), com relação ao fato da diversidade florística e faunística dos ecossistemas, refletir a ação de milhares de anos do homem e outros animais com suas inovações e interação interdependente da natureza, com esta sendo interpretada como produtora e como produto dos seus habitantes, que, interagindo com ela, a modificam e recriam, permanentemente. Para Hammes et al. (2012) conhecimentos ancestrais que devem ser respeitados e estimulados, enquanto Garibaldi e Turner (2004) avaliam práticas dessa natureza, como sendo usadas para incentivar e apoiar a abundância de espécie com essa relevância caracterizada, dentro da proposição conceitual dos autores como espécie-chave cultural. As práticas dos agricultores/criadores de preservação da faveleira nas propriedades, associado ao plantio em regime de sequeiro, está em conformidade com as proposições de Nóbrega (2001) com relação à sua valia em projetos de reflorestamento tendo esse vegetal como componente arbóreo pioneiro predominante que, pelo caráter xerófito permite o seu desenvolvimento em terrenos onde outras essências arbóreas não conseguem prosperar. Medeiros (2012; 2013), respectivamente, em pesquisa com o plantio desse vegetal, através de mudas em área desmatada e em meio à caatinga, salienta a presença de espinhos como um componente importante por não interromper a atividade criatória. Vale sublinhar também o fato de que parcela do rebanho do semiárido brasileiro (SAB) é criado extensivamente na caatinga, onde a periodicidade das chuvas afeta a produção de forragem ao longo do ano, de forma que plantas lenhosas como a faveleira termina sendo uma alternativa para o suprimento do rebanho ao longo das adversidades (CANDEIA, 2005; ARAÚJO et al., 2010; MEDEIROS, 2012; 2013). Essa constelação de atitudes, a priori focadas no plantio e preservação do vegetal é caracterizada por Tuan (2012) como sendo uma postura cultural e uma posição que se toma frente ao mundo e é constituída de uma longa sucessão de percepções. Constatou-se nas entrevistas um processo de decadência no uso dos subprodutos da faveleira na produção de artigos madeireiros, no campo da alimentação humana e medicamentoso. Essa constatação explícita na fala dos atores sociais está em conformidade com o exposto pelo IICA (2002, p. 23) ao relatar que “[...] no imaginário dos cidadãos consumidores, a lacuna deixada pelo enfraquecimento das marcas territoriais é facilmente conquistada pelas políticas de marcas globais [...]”. Para a mitigação dos efeitos dessas ações faz-se necessário o fortalecimento das relações entre as comunidades produtoras e os consumidores. Oliveira (2011, p. 32) ressalta que embora o avanço científico e tecnológico e as modernas práticas médicas tenham reduzido o uso de plantas medicinais pelas comunidades tradicionais “[...] esse saber latente se manteve até os dias atuais [...]”. Apesar do processo gradativo de redução da diversidade de usos do vegetal por parte da população, para Hammes et al. (2012) os agricultores são inovadores e se encontram dispostos a adotar novas práticas face a possibilidade de obtenção de novos ganhos. 75 Quanto ao uso da faveleira na geração de energia, continua exercendo relevância no uso industrial e doméstico. Todavia, em função dos imperativos impostos pela Legislação Ambiental para o abate de espécies nativas, a preferência é pelas plantas mortas. No suprimento da pecuária, constata-se que a relevância até foi potencializada, tendo em vista que com a derrocada dos algodoais passou a ser a principal atividade econômica de muitas áreas da caatinga. Essa observação comunga com o trabalho de Andrade et al. (2009) com relação aos obstáculos impostos pelas condições naturais ao desenvolvimento agrícola, no espaço regional de localização das municipalidades da pesquisa, deixando o desenvolvimento econômico do espaço rural à mercê do incremento do setor pecuário. As técnicas para exploração do vegetal, na totalidade são usadas ferramentas manuais de propriedade dos agricultores como machado, foice, picareta, facão, faca. Embora no campo das exceções, o motor- serra já começa a ser usado no corte da lenha seca para uso industrial. Também registrou-se o uso de máquina para moagem dos galhos antes de servir ao rebanho. Essa assertiva está de acordo com Santos (2008) ao analisar os reflexos do meio técnico-científico-informacional sobre a economia rural. Análise do discurso dos interlocutores a respeito do uso das partes da faveleira A base de conhecimentos dos povos tradicionais que se mantêm até os dias atuais, ainda é muito representativo na reprodução social de muitos agrupamentos humanos, ao tempo em que nas últimas décadas, com os avanços do globalismo, vive-se uma busca por alternativas econômicas para muitos rincões com base nas possibilidades localmente oferecidas (SANTOS, 2008; DIEGUES, 2008; COSTA, 2011; HAMMES et al., 2012). Nesse sentido, o tema aqui abordado vem sendo discutido em diversas linhas de pesquisa pelo entendimento crescente de que esses saberes, são relevantes para a reprodução social desses povos e como subsídio para pesquisas voltadas para o uso corrente das essências vegetais nativas nas diversas atividades humanas, abrindo alas para a promoção do desenvolvimento em bases sustentáveis (HAMMES et al., 2012) e para a possibilidade de abertura para a construção de objetos de interdisciplinaridade entre as ciências ambientais, econômicas e sociais relevante para a conservação da diversidade biocultural dessas áreas (COSTA, 2011). Diante desse elementos, as questões gerais abordadas nas entrevistas giravam em torno do conhecimento dos atores sociais acerca da raiz, do caule, da folha, da flor e da semente da faveleira. As falas com a corroboração dos questionamentos complementares possibilitaram a divisão didática dos diversos fins atribuídos as cinco partes da planta, em 19 categorias de uso, a maioria objeto de pesquisas científicas. Doravante, aborda-se discussões sobre o conteúdo das entrevistas referentes às categorias de uso da faveleira, confrontado com o verificado na literatura, seguido dos quadros 1-5, relacionando de forma detalhada os usos apontados para cada parte vegetal, o total de citações, a porcentagem e a forma de aproveitamento. 76 Raiz: Nessa parte vegetal três categorias de uso foram elencadas: alimentação dos animais domésticos, silvestres e uso humano (Quadro 1). No suprimento dos animais domésticos foi revelado por 73% dos entrevistados. O agricultor M. A. A., 77 anos, relatou que na seca do ano de 1958 engordou gado para o abate com a raiz da favela. Essa informação é confirmada no discurso de F.A.D., 86. “A raiz é um alimento em ano de seca para o gado. Arranca e corta para o gado comer.” (informação verbal). São aliados dessas informações, os dados das pesquisas de Duque (1980); Braga (2001) ao revelar que essa parte do vegetal é detentora de um líquido viscoso, composto de amido, água, ácidos orgânicos, mucilagem, cristais de oxalato de cálcio, carbonatos, polifosfatos e açúcares diversos, usadas para alimentar o rebanho. O uso pelos animais silvestres, consumido no campo nativo, foi revelado por 10% dos entrevistados, embora não tenha encontrado respaldo na literatura consultada. No quesito alimentação humana foi mencionado em 3% das entrevistas, o que conduz ao entendimento de que algum obstáculo tem conspirado contra sua popularização. Apesar disso, o trabalho de Ribeiro Filho et al. (2011) em estudo das suas propriedades, constaram a presença de Nitrogênio, Proteína bruta, Fósforo, Potássio, Cálcio e Ferro, concluindo que poderá ser incorporada na alimentação humana desde que estudos toxicológicos sejam realizados. Quadro 1: Raiz: categorias de uso (CU), total de citações nas entrevistasse (CE) e forma de aproveitamento (AP). CU CE % AP Alimentação dos animais domésticos 42 73 Os suínos, jumentos e os caprinos arrancam a raiz no campo nativo. Também consume após arrancadas e servidas. Para bovinos, ovinos, e cavalos, são arrancadas no campo nativo pelo homem, cortadas e servidas. Dos animais silvestres 6 10 O tatu, o preá (mamíferos) escavam o solo e se alimenta da raiz. O canção, o concriz (aves) faz o mesmo com as plantas jovens Humana 2 3 São arrancadas, retirado a casca e consumida Fonte: Elaboração dos autores Caule: A madeira da favela (Quadro 2) foi citada por 66% dos entrevistados como sendo de uso na confecção de diferentes produtos. Um total de 16 diferentes tipos de peças de uso corrente nas residências, na construção civil, como suporte no desenvolvimento da pecuária e até na mobilidade sobre as águas dos açudes da região. Os trabalhos de Nóbrega (2001); Pereira (2005) confirmam a relação de peças potencialmente produzida com a madeira desse vegetal, sendo que algumas também são citadas pelos autores (tamancos, caixotes, portas, caçambas para uso no transporte de produtos). Na alimentação do rebanho 28% relatou o uso dos galhos, após moídos, para servir a bovinos associado à ração concentrada. Essa informação está de acordo com o disposto em Duque (1980); Araújo et al. (2010) ao relatarem a viabilidade do uso dos ramos e caules picados e administrados ao rebanho, misturados com outras rações. Relatos também foram feitos do corte da faveleira, no campo nativo, para o rebanho se alimentar sobretudo da casca citado por 38% dos informantes. Essa situação era corriqueira nas estiagens 77 prolongadas, como estratégia de suprimento dos animais domésticos. O agricultor F. M. M., 73 anos, salientou que “Quando você bota uma favela abaixo os animais comem toda a casca. Cortei muita favela nos anos de seca para o gado comer a casca58.” Nesta linha de raciocínio Ribeiro Filho et al. (2011) fazem ciência da prática de muitos fazendeiros de cortar a faveleira em campo, para os animais se alimentarem da casca e dos galhos finos para conter a morte do rebanho nas estiagens prolongadas. A exploração da casca diretamente no campo nativo também é mencionado por Pereira (2005) que mensura o consumo da casca verde ou seca por parte de bovinos e de jumentos diretamente no campo. Apesar do corte do vegetal deixar margem para a rebrota, relatos dão conta do consumo da casca verde pelos animais, provocar a morte de plantas por anelamento do tronco, ocorrência mencionada por 5% dos entrevistados. Para F.A.S., 69 anos, “Na seca de 1958 o gado matou muita faveleira comendo a casca.” Essa informação é apoiada em Araújo et al. (2010) ao afirmarem que em condições de superpastejo, ovinos e caprinos podem provocar alterações na florística da caatinga, pelo anelamento ou pelo consumo de plântulas. A alimentação das cascas por parte dos animais silvestres, não explicitado na literatura consultada, embora apontado em 12% das entrevistas foi confirmada em observações in loco realizada pelos autores, em fevereiro de 2015, na localidade rural Retiro, São José do Seridó/RN, numa área com faveleiras sem a casca por servir de alimento para o mocó (Kerodon rupestres), mamífero da caatinga. No ensejo também constatou-se a presença de plantas mortas em função do anelamento. Sobre o uso da madeira na geração de energia, relatado por 71% dos entrevistados, encontra respaldo em Pereira (2005) ao mensurar seu uso na produção de carvão e na iluminação doméstica. A função medicamentosa das cascas, 31% apontou o uso humano para conter hemorragias provocadas por acidentes e na cura de ferimentos, enquanto 8% mencionou esses usos em animais domésticos (bovinos, jumentos). Esses relatos também são encontrados em Pereira (2005); Oliveira et al. (2011) ao relatarem o uso da casca e da entrecasca em inflamações gerais e no combate a hemorragias. A entrevistada A. P. S., 56 anos, com relação ao uso medicamentoso das cascas destacou: “Lá em casa sangramento por acidente era estancado com a casca da favela”. Também corrobora com essa assertiva a pesquisa de Gomes (2014) sobre os efeitos da casca desse vegetal, chegando a conclusão que a C. quercifolius possui atividades antinociceptiva e anti-inflamatória, não apresenta toxicidade, apontando que há segurança no uso dos extratos, contribuindo assim, para o desenvolvimento de pesquisas farmacológicas e toxicológicas futuras com a espécie. 58 Em setembro de 2017, o autor constatou o consumo da casca de faveleiras que tinham sido cortadas, na localidade rural Barra do Rio, São José do Seridó/RN. 78 O látex produzido pelo vegetal foi relacionado por 33% dos informantes, como sendo de uso para amenizar dores de dente. Corrobora com essa assertiva os trabalhos da EMBRAPA (2007); Oliveira (2011); Maia-Silva (2012) ao relatarem a presença do látex o qual é muito utilizado para fins medicinais em humanos e animais. Pereira (2005, p. 29) classifica essa parte vegetal de “[...] bálsamo dos vaqueiros [...]” esclarecendo o uso no combate a dermatoses, dores de dente e na iluminação doméstica. 10% dos interlocutores fizeram ciência da aplicação dessa substância para colar papel, inclusive de trabalhos escolares e na limpeza das mãos por trabalhadores que manejam plantas sem o uso de luvas. Essas aplicações, sem registros na literatura consultada presume-se ser um hábito cultivado no âmbito regional. A diversidade de usos medicamentoso dessa parte vegetal corrobora com o disposto por Hammes et al. (2012) ao mencionarem a frequência com que o homem da caatinga, utiliza os remédios caseiros cujas formas são transferidas para as gerações seguintes. Com relação ao uso do dossel na nidificação de aves silvestres, não mencionado pelos entrevistados, os autores constataram a presença de ninhos juriti, beija-flor e casaca-de-couro (Pseudoseisura cristata), aves típicas da caatinga sobre os galhos de faveleira na zona rural do município de São José do Seridó/RN, o que é confirmado por Pereira (2005, p. 29) ao ressaltar que “Com frequência a casaca-de-couro faz seu ninho sobre a faveleira.” Quadro 2: Caule: categorias de uso (CU), total de citações nas entrevistas e (CE) forma de aproveitamento (AP). CU CE % AP Produção de artigos madeireiros 38 66 Confecção de cavalete para atravessar água de açudes e rios, tampa para barril de carregar água, cocho para alimentar o rebanho, bancos escolares e para residências, portas, janelas, cambito para o transporte de ração para o gado, pilão, carro de mão, caçamba para carregar terra para fazer açude, confecção de tamanco, mesa, mala para guardar roupas, colher de pau, canoa, lastro de carro de boi, mão de porteira. Galhos 16 28 São moídos para serem administrado ao gado juntamente com ração concentrada. Casca na alimentação dos animais 22 38 As plantas são cortadas nos anos de seca para o gado se alimentar das cascas no campo. Também é consumida diretamente nas plantas por bovinos, caprinos, jumentos. Dos animais silvestres 7 12 Faz parte da dieta de roedores silvestres, como o preá e o mocó. Geração de energia 41 71 A madeira seca é usada na queima de produtos cerâmicos (potes, panelas, agdás), a cal, no consumo doméstico, para fazer fogueira nos festejos juninos, produção de carvão. Medicinal da casca em humanos 18 31 Na cura de ferimentos e na obstrução de sangramentos por ocasião de acidentes e no combate a verminoses Em animais 5 8 Obstrução de hemorragias e como cicatrizante Látex 19 33 Amenizar dores de dente Látex na assepsia humana 6 10 Limpeza das mãos de trabalhadores que manejam com plantas e seus frutos sem uso de luvas Fonte: Elaboração dos autores Folha: O uso dessa parte vegetal se restringiu ao consumo pelos animais domésticos e, em grande medida, após a senescência (Quadro 3). Isso acontece porque as folhas verdes apresentam Ácido Cianídrico, substância tóxica aos animais quando consumida em demasia (SOUZA et al., (2012) associado 79 a presença de espinhos urticantes. Um universo de 100% dos informantes, apontaram essa parte do vegetal como relevante na dieta dos animais domésticos, vinculando a senescência à engorda de bovinos, ovinos e caprinos. O relato de J. L. M., 77 anos, é emblemático dessa situação: “A folha da favela chama- se engorda bode”, numa referência a valia dessa parte vegetal para os caprinos. No seu estudo, Drumond et al. (2007) quantificaram a biomassa aérea da favela, proveniente de regeneração natural tendo como foco a pecuária, constatando um percentual de proteína bruta nas folhas de 19,15%. Em Nóbrega (2001) esse percentual foi de 25%. No estado da arte não se constatou registros do aproveitamento dessa parte do vegetal por parte dos animais silvestres, assertiva confirmada nas entrevistas. Vale acrescentar que os autores constataram em observações in loco, o consumo de folhas verdes por parte de bovinos e ovinos, em pequena escala, no mês de agosto de 2015, na localidade rural São Paulo, São José do Seridó/RN. Essa observação encontra apoio em Araújo et al. (2010) ao relatarem o consumo de folhas de árvores e arbustos da caatinga (incluindo a favela) situadas até dois metros de altura pelos animais domésticos. Quadro 3: Folha: categorias de uso (CU), total de citações nas entrevistasse (CE) forma de aproveitamento (AP). CU CE % AP Alimentação animal 57 100 Os animais domésticos (ovinos, bovinos, caprinos, equinos), se alimentam das folhas após a senescência sob a copa das faveleira Fonte: Elaboração dos autores Flor: A faveleira apresenta inflorescências compostas por flores pequenas e brancas. As abelhas, visitantes florais especializados, representam um potencial na geração de renda suplementar através da produção de mel explorado pelo trabalho de agricultores familiares. Porém, para que isso se concretize faz-se necessário a presença do bioma Caatinga com espécies detentoras desse potencial (BRASIL, 2011). A visita das abelhas na época da floração das favelas foi relatada por 45% dos entrevistados (Quadro 4), ficando evidente a diversidade de táxons genericamente taxados como sendo abelhas, incluindo as melíferas europa59 e jandaíra exploradas economicamente na região Seridó. Também foram relatados o uso dos galhos como substrato na fixação da colmeia, por parte da jandaíra. Corroborando com esses relatos Maia-Silva et al. (2012, p. 7) mencionaram que o ganho maior desses polinizadores é a conservação da flora nativa, imprescindível “[...] para a manutenção da qualidade dos ecossistemas e, consequentemente, da qualidade de vida de todas as espécies.” . A faveleira, além da coleta da resina, os grãos de pólen, são fonte de proteínas enquanto o néctar da flor representa uma fonte de alimento que atraem muitos insetos, entre eles algumas espécies de abelhas nativas (MAIA-SILVA et al., 2012). Não foi registrado outro uso dessa parte do vegetal nos relatos, 59 Denominação genérica de abelhas cujo mel é extraído pelos agricultores nas colmeias situadas nas plantas da caatinga, incluindo a faveleira. Além de uso na alimentação e como remédio caseiro, representa uma fonte de renda monetária para as famílias. 80 apesar de Araújo et al. (2010) em levantamento das espécies vegetais da caatinga utilizadas na alimentação dos rebanhos junto a agricultores do município de São João do Cariri/PB (no qual a faveleira é citada), 31,37% relataram que os animais consumem todas as partes das plantas. Quadro 4: Flor: categorias de uso (CU), total de citações nas entrevistasse (CE) e forma de aproveitamento (AP). CU CE % AP Produção de mel 26 45 Aproveitamento do néctar Fonte: Elaboração dos autores Sementes: No Semiárido com chuvas escassas e irregulares no tempo e no espaço, a produção agrícola sempre foi um desafio o que explica o fato de 100% dos entrevistados mencionarem o uso humano da semente da faveleira no consumo in natura60 e na produção de fuba. Os depoimentos confirmam essa assertiva: “A gente tirava latas de semente faveleira. Botava no sol para estalar para fazer fuba61. Também juntava sementes no solo para comer” (J.C.A., 38 anos). “Uma fuba de favela bem feita você come de manhã e passa o dia todo sem ter fome” (F. D., 61 anos). Referindo-se a relevância na alimentação humana nos anos de estiagens prolongadas, M. H. M., 95, relatou “Meu pai escapou a família de 12 filhos, quase com favela. Comia a semente pura e também pisava e botava farinha e rapadura”. Depoimento parecido foi fornecido por J.B., 77 anos, ao mencionar que “A semente de favela era uma alternativa quando não tinha dinheiro para comprar comida.” Essas diversidades de usos da semente, pelos seres humanos, são abordadas em Pereira (2005); Oliveira et al. (2011); Cavalcante (2011) ao revelarem que, além do óleo extraído agradável ao paladar, apresentam em média 60% de amêndoa e são consumidas in natura, ou macerada em pilão e misturada com farinha de mandioca e açúcar ou rapadura usada pura ou na fabricação de cocadas, bolos e biscoitos de alta qualidade nutricional. O uso do óleo foi relatado por 7% dos entrevistados, usado na cura de ferimentos e no preparo de alimentos. Duque (1980); Nóbrega (2001) compara a sua importância culinária ao azeite de oliva. No estado da arte sobre esse subproduto das sementes do vegetal, outros usos são creditados. EMBRAPA (2007); Bezerra et al. (2011) fizeram ciência da viabilidade para a produção de biodiesel enquanto alternativa para geração de renda para os agricultores do semiárido brasileiro (SAB). Cavalcante (2011, p. 34) menciona a possibilidade de “[...] se iniciar um processo de extração do óleo das suas sementes em bases industriais e aproveitamento das proteínas da torta como alternativa alimentar humana e estudo de seus componentes para utilização em formulados alimentícios como alimento funcional.” Esse trabalho apontou que as sementes da faveleira contém teor de proteínas de 26,25% e de 40,96% de óleo na farinha de suas amêndoas. 60 Nas observações de campo constatou-se que entre as crianças e adultos das áreas com a presença da faveleira o hábito de coletar as sementes do vegetal no solo para consumo in natura atravessa gerações. 61 Em geral quando os frutos eram colhidas no pé eram colocados numa lata fechada ao sol para estalar. Por conseguinte, separando-se das sementes. 81 Outro subproduto das sementes é a extração do leite. Após pisadas ou moídas é adicionado água quente ou fria. O conteúdo é coado e a parte líquida representa um substituto do leite bovino no preparo de alimentos. Da parte sólida é extraído o óleo. Apesar de mencionada em 24% das entrevistas, vem perdendo força em função da facilidade de acesso ao leite bovino por parte das famílias. Essa informação é conferida por F. A. D, 75, ao acrescentar que “usava o leite da favela porque o leite de vaca era escasso”. Corrobora com essa assertiva o trabalho de Medeiros (2012) que aponta essa atividade econômica como sendo a mais expressiva do espaço regional da pesquisa. A exploração desse subproduto das sementes é mencionado em Cavalcanti (2011, p. 22) ao mensurar o uso da “[...] semente da faveleira para elaboração de um “leite” que é utilizado na fabricação de sorvetes e fabricação de bolos pela população de Santa Luzia/PB.” É importante ressaltar a evolução na logística de processamento das sementes, tendo em vista que a princípio eram quebradas com uso do pilão confeccionado com emprego de essências florestais da caatinga, inclusive da faveleira, sendo substituído pelo moinho manual. Parafraseando Santos (2008) ajuda a compreender os valores conferidos à semente do vegetal, apresentados nos discursos revelando a profundidade das relações entre as sociedades humanas e o cenário no seu entorno. Chama atenção a manutenção desse hábito de cunho extrativista na contemporaneidade atual, apesar da influência do meio técnico-científico-informacional na economia campesina (SANTOS, 2008; HAMMES, 2012). Essa parte vegetal exerce relevância na alimentação de animais silvestres e domesticados, conforme revelado por 100% dos entrevistados. Compõe a dieta de seis aves silvestres e quatro domesticadas. Muitos trabalhos (DRUMOND et al., 2007; MARQUES, 2007; MEDEIROS, 2012; 2013) dão notoriedade ao uso animal dessa parte vegetal notadamente por ovinos, caprinos e aves silvestres. Quadro 5: Sementes: categorias de uso (CU), total de citações nas entrevistas (CE) e a forma de aproveitamento (AP). CU CE % AP Na produção de fuba 57 100 As sementes são coletadas junto ao solo ou direto na planta antes de estalar. É consumida pelos humanos in natura e após ser pisada ou moída com a adição de farinha e rapadura ou açúcar. Uso do leite 14 24 Como condimento em peixes, arroz, cuscuz e para fazer umbuzada com a popa do umbu. Uso do óleo 4 7 Cura de ferimentos em animais e em pessoas e no preparo de alimentos. Animais domésticos 57 100 Alimentação de galinha, guiné, pato, peru (aves domésticas), caprinos, ovinos, suínos (mamíferos) coletam as sementes no solo. Animais silvestres 57 100 Alimentação da arribação, juriti, lambu, asa branca, cancão, periquito (aves da caatinga) também colhem as sementes no solo sob o dossel. Fonte: Elaboração dos autores Considerações finais As categorias de uso das folhas na alimentação animal foi citado por 100% dos interlocutores. O acorreu com o uso das sementes na alimentação animal e humano. 82 O caráter secular apontado por 91% dos entrevistados (as), aliado à adaptação a condições adversas do SAB, aponta a relevância desse vegetal na conservação do ecossistema e em projetos de desenvolvimento local para otimização do seu aproveitamento. A faveleira, embora todas as suas partes sejam potencialmente exploráveis o corte da vegetação para alimentar o rebanho, não tem representado uma ameaça por isentar os indivíduos mais jovens e por possibilitar a rebrota. As práticas do sertanejo de preservar a faveleira nas áreas desmatadas para pastoreio associado ao plantio do vegetal no campo nativo, representam ferramentas relevantes na conservação do táxon e na sustentabilidade do seu uso. Importante ressaltar a relevância desse táxon na manutenção do homem, dos seus animais e dos animais silvestres, característica potencializada nos anos de seca quando as outras fontes de alimento ficam escassas. Esse estudo é relevante no resgate, conservação e divulgação do conhecimento tradicional sobre a faveleira, na valorização do saber local e possível ponto de partida na realização de outras pesquisas vinculadas à política de desenvolvimento local, tendo esse vegetal como um dos ícones. AGRADECIMENTOS Aos agricultores e seus familiares que carinhosamente reservaram parte do seu precioso tempo para nos receber nas suas residências. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, U. P.; SILVA, V. A. Técnicas para análise de dados etnobotânicos. In: ALBUQUERQUE, U. 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PORTANTO, ESTANDO FORMATADO DE ACORDO COM AS RECOMENDAÇÕES DESSE PERIÓDICO http://www.revista.ufpe.br/rbgfe/index.php/revista RESUMO A problemática da desertificação são escassos os trabalhos referentes ao repovoamento do manto vegetal das áreas perturbadas com plantas nativas. Por isso é importante que pesquisas com esse fulcro sejam realizadas criando a possibilitando de replicação dos resultados para outras áreas. O objetivo desse trabalho foi avaliar o uso da faveleira, xerófita da caatinga, como estratégia de reabilitação produtiva e dos processos ecológicos de áreas sujeitas à desertificação (ASD). Em março de 2009, foi realizado o plantio de 82 mudas em uma parcela localizada numa propriedade rural do município de São José do Seridó/RN, em covas com 50 x 40 cm e espaçamento de 4 m x 4 m, sendo recolocado na cova o material retirado na escavação, tarefas realizadas com a participação dos agricultores proprietários da área. Não foi empregado nenhum tipo de insumo e a área de plantio se manteve sendo explorada com o pastoreio. A avaliação realizada em abril de 2014, 65 plantas se encontravam vivas. A altura média verificada foi de 55 cm. Constatou-se o povoamento do microssítio no entorno das plantas por espécies permanentes (dois arbustos) e temporárias (11 herbáceas) verificadas na área florestada do entorno do sítio degradado. A pesquisa mostrou à viabilidade da favela na reabilitação de áreas em processo de desertificação pela resistência às intempéries climáticas e antrópicas e pelo baixo custo da técnica de plantio aplicada. Palavras-chave: Euforbiaceae; Área degradada; Caatinga; Espécie endêmica; Núcleo de desertificação do Seridó Rehabilitation area in the desertification process with faveleira (Cnidoscolus quercifolius Pohl) in São José do Seridó / RN ABSTRACT A problematic of desertification are few studies on the restocking of vegetable cover of disturbed areas with native plants. Therefore it is important that research with this fulcrum is carried out creating the possibility of replicating the results to other areas. The objective of this study was to evaluate the use of faveleira, xerophytec the savanna, like, strategies of reabilitation and ecological areas subject to desertification – ASD. In March 2009, was performed by planting 82 seedlings on a plot located in a rural property of the municipality in São José do Seridó/RN, in pits with 50 x 40 cm and spacing 4 m x 4 m, being replaced in the pit the material removed from the excavation tasks carried out with the participation of owners of owners of farmers area. It was not emplayed type of input and the planting area remained being exploited by grazing. The assessment carried out in April 2014, 65 plants were alive. The average height was verifeid in 55 cm. Constat up the settlement of microssitio surrounding the plants by permanent species (two fertilizers) and temporary (11 herbaceous) recorded in the forested area of surrounding degraded site. A search has showed the feasibility of slum rehabilitation of areas in process of desertification by resistance to climatic and anthropogenic weather and low cost of the applied planting technique. Keywords: Euphorbiaceae; Degraded area; Caatinga vegetation; Nucleou of desertification of Seridó. 62 Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor. 87 Introdução Nas últimas décadas as questões ambientais e as discussões sobre possíveis medidas mitigadoras têm ocupado espaço em fóruns que vêm se realizando mundo afora, repercutindo em muitas microlocalidades espalhadas pelo Planeta. Muitos problemas padecem de esforço civilizatório comum, tendo em vista serem questões de solução global. Outros, apesar da ocorrência no conjunto da biosfera, os esforços deverão partir das aglomerações humanas que povoam essas áreas, com metodologias capazes de promover o seu envolvimento efetivo (Nosso futuro..., 1991; Viola, 1998; Leff, 2001; Sorrentino, 2002). No combate ao processo de desertificação trabalhos também tem revelado esse imperativo como relevante na implantação das medidas atenuantes (Vasconcelos Sobrinho, 1982; Brasil, 2004; PAE/RN, 2010; Costa, 2011). O plantio da faveleira em áreas perturbadas da caatinga, com a participação dos atores locais ainda se encontra alinhado com as proposições de Santos (1991) autor que tem pensado consequentemente sobre o desenvolvimento de uma Ciência em que a oposição ciência/senso comum seja diluída e que tenha intrínseco compromisso com a justiça social e com o bem-estar humano, tendo o viés da experiência social como elemento emancipador e de empoderamento popular. No Semiárido Brasileiro (SAB), uma das preocupações da sociedade é com relação ao processo de desertificação causado, sobretudo pelas práticas de manejo predatórias secularmente aplicadas ao uso da caatinga, bioma único no mundo que ocupa uma área de aproximadamente 850.000km², equivalente a 9,92% do território nacional. Compreende um mosaico de arbustos espinhosos e florestas sazonalmente secas relevante para a manutenção dos padrões regionais do clima, na oferta de água potável e na conservação de parte da biodiversidade do planeta (Guerra e Cunha, 2003; Araújo, 2007; Lima, 2011; Lima, 2012). No Estado do Rio Grande do Norte conforme Felipe et al.(2011) a Caatinga apresenta fitofisionomias diferenciadas, decorrentes do seu porte. A Caatinga hipoxerófila com predomínio de árvores e arbustos é verificada no Agreste e em áreas de clima Subúmido seco e de transição para o Semiárido. A Caatinga hiperxerófita caracteriza-se por apresentar uma vegetação de pequeno porte, seca, rala e resistente a grandes períodos de estiagem, sendo típica de solos pedregosos, rasos e de pouca fertilidade. É típica das áreas quentes e secas do semiárido norte-rio-grandense. É considerada a vegetação brasileira mais heterogênea (Ab’Saber, 1990). Também é detentora de uma atividade biológica muito baixa, durante boa parte do ano, expondo o solo ao impacto direto das chuvas, geralmente de alta intensidade, acelerando o processo erosivo (Leal et al., 2003). Apesar disso, ainda se sabe muito pouco acerca do aproveitamento econômico da sua biodiversidade, sendo um dos biomas brasileiros menos conhecido pela ciência e menos protegido, embora apresente muitas áreas perturbadas com evidências de desertificação, ofuscando riquezas com potencial para a promoção do desenvolvimento regional em bases sustentáveis (Leal et al., 2003; Sampaio, 2005). Para Sampaio (2005) a origem geológica e geomorfológica das caatingas tem resultado em vários mosaicos de solos, com características variadas mesmo dentro de distâncias pequenas. Geomorfologicamente é localizada nas depressões interplanálticas (300 – 500 m), expostas a partir de sedimentos do Cretáceo ou Terciário que cobriam o escudo brasileiro basal do Pré-Cambriano (Guerra e Cunha, 2003). O clima nessa região é semiárido, quente, com escassa pluviosidade (entre 268 e 800 mm anuais), elevadas temperaturas médias, período chuvoso de três a cinco meses, com chuvas irregulares, torrenciais, de pouca duração e período seco prolongado de sete a nove meses quase sem chuvas (Duque, 1980; Ab’Saber, 1990; Brasil, 2004; Araújo, 2007). O Seridó, espaço regional da pesquisa apresenta predomínio de solo pedregoso, parcialmente coberto por seixos rolados, subsolo aflorando, topografia ondulada, com rápido escoamento superficial nas horas das chuvas. A caatinga se apresenta entre os biomas brasileiros mais afetados pela antropização (cerca de 80% dos ecossistemas originais já foram antropizados), caracterizando intenso quadro de desertificação (Galindo et al., 2008; Neves, 2010; Brasil, 2011; Lima, 2012). Esse fenômeno, conforme o Brasil (2004, p. 4), é “[...] um processo que culmina com a degradação das terras nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, como resultado da ação de fatores diversos, com destaque para as variações climáticas e as atividades humanas”. Para Costa (2011) esse fenômeno se manifesta em mais de 100 países sendo considerado um problema ambiental global em crescimento nas últimas décadas. Para Galindo et al. (2008, p. 1285) a característica fundamental desse fenômeno no SAB é a presença de manchas de solo exposto “[…] sem capacidade de retenção de água e com limitações físicas e químicas, que aumentam a vocação ecológica para a desertificação.” 88 No Brasil, a desertificação começou a ser estudado na década de 1970 e a maioria dos trabalhos aponta como fatores determinantes na sua ocorrência as variações climáticas e as atividades antrópicas relacionadas com a degradação da caatinga (Oliveira-Galvão, 2001; Guerra e Cunha, 2003; Brasil, 2004; Marengo, 2006; Brasil, 2011; Costa, 2011). A perda gradativa do patrimônio biológico do bioma caatinga com prejuízos para as atividades humanas compreende uma das consequências desse fenômeno. Vale salientar que, conforme dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) o SAB será uma das regiões mais afetadas pelos desdobramentos das mudanças climáticas globais, no plano nacional o que suscita à necessidade dos agricultores abrir mão das lavouras pouco adaptadas a região em benefício de cultivos adequados aos caracteres edafoclimáticos e aos impactos das mudanças climáticas em curso (Brasil, 2004; Marengo, 2006). A intensificação dos eventos climáticos extremos, como as secas no SAB, como uma das consequências do Aquecimento Global, terá implicações sobre o processo de desertificação em curso em função dos impactos diretos das secas sobre a vegetação e o aumento da pressão antrópica típico da ocorrência desses eventos (Brasil, 2004; Galindo et al., 2008; Andrade et al., 2009). A totalidade da área do semiárido coberta pela caatinga hiperxerófila está em área suscetível à desertificação (ASD), fenômeno que se acentua a cada estio anual e, sobretudo nas estiagens prolongadas [conforme ocorrência no intervalo 2012-17]. Em algumas áreas, todavia, a presença de solos rasos, reduzida capacidade para retenção de água e deficiente em matéria de nutrientes, constitui os Núcleos de Desertificação (ND) (Oliveira-Galvão, 2001; Brasil, 2004, PAR/RN, 2010; Costa, 2011). O Núcleo de Desertificação do Seridó (NDS) abrange os municípios de Currais Novos, Cruzêta, Equador, Carnaúba dos Dantas, Acari, Parelhas. Representa o ND com maior densidade populacional (33,9 hab./km2) (Neves, 2010). Compreende uma das áreas mais erodidas e que exibe uma das coberturas vegetais mais raquíticas e raras do Brasil (Duque, 1980). Nalgumas faixas, todavia, a vegetação se apresenta com porte reduzido com algumas espécies, como o pereiro (Aspidosperma pyrifolium) com sintomalogia de nanismo e com a presença de maior permeabilidade que nas demais áreas, coincidindo com a caatinga hiperxerófita. Nesse tipo de caatinga e solo a desertificação pode surgir espontaneamente, havendo, pois, a possibilidade de sua preexistência no Nordeste (Duque, 1980; Brasil, 2004). No Estado do Rio Grande do Norte as áreas sujeitas à desertificação (ASD), correspondem a 95,21%, do território, representando 159 municípios dos 167 existentes. Destes municípios, 143 integram a área Semiárida, 13 fazem parte da área Subúmida Seca e 3 compõem a área do Entorno (PAE/RN, 2010). Entre os diversos fatores responsáveis pela ocorrência dos processos de desertificação um merece destaque pelos seus desdobramentos. Trata-se da destruição dos estoques de sementes como resultado da degradação da cobertura vegetal nativa. No NDS, a retirada da madeira para lenha, a extração de solos aluvionais para uso no setor cerâmico e o sobrepastoreio, atividades que impactam frontalmente o banco de sementes, compreende causas principais da ocorrência desse fenômeno (Vasconcelos Sobrinho, 1982; Brasil, 2004). Apesar do cenário adverso aludido, a caatinga tem sido subestimada, pouca atenção tem sido dada à conservação da sua biodiversidade. Compreende um dos ambientes menos estudados no Brasil, possuindo menos de 2% da área protegida como unidades de conservação integral (Ab’Saber, 1990; Brasil, 2004). Além do que são escassos os trabalhos, visando subsidiar a reabilitação de áreas degradadas com o plantio de espécies nativas. Nas últimas décadas a expansão da pecuária em bases modernas tem produzido novas pressões sobre o meio ambiente no SAB, pela capacidade de instigar os desmatamentos para formação de pastagens, além do pastoreio intensivo (Brasil, 2004; PAE/RN, 2010)). Embora essa atividade represente um dos vilões na degradação da caatinga, a sua viabilidade econômica é dependente do Bioma em tela para o provimento de alimentos volumosos, tendo em vista que o uso como forrageira tem representado uma das mais importantes formas de exploração desse bioma. Ainda representa ativos importantes de uso direto pelo homem na alimentação, medicinal e madeireiro. Na preservação da ecologia da região, o adensamento das espécies vegetais protege o solo no inverno com sua folhagem verde e no verão com folhas secas, sendo que, parte alimenta os animais e o restante, após reciclagem natural, promove a adubação do solo (Tricart, 1977; Leal, et al., 2003; Galindo et al., 2008; Figueiredo, 2010; Lima, 2011; Bezerra, 2011). A literatura que discute o processo de recuperação de áreas perturbadas apresenta diferentes nomenclaturas referentes a medidas mitigadoras, como restauração, regeneração, recomposição, entre outros. Para os propósitos desse trabalho, será empregado o termo reabilitação, caracterizado como sendo o retorno do ecossistema degradado a uma situação adequada a um determinado uso, com a participação do homem no processo de reabilitação dos serviços do ecossistema, mitigando a força dos agentes impactantes por meio da 89 cobertura do solo, por conseguinte, recuperando funções do ecossistema originalmente estabelecidas como a proteção do solo, dos recursos hídricos, sequestro de carbono, habitat para a fauna, fonte de propágulos, entre outros (Bitar, 1997; Rodrigo e Leitão Filho, 2001; Lima, 2004; Sampaio, 2006; Bezerra, 2011; Lima, 2012). Essas referências partem do princípio de que em ambientes com níveis de perturbação ambiental que inviabilizam a capacidade de auto-recuperação da vegetação é importante à intervenção humana como indutor do processo de revegetação. De acordo com Moura Fé (1977) os primeiros estudos de importância tecnológica sobre o aproveitamento da faveleira, foram de autoria de Santa Rosa, na década de 1940 focados no aproveitamento das sementes para consumo humano e animal. Árvore da família Euphorbiaceae, popularmente conhecida pelo nome favela, faveleira, faveleiro, mandioca-brava, queimadeira, favela-de-cachorro e favela-de-galinha (Braga, 2001), faz parte da composição florística do bioma Caatinga, compreendendo uma xerófita muito conhecida pela população local, além do caráter de multiuso. É bem adaptada às condições locais e apresenta elevado valor agregado. É distribuída geograficamente nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. As folhas maduras são consumidas quando estas caem sobre o solo ao final do período de chuvas. Os animais também se alimentam dos brotos e da casca. Suas sementes são consumidas por animais silvestres (mamíferos, aves e répteis), caprinos, ovinos, galinhas e até pelo sertanejo (Braga, 2001; Pereira, 2005; Damasceno, 2007; Marques, 2007; Campos, 2010; Bezerra, 2011). Essas variáveis demonstram o significado desse vegetal na promoção do desenvolvimento regional e no sustento da fauna silvestre. Apresenta elevado porte da massa verde, espinhos, pelos urticantes, tronco curto e ramificado desde a base, mais ou menos cilíndrico e com casca fina. Folhas alternas simples, membranáceas, sinuosa, de bordos profundamente lobados, terminados em pequenos espinhos. Apresenta pelos urticantes com até um centímetro de comprimento e fruto deiscente com três sementes (Duque, 1980; Figueiredo, 2010; Lima, 2011). As folhas apresentam pelos que protegem os estômatos contra o excesso de transpiração, enquanto o caule e as raízes armazenam reservas alimentares. Dotada de grande resistência à seca, é uma planta rústica e de rápido crescimento, quando em solos férteis, podendo ser usada para composição de reflorestamento destinada à reabilitação de área degradada, ocorrendo na caatinga com elevada frequência e irregular dispersão. Suas partes vegetativas são usadas para os mais diferentes fins pelos habitantes das áreas com a sua presença em meio à caatinga (Moura Fé, 1977; Duque, 1980; Braga, 2001). Compreende uma espécie longeva cuja época de produção de folhas, flores e frutos é vinculada à sazonalidade das chuvas (Braga, 2001). Para Tricart (1977) através da análise de um sistema, reconhecem-se conceitualmente as suas partes, o que torna possível captar a rede interativa sem ter de separá-las, visão de conjunto essa capaz de ensejar uma atuação eficaz sobre o meio ambiente. Para o trabalho em tela parte-se do entendimento de que a desertificação prescinde à compreensão da paisagem, as interações entre biota e ambiente, sociedade e natureza, expedientes sem os quais as medidas mitigadoras (que é o cerne dessa pesquisa) teriam uma perspectiva sombria. Assim entendendo, o diálogo interdisciplinar aqui empreendido a partir de uma posição compartilhada das estruturas econômica, social e ambiental é muito salutar. A vegetação compreende um componente indispensável na conservação da caatinga e na geração de bens ou serviços para as populações humanas dessas áreas. Partindo desse ponto, o trabalho em tela justifica-se pela necessidade premente de se encontrar alternativas locais para a reabilitação de áreas em processo de desertificação com espécie permanente do bioma caatinga, de reconhecida relevância para o equilíbrio ecológico e para a economia regional. Estudos focados no reflorestamento de áreas em processo de desertificação com espécie nativa e com o envolvimento dos moradores dessas áreas no projeto, são muito escassos. São mais conhecidas iniciativas com plantas exóticas, conforme as ações públicas de estímulo ao plantio da algaroba (P. juliflora) que chegou ao Nordeste como uma opção econômica para o Semiárido. Todavia, pesquisas apontam que a sua presença altera sobremaneira a fisionomia dos ecossistemas afetados, comprometendo a variabilidade interespecífica dos outros grupos comuns neste bioma, tornando evidente a necessidade de controle da referida invasora (Andrade et al., 2009). A faveleira conforme anteriormente analisado é de fácil difusão, viável técnica-ambiental- econômica e do ponto de vista cultural, credenciando-se para uso na reabilitação de ASD. Por conseguinte, fortalecendo o fornecimento de bens ambientais essenciais na reprodução social dos moradores dessas áreas. Em corroboração com essas analises, trabalhos tendo nas potencialidades endógenas do SAB, a força motriz para mitigação dos problemas ambientais (Tricart, 1977; Leff, 2001; Sorrentino, 2002; Bezerra, 2011) são relevantes nas estratégias de implantação do Plano Nacional de Combate à Desertificação e na formulação de políticas públicas por parte das municipalidades situadas no escopo dos Núcleos de Desertificação localizados 90 no SAB (Brasil, 2004; Brasil, 2011; Costa, 2011). Nestes termos, este trabalho teve como objetivo avaliar o uso da faveleira como estratégia de reabilitação produtiva e dos processos ecológicos de área em processo de desertificação com a participação de agricultores familiares. Material e Métodos Localização e Caracterização Geral da Área do Estudo - a municipalidade de São José do Seridó, local da pesquisa, situa-se ao Sul do Estado do Rio Grande do Norte, na microrregião do Seridó Oriental, distante 240 quilômetros de Natal, capital do Estado. Apresenta uma extensão territorial de 199 Km² e uma população estimada em 4.500 habitantes. No meio rural, onde reside pouca mais de 800 habitantes, a pecuária é a atividade econômica dominante. A área do estudo está localizada na comunidade rural São Paulo, distante 12 km ao Sul da sede do município. As coordenadas geográficas do local são: 6º 31’ 19” LN e 36º 52’ 95” LW (figura 1). Figura 1. Localização geográfica do município de São José do Seridó/RN e do local da pesquisa, na comunidade rural São Paulo. Elaboração dos autores. Conforme histórico levantado junto aos proprietários, a referida área pertence a famílias de agricultores familiares remanescentes da ocupação portuguesa há mais de três séculos e sempre foi explorada com a atividade pecuária, não tendo sido submetida a impacto antrópico severo como corte raso da vegetação para exploração da madeira ou queimadas nos últimos 60 anos. Apresenta solo erodido, ausência da vegetação permanente e incipiente recuperação do estrato herbáceo formado por gramíneas de ciclo vegetativo restrito à estação úmida. Por conseguinte, na maior parcela do ano o solo permanece sem cobertura. A municipalidade onde se localiza a área de estudos se encontra situada na Depressão Sertaneja, unidade geoambiental do SAB, formada por vastidão de terras aplainadas interrompidas por súbitos morros isolados, compostos de rochas cristalinas datando do Pré-cambriano. Conforme Ab’Sáber (1990, p. 159), caracterizada por apresentar “altos pelados” com a presença de alta “[...] escarificação laminar de solos, manchas de chão sub-rochoso expostas por grande extensão, presença de cactos esparsos concentrados em touceiras”. No entorno da área da pesquisa a vegetação apresenta estrato arbustivo e o tipo de solo predominante é o Neossolo Litólico pouco desenvolvido, raso ou muito raso e assentado diretamente sobre rochas ou materiais 91 da rocha do embasamento cristalino. Isso ocasiona o aparecimento constante de pedregosidade e rochosidade na superfície (Bezerra Junior e Silva, 2007). É relacionado com as caatingas hiper e hipoxerófitas e recomendado para ser usado como pastagens devido à limitação para o crescimento radicular em profundidade da maioria das plantas. De acordo com Vieira (1983) por possuir uma drenagem que vai de moderada a acentuada, denota que a água que este absorve mantêm o solo úmido por um curto período de tempo, sendo comum a susceptibilidade à erosão. O clima do tipo Semiárido apresenta médias de precipitações entre 400 e 600 mm/ano concentrados principalmente nos primeiros meses do ano (Duque, 1980). No entorno da área de plantio, conforme observações de campo realizadas em março de 2009, a vegetação é constituída por espécies permanentes e temporárias nativas do bioma caatinga. Procedimentos – a espécie silvestre utilizada para o experimento foi à faveleira (C. quercifolius) espécie endêmica do bioma caatinga, detentora de reconhecidas propriedades socioambientais (Lima, 2004; Sampaio, 2005). Além disso, não se encontra em meio à vegetação das adjacências da área de plantio. Para Marques (2007) apresenta resistência à seca, se desenvolve em solo pedregoso, com a presença de processos erosivos à vista, com reduzido teor de umidade e apresenta status de dominância em meio às demais espécies da caatinga. Contatos preliminares foram mantidos com os representantes das duas famílias de agricultores familiares da área, para apresentação da proposta de reflorestamento com a faveleira, em áreas perturbadas pela desertificação da propriedade, tarefa executada por via de conversa informal individualmente com cada agricultor representante da família. O aceite dos mesmos foi pré-requisito para a participação na pesquisa. As mudas foram provenientes do canteiro de mudas de faveleira implantado no mês de outubro de 2008, no Centro de Produção de Mudas Xique-xique (CPMX), unidade de produção de mudas da municipalidade de São José do Seridó/RN, na alçada da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SMUMA). Essa entidade mantém um projeto de produção de mudas para distribuição gratuita à comunidade. Foram selecionadas no viveiro as plantas mais vigorosas (figura 2). Figura 2. Mudas de faveleira produzidas no Centro de produção de mudas xiquexique (CPMX) que foram doadas para o plantio na área em processo de desertificação (APD). Fonte: Arquivos dos autores, janeiro/2009. As mudas antecedendo o plantio, permaneceram por quinze dias expostas ao sol nas adjacências da área de plantio. Em março de 2009, contando com cerca de quatro meses de emergência, foi realizado o plantio de 82 plantas numa parcela situada em área de pastoreio medindo 50 cm de comprimento x 40 m de largura, constatando-se no local tão somente espécies herbáceas de ciclo vegetativo limitado à estação úmida (plantas terófitas). Nas covas foi recolocado apenas o material retirado da escavação, tendo o coleto como limite 92 superior. As covas foram abertas com 50 cm de abertura, 40 cm de profundidade, com 4 m x 4 m de espaço entre as covas e de largura entre as fileiras, em uma parcela única. A área de plantio não recebeu cerca de proteção, permanecendo como local de pastoreio. As plantas não foram submetidas a tratos culturais e a água recebida foi exclusivamente proveniente das chuvas ocorridas no período. Por conseguinte, feita a perfuração das covas o plantio em campo foi realizado após novas chuvas permitindo o acúmulo de água no interior das covas.63 Todas as plantas se apresentavam no ato de plantio com altura total variando entre 30 cm e 50 cm, conforme medição realizada nesse ensejo com auxílio de uma trena. Para proteger da ação do pastoreio, amenizar processos erosivos e aperfeiçoar a capitação de água da chuva junto à planta, favorecendo o seu estabelecimento (Lima, 2004), a depressão formada no entorno das plantas foi preenchida com seixos rolados até ultrapassar a superfície do terreno (figura 3). Outra função para essa variável é servir como marco de identificação das plantas que pereceram em função dos resquícios deixados pelo amontoado de pedras. Para execução dessas tarefas, foram usadas ferramentas manuais: picareta, chibanca e ancinho. Contou-se com a colaboração de agricultores familiares, proprietários da área no processo de execução do plantio, estratégia que objetivou incluir a comunidade local nas medidas mitigadoras dos problemas que ameaçam sua reprodução social e promover o compartilhamento de conhecimentos, proposta por Diegues (2000); Brasil (2004); Costa (2011); Bezerra (2011). Figura 3. Muda de faveleira com uma camada de pedras no entorno do coleto. Fonte: Arquivos dos autores, março/2014. O plantio foi realizado na estação chuvosa. No ato de plantio o solo se encontrava úmido. Por isso, as plantas não foram irrigadas. Os parâmetros considerados na avaliação da área reflorestada realizada em abril de 2014, foram taxa de sobrevivência (TS), crescimento em altura total (AT) e povoamento do microssítio, criado no entorno das plantas por espécies permanentes e temporárias, encontradas em meio à vegetação do entorno da área de plantio. Para a coleta dessas informações foram realizados trabalhos de campo, que incluiu contagem e medição das plantas e cobertura fotográfica. As medições foram realizadas com o auxílio de uma fita métrica. 63 No ano de 2009, conforme o monitoramento pluviométrico realizado pela Emparn, no posto situado na Comunidade rural Caatinga Grande, zona rural do município de São José do Seridó, choveu o equivalente a 865 mm. Disponível em: < http://187.61.173.26/monitoramento/2009/acumulapr.htm>. Acesso em 16 de outubro de 2017. 93 Para entender a composição florística permanente da área no entorno do sítio degradado, foram instaladas oito parcelas medindo 1 m x 4 m, no mês de dezembro de 2009, na estação seca, sendo contabilizadas as espécies encontradas. Para a identificação das espécies típicas da estação chuvosa (plantas terófitas) foram realizadas três visitas ao local de plantio da faveleira, compreendendo o início, meio e final da estação chuvosa do ano de 2014. Resultados e Discussão A fixação da faveleira na área do estudo As árvores compreendem reservatórios ou sumidouros de carbono cujo estoque na vegetação e no solo se dá pela remoção de CO2 da atmosfera por meio da fotossíntese. Assim entendendo, o aumento do dossel com o plantio de espécies do bioma Caatinga tem potencial para solver carbono atmosférico, contribuindo na mitigação do aquecimento global, temática que tem ganhado relevância na agenda de governos e da sociedade como um todo, representando um dos vilões do processo de desertificação (Brasil, 2004; Marengo, 2006; Brasil, 2011). Ao reflorestamento são creditados benefícios socioambientais, como a mitigação dos rigores das condições climáticos e econômicas face o potencial existente nas plantas. Quando com espécies nativas impacta positivamente o ambiente posto que a raiz das plantas penetra no solo, influenciando na reciclagem de nutrientes. Na superfície modifica o ambiente luminoso pelo sombreamento, influenciando a umidade e a evapotranspiração, além de reduzir as perdas à biodiversidade provocada pelo processo de desertificação (Tricart, 1977; Ab’Saber, 1990; Oliveira-Galvão, 2001; Guerra e Cunha, 2003; Lima, 2004; Brasil, 2004). O plantio da C. quercifolius potencializa esses predicados do reflorestamento por ser uma espécie vegetal com indicação de dominância entremeada as demais espécies da caatinga, além de desenvolver-se em solos rasos e degradados (Duque, 1980; Figueiredo, 2010; Bezerra, 2011). Essa assertiva é facilmente comprovada em observações de campo realizadas pelos autores em áreas onde a xerófita em tela apresenta forte regeneração, nas adjacências das sedes das municipalidades de São José do Seridó, Jardim do Seridó, Caicó, Acari, Carnaúba dos Dantas, Parelhas, Currais Novos e Cruzêta/RN, apresentando-se imponente com a constituição de um estrato superior ao restante da vegetação. No campo de pesquisa, não se verificou a presença dessa xerófita. Contatou-se a presença de faveleira à aproximadamente 200 m, produto de reflorestamento. Para Moreira et al. (2007) a pecuária transformou-se na principal atividade econômica do bioma caatinga, proporcionado pela vegetação nativa fornecedora de matéria seca para suprimento dos animais. Para o Seridó, espaço regional onde se localiza a área de pesquisa, as condições climáticas associadas à qualidade do solo, impõem limites ao desenvolvimento da agricultura em extensas áreas, o que deixa o desenvolvimento econômico do espaço rural dependente do incremento da pecuária (Azevedo, 2005; Andrade et al., 2009). Essa atividade tem grande relevo no processo de desertificação, uma vez que o sobrepastoreio provoca o consumo excessivo das espécies forrageiras mais palatáveis (Oliveira-Galvão, 2001; Araújo et al., 2010), ameaçando a sobrevivência, em contraposição ao aumento das espécies menos palatáveis. Embora o reflorestamento com espécies nativas seja responsabilizado por inúmeras virtudes para o Bioma Caatinga, os projetos dessa natureza terminam por não atingir o êxito desejado em função do pastoreio e da irregularidade espaço-temporal da pluviometria, atenuando as expectativas quanto aos benefícios socioeconômicos e socioambientais esperados. A C. quercifolius não se encontra imune à ação predatória dos animais uma vez que em condições de regeneração natural, boa parte das sementes é subtraída, pois constitui parte da dieta de animais nativos (aves, répteis e mamíferos), de ovinos, galinhas e caprinos (Braga, 2001; Pereira, 2005; Marques, 2007; Araújo, 2007; Campos, 2010; Bezerra, 2011). As sementes que ficam sob as pedras e chegam a germinar, as plântulas são facilmente subtraídas, tarefa que, além de caprinos e ovinos, recebe o reforço de outros animais e da irregularidade das chuvas (Lima, 2011). Essa assertiva é confirmada por criador de ovinos e caprinos residente na zona urbana do município de São José do Seridó/RN, ao relatar a emergência e a morte de plântulas de faveleira: “[...] não entendo por que após as primeiras chuvas do ano nasce grande quantidade de favelas, mais no ano seguinte não se encontram mais naquele lugar”. (J. B. L.). Na pesquisa em tela, todavia, o que se percebeu logo após o plantio, embora com a presença de animais de permeio é que apenas parte das folhas de algumas plantas foram consumidas, em função da presença dos espinhos urticantes abundantes nos ramos novos das folhas e no caule repelirem o consumo por parte de predadores (neste caso, sobretudo bovinos e ovinos). 94 A rusticidade associada a um rápido crescimento compreende outra propriedade da C. quercifolius (Araújo, 2007; Campos, 2010; Bezerra, 2011) que a qualifica para ser usada em projetos de reflorestamento. O interesse econômico dispensado (Braga, 2001; Sampaio, 2005; Marques, 2007), o seu plantio contribuirá para atenuar a devastação de áreas nativas e na diminuição da variabilidade genética de muitas espécies florestais. Cumpre sublinhar que o campo do estudo, ao longo dos cinco anos permaneceu como área de pastoreio (bovinos e ovinos). Além do que os anos de 2012-13 foram de seca total, com índices pluviométricos de 14.8 mm em 2012 e 315.4 em 201364 adversidades superadas pela maioria das 82 mudas, objeto da pesquisa. É apontada por Pereira (2005); Marques (2007); Bezerra (2011) como xerófita com propriedade para ser explorada com fins de pastoreio pela palatividade apresentada pelas folhas quando secas, pelas sementes e pelos brotos. Conforme observações de campo, na área de estudo, no mês de março de 2014, após um volume pluviométrico de 15 mm, constatou-se que as plantas se encontravam repletas de folhas. Foi verificado também pelo criador de animais da área J. A. M. que, após a senescência das folhas, no final da estação úmida, foram incorporadas na alimentação dos ovinos que pastam na área. Essa assertiva corrobora com o que se encontra disposto em Moura Fé (1977); Braga (2001); Damasceno (2007); Drumond et al. (2007) que mencionam essa parte vegetal como importante fonte alimentar para a pecuária, tendo em vista o elevado potencial de proteína bruta apresentado. Importante ressaltar também é que o amadurecimento das folhas a desrama culmina com o fim da estação úmida quando a disponibilidade de massa verde para consumo animal fica escasso. Essa informação corrobora com os aportes de Azevedo (2005); Moreira et al. (2007), no que se refere a expressão das plantas da caatinga na manutenção da pecuária, importante atividade econômica das áreas cobertas com esse bioma. Cumpre salientar que nas secas não ocorre a formação de pastagens rasteiras, formada pelas espécies temporárias, em quantidade suficiente. Por isso, são as ramas das forrageiras arbustivas e arbóreas, o alimento imediato do rebanho. A favela constitui parte desse cardápio. As informações ultracitadas compreendem um indicador substancial da viabilidade dessa xerófita como estratégia de enriquecimento da diversidade florística e das fontes de alimentação da pecuária e até do homem do semiárido nordestino, pois das suas sementes são produzidos subprodutos (a fuba, também chamada de farinha, por exemplo) muito agradáveis ao paladar do sertanejo (Braga, 2001; Pereira, 2005; Campos, 2010). O óleo possui alto valor energético chegando a ser apontado como sendo um substituto do azeite de oliva, enquanto o látex produzido e a entrecasca são empregados pela medicina popular na cura de enfermidades (Duque, 2004). Não foram obtidos registros de produção de frutos nas plantas do universo de pesquisa ao longo dos cinco anos de observação. A copa da faveleira em face do diâmetro apresentado pelo dossel é usada para produzir sombra nos estábulos onde são criados bovinos, ovinos e suínos. A madeira é usada na confecção de cocho para servir alimento aos animais, de portas, cadeiras e janelas dos estábulos, das residências e como energético florestal no uso doméstico e industrial (Duque, 1980). Em função da força desse e de outras qualidades dessa xerófita é classificada pelo autor como “[...] o vegetal de maior importância econômica no Polígono das Secas” (p. 295). As figuras doravante ilustram os vínculos dessa xerófita com a preservação do bioma caatinga e da sociodiversidade existente. Paralelo à floração, ocorre à maturação dos frutos, liberação das sementes e o amadurecimento e a queda das folhas, ingredientes de consumo dos animais domésticos e silvestres (Duque, 1980; Sampaio, 2005). O dossel é usado como substrato para aves construir os ninhos (figura 4). A madeira seca é usada como energético na indústria produtora de cal (figura 5), enquanto a área de projeção da copa que, conforme observações de campo dos autores, chega a cobrir 100 m², garante o sombreamento para os animais (figura 6). São evidências da relevância desse vegetal do ponto de vista ecológico, econômico e cultural. 64 Informações registradas no posto de Monitoramento Pluviométrico da Emparn, localizado na comunidade rural Caatinga Grande, zona rural do município de São José do Seridó/RN. Disponível em:< http://187.61.173.26/monitoramento/2013/acumulapr.htm>. Acesso em 6 de novembro de 2017. 95 Figura 4. Faveleira com ninho de casaca de couro Figura 5. Parte seca do caule da faveleira no dossel. para uso na indústria de cal. Fonte: Arquivos dos autores, janeiro/2014. Fonte: Arquivos dos autores, janeiro/2009. Figura 6. Faveleira sombreando curral de ovinos e caprinos. Fonte: Arquivos dos autores, março, 2014. Os trabalhos focados nas análises das medidas mitigadoras dos problemas socioambientais, a participação dos atores sociais que vivenciam esses desafios é cada vez mais entendida como de grande relevância em função dos saberes e das formas de manejo do conhecimento desses povos imprescindíveis na preservação da biodiversidade (Tricart, 1977; Santos, 1991; Leff, 2001; Bezerra, 2011). Sobre esse assunto Diegues (2001, p. 176) relata ser “Impossível proteger a diversidade biológica sem proteger, concomitantemente, a sociodiversidade que a produz e conserva”. Neste sentido, em áreas em processo de desertificação inúmeros trabalhos tem apontado que as estratégias de mitigação não terão efetividade caso as discussões e a implementação de medidas mitigadoras, não tenham como centro o sufrágio dos povos remanescentes dessas áreas e o conhecimento das suas demandas socioeconômicas e dos seus aspectos culturais (Leff, 2001; Guerra e Cunha, 2003; Sampaio, 2003; Brasil, 2004; Lima, 2004; Costa, 2011). 96 Em vista disso, o desenvolvimento da pesquisa contou com a participação de diferentes atores sociais: o governo municipal, ente responsável pela produção do canteiro de mudas e pelo transporte até o local de plantio situado na zona rural. As famílias de agricultores familiares, totalizando cinco homens e quatro mulheres, que permitiram o plantio das faveleirras nos seus domínios, labutaram na operação de plantio e mantiveram a área incólume às atividades antrópicas que comprometessem a pesquisa como a ocorrência de desmatamentos e queimadas. Corroborou com essa visão sobre a mitigação dos problemas ambientais o trabalho de Costa (2011, p.106) em que “[...] o homem é visto como criatura da natureza, mas também como criador, produtor de diversidade biocultural, e a natureza é vista como criadora de vida e produtora de diversidade biocultural, mas também como produto dos seus habitantes, que, interagindo com ela, a modificam e recriam, permanentemente.” Ao longo dos cinco anos da pesquisa a área permaneceu sendo explorada com a pecuária (bovinos e ovinos). Na avaliação do estudo em abril de 2014 realizou-se a contagem do total de plantas que se encontravam vivas e mortas além de medições da altura total (AT) e a presença de plantas no microssítio criado pelo plantio das mudas. Do universo de 82 mudas, um total de 17, correspondente a 13% (treze por cento) se encontravam mortos, uma TS de aproximadamente 87%. A hipótese de ocorrência mais palpável para essas baixas compreende o aumento da pressão do pastoreio, consubstanciado aos níveis sofríveis de umidade no solo (Vasconcelos Sobrinho, 1982; Oliveira-Galvão, 2001; Brasil, 2004; Brasil, 2011). A substancial Taxa de Sobrevivência (TS) da faveleira numa área sem a presença de vegetação permanente em função da degradação do solo corrobora com os aportes de Duque (1980, p. 111) ao destacar que essa xerófita se destaca no meio das demais espécies da caatinga pela “[...] resistência a secura” e Costa Júnior et al. (2011) que caracteriza essa xerófita como capaz de realizar um ajuste osmótico em consequência do estresse hídrico por ocasião do período estacional seco, sendo denominada de xerófita verdadeira. Vale assinalar que essa taxa de sobrevivência superior a 80% aponta os benefícios do processo de reflorestamento de áreas perturbadas do SAB com a abertura de covas e o plantio de mudas com cerca de quatro meses de idade, validando a técnica aplicada. Iniciativas do gênero com o plantio direto das sementes no campo em trabalhos de Bakke et al. (2006); Sales (2008), citados por Figueiredo (2010, p. 16), respectivamente, num universo de 50.000 plântulas de jurema preta/ha na regeneração natural de áreas da caatinga foram reduzidas a pouco mais de 3,7 mil plântulas/ha ao final da estação seca; enquanto no outro estudo a semeadura em área de superpastejo do equivalente a 8-12 milhões de sementes nenhuma plântula sobreviveu até o final do segundo ano. Ainda corrobora com essa assertiva Brasil (2004); Lima (2011) ao ressaltarem que, por tratar-se de uma área aberta caso o plantio fosse realizado com sementes, a dessecação dificultaria a germinação e a sobrevivência das plântulas, tendo em vista que na caatinga a sazonalidade das chuvas faz do fator água de grande relevância na mortalidade de plântulas, carentes de volumes balanceados de nutrientes e de água para o atendimento às demandas de produção de energia e metabólicas vitais no desenvolvimento. A figura 7 apresenta uma visão geral da área de plantio com plantas da espécie C. quercifolius apresentando diferentes estratos. Figura 7. Detalhe da área em processo de desertificação (APD) de plantio da favela na avaliação da pesquisa realizada em abril de 2014 e em 2017. Fonte: Arquivos dos autores, janeiro/2009 e março/2017. 97 A altura total média verificada no universo estudado foi de 55 cm. Com referência à amplitude, a planta de menor altura total contava com 45 cm e aquelas com maior altura com 85 cm. A amplitude de 40 cm explica- se pelo fato de no ato de plantio as mudas se encontrarem com AT variando entre 30 cm e 50 cm. Esses resultados se encontram em patamar inferior aos obtidos por Candeia (2005), com valores oscilando entre 47 e 150 cm/planta, verificado em faveleiras após dois anos de plantio, em área de caatinga. Entre o universo de plantas vivas, 38 plantas, correspondente a 58% estão situadas na faixa entre 0,45 e 0,55 cm, enquanto a faixa de maior AT, entre 75 e 85 cm, estar representada por seis plantas, correspondente a 9%. Esse mesmo valor foi verificado nas plantas que apresentaram AT entre 65 – 75 cm, enquanto no intervalo entre 55 e 65 cm foram contabilizadas 15 plantas (figura 8). Vale citar também que na periodicidade de cinco anos do estudo, a intercalação de dois anos de pluviometria muito abaixo da média (2012-13), associado ao estado de perturbação da área de plantio corroborou para que um crescimento em altura mais robusto não se efetivasse. Essa assertiva está em conformidade com os reportados por Braga (2001) ao destacar que essa xerófita apresenta-se como arbórea nas áreas com a presença de solos mais férteis e como arbusto nas áreas perturbadas. Figura 8. Total de plantas vivas verificadas em cada intervalo de altura total (cm), nas medições realizadas das 65 plantas vivas, em abril de 2014. Após o plantio, não ocorreu à administração de nenhum insumo nem a realização de tratos culturais, corroborando com os pressupostos de Duque (2004); Lima (2004); Candeia (2005); Marques (2007); Sampaio (2005); Sampaio (2006); Isernhagen (2010); Bezerra (2011), com referência a efetividade do reflorestamento com espécies nativas por serem adaptadas às características ecológicas do lugar, sendo úteis na manutenção da fauna local, além da resistência apresentada, pois já desenvolveram defesas naturais e são resistentes ao estresse hídrico provocado, sobretudo por ocasião das ocorrências de seca total. Outro fator relevante para a TS galgada no estudo foi o plantio das mudas com significativa presença de acúleos, determinantes para conter o consumo das folhas e do caule pelos ovinos e bovinos que pastejam intermitentemente na área. Essa constatação corrobora com o verificado em Candeia (2005) ao mencionar no seu trabalho a presença de espinhos como uma estratégia desse vegetal de proteção diante da ação de herbívoros. Povoamento do microssítio no entorno das favelas por espécies da vizinhança Para Lima (2011) trabalhos têm demonstrado que a facilitação têm importância nos processos ecológicos e evolutivos em comunidades. Nas observações de campo realizadas constatou-se também a viabilidade da introdução da faveleira (C. quercifolius) no que se refere ao recrutamento de plântulas de espécies herbáceas e lenhosas, entremeando o microssítio criado com o dique de seixos rolados adicionado no entorno do tronco por ocasião do plantio. São indícios da integração do sítio degradado com a área florestada da vizinhança através do processo de interceptação de sementes das diversas espécies presentes no entorno do sítio degradado que são transportadas pelo vento, animais e por agentes hídricos recolonizando o solo. 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 - 55 cm 55 - 65 cm 65 - 75 cm 75 - 85 cm 98 Foram encontradas duas espécies de arbustos. A jurema preta (Mimosa tenuiflora Will) constatou-se a presença de até oito plantas com um máximo de 5 cm de altura entremeando o microssítio criado no entorno do tronco de uma favela. Essa informação corrobora com o disposto em Duque (1980) que caracteriza essa espécie vegetal como um arbusto invasor na caatinga, compreendendo a espécie que “[...] primeiro se estabelece na colina erodida do Sertão para preparar o ambiente para as outras espécies [...]” (p. 34). O velame (Croton heliotropiifolius Baill.) constatou-se até três plantas por faveleira. As demais espécies verificadas foram plantas herbáceas, um total de 11 espécies diferentes, conhecidas popularmente por: alfazema braba, evanço ou erva engordadeira, capim, capim beiço de boi, beldroega, erva da flor branca, capim panasco, erva de lambu, limãozinho, malva branca e agrião do mato (figura 8). Todas essas espécies de acordo com informações fornecidas pelo proprietário da área (J. A. M.), fazem parte da dieta de bovinos, de ovinos e são típicas da estação chuvosa (plantas terófitas). Figura 8. Faveleira com a presença da jurema preta e de plantas herbáceas no microssítio do entorno. Conforme o levantamento da composição florística das espécies permanentes que se encontravam vivas, no entorno da área de plantio realizado em oito parcelas de 4 m x 1 m, no mês de dezembro de 2009, foram encontradas as espécies: jurema preta (Mimosa tenuiflora Will), pereiro (Aspidosperma pyrifolium Mart.), xiquexique (Pilosocereus gounellei; (Weber) Byl. Et Rowl.), velame (Croton argyroglossum Baill.), pinhão bravo (Jatropha molíssima (Pohl) Bail), palmatória (Opuntia palmadora; Britton & Rose), Coroa-de-frade (Melacocactus bahiensis Br. et Rose), catingueira (Poincianella pyramidalis Tul.) e marmeleiro (Croton sonderianus Mull. Aeg.). Faz parte desse universo as duas espécies (Jurema preta e o velame) que vem povoando o microssítio de plantio de C. quercifolius, o que é possível deduzir que numa escala temporal maior outras espécies serão recrutadas. As informações ultracitadas sobre a pesquisa demonstram a relevância do trabalho em tela no processo de recuperação da biodiversidade e na reabilitação produtiva da área para uso com o pastoreio, característica essa potencializada à medida que a C. quercifolius cresce e aumenta a produção de biomassa, promovendo a reincorporação da área ao uso pecuário dado a palatividade apresentada pelas folhas, depois da senescência. No local da pesquisa não se constatou a presença da faveleira em meio à caatinga, característica que coloca o seu plantio na condição de contribuição singular no enriquecimento da biodiversidade. Representa uma técnica de baixo custo na reabilitação da cobertura vegetal de áreas degradadas, exequível aos próprios agricultores. Essas singularidades apontadas na pesquisa corroboram com o disposto nas análises de Bitar (1997); Lima (2000); Rodrigo e Leitão Filho (2001); Lima (2004); Sampaio (2006); Araújo (2007); Isernhagen (2010); Figueiredo (2010) com relação às particularidades dispensadas ao reflorestamento na 99 promoção de alterações nas condições do ambiente, possibilitando a restauração da produção biológica do solo, por minorar a ação erosiva da água, melhorando a resiliência para o povoamento da área perturbada por parte das plantas vizinhas. No SAB, a disponibilidade de água no solo compreende fator relevante na emergência de sementes e no estabelecimento de plântulas (Duque, 1980; Araújo, 2007; Lima, 2011). Na área de plantio da faveleira a ausência de vegetação permanente para interceptação da água da chuva e dos nutrientes transportados com o escoamento superficial compreende uma das causas da erosão laminar. Logo, o microssítio criado pelos diques de pedras no entorno do coleto associados ao plantio de mudas C. quercifolius, foram fatores importantes no estabelecimento das plantas por promover a interceptação da água de chuva, reduzir o impacto direto da luz solar e do vento sobre o solo, concorrendo na formação de uma camada de solo a montante, conforme percepção de campo no mês de maio de 2014 (Figura 9). Essas constatações corroboram com o aporte de Tricart (1997) com relação aos efeitos da vegetação sobre a mitigação da erosão pluvial e eólica, melhorando as condições de resiliência. Figura 9: Detalhe de faveleira na APD com a formação de uma camada de solo a montante. Esses antecedentes compreendem elementos de relevo para credenciar a faveleira para ser introduzida em meio à caatinga, sobretudo nas áreas onde se encontra ausente como estratégia de enriquecimento da biodiversidade, fortalecimento da segurança alimentar humanos, animal e no repovoamento de ASD. Outra variável ainda não verificada, mas que merece ser mensurada é a colonização da faixa de caatinga florestada situada adjacente ao sítio degradado, através da dinâmica natural de colonização da espécie a partir da dispersão e da germinação do banco de sementes de faveleira. Esse resultado em potencial está de acordo com os reportados por Braga (2001); Sampaio (2005) ao destacar que a faveleira apresenta frutos deiscentes que ao estalar as sementes são alçadas em até 30 m para além do local de origem. Os resultados desse estudo ainda apresenta como possibilidade iminente o uso desse táxon na instalação de plantios com fins comerciais, complementando a produção florestal extrativista, reduzindo a pressão sobre outras espécies nativas e corroborando com a geração de renda para os agricultores. Todavia, é importante que pesquisas sejam realizadas com a introdução dessa espécie em áreas desertificadas, o que validaria uma proposta de reabilitação de áreas degradadas pela desertificação. 100 Por fim, a longevidade apresentada associada a resistência as adversidades climáticas do SAB, como a ocorrência de secas sucessivas, representa a garantia de que décadas após o plantio, permanecerá exercendo a função reabilitadora do sítio degradado e na conservação das demais espécies do ecossistema. Conclusões 1 A participação dos agricultores (as) foi decisiva pelo envolvimento efetivo desde o aceite para a realização do plantio da faveleira nos seus domínios e pela atuação no plantio e conservação da área explorada tão somente com o pastoreio. 2 A elevada taxa de sobrevivência demonstra a viabilidade da C. quercifolius na reabilitação de áreas em processo de desertificação, quando realizado o plantio através de mudas com cerca de quatro meses de emergência. 3 A presença de espécies regenerantes permanentes e temporárias presentes na vizinhança no microssítio de estabelecimento das faveleiras reflete a melhoria de fatores como a umidade do solo, porosidade e fertilidade em função do anteparo criado no entorno das plantas. 4 A altura e a idade das mudas usadas no estudo foi determinante para o estabelecimento das plantas em função da presença de acúleos nos galhos e folhas repelirem a ação dos herbívoros e apresentar maior resistência a semiaridez que plântulas resultantes de sementes plantadas diretamente no campo. 5 O repovoamento de área em processo de desertificação com o plantio da faveleira, mostrou-se ser um método viável com potencial para ser replicado pelas comunidades rurais do SAB em função dos baixos investimentos financeiros e da vinculação com as características socioeconômicas, culturais e ambientais da área. Agradecimentos Os autores agradecem aos funcionários da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo do município de São José do Seridó, responsável pelo fornecimento e transporte das mudas até a área de plantio e aos agricultores (as) que cederam suas terras para que fizéssemos o plantio e atuaram como parceiros no plantio das mudas, nossos agradecimentos especiais. Referências Ab’Sáber, A., 1990. Floram: Nordeste seco. Estud. av. 4, 149-174. Araújo, D. A. et al., 2010. Uso de espécies da caatinga na alimentação de rebanhos no município de São João do Cariri – PB. Revista RA’EGA. Curitiba, 20, 57-171. Araújo, L. V. C. 2007. Composição florística, fitossociológica e influência dos solos na estrutura da vegetação em uma área de caatinga no Semiárido paraibano. Tese (Doutorado). Areia, Universidade Federal da Paraíba. Azevedo, F. F., 2005. Seridó potiguar: dinâmica socioespacial e organização do espaço agrário regional. 1ª ed. Composer. Uberlandia. Andrade, L. A. et al., (2009). 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SUDENE, Recife. 103 CAPÍTULO IV - Participação popular na reabilitação de área desertificada no município de São José do Seridó/RN65 Popular participation in the area of reforestation desetified the municipality of São José do Seridó/RN Josimar Araújo de Medeiros (orientando) Geógrafo, Especialista em Bioecologia, Mestre em Engenharia Sanitária, Doutorando do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente/PRODEMA/UFRN, Professor da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio Grande do Norte. josimarsaojosedoserido@gmail.com Magdi Ahmed Ibrahim Aloufa (orientador) Engenheiro agrônomo, Doutor em Biologia e Fisiologia Vegetal, Professor do Departamento de Botânica e Zoologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coordenador do Laboratório de Biotecnologia de Conservação de Espécies Nativas do Rio Grande do Norte – LABCEN, - magdialoufal@gmail.com ESTE ARTIGO FOI PUBLICADO NO CADERNO DE GEOGRAFIA DA PUC MINAS GERAIS. PORTANTO, ESTANDO FORMATADO DE ACORDO COM AS RECOMENDAÇÕES DESSE PERIÓDICO http://periodicos.pucminas.br/index.php/geografia/index RESUMO Nas áreas de ocorrência de desertificação do Semiárido Brasileiro, vem emergindo sítios permanentemente sem recobrimento vegetal, impactando negativamente nas atividades econômicas. Considerando esse fato, este trabalho objetivou analisar uma ação de florestamento, de área com essa fisionomia, com o plantio da C. quercifolius, com a participação dos sujeitos locais. O estudo foi desenvolvido na localidade rural São Paulo, São José do Seridó/RN. Realizou-se o plantio de 120 mudas, preparadas pelos agricultores, em embalagens plásticas e em sementeira, plantadas em covas com 50 cm x 25 cm e espaçamento de 3 m. Um ano após o plantio, sobreviveram 56 provenientes das embalagens plásticas e 46 da sementeira. O crescimento médio foi respectivamente de 7 cm e 4 cm. No entorno de 100% das plantas, constatou-se o recrutamento de 14 espécies comum na estação chuvosa e em 73% a presença da jurema preta. A produção de mudas, via sementeira revelou-se mais apropriada para plantio da xerófita pela simplificação de todas as etapas, tornando acessível aos agricultores. O uso de plantas, com cerca de 120 dias de emergência, associado ao plantio, aproveitando-se as primeiras chuvas do ano e a deposição de seixos rolados no entorno da planta, contribuíram, sobremaneira, para a taxa de sobrevivência alcançada. Palavras-chave: Área degrada; Núcleo de Desertificação do Seridó; Planta xerófita; Semiárido brasileiro. ABSTRACT In the Brazilian semiarid desertification occurrence areas is emerging sites permanently without plant cover negatively impacting economic activities. Considering this fact, this work aimed to analyze an 65 Parte da Tese de Doutorado, no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente - PRODEMA/UFRN, do primeiro autor. O referido trabalho, ainda conta com uma pesquisa, com o plantio do vegetal, em área em processo de desertificação e outra sobre a percepção dos seus usos, por populações rurais. 104 afforestation action with this face with the planting of C. quercifolius with the participation of local individuals. The study was conducted in rural locality São Paulo, São José do Seridó / RN. There was the planting of 120 seedlings prepared by farmers in plastic packaging and seeding, planted in holes 50 cm x 25 cm and spacing of 3 m. A year after planting, surviving 56 from the plastic packaging and 46 sowing. The growth medium was respectively 7 cm and 4 cm. In the vicinity of 100% of the plants was found recruitment of 14 species common in the rainy season and 73% in the presence of black jurema. The production of seedlings through seeding proved to be more suitable for planting dryland by simplifying every step, making it accessible to farmers. The use of plants with about 120 days of emergency, associated with planting taking advantage of the first rains of the year and the deposition of boulders surrounding the plant contributed greatly to the survival rate achieved. Keywords: Degraded area; Nucleus of desertification of Seridó; Xeroplytic plant. 1. INTRODUÇÃO A busca do desenvolvimento sustentável, no espaço rural do Semiárido Brasileiro (SAB) em função de questões de cunho histórico, conjuntamente com a descontinuidade no frágil processo produtivo, aliado a inclemência climática e os problemas ambientais são questões ainda sem soluções definitivas (VASCONCELOS SOBRINHO, 1982; BRASIL, 2004). Apesar disso, as alternativas padecem da participação efetiva dos agentes sociais locais, através do processo de aprendizagem, experimentação e erro, mediados pelo conhecimento de processos biológicos e sociais presentes no seu entorno sociocultural. Numa visão aproximada, Etges (2001); Maturana (2001) destacaram a relevância do sistema de trabalho, cuja base vem da relação cooperativa entre as pessoas e o meio ambiente. Com relação à desertificação, o conceito cunhado em muitos trabalhos, caracteriza como sendo a degradação da terra nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultantes de vários fatores, incluindo as variações climáticas e as atividades humanas (MACIEL, 1992; PINHEIRO, 2009 PAE/RN, 2010; BRASIL, 2011). A degradação da terra é entendida como sendo a degradação dos solos, dos recursos hídricos, da vegetação e da biodiversidade, significando, por fim, a redução da qualidade de vida das populações afetadas (BRASIL, 2004). Dessa forma, torna-se evidente, que esse fenômeno, conduz a destruição do potencial produtivo da terra, comprometendo a capacidade de sobrevivência das pessoas nas áreas afetadas. No Semiárido brasileiro (SAB), a exploração em patamar sustentável dos recursos florísticos existentes, assim como o reflorestamento, são medidas salutares para a melhoria da resiliência do sistema solo-água-planta, contribuindo no combate ao processo de desertificação em curso, tendo em vista que o desmatamento representa uma das causas principais desse fenômeno. Com essa assertiva, corrobora Tricart (1977); Brasil (2011); Angelotti et al. (2015); Vezzani (2015) ao ressaltarem a 105 necessidade da implantação de maciços florestais, pela função desse componente na estocagem, via fotossíntese, de CO2 na vegetação e no solo, como medida de mitigação do processo de desertificação e do aquecimento global. Vale ressaltar que, nas formulações teóricas focadas nas medidas reparadoras dos danos ambientais, um vocabulário vasto tem sido usado, tal como recuperação, regeneração, entre outros. Tendo em vista que o trabalho em tela, realizou-se numa área desertificada (AD) e aberta ao pastoreio, um dos fatores de degradação utilizou-se, o termo reabilitação, caracterizado como sendo o retorno do sítio degradado a uma situação alternativa e estável, através do florestamento, com a participação do homem (IBAMA, 1990; CORRÊA, 2006; BEZERRA, 2011). Considera-se essa definição mais apropriada, na compreensão da realidade em estudo, tendo em vista as possibilidades remotas de se pensar na recuperação da área. As formulações teóricas supracitadas apresentam em comum, a defesa de que em ambientes com níveis de perturbação ambiental, que inviabilizam a capacidade de autorrecuperação da vegetação, se faz necessário a intervenção humana, através do reflorestamento do sítio degradado. Por conseguinte, abrindo alas para que processos naturais da sucessão sejam refeitos, aumentando a resiliência e direcionando a comunidade para a sua integração com a paisagem da vizinhança (POGGIANI, 1982; VIEIRA e VERDUM, 2015). Nas áreas susceptíveis à desertificação, o clima prevalecente se caracteriza pela ausência, escassez e má distribuição das precipitações pluviométricas, no tempo e no espaço, ou seja, há ocorrência da seca. Em decorrência, é comum associar desertificação à seca, embora sejam fenômenos distintos, mas relacionados. Compreendido como fenômeno natural, nas circunstâncias cuja precipitação registrada é significativamente inferior aos valores normais, o desequilíbrio hídrico afeta negativamente os sistemas de produção, dependentes dos recursos da terra (BRASIL, 2004; 2011; SALEMI et al., 2011). Nos períodos de prolongamento, por anos sucessivos, esse descompasso aumenta visto que a pressão sobre os recursos naturais se amplia e a intervenção do homem, em geral, se faz através do seu uso inadequado, de sorte que esse fenômeno climático acelera o processo de desertificação (AGENDA 21, 1996; PINHEIRO et al., 2009; PAE/RN, 2010; BRASIL, 2011; MEDEIROS, 2012). A redução na cobertura do solo, por plantas perenes, incorrendo na formação e evolução de clareiras florestais, com redução da biodiversidade; evolução das áreas de solo exposto; redução na oferta de recursos hídricos e aviltamento das questões socioeconômicas, estão entre os indicadores do fenômeno (VASCONCELOS SOBRINHO, 1982; BRASIL, 2004; PAE/RN, 2010). A conjugação das variações climáticas, com as atividades humanas, originam um ambiente favorável à instalação do processo de desertificação, estabelecendo-se um círculo vicioso de degradação, em que a erosão reduz a capacidade de retenção de água, refletindo-se na redução da 106 cobertura vegetal (SOUZA, 2009; SALEMI et al., 2011; VEZZANI, 2015). Solos expostos ficam empobrecidos e dessecados pela radiação solar. Por conseguinte, a capacidade de resiliência é minimizada e a aridez avança, provocando a formação de microáreas, onde a degradação atinge limites críticos, ao tempo em que, além da ausência da vegetação permanente, começa a convivência sem o estrato herbáceo (plantas terófitas), que emerge no limiar da estação úmida. Souza (2009), em seu estudo, destaca que a desertificação progressiva, provoca enfraquecimento do ciclo hidrológico regional e aumento do albedo. É nesse contexto que vem emergindo as áreas desertificadas (AD), no Núcleo de Desertificação do Seridó/RN. Aliado a isso, Brasil (2004) nos ensina que, o processo de degradação inicia-se de maneira localizada, podendo evoluir para a formação de AD, definida por Maciel (1992, p. 23-24), como sendo aquela que “[...] apresenta degradação ambiental generalizada, um nível de desequilíbrio ecológico fortemente acentuado, causado pelo processo de desertificação que, se não detido, acarretará a irreversibilidade e nunca o clímax”, enquanto Pinheiro et al. (2009) salientaram que, nessas áreas, mesmo com a presença de chuvas, o solo permanece exposto, sem a presença de qualquer cobertura vegetal, nem mesmo de gramíneas. Vasconcelos Sobrinho (1982) apresenta raciocínio parecido, destacando que, embora ao lado de fatores gerais que comandam a degradação, fatores pontuais, como o relevo, associado ao tipo de solo, termina por provocar o surgimento de áreas desertificadas. Esse cenário compreende uma ameaça real à sustentabilidade das atividades campestres, incluindo a pecuária, praticada no Núcleo de Desertificação do Seridó/RN (NDS), desde o século XVII. A revegetação de AD, com espécie nativa inexistente no entorno de área de plantio, apresenta valor significativo, na geração de serviços ecossistêmicos de grande monta, pois a vegetação preserva fluxos de água, reduz o assoreamento dos corpos hídricos, melhora o microclima e permite a preservação de espécies nativas da fauna (PEREIRA, 2011; VAZZANI, 2015). Aliado a isso, Tricart (1977); Poggiani (1982); Salemi et al. (2011), atestam que a fitomassa, exerce influência nas características vitais do solo, em função de atuar como isolante térmico entre este e a atmosfera, dificultando a ação direta das gotas de água, as mudanças de temperatura e umidade, corroborando nas atividades microbianas e melhorando os padrões químicos e de fertilidade. Ou seja, exercendo a função de cicatrizante do ambiente perturbado. De acordo com Arriel et al. (2004), algumas espécies da caatinga são importantes para o ambiente, justamente por se mostrarem resistentes a situações adversas, além de produzirem ou servirem de alimentos para a fauna, contribuindo, sobremaneira, para a sintonia do ecossistema e na mitigação da degradação ambiental. A faveleira é detentora desses predicados, pois apresenta estreita 107 interação com a fauna silvestre, desde a polinização, no fornecimento das sementes e da casca como alimento, além do uso da imbricação dos galhos e folhas, como abrigo e nidificação (DUQUE, 1980). Praticamente, todas as partes do vegetal, são consumíveis pelos animais domésticos, diretamente no campo nativo ou administrado pelo homem. Suas essências são usadas pelo sertanejo na alimentação, na produção de medicamentos, na carpintaria, geração de energia, produção de objetos de uso residencial e como suporte na atividade pecuária (DUQUE, 1980; MEDEIROS, 2012; 2013). Também apresenta expectativa de vida secular, de sorte que sua introdução garante que, mesmo décadas após o plantio, a função nucleadora permanecerá. Por ser nativa do local reflorestado, concorre na manutenção da estrutura ecossistêmica original, fundamental para um equilíbrio ecológico duradouro. Com essa assertiva, corroboram Duque (1980); Maia (2004) ao ressaltarem que, por ser uma planta pioneira, de múltipla utilidade, adaptada às condições ambientais extremas, como seca, calor e radiação solar, é indicada para a ocupação inicial de áreas degradadas. A gama de predicados, qualifica o vegetal como sendo espécie-chave ecológica e cultural (REIS et al., 2014). A participação dos atores endógenos, com ações focadas na mitigação dos problemas inerentes ao desenvolvimento, constitui o processo de inclusão de temas como a descentralização, a governança local, a participação, a emergência da sociedade civil, como integrantes do envelope de novos projetos, do sistema de cooperação para o desenvolvimento, objeto de análise corrente em aportes escritos com esse viés (SEN, 2000; MILANI, 2003; BEZERRA, 2011). Ao tempo em que, cada vez mais, passa a ter reconhecimento a influência humana na construção das diferentes paisagens ao redor do mundo e como essas relações alteram ou mantêm a biodiversidade e os recursos de interesse socioambiental (MORIN, 2000; MATURANA, 2001; SANTOS, 2007; COSTA, 2011; REIS et al., 2014). Numa perspectiva aproximada, Ricklefs (2013), ressalta que os mosaicos de paisagens, refletem tanto as influências naturais como humanas. Portanto, o uso da faveleira, no reflorestamento de área desertificada (AD), sem o cercamento e com a participação da comunidade local, na totalidade das fases, para se concretizar o plantio, revela o ineditismo do trabalho em tela. A partir do referencial teórico ultrarelacionado, cuja problemática, relevância do trabalho, assim como conceitos importantes, encontram-se imersos, para o manuscrito em tela, formulou-se a seguinte questão central: É possível o envolvimento de agricultores do Núcleo de Desertificação do Seridó (NDS), para promover o florestamento de AD da propriedade onde trabalha, com o plantio da faveleira? A hipótese sustentada é de que os agricultores, estão dispostos a envolver-se na produção de mudas e plantio da faveleira, na propriedade e que esse vegetal, apresenta condições para promover a reabilitação de sítios degradados, para uso pecuário, sem que seja necessário o isolamento da área, com a construção de cercas. 108 A identificação do sítio degradado ocorreu através de observações de campo, realizadas durante a estação chuvosa, quando as áreas da caatinga, sem vegetação perene, ficam encobertas pelo estrato herbáceo, que nasce apenas nesse período. A decisão de promover o reflorestamento da área resultou do aceite de proposta, feita informalmente aos agricultores, por ocasião das atividades de campo de identificação do sítio degradado. O estudo objetivou realizar o reflorestamento de AD, no NDS, com o plantio da faveleira, com a participação de agricultores locais. 2. MATERIAL E MÉTODOS A formação histórico-territorial do município de São José do Seridó/RN, municipalidade da pesquisa, teve na pecuária, elemento de expansão econômica, enquanto no algodão, elemento de reorganização espacial. Além de atividades integradas, apresentam relação estreita com o processo de desertificação, em grande medida, pelo pisoteio e redução da biodiversidade, em função do superconsumo das espécies mais palatáveis (pecuária) e pelos desmatamentos, para formação dos algodoais. Localiza-se ao Sul do Estado do Rio Grande do Norte, na região do Seridó, distante 240 quilômetros de Natal, capital do Estado. Apresenta uma extensão territorial de 199 Km² e uma população estimada em 4.500 habitantes. No meio rural, onde residem pouco mais de 800 habitantes, a pecuária é a atividade econômica dominante. A área do estudo, está localizada na comunidade rural São Paulo, distante cerca de 10 km, ao Sul da sede do município. As coordenadas geográficas do local da pesquisa são: 6º 30’ 25” N e 36º 52’ 57” W, 212 m de altitude (Figura 1). Figura 1: Localização geográfica do local da pesquisa. Fonte: Elaboração dos autores. 109 O local da pesquisa, apresenta como singularidade, a ausência contínua de vegetação onde a interrupção da evolução natural foi substituída pela degradação generalizada e, portanto, sem possibilidade de retorno econômico para a comunidade local (VASCONCELOS SOBRINHO, 1982; MACIEL, 1992; AGENDA 21, 1996; PINHEIRO et al., 2009), sem que se tenha registro de desmatamentos ou queimadas, nos últimos 90 anos. A ausência de canais definidos é uma prova cabal da ocorrência da erosão laminar, resultante do escoamento da água uniformemente, transportando as partículas mais finas. É explorada com o pastoreio, desde o processo de ocupação, por volta do século XVII. A percepção da área desertificada (AD), ocorreu na estação chuvosa do ano de 2009, através de observações de campo, com a colaboração dos agricultores familiares, que exploram a área com o pastoreio. Numa área de 26ha da propriedade, cercada com arame farpado, foram observadas a presença de 13 microssítios, desprovidos de recobrimento vegetal. Entre as quatro maiores, uma foi georeferenciada. Naquele ano, conforme o relatório publicado pela EMPARN66, choveu 865 mm, volume pluviométrico suficiente para que o solo ficasse encoberto pela vegetação herbácea, inclusive nas clareiras florestais verificadas na área, o que não foi verificado na AD do estudo. Cumpre acrescentar que, no interregno 2009-2016, a área manteve-se temporariamente em pousio para o pastoreio, no início da estação úmida, variável que muito contribuiu para verificação da repetição do fenômeno, conforme observações in loco, especialmente nos anos de normalidade pluviométrica de 2009 – 2010 – 2011, com o sítio degradado, permanecendo sem recobrimento vegetacional, diferente do ocorrido na adjacência (Figura 2). 66Informações registradas no posto de Monitoramento Pluviométrico da Emparn, localizado na comunidade rural Caatinga Grande, São José do Seridó/RN distante cerca de 8 Km da área da pesquisa. Disponível em:< http://187.61.173.26/monitoramento/2013/acumulapr.htm>. Acesso em 4 de janeiro de 2016. 110 Figura 2: Detalhe da área desertificada desprovida de cobertura, vegetal na estação chuvosa do ano de 2009. Fonte: Arquivos dos autores, abril 2009. Com relação à fitofisionomia, verificada no entorno do campo da pesquisa, é caracterizada por Ross (2008), como do tipo caatinga seca arbórea, com o predomínio do pereiro e arbustos isolados, em meio a clareiras florestais. O tipo de solo dominante é o Neossolo Litólico, pouco desenvolvido, raso e com a presença de pontos de afloramento rochosos (BEZERRA JÚNIOR e SILVA, 2007). É importante relatar que, nas adjacências da área desertificada (AD), não se constatou a presença da faveleira. Apesar disso, observações de campo, realizadas nos municípios de São José do Seridó, Jardim do Seridó e Caicó/RN, no ano de 2015, constatou-se a prática de gestão in situ, verificada com a xerófita, sendo preservado nas áreas, cuja vegetação está sendo perturbada, como desmatamentos, com fins agropecuários. Também constatou-se o hábito de cultivo intencional, via coleta de sementes e de plântulas das áreas de fácil regeneração, por parte de agricultores, para promover o povoamento de outras áreas pelo vegetal, para consumo direto pelo homem e pelos animais de criação. Essas informações, foram verificadas, em estudo de percepção, realizado pelo primeiro autor, através de entrevistas, com populações residentes em áreas com a presença do vegetal, no ano de 2015. Na propriedade de realização do trabalho, numa área de 26 ha, onde se localiza o sítio degradado da pesquisa, em 2015, após uma sequência de quatro anos de chuvas irregulares (2012-2015) foram verificadas 14 faveleiras, com mais de 1 m de altura, uma densidade de pouco mais de 0,5 planta ha. Desse total, 11 se encontravam numa parcela de 16 mx16 m, o que revela a irregularidade na distribuição do vegetal. Na realização do inventário florístico das plantas vivas e mortas, do estrato vegetacional permanente, com altura total igual ou superior a 1m, encontrados na parcela, também foram registrados a jurema 111 preta (Mimosa tenuiflora), o xique-xique (Pilosocereus gounellei), o velame (Croton heliotropiifolius), o pereiro (Aspidosperma pyrifolium), o marmeleiro (Croton sonderianus) e o angico (Anadenanthera falcata). As plantas de maior altura foram uma faveleira e uma jurema preta, com, respectivamente, 8 m e 4,2 m. Todas as faveleiras se encontravam vivas, o mesmo acontecendo com um angico e um xique-xique. As demais espécies, as taxas de mortalidade mais elevadas, foram apresentadas pela jurema preta e o velame, respectivamente, 66 e 97%. Essas e outras variáveis, apontando a relevância sócio-econômica-cultural e ecológica apresentada pela faveleira, comprovando o interesse do homem na sua conservação, associados a resistência apresentada as variações climáticas e a importância para o ecossistema, muito se assemelha a definição de espécie-chave, usada no trabalho de Reis et al. (2014) para a araucária, assim interpretada pela presença de características ecológicas, responsáveis pela integração humano- floresta como: elevada produtividade das sementes, sendo um atrativo humano e para a caça; capacidade de adaptação a uma diversidade de ambientes; regeneração em espaços abertos e nas clareiras florestais; a dispersão por ação da gravidade e pelo homem intencionalmente ou no desprendimento, quando transportada após uma coleta. Aliado a isso, Balieiro e Tavares (2008) ressaltaram que, muitas espécies são adaptadas a determinados microambientes, em função do desenvolvimento de características fisiológicas e biológicas, permitindo viver em locais vencendo as dificuldades impostas ao estabelecimento da vida. A proposta de reflorestar área desertificada (AD), com o uso da faveleira, foi feita aos agricultores, através de contatos informais, estabelecidos mediante as observações realizadas no sítio degradado e no entorno. A área experimental, não foi submetida a nenhuma alteração, além da abertura das covas, nem o solo foi submetido a adubação. O semeio para produção das mudas, realizou-se em outubro de 2014, na propriedade de desenvolvimento da pesquisa, pelos próprios agricultores, junto a uma área irrigada, com cultivos destinados à subsistência. As sementes foram doadas pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SMUMA). Duas sistemáticas foram usadas, para produção das mudas: o semeio em embalagens plásticas de polietileno, de 22 x 12 cm, em substrato de argila, esterco bovino e areia, nas proporções volumétricas de 3 x 3 x 3 e diretamente no solo, com uso do mesmo material, na forma de sementeira. É oportuno registrar, que esse tipo de material é abundante na propriedade. O transplantio, foi realizado em parcela única, de dimensões de 60 m de comprimento, largura oscilando entre 8 e 20 m e plantas com aproximadamente 120 dias de nascimento. No ato do plantio, foi realizada a medição da altura total (AT) de todas as plantas, do coleto até o meristema apical, 112 com o uso de uma régua. Foram levadas a campo plantas mais viçosas e com altura média de 35 cm. As unidades menores apresentavam 26 cm, enquanto as maiores 60, uma amplitude de 34 cm. Compuseram a área experimental, 120 mudas, metade proveniente do semeio em embalagens plásticas, enquanto a outra metade, tansplantadas da sementeira. As plantas provenientes da sementeira, foram retiradas com o uso de uma alavanca. Na operação, o solo aderente ao sistema radicular desprendeu-se. A embalagem das mudas, foi revolvida no ato do plantio, permanecendo o substrato. As folhas de todas as plantas foram retiradas, com uso de uma tesoura ou luvas de couro, permanecencendo apenas aquelas adjacentes ao meristema apical, procedimento que teve como objetivos aumentar a taxa de sobrevivência (TS) e reduzir o volume transportado para o campo. As covas foram abertas com uso de uma picareta, com dimensões de 50 cm de abertura, por 25 cm de profundidade e espaçamento de aproximadamente 3 m x 3 m. Nessa etapa, aproveitou-se o registro de chuvas no local, variável que muito contribuiu na operacionalização, pois os solos da área, quando secos, são enrijecidos. O solo retirado, no ato de abertura da cova, foi depositado a jusante para que os resíduos não reutilizados, contribuissem no processo de contenção de detritos, no entorno e dentro do microambiente criado. A outra parte foi recolocada no ato do transplantio, até atingir o coleto. O restante da cova, que não recebeu solo, formou uma depressão preenchida com uma camada de pedras, coletada no local, com uso de um ciscador, estimada em 10 cm de altura, recobrindo a abertura da cova, até ultrapassar a superfície do terreno. Essa técnica, proposta por Lima (2004) e aplicada em trabalho de reflorestamento por Medeiros (2012; 2013), objetiva otimizar a captação de água de chuva, incluindo a que escorre das áreas com cobertura vegetal adjacentes, contendo partículas orgânicas, sementes e fragamentos de rochas, providencial na sedimentação a montante, no recrutamento de plântulas cujas sementes fixaram-se no microssítio ao redor da planta. O plantio foi realizado no mês de março de 2015, após registros pluviométricos no local, suficientes para provocar acúmulo de água nas covas (por volta de 10 mm). Na distribuição das mudas, as fileiras pares foram plantadas com as mudas provenientes das embalagens plásticas, enquanto nas ímpares, foram aquelas provenientes da sementeira. A avaliação aconteceu no mês de março de 2016, um ano após o plantio e registros pluviométricos de 300 mm, distribuídos no primeiro trimestre. Os parâmetros avaliados foram taxa de sobrevivência (TS), tendo a presença das folhas na estação favorável, como indicador da planta, em estado vivo ou morto; crescimento em altura (CA), através da medição da parte aérea e recrutamento de outras espécies para o microssítio no entorno das plantas. Esses parâmetros, foram os mesmos aplicados, nos estudos de dinâmica florestal, realizados por Fenner (1987). Na coleta dessas informações, foram realizados 113 trabalhos de campo, com cobertura fotográfica. Na mensuração da altura, a parte aérea envolta por seixos rolados foi desprezada. 3. PARTICIPAÇÃO DOS AGRICULTORES NA REABILITAÇÃO DE ÁREA DESERTIFICADA (AD) COM O PLANTIO DA FAVELEIRA O trabalho de pesquisa foi desenvolvido sem o concurso de cifras orçamentárias contando, portanto, com a participação direta dos sujeitos locais, no preparo das mudas, tratos culturais, escavação das covas e transplanto em campo. A produção das mudas de faveleira, via sementeira, objetivou atender uma inquietação dos agricultores, por ocasião do início dos trabalhos de preparo de mudas, com o semeio em embalagens plásticas, sobre o pretexto de que encher os recipientes, assim como o transporte até o campo, em geral em locais sem a presença de estradas carroçáveis, seria dispendioso, diante do tempo e das condições técnicas disponíveis na propriedade, se comparado com o plantio em sementeiras, tendo o solo como assoalho, cujo trabalho se resume a espalhar o substrato, realizar o semeio e fazer a cobertura. Além de dispensar a aquisição das embalagens, o conteúdo transportável para campo é reduzido. Concluído o plantio no campo de pesquisa, as previsões foram confirmadas. O agricultor J. M. A. (49 anos), estimou uma redução da ordem de 80%, do tempo gasto no preparo das mudas diretamente no solo, através de sementeira. Trabalho de reflorestamento com a faveleira com a participação dos agricultores que labutam na área também foi desenvolvido por Medeiros (2012); (2013); Medeiros e Aloufa (2015). Outra vantagem auferida na análise do mesmo, refere-se à rega das plantas, haja vista que na sementeira a irrigação por inundação, com a água canalizada diretamente do reservatório, demandou um gasto ínfimo de tempo, se comparado ao realizado nas embalagens plásticas, com a irrigação manual, com auxílio de um regador. O transporte das mudas, até o local de plantio, em função da diminuição no volume transportável, o tempo dispendido teve a redução estimada em 70%. Isto porque as mudas da sementeira, foram transportadas para o local, a 3 Km, em uma caixa plástica, por um agricultor, de uma só vez, enquanto a mesma quantidade de mudas, nas embalagens plásticas, foram necessários três deslocamentos (figura 3). 114 Figura 3: Agricultores retirando favelas da sementeira para plantio (A); diferença em matéria de volume e peso/Kg, entre as mudas produzidas nas embalagens plásticas, cerca de 20 mudas (B) e na sementeira, 60 unidades (C). Fonte: Arquivos dos autores, março de 2015. Com uso de balança marca Toledo, com capacidade para pesar mercadoria com até 15 kg, uma planta com 56 cm de altura, na embalagem, pesou 952 g. Com a retirada das folhas e da embalagem com o substrato, foi reduzido para 118 g, um decréscimo de aproximadamente 88%, no peso transportável a campo. Com relação ao tempo gasto na escavação, plantio e deposição da cobertura de pedras no entorno de uma cova, realizado por trabalhador com habilidade nessas tarefas, foi estimado entre dois e três minutos. Essas informações empíricas, confirmando a percepção dos agricultores, abriu alas para a replicação da pesquisa, com produção de mudas via sementeira, por outros camponeses, objeto de análise doravante. Outra variável constatada, com uso dessa técnica, se refere ao maior crescimento em altura, verificado em observações de campo, em dezembro de 2015. Um total de 48 sementes, postas a germinar, metade em oito embalagens plásticas e a outra metade em sementeira, com substrato comum, expostas ao sol e sendo irrigada a cada 48 horas, 50 dias após a semeadura, a altura média verificada, foi de 7 cm e 19 cm, respectivamente. O trabalho de pesquisa, cujo cerne é a melhoria dos bens ambientais básicos, tendo entre outros propósitos, a reprodução da existência dos sujeitos locais, com a participação desses agentes, com seus conhecimentos e atitudes, encontra escudo em Tricat (1977); Freire (1996); Agenda 21 (1996); Morin (2000); Maturana (2001); Santos (2007); Costa (2011). Aliado a isso, Sen (2000) ressaltou a valia das liberdades econômicas, sociais e políticas, enquanto enriquecedoras da vida dos atores sociais. Esses aportes teóricos, também tem validado a necessidade de uma consistência entre esses conhecimentos, ditos tradicionais e o conhecimento cientificamente produzido, de sorte que a atividade científica tenha compromisso intrínseco com a justiça social e com o bem-estar humano, promovendo a junção das diversas matizes de conhecimento e de saberes. A B C 115 Numa perspectiva aproximada, Etges (2001); Bezerra (2011) ressaltaram a necessidade de entender que, entre os agricultores, existe um conjunto de conhecimentos que, embora não sendo de natureza cientifica é tão importante quanto os saberes cientificamente produzidos. Diegues (2000, p. 176) relatou ser “Impossível proteger a diversidade biológica sem proteger, concomitantemente, a sociodiversidade que a produz e conserva.” Essas matizes teóricas, apresentam como ponto de confluência principal, para amparar o trabalho em tela, o fato de pensar uma Ciência, com capacidade de promover mutações no real, através da melhoria nas condições de vida das pessoas e no estabelecimento de um canal dialógico, com o saber construído, nas tentativas de erro e acerto, que o homem constrói, se relacionando com o meio, transmitidos inter e intra-gerações. Para o Semiárido brasileiro (SAB), na atividade rural, esse componente é potencializado em função das dificuldades impostas à produção de alimentos, para uso humano e animal, em regime de sequeiro, implicando na busca constante de espécies florísticas, com capacidade de convivência com essas vicissitudes. Importante sublinhar também que, a não ocorrência do isolamento da área da presença do rebanho bovino, relegando a construção de cerca, associado à dispensa de tratos culturais e adubação do solo, foram variáveis imprescindíveis na viabilização da pesquisa, por não necessitar de suporte orçamentário para aquisição de material e, principalmente, sem prejuízos à pecuária praticada na área (Figura 4). Figura 4: Área desertificada, reflorestada com a faveleira (A) com a presença de bovinos usando a pastagem nativa na alimentação (B). Fonte: Arquivos dos autores, março/2016. Esses condicionantes, fruto do diálogo estabelecido com o saber local, abriram alas para viabilizar a replicabilidade do plantio da faveleira, para áreas muito maiores, partindo do raciocínio de que com as mudas preparadas em sementeiras, o trabalho manual dos agricultores é o suficiente para reflorestar as áreas abertas e clareiras das áreas de pastoreio, sobretudo aproveitando-se o período A B 116 após a ocorrência de enxurradas, quando o solo se encontra úmido. São imperativos que ajustaram à pesquisa as condições socioeconômicas e técnicas dos agricultores. Essas assertivas são apoiadas por Balieiro e Tavares (2008, p.195), ao ressaltarem que, na reabilitação de áreas degradadas, a metodologia principal é aquela em que as espécies utilizadas, se encontram em conformidade com o ambiente e que a prática de manejo aplicado observe “[...] a matéria orgânica do solo e a manutenção da água no ecossistema, o que facilita e resulta em baixos valores de entropia no sistema”, enquanto Pereira (2011) diverge em alguns pontos, ao ressaltar que a operação de reabilitação de áreas degradadas, começa pelo seu isolamento das perturbações, que provocaram a sua degradação. No seu trabalho, a área do experimento, foi protegida por uma cerca de tela de arame, para evitar a entrada de pequenos ruminantes e realizado o coroamento das plantas. Esse autor, assim como Aragão (2009) ressaltaram nos seus estudos, a realização de adubação e tratos culturais, contrariando o percurso dessa pesquisa. 4. FIXAÇÃO DA FAVELA NO SÍTIO DEGRADADO Na avaliação realizada em março de 2016, um ano após o plantio, do universo de 60 mudas produzidas nas embalagens plásticas, 56 se encontravam vivas, uma taxa de sobrevivência (TS) aproximada de 93%. TS semelhante, foi obtida por Medeiros (2013), após um ano de plantio do vegetal, em meio a caatinga, com mudas produzidas nas mesmas condições. No universo de mudas provenientes da sementeira eram 46, TS de 77%. São números significativos, considerando-se que se trata de uma AD e que, no ano de 2015, as chuvas foram escassas e mal distribuídas, perfazendo um acumulado anual 347.9 mm67. Convém sublinhar, que esses resultados se encontram superiores aos obtidos por outros trabalhos, também com o plantio de mudas. Aragão (2009), na restauração de mata ciliar, no Baixo São Francisco (Nordeste do Brasil) apresentou TS de 62%, após 60 meses, enquanto Barbosa (2008), com emprego da espécie E. pubescens, no recobrimento de áreas degradas, por mineração, no Cerrado, obteve uma TS de 76%. O caráter endêmico da faveleira, aliado aos mecanismos de sobrevivência em condições extremas, outras variáveis muito corroboraram para esses resultados. O primeiro, digno de menção, se refere ao transplante com mínimo de 120 dias de idade, desde a semeadura, com as plantas 67Informações registradas no posto de Monitoramento Pluviométrico da Emparn, localizado na comunidade rural Caatinga Grande, São José do Seridó/RN distante cerca de 8 Km da área da pesquisa. Disponível em:< http://187.61.173.26/monitoramento/2013/acumulapr.htm>. Acesso em 6 de novembro de 2017. 117 apresentando robustez física suficiente para enfrentar condições ambientais extremas. O desenvolvimento do sistema radicular, verificado no ato de retirada das plantas comprova essa assertiva. A influência dessa variante na TS, está de acordo com Santos et al. (2009), ao relatarem que a escassez de água, afeta de forma mais contundente as plântulas do que outros estágios e Aragão (2009) ao revelar que as plantas, com maior diâmetro, apresentam maior sobrevivência por apresentar maior aptidão na formação e crescimento de raízes. Numa perspectiva aproximada, Markesteijn e Poorter (2009) relataram que, uma das estratégias das espécies, para tolerar a seca é a maximização na captura de recursos na estação favorável ao crescimento, evitando o estresse com a queda das folhas, na estação seca. Com relação ao ataque por herbívoros, constatou-se tão somente o consumo das folhas, temporariamente, por lagartas, tendo em vista que, pelos acúleos urticantes presentes nas folhas e galhos verdes, são consumidas pelos bovinos apenas quando estão secas. Também merece menção, na taxa de sobrevivência alcançada, o sistema de captação e armazenamento de água in situ, com cobertura de pedras, implantado no microespaço de plantio das mudas, por amenizar os empecilhos à infiltração de água, criado pela camada impermeável, típico do solo do local da pesquisa, promovendo a contenção desse recurso e de outros materiais transportados, incluindo folhas e sementes, melhorando o solo que, para Verzzani (2015, p. 674) compreende o “[...] componente-chave do funcionamento dos ecossistemas”, pela ação na viabilização dos fluxos de energia e de matéria. A essa assertiva, ainda cabe o aporte de Vieira e Verdum (2015) ao ressaltarem que, quanto maior for a rugosidade superficial e porosidade de um solo, menor será o escoamento, em contraposição ao aumento da taxa de infiltração e Poggiani (1982), ao revelar que, para as regiões semiáridas, a quantidade de água de chuva que se precipita é de importância indireta. Portanto, sendo mais importante o volume que é acumulado no solo, ficando disponível para o sistema radicular. O estudo de Souza (2009), na sua corroboração, ressalta que a desertificação total, leva a uma redução das precipitações e de umidade, em todas as camadas do solo. Esses são elementos que apontam os benefícios do preparo de mudas e da implantação de um sistema de captação de água de chuva in situ, no reflorestamento de AD, no SAB (figura 5). 118 Figura 5: Cova para plantio da favela na AD, após receber água de chuva proveniente do escoamento superficial, contendo material orgânico e inorgânico (A) e após o plantio da faveleira, com o agricultor realizando a cobertura do microssítio do entorno, com pedras coletadas no local (B). Fonte: Arquivos dos autores, março/2015. No ato do plantio, a altura total (AT) média de todas as plantas era de 34 cm, naquelas desenvolvidas nas embalagens plásticas e 37, naquelas com emergência das sementes na sementeira. Um ano depois, era 41 cm em ambas. Presume-se que o gradiente verificado no crescimento em altura (7 e 4 cm, respectivamente), reflita o estresse decorrente dos efeitos do plantio e da separação do sistema radical do substrato, no transplante das mudas da sementeira, enquanto o lote, cujas mudas foram levadas a campo nas embalagens plásticas, não foram submetidas a choque dessa natureza, além do solo no microambiente, ter recebido o reforço do substrato da embalagem onde a planta se desenvolveu (cerca de 700g). Vale sublinhar, que o plantio em fileiras intercaladas, minimizou a influência de outras variáveis nesse resultado. Quanto à incipiência no crescimento das plantas no todo, explica-se pelas limitações nas condições de solo e umidade. Corrobora com essas assertivas, trabalho de produção de mudas do vegetal, realizado pelos autores, via sementeiras irrigadas por inundação, a cada 48 horas, constatando-se, após quatro meses de plantio (set./ a dez./2015), em substrato formado de barro, areia e esterco bovino e sem a interferência de sombreamento, que as plantas mais viçosas, se encontravam com até 1,1m de altura. Com relação a influência da semiaridez no crescimento do vegetal, Pinheiro et al. (2009), nos ensinam que no SAB, os solos sem a presença de cobertura, expostos ao pisoteio do gado, ficam impermeabilizados comprometendo a capacidade hídrica. Quanto ao fator solo, as considerações de Duque (1980); Figueiredo (2010) propõem que, assentada sobre rochas, a faveleira apresenta porte arbustivo. Essa é a mesma linha de raciocínio de Candeia (2005), ao analisar o crescimento inicial do vegetal, em duas áreas de Caatinga, por cerca de 25 meses, observou um incremento médio, no seu comprimento, de 35,8 cm/planta e 137,4 cm/planta, A B 119 para dois ambientes. Para a autora, muito provavelmente devido às diferenças no solo, entre as duas áreas em que o estudo ocorreu. Corroborando com essa percepção, a pesquisa de Medeiros (2012) verificou uma amplitude na AT de 2 m, para esse vegetal, após quatro anos de plantio, em área de pastoreio, também atribuído ao tipo de solo. Registrou-se, no microssítio do entorno de 88 faveleiras, cerca de 73%, incluídas aquelas não encontradas vivas, a jurema preta, uma pioneira bem distribuida pela comunidade vegetal do entorno, totalizando entre uma e 16 plantas por cova, com altura total (AT) de até 3 cm, o que presume-se que o recrutamento tenha ocorrido, na estação chuvosa de 2016. É importante ressaltar, a presença no microambiente de 37 (cerca de 31%), de indivíduos dessa espécie com AT variando entre 7 e 20 cm. Desse universo, em 29, aproximadamente, 24%, constatou-se a presença de plantas com até 3 cm no entremeio, um indicativo de que o recrutamento das plantas maiores é remanescente do ano anterior, ou seja, de 2015 . Observou-se no microssítio de todas as plantas, a presença de herbáceas típicas da estação úmida, verificadas no entorno do sítio degradado, totalizando 14 espécies diferentes. Muito provavelmente, reflexo dos efeitos do microhabitat criado, com a deposição da camada de pedras, na depressão formada com a abertura da cova (e pequena corroboração do vegetal transplantado), de armazenar água do escoamento superficial, detritos rochosos e orgânicos, incluindo sementes, melhorando o solo e as funções ecossistêmicas, criando expectativas de devolução do sítio degradado, para exploração com o pastejo. Essas observações, são apoiadas por Ricklefs (2013) ao ressaltar que, a criação de qualquer novo habitat, atrai um conjunto de espécies particularmente adaptadas, como bons pioneiros e Santos et al. (2009) ao avaliarem que, o número de plântulas é um indicador da capacidade de recuperação da vegetação. Na sua contribuição, Vezzani (2015, p. 676) explicou que, na estrutura do ecossistema, fatores bióticos e abióticos, concorrem para a manutenção da fertilidade do solo e na prevenção da erosão “[...] fatores-chave no processo de degradação de terras e de desertificação.” Nas suas contribuições, Poggiani (1982); Salemi et al. (2011); Vieira e Verdum (2015) acrescentam que, a área reflorestada, além de aumentar o volume de água armazenada no solo, melhora as características físico-químicas, com o aumento no teor de matéria orgânica, pois o material vegetativo protege o solo da ação erosiva da chuva e do vento. Numa contribuição aproximada, Ricklefs (2013) denomina de facilitação, o processo pelo qual uma espécie aumenta a probabilidade de uma segunda se fixar (Figura 6). 120 Figura 6: Detalhe da camada de detritos, para captação de água, no entorno da feveleira (A), presença de plantas herbáceas e da jurema preta no entorno da faveleira (B) na AD. Fonte: Arquivos dos autores, março/2015. Vale ressaltar a constatação do consumo das plantas herbáceas, recrutadas no microambiente do entorno das favelas, verificadas em março de 2016, por parte de bovinos que pastavam na área, informação relevante, tendo em vista ser a pecuária, o setor mais expressivo na economia de muitas áreas da caatinga, incluindo o local da pesquisa e a produção de alimentos para o rebanho, representa um desafio para os criadores, em face dos obstáculos impostos pelas incertezas climáticas, ao desenvolvimento das culturas forrageiras. Por conseguinte, o plantio de espécies do extrato lenhoso, que apresentam características úteis à exploração pastoril, pela capacidade de adaptação, produção, regeneração e facilitação da colonização da área por outras espécies, compreende uma opção salutar, para aumentar o suprimento forrageiro, para consumo animal (DUQUE, 2004; LIMA, 2004; BEZERRA, 2011; MEDEIROS, 2012; MEDEIROS e ALOUFA, 2015). Aliado a isso, Pereira (2011); Vieira e Verdum (2015) ressaltaram que, transplantar mudas de espécies lenhosas pioneiras, para revegetação de áreas degradadas, embora incorra em custos no preparo e abertura das covas, pode acelerar o processo de recuperação da vegetação, quando se propiciam as condições para o estabelecimento de outras espécies do estrato herbáceo e arbóreo- arbustivo. As virtudes do reflorestamento com esse vegetal, são potencializados, sabendo-se da contribuição efetiva do setor pecuário, no processo de desertificação e no aquecimento global (BRASIL, 2011). O plantio da faveleira, em condições de umidade e solo adversos, assim como a integração do plantio do vegetal com as necessidades humanas, incluindo a atividade criatória, representa uma estratégia de mitigação dos efeitos combinados do aquecimento global e do processo de A A B 121 desertificação, no SAB, para Angelotti et al. (2015) uma das regiões brasileiras mais afetadas pelos desdobramentos do aumento da temperatura global. É importante ressaltar, que o desenvolvimento da faveleira na AD, além da facilitação do recrutamento de outras espécies, outros bens ambientais passam a ser oferecidos gradativamente, como amenizar a temperatura no local e o retorno da fauna silvestre. Por fim, o reflorestamento com essa xerófita, mostrou-se ser viável pela possibilidade de povoamento do sítio desertificado, com uso de recursos mobilizáveis na propriedade, possibilitando a reincorporação dessas áreas à pecuária, apontando uma alternativa plausível para reabilitação das áreas desertificadas, singela e acessível aos agricultores, sem que caiba o uso de espécies exóticas que, em geral, paralelo às vantagens apontadas, as desvantagens acumulam-se com o passar do tempo. Essa proposta de reabilitação de AD, alicerçada nas dimensões sociopolíticas, éticas, culturais e ambientais, se alinha com as proposições de Etges (2001); Bezerra (2011); Maturana (2001), com referência a valia para a sustentabilidade no espaço rural, da valoração da endogenia, incorporando conhecimentos e saberes novos, capazes de melhorar a qualidade de vida da população. Também se alinha com convicções postas na Agenda 21 (1996), ao ressaltar que os agricultores, devem conservar o meio físico, pois dependem dele para sua subsistência. É importante destacar que, no entorno da área do reflorestamento, não verificou-se a presença da faveleira, num raio de aproximadamente 150 m. Neste sentido, a introdução do vegetal, como nos ensina Tricart (1977); Angelotti et al. (2015), compreende a construção de trajetória focada na busca do desenvolvimento sustentável, contribuindo para promover a redução dos impactos das mudanças climáticas e do processo de desertificação, à luz da promoção da diversidade biológica e dialogando com a sociedade local. 5. REPLICABILIDADE DA PRODUÇÃO DE MUDAS DE FAVELA VIA SEMENTEIRA A simplificação do plantio do vegetal em campo, via semeio em sementeira, concorreu para que os agricultores aceitassem a proposta da coordenação da pesquisa, de implantação de uma sementeira, em outubro de 2015, para plantio na propriedade e a doação de mudas excedentes, ao tempo que foi realizada uma apresentação da proposta de plantio da faveleira na comunidade, via palestra, por ocasião de uma assembleia da Associação Comunitária local (ASPAULO). A Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SMUMA), doou as sementes para o plantio e também implantou uma sementeira, em espaço público, próximo a zona urbana do município, com a produção 122 de mudas, destinadas aos agricultores de outras comunidades, interessados no plantio do vegetal, informados pelos conhecedores do trabalho e via divulgação pela imprensa local. A coordenação do projeto68 responsabilizou-se pela entrega das mudas na propriedade e o repasse da técnica de plantio. Entre os meses de janeiro e março de 2016, foi realizado o plantio de 1701 mudas, em 13 propriedades rurais do município da pesquisa e uma na vizinha municipalidade de Jardim do Seridó/RN. Seis famílias, aproximadamente 43%, foram informados do projeto via palestra realizada na associação de moradores da localidade do estudo. Porcentagem semelhante, foi informada através de terceiros, enquanto duas, por volta de 14%, ficaram cientes através de matéria veiculada na rádio comunitária da municipalidade. É importante ressaltar, que todas as áreas se encontravam sendo exploradas com o pastoreio de bovinos, ovinos e caprinos. Em seis propriedades, verificou-se a presença da faveleira, no entorno da clareira, onde foi realizado o plantio. O quadro 1, apresenta um resumo quantitativo do plantio do vegetal, pelos agricultores. Quadro 1: Informações referentes à localidade rural do plantio (LP); total de trabalhadores (as) da propriedade (TP); total de mudas plantadas (MP); estimativa da área de plantio (hectares/HA). LP TP MP HA São Paulo 04 600 1.5 Ipueira Grande 04 100 0,4 Morrinhos 02 35 0,2 Pitombeira 04 36 0,2 Flores 02 100 1,0 Melado 08 250 1.1 R. do Roçado 03 70 0.5 Alto Grande 03 55 0.3 São Paulo 05 55 0.3 São Paulo 02 50 0.3 R. Roçado 07 20 0.1 Cajazeiras 02 30 0.2 Ipueira Grande 02 180 0.6 Manhoso 04 120 0.4 Total 52 1701 7.1 Fonte: Elaboração dos autores A área total de 7,1ha, plantada nas 14 propriedades, 4,8ha, por volta de 68%, foram introduzidas 1157 mudas, em oito imóveis rurais, em clareiras florestais originadas de uma associação da semiaridez com o pastoreio. Nas 2,3ha restantes, aproximadamente 32% da área, foram plantadas 68 O primeiro autor, trabalhou na agricultura e na pecuária, por mais de 20 anos, na municipalidade de desenvolvimento da pesquisa. Atualmente, participa de associação comunitária rural, na condição de associado. 123 545 mudas, em seis propriedades, em clareiras florestais provenientes de desmatamentos, para uso do solo, com fins agropecuários. A iniciativa de replicabilidade de resultados de pesquisas científicas, sem a necessidade de cifras orçamentárias diretas, está amparada no que diz Tricart (1977), ao ressaltar que, muitos aspectos da gestão do território, podem ser empreendidos sem grandes somas financeiras, aproveitando-se o trabalho corretamente orientado das populações rurais. O autor ressalta que, aos técnicos, cabe definir como o trabalho deverá ser conduzido, em conformidade com o concurso e aceitação dos interessados. Na sua corroboração Sen (2000); Bezerra (2011), salienta a centralidade exercida pela participação popular, no enfretamento de problemas que tem minado o desenvolvimento. O plantio da faveleira, realizado em clareiras florestais, provenientes de desmatamentos ou resultante de uma combinação entre a semiaridez e o pastoreio, de sorte que os fragmentos de caatinga adjacentes são mantidos na íntegra, origina a expectativa iminente de que, num futuro próximo, as áreas perturbadas tenham os benefícios de uma cobertura com dossel, imprescindível no melhoramento da estrutura horizontal da comunidade, no resgate da proteção do solo e na mitigação da erosão hídrica, para Acioly et al. (2002) o principal fator das perdas de solo, no Núcleo de Desertificação do Seridó (NDS). Esses autores (ACIOLY et al., 2002), estudando áreas de ocorrência de desertificação, no Nordeste brasileiro, através de imagens de satélites, verificaram que os locais com a presença de solos da classe Neossolo Litólico e onde havia predominância de afloramentos de rocha, se encontravam entre as áreas onde constatou-se o aumento do albedo. Essa classe de solos, também foi tipificada no estudo, como se encontrando entre os mais susceptíveis à erosão. Aliado a isso, Tricart (1977); Vieira e Verdum (2015), salientaram que a vegetação freia o escoamento e a retirada de detritos, favorecendo a pedogênese, enquanto Salemi et al. (2011) acreditam que o estrato vegetacional, atua na recuperação dos atributos hidrológicos do solo. É importante destacar, que a participação das comunidades locais, em ações focada na conservação dos recursos florestais, entende-se como relevante para aguçar o espírito conservacionista dos agricultores, rompendo as barreiras de uma cultura secular que tem associado o desenvolvimento econômico ao desmatamento, partindo do princípio de que, onde antes se desmatava, agora vem se realizando o enriquecimento dos remanescentes de caatinga, com espécie endêmica, com potencial para promover o aumento da diversidade biológica, corroborando com a vertente desenvolvimentista com preocupações concretas com o desenvolvimento sustentável e com o resgate da biodiversidade ecológica e cultural. 124 A mobilização de um pool de variáveis, incluindo espécie-chave cultural, a participação dos agentes sociais remanescentes nas áreas degradas, para promover o reflorestamento, está em compasso com as convenções assinadas pelas nações (incluindo o Brasil), no trato de temas como aquecimento global, combate à desertificação, diversidade biológica. Ao tempo que, a recuperação de áreas degradadas, assume importância relevante, produzindo conhecimento e tecnologias que contribuem para a implantação de modelos sustentáveis de uso dos recursos naturais, incluindo o solo, água e biodiversidade. Corroborando com essa assertiva, Angelotti et al. (2015) ressaltaram que a interação entre ações de adaptação, mitigação e desenvolvimento sustentável, são básicos na construção de caminhos resilientes, aos cenários resultantes das mudanças climáticas. Numa visão aproximada Sousa (2014, p. 39) revela que “[...] o estudo com espécie-chave cultural será vantajoso para a interpretação das mudanças e para as reestruturações ecológicas e sociais.” Outra expectativa para as comunidades locais, embora a longo prazo, criada com a introdução da faveleira, se refere a coleta de sementes para alimentação humana, em caráter de subsistência, hábito secular nas áreas com a presença do vegetal, no NDS, com possibilidade de criação de uma cadeia produtiva para os seus subprodutos, ocupando espaço no nicho de mercado em ascensão, dos produtos orgânicos. CONSIDERAÇÕES FINAIS O uso de recursos humanos e materiais presentes na propriedade foram matizes imprescindíveis na viabilização do reflorestamento da AD, assim como na promoção da replicação da pesquisa pelos atores locais. O trabalho se desenvolveu como área piloto, embora com a preocupação implícita de apresentar à sociedade, uma estratégia de fácil apreensão, adaptação ao meio e viabilidade para as comunidades, o que terminou por consumar-se. O uso da faveleira, na reabilitação de AD, mostrou-se ecologicamente e economicamente sustentável, por induzir o recrutamento de espécies da vizinhança para o sítio degradado e pelo fato de produzir biomassa para o pastoreio praticado na área. O reflorestamento da AD, com a faveleira, realizado em ano de chuvas abaixo da média, a taxa de sobrevivência acima de 70%, demonstra a relevância do uso do vegetal em projetos dessa natureza. 125 O uso de plantas com cerca de 120 dias de nascimento, associado ao plantio nas primeiras chuvas do ano e a criação de microambiente, com a camada de pedras, no entorno da planta foram variáveis relevantes para a taxa de sobrevivência (TS) registrada. Embora a produção de mudas, via sementeira, tenha revelado maior taxa de mortalidade e menor crescimento no período de 12 meses, é a técnica mais apropriada para plantio do vegetal em grande escala, por abreviar sobremaneira os custos, promovendo maior acessibilidade por parte dos agricultores. A replicação da técnica no ano de 2016, com o plantio de 1701 mudas, em 14 propriedades rurais, comprova essa constatação. REFERÊNCIAS ACCIOLY, L. J. O., COSTA, T. C. C., OLIVEIRA, M. A. J., SILVA, F. H. B. B; BURGOS. O Papel do Sensoriamento Remoto na Avaliação e no Monitoramento dos Processos de Desertificação do Semi-Árido Brasileiro. In: I Simpósio Regional de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto Aracaju/SE. Anais... Aracaju, 17 e 18 de outubro de 2002. ANGELOTTI, D. S.; GIONGO, V.; SIGNOR, D. Mudanças Climáticas no Semiárido Brasileiro: Experiências e Oportunidades para o Desenvolvimento. Revista Brasileira de Geografia Física, v.08, número especial IV SMUD, p. 484-495, 2015. ARAGÃO, A. 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Em tempos remotos, as sementes representavam importante artigo de subsistência das famílias nessas circunstâncias. As raízes eram artigo de relevância na manutenção do rebanho, tanto para animais que garantiam a produção de leite quanto aqueles que estavam sendo preparados para o abate (bovinos, ovinos, suínos) e até animais silvestres. As folhas secas permanecem como nobre fonte de alimento para o rebanho. Essas variáveis, associado ao fato de ser endêmica desse bioma, apresentar resiliência com ambientes diversos, ser portadora de mecanismos ultra-eficientes para conviver com limitações de água e solo credenciam esse táxon para uso na reabilitação de áreas de ocorrência da desertificação no NDS. Para isso, algumas variantes verificadas no interregno da pesquisa valem ser mensuradas. A primeira se remete à produção de mudas, via sementeira, o que simplifica a labuta na produção de mudas e transplantio, possibilitando os agricultores dividir essas tarefas com outros afazeres cotidianos da propriedade. Em observações de campo no entorno das faveleiras plantadas na APD e na AD constatou-se que o vegetal tem se estabelecido nessas áreas, demonstrando que as atuais clareiras florestais adiante poderão ter uma cobertura com dossel estabelecida. Outro elemento digno de menção se refere ao povoamento do microssítio de introdução do vegetal por parte de espécies vegetais existentes na comunidade vegetal adjacente. Esses elementos revelaram a qualificação do vegetal no processo de reabilitação de APD e de AD no NDS. Para a AD as mudas produzidas na sementeira, embora apresentando uma TS e de crescimento inferior, revelou-se mais apropriada para replicação dos resultados da pesquisa por incorrer em facilidades incomparáveis, pois o tempo gasto para produção das mudas e o transporte para campo foram estimados em 20% do que é demandado com uso de embalagens na produção de mudas. 130 Apesar dessas constatações, alguns aspectos acerca dos procedimentos usados no plantio da faveleira valem relato, tais como: o plantio com mudas com cerca de quatro meses de idade; o anteparo de pedras depositados no entorno do microhabitat, concorrendo na captação e manutenção da umidade das parcas chuvas (incluindo as chuvas fora de época) e na retenção de partículas orgânicas, sementes e pequenas frações rochosas, transportáveis sobretudo pelas enxurradas. Por fim, o fato de ser uma CKS, motiva os agricultores a envolverem-se no plantio nas suas terras, variável potencializada pela possibilidade de plantio em anos de seca e em meio ao pastoreio. O uso da faveleira na reabilitação de APD e da AD, associado à divulgação de informações sobre o vegetal via cartilha, abrem alas para sua conservação, incluindo nesse envelope os conhecimentos tradicionais, para a preservação e ampliação da produtividade das áreas de caatinga de ocorrência de desertificação69, otimizando o fornecimento de bens ambientais notadamente aqueles vinculados ao fortalecimento das atividades rurais. Os benefícios apresentados pela reabilitação de áreas degradas no NDS com o plantio da faveleira, vem a cabo em duas frentes. A primeira se efetiva na estação úmida em função do aporte de biomassa produzida pelas plantas que emergem espontaneamente no microambiente de entorno das plantas. Na estação de estio, esse aporte provém do amadurecimento e queda das folhas do vegetal consumíveis quando secas e, quando adultas, também das sementes. Essas últimas, também compõem a dieta humana. Os elementos retrocitados sobre as qualidades da faveleira, consubstanciado com os resultados obtidos com o plantio do vegetal, abrem caminho para uso em alta escala, na reabilitação de áreas perturbadas pela desertificação, contribuindo na mitigação dos efeitos desse problema e do aquecimento global sobre o SAB. Numa perspectiva a longo prazo, espera-se que a farinha, fuba ou farofa produzida a partir da semente do vegetal, assim como o óleo, sejam efetivamente incorporados na dieta regional, através da comercialização pelo agricultores, criando uma cadeia produtiva para esses subprodutos do vegetal, aproveitando o nicho em ascensão oferecido pelo consumo de produtos orgânicos. Outra potencialidade em evidência com o uso da faveleira na reabilitação de APD e AD é a conservação dos fragmentos de caatinga situados no entorno das clareiras de plantio, fundamental no fornecimento de propágulos para a área florestada. São variáveis que se encontram em compasso com 69 É importante citar que a ação de plantio da faveleira, em áreas degradas pelas desertificação implantada como política pública do biênio 2016-17, foi incluído no Plano Plurianual (PPA) no quadriênio 2018-21, do município de São José do Seridó/RN. 131 as ações de mitigação do processo de desertificação e das mudanças climáticas internacionalmente assumidos pelo país. A pesquisa em tela, a viabilidade técnica e a replicabilidade são “crias” de uma inteligibilidade entre a academia e os atores locais, tendo o desenvolvimento sustentável como meta. Portanto, o aspecto digno de relevo no trabalho é o ímpeto para superação das arestas recorrentes em iniciativas dessa natureza, abrindo alas para que outros pesquisadores sintam-se encorajados para replicar iniciativas semelhantes. Os conhecimentos elencados sobre o vegetal apresentam uma possibilidade iminente de aplicabilidade pela Ciência Geográfica em pesquisas, focadas no combate aos efeitos do processo de desertificação no Nordeste brasileiro. 132 REFERÊNCIAS ANGELOTTI, D. S.; SIGNOR, D.; GIONGO, V. Mudanças climáticas no semiárido brasileiro: experiências e oportunidades para o desenvolvimento. Revista Brasileira de Geografia Física, v.08, número especial, IV SMUD (2015). p. 484-495. ALBUQUERQUE, U. P.; SILVA, V. A. Técnicas para análise de dados etnobotânicos. In: ALBUQUERQUE, U. P.; LUCENA, R. F. P. Métodos e técnicas na pesquisa etnobotânica. Recife: UFRPE, 2004. ALBUQUERQUE, U.P. Introdução à etnobotânica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Interciência, 2005. ALEXANDRE, A. 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Você já plantou esse vegetal? Por quê? É favorável ao plantio? Por quê? 139 APÊNDICE B - REFLORESTAMENTO EM ÁREAS DE OCORRÊNCIA DA DESERTIFICAÇÃO NO SEMIÁRIDO NORTERIOGRANDENSE COM A FAVELEIRA (Cnidoscolus quercifolius) REFLORESTAMENTO EM ÁREAS DE OCORRÊNCIA DA DESERTIFICAÇÃO NO SEMIÁRIDO NORTERIOGRANDENSE COM A FAVELEIRA (Cnidoscolus quercifolius) Josimar Araújo de Medeiros Magdi Ahmed Ibrahim Aloufa São José do Seridó/RN 2017 SOBRE OS AUTORES Josimar Araújo de Medeiros¹, Magdi Ahmed Ibrahim Aloufa² ¹ Por mais de 20 anos, trabalhou na agricultura e na pecuária, com atuação no Sindicato de Trabalhadores Rurais do município de São José do Seridó/RN e na organização de comunidades rurais. É membro da Associação dos produtores e Pescadores da Comunidade Rural São Paulo. Atuou por dois anos, no Grupo de Estudos Sobre a Desertificação no Seridó (GEDS). Atualmente, é professor da E. E. Prof. Raimundo Silvino da Costa, São José do Seridó/RN. O conteúdo dessa cartilha é resultante de pesquisas, realizadas sobre a faveleira, para elaboração da Tese de Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema/UFRN). josimarsaojosedoserido@gmail.com ² Professor do Departamento de Botânica e Zoologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coordenador do Laboratório de Biotecnologia de conservação de espécies nativas do Rio Grande do Norte – LABCEN. Orientador da Tese de Doutorado que originou essa cartilha. magdialoufal@gmail.com 140 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................................... 141 FALANDO DA FAVELEIRA .................................................................................................................... 142 USOS DA FAVELEIRA PELAS COMUNIDADES ................................................................................ 144 COLETA DE SEMENTES DE FAVELEIRA PARA O PLANTIO ....................................................... 145 PLANTIO DA FAVELEIRA EM ÁREAS DE OCORRÊNCIA DA DESERTIFICAÇÃO ................. 146 OBSERVAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 149 141 APRESENTAÇÃO No Brasil a institucionalização da questão ambiental, tem reorientado o processo democrático na direção de desafios novos, sendo que, as lutas em defesa do meio ambiente, tem contribuído na introdução de princípios democráticos, nas relações sociais em função da sensibilidade com relação a dependência da natureza. O fato de ser a sede da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro é prova dessa constatação. O Bioma Caatinga, único no mundo, a preservação da rica biodiversidade que comporta é importante, tanto para o ecossistema, como para o sustento das famílias da região, por representar importante fonte de subsistência para o homem e para seus rebanhos. Apesar disso, em muitas áreas vem ocorrendo o desaparecimento da vegetação, com prejuízos para as atividades humanas. Esse fenômeno, que ocorre no Nordeste brasileiro é chamado de desertificação. A imagem a seguir apresenta duas áreas onde esse problema já é visível a olho nu. Vejamos que, na primeira (A) apenas nasce capim panasco, na estação das águas, com o solo úmido, enquanto a outra (B), o solo já perdeu as condições necessárias ao nascimento e crescimento de plantas, se transformando em área desertificada. Ou seja, não reúne mais condições para as plantas nascer e crescer. Fig. A: Área em processo de desertificação pois a vegetação vem desaparecendo e B: área desertificada pois na estação chuvosa não nasce mais capim durante as chuvas. Solos com essas características ficam empobrecidos e secos pela radiação solar e pelo vento, provocando o avanço da aridez e da desertificação. As possibilidades de aproveitamento dos recursos oferecidos pela Terra, como alimento para os animais silvestres, para o rebanho, frutos e madeira para uso pelo homem, armazenamento de água no subsolo, ficam escassos. Por isso, o reflorestamento se apresenta como a principal medida de reversão. Sensível a necessidade de encontrar alternativas para reflorestamento dessas áreas, apresentamos resultados de pesquisas que realizamos, nos últimos nove anos, sobre a faveleira, através de observações nas comunidades vegetais com a presença dessa xerófita, contato direto com populações das comunidades rurais e o plantio do vegetal, em áreas de ocorrência de desertificação, do Núcleo de Desertificação do Seridó/RN (A). A B 142 Fig. A: Na área em vermelho, localiza-se o Núcleo de Desertificação do Seridó/RN, onde estão situados os municípios de Caicó e São José do Seridó, local do estudo. Essa cartilha, objetiva divulgar resultados de trabalho de entrevistas com populações do campo, sobre a faveleira e com o uso da planta no reflorestamento de áreas de ocorrência de Desertificação. Esse vegetal é encontrado em meio a Caatinga do Semiárido brasileiro. FALANDO DA FAVELEIRA Desde tempos mais antigos, o homem se utiliza das espécies vegetais nativas, na alimentação dos seus rebanhos, na sua alimentação propriamente dita. A esse uso vital, tem sido acrescido usos cada vez mais sofisticados, a medida em que o conhecimento sobre o manejo do ambiente foi sendo acumulado, como o emprego para cozinhar os alimentos, na construção de abrigos, como resultado da curiosidade das populações. Mais recentemente, a Ciência começa a extrair, pesquisar e aplicar essas essências. Os primeiros trabalhos sobre a faveleira, cujo nome científico é Cnidoscolus quercifolius, foram realizados no ano de 1923. É um vegetal cujas folhas caem ao final das chuvas, embora caso seja mantida irrigada, permanece verde e frutificado o ano todo, conforme verificado nas imagens abaixo, em que plantas estavam desramadas no mês de novembro de 2015 (A), enquanto a que se encontrava perto de área irrigada, se encontrava verde e frutificando (B). Esse fenômeno constatou-se a repetição no ano de 2016. Fig. A: Faveleira com queda total das folhas e B: com folhas, flores e frutos, por se encontrar junto a área irrigada. Em função da importância, no funcionamento da comunidade vegetal onde essa xerófita é encontrada, assim como também pela relação estreita com a cultura do sertanejo é denominada de espécie-chave cultural (CKS). As raízes são tuberculadas, com a presença de reservas alimentares elaborada durante as chuvas, para manutenção vegetal durante a seca. Essa característica ainda ajuda na resistência a seca, o que faz da faveleira uma das plantas mais resistentes da caatinga. Essa A B 143 singularidade, contribui na proteção de outras plantas que crescem sob a sua copa e para a fauna que usam os recursos na alimentação e como abrigo. Geograficamente, se encontra distribuída nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Portanto, não sendo registrada noutro bioma brasileiro. Destaca-se no meio dos outros vegetais, pela resistência a semiaridez e por apresentar até 10m de altura, com seus galhos acima das demais plantas da Caatinga. Além disso, se em algumas áreas é muito presente em meio as outras espécies, noutras são poucos os registros da sua presença. O Seridó do Rio Grande do Norte, compreende uma das regiões, que comporta as maiores densidades de povoamento do vegetal do Nordeste brasileiro. Porém, por questões ainda pouco conhecidas, enquanto em muitas áreas é bem distribuída na paisagem, conforme verificado na Comunidade Barra do Rio, São José do Seridó/RN (A), também é possível caminhar quilômetros pelas estradas de terra, sem constatar a sua presença, conforme constatado noutras localidades do mesmo município (B). Fig. A: Comunidade rural Barra do Rio, onde existe muita faveleira e B: comunidade São Paulo, onde não se verifica a presença dessa planta, ambas no município de São José do Seridó/RN. As figuras abaixo mostram favelas na estação chuvosa com uma diversidade de plantas que nasceram e cresceram embaixo da copa (A). A jurema preta, pereiro, juazeiro, velame, marmeleiro, cardeiro, xique-xique, além de plantas herbáceas que nascem e desaparecem apenas durante as chuvas, estão entre as plantas que a faveleira acolhe sob sua copa. Fig. A: Faveleiras com plantas lenhosas e herbáceas sob a copa. Desenvolve-se em solos mais profundos, próximos a riachos (A) e até em aberturas nas rochas (B), verificado na zona rural do município de São José do Seridó/RN. Ainda são encontradas em áreas degradas, perto das cidades e ao redor de estradas, onde ocorreu retirada de solo. B A A 144 Fig. A: Faveleira com cerca de nove metros de altura, por traz de um açude e B: Em meio as rochas. Apresenta frutos que se abrem-se de forma explosiva, com as sementes sendo alçado a até 30m. As sementes também são dispersas para outras áreas através das chuvas, aves, formigas e pelo homem. USOS DA FAVELEIRA PELAS COMUNIDADES É uma planta de muita importância, para as populações do Nordeste brasileiro. As folhas secas, são muito importantes na atividade pecuária, pois caem no fim da estação chuvosa, quando a oferta de capim para uso animal escasseia. São muito apreciadas por ovinos, caprinos e bovinos (A). Tanto bovinos, como ovinos e caprinos, importantes rebanhos das áreas com a presença da faveleira, engordam com a queda das folhas do vegetal, rica em proteínas (B). A casca, além de alimento de animais criados pelo homem, também é consumida por animais nativos, como o mocó (C). Fig. A: Ovinos se alimentando das folhas da faveleira; B: Folhas dessa planta no solo e C: Caule sem a casca, por ter sido consumida pelo mocó. As raízes, são usadas para alimentar o rebanho, diretamente exploradas pelos animais (como suínos, bodes e jumentos), que arrancam as raízes no campo para se alimentar ou servidas após arrancadas e cortadas pelo homem. Também é apreciada pelos mamíferos nativos, como o tatu. As sementes são alimento para aves e mamíferos nativos da caatinga e de animais criados pelo homem como, caprinos, ovinos, galinhas e guinés. Muitas aves (como a casaca-de-couro) e abelhas), constroem seus ninhos (A) e colmeias (enxu) (B) sobre seus galhos. As sementes são alimento para aves e mamíferos nativos da caatinga e de animais criados pelo homem como, caprinos, ovinos, galinhas e guinés. O homem, consume as sementes do jeito que são coletadas no solo ou nos galhos e na produção de farinha ou fuba. Na zona urbana de São José do Seridó/RN, o agricultor F.G.S., 77 anos, cultiva o hábito iniciado a mais de 65 anos, de coletar as sementes da favela para produção fuba, para uso na alimentação da família. Após a moagem num moinho manual, juntamente com farinha de mandioca é peneirada (C). Na etapa seguinte é adicionado açúcar ou rapadura. O que sobra, serve de alimento para galinhas. No passado, as famílias que não possuíam o moinho, as sementes eram pisadas num pilão. A B C B A 145 Fig. A: Ninho de aves em Faveleira, B: Colmeia (enxu) de abelhas e C: Agricultor fazendo fuba de semente da faveleira. As sementes ainda permitem a extração de óleo (A), usado na cura de doenças e na alimentação humana. Outra substância extraída das sementes é o leite. Após pisadas ou moídas e colocadas para ferver em água quente, origina um leite (B) que era usado pelas famílias, como substituição ao leite de gado, para fazer umbuzada, no tempero de alimentos, como arroz, cuscuz e peixe. Fig. A: Óleo e B: leite, ambos extraídos da semente da faveleira. A madeira é usada para fazer cochos (A), para servir alimento aos animais, mesas (B), cavaletes e canoas para atravessar açudes, cozinhar alimentos, nas cerâmicas e caieiras (C), para queima de telhas, tijolos e das pedras usadas na produção da a cal. Fig. Uso da madeira da faveleira: A: Cocho, com sal para uso animal; B: Mesa usada em residência rural e C: Tora junto a um forno para produzir a cal. COLETA DE SEMENTES DE FAVELEIRA PARA O PLANTIO Nas áreas, com presença elevada da faveleira, a coleta de sementes para plantio ou uso alimentar, poderá ser realizado com a coleta do fruto, ainda na planta, após o início da secagem e depois da explosão. Neste caso, coletados no solo, sob as plantas. Um agricultor gasta cerca de 6 h para fazer a coleta de 1 Kg de sementes. Uma amostra de 400 sementes, retiradas aleatoriamente de 1 kg, coletadas no solo, sob vinte plantas adultas entre os meses de abril e maio de 2015, nas adjacências da cidade de São José do Seridó/RN, cada semente pesou o equivalente a 0,29 g. São muitas as dificuldades, para se realizar a coleta de semente da faveleira. Em muitas propriedades rurais, a planta não existe ou é muito rara. A outra dificuldade, se refere a abertura explosiva do fruto, arremessando as sementes à até 30 metros da planta. A B B A C B A C 146 Mesmo existindo muitas faveleiras e uma elevada produção de sementes, são muito consumidas pelos ovinos, caprinos, galinhas, guinés, arribaçãos, Juritis, lambus e outros animais que coletam as sementes junto ao solo, desde as primeiras horas do dia, até o anoitecer. É bom lembrar que, nos anos de seca severa, a produção de semente é reduzida. As dificuldades para coleta de sementes, para o plantio, poderão ser reduzidas, com a coleta dos frutos, ainda verdes e colocados ao sol, para secar, num recipiente telado, para evitar que sejam alçadas para longe, no momento da abertura do fruto. A faveleira, em solos mais profundos, frutifica por mais de seis meses do ano. Quando se encontra por traz de açude, com água ou próximo de área irrigada, passa todo ano frutificando. Dessa forma, sementes para plantio poderão ser coletadas por todo ano, diretamente na planta, com os frutos ainda verdes. Porém, nem todas as sementes estarão prontas para germinar. As sementes da faveleira, apresentam um aspecto escuro quanto prontas para nascer. Por isso, aquelas que ainda estão brancas não germinam. As figuras abaixo mostram flores e frutos verdes da faveleira (A) e as sementes brancas e escuras (B), coletadas de frutos verdes, no segundo semestre de 2015. Fig. A: Folhas, flores e o fruto da faveleira e B: Sementes coletadas de frutos verdes, em faveleiras irrigadas. Embora essa alternativa, possibilite superar as dificuldades para se coletar sementes da faveleira, uma vez que não compete com os animais, a taxa de germinação revelou-se baixa. 60 sementes, retiradas de um lote de 500, coletadas no primeiro semestre de 2015, postas para germinar, no primeiro semestre de 2016 germinaram 18. A germinação de sementes coletadas junto ao solo, 60 sementes postas para germinar, mais de 30 nasceram. PLANTIO DA FAVELEIRA EM ÁREAS DE OCORRÊNCIA DA DESERTIFICAÇÃO O plantio de árvores, deixa o clima mais ameno, reduz a erosão, além de contribuir para o desenvolvimento econômico, principalmente quando é uma planta muito usada pelo homem, como a faveleira. Por isso, é uma medida importante no combate à desertificação. O plantio pode ser realizado através do semeio das sementes no campo ou através do preparo de mudas. Porém, como após o nascimento, as plantinhas, nascidas no campo, são muito vulneráveis a irregularidade das chuvas e ao ataque por parte de animais, a maioria não consegue sobreviver. Por isso, aconselha-se o preparo das plantas, em Viveiro de Mudas e realizar o plantio, em campo, com cerca de quatro meses de nascimento e raízes bem desenvolvidas. Além disso, é importante realizar o plantio, após as primeiras chuvas do ano, quando o solo se encontra bem molhado. Com relação ao material a ser usado, na produção de mudas, basta fazer uma mistura de lama de açude, areia e estrumo em quantidades iguais (A). O semeio poderá ser realizado em embalagens plásticas de 1Kg, que já foram usadas para guardar alimentos (açucar, leite, iorgute, etc) (B) e irrigadas em dias alternados. Uma das vantagens dessa tecnica é que, a taxa de sobrevivencia após o plantio em campo, ultrapassa 90%, mesmo com o plantio em ano de seca e em área degradada. Uma das desvantagens, para o seu uso, por agricultores, é justamente o fato de gastar muito tempo para encher as embalagens para o semeio, quando se deseja o plantio em grande quantidade e a dificuldade para se transportar as mudas, até a área de plantio, que em geral não apresenta estradas para acesso. B A 147 . Fig. A: Agricultores fazendo o preparo do material (barro, estrumo e areia) para o preparo de mudas de faveleira e B: Mudas em embalagens plásticas, cerca de 120 dias após o nascimento. A produção de mudas, diretamente no solo, na forma de sementeira (A), com o uso do mesmo material, a taxa de sobrevivencia, nas mesmas condições impostas as mudas produzidas nas embalagens plásticas, não chega a 80%. Por outro lado, o trabalho de semeio e transporte das mudas para o campo, é muito reduzido. Só para exemplificar, uma planta com 56 cm de altura, na embalagem, pesou 952 g. Com a retirada da embalagem com o material, foi reduzido para 118 g. Outro ponto favorável é o maior crescimento da planta na sementeira. 48 sementes, postas a germinar, metade em oito embalagens plásticas e a outra metade em sementeira, com mesmo material e em mesmas condições ambientais, 50 dias após a semeadura, a plantas das embalagens, apresentavam altura média de 7 cm, enquanto as da sementeira, de 19 cm. Após quatro meses, as plantas são arrancadas, com uso de uma alavanca (B). São preservadas só as folhas da parte superior, medida que objetiva reduzir as mortes. É importante lembrar, que as sementes da faveleira apresentam dormência. Por isso, o semeio deverá ser realizado com um mínimo de quatro meses após a coleta. A germinação, tem início, 10 dias após o semeio. Fig. A: Faveleiras que nasceram numa sementeira no solo e B: faveleiras arrancadas com uma alavanca e retirado a maior parte das folhas para o plantio no campo. Com relação ao plantio em campo, uma estratégia muito apropriada para os anos muito irregulares, é a escavação das covas, no início das chuvas, mesmo com o solo seco e deixá-las ficar cheias de água para poder realizar o plantio. A grande vantagem é que, mesmo com chuva de 10 mm, é possível encharcar a cova, o que faz com que a planta tenha ótima desenvoltura. Além disso, possibilita o plantio logo nas primeiras chuvas que, no Semiárido, em geral, são poucas e irregulares. Nas áreas sem vegetação, onde a água da chuva enfrenta dificuldades de penetração no solo, essa estratégia se torna ainda mais interessante. Veja como isso é importante. A cova que apresenta a marca d’água (A), foi cavada antes de uma chuva de 10 mm, enquanto a outra, que apresenta a terra seca (B), foi feita a escavação, no dia seguinte da ocorrência da chuva. Veja como se encontrava a faveleira, plantada na cova que acumulou água, um mês depois do plantio (C). Nos anos de muita chuva, as covas poderão ser cavadas com o solo bem molhado, com o plantio realizado logo a seguir. A B A B 148 Fig. A: Cova com marca da água que recebeu da chuva; B: Cova cavada após a chuva com a terra seca e C: faveleira plantada na cova que recebeu água, um mês após o plantio. Após o plantio, uma camada de pedras, coletadas no local, deverá ser colocada ao redor da planta (A), sombreando o local, mantendo a água disponível para a planta, por maior tempo, além de contribuir para captar a água das chuvas, juntamente com o material transportado: solo, folhas e sementes. Com isso, adubando e deixando o local mais úmido. Favelas plantadas desse jeito, logo no primeiro ano, constata-se uma verdadeira explosão de vida ao seu redor com o aparecimento de plantas herbáceas e lenhosas (B). Fig. A: Amontoado de pedras no tronco da faveleira para ajudar no armazenamento de água da chuva e B: plantas que nasceram no entorno da faveleira, na estação chuvosa. As plantas que nascem ao redor da faveleira, a maioria, já são usadas pelos animais que pastejam na área. Com relação ao tempo gasto na escavação, plantio e deposição da cobertura de pedras em uma cova, realizado por trabalhador com habilidade nessas tarefas, foi estimado entre dois e três minutos. No ano de 2016, iniciamos um trabalho de plantio dessa planta, no município de São José do Seridó/RN usando essa técnica. Ou seja, a produção de mudas em sementeira. Foram implantadas uma sementeira na comunidade rural São Paulo e outra na cidade, em outubro de 2015. Após divulgação do projeto, através de reuniões e na imprensa local, no mês de março de 2016, teve início a distribuição das mudas para os agricultores. A coordenação do projeto, responsabilizou-se pela entrega das mudas, nas propriedades e o repasse da maneira de realizar o plantio. Os agricultores, se encarregaram pela realização do plantio. Entre os meses de janeiro e março de 2016, foi realizado o plantio de 1.701 mudas de faveleira, em áreas de criação de gado, de 14 propriedades rurais, numa área total de aproximadamente, 7 hectares (A e B). A B C A B 149 Fig. A: Agricultores plantando a faveleira na propriedade e B: fazendo uma cobertura de pedras ao redor para ajudar no armazenamento de água da chuva. Essa técnica de reflorestamento de áreas sem cobertura vegetal com a faveleira, diante dos usos da planta pelo homem e da importância para a biota70, representa uma estratégia importante para uso como política pública para ameniza os efeitos do aquecimento global e do processo de desertificação no Bioma Caatinga.. OBSERVAÇÕES FINAIS → O plantio da faveleira, contribui para que o homem possa explorar economicamente áreas degradas, amenizando a temperatura no local, além de ajudar no acúmulo de água no solo. → Com os agricultores plantando a faveleira, nas suas terras, aumentará a produção de alimento para o gado, além de sensibilizar o homem do campo quanto as vantagens de preservar a vegetação e a prática de plantar árvores. → Com o plantio do vegetal, espera-se que quando adultas, outras área possam ser povoadas. → Outra expectativa criada é com relação a exploração comercial dos produtos da semente, compondo o mercado de produção orgânicos. 70 O termo biota compreende todos os seres vivos de uma área. B A REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AB’SÁBER, A. FLORAM: NORDESTE seco, 1990. Disponível em: . Acesso em 20 de agosto de 2012. AGENDA 2030, 2015. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: . Acesso em 6 de dezembro de 2015. ASSIS, A. L. et al. 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