MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS – PROFLETRAS O GÊNERO DISCURSIVO CORDEL: O PROCESSO DE AUTORIA DA ESCRITA DOS ALUNOS DO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL LADMIRES LUIZ GOMES DE CARVALHO NATAL 2016 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Carvalho, Ladmires Luiz Gomes de. O gênero discursivo cordel: o processo de autoria da escrita dos alunos do 9º ano do ensino fundamental / Ladmires Luiz Gomes de Carvalho. - 2017. 345f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Letras - Profletras. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria da Penha Casado Alves. 1. Prática pedagógica - literatura de cordel. 2. Língua portuguesa - escrita. 3. Literatura de cordel - gênero discursivo. I. Alves, Maria da Penha Casado. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 37.091.3:82-91 LADMIRES LUIZ GOMES DE CARVALHO O GÊNERO DISCURSIVO CORDEL: O PROCESSO DE AUTORIA DA ESCRITA DOS ALUNOS DO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras – Profletras como requisito para obtenção do grau de Mestre em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Área de concentração: Linguagens e Letramentos. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Penha Casado Alves. NATAL 2016 LADMIRES LUIZ GOMES DE CARVALHO O GÊNERO DISCURSIVO CORDEL: O PROCESSO DE AUTORIA DA ESCRITA DOS ALUNOS DO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras – Profletras como requisito para obtenção do grau de Mestre em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Banca examinadora: ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria da Penha Casado Alves (Orientadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Ivoneide Bezerra de Araújo Santos Marques (Examinador externo) Instituto Federal do Rio Grande do Norte - IFRN ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues (Examinador interno) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Conceito: “A” Natal, RN, 28 de novembro de 2016. Dedico este trabalho A minha avó querida (In memoriam) Que no tempo de eu menino Lia cordéis comovida Foi dela a motivação Que despertou a paixão Da leitura em minha vida. Também dedico ao meu pai Que da roça é um doutor Foi ele que um dia disse: – Seja um homem de valor Vá pra escola estudar Pra um dia se formar E ser um bom professor. AGRADECIMENTOS A Deus, por ter me proporcionado mais essa oportunidade na vida. Vem dEle a confiança em dias melhores para a profissão que escolhi. Aos que viabilizaram a política pública de um programa de pós-graduação em Letras direcionado a professores da educação básica. As escolas públicas deste imenso país só têm a ganhar com essa iniciativa formadora. A todos os professores doutores, que partilharam um pouco das suas experiências e de seus ensinamentos nas diversas disciplinas cursadas durante o mestrado profissional. Tudo foi, absolutamente, proveitoso. Aos amigos e familiares, que vibraram com esta minha conquista e souberam me incentivar a ser firme com a jornada de estudos que precisou ser conciliada com a vida profissional e pessoal. Aos colegas de turma, pela convivência fraterna e pela possibilidade de continuar praticando a generosidade e o companheirismo, duas virtudes que trago comigo desde sempre. Cada momento juntos serviu de muita aprendizagem para mim. Em especial, à minha orientadora, Professora Doutora Maria da Penha Casado Alves, com quem tive o privilégio de aprender sobre a teoria bakhtiniana. Todo o processo de interação verbal pautado no dialogismo de Bakhtin que ela me fez enxergar mudou a minha concepção de linguagem e o meu fazer de educador. Por fim, aos meus colegas professores, gestores e alunos da Escola Estadual Professor José Fernandes Machado, onde apliquei a pesquisa com o gênero discursivo cordel que vai estampada nas páginas desta dissertação. Minha eterna gratidão a todos. A palavra na vida, com toda evidência, não se centra em si mesma. Surge da situação extraverbal da vida e conserva com ela o vínculo mais estreito. E mais, a vida completa diretamente a palavra, que não pode ser separada da vida sem que perca seu sentido. Valentin Nikolaievich Volochinov (2013, p. 77) RESUMO Tendo em vista a necessidade de o professor de língua portuguesa estar constantemente mediando a promoção da leitura e da escrita na sala de aula, considerando a linguagem em seus aspectos pluridiscursivos, o trabalho do professor deve estar vinculado a práticas de ensino que ressignifiquem o fazer pedagógico. A partir dessa perspectiva, a presente pesquisa busca (re)conhecer o processo de autoria da escrita dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Professor José Fernandes Machado da cidade de Natal/RN. Para tanto, constituímos como objeto de investigação/intervenção o cordel, gênero discursivo que, geralmente, não faz parte do rol canônico adotado pelas escolas. Nesse contexto, o presente trabalho teve como objetivo geral a tarefa de sistematizar o gênero discursivo cordel como auxiliar no processo de autoria da escrita dos alunos do 9º ano, valendo-se de uma Sequência Didática que orientou toda a produção escrita. A experiência parte de uma situação comunicativa real: um concurso de literatura de cordel para o qual os alunos foram convidados a produzir textos autorais. Além disso, houve a publicação dos cordéis produzidos em formato de folhetos para ser compartilhados com leitores da comunidade escolar na qual estão situados os sujeitos pesquisados. Esta pesquisa tem como base a teoria de Bakhtin (2011, 2015) e do Círculo, considerando o dialogismo da linguagem em atividade concreta de uso. Para subsidiar do trabalho com a Sequência Didática, procuramos ancoragem em Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004) e Lopes-Rossi (2011). Já o estudo do gênero discursivo cordel teve por base autores como Batista (1977), Maxado (2012) e Santos (2006); e os estudos relacionados à escrita encontram subsídios em Garcez (2010) e Geraldi (2013), entre outros. A vertente da pesquisa é de cunho qualitativo/descritivo/explicativo, centrada na Análise Dialógica do Discurso (ADD) e contemplou três categorias discursivas: composição, autoria e estilo, levando em consideração as relações dialógicas dos enunciados. PALAVRAS-CHAVE: Gênero discursivo cordel. Escrita. Autoria. Sequência Didática. ABSTRACT Considering the need for the Portuguese language teacher to be constantly mediating the promotion of reading and writing in the classroom, considering the language in its pluridiscursive aspects, the work of the teacher must be linked to teaching practices that resignify the pedagogical doing . From this perspective, the present research seeks to (re) know the process of authoring the writing of the students of the 9th grade of the Elementary School of the State School Professor José Fernandes Machado of the city of Natal / RN. To this end, we constitute as object of investigation / intervention the cordel, discursive genre that, generally, is not part of the canonical roll adopted by the schools. In this context, the present work had as general objective the task of systematizing the discursive cordel genre as an aid in the process of authorship of the 9th grade students, using a Didactic Sequence that guided all written production. The experience starts from a real communicative situation: a string literature competition for which students were invited to produce copyrighted texts. In addition, there was the publication of the cords produced in leaflets format to be shared with readers of the school community in which the subjects were located. This research is based on the theory of Bakhtin (2011, 2015) and the Circle, considering the dialogism of language in concrete activity of use. In order to subsidize the work with the Didactic Sequence, we sought anchorage in Schneuwly, Noverraz and Dolz (2004) and Lopes-Rossi (2011). The study of the discursive cordel genre was based on authors such as Batista (1977), Maxado (2012) and Santos (2006); And studies related to writing find subsidies in Garcez (2010) and Geraldi (2013), among others. The research strand is qualitative / descriptive / explanatory, centered on Dialogical Discourse Analysis (DDA) and has three discursive categories: composition, authorship and style, taking into account the dialogical relations of the utterances. KEYWORDS: Cordel as discursive genre. Writing. Authorship. Didactic sequence. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1 – Esquema de SD proposto por Lopes-Rossi ............................................................... 52 Quadro 2 – Descrição das etapas da SD para o Módulo de Leitura ............................................. 56 Quadro 3 – Descrição das etapas do Módulo de Escrita .............................................................. 60 Quadro 4 – Etapas da SD para o Módulo de Divulgação............................................................. 65 Figura 1 – Esquema de SD proposto por Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004) ........................... 51 Figura 2 – Imagem da sala ornamentada para apresentação do 1º cordel .................................... 73 Figura 3 – Alunos escolhendo folhetos para leitura ..................................................................... 74 Figura 4 – Imagem do quarto slide sobre a importância da escrita .............................................. 78 Figura 5 – Imagem do slide 29 sobre a escrita do cordel ............................................................. 80 Figura 6 – Imagem do slide 30 sobre a escrita do cordel ............................................................. 80 Figura 7 – Imagem do trecho de uma das atividades com as rimas – aluno A.K.C.D. ................ 81 Figura 8 – Trecho do cordel original Os animais têm razão de Antônio Francisco .................... 81 Figura 9 – Imagem da atividade sobre a escansão dos versos de cordel ...................................... 84 Figura 10 – Imagem da atividade de reescrita da 4ª etapa do Módulo de Escrita ........................ 86 Figura 11 – Imagem das primeiras estrofes do cordel construído coletivamente sobre a importância de estudar ................................................................................................................... 88 Figura 12 – Capa do 1º folheto produzido coletivamente ............................................................ 89 Figura 13 – Imagem dos cordéis produzidos em grupo pelos alunos........................................... 90 Figura 14 – 2ª estrofe do cordel Amor proibido – Grupo 1 – primeira versão ............................. 90 Figura 15 – 2ª estrofe do cordel Amor proibido – Grupo 1 – reescrita ........................................ 91 Figura 16 – Imagem da 10ª estrofe do cordel Os gêneros musicais – Grupo 2 – primeira versão ............................................................................................................................................. 91 Figura 17 – Imagem da 10ª estrofe do cordel Os gêneros musicais – Grupo 2 – reescrita .......... 92 Figura 18 – Imagem da 1ª estrofe do cordel O importante é o amor – Grupo 3 – primeira versão ............................................................................................................................................. 92 Figura 19 – Imagem da 1ª estrofe do cordel O importante é o amor – Grupo 3 – reescrita ........ 93 Figura 20 – Imagem da 8ª estrofe do cordel As lendas do rock – Grupo 4 – primeira versão ..... 93 Figura 21 – Imagem da 8ª estrofe do cordel As lendas do rock – Grupo 4 – reescrita ................ 93 Figura 22 – Imagem da 15ª estrofe do cordel Uma história de traição – Grupo 5 – primeira versão ............................................................................................................................................. 94 Figura 23 – Imagem da 15ª estrofe do cordel Uma história de traição – Grupo 5 – reescrita .... 95 Figura 24 – Imagem da 11ª estrofe do cordel Amores e relacionamentos – Grupo 6 – primeira escrita ............................................................................................................................................. 95 Figura 25 – Imagem da 11ª estrofe do cordel Amores e relacionamentos – Grupo 6 – reescrita 96 Figura 26 – Imagens do desenho (a) e da capa do folheto (b) produzidas pelo Grupo 1 ............. 97 Figura 27 – Imagens do desenho (a) e da capa do folheto (b) produzidas pelo Grupo 2 ............. 97 Figura 28 – Imagens do desenho (a) e da capa do folheto (b) produzidas pelo Grupo 3 ............. 97 Figura 29 – Imagens do desenho (a) e da capa do folheto (b) produzidas pelo Grupo 4 ............. 98 Figura 30 – Imagens do desenho (a) e da capa do folheto (b) produzidas pelo Grupo 5 ............. 98 Figura 31 – Imagens do desenho (a) e da capa do folheto (b) produzidas pelo Grupo 6 ............. 98 Figura 32 – Aula de campo ocorrida na Casa do Cordel – visita ao acervo............................... 100 Figura 33 – Aula de campo ocorrida na Casa do Cordel – conversa com Abaeté do Cordel .... 100 Figura 34 – Oficina de Cordel com o poeta cordelista José Acaci ............................................. 101 Figura 35 – Oficina de Xilogravura............................................................................................ 102 Figura 36 – Oficina de Xilogravura............................................................................................ 103 Figura 37 – Oficina de Xilogravura com o xilógrafo Erick Lima .............................................. 103 Figura 38 – Primeira versão do cordel para o concurso ............................................................. 105 Figura 39 – Imagem da 1ª versão do cordel da aluna S.A.T.B.A para o concurso .................... 105 Figura 40 – Bilhete Orientador à Escrevente S.A.T.B.A. .......................................................... 108 Figura 41 – Imagem da segunda versão do cordel da aluna S.A.T.B.A para o concurso .......... 110 Figura 42 – Imagens do atendimento individualizado aos alunos .............................................. 114 Figura 43 – Imagem da 1ª versão do cordel do aluno C.M.F. para o concurso.......................... 115 Figura 44 – Imagem do Bilhete Orientador ao Escrevente C.M.F. ............................................ 119 Figura 45 – Imagem da versão final do cordel do aluno C.M.F. para o concurso ..................... 121 Figura 46 – Imagem da 1ª versão do cordel do aluno A.G.C.N. para o concurso ...................... 127 Figura 47 – Imagem do Bilhete Orientador ao Escrevente A.G.C.N. ........................................ 131 Figura 48 – Imagem da versão final do cordel da aluna A.G.C.N. para o concurso .................. 133 Figura 49 – Imagem da camiseta produzida para a Mostra com os desenhos das xilogravuras produzidos pelos alunos .............................................................................................................. 140 Figura 50 – Imagem do convite da Mostra de Cordel ................................................................ 140 Figura 51 – Imagem do cartaz da Mostra de Cordel .................................................................. 141 Figura 52 – Painel central com o nome do evento e detalhe de mesa decorada com cordéis e com material usado para as xilogravuras ..................................................................................... 142 Figura 53 – Detalhe das mesas com decoradas com a bandeira do Rio Grande do Norte (a) e da Escola pesquisada (b). Nas paredes, a disposição dos materiais fotos, cordéis, produzidos a partir da Sequência Didática aplicada ......................................................................................... 142 Figura 54 – Mesa com cordéis. Nas paredes, fotos das diversas atividades da Sequência Didática ........................................................................................................................................ 143 Figura 55 – Imagens da decoração das paredes, revestidas com panos de chita tendo sobrepostos cordéis (produzidos pelos alunos) (a) e (b), bem como fotografias das atividades da Sequência Didática (a) e xilogravuras (b)............................................................................... 143 Figura 56 – Imagem da xilogravura do cordel Natal e seus encantos, vencedor do concurso .. 144 Figura 57 – Trecho do cordel Natal e seus encantos, vencedor do concurso ............................ 144 Figura 58 – Imagem do banner produzido para homenagear a aluna vencedora do 1º concurso de cordel da Casa do Cordel ........................................................................................................ 145 LISTA DE SIGLAS ADD – Análise Dialógica do Discurso EJA – Educação de Jovens e Adultos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PROFLETRAS – Programa de Mestrado Profissional em Letras SD – Sequência Didática TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido SUMÁRIO 1 PARA INÍCIO DE CONVERSA, UMA BOA INTRODUÇÃO .................................... 144 2 A TEORIA QUE ALIMENTA NOSSA FUNDAMENTAÇÃO .................................... 199 2.1 A PELEJA COM O GÊNERO DISCURSIVO ............................................................ 211 2.2 NO COMPASSO DO TEXTO: UM BREVE OLHAR DA TEORIA ......................... 255 2.3 A ESCRITA EM PERSPECTIVA DIALÓGICA: O USO CONCRETO DA PALAVRA ......................................................................................................................... 277 2.4 CORDA, CORDINHA, CORDEL: UM GÊNERO DISCURSIVO FEITO RIMA NO PAPEL ................................................................................................................................ 322 2.5 NA PISADA DA LEITURA: UMA ATIVIDADE QUE PRODUZ SENTIDO ......... 377 2.6 DANDO UM NORTE À PESQUISA .......................................................................... 411 3 DOIS DEDOS DE PROSA SOBRE A ABORDAGEM METODOLÓGICA ................ 45 3.1 QUEM SÃO MESMO OS SUJEITOS IMPLICADOS NA PESQUISA E ONDE ESTÃO SITUADOS? ......................................................................................................... 455 3.2 EIS A PLANIFICAÇÃO: A SEQUÊNCIA DIDÁTICA EM AÇÃO .......................... 477 3.2.1 Para o gênero cordel, uma Sequência Didática como troféu ................................. 533 3.2.1.1 Módulo de Leitura: estratégias para convencer leitor .................................... 555 3.2.1.2 Módulo de Escrita: a experiência com o gênero no papel .............................. 599 3.2.1.3 Módulo de Divulgação: o gênero pede passagem .......................................... 655 4 O DESAFIO EM QUESTÃO DA ANÁLISE DA INTERVENÇÃO ............................ 677 4.1 NO PRINCÍPIO DA ANÁLISE...OS SUJEITOS ENVOLVIDOS ............................. 688 4.2 HISTÓRIAS PARA ENCANTAR LEITOR ................................................................ 711 4.3 A PALAVRA PEDE A VEZ NO COMPASSO DA ESCRITA .................................. 777 4.4 QUANDO A ESCRITA GANHA O MUNDO .......................................................... 1399 4.5 COMPOSIÇÃO, ESTILO E AUTORIA ENTRELAÇADOS NO GÊNERO CORDEL .......................................................................................................................................... 1455 5 PARA ENCERRAR A CONVERSA, ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ................... 1488 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 1522 APÊNDICE A – INSTRUMENTO DE PESQUISA – MODELO DE QUESTIONÁRIO PARA A COLETA DO PERFIL DOS ALUNOS ............................................................ 1588 APÊNDICE B – CADERNO DO PROFESSOR – SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O GÊNERO DISCURSIVO CORDEL ................................................................................. 1599 ANEXO A – MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO DE LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE .................................................................................................. 3388 ANEXO B – CORDEL COLETIVO DE AUTORIA DOS ALUNOS E PROFESSOR ............................................................................................................................................ 34040 ANEXO C – CORDEL VENCEDOR DO CONCURSO PROMOVIDO PELA ASSOCIAÇÃO CASA DO CORDEL .............................................................................. 3444 14 1 PARA INÍCIO DE CONVERSA, UMA BOA INTRODUÇÃO O trabalho com a leitura e a escrita deve ser uma constante no fazer pedagógico do professor de língua portuguesa da educação básica. Nesse sentido, cabe, sobremaneira, ao professor dessa área oportunizar aos alunos um contato com os gêneros discursivos literários que fazem parte tanto do universo canônico quanto daquele considerado marginal. Por essa razão, é que desenvolvemos esta pesquisa, que tem como objeto de estudo o gênero discursivo cordel. É importante destacar que a referida pesquisa faz parte do Programa de Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS1, cujo foco é a formação de professores para o exercício da docência no Ensino Fundamental, com vista à melhoria da qualidade de ensino, especialmente, no desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita dos alunos desse nível. A pesquisa foi desenvolvida com os alunos do 9º ano ―A‖, do turno vespertino, do Ensino Fundamental, da Escola Estadual Professor José Fernandes Machado, localizada em Natal/RN, e buscou investigar como a utilização do gênero discursivo cordel, estudado sob o enfoque de uma Sequência Didática – SD, influenciou o processo de autoria desses sujeitos dentro e fora da esfera escolar. Sendo assim, o trabalho realizado voltou-se para os textos apresentados nos folhetos de cordel de vários autores cordelistas nos quais se analisou como se constrói tal escrita e como os alunos a concebem, o que estava intimamente relacionado com a nossa primeira categoria de análise: a composição. O referido estudo também investigou a escrita dos alunos nesse gênero, por meio da proposição de alguns temas que foram desenvolvidos ao longo da metodologia, procurando revelar como se daria o processo de autoria da escrita desses alunos pesquisados, processo este relacionado à nossa segunda categoria de análise: a autoria. Também houve um trabalho voltado à produção de um texto com vista à 1 O PROFLETRAS é um programa de mestrado profissional oferecido em rede nacional como curso de pós-graduação stricto sensu, reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação. O programa conta com a participação de instituições de ensino superior públicas no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) e é coordenado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O objetivo maior do programa é formar professores em todo o território nacional para atuar em língua portuguesa no Ensino Fundamental com vista a melhorar a qualidade desse nível de ensino, diminuindo assim os índices de evasão existentes. É também objetivo do programa fomentar a aplicação de novas pedagogias que envolvam os multiletramentos nos projetos desenvolvidos em sala de aula, o que proporciona ao professor um novo caminho para repensar a sua prática. 15 participação dos alunos em um concurso de cordel2 (cujas regras estão dispostas na SD desta dissertação, no Apêndice b), coordenado pela Associação Cultural Casa do Cordel de Natal/RN, observando-se principalmente o estilo adotado pelos alunos autores, o que configura a nossa última categoria de análise. Para subsidiar as três categorias de análise adotadas para esta pesquisa, foi trabalhada a parte estrutural do gênero em questão: as rimas, as estrofes, a métrica poética e a versificação para que os alunos pudessem compreender como o cordel é concebido. A partir desse conhecimento, como veremos na seção de análise dos dados, os alunos foram capazes de produzir os seus próprios cordéis com marcas de autoria. Descobrir como os alunos se apropriaram do ato de escrita por meio da produção de cordéis, levando em consideração a estrutura do gênero discursivo em estudo, levou-nos a entender que o planejamento da SD apresentada como produto final desta pesquisa (Apêndice B) foi de grande importância. A relevância desta pesquisa também se configura se considerarmos a dificuldade que muitos dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Professor José Fernandes Machado têm de se comunicar por meio da escrita, uma percepção feita a partir das observações e vivências no trabalho desenvolvido na referida escola. Quase sempre os alunos desse nível de ensino reclamam de que não gostam de escrever e só fazem algum tipo de produção por conta da exigência de uma nota avaliativa. Desse modo, buscamos, por meio da utilização do gênero discursivo cordel, proporcionar aos alunos envolvidos o convívio com uma escrita de autoria, na qual eles pudessem estabelecer uma relação dialógica concreta, no caso, utilizando a escrita do gênero para concorrer a um concurso literário. É pertinente destacar que este estudo permitiu, também, uma avaliação do processo de utilização da variação da linguagem a partir do gênero discursivo em estudo, o que foi fundamental para a compreensão da importância que tal variação assume nos contextos de uso da escrita. A abordagem dessa situação comunicativa 2 Este foi o 1º Concurso de Cordel que a Associação Cultural Casa do Cordel realizou, visando, entre outros objetivos: contribuir para com a valorização e a difusão da tradição cordelista potiguar, dos seus poetas e escritores, residentes em Natal ou na Região Metropolitana; fomentar o incremento e o fortalecimento do cordel na escola, considerando seu potencial educativo, formativo e informativo; promover a inclusão de novos talentos do segmento cordelista e premiar iniciativas individuais ou coletivas, de pessoas físicas ou jurídicas, quer sejam atuantes quer iniciantes no segmento cordelista em Natal ou na Região Metropolitana. O concurso foi distribuído em três categorias, sendo uma delas direcionada aos alunos do Ensino Fundamental. 16 no gênero em estudo permitiu uma reflexão acerca do comportamento da escrita dos alunos e de como a variedade padrão ou a coloquial foi utilizada por eles na construção dos cordéis por eles produzidos. Nesse sentido, esperamos que a proposição das atividades realizadas com o gênero cordel possa ter desenvolvido, nos alunos, a competência comunicativa de que tratam os PCN, e que eles tenham compreendido a importância dessa atividade como fundamental para o efetivo exercício da cidadania, o que discutiremos mais adiante na abordagem teórica. Em relação à escolha do gênero discursivo cordel como objeto de estudo desta pesquisa, justifica-se pelo fato de o cordel ser um gênero carregado de historicidade com tradição na cultura popular. Esse objeto de estudo estava relacionado com o corpus que foi produzido em sala de aula, ou seja, os cordéis escritos pelos alunos da escola pesquisada. Desse modo, a questão central que norteou a nossa pesquisa foi a seguinte: como o trabalho com o gênero cordel pode auxiliar no processo de autoria da escrita dos alunos do 9º ano no cotidiano da escola? Por meio dessa questão, que orientou o objetivo geral deste trabalho, analisamos a influência desse gênero na formação dos alunos envolvidos. Além disso, outras três questões foram pensadas para subsidiar os objetivos específicos: I) É possível ampliar a competência de escrita dos alunos do Ensino Fundamental a partir do gênero discursivo cordel? II) A produção dos folhetos de cordel pode evidenciar como se constitui a autoria dos estudantes? III) As práticas linguísticas desenvolvidas a partir de uma Sequência Didática pode orientar a sistematização da abordagem do cordel em sala de aula? Para responder às questões propostas, elegemos como objetivos: a) Objetivo geral Sistematizar uma abordagem do gênero discursivo cordel como instrumento para a construção da autoria dos alunos do 9º ano ―A‖ (turno vespertino) do Ensino Fundamental da Escola Estadual Professor José Fernandes Machado. b) Objetivos específicos I) Desenvolver a competência escritora dos alunos do 9º ano ―A‖ do Ensino Fundamental a partir do trabalho com o gênero discursivo cordel, considerando a sua estrutura e o repertório dos textos dos folhetos sobre temáticas variadas. 17 II) Problematizar como o cordel tem uma importante função social, podendo oportunizar a produção de folhetos como atividade que dá voz e vez aos alunos como autores. III) Planificar uma Sequência Didática para orientar a sistematização do gênero discursivo cordel em sala de aula. Considerando os objetivos elencados, fez-se necessário o planejamento de uma Sequência Didática para o gênero em estudo e, a partir dela, foi feita a experiência de produção em que os alunos foram vistos como autores dos trabalhos produzidos. A elaboração da Sequência Didática, exposta na metodologia do projeto, permitiu aos alunos o desenvolvimento de habilidades e de competências que foram perseguidas para a efetiva produção de folhetos de cordel, o que revelou o processo de autoria de escrita dos sujeitos envolvidos. Isso foi fundamental para o reconhecimento do gênero cordel no desenvolvimento da escrita dos alunos nessa modalidade de ensino da escola pesquisada. Desse modo, os alunos foram capazes de produzir os seus próprios textos compreendendo o gênero como ferramenta de interação social. Nesse sentido, é importante observar que a escola é um lugar que pode transformar a realidade escritora de seus alunos, cabendo ao professor planejar ações por meio das quais seja possível a construção de novos conhecimentos e o enriquecimento da linguagem, o que pode favorecer os alunos no desenvolvimento da escrita. Considerando, então, a produção de gênero discursivo, o trabalho teve como eixo fundamental a exploração da linguagem, seu uso e seus sentidos na escrita do gênero cordel, buscando estimular, nos alunos pesquisados, o gosto pela leitura dos folhetos impressos de uma seleção de autores. A escolha dos autores contemplou tanto os poetas mais conhecidos no ciclo literário nacional quanto os cordelistas locais, permitindo aos alunos um diálogo com a linguagem explorada por eles na redação dos textos estudados. O referencial teórico que embasou esta pesquisa está relacionado aos estudos sócio-históricos da linguagem do Círculo de Bakhtin (2011, 2015) que tratam da análise dialógica do discurso (ADD). Nesse contexto, é importante compreender que não se concebe um gênero discursivo isoladamente, tampouco descontextualizado da fala. Nessa produção, há sempre sujeitos ativos: falante e 18 ouvinte que estão em constante diálogo, o primeiro pressupondo, muitas das vezes, aquilo que será compreendido quando da produção desse enunciado. A resposta a esses atos de produção podem vir revestidas de todos os tipos de sentimentos – concordantes ou discordantes. Reportamo-nos ainda a autores como Geraldi (1997, 2015), Brait (2008), Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004), Lopes-Rossi (2011), Antunes (2009), Rojo (2012), Garcez (2010), entre outros, sobre questões relacionadas à escrita, à produção da Sequência Didática, ao enunciado concreto, aos gêneros do discurso e às relações dialógicas. Também recorremos a autores como Batista (1977), Maxado (2012) e Santos (2006) que tratam do gênero cordel. Todas as reflexões propostas nesta pesquisa têm uma abordagem qualitativa e estão em conformidade com o que referenciam a área de Linguagens e Letramentos. Para melhor compreender tais reflexões, esboçamos a seguir como o trabalho foi estruturado. Na seção 2, fundamentamos toda a nossa pesquisa embasados na teoria bakhtiniana, apresentando o conceito de texto, de gênero discursivo e de escrita numa perspectiva dialógica. Discutimos, ainda, as questões relacionadas ao gênero discursivo cordel e à importância da leitura como suporte para as práticas de escrita. Por último, tratamos do tipo de abordagem científica que adotamos para o nosso trabalho. Na seção 3, explicitamos a nossa abordagem metodológica, discutindo inicialmente sobre o lócus da nossa intervenção. Em seguida, apresentamos a Sequência Didática que foi elaborada para o trabalho com o gênero discursivo cordel em três módulos: de leitura, de escrita e de divulgação. A seção 4 é dedicada à análise da intervenção que foi feita, embasada na teoria de Bakhtin (2011) e do Círculo. Ademais, todo o processo de aplicação da Sequência Didática está minunciosamente analisado, com seus pontos positivos e negativos. Discutimos, ainda, as nossas três categorias de análise, a saber: composição, estilo e autoria, considerando a produção escrita dos alunos envolvidos na pesquisa. Por fim, na última seção, apresentamos as nossas considerações finais sobre todo o trabalho desenvolvido. 19 2 A TEORIA QUE ALIMENTA NOSSA FUNDAMENTAÇÃO ―Nosso discurso é pleno de palavras dos outros. Essas palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos e reacentuamos‖. Mikhail Bakhtin (2011, p. 294) As reflexões acerca do ensino da língua materna no Brasil têm se configurado como objeto de estudo de muitos pesquisadores e educadores. Não obstante, professores de língua portuguesa têm colocado em suas práticas de sala de aula, especialmente em relação à escrita, o uso da linguagem numa perspectiva dialógica, buscando responder à necessidade que seus alunos têm de se comunicar melhor nas muitas esferas de atividades humanas pelas quais circulam. Desse modo, é importante que entendamos o posicionamento do professor diante dos desafios apresentados. Para tanto, levamos em consideração a proposta de atividades apresentada nesta pesquisa com o gênero discursivo cordel, partindo de uma situação real de necessidade da produção escrita: um concurso de literatura de cordel. Outro ponto importante a ser compreendido por meio desta pesquisa é o fato de os alunos necessitarem se comunicar por meio da escrita, deparando-se, muitas vezes, com situações nas quais precisam ser proficientes para garantir o sucesso comunicacional. A utilização do gênero discursivo cordel, nesse sentido, com um propósito de interação verbal concreta, serve de motivação para a expansão do domínio da linguagem. Entretanto, a tarefa desenvolvida foi árdua e exigiu bastante atenção por parte do professor pesquisador, que relacionou aquilo que foi pesquisado ao que já foi dito pelos estudiosos. Nessa perspectiva, o referencial teórico que compôs esta investigação relaciona-se à Análise Dialógica do Discurso (ADD) do filósofo e pensador russo Mikhail Bahktin (2011) que trata de questões da linguagem e do seu processo de interação verbal. Por sua vez, o trabalho com o gênero cordel possibilitou a abertura dos horizontes para uma situação de comunicação interativa discutida pelo Bakhtin em sua obra, fomentando o diálogo acerca de questões relacionadas às concepções de linguagem, à noção de enunciado concreto, aos gêneros discursivos e às relações dialógicas que emanam da interação verbal. 20 Segundo Bakhtin (2011), a linguagem não é vista apenas como um fenômeno gramatical, mas como interação verbal e como uma construção que se dá nas relações dialógicas entre os seres humanos. É importante frisar que essa concepção de linguagem, para o autor, está intimamente ligada às relações humanistas nas quais o homem não é um ser ilhado em si mesmo, mas pleno de valores. [...] o vivenciamento axiológico real e concreto do homem no todo fechado de minha única vida, no horizonte real de minha vida, é de natureza dupla; eu e os outros nos movemos em diferentes planos de visão e juízo de valor (um juízo de valor real, concreto e não abstrato) e, para que sejamos transferidos para um plano único e singular, eu devo estar axiologicamente fora de minha vida e me aceitar como outro em outros [...] (BAKHTIN, 2011, p. 54, grifo do autor). É dessa interação verbal, seja oralizada, seja escrita, que, para Bakhtin, o homem é constituinte e constitutivo. Sendo assim, o autor não vê a linguagem como homogênea, uma vez que a língua para ele não é um produto acabado, mas algo que se configura nas formas de enunciados concretos. A visão do filósofo em relação ao enunciado é a de que se trata de uma unidade concreta de comunicação discursiva real, algo que poderá ser experienciado no diálogo com os textos de cordéis. Por meio dessa experiência do sujeito – no caso os alunos da modalidade de ensino já mencionada anteriormente – com os cordéis, pretendemos contemplar a importância do gênero do discurso que, segundo Bakhtin (2011, p. 92), ―reporta ao funcionamento da língua em práticas comunicativas reais e concretas, construídas por sujeitos que interagem nas esferas das relações humanas e da comunicação‖. Para este estudo, também buscaremos respaldo nas pesquisas de Geraldi (1997, 2003), Brait (2008), Lopes-Rossi (2011), Antunes (2003), Rojo (2012, 2015), Garcez (2010), entre outros, sobre questões relacionadas à escrita, ao enunciado concreto, aos gêneros do discurso e às relações dialógicas. 21 2.1 A PELEJA COM O GÊNERO DISCURSIVO A compreensão da linguagem como atividade interativa e constitutiva do homem vem sendo, ao longo da história, uma preocupação de centenas de estudiosos que dedicaram e dedicam suas vidas ao estudo desse fenômeno. Entre eles está Mikhail Bakhtin, considerado filósofo da linguagem, que deixou uma série de escritos sobre o tema. É a orientação teórica desse autor que nos guiará nesta pesquisa. Para Bakhtin (2011), as atividades humanas, em todos os seus campos, estão diretamente relacionadas ao uso da linguagem. Não há como o ser humano distanciar-se do uso da linguagem porque o homem é a própria linguagem. Em todos os momentos, em todas as circunstâncias do uso da fala ou da escrita, o homem está em estreito relacionamento com a linguagem que vai ganhando nuances multiformes a cada inter-relação estabelecida. Ao se utilizar da língua, o homem constitui os enunciados, concebidos por Bakhtin (2011) como concretos, pois eles se cristalizam em atos de interação real, por meio do uso da palavra seja ela oral, seja escrita. A esses enunciados estão intimamente relacionados três elementos essenciais, quais sejam: o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional. São eles que dão base aos gêneros do discurso. Ao estudarmos, nas próximas seções, o gênero cordel que serve de base para esta pesquisa, discutiremos esses elementos que se interligam ao todo dos enunciados produzidos pelos alunos. Ou seja, estudaremos o conteúdo temático, o estilo da linguagem utilizada e a sua construção composicional, observando como se dá o processo de autoria dos alunos envolvidos na produção desse gênero. Seguindo as ideias bakhtinianas, Rojo e Barbosa (2015), ao discutirem a ideia de gênero discursivo em seus estudos, dão conta de que estamos imersos em atividades diárias permeadas pelos gêneros do discurso, língua e linguagem. Nossas atividades que envolvem linguagem, desde as mais cotidianas – como a mais simples saudação – até as públicas (de trabalho, artísticas, científicas, jornalísticas etc.) se dão por meio da língua/linguagem e dos gêneros que as organizam e estilizam, possibilitando que façam sentido para o outro (ROJO; BARBOSA, 2015, p. 18). 22 Isso significa dizer que a linguagem está presente em todas as relações comunicativas que se estabelecem entre os sujeitos de qualquer comunidade sendo vivenciada sob a forma de gêneros do discurso. Para Medviédev (2012, p. 195), ―[...] cada gênero está tematicamente orientado para a vida, para seus acontecimentos, problemas, e assim por diante‖. A vida, nessa concepção, está intimamente relacionada às esferas de atividade humana. O homem circula por essas esferas a todo tempo e o tempo todo, seja fazendo uso dos gêneros discursivos orais, seja fazendo uso dos gêneros discursivos escritos. Assim, ele passeia pela esfera familiar, considerada a mais importante delas (a maior parte do nosso tempo é destinada à família); pela religiosa; pela acadêmica; pela jurídica; pela cultural, entre outras. A manutenção de cada uma dessas esferas de atividade social do homem é feita pelos diferentes gêneros do discurso. Por entre elas, circula a linguagem viva que dá ao homem a visão de mundo que o posiciona para a vida, para os embates, para as contraposições, para os confrontos, para a valoração do sim ou para a orientação do não. Na esfera familiar, por exemplo, os gêneros do discurso utilizados são diversos, como: a fofoca, os diálogos curtos, as brigas, o telefonema, o bilhete, a carta, as pequenas notas etc. Há, assim, uma carga infinita de gêneros que abre caminho para a luta com a linguagem, ora utilizada com maior precisão gramatical, ora numa vertente menos rebuscada para o trato com as pessoas e os objetos. Rojo e Barbosa (2015), a esse respeito, dão-nos uma orientação para o sentido que tem a vida quando refletem que ela não é feita unicamente de objetos e pessoas. Elas afirmam que a vida ―É feita de nossas atividades ou ações com essas pessoas e objetos, que são, ao mesmo tempo, objetivas e subjetivas, sensíveis‖ (ROJO; BARBOSA, 2015, p. 54). Entendemos essas atividades e ações como as relações dialógicas das quais nos fala Bakhtin (2011). Sendo assim, é possível dizer que os enunciados que produzimos para a realização dessas atividades precisam revestir-se de concretude. Se no nosso cotidiano só funcionamos por meio de enunciados concretos, então, só funcionamos por meio dos gêneros do discurso, o que Bakhtin (2011, p. 262) chama de enunciados concretos ―relativamente estáveis‖ e Medviédev (2012, p. 198), de ―sistema de meios e métodos de domínio consciente e de acabamento da realidade‖, considerados como correias de transmissão da cultura. São por esses enunciados 23 que, pela sua diversidade discursiva, estamos rodeados no nosso dia a dia em todos os campos de nossas atividades em sociedade. Como podemos perceber, os gêneros discursivos como enunciados relativamente estáveis são o elo da cadeia discursiva e não existem de forma homogênea, mas perpassados de heterogeneidade3. Nessa perspectiva, os enunciados que produzimos, em qualquer situação comunicativa e esfera de atividade humana, estabelecem uma relação direta com a vida. É por meio deles que a língua se torna viva, vibrante, força que impulsiona a compreensão das coisas do mundo. Ademais, a necessidade de o homem se autoexpressar ou se objetivar, como bem define Bakhtin (2011), está deduzida na linguagem. É no seio dessa linguagem que é possível a visualização da constituição dos indivíduos como seres plenos de saberes e de espíritos. Ou seja, o homem se constitui em ser pleno a partir da sua própria linguagem. É por meio dela que ele cria as condições para a própria subsistência, porque se (re)inventa, (re)cria-se, (re)pensa-se em todas as atividades comunicativas com as quais estabelece um diálogo fazendo uso dos gêneros discursivos. Tais constatações nos permitem compreender a ―linguagem como construção social, como ato social por meio do qual os sujeitos agem no mundo‖ (CASADO ALVES, 2011, p. 14). A linguagem, portanto, faz-se presente em todas as atividades de interação humana e adquire a forma do gênero discursivo que, como bem lembra Casado Alves (2011), não é ensinado, mas vivenciado, constituído nos atos de dizer dos falantes e ouvintes envolvidos nos processos interativos. É exatamente esse sistema de linguagem que nos constitui, que nos permite vivenciar a reflexão. Por meio dele, pensamos, agimos, falamos, discutimos, interagimos e isso só é possível porque somos seres humanos. 3 Sobre a heterogeneidade dos gêneros, Bakhtin chama a nossa atenção quando diz que ―Cabe salientar em especial a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos), nos quais devemos incluir as breves réplicas do diálogo do cotidiano (saliente-se que a diversidade das modalidades de diálogo cotidiano é extraordinariamente grande em função de seu tema, da situação e da composição dos participantes), o relato do dia a dia, a carta (em todas as suas diversas formas), o comando militar lacônico padronizado, a ordem desdobrada e detalhada, o repertório bastante vário (padronizado na maioria dos casos) dos documentos oficiais e o diversificado universo das manifestações publicísticas (no amplo sentido do termo: sociais, políticas); mas aí também devemos incluir as variadas formas das manifestações científicas e todos os gêneros literários (do provérbio ao romance de muitos volumes) (BAKHTIN, 2011, p. 262). 24 O sujeito, nessa perspectiva, é territorializado, tem suas marcas de autoria: posiciona-se, contrapõe-se, interioriza-se e exterioriza para se constituir. O sujeito se baseia no que já existe e se compromete com o dizer do outro. A sua fala é comprometida e está intrinsecamente ligada ao dizer do outro. Daí compreendermos que nenhum discurso é neutro, pois revela um sujeito posicionado que faz uso do verbal e do subentendido, o que está afirmado nos estudos de Volochinov (2013, p. 79) ―[...] uma enunciação da vida real, enquanto um todo pleno de sentido, compõem-se de duas partes: 1) de uma parte realizada verbalmente e 2) do subentendido‖. É esse presumido que é levado em consideração nos atos de fala, tanto pelo falante como pelo ouvinte. É essa concepção de linguagem e gênero discursivo que os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998a), elaborados para servirem de referência ao trabalho docente no Brasil, evocam. Mais do que um conjunto de regras, esses documentos sugerem caminhos para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, expressando os novos entendimentos em torno da ação pedagógica. Quando se refere à natureza da linguagem, por exemplo, o documento respalda o nosso trabalho: O domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade linguística, são condições de possibilidade de plena participação social. Pela linguagem os homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem cultura (BRASIL, 1998b, p. 19). É exatamente esse tipo de linguagem preconizado nos documentos oficiais que vem sendo discutido nos estudos de Bakhtin (2011). Para ele, a linguagem é o elo que liga os sujeitos às suas situações de interação. A partir do uso da linguagem é possível ao homem a compreensão das várias relações sócio-históricas que dão base às sociedades de um modo geral. Nesse contexto, os sujeitos, na concepção de Bakhtin (2011), são produtores de enunciados, constituídos numa dada situação histórica, na qual há a presença de outros atores sociais que, entre si, estabelecem muitos tipos de diálogo. Ou seja, é dessa relação que surge o dialogismo defendido pelo autor em seus estudos como algo construído a partir das vozes que se entrelaçam no discurso, algo que está diretamente relacionado à linguagem humana. 25 2.2 NO COMPASSO DO TEXTO: UM BREVE OLHAR DA TEORIA Para compreendermos a noção de texto em consonância com os estudos de Bakhtin (2006, 2011), é preciso desconstruir a ideia saussureana de que o texto subsiste apenas na ordem oracional. Enquanto o estruturalismo estudava a língua como um sistema autônomo de significação, uma totalidade organizada, estruturada em si e por si mesma, os estudiosos do Círculo de Bakhtin pensavam a língua em seu contexto natural de uso, considerando as interfaces comunicativas em que falantes e ouvintes estão situados em contextos de comunicação real. Desse modo, não podemos deixar de citar Bakhtin (2006) que trata a língua como num fluxo vivo: Na verdade, a língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar (BAKHTIN, 2006, p. 109). Nesse sentido, a língua é um construto vivo, fruto das interações verbais constituídas nas diversas atividades humanas que os sujeitos desenvolvem socialmente. Ou seja, a língua não é uma unidade isolada – até porque os sujeitos não agem monologicamente – mas, uma unidade de sentido. O texto, seja produzido por meio da oralidade, seja por meio da escrita, é vivo, dinâmico e requer posicionamentos dos interlocutores que estão em constante confronto. Visto por esse viés, o texto não pode ser compreendido como unidade formal com morfemas, fonemas e palavras soltas, mas como uma unidade processual, semântica, um evento compartilhado entre os sujeitos sociais. Com isso, vem a compreensão de que o texto não reflete apenas o mundo, mas o refrata, como nos orienta Bakhtin (2011), e isso ocorre em virtude da ordenação e da reconstrução desse mundo. O texto, que carrega a ideologia da língua, é uma prática que abarca um sujeito que tem compreensão e se expressa por meio do uso de um código verbal com um propósito social. Nessa concepção textual, há um sujeito que fala para outro por meio de um código verbal e está inserido num contexto sócio-histórico. Esse sujeito produz um texto que tem conteúdo e sentido; o conteúdo sendo caracterizado como o que se diz do mundo; e o sentido, como o efeito produzido por esse dizer. Este último 26 relacionado estritamente aos contextos sócio-históricos nos quais os falantes estão posicionados. O trabalho com o texto deve, nesse sentido, ser orientado pelo uso da língua no cotidiano e não apenas por meio de sua introspecção, porque há a necessidade de compartilhar com o outro o que é aprendido verbalmente. Desse modo, a preocupação maior quando da produção de um texto não deve se centrar em questões puramente relacionadas à morfossintaxe e/ou à fonologia, mas no que torna possível a sua compreensão, ou seja, o que permite que o texto seja visto nas suas relações de dinamicidade entre o seu lado teórico e prático, entre a sua construção e o seu uso. Esses posicionamentos deixam claro que o texto é um evento que se constrói na interação dos sujeitos nas situações de comunicação com as quais se deparam diariamente nas mais diversas esferas de atividades humanas por onde transitam. Dessa forma, observando o texto como uma unidade de sentido, um evento comunicativo que só existe na interação concreta entre os sujeitos de uma determinada sociedade, não é possível concebê-lo apenas como uma parte formal da língua. Também não podemos pensá-lo apenas da perspectiva do conteúdo, pois tanto a forma influencia o conteúdo como o conteúdo influencia a forma e as duas partes são fundamentais na constituição do produto. Por essa razão, certos aspectos formais da língua influenciam a sequência dos enunciados, assim como certas propriedades comunicativas influenciam os textos. As duas partes se completam para dar vida ao texto. Guiando-se pelo exposto e direcionando o que está sendo dito de acordo com a visão bakhtiniana, é possível compreender que os gêneros discursivos produzidos no cotidiano das interações verbais concretas de uso da língua nascem dos embates entre os sujeitos que pertencem ao mesmo universo social. Nesse contexto, pergunta – resposta; afirmação – comentário; afirmação – negação; crítica – discordância são alguns dos pares adjacentes que fomentam a construção desses gêneros discursivos. 27 2.3 A ESCRITA EM PERSPECTIVA DIALÓGICA: O USO CONCRETO DA PALAVRA A vida em sociedade tem exigido, desde sempre, que os sujeitos nela inseridos adquiram a capacidade de produzir textos escritos, como bem destacamos no tópico anterior, o que é reforçado pela sociedade contemporânea de forma generalizada. Cada vez mais, o homem é convidado a se manifestar por meio da escrita, dada a demanda de gêneros discursivos tão importantes e necessários nas atividades comunicativas. Usando a escrita, o homem encontra sentido para a maioria de suas indagações ou responde àquilo que lhe é inquirido cotidianamente. Como bem salienta Garcez (2010, p. 20), seguindo a orientação dos estudos bakhtinianos, parte-se ―do princípio de que a escrita implica dialogia, jogos interativos, pois há uma proposta de compreensão que exige resposta‖. Nesse cenário, cabe à escola o papel de desenvolver habilidades e competências que os alunos precisam desenvolver para escrever com propriedade. É ela que promove um contato mais aproximado entre os sujeitos e as múltiplas funções que a escrita pode desempenhar em nosso meio social. É no chão da escola que os alunos compreendem o porquê de determinada escrita e desenvolvem competências, as mais variadas, para tornar essa escrita compreensível. Entre essas competências estão as relacionadas ao desenvolvimento dos aspectos composicionais e/ou textuais, discursivos, linguísticos e semânticos. É com base nelas que os alunos conseguem produzir uma escrita de autoria, ressignificando-se diante dos seus interlocutores. Nessa frente, em que a produção escrita ganha destaque na sala de aula, o trabalho do professor é de suma importância. É ele quem deve perceber a necessidade de uma mudança de postura: a de deixar de ser avaliador/juiz do texto para assumir a condição de leitor. Nessa perspectiva, ele deixa de ver a escrita do aluno como um produto acabado, passando a enxergá-la como um processo4 contínuo e recursivo. Ou seja, quando o professor assume a postura de leitor do texto do aluno, a escrita ganha responsividade porque passa a acontecer em um ambiente interativo. O aluno escreve para um interlocutor (professor) que dialoga com o seu texto que, por sua vez, pode utilizar estratégias como a da técnica do 4 Os estudos que nos respaldaram para a compreensão da escrita como um processo são os de Barnett (1989) e Zamel (1982). 28 bilhete orientador5, solicitando, por meio de um recado, a revisão de possíveis problemas organizacionais do texto em uma proposta de reescrita. Desse modo, a escrita deixa de ser um acontecimento solitário, passando a ser compartilhado, o que Antunes (2009) chama de atividade interativa. No ambiente escolar, é importante exercitar o olhar do aluno para as questões linguísticas do texto de modo que, no ato da escrita e da reescrita, ele possa escrever com coesão e coerência. Nesse sentido, o trabalho com a reescrita é fundamental, pois nele reside a chave para a compreensão do aparato de recursos morfossintáticos aos quais o aluno pode recorrer. Importante frisar que, como afirma Garcez (2010, p. 80), o processo da escrita passa pelo ―desenvolvimento de atividades mentais extremamente complexas‖, o que não é fácil para o autor de um texto, em virtude de uma série de ações que ele precisa desenvolver para escrever com coerência e coesão determinado gênero discursivo. Nessa perspectiva, são vários os processos mentais que se articulam em direção a uma escrita ou reescrita propositiva. Tais processos são citados por Garcez (2010) como sendo, por exemplo, a ativação da memória, a atenção redobrada, a consciência do pensamento abstrato, a capacidade de fazer generalizações, as diretrizes intencionais, entre outros. Ademais, para colaborar com o desenvolvimento de todas essas habilidades inerentes ao processo de criação da escrita, está o professor, que deve conceber a escrita como um processo e não como um produto acabado. Quando pensamos a escrita como processo, é importante ter em mente que o texto não é um produto final, mas um processo que leva em consideração as situações comunicativas que envolvem os aspectos enunciativos e discursivos da linguagem. São esses elementos determinantes da dialogização que implicam na compreensão daquilo que foi escrito. Por isso mesmo, o agente da escrita deve ter claros os objetivos que direcionam o seu texto, quem é o seu destinatário, onde vai circular aquilo que foi produzido, pois, como bem lembra Bakhtin (2011), a situação 5 Essa técnica consiste em o professor enviar ao aluno, junto à sua primeira escrita, um bilhete que orienta a reescrita, apontando caminhos para que o texto ganhe força. O bilhete orientador é considerado um gênero que possibilita o desenvolvimento de ações e atitudes produtivas para o processo de formação do professor e do aluno (SIGNORINI, 2006), pois, esse processo estreita os laços afetivos entre produtor (aluno) e leitor (professor), tão bem abordado nos estudos de Fuzer (2011). 29 de comunicação será estabelecida socialmente e isso pressupõe interação, diálogo, resposta. Ninguém escreve para o nada. É bem verdade que, passando a compreender a escrita como um processo, o professor assume uma tarefa complexa: a de também ser escrevente. Desse modo, o professor passa a enxergar o texto do aluno não mais com superficialidade, preocupando-se apenas com as questões linguísticas e/ou se o texto é uma imitação dos padrões gramaticais; pelo contrário, o professor enxerga a escrita desse aluno numa perspectiva processual. Ao fazer isso, esse profissional realiza uma avaliação reflexiva, observando os processos mentais desenvolvidos pelo aluno para a construção daquele texto. Por conseguinte, ocorre a reflexão sobre a ideia que foi gerada pelo aluno que, motivado pelas orientações do recado, passa para a tarefa de reescrita, compreendendo o que precisa ser feito para melhorar o texto significativamente. Essa atividade inclui aspectos como: ampliação de ideias, esclarecimentos e suplementação de informações, substituição lexical, continuidade textual, entre outros, que são considerados quando os trabalhos de escrita e de reescrita são propostos. Diante do que foi exposto, o professor precisa compreender, como nos alerta Geraldi (2015, p. 182), que ―escrever não é uma tarefa fácil‖, pelo contrário, é labuta diária e que, como bem lembra Paulo Freire (2006, p. 47), ―ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar possibilidades ao aluno para sua própria construção‖. Nesse sentido, é importante compreender que a escrita é um excelente instrumento de poder para a reivindicação, para a conscientização, para a mobilização social e que, por meio dela, a transformação do meio em que vivemos torna-se cada vez mais possível. Quando o sujeito faz uso social da escrita e percebe que no dia a dia estamos rodeados dessas práticas em todas as esferas pelas quais circulamos, ele consegue compreender que a escrita é um instrumento de poder para a reivindicação. É preciso, porém, que o professor trabalhe essa escrita de forma espontânea; isto é, o professor precisa permitir que o aluno se expresse e/ou interaja no meio em que vive, o que exige não um trabalho com todos os gêneros discursivos de modo mecânico, aleatório, mas, sim, um planejamento para a compreensão do uso dos gêneros por meio dos quais ele, como sujeito social, 30 necessita se manifestar. Serão essas necessidades que o aluno, juntamente com o professor, os agentes de letramento, deve explorar numa prática social de escrita. Nesse contexto, é pertinente estabelecer uma diferença entre as duas visões que recaem sobre o objeto escrita: a tradicional, vista como um produto; e a mais moderna, vista como um processo. A visão tradicional da escrita concebe o texto como um produto acabado e a escrita como um acontecimento solitário, pois não há possibilidade de interação entre produtor e leitor. Essa escrita como produto se preocupa com a forma linguística do texto. Nesse caso, os aspectos organizacionais são os que se sobressaem e os propósitos presentes no texto são os de reforçar, treinar e imitar os padrões gramaticais. Além disso, a preocupação do professor que considera a escrita como um produto se concentra, geralmente, na superfície textual. Ele se coloca no papel de avaliador que aponta erros, graduando o desempenho dos alunos, sem sequer solicitar-lhes uma reconstrução do texto. O feedback é dado pelo professor em forma de símbolos gráficos, traços, setas, círculos, com comentários pouco esclarecedores, muitas vezes arbitrários (incoerentes, confusos), porque o olhar do professor está voltado para a identificação de problemas relacionados ao nível da frase, deixando de fora os aspectos discursivos e textuais. O professor, nessas condições, é visto como um parceiro desigual, quando deveria ser o contrário. A escrita no meio escolar não pode ser concebida apenas como uma atividade cognitiva e individual, mas como uma atividade que, pleiteada pelo professor, seja plena de sentido. Já a visão da escrita como processo, modelo adotado por nós durante a produção dos cordéis dos alunos, faz-nos compreender que escrever significa buscar ideias. Nessa perspectiva, está imbricado o processo de escrita e reescrita, pois consiste em um processo que precisa do olhar exotópico6, por isso a sua responsividade, porque isso propicia uma construção interativa. Isto é, o professor enxerga o texto do aluno com um propósito, desse modo, ele se coloca como auditório da escrita desse aluno num trabalho contínuo e recursivo. 6 O olhar exotópico, para Bakhtin (2011, 2015), possibilita ao sujeito ver mais do outro sujeito do que de si próprio devido à posição exterior (exotópica) que tem do outro na constituição do todo do indivíduo. A exotopia é uma das categorias filosóficas com as quais Bakhtin desenvolve as discussões sobre Ética e Estética. O autor convida-nos à reflexão sobre a visão excedente do outro, fazendo-nos entender que mesmo diante do outro, estamos fora dele e que, embora tenhamos de ir até o outro para compreendê-lo, precisamos voltar ao nosso lugar. 31 Nessa direção, entre as muitas ações que o professor pode desenvolver, compreendendo a escrita como um processo, considerando também o trabalho com a reescrita, é possível destacar as seguintes: checagem dos processos mentais envolvidos pelo aluno ou reflexão sobre as ideias geradas; resgate de conhecimentos prévios utilizados pelo aluno; solicitação de explicação e/ou ampliação das ideias apresentadas; solicitação de esclarecimento e suplementação de informações; sugestão de formas de dar continuidade ao texto. Todas essas ações são veiculadas no bilhete orientador enviado ao autor da escrita como forma de motivá-lo a rever o seu texto. Seguindo essa orientação processual, a escrita ganha ares de coletividade, pois pressupõe um diálogo entre as partes configuradas, quais sejam: o aluno-autor e o professor-leitor. De acordo com Rojo (2012), a escrita, modernamente, também não pode estar dissociada da multimodalidade ou multissemiose7, mas intimamente relacionada com a linguagem, uma exigência dos multiletramentos8 com os quais precisamos conviver para a sua compreensão. Nesse sentido, é importante que o aluno, como autor dos seus próprios textos, esteja em conexão com as ferramentas que possibilitem uma escrita multissemiótica, o que só se consegue com a interação virtual. A escrita de textos de cordel, por exemplo, possibilita a multiplicidade de linguagens, mesmo o texto sendo produzido à mão. A própria imagem que representa o texto (xilogravura), sobre a qual trataremos na próxima subseção de modo mais aprofundado, já nos aponta que estamos rodeados por textos que exigem essa leitura por meio de letramentos múltiplos. 7 Segundo Rojo (2012, p.19), textos multimodais ou multissemióticos são aqueles compostos por linguagens múltiplas ―(modos ou semioses) e que exigem capacidades e práticas de compreensão e produção de cada uma delas (multiletramentos) para fazer significar‖. 8 Garcia e Rangel (2013, p. 13) dão-nos uma noção ampliada de multiletramentos: ―Nos dois sentidos básicos envolvidos no conceito de letramento evidencia-se que os usos da escrita, em nível tanto social quanto pessoal, são diversos e heterogêneos entre si. Assim, cada prática de letramento corresponde a um funcionamento social diverso e característico, pressupondo, por parte dos seus protagonistas, capacidades de leitura e/ou escrita específicas. Além disso, como a escrita funciona sempre em articulação com outras modalidades de linguagem (caligrafia; diagramação; ilustrações; audiovisuais etc.), seu processo de (re)produção de sentidos é naturalmente multimodal (ou multissemiótico). Ou seja: a leitura e a produção de textos escritos envolvem, inescapavelmente, a leitura e a produção dos textos não verbais que se associam, mais ou menos intimamente, à escrita, como, por exemplo, as fotos que compõem uma notícia, as legendas de um filme ou os links associações audiovisuais em links de um hipertexto. Em ambientes digitais, assim como no âmbito da mídia, essas associações se intensificam e se tornam mais complexas‖. 32 2.4 CORDA, CORDINHA, CORDEL: UM GÊNERO DISCURSIVO FEITO RIMA NO PAPEL No tocante ao gênero cordel, é importante resgatar o estudo de autores como Batista (1977), Maxado (2011), Santos (2006), Marinho e Pinheiro (2012), entre outros, que discutem o gênero e sua importância social e cultural como meio de comunicação para o povo brasileiro. Na antologia organizada por Batista (1977), por exemplo, podemos analisar parte da obra de centenas de autores que se dedicaram à escrita do gênero cordel. A obra resgata a bibliografia de vários autores colocando em destaque muitos folhetos de cordéis que fizeram história no Brasil. Também, em Batista (1977), é possível aprofundar os conhecimentos acerca da origem9 desse gênero que veio de Portugal e fez história em terras brasileiras. Para compreender um pouco da história do gênero no Brasil, vejamos o que diz a cordelista Maria do Rosário Lustosa da Cruz, num folheto escrito em 2003, intitulado A história do cordel (CRUZ, 2003, p. 3): Quando chegou ao Brasil O cordel se transformou Aqui ganhou vez e voz E logo se emancipou No Nordeste ele nasceu E foi onde se criou A história do cordel Fez parte da tradição Desempenhou seu papel Escrevendo com ação E se tornou em herança Para muita geração O cantador de viola vivia a cantarolar de tudo o que sucedia cantava a versejar mas nada ficava escrito pra poder memorizar Foi no século dezenove Bem pertinho do seu fim Que resolvera escrever O que cantavam e assim 9 O nome de literatura de cordel vem de Portugal, e, como todos sabem, tem esse nome pelo fato de serem folhetos presos por um pequeno cordel ou barbante em exposição nas casas em que eram vendidos. Com esse nome já os assinala Teófilo Braga, em Portugal do século XVII, senão mesmo antes. Pode-se dizer também que esse tipo de poesia está relacionado ao romanceiro popular, a ele se ligando, pois se apresenta como romance de poesia, pelo tipo de narração que descreve. A presença da literatura de cordel no Nordeste tem suas raízes lusitanas; veio-nos com o romanceiro peninsular, e possivelmente começam esses romances a ser divulgados entre nós já no século XVI, ou, no mais tardar, no século XVII, trazidos pelos colonos em suas bagagens (BATISTA, 1977, p. 1). 33 O que antes era música Virou também folhetim Leandro Gomes de Barros Fazer cordel entendeu Na gráfica de um jornal Onde imprimir resolveu Na cidade de Recife assim o cordel nasceu [...] Segundo Evaristo (2000), podemos compreender a história do cordel relacionando-a à tradição medieval que cultuava a atividade de contar histórias. A tradição popular da contação de história dos cordéis era a de transmissão do gênero por via oral, como ilustra Cruz (2003) na terceira estrofe. Os folhetos quase não existiam na forma escrita, pois as histórias, depois de lidas, eram repassadas de boca em boca10, graças à astúcia daqueles que conseguiam decorar as narrativas. Mesmo sem saber ler, muitos se tornaram autores ou catadores que reproduziam os folhetos para familiares ou amigos nas rodas de conversa ou nas feiras livres. Isso está revelado em vários estudos científicos, como no de Cavignac (2006), sobre a importância do cordel no Nordeste brasileiro. Mesmo que se trate de uma literatura escrita, a transmissão do cordel é essencialmente oral: analfabetos compram regularmente folhetos e pedem a um vizinho ou a um amigo que os leiam. [...] A escrita se mescla assim inextricavelmente à voz: o poeta se inspira na tradição oral para escrever seus poemas e uma vez gravado pela memória, o folheto, enquanto objeto – história escrita – não tem mais uma real importância (CAVIGNAC, 2006, p. 71). 10 João Cabral de Mello Neto, no poema Descoberta da Literatura, ilustra muito bem esse modelo de transmissão oral que era feita por aqueles que sabiam ler os folhetos: ―No dia-a-dia do engenho, / toda a semana, durante, / cochichavam-me um segredo: /saiu um novo romance. / E da feira de domingo / me traziam conspirantes / para que lesse e explicasse / um romance de barbante. / Sentados na roda morta / de um carro de boi, sem jante, / ouviam o folheto guenzo, / a seu leitor semelhante, / com as peripécias de espanto / preditas pelos feirantes. / Embora as coisas contadas / e todo mirabolante / em nada ou pouco variassem / nos crimes, no amor, nos lances, / e soassem como sabidas / de outros folhetos migrantes, / a tensão era tão densa, / subia tão alarmante, / que o leitor que lia aquilo / como puro alto-falante, / e, sem querer, imantara / todos ali, circunstantes, / receava que confundissem / o de perto com o distante, / o ali com o espaço mágico, / seu franzino com o gigante, / e que o acabassem tomando / pelo autor imaginante / ou tivesse que afrontar / as brabezas do brigante. / (E acabariam, não fossem / contar tudo à Casa-grade: / na moita morta do engenho, / um filho-engenho, perante / cassacos do eito e de tudo, / se estava dando ao desplante / de ler letra analfabeta / de curumba, no caçanje / próprio dos cegos de feira, / muitas vezes meliantes)‖ (MELO NETO, 2008, p. 83). Nota-se no poema a demonstração das leituras dos folhetos de cordel, chamados de ―romances de barbante‖, por um eu poético que sabe ler, o menino do engenho, para os cassacos de eito, trabalhadores braçais analfabetos que se deleitavam com as histórias contadas. Desse modo, observa-se que os folhetos, mesmo sendo considerados como literatura marginal, porque eram, muitas vezes, de autoria de homens sem instrução nenhuma, tinham as suas raízes fincadas na oralidade. 34 Se pensarmos o gênero cordel no que se refere à dialogicidade, observaremos que o sujeito-narrador travava um diálogo com os textos produzidos reelaborando o que ouvia e, muitas das vezes, acrescentando detalhes novos às histórias. Desde que chegou ao Brasil, o gênero já tinha o intuito de relatar ao sertanejo iletrado os mitos da cultura local e de outros lugares, em função da sua fácil memorização. Além disso, os muitos eventos de letramento, propiciados por esse gênero, aconteciam em meio às camadas mais pobres da sociedade, o que contribuía para que o cordel fosse tomado como uma literatura desvalorizada diante daquilo que era pregado pela burguesia como escrita de qualidade. A sua função maior era o entretenimento dos que ao redor dele circulavam. Todo leitor ou ouvinte da literatura de folhetos aprendeu a apreciar este gênero a partir de narrativas de aventura, de proezas, de pelejas, de notícias cheias de invenções, de brincadeiras, da folia da bicharada, dos ABCs, de abordagens bem-humoradas de diferentes temas e situações. Ninguém aprende a gostar de folhetos decorando regras sobre métricas e rimas. Mesmo os que aprenderam a ler com os folhetos, foram primeiro tocados pelas fantasias das narrativas, pelo humor de situações descritas, enfim, pelo viés da gratuidade e não pelo pragmatismo de suas informações (MARINHO; PINHEIRO, 2012, p. 12). É com essa perspectiva de entretenimento que o cordel chegou ao Brasil. O nome dado ao gênero vem da tradição da exposição dos folhetos em uma corda ou barbante fino nas feiras livres de antigamente. Essa era a forma de atrair a atenção dos populares que circulavam pelos locais em que os livretos eram vendidos a preços irrisórios. Quem conta o motivo do nome cordel, em folheto intitulado O cordel em Cordel, é o cordelista Roberto Coutinho da Motta, o Bob Motta (2007, p. 3): Bem antes do surgimento, Da imprensa, do jornal, O Cordel era em geral, A fonte de informação. Os fatos mui relevantes, Ou passagens corriqueiras, Tinham de qualquer maneira, No Cordel, divulgação. Para chegar ao povão, Na Espanha e em Portugal, Dava um trabalho infernal, Porém, ficava bonito. O cordel, antes da imprensa, Era ao povo, apresentado. Num trabalho elaborado, 35 Em caderno manuscrito. Depois, pequenos folhetos, de estórias mirabolantes, eram presos em barbantes, por cada um menestrel. Ficavam assim expostos, Manhãs e tardes inteiras, Pelas barracas das feiras, Daí o nome, Cordel. [...] Além disso, é importante observar que o cordel tem suas peculiaridades em relação aos outros tipos de literatura: os folhetos, que figuram como suporte do gênero, apresentam um número pequeno de páginas, cabendo muitas vezes na palma da mão; as narrativas são curtas – na sua maioria, não ultrapassam o número de 32 estrofes; as estrofes são construídas geralmente no formato de sextilhas, mas podem ser criadas como septilhas, oitavas e décimas, entre outros11; a temática abordada varia muito, indo desde assuntos polêmicos até os acontecimentos mais banais do cotidiano; podem ser encontrados, facilmente, em feiras livres, exposições, lojas especializadas em artigos de cultura popular, ou mesmo na internet há sites que os divulgam; a linguagem é simples, próxima da realidade dos alunos colaboradores desta pesquisa e, geralmente, apresentam ilustrações no formato de xilogravuras12 na cor preta. 11 As sextilhas, septilhas, oitavas ou décimas são os tipos de estrofes mais comuns na elaboração dos cordéis. Elas são compostas por seis, sete, oito e dez versos, respectivamente, sendo as sextilhas o tipo mais utilizado nos dias atuais. A estrutura das estrofes segue uma padronização que é mantida durante todo o texto: sextilha – XAXAXA (a rima ocorre no 2º, 4º e 6º versos); septilha – XAXABBA (a rima ocorre com os versos 2, 4 e 7, mas o 5 e o 6 rimam entre si); oitava ou oito pés de quadrão – apresenta várias construções de rimas sendo as duas mais comuns AAABBCCB (rimando os três primeiros versos entre si, o 4º rimando com o 5º e o 8º, e o 6º e o 7º, entre si) e XAABXCCB (o 1º e o 5º versos são os únicos que não rimam, as rimas acontecem entre os versos 2 e 3, 4 e 8, 6 e 7, respectivamente); décima, também conhecida como versos de dez pés – ABBAACCDDC (as rimas ocorrem entre os versos 1, 4 e 5 / 2 e 3 / 6, 7 e 10 / 8 e 9). As décimas possibilitam aos cantadores a repetição do mote, que consiste na repetição dos dois últimos versos. Até a canção brasileira é influenciada por esse tipo de estrofe. É o que acontece na letra da canção Nordeste independente, uma composição de Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova, da década de 1980, imortalizada na voz de Elba Ramalho, que repete os dois últimos versos como mote: imagine o Brasil ser dividido / E o Nordeste ficar independente. Autores que também tratam sobre os tipos de estrofes: Leite Filho (1985); Maxado (2012); Melo (2005). 12 Técnica que consiste em carimbar o papel usando um molde de madeira. Arte de gravar na madeira. A palavra xilogravura vem de ―xilo‖ – palavra grega que significa madeira, e de ―gravura‖ – imagem, estampa, desenho, impressão. Quem bem define o conceito da palavra é Juazeiro (2011, p. 37) que diz: ―Xilogravura consiste em desenhar na madeira, entalhada, onde as partes deixadas em alto é o preto e a parte escavada é o branco. Depois passa um rolo com tinta úmida no bloco de madeira entintado junta a uma folha de papel, tecido ou algo equivalente podendo ser prensado resultando na estampa ou gravação‖. 36 Em algumas situações, a leitura dos cordéis é acompanhada por uma viola e, antigamente, eram feitas declamações dos folhetos, em praça pública, mais precisamente nas feiras livres, por um repentista ou cantador que ficava rodeado pelos transeuntes do local. Diante do exposto, a proposta de um trabalho com o cordel para o 9º ano ―A‖ do Ensino Fundamental foi um modo de fazer com que as aulas de língua portuguesa ganhassem mais vida. Um momento de resgate da cultura popular, por meio desse gênero, dando oportunidade aos alunos de conhecer os temas, a organização composicional e o estilo próprio dele. Um modo de colocar o aluno em contato com a leitura poética que em tempos de ofertas tecnológicas está cada vez mais distante da realidade da sala de aula. Para dar conta da viabilização de uma Sequência Didática com o gênero cordel, no entanto, é preciso que o professor esteja comprometido com o seu fazer pedagógico que, segundo Antunes (2003), não deve ser o de apenas transmitir conhecimento. Nesse contexto, por exemplo, ao viabilizar um trabalho com o cordel em busca da disseminação da escrita, o professor, entre outros princípios, pode promover a participação social. A produção de textos escritos na escola deve incluir também os alunos como seus autores. Que eles possam ―sentir-se sujeitos‖ de um certo dizer que circula na escola e superar, assim, a única condição de leitores desse dizer. [...] Essa prática, além do mais, colocaria os alunos na circunstância de exercitar a participação social pelo recurso da escrita (ANTUNES, 2003, p. 61-62). Dessa forma, para a exploração do cordel em sala de aula, como bem lembra Barbosa e Araújo (2015), é importante que a escola reconheça, por meio do ensino e da aprendizagem, as vivências do professor e do aluno. É preciso reconhecer os saberes populares (cultural, religioso, mítico) desses agentes escolares que ao mesmo tempo são falantes e ouvintes/ escritores e leitores de todos os gêneros que circulam nas esferas comunicativas nas quais estão inseridos. Ou seja, por meio do trabalho realizado em sala de aula com o gênero cordel torna- se possível a viabilização de uma proposta de educação linguística numa perspectiva multicultural13. 13 Em que há o reconhecimento das diferenças e individualidades de cada um, fazendo com que seja preservada a cultura que pode ser entendida como: ―1. Em oposição a natureza, entende-se por cultura tudo aquilo — material ou imaterial — que, não sendo dado pela própria natureza, é produto 37 2.5 NA PISADA DA LEITURA: UMA ATIVIDADE QUE PRODUZ SENTIDO Não podemos falar no gênero cordel sem dar ênfase à leitura. Desse modo, apontaremos, nesta subseção, alguns dos aspectos da leitura que estão imbricados na experiência dialógica dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa. Tomando a concepção de leitura como decorrente da relação que se estabelece entre o sujeito, a linguagem, o texto e o contexto, é possível conceituá-la como uma atividade mental que coloca em sintonia esses quatro elementos sem que haja desequilíbrio. Isto é, primeiramente, cabe ao leitor estar situado num contexto sócio-histórico; em segundo lugar, fazer uso de determinada linguagem; em terceiro, levar em consideração os propósitos comunicativos expressos no texto para, por último, compreender o que está sendo lido. Essa concepção de leitura está diretamente relacionada aos estudos de Koch e Elias (2011), que definem leitura como sendo uma atividade na qual os sujeitos interagem buscando sentido para aquilo que foi lido. Tal atividade não se realiza somente na superfície do texto, quando se consideram apenas os elementos linguísticos do nível oracional, mas mobiliza um conjunto de saberes que redimensiona o evento comunicativo. Sob esse ponto de vista, a leitura não pode ser compreendida apenas com o foco no autor e nas suas intenções de produção textual, tampouco como uma atividade que exija apenas o foco no texto linearmente, mas construída na interação entre autor-texto-leitor. Somente sendo tomada nesse sentido mais amplo, envolvendo o todo, é que a leitura tem significação plena, porque envolve não somente os conhecimentos linguísticos envolvidos no processo dialógico (linguagem e texto) mas também, como bem nos lembra a teoria bakhtiniana, as experiências de vida do leitor que tem sua própria história e está sempre posicionado na vida, pleno de significados. Só assim é que esse leitor constrói os sentidos do texto. Dessa forma, a leitura é vista como uma atividade que envolve a produção de sentido, como afirmam Koch e Elias (2011), pois está ancorada no leitor que do trabalho e do engenho humanos, pressupondo, portanto, nossa capacidade de simbolização. Nesse sentido, a cultura pressupõe a(s) linguagem(ns); e é a materialização das potencialidades humanas, ao mesmo tempo em que é o seu limite. 2. Uma das esferas da atividade humana, aquela que congrega a produção e o consumo dos chamados bens imateriais. Nesse sentido, a cultura envolve profissões, ofícios e ocupações (escritor, escultor, ator...), assim como instituições sociais próprias (literatura, artes plásticas, artes cênicas etc.)‖ (GARCIA; RANGEL, 2013, p. 23). 38 aciona várias estratégias para compreender o que é dito pelo produtor do texto. Isto é, o leitor constrói o sentido a partir das suas experiências de vida, selecionando, antecipando, inferindo e verificando as informações textuais. Desse modo, são vários os movimentos mentais que orientam a nossa compreensão leitora e todos estão relacionados aos conhecimentos construídos ao longo de nossas experiências nas várias esferas de circulação social pelas quais transitamos. A orientação de leitura como uma atividade de produção de sentido também já é defendida como pressuposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1998b) que a concebe como um processo que se dá a partir dos conhecimentos que o leitor traz do seu mundo para o texto, um trabalho ativo que aciona várias estratégias sociocognitivas. ―Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência‖ (BRASIL, 1998b, p. 69). Por meio do acionamento dessas estratégias, o leitor consegue compreender melhor o texto, podendo direcionar o seu olhar para questões que precisam ser esclarecidas para que a compreensão se estabeleça e pode ainda confirmar suas antecipações e hipóteses por meio da ativação das inferências feitas no texto. Ao elaborarmos essas estratégias, segundo Koch (2002), nós nos valemos de três tipos de conhecimentos que são acionados para a compreensão dos textos lidos, a saber: o linguístico, o enciclopédico e o interacional. Quando falamos em conhecimento linguístico, estamos nos referindo ao que conhecemos da gramática e do léxico. Ou seja, a referência é acionada a partir do que está na superfície do texto: elementos de coesão, elementos sintáticos, seleção lexical etc. todos relacionados ao conhecimento da estrutura da língua. Já os conhecimentos enciclopédicos estão relacionados às vivências e experiências adquiridas de modo geral. Esse conhecimento representa nosso repertório de leituras e das abstrações mentais que vamos armazenando durante as nossas vivências diárias com o mundo. Quanto ao conhecimento interacional, este perpassa pela interação dialógica do sujeito com a linguagem que envolve, Segundo Koch e Elias (2011), conhecimentos ilocucionais, comunicacionais, metacomunicativos e superestruturais são essenciais no processo de formação leitora dos alunos. Para uma melhor compreensão do conhecimento interacional vivenciado pelo leitor no ato de 39 interação com a linguagem, segundo Koch e Elias (2011), é necessário acionar quatro tipos de conhecimentos que se complementam, a saber: a) os conhecimentos ilocucionais, que têm uma relação estreita com aquilo que pretende o produtor do texto quando o produz, dependendo da situação interacional na qual esteja envolvido; b) os conhecimentos comunicacionais, que envolvem uma quantidade de informações necessárias para a compreensão textual, acionadas numa situação de comunicação verdadeiramente concreta; c) os conhecimentos metacomunicacionais, que são construídos na relação que se estabelece entre o locutor e o interlocutor, quando o primeiro assegura ao segundo a compreensão textual por meio de sinais de articulação ou de apoios textuais, atividades de formulação ou de construção textual; e d) os conhecimentos superestruturais, que envolvem a identificação de textos como adequados às várias situações de uso. Tais conhecimentos estão intimamente relacionados à compreensão dos gêneros discursivos e sua real aplicação prática defendida nos estudos de Bakhtin (2011), que é o que realmente nos interessa nesta pesquisa. Diante de todas as reflexões feitas sobre o processo de leitura, cabe, então, uma pergunta: como a escola deve promover a motivação da leitura para os alunos do Ensino Fundamental? Para responder a esse questionamento, é importante considerar o contexto escolar e as condições de trabalho do professor para que ele possa desenvolver adequadamente ações motivadoras nesse sentido. Nesse caso, o professor pode planejar atividades nas quais os gêneros discursivos sejam explorados, observando-se a sua real utilização em contextos concretos de interação. A motivação da leitura e a sua aplicação nas mais variadas situações de uso fazem com que os alunos percebam as leituras como instrumentos valorativos nas relações sociais. Entretanto, o aluno precisa estar motivado para entrar nesse jogo, o que vai exigir do professor estratégias que possibilitem um contato com a literatura de modo prazeroso. Com um bom planejamento literário, o professor abre caminho para uma sólida formação leitora de seus alunos. Como exemplo de planejamento, apresentamos a estratégia para mobilizar a leitura do cordel (nosso objeto de estudo), explicada detalhadamente na Sequência Didática elaborada para esta pesquisa, que teve início com a participação dos alunos em um concurso de textos literários com tal gênero. Para que o professor 40 possa ter êxito em seus objetivos, quaisquer das estratégias de leitura precisam ser planejadas com um propósito sociointerativo. No planejamento dessas estratégias, muitas vezes nos deparamos com alguns impasses, como o uso desenfreado dos aparatos tecnológicos pelos alunos. Sendo assim, cabe ao professor planejar o uso desses aparelhos comungado com a leitura planejada, por exemplo, para discussão das ideias do texto. Hábito que deve ser cultivado, bem como mediado pela escola, pois, em virtude da convivência das crianças e dos adolescentes com televisão, celulares, jogos de computador etc. a leitura, como estratégia de interação, tem perdido espaço nas atividades escolares. A leitura de um texto literário, nesse caso, é um exercício psicológico que desencadeia um processo de interação do sujeito consigo mesmo e com os outros, tornando-o um leitor competente. A esse respeito, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) tratam esse sujeito como sendo um competente leitor que sabe selecionar, em meio aos textos que circulam socialmente, aqueles que podem atender as suas necessidades e por meio deles estabelecer estratégias que mobilizem a abordagem de tais textos. O leitor competente, que faz a leitura de forma interativa, é capaz de compreender as entrelinhas, identificando, a partir da leitura, os elementos implícitos e estabelecer relações entre o que foi lido e seus conhecimentos prévios ou entre o texto e outros textos já lidos anteriormente. É este leitor competente que a escola deve formar: que sabe circular socialmente, que sabe ler as entrelinhas do texto, que sabe pressupor o que o produtor do texto quis dizer, que é proficiente em todas as estratégias sociocognitivas de leitura, abordadas no início deste tópico, que desabrocha para a descoberta da leitura como uma atividade de produção de sentido. Nessa descoberta, vale uma reflexão sobre os desafios que se escondem nas expectativas provocadas por essa leitura, o que Calvino (1990, p. 137) afirma ser o ―[...] o de saber tecer em conjunto os diversos saberes e os diversos códigos numa visão pluralística e multifacetada do mundo‖. Desse modo, a leitura só sobrevive se realmente se propuser a criar possibilidades para os sujeitos que dela fazem uso nas situações comunicativas concretas. Tais possibilidades de interação dos sujeitos com a leitura, portanto, devem ser estimuladas, principalmente pela escola, que deve servir de elo entre o texto e 41 seus leitores, não sem levar em conta as vivências do mundo do aluno. Nesse sentido, é possível citar o que diz Burlamaque (2006), apoiado nas ideias de Chartier (1996), que nos alerta para o fato de que o professor deve respeitar o repertório de leitura que cada aluno traz consigo: ―[...] cada leitor, a partir de suas próprias referências individuais ou sociais, históricas ou existenciais, dá um sentido mais ou menos singular, aos textos de que se apropria‖ (BURLAMAQUE, 2006, p. 83). 2.6 DANDO UM NORTE À PESQUISA Tendo em vista as grandes transformações pelas quais o mundo passa atualmente, faz-se necessário que o professor adquira a capacidade de implementar ações que desenvolvam nos alunos habilidades e competências para lidar com toda a gama de novas tecnologias tão presentes em seu cotidiano. Uma dessas possibilidades é o trabalho que se propõe com o gênero discursivo cordel como instrumento de comunicabilidade, mesmo estando ele inserido na categoria das tecnologias impressas. Para tanto, é importante que o aluno se utilize, sim, das novas tecnologias que a ele se apresentam, mas que saiba se utilizar também dos gêneros discursivos em situações de interação concreta, diferenciando o uso da linguagem padrão da variável não padrão; da linguagem mais rápida e abreviada exigida pelos meios tecnológicos daquela usada nos textos de cordéis, por exemplo. Segundo Morelatti (2000), estamos, a todo o momento, confrontando-nos com novos desafios e situações em que os modos de pensar e agir se renovam e se reconstroem diante das necessidades comunicativas e, para tanto, é preciso estar antenado com o que acontece ao nosso redor. São desafios que se estabelecem em todas as áreas, especialmente na educação. Por isso, a necessidade de sermos mais criativos e participativos para que possamos aceitar as mudanças dos dias atuais. Na escola, por exemplo, o professor deve estar preparado diante das novas exigências para ajudar o aluno a enfrentar tais desafios. Entre esses desafios está a utilização das novas tecnologias que, desde que seja feita de forma positiva, servirá para o crescimento e a construção de conhecimentos favoráveis à inserção do indivíduo no meio social. No entanto, o trabalho com um gênero discursivo como o cordel, aparentemente relegado e destituído de sentido nos dias atuais, também é um desafio para o professor, pois, 42 assim, ele estará contribuindo, principalmente, para o seu resgate social, o que está configurado na introdução do nosso trabalho como um dos nossos propósitos. Entretanto, é importante observar que os alunos já estão absorvidos nesse contexto tecnológico e dispõem, frequentemente, de tecnologias, as mais diversas possíveis no seu cotidiano. Com isso, as ações de multiletramento em que estão envolvidos, considerando os recursos tecnológicos, absorvem a multimodalidade e a multissemiose dos textos, fatores apontados nos estudos de Rojo (2012) que norteiam a nova pedagogia a ser adotada pelos professores de língua portuguesa nesse novo milênio. Nesse sentido, a escola não pode ficar relegada ao papel de observadora dessa contextualização, deixando aquém a tarefa de inserir os alunos no mundo globalizado que se abre nessa nova era. Trabalhar com gênero cordel, nessa perspectiva, pode ser muito interessante e desafiador, já que ele tem as suas raízes na cultura popular. Além disso, esse trabalho envolveu a questão da linguagem no contexto de escrita de cordéis, que se diferencia bastante daquela usada nos meios tecnológicos. É preciso, portanto, propiciar ao aluno novas oportunidades de interagir com o mundo que o rodeia, seja por meio dos cordéis seja por outros gêneros discursivos, atentando para as mais diversas tecnologias que estão no seu entorno e que o convida a escrever com uma linguagem inapropriada muitas vezes. Ademais, o desenvolvimento das ações previstas, expostas na metodologia deste trabalho, levaram os alunos a produzir um rico material, tomando por base os cordéis já existentes, em especial os de autores reconhecidos nacionalmente. Os cordéis foram estudados, inclusive, via internet, e serviram de espelho e reflexão para a avaliação final que compreendeu, entre outros aspectos, a postura de se autoavaliar diante daquilo que foi vivenciado e produzido no decorrer do período em que a pesquisa foi desenvolvida, com ênfase para o ato da escrita. Sendo assim, é importante repensar a atuação da docência do professor que deve estar motivado para pensar estratégias que levem o educando a se apropriar dos conhecimentos sem necessariamente estar debruçado em algum livro didático. Tal desafio parte de princípios como o mal preparo dos alunos que ingressam no Ensino Médio, o que constitui um ambiente propício à reflexão de algumas linhas norteadoras desse ―desafio moderno‖ no Ensino Fundamental. 43 Como desafios, podemos apresentar a falta de estrutura das escolas públicas; a ausência de políticas públicas que efetivamente se reportem às reais necessidades de aprendizagem dos alunos no ensino básico, além de fatores como a economia e sua disforme divisão per capita; a desagregação da família, que cada vez mais se torna voltada ao trabalho; a própria formação do professor do ensino básico – nos dias atuais pode-se dizer que a desvalorização salarial o impulsiona a exercer a mesma função em escolas diferentes como forma de subsistência, faltando tempo para a sua atualização profissional. Inúmeras seriam as causas que apresentam um quadro de alerta para a escrita dos alunos quando da sua saída do Ensino Fundamental, mas nos atentamos a pontuar situações específicas que trazem barreiras à formação cidadã desses alunos no 9º ano mais especificamente. Também destacamos a aprendizagem a partir de sua escrita e de situações de sua vida de aluno como referência a essa formação. Dessa forma, vale lembrar que, com o tempo, o homem passou a ter uma metodologia para expressar suas vontades e experiências, narrando e usando para isso um conjunto de sinais que, uma vez ordenados, deveriam ser decifrados pelos interessados nessa comunicação. Possivelmente, já possamos vislumbrar, a partir de então, a importância dos cordéis na vida das pessoas, assim como a inserção dos e-mails, com a chegada da internet, por exemplo. Há, assim, a necessidade de problematizar o uso das novas tecnologias associadas ao cordel para que possamos compreender a presença dessa ordenação lógica de símbolos como um pressuposto para a comunicação e para a aprendizagem significativa. Nesse processo, a pesquisa se constitui como parte importante, uma vez que tem o papel de falar sobre a execução da investigação, mostrando sua viabilidade e suficiência diante da problemática levantada, o que é defendido por Chalmers (1993, p.12), na introdução do seu livro O que é Ciência afinal?, como algo que deve ter mérito e ―um tipo especial de confiabilidade‖. Tal pesquisa, como já dito, aconteceu na Escola Estadual Professor José Fernandes Machado, envolvendo seu ambiente como pressuposto de aprendizagem e condutor de comportamento. Ressalte-se que foi um fator importante as intervenções terem acontecido na escola, pela atmosfera propícia que se desenvolveu naquele cenário, conforme 44 exige a pesquisa colaborativa. Isso nos remete ao que diz Paulo Freire (1996), em sua Pedagogia da Autonomia, que não existe um ensino sem que a pesquisa esteja presente. A pesquisa está para o ensino assim como o ensino para a pesquisa. Freire (1996) chama a nossa atenção para a busca contínua a que o professor deve se submeter. Nessa direção, ele afirma: ―Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade‖ (FREIRE, 2006, p. 29). Trabalhar a pesquisa na vertente qualitativa, que Demo (2000) enfatiza ser aquela que se interessa por fenômenos específicos, é o que constitui este estudo, uma vez que todas as características se voltam para essa abordagem presentificada no nosso objeto de estudo. A esse respeito, autores como André (2005), Ludke e André (1986), Gatti (2005) e Rocha (2006) ajudaram a entender as concepções da pesquisa em educação na abordagem qualitativa. Esta pesquisa ainda pode ser considerada como de cunho descritivo e explicativo. No primeiro caso, por visar à descrição de determinado fenômeno (o uso do cordel como fomento da escrita dos alunos) e, no segundo, por tentar explicar como esse procedimento se dá no cotidiano da escola. Para tal classificação, recorremos a Gil (2002) que trata dos tipos de pesquisas científicas existentes e vê uma relação entre uma e outra: Algumas pesquisas descritivas vão além da simples identificação da existência de relações entre variáveis, e pretendem determinar a natureza dessa relação. Nesse caso, tem-se uma pesquisa descritiva que se aproxima da explicativa. [...] Uma pesquisa explicativa pode ser a continuação de outra descritiva, posto que a identificação dos fatores que determinam um fenômeno exige que este esteja suficientemente descrito e detalhado (GIL, 2002, p. 42-43). Para melhor entender essa abordagem da pesquisa qualitativa, demos mais enfoque aos instrumentos de construção de dados que utilizamos, como a Sequência Didática que será discutida na próxima seção. Sobre os bastidores desta pesquisa, ou a lida com o gênero discursivo cordel, elegemos como concepção de pesquisa as categorias de análise ancoradas nos estudos de Bakhtin (2011, 2015) que compreendem composição, estilo e autoria. 45 3 DOIS DEDOS DE PROSA SOBRE A ABORDAGEM METODOLÓGICA ―Minha palavra e minha voz, nascidas da palavra do outro ou dialogicamente estimuladas por ela, mais cedo ou mais tarde começam a libertar-se do poder dessa palavra alheia‖. Mikhail Bakhtin (2015, p. 143) Nesta seção, apresentamos a nossa abordagem metodológica. Como e onde a pesquisa foi realizada, quais os sujeitos implicados e todos os procedimentos que adotamos para a sua realização. Como já anunciamos na introdução deste trabalho, a nossa abordagem se deu por meio da elaboração de uma Sequência Didática respaldada pelos estudos de Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004) e na proposta didatizada por Lopes-Rossi (2011). Sendo assim, apresentamos em detalhes como se consolidou todo o processo de produção do Caderno do Professor14, resultante de toda a pesquisa, que elaboramos para servir de modelo para outros professores que queiram desenvolver um trabalho com o gênero discursivo cordel no Ensino Fundamental fazendo as devidas adequações à sua realidade escolar. Desse modo, pormenorizamos, a seguir, a contextualização da escola na qual aplicamos a pesquisa e o passo a passo da construção da SD nos três módulos – Módulo de Leitura, Módulo de Escrita e Módulo de Divulgação – que serviram de modelo para o alcance dos objetivos que norteiam o nosso trabalho desde o início. 3.1 QUEM SÃO MESMO OS SUJEITOS IMPLICADOS NA PESQUISA E ONDE ESTÃO SITUADOS? É importante situar a escola, mesmo que brevemente, na qual a pesquisa foi construída para compreendermos melhor o perfil dos alunos envolvidos. A Escola Estadual Professor José Fernandes Machado, localizada no Bairro de Ponta Negra, em Natal/RN, atendia, à época, cerca de mil alunos em três turnos de aula, abarcando o Ensino Fundamental, o Ensino Médio e a Educação de Jovens e Adultos – EJA (este último nível de ensino funcionando apenas no turno noturno). Era uma escola ampla, que contava com 24 salas de aula; 01 biblioteca; 01 14 O Caderno do Professor está contido no Apêndice B e foi elaborado como produto final da pesquisa do PROFLETRAS. 46 laboratório de informática; 01 sala com internet; 01 quadra coberta; 01 campinho de areia; 01 espaço coberto (pátio), onde a maioria dos alunos ficava sentada esperando o horário das aulas ou gazeando; 01 sala que servia como auditório; 01 sala que servia como cantina (acoplada à cozinha); 02 banheiros que serviam aos alunos em péssimas condições, entre outras repartições. A maioria das salas não funcionava adequadamente: a biblioteca, por exemplo, era muito mal frequentada pelos alunos, pois não dispunha de títulos de pesquisa que suprisse a necessidade de leitura deles (nem mesmo os títulos das obras paradidáticas disponíveis eram convidativos, pois se restringiam ao cabedal de livros da linha do cânone literário que os alunos, nem sempre, têm interesse de ler); a sala de informática não funcionava, pois os computadores disponíveis (quinze máquinas, somente) eram ultrapassados e não dispunham de conexão com a internet; as salas de aula eram quentes, desconfortáveis e mal iluminadas (o barulho externo atrapalhava bastante o desenvolvimento das aulas); a cantina era mal frequentada porque os alunos não gostavam da merenda servida; a sala que funcionava como auditório, apesar de contar com um aparelho de ar condicionado, era quente e desconfortável; a única sala que tinha internet disponível também era mal estruturada (a internet só era disponível nessa sala porque uma professora, particularmente, pagava um contrato com uma prestadora de serviços para o fornecimento da internet). Enfim, as condições de infraestrutura oferecidas aos alunos estavam longe de atender os padrões mínimos de qualidade, o que colaborava com um clima de instabilidade, de desconfiança, de desestímulo. A turma na qual a pesquisa foi aplicada era de 9º ano do Ensino Fundamental II do turno vespertino (turma ―A‖/2015) da Escola Estadual Professor José Fernandes Machado. Inicialmente, era composta por 26 alunos. Desses, cinco se transferiram no primeiro semestre letivo, restando um total de 21 alunos que aceitaram participar da pesquisa por meio da autorização dos seus pais e/ou responsáveis que assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Anexo A). Esse termo, em linhas gerais, previa o desenvolvimento das ações que seriam executadas durante a aplicação da Sequência Didática e pedia o consentimento para a utilização das produções e das imagens dos alunos para a geração dos dados que foram analisados e seguem apresentados na seção 4 desta dissertação. 47 3.2 EIS A PLANIFICAÇÃO: A SEQUÊNCIA DIDÁTICA EM AÇÃO A Sequência Didática, defendida como proposta pedagógica por estudiosos como Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004) e ampliada por Lopes-Rossi (2011), é uma experiência que ajuda o professor a trilhar um caminho para a compreensão daquilo que pretende ser trabalhado em sala de aula. Para o desenvolvimento de ações que levem o aluno a se apropriar de um gênero discursivo, possivelmente a SD seja a melhor proposta dos últimos tempos. ―Uma sequência didática tem, precisamente, a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação‖ (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2004, p. 83). A proposta de Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004) conduz o professor na direção de um ensino da língua materna tendo como pressuposto o trabalho com a Sequência Didática, que busca desenvolver nos educandos o interesse pela produção oral e escrita de textos que viabilizam o uso dos gêneros discursivos em situações concretas de uso. Nessa perspectiva, o ensino dos gêneros discursivos que se verbalizam na escrita e na oralidade torna-se essencial diante da necessidade de expressão dos sujeitos de qualquer sociedade humana, o que está pressuposto na teoria bakhtiniana, pilar basilar desta pesquisa. A Sequência Didática, para Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004), é um conjunto de atividades organizadas na escola, sistematicamente, tomando como peça principal um gênero do discurso. O objetivo principal de um trabalho que esteja regimentado pela Sequência Didática é fazer com que o aluno possa se apropriar de determinado gênero discursivo para se expressar melhor numa situação de comunicação real, falando ou escrevendo. A proposta do estudo dos gêneros discursivos com esse viés de interação social já é vislumbrada nos documentos oficiais desde a sua criação. Nessa direção, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998b) trazem à tona uma proposta para o ensino do gênero que direciona os alunos a se apropriarem concretamente das habilidades e das competências tanto nas práticas de leitura como nas de escrita. Com isso, a defesa de um trabalho voltado para os gêneros discursivos, embasado na teoria bakhtiniana está mais do que evidente em seus pressupostos 48 teóricos. Tal proposta tem suas bases fundadas na articulação entre contexto de uso e esferas de circulação pelas quais transitam os falantes e ouvintes/ produtores e leitores no trato com a oralidade e a escrita. No Brasil, foram os PCN (BRASIL, 1998b) que indicaram um novo enfoque para o estudo da língua, que antes apresentava uma conotação mais estruturalista. Ou seja, para o ensino de língua portuguesa prevalecia um estudo que privilegiava muito mais a forma e o conteúdo sem considerar, necessariamente, o uso da língua numa vertente dialógica. Inúmeras são as contribuições desses documentos oficiais para o ensino na educação básica brasileira. Nessa perspectiva, a possibilidade de um trabalho com uma linguagem mais próxima da realidade dos alunos começou a ser vislumbrada nas práticas dos professores. Entretanto, esse material, divulgado exaustivamente desde a sua remodelação, apesar de defender um trabalho com o gênero discursivo, não fornece muitos subsídios para o desenvolvimento de um trabalho que leve em consideração o uso das sequências didáticas de modo mais efetivo quando do estudo dos gêneros. Por essa razão, o trabalho proposto por Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004) deve ser avaliado como de suma importância em virtude de sua reentrância no que está proposto nos documentos oficiais. Ou seja, os autores propõem uma experiência para o fazer do professor que leva em conta um modelo didático que, por sua vez, objetiva o atendimento das muitas minúcias que os gêneros discursivos apresentam. Esse modelo estabelece uma relação entre aquilo que é trabalhado pelo professor com os aspectos linguísticos que os alunos já têm internalizados quando chegam à escola. Para essa discussão, trazemos também Lopes-Rossi (2011), observando a relevância do estudo desenvolvido por ela, em consonância com o que dizem os pesquisadores do Grupo de Genebra15. De acordo com essa autora, a adoção de 15 De acordo com Bunzen (2004, p. 232), o Grupo de Genebra é formado por vários pesquisadores/estudiosos como Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz, Auguste Pasquier, Sylvie Haller, Jean-Paul Bronckart, entre outros, e faz parte do Departamento de Didática de Línguas da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (FAPSE) da Universidade de Genebra (UNIGE), dedicando suas pesquisas tanto à constituição do interacionismo sociodiscursivo (BRONCKART, 1999; MACHADO, 2002) quanto a sua aplicação ao ensino de francês como língua materna. Essa equipe tem, desde os anos 1980, realizado trabalhos na tentativa de modificar algumas práticas de ensino vistas como ―tradicionais‖, bem como de repensar a questão da formação dos professores de língua materna (BRONCKART; ROSAT, 2000). Nos últimos anos, os resultados de seus trabalhos têm provocado um redirecionamento nos referenciais curriculares para a escola genebrina; assim como a produção de materiais didáticos, adotados pela escola pública na Suíça francófona, que procuram 49 um trabalho com os gêneros discursivos proporciona ―o desenvolvimento da autonomia do aluno no processo de leitura e produção textual‖ (LOPES-ROSSI, 2011, p. 70), o que só é possível em virtude da apropriação do funcionamento da linguagem nas mais diversas situações de uso que ela demanda. Sob esse ponto de vista, é importante que o professor seja consciente de que os alunos trazem consigo muitos conhecimentos, os quais precisam ser valorizados para que os alunos se sintam estimulados na produção escrita. O que não acontece, muitas vezes, com práticas voltadas apenas ao ensino da gramática normativa ou à produção das famosas redações escolares que não têm nenhuma funcionalidade no cotidiano. Pensando, então, os gêneros discursivos numa perspectiva de relevante importância no contexto escolar e fora dele, seria interessante que o professor pudesse conhecer e adotar o modelo didático defendido por Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004), o que possibilitaria colocar em prática aspectos da linguagem internalizados pelos alunos, contrastando com aqueles que eles ainda não têm domínio. Essa seria uma tarefa que ajudaria a formar os alunos como sujeitos ativos no processo de interação verbal, especialmente numa construção de saber compreendida na interação sociodiscursiva, real e concreta. Considerando que um trabalho dessa natureza não é fácil, observamos que o papel do professor nesse contexto é importante, pois, como aponta Lopes-Rossi (2011, p. 71), cabe a ele a tarefa de criar as condições adequadas ―para que os alunos possam apropriar-se de características discursivas e linguísticas de gêneros diversos, em situações de comunicação real‖. Tal tarefa pode ser executada com a aplicação de um projeto de letramento planejado e desenvolvido sob o formato de Sequência Didática que tem a escrita como eixo motor. Nesse sentido, a nossa opção por um trabalho com a SD deu-se em virtude do favorecimento que ela dá à abordagem da escrita como um processo que nós defendemos. Ademais, no que se refere ao pensamento bakhtiniano, a Sequência Didática16 é vista como um projeto de dizer do professor que desenvolve um trabalho legitimar os posicionamentos teóricos e metodológicos adotados pelo grupo (ROJO; CORDEIRO, 2004). 16 ―Sequência Didática: é uma sequência de módulos de ensino, organizados conjuntamente para melhorar uma determinada prática de linguagem. As sequências didáticas instauram uma primeira relação entre um projeto de apropriação de uma prática de linguagem e os instrumentos que facilitam essa apropriação‖ (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2004, p. 51). 50 seguindo o desenvolvimento de módulos didáticos que possibilita aos alunos a apreensão e a produção de um gênero em estudo. A SD foi o nosso projeto de dizer para a produção do cordel. Nesse processo, a primeira tarefa do professor que adota a SD é a de apresentar uma situação de comunicação, a partir de determinado gênero discursivo, detalhadamente aos alunos que, diante da compreensão, seriam levados a produzi- lo (na escrita ou na oralidade). Ao longo dessa produção, o professor acompanha/avalia/analisa os conhecimentos construídos pelos alunos, podendo propor atividades (adaptando-as ao longo do percurso) por meio da SD. Essas estratégias, evidentemente, são elaboradas em função da produção adequada do gênero proposto. Se considerarmos os passos da SD: apresentação do gênero – produção inicial – atividades de intervenção – produção final, o professor é levado a criar um aparato de atividades e estratégias que pode ser adaptado ao longo do processo para conseguir que seus alunos produzam o gênero escolhido com propriedade. Nesse sentido, a escolha do gênero para um trabalho dessa natureza deve estar situada num projeto pedagógico que fuja da concepção tradicional do ensino, que se pauta num trabalho com disciplinas e conteúdos fragmentados, dissociados da realidade dos alunos, como bem apontam, em seus estudos, Oliveira; Tinoco e Santos (2014). Essas autoras orientam um trabalho para uma pedagogia de projetos que se abre para o novo por meio de ações planejadas. Os projetos, que podem ser orientados por uma Sequência Didática, são ―construções humanas que têm como ponto de partida intenções de transformar uma situação problemática, tornando-a desejada por meio da realização de ações planificadas‖ (OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2014, p. 66). São essas intenções de transformar, por meio de um planejamento consistente, as situações que se apresentam como problema que devem ser perseguidas pelo professor. De acordo com Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004), para a elaboração da Sequência Didática o professor deve seguir um esquema, conforme apresentado na Figura 1: 51 Figura 1 – Esquema de SD proposto por Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004) Fonte: Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004, p. 83) Esse esquema compreende o desenvolvimento de algumas ações que culminam na produção final de um gênero discursivo. Todo o processo se inicia pela apresentação da situação que leva em conta a necessidade de um trabalho com um gênero discursivo, o que encaminha o professor a apresentá-lo aos alunos mediante um conjunto variado de exemplos de textos, desenvolvido em módulos. Em seguida, uma produção inicial é solicitada aos sujeitos implicados no projeto. A partir dessa produção inicial, as estratégias planejadas (proposição de atividades e exercícios) são executadas e, por fim, os alunos (re)escrevem o texto com base no aprendizado construído. Se considerarmos o ensino do gênero discursivo a partir do trabalho com a Sequência Didática, como propõem Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004), estaremos pensando num ensino que concebe a aprendizagem centrada na realidade dos alunos, pois, sob esse viés, é possível estabelecer o desenvolvimento de habilidades e competências, especialmente as relacionadas à escrita com propósitos concretos. Apresentado por Lopes-Rossi (2004), o esquema que englobaria os fundamentos de um trabalho pautado numa proposta de projeto pedagógico, no nosso caso, um projeto voltado à produção de cordéis, considerando os estudos do Grupo de Genebra, estaria disposto conforme Quadro 1, a seguir: 52 Quadro 1 – Esquema de SD proposto por Lopes-Rossi Fundamentos de um projeto pedagógico Módulos didáticos Sequências didáticas Módulo 1 Leitura para apropriação das características típicas do gênero discursivo Série de atividades de leitura, comentários e discussões de vários exemplos do gênero para conhecimento de suas características discursivas, temáticas e composicionais (aspectos verbais e não verbais). Módulo 2 Produção escrita do gênero de acordo com suas condições de produção típica. Série de atividades de produção: - planejamento da produção (assunto, esboço geral, forma de obtenção de informações, recursos necessários) - coleta de informações - produção da primeira versão - revisão colaborativa do texto - produção da segunda versão - revisão colaborativa do texto - produção da versão final, incluindo suporte para circulação do texto Módulo 3 Divulgação ao público, de acordo com a forma típica de circulação do gênero Série de providências para efetivar a circulação da produção dos alunos fora de sala de aula e mesmo da escola, de acordo com as necessidades de cada evento de divulgação e das características de circulação do gênero Fonte: Lopes-Rossi (2004, p. 72) O ensino proposto por meio de SD, desenvolvido por meio de módulos didáticos, seguindo os modelos de Lopes-Rossi acima apresentados, oportuniza ao professor acompanhar os alunos na construção do conhecimento, etapa por etapa. Primeiramente, no Módulo de Leitura, faz-se um trabalho de apresentação do gênero selecionado a partir da necessidade do uso de um gênero discursivo (situação inicial), proporcionando aos alunos um conjunto de textos com características típicas que orientam a discursividade, a temática e a composição desse gênero. Em segundo lugar, no Módulo de Escrita, desenvolve-se uma série de atividades relacionada à produção escrita dos alunos com orientações coletivas para uma reescrita. E por fim, no Módulo de Divulgação, faz-se um planejamento cuidadoso para efetivar a circulação de produção do gênero discursivo num suporte apropriado para que um número considerável de leitores tenha acesso ao produto final. 53 Nessa perspectiva, foi desenvolvido um ensino por meio de módulos didáticos, atravessado pelas sequências didáticas propostas pelos teóricos citados ao longo desta seção com os quais trabalhamos nesta pesquisa para dar conta dos objetivos elencados introdutoriamente. O próximo tópico tratará da descrição da Sequência Didática elaborada especialmente para o desenvolvimento do projeto pensado inicialmente. 3.2.1 Para o gênero cordel, uma Sequência Didática como troféu Partindo do princípio de que não há docência sem discência (FREIRE, 2006), é imprescindível que o professor tenha em mente alguns saberes indispensáveis ao elaborar uma Sequência Didática, resgatando os conhecimentos que os alunos já têm internalizados. Além disso, é necessário compreender, como nos lembra Antunes (2009), que o professor precisa estar munido de um arsenal teórico pautado em princípios objetivos e sólidos. Desse modo, torna-se possível o desenvolvimento de uma prática eficiente, próxima daquilo que buscamos como ideal para o ensino de língua portuguesa. Essa proximidade com o ideal seria a aplicação de uma SD que discutisse o fenômeno da linguagem, não como um construto isolado, mas numa perspectiva produtiva, centrada nos gêneros discursivos por meio dos quais os sujeitos se posicionam, falando para alguém seja pela oralidade seja pela escrita. Considerando, então, essas reflexões sobre a concepção de linguagem numa perspectiva bakhtiniana, tomada como interação social, uma Sequência Didática, seguindo os moldes de Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004) e de Lopes- Rossi (2011), foi elaborada para o gênero discursivo cordel, objeto de estudo desta pesquisa. A apresentação da situação, vista sob a ótica da obra dos autores da escola de Genebra, elegeu as duas dimensões necessárias ao surgimento da elaboração da sequência: a apresentação do problema e o planejamento dos conteúdos. No caso da proposta feita para o gênero cordel, a dimensão do problema centrou-se na dificuldade dos alunos na escrita de cordéis, sendo essa escrita necessária à participação deles num concurso de cordel; e a dimensão dos conteúdos, relacionada à estrutura do gênero a ser produzido. 54 Essa situação inicial, portanto, serviu para orientar os alunos sobre o que foi estudado. Nessa direção, os alunos são sabedores de que a SD partiu de uma situação que se apresentou como um problema de comunicação e que, para resolvê-lo, foi necessário conhecer os conteúdos abordados. Segundo Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004, p. 85, grifo dos autores), ―as sequências didáticas devem ser realizadas no âmbito de um projeto de classe, elaborado durante a apresentação da situação, pois este torna as atividades de aprendizagem significativas e pertinentes‖, o que nos fez compreender que toda a elaboração deveria partir de uma situação real de interação do gênero com o seu contexto de uso, exatamente como ocorreu. Ademais, o professor deve observar, previamente, quando da elaboração da SD, qual o gênero a ser abordado, quem o produzirá, a quem ele será dirigido e qual o suporte no qual se materializará. Todos esses pormenores são importantes para a eficácia da produção da sequência. Nesse contexto, a escolha do gênero foi feita principalmente porque os alunos poderiam participar efetivamente de um concurso de literatura de cordel como autores de textos inéditos produzidos no âmbito da sala de aula, o que nos reportou à nossa questão de pesquisa abordada na introdução deste trabalho. Desse modo, a relevância da proposta recaiu sobre uma situação comunicativa real viabilizando o trabalho com a escrita como prática social que convidou os alunos à interação por meio da autoria de textos de cordéis autênticos. Quanto às expectativas de aprendizagem para a SD planejada, estas foram bastante pertinentes em virtude do resgate, feito para as aulas de língua portuguesa, de um trabalho com um gênero considerado marginal, isto é, que não figura na listagem canônica da literatura brasileira, talvez pela constante proximidade com a oralidade. No entanto, o fato de se propor um trabalho com um gênero como esse fez com que as aulas fossem ressignificadas, uma vez que a proposta apontou para o aprofundamento dos conhecimentos culturais de um gênero que há muito é preterido pela escola em favor da literatura considerada canônica. A principal tarefa a ser desenvolvida com o gênero escolhido foi a de trabalhar os seus aspectos temáticos, composicionais e estilísticos, proporcionando aos alunos conhecimentos suficientes para a elaboração de textos autorais a fim de que pudessem concorrer a um concurso de literatura de cordel promovido pela Associação Cultural Casa do Cordel de Natal/RN. Contudo, outras nuanças 55 metodológicas geraram expectativas de aprendizagens que foram perseguidas, como a exploração de questões linguísticas e estruturais dos textos produzidos e o sucesso ou o insucesso da Sequência Didática elaborada, refletindo o fazer do professor. No que diz respeito ao instrumento utilizado como pressupostos da geração de dados da pesquisa, foi aplicado um questionário com os alunos, embasado em Marinho e Pinheiro (2012), sendo parte da Sequência Didática composta por três módulos: um de leitura, outro de escrita e um terceiro de divulgação. A elaboração dessa sequência gerou a produção de um Caderno Didático sobre o gênero discursivo cordel que está exposto no Apêndice B desta dissertação. Cada módulo foi elaborado com a intenção de fazer com que os alunos desenvolvessem habilidades e competências que os tornassem sujeitos da interação. Assim, por meio de cada módulo apresentado, os alunos puderam ler o gênero, produzi-lo e divulgá-lo com propriedade. Para acompanhar o processo de ensino-aprendizagem para uma Sequência Didática nos moldes propostos, é importante que o professor esteja atento ao modo como todas as etapas serão avaliadas. Sendo assim, a avaliação deve ser feita de maneira contínua, dando oportunidade aos alunos, e ao próprio professor, de perceber o que foi alcançado, com base nos objetivos pretendidos, refletindo sobre o que deixou a desejar. O processo avaliativo, por esse viés, ganha a condição de continuidade por não ter condicionantes fechadas. Para o nosso trabalho, não houve aplicação de testes a fim de verificar a aprendizagem, mas uma autoavaliação que pôde ser feita colaborativamente entre professor e alunos após a aplicação de cada módulo. Contudo, ao final do Módulo de Divulgação, é importante que seja proposta a aplicação de um instrumento de avaliação (Apêndice B) que poderá ajudar o professor a compreender como os alunos se apropriaram do gênero em estudo. 3.2.1.1 Módulo de Leitura: estratégias para convencer leitor O Quadro 2, a seguir, mostra as etapas planejadas para o cumprimento do Módulo de Leitura. 56 Quadro 2 – Descrição das etapas da SD para o Módulo de Leitura MÓDULO DE LEITURA Etapas Procedimentos Metodológicos Objetivos Duração Materiais Necessários Avaliação 1ª Etapa Ativação dos conhecimentos prévios sobre o gênero cordel Motivar os alunos para a leitura do gênero cordel e para o trabalho a ser realizado 30 min. Quadro branco, caneta para quadro branco, caderno dos alunos, exemplares de folhetos de cordel. Contínua 2ª Etapa Leitura de cordéis Desenvolver o gosto pelo gênero cordel por meio da leitura 30 min. Folhetos de cordéis variados Contínua 3ª Etapa Trabalhando a estrutura do cordel Reconhecer a estrutura do cordel: estrofe, ritmo e rima 40 min. Folheto de cordel, caderno dos alunos, quadro branco e caneta para quadro branco Contínua 4ª Etapa Varal de folhetos para o trabalho com a temática Diferenciar o gênero cordel de outros gêneros narrativos Duas aulas de 50 min. Folhetos de cordéis variados, cordão, corte de tecido, pegadores de roupa, computador, projetor multimídia, caixa de som, folheto de cordel, caderno dos alunos, quadro branco e caneta para quadro branco Contínua 5ª Etapa Trabalhando a audição Diferenciar a variação rítmica dos versos do cordel Duas aulas de 50 min. Computador, caixa de som, projetor multimídia, folhetos de cordel, caderno dos alunos, quadro branco Contínua 57 e caneta para quadro branco 6ª Etapa Leitura compartilhada Desenvolver o gosto pela leitura dos cordéis de modo compartilhado Duas aulas de 50 min. Computador, projetor multimídia, folhetos de cordel impressos e digitalizados, caderno dos alunos, quadro branco e caneta para quadro branco, xilogravuras, cartolinas, canetas hidrográficas, cola e fita adesiva Contínua 7ª Etapa Compreensão textual Desenvolver o senso de compreensão das histórias de cordel lidas Duas aulas de 50 min. Texto de cordel impresso, computador com acesso à internet, projetor multimídia, caixa de som, quadro branco e caneta para quadro branco, caderno dos alunos. Contínua Fonte: autoria própria (2016) O Módulo de Leitura foi pensado para ser desenvolvido em sete etapas, tendo como tempo estimado para esse fim um total de dez aulas de 50 minutos. Esse módulo foi considerado primordial no desenvolvimento da sequência, pois foi por meio dele que a motivação maior do projeto foi feita. Nesse processo, os alunos precisam ser envolvidos no desenvolvimento da proposta e o Módulo de Leitura é a porta de entrada para um trabalho bem-sucedido. Esse era o momento em que os alunos, provavelmente, entrariam em contato pela primeira vez com o gênero discursivo pré-selecionado. Por essa razão, o planejamento das ações precisava ser bem delineado. 58 Para Lopes-Rossi (2004), o Módulo de Leitura permite ao aluno a discussão, o comentário e o conhecimento das condições de circulação do gênero selecionado para o desenvolvimento da prática por meio de vários exemplos, como já mencionamos anteriormente. Para tanto, foram selecionados vários textos de autores cordelistas para que os alunos pudessem (re)conhecer o gênero, direcionando o olhar, especialmente para a estrutura textual: ritmo e rima. Foi nesse Módulo de Leitura, também, que os alunos, por meio da amostragem de textos de cordéis selecionados, puderam diferenciar esse gênero de outros da ordem do narrar17. Além disso, outros objetivos puderam ser alcançados nesse módulo, como a compreensão do gênero por meio do contato visual com os folhetos (suporte) e a identificação das várias temáticas abordadas. Nesse sentido, a leitura contribuiu para a compreensão do gênero em estudo, porque foi dada ao aluno a oportunidade de se apropriar das suas características por meio de diversos exemplos de textos. Para esse módulo, a seleção de textos de cordel ultrapassou a quantidade de vinte exemplares. Outra questão relevante de cada módulo são os materiais necessários para o desdobramento da SD. Para o Módulo de Leitura, especificamente, foram pensados os seguintes materiais: computador com acesso à internet, projetor multimídia, caixa de som, folhetos de cordel, vídeos com audições sobre o gênero cordel, caderno dos alunos para anotações importantes sobre o gênero em abordagem, quadro branco e caneta para quadro branco, entre outros. Conforme o Quadro 2, apresentado no início desta subseção, as etapas do Módulo de Leitura, planificadas em detalhes no Apêndice B desta pesquisa, são sete, conforme apresentado a seguir. A 1ª etapa intitulada Acorda cordel: uma palavra de motivação foi pensada para motivar os alunos para a leitura dos folhetos de cordel e para a pesquisa a ser realizada. A 2ª etapa, Acordando o cordel: a leitura em ação, teve como objetivo desenvolver o gosto pelo cordel por meio da leitura de um cordel em voz alta. A 3ª etapa, Acordando o cordel: pelejando com a estrutura, teve como objetivo reconhecer a estrutura do texto de cordel por meio da leitura de mais um 17 Sobre essa questão, ver Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004, p. 101-102). 59 cordel. Desse modo, os alunos contemplaram, além dos aspectos discursivos, as variantes da estrutura: métrica, rima e ritmo. A 4ª etapa, Acordando o cordel, um varal de folhetos, promoveu a leitura de diversos folhetos de cordel, com o foco direcionado ao cordel O romance do pavão misterioso, de José Camelo de Melo Rezende (SILVA, 2008). Foi uma etapa que permitiu aos alunos a diferenciação do gênero cordel de outros gêneros discursivos, proporcionando ainda mais o gosto pela leitura dos textos dessa natureza. A 5ª etapa, Acordando o cordel: apurando a audição, teve como um dos objetivos diferenciar a variação rítmica que os cordéis podem proporcionar e, por essa razão, a audição de vários cordéis foi proposta nessa etapa. A 6ª etapa, dividida em três fases, teve como título: Acordando o cordel: (com)partilhando a leitura. Esse foi o momento no qual os alunos participaram de atividades como a leitura compartilhada, a montagem de texto de cordel e o relacionamento da leitura com as xilogravuras dos folhetos. A 7ª etapa, Acordando o cordel: compreendendo a história, foi a última a ser abordada com a intenção de fazer com que os alunos pudessem praticar uma atividade de interpretação de um dos cordéis de Leandro Gomes de Barros, considerado o maior cordelista de todos os tempos. Todos os textos e as atividades produzidas para o Módulo de Leitura constam dos anexos do Caderno do Professor, que se encontra no Apêndice B deste trabalho. 3.2.1.2 Módulo de Escrita: a experiência com o gênero no papel Descreveremos, no Quadro 3, a seguir, as etapas necessárias para a composição do Módulo de Escrita. Esse módulo foi pensado para ser desenvolvido em nove etapas. 60 Quadro 3 – Descrição das etapas do Módulo de Escrita MÓDULO DE ESCRITA Etapas Procedimentos Metodológicos Objetivos Duração Materiais Necessários Avaliação 1ª Etapa Escrita, para que te quero? 1ª Fase – Conversando sobre a escrita; 2ª Fase – Slides; 3ª Fase – Atividades com a escrita; 4ª Fase – Cordel: escrita com a função prazerosa. Compreender a importância da escrita 02 aulas de 50 min. Computador com acesso à internet, projetor multimídia, slides sobre a temática, exercícios impressos sobre escrita, texto de cordel impresso, caderno dos alunos para atividades escritas, quadro branco e caneta para quadro branco. Contínua 2ª Etapa Na pisada do Cordel 1ª Fase – Vídeo; 2ª Fase – Slide; 3ª Fase – Atividades com a escrita. Compreender a importância do cordel 04 aulas de 50 min. Computador com acesso à internet, projetor multimídia, caixa de som, slides sobre o cordel, cordéis impressos, texto de cordel impresso, caderno dos alunos para atividades escritas, quadro branco e caneta para quadro branco. Contínua 3ª Etapa Na batida da métrica Compreender a metrificação do verso na composição das sextilhas 02 aulas de 50 min. Material impresso (atividade disponível no Apêndice B, Anexo H), caderno dos alunos para atividades escritas, quadro branco e caneta Contínua 61 para quadro branco. 4ª Etapa Variação linguística: o uso da linguagem regional Observar o uso da linguagem regional na escrita dos folhetos de cordel 02 aulas de 50 min. Computador com acesso à internet, projetor multimídia, caixa de som, texto de cordel impresso, caderno dos alunos para atividade escrita, quadro branco e caneta para quadro branco. Contínua 5ª Etapa Escrevendo com expressividade: marcas de autoria 1ª Fase – Escrita coletiva com a participação do professor; 2ª Fase – Escrita em grupo sem a participação do professor; 3ª Fase – Reescrita, um momento para repensar o texto. Produzir cordéis a partir de temáticas sugeridas 04 aulas de 50 min. Computador com acesso à internet, projetor multimídia, caderno dos alunos para atividade escrita, quadro branco e caneta para quadro branco. Contínua 6ª Etapa Aula de campo: visitação à Casa do Cordel Conhecer a Casa do Cordel em Natal/RN e sua importância como patrimônio da cultura local 3 horas Ônibus para transportar os alunos, caderno dos alunos para anotações, texto impresso sobre a história da Casa do Cordel, autorização dos pais para que os alunos possam visitar a instituição. Contínua 7ª Etapa Oficina com cordelista local Interagir com um autor cordelista para 2 horas e 30 Computador com acesso à internet, projetor multimídia, Contínua 62 compreender melhor como se dá o processo de criação dos cordéis min. caderno dos alunos para atividade escrita, quadro branco e caneta para quadro branco, material do cordelista convidado. 8ª Etapa Oficina com xilógrafo local Interagir com um autor xilógrafo para compreender melhor como se dá o processo de criação das xilogravuras 2 horas e 30 min. Computador com acesso à internet, projetor multimídia, folhas em branco para criação dos desenhos, lápis grafite, borracha, quadro branco e caneta para quadro branco, material do xilógrafo convidado. Contínua 9ª Etapa Primeira experiência concreta com a escrita do cordel Escrever um cordel para participar de um Concurso de Literatura de Cordel 06 aulas de 50 minutos. Computador com acesso à internet, projetor multimídia, caderno dos alunos para atividade escrita, quadro branco e caneta para quadro branco, materiais do Concurso de Cordel: cartaz, regulamento e ficha de inscrição. Contínua Fonte: autoria própria (2016) O Módulo de Escrita foi pensado para ser desenvolvido em etapas. Algumas das etapas mais longas exigiram um tempo maior para ser concluídas e foram divididas em fases. Outras foram trabalhadas no período de aula normal. Os conteúdos explorados nesse módulo estiveram relacionados, basicamente, ao estudo da estrutura do cordel: a métrica, a estrofe, o verso, a rima, o ritmo, mas 63 também foram trabalhadas as temáticas, os poetas cordelistas, os repentistas, os desenhos das capas dos cordéis, as xilogravuras e os xilógrafos. Todo esse estudo teve um direcionamento às categorias de análise – composição, autoria e estilo – que discutiremos na seção de análise dos dados mais adiante e estão embasadas na teoria bakhtiniana. Num primeiro momento, a proposta do Módulo de Escrita foi desenvolvida como um trabalho coletivo. Como sugere Lopes-Rossi (2004), o desenvolvimento da escrita pode e deve ser feito coletivamente. Por essa razão, as primeiras produções com o gênero foram feitas com a participação de todos. Uma das produções foi construída pelo grande grupo e a outra, em grupos menores. As duas atividades foram mediadas pelo professor. De um modo geral, o Módulo de Escrita, o maior de todos, foi desenvolvido, aproximadamente, em 24 aulas de 50 minutos, tempo esse somado a 8 horas para a aplicação das oficinas de cordel e de xilogravura (com cordelista e xilógrafo locais) e para a aula de campo (visitação à Associação Cultural Casa do Cordel). De um modo geral, os materiais necessários para o desenvolvimento do Módulo de Escrita foram os seguintes: computador com acesso à internet, projetor multimídia, caixa de som, folhetos de cordel impressos e digitalizados, vídeos sobre o gênero discursivo cordel, slides sobre a temática, caderno dos alunos para anotações, atividades com exercícios impressos, quadro branco e caneta para quadro branco. O Quadro 3, apresentado no início desta subseção, sintetiza as etapas do Módulo de Escrita. Tais etapas compõem um cabedal de estratégias elaboradas para dar conta da produção escrita dos alunos. Nessa perspectiva, a abordagem dessas etapas está alinhada à teoria bakhtiniana que concebe a produção de um gênero discursivo com um propósito concreto. O fato de os alunos produzirem seus próprios textos, levando em consideração todos os aspectos estruturais do gênero, permitiu o acompanhamento do processo de autoria da escrita deles. Essa não foi uma tarefa fácil de ser conseguida, pois a estrutura da escrita do cordel requer bastantes cuidados, como, por exemplo, com as rimas, com a métrica, com a composição das sextilhas, com o ritmo, além de atenção às questões que envolvem a temática. 64 Após a primeira atividade de escrita, o trabalho foi voltado para o processo de reescrita dos textos produzidos. Nessa direção, uma das opções adotadas no trabalho com a reescrita, além do ―recado ao escrevente‖ abordado na seção escrita, foi a da ―correção participativa‖ proposta pro Lopes-Rossi (2004, p. 77). Desse modo, cada aluno contou com a intervenção dos demais colegas nos textos produzidos individualmente, tendo ainda a mediação do professor. Essa foi uma tarefa extremamente importante para colocar em prática as atividades previstas para esse módulo. Um detalhamento mais pormenorizado para cada uma das etapas do Módulo de Escrita segue no Apêndice B desta pesquisa. A 1ª etapa, intitulada Escrita, para que te quero?, foi desenvolvida em quatro fases e teve como objetivo principal destacar a importância do objeto escrita e de suas várias funções nas atividades comunicativas no cotidiano das pessoas, entre elas, a de provocar prazer. A 2ª etapa, Na pisada do cordel, visava ressaltar a importância da escrita dos cordéis e foi desenvolvida em três fases, sendo a última delas direcionada para a execução de uma atividade escrita com as rimas de um cordel pré-selecionado. A 3ª etapa, Na batida da métrica, levou em conta o trabalho com uma atividade elaborada especialmente para a compreensão dos alunos para a métrica dos versos. A 4ª etapa, Variação linguística: o uso da linguagem regional, voltou-se para uma discussão em torno da variação linguística utilizada nos cordéis. A 5ª etapa, Escrevendo com expressividade: a constituição das marcas de autoria, foi desenvolvida em três fases e teve como foco a escrita e a reescrita dos primeiros textos de cordéis produzidos coletivamente. A 6ª etapa, Aula de campo: visitação à Casa do Cordel, implicou na visitação à Casa do Cordel para que os alunos pudessem ter contato com cordelistas locais. A 7ª etapa, Oficina com cordelista local José Acaci, foi desenvolvida na própria escola com uma oficina de cordel aplicada por um cordelista local. A 8ª etapa, Oficina com xilógrafo local Erick Lima, também foi desenvolvida na própria escola, com um xilógrafo local, que ensinou aos alunos a técnica da xilogravura. 65 A 9ª etapa e última etapa, A escrita com propósito social, culminou na produção dos cordéis para a participação no concurso de literatura de cordel promovido pela Associação Cultural Casa do Cordel. 3.2.1.3 Módulo de Divulgação: o gênero pede passagem O Quadro 4, a seguir, mostra as etapas de trabalho para a execução do módulo de divulgação. Quadro 4 – Etapas da SD para o Módulo de Divulgação MÓDULO DE DIVULGAÇÃO Etapas Procedimentos Metodológicos Objetivos Duração Materiais Necessários Avaliação 1ª Etapa 1ª Mostra do Cordel Apresentar à comunidade escolar os cordéis produzidos durante o desenvolvimento do projeto 12 horas Computador com acesso à internet, projetor multimídia, caixa de som, cordéis impressos, materiais para composição de sala temática: corte de tecido (chita), cordão, pegadores de roupa, peças de cenário sertanejo. Contínua 2ª Etapa Premiação do Concurso 1º Concurso de Cordel da Casa do Cordel Participar de solenidade de premiação do 1º Concurso de Cordel da Casa do Cordel 02 horas Ônibus para transportar os alunos até o local do evento. Contínua Fonte: autoria própria (2016) O terceiro e último módulo da Sequência Didática elaborada para a aplicação das atividades planificadas com o gênero discursivo cordel foi o de divulgação. Esse módulo foi planejado para dar uma noção de conclusibilidade à 66 pesquisa, levando em consideração a concepção bakhtiniana, visto que o trabalho com esse gênero não ficou totalmente acabado. Entretanto, para divulgar a produção feita pelos alunos, algumas ações foram pensadas observando a ―forma típica de circulação do gênero‖ (LOPES-ROSSI, 2004, p. 78). Considerar os folhetos de cordel produzidos pelos alunos, nesse sentido, foi fundamental para essa etapa, fazendo-os chegar a vários leitores, tanto os do entorno escolar como os de fora dele. Sendo assim, o planejamento para esse módulo levou em conta o gênero discursivo cordel, os meios de divulgação desse gênero, os momentos de interação gerados a partir de sua aplicação, a divulgação além da escola, a Mostra de Cordel que foi realizada na escola e o resultado na participação do concurso. Pensando no fato de que muitos leitores teriam acesso ao trabalho dos alunos, o cuidado que tivemos com esse módulo foi redobrado, em função de uma apresentação de qualidade do material produzido. Por isso, fizemos uma revisão criteriosa em todos os materiais (textos, xilogravuras) antes da impressão em gráfica. Os objetivos pretendidos para esse módulo estão situados, entre outros, na divulgação dos cordéis produzidos pelos alunos em atividades de linguagens dentro e fora do espaço escolar; na participação dos alunos na Mostra do Cordel que foi promovida no ambiente escolar; e na vivência dos momentos de divulgação dos concursos para os quais os cordéis foram produzidos. Em relação ao tempo estimado para a realização do módulo em questão, foi de 18 horas aproximadamente. Já os materiais utilizados foram: computador com acesso à internet, projetor multimídia, caixa de som, folhetos de cordéis impressos, diversos materiais cenográficos para composição da sala temática (pedaço de tecido – chita – cordões, pegadores de roupa, peças de cenário que remetessem à vivência do homem do sertão). O Quadro 4, exposto no início desta subseção, apresenta as duas etapas que foram desenvolvidas. A primeira destinada à Mostra de Cordel, quando os alunos apresentaram os folhetos produzidos à comunidade escolar; e a segunda voltada para a participação dos alunos no evento de divulgação do concurso para o qual houve a produção dos textos autorais. O planejamento pormenorizado das etapas do módulo de divulgação consta do Caderno do Professor, parte integrante do Apêndice B desta pesquisa. 67 4 O DESAFIO EM QUESTÃO DA ANÁLISE DA INTERVENÇÃO A palavra vive fora de si, em seu direcionamento vivo para o objeto, se nos abstrairmos por completo desse direcionamento, ficaremos com um cadáver nu da palavra em nossas mãos, através do qual nada conseguiremos descobrir sobre a situação social nem sobre o destino vital de dada palavra. Mikhail Bakhtin (2015, p. 67) Nesta seção, passamos a relatar como se deu a experiência da intervenção que fizemos com o gênero discursivo cordel na Escola Estadual Professor José Fernandes Machado, no ano de 2015, para os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, turma ―A‖, do turno vespertino. A nossa análise, como já dissemos na seção Dialogando com a pesquisa: o fenômeno em questão, reflete uma vertente de pesquisa qualitativa direcionada, principalmente, à escrita autoral dos alunos, como também traz uma reflexão descritiva e explicativa do fenômeno do qual tratamos durante todo o processo de aplicação da Sequência Didática. O nosso relato apresenta, inicialmente, uma análise acerca do perfil dos sujeitos envolvidos na pesquisa e do lócus onde foi aplicada, buscando compreender como esses alunos têm internalizados os processos de leitura e de escrita nas suas vivências pessoais. Em seguida, discutimos a experiência que vivenciamos com os três módulos da SD, que Lopes-Rossi (2004) didaticamente nos apresenta a partir dos estudos de Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004). Abordaremos, então, aquilo que experimentamos com o Módulo de Leitura (distribuído em 07 etapas), o Módulo de Escrita (distribuído em 09 etapas) e o Módulo de Divulgação (distribuído em 02 etapas). É importante esclarecer que a aplicação de um trabalho com o gênero cordel não é fácil de ser feito e exige do professor que queira desenvolvê-lo o gosto e a familiaridade com o gênero, pois, para despertar interesse nos alunos, ele precisa estar motivado. Também devemos compreender que trabalhar com o cordel em sala de aula exige do professor um planejamento consistente que só surtirá efeito se pensado para ser desenvolvido em longo prazo. Não é uma tarefa que se faz em uma, duas aulas, é preciso que esse estudo esteja inserido em projeto maior que abranja várias etapas, como as que propusemos nesta pesquisa. Por essa razão, cada módulo da SD foi planificado com cuidado para que os alunos pudessem, realmente, conseguir alcançar os objetivos pretendidos. 68 A nossa SD, portanto, foi aplicada atentando para o ritmo de aprendizagem dos alunos e, por essa razão, precisou de uma carga horária extensa para a sua execução. Como bem esclarece Lopes-Rossi (2004), um trabalho sob esse viés vai exigir várias horas-aulas para ser desenvolvido com excelência nos três módulos da SD. Além disso, outro tanto de horas será gasto em atividades extraclasse para que os alunos possam construir os conhecimentos necessários à produção escrita. A complexidade do gênero que adotamos como nosso objeto de estudo e os conhecimentos prévios dos sujeitos envolvidos na pesquisa também foram levados em conta nesse planejamento. Ademais, durante o desenvolvimento da pesquisa, passamos por algumas dificuldades que foram superadas com o replanejamento das ações para que pudéssemos desenvolver cada atividade. Como exemplo, podemos citar a falta de um ônibus que foi prometido pela Secretaria de Educação para transportar os alunos à Associação Casa do Cordel, que fica localizada no centro da cidade do Natal, durante o Módulo de Escrita, quando planejamos a aula de campo para conhecer aquele estabelecimento e manter contato com os cordelistas locais. Na oportunidade, tivemos de transportar os alunos pagando as passagens deles em ônibus de linha normal para que a atividade não deixasse de ser cumprida. Outro problema que tivemos de enfrentar foi a reclamação de um dos pais que se queixou à coordenação da escola sobre a falta do ensino de gramática nas aulas de língua portuguesa. Além disso, tivemos de desembolsar os recursos para conseguir realizar as duas oficinas com o cordelista e com o xilógrafo, assim como tivemos de cobrir os gastos com os materiais da Mostra de Cordel, pois a escola, infelizmente, não dispunha de qualquer recurso para a realização das atividades. Tudo isso nos faz pensar no que nos diz Freire (2006) que ensinar exige risco e aceitação e que o professor precisa fazer uma reflexão crítica da sua postura de sala de aula para conseguir dar conta das questões que envolvem o ensino e a aprendizagem. 4.1 NO PRINCÍPIO DA ANÁLISE...OS SUJEITOS ENVOLVIDOS Para fazer a análise do perfil dos alunos, foi aplicado um instrumento de pesquisa com 13 questões (modelo disponível no Apêndice A) que buscaram 69 investigar alguns aspectos da relação dos alunos com a escola, com a leitura e com a escrita. Quanto ao gênero, dos 21 alunos, 08 eram do sexo feminino e 13, do masculino. Duas das meninas tinham 15 anos e as demais, 14. Em relação à faixa etária, nos meninos, variava entre 14 e 16 anos (cinco alunos tinham 14 anos; três, 15; e os outros cinco, 16). Comparando idade x série, praticamente 50% da turma estava fora da faixa de idade ideal para o nível de ensino. Oito alunos confessaram em suas respostas que já foram reprovados pelo menos uma vez, elencando basicamente os mesmos motivos como razão para a reprovação: desmotivação, falta de compromisso com os estudos, desinteresse pela escola. Esse fato nos faz pensar em uma questão que poderia ser levantada: como a escola pode se preparar para evitar a reprovação? Certamente, a resposta a essa questão renderia mais estudo e se configura como uma sugestão para pesquisas futuras. O importante, nesse sentido, é destacar que o desinteresse dos alunos nessa faixa de idade pode estar vinculado diretamente às condições de infraestrutura da escola, incluindo-se a não oferta de profissionais qualificados para o exercício das diversas funções escolares, além do clima desfavorável da escola, dos materiais didáticos inadequados e inoperantes oferecidos como fonte de pesquisa aos alunos, da má qualidade da merenda escolar etc., o que compromete a qualidade do ensino-aprendizagem a que os alunos têm direito. No que diz respeito à origem, apenas 05 dos 21 alunos não nasceram na cidade de Natal. Ademais, a escola atende os alunos, em sua maioria, que residem na Vila de Ponta Negra, uma parte do bairro que é muito carente. A maioria deles é membro de família de baixa renda, com pais separados e, muitas vezes, desempregados (alguns vêm de lares desajustados, com sérios problemas de disciplina; alguns têm histórico de envolvimento com as drogas, reflexo do lugar onde vivem que é estigmatizado pela questão do tráfico de drogas e pela violência generalizada). De acordo com o perfil dos alunos, e considerando as condições da comunidade escolar na qual a escola está inserida, e ainda a infraestrutura do espaço escolar, podemos concluir que o professor tem a desempenhar um trabalho hercúleo, muitas vezes povoado de incertezas e insucessos, que é o de promover uma educação de qualidade mesmo diante de tantos obstáculos. Esses obstáculos nos levam a pensar na pedagogia proposta por Freire (2006, p. 98) quando explicita 70 os vários saberes necessários à prática docente; um deles diz respeito à compreensão da educação como ―forma de intervenção no mundo‖. Nessa direção, o professor precisa ser o agente que, mesmo não tendo um espaço considerado ideal para desenvolver a sua prática, enxerga o ensino como algo transformador, um ensino que promove a interação entre os sujeitos no constructo social – uma pedagogia que está interligada com a filosofia de Bakhtin (2011) –, que enxerga os sujeitos nessa estreita relação humana e dialógica. Além disso, o professor precisa se refazer diante de tais circunstâncias, como diz Antunes (2009, p. 174), precisa se redescobrir, reinventar-se, revendo as ―suas concepções e atitudes‖, redimensionando ―seus saberes‖. De acordo com o instrumento de pesquisa aplicado, algumas perguntas foram feitas levando em consideração os hábitos de leitura e escrita e as respostas, apesar da situação da escola, foram animadoras: 05 alunos disseram não gostar de ler, alegando a falta de paciência para o ato; já os demais que disseram ―sim‖, justificando que a leitura, em outras palavras, impulsiona a aprendizagem, ou que ela é fonte de prazer. Em relação ao tipo de leitura preferido dos alunos, as respostas variaram entre as alternativas dispostas no questionário, ficando a maioria dividida entre os gibis e os livros de romances. Alguns lembraram, inclusive, de algum livro que foi marcante na sua vida de leitor. Uma das questões estava relacionada à leitura de cordel. A esse respeito, esperavam-se respostas negativas. Contudo, 15 dos 21 alunos disseram conhecer e gostar do gênero, o que pode indicar que o trabalho que se pretende realizar será bem aproveitado pela turma. A última questão, relacionada à escrita, foi a que recebeu mais respostas negativas. A maioria dos alunos afirma não gostar da escrita; não se interessa pelo ato e não sabe dizer o porquê, ou não tem interesse pela escrita por não gostar de se expor para os outros. Diante do exposto, é possível vislumbrar o fio condutor para a realização da Sequência Didática planejada com o gênero discursivo cordel e responder a nossa questão de pesquisa: como esse gênero pode despertar o interesse pela escrita nos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental? Nesse sentido, torna-se imprescindível a compreensão de que qualquer pesquisa tem como pressuposto a curiosidade. Desse modo, o professor procura estabelecer um contato com um grupo de seu interesse, no caso, os alunos, 71 buscando informações que os instiguem a conhecer fenômenos decorrentes dessa relação que se forma a partir da aplicabilidade de tal pesquisa. Essa aproximação deve obedecer a critérios científicos e versar sobre concepções da educação seguindo a linha de grandes pensadores da educação. Desse modo, ao final da pesquisa, constatamos que teoria e prática devem caminhar juntas, uma justificando a outra. Para tanto, como base teórica, assumimos o que preconizam o filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin e o Círculo de pensadores com o qual ele comungava, os quais foram imprescindíveis para que apresentássemos um trabalho de qualidade. Quando nos propomos a executar uma pesquisa sobre o processo de autoria da escrita dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, usando instrumentos como os cordéis – por meio da voz que cada um colocará em sua escrita – estamos apontando que tal trabalho vai ao encontro de um movimento significativo para a formação do aluno, pois a escrita é um dos elementos importantes nessa formação, um dos grandes componentes da educação básica. Este trabalho ainda se faz importante pelo fato de que o Ensino Fundamental tem a necessidade de ser investigado para que possamos sobrepor às dimensões político-estruturais da educação brasileira o financiamento de ações isoladas e não financiáveis; além de ser uma escrita de referência para aqueles que necessitam de informações relevantes para uma discussão mais elaborada sobre as diferenças de uso da escrita nos folhetos de cordel, evidenciando, especificamente, a fomentação de uma prática voltada ao processo de autoria dos alunos mesmo diante do advento das novas tecnologias. 4.2 HISTÓRIAS PARA ENCANTAR LEITOR Gostaríamos de deixar explícito, inicialmente, que não nos deteremos nos pormenores das atividades desenvolvidas no Módulo de Leitura, pois nossa preocupação maior está voltada à análise dos dados do Módulo de Escrita. Portanto, a nossa tarefa sobre aquele módulo será apenas de apresentar como cada etapa foi desenvolvida de forma sucinta. Iniciamos o trabalho com o Módulo de Leitura procurando fazer com que os alunos se sentissem motivados a participar da pesquisa com o cordel. Desse modo, reafirmamos nossa base teórica nos estudos de Bakhtin (2011), que concebe a 72 linguagem como um processo de interação dialógica entre os sujeitos. Nesse sentido, considerar os alunos envolvidos na pesquisa como sujeitos históricos, situados num determinado lugar e carregado de valores foi fundamental para estreitar os laços com a teoria que adotamos desde o início. Nessa perspectiva, o primeiro módulo da SD foi aplicado passo a passo. As sete etapas planejadas seguiram um percurso e geraram muitas expectativas a respeito do trabalho com o gênero cordel. O planejamento foi apresentado aos sujeitos envolvidos e a eles entregamos um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Anexo A) para que levassem ao conhecimento dos pais pedindo-lhes a autorização para a participação na pesquisa18. Todos devolveram os termos assinados posteriormente. Na primeira etapa – Acordando o cordel: uma palavra de motivação –, o nosso objetivo era fazer com que os alunos se sentissem motivados a participar das atividades que seriam desenvolvidas. Nessa direção, boa parte se mostrou indiferente. Houve certa apatia porque, aparentemente, eles não conheciam o cordel ou não tinham familiaridade com o gênero. Isso nos desanimou um pouco, pois tínhamos criado, também, algumas expectativas em relação ao trabalho que desenvolveríamos. Além disso, esse entrave nos fez refletir sobre o fazer pedagógico do professor, visto que ensinar exige risco e aceitação do novo, como aponta Freire (2006). Esse risco de apresentar algo novo aos alunos precisou ser enfrentado e, por essa razão, o planejamento foi seguido à risca com os alunos participando do debate promovido acerca do gênero cordel. Ao final da aula, os alunos responderam ao Instrumento de pesquisa: Questionário de coleta do perfil dos alunos pesquisados (Apêndice A), que analisamos no tópico anterior. Com base na nossa análise acerca dos sujeitos implicados na pesquisa, é importante que se diga que eles são extremamente necessários para a compreensão discursiva. É para essa compreensão que Bakhtin (2011, p. 274) nos convida a refletir quando mostra que o discurso, de certo modo, está sempre ―fundido em forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma não pode existir‖. Nesse sentido, destacamos que os alunos têm como pertencimento um discurso que lhes é próprio e carregado de história, porque eles estão posicionados socialmente. Trazem, portanto, consigo as suas histórias de 18 Todos os sujeitos envolvidos na pesquisa foram identificados pela sigla dos seus nomes, promovendo, assim, a manutenção do sigilo pré-estabelecido no TCLE. 73 leitores, conhecimentos linguísticos, acentos pessoais, níveis diversos de conhecimento sobre o gênero discursivo cordel, tudo relevante para a compreensão responsiva das enunciações que esta pesquisa suscitou. Além disso, o jogo dialógico que se estabeleceu na nossa pesquisa (professor x alunos) foi fundamental para o estabelecimento da compreensão responsiva sobre o enunciado que ―não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, precisamente delimitada da alternância dos sujeitos do discurso‖ (BAKHTIN, 2011, p. 275). Pensando, então, nos sujeitos da pesquisa como essenciais para toda a comunicação discursiva e refletindo sobre a primeira aula do Módulo de Leitura, foi necessário nos revestirmos de mais motivação para o trabalho que seria desenvolvido. Por essa razão, para aplicar a segunda etapa do Módulo de Leitura, preparamos a sala para a apresentação do primeiro cordel, conforme Figura 2, a seguir, buscando seduzir os alunos para a leitura dos textos. Figura 2 – Imagem da sala ornamentada para apresentação do 1º cordel Fonte: acervo da pesquisa (2015) O primeiro cordel a ser lido foi um intitulado A história do jumento que queria morar no céu, de autoria deste pesquisador (disponível no Caderno do Professor – Apêndice B). Primeiramente, fiz a leitura em voz alta e pedi para que eles atentassem para o modo como o texto havia sido escrito. A leitura foi feita de modo pausado para que os alunos pudessem acompanhar o enredo e observar como as rimas haviam sido construídas. Após a leitura, procuramos motivá-los a comentar o texto por meio de algumas questões. No geral, eles responderam que o texto se parecia com um poema e conseguiram identificar as rimas. Naquele momento, aproveitamos para falar um pouco sobre o formato da escrita do texto em questão que caminhava na direção de uma leitura tomada como fruição. 74 Nesse ponto, encontramos ressonância do que estamos analisando em Bakhtin (2010), que reflete sobre a criação artística como algo esteticamente significativo do homem para gerar prazer. Segundo o filósofo da linguagem, ―o material se organiza na arte pela forma, de modo a transformar-se num estimulador das sensações agradáveis e dos estados do organismo psicofísico‖ (BAKHTIN, 2010, p. 20). A composição dos cordéis segue essa proposta criadora como estímulo às sensações agradáveis dos seus leitores. Em seguida, na terceira etapa, retomamos o cordel da história do jumento e discutimos a estrutura do texto de cordel. Com isso, foi solicitado aos alunos que lessem mais uma vez o texto e copiassem em seus cadernos algumas das estrofes para que pudéssemos compreender melhor como se dá a composição do cordel: estrofes, rimas e ritmo. Fizemos essa atividade coletivamente e depois eles a fizeram, também, individualmente. Consideramos o exercício adequado para que eles pudessem identificar como o cordelista trabalha com os jogos de palavras. Seguindo o roteiro planificado, a quarta etapa do Módulo de Leitura da SD aconteceu num clima harmonioso, apesar de percebermos que alguns dos alunos envolvidos na pesquisa ainda se mostravam, de certo modo, apáticos ao trabalho que estava sendo desenvolvido. Um dos cantos da sala, mais uma vez, foi ornamentado com um varal de cordéis para que os alunos pudessem manipular e escolher um dos títulos para leitura, conforme Figura 3. Figura 3 – Alunos escolhendo folhetos para leitura Fonte: acervo da pesquisa (2015) Após essa leitura individual, solicitamos que os alunos escrevessem em seus cadernos algumas questões relacionadas à temática, ao enredo da história lida 75 e à estrutura do cordel. Posteriormente, discutimos essas questões e, em seguida, chegou o momento de trabalhar com o cordel O romance do pavão misterioso, de José Camelo de Melo Rezende (SILVA, 2008). O cordel foi apresentado no projetor multimídia. Todo o processo de apresentação do cordel de José Camelo seguiu um ritual de geração de expectativas para que os alunos se interessassem pela leitura do texto. Para tanto, fomos apresentando inicialmente a capa do folheto e perguntando se os alunos já tinham ouvido falar naquela história e se imaginavam sobre o que ela tratava. Só então o texto foi lido em voz alta. Antes, porém, solicitamos aos alunos que atentassem para a estrutura do cordel que foi escrito em sextilhas com rimas nos versos pares. Ao final dessa etapa, além de apresentarmos a história lida no formato de animação disponível no canal Youtube, também ouvimos em sala a música Pavão misterioso, de Ednardo19, gravada originalmente em 1974, demonstrando para os alunos que os cordéis também são fontes de inspiração para o cinema, para o teatro e para a música. A quinta etapa do Módulo de Leitura serviu para que os alunos apurassem a audição na escuta dos cordéis. Além da leitura em sala de aula, feita pelo professor, nessa etapa, os alunos ouviram cordéis gravados na internet. Isso foi bastante importante para que diferenciassem a impostação de voz, a melodia do texto e a entonação que pode ser dada aos textos cordelísticos. Fazer com que os alunos escutassem a leitura dos cordéis foi uma excelente estratégia nessa etapa da SD, pois eles puderam compreender que os cordéis podem, inclusive, ser cantados. Aliás, essa era uma atividade comum quando esse tipo de literatura começou a ser divulgado no Brasil. Para que os alunos pudessem compreender melhor como se constitui a forma melodiosa das estrofes do texto de cordel, foram apresentadas, ao final da quinta etapa, além da declamação natural das estrofes, exemplos de cantoria e de repente, dois subgêneros orais que surgiram a partir do cordel. Dando continuidade ao Módulo de Leitura, a sexta etapa atingiu plenamente os objetivos pretendidos. O trabalho dessa etapa foi distribuído em três fases, sendo a primeira destinada à leitura compartilhada do cordel A inveja de satanás da festa de Chico Traíra no céu, de autoria deste pesquisador. Essa atividade de leitura 19 EDNARDO. Pavão misterioso. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2015. 76 compartilhada serviu para compreendermos o que nos diz Bakhtin (2015) sobre o funcionamento da máquina da linguagem. Ela só move as suas engrenagens se tivermos o outro como constitutivo. Nesse sentido, partilhar a leitura do cordel programada para essa etapa contribuiu para que pudéssemos ouvir os vários tons que cada aluno emitia em suas participações. Na segunda fase, o texto a ser trabalhado foi o cordel O peso de minha cruz, de José Acaci (2013, p. 74-81), cordelista local. A tarefa dos alunos, nessa fase, foi a de montar o cordel que lhes foi entregue recortado. Esse foi um momento em que pudemos propor, além da leitura, uma atividade lúdica com o cordel. Os alunos, em grupos, mobilizaram-se para montar o texto de cordel, o que rendeu uma disputa entre eles para ver qual grupo conseguiria organizar o texto mais rapidamente. Essa foi uma atividade de leitura em grupo que favoreceu a ampliação dos repertórios de informação dos alunos acerca do gênero em estudo. Segundo Antunes (2009), é por meio de atividades de leitura como a que foi proposta que os alunos podem abstrair novas ideias sobre aquilo que está sendo lido, representando uma oportunidade extremamente significativa. Por fim, na última fase da etapa seis, os alunos puderam aprender, também de forma lúdica, a identificar as xilogravuras que se referiam aos títulos dos folhetos que foram apresentados por meio do projetor multimídia. Para tanto, foi disposta uma relação de 10 títulos de cordel para que os alunos relacionassem com as imagens que ilustravam os folhetos que servem de suporte textual. Isso nos faz recordar o que nos diz Rojo (2012) sobre a importância das imagens e do arranjo da diagramação que estão impregnados nos textos contemporâneos. No caso dos cordéis, as imagens ganham valoração, pois ilustram as capas dos folhetos, transformando-se num recurso composicional que não pode ser dissociado do enredo da história. A sétima e última etapa do Módulo de Leitura foi desenvolvida a partir do folheto O cachorro dos mortos, de Leandro Gomes de Barros (SILVA, 2013, p. 64- 69), considerado o maior nome do cordel no Brasil. Iniciamos a etapa conversando com os alunos acerca do que já havíamos trabalhado até ali e buscamos escutá-los a respeito de suas leituras, preparando-os para a atividade de interpretação que faríamos em seguida. O diálogo com os alunos a respeito da experiência com a leitura até aquele momento foi importante para compreendermos como eles estavam 77 assimilando o gênero em estudo, uma atividade de escuta que Bakhtin (2015) considera importante para fazer com que o discurso ganhe sentido. O texto dessa etapa, assim como as perguntas elaboradas para dar conta de sua interpretação, foi apresentado impresso aos alunos. Eles puderam responder às questões no caderno para depois comentá-las oralmente com a nossa intervenção. Esse exercício foi muito válido para averiguar como os discentes compreenderam a leitura do cordel de Leandro, uma forma de evidenciar as posições responsivas deles diante do que havia sido lido, contemplando, assim, a teoria bakhtiniana com a qual nos comprometemos desde o início da nossa pesquisa. 4.3 A PALAVRA PEDE A VEZ NO COMPASSO DA ESCRITA Segundo Antunes (2009), a escrita deve ser vista em uma relação cooperativa na qual dois ou mais sujeitos participam interativamente. Quando isso acontece, há a manifestação verbal das ideias apoiada nos interlocutores do discurso – falante/ouvinte, escritor/leitor – elementos essenciais da cadeia discursiva, como ressalta Bakhtin (2011). A escrita como atividade interativa pressupõe a troca de informações, de intenções, de crenças, de sentimentos que compartilhamos com os outros fazendo com que a linguagem seja vista como algo vivo. É sob esse enfoque de escrita interativa que nosso trabalho foi desenvolvido. Os alunos, ao produzirem seus textos de cordéis, utilizaram a escrita para interagir com outras pessoas que circulavam em seu entorno. A escrita, desse modo, não foi direcionada somente a este pesquisador, enquanto professor, como acontece com frequência na educação básica, mas ganhou sentido e se fortaleceu ao chegar à banca que examinou os textos para o concurso de cordel, ou quando foi lida pela comunidade escolar durante o evento de divulgação promovido ao final da pesquisa. Feita essa observação sobre a escrita como prática interativa e adotada por nós nesta pesquisa, passamos à análise do Módulo de Escrita da SD que foi desenvolvido em nove etapas. A primeira etapa, intitulada Escrita para que te quero?, foi desenvolvida com a intenção de fazer com que os alunos pudessem compreender a importância da escrita. As atividades foram desenvolvidas em quatro 78 fases, sendo a primeira destinada a um diálogo que estabelecemos com os alunos para discutir os usos da escrita e como eles se apropriavam dela no dia a dia. Para tanto, algumas perguntas nortearam esse diálogo inicial e foram fundamentais para entendermos como os alunos viam a escrita em suas vidas: 1) Qual a importância da escrita para a sua vida?; 2) Você se utiliza da escrita para se comunicar no dia a dia?; 3) Onde podemos encontrar a escrita?; 4) Para que serve a escrita que encontramos na rua, no comércio, nas propagandas e nos demais espaços por onde circulamos?; 5) Todas as pessoas têm cuidado ao escrever? Você já viu algum erro na escrita que lhe chamou a atenção? Na segunda fase da primeira etapa, após a discussão inicial, aproveitamos para apresentar um slide (Figura 4) que foi elaborado para discutir sobre a importância da escrita. Uma atividade bem aceita pelos alunos e que fundamentou mais os conhecimentos sobre os usos da escrita nas diversas esferas de atividade humana pela qual circulamos diariamente. Figura 4 – Imagem do quarto slide sobre a importância da escrita Fonte: acervo da pesquisa (2015) Durante a apresentação do slide, os alunos foram convidados a participar de atividades lúdicas com a escrita, o que compreendeu a terceira fase da primeira etapa. Já a quarta e última fase destinou-se à leitura de um cordel intitulado Encontro de Lampião com Kong Fu em Juazeiro do Norte, do cordelista Abraão Batista (SILVA, 2008), um momento que serviu para que os alunos pudessem observar como a escrita havia sido utilizada como fruição textual. A segunda etapa do Módulo de Escrita, De repente... a escrita se espalhando em poesia, teve como objetivo principal fazer com que os alunos conhecessem a importância do cordel no Brasil. Desse modo, os alunos puderam 79 reconhecer como a escrita desse gênero é mobilizada pelos cordelistas para falar dos mais diversos temas. Na oportunidade, também foi possível apresentar aos alunos como o gênero cordel é composto. Guardando as devidas ressalvas, lembramos o que Bakhtin (2010) nos deixou como legado ao escrever sobre o problema do conteúdo, da criação e da forma na criação literária quando diz que numa obra poética, por exemplo, a escrita organiza-se de duas formas: por um lado, o gênero é apresentado em estrofes; por outro, traz as marcas autorais de seu produtor, que é um sujeito posicionado histórica e socialmente. Nessa perspectiva, o trabalho dessa etapa foi bastante produtivo, pois, a princípio, os alunos puderam acompanhar um pouco da história do cordel e sua composição poética por meio de um vídeo disponível na internet no canal Youtube20. Enquanto o vídeo era exibido, fizemos algumas pausas para tirar dúvidas levantadas pelos alunos sobre o cordel. Após o vídeo, apresentamos alguns slides sobre o gênero discursivo cordel, tratando desde as suas origens até a estrutura composicional do texto. Esse conteúdo foi elaborado a fim de que os alunos pudessem aprofundar os conhecimentos acerca da origem do cordel e sobre a sua composição. Um dos slides continha sítios eletrônicos que remetiam a conteúdos que ampliavam o conhecimentos dos alunos sobre a estrutura, a forma composicional do gênero em questão, como, por exemplo: tipos de rimas, tipos de estrofes, xilogravura, cordelistas, temáticas, entre outros elementos. Ademais, a partir desses slides foi possível apresentar aos alunos dois folhetos bastante conhecidos do mundo do cordel: o primeiro do autor Leandro Gomes de Barros, O cavalo que defecava dinheiro21 (Figura 5), umas das histórias que inspirou Ariano Suassuna na criação de uma das suas maiores criações artísticas O auto da Compadecida22 e o segundo do autor José Pacheco, A chegada 20 Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2015. 21 BARROS, Leandro Gomes de. O cavalo que defecava dinheiro. Disponível em: < http://www.ablc.com.br/popups/cordeldavez/cordeldavez001.htm>. Acesso em: 16 maio 2015. 22 Segundo Mascarenhas (2006), O auto da compadecida, obra escrita em 1955 pelo escritor pernambucano Ariano Suassuna, é uma peça teatral em forma de auto (gênero da literatura que evoca elementos cômicos e tem intenção moralizadora) inspirada em três folhetos populares, a saber: O enterro do cachorro, A história do cavalo que defecava dinheiro e O castigo da soberba, ambos de Leandro Gomes de Barros. É um drama nordestino apresentado em três atos contendo elementos da literatura de cordel. Apresenta traços marcantes da linguagem oral, assim como a caracterização regionalista na retratação do Nordeste brasileiro. 80 de Lampião ao inferno23 (Figura 6), que conta a história da chegada do cangaceiro nordestino ao inferno e de como o inferno é literalmente destruído. Figura 5 – Imagem do slide 29 sobre a escrita do cordel. Fonte: acervo da pesquisa (2015) Figura 6 – Imagem do slide 30 sobre a escrita do cordel. Fonte: acervo da pesquisa (2015) Para concluir a segunda etapa do Módulo de Escrita, os alunos foram convidados a completar as rimas do cordel Os animais têm razão, do escritor mossoroense Antônio Francisco24 (Figura 7). Uma atividade na qual eles puderam exercitar a composição das rimas escolhendo palavras que pudessem ter uma 23 PACHECO, José. A chegada de Lampião ao inferno. 2000. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2015. 24 FRANCISCO, Antonio. Os animais têm razão. Disponível em: . Acesso em 15 jul. 2015. 81 relação harmoniosa com o enredo desenvolvido pelo autor. O texto (disponível no Caderno do professor) foi apresentado com a ausência das rimas em todas as estrofes e, em seguida, de forma completa (Figura 8), para que os alunos pudessem observar as escolhas do das rimas do autor. Essa foi uma atividade desenvolvida coletivamente, mediada pelo professor, para que os alunos pudessem refletir sobre as palavras que seriam mais adequadas na composição dos versos. Com isso, eles puderam exercitar a busca de palavras que tivessem a mesma terminação daquela com a qual necessitariam rimar. Esse foi um exercício que eles praticaram posteriormente diversas vezes ao elaborar os seus próprios cordéis. Figura 7 – Imagem do trecho de uma das atividades com as rimas – aluno A.K.C.D. Fonte: acervo da pesquisa (2015) 82 Figura 8 – Trecho do cordel original Os animais têm razão de Antônio Francisco Fonte: Melo (2005) Como se pode perceber pela comparação entre a atividade e o texto original do autor, o aluno consegue acertar muitas das rimas utilizadas no cordel original, uma estratégia significativa no ato composicional. Segundo Geraldi (2013), é necessário que o professor faça a escolha de estratégias significativas quando elabora uma atividade para fazer o aluno produzir um texto. Assim, ele trabalha estratégias não abstratas, que se configuram concretamente porque devem ser selecionadas em função daquilo que os alunos têm a dizer, das razões que os levam a dizer e para quem eles vão dizer. Nesse sentido, esse pensamento comunga com o da teoria bakhtiniana que trata dos sujeitos falantes com suas histórias e os seus interlocutores. Pensando desse modo, a terceira etapa do Módulo de Escrita, A escrita do cordel: de olho na métrica, foi um momento oportuno para colocar em prática a escansão25 dos versos poéticos e fazer com que os alunos compreendessem a 25 A escansão ou metrificação, segundo o dicionário informal disponível na internet, é uma forma de divisão de versos feita a partir da sonoridade que eles imprimem poeticamente ao poema (no caso da nossa pesquisa, a escansão é feita nos versos dos cordéis para estabelecer a métrica por nós adotada que é a da composição de versos heptassilábicos ou redondilha maior). Com essa técnica, observa-se que a divisão silábica é totalmente diferente da divisão poética (Disponível em: . Aceso em: 4 jul. 2016). Exemplo de escansão poética: O/ po/ e/ ta é/ um/ fin/ gi/ dor - 7 Sílabas poéticas - O/ po/ e/ ta/ é/ um/ fin/ gi/ dor - 9 Síl. gramaticais Fin/ ge/ tão/ com/ ple/ ta/ men/ te - 7 Síl. poét. - Fin/ ge/ tão/ com/ ple/ ta/ men/ te - 8 Síl. gramaticais Que/ che/ ga a/ fin/ gir/ que é/ dor - 7 Síl.poét. - Que/ che/ ga/ a/ fin/ gir/ que/ é/ dor - 9 S. gramaticais A/ dor/ que/ de/ ve/ ras/ sen/ te – 7 Síl. poéticas - A/ dor/ que/ de/ ve/ ras/ sen/ te - 8 S. gramaticais (―Autopsicografia‖, de Fernando Pessoa) 83 metrificação da composição das sextilhas. Para tanto, elaboramos uma atividade (Figura 9) que ajudou os alunos a refletir sobre a medida dos versos que iriam elaborar posteriormente. Essa atividade não chegou a resolver os problemas referentes às medidas dos versos que os alunos apresentaram quando elaboraram os cordéis a partir da 5ª etapa, mas serviu para que eles entendessem que, para compor estrofes perfeitas de versos heptassilábicos, seria necessário estar atentos à métrica poética, diferenciando-a da métrica gramatical. Vejamos, a seguir, a resposta de uma das alunas à atividade realizada com a escansão dos versos feita a partir de 03 estrofes do cordel Conselhos para a juventude, de José Acaci (2013). A medida dos versos no cordel é muito importante para se obter o efeito desejado quando da declamação, geralmente cantada. Por isso, a regularidade dos versos e das rimas é essencial na busca da métrica perfeita. Assim, quando se mede um verso poético, o cordelista deve levar em consideração alguns recursos como: ―Sinalefa: Junção de duas sílabas numa só, por elisão, crase ou sinérese; Elisão: Supressão da vogal final átona quando esta estiver diante da vogal que inicia a palavra que se segue; Crase: Fusão de vogais iguais; Sinérese: Contração de duas vogais contíguas em um ditongo; Diésere: Separação de vogais numa mesma palavra, constituindo duas sílabas distintas; Hiato: Encontro de duas vogais átonas, constituindo uma única sílaba‖ Disponível em: . Acesso em: 4 jul. 2016. 84 Figura 9 – Imagem da atividade sobre a escansão dos versos de cordel Fonte: acervo da pesquisa (2015) Como podemos perceber, a aluna teve dificuldade de fazer a escansão da terceira estrofe, deixando claro que, apesar de parecer simples, o trabalho de contagem das sílabas poéticas exige bastante atenção do poeta cordelista. A quarta etapa do módulo em análise, Do oral à escrita: a variação da linguagem em foco, foi um momento oportuno para que os alunos pudessem 85 observar a variação do uso da linguagem nos cordéis. Por meio de um diálogo travado com os alunos, inicialmente, foi possível rememorar o que havíamos estudado a respeito da escrita, com ênfase voltada às variedades de uso da linguagem. Além disso, discutimos com os alunos que, na escrita, não utilizamos apenas a linguagem formal, às vezes, também, a linguagem informal. Para demonstrar que o uso da linguagem regional está bastante presente na produção de cordel, apresentamos aos alunos o folheto A revolta dos macacos, de Pompílio Diniz26. Além da leitura do texto impresso, os alunos puderam ouvi-lo gravado em vídeo disponível no canal Youtube27 na internet. As discussões acerca do uso da norma de prestígio nos textos escritos foram bastante enriquecedoras para os alunos que passaram a compreender que nem sempre vamos escrever utilizando a linguagem padrão, mas que ela é a norma de mais prestígio na sociedade em que vivemos. Eles compreenderam também que quanto mais os sujeitos dominam a norma padrão que rege a escrita, mais provável será que consigam galgar os espaços sociais. Entretanto, foi possível demonstrar aos alunos, valendo-se do cordel de Pompílio, que o uso da norma padrão praticamente não se adequa ao gênero cordel, exatamente porque a origem do cordel está vinculada à oralidade. Com isso, aplicamos uma atividade com base no texto A revolta dos macacos (Figura 10), que serviu para que os alunos percebessem que a substituição da linguagem coloquial pela variedade padrão não surte o efeito desejado, especialmente quando se trata de adequar os versos de cordel à norma padrão. 26 DINIZ, Pompílio. A revolta dos macacos. Disponível em: . Acesso em: 16 abr. 2015. 27 Disponível em: . Acesso em: 18 maio 2015. 86 Figura 10 – Imagem da atividade de reescrita da 4ª etapa do Módulo de Escrita Fonte: acervo da pesquisa (2015) Além do cordel de Pompílio Diniz, na quarta etapa, os alunos também tiveram acesso aos textos por meio dos vídeos Ai se sêsse, de Zé da Luz28; Mãe Preta; de Patativa do Assaré29; e Cascavé, de Nhô Bento30, nos quais puderam observar o uso da linguagem coloquial. A quinta etapa do Módulo de Escrita refere-se ao momento em que os alunos passaram a produzir seus próprios cordéis. A experiência foi bastante proveitosa, pois os levou a compor os textos de cordel, adotando cada um o seu 28 LUZ, Zé da. Ai se sesse. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2015. 29 ASSARÉ, Patativa. Mãe preta. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2015. 30 BENTO, Nhô. Cascavé. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=BleDAP9-cmY>. Acesso em: 12 ago. 2015. 87 estilo próprio de escrever. Dividida em três fases, a quinta etapa teve início com a produção de um cordel coletivo, orientado pelo professor que ia escrevendo no quadro branco a sugestão dos alunos para a composição dos versos. O tema escolhido dentre os sugeridos pela turma para a criação do cordel coletivo foi Educação. Os alunos chegaram à conclusão de que poderiam falar mais à vontade se o tema estivesse relacionado à importância dos estudos e refletiram, no enredo construído, sobre os benefícios que o ato de estudar pode trazer a quem coloca na educação a sua esperança. O texto foi elaborado em sextilhas com versos em redondilha maior num total de 15 estrofes e contou com a participação de todos os alunos que iam sugerindo os versos e, principalmente, as palavras que poderiam servir de rima. Todo o trabalho foi monitorado pelo professor que ia adequando a composição das estrofes de modo que elas ficassem harmoniosas poeticamente. Vejamos um excerto do cordel A importância de estudar a seguir (Figura 11). O texto completo pode ser visualizado no Anexo B desta dissertação. 88 Figura 11 – Imagem das primeiras estrofes do cordel construído coletivamente sobre a importância de estudar Fonte: acervo da pesquisa (2015) Como podemos perceber, o texto se inicia com a uma saudação ao leitor e a explicação do tema que será tratado no folheto. Esse é um formato recorrente nas composições do cordel. Geralmente, logo a primeira estrofe, o autor cria um ambiente de cordialidade entre ele e o leitor, apresentando a este o assunto que 89 será tratado e convida-o a ler o seu texto. A composição dos versos desse cordel foi realizada em três dias diferentes, o que comprova que, inicialmente, o trabalho é demorado com o arranjo das rimas. Durante as aulas de 50 minutos, só conseguimos produzir cinco estrofes por vez. Encerrada a atividade, um dos alunos foi eleito para escrever o texto numa folha própria que passou a pertencer ao acervo da pesquisa. O professor, no entanto, encarregou-se de reproduzir o cordel, numa gráfica, usando como suporte o folheto, distribuindo depois entre os alunos (Figura 12). Figura 12 – Capa do 1º folheto produzido coletivamente Fonte: acervo da pesquisa (2015) Após essa fase inicial da quinta etapa, os alunos foram distribuídos em 06 grupos e convidados a elaborar um novo cordel sobre uma nova temática. Nessa etapa, o professor não fez nenhuma intervenção na produção do texto para avaliar como os alunos se sairiam em sua primeira escrita. Diante do que já havia sido trabalhado sobre o gênero, os alunos acabaram produzindo a primeira escrita de um cordel, o que demonstrou maturidade da parte deles em relação à composição, ao estilo e à autoria. Os temas escolhidos para essa atividade foram o amor e a música, o primeiro sendo escolhido por quatro dos grupos e o segundo por dois (Figura 13). 90 Figura 13 – Imagem dos cordéis produzidos em grupo pelos alunos Fonte: acervo da pesquisa (2015) Passamos a analisar alguns excertos de cada um dos seis folhetos produzidos em grupo pelos alunos e que receberam os seguintes títulos (mantidos após a reescrita): Grupo 1 – Amor proibido; Grupo 2 – Os gêneros musicais; Grupo 3 – O importante é o amor; Grupo 4 – As lendas do rock; Grupo 5 – Uma história de traição; e Grupo 6 – Amores e relacionamentos. O trabalho com a reescrita foi feito coletivamente. Os alunos concordaram que a participação de todos, naquele momento, seria muito importante para fortalecer o conhecimento que já haviam construído. Por essa razão, os cordéis foram expostos no projetor multimídia e lidos em voz alta para que fosse possível identificar aquilo que estava faltando ou sobrando nas estrofes produzidas. Cada cordel foi escrito com 15 estrofes em sextilhas com versos em redondilha maior. Vejamos uma das estrofes do cordel do Grupo 1 – Amor proibido (Figura 14). Na reescrita (Figura 15), o grupo observou, além dos ajustes necessários à métrica poética, as questões relacionadas à acentuação das palavras. Figura 14 – 2ª estrofe do cordel Amor proibido – Grupo 1 – primeira versão Fonte: acervo da pesquisa (2015) 91 Figura 15 – 2ª estrofe do cordel Amor proibido – Grupo 1 – reescrita Fonte: acervo da pesquisa (2015) É possível verificar que o Grupo 1, na reescrita, manteve a rima com a terminação ―-er‖ nos vocábulos ―aprender‖, ―sofrer‖ e ―ler‖ feita nos versos pares; conseguimos adequar o 5º verso em redondilha maior, pois, na primeira versão, apresentava apenas cinco sílabas poéticas. Além disso, o grupo corrigiu os erros de acentuação das palavras ―irá‖ (2º verso), ―ninguém‖ (4º verso) e ―história‖ (5º verso), adequando o texto à norma padrão da língua portuguesa. Do Grupo 2 – Os gêneros musicais, apresentamos a seguir a décima estrofe do cordel com a primeira (Figura 16) e a segunda versão (Figura 17) para analisarmos as alterações ocorridas após a reescrita. Figura 16 – Imagem da 10ª estrofe do cordel Os gêneros musicais – Grupo 2 – primeira versão Fonte: acervo da pesquisa (2015) 92 Figura 17 – Imagem da 10ª estrofe do cordel Os gêneros musicais – Grupo 2 – reescrita Fonte: acervo da pesquisa (2015) Verificamos que o grupo havia criado o primeiro verso da estrofe com nove sílabas poéticas: ―Não/ po/ de/ mos/ es/ que/ cer_o/ Ra/ ul”, mas, na reescrita, a redondilha maior é conseguida com o total de sete sílabas: ―Não/ po/ de/ mos/ es/ que/ cer”. Nesse caso, todas as sílabas são contadas, sendo a última a mais forte. Contam-se as sílabas poéticas de um verso até a sílaba tônica da última palavra. Essa adequação da métrica dos versos também pode ser visualizada no 3º, 4º e 6º versos, respectivamente. Quanto às rimas, as palavras ―energia‖, ―Bahia‖ e ―alegria‖ são sincronizadas com perfeição. A estrofe que selecionamos do Grupo 3 – O importante é o amor serve para compreendermos como os alunos iniciam os cordéis. Essa foi uma marca de autoria apresentadas pelos alunos a partir da leitura dos diversos folhetos lidos durante o Módulo de Leitura. Vejamos a estrofe em suas duas versões (Figuras 18 e 19). Figura 18 – Imagem da 1ª estrofe do cordel O importante é o amor – Grupo 3 – primeira versão Fonte: acervo da pesquisa (2015) 93 Figura 19 – Imagem da 1ª estrofe do cordel O importante é o amor – Grupo 3 – reescrita Fonte: acervo da pesquisa (2015) Além de fazer pequenas adequações nos versos do trecho reescrito, o Grupo 3 prima pela manutenção da estrutura composicional do cordel na primeira estrofe, que é utilizada pelos cordelistas para saudar o leitor e apresentar-lhe o tema sobre o qual irá discorrer. Essa constante no formato do texto demonstra que o gênero é relativamente estável, como nos orienta Bakhtin (2011). Seguindo com a nossa análise, apresentamos as duas versões (Figuras 20 e 21) da 8ª estrofe do cordel do Grupo 4 – As lendas do rock. Figura 20 – Imagem da 8ª estrofe do cordel As lendas do rock – Grupo 4 – primeira versão Fonte: acervo da pesquisa (2015) Figura 21 – Imagem da 8ª estrofe do cordel As lendas do rock – Grupo 4 – reescrita Fonte: acervo da pesquisa (2015) 94 Tratando sobre a temática musical, o Grupo 4 apresenta ao leitor personalidades que marcaram o rock no Brasil e no mundo. Na primeira versão da 8ª estrofe, o grupo trata tais figuras como já mortas, mas corrige a informação na versão reescrita com a mudança do pronome pessoal do caso reto ―eles‖ pelo indefino ―alguns‖. Também é um momento em que se dirige aos leitores mais uma vez com o uso do verbo ―prestem‖ no imperativo. No texto completo, é possível verificar essa evocação aos leitores outras três vezes, o que demonstra que os autores têm a intenção de estabelecer um diálogo com os seus interlocutores, convidando-os a seguir com a leitura até o final. Com esse exemplo, reafirmamos o que já dissemos antes sobre a construção da linguagem para Bakhtin (2011), que afirma que ela só existe em atos de interação real quando os sujeitos do discurso dialogam por meio dos enunciados que vão sendo criados. Esse é um embate que está sempre carregado da historicidade, no nosso caso, do produtor do cordel e do leitor que é levado a acreditar ou não na história produzida. Do Grupo 5 – Uma história de traição, selecionamos a 15ª estrofe para analisar como é feito o encerramento do texto, apresentando também as duas versões (Figuras 22 e 23). Figura 22 – Imagem da 15ª estrofe do cordel Uma história de traição – Grupo 5 – primeira versão Fonte: acervo da pesquisa (2015) 95 Figura 23 – Imagem da 15ª estrofe do cordel Uma história de traição – Grupo 5 – reescrita Fonte: acervo da pesquisa (2015) A história contada pelo Grupo 5 gira em torno da temática amorosa. O enredo conta a paixão acontecida entre uma mulher casada e o médico que a socorre. O marido descobre a traição e se vinga matando os dois. Observa-se que o grupo se preocupou na reescrita em pontuar os versos com o uso de vírgula e ponto e vírgula, além de acentuar a palavra ―história‖, mas chamamos a atenção para o modo como é feita a despedida e o encerramento do cordel do Grupo 5, uma marca constante no estilo adotado pelos alunos em todas as produções. Geralmente, na última estrofe, o autor volta a dialogar com o leitor para se despedir e para finalizar o enredo. É como se autor e leitor tivessem criado um vínculo de amizade estabelecido por meio de um diálogo interativo no qual o jogo de palavras escolhido pelo narrador torna o leitor um companheiro de viagem. Nas despedidas, podem ser utilizadas várias estratégias para que o leitor volte a ler outro folheto daquele autor, como a de dar conselhos adotada pelo Grupo 5 no último verso. Por fim, selecionamos a 11ª estrofe do cordel escrito pelo Grupo 6 – Amores e relacionamentos para a nossa análise entre a primeira escrita e a reescrita. Figura 24 – Imagem da 11ª estrofe do cordel Amores e relacionamentos – Grupo 6 – primeira escrita Fonte: acervo da pesquisa (2015) 96 Figura 25 – Imagem da 11ª estrofe do cordel Amores e relacionamentos – Grupo 6 – reescrita Fonte: acervo da pesquisa (2015) A temática do amor escolhida pelo Grupo 6 motivou os componentes a escrever sobre os tipos de relações amorosas que existem, como o amor fraternal, o paternal, o dos amantes, o dos animais ou até mesmo o amor entre as pessoas e as coisas, como é relatado na estrofe que selecionamos acima. A reescrita da referida estrofe serviu para que o grupo percebesse a necessidade de adequação das relações sintáticas e semânticas que precisam se estabelecer no constructo textual. Como no cordel feito em sextilha um verso tem a continuidade do seu sentido no outro, ficou evidente para o grupo que não havia coerência entre os dois primeiros versos, por isso, a feliz escolha do pronome oblíquo ―mim‖ na reescrita, dando fluidez à leitura. O grupo também se preocupou em adequar os versos à métrica poética, o que tornou o ritmo do texto cadenciado como tem de ser. Para finalizar a etapa 5 do Módulo de Leitura, os grupos elegeram um dos alunos para criar um desenho que simbolizasse a história. Como ainda não havíamos trabalhado a oficina de xilogravura, o desenho foi feito com caneta preta em papel ofício (Figuras 26a a 31a). Esses mesmos desenhos foram utilizados depois para ilustrar a capa dos folhetos (Figuras 26b a 31b) que foram produzidos em gráfica, uma atividade que se relaciona à multimodalidade dos textos. 97 Figura 26 – Imagens do desenho (a) e da capa do folheto (b) produzidas pelo Grupo 1 (a) (b) Fonte: acervo da pesquisa (2015) Figura 27 – Imagens do desenho (a) e da capa do folheto (b) produzidas pelo Grupo 2 (a) (b) Fonte: acervo da pesquisa (2015) Figura 28 – Imagens do desenho (a) e da capa do folheto (b) produzidas pelo Grupo 3 (a) (b) Fonte: acervo da pesquisa (2015) 98 Figura 29 – Imagens do desenho (a) e da capa do folheto (b) produzidas pelo Grupo 4 (a) (b) Fonte: acervo da pesquisa (2015) Figura 30 – Imagens do desenho (a) e da capa do folheto (b) produzidas pelo Grupo 5 (a) (b) Fonte: acervo da pesquisa (2015) Figura 31 – Imagens do desenho (a) e da capa do folheto (b) produzidas pelo Grupo 6 (a) (b) Fonte: acervo da pesquisa (2015) 99 Passemos à etapa 6 do Módulo de Escrita. Nessa etapa, os alunos foram convidados para uma aula de campo na Associação Cultural Casa do Cordel, localizada no centro de Natal/RN. A princípio, tudo estava acordado com a direção da escola para que o transporte dos alunos fosse feito pela Secretaria de Educação que disponibilizaria um ônibus escolar. Entretanto, o ônibus não foi enviado no dia marcado, apesar de os dirigentes da escola, até o último momento, terem dado garantias de que chegaria. Como o ônibus não apareceu, acabamos seguindo de ônibus coletivo, com as passagens pagas por nossa conta. Na Casa do Cordel, fomos recebidos pelo presidente da Casa, o Sr. Abaeté do Cordel (Figura 32), como é conhecido, um cordelista pernambucano, radicado no Rio Grande do Norte há mais de 20 anos. Além dele, outros cordelistas conversaram com os alunos sobre a produção dos cordéis: Bob Motta, Hélio Soares e Marciano Medeiros. Além disso, os alunos visitaram as dependências da Casa (Figura 33), que tem como carro chefe a venda de folhetos de cordel (mas vende outros produtos relacionados ao universo da cultura popular, como livros, discos, pinturas, arte em xilogravura, entre outros), e depois seguiram para o primeiro piso da Associação onde ouviram os quatro cordelistas citados. A conversa entre os cordelistas e alunos transcorreu em torno da história do cordel e da produção dos folhetos. Os temas presentes nos folhetos, o jogo com as rimas, a construção dos enredos, a pesquisa para produzir um bom texto, os conhecimentos de mundo do poeta cordelista, foram alguns dos assuntos tratados nessa conversa que demorou cerca de uma hora e trinta minutos e serviu para que os alunos tirassem suas dúvidas a respeito do gênero em estudo. 100 Figura 32 – Aula de campo ocorrida na Casa do Cordel – conversa com Abaeté do Cordel Fonte: acervo da pesquisa (2015) Figura 33 – Aula de campo ocorrida na Casa do Cordel – visita ao acervo Fonte: acervo da pesquisa (2015) A aula de campo à Casa do Cordel foi um momento extremamente importante, pois fez com que os alunos compreendessem um pouco mais sobre esse gênero discursivo, se não plenamente, mas de uma maneira mais ampliada. Ou seja, aquele momento serviu para que os sujeitos implicados na pesquisa pudessem ter uma noção melhor de como responderiam ao que estaria por vir: o concurso de cordel. Nos dizeres de Bakhtin (2011), os alunos puderam ser vistos como participantes de uma interação que os levaria a dar repostas ativamente responsivas. ―Toda compreensão plena real é ativamente responsiva e não é senão uma fase inicial preparatória da resposta (seja qual for a forma que ela se dê)‖ (BAKHTIN, 2011, p. 272). Sendo assim, aquela interação promovida entre os poetas 101 cordelistas e os alunos serviu para fortalecer o conhecimento que já havia sido explorado na sala de aula sobre o gênero discursivo que tem um papel sociocultural relevante. Após a aula de campo, a atividade prevista para a sétima etapa do Módulo de Leitura foi desenvolvida como planejada. Os alunos tiveram a oportunidade de participar de uma oficina de cordel promovida pelo cordelista José Acaci31 (Figura 34). Foi um momento bastante proveitoso, pois os alunos puderam interagir mais uma vez com um poeta local para aprender melhor como acontece o processo de produção um texto de cordel, atentando para a estrutura composicional do gênero. Figura 34 – Oficina de Cordel com o poeta cordelista José Acaci Fonte: acervo da pesquisa (2015) Na oportunidade, a sala do auditório da escola foi ornamentada, criando um ambiente bem sertanejo. O cordelista pôde desenvolver uma excelente oficina sobre o gênero discursivo cordel, ensinando aos alunos (tirando suas dúvidas) a respeito de como conseguir a métrica perfeita para os vários tipos de versos usados na poesia cordelística, entre eles, os heptassilábicos (redondilhas maiores) que vinham sendo uniformizados na produção escrita de sala de aula. Além disso, Acaci cantou, versejou vários dos seus folhetos, discorreu sobre como se descobriu poeta, falou de sua obra e fez os alunos interagirem com ele na 31 José Acaci é nascido em Macaíba/RN. Professor, poeta cordelista, cantor e compositor. Acaci, como é mais conhecido, é autor dos livros Histórias de Rio Pequeno e Conselhos pra juventude, além de três CD‘s Cordas e cordéis, Do cordel à embolada e Canções de poeta, mas sua maior produção artística gira em torno dos folhetos de cordel que já somam mais de 70 títulos, entre eles: Coisas que vovó dizia e Nomes indígenas. Seu maior sonho é ver o cordel disseminado nas escolas públicas do Rio Grande do Norte e, por essa razão, caminha com o projeto O uso do cordel na sala de aula desde o ano de 2005 (ACACI, 2013). 102 leitura ou nas cantigas dos poemas. Esse momento de interação entre autor e alunos levou-nos a pensar no que Bakhtin (2011) nos diz sobre o modo como contemplamos o outro situado fora de nós, que tem o seu horizonte concreto vivenciável diferente do nosso. Na experiência vivida na 7ª etapa, para os alunos, o outro era o cordelista ali presente com sua história, sua experiência de vida, os seus conhecimentos. Os alunos, por sua vez, eram o outro para o cordelista. Daquela interação, certamente, um mundo de aprendizagem foi construído. A próxima etapa do Módulo de Leitura, a oitava, abriu espaço para que os alunos trabalhassem com as xilogravuras. Foi um momento ímpar da pesquisa que fez com que os alunos aprendessem, na prática, a criar as ilustrações para representarem os cordéis produzidos por eles. Também serviu para que eles compreendessem que o gênero discursivo cordel tem uma característica bastante marcante, que são as capas que simbolizam o texto como um todo. A oficina de xilogravura foi executada pelo xilógrafo Erick Lima32 (Figuras 35 a 37) que, primeiramente, discorreu sobre a história da xilogravura e dos artistas xilógrafos que ainda nos dias de hoje ganham a vida dedicando-se a essa arte. Em seguida, o artista apresentou todos os materiais com os quais trabalharia: goivas, o tipo de madeira, o piche que serviria de tinta para produzir o efeito de carimbo, além de apresentar alguns dos seus trabalhos que carregava consigo. Depois tranquilizou os alunos que, de antemão, pensavam que não conseguiriam produzir a sua xilogravura (muitos se consideravam inexperientes na arte de desenhar e, por isso, não acreditavam que iriam conseguir talhar um desenho na madeira). Figura 35 – Oficina de Xilogravura Fonte: acervo da pesquisa (2015) 32 Erick Lima é professor e xilógrafo, nascido em Natal/RN. Aprendeu a arte da xilogravura a partir da proximidade que sempre teve com o gênero cordel desde a infância. Filho de Erivaldo Leite de Lima (o Abaeté do cordel), Erick desenvolveu o seu talento com os desenhos e com o manejo com as goivas, reproduzindo centenas de gravuras na madeira para a ilustração dos folhetos do seu pai, no início da sua carreira, e para os folhetos de outros cordelistas que não têm habilidade para desenhar. Um trabalho desenvolvido na Casa do Cordel em Natal/RN (Acaci, 2013). 103 Figura 36 – Oficina de Xilogravura Fonte: acervo da pesquisa (2015) Figura 37 – Oficina de Xilogravura com o xilógrafo Erick Lima (a) (b) Fonte: acervo da pesquisa (2015) A realização da oficina de xilogravura deixou uma sensação de que os alunos seriam capazes de produzir a capa dos seus cordéis de forma autoral. Todos, ao final, ficaram extasiados por terem conseguido ver os seus desenhos ganharem vida no pequeno pedaço de madeira para se materializarem depois nas ilustrações das capas dos seus textos. Por fim, apresentamos o relato sobre a última etapa do Módulo de Escrita, quando os cordéis foram produzidos com um propósito social. Essa etapa foi a mais demorada do módulo, pois os alunos passaram pelo processo de escrita e reescrita do cordel que fizeram individualmente para concorrer ao 1º Concurso de Cordel da Associação Cultural Casa do Cordel que teve o seguinte tema: Os encantos de Natal: seus valores históricos e culturais, as belezas naturais e sua gente. 104 Num primeiro momento, apresentamos aos alunos o regulamento do concurso, fazendo uma leitura minuciosa de todo o documento atentando ao prazo de entrega dos textos, previsto, inicialmente, para 31 de agosto de 2015 (esse prazo foi adiado para 30 de setembro, possibilitando o trabalho de escrita e reescrita no qual nos debruçamos por mais de um mês). Depois da leitura do edital, iniciamos um trabalho de pesquisa sobre a temática para que os alunos pudessem ter subsídios teóricos quando fossem construir os enredos. Essa fase foi muito proveitosa, proporcionando aos sujeitos envolvidos mais conhecimento sobre o lugar onde viviam. Com isso, estudamos um pouco sobre a origem do munícipio, os bairros, as praias, os pontos turísticos que a cidade oferece aos turistas que vêm de todas as partes do mundo nos visitar; também pesquisamos sobre a cultura local e sobre as personalidades mais importantes de Natal, dando ênfase à historiografia de Câmara Cascudo, o maior folclorista do Brasil. Após o estudo sobre Natal, discutimos o formato da estrutura composicional das estrofes exigido pelo concurso que apresentava cinco opções aos interessados em participar: quadras, sextilhas, septilhas, oitavas e décimas (já havíamos apresentado todas elas na 2ª etapa do módulo que ora analisamos). Os alunos optaram por escrever os cordéis em sextilha, tipo de estrofe com que já estavam familiarizados desde o desenvolvimento das atividades de criação em grupo. Além disso, apresentamos um endereço eletrônico33 no qual eles poderiam pesquisar palavras que rimam entre si a fim de auxiliá-los na hora da rima. Todo o trabalho foi realizado em sala de aula com a supervisão do professor (Figura 38). Após duas semanas de trabalho intenso com os versos, todos os alunos haviam conseguido concluir seus textos (a maioria escreveu apenas 16 estrofes que era o mínimo exigido pelo edital do concurso para a efetiva participação, mas alguns foram mais longe escrevendo até 32) entregando-nos a primeira versão. De posse dos textos, fizemos uma leitura cuidadosa, devolvendo-lhes, em seguida, para que fossem reescritos. Para tanto, fizemos uso da técnica do bilhete orientador sobre a qual já abordamos, anteriormente, na seção que trata da escrita numa perspectiva dialógica. 33 Disponível em: 105 Figura 38 – Primeira versão do cordel para o concurso Fonte: acervo da pesquisa (2015) Passemos, então, a analisar alguns dos cordéis. O primeiro deles é o da aluna S.A.T.B.A. comparando a primeira (Figura 39) e a segunda versão da escrita (Figura 41), levando em consideração o Bilhete Orientador ao Escrevente (Figura 40). Figura 39 – Imagem da 1ª versão do cordel da aluna S.A.T.B.A. para o concurso 106 107 Fonte: acervo da pesquisa (2015) 108 Figura 40 – Bilhete Orientador à Escrevente S.A.T.B.A. 109 Fonte: acervo da pesquisa (2015) 110 Figura 41 – Imagem da segunda versão do cordel da aluna S.A.T.B.A para o concurso 111 112 Fonte: acervo da pesquisa (2015) Comparando as orientações dadas no Bilhete Orientador à Escrevente S.A.T.B.A., percebemos que o texto, após a reescrita, ganhou em qualidade, pois a 113 aluna ajustou a métrica dos versos, como é visível na 4ª, 5ª e 6ª estrofes, por exemplo. Ela também criou um título para o cordel, buscando estabelecer uma relação com a temática abordada, algo que não havia feito na primeira versão. O bilhete sugeria, além da criação do título, que a autora do texto apresentasse melhor o seu enredo, explicando aos leitores sobre os encantos da cidade de Natal, porém, ela não conseguiu acatar essa sugestão e o texto, basicamente, teve o seu enredo mantido na versão final. Em relação aos leitores, eles só são lembrados no início e no final do texto. Inicialmente, sendo saudados com a utilização do adjetivo ―queridos‖ e na última estrofe sendo chamados de ―amores‖, o que nos faz entender que a autora quis estabelecer uma relação de proximidade com eles. Já as rimas, com exceção da que foi feita na 15ª estrofe (―planejando/juntando/gastando‖ – 1ª versão, substituída por ―planejado/juntando/gastando‖ na reescrita final), mantiveram-se as mesmas, inclusive a repetição da palavra ―interessante‖ que é usada duas vezes para compor a rima da 14ª estrofe. O último ponto tratado no bilhete pedia a atenção da aluna para as questões linguísticas e gramaticais do texto. No que diz respeito aos problemas relacionados à pontuação das estrofes e à acentuação das palavras, assim como ao emprego das letras maiúsculas no início de todos os versos, a aluna procurou resolvê-los, muito embora tenha deixado uma ou outra estrofe sem a pontuação final e não tenha acentuado as palavras ―início‖ e ―família‖ na 11ª estrofe, por exemplo. Ao considerarmos a autoria do texto da aluna, observamos que ela buscou inspiração para escrever sobre o tema nos lugares que servem de atração turística na cidade de Natal, exaltando as belezas naturais da cidade, apesar de não ter havido uma ordenação na apresentação dos espaços: ora ela falava das praias, ora de museus ou de teatros, voltando a falar em seguida, mais uma vez, de coisas da natureza. Pensando nas categorias de análise da nossa pesquisa, talvez a maior preocupação da autora tenha sido cumprir com as exigências da estrutura composicional do cordel, buscando metrificar os versos em redondilhas maiores e as estrofes em sextilhas, uma recorrência que faz parte do estilo do gênero. A esse respeito, Bakhtin (2015), ao tratar do dialogismo da linguagem, mostra que isso se dá entre pensamentos, vivências, textos e, nesse acontecimento concreto, vai revelando posicionamentos, vozes, estilo, autoria, ideologia. O fato de 114 a aluna ter escrito a versão final do seu texto para a comissão do concurso revela exatamente essa relação dialógica pensada por Bakhtin. O estilo adotado por ela não apresenta dissonância com as exigências da temática do concurso, mas esconde os fatores negativos que existem na cidade de Natal. Isso comprova que o estilo adotado pela autora do cordel em análise tenta antecipar as respostas que a comissão julgadora espera dos autores dos cordéis que concorreriam ao concurso e isso é o que constitui o enunciado dela. Assim, ela escolhe o modo de dizer, filtrando aquilo que pode ser considerado bom para a comissão julgadora, ancorando-se no antecipável, prevendo os seus leitores e a resposta que viria deles. O próximo cordel que analisaremos é do aluno C.M.F. que foi um dos poucos a escrever a quantidade de 32 estrofes para o cordel intitulado de O lar de Câmara Cascudo. Assim como fizemos com os demais alunos, apresentamos, juntamente com a primeira versão da escrita, um bilhete orientador ao escrevente que tinha a liberdade de seguir ou não o que se propunha. Após a leitura do bilhete, cada aluno era atendido individualmente para compreender melhor em que ponto o texto necessitava de adequações (Figura 42). Uma tarefa bastante prazerosa, apesar de cansativa. Figura 42 – Imagens do atendimento individualizado aos alunos. (a) (b) Fonte: acervo da pesquisa (2015) 115 A seguir, apresentaremos a primeira (Figura 43) e a segunda versão (Figura 45) da escrita do escrevente C.M.F., bem como o Bilhete Orientador ao Escrevente (Figura 44). Figura 43 – Imagem da 1ª versão do cordel do aluno C.M.F. para o concurso 116 117 118 Fonte: acervo da pesquisa (2015) 119 Figura 44 – Imagem do Bilhete Orientador ao Escrevente C.M.F. 120 Fonte: acervo da pesquisa (2015) 121 Figura 45 – Imagem da versão final do cordel do aluno C.M.F. para o concurso 122 123 124 125 Fonte: acervo da pesquisa (2015) 126 Ao tratar sobre estilo, Bakhtin (2015, p. 31, grifo do autor) aborda a questão como uma unidade que ―pressupõe, por um lado, a unidade da língua em termos de sistema de formas normativas gerais e, por outro, a unidade da individualidade que se realiza nessa língua‖. Desse modo, pensar a composição do cordel significa pensar no estilo que o próprio gênero adquiriu ao longo do tempo e, ao mesmo tempo, pensar no estilo que cada cordelista adota quando escreve o seu texto. Faz parte do estilo composicional do cordel, relacionado à unidade da língua, por exemplo, a quantidade de versos que determinada estrofe deve ter, o jogo que é utilizado na condução das rimas, a cadência melódica do ritmo que é impresso ao texto (de acordo com o tamanho do verso escolhido), entre outros aspectos. Já o estilo relacionado à unidade individualizada pressupõe o modo como escreve o autor do cordel. Seu modo de dizer, os arranjos escolhidos para construir as rimas, sua capacidade de criação que leva em conta os conhecimentos de mundo e a sua historicidade é que formam o conjunto de saberes essenciais para demarcar o estilo autoral. Alguns adotam um estilo mais sério ou poético ao tratar das temáticas; outros, um estilo mais carregado de humor ou mais voltado ao romantismo; e muitos, dependendo da temática, adotam este ou aquele estilo. Levando em consideração o que acabamos de explanar, embasados no pensamento de Bakhtin (2015), podemos afirmar que o cordel escrito pelo aluno C.M.F. apresenta um estilo que se reporta à unidade da língua pelo seu formato composicional, mas também um estilo que está vinculado à unidade individualizada. O primeiro estilo está relacionado ao cordel por meio da ordem da estrutura composicional do texto: escrito em estrofes classificadas como sextilhas, com rimas nos versos pares, e ritmo nas terceiras e sétimas sílabas poéticas; segue um modelo adotado pela maioria dos cordelistas, que é o de apresentar o assunto que será tratado no enredo do texto, iniciando com uma saudação ao leitor e encerrando com uma despedida que, ao mesmo tempo, conclui a história e agradece encarecidamente a quem leu sua composição, como fez C.M.F. em O lar de Câmara Cascudo. O segundo estilo, por sua vez, diz respeito ao modo de dizer do aluno: o tom adotado por ele, a escolha das rimas, a sequência rítmica produzida, as escolhas lexicais e semânticas para o encadeamento e a compreensão do enredo que fala sobre os encantos de Natal. Tudo isso são marcas que estão intimamente 127 relacionadas à autoria de sua escrita, algo que é visível nas 32 estrofes que compõem o texto. Em uma leitura atenta ao texto de C.M.F., é possível verificar a sua preocupação em adequar o seu texto à estrutura composicional solicitada pelo regulamento do concurso, seguindo as orientações do Bilhete ao Escrevente. Ademais, percebe-se a necessidade que ele tem de apresentar ao leitor uma história que revela, entre outros aspectos, os conhecimentos históricos apresentados por ele a partir de sua vivência ou, quem sabe, relacionados ao trabalho de pesquisa sobre o assunto que deve ter feito. Por fim, o terceiro e último cordel a ser analisado, representando o conjunto de cordéis produzidos pelos alunos do 9º ano ―A‖, é o de A.G.C.N. que também escreveu 32 estrofes. Do mesmo modo, apresentaremos a primeira (Figura 46) e a segunda (Figura 48) versão, bem como o Bilhete Orientador ao Escrevente (Figura 47). Figura 46 – Imagem da 1ª versão do cordel do aluno A.G.C.N. para o concurso. 128 129 130 Fonte: acervo da pesquisa (2015) 131 Figura 47 – Imagem do Bilhete Orientador ao Escrevente A. G. C. N. 132 Fonte: acervo da pesquisa (2015) 133 Figura 48 – Imagem da versão final do cordel da aluna A.G.C.N. para o concurso 134 135 136 137 Fonte: acervo da pesquisa (2015) Comparando as duas versões do cordel Madonna em Natal, do aluno A.G.C.N., foi possível verificar que ele seguiu a maior parte das orientações apresentadas no Bilhete Orientador ao Escrevente. A história do sonho com a sua cantora preferida foi uma estratégia que ele usou para tentar agradar a comissão julgadora e fugir de uma escrita que a maioria dos alunos adotaria: a de escrever sobre Natal elencando, apenas, os seus encantos (em grande parte, fazendo uma relação dos pontos turísticos estrofe a estrofe). A.G.C.N., ao contrário, buscou inovar no seu estilo e compôs uma história com um enredo bem peculiar, apresentando Natal à cantora pop mais famosa do mundo. Desse modo, o aluno conseguiu enredar a história partindo de um sonho com a cantora Madonna que chega à cidade de Natal e se encanta pelo seu povo e pela beleza do lugar. O enredo criado pelo autor retrata ainda a vida boêmia da cidade e os shows que a cantora faz ao longo de sua visita. Esse modo de dizer do aluno revelou uma singularidade que está intimamente ligada ao estilo que ele adotou para escrever o seu texto. Além de o texto se sobressair em relação ao estilo que é próprio da unidade da língua e estar vinculado à estrutura composicional do gênero, as marcas de autoria do escrevente 138 relevam um estilo que individualiza o seu modo de usar a linguagem. Para Bakhtin (2015), nesse processo de criação, especialmente de obras literárias como o cordel, a linguagem deve estar associada às intenções comunicativas do autor, que pode se valer de um estilo marcado pela individualidade do uso expressivo dessa linguagem. São essas marcas do uso da linguagem que estão bem demarcadas no cordel em questão. Além disso, o modo como o aluno A.G.C.N. escreve o seu cordel faz-nos pensar na heterodiscursividade que Bakhtin (2015) aborda em seus estudos. Quando esse aluno optou conscientemente por aquele tipo de discurso, imprimiu ao seu texto um estilo que se sobressaiu dos demais colegas, acabando por estabelecer um diálogo com o leitor, despertando-lhe um pensamento independente. Ou seja, o aluno escreve para um leitor que está pressuposto no seu dizer; um leitor que está posicionado (inicialmente a comissão julgadora) e que concordará ou não com aquilo que leu. Do ponto de vista da reescrita, observamos que o aluno reorganizou o texto de modo a separar as estrofes e adequou a maioria delas à métrica poética pré- estabelecida pelo regulamento do concurso. Se observarmos, por exemplo, a 11ª primeira estrofe, constatamos que a adequação dos versos foi de extrema importância para fazer com que eles ficassem metrificados em redondilha maior. Ademais, o jogo com as rimas, produzido pelo sufixo -eza, conseguido por meio das palavras: beleza/natureza/gentileza é mantido na reescrita, mas quase todos os versos dessa estrofe sofreram alguma alteração para que o ritmo melódico fosse atingido plenamente. Outro aspecto que foi bastante perseguido pelo aluno na reescrita foi a revisão linguística que sugerimos no bilhete que lhe foi apresentado. A maioria das palavras que não estava acentuada na primeira versão passou a receber acentos na versão final. Além disso, houve uma preocupação maior do aluno com a pontuação dos versos, o que colaborou para que a leitura do texto ganhasse mais fluidez. Por fim, é necessário que nos reportemos à maneira como o aluno introduz e finaliza o seu texto. Ele adota as mesmas estratégias utilizadas pela maior parte dos poetas cordelistas, estabelecendo um diálogo com o leitor: inicialmente, convida-o a ler a história que vai apresentar e finaliza se despedindo e prometendo outra história 139 para contar. Isso nos remete à relatividade estável dos enunciados sobre a qual discutimos na seção teórica desta pesquisa. 4.4 QUANDO A ESCRITA GANHA O MUNDO Lopes-Rossi (2011) define em poucas palavras o Módulo de Divulgação de uma SD. Para a autora, esse é um momento de grande alegria e satisfação, quando todos os envolvidos de um projeto comungam de sentimentos que envolvem, sobretudo, emoção e orgulho. Ou seja, é esse um momento de apresentar à comunidade escolar o resultado das ações que foram desenvolvidas nos Módulos de Leitura e de Escrita. Considerando a pesquisa que desenvolvemos com o gênero discursivo cordel, podemos dizer que foi exatamente com essa mistura de sentimentos, encantamento e orgulho que apresentamos os cordéis dos alunos, primeiramente, à comissão julgadora e, em segundo lugar, à comunidade escolar. Dessa forma, esta etapa final da SD serviu para divulgarmos a escrita dos alunos aos pais, aos colegas, aos professores e aos convidados que estiveram presentes à Mostra do Cordel, que aconteceu na escola onde a pesquisa foi realizada. O momento de divulgar a produção final dos alunos exigiu o planejamento de várias ações, tais como: confecção de camisetas para professor e alunos envolvidos na pesquisa (Figura 49), elaboração de convites (Figura 50) para os pais e para a comunidade em geral; produção dos folhetos que serviram de suporte para os cordéis escritos; divulgação do evento na comunidade escolar por meio de cartazes (Figura 51); aquisição de material para ornamentar a sala que receberia a Mostra, entre outras. 140 Figura 49 – Imagem da camiseta produzida para a Mostra com os desenhos das xilogravuras produzidos pelos alunos Fonte: acervo da pesquisa (2015) Figura 50 – Imagem do convite da Mostra de Cordel Fonte: acervo da pesquisa (2015) 141 Figura 51 – Imagem do cartaz da Mostra de Cordel Fonte: acervo da pesquisa (2015) Segundo Bakhtin (2011), a obra (no caso, os folhetos produzidos pelos alunos) está disponível para a compreensão responsiva do outro (na nossa pesquisa, o outro são os leitores dos cordéis dos alunos). Esse outro, para Bakhtin, pode compreender a obra de diferentes modos: deixando-se influenciar educativamente ou provocando-lhe uma mudança de posicionamentos em relação às suas convicções; proporcionando-lhe reações diversas em suas respostas; determinando suas posições responsivas diante da comunicação estabelecida. ―A obra é um elo na cadeia de comunicação discursiva‖ (BAKHTIN, 2011, p. 279). Seguindo esse raciocínio, podemos dizer que os cordéis produzidos pelos alunos serviram como elo de comunicação entre os leitores que visitaram a Mostra de Cordel, assim como entre os membros que selecionaram o melhor cordel na categoria Ensino Fundamental. Com os leitores da Mostra, a interlocução aconteceu de modo bem direto. A obra dos alunos proporcionou um diálogo aberto no qual os próprios alunos puderam responder a questões sobre a produção dos textos ou escutar os elogios pelo trabalho desenvolvido. Com os membros da comissão julgadora do concurso, aos quais os alunos submeteram seus textos, a interlocução 142 veio pela eleição de um dos cordéis da turma, dentre os muitos alunos que concorreram, como o vitorioso. Para o evento da Mostra de Cordel na escola, a sala de exposição foi decorada, conforme apresentado nas Figuras 52 a 55, a seguir. Figura 52 – Painel central com o nome do evento e detalhe de mesa decorada com cordéis e com material usado para as xilogravuras Fonte: acervo da pesquisa (2015) Figura 53 – Detalhe das mesas com decoradas com a bandeira do Rio Grande do Norte (a) e da Escola pesquisada (b). Nas paredes, a disposição dos materiais fotos, cordéis, produzidos a partir da Sequência Didática aplicada (a) (b) Fonte: acervo da pesquisa (2015) 143 Figura 54 – Mesa com cordéis... Nas paredes, fotos das diversas atividades da Sequência Didática Fonte: acervo da pesquisa (2015) Figura 55 – Imagens da decoração das paredes, revestidas com panos de chita tendo sobrepostos cordéis (produzidos pelos alunos) (a) e (b), bem como fotografias das atividades da Sequência Didática (a) e xilogravuras (b) (a) (b) Fonte: acervo da pesquisa (2015) A vencedora do concurso foi a aluna H.R.S.N., que escreveu o cordel intitulado Natal e seus encantos. Essa produção foi escrita em 16 versos, exaltou as belezas do lugar (conforme pode ser visto na capa, a partir da xilogravura, Figura 56) e acabou conquistando a comissão julgadora pelo estilo poético adotado pela 144 autora, com um cuidado preciso com a métrica e a rima. A Figura 57 apresenta um trecho do cordel (que está disponível na íntegra no Anexo C). Figura 56 – Imagem da xilogravura do cordel Natal e seus encantos, vencedor do concurso Fonte: acervo da pesquisa (2015) Figura 57 – Trecho do cordel Natal e seus encantos, vencedor do concurso Fonte: acervo da pesquisa (2015) No dia da Mostra de Cordéis também confeccionamos um banner para homenagear a aluna vencedora do concurso (Figura 58). Para finalizar a etapa de divulgação, consideramos importante dizer que partilhamos do momento da premiação que foi feita à aluna vencedora do concurso de cordel, no dia 19 de dezembro de 2015, durante os festejos natalinos, na Árvore de Mirassol, espaço destinado a atividades culturais nesse período. Como a atividade foi realizada no período noturno, apenas a aluna, acompanhada dos pais, esteve presente à cerimônia. Infelizmente, a escola não conseguiu viabilizar um ônibus junto à Secretaria de Educação do Estado para transportar os outros alunos. 145 Figura 58 – Imagem do banner produzido para homenagear a aluna vencedora do 1º concurso de cordel da Casa do Cordel Fonte: acervo da pesquisa (2015) 4.5 COMPOSIÇÃO, ESTILO E AUTORIA ENTRELAÇADOS NO GÊNERO CORDEL Considerando o panorama desenvolvido neste estudo, é necessário que voltemos o nosso olhar às três categorias de análise com as quais nos propusemos a dialogar durante a nossa pesquisa, a saber: a composição, o estilo e a autoria dos cordéis dos sujeitos implicados na pesquisa, vistos sob a ótica dos estudos de Bakhtin (2011, 2015). Ao tratarmos da composição dos gêneros discursivos, nós nos ancoramos no pensamento de Bakhtin (2011) que a vê como uma construção normativa essencial para compreendermos a estabilidade do gênero. Essa normatividade da construção composicional dos gêneros do discurso é fundamental para compreendermos quando e onde ele deve ser utilizado, ―se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo do discurso, de construir livremente e pela primeira vez cada enunciado, a comunicação discursiva seria quase impossível‖ (BAKHTIN, 2011, p. 283). Pensando na estrutura composicional dos cordéis produzidos pelos alunos participantes desta pesquisa, por exemplo, verificamos que a escrita promovida por eles parte do conhecimento que construíram a respeito do gênero, a partir do 146 desenvolvimento do Módulo de Leitura da SD, quando internalizaram a estrutura textual em estrofes, rimas, ritmo e metrificação, recursos essenciais para a existência desse tipo de gênero. Os alunos, por si sós, não teriam sido capazes de produzir tal gênero se não tivessem experimentado o conhecimento composicional prévio estável já existente. É preciso levar em conta, também, na produção escrita dos cordéis, o estilo de cada aluno. Um estilo que envolve, sobretudo, escolhas lexicais, semânticas e linguísticas, bem como escolhas que compõem o repertório vocabular na construção das rimas, o que, de certo modo, singulariza a autoria dos textos. Composição e estilo, nessa perspectiva, apresentam-nos as pistas para a compreensão de uma escrita autoral. Nessa direção, a autoria das produções dos alunos tem suas raízes na leitura do conjunto de folhetos apresentados no Módulo de Leitura e pode ser verificada na escrita que foi proporcionada coletiva e individualmente, neste último caso, considerando o tema: Os encantos de Natal: seus valores históricos e culturais, as belezas naturais e sua gente, sugerido pela Associação Cultural Casa do Cordel. Desse modo, em cada cordel, é possível observar as marcas composicionais e o estilo adotados por cada aluno na construção dos textos, apresentando uma escrita com marcas de autoria resultado da interação dialógica que Bakhtin (2011) compreende como um processo que inclui alteridade34. Essas marcas revelam vozes que se escutam, respondem e complementam o diálogo estabelecido entre autor e obra. Para Bakhtin (2011), o ato de criação artística envolve o posicionamento que o autor-criador assume ao escrever seus textos, um posicionamento que coloca em confronto os seus valores pessoais. Escrever os cordéis, nessa perspectiva, significou para os alunos assumir esse posicionamento valorativo, resgatando suas capacidades pessoais, sua história, seus posicionamentos enquanto sujeitos sociais. Nesse sentido, a autoria dos cordéis está relacionada à capacidade que os alunos adquiriram a partir do desenvolvimento da SD, de compor os seus textos, 34 A alteridade, para Bakhtin (2015), é um processo de interação do sujeito com as palavras, com os signos. Algo que vai se consolidando por meio das interações sociais, que vai permitindo ao sujeito se alterar, refletindo o outro, refratando-se continuamente. Isso colabora para a formação da consciência do sujeito que não pode ser entendido isoladamente. Os sujeitos, nesse contexto de alteridade bakhtiniana, constroem sua identidade a partir das relações dialógicas estabelecidas com outros sujeitos, o que lhes permite criar suas visões de mundo (GRUPO DE ESTUDOS DOS GÊNEROS DO DISCURSO, 2013). 147 tramando diferentes conhecimentos, revelados na estrutura composicional e no estilo adotado. Ou seja, quando se trata de observar a autoria da escrita dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa, é preciso atentar para a capacidade que eles têm de tramar a linguagem, relacionando, para isso, as muitas vozes que constituem os seus discursos. 148 5 PARA ENCERRAR A CONVERSA, ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ―Alguma conclusibilidade é necessária para que se possa responder ao enunciado‖. Mikhail Bakhtin (2011, p. 280) Iniciamos nossas considerações finais deixando bem claro que não há como dizer a última palavra sobre o que pesquisamos. O gênero discursivo cordel já foi objeto de estudo de alguns pesquisadores e ainda tem muito para ser estudado. Nesse sentido, apresentamos neste espaço a nossa conclusibilidade possível. A exauribilidade nos permitiu chegar a determinadas conclusões, porque esta pesquisa não tem uma conclusão fechada. Partindo da questão norteadora desta pesquisa, apontada introdutoriamente, e levando em consideração os objetivos elencados quando nos propusemos a trabalhar com o gênero cordel, podemos afirmar que trabalhar com um gênero literário como esse requer do professor a elaboração de várias estratégias de leitura e escrita para fazer com que os alunos consigam produzir bons textos. Além do mais, é preciso que haja dedicação do professor para desenvolver todas as ações programadas, se não, corre-se o risco de ele se frustrar diante dos resultados obtidos. Ou seja, é necessário, acima de tudo, que o professor esteja motivado e goste do gênero com o qual pretende desenvolver qualquer trabalho, sob pena de não conseguir atingir os objetivos pretendidos. Nessa perspectiva, a proposta que fizemos para o gênero discursivo cordel foi a de investigar como esse gênero favoreceu o processo de autoria dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental que se utilizaram dessa escrita para participar de um concurso de Literatura de Cordel. Para motivar tal escrita, nosso trabalho esteve ancorado, especialmente, na teoria de Bakhtin (2011, 2015) e do Círculo, que trata sobre as questões que envolvem as relações dialógicas. Embasados nessa teoria, analisamos as produções dos alunos na perspectiva da composição, da autoria e do estilo, observando a importância de cada categoria no ato da escrita vista como um processo. Para tanto, nós nos colocamos, desde o início, não como juízes dos textos dos alunos, mas como orientadores, interlocutores e, principalmente leitores, enxergando a escrita deles como um processo contínuo e recursivo, que tem sentido 149 para existir. No dizer de Bakhtin (2011), atuamos como leitor/ouvinte de um gênero discursivo escrito por falantes da língua portuguesa de forma responsiva. Para dar conta da pesquisa, elaboramos uma Sequência Didática partindo dos pressupostos teóricos de Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004) e sua didatização feita por Lopes-Rossi (2011). Essa sequência foi aplicada em três módulos com vários tipos de atividades de leitura e de escrita, o que oportunizou aos sujeitos envolvidos um contato mais estreito com o gênero discursivo cordel. Por meio das ações da SD, os alunos puderam, além de fazer muitas leituras, escrever os seus próprios textos, o que consideramos bastante positivo ao final da pesquisa. Além da produção dos cordéis coletivos, atividade que serviu para avaliar a aprendizagem dos alunos acerca do gênero discursivo cordel, os sujeitos envolvidos na pesquisa produziram textos para concorrer a um concurso promovido pela Associação Cultural Casa do Cordel, que escolheu o cordel intitulado Natal e seus encantos, produzido pela aluna H.R.S.N., como o melhor da competição na categoria Ensino Fundamental. Esse fato confirma as expectativas iniciais que criamos quando propusemos a nossa questão central, uma vez que por meio de todo o trabalho desenvolvido e da produção escrita que foi gerada pelos alunos envolvidos na pesquisa, com destaque para um dos textos que se tornou vencedor de um concurso de literatura, cremos que conseguimos responder as nossas questões de pesquisa inicialmente elencadas. É importante, também, enfatizar que todos os objetivos pretendidos inicialmente foram atingidos. Por meio da planificação da SD, ampliamos a competência leitora e escritora nos alunos do 9º ano, reconhecendo que o cordel é um gênero discursivo que tem sua importância no meio social como elemento cultural carregado de valor, mesmo sendo considerado por muitos como um gênero menor e não fazendo parte do cânone literário escolar. Nesse sentido, a experiência se tornou importante para valorizar a cultura popular, oportunizando a vivência da multiculturalidade na sala de aula. Diante dos resultados que obtivemos, se faz necessário dizer que foi imprescindível subsidiar o nosso trabalho no aporte teórico que adotamos durante toda a nossa pesquisa. As escolhas que fizemos teoricamente, como nos lembra Antunes (2009, p. 39), são essenciais para construirmos o conhecimento, porque tudo depende de um ―conjunto de princípios teóricos‖. Essa sustentação teórica foi 150 fundamental para desenvolvermos todas as ações previstas na pesquisa em função da aquisição de habilidades e competências relacionadas à leitura e à escrita dos alunos por meio do gênero em questão. Mas, sobretudo, a base teórica com a qual dialogamos serviu para fazer com que refletíssemos sobre a nossa prática docente, o que nos dá a certeza de que todo o trabalho desenvolvido foi de grande valia. Se considerarmos o trabalho no âmbito da leitura, podemos concluir que a competência leitora dos alunos foi ampliada com sucesso, especialmente no que se refere ao gênero com o qual trabalhamos, visto que não circula comumente na esfera escolar. Entretanto, consideramos que os ganhos foram muito maiores em relação à competência escritora dos alunos, se atentarmos para a produção autoral deles, observando que conseguiram se apropriar da estrutura composicional de um gênero discursivo como o cordel, que não é fácil de ser escrito, impregnando nos textos um estilo e originalidade próprios capaz de vencer um concurso de literatura. Quanto à avaliação positiva das competências de leitura e de escrita dos alunos, podemos reafirmar o que já dissemos na seção que embasa a nossa pesquisa teoricamente: que essa relação dos alunos com o gênero discursivo cordel serviu para compreendermos que a linguagem é uma atividade interativa e constitutiva do homem que vai construindo os enunciados para se comunicar nas várias esferas de atividades humanas pelas quais circula, utilizando-se, para isso, dos gêneros do discurso. Numa perspectiva bakhtiniana, podemos dizer que os alunos se apropriaram, por meio da leitura, de um gênero com o qual mal tinham contato para se posicionar discursivamente com mais liberdade por meio da escrita. Ademais, torna-se indispensável refletirmos, nesta conclusão, sobre a relevância desta pesquisa para os professores do ensino básico, porque entendemos que o que propusemos foi um exemplo prático de como trabalhar o gênero discursivo cordel. O planejamento da SD35, tendo por base as concepções dos estudiosos da escola de Genebra (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2004), com a didatização feita em módulos por Lopes-Rossi (2011), pode servir de modelo a professores do Ensino Fundamental que quiserem experimentar o uso do cordel em sala de aula, fazendo, evidentemente, as adequações necessárias a sua realidade. 35 O planejamento da Sequência Didática rendeu como produto final desta pesquisa o Caderno do Professor que é um compêndio destinado aos professores da educação básica que queiram desenvolver um trabalho voltado ao gênero discursivo cordel. 151 Por fim, podemos afirmar que o desenvolvimento desta pesquisa contribuiu significativamente para uma mudança de nossa postura de professor, uma vez que viabilizou a ampliação dos nossos conhecimentos acerca do gênero discursivo cordel, como objeto de ensino e de outros conhecimentos teóricos e metodológicos ao longo da pesquisa. Além disso, fez-nos compreender que o professor de língua portuguesa precisa estar aberto às muitas possibilidades de realização de um trabalho que busque desenvolver habilidades e competências leitoras e escritoras dos alunos para utilizá-las nos infinitos processos de interação nos quais necessite fazer uso da linguagem no seu cotidiano. 152 REFERÊNCIAS ACACI, J. As histórias de trancoso dos meus tempos de criança. Macaíba: RN Econômico, 2013. ANDRÉ, M. Papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. Campinas: Papirus, 2005. ANTUNES, I. Aula de Português – encontro e interações. São Paulo: Parábola, 2003. ASSARÉ, P. Mãe preta. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2015. BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética (A teoria do romance). 6. ed. São Paulo: Hucitec, 2010. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006. BAKHTIN, M. 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Você já repetiu alguma vez de ano na escola? ( ) sim ( ) não 7. Caso tenha repetido de ano, exponha os motivos que o levaram à repetência. Em qual/quais disciplinas? Por quê? _________________________________________________________ 8. Você gosta de ler? ( ) sim ( ) não 9. Exponha os motivos da sua resposta para a questão anterior: _________________________________________________________ 10.Que tipo de leitura você gosta de fazer? ( ) romance ( ) jornal ( ) gibi ( ) charge ( ) outro Qual: ______________ 11.Há algum tipo de leitura ou livro que você já leu que foi inesquecível? Se sim, indique qual e por que essa leitura marcou tanto. _________________________________________________________ 12.Você conhece a literatura de Cordel? Já leu algum folheto? Gostou ou não? Por quê? _________________________________________________________ 13.Quanto à escrita, você gosta de registrar os seus pensamentos? Há algum tipo de gênero que você goste de escrever em especial? Por quê? _________________________________________________________ 159 APÊNDICE B – CADERNO DO PROFESSOR – SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O GÊNERO DISCURSIVO CORDEL Acorda, Cordel! Caderno do Professor Xilogravura: Bruno Paulo Santiago Surini Uma sequência didática para professor da educação básica Ladmires Luiz Gomes de Carvalho 160 APRESENTAÇÃO O cordel é um tesouro Da nossa literatura; Tem a força da palavra Do poeta que mistura A rima metrificada Com o ritmo e a toada, Resgatando a cultura. Ladmires Carvalho Este caderno foi produzido para o projeto de intervenção O GÊNERO DISCURSIVO CORDEL: O PROCESSO DE AUTORIA DA ESCRITA DOS ALUNOS DO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL, do Programa de Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Ele contém uma sequência didática que está dividida em três módulos: leitura, escrita e divulgação que foi aplicada junto aos alunos do 9º ano ―A‖ (ano 2015), do turno vespertino, da Escola Estadual professor José Fernandes Machado – Natal/RN. Todas as atividades planificadas fazem parte da pesquisa que foi aplicada integralmente e tinha como principal objetivo: sistematizar o gênero discursivo cordel como auxiliar no processo de autoria da escrita dos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental. A aplicação de toda a sequência proposta seguiu um viés dialógico da linguagem e se ancorou na teoria do filósofo russo Mikhail Bakhtin (2011, 2015) que vê a linguagem como interação verbal em que os sujeitos, posicionados historicamente, vivem em constante tensão. A elaboração do projeto de intervenção partiu da necessidade de os alunos participarem, na categoria Ensino Fundamental, do 1º Concurso de Cordel da Associação Cultural Casa do Cordel de Natal/RN e que tinha como tema: Os encantos de Natal: seus valores históricos, as belezas naturais e sua gente. Nesse sentido, a sequência didática proposta nas páginas seguintes deste caderno foi elaborada a partir da teoria de Schneuwly; Noverraz e Dolz (2004) e didatizada por Lopes-Rossi (2011). São três módulos que trazem atividades de leitura, de escrita e de divulgação que podem ser replicados por qualquer professor que queira resgatar o gênero discursivo cordel, proporcionando aos alunos a possibilidade de se tornarem autores de suas próprias histórias. O autor 161 SUMÁRIO 1 MÓDULO DE LEITURA ....................................................................................... 165 1.1 PLANIFICANDO AS IDEIAS DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA EM LINHAS GERAIS PARA O MÓDULO DE LEITURA ........................................................................ 165 1.2 QUADRO SÍNTESE DO MÓDULO DE LEITURA .......................................... 167 1.3 DESENVOLVIMENTO DAS ETAPAS DO MÓDULO DE LEITURA .............. 168 1.3.1 1ª Etapa – Acordando o cordel: uma palavra de motivação .................... 168 1.3.2 2ª Etapa – Acordando o cordel: a leitura em ação .................................. 169 1.3.3 3ª Etapa – Acordando o cordel: pelejando com a estrutura .................... 170 1.3.4 4ª Etapa – Acordando o cordel: um varal de folhetos ............................. 170 1.3.5 5ª Etapa – Acordando o cordel: apurando a audição .............................. 172 1.3.6 6ª Etapa – Acordando o cordel: (com)partilhando a leitura ..................... 175 1.3.7 7ª Etapa – Acordando o cordel: compreendendo a história .................... 178 2 MÓDULO DE ESCRITA ....................................................................................... 183 2.1 O PLANEJAMENTO GERAL DAS IDEIAS DO MÓDULO DE ESCRITA ....... 183 2.2 QUADRO SÍNTESE DO MÓDULO DE ESCRITA ......................................... 184 2.3 DESENVOLVIMENTO DAS ETAPAS DO MÓDULO DE ESCRITA .............. 185 2.3.1 1ª Etapa – De repente... Escrita, para que te quero? .............................. 186 2.3.2 2ª Etapa – De repente... A escrita se espalhando em poesia ................. 187 2.3.3 3ª Etapa – A escrita do cordel: de olho na métrica .................................. 189 2.3.4 4ª Etapa – Do oral à escrita: a variação da linguagem em foco .............. 190 2.3.5 5ª Etapa – De repente... Uma escrita expressiva .................................... 192 2.3.6 6ª Etapa – O cordel em campo ............................................................... 196 2.3.7 7ª Etapa – De repente... A hora da oficina: aprendendo na prática ........ 197 2.3.8 8ª Etapa – De repente... A hora da oficina: aprendendo na prática ........ 198 2.3.9 9ª Etapa – De repente... A escrita como prática social ........................... 199 3 MÓDULO DE DIVULGAÇÃO .............................................................................. 203 3.1 O MÓDULO DE DIVULGAÇÃO EM LINHAS GERAIS .................................. 203 3.2 QUADRO SÍNTESE DO MÓDULO DE DIVULGAÇÃO ................................. 204 3.3 DESENVOLVIMENTO DAS ETAPAS DO MÓDULO DE DIVULGAÇÃO ...... 204 3.3.1 1ª Etapa – 1ª Mostra do Cordel ............................................................... 204 3.3.2 2ª Etapa – Premiação do Concurso 1º Concurso de Cordel da Associação Cultural Casa do Cordel ................................................................................... 205 4 ANEXOS .............................................................................................................. 208 4.1 ANEXOS DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA – MÓDULO DE LEITURA ................ 208 ANEXO A – CORDEL UTILIZADO NA 2ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA ...... 208 ANEXO B – CORDEL UTILIZADO NA 4ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA ...... 211 162 ANEXO C – A ORIGEM DO CORDEL - 5ª ETAPA MÓDULO DE LEITURA .......... 219 ANEXO D – 1º CORDEL UTILIZADO NA 5ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA . 220 ANEXO E – 2º CORDEL UTILIZADO NA 5ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA .. 223 ANEXO F – REPENTE... O CORDEL MUSICADO – 5ª ETAPA MÓDULO DE LEITURA ................................................................................................................. 226 ANEXO G – NO RITMO DE CASTANHA E CAJU – 5ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA ................................................................................................................. 227 ANEXO H – CORDEL PARA LEITURA COMPARTILHADA – 6ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA .......................................................................................... 228 ANEXO I – TEXTO PARA A ATIVIDADE MONTAGEM DO CORDEL – 6ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA .......................................................................................... 232 ANEXO J – CORDÉIS PARA ATIVIDADE LÚDICA – 6ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA ................................................................................................................. 235 ANEXO K – CAPAS DAS XILOGRAVURAS PARA A ATIVIDADE LÚDICA – 6ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA ....................................................................... 253 ANEXO L – CORDEL UTILIZADO NA 7ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA ...... 256 4.2 ANEXOS DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA – MÓDULO DE ESCRITA ................ 267 ANEXO M – IMAGENS DO SLIDE – 1ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA – 2ª FASE ....................................................................................................................... 267 ANEXO N – FRASES PARA O TRABALHO COM A ESCRITA LÚDICA – 1ª ETAPA – 3ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA .................................................................. 282 ANEXO O - TEXTO DE CORDEL – 1ª ETAPA – 4ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA ................................................................................................................. 283 ANEXO P – LINK DO ENDEREÇO DO VÍDEO SOBRE O CORDEL -– 2ª ETAPA – 1ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA ..................................................................... 286 ANEXO Q – IMAGENS DO POWERPOINT CORDEL – 2ª ETAPA – 2ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA .......................................................................................... 287 ANEXO R - TEXTO DE CORDEL – 2ª ETAPA – 2ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA ................................................................................................................. 304 ANEXO S – ATIVIDADE PARA COMPLETAR COM RIMAS -– 2ª ETAPA – 3ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA .................................................................................... 307 ANEXO T – TRABALHANDO A ESCANSÃO – 3ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA ................................................................................................................. 311 ANEXO U – TEXTO DE CORDEL – 4ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA ......... 315 ANEXO V – EXEMPLOS DE CORDÉIS COM VARIAÇÃO REGIONAL – 4ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA .................................................................................... 318 ANEXO W – MODELO DE FOLHA PARA ESCRITA DO CORDEL À MÃO – 5ª ETAPA – 1ª E 2ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA .............................................. 323 ANEXO X – A CASA DO CORDEL: HISTÓRIA – 6ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA ................................................................................................................. 324 163 ANEXO Y – AUTORIZAÇÃO PARA AULA DE CAMPO – 6ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA ........................................................................................................... 325 ANEXO Z – MATERIAL CONCURSO DE CORDEL – ASSOCIAÇÃO CASA DO CORDEL – 9ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA ................................................ 326 4.3 ANEXOS DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA – MÓDULO DE DIVULGAÇÃO ........ 332 ANEXO AA – INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DO PROJETO ............................ 332 ANEXO AB – MODELO DE CARTAZ PARA A MOSTRA DE CORDEL – 1ª ETAPA MÓDULO DE DIVULGAÇÃO .................................................................................. 333 ANEXO AC – MODELO DE CONVITE PARA A MOSTRA DE CORDEL – 1ª ETAPA DO MÓDULO DE DIVULGAÇÃO ............................................................................ 334 164 Xilogravura: João Gabriel Souza da Silva A leitura do cordel Me fez reter na lembrança Histórias que a minha avó, Quando eu era inda criança, Vivia a declamar. Sua voz cortava o ar Como uma doce melodia, Eu na rede adormecia A leitura a me embalar. Ladmires Carvalho 165 1 MÓDULO DE LEITURA O desenvolvimento do Módulo de Leitura segue um planejamento elaborado para sete etapas. Este é um momento para apresentar o gênero discursivo cordel, motivando os alunos para a participação das atividades que serão desenvolvidas. O sucesso ou insucesso desta Sequência Didática depende do modo como o professor conseguirá aplicar as ações planejadas para este módulo que requerem, principalmente, o envolvimento dos alunos. 1.1 PLANIFICANDO AS IDEIAS DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA36 EM LINHAS GERAIS PARA O MÓDULO DE LEITURA Tema das aulas: Corda, cordinha, cordel... Uma leitura no papel. O tema das aulas para o Módulo de Leitura, que contém 07 etapas, deve estar em conexão com a leitura dos cordéis. O professor deve se sentir à vontade, caso queira adotar outros títulos para denominar cada tópico temático. Conteúdo - O gênero cordel, origem, estrutura, ritmo, rima, temáticas. Objetivos gerais:  Reconhecer, por meio da leitura dos cordéis, o gênero discursivo cordel em sua estrutura, direcionando a atenção para o ritmo e a rima do mesmo;  Diferenciar o gênero cordel de outros gêneros narrativos por meio das leituras feitas nos livretos apresentados;  Compreender a origem do gênero cordel e sua expansão pelo país;  Identificar as várias temáticas desenvolvidas nos textos apresentados. Tempo estimado: 10 aulas de 50 minutos Material necessário: Computador com acesso à Internet, Datashow, caixa de som, folhetos de cordel, vídeos com audições sobre o gênero cordel, caderno dos alunos para anotações importantes sobre o gênero em abordagem, quadro branco e caneta para quadro branco, dentre outros. Observações: 36 Orientado por DOLZ; NOVERRAZ e SCHNEUWLY (2004) compreendemos a Sequência Didática como ―conjunto de atividades escolares organizadas‖, no nosso caso, planificadas em torno de um gênero discursivo. O modo sistemático de organizar a SD adotado para este Caderno do Professor se faz em três módulos: de leitura, de escrita e de divulgação didatizado por LOPES-ROSSI (2011). 166  O professor poderá compor uma sala temática para fazer com que os alunos criem boas expectativas sobre o gênero que irão estudar, como por exemplo: enfeitar a sala para que seja criado um clima de ambiente sertanejo – um rádio antigo, uma planta seca, um pote de barro, um candeeiro velho, uma esteira de pano são algumas dos objetos cênicos que podem ser utilizados nessa tentativa –; armar um varal de cordéis na sala, usar um chapéu de palha e uma roupa feita de chita, etc.  Antes de cada etapa, o professor deve informar sobre os procedimentos metodológicos que serão adotados e sobre os objetivos a serem alcançados. Avaliação do Módulo de Leitura Durante as sete etapas do Módulo de Leitura, a avaliação deve ser feita de modo contínuo ou processual e de forma dialógica, observando-se a participação dos alunos que poderão se autoavaliar sobre o que aprenderam: antes, durante e depois da leitura dos cordéis (na participação interativa entre professor e aluno nas diversas atividades propostas com a leitura dos textos). Neste contexto, o professor, entendendo que o seu fazer pedagógico está inserido no processo dialógico da linguagem, deve problematizar as questões que envolvem o gênero discursivo a ser estudado permitindo que haja interatividade discursiva entre ele e os alunos e entre os alunos e a proposta de produção do gênero em questão. Ou seja, é preciso que o professor possibilite aos alunos um momento de reflexão acerca das intenções discursivas que serão produzidas ao longo da aplicação da Sequência Didática. Isso não pode ser feito se ele, professor, não tiver interiorizado a teoria de Bakhtin e do círculo que orienta para a compreensão da linguagem como algo multiforme e que só se efetua concretamente por meio de enunciados37. 37 Segundo a teoria bakhtiniana, ―o emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo de atividade humana‖ Bakhtin (2011, p. 261). São esses aspectos da língua em uso concreto, abordados pelo autor, que levaremos em conta na elaboração deste trabalho. 167 1.2 QUADRO SÍNTESE DO MÓDULO DE LEITURA Etapas Procedimentos Metodológicos Objetivos Duração Materiais Necessários Avaliação 1ª Etapa Ativação dos conhecimentos prévios sobre o gênero cordel Motivar os alunos para a leitura do gênero cordel e para o trabalho a ser realizado 30 min. Quadro branco, caneta para quadro branco, caderno dos alunos, exemplares de folhetos de cordel. Contínua 2ª Etapa Leitura de cordéis Desenvolver o gosto pelo gênero cordel por meio da leitura 30 min. Folhetos de cordéis variados. Contínua 3ª Etapa Trabalhando a estrutura do cordel Reconhecer a estrutura do cordel: estrofe, ritmo e rima 40 min. Folheto de cordel, caderno dos alunos, quadro branco e caneta para quadro branco. Contínua 4ª Etapa Varal de folhetos para o trabalho com a temática Diferenciar o gênero cordel de outros gêneros narrativos Duas aulas de 50 min. Folhetos de cordéis variados, cordão, corte de tecido, pegadores de roupa, computador, Datashow, caixa de som, folheto de cordel, caderno dos alunos, quadro branco e caneta para quadro branco. Contínua 5ª Etapa Trabalhando a audição Diferenciar a variação rítmica dos versos do cordel Duas aulas de 50 min. Computador, caixa de som, Datashow, folhetos de cordel, caderno dos alunos, quadro branco e caneta para quadro branco. Contínua 6ª Etapa Leitura compartilhada Desenvolver o gosto pela leitura dos cordéis de modo compartilhado Duas aulas de 50 min. Computador, Datashow, folhetos de cordel impressos e digitalizados, caderno dos alunos, quadro branco e caneta para quadro branco, xilogravuras, cartolinas, canetas hidrográficas, cola e fita adesiva. Contínua 7ª Etapa Compreensão textual Desenvolver o senso de compreensão das histórias de cordel lidas Duas aulas de 50 min. Texto de cordel impresso, computador com acesso à internet, Datashow, caixa de som, quadro branco e caneta para quadro branco, caderno dos alunos. Contínua 168 1.3 DESENVOLVIMENTO DAS ETAPAS DO MÓDULO DE LEITURA Este é o momento de fazer com que os alunos se sintam motivados para conviver com a leitura dos cordéis. Por essa razão, o professor precisa ser o elo dessa motivação, demonstrando gostar da leitura do gênero escolhido para contagiar os alunos no envolvimento do trabalho. 1.3.1 1ª Etapa – Acordando o cordel: uma palavra de motivação Objetivo: Motivar38 os alunos para a leitura do gênero cordel e do trabalho a ser realizado. Material Necessário: quadro branco, caneta para quadro branco, caderno dos alunos, exemplares de folhetos de cordel. Tempo necessário: 30 minutos. Procedimentos metodológicos: Ativar os conhecimentos prévios que os alunos têm sobre o gênero em estudo39, provocando-os com perguntas que possibilitem a participação deles oralmente (caso seja necessário, pedir aos alunos para copiarem as perguntas que devem ser escritas no quadro branco): 1. Vocês já ouviram falar em cordel? Já leram algum texto desse tipo? 2. Como vocês acham que o texto de cordel é escrito? 3. Texto de cordel é um poema, tem poesia? 4. Que outros tipos de leitura vocês já conhecem? 5. Será que a leitura do cordel é diferente da de uma carta, por exemplo? 6. Que temas vocês acham que são tratados nos cordéis? 7. Já conhecem os folhetos nos quais os textos são veiculados? Após a discussão, pedir que os alunos escrevam nos seus cadernos um pequeno trecho sobre as expectativas deles sobre esse ―novo‖ gênero que será apresentado. Apesar de estar desenvolvendo as atividades planejadas para o Módulo de Leitura, o professor deve promover alguns momentos em que os alunos 38 Encontramos em Paulo Freire (2006) a reflexão necessária para que o professor compreenda o quanto o seu papel de motivador em sala de aula é importante. Para motivar os alunos ele também precisa se sentir motivado e, para tanto, precisa elaborar estratégias pedagógicas que ressignifiquem o ensino e a aprendizagem. 39 É importante que o professor conduza a discussão a respeito do cordel apresentando-o como uma tradição oral que, como diz Cavignac (2006, p. 25), ―vive, reage e se transforma‖, especialmente fora dos centros culturais urbanos. 169 interajam por meio da escrita. Sendo assim, atividades como está acima proposta são muito bem-vindas para que eles possam sistematizar na escrita o que vão dizer oralmente. Isto facilita a expressividade e a participação dos alunos. 1.3.2 2ª Etapa – Acordando o cordel: a leitura em ação Objetivo: Desenvolver o gosto pelo gênero cordel por meio da leitura declamada de textos veiculados em folhetos. Material Necessário: Folhetos de cordéis variados, 22 folhetos do cordel A história do jumento que queria entrar no céu de autoria de Ladmires Luiz Gomes de Carvalho (anexo A). Tempo necessário: 30 minutos. Procedimentos metodológicos: Após debater com os alunos no primeiro momento da aula, respeitando a participação de todos40, o professor deve distribuir folhetos de cordéis variados para que eles possam (re)conhecer o suporte no qual gênero é veiculado. Assim, eles já poderão ter uma noção do que seja um folheto caso não o conheçam ainda. Nesse primeiro contato, os alunos poderão folhear rapidamente os folhetos, observando como o gênero é escrito e como são as xilogravuras41 que enfeitam as capas. Em seguida, o professor deve pedir atenção aos alunos para que eles possam escutar o cordel que será recitado em voz alta. Neste momento, o professor deve recitar o cordel fazendo-o de modo expressivo para atrair a atenção dos alunos. Após a leitura do cordel, é importante provocar os alunos para que eles participem de um pequeno debate sobre o texto lido. Perguntas possíveis: 1. O que acharam da declamação? 2. E sobre a história lida? 3. É possível identificar o tema abordado no cordel? Qual? 40 É importante que o professor dê aos alunos condições plenas de participação por meio de sua linguagem, o que está preconizado nos documentos oficiais que regem a educação básica, como os PCN. ―Pela linguagem os homem e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem cultura‖ (BRASIL, 1998, p. 19). 41 Sobre a xilogravura teremos atividades específicas mais adiante ancorados em Marinho (2012); Maxado (2012) e Melo (2005). 170 4. Há alguma coisa que lhe marcou durante a leitura do texto? 5. Foi possível identificar que há um ritmo e o uso de rimas no texto lido? 6. Qual a primeira impressão que o cordel deixou em vocês? 1.3.3 3ª Etapa – Acordando o cordel: pelejando com a estrutura Objetivo: Reconhecer a estrutura do cordel: estrofe, ritmo e rima a partir da leitura do folheto42. Material Necessário: Folheto de cordel A história do jumento que queria entrar no céu, caderno dos alunos, quadro branco e caneta para quadro branco. Tempo necessário: 40 minutos. Procedimentos metodológicos: Distribuir o cordel que foi lido na etapa 2 e explicar para os alunos oralmente, apontando no texto como o mesmo se estrutura: composição das estrofes (sextilhas), como se faz o ritmo (no terceiro e sétimo versos) e como a rima é constituída (nos versos pares: segundo, quarto e sexto). Em seguida, solicitar aos alunos que escrevam em seus cadernos duas ou três estrofes da parte final do cordel para que, individualmente, tentem identificar as rimas que foram constituídas. Estas três etapas contemplam duas aulas de 50 minutos. Como haverá um espaço de tempo para a continuidade da 4ª etapa, solicitar aos alunos que pesquisem o que significa a palavra Cordel e apresentem esse conceito na aula seguinte. 1.3.4 4ª Etapa – Acordando o cordel: um varal de folhetos Objetivos:  Diferenciar o gênero cordel de outros gêneros narrativos por meio das leituras feitas nos livretos apresentados;  Desenvolver o gosto pela leitura dos textos de cordel. 42 Para a leitura de outros folhetos, o professor pode recorrer a Batista (1977) ou ao livro: 100 histórias de cordéis segundo a Academia Brasileira de Literatura de Cordel / [organização e curadoria de Gonçalo Ferreira da Silva]. – Mossoró: Queima Bucha, 2008. Volumes 1 e 2. 171 Material Necessário: Folhetos de cordéis variados, cordão, corte de tecido (de preferência chita) para enfeitar um canto da sala, pegadores de roupa para prender os cordéis, computador com acesso à Internet, Datashow, caixa de som, folheto “O Romance do pavão misterioso” de José Camelo de Melo Rezende, caderno dos alunos, quadro branco e caneta para quadro branco. Tempo necessário: Duas aulas de 50 minutos. Procedimentos metodológicos: O professor deve apresentar o varal de folhetos disposto num canto da sala aos alunos e convidá-los a manipularem os cordéis lá dispostos. Essa atividade deve ser feita em pequenos grupos para que todos os alunos possam participar sem que haja tumulto. Cada aluno deve escolher um título dos cordéis expostos para fazer uma leitura silenciosa. Em seguida, após a leitura silenciosa (que deve durar cerca de 20 minutos), o professor deve pedir aos alunos que respondam nos cadernos as questões sugeridas a seguir que devem ser anotadas no quadro branco: 1. Qual o tema do cordel que você leu? 2. Havia personagens ou o autor tratava sobre uma temática específica? 3. Se havia personagens, quem eram elas? 4. Você conseguiu perceber as rimas feitas nos versos? Reescreva duas estrofes e indique as rimas encontradas. 5. O que mais lhe chamou a atenção no texto lido? 6. Que tipo de linguagem o autor usou? Uma mais formal ou mais coloquial? Retire exemplos que confirmem a sua resposta. 7. Qual o tema do cordel que você leu? 8. Havia personagens ou o autor tratava sobre uma temática específica? 9. Se havia personagens, quem eram elas? 10. Você conseguiu perceber as rimas feitas nos versos? Reescreva duas estrofes e indique as rimas encontradas. 11. O que mais lhe chamou a atenção no texto lido? 12. Que tipo de linguagem o autor usou? Uma mais formal ou mais coloquial? Retire exemplos que confirmem a sua resposta. 172 Depois que os alunos responderem às questões sugeridas (o que deve durar em torno de 30 minutos), o professor deve comentar algumas das respostas oralmente para verificar se os mesmos compreenderam o texto que leram. Após esse momento, o professor avisa que vai expor, usando o Datashow, mais um texto de cordel e que este trata sobre uma história das mais famosas já contadas nesse gênero. Pergunta, então, se eles já ouviram falar sobre a história de um pavão misterioso. Então, mostra no aparelho do Datashow a capa do folheto em questão e, em seguida, apresenta o texto que deve ser lido em voz alta (ver anexo B). Terminada a leitura, mais uma vez, o professor deve pedir aos alunos para atentarem para a estrutura do texto, observando que o mesmo foi escrito em sextilhas, com rimas nos versos 2, 4 e 6, buscando captar a melodia43 do texto sem deixar de explorar as questões textuais que o folheto sugere. Para completar essa etapa, o professor deve apresentar o vídeo O Pavão Misterioso - Núcleo de Animação de São Bernardo disponível na Internet no canal Youtube no seguinte endereço: . Por fim, deve apresentar o vídeo que traz a letra da música Pavão Misterioso do cantor Ednardo (gravada originalmente em 1974), disponível na Internet também no canal Youtube no seguinte endereço: . Esta será uma ótima oportunidade para mostrar aos alunos que os versos de cordel podem servir de pano de fundo para o teatro, para o cinema, para a composição das músicas, para a escrita de romances, etc. 1.3.5 5ª Etapa – Acordando o cordel: apurando a audição Objetivos:  Compreender a origem do gênero cordel e sua expansão pelo país;  Diferenciar a variação rítmica dos versos do cordel, comparando a declamação feita pelo professor e a audição dos textos gravados por cordelistas e repentistas. 43 Os textos de cordel têm melodia e podem ser cantados. Alguns cordéis, inclusive, já se transformaram em canções, como A triste partida de Patativa do Assaré na voz de Luiz Gonzaga. Um autor que pode ser bem-vindo para compreender a melodia dos versos é Leite Filho (1985). 173  Diferenciar a variação linguística utilizada nos cordéis. Material Necessário: Computador com acesso à Internet, caixa de som, Datashow, folheto de cordel “O nascimento de Jesus” de Euriano Sales (audição disponível em: ; folheto de cordel “A moça que dançou depois de morta”, de José Francisco Borges (audição disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=Y3nUM08IR3g>), caderno dos alunos, quadro branco e caneta para quadro branco. Tempo necessário: Duas aulas de 50 minutos. Procedimentos metodológicos: Iniciar a aula, perguntado aos alunos sobre a pesquisa solicitada ao final da 3ª etapa e, logo após a leitura de alguns conceitos pesquisados pelos alunos, fazer uma breve explicação sobre a origem do cordel (ver anexo C), aspecto este que deve ser retomado no Módulo de Escrita. Esse momento deverá tomar em torno de 10 a 15 minutos, pois o professor poderá solicitar que os alunos anotem mais algumas informações sobre o gênero. Em seguida, o professor escreve no quadro branco o tema das duas aulas Acordando o cordel: apurando a audição e pergunta aos alunos se eles supõem o que será trabalhado naquelas duas aulas. Certamente, os alunos deverão prever que ouvirão alguns cordéis, caso estejam atentos à expressão ―apurando a audição‖. Confirmando ou não as expectativas dos alunos, o professor explica que naquelas duas aulas eles ouvirão alguns cordéis para que seja possível diferenciar os vários modos de entonação que podem ser dados ao texto quando lido. Ou seja, o professor promoverá aos alunos a oportunidade de ouvirem cordéis recitados, declamados ou cantados, fazendo com que os alunos reflitam sobre a afinidade que o gênero tem com a música, por exemplo. Este é um excelente momento para compreendermos a teoria de Bakhtin (2015, p. 52) quando ele nos diz que ―todo discurso está voltado para uma resposta e não pode evitar a influência profunda do discurso responsivo antecipável‖ (grifos do autor). Nessa perspectiva, é preciso ouvir a voz dos alunos sobre o que está sendo perguntado, observando se eles conseguem antecipar a discursividade do gênero em estudo. Dando continuidade à tarefa, o professor lê em voz alta o cordel O nascimento de Jesus (ver anexo D) de Euriano Sales (o texto pode ser 174 acompanhado pelos alunos por meio do Datashow). Em seguida, explica aos alunos que eles ouvirão o texto num áudio disponível no Youtube, apresentado no formato de animação em . Após a leitura e audição, o professor escreve algumas perguntas no quadro branco e pede para que os alunos anotem nos seus cadernos: 1. O que vocês acharam das duas leituras? 2. Houve diferença na entonação dada por mim quando li o texto pela primeira vez e pela pessoa que gravou o áudio? 3. Deu para perceber que o texto de cordel também pode ser declamado de modo diferente? 4. E quanto às rimas? Ficaram claras? 5. Observaram que o tamanho dos versos desse cordel é diferente daqueles apresentados nos cordéis anteriores? Concluídas as respostas, explique aos alunos que no Módulo de Escrita vocês ainda trabalharão com o tamanho dos versos e que será necessário estudar a escansão para a compreensão da métrica. Em seguida, o professor deve ler o segundo cordel escolhido para essa aula A moça que dançou depois de morta, (ver anexo E) de José Francisco Borges. Para esse cordel, a sugestão é que o professor faça uma entonação mais enfática para cada estrofe, já que se trata de uma história que povoa o universo fantasioso do autor (os alunos também devem acompanhar a leitura do texto visualizando o cordel no Datashow). Após a leitura, o professor convida os alunos a ouvirem o cordel que está disponível num áudio-vídeo na internet no canal Youtube: < https://www.youtube.com/watch?v=Y3nUM08IR3g>. Concluída a audição, o professor escreve mais algumas perguntas no quadro branco, dando continuidade ao questionário anterior: 6. Vocês perceberam que esse cordel foi escrito também em sextilhas? 7. Quantos versos tinha cada estrofe? 8. Será que a métrica dos versos é igual em todas? 9. Como a rima foi feita? No final de que versos ela aparece? Findas as respostas, explique-lhes que estudarão mais adiante os vários tipos de estrofes para que eles conheçam mais profundamente como as rimas são feitas de modo diferente dependendo dessa tipificação. 175 Para finalizar a aula, explique-lhes o que é o repente, a cantoria e o cordel em sextilha (ver anexo F). Apresente um exemplo de cada variação do gênero em vídeos no Youtube. Sobre o repente, a sugestão é o vídeo disponível no seguinte endereço: . Esse vídeo é interessante, pois vai possibilitar aos alunos aproximar o cordel do rap, o que pode ser muito bem-vindo, pois os alunos, certamente são mais familiarizados com esse último gênero (o texto desse vídeo está disponível no anexo de número G). Sobre cantoria, apresente o vídeo disponibilizado também no Youtube que traz dois cantadores bem conhecidos: . Assim, os alunos poderão fixar bem a diferença entre um e outro modo de ler, cantar e declamar os cordéis. 1.3.6 6ª Etapa – Acordando o cordel: (com)partilhando a leitura Objetivo:  Desenvolver o gosto pela leitura dos cordéis de modo compartilhado;  Compreender a estrutura e a sequência do texto de cordel por meio de atividades lúdicas.  Identificar os títulos e as xilogravuras dos cordéis relacionando-os aos textos apresentados. Material Necessário: Computador com acesso à internet e Datashow, folheto de cordel A inveja de satanás da festa potiguar de Chico Traíra no céu, do autor Ladmires Carvalho (para desenvolver a atividade Leitura Compartilhada); caderno dos alunos; quadro branco e caneta para quadro branco; texto de cordel impresso para atividade lúdica; cordéis digitados no computador para atividade lúdica; imagens de xilogravuras diversas; 05 cartolinas; 05 colas brancas; canetas hidrográficas para escrita de cartazes; fita adesiva. Sugestão de cordéis para o trabalho com as atividades lúdicas: cordel: O peso da minha cruz, de José Acaci, poeta local (para desenvolver a atividade Montagem de Cordel); e os cordéis: Se droga fosse bacana/não tinha o nome que tem, também de José Acaci, Peleja de Manoel Riachão com o diabo, de Leandro Gomes de Barros (para desenvolver a atividade Relação da xilogravura X texto). 176 Tempo necessário: Duas aulas de 50 minutos. Procedimentos metodológicos: As atividades da sexta etapa devem ser divididas em três fases. Cada fase tem sua importância discursiva para fazer com que os alunos se apropriem com melhor do gênero em estudo. Fase 1 – Leitura compartilhada Num primeiro momento, o professor apresenta o cordel A inveja de satanás da festa potiguar de Chico Traíra no céu (ver anexo H) do autor Ladmires Carvalho, entregando um folheto a cada um dos alunos. Em seguida explica como o cordel foi criado, falando para os alunos do concurso ao qual se submeteu, da criação da xilogravura e de como fez a pesquisa para a elaboração do texto44. Após essa introdução, explica que farão algumas atividades durante a aula e que a primeira delas será a leitura do referido cordel de forma compartilhada, podendo sortear entre os alunos as 32 estrofes do cordel para leitura, ou, de comum acordo, dividir as suas partes. Pode também determinar que algumas estrofes sejam lidas em conjunto, o que poderá ajudar os alunos a entoar cadenciadamente a declamação do texto, visto que na etapa anterior os alunos ouviram os vários modos de se ler os cordéis (caso tenha algum aluno que se proponha a cantar o cordel, o professor pode incentivá-lo para que os alunos tenham a possibilidade de ouvir o cordel lido de outro modo). Após a leitura compartilhada, o professor pode conversar com os alunos sobre o cordel, fazendo-lhes perguntas orais sobre o mesmo: o que vocês acharam do texto? Do que mais gostaram? Foi interessante o modo como o autor desenhou o roteiro? Era aquele final o esperado por eles? dentre outras. Possivelmente, o tempo utilizado nessa primeira parte será de 30 minutos, ficando 70 minutos para a realização das atividades restantes. 44 A publicação do cordel A inveja de satanás da festa potiguar de Chico Traíra no céu do professor Ladmires Carvalho foi efetivada por meio de um concurso de literatura de Cordel no qual são selecionados os 12 melhores textos produzidos por poetas locais. O cordel em questão foi selecionado no ano de 2012, sendo criado para homenagear a figura de Chico Traíra, famoso cordelista norte-rio-grandense. A xilogravura do cordel foi feita pelo xilógrafo Erick Nobre. O anexo 08 do Módulo de Leitura explica melhor como o cordel foi elaborado. 177 Fase 2 – Montagem de cordel Essa atividade está prevista para ser trabalhada em 40 minutos. O professor deve levar o cordel: O peso da minha cruz, de José Acaci (ver anexo I) todo recortado em estrofes e solicitar que os alunos, em grupo de quatro alunos, montem o cordel numa ordem lógica. Para ficar mais interessante, o professor pode propor uma disputa para ver qual grupo consegue posicionar as estrofes do texto de modo que o mesmo ganhe coerência ao ser lido. Como o professor dispõe de um texto ordenado, assim que o 1º grupo fizer sinal de que conseguiu concluir a tarefa, confere, então, se a sequência textual estiver correta e, confirmada a ordem das estrofes, pede ao grupo que as cole na cartolina, organizando um bonito trabalho, para expor em algum lugar da escola. O professor também pode solicitar aos alunos que escrevam o título do texto e ilustrem as bordas da cartolina com temáticas xilográficas, o que poderá ser pesquisado pelo grupo no computador que estará disponível na sala com acesso à internet. Quando todos os grupos tiverem concluído o trabalho, em comum acordo, os cartazes devem ser espalhados pela escola. Cada um deles podendo ficar em um local diferente (na parede do corredor, na sala de aula, na biblioteca, na sala dos professores, na cantina, etc.) para que o máximo de pessoas que circula na escola possa ter acesso aos mesmos. Esta será uma oportunidade para difundir a leitura dos textos de cordéis por entre a comunidade escolar. A finalização dessa tarefa pode ser feita com a leitura conjunta do texto por grupos. O professor numera os grupos e vai solicitando a leitura do texto indicando a estrofe que o grupo deve ler (o professor pode variar essa atividade, pedindo que um grupo leia 4 ou 5 estrofes seguidas ou pedindo que todos leiam determinada estrofe ao mesmo tempo). Importante: é muito louvável que após a leitura compartilhada, rapidamente, seja feita uma discussão oral (caso disponha de tempo, o professor pode escrever no quadro branco as questões por escrito, ou, ainda, trazê-las em folha impressa) em torno da temática desenvolvida pelo autor como forma de verificar se os alunos compreenderam a história lida. Essa atividade permitirá aos alunos identificar as personagens da história, a situação de conflito, o clímax do enredo, etc.; sem contar 178 que os elementos estruturais do gênero também podem ser elencados no texto, como a classificação das estrofes e a posição das rimas. Fase 3 - Relação da xilogravura X texto Esta atividade, que está prevista para ser desenvolvida em 30 minutos, prevê que o professor apresente, no computador, cinco textos de cordéis diversificados (ver anexo J) para que os alunos façam a relação com as imagens das xilogravuras (ver anexo K) que devem ser entregues aos alunos. O professor leva impressas várias imagens de xilogravuras (pelo menos 10 tipos diferentes) e pede aos alunos que memorizem as mesmas (a atividade pode ser feita em grupo). Depois de alguns minutos (2 ou 3), o professor apresenta o primeiro cordel no computador, mas sem a indicação do título, nem do autor, já que nas capas dos cordéis essas informações podem vir identificadas. Em seguida, faz o mesmo com os outros cordéis selecionados. Cada cordel apresentado deve ser lido de modo compartilhado. Somente no final da leitura, pede aos alunos que indiquem qual a imagem da xilogravura que eles acham que seria a capa do cordel lido. Com esse tipo de atividade, é possível trabalhar os títulos dos cordéis. O professor lê os textos e ao final pede para que os alunos indiquem, de uma relação de títulos qual o que seria mais adequado para identificar o texto lido. 1.3.7 7ª Etapa – Acordando o cordel: compreendendo a história Objetivo:  Desenvolver o senso de compreensão das histórias de cordel lidas, levando em consideração aspectos textuais, semânticos e linguísticos presentes nos textos. Material Necessário: Texto de cordel impresso, computador com acesso à internet, Datashow, caixa de som, quadro branco e caneta para quadro branco, caderno dos alunos. Tempo necessário: Duas aulas de 50 minutos. Procedimentos metodológicos: 179 A aula deve ser iniciada retomando-se o que já foi discutido anteriormente. Como é a última etapa do Módulo de Leitura, o professor deve relembrar aos alunos as etapas anteriores. Pode iniciar, então, com uma conversa sobre o que já aprenderam/estudaram até ali com perguntas do tipo: 1. Lembram-se quando iniciamos o estudo sobre o gênero cordel? 2. No caderno de vocês há um pequeno questionário referente ao que vocês sabiam sobre esse gênero. Vocês, inclusive, escreveram sobre as expectativas que tinham sobre o cordel. Vamos rever, rapidamente? 3. Eu fiz perguntas sobre o gênero e depois apresentei o cordel contando a história do Jumento que queria entrar no céu. Lembram-se? 4. Depois conversamos sobre a história contada no folheto. Estão lembrados? 5. Na etapa seguinte, nós lemos outro cordel. Lembram-se do título dele? 6. Na 4ª etapa, eu apresentei um varal de folhetos para vocês e cada um escolheu um cordel para ler. Estão lembrados? Nessa etapa, estudamos um pouco sobre a estrutura do gênero, as temáticas, não foi? 7. Na 5ª etapa, apuramos os nossos ouvidos para a audição dos textos e pudemos comparar os vários modos de leitura do cordel. Chegamos a perceber a sua relação direta com a música. Relembram? 8. Já na última etapa, fizemos aquelas atividades com a leitura compartilhada, não foi? Após essa discussão oral, o professor deve informar sobre a última etapa que será realizada e convidar os alunos a lerem o cordel O cachorro dos mortos, de Leandro Gomes de Barros (ver anexo L), que deve ser apresentado em texto impresso aos alunos. Seguindo-se à leitura, que pode ser feita de modo compartilhado, o professor convida os alunos a responderem um questionário (que pode ser escrito no quadro branco ou entregue aos alunos em papel impresso) com as seguintes perguntas: 1. Como poderia ser justificado o título do cordel? 2. Já na primeira estrofe, o autor dá a entender que o crime cometido seria descoberto. Para tanto, ele recorre a um ditado popular bastante conhecido. Qual é esse ditado? Você conhece outros ditados que são utilizados pelas pessoas no dia a dia? 180 3. Quando e onde se passam os fatos narrados? Em que parte do texto essa informação é dada? 4. Entre 15 e 20 personagens podem ser identificadas no cordel de Leandro Gomes de Barros. Há as personagens principais e as secundárias. Relacione as principais personagens e caracterize-as. 5. A palavra ―debalde‖ aparece no texto três vezes: na 10ª, 51ª e 93ª estrofes respectivamente. Em todas as passagens ela tem o mesmo sentido. Qual o significado dela nessas passagens? 6. O que o autor quis dizer quando disse que ―Valdivino saiu dali/ fedendo a chifre queimado‖ (estrofe 11)? 7. De acordo com o contexto, o que significam as palavras relacionadas abaixo? a) Estampido (estrofe 55) – b) Atinar (estrofe 55) – c) Secretas (estrofe 66) – d) Escaramuçando (estrofe 106) – e) Praças (estrofe 134) – f) Força (estrofe 153) – 8. A partir da estrofe de número 12, o autor deixa claro quais são os planos de Valdivino. Primeiro ele pensa em forçar Angelita, ou seja, sujeita-la pela força, mas desiste, por quê? 9. Vendo que seria complicado enfrentar o pai e o irmão de Angelita, Valdivino faz planos de matar Floriano. Num primeiro momento, como ele supõe que se livraria da cadeia? E depois, como ele resolve matá-lo? 10. Que armas Valdivino usou para cometer os crimes? 11. Na estrofe 24, o 5º verso da estrofe diz que ―Calar partiu ao sicário‖. O que o autor quis dizer com isso? 12. Antes de morrer, Angelita predita que Valdivino será descoberto pelo seu crime e declara que três coisas o denunciarão. Que coisas são essas? 13. Na estrofe 40, Angelita tem como último ato cristão o consentimento do perdão ao assassino. Nos dias de hoje, esse preceito é pregado? Qual a sua opinião a respeito dessa questão? 181 14. Nas estrofes 44, 45 e 46 o autor parece pintar com seus versos a cena em que descreve como os três jovens estão deitados sem vida. Relacione as personagens ao modo como são retratadas mortas pelo autor: ( 1 ) Floriano ( ) parecia estar sorrindo, fingindo que estava dormindo; ( 2 ) Angelita ( ) tinha uma mão na ferida e outra estirada na estrada; ( 3 ) Esmeralda ( ) via-se o desenho de duas rosas em suas faces. 15. Que pista Valdivino deixa no local do crime dando a entender de que ele seria o assassino? Onde essa pista seria encontrada? 16. Como o cachorro se livra de Valdivino? 17. Na estrofe 65, o autor trata de dois fatos importantes da história. Que fatos são esses? 18. Além da família dos Oliveiras quem mais morre nessa história? 19. O que a polícia prometeu como recompensa a quem desse paradeiro sobre o assassino dos três jovens? 20. Em algumas estrofes do cordel o autor dá a entender que o cachorro tem sentimentos humanos. Nas estrofes 68 e 106 isso fica bem evidente. Que versos dessas estrofes comprovam essa afirmação? 21. Como o assassino dos três jovens foi descoberto? 22. Na estrofe 103, o autor fala com o leitor, o que é comum nos textos de cordel. Em que outra estrofe o autor volta a se referir ao leitor? 23. Para livrar-se da cadeia e da morte, o que o pai de Valdivino planejou num primeiro instante? Esse plano funcionou? Por quê? 24. Qual foi a segunda tentativa de livrar Valdivino da morte? Deu certo? 25. Como termina a história? 26. Quanto à estrutura do texto, escolha uma estrofe, reescreva-a abaixo e indique em que versos aparecem as rimas. Após responderem as questões, um trabalho que pode ser feito coletivamente com a releitura do texto, o professor dá por encerrado o Módulo de Leitura. Informa que na aula seguinte será dado início ao Módulo de Escrita para que os alunos possam, a partir de um trabalho minucioso com o gênero cordel e sua estrutura textual, aprender a compor as estrofes e a trabalhar com as rimas e com a métrica dos versos, o que permitirá aos mesmos se tornarem autores de suas próprias histórias. 182 Xilogravura: Helen Regina de Sousa Neves Para a escrita do cordel É preciso inspiração; Além disso, é bom saber Sobre metrificação; O poeta vai rimando Os versos entrelaçando Soltando a imaginação. Ladmires Carvalho 183 2 MÓDULO DE ESCRITA Este momento é aquele em que o professor apresentará aos alunos várias oportunidades de interação com a escrita, levando em consideração os modelos apresentados no módulo anterior. Cada atividade, se bem desenvolvida, conseguirá oportunizar aos alunos, ao final, serem autores de suas próprias histórias. 2.1 O PLANEJAMENTO GERAL DAS IDEIAS DO MÓDULO DE ESCRITA Tema das aulas: De repente... A escrita do cordel. Conteúdos - O gênero cordel e sua estrutura: a métrica, a estrofe, o verso, a rima, o ritmo; a origem do cordel e suas temáticas; os poetas, os cantadores, os repentistas; o desenho, a xilogravura e o xilográfo. Objetivos gerais:  Reconhecer a importância da escrita dos cordéis como elemento cultural;  Compreender a estrutura do gênero cordel por meio da escrita, utilizando-se especialmente das sextilhas;  Produzir textos de cordéis coletiva e individualmente com vistas a publicá-los futuramente;  Identificar as temáticas desenvolvidas nos cordéis apresentados, selecionando temáticas de interesse coletivo para a produção de textos.  Criar os próprios desenhos que servirão de xilogravura para os folhetos produzidos em sala de aula. Tempo estimado:  24 aulas de 50 minutos para as atividades em sala de aula;  8 horas para as oficinas e a aula de campo. Material necessário: Computador com acesso à Internet, Datashow, caixa de som, folhetos de cordel impressos e digitalizados, vídeos sobre o gênero cordel, caderno dos alunos para anotações importantes sobre o gênero em abordagem, quadro branco e caneta para quadro branco, dentre outros. Avaliação do Módulo de Escrita Durante as nove etapas, a avaliação será feita de modo contínuo, observando-se a participação dos alunos que poderão se autoavaliar sobre o que aprenderam: antes, durante e depois de cada escrita (na participação interativa entre professor e aluno nas diversas atividades propostas com a leitura dos textos). 184 2.2 QUADRO SÍNTESE DO MÓDULO DE ESCRITA Etapas Procedimentos Metodológicos Objetivos Duração Materiais Necessários Avaliação 1ª Etapa Escrita, para que te quero? 1ª Fase – Conversando sobre a escrita; 2ª Fase - Slides; 3ª Fase - Atividades com a escrita; 4ª Fase – Cordel: escrita com a função prazerosa. Compreender a importância da escrita 02 aulas de 50 min. Computador com acesso à internet, Datashow, slides sobre a temática, exercícios impressos sobre escrita, texto de cordel impresso, caderno dos alunos para a realização das atividades escritas, quadro branco e caneta para quadro branco. Contínua 2ª Etapa Na pisada do Cordel 1ª Fase - Vídeo; 2ª Fase - PowerPoint; 3ª Fase - Atividades com a escrita. Compreender a importância do cordel 04 aulas de 50 min. Computador com acesso à Internet, Datashow, caixa de som, Power Point com slides sobre o cordel, cordéis impressos, texto de cordel impresso, caderno dos alunos para a realização das atividades escritas, quadro branco e caneta para quadro branco. Contínua 3ª Etapa Na batida da métrica Compreender a metrificação do verso na composição das sextilhas 02 aulas de 50 min. Material impresso (atividade disponível no anexo H), caderno dos alunos para a realização das atividades escritas, quadro branco e caneta para quadro branco. Contínua 4ª Etapa Variação linguística: o uso da linguagem regional Observar o uso da linguagem regional na escrita dos folhetos de cordel 02 aulas de 50 min. Computador com acesso à Internet, Datashow, caixa de som, texto de cordel impresso, caderno dos alunos para a realização de atividade escrita, quadro branco e caneta para quadro branco. Contínua 5ª Etapa Escrevendo com expressividade: marcas de autoria 1ª Fase – Escrita coletiva com a participação do professor; 2ª Fase – Escrita em grupo sem a participação do professor; 3ª Fase – Reescrita, um Produzir cordéis a partir de temáticas sugeridas 04 aulas de 50 min. Computador com acesso à Internet, Datashow, caderno dos alunos para a realização de atividade escrita, quadro branco e caneta para quadro branco. Contínua 185 momento para repensar o texto. 6ª Etapa Aula de campo: visitação à Casa do Cordel Conhecer a Casa do Cordel em Natal/RN e sua importância como patrimônio da cultura local 3 horas Ônibus para transportar os alunos, caderno dos alunos para anotações, texto impresso sobre a história da Casa do Cordel, autorização dos pais para que os alunos possam visitar a instituição. Contínua 7ª Etapa Oficina com cordelista local Interagir com um autor cordelista para compreender melhor como se dá o processo de criação dos cordéis 2 horas e 30 min. Computador com acesso à Internet, Datashow, caderno dos alunos para a realização de atividade escrita, quadro branco e caneta para quadro branco, material do cordelista convidado. Contínua 8ª Etapa Oficina com xilógrafo local Interagir com um autor xilógrafo para compreender melhor como se dá o processo de criação das xilogravuras 2 horas e 30 min. Computador com acesso à Internet, Datashow, folhas em branco para criação dos desenhos, lápis grafite, borracha, quadro branco e caneta para quadro branco, material do xilógrafo convidado. Contínua 9ª Etapa Primeira experiência concreta com a escrita do cordel Escrever um cordel para participar de um Concurso de Literatura de Cordel 06 aulas de 50 minutos. Computador com acesso à Internet, Datashow, caderno dos alunos para a realização de atividade escrita, quadro branco e caneta para quadro branco, materiais do Concurso de Cordel: cartaz, regulamento e ficha de inscrição. Contínua 2.3 DESENVOLVIMENTO DAS ETAPAS DO MÓDULO DE ESCRITA O desenvolvimento das etapas do Módulo de Escrita é essencial para proporcionar aos alunos envolvidos no trabalho com o gênero cordel um momento ímpar com a escrita. Deste modo, o professor precisa estar confiante quando da aplicação desta planificação. 186 2.3.1 1ª Etapa – De repente... Escrita, para que te quero? Conteúdo – Escrita, para quê te quero? Objetivos:  Compreender a importância da escrita;  Observar como a escrita está em constante circulação nas interações diárias dos seres humanos. Tempo estimado: 2 aulas de 50 minutos. Material necessário: Computador com acesso à Internet, Datashow, Power Point com slides sobre a temática, exercícios impressos sobre escrita, texto de cordel impresso, caderno dos alunos para a realização das atividades escritas, quadro branco e caneta para quadro branco. Procedimentos metodológicos: As atividades da primeira etapa serão divididas em quatro fases. O professor dará início a esse trabalho com a escrita, resgatando nos alunos a importância da escrita que está espalhada nas diversas esferas de atividades humanas com as quais estamos em constante relação diariamente. 1ª Fase – Conversando sobre a escrita Perguntar aos alunos o que eles conhecem sobre a escrita. As perguntas deverão ser escritas no quadro branco. Questões a serem debatidas: 1. Qual a importância da escrita para a sua vida? 2. Você se utiliza da escrita para se comunicar no dia a dia? 3. Onde podemos encontrar a escrita? 4. Para que serve a escrita que encontramos na rua, no comércio, nas propagandas e demais espaços por onde circulamos? 5. Todas as pessoas têm cuidado ao escrever? Você já viu algum erro na escrita que lhe chamou a atenção? 187 2ª Fase – Apresentação do PowerPoint Apresentar o Power Point (ver PPt no anexo A) e conversar com os alunos sobre cada slide preparado, relacionando o que está posto na apresentação com o que foi discutido anteriormente. 3ª Fase – Atividades com a escrita Durante a apresentação dos slides, serão propostas duas atividades lúdicas de escrita com frases pré-selecionadas (ver as atividades no anexo B). 4ª Fase – Cordel: escrita com a função prazerosa Ler o texto de Literatura de Cordel: Encontro de Lampião com Kong Fu em Juazeiro do Norte, de Abraão Batista, em voz alta, para finalizar a aula, mostrando aos alunos que a escrita se presta a vários papéis, inclusive o de provocar prazer (ver texto no anexo C). 2.3.2 2ª Etapa – De repente... A escrita se espalhando em poesia Conteúdo – Na pisada do cordel Objetivos:  Compreender a importância do cordel;  Observar como a escrita do cordel é mobilizada pelos poetas cordelistas e como funciona a estrutura do texto, diferenciando os tipos de estrofes e a métrica dos versos.  Desenvolver o gosto pela escrita dos cordéis. Tempo estimado: 4 aulas de 50 minutos. Material necessário: Computador com acesso à Internet, Datashow, caixa de som, PowerPoint com slides sobre o cordel, cordéis impressos, texto de cordel impresso, caderno dos alunos para a realização das atividades escritas, quadro branco e caneta para quadro branco. 188 Procedimentos metodológicos: As atividades da segunda etapa serão divididas em três fases. O professor dará início a esse trabalho apresentando um vídeo produzido pelo Programa Globo Rural sobre o gênero em questão. Em seguida, apresentará o Power Point que trata sobre a origem e estrutura do gênero e a terceira e última fase será destinada ao exercício de completar as sextilhas com as palavras que estão faltando nos versos. Vejamos o planejamento fase por fase: 1ª Fase – Apresentação de vídeo sobre o gênero Antes de iniciar a apresentação do vídeo (ver no anexo D o link do vídeo), o professor deve explicar que o objetivo dessa fase, que terá duração de 50 minutos aproximadamente, é a de conhecerem, em linhas gerais, o que é o gênero cordel e todos os aspectos que estão relacionados a ele. O professor também deve pedir aos alunos que anotem em seus cadernos o que acharem relevante sobre o gênero durante a apresentação. Para tanto, caso seja necessário, o professor deve pausar a apresentação. 2ª Fase – Apresentação do PowerPoint Antes de iniciar a apresentação do Power Point (ver PPt no anexo E), perguntar aos alunos sobre o que eles anotaram e explicar que todas as questões serão discutidas nos slides que serão apresentados. Os slides que serão apresentados estão associados a links da internet e, portanto, quando necessário, haverá a pausa do slide para acesso ao referido link como forma de complementar as informações dadas sobre o gênero (caso o professor não disponha de internet, deve gravar os vídeos para acessar do próprio computador). O PowerPoint aborda a origem do cordel e toda a sua estrutura composicional: estrofes, rimas, ritmo, etc., mas aborda também questões relacionadas às temáticas, aos poetas cordelistas, às imagens/xilogravuras dos folhetos e permite o contato do aluno com textos selecionados. O primeiro cordel, O cavalo que defecava dinheiro (disponibilizado no próprio PowerPoint), de Leandro 189 Gomes de Barros, conhecido como o maior cordelista de todos os tempos, e o segundo, A chegada de Lampião no inferno, de José Pacheco (ver anexo F). Este último será ouvido na internet em vídeo disponível no Youtube e acompanhado pelos alunos em texto impresso . Estima-se que será necessário cerca de 120 minutos para a conclusão do trabalho com esta segunda fase, o que implica iniciar na aula da segunda-feira, por exemplo, e concluir na aula da terça. 3ª Fase – Atividade com a escrita: completando as rimas Essa fase está prevista para acontecer em 30 minutos, o que completaria o total de 4 aulas de 50 minutos, encerrando a 2ª etapa do Módulo Escrita. O exercício proposto levará em conta a aprendizagem que os alunos obtiveram durante a apresentação dos slides e será desenvolvido de acordo com a atividade proposta no anexo G. Após a realização da atividade escrita, os alunos serão convidados a ouvirem o cordel que está disponível em vídeo-audição no canal Youtube na Internet: . 2.3.3 3ª Etapa – A escrita do cordel: de olho na métrica Conteúdo – Na batida da métrica Objetivos:  Compreender a metrificação do verso na composição das sextilhas, levando em consideração a Tabela de Escansão Poética elaborada pelo professor. Tempo estimado: 2 aulas de 50 minutos. Material necessário: Material impresso (atividade disponível no anexo H), caderno dos alunos para a realização das atividades escritas, quadro branco e caneta para quadro branco. Procedimentos metodológicos: Nessa etapa, o professor dará atenção especial ao trabalho com a métrica dos versos, porque é necessário que os alunos tenham bastantes claras como se dá 190 a composição das sextilhas que tem seis versos e rimas alternadas dos versos 2, 4 e 6. Além disso, os alunos também compreenderão como se faz o ritmo dos versos que ocorrem pela pronúncia mais forte das 3ª e 7ª sílabas poéticas. A atividade proposta deve ser explorada com diversas estrofes até que os alunos se sintam seguros para produzirem os seus próprios versos metrificados de acordo com a tabela. No final da aula, o professor, com a ajuda dos alunos, pode criar algumas sextilhas, experimentando escrevê-las em dentro da tabela proposta, o que oportunizará aos alunos a compreensão de como a métrica deve ser feita efetivamente. 2.3.4 4ª Etapa – Do oral à escrita: a variação da linguagem em foco Conteúdo – Variação linguística: o uso da linguagem regional Objetivos:  Observar o uso da linguagem regional na escrita dos folhetos de cordel;  Diferenciar o uso da variação linguística na escrita dos textos. Tempo estimado: 2 aulas de 50 minutos. Material necessário: Computador com acesso à Internet, Datashow, caixa de som, texto de cordel impresso, caderno dos alunos para a realização de atividade escrita, quadro branco e caneta para quadro branco. Procedimentos metodológicos: A aula tem início com o professor retomando, oralmente, o que já foi discutido com os alunos nas etapas anteriores com perguntas do tipo: 1. O que aprendemos até agora sobre a escrita? 2. A escrita pode estar em todos os lugares? 3. Devemos ter cuidado com aquilo que escrevemos, por quê? 4. Será que se escrevermos sem nos preocuparmos com a norma padrão da variedade linguística atenderemos às expectativas dos nossos leitores? 5. Lembram-se da escrita nos vários gêneros discursivos que vimos nos slides da 1ª etapa? 6. E a escrita dos textos de cordéis, será que pode haver o uso de uma linguagem menos rebuscada nela? 191 Em seguida, o professor explica que, naquela aula, estudarão um cordel escrito na variação linguística regional, apresentando o cordel A revolta dos macacos, de Pompílio Diniz (ver anexo I). Entrega uma cópia impressa do texto para os alunos e pede para que eles a leiam silenciosamente. Depois desse momento de leitura individual, o professor apresenta o vídeo no qual o mesmo texto é declamado pelo apresentador Rolando Boldrin do Programa Sr. Brasil, na TV Cultura, em vídeo disponível no canal Youtube na Internet < https://www.youtube.com/watch?v=W2mx7y8mrcQ> Após a leitura, o professor pergunta aos alunos se eles tiveram dificuldade de ler o texto e se acharam a linguagem utilizada pelo autor muito diferente da utilizada da utilizada por eles no dia a dia e explica-lhes alguns pontos da variação linguística que estão presentes, em especial, no gênero cordel. Pontos a serem discutidos: 1. O uso da norma padrão/ou norma urbana de prestígio é uma exigência em todas as situações de comunicação? 2. Como devemos encarar o uso da linguagem regional nos cordéis? 3. Essa variação linguística coloquial deve ser utilizada em todas as situações de produção do cordel? 4. A variação de uso da linguagem utilizada nos cordéis está muito próxima da oralidade. Será que esse aspecto de uso de uma linguagem menos rebuscada explica a possibilidade de inserção de vários autores cordelistas sem escolaridade no seio da literatura e da cultura? 5. Quais as esferas de atividades humanas em que nos inserimos cotidianamente, necessitando fazer escolhas lexicais que sejam coerentes para o estabelecimento da comunicação? Por exemplo, se necessitarmos escrever uma carta ao Secretário de Educação do nosso estado cobrando alguma diligência para resolver um problema da nossa escola, vamos escrevê-la do mesmo modo como escreveríamos uma carta a um amigo próximo? Esgotadas as discussões, o professor solicita que os alunos reescrevam alguns trechos do poema de Pompílio na norma padrão, em seus cadernos, para compararem com o texto original. Esta atividade pode ser interessante para que os 192 alunos percebam que nem sempre, a transferência dos versos da variação regional para a norma padrão, dá certo para compor a rima dentro da métrica exigida. Para finalizar a etapa 4, o professor pode sugerir a leitura/audição de outros poemas de cordelistas conhecidos nacionalmente como os dos poetas: Zé da Luz (sugestão de poema: Ai se sêsse ); Patativa do Assaré (sugestão de poema: Mãe Preta ); Nhô Bento (sugestão de poema: Cascavé < https://www.youtube.com/watch?v=BleDAP9- cmY> (ver anexo J), dentre outros que também eram autodidatas e escreviam utilizando-se da linguagem regional. 2.3.5 5ª Etapa – De repente... Uma escrita expressiva Conteúdo – Escrevendo com expressividade: a constituição das marcas de autoria. Objetivos:  Produzir cordéis a partir de temáticas sugeridas;  Trabalhar coletivamente na produção de textos de cordéis. Tempo estimado: 08 aulas de 50 minutos. Material necessário: Computador com acesso à Internet, Datashow, tabela de escansão poética, caderno dos alunos para a realização de atividade escrita, quadro branco e caneta para quadro branco. Procedimentos metodológicos: Chegou o grande momento da produção dos textos contemplando o gênero cordel. O professor explica aos alunos que a escrita dos cordéis como eles mesmos já puderam verificar não é fácil. Contudo, se o trabalho puder ser colaborativo, certamente, ao final do projeto, eles estarão prontos para produzirem os seus próprios textos, demonstrando autoria nessa tarefa. Neste sentido, é importante ter claro que os alunos partirão daquilo que já foi experienciado no Módulo de Leitura e até mesmo pelos conhecimentos de mundo que têm. Apesar de os alunos iniciarem a sua escrita a partir da palavra do outro, eles certamente demonstrarão que a sua palavra traz algo novo, como afirma Bakhtin (2015) quando analisa o discurso em Dostoiévski. 193 A partir dessa conversa, o professor deixa claro que estará disposto a orientá- los da melhor maneira para que eles consigam ser autores de suas próprias histórias futuramente. Expõe, então, como será realizada a 5ª etapa do Módulo Escrita do trabalho com o gênero em estudo e que a mesma será dividida em três fases. Na primeira, eles produzirão um cordel coletivo com a participação do professor sobre um tema definido em conjunto; na segunda, a produção será feita em grupos menores, sem a participação do professor sobre um tema escolhido pelo próprio grupo; e a terceira será destinada à reescrita do cordel produzido em grupo. Vejamos o planejamento fase por fase: 1ª Fase – Escrita coletiva com a participação do professor Nesta fase, o professor deve propor aos alunos a escrita de um cordel coletivamente. Ou seja, todos, professor e alunos, se envolvem na atividade, criando um texto que será de autoria de todos. Para iniciar a atividade, o professor pergunta se os alunos têm algum tema para sugerir (importante: o tema deve partir dos alunos) e vai escrevendo no quadro branco as sugestões dadas que podem estar relacionadas a temas como: a) Saúde 1. Combate à dengue; 2. Doenças provocadas pelo uso de alimentos inadequados na infância e adolescência, como: a cárie, a obesidade, a diabetes, etc.; b) Educação 1. A importância dos estudos; 2. Os problemas da escola; 3. A importância da leitura e da escrita. c) Esporte e lazer 1. A importância da prática esportiva; 2. Os jogos escolares; 3. Os cuidados com o corpo na educação física; d) Cidadania 1. O respeito ao próximo; 194 2. Direitos e deveres do cidadão; 3. Fora o preconceito! Enfim, os alunos podem sugerir muitos temas e a função do professor é anotar tudo no quadro e depois, democraticamente, eleger aquele que a maioria optar para que seja feita a escrita do cordel. Escolhido o tema, o professor deve acessar a internet por meio do computador que estará conectado ao Datashow para pesquisar um pouco sobre o tema. Isso mostrará para os alunos que há a necessidade de se fazer pesquisa antes de iniciar a escrita de qualquer cordel, pois quanto mais informado sobre o assunto, mas chance de produzir um texto mais cheio de informações e criativo. Além disso, é importante que o professor apresente o site Palavras que Rimam, situado na internet no seguinte endereço: ou um dicionário de rimas, como o que está disponível no seguinte endereço eletrônico: . Feito isso, a escrita do cordel pode ser iniciada efetivamente, sendo o professor o condutor da tarefa: é ele quem vai escrevendo os versos ditados pelos alunos no computador, com projeção no Datashow, sugerindo adequações para que os mesmos não fiquem muito longos ou muitos curtos em função de uma métrica perfeita. Enquanto isso, os alunos vão escrevendo o texto nos seus cadernos. Esse trabalho requer que os alunos estejam com a Tabela de Escansão poética (disponível no anexo H) em mãos, a mesma que foi utilizada na etapa 3, o que ajudará aos alunos compreenderem se estão sendo coerentes na escolha dos versos. O professor também pode fazer com os alunos uma tempestade de ideias no quadro branco sobre a temática escolhida, o que também ajudará bastante na concepção do texto. A escolha da estrofe deve ser a sextilha com versos de sete sílabas e o total de estrofes deve ser determinado em 15, no mínimo, para que seja possível desenvolver um enredo para a história criada, dando ao leitor informações suficientes para uma leitura compreensiva. Concluída a escrita do cordel, o professor lê em voz alta (a leitura pode ser feita de modo compartilhado) e solicita a um dos alunos que transcreva, à caneta, o texto para uma folha de papel (ver anexo 11) que deve ser preparada com antecedência (elemento de pesquisa) e que seja assinada por todos. 195 Para finalizar essa fase, o professor propõe um concurso de imagens para ilustrar o texto que foi produzido coletivamente. O aluno que criar a imagem (escolhida em votação democrática pelos colegas da turma) que melhor sintetize o texto deve ser premiado com um livro, ou uma caixa de chocolate, ou com um brinde que possa ser doado pelo próprio professor ou alguém da escola (o professor pode conseguir doação com a direção da escola ou com outros professores). 2ª Fase – Escrita em grupo sem a participação do professor Após a primeira fase, os alunos, certamente, estarão mais seguros para escreverem outro cordel. Desta feita, a ideia é que eles continuem produzindo o texto em grupo, mas sem a ajuda do professor. O professor divide, então, a classe em grupo de 4 alunos e pede que os mesmos escolham o tema com o qual gostariam de trabalhar, e pede também para que os alunos, em casa, façam uma pequena pesquisa sobre o assunto escolhido (isso deve ser solicitado um dia ou dois antes que os alunos se reúnam para a produção do texto). No dia programado para acontecer a produção dos textos, o professor deve atuar como motivador da escrita, passando em cada grupo para acompanhar de perto como está isso está sendo feito, fazendo observações e perguntas sobre as dificuldades, dando opção de os alunos consultarem o dicionário de rimas, se necessário. Assim como na 1ª fase, o texto deve ter um mínimo de estrofes determinadas (pode ser 15). Essas estrofes devem ser sextilhas com versos de sete sílabas poéticas (os alunos podem recorrer à Tabela de Escansão (anexo H) estuda anteriormente). Concluída a escrita do texto, o grupo deve eleger um dos alunos para reescrevê-lo em folha própria (ver anexo K), que deve ser entregue ao professor devidamente assinado. Assim como o texto da 1ª fase desta etapa, os textos produzidos nessa fase serão impressos em folhetos para divulgação posterior. O professor também deve solicitar que os grupos definam um aluno para criar um desenho que represente o texto escrito para enfeitar a capa do cordel. 196 3ª Fase – Reescrita, um momento para repensar o texto Encerrada a segunda fase e recolhidos os textos produzidos pelos alunos, o professor dá início ao trabalho de reescrita com os alunos. O ideal é que essa reescrita seja feita de modo coletivo, ou seja, o texto original deve ser digitado no computador e apresentado para toda a turma. O primeiro passo dessa fase é ler o texto escrito pelo grupo em voz alta para observar o que está destoando, especialmente na composição das rimas. Em seguida, o professor vai apontando, com a ajuda dos demais colegas, alguns caminhos para corrigir aspectos discursivos, textuais, semânticos e linguísticos que estejam apresentando algum problema no texto. Os alunos devem anotar as sugestões e marcar em seus cadernos os pontos falhos para em seguida se reunirem mais uma vez com o intuito de melhorar o texto. Concluída a reescrita, o texto deve ser passado a limpo na folha definitiva para ser levado para a impressão posteriormente. Observações:  O tempo estimado para esta etapa é de 08 aulas de 50 minutos, mas, não há como estabelecer um tempo preciso para cada fase proposta. Isso dependerá da competência com a escrita desenvolvida pelos alunos e da gestão do professor, por isso, pode ser que o tempo previsto possa ser mais elástico ou diminuído em função dos acontecimentos.  Todos os textos produzidos deverão ser impressos em folhetos para divulgação posterior, o que ocorrerá no Módulo de Divulgação. 2.3.6 6ª Etapa – O cordel em campo Conteúdo: Aula de campo: visitação à Casa do Cordel. Objetivos:  Conhecer a Casa do Cordel em Natal/RN e sua importância como patrimônio da cultura local;  Aprimorar os conhecimentos sobre o cordel com os cordelistas locais;  Apreciar as obras de cordel e participar de palestra com o cordelista Abaeté do Cordel que coordena a Casa. 197 Tempo estimado: 3 horas. Material necessário: Ônibus para transportar os alunos, caderno dos alunos para anotações, texto impresso sobre a história da Casa do Cordel, autorização dos pais para que os alunos possam visitar a instituição. Procedimentos metodológicos: A ideia é promover, nesta etapa, uma visita à Casa do Cordel com os alunos para que eles tomem contato com um local que, além de comercializar os folhetos de cordéis, desenvolve um trabalho de resgate e divulgação do gênero como elemento cultural do povo nordestino (ver anexo L com um pouco da história da casa). Nesta aula de campo, os alunos terão a oportunidade de dialogar com cordelistas experientes que circulam pelo local e entrar em contato com a produção de folhetos que a Casa dispõe. Para a aula de campo, os alunos necessitarão apresentar ao professor a autorização dos pais ou responsáveis (ver modelo no anexo M) e a escola precisa dispor de um ônibus para que o trajeto entre a escola e a Casa do Cordel seja feito com tranquilidade, resguardando a segurança de todos. Durante a visita, os alunos poderão fazer anotações sobre o gênero e descobrir mais alguns detalhes importantes para melhorar a escrita dos cordéis que já vêm desenvolvendo. Além disso, poderão adquirir alguns folhetos de cordéis dispostos à venda na Casa. 2.3.7 7ª Etapa – De repente... A hora da oficina: aprendendo na prática Conteúdo: Oficina com cordelista local José Acaci. Objetivos:  Interagir com um autor cordelista para compreender melhor como se dá o processo de produção dos cordéis;  Conhecer a história do poeta e sua experiência com a literatura de cordel: vida e obra;  Aprender, na prática, a criar as sextilhas. Tempo estimado: 2 horas e 30 minutos. 198 Material necessário: Computador com acesso à Internet, Datashow, caderno dos alunos para a realização de atividade escrita, quadro branco e caneta para quadro branco, material do cordelista convidado. Procedimentos metodológicos: Esse será um momento especial da sequência didática, pois os alunos terão contato com um poeta cordelista local que fará uma oficina de cordel para que eles compreendam ainda mais como se dá o processo de criação de um texto desse tipo de gênero. Na oportunidade, o cordelista desenvolverá a oficina falando de si e do seu trabalho e aproveitará para apresentar alguns dos seus cordéis acompanhado de violão já que o mesmo musicou uma parte de sua obra. Os alunos anotarão em seus cadernos todas as informações dadas sobre o gênero e poderão tirar suas dúvidas para que, de posse dessas novas informações, consigam melhorar o seu desempenho na elaboração dos textos. 2.3.8 8ª Etapa – De repente... A hora da oficina: aprendendo na prática Conteúdo: Oficina com xilógrafo local Erick Lima. Objetivos:  Interagir com um autor xilógrafo para compreender melhor como se dá o processo de criação45 das xilogravuras;  Conhecer a história do artista xilógrafo: vida e obra;  Aprender, na prática, a criar as ilustrações para os cordéis produzidos. Tempo estimado: 2 horas e 30 minutos. Material necessário: Computador com acesso à Internet, Datashow, folhas em branco para criação dos desenhos, lápis grafite, borracha, quadro branco e caneta para quadro branco, material do xilógrafo convidado. Procedimentos metodológicos: Essa é mais uma etapa que sequencia o trabalho realizado na 7ª etapa pelo cordelista José Acaci. Ou seja, o trabalho a ser desenvolvido com a xilogravura será extremamente importante para que os alunos possam desenvolver suas habilidades 45 Sobre o processo de criação das xilogravuras, encontramos excelentes contribuições em Juazeiro (2011). 199 com as imagens que enfeitarão os folhetos produzidos. Nesse sentido, teremos um trabalho com as marcas autorais. A oficina de xilogravura será trabalhada pelo xilógrafo Erick Lima que tem larga experiência com essa arte, sendo considerado um dos melhores artistas do Estado do RN. O professor poderá apresentar um pouco de seu trabalho para os alunos, antes da execução da oficina, por meio do material divulgado do autor que está disponível na internet no seguinte endereço eletrônico: < http://casadocordel.blogspot.com.br/p/xilogravura-erick-lima.html>. A expectativa é a de que os alunos consigam produzir xilogravuras no formato original, utilizando-se da técnica do artista, ou, pelo menos, que consigam criar imagens que se aproximem da ideia de uma xilogravura original. 2.3.9 9ª Etapa – De repente... A escrita como prática social Conteúdo: Primeira experiência concreta com a escrita do cordel. Objetivos:  Escrever um cordel para participar de um Concurso de Cordel promovido pela Casa do Cordel em Natal/RN;  Compreender como se organiza o processo de produção do gênero cordel numa situação concreta de interação social. Tempo estimado: 06 aulas de 50 minutos. Material necessário: Computador com acesso à Internet, Datashow, caderno dos alunos para a realização de atividade escrita, quadro branco e caneta para quadro branco, materiais do Concurso de Cordel: cartaz, regulamento e ficha de inscrição. Procedimentos metodológicos: Nessa etapa, os alunos serão convidados a produzir um cordel, individualmente, para participarem de um concurso de cordel promovido pela Casa do Cordel de Natal/RN. Esse é o primeiro Concurso de Cordel promovido pela Casa e tem como tema ―Os encantos de Natal: seus valores históricos e culturais, as belezas naturais e sua gente‖. Essa será uma ótima oportunidade para que os alunos possam vivenciar na prática a necessidade da escrita do gênero em estudo. Ou seja, os alunos compreenderão, nesse momento, que o trabalho com o cordel não foi em vão, pois 200 os mesmos terão a oportunidade de escrever um cordel com um propósito social: a participação num concurso que poderá render uma premiação ao vencedor. Entretanto, o professor deve orientar os alunos que, embora a escrita do cordel, norteado pela temática acima exposta, tenha como função principal a participação no concurso, todos os folhetos produzidos serão impressos para divulgação no Módulo de Divulgação do projeto que será realizado na última etapa da pesquisa. Para iniciar essa etapa, o professor deve apresentar o cartaz, o regulamento e a ficha de inscrição do concurso (ver todo o material do concurso: cartaz, ficha de inscrição e regulamento no anexo N). Em seguida, faz a leitura do regulamento para que os alunos tenham bem claras as regras do concurso. Após a leitura do documento, o professor passar a trabalhar a temática e pede aos alunos para anotarem em seus cadernos os pontos relevantes sobre o assunto (os alunos também podem pesquisar em casa sobre a temática já que essa escrita não será feita exclusivamente em sala de aula). Como o concurso abre a possibilidade, de acordo com o regulamento, de os alunos escreverem o texto no formato de estrofes em quadras, sextilhas, septilhas, oitavas e décimas, é importante que o professor os oriente a escreverem o enredo em sextilhas, pois é esse tipo de estrofe que vem sendo estudado com mais profundidade desde o início. O fato de estarem mais habituados com as sextilhas pode facilitar a escrita do texto que deve ter um mínimo de 16 e um máximo de 32 estrofes. No entanto, se algum aluno quiser escrever o seu texto num formato de estrofe diferente deve ficar livre para fazê-lo, até porque conhece a métrica estabelecida para cada tipo de estrofe proposta pelo concurso, visto que as estudou quando o slide sobre o gênero foi apresentado. Feita a pesquisa sobre a temática do concurso, o trabalho com a escrita deve ser iniciado e executado completamente em sala de aula sob a supervisão do professor que vai orientando os alunos nas suas dúvidas, especialmente naquelas relacionadas à métrica da versificação. Esse será um dos momentos mais importantes do desenvolvimento da pesquisa, no qual o professor acompanhará o processo de autoria dos textos dos alunos individualmente, e, por essa razão, precisa ser bem monitorado. 201 Concluída a escrita dos textos, o professor solicitará aos alunos a digitação dos mesmos e escolherá uns dois textos (já que será impossível fazer isso com todos os trabalhos produzidos em virtude do prazo estabelecido para a entrega do material) para fazer uma reescrita coletiva46. Esse momento será de grande importância, pois os alunos poderão melhorar suas produções, revendo problemas de ordem discursiva, textual, semântica e linguística. Por fim, o professor organiza, juntamente com os alunos, as fichas de inscrição com a documentação e todo o material necessário para a participação no concurso, encaminhando-o à coordenação do mesmo. Após a entrega das produções para o concurso, o professor solicita aos alunos a criação da imagem que representará o cordel escrito, pois os textos produzidos serão impressos em gráfica, ganhando o suporte do folheto, para serem divulgados no último Módulo. 46 Para consolidar o nosso trabalho em relação à escrita e à reescrita nos pautamos no que diz Garcez (2010). Para ela a escrita ―implica dialogia, jogos interativos, pois há uma proposta de compreensão que exige resposta, no sentido bakhtiniano‖ (p. 20) e que a reescrita é importante para fazer com que a estrutura superficial do texto seja abandonada, restando apenas a essência do significado por meio de novas palavras. 202 Xilogravura: Raquel Esteves Silva de Sousa Leitor, chegou o momento Do trabalho divulgar; Venha ler nossas histórias Sobre o nosso lugar; Essas rimas que fizemos, Para vocês escrevemos Queremos compartilhar. Ladmires Carvalho 203 3 MÓDULO DE DIVULGAÇÃO É chegado o momento de divulgar a produção escrita dos alunos. 3.1 O MÓDULO DE DIVULGAÇÃO EM LINHAS GERAIS Tema das aulas: Na cordinha, no barbante, no folheto... O cordel entrou na roda Conteúdos - O gênero cordel e os meios de divulgação; os eventos de letramentos47; a divulgação além da escola, a Mostra do Cordel, o resultado da participação dos concursos. Objetivos gerais:  Divulgar os cordéis produzidos em eventos de letramentos dentro e fora da escola, reconhecendo a importância sociocultural dos folhetos;  Participar da Mostra do Cordel a ser promovida no ambiente escolar, apresentando trabalhos de autoria;  Vivenciar os momentos de divulgação dos concursos para os quais concorreu com a escrita do cordel.  Declamar textos de cordel em eventos realizados na escola;  Apresentar os folhetos e xilogravuras produzidos à comunidade escolar. Tempo estimado: 18 horas. Material necessário: Computador com acesso à Internet, Datashow, caixa de som, folhetos de cordel impressos, materiais para composição de sala temática: corte de tecido (chita), cordão, pegadores de roupa, peças de cenário sertanejo. Avaliação do Módulo de Divulgação Durante as etapas do Módulo de Divulgação, a avaliação será feita de modo contínuo, observando-se a participação dos alunos em todos os eventos promovidos. Eles poderão se autoavaliar sobre o que aprenderam: antes, durante e depois de cada atividade desenvolvida. Essa avaliação poderá ser feita também com a utilização de um instrumento de avaliação (ver anexo A) que os alunos 47 Os eventos de letramento, segundo Oliveira, Tinoco e Santos (2014), são situações nas quais uma única pessoa ou um grupo agem por meio da leitura ou da escrita. No evento em questão, no qual serão apresentados à comunidade os folhetos de cordéis produzidos pelos alunos, a leitura e a escrita são as protagonistas da interação que se acontecerá. 204 responderão, avaliando todo o processo de ensino-aprendizagem desenvolvido com o gênero discursivo cordel. 3.2 QUADRO SÍNTESE DO MÓDULO DE DIVULGAÇÃO Etapas Procedimentos Metodológicos Objetivos Duração Materiais Necessários Avaliação 1ª Etapa 1ª Mostra do Cordel Apresenta r à comunida de escolar os cordéis produzido s durante o desenvolv imento do projeto 12 horas Computador com acesso à Internet, Datashow, caixa de som, cordéis impressos, materiais para composição de sala temática: corte de tecido (chita), cordão, pegadores de roupa, peças de cenário sertanejo. Contínua 2ª Etapa Premiação do Concurso 1º Concurso de Cordel da Casa do Cordel Participar de solenidad e de premiaçã o do 1º Concurso de Cordel da Casa do Cordel 02 horas Ônibus para transportar os alunos até o local do evento. Contínua 3.3 DESENVOLVIMENTO DAS ETAPAS DO MÓDULO DE DIVULGAÇÃO 3.3.1 1ª Etapa – 1ª Mostra do Cordel Conteúdo – O folheto ganhou vida, virou papel de cordel. Objetivos:  Apresentar à comunidade escolar os cordéis produzidos durante o desenvolvimento do projeto;  Promover a interação entre alunos e comunidade escolar;  Disseminar a leitura dos folhetos produzidos no ambiente escolar e na comunidade do entorno. Tempo estimado: 12 horas. Material necessário: Computador com acesso à Internet, Datashow, caixa de som, cordéis impressos, materiais para composição de sala temática: corte de tecido (chita), cordão, pegadores de roupa, peças de cenário sertanejo. 205 Procedimentos metodológicos: Esta etapa do Módulo de Divulgação consistirá na 1ª Mostra do Cordel a ser realizada na Escola Estadual Professor José Fernandes Machado. Durante o evento, serão apresentados à comunidade escolar os folhetos de cordéis produzidos pelos próprios alunos durante a realização do Módulo de Escrita. A impressão dos folhetos será feita em gráfica e contará com as ilustrações feitas pelos próprios alunos no formato de xilogravuras. Serão convidados a participar do evento: toda a comunidade escolar, composta por alunos, funcionários, professores, pais de alunos; profissionais ligados à cultura popular como cordelistas e poetas locais, além de autoridades da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte. Duas ações importantes deverão ser desenvolvidas nessa etapa de divulgação do produto da pesquisa: a primeira é a confecção de cartazes (ver anexo B) para divulgar o evento e a segunda a elaboração de convites (ver anexo C) a serem enviados para os convidados que não fazem parte do entorno da comunidade escolar. O professor, além de organizar a sala que receberá a Mostra de Cordel, juntamente com os alunos, poderá angariar fundos para produzir uma camiseta com a imagem de uma xilogravura feita pelos próprios alunos que deverá ser usada durante o evento. 3.3.2 2ª Etapa – Premiação do Concurso 1º Concurso de Cordel da Associação Cultural Casa do Cordel Conteúdo – O folheto ganhou vida, virou papel de cordel Objetivos:  Participar de solenidade de premiação do 1º Concurso de Cordel da Casa do Cordel, interagindo com autores locais e demais presentes; Tempo estimado: 2 horas. Material necessário: Ônibus para transportar os alunos até o local do evento. Procedimentos metodológicos: 206 Essa etapa de divulgação é importante para que os alunos possam acompanhar a divulgação do concurso do qual participaram, torcendo para que um dos colegas da turma seja o vencedor da categoria Ensino Fundamental. Na oportunidade, os alunos estarão em contato com muitas figuras do cenário cultural que desenvolvem ações voltadas ao resgate do gênero cordel. Além disso, certamente, participarão de rodas de leitura dos cordéis produzidos para o concurso. 207 Xilogravura: Wesberfyte Monteiro de Almeida A beleza dos anexos Eu quero apresentar; Foram dias de pesquisa Para a sequência gerar; Cordel e xilogravura: Um caldeirão de cultura Pro professor utilizar. Ladmires Carvalho 208 4 ANEXOS 4.1 ANEXOS DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA – MÓDULO DE LEITURA ANEXO A – CORDEL UTILIZADO NA 2ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA Imagem: arquivo do autor A história do jumento que queria entrar no céu Autor: Ladmires Luiz Gomes de Carvalho I Leitores eu vou contar, Prestem muita atenção, A história de um jumento, Por nome de Lampião, Que queria entrar no céu E à terra não voltar, não. II O danado do jumento Botou isso na cabeça, Porque soube que no céu A vida era pitoresca; Queria férias da terra Não queria mais ser besta. III Também estava cansado De comer capim na terra, De levar peia no lombo, De dormir em pé de serra, De viver de prontidão Como quem vai pr‘uma guerra. IV No céu, a coisa era outra Havia muita alegria; Lá viveria com os santos Isso ele bem merecia; Ninguém montaria seu lombo No pingo do meio-dia. V Essas histórias do céu Ouviu na televisão; Leu também uma reportagem Na Gazeta do Sertão; Estava muito seguro Dessa sua decisão. VI Então, preparou a mala Colocou no caçuá; Dois pares de ferradura Pôs nos cascos devagar; Lavou e escovou o rabo Passando gel de juá. 209 VII Na mala ia de tudo Das comidas do sertão; Um quilo de rapadura Com paçoca de pilão; Farinha, queijo e jabá E uma lata de pirão. VIII Também levava batata Com galinha à cabidela; Vinte pamonhas e um tacho De canjica com canela; Uma lata de angu E doce de berinjela. IX O jumento pagaria Por excesso de bagagem; Mas valeria a pena Não perderia a viagem; A comida era o ingresso Para a sua hospedagem. X Pois sabia que São Pedro Dono da chave do céu; Ia deixá-lo entrar Sem alarde ou escarcéu; A comida que levava Era mais que um pitéu. XI Foi-se então ao aeroporto Pegar o primeiro voo; Seu destino era o céu, Mas a alfândega o brecou; - Com comida perecível Não embarca, não, senhor! XII O jumento quase perde O juízo nessa hora; Explicou que era presente Pra dar a Nossa Senhora; Pediu por todos os santos Pra não jogar nada fora. XIII O agente da alfândega, Um cachorro perdigueiro, Vendo a situação Do jumento aventureiro; Permitiu o seu embarque Mas que fosse bem ligeiro. XIV Já dentro do avião O jumento descansou; - Afivele bem o cinto! A aeromoça ordenou; - Preparar pra decolar! Do piloto a voz soou. XV O jumento nessa hora Olhou pro lado e sorriu; Faria a primeira viagem Para fora do Brasil; Tinha tomado um Dramin Em pouco tempo dormiu. XVI Em poucas horas no céu O avião aterrissou; Sem perder nenhum minuto Um táxi ele pegou; Em meia hora contada Na porta do céu chegou. XVII Apertou a campainha São Pedro veio atender; - O amigo, o que deseja? Quis logo o santo saber; - Quero me hospedar aqui! Disse com muito prazer. XVIII - Como é seu nome, meu caro, E de onde vem, por favor? - Eu me chamo Lampião, Jumento trabalhador; Vim para morar no céu, Pois aqui só tem amor. XIX - Eu venho lá do Brasil - Continuou o jumento; - Lá do sertão do Nordeste Veja o meu sofrimento; Lugar cheio de mazela, De seca, fome e tormento. XX - Portanto queria uma vaga Para no céu cá ficar; Gozar férias merecidas Que nunca tive por lá; Por tudo que eu já fiz São Pedro, me deixe entrar. 210 XXI São Pedro com sua calma Foi logo dizendo assim: - Jumento, aqui no céu Não entra animal ruim! Da sua vida, primeiro, Conte tim-tim por tim-tim. XXII - Eu fui um jumento bom São Pedro, vou lhe contar; Carreguei muito pesado No meu par de caçuá; Puxei carroça e arado E apanhei de me cagar. XXIII - Nunca dormi numa cama Vivi sempre ao relento; Se empacava de cansado Sofria com espancamento; Já chorei muito escondido Por causa de xingamento. XXIV - Tive um dono desgraçado Que me dava cutucão; Com a ponta de um ferro Feria todo o meu vão; Do filho desse maldito Levei carreira em rojão. XXV - Só uma falha cometi, Essa, vou ter que dizer; Dei um coice numa onça Que queria me comer; Até hoje ela procura Um canto pra se esconder. XXVI São Pedro confirmou tudo No livro que ali trazia; Mas disse que uma coisa No céu não se admitia; Era jumento zurrar Na hora da Ave-Maria. XXVII O jumento fez um bico: - Prometo jamais zurrar; Se o senhor deixar que eu fique Posso até lhe carregar De um lado para o outro Pro senhor não se cansar. XXVIII - Também lhe dou de presente – Falou Lampião na hora; - Metade do que eu trouxe Pra dar a Nossa Senhora; Ouvindo aquilo, São Pedro Disse: - Entre sem demora! XXIX O jumento, então, entrou Naquele mundo encantado; Tremendo de alegria Com cara de abestalhado; Olhando pro ambiente Viu santo pra todo lado. XXX Foi levado ao hotel Onde se hospedaria; A comida que ele trouxe Foi entregue a Maria; Que mandou agradecer Por um anjo seu de guia. XXXI Por onde ele passava Os santos diziam assim: - Coitado, já sofreu tanto, Venha aqui, Lampiãozim; E faziam cafuné Na cabeça do bichim. XXXII A história assim termina Mas tem continuação; Na segunda parte eu conto A estada de Lampião; E da briga que arrumou Com o dragão Azulão. 211 ANEXO B – CORDEL UTILIZADO NA 4ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA Imagem: http://www.manchetepb.com/cordel-do-pavao-misterioso-agora-e-patrimonio-imaterial-da- paraiba-autor-e-de-piloezinhos/ O Romance do Pavão Misterioso – José Camelo de Melo Rezende 1 Eu vou contar uma história De um pavão misterioso Que levantou vôo na Grécia Com um rapaz corajoso Raptando uma condessa Filha de um conde orgulhoso. 2 Residia na Turquia Um viúvo capitalista Pai de dois filhos solteiros O mais velho João Batista Então o filho mais novo Se chamava Evangelista. 3 O velho turco era dono Duma fábrica de tecidos Com largas propriedades Dinheiro e bens possuídos Deu de herança a seus filhos Porque eram bem unidos. 4 Depois que o velho morreu Fizeram combinação Porque o tal João Batista Concordou com o seu irmão E foram negociar Na mais perfeita união. 5 Um dia João Batista Pensou pela vaidade E disse a Evangelista: — Meu mano eu tenho vontade de visitar o estrangeiro se não te deixar saudade. 6 — Olha que nossa riqueza se acha muito aumentada e dessa nossa fortuna ainda não gozei nada portanto convém qu'eu passe um ano em terra afastada. 7 Respondeu Evangelista: – Vai que eu ficarei regendo os negócios como sempre eu trabalhei garanto que nossos bens com cuidado zelarei. 8 – Quero te fazer um pedido: procure no estrangeiro um objeto bonito só para rapaz solteiro; traz para mim de presente embora custe dinheiro. 9 João Batista prometeu Com muito boa intenção De comprar um objeto De gosto de seu irmão Então tomou um paquete E seguiu para o Japão. 10 João Batista no Japão Esteve seis meses somente Gozando daquele império Percorreu o Oriente Depois voltou para a Grécia Outro país diferente. 11 João Batista entrou na Grécia Divertiu-se em passear Comprou passagem de bordo E quando ia embarcar Ouviu um grego dizer Acho bom se demorar. 12 João Batista interrogou: – Amigo fale a verdade por qual motivo o senhor manda eu ficar na cidade? Disse o grego: – Vai haver Uma grande novidade. 13 – Mora aqui nesta cidade um conde muito valente mais soberbo do que Nero pai de uma filha somente é a moça mais bonita que há no tempo presente 14 – É a moça em que eu falo Filha do tal potentado O pai tem ela escondida Em um quarto de sobrado Chama-se Creuza e criou-se Sem nunca ter passeado. 15 – De ano em ano essa moça bota a cabeça de fora para o povo adorá-la 212 no espaço de uma hora para ser vista outra vez tem um ano de demora. 16 O conde não consentiu Outro homem educá-la Só ele como pai dela Teve o poder de ensiná-la E será morto o criado Que dela ouvir a fala. 17 Os estrangeiros têm vindo Tomarem conhecimento Amanhã quando ela aparece No grande ajuntamento É proibido pedir-se A mão dela em casamento. 18 Então disse João Batista – Agora vou me demorar pra ver essa condessa estrela desse lugar quando eu chegar à Turquia tenho muito o que contar. 19 Logo no segundo dia Creuza saiu na janela Os fotógrafos se vexaram Tirando o retrato dela Quando inteirou uma hora Desapareceu a donzela. 20 João Batista viu depois Um retratista vendendo Alguns retratos de Creuza Vexou-se e foi dizendo: – Quanto quer pelo retrato porque comprá-lo pretendo. 21 O fotógrafo respondeu: – Lhe custa um conto de réis João Batista ainda disse: – Eu compro até por dez se o dinheiro não der empenharei os anéis. 22 João Batista voltou Da Grécia para a Turquia E quando chegou em Meca Cidade em que residia Seu mano Evangelista Banqueteou o seu dia. 23 Então disse Evangelista: – Meu mano vá me contando se viste coisas bonitas onde andaste passeando o que me traz de presente vá logo entregando. 24 Respondeu João Batista: – Para ti trouxe um retrato de uma condessa da Grécia moça que tem fino trato custou-me um conto de réis ainda achei muito barato. 25 Respondeu Evangelista Depois duma gargalhada: - Neste caso meu irmão pra mim não trouxe nada pois retrato de mulher é coisa bastante usada. 26 - Sei que tem muitos retratos mas como o que eu trouxe não vais agora examiná-lo entrego em tua mão quando vires a beleza mudará de opinião. 27 João Batista retirou O retrato de uma mala Entregou ao rapaz Que estava de pé na sala Quando ele viu o retrato Quis falar tremeu a fala. 28 Evangelista voltou Com o retrato na mão Tremendo quase assustado Perguntou ao seu irmão Se a moça do retrato Tinha aquela perfeição. 29 Respondeu João Batista - Creuza é muito mais formosa do que o retrato dela em beleza é preciosa tem o corpo desenhado por uma mão milagrosa. 30 João Batista perguntou Fazendo ar de riso: - Que é isso, meu irmão queres perder o juízo? Já vi que este retrato Vai te causar prejuízo. 31 Respondeu Evangelista - Pois meu irmão eu te digo vou sair do país não posso ficar contigo pois a moça do retrato deixou-me a vida em perigo. 32 João Batista falou sério: - Precipício não convém de que te serve ir embora por este mundo além em procura de uma moça que não casa com ninguém. 33 - Teu conselho não me serve estou impressionado rapaz sem moça bonita é um desaventurado se eu não me casar com Creuza findo meus dias enforcado. 34 - Vamos partir a riqueza que tenho a necessidade dá balanço no dinheiro porque eu quero a metade o que não posso levar dou-te de boa vontade. 35 Deram o balanço no dinheiro Só três milhões encontraram Tocou dois a Evangelista Conforme se combinaram Com relação ao negócio Da firma se desligaram. 36 Despediu-se Evangelista Abraçou o seu irmão Chorando um pelo outro Em triste separação Seguindo um para a Grécia Em uma embarcação. 37 Logo que chegou na Grécia Hospedou-se Evangelista Em um hotel dos mais pobres Negando assim sua pista Só para ninguém saber Que era um capitalista. 38 Ali passou oito meses Sem se dar a conhecer Sempre andando disfarçado Só para ninguém saber Até que chegou o dia Da donzela aparecer. 39 Os hotéis já se achavam Repletos de passageiros Passeavam pelas praças 213 Os grupos de cavalheiros Havia muito fidalgos Chegado dos estrangeiros. 40 As duas horas as tarde Creuza saiu à janela Mostrando a sua beleza Entre o conde e a mãe dela Todos tiraram o chapéu Em continência à donzela. 41 Quando Evangelista viu O brilho da boniteza Disse: - Vejo que meu mano Quis me falar com franqueza Pois esta gentil donzela É rainha de beleza. 42 Evangelista voltou Aonde estava hospedado Como não falou com a moça Estava contrariado Foi inventar uma idéia Que lhe desse resultado. 43 No outro dia saiu Passeando Evangelista Encontrou-se na cidade Com um moço jornalista Perguntou se não havia Naquela praça um artista. 44 Respondeu o jornalista: - Tem o doutor Edmundo na rua dos Operários é engenheiro profundo para inventar maquinismo é ele o maior do mundo. 45 Evangelista entrou Na casa do engenheiro Falando em língua grega Negando ser estrangeiro Lhe propôs um bom negócio Lhe oferecendo dinheiro. 46 Assim disse Evangelista: - Meu engenheiro famoso primeiro vá me dizendo se não é homem medroso porque eu quero custar um negócio vantajoso. 47 Respondeu-lhe Edmundo - Na arte não tenho medo mas vejo que o amigo quer um negócio em segredo como precisa de mim conte-me lá o enredo. 48 - Eu amo a filha do conde a mais formosa mulher se o doutor inventar um aparelho qualquer que eu possa falar com ela pago o que o senhor quiser. 49 – Eu aceito o seu contrato mas preciso lhe avisar que eu vou trabalhar seis meses o senhor vai esperar é obra desconhecida que agora vou inventar. 50 – Quer o dinheiro adiantado? Eu pago neste momento – Não senhor, ainda é cedo quando terminar o invento é que eu digo o preço quanto custa o pagamento. 51 Enquanto Evangelista Impaciente esperava O engenheiro Edmundo Toda noite trabalhava Oculto em sua oficina E ninguém adivinhava. 52 O grande artista Edmundo Desenhou nova invenção Fazendo um aeroplano De pequena dimensão Fabricado de alumínio Com importante armação. 53 Movido a motor elétrico Depósito de gasolina Com locomoção macia Que não fazia buzina A obra mais importante Que fez em sua oficina. 54 Tinha cauda como leque As asas como pavão Pescoço, cabeça e bico Lavanca, chave e botão Voava igualmente ao vento Para qualquer direção. 55 Quando Edmundo findou Disse a Evangelista: — Sua obra está perfeita ficou com bonita vista o senhor tem que saber que Edmundo é artista. 56 — Eu fiz o aeroplano da forma de um pavão que arma e se desarma comprimindo em um botão e carrega doze arroba três léguas acima do chão. 57 Foram experimentar Se tinha jeito o pavão Abriram a lavanca e chave Encarcaram num botão O monstro girou suspenso Maneiro como balão. 58 O pavão de asas abertas Partiu com velocidade Coroando todo o espaço Muito acima da cidade Como era meia noite Voaram mesmo à vontade. 59 Então disse o engenheiro: — Já provei minha invenção fizemos a experiência tome conta do pavão agora o senhor me paga sem promover discussão. 60 Perguntou Evangelista: — Quanto custa o seu invento? — Dê me cem contos de réis acha caro o pagamento o rapaz lhe respondeu: Acho pouco dou duzentos. 61 Edmundo ainda deu-lhe Mais uma serra azougada Que serrava caibro e ripa E não fazia zuada Tinha os dentes igual navalha De lâmina bem afiada. 62 Então disse o jovem turco: — Muito obrigado fiquei do pavão e dos presentes para lutar me armei amanhã a meia-noite com Creuza conversarei. 63 À meia-noite o pavão Do muro se levantou Com as lâmpadas apagadas 214 Como uma flecha voou Bem no sobrado do conde Na cumeeira pousou. 64 Evangelista em silêncio Cinco telhas arredou Um buraco de dois palmos Caibros e ripas serrou E pendurado numa corda Por ela escorregou. 65 Chegou no quarto de Creuza Onde a donzela dormia Debaixo do cortinado Feito de seda amarela E ele para acordá-la Pôs a mão na testa dela. 66 A donzela estremeceu Acordou no mesmo instante E viu um rapaz estranho De rosto muito elegante Que sorria para ela Com um olhar fascinante. 67 Então Creuza deu um grito: — Papai um desconhecido entrou aqui no meu quarto sujeito muito atrevido venha depressa papai pode ser algum bandido. 68 O rapaz lhe disse: — Moça Entre nós não há perigo Estou pronto a defendê-la Como um verdadeiro amigo Venho é saber da senhora Se quer casar-se comigo. 69 De um lenço enigmático Que quando Creuza gritava Chamando o pai dela Então o moço passava Ele no nariz da moça Com isso ela desmaiava. 70 O jovem puxou o lenço Ao nariz da moça encostou Deu uma vertigem na moça De repente desmaiou E ele subiu na corda Chegando em cima tirou. 71 Ajeitou os caibros e ripas E consertou o telhado E montando em seu pavão Voou bastante vexado Foi esconder o aparelho Aonde foi fabricado. 72 O conde acordou aflito Quando ouviu essa zuada Entrou no quarto da filha Desembainhou a espada Encontrou-a sem sentido Dez minutos desmaiada. 73 Percorreu todos os cantos Com a espada na mão Berrando e soltando pragas Colérico como um leão Dizendo: — Aonde encontrá-lo Eu mato esse ladrão. 74 Creuza disse: — Meu pai Pois eu vi neste momento Um jovem rico e elegante Me falando em casamento Não vi quando ele encantou-se Porque me deu um passamento. 75 Disse o conde: — Nesse caso Tu já estás a sonhar Moça de dezoito anos Já pensando em se casar Se aparecer casamento Eu saberei desmanchar. 76 Evangelista voltou Às duas da madrugada Assentou seu pavão Sem que fizesse zuada Desceu pela mesma trilha Na corda dependurada. 77 E Creuza estava deitada Dormindo o sono inocente Seus cabelos como um véu Que enfeitava puramente Como um anjo de terreal Que tem lábios sorridentes. 78 O rapaz muito sutil Foi pegando na mão dela Então a moça assustou-se Ele garantiu a ela Que não eram malfazejos: — Não tenha medo donzela. 79 A moça interrogou-o Disse: — Quem é o senhor Diz ele: — Sou estrangeiro Lhe consagrei grande amor Se não fores minha esposa A vida não tem valor. 80 Mas Creuza achou impossível O moço entrar no sobrado Então perguntou a ele De que jeito tinha entrado E disse: — Vai me dizendo Se és vivo ou encantado. 81 Como eu lhe tenho amizade Me arrisco fora de hora Moça não me negue o sim A quem tanto lhe adora! Creuza aí gritou: — Papai Venha ver o homem agora. 82 Ele passou-lhe o lenço Ela caiu sem sentido Então subiu na corda Por onde tinha descido Chegou em cima e disse: — O conde será vencido. 83 Ouviu-se tocar a corneta E o brado da sentinela O conde se dirigiu Para o quarto da donzela Viu a filha desmaiada Não pode falar com ela. 84 Até que a moça tornou Disse o conde: — É um caso sér Sou um fidalgo tão rico Atentado em meu critério Mas nós vamos descobrir O autor do mistério. 85 — Minha filha, eu já pensei em um plano bem sagaz passa essa banha amarela na cabeça desse audaz só assim descobriremos esse anjo ou satanás. 86 — Só sendo uma visão que entra neste sobrado só chega à meia-noite entra e sai sem ser notado se é gente desse mundo usa feitiço encantado. 87 Evangelista também Desarmou seu pavão A cauda, a capota, o bico 215 Diminuiu a armação Escondeu o seu motor Em um pequeno caixão. 88 Depois de sessenta dias Alta noite em nevoeiro Evangelista chegou No seu pavão bem maneiro Desceu no quarto da moça A seu modo traiçoeiro. 89 Já era a terceira vez Que Evangelista entrava No quarto que a condessa À noite se agasalhava Pela força do amor O rapaz se arriscava. 90 Com um pouco a moça acordou Foi logo dizendo assim: — Tu tens dito que me amas com um bem-querer sem fim se me amas com respeito te senta juntos de mim. 91 Evangelista sentou-se Pôs-se a conversar com ela Trocando o riso esperava A resposta da donzela Ela pôs-lhe a mão na testa Passou a banha amarela. 92 Depois Creuza levantou-se Com vontade de gritar O rapaz tocou-lhe o lenço Sentiu ela desmaiar Deixou-a com uma síncope Tratou de se retirar. 93 E logo Evangelista Voando da cumeeira Foi esconder seu pavão Nas folhas de uma palmeira Disse: — Na quarta viagem Levo essa estrangeira. 94 Creuza então passou o resto Da noite mal sossegada Acordou pela manhã Meditava e cismada Se o pai não perguntasse Ela não dizia nada. 95 Disse o conde: — Minha filha Parece que estás doente? Sofreste algum acesso Porque teu olhar não mente O tal rapaz encantado Te apareceu certamente. 96 E Creuza disse: — Papai Eu cumpri o seu mandado O rapaz apareceu-me Mas achei-o delicado Passei-lhe a banha amarela E ele saiu marcado. 97 O conde disse aos soldados Que a cidade patrulhassem Tomassem os chapéus de Quem nas ruas encontrassem Um de cabelo amarelo Ou rico ou pobre pegassem. 98 Evangelista trajou-se Com roupa de alugado Encontrou-se com a patrulha O seu chapéu foi tirado Viram o cabelo amarelo Gritaram: — Esteja intimado! 99 Os soldados lhe disseram: — Cidadão não estremeça está preso a ordem do conde e é bom que não se cresça vai a presença do conde se é homem não esmoreça. 100 — Você hoje vai provar por sua vida responde como é que tem falado com a filha do nosso conde quando ela lhe procura onde é que se esconde. 101 Evangelista respondeu: — Também me faça um favor enquanto vou me vestir minha roupa superior na classe de homem rico ninguém pisa meu valor. 102 Disseram: — Pode mudar Sua roupa de nobreza A moça bem que dizia Que o rapaz tinha riqueza Vamos ganhar umas luvas E o conde uma surpresa. 103 Seguiu logo Evangelista Conversando com o guarda Até que se aproximaram Duma palmeira copada Então disse Evangelista: — Minha roupa está trepada. 104 E os soldados olharam Em cima tinha um caixão Mandaram ele subir E ficaram de prontidão Pegaram a conversar Prestando pouca atenção. 105 Evangelista subiu Pôs um dedo no botão Seu monstro de alumínio Ergueu logo a armação Dali foi se levantando Seguiu voando o pavão. 106 E os soldados gritaram: — Amigo, o senhor se desça deixe de tanta demora é bom que não aborreça senão com pouco uma bala visita sua cabeça. 107 Então mandaram subir Um soldado de coragem Disseram: — Pegue na perna Arraste com a folhagem Está passando na hora De voltarmos da viagem. 108 Quando o soldado subiu Gritou: — Perdemos a ação Fugiu o moço voando De longe vejo um pavão Zombou de nossa patrulha Aquele moço é o cão. 109 Voltaram e disseram ao conde Que o rapaz tinham encontrado Mas no olho de uma palmeira O moço tinha voado Disso o conde: — Pois é o cão Que com Creuza tem falado. 110 Creuza sabendo da história Chorava de arrependida Por ter marcado o rapaz Com banha desconhecida Disse: — Nunca mais terei Sossego na minha vida. 111 Disse Creuza: — Ora papai Me prive da liberdade Não consente que eu goze 216 A distração da cidade Vivo como criminosa Sem gozar a mocidade. 112 — Aqui não tenho direito de falar com um criado um rapaz para me ver precisa ser encantado mas talvez ainda eu fuja deste maldito sobrado. 113 — O rapaz que me amou só queria vê-lo agora para cair nos seus pés como uma infeliz que chora embora que eu depois morresse na mesma hora. 114 — Eu sei que para ele não mereço confiança quando ele vinha aqui ainda eu tinha esperança de sair desta prisão onde estou desde de criança. 115 Às quatro da madrugada Evangelista desceu Creuza estava acordada Nunca mais adormeceu A moça estava chorando O rapaz lhe apareceu. 116 O jovem cumprimentou-a Deu-lhe um aperto de mão A condessa ajoelhou-se Para pedir-lhe perdão Dizendo: — Meu pai mandou Eu fazer-te uma traição. 117 O rapaz disse: — Menina A mim não fizeste mal Toda a moça é inocente Tem seu papel virginal Cerimônia de donzela É uma coisa natural. 118 — Todo o seu sonho dourado é fazer-te minha senhora se quiseres casar comigo te arrumas e vamos embora senão o dia amanhece e se perde a nossa hora. 119 — Se o senhor é homem sério e comigo quer casar pois tome conta de mim aqui não quero ficar se eu falar em casamento meu pai manda me matar. 120 — Que importa que ele mande tropas e navios pelos mares minha viagem é aérea meu cavalo anda nos ares nós vamos sair daqui casar em outros lugares. 121 Creuza estava empacotando O vestido mais elegante O conde entrou no quarto E dando um berro vibrante Gritando: — Filha maldita Vais morrer com o seu amante. 122 O conde rangendo os dentes Avançou com passo extenso Deu um pontapé na filha Dizendo: — Eu sou quem venço Logo no nariz do conde O rapaz passou o lenço. 123 Ouviu-se o baque do conde Porque rolou desmaiado A última cena do lenço Deixou-o magnetizado Disse o moço: -Tem dez minutos Para sairmos do sobrado. 124 Creuza disse: — Eu estou pronta Já podemos ir embora E subiram pela corda Até que saíram fora Se aproximava a alvorada Pela cortina da aurora. 125 Com pouco o conde acordou Viu a corda pendurada Na coberta do sobrado Distinguiu uma zuada E as lâmpadas do aparelho Mostrando luz variada. 126 E a gaita do pavão Tocando uma rouca voz O monstro de olho de fogo Projetando os seus faróis O conde mandando pragas Disse a moça: — É contra nós. 127 Os soldados da patrulha Estavam de prontidão Um disse: — Vem ver fulano Aí vai passando um pavão O monstro fez uma curva Para tomar direção. 128 Então dizia um soldado — Orgulho é uma ilusão um pai governa uma filha mas não manda no coração pois agora a condessinha vai fugindo no pavão. 129 O conde olhou para a corda E o buraco do telhado Como tinha sido vencido Pelo rapaz atilado Adoeceu só de raiva Morreu por não ser vingado. 130 Logo que Evangelista Foi chegando na Turquia Com a condessa da Grécia Fidalga da monarquia Em casa do seu irmão Casaram no mesmo dia. 131 Em casa de João Batista Deu-se grande ajuntamento Dando vivas ao noivado Parabéns ao casamento À noite teve retreta Com visita e cumprimento. 132 Enquanto Evangelista Gozava imensa alegria Chegava um telegrama Da Grécia para Turquia Chamando a condessa urgente Pelo motivo que havia. 133 Dizia o telegrama: "Creuza vem com o teu marido receber a tua herança o conde é falecido tua mãe deseja ver o genro desconhecido." 134 A condessa estava lendo Com o telegrama na mão Entregou a Evangielista Que mostrou ao seu irmão Dizendo: — Vamos voltar Por uma justa razão. 135 De manhã quando os noivos Acabaram de almoçar E Creuza em traje de noiva 217 Pronta para viajar De palma, véu e capela Pois só vieram casar. 136 Diziam os convidados: — A condessa é tão mocinha e vestida de noiva torna-se mais bonitinha está com um buquê de flor séria como uma rainha. 137 Os noivos tomaram assento No pavão de alumínio E o monstro se levantou-se Foi ficando pequenino Continuou o seu vôo Ao rumo do seu destino. 138 Na cidade de Atenas Estava a população Esperando pela volta Do aeroplano pavão Ou o cavalo do espaço Que imita um avião. 139 Na tarde do mesmo dia Que o pavão foi chegado Em casa de Edmundo Ficou o noivo hospedado Seu amigo de confiança Que foi bem recompensado. 140 E também a mãe de Creuza Já esperava vexada A filha mais tarde entrou Muito bem acompanhada De braço com o seu noivo Disse: — Mamãe estou casada. 141 Disse a velha: — Minha filha Saíste do cativeiro Fizeste bem em fugir E casar no estrangeiro Tomem conta da herança Meu genro é meu herdeiro. Disponível em: Acesso em: 10/04/2015. Romance do Pavão Misterioso, de José Camelo de Melo Rezende A obra Romance do Pavão Misterioso é o maior clássico do cordel. Folheto mais vendido em todos os tempos, foi escrito por José Camelo de Melo Rezende no final dos anos 20. João Melquíades Ferreira da Silva tomou posse da história e a publicou como se fosse dele, antes de Rezende. A palavra "romance" no título garante tratar-se de uma narrativa feita nos moldes tradicionais: tem 32 páginas, em versos de sete sílabas ou redondilhas maiores, e sua matéria diz respeito a uma aventura de amor e de heroísmo. O enredo do Romance do Pavão Misterioso é a aventura de um rapaz, chamado Evangelista, que ao contemplar a beleza de Creuza, donzela conservada prisioneira pelo conde (seu pai), sente-se invadido por um forte desejo: tirar a moça do sobrado do conde e tomá-la como mulher. Evangelista foge com Creuza, ajudado por um pavão mecânico. O fato de ser mantida reclusa no sobrado, em cuja janela só aparece uma vez por ano, corresponde a um malefício imposto à donzela. A Evangelista cabe salvar a vítima da prisão, reinstaurando a ordem. A beleza proibida da donzela desperta em Evangelista a vontade de possuí- la; a moça passa a objeto do desejo do rapaz, cujas ações visam à satisfação da 218 carência gerada pelo desejo. O sucesso da demanda empreendida pelo apaixonado restabelece o equilíbrio quebrado pela vontade de posse do objeto. Logo, a libertação da donzela tanto significa a reparação de um malefício (reclusão) como a eliminação de uma carência (desejo amoroso), a vitória cabendo ao herói. Sendo esses elementos a espinha dorsal da história, pode-se considerá-la como um conto maravilhoso. Como em muitas narrativas populares, no folheto Romance do Pavão Misterioso, o herói vem de um país estrangeiro e sua história transcorre também numa região longínqua daquela do leitor ou ouvinte. O Evangelista do cordel vem da Turquia e sua aventura tem a Grécia como palco. A construção do espaço decorre de dados culturais e contribui para conferir à personagem das histórias populares um caráter mágico. Vivendo em paragens remotas ou simplesmente desconhecidas do apreciador da história, ou ainda povoadas de perigos e ameaças, o herói reveste-se de uma natureza próxima daquela das criaturas míticas, habitantes de um espaço e de um tempo distantes. Alguns heróis populares pertencem a camadas sociais elevadas ou adquirem riqueza e poder no decorrer da história; com esses traços diferenciam-se do cotidiano do homem comum que lhes presta admiração. Assim, o Evangelista do Romance do Pavão Misterioso é um rico herdeiro de "um viúvo capitalista". Nesta obra encontramos nítidas influências das célebres "Mil e Uma Noites". Simbologia Qualificado como misterioso, o pavão é uma figura de significados mágicos. Sua presença na titulação não só registra sua participação na aventura, mas adverte quanto aos sentidos míticos do que se narra. O pavão insere-se numa complexa simbologia. Signo solar, do fogo, da beleza, do poder de transmutação, pela vistosidade de sua plumagem, é também conhecido, mitologicamente, como destruidor de serpentes (seres da obscuridade). Símbolo da paz, da prosperidade, da fertilização, sua morte tem o poder de trazer a chuva. Aparece como montaria em algumas mitologias e na tradição cristã é sinal de imortalidade. Como representação da dualidade psíquica do homem, o pavão conota as forças positivas, por todos os conteúdos que lhe são atribuídos. Fonte: Passeiweb Acesso em: 10/04/2015 219 ANEXO C – A ORIGEM DO CORDEL - 5ª ETAPA MÓDULO DE LEITURA No Brasil, o cordel surgiu na metade do século XIX e expandiu-se da Bahia ao Pará, antes de alcançar outros estados. Os folhetos, vendidos nas feiras, tornaram- se a principal fonte de divertimento e informação para a população, que via neles o jornal e a enciclopédia, de maneira quase simultânea. Os temas eram os mais variados: as aventuras de cavalaria, as narrativas de amor e sofrimento, as historias de animais, as peripécias e diabruras de heróis, nos contos maravilhosos e uma infinidade de outros, que nos chegaram pela literatura oral da Península Ibérica e que a memória popular encarregou-se de preservar e transmitir. Além disso, o poeta nordestino foi incorporando a esse romanceiro, fatos mais próximos do público, ocorridos em seu ambiente social: façanhas de cangaceiros, acontecimentos políticos, catástrofes, milagres e até mesmo a propaganda, com fins religiosos e comerciais. O cordel é valorizado como expressão poética de alta significação por escritores do porte de Ariano Suassuna, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto entre outros, motivando (e continua a motivar) estudos e pesquisas nas áreas de antropologia, folclore, linguística, literatura, história e outras. O cordel teve suas primeiras edições nas primeiras prensas nordestinas, no Recife, na virada do século XIX para o XX, com o pioneirismo do poeta Leandro Gomes de Barros. Com o ritmo cadenciado, com um aspecto lúdico, os folhetos de cordel aproximaram pessoas que queriam ouvir histórias e foram a escola de alfabetização para a população do sertão nordestino. Fonte: 220 ANEXO D – 1º CORDEL UTILIZADO NA 5ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA Imagem: O Nascimento de Jesus - Euriano Sales 1 Dos doze meses do ano O de dezembro é o mais bonito Todo mundo prega a paz Confraternizam em nome de Cristo Mas ai daquele que não der um presente Pode gerar até um conflito 2 É verdade, é assim que acontece E por favor não me interprete mal Pois esse mês tão lindo que eu disse Também é o mês mais comercial Nascimento de quem? Jesus? Eu quero é meu presente de natal 3 Ninguém lembra do começo de tudo Mas pode deixar, vou refrescar sua memória Há muito tempo, lá em Belém Deu início a essa bela história Do verdadeiro dono da festa Digno de toda honra e glória 4 Houve um período na história Que Deus se calou pro seu povo Foram cerca de 400 anos Até surgir um profeta novo O nome dele seria João Responsável por esse renovo 5 Zacarias era um homem bem velho E Isabel também bem veinha Ter um minino nessa altura do campeonato Só podia ser piada de vizinha Mas como Deus não é homi de piada Fez nascer justo de onde não vinha 6 Gabriel, o arcanjo do Senhor Disse a Zacarias que ele ia se papai O homi se espantou com aquilo E achou que não, jamais Gabriel olhou e disse pra ele: Tu pensa que eu sou anjo paraguai? 221 7 Eu sou é servo de Deus Que mandou esse recado trazer Mas como você tá duvidando Se prepare pro que eu vou fazer Vai ficar sem falar uma ruma de dia Até o minino nascer 8 E assim foi o acontecido Isabel, bem veinha, embuchou Zacarias continuava mudo Mesmo assim a Deus adorou A mulher já tava com seis meses Quando o anjo do céu retornou 9 Mas dessa vez bateu noutra porta Na de Maria, prima de Isabel Ela era uma moça bem jovem Abençoada por Deus, mulher fiel Ele disse que ela ia ter um minino Jesus, o nazareno, o Emanuel 10 Por ser virgem ela achou impossível Mas não quis do senhor duvidar Já José, seu noivo na época O casamento ele quis cancelar Mas o anjo explicou tudinho E o homi se apressou pra casar 11 Deus quando fala, fala é direito E toda promessa Dele é confirmada Esse negócio que o Senhor mandou dizer Sem confirmação é tudo furada Tu acredita que Deus confirmou ainda mais A promessa que já foi aprovada? 12 Maria foi visitar Isabel E na chegada a cumprimentou Isabel quando viu Maria O minino no bucho balançou Sabia nem que a outra tava gravida e disse: Acredite Maria, no que anjo Falou. 13 Isabel teve o minino E o povo doido pra saber o nome Disseram pra por Zacarias Filho Ela disse que era João e Batista o sobrenome Eles insistiram em chamar Zacarias E o pai sem falar, escreveu sem cognome 14 Cognome é mesmo que apelido Ele escreveu bem direitim o nome de João Poderia ter escrito Joazim Mas o anjo não tava de brincadeira não Zacarias voltou a falar E essa história correu a região 15 Naquela época também tinha IBGE Que contava o tamanho da população Mas se eu sou do Ceará e morava em Alagoas A contagem não valia não Tinha que voltar pra minha terrinha E se apresentar ao escrivão 16 Foi numa dessa que nasceu Jesus. José e Maria moravam em Nazaré Foram a Belém pra tal contagem 150 quilômetros de viajem a pé O jumentinho era só pra Maria Coitado dos pés de José 17 A cidade tava lotada Não tinha vaga em nenhum pensão O minino se aprontou pra nascer Maria já tava com um barrigão Correram pra uma estrebaria E cadê ter médico de plantão? 18 Jesus nasceu ali mesmo Simples como devemos ser Não teve médico, nem enfermeira Mas Deus assim quis fazer Pra servir de lição pra muitos Que querem tanto aparecer 19 Deus se encarregou da Festa Teve até chá de bebê Fez nascer no céu uma estrela Para que todos pudessem ver Que ali nasceu o minino Que por nós irá vencer 20 Três pastores ao ver a estrela Se perguntavam o que era aquilo O Anjo de Deus foi até eles E disse: Rapaz, fique tranquilo 222 Nasceu o Rei de vocês Vão lá visitar o pupilo 21 Os homens pensaram em palácio E foram até o Rei Herodes O perguntaram pelo rei que nasceu - Que rei? Se eu sou o lorde? O cabra ficou injuriado E Chamou o sacerdote 22 Me diga onde vai nascer o Messias Fale logo que eu tô aperriado Responderam que era em Belém O cabra ficou agoniado Chamou os pastores pra conversa E mentiu bem descarado 23 Vão até lá e achem o minino Depois voltem pra cá Quero que me digam direitinho Onde o Rei pode estar Pois também quero ir Me prostrar e adorar 24 Os pastores saíram dali Acreditando que era verdade O anjo de Deus os guiou Há uma certa maternidade Onde nasciam cavalos e bois Dos homens daquela cidade 25 Belchior, Gaspar e Baltazar Eram os nomes daqueles senhores Quando viram o minino ali Sem luxo, riqueza e valores Sentiram a presença de Deus E choraram aqueles pastores 26 O chá de bebê de Jesus Aconteceu naquele momento Ao invés de fralda tinha ouro De chupeta tinha incenso Foi dado até um pote de mirra Como forma de agradecimento 27 Deus disse pra eles em sonho Pra mudarem o caminho da volta Pois Herodes estavam esperando Armado com sua escolta A fim de pegar o minino E fazer uma reviralvolta 28 Deus disse também a José pro Egito ele fugir Pois o rei ia matar O bebê nascido ali Jesus o nazareno Descendente de Davi 29 Do Egito eles foram Conforme disse a profecia Para a terra de Nazaré Onde ele cresceria Foi batizado por João O filho de Zacaria. 30 Essa sim é a história Que todos devemos lembrar Que eu saiba Jesus não era gordo E de trenó não costuma andar E foi dele o maior presente A salvação que vamos herdar Fonte: Acessado em: 10 de abril de 2015 223 ANEXO E – 2º CORDEL UTILIZADO NA 5ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA A Moça que Dançou Depois de Morta – José Francisco Borges Imagem: < https://www.google.com.br/search?q=a+moça+que+dançou+depois+de+morta> 1 Leitores o nosso mundo está muito desmantelado aumentou a violência é morte pra todo lado daqui pra dois mil e dez temos que andar com muito cuidado 2 Deve dar graças a Deus quem está vivo hoje em dia com assalto e malandragem vingança, ódio e orgia e o povo dando valor a palavrão e bruxaria 3 As mocinhas de hoje em dia vivem dentro da algazarra andam quase todas nuas só pensam em rock e farra sai de casa as 7 horas só volta ao quebrar da barra 4 E se os pais reclamarem elas dizem um palavrão não vão a missa nem rezam também não fazem oração só namoram cabeludo quem vive com um violão 5 Por isto conto uma história que aconteceu outro dia com uma moça farrista de estado da Bahia que era muito vaidosa e pensava que não morria 6 Não gostava de Igreja nunca falou em casar só vivia pelos bailes toda noite ia dançar fumando erva e bebendo todo dia sem parar 7 Era querida de todos por ser nova e muito bela mas a droga e a bebida ofenderam muito a ela nunca tomou um conselho nem do pai nem da mãe dela 8 E assim foi afracando e baixou ao hospital seu pai gastou o que tinha para curar o seu mal mas o médico não deu jeito a trombose cerebral 9 Até que um certo dia esta moça faleceu sua mãe muito chorou pela filha que perdeu e os vizinhos lamentando pelo que aconteceu 10 A sua mãe lamentava cheia de dor e saudade perdi minha filhinha no vigor da mocidade Deus que tome conta dela na santa eternidade 11 Ampliou seu retrato 224 e na parede botou lamentava a grande perda da filha que não tomou conselho de pai e mãe e tão nova se acabou 12 E com 3 a 4 meses num dia de carnaval os jovens se preparavam com um traje colossal para brincar na folia do clube municipal 13 Um filho dum fazendeiro trajou-se muito decente parou o seu carro Monza no meio de muita gente e entrando no baile viu moça linda e atraente 14 Ele comprou uma mesa e chamou-a pra beber ela fez um ar de riso ele cheio de prazer lhe disse diga o que quer para se satisfazer 15 Ela manteve-se calada ele aproximou-se dela e disse: eu nunca vi uma moça assim tão bela vou fazer o impossível para poder conquistar ela 16 Tomaram umas cervejas nisso o baile começou e ele nesse momento a mocinha convidou para dançar uma parte e ela alegre aceitou 17 Às 8 horas da noite saíram logo dançando ele muito apaixonado foi logo a moça beijando e ela tudo aceitava e o tempo foi se passando 18 Beijo vai beijo vem abraços e umbigadas a noite se passou logo e pelas 3 da madrugada ela disse pra ele que estava incomodada 19 E como morava longe já queria ir embora que tinha hora marcada não podia ter demora disse ele: levo você antes de passar da hora 20 Botou ela no seu carro e saiu bem satisfeito entraram pela avenida passaram num beco estreito mais na frente numa rua parou do lado direito 21 Disse ela: eu fico aqui que é a casa de meus pais e você pode ir embora que está tarde demais de uma noite desta eu não esqueço jamais 22 Ele anotou o número da casa que ela entrou no momento beijou ela ela também o beijou como estava fazendo frio com sua capa ficou 23 E ela ainda ficou com um rádio e um isqueiro e ele foi se embora muito alegre e prazenteiro e disse: amanhã eu venho ver meu amor verdadeiro 24 Quando ele chegou em casa a barra vinha quebrando ele deitou-se e dormiu e ali foi logo sonhando que estava numa dança com uma moça dançando 25 E a moça era bonita 225 linda, atraente e cheirosa a cintura de pilão o rosto fito uma rosa e de momento virava uma caveira horrorosa 26 No sonho ele dizia: meu Deus aonde estou? a caveira gargalhando lhe beijou lhe apertou e lhe disse: eu já sou morta e o véio agora dançou 27 E ele botava força pra ela se desligar disse: ela mato o véio mas eu não vou te soltar os apertos que me deste agora vais me pagar 28 Nisso ele se acordou já era 9 do dia ele nem ligou pro sonho e disse em casa que ia visitar a namorada a onde ela residia 29 Chegando la parou o carro e bem forte bateu palma foi saindo uma senhora disse: moço tenha calma ele dise cadê Corina? disse ela: só tem a alma 30 Ele respondeu sorrindo senhora alma que nada pois eu dancei com Corina até alta madrugada deixei com ela objetos e minha capa emprestada 31 Disse a mulher chorando a minha filha Corina a muito tempo que é morta pela sorte ou pela sina e a dor que sinto por ela o senhor não imagina 32 Disse ela tenho um retrato de Corina ainda nova o rapaz reconheceu e disse: a foto me prova e se é que ela morreu eu quero ver sua cova 33 Disse a mulher ao moço isso só sendo um mistério eu vou levar o senhor agora no cemitério e provar que minha filha vive no campo funerário 34 E saiu com o rapaz na catacumba chegou o isqueiro o rádio e a capa ele logo avistou ficou pasmado sem fala e pra falar demorou 35 Quando falo foi dizendo eu dancei muito com ela e depois eu fui leva-la a casa foi mesmo aquela e a prova é meus objetos aqui na catacumba dela 36 Nisso rezaram pai nosso e muitas Ave Maria ofereceram a alma dela pelo que ela fazia ele jurou não dançar mais nem de noite nem de dia 37 O rapaz ficou tristonho e isso nunca esqueceu e o povo todo falando do caso que aconteceu e a moça desde desse dia nunca mais apareceu 38 Este caso foi verídico e agora a pouco passado eu escrevi ele em verso contando o resultado um exemplo como esse não deixa de ter se dado. Texto disponível em: (Acessado em: 15 de abril de 2015) 226 ANEXO F – REPENTE... O CORDEL MUSICADO – 5ª ETAPA MÓDULO DE LEITURA Repente No Brasil, a tradição medieval ibérica dos trovadores deu origem aos cantadores – ou seja, poetas populares que vão de região em região, com a viola nas costas, para cantar os seus versos. Eles apareceram nas formas da trova gaúcha, do calango (Minas Gerais), do cururu (São Paulo), do samba de roda (Rio de Janeiro) e do repente nordestino. Ao contrário dos outros, este último se caracteriza pelo improviso – os cantadores fazem os versos "de repente", em um desafio com outro cantador. Não importa a beleza da voz ou a afinação – o que vale é o ritmo e a agilidade mental que permita encurralar o oponente apenas com a força do discurso. A métrica do repente varia, bem como a organização dos versos: temos a sextilha (estrofes de seis versos, em que o primeiro rima com o terceiro e o quinto, o segundo rima com o quarto e o sexto), a septilha (sete versos, em que o primeiro e o terceiro são livres, o segundo rima com o quarto e o sétimo e o quinto rima com o sexto) e variações mais complexas como o martelo, o martelo alagoano, o galope beira-mar e tantas outras. O instrumental desses improvisos cantados também varia: daí que o gênero pode ser subdividido em embolada (na qual o cantador toca pandeiro ou ganzá), o aboio (apenas com a voz) e a cantoria de viola. Cordéis musicados O repente se insere na tradição literária nordestina do cordel, de histórias contadas em caudalosos versos e publicadas em pequenos folhetos, que são vendidos nas feiras por seus próprios autores. Uma tradição que, por sinal, inspirou clássicos da literatura brasileira, como o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, e Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. O repente foi para o Sudeste em meados do século XX, junto com a migração de nordestinos para os grandes capitais. Chegou a São Paulo em 1946 com o alagoano Guriatã de Coqueiro (Augusto Pereira da Silva) e, no Rio, instalou-se na Feira de São Cristóvão. O gênero se imiscuiu na MPB, sendo usado em trabalhos de artistas tão diversos quanto o cantador Elomar, o roqueiro Raul Seixas e o cantor paraibano Zé Ramalho. Subterraneamente, o repente tradicional, de violeiros-cantadores em duelo, sobreviveu graças a nomes como Oliveira das Panelas (vencedor, em 1997, do 1º Campeonato Brasileiro de Poetas Repentistas), Mocinha da Passira, Valdir Teles, Lourinaldo Vitorino, Sebastião da Silva, Azulão, Miguel Bezerra, Otacílio Batista, Ivanildo Vila Nova, Zé Cândido, Ismael Pereira e Natan Soares. Apontado por alguns como inspirador do rap (rhythm'n'poetry – ritmo e poesia) americano (que nasceu do improviso falado sobre bases musicais alheias), o repente encontrou seus pontos em comum com o gênero importado nos anos 90, em músicas dos grupos recifenses Faces do Subúrbio e Sistema X. Músicas As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor – Raul Seixas Mulher Nova, Bonita e Carinhosa Faz o Homem Gemer Sem Sentir Dor (Otacílio Batista e Zé Ramalho) - Amelinha Pau de Arara (Carlos Lyra/ Vinicius de Moraes) - Ary Toledo Você Só Canta Saudade, Seca, Tristeza e Sertão (mote decassílabo) – Ismael Pereira e Valdir Teles Os Grandes Compositores (mote agalopado) – Sebastião da Silva e Oliveira das Panelas Meia Quadra – Severino Pinto e Lourival Batista Galope à Beira-Mar - Otacílio Batista e Diniz Vitorino Martelo Alagoano (Zé Limeira) – Zé Ramalho Nas Portas dos Cabarés (Antônio Lídio Faustino) – Cego Oliveira ...E Você? – Gabriel o Pensador Silvio Essinger Disponível em: Acessado em: 11 de abril de 2015. 227 ANEXO G – NO RITMO DE CASTANHA E CAJU – 5ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA No Rap Ou No Repente - Caju & Castanha Imagem: Acesso em 14/04/2015 É no rap ou no repente, é na batida do pandeiro, sou poeta brasileiro, e a minha vida é cantar. E na poesia que eu faço, eu nasci para improvisar. (bis) Venha do jeito que queira, seja do jeito que for, eu também tenho meu valor, os meus versos são ligeiros. E na levada do pandeiro, Eu nasci para improvisar. (bis) Paparaparapapa, tararaturututu, tapioca contra caju, manga, abacaju e caja. E no swing do pandeiro, eu nasci para improvisar. (bis) Sou repente, sou tumada, minha rima tem história, cantador comigo chora quando eu começo a cantar. E na pancada do pandeiro, eu nasci para improvisar. (bis) Rap: Fala cantador, canta cantador, entre pra essa rima que tua história tem valor. Quando você canta, encanta a multidão, na escola da vida vai cantando esse refrão. Eu sou o castanha, você pode acreditar, no décimo repente eu também sei improvisar. Eu sou o caju, faço filinha de fé, dança a mão no rádio como são todo repente. Disponível em: 228 ANEXO H – CORDEL PARA LEITURA COMPARTILHADA – 6ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA A inveja de Satanás da Festa Potiguar de Chico Traíra no Céu Aos leitores, Escrever um Cordel com uma temática tão instigante foi um verdadeiro desafio. O desejo de homenagear ―irmãos potiguares‖ já falecidos nasceu da ideia de saber que muita gente não conhece a história daqueles que se destacaram no Rio Grande do Norte. Poderia ter me detido apenas a três ou quatro figuras mais conhecidas nacionalmente, mas, de repente, numa breve pesquisa na internet, acabei descobrindo nomes de pessoas que nasceram nas terras potiguares e deixaram, de certa forma, algum legado. Certamente, muita gente ficou de fora, mas tentei enquadrar nas rimas figuras dos diversos setores: Câmara Cascudo, historiador e folclorista; Chico Traíra e Zé Saldanha, cordelistas; Celina Guimarães Viana, primeira mulher a votar no Brasil; Augusto Severo, precursor da aviação; Nísia Floresta, símbolo do feminismo potiguar; Ademilde Fonseca e Núbia Lafaiete, cantoras do rádio; Café Filho, ex-presidente da República; Ferreira Itajubá, poeta antes de mais nada; Dom Eugênio Sales, religioso, criador da Campanha da Fraternidade, falecido recentemente(em 2012); Auta de Sousa, a maior poetisa que o Rio Grande do Norte já teve, Felipe Camarão e Clara Camarão, os dois índios da Nação Potiguar. Por causa desses últimos é que os que nascem no RN são chamados de ―potiguares‖, e isso eleva o patriotismo dos que nas mesmas terras deles nasceram. A ideia da organização de uma festa no céu para um encontro no qual se irmana a cultura de um povo, que muitas vezes não reconhece em vida a importância de pessoas que deixaram sua marca na história, foi preparada para o mês de agosto, mês em que o Folclore do Brasil tem sua data comemorativa. Principalmente no Nordeste, celebram-se as tradições dessa cultura: mitos, lendas, danças, folguedos, crenças... A referência, no texto, ao Boitatá – cobra de fogo do folclore brasileiro – e ao Caipora – entidade do tupi-guarani, defensor dos animais da floresta – é uma homenagem a essa cultura que resiste às intempéries do tempo tecnológico. Por fim, o humor que crio através do confronto entre as relações do Céu - na figura de São Pedro e pelo local da festança ser o Salão de Festas do Céu – e do inferno – na figura de Satanás e de seu assecla Ferrabrás – tenta remetê-los à ―carnavalização‖ que o texto do Cordel deve ter – originando-se no imaginário popular. Espero, portanto, fazê-los sentir prazer em ler a minha obra, viajando um pouco pela história e, ao mesmo tempo, pelo ficcional. Ladmires Carvalho Sobre Chico Traíra Francisco Agripino de Alcaniz é o nome de registro de Chico Traira, um dos maiores poetas cordelistas que o Nordeste já teve. Alguns acham que ele, Traira, é natural do Assu, onde viveu parte da sua juventude e os finais de sua vida. Porém nasceu no sítio Pau de Jucá, povoado de Sacramento, hoje município de Ipanguaçu (RN). O Nordeste, a exemplo do poeta matuto Renato Caldas e de tantos outros, conheceu de ponta a ponta "nas suas intermináveis andanças", apresentando as suas cantorias, acompanhado da sua inseparável viola que um dia, teve que vendê-la por necessidade. Chico Traíra dá nome a um Prêmio concedido pela Secretaria de Cultura do Estado de Rio Grande do Norte de Editoração de Folhetos de Cordel, concedendo ao autor 600 exemplares, 100 ao xilogravurista e 300 à Fundação José Augusto que divulga a literatura e as artes em geral no RN. 229 A inveja de Satanás da Festa Potiguar de Chico Traíra no Céu Ladmires Luiz Gomes de Carvalho Imagem: arquivo pessoal I Caros leitores, eu vou Tirar agora o chapéu; Contar sobre uma festa Acontecida no céu; Festa em que Chico Traíra Fez um bonito papel. II Chico falou com São Pedro Que com Jesus foi tratar, Pedindo o salão de festas Para o povo festejar, Mas Cristo quis uma lista De quem ia lá estar. III Mestre Traíra, na hora, Uma lista apresentou. - É uma festa potiguar? – São Pedro lhe perguntou. - Aqui eu só vejo nome Do estado do Senhor. IV - É sim, São Pedro, meu velho! – Traíra lhe respondeu – - A festa homenageia Aos irmãos do torrão meu, Gente que lá no RN Já teve seu apogeu. V - Convidei Auta de Souza Que fará declamação; Também, Augusto Severo Precursor da aviação; E vem até Café Filho Que presidiu a nação. VI - Nísia Floresta fará Um discurso feminista; E lá pro final da noite, Nosso maior folclorista Que foi Câmara Cascudo, Dará uma de cronista. VII - A temática da festa É ―Agosto da Alegria‖; Vai começar ―de noitinha‖ Terminando no outro dia; E os quitutes vão ser todos Lá da sua padaria. VIII Ouvindo isso, São Pedro Foi pulando de alegria. Disse a Chico: - Se é assim, Pode até ter cantoria, E chame todos os santos Que puder vir nesse dia. 230 IX - Também convidei dois índios, São Pedro, preste atenção. Falo de Felipe e Clara, Sobrenome Camarão, Que fizeram do RN Uma potiguar nação. X São Pedro cortou de novo Foi logo dizendo assim: - Se vem índio pra essa festa, Não pode faltar Kauim, Beiju, grude e tapioca De farinha de aipim. XI - Um angu de mandioca Eu também vou preparar, Pamonha, canjica e milho, Um tacho de Mungunzá, E vou servir espetinho De costela de preá. XII - Mas, Traíra, quem vem mais? Me diga, deixe de manha! - Vem Ferreira Itajubá E compadre Zé Saldanha; Também Celina Viana Que no voto fez façanha. XIII - Vem Ademilde Fonseca ―Tico-Tico‖ interpretar; Também Núbia Lafaiete Eu fiz questão de chamar Para cantar ―Devolvi‖ E a saudade acalentar. XIV - Por fim, Dom Eugênio Sales, Esse eu convidei também, Pois ele chegou há pouco E essa festa lhe cai bem Para rever os amigos Que estão cá no Além. XV Terminada a leitura São Pedro logo emendou: - Vou caprichar nos quitutes Para a festa do senhor. Chico aceitou a ideia, Jesus a lista aprovou. XVI A festa, então, foi marcada Pra vinte e dois de agosto, Pois é justo nesse dia Que o Folclore tem seu posto. No Brasil, essa cultura É festejada com gosto. XVII Traíra contratou santo Para varrer o salão; Santa Isabel e Inez Decoraram com balão; E o vinho veio do bar Padre Cícero Romão. XVIII A notícia correu logo No céu todo, se espalhou; Foi parar no purgatório No inferno até chegou; Satanás ficou sabendo De inveja espumou. XIX A raiva quase queimou Os chifres de Satanás. Ele deu uma cuspida Num cão chamado Tomaz, Gritando com o coitado - Chame logo Ferrabrás. XX O capitão do inferno De pronto logo chegou: - Qual é a bronca, Satã? Às suas ordens estou! - Quero acabar com a festa Que Traíra planejou. 231 XXI Satanás a Ferrabrás Explicou toda a questão: - Vá e bagunce a festa, Leve foice e facão, Espalhe toda a comida, Derrame o vinho no chão. XXII - Para entrar na tal festa Use um disfarce meu; Engane os seguranças Como faz um fariseu; Acabe com a festança Com a fúria de um ateu. XXIII No dia, então, marcado Caro leitor, vou dizer, Chico ia recebendo Os convivas com prazer; Era tanta a alegria O céu chegava a tremer. XXIV Cascudo fazia discurso Historiava a cultura; Zé Saldanha versejava; Auta era a própria candura; Augusto, Nísia e Café Falavam em literatura. XXV Os índios Clara e Felipe Apresentaram uma dança; Ferreira disse a Celina: - Deve ser a Pajelança! E os santos se divertindo Sorrindo como criança. XXVI Ademilde no chorinho, Cantava ―Brasileirinho‖; Depois Núbia Lafaiete Soltou a voz com carinho; Dom Eugênio entre os santos Tomava um copo de vinho. Fonte: arquivo pessoal XXVII De repente, Ferrabrás No salão apareceu: - Eu vim acabar com a Festa Corra quem não for sandeu. Estou cumprindo uma ordem Que foi Satanás quem deu. XXVIII Chico igual Caipora Gritou logo: - Alto lá! Essa festa é do RN E da cultura popular! Você vai sair agora Senão chamo o Boitatá! XXIX Ferrabrás ouvindo aquilo Quase se pela de medo, Pois com o bote da tal cobra Não sobraria nem dedo; Por certo ele pensou que Potiguar fosse brinquedo. XXX Saiu, então, na carreira, Só no Inferno parou. Satanás deu-lhe uma surra, De cargo lhe rebaixou; Com a raiva que sentiu, O inferno incendiou. XXXI No Céu, a festa voltou Animada pra chuchu; Os norte-rio-grandenses Pulavam feito peru; Terminaram todos juntos Comendo o tacho de angu. XXXII Assim termino, leitor Espero outra contar. Essa história eu criei, Mas não é bom duvidar Que todo dia no Céu Tem uma festa potiguar. 232 ANEXO I – TEXTO PARA A ATIVIDADE MONTAGEM DO CORDEL – 6ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA Cordel: O peso da minha cruz - José Acaci Endereço da imagem: Acessada em: 15 de abril de 2015 1 Desde que eu era menino Já gostava de arengar. Se acaso visse um sujeito Querendo me encarar, Eu já partia pra cima E chamava pra brigar 2 E se ele esperneasse, Eu passava uma rasteira, Apagava o candeeiro, Puxava a faca peixeira, Que todo mundo que via Debandava na carreira. 3 Fui criado num abrigo, Desde que eu era inocente. E essa necessidade De mostrar que era valente, Era só pra esconder O quanto eu era carente. 4 Eu nunca vi minha mãe. Vivi toda minha vida Procurando uma notícia Que curasse essa ferida Que doía no meu peito, Numa vontade contida. 5 Cada momento da vida Vivi a imaginar Minha mãe como uma santa Reluzindo no altar E, por não ter seu carinho, Vivia triste a chorar. 6 Nunca vi os olhos dela. É essa a verdade crua. Nunca senti seu abraço, Nem ouvi palavra sua. Fui criado pelo mundo Perambulando na rua. 7 Num dia de sexta-feira, Eu vinha na minha luta Quando um sujeito me olhou Com jeito de má conduta, E disse: - A cara não nega: És filho de prostituta. 8 Pensei comigo: - Esse corno É um grande cabra safado, Nem ao menos me conhece E já vem todo folgado. Meu sangue foi pra cabeça E eu fiquei enfezado. 233 9 Pra mim foi uma afronta Ele falar sobre aquela Que era o meu grande sonho, Inda dizendo que ela Era uma prostituta, Desfazendo o nome dela. 10 Ele tentou me explicar, Mas não deu pra dizer nada. Foi levantar, tropeçou, E escorregou na calçada. Na hora que ele caiu Eu peguei o camarada. 11 Tirei a faca da cinta E dessa vez eu usei. Ao ver o homem sangrando Na mesma hora chorei, Mas ao invés de entregar-me Dei no pé e arribei. 12 Entrei por um matagal Saí numa estação. Peguei o primeiro trem, Sem rumo e sem direção, Só me lembrando da cena Daquele homem no chão. 13 Passei mais de vinte anos Vivendo nessa agonia. Se eu fosse dormir, sonhava, E durante todo o dia Lembrava daquela cena Do ato de covardia. 14 Quanto mais eu me lembrava Mais ficava arrependido. Arranjei um casamento, Fui bom pai e bom marido, Mas nunca esqueci do crime Que eu havia cometido. 15 Mas um dia decidi Encarar toda a verdade. Despedi-me da família E fui matar a vontade De saber quem era o homem Com quem fiz a crueldade. 16 Ao chegar lá na cidade Onde o caso foi passado, Fui dormir numa pousada. Passei a noite acordado. Quando amanheceu o dia Levantei desconfiado. 17 Cheguei à mesma bodega Onde houve o atentado. Bati palmas e entrei Relembrando o passado. Lá por detrás do balcão Tinha um velhinho sentado. 18 Entrei sem fazer barulho. Dei bom dia e me sentei. Ele me deu atenção. Pedi café e tentei Começar uma conversa Sobre o caso que contei. 19 Não fui direto ao assunto Par ele não se assustar. Perguntei sobre o comércio, Sobre as coisas do lugar, Até falar sobre o tema Que eu queria conversar. 20 Ele contou mil histórias Do povo da região. Falou de brigas de terras, E coisas lá do sertão. Mas, ao lembrar minha história, Palpitou meu coração. 234 21 Disse que tinha uma prima Que era uma prostituta. Que vivia nessa vida, Mas tinha boa conduta. Por ter sido abandonada Vivia nessa labuta. 22 E naquela sua vida, Certa vez engravidou. Depois que o filho nasceu, Que ela se recuperou, Uma cigana safada Pegou seu filho e roubou. 23 Vendo a dor da minha prima Eu decidi procurar O tal menino roubado Quando a mãe foi cochilar. E saí feito um maluco Pelo mundo a perguntar. 24 Passei um ano vagando Usando toda perícia. Botei nota nos jornais, Fiz boletim na polícia, E o tempo foi se passando Sem eu encontrar notícia. 25 Vinte anos se passaram Quando eu soube que um sujeito Morava aqui nesse trecho E tinha essa dor no peito: - saber notícia da mãe Era um sonho do seu leito. 26 Descobri que minha prima Era a mãe do desgraçado. E resolvi lhe contar, Porém o cabra safado Puxou a faca peixeira E enfiou-me aqui do lado. 27 Fiquei todo ensanguentado, No chão como um animal. Ele pensou que eu morri, Fugiu pra um matagal E eu passei mais de dez meses Na cama de um hospital. 28 Mas eu também tive culpa, Pois o cabra era valente, E eu lhe dei a notícia Sorrindo na sua frente. Ele não soube da mãe, E eu quase morri inocente. 29 - Senti o corpo tremendo E os olhos lacrimejando. Um calor subiu no corpo, A pressão foi aumentando E antes que ele terminasse, Eu já estava chorando. 30 Chorei pedindo a Jesus Pra ele me perdoar, Então falei pro velhinho: - Você pode se vingar. Dou minha vida em suas mãos, Se quiser pode aceitar. 31 Mas ele me respondeu: - Você está perdoado. Eu sempre sonhei que um dia Ia sentar do seu lado E lhe dizer que entendia Seu coração magoado. 32 Despedi-me do velhinho Mil vezes agradecido. Fui conhecer minha mãe, Mas foi um caso perdido. Já fazia doze anos Que ela havia morrido. 33 Voltei para a minha casa Pro aconchego do lar. Hoje só falo de paz, Só conjugo o verbo amar, Pois violência só serve Pra fazer gente chorar. 34 Aprendi que nessa vida O destino nos conduz. E hoje quando vou dormir Eu agradeço a Jesus Por ele ter maneirado O peso da minha cruz. 235 ANEXO J – CORDÉIS PARA ATIVIDADE LÚDICA – 6ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA Cordel 1 Se Droga Fosse Bacana/ Não Tinha o Nome Que Tem - José Acaci Mote: Não quero saber de droga, Porque droga não cai bem, Se droga fosse bacana, Não tinha o nome que tem. 1 Quero chamar atenção a um tema que está em voga, vou lhe falar sobre droga, um mal de toda nação, droga deixa o cidadão, sem rumo e alienado menino tome cuidado, escute o conselho amigo, não queira correr perigo, pra não ficar viciado. 2 Traficante quer poder, vive tramando o perigo, e lhe manda um falso amigo para lhe oferecer, e se você receber usa e fica viciado, portanto tome cuidado, não caia nessa cilada, diga ―não‖ pro camarada, que Deus está do seu lado. 236 3 Craque para mim é Zico Kaká, Ronaldo e Romário, mas o craque do otário, faz o cara pagar mico. Fica só batendo bico, não consegue trabalhar, também não quer estudar, pois não se concentra em nada. E até mesmo a namorada resolve lhe abandonar. 4 Se o cabra tá viciado com vontade de usar, e vê a droga faltar, ele fica aperreado, então sai agoniado doidinho pra se drogar, sem dinheiro pra comprar, vai pedir ao traficante, ouve um ―não‖ do meliante, então decide roubar. 5 Ele começa roubando as coisas da sua casa, depois vai tomando asa, na rua vai se virando, quando vê já tá levando bicicleta e celular, se acostuma a roubar, e, pra segurar o vício, se mete num precipício, que não dá mais pra voltar. 6 Os amigos de verdade troca pelos viciados, mas sabe que entre os drogados não existe amizade. Só existe crueldade morte, crime e coisa feia. E, preso naquela teia, sabe que vai se dar mal, ou leva um tiro mortal, ou vai parar na cadeia. 7 Um conselho eu vou deixar pra você que nunca usou: ―Quem nunca experimentou não queira experimentar‖. Pois se você aceitar, vai perder a juventude. Se precisar, seja rude com aquele cidadão, aprender a dizer ―não‖ é também uma virtude. 8 Não queira ser um pamonha, se decida a estudar, ou então vá namorar com o amor que você sonha, invés de fumar maconha, que é coisa que não convém, siga pro lado do bem, que você não se engana, Se droga fosse bacana Não tinha o nome que tem. Fonte: ACACI, José. Conselhos pra juventude. Natal: RN Econômico, 2011. 237 Cordel 2 Peleja de Riachão com o Diabo - Leandro Gomes de Barros Imagem: 1 Riachão estava cantando Na cidade de Açu, Quando apareceu um negro Da espécie de urubu, Tinha a camisa de sola E as calças de couro cru. 2 Beiços grossos e virados Como a sola de um chinelo Um olho muito encarnado O outro muito amarelo, Este chamou Riachão Para cantar um martelo. 3 Riachão disse: eu não canto Com negro desconhecido, Porque pode ser escravo, E anda por aqui fugido Isso é dar cauda a nambu E entrada a negro enxerido. 4 Negro - Eu sou livre como o vento A minha linhagem é nobre, Eu sou um dos mais ilustres Que o sol deste mundo cobre Nasci dentro da grandeza Não saí de raça pobre. 5 Riachão - Você nega porque quer Está conhecido demais, Você anda aqui fugido Me diga que tempo faz Se você não foi cativo, Obras desmentem sinais. 6 N - Seja livre ou seja escravo Eu quero é cantar martelo, Afine a sua viola Vamos bater-se em duelo Só com a minha presença O senhor está amarelo. 7 R - Vejo um vulto tão pequeno Que nem o posso enxergar, Julgo que nem é preciso Minha viola afinar Pela ramagem da árvore Vê-se o fruto que ela dá. 8 N - Riachão isto são frases De homem muito atrasado, Porque são vistos fenômenos Que na terra têm se dado Uma cobra tão pequena Mata um boi agigantado. 9 R - M eu riacho pela seca 238 Dá cheias descomunais Na correnteza das águas Descem grandes animais Jibóias, surucujubas, E monstruosos "Jaguais" 10 N - O Jaguar rende-m e culto A serpente aos meus pés morre No que chegar minha ira Só um poder o socorre Eu digo ao rio, pare aí! A água pára e não corre... 11 R - Você não é Josué Que mandou o sol parar E esse parou três dias Para a guerra se acabar Nem Moisés que com a vara Fez o mar também secar. 12 N - Faço tudo que eu quiser Minha força não tem limite Os feitos por mim obrados Não vejo homem que imite Eu determino uma coisa Não há força que a evite! 13 R - Salomão também fazia O que queria fazer Por meio de mágica ou química Quis segunda vez nascer M as em vez do nascimento Conseguiu ele morrer. 14 N - Salomão facilitou Confiado na ciência Encaminhou tudo bem M as faltou-lhe a paciência Se não fosse aquele erro Tinha tido outra existência. 15 R - Eu necessito saber onde é seu natural Porque não sei se o senhor Tem nascimento legal De qual nação é que vem Se procede bem ou mal. 16 N - Você vem interrogar-me Eu lhe interrogo também, Diga para onde vai E de qual parte é que vem Se é solteiro, ou casado Diga que profissão tem? 17 R Não tenho superior Sou filho da liberdade E não conto a minha vida Pois não há necessidade Porque não sou foragido Nem você é autoridade! 18 N - É preciso advertir-lhe, Fazer-,lhe observação M e trate com muito jeito, Cante com mais atenção! Veja que não se descuide E passe o pé pela mão! 19 R - Eu, para cantar repente, Já estou muito habilitado: Conheço algumas matérias, Sou um pouco adiantado Tive estudo quatro anos, Me considero letrado! 20 N - Sou professor de matérias Que sábio não as conhece; A lei que dito no mundo, O próprio rei obedece Meus feitos são conhecidos, A fama se estende e cresce. 21 R - Você diz que tem ciência, Dê-m e um a explicação: Se a Terra faz movimento De quem é a rotação? Porque.é que em 12 horas Há um a transformação? 22 N - Não é o Sol quem se move, Este é fixo em seu lugar, A Terra está sobre os eixos, Os eixos a fazem rodar, Que, por essa rotação Faz a luz do Sol faltar. 23 R - Descreva o grande mistério Que entre nós a Terra tem: De que é formada a chuva? Em que estado ela vem? Se é criada aqui perto Ou noutro lugar além? 24 N - A água em estado líquido Por meio de abaixamento Que há na temperatura, E pelo resfriamento Essa água é condensada, Ajudada pelo vento. 25 A corrente atmosférica 239 De um a montanha elevada, Que ajuda a temperatura, Forma nuvem condensada. Do vento movendo as nuvens É disso a chuva formada. 26 Que essa chuva, depois Que toda a Terra ensopar, Por meio da evaporação Torna ao espaço voltar, Reproduzindo, o processo Que acabei de lhe tratar. 27 R - O senhor conhece bem Este país brasileiro? Ora, respondeu o Negro: N - Eu conheço o estrangeiro Desde o córrego mais pequeno Até o maior ribeiro! 28 Por exemplo, o Amazonas, Que extrema com o Pará; O Pará com o Maranhão, Piauí com o Ceará, E assim todos os outros Se alguém duvida, vá lá! 29 E se qualquer um daqui; Pretendendo viajar Até o Rio de Janeiro E não querendo ir por mar, Eu lhe ensino o caminho Ele vai sem se vexar. 30 R - Como faz essa viagem? Onde se encontra o caminho? Lugar de uma só morada, Sem haver mais um vizinho Tanto que, em muitos lugares Não anda um homem sozinho! 31 N - Pode qualquer um sair Do Açu ao Mossoró; Querendo pode passar Na cidade Caicó, Subir pela margem esquerda Do rio de Seridó 32 Riachão disse consigo: - Esse negro é um danado! Esse saiu do Inferno, Pelo Demônio mandado, E para enganar-me veio Em um negro transformado! 33 Disse o negro: - Meu amigo, não queira desconfiar, Garanto que o senhor Não ouviu bem eu cantar, Na altura que eu canto outro não pode chegar! 34 R - Vá na altura em quer for! Riachão lhe respondeu. Remexa todos os livros Que o senhor aprendeu Eu não conheço esse ente Que cante m ais do que eu! 35 N - Você ficará sabendo O peso de um cantador Quando me ver outra vez Me trate de professor, Render-me-á obediência, Conhecerá meu valor! 36 R - O senhor diga o seu nome, Eu quero lhe conhecer, Pois só assim posso dar-lhe O valor que merecer, Em tudo que você diz A inda não posso crer. 37 N - Você, sabendo quem sou Talvez que fique assombrado, Superior a você Comigo tem se espantado Os grandes da sua Terra Eu tenho subjugado! 38 R - Eu canto há dezoito anos, Há vinte toco viola, Sempre encontro cantador Que só tem fama e parola Quando canta meio dia, Cai nos meus pés, no chão rola. 39 N - Eu já canto há muitos anos, Não vou em toda função, Arranco pontas de touro, Quebro o furor do leão, Nunca achei esse duro Que para mim tenha ação. 40 R - Garanto que de hoje em diante, O senhor tem que encontrar A força superior Que o obrigue a se calar, Porque eu boto o cerco, Quem vai não pode voltar! 41 N - Manoel, tu és criança, 240 Só tens mesmo é pabulagem! Vejo que falar é fôlego, Porém obrar é coragem Juro que' de agora em diante Não contarás mais vantagem! 42 R - Meu pai chamava-se Antônio, Seu apelido era Rio; De uma enxurrada que dava Cobria todo o baixio Secava em tempo de inverno Enchia em tempo de estio. 43 N - Conheci muito seu pai, Que vivia de pescar, Sua mãe era tão pobre, Que vivia de um tear Seu padrinho tomou você E levou-o para criar. 44 R - Onde mora o senhor, Que meu avô conheceu? Que eu nem me lembro mais Do tempo que ele morreu E você está parecendo Muito mais moço que eu! 45 N - Eu sei do dia e da hora Que nasceu seu bisavô, Chamava-se Ana Mendes A parteira que o pegou E conheci muito o frade E o vi quando o batizou. 46 R - Bote sua maca abaixo Conte essa história direito, Da forma que você conta Eu não fico satisfeito Como ver-se um objeto Antes daquilo ser feito? 47 N - Seu bisavô se chamava Apolinário Cancão Era filho de um ferreiro Que o chamavam Gavião Sua bisavó Lourença Filha de Amaro Assunção. 48 R - Mas que idade tem você, Que me faz admirar? Conheceu meu bisavô Eu não posso acreditar, Assim destas condições Faz até desconfiar. 49 N - Seu bisavô e o avô Foram por mim conhecidos, Seu pai, sua mãe, você Antes de serem nascidos Já estavam em minha nota Para serem protegidos. 50 R - Que proteção tem você Para proteger alguém? Sua pessoa e os trajes Mostram o que você tem A sua cor e aspecto Esclarecem muito bem. 51 N - Eu protejo você tanto, Que o defendi de morrer Você se lembra da onça que um a vez quis lhe comer Que apareceu um cachorro E fez a onça correr? 52 R - Me lembro perfeitamente Quando a onça m e emboscou Já ia marcando o salto Quando um cachorro chegou A onça correu com medo, Eu não sei quem me salvou... 53 N - Pois foi este seu criado Que viu a onça emboscá-lo Eu chamei por meu cachorro Para da onça livrá-lo Se lembra quando você Ouviu o canto dum galo? 54 R - Eu me lembro disso tudo Porque assim foi passado; Mas que idade tinha eu Quando esse caso foi dado? Eu era tão pequenino Que m eu pai teve cuidado. 55 N - Você tinha nove anos Foi caçar um novilhote Se entreteu com umas flores Que tinha lá no serrote A onça foi esperá-lo Para sangrá-lo no bote. 56 Riachão disse consigo: - De onde veio esse ente, Que de toda minha vida Conhece perfeitamente? Este, será que é o Diabo Que está figurado em gente? 57 N - O senhor pergunta assim 241 De que parte venho eu... Eu venho de onde não vai Pensamento como o seu E saí do ideal Primeiro que apareceu! 58 R - Agora acabei de crer Que tu és o inimigo! Te transformaste em homem, Para vir cantar comigo, Mas eu acredito em Deus Não posso correr perigo! 59 N - Ainda não, lhe ameacei, Nem pretendo ameaçá-lo! Estou pronto a defendê-lo, Se alguém quiser atacá-lo Em minha humilde pessoa, Tem um pequeno vassalo! 60 R - Não quero saber de ti, Porque tu és traidor: Desobedeceste a Deus, Sendo Ele o Criador! Fizeste traição a Ele Quanto mais a um pecador... 61 N - Riachão, amas a Deus Sendo mal recompensado! Deus fez de Paulo um Monarca De Pedro um simples soldado Fez um com tanta saúde, Outro cego e aleijado! 62 R - Se Deus fez de Paulo um rei, Porque Paulo merecia Se fez de Pedro um soldado, Era o que a Pedro cabia: Se não fosse necessário, O grande Deus não fazia! 63 N - O teu vizinho e parente Enricou sem trabalhar; Teu pai trabalhava tanto E nunca pode enricar Não se deitava uma noite Que deixasse de rezar! 64 R - M eu pai morreu na pobreza, Foi fiel ao seu Senhor! Executou toda ordem Que lhe deu o Criador E foi um a das ovelhas Que deu mais gosto ao pastor! 65 N - Arre lá! Lhe disse o Negro. Você é caso sem jeito! Eu com tanta paciência, Estou lhe ensinando direito Você vê que está errado, Faz que não vê o defeito! 66 R - É muito feliz o homem Que com tudo se consola! posso morrer na pobreza, Me achar pedindo esmola Deus me dá para passar Ciência e esta viola! 67 O negro olhou Riachão Com os olhos de cão danado, Riachão gritou: - Jésus, Homem Deus Sacramentado! Valha-me a Virgem Maria, A Mãe do Verbo Encarnado! 68 O negro, soltando um grito, Dali desapareceu. De uma catinga de enxofre A casa toda se encheu, Os cães uivaram na rua, O chão da casa tremeu. 69 Riachão ficou cismado Com cantor desconhecido, Que, quando encontrava um, Tomava logo sentido O seu primeiro repente Era a Deus oferecido. 70 Essa história que escrevi Não foi por mim inventada: Um velho daquela época Tem ainda decorada. Minha aqui só são as rimas Exceto elas, mais nada! Fonte: 100 histórias de cordéis segundo a Academia Brasileira de Literatura de Cordel / [organização e curadoria de Gonçalo Ferreira da Silva]. – Mossoró: Queima Bucha, 2008. 242 Cordel 3 A festa dos cachorros – José Pacheco da Rocha Imagem: 1 Caro leitor se não lestes mas alguém já vos contou que nos remotos passados até barata falou porém isto foi no tempo quando o trancoso reinou 2 Eu ainda estou lembrado que meus bisavós contavam muitas histórias passadas de quando os bichos falavam como bem fosse a da festa quando os cachorros casavam 3 Nesse tempo os animais era tudo interesseiro só se casavam com bichas que os pais tinham dinheiro tanto que devido a isto um gato morreu solteiro 4 Contudo sempre viviam em regimes sociais respeitando aos governos nos atos policiais crendo no catolicismo conforme a lei de seus pais 5 Não eram lá tão chegados a nossa religião mas não desvalorizavam nem faziam mangação dizem até que macaco deu provas de bom cristão 6 Tamanduá era padre como todos sabem disto naquele tempo também pelos antigos foi visto uma lavadeira velha lavando a roupa de Cristo 7 Muitos viviam da arte outra parte do roçado na vida comercial quem era rico e letrado aqueles mais pobrezinhos viviam do alugado 8 Como bem a lagartixa o calango e o tejá que são pelados de tudo da mesma forma o tatu que tem somente o casco e aquilo faz pufá 243 9 Com este verso eu aviso a quem atenção me presta que vou tratar dos cachorros e da grandiosa festa talvez que nunca se visse outra melhor do que esta 10 Havia um cachorro velho Chefe da localidade os outros lhe veneravam com respeitabilidade tanto porque era o chefe como pela sua idade 11 Tinha relações com todo era muito acreditado não tinha muito dinheiro como grande potentado mas também não era desses que come um pão apertado 12 Tinha uma filha bonita trabalhava em seu socorro dessas que se diz assim: por aquela eu mato e morro capaz de embelar o coração dum cachorro 13 Certo dia um primo dela vindo duma batucada passando pelo terreiro ela estava acocorada catando pulga e matando no batente da calçada 14 Bom dia querida prima o cachorro assim falou ela respondeu: bom dia e disse, como passou então com vai meu tio? o mesmo lhe perguntou 15 Palestraram bastante cada qual bem satisfeito foi um namoro pezado porém com muito respeito mas para se apartarem quase não tinha jeito 16 Trocaram dúzias de beijos ambos ali abraçados choravam um pelo outro e todos dois agarrados devido a grande amizade quase que ficam pegados 17 Chegou em casa escreveu: prima do meu coração eu não posso deslembrar-me da tua linda feição portanto venho pedir-te tua delicada mão 18 Recomendação a todos um abraço em minha tia sem mais assunto desculpe a ruim caligrafia deste teu primo cachorro e de certa companhia 19 Depois fez no envelope um ramalhete de flor ele mesmo foi levar pra dar mais prova de amor e mesmo é muito custoso cachorro ter portador 20 Chegou ela estava só prosaram mais de uma hora depois apertou-lhe a mão deu-lhe a carta e foi embora ela ficou tão contente quando leu que quase chora 21 Quando o velho viu a carta disse logo que não dava mas ela bateu nos peitos lhe dizendo que casava o velho jurou de dar-lhe e que amaldiçoava 22 A velha também foi contra os parentes não queriam os irmãos quando souberam todos numa voz diziam que esse tal casamento o pai nem eles faziam 244 23 Disseram: ele é parente mas anda de cachaçada é um liso e não trabalha portanto não vale nada e por fim até juraram de botar-lhe uma emboscada 24 A cachorra noiva disse a ele vocês não comem eu acho conveniente que nova reforma tomem porque eu só não me caso se cachorro não for homem 25 Ou fazem meu casamento ou então de madrugada eu vou arribar com ele e fico sendo amigada embora nossa família fique desmoralizada 26 O velho considerando da desmoralização disse pra ela: eu te caso mas sustento opinião de nem cruzar teus batentes nem te botar mais bênção 27 Depois ele disse aos filhos: de noite depois da ceia vamos fazer isto logo se não ela se aperreia e vai nos fazer vergonha na força da lua cheia 28 Não havia inimizade todos os bichos se davam quando casava uma bicha com muito gosto ajudavam ainda que fosse rica de gastar não precisavam 29 Vamos tratar dos presentes que a noiva recebeu sapato, roupa e capela a dona preguiça deu aranha mandou-lhe um véu que ela mesma teceu 30 Guariba deu-lhe um boqué de barba de guaribão o gato deu aliança o timbá deu a loção o preá deu um bilro o rato deu-lhe um botão 31 O noivo também comprou agulha, linha e dedal uma panela e dois pratos uma colher de metal balaio de guardar ovo vasilha de botar sal 32 Abano, esteira e pilão um ralo e um samburá marmita, gamela e cuia vassoura, estopa e puçá fez a conta e depois disse: pra quem é pobre já dá 33 No dia do casamento estava tudo arrumado faltava somente a carne para tratar do guisado com pouco cada cachorro chegava mais carregado 34 Um trazia um pinto morto não sei onde foi achá-lo outro trazia também uma ossada dum galo teve um que trouxe até o mocotó dum cavalo 35 Vinha um tanto troço que no caminho quase cansa umas queixadas d'um burro os encontros d'uma gansa pedaços de couro velho pontas de boi da matança 36 Uma parenta do velho era até boa parteira pegava cachorro novo ali naquela ribeira por ser curiosa e limpa foi servir de cozinheira 245 37 Chegou e disse: meu povo eu vim porque fui chamada porém estou com rabuge e muito encatarruada o dono da casa disse: ora comadre, isto é nada 38 Temos aí muita carne arroz, macarrão, farinha guise lombo e faça bife torre porco, encha galinha eu quero é que todos digam que na festa tudo tinha 39 Está certo meu compadre disse um cachorro cotó disse a noiva, sendo assim eu hoje encho o bozó disse o noivo: eu como tanto que o rabo chega dá nó 40 O velho disse: compadre você é a governante tome conta da cozinha aí tem um ajudante de tarde chega mais três penso que quatro é bastante 41 Pode trabalhar com gosto vá pedindo o que faltar não tema que seu trabalho quando a festa terminar o seu compadre cachorro tem com que recompensar 42 Qual lá meu compadre velho respondeu a cozinheira lá para o fim do pagode você dar qualquer besteira e com relação a preço entre nós não tem ladeira 43 Eu quero é que meu compadre mande um comprar tempero eu vou preparando a carne diga que volte ligeiro porque se não tratar logo pode até criar mau cheiro 44 Então o velho entregou o dinheiro e um saquinho dizendo: traga dois cocos e um quilo de cominho vamos ver que desmantelo açucedeu no caminho 45 O cachorro ia fazer como seu chefe mandou botou o dinheiro dentro do saco e depois dobrou botou debaixo do rabo saiu e disse: eu já vou 46 Mas lá no meio do caminho viu uma casa caída com uma parede em pé porém bastante pendida ele ali foi urinar quase que perdia a vida 47 Ele encostando-se nela mais ou menos abalou e lá vai por cima dele porém o cabra pulou faltando o palmo dum grilo para se dizer: matou 48 É este o motivo justo que quando vão urinar ajuda sendo uma moita só mija quando escorar gato escaldado tem medo de água fria o pelar 49 Afinal sempre seguiu até que chegou na feira fez as compras pra voltar numa pisada ligeira mas aconteceu-lhe outra pior do que a primeira 50 Quando ele foi passou num rio bastante cheio como ia sem carrego atravessou pelo meio quando veio tinha mais agora quase que vai no paleio 246 51 Chegou na margem do rio esbarrou na ribanceira vinha os dois cocos no saco ele amarrou na traseira e apertou o tempero debaixo da macaxeira 52 Então dentro do embrulho vinha um anel que comprou era de um amigo que a ele encomendou teve medo de perder no tal pacote botou 53 Mas quando bateu nas água desmantelou-se o papel desceu com tempero e tudo quando saiu do revel olhou debaixo da cauda tinha somente o anel 54 Todo seu acontecido chegou em casa contou mas ninguém acreditava o chefe lhe maltratou dizendo que o dinheiro ele bebeu e jogou 55 Onde trazia o tempero cabra safado mesquinha? assim perguntou-lhe o chefe ele mostrou o cantinho um cheirou e disse: é certo que tem cheiro de cominho 56 É por isto que cachorro tem uma certa ciência de cheirar onde o tempero deixou uma grande essência qualquer que duvidar nisto faça sua experiência 57 Ele ficou tão vexado que pensou que perdeu tudo o chefe lhe perguntou ele respondeu trombudo até eu quase me afogo quando mais troço miúdo 58 Mas dum lado tinha um desses gozos miudinho e disse a ele: rapaz tu só perdesse o cominho olhou por detrás e disse: olhas os cocos no saquinho 59 Finalmente sempre a festa da casa grande a barraca corria cachimbo e vinho licor, gasosa e truaca gritava o cachorro velho: bota prá diante a fuzaca 60 Veio muitas qualidades entre bicho bom e mau paca tocava pandeiro tatu corneta de pau urso tocava num bucho macaco num berimbau 61 Mestre galo era o marcante da quadrilha no salão timbu era despachante na boca do garrafão o gato fiscalizava as panelas do fogão 62 Estava a festa animada a carne ali abortou porém por causa dum osso grande briga se travou deram uma tapa no gato que o cabelo avuou 63 Ali o dono da casa riminou-se contra os tais meteu a ripa pra cima dando em todos animais correram deixando a sala só com ele e ninguém mais 64 Meus leitores essa história que vosso poeta fez o meu bisavô contava meu avô disse uma vez o meu pai contou a mim eu hoje conto a vocês Fonte: 100 histórias de cordéis segundo a Academia Brasileira de Literatura de Cordel / [organização e curadoria de Gonçalo Ferreira da Silva]. – Mossoró: Queima Bucha, 2008. 247 Cordel 4 VIAGEM A SÃO SARUÊ – Manoel Camilo dos Santos Imagem: 1 Doutor mestre pensamento Me disse um dia: - Você Camilo vá visitar O país São Saruê Pois é o lugar melhor Que neste mundo se vê 2 Eu que desde pequenino Ouvia sempre falar Nesse tal São Saruê Destinei-me a viajar Com ordem do pensamento Fui conhecer o lugar 3 Iniciei a viagem Às quatro da madrugada Tomei o carro da brisa E passei pela alvorada Junto do quebrar da barr Eu vi a aurora bismada 4 Pela aragem matutina Eu avistei bem defronte A irmã da linda aurora Que se banhava na fonte Já o sol vinha espargindo No além do horizonte 5 Surgiu o dia risonho Na primavera imponente As horas passavam lentas O espaço incandescente Tranformava a brisa mansa Em um mormaço dolente 6 Passei do carro da brisa Para o carro do mormaço O qual veloz penetrou No além do grande espaço Nos confins do horizonte Senti do dia o cansaço 7 Enquanto a tarde caía Entre mistério e segredos A viração docilmente Afagava os arvoredos Os últimos raios do sol Bordava os altos penedos 8 Morreu a tarde e a noite Assumiu sua chefia Deixei o mormaço e passei Pro carro da neve fria Vi os mistérios da noite Esperando pelo dia 248 9 Ao surgir da nova aurora Senti o carro pairar Olhei e vi uma praia Sublime de encantar O mar revolto banhando As dunas da beira-mar 10 Avistei uma cidade Como nunca vi igual Toda coberta de ouro E forrada de cristal Ali não existe pobre É tudo rico em geral 11 Uma barra de ouro puro Servindo de placa vi Com as letras de brilhante Chegando mais perto eu li Dizia: - São Saruê É este lugar aqui 12 Quando aviste o povo Fiquei de tudo abismado Uma gente alegre e forte Um povo civilizado Bom, tratável, benfazejo Por todos fui abraçado 13 O povo em São Saruê Todos têm felicidade Passa bem, anda decente Não há contrariedade Não precisa trabalhar E tem dinheiro à vontade 14 Lá eu vi rios de leite Barreiras de carne assada Lagoas de mel de abelha Atoleiros de coalhada Açudes de vinho puro Montes de carne guisada 15 Pedras em São Saruê São de queijo e rapadura As cacimbas são café Já coado e com quentura De tudo assim por diante Existe em grande fartura 16 Feijão lá nasce no mato Maduro e já cozinhado O arroz nasce nas várzeas Já prontinho e despolpado Peru nasce de escova Sem comer, vive cevado 17 Galinha põe todo dia Em vez de ovo é capão O trigo, em vez de semente Bota cachos só de pão Manteiga lá cai das nuvens Fazendo ruma no chão 18 Os peixes lá são tão mansos Com o povo acostumados Saem do mar, vêm pras casas São grandes, gordos, cevados É só pegar e comer Pois todos vivem guisados 19 Tudo lá é bom e fácil Não precisa se comprar Não há fome nem doença O povo vive a gozar Tem tudo e não falta nada Sem precisar trabalhar 20 Maniva lá não se planta Nasce e, em vez de mandioca Bota cachos de beiju E palmas de tapioca Milho, a espiga é pamonha E o pendão é pipoca 21 A cana, em São Saruê Não tem bagaço (é gozado!) Umas são canas de mel Outras, açúcar refinado As folhas são cinturão De pelica e bem cromado 22 Lá os pés de casimira Brim, borracha e tropical De naycron, de belga e linho E o famoso diagonal Já bota as roupas prontas Próprias para o pessoal 249 23 Os pés de chapéus de massa São grandes e carregados Os de sapatos da moda Têm cachos bem ―aloprados‖ Os pés de meias de seda Chega vive ―escangalhados‖ 24 Sítios de pés de dinheiro Que faz chamar atenção Os cachos de notas grandes Chega arrastam pelo chão As moitas de pra e ouro São mesmo de algodão 25 Os pés de notas de mil Carregam chega encapota Pode tirar-se à vontade Quanto mais tira, mais bota Além dos cachos que tem Casca e folha tudo é nota 26 Lá, quando nasce um menino Não dá trabalho a criar Já é falando e já sabe Ler, escrever e contar Salta, corre, canta e faz Tudo quanto se mandar 27 Lá não se vê mulher feia E toda moça é formosa Bem educada e decente Bem trajada e amistosa É qual um jardim de fadas Repleto de cravo e rosa 28 Lá tem um rio chamado O banho da mocidade Onde um velho de cem anos Tomando banho à vontade Quando sai fora parece Ter vinte anos de idade 29 É um lugar mgnífico Onde eu passei muitos dias Bem satisfeito e gozando Prazer, saúde, alegrias Todo esse tempo ocupei-me Em recitar poesias 30 Lá existem tudo quanto é beleza tudo quanto é bom, belo e bonito, parece um lugar santo e bendito ou um jardim da divina Natureza: imita muito bem pela grandeza a terra da antiga promissão para onde Moisés e Aarão conduzirão o povo de Israel, onde dizem que corriam leite e mel e caia manjar do céu no chão. 31 Tudo lá é festa e harmonia amor, paz, benquerer, felicidade descanso, sossego e amizade prazer, tranqüilidade e alegria: na véspera de eu sair aquele dia um discurso poético, lá eu fiz, me deram a mandado de um juiz um anel de brilhante e de "rubim" no qual um letreiro diz assim: - É feliz quem visita esse país. 32 Vou terminar avisando a qualquer um amiguinho que quiser ir para lá posso ensinar o caminho, porém só ensino a quem me comprar um folhetinho. FIM Fonte: 100 histórias de cordéis segundo a Academia Brasileira de Literatura de Cordel / [organização e curadoria de Gonçalo Ferreira da Silva]. – Mossoró: Queima Bucha, 2008. 250 Cordel 5 SEU LUNGA - TOLERÂNCIA ZERO! – Ismael Gaião da Costa Imagem: 1 Eu vou falar de Seu Lunga Um cabra muito sincero, Que não tolera burrice Nem gosta de lero-lero. Tem sempre boas maneiras, Mas se perguntam besteiras, Sua tolerância é zero! 2 Ao entrar num restaurante Logo depois de sentar, Um garçom lhe perguntou: O Senhor vai almoçar? Lunga disse: não Senhor! Chame o padre, por favor, Vim aqui me confessar. 3 Lunga tava na parada Com Renata perto dele. Esse ônibus vai pra praia? Ela perguntou a ele. Ele, então, disse à mulher: - Só se a Senhora tiver Um biquini que dê nele! 4 Seu Lunga tava pescando E alguém lhe perguntou: - Você gosta de pescar? Ele logo retrucou: - Como você pode ver, Eu vim pescar sem querer, A polícia me obrigou. 5 Pagando contas no Banco Lunga viveu um dilema Pois com um talão nas mãos, Ouviu de Pedro Jurema: O Senhor vai usar cheque? - Ele disse: não, moleque, Vou escrever um poema. 6 Em sua sucataria Alguém tava escolhendo, - Por quanto o Senhor me dá, Essa lata com remendo? Lunga, sem pestanejar, Disse: não posso lhe dar, Porque eu estou vendendo. 7 E ainda irritado A seu freguês respondeu: Tudo que eu tenho aqui, Eu vendo porque é meu. Se o Senhor quiser ver, Coisas sem ser pra vender Vá visitar um museu. 8 Lunga foi comprar sapato Na loja de Barnabé E um rapaz bem gentil Perguntou: é pra seu pé? Ele disse: não esqueça, Bote na minha cabeça, Vou usar como boné. 251 9 Lunga carregava leite Numa garrafa tampada E um velho lhe perguntou: Bebe leite, camarada? Ele disse: bebo não! Depois derramou no chão. - Eu vou lavar a calçada. 10 Seu Lunga tava deitado Na cama, sem se mexer. E um amigo idiota Perguntou, a lhe bater: - O senhor está dormindo? Lunga disse: tô fingindo, E treinando pra morrer! 11 Seu Lunga foi a um banco Com um cheque pra trocar Um caixa muito imbecil Achou de lhe perguntar: O Senhor quer em dinheiro? - Não quero não, companheiro, Quero em bolas de bilhar. 12 Lunga olhou pro relógio Na frente de Gabriela Quando menos esperava, Ouviu a pergunta dela: - Lunga viu que horas são? Ele disse: não, vi não, Olhei pra ver a novela! 13 Seu Lunga comprava esporas Para correr argolinha E o vendedor idiota Fez essa perguntazinha: - É pra usar no cavalo? - É não, eu uso no galo, Monto e dou uma voltinha. 14 Seu Lunga tava pescando Quando chegou Viriato - Perguntando: aqui dá peixe? Lunga falou: é boato! No rio só dá tatu, Paca, cutia e teju, Peixe dá dentro do mato. 15 Lunga foi se consultar Com um Doutor que era Crente Esse logo perguntou: - O Senhor está doente? - Lunga disse: não Senhor, Vim convidar o Doutor, Para tomar aguardente. 16 Seu Lunga, com seu cachorro, Saiu para caminhar Um besta lhe perguntou: É seu cão, vai passear? Lunga sofreu um abalo, Disse: não, é um cavalo, Vou levar para montar. 17 Lunga trazia da feira, Já em ponto de tratar, Uma cabeça de porco, Quando ouviu alguém falar: - Vai levando pra comer? Ele só fez responder: - Vou levando pra criar! 18 Lunga foi à eletrônica Com um som pra consertar E ouviu um idiota Sem demora, perguntar: - O seu som está quebrado? - Tá não, está estressado. Eu trouxe pra passear. 19 Seu Lunga foi numa loja Lá perto de Itaqui - Tem veneno pra rato? - Temos o melhor daqui. Vai levá-lo? Está barato. - Vou não, vou buscar o rato Para vim comer aqui! 20 Seu Lunga tava bebendo, Quando ouviu de Tião: - Já que faltou energia, Nós vamos fechar irmão! Lunga falou: que desgraça! Eu vim pra tomar cachaça, Não foi tomar choque não! 252 21 Lunga tava em sua loja Numa preguiça profunda Quando escutou a pergunta Vindo de Dona Raimunda: - O Senhor tem meia-calça? - Isso em você não realça, Ou você, tem meia bunda? 22 Seu Lunga ia pescar E um amigo encontrou Depois de cumprimentá-lo Seu amigo perguntou: Lunga vai à pescaria? Seu Lunga só disse: ia. Pegou a vara e quebrou. 23 Jacó estava querendo Apostar numa milhar Vendo Lunga numa banca Disse: agora vou jogar! E foi gritando dali: - Lunga, passa bicho aqui? - Passa sim! Pode passar. 24 Seu Lunga sentia dor Procurou Doutor Ramon Que começou a consulta Já perguntando em bom tom: Seu Lunga, qual o seu plano? Lunga disse: sem engano, O meu plano é ficar bom! 25 Lunga tava em seu comércio Despachando a Zé Lulu Que depois de escolher Fava e feijão guandu. - Disse: vou levar fubá. E o arroz como está? Lunga respondeu: Tá cru! 26 Lunga com uma galinha E a faca pra cortar, Seu vizinho perguntou: Oh! Seu Lunga, vai matar? Com essa pergunta burra, Disse: não, vou dar uma surra, Logo depois vou soltar. 27 Lunga indo a um enterro Encontrou Zeca Passivo - Seu Lunga pra onde vai? Ao enterro de Biu Ivo. - E Seu Biu Ivo morreu? - Não, isso é engano seu, Vão enterrar ele vivo! 28 Lunga mostrou um relógio Ao filho de Biu Romão - Posso botar dentro d‘água? Perguntou o garotão. Lunga disse sem demora: - Relógio é pra ver a hora, Não é sabonete, não! 29 Lunga fez uma viagem Pra cidade de Belém E quando voltou pra casa Ouviu essa de alguém: - Oh! Seu Lunga, já chegou? - Eu não, você se enganou, Chego semana que vem! 30 Lunga levou uma queda De cima de seu balcão - Quer tomar um pouco d‘água? Perguntou o seu irmão. Lunga logo, respondeu: Foi só uma queda, meu! Eu não comi doce não! 31 Na porta do elevador Esperando ele chegar Seu Lunga escutou um besta Pro seu lado perguntar: - Vai subir nesse momento? - Não, que meu apartamento, Vai descer pra me pegar. 32 Se encontrar com Seu Lunga Converse, mas com cuidado, Pois ele pode ser grosso Mesmo sendo educado. Eu já fiz o meu papel Escrevendo este cordel Pra você ficar ligado 253 ANEXO K – CAPAS DAS XILOGRAVURAS PARA A ATIVIDADE LÚDICA – 6ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA 254 255 Endereços das xilogravuras: Acessadas em 14 de abril de 2015 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. < http://2.bp.blogspot.com/- X_gJpncraYM/Ut66AxiXcgI/AAAAAAAAAes/jYEagZQxLzU/s1600/Publicada+por+Ath ayde,+SD.JPG> 256 ANEXO L – CORDEL UTILIZADO NA 7ª ETAPA DO MÓDULO DE LEITURA O cachorro dos mortos – Leandro Gomes de Barros 1 Os nossos antepassados Eram muito prevenidos Diziam: matos têm olhos E paredes tem ouvidos Os crimes são descobertos Por mais que sejam escondidos 2 Em oitocentos e seis Na província da Bahia Distante da capital três léguas ou menos seria Sebastião de Oliveira ali num canto vivia 3 Ele, a mulher e duas filhas E um filho já homem feito O rapaz era empregado E estudava direito O velho não era rico Mas vivia satisfeito 4 As duas filhas eram moças Bonitas e encantadoras Logravam na capital O nome de sedutoras Chamavam atenção de todos As grandes tranças tão louras 5 Esse velho era ferreiro E ferreiro habilitado Vivia ali do ofício Plantando e criando gado Por três vezes enjeitou O cargo de delegado 6 Havia um vizinho dele Eliaziário Amorim Esse tinha um filho único Da espécie de Caim Enquanto o espanhol velho Até não era ruim 7 O filho deste espanhol Era uma fera carniceira Veio provocar namoro Com as filhas de Oliveira Uma delas disse a ele: De nós não há quem o queira 8 Ele disse: Tu não sabes Que meu pai possui dinheiro Em terras e criações É o maior fazendeiro? Ela disse: O meu pai é pobre Planta, cria e é ferreiro 9 Minha mãe tece de ganho Nós vivemos de costura Meu pai vive de sua arte E de sua agricultura Meu irmão é empregado Para que maior ventura? 10 O sedutor conheceu Seus planos serem debalde E só podia vencê-la Por meio de falsidade Que é a arma mais própria Aonde existe a maldade 11 Saiu dali Valdivino Fedendo a chifre queimado E Angelita ficou Com o coração descansado Nem disse aos outros de casa O que tinha passado 12 Ele pensou em forçá-la Mas pensou no resultado Devido o pai de Angelita Ser muito considerado O filho pelo governo Era tão conceituado 257 13 Exclamou ele consigo: oO! Angelita és tão bela Eu não sossegarei mais E nem me esquecerei dela Farei tudo para vencê-la Porém não caso com ela 14 Mas Valdivino temia O pai dela e o irmão Que o governo da província Tinha-lhe muito atenção O rapaz era empregado E tinha consideração 15 Valdivino inda pensou Que matando Floriano Podia calçar com ouro Todo governo baiano Ainda que entrasse em júri Não passava nem um ano 16 Ou poderia matá-lo Oculto numa emboscada Porque ninguém vendo o crime Ele não sofria nada Defunto não conta história Estava a questão acabada 17 Havia ali um engano Entre Vitória e Bahia A divisão das províncias Ali ninguém conhecia Sebastião de Oliveira Era o único que sabia 18 O governo da província Tendo aquela precisão Disse um dia a Floriano Você vá em comissão Chamar seu pai para vir Mostrar a demarcação 19 Valdivino de Amorim Viu Floriano passar Escolheu o lugar próprio Onde pudesse emboscar Dizendo dentro de si: Ele não pode escapar 20 A fera foi emboscá-lo Onde havia uma capoeira Carregou um bacamarte Fez duma árvore trincheira Distante um quarto de légua Da fazenda de Oliveira 21 O rapaz chegou em casa O velho tinha saído Foi ver se achava um jumento Que havia se sumido Um amigo lhe escreveu Que lá tinha aparecido 22 O Floriano chegou Depois que o velho saiu Nessa tarde não voltou Com a família dormiu Deu o recado à mãe dele De madrugada seguiu 23 Calar um cachorro velho Que Sebastião criou Quando Floriano saiu Calar o acompanhou Floriano quis voltar Porém Calar não voltou 24 Passava ali Floriano A fera então enfrentou-o Disparou o bacamarte Sem vida em terra lançou-o Calar partiu ao sicário O assassino amarrou-o 25 As moças lá da fazenda Ouviram o grande estampido Angelita se assustou Dizendo: O que terá sido? O tiro foi para o lado Que seu irmão tinha ido 26 Angelita convidou A sua irmã Esmeralda Dizendo: Vamos aqui A passeio pela estrada Aquele tiro que deram Deixou-me sobressaltada 27 No sertão naquele tempo Podia uma moça andar Passava dois ou três meses Sem nem um homem passar Por isso foram elas duas Não tinha o que recear 28 Iam ali conversando Sobre a aragem matutina Disse Esmeralda à irmã: Olha para o céu, menina Estás vendo aquelas estrelas Como têm a luz tão fina? 29 Chegaram aonde o irmão Estava morto na estrada O criminoso no mato Atirou em Esmeralda E enfrentou Angelita Dizendo: Não diga nada 30 Angelita muito pálida Sem estar esmorecida Vendo os dois irmãos já mortos Por uma mão homicida Lhe disse: Monstro tirano Eu morro e não sou vencida 258 31 Ele disse: Angelita Com tudo isso sou teu Foi dar-lhe um beijo nos lábios E Angelita mordeu Ele cravou-lhe o punhal Ela ali esmoreceu 32 Pondo a mão na punhalada Disse: Monstro desgraçado Aquele velho cachorro Que está ali amarrado Descobrirá este crime E tu serás enforcado 33 Olhou para o gameleiro Que tinha junto a estrada Dizendo: Tu gameleiro Viste esta cena passada? És uma das testemunhas Quando a hora for chegada 34 Na última agonia Exclamou: Monstro assassino Tirastes agora três vidas E não sacias o destino? Isso hei de te lembrar Perante o juiz divino! 35 Não julgue que fique impune Este sangue no deserto Tu não vês três testemunhas Que estão aqui muito perto Estás perante ao público Irão depor muito certo 36 Disse Valdivino: És louca Quem viu o que foi passado? Disse Angelita: Este cão Que está ali amarrado A gameleira e as flores Dirão no dia chegado 37 Olhou para o cão e disse: Olha, meu velho Calar Tu dirá tudo ao juiz Se ele te perguntar Essa velha gameleira Fica para te ajudar 38 Essa flor que por ela Há festa aqui todo ano Há de tirar a justiça De uma suspeita ou engano Dirá ao juiz: Venha ver Quem matou o Floriano! 39 As três vidas que roubaste Pagarás com sua vida Tu hás de te arrepender Depois da causa perdida Uma lágrima vertida Será por teu pai vertida 40 Contudo monstro, perdôo-te Porque fui e sou cristã A morte do meu irmão A minha e de minha irmã Tu hoje matas a mim Outro te mata amanhã 41 E pondo a mão sobre uma Das punhaladas que tinha Disse a Calar: Se fugires Consola a minha mãezinha E diga-lhe que abençoe Os pobres filhos que tinha 42 Embora que tu não fales Pois não te foi concedido Mas um olhar bem lançado Dá idéia dum sentido Um uivo e um olhar Pode ser compreendido 43 E ali cerrando os olhos Quase sorrindo expirou O assassino olhando Chorando se retirou Depois pensou: Isto é nada!... Com toda calma voltou 44 Já estava frio o cadáver Porém nas faces mimosas Via-se perfeitamente Desenho de duas rosas Como se fossem pintadas Por mãos das mais curiosas 45 Em Esmeralda se via O sangue ainda saindo Vestígio de zombaria Como quem morre sorrindo Como criança que brinca Finge que está dormindo 46 O rapaz banhado em sangue Bem no meio da estrada À esquerda de Angelita À direita de Esmeralda Com uma mão na ferida E a outra mão estirada 47 Valdivino tinha à noite Escrito numa carteira: "Eu hoje hei de matar Floriano de Oliveira Se não matá-lo me mato Será a minha derradeira" 48 Datou-a e assinou o nome Pegou a arma e saiu Se encostou num gameleiro A carteira escapuliu Havia um oco da árvore Nele a carteira caiu 259 49 A fera não se lembrou Da testemunha ocular Perdendo aquela carteira Alguém a podia achar Ela na mão da justiça Quem poderia o soltar? 50 Porém uma força oculta Permitiu que ele perdesse E a mesma força impôs Que dela se esquecesse Para dizer a seu tempo: O assassino foi esse! 51 Calar, o velho cachorro Que aquele espetáculo via Soltando uivos enormes Que muito longe se ouvia Rosnava, fitava os olhos Debalde a corda mordia 52 Valdivino ali puxando Um facão muito afiado Descarregou no cachorro Um golpe encolerizado Errou e cortou a corda Com que estava amarrado 53 Valdivino ficou triste Vendo o cachorro correr Lembrou-se o que Angelita Disse antes de morrer Porém disse: Ele não fala Como poderá dizer? 54 Calar chegou na fazenda Uivando desesperado Dona Maria da Glória Já tinha levantado Quando viu o cão uivando Aí cresceu-lhe o cuidado 55 E foi procurar os filhos Onde ouviu os estampidos Calar foi adiante uivando Com enormes alaridos Dona Maria da Glória Ia aguçando os ouvidos 56 Como não foi seu espanto Quando chegou no lugar Onde achou os filhos mortos Sem nada ali atinar Calar sabia de tudo Mas não podia falar 57 Voltou Maria da Glória Num triste e penoso estado Já Sebastião em casa A esperava sentado Não sabia da desgraça Que a pouco tinha se dado 58 Perguntou pela família Ela não pôde contar Disse apenas: Morreu tudo E apontou o lugar Estendeu-se para um lado Sem mais nada atinar 59 Sebastião de Oliveira Foi por onde a mulher veio Achou a poça de sangue Os filhos mortos no meio Olhou para o céu e disse: Oh! Meu Deus que quadro feio 60 Foi perguntar à mulher Como aquilo foi se dado Ela apenas lhe contou O que tinha passado Deixando o ancião Aflito e impressionado 61 Montou num burro e saiu Dali para a capital Quando chegou na cidade Foi ao quartel general Lá falou mais duma hora E nada disse afinal 62 Depois de muita insistência O presidente entendeu Perguntou por Floriano Ele lhe disse: Morreu.. Ele e a família toda!... E contou o que se deu 63 A justiça foi atrás Ver o que tinha se dado Encontrou os três cadáveres No chão em sangue banhado Calar inda estava uivando Junto dos mortos deitado 64 Foram à casa de Oliveira Ver se Maria da Glória Dava um roteiro que ao menos Se calculasse uma história Ela contou essa mesma Que eles guardam na memória 65 Dona Maria da Glória Dois dias depois morreu Sebastião de Oliveira Com três dias enlouqueceu Dentro de duas semanas Tudo desapareceu 66 A justiça da Bahia Não cessou de procurar Espalhou por toda parte Secretos a indagar Não havia uma pessoa Que dissesse: Eu vi matar 260 67 Dava dez contos de réis Na moeda que quisesse À pessoa que chegasse E seriamente dissesse Teria mais um terreno A pessoa que soubesse 68 Porém o crime se deu Quando ali ninguém passava Calar sabia tudo Porque no crime ele estava Se falasse descobria Desejo não lhe faltava 69 Impressionava a todos Habitantes da cidade Como deu-se aquele crime Naquela localidade Floriano de Oliveira Todo lhe tinha amizade 70 Atribuiu-se a um roubo Por algum aventureiro Mas o rapaz costumava A não andar com dinheiro Questão de moça não era Ele era justiceiro 71 Os moradores de perto Eram todos conhecidos Compadres dele e do pai E por eles protegidos Tanto que se dando o crime Todos ficaram sentidos 72 Eliziário era um desses Abortos que tem havido Desses que o pão que come Considera estruído Fazer-lhe o mal é pecado Fazer-lhe o bem é perdido 73 Esse era fazendeiro Porém dali não saía Nem era bem conhecido No comércio da Bahia Só onde vendia lã Alguém lá o conhecia 74 E o dono do açougue Onde ele vendia gado O banco onde ele tinha Dinheiro depositado Tanto que deu-se esse crime E dele não foi lembrado 75 Sentiu e chorou bastante A morte do camarada E não foi à missa dele Por não ser de madrugada Pois só tinha uma camisa E essa estava rasgada 76 Também procurou saber Qual seria o assassino Não sei se pelo dinheiro Ou pelo próprio destino Mas nunca lhe veio na mente Ser seu filho Valdivino 77 Onde deu-se o crime havia Duas estradas em cruz Diziam que ali se achavam Umas flores muito azuis Formando uma lapa igual À do menino Jesus 78 Os baianos costumavam Desde da antigüidade Fazerem uma grande festa Naquela localidade Véspera e dia de ano Ali era novidade 79 Na capital da Bahia Não havia outro festim Havia missa campal Orquestra e botequim Bailes naquelas latadas Bem cobertas de capim 80 Em oitocentos e nove Estava a festa a terminar Um velho que ali passava Passou naquele lugar Atrás desse caçador Vinha o cachorro Calar 81 Abrigou-se numa sombra Vinha muito esbaforido Foi cheirar o pé da cruz Que o senhor tinha morrido Cheirou a das duas moças E depois soltou um gemido 82 Estava ali um general O bispo e o presidente Com o chefe da polícia Homem muito experiente Todos ficaram daquilo Impressionadamente 83 O general perguntou De quem era aquele cão Respondeu o velho Pedro: Este cachorro patrão É do defunto Oliveira Que Deus dê-lhe a salvação 84 Este cachorro é o rei Dos cachorros caçadores Ainda adora o lugar Que mataram seus senhores Se fosse de madrugada Seus uivos faziam horrores 261 85 Disse o chefe de policia: Inda não se descobriu A morte de um patrício Que tanto à pátria serviu Foi logo nesse deserto Em horas que ninguém viu 86 Disse ali o presidente: Se ainda se descobrir O autor dessas três mortes Eu juro por Deus o punir Serei o carrasco dele Quando ele à forca subir 87 Sebastião de Oliveira Era um pobre acreditado A família deu exemplo O filho um rapaz honrado Era um rapaz distinto Por todo mundo estimado 88 Então disse o general: Isso ainda é descoberto O crime foi muito oculto Feito aqui neste deserto Mas quando chegar o dia Há de saber-se por certo 89 Se eu vivo for nesse tempo Serei o algoz mais forte Serei um dos que conduz Para o teatro da morte Com a minha própria mão Amolo o ferro que o corte 90 O cachorro ouvindo aquilo Ergueu-se muito contente Foi aos pés do general Festejou o presidente Como quem dizia: O crime É punido corretamente 91 Disse o bispo: Esse cachorro É testemunha ocular Ele viu quem fez as mortes Só faltava é ele apontar Se ele visse o criminoso Podia lhe denunciar 92 Disse o velho: Esse cachorro Fez uma coisa esquisita Tinha uma cobra enroscada Onde mataram Angelita Ele despedaçou-a a dentes Quase que se precipita 93 Disse o velho: Esse cachorro Aos pés da cruz se lança Solta um uivo muito triste Como quem pede vingança Como quem pede debalde Sem ter daquilo esperança 94 Nisso chegou um cavalheiro Valdivino de Amorim Andava fora inda vinha Ver se alcançava o festim Vinha num burro possante Alvo da cor de jasmim 95 Assim que o cachorro viu Valdivino se apear Rosnou e partiu a ele Querendo lhe estraçalhar Só não rasgou-lhe a garganta Devido o velho pegar 96 Tremia o queixo e babava Fitando ali Valdivino Uivava como quem já Tivesse perdido o tino Só faltava era dizer — Eis aí o assassino! 97 E foi para o pé da cruz E ali pegou a uivar Fitando os olhos no céu Como quem quer suplicar Como quem dizia: Oh! Deus Vens que não posso falar! 98 O bispo disse: Valdivino Você está descoberto O senhor foi autor Das mortes neste deserto Aquele cachorro deu Um depoimento certo 99 O monstro viu o perigo Fez tudo para negar O bispo disse: Meu filho Não há mentira em olhar Os olhos são verdadeiros Não podem nada ocultar 100 Os olhos também se queixam Um olhar diz o que sente Ameaça ou traição Punição severamente Declara mágoa ou dor Porém o olhar não mente 101 O olhar daquele cão Está demonstrando a dor O sentimento profundo Da morte do seu senhor Ele só falta falar E apontar o matador 102 Naquilo duas crianças Que estavam em brincadeira Uma delas se trepou Num galho de gameleira Tirando um ninho de rato Achou nele uma carteira 262 103 O leitor deve lembrar-se De um verso que aqui já leu Veja na véspera do crime O que Valdivino escreveu E que no oco da gameleira A carteira se perdeu 104 Ali trouxeram a carteira Entregaram ao general O bispo disse: Senhor O que lhe disse afinal Eu não lhe disse que os olhos Só diz o que é legal? 105 Valdivino descobriu tudo Em sua interrogação Calar ali demonstrava Ter grande satisfação Pulava um metro de altura E rolava pelo chão 106 Corria escaramuçando Como quem estava em folia Festejou o general Com demarcada alegria Como quem dizia: Nesses Encontrei o que queria 107 O povo todo da festa Quis a Valdivino linchar O bispo e o presidente Tratou de acomodar Garantindo que a justiça Havia de o castigar 108 Saiu preso Valdivino Calar o acompanhou O velho Pedro chamava Mas ele não escutou Voltou quando Valdivino Preso nos ferros deixou 109 O general ao sair Ordenou ao cozinheiro Que desse ao velho Calar Um bom lombo de carneiro Porque merecia muito Aquele bom companheiro 110 O criado deu o lombo Calar nem para ele olhou Saiu o povo da festa E o lombo lá ficou O cachorro veio comer À noite quando voltou 111 A mulher de Eliziário Sabendo o que aconteceu Deu-lhe um ataque tão forte Que ela no chão se estendeu Passou a noite sem fala No outro dia morreu 112 Juvenal um espanhol Parente de Eliziário Chegando lá disse ao velho: — você é milionário Compre três ou quatro médicos Que provem ele está vario 113 Porque ele estando vário Não poderá ser julgado O processo fica inválido Não pode ser condenado Aí o senhor procura O melhor advogado 114 Eliziário pensou Aquilo ser acertado Do contrário Valdivino Ia ser executado E tinha toda certeza Ele morrer enforcado 115 Dirigiu-se à capital Procurou advogado Este arrumou cinco médicos Sendo o réu examinado Provaram que há quatro anos Ele era tresloucado 116 O bispo e o presidente Consultaram ao general Mandaram vir quatro médicos No reino de Portugal E fizeram na Bahia Uma junta especial 117 Vieram de Portugal Quatro médicos escolhidos Que por dinheiro sem conta Não seria iludidos Esses homens de caráter Jamais seriam vendidos 118 E examinaram o réu Cada médico de per si Todos disseram que nunca Houve tal loucura ali Nem sequer nervoso havia Todos juraram aí 119 Fizeram novo processo Depois dele examinado E estando pronto o processo Valdivino foi julgado A sentença que pegou Foi para ser enforcado 120 Não havia mais recurso Estava tudo consumado O réu dali a três dias Ia ser executado Não tinha mais o que apelar Já tinha sido julgado 263 121 O velho quase sem jeito Sem nada mais conseguir Tentou o último meio A fim do filho fugir Mas só dos degraus da forca Podia se escapulir 122 Então soube que o carrasco Era um tal de Zeferino Um calibre mais ou menos Igual o de Valdivino Tinha os três dons da desgraça Covarde, vil, assassino 123 Era um mulato laranjo De aspecto aborrecido O couro da testa dele Sempre se via franzido Os cabelos bem vermelhos Rosto largo e não comprido 124 Foi o velho Eliziário A esse tal Zeferino Ver se ele podia dar Evasão a Valdivino Dizendo: Ele pula da forca E depois toma destino 125 Pegue dez contos de réis Que lhe dou adiantado E se tiver a fortuna Dele não ser enforcado Dar-lhe-ei mais vinte contos O dinheiro está guardado 126 Então disse Zeferino — Isso é difícil arranjar Porém quando ele subir Eu finjo me desculpar Ele que vai prevenido Trata logo de saltar 127 Disse Zeferino ao velho: O senhor deve aprontar Um cavalo bem ligeiro Para quando ele saltar Montar-se logo e correr Antes do povo chegar 128 Eu hoje direi a ele Tudo que está planejado Que cor será o cavalo Que há de está selado? — Diga que é o poldro branco Em que ele andava montando 129 Valdivino quando soube Esta consulta que havia Ficou como uma criança Chorava ali de alegria Jurando no mesmo instante Que Calar lhe pagaria 130 Então quando chegou o dia Estava o povo aglomerado Valdivino de Amorim Ia ser executado Tudo ali estava esperando Vê-lo morrer enforcado 131 Presente ao estado maior Que vinha presenciar Subiu Valdivino à forca Zeferino foi laçar Porém ele se encolhendo Conseguiu dali saltar 132 E saiu como uma flecha Entre o povo se meteu Se montando no cavalo Dali desapareceu Internando-se no mato Num instante se escondeu 133 O povo indignou-se Com a fuga de Valdivino Um deles que ali estava Estrangulou Zeferino Porque este tinha dado Evasão ao assassino 134 Porém chegou o cachorro Quase na ocasião Soltou dois ou três latidos Saiu de venta no chão Sessenta e três praças foram Também em perseguição 135 Porém Valdivino ia Em bom cavalo montando Tinha grande desvantagem De não ter saído armado E Calar no rastro dele Gania muito vexado 136 Foi preso Eliziário Como autor da evasão O povo não o matou Porém foi para a prisão E o bispo que saiu Pedindo à população 137 Era meia-noite em ponto Valdivino ainda corria O cavalo já cansado Que nada mais resistia E o cachorro Calar De vez enquanto latia 138 Valdivino conhecendo Que nada a ele valia E o cachorro Calar Seu rastro não deixaria Pensou em suicidar-se Só assim descansaria 264 139 Dentro do mato apoiou-se E amarrou o cavalo Encostou-se numa pedra Sentiu alguém acordá-lo Nisto o cavalo espantou-se Ele não soube pegá-lo 140 Seguiu por uma vereda Descalço e todo rompido Ouvindo de vez enquanto Calar soltar um ganido Foi sair bem no lugar Que o crime tinha havido 141 Ele viu a gameleira Que sombreava a estrada Floriano de Oliveira Angelita e Esmeralda Sebastião de Oliveira E dona Maria prostrada 142 Viu vir uma carruagem Nela vinha um magistrado Que saudou os três vultos Depois de ter se apeado Exclamou: Sangue inocente Breve hás de ser vingado! 143 Tornou a tomar o carro Se montando foi embora Nesse momento Calar Vem com a língua de fora Festejou todos os vultos E voltou na mesma hora 144 Um dos vultos chamou ele O cachorro estacou Valdivino não ouviu O que o fantasma falou Só ouviu foi dizer: Volte E o cachorro voltou 145 O criminoso pensou Que ali não escaparia Lembrou-se duma pessoa Que morava na Bahia Pois tinha onde ocultá-lo Que nem o cachorro via 146 Era um compadre e amigo A quem ele protegeu Que com dinheiro do pai Esse tal enriqueceu E ia sempre visitá-lo Quando a justiça o prendeu 147 Valdivino calculou: Eu o que devo fazer É ir para o quintal Por ali me esconder Ou ele ou a mulher dele Um há de me aparecer 148 E saiu o assassino Chegando lá se escondeu Não houve ali quem o visse Quando o dia amanheceu O compadre veio fora E ele lhe apareceu 149 Valdivino lhe pediu Que não o deixasse morrer Disse o velho Roberto: Eu tenho onde te esconder Porém ninguém mais daqui Disso não pode saber 150 Quatros dias decorriam E o assassino escondido Debaixo dumas madeiras Estava ele metido O pai dele na cadeia Já ia ser concluído 151 Num dia de quarta-feira O velho Calar chegou A força ainda estava armada Calar ali a olhou Cravando a vista no céu Um uivo triste soltou 152 Veio ali o presidente Que trouxe um pão e lhe deu Calar olhou para ele Cheirou-lhe os pés e gemeu Botando o pão entre as mãos Deitou-se e ali comeu 153 Chegou a força do mato Não trazendo o criminoso O general com aquilo Ficou muito desgostoso Até o governador Ficou doente e nervoso 154 O povo ao redor da forca Só fazia lamentar Que o pai do assassino Deverá se executar Tudo pedia ao governo Que o mandasse enforcar 155 O cachorro levantou-se Como quem está chamando Foi à casa de Roberto Na porta ficou uivando Olhava para Roberto Partia a ele rosnando 156 O general com aquilo Ficou bastante nervoso E disse ao governador: Estou muito receoso Que ali naquela casa Está oculto o criminoso 265 157 Então a força cercou Toda casa de Roberto O cachorro só faltava Era dizer: Está perto O general disse a ele: O senhor está descoberto 158 Roberto ali descobriu Onde o assassino estava Debaixo das madeiras O monstro se conservava Foi levado ao pé da forca Onde o povo lhe esperava 159 Contou tudo que se deu Antes de ser enforcado Os vultos que viu nas cruzes A quem tinha assassinado O segredo do cachorro E o carro do magistrado 160 Às cinco horas da tarde A justiça o enforcou O pai dele estava preso Assim que o sino dobrou Ali soltando um suspiro Na mesma hora expirou 161 Estando morto o assassino O deitaram sobre o chão O cachorro olhou-o bem Chamando tudo atenção Soltou dois ou três latidos Que espantou a multidão 162 Quando a justiça ordenou Pra ser o corpo inhumado Sobre os pés do general Calar caiu mui cansado Talvez querendo dizer General, muito obrigado 163 O general foi ver água Ao cachorro ofereceu Ali o velho Calar Dois litros d'água bebeu Trouxeram-lhe uma fritada Porém ele não comeu 164 Festejando o general As pernas dele abraçou Dirigiu-se ao presidente A mesma ação obrou Depois desapareceu Novo destino tomou 165 Foi direitinho ao lugar Que o horrendo crime se deu No pé da cruz de Angelita Ele cavou e gemeu O velho Pedro chamou-o Mas ele não atendeu 166 Deitou-se entre as três cruzes Sua vida liquidou Nas condições dum guerreiro Que da batalha voltou Trazendo os louros de guerra À sepultura baixou 167 O general quando soube Que Calar era sumido E que fazia três dias Que não era aparecido Mandou gente procurá-lo Ficando muito sentido 168 Saíram cinco ou seis praças Em procura de Calar O general tinha dito Não voltem sem o achar Tragam ele direitinho Não o façam maltratar 169 Os praças foram ao lugar Onde o crime tinha havido Onde a família Oliveira Tinha toda sucumbido Bem no pé duma das cruzes Tinha o velho cão morrido 170 Tinha posto termo a vida O maior dos lutadores O que em sua existência Viu o horror dos horrores Que sem falar descobriu Quem matou os seus senhores 171 O general quando soube Da forma que o tinham achado Mandou fazer uma cova E nela foi enterrado Um dos amigos mais firmes Que no mundo foi criado 172 E nas mortes dos senhores Ele afirmou ter ação Provou que tinha amizade Ao velho Sebastião A morte só foi vingada Por sua perseguição 173 Só não fez foi dizer nada Mas provou por sua vez Apontou só com a vista O monstro que os crimes fez Seus olhos diziam ao público Esse matou todos três 174 Deitou-se encostado às cruzes Que tinham edificado Tinha morrido há três dias E nem sequer estava inchado Como quem dizia: Agora Posso morrer estou vingado 266 175 Mais de duzentas pessoas Assistiram enterrar ele Devido à grande firmeza Que tinha se visto nele Muitas flores naturais Deitaram na cova dele 176 Agora vejam leitores Quem era o velho Calar E como Sebastião Um dia pôde o achar Ele tinha cinco dias O dono ia o matar 177 Então o velho Oliveira Achou ser ingratidão Matar aquele inocente Embora fosse ele um cão Porém disse: A caridade Não se faz só a cristão 178 E levou-o para casa Disse à mulher que criasse Dizendo: Pode ser bom Algum dia inda caçasse Quando nada da fazenda Talvez os bichos espantasse 179 De fato, Calar criou-se E era um cão caçador Maracajá e raposa Tinha dele tal pavor Que passava muito longe Da fazenda do senhor 180 Era o vigia da noite Um minuto não dormia Numa coisa que guardava O velho cão não bulia Só quando os donos lhe davam Era que ele se servia 181 A família do Oliveira Às vezes a conversar A velha dizia aos filhos: Esse cachorro Calar Tem expressões de pessoa Que conhece seu lugar 182 Em casa do dono ele De noite nada chegava Um bacurau que voasse Ele se erguia e ladrava Do poleiro das galinhas Até coruja espantava 183 Como era muito bom O dono sempre caçava Porém a vizinho algum A noite acompanhava E só ia para o mato Quando o senhor lhe chamava 184 Depois de terem morrido Os senhores de Calar O pobre cão toda noite Ia para aquele lugar Olhava para as três cruzes Levava a noite a uivar 185 Latia e fitava o céu Que causava pena e dó Via sangue no capim Ele cobria com pó Não queria ir para casa Passava a noite ali só 186 O velho Pedro dos Anjos Vizinho de Sebastião Achou que aquele animal Merecia compaixão Chamou-o para não vê-lo Morrer sem ter remissão 187 O velho Pedro caçava Toda noite com Calar Mas ele só ia à caça Depois que ia ao lugar Aos pés daquelas três cruzes Não deixava de uivar 188 Assim morreu o Calar Ficou também descansado Era um cão porém deixou O nome imortalizado Morreu depois de livrar Quem já o tinha livrado 189 Leitor não levantei falso Escrevi o que se deu Acreditem que este fato Na Bahia aconteceu Depois de lutar então Rolou Calar sobre o chão Onde seu senhor morreu Fonte: 100 histórias de cordéis segundo a Academia Brasileira de Literatura de Cordel / [organização e curadoria de Gonçalo Ferreira da Silva]. – Mossoró: Queima Bucha, 2008. 267 4.2 ANEXOS DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA – MÓDULO DE ESCRITA ANEXO M – IMAGENS DO SLIDE – 1ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA – 2ª FASE Tela 01 Tela 02 268 Tela 03 Tela 04 269 Tela 05 Tela 06 270 Tela 07 Tela 08 271 Tela 09 Tela 10 272 Tela 11 Tela 12 273 Tela 13 Tela 14 274 Tela 15 Tela 16 275 Tela 17 Tela 18 276 Tela 19 Tela 20 277 Tela 21 Tela 22 278 Tela 23 Tela 24 279 Tela 25 Tela 26 280 Tela 27 Tela 28 281 Tela 29 Tela 30 282 ANEXO N – FRASES PARA O TRABALHO COM A ESCRITA LÚDICA – 1ª ETAPA – 3ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA Atividade com a escrita Frases selecionadas para a realização da Atividade com letras trocadas e com números (para os alunos praticarem no caderno). As frases devem ser recortadas pelo professor antecipadamente e distribuídas quando das pausas para atividade propostas nos slides. 1. Por um mundo onde as pessoas torrem as minhas calorias e não a minha paciência. 2. Se quem ama cuida, muita gente deve me amar. Porque o que tem de pessoas cuidando da minha vida, não é brincadeira. 3. O concurso de Miss Universo é armado. Todas as vencedoras são da Terra. 4. Sabe o que acontece quando você esfrega uma lâmpada embaixo d´água? Aparece um Hidrogênio. 5. Eu não estou dormindo. Estou apenas dando uma boa olhada no interior das minhas pálpebras. 6. A risada é o melhor remédio, mas se você está dando risada sem nenhum motivo, talvez você esteja precisando tomar outro tipo de remédio. 7. É muito triste quando se é rico, bonito e sensual e aí vem o despertador e acaba com tudo. 8. Não é que eu tenha medo de morrer. Só não quero estar lá quando isso acontecer. 9. Fórmula para não faltar madeira no mundo: basta o Pinóquio virar político. 10. As aparências enganam ... e em alguns casos assustam. 11. Trabalhar nunca matou ninguém, mas ... pra que arriscar? 12. Só não morro de preguiça porque tenho preguiça de morrer. 13. - Mãe, me disseram na escola que eu sou muito distraído. - Menino, presta atenção, eu não sou sua mãe. Sua casa é a do lado! 14. Herança é aquilo que os mortos deixam para que os vivos se matem. 15. Dizem que todo mundo merece uma segunda chance. Acho que eu já ficaria satisfeito se me dessem a primeira. 16. Quer ganhar milhões de seguidores? Cutuque uma colmeia de abelhas e saia correndo. 17. O otimista vê o copo meio cheio. O pessimista vê o copo meio vazio. O realista vê que alguém vai ter que lavar o copo. 18. Tô correndo atrás do prejuízo, mas parece que ele é queniano. 19. Antes de falar, ouça. Antes de agir, pense. Antes de desistir, tente. Antes de cagar, veja se tem papel. 20. O sol nasce, a bicicleta anda, o gato mia e o urso panda. 21. Percebi que a bebida exalta a minha beleza. Sempre que minha mulher me vê bêbado ela diz: "Bonito, hein!" 22. Cão bravo perdido. A quem achar, minhas sinceras desculpas. 23. Estudos mostram que uma em cada quatro pessoas tem alguma deficiência mental. Fique de olho em três dos seus amigos. Se eles parecerem normais, o retardado é você! 24. Viva cada dia como se fosse o último, um dia você acerta. 25. O cara era tão magro que o chuveiro dele só tinha um furo! 26. Se o Xororó fosse dono de uma sorveteria, nela teria uma sobremesa chamada Sundae Junior. 27. Amor não é uma coisa que mexe por dentro e deixa marcas quando passa. O nome disso é diarreia. 283 ANEXO O - TEXTO DE CORDEL – 1ª ETAPA – 4ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA Encontro de Lampião com Kung Fu em Juazeiro do Norte Abraão Batista 1 Meu leitor, meu amiguinho Permita a imaginação Desse encontro imaginário De Kung Fu com Lampião Na cidade de Juazeiro De Padre Cícero Romão... 2 Pois bem, eu vou dizer Como foi que aconteceu Dizendo quem se feriu Quem matou e quem morreu Depois diga por aí Quem contou isso foi eu 3 Mas se lembre esta história É livre e imaginária Vem do direito do poeta Que tem na indumentária Do infinito astucioso Que não tem medo de pária 4 Lampião, todos conhecem Mas não sabem interpretar Só sabem falar mal dele Porque não quiseram indagar A causa que ele abraçou E o que o forçou a matar 5 Se Lampião foi cangaceiro Foi que o forçaram a matar Ele era bom e justiceiro Antes de o incriminar Pois a justiça dos homens Às vezes não sabe julgar 6 No entanto, o meu assunto O que agora vou descrever É de Lampião, o cangaceiro Com Kung Fu do caratê E se você não o conhece Vai agora o conhecer 7 Eu já falei de Lampião Que é um herói invisível Nesse momento de Kung Fu Que é um chinês invencível Nas grandes lutas de morte Sempre foi o imbatível 8 A China tem o seu herói Que luta pela justiça Aprendeu as leis dos monges Que desprezam a vã cobiça E desde pequeno, que ele Teve escola sem malícia 9 Kung Fu desde pequeno Ficou sozinho no mundo E os monges do Himalaia Não o quiseram um vagabundo Acolheram-no no mosteiro Ensinando-o todo segundo 10 Depois que Kung Fu cresceu Saiu pelo mundo a fora Procurando fazer justiça O que sua cartilha decora A perseguição e a cobiça São coisas que mais deplora 11 Kung Fu fez uma promessa Para no santo Juazeiro Visitar padrinho Cícero Que é santo por primeiro Veio a pé, veio a cavalo E de navio, como romeiro 12 Desembarcou em Fortaleza Do Ceará, a capital E o resto desse percurso Fez a pé, e não fez mal Porque ele é um atleta Cuja força é sem igual 284 13 Lampião, por esse tempo O mesmo ato resolveu Só não sei onde estava Se no inferno, ou no céu Eu só sei que no mesmo dia Por aqui, apareceu 14 E no túmulo do "meu padrinho" Os dois valentes se encontraram Parecendo, no mesmo instante Ao mesmo tempo, se ajoelharam Quando nos ares, os seus olhares Como relâmpagos se entrechocaram 15 Lampião olhou esquivo Para Kung Fu, e indagou Onde moras, ó meu irmão? E Kung Fu lhe afirmou: — Sou habitante desse mundo E com capricho suspirou 16 Os dois se levantaram E saíram pela igreja Mas, por fora no patamar Tinha um soldado com inveja E gritou para Lampião: — Tu não perdeste a peleja 17 Lampião não quis conversar Depressa meteu-lhe a faca Dando um só golpe certeiro E inteiro, cortou-lhe a maca Que o soldado caiu rolando Gritando como macaca 18 Kung Fu vendo aquilo Deu um pulo para trás E Lampião na bruta calma Sem perder o seu cartaz Limpou a faca e guardou No seu gesto costumaz 19 Kung Fu disse assim: — Que é isso, Lampião? És homem ou assassino Que ignoras o teu irmão! Mas Lampião respondeu: — Tudo isso é ilusão 20 Kung Fu vendo aquilo Depressa se indignou Com força pra Lampião Num tom grave assim falou: — Procedimento igual a esse Nesse momento terminou! 21 Lampião sorriu pra ele E com um punhal na mão Despalitou a dentadura Pra depois cuspir no chão Respondendo pra Kung Fu: — És atrevido, tenho impressão 22 Kung Fu ouvindo isso Parece que não gostou Fez um gesto de caratê Que Lampião lhe apontou Disparando duma só vez Seis descargas mas não acertou 23 Kung Fu tem uma espada De aço, bem temperado E livrou-se daquelas balas De um golpe inesperado Cortando as balas no meio Pois quem viu ficou assombrado 24 Kung Fu de um só pulo Do fuzil, o cano entortou Com um golpe dado com a mão A cem metros do arremessou E quem quiser vá ao museu Para ver como ficou 25 Lampião disse: — Oxente Quem já se viu coisa assim Mas Kung Fu de repente Malhou seu espadachim E Lampião pulou gritando: — Hoje tudo está pra mim 26 Com uma espada grande Kung Fu nele malhou Lampião com uma peixeira Seus planos atrapalhou Mas Kung Fu com sua espada A peixeira dele cortou 285 27 Lampião: — Virgem Maria Que espada desgraçada! E do meio da cintura Puxou a faca lombada E partindo desse momento Teve a briga recomeçada 28 Quando a espada de Kung Fu Batia na faca de Lampião Com quarenta léguas se via Aquele enorme clarão Que o povo de Pernambuco Pensou que era ilusão 29 Kung Fu roçava a espada Lampião se defendia Com uma faca lombada Cortando de travessia E os golpes daquelas armas De longe a gente ouvia 30 Se Lampião saltava alto Kung Fu também saltava Naquela briga feroz O fogo azul que faiscava Tinha um brilho tão grande Que o dia ofuscava 31 Kung Fu deu um pulo alto Para confundir Lampião Mas ele fez um rodízio Rodando que nem pião Que Kung Fu quando baixou Quase que perdia a mão 32 Para se livrar um do outro Pulavam mais do que bode Corriam mais do que ema Que a areia com os pés sacode Mas aquilo para eles dois Era gostoso como um pagode 33 Nessa luta eles passaram Sem dormir sem descansar Sete noites e sete dias É o que posso lhe contar Suavam como chaleiras Mas não queriam se entregar 34 Um olhava para o outro Reconhecendo do seu valor Mas a vontade de brigar Ardia com mais calor E a luta recomeçava Com outro novo sabor 35 Duma faísca da espada Com aquele grande punhal Provocou enorme incêndio Em cem tarefas de canavial Chamando logo a atenção De Kung Fu e seu rival 36 Lampião disse assim: Kung Fu, você está vendo Esse fogo no vegetal Que por nós está ardendo É algo que a natureza Para nós está dizendo 37 Kung Fu disse: — Falou! A guerra não tem sentido O homem brigar com o homem Me causa dor no ouvido As conquistas e os massacres São atos de tempo ido 38 Neste momento Kung Fu E Lampião se abraçaram Dando fim a um duelo Que sem morrer terminaram E eu peço aos meus leitores Mil desculpas se não gostaram. Juazeiro do Norte, julho de 1975 Referência: Texto de Abraão Batista Acessado em: 18 de abril de 2015. 286 ANEXO P – LINK DO ENDEREÇO DO VÍDEO SOBRE O CORDEL -– 2ª ETAPA – 1ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA Link para acesso ao vídeo sobre o cordel – Globo Rural 2011: Imagem: 287 ANEXO Q – IMAGENS DO POWERPOINT CORDEL – 2ª ETAPA – 2ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA Tela 01 Tela 02 288 Tela 03 Tela 04 289 Tela 05 Tela 06 290 Tela 07 Tela 08 291 Tela 09 Tela 10 292 Tela 11 Tela 12 293 Tela 13 Tela 14 294 Tela 15 Tela 16 295 Tela 17 Tela 18 296 Tela 19 Tela 20 297 Tela 21 Tela 22 298 Tela 23 Tela 24 299 Tela 25 Tela 26 300 Tela 27 Tela 28 301 Tela 29 Tela 30 302 Tela 31 Tela 32 303 Tela 33 304 ANEXO R - TEXTO DE CORDEL – 2ª ETAPA – 2ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA A Chegada de Lampião no Inferno – José Pacheco Endereço da imagem: 1 Um cabra de Lampião por nome Pilão Deitado que morreu numa trincheira um certo tempo passado agora pelo sertão anda correndo visão fazendo mal-assombrado. 2 E foi quem trouxe a notícia que viu Lampião chegar o inferno nesse dia faltou pouco pra virar incendiou-se o mercado morreu tanto cão queimado que faz pena até contar 3 Morreu a mãe de Canguinha o pai de Forrobodó cem netos de Parafuso um cão chamado Cotó escapuliu Boca Insossa e uma moleca moça quase queimava o totó 4 Morreram cem negros velhos que não trabalhavam mais um cão chamado Traz Cá Vira-Volta e Capataz Tromba Suja e Bigodeira um cão chamado Goteira cunhado de Satanás. 5 Vamos tratar da chegada quando Lampião bateu um moleque ainda moço no portão apareceu: Quem é você, cavalheiro? Moleque, eu sou cangaceiro: Lampião lhe respondeu. 6 - Moleque, não; sou vigia! e não sou seu parceiro e você aqui não entra sem dizer quem é primeiro: - Moleque, abra o portão saiba que sou Lampião assombro do mundo inteiro. 7 Então esse tal vigia que trabalha no portão dá pisa que voa cinza não procura distinção o negro, escreveu não leu o macaíba comeu lá não se usa perdão. 8 O vigia disse assim: fique fora que eu entro 305 vou conversar com o chefe no gabinete do centro por certo ele não lhe quer mas conforme o que disser eu levo o senhor pra dentro. 9 Lampião disse: vá logo quem conversa perde hora vá depressa e volte já eu quero pouca demora se não me derem ingresso eu viro tudo as avesso toco fogo e vou embora. 10 O vigia foi e disse a Satanás no salão: saiba vossa senhoria que aí chegou Lampião dizendo que quer entrar e eu vim lhe perguntar se dou-lhe ingresso ou não. 11 - Não senhor, Satanás disse vá dizer que vá embora só me chega gente ruim eu ando muito caipora! eu já estou com vontade de botar mais da metade dos que tem aqui pra fora. 12 - Lampião é um bandido ladrão da honestidade só vem desmoralizar a nossa propriedade e eu não vou procurar sarna para me coçar sem haver necessidade. 13 Disse o vigia: patrão a coisa vai arruinar eu sei que ele se dana quando não puder entrar Satanás disse: isso é nada convide aí a negrada e leve os que precisar 14 - Leve cem dúzias de negros entre homem e mulher vá lá na loja de ferragem tire as armas que quiser é bom avisar também pra vir os negros que tem mais compadre Lúcifer 15 E reuniu-se a negrada primeiro chegou Fuchico com o bacamarte velho gritando por Cão de Bico que trouxesse o pau da prensa e fosse chamar Tangença em casa de Maçarico. 16 E depois chegou Cambota endireitando o boné Formigueiro e Trupe-Zupe e o crioulo Quelé chegou Caé e Pacáia Rabisca e Cordão de Saia e foram chamar Bazé. 17 Veio uma diaba moça com a calçola de meia puxou a vara da cerca dizendo: a coisa está feia hoje o negócio se dana! E gritou: êta, baiana agora a ripa vadeia! 18 E saiu a tropa armada em direção do terreiro com faca, pistola e facão clavinote e granadeiro uma negra também vinha com a trempe da cozinha e o pau de bater tempero. 19 Quando Lampião deu fé da tropa negra encostada disse: só na Abissínia oh! tropa preta danada! o chefe do batalhão gritou de arma na mão; - Toca-lhe fogo, negrada! 20 306 Nessa voz ouviu-se tiros que só pipoca no caco Lampião pulava tanto que parecia um macaco tinha um negro neste meio que durante o tiroteio brigou tomando tabaco. 21 Acabou-se o tiroteio por falta de munição mas o cacete batia negro rolava no chão pau e pedra que achavam era o que as mãos pegavam sacudiam em Lampião. 22 - Chega traz um armamento! (assim gritava o vigia) traz a pá de mexer doce lasca os ganchos de Caria traz um bilro de Macau corre, vai buscar um pau na cerca da padaria! 23 Lúcifer mais Satanás vieram olhar do terraço todos contra Lampião de cacete, faca e braço o comandante no grito dizia: briga bonito negrada, chega-lhe o aço! 24 Lampião pôde apanhar uma caveira de boi sacudiu na testa dum ele só fez dizer: oi!... Ainda correu dez braças e caiu enchendo as calças mas eu não sei dizer o que foi. 25 Estava travada a luta duma hora fazia a poeira cobria tudo negro embolava e gemia porém Lampião ferido ainda não tinha sido devido a grande energia. 26 Lampião pegou um seixo e rebolou-o num cão mas o que: arrebentou a vidraça do oitão saiu fogo azulado incendiou o mercado e o armazém de algodão. 27 Satanás com esse incêndio tocou no búzio chamando correram todos os negros que se achavam brigando Lampião pegou a olhar não vendo com quem brigar também foi se retirando. 28 Houve grande prejuízo no inferno nesse dia queimou-se todo dinheiro que Satanás possuía queimou-se o livro de pontos perdeu-se vinte mil contos somente em mercadoria. 29 Reclamava Lucifer: horror mais não precisa os anos ruins de safra agora mais esta pisa se não houver bom inverno tão cedo aqui no inferno ninguém compra uma camisa. 30 Leitores, vou terminar tratando de Lampião muito embora que não possa vou dar a explicação no inferno não ficou no céu também não entrou por certo está no sertão. 31 Quem dúvida desta história pensar que não foi assim querer zombar do meu sério não acreditando em mim vá comprar papel moderno escreva para o inferno mande saber de Caim 307 ANEXO S – ATIVIDADE PARA COMPLETAR COM RIMAS -– 2ª ETAPA – 3ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS ESCOLA ESTADUAL PROF. JOSÉ FERNANDES MACHADO Professor: Ladmires Luiz Gomes de Carvalho Ano Escolar: 9º Ensino Fundamental II Turma: ―A‖ Turno: Vespertino Aluno: ___________________________________________________________ O cordel que segue, do poeta mossoroense Antônio Francisco, trata sobre o comportamento do homem diante da natureza. O autor, inventivamente, cria uma situação em que dá voz aos animais que se personificam numa reunião em torno de discussões sobre o modo como o ser humano tratam o meio em que vivem. Além de podermos aprender uma lição de vida com o texto, podemos ainda enriquecer o nosso vocabulário com palavras próprias do linguajar do sertanejo, mas o nosso trabalho principal será voltado para completar as rimas que estão faltando na maioria das estrofes, o que poderá ser bastante útil para as próximas atividades que desenvolveremos com o gênero. Mãos à obra, então. Faremos a atividade coletivamente. Vocês sugerem as palavras para compor a rima e eu vou escrevendo no quadro branco. Após a conclusão, ouviremos o texto na íntegra que está disponível no canal Youtube na Internet. OS ANIMAIS TÊM RAZÃO Autor: Antônio Francisco Imagem: 308 1 Quem já passou no sertão E viu o solo rachado, A caatinga cor de cinza, Duvido não ter _____________ Pra ficar olhando o verde Do juazeiro ________________. 2 E sair dali pensando: Como pode a natureza Num clima tão quente e seco, Numa terra ________________ Com tanta adversidade Criar tamanha ______________. 3 O juazeiro, seu moço, É pra nós a resistência, A força, a garra e a saga, O grito de ___________________ Do sertanejo que luta Na frente da _________________. 4 Nos seus galhos se agasalham Do periquito ao cancão. É hotel do retirante Que anda de pé no ___________, O general da caatinga E o vigia do ________________. 5 E foi debaixo de um deles Que eu vi um porco falando, Um cachorro e uma cobra E um burro _______________, Um rato e um morcego E uma vaca _________________. 6 Isso já faz tanto tempo Que eu nem me lembro mais Se foi pra lá de Fortim, Se foi pra cá de _____________, Eu só me lembro direito Do que disse os _______________. 7 Eu vinha de Canindé Com sono e muito cansado, Quando vi perto da estrada Um juazeiro ________________. Subi, armei minha rede E fiquei ali __________________. 8 Como a noite estava linda, Procurei ver o cruzeiro, Mas, cansado como estava, Peguei no sono _______________. Só acordei com uns gritos Debaixo do ___________________. 9 Quando eu olhei para baixo Eu vi um porco falando, Um cachorro e uma cobra E um burro ______________, Um rato e um morcego E uma vaca _______________. 10 O porco dizia assim: – ―Pelas barbas do capeta! Se nós ficarmos parados A coisa vai ficar _________________ Do jeito que o homem vai, Vai acabar o ___________________. 11 Já sujaram os sete mares Do Atlântico ao mar Egeu, As florestas estão capengas, Os rios da cor de ____________ E ainda por cima dizem Que o seboso sou ___________. 12 Os bichos bateram palmas, O porco deu com a mão, O rato se levantou E disse: – ―Prestem _____________ Eu também já não suporto Ser chamado de _______________. 309 13 O homem, sim, mente e rouba, Vende a honra, compra o nome. Nós só pegamos a sobra Daquilo que ele _____________ E somente o necessário Pra saciar nossa _____________.‖ 14 Palmas, gritos e assovios Ecoaram na floresta, A vaca se levantou E disse franzindo a ______________: – ―Eu convivo com o homem, Mas sei que ele não _____________. 15 É um mal-agradecido, Orgulhoso, inconsciente. É doido e se faz de cego, Não sente o que a gente _________, E quando nasce e tomando A pulso o leite da _______________. 16 Entre aplausos e gritos, A cobra se levantou, Ficou na ponta do rabo E disse: – ―Também eu ________ Perseguida pelo homem Pra todo canto que ____________. 17 Pra vocês o homem é ruim, Mas pra nós ele é cruel. Mata a cobra, tira o couro, Come a carne, estoura o __________, Descarrega todo o ódio Em cima da ________________. 18 É certo, eu tenho veneno, Mas nunca fiz um canhão. E entre mim e o homem, Há uma _________________ O meu veneno é na presa, O dele no _______________. 19 Entre os venenos do homem, O meu se perde na sobra... Numa guerra o homem mata Centenas numa ________________, Inda tem cego que diz: Eu tenho medo de _____________.‖ 20 A cobra inda quis falar, Mas, de repente, um esturro. É que o rato, pulando, Pisou no rabo do ______________ E o burro partiu pra cima Do rato pra dar-lhe um ___________. 21 Mas, o morcego notando Que ia acabar a paz, Pulou na frente do burro E disse: – ―Calma, ____________!... Baixe a guarda, abra o casco, Não faça o que o homem _________.‖ 22 O burro pediu desculpas E disse: – ―Muito obrigado, Me perdoe se fui grosseiro, É que eu ando ________________ De tanto apanhar do homem Sem nunca ter _________________.‖ 23 O rato disse: – ―Seu burro, Você sofre porque quer. Tem força por quatro homens, Da carroça é o _____________... Sabe dar coice e morder, Só apanha se _____________.‖ 24 O burro disse: – ―Eu sei Que sou melhor do que ele. Mas se eu morder o homem Ou se eu der um coice __________ É mesmo que estar trocando O meu juízo no _______________. 310 25 Os bichos todos gritaram: – ―Burro, burro... muito bem!‖ O burro disse: – ―Obrigado, Mas aqui ainda _____________ O cachorro e o morcego Que querem falar ______________.‖ 26 O cachorro disse: – ―Amigos, Todos vocês têm razão... O homem é um quase nada Rodando na ________________, Um quebra-cabeça humano Sem prumo e sem ____________. 27 Eu nunca vou entender Por que o homem é assim: Se odeiam, fazem guerra E tudo o quanto é ____________ E a vacina da raiva Em vez deles, dão em ___________.‖ 28 Os bichos bateram palmas E gritaram: – ―Vá em frente.‖ Mas o cachorro parou, Disse: – ―Obrigado, ____________, Mas falta ainda o morcego Dizer o que ele ____________.‖ 29 O morcego abriu as asas, Deu uma grande risada E disse: – ―Eu sou o único Que não posso dizer ___________ Porque o homem pra nós Tem sido até ___________________. 30 Constrói castelos enormes Com torre, sino e altar, Põe cerâmica e azulejos E dão pra gente _____________ E deixam milhares deles Nas ruas, sem ter um __________.‖ 31 O morcego bateu asas, Se perdeu na escuridão, O rato pediu a vez, Mas não ouvi nada, _____________. Peguei no sono e perdi O fim da __________________. 32 Quando o dia amanheceu, Eu desci do meu poleiro. Procurei os animais, Não vi mais nem o ______________, Vi somente umas pegadas Debaixo do ____________________. 33 Eu disse olhando as pegadas: Se essa reunião Tivesse sido por nós, Estava coberto o ____________ De piubas de cigarros, Guardanapo e _______________. 34 Botei a maca nas costas E saí cortando o vento. Tirei a viagem toda Sem tirar do __________________ Os sete bichos zombando Do nosso _____________________. 35 Hoje, quando vejo na rua Um rato morto no chão, Um burro mulo piado, Um homem com um __________ Agredindo a _______________, Eu tenho plena ________________: Os animais têm _____________. Fim Disponível em: Acessado em: 16 de abril de 2015. 311 ANEXO T – TRABALHANDO A ESCANSÃO – 3ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS ESCOLA ESTADUAL PROF. JOSÉ FERNANDES MACHADO Professor: Ladmires Luiz Gomes de Carvalho Ano Escolar: 9º Ensino Fundamental II Turma: ―A‖ Turno: Vespertino O TRABALHO COM A ESCANSÃO POÉTICA O tipo de rima mais utilizada nos cordéis é aquele verificado nas sextilhas (estrofe composta por seis versos). Cada verso tem sete sílabas poéticas e é chamado de redondilha maior. As rimas nesse tipo de verso ocorrem no segundo, quarto e sexto versos respectivamente. Já o ritmo é marcado pela cadência da pronúncia mais forte na 3ª e 7ª sílaba poética, respectivamente. Como exemplo, tomemos as duas primeiras estrofes do cordel O fazendeiro mendigo e a cabocla encalhada de autoria de Mestre Azulão (João José dos Santos, um cordelista bem renomado na arte do cordel): Es/ta his/tó/ria/ eu/ ga/ran/to 1 2 3 4 5 6 7 Que/ há/ tem/pos/ foi/ pas/as/da 1 2 3 4 5 6 7 Pe/lo o/ a/con/te/ci/men/to 1 2 3 4 5 6 7 Foi a/ mes/ma/ in/ti/tu/la/da 1 2 3 4 5 6 7 O/ fa/zen/dei/ro/ men/di/go 1 2 3 4 5 6 7 E a/ ca/bo/cla/ en/ca/lha/da 1 2 3 4 5 6 7 Nu/ma/ se/ca/ do/ Nor/des/te 1 2 3 4 5 6 7 On/de/ mui/tos/ re/ti/ran/tes 1 2 3 4 5 6 7 Dei/xa/ram/ seus/ lu/ga/re/jos 1 2 3 4 5 6 7 De/ to/dos/ ser/tões/ dis/tan/tes 1 2 3 4 5 6 7 O/bri/ga/dos/ pe/la/ fo/me 1 2 3 4 5 6 7 E/ mi/sé/rias/ cru/ci/an/tes 1 2 3 4 5 6 7 312 Imagens: Acessado em 24/06/2015 Vejamos mais um exemplo de escansão, na tabela abaixo, com as três primeiras estrofes do cordel Conselhos pra juventude, de José Acaci, poeta local. TABELA DE ESCANSÃO POÉTICA Versos Sílaba métrica 1 Sílaba métrica 2 Sílaba métrica 3 Sílaba métrica 4 Sílaba métrica 5 Sílaba métrica 6 Sílaba métrica 7 Sílaba átona/ Ou sílabas que sobram 1 (sem rima) Quan do fal Ta ins pi ra ção - 2 (com rima) Pra es cre ver cor del no vo 3 (sem rima) Eu me sin to a go ni a do 4 (com rima) Que nem um pin to no o vo 5 (sem rima) E sai o no ―mei‖ do mun do 6 (com rima) Pra con ver sar com o po vo Versos Sílaba métrica 1 Sílaba métrica 2 Sílaba métrica 3 Sílaba métrica 4 Sílaba métrica 5 Sílaba métrica 6 Sílaba métrica 7 Sílaba átona/ Ou sílabas que sobram 1 (sem rima) Pu xo pro sa com um um la to 2 (com rima) Con ver so com um ci da dão - 3 (sem rima) Ou ço a pa la vra d‘um jo vem 4 (com rima) Dis cu to com an ci ão - 5 (sem rima) E de con ver sa em con ver sa 6 (com rima) Me vem a ins pi ra ção - Versos Sílaba métrica 1 Sílaba métrica 2 Sílaba métrica 3 Sílaba métrica 4 Sílaba métrica 5 Sílaba métrica 6 Sílaba métrica 7 Sílaba átona/ Ou sílabas que sobram 1 (sem rima) Eu já vi gen te di zen do 2 (com rima) Que a si tua ção tá ru im - 3 (sem rima) Já vi be a ta fa lan do 4 (com rima) Que o mun do che gou ao fim - 5 (sem rima) E vi ca bra en gra va ta do 6 (com rima) Bo tan do a cul pa em Ca im - 313 Agora é sua vez. Faça a escansão de mais algumas estrofes do poema Conselhos pra juventude, do poeta José Acaci. [...] 4 Ouvi falar de família Separada e desunida. De casais indo pra cama Sem um projeto de vida, E da nossa juventude Completamente perdida. 5 Notando a falta de amor De carinho e de virtude Quero aproveitar os versos Do meu cordelzinho rude Pra mandar o meu recado Para essa juventude. 6 Só quero dar uns conselhos Pra você adolescente Você que tem uma vida Um futuro pela frente Mas não pensa nos reflexos De cada ato da gente. 7 Os jovens querem viver Em alta velocidade Não colocam nos seus planos Estudar na faculdade E querem ter mais dinheiro Do que têm capacidade. 8 É por isso que se vê Tanto rapaz se matando, Meninos vendendo drogas, Consumindo e traficando Como se a vida deles Já estivesse acabando. 9 Tudo que se faz agora Sempre reflete depois Pra se chegar no milhão Sempre tem o dois mais dois E ―No rumo do caviar, Tem muito feijão com arroz. [...] 314 QUADRO PARA O TRABALHO COM A ESCANSÃO POÉTICA Versos Sílaba métrica 1 Sílaba métrica 2 Sílaba métrica 3 Sílaba métrica 4 Sílaba métrica 5 Sílaba métrica 6 Sílaba métrica 7 Sílaba átona/ Ou sílabas que sobram 1 (sem rima) 2 (com rima) 3 (sem rima) 4 (com rima) 5 (sem rima) 6 (com rima) Versos Sílaba métrica 1 Sílaba métrica 2 Sílaba métrica 3 Sílaba métrica 4 Sílaba métrica 5 Sílaba métrica 6 Sílaba métrica 7 Sílaba átona/ Ou sílabas que sobram 1 (sem rima) 2 (com rima) 3 (sem rima) 4 (com rima) 5 (sem rima) 6 (com rima) Versos Sílaba métrica 1 Sílaba métrica 2 Sílaba métrica 3 Sílaba métrica 4 Sílaba métrica 5 Sílaba métrica 6 Sílaba métrica 7 Sílaba átona/ Ou sílabas que sobram 1 (sem rima) 2 (com rima) 3 (sem rima) 4 (com rima) 5 (sem rima) 6 (com rima) 315 ANEXO U – TEXTO DE CORDEL – 4ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA A Revolta dos Macacos Autor: Pompílio Diniz Endereço da imagem: 1 Eu tenho na minha casa Um papagai faladô Bichinho de pena e asa Num pode tê mais valô Cunvesa cum os animá E adispois vem me contá Tudo o qui os bicho falô 2 Eu vô dizê a você Num gosto de labacé E apuriço vô lhe dizê Aquerdite se quisé Cum certeza nunca ispai Históra de papagai E Fuxico das muié 3 Meu papagai asturdia Vuando vei me contá O qui o macaco dizia Pá todos os animá Im defesa de seu nome Ia morre quantos homi Numa ação judiciá 4 O papagai disse, enfim Que esse macaco feroz Falava pus bicho ansim Com toda artura da voz: Pra vergonha dos macaco Disse um sujeito veiaco Qui os home nasceu de nóis 5 Só nos trouxe desvantage Essa ta de descendênça. Pois pru mode essas bobage, Houve tanta desavença, Que de argum tempo pra cá Bicho nenhum quer mais dá A macaco muita crença... 6 No entanto vocês se engana Pió mentira não há. Coquero não dá banana (cada coisa em seu lugá) Nem bananera dá coco Nóis, os macaco tampouco Vai outro bicho gera 316 7 E nenhum de nóis aceita Na famia essa braiada. Nossas macaca é direita Muito honesta e respeitada É por isso que eu duvido Que os homi tenha nascido No meio da macacada 8 Se os homi tivesse em fim descendência de macaco, num havia gente ruim e nem sujeito veiaco. Vivia sem ter trabaio Drumindo no memo gaio Comendo no memo caco 9 Repare se argum macaco bebe cachaça pru viço. Se cheira tabaco... Ou desejando sumiço, ele memo se matasse. Mas os homi quando nasce Já tem tendença pra isso 10 Veja bem se argum de nois somente por ambição Guardando rancor feroz mata seu prório irmã. Que ele seja forte ou fraco macaco contra macaco nunca fez revolução 11 Animá nenhum da terra Tem esse instinto do homi de vivê fazendo guerra Matando os outro de fomi. Entre nóis há união. Sem haver exproração quando um comi os outro comi 12 Se um macaco tá doente, cura seu má com resina. Mas os homi é deferente. Faz primeiro uma chacina em tudo quanto é macaco e dele fazer vacina 13 Também as nossa macaca Num dexa os fio cum fomi nem arruma a sua maca e pelo mundo se somi atrás de outro chimpanzé Cumo faz essas muié fugindo com os outro homi 14 As nossas macaca véve Cuidando só da famia. Nenhuma deles se atreve ir de noite pras folia deixando em casa seus fio bandonado, com frio pra vortá no outro dia 15 Porém, nada disso importa E pra falá francamente Nóis enfim só não suporta a mentira dessa gente que pra manchá nosso nome, quer pru força que esses homi seja nossos descendente. Disponível em: Acessado em: 16 de abril de 2015. Vídeo de Rolando Boldrin declamando o cordel de Pompilho Diniz em: 317 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS ESCOLA ESTADUAL PROF. JOSÉ FERNANDES MACHADO Professor: Ladmires Luiz Gomes de Carvalho Ano Escolar: 9º Ensino Fundamental II Turma: ―A‖ Turno: Vespertino Aluno(a): _________________________________________________ Atividade de reescrita – 4ª etapa do Módulo de Escrita 1. Reescreva as estrofes abaixo, retiradas do texto A revolta dos macacos de Pompílio Diniz, utilizando a linguagem formal. 1 1 Eu tenho na minha casa _________________________________ Um papagai faladô _________________________________ Bichinho de pena e asa _________________________________ Num pode tê mais valô _________________________________ Cunvesa cum os animá _________________________________ E adispois vem me contá _________________________________ Tudo o qui os bicho falô _________________________________ 2 2 Eu vô dizê a você _________________________________ Num gosto de labacé _________________________________ E apuriço vô lhe dizê _________________________________ Aquerdite se quisé _________________________________ Cum certeza nunca ispai _________________________________ Históra de papagai _________________________________ E Fuxico das muié _________________________________ 3 3 Meu papagai asturdia _________________________________ Vuando vei me contá _________________________________ O qui o macaco dizia _________________________________ Pá todos os animá _________________________________ Im defesa de seu nome _________________________________ Ia morre quantos homi _________________________________ Numa ação judiciá _________________________________ A Revolta dos Macacos - Pompílio Diniz. Disponível em: Acessado em: 16 de abril de 2015. 318 ANEXO V – EXEMPLOS DE CORDÉIS COM VARIAÇÃO REGIONAL – 4ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA Texto 1 Ai! Se sêsse!... Autor: Zé da Luz Se um dia nós se gostasse; Se um dia nós se queresse; Se nós dois se impariásse, Se juntinho nós dois vivesse! Se juntinho nós dois morasse Se juntinho nós dois drumisse; Se juntinho nós dois morresse! Se pro céu nós assubisse? Mas porém, se acontecesse qui São Pêdo não abrisse as portas do céu e fosse, te dizê quarqué toulíce? E se eu me arriminasse e tu cum insistisse, prá qui eu me arrezorvesse e a minha faca puxasse, e o buxo do céu furasse?... Tarvez qui nós dois ficasse tarvez qui nós dois caísse e o céu furado arriasse e as virge tôdas fugisse!!! FIM Disponível em: 319 Texto 2 Mãe Preta – Patativa do Assaré 1 O coração do inocente, É como a terra estrumada, Qui a gente pranta a simente E a mesma nace corada, Lutrida e munto viçosa. Na nossa infança ditosa, Quando o amô e a simpatia Toma conta da criança, Esta sodosa lembrança Vai batê na cova fria. 2 Quem pela infança passou, O meu dito considera, Eu quero, com grande amô, Dizê Mãe Preta quem era. - Mãe Preta dava a impressão Da noite de iscuridão, com seus mistero profundo, Iscondendo seus praneta; Foi ela a preta mais preta Das preta qui eu vi no mundo. 3 Mas porém, sua arma pura, Era branca como a orora, E tinha a doce ternura Da Virge Nossa Senhora. Quando amanhecia o dia, Pra minha rede ela ia Dizendo palavra bela; Pra cuzinha me levava E um cafezim eu tomava Sentado no colo dela. 4 Quando as minha brincadêra Causava contrariedade A minha mãe verdadêra Com a sua otoridade, As vez brigava comigo E num gesto de castigo, Botava os óio pra mim, Mas porém, não me batia, Somente pruque sabia Qui mãe preta achava ruim. 5 Por isso eu não tinha medo, Sempre contente vivia Mexendo nos meus brinquedo E fazendo istripolia. Dentro de nossa morada, Pra mim não fartava nada, O meu mundo era Mãe Preta; Foi ela quem me ensinou Muntas cantiga de amô, E brincá de carrapeta. 6 Se as vez eu brincando tava De barbuleta a pegá, E impaciente ficava Inraivicido a chorá, Ela com munta alegria, Um certo jeito fazia, Com carinho e com amô, Apanhava as barbuleta; Foi ela uma santa preta, Que o mundo de Deus criou. 7 Se chegava a noite iscura Com seus negrume sem fim, Ela com toda ternura, Chegava perto de mim Uma coisa cochichava E depois qui me bejava, Me levava pra dromida Sobre os seus braços lustroso. Aquilo sim, era gozo, Aquilo sim, era vida. 8 E despois de me deitá Na minha pequena rede, Balançava devagá Pra não batê na parede, Contando estes lindos verso Qui neste grande universo Ôtros mais belo não vi, E enquanto ela balançava E estes versinho cantava, Eu percurava dromi. 9 - Dorme, dorme, meu menino, Já chegou a escuridão, A treva da noite escura Está cheia de papão. No teu sono terás beijos Da rosa e do bugari E os espíritos benfazejos Te defendem do saci. 320 Dorme, dorme, meu menino, Já chegou a escuridão A treva da noite escura Está cheia de papão. Dorme teu sono inocente Com Jesus e com Maria, Até chegar novamente O clarão do novo dia. 10 Iscutando com respeito Estes verso pequenino, Eu sintia no meu peito Tudo quanto era divino; Nem tuada sertaneja, Nem os bendito da igreja, Nem os toque de retreta, In mim ficaro gravado, Como estes versos cantado Por minha boa Mãe Preta. 11 Mas porém, eu bem menino, Qui nem sabia pecá, Os ispinho do destino Começaro a me furá. Mãe Preta qui era contente, tava um dia deferente. Preguntei o que ela tinha E assim que ela oiô pra eu Dois pingo d'água desceu Dos óio da coitadinha. 12 Daquele dia pra cá, Minha amorosa Mãe Preta, Não pôde mais me ajudá Nas pega de barbuleta, Sem prazê, sem alegria Dentro de um quarto vivia, O dia e a noite intêra, Sem achá consolação, Inriba de seu croxão De foia de bananera. 13 Quando ela pra mim oiava, Como quem sente um desgosto, A minha mão apertava E o pranto banhava o rosto. Divido este sofrimento, Naquele seu aposento, No quarto onde ela viva, Me improibiro de entrá, Promode não magoá As dô que a pobe sintia. 14 Eu mesmo dizê não sei Qual foi a surpresa minha, Quando um dia eu acordei, Bem cedo domenhãzinha Entrei na sala e dei fé Qui um magote de muié Tava rezando oração; E vi Mãe Preta vestida Numa ropona comprida, Arva, da cô de argodão. 15 Sinti no peito um cansaço, Depois uns home chegaro Levantaro ela nos braço E numa rede botaro. A rede tava amarrada Numa peça perparada De madêra bem polida, E naquela mesma hora, Levaro de estrada afora Minha Mãe Preta querida. 16 Mamãe com todo carinho, Chorando um bêjo me deu E me disse - meu fiinho, Sua Mãe Preta morreu! E ôtras coisa me dizendo, Sinti meu corpo tremendo, Me jurguei um pobre réu, Sem consolo e sem prazê, Com vontade de morrê, Pra vê Mãe Preta no céu. 17 O coração do inocente, É como terra estrumada Que a gente pranta a semente, E a mesma nasce corada Lutrida e munto viçosa; Na nossa infança ditosa, Quando o amô e a simpatia Toma conta da criança, Esta sodosa lembrança Vai batê na cova fria. Disponível em: 321 Texto 3 A Cascavé Nhô Bento Tuda vez que ele ia na estação E arrecebia carta do Bastião Vinha me percurá tão sastisfeito Que o pobre do veínho Inté garrava um jeito De moço que não tem ainda barba na cara Correndo ele varava a cerca de taquara E chegava se rindo Me pedindo pra eu lê A carta que o fio escreveu Mais de oito ano sem pará Fui eu que leu as carta dele Uma por uma E vi as tristeza e as alegria Que o véio tinha Com as notícia que vinha Lia pra ele escuitá Despois Nhô Gabrié pedia pra eu guardá Vô lê pra mecêis esta aqui que é a primeira O véio inté choro com a brincadeira Quár é o pai que qué vê o fio judiado, né? Oia só o que o desesperado E pobre do rapaz mando dizê! Meu pai, não posso mais suportá Os desaforo do patrão Só me chama de tonto e caipirão A peste da patroa que parecia sê boa pessoa Garrô a me chamá de indige E diz que o meu lugá é a mata virge Tudo essas carta que mecês tão vendo Foi chegando, eu fui lendo E eu ia lendo, ele ia escuitando E as carta que despois de um ano O véio me pedia pra mim lê Inté dá gosto de vê É escrevida com letra de jorná Pra lê não perciso engarupá os óculos no nariz Tem cada uma com cada palavreado Que deixava nóis dois atrapaiado Óia só o que essa aqui diz A minha vida é a sombria floresta Que o sol do amô mudou numa sala de festa 322 Nhô pai! Vô me casá Quebrei o compromisso de ficá celibatáro Oi só! Celibatáro Ocêis sabe o que é? Se não fosse o boticário Nóis dois tamém ficava sem sabe É quem fica sortêro inté morrê Bão! com essa notícia O veinho inté canto Inté uma bebedêra ele tomo Canto pra tudo o povo Comprô um sapatão novo Um pareio de roupa no Salim Nunca vimo ele tão contente anssim Escuite agora a úrtima carta arrecebida Que era mió que fosse consumida Acho bão o senhor num vim no casamento O povo daqui é luxento Deve comparecê pessoa de arta roda Que se traje de acordo com a moda Por isso eu não desejo Que a sua absoluta farta de traquejo Me deixe envergonhado Justamente no dia do noivado Quando eu cabei de lê Ele garrô a tremê, tremê Ficô branco, branco Se assentô saluçando ali no banco Bebeu água e foi-se embora se arrastando Da janela inda pude vê ele travessando Lá a ponte do Corguinho No outro dia bem cedinho Perto de pau d'aio ali no ataio Acharo o pobre esticado Logo chegô o sub-delegado Com dois sordado junto Tivero ali vendo o corpo do defundo E arguém disse Deve de ter sido arguma cascavé Que mordeu Nhô Gabrié Disponível em: < http://www.vagalume.com.br/rolando-boldrin/a-cascave.html> 323 ANEXO W – MODELO DE FOLHA PARA ESCRITA DO CORDEL À MÃO – 5ª ETAPA – 1ª E 2ª FASE DO MÓDULO DE ESCRITA MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS Aula de cordel – Produção textual Cordel Coletivo – _______________________________ Tema: ________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ [...] Assinatura dos alunos autores: _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ 324 ANEXO X – A CASA DO CORDEL: HISTÓRIA – 6ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA Um pouco da história da Casa do Cordel A Casa do Cordel foi fundada no ano de 2007, no dia 17 d agosto, pelo poeta Abaeté. No início de 2007 o poeta já estava com o seu espaço funcionando na rua Vigário Bartolomeu, próximo ao mítico ―beco da lama‖, região considerada como pólo de aglutinação da boemia e artistas potiguares. A casa do cordel veio a reforçar esta região e teve início um grande movimento de agregação de vários artistas a este espaço. Não só poetas e poetisa da literatura de cordel, mas também músicos, atores, artistas plásticos, professores, estudantes, entre outros puderam enriquecer e se enriquecerem culturalmente numa troca que só fez aumentar mais a cada dia, como nos diz o poeta Abaeté: ―Quando a gente colocou a casa do cordel aqui muita gente passou a freqüentar. Era uma novidade pois aqui e em nenhum outro canto do RN tem uma casa como essa, trabalhando e divulgando a cultura popular‖ A inauguração oficial do espaço, que já chamava a atenção, foi no dia 17 de agosto de 2007, com um sarau e café da manhã para os convidados. No convite em forma de cordel se lia: ―Se você é um poeta Popular ou menestrel Venha exercer sua arte Fazendo o seu papel Não deixe de visitar Nossa casa do cordel...‖ Parte da imprensa marcou presença e divulgou o evento. No ―Jornal de Natal‖ saiu, inclusive, uma propaganda personalizada através de uma caricatura do poeta Abaeté convidando todos para a inauguração do espaço. Até mesmo a Revista de História da biblioteca nacional, pouco depois, divulgou a ascensão da literatura de cordel no Brasil e no Rio Grande do Norte, citando a Casa do cordel: Literatura popular ganha fôlego em Natal e Mossoró com casa, feira e livro inspirado em Câmara Cascudo. Quem acha que cordel é coisa do passado precisa ver o que acontece no Rio Grande do Norte. Em Natal, foi inaugurada em agosto a Casa do Cordel. A iniciativa é de Erivaldo Leite de Lima, o poeta Abaeté, que já escreveu e publicou mais de cem cordéis. Além dos próprios, com o passar dos anos ele acumulou milhares de folhetos de vários autores e agora abre as portas de uma casa na Rua Vigário Bartolomeu, no Centro, para o público conhecer o acervo. Mais do que isso, quer que o lugar seja um novo ponto de encontro da cultura popular. Já está decidido, por exemplo, que a casa sediará a União dos Cordelistas do Rio Grande do Norte (Unicodern).‖ (Revista de História da biblioteca nacional,n°25,outubro de 2007). Nem o órgão oficial de fomento à cultura no estado, a Fundação José Augusto, pode deixar de divulgar o evento (apesar de não ter dado nenhum apoio a este) em um de seus veículos de comunicação, O jornal ―Circulador‖, que dizia: ―A ‗Casa do Cordel‘, criada pelo poeta Abaeté, já possui em seu acervo milhares de folhetos de cordel e centenas de títulos diferentes para venda e troca. No Rio Grande do Norte, a Casa do Cordel é o primeiro espaço cultural totalmente destinado à literatura de cordel, onde Abaeté pretende reunir poetas, músicos, escritores, jornalistas e apreciadores desse gênero literário para tertúlias e saraus nos finais de tarde, além de fomentar a leitura do folheto de cordel para novos leitores.‖ Em pouco tempo o espaço Casa do cordel ganhando espaço no cenário cultural de Natal e virando ponto de encontro para muitos. Disponível em: Acessado em: 20 de abril de 2015. 325 ANEXO Y – AUTORIZAÇÃO PARA AULA DE CAMPO – 6ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS ESCOLA ESTADUAL PROF. JOSÉ FERNANDES MACHADO ENSINO FUNDAMENTAL, MÉDIO, EJA E DECRETO DE CRIAÇÃO Nº 8.531/82 TELEFONES: (84) 3232.7407/7409 AUTORIZAÇÃO PARA AULA DE CAMPO Por motivo da Aula de Campo a ser realizada no dia ______ de _____________ de 2015, no Centro da Cidade de Natal, quando os alunos terão a oportunidade de conhecer o Museu da Criança, localizado no Campus do IFRN da Av. Rio Branco, 743 e a Casa do Cordel, localizada à Rua Vigário Bartolomeu, 578, vimos solicitar a autorização dos senhores pais ou responsáveis para que o(a) aluno(a) ___________________________________________________________________ _, regularmente matriculado(a) no 9º ano ―A‖, do turno Vespertino, deste estabelecimento de ensino, possa participar desse momento, no qual serão discutidas questões acerca da cultura local e do trabalho com o gênero Cordel em função do projeto de pesquisa que vem sendo desenvolvido com a turma citada. Gostaríamos de informar que, na oportunidade, os alunos poderão adquirir folhetos de cordéis produzidos por cordelistas locais, no valor de R$ 2,00, mas sem obrigatoriedade. Certos de sua autorização, colocamo-nos à inteira disposição para maiores esclarecimentos. Atenciosamente, _____________________________________ A direção Nome por extenso do resp.: ___________________________________________ Grau de parentesco: ________________________________________________ Assinatura do responsável: ___________________________________________ Telefone para contato: _______________________________________________ Local e data: Natal, _______ de _________________ de 2015. 326 ANEXO Z – MATERIAL CONCURSO DE CORDEL – ASSOCIAÇÃO CASA DO CORDEL – 9ª ETAPA DO MÓDULO DE ESCRITA 1- Imagem do cartaz de divulgação Disponível em: Acessada em: 06 de julho de 2015. 327 2- Imagem da Ficha de Inscrição Disponível em: Acessada em: 06 de julho de 2015. 328 3- Regulamento do concurso REGULAMENTO DO CONCURSO DE CORDEL 2015 ASSOCIAÇÃO CULTURAL CASA DO CORDEL Rua Vigário Bartolomeu, 605 – Centro – Natal/RN CEP 59025-100 Fones(s) 84 – 2040-0654 ou 99546865 EDITAL Nº 01/2015 1º CONCURSO DE CORDEL DA ASSOCIAÇÃO CULTURAL CASA DO CORDEL Presidente da Associação Cultural Casa do Cordel, no uso de suas atribuições legais, torna público o Edital nº01/2015 , que regulamenta o ―1º Concurso de Cordel da Associação Cultural Casa do Cordel‖, visando valorizar, divulgar e estimular a produção literária (de Cordel), no município de Natal e Região Metropolitana; 1. DO OBJETO Constitui objeto deste Edital, a seleção de poesias inéditas, na forma de rima constituída em estrofes de quatro, seis, sete, oito ou dez versos, originárias de relatos orais e/ou ficcionais criadas e/ou produzidas para impressão em folhetos de cordel, objetivando contribuir para a valorização e difusão da cultura cordelista potiguar, bem como o reconhecimento de novos talentos do gênero. 2. DO TEMA O tema a ser tratado pelo Concurso deve se referir à Cidade do Natal. O enredo deve exaltar as potencialidades da cidade, podendo destacar: os valores culturais, as belezas naturais, os locais históricos, bairros, ruas, monumentos, casarões, personalidades ou qualquer outro elemento desse contexto. 3. DOS OBJETIVOS 3.1 – Contribuir para com a valorização e difusão da tradição cordelista potiguar, dos seus poetas e escritores, residentes em Natal ou na Região Metropolitana; 3.2 – Fomentar o incremento e o fortalecimento do cordel da escola, considerando seu potencial educativo, formativo e informativo; 3.3 – Promover a inclusão de novos talentos do segmento cordelista; 3.4 – Premiar iniciativas individuais ou coletivas, pessoas físicas ou jurídicas, atuante ou iniciante no segmento cordelista em Natal ou Região Metropolitana. 4. DA PARTICIPAÇÃO 4.1 – Pessoas físicas, com domicílio e residência comprovada no município de Natal ou Região Metropolitana; 4.2 – Pessoas jurídicas que atuem no segmento, objeto deste Edital, com sede comprovada no município de Natal ou Região Metropolitana; 5. DA COORDENAÇÃO DO CONCURSO 329 5.1 - O Concurso terá uma Coordenação, competindo-lhe: a) Formalizar parceria com a Associação Cultural Casa do Cordel, executora do Concurso em apreço; b)Exercer o acompanhamento dos trabalhos de execução do Concurso, disponibilizando todos os meios necessários; c) Julgar os eventuais recursos devidamente protocolados pelos candidatos, no prazo estabelecido por este Edital; d) Proceder os repasses de dinheiro para premiação e pagamentos de ajuda de custos; e) Prestar contas junto à FUNCARTE, ao término do Concurso. 6. DA EXECUÇÃO DO CONCURSO 6.1 – Fica a cargo da Associação Cultural Casa do Cordel a execução do Concurso em apreço, mediante contrato de parceria formalizado com a Coordenação/proponente do Projeto vencedor, nos termo do Edital nº 10/2014 (Edital de Literatura de Cordel), publicado pela FUNCARTE; 6.2 – Os trabalhos de execução correspondem: a) Divulgação do Concurso em questão; b) Abertura, recebimentos e encerramentos das inscrições, nos termos do presente Edital; c) Formalização da Comissão Julgadora; d) Seleção das poesias vendedoras, sendo escolhido apenas o primeiro lugar para cada categoria; e) Divulgação e premiação das poesias vencedoras; 7. DAS CATEGORIAS 7.1 – Categoria Estudante do Ensino Fundamental. Considera-se estudantes com matrícula comprovada no ano 2015, em escolas do Ensino Fundamental localizadas em Natal ou Região Metropolitana; 7.2 – Categoria Estudante do Ensino Médio. Considera-se estudantes com matrícula comprovada no ano de 2015, em escolas do Ensino Médio localizadas em Natal ou Região Metropolitana; 7.3 – Categoria Geral. Considera-se o público em geral, interessado pelo Concurso, desde que o candidato seja residente no município de Natal ou Região Metropolitana. 8. DA INSCRIÇÃO 8.1 - As inscrições para a participação do Concurso em apreço serão gratuitas, implicando ao candidato o aceite das condições estabelecidas neste Edital. O período das inscrições será do dia 01 de julho a 31 de agosto de 2015; 8.2 – Os envelopes de inscrição deverão ser entregue na Associação Cultural Casa do Cordel, no horário das 9:00h às 17:00h, de segunda à sexta-feira, sendo aos sábados, das 9:00h às 12:00h. 8.3 – O envelopes de inscrição deverão, obrigatoriamente, ser padrão, tamanho ofício, cor amarela, sem identificação do concorrente, entregue pessoalmente, sendo preenchido dois formulários cedidos pela Associação Cultural Casa do Cordel, que serão colados aos envelopes no ato da inscrição; 330 8.4 – Somente serão analisadas as propostas entregues fisicamente na Associação Cultural Casa do Cordel, até o último dia de inscrição e horário previsto neste Edital; 8.5 – São 2(dois) os envelopes de inscrição, sendo um contendo cópias da seguinte documentação: a) Comprovante de residência; b) Atestado de matrícula, para os concorrentes das categorias ―Estudantes‖; c) Documento de identificação (RG, ou Carteira de Habilitação ou outro documento oficial com foto); 8.6 – No segundo envelope de inscrição deverão conter 03(três) cópias da obra, no seguinte formato: a) Versos digitados na fonte Times New Roman, tamanho 12, cor preta, em papel ofício A4; b) No papel ofício A4 apenas deverão constar o título da obra e os versos que compõem o enredo, sendo, no mínimo, 10 (dez) estrofes (no caso de poesias compostas por estrofes de 10 versos); ou no mínimo 16(dezesseis) estrofes para os demais casos. Quanto ao máximo, será de 32(trinta e duas) estrofes para todos os formatos; 8.7 – Cada concorrente só poderá inscrever um trabalho. 9. DA COMISSÃO JULGADORA 9.1 - Será constituída uma Comissão Julgadora composta de 03(três) membros de notório saber no universo do Cordel, designada pela Diretoria da Associação Cultural Casa do Cordel, sendo os membros nomeados pelo Presidente da referida Associação, através de ato publicado por Edital. 9.2 – À Comissão Julgadora compete proceder a análise e seleção dos trabalhos apresentados, nos termos do presente Edital, lavrando em ata as decisões tomadas, explicitando todos os critérios de julgamento adotados, devidamente fundamentados e subescritas pelos membros da Comissão em apreço; 9.3 – Na hipótese de ausência de quaisquer dos membros da Comissão Julgadora, ao Presidente da Associação competirá a designação de substituto (s); 9.4– O resultado final, após a seleção será homologado pelo presidente da Associação Cultural Casa do Cordel, e os candidatos vencedores terão seus nomes e os respectivos títulos dos trabalhos publicados através de edital; 9.5 – Haverá apenas a classificação do primeiro lugar de cada categoria; 9.6 – Os concorrentes não-classificados poderão recorrer da decisão da Comissão Julgadora, até 03(três) dias úteis, após a publicação dos nomes dos vencedores do Concurso em Edital; 9.7 – Os recursos deverão ser formalizados junto à Coordenação do Concurso, que terá 2(dois) dias úteis, após a formalização dos recursos, para serem julgados pela mesma, sendo publicado o resultado em Edital expedido pela Associação executora do Concurso. 10. DOS CRITÉRIOS DE SELEÇÃO 10.1 – A Comissão Julgadora procederá a seleção dos melhores trabalhos para escolha dos vencedores (primeiro lugar de cada categoria), aplicando os seguintes critérios: a) Métrica – de 0 a 2 pontos; 331 b) Rimas – de 0 a 2 pontos, c) Coerência (significação do enredo) e coesão (sequência lógica do enredo) - de 0 a 2 pontos; d) Importância do assunto tratado pelo enredo, considerando as orientações apresentadas no item 2 deste Edital – de 0 a 2 pontos; e) Originalidade e criatividade do título – de 0 a 2 pontos. Total = de 0 a 10 pontos. 10.2 – Em caso de empate na pontuação, caberá à Coordenação decidir pelo desempate, definindo a poesia vencedora. 11. DA PREMIAÇÃO 11.1 – A premiação consistirá em valores monetários, pagos em espécie, na data de 19 de novembro de 2015 (Dia do Cordelista), através de ato solene a ser realizado pela Associação Cultural Casa do Cordel; 11.2 São os seguintes os valores da premiação: a) Poesia vencedora da Categoria Estudante do Ensino Fundamental será pago R$500,00(quinhentos reais); b) Poesia vencedora da Categoria Estudante do Ensino Médio será pago R$750,00(setecentos e cinqüenta reais); c) Poesia vencedora da Categoria Geral será pago R$1.000,00(um mil reais); 11.3 – Além da premiação em dinheiro, cada poesia vencedora será publicada, em formato de folheto de cordel, sendo reproduzido 1.000 (mil) de cada categoria. 11.4 – Para cada vencedor será destinado 40% (quarenta por cento) do total dos folhetos reproduzidos na categoria que concorreu, ficando 40% (quarenta por cento) para serem distribuídos nas escolas públicas de Natal e Região Metropolitana, e 20% (vinte por cento) destinados à Associação Cultural Casa do Cordel. 11.5 – A publicação das poesias vencedoras será por Edital expedido pela Associação Cultural Casa do Cordel. 12. DAS DISPOSIÇÕES FINAIS 12.1– É facultada à Associação Cultural Casa do Cordel, como parceira deste Concurso, ou pela Coordenação, em qualquer fase deste procedimento, promover diligências destinadas a esclarecer ou complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originalmente da proposta; 12.2 – Os casos omissos relativos a este Edital serão decididos pela Coordenação do concurso. Erivaldo Leite de Lima Presidente da Associação Cultural Casa do Cordel Disponível em: Acessado em: 06 de julho de 2015. 332 4.3 ANEXOS DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA – MÓDULO DE DIVULGAÇÃO ANEXO AA – INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO DO PROJETO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS ESCOLA ESTADUAL PROF. JOSÉ FERNANDES MACHADO Professor: Ladmires Luiz Gomes de Carvalho Ano Escolar: 9º Ensino Fundamental II Turma: ―A‖ Turno: Vespertino Sequência didática – Gênero discursivo Cordel INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO Pelo presente instrumento de avalição dê a sua opinião sobre todas as etapas desenvolvidas no projeto. Responda às questões de modo objetivo. 1. Durante o Módulo de Leitura, o que você considerou como de maior importância para a sua aprendizagem? Por quê? ____________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 2. Durante o Módulo de Escrita, o que você considerou como de maior importância para a sua aprendizagem? Por quê? ____________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 3. Durante o Módulo de Divulgação, o que você considerou como de maior importância para a sua aprendizagem? Por quê? ____________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 4. Que pontos negativos você apontaria nos três módulos? a) No Módulo de Leitura: _______________________________________________ b) No Módulo de Escrita: _______________________________________________ c) No Módulo de Divulgação:____________________________________________ 5. Como você se autoavalia durante a realização do projeto? Relate se a sua participação foi coerente ou não durante a realização dos três Módulos. ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ 6. Como você avalia o desempenho do professor durante a realização do projeto? ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ 333 ANEXO AB – MODELO DE CARTAZ PARA A MOSTRA DE CORDEL – 1ª ETAPA MÓDULO DE DIVULGAÇÃO 1ª Mostra de Cordel Da escrita para o papel... Acorda Cordel! Xilogravura: João Gabriel – 9º ano “A” - Vespetino “A peleja com o Cordel É de causar emoção; Venha, então, participar Não fique de fora, não, Dessa Mostra de Cordel De alunos do Machadão.” (Ladmires Carvalho) Data: 24 e 25 de novembro de 2015 (manhã, tarde e noite) Local: Escola Estadual professor José Fernandes Machado Rua Praia de Muriú, S/N Conjunto Ponta Negra – Natal / RN Sala: 16 Promoção: 9º ano “A” – Vespertino Organização: Professor Ladmires Carvalho 334 ANEXO AC – MODELO DE CONVITE PARA A MOSTRA DE CORDEL – 1ª ETAPA DO MÓDULO DE DIVULGAÇÃO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS 1ª MOSTRA DE CORDEL: O FOLHETO GANHOU VIDA, NA ESCRITA DO PAPEL CONVITE O professor Ladmires Carvalho e os alunos do 9º ano “A” – Vespertino da Escola Estadual Prof. José Fernandes Machado têm a honra de convidar V. Sa. e família a se fazerem presentes à 1ª Mostra de Cordel que tem o objetivo de apresentar as produções de folhetos de cordéis dos alunos da referida turma que participaram do projeto de pesquisa intitulado “O gênero discursivo cordel: o processo de autoria da escrita dos alunos do 9º ano do ensino fundamental”, fomentando o resgate cultural do gênero discursivo em questão, dando visibilidade à uma escrita de autoria. A Mostra acontecerá nos dias 24 e 25 de novembro e estará aberta à visitação das 8h às 21 horas nas dependências da Escola Machadão que fica localizada à Rua Praia de Muriú S/N – Conjunto Ponta Negra – Natal/RN. Atenciosamente, Professor Ladmires Carvalho e alunos do 9º ano ―A‖ Xilo: Bruno Paulo Xilo: Ana Beatriz Xilo: Paulo Roberto “Leitor, vou lhe convidar Para ler o meu cordel; Escrevi lindas histórias Compilei-as no papel; São versos cheios de rima Com inspiração do céu.” (Ladmires Carvalho) “Aqui, assim, eu encerro Este humilde cordel; Escrevi sobre Natal Com a ponta de um pincel; Com toda a minha emoção Coloquei-a no papel.” (Wesberfyte Monteiro – Natal no Papel – 9º ano ―A‖ 335 REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 6ª edição, 2011. _______. Teoria do romance I: A estilística. Tradução, prefácio notas e glossário de Paulo Bezerra; organização da edição russa de Serguei Botcharov e Vadim Kójinov. – São Paulo: Editora 34, 2015 (1ª edição). BAKHTIN, M. & VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006. BATISTA, Sebastião Nunes. Antologia da Literatura de Cordel. Natal, Fundação José Augusto, 1977. 390 p. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1998. ______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1998. CAVIGNAC, Julie. A literatura de cordel no Nordeste do Brasil. Tradução Júlio Patriota. Natal: EDFURN – Editora da UFRN, 2006. DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2006. GARCEZ, L. H. do C. A escrita e o outro: os modos de participação na construção do texto. Brasília, Editora UnB, 1ª reimpressão, 2010. JUAZEIRO, João Pedro do. Xilogravura: a arte de gravar. Mossoró: Queima-Bucha, 2011. LEITE FILHO, Aleixo. Cartilha do cantador. Recife: Ed. Autor, 1985. LOPES-ROSSI, M. A. G. Gêneros discursivos no ensino de leitura e produção de textos. In.: KARWOSKY, A. M., GAYDECZKA, B. e BRITO, K. S. (org.) Gêneros Textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. 336 MARINHO, Ana Cristina; PINHEIRO, Hélder. O cordel no cotidiano escolar. São Paulo, Cortez, 2012. 168 p. (Coleção Trabalhando com... na escola). MAXADO, Franklin de Cerqueira. O que é cordel na literatura popular. Mossoró: Queima Bucha. 2012. 159 p. MELO, A. F. T. de. Por motivos de versos. Mossoró: Queima-Bucha, 2005. OLIVEIRA, M. S.; TINOCO, G. M. A. M.; SANTOS, I. B. A. Projetos de letramento e formAÇÃO de professores de língua materna. 2. ed. Natal/RN: EDUFRN, 2014. v. 1. 116p. SCHNEUWLY, Bernard & DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritores na escola. Trad. E org.: R. Rojo e G. S. Cordeiro. Campinas/SP, Mercado das Letras, 2004. 100 histórias de cordéis segundo a Academia Brasileira de Literatura de Cordel / [organização e curadoria de Gonçalo Ferreira da Silva]. – Mossoró: Queima Bucha, 2008. 337 ANEXOS 338 ANEXO A – MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO DE LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS - PROFLETRAS TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE Esclarecimentos Estamos solicitando a você a autorização para que o menor pelo qual você é responsável participe da pesquisa: O gênero discursivo cordel: o processo de autoria no 9º ano do Ensino Fundamental, que tem como pesquisador responsável o Prof. Ladmires Luiz Gomes de Carvalho. Esta pesquisa pretende investigar como o gênero discursivo cordel pode favorecer o desenvolvimento da leitura e da escrita nos alunos do Ensino Fundamental II. O motivo que nos leva a fazer este estudo está ancorado no fato de que a leitura e a escrita dos alunos do Ensino Fundamental II têm deixado a desejar. Ou seja, os alunos dessa fase de ensino estão cada vez mais distantes dos atos de leitura e escrita, o que pode ser resgatado por meio do estudo dos cordéis. Caso você decida autorizar, ele(a) deverá responder a um questionário simples sobre os seus hábitos de leitura, participar de uma oficina de cordel com cordelista local; participar de uma oficina de xilogravura com xilogravurista local; participar de uma aula de campo para a Casa do Cordel, localizada no Centro da Cidade de Natal/RN; produzir pelo menos um cordel para um evento que será realizado na escola durante o mês de novembro e produzir um cordel para o Concurso de Literatura de Cordel promovido pela Companhia de Energética do Rio Grande do Norte – COSERN. Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para Ladmires Luiz Gomes de Carvalho – (84) 9642.7754. Você tem o direito de recusar sua autorização, em qualquer fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você e para ele(a). Os dados que ele(a) irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas em congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa identificá-lo(a). Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local seguro e por um período de 5 anos. Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com o pesquisador responsável Ladmires Luiz Gomes de Carvalho. Consentimento Livre e Esclarecido 339 Eu, ______________________________________________________, representante legal do menor ____________________________________________, autorizo sua participação na pesquisa O gênero discursivo cordel: o processo de autoria no 9º ano do Ensino Fundamental. Esta autorização foi concedida após os esclarecimentos que recebi sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão coletados, por ter entendido os riscos, desconfortos e benefícios que essa pesquisa pode trazer para ele(a) e também por ter compreendido todos os direitos que ele(a) terá como participante e eu como seu representante legal. Autorizo, ainda, a publicação das informações fornecidas por ele(a) em congressos e/ou publicações científicas, desde que os dados apresentados não possam identificá-lo(a). Natal/RN 10 de abril de 2015. ____________________________________________________ Assinatura do representante legal Declaração do pesquisador responsável Como pesquisador responsável pelo estudo O gênero discursivo cordel: o processo de autoria no 9º ano do Ensino Fundamental, declaro que assumo a inteira responsabilidade de cumprir fielmente os procedimentos metodologicamente e direitos que foram esclarecidos e assegurados ao participante desse estudo, assim como manter sigilo e confidencialidade sobre a identidade do mesmo. Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora assumido estarei infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde – CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano. Natal/RN 10 de abril de 2015. ______________________________________________________ Assinatura do pesquisador responsável 340 ANEXO B – CORDEL COLETIVO DE AUTORIA DOS ALUNOS E PROFESSOR 341 342 343 344 ANEXO C – CORDEL VENCEDOR DO CONCURSO PROMOVIDO PELA ASSOCIAÇÃO CASA DO CORDEL 345 346