Djalma Aranha Marinho Neto Argumentos Sobre a Imortalidade da Alma no Fédon de Platão. Natal Junho, 2003. 2Argumentos Sobre a Imortalidade da Alma no Fédon de Platão. Djalma Aranha Marinho Neto Dissertação apresentada ao Curso de Pós Graduação em Filosofia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos a obtenção do Titulo de Mestre em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. Markus Figueira Natal. Junho, 2003. 3 A dissertação, Argumentos Sobre a Imortalidade da Alma no Fédon de Platão, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Filosofia – Metafísica. Foi aprovada, em de de 2003. Banca Examinadora: Prof. Dr. Markus Figueira da Silva --------------------------------------------------------- Orientador Presidente da Banca -------------------------------------------------------- Membro -------------------------------------------------------- Membro ------------------------------------------------------- Suplente MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA 4Agradecimentos: A minha família, que, sem reclamos, cedeu-me o tempo necessário; Ao Professor Doutor Markus Figueira, por apresentar-me a Platão; Aos colegas e professores do Departamento de Filosofia, pela felicidade que me foi dada de tê-los conhecido; A Universidade Federal do Rio Grande do Norte; por fazer bem feito o seu destino, que é dar a todos a chance de estudar. 5É estranho sem dúvida, não habitar mais a terra, abandonar os hábitos apenas aprendidos, às rosas e a outras coisas singularmente promissoras não atribuir mais os sentido do vir a ser humano; o que se era, entre mãos trêmulas, medrosas, não mais o ser; abandonar até mesmo o próprio nome como se abandona um brinquedo partido. Estranho, não desejar mais nossos desejos. Estranho, ver no espaço tudo quanto se encadeava, esvoaçar, desligado. E o estar-morto é penoso e quantas tentativas até encontrar em seu seio um vestígio de eternidade – Os vivos cometem o grande erro de distinguir demasiado bem. Os Anjos (dizem) muitas vezes não sabem se caminham entre vivos ou mortos Através das duas esferas, todas as idades a corrente eterna arrasta. E ambas domina com seu rumor. Rainer Maria Rilke. Elegias de Duíno. – Primeira Elegia. 6Sumário: 1. Introdução. ......................................................................................................... 09. 2. Uma introdução ao problema da imortalidade da alma ............................... 14. 2.1. Heráclito e Parmênides. ........................................................................ 19. 3. O Argumento dos Contrários. ......................................................................... 23. 3.1. O Pensamento grego e o argumento dos contrários. .......................... 28. 3.2. A Prova. ................................................................................................. 36. 4. O Argumento da Anamnese. ............................................................................ 39. 4.2. O Igual em Si. ........................................................................................ 50. 5. O Argumento sobre a causa da Geração e Corrupção. ................................. 55. 5.1. A Questão da Participação. ....................................................................60. 5.2. A Dialética. ............................................................................................ 65. 5.3. Contra Anaxágoras. .............................................................................. 71 5.4. Além de Anaxágoras. ........................................................................... 74. 5.5. O Bem em Si. ........................................................................................76. 5.6. A Participação do Bem em Si. .............................................................. 80. 5.7. O Caminho dialético no Fédon. .............................................................84. 6. A Impossível Convivência dos Contrários ....................................................87. 7. Conclusão...........................................................................................................93 8. Bibliografia. .......................................................................................................99 7Resumo: O presente trabalho tem como objetivo o estudo da doutrina da imortalidade da alma no Fédon de Platão. O problema central reside na afirmação de ser a alma imortal, para justificar tal afirmação Platão lança mão de uma demonstração dialética fundamentada na Teoria das Formas ou Idéias. Será posto em dissertação a trama dos argumentos filosóficos articulados neste Diálogo, a saber: o argumento dos contrários; o argumento da anamnese; o argumento sobre a causa da geração e corrupção. Palavras-chaves: Platão. Fédon. Imortalidade da Alma. Teoria das Formas. 8Résumé. Cette recherche a pour but d’étudier l’immortalité de l’âme dans le Phédon de Platon. Le problème central consiste dans l’affirmation de l’immortalité de l’âme. Pour la justifier, Platon fait une démonstration dialectique basée sur la Théorie des Formes. La trame des arguments philosophiques articulés dans ce Dialogue sera mise en dissertation. Ces arguments sont: l’argument des contraires, l’argument de l’Anamnese et l’argument sur la cause de la génération et de la corruption. Mots-clés: Platon. Phédon. l’immortalité de l’âme. Théorie des Formes. 91. Introdução. O presente trabalho tem como objetivo a análise do problema da imortalidade da alma sob a ótica platônica, bem descrita no Fédon. Esta não é uma tarefa simples; reconhecemos que estamos entrando em uma área de impossível comprovação empírica; o que aposta contra a nossa natureza sempre inquisitiva. Porém, o desejo de encontrar respostas sobre este enigma, a imortalidade da alma, penetra nos nossos mais profundos dogmas religiosos; e, também, nas portas da mais atual pesquisa científica, aquela que quer desvelar o homem, em corpo e alma, a sua razão de existir e o destino do Kósmos1, que abriga este homem. Pode-se, pois, escolher vários caminhos, tais como: aceitar a angústia solitária; dar-se ao apego da fé; debruçar-se sobre os resultados mostrados pelas ciências ditas exatas; apenas sonhar e partilhar o sonho, como fazem os poetas; ou por fim, conjeturar, porém tentando retirar das conjeturas as angústias, as crenças, as matemáticas e a simples retórica. Nunca, porém, desprezando a poesia, pois, nem Sócrates, em seu leito de morte, desprezou a arte das musas.2 Encaminhamos, assim, o leitor ao estudo da metafísica platônica, aquela que reserva um lugar para alma imortal e racional, e que tem na contemplação do Bem em si a resposta dos segredos do homem e de sua relação com o Kósmos. Não se pode ignorar o legado de Platão. Se existe o desejo sincero de estudar filosofia e, principalmente, estudar o que entendemos como sendo metafísica platônica. Por isto, ao sermos apresentados a Platão, através do Fédon, notamos que estávamos diante de uma obra prima da literatura filosófica. Platão neste diálogo mostra toda a sua capacidade de explanação dialética. A seqüência de eventos segue uma linha que vai da colocação do problema até a sua resolução; 1 REALE. História da Filosofia v. 5. p. 63.: “O termo cosmos significa ordem e, sobretudo por obra dos pitagóricos, passou a designar o mundo”. 2 PLATÃO. Fédon. 60 e – 61 b. 10 partindo de conceitos comumente aceitos, passando por argumentos possíveis, e encerrando com uma teoria completamente nova, ou seja, ainda não posta por qualquer um dos pensadores que lhe antecedeu. O Fédon foi historicamente associado ao grupo de Diálogos ligados ao tema da morte de Sócrates, por isto era colocado ao lado do Êutifron, Apologia de Sócrates e Críton, e foram copilados na primeira tetralogia, segundo a ordenação de Tasilio3, pelo objetivo comum que é perpetuar a memória, fazendo também a defesa, de Sócrates4. Modernamente sabe-se que o Fédon foi escrito por volta de 335/388 a.C. melhor se enquadrando nos diálogos do período médio, juntamente com O Banquete, A República e Fedro5, quando Platão tinha moldado completamente os seus conceitos filosóficos, sendo escrito logo após a primeira viagem à Sicília, local para o qual tinha ido Platão no desejo de conhecer a comunidade Pitagórica que lá residia, em Siracusa6. Platão no Fédon faz poesia, literatura e filosofia. Há quem se comova ao saber que o Diálogo baseia-se em fato real: o dia da morte de Sócrates; e não veja a altivez do personagem, a sua coragem, e poder de argumentação, que, sabemos, perfeitamente se adequa ao propósito filosófico platônico – argumentar a favor da Teoria das Formas-, diante de um destino, não desejado, entretanto, não evitado, que nada mais é do que a própria morte7. Há, quem veja no Diálogo uma bela obra da literatura, mais que também apresenta exemplo de um método, que, como prova da sua excelência, vai ser o método preferencial de colocação de problemas em busca de resolução de problemas durante boa parte da história do homem; falamos do Método Socrático ou 3 AZEVEDO. Maria Tereza Schiappa de. Platão Fédon. Introdução, versão do grego e notas. São Paulo. Editora Universidade de Brasília. 2000. p. 09. 4 HUGH. Tredennick. Platon. The Last Days of Socrates. Euthyphro. The Aplogogy. Crito. Phaedo. Penguin Books. Great Britain. 1969. P.p. 11 e segs. 5 AZEVEDO. Platão Fédon. p. 10. 6 REALE. Historia da Filosofia Antiga. V. II, pág. 08.; 7 SILVA. Markus. In A Morte Azul de Sócrates, pág. 102: “Se atentarmos para a trama do diálogo Fédon, saberemos de todas as lamentações expressas pelos amigos e discípulos do Filósofo perfeitamente 11 maiêutico, em que toda afirmação é sempre feita em resposta a uma questão8, numa conversação direta entre um ou mais personagens. Há, por fim, quem focalize as linhas e entrelinhas do Diálogo com lentes poderosas, procurando penetrar nas suas entranhas, movidos pela busca das repostas sobre o homem, sobre a alma do homem e a sua relação com o Kósmos. Neste trabalho seguimos a linha de raciocino exposta por Platão que vai da colocação do problema, onde reside a pergunta sobre o que vem após a morte, e as tentativas de desvendar este mistério; utilizando sempre o que se convencionou a chamar de lógos9, ou seja, tentando, ao menos, afastar as influências crenças e preconceitos, até ao seu final, quando Platão apresenta o que seria a sua solução ao problema, reafirmando a sua Teoria das Formas. Trabalharemos no devido tempo a problemática da imortalidade da alma em consonância com a Teoria da Formas, sendo esta teoria a raiz que sustenta o seu pensamento filosófico. Utilizaremos, nesta empreitada, como obra mestra a nos direcionar, a excelente tradução do Fédon para o português feito pela Professora Maria Tereza Schiappa de Azevedo. Utilizamos, como apoio, o texto grego contido na Platonis Opera, Tetralogias I de Oxford, e o colocaremos em notas de rodapé, procurando, assim, dar ao Leitor uma versão das mais utilizadas nas academias. A tradução utilizada mostrou-se ser a que melhor rompe o desafio da barreira do tempo e suas influências sobre a linguagem. Isto não quer dizer que limitamos nosso trabalho àquela leitura do Fédon, ou mesmo que estamos afirmando que esta seja um elemento para descredenciar as demais traduções; antes isto: narradas por Platão, mas também saberemos que para Sócrates a morte não era um mal, ao contrário, suas palavras festejam-na como uma passagem à bem aventurança”. 8 GOLDSCHMIDT. Os Diálogos de Platão. p. 26. 9 REALE. Historia da Filosofia Antiga: “O termo cobre em grego uma vastíssima gama de significados e em nenhuma língua moderna existe um exato correspondente para ele. Ele indica, fundamentalmente, o que é expresso pela razão e de racionalidade (da palavra, ao discurso, ao pensamento, ao raciocínio, à relação e à proporção numérica, à definição e assim por diante)”. p. 154 12 tivemos de fazer uma escolha e apontamos para esta como a tradução que melhor aproxima, ao nosso ver, do grego. Nada mais.10 Trabalhos de Platão, tais como: Fedro, A República, Timeu, entre outros, foram utilizados quando uma idéia precisou ser aclarada ou mais trabalhada. Diante deste fato, não será incomum que o leitor veja tais obras em citação ou mesmo em transcrição, todas, devidamente identificadas e localizadas. Todas estas leituras foram importantes para o conjunto desta obra e apontam para a Dialética11 ascendente platônica. Todos são magníficos trabalhos de Platão, que merecem nosso oportuno trabalho, se o acaso nos fornecer o tempo necessário. Platão talvez seja o filósofo mais comentado e estudado da história ocidental; esta assertiva vem da observação das estantes, vem da pesquisa utilizando o instrumento moderno que é a Internet, e que hoje já não pode ser ignorada pelo pesquisador, na buscas de seus livros. Basta colocar o nome Platão, em um buscador, para que sejamos inundados por um mar de informação ou uma quantidade incontável de títulos editoriais. Reale, Goldschmidt, Vlastos, Ahrensdorf, White, estão entre as leituras obrigatórias, para quem deseja conhecer um pouco o que se pensa sobre Platão nas melhores academias. Principalmente quando aquele que estuda está mais firmemente adstrito à metafísica platônica. Os ensinamentos destes outros foram por nós devidamente utilizados, com os devidos créditos. 10 Também utilizamos a tradução dos autores R. Hackforth, José Cavalcanti de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa, todos com alguma intensidade. Ninguém pode negar o valor destas traduções; sendo Hackforth uma fonte comum, nas referências nos trabalhos sobre Platão de autores estrangeiros. E a tradução constante da Coleção Os Pensadores, a porta de entrada para a leitura do nosso comentado Diálogo. Quando utilizarmos estas traduções, faremos a honesta referência em nota de rodapé. Outras traduções foram também utilizadas, porém em menor volume, e quando apresentadas ao leitor, estarão sempre indigitadas. 11 REALE. Historia da Filosofia Antiga.: “A dialética (de dia-léghein) foi entendida na antiguidade segundo acepções diversas, que podem ser resumidas ao menos a sete. 1) Zenão de Eléia, considerado pelos antigos fundador da dialética, concebeu esta como uma confuntação metódica das teses do adversário, realizada com a finalidade de estabelecer a verdade da própria tese, por meio da demonstração da contrariedade da tese oposta (uma forma de demonstração por absurdo). 2) a dialética zenoniana, utilizada como um fim a si mesma, sobretudo no ambiente sofístico ou na escola megárica, deu origem à erística ou, se se prefere, à dialética como erística. 3)Em Sócrates, a dialética torna-se diálogo, que se cumpre nos dois momentos da confutação e da mauiêtica, exercendo-se sob o signo extremamente original da ironia. Convém, ademais, notar que a dialética socrática se distingue também pelo seu fim predominantemente ético-educativo; 4) em Platão, a dialética adquire uma significação a um tempo metodológico-ontológico-metafísico, sendo entendida a) como inferência metaempírica, b)como método ascendente e descendente para captar nexos entre as Idéias, c) como a própria relação ontológica que liga as Idéias entre si e da qual depende o método”.... V5. pág. 73. 13 Falta dizer que Platão, quando se sente incapaz de demonstrar com a linguagem o que lhe mostra a mente e lhe nega os sentidos, comumente faz uso do mito; é o que vemos no final do Diálogo Fédon; ou no começo do Timeu; ou no fim da A República; ou; em várias passagens do Fedro; etc, porém, como já referimos anteriormente, neste trabalho tentaremos não analisar a questão do mito nem buscar a sua interpretação. Platão segue esta ordem, posto que vai de pensamentos pré-socráticos, como a teoria dos contrários; passando por um argumento de uso comum, ou seja, filosófico e religioso (a reminiscência é cara para os Pitagóricos) e culmina com uma visão de sua Teoria das Formas, em análise aos ditos de Heráclito, Parmênides e Anaxágoras. É assim, nesta ordem, que aparecem os argumentos do diálogo. É esta ordem que procuraremos respeitar. Cabe-nos apenas evidenciar o modo como Platão tenta resolver a questão posta no Fédon, que envolve a finitude do homem e a infinitude do Universo e da alma do Homem. 14 2 –Uma introdução ao problema da imortalidade da alma A questão sobre a existência ou não da alma sempre representou angústias para o homem ocidental12; angústias iguais as que povoavam as mentes dos gregos na antiga terra do Deus Apolo, quando, na escura noite dos primeiros conhecimentos, questionaram, sem o amparo das crenças, porém em espanto13, o Kósmos, a vida, a morte, a pós-vida e a alma. Em todo mundo antigo, e na Grécia, principalmente, o homem se espantava com o Kósmos e pensava na morte e nas conseqüências da existência de uma pós- vida. Pensava na alma e sobre ela fazia os mais variados conceitos. Alguns destes pensamentos serão vistos neste trabalho, referimo-nos aos ditos de: Heráclito, Parmênides, Pitágoras, Anaxágoras e, sutilmente, os de Aristóteles e Epicuro. O Kósmos, a morte, a alma e o fado do homem eram matérias comuns no teatro grego, povoavam o medo místico fomentado pelas narrativas de Homero, inflamavam acalorados debates nas praças onde os homens gregos nascidos livres tinham a liberdade de se expressar e convencer seus iguais14. A liberdade de falar era a chave de tudo. Naquela liberdade, exclusiva de algumas cidades Estados, característica do mundo grego, brotaram idéias cuja fonte tem origem que remonta 12 Diferentemente dos orientais, somos todos tomados pelo desejo de se ver perpetuar, como alma racional e personalíssima, muito além da nossa morte; fato que podemos dar crédito de origem aos helenos e a influência de seu pensamento, tanto religioso como filosófico. Para melhor compreensão da influência do pensamento grego sobre os povos ocidentais ver JAEGER. Paidéia. p. 05 e segs. 13 Ernest Baker. Teoria Política Grega.: A um dito famoso de Platão, segundo o qual a filosofia é criatura do espanto. Os gregos tinham o dom de espantar-se, e se inclinavam naturalmente para a especulação a respeito do que lhe causava espanto. Foi assim que refletiram sobre as propriedades da linguagem, e criaram a ciência da lógica; investigaram racionalmente as propriedades espaciais da matéria, e produziram a geometria euclidiana – talvez a expressão mais típica do seu gênio. Com o mesmo espírito pensaram sobre a composição e as propriedades do Estado. Na teoria política grega não se fala do “direito divino”, ou de sanções sobrenaturais a não ser, talvez, nas especulações de alguns pitagóricos. Pág. 21. 14 VALVERDE. História do Pensamento. V1. p 14 e segs. 15 às batalhas de Salamina e Platéias15, a brilhante época de Péricles – no apogeu inconteste da civilização grega. Desta historicamente cantada liberdade16 surgiram conceitos filosóficos, regras de hermenêutica e modos de interpretação da physis,17 no mais das vezes antagônicos que, sem buscar qualquer desejo de hegemonia, faziam-se questão de mostrarem-se para todos como de fato eram: divergentes; sujeitando-se a julgamentos de prevalência. Estes pensamentos, porém, tinham uma peculiaridade, todos eram capazes de angariar um sem número de seguidores e defensores brilhantes. Neste turbilhão cerebral, as correntes do pensamento surgiram e polemizaram, tal como hoje, sobre o problema da existência, do local de permanência e da essência da alma. O debate irrompia por toda a Grécia, causando choques de idéias. Havia aqueles, como os pitagórico que defendiam a existência da Alma; sendo esta, entretanto, sujeita ao corpo e também, ao imobilismo e a imutabilidade, reduzida a uma harmonia numérica. Havia os que advogavam a eterna corrupção e fluidez de tudo e davam a alma predicados iguais aos dado à matéria, como achavam que assim ocorria, os milésianos, faziam-na acompanhar o destino do corpo e fluir eternamente. Negando mesmo alguns a existência de uma “alma” com quaisquer características especiais, dadas apenas às divindades. Outros negavam o próprio movimento e este eterno fluir, reduzindo tudo ao núcleo do ser imutável como apregoaram os eleatas, outros, por fim, lhes davam um tratamento de inutilidade, da 15 JAEGER. Paidéia. Pág. 442 e segs. 16 BAKER. Teoria Política Grega. : “Deste ponto de vista, pode-se argumentar que o jogo interno da sociedade deve modificar aa ação do Governo, e que o Estado precisa responder ao desenvolvimento social. Contudo em uma sociedade política livre, como as dos gregos, esta modificação e responsabilidade ocorriam naturalmente. A sociedade e o Estado interagiam: por um lado, a influência da opinião social dava vida à atividade política transformando a opinião social em realidade. Em poucas palavras, o espírito democrático estava vivo; e, como sempre acontece neste caso, a opinião social livremente formada e os vários grupos que constituíam a sociedade podiam influenciar sem dificuldade a vida do Estado” Pág. 33. 17 REALE. História da Filosofia Antiga. V. 5: “Este termo exprime um dos conceitos cardeais do pensamento antigo. É muito difícil traduzi-lo, porque nas línguas modernas não existe um correspondente que cubra toda a originalidade de sua área semântica. “Natureza” é o termo menos inadequado, sobretudo se o desvincularmos de concepções científicas reducionistas”. Pág. 200. 16 mesma forma que se dava conceitos de inutilidade à divindade18. Para fomentar ainda mais o debate, surge o pensamento platônico. O confronto, até então era muito mais associado a Heráclito e Parmênides19. Platão se sobressai aos dois, pois destes toma os melhores argumentos, acrescentando-os com os de Sócrates e com o do lado “científico” do Pitagorismo20, muito mais do que o ético e religioso, por fim, solicita em empréstimo o NoNJs de Anaxágoras e vem com uma terceira via, por conseqüência, mais forte e robusta que qualquer anterior. Platão pensa a Idéia, vê a alma como um ente similar à Idéia, diz que estas são assemelhadas e as coloca dentro de um mundo inteligível. O mundo das Idéias. O real mundo das Formas. O além da Caverna. O lar do que é incorruptível e de tudo aquilo que tem predicados iguais aos que deve ter uma alma, os predicados da divindade. Platão nos diz que para pensar o mundo dos entes perfeitos e reais não servem os instrumentos ofertados aos nossos sentidos, dento dos limites do mundo sensível, é preciso ir além; é preciso transpor as dúvidas trazidas com os sentidos. Uma transposição com o auxilio de um bom barco, a segura “nau da razão”, a única hábil de fazer a segunda navegação deØteroj ploàj (deuteros plous)21, aquela que é capaz de nos levar a transpor o Hades e, tentar adentrar, com a inteligência nouj (NoNJs), no mundo das Idéias. É preciso, porém, que esta travessia seja feita com sólida base argumentativa, em elaboradas teorias. Muito esforço intelectual e físico, derivado de um posicionamento ascético inevitável, é necessário para que se possa passar a ver o que ocorre no além da caverna e que força o homem, em angústia, a se aventurar, 18 ANTIFONTE. Hélade. Maria Helena da Rocha Pereira. p.260. : “Por isso (Deus) não carece de nada, nem recebe nada de outrem, mas é ilimitado e sem necessidades(Frg. 10 Diels)”. 19 WATANABE. Platão Por Mitos e Hipóteses, diz: “Entre os grandes nomes de Filósofos que Platão cita e os quais dá a palavra, trata com certa predileção Parmênides de Eléia e Heráclito de Éfeso, embora nem sempre para concordar como eles”.p. 68. 20 HACKFORTH. Platon Phaedo. pág 5. 21 Fédon.99. a. Maria Teresa AZEVEDO (tradução Ao Fédon de Platão) aproxima-se das conclusões de Giovanne REALE (Para uma nova Interpretação de Platão, p. 108); quando da defesa do que seria aquela dita 17 de forma audaz, na busca da contemplação do sol indizível, o Bem em Si, que habita na região das formas perfeitas, na secção inteligível da linha dividida22. Não era fácil tal empreitada. Não é simples falar naquilo que nunca se corrompe nem se mostra às sensações; por conseqüência, era necessário adentrar nos debates com teorias bem elaboradas, capazes de sustentar a contenda. Platão assim o fez, e fez com argumentos bem armados e de repercussão, que força-nos a poder dizer, sem medo do exagero, que: a inteligibilidade do mundo das idéias é a espinha dorsal do pensamento platônico; é, de várias formas, o que justifica o comportamento do homem ocidental, seja no lado científico, seja no religioso, e cujo reflexo nos leva até o século vinte e um, tais como somos. É a sua metafísica que faz esta revolução de forma até mais forte do que quando aventa, para os homens, seus ditos políticos e éticos, que reverberam ainda hoje, na dita de comportamentos sociais como comunismo ou mesmo democracia. E, é impossível, também, descartar as idéias platônicas dos altares de Cristo sem que este quede vazio refém do puro dogma, sem nenhuma base de defesa racional, pois o que de filosófico existe nos alicerces da chamada filosofia cristã se deve a uma interpretação corrente, do ponto de vista da história, dos pensamentos de Platão23. O Platonismo e seu filho dileto o neoplatonismo, levaram o homem a pensar não apenas na busca de réplicas, aceitações, críticas ou aperfeiçoamentos, e sim, antes de tudo, na envergadura do salto racional dado a seiscentos anos antes de Cristo. Um salto no vazio, aquele que se dá em completo desamparo das ciências segunda navegação, aquela que seria feita em remos, sem o auxílio da vela – denominada primeira navegação -, a segunda navegação seria a navegação pelo mundo inteligível pela rota da filosofia. 22 PLATÃO. A República, VI, 514a a 517a. Nesta passagem da A República, Platão faz alusão ao Mito da Caverna. Segundo o Filósofo, o mundo sensível é como uma caverna em que os homens encontram-se acorrentados de modo que somente podem ver uma parede escura. Atrás deles existe uma fogueira cuja luz projeta na parede sombras difusas. Estas sombras são, para os acorrentados, a única realidade perceptível. Mas um deles consegue escapar e é ofuscado pela luz do sol que encontra no mundo exterior. Quando os seus olhos acostumam-se com o sol, ele começa a observar as verdadeiras formas que, na caverna eram apenas imagens projetadas. A realidade agora vista pelo liberto, é ele entende a verdadeira Forma da realidade, tudo o mais são sombras. Quando retorna com a boa nova, ou seja, tentando descrever o que se passa além da caverna, o liberto é taxado de louco e, segundo Platão, seria possivelmente morto por aqueles que tentava libertar. 23 REALE (Historia da Filosofia. v. 2. pág. 9), limita esta influência e predomínio em mil anos. Pensamos além, acreditamos que ainda não há filósofo mais comentado, com vários estudos sobre ele sendo publicados ano a ano, do que Platão, chamado “O Divino”. 18 ditas exatas. Pois para Platão, mesmo a matemática24, que tem como aquela não contrária ao estudo da episthmh, não é suficiente para a completa apreensão das coisas do mundo sensível25. O único caminho para a contemplação, seria aquele que deságua na Filosofia. A Filosofia, para Platão, é, pois a busca do Bem em si mesmo, e o dever do Filósofo é fazer esta busca, que para este é inevitável e indeclinável, a busca pelo reconhecimento das Formas em si, embarcando na nau da razão, a nau dos argumentos racionais. Assim, a prova da existência da alma, ser metafísico por excelência, é um dos objetivos indeclináveis do filósofo. A prova da imortalidade da alma é a rendição incondicional e esta busca filosofal, se concentra no estudo do mundo dos seres incorruptíveis, iguais em essência, a ela (alma). Portanto, o objeto deste estudo são as ocorrências no “além da caverna”, aquilo que existe na parte inefável da linha dividida. O estudo da mais pura metafísica, a Alma, como exposta está no Fédon, esta peça que ora comentamos. É, em fim, o estudo dos argumentos sobre a existência da alma racional e imortal; que bem pode ser descrita como o estudo do caminho para o encontro com o Bem em si. O objetivo da Dialética. 24 PLATÃO. A República, IV, 525 e seguintes. 25 REALE. Historia da Filosofia. V. 2. Pág. 290.: “O longo caminho do ser passa através da aritmética, da geometria plana e do espaço, da astronomia e da ciência da harmonia: com efeito, todas essas ciências obrigam a alma a empregar a inteligência e a entrar em contato com uma parte do ser privilegiado (os entes e as leis aritmético-geométricas)”. 19 2.1. Heráclito e Parmênides. Como se daria este estudo? Um salto no pensamento é a resposta platônica. Seria necessário o recurso a um mundo inteligível e não sensível, no entender do Filósofo grego. Somente com isto, com um mundo inteligível, é que lhe parecia possível tentar mostrar como se dão as causas e as ocorrências do mundo sensível. E assim responderia a um só tempo a Heráclito e Parmênides. É necessário então entender este mundo não sensível, que o lógos lhe mostrava. A alavanca, para este entendimento, seria o uso de argumentos racionais, como caminho de atingir a Verdade26, de forma a contrapô-los a Heráclito e Parmênides e assim supera-lós. Afirmamos anteriormente que o debate filosófico estava restrito as teses defendidas por estes renomados filósofos. Heráclito27, com seu estilo enigmático, como seus aforismos e escrita propositalmente obscura, acenava com um mundo em completa mutação28, o mundo do vir a ser. Para este filósofo, nada é certo. Tudo é apenas um processo. Tudo é eterna mutação e o fogo é a base de tudo29. Tudo fica limitado a esfera do não ser. A própria alma para Heráclito, era um sutil fogo.30 26 PLATÃO. A República. Livro VII, 527 e.: “Divertes-me, por pareceres receosos da maioria, não vá afigurar-se-lhes que estás a prescrever estudos inúteis. Mas eles não são de âmbito modesto, embora seja difícil de acreditar que estas ciências se purifica e reaviva um órgão da alma de cada um que fora corrupto e cego pelas restantes ocupações, e cuja salvação importa mais do que a de mil órgãos da visão, porquanto só através dele se avista a verdade. 27 Heráclito de Éfesos viveu na transição do século VI para o V, antes de Cristo. Segundo Giovanni Reale, todas as tentativas de determinar exatamente a data de seu nascimento e morte, são aleatórias. 28 Heráclito.Frag. Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. 29“Este cosmo, o mesmo para todos, nenhum deus ou homem o fez, mais foi, é e será sempre: um fogo constantemente ardendo, acendendo-se de acordo com as medidas e sendo extinto de acordo com as medidas. Tradução de Gregory Vlastos- O Universo de Platão. 30 Heráclito: Transmudando repousa (o fogo etéreo no corpo humano). Fragmento 84 20 Parmênides31 ver o Kósmos diferentemente. Ele procura eliminar tudo que seja variável ou contraditório. Então, se uma coisa existe, ela realmente é esta coisa que existe e que se afirma positivamente, e não pode ser o seu contrário, ou seja, o não ser. Assim: o sol é o sol, o kósmos é o Kósmos. O ser é o ser. O ser é. O não ser, não é, e, logicamente não pode existir. Platão não era completamente favorável à tese da Imutabilidade do ser contida em Parmênides, nem aceitava por completo o movimento contínuo lançado por Heráclito. Um não lhe explicava completamente a alma, o porquê da vida, e a alternância dos antagônicos: (i.e) o frio para o quente e vice-versa; e negava o processo sempre visto. Do outro não aceitava a mudança diante da imperturbabilidade de um ser que é sempre o mesmo. Uma imutabilidade visível que melhor justificava o conhecimento e negava a incerteza. Bastava para os gregos olhar as estrelas fixas no Kósmos, para colocar-se ao lado dos que aceitavam Parmênides. A solução pareceu-lhe, num momento, encontrar-se em Anaxágoras, porém, sentiu com este o mesmo dissabor sentido por aqueles que se vêem diante de um trabalho incompleto, não terminado. Uma perturbável ausência de uma melhor definição e abrangência para o conceito de alma do mundo ou inteligência espiritual pensante, yuch (psyché). Ao vislumbrar a possibilidade da existência do mundo não sensível, Platão responde ao mesmo tempo a Heráclito e a Parmênides, aceitando a corrupção do ente e a imutabilidade da Idéia e„doj, ou seja, inverte a parte final do dito de Sócrates no diálogo Teeteto, onde critica a célebre frase do Sofista, a quem Platão coloca dentre aqueles que aceitam a resposta filosófica dentro dos limites da physis: 31 Parmênides nasceu e viveu em Eléia, provavelmente entre os séculos VI e V antes de Cristo, nesta cidade funda a chamada escola eleata, que inaugura três vias de pesquisa; a via verdade, em que se afirma que o ser é e não pode não ser, sendo o puro positivo, ingênito e incorruptível, sem passado ou futuro, sendo então um presente eterno sem início e sem fim, absolutamente imóvel e imutável, todo igual, esférico e único; a via do razão, que seria a via do lógos que afirma o ser e nega o não ser, e diz que somente com a razão é que se pode perceber o ser; e, por fim, a via da doxa, que ele entende estar nos erros dos mortais, porque estes não “compreendem que as duas formas estão incluídas numa superior unidade necessária, vale dizer a unidade do ser”, portanto o ser é. Ver: Reale. Historia da Filosofia Antiga. V1. pág. 106 e seguintes. 21 32 “como Protágoras juiz da existência das coisas que são para mim, como juiz da inexistência das coisas que não são para mim”, 33 pois, com esta inversão, Platão mostra-se ciente das coisas que são imutáveis, porém, não se mostram diretamente aos sentidos, diferentemente daquelas que se compreende com os sentidos adotados pelo corpo. Não resta, portanto, alternativas além do mundo das Formas e„doj para justificar a existência do mundo das coisas sensíveis. A alma para Platão, em desafio, parece que freqüenta os dois mundos. Quando está num corpo, pertence ao mundo sensível. Quando distante daquele, na morte, habita o lugar daquilo que nunca se corrompe. Possui assim uma natureza perturbadora, de permanência e movimento; um ser sendo o que é. Esta dupla condição será explorada no Fédon, na busca da prova da existência da alma e sua condição e similaridade com tudo aquilo que nunca se transforma, e que lhe dá uma condição de divindade, pois, assim, e em comparação, tem os mesmos predicados que teria a Forma, bem como, mesmo sendo similar à Forma é em si o próprio movimento. A Teoria das Formas é o argumento que, sempre em graus variáveis, aparece em todas as suas obras e, obviamente, no Fédon, cujo subtítulo é o Da Alma34, pois neste diálogo o filosofo compara e argumenta as características da Forma e da Alma de forma mais contundente. A elaboração e divulgação, por Platão, da sua Teoria das Formas, formaram a raiz que nos permitiu dar o salto filosófico que, segundo alguns, levou a reboque todo o pensamento ocidental. Particularmente, também entendemos que não é de todo exagerado a afirmação que: o manuseio dos Diálogos Platônicos nos mostra, de uma forma ou outra, em 32 PLATÃO. Teeteto. 152 e. Vou dizer-te, e não se trata duma banalidade: nenhuma coisa, considerada em si mesma; é uma coisa, não há nada que possamos denominar ou qualificar de um modo com justeza. Se designares alguma coisa como grande, também aparecerá pequena, e leve se chamares pesada,e assim por diante, porque nada é algo, determinado ou qualificado seja de que modo for; é da translação, do movimento e da mistura recíproca que se formam todas as coisas que dizemos existirem, servindo-nos duma expressão imprópria, uma vez que nada é jamais e tudo flui constantemente. Todos os sábios, um atrás do outro, a exceção de Parmênides, estão de acordo neste ponto: Protágoras, Heráclito e Empédocles, os mais eminentes em cada gênero de poesia, Epicarmo na comédia e, na tragédia, Homero. Quando este diz: O Oceano é a origem dos deuses e Tétis é a mãe deles, está a dizer que todas as coisas são produto do fluxo e do movimento”. 33 PLATÃO. Teeteto. 160 c. 34 WATANABE. Pág 60. 22 maior ou menor intensidade, toda filosofia ocidental. Esta quase sempre vem para, direta ou indiretamente, aceitar ou condenar a Teoria da Formas de Platão.35 Assim é vendo a alma como um ser com similaridade com a Forma, é que encontraríamos a resposta à existência da alma e, a esta característica, que tem a alma, de aceitar o corruptível corpo, mesmo que momentaneamente; e, a esta possibilidade, que a alma tem de habitar dois mundos, o sensível e o intangível, é que faz de sua demonstração um apêndice necessário à sustentação da Teoria das Formas ou das Idéias, como a raiz primeira de todo arcabouço platônico; sendo assim a razão primária ou conceito primeiro de tudo aquilo que podemos conceituar como sendo “metafísica platônica”. A Teoria das Formas demonstra conceitualmente o mundo inteligível, e faz desde a razão de ser o que é sensível. A alma representa, na teoria, o movimento e prova maior de um processo. 35 GUTHRIE & FILDER. The Pythagorean Sourcebood and Library: “The safest general characterization of the European philosophical tradition is that it consists of a series of footnotes to Plato”, cit. Alfred North WHITEHEAD p. 19. 23 3. O Argumento dos Contrários (ta antikeimena). Fédon - 70c – 72e. Neste capítulo analisaremos um tópico do diálogo Fédon de Platão, trata-se da Teoria dos Opostos ou também denominada Teoria dos Contrários Excludentes36, pode ser classificada como o primeiro argumento37 no caminho da prova de que a alma é anterior a vida humana e que possui o dom da imortalidade, sobrevivendo a destruição do corpo. A este argumento segue-se o argumento da reminiscência, seguindo do argumento sobre as causas da geração e corrupção, que entendemos estar dividida em duas vias argumentativas, a que trata da questão da participação e a que trata, em mais profundidade, da teoria das Formas. O argumento agora em análise vem provar a existência de uma alma imortal, não servindo, entretanto, como prova de que a alma permanece racional, ou seja, se esta alma imortal é individual e personalíssima, diz apenas que a morte substitui a vida e, a vida substitui a morte38. A Alma, assim tenta provar Platão no diálogo, seria um ser imortal, detentor de inteligência e movimento É esta afirmação: ser a alma um ente imortal, é que dá a Sócrates no Fédon conforto no momento da morte, pois, lhe é acenado, pelo lógos, a possibilidade de uma existência bem aventurada no pós-vida. Porém, isto será disponível apenas para a alma que, até o fim do tempo do corpo, foi pura e 36 PLATÃO. Fedro. 245 d.: “O corpo movido de dentro é animado, pois que o movimento é de natureza da alma. Se aquilo a que se mesmo move não é outra coisa senão a alma, necessariamente a alma será algo que não se formou. E será imortal.” 37SANTOS. B Silva, A Imortalidade da Alma no Fédon de Platão: “Segundos os comentadores, o número de argumentos varia de uma a onze, tendo cada posição intermediária não poucos partidários. Os antigos identificaram cinco – tidos como complementares ou, ao contrário, independentes e todos dirimentes. Os modernos julgam ser quatro, com exceções notáveis: Onze argumentos reduzidos a seis; ou três argumentos que culminam em uma prova os integra cabalmente; ou dois encadeando-se na primeira metade do diálogo, sendo como puramente negativa a segunda metade”. P. 56. 38 A teoria dos contrários excludentes, pois, é a porta de entrada para a articulação filosófica que, na visão platônica, leva-nos a aceitar ser a alma uma Forma imortal. É oportuno afirmar, porém, que tanto neste Diálogo, como em toda obra platônica, não há uma afirmação categórica de ser a alma uma Forma, ou seja, identidade Alma = Forma. Este tipo de comparação é descartado pelos comentadores, como sendo uma interpretação extensiva não autorizada, que pode resultar em ultrapassar a doutrina e assim traí-la. 24 temperante39 e que persistiu no caminho da Virtude e da Bondade, o que, para Sócrates, é a prática da filosofia. A alma que buscou a contemplação da Virtude em si. O argumento vem após uma narrativa introdutória que levou o leitor ao cárcere onde está Sócrates e abre uma serie de questões envolvendo a perspectiva da morte e as conseqüências do pós-morte. Para o condenado Sócrates, o corpo é o cárcere da alma, já que esta é antagônica a matéria, porém, é neste pesado corpo que a alma reside, forçosamente, no momento em que chamamos de vida. A alma que clama em libertar-se. E, quem mais fortemente deseja a liberdade da alma são, de acordo com Sócrates, os Filósofos. Estes, mais que os outros, são os que em vida pregam o desapego às coisas do corpo, e selecionam desejos materiais. A alma destes deseja libertar-se40 por entender que a aquisição plena do conhecimento só se dá quando da libertação da alma. A Filosofia é um exercício para a morte do corpo. Como bem diz o personagem Sócrates: É agora a vós que sois os meus juízes, que quero dar conta das minhas razões, explicar-vos em que medida me parece natural que um homem, que toda a vida consagrou à filosofia se sinta tranqüilo à hora da morte e plenamente confiante de que Além, terminados seus dias, logrará o melhor dos destinos. Como é isto possível, Símias e Cebes, eis o que justamente o que irei tentar explicar-vos. O comum das pessoas está, provavelmente, longe de presumir qual o verdadeiro alvo da filosofia, para aqueles que porventura o atingem, e ignoram que a isto se resume: um treino de morrer e estar morto. Mas a medida que assim é, custaria a compreender que alguém passasse toda uma vida sem outra realidade, que há tanto tempo era o objeto exclusivo de seu empenho e dos seus esforços41.... 39 PLATÃO. Fédon 108c. 40 PLATÃO. Fédon. 66 b - 67 b. 41 PLATÃO. Fédon 64 a: Ea aÙtÒu, œfh. ¢ll' Øm‹n d¾ to‹j dikasta‹j boÚlomai ½dh tÕn lÒgon ¢podoànai, éj moi fa…netai e„kÒtwj ¢n¾r tù Ônti ™n filosof…a diatr…yaj tÕn b…on qarre‹n m™llwn ¢poqaneiqai kaˆ eßelpij eŠnai ™ke‹ mšgista oŠsesqai ¢gaq¦ ™peid¦n teleutÇsh. Pîj ¥n oán dÊ toàq'oÛtwj Ÿcoi, ð Simm…a te ka… Kšbnj, ™gë peir£somai qp£sai. KinduneÚouai g¦r Ósoi tugc£nousain Ñrqîj ¡ptÒmenoi qilosoq…aj lelhqšnai toÝj ¥llouj Óti oÙdšn ¥llo aÙtoˆ ™pithdeÚousin É ¢poqn»skein te ka… teqn£nai. e„ oán toàto ¢lhqšj, ¥topon d»pou ¥n e‡h proqume‹sqai mšn ™n pantˆ tù b…ñ mhd™n ¥llo É toàto, Èkontoj dš d¾ aÙtoà ¢ganakte‹n Ó p£lai prouqumoàtÒ te ka… ™pet»deuon. 25 A assertiva de que os opostos (vida/morte) são excludentes resulta da afirmação de que a morte é antagônica à vida, ou seja, onde está a morte não está a vida, e, por via de conseqüência, quando há a vida não existe a morte, no caso, referimos ao mesmo ser, o que não implica em dizer que a morte de um resulta na morte de todos. Por exemplo, se é certo que Sócrates está morto, quem escreve este trabalho, neste momento, está vivo, o mesmo se aplica a quem lê este trabalho. A morte somente acolhe o ser que tenha anteriormente tido em si a vida e para se ter vida é necessário que, em algum momento, se tenha nascido e, por fim, nascer equivale a morrer um pouco a cada dia. O que desfila aos nossos olhos é um processo que vai do nascer ao morrer, com dois limites distintos: a vida, que vem da morte, e a morte, que vem da vida. Entre estes dois momentos distintos (vida e morte) existe uma etapa (viver) em que um ser perfeito e eterno (a alma), partilha existência com um ente corruptível e fadado à destruição (o corpo). O dever do Filósofo é, durante o momento denominado viver, refletir a respeito dos dois momentos (morte e vida) como antagônicos e excludentes e, feitas as comparações, obter como resultado a prova (primeira) da imortalidade da alma, uma realidade que antecede, transcende e perpassa o momento viver. O argumento introdutório da imortalidade da alma pela divergência e antagonismo das ocorrências, se desenvolve progressivamente no Fédon. Para Platão, o argumento dos contrários excludentes passa por uma investigação das oposições que ocorrem no mundo sensível, tipo: quente/frio, etc., finalizando com as divergências encontradas entre este mundo, das sensações, e o mundo do inteligível, concluindo que dos seres vivos procedem os mortos e dos mortos procedem os vivos. A Forma precede e prevalece ao objeto ou a cópia42. Platão utiliza no inicio da sua investigação o argumento dos contrários excludentes, porém, não faz sua finalização, pois o retoma mais adiante43, ou seja, volta ao tema, mas sob o prisma da impossibilidade de convivência de Formas 42 PLATÃO. Timeu. 50 d.: “De qualquer forma, por enquanto bastará admitir três gêneros: O que devém, aquilo em que isto devém, e o modelo a cuja semelhança se originou o que nasceu”. 26 divergentes em um mesmo ente, que tem em si mais de um predicado (ex: o três contém a Forma do Três que aceita, também, a Forma do Ímpar, mas jamais aceita a Forma do Par). O Frio em si não admite o Quente em si, batendo em retirada a chegada do outro, e, em alguns casos, faz perecer ou transmutar o próprio ente, privando-lhe em sua Forma original (a neve transforma-se em água à chegada do Quente). A Forma, porém, nunca perece. Sempre haverá a Forma do Quente, ou da Neve. Naquela parte do Diálogo, entretanto, trata mais da possibilidade de que Formas diferentes, porém não excludentes, partilhem um mesmo objeto ou coisa, como o Ímpar participa do Três, sem que cada um deixe de existir como Forma. O Três sempre será ímpar, sem perder a sua essência de ser três, mas a forma do Três não admite a Forma do Par, somente aceitando a do Ímpar. Quando analisa a questão da convivência de opostos divergentes tendo em vista o processo de geração e corrupção, Platão diz que esta impossibilidade de convivência resulta na destruição dos entes que recebem os opostos ou na retirada dos opostos, quando partilhando o mesmo meio (a neve fria derrete-se à aproximação do Quente, deixando de ser cópia da Neve – vindo o Quente substituir o Frio), é este processo que está na raiz das ocorrências do mundo sensível. São as variações decorrentes deste processo que nossos olhos e demais sentidos percebem. É o processo de mutação dos elementos, tão caro a Heráclito, que encontra assim justificativas, ou respostas. Os acontecimentos do mundo Inteligível mostram-se pela não convivência, em mesmo ente, de opostos divergentes – o fogo não admite o Frio (a Forma do Frio), o mesmo se dá com a neve que não admite o Quente (a Forma do quente), batendo, ambos, em retirada, cedendo lugar ao outro, ou perecendo44. Para demonstrar o argumento platônico dos contrários, teremos, por justiça, que traçar um caminho que passa necessariamente por uma análise histórica. Porém, para termos a contraposição do viver como contrário de morrer sob a visão platônica - que é a questão da comparação da alma, em seus predicados, com a 43 PLATÃO. Fédon 95 a 107. 44 PLATÃO. Fédon 103 a. 27 Idéia de Vida, que é antagônica a Idéia de Morte -, é obrigatório que façamos uma leve navegação pelos ditos dos que antecederam a Platão na arte de pensar este mesmo problema. A questão dos contrários posta aos nossos olhos pela natureza. 28 3.1 O pensamento grego e o Argumento dos Contrários. No Fédon, Platão, como comumente fez em toda a sua obra, com poucas exceções, fala através do seu personagem Sócrates, levando-o a tecer argumentos em um debate cujo alvo é levar os ouvintes a aceitar como possível, ou pelo menos, convencê-los de forma suficiente para o rebate de refutações45, o argumento que afirma ser a alma um ente imortal e que a mesma permanece racional após a extinção da dualidade corpo e alma. Dentre os argumentos aventados por Sócrates realça a Teoria dos Contrários, que passaremos a analisar. Esta análise se iniciará por uma rápida regressão histórica, pois, não se trata de um pensamento originário46. Heráclito, que antecede Platão, em seus fragmentos47 deixa antever encaminhamento neste sentido, ou seja, a possibilidade da explicação da natureza e de sua arché pelo choque e repulsão de elementos antagônicos.48 Depois de Heráclito, não há porque negar, também e fortemente, a influência do pensamento filosófico de Empédocles, que afirmava, por exemplo, quando, além dos quatro elementos que diz ser constituída a realidade, introduz a Amizade e o Ódio49. Deixa, Empédocles, antever um antagonismo50, que desaguará na afirmação da impossibilidade da convivência de predicados contrários em um mesmo ser. 45 PLATÃO. Fédon 107 b – c. 46 REALE. Para uma Nova Interpretação de Platão, p. 102 e segs. 47 HERÁCLITO. Fragmento. 62: “Imortais mortais, Mortais imortais, vivendo a morte dos outros, morrendo a vida dos outros” Ed. Pensadores. Pré-Socráticos V. 1. HERÁCLITO. Fragmento. 67: “O mistério: dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, saciedade-fome, cada vez que entre fumaça recebe um segundo nome segundo o gosto de cada um, se apresenta diferente”. Ed. Pensadores. Pré-Socráticos V. 1. 48 HERÁCLITO. Fragmento. 08: “O contrário em tensão é convergente: da divergência dos contrários, a mais bela harmonia”. Ed. Pensadores. Pré-Socráticos V. 1. 49 EMPÉDOCLES. Fragmento. 157. Simplício: “Duplas (coisas) direi: pois ora um foi crescido a ser só de muitos, ora de novo partiu-se a ser muitos de um só. Dupla é a gênese das (coisas) mortais, dupla a desistência. Pois uma a convergência de todos engendra e destrói, e a outra, de novo (as coisas) partindo cresce e se dissipa. E estas (coisas) mudando constantemente jamais cessam, ora por Amizade convertidas em um todas elas, ora de novo divergidas em cada um por ódio de Neikos. Assim, por onde um de muitos aprenderam a forma-se, e de novo partido o um múltiplos se tornaram, por aí é que nasceram e não lhes é estável a vida; mas por onde mudando continuamente jamais cessam, por aí é que são imóveis segundo o ciclo. Mas vai, do mito 29 Não se pode, também, falar simplesmente de Pitágoras sem dar antes ao leitor umas poucas palavras sobre o orfismo e doutrinas dionisíacas. De fato, segundo Giovanni Reale, é com o orfismo que se começa a falar da presença no homem de algo divino e não mortal, que habita o corpo e possui natureza antitética à do corpo, é o que viria a ser conceituado com alma imortal.51 O orfismo é um sistema de crenças que surge com uma concepção dualista, que contrapõe a alma imortal ao corpo mortal. Esta concepção é aceita por Platão52, que inclusive adota a as regras que tratam de recompensas e castigos53. Podemos, também, estender os conceitos levantados pelo orfismo à concepção de dualidade inserida no culto a Dioniso. Na mitologia, Dionísio, filho de Zeus, foi triturado e devorado pelos Titãs, os quais, por punição, foram pelo Deus queimados e incinerados e das cinzas deles nasceram os homens54. Tal fato deixa antever no homem uma dualidade representada pela sua parte Dionisíaca, que é a alma e a parte titânica, que é o corpo do homem. Porém, como anteriormente dito, não iremos persistir no mito. Não podemos, entretanto, negar a sua influência no discurso platônico. Em várias partes do Fédon Platão faz referência a uma antiga doutrina, seguramente, quando o faz, estará sempre falando das odes órficas e das crenças e cultos a Dionísio. Não podemos esquecer, tampouco, que Platão utiliza narradores sabidamente pitagóricos (Equécrates, Fédon) e personagens centrais escuta; pois estudo aumenta o peito. Pois como já antes disse, revelando o alcance do mito, duplas (coisas) direi: pois ora um foi crescido a ser um só de muitos, ora de novo partiu-se a ser muitos de um só, fogo e água e terra,e ar a infinita altura, e Ódio funesto fora deles, igual em comprimento e largura; contempla-a com a mente, e com os olhos não sentes pasmo; ela entre imortais se considera implantada em seus membros, por ela pensam (coisas) de amor e obras ajustadas fazem, de Alegria chamando-a pelo nome, e de Afrodite. Ela por entre eles se enrolando não a viu nenhum mortal; mas tu ouve do discurso a seqüência não enganosa. Pois estes todos são iguais e de mesma idade. Mas a honra, cada um mede outra, e cada um tem o seu modo, e em turnos prevalecem no circuito do tempo. E além deles nada mais vem a ser nem deixar de ser; pois se continuamente perecem não mais seriam; e deste todo que (coisa) o acresceria? Donde vindo? E por quem extinguiria, pois deste nada é vazio? Porém esses são eles mesmos, e correndo uns pelos outros se tornam outros em outras vezes e continuamente os mesmos.” Tradução Souza. José Cavalcanti. Ed. Pensadores. Pré-Socráticos V. 1.. 50 GOLDSCHMIDT. A Religião de Platão. Pág 20.. 51 RELAE. História da Filosofia Antiga. V 1. p. 374. 52 Idem, p.376. 53 Ibid. p. 383. 54 Ibid. p. 385. 30 também pitagóricos (Símias e Cebes), tendo como pano de fundo, uma cidade também pitagórica (Fliunte).55 Os pitagóricos também utilizavam o preceito do antagonismo corpo e alma, e da imortalidade desta última, fruto das observações e estudos de Pitágoras quando peregrinava pelo Egito56, em busca de sabedoria. É comum a todos a antiqüíssima crença egípcia da imortalidade da alma, basta ver o cuidado que davam aos corpos dos seus mortos, mumificando-os, no único objetivo de dar a alma, em seu retorno, a mesma morada. Não é improvável que tenha, Pitágoras, apreendido sobre a impossibilidade de convivência de opostos, e disto retirado o conceito de harmonia57, mais precisamente Alma-Harmonia, como elemento intermediador do conflito entre o ser e o não ser, quando obteve conhecimentos do zoroastrismo58, em sua possível viagem à Pérsia.59Acrescente-se que o pitagorismo vê a alma, como todas as coisas, como sendo um número.60 Reside aí a fragilidade do argumento pitagórico: ao limitar a alma ao limitado, ou seja, às coisas sensíveis, apóia-se no fisicalismo que, somente será superado em uma “segunda navegação”, com bem diz Platão no Fédon61. Para Pitágoras, o universo é composto de elementos conflitantes descritos na “Tabelas dos Contrários” mantidos por completo por Aristóteles, que contém: o 55 AZEVEDO. Introdução a Tradução do Fédon de Platão. Págs. 05 a 07. 56 GUTHERIE & FILDER. The Pythagorean Soucerbook Cit. JÂMBLICO. The Life of Pythagoras. P. 59. 57Idem: “O conceito de alma-harmonia é comum a Pitágoras e seus seguidores”. p. 33. 58Ibid., p. 20. 59 O zoroastrismo vem das doutrinas de Zoroastro ou Zaratrusta, que em data não comprovada (alguns datam seiscentos anos antes de Cristo), pregou que o universo e os seres repousam num equilíbrio de duas forças antagônicas, o Ormuz (Ahura Mazdah) que representa o bem, e Ariman (Angra Manyu), que representa o mal. Este antagonismo místico transpôs séculos, tendo conquistado adeptos para o sacerdote persa Mani, os Maniqueus; e o combate de Santo Agostinho, que fustigava com todas as suas forças, o Dualismo, negando a existência do Mal (ver de natura boni líber – A Natureza do Bem, de Santo Agostinho). 60 Para Reale a afirmação comentada leva o pitagorismo a uma aporia, pois sendo as almas infinitas (de todos os viventes e os que estão por vir), chegaríamos a números infinitos, superando as divindades que têm um número privilegiado (a Tétrade), e se fosse um único número não poderiam diferenciar umas das outras, a questão, segundo o autor, somente será resolvida com a “segunda navegação” platônica”. Ver RELAE. Historia da Filosofia, V. 1. p.p.92 e 93. 61 PLATÃO. Fédon 99 d. 31 limitado e o ilimitado, o par e o impar, o uno e o múltiplo, o direito e o esquerdo, o macho e a fêmea, o repouso e o movimento, o reto e o curvo, a luz e a escuridão, o bom e o mal, o quadrado e o retângulo62. A alma é, enfim, harmonia para os pitagóricos e causa para os aristotélicos63. A assertiva de impossibilidade de convivência de naturezas antagônicas recebe a aceitação de Aristóteles64 (o princípio de contradição, que diz: nada pode ser e não ser simultaneamente65 ), também de Epicuro, que na carta sobre a felicidade a Meneceu, afirma também o antagonismo entre a vida e a morte quando diz: Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos nem para os mortos, já que para aqueles ela já não existe, ao passo que estes não estão mais aqui”.66 É verdadeiro que Epicuro não entende a existência do pós-vida, porém, no parágrafo transcrito está longe de ser afirmado tal coisa, o que se diz é: existe um antagonismo entre a vida e a morte, tal qual existe, para este Filósofo, os corpos e o vazio, que representam a totalidade da realidade67. Sendo a Alma, para Epicuro, 62 ARISTÓTELES. Metafísica, livro I A –986 a – 22. 63 REALE. Para Uma Nova Interpretação de Platão.: “Tais duplas de contrários atraíram a atenção de Aristóteles, que lhes dedicou uma obra (infelizmente perdida) com o título A Divisão dos Contrários, na qual reproduzia um material extraído das lições de Platão Sobre o Bem”. P. 189. 64 ARISTÓTELES. Metafísica. Livro IV. 1005 b 15 – 20.. “Evidentemente, pois, um tal princípio é o mais certo de todos; qual seja ele, é o que vamos dizer agora: o mesmo atributo não pode, ao mesmo tempo, pertencer e não pertencer ao mesmo sujeito com relação à mesma coisa;...”. 65 ARISTÓTELES. Metafísica. Livro III.2,996b. 66 EPICURO. Carta a Meneceu,; “tÕ frikwdšstatn oán tîn kakîn Ð q¢natoj oÙØ prÕj Åm©j, ™peid»per Ötan mn ¹me‹j, ïmen Ð q£natoj oÙ p¢restin, Ötan d Ð q£natoj parÁ, tÒâ’ Åme‹j oÙk ™smšn. oÙte oân prÕj toÚj teteleuthkÒtaj ™peid»per perˆ oâj mšn oÙk Ÿstin, o‡ d oâkšti eˆs…n. ¢ll’ o… pollo… tÒâ q£naton Ðtš mšn çj mšgiston tçn kakîn feÚgousin, Ðtš d çj ¢n£pausin tçn n tù zÍn , reis ilustres E homens impetuosos pela força ou imensos Pela sabedoria se elevam. E pelo resto dos tempos, como heróis impolutos São invocados pelos homens. Sendo então a alma imortal e tendo nascido muitas vezes, e tendo visto tanto as coisas aqui quanto às no Hades, enfim todas as coisas, que não há o que não se tenha aprendido; de modo que não é nada de admirar, tanto em respeito à virtude quanto ao demais, ser possível a ela rememorar aquelas coisas que já antes conhecia. Pois sendo a natureza toda congênere e tendo a alma aprendido todas as coisas, nada impede que, tendo rememorado uma só coisa – fato esse precisamente que os homens chama de aprendizado-, essa pessoa descubra todas as outras coisas, se for corajosa e não se cansar de procurar. Pois, pelo visto, o procurar e o aprender são, no seu total, uma rememoração”.(parêntese transcritos do texto). Trad. Maura IGLÉSIAS. 103 HESSEN. Teoria do Conhecimento.: “A forma mais antiga do racionalismo encontra-se em Platão. Este está convencido de que todo o verdadeiro saber se distingue pelas notas da necessidade lógica e da validade universal. Pois bem, o mundo da experiência encontra-se em contínua alteração e mudança. Por conseguinte não pode procurar-se um verdadeiro saber. Como os eleáticos, Platão está profundamente penetrado da idéia de que os sentidos não podem nunca conduzir-nos a um verdadeiro saber. O que lhe devemos não é uma epiot¾mh, mas uma dÒza; não é um simples saber mas sim uma simples opinião. Por conseguinte se não podemos desesperar da possibilidade de conhecimento, tem de haver, além do mundo sensível, outro supra- sensível, do qual tire a nossa consciência cognoscente os seus conteúdos. Platão chama este mundo supra- sensível o mundo das Idéias. Este mundo não é simplesmente uma ordem lógica, mas ao mesmo tempo uma ordem metafísica, um reino de essências idéias, metafísicas. Este reino encontra-se, em primeiro lugar, em relação as realidades empíricas. As idéias são modelos das coisas empíricas, as quais devem a sua maneira de ser, a sua essência peculiar, à sua <> nas idéias. Não só as coisas, mas também os conceitos por meio dos quais conhecemos as coisas, são cópias das Idéias. Mas como isto é possível? Platão responde com a sua teoria da anamnésis. Esta teoria diz que todo o conhecimento é uma reminiscência. A alma contemplou as Idéias numa existência pré-terrena e recorda-se delas na ocasião da percepção sensível. Esta não tem, pois, a significação de um fundamento do conhecimento espiritual, mas somente a significação de um estímulo. A medula deste racionalismo é a teoria da contemplação das Idéias. Podemos chamar a esta forma de racionalismo transcendente.”(grifos e itálico, constate do original). P.p. 63 e 64 44 passíveis de repetição. Para Platão, não há aquisição do conhecimento, sendo este antes e apenas, um lembrar daquilo que estava esquecido.104 Para Platão a alma de todos os homens tem em si o conhecimento pleno.105A alma desencarnada contemplou no além da caverna as Formas do Conhecimento, neste momento, que é toda a eternidade - pois a alma é eterna, a alma do homem conheceu todas as ciências e observou todos os fenômenos. Nada lhe seria desconhecido. Porém, a relação com o mundo sensível abate, em primeiro ato, quando do nascimento, este conhecimento no homem, tal como quem recebe um véu de esquecimento. Recebe, não ignorando, a força do mito. Uma ablução nas águas do Rio Ameles, cuja água nenhum vaso pode conservar, as almas recebem a vida (cintilando como estrelas) e o esquecimento106. O que aliás, Sócrates – atalhou Cebes – não vem senão reforçar essa teoria que trazes constantemente à baila, ou seja, que o aprender não é senão um recordar, segundo ela, é indispensável que tenhamos adquirido, em tempo anterior ao nosso nascimento, os conhecimentos que atualmente recordamos. Ora, tal não seria possível se a nossa alma não existisse já algures, antes de encarnar nesta forma humana. De modo que, até sob este prisma, dá idéia que a alma é algo de imortal. 107 Diferentemente do primeiro argumento sobre a imortalidade da alma (Teoria dos Contrários), o argumento da reminiscência, na forma exposta acima, ou seja, da pré-existência do conhecimento no mundo das Idéias, deve dar-nos, pelo menos, razões e esperanças que nossas almas venham a atingir a sabedoria pela 104 PLATÃO. Fédon 75 e: “Por outro lado se, como julgo, perdemos ao nascer o que antes tínhamos adquirido, e mais tarde recuperamos, como o auxílio dos sentidos, o conhecimento das tais realidades em cuja posse nos encontrávamos outrora, então isso que chamamos aprender não consistirá, a rigor, em recuperar um conhecimento que nos é próprio? E se definirmos tal processo como reminiscência, não estaremos a dar-lhe o nome exato?”. 105 HARCKFORTH,: “The memory impleid in the doctrine the Anamnesis is an impersonal memory: its contents are the seme in all human beings”. Cit. CORNFORD Pág. 76. 106 PLATÃO. República X, 621 a – d. 107 PLATÃO.Fédon 72 e, 73 a.: “Kaˆ m»n, œfh Ð Kšbhj Øpolabèn, kaˆ kat– ™keinon ge tÕn lÒgon, ç Sèkratej, e„ ¢lhq»j ™stin, Ön sÝ e‡wqaj qam¦ lšgein, Óti Åm‹n Å m£qhsij oÙk ¥llo ti ½ ¢n£mnhsij tugc£nei oÙsa, kaˆ kat¦ toàton ¢n£gkh pou Åm©j ™n protšrJ tinˆ crÒnJ memaqhkšnai § nàn ¢namimnhskÒmeqa. toàto d ¢dÚnaton, e„ mh ¹n pou ¹m‹n ¹ yuc¾ prin ™n tùde tò ¢nqrwp„nJ e‡dei genšsqai ïste kaˆ taÚth ¢q£naton ¹ yucÇ ti œoiken eŒnai.” 45 lembrança, ou reconhecer a sabedoria que uma vez nós a possuímos desde antes do nascimento.108 A morte seria, portanto, um voltar ao contemplar; voltar ao rever aquilo que, para Platão, cegos pela vida já não vemos, o Mundo das Formas. Assim, Platão aceita o movimento nas coisas corruptíveis, aproximando-se da assertiva maior de Heráclito, que diz que tudo flui, ao admitir uma transposição de estados, tal qual “do primeiro para o segundo e, inversamente, deste último para o primeiro”109; oposições que não escapam ao principio da geração e corrupção110; e que faz deste processo (geração/corrupção), uma possibilidade de transposição que nos leva a aceitar como ser a vida um caminho para o estado: morte, e que, quando na morte, estamos num caminho para a vida, processo este que recebe de Platão o nome de reviver.111 Conseqüentemente, também neste ponto estamos de acordo: os seres vivos procedem dos mortos, tal como os mortos procedem dos vivos. E se assim é, quer-me parecer que os dados que temos são suficientes para concluir que, por força, as almas dos mortos subsistem algures, donde precisamente voltam para renascer.112 Desta forma; a morte, e este é o núcleo do Fédon, é um reencontrar – o diálogo vem para justificar a morte de um ser amado por Platão (Sócrates), sem lamentações e choros de carpideiras, e passa a ser um interrogatório, cujo objetivo é levar o interrogado (Sócrates) a justificar a imortalidade da alma e a vida após a morte, neste caso, uma vida imortal em sabedoria113. A vida eterna em conhecimento 108 ABRENSDORF. The Death of Sócrates.: “Unlike the frist argument for immortality, this one would seem to give us at least some reason for hoping that our souls may attain wisdon, or rather recover the wisdom we once possessed, after we are dead”. P. 74. 109 PLATÃO. Fédon 71 b. 110 PLATÃO. Fédon 71c. 111 PLATÃO. Fédon 71e. 112 PLATÃO. Fédon 72 a.: “Omologe‹tai ¨ra ¹m‹n kaˆ taÚth toÝj zîntaj ™k tîn teqneètwn gegonšnai oÙdn Ãtton À toÝj teqneîtaj ™k tîn xèntwn, toÚton d Ôntoj ƒkanÒn pou ™dÒkei tekmÇrion eƒnai Ôti ¢nagka‹on t¦j tîn teqneètwn yuc¦j eƒna… pou, Ôqen d¾ p£lin g…gnesqai”. 113 PLATÃO. Fédon 76 c 7.: “Donde se segue, Símias, que, antes de encarnar numa forma humana, as nossas almas existiam já, independentemente de um corpo e dotadas de inteligência”. 46 é a via eleita como objetivo indeclinável a ser buscado pelos verdadeiros Filósofos114, aqueles que são amigos da sabedoria. A morte deve ser aceita, porém não provocada. Começa, não sem razão, o diálogo com argumentos pela rejeição ao suicídio115, que, por ser ato antinatural e contrário aos Deuses, não deve ser praticado. A partir desta premissa é que aparece o objetivo secundário do Diálogo que é confortar aqueles que ficam, seus discípulos, coagidos a sentir a eminente ausência do mestre. Procura, por fim, induzi-los a não ter medo da morte, assunto que trataremos mais adiante neste mesmo capítulo. Este jogo de lembrar e esquecer mostra uma alternância nos contrários, além do que, admite uma impossibilidade de existir a vida quando existe a morte, porém os admite seqüencialmente. Os antagônicos repelem-se, como um corpo imantado repele um igual, porém de carga diferente ou, em outro exemplo, quando observamos o que ocorre em um ente que pode ver e sabe que vê (a alma racional), e vem e se colocar diante de um espelho e vê o seu reflexo afastando-se ao seu distanciar. Torna-se, com a distância, a imagem cada vez mais difusa para aquele que observa (o ser que vê – a Alma); fica cada vez mais, com a distância, difícil mirar o que é observado (que não vê – o mundo da multiplicidade, das cópias). Neste exemplo, na medida em que aquele que mira se afasta, perde-se a qualidade da imagem e, ao contrário, quando mais perto chega mais nítido e perfeito fica o ato de enxergar o que é mirado116. Mesma relação ocorre entre a vida e o conhecimento. Quando não estamos vivos conhecemos, quando nascemos, esquecemos, quando morremos, relembramos. Quando caminhamos para morte117 e mais perto dela 114 PLATÃO. Mênon. 86 b. “Sócrates: - Se é verdade das coisas que são está sempre na nossa alma, a alma deve ser imortal, não é? De modo de que aquilo que acontece não saberes agora – e isto é aquilo de que não te lembras – é necessário, tomando coragem, tratares de procurar e rememorar”. 115 PLATÃO. Fédon 62 a. 116 PLATÃO, A República. Livro VI, 509e 519a.: “Supõe então uma linha cortada em duas partes desiguais; corta novamente cada um dos segmentos segundo a mesma proporção, o da espécie visível e o da inteligível; e obterás, no mundo sensível, segundo a sua claridade ou obscuridade relativa, uma seção, a das imagens. Chamo imagens, em primeiro lugar, às sombras; seguidamente, aos reflexos nas águas, e àqueles que se formam em todos os corpos compactos, lisos e brilhantes, e a tudo o mais que for do mesmo gênero, se estás a entender-me”. 117 PLATÃO. A República. 540 a-e: “Chegados aos cinqüenta, aqueles que tenham sobrevivido e se assinalado em tudo e por tudo nos estudos e nos trabalhos devem ser levados ao termo último e obrigados, levantando para o alto o olhar da alma, a contemplar justamente o ser que ilumina todas as coisas, a fim de que, tendo visto o bem em si mesmo, nele se inspirem como modelo para ordenar pelo resto da sua vida a cidade, os indivíduos e a si mesmos”. 47 chegamos, mais nitidamente vislumbramos o conhecer. O vidro do espelho aparece, no exemplo, como para mostrar a impossibilidade que tem o homem em conhecer plenamente o mundo inteligível em vida. É uma posição cética, que reside na impossibilidade física de contemplar o Mundo das Formas antes da morte, uma limitação que somente se rompe no além do homem. Tal barreira, porém, não deve ser vista apenas como um limite intimidador, e sim, antes de tudo, como uma possibilidade que deve ser constantemente buscada, pois, a busca ao conhecer faz parte da natureza do homem118, a busca da plenitude contemplativa. No Fédon, como quem apregoa para os modernos119, Platão diz, que o filósofo é um ser para a morte e, quando tal inevitabilidade se der, haveremos de ter o Conhecimento-em-si, que é o objetivo de busca para os filósofos. Continuando a navegar no exemplo, a impenetrabilidade do vidro do espelho representa os limites recebidos com a vida, e o elemento do mundo sensível que sujeita e limita o homem na busca do pleno conhecimento e o impede de contemplar o conhecimento. O ir além do vidro é dever da imagem (a cópia do homem). O Vidro é a barreira que o impede de contemplar a Idéia perfeita, a Forma do Belo-em-Si120, que estaria além do espelho na secção apenas inteligível da linha dividida, e libera, para suas sensações, a forma imperfeita, aquela que se mostra nas relações entre o homem e o mundo, o mundo dos entes sensíveis, o mundo dos seres imperfeitos, das imagens e das sombras121. E é este o mundo que o homem aceita enquanto ente. Não é este, porém, o mundo da alma, que transita entre as Formas imutáveis. Esta pseudofatalidade que limita à esfera da morte o pleno conhecimento é combatida, unicamente, pela busca inevitável do conhecer, ou seja, pela procura 118 ARISTÓTELES. Metafísica. Alfa, 980a.: “Todos os homens, por natureza, desejam conhecer”. 119 HEIDEGGER. Ser e Tempo. § 53: “A morte, como fim do ser-aí, é a sua possibilidade mais própria, incondicionada, certa, e como tal, indeterminada e insuperável”. 120 PLATÃO. Fédon 76 e. 121 ZUCCHI. Introdução a Tradução da Metafísica de Aristóteles: “El mundo sensible, al igual que el inteligible, consta de dos secciones: la superior, compuesta de los seres sensibles propriamente dichos, y la inferior, compuesta de imágenes, reflejos, sombras y, en general, e duplicaciones de los seres sensibles”. p. 32. 48 do desvelar daquilo que está encoberto pelo esquecimento, e isto é uma obrigação inarredável para o Filósofo, pois é assim a natureza da alma do homem, e para o filósofo, uma de suas obrigações. Cabe-lhe perquirir a alma do homem, desvelando segredos esquecidos, de forma a encaminho-lo ao encontro do Bem em Si; porto final das almas bem aventuradas122, pois: “A alma, ela sim, é imortal. Não há dúvidas que as almas, outrora admitidas a contemplar o lugar supraceleste, onde se elevam as Formas inteligíveis, tenham encontrado uma felicidade total nessa visão bem aventurada”.123 Porém, ao cair em corpos mortais, resta o desejo incontido de procurar a felicidade, esta, no mundo dos seres corruptíveis, é fugidia, efêmera e instável, como próprio da natureza humana. Confunde-se assim, o pleno conhecimento com a plena felicidade.124 Esta divergência entre o que se desconhece, sendo o conhecer característica própria da alma, e o desejo de voltar a conhecer, próprio do homem, torna o homem refém de um processo inevitável de tentar lembrar, o que representa, no fundo, contrários em convergência e divergência. O antagonismo e o contraste se mostram quando confrontamos: a vida com a morte; o desconhecer com o lembrar, e a alma com o sensível, ou seja, aquilo que vê e aquilo que se mostra. Apresentado o conhecimento como estado contrário à condição de ser e estar vivo, resta, respondida por via de conseqüência a pergunta, o que seria então o conhecer? O Aprender seria, em visão platônica, um relembrar, e a luta pelo relembrar é a obrigação do Filósofo, que é aquele que reconhece, quando confrontado, o que não foi plenamente esquecido125 e sabe que o seu destino, e obrigação, é percorrer os caminhos que levam ao conhecimento em si, sendo, pois, sujeito inevitável de um processo chamado relembrar. Logo, voltando à introdução deste capítulo, renovamos a afirmação de que o passo inicial para aceitar a teoria da anamnese, ou da reminiscência, como 122 PLATÃO. A República. X. 621c. Fédon. 108c e 111a. 123 PLATÃO. Fedro, 247 c, 250 b. 124 PLATÃO. O Banquete. 201 d, 202 d. 125 PLATÃO. Fédon 74e. 49 argumento válido para a comprovação da imortalidade da alma, é a aceitação de que não existe, para o homem, o conhecimento, apenas, a obrigação (em grau muito mais forte para o filósofo) de tentar lembrar. Para os amigos da sabedoria resta o dever de procurar achar aquilo que era conhecido e que hoje se vê perdido em sombras de vidas passadas. O conhecimento está além das portas da morte, local que somente a alma, ser imortal, pode transpor e, por fim, a Filosofia é a chave para entreabrir as portas das lembranças, deixadas no fundo da alma, na parte não atingida pelos efeitos das águas do rio Âmeles. 50 4.2 O Igual em Si (aÙtÕ to Šson). Perguntado por Cebes qual seria a prova que amolda a teoria da reminiscência, Sócrates diz que para prova-la basta somente o fato de que “quando interrogamos as pessoas, desde que saibamos interrogá-las, elas são por si capazes de explicar corretamente tudo o que se lhes peça; ora, se não tivesse já um conhecimento inato e uma correta visão das coisas, de forma alguma estariam em condições de fazê-lo”.126 Encaminhando a polêmica, ou seja, o interrogatório de seus seguidores, Sócrates, pergunta se há diferenças entre o que se conhece como homem e o que se conhece como uma lira127. Símias assente que existe. Voltando ao questionamento Sócrates afirma então que o conhecimento se faz a partir de coisas semelhantes e coisa desiguais (Ex: uma lira versos outra lira ou homem versus lira)128. Não havendo oposição, passa então Sócrates a questionar sobre o grau de semelhanças que há entre o objeto que recordamos (ou tentamos recordar) e o que é posto diante de nossos olhos ou sentidos. É o início da argumentação sobre o Igual em Si, ou seja, a reflexão sobre a figura mestra que se encontra no mundo das Formas, que trazemos perdidas nos labirintos da mente e que faz que as recordemos mesmo ao sermos apresentados a coisas desiguais, como a pintura de Símias nos faz recordar de Símias, ou o som de uma lira nos faz lembrar de uma pessoa amada. A pintura de Símias é uma representação de Símias, não é o próprio Símias que se apresenta aos nossos olhos, é apenas, e nada mais, do que uma cópia (sempre imperfeita, independentemente da maestria do pintor) que, porém, faz-nos lembrar de Símias. É tal como quem vê a lira ou ouve o seu som e lembra do ser amado que foi objeto de uma declaração de amor através da música tocada com aquele instrumento129, como foi mostrado em outro exemplo no início deste parágrafo. 126 PLATÃO. Fédon 73a. 127 PLATÃO. Fédon 73d. 128 PLATÃO. Fédon 74 a-b. 51 O que se busca, como exercício da alma, para Platão, não é a cópia, que é uma representação imperfeita da Forma, mas o conhecimento perfeito do ser observado, conhecimento este que reside, no homem, apenas e em diluída essência nas lembranças, posto que estas são fracas marcas gravadas em nossas almas que, em algum momento, estiveram em contato com o ser perfeito que ora se mostra difusamente como cópia. A alma procura na recordação aquilo que viu em perfeição, porém, no momento, apenas vê em imperfeita cópia. As cópias ou simulacros, por sua vez, como se apresentam aos nossos sentidos, são tentativas falhas de reprodução dos seres perfeitos que se encontram no lado não sensível da linha dividida, se encontram no além da caverna, no mundo sujeito à luz de um sol indizível. Esta luz que ofusca e impede que o artista reproduza com perfeição a obra imaginada é a mesma que somente pode ser apreciada e absorvida pela Alma, ser único que pode transpor, em repetidas viagens, as fronteiras entre o mundo dos seres sensíveis e dos inteligíveis, trazendo consigo, além da vida, somente isto, fracas lembranças. As lembranças são, enfim, pequenas portas para o mundo das idéias, local de morada dos seres perfeitos e incorruptíveis que ansiamos copiar. Este impulso que nos leva a copiar e desvelar lembranças é prova da existência de uma alma que teve acesso a um conhecimento pleno, é ela que nos faz caminhar em busca daquilo que já foi conhecido e que, em vida, está esquecido. Esta ânsia em copiar (revelar o já conhecido), é próprio da alma, pois ela transita entre os lados do real (o que se compreende pela inteligência), e do que é irreal (aquilo que se mostra como cópia – o mundo sensível com todas as suas interpretações, inclusive o homem). Ela vem e volta ao mundo das Formas do conhecimento, para forçar o homem a desvelar o que tem encoberto pela vida, e que somente será contemplado, em plenitude, na morte. Portanto, devido ao fato de estarmos habitando um corpo, que é apenas uma copia imperfeita da idéia perfeita de homem, e por isto mesmo, como todas as 129 PLATÃO. Fédon 73 d-e. 52 cópias, sujeitas à corrupção, estamos impedidos de vislumbrar, em sua perfeição e plenitude, o mundo das Idéias ou das Formas perfeitas. O que reproduzimos, vemos e somos e tudo o mais, nada mais é do que cópias imperfeitas das Idéias (e„d), são estas Idéias que habitam nossas lembranças, ainda que vagas, fracas, como simples névoas do que vimos naquele mundo, do mundo das Idéias, onde reside o Igual em Si, o Belo em Si, o Bom em Si, que, repetindo, ansiamos em igualar respondendo ao apelo de nossa alma. Assim, pois, que o adquirimos antes do nascimento, uma vez que já dele dispúnhamos, podemos dizer, em conseqüência, que conhecíamos tanto antes como logo depois de nascer, não apenas o Igual, como o Maior ou Menor, e também tudo que é da mesma espécie? Pois o que, de fato, interessa agora à nossa deliberação não é apenas o Igual, mas também o Belo em si mesmo, o Bom em si, O Justo, o Piedoso, e de modo geral, digamos assim, tudo o mais que é a Realidade em si, tanto nas questões que se apresentam a este propósito, como nas respostas que lhe são dadas. De modo que é uma necessidade de adquirir o conhecimento de todas essas coisas antes do nascimento.130 Ao elevar o Igual em Si ao grau de objeto trabalhável como argumento para a prova da reminiscência, Sócrates (Platão) parte da premissa de que o ente a ser conhecido (seja visualmente semelhante ou dessemelhante a outro) está posto para um único observador, ou seja, não são duas pessoas que observam os bastões ou as pedras como os exemplos131do diálogo, pois, desta forma, haveria sempre uma análise sob perspectiva pessoal: um determinado observador pode e deve ter, uma particular visão sobre um objeto determinado que, como ventilado, deverá ser diferente da visão de um outro observador (o som da lira lembra algo, para um observador, que é completamente diferente do que lembra outro ouvinte)132. Platão 130 PLATÃO. Fédon 75d. : “OÙkoà e„ mn labÒntej aÙtÊn prÕ toà genšsqai œcontej ™genÒmeqa, Æpist£meqa kaˆ prˆ genšsqai kaˆ eÙqÝj genÒmenoi oÙ mÒnon tÕ Šson kaˆ tÕ me‹zon kaˆ tÕ œlatton ¢ll¦ kaˆ sÚmpanta t¦ toiaàta; oÙ g¦r perˆ toÙ Šsou nàn Ð lÒgoj Åm‹n m©llÒn ti É kaˆ perˆ aÙtoà toà kaloà kaˆ aÙtoà toà ¢gaqoà kaˆ dikaˆou kaˆ Ðs…ou ka…, Ôper lšgw, perˆ ¡p£ntwn oŒj ™pisfragixÒmeqa toàto “Ð œsti”, kaˆ ™n taŒj ™rwtÇsesin ™rwtîntej kaˆ ™n taŒj ¢pokrisesin ¢pokrinÒmenoi. ìste ¢nagka‹on Åm‹n toÚtwn p£ntwn p£j ™pist»maj prÕ toà genšsqai eˆlhfšnai.” 131 PLATÃO. Fédon 74 b. 132 WHITE. In Myth and Metaphysics in Plato’s Phaedo. p. 87. 53 fala é de um objeto sob uma visão única, ou seja, aquele que vê, vê uma cópia imperfeita de uma “realidade distinta de todas estas e que está para além delas.”133 Não é apenas comparar o bastão com outros bastões, neste caso veríamos cópias de cópia (cada uma a desfilar sua imperfeição), mas comparar o bastão que nos é apresentado, independentemente de outras condições tais como distância, localidade, etc.., com a Forma de Bastão, que trazemos na alma e que nos faz dizer sem dúvidas, dentre vários objetos apresentados: isto é um bastão! Tal afirmação advém de conhecimento inato da Forma Absoluta de Bastão. Esta sensação de igualdade vai além da noção da igualdade visível, pois abraça aquilo que entendemos ser igual e desigual ao mesmo tempo (um bastão ou pedra é igual e desigual ao mesmo tempo a outro bastão ou pedra). Porém, de onde vem esta capacidade de dizer, ao olharmos vários bastões, em essência desiguais: estes são bastões? Respondemos: vem do conhecimento da Forma de Bastão que sempre tivemos e de imediato lembramos. Vem assim de recordações. São as lembranças que trazemos entranhadas em nosso ser e que antecedem o nosso nascimento, e na medida que nos apegamos ao corpo sensível e corruptível, vamos largando-as nas brumas do esquecimento. É quando, ao assim afirmar diz Platão que: “conhecia já esta realidade à qual, segundo ela, se assemelha o objeto em causa, embora bastante imperfeitamente”.134 Somente reconhece esta verdade aquele que tenha tido antes do nascimento o conhecimento do Igual em si.135 Assim, para Platão, a alma persistiria e resistiria à destruição do corpo, bem como antecede a este, como persiste, resiste e precede a destruição de toda a cópia a Idéia do Igual em Si, “donde se segue que, antes de começarmos a ver, a ouvir, a gozar dos restantes dos sentidos, deveríamos já ter um conhecimento do Igual em si, daquilo que de fato é; sem o que não seria possível tomá-lo como ponto de referência das realidades sensoriais, ou seja, de todas essas que aspirando por um lado a assimilar-se a ele lhe são, por outro lado, inferiores”.136 133 PLATÃO. Fédon 73 b. 134 Idem 74 e. 135 Ibid. 74e – 75a. 136 Ibid. 75 b. 54 Em resumo, antes de nascermos, sabemos (temos o conhecimento pleno) porque, quando Forma, participamos do mundo das Idéias e das Formas perfeitas. Porém, ao nascer, esquecemos, pois bebemos as águas do rio Âmeles. Recebemos uma cópia imperfeita (o corpo), que apenas vê sob a força e auxílio de órgãos sensíveis, cópias imperfeitas. A razão, por outro lado é o caminho que nos permite tentar visualizar o mundo dos entes inteligíveis, esta visualização se faz pela recordação daquilo que foi visto pela alma, a nossa parte incorruptível e indestrutível. E, por fim, a obrigação do Filósofo, pois assim é a sua alma, é tentar voltar a lembrar. Tentar ver: o Igual em si, o Belo em si e “a tudo que, como digo, selamos genericamente com o rótulo de <>, quer nas perguntas que fazemos quer nas respostas que damos “.137 137 PLATÃO. Fédon. 75 d. 55 5. O Argumento da causa da Geração gšnesij e da Corrupção fqor£. Fédon 95b - 107c O Capitulo que se segue pode ser destacado como o punctum saliens da defesa platônica da imortalidade da alma. Ao explicar a imortalidade da alma, Platão desvela para todos a sua Teoria das Idéias colocando a alma como o eixo de ligação entre dois mundos, aquele dos entes inteligíveis sempre-eternos, que conceitua como Formas (e„d) e os sujeitos ao devir, em constante mutação, uma geração corresponde a uma degradação, ou corrupção, que conceitua como sendo o mundo sensível, e que é aquele que nossos sentidos nos apresenta. O que Platão procura é um amálgama entre duas correntes de pensamento encabeçadas por Heráclito e Parmênides, clarificando e colocando em evidência o ser e sem negar completamente o não ser. Platão entende como sensível o mundo que povoa os pensamentos dos filósofos como: Heráclito138, Pitágoras139, Anaximandro140, e todos aqueles que perquiriam a natureza para explicar a Arché e o Kósmos, e que diziam ser este uma transmutação de elementos, do quente ao frio, do fogo a água, do grande ao pequeno, etc. 138 HERÁCLITO. Fragmento 30b. “Este cosmo, o mesmo para todos, nenhum deus ou homem o fez, mais foi, é e será sempre: um fogo constantemente ardendo, acendendo-se de acordo com as medidas e sendo extinto de acordo com as medidas”.Trad. Os Pensadores. Pré-Socráticos v.1. 139 NIETZSCHE. A Filosofia na Época Trágica dos Gregos.: “Sua idéia fundamental é esta: a matéria, que é representada inteiramente destituída de qualidade, somente por relações numéricas adquire tal ou tal qualidade. Tal é a resposta dada ao problema de Anaximandro. O vir-a-ser é um cálculo”., Pensadores. Pré- Socráticos. Vol 1. pág. 29 140 ANAXIMANDRO. Fragmento. 34, 28..: “Estas (coisas) sendo assim, é preciso admitir que muitas de todas as espécies são contidas em todas os compostos e sementes de todas as coisas, que formas de todas as espécies têm, e cores e sabores. E que se compuseram homens e os outros animais, quanto tem alma. E que os homens em comum habitam cidades e organizam trabalhos, como entre nós, e sol eles têm e lua de mais astros, como entre nós, e a terra para ele produz muitas (coisas) e de todas as espécies, das quais as amais úteis eles utilizam recolhem para habitação e utilizam. Estas (coisas) portanto por mim estão ditas sobre a separação, que não somente entre nós poderiam ser separadas, mas também por outras partes”. “E antes de terem sido separadas estas (coisas) quando todas eram juntas, nem mesmo cor era evidente, nenhuma só; pois o impedia a mistura de todas as coisas, do úmido ao seco, do quente ao firo, do luminoso e do sombrio, e terra se encontrando muita e semente em quantidade infinita em nada se assemelhando umas às outras. Pois nem tampouco das outras (coisas) nenhuma é semelhante a outra. Estas assim se comportando no conjunto, é preciso admitir que são contidas todas as coisas.” Pensadores. Pré-Socraticos. V 1. p. 70. 14 2 –Uma introdução ao problema da imortalidade da alma, para alguns filósofos gregos. A questão sobre a existência ou não da alma sempre representou angústias para o homem ocidental12; angústias iguais as que povoavam as mentes dos gregos na antiga terra do Deus Apolo, quando, na escura noite dos primeiros conhecimentos, questionaram, sem o amparo das crenças, porém em espanto13, o Kósmos, a vida, a morte, a pós-vida e a alma. Em todo mundo antigo, e na Grécia, principalmente, o homem se espantava com o Kósmos e pensava na morte e nas conseqüências da existência de uma pós- vida. Pensava na alma e sobre ela fazia os mais variados conceitos. Alguns destes pensamentos serão vistos neste trabalho, referimo-nos aos ditos de: Heráclito, Parmênides, Pitágoras, Anaxágoras e, sutilmente, os de Aristóteles e Epicuro. O Kósmos, a morte, a alma e o fado do homem eram matérias comuns no teatro grego, povoavam o medo místico fomentado pelas narrativas de Homero, inflamavam acalorados debates nas praças onde os homens gregos nascidos livres tinham a liberdade de se expressar e convencer seus iguais14. A liberdade de falar era a chave de tudo. Naquela liberdade, exclusiva de algumas cidades Estados, característica do mundo grego, brotaram idéias cuja fonte tem origem que remonta 12 Diferentemente dos orientais, somos todos tomados pelo desejo de se ver perpetuar, como alma racional e personalíssima, muito além da nossa morte; fato que podemos dar crédito de origem aos helenos e a influência de seu pensamento, tanto religioso como filosófico. Para melhor compreensão da influência do pensamento grego sobre os povos ocidentais ver JAEGER. Paidéia. p. 05 e segs. 13 Ernest Baker. Teoria Política Grega.: A um dito famoso de Platão, segundo o qual a filosofia é criatura do espanto. Os gregos tinham o dom de espantar-se, e se inclinavam naturalmente para a especulação a respeito do que lhe causava espanto. Foi assim que refletiram sobre as propriedades da linguagem, e criaram a ciência da lógica; investigaram racionalmente as propriedades espaciais da matéria, e produziram a geometria euclidiana – talvez a expressão mais típica do seu gênio. Com o mesmo espírito pensaram sobre a composição e as propriedades do Estado. Na teoria política grega não se fala do “direito divino”, ou de sanções sobrenaturais a não ser, talvez, nas especulações de alguns pitagóricos. Pág. 21. 14 VALVERDE. História do Pensamento. V1. p 14 e segs. 57 Tentando uma resolução, Platão quando vem utilizar um método de prova, dialético, sempre o faz recorrendo primeira e fundamentalmente à negação do mundo sensível e da afirmação144que existe um mundo supra-sensível e, a partir disto, começa a dizer os motivos pelos quais este mundo influi e muda o sensível, onde interagimos. Começa, assim uma dualidade, representada pelo mundo sensível, que Platão nega o direito a certeza na sua existência, e o mundo das Formas, que Platão da como certo e como causa única e primeira, das ocorrências vistas no mundo sensível. Com a divulgação da sua Teoria das Formas ou Idéias, Platão é obrigado a ir necessariamente à causa da corrupção e geração, pois a explicação do devir é inevitável. Não há como negar completamente o sensível. Pois, ao tentar demonstrar o mundo real (o mundo das Formas em si mesmo), Platão, por ato conjugado, vai primeiramente às causas da corrupção (no mundo sensível), para daí extrair a necessidade primeira do Mundo Inteligível. A Alma é para Platão o que faz a interligação entre estes dois mundos, sendo ela a força motriz que nos obriga a caminhar em busca do conhecimento do mundo que se encontra oculto aos nossos sentidos; um mundo onde o discurso não penetra, diferentemente deste mundo que se mostra em imperfeição, no qual trocamos informações. Discorrer sobre estes mundos é apostar na sua interdependência e na necessidade quase recíproca de existência. O mundo sensível para existir necessita do inteligível, porém, para que exista o mundo supra- sensível, não é de todo necessário que exista o mundo sensível, já que este provém daquele que tem a natureza de permanência.145Antes da reta vem o ponto, antes do 143 NIETZCHE. Parmênides de Eléia. Col. Pensadores. Pré-Socráticos v1. pág. 93. 144 PLATÃO. Fédon. 100 a. 145 ARISTÓTELES. Metafísica. Livro V. 11. 1019a.: “Algumas coisas são chamadas anteriores e posteriores neste sentido, e outras com respeito à natureza da substância – isto é, as que podem existir sem as outras coisas, enquanto as outras não podem existir sem elas. Esta foi uma distinção feita por Platão. (se consideramos os vários sentidos de “ser”, primeiramente o sujeito é anterior e, por conseguinte, também o é a substância; depois, conforme nos reportamos a potencia ou ao ato, diferentemente, diferente coisas serão anteriores, pois algumas o são em relação à primeira e outras em relação ao segundo; p. ex. quanto à potencia a metade da linha é anterior a linha inteira, na parte ao todo e a matéria à substância concreta, mas quanto ao ato são posteriores, já que só existem em ato quando o todo se dissolve)”. 58 sensível vem o inteligível. Este é anterior àquele. Este é o sempre feito. Não nasce nem perece, e denominamos de mundo das Formas. O que seria este mundo supra-sensível, onde residem as Formas? Esta pergunta parece ecoar em nossos ouvidos. Procurando pela resposta, temos: as Formas em relação ao Universo visível são radicalmente transcendentes; no Fedro Platão remete as Formas a um lugar supraceleste146; a uma região que existe desde sempre e tal qual existem ininterruptamente, o ser e a geração147. Uma região criada antes mesmo do nascimento do Kósmos, e que está além da percepção de nossos sentidos. A partir da aceitação do mundo das Formas, segundo as lições de Giovanni Reale, e somente após esta aceitação, 148é que se pode falar em corpóreo e incorpóreo, sensível e supra-sensível, empírico e metaempírico, físico e suprafísico. Não entraremos na linha da pesquisa em busca da originalidade da utilização da questão do ser supra-sensível, pois seria negar valor a Anaxágoras. O que Platão diz é: existem muito mais coisas do que a nossa limitada dimensão física acha que conhece. Platão quer que se negue o que os sentidos mostram; quer que recusemos aquilo que eles querem nos dar, e aceitemos ficar, por instantes, como cegos, desejosos de abandonar a nossa ignorância, ou seja, a nossa cegueira; de forma que, como auxílio da razão, possamos atingir a verdadeira Filosofia, que seria a contemplação das Formas do Conhecimento. Este discorrer, entre o mundo sensível e o mundo inteligível e esta dialética de ascensão que vem do sensível para o inteligível invade e permeia toda a obra Platônica; no mais das vezes, como no Fédon, Timeu e mesmo A República, especialmente livros VI e VII, nas alegorias da linha dividida e do mito da caverna, é o elemento primordial. Em todos os diálogos, o supra-sensível serve como pano de 146 PLATÃO. Fedro. 247c. 147 PLATÃO. Timeu. 52 d: “Fique isto, pois, como o resumo da doutrina cuja formulação me foi ditada pelo meu próprio juízo: o ser, o espaço, a geração, são três princípios distintos desde antes mesmo da formação do céu”. 59 fundo para justificar os acontecimentos e ocorrência do mundo sensível, tornando-se causa final das ocorrências. Assim, no limite do imutável ou nas fronteiras do ser é que encontramos as razões do que não é, ou do não ser. O Mundo das Idéias ou das Formas é a residência da Realidade em si, o lugar onde esta pode ser observada pela Alma. Donde se conclui que a Teoria do Mundo das Formas é o nexo causal a interligar todos os temas das obras platônicas149, dando-lhes uma linha seqüencial, uma forma geral e um objetivo final que seria a prova da existência do Mundo das Idéias de onde sai e volta a alma imortal. 148 REALE. Para uma Nova Interpretação de Platão. p. 113. 149 BITAR. Introdução à Tradução do Diálogo o Timeu, de Platão p.. 29. 60 5.1. A Questão da Participação – metšxij Neste capítulo, Platão irá expor a questão da Participação, o que resultará no entendimento do que seja a multiplicidade, isto é: a explicação porque sentimos a cópia, ou simulacro como são – cópias e simulacros. Em síntese, problematizará as ocorrências do mundo sensível, ou o lado de cá da linha dividida ou interior da caverna, a partir da existência do mundo das Idéias ou Formas, que está fora do alcance dos nossos sentidos, e que, como Forma, participa da cópia.Como o Ser participa da cópia. Platão demonstrará como é possível a convivência entre o mundo do ser e o do devir, o mundo do que é com o mundo em mutação ou da multiplicidade. Em outras palavras, Platão argumentará que o que sempre existiu e nunca teve princípio reside no mundo inteligível, comum à alma; e, tudo o que devém e que nunca é porque a todo instante nasce e perece, constituí o mundo sensível150, sendo este aquele que se apresenta aos nossos olhos, que perece estar em contínua degradação; e, que, portanto, não pode ser a causa em si. A causa desta relação (mundo sensível/mundo inteligível) estaria nos princípios primeiros, aqueles que vislumbrou e como o liberto da caverna tenta nos mostrar, e relutamos em apreender, ignorantes da nossa cegueira, conformados que somos com o mundo das sombras. Para Platão não há dúvidas151, a causa primeira estaria no mundo das Idéias; onde, utilizando um pouco do mito, partiriam as almas mensageiras portadoras do conhecimento; a causa estaria no mundo imutável, no plano dos primeiros Princípios152 e Idéias, em plena contemplação da idéia de Bem, objetivo a ser atingido pelas almas daqueles que cultivam a filosofia 153. Não há, pois, como 150 BITAR. Introdução à Tradução do Diálogo o Timeu, de Platão, p. 26. 151 PLATÃO. Fédon 99 a. 152 REALE. Por Uma Nova Interpretação de Platão. p. 113. 153 GOLDSCHMIDT. A Religião de Platão. p. 23. 61 demonstrar as ocorrências apenas com a explicação contida no mundo físico. Existe uma ordem no mundo que faz as coisas serem como são, e transformarem-se. Trata-se da ordem determinada pela Inteligência ordenadora de Anaxágoras, que para Platão amplia-se em importância e necessidade. Falemos, então, sobre a multiplicidade, sobre os seres gerados e as copias. Falemos sobre o Outro, em contraponto ao Mesmo. Sobre os simulacros, as sombras e as imagens. Das idéias imperfeitas geradas pela mente dos artesãos, então, de todos os atos promovidos por mãos humanas, ou mesmo os fenômenos da natureza e dos corpos celestes. Falemos, enfim, deste mundo que aparece aos nossos cinco sentidos, o mundo dos fenômenos. A participação da Idéia-em-si na coisa torna-a o que é: uma cópia daquilo que é sentido, porém a coisa carrega consigo a imperfeição que tem toda a cópia. Aquilo que nos parece belo tem em si a participação do belo-em-si, a Imagem do belo que buscamos nas profundezas de nossas almas.154 É por causa desta busca que modificamos o mundo sensível e produzimos simulacros. Mesmo a natureza que nos parece tão perfeita, na nossa contemplação ou mesmo espanto, é uma cópia trabalhada pelo artesão divino155, o Demiurgo156. Ato a que se sujeita também o tempo, o senhor do processo ou da mutação, que foi criado concomitantemente com o céu, e que estão fadados a dissolverem-se juntos, em uma dependência recíproca de existência. É o que diz Platão no Timeu. Tudo é cópia e nisto reside a multiplicidade. Não há limites na multiplicação das cópias. A existência da Forma-em-si, da Idéia, é que leva à tentativa de copia-la. Tal fato fornece uma relação de observação recíproca, ou seja, o Um que observa o 154 PLATÃO. Fédon 100c. 155 PLATÃO. Timeu 51a. Divindade artífice que cria o mundo por observação direta da realidade ideal ou Forma do Conhecimento, utilizando uma matéria informe. 156PLATÃO. Timeu 38 c: “Seja como for, o tempo nasceu com o céu, para que, havidos criados concomitante, se dissolvessem juntos, caso venham algum dia a acabar; foi feito segundo modelo da natureza eterna, para que lhe assemelhasse o mais possível. Porque o modelo existe desde toda eternidade, enquanto o céu foi, é e será perpetuamente na duração do tempo. O nascimento do tempo decorre da sabedoria e desse plano da divindade, e para que o tempo nascesse, também nasceu a lua e outros cincos astros denominados errantes ou planetas, para definir e conservar os números do tempo”. 62 Outro. Não estamos aqui utilizando o termo observar como aquele decorrente do ato de ver com o órgão da visão, ou seja, o ato de mirar determinado e específico objeto. Buscamos aqui demonstrar uma relação de existência. O Um como tentativa de ser observado seja pelo homem, seja pela alma e o Múltiplo como resultado desta observação. Há, entretanto, um limite nesta capacidade de contemplação; posto ser o corpo um cárcere para a alma, que é a parte perecível do composto corpo e alma, que pode contemplar o Bem em si, o que resulta na impossibilidade de se atingir o conhecimento pleno, momento este quando o Uno encontra-se consigo mesmo, ao participar da Unidade157, pois cada idéia é uma unidade e unifica a multiplicidade das coisas que dela participam158. O corpo, pelo exposto, é uma barreira ao pleno conhecimento. O fato de pertencermos ao mundo em dissolução, impede-nos de observar as Formas-em-si, estamos, pois, dentro dos limites do desconhecimento. O conhecimento pleno, como já foi relatado no capítulo em que tratamos da Teoria da Reminiscência, é deveras uma impossibilidade para o corpo, ou mesmo para a alma quando habita o corpo no momento que chamamos de vida. Fato que não impede que façamos uma obrigatória busca do conhecimento como lembrança. Somos como águas de um rio encaminhado invariavelmente para o mar, procuramos sempre lembrar do que vimos no mundo das Formas; e, em cópias, mostrar a nossa imperfeição e a nossa mortalidade, toda esta imperfeição é o tributo que pagamos por participar da vida ou do processo de geração e corrupção, que trazem em si mesmo o limite do conhecimento humano. É dentro do círculo restrito do conhecimento humano que acontece a geração e a corrupção, limites respeitados pelos adeptos da natureza ou do físico, onde a física tenta responder, em vão, os segredos do universo; porém, nunca será este o caminho da filosofia, que como linguagem explicativa pioneira, vai mais longe nas respostas e mais profundamente nas perguntas, sobre o homem e o universo. 157 PLATÃO. Fédon 101 c – d. 158 REALE. Historia da Filosofia Antiga. V. 2, p. 64. 63 São estas perguntas que regem a pesquisa filosófica, cujas respostas estão ocultas na alma, que impulsiona o homem numa busca inevitável, a busca do relembrar. Esta contínua tentativa de voltar ao ser, ou seja, do voltar para aquilo que a alma busca, é da essência da Alma. Sendo esta volta entendida como o reencontrar com aquilo que já foi conhecido; é isto que nos impele a tentar produzir aquilo que, em alguns raros momentos, para alguns privilegiados159, se desvelou. É o momento quando estes, difusamente, percebem a Idéia. E, a partir deste momento, abre-se o tempo em que passam a tentam reproduzir aquilo que, submerso na alma, revela-se na memória. É isto o que nos ocorre quando revelamos cópias, ou simulacros. E fazemos cópias de corpos tais como: o triangulo e o quadrado; e assim, de todos os entes que aparecem aos nossos sentidos; falamos dos fabricados pelo homem, como também assim podemos falar das cópias moldadas pelo Demiurgo que tem acesso direto ao nível supra-sensível; tudo impele para a tentativa de reproduzir as Idéias, de maneira tosca, quando feitas pelo homem, mesmo quando aperfeiçoamos as nossas experiências, ou seja, quando aprimoramos estas cópias. Este desconhecer; este não lembrar, faz que a reprodução seja sempre imperfeita. Logo, no caso dos atos humanos, nunca haveria uma reprodução igual à Forma. Assim, podemos dizer: o igual-em-si contém o bem-em-si e que é o mesmo que o belo-em-si e; portanto podemos afirmar que tudo é o Uno, que este contém, em si, o Múltiplo, e que se revela nas cópias; estas que são, por sua vez, infinitas como possibilidade e que, findando um raciocínio circular, como cópias têm sempre a participação do Uno160; porém, como cópias elas são, sempre, imperfeitas. Quanto maior a participação da Forma, menos imperfeita é a cópia. 159 PLATÃO. Fedro. 249 a. 160 PLATÃO. Fédon 100 d –e. 64 A multiplicidade, em resumo, reside na tentativa seja por parte da natureza, como no caso dos fenômenos, seja por parte da ação humana, em tentar copiar aquilo que está no mundo das Formas. A multiplicidade, enfim, são as representações, cópias imperfeitas da imagem perfeita que pode ser concebida pela alma. Tudo aquilo que pode ser pensado tem uma correlação imaculada com uma Forma. A mente humana, ou alma racional produz, continuamente, imagens difusas das Formas do conhecimento. A alma no corpo é impedida de ter acesso a visão perfeita; A alma que é impelida a buscar interação com o divino, na obrigatória volta escatológica ao Uno. Em busca da ascese para o mundo das Idéias. 65 5.2. A Dialética (dialetikh). A Dialética, para Platão é a técnica da investigação conjunta, ou seja, feita por mais de um personagem, seguindo procedimentos já determinados por Sócrates, que consistem em perguntar e responder e, compor e decompor idéias161; levando os participantes a reunir idéias dispersas em idéia única - a Idéia do Bem em si; ou dividir esta idéia em suas espécies, porém sempre com o mesmo objetivo, ou seja, tentar demonstrar o Bem em si. Na República162, Platão faz um encaminhamento vertical, a ponto de utilizar o sol como exemplo figurativo163; no Diálogo Sofista, Platão faz o caminho da divisão por gêneros, sempre tendo em vista a suprema ciência que é a ciência do Bem em si164. Assim, Platão, elege a dialética como instrumento no combate às armadilhas levantadas pela retórica, ou seja; o método dialético faz a luta contra a simples persuasão, esta que se dá por meio do discurso destinado apenas ao convencimento, sem que esse tenha base em convicção 161 PLATÃO. Fedro. 266 a - b. 162 PLATÃO. A República. 511 a - c: “Portanto, era isto o que eu queria dizer com a classe do inteligível, que a alma é obrigada a servir-se de hipóteses ao procurar investigá-la, sem ir ao princípio, pois não pode elevar-se acima das hipóteses, mas utilizando como imagens os próprios originais dos quais eram feitas as imagens pelos objetos da secção inferior, pois esses também, em comparação com as sombras e apreciados como mais claros. Compreendo que te referes ao que passa na geometria e nas ciências afins dessa. Apreende então o que eu quero dizer com o outro segmento do inteligível, daquele que o raciocínio atinge pelo poder da dialética, fazendo das hipóteses não princípios, mas hipóteses de facto, uma espécie de degraus e de pontos de apoio, para ir até àquilo que não admite hipótese, que é o princípio de tudo, atingido qual desce, fixando-se em todas as conseqüências que daí decorrem, até chegar à conclusão, sem se servir em nada de qualquer dado sensível, mas passando das idéias umas às outras, e terminado em idéias.” 163 PLATÃO. A República. 508 e, 509 a. 164 PLATÃO. Sofista. 253 b – e.: “Dividir assim por gêneros, e não tomar por outra, uma forma que é a mesma, nem pela mesma uma forma que é outra, não é essa, como diríamos, a obra da ciência dialética? Sim, diríamos. Aquele que assim é capaz discerne, em olhar penetrante, uma forma única desdobrada em todos os sentidos, através de uma pluralidade de formas, das quais cada uma permanece distinta; e mais: uma pluralidade de formas diferentes umas das outras envolvidas exteriormente por uma forma única repartida através de pluralidade de todos e ligada à unidade; finalmente, numerosas formas inteiramente isoladas e separadas; e assim sabe discernir, gêneros por gêneros, as associações que para cada um deles são possíveis ou impossíveis. Perfeitamente. Ora, esse dom, o dom dialético, não atribuirás a nenhum outro, acredito, senão àquele que filosofa em toda pureza e justiça.” 66 racional.165 Portanto a dialética ascensional é o caminho para a compreensão do mundo das Idéias, ou Formas. Antes de ser uma descrição dogmática, o Diálogo Platônico é a ilustração viva de um método de investigação que também, em seu percurso, e com freqüência, se investiga.166Ora, no Fédon o objeto de investigação dialética é a prova da existência de uma Alma imortal a luz da Teoria das Formas, ou seja, a alma em obrigatória ascese ao Bem em si e a conseqüente visualização das Formas imutáveis. Para tanto, em diálogo progressivo, levanta uma seqüência de argumentos cujo alvo é: a imortalidade da alma. Provar esta imortalidade, porém, sem perder de vista o seu objetivo final: tornar visível pela inteligência as Formas ou Idéias imutáveis e a sua relação com a alma racional. Assim, a Teoria das Idéias, porto final da dialética platônica, entremeia todo o curso do Fédon167 e consiste em admitir a existência de realidades inteligíveis como verdadeiras causas das coisas sensíveis, sendo a explicação de tudo aquilo que vemos, ouvimos e sentimos, ou quando utilizamos o tato ou paladar, etc; em resumo: quando interagimos, com o uso de todos os nossos sentidos, com aquilo que Platão chama de mundo do devir ou vir a ser. Entretanto, pode parecer para alguns, estranho falar de geração e corrupção, como processo a que se sujeita o mundo dos sentidos e colocar este processo em inferioridade diante de uma condição de imutabilidade que goza a alma e a Forma. Pois esta é o que é desde sempre168. Mais difícil ainda é fazer surgir o elemento de ligação entre estes dois mundos, ou seja, mostrar através da linguagem a interligação destes mundos pela Alma. Alias, Platão no Timeu da a ver a todos esta quase impossibilidade, ou seja, de transmitir o conceito do mundo das Formas, utilizando simplesmente a linguagem.169 165 PLATÃO. Górgias. 452 e. 166 GOLDSCHMIDT. Os Diálogos de Platão. Estrutura e Método Dialético, p. 03. 167 GOLDSCHMIDT. A Religião de Platão. p. 23. 168 No Timeu, 30c, Platão dá ao Demiurgo o privilégio de moldar a alma imortal e inteligente. 169 PLATÃO. Timeu. 48c-d: “Presentemente, nossa contribuição consistirá no seguinte. Não me manifestarei a respeito do princípio ou princípios das coisas, ou o que outro nome lhe quisermos aplicar, quando 67 Fica realmente difícil não tomar por completo partido do eterno fluir e defender o movimento como uma afirmação científica inconteste, ou, para aqueles que se perfilam ao lado de Parmênides, condená-lo em favor do repouso, do imobilismo, afirmando o conhecimento das coisas. Convém lembrar que em nossa formação não estamos circunscritos somente à razão. Nos limites daquilo que apontamos como nossa racionalidade, quis destino que abrigássemos, na memória, não somente as coisas que são apresentadas aos nossos cincos sentidos; trazemos conosco as lembranças das Formas do Conhecimento. Porém, não podemos negar, que em nosso comportamento mostramos influências outras além daquilo que abrigamos como imagens passadas, e expressamos ao mundo o resultado destas influências, aquelas ocorrências próprias da nossa condição humana, ou seja, da relação de troca com a humanidade, imposta a este composto corpo e alma, homem mortal, que é aquele que circula entre coisas além da sua individualidade. A nossa Alma interage com o mundo, numa constante troca de informações que apressam, colaboram, e no mais das vezes, dificultam o acesso àquilo que estava coberto pelo esquecimento, as Formas ou Idéias. Trazemos como influência, desde remota infância, as nossas crenças, além daquilo que foi ministrado pelos nossos pais e pelas academias, e isto, às vezes, obscurece nossos pensamentos e dificulta a lembrança daquilo que é desde sempre, ou seja, a lembrança das Formas em si. O propósito da Filosofia é mitigar estas influências, tornado claro o pensamento e a visualização das Formas. mais não seja, pela dificuldade de explicar o que penso com respeito ao método da presente exposição. Não vos cabe exigir de mim semelhante explicação, mesmo porque não chego a convencer-me de que tenho o direito de assumir a responsabilidade de tão dificultoso empreendimento. Fiel ao que disse no começo sobre o valor das explicações prováveis, tentarei apresentar um interpretação dessas questões, assim no conjunto como em particularidade, tão verossímil – senão mais –quanto muitas, partindo do começo, tal qual fizemos antes”. 68 Confrontar aquilo que é desde sempre, admitindo-lhe primazia, com aquilo que representa o que é mortal ou destruído/construído, e que não pode ser negado pelos sentidos, não é tarefa fácil. Deve-se afastar crenças e preconceitos. O homem quando faz, dentro de seus limites, o uso da razão, tenta filtrar as influências das crenças e superstições; ele resiste em se deixar afogar em dogmas de difícil comprovação. Este homem parte em busca de respostas às perguntas mais profundas, é o momento em que começa a fazer filosofia. Mas de resto, convenhamos: não é cômoda a tarefa de trazer para comparação e julgamento da razão a afirmação da existência de um macrocosmo e do microcosmo (o Ser e o Homem); e, este mesmo desafio aparece quando se é levado a falar sobre o Uno e Múltiplo; pois se valendo de um instrumento imperfeito (a linguagem), o ser se subtrai ao discurso, isto é, o que se diz: não é, é igual, em essência, aquilo que é criado ou gerado; e que, no momento em que é gerado, também perece, e é destruído; e, como todos os fenômenos, é mutação e pertence à esfera do Microcosmo170; e: aquilo que não perece, porque sempre é, imutável e imóvel, pertence à esfera do Ser, da Idéia ou Macrocosmo, porém, a vida confina “a alma imortal, aos fluxos e refluxos da maré do corpo”.171 Eis o desafio de Platão: utilizar uma linguagem capaz de expor este postulado e, é nisto que consiste o objetivo da dialética: demonstrar, através de conceitos, a existência do mundo supra-sensível e sua relação com o sensível. Para Platão a Dialética, enfim, é a ciência que se ocupa das relações da multiplicidade com o real, ou seja, as relações do mundo sensível com o supra- sensível172. No Fédon este conceito está mais presente do que no diálogo O Sofista, por exemplo, pois no primeiro vislumbra-se a tentativa de levar o entendimento além da própria questão da multiplicidade e da participação da Forma na multiplicidade, como está circunscrito neste último. 170 NUNES. Introdução à tradução do Timeu diz: “Como o universo (macrocosmos) a que se assemelha, o homem (microcosmo) tem também uma alma e um corpo. Uma alma que conterá o divino e o mortal, e um corpo que, diferentemente do Corpo do Mundo, sujeitar-se-á ao perecimento”. p. 36. 171 PLATÃO Timeu. 49 a. 69 No Fédon a questão do real e do múltiplo é colocada defronte do problema da separação da vida e da morte; esta questão (vida/morte) que tanto serve como exemplo, no caso dos contrários, como serve de prova da imortalidade da alma. Para que seja possível o entendimento do problema, é necessário o apego as regras dialéticas. A Dialética é um processo de compreensão, um ato de inteligência. São questões articuladas mediante um método ascendente e descendente, em busca de respostas, de modo a explicitar o nexo entre múltiplo e as Idéias173 ou mundo das Formas, onde se “vê” o objetivo final, ou a resposta definitiva. Do múltiplo ao Uno. Segundo Platão, o uso da Dialética é o que qualifica o Filósofo como sendo aquele que busca a Verdade em si. O Filosofo é aquele que exercita a Dialética; é aquele que vai a busca da Verdade que está no Uno. Do múltiplo ao Uno, sempre. A Dialética, assim, no Fédon, toma um encaminhamento positivo174, pois, como revela Platão, somente através dela dar-se-á a transposição do abismo que separa o sensível do inteligível, ou seja, a Dialética define o jogo do logos como possibilidade de refletir o mundo das Formas, onde se “vê” o pleno conhecimento. Sócrates sai do desconforto dos grilhões, para o encontro com a filosofia, e vê isto não como uma pena. É ai onde se esconde a dialética no Fédon. Nesta busca argumentativa que passa pela teoria dos contrários, pela teoria da reminiscência, todas estas pitagóricas, com o acréscimo dos conceitos de Heráclito e Parmênides, e por fim, somado a uma oposição aos limites da Inteligência Ordenadora de Anaxágoras, é que se vê a linha dialética platônica. O corpo como uma tumba, a alma como plenitude contemplativa. Tudo isto está costurado nas linhas do Fédon. É no exercício Dialético, de ascese para o conhecimento, que está inserida a resposta para a questão da vida e da morte; e, é a resposta desta questão que 172 BORNHEIM. Dialética – Teoria Práxis. p. 31. 173 REALE. Historia da Filosofia.Antiga V 5. p. 74. 174 BORNHEIM. Dialética – Teoria Práxis. p. 34. 70 acalmará os nossos próprios receios frente ao inevitável, é esta a mensagem do Fédon. 71 5.3. Contra Anaxágoras. Estamos falando, neste capítulo, do que não é e do que é, sempre à luz do Fédon, quando Sócrates aborda o argumento final da Geração e Corrupção. Entraremos, com efeito, no rio de Heráclito175, porém sem perder de vista o Ser de Parmênides176. Falaremos agora, com Platão, sem confrontações; sem uma bipolar visão repelente, sem antagonismos, sem maniqueísmos. Falaremos afirmativamente sobre o Uno e o Múltiplo, sobre o Ser e as cópias, sobre o imóvel e o móvel, sobre o que sempre é o que nunca é; e, principalmente, sobre este ser: a alma, que para Sócrates é imortal. Platão começa a desmanchar a aporia do ser e do não ser, ou do movimento e da inércia, com uma alusão aos princípios pitagóricos de alma harmonia177, para, a partir desta “alma harmonia”, passar para algo bem mais divino do que uma harmonia178, ou seja, chegar à alma imortal. Para Pitágoras era a harmonia que regia a música do cosmos, a alma era a harmonia da vida, e tudo, inclusive a alma era um número. O mistério estava em revelar este número179. 175 HERÁCLITO. Frag. 91.: “Em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo, segundo Heráclito, nem substância mortal tocar duas vezes na mesma condição; mas pela intensidade e rapidez da mudança dispersa e de novo se reúne (ou melhor, nem mesmo de ovo nem depois, mas ao mesmo tempo) compõe-se e desiste, aproxima e afasta-se”. Tradução José Cavalcanti de Souza. Pré-Socráticos 1, pág. 60. 176 PLATÃO. Sofista. 237 a.: “...a audácia de uma tal afirmação é supor o não ser como ser; e na realidade, nada de falso é possível sem esta condição. Era o que, meu jovem, já falava o grande Parmênides, tanto em prosa como em verso, a nós que então éramos jovens: Jamais obrigarás os não-seres a ser; Antes, afasta teu pensamento desse caminho de investigação.” 177 PLATÃO. Fédon 94b. 178 Idem. 95 a. 179 REALE. História da Filosofia Antiga. : “Os pitagóricos, ademais, não nos dizem que relação têm as almas com os números: como todas as outras coisas, também as almas deveriam ser número. Mas, note-se: em primeiro lugar, se as divindades podem se diferenciar das outras coisas identificando-se com certos números privilegiados, não o podem as almas, que são numerosíssimas (todos os vivos, sem distinção, têm uma alma própria e, ademais, existem ainda numerosas almas não encarnadas que esperam encarnar-se ou que terminaram o ciclo de reencarnações); para salvar a individualidade de cada uma das almas, dever-se-ia identificar cada uma delas com números diferentes (o que é absurdo), e, se fossem um único número, então não se poderiam diferenciar umas das outras.” V1. pág. 92. 72 A esta alma que, por sua vez, é dado comandar tudo no homem, sendo uma alma inteligente180. Mas, para que se possa conceder estes atributos à alma, é necessário que se veja “a fundo as causas da geração e da corrupção”.181 O clarear a questão começa com a lembrança de Anaxágoras de Clazômena 182, com o seu conceito da Inteligência, ou Espírito Ordenador, o noNJs; e a questão do sempre fluir dos elementos que permeia o seu pensamento, marca dada aos Filósofos da Natureza.O noNJs ordena o processo de geração e corrupção, e aparece com o início do argumento que se desenvolve a partir de Fédon, 96a. Platão diz que Anaxágoras pensa num ser ordenador, ou seja, um ser que impusesse o movimento e o fizesse encaminhar a uma ordem seqüencial de eventos, por Ele estabelecida.183 O noNJs de Anaxágoras, para Platão, deveria ter o poder de regra sobre o processo de geração e corrupção.184 Entretanto, pensar um ser distante da adoração dos deuses antropomórficos, força a necessidade de colocá-lo, em algum lugar (onde já existia o Ar e o Éter)185. O noNJs haveria de pertencer e estar em algum lugar, que alguns citam como sendo o espaço186. Este ser, haveria de ser também: ilimitado, 180 PLATÃO. Fédon. 94b a 95a. Concorda ARISTÓTELES. In Da Alma. G 4, 429 a 10 – b 10. 181 Ibid. 95e. 182 KIRK & RAVEN. Os Filósofos Pré-Socráticos: “No lugar do Amor e da Discórdia de Empédocles (forças morais e psicológicas expressas em termos corpóreos, ver 424), Anaxágoras coloca uma única força motriz intelectual: a do Espírito. Também estas, como o Amor e a Discórdia, têm muitas das qualidades e um princípio abstrato. <>; e << pôs em ordem todas as coisas que haviam de ser”. p. 387. 183 ANAXÁGORAS. Fragmento 13. In Pensadores. Pré-Socráticos Volume 2. p. 72. 184 REALE. Para uma Nova Interpretação de Platão: “O Complexo raciocínio de Platão pode ser subdividido em quatro elementos: (a) Em primeiro lugar, ele tematiza o impacto que teve a tese de Anaxágoras segundo o qual a Inteligência ordena todas as coisas, e ilustra o significado fundamental dessa tese para todas as coisas em geral e para o homem em particular. (b) Em segundo lugar, explica as conseqüências específicas que se deveriam esperar da tese da Inteligência como causa de todas as coisas, particularmente no que concerne à explicação da estrutura do cosmo e dos fenômenos cosmológicos (dos quais Anaxágoras se ocupou particularmente). Segue a demonstração do fracasso da tentativa de Anaxágoras. De fato, segundo Platão ele não soube usar coerentemente a Inteligência para explicar os vários fenômenos (nem poderia permanecendo no plano naturalista), como provam alguns exeplos seja de caráter cosmo-ontológicos, seja de caráter ético-axiológicos. (d) Platão conclui operando uma rigorosa distinção entre a explicação de caráter “físico” e a de caráter “metafísico”, demonstrando particularmente como a doutrina da Inteligência deve ligar-se necessariamente a esta última.” P.p.. 378 –379 185 ANAXÁGORAS. Fragmento 01. . In Pensadores. Pré-Socráticos Volume 2. p. 70. 186 REALE cit. ZELLER. Historia da Filosofia. Vol. p. 148, et KIRK & RAVEN, p. 387 . 73 autônomo e puro187, além de ser: “realidade infinita, separada do resto, “a mais fina” e a “mais pura”, igual a si mesma e, sobretudo, inteligente e sábia, e que, justamente enquanto tal, move e ordena todas as coisas188, mas não é imaterial. O noNJs é corpóreo e o seu poder sobre a matéria deve-se à sua sutileza e pureza189. Assim, ao admitir um estado de materialidade ao noNJs, Anaxágoras abre os flancos para um ataque de Platão, que não admite qualquer materialidade para este ser, tampouco restringe esta decantada imaterialidade unicamente aos limites, propostos por Anaxágoras para este ser, ou seja, aos limites apenas de uma vontade criadora. Esta restrição, não convence Platão, pois, o conceito dado ao noNJs, por Anaxágoras não avança aos pré-socráticos, pelo contrário. Parece que Anaxágoras ignora o avanço perpetrado com a hipótese do noNJs e continua a justificar as ocorrências do mundo sensível, pela transmutação de elementos. Fato que, literalmente, recebe a desaprovação de Platão. Enfim, esta desilusão com a leitura do livro “Sobre a Natureza”, de Anaxágoras, ou seja, com a não extensão do conceito de ser imaterial como razão de ser do mundo material e sendo a sua causa primordial, é que fará Platão partir em segunda via argumentativa190, que é aquela que se dá apenas com o auxílio da razão, como bem diz no Fédon. Mas, uma vez que esta me falhou e não pude, por minha parte, descobri-la ou achar quem ma explicasse, tive de tentar uma segunda via para lançar na sua busca... Desejas, pois Cebes, que te conte a história dessas tentativas. 191 Platão ao problematizar Anaxágoras; o ultrapassa. 187 ANAXÁGORAS, Frag. 12. Os Pensadores. Pré-Socráticos. Volume 2. p. 72. 188 REALE. História da Filosofia antiga. Vol. 1. p.. 147. 189 KIRK & RAVEN, p. 388. 190 REALE. Historia da Filosofia Antiga.. Denomina esta via como sendo a “segunda navegação” Vol. 1 Pág. 150. 191 PLATÃO. Fédon 99 d.: “™gë mn oán tÍj toiaÚthj a„t…aj Öph pot œcei maqht¾j Ðtouoàn Ëdist’ ¨n geno…mhn ™peid¾ d taÚthj ™ster»qhn, kaˆ oßt aÙtÕj eØrein oáte par’ ¥llou maqe‹n oÒj te ™genÒmhn, tÕn deÚteron ploán ™pˆ t¾n tÍj aˆt…aj z»thsin Î pepragm£teu mai boÚlei soi, œfh, ™p…deixin poi»swmai, ð Kšbhj.” 74 5.4. Além de Anaxágoras. O argumento, no Fédon, começa com uma introdução autobiográfica. Na sua juventude, confessa Platão, teria sido atraído para sede daqueles que entendem tudo como objeto dum processo, o que se aparenta, é apenas um vir-a-ser. Porém, após aceitar primeiramente tal argumento, sai, posteriormente, em discordância.192 Diz, sempre no Fédon, que passou a perguntar-se: seria realmente a vida um processo que poderia ser visto a partir de um estado de putrefação193, em que entram o quente e o frio? Seria realmente graças ao sangue que pensamos?194 Graças ao ar ou ao fogo?195 A dúvida durante algum tempo persistiu forçando-o, em busca de solução, a seguir outros caminhos. Os limites das mutações não traziam as repostas as suas indagações, acerca da intangibilidade do ser. O contra-peso parmenidiano perseguia os conceitos sobre o eterno fluir, próprio da mutabilidade do vir a ser. Este entrechoque fazia-no procurar saídas, tentar escapar da aporia do ser e do não ser. Anaxágoras de Clazômena, com o conceito do noNJs196 ordenador como supremo bem197, é a sua primeira escolha198, a quem Platão segue como nau segue o farol em noite escura. Porém, ao avançar nos estudos de Anaxágoras, descobriu, com exclamada frustração, quão superficial teria sido o conceito de Espírito para 192 PLATÃO. Fédon 96 a. 193 HACKFORTH. Plato’s Phaedo. : “The reference is to a theory of Archelaus, that the frist animals were produced from slime (IlÚz) which resulted from putrefaction ensuing upon meeting of hot substance and cold”. P. 123. 194 PLATÃO. Fédon, 96b a d. 195 HACKFORTH,: “As suggested by Empedocles, Anaxímenes followed by Diogenes, and Heracitus respctively”. p. 123. 196 REALE. Historia da Filosofia Antiga.: “O termo é comumente traduzido por intelecto (ou também mente, inteligência e pensamento). A tradução, porém, por enquanto correta em si, remete o leitor moderno a uma problemática prevalentemente gnosiológica e psicológica, enquanto a área semântica originária no grego inclui uma problemática muito mais vasta: da ontologia à metafísica, da física à cosmologia, da antropologia moral até à religião”. 197 VLASTOS. O Universo de Platão,: “E há outros como Anaxágoras e Diógenes de Apolônia, que postulam uma inteligência que é a responsável maior pela ordem que faz do mundo um cosmo; o último fala explicitamente dessa inteligência cósmica como sendo “Deus””. p. 24 198 PLATÃO. Fédon, 97d. 75 ele199, pois, este, num retrocesso aparente, remete aos limites das mutações da matéria, ou seja, do eterno fluir heraclítico, a causa motora e suficiente das coisas que são. Há, no caso, uma primazia filosófica dada ao movimento, que trata do ser como uma questão superada pelo vir a ser. Platão não admite que seja um processo a causa primeira das ocorrências do mundo sensível, e que neste limite (do sensível) se dê o seu Ser e sua Causa, pois, para ele, a razão ou a causa primeira de todas as causas dela decorrentes encontra-se na esfera do não sensível, nos limites dos Princípios primeiros200, na parte ofuscante, além da entrada da caverna, num lado em que nossos olhos, em vida, já não conhecem. Este seria, em princípio o noNJs ordenador de Anaxágoras. Platão vê o noNJs e o chama de o Bem em si mesmo, a causa motriz e geradora de tudo, seja da esfera do sensível ou do inteligível. Somente pelo exercício da Dialética, podemos ascender ao Bem em si mesmo. Anaxágoras avança com a teoria da Inteligência, assim vê Platão. Porém, Anaxágoras não é conclusivo e abandona a via eleita, para dissabor de Platão. O caminho que resta ainda é longo e é necessário que se faça findar o percurso deixado por fazer. Não se pode dar causa física aos efeitos ou causas do noNJs, entendido noNJs como a causa primeira. Para Platão, Anaxágoras teve razão ao afirmar que a Inteligência era a causa de tudo, porém, falha ao tentar dar uma fundamentação sólida para a argumentação em favor desta alternativa; falha porque utiliza a mesma forma de fundamentação usada pelos naturalistas, ou Filósofos da Phýsis (fÚsij). Para Anaxágoras, as ocorrências do mundo físico se dariam somente nos limites do físico201. Anaxágoras, assim, dá e retira o poder do noNJs ordenador. Era noNJs um Ordenador, porém, refém de um processo de mutação. 199 PLATÃO. Fédon, 98c. 200 REALE. Para Uma Nova Interpretação de Platão. p. 159. 201 AHRENSDORF. The Death Of Socrates and The Life os Philosophy. p.177. 76 5.5. O Bem em Si (to agaqon) Platão aceita parcialmente Anaxágoras, mas afirma que a causa de todas as coisas é e deriva do noNJs, o que também significa afirmar que todas as coisas estão dispostas da melhor maneira possível, implicando nisto, em conseqüência, afirmar que: o melhor quer dizer “o que mais faz bem”. O melhor é o Bem em si. Sendo o que mais faz bem, faz obrigatoriamente o melhor e que, a Inteligência ordenou as coisas da melhor forma possível, implica dizer da existência de uma correlação obrigatória entre o bem e a inteligência, numa articulação estrutural de forma que não se pode afirmar uma, sem afirmar também a outra (bem = inteligência), e afirmar ainda que: o bem verdadeiro é o elo entre todas as coisas202, e desconhecer este elo, isto é: não fazer uma correlação entre o melhor e o pior, como ato da Inteligência, é cair no erro de Anaxágoras e limitar a esfera de atuação do Espírito ordenador, que não pode ser limitado. Pois, a Inteligência, por ser ordenadora, sempre determina o melhor, ou seja: que mais faz bem. E sendo este bem; um bem para todas as coisas: sejam as produzidas pelo homem, sejam os fenômenos celestes203, ou as coisas da natureza, deve-se perquirir na própria Inteligência a razão de ser de todas as coisas. Desconhecer isto, e colocar nos fenômenos da natureza a causa de todas as coisas foi, repetimos, o erro de Anaxágoras. Assim, é o bem que confere verdade aos objetos do conhecimento; é este bem que dá e cobra ao homem, por intermédio da investigação filosófica, o poder de acessar este conhecimento; pois o único bem é a verdadeira ciência, e o único mal, a ignorância204. Como bem afirma Platão, na A República, ao fazer uma analogia com o sol, 205 mais uma vez utilizando um exemplo adequado, pois sendo o mesmo a 202 PLATÃO. Fédon. 99 c. 203 PLATÃO. Fédon 99 b. 204 GOLDSCHMIDT. A Religião de Platão. p. 23. 205 PLATÃO. A República. 509 b.: “Reconhecerás que o Sol proporciona às coisas visíveis, não só, segundo julgo, a faculdade de serem vistas, mas também a sua gênese, crescimento e alimentação, sem que ele mesmo seja a gênese.” 77 causa de todas as coisas, não é ele todas as coisas. O sol não é a vida na terra, mas sem sua presença talvez não existisse a vida como a conhecemos. O sol, neste caso, é causa não imediata, pois para Platão, o Bem, é a causa primeira e a sua contemplação é o objetivo a ser buscado pelo Filósofo, como amante da virtude, pois seu dever é tentar auscultar o Bem em si; pois o Bem participa de tudo que é bom, e que é Verdadeiro; e, participa, também, da beleza e do conhecimento e de tudo o mais que podemos dizer: isto é belo, bom ou virtuoso, pois contém, em si, o Bem. Por fim, a dialética de ascese ao bem, tem como objeto o debate visando a individualização do bem em si, em todas as formas e comportamento; seja na esfera do sensível, seja na ética, ou mesmo na esfera estética; pois é na contemplação da beleza e daquilo que é belo, que o homem pode ter um ponto de partida para a visualização, ou recordação, das Formas perfeitas. Formas que já contemplou por intermédio da sua alma.206 Anaxágoras instituiu, de forma bem-vinda, para Platão, a Inteligência ordenadora, porém, agindo como os que lhe antecederam, continuou a ver nos fenômenos físicos a causa das ocorrências do mundo sensível207. Não são esses fenômenos físicos, para Platão, as causas em si. A Causa Primeira estaria na própria Inteligência, o que ele chama de Bem em Si. Anaxágoras era um limite a ser transposto em uma segunda navegação208, conforme relata Platão no momento central do Diálogo, numa das passagens mais famosas da obra Platônica,209 quando 206 PLATÃO. Fedro. 250 b.; “Mas a beleza era visível em todo o seu esplendor quando, na corte dos bem aventurados, deparávamos o espetáculo em que alguns seguiam Zeus e alguns entre nós a outros deuses. Iniciados nos mistérios divinos, nós os celebrávamos puros e livres, isentos das imperfeições em que mergulhamos no curso ulterior de nosso caminho. A integridade, a simplicidade, a imobilidade, a felicidade eram as visões que a iniciação revelava ao nosso olhar, imersas numa pura e clara luz. Não tínhamos mácula nem tampouco contato com esse sepulcro que é o nosso corpo ao qual estamos ligados como a ostra à sua concha.” 207 REALE. Para Uma Nova Interpretação de Platão.: “A mensagem fundamental do nosso filósofo pode ser resumida assim: à descoberta da Inteligência como causa das coisas chegaram também os físicos; porém, ficando no plano puramente sensível, o papel da causalidade da Inteligência se esvazia totalmente de qualquer eficácia; só com o estabelecimento da pirâmide metafísica e do seu vértice (o Bem), a Inteligência pode adquirir o seu significado e a sua consistência ontológica”. P. 385. 208 Inicia-se a segunda navegação, já que a primeira era aquela dos físicos com seus métodos e postulados – a observação do mundo sensível e o limitar neste as ocorrências observadas – e, sugere um mundo habitado pelas realidades puramente inteligíveis, acessadas apenas pelo raciocínio. 209 REALE. A Historia da Filosofia Antiga. V.2, pág. 49. 78 passa a narrar, com a permissão de Cebes, o caminho percorrido e que o levou a desaguar na Teoria das Formas. Chamar, portanto, <> a coisas dessas não faz qualquer sentido. Poderá, claro, alegar alguém que, sem possuir ossos, músculos e assim por diante, não seria capaz de por em prática as minhas decisões – e não estaria fora da verdade. Afora asseverar que é graças a eles que faço o que faço, e que é em função do espírito que assim me comporto, mas não em função de uma escolha que fiz do <>, eis que porventura excessiva inconseqüência de linguagem... Trai, em suma, a incapacidade de distinguir que uma coisa é a causa em si, outra, aquilo em cuja ausência jamais seria causa. Ora, quanto a mim, é nessa última que as pessoas visivelmente falharam e, como tateando na escuridão, lhe atribuem um nome indevido, confundindo-a com a verdadeira causa. E aí está, pois, porque alguns, envolvendo a Terra num turbilhão, querem que seja o céu a mantê-la, enquanto outros, fazendo dela uma espécie de tampo largo e chato, lhe colocam o ar por baixo como base e suporte. Mas esse poder, graças ao qual tais coisas se encontram dispostas da forma mais conveniente, isto é, mantendo a posição que mantêm, desse não cuidam eles ou tampouco lhe atribuem qualquer força divina... Julgam, pelo contrário, descobrir ainda um dia um Atlas mais possante do que este, mais imortal e capaz de sustentar o peso do mundo, sem pensarem que é o Bem o verdadeiro elo que liga entre si todas as coisas e as suporta. E, no entanto, confesso, com que alegria me não teria feito discípulo fosse de quem fosse, para me instruir sobre semelhante causa e o seu modo de atuação! Mas, uma vez que este me falhou e não pude, por minha parte, descobri-la ou achar que ma explicasse, tive de usar uma segunda via para lançar na sua busca... Desejas, pois, Cebes, que te conte a história dessas tentativas? 210 210 PLATÃO. Fédon 99 a –d: “¢ll” aŠtia mn t¦ toiaàta kale‹n l…na ¨topon: e„ dš tij lšgoi Óti ¨neu toà t¦ toiaàta œcein kaˆ Ñst© kaˆ neàra kaˆ Ôsa ¨lla œcw oÙk ¨n oÒj t’ à poie‹n t¦ dÒxant£ moi, ¢lhqÁ ¨n lšgoi. çj mšntoi di¢ taàta poiî ¨ poiî, kaˆ taàta nù pr£ttwn, ¢ll’ oÙ tÍ toà belt…ston a„ršsei, poll¾ ¨n kaˆ makr¢ ·-qumˆa eŠh toà lÒgou, tÒ g¢r m¾ dielšsqai oŒÒu t’ eŠnai Óti ¢llo mšn tˆ œsti tÒ ¨tion tù Ónti, ¨llo d œke‹no ¨neu oØ tÒ ¨Štion oÙk ¨n pot’ eŠh ¨Štion. Ó d¾ moi faˆnontai yhlafçntej oˆ polloˆ çsper n skotel, ¢llotrˆç ÑnÒmati proscpçmenoi, çj ¨Štion ¨ÙtÒ prosagoreÙein. diÑ d¾ kaˆ Ó mšn tij d…nhn peritiqeˆj ta ØpÒ toà oØranoà menein d¾ poie‹ t¾n gÁn, Ð dš êsper kaedÒpñ platei¬ b£qron tÒn ¢šra npepeˆdei. t¾n dš toà çj o‰Òn te bšltista aÙt¢ teqÁnai dÚnamin oÛtw nàn keˆsqai, taÚ oÜte zhtoàsin oßte tiv£ oŠontai daimoniav „scÝn œcein, ¢ll¦ ¹goàntai toàton ’Atlanta ¨n pote „scurÒteron kaˆ ¢qanatçteron kaˆ m©llon ¨panta sunšconta šxeupe„n, kaˆ çj ¢lhqçj tÕ ¢gaqÕn kaˆ dšon sunde‹n kaˆ sunšcein oÙdn o‡ontai. ™gë mn oán tÍj toiaÚhj a„t…aj Öph pot œcei maqht¾j Ðtouoán Ëdist’ £n geno…mhn ™peid¾ d taÚthj ™ster»qhn, kaˆ oán aÙtÕj eØrein oáte par’ ¥llou maqe‹n oÒj te ™genÒmhn, tÕn deÚteron ploá ™pˆ t¾n tÍj aˆt…aj z»thsin Î pepragm£teu mai boÚlei soi, œfh, ™p…deixin poi»swmai, ð Kšbhj”. 79 Para Platão, aqueles que buscaram a resposta filosófica dentro dos limites do mundo físico, fracassaram em mostrar ou destingir a verdadeira causa que está por trás de tudo que ocorre no mundo dos sentidos. E, completa, mesmo os que dizem que seria Espírito Ordenador que faz as coisas serem o que são, falharam, pois não levaram em conta que tudo se faz pelo “melhor”, como realça Sócrates neste parágrafo em comentário. Este erro, no entender de Platão, foi o erro de todos os que ousaram a perquiri a causa primeira utilizando o mundo sensível ou as ocorrências do mundo físico. Esqueceram de que tudo se faz, na visão platônica, por força de um Espírito Ordenador que, necessariamente vai ao Bem e é o próprio Bem. Sendo o Bem o verdadeiro elo que liga e suporta todas as coisas e, por força deste postulado, necessariamente este Bem participaria de todas as coisas sensíveis. Seria, enfim, o Bem em si a causa de todas as coisas e delas participaria. A Forma participa do múltiplo. Assim, para Platão, o trabalho dos que lhe antecederam quedou incompleto. Restava um caminho a ser percorrido, o caminho que nega, primeiramente os próprios sentidos. Somente assim, negando o que os olhos mostram, ou seja, utilizando somente a via racional já colocada por Parmênides, é que é possível “visualizar” o Mundo das Formas. Seria assim, metaforicamente falando, com o olhar dos olhos da alma racional, é que, para Platão, se pode perceber a Forma. Esta via é apresentada a Cebes, nesse diálogo, como sendo a via que argumenta a possibilidade do Mundo das Formas. 80 5.6. A Participação do Bem em si. Platão, portanto, nega os sentidos e agarra-se completamente na Inteligência ou noNJs ordenador de Anaxágoras. Recusa olhar com os sentidos protegendo-se, como aquele que, não desejando ficar cego, evita levantar o olhar direto para os brilhos do sol, e como quem tem um filtro, somente a partir do Espírito, olha o mundo sensível. Em resumo, protege-se no Espírito ordenador de Anaxágoras e, em ato de retorno, inquire, através do noNJs, as coisas postas aos seus cinco sentidos, procurando ver de lá a verdade dos seres211. Passa, pois, a ver o mundo do contexto afirmativo de que existe um Belo em si mesmo, um Bem em si mesmo, um Grande em si mesmo, e a partir disto descobre o que faz ser a alma um ente imortal, pois a alma é similar a uma Idéia em si mesma, que é imortal; 212 pois a alma, sendo similar a uma Forma, possui as mesmas características de perenidade e imutabilidade. É pela participação da Idéia que uma coisa é o que é, diz Platão. O Belo participa da beleza. Mediante uma relação de presença ou participação, ou qualquer outro processo que faça esta relação possível213, é que a Idéia participa da cópia. É tal fato que faz que afirmemos, quando vemos a beleza: aquilo é belo. Ao proceder assim, sabíamos, de antemão, que nesta beleza teria a participação ou a presença do Belo em si. A Alma imortal teria tido acesso ao Belo em si e, no corpo, timidamente, relembrava. A questão da participação torna-se para Platão, a nau segura para o caminho da segunda navegação, a criação filosófica do mundo das formas e o mundo das cópias, este último subjugado ao primeiro em essência e ser. Na segurança desta nau, Platão, não teme mares revoltos.214 Para acessar o mundo inteligível, Platão fecha, não completamente, os olhos ao mundo físico e passa a perquirir as coisas a partir não do que se apresenta aos 211 PLATÃO. Fédon 100 a. 212 Idem. 100 b – c. 213 Ibid. 100 e. 214 Ibid. 100 e. 81 sentidos, mas daquilo que se mostra apenas aos raciocínios. Refugia-se, assim, nos pensamentos, no mundo do Bom em si, do Belo em si, da Grandeza em si, etc.215 Reduz, assim, o mundo sensível ao nível de meio ou instrumento mediante o qual a causa verdadeira se realiza.216 O Bem em si, enfim, é o liame que liga o mundo dos entes, impedindo-os de se perderem no fluxo universal.217 A própria morte de Sócrates está vinculada à noção de participação do Bem, pois, como repetidamente afirma, é a noção de bem, que traz na alma, que o impede de fugir e o faz levar a se submeter às leis da cidade218, mesmo que isto signifique a sua morte, pois este é o destino dos filósofos, perseguir, sem tréguas o Bem em si,219 encontrando virtude no cumprir a norma da Pólis, mesmo que esta lhe pareça injusta. É preciso que em tudo participe do bem em si. É preciso participar desta noção de Bem para aceite a prisão em Atenas, para que não fuja, em disparada, para Mégara e Beócia, como querem alguns levados pelo conceito de “melhor”. É, em fim, preciso que tudo participe do Bem, em um processo cuja aceitação deste Bem, deságüe na própria aceitação da Forma, que é idêntica à Alma, em predicados de permanência. Pois a Imortalidade participada das duas (Alma e Forma), e a imortalidade participa do Bem, sendo o Bem imortal. A Alma também é imortal. É essencial para o Bem ser e ser inteligível, é essencial para a alma do filósofo conhecer o inteligível e imita-lo pelo saber que ela engendra ao seu contato.220 Portanto, para o filósofo é necessário evitar a ignorância e buscar o inteligível, o conhecimento, perquirindo pelo Bem em si. A natureza do filósofo cobra-lhe a busca do inteligível e a obrigação de observar tudo aquilo que se apresenta para os sentidos, como sendo unicamente a imitação da perfeição. É 215 PLATÃO. Fédon 101 a. 216 REALE. Historia da Filosofia Antiga. V. 2. pág. 56. 217 GOLDSCHMIDT. A Religião de Platão. Pág. 44. 218 PLATÃO. Fédon 98 e, 99 a. 219 PLATÃO. A República. VI, 490 b.: “Acaso não seria uma defesa adequada dizermos que aquele que verdadeiramente gosta de saber tem uma disposição natural para lutar pelo Ser, e não se detém em cada um dos muitos aspectos particulares que existem na aparência, mas prossegue sem desfalecer nem desistir de sua paixão, antes de atingir a natureza de cada Ser em si, pela parte da alma à qual é dado atingi-lo – pois a sua origem é a mesma -; depois de se aproximar e de se unir ao verdadeiro Ser, e de ter dado à luz a Razão e a Verdade, poderá alcançar o saber e viver e alimentar-se de verdade, e assim cessar o seu sofrimento.” 220 GOLDSCHMIDT. A Religião de Platão. Pág. 54. 82 necessário que desvele o mundo das Formas, que se mostra ao homem nas cópias, mesmo imperfeitas, que este se obriga a manufaturar. A Natureza mostra-se como cópia do Bem em si, é a cópia na qual o Artesão divino não cria ex nihilo, mas a toma da desordem e coloca-a na ordem221, pois a ordem é boa, da qual participa o Bem em si; e, em vista desta ordem, e na busca desta ordem, reside a razão que leva Sócrates aceitar o seu destino. A matéria, para Platão, é um não ser, não possuindo antes da participação das Formas, nenhuma qualidade própria222. Quando, porém, a Forma participa da matéria, torna esta matéria em cópia, sujeita ao nascimento223. Passa o Universo a compartilhar três gêneros: o que devém, aquilo em que isso devém, e o modelo a cuja semelhança se originou o que nasceu224. Teríamos assim a Idéia ou Forma, a Matéria informe, a massa que se molda e a Cópia, o que se vê com os olhos do corpo. Uma relação de interdependência é criada. Da visão das Formas (Idéias) é que o Demiurgo molda a Matéria sem forma. O Universo é a visão do Bem em si lançada aos sentidos pelo Demiurgo, pois este tem a visão direta das Formas. O mesmo se dá com o homem, quando faz cópias. A Alma do homem percebe a Idéia, “idéias que não percebemos pelos sentidos, mas apenas por intermédio do espírito”225, e tenta repeti-las, fazendo imperfeitas cópias. “Se for assim, teremos que admitir que há, primeiro, a idéia imutável, que não nasce nem perecerá, nada recebe em si mesma do exterior nem entra em nada, não é visível nem perceptível de qualquer jeito, e só pode ser apreendida pelo pensamento”.226 E teremos, também, que admitir, seguindo a raiz platônica, que esta Idéia imutável, sempre, de alguma forma, participa da cópia, e lhe é a causa. “Pois somente Deus dispõe de poder e conhecimento para misturar o 221 PLATÃO. Timeu. 30 a.: “Desejando a divindade que tudo fosse bom e, tanto quanto possível estreme de defeitos, tomou o conjunto das coisas visíveis, nunca em repouso, mas movimentando-se discordante e desordenadamente – fê-lo passar da desordem para a ordem, por estar convencido de que esta em tudo é superior àquela.” 222 GOLDSCHMIDT. In a Religião de Platão. Pág. 55. 223 PLATÃO. Timeu. 49 a. 224 Idem 50 d. 225 Ibid. 51 d. 226 Ibid. 52 a. 83 múltiplo na unidade, ou o inverso: dissolver a unidade na multiplicidade, ao passo que o homem nem é capaz agora de realizar essas duas operações nem jamais chegará a realiza-las no futuro”227. Então o que Platão diz é: o homem, este composto corpo e alma, está diante de um fatalidade que acompanha o corpo, a impossibilidade de ter acesso ao conhecimento pleno enquanto está no momento viver. O conhecimento pleno é uma impossibilidade, porém, a sua busca é o destino do homem, pois assim ele é levado pela sua alma228. É a alma que impele o homem nesta busca inalcançável, e é a alma que anseia voltar a contemplar as Formas do Conhecimento. 227 PLATÃO. Timeu 68 d. 228 GOLDSCHMIDT, in A Religião de Platão: “O ensino somente pode ser inscrito em uma alma consciente de sua ignorância, e é por este motivo que, na maior parte de suas obras, Platão antes nos ensina a duvidar das coisas sensíveis que a conhecer as Formas”. Pág. 34. 84 5.7. O caminho dialético no Fédon. Apresentado através do lógos a Cebes o mundo das Idéias, é preciso fazer avançar o argumento de modo que o torne possível resistir à carga contrária que, de forma inevitável, terá contra si229. Todo argumento deve ser combatido com outro argumento. Neste momento aflora a veia maiêutica. Devemos partir, diz, da hipótese mais segura, tomando como verdadeiro o que encontra em concordância e por falso o que se discorda, seja referente às causas ou a qualquer outro aspecto230. Devemos também partir do pressuposto de existir um “Belo que exista em si e por si mesmo231”, da existência de um Bem em si mesmo, um Grande, em suma: uma Forma ou Idéia que prevalece na coisa observada, que somente pode ser acessada pela inteligência. Devemos, também, recusar qualquer argumentação que leve a causas físicas como sendo atributos da beleza, tais como: um colorido brilhante232, pois tais explicações somente servem para confundir – Platão, na verdade, e mais uma vez, argumenta contra os physiológoi – recusando qualquer explicação física como causa do devir – respondendo que “graças ao Belo que as coisas belas são belas233”, e graças a Grandeza que as coisas são grandes e a Pequenez que as coisas são pequenas. Somente a participação do Belo (Formas) nas coisas faz serem como são, ou seja, a participação da Forma torna-as naquilo que percebemos pelos 229 GIOIA. Lógos, Inmortalidad y Práxis en el Fédon..: “Se ha dicho que lógos en este diálogo es un discurso dialéctico de carácter peculiar a causa del contenido del que busca dar razón. Asimismo, se ha intentado echar luz sobre la natureza del tema en conexión con el tipo de fundametación que, según Platón, le compete. Acerca de la inmortalidad del alma, erigida en “principio”, únicamente pueden darse pruebas que la hagan plausible y redunden provechosamente en la prática. De esta manera, es posible concluir que la proposta platónica de fundamentar lo indemostrable tiende a poner de manifiesto que cuando el lógos se refiere a lo postulado como “principio”, siendo dialéctico, solo puede atestiguar la verosimilitud del mismo. Lo cual, por otra parte, quizás represente un recurso para enfatizar que a los principios se accede a través de una aprehensión directa que, paradójicamente, es la coronación de una via argumentativa”. p. 181. 230 PLATÃO. Fédon 100 a. 231 Idem. 100 b. 232 Ibid. 100 c. 233 Ibid. 100 e. 85 nossos sentidos, sendo este argumento válido para justificar a quantidade, qualidade e mesmo relações numéricas234. Segue-se, no Diálogo, de um retorno a Fliunte235, antes, porém, o próprio Sócrates levanta objeções, regras de combate contra sofismas e passa a aconselhar Cebes que não acolha qualquer outra assertiva que não passe primeiro pelo crivo da hipótese da participação, pois, mesmo o dois participa da Dualidade e o um da Unidade236. Assim, em síntese, contra uma possível hipótese aventada, responda sempre com uma hipótese acima, mais adequada à resposta237. No caso de recorrerem à hipótese em si mesma, deverá Cebes procurar discordâncias e concordâncias, pois assim procedendo estará agindo de acordo com a filosofia238. O que se vê no parágrafo anterior é um rápido e claro apelo ao método dialético, de forma a dar uma linha de raciocínio a ser seguida, pelo inquirido, quando tiver que enfrentar um opositor. Enfim, o que se vê, no Fédon, A Teoria das Formas, uma linha sempre ascendente em que uma hierarquia nas hipóteses deve ser respeitada. A ascese é uma regra que determina até o método de prova. A procura do bem em si mesmo, de onde deriva todas as coisas, é o caminho de todas as respostas inclusive àquela que perquire sobre a existência da alma. É sabido que as necessidades de nossa condição encarnada obrigam-nos a seguir sem tréguas as “coisas boas” fugidias e portadoras de uma parcela apenas de felicidade instável239, mas no método de busca da Verdade, deveremos então seguir um caminho 234 PLATÃO. Fédon. 101 b. 235 AZEVEDO. Tradução do Fédon de Platão: “Fliunte, pequena cidade do nordeste do Peloponeso, foi um centro ativo do Pitagorismo”. p. 11. Local onde estão os personagens Equécrates e Fédon, este narrador e testemunha, dos acontecimentos decorrentes da morte de Sócrates. 236 PLATÃO. Fédon 101 c. 237 Idem. 101 d. 238 Ibid. 101 e. 86 ascendente no raciocínio, colocando as coisas que vemos como participante das coisas mais específicas, até chegarmos as que não sentimos, porém, sabemos. Assim o belo, participa da beleza que participa do Belo em si, o grande da grandeza e do Grande em si mesmo, a unidade participaria da unicidade que participa do Um. Até chegarmos a hipótese mais próxima da infinitude, do Bom em si, que não vemos, entretanto, imaginamos, ainda que de forma difusa ou nebulosa, sob neblina ou estados oníricos. Este, para Platão, é o caminho que deve trilhar a filosofia como método. A procura do Bem em si, pela eliminação dos objetos mais distantes a este por aumento de imperfeição, posto que: a Verdade, o Bem e o Belo são os mesmos aspectos da realidade suprema, a Forma do Ser em si240. A filosofia é uma submissão àquelas verdades, apontadas a Cebes como: verdades pré-existentes. Uma submissão à realidade do supra-sensível.241 239 GOLDSCHMIDT. A Religião de Platão. p. 23. 240 PLATÃO. Fedro 250 a. 241 GOLDSCHMIDT. A Religião de Platão.: “A filosofia é essencialmente submissão libertadora a uma realidade e a uma vontade do alto”. p. 30. 87 6. A impossível Convivência dos Contrários (uma volta complementar ao primeiro argumento) Fédon. 102 d a 107a Sócrates242, após afirmar que em Símias coexistem a grandeza e a pequenez, volta à questão dos opostos divergentes já tratada no primeiro Capítulo deste trabalho. Afinal como poderia coexistir predicados opostos em um mesmo ser, quando já afirmara que os opostos se repelem, como o fogo repele a neve, e a morte repele a vida, e, em outra passagem243 ao afirmar que no caso de Símias convivem a pequenez e a grandeza, pois em relação a Sócrates ele é maior, e em relação a Fédon ele é menor? A reposta que analisaremos a seguir decorre da aceitação de que: somente pode ser utilizado tal conceito (pequenez e grandeza) quando em referência a determinado paradigma, pois a Grandeza jamais acolhe em seu ser a Pequenez244. Porém, se as qualidades opostas coexistirem em um mesmo sujeito (ente), estas qualidades podem lhe ser aplicadas. Sócrates se refere à Idéia de grandeza (o Grande em si), que como Idéia repele a Idéia oposta (o Pequeno em si), Um oposto jamais consentirá em tornar-se o seu oposto, batendo em retirada na medida em que aquele se apresente245, ou, caso em que seguramente afasta ou perece246. A Grandeza em si ou a Pequenez em si nunca perecem, o que perece é a coisa, ou objeto, como a neve que derrete ao aproximar-se o quente. Neste caso, a coisa é que perece, não a Forma da Neve ou do Quente. Seguindo a ordem argumentativa do Diálogo, ocorre uma intervenção anônima247 que relembra a questão dos oposto em co-geração, que tratamos no 242 PLATÃO. Fédon 102 b. 243 Idem 102 c. 244 Ibid.102 e. 245 Ibid.102 e. 246 Ibid.103 a. 247 Ibid.103 a. 88 início deste trabalho, que afirma a geração da vida vindo a partir da morte, num contínuo transformar, de forma que: a vida é, na realidade, um processo chamado viver e a morte um processo chamado morrer, numa interdependência inevitável, que também diz: quando estamos vivos a morte está distante de nós e, quando mortos, a vida está adiante de nós. Porém, agora segundo o interventor anônimo, chega-se a afirmar que num mesmo ser duas coisas podem co-existir? Como uma coisa que vem de seu oposto pode ter em si seu oposto?248Sócrates entende a dificuldade do interlocutor anônimo, porém diz que não se pode fazer confusão no processo de mutação, em que uma coisa passa a ser outra coisa. O que é impossível é a mutação da Forma em si. Em outras palavras, o processo é contínuo, porém a Forma é imutável. No Todo convergem todas as Formas, as que são e as por vir, pois existem desde sempre. A Grandeza em si sempre será grande, e nada mais. Nas coisas sujeitas ao devir, podem coexistir qualidades diversas, donde se conclui que o Frio é diverso da neve (sendo esta o sujeito ou objeto e aquela a Forma), e o Quente do fogo. Quando um componente, de forma antinatural, vem compartilhar o mesmo corpo (neve-quente ou fogo-frio)249, ou um deles bate em retirada ou deixa de existir (neste caso a neve derrete-se ou o fogo extingui-se), mas a Forma em si sempre haverá de existir.250 Platão sabe que o que disse não era suficiente para terminar o Diálogo, e, voltando a insistir no exemplo, faz ver a todos suas origens pitagóricas, trazendo a lume a questão matemática do par – ímpar, a luz da teoria dos Opostos excludentes. O Par jamais aceita o Ímpar. A Forma não perde jamais a sua identidade: o Três, o Cinco e o Sete, são Formas que jamais deixarão de ser o que são, porém, todos têm em si o Ímpar. De modo que: mesmo não lhe sendo oposto, o Três jamais admite o par. O mesmo se dá com os números pares251: o Quatro jamais aceitará o Ímpar. Porém, diz Platão, existem coisas não opostas que aceitam coexistência, o que é impensável nas Formas (coexistência das Formas do Quente em si e do Frio em si), ou seja, há coisas (e não Formas em si) que aceitam a coexistência de coisas não 248 PLATÃO. Fédon 103 b. 249 Idem 104 d - e. 250 Ibid. 104 e. 251 Ibid. 104 b. 89 opostas, como: O Fogo Quente, a Neve Fria, ou a Alma Morta, entretanto quando recebem coisa oposta ou bate em retirada ou se destrói, como no caso da neve- quente, ou fogo-frio. Retomando a questão dos números se conclui que: o três jamais será par, nem o quatro será ímpar252. Em síntese: o três é um não-par, e o quatro um não-ímpar.253A Tríade e Díade254 rejeitam o Par e o Ímpar, respectivamente. O mesmo ocorre no caso das frações que nunca acolhem o Um todo255. A vida seria uma não morte. Com a questão dos opostos excludentes posta e, no entender dos ouvintes de Sócrates, respondida, torna-se necessário que se faça a ligação destes opostos com a prova da imortalidade da alma. Como se daria, nesta prova, a imortalidade da alma. Platão pede a Cebes para segui-lo no raciocínio dos opostos, pois acredita estar em bom caminho256, e questiona: não seria o Fogo que esquenta o corpo? Não é a febre que se manifesta na doença? Então: o que se manifesta num corpo e o faz estar vivo é a alma.257 Alma seja em qualquer objeto que penetre, traz sempre consigo a vida e, por via de conseqüência, expulsa a morte, pois esta é contrária a vida. A alma jamais aceitará aquilo que lhe é contrário, ou seja, jamais aceitará a morte. Assim, onde existe vida não existe morte, para existir a vida é necessário que exista o movimento, a alma é que dá ao corpo o movimento258, o corpo em movimento contém vida, que é contrária a morte, que é a imobilidade, que também é eterna, tal como o movimento, que é vida, movimento que vem da alma, que é eterna. Este é argumento do opostos, porém falta, neste, a prova da imortalidade. Sendo fato que todo objeto que recuse o Par, seja um não-par; como aquilo que recusa a Justiça, é um não justo; e o que recuse a arte das Musas, um não músico; pois, aquilo que não acolhe a morte será propriamente denominado de um 252 PLATÃO. Fédon 104 d. 253 Idem 104 e. 254 AZEVEDO. Introdução à Tradução do Fédon de Platão. : A Forma do Três e do Dois. p. 104. Nota 88. 255 PLATÃO. Fédon 105 b. 256 Idem 105 b. 257 Ibid. 105 d 90 não mortal; sendo conclusivo o fato de que: a alma não acolhe a morte, pois é fonte de vida, sendo deste modo uma não morte, ou seja, um Ente imortal. A alma, por conclusão: é imortal.259 Ciente desta última afirmação, Sócrates volta a provocar Cebes e levanta uma objeção: se ao contato do que lhe é contrário, a Forma bate em retirada ou perece, como a neve perece ao fogo e quente perece ao frio, não pereceria a alma com a chegada da morte? Ora, foi dito que o não-par, por sua natureza é imperecível, o três, que aceita este (o ímpar), é também, por natureza, imperecível (não há como acabar com o Três). Assim o não quente não pereceria ao surgir o calor, como não perece o frio a chegada do quente260. A alma, com certeza, jamais será uma coisa morta, jamais irá, como o Par, deixar de existir. Assim além de imortal a Alma é imperecível261. Aquilo que recebe a designação de Forma é imortal. Cebes concorda, ele é contado como pertencente ao círculo pitagórico262 e, - no final da prova dos opostos como estudamos neste capítulo - como uma prova da imortalidade da alma, adequando-a ao processo de corrupção e criação – parece mesmo agir como o pregado pelos Pitagóricos, que favoreciam a doutrina da metempsicose, ou seja, acreditavam na reencarnação da alma, quando alega em síntese que: aquele ser que acolhe a imortalidade, é imortal (pois participa do Ser em si) que também é imortal, que nunca foi criado porque sempre existiu, e possui em si todas as Formas, assim, de resto, todas as outras coisas que acolhem destruição, assim são porque recebem matéria e entram no círculo de decomposição e composição. A Forma em si, porém, não pereceria, seria imutável e imortal, como também é imortal a Divindade e a Forma em si mesma da Vida.263 258 SILVA. Markus. A Morte Azul de Sócrates.: “Porém, no Fedro, a alma aparece definida como o que está sempre em movimento, daí a sua imortalidade, pois alma é que anima a própria vida e é aquilo que mantém para sempre o sentido imaterial desta vida”. p. 103. 259 PLATÃO. Fédon 105 e. 260 Idem. 106 c. 261 Ibid. 106 d. 262 AZEVEDO. In Introdução à Tradução do Fédon de Platão. Pág 11. 91 Não há nas falas de Cebes mais qualquer alusão a Alma Harmonia, tão cara os pitagóricos, e rechaçada por Platão ao início da argumentação sobre as causas da Geração e Corrupção. A relação corpo e alma ou Idéia é aceita sem qualquer intervalo. Platão neste momento não procura mais levantar a questão da relação entre os mundos supra-sensível e sensível, pois, não está aqui qualquer menção a intermediários na criação. Da Idéia passa-se imediatamente ao objeto da sensibilidade. O Demiurgo como ser necessário à criação, não está enquadrado no Diálogo Fédon264, como está no Timeu. No Fédon é mais confundido com o Espírito Ordenador de Anaxágoras, mas possuidor das causas e efeitos e razão de ser da coisas sensíveis265, ou seja, um noNJs que seria o próprio Bem em si ou Princípio Primeiro. No Timeu encontramos o Demiurgo que intervem na criação e molda as Formas266, porém, sobre o noNJs, o Timeu não faz qualquer menção. Não somente é imortal, a alma também é indestrutível, posto que o conceito de imortalidade exclui o de destruição267, sendo um fato que nossas almas irão para o Hades268(o orfismo também aflora nesta oportunidade). A alma não apenas é imortal, é também indestrutível, sendo a única possibilidade divergente aquela que admite uma retirada, como no caso do quente-frio ou neve-fogo, estes se retiram à chegada do outro, o frio cede ao calor e este ao frio. Não há, no mundo do devir, a imobilidade e repouso, afinal tudo se encontra em mutação. Isto, entretanto, não se aplica no caso da alma, ela apenas retira-se do corpo269. A alma é movimento270 e imutabilidade271. 263 PLATÃO. Fédon 106 d. 264 REALE. Para Uma Nova Interpretação de Platão.p. 378. 265 Idem: “Noutros termos, fica claro que a teoria do inteligível culminando no Bem constitui o verdadeiro ponto de apoio para a compreensão da Inteligência e das suas funções”.Pág. 385. 266 PLATÃO. Timeu. 28 a. 267 SILVA.Bento. A Imortalidade da Alma no Fédon de Platão. p. 97. 268 PLATÃO. Fédon 107a 269 HACHFORTH. Plato’s Phaedo. p.p. 164 – 165. 270 PLATÃO. Fedro 246 a. 271 Idem. 245 c, d: “Toda alma é imortal, pois aquilo que move a si mesmo é imortal. O que move uma coisa, mas é por outra movido, anula-se, uma vez terminado o movimento. Somente o que a si mesmo se move, nunca saindo de si, jamais cessará de mover-se, e é, para as demais coisas movidas, fonte e início de movimento”. 92 Não se pode condenar o fato de que, ao final, Símias ainda guarde reservas quanto ao que foi debatido, afinal trata-se de convencer o gênero humano, sempre sujeito ao capricho da dúvida e por isto, também, sujeitos a enveredar no caminho dos erros272, com o que concorda Sócrates apelando apenas para que respeite o método de comparação ascendente, conforme foi mostrado neste capítulo – comparar a qualidade encontrada com uma outra de nível superior, de onde esta, a comparada, deriva até a Qualidade em si, a Forma em si.273 Resta, ao final, o apelo de Sócrates ao cuidar da alma, ou seja, cuidar daquilo que primeiramente merece ser cuidado, sendo esta a parte imperecível do homem, este composto corpo e alma. Sócrates aconselha-os a encontrar a Excelência (¢retÊ) e a Inteligência (noáj) em si, que são as Formas que melhor favorecem em nosso julgamento, quando lá chegarmos, na nossa hora, no Hades274. 272 PLATÃO. Fédon 107 b. 273 Idem 107 b - c. 274 Ibid. 107 d. 93 7. Conclusão. Platão não esgotou o tema, para aqueles que lhe ouviam falar sobre a imortalidade da alma, nem era este o seu propósito, pois, concorda com Símias quando este lhe diz que: “a complexidade do assunto, bem como a pouca conta em que tenho a debilidade humana, obrigam-me a guardar reservas sobre o assunto”.275 O assunto para Platão não se esgota nunca. Ele instiga o filósofo a perquirir até aonde for humanamente possível.276 Não se deve, porém, ir além do humano, do racional. Foi este o nosso objetivo.Tratar do assunto, porém, circunscrevendo-o aos limites do raciocínio exposto por Platão no Fédon, nada mais. Tentando afastar dogmas e preconceitos, que impedem a visão ao longe, mas, quando no mito, fazem a visão ir mais longe, ultrapassando o limite da linguagem. Tratou-se, apenas, de tentar ver com os olhos dos argumentos expostos por Platão no seu decantado diálogo, que trata da imortalidade da alma. Pois, se de fato existe uma alma imortal, movimentando e comandando todo corpo humano, seria esta, sempre, a porta de entrada para o entendimento do pensamento Platônico, que reside na dialética, ou seja, na tentativa de visualização, com os olhos da alma, do mundo da Formas perfeitas. Formas que se escondem aos sentidos, mas que se mostram à razão. Devemos guarda-los, pois, em ricos vasos, tanto a alma como a razão humana, porque, diz Platão, pela voz de Sócrates: Porém, meus caros – prosseguiu Sócrates -, eis outro aspecto que convirá ponderar: se a alma é de fato imortal, isso implica que cuidemos dela, não apenas em vista deste espaço de tempo que chamamos vida, mas da totalidade do tempo; e nesse caso sim, é de crer que seria temível o risco de a negligenciarmos! Se, como efeito, fosse a morte a libertação de tudo, que belo achado seria para os maus, quando morrem verem-se a um tempo livres do corpo e da sua própria maldade, juntamente com a alma! Desde o momento, porém, que se nos revela imortal, nenhum outro escape ou salvação dos males resta que não seja adquirir, no mais alto grau possível, virtude e inteligência. De fato, a alma nada mais leva 275 PLATÃO. Fédon 107 b. 276 Idem.107 c. 94 consigo pra o Hades a não ser a sua formação e cultura e são estas, que segundo se diz, mais jogam contra ou a favor daquele que morre, desde a primeira hora em que inicia a sua viagem para o Além277. Platão foi a porta de entrada para nosso estudo filosófico, uma imensa porta que abraça todas as idéias e direciona todas as indagações, pelo menos é assim que vejo Platão. Quis o acaso que a chave desta porta fosse feita de letras também emotivas, quase poéticas, escritas a dois mil e quinhentos anos, letras de ouro do pensamento humano, letras postas no Diálogo Fédon, onde Platão problematiza a questão da imortalidade da alma, sob a ótica do inteligível, acenando com a possibilidade de existir um mundo supra-sensível, o Mundo das Formas. Ele, simplesmente, tentou nos transmitir o que viu em segunda navegação. As Formas do conhecimento, e nada mais. Para ele isto era também suficiente para amainar receios por demais humanos e encaminhar o estudo filosófico por caminhos novos, sem desprezar, por completo, os pensamentos antecedentes. A metodologia empregada Neste trabalho em debate, levamos o leitor por um caminho que lhe primeiramente mostrou à Grécia antiga, dando-lhe uma rápida localização histórica e social no tempo em que Platão escreveu o Fédon; dizemos, neste trabalho, que lá existiam as condições necessárias para que se pudesse desenvolver um pensamento originário e contrapô-lo ao pensamento pré- socrático. O capitulo primeiro foi dedicado inteiramente a isto, traçamos 277 PLATÃO. Fédon 107 c - d.: “All¦ tÒde g’, œfh, ï ¥ndrej, d…kaion diavonqÁnai, Óti, eŠper ¹ yuc¾ ¢q£natoj, ™pimele…aj d¾ de‹tai oÙc Øpr toà crÒnou toÚtou mÒnon ™n ô kaloàmen tÕ zÍn, ¢ll’ Øpr toà pantÒj, kaˆ Ð k…ndunoj nàn d¾ kaˆ dÒxeien ¨n deinÕj eŒnai, eŒ tij aÙtÍj ¢melÇsei. e„ mn g¢r Ãn Ð q£natoj tàn pantÕj ¢pallag¾, œrmaion ¥n Ãn toŒj kakoŒj ¢poqanoàai tàn te sçmatoj ¥m’ phj ¢phll£cqai kaˆ taj aØtçn kakˆj met£ phj yucÃj. nàn d’ ™peid¾ ¢q£natoj faˆnetai oása, oØdemˆa ¥n eŠh aØtà ¥llh ¢pofug¾ kakçn oØd awthrˆa pl¾n tàn çj beltˆsthn te kaˆ fronimwt£thn genšsqai”. 95 ligeiros comentários sobre o pensamento daqueles filósofos, na parte que concerne ao nosso estudo, ou seja, a possibilidade, ou não, de existir uma alma imortal. Mostramos, em seguida, utilizando a metodologia apresentada pelo próprio Platão, ou seja, seguindo a ordem de apresentação do Fédon, o argumento dos Contrários Excludentes. Argumento que visa demonstrar a impossibilidade de convivência, em um mesmo objeto sensível, de predicados antagônicos; concluindo por dizer que a morte não pode acolher a vida; tampouco esta pode acolher a morte. Sendo a morte contrária a noção de vida, logicamente estaríamos diante de um processo de alternância entre vida e morte. Assim foi apresentado o primeiro dos argumentos, o argumento dos contrários, cujo objetivo é a prova da imortalidade da alma, pela imposição da exclusão de Formas divergentes, não servindo como prova da existência de uma alma racional – que será apontada na teoria da reminiscência. Em seguida vem a Teoria da Reminiscência; segundo a qual viver é procurar recordar aquilo que a alma sempre viu. A alma tem acesso aos entes perfeitos e imortais que habitam o mundo das Formas, dentre os quais, o Conhecimento em si; e é a alma que forçosamente faz o corpo tentar lembrar, lançando-o no caminho do conhecimento, na Dialética; donde se conclui que, o conhecimento é um objetivo de vida para o filósofo, objetivo que se consubstancia na busca da contemplação das Formas. Formas estas que, de modo persistente, porém carregado de imperfeições, tentamos reproduzir. Platão deixa antever que a própria natureza é cópia da Forma moldada pelo Demiurgo. Este argumento veio para demonstrar a sobrevivência da alma personalíssima e racional. Por fim, vem a Teoria das Formas, o argumento maior que leva a Platão adentrar diretamente no combate argumentativo que existe entre 96 Parmênides e Heráclito, entre a geração e a corrupção, entre o ser e o não- ser; trazendo um apelo, também e mais expressamente no Fédon, ao noNJs de Anaxágoras, dando-lhe, porém, uma visão particular, uma visão platônica; uma visão que libera o noNJs do encarceramento dos fenômenos físicos, e de relações meramente cosmológicas que lhes impõe Anaxágoras. O noNJs platônico vai além de uma Inteligência ordenadora, inteligente e sábia, e também sutil e pura, que lhe limita ao mundo físico, e passa, para Platão a ser a causa e razão de todas as coisas, seja no mundo físico, seja no mundo inteligível; e serve como justificativa para as mudanças do mundo aparente. O noNJs de Platão, porém, é incorpóreo e a ele se tem acesso pelo lógos. Para Platão o noNJs de Anaxágoras se confunde com Bem em si. E diz que nos devemos procurá-lo em pensamentos ascendentes. Na dialética, como caminho para o Bem em si, pois lá se encontra a razão do conhecimento e o porque das coisas que são, e das coisas que não são; e as origens da causa da corrupção e geração, e é, por fim, dele que derivam todas as Formas que tem a participação do Bem em si, pois todos e tudo têm a participação do Bem em si. O Bem em si participa de tudo aquilo que é Belo por si mesmo, ou Virtuoso por si mesmo, ou Grande por si mesmo. A dialética do Bem em si, e a conseqüente contemplação das Formas da realidade são os alvos do verdadeiro amante do saber. No nosso entender Platão avança no caminho da questão, sem desprezar Heráclito, Parmênides e Anaxágoras, e descreve como se deu esta sua particular visão no Fédon. E diz que tudo que fazemos, como ciência é cópia, e deriva de uma visão que teve a alma, quando apartada do corpo. O porquê da escolha do assunto Existindo mundo das Formas perfeitas existiria lugar para uma alma imortal, e existiriam as causas e razões do devir. Aceitando esta assertiva, 97 passa o Filósofo a ter o entendimento da existência de um ente que Platão chama de alma do homem, pysché. Que teria em si o movimento e a permanência, e seria um Microcosmo que repete o Macrocosmo. Alma que, em sua magnitude e infinita possibilidade, por ter em si a permanência e a mobilidade, seria tão complexa quanto o Universo com os seus corpos móveis e as suas estrelas fixas; e é esta complexidade que pode ser traduzida como uma vontade de conhecer como característica própria da alma, e é esta vontade de conhecer o que nos impele, em humana filosofia, a auscultar os limites do conhecimento. Produzindo representações, ou seja, mostrando o que é conhecido pela alma. Sendo a alma imortal, com acesso ao mundo das Formas, seria ela também detentora do movimento, a alma é o próprio movimento, estaria Platão, desta forma, afirmando que é possível o conhecimento, tão caro aos eleatas, e desta mesma maneira responderia também a Heráclito, com aceitação do processo das coisas sujeitas ao devir. Estaria, por fim, também nos dizendo que o conhecer é na verdade um relembrar. A alma é o que nos impele ao reconhecer. Ultrapassar, e mesmo justificar, Platão, após estas afirmações, tornou-se obsessão de incontáveis pensadores, desde então. Limitações quanto a investigação Ao depararmos com o Fédon, descobrimos que sob o relato de uma tragédia (a morte de Sócrates), existia um tema filosófico não comum (indagações acerca da imortalidade da alma); achamos por bem tentar esmiúça-lo, tentar tornar claro o problema colocado por Platão, visto que pouca literatura há em língua portuguesa sobre o tema, e na nossa academia, infelizmente isto é uma forte verdade. Não podemos esquecer que a Dissertação possui uma natureza de estudo recapitulativo e interpretativo de 98 caráter eminentemente didático, que necessita forte auxílio da instituição. Estes, porém eram os nossos limites, e creio que os mantive íntegros. Sabemos, por testemunho próprio, que o trabalho acadêmico se apresenta, para a maioria dos autores, como uma rocha que constantemente deve ser lapidada. O tempo, a releitura, e principalmente, conselhos e observações críticas, provocariam sempre reparos e adequações. Este também é o destino deste trabalho. É também, de conhecimento de todos a dificuldade de lidar com um texto platônico, com os elementos particulares da cultura grega, já tão distante no tempo, e lidar também com a visão pessoal dos comentadores, e, principalmente, com a tão decantada falta de meios acadêmicos. Uma carência que se espalha por todo o Brasil. Tentamos, sinceramente, superar todos estes entraves. O Fédon, como as demais obras primas da gênese platônica, foi objeto de longos e aprofundados estudos por renomados comentadores, principalmente em países de língua não portuguesa, e poderosas instituições, como a própria Igreja Cristã. De fato merecido, a questão posta por Platão emerge de nossas mais profundas dúvidas, ainda não respondidas pelo homem. No Fédon, há uma indagação apresentada sob a forma de uma ordem argumentativa, que consiste em bem elaborar, como tentou Platão, a pergunta que resiste e resistirá enquanto existir o homem, a pergunta sobre a existência e imortalidade da alma do homem e, sob o manto desta pergunta, adequá-la a Teoria Platônica das Formas. Foi sobre esta pergunta que tentamos dissertar. Em todo caso, devemos, também, um galo a Asclépio. 99 Bibliografia. Fontes Primárias: PLATÃO. Fédon. Introdução, versão do grego e notas Maria Tereza Schiappa de Azevedo. São Paulo. Editora Universidade de Brasília. 2000. _____ Fédon. 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