UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO SIOMARA PRISCILLA ANJOS DE DEUS BARBOSA TESSITURAS POIÉTICAS DA CORPOREIDADE NA FORMAÇÃO HUMANA DO EDUCADOR INFANTIL NATAL 2009 SIOMARA PRISCILLA ANJOS DE DEUS BARBOSA TESSITURAS POIÉTICAS DA CORPOREIDADE NA FORMAÇÃO HUMANA DO EDUCADOR INFANTIL Dissertação apresentada, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação, ao Programa de Pós-graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas junto a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientador: Profº Drº. Edmilson Ferreira Pires NATAL 2009   SIOMARA PRISCILLA ANJOS DE DEUS BARBOSA TESSITURAS POIÉTICAS DA CORPOREIDADE NA FORMAÇÃO HUMANA DO EDUCADOR INFANTIL Dissertação examinada e aprovada, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação, junto ao Programa de Pós-graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. _______________________________________________________ Orientador: Profº Dr Edmilson Ferreira Pires Universidade Federal do Rio Grande do Norte _______________________________________________________ Profª. Dra. Ecleide Cunico Furlanetto Universidade Cidade de São Paulo ________________________________________________________ Profª. Dra. Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi Universidade Federal do Rio Grande do Norte ________________________________________________________ Profª. Dra. Katia Brandão Cavalcanti Universidade Federal do Rio Grande do Norte NATAL 2009 Áquela com quem pude compartilhar a beleza de viver uma amizade singela e verdadeira e que me fez ao longo dessa trajetória acreditar que vale a pena lutar pelo ser humano: a minha Amiga – Lígia Santana Pereira. AGRADECIMENTOS A todos os retalhos que unindo-se a mim, teceram o tecido da vida, agradeço: Aos meus pais, retalhos de fibra, pela escolha, pelo cuidado, ensinamentos e por terem tecido a minha vida com as linhas da ética, da caridade e do amor ao próximo; Aos meus irmãos, retalhos de cores, pelas trocas de experiências, desavenças e aprendizados que enriqueceram nossas trajetórias de vida; Ao meu retalho brincante, brilhante, Gabriela, pela alegria, afagos e afeto, pelos olhares carinhosos, pelas danças sem música, pelos sorrisos, histórias contadas e dormidas partilhadas que me fizeram caminhar esses últimos quatro anos com mais amor, paixão pela vida; A outra metade do meu retalho, Breno, que junto a mim caminhou me incentivando, doando carinho e atenção; Ao retalho dançante, Halana, por todo o cuidado, as madrugadas partilhadas e brincadeiras durante o desenvolvimento de todo esse processo; Ao Profº Dro Orientador Edmilson Ferreira Pires, por ter me dado a oportunidade o Mestrado; A Profª Dra Katia Brandão Cavalcanti que abrindo o espaço da BACOR me fez ressignificar a minha vida. Aos retalhos de flores, direção e coordenação da Unidade Educacional Infantil, por terem me acolhido, me fazendo sentir a alegria de fazer parte desse grupo, que amo Aos retalhos formadores, as queridas professoras da creche UEI, por terem, junto a mim, descoberto as belezas de sermos educadoras, permitindo que adentrassem em suas vidas, em especial as professoras Alderly e Adriana que nesse percurso tornaram-se companheiras de sonhos, desejos e realizações. Aos retalhos do amor, todos os amigos e principalmente as companheiras da Linha de Pesquisa Corporeidade e Educação, por me acompanharem nesse percurso, como estrelas e canções, trazendo alegria e a vitalidade para os meus dias – Narla muito obrigada! Aos retalhos da beleza, todos os meus alunos, que por se colocarem como parceiros fazem-me uma professora realizada e apaixonada pela docência. É por vocês, pelo desejo de vê-los crescerem e se desenvolverem junto a mim que me coloco como artesã da humana docência. Por fim, agradeço ao tecido mais perfeito, Deus, que me concedeu viver, compreender e sentir a beleza de cada dia. Que me fez por caminhos difíceis despertar para a simplicidade da vida; que pelos amigos me permitiu reconhecer a importância do outro; que me possibilitou pelos livros apaixonar-me pelo saber e que no convívio com a família me fez o retalho que sou. RESUMO Este estudo tem como foco a formação humana do educador infantil. Apresenta como objetivo geral analisar e descrever como a vivência de um ateliê corpográfico cria condições para a ressignificação da corporeidade do educador infantil, estabelecendo a seguinte questão para investigação: Quais as implicações da vivência do ateliê corpográfico na vida dos educadores infantis? A pesquisa foi desenvolvida de acordo com a abordagem qualitativa, seguindo os princípios da pesquisa-ação, e também está vinculada as histórias de vida. Para desvelar a beleza e a complexidade do processo poiético de formação humana, utiliza-se a metáfora da colcha de retalhos, como operador cognitivo, ancorada nos princípios da Corporeidade (BACOR-UFRN) que congregam a Teoria da Complexidade (MORIN, 2005), a Teoria Autopoiética (MATURANA; VARELA, 2001), a Teoria do Fluxo (CSIKSZENTMIHALYI, 1999), as abordagens da transdisciplinaridade (LA TORRE; MORAES, 2008), e da autobiografia (JOSSO, 2004; PINEAU, 2003; PASSEGGI, 2000) as quais se entrecruzam com a concepção de educação como prática da autonomia, da liberdade, da esperança e do encantamento (FREIRE, 1996, 1992; ASSMANN, 1995). O cenário em que se desenvolveu a pesquisa foi a Unidade Educacional Infantil (UEI),uma creche que atende filhos dos funcionários da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Participaram da investigação 13 docentes infantis, incluindo – professoras efetivas, substitutas e bolsistas. Com elas, foi desenvolvido um ateliê corpográfico, no qual realizamos 10 vivências corpográficas, do segundo semestre de 2007 até o segundo semestre de 2008. Durante essas vivências foi evidenciada a reflexividade autobiográfica, a ludicidade, a criatividade, a sensibilidade e a reflexividade vivencial. Os instrumentos utilizados para a construção dos dados foram a observação participante, as próprias vivências, o portfólio, e o sandplay (técnica do Jogo de Areia) e o registro fotográfico. A análise mostrou que vivenciar a formação humana a partir dos princípios da corporeidade implica uma caminhada para si mesmo, em que emergem as experiências que nos constituíram como seres existenciais. Ao final da pesquisa, foi possível observar as repercussões na vida profissional e pessoal dessas docentes que, assim como eu pensava, possuíam uma luz interior que precisava ser redescoberta. Ao vivenciarem as tessituras, as docentes se mostraram implicadas, experienciando momentos de brincadeira, criação, fruição, afeto e de ação reflexiva, durante os quais se revelou a essência humana escondida, abrindo-se possibilidades para o sentir da humanescência. Por fim, foram revelados corpos brincantes de sabedoria e beleza, que, no encontro consigo mesmos e com o outro, puderam ser poieticamente corpografados. Palavras-chave: Educação. Corporeidade. Formação Humana. Humanescência. RÉSUMÉ Cette étude a comme sujet principal la formation humaine de l’instituteur. L’objectif général est d’analyser et décrire les conditions créées par les vécus d’un atelier corps biographique pour la resignification de la corporéité de l’instituteur, fixant les questions suivantes pour l’investigation : Quelles sont les implications du vécu de l’atelier corps biographique dans la vie des instituteurs ? La recherche a été exposée sur l’approche qualitative, suivant les principes de la recherche-action reliée à la méthode des histoires de vie. Pour révéler la beauté et la complexité du processus poïétique de la formation humaine, nous nous sommes servi de la métaphore du "dessus de lit en patchwork" comme opérateur cognitif en attachant les principes de la corporéité fondés sur la Théorie de la complexité (MORIN, 2005), la Théorie autopoïétique (MATURANA ; VARELA, 2001), la Théorie du flux (CSIKSZENTMIHALYI, 1999), les approches de transdisciplinarité (LA TORRE; MORAES, 2008), et d’autobiographie (JOSSO, 2004; PINEAU, 2003; PASSEGGI, 2000;), joignant la conception de l’éducation comme pratique d’autonomie, de liberté, d’espoir et de l’enchantement (FREIRE, 1996, 1992; ASSMANN, 1995). Nous avons eu comme scène du développement de la recherche, l’Unidade Educacional Infantil (UEI), la garderie qui accueille les enfants des fonctionnaires de l’Université Fédérale du Rio Grande do Norte. Treise élèves (enfants), des institutrices titulaires, vacataires, boursières ont participé de l'investigation. En conptant sur eux, nous avons développé un atelier corps biographique, dans lequel nous avons réalisé 10 vécus dans la période qui a couvert le deuxième semestre de 2007 jusqu’au deuxième semestre de 2008, en manifestant la réflexivité autobiographique, le ludique, la créativité, la sensibilité et la réflexivité du vécu. Nous avons utilisé comme instruments pour la construction des donnés, l’observation participante, les propres vécus, le port folio, la technique du jeu de sable et l'enregistrement photographique. L’analyse a montré que le vécu de la formation humaine à partir des principes de la corporéité, implique dans un parcours vers soi-même dans lequel émergent les expériences qui nous ont constitués en tant qu’êtres existentiels. Pour finaliser, nous avons aperçu les répercussions dans la vie professionnelle et personnelle de ces institutrices, qui comme moi pensaient avoir besoin d’exposer leur luminosité intérieure pour que l’on la redécouvre. Lors des vécus des tissages, les institutrices se sont montrées impliquées aux moments de jeux, de création, de réalisation, d’afection et d’action réflexive, dans lesquelles la teneur humaine cachée, a été révélée, en ouvrant les possibilités pour le sentiment du mouvement de naissance de l’humanisation intérieure. Pour conclure, le corps joyeux de savoir et de beauté a été révélé, et dans sa rencontre avec soi- même et avec l’autre, a pu être auto- recréé. Mots-clés: Education. Corporéité. Formation Humaine. Humanisation intérieure. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Representação das etapas que compõem as espirais cíclicas da pesquisa-ação....105 Figura 2 – Codinomes criados para as docentes participantes................................................113 Figura 3 – Descrição das vivências desenvolvidas.................................................................122 Figura 4 – Cenário no Sandplay..............................................................................................124 Figura 5 – Processo de construção de cenários no Sandplay..................................................125 Figura 6 – Crianças utilizando o Sandplay.............................................................................127 Figura 7 – Grupo de professoras na primeira tessitura...........................................................139 Figura 8 – Professores construindo a teia da convivência......................................................143 Figura 9 – Momento de confraternização entre as professoras...............................................144 Figura 10 – Professoras e crianças na Festa de São João........................................................147 Figura 11 – Ludicidade no dia dos professores.......................................................................154 Figura 12 – Professoras construindo a representação de si mesma........................................161 Figura 13 – Representação imagética das docentes................................................................163 Figura 14 – Professores vivenciando a reflexividade vivencial..............................................167 Figura 15 – Representação imagética da compreensão acerca do corpo................................170 Figura 16 – Representação imagética da compreensão acerca da corporeidade.....................172 Figura 17 – Construção de cenários em resposta a questão onde está a minha corporeidade............................................................................................................................174 Figura 18 – Professoras no anfiteatro do Parque as dunas......................................................179 Figura 19 – Professoras experienciando o sentido do tato......................................................180 Figura 20 – Massagem corporal e o cuidado se si..................................................................183 Figura 21 – Construção de cenário no Sandplay.....................................................................185 Figura 22 – Professoras vivenciando a arte do desenho.........................................................188 Figura 23 – Docentes construindo novas vivencialidades......................................................191 Figura 24 – Professoras vivenciando a contação de história..................................................192 Figura 25 - Grupo de professoras vivenciando a contação de história...................................192 Figura 26 – Modelo da dobradura utilizado na vivência........................................................193 Figura 27 – Professoras registrando suas preciosidades.........................................................194 Figura 28 – Apresentação dos trabalhos publicados...............................................................196 Figura 29 – Vivenciando as narrativas de vida.......................................................................199 Figura 30 – Imagens da ambiência realizada na creche..........................................................205 Figura 31 – Construção da colcha de retalho..........................................................................209 Figura 32 – Festa de São João, após a vivência do ateliê corpográfico..................................210 . LISTA DE TABELA Tabela 1 – Demonstração dos estágios, faixa etária e número de alunos da UEI..................111 LISTA DE SIGLAS BACOR – Base de Pesquisa da Corporeidade CCS – Centro de Ciências da Saúde CNS – Conselho Nacional de Saúde DAS – Departamento de Assistência ao Servidor HUOL – Hospital Onofre Lopes IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Econômico e do Meio Ambiente LBA – Legião Brasileira de Assistência LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação RCENEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas USP – Universidade de São Paulo SUMÁRIO 1 RETALHO EM FORMAÇÃO: A BUSCA PELA CORPOREIDADE ESCONDIDA...........................................................................................................................15 1.1 TESSITURAS.....................................................................................................................16 1.1.1 Cores e sonhos no remendo de flores: o primeiro retalho da colcha......................17 1.2 LINHAS E LIMITES: OS EMPECILHOS DE SER RETALHO ADOLESCENTE........20 1.3 RETALHO BRINCANTE: O DESCOBRIR-SE HUMANA DOCENTE.........................26 1.4 TECENDO O CENÁRIO DA FORMAÇÃO HUMANA: A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO PRIMEIRO PASSO PARA A FORMAÇÃO HUMANA.....................................30 1.5 FORMAÇÃO E AUTOFORMAÇÃO POIÉTICA: JUSTIFICANDO A HUMANA DOCÊNCIA........................................................................................................................42 2 A COREOGRAFIA DOS RETALHOS NA FORMAÇÃO HUMANA.......................49 2.1 O RETALHO DA EDUCAÇÃO LIBERTADORA: OS PRIMEIROS PASSOS PARA A FORMAÇÃO HUMANA...................................................................................................50 2.2 O RETALHO SISTÊMICO: RITMO PARA OS PASSOS DA FORMAÇÃO.................61 2.3 O RETALHO EM REDE: O DESENHO RITMADO DOS PASSOS ..............................74 2.4 A DANÇA POIÉTICA DOS RETALHOS NA FORMAÇÃO HUMANA.......................80 2.5 CORPOREIDADE: O ESPETÁCULO TRANSDISCIPLINAR NA FORMAÇÃO HUMANA...........................................................................................................................92 3 OS INSTRUMENTOS E OS RETALHOS: O PROCESSO DE TESSITURA DA PESQUISA ......................................................................................................................101 3.1 É CHEGADA A HORA DE ALINHAVAR....................................................................102 3.2 A CAIXA DE COSTURA: APRESENTANDO O CENÁRIO DA PESQUISA.............109 3.3 OS RETALHOS HUMANOS: PROFESSORES PARTICIPANTES..............................111 3.4 O DETALHE DA COSTURA: A PESQUISADORA TAMBÉM É RETALHO............114 3.5. LINHA DE FIBRA FIADA: A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE..............................115 3.6 LINHA MISTA: O ATELIÊ CORPOGRÁFICO.............................................................118 3.6.1 Sandplay: a linha brilhante..........................................................................................124 3.6.2 Portfólio: a linha de marcação da tessitura...............................................................128 3.7 A CONFLUÊNCIA DOS RETALHOS E LINHAS: COMPREENDENDO A TESSITURA DA PESQUISA................................................................................................132 4 VIVENCIANDO A DANÇA POIÉTICA DA FORMAÇÃO HUMANA.....................134 4.1 TESSITURAS DA CORPOREIDADE NO PROCESSO DE FORMAÇÃO HUMANA.............................................................................................................................. 135 1ª Tessitura – O respeito a si mesmo e ao legítimo outro: um convite à boa convivência.............................................................................................................................137 Fuxicos....................................................................................................................................144 Um pouco mais de fuxico......................................................................................................147 2º Tessitura – O fluir das emoções: reflexões sobre o ser docente....................................149 Um pouco de fuxico...............................................................................................................155 3ª Tessitura – Nós e o espelho: tramas no processo de Ser e reconhecer-se....................156 Fuxico.....................................................................................................................................165 4ª Tessitura – Corpo e corporeidade: composição do humano docente...........................166 5ª Tessitura-Ecologia dos saberes: sensibilizando o ser para a vida................................176 6ª Tessitura – O desenho e a criança numa perspectiva vivencial....................................186 7ª Tessitura – A contação de história vivida por educadores infantis..............................190 8ª tessitura – Reconhecendo a preciosidade de cada ser...................................................193 Fuxico.....................................................................................................................................196 9ª Tessitura – Quem conta a vida faz história....................................................................196 10ª Tessitura: Tecendo a colcha de retalhos.......................................................................204 Último Fuxico .......................................................................................................................210 5 A CORPOREIDADE REVELADA.................................................................................211 5.1 UNINDO OS FIOS AOS RETALHOS: A CORPOGRAFIA DA FORMAÇÃO HUMANA...............................................................................................................................212 Fio verde: a reflexividade autobiográfica...........................................................................220 Fio amarelo: a ludicidade.....................................................................................................223 Fio azul: a criatividade.........................................................................................................226 Fio vermelho: a sensibilidade...............................................................................................228 Fio branco: a reflexividade vivencial..................................................................................230 Fio da luz: a Humanescência................................................................................................231 REFERENCIAS....................................................................................................................234 APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.......................................244 APÊNDICE B – Registro vivencial 1...................................................................................245 APÊNDICE C – Registro vivencial 2..................................................................................247 ANEXO A – Fábula da convivência....................................................................................249 CONVITE À TESSITURA..................................................................................................250 1 RE TALHO EM FORMAÇÃO: A BUSCA PE M LA CORP Quem co uitos conto a voz cr ponto OREIDA nta um con s, muitos p escia. Marc maior. Mai en Ana M DE ESCON to, aumenta ontos. A ca ava pontos s firme, ma tendendo m aria Mach DIDA um ponto. da história, . Ficava em is decidida, ais a vida. ado (1998) 3.5 TESSITURAS ... Sob as mãos delicadas e ágeis da costureira, os retalhos, a agulha e a linha se encontravam para compor a colcha da vida. Os retalhos, sempre esparramados, incomodavam-se pela forma como eram guardados. Na verdade, dentro de sacos e caixas que os amarrotavam, permaneciam inacabados, amassados. Olhando para si mesmos sentiam-se incompletos, solitários, e até esquecidos, porque haviam deixado de ser tecidos disputados, alegres e sofisticados para se tornarem remendos. Percebiam-se arregaçados, distantes daqueles que podiam compreender suas angústias. Chateados e desvalorizados, ressentiam-se da força da agulha, que, de maneira pontual, precisa, realizava seu trabalho. Apesar disso, calavam-se, e nem do corte da tesoura podiam reclamar. Eram impedidos de expressar a dor de não possuírem o corpo integral, de serem tecidos. Apesar disso, fazendo parte do ateliê da existência, mostravam a imponência da diversidade, apontavam para a inclusão e para a necessidade das relações que devem existir entre o objeto e os instrumentos da costura. A agulha, instrumento majestoso, orgulhava-se da forma como era acolhida nas mãos da costureira, que, a tocavam de maneira prudente e delicada. Ali, ponto a ponto, ela se alegrava por sua funcionalidade: era por meio dela que os primeiros passos da costura eram ensaiados. Bailarina de forma alongada, regia a coreografia da costura, assim como o professor, que, na escola, ensaia a dança dos saberes. O único problema era que embora não estivesse sozinha, ela não sabia comunicar-se, por isso vivia a se desconectar de sua companheira, a linha. A linha, por sua vez, vivia a percorrer caminhos. Com espessuras e cores, muitas vezes, diferentes das de suas companheiras, unia panos, fazia encontros, passava de um lado para o outro, confeccionando a ecologia dos tecidos. Bailava de cima para baixo, da frente para trás, de trás para a frente. Permanecia sempre movendo-se, no fluxo da construção. Embora flexível, perdia-se da agulha, enviesava-se e, mesmo demonstrando sua maestria, quando, tão perfeitamente, distanciava-se dos pontos de dificuldade, ganhava e dava forma, apresentando a eficiência de quem possui a capacidade de contornar obstáculos. Apesar de suas constituições diferentes, esses instrumentos se complementavam: em vez de intrigas, diálogo: cada um, reconhecendo suas fragilidades e com desejos de mudança, comunicava-se com o outro. Os retalhos uniam-se, por semelhança ou por diferença, algumas vezes se sobrepunham, mas sempre eram tecidos: conectavam-se pelo acoplamento proporcionado pela costureira, pela agulha e pela linha. Comunicando-se, os instrumentos confeccionavam a colcha da vida, ora pontuando, ora furando o retalho, ora alinhavando sentidos e significados. Ó senhor Retalho, o senhor, que é sinônimo de diversidade, não reconhece sua importância? Não pode doar a mim a capacidade de, sendo recortada, refazer-me em um outro tecido? E a senhora, dona Agulha, não poderia ensinar os homens a assumirem seu trabalho com firmeza e determinação? Não poderia a Linha ensinar-nos os passos para vivermos a coreografia das interações? Diga-me, dona Agulha, o que fazer para tocar o coração humano? Aconselhe-me, Linha, sobre como mediar as ações do homem com o mundo. E, por fim, me faça retalho de vida, ser inacabado, de corpo, beleza e sabedoria. Ensine-me a compor um novo mundo, a coser o cenário educacional com as linhas da alegria, do amor, para que, tecendo a colcha, eu possa tornar-me mais um retalho na história de homens que, olhando para a coreografia da linha e da agulha, aprenderam a ser humanos de bom coração. É nesse emaranhado de instrumentos e personagens, que adentro no cenário da Educação Infantil, tentando compreendê-lo de transformá-lo numa perspectiva complexa- corporal. Utilizando a metáfora da colcha de retalhos, inicio o processo corpográfico da pesquisa que intitulei Tessituras poiéticas da corporeidade na formação do educador infantil e reconstruo minha corpografia. 1.1.1 Cores e sonhos no remendo de flores: o primeiro retalho da colcha Uma linha se une a outra linha e, no entrecruzamento de fios, tem-se o retalho. Um retalho humano que, confeccionado por fios de cor, de fibra, de força, reconhece que, para tecer a vida, necessita de outros remendos. Dentro do maior ateliê, a existência, os fios enlaçam o corpo, envolvem-no de cores, fazendo-o retalho, fazendo-o história. É como retalho que me coloco na pesquisa que aqui relato. Como um ser inacabado que, vivendo diferentes experiências, vai compondo-se. Como um tecido que comunga texturas, formas de se expressar, e cuja flexibilidade lhe permite alinhavar-se a outros retalhos, a outras vidas. Retalho não só pela construção contínua, mas também pelas desconstruções vividas, que, com as dificuldades, arregaçaram o tecido, descoseram linhas e o fizeram incompleto. Na infância, período da novidade e do encantamento, em que os primeiros passos são dados, o retalho chamava a atenção pelo olhar que tinha e pelo que aqueles olhos diziam. Olhos amendoados, grandes e saltitantes. Olhos brincantes, que, pertencendo à “caixa de brinquedos”, se transformavam em órgãos de prazer, de interação com o mundo e de amor por ele (ALVES, 2005). Um retalho humano que pouco se movia, mas que muito sentia. Quando criança, meu comportamento era o de uma boneca de pano: sempre graciosa, o que mandavam eu fazia. Corria, mas não podia suar; sorria, mas não podia gritar; comia, mas não podia exagerar. Seguindo a disciplina familiar, a menina, atenta, não ousava desafiar. Essas situações reafirmam o pensamento de Korczak (1981) quando diz que os adultos desconhecem o mundo infantil, demonstrando insatisfação ao lidar com as crianças. Mesmo já tendo vivenciado a experiência de ser criança, eles olham os pequenos com olhos de adulto, com preocupação, e, por isso, os repreendem, tudo lhes proíbem. “Os adultos pensam que as crianças só são capazes de fazer bagunça e dizer bobagens: mas elas profetizam um longínquo futuro, discutem e debatem a respeito” (KORCZAK, 1981, p. 44). Apesar das repetitivas orientações, meus olhos permaneciam atentos, os ouvidos em alerta, as mãos em movimento, o desejo era o de aprender, de saber, mesmo nem sempre podendo perguntar. Das brincadeiras com os irmãos muito se pode aproveitar: nelas é possível exercitar a liderança. Além disso, nesse momento é que me era possível sonhar e realizar seus desejos. Ali, eu inventava, falava, imaginava... tudo sabia, tudo podia. Como disse Dowbor (2008, p. 26), “Esses momentos de criação foram muito importantes na minha infância, porque me ensinaram o gosto pela liberdade no ato de criar”. Dentre os diversos tipos de brincadeiras – de rua, com bonecas, com brinquedos eletrônicos –, que me causava maior satisfação era viver, como um adulto, o papel de professora. Junto ao quadro e com o giz, o que eu mais gostava era corrigir, mesmo não sabendo escrever. Nesse espaço de saber, eu aprendia com o comportamento e, reproduzindo o que, em alguns momentos, vivia, colocava os colegas que atrapalhavam a aula de castigo. Assim, sentia-me inteligente, a brincadeira aos poucos ia me constituindo educadora, embora de forma silenciosa. Conforme revela Fontana (2005), a prática docente é histórica e isso eu revisitando minhas memórias, percebi. Nesse tempo, meu tecido, minha biologia, meu corpo organizava- se para a tarefa que mais tarde desempenharia. Uma prática que na infância começava a ser desenhada e que se corporaliza quando, caminhando em busca de meu eu, desenvolvo minha biografia. Minha alegria extrapolava a simples tarefa de ensinar. Bom mesmo era estar na escola e torcer para que o giz que o verdadeiro professor usava não acabasse. Ouvir o sinal tocar, assinalando o fim do horário. O retorno para casa me deixava maravilhada. Era o momento de, junto ao grupo de amigas, correr para o quadro e, olhando para os pedaços de giz, de diferentes cores, reparti-lo, para que todas pudéssemos levar para casa pelo menos uma parte de um. Depois, o som que se ouvia era o da rasgadura da folha do caderno, que era usada para, cuidadosamente, guardarmos o giz, que, de giz... tornava-se tesouro. Voltando para o tempo atual, entendo que o giz representava, para mim, o processo de ensino. Era ele que, sendo acolhido na mão do mestre, fazia dançar as palavras. Com o giz, a aprendizagem era desenhada, tornando-se mágica. Saberes eram construídos e, ao mesmo tempo, desconstruídos, quando as marcas por ele deixadas eram apagadas pelo movimento circular de seu parceiro: o apagador. Despedindo-me da fantasia de uma aprendizagem de alegria, na escola as boas notas eram cobradas, e a atenção tinha que ser redobrada. Sem conversa e sem brincadeiras: era assim que o professor ensinava. Livros de português, de matemática, de ciências e até de inglês, todos vistos de capa a capa, de nada se podia esquecer. Apesar de minhas notas, nos primeiros anos, superarem a média estabelecida, me pergunto se quem me ensinava era o professor da escola ou minha mãe, quando em casa fazia reforço. Korczak (1981, p. 33) afirma: No meu tempo, as escolas não eram muito boas. Tudo era severo e monótono. Nada era permitido. Uma escola tão inóspita, fria e sufocante que quando me acontecia, mais tarde, sonhar com ela, eu acordava sempre suado, e feliz de ver que tinha sido um sonho, e não realidade. Sem idas ao banheiro, sem conversas na sala de aula, recadinhos no boletim, uma rotina chata. Na escola o mais difícil era que a gente tinha “[...] de falar cientificamente, para ganhar uma boa nota, um elogio, ou mesmo uma reprimenda, mas nunca do jeito que a gente sente” (KORCZAK, 1981, p. 40). Distante dessas reminiscências, assumindo a postura da educadora infantil que hoje sou, me questiono sobre o tipo de formação recebida pelos meus pais e professores no passado e que ainda nos dias atuais compõe o cenário educativo. Reflito sobre os impedimentos, sobre o autoritarismo como possibilidade de construção dos limites, sobre a negação das capacidades individuais e sobre o resultado que tais posturas produzem na organização do ser e da sociedade. Essas experiências vividas e visualizadas na prática atual dos docentes me fazem pensar no paradoxo que envolve o cenário educacional, levando-me a questionar: Como podem os pais e educadores reconhecer a plenitude da criança, quando eles não puderam experienciar suas próprias possibilidades infantis? Como trabalhar a criança, ser ativo e de subjetividade, de forma criativa, quando lhes foi cerceado esse direito? Como permitir o desenvolvimento corporal, psicológico, social do infante, se o adulto, muitas vezes, desconhece sua própria biologia? É nesse cenário, que engloba a ação formativa do docente, o mundo infantil, as emoções e a ação do corpo no mundo, que a pesquisa aqui relatada se desenvolve. Pensando na educação como processo complexo de desenvolvimento e de vida vou buscar, nos retalhos experienciais de minha composição, as respostas para as inquietações e para meu desejo de construir uma educação da amorosidade. 1.2 LINHAS E LIMITES: OS EMPECILHOS DE SER RETALHO ADOLESCENTE Volto as minhas memórias, no intuito de analisar como meu processo formativo se desenvolveu na adolescência. Aqui, diferentemente do remendo de flores, em que o encantamento de ser criança superava as regras e as dificuldades impostas pelos adultos responsáveis pela formação, visualizo que o novo retalho, que iria juntar-se ao primeiro, possuía uma textura de linhas. Linhas paralelas, rígidas, que simbolizavam o impedimento, um caminhar por passagens estreitas e restritas. Nesse nível da vida, o retalho buscava viver com uma velocidade ainda maior. Surgiam as dúvidas, a vontade de escapar, no entanto, quando ele tinha oportunidade, pouco sabia aproveitar. À memória logo vinham os conselhos – de não sair sem pedir, não aceitar coisas de estranhos, não beber, nem namorar. Lembranças das obrigações, das inúmeras matérias a serem estudadas, decoradas. Lembranças das brincadeiras de quem não era mais criança e também não era adulta, das amizades verdadeiras, da troca de favores e da cumplicidade. Durante minha adolescência, dormir em outras casas não podia; ir sozinha ao shopping não era preciso; sair para festas, só com a companhia dos pais ou de outro adulto. Além disso, um novo fato veio pespontar o retalho em formação: um problema sério de saúde, que exigiu ausências da escola, distanciamento da família e a busca pela cura em outros estados. Diante dessa fragilidade, surgiram-me outras dúvidas, mais difíceis de serem encaradas do que a descoberta do corpo e da sexualidade, que me levaram a um amadurecimento muito mais rápido. Naquele momento, eu aprendi que a vida era um presente e que nela eu precisava demonstrar firmeza, ter voz e realizar escolhas. Com isso, me fiz retalho que para tudo servia, apesar de perceber-me diferente dos demais. Descobrir a biologia falha não foi fácil, mas, mesmo sem ter consciência da autopoiese que vivia (MATURANA; VARELA, 2001), dentro de mim o organismo se auto- organizava, movia-se, para adaptar-se à nova realidade. Pensamentos negativos foram afastados, a fé expandida e o amor à vida duplicado, bem como a vontade de vivê-la com intensidade. A luz da alegria foi fortalecida, pois, conforme afirma Snyders (1993, p.31), é a alegria presente que faz o humano desapegar-se das satisfações primitivas e seguir para longe. “É essencialmente através da alegria já conseguida que ele vai pressentir que a etapa seguinte pode lhe proporcionar muito mais alegria”. Com o fio da biologia, outro da física, mais um da história, um da espiritualidade, meu retalho foi se fortalecendo, sendo tecido com simplicidade e comprometimento. Nesse emaranhado de novidades, os encontros com os amigos, as festas comemoradas e o cuidado demonstrado na seleção de alimentos, na compra de medicamentos e na companhia durante os períodos de crises e internações me proporcionavam segurança e equilíbrio. Compreendi então quanto necessitava ser comprometido aquele que se propõe cuidar de alguém: afinal, o cuidar envolve não apenas um cuidar do outro, mas, sobretudo, o cuidar de si mesmo, algo que depende das forças que regem a corporeidade, a natureza e o cosmo. Como revela Boff (1999), o cuidar é indispensável: sem ele, o humano deixa de ser humano, as pessoas desanimam, coisas desaparecem, a natureza morre. Por isso a importância de vivê- lo e compreendê-lo como essência humana. Na experiencialidade desse cuidar, aprendi a respeitar. A olhar com carinho os mais velhos, a doar-me aos necessitados e aos que, mesmo sem necessidade, precisavam de apoio. Aprendi a doce partilha da amizade, a dividir o biscoito e a não me desesperar ao olhar o que pertencia ao outro. Aprendi a abrir os braços, a estender as mãos e a deixar meus ombros e todo o meu corpo à disposição do outro. Tudo isso fui capaz de construir, porque, antes de qualquer ensinamento, estava minha crença no humano, na bondade do homem e em sua história de vida. A respeito desse tema, Dowbor (2008, p. 31) confessa: Outra marca importante foi aprender a ser generosa. Aprendi que não é possível ser generosa com o outro se não consigo ser comigo mesma e que exercito essa capacidade quando realmente escuto, quando crio dentro de mim espaço para o outro, porque acredito nele como pessoa humana. No entanto, apesar do afeto que sempre demonstrei no acolher, no cuidar e no educar, eu me ressentia de momentos de diálogo e de vivência de carinho. Por mais que falasse, indagasse, demonstrasse, faltava alguém para responder a minhas dúvidas mais íntimas: por que eu não conseguia expressar cotidianamente o amor que sentia por meus pais? por que não podia ter professores amigos? por que, mesmo sendo uma boa filha, era necessário ter no boletim notas acima de 7,0? por que meu corpo mudava e eu não podia mostrá-lo para ninguém? por que eu sentia vontade de chorar e precisava esconder isso? e, ainda, por que, quando via alguém chorar a meu lado, minha primeira ação era pedir para que essa emoção fosse contida? Nesse período, eu já conseguia identificar a importância das emoções e dos sentimentos nas relações e cheguei a pensar que, no lugar da cabeça, também existia um coração. Conforme revela Moraes (2004, p. 54), “em nosso dia-a-dia, muitas vezes não percebemos o quanto o sentir e o pensar estão biologicamente entrelaçados, enredados um ao outro”. Eu ainda não entendia a relação de imbricabilidade entre ambos, mas sentia o desejo de tê-los e de poder expressá-los com mais frequência, demonstrando minha inteireza. Na escola, a realidade se repetia: professores distantes, cheios de conhecimento e vazios de sentimento. A costura da educação não era desenvolvida com a maestria de quem a faz com afeto. Existia uma sobrecarga de livros e de conhecimentos: muito era dito, outro tanto era exigido, e muito pouco vivido. Tínhamos fórmulas para decorar, verbos para conjugar e um grande medo de perguntar, pois, quando os colegas riam, o professor reprimia. Era ele quem sabia, quem tinha o poder de determinar o que deveríamos fazer; embora essa sua posição fosse temporária. Seguindo esse pensamento, Snyders (1993, p. 84) diz: O educador é, simultaneamente, superior aos alunos por sua posição, seu saber e sua experiência de vida e é superado pelos alunos na mesma proporção em que o amanhã supera o hoje, em que a força que se anuncia supera as realizações já fixadas. Lembro-me com clareza de que, nesse período, eu senti pulsar o coração quando vi a possibilidade de me tornar atleta aproximar-se. Não desejava mais ser bailarina, pois já passara da idade: agora o sonho era fazer parte da equipe da ginástica rítmica. No entanto, o sonho tornou-se ponto de cruz e, para desfazê-lo, nada de fuxico nem alinhavado nas notas: só de 7,0 a 10,0, e bem arrematado. Memória de um sonho interrompido, pois não pude ser atleta, pelo fato de não ter conseguido passar de ano sem necessitar de recuperação. Esse fato, embora sem grandes repercussões naquele momento, quando objeto de reflexão em tempos posteriores, mostrou implicações negativas em minhas possibilidades corporais e em meu interior, que, magoado, passou a reprimir as emoções sentidas. O choro era contido e o desejo de viver o esporte substituído pelos momentos de observação dos treinos. Ali, outra vez, era pelos olhos que eu fazia amor com o mundo (ALVES, 2005). Em seu livro, Espírito Santo (2008, p. 65) também revela um momento de sua vida em que, não atingindo os objetivos de seu pai, teve sua sensibilidade interrompida. Se não estudasse para a escola, também não estudaria o piano. Segue o trecho em que essa situação é descrita: Quando tinha cerca de dez anos, havia completado um ano de estudos de piano, chegando a participar de um primeiro concerto, juntamente com os outros alunos da mesma professora. Lembro-me de haver interpretado a Marcha Turca de Mozart. Ao mesmo tempo era reprovado no Ginásio onde estudava e meu pai, certo de que fazia o melhor, proibiu-me de continuar os estudos de piano! Foi um corte no desenvolvimento de minha sensibilidade, do qual somente muito tarde fui ter consciência. É claro hoje para mim, que meu pai “não sabia o que estava fazendo... Semelhante ao caso de Espiríto Santo (2008), algo foi interrompido naquela minha experiência: o movimento corporal foi esquecido, a flexibilidade tornou-se inexpressiva, o corpo deixou de ter uma disciplina, deixou de ser olhado; mas continuou estudando, falando, pensando e, agora, pouco sentindo, para não parecer dramática. Além desse impedimento, nas viagens de visita a familiares, eu também tinha que ouvir algumas pessoas fazerem comparações que atestavam minha incapacidade. Palavras que, apesar de o vento levar adiante, marcaram profundamente meu corpo, ficando registradas em minha memória corpórea. Uma memória que instiga meu corpo a querer mais, a demonstrar minha força interior, a me fazer capaz. “Coisa fantástica é a memória corpórea... sua capacidade de se fazer presente, viva, gerando movimentos, gestos e gostos que vêm de um tempo que acreditávamos esquecidos...” (DOWBOR, 2008, p. 34-35). Livrando-me desse período de tantos “nãos” sem explicações coerentes, eu precisava assumir novas posições e escolher o caminho que desejava trilhar em minha fase adulta. Eis um nó! Dos ditos da Psicologia, o feito foi a Pedagogia. Da arte de escutar, a escolha foi pela de falar, de cativar e de educar. Embora não conhecesse o que realmente significava, foi pela pedagogia do amor, do afeto e do sagrado que me apaixonei. Minha missão determinava-se ali: queria ser educadora, iluminar a vida, salvar o mundo. Sonhos idealizados e, na realidade, novos exercícios do ser professora: cotidianamente instrumentalizava-me ensinando os deveres e tarefas de quem veio depois de mim. A pedagogia não pode ser uma ciência – deve ser uma arte. E onde existe uma arte que se possa aprender sem viver constantemente em sentimentos? No entanto, os sentimentos nos quais é preciso viver para exercer aquela grande arte da vida que é a pedagogia, esses sentimentos que é preciso ter com vistas à pedagogia, só se acendem pela observação do macrocosmo e sua relação com o homem (ESPÍRITO SANTO, 2008, p. 64). Em busca da interação com o outro, da aprendizagem significativa, do capricho nas atividades e da corporalização de uma relação de afeto e amizade entre professor e aluno, adentro a profissão que, pelas lentes da sociedade e dos próprios profissionais, pouco é valorizada e reconhecida. Apesar da esperança de viver uma educação da libertação e da formação integral, em que os sujeitos fossem formados para agir politicamente, desenvolver seus afetos e sua inteligência, mobilizando o corpo e utilizando-se das diferentes linguagens, na realidade ocorria a repetição do que eu tinha vivido. Na faculdade, o ensino era o mesmo: algo que distanciava os alunos de sua essência e fragmentava a totalidade de quem estava ali presente. Apesar do distanciamento, foi lá que percebi que o que fora tecido ao longo dos anos na escola fazia sentido. Que a química, sempre tão difícil, era a mesma que movia o corpo; que a matemática do livro era a mesma utilizada para consumir; e que as demais disciplinas, reunidas, faziam entender o que na sala eu dizia não saber, ou o que, na verdade, eu até sabia, mas não sentia. Com os seminários, instrumentos mais utilizados na costura dos saberes, eu percebia que poderia ir além, que não deveria reproduzir a postura que, ao longo do tempo, marcara meu corpo e o de meus colegas. No entanto não sabia como abandonar o comodismo e fazer a diferença: eram poucas as ferramentas em minhas mãos. Por ainda não ter segurança, nem mesmo conhecimento, eu buscava nas interações com os colegas, reunindo-nos em grupo, compartilhando nossas experiências, trabalhos voluntários, ou mesmo trabalho em sala de Educação Infantil, uma aprendizagem significativa. Lembro novamente Dowbor (2008, p. 63), quando diz: A aprendizagem se torna significativa quando possibilita a construção de conhecimento. Contudo, não construo conhecimento se não me aproprio dele como pessoa criativa, capaz de pensar e desejar. No entanto, como o processo de aprendizagem é um processo interativo pelo qual ocorrem transferências, para que o educando aprenda é fundamental que aquele que lhe ensina deseje realmente que aprenda, acredite que seja capaz de criar significados, de pensar, sonhar e desejar. Assim, aprender de forma significativa implica construir significados próprios que estão relacionados com a história de vida de cada um e com a sua forma de estar no mundo. Apesar de algumas experiências terem marcado minha trajetória acadêmica, poucos foram os momentos em que, na sala de aula, pudemos desenvolver brincadeiras e sentir a alegria de construir o conhecimento, já que o fio que brilhava era o científico. Nesse ambiente, por mais que desejasse, eu pensava, criava, e ali ficava. Falando em científico, no território do saber científico ainda percorri o corredor dos tecidos mais rebuscados, tornando-me bolsista de iniciação científica. Com essa experiência, descobri o encanto de pesquisar, vislumbrei novos caminhos do aprender e decidi pontilhar algumas experiências de vida nesse lugar. Entre objetivos, resultados e intervenções, corporalizei o ser pesquisador. Ampliando o desejo de tecer novos saberes, experienciei a arte da trama das palavras, colocando em prática o que até então tinha aprendido no curso de Pedagogia. Iniciava então a costura das emoções, objeto de minha monografia. O tema foi trabalhado com paixão e envolvimento, na tentativa de fazer florescer na sala de aula essa dimensão humana. Minha intenção era trazer mais cores, novos fios, novos aromas para esse espaço de aprendizagem. Queria olhar para o que, durante toda a minha trajetória, estivera presente, pela força ou pela ausência. Para isso, fui introduzida em uma sala de aula do 1º ano, da Escola Estadual Casa do Menor Trabalhador, com crianças da faixa etária de 5 a 7 anos, da classe econômica desfavorecida. Meu objetivo era investigar como as emoções estavam sendo trabalhadas com essas crianças. Afinal, considerando que elas apresentavam maior facilidade para externalizá- las, era necessário existir uma prática pedagógica sistematizada que trabalhasse com as diferentes situações evidenciadas. Para minha surpresa, apesar dos anos passados, a dinâmica da escola era a mesma e, portanto, emoção só podia estar presente nas datas comemorativas. Apesar de a maioria das crianças estar em situação familiar difícil, de extrema carência econômica e, principalmente, afetiva, isso pouco era considerado. Embora observada por nós, estudantes de Pedagogia, a professora da turma não inovava nas aulas, demonstrava inquietação frente às conversas dos alunos e esquivava-se quando eles se aproximavam, alegando receio de piolho. Diferentemente dela, organizei um projeto de estudo sobre a água, no qual os alunos foram levados a vivenciar o conhecimento. Sentava-me em roda com eles, realizava brincadeiras, distribuía cadernos, tomávamos banho coletivo, preparávamos salada de fruta. Vimos, ouvimos, tocamos e cheiramos a água. Desenvolvemos afetos, compartilhamos sorrisos, trocamos olhares. Nessa ocasião, senti-me verdadeiramente professora, enquanto uma amiga que me acompanhava construía a certeza de que não era aquela profissão que queria trilhar. Dia a dia, minha sensação era de encantamento: na escola, diversão; em casa, planejamento, vontade de criar. Realizava-me com cada ação, com o reconhecimento, com este simples chamado: “Perfessora” – embora meio desajeitado. Era bom saber que sabia, era melhor tornar-me, a cada dia, aprendente. Concordo com Josso (2004, p. 39) quando destaca: [...] o que faz a experiência formadora é uma aprendizagem que articula, hierarquicamente: saber-fazer e conhecimentos, funcionalidade e significação, técnicas e valores num espaço-tempo que oferece a cada um a oportunidade de uma presença para si e para a situação, por meio da mobilização de uma pluralidade de registros. 1.3 RETALHO BRINCANTE: O DESCOBRIR-SE HUMANA DOCENTE Saindo desse espaço acadêmico, o momento foi de me ver ainda menor, quando adentrei a prática docente, agora profissionalmente, na Educação Infantil. Nela, embora com dificuldade, pude realizar parte das perspectivas que idealizara: sentar-se no chão podia, brincar era necessário, e a confiança era tida com afeto. Nesse espaço de construção, a criança deixou de ser apenas um ser de inocência, tornando-se o ser da sabedoria, e eu pude proporcionar a meus alunos aquilo que em mim fora cerceado. Korczak (1981, p. 54) confessa: Compreendo agora que a criança pode ser um músico amadurecido; e se penetrarmos mais a fundo no seu desenho e na sua fala, quando ela finalmente confiar em si mesma e começar a falar, e nós captarmos o que tem de especial e digno na sua expressão, encontraremos nela um mestre dos sentimentos, um poeta, um artista plástico. Apesar de, na sala de aula eu me senti o melhor dos retalhos, as cores se desbotavam, pelos olhos competitivos de quem fora dela estava. Ainda assim, eu mostrava resistência e, enovelando-me nas ações solidárias, buscava desfazer os pontos de egoísmo. Facilitava as trocas, brincava de compartilhar, mostrando que com ações unidas os resultados eram sempre melhores. De sala em sala, de ponto em ponto, alunos, educadores e familiares iam sendo conquistados, criando-se elos de amizade e de aprendizado, que iluminavam meu retalho, incentivando-me a participar de outras costuras. Capricho nos planejamentos, registros cotidianos e pontuais, além de momentos repetitivos de reflexão e autoavaliação. Eu buscava novas metodologias, exercitava a criatividade, procurava recursos didáticos significativos, tentava ser uma professora inesquecível, porque desejava marcar a vida daqueles que por mim passavam de uma maneira positiva, como apenas uma única professora conseguiu realizar em minha trajetória de formação. Ponto determinante em minha vida, o trabalho com as crianças me fez preservar a criança que habita em mim e investir em seu florescimento, pois, conforme revela Dowbor (2008), o grande desafio dos educadores é manter viva a criança interna, a qual permite que olhemos a vida com sabedoria, simplicidade e esperança. Com as crianças eu pude despertar para minhas possibilidades corporais e, acima de tudo, aprendi a respeitar o corpo, as necessidades e potencialidades daqueles com quem trabalhava. Nas salas, acompanhei o desenvolvimento de crianças pequenas, que chegaram à escola sem saber falar. Os aprendizados mais significativos não estavam na contação do fim de semana, na identificação com as músicas cantadas na roda de conversa nem na grafia de letras; o que me emocionava era o fato de ser chamada de “professora”, de saber que ali eu era exemplo. Os encontros com os alunos, o desenvolvimento da prática pedagógica juntamente com outros profissionais instigaram em mim o desejo de trabalhar com o corpo dos formadores, pois, para mim, a importância do corpo tornava-se, a cada dia, mais evidente. Era com ele que nos comunicávamos, que demonstrávamos nossas intenções, nos relacionávamos e intervínhamos nas diferentes realidades. No entanto, para demonstrar essa potencialidade, o corpo necessita estar vibrante, ou seja, com a corporeidade irradiando. Na vivência da docência, busquei aliá-la a uma prática acadêmica mais complexa, adentrando o ateliê do Programa de Pós-graduação em Educação, junto à linha de pesquisa Corporeidade e Educação, como aluna especial. Nessa etapa, os aprendizados foram aprofundados e, acima de tudo, sentidos. O retalho percebeu que não era apenas um retalho, que era um tecido, composto de várias linhas, com alguns pontos, e que, sendo tecido, estava vivo, e precisando apenas colocar em evidência o desejo de transformar sua vida, sua prática. Aprendeu a olhar para si, a tinturar-se em novas cores, a juntar-se a outros. Aprendeu a buscar a beleza e a abrir-se, ainda mais, para o desconhecido. Ganhou autonomia, multiplicou amizades, dividiu o sonho de fazer algo pelo mundo. Acrescentou a seu corpo novas marcas – flores, oceano, encanto, incertezas, movimentos concretos e virtuais. A cada dia experienciado, o retalho entendia-se melhor, aprendendo com a corporeidade a apreciar-se, a sentir sua própria textura. Aos poucos, descobriu que o ateliê da vida é ainda maior do que ele imaginava. Além disso, tornou-se mais criativo, mais expressivo e, com isso, a relação entre ensino e aprendizagem ganhou mais sentido. Por fim, ampliou a complexidade de sua existência: tornou-se aprendente, brincante, homo ludens, e, mais uma vez, responsabilizou-se por seguir adiante. No entanto, o ato de pesquisar, de caminhar para si mesmo em busca de uma compreensão não era suficiente; era preciso agora investir na elaboração de outro ateliê, um espaço onde esses saberes pudessem ser costurados com outros sujeitos, especificamente com aqueles que, na sala de aula, trabalhavam com crianças e que, pelo fato de envolverem-se com a educação, esqueciam o som de seus corpos. O observar corpos, tentando perceber o que falavam e expressavam, e o desejar sensibilizá-los trazia consigo “[...] o aprendizado de aprender a escutá-lo, a observá-lo” (DOWBOR, 2008, p. 36) Essa realidade, que nasceu ainda quando a professora-retalho dava os primeiros pontos da vida, sendo arrematada já na monografia, foi ampliada no momento em que ela iniciou o trabalho, como professora substituta, na Unidade Educacional Infantil da UFRN. Lá, percebi que algumas linhas andavam soltas, que existiam outros corpos-retalhos, que, embora desejassem avançar, estavam aprisionados aos nós do percurso. Os retalhos se ressentiam do barulho, das brincadeiras, do permitir-se brincar na areia e, com isso, faziam a costura educativa parar. As crianças, por sua vez, com seus tecidos brincantes, finos e flexíveis, perdiam um pouco de sua beleza e de sua espontaneidade. Reprimiam-se as ações dos pequenos, pouco se ouviam as necessidades evidenciadas, restringindo-se a inteligência e o campo de ação deles. No silêncio das crianças há um programa de vida: sonhos. É dos sonhos que nasce a inteligência. A inteligência é a ferramenta que o corpo usa para transformar os seus sonhos em realidade. É preciso escutar as crianças para que sua inteligência desabroche (ALVES, 2005, p. 29). Apesar de conhecerem com profundidade o desenvolvimento das crianças, sua psicologia e o processo de aprendizagem que as direcionava, os professores estavam desestimulados para sonhar junto com o infante. A ausência dessa ação justificava-se não por maldade ou intenção consciente, mas por cansaço, por desconhecimento até de si mesmos, de suas possibilidades e dos próprios sonhos, se é que eles existiam, pois, para alguns, para sonhar era preciso ser jovem. Como havia mostrado a tessitura de minha monografia de graduação (BARBOSA, 2005), o fato de pouco presenciarmos as emoções, a subjetividade, na sala de aula não significava, nem significa, que o professor tinha a intenção de podar, de limitar as crianças. O fato é que a maioria dos educadores estão retalhados, primeiro porque foram formados desse jeito, segundo porque, encontrando tantas dificuldades, deixam-se esconder entre nós. Na verdade, esses professores terminaram deixando suas linhas enrolarem-se, algumas serem cortadas, por isso nem sempre sabem lidar com as experiências que vivenciam. Nas minhas andanças pelas escolas, o que temos visto são corpos sempre tão apressados que não conseguem parar para escutar. Na maioria das vezes são corpos que, além de estar sempre apressados, estão tão cheios, talvez de si mesmos, que se encontram impossibilitados de construir espaço interno para a escuta do outro (DOWBOR, 2008, p. 35). Apesar de se colocarem próximo das crianças, de demonstrarem conhecimento de práticas, os professores parecem não ter um tempo de espera e de reflexão para si mesmos. Trabalham incessantemente, enchem-se de conteúdos e de obrigações, esquecendo-se de estimular os aspectos que os tornam seres existenciais. Minha preocupação em olhar esses corpos, enquanto atuava na escola, não era para restringi-los, ou para colocar-me como alguém que sabia, na verdade, o que buscava; era para partilhar com esses professores a beleza de descobrirem-se, de olharem o outro com afeto. Queria que eles pudessem sentir a mesma alegria que eu tinha sentido quando olhei e fui capaz de perceber meu corpo não como uma máquina, mas como um sistema com o qual eu me apropriava do mundo e atuava nele. Gostaria de junto a eles criar um espaço de escuta e de vivência, onde pudéssemos dividir angústias e aprendizados. Um território transcultural onde contássemos nossas vidas e com elas nos formássemos. Desejava, por fim, poder realizar algo que sensibilizasse esses educadores para suas próprias potencialidades, para que se reconhecessem como seres de corporeidade, seres brincantes, crianças vivas, seres autopoiéticos; afinal, precisamos ter consciência do que somos, de que desejamos marcar o corpo e a vida do outro (DOWBOR, 2008). Como se pode observar, para se entender a dimensão e a complexidade desta pesquisa, bem como para perceber com clareza as repercussões de seu desenvolvimento em minha vida, na instituição e na dos participantes, faz-se necessário adentrar o tecido das teorias e concepções adotadas, buscando relacioná-las a minha forma de compreender e conduzir o estudo. Para mim, elas, juntamente com a história de vida aqui contada, correspondem aos fios reveladores da beleza, fios que se conectam para a produção de sentido. Com esses fios, novos aprendizados foram construídos. Tornamo-nos sujeitos ainda mais politizados e sensíveis, porque aprendemos que educação é vida, que persistir na formação humana é compensador e que, para sermos educadores, seja infantil seja de adultos, precisamos reconhecer-nos como tais: como corpos aprendentes dotados de uma corporeidade que eleva, que movimenta e transforma a existência daqueles que a reconhecem e que são capazes de mobilizá-la em favor da expansão de sua essência e de sua inteireza. 1.4 TECENDO O CENÁRIO DA FORMAÇÃO HUMANA: A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO PRIMEIRO PASSO PARA A FORMAÇÃO HUMANA Ao analisar o contexto de pesquisa, ou seja, o cenário da educação, observa-se que é comum o entendimento de que ela continua exigindo mudanças, pois, embora elas existam, são pequenas demais para configurar um novo contexto de aprendizagem e compreensão. Apesar de experienciarmos fortemente, não só na educação mas, nas diferentes áreas do conhecimento, a fragmentação do saber e do ser, atualmente o que se tem percebido é a necessidade de buscarmos religar esses saberes, que, quando reunidos, formam um todo coeso, inteligível, capaz de nortear ações transformadoras, libertárias e, sobretudo, solidárias (BOFF, 1999; MORAES, 2004; DELORS, 2006). Dentro desse contexto, busco, como professora, modificar minha prática pedagógica. Paro para ouvir aminhas angústias, meus anseios e meus desejos. Paro para ouvir as pessoas, olhar meu entorno e, principalmente, para o movimento que me move e qualifica minha prática. Em meio às reflexões, busco novas maneiras de ensinar, novos pensamentos e novas formas de ação. Nesse percurso, sinto e descubro que minha maior inquietação como professora sempre foi correr o risco de reproduzir o que até agora foi repetido. Eu não podia deixar em meus alunos as mesmas marcas que haviam sido deixadas em meu corpo. Apesar de ter cultivado esse sentimento de mudança durante um longo período de minha vida e de ter realizado uma tímida ação em busca do afeto e da vida na escola, ainda não me sentia segura para colocá-los em prática, pois, embora conhecesse com profundidade algumas concepções e teorias que embasam o processo de ensino e aprendizagem, percebia que existia uma lacuna que me mantinha distante do que desejava. Faltava o conhecimento de mim mesma! Faltava conhecer meu interior, minha organização. Talvez o que me movia era o simples desejo de mudar. Vivendo na superficialidade, eu acreditava que, realocando pessoas ou objetos eu poderia apresentar a realidade circundante de maneira diferente da habitual. Não entendia que transformar a educação exigia dos sujeitos o desenvolvimento profundo de si mesmos, a vivência dos saberes, a mudança de pensamento e a inovação da linguagem; ou seja, exigia construir, mas, sobretudo, desconstruir ideias, atitudes egoístas, competitivas e sentimentos negativos. Tal descoberta não foi realizada de forma mágica. Para que ela acontecesse, precisei vivenciar muitas experiências, buscar aprofundamento teórico, para alcançar uma maturidade científica e pessoal. Viajei para dentro de meu corpo, tendo como destino meu coração. Precisava descobrir como ele tinha se constituído, o que o fazia pulsar. Com novas interações e aprendizados, fiquei encantada por minha própria vida, tornando-a matéria-prima de uma nova forma de conceber a existência. Assim, esta pesquisa nasceu como resultado da interconectividade de retalhos que, representando as diversas experiências por mim vividas, constituem meu ser, um corpo que, experienciando a alegria, a dor, a partilha, o medo, o fluxo, descobre-se e que, no alinhavar de uma nova existência, sente a necessidade de acolher a vida de outros seres. Trata-se de um percurso de doação, em que, fazendo a combinação entre vida e profissão, liberto meu coração para a aprendizagem, a vivência da pesquisa, as trocas de saberes e experiências com os outros seres que, assim como eu, habitam o mundo e cotidianamente tentam desvendá-lo. Regida por sentimentos, vou em busca de conhecimentos que possam ser vividos, movimentando-me na tentativa de inserir-me em um sistema complexo que correlaciona sabedoria, poesia arte e dança. Um sistema que se auto-organiza pelas memórias, pela reflexão, pela coreografia entre os retalhos, os quais, ao som da solidariedade, dançam, para encantar a vida. Nesse caminho de vivificação das experiências, conquisto espaços, livro-me de amarras, enfrento medos, refaço meus próprios caminhos, trazendo à tona o movimento circular da autoformação, um processo que irradiou minha prática e a vida de outros sujeitos que comigo caminham. Abro-me para o mundo e, com isso, meus olhos, meus ouvidos, minha boca, minhas mãos tornam-se mais sensíveis. Ao interagir de maneira prazerosa com o mundo, passo a sentir a plenitude e o sentido da vida construindo um mandala de saberes, que se configura como ferramenta para minha ação consciente e solidária no mundo. Essa mandala de saberes, constituído pelos retalhos que compõem meu corpo como ser humano, é pespontado por cores e texturas diversas, momentos que, em virtude da auto- avaliação, desvelam-se como experiências formadoras. Foram eles que, sendo revistos, descosidos, proporcionaram-me reviver experiências as quais, sendo objeto de reflexão e ressignificadas, deram um novo sentido a meu ser educador, meu ser humano. Para compor a colcha de retalhos, assim como faz a costureira, precisei selecionar os retalhos. Simbolicamente, com todos em minhas mãos, passei a olhar para a diversidade dos fragmentos dos tecidos. Entre retalhos arregaçados, estampados, floridos ou rigidamente marcados por linhas, fui encontrando o sentido de minha vida ... Ao olhar cuidadosamente para cada um deles, vi refletirem-se as experiências, as escolhas, e descobri o que me fazia pensar e redirecionar a ação de meu corpo no mundo. Sendo assim, os retalhos que aqui evidencio são tesouros. É neles que encontro minha sacralidade. São eles que revelam minha intimidade e me fazem um ser singular no mundo. Por apresentarem tanta riqueza, eles ganham vida por minhas próprias mãos, que, num afago, os unem de maneira a constituírem a inteireza de meu ser. Assim, a colcha, resultado da comunhão dos retalhos, não é confeccionada com a rapidez e a frieza com que a máquina de costura a faz, mas com a sutileza, com o afeto e com o cuidado de quem, com as próprias mãos, escolhe as linhas, protege-se da agulha e lança-se numa dança de pontos. Pontos que, colocados com firmeza, aproximam-se; linhas que se cruzam, demonstrando o sentido das relações; retalhos que, estando reunidos, refletem a magia das relações. Nessa construção, coloco-me no centro, como um coração de preciosos retalhos que, estando encantado, busca encantar outros corações, iluminando-os. As flores da infância, as linhas rígidas da adolescência e as estampas diversas da vida profissional compõem o tecido que o acolchoa e garante seu pulsar. No processo de reconhecimento, torna-se revelante compreender o lugar que despertou em mim a necessidade de modificar-me, o espaço no qual se estabelecem os primeiros passos para a formação humana de todo ser humano: a Educação Infantil. A Educação Infantil é um nível da educação que se compromete com o processo educativo de crianças de 0 a 6 anos de idade (Lei 9394/96). Nesse nível, elas aprendem conceitos, internalizam comportamentos, atribuem significados e ressignificam a própria existência, construindo um leque de saberes que as ajuda a compreender sua realidade e dela participar. Durante muito tempo, a educação das crianças foi entendida como sendo responsabilidade das famílias e do grupo social no qual elas estavam inseridas. Nesse período, a criança aprendia sobre a tradição, as leis sociais, os valores humanos quando convivia com os adultos e as demais crianças, sendo, portanto, ela mesma a principal responsável por sua aprendizagem. Quando superado o momento da dependência para suprir as necessidades físicas, a criança já estava preparada para ajudar os adultos em suas atividades e obrigações cotidianas. As brincadeiras e a ludicidade não eram consideradas importantes para a formação da criança. Aliado a isso, não havia a preocupação de se formalizar um espaço de convivência e aprendizagem, onde as crianças tivessem suas necessidades atendidas e seu desenvolvimento garantido. No entanto, com a modificação da matriz familiar, as mães passando também a ser profissionais, a compreensão sobre a criança, sobre seu desenvolvimento e a forma de educá- la, precisou ser repensada. Iniciou-se então uma reflexão sobre a natureza infantil, sobre as fases que a evolução das crianças compreende e as formas para se favorecer sua aprendizagem. Como se pode perceber, as mudanças sociais, mais uma vez, impulsionaram o repensar da sociedade. Esta passou a rever suas próprias necessidades, a analisar a constituição familiar, a repensar o lugar da mulher na sociedade, a investir no mercado de trabalho. Muda-se o mundo, muda-se a forma de ver o mundo e de participar dele. Pensa-se sobre as relações, sobre o capital, sobre a constituição familiar e, dessa forma, criam-se possibilidades para o desenvolvimento de práticas sistematizadas e contextualizadas para atender o humano, em seus diferentes níveis de vida. O que se pode notar, do que foi dito até aqui, é que as creches e pré-escolas surgiram a partir de mudanças econômicas, políticas e sociais que ocorreram na sociedade: pela incorporação das mulheres à força de trabalho assalariado, na organização das famílias, num novo papel da mulher, numa nova relação entre os sexos, para citar apenas as mais evidentes. Mas, também, por razões que se identificam com um conjunto de ideias novas sobre a infância, sobre o papel da criança na sociedade e de como torná-la, através da educação, um individuo produtivo e ajustado às exigências desse conjunto social (CRAIDY; KAERCHER, 2001, p. 14). Nesse contexto, há o florescimento da questão da infância e do desenvolvimento da criança como ser histórico, participativo, consciente, dotado de habilidades e competências para atuar no mundo e transformá-lo. Aprofundam-se estudos sobre a infância, a participação da família em seu processo educativo, o atendimento às necessidades do infante, e começa-se a investir em espaços educacionais, hoje representados pelas creches e pré-escolas. O retalho infante passa a ser observado. Para ele, inicia-se o processo de modelagem do mundo. Apesar dessa discreta preocupação ressalta-se que as primeiras atividades realizadas com crianças de maneira sistematizada não tinham caráter formal. Nessas atividades, evidenciava-se a reza, o canto, a memorização, visando ao desenvolvimento de bons hábitos e atitudes aceitáveis. Para a execução dessas atividades, eram organizados planejamentos rigorosos, que estabeleciam uma rotina de autodisciplina. Nesse sistema, priorizava-se a leitura e a escrita como formas de apropriação da realidade. Essa educação, portanto, resultou da evolução do que, na história da educação, denominou-se educação pré-escolar, a qual correspondia ao atendimento, fora do contexto familiar, às crianças que ainda não estavam inseridas na escola. Com o processo de universalização escolar, a pré-escola passou a ser conhecida como Educação Infantil e a ser considerada um investimento necessário para o desenvolvimento da criança. Agora a criança possuía um espaço para atendê-la e compreendê-la. Compreendida como o ser da pureza e da ingenuidade, ou como um adulto em miniatura, a criança tem na Constituição Federal de 1988 a definição de uma nova doutrina, uma nova maneira de concebê-la. Na Constituição, assim como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (BRASIL, 1996) – a criança é definida como sujeito de direitos. Além disso, o espaço sistemático de aprendizagem destinado a ela passa também a ser compreendido como direito educacional, e não mais como assistência. Inicialmente, o olhar para a infância era excludente e discriminatório. “Infância”, na realidade, era uma palavra utilizada para designar seres selvagens. Estes necessitavam ser dominados pela razão para conviverem em sociedade. Quando não enfatizava o caráter selvagem dos indivíduos, o termo “infância” estava relacionado com a natureza pecadora do homem. Passando da referência a seres brutos para designar seres puros, o termo “infância” hoje corresponde ao nível de vida em que a criança adquire habilidades e competências necessárias a sua existência ativa e consciente no mundo. Assim, ela deixa de ser reconhecida como sujeito de inquietações e de valores arbitrários para tornar-se ser de especificidades, aprendente criativo e dinamizador de sua realidade: Como podemos perceber, no processo histórico da constituição do ser criança ela passa do ser encantado ao ser marginalizado, recuperando, por fim, sua condição de retalho de beleza. Crianças são aquelas figurinhas curiosas e ativas, com direitos e necessidades, que precisam de um espaço diferente tanto do ambiente familiar onde são objetos do afeto de adultos (em geral adultos muito confusos) quanto do ambiente escolar tradicional, frequentemente orientado para a padronização de condutas e rituais e para avaliações segundo parâmetros externos à criança (OLIVEIRA, 2007, p. 45). Reconhecida a especificidade da criança, a Educação Infantil assume o papel de elaborar saberes junto ao infante a partir da construção de conteúdos e, sobretudo a partir do estabelecimento de parcerias significativas, vivências cotidianas e experienciação de conceitos. Segundo a LDB (BRASIL, 1996), a Educação Infantil corresponde à primeira etapa da educação básica. Sua responsabilidade consiste no desenvolvimento integral das crianças até os 6 anos de idade, nos aspectos social, físico, intelectual e psicológico, devendo ser cumprida em conjunto com a ação dos pais e a da comunidade. Considerada nível integrante da educação básica, na Educação Infantil deve-se garantir a aprendizagem e assegurar o desenvolvimento global das crianças desde os primeiros anos de vida. Com ela, são construídos conhecimentos conceituais, atitudes e valores que compõem nossa identidade existencial. Na creche e na pré-escola, territórios de desenvolvimento infantil, buscava-se adequar as necessidades sociais às necessidades individuais da criança. Nesses espaços, as crianças deviam estar seguras e protegidas das influências negativas do meio, tendo oportunidade de eliminar as inclinações para atitudes reprovadas pela sociedade, ou seja, deviam preservar sua inocência. Nesse processo modelador, práticas discriminatórias tornaram-se evidentes, sendo consideradas adequadas, muitas vezes, em nome do que era tido como “normal”. Ou seja, o foco devia permanecer no ajuste do educando às exigências sociais, mesmo que isso infringisse a dinâmica individual de cada ser. Essas ideias, embora conflituosas e excludentes, influenciaram as propostas pedagógicas e, muitas vezes, foram determinantes do processo educativo das crianças. Acabaram por marcar os corpos de educadores e educandos, que, vivendo nesse contexto fragmentador, tornaram-se seres passivos, pouco criativos e preconceituosos. No entanto, embora ainda pouco valorizada, a Educação Infantil é um nível de ensino extremamente importante no que concerne ao desenvolvimento humano; daí o enfoque que hoje pesquisadores do mundo inteiro têm dado a essa etapa do ensino. Conforme o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998), Craidy e Kaercher (2001), Oliveira (2007), Kuhlmann Jr. (1998), a educação da criança envolve simultaneamente dois processos – cuidar e educar –, os quais são complementares e indissociáveis, e são os responsáveis pela sobrevivência e pelo desenvolvimento da criança. Apesar de esses processos contemplarem a complexidade da vida humana, ambos, no contexto educacional, têm sido compreendidos de maneira restrita e descontextualizada, o que faz com que as creches e pré-escolas não sejam consideradas instituições formativas. Na creche, o cuidado prevalece pelo fato de se trabalhar com crianças muito pequenas, que ainda não formalizaram a linguagem oral, sendo, assim, envolvida por um tecido assistencial. A pré- escola, por sua vez, é subjugada pelo fato de trabalhar com a ludicidade, investir na vivência de brincadeiras e promover a socialização das crianças, atividades que são percebidos como meramente recreativas, sem fins educacionais. Além disso, creche e pré-escola parecem preocupar-se prioritariamente com a ação do cuidar: Os cuidados ministrados na creche e na pré-escola não se reduzem ao atendimento de necessidades físicas das crianças, deixando-as desconfortáveis em relação ao sono, à fome, à sede e à higiene. Incluem a criação de um ambiente que garanta a segurança física e psicológica delas, que lhes assegure oportunidades de exploração e de construção de sentidos pessoais, que se preocupe com a forma pela qual elas estão se percebendo como sujeitos (OLIVEIRA, 2007, p. 47). O cuidar, que, para Boff (1999), envolve o acolhimento, o resgate da essência humana e o respeito à sacralidade do outro, é percebido nas escolas como o desenvolvimento de cuidados primários, – a higiene, a alimentação e o descanso das crianças. No entanto, considerando-se a complexidade evidenciada na compreensão de Boff, sabe-se que o cuidar vai além da execução de tarefas de ordem assistencial. “Cuidar” significa abrigar o ser em seu contexto de vida. Requer o exercício da paciência, da solidariedade e da doação. Cuidar é encontrar maneiras de auxiliar quem está a seu lado a caminhar, a desvendar os mistérios da vida, a encontrar-se com seu interior. Significa, portanto, não apenas executar atividades corriqueiras, mas parar a fim de olhar para o tempo, para o espaço, para os materiais e para pessoas com as quais esses cuidados serão desenvolvidos – no caso da pesquisa, as crianças e os profissionais que com elas trabalham. Assim, cuidar inclui preocupações que vão desde a organização dos horários de funcionamento da creche, compatíveis com a jornada de trabalho dos responsáveis pela criança, passando pela organização do espaço, pela atenção aos materiais que são oferecidos como brinquedos, pelo respeito às manifestações da criança (de querer estar sozinha, de ter direito aos seus ritmos, ao seu “jeitão”) até a consideração de que a creche não é um instrumento de controle da família, para dar apenas alguns exemplos (CRAIDY; KAERCHER, 2001, p. 16). Como já foi revelado, o cuidar envolve o olhar para o outro, o estar próximo, estender as mãos e disponibilizar também os demais sentidos. O cuidar exige o relacionar-se. Com o cuidado, desvelam-se também processos educativos, pois a criança e o adulto apropriam-se de experiências que auxiliam na produção do sentido existencial. Essas experiências culturais permitem que os sujeitos vivam o processo educativo, que, apesar de, muitas vezes, ser entendido como transmissão de conteúdos que viabilizam o desenvolvimento da oralidade e da escrita e desenvolvem o raciocínio lógico-matemático da criança, configura-se, na realidade, como um processo libertador, em que o sujeito se torna capaz de interpretar realidades, decodificar seu mundo, e fazer-se presente nele, como ser de luz, de emoções e de racionalidade. No contexto dos níveis de ensino em que se trabalha com crianças – no caso, creches e pré-escolas –, a noção de experiência educativa que caracteriza o processo educativo está vinculada ao desenvolvimento de atividades que mobilizam as crianças para a submissão, o disciplinamento e a obediência. Em outra perspectiva, tão punitiva quanto a primeira, as crianças são obrigadas a tudo aprender, de maneira que há uma educação precoce. Nessa educação, o infante se vê obrigado a realizar atividades, a demonstrar seus conhecimentos em exercícios que, muitas vezes, não compreende, tendo seu corpo e sua mente programados para responder, em horários e locais predeterminados. Assim, na prática, a dimensão educativa, como acabei de descrever, tem desconhecido um modo atual de ver as crianças: como sujeitos que vivem um momento em que predominam o sonho, a fantasia, a afetividade, a brincadeira, as manifestações de caráter subjetivo. A infância passa a ser nada mais do que um momento de passagem, que precisa ser apressado, como, aliás, tudo em nossa vida (CRAIDY; KAERCHER, 2001, p. 17). Na Educação Infantil, o professor assume não só a tarefa de ensinar, mas também a de cuidar e educar. Cabe a ele dar continuidade ao processo educativo iniciado pela família, consolidando ações que viabilizem o processo formador de atitudes e valores necessários à convivência, à vida coletiva e à formação integral do cidadão. Nesse nível, o professor é figura indizível, pois é tido pela maioria das crianças como um modelo a ser seguido. Ele corresponde a uma extensão da família, alguém que supre as necessidades afetivas e ajuda na realização de tarefas cotidianas. Muitas vezes, é ele quem permite que a criança vivencie o desafio e, com isso, desenvolva sua autonomia; é, portanto, o grande incentivador dos erros e dos acertos, o motivador do processo de tornar a curiosidade um aprendizado. Na Educação Infantil, as exigências são maiores, em virtude de nela se condensarem duas tarefas extremamente complexas: atender as necessidades físicas da criança e construir junto a ela um espaço de aprendizagem sadio e significativo. Isso implica uma participação integrada dos educadores e da instituição e, mais ainda, um envolvimento com as questões simbólicas, afetivas e criativas do aprender. É, sem dúvida, o período que exige maior sensibilidade, pois nele são estruturados os primeiros e decisivos passos no percurso do aprender. Ele envolve momentos delicados, como o de adaptação, além de demandar uma interação afetiva e efetiva com os familiares e os demais participantes do processo. Requer profissionais bem preparados, conhecedores das epistemologias, mas, sobretudo, que tenham habilidade para, colocando-as em prática, promover um espaço de exploração e de compreensão, que assegure o acolhimento e a segurança das crianças. Trata-se, portanto, de garantir uma ação docente que leve em conta a criança como sujeito global, dotado de sentimentos, de consciência, de espiritualidade, compreendendo-a como ser humano, social, cultural, histórico, de uma essência singular, em um contexto de múltiplas referências. Não distante disso, faz-se necessário o desenvolvimento de um olhar amplo para a infância, considerando-a como um momento específico do aprender, no qual se elaboram os primeiros conceitos, desenvolve-se a linguagem, constrói-se a identidade e, principalmente, em que o criar, a imaginação e a brincadeira são recursos de apropriação do mundo. Entendendo a criança como ser complexo, ressalto a necessidade de se ampliar, não só na Educação Infantil, mas em todos os níveis da formação humana, a compreensão de “educação”. Faz-se necessário romper com a ideia de transmissão cultural e expandir a compreensão de manifestação de sentidos, entendemos que o mundo é construído e o sujeito se reconstrói e se auto-organiza. Assim, pensar em Educação Infantil significa pensar em qualidade, investir no acolhimento, na segurança e na aprendizagem. Significa sentir a criança e proporcionar-lhe um espaço de convivência saudável, onde as emoções, os sonhos, as interações, a curiosidade e o prazer sejam evidenciados; ou seja, educar, na Educação Infantil, constitui-se na garantia ao direito da criança de viver sua infância, de experienciar com o corpo e de demonstrar suas destrezas, como ser ativo e criativo. Essa é a escola da infância, o território transcultural, que auxilia a criança na ampliação de suas relações com o saber. Nesse lugar, o infante, como tecido fino, aprende a dominar as diferentes linguagens, a reconhecer os valores culturais, tornando-se consciente de suas relações e de suas experiências. Dessa forma, nessa etapa da educação, a prática pedagógica precisa ser ainda mais reflexiva, de maneira que não se desenvolvam atividades que regulem as crianças excessivamente nem se estimule a espontaneidade exacerbada. Deve-se, dessa forma, buscar o equilíbrio entre a diretividade das ações e a autonomia dos educandos, construindo-se um território onde a criança exercite suas potencialidades, reconheça seus limites, expandindo seu universo cultural. Falo de uma ampliação, o que significa que a criança apresenta uma bagagem construída em outros espaços de aprendizagem, que precisa ser considerada, lapidada, pelo ensino. Defendo, portanto, a expansão e o aprofundamento dos conhecimentos, a ampliação e o exercício das relações. Em conformidade com as teorias sociointeracionistas, acredito que as crianças têm seu desenvolvimento assegurado pelas trocas que estabelecem com os colegas, com os professores e com o próprio meio. Aprender e desenvolver-se são, portanto, processos dinâmicos que não acontecem de maneira isolada, mas de forma simultânea e integrada. Ainda nessa perspectiva, autores como Wallon (1989), Vygotsky (1991) e Piaget (1983) revelam os diferentes estágios do desenvolvimento da criança, que devem ser contemplados em seu processo educativo. Para eles, os estágios representam níveis de desenvolvimento que a criança vive à medida que aprende, interage e se comunica com o mundo, sendo determinante, para o professor, que trabalha com a inteireza, o conhecimento dessas fases. Para Wallon (1989), a criança necessita aprender com afetividade. É preciso evidenciar em seu processo de desenvolvimento as emoções e os sentimentos, pois são elas as reguladoras de suas ações. Para esse autor, em cada estágio em que a criança mobiliza seus pensamentos e emoções, há uma reformulação, e não apenas uma adição em relação ao estágio anterior. Nesse sentido, o desenvolvimento é garantido pela recursividade e complementaridade entre esses estágios. Ao desenvolvimento da criança, Vygotsky (1991) acrescenta um importante aspecto: a linguagem. Para ele, a linguagem ocupa um lugar central, pois, como sistema simbólico, ela medeia a relação do homem com o mundo. Na criança, a linguagem é fundamental, pois é a partir desta que o infante se apropria das coisas e estabelece suas relações. O autor ainda destaca a existência de dois níveis de desenvolvimento: um real, que está vinculado às etapas alcançadas pela criança, e um potencial, que se caracteriza pela mediação; ou seja, para desempenhar suas atividades cotidianas a criança necessita da ajuda de um adulto. Finalmente, para Piaget (1983), o desenvolvimento da criança está relacionado à construção de estruturas, as quais permitem que, ao interagir com o outro e com o meio, o sujeito se autoconstrua, vivenciando o que Maturana e Varela (2001) denominam “autopoiese”. Embora enfrentemos dificuldades decorrentes do enraizamento das perspectivas tradicionais, e enfrentemos também incompreensões epistemológicas, o que buscamos efetivar é uma Educação Infantil para a cidadania, uma educação que instigue a conscientização e a sensibilização para os problemas e situações vivenciados e que garanta a resolução dos problemas de maneira afetiva e eficaz. Educar para a cidadania envolve a formação de atitudes de solidariedade para os outros, particularmente com aqueles em dificuldade de superação de atitudes egoístas; implica fazer gestos de cortesia, preservar o coletivo, responsabilizar-se pelas próprias ações e discutir aspectos éticos envolvidos em determinada situação. Inclui, para cada criança, poder se expressar e respeitar a expressão do outro em relação a sentimentos, ideias, costumes, preferências, ser aceita em suas características físicas e morais, receber demonstração de interesse quando não comparece à creche ou pré-escola, demonstrar interesse em saber as razões da ausência de outra criança e criar formas não violentas de solução de conflitos (OLIVEIRA, 2007, p. 52-53). Falo de uma Educação Infantil do corpo e da alma. Um espaço onde a criança aprenda sobre si mesma, sobre o outro, onde experiencie as alegrias das descobertas, onde brinque ao aprender, onde possua mobilidade corporal e seja capaz de sentir a energia de seus pares. Um lugar de prazer, em que ela vivencie a partilha, com a mediação do educador, que, sendo mestre, seja também exemplo, amigo, um ente querido, um exemplo a ser seguido. Uma Educação Infantil que trabalhe a educação como um fenômeno transcultural, que desenvolva a levando em conta sua complexidade, permitindo a evolução da linguagem, do pensamento e a sensibilização para as capacidades próprias do aprendiz e, ainda, que seja capaz de compreender, recriar e transcender a formalidade dos referenciais que a orientam. Fato que merece destaque é o cuidado com a formação inicial e permanente dos profissionais que trabalham com esse ciclo. Afinal embora sua importância não seja reconhecida, e seja até mesmo pouco explorada, ele é fundamental para o desenvolvimento de qualquer trabalho. Segundo Brasil (1998), existe uma preocupação com a formação do educador da Educação Infantil, mas, para mim, ela é limitada à exigência de uma formação mínima: aquele que deseja trabalhar com crianças deverá ter passado por um curso superior de Educação. De maneira bem restrita, no Referencial alega-se, ainda, a necessidade de capacitação e de atualização permanente, um processo que, até mesmo pela denominação que recebe, é percebido como um momento de pouco significado. Ainda sobre o Referencial, no que concerne à questão do educador frente à Educação Infantil, nele o professor é valorizado pelo conhecimento que constrói, isso porque, ao descrever a necessidade de o educador ter uma competência polivalente, relaciona essa competência ao desenvolvimento de conteúdos de natureza diversa. Nesse sentido, é como se a função do educador se resumisse a transferir conhecimentos para as crianças. Sobre a formação, ele nos diz: “A instituição deve proporcionar condições para que todos os profissionais participem de momentos de formação de naturezas diversas, como reuniões, palestras, visitas, atualizações por meio de filmes, vídeos etc.” (BRASIL, 1998, p. 68). Fato que também surpreende porque se faz referência à necessidade de uma “formação bastante ampla do profissional”, mas não é feita nenhuma menção aos subsídios específicos a serem dados a esse educador, para que ele demonstre essas capacidades. Frente a essas exigências, questiono-me sobre esses momentos de capacitação e atualização. Existirá um espaço para o educador expressar suas dificuldades? Serão disponibilizados espaços para que, contando sua história de vida, ele justifique suas ações pedagógicas? E, quanto aos saberes, além dos conceitos e procedimentos, o professor poderá vivenciar a alegria, a pesquisa, a humildade, a tolerância, a escuta, a curiosidade, saberes considerados por Freire (1996) como necessários a uma prática reflexiva e libertadora? 1.5 FORMAÇÃO E AUTOFORMAÇÃO POIÉTICA: JUSTIFICANDO A HUMANA DOCÊNCIA O professor é a chave do tesouro da educação. É ele que, com sabedoria, conhecimento e afeto, medeia a aprendizagem, tornando a educação uma prática biológica de amor e solidariedade. Mas, apesar da importante e imensurável representação do docente no cenário educacional, ele não é o único protagonista desse processo; na verdade é apenas uma parte desse todo que chamamos de educação. Por muito tempo, os professores ocuparam lugar de destaque no cenário educacional e, mesmo muitas vezes não estando preparados para organizar a educação, eles foram responsabilizados, durante muito tempo, quiçá o são até os dias atuais, por determinar o processo educativo. Deles era cobrada uma postura pedagógica dinâmica e diversificada e, principalmente, um saber conceitual, pois, se estavam diretamente junto ao aluno, era seu dever garantir-lhes a disciplina, o desenvolvimento intelectivo e o moral. Como tarefa fundamental, eles deveriam saber e transmitir os conhecimentos para os alunos, que, contrariamente, ocupavam um lugar de passividade, sendo considerados sujeitos de pouco conhecimento, reconhecidos pela ausência de autonomia. O professor era o detentor do saber, e por isso, os alunos a ele deviam obediência e respeito. Em lugar de destaque, o professor era determinante para a aprendizagem; afinal, era a partir dele que o processo se iniciava, que tinha continuidade e que chegava ao fim. Cabia- lhe assumir todas as responsabilidades na sala de aula e até fora dela, fato ainda vivenciado nos dias atuais, no momento do intervalo, por exemplo. No recreio, geralmente os alunos se distanciam do olhar dos professores e se distraem com as brincadeiras, o lanche ou as conversas, no entanto, mesmo não estando presente, é o educador quem responde pelos alunos que brigaram, pelos que se machucaram ou que agrediram colegas nesse momento de livre- escolha. Nesse sentido, quando os alunos estão dispersos e não têm uma boa avaliação, a culpa é do professor, que não sabe ensinar; quando os conteúdos abordados não estão de acordo com as concepções do currículo, a culpa é do professor, que não se adapta às diretrizes da instituição; e, quando existe evasão escolar, a culpa também recai sobre o professor, pois este certamente não tem competência para envolver os alunos e assegurar a presença deles na sala de aula. Atrelados a essa grande responsabilização que marginaliza a ação docente, os baixos salários, a ausência de estrutura física adequada, a falta de reconhecimento social e o fato de qualquer pessoa desenvolver essa profissão desmotivam ainda mais os professores. Fato instigador dessa descrença é a formação restrita e fragmentadora tida pela maioria dos profissionais recebem em seu processo educacional, nos ensinos básico, médio, técnico-profissionalizante e, muitas vezes, até na vida acadêmica, e na formação permanente. Estabelecida por uma cultura das universidades, os alunos têm uma carga horária extensiva de conteúdos teóricos e um prática extremamente reduzida, fato que tem gerado insegurança nos graduandos, pois eles têm um tempo limitado para dar sentido ao aprendido, ou seja, para colocar em prática os saberes construídos, situação que se aproxima da realidade encontrada nas instituições de ensino público e privado. Na maioria dos casos, licenciados que pretendem trabalhar com a docência trafegam por áreas específicas do conhecimento, conhecem superficialmente os princípios educativos e, após um curto período de tempo, são pressionados, por ditames sociais, a exercer, o complexo ofício de educar. Esses profissionais, que se engajam na profissão a partir da representação construída ao longo de sua vivência no contexto da prática pedagógica e no processo de escolarização, mas não experienciaram uma formação de qualidade para direcionar, sistematizar e encantar o processo educacional. O fato ainda parece mais complicado quando se leva em conta que o conhecimento é construído enfaticamente no nível conceitual, sendo a prática desenvolvida numa dimensão ideológica e resumida da realidade. No curso de Pedagogia, mais especificamente, curso esse que habilita os sujeitos para exercerem a prática do ensino, a distância entre teoria e prática, entre cognição e afetividade, é algo fortemente perceptível no currículo. Fala-se em história, em filosofia da educação, dialoga-se sobre formação de professores, sobre práticas pedagógicas, no entanto deixa-se de construir esses saberes numa perspectiva ecológica e vivencial, de modo a visualizar-se a compreensão e aproximarem-se os sujeitos do contexto real da docência. Sem falar que esses saberes têm a centralidade focada na prática, e não nos sujeitos que a corporalizam. Nota-se que, por mais que os professores adquiram conhecimentos durante a formação, estes se tornam pouco significativos, pois não se efetivam na prática, ou seja, não são corporalizados em ações que facilitem ou gerem a compreensão. Embora se trabalhe com diferentes disciplinas, fica claro que cada uma corresponde a um território do saber, distante dos demais e sem fronteiras com eles. No ano de 2003, por exemplo, a disciplina Educação Infantil, no currículo da universidade federal onde eu estudava, era uma das disciplinas complementares, ou seja, era optativa. Além disso, não estava vinculada às disciplinas Ensino das Ciências, da Matemática, da História, do Português e da Geografia, realidade, essa, incoerente, pois estávamos sendo formados para promover a educação de crianças, que compreendia os saberes específicos dos níveis de ensino e as diferentes áreas do conhecimento. Diante dessa realidade, me questiono: Se o curso de Pedagogia habilita o sujeito para o trabalho com a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, por que a Educação Infantil é colocada em segundo plano? E os ensinos? por que não há uma relação entre os conteúdos das diversas disciplinas? Estaríamos sendo formados, ou “desformados”? Na realidade, acredita-se que o professor tenha competência e habilidade para gerir uma sala de aula, colocando em evidência os saberes da experiência, os da tradição pedagógica, os curriculares (GAUTHIER, 1998) e espera-se que se adapte ao projeto político, que tenha domínio de sala de aula e conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil, mas, em sua própria formação inicial, não lhe são garantidos esses saberes. Nessa concepção cartesiana, concebe-se o educador como alguém que foi formado para tudo saber: ele planeja, conta histórias, representa, entende das ciências naturais, trabalha a história, é artista, muitas vezes psicólogo. No entanto, os saberes da vida, do ouvir, do indagar, do tocar, do brincar, do sentir (FREIRE, 1996) são esquecidos, como se não fizessem parte da ação docente. Dessa forma, tenta-se viver o que não foi ensinado, tenta-se expressar o que, pela falta de exercício, está apagado. Na verdade, os saberes que nos integram ao ser e a convivência são pouco lembrados; afinal, os professores são concebidos apenas como profissionais, constituídos unicamente da materialidade corporal. A condição humana, o brincar, as limitações e os sonhos são pouco considerados e, assim, os professores deixam de ser formadores e coautores de outras vidas, para se tornarem retalhos da educação. Nesse sentido, embora tenhamos vivido processos formativos meramente instrucionais e os venhamos reproduzindo até hoje, já em meados do século XX percebia-se a necessidade de ressignificar a formação do educador, superando-se a transmissão dos conhecimentos técnicos e investindo-se nos processos de expansão da consciência. Todavia, esse não é um processo simples, exige a coragem de nos defrontarmos com nossos aspectos criativos e sombrios. Conhecer-se implica vasculhar nichos de onde emergem conteúdos confusos contendo falseamentos originados pelo desejo e pelo medo (FURLANETTO, 2003, p. 21). Agora, mais do que nunca, entende-se que conhecimentos teóricos e técnicos não são suficientes para formar um educador sensível e competente; afinal, a ecologia dos saberes tornou-se uma necessidade, uma forma de pensar, de fazer e de ser que prolonga a sobrevivência do humano. Agora se pensa não apenas em uma formação profissionalizante, mas em uma formação em que o sujeito se constitua em sua prática, pela reflexão e pela interação consigo mesmo, com o conhecimento, com a vida e com o outro. Apesar de ser uma necessidade evidenciada atualmente, Freire (1992), já tinha atentado, em seu tempo, para a importância da formação continuada, do autoconhecimento, da autonomia e da vivência consciente do processo educacional. Não basta iniciar o processo: a apreciação é apenas um dos momentos; são necessários a entrega, o aprofundamento, o conhecimento e a consciência dos conhecimentos que nos rodeiam e nos integram. É reconhecendo a importância da infância, a plenitude da criança e a relevância de uma formação humana que estabeleço o seguinte problema de pesquisa: Como o desenvolvimento de um ateliê corpográfico influencia no processo de ressignificação da corporeidade do educador infantil? E que delimito o seguinte objetivo geral: analisar e descrever como a vivência de um ateliê corpográfico cria condições para a ressignificação da corporeidade do educador infantil. Na tentativa de direcionar possíveis caminhos de pesquisa, delimito a seguinte questão de estudo: Quais as implicações da vivência do ateliê corpográfico na vida dos educadores infantis? Tal questionamento leva os sujeitos – neste caso, os professores da Educação Infantil – a repensarem sua atuação como corpos de pensamentos, sentimentos e atuação no mundo, condição essencial e decisiva para a efetivação do processo educacional com sentido e com qualidade. Afirmo isso em virtude de os resultados de uma pesquisa – intitulada “Emoções na sala de aula” –, que realizei no ano de 2005, sobre o trabalho das emoções, com alunos do ensino fundamental, terem demonstrado a pouca incidência de atividades voltadas para essa dimensão, em consequência da falta de preparação dos próprios professores e de reconhecimento de suas potencialidades criativas, intelectivas e sensitivas. No desenrolar dessa pesquisa, pude perceber que os educadores tinham um problema de autoestima, um olhar inexpressivo sobre seus corpos, fato que os distanciava da realidade e das necessidades afetivas de seus alunos (BARBOSA, 2005). Aliada a essa constatação, uma revisão que realizei do acervo de dissertações e teses das maiores universidades do Brasil – Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – demonstrou a singularidade da temática em questão no campo da educação, já que não foram encontradas pesquisas que, trabalhando com a temática da corporeidade de educadores infantis, considerassem suas histórias de vida no processo de formação. Pesquisando a USP, na área de educação, nos anos de 2003 a 2008, encontrei 210 trabalhos: 120 do nível de mestrado e 90 do de doutorado. Destes, 17 se relacionavam à formação de professores, tratando do processo de alfabetização voltado para a prática pedagógica nas áreas específicas do saber, como Matemática e Ciências. Apenas um deles voltava-se para uma formação lúdica, ou seja, indicava o prazer com o qual esse processo pode ser desenvolvido e o significado dele quando trabalhado nessa perspectiva. Tendo como palavra-chave determinante “corpo”, surgiram 4 trabalhos, relacionados à cultura corporal, ao campo da Educação Física e ao trabalho na Educação Infantil, tratando da construção da autonomia a partir do reconhecimento do corpo pelo infante. Em relação à Educação Infantil, a temática foi citada 7 vezes, vinculada aos jogos, à utilização de metodologias, à construção da autonomia infantil e ao reconhecimento da cultura corporal pela criança. Destes, apenas um articulava a subjetividade à ação docente, aspecto explorado em minha pesquisa, já que, para mim, ela compõe, e muitas vezes determina, a forma como o sujeito atua no mundo e como se relaciona com ele. Por fim, identifiquei que apenas um trabalho cita as histórias de vida dos professores, mas este não faz nenhuma alusão ao reconhecimento que o indivíduo faz de si a partir da corporeidade. Na revisão do acervo da USP, encontrei 640 pesquisas – 382 do nível de mestrado e 258 do de doutorado. Dentre estas, 70 faziam referência à formação de professores, nas diversas áreas, no entanto apenas uma trabalhava numa perspectiva de formação humana, ou seja, fazia alusão a outros saberes que não os da profissão docente. Cinco associavam a formação docente com histórias de vida, utilizando memórias, relatos e narrativas. Nesse campo, existem pesquisas relacionadas com a Educação Infantil, no sentido da formação do professor para atender as especificidades do infante. Correlacionadas, ainda, a esse nível de ensino, algumas pesquisas trabalhavam com a avaliação, discutiam o projeto político-pedagógico, a maioria focando a criança e o trabalho que o professor deve desenvolver com ela. Nesse universo, 8 incluíam o corpo, estando relacionadas à área da Educação Física, ao trabalho com a literatura e a expressividade, ao imaginário, bem como a sua utilização como linguagem e arte. Tendo como palavra-chave corporeidade, havia dois trabalhos, mas estes tinham objetivos distintos do meu, pois se desenvolviam na perspectiva da música e da motricidade. Ampliando essa revisão para além dos muros das universidades, busquei investigar a existência de pesquisas que se aproximassem da que estava desenvolvendo, em um periódico de reconhecimento nacional conhecido como Revista Scielo. Nela, encontrei 170 artigos vinculados à problemática da educação; mas destes, apenas 1 falava sobre autoformação, e 5 se relacionavam com o período da infância e voltavam o olhar para a criança. Ainda havia trabalhos que relacionavam histórias de vida e formação de professores, corporeidade e marxismo. Ao longo dessa revisão, percebi que, quando se fala em formação de professores que trabalham com Educação Infantil, as questões levantadas voltam-se, em sua maioria, para o desenvolvimento da criança, o aperfeiçoamento de metodologias para se trabalhar com elas e a organização do espaço para recebê-las. Fala-se também sobre os professores, sobre a necessidade de bem formá-los, mas essa preocupação se restringe à atuação desses sujeitos na sala de aula. Assim, o professor conscientiza-se de seus inúmeros deveres, mas sua participação termina sendo para a execução de tarefas. Pouco se pergunta sobre o percurso desse educador até o momento que ele está vivendo e se ele leva esse percurso em consideração. E, quando isso é feito, ou seja, quando se consideram as histórias de vida desses profissionais, elas são apenas relatadas. Dessa forma, o professor permanece descrente de si, por uma falta de estímulo e de reflexão sobre suas potencialidades. Defendendo, pois, a formação humana desses docentes infantis, um processo em que eles se percebam como corpos atuantes, dotados de sensibilidade e capazes de, vivendo, expandir sua essência, algo que os faça seres ainda mais comprometidos consigo mesmo, com o outro e com a vida. Para corporalizar o que estou defendendo, apoiei-me nos seguintes pressupostos: • educação como prática libertadora de formação que elucida o homem em sua existência, por meio da sistematização de conhecimentos, da experienciação de saberes, do desenvolvimento de habilidades e de redes de interações, preparando-o para a atuação consciente, ética, solidária e transformadora no mundo (FREIRE, 1996); • pensamento ecossistêmico como o pensamento dinamizador da vida, construído a partir da diversidade de conexões, das interações e do fluxo energético, que, considerando os aspectos culturais e biológicos, compreende de forma dialógica, hologramática e complexa a realidade humana (MORAES, 2004); • corporeidade como campo energético formador, que, no cenário educacional, apresenta-se como foco irradiante e estruturador do ser aprendente, na medida em que, trabalhando com a filosofia do corpo, a experienciação dos sentidos, a motricidade, a vivencialidade dos conceitos e espiritualidade, revela o humano em sua complexidade e plenitude (ASSMANN, 1998); • formação docente como processo constitutivo subjetivo no qual o sujeito, refletindo e experienciando fatos da vida, sua autobiografia, em diferentes tempos, caminha para si, reconhecendo-se como ser histórico de potencialidades, reconstruindo sua identidade intelectiva e afetiva e autoproduzindo sua existencialidade. (JOSSO, 2004) Esses pressupostos me deram subsídios para investigar a temática e me possibilitaram vivenciar o processo prazeroso e criativo de pesquisar, dando sentido à questão de pesquisa que norteia esta dissertação.   2 A C OREOGRAFIA DOS RETALHOS NA F M ORMAÇÃ as depois ponto canta marg O HUMA se juntava a , pingo a pi ndo pelas p ens, ficand Ana NA outros fios ngo, seguia edras, acar o cada vez Maria Mac . E ponto a em frente, inhando as mais forte. hado, 1998 2.1 O RETALHO DA EDUCAÇÃO LIBERTADORA: OS PRIMEIROS PASSOS PARA A FORMAÇÃO HUMANA No percurso de nossa existência, aprendemos para sobreviver e ensinamos para prolongar e disseminar vida. Agimos de acordo com nossos instintos, buscamos suprir nossas necessidades, desenvolvemos nossos sentidos, construímos relações, vivemos diariamente o processo educativo. Realizamos atividades, organizamos planejamentos, criamos nossos projetos, que são políticos, porque estão envolvidos por um desejo, por um ideal, e revelam um quê de pedagógico, pois apresentam uma forma a ser posta em evidência, podendo ser utilizados como modelos a serem seguidos para o desenvolvimento de algo. E assim experienciamos a educação de maneira consciente e inconsciente. Em nossa vida cotidiana, tecemos diferentes saberes, para conquistar e acolher o outro, para realizar nossos sonhos. Estamos sempre sendo formados pela circularidade dos processos e pela complexidade dos sujeitos que nos envolvem. Aprendemos a pedir, a chorar, para sensibilizar e para enganar. Aprendemos a falar, a articular palavras de carinho e de ofensa. Criamos novos instrumentos para nos apropriarmos das coisas e dos espaços. Observamos, experimentamos, escrevemos, fazemos discursos e elaboramos projetos desafiadores. Ensinamos a tocar, a brincar, a comer, como também ensinamos regras, comportamentos, e assim – tocando, sentindo, olhando, ouvindo – nos relacionamos com nosso ambiente e nos construímos. Mas, se vivemos esse processo educativo desde o momento em que somos gerados, quando nos damos conta da complementaridade entre as partes e o todo, entre a mulher e o homem, entre os pais e filhos, entre a placenta e o feto, por que é tão difícil desenvolvê-lo com consciência e afeto? E se a educação se constitui na vida e com vida, por que não somos capazes de, nas carteiras escolares, corporalizá-la dessa forma? Existiria um lugar específico para se fazer educação? Sabemos que ela é uma prática social; no entanto não deveríamos primeiramente entendê-la como um processo biológico, que nasce nas estruturas do ser humano, fazendo parte de sua organização? Enfim, será que realmente compreendemos esse fenômeno? Somos capazes de percebê-lo como um sistema no qual o aprendente – professor, aluno, profissional ou familiar – é trabalhado em toda a sua inteireza? Alimento do corpo e da alma, alicerce para a compreensão, processo socializador e dinamizador da vida humana, é a educação é importante retalho na confecção da vida. Reconhecida como direito do cidadão e necessidade básica do homem, a educação, se compreendida como processo formativo, não meramente instrucional, garante a sabedoria, clarifica a existência, revelando a beleza do aprender e do ensinar. Conforme rege a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a educação, assim como a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, é um direito social que deve ser garantido a todos. Dessa forma, a primeira compreensão que precisamos ter é que, quando falamos em educação, nos referimos a um processo necessário ao desenvolvimento do homem que lhe é garantido na forma de direito, sendo, portanto, dever do Estado e da família realizá-lo com qualidade. A educação se faz com o conhecimento e desenvolve-se pelo desejo de conhecer. Este, por sua vez, é entendido como a forma por nós encontrada para desvendarmos o mundo a partir dos saberes que experienciamos. É , portanto, o significado atribuído ao que vemos, ouvimos, tocamos, sentimos. Conhecer é “curiosear” o espaço e as pessoas, enveredar pelo tempo e fazer-se presença em si mesmo e no outro. É trocar saberes, partilhar experiências, viver com alegria o processo de ensinar e aprender, de desbravar o novo, de transformar o passado, de não temer o incerto, de buscar certezas em territórios de incerteza. O processo de conhecer – é muito mais amplo do que a concepção do pensar, raciocinar e medir, pois envolve a percepção, a emoção e a ação, tudo que constitui o processo da vida, como elementos fundamentais constitutivos da dinâmica da vida (MORAES, 2003, p. 47). Conhecer e educar são processos que se complementam e nutrem-se mutuamente. Constituem-se a partir das relações, da comunicação e da recursividade e plasticidade das coisas e das pessoas. Ambos dinamizam a vida humana, pois promovem um constante crescimento, ampliam as possibilidades, além de alargarem as fronteiras da existência. Com eles, as diferentes dimensões do homem são ativadas, na busca de uma organização interior relacionada ao mundo exterior, ou seja, em favor da autoprodução humana. “Implicam, portanto, a corporeidade humana, as relações do individuo consigo mesmo, com o outro, com a natureza, com a cultura e com o contexto” (MORAES, 2003, p. 115). Segundo a teoria biológica do conhecimento, defendida por Humberto Maturana e Francisco Varela (2001), para viver o conhecer e efetivar a educação necessitamos compreender o ser vivo como unidade sistêmica. Uma unidade que se constitui da união de estruturas, da relação que essas estruturas estabelecem com o meio, para a manutenção e a evolução da organização. Para esses pesquisadores, estrutura e organização são dimensões fundamentais do ser vivo, pois são elas que mobilizam os corpos, permitindo que eles aprendam e se reconstruam com cada experiência vivida. A primeira estrutura compreenderia as substâncias, a energia, a matéria, bem como as relações estabelecidas entre esses aspectos; e a organização, o resultado da articulação entre as estruturas e o meio, que constituem o tecido vivo. Em sua obra Árvore do conhecimento, Maturana e Varela (2001, p. 54) esclarecem: Entende-se por organização as relações que devem ocorrer entre os componentes de algo, para que seja possível reconhecê-lo como membro de uma classe específica. Entende-se por estrutura de algo os componentes e relações que constituem concretamente uma unidade particular e configuram sua organização. Para melhor entendimento, em nossa realidade as estruturas corresponderiam às linhas, agulhas, carretéis, e a organização à colcha de retalhos. Ou seja, o sistema é construído a partir do movimento gerado pelos diferentes instrumentos e procedimentos desenvolvidos para a confecção da colcha. Nesse movimento de interações, interconectividade e dinamicidade, estrutura e organização são modificadas, adaptando-se e reorganizando-se a partir do que vivenciam. Transformações são experienciadas, de maneira flexível e recursiva, pois disso depende o sistema vivo. Assim, estrutura e organização se mantêm em contínua mudança de estado, mudança que resulta das interações com o meio e que, para Moraes (2003), implica transformações materiais e energéticas, que conservam a organização. Como se pode observar, essa teoria evidencia a necessidade da interlocução entre a estrutura e a organização do ser vivo e do ambiente, pois ambos se constituem e integram-se, numa relação de complementaridade. Embora necessária, nem sempre essa conexão é realizada de maneira qualitativa. Defendo que, para evidenciá-la, os sujeitos necessitam estar sensibilizados para o processo de aprendência (ASSMANNN, 1995), de ser-conhecer- conviver, bem como compreender o ato de conhecer como um processo biológico complexo, que se expande por meio da educação, pela qual o homem se desenvolve, evoluindo como ser histórico, político, social, biológico, energético e espiritual, um ser autopoiético, que vive sua autopoiese de maneira consciente e reflexiva. Compreendo que viver a autopoiese significa experienciar a transformação. Abrir-se para as experiências e, com elas, acrescentar algo a sua composição, ou desta retirar algo, num processo constante de refazer-se, que é inerente aos seres vivos. O que queremos dizer é que a autopoiese não é evidenciada durante um momento específico da vida humana: ela acontece cotidianamente, sempre que conhecemos, externalizamos ou aprendemos algo sobre o mundo, quando interagimos com ele ou refletimos sobre ele. Assim, a autopoiese é um processo estruturante do ser, evidenciado biologicamente, historicamente e socialmente, no qual o sujeito, reconhecendo sua natureza sistêmica- organizacional, conhece a si, ao outro e ao mundo, reinventando sua própria existência. (MATURANA; VARELA, 2001, MORAES, 2004, BARBOSA, 2008). No caso dos homens, pode-se considerar que a autopoiese já é experienciada quando o próprio sujeito é gerado, porque existe uma preparação entre diferentes estruturas que englobam três organizações – a mãe, o pai e o feto. Nesse momento, os organismos se preparam e vivem transformações, o que os obriga a passar por um processo de desconstrução e construção de uma nova realidade. Aqui, as marcas são percebidas: as organizações agora apresentam algo em comum, existe uma complementaridade, algo que conecta umas às outras e todas ao meio. Somos seres autopoiéticos e, como tais, devemos mobilizar os conhecimentos, os saberes, de maneira que esse processo possa ser evidenciado com mais envolvimento. Assim, é importante que o processo do conhecer seja envolvente e criativo, um processo que estimule a autonomia do homem e faça dele um ser consciente de suas possibilidades de adaptação e transformação. O aprender tem a ver com as mudanças estruturais que ocorrem conosco envolvendo processos auto-organizadores que implicam a totalidade do ser, mudanças estas congruentes com a nossa história de vida, com as histórias de nossas interações (MORAES, 2003, p. 115). Admito que o ser humano é um ser autopoiético e que o conhecer é fator desencadeador desse processo. Isso significa que acredito que a educação também se constitui em processo autopoiético, pois ela envolve esse ser e desenvolve-se na medida que ele busca interagir e compreender sua natureza e seu espaço de vida; ou seja, a educação proporciona ao sujeito vivenciar diferentes experiências e aprender com elas, olhando para si, para as coisas que o rodeiam e que o compõem. A educação é um aspecto fundamental para esse processo constante de organização do humano. Ela expande as possibilidades de ação, abre caminhos, ressignifica a existência, fazendo com que o homem se coloque como aprendente que pensa, age, trabalha, reproduz, cria e constrói diferentes realidades. Segundo a Lei de Diretrizes e Base da Educação, de 20 de dezembro de 1996, a educação abrange os processos formativos, que são primeiramente organizados na família e, posteriormente, no trabalho, nas instituições de ensino e na sociedade civil, abarcando as diferentes instâncias que compõem a trajetória de formação humana. Ainda segundo a referida lei, essa trajetória regida por princípios garantem a igualdade de condições de acesso, a liberdade no processo de ensinar, a pluralidade e diversidade de ideias, o respeito ao indivíduo e a qualidade. Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996, p. 1). A educação vincula-se, dessa forma, à formação do sujeito para a vida em toda a sua inteireza, envolvendo o desenvolvimento de habilidades e a competência desse ser no mundo. Realiza-se na biologia do amor, sendo corporalizada no momento em que o outro é reconhecido em sua essência e integralidade, e ambos tornam-se capazes de transformar suas realidades. Requer a aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes, a qual, como revela Moraes (2006, p. 111), é “um processo que se estabelece no viver”. Aqui, pensar em educação significa abrir-se para o espírito questionador que habita o humano e investigar seu verdadeiro propósito. Significa adentrar no mundo reflexivo das indagações e buscar caminhos possíveis e significativos para a corporalização prazerosa desse processo bem como para a resolutividade de perguntas ainda não respondidas. Entre as diferentes teorias que subsidiam a questão da educação, suas formas de desenvolvimento e a forma de compreendê-la, é comum ela ser compreendida como um processo que envolve, a partir da interlocução dos sujeitos, o ensino e a aprendizagem de diferentes conhecimentos. É um movimento político, filosófico, pedagógico, cultural de ensinar e aprender no qual teoria e prática apresentam-se de maneira entrelaçada, nutrindo-se mutuamente (FREIRE, 1996). É uma prática formativa na qual se evidencia o desejo de favorecer o desenvolvimento de si mesmo e o do outro, por meio do conhecimento, das interações e das vivências cotidianas. Revela-se como ato de doação efetivado pela partilha do saber, em que o sujeito vivencia sua lapidação. Embora, para alguns, a educação represente um fardo, devido à responsabilidade, à dificuldade de recursos pessoais e materiais, nessa pesquisa ela é percebida como o ofício da beleza, o caminho da humana docência (ARROYO, 2008), o lugar onde o homem nasce novamente para mundo, pois redescobre sua forma de conhecer, compreender e atuar na vida. Trata-se de um processo formativo, que sendo biológico, depende das redes neuroniais, mas não se restringe à dimensão intelectiva. A educação extrapola a visão cartesiana, abarcando a complexidade do saber, das relações, da expressão. Envolve os sentimentos, a percepção, a intuição, a curiosidade, o afeto! Rompe com a “disciplinarização” e considera alunos e professores como aprendentes, expectadores/construtores da existência. A educação se compromete, portanto, com a formação humana, requer uma aprendizagem significativa e ajuda a libertar o homem da ignorância (FREIRE, 1999). Com ela, busca-se o desenvolvimento do homem como pessoa capaz de ser cocriadora de um espaço de convivência no qual os sujeitos apresentam autonomia para refletir, para atuar e para transformar sua realidade (MATURANA, 2000). Apesar de vivermos essa educação democrática, de compreendê-la como direito de todos, nós que trabalhamos na educação sabemos que, da forma como ela vem sendo compreendida e desenvolvida, torna-se cada vez mais difícil assegurar esse direito ás crianças, jovens e adultos. As dificuldades a serem enfrentadas são diversas, como revela minha história de vida: a falta de conhecimento e reconhecimento, a descrença na profissão, a “disciplinarização”, a omissão, e a opressão e, principalmente, a fragmentação evidente nos processos educacionais. São linhas que não se unem, nós que comprometem o fluxo da aprendizagem e que minimizam o potencial do tecido humano. Dessa forma, embora nossa Constituição admita como princípios a igualdade de condições para o acesso à educação, a liberdade nos processos de ensinar e de aprender, de pesquisar e de divulgar a arte e os demais saberes, bem como defenda o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, o que se vê é uma crescente uniformização de saberes e práticas e o desenvolvimento de uma cultura massificada, que ignora o humano, deformando seus contornos, sua maneira de agir e de colocar-se no mundo. Com tal uniformização, alunos, professores, profissionais e demais aprendentes têm se tornado repetitivos, pouco reflexivos, perdendo, muitas vezes, a sua plasticidade, sua arte, como ser que cria e constrói. Para mim essa realidade revela um exacerbado comprometimento com os aspectos teóricos da educação, no que tange ás bases filosóficas, sociológicas e pedagógicas, ou seja, com as epistemologias e os paradigmas que envolvem o desenvolvimento desse processo, em detrimento das práticas que o corporalizam, o caracterizam e o definem. O resultado disso é: currículos elaborados de forma sistemática, mas pouco funcionais, em virtude da distancia que existe entre a proposta e o contexto no qual serão efetivados; professores especializados, conhecedores das distintas áreas do conhecimento, mas pouco conhecedores de si mesmos, de sua essência, da própria identidade pessoal; e alunos insatisfeitos, buscando sentido para o que aprendem nas instituições de ensino, pois da forma como lhes é demonstrado o conhecimento, não parece ser possível utilizá-lo na vida cotidiana. Na realidade, parece que, descobrindo-se o fio da informação, passa-se a acreditar que ela sozinha seria suficiente para tecer o processo educativo. E isso tem feito de nossa educação um processo de lacunas e incoerências. Não obstante, tentamos construir redes, mas esquecemos que, para elaborá-las, é necessário reunir cores, efetivar relações, encurtar distâncias e compreender-se na diferença. É necessário, ainda, viver a individuação num contexto de pluralidade, de partilha e comunhão de saberes e afetos, para que bordemos com beleza a teia do conhecimento, o qual, para mim supera a simples informação, sendo a base da educação e da formação humana. Compreendida e exercitada de maneira equivocada, a educação tem afetado o equilíbrio físico, motor e psíquico das pessoas, deixando corpos reprimidos, mentes inquietas, gerando descontentamento e uma ausência quase total do sentimento de alegria nas instituições de ensino. Nessa perspectiva, sinto a urgência de transformarmos nosso contexto educacional, assegurando ações de solidariedade, compromisso e amor ao ofício. Para isso, se desejamos corporalizar a educação planetária, pautada em atitudes de respeito, autonomia e prazer, é preciso superarmos a “disciplinarização” e a fragmentação do conhecimento, ou seja, o retalhamento das disciplinas, que até agora só tem dificultado a elaboração das relações e o desenvolvimento da educação complexa, que religa os saberes sem aprisioná-los. Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando que a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida, e não atrofiada (MORIN, 2006, p. 16). Assim, é indispensável considerar as aptidões humanas, para contextualizar os saberes, para organizá-los de maneira a promover a elucidação e, fundamentalmente, para gerar o sentido da existência. Trata-se de aprimorar o processo que Morin (2006) denomina de “serendipidade”, ou arte de transformar detalhes em aspectos formadores e transformadores da história, o que significa exercitar a criatividade em prol de uma aprendizagem do bem-estar e da qualidade, um processo que impulsiona o desenvolvimento do espírito problematizador, que busca a beleza e a plenitude da vida. Nesse sentido, embora nossa educação ainda esteja centrada na apreensão de conteúdos de áreas específicas como matemática, português, história e geografia, é nas linhas, pontos e contrapontos que vivenciamos a verdadeira educação, ou seja, educamos e somos educados quando perguntamos, nos tornamos investigadores, nos preparamos para receber o outro, estabelecemos parcerias, ouvimos, escrevemos nossas histórias bordando como cidadãos nossa exitência no mundo. Assim, a educação é algo que se faz pela vida, por meio da reunião de pessoas e coisas, de pensamentos, sentimentos e ações. É um processo que demanda tempo, e que utiliza diferentes dimensões do humano. Viver essa educação significa, primeiramente, entender seu objetivo: orientar o sujeito, proporcionando um estado de plenitude, algo que o faça perceber-se como ser, dentro de um contexto de vida maior. Um processo que exige conhecimento e, sobretudo, sabedoria, ou seja, a prática, a vivência desse saber de maneira lúcida. Significa ainda, pensar nos sujeitos que dela fazem parte como indivíduos complexos, de habilidades próprias e experiências solitárias. Seres que necessitam de um reconhecimento profundo de si mesmos, de sua essência e do outro, aquele que é coparticipante em sua constituição. Nela, se faz necessário o desenvolvimento dos sentidos e da percepção, a materialização e a sensibilização do corpo, o que, para os seres vivos, funciona como instrumento de apreensão e de participação no mundo. Não somente pensar nas concepções que norteiam a educação, nos sujeitos: é essencial pensar e vivenciar formas de construir esse processo, por intermédio de técnicas e instrumentos de ensino, de maneira lúdica e criativa, numa mudança de pensamento, de linguagem e de postura, alegrando, reencantando o momento de aprender. Esse precisa ser um instante em que se favoreça o crescimento e a maturidade, desenvolva-se o conhecimento e se estimulem as relações interpessoais, em que seja possível sentir a ética e enfrentar a incerteza. Segundo Espírito Santo (2008, p. 66), “a recuperação da sensibilidade perdida é tarefa inadiável hoje no processo educativo, em qualquer grau ou instância”. A incerteza a que me refiro não é aquela que assusta e que nos leva à incompreensão, mas uma dúvida que nos faz buscar estratégias criativas, que nos encaminha para o conhecimento de diferentes contextos e nos distancia de verdades absolutas levando-nos a explorar com curiosidade e comprometimento nosso cotidiano. Dessa forma, lutamos para desenvolver uma educação da efervescência, de luz própria. Sendo assim educar significa abrir espaço para questionamentos, para as diversas maneiras de se perceber a realidade e de se indagar sobre ela. Com a educação, os sujeitos tornam-se ainda mais capazes de elaborar, desafiar, criar e construir, planejar o possível e imaginar o impossível, entregando-se ao processo que Dowbor (2008) denomina de “curiosear”, que se relaciona diretamente com a capacidade de imaginar, de sonhar, envolvendo os aspectos simbólicos da estrutura humana: Sem imaginação, a capacidade de sonhar roda ladeira abaixo sem nada que a detenha para lhe dar forma. Sem imaginação, não conseguimos nos colocar no lugar do outro para ousar, sentir o que ele sente, para ousar trocar de lugar com ele. Sem imaginação, nossa capacidade de brincar, de olhar, de sentir, fica limitada e perde a capacidade de alçar vôo. Só vemos o que é possível ver, o interessante é poder ver o que não dá para ser visto (DOWBOR, 2008, p. 26). A imaginação, os sonhos, os ideais vivificam a educação. Permitem que saiamos dos lugares que ocupamos para patamares mais elevados. São eles que medeiam o desejo de conhecer e de tornar realidade, estimulando a busca pelo saber e pelo aprender. São impulsionadores das mudanças, mobilizadores de corpos e requisito essencial ao processo de apreensão do vivido. Nesse processo formativo, a escuta também se configura como importante recurso de mediação e construção. É por meio dela que os sujeitos imbricados no processo de ensinar e aprender criam seus espaços de conhecimento do outro, do ambiente e experienciam a autoformação. Apesar de necessária, a cultura do ouvir ainda é pouco exercitada. Na maioria das vezes, no espaço escolar e institucional somos orientados a falar e quase nunca direcionados para a prática da escuta. A própria história da educação demarca esse fato, ao apontar, nas estruturas curriculares a preocupação com o ensino da oratória. Em contrapartida, nelas não havia nenhuma referência à escuta. Esta, pela forma como foi trabalhada, tornou-se aspecto desnecessário, fato que hoje nos caracteriza como uma sociedade de poucos sentidos. Na realidade, parece evidente que as pessoas não têm tempo nem disponibilidade para parar e ouvir os sons do mundo, escutar o que e como a alma fala. Nosso corpo fala, mas não escutamos; as pessoas contam para nós suas histórias e estas passam despercebidas, muitas vezes porque nem sabemos escutar. Vivemos em busca de um tempo, corremos para esquecê-lo e também para alcançá-lo, e, assim apressamos o passo, desviamos da rota, enchendo-nos de nós mesmos. Permanecemos cegos, sem tempo nem condição para construir o espaço interno de escuta de nós mesmos e do outro (DOWBOR, 2008). O que defendo é que, sem escuta, não existe educação, pois sem ela não há o outro e sem parcerias tornamo-nos vazios, ou seja, sem a escuta, o trabalho é dificultado, pois as relações terminam sendo comprometidas. Vale ressaltar que, quando falo em escuta, não me refiro apenas à capacidade auditiva do homem de identificar e distinguir os sons das coisas, os instrumentos e notas musicais. Falo de um tempo do ouvir, da sensibilidade de escutar o que nem sempre é dito, pronunciado, mas que precisa ser percebido, sentido. Falo sobre o escutar a vida. Dessa forma, acredito que, no ofício de ensinar, é preciso exercitar simultaneamente, e com a mesma intensidade, a fala, a escuta e a escrita, pois, com as três corporalizadas, efetivamos o diálogo, mediamos trocas, produzimos espaços internos de compartilhamento, registramos fatos, dispondo-nos a experienciar o mundo de diferentes formas. A educação é também um momento em que marcamos o corpo do outro, quando paramos para ouvir o que o conhecimento, o professor, os colegas, os familiares e nosso próprio corpo fala. Aliadas a esse processo de escuta, as perguntas também compõem o cenário educacional. Com elas, o homem problematiza sua existência, questiona sua realidade e distancia-se da cegueira provocada pela falta de conhecimento ou pelo decreto de verdades absolutas. A pergunta está envolta em uma atmosfera de transformação, permeia o processo de descoberta e, portanto, de conhecimento, pois possibilita ao sujeito vivenciar momentos de observação, reflexão, avaliação e ação. Para desenvolvê-la, não basta apenas formular hipóteses, criar problemas a serem investigados; É preciso corporificar o espírito pesquisador e investir em relações de confiança e de reciprocidade; dessa forma, tornamo-nos capazes de externar nossas dúvidas, nossos anseios, nossos desejos, sem medo de errar e sem sentir culpa pelo impulso transformador que é evidenciado. Dessa forma a educação deve assegurar ao sujeito o direito de se sentir aprendente, aquele ser que vive constantemente a dinamicidade do aprender. A pergunta, nesse caso, auxiliará no desvelar desse processo, permitindo que o aprendente reflita sobre seu papel, sua prática, e busque possibilidades para formalizar novos achados, questionar o lugar em que habita, reformular sua própria organização, contextualizando, de forma reflexiva, sensitiva sua vida. Perguntas ajudam a perceber as coisas, rever relações; elas tecem o caminho de nosso diálogo com o mundo. A experienciação do processo de construção da pergunta, por conseguinte, da criação do espírito pesquisador, do espírito conhecedor, implica uma preparação para o outro. No contexto educacional, isso também é pouco vivenciado, pois, conforme revela Delors (2006), dentre os quatro pilares da educação – conhecer, fazer, ser e conviver – os mais explorados são os que envolvem habilidades e procedimentos, ou seja, os dois primeiros, ficando os últimos – a subjetividade, as relações e a leis da convivência – em segundo plano. Assim sendo, por concentrarmos a educação nos princípios profissionais e técnicos, torna-se mais importante investir em capacitações e especializações do que em momentos reflexivos e interativos em que se discutam as relações, as experiências e em que diferentes sujeitos, professores, alunos ou funcionários se aproximem do outro, respeitando seu legítimo ser, e repensem sobre sua própria existência. Contrapondo-me a essas concepções que subestimam a subjetividade, em favor de uma cientificidade fria e rígida, acredito na educação e em concepções pedagógicas que consideram o sujeito em sua complexidade e buscam nas histórias de suas vidas o fio condutor da aprendizagem, e da comunicação com o mundo. Defendo uma educação que valorize a sensibilidade, que se mova pelo diálogo, efetive-se pela fala e escuta, perguntas e criação, razão e emoção. Uma prática em que alunos e professores sejam questionadores da existência, que cultivem a ética, o respeito à unidade e à pluralidade das coisas. Um processo em que os ouvidos, a boca, as mãos possam sentir e agir, e o corpo seja o mediador da prática do ensinar e do prazer de aprender. Segundo Freire (1996), um processo pelo qual o humano se construa a partir do que vivencia com o mundo, com o outro e consigo mesmo, de maneira libertadora. Nessa educação libertadora, professores e alunos cumprem a dialética do ensinar e aprender de forma concomitante e mútua. São parceiros no processo de apreciação, no olhar, no tocar e perceber o mundo. Nela são experienciados diferentes papéis, e ambos professor e aluno utilizam-se de diversificadas lentes para olhar as coisas do mundo. Existe uma continuidade em relação ao processo educativo iniciado no âmbito familiar, pois se acredita que sendo a educação um fenômeno complexo e de vida, não pode ser restringido ou minimizado em espaços pré-estabelecidos; é necessário que ela seja acessível e democrática. Desse modo, a educação libertadora revela a essência humana, sendo determinante para o desenvolvimento pleno dos sujeitos. Seu objetivo é encaminhar as pessoas para viverem sua humanidade com consciência e sensibilidade, identificando em si mesmas e no outro os aspectos que compõem sua objetividade, necessária à resolutividade e à funcionalidade da vida e a subjetividade, que revela a alegria, a beleza e o prazer, que dão sentido a nossa existência. Liberto-me e liberto o outro no momento em que me possibilito viver com autonomia. Quando me permito e proporciono a recriação pessoal e coletiva, estimulo a superação dos limites e assinalo a necessidade de mudança, bem como, quando sou capaz de perceber o outro como ser de habilidades, dotado de razão, emoção, corpo, espiritualidade, e ao trabalhar com a beleza da dialética não a torno conflitante e incoerente. Ao contrário disso, a libertação promovida pela educação surge com o equilíbrio, com a coerência, com a presença que permite o caminhar e com a ausência que não permite esquecer, “nunca demasiado presente para retirar o espaço do outro, porém nunca demasiado ausente, que não consiga marcar o corpo do outro” (DOWBOR, 2008, p.65). Partindo dessa concepção de educação, acredita-se ser possível o desenvolvimento dessa prática e a corporalização de uma educação libertadora, no entanto não podemos nos prender aos discursos e permanecer como espectadores do processo educacional. É preciso que adentremos no mundo das novas teorias, abracemos o conhecimento com sabedoria, reformemos o pensamento e, sobretudo, que apostemos em formas de trabalho que valorizem a integralidade do ser aprendente, a interconectividade dos saberes, ou seja, que apreciemos a transdisciplinaridade e nos comprometamos com ela. 2.2 O RETALHO SISTÊMICO: RITMO PARA OS PASSOS DA FORMAÇÃO Conforme revela Morin (2006), para tornar possível o desenvolvimento da educação que trabalha o ser em sua inteireza, como sistema autopoiético, considerando as interações do sujeito com o conhecimento e com o mundo, é necessário reformar o pensamento. Afinal, apesar de defendermos uma educação do sentimento, sem o pensamento não conseguimos iniciar as experiências que vivenciamos e dar continuidade a elas. É o pensamento junto com as emoções que direcionam nossa existência. É ele que nos permite projetar situações, criar estratégias para a resolução dos problemas, que nos possibilita o devanear com os sonhos e a construção simbólica da vida. O pensamento aponta os caminhos possíveis de serem percorridos, e as emoções nos movem, fazendo-nos viver essa trajetória. Nesse sentido, precisamos reformar o pensamento, para fazer emergirem novas idéias e fazer florescer novos paradigmas. Precisamos nutrir nossa razão com poesia e prazer, para que possamos construir novas linguagens e corporalizar renovadas ações, pois, assim, poderemos vencer a fragmentação e o isolamento ensinado nos longos anos em que vivemos nas instituições de ensino. Na escola primária nos ensinam a isolar objetos (de seu meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de reconhecer suas correlações) e dissociar os problemas, em vez de reunir e integrar. Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, a separar o que está ligado, a decompor e não a recompor e a eliminar tudo que causa desordens ou contradições em nosso entendimento (MORIN, 2006, p. 15). Em nossas histórias e no próprio percurso educacional, a prática da descontextualização e da hierarquização do conhecimento, revelada na perspectiva tradicional-cartesiana de ensino, alimentou e marcou nossos corpos, tornando-nos seres inertes, no que diz respeito a nossas próprias possibilidades. Foi-nos dificultada a articulação dos saberes e, com isso, minimizamos nossa capacidade de pensar e resolver problemas de maneira reflexiva e solidária. Como resultado final, “não conseguimos integrar nossos conhecimentos, para a condução de nossas vidas” (MORIN, 2006, p. 17). Dessa forma, quando sentimos a necessidade de modificar nossa realidade pessoal e profissional precisamos vivenciar o processo de transformação do pensamento, para que nossas ações possam conduzir-nos de uma forma diferente daquelas como fomos marcados, ou daquela como os fios foram tecidos em nossa colcha existencial. Falo, então, de uma reforma do pensamento que permita o emprego da inteligência com plenitude, capacidade resolutiva e integradora; uma reforma que encaminhe para a formação de uma “cabeça bem-feita” (MORIN, 2006). Para isso, encorajar, incentivar para a curiosidade, a experiência são tarefas fundamentais na construção da coerência na vida. Elas ajudam no processo de organização interna do conhecimento, impedindo que ele seja apenas acumulado de maneira incoerente e estéril. A organização do pensamento gera aptidão para a contextualização, para exercer movimentos integralizadores e complexos, permitindo a emergência de um pensamento ecologizante, que é denominado por Moraes (2004) de pensamento eco-sistêmico, o qual considero um dos aspectos mais necessários para a corporalização de um novo paradigma educacional, para a vivência plena da transdisciplinaridade. O pensamento eco-sistêmico é um pensamento que se efetiva por meio das relações entre fenômenos, sujeitos e seus contextos, nutrindo-se da reciprocidade entre esses elementos. Um pensamento unificado, que permite o diálogo entre singularidade e diversidade, ciência e poesia, corpo e alma, tecnologia e natureza. Constitui-se como base do paradigma ecossistêmico, com o qual se vivencia a incerteza com lucidez, compreende-se a diversidade, valoriza-se a criatividade, o que se constitui em processos auto-organizativos da vida. Estabelece-se por meio de redes de conhecimento e interações entre homem e natureza, superando o paradigma tradicional de educação, que desvincula e inibe a contextualização dos saberes. O paradigma tradicional, simplificador, continua configurando o lado paralisante e imobilizador das atuais propostas educacionais que ainda predominam nas nossas escolas, apoiadas no positivismo, no behaviorismo, no mecanicismo, caracterizados do pensamento mais tradicional em educação (MORAES, 2004, p. 47). O rompimento com a fragmentação, com a hierarquização do saber, e com a dissociação entre aprendizagem e vida justifica a adoção desse pensamento epistemológico como força motriz da pesquisa e da formação humana do educador infantil. Contextualizador, o pensamento eco-sistêmico une sujeito e objeto, colocando-os na posição de aprendentes em desenvolvimento. Com esse pensamento consolidamos a ideia de que a aprendizagem não pode ser construída com imposições do ambiente exterior, dependendo da organização interior do sujeito e da relação desta com esse lugar. Além de fazer emergir a dimensão biológica da construção do conhecimento, o pensamento eco- sistêmico proporciona a renovação de valores, na medida em que valoriza a convivência, as trocas com o ambiente natural e o autoconhecimento. Esse pensamento nos impulsiona a desenvolver uma inteligência coletiva, que ajuda a responder aos desafios, fazendo com que se encontrem soluções que beneficiem um maior número de pessoas. Trata-se, principalmente, de um pensamento que, sendo corporalizado, revitaliza os ambientes educacionais. Compreendendo, portanto, o processo de ensino e de aprendizagem de maneira interativa, resultante do acoplamento entre sujeito e meio, esse pensamento revela a beleza desses processos distanciando-nos das repercussões e sequelas que, ao aprisionarem nossa corporeidade, afetaram a forma de nos colocarmos no mundo. Nesse sentido, adotar o pensamento eco-sistêmico significa promover o encantamento da educação, reviver a paixão pela diversidade e propagar o respeito e a liberdade. Significa corporalizar uma nova forma de agir, de fazer a educação. Uma educação que não se restringe às questões do conhecimento e da aprendizagem, que vai além dos aspectos pedagógicos, pois trabalha aspectos essenciais para a sobrevivência humana. Além dos aspectos pedagógicos, precisamos, com urgência, incentivar um maior respeito pela condição humana, compreender o direito de cada ser que habita este planeta, incluindo os direitos da terra como organismo vivo (MORAES, 2004, p. 281). Esse pensamento possui propriedades singulares, caracterizando-se como pensamento complexo, que se desenvolve pela ligação, pela contextualização e pela globalização do conhecimento. Nas linhas que o compõe e que conduzem às múltiplas sinapses que nos garantem o sentido da existência, a vida e, portanto, o homem, são compreendidos como sistemas complexos. Esclarecendo a compreensão de complexidade adotada nesse pensamento segundo a teoria defendida por Morin (2006), Moraes (2004, p. 21) explica: [...] compreendida como princípio articulador do pensamento, como um pensamento integrador que une diferentes modos de pensar, que permite a tessitura comum entre sujeito e objeto, ordem e desordem, estabilidade e movimento, professor e aluno e todos os tecidos que regem os acontecimentos, as ações e interações que tecem a realidade da vida. Assim, as idéias de sistema e de complexidade revelam a construção de redes de relações entre sujeitos, objetos e meio. Uma relação íntima e recursiva que envolve aspectos diversos dos processos de interação e retroação que compõem a vida. Segundo Morin (2006), a ideia de sistema surgiu na segunda metade do século XXI, quando se desencadeiam os primeiros esforços para o combate do reducionismo predominante. Formulada por Bertalanffy e trabalhada ao longo de 50 anos, a teoria dos sistemas considera a vida como sistema vivo, composto por partes que se comunicam e se complementam para a tessitura de um todo organizado, um todo que supera a união simplista de partes (MORIN, 2006). Para García (2002), o sistema é compreendido como uma totalidade com propriedades singulares, mas que não corresponde a um agregado de propriedades dos diferentes elementos que o constituem. Nessa teoria, os acontecimentos, as informações e o conhecimento mantêm uma relação de inseparabilidade com o meio cultural, político, social e natural, fato que no cenário educacional permite a reciprocidade entre as diferentes áreas, o reconhecimento das singularidades e o respeito à diferença, abrindo as fronteiras para a subjetividade, para a valorização do outro em seu legítimo ser. Advinda da teoria dos sistemas, a teoria ecossistêmica fundamenta-se nas teorias autopoiética e enativa de Maturana e Varela, que consideram o ser como sistema auto- organizativo; na teoria das estruturas dissipativas, de Prigogine; além de fazer referência aos princípios da complementaridade e da incerteza, respectivamente, de Bohr e Heisemberg, aos quais fazem referência a níveis de realidade. A reunião e a comunhão dessas teorias faz do pensamento eco-sistêmico uma forma prudente de pensar a condição humana, rompendo com as verdades absolutas e estabelecendo relações de autoprodução criativa e reflexiva. Essa teoria, que propõe a religação, impulsiona o desenvolvimento da aprendizagem complexa – eficaz, resolutiva e integradora – como também a aprendizagem do amor – parceria, dialogo e afetividade – constituindo-se em caminho a ser percorrido para a corporalização de um novo paradigma, para o tempo da consciência planetária e a vivência plena da solidariedade. Esclareço que, ao referir-me ao paradigma, não restrinjo sua compreensão ao uso exacerbado de uma teoria, ou seja, a um modismo, mas considero-o como um modelo que congrega valores técnicos e padrões partilhados pela comunidade científica ou pelas demais pessoas que vivem o processo de construção do conhecimento, conforme a compreensão revelada por Kuhn (1994). Ampliando esse conceito, Morin (2006) evidencia que não devem ser levadas em conta apenas teorias que dialogam a favor de um modelo, mas também aquelas que o contradizem e que, determinando o curso desse paradigma, apontam para a dúvida, a incerteza e a diversidade de interpretações. Embora se tenha considerado o paradigma no contexto científico, ele existe nas diferentes dimensões da vida, sendo, muitas vezes responsável pelo curso da existência. Na educação, foco da pesquisa, os paradigmas regem a nossa atuação em sala de aula, respaldam a função que exercemos, além de direcionarem e caracterizarem a forma como se ensina e como se desenvolve a prática pedagógica. Encontram-se por trás de nossa forma de atuar, nas escolhas dos materiais que utilizamos e na concepção de educação que adotamos. São, portanto nossa referência, as linhas que mobilizam e definem o movimento de costura da vida. O paradigma aqui defendido, pautado no pensamento ecossistêmico, congrega as dimensões construtivista, interacionista, sociocultural, afetiva e espiritual. De acordo com a dimensão construtivista, o conhecimento provoca mudanças no aprendente, na medida em que este mobiliza sua organização interna e se permite relacionar-se com o meio. A cognição é desenvolvida à medida que construímos e somos construídos pelo mundo, não se restringindo ao que acontece no cérebro, mas envolvendo todo o organismo humano. Como se pode observar, a aprendizagem, a construção do conhecimento, bem como o desenvolvimento do homem, realizam-se na interação deste com suas estruturas, com o saber e com o meio, estando congruente com sua história de vida e suas experiências. Nela a corporeidade se apresenta de maneira irradiante, indicando a forma de estar no mundo, de fazer-se nele e de intervir no processo de formação do outro. “A interação é, portanto, condição necessária para a construção do conhecimento, caracterizando, assim, a dimensão interacionista desse paradigma” (MORAES, 2004, p. 249). É através das trocas, dos diálogos, das interações entre os indivíduos que as transformações acontecem, a partir de processos auto-organizadores que estimulam reflexões recursivas sobre os pensamentos, sentimentos e ações, mantendo, assim, os diferentes diálogos organizadores e garantidores da própria vida (MORAES, 2004, p. 255). Esse paradigma nos coloca e nos estimula a viver a dialogicidade e consequentemente a experienciar a partilha do saber, o que justifica o fato de aprendermos com o que fazemos e sentimos. Construímo-nos a partir do momento em que marcamos nossa corporeidade e a do outro. Isso nos esclarece a relação intrínseca entre o fazer e o ser e nos leva, seguindo o “Relatório sobre a Educação para o Século XX”, organizado por Delors, a mobilizar saberes e práticas que valorizem as diferentes dimensões do sujeito, não se fechando a técnicas e procedimentos preestabelecidos (DELORS, 2006). Sendo o processo de aprendizagem determinante em nosso modo se ser, e entendendo-o como um processo que nasce de dentro para fora, considero que o comportamento também faz parte do domínio interno do sujeito. Por fazer parte do cenário das relações, o comportamento, que nos garante o vínculo e o status social, caracteriza-se como expressão do vivido, sendo resultante das interações, das criações e dos movimentos que respaldam a relação entre sujeito e meio. Moraes (2004, p. 250) revela o caráter social da aprendizagem: A aprendizagem implica em atividade realizada pelo sujeito em processos interativos e recorrentes com o meio, a partir dos quais também fazem parte outros sujeitos, indicando, ao mesmo tempo, a existência de processos de co-criação, ou de criações coletivas. O mundo não está dissociado do homem: ambos derivam da relação recursiva e recíproca estabelecida entre eles. Nesse sentido, o sujeito-educando é ativo e, como tal, possui autonomia para aprender e realizar as conexões necessárias, para sua sobrevivência, seu desenvolvimento, tornando-se o ser da interação. Esta, por sua vez, nasce em nível individual, por meio da organização interna, mas é reconhecida e vivenciada na coletividade, ou seja, no espaço sociocultural. Para Vygotsky (1991), essa interação promove não apenas momentos de socialização, mas também uma profunda evolução mental, aspecto essencial para a vivência educacional. Assim, educar, a partir do pensamento eco-sistêmico, é configurar um espaço de convivência desejável para que as atividades se desenvolvam. É ser capaz de construir um espaço amoroso e não competitivo, um local agradável e emocionalmente sadio não apenas para si, mas também para os outros, de forma que eu e o outro possamos fluir em nosso viver; conviver de maneira mais harmoniosa possível (MORAES, 2004, p. 292). No que concerne à dimensão afetiva e espiritual do paradigma eco-sistêmico está a valorização da subjetividade, a abertura para a vivência dos sentimentos, a expressão das emoções e a busca pela transcendência. Com essa dimensão, cognição e vida são os meios e o fim da existência, e a subjetividade o caminho para a apreensão do sentido dela. Congregando essas dimensões, existe um pensamento que une, integra, mobiliza o corpo, envolvendo a totalidade do organismo. Um pensamento que não apenas compreende as atividades realizadas no nível neuronial, mas também que é sistematizado, organizado e externalizado pela via das emoções; um pensamento, portanto, sentido. Para Moraes e La Torre (2004), esse pensamento, que trabalha conjuntamente com os sentimentos e as emoções, constitui o sentir-pensar. Este, por sua vez, compreende duas categorias complementares: uma que envolve os aspectos afetivo-emocionais, e outra, com os aspectos cognitivos, ambas fundamentais para a compreensão do mundo e a ação nele. O pensamento e os sentimentos se constituem a partir das experiências. Nelas, essas duas dimensões apresentam-se em holomovimento, alimentando-se mutuamente, de maneira que fica difícil identificar, nas situações, qual das duas prevalece sobre a outra, já que elas estão biologicamente entrelaçadas. Assim, pode-se considerar que a dinâmica processual que envolve essas dimensões expressa a totalidade humana. Segundo o pensamento eco-sistêmico e a teoria autopoiética, as emoções apresentam um papel fundamental na aprendizagem, pois elas definem os processos de auto-organização e autoconstrução bem como evidenciam a imbricabilidade entre aprendizagem e vida. Como expressões de beleza e de sensibilidade, elas fundamentam as relações, funcionando como expressões da comunicação entre os sujeitos. De acordo com Maturana (1995), as emoções são vividas com todo o corpo e são essenciais no processo de conhecimento do humano. Elas mobilizam nossa dinâmica corporal, modelando nossas ações cotidianas e todo o nosso viver/conviver. “Para este eminente cientista, a existência humana se realiza na linguagem e no racional a partir do emocional e todas as dimensões humanas estão mutuamente implicadas” (MORAES, 2004, p. 57). São elas que, juntamente com o pensamento, especificam o domínio das ações, revelando a forma como o homem se apresenta e como se relaciona com o meio. Nesse sentido, em uma perspectiva autopoiética de aprendizagem, não há um sistema racional cujas bases não estejam fundamentadas no emocional. Portanto, elas definem a qualidade da ação, sendo fundamentais no processo de regulação e manutenção da vida. Assim, é imprescindível que os educadores compreendam a profundidade e a implicabilidade das emoções e dos sentimentos no processo educacional, considerando-os em suas práticas pedagógicas e valorizando-os nos currículos que norteiam suas ações, para, dessa forma, criarem um clima harmonioso e estimulante. Moraes (2004, p. 68) ressalta: [...] cabe a nós, educadores, criar espaços educacionais, presenciais ou virtuais propícios à ação e à reflexão, espaços acolhedores, amigáveis, amorosos, criativos e não competitivos, ambientes onde se estimule e valorize o fazer em contínuo diálogo com o ser que se expande e transcende. O sentir-pensar, como se pode perceber, favorece a corporalização do pensamento eco-sistêmico, pois permite que a integridade humana seja reestabelecida, uma vez que o pensamento, as emoções e as ações estão em constante diálogo. É ele que ajudará educadores e educandos a se reconhecerem como seres multidimensionais, a vivenciarem a solidariedade e corporalizarem a ética, desvelando-se para o desenvolvimento da inteligência e, sobretudo, para a escuta dos sentimentos e a abertura do coração (MORAES, 2004). Reconhecendo o valor das emoções e dos sentimentos, o pensamento eco-sistêmico reestrutura-se, o que possibilita o desenvolvimento do homem. Eis aí a importância de se adotar esse pensamento para se efetivar a mudança de paradigma. Ele promove a fusão do pensamento e da emoção, impulsiona a construção de vínculos, além de valorizar os sentimentos, no processo de aprendizagem, fato que, para mim, revela sua beleza, já que acredito serem as emoções o fio condutor do processo de construção do conhecimento, o tecido das relações e a representação do corpo atuante no mundo. Finalmente, esse pensamento, que fundamenta o paradigma eco-sistêmico e reconhece o valor das emoções, nos encaminha para a vivência da educação integral, que se justifica pela ação do homem aprendente no mundo. Com ele, o aprendiz é visto como um sistema vivo autopoiético que está integrado, sócio-histórica e culturalmente, com sua realidade. Para ele, o sujeito constrói-se e constrói o mundo por meio da reflexão, da interação dialógica e das ações ecologizadas. [...] acreditamos que o paradigma da complexidade ou os fundamentos do paradigma educacional eco-sistêmico poderão nos ajudar a tomar consciência de que as nossas relações fundamentais com a vida, com a natureza, com o outro e com o cosmo dependem também de nossa maneira de conhecer, de pensar, de aprender, dependem das representações internas que se revelam em nossas ações, enfim, de nossa maneira de ser e estar no mundo. Tendo esta consciência mais clara, fica mais fácil compreender o ser humano em sua inteireza, ajudá-lo a desenvolver melhor as suas potencialidades, os seus talentos, as suas competências e habilidades, para que ele possa desenvolver a solidariedade, a amorosidade e aperfeiçoar a sua humanidade a partir dos ambientes educacionais, colaborando, assim, para que possa realizar a finalidade maior de sua existência (MORAES 2004, p. 272). Entre os conceitos, já citados, que envolvem o paradigma eco-sistêmico e o sentir- pensar – complexidade, dialogicidade, interação, auto-organização, recursividade, transdisciplinaridade – este último se destaca pela importância que tem para o desenvolvimento do processo educacional. Sendo o fio mobilizador e o ponto que assegura o desenvolvimento pleno do pensamento integralizador, é a transdisciplinaridade, que permite o acoplamento, o olhar diversificado para a realidade e a compreensão sistêmica da vida. Reconhecida por estudiosos como o cientista Laszlo, o físico Bohn, o biólogo Maturana, o químico Prigogine e a doutora em educação Moraes, a transdisciplinaridade surge, no cenário mundial, como uma alternativa de religação dos saberes, corporalização de um novo pensar e uma perspectiva libertadora de construção do conhecimento. No ambiente educacional, a transdisciplinaridade emerge como uma possibilidade epistemológica, metodológica, de reencantar a educação, transformando-a em um momento-espaço harmonioso de interação, em que as potencialidades afloram, e a solidariedade encaminha o sujeito para a vivência plena de suas dimensões mental, emocional, psicossocial e de todas as demais que o tornam um ser humano de vida. Para gerar no homem a consciência do ser humano, levando-o a reconhecer o que o constituiu como tal, a transdisciplinaridade pode ser trabalhada em qualquer espaço de aprendizagem, já que, sendo reflexão, caminho religado de autoconhecimento, é também uma atitude, que pede um olhar e a construção de um espírito libertador. É, no meu modo de entendê-la, um novo olhar, que leva em consideração aquilo que as diferentes disciplinas nos trazem e dá sentido ao que ocorre a partir delas, entre elas e além delas. Em termos físicos, não é onda nem partícula. É as duas coisas, assim como a luz (MORAES; LA TORRE, 2008, p. 13). Sendo luz, a transdisciplinaridade a partir da comunhão dos diferentes saberes, permite o olhar interativo e dialogado para a realidade. Com ela, ocorre a abertura para o trabalho da percepção, dos sentidos, da objetividade com sensibilidade. Nela, as linguagens são músicas que, guiadas pela mesma melodia, fazem da vida uma dança, na qual imaginação, corpo e espírito participam. Na transdisciplinaridade, o interesse não se centra nas linhas nem nos tecidos, mas na relação que eles mantêm e no que ambos são capazes de construir. “A transdisciplinaridade fala daquilo que está entre as disciplinas, através delas e além delas” (TORRE, MORAES, TEJADA, PUNJOL, 2008, p. 52). É um conceito que emerge do paradigma eco-sistêmico e que só pode ser corporalizado quando se reforma o pensamento e abre-se o coração para o desenvolvimento do humano a partir da vida e para ela. Afirmo, com isso, que, apesar de se constituir como uma proposta de beleza e encantamento, ela exige desprendimento, compromisso e coragem, o enfrentamento dos medos, a expansão da mente, o agir na incerteza e o cooperar consigo mesmo e, principalmente, com o outro. Sendo o entre e o além, a transdisciplinaridade possibilita o intercâmbio entre os aspectos subjetivos e objetivos da educação. Ela nos autoriza a investir nas relações, estimulando-nos a olhar o espaço em que habitamos como pessoas e como profissionais; o tempo de nossas ações e nossa história; e os sujeitos com os quais compartilhamos as experiências que marcam nossos corpos e nossas vidas. Buscando essa forma de perceber o conhecimento, revivemos situações, estabelecemos redes de aprendizado, despertamos para o sonho, desvendamos talentos, reconhecendo o profano e o sagrado de cada ser que compõe a trajetória do saber. Seguindo os princípios que compõem a teoria da complexidade, a transdisciplinaridade possibilita a correspondência hologramática entre natureza e ser humano. Assim, a organização do homem influencia na organização do meio e está novamente no homem. O que é meio é também homem e o que é homem também é meio. Nessa relação, em que ambos os componentes se apresentam como sistemas autopoiéticos, a auto-organização é concebida por meio dessas interações e das trocas estabelecidas. Essa reciprocidade é apresentada no decálogo sobre a transdisciplinaridade e a ecoformação, quando dissertando sobre a projeção ecossistêmica e o meio ambiente, Torre, Moraes, Tejada, Punjol (2008, p. 29) revelam: “A partir de um olhar transdisciplinar, o ser humano e o meio natural em que se desenvolve se complementam, se enriquecem e necessitam um do outro”. Diante dessas implicações, defendo nesta pesquisa, o desenvolvimento de uma prática educacional transdisciplinar, não por entender que podemos com ela reunir as diferentes áreas, sem que tenhamos que nos preocupar com disciplinarização, organização curricular ou sistematização contextualizada de atividades e projetos, e sim por termos que realizar, utilizando uma linguagem comum, essas e as demais atribuições da instituição de ensino com ousadia, criatividade, vivência, trabalhando não apenas o conhecimento, mas a nós mesmos. O olhar transdisciplinaridade parte do conhecimento adquirido, mas vai além do dado empírico ao explorar a realidade, em seus diferentes planos e níveis, desde considerações ontológicas, epistemológicas e metodológicas, de forma interativa e relacional, levando em consideração o que se sabe, se sente, se vive. É reflexão, é método, é ação formadora e é atividade que busca uma melhor compreensão do mundo e da vida (TORRE, MORAES, TEJADA, PUNJOL, 2008, p. 52). Acredito na transdisciplinaridade e aposto na construção desse olhar pelo fato de ele consagrar a complementaridade entre conhecimento, tecnologia e valores humanos. Por priorizar a vivência do saber nas experiencialidades da contemplação, da escuta sensível, da imaginação, corporalização, por estreitar a relação entre professores e alunos, na medida em que todos são colocados na posição de aprendentes, e por conciliar a vida profissional e pessoal, suscitando em nós o reconhecimento de nossa identidade humana e da cidadania planetária. Nesse caso, não estou preocupa em restringir as repercussões dessa forma de conceber o conhecimento apenas à conexão entre as linguagens, às operações lógico- matemáticas, saberes esses contemplados no território da Educação Infantil. O que pretendo diante dessas extensas e complexas contribuições, é colaborar para a formação de profissionais e educandos autônomos, reflexivos, criativos, capazes de elaborar seus projetos de vida e de transformar a sociedade, vivenciando a liberdade consciente. Nessa perspectiva adota-se o trabalho com as diferentes linguagens – verbal, simbólica, musical, corporal, virtual – e com os conhecimentos atitudinais e conceituais que colaboram para a tessitura de uma existência diversificada, significativa e sadia. Assim, para educadores que trabalham com a Educação Infantil, navegar nos oceanos das fases do desenvolvimento infantil, no desenvolvimento da linguagem escrita, oral e corporal, nos aspectos que envolvem a construção identitária, a socialização, o reconhecimento do meio natural e social, bem como as operações, o sistema numérico é fundamental; no entanto é necessário estabelecer a conexão com outros fios do saber, tecendo tramas entre o contexto real dos sujeitos e o imaginário, entre as brincadeiras e o pertencimento ao meio, entre o sonho e a responsabilidade cidadã, entre o corpo e a alma que habita cada ser. Pensar e corporalizar a transdisciplinaridade na Educação Infantil, ou em qualquer outro nível educacional, implica refletir sobre a integralidade do homem e da prática educacional. Significa conceber o aluno e o professor como seres em desenvolvimento, que buscam a evolução das diferentes dimensões que os compõem – corpo, espírito, história – e pesquisar estratégias que os encaminhem para a concretização de seus desejos. Torre, Moraes, Tejada e Punjol (2008, p. 47) esclarecem: Pensar em uma nova educação implica planejar a necessidade de projetar, utilizar e avaliar os recursos que a tornariam possível. Implica apostar na inovação sem renunciar à própria bagagem cultural. Buscar estratégias que comportem diferentes linguagens (arte, música, poesia, teatro cinema... para conectar a mente, a emoção e o corpo. Insistindo nesse pensamento, os autores complementam: Demanda, portanto, o objetivo de buscar recursos didáticos que permitam enfatizar as relações, a presença do acaso, a casualidade circular e o dinamismo como formas de se aproximar ao estudo da natureza, da sociedade e da pessoa (TORRE, MORAES, TEJADA, PUNJOL, 2008, p. 47- 48). Como se pode observar a transdisciplinaridade é um modo de compreender não o ensino, mas a educação, como vida. É uma forma de conhecer que interliga sujeito e objeto, pensamento e experiência, transgredindo as dualidades marcadas pelo positivismo e investindo no sagrado, na essência e na luz que dinamiza o caminho das pessoas. É uma forma de educar com alma, em que a intuição é também conhecimento e em que ambos constituem um campo energético no qual os sujeitos nutrem e se alimentam mutuamente junto ao mundo que os cerca. Trata-se de uma arte de aprender, na qual o homem experiencia o saber que o constrói, tornando-se ser de especificidades, de temporalidade, historicidade, materialidade e espiritualidade. É, por fim, uma atitude, uma postura que traz em seus fundamentos o conhecimento de si mesmo e que, pela maneira como lida com o saber e com a vida, se torna um campo para a realização da humanidade. Com essa educação, tornamo-nos aprendentes, descobrindo como cuidar, o que ouvir, como falar, como fazer, aprender, conviver e ser. Com ela, somos estimulados a encontrar nossa luz interior e expandi-la de maneira criadora. Tornamo-nos, portanto, poetas, sonhadores, cientistas, músicos, educadores, porque, reconhecendo nossas potencialidades, recriamos o outro e a vida. Estamos, assim, imbricados corporalmente no processo de aprendizagem. Aqui, o corpo passa a ser uma estrutura fundamental, o habitat com o qual o homem interage, acolhe, sente e aprende. O corpo é o meio para a vivência transdisciplinar. É ele que acomoda o espírito transformador e que, estando sensibilizado, permite as múltiplas interações, a experienciação da diversidade e o conhecimento do entorno. Com esse corpo atuante e em processo de luminescência, concretizamos a inseparabilidade entre os aspectos que compõem nossa realidade e adentramos o processo de intersubjetividade, criando um espaço comum entre sujeito e mundo, um espaço de comunhão e partilha. A intersubjetividade expressa a relação entre os sujeitos, revela o que afeta o sujeito observador em seu processo de conhecer, assim como resgata a ideia de que o observador, quando atua, o faz no espaço da intersubjetividade e não da objetividade nos espaços das interações mútuas, mediante processos de união estrutural, já que todo sujeito participa da realidade que pretende conhecer (MORAES, 2008, p. 69). Como a transdisciplinaridade se efetiva por meio de relações intersubjetivas que abarcam toda a inteireza dos sujeitos, constituindo-se em um fenômeno complexo, não a podemos considerar como um modelo a ser seguido, decifrado em um manual operacionalizável. Para trabalhar nessa perspectiva, é necessário olhar curioso, mãos sutis, ouvidos sensíveis e coração pulsante. Para viver a transdisciplinaridade é preciso levitar e pesar, percorrer caminhos no escuro e usar das artimanhas da clarividência. É necessário planejar, assumir ricos, ousar ampliar conceitos, quebrar barreiras e romper paradigmas. É preciso aprender a navegar, a escalar, a voar rumo a novos pensamentos, a novas formas de organização. Organizações que falam de um conhecimento que é dinâmico, flexível, que tem vida e que, por isso, não pode ser resumido ou aprisionado em grades, em prisões do saber. 2.3 O RETALHO EM REDE: O DESENHO RITMADO DOS PASSOS Sendo a transdisciplinaridade uma proposta complexa de conhecimento, como torná- la uma realidade tangível na instituição de ensino? Como envolver alunos e professores no processo de reforma do pensamento necessário, para a corporalização da transdisciplinaridade? Como tornar possível a relação das diferentes disciplinas que compõem a estrutura curricular e, além disso, consolidar laços de solidariedade e de respeito à vida, nos educandos e nos educadores? Essas são algumas das questões com que, enveredando pelo território da transdisciplinaridade, podemos nos deparar e para as quais, investindo na descoberta de outros fios, busca-se, na organização ressignificada da estrutura curricular, possíveis respostas. Embora a transdisciplinaridade se apresente de maneira sedutora, apenas conhecê-la não é suficiente para se adotar essa postura com responsabilidade e profundidade. É preciso criar espaços significativos nas instituições, sensibilizar os corpos dos sujeitos envolvidos no processo e investir na ampliação das estruturas curriculares, que, apesar de já modificadas, continuam limitando o conhecimento, as pessoas, restringindo as relações e o campo de ação da educação. Nesse sentido, apostar na reformulação da estrutura curricular parece-me um caminho possível e necessário a ser percorrido para a construção do pensamento eco- sistêmico, a vivência transdisciplinar do saber, a criação de uma sociedade mais amorosa, fraterna e humana. Afinal, se não transformarmos as estruturas que orientam e direcionam nosso modo de pensar, de fazer e de conviver, continuaremos reproduzindo propostas fragmentadoras, que limitam nossa compreensão e nosso ser. Hoje, quando falo em estrutura curricular, volto à ideia anteriormente construída, de um modelo sistematizador de conhecimentos, organizado em forma de grade. Essa proposta sistemática foi e é a responsável pela dinamização do processo educacional. Nela, encontramos as informações e os conhecimentos disciplinares, procedimentais e atitudinais fundamentais para o desenvolvimento humano, que, sendo transmitidos de geração em geração, consolidam a sociedade da informação e da igualdade de ideais. No trabalho monográfico, já citado anteriormente, (BARBOSA, 2005), investiguei a dimensão emocional do desenvolvimento do aluno, no que diz respeito à forma como o professor trata essa dimensão na organização do currículo em sala de aula. Com essa pesquisa, adentrei o mundo das teorias que embasam o currículo, delimitando sua constituição, o que me ajudou a construir uma compreensão sobre ele, bem como a acompanhar as transformações que marcaram essa forma de organizar a dinâmica das instituições de ensino. O currículo de ensino pode ser entendido de várias formas. Ele é objeto de diversificadas definições, que dependem das opções teóricas a que o autor da definição está vinculado. Isso porque o currículo não é uma prática que se restringe ao conteúdo de ensino, mas perpassa as diferentes esferas do conhecimento escolar estabelecidas por uma determinada época e sociedade. A compreensão do termo “currículo” pode estar ligada à ideia de experiência; à de lista de atividades, à de registro de habilidades que se deseja alcançar, à de conhecimentos que devem ser internalizados pelos alunos em sala de aula e, ainda, à de ações planejadas pela escola que seguem um objetivo. No âmbito educacional, mais especificamente, esse documento também assume alguns significados, como ressalta Shubert (1986, p. 26): O currículo como conjunto de conhecimentos ou matérias a serem superados pelo aluno dentro de um ciclo (...); o currículo como programa de atividades planejadas, devidamente sequencializadas, ordenadas metodologicamente tal como se mostram, por exemplo, num manual ou num guia do professor (...); o currículo como concretização do plano reprodutor para a escola de determinada sociedade, contendo conhecimentos, valores e atitudes; o currículo como experiência recriada nos alunos por meio da qual podem desenvolver-se (...); o currículo como programa que proporciona conteúdos e valores para que os alunos melhorem a sociedade em relação à reconstrução social da mesma. Em sentido restrito, o currículo pode ser percebido como um documento no qual estão oficializadas teorias e metodologias, organizadas de forma sistemática, capazes de desenvolver o educando. Ele apresenta um caráter técnico-prescritivo, sendo considerado por aqueles que dele fazem uso apenas como uma exigência a ser cumprida pela instituição de ensino. O currículo é conhecimento, mas também é prática refletida e ressignificada que se estabelece no diálogo entre os agentes sociais, as famílias, os professores e os alunos, e é determinado pelo contexto e pelos sujeitos que delem fazem parte, como revela Sacristán (2000, p.15-16): O currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explícita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos ensino. O currículo ainda em vigor, que obedece e responde às necessidades da sociedade, e que foi formulado de acordo com a realidade que o cerca, foi elaborado em bases positivistas, mantendo a objetividade, a cientificidade e a técnica exigida. Ele permaneceu, até os dias atuais, na maioria das instituições de ensino, em seu formato tradicional, ou seja, priorizando a separação de conteúdos, impedindo a associação e a religação dos saberes, enfatizando a dimensão intelectiva em detrimento das emoções e dos sentimentos, evidenciados apenas nos chamados currículos ocultos. Nesse modelo gradeado, os conhecimentos são estanques, seguem um cronograma rígido e pouco funcional, estão desconectados da realidade dos sujeitos aprendentes e a prática é descontextualizada e fragmentada. Nele, evidenciam-se a separação e a acumulação e subordinam-se os processos de ligação e síntese, ambos responsáveis pela integralização e a organização significativa dos saberes. Obedece a uma inflexível ordenação, que “[...] visa organizar a apreensão do conhecimento, partindo de conteúdos mais simples aos mais complexos, em uma escala hierárquica” (NASCIMENTO; LIMAVERDE, 2008, p 378). Um dos desafios a serem enfrentados é vencer o rigor dos cronogramas, rompendo com a sequenciação e a sobreposição das disciplinas. Respeitar o ritmo, o tempo e os espaços diversos nos quais ele é evidenciado também é um aspecto que precisa ser considerado, pois, de forma direta ou indireta, eles influenciam e determinam essa estrutura. Na organização que hoje impera, as disciplinas são limitantes, e isso faz com que os homens, mesmo tendo inúmeras informações, não saibam relacioná-las, em decorrência do aprofundamento em conhecimentos cada vez mais específicos. Assim, como defende Morin (2001, p. 17), “não conseguimos integrar nossos conhecimentos para a condução de nossas vidas”. Essa situação remete às dificuldades atualmente enfrentadas: conhecimentos distantes da realidade, separação entre corpo e mente, dificuldades de interação e um grande medo da mudança, fatos que inibem a organização ecológica dos saberes e impedem o olhar integrador para a vida: Muitos de nós temos uma grande dificuldade em colocar em prática saberes já aprendidos, ou seja, não aprendemos realmente, ou aprendemos “pela metade”, já que não produzimos mudanças em nossas ações a partir de conhecimentos adquiridos. Não desenvolvemos a habilidade de incorporar saberes. Tornamo-nos seres pensantes e não seres atuantes ou seres emocionais, ou ainda, seres integrais (NASCIMENTO; LIMAVERDE, 2008, p. 381). Desvinculada do pensamento eco-sistêmico e da educação transdisciplinar, a grade curricular, com sua proposta fragmentada e hierarquizada, não abre espaço para a inserção do corpo, das emoções e dos sentimentos no processo de construção do conhecimento. Com ele, busca-se o desenvolvimento do pensamento e das técnicas responsáveis pela introdução do sujeito no mercado de trabalho; essa é a finalidade da ação educativa. Para nós que buscamos trabalhar o humano em sua totalidade, unindo e interligando as diferentes dimensões que o compõem essa não é a melhor forma para se organizar o conhecimento e promover a dinamização dos processos de ensino e de aprendizagem. Falo então, da necessidade de criarmos elos recursivos entre as disciplinas, aproximar os saberes, interligar aspectos subjetivos e objetivos da formação, possibilitando o diálogo na diferença e o reconhecimento da complementaridade entre as distintas áreas do saber. Nesse sentido, proponho não uma grade curricular, mas uma rede curricular. “A rede é constituída pelos mais diferentes tipos de fluxos caracterizados por diversos tipos de correntes ou forças que garantem o seu dinamismo intrínseco” (MORAES, 2004, p. 99). Visualmente, essa rede tem as características naturais de uma teia de aranha. Nela, fios de diferentes espessuras são construídos, oriundos de diversificados lugares. Cada um corresponde a uma área, e seu desdobramento são as dimensões do humano colocadas em jogo. No entrelaçar desses fios, vive-se a conexão, a comunhão e o acoplamento entre habilidades e competências decorrentes dessas relações. Aqui, o brincar, o criar, a sensibilidade, a reflexividade vivencial e autobiográfica unem-se aos fios da natureza, do ser humano, do meio social, da alimentação, das linguagens, integralizando uma educação complexa e significativa para aquele que aprende e também para aquele que ensina. Essa teia, tecida por diferentes linhas, engloba pontos que, unidos, favorecem a construção de uma trama que valoriza o humano e suas relações. A teia curricular tem um sentimento de inclusão e diversidade. Procura religar saberes, transpõe e extrapola disciplinas. Conquista os espaços em branco e legitima, em sua estrutura, os lugares do corpo, das emoções, das tradições, da arte, das relações interpessoais, intrapessoais e para com a natureza (NASCIMENTO; LIMAVERDE, 2008, p. 385). Nessa organização curricular, as áreas do conhecimento confluem: há espaço para as artes, para a linguagem, as operações lógico-matemáticas, os saberes da tradição, os cotidianos e os do mundo científico. Essa é uma proposta de religação, da significação que contempla o mistério e o encanto que caracterizam o espírito transdisciplinar. Nele, corpo, emoções, pensamento e intuição estão em comunhão e associam-se ao indivíduo, à sociedade e à natureza. De acordo com Ferreira (2000), tal organização pressupõe conceber-se o currículo como artefato social que foge à proposição de modelos e privilegia processos interativos nos quais se estruturam, desestruturam e reestruturam os significados de “sociedade”, “educação”, “indivíduo”, na busca de novos conhecimentos, novas formas de compreender a realidade e nela interagir significativamente. A teia curricular, ou currículo em rede, estando viva, expressa flexibilidade em sua forma de conceber e de sistematizar o conhecimento. Este desenvolve-se a partir de diferentes dinâmicas, interações, voltando-se para a solução criativa e crítica dos problemas. Assim a teia vai sendo tecida pelos intercâmbios, análises e sínteses auto- organizadoras cada vez mais complexas. O currículo passa a ser mais flexível, fractal, a partir dos processos e eventos que emergem e da auto-organização que se processa (MORAES, 2004, p. 257). Nessa teia, o trabalho em sala de aula é compartilhado. O professor coloca-se junto aos alunos na tentativa de discutir as experiências destes e colaborar para sua compreensão. O professor é o mediador e motivador da aprendizagem. Os alunos são portadores de conhecimentos e vivenciam a educação para aprimorar, reconstruir e internalizar, junto com o professor e os colegas, novos conceitos, valores e comportamentos. Assim, o aluno e o professor são ativos e responsáveis por sua autoformação. Diante dessas implicações, defendo que, para se vivenciar a educação da integralidade, baseada em valores humanos, no desenvolvimento da consciência, na criação de redes e em campos de aprendizagem, compreendendo o homem em sua complexidade, é preciso lançar novos olhares para a organização curricular, rompendo as grades que o aprisionavam, e construir teias firmes, caracterizadas pela diversidade do saber. Acredito que, entendendo esse processo de organização, sistematização e contextualização dos valores epistemológicos e didáticos que compreendem a ação educativa como uma rede de conexões, seremos capazes de fomentar uma formação renovada e complexa, que integra o homem, legitima suas habilidades e especificidades, torna-o conhecedor de si mesmo, do outro e do meio e o faz irradiar a luz que dignifica sua humanidade. 2.4 A DANÇA POIÉTICA DOS RETALHOS NA FORMAÇÃO HUMANA Nesse processo de corporalização da transdisciplinaridade, a formação docente une- se à reformulação curricular, tornando-se também aspecto primordial para a efetivação de uma nova forma de viver a educação. O percurso de formação de professores pode ser compreendido de diferentes formas. Ele abarca processos de mudança e de resolução de problemas, exige um caminhar junto às transformações sociais e segue as necessidades do sujeito, do próprio processo e das instituições nos quais se desenvolve. A polifonia do conceito de formação ora entendido como instruir, ora como treinar ou como educar, não marca, na maioria das vezes, o campo semântico desta palavra. Atribuindo sentidos e significados ao mesmo tempo idênticos, diferentes e às vezes excludentes de educação ou formação permanente, de formação inicial e continuada, de capacitação ou formação profissional e de formação ao longo da vida, a qual se configura como uma base epistemológica em construção para pensar, em uma outra lógica, a formação existencial e a experiência formadora através da abordagem biográfica, porque comporta um projeto de produção da vida mediada pelos sentidos estabelecidos pelos sujeitos no processo de formação (SOUZA, 2006, p. 37). A formação revela-se como um processo, mediado por um indivíduo, em que os sujeitos, de maneira interativa, estão em constante processo de constituição. Nesse processo, o meio e os próprios indivíduos se comunicam para a efetivação de si mesmos. Outra concepção de formação, essa mais técnica e, a meu ver, mais restrita, apresenta-a como um processo que, trabalhando conhecimentos disciplinares e habilidades, promove o desenvolvimento prático e intelectual do homem; ou seja, a formação seria o processo constituinte da profissão – no caso da pesquisa, da ação pedagógica. Por interligar-se à ação pedagógica, evolver-se intimamente com a prática, o trabalho profissional termina por insere os sujeitos no percurso da profissionalização docente. Perspectiva amplamente discutida, a profissionalização do ofício de professor ainda permanece no cenário da formação de professores como um caminho necessário para a elevação do nível de competência dos profissionais (PERRENOUD, 2002). Para autores como Gauthier (1998), Perrenoud (2002), Tardif (2007), pensar em formação significa pensar na profissionalização do ensino, transformar a identidade docente, a relação entre o professor e o saber, e legitimar saberes específicos para aqueles que vivenciam os processos de ensinar e aprender. O termo profissionalização não se emprega como sinônimo de qualificação, conhecimento, capacidade, formação e outros traços associados, mas como expressão de uma posição social e ocupacional, na inserção de um tipo determinado de relações sociais de produção e de processo de trabalho (ENGUITA, 1991, p. 41). Tal compreensão insere, no cenário da formação, o desenvolvimento de competências conceituais e procedimentos necessários ao bom funcionamento das instituições de ensino. Com ela, o saber fazer e o conhecer passam a ser ressaltados nos cursos de formação, que priorizam o desenvolvimento de um profissional competente do ensino. Para Ramalho e Nunez (1999), a ampliação dessa discussão resulta da busca constante de efetivação de uma melhor qualidade na educação, uma luta que procura fortalecer o trabalho do professor, tornando-o um docente profissionalizado e competente para responder aos desafios de nossa sociedade. Com base nessa concepção de formação, defendo uma formação inicial que assegure os princípios básicos dos processos de ensino e aprendizagem, ou seja, que apresente e torne lúcida a compreensão do professor sobre os saberes que formalizam a ação pedagógica. Segundo Gauthier (1998), essa base pedagógica envolve um conjunto de saberes, do fazer e do ser que legitima a ação do professor de instruir e educar os alunos. Nessa perspectiva, a formação docente continua sendo reconhecida como território destinado à identificação, à compreensão e ao desenvolvimento de saberes que, reunidos em uma base de conhecimentos, viabilizam a identidade profissional docente. Para Ramalho (1998), essa forma de conceber a formação que mobiliza os professores para o reconhecimento dos saberes envolvidos em seu fazer permite a superação de uma epistemologia da espontaneidade, construindo uma atitude profissional pautada na reflexão. Como se pode observar, a formação de professores, na perspectiva apresentada, tem seu eixo centrado na questão da profissionalização. Interessa conhecer o processo de construção dos saberes específicos da profissão (profissionalidade) e a garantia do monopólio e do prestígio social pela via da ação profissional (profissionalismo). Dimensão necessária, mas não determinante, em minha compreensão, a profissionalização aponta para o reconhecimento desejado pelos profissionais da educação, amplia o status social dos que se dedicam a esse oficio, mas nem sempre garante a qualidade da prática. Muitas vezes, os profissionais tendem a enveredar por lutas sociais, por processos reflexivos acerca dos movimentos políticos, por pesquisas científicas sobre os saberes já citados e se esquecem de se comprometer consigo mesmos. Esquecem que, para enfrentar o nó da incompreensão, é preciso olhar para si, desvendar as próprias possibilidades, ser reflexivo perante a própria vida, não de maneira episódica, mas permanente (PERRENOUD, 2002), e constituir-se como um ser com identidade existencial. O fato é que, com o acelerado crescimento do número de faculdades e universidades particulares, em decorrência da política de universalização do ensino, a garantia dessa formação inicial reflexiva, que se distancia da simples profissionalização, tornou-se ainda mas difícil. Assim, sofremos com o aumento da demanda de alunos e profissionais da educação, mas não evoluímos no desenvolvimento de uma formação, que, ao mesmo tempo, atenda a essa necessidade e tenha o poder de minimizar o crescimento desenfreado dos cursos de formação. Nesse contexto, apesar de a LDB determinar a obrigatoriedade da formação superior no currículo dos que desejam dedicar-se à sala de aula e prever a continuidade dessa formação com cursos de mestrado e de doutorado, ainda há disparidades entre as instituições, que ora elegem para compor seu corpo docente profissionais leigos ora prezam por uma formação integral, realidade que contribui para formações cada vez mais aligeiradas e fragmentadoras. Dessa forma, por mais que exista investimento nos currículos e em políticas que orientam a formação inicial dos professores, poucas são as que conseguem efetivar a formação necessária, Uma formação que favorece a reflexão sobre a própria prática e possibilita o aprofundamento dos fundamentos teóricos, a correção das distorções e a diminuição das defasagens em relação às finalidades, com o encaminhamento coletivo de soluções para problemas emergentes (SILVA, 2002, p. 9). Assim como a educação-formação que é assegurada aos educandos, no caso dos educadores a formação também deve sustentar-se na realidade das instituições de ensino e de maneira a atender as necessidades dos professores (SILVA, 2002). Tal formação constitui-se em um alicerce para a prática educativa, pois, revisitando os conhecimentos aprendidos, estabelecendo trocas experienciais com os outros profissionais, bem como internalizando novos saberes é que o professor terá a possibilidade de transformar sua própria prática pedagógica. Sem alicerce, a construção desmorona. Sem a formação permanente, o educador tende a perder-se no labirinto de sua própria ação, deixando-se abater pelo comodismo ou vivendo uma dinamicidade incoerente. Concordo com Nóvoa (1995, p. 9) quando diz que “não há ensino de qualidade, nem reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem uma adequada formação de professores”. Numa perspectiva mais atual e humanizadora, a formação inicial ou a permanente passam a enfatizar não mais a prática do professor, ou os saberes que constituem sua ação; o foco passa a ser o próprio professor, sua condição pessoal e profissional e as repercussões em sua prática de um trabalho que tem o princípio da reflexividade como alicerce. Para mim, essa formação, como processo de constituição contínua e inacabada do ser que educa e também de quem é educado, possibilita o crescimento pessoal e profissional do educando e do educador, na medida em que favorece a vivência de práticas dialógicas, que instigam os sujeitos a experienciar o lugar do outro, a rever sua postura diante da ação educativa, bem como a ressignificar sua identidade docente e discente a partir das interações que estabelecem. Revelados e registrados em nossa história nas décadas de 80 e 90 do século XX, os estudos sobre a formação assumiram novas compreensões, passando a olhar o professor como sujeito, um ser de história de vida e histórias profissionais que tem seu ofício mediado por essas experiências. Defendendo essa nova perspectiva, autores como Nóvoa (1995) explicitam que a formação envolve um conjunto de características pessoais e profissionais e requer a valorização do professor como sujeito de ação e de vida. Assim, a formação é pontuada pelas relações entre o eu e o outro, o pessoal e o coletivo, e é tecida nos espaços de interação em que a esfera pessoal de vida envolve a dimensão profissional, ambas influenciando a prática docente e a dinâmica da instituição de ensino. Assim como na primeira perspectiva, a formação preconiza o ciclo reflexivo de Schön (1997), em que se experiencia o momento de reflexão sobre o conteúdo, sobre o procedimento, sobre a ação e sobre a corporalização de um pensamento que resulta numa ação transformada. Em sua obra “Como se nasce um professor?”, Furlanetto (2003) apresenta a compreensão de formação como prática de “enformar” o educador, ou seja, de imprimir nele, de maneira estanque, formas de pensar e agir, aceitas socialmente. Tal compreensão é até hoje prevalente. Ao mesmo tempo, a autora nos estimula a pensar em uma segunda concepção de formação, a qual se refere ao desenvolvimento de uma forma de ser, um processo que estimula o educador para a busca e a corporalização de seus próprios contornos, de seus limites. Essa formação decorre da matriz pedagógica do sujeito, ou seja, de arquivos existenciais, que englobam imagens, sons, ações, que são relembrados quando o docente vive sua prática. Furlanetto ainda alerta para a impossibilidade de se construir um único modelo de formação, alegando que esse que ela propõe também resulta das trajetórias individuais e coletivas dos que dele fazem parte, sendo, portanto, constituído a partir de escolhas pessoais e sociais. E acrescenta: Cada vez mais, atentamos para os processos singulares dos professores em busca de sua formação, não deixando de percebê-los como expressões pessoais dos movimentos mais profundos vividos coletivamente (FURLANETTO, 2003, p. 38). Nesse movimento formativo, o professor pode assumir a postura de técnico, que tem por função aplicar regras oriundas do conhecimento científico, ou situar-se como profissional prático-reflexivo que tem “o desejo de superar a relação mecânica entre o conhecimento técnico-científico e a prática da sala de aula” (FURLANETTO, 2003, p. 10). O fato é que, embora a formação tenha sido considerada, por muito tempo, como um período destinado à elaboração de habilidades técnicas pelos professores, a compreensão acerca dela não pode restringir-se a essa finalidade; afinal, trata-se de um processo plural, complexo, singular e transcultural, que envolve sujeitos reais, os quais possuem sentimentos, enfrentam dilemas e, apesar de possuírem diferentes conhecimentos, não apresentam respostas absolutas e verdadeiras para os diferentes fatos cotidianos. Diante do exposto, é necessário entender a formação como um fenômeno no qual o professor se torna aprendiz da vida e de si mesmo, conhece as possibilidades e fragilidades de seu eu e, num enlace com a própria existência, passa a compreender o outro, corporalizando uma prática integradora de formação. Furlanetto (2003, p. 13-14) revela que nessa forma de conceber a formação, [...] os sujeitos descobrem não serem exclusivamente racionais, centrados no eu, com uma identidade estática, começam a se reconhecer como seres paradoxais, com consciência e inconscientes, em processo de recriação constante pautado nas relações dialéticas que estabelecem consigo mesmos, com os outros sujeitos e com a natureza. A formação aqui defendida é um fenômeno que se desenvolve a partir de processos de individuação, os quais se desvelam pela educação, permitindo que o sujeito, adentrando suas experiências formativas, se entregue a seu crescimento. O processo de individuação requer uma caminhada reflexiva do sujeito para sua vivência profissional e pessoal. Trata-se de um mergulho profundo no próprio interior, algo que desperta o homem para a experienciação da vida, não apenas da dimensão intelectiva e racional do humano. É um processo desafiador, que implica, muitas vezes, abandonar a caminhada em linhas retas e enveredar por caminhos arriscados, sinuosos e pouco convencionais. O processo de individuação é esse movimento a que alguns seres humanos aderem, que leva ao crescimento e ao compromisso com a própria verdade para, dessa forma, poder contribuir de maneira significativa com o processo de individuação de sua cultura. Essa possibilidade existe em cada um de nós e depende de nossas experiências de vida e de nossa coragem, para se atualizar (FURLANETTO, 2003, p. 42). Vivenciando a individuação, o sujeito reconstrói aspectos de sua identidade, revê princípios e valores vividos por ele mesmo e pelos que estão a seu lado, reorganizando-se de forma a melhor atuar no mundo. Esse é um momento que implica um apaixonar-se por si mesmo, exige sensibilidade, reflexividade e compromisso com a ética do cuidado. Trata-se, nesse caso, do desvelamento de um processo ao qual denominamos de autoformação, ou seja, reestruturação e reconhecimento de si mesmo, uma formação que, vivenciada poieticamente, transforma e reconstrói o humano. Na autoformação, o sujeito, vivencialmente, reelabora os fatos, as experiências e o conhecimento que deram forma a seu ser. Para Pimenta (2005, p. 29), a formação é, na verdade, autoformação, uma vez que os professores reelaboram os saberes iniciais em confronto com suas experiências práticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares”. Para mim, investir no processo autoformativo, é favorecer a transcendência, é romper com a rigidez, proporcionando a construção subjetiva do conhecimento. É permitir que se caminhe além do que foi planejado, na busca do melhor para o ambiente de trabalho, onde se aprende, se ensina, pois somente aquele que é capaz de perceber sua potencialidade, seu poder criador, é que pode transpor as barreiras diárias e compor um ensino de qualidade, uma educação solidária. Educar para sensibilidade solidária pressupõe e implica em ajudar as pessoas a perceberem a complexidade da realidade e da nossa vida social, a tomarem consciência da nossa condição humana, a revitalizarem as suas certezas, a aprenderem a tolerar aos outros e a si próprio nas suas limitações e falhas, a aceitar e conviver com a “resistência” da realidade social em se adaptar aos nossos mais sinceros e honestos desejos de uma vida baseada na justiça e solidariedade. (ASSMANNN, 2000, p. 165). Podemos relacionar o processo de autoformação ao de lapidação de uma pedra preciosa. Pensemos no professor como um diamante, e no processo de autoformação como o de lapidação, que modela, que produz superfícies brilhantes. Para se tornar a pedra preciosa, valorizada, o educador necessita organizar-se, estruturar-se, procurando mover o que é disforme, duro. Precisa pensar e modificar, sabendo onde pode alterar, o que pode transformar e o que deve permanecer em sua trajetória. É o momento de desfazer nós, cortar linhas e produzir novas costuras. Nesse contexto, não falo em polimento, que melhora a qualidade superficial, pois entendo que o polimento apenas mascara, mas não resolve ou transforma as realidades pedagógicas do educador. Falo, sim, do lapidar, técnica que exige envolvimento, precisão, cuidado e afeto. Para dar brilho, precisa-se buscar a luz, e isso só é possível quando somos conscientes de nossas experiências, de nossas possibilidades como seres humanos de essência lúdica, emocional, e sensíveis a elas. Importante ressaltar, conforme afirma Galvani (2002), que o processo de autoformação não pode ser confundido com a egoformação, que é desenvolvida a partir de uma visão individualista. A autoformação é um processo tripolar, que congrega o olhar para si, o olhar para o outro e o olhar para o meio. Esse processo de condução para si mesmo é permeado pelas diferentes relações que o sujeito estabelece na escola, com a comunidade, com a cultura, sofrendo ou não as interações do meio, e também por meio do campo simbólico. A autoformação requer uma tomada de consciência e, em meu entender, isso implica um domínio corporal, processos de retroação, de reflexão e de descoberta. Além disso, necessita de um solo estável e diversificado, o qual permita que o sujeito enverede por distintos caminhos. Constitui-se, nesse sentido, num processo que se ancora na transdisciplinaridade, enfatizando história, cultura, memória e sentimento. Com ele, passamos a discernir situações e, com as reflexões, realizamos as escolhas, dando-nos o direito de nos organizarmos. Passamos a crescer emocionalmente, por meio das conexões que realizamos entre o meio interno (o corpo) e o externo, experienciando a profundidade de nosso ser (KELEMAN, 1995). Quanto à natureza desse processo organizador, ele envolve movimentos, que se explicam pela lei biológica segundo a qual músculos se contraem e se alongam, compondo o tônus muscular, aquele que libera a energia necessária para nossa atuação no meio e para a manutenção da ordem. Nossa identidade profunda está relacionada ao como nos organizamos. Individualidade não é uma ideia, algo que alguém nos diz sobre quem somos ou um artefato social. É o reconhecimento de como fazemos as coisas, um sentido de ordem estabelecido por nosso processo vital. Esse processo natural pode ser o fundamento de nossa vida pessoal e proporcionar um sentido imediato, vívido e vital de quem somos (KELEMAN, 1995, p. 18). Pretendo corporalizar um processo formativo de corpo vivo, dinâmico, fluido, constituído de pensamento, emoção e energia. Para isso, entendo ser primordial recuperar as histórias de vida, as experiências formadoras dos educadores, a partir da vida e para a vida. Como se pode observar, para se falar em formação de professores não basta discutir sobre os aspectos da profissionalização docente, os saberes específicos que legitimam essa prática e aferem o status social desses profissionais; é necessário superar os modelos de educação-formação que enfatizam a racionalidade técnica e apostar em perspectivas que valorizem os aspectos sociocultural e subjetivo dos que corporalizam esse processo. Devemos, portanto, fazer avançar a concepção de formação de professores para a formação de educadores. Isso implica perceber a complexidade do ser professor e a amplitude do processo educacional. Significa concordar com a ideia de formação como prática que liberta o homem da ignorância e que o habilita a viver com ética, sensibilidade e sabedoria nos territórios que habita. Não podemos pensar em um professor abstrato, genérico, não podemos mais acreditar, de maneira ingênua, que a formação dos professores acontece somente nos espaços destinados a esse fim. Cada vez fica mais claro que as professoras e professores, mulheres e homens inacabados, contraditórios e multifacetados – com histórias pessoais forjadas nas relações que estabelecem com o outro, a cultura, a natureza e consigo mesmos – fazem escolhas, criam-se e recriam-se encontrando formas de crescer e de se exercer profissionalmente (FURLANETTO, 2003, p. 14). Para Arroyo (2008), falar sobre a formação humana, seja dos professores, seja dos educandos com os quais trabalhamos, corresponde a vivenciarmos um processo reflexivo sobre as representações que envolvem a imagem e a autoimagem do educador. Significa voltar no tempo e compreender a história e a cultura que contribuiu para nosso “dever-ser”. “Somos o lugar onde nos fizemos, as pessoas com quem convivemos. Somos a história de que participamos. A memória coletiva que carregamos” (ARROYO, 2008, p. 14). O autor defende uma formação que se construa pela e para a humana docência. Uma prática que considere o ofício de educar como uma arte que exige saberes e sensibilidades aprendidos e cultivados e que possibilita o encontro entre o viver e o ser de maneira formativa. Arroyo (2008) surpreende quando nos instiga a reviver a infância como forma de encontrar o caminho da humanidade. Explica que não nascemos humanos, e sim nos tornamos humanos, pelas interações sociais e pela experienciação cultural. No entanto, por mais que estejamos envoltos por uma cultura humanizadora, deixamo-nos deformar pelas dificuldades enfrentadas, tornando-a desumanizadora. Com isso, paulatinamente vamos esquecendo nossa humanidade. Assim, o reviver a infância, como momento de abertura para o desconhecido, para a experimentação e a aprendizagem do novo, corresponde à ampliação do espírito, que deseja encontrar sua essência, que deseja propagar sua humanidade. O autor ainda aponta a importância dessa formação humana para a ressignificação das representações sociais que se tem sobre os professores, escrevendo sobre as possibilidades, como a mudança de postura, de linguagem e de forma de ser, nessa nova imagem do educador profissional, bem como alertando para o equívoco de se pensar numa qualificação e especialização como forma de garantir a competência da prática do professor e a qualidade da educação. Diz ele: No convívio com professoras e professores percebo que há uma preocupação por qualificar-se, por dominar saberes, métodos, por adequar sua função social aos novos tempos, novos conhecimentos e tecnologias. Porém não é por aí que se esgotam as inquietações. Há algo mais de fundo em questão: o próprio sentido social de suas vidas, de seus esforços, de sua condição de mestres. Entender o papel que exercem, o peso social e cultural que carregam. Sua condição. Seu ofício. Seu ser professor, professora (ARROYO, 2008, p. 34). Nessa formação, os educadores são levados não apenas a identificar problemáticas que envolvem seu cotidiano, mas, principalmente, a refletir sobre estratégias para solucioná- las, mediando o conhecimento a ser construído pelo aluno. Nesse momento, esse educador revive a práxis, transformando-se pessoal e profissionalmente. Ele eleva a qualidade de sua ação e encanta-se com o espírito de mudança. Defendo, portanto, o exercício da formação humana permanente. Uma formação que, efetivando-se pelo entrecruzamento da fala reflexiva e da escuta sensível, resulta num desabrochar do potencial de cada educador. Uma formação que estimula a vivência do conhecimento pela pesquisa, que amplia a dimensão intelectual, aguça o espírito questionador e curioso do docente e o torna investigador de sua própria vida. Nessa perspectiva, Wallon (1975) já destacava a importância da vivência do conhecimento científico. Para ele, a cientificidade dos saberes constitui a essência da educação intelectual, aspecto necessário na formação de qualidade. Toda a educação intelectual em todas as disciplinas servirá para a formação moral e cívica, para o cultivo do espírito critico e do livre exame. As disciplinas científicas desempenharão um papel eminente se suscitam o gosto da precisão, da clareza, o hábito de evitar juízos precipitados, de praticar a objetividade, a imparcialidade (WALLON, 1975, p. 188). Ampliando essa compreensão, destaco a fala de Moreira (1994, p. 130), o qual afirma: “a pesquisa precisa tornar-se parte do processo de formação do professor por se tratar de uma parte constitutiva de seu trabalho, como docente, como administrador, como supervisor ou como orientador educacional”. Falo de uma formação da clarividência, que enverede pelos diferentes caminhos da aprendizagem e torne o educador novamente um aprendente, a formação humana de princípios éticos e morais, científicos, espirituais, que não se fecha em grades, que concebe o erro como possibilidade de crescimento e expressão do inacabamento de quem está sendo formado. Experiência profunda de ser em busca de um dever-ser, esse processo, embora circunde as palestras e os seminários, concretiza-se pela continuidade dos aprendizados no espaço de trabalho. Na realidade, há uma comunhão entre momentos presenciais na instituição, inserção em cursos, congressos, que envolvem uma participação no cenário profissional e científico, além de momentos de lazer. Nessa perspectiva, os momentos de lazer também são entendidos como momentos formativos, pois, por meio deles, o sujeito tem a oportunidade de desprender-se das dificuldades, apreciar o meio e estabelecer trocas energéticas com o outro e com a natureza. Acredito ser pertinente, no momento da formação, a conexão com os diferentes territórios do conhecimento, pois essa prática auxilia no vislumbramento de inovadas técnicas e metodologias de trabalho, permitindo [...] a melhoria do processo de ensino-aprendizagem, o domínio do saber, a transformação da informação em conhecimento e o desenvolvimento de cada aluno em cidadão crítico e comprometido com a mudança social (SILVA, 2002, p. 26). Nesse sentido, a formação pode estimular a elevação da competência dos educadores, a qualificação, ajudando na valorização das condições de trabalho e fomentando o trabalho de um bom professor. Bom não só em relação a capacidades cognitivas, mas também à demonstração de carinho, de afeto e de cuidado com o desenvolvimento dos alunos. “Pensar e mexer com a formação humana é um pensar nossa própria formação, nosso próprio percurso. Nos enfrenta com um dever-ser. O que é bem mais complicado do que um saber-fazer” (ARROYO, 2008, p. 41). Esse dever-ser envolve reflexão, leitura, domínio de diferentes linguagens, teorias e métodos. Requer valores, apreciação da cultura e uma escuta sensível dos sinais que envolvem essa autoformação. Articula principalmente os saberes da vida com o exercício da profissão, religa os diferentes níveis de ensino, fazendo emergir o ser aprendente que se esconde nos seres humanos. É uma formação que investe na beleza, no conhecimento e na estética e se situa em diferentes espaços sociais, articulando, por exemplo, as ações da família com a do professor. Nessa formação, cabe, ainda, revelar as leis da natureza, a construção da vida, a produção da cultura, o significado das pessoas e das relações e, principalmente, fomentar a compreensão da educação como um processo em que são revelados saberes, significados e o aspecto humano dos educadores e dos educandos. Mas, mesmo compreendendo-se a importância de uma formação profissional, como relacioná-la a uma formação humana? Sendo o professor um profissional competente, pode ele ser um profissional humano e afetivo? E o que garantiria ao professor o reconhecimento desejado seria uma boa prática ou um conjunto de titulações? Como se pode perceber, ainda existem muitas dúvidas no caminho da formação. Ainda há um vazio, territórios pouco explorados, o que tem levado os processos formativos a constituírem-se como rascunhos nos projetos políticos pedagógicos e nas propostas curriculares. Na maioria das vezes, exploram-se conteúdos, desenvolvem-se dinâmicas, realiza-se leitura partilhada, mas não se trabalha como um processo de formação humano, no qual o sujeito busque sua essência, conscientize-se de sua identidade, trabalhe a autoestima, o autorrespeito, estimulando em si mesmo o sentimento de pertencimento ao mundo. Nesse sentido, formar um educador não deveria significar apenas garantir-lhe conhecimentos teóricos e procedimentais nem, tampouco, priorizar os conhecimentos específicos da área. É preciso construir instrumentos, viabilizar metodologias que fomentem no indivíduo o desejo de busca pelos conteúdos internos, a organização de sua geografia e o fortalecimento da territorialidade que o compõe, ou seja, é preciso viabilizar nos educadores a aprendizagem de suas próprias vidas, estimulando-os a ver, escutar, fazer, provar e registrar as coisas do mundo. Imprescindível é investir na formação que faz luminescer a alma, que instiga o pulsar do coração, a sensibilidade dos ouvidos, das mãos, dos olhos e da boca. Isso equivale a reacender os sentidos por meio dos quais fazemos amor com nossa profissão. Torna-se, assim, evidente a necessidade de investirmos em um processo formativo que seja capaz de expandir a essência humana, que liberte o homem para irradiar sua luminosidade, ampliando suas potencialidades humanas. Um processo que valorize o humano e faça-o vivenciar a humanescência, fenômeno de construção de um novo espírito, no qual o sujeito se apresenta em sua complexidade, cognição, emoção, historicidade, materialidade e espiritualidade, revelando, de maneira expansiva e irradiante, a beleza da essência humana nos distintos momentos de ser e estar no mundo (BARBOSA, 2005; CAVALCANTI, 2008). A formação de professores exige, portanto, a associação dos saberes da profissão com o conhecimento de conteúdos disciplinares, a sabedoria da tradição pedagógica e também os saberes da vida: a partilha, a escuta sensível, a vivência. O sujeito necessita vivenciar o processo transpessoal e cósmico em que sua corporeidade é reconhecida como aspecto dinamizador, como foco irradiante e estruturador do aprendente, na medida em que, trabalhando com a filosofia do corpo, a experienciação dos sentidos, a motricidade e espiritualidade, revela o humano em sua complexidade e plenitude (ASSMANNN, 1995). 2.5 CORPOREIDADE: O ESPETÁCULO TRANSDISCIPLINAR NA FORMAÇÃO HUMANA No processo formativo, em que são ativadas as potencialidades humanas por meio de suas próprias trajetórias, a corporeidade assume lugar de destaque no que diz respeito à sobrevivência e ação desse sujeito no mundo. Numa dimensão biopsicossocial, ela revela os aspectos humanizadores constituintes do homem, colaborando para a identificação, a construção e o desenvolvimento do cidadão do mundo. A corporeidade exerce influência no processo educativo do sujeito, pois, sendo aspecto integrante da organização humana, determinante na aprendizagem, não pode ser desconsiderada nos diferentes momentos e espaços em que o homem vive. Ela implica a existência de processos corporais, estando relacionada à estrutura biológica, psicológica, social, política, intelectual e espiritual do humano. Associa-se, portanto, à materialidade e à consciência corporal, expressando-se por meio dos esquemas e linguagens, da simbologia que demarca as emoções e os sentimentos e da sacralidade que envolve o corpo. Constitui-se, assim, como instância básica para o discurso, o dialogo e a vivência que tem a centralidade focada no sujeito. Como se pode observar, a corporeidade envolve a dimensão instrucional, a educacional e a existencial da vida. Ela amplia a percepção, estimula o desenvolvimento dos sentidos, auxilia na internalização das informações por meio dos processos reflexivos e mobiliza o sujeito para a experienciação do conhecimento, porque, sendo corpo, é também energia; sendo fluido energético, é sentido que possibilita o agir, o ser corpo existencial com compreensão e equilíbrio. Por ser constituída a partir de ações e sensações, a corporeidade não é algo estanque, nem uma “fatalidade que o homem deve assumir” (LE BRETON, 2006); ela se constitui a partir de um corpo, que, por sua vez, constrói-se biologicamente, socialmente e culturalmente. É, portanto, complexa, processual e dinâmica. A corporeidade expressa a dinâmica organizativa da vida. Constitui-se, sim, por meio do corpo, seu habitat, mas não se restringe a ele, já que no mundo, para existirmos dependemos também das relações que estabelecemos com as coisas e as pessoas. Sendo assim, a corporeidade é corpo, é motricidade, percepção, é consciência e sentimento. Reúne pensamentos, sonhos, emoções e a relação interativa, auto-construtiva, de corpos. Nesse sentido, o corpo e a corporeidade constituem-se como sistemas autopoiéticos de complementaridade e criatividade. Conforme afirma Assmann (1995, p. 68), “nossa corporeidade, em todos os seus aspectos é criadora e fabulosa do ‘real’”. O conceito de corporeidade, em virtude de sua amplitude e complexidade, termina sendo confundido com a compreensão de corpo, ou de motricidade. Contrapondo-se a essa visão, apresentamos a corporeidade como dimensão energética que mobiliza os fluidos dinamizadores e que torna o homem um ser de movimento, ação, singularidade. Ela não pode, portanto, ser descrita a partir de conceitos fechados, que a reduzem a matéria, objeto ou a um dever ser (ARROYO, 2008). Aqui o conceito de corporeidade é coextensivo à vida. Embora não se restrinja ao conceito puro e simplista de corpo, é, sem dúvida, a partir dele que a corporeidade emerge e ganha forma, o que nos leva a estabelecer uma relação de imbricação entre ambos: o corpo depende da corporeidade para alcançar o significado da vida; e a corporeidade, do corpo, para materializar suas implicações. Sendo assim, não existe corpo vivo sem corporeidade, nem corporeidade sem corpo. A corporeidade é o alimento do corpo-sujeito, o aspecto dinamizador que, durante muito tempo, foi compreendido como objeto de apropriação simples dos conhecimentos. Tal compreensão, frágil e fragmentadora, nos marcou, implantando o sentimento, ou melhor, o não sentimento por nosso próprio corpo, fato que nos torna cegos no que diz respeito a nossa biografia corporal. Na verdade, essa concepção nos distanciou de nós mesmos, fazendo com que tenhamos extrema dificuldade de ser o corpo que somos (ASSMANN, 1995). Esse distanciamento também decorre da internalização dos ditames sociais, que nos dizem e determinam cotidianamente que corpos temos que ter, o que e como podemos sentir, bem como a forma de usá-lo. Ou seja, mas do que ser a sua verdadeira e real substância, nossos corpos, são corpos, que nos disseram que temos, corpos inculcados e ensinados, feitos de linguagens, símbolos e imagens (ASSMANN, 1995, p. 72) Distantes de nós mesmos, desconhecermos nossas potencialidades, nossas formas de relacionamento com o outro. Esquecemos de nossa natureza, pouco cuidamos da higiene e da saúde de nosso corpo, tornando-nos seres doentes de corpo e de alma. Com isso, nos aprofundamos em depressões, desfazemos relações, adoecemos. Afastados das pessoas, decaímos no rendimento, passando a sermos percebidos por nossas fraquezas. Em virtude de tais consequências, sentimos a necessidade de revisitar o corpo, ampliar os saberes sobre a corporeidade e experienciar a vida com plenitude, tornando-nos seres criativos e solidários. Enfrentando esses desafios, a sociedade avança criticando as visões mecanicistas do corpo, superando as concepções dualistas, construindo novas linguagens e formas de se conceber o conhecimento, bem como investindo em experiências reflexivas e vivenciais. Essa transformação, como já citado, inicia-se com uma nova compreensão sobre o corpo, uma visão sistêmica, transdisciplinar, que lança sobre ele um olhar sensível e integrador. Para alcançarmos essa compreensão com profundidade, temos que nos compreender como totalidade, como sujeitos de corpo, alma, energia, sensibilidade. Necessitamos ser capazes de visualizar a aquarela de cores que nos compõe, os diferentes aromas e as notas que nos tornam música; precisamos redescobrir-nos. Para isso, necessitamos sentir-nos corporificados e sermos corpo. “Ser corporificado é criar um corpo vivo – não apenas estar com o corpo ou em relação a ele. O seu corpo vivo cria as suas relações” (KELEMAN, 1975- 1996).   Sendo assim, a corporeidade é compreendida no contexto da complexidade da existência. É a energia, a ação, o sentido atribuído, seja pela consciência, seja pelos sentimentos, pelo corpo-sujeito ao mundo. Envolve a ação deste corpo, que é historicamente construído, que interage com as diferentes esferas da vida e que determina o tempo e a dinâmica desse viver, compreender e aprender. E “neste processo está envolvida a totalidade humana, onde a intuição, os sentimentos, emoções e afetos desempenham papéis importantes nos processos auto-organizacionais” (MORAES, 2003, p. 161). Numa perspectiva educacional, a corporeidade começa a ser reconhecida, como principio metodológico de uma nova forma de conceber o conhecimento e a realidade (ASSMANN, 1995). Com ela, é possível nos distanciar do pensamento de uma aprendizagem meramente intelectiva, de um professor acorporal e de um aluno com amarras corporais, em virtude da intensidade e do significado com o qual se apreende o mundo. Com a presença viva da corporeidade na educação, ou seja, no processo formativo, a ideia de que o trabalho com o corpo trata-se de um processo autoritário de determinações a serem cumpridas é esquecida. Dessa forma, a educação para e com a corporeidade contrapõe-se à focalização da aprendizagem em partes fragmentadas e específicas do corpo, rompe com a ideia de conjunto de órgãos que se conectam por um pensamento, distanciam-se do sentimento, e prevê um processo de ensino respaldado na vivência. A corporeidade é, portanto a territorialidade humana que consolida-se no espaço, no tempo de maneira dinâmica e fluida. Ao falarmos sobre a corporeidade, discorremos sobre dimensões do ser, diversidade de concepções e teorias que a traduzem. Isso ajuda-nos a entender a impossibilidade de fecharmos a compreensão de corporeidade, pois, sendo cotidianamente construída, desconstruída e reconstruída, ela é dinâmica e inacabada, não podendo ser traduzida de maneira estanque, como já dissemos anteriormente. Corpo, corporalização, corporalidade, noções fundamentais para se compreender o pulsar da vida humana, a energética do Ser. O corpo é a legitimação espaço- temporal do Ser no mundo. A corporalização traduz a dinâmica entre o manifesto e o não-manifesto da subjetividade humana. A corporalidade ou corporeidade refere- se ao campo existencial das vivências, historicamente vividas pelo Ser corporalizado (CAVALCANTI, 2004, p. 8). Apesar de sua amplitude, considerá-la como fenômeno subjetivo não significa entendê-la com superficialidade, pois, embora dependa de cada sujeito, do espaço, e do tempo no qual esse homem vive, a corporeidade apresenta características inerentes aos processos organizativos que ajudam a compreendê-la. Conforme revela Assmann (1995), ela está organizada de forma cíclica, resultando da comunicação e da interconectividade entre as dimensões que a compõem, como a percepção e a motricidade; ela é autorreferencial e apresenta uma identidade sistêmica, que permite a interdependência entre todo e parte, objetividade e subjetividade, racionalidade e sentimento. Além disso, tem uma plasticidade que possibilita o acoplamento entre aspectos distintos, que envolvem a corporeidade e o meio. Assim, posso afirmar que a corporeidade, compondo o ser humano autopoiético, também é autopoiese e funciona como reguladora da vida. Tal educação corporeificada e corporalizada contrapõe-se a focalização da aprendizagem em partes fragmentadas e especificas do corpo, rompe com a idéia de conjunto de órgãos que conectam-se por um pensamento e distanciam-se do sentimento e prevê um processo de ensino respaldado na vivência. A corporeidade faz parte, portanto da territorialidade humana que consolida-se no espaço, no tempo de maneira dinâmica e fluida. Segundo os estudos realizado na Base de pesquisa Corporeidade e Educação (BACOR-UFRN), a corporeidade constitui-se a partir de 5 princípios: reflexividade autobiográfica, ludicidade, sensibilidade, criatividade, reflexividade vivencial. Tais princípios quando organizados configuram-se em uma teia transdisciplinar que se sustenta pelos fios do conhecimento, da solidariedade e do cuidado integral e sustentam o processo formativo e significativo do ser humano. O primeiro fio da teia refere-se a reflexividade autobiográfica, reconhecida em nosso estudo pela autobiografia. Esta configura-se como um momento em que o sujeito conectado a sua memória, busca em seus registros, as experiências formadoras de sua corporeidade, de sua vida. Aqui, a reflexividade autobiográfica configura-se como processo cíclico de auto- produção, em que o sujeito experienciando fatos ou momentos da vida assume a postura reflexiva diante das experiências que o formam e materializam a sua existência, ampliando suas possibilidades de atuação no mundo (BARBOSA, LIBÂNEO, PINEAU) A reflexividade autobiográfica conforme a própria expressão demonstra, requer o desenvolvimento da capacidade reflexiva do sujeito sobre sua própria trajetória formativa. Tal capacidade envolve não apenas o ato de pensar, mas um movimento cerebral articulado a um movimento corporal consciente, que permite a identificação, compreensão e transformação da realidade vivida. A capacidade reflexiva é condição fundamental para o desenvolvimento humano. De acordo com Teilhard de Chardin (1989), o desenvolvimento humano depende da capacidade de pensar e saber, o que significa saber que se sabe. Através da competência reflexiva, o individuo constrói a sua identidade com base na liberdade e na autonomia para tornar-se sujeito (MORAES, 2003, p. 173). Em nosso caso o fio da reflexividade autobiográfica permite que o sujeito compreenda-se a partir do momento que retoma as experiências que o constituíram. É mais um momento em que é experienciada a autoprodução e desenvolvida a consciência. O segundo fio, trás como fundamento essencial da corporeidade, o brincar. Inerente a ludicidade o brincar faz parte do processo de encantamento com a vida, de experienciação de diferentes papeis, da alegria. Com ele o sujeito é encaminhado para mover seu corpo a favor da descoberta, da interação, do prazer e da imaginação. Embora seja uma dimensão bastante esquecida a ludicidade, floresce no humano na infância, quando o sujeito ensaia os primeiros passos de comunicação com o mundo, no entanto, não resume-se a esse nível de vida, participando também da constituição do jovem, do adulto e do idoso. Apesar de sua evidência, a ludicidade é percebida de maneira descontextualizada, fato que em nossa sociedade, faz com ela seja trabalhada apenas com crianças, sendo percebida nos demais níveis de maneira preconceituosa. Muitas vezes ela é tida como brincadeira sem fundamento, recreação que pouco contribui para o crescimento e desenvolvimento do ser humano. Para nós, a ludicidade é compreendida de outra maneira. É imprescindível para a apropriação da nossa realidade com beleza e alegria. É indispensável pelo prazer que proporciona, pela simbologia que nos encanta e pela importante forma com a qual nos ensina a jogar com a vida. É, dessa forma, compreendida como dimensão fundante do fenômeno lúdico, com a qual o sujeito revela, por meio do brincar, dos sonhos e da imaginação a sua capacidade de criar e jogar com a realidade, atribuindo-lhe sentidos e significados. (BARBOSA, SANTIN, HUIZINGA) Um outro fio, o da criatividade, trás a beleza e o prazer para o momento de apropriação e construção do conhecimento, das pessoas e de suas práticas. Para La Torre (2008) a criatividade é um bem social, pois ela promove o bem estar, distancia o humano da imobilidade, liberta-o da escravidão, impulsionando-o para a inovação. A criatividade eleva as potencialidades humanas, facilita a transformação de signos em símbolos, permitindo que o homem vá além do que espera, já que autoriza a visualização das perspectivas do futuro. A criatividade pode ser compreendida como a flexibilidade mental necessária aos processos de adaptação e transformação. Ela perpetua a diferença, mobiliza as demais dimensões constitutivas do humano, garantindo a diversidade, a livre expressão. Trata-se de um potencial humano que não pertence unicamente aos gênios, nem tampouco resume-se a aptidões e habilidades artísticas. A criatividade é ilimitada, contrapõe-se ao determinismo e exige uma autonomia perceptiva e mental, sendo dessa forma, consciente e transformadora.   Criatividade é uma palavra repleta de imaginação, de possibilidades e de geração de novas idéias ou realizações. Nesse sentido, torna-se inadequada a postura daqueles que concebem a criatividade como “criação”, como produto novo útil, como ato consumado. O Criador é aquele se manifestou sua capacidade de realizações valiosas; criativo, é aquele que possui a energia potencial para realizar transformações pessoais em seu ambiente (LA TORRE, 205, p. 63). Segundo Maslow (1983) a criatividade é comum a todos os homens, ela habita o corpo humano, ajudando a iluminar a corporeidade de cada individuo, além de refletir a produtividade racional que viabiliza o êxito pessoal. Para nós esse potencial pode ser canalizado para ações solidárias, que expandindo boas energias para o entorno, faz florescer as demais dimensões do humano. É, portanto um fenômeno, a criativescência. O quarto fio, a sensibilidade, permeia todos os outros, funcionando como o elo integrador dos demais princípios. Para nós a sensibilidade é capacidade subjetiva do humano, revelada pelos sentidos e expressa pelas emoções, cujo desenvolvimento impulsiona a construção dos laços de solidariedade e boa convivência com os sujeitos e o planeta. (BARBOSA, SCHILLER, PIRES). A sensibilidade instaura no homem diferentes sentimentos, estes tornam-se linguagem para comunicar os desejos e necessidades desses seres, sendo responsáveis, junto a cognição, pelo desenvolvimento humano. “Conhecendo os sentimentos e permitindo que se revelem e fluam naturalmente, nos sentimos mais confortáveis, alegres e felizes” (MORAES, 2004, p. 299). Para Alves (2005) somos capazes de aprender, quando amamos, ou seja, quando existe um sentimento que nos une ao conhecimento ou ao mediador desse saber. A sensibilidade constitui a caixa de brinquedos, é ela que nos oferece as razões para viver. Segundo Santin (1995, p. 36) a “sensibilidade precisa acontecer nas duas dimensões, enquanto conhecimento válido e enquanto vida afetiva, condições inerentes a todo sujeito cognoscente”. A sensibilidade, portanto, é o principio constituinte da corporeidade que toca o coração do homem, permitindo que ele relacione-se com o outro e visualize a beleza da vida. Atrelado aos anteriores o quinto principio reflexividade vivencial, proporciona ao homem um agir de forma transformadora e experiencial, ou seja, ele é levado a vivenciar o conhecimento. Na medida em que aprende, o sujeito amplia os seus sentidos. Ele toca, ouve, ver e sente o que aprende, de forma que o saber torna-se não só um registro na memória, mas também um registro corporal. Sabemos também que as experiências vividas constituem os fundamentos dos processos cognitivos e que é através das experiências que conhecemos o mundo, que descobrimos o caminho e criamos o nosso mundo (MORAES, 2004, p. 266)   Para nós a reflexividade vivencial pode ser compreendida como processo de apreensão da realidade, em um espaço-tempo, por meio da experienciação intuitiva e consciente, pelo qual o sujeito pensa, organiza, sente e (re)constrói os saberes necessários a vivência e compreensão de sua existência (BARBOSA, LIBÂNEO, MATURANA). A reflexividade vivencial refere-se aos momentos de experienciação. Com ela o sujeito desenvolve a sua habilidade de colocar em prática os conhecimentos aprendidos de maneira a torná-los mais funcionais e compreensíveis, ou seja, vive-se o conhecimento para melhor apreendê-lo.   Mas, ter e viver o saber da experiência exige cultivar a “arte do encontro” consigo mesmo, com o outro e abrir espaços para que “algo nos aconteça e nos toque” (LARRROSA, 2002. p. 24), exigindo-nos atitudes de escuta, de silêncio, de suspensão de juízo, de opiniões pré-concebidas e de verdades absolutas (SOUZA, 2006, p. 93). Como podemos observar o desenvolvimento desses princípios trazem a tona as dimensões e potenciais do humano. Eles fazem referência a essência do homem resgata ao que há de mais íntimo em sua formação, sendo por isso, fundamental para os processos formativos que objetivam desenvolver o ser humano em sua totalidade. Assim, corporalizar a educação-formação, significa sensibilizar educandos e educadores para a sua corporeidade, torná-los brincantes e aprendentes da vida e através da vida. Sentir o corpo, desenvolver o consciente e o inconsciente e o sentimento de pertencimento ao universo. Quando os sujeitos reconhecem a sua identidade corporal têm a possibilidade de demonstrarem maior alegria em suas práticas, envolverem-se com maior facilidade, ensinando e aprendendo de forma comprometida, já que suas próprias ações são dotadas de significados e representatividade. É esse encantar-se com a vida, aprender com a experiência do outro, descobrir-se aprendente que buscamos quando relacionamos a formação, as questões da história de vida e a corporeidade. É a vivência dela, nas instituições de ensino, desde os níveis mais elementares que acreditamos colaborar para a conscientização e sensibilização dos sujeitos para as suas vivências e histórias de vida, como aspecto formador. A vida, as experiências pessoais, são, portanto, essenciais no processo de construção de si, de reinvenção e estruturação do conhecimento. Para nós a formação que parte da vida, autoriza os sujeitos a assumir sua subjetividade sem medo e vergonha, permitindo que homens e mulheres adotem uma postura reflexiva diante da vida e de suas práticas.  3 OS PES INSTRU QUISA MENTOS E OS RETALHOS cr d : O PRO Todos junt iar: ponto a e areia, pon e ponto lembro q exis CESSO D os começar berto, canu to cheio e d russo, pon uantos mai tente e outr E TESSIT am, um nov tilho, ponto e cadeia, c to Paris e a s...Tudo o q o mais que Ana Mari URA DA o mundo a de haste e rivo, marca trás, e nem ue é ponto se invente. a Machado 3.1 É CHEGADA A HORA DE ALINHAVAR Nesta pesquisa, que trata da formação humana do docente, pautada pelo encantamento da corporeidade docente, busquei, nas bases qualitativas da pesquisa social, as linhas para subsidiar meu processo de costura, sobretudo por ela permitir o trabalho com o sujeito em sua inteireza. Além disso, já que se fala em corpo, para um reencantar do corpo eu não poderia aprisionar-me em pesquisas de cunho quantitativo, que viessem a mensurar, ou fragmentar, as ações e as repercussões de um corpo que é movimento, é história e que não pode ser expandido se visto unicamente pelas linhas de tabelas ou equacionado em gráficos. Enquanto cientistas sociais que trabalham com estatísticas apreendem dos fenômenos apenas a região “visível, ecológica, morfológica e concreta”, a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas (MINAYO, 1994, p. 22). Esta pesquisa, de cunho qualitativo, desenvolveu-se a partir de diferentes significados, considerando os aspectos subjetivos, abrindo espaço para crenças, valorizando atitudes, priorizando os aspectos que influenciam e, por vezes, determinam as relações que compõem os diferentes contextos. Escolhi a pesquisa qualitativa por acreditar que ela se desenvolve de forma dinâmica e trabalha uma cientificidade flexível, o que me possibilitou um desvendar profundo do campo investigado. A intenção foi utilizar uma concepção de pesquisa que viabilizasse o trabalho, que me contemplasse com uma diversidade de possibilidades e instrumentos, demonstrando a transparência do processo e permitindo a descrição dos retalhos bem como dos nós encontrados. Esse tipo de pesquisa rompeu com o distanciamento entre a pesquisadora e o objeto estudado e garantiu a participação e o envolvimento efetivo no processo de intervenção, pois “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos” (MINAYO, 1994, p. 21). Por congregar processos e fenômenos, a pesquisa foi tecida com a linha fenomenológica, que compreendida como corrente filosófica, envolve-nos com as questões da existência. A fenomenologia surge como uma perspectiva reflexiva de fazer ciência e contrapõe- se à ciência positivista, que se restringe a observar e quantificar o objeto, minimizando o papel do sujeito no processo de construção do conhecimento. Dentre suas contribuições, está a interação e a interconectividade entre o extremo subjetivismo e o extremo objetivismo, na criação e recriação do mundo e do sentido a ele dado. Nesta pesquisa, sua aplicabilidade ganha maior amplitude pelo fato de ela considerar as experiências vividas dos sujeitos, não admitir o reducionismo e centrar-se no percurso, e não o fim do processo de investigação. Dentre as modalidades de pesquisa que comungam com a perspectiva fenomenológica, foi utilizada a pesquisa-ação. Inspirada por Dewey e trabalhada por Lewin (1946), esse tipo de pesquisa se caracteriza como uma ciência da ação, ou seja, nela, a partir de intervenções realizadas e da repercussão dessas intervenções, são produzidos conhecimentos que ajudam a desvendar a complexidade do contexto e facilitam uma leitura partilhada do mundo. Entendida como processo dinâmico permanente de planejamento-ação-reflexão, a pesquisa-ação diferencia-se por contemplar, no processo investigativo, a vivência e a participação dos diferentes agentes, sem desprezar a objetividade e a cientificidade do conhecimento. Nela, a investigação é orientada pela criação e decorre da interação entre pesquisador e participantes, sendo construída a partir do diálogo, das trocas realizadas entre os sujeitos, da necessidade de transformação do ambiente, das pessoas e das práticas, dependendo, portanto, do comprometimento pessoal e coletivo dos que dela participam. A pesquisa-ação constitui-se em uma pesquisa da partilha, pois nela não é só o pesquisador quem detém o saber e conduz o estudo. Ele também é um ser aprendente (ASSMANN, 2005), que constrói novos saberes a partir do que vivencia com os participantes da pesquisa. Nesse sentido, os colaboradores são pesquisadores que ensinam, que constroem conhecimentos, pois vivenciam cotidianamente a reflexão, a criatividade, a experimentação, habilidades que um bom pesquisador deve ter. Dentre as perspectivas da pesquisa-ação, a que me pareceu mais apropriada para ser desenvolvida na minha pesquisa foi a denominada pesquisa-ação crítica. Essa escolha se justifica, principalmente, pelo fato de a pesquisa-ação crítica permitir a mobilização dos saberes a partir da reflexão e do diálogo. Essa modalidade de pesquisa desencadeia-se no campo, a partir do momento em que o sujeito reconhece a necessidade de modificar a prática, consolidando o processo de emancipação de si mesmo. Portanto, o estudo não se desenvolve a partir de uma imposição, mas decorre de uma decisão que é elaborada no grupo. Assim, a pesquisa-ação se distancia de concepções positivistas, que priorizam a objetividade, e enfatiza, em sua construção, os valores pessoais e práticos dos sujeitos participantes. Cabe ressaltar que esse processo não se restringe ao diagnóstico e à descrição do objeto em questão; o que se busca por via das ações é a transformação dos participantes e de seus espaços de convivência, trabalho e aprendizagem. No caso desta pesquisa, esta foi sendo construída a partir das situações que emergiam, portanto não esteve presa a métodos, não seguiu fases previamente estabelecidas nem se desenvolveu por meio de um cronograma rigoroso. Respeitou os princípios éticos, seguindo a resolução nº 196, de 1996, do Conselho Nacional de Saúde – CNS, que regulamenta a pesquisa com seres humanos, sendo desenvolvida de forma comprometida, a partir de relações dialógicas criadas, que conscientizavam e sensibilizavam os sujeitos participantes e a pesquisadora, mediante a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. A pesquisa-ação crítica é uma modalidade de pesquisa que pode ser adotada nas instituições de ensino, pois atende às preocupações dos profissionais da educação, abarcando questões relacionadas à atuação docente, ao aperfeiçoamento da prática pedagógica, ao planejamento e ao ensino. No caso desta pesquisa, a pesquisa-ação crítica revelou-se como uma metodologia formativa, na medida em que os participantes vivenciaram as espirais cíclicas experienciando momentos de individuação, de observação, de planejamento, de reflexão e de ação. Segundo Barbier (2004), o sentido maior da pesquisa-ação está na vivência das espirais cíclicas reflexivas, ou seja, consiste no efeito recursivo entre a reflexão permanente do processo e a ação refletida. Vivenciando essa espiral, o sujeito tem a oportunidade de acompanhar sua trajetória refletindo sobre o tecer da vida e transformando-o de maneira consciente quando necessário. Para Ghedin e Franco (2008, p. 242), as espirais cíclicas exercem funções fundamentais na pesquisa pelo fato de serem: [...] instrumento de reflexão/avaliação das etapas do processo; instrumento de autoformação e formação coletiva dos sujeitos; instrumento de amadurecimento e potencialização das apreensões individuais e coletivas; instrumento de articulação entre pesquisa/ação/reflexão e formação. sensi Cum encam sente possi expe estim alcan por desen ident corpo se co para Pla Envolv bilidade e prindo com inhado a v as interaç bilidades d Para u riencialidad Figura Vivenc ulados a p çar seus so meio das volver um Viver ificar suas ralizando o nhece e co melhor viv nejamento Ação e, portanto a abertura a experie iver o mov ões, intern e compreen m melhor e vivida em 1 – Represen iando esse ensar sobre nhos e seu vivencialid novo sentir esse ciclo potencialid processo mpreende er. 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O sujeito o-organiza, eflexão amento uisa Experienciando os ciclos, os sujeitos que participaram da pesquisa foram levados a refletir sobre o que viam e o que sentiam, tiveram um tempo para parar e perceber o que lhes ocorria, passando a desenvolver um agir coletivo, no qual ocorreram momentos de negociação, de debate, de corporalização, de pesquisa, de reflexão e de confiança, que encaminharam esses sujeitos para a reconstrução de si mesmos e a consequente reelaboração do fazer e do conviver. Por trazer à tona a subjetividade dos participantes e requerer mudanças de atitude, de linguagem e um novo pensar, o processo de pesquisa demandou cautela, paciência e tempo, necessitando ser vivenciado de forma processual e a partir de instrumentos flexíveis. Valorizando o ser, buscou quebrar barreiras, minimizar as resistências e redefinir papéis, e caracterizou-se pela perseverança e pela conquista afetiva. Ghedin e Franco (2008, p. 218) dizem que, [...] ao falar de pesquisa-ação, fala-se de uma pesquisa que não se sustenta na epistemologia positivista e pressupõe a integração dialética entre o sujeito e sua existência, entre fatos e valores, entre pensamento e ação, entre pesquisador e pesquisado. Sendo essa uma metodologia que assegura os princípios da participação e da solidariedade, o pesquisador que se propõe utilizá-la necessita apresentar um conhecimento fundamentado nos aspectos subjetivos e nos objetivos, estar disponível aos participantes, ter a capacidade de se adaptar e de renovar-se, demonstrando confiança e prazer em realizar sua prática. O pesquisador se configura como um conquistador, alguém que intermedeia o processo de construção e ressignificação, a partir da paixão por conhecer, aprender e autoformar-se. É o sujeito que vivencia a ação de “corporeificar” como indica (FREIRE, 1996), sendo reconhecido pela habilidade de envolver, de ouvir, de agir com ética e de maneira reflexiva. É preciso que o pesquisador saiba tecer e construir esse sentimento de parceria e colaboração, instaurando um clima grupal que permita a emergência qualitativa dessas ações em todos os participantes (GHEDIN; FRANCO, 2008, p. 233). Em meu caso, colocar-me como pesquisadora participante permitiu-me observar os movimentos dos diferentes corpos, visualizar gestos, interpretar expressões com maior facilidade. Levou-me a olhar um corpo que não é posto, solitário, e entendê-lo como matéria existencial, dotado de habilidades e de restrições, marcado pelo tempo, pelos espaços e determinado pelas histórias. Dentro da pesquisa, essas histórias apresentam destaque, pois é a partir delas que a construção dos saberes e a consequente ressignificação da corporeidade acontece. Desse modo, as histórias de vida são compreendidas como algo formador, de pertencimento ao mundo e de compreensão do mundo. Concordo com Josso (2004, p. 39) quando destaca: [...] o que faz a experiência formadora é uma aprendizagem que articula, hierarquicamente: saber-fazer e conhecimentos, funcionalidade e significação, técnicas e valores num espaço-tempo que oferece a cada um a oportunidade de uma presença para si e para a situação, por meio da mobilização de uma pluralidade de registros. Como se pode observar, nesse processo de sensibilização do sujeito em relação a si mesmo, de reconhecimento e de autoformação, a história de vida se constitui em importante ferramenta para a formação e recriação do sujeito. Ela permite que o indivíduo perpasse os diferentes tempos, sinta diversificadas sensações, percebendo o que o constituiu daquela maneira e o que foi significativo para ele. Para mim, as histórias de vida são fios resgatados para o estudo, por se preocuparem com a educação permanente dos sujeitos e tratarem enfaticamente dos aspectos subjetivos e formadores do homem. Elas são extremamente enriquecedoras, pois envolvem aspectos antropológicos, psicológicos, sociais, estéticos, didáticos e éticos, vendo o homem integralmente: como aquele que pensa, sente, que se conhece e que se preocupa com o outro. As histórias de vida, portanto, colocam o sujeito frente a sua própria identidade por meio das narrativas, permitindo-lhe refletir sobre ela bem como sobre as interações que estabelece. Configura-se como um aspecto constituinte do ciclo reflexivo, e pode ser considerada desencadeadora da vivência dele, pois, a partir desse olhar para si, o participante passa por momentos de reconhecimento e reinvenção de si mesmo. Seja de forma consciente, seja pelo caminho da sensibilidade, quando se reflete sobre as histórias de vida contadas elas permitem a localização do sujeito no espaço-tempo, o que possibilita a atribuição de sentido pelas vias do vivido. Vivemos uma infinidade de transações, de vivências; estas vivências atingem o status de experiências a partir do momento que fazemos um certo trabalho reflexivo sobre o que se passou e sobre o que foi observado, percebido e sentido (JOSSO, 2004, p. 48). O trabalho com essas histórias como experiências formadoras implica a articulação entre ideias ainda hoje tidas como antagônicas: teoria e prática, mente e corpo, subjetividade e inteligibilidade. Envolve diferentes aspectos da existência sensibilidade, afetividade, reflexividade e atividade, ou seja, ações –, por isso minha necessidade de acoplar os princípios das histórias de vida aos aspectos teórico-metodológicos da pesquisa-ação. Trata-se de um processo que se baseia nas questões existenciais e que é construído e reconstruído por meio das diferentes experiências. É a partir dele que os indivíduos tendem a buscar coerência para suas vidas. Para isso, contam com a apropriação de uma linguagem e o desenvolvimento de habilidades e competências culturalmente adquiridas. As histórias de vida não podem, nesse sentido, estar desvinculadas da corporeidade do indivíduo, pois é essa corporeidade – a forma como o sujeito vê, como se movimenta, como sente e como atua nas situações em que constrói as experiências – que compõe a própria existência e, refletindo sobre essas experiências, ele se amplia, passando a ter maior facilidade para reorganizar-se. Conscientes de suas histórias e sensíveis a elas, os sujeito – no caso da pesquisa, educadores e educandos – passam a apresentar maior abertura para si mesmos, para o outro e para o meio, fluindo, dessa forma, na dinâmica da vida. Compartilhar histórias, narrar fatos da realidade, contribui para a difícil tarefa de conviver com o outro, de unir-se pelos laços de solidariedade com o ser humano e com o meio ambiente. Para Josso (2004, p. 56),“esta integração efetua-se segundo uma dinâmica de transformações psíquicas e comportamentais que colocam em jogo a dialética entre o individual e o coletivo”. Toda essa dinâmica e evolução a partir das experiências só é possível se o sujeito envolver-se no processo, embarcando numa viagem que tem como ponto de partida e de chegada ele mesmo. Esse “caminhar para si” (JOSSO, 2004) pede maior sensibilização para o corpo e, consequentemente, para a atuação dele na vida cotidiana. O processo de caminhar para si apresenta-se, assim, como um projeto a ser construído no decorrer de uma vida, cuja atualização consciente passa, em primeiro lugar, pelo projeto de conhecimento daquilo que somos pensamos, fazemos, valorizamos e desejamos na nossa relação conosco, com os outros e com o ambiente humano e natural. (JOSSO, 2004, p. 59). Fazer-se histórias é tornar-se, primeiramente, autor da própria existência, não passando por ela simplesmente, mas vivendo-a em sua plenitude, com seus desafios, dúvidas, resoluções de problemas e alegrias. Viver primeiramente, para posteriormente auto- interpretar-se, autocriar-se. Nesse sentido é que busquei por meio das histórias envolver os participantes e fazê- los percorrer o caminho da vida, trazendo os fios que os teceram, os nós que os tornaram retalhos e suas perspectivas de se tornarem novamente tecidos coloridos e belos O sujeito refletia, então, sobre sua atuação no passado, no presente e no futuro, o que gerava curiosidade, problematizações, ressignificação de papéis. Ou seja, o indivíduo era convidado a exercer transformações, valorizando e reorientando sua existência. Isso também ocorria quando ele se sensibilizava com sua corporeidade; afinal, é também por meio dela que o sujeito se torna história. 3.2 A CAIXA DE COSTURA: APRESENTANDO O CENÁRIO DA PESQUISA O cenário escolhido para a realização da pesquisa foi a Unidade Educacional Infantil, instituição pertencente à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que funciona no complexo do Centro de Ciências da Saúde – CCS –, o qual está localizada na Av. Nilo Peçanha, s.n., em Petrópolis (Natal/RN). A creche foi criada por intermédio da Portaria n. 815/87, de 13/10/87, assinada pelo reitor da UFRN, Prof. Daladier Pessoa da Cunha Lima. Essa portaria visava viabilizar o trabalho dos servidores e assegurar-lhes uma melhor qualidade de vida. A decisão de efetivá-la também se deu em decorrência da necessidade de lotar e remanejar professores de 1º e 2º graus que trabalhavam na Escola Doméstica de Natal e que, em decorrência do término do convênio entre a UFRN e essa instituição, precisavam ser enquadrados em um novo espaço de ensino. Em 22 de abril de 1988, a Creche Casulo, ou Creche da Saúde, como ficou conhecida, foi inaugurada, passando a ser dirigida pela Profª. Joana D´arc de Lima Teixeira, que permaneceu na administração até 1995. Hoje, os trabalhos da creche são dirigidos pela Profª. Ms. Cristina Diniz Barreto de Paiva. Para atender as necessidades das crianças, que precisavam ter uma alimentação saudável, a creche se propôs elaborar o cardápio que ofereceria, responsabilizando-se pela nutrição das crianças. Em virtude de serem quatro refeições ao dia, sentiu-se a necessidade de se criarem convênios para cobrirem os altos custos. Assim, a Legião Brasileira de Assistência – LBA –, o Hospital Onofre Lopes – HUOL –, e o Centro de Ciências da Saúde passaram a ser parceiros no financiamento dos alimentos. Em 1992, findando o convênio com a LBA, a creche passou a atender apenas os filhos dos funcionários da UFRN. Em 1999, ela passou a fazer parte, administrativamente, da Reitoria, ficando seus funcionários vinculados ao Departamento de Pessoal. A parceria então firmou-se entre o Departamento de Assistência ao Servidor – DAS – e a Pró-Reitoria de Recursos Humanos. A Unidade Educacional Infantil já existe há 20 anos, funciona em regime de tempo integral: das 7h da manhã às 17h30min, acolhendo crianças de quatro meses a quatro anos de idade, desde que filhos(as) de servidores ou de alunos da Universidade. De acordo com a Lei 9394/96, é um lugar que cumpre com o objetivo central desse nível de ensino, ou seja, de assegurar às crianças o cuidar e o educar. Para isso, ela conta com um quadro de 80 profissionais, os quais se dividem nas seguintes funções: diretora, vice-diretora, coordenadora pedagógica, professoras, assistente administrativo, cozinheira, ASG, lactarista, nutricionista, enfermeira, técnica de enfermagem. Oferece educação e serviços de nutrição e enfermagem, procurando assegurar o bem-estar dos infantes que dela fazem parte. A princípio, a inserção das crianças na instituição dependia de uma análise acerca das condições socioeconômicas dos pais servidores. Essa condição era estabelecida pela LBA, que determinava que apenas as crianças cujos pais eram pessoas de baixa renda poderiam ser incluídas nesse cenário de ensino. Com a finalização dessa parceria, a creche passou a receber crianças previamente inscritas, sem análise de renda. Esse fato tornou-se uma barreira para a efetivação das matrículas, pois, mesmo não existindo restrições de caráter financeiro, os servidores das classes média e alta se fechavam em preconceitos, acreditando que, por atender pessoas com menos possibilidades aquisitivas, a instituição tinha um caráter apenas assistencialista, sem uma preocupação formal com a educação das crianças. Desmistificando essa visão, a UEI procurou divulgar sua proposta pedagógica, fato que motivou os funcionários a repensarem suas atitudes, permitindo que suas crianças participassem do processo educativo. Ao serem matriculadas na UEI, as crianças são direcionadas para os grupos, que são organizados conforme mostra a tabela abaixo, de acordo com a faixa etária e as especificidades de cada uma delas. SALA FAIXA ETÁRIA NÚMERO DE ALUNOS Berçário 4 meses a 1 ano e 4 meses 15 Estágio I 1 ano e 5 meses a 2 anos e 4 meses 22 Estágio II 2 anos e 5 meses a 3 anos e 4 meses 23 Estágio III 3 anos e 5 meses a 4 anos e 4 meses. 18 Tabela 1 – Demonstração dos estágios, faixa etária e número de alunos da UEI Nesses grupos, os trabalhos são desenvolvidos de acordo com as necessidades dos alunos. Neles, busca-se suprir as necessidades físicas, emocionais-afetivas e psicológicas. No momento em que a pesquisa foi desenvolvida, o berçário contava com 15 crianças; o estágio I com 22 crianças; o estágio II com 23; e o estágio III com 18 alunos. Em relação ao espaço físico, a creche dispõe de uma sala da direção, uma sala de secretaria, uma sala para a coordenação pedagógica e os professores, uma sala de estimulação, um dormitório – utilizado para os cuidados com as crianças do berçário e o descanso delas –, três salas de aula, três banheiros para crianças, um banheiro para adultos, um lactário, uma cozinha, uma sala de nutrição, um almoxarifado, uma sala de enfermagem, um refeitório, um salão e um parque. Em sua maioria, os espaços são amplos e aconchegantes. As salas de aula são espaçosas, têm boa ventilação e são bastante iluminadas. Apesar de essa estrutura possibilitar o desenvolvimento do trabalho, os funcionários acreditam que o prédio poderia ser reformado, para se tornar melhor organizado para o atendimento a essas crianças. 3.3 OS RETALHOS HUMANOS – PROFESSORES PARTICIPANTES Os professores também fazem parte desse armarinho de cores. São eles o corpo dessa instituição, os principais mediadores do processo de ensino-aprendizagem. Os professores são todos do gênero feminino e se situam na faixa etária compreendida entre 23 e 59 anos. O grupo é composto por: quatro professoras efetivas, funcionárias concursadas, com carga horária de 40 horas semanais; cinco professoras substitutas, que têm vínculo temporário de até dois anos com a instituição, com carga horária de 20 horas; e quatro bolsistas, que, na sala de aula, também são facilitadoras do processo educativo. As docentes são graduadas e exercem a função de professoras polivalentes. Elas buscam o aperfeiçoamento de sua prática através de cursos de especialização, tendo algumas terminado a especialização em Educação Infantil e capacitações. Dessas, quatro estavam participando do processo seletivo para o nível de mestrado, no Programa de Pós-graduação em Educação. A busca por uma melhor qualificação desse grupo pareceu resultar do fato de a participação nesses programas acarretar melhorias salariais, o que, no momento da aposentadoria, repercutiria numa estabilidade financeira maior e, consequentemente, em bem- estar para essas educadoras. Essa intenção diverge das exigências do RCNEI, que recomenda a passagem por níveis mais específicos como forma de aprofundar e evoluir na prática docente. No que se refere a esse processo de qualificação profissional, recomenda-se: O profissional de creche deve ter um preparo todo especial; é preciso que esteja em constante processo de reciclagem de seus conhecimentos e deverá ter uma competência polivalente. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCN “Ser polivalente significa que ao professor cabe trabalhar com conteúdos de natureza diversas que abrangem desde cuidados básicos essenciais até conhecimentos específicos provenientes das diversas áreas do conhecimento” (BRASIL, 1999, p. 41). Assim, são os professores os corpos que atuam na pesquisa. São corpos dotados de especificidades, que, em sua maioria, adentraram a educação não por desejo, mas pelos caminhos que percorreram na vida. Participantes de histórias de detalhes, de alegrias, enfrentam barreiras e se comprometem com sua prática. Antes de se caracterizarem como profissionais do ensino, essas professoras são mulheres de beleza, de potencial, altas, baixas, jovens, mães ou avós que, em alguns momentos, deixam-se levar pelos obstáculos, perdendo um tanto de sua essência. São corpos que p lemb perde inves estão tanta que f confl divid parti mant uma do so relac Pano natur tecid acord pelo ouco são r rados quan São suj ram um po timento e d se dedican paciência e Esse gr avorece o d itos de tem Lembro e em dois p cipantes sã er a boa co unidade. S nho de um Destac ionar a edu s que deixa eza, dos fi os complet ado que ca nome desse econhecido do o fim é o eitos que, uco do pra e reconhec do ao ens disposição upo está ju esenvolvim pos anterio que, aten eríodos – m o conscient nvivência. É ão todas de a educação o que, no q cação com ram de ser os que os os, de core da uma pen tecido. 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M o sem as c trabalho m po, princip omplexa, e ta para just es da rotin , às vezes, es, falam, e que, em m ônomas, so entes, pelo rofessoras s des vivida como reta , após um d m que se i ra as docentes s ntes Chifon S D Chit repe rofundeza ntá-los. ceram um esilusões d ulheres qu ondições f ais dinâmi almente as m que ora s ificar atitud a de uma c gera discus “brigam”, m eio a uma lidárias e i fato de, ao erão identi s, que perde lhos, busca iálogo com dentificava participantes urá evorê a de sua natu pouco o so ecorrentes e, pelo tem avoráveis, co. professoras e convive b es do hoje reche, essa sões e com as se esfo pluraridade nvestem na longo des ficadas com ram um po m transfor as educad , para ser d reza, sendo nho e que da falta de po em que já não têm efetivas, o em, ora os . equipe se petição. As rçam para , apresenta realização te texto, eu o retalhos. uco de sua mar-se em oras, ficou enominada Além de terem sido escolhidas pela peculiaridade das características aqui descritas, as professoras que compõem esse grupo foram escolhidas pela proximidade comigo, pois tendo sido aprovada no concurso para professor substituto, eu tinha passado a fazer parte da instituição, como docente do berçário, e posteriormente do Estágio I. 3.4 O DETALHE DA COSTURA: A PESQUISADORA TAMBÉM É RETALHO Num momento inesperado, e de forma surpreendente, adentro a Unidade Educacional Infantil. Inesperado porque, embora eu tivesse sido aprovada no concurso para professor da educação básica, ocorrido no primeiro semestre de 2007, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, não fora classificada entre os primeiros lugares, por isso não pude ser convocada no momento esperado. E surpreendente porque, não esperando, fui chamada após seis meses da realização do concurso, para substituir uma professora que se afastava da instituição, por motivo de licença adoção. Cheguei à UEI em um momento em que os funcionários estavam em greve. Um número reduzido de crianças frequentavam a creche, em virtude das poucas condições que havia, com a ausência dos profissionais. Assumi então o berçário e ali passei a desenvolver meu trabalho como docente. Compartilhava essa tarefa com a auxiliar de enfermagem e a enfermeira, com as quais aprendi os horários e as tarefas; afinal, não cabia a mim pensar apenas nas atividades didático-pedagógicas, mas também nas que envolviam o cuidado, a alimentação e o descanso das crianças. Nesse espaço de produção de conhecimento, comecei a observar a postura dos profissionais, a dinâmica do lugar. Percebi que existiam momentos de paradas pedagógicas e administrativas, embora nem sempre essas paradas fossem proveitosas, em virtude da diversidade de papéis desempenhados e do fato de nem todos os profissionais encararem a postura democrática da diretora como favorável ao desenvolvimento do trabalho. Vi pessoas extremamente responsáveis e outras mais interessadas no que acontecia no ambiente exterior ao trabalho. Observei pessoas preocupadas em cumprir seu horário, de maneira rígida, e outras descomprometidas. Apreciei profissionais que se doavam, que compartilhavam, como também me surpreendi com profissionais fechados em atitudes de inveja e egoísmo. Contemplei cumplicidade, companheirismo, solidariedade, e vi também ciúme e competição. Observei professores carinhosos e pacientes e encontrei quem se irritava com as brincadeiras, os gritos e os movimentos das crianças. Passei a refletir sobre o que observava e percebi que, muitas vezes, o que presenciava eram ações automáticas dos sujeitos, atitudes enraizadas nos corpos, que nem sempre tinham uma intencionalidade, mas estavam deixando marcas nas pessoas que viviam nesse contexto. Aliado ao desejo dos que ali estavam, me ressenti de algo que pudesse favorecer àquelas profissionais a descoberta de si mesmas e a aproximação solidária com o outro. Senti que era necessário dar continuidade ao que já havia sido vivido, em outro tempo, de uma forma diferente. Um processo que possibilitasse o encontro dos sujeitos consigo mesmos, pelas vias do vivido, que resgatasse o encanto do ofício de ser professor e que não fosse experienciado juntamente com atividades administrativas, pois, em minha concepção, elas trazem à tona muitos problemas, que, devido às diferenças entre os sujeitos, geravam conflitos. Nesse período, vivi como observadora e participante do cotidiano da creche, fato que me expandiu as inquietações trazidas pela vida e me estimulou a buscar a transformação desse ambiente. 3.5. LINHA DE FIBRA FIADA: A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE A observação é a técnica do olhar. Com ela, busca-se apreender informações que caracterizem e determinem aspectos da realidade. Embora desenvolvida por meio do sentido da visão, ela “não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar” (LAKATOS, 2006, p. 275). No caso desta pesquisa, observar significa mover o corpo para perceber o contexto, as experiências que constituem o caminhar do sujeito para si mesmo e para o mundo. Porto (2005), seguindo essa perspectiva, apresenta a compreensão de Chauí (1999) sobre o ver que se entrelaça com o olhar. [...] ver é olhar para poder tomar e adquirir conhecimento das coisas exteriores que se encontram visíveis e possíveis de serem conhecidas, no teatro do mundo, do qual nascem as janelas da alma, que são também espelhos do mundo, ou seja, o interior do ser humano que olha e vê, pelos olhos ou não. (PORTO, 2005, p. 25). Esse é o sentido que a observação tem nesta pesquisa: uma observação que vê o mundo não apenas com os olhos, mas também pelos sons, pelo olfato, pelo paladar, e que o percebe com o corpo inteiro. Um olhar que quantifica sem medir, que qualifica por meio de um retrato fiel do contexto e permite entender os fatos em sua integralidade. Nas pesquisas, a observação se constitui em elemento básico, funcionando como técnica de coleta de dados, com a qual o pesquisador aproxima-se do contexto da descoberta e dos sujeitos – ou nele se insere –, na tentativa de obter provas para as proposições que por ele foram construídas. Assim, conforme afirma Lakatos (2006, p. 276), a observação “estuda uma ampla variedade de fenômenos, permite identificar o conjunto de atitudes e de comportamentos e pode perceber sinceridade nas respostas”. Inserida, como as demais professoras, no contexto da Educação Infantil como educadora, optei por viver essa observação de maneira participante. Afinal, tecendo a formação humana com as linhas da pesquisa-ação, eu não poderia simplesmente estar no contexto para compreendê-lo; precisava adentrá-lo com o espírito de aprendente e com a atitude de quem partilharia o saber. A observação participante é uma técnica que implica a interação entre o investigador e o grupo, que, colocados lado a lado, vivenciam as peculiaridades cotidianas. “O objetivo é ganhar a confiança do grupo, fazer os indivíduos compreenderem a importância da investigação, sem ocultar o seu objetivo” (LAKATOS, 2006, p. 277). O trabalho de pesquisa envolve aprofundamento da relação estabelecida entre pesquisador e pesquisado dentro do universo intersubjetivo e favorece os encontros de subjetividades que, na fricção identitária de cada sujeito, permitem e possibilitam a construção das trocas das relações simbólicas (GHEDIN E FRANCO, 2008, p. 196). Dentre as habilidades necessárias ao observador, estão: ter capacidade de estabelecer uma relação de confiança com os sujeitos, ter sensibilidade, ter facilidade para se comunicar e para ouvir; formular boas perguntas; manter-se fiel às questões da pesquisa; ser flexível e respeitar o tempo da identificação e da análise dos processos (ALVES-MAZZOTTI, 1999, p. 167). Na observação participante, o investigador é o responsável pelo sucesso da investigação, que, mesmo sem instrumentos como o questionário e a entrevista, responde a parte das questões problematizadas. Por essa limitação, procurei aliá-la a outras técnicas de pesquisa. A observação participante é a técnica de captação de dados menos estruturada que é utilizada nas ciências sociais, pois não supõe qualquer instrumento específico que direcione a observação. Dessa forma uma das limitações existentes pode ser o fato de que a responsabilidade e o sucesso pela utilização dessa técnica recaem quase que inteiramente sobre o observador (LIMA et. al. 1999, p. 132). Cabe ressaltar que em meu caso, a observação participante era natural, pois eu já pertencia ao grupo pesquisado (LAKATOS, 2006, p. 277) e, com essa técnica, poderia colocar-me como participante que observava, estando, portanto, totalmente implicada na dinâmica que regia esse território. Foi a observação participante que, neste trabalho, permitiu o aprofundamento no cotidiano da creche. Com o olhar, comecei a entender as fragilidades e as capacidades expressas nesse ambiente social, o que me levou, posteriormente, com as intervenções, a responder aos problemas encontrados. Para isso, me coloquei de forma discreta mas atuante, procurando entender, ser acolhida, para depois intervir diretamente na realidade da creche. Entre as atitudes que orientam o observador participante, está o abandono, na convivência, da posição de cientista, para poder inserir-se no contexto como um participante comum, que, junto ao grupo, estará aprendendo. Essa atitude foi percebida pelas educadoras que participaram da pesquisa, como revela o depoimento de Seda (2008): E outra coisa, que logo que você chegou, eu ficava observando que você só ficava observando e num dizia nada, só ali bem caladinha. E eu dizia: Essa menina aí é muito observadora. O que será que ela está observando? A gente tem que ter cuidado com o que fala na frente dela, porque ela está chegando agora e ela é muito observadora. Aspecto importante a ser destacado é que, na vivência da observação participante, o observador pode modificar o contexto e ser modificado por ele, o que foi experienciado por mim nesse processo, pois, vivendo junto às crianças e aos educadores infantis, passei a olhar com maior frequência e sensibilidade minha prática, procurei adaptar-me as circunstâncias e construir uma imagem mais próxima dos sujeitos que lá viviam. Nesse contexto, respeitando a individualidade dos sujeitos e o papel desempenhado por cada uma das professoras, me foi possível construir um clima de aceitação, no qual a empatia gerada possibilitou o desvelar dos acontecimentos posteriores. As capacidades de empatia e de observação por parte do investigador e a aceitação dele por parte do grupo são fatores decisivos nesse procedimento metodológico, e não são alcançados através de simples receitas (MINAYO, 1994, p. 61). Por fim, afirmo que perceber as subjetividades e permanecer junto aos participantes em condição de igualdade viabilizou o fluxo das relações e das vivencialidades corpográficas. 3.6 LINHA MISTA: O ATELIÊ CORPOGRÁFICO Conhecida por sua tenacidade e resistência, a linha mista assegura a qualidade da tessitura. Nesta pesquisa, o ateliê corpográfico foi uma linha desse tipo. Sendo concebido para o trabalho com as educadoras infantis, foi determinante na tessitura da formação humana dessas profissionais. O Ateliê de Formação Corpográfico resultou de uma idealização: tendo me apaixonado pelo trabalho com as narrativas de vida, ousei torná-lo realidade no processo de formação. Pautado pelo movimento que rege a pesquisa autobiográfica, esse ateliê foi um espaço de constituição de si mesmo, no qual os participantes foram acolhidos para vivenciar, com a pesquisadora, uma produção de conhecimento significativa, de sentido individual e coletivo, que lhes permitisse instituir-se como sujeitos existenciais na medida em que seu corpo contava e revivia sua própria história. Nesse espaço, eles se apropriavam das marcas deixadas em seus corpos e com elas aprendiam. Nos ateliês convencionais, cria-se um espaço, organizado sistematicamente, para que as pessoas dialoguem, discutam, confrontem as experiências vivenciadas, revisitando a memória, tempos anteriores e o atual, registrando para si mesmas e para o outro, por meio da narrativa e dos relatos orais, seu percurso formativo e, mais amplamente, seu percurso de vida. Diferentemente desses, o ateliê corpográfico que desenvolvi trabalhava com as narrativas de vida, no entanto elas não eram apenas narradas, mas vividas pelo corpo, que experienciava a diversidade de saberes. Ali, corpografar era viver o próprio corpo, seu movimento, suas percepções, seu pensamento inscrito na temporalidade da vida, era um ato mediado pelo processo de individuação, no qual o sujeito refletia e interpretava a simbologia marcada em sua genética, seu comportamento, seu modo de vestir, de interagir e de fazer-se presente no mundo. Nos ateliês biográficos, constrói-se o espaço para o acolhimento, desenvolve-se o sentimento de reciprocidade, trabalha-se a reflexão e a expressão oral. No ateliê corpobiográfico acontecia o mesmo, mas a ênfase era dada ao corpo, que, sendo entendido como o eu do humano, a concretude da vida, era explorado e melhor compreendido no espaço da formação. Nesse sentido, o corpo insere-se no processo de desvelamento das narrativas de vida porque, sendo ele vida e sendo história, termina por constituir, conceber e desenvolver a existência. Corpo é inteireza, boniteza, é vida viva! Mas, “na realidade, o corpo necessita também ser reconhecido como fonte de informação e de conhecimento, uma organização que integra o passado e potencializa novas construções futuras” (MORAES, 2004, p. 265). A partir dessa compreensão, o ateliê foi elaborado para que o corpo expressasse o que fora acontecendo ao longo de seu crescimento e desenvolvimento, falasse sobre a relação que ele estabelecera com o mundo e demonstrasse como os educadores se fizeram docentes infantis bem como indicasse a forma como eles vinham marcando a vida dos semelhantes. Dessa forma, o ambiente do ateliê foi planejado e existiu para promover o relacionamento entre o eu e o corpo de maneira a desenvolver a consciência de que o homem não somente possui um corpo (corpo-meu), mas também é um corpo (eu-corpo) (JOSSO, 2008). Essa foi a alternativa que encontrei para atender as necessidades da equipe docente da UEI, servindo como uma ferramenta para a descoberta das fragilidades, das potencialidades, para a socialização e a construção de novos conhecimentos. Diz Josso: Essa dimensão nos dá acesso a muitas coisas, pois não somente tenho sensações em relação ao exterior, mas tenho sensações dentro de mim. Essas sensações me provocam emoções e emergências de imagens, me provocam emergência de idéias (JOSSO, 2008, p. 20). Convocando esse eu-corpo para o reencantar a vida, o ateliê corpográfico inscreve-se no processo de formação como um momento em que são construídas experiências in loco, com base em vivências provocadas e não provocadas, de forma a incentivar a reflexão, o repensar e a recriação dos momentos que compõem a vida. Destaca-se que embora compreenda o sentido atribuído por Josso (2004) às experiências, nesse ateliê as denominamos de “vivências corpográficas” (tessituras), já que, para mim, a palavra “experiência” ainda se vincula a experimentação, que é própria das pesquisas positivistas. Aliado a isso, qualificar as vivências como corpográficas foi a forma que encontrei para expressar a finalidade delas, a saber: a expressão, a reflexão e a construção da prática pedagógica e da vida pela experienciação do conhecimento por meio da escrita corporal. Assim, os retalhos que dele participaram precisaram dançar, sentir, tocar, ouvir, criar, não restringindo suas ações ao relato oral ou descritivo do que realizavam e reconstruíam. Dessa forma, na construção dessas experiências, cujas relações e transições mediaram a organização dos saberes, articularam-se sensibilidade, afetividade, ideação e inteligibilidade (JOSSO, 2004). Dentre as implicações dessa confluência entre o ter experiências e o fazer experiências, estão: a expansão do campo da consciência, a percepção da necessidade de mudança, o desenvolvimento da criatividade, a autonomização e a responsabilização pela própria vida, pela do outro e pela do ambiente circundante. O ateliê foi idealizado para ser um espaço de saberes da vida. Nele, os professores tiveram oportunidade de falar sobre suas vidas, compartilhar desejos, dialogar sobre práticas, conhecer a si mesmos e ao outro, refletindo sobre as possibilidades do corpo, principal instrumento de comunicação e compreensão do mundo; ou seja, ele foi o lugar disponibilizado para os corpos desses professores narrarem suas histórias e se prepararem para unir-se a outros retalhos. Assim, as educadoras estiveram implicadas de maneira integral no ateliê, mobilizando a memória, as emoções, o pensamento, o corpo – em suas diferentes dimensões. Com o corpo, o indivíduo vive a formação experiencial, que não se restringe à aprendizagem pela experiência, mas amplia-se para uma compreensão que prevê a transformação da existência do sujeito. Josso (2004) diz: “[...]quando falo de formação experiencial, faço referência a dois subconjuntos: a experiência existencial implicando a presença ativa do ser psicossomático e suas qualidades sócio-culturais numa plasticidade dinâmica” (idem, p. 55). Quando o corpo está implicado no processo formativo, o sujeito sente necessidade de manter uma relação intensa com sua corporeidade, de prestar “atenção aos efeitos significativos que emergem dos factos de consciência internos provocados pela relação de ajuda manual” (BOIS e RUGIRA, 2006, p. s/p). Neste estudo, a corporeidade é compreendida como fenômeno subjetivo que marca a trajetória do ser humano no mundo. Entendê-la como tal não significa percebê-la com superficialidade, pois, embora ela dependa de cada sujeito, do espaço e do tempo no qual ele a vive, apresenta características inerentes aos processos organizativos que ajudam a compreendê-la. A corporeidade revela, portanto, a plasticidade e a qualidade sociocultural das experiências sugeridas por Josso (2004). Na proposta do ateliê, essas propriedades também são valorizadas, no sentido de que se buscou, nos instrumentos de coleta de dados, conceder às educadoras a propriedade de criar, de viver as lembranças de maneira lúdica e fazer-se aprendente. Utilizando o portfólio, o sandplay, as fotografias, ampliamos as possibilidades de expressão, de resgate das memórias, deixando que as professoras revelassem sua beleza, a riqueza de suas experiências, de maneira fluida e significativa. O ateliê foi organizado em momentos sistemáticos, que obedeciam à dinâmica da instituição, como em paradas e semanas pedagógicas, antecedendo reuniões, ou em dias acordados entre mim e as professoras. Ele começou a ser desenvolvido no segundo semestre de 2007, estendendo-se até o final do ano seguinte. O primeiro encontro aconteceu no mês de setembro, com a finalidade de aproximar profissionais, pois os desgastes do cotidiano estavam afetando a rotina da creche. Foi a partir desse ateliê que iniciei o processo de conquista dos participantes, que organizei caminhos para romper com as resistências e sensibilizar as professoras para a vida, orientando-as para a ressignificação de sua corporeidade. Vivê-lo possibilitou-me fazer uma leitura da realidade dos participantes, inserir-me como um deles, conhecer histórias, compreender atitudes e compartilhar aprendizados, o que foi despertado a partir das tessituras vivenciais. Nele, as tessituras vivenciais eram as vivências corpográficas, experiências provocadas, que compuseram o ateliê. Essas vivências – no total, dez –, foram sendo tecidas a cada encontro, explorando as questões suscitadas no cotidiano escolar. Observemos o quadro que apresenta a sistematização das vivências. rique e um Egge justif const Destaco za das troc a construç rt e Peres, ica sua esc Nesse s ituía e o q F que as vi as, o reconh ão do sabe Josso (2008 olha: Trab conf mim entido pro ue constitu 1ª Tes conviv 2º Tes sobre 3ª Tes recon 4ª Tes docen 5ª Tes aceita 6ª Tes persp 7ª Tes educa 8ª tess 9ª Tes 10ª Te igura 3 – Des vencialidad ecimento d r pautada , p. 19) rev alhar nessa rontação com excluindo a d curei estimu ía seu ento situra – O ência situra: O f o ser doce situra: Nós hecer-se. situra: Cor te. situra: Eco ção do cor situra: Ris ectiva vive situra: Era dores infan itura: Rec situra: Qu ssitura: Te crição das viv es foram c o outro com pela solida ela sua opç perspectiva g as outras pes imensão polí lar as edu rno, levand respeito a luir das em nte. e o espelh po e corpo logia dos s po do outr cos e rabis ncial uma vez.. tis. onhecendo em conta a cendo a co ências desen onstruídas o compon riedade. Em ão pelo tra rupal permit soas. Então n tica. cadoras viv o-as a con si e ao legít oções e a v o: tramas reidade: c aberes: sen o cos: o dese . a contaçã a preciosi vida, faz h lcha de ret volvidas coletivame ente da con uma con balho reali e misturar u ão estou fech encialment hecerem su imo outro ivência do no process omposiçõe sibilizand nho e a cri o de histór dade de ca istória alhos. nte, o que stituição d versa com zado na col m trabalho d ada e voltada e, a perceb as possibi : um convi lazer: refl o de Ser e s do huma o para vid ança numa ia vivida p da ser permitiu a e si mesmo as autoras etividade e e partilha e somente para er o que as lidades e a te a boa exões no a e para a or reconhecerem no outro as linhas que as formavam, o que fazia daquele espaço um lugar comum ao eu e ao outro. Apesar de mobilizar os corpos das educadoras para a experienciação do processo de individuação, em que elas olhavam para si e se compreendiam e se recriavam, não afastei o outro desse processo. Afinal entendo que o reconhecimento do eu se dá na presença do outro e na relação com ele. Assim, como defende Josso (2008), é inadmissível falar das histórias de vida como um processo puramente individual. Nessa reflexão também encontramos a dialética entre o individual e o coletivo, mas desta vez sob a forma de uma polaridade; de um lado, empenhamos a nossa interpretação (nos auto-interpretamos) e, por outro, procuramos no diálogo com os outros uma co-interpretação da nossa experiência. É neste movimento dialético que nos formamos como humanos, quer dizer: no pólo da auto-interpretação, como seres capazes de originalidade, de criatividade, de responsabilidade, de autonomização; mas, ao mesmo tempo, no pólo da co-interpretação, partilhando um destino comum devido ao nosso pertencer a uma comunidade. É nessa polaridade que vivemos plenamente a nossa humanidade, nas suas dimensões individuais e coletivas (JOSSO, 2004, p. 54). Lembro que esse sentimento de grupalidade, as trocas estabelecidas e a dinâmica que envolveu todo o desenvolvimento do ateliê foram registrados com fotografias e com descrição no portfólio, de forma a facilitar a análise das implicações e repercussões dessas tessituras na vida profissional e pessoal dos participantes. Nesse percurso, as fotografias foram utilizadas como instrumento precioso de registro das vivências. Com elas, pude evidenciar as expressões corporais, os gestos decorrentes das trocas, visualizar a postura das educadoras, a forma de organização por elas escolhida, bem como apreciar os ambientes preparados, orientando-me para a organização dos demais. Além disso, as fotografias ajudaram na sistematização cronológica e epistemológica das vivencialidades, pois, ao observar tais registros, eu reconhecia as etapas que haviam sido contempladas e a forma como deveria proceder. Ao longo da pesquisa, elas se tornaram objetos de reflexão, já que, com as imagens cristalizadas, eu podia reviver alguns momentos e possibilitar às professoras, em outros, refletirem sobre sua construção. Apesar dessas contribuições, não foi unicamente com base nas fotografias que a análise se desenvolveu. Na realidade, elas participaram como recurso complementar para o entendimento do processo de formação humana das educadoras infantis. 3.6.1 origi desen como em u caixa profu uma 1997 sensi ressa se es habil com prov facili Sandplay: O jogo nalmente u volvida n uma nova O sand ma técnica retangular ndidade). É ferramenta Trata-s ), pois se f bilidade e l ltar que, no paço aos pr Essa té idades espe o conscien ocando mo tador no pr a linha br de areia, o tilizada na o campo e tecnologia play foi cri não verbal de madeir muito uti bastante cr e de uma t undamenta udicidade – ambiente ocessos de cnica, utiliz ciais, por te e com o vimentos ocesso de f ilhante u sandplay terapia, que ducacional educaciona ado por Do de psicoter a, com me lizado por iativa e sign Figur écnica flex nos quatro , priorizan educaciona criação, aut ada como u isso é muit inconscient intelectivo ormação. , como é d , por um t , como rec l (BACOR ra Kalff, a apia, a qua didas padro psicólogos ificativa no a 4 – cenário ível, que se pilares da do os aspec l, a intençã oformação m recurso o atraente e do sujeit s e sensit enominado oque de cri urso didát , 2008). nalista de o l consiste e nizadas (5 em terapia processo d no Sandplay aproxima corporeid tos subjeti o psicotera e construçã de aprendiz (AMMANN o, sem nece ivos, o sa em outros atividade e ico-pedagó rientação ju m disponib 7cm x 72 c . Na educa e ensino e das tecnolo ade – refle vos dos par pêutica é d o significa agem, não , 2002). M ssariament ndplay ap países, é u ousadia, p gico, apres nguiana. C ilizar ao pa m de lado ção, tem s aprendizag gias leves xividade, c ticipantes. esconsidera tiva do sabe requer do p otivando e estabelec resenta-se ma técnica assou a ser entando-se onstitui-se ciente uma e 7 cm de e mostrado em. (MERHY, riatividade, Importante da, dando- r. articipante o encontro er regras, e como um recur dime ou se areia parti que r form aos d o sab comp se ap parti propr tamb profe que simp const reflex A técn sos e pouco nsões e ma mentes; e , constrói- cipantes sel esponde à q No mo alizada, o p emais sua c er e com o Segund reendida p resentam cipante des iedade, con Essa im ém ao reg ssor, passa justifica o licidade, o rução, esqu O sand ão, emoçã ica é relat s materiais terial simil miniaturas, se um cen ecionam m uestão fun mento po articipante onstrução. mundo. Figur o Penn (2 ela semióti no cenário crever e ex figurando agem refl istro fotog a ser ressig interesse e sandplay p ecendo-se play é recu o –, por iss ivamente : uma caix ar, como o que repres ário a pa iniaturas, a damental p sterior, qu passa a ob Assim, ele a 5 – Processo 007), a im ca como po simultanea plicar o qu o processo ete não ape ráfico feito nificada. m aplicá-l ermite que de tudo que rso didátic o torna-se simples. Pa a de madeir plástico; ar entem o es rtir de um s quais sen roposta no i ando o c servar sua estabelece de construçã agem aux lissêmica o mente. Iss e elaborou interpretativ nas a ideia dessa pró Como se po a na form os sujeito é exterior o que mex tão comple ra desenv a, que pode eia, que tam paço viven a questão do inserida nício do pr enário está criação e conexões c o de cenários ilia na cr u ambígua, o, para mi , pois som o. criada co pria image de percebe ação dos e s se envolv a ele (CSIK e com vár to. Ele pod olvê-la, sã ser substit bém pode cial do par problema s na areia, c ocesso. elaborado a refletir so om o outro no Sandplay iação de s já que os s m, justific ente ele é m a constr m, que, se r, a técnica ducadores am inteiram SZENTMI ias aptidõe e ser carac o necessár uída por um ser trocad ticipante. N tizadora. D oncretizam e a im bre ela, ap , consigo m entidos, em ignos que a a a necess capaz de f ução do ce ndo revela é bastante infantis. A ente no p HALYI, 19 s humanas terizado co ios poucos a caixa de a por grãos o jogo de epois, os o cenário, agem dele resentando esmo, com bora seja compõem idade de o azê-lo com nário, mas da para o flexível, o lém dessa rocesso de 99). – criação, mo técnica projetiva, pois termina por constituir-se em “experiências de verdade” para os que constroem seus cenários. Desvenda verdades ignoradas, ou difíceis de serem visualizadas e compreendidas pelo sujeito que compõe o jogo, e ajuda-o a criar estratégias para resolver suas dificuldades. Trata-se, nesse sentido, de uma técnica autoformadora, que possibilita a corporalização do sentir-pensar, colocando em movimento mãos, coração e pensamento. No desenvolvimento de pesquisas científicas, o sandplay é compreendido como recurso metodológico inovador. Nesta pesquisa, de cunho qualitativo, ele permite ao educador um trabalho diferenciado, que reúne aspectos diversos – formas, texturas, cores –, para a percepção e a construção do conhecimento de forma lúdica e significativa. No cenário educacional mais amplo, esse jogo pode ser utilizado tanto na formação continuada dos professores como também no trabalho com as crianças (BARBOSA, 2008). Com estas, os cenários podem ser elaborados para representar uma música, cantada no momento da roda, ou contar uma história. Nessa atividade, as crianças se mobilizam individualmente ou coletivamente para realizar a contação, que pode ser iniciada pelo educador, ganhando encantamento a partir da participação delas. Dentre as contribuições dessa técnica, no uso com crianças, estão: a organização espaçotemporal, o desenvolvimento da motricidade, a ampliação do campo simbólico e da criatividade, além da evolução da linguagem oral e da expansão da expressividade. Tais implicações ampliam-se também para o educador que medeia esse processo ou, como acontece aqui, que é o próprio responsável pelo desenvolvimento dos cenários. Quando falo na organização espaçotemporal, refiro-me ao movimento em que o sujeito se planeja, num determinado tempo, para construir um cenário e insere as miniaturas num espaço por ele delimitado, criando comunidades, grupos, que representam parte de sua realidade. Isso os leva a ampliar suas noções de limite e de lateralidade e a compreender conceitos como distância e proximidade. E quanto à motricidade? o participante que cria seu cenário estando sentado diante da caixa pode explorar seus movimentos? Sim! A motricidade aflora logo no início do processo, quando o participante elabora mentalmente o cenário. Nesse instante, acontece um movimento virtual. Para Merleau Ponty (2006, p. 157), [...] o corpo não é mobilizável apenas pelas situações reais que o atraem a si, ele pode desviar-se do mundo, aplicar sua atividade nos estímulos que se inscrevem em suas superfícies sensoriais, prestar-se a experiências e, mais geralmente, situar-se no virtual. revel e do pequ em q Emb adian da es refer e rec locom brinc eles criar se to imag marc parti Estág sandp com que, do vi Ao pos am sua pos sentir, mo enas, a mot ue elas re ora se reali te, permiti crita. No qu ências na at onstroem c over-se, adeira que Por fim desenvolve sequências rnando cap em é usada as das histó cipante. Na UEI io I, com lay envolv crianças do ao longo de vido ou par icionar-se tura, que pe bilizando, ricidade fin alizam mo zem de form rão que ela e diz resp uação do s enários a pa falar, ter c une pensam , à medida m a oralid lógicas e o az de exte , a represe rias de vid , tive a opo idades entr eu o proce Estágio II algumas e a apresenta frente à ca dem a orga dessa form a, ainda nã vimentos d a automát s se apropr eito ao ca er humano n rtir das nov ores, pois ento e sent que os pa ade, utiliza rações coe rnalizar a g ntação é ex a dos sujeit rtunidade d e 1 ano e sso de apr I, enfatizan xperiencial r suas pers Figura 6 – ixa, o parti nização co a, todo o o bem des e pinça pa ica, esses m iem do lápi mpo simb o mundo, as ideias q é elabora imento, est rticipantes ndo-se de rentes. Esti raça, o mi plorada e, os – no cas e desenvol 6 meses e endizagem do a contaç idades, util pectivas ao Crianças utili cipante do rporal, o de seu corpo. envolvida, t ra pegar o ovimentos s com segu ólico e à e com o san ue surgem. da com f ética, arte e observam e diferentes p mulando-se stério e a de forma re o da pesqu ver a técnic 2 anos e 6 de conceit ão de histó izaram a té grupo. zando o Sand jogo já re senvolvim No caso p ambém é e s objetos e tornam-se rança e mo criatividad dplay os p Com a cria antasia, fa expressivi tentam de alavras, ex a fala, o s sabedoria d flexiva, o isa, das exp a primeiram meses, co os matemá ria; por fim cnica para r play aliza movim ento da per articular d stimulada, colocá-lo relevantes, bilidade n e, aspecto articipantes tividade, a zendo part dade. screver seu pressões, ujeito, aos p e sua obra corpo vai d eriências v ente com m as quai ticos; post , com as e egistrar as entos que cepção tátil as crianças no instante s na areia. pois, mais o momento s que são constroem caixa pode e de uma s cenários, passando a oucos, vai . Assim, a eixando as ividas pelo crianças do s o uso do eriormente, ducadoras, impressões Durante o desenvolvimento dos cenários, foi-me possível observar, como participante observadora, a alegria do saber fazer, a satisfação do recordar brincadeiras vividas na infância, o cuidado em tocar as miniaturas e o envolvimento com cada cenário produzido. Por ser uma técnica inovadora, o sandplay provocou o encantamento, estimulou os professores a buscarem outras metodologias de ensino; e, para mim, como pesquisadora, promoveu momentos de interações intensas e prazerosas, cobrindo algumas lacunas que a observação participante poderia ter deixado. 3.6.2 Portfólio: a linha de marcação da tessitura O portfólio é um conjunto de registros organizado em uma pasta de documentos, que pode ser utilizado com fins de diagnóstico, coleção, comercialização ou avaliação de produtos, serviços, atividades ou pessoas. Com essa ampla concepção, ele pode ser desenvolvido nas diferentes áreas do conhecimento, pode ser utilizado por comerciantes, para a exposição dos produtos a serem vendidos; por publicitários, para armazenamento de informações e propagandas a serem divulgadas; por artistas, para colecionarem e exporem obras de arte; e também por educadores, no processo de conhecimento e avaliação do desenvolvimento do aluno bem como de sua prática pedagógica. Em educação, o portfólio vincula-se à avaliação, sendo utilizado para acompanhamento dos processos de ensino e aprendizagem. Pelos alunos, é utilizado para o registro das atividades que auxiliaram em seu desenvolvimento. Nesse instrumento, são arquivadas as produções que o educando considera mais significativas, ou seja, as que auxiliaram em sua constituição. Nesse caso, o portfólio é uma coleção de suas produções, as quais apresentam evidências de sua aprendizagem. É organizado por ele próprio para que ele e professor, em conjunto, possam acompanhar o seu progresso (VILLAS BOAS, 2004, p. 38). Dessa forma, o portfólio é um recurso apropriado para o acompanhamento do aluno, já que revela o estado deste individualmente e após a construção dos saberes, o lugar que passou a ocupar. Assim, com o portfólio não apenas o fim, mas o percurso pelo qual o sujeito caminhou. Segundo Villa Boas (2004), com a construção desse instrumento o aluno e o professor aprendem, basicamente, três coisas: que a avaliação é um processo que revela o desenvolvimento dos que estão envolvidos no ensino e na aprendizagem; que educadores e educandos são aprendentes, sujeitos capazes de identificar e revelar erros e acertos ocorridos nesses processos; e que a reflexão deve permear a formação dos indivíduos. Ainda no que concerne à utilização do portfólio pelo aluno, devido a sua natureza flexível e dinâmica esse instrumento permite que o educando vivencie cotidianamente a autoavaliação, na medida em que, ao construí-lo, é estimulado a julgar e qualificar suas próprias produções, ou seja, sua forma de aprender, de fazer e de ser. “Os portfólios oferecem aos alunos a oportunidade de registrar, de modo contínuo, experiências e êxitos significativos para eles” (VILLAS BOAS, 2004, p. 40). Como se pode perceber, trata-se de um instrumento reflexivo e criativo, com o qual alunos de todas as idades e níveis de ensino têm abertura para construir, criar e modificar sua forma de interagir no espaço social da escola. Com esse recurso avaliativo, os alunos demonstram parte de sua história educacional, revelam sua identidade e as experiências que os constituem. O portfólio motiva o aluno a buscar formas diferentes de aprender, suas produções, revela suas capacidades e potencialidade, as quais poderão ser apreciadas por várias pessoas (VILLAS BOAS, 2004, p. 42). Além disso, com o portifólio o processo de aprendizagem torna-se mais significativo. Afinal, parte-se do contexto real do educando, que busca respostas para seus problemas diários. É, portanto, um recurso dialógico que evidencia as interações, na medida em que convida os pares a refletirem e se comunicarem durante o processo de construção e avaliação. Esse instrumento congrega níveis, disciplinas, habilidades, podendo constituir-se em uma maneira transdisciplinar de produção e registro do saber. Afinal, nos portfólios não estão apenas conteúdos, mas também sentimentos, concepções, vivências e histórias dos que os constroem. Assim, “o portfólio é uma das possibilidades de avaliação da prática educativa comprometida com a formação do cidadão capaz de pensar e de formar decisões” (VILLAS BOAS, 2004, p. 47) e que se pauta pela reflexão e pela partilha. Apesar de eu estar enfatizando a produção do portfólio pelo aluno, sua produção também pode ser realizada pelo educador. Na produção realizada pelo aluno, é o professor quem orienta a construção, determina os objetivos, direciona o desenvolvimento das atividades, conscientiza e sensibiliza o educando para suas escolhas a fazer o portfólio, com o qual se vivencia a partilha do saber, e se dinamiza a sala de aula, pois o conhecimento passa a ser propriedade de todos. No caso do docente , o processo de elaboração é mais solitário. O educador constrói o portfólio de sua prática pedagógica, refletindo sobre as atividades que realizou, os resultados que obteve, bem como sobre a necessidade de revisitar e transformar as estratégias utilizadas. Assim como o aluno, o professor vivencia um processo contínuo de reflexão, habilidade que permite a vivência poiética da prática docente. Nesta pesquisa, que focaliza a formação humana do docente infantil, o portfólio foi o procedimento com o qual eu acompanhei e avaliei o processo autoformativo do educador. Esse procedimento é diferente de um simples arquivamento documental, constituindo-se em uma produção pedagógica e existencial cujo corpo escrito – registro vivencial – conta a história da vivencialidade da formação. O portfólio reflete o ser-educador. Nessa produção, estão implícitas a vida pessoal, as concepções sobre educação e a forma de trabalho do professor, ou seja, estão registrados os objetivos, as estratégias, os sucessos e os fracassos vividos em seu fazer. Abrindo espaço para a expressão da complexidade dos educandos e dos educadores, o portfólio cumpre com o objetivo maior da educação, o de desenvolver os sujeitos integralmente, e também por isso é enfatizado neste trabalho. Dentre as contribuições para o educador, está o exercício da dimensão cognitiva, o momento de identificação, seleção análise e avaliação dos processos utilizados e dos resultados obtidos bem como das dimensões social, emocional, corporal, que, estando implicadas no diálogo, no processo de individuação, nas trocas interativas, na expressão das emoções, na expansão da criatividade, influenciam a organização desses sujeitos. Pelo fato de o professor ser um sujeito ativo, competente, cuja prática entrelaça conhecimentos conceituais e de vida, no desvelar de sua profissão ele precisa envolver-se com projetos que permitam a expressão e o registro da integralidade de seu oficio. O portfólio responde a esse anseio, possibilitando vivencialmente o registro da teoria e das ações que o orientam. O portfólio possibilita as capacidades de pensamento crítico, articular e solucionar problemas complexos, trabalhar de forma colaborativa, conduzir pesquisa, desenvolver projetos e possibilita também que o aluno formule seus próprios objetivos para a aprendizagem (VILLAS BOAS, 2004, p. 117). No trabalho com os portfólios, dentre os aspectos que merecem destaque está a autoavaliação. Esse procedimento contribui para que o professor não se sinta inibido com o julgamento realizado pela coordenação ou pelos demais colegas, pois ali estão registros que mostram sua subjetividade, algo pessoal e intransferível, que dispensa o juízo de valor do outro. Isso, porém, não desmerece a atuação do outro, que é parceiro na construção, podendo influenciá-la, enriquecê-la, mas não determiná-la. Na perspectiva de realizar a autoavaliação de maneira vivencial e criativa, propus às participantes da pesquisa a construção individual do portfólio. Diante da novidade, como nenhuma das professoras havia trabalhado com esse instrumento, algumas ficaram temerosas, outras motivadas a conhecê-lo. Entretanto, depois da elucidação do conceito, da finalidade e das formas de organização, a aceitação foi maior, como mostram estas declarações: Quando nos foi dito sobre esse portfólio pensei que teria dificuldades para fazê-lo, né? Porque relacionei logo às atividades de artes, coisa que eu não tenho habilidade. Assim, eu não queria; mas depois achei legal, porque poderia ver de perto as mudanças, caso elas ocorressem (MUSSE, 2008) Junto a Musse, Crepe (2008) destaca: “Já ouvi falar sobre isso. Acho que será interessante, pois teremos como guardar as vivências e também voltar aos textos e registros quando necessário” De fato, além de ser um registro com o qual o professor orienta sua prática, revisita sua literatura e acompanha sua evolução, o portfólio também proporciona o desenvolvimento de outros aspectos, como a sensibilidade ao outro, pois o sujeito que vivencia essa construção constantemente experiencia movimentos de reflexão, passando a ter maior receptividade. Com esse instrumento, o docente adquire mais mobilidade, adaptando-se melhor às situações, já que se torna capaz de entender, ouvir e aprender com a experiência do outro, além de desenvolver as habilidades de síntese e organização (VILLAS BOAS, 2004). Eu desejava construir com as professoras um espaço de livre expressão em que a memória fosse evocada. Um lugar em que os registros pudessem revelar um pouco das pessoas e acompanhá-las nas distintas atividades que desenvolvessem. Nóvoa também considera importante para a investigação educacional o trabalho com as memórias dos professores. Para o autor, o retorno ao sujeito não significa uma visão idealista, mas ao contrário, a afirmação da subjetividade do conhecimento (MIGNOT, 2003, p. 168). Aliando essa subjetividade aos conceitos e à própria vivência, o portfólio constitui-se num momento de significação em que, assim como na pesquisa-ação, o sujeito atua e age em busca de respostas para questões da vida pessoal, profissional e coletiva. É um momento em que o ser humano corporalmente tece sua trajetória de desenvolvimento. Sendo esse registro vivo da ação e das aprendizagens do educador, na pesquisa o portfólio constituiu-se paulatinamente, seguindo as tramas das vivências corpográficas, cujo movimento envolvia a alegria e a vivência do saber. Os professores eram orientados a que, após cada experiencialidade, registrassem os momentos de produção e as impressões sobre o que tinham realizado no registro vivencial, para que eu pudesse conhecer os sentimentos que envolviam esses professores bem como levá-los a refletir também sobre o que ocorria neles ao criarem as imagens do vivido. O registro vivencial (apêndices B e C) funciona como ficha na qual o participante imprime suas sensações, relatando o que viu, sentiu e aprendeu com a vivência experienciada. Contempla a escrita propriamente dita e junta-se às atividades de desenho e modelagem que constituem o portfólio. No portfólio são inseridas as produções realizadas e também os textos que epistemologicamente sustentam as ações. Assim, depoimentos, registros utilizando-se revistas e massa de modelar, as descrições do sandplay e as fotografias dos encontros foram algumas das atividades contempladas nas produções individuais das participantes da pesquisa. 3.7 A CONFLUÊNCIA DOS RETALHOS E LINHAS: COMPREENDENDO A TESSITURA DA PESQUISA Para desvendar as repercussões do desenvolvimento do Ateliê Corpográfico e das vivências experienciadas pelas educadoras, adotei a análise descritiva de pesquisa. Essa técnica possibilitou a confluência entre as narrativas de vida das participantes, os regisros produzidos e arquivados no portfólio e os fundamentos epistemológicos que embasam a pesquisa, viabilizando a construção de possíveis respostas para as questões norteadoras da pesquisa. Assim, procurei não apenas unir informações que pudessem responder às questões de estudo – registros e narrativas – mas identificá-las, classificá-las, analisando-as e contextualizando-as, trabalhando, dessa de forma, os dados de forma precisa e fidedigna. No que diz respeito ao procedimento de análise dos dados, iniciei o processo pela reflexão sobre os aspectos observados, procurando construir uma relação coerente entre os fatos. Prossegui com a transcrição das observações obtidas e das narrativas gravadas durante as vivências. Posteriormente, busquei compilar todos os dados registrados nos portfólios. Para isso, solicitei que as docentes entregassem o material construído por elas. Depois disso, dediquei-me à seleção dos dados, embora tenha utilizado a grande maioria das informações registradas no portfólio. Por fim, salienta-se que as repercussões das vivências realizadas foram analisadas a luz dos princípios da corporeidade, ou seja, trabalhando-as busquei evidenciar as contribuições da experienciação da reflexividade autobiográfica, a criatividade, ludicidade, sensibilidade e reflexividade vivencial, no processo formativo e autoformativo do educador infantil Para tornar mais compreensíveis as implicações reveladas ao longo do processo bem como para demonstrar a transparência das vivencialidades, optei por descrevê-las de maneira minuciosa, de forma que o leitor pudesse adentrar os cenários de pesquisa, identificar as corpografias e religá-las às teorias abordadas. 4 VIVENCIANDO A DANÇA POIÉTICA DA FORMAÇÃO HUMANA 4.1 TESSITURA S DA CORPOREIDA [ DE NO PR ...] Juntaria faria um todos nós e OCESSO um fio a ou canto, um . No ponto strela lhe so DE FORM tros, somar tanto... que mais alto d rria. Um fi Ana Mari AÇÃO HU ia sua voz, chegasse a o céu, uma apo de luz. a Machado MANA Nesse processo de sensibilização do sujeito para consigo mesmo, de reconhecimento e de autoformação a história de vida se constitui em importante ferramenta para sua formação e recriação. Ela permite que o sujeito perpasse os diferentes tempos, sinta diversificadas sensações, percebendo o que o constituiu daquela maneira e o que foi significativo para ele. No processo formativo, as histórias de vida relacionam-se com um tipo de aprendizagem experiencial reconhecido por sua significância e com as próprias marcas da ação docente, reveladas nos saberes da profissão. Elas se destacam por se estruturem pelas vias do vivido e por possibilitar ao indivíduo uma construção de sentido a partir de si próprio. A construção e o conhecimento de si propiciados pela narrativa inscreve-se como um processo de formação porque remete o sujeito numa pluralidade sincrônica e diacrônica de sua existência, frente à analise de seus percursos de vida e de formação (SOUZA, 2006, p. 16). Com essa compreensão, rompe-se com a prática de formação em tempos e espaços predeterminados, com pautas predefinidas e busca-se ouvir e interpretar as marcas pessoais e profissionais dos que se dedicam ao processo de educação. Aqui não existe distanciamento entre o ser pessoal e o ser profissional, que constituem dimensões indizíveis de um mesmo ser humano, esferas que se comunicam e que se nutrem mutuamente. Iniciada como um método de observação participante e ressignificada como prática de formação de adultos, a história de vida é hoje utilizada por diferentes áreas do conhecimento, e é considerada como processo formador por estudiosos como Dominicé (1982), Pineau (2003), Josso (2004), Nóvoa (1988) e Passeggi (2000). Para esses autores, tal processo implica uma tomada de consciência, uma escuta das próprias possibilidades e um olhar cuidadoso para as experiências constituintes do ser (NÓVOA; FINGER, 1988, p. 11). Gaston Pineau foi o pioneiro nas pesquisas sobre as histórias de vida na formação de adultos. Para ele, as narrativas que compõe as histórias de vida estimulam a autoformação do adulto, pois analisando a sua história o indivíduo é levado a uma tomada de consciência de sua trajetória (PINEAU, 2003). O método (auto)biográfico envolve saberes tecidos na escola formal, nas instituições de ensino e nos diferentes territórios sociais como também os aspectos subjetivos. Estes, embora marquem profundamente a trajetória do indivíduo, nem sempre são expressos socialmente. Além disso, funcionam como aspectos dinamizadores e representativos da transculturalidade vivida pelo humano, necessitando, portanto, estar presentes em qualquer prática que se proponha investir na formação humana. Dessa forma, ao falar em histórias de vida, não me refiro a um momento de exposição de fatos da vida, a um processo terapêutico de resolução de problemas; falo, sim, de uma ação social ressignificada em um tempo determinado, no qual o homem reflete sobre as experiências que marcaram sua existência e determinam sua estrutura. Nesta pesquisa, as narrativas de vida são resgatadas, pois compondo a abordagem biográfica em educação provocam um movimento socioeducativo, quando se preocupam com a educação permanente dos sujeitos e tratam enfaticamente dos aspectos subjetivos e formadores do homem. Elas se tornam enriquecedoras por envolverem aspectos antropológicos, psicológicos, sociais, estéticos, didáticos e éticos, mantendo uma visão integral do homem: como aquele que pensa, que sente, que se conhece e que se preocupa com o outro. As histórias de vida, portanto, colocam o sujeito frente a sua própria identidade por meio das narrativas e expressões corporais permitindo que ele reflita sobre essa identidade bem como sobre as interações que estabelece. Trata-se de um processo de constante transformação, em que o humano passa por momentos de reconhecimento e reinvenção de si mesmo. Assim, uma das dimensões da construção das histórias de vida na nossa abordagem reside na elaboração de um autorretrato dinâmico por meio de diferentes identidades que orientam as atividades do sujeito, as suas opções passivas ou deliberadas, as suas representações e as suas projeções, tanto nos seus aspectos tangíveis como invisíveis para outrem, e talvez ainda não explicitados ou surgidos na consciência do próprio sujeito (JOSSO, 2004, p. 59). Em meu caso, a elaboração desse autorretrato, o tecer das narrativas de vida perpassa todo o processo de pesquisa. É pela vida que elas são concebidas e é por meio delas que passa a ser desenvolvida, sendo experienciada em dez vivências as quais denomino de “tessituras”, já que, no ressignificar do ser, das relações, os educadores iniciaram um processo de tessitura de pensamento, de ações, do corpo e da própria existência. Juntamente apresento alguns momentos que apesar de não fazerem parte das vivências, em si mesmas, tornaram-se significativos para a corporalização das tessituras. Esses momentos são registrados sob a denominação de “Fuxico”. A seguir, relato como se deu o desenvolvimento dessas vivências, e destaco repercussões observadas no cotidiano de vida e profissão dessas educadoras. 1ª Tessitura – O respeito a si mesmo e ao legítimo outro: um convite à boa convivência O respeito a si mesmo é uma questão fundamental à vida do humano. Ele garante a segurança, é responsável pela crença do indivíduo em si e lhe permite a vivência constante da reflexividade existencial. Apesar de fundar-se nos processos de individuação, quando o sujeito olha para si mesmo, sua legitimidade é alcançada na presença do outro; ou seja, somos quem somos porque existe o outro para nos compor, para mediar nossa formação, além de auxiliar nas poiesis por nós vividas. Conforme afirma Maturana (2000, p. 25), “Quem respeita a si mesmo é independente e autônomo sem estar em oposição; o respeito por si mesmo não se constitui na diferença com o outro, mas na aceitação da própria legitimidade”. Reconhecendo a importância desse olhar para si mesmo, dentro de um cenário de coletividade, com a vivência “O respeito a si mesmo e ao legítimo outro”, busquei promover a aproximação entre mim (a pesquisadora) e as participantes da pesquisa, principalmente, mobilizar o corpo das docentes para acolherem a si mesmos e ao outro que, nas atividades diárias, marcavam a existência de cada um delas. Com essa vivência, iniciava-se o processo de sensibilização das educadores da Unidade Educacional Infantil. A sensibilidade é hoje um aspecto fundamental na formação do educador, principalmente se essa formação se volta para a construção do pensamento ecossistêmico, cujo sentido é apreendido por meio da diversidade de saberes e, sobretudo, pelo reconhecimento do sujeito como ser complexo (MORAES, 2004). Observemos a fala de uma das participantes sobre a importância da sensibilidade na prática pedagógica: A sensibilidade é um sentimento que permeia esta vivência, adentrando no íntimo da psiquê, resgatando pensamentos e sentimentos às vezes escondidos. Para a prática pedagógica a convivência se entrelaça nesta cadeia de sensibilidade, sobretudo no trabalho com crianças (CETIM, 2009). Como se pode perceber, compreender a sensibilidade significa relacioná-la às emoções e aos sentimentos do indivíduo, que, quando concatenados com o pensamento e a linguagem, responsabilizam-se pela atribuição de sentidos ao mundo. Com ela, o sujeito é capaz de, afetivamente, desenvolver sua percepção, o que garante o tipo e a qualidade de suas ações. No trabalho com crianças, o desenvolvimento da sensibilidade torna-se ainda mais necessário, pois, estando elas em processo de crescimento e evolução, nós lhes apresentamos o mundo e o modo de como viver nele: “A criança é que nem primavera. Ou tem sol, tempo bom, tudo é alegre e bonito. Ou, de repente, vem tempestade, relâmpagos, trovões, raios que caem” (KORCZAK, 1981, p. 31). Ela é um sujeito que vive os antagonismos com maior evidência, pois está aprendendo e buscando o significado de sua vida. A criança, à medida que se desenvolve, deve aprender passo a passo a se entender melhor; com isto torna-se mais capaz de entender os outros, e eventualmente pode- se relacionar com eles de forma mutuamente satisfatória e significativa (BETTELHEIM, 1980, p. 12). Além disso, a criança é um ser que, pela idade, necessita de um cuidado mais afetivo, de um olhar carinhoso e de atitudes de profundo respeito, que lhe permitam caminhar com equilíbrio físico e emocional: “Para ser bem sucedida neste aspecto, a criança deve receber ajuda para que possa dar algum sentido coerente ao seu turbilhão de sentimentos” (BETTELHEIM, 1980, p. 12), deve ter em suas mãos subsídios que lhe garantam uma organização interior. Para o primeiro encontro do grupo que participou da pesquisa, ocorrido em julho de 2007, reuni os educadores efetivos e os substitutos, os bolsistas e os profissionais técnico- administrativos, incluindo cozinheiras e auxiliares de serviços gerais em um ambiente lúdico e aconchegante. Para Oliveira (2007, p. 194), “o ambiente constitui expressão de um sistema social com suas rotinas, relações, ideologias, etc. É um sistema que, pela dinâmica nele vivenciada, caracteriza o espaço e as pessoas que dele fazem uso. Na Educação Infantil, o ambiente é sempre apontado como aspecto fundamental para a aprendizagem, devendo, por isso, estar organizado de acordo com o objetivo estipulado pelo educador. Inspirada em Malaguzzi, criador de jardins de infância na Itália, Friedmann (2005, p. 106) destaca: O ambiente deve constituir uma força geradora de situações emocionais e cognitivas de bem-estar e confiança; deve deixar a criança desenvolver sensações físicas, psicológicas, olfativas, imaginativas, auditivas, táteis. adult ou ad difer ambi 2004 confi que o situa form ambi traze nece Apesar os o ambie ulto, é o m entes lingu ente é um ) que, nos guram com O fragm ambiente O amb ções. Ele se a como se ente é o qu No rec ndo alegria ssário à cor de a autora nte também esmo ser h agens e qu espaço con processos o aspecto f ento a seg exerce no s Ness amb me e iente seduz configura organiza e e as pessoa Fig into onde o e leveza poralização enfatizar tem impl umano, um e se constr textualizad formativos acilitador, a uir, retirad entirpensar e primeiro m iente estava m ncheu de paz o sujeito , muitas vez se apresen s que estão ura 7 - Grup correria a ao espaço das relaçõ a importânc icação em ser que p ói em dife or de inter , favorecem uxiliando o o da fala d do educado omento já m uito mais lev e me trouxe e e pode ind es, como o ta, traduz nele e fazem o de professor vivencialid de trabalho es de mane ia desse es seu desenv ossui emoç rentes espa ações e tra a apropri s sujeitos n a participa r: e senti muit e, com flores quilíbrio ao c uzi-lo a vi espelho d o que se p parte dele as na primeir ade, eu dis ; a música ira saudáve paço para olvimento. ões, que se ços e tem nsações, so ação de co a concretiz nte Seda, d o bem aconc perfumando orpo e ao esp venciar ou as relações assa em se são. a tessitura pus um tec ambiente l; e além d a criança, n Afinal, sen expressa p pos. Nesse cioculturai nceitos e, ação de seu emonstra a hegada e aco o espaço, um írito (SEDA, reviver de humanas, j u interior. ido colorid garantiu o isso, fixei n o caso dos do criança or meio de sentido, o s (JOSSO, na vida, se s ideais. influência lhida, pois o a música que 2007). terminadas á que, pela Ou seja, o o no chão, equilíbrio as paredes imagens que representavam cenários educativos vividos por aqueles profissionais em seu dia- a-dia. De um a um, os funcionários da creche foram por mim recebidos com flores, confeccionadas por meio da técnica da dobradura, sendo convidados a explorar o espaço, agora reorganizado. Embora eu tivesse solicitado que eles sentassem no tecido, poucos foram os que ousaram distanciar-se das cadeiras e se envolveram no movimento do tecido. A princípio, me surpreendi com os olhares de reprovação e as falas de censura já nesse primeiro momento. Uma das profissionais de enfermagem disse: “Pra que isso heim? Que invenção!” E a profissional da cozinha retrucou: “E essa flor não tem nada? De que serve? Pensei que tivesse alguma coisa nela” Embora chocante para alguém que se dispunha a propor uma sensibilização, as colocações das colegas eram compreensíveis. Afinal, tendo sido formadas numa proposta tradicional de educação, não estavam preparadas para conviver com a novidade. Para Freire (1996), um dos saberes necessários ao educador é a disponibilidade ao risco, que implica a aceitação do novo. Esse saber não diz respeito apenas à apreciação estética do ambiente, mas amplia-se para a ecologia dos saberes (MORAES, 2008), ou seja, para a interligação entre as partes, a aproximação do que aparentemente é antagônico, e a participação integral do sujeito no fazer da vida. Além dessas falas, que, para mim soaram como demonstrações de impedimento e de insatisfação, o fato de as pessoas não se sentarem sobre o tecido, alegando dores na coluna, no joelho e até justificando-se pela idade já avançada, demonstrava as limitações do corpo. Ali, eu percebia os corpos darem início à escrita de suas narrativas de vida. Tais demonstrações frustraram minhas expectativas iniciais e terminaram já comprovando minha suposição de que existiam corpos que precisavam ser tocados. Mais uma vez, vi as implicações da educação por nós vivida, a qual, escondida atrás de um conteudismo cego (ESPIRÍTO SANTO, 2008, p. 21), tem conduzido as pessoas a vivenciarem um processo de construção de vida sem sentido. Sem falar na mutilação cognitivo-emocional, que atrofia e inibe a ação do corpo no mundo, inviabilizando as formas de relacionamento e criação. Assim, a cabeça é percebida como dimensão indispensável. O problema é que ela se encontra distante do corpo, que apenas opera e executa, sendo reconhecido por suas propriedades operacionais. Durante muito tempo, o corpo foi compreendido como objeto de apropriação simples dos conhecimentos. Tal compreensão, frágil e fragmentadora, nos marcou, implantando o sentimento, ou melhor, o não-sentimento por nosso próprio corpo, o que ofusca nossa biografia corporal. Na verdade, essa concepção nos distanciou de nós mesmos, fazendo com que tivéssemos extrema dificuldade de ser o corpo que somos (ASSMANN, 1995). Esse distanciamento também decorre da internalização dos ditames sociais, que nos determinam cotidianamente que corpo temos que ser, o que e como podemos sentir, bem como devemos usar o corpo. Ou seja, mas do que ser a sua verdadeira e real substância, nossos corpos, são corpos, que nos disseram que temos, corpos inculcados e ensinados, feitos de linguagens, símbolos e imagens (ASSMANN, 1995, p. 72) Distantes de nós mesmos, desconhecemos nossas potencialidades, nossas formas de relacionamento com o outro. Esquecemos de nossa natureza, pouco cuidamos da higiene e da saúde de nosso corpo, tornando-nos seres doentes de corpo e de alma. Com isso, nos aprofundamos em depressões, desfazemos relações, adoecemos. Afastados das pessoas, nosso rendimento decai e somos percebidos por nossas fraquezas. “Infelizmente, vivemos em um mundo ruidoso que quer calar nossa voz interior, intencionando a nos transformar em marionetes da mídia sem espontaneidade e autenticidade” (MONTEIRO, 2006, p. 14). Enfrentando as consequências de um crescimento desordenado, racional, sentimos e conhecemos a necessidade de revisitar o corpo, de ampliar os saberes sobre a corporeidade e experienciar a vida com plenitude, tornando-nos seres criativos e solidários. Por isso eu investi nas flores, para o ambiente do encontro. Embora de papel, elas estavam carregadas de sentidos. Afinal, para que elas pudessem ser confeccionadas, pelo menos um corpo precisou rever seu movimento. Após a entrega das flores, convidei todos a entrarem no mundo da fantasia, por meio da leitura partilhada da Fábula da Convivência (Anexo 1). Passei então uma caixinha que continha pequenos fragmentos de papel, cada participante pegou um e, obedecendo à sequência dos números, iniciamos a tessitura da história. Sobre os contos de fadas Bettelheim (1980) esclarece que, ao longo da história, eles se tornaram mais refinados, passando a transmitir, ao mesmo tempo, significados expressos e significados ocultos para os diferentes níveis da personalidade humana, “comunicando de uma maneira que atinge a mente ingênua da criança tanto quanto o adulto sofisticado” (1980, p. 14). Por essa profundidade e essa facilidade com as quais eles permitem o desvelar da comunicação, que entendo serem extensivos também às fábulas, utilizei a história oral como caminho para tocar as pessoas que ali estavam. A “Fábula da Convivência” foi resultado de um pedido da direção da escola para que eu realizasse uma atividade que motivasse as pessoas para a implicabilidade nas relações e o respeito ao próximo, pois, nesse período, as interações interpessoais estavam ainda mais fragilizadas. Portanto esse momento foi planejado para atender à necessidade da instituição, mas, por ter provocado algumas mudanças de postura, considerei-o o marco inicial da pesquisa. Vivendo esse momento de partilha, paramos para ouvir o que cada sujeito falava, olhando-o com atenção e, aos poucos, fomos tecendo relações por meio da comunicação verbal. Afinal, para que a fábula fosse constituída, era necessário que todos os participantes se dispusessem a ler sua fala. Após esse momento de exercício de fala e escuta, passei a explorar corporalmente a relação interpessoal, enfatizada, na fábula, na busca da sensibilização para o espírito de equipe, que deveria impulsionar as práticas daquele espaço de convivência e aprendizagem. Como equipe, nos reconhecemos seres frágeis e capazes, e isso nos permitiu viver o movimento do acoplamento entre a sensibilidade coletiva e a competência solidária (ASSMANN e SUNG, 2000). Uma das participantes disse: Estava passando por um momento muito difícil em família, de doença, de morte e muita tristeza, Então foi muito relaxante para o meu corpo e minha alma essa convivência com minha equipe de trabalho (SEDA, 2007) O trabalho em equipe requer um envolver-se e comprometer-se com o outro e decorre, assim como tudo na vida, da aprendizagem de valores morais e éticos que viabilizam a descoberta desse outro. Apesar de primordial para o desenvolvimento humano não aprendemos sobre a convivência na escola, local destinado às diversas aprendizagens, ou melhor, não somos formados para aprender a viver juntos e, ao longo da história da humanidade, isso tem contribuído para o surgimento de inúmeros conflitos sociais. Em Delors (2006, p. 97), o saber conviver é posto como um dos pilares fundantes da educação e da vida humana, sendo, portanto mais uma das responsabilidades das instituições de en respe escol a con alegr repet expe de pe proce respo recon sino. Com ito pela seg Assim, her, cada u strução de ia. Simboli iu minha rienciaram Os corp rtenciment sso de form Quando nsabilidade strução. A uma boa co urança e pe A e dive seme com todo m, uma pe uma teia h zando essa ação desej os processo Figu os foram, e o a um gru ação das c todos , pela paz gora tínham nvivência, lo bem viv ducação tem rsidade da esp lhanças e da s em pé, ssoa a quem umana. Eu, dádiva, to ando tranq s de doar e ra 8 – Profess ntão tornan po que, em rianças, tor estavam c , pela fé e os que re construímo er do próxi por missão écie humana interdependên organizado desejaria como med quei em su uilidade p receber, de ores construi do-se mais bora diver nando-as ci onectados pelo amor tornar à po s um grupo mo. , por um la e, por outro, cia entre tod s em círc doar algo d iadora, esc a mão e m ara outra. maneira se ndo a teia da flexíveis, s sificado, tin dadãs solid uns aos , passamos sição inici coeso, um do, transmiti levar as pesso os os seres hu ulo, orient e bom. Ne olhi uma co e mantive Aos pouc nsível e afe convivência endo envo ha o mesm árias, reflex outros p para o seg al. Com ca a equipe qu r conhecimen as a tomar co manos do pla ei os part sse instante lega e lhe junto a ela os, um a tuosa. lvidos pelo o objetivo ivas e atua ela harm undo mom utela, com e luta com tos sobre a nsciência das neta. icipantes a , iniciamos doei minha . A colega um, todos sentimento : ajudar no ntes. onia, pela ento, o de unicação e alegr ali tín interl expre Dent de in cenár parce autob const sensi por m cons Fuxi ia, consegu hamos con Missão igados ao ssasse, por re as palavr Celebra vestirmos e io e, se fa ria e afeto. Ao de iográfica, ruídos ao bilidade, qu eio da do olidação do cos ... imos conto struído. cumprida corpo do meio de as que fora ndo esse m m nós me ziam, havia Figura screver es com o qua longo da e esteve pr ação de sen espírito de rnar os nós ! Consegu outro. Fin uma palavr m citadas, e omento, tr smos e em m sido esq 9 – Momento sa vivênci l os docen profissão e esente e fo timentos e equipe. , desfazê-lo imos volta alizando, p a, o que a stavam: al ocamos ab nossas rela uecidas. N de confratern a 2 fios tes resgata do desen i reconheci partilha d s, sem queb r ao círcu edi a cada quele enco egria, comp raços selan ções. As d o lugar de ização entre puderam ram suas volvimento da no mom e emoções rar ou rom lo e, o m um dos ntro tinha r romisso, ha do a harmo ores já não dores e co as professora ser eviden memórias, da ativid ento do aco e principal per com a l elhor cont participant epresentad rmonia, nia e o co faziam ma uraças, hav s ciados: re as relaçõe ade docen lhimento, mente no p igação que inuávamos es que ele o para ele. mpromisso is parte do ia sorrisos, flexividade s e afetos, te; e o da visualizado rocesso de Antes de organizar a vivencialidade acima descrita eu observava a dinâmica da creche tentando compreender cada uma das pessoas que compunham esse cenário educativo. Enquanto isso, desenvolvia ações que inquietavam os docentes. Chegava à creche sempre no horário, com disposição para doar-me ao outro, para auxiliar no que fosse necessário. Sentava-me no chão, brincava na areia, cantava, pulava e fazia de cada dia uma experiência de vida, um momento de formação. Essa postura é definida por Freire (1996) como “corporeificação da palavra pelo exemplo”. A corporeificação vincula-se à questão do pensar certo, requer autonomia e uma ação consciente de quem a realiza, pois, no momento em que é desenvolvida, torna-se um referencial para aquele que a observa. O professor que realmente ensina, quer dizer, que trabalha os conteúdos no quadro da rigorosidade do pensar certo, nega, como falsa, a fórmula farisaica do “faça o que mando e não faça o que eu faço”. Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo (FREIRE, 1996, p.34) Corporeificar a palavra pelo exemplo significa, portanto, tornar a palavra uma vivência. Discursar e demonstrar, teorizar e viver. Na prática educativa, esse saber é essencial. Com ele, os alunos criam seus símbolos, seus julgamentos, em virtude das ações que vê seu educador realizar. Lembro-me da primeira festa de São João, que ocorre no mês do meu aniversário, motivo pelo qual me identifico ainda mais com ela. O São João é uma das festas religiosas do Brasil. É muito vivenciado no Nordeste brasileiro e revela muito da cultura do povo dessa região. Nas escolas, ela é sempre comemorada, já que vivê-la significa rever nossa própria cultura. Ela permite que as crianças tragam para a sala de aula suas experiências e as reconstruam a partir dos novos saberes, esse podendo ser, para aquelas que ainda são muito pequenas, um momento de apresentação e de conhecimento. Reconheço a importância da festa na escola! Não a vejo como um divertimento qualquer, mas como um momento lúdico, em que vivenciando-se a coletividade, aprende-se mais sobre o outro, sobre o lugar em que se vive e sobre a sociedade em geral. Esse é também o entendimento de Perez (2002), em seu texto Antropologia das efervescências coletivas: Nesse texto proponho-me resgatar a ideia de festa, sobretudo da festa à brasileira, tratando-a como forma lúdica de sociação e como um fenômeno gerador de imagens multiformes da vida coletiva, buscando mostrar como o vínculo social pode ser gerado a partir da poetização e da estetização da experiência humana em sociedade (PEREZ, 2002, p. 17). A festa envolve celebração, uma multiplicidade de atividades de naturezas diversas que se distanciam do ritmo regular do cotidiano. É uma manifestação que purifica, porque, na maioria das vezes, vincula-se a questões religiosas, e renova, pois com ela o indivíduo “vive o tempo das emoções intensas e da metamorfose de seu ser” (PEREZ, 2002, p. 25). Envolvida nessa emoção, eu, juntamente com bolsistas da creche, organizamos toda a ornamentação da festa. Bandeirinhas nas mesas, a fogueira no centro, pilares e os demais espaços da festa com enfeites juninos. No entanto, apesar dessa demonstração de implicabilidade, apenas eu e outra bolsista nos propusemos vestir-nos a caráter. As demais educadoras e os funcionários vestiram-se com jeans, roupas da moda, e sapatos que se distanciavam da cultura junina. Nesse dia, retirei o vestido do armário, fui ao comércio para ornamentá-lo com bonecas de pano, comprei chapéu e fitas. Antes da festa, banho tomado, cabelo arrumado com tranças, rosto pintado, vestido matuto, sapatilha e chapéu de palha; além de muita alegria e muitos sorrisos. Para Dowbor (2008), a preparação para o outro requer inicialmente uma preparação para si mesmo: o lugar do outro é construído a partir do momento em que o indivíduo cria e fortalece o seu espaço interno, tornando-se capaz de oferecer o melhor ao outro e até de trocar de lugar com ele. O ocupar-se na preparação para receber o outro permite a vivência da expectativa do encontro, para que este seja vivido de forma antecipada no corpo por meio da capacidade imaginativa. É essa vivência imaginária que, experienciada antecipadamente, possibilita a recriação do encontro, quando se vive o “momento em si” do encontro (DOWBOR, 2008, p. 69). Sentia-me, assim, preparada para o outro. Ao chegar à festa, algumas surpresas. As pessoas ficaram admiradas por me encontrarem vestida de matuta, fato que, para mim, não causava nenhuma estranheza: afinal, se estava numa festa de São João, experienciando-a junto a crianças, que muitas vezes, estavam aprendendo como é essa festa naquele momento. Nada mais natural, portanto, que participar dela como pede a literatura. para reflex a refl que é Um p tinha que, uma dificu grup estav cient propu quem Nesse m a vivência ividade au exividade v Depois possível re ouco mais No dia de realizar pelo resulta ação voltad Nesse ldades que o de pessoa am prestes e das dificu s-me o de sabe, um Figu omento o permitiu tobiográfic ivencial to de uma tar alizar, qua de fuxico posterior a um trabal do alcança a para a au dia, direçã enfrentava s que há m a se aposen ldades, por safio com a transform ra 10 – Profe usei com c que eu en a trouxe a t rnaram-se n de de alegr ndo as outr ... o da primei ho sistemát do no dia a toformação o e vice-d m, alertand uito tempo tar – e car que, na ve o espírito d ação naqu ssoras e crian riatividade frentasse o ona lembra ovamente ia, com mú as pessoas e ra vivência ico de form nterior e tam dessas edu ireção, de o-me sobre faziam pa regavam ví rdade, eu já e quem iri ele espaço ças na Festa d fazer a dif desafio s nças que p realidade. sica, milho scolhem nã , procurei a ação huma bém pela cadoras, a p forma cla as barreir rte do siste cios difícei percebia i a tentar inq . 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Em virtude da dificuldade que encontrei para que as pessoas aceitassem reunir-se comigo pois necessitava de tempo para as vivencialidades, deixei acordado com a direção que, nos dias em que parássemos para as reuniões pedagógicas ou administrativas, nos reuniríamos para vivenciar o processo de autoformação. Essa foi a estratégia por mim encontrada para desenvolver as vivências respeitando o calendário escolar e, principalmente, sem causar transtornos à rotina das professoras, pois, se tivessem que se desviar de seus percursos diários, elas não se disponibilizariam para participar. Como já comentei anteriormente, na escola o professor assume diferentes papéis: é mediador, é apresentador, psicólogo, recreador, e, se assumir sua função com comprometimento, abraça também a missão de outros profissionais, permanecendo em constante atividade, o que o leva a viver sob uma pressão, que pode comprometer sua vida diária. Em alguns casos, principalmente quando o educador não foi inserido na profissão pelo desejo e pelo aprendizado, viver essa rotina torna-se sacrificante, motivo que o faz acomodar- se, esquecer-se de suas potencialidades e violar os direitos do outro, impedindo as crianças – no caso – de se expressarem livremente. Na realidade, vivendo o papel de professor técnico, aquele que foi concebido para o fazer, para a execução do trabalho, o professor termina passando por uma crise de identidade, ao fortalecer a imagem de profissional e esquecer-se da dimensão pessoal que o constitui (FONTANA, 2005). Assim, ele se limita a participar de atividades que foquem sua formação profissional, afastando-se daquelas que mobilizem seu ser. Nesse sentido, quando falo em disponibilidade, refiro-me não apenas a um ajuste temporal da rotina, mas a uma organização existencial do desejar viver algo mais. Diante disso, na tarde do dia seguinte ao de minha conversa com a direção, me reuni com as educadoras e bolsistas no salão da escola, dessa vez utilizando o projetor de multimídia, para apresentar o projeto da pesquisa que, juntamente com elas eu desejava desenvolver. Após a explanação, abri espaço para que elas falassem, esclarecendo se desejavam ou não participar, e orientei-as acerca da assinatura do termo de consentimento livre, que deveria ocorrer de modo consciente, caso desejassem tornar-se sujeitos colaboradores da pesquisa. Para minha alegria, não houve negações, pelo menos expressas em palavras. 2º Tessitura – O fluir das emoções: reflexões sobre o ser docente A segunda vivencialidade ocorreu no Dia dos Professores, portanto posteriormente ao Dia das Crianças, momento de animação, mas também de muitas desavenças. Falo isso porque observei no grupo um certo sentimento de competição. Na realidade, sempre que ocorriam festividades, esse sentimento tornava-se mais evidente, pois, quando se dividi o grande grupo em equipes diferentes, organizadas, na maioria das vezes, de acordo com o turno, as professoras apontavam as fragilidades uma das outras, enfatizando a quantidade de trabalho que era realizada por uma equipe e a falta de compromisso da outra. Entrelinhas ... Nesse ano, embora o Dia das Crianças fosse sempre celebrado, procurei estimular os educadores a levarem as crianças a vivenciar esse dia com mais alegria e encantamento. Assim, um grupo de professores se caracterizou para representar um conto de fadas, a história dos três porquinhos. A proposta não era apenas contar, mas corporalizar. Aos poucos, as crianças foram entrando no mundo da fantasia. Em seus rostos, o encantamento de fazer parte desse cenário. Depois da história, organizou-se uma oficina de brincadeiras, além de ter sido utilizado também o vídeo. À tarde, a entrega de lancheiras e a distribuição de bolo fecharam o dia, que, tendo iniciado com disputas, terminou com a solidariedade entre todos da creche. Retomando o contexto inicial, mas não menos difícil, para concretizar essa segunda vivência tive que enfrentar novas dificuldades. Agora, a proposta era pensar sobre nossa trajetória como docentes, num espaço de lazer. A intenção era possibilitar novos sentimentos, em um lugar de liberdade e ludicidade. O lugar escolhido foi uma casa na praia de Búzios, zona sul da Grande Natal. Embora, quando colocada em pauta a proposta do lugar tivesse sido acatada, logo em seguida apareceram os entraves: por que tão longe? como chegar até lá? o que vamos comer? quanto precisamos pagar para comemorar o Dia dos Professores? Tentando solucionar tais inquietações, fiz um levantamento de quem possuía carro e de quantos gostariam de participar, e distribuí os interessados, já marcando os locais de saída. Conforme as imposições colocadas inicialmente, nem todos aceitaram participar. O fato é que contratei um churrasqueiro e abri as portas da casa, para acolher as educadoras. De manhã cedo, partimos para o local combinado. Lá chegando, após guardarmos nossos pertences, nos reunimos na área e fizemos uma breve reflexão sobre o que nos tinha levado a nos tornar educadoras. Esse questionamento também é feito por Arroyo (2008), quando problematiza: “Somos ou apenas estamos professores e professoras?” Destaco, em seguida, o depoimento de Chita (2007) em relação a essa questão: O que me tornou professora foi a necessidade de um trabalho, por estar longe da família e ter que me virar para sobreviver. Então iniciei dando aula particular e depois recebi um convite das mães desses alunos, que eram professoras, para lecionar na escola. Contrariamente à representação social que é feita dessa profissão como um ofício preponderamente feminino, e no qual o amor e a vocação justificam a ausência de saberes específicos (FONTANA, 2005), a fala de Chita mostra que o ser professora pode ser também um aprendizado. Como se pode perceber, essa docente chegou à profissão de educadora não propriamente por uma escolha, mas por uma necessidade de sobrevivência; ou seja, sua integridade dependia de um trabalho. Numa perspectiva semelhante de encontro com a profissão, Fontana (2005) apresenta aspectos do tornar-se professora: “Tornar-se professora”, mais do que uma condição, foi também o processo pelo qual nos inserimos, de um modo específico, como mulheres e trabalhadoras, na corrente das relações de trabalho e das práticas educativas de nosso grupo social, relações e práticas que se formaram sem nós e diante das quais “não fomos, de início, senão um objeto como os outros” (DEULEZE, 1987, p. 8). Esse fato, se analisado na perspectiva da formação e da profissionalização do docente, pode funcionar como um inibidor das habilidades e competências desse ser. Afinal, no caso de Chita, o fator preponderante para chegar à docência parece ter sido o saber-fazer, e não propriamente o ser: a profissão, a princípio não foi algo sentido, mas sim imposto pela vida. Para Arroyo (2008, p. 41), “Pensar e mexer com a formação humana é um pensar nossa própria formação, no nosso próprio percurso. Nos enfrenta com um dever-ser. O que é bem mais complicado do que um saber-fazer”. A situação pode ser agravada pelo fato de a implicação do sujeito na atividade que desempenha estar relacionada ao prazer que ele sente ao executá-la. No caso de Chita, a princípio não era o prazer que a movia, mas sim a necessidade. Nessa perspectiva, Csikszentmihalyi (1999) esclarece que a qualidade de uma experiência depende do relacionamento entre desafios e habilidades; ou seja, o sujeito precisa sentir-se capaz e feliz quando realiza a atividade que se destinou a desenvolver, para que haja excelência. Nesse caso visualizamos o quanto a ludicidade favorece o desenvolvimento da prática docente. Apesar de Chita não ter se tornado professora por desejo, esse mesmo desejo poderia ter sido construído nela durante o seu processo formativo, principalmente se sua prática tivesse sido vivenciada com mais alegria e prazer. Salienta-se que a ludicidade permite que joguemos com as dificuldades. É uma possibilidade de brincar com a vida e torná-la mais significativa. Percorrendo um caminho diferente, Surá conta que sua decisão foi tomada ainda na época da escolha da graduação que deveria cursar quando, dialogando com um de seus professores, passou a refletir sobre seu futuro. Dessa forma, Surá não esperou ser professora; procurou organizar-se para tornar-se professora, ingressando em um curso superior que a habilitava para a concretização da decisão que havia tomado e, posteriormente, aprofundando seus conhecimentos, quando optou em cursar uma especialização em Educação Infantil. Certo dia, numa aula de Matemática conversando com meu professor disse: ‘Não gosto de trabalhar-estudar com números; pretendo fazer uma faculdade na área de humanas’. E ele olhou e me indagou: ‘Você, sendo uma juíza de direito, como fará a partilha de uma herança?’. Aquela frase ficou na minha cabeça por muito tempo. E percebi como aquela pessoa tinha a nos ensinar. Pensando nisso, e sabendo que jamais me adaptaria a uma atividade mecânica, optei por realizar o vestibular de Pedagogia, sempre na intenção de trabalhar com crianças, que, a cada momento, têm uma coisa a nos revelar, uma surpresa, sorriso, carinho. A tarefa do professor nunca acaba: estamos em constante aperfeiçoamento, transformação. Isso é o que move o meu dia-a-dia, o meu viver (SURÁ, 2007). No caso de Surá, ao longo do processo de escolha existiu um querer, que antecedeu o fazer: houve reflexões sucessivas para ela chegar a uma decisão. Nessa experiência, a construção volta-se para o ser educadora, enquanto, na anterior, as construções levaram a tornar-se educadora. Nesse caso, a participante soube adaptar-se à voracidade do tempo, permitindo-se refletir sobre sua formação. Dowbor (2008) reconhece a importância da reflexão na trajetória do educador, e nos esclarece: Não temos hábito de refletir sobre o que fazemos. Acredito que grande parte de nossa dificuldade resida em deixarmo-nos ser engolidos pelo peso e dimensão que o cotidiano exerce em nossas vidas. O cotidiano tem a capacidade de nos grudar ao chão como se sob nossos pés houvesse cola, fazendo-nos permanecer no aqui-e- agora da concretude que estamos a viver (DOWBOR, 2008, p. 69). No processo formativo de Surá, a reflexão sobre as possibilidades aprendidas contribuíram para que sua vontade de ser educadora prevalecesse sobre as dificuldades. Isso, na trajetória de formação humana do educador, é um aspecto facilitador, pois o professor se coloca com maior paixão, entrega-se às experiências, sem perder de vista os saberes, que, segundo estudiosos da formação (GAUTHIER, 1998, TARDIF, 2007), legitimam a prática docente. Numa perspectiva mais poética, Chifon (2007) relata: Escolhi ser professora porque sempre gostei de crianças pequenas. Queria uma profissão que lidasse com o ser humano e suas emoções, mas descobri que prefiro ajudar as crianças a descobrirem o mundo e, assim, me renovo e redescubro a vida a cada dia. Como expressa Chifon, o ser educadora deve ser um processo de doação, de beleza e de emoção, no qual educadores e educandos, vivenciem de maneira complexa o ensino e a aprendizagem, processos de formação e autoprodução (MATURANA e VARELA, 2001); ou seja, deve dar-se na relação poiética entre o professor e a criança, ambos seres aprendentes da vida. Apontar as crianças como mediadoras da apreensão, elaboração e julgamento do vivido pela professora implica um modo de relação com o ensino, um modo de concebê-lo, que se enraíza no princípio da constituição mútua entre nós – professoras – e elas. Nas relações sociais, destacam Vygotsky, Wallon e Bakhtin, os papéis sociais ocupados pelos indivíduos são intercomplementares. Dessa perspectiva, o trabalho pedagógico não é produzido única e exclusivamente pela professora que ensina, nem tampouco pela criança que aprende. O ensinar e o aprender são produzidos na relação entre alunos e professora. Um se constitui em relação ao outro (FONTANA, 2005, p. 161). Ser educadora envolve o reconhecimento do parceiro social – no caso, a criança – na vivência de descoberta e atuação no mundo. O professor necessita ter a capacidade de incentivar a produção de sentidos e a criação de significados por parte da criança, de forma que ela possa aprender a pensar, expressar-se por meio de diferentes linguagens, apropriar-se da cultura, dominar o próprio corpo, manifestando-se como um ser ativo e criativo. Tudo isso leva-me a pensar que a experiência da educação infantil precisa ser muito mais qualificada. Ela deve incluir o acolhimento, a segurança, o lugar da emoção, para o gosto, para o desenvolvimento da sensibilidade; não pode deixar de lado o desenvolvimento das habilidades sociais, nem o domínio do espaço e do corpo e das modalidades expressivas; deve privilegiar o lugar para a curiosidade e o desafio e a oportunidade para a investigação (CRAIDY e KAERCHER, 2001, p. 21). Como se pode perceber, o percurso de vida que nos encaminha para as escolhas profissionais influencia diretamente na forma como nos colocamos frente à profissão, o que nos leva, conforme afirma Josso (2004), a refletir sobre as experiências que foram fundadoras de nossas escolhas de vida e, se desejarmos, no nosso caminhar, a transformá-las. Nesse caso, o que tento destacar é a necessidade de o professor voltar-se para si mesmo e descobrir, em seu percurso de formação o que o fez estar hoje nessa profissão e desenvolvê-la da forma como faz, pois somente quando ele compreende esse percurso é capaz de reconstruí-lo, ou mesmo desfazê-lo. A reflexão é um ato na emoção no qual se abandona uma certeza e se admite que o que se pensa, o que se tem, o que se deseja, o que se opina ou o que se faz pode ser olhado, analisado, e aceito ou rejeitado como resultado desse olhar reflexivo (MATURANA e REZEPKA, 2000, p. 31). Como podemos observar na experienciação dessa vivência, o fio da reflexividade autobiográfica constitui-se num princípio fundamental no processo formativo do educador infantil. Com ele o professor revive fatos, reflete de forma consciente a sua prática, busca em suas memórias formas de reconstruir-se e recriar a trajetória junto ao outro. Ao viver essa reflexividade o sujeito redescobre-se e isso lhe dá possibilidade de transformar o seu cotidiano, como ficou evidenciado nas narrativas de nossas participantes. cenár recon outro de um Agor mar, dista se ap evide Tính Csik ment porqu traba profi organ Junto a io de pesq hecer a be como ser d Com em a mensag a, o tempo aproveitar Para m nciamento resentavam nte e a tro amos um szentmiraly e. Vivíamo e reconhec Ressalt lharem es ssionais. 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Naquel e para se i estávamo aquele mo valor. nto, nessa professor o olharem sse sentido o poder t s docentes educadora, mos a prim ia do prof , dialogar c legria de se udicidade no servar o gru dades diári emonstrava e momento r quem v s inteiras, mento não vivenciali as foram para o luga , ao exper ransformad reencontra bem como eira parte d essor e dem om as cole r educador. dia dos profe po, foi mu as modifica maior plas , não havia erdadeiram com o fun porque tính dade a im oportuniza r que agor ienciar a re or da ludic ssem o se favoreceu essa vivenc os início gas, banhar ssores ito interessa va o ânimo ticidade, o competiçã ente somo cionamento amos a obr portância das a ree a ocupam a flexividade idade. Ela u ser, e pa o reconhe ialidade co ao moment -nos na pis nte perceb das educa sorriso torn o, intrigas, s. Concord total do igação de f da reflexiv ncontrarem s docentes as educad , em nosso ssassem a cimento do m a leitura o de lazer. cina ou no er quanto o doras. Elas ou-se mais cobranças. ando com corpo e da azê-lo mas idade. Ao -se como passaram a oras foram levadas a refletir sobre suas práticas e, sobretudo em sua própria vida, fato que acredito ter impulsionado-as para realizarem novas ações Um pouco de fuxico ... Fato marcante nesse segundo intervalo entre as vivências foi a organização e celebração da festa do fim do ano. Para mim, foi um momento ímpar, em que pude finalmente observar novos sentimentos florescerem. Nesse período, todos pareciam estar mais motivados. Observou-se também que as reuniões de planejamento da festividade se sucederam com tranquilidade, alegria e com idealizações bastante criativas. Pela primeira vez, desde que eu chegara à creche, para a ornamentação da festa não houve a fragmentação do grupo; em nenhum momento existiu uma equipe A e uma equipe B. Todos eram responsáveis pelo sucesso da organização. Para concretizar os planos, os alunos foram liberados e somente funcionários e professores permaneceram na instituição. Pela manhã, muita movimentação, conversa, animação. Vivíamos ali o tempo de viver uma vida diferente, o que era expresso, assim como no São João, na celebração da festa. Assim, festa é em todas as culturas sempre a manifestação de uma vida diferente, de uma vida presenteada, que o ser humano não pode dar a si mesmo. Essa vida, no entanto, é presenteada a cada pessoa, no interior de uma determinada comunidade, que na celebração de suas próprias festas ganha a sua própria identidade (WEBER, 2002, p. 144). A vivência da festa instaura um clima de aceitação recíproca e de hospitabilidade. Nessa festa, quando comemoramos o nascimento de Cristo, os sentimentos tornaram-se evidentes, e isso fez a diferença. Diferente não foi apenas a forma de prepararmo-nos, mas o próprio tema da festa, pois em lugar de Papai Noel, experienciamos a alegria de um circo. No chão do picadeiro, a pintura de estrelas, que, desde o portão da escola, davam boas-vindas aos convidados. No centro, tecidos coloridos imitavam a lona do circo. Nos pilares, cores; no teto, móbiles traziam ainda mais movimento para o cenário. Para esse dia, até a roupa dos funcionários foi padronizada: todos de camisa vermelha, todos com a cor do amor. Depois de um dia de organização, agora só precisávamos esperar o outro dia chegar. A festa estava pronta: música, fantasias e animação, no picadeiro da UEI! Crianças, juntamente com os professores, dançavam. Pais, orgulhosos, assistiam e registraram, fotografando, esse momento, que já estava guardado em meu coração. Após as apresentações, o mais surpreendente de todos os momentos: a expressão clara da vivência do fluxo. Sem se preocupar com a presença, ainda, de pais, toda a equipe se reuniu no centro do picadeiro e, juntos, cantamos, dançamos, abraçamo-nos, como se estivéssemos realizando algo muito desejado. Quando estamos em grupo, ao mesmo tempo em que assumimos diferentes papéis de acordo com a história de vida própria também atribuímos papéis aos integrantes. É dessa forma que a estrutura do grupo se constrói tendo como base o interjogo dos papéis assumidos entre seus diferentes membros e dos papéis que lhe foram delegados (DOWBOR, 2008, p. 83). Naquele dia, vi nascer o sentimento de grupo: cada um sabia que ali desempenhava um papel e, portanto, que não existia necessidade de entrar em conflito com o outro por uma posição que já tinha: todos nós éramos educadores. Naquele dia, o grupo sentiu-se uma equipe! Evidencia-se a força da criatividade. Ao produzir a festa e nos comprometer com o tempo de preparação, nosso corpo manteve-se em constante movimento. Nesse momento pensávamos em produzir, em preparar e encantar as crianças. A criatividade como prática de construção do novo ampliou as possibilidades de ação, nos manteve distante de pensamentos e ações negativas, que antes influenciavam a dinâmica da creche. 3ª Tessitura – Nós e o espelho: tramas no processo de Ser e reconhecer-se O terceiro encontro marcou o início de um novo ano. Estávamos nos preparando para receber novas crianças e rever as que já faziam parte de nossa história. No dia que antecedeu esse encontro, foi realizada a primeira reunião administrativo- pedagógica. Na reunião, nos foram dadas as boas-vindas, apresentadas algumas demandas a serem supridas, bem como foram estabelecidas as datas e os horários da semana pedagógica que ali se iniciava. Essa semana, na maioria das instituições de ensino, é desenvolvida como um momento de capacitação e de aperfeiçoamento da prática do docente, sendo exploradas questões pertinentes à prática pedagógica, ao planejamento e à avaliação. Aspecto importante a ser considerado é que, em grande parte das instituições, não são os professores quem aponta os problemas relacionados a trabalho e a aperfeiçoamento, o que, para eles, soa, muitas vezes, como imposições colocadas pela coordenação, que, estando fora da sala de aula, desconhece as reais necessidades do professor. Na Educação Infantil, esse momento volta-se para a organização do cotidiano das crianças e pressupõe pensar no estabelecimento de atividades e nas relações necessárias ao desenvolvimento infantil. Geralmente, as atividades desenvolvidas instigam os professores a pensar no tempo e no espaço, na semana de adaptação – que requer um olhar mais sensível para a criança e para a família – nas linguagens a serem trabalhadas e na construção de uma concepção sobre a criança e sobre a infância (CRAIDY; KAERCHER, 2001). Na história da pedagogia, a discussão sobre o significado do contexto de aprendizagem levou a ênfase ora a experiências que trazem maior distanciamento da vivência cotidiana – realizadas em ambientes especais, simplificados e/ou com estruturação especialmente planejada para fortalecer o desenvolvimento de certas funções psicológicas e, portanto, para maior abstração e formalização –, ora a experiências infantis contextualizadas, de maior significação na vida pessoal e maior envolvimento emocional (OLIVEIRA, 2007, p. 225). O fato é que, nessas semanas pedagógicas, momento em que se deveria pensar no professor, pouco se trata dele, focando-se o trabalho na evolução de seu saber-fazer. Na realidade, em todo processo formativo ocidental, a ênfase é dada ao saber-conhecer, que é concebido por meio da atividade cognitiva, e ao saber-fazer, que, sendo indissociável do primeiro, está ligado à formação profissional (DELORS, 2006). Essa realidade vai de encontro ao que entendo sobre o processo formativo, pois, em minha concepção, se desejamos desenvolver uma prática resolutiva e de qualidade é necessário que tenhamos uma profunda consciência sobre nós mesmos, que compreendamos nossas potencialidades, que sejamos capazes de reconhecer nossas fragilidades, sejamos capazes não só de fazer, mas também de estabelecer uma boa convivência. Para a Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, a presença do eu consciente e integral é indispensável no processo formativo do ser humano. Desde a sua primeira reunião, a Comissão reafirmou, energicamente, um princípio fundamental: a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa – espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade. Todo o ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida (DELORS, 2006, p. 99). Nesse processo formativo sistêmico, pois concebe educandos e educadores de forma integral, o professor precisa vivenciar momentos contínuos de reflexão, uma vez que, se o professor não estiver conectado consigo mesmo, provavelmente não conseguirá interagir harmoniosamente com o outro, seja ele criança, família ou colega de trabalho. Conforme revela Dowbor (2008, p. 67), “Como educadores, não conseguimos marcar o corpo do outro com o que não temos em nosso próprio corpo. Assim, para que um o seja o outro também tem de o ser!”. Reafirmo a necessidade de criarmos espaços não de aperfeiçoamento, mas de formação, onde possam ser oferecidos momentos para o autofazer-se, pois, sendo o docente reconhecedor de si mesmo, acredito que ele poderá promover momentos educativos mais saudáveis, já que será capaz de compreender o outro em sua legitimidade. Dessa forma, inserir as diferentes culturas, reconhecer a criança como ser complexo e desenvolver um pensamento integrador tornar-se-á um caminho simples de ser traçado, que poderá trazer repercussões mais positivas para os que compõem o processo; afinal, a aprendizagem dar-se-á pela própria vida. Quando assume sua própria prática pedagógica exercitando essa postura, o educador contribui para que aquele a quem educa seja sujeito do próprio processo de vida e de aprendizagem e, por conseguinte, seja fazedor de cultura e história, bem como produtor de conhecimento e não um simples reprodutor de conhecimento (DOWBOR, 2008, p. 67). Como se pode observar, o trabalho com a vida, como experiência formadora, implica a articulação entre o que aparentemente ainda hoje é tido como antagônico: teoria e prática, mente e corpo, subjetividade e racionalidade. Envolve diferentes aspectos da existência, sensibilidade, afetividade, reflexividade e ações, superando a justaposição entre formação inicial e formação permanente, entre capacitação e formação contínua. Além disso, insere na formação o encantamento, na medida em que encaminha os sujeitos a se encontrarem com momentos significativos de sua trajetória. Trata-se de um processo que se baseia em questões existenciais, sendo construído e reconstruído por meio das diferentes experiências. É a partir dele que os indivíduos tendem a buscar a coerência de suas vidas. Para isso, eles contam com a apropriação de uma linguagem e o desenvolvimento de habilidades e competências culturalmente adquiridas. Essa abordagem não se fecha na transmissão e aquisição de saberes, nem na elaboração de competências técnicas e profissionais, mas abre caminhos para a experienciação do pensamento sistêmico reflexivo, a apreciação da globalidade da vida e a vivência do fluxo. Olhando para suas próprias experiências, os sujeitos se envolvem inteiramente no processo de construção, esquecendo-se de tudo que é exterior a ele (CSIKSZENTMIHALYI, 1999). Ao fazer história, ao formar-se pelas experiências ressignificadas, o educador se insere no cenário prazeroso dos fatos revividos e de pessoas que marcaram positivamente sua tessitura. Compromete-se com o processo, porque, sendo autor, vive a dor e as delícias de ser docente. Nesse sentido, atendendo a um pedido das docentes, nesse mesmo dia realizei um levantamento das questões que elas desejavam explorar, quando foi registrado o desejo de terem um momento para elas, ou seja, de olharem para si próprios, bem como um voltado para a criança e as possibilidades de trabalho com esse ciclo de vida. Após isso, reuni-me com a coordenação e delimitamos o trabalho, envolvendo as seguintes temáticas: identidade docente; a implicabilidade do corpo na ação do educador no mundo; o processo de sensibilização para a vida; o desenvolvimento das diferentes linguagens: o desenho e a contação de história; a motricidade no crescimento e no desenvolvimento da criança. Ressalto que em todas as temáticas, seria explorado o papel do educador. No processo formativo, enfatizei a importância da delimitação do lugar do educador. Ele é o núcleo articulador, e nele se situa a centralidade do projeto fundamental da formação- educação. Os educadores, como seres de história viva, constituem-se em retalhos, aqueles que, pelas dificuldades, se deixaram esgarçar, mas, ao mesmo tempo, aqueles que, ao unirem- se a outros retalhos, compõem a beleza das relações e da partilha de saberes. No dia 12 de fevereiro de 2008, abriu-se mais uma vez um espaço para, vivencialmente, o corpo contar a biografia dessas educadoras. Para isso, minha preocupação em organizar um ambiente que permitisse o fluir das emoções e a experienciação da sensibilidade foi a mesma de antes. No espaço, mantas artesanais confeccionadas com retalhos cobriam parte do chão. Nelas, as professoras deveriam sentar-se, para desenvolverem as experiencialidades propostas por mim. Diferentemente do primeiro encontro, não precisei pedir que elas sentassem nas mantas, pois já haviam corporalizado esse momento. Além das mantas, havia música ambiente, cheiro de infância e, no centro, massas de modelar. Organizadas de forma circular, acolhi as professoras com palavras que demonstravam minha satisfação em recebê-las. Depois, distribuí entre elas pedaços de papel laminado recortados em forma retangular e pedi que olhassem tentando concentrar-se no que viam. Com isso, minha intenção era possibilitar-lhes olhar para si mesmas, para as questões profundas de seu ser, que somente pelas lentes do espelho não podiam ser observadas. Essa foi a estratégia usada para iniciação ao autoconhecimento, à autoformação. Assim como Friedmann (2005), “Estarei me referindo ao olhar, não somente no sentido estrito (olhar com os olhos), mas no sentido de olhar com a inteireza, a presença, os olhos, os ouvidos, o coração”. As professoras foram orientadas para caminhar enquanto se olhavam, aproximando-se e distanciando-se do espelho. Assim, tentei demonstrar a importância de se perceberem e de fazerem isso no fluxo da vida; afinal ela não para a fim de que olhemos para nós mesmos. Em outra experiência, Fontana (2005) apresenta o espelho como um jogo, com o qual o humano expressa seu desejo de brincar com a própria imagem. Ela explica: “[...] temos vivido o jogo ambivalente de identificação e afastamento diante das faces que nos têm sido devolvidas pelos relatos de investigação [...]” (FONTANA, 2005, p. 19). Nesse jogo o sujeito adentra seu próprio mundo ao analisar sua imagem. Ele brinca, de perto ou de longe, e esforça-se para reconhecer-se e identificar o que foi rompido e o que foi possível permanecer. Com as professoras ainda olhando para si mesmas, pedi que elas buscassem, em seu arquivo existencial, as experiências que as haviam constituído e que as tinham feito como aquele espelho hoje mostrava, passando por momentos da infância até as experiências como educadoras. Depois, solicitei que se sentassem e se colocassem umas diante das outras. Orientei que cada um olhasse nos olhos de sua companheira, por volta de um minuto, sem desviar o olhar. Durante a vivencialidade, observei uma inquietação: a maioria delas sentia necessidade de falar, sorria e fazia o olhar passear por outros lugares distantes da íris do outro. Para Espírito Santo (2008), isso decorre de uma perda progressiva e violenta que estamos vivendo do contato real com o mundo, da descrença nas relações e no ser humano, fato que nos tem inserido, cada vez mais rápido, no mundo da coisificação (Morin, 2006): dois tives difíci que e pode (200 em s para resga (ESP Pergun olhares, e e sem conseg l, pois isso ra feito e ria ser dife 8): Para os ua comple si e para o tar o sagr IRÍTO SAN O se a mã do a (ESP Figura 12 tei então às las me rela uido perce implicava respeitar a rente do q Esse de fo falar que invest xidade, num outro é esse ado do ser TO, 2008 r humano vem o na mão, o mor erótico, ÍRITO SANT – Professora professora taram que o ber a comp mostrar par percepção ue este ac momento m rma intensa, de mim mesm em na form a perspec ncial, pois , além de ). perdendo d beijo “beijado nada mais de O, 2008, p. 4 s construindo s sobre as f lhar para s lexidade d a o outro a do outro, q reditava re e fez parar e dentro dos ol a. Não cons ação integr tiva transdi , por meio d possibilita e forma assus ” ou o abraç contato de p 3-44). a representaç acilidades e i mesmas e esse ato – s próprias ue, sendo presentar, olhar para de hos foi muito egui. al, que se p sciplinar d o olhar, é p r a criaçã tadora o “con o “abraçado” ele ou de ol ão de si mesm as dificuld ra mais fác que olhar p fragilidades diferente do como demo ntro de mim. difícil. Pior a reocupam e e educação ossível res o de víncu tato real”. O . 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Assim, consciente de suas histórias, e sensível a elas, os sujeitos – neste caso, educadores e educandos – passam a apresentar uma maior abertura para si mesmos, para o outro e para o meio, fluindo, dessa forma, na dinâmica da vida. Compartilhar histórias, narrar fatos da realidade contribui para a difícil tarefa de conviver com o outro, de unir-se, pelos laços de solidariedade, com o ser humano e com o meio ambiente. Para o professor, na medida em que ele se dedica a olhar para si mesmo bem como para a criança, ele tem a possibilidade de ampliar a compreensão do ser humano, que, no caso do infante, deixa de ser um ser frágil, inocente e incapaz, para tornar-se ser da luz, da autonomia, o aprendente que ensina. Sobre a postura do educador, Friedmann (2005), esclarece: [...] com relação aos educadores, costumamos abraçar um caminho, uma teoria que nós dá apoio e temos a dificuldade de olhar para dentro de nós mesmos e para as crianças com as quais convivemos diariamente; não as crianças dos livros e das teorias, mas as crianças de carne e osso e alma que vêm a nós, que nos escolheram para aprender alguma coisa conosco e para ensinar-nos outras tantas lições, se pudermos ouvi-las. Eu buscava nesse primeiro momento, despertar as educadoras para suas possibilidades e para as repercussões do ser no processo de trabalho; afinal, acredito que a presença integral desse ser pode permitir que nos distanciemos das práticas superficiais de instrução, adentrando o mundo da educação, processo pelo qual o sujeito aprende a conhecer, fazer, ser e conviver (DELORS, 2006). Por fim, pedi que, com a massa de modelar, as professoras representassem, a forma como se viam então, e apresentassem ao grupo sua definição. Esse foi um momento de experienciação da ludicidade em que as professoras exercitaram a criatividade. Com ela conseguiram despertar a alegria do brincar, reacendendo aspectos da essência humana. por e pesso senti aceit das q dificu form As image Como star em se as com qu r, voltando o. Observ ue narrou n ldades de Nota-se ativo do se F ns seguind Hoje Deu amig Este pers fico ano expe Desc demonstram u ambiente em se rela sua questã a-se que a ão ter a op ordem finan com esse r humano. igura 13 – Re o essa sequ me sinto um s para continu os e companh desenho re pectivas futur bastante preo se desenrol rimentar mui ansando na c em seus de trabalh cionam, po o existencia educadora q ortunidade ceira que e relato a d Sem prazer presentação i ência foram a flor azul. ar convivend eiros de prof trata o que as tanto pess cupada e ansi ará? Tenho tas coisas boa ama preocupa registros, h o, por est rque simp l para o ag ue escreve de escolhe nfrentava. ificuldade , sem a art magética das assim des Buscando se o com esper issão (CHIFO eu estou se oais como p osa à espera d muitos cam s este ano (SU da em acorda á educador ar recomeç lesmente n ora, um pr u está preo r sua profis que a ausê e de jogar docentes critas: r resgatada p ança, amor, p N, 2008). ntindo hoje rofissionais. a minha nov inhos a pr RÁ, 2008). r cedo (CHIT as que não ando um p ão o sentem esente aind cupada em são, tornan ncia da lu com as difi elo amor e a aixão com m e um pouco Como todo i a turma de alu ocurar e tri A, 2008). expressam rocesso, p ou não p a não comp acordar ced do-se educ dicidade n culdades co s bênçãos de inha família, de minhas nício de ano, nos. Como o lhar. Espero felicidade or rever as aram para reendido e o, foi uma adora pelas o processo tidianas, o profissional padece e com isso emergem conseqüências difíceis de serem contornadas. O prazer liberta. A falta de prazer aprisiona. A forma de se autodefinir, definido por uma das participantes, nos remete a nosso modelo de formação, que, pautado por uma perspectiva tradicional, limitou o nosso pensamento a pensar no agora e de maneira fragmentada. Poucos foram os momentos em que as professoras se referiram a seu contexto de vida, isso porque, para nos tornamos professoras tínhamos que nos vestir de um profissionalismo impessoal. Vida e profissão eram percebidos como aspectos distintos e contrários no processo de formação, que, entre a técnica e o modo de ser, privilegiava o saber-fazer. No entanto, a reforma do pensamento proposta por Morin (2006) e a corporeificação da palavra pelo exemplo, defendida por Freire (1996), à qual denominamos “corporalização”, resgatam a boniteza e a poiesis dessas interfaces. Contrapondo-me a essa realidade, discuti com as educadoras a importância do reconhecimento de si mesmo e as implicações desse conhecer-se no olhar que o outro lança sobre nós. Falei sobre nossa fragilidade em nos reconhecermos como sendo seres humanos, antes de sermos educadoras, explicando que isso não se constituía em um defeito próprio do grupo, mas que era uma herança deixada em nossa educação que até hoje marca nossos corpos e aprisiona nossas emoções, como nos diz Seda (2008): Através do desenho pudemos demonstrar como nos sentíamos, e deixar aflorar os nossos sentimentos, que, muitas vezes, deixamos trancados dentro de nós mesmas. O mesmo acontece com a criança, que não consegue falar de si, mas se mostrar através do desenho. Como se pode perceber, na prática, as emoções e o corpo continuam subjugados nos processos de formação, embora teoricamente já tenhamos avançado nas discussões que demonstram a importância da razão e da a emoção e a imbricação entre ambos. Conforme Maturana e Varela (2001), as emoções fazem parte da vida humana e são expressas com o corpo. São elas que, em seu fluir, modelam nossa vida cotidiana. As emoções são responsáveis pela criação de espaços operacionais nos quais a reflexão e a ação do humano é potencializada. São também as responsáveis pela beleza da vida, revelada nos atos de sensibilidade e de implicação com o outro, além de funcionarem como reguladoras do organismo na conservação da existência, não podendo portanto, serem cerceadas no processo de formação do humano, como ainda vem ocorrendo nas instituições de ensino. As respostas dadas pelas participantes da pesquisa me inquietaram ainda mais e me instigaram a fazer-me alguns questionamentos: como estão os corpos desses docentes? qual a compreensão que eles apresentam sobre esse espaço de vida e interações? como elas percebem esse corpo e como o utilizam em sua vida cotidiana? e quais as implicações do uso que eles fazem do corpo na prática docente? Essas perguntas já preparavam o cenário para a próxima vivencialidade. Fuxico ... Ao fim do encontro, pedi que, no retorno para suas casas, as professoras estivessem atentas a sua forma de interagir e aos sons que emanavam de seus corpos. Na manhã seguinte, estes dois agradáveis registros me emocionaram: Depois do momento que tivemos na creche de reflexões sobre nossas vidas, me senti mais tranqüila: em paz comigo e com o que causava ansiedade em mim. Tive um restante de dia menos corrido do que costumava ser, porque minha mente estava como que descansada. Tive mais disposição para as próximas tarefas que devia desempenhar. Me senti mais comprometida com as pessoas e com a vida (CHIFON, 2008). Passei a olhar as coisas que estavam a minha volta. Há algum tempo não fazia isso. Percebi que permaneci mais tranquila e compreensiva com meus semelhantes, fato que trouxe mais equilíbrio para o meu dia (DEVORÊ, 2008). Percebi, assim quanto investir na formação do docente é importante e quanto os pequenos gestos podem ser transformadores quando as pessoas se dispõem a ouvir, a investir na humana docência e vivê-la. Corporalizamos realmente que “O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso” (FREIRE, 1996, p. 128). Vivenciando o saber ouvir, o tocar, o refletir, passamos a entender, como afirma Freire (1996), que formar é mais amplo que treinar os sujeitos para o desempenho de destrezas. No ato de formar, estão implicados o conhecimento, a reflexão, a ação, o interesse e a obstinação em alcançar as metas traçadas. Esse ato envolve, ainda, a aprendizagem de conteúdos, as interações pessoais, o resgate das experiências de vida e a paixão pelo saber. Esse aprender não se restringe a transmissão de conhecimento, nem é um processo vivido apenas pelo aluno. Aprender é viver, e esse processo complexo envolve a criação, a produção e a reconstrução do conhecimento e do sujeito que com ele interage. É preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado (FREIRE, 1996, p. 25). Trazer à tona essas subjetividades e abrir espaço para as educadoras colocarem-se no espaço de construção de si mesmas e da prática revela as riquezas das vivências experienciadas pelos docentes, estimula o olhar aprofundado para o outro e a aceitação das particularidades do espaço de trabalho, bem como convida esses profissionais a educar pela ação, a experienciar o corpo, encaminhando o humano para a vivência compreensiva e plena da vida. Dessa forma, subjetividade, simbolismo e experiencialidade ampliam as capacidades de autonomização, iniciativa e, sobretudo, criatividade. Num processo de corte e recorte, de aparar fios, o educador exercita sua capacidade de construtor e, vivendo esse papel, descobre- se criador. A cada fio tecido, a cada linha que perpassa o retalho, o educador reconfigura sua prática, fazendo emergir a imagem e autoimagem do profissional reflexivo (SCHON, 1995). Mais do que pensar na ação, na reflexão, a interconectividade entre formação e narrativas de vida permite o ouvir o professor, conhecer sua vida e garantir a ele um lugar em que possa utilizar sua voz de professor (GOODSON, 1992). Como se pode perceber, essa formação investe na pessoa do professor, em sua experiência profissional e em sua trajetória pessoal bem como na organização na qual ele se insere. É, desse modo, uma perspectiva transdisciplinar e transcultural de formação, na qual as diferenças, contradições, culturas, atitudes delimitam o percurso a ser percorrido. 4ª Tessitura – Corpo e corporeidade: composição do humano docente Na seqüência da vivencialidade, o momento era de refletir sobre o corpo e a corporeidade. Nesse encontro, eu buscava compreender a imagem que as docentes tinham de seus corpo centr em s expe pens demo trans para Essa como pela o am cor, d corpos, a id no mundo Dessa v o lápis de c ua volta. In riência ante ativa, indis nstravam formar, ma pensar sobr Posteri foi uma aç cuidadora vida daquel arelo, à ale e energia. Chifon eia que tin . ez, dispus or organiza iciei essa v rior. Entre posta, com os primeir s já me sen e o que hav Figura ormente, pe ão simples s, como aq e ser huma gria; e o v afirmou: A co seren ham sobre no chão os dos de form ivência ped as caracte dor das os resultad ti bem, po iam experi 14 – Professo di que ela , mas com uelas que, no. Utilizan ermelho, ao r que entreg idade, e rece corporeida colchões ut a circular indo que c rísticas por costas. Em os do que r saber que enciado. res vivencian s escolhess uma intenç ao parar e do o azul; amor, ago uei foi a rosa bi a cor azul d de, bem co ilizados pel e coloquei ada profes elas citad bora de vivenciáv existiu um do a reflexivi em uma c ão grandio olhar para relacionado ra podería , para que S e Tricoline, p mo sensibil as crianças palavras de sora revelas as, estavam maneira si amos. Ain momento dade vivencia or, para co sa. Colocáv o outro, to ao amor; o mos sentir- urá tivesse u ara ter mais a izá-las para durante o r incentivo se como se : reflexiva ngela, as da não er em que el l lorir a vida amo-nos p rna-se corr rosa; à tra nos, seres v m pouco mai mor (CHIFO a ação do epouso, no e otimismo sentira na , renovada, educadoras a possível as pararam do outro. ara o outro esponsável nqüilidade; iventes de s de calma e N, 2008). Em seguida, pedi que, sentadas, as professoras parassem para ouvir o silêncio da sala. Todas atenderam ao meu pedido. Prosseguindo, questionei sobre o que elas ouviam quando o ambiente ficava em silêncio, algumas responderam: “o coração”, “a respiração”. Enfim, elas tinham conseguido ouvir o que o corpo dizia. Pedi então que, de olhos fechados, elas respirassem profundamente, procurando ouvir atentamente o que o corpo falava. Orientei-as a abrir os olhos e me responder quantas vezes em seu dia elas paravam para ouvir o próprio corpo. Com exceção de uma professora, as demais responderam que não dispunham de tempo para parar e, portanto, que não ouviam o corpo. Instigando-as ainda mais a questionar-se sobre o próprio corpo, indaguei sobre quando elas lembravam de olhar para o corpo. As respostas se reportavam ao momento em que se olhavam no espelho, a quando vestiam uma roupa e percebiam que não cabiam mais nela, ou quando estavam na academia. Tais falas comprovam minha hipótese de que o corpo não era entendido por aquelas pessoas como um sistema energético de atuação e apropriação da realidade, mas como uma parte do ser humano com a qual este se faz presente no mundo. Tratando desse corpo, ainda banalizado nos processos de formação, Featherstone e Turner (1995), em seu artigo “Body & Society: an introduction”, afirmam o interesse das ciências humanas e sociais pela temática que envolve o corpo, o que já demonstra um avanço social e epistemológico. No entanto, os estudos ainda são restritos, estando concentrados em alguns domínios, como o significado simbólico do corpo, a análise do papel ativo do corpo na vida social, a diferença entre gênero e sexo, corpo e tecnologia, os estudos da saúde e da doença, e também a sociologia do esporte (TURNER, 1997). Na filosofia, o corpo é percebido ora sob uma perspectiva racional, ora sob uma perspectiva sensível. Ou seja, ele pode ser compreendido a partir de uma concepção empirista-tradicional ou da fenomenológica, o que significa que há uma diversidade de formas de concebê-lo. Na filosofia ocidental, o corpo é entendido de maneira dualista. Aqui, o corpo está separado da alma, a matéria do movimento, e a atividade sensível do homem está subjugada à atividade inteligível desse humano. Para Aristóteles, o significado das coisas é dado e aprendido quando os homens utilizam suas sensações para compreender o mundo. Por sua vez nos registros da cultura grega, o corpo é concebido a partir das sensações. Para os gregos, racionalidade e sensibilidade não se separam: o corpo é considerado a síntese da humanidade do homem. Já na Idade Média, o corpo é visto como símbolo do pecado, o que marca também nossa forma de compreendê-lo nos dias de hoje. Em minha vida, tal concepção foi bastante enfat casa, já qu religi deter do co a exi elem viabi ”E q comu colun cada corpo indic Quan separ educ izada, pois nem, tamp Essa vi e além de osos, que minações d rpo e os de Na pers stência hum ento acessó lizado pelo Continu uando voc nica?” Ma a, dores na Para qu uma escolh , colasse asse o ente do analisa ação entre adoras parti eu não pod ouco andar são contrib vivermos dominara a mídia em sejos por e pectiva filo ana. Para rio para to trabalho. ando no p ês percebe is uma vez s pernas. e as profes esse revist essa image ndimento dos os reg corpo e me cipantes: ia usar sho sem roupas ui bastante em uma so m e aind favor de u les sentidos sófica con filósofos co rnar-se o r rocesso de m os cor , a maioria soras pude as, uma im m num q que tinha s istros, houv nte prevale rts curtos, , mesmo ai para as cou ciedade m a dominam ma estétic . temporânea mo Hegel, esponsável apreensão pos mesmo respondeu ssem expre agem que uadro e, e obre a cor e discordâ cesse. Segu usar roupa nda sendo raças const achista, tem nossa s a exacerbad , o corpo re o corpo al pelo proce acerca do s que de que ele re ssar visualm representas m seguida poreidade, ncia entre em três fra s de dormir criança. ruídas por os que no ociedade. a, que rest laciona-se ia-se ao esp sso de hum entir-pensa maneira au clamava d ente essas se a compr , buscassem colando-a o dito e o gmentos do para anda nós em nos s moldar a Isso sem ringe e inib com o trab írito, deixa anização r o corpo i tomática, e dores de percepçõe eensão que outra im num segun registrado s registros r dentro de sos corpos, os dogmas falar nas e as ações alho e com ndo de ser do homem nterroguei: o que ele cabeça, de s, pedi que tinham do agem que do quadro. , embora a feitos pelas relac “boa ment noçõ embo quan indic seja, eu d nece equil religi Amp psíqu sobre (200 quan perce conc conh trans trans Aprese ionando-o dieta” e “b e. Seguind es e rompe ra nos lev do olhamo a a fluidez o movimen Diferen esejava que ssária à ex íbrio cogni Aspect osa, o que liando essa icos, nos tudo, pela 6, p. 2), “n to ‘eu sou ptivo’”. Nesse epções du ecimento formação i disciplinar, Figura 15 – ntei acima à imagem oa cabeça” o o referen com a ide e a pensar s para a im do corpo a to realizado temente da as educad istência do tivo e emoc o importan possivelme perspectiv conduz ao potencialid ão apenas o meu pen sentido, av alistas, con bem como nicia-se co que lança s Representaç dois reg e ao movim , deles pod cial teórico ia de corpo em uma p agem que que a edu por meio s anteriore oras const homem e ional. te é que a nte pode te a, o corpo é sentimento ade human ‘o meu cor samento’, ançamos su struindo investind m uma no obre ele um ão imagética d istros que ento. O p e-se inferir, que utiliz objeto. A erspectiva complemen cadora se r das organiz s, o terceir ruíssem so cujo des educadora r motivado compreen de existên a que ele de po sou eu sendo que perando as novas ling o em ex va compre olhar sens a compreens apontam rimeiro, m inclusive a o, o corpo segunda, ut fenomenol ta a palavr eferia, mas ações intern o registro a bre o corp envolvimen que apres a construç dido como cia, sendo monstra. C ’, mas tamb o ‘Eu conh visões me uagens e periências ensão sobr ível e integ ão acerca do c para uma ais limitant ideia de se de que tr ilizando a ógica do c a; percebe- possivelme as do orga proxima-se o, pois o r to necessit enta tal co ão desse ol o lugar dos percebido onforme ex ém ‘eu so ecedor’ se canicistas novas for reflexivas e o corpo, rador. orpo restrição e, destaca paração en ato aqui su palavra “m orpo, é res se que a im nte a motr nismo vivo da compr evela como a estar art mpreensão har mais ap registros t pela aparê plicam Bo u o meu c entrelaça do corpo, mas de c e vivenc uma visão do corpo expressões tre corpo e pera essas ovimento”, significada agem não icidade, ou . eensão que dimensão iculado ao é bastante rofundado. emporais e ncia, mas, is e Rugira orpo’ tanto com o ‘Eu banindo as onceber o iais. Essa sistêmica, cultu aprop o cor socio lingu maté das e Por f tonal acon vida. nece restri do co tamb corpo pens senti comp corpo os se Sistema ral, estética ria do mun po pode se logia, filos O corp agem e me ria com a q xperiências im, “o corp idade, mas tece na vida Destaca ssidade de to a essa di A corpo rpo, seu ha ém das rel reidade é amentos, s do, o co lementarid reidade, em No que guintes reg energético e espiritu do (BARB r compreen ofia, psicol o é lugar io de aprop ual nos apr de vida, r o habitado é um lug imediata d -se que o construirmo mensão, é p reidade ex bitat, mas ações que corpo, é m onhos, emo rpo e a ade e cri todos os s concerne à istros: , materiali al com o q OSA em co dido a par ogia, biolog de vida, ha riação. É a esentamos evela-se co não é apena ar de eme a vivência trabalho s a compre or meio de pressa a din não se limi estabelecem otricidade ções e a corporeid atividade. eus aspecto representa zado em um ual o hum nsonância tir de difer ia. bitat da al mbiente sag ao outro e q mo armarin s sede de u rgência de corporal. O com o cor ensão acer la que ela p âmica orga ta a ele, já os com a , é percep relação int ade consti Conforme s, é criado ção acerca organism ano, numa com LOWE entes áreas ma, expres rado, dime ue, sendo c ho de core ma fusão d uma form lhar para e po, com e ca da corpo ode ser evi nizativa da que no mun s coisas e ção, é con erativa, au tuem-se e afirma A ra e fabulos da corporei o de dimen relação di N (1982), do conhec são da exi nsão sócio- onstruída e s, sensaçõe e sensaçõe a singular le, portanto ssas docen reidade, po denciada. vida. Cons do, para ex com as pes sciência e toconstrutiv m sistem ssmann (1 a do “real” dade das ed sões histór alógica e d PIERRAK imento: an stência do histórica. É desconstru s, conflitos s, nem de v do pensa , significa o tes, justif is, embora titui-se, sim istirmos, d soas. Send é sentimen a, de corp as autopo 995, p. 6 . ucadoras, a ica, social, ialética, se OS (1990), tropologia, homem; é também a ída através , emoções. ariações de mento que lhar para a ica-se pela não esteja , por meio ependemos o assim, a to. Reúne os. Nesse iéticos de 8), “nossa pareceram ser m a pa utiliz nossa perce RUG educ F Confo ais fluida, lavra “libe adas. De f relação c ptivelment IRA 2006) Nesse s ação é um e igura 16 – Re rme a poli viva e exis rdade”, a i ato, a corp om as pes e, possamo . (...) vid par seg de V sign entido, con ncontro pa presentação i fonia da ex tencial; isso deia da aç oreidade im soas, com s extrair u Corporeidad a humana e p a incluir a uramente se m ida. Porque ifica Qualida cordo com ra celebrar magética da c pressão, a porque, co ão interati plica a ex os objeto ma signif e é tão agud ara o futuro n necessidade anifestarão Qualidade de de da Corpor Cavalcant a vida! ompreensão a compreens nforme reg va do corp istência do s e com t icação do amente relev este planeta ainda não mais e mais a Vida, mesm eidade Viven i (2004), qu cerca da corp ão sobre co istrou na im o no mun ser no mu odo o ento contexto r ante para a E ameaçado, qu suficientemen o ritmo da d o no seu senti ciada (ASSM ando afirm oreidade rporeidade agem, par do e a de ndo. Ela f rno, perm eal de vid ducação em e urge alarga te despertad eteriorização do mais espir ANN, 1995, a que corp demonstra a defini-la, ser foram undamenta itindo que, a (BOIS e geral, para a r nossa visão a, mas que da Qualidade itual, sempre p. 72-73). oreidade e Para nós, educadores, a compreensão da própria corporeidade ajuda no processo de conhecimento e convivência social. De conhecimento porque passamos a explorar nossas potencialidades, buscamos expressar-nos de maneira criativa, compreender nossa própria beleza, abrindo-nos para as possibilidades de atuação e ressignificação do mundo. Quanto à convivência, esta é facilitada, pois o educador torna-se mais compreensivo, partilha com o outro as experiências, que, não sendo mais vistas como momentos de competição, passam a ser enriquecidas. Com a corporeidade, em estado de desenvolvimento e evolução, olhamos mais afetivamente para o outro, porque, entendendo a importância dos sentidos, do movimento, da ação-interação, as pessoas tornam-se mais preciosas, ou seja, nossa humanidade é reanimada, conforme explicitam as palavras da educadora participante. Sinto vontade de ajudar e estar mais próxima das pessoas com que trabalho. Sinto que minhas preocupações ficam muito pequenas diante das pessoas, é como se conhecendo o meu corpo eu aumentasse as minhas possibilidades de modificar as coisas (CHIFON, 2008). Após o momento de apresentação dos conceitos acerca do corpo e da corporeidade, passei para o terceiro momento da vivencialidade: o uso da técnica do Sandplay, ou caixa de areia. O sandplay é uma técnica projetiva que, inicialmente, foi utilizada na área da psicologia analítica, com finalidades terapêuticas. Entretanto a sua utilização na educação não se vincula a esse fim. Para o desenvolvimento dessa tecnologia, disponibilizei miniaturas diversas, bandejas plásticas, areia e pedi que as professoras respondessem a essa pergunta fundamental: “Onde vivencio minha corporeidade?”. Meu objetivo era abrir espaço para que, ludicamente, o corpo daquelas educadoras pudesse mostrar-nos, por mais esse registro vivencial, onde elas se encontravam, ou seja, em que situações ou espaços elas se permitiam ser elas mesmas. Dando início às etapas que compõem o processo, as educadoras foram orientadas a criar mentalmente o cenário que daria resposta à questão norteadora. Em seguida,elas se dirigiram ao arquivo de miniaturas, selecionando-as conforme sua necessidade de representação e, por fim, vivenciando um momento de individuação, criaram suas representações. desen persp nova seja, sala d oport o fato const Figura 1 Sobre volviment A inser ectivas pa s, ele ampli ele passa a e aula. Par unidade de que, hoje, Termin ruído. Aten 7 – Construç o uso do o simbólico O s exis cois proj ção de nov ra esse cam a suas poss buscar out a o aluno, p viver a nov nas institu ado esse m tamente, o Enco vont da i com ão de cenário Sandplay, e criativo d andplay me tem vários l as boas do etos para est as tecnolo po. Quan ibilidades d ros signific or sua vez, idade, de r ições de ens omento, pe uvimos um ntro a minh ade. Quando greja, quand panheiro é mu s em resposta essa tecn o viver hu fez pensar ugares em q que ruins. e ano, tanto gias na edu do o educ e trabalho, ados, outra as implica elacioná-la ino, precis di que cada as às outras a corporeida estou na prai o estou com ito bom (CH a questão ond ologia que mano, Chif em algo q ue gosto de Com ele m profissional cação perm ador tem o enveredand s formas d ções não sã a seu conte a ser melho professora . Eis algum de quando es a, quando ouç a minha fa ITA, 2008). e está a minh permite on relata: ue ainda nã estar, que n e inspirei m como pesso ite o desen portunidad o no proce e ação para o muito dif xto, de sen r explorado explicasse as explicaç tou em minh o a palavra d mília e com a corporeidad a livre ex o havia per o mundo há elhor para al (CHIFON volviment e de apren sso de “cur aquilo que erentes: ele tir prazer a . às demais ões que ela a casa, porq o Senhor jun o amor, po e pressão, o cebido: que muito mais desenvolver , 2008). o de novas der coisas iosear”; ou realiza na passa a ter o aprender, o que tinha s deram: ue lá fico à to aos irmãos rque ter um O centro da minha vida é a minha casa. É nela, e a partir dela, que planejo as minhas ações, o meu mundo, sendo o trabalho, os amigos, a família parte integrante dessas ações (SURÁ, 2008). Em casa, com minha família; no trabalho, com meus alunos e colegas de profissão, no esporte, mantendo o meu corpo saudável e em movimento; com os animais, em um sítio ou fazenda; na praia, olhando o mar, viajando e conhecendo novos lugares (CHIFON, 2008). Agora os cenários descritos nos trazem a leveza, ainda não expressa nas falas e nas ações das educadoras. Suas feições estavam mais alegres, porque, brincando, elas puderam viver um momento de reflexão profundo. Tal processo permitiu que elas analisassem sua vida cotidiana e nela identificassem “momentos charneira”, os quais Josso (2004) afirma serem decisivos na formação do sujeito. Conforme revelam as falas, a escola continuava não sendo percebida como um espaço de vivência integral do ser, de aprendizagem, aprofundamento e vivência encantadora da vida, mas apenas como um espaço de trabalho. Finalmente, depois de uma exposição dialogada acerca das questões exploradas corpo e corporeidade, e a implicação de ambos no processo de crescimento e desenvolvimento do ser humano bem como, na concretização de uma prática pedagógica humana, reflexiva e lúdica pedi que as professoras registrassem o que foram capazes de sentir após as vivencialidades desse dia. Vejamos: Sensação de bem-estar, compreensão da vida do outro. Senti nas menores coisas o prazer de viver. Compreender que o meu corpo e “eu” somos um só me fez refletir sobre minha trajetória. Precisamos estar em harmonia (SURÁ, 2008). Em relação ao corpo, me senti bem em saber que não é demais pensar nele e cuidar para que trabalhe juntamente com a mente (CHIFON, 2008). Conforme foi declarado por de Surá e Chifon, realmente somos seres de integrais que se revelam pela ação do corpo no mundo. Corpos que, embora compreendendo dimensões distintas, não podem ser pensados ou sentidos de maneira estanque, sendo preciso olhá-los pela corporeidade que os constitui. Para Assmann (1995), a corporeidade está organizada de forma cíclica, resultando da comunicação e interconectividade entre as dimensões que a compõem, como a percepção e a motricidade ela é autorreferencial e apresenta uma identidade sistêmica, que permite a interdependência entre todo e parte, entre objetividade e subjetividade, racionalidade e sentimento. Além disso, tem uma plasticidade, que possibilita o acoplamento entre aspectos distintos que envolvem a corporeidade e o meio. Assim, posso afirmar que a corporeidade, compondo o ser humano autopoiético, também é autopoiese e funciona como reguladora da vida. Por ser vida, a corporeidade pode ser estimulada e sentida em todos os momentos em que nos colocamos como seres existenciais, como também o pode nosso corpo, que passa a expressar-se de maneira expansiva. Assim, a corporeidade e o corpo, quando percebidos, tocados e estimulados, fazem emergir sentimentos de alegria, de pertencimento, que ressignificam nossa trajetória, como afirma Devorê (2008): Achava que, por minha idade avançada, não poderia pensar mais no meu corpo. Agora, embora ainda sinta ele cansado, pude sentir que ele ainda tem vida e que posso continuar a minha caminhada com alegria e fé. Com esses depoimentos, senti uma grande satisfação, pois, assim como eu havia sido tocada em relação a meu corpo ao entrar na linha de pesquisa Corporeidade e Educação, parecia ter conseguido reacender a luz que habita o corpo dessas educadoras. Era como seu eu parasse para assistir à reabilitação do corpo, à ressignificação da corporeidade que fundamenta a relação dessas docentes com o mundo. Após o retorno à memória subjetiva, que fez com que as educadoras caminhassem entre as experiências que marcaram sua constituição corporal, os limites que foram impostos e a forma como hoje elas se apresentam socialmente, abriu-se espaço para um novo modo de ser, agora coeso, integral, um ser reconhecido não pela mente ou pelas emoções, mas pelo corpo; não pela materialidade ou pela espiritualidade, mas pela corporeidade, que torna aquelas mulheres seres complexos e belos. 5ª Tessitura-Ecologia dos saberes: sensibilizando o ser para a vida Para o encontro com a vida, um lugar de beleza, plenitude e expressão viva foi escolhido: o Parque das Dunas. Esse parque constitui uma unidade do IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Econômico e do Meio Ambiente –, órgão vinculado à Secretária de Planejamento do Rio Grande do Norte. Compreende uma área de 1.172 hectares de mata nativa, é parte integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica Brasileira e está situado no município de Natal. Pela riqueza de sua diversidade na fauna e na flora, esse lugar contribui imensamente para a qualidade de vida dos cidadãos natalenses. Além disso, é um espaço social em que as brincadeiras, o diálogo entre gerações e diferentes atividades de lazer são desenvolvidos, por isso foi por mim escolhido. No dia dessa vivência, especificamente, não me preocupei com nenhuma ornamentação, pois a beleza do encontro deveria ser percebida no próprio espaço. Como elementos do cenário, apenas a música, o vento, o canto dos pássaros e os demais seres do sistema ecológico. A ecologia compreende a relação entre as plantas, os animais e o entorno. Hoje, essa palavra ganha um sentido mais amplo, envolvendo a produção cultural, as implicações desta no meio natural, bem como a atuação do humano nesse espaço (MORAES; LA TORRE, 2004). É um novo campo da ciência que estuda as relações entre os seres da natureza e o meio onde vivem, bem como a interdependência dos diferentes processos, o diálogo entre seres viventes e não-viventes, ou seja, o diálogo que acontece no seio de um ecossistema (MORAES; LA TORRE, 2004, p. 122) Somos seres humanos que vivemos nesse meio natural e que dele dependemos para continuar a viver. Ele determina a qualidade de nosso estar no mundo, pois é dele que retiramos o alimento, absorvemos o oxigênio, e com ele concretizamos nossas relações. Todos nós somos sistema, todos nós influenciamos esse ecossistema, por isso a importância de aproximar-nos dele e nutrir-nos dessa relação. Para Boff (1999), esse relacionar-se com sensibilidade e consciência revela um cuidado com o nicho ecológico. Esse autor sugere que o ser humano precisa conhecer. [...] os irmãos e irmãs que compartem da mesma atmosfera, da mesma paisagem, do mesmo solo, dos mesmos mananciais, das mesmas fontes de nutrientes; precisa conhecer o tipo de plantas, animais e micro-organismos que convivem naquele nicho ecológico comum; precisa conhecer a história daquelas paisagens, visitar aqueles rios e montanhas, freqüentar aquelas cascatas e cavernas; precisa conhecer a histórias das populações que aí viveram sua saga e construíram o seu habitat, como trabalharam a natureza, como a conservaram ou a depredaram, quem são seus poetas e sábios, heróis e heroínas, santos e santas, os pais/mães fundadores de civilização local (BOFF, 1999, p. 135). Quando se conhece o ambiente com profundidade, tem-se condições de, revisitando as histórias de vida transportar-se para ele, fazendo da experiência algo ainda mais real e significativo. Afinal, a experiencialidade está envolta numa atmosfera de sentimentos, como demonstra o trecho retirado da fala de Crepe (2008): Eu me vi dentro de Noronha, que eu sou de lá. Quando eu vou assim para as férias que a gente vê o pôr-do-sol, vê os pássaros cantando, as árvores, a gente vê muito a natureza e muito Deus. Aí, nessa hora, então eu fiquei pensando que existe um Deus... Penso que a natureza que faz mover tudo isso. Então eu pensei em Deus, que a gente tem que ser forte. Tem que acreditar e ser forte. Aí quando começou eu me reportei também a minha família, o ambiente me fez transportar a outro. Notemos a presença do fio da sensibilidade. Aqui a participante emociona-se ao lembrar de seu lugar de origem e ao mesmo tempo se conecta com a dimensão espiritual. Fao curioso é que a professora que relata essa sensação, até então não tinha despertado para a vivencialidade desse fio, fato que me surpreendeu, pois percebi que o exercício diário desses princípios de fato favorecem o desenvolvimento humano. Iniciando aquela nova vivência, desejamo-nos boas-vindas, com um momento de exercício da respiração. Ali deveríamos alimentar nosso corpo com o oxigênio advindo do verde que nos envolvia. Ao som de Marisa Monte, na canção “Infinito Particular”, solicitei que as educadoras movimentassem o corpo, alongando um pouco os braços, as pernas, o pescoço. Aos poucos, a vergonha que limitava seus gestos foi sendo transformada em desprendimento e aceitação. No embalo, propus que dançássemos conforme o ritmo das músicas. As cantoras Ana Carolina, Vanessa da Mata, a banda Chiclete com Banana, Renato e seus Blue Caps e até Mc Leozinho foram convidados a compor essa vivencialidade. Embora de forma aleatória, procurei contemplar a diversidade musical; afinal, o grupo participante era bastante heterogêneo. situa realm danç coreo ver c que h de tra ato c sente desen do se pelo Na prim ção, solicit ente desej aram, mov gráficos e A alegr orpos vibra avia algum nsformaçã Para Sn om o qual seus dese volviment r humano. No con educador. N eira músi ei lençóis avam. E a eram-se no rebolaram, Figu ia, represen ntes, vivos tempo par o. yders (199 o corpo age jos, e sua o humano, Na medida Na r cora verg 42). texto educ esse senti ca, o corpo para que ssim acont espaço, an acompanha ra 18 – Profe tação conc e com saú ecia estar p 3), a alegria de maneir s ações se faz-se nece em que se a ealidade, a al ção alegre é onha da alegr acional, a a do, o profe demonstr cobrindo-s eceu. Com tes limitad ndo com a ssoras no anfi reta da lud de. O sorris resa, passo perpassa o a potencial rem prolon ssário inser legra, o suj egria é coloc o único cap ia e sim exal legria surg ssor que se ava-se cont e, as prof a cabeça o, até que, voz e com teatro do Parq icidade, fo o era espon u a express processo d izada. Com gados. Pel i-la nos pro eito renova ada como sen az de sentir tar o gosto, o e, como m preocupa c ido, preso. essoras pu e parte d sem o len o corpo a m ue as dunas i visível e c tâneo e a v ar-se numa e criação d a alegria e as implica cessos que a confianç do necessária satisfação a desejo de ale ais um sab om a cons Como já p dessem fa o corpo co çol, ensaia úsica tocad ontagiante ontade de forma de l a vida hum m evidênci ções que e auxiliam n a em si me ao progresso o fazer o be gria (SNYDE er a ser de trução do p revia essa zer o que berta, elas ram passos a. . Podíamos extravasar, ibertação e ana. É um a, o sujeito la traz ao a formação smo! moral: “Um m”. Não ter RS, 1993, p. senvolvido ensamento ecoss peda clima huma ainda profe de m e ass profe respo e a anda algun integ natur senti istêmico e gógica a ale do espaço nescência. Após e contagiad ssoras com ovimentos im unimos A taref ssora coloc nsável pelo audição, ap ram próxim s minutos ralmente er al, com o m Em me mentos rev que demon gria. Para de produç sse momen a pela músi preenderam das mãos, d o grupo int a seguinte asse uma v cuidado d reender o o a árvore , a troca: q a colocada undo (ALV Figu u caso, qu elados nos stra em se Freire (199 ão do saber to de exper ca, conquis bem a tar as pernas e eiro. requeria a enda nos o a companh entorno. D s, tocaram uem estav as vendas ES, 2005) ra 19 – Profe e observav passos sem u viver o e 6), a alegri bem como ienciação d tasse uma c efa comuni dos pés. A utilização lhos da ou eira, que, n e olhos v troncos, a a vendada . Esse era . ssoras experie a, o mom pre muito spírito tran a implica a inibe a ad o movimen ompanheir cando-se u o final, de dos sentid tra. A que ão podendo endados, a baixaram-s recuperava o momento nciando o sen ento era de curtos, cau sdisciplinar esperança aptação às to, solicite a, com mov mas com a duas em d os. Em du estava com enxergar, s educador e para sen a visão e de fazer a tido do tato apreensão telosos, na preza em e envolve a situações qu i que cada imentos co s outras pel uas, formam plas suger a visão in teria que, c as desceram tir a terra. em quem mor com , medo, in firmeza c sua prática criação do e negam a professora, rporais. As a repetição os quatro, i que cada tegral seria om o toque escadas, Depois de enxergava o ambiente segurança, om que as mãos seguravam o braço da companheira e, muitas vezes, nos gritos dados, quando as professoras se assustavam com uma folha ou pisavam em algum buraco. Eis o depoimento de Devorê sobre esse momento: Acho que o momento mais marcante com você foi o que eu fiz até com Chita, né? Que a gente pegou areia e aquele momento do sentir, do tocar, do por exemplo, aquilo que você fez com a gente de descer a escada, aquilo ali foi muito interessante. Você saber que tinha uma pessoa ali pra lhe segurar, pra lhe proteger, mas você ainda não se sentir segura. Não era Chita? A gente parecia que ia pisar num... aquilo ali foi muito interessante (DEVORÊ, 2008) Interessante ver o que ocorre quando cerceamos nosso corpo de maneira consciente. Isso provoca uma instabilidade, inibe nossa forma de ser e compreender as coisas. Apesar dessas implicações negativas, não nos damos conta das marcas que deixamos cotidianamente em nós e nos outros. Por isso inibimos o sentimento do outro e sua capacidade de expressar- se. Agora ficava mais evidente a necessidade de refletir antes de agir e sobretudo de que o sentir, o experienciar a sensibilidade envolve diretamente o desenvolvimento dos sentidos e do corpo em sua integralidade. Passado esse momento de insegurança, pedi que as participantes da vivência colocassem o lençol no chão e se deitassem, para que experienciássemos uma outra forma de cuidado, que seria revelado pelo toque. Assim como a consciência do corpo, o sentir a alegria, o reconhecimento do outro, o cuidado faz parte do crescimento e do desenvolvimento do humano. Ou seja, ele aparece na tessitura da corporeidade. Nos espaços sociais, sempre ouvimos falar sobre o cuidado. Na realidade, sempre se escuta alguém pedindo ou aconselhando que o outro tenha cuidado ao caminhar, ao descer do carro, ao correr; que tenha cuidado ao sair, ao beber, ao dirigir. O cuidado geralmente está vinculado à ideia de suprimento de necessidades, de atenção, precaução, cautela (BUENO, 1996). Exige uma ação, a de cuidar de sujeitos: quem cuida e quem é cuidado. Apesar de o cuidado estar relacionado a tais ideias e de envolver a ajuda ao outro, entendo que seu sentido é mais amplo: ele é uma forma de expressão, de relacionamento com o outro e uma atitude ética com o mundo. Ou seja, ele reflete uma forma de viver plenamente, de modo consciente e afetivo (WALDOW, 2006). Cuidar é um ato individual que prestamos a nós próprios, desde que adquirimos autonomia, mas é, igualmente, um acto de reciprocidade que somos levados a prestar a toda a pessoa que, temporária ou definitivamente, tem necessidade de ajuda para assumir as suas necessidades vitais (COLLIÈRE, 1989, p 236). Numa visão ampliada sobre o cuidado, Watson (2007), em sua teoria do cuidado, revela que ele está relacionado não apenas a uma dimensão física, mas também a uma dimensão energética espiritual; ou seja, ele envolve sanar as feridas do corpo, mas também cicatrizar, por meio do respeito à subjetividade humana, as feridas da alma. O cuidar, nesse sentido, não se restringe a administração de medicamentos, troca de curativos, a prognósticos, pois requer sentimento, atitudes delicadas, segurança, limpeza, conforto, privacidade, ética e uma total implicabilidade no processo, ou seja, respeito profundo à individualidade e ao ser que habita o humano. Como se pode perceber o cuidar faz parte da vida do homem e de seu processo de humanização: ele ressignifica a ação do homem no mundo, tornando-o cordial, reflexivo e sensível. Aqui, a doação, a entrega, o abrir-se para o outro legitimam o homem e faz dele um ser humano, aquele que é tocado e que toca o outro, e que é capaz de deixar marcas que auxiliam no processo evolutivo desse ser. Apesar de sua própria natureza estar implicada no processo de humanização do homem, é importante destacar que, no ambiente educacional, principalmente no trabalho com as crianças, o cuidado tem sido vivido, de maneira limitada, no lavar mamadeiras, no trocar fraldas. No entanto, no momento de desenvolvê-lo, o elo tem sido esquecido, o que provoca reclamações por parte dos pais e responsáveis. Alerto, pois, para a necessidade de exercitarmos o cuidado, já que nós humanos devemos vivenciá-lo na posição de quem é cuidado e na de quem cuida, mesmo porque, para conhecermos o significado do cuidar do outro, bem como as contribuições dessa ação, é preciso que já o tenhamos vivenciado. Aqui, destacamos a importância do autocuidado, ou seja, do olhar para si mesmo e da disponibilidade para explorar os próprios sentimentos (WATSON, 2007). O processo de caminhar para si apresenta-se, assim, como um projeto a ser construído no decorrer de uma vida, cuja atualização consciente passa, em primeiro lugar, pelo projeto de conhecimento daquilo que somos, pensamos, fazemos, valorizamos e desejamos na nossa relação conosco, com os outros e com o ambiente humano e natural (JOSSO, 2004, p. 59). e os senti como cuida o ato e sen sobre estra relig corpo mesm o mo sobre adole na ex das e situa Confor reprimem mentos. Se tal e cuid r do outro. de cuidar d Como a sível. Send o ato e tégias criat ar as demai Em no ral: cada a maneira mento de m De olh nossa bio scência, a ploração e ducadoras, ções vivida me Watson não são c ndo assim, ar-se, em t No entanto o outro, qu titude hum o assim, p sobre os s ivas para a s com a sen ssa vivênc professora que na prim assagem c F os fechado grafia corp vida adulta na significa o que, pa s na UEI. E (2007), pe apazes de o homem, odo o dese , no própri e se justific anescente, ara se dese ujeitos de assistênci sibilidade. ia, o fluir massageav eira situaç orporal, pro igura 20 – M s e ouvind oral. Aqui, , buscando ção das ex ra mim, ju la conta: ssoas que n permitir q o profissio nvolviment o processo a e legitim o cuidado r nvolver um ssa ação b a, resgatar dessa sen a uma co ão, após ce sseguimos assagem corp o “Sons da as educado em seus re periências. stificava su ão são sens ue os out nal, precis o da vida, de autocuid a na relação equer uma cuidado h em como a ludicida sibilidade lega, enqua rto tempo com outra oral e o cuida natureza”, ras foram gistros iden Tal vivênci a postura íveis a seu ros express a necessari para, poste ado o suje com o pró postura ref umanescen sobre suas de das pes se deu por nto esta p invertemos experiencia do se si iniciei um levadas a p tificar com a fazia part sempre refl s próprios s em e exp amente rec riormente, ito necessit ximo. lexiva, cria te é preciso implicaçõ soas e do meio da rocurava r os papéis. lidade. moviment ercorrer a o o corpo s e do cotidia exiva e dia entimentos lorem seus onhecer-se dispor-se a a vivenciar tiva, lúdica refletir-se es, buscar ambiente e massagem elaxar. Da Terminado o reflexivo infância, a e colocava no de uma lógica nas Eu tenho até uma certa facilidade de relaxar porque fiz muito tempo de ioga. E esse exercício de vez em quando eu faço em minha casa que eu tenho também alguns CDs de sons da natureza. Quando eu estou muito agitada, muito preocupada, eu me tranco no quarto e faço isso sozinha. Consegui me desligar dos problemas que a gente tem. Essa prática eu já tenho, graças a Deus! E isso tem me dado um suporte muito grande na minha vida, porque, se for analisar o problema que cada um tem, a gente tem muita coisa. Eu estava muito longe daqui, que eu não sei nem onde eu estava. Sinceramente, talvez tenha sido por segundos, mas me senti transcender (TRICOLINE, 2008). A meditação instaura no sujeito que a realiza o equilíbrio mental e espiritual, possibilitando-lhe uma conexão profunda consigo mesmo. Em sua experiência, Tricoline se desliga dos problemas e volta-se para si mesma, alcançando o nível de semi-consciência, por ela denominado “transcendência”. Na pesquisa, essa meditação representa a experienciação da reflexividade vivencial, com a qual o sujeito reflete, transcende e toma consciência de si. Também implicada na vivência Cambraia (2008) descreve: Eu, quando você começou a falar dos problemas, eu mentalizei , deixei tudo lá fora. E disse: quem está aqui é Cambraia. Então, no início, foi bem como Surá a questão de sentir o corpo. Eu me concentrei bem nos meus batimentos cardíacos, senti o chão, a temperatura. Pra mim, foi muito bom quando você começou a falar sobre a mãe, a infância. Eu tenho problemas de lembrar da minha infância, mas tudo que você falava eu lembrava com o meu filho. A questão da amamentação, do toque, do carinho. Eu mentalizei bem os momentos que eu vivi com ele. E eu senti muita tranquilidade, muita paz. Eu senti que foi um momento meu. Um momento “eu” na verdade. Junto aos pássaros, aos passarinhos, à natureza, foi um momento muito bom, um momento prazeroso. Ao final, enquanto encaminhava as professoras a retornarem dessa viagem, passei um lençol sobre seus corpos. O lençol cobria completamente o corpo da docente e, dos pés para a cabeça, ia sendo puxado vagarosamente. Primeiro, ele acolhia, aquecia; depois, desfilava levemente sobre as professoras, dando a impressão de que algo estava sendo retirado de cima delas: Quando o lençol passou sobre mim, tive uma sensação de alívio, era como o meu corpo se desprendesse de algo. Uma sensação de... não sei nem explicar (MUSSE, 2008) desp da fo expe quant esse e ambie No dep ertado. Um rma e da in Finaliz rienciada na Esse en o estar aber ncontro est nte e o outr oimento de contato, po tensidade, p ando, as e quela man Colo faze na n pois DEV contro cons to as novas iver atrelado o, conforme E eu conh auto senti peda você Musse, pe r mínimo odem mar Figura 21 – C ducadoras hã, demons camos estes ndo relembra ossa relação , como ela fa ORÊ, 2008). igo mesmo, possibilidad ao fio da s destacou as , como o mom ecer melhor afirmar, de ce muito gent cinhos são vo s estão aqui e rcebe-se co que seja, pr car profund onstrução de registraram trando o m gravetos repr r de momento com a nature lou, foi um m evidenciad es auxilia no ensibilidade participante ento mais si , nos remete rta forma. E e. E eu re cês, porque a gente pode mo ações s ovoca sens amente o c cenário no Sa no sandp omento mai esentando cad s marcantes, za e, do outr omento imp o no cenári desenvolvi , já que ela f s supracitada gnificativo, a r às nossas eu me senti m presentei por eu acho que e compartilhar imples pod ações no o orpo do out ndplay lay as repe s significat a um de nós nos levando o lado, a co ortante de en o de Chita mento do su avorece o d s e reafirmo parte inicial, lembranças. uito importan isso aqui q u só pude me esse moment em levar o utro, que, d ro. rcussões d ivo para ela . Você ali ju a pensar em n lega relaxand contro consig e Devorê, d jeito, princi espertar par u Cambraia onde a gente p Foi um mo te hoje (emp ue eu coloq senti dessa o (CAMBRA corpo a ser ependendo a vivência s: nto a nós nos osso corpo e o na cadeira, o (CHITA e emonstra o palmente se a o corpo, o . ode sentir se mento de se olgação). Me uei, e esses forma porque IA, 2008). Observemos, por fim, o relato de Surá: Estou num momento de plenitude, de autoconhecimento. E este momento de hoje eu acho que está... foi a culminância. E essa culminância foi do meu autoconhecimento mesmo. De eu como ser humano, de eu como professora, de eu como companheira, de eu como amiga, de eu como mulher, de eu como gente, de eu como corpo. Também eu acho que... eu botei esse livro aí porque eu me encontro nas minhas leituras, nas minhas discussões, nas minhas orações. Então toda a vivência de hoje, desde o início até o fim, foi, para mim, um momento de reconhecimento (SURÁ, 2008). Mais uma vez, demonstra-se o despertar para a autoformação, que até o momento da vivência era pouco visualizada na prática cotidiana dessas professoras. Ao vivê-la de forma criativa e lúdica as professoras passaram a sentir o prazer de reconhecer-se e com isso passaram a otimizar sua prática docente. 6ª Tessitura – O desenho e a criança numa perspectiva vivencial Após essas vivências, que tinham o foco centrado na formação e na autoformação do educador, numa perspectiva existencial, o momento agora era de acoplar o ser humano ao humano docente, ou seja, construir, junto a esse professor, que agora já era capaz de olhar para si mesmo como ser, uma nova forma de desenvolver sua prática. Para as temáticas que se voltavam, especificamente, para a ação do educador frente aos conteúdos e habilidades a serem desenvolvidas, a proposta era que os professores construíssem momentos de aprendizagem em que pudéssemos vivenciar esses conteúdos de maneira a corporalizá-los. Reportando-me aos conteúdos por elas citados, dei início ao encontro explorando o desenho infantil. Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), a criança é um sujeito que possui uma história, faz parte de uma família e está inserido em uma sociedade culturalmente organizada. Ela possui uma natureza singular, característica que faze dela um ser de um mundo genuíno e particular. “No processo de construção do conhecimento, as crianças se utilizam das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem ideias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar” (BRASIL, 1998, p. 21). Dentre essas linguagens, uma das mais valorizadas no ambiente escolar é o desenho, já que, por meio dele, a criança, ainda não letrada, inicia seu processo de expressão e registro de experiências. O desenho faz parte da história da conquista de um espaço acolhedor e educativo específico para a criança . Já era utilizado por elas antes mesmo da democratização do uso do papel e do lápis. O desenho é muito importante no acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento, pois, por meio dele, é possível perceber o amadurecimento nas áreas neuromotora, socioafetiva e cognitiva (SILVA, 2002). Os primeiros registros feitos pela criança são denominados de garatujas, traços casuais registrados sem um controle. A princípio, a criança faz espontaneamente; só mais tarde, ela se preocupa em nomear o que elabora, que ainda é bastante incipiente. O fato é que, muitas vezes, os educadores, por já possuírem maturidade para ler e interpretar os registros, terminam determinando para a criança a produção que foi por eles construída, limitando e comprometendo o repertório gráfico da criança. Reconhecimento o desenho como prática necessária ao desenvolvimento infantil, eu, juntamente com a educadora Musse, planejamos atividades em que as professoras vivencialmente nos demonstrassem a forma como exploravam e como compreendiam o desenho infantil. Com diferentes materiais dispostos na mesa – tinta guache, lápis cera, lápis de cor de madeira, hidrocor, papéis de diferente cores e tamanhos, iniciamos a vivencialidade. Primeiramente, distribuímos folhas de ofício e pedimos que as demais educadoras desenhassem alguma coisa. Nesse momento, algumas já se colocaram contra, alegando não saber desenhar, nem ter habilidade para isso. Mesmo assim, insistimos, na realidade, ordenamos que elas produzissem o desenho, estipulando, inclusive, um tempo para a execução da tarefa. Finalizado o tempo, algumas ainda não tinham concluído, o que foi desconsiderado por mim, já que o objetivo era reproduzir uma prática que vinha sendo realizada por elas. Na creche e em muitas instituições de ensino infantil, embora o desenho seja bastante utilizado, muitas vezes ele é explorado de maneira inadequada. Comumente, os professores exageram no direcionamento do recurso, enfatizando o que desejam que as crianças desenhem, as cores que querem que elas utilizem. Em outras situações usam-no como passatempo, sem nenhuma finalidade pedagógica, além de estipularem um tempo curto e materiais inadequados para as crianças, que ainda estão em processo de desenvolvimento; possuem os movimentos reduzidos, pouca habilidade motora e um repertório restrito de imagens para reproduzir. poten que a as ed incon profe desen que ident fato o infan brinc Ao lim cialidades gora, send ucadoras c scientes, li Confor ssora o de hado naqu elas viam. ificando a i Dentre que tinha til, afirma K ar entre nó Qua que educ “aca instr aprim (SIL itar o temp ou fragilid o taxada co om essa po mitam noss Fig me mostra senho de u ele papel. Cada uma magem. as oito pro sido registr orczak (1 s, sem os a nto à inserção oscilam entre acional, desv lmar” as cria umentalizaçã orar a coo VA, 2002, s/n o para que ades indivi mo feia, de stura, elas os alunos. ura 22 – Prof a segunda ma crianç Após algun foi mostran fessoras pr ado. Sobre 981, p. 49) dultos. O ad do desenho n dois polos: inculada de nças, ou distr o do desenh rdenação pe ). as docente duais, eu c ixava de se puderam pe essoras viven imagem, a, e pedido s minutos do para o esentes nes esse tipo d assumindo ulto logo d o processo p de um lado, qualquer co aí-las até a h o, que deve rcepto-motor s fizessem omprometi r interessan rceber qua ciando a arte d no segundo que elas de observa grupo o qu se dia, ape e situação, o olhar da etermina c edagógico, po a atividade g ntexto signi ora do sinal. ser ensinado a, outra esf os desenho o desenvol te e diverti nto nossas o desenho momento identificass ção e análi e tinha re nas uma co em que o a criança: “P omo tudo d de-se verifica ráfica destitu ficativo, emp Do outro lad , dirigido, tr era do des s, não resp vimento da da. Tendo atitudes, m , foi entreg em o que se, question cebido e, e nseguiu id dulto adent or isso é m eve ser, esc r concepções ída de valor regada para o, a extrema einado, para envolvimento eitando as atividade, eu chocado uitas vezes ue a cada havia sido ei sobre o m seguida, entificar de ra o mundo ais gostoso olhe quem vai fazer o quê, e fica nos apressando, como se quisesse economizar tempo. E nem conhece bem cada um dos garotos”. Concordando com o autor, Devorê reconhece: De fato, quando a gente para, para reparar, percebe que faz isso mesmo. O professor tem esse costume de estar sempre tentando adivinhar o que o aluno desenha e, muitas vezes, sem querer, opinamos até nas cores que eles devem usar, porque eles, por não saberem, colocam, por exemplo, o cabelo de cor azul (DEVORÊ, 2008). A situação apresentada e vivenciada por nós através do desenho nos levou a refletir sobre o comprometimento do professor com a ética, pois nós também atribuímos significados errados ou descontextualizados à produção de nossos alunos em nossa prática pedagógica. Esse é um comportamento nocivo, que pode causar danos irreparáveis, pois, não sabendo lidar com esse recurso, podemos inibir a autoestima dos alunos, retarda seu desenvolvimento autônomo bem como restringir seu potencial criativo. Cabe ao educador ampliar as possibilidades criativas do aluno, permitir que ele se insira no mundo das representações e interpretar as obras a partir do olhar e da fala dos próprios sujeitos da ação. Compreendo agora que a criança pode ser um músico amadurecido; e se penetrarmos mais a fundo no seu desenho e na sua fala, quando ela finalmente confiar em si mesma e começar a falar, e nós captarmos o que tem de especial e digno na sua expressão, encontraremos nela um mestre dos sentimentos, um poeta, um artista plástico (KORCZAK, 1981, p. 54). O desenho, portanto, é mais uma linguagem por meio da qual a criança se comunica e revela seu contexto de vida, além de aspectos de seu desenvolvimento psíquico, social, motor e estético, não podendo, por isso ser compreendido e explorado pelos educadores como uma imagem estática; deve, sim, ser considerado como um processo de amadurecimento e beleza e, desde o início, precisa ser acompanhado pelo educador. Embora nós tivéssemos dedicado a uma experiencialidade simples, as professoras puderam vivenciar o que antes só conheciam graficamente. Agora, elas entendiam a importância do desenho e o papel do educador frente a esse instrumento de expressão e comunicação, porque, tendo vivido sem uso, haviam corporalizado. Nesse momento tive a certeza de que elas compreenderam a relevância da reflexividade vivencial no processo formativo. Esse fio é integrador e permite que o significado seja atribuído ao que é construído. Trabalhei, ainda, duas técnicas relacionadas ao desenho: a dobradura e o trangram. Mais uma vez, finalizamos o encontro com a avaliação sobre o vivido, surpreendendo-nos com os efeitos surtidos. Achei bem interessante a forma como trabalhamos. Porque nós, que trabalhamos com criança, sabemos que é importante utilizarmos o desenho, mas, muitas vezes, não paramos para avaliar como o estamos inserindo em nossas práticas. Acho que, com o que fizemos hoje, teremos que rever nossa postura (CETIM, 2008). Esse tipo de trabalho facilita nosso entendimento, além de ser menos cansativo (CREPE, 2008). Tais falas nos incentivam a seguir em frente, a persistir no encantamento e na corporalização da alegria na escola, pois acredito que ela é, não apenas um aspecto dinamizador, mas, sobretudo impulsionador de novas vivencialidades. 7ª Tessitura – A contação de história vivida por educadores infantis Assim como na experiencialidade anterior o objetivo continuava sendo ampliar a visão do educador infantil para as formas vivenciais de trabalho. No caso da contação de história, especificamente, eu esperava que os docentes compreendessem as repercussões de sua utilização no processo educativo de crianças, que explorassem diferentes formas de utilizá-las e que se sentissem capazes de criar e corporalizar novas histórias. Nesse encontro, as professoras Crepe, Chita e Devorê foram as responsáveis pelos encaminhamentos das atividades. A única condição que apresentei foi que a proposta a ser lançada ao grupo tivesse um momento vivencial. Prosseguimos com a exposição dialogada e, durante ela, as educadoras revelaram concepções distintas sobre a contação de história, falaram sobre as repercussões de um trabalho que a contempla, bem como explicitaram orientações necessárias a uma boa contação de hi voz e distin Fomo viven algun para imag instru grup quere nos c Entre stória, com dos instrum Em se tos e repre s convidad cialidades, No meu s diálogos isso, a fala A histó ens, para mentos, d o, a anima r surpreend Chegad olocamos n expressõe o, por exem entos que guida, foi a sentar situa as então a eu fui apen Figu grupo, pa fraternos, d fosse utiliz ria escolhi comunicar istribuímos ção era a m er o outro. o o momen os lugares s e movime plo, a impo podem me presentado ções em qu experienci as particip ra 23 – Docen ssamos a im ecidimos q ada. da para ser ao leitor os papéis, esma: coc to da apre e eu inicie ntos, chega rtância da diar essa aç a proposta e fosse util á-la. Aqui, ante, assim tes construin aginar com ue contaría apresentad a mensa acertamos hicho para sentação pe i a contaçã mos ao fina expressivid ão. : deveríam izado, a con diferentem como as ou do novas vive o iríamos mos a histó a, também gem. Busc os passos lá, cochic di para ini o da histór l, recebend ade do con os organiza tação de h ente do qu tras docent ncialidades utilizar ess ria com no não utiliza amos na , e estávam ho para cá ciar a conta ia intitulad o aplausos tador, da en r-nos em d istória na s e ocorreu es. e recurso e ssos corpo va texto, m sala de a os prontas . Cada gru ção. Pedid a “Presente e agradecim tonação da ois grupos ala de aula. nas demais , depois de s, sem que, as apenas ula alguns . No outro po parecia o atendido, de Natal”. entos. conta inter imita pelo que cada evide const const O outro dor, que s agiam no e ndo ovelha que sente e Embora os fios que vivencialid nte a prep rução praz rução das p Figur grupo uti e colocava spaço da sa s, se divert pelo que v Figura 25 possamos o a integram ade um to onderância erosa e si otencialida a 24 – Profes lizou, realm como narr la de aula. iam. Ali, eu ive cotidian - Grupo de pr bservar os encontram rna-se mais do fio da c gnificativa des individ soras vivencia ente, o liv ador, e os Cena de d as via cor amente. ofessoras viv diferentes -se articu evidente. riatividade das histór uais. ndo a contaçã ro. Em sua dos person escontração poralizarem enciando a co fios que co lados e ind No caso d , que nesse ias, a apre o de história apresenta agens, que , de brinca o ser crian ntação de his mpõe a te issociáveis a contação encontro ciação do ção, havia , de forma deira. As p ça, ser que tória ia da corpo , percebem de história favoreceu a outro e, s o papel do articulada, rofessoras, se encanta reidade, já os que em , tornou-se criação, a obretudo a 8ª tessitura – Reconhecendo a preciosidade de cada ser A oitava tessitura foi desenvolvida no mês de maio, quando, por motivos de segurança das crianças, tivemos que fechar a creche. Nesse período, ela precisava passar por um processo de detetização, já que, na areia em que as crianças brincavam, existia uma colônia de ratos, o que foi descoberto apenas pelas chuvas constantes que nesse mês, vinham inundando esse espaço. Sem alunos, a coordenação, juntamente com a direção, organizaram uma semana de estudos, para que pudéssemos aprofundar-nos em algumas questões e apresentar os trabalhos que vinham sendo publicados com as experiências da UEI. Assim, aproveitei para vivenciar com os funcionários mais um momento de sensibilização, pois, embora os professores estivessem transformando a sua forma de ser e apresentar-se na instituição nem todos os funcionários estavam fazendo parte do processo, fato que o comprometia. Entre funcionários e professores, continuávamos tendo problemas, pois para os primeiros, os professores sempre sabiam mais e, para os professores, os funcionários não demonstravam o mesmo nível de compromisso com a instituição. Ao perceber esse problema, a direção me procurou para que, nesse momento, uníssemos professores e funcionários para a realização de uma vivência. Atendendo à solicitação e buscando resolver esse problema, nos encontramos em uma sala cedida pelo Hospital Onofre Lopes. Para essa vivencialidade, nada de ambientização nem de recursos audiovisuais, tampouco metodologias inovadoras. Precisava-se apenas da presença e da inteireza de cada um naquele momento. Para não dizer que nada foi utilizado, entreguei a cada profissional uma folha de papel ofício e um lápis hidrocor. Em seguida, pedi que cada um dobrasse seu papel em quatro partes, pois essa forma permitia que, quando um lado se sobrepusesse ao outro, se tivesse um retângulo. A recomendação de dobrá-lo era para que, quando abríssemos a folha tivéssemos uma folha marcada em quatro partes. Figura 26 – Modelo da dobradura utilizado na vivência – fos tives funci fund elenc realm então escri filho vivid na m pape eu sa realm Posteri sem objeto se um grand onários e amental par ar e registr Termin ente guard , que, alea to. Ouvimo s, esposo, a Pedi, p o com seu ão e o col l, fiz um m bia que el ente acont ormente, pe s, bens de e significa professores a sua sobre ar suas “pre Fig ada essa e asse algo i toriamente s a todos e mor, amigo or fim, que tesouro. Pa oquei lá. A ovimento b a era muit eceu. Disse Qua impu eu m di que todo consumo, do em sua foram, en vivência. O ciosidades” ura 27 – Profe tapa, a m mportante , eles me , dentre os s, cigarro, cada um r ssado esse proximei-m rusco, rasg o religiosa ela depois: ndo Priscilla lso de tentar e tranquilize s refletisse sentimento vida. Depoi tão, orienta bservando ; para outr ssoras registr aioria dos que precisa dissessem, tesouros, cerveja e di egistrasse instante, dir e, então, d ando o qua , tinha cert arrancou Cris impedi-la. El i. Não vi as m m sobre co s, pessoas. s da reflexã dos para e , percebi qu as foi uma a ando suas pre participant va ser esco e relatasse estavam: fa nheiro. em sua me igi-me ao c e uma das drante ond eza de que to da minha a disse que, q inhas coleg isas que era O mais im o, o mome screver em e, para algu tividade m ciosidades es fechou ndido ou b m para o mília, Deu mória um m entro da sa professora e estava es minha aç folha, levei u uando me ap as rirem, mas m preciosa portante e nto era de r cada retâ mas pesso uito difícil. o papel co em cuidado grupo, o q s, fé, saúd omento in la com o ce s e, olhand crito: “Cris ão iria toc m grande su avorei, as me ouvi o próp s para eles ra que isso egistro. Os ngulo algo as, foi fácil mo se ali . Solicitei, ue tinham e, trabalho, esquecível sto de lixo o para seu to”. Como á-la, como sto e tive um ninas riram e rio Cristo me dizendo: “Ninguém pode me tirar de você!”, e foi por isso que me tranquilizei. O susto foi maior porque Ele é o centro da minha vida. Porém mesmo segura de que era apenas uma representação, passei uns 10 minutos me tremendo (CHIFON, 2008) Depois de tomar essa iniciativa, incentivei a colega a fazer o mesmo com outra pessoa, mas ela disse que não podia fazer isso. Como ela se recusou, dirigi-me para outras pessoas e fui tirando a folha de cada uma, demonstrando frieza, ao arrancar o que pertencia ao outro. Outro caso interessante ocorreu, novamente com uma professora que, assim como a primeira, estava frequentemente participando das vivencialidades. Quando me aproximei de sua folha, ela a afastou de mim. Eu insisti e, segurando a folha, sinalizei que arrancaria dela seu filho. Ela segurou a folha e eu, de maneira impiedosa, arranquei o filho dela, fato que a levou às lágrimas. Os demais, que, muitas vezes, riam com a situação do outro, dessa vez silenciaram. Passada a emoção do momento, iniciei uma profunda reflexão sobre a convivência, lembrando aos funcionários quanto a invasão do outro em nossa vida compromete nossa forma de ser, principalmente quando esse outro não interage com cautela e ética. Percebi então, a importância do bom senso, da não atribuição de valor ao que pertence ao outro, do respeito. Além disso, pudemos também parar para pensar na forma como nos apresentamos para o outro. Muitas vezes, guardamos o que é precioso para nós em lugares inacessíveis, o que dificulta a compreensão do outro sobre nós. Com isso, nos vestimos de uma identidade que esconde nossa legitimidade, impedindo que o outro nos compreenda como desejamos. Assim, o sujeito termina sendo um e representando corporalmente uma pessoa diferente. Daí, a importante de nos compreendermos com profundidade e nos encontrarmos em equilíbrio com nossas estruturas, com nossa organização. Finalizando, pedi que cada participante registrasse um defeito de um dos companheiros ali presentes e que, em seguida, colocasse dentro de uma caixa. Aquele momento serviu para que pudéssemos desfazer-nos de sentimentos que nos inquietavam, incomodavam e que não podíamos simplesmente banir; pois poderia ser o tesouro de alguém. Nesse instante, procurei enfatizar a importância da comunicação, da escuta sensível, pois acredito que, quando elas são desenvolvidas com qualidade, os problemas são minimizados e as relações enriquecidas. Fechando o encontro, todos de pé, aquecemos as mãos e unimo-las com à mão do colega. Com a palma da mão direita para baixo, simbolizamos o ato de dar e, com a palma da mão receb que o os ag Fuxi mom estav da cr com falav porqu elas. 9ª Te esquerda v endo tranq s participa radeciment co ... No dia q ento ainda am sendo a eche, de su Imbuída elas estava a. Felizes p e desejava ssitura – Q irada para c uilidade, ha ntes falasse os foram in ue sucedeu não vivido presentado a forma de do sentime construind orque se r m saber o q F uem conta ima, simbo rmonia e a m ou fizes evitáveis. ao da vive na creche, p s, em cong trabalho e d nto de pes o. Olhos cu econheciam ue as outra igura 28 – Ap a vida faz lizamos o mor, encerr sem alguma ncialidade e elo menos ressos e en as experiên quisadora, riosos e fe , porque p s pessoas h resentação do história SAN número de receber. amos a viv coisa os a ntre funcio naquele an contros cie cias lá con apresentei lizes, elas o ercebiam s aviam fala s trabalhos pu DPLAY: jogan s e as experiê na educação i Mestranda Siomara Priscilla B Unidade Educacion UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO G CENTRO DE CIÊNC IAS SOCIAS DEPARTAMENTO DE EDU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LINHA DE PESQUISA CORPOREIDA Doando al encialidade braços, o a nários e pr o: a divulga ntíficos, tra struídas. às professo bservavam eu poder c do sobre a blicados do com os ncias de vida nfantil arbosa al Infantil R ANDE DO NORTE APLICADAS CAÇÃO EM EDUC AÇÃO DE E EDUCAÇÃO egria, ener . Mesmo se colhimento ofessores, t ção dos tra tando da o ras a expe atentamen onstrutivo, experiência gia, calor e m eu pedir ao outro e ivemos um balhos que rganização riência que te o que eu e curiosas vivida por Essa seria nossa penúltima vivência e, apesar de termos que passar por um processo de fechamento, isso já me deixava com saudade e com um enorme desejo de tornar esse tipo de encontro algo permanente na rotina da creche. Mas, infelizmente, isso não era possível, porque meu contrato com a instituição chegara ao final. Com essa tessitura, meu objetivo era de enfatizar a importância de uma prática que trabalhe com as histórias de vida, a implicação dela na formação dos educadores e, sobretudo mostrar às educadoras que não existem regras para a experienciação da vida na escola. Entendida como “biografia educativa” (DOMINICÉ, 1982, 1984; JOSSO, 1986), a produção, a reflexão e a interpretação das histórias de vida possibilitam a construção do conhecimento a partir de experiências significativas, o que torna esse processo mais sensível, pois o saber estrutura-se a partir da subjetividade dos indivíduos. As narrativas que contam essas histórias envolvem atitudes, comportamentos, ações no mundo, ou seja, tocam e reencantam a corporeidade dos indivíduos que as constroem e as compartilham com o outro. Quando contadas refletido-se sobre elas no processo de formação, elas permitem a localização do sujeito no espaço-tempo, possibilitando a atribuição de sentido pelas vias do vivido. Josso (2004, p. 48) afirma: Vivemos uma infinidade de transações, de vivências; estas vivências atingem o status de experiências a partir do momento que fazemos um certo trabalho reflexivo sobre o que se passou e sobre o que foi observado, percebido e sentido. Vivenciando a reflexividade, a articulação entre pesquisa e formação, a alternância entre individualidade e coletividade, subjetividade e inteligibilidade, escuta sensível, narração e interpretação, o educador é encaminhado para o processo de “caminhar para si” (JOSSO, 2004). Esse processo, que é construído por meio de diferentes fios, de diversificados instrumentos, orienta a formação do sujeito para a vida, ensinando-o, por meio de suas próprias experiências, a saber-viver e a buscar uma sabedoria que, acredito, assim como defende Josso (2004), não se constitui em utopia, mas configura-se como algo inerente à existência humana. Formarmo-nos em sabedoria significa, pois que, a cada momento da nossa existência, temos de escolher agarrar – ou não – uma oportunidade para exercermos um juízo, uma ação, um comportamento, uma atitude interior, levando em consideração as perspectivas abertas pela procura de articulação das quatro buscas e apoiando-nos nas práticas de desenvolvimento da nossa atenção consciente. A sabedoria não é pois um apanágio dos seres excepcionais que agem de forma “perfeita”; ela reside sim no fato de situarmos os mínimos gestos na perspectiva global e complexa, que nos oferece a articulação das quatro buscas, fundada numa atenção consciente de si, dos outros e com o nosso meio natural (JOSSO, 2004, 108- 109). Na busca dessa sabedoria e do aprofundamento em nós mesmos, criamos um momento específico para a expressão de nossa história de vida e a reflexão sobre ela. No espaço dessa vivencialidade, os colchões estavam interligados e, no centro, havia uma garrafa de refrigerante contendo um líquido colorido e um novelo de lã. Convidei as educadoras a sentarem-se em volta da garrafa e iniciei a contação da história “Ponto a ponto” de Ana Maria Machado (1998). Essa história traz, de forma singela e poética, a narrativa da vida de uma mulher em busca de sua inserção ativa na sociedade, uma mulher que, antes, sozinha, sentia- se reprimida, um fio de voz e, posteriormente, ao reconhecer a riqueza de suas experiências, “virou foto no jornal, saiu na televisão, cantou em livro de história e aqui está na sua mão, como ponto de exclamação” (MACHADO, 1998, s/n). Contada a história, segurando o novelo em minhas mãos, iniciei a narração de minha história de vida, apresentando minha família, algumas experiências da infância, minhas lembranças da escola, dos amigos, minha inserção na vida profissional e algumas perspectivas. Nesse momento, quando, pela primeira vez, falei sobre mim, senti a alegria e o alívio de expressar como me constituí ao longo de minha trajetória. Ali, eu via a possibilidade de as professoras desfazerem impressões e me compreenderem como realmente sou. Falar das próprias experiências formadoras é, pois, de certa maneira, contar a si mesmo a própria história, as suas qualidades pessoais e socioculturais, o valor que se atribui ao que é “vivido” na continuidade temporal do nosso ser psicossomático. Contudo, é também um modo de dizermos que, neste continuum temporal, algumas vivências têm uma intensidade particular que se impõe à nossa consciência e delas extrairmos as informações úteis às nossas transações conosco próprios e/ou com o nosso ambiente humano e natural (JOSSO, 2004, p. 48). Contar a própria história é viver a emoção de constituir-se a cada dia, é reviver fatos esquecidos, relembrar momentos marcantes, revelar o significado das pessoas e das relações que formaram o indivíduo e se alegrar pelo fato de ter aprendido a ser, mesmo que de maneira incon senti entre vida, assim outro o viv prop grup sem j relaç com na co desej expe prop de si sciente. Pa a plenamen Tendo guei esta a a partir da como no p Um pri e revela a er pleno de onha conta o a que per ulgamento ão ao grup a vida do o O proc letividade ava fazer riências que orcionar-lhe mesma des ra mim, es te acolhida contado p uma profes pergunta: rimeiro en meiro relat profundida uma exist r os fatos p tence, desn s ou encobr o, o sentim utro, o que esso das na de acordo aflorar nas as constitu s o encant crevendo-s sa foi mais e cuidada. arte de mi sora, que d “Quem sou contro, form Figura 29 – V o demonst de de se tra ência por m essoais qu udar-se par ir-se em pr ento de per acredito ter rrativas de com as nec docentes íam ou pel amento do e: um aprend nha trajetó everia junta ?” Entre tan ávamos um ivenciando a ra a dificul balhar com eio do rev e o marcar a o outro q econceitos. tencimento sido constr vida desvel essidades v o desejo d a imagem q corpo e da izado const ria, passei r-se ao fiap tos fios, ta a teia hum s narrativas d dade que e as história isitar a me am ele pre ue, assim c No entanto , de respei uído ao lon a-se de dife ividas pelo e reconhe ue elas ago vida. Chifo ituído em u a linha em o de voz e ntas experi ana, a teia e vida ncontramo s de vida. E mória, para cisa sentir- omo ele, p , cabe ao m to mútuo e go das vivê rentes man s participan cer sua tra ra tinham n inicia o m espaço o volta da contar sua ências, mai da vida. s em nos a mbora ela que o part se seguro, ode propor ediador co de compro ncias anter eiras e é de tes. No m jetória de construído, processo d nde eu me garrafa e história de s uma vez, brir para o s permitam icipante se confiar no -se ouvi-lo nstruir, em metimento iores. senvolvido eu caso, eu vida pelas de forma a a revelação Vou começar pelo mais fácil, o físico: alta, para uma mulher; magra, morena, cabelos cacheados médios. Agora, o mais difícil, a personalidade: prática, esportista, tímida, corajosa, aventureira – certas vezes, grossa, econômica. Algumas vezes prefiro ficar calada e guardar sentimentos só para mim. Sou mole, mas, quando me irrito, sou explosiva. Gosto de viver, não tenho medo da morte, choro muito de raiva. Insensível, carinhosa, mas não meiga nem melosa (CHIFON, 2008). Conforme nos conta, Chifon percebe-se como um ser complexo que possui um corpo com características próprias, um ser de personalidade definida, que sente, que vive! Apesar de mostrar-se dessa maneira, em nosso cotidiano a professora demonstrava ser calma, muito paciente e meiga. Daí a importância de contarmos ao outro como somos, como nos vemos. Isso possibilita uma aproximação, um saber lidar com a diferença. Na prática pedagógica, vivenciar isso com o aluno nos permite conhecê-lo, aprofundarmo-nos em seu contexto de vida, descobrindo seu interior. As narrativas de vida permitem esse aproximar-se. Quando o professor conhece seu aluno, utiliza uma linguagem apropriada, planeja suas atividades segundo a realidade desse educando, construindo um conhecimento significativo. Em contrapartida, quando despreza as experiências do aluno, compromete o processo formativo, que passa a ser estanque, distante e pouco prazeroso. Nos relatos, percebem-se as marcas da sensibilidade, da insegurança e da fragilidade com que alguns corpos foram tecidos. Sou Devorê, uma pessoa madura, às vezes imatura, mas também com grandes qualidades. Sou atenciosa para com as pessoas, solidária; às vezes, sou triste, porém com momento de muita alegria. Sou muito amiga, sou responsável no meu trabalho e naquilo que me proponho fazer. Sou casada, muito bem casada, mãe de três rapazes maravilhosos, avó de cinco netos e aquela sogra-mãe (bem, eu acho). Sou Devorê, com defeitos e qualidades (DEVORÊ, 2008). No relato de Devorê, percebe-se seu esforço para romper com suas fragilidades, demonstradas nessa e em outras vivências. Ela é uma professora que, tal como relata, possui uma beleza interior grandiosa, mas que, com a passagem do tempo, esqueceu um pouco de sua luz, em virtude do processo de envelhecimento que vivencia. Sendo educadora infantil e estando ainda em sala de aula, esse envelhecer, o aproximar-se da aposentadoria, torna a trajetória mais difícil, porque as dificuldades de locomoção e adaptação às atividades diárias são mais evidentes, muitas vezes determinando a baixa autoestima e o comprometimento da prática pedagógica. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, até 2025 o Brasil será o sexto país do mundo com o maior número de pessoas idosas (IBGE, 2000). Esse dado revela o envelhecimento de um país que, por décadas, foi considerado o país dos jovens, e nos leva a repensar nossas práticas de formação, que hoje necessitam preparar as crianças para o cuidado com o idoso, o jovem para valorizar a sabedoria da terceira idade, e o idoso para que se conscientize do potencial que possui. Enfatizo a necessidade de formarmos os sujeitos para a vida e também para a finitude, para o respeito mútuo, sem discriminação de idade, crença ou cultura. Isso ampliará nossa visão sobre as relações humanas e sobre o ser humano. Pensar nesse tipo de formação que se dá ao longo de toda a vida significa minimizar as dificuldades existenciais. No caso dessa professora, ter um lugar em seu ambiente de trabalho que lhe permita falar sobre suas experiências, desmistificar os mitos e medos que circundam esse processo a faz sentir mais forte, amparada e acolhida, o que alivia seu sofrimento e eleva sua autoestima. Segundo a professora, viver essas experiências fez com que ela se sentisse enaltecida como profissional e como pessoa. O sentimento que agora demonstra por ter sido olhada e valorizada é o de gratidão. Seu corpo agora recebe o outro com um abraço aconchegante e um sorriso sincero. Toda essa dinâmica e evolução a partir das experiências só é possível quando o sujeito se envolve no processo, embarcando numa viagem que tem como ponto de partida e de chegada ele mesmo. Esse “caminhar para si” (JOSSO, 2004) pede uma maior sensbilização para o corpo e, consequentemente, para a atuação dele na vida cotidiana. No depoimento de Seda, seu corpo aparece como símbolo de sua vida, no entanto ela diz não se conhecer. Essa falta de conhecimento e reconhecimento de si mesma reflete um momento extremamente doloroso vivido por essa professora, que, depois de mais de seis meses de luta, vê o companheiro ser vencido pelo câncer. Diz ela: Sou, só sei que sou... Falar dos outros é muito fácil, falar de si é que é difícil. É como se eu não soubesse e acho que não me conheço mesmo. Estou pensando agora no espelho, colocando-me diante dele. O que vejo? Uma pessoa: olhos, boca, ouvidos, cabeça... um corpo. Sou um corpo que vive de sentimentos. Não gosto de me mostrar: ninguém, ou quase ninguém me conhece...sabem nada de mim. Sou um bichinho que mora numa conchinha... (SEDA, 2008). Vivendo momentos de profunda tristeza, juntamente com seus dois filhos, Seda perde a referência de si mesma, porque era no outro que ela se encontrava, era com o outro que ela era capaz de caminhar para si. Depois do sacrifício de dar o amor, de lutar contra a doença, a perda de parte da vida, a desesperança, a insegurança, o medo, a fragilidade e a dificuldade do recomeço, do autofazer-se na ausência do outro. O dar sem ganhar pode ser considerado uma perda; por outro lado, esta perda transforma-se em lucro, pois, pelo sacrifício, o ser humano é capaz de perceber que possui a si mesmo. O sacrifício proporciona o auto-conhecimento, pois possibilita perceber a capacidade de dispor de partes de si mesmo (FURLANETTO, 2003, p. 57). Apesar de ser um momento de enfrentamento de dificuldade, esse foi, sim, um momento charneira (JOSSO, 2004), em que, voltando-se para o processo de doença e cuidado, Seda abriu-se para a simplicidade da existência e o amor à família. No sentir da vivência, ela complementa e, mais uma vez destaca nas entrelinhas a importância do outro no processo de formação existencial do homem: Nossas vidas estão entrelaçadas quer no âmbito pessoal ou profissional. São histórias de vida que, apesar de serem diferentes, interferem diretamente na história de vida do outro, tal qual o barbante entrelaçado à garrafa (SEDA, 2008). No poder sentir o outro e adentrar seu mundo é que encontramos a riqueza da utilização da observação participante como instrumento de pesquisa. Com ela, podemos conhecer profundamente a dinâmica que circunda a vida dos sujeitos, entendendo-os de forma humana, integral e sagrada. Nesse percorrer em busca da compreensão e da reestruturação de si mesmo, os tempos também são reinventados: passado, presente e futuro não seguem rigidamente a ordem cronológica. Eles entrecruzam-se: o que é passado torna-se presente, e as projeções feitas no presente preconizam um futuro, vivido nos sonhos do hoje. Dessa forma, passado, presente e futuro passam a ser experienciados num mesmo tempo, por meio das lembranças, das ações e do sonho. Eu sou alegre, convencida, segura. Comprometida com o outro e com a natureza. Sou a continuação do que fui quando era criança, ativa. Orgulhosa do meu jeito de ser, sempre pronta para ajudar e aprender. Estou sempre buscando saber e reconhecer a minha missão aqui (ALGODÃO, 2008). Como mostra Algodão, viajamos para tempos passados, visando justificar nosso ser do hoje, que, da mesma maneira, se organiza para o ser de amanhã. Essa é a dinâmica da vida! Estamos sempre conhecendo pessoas, revendo lugares, reinventando a vida, um processo que nos torna, a cada dia, aprendentes. Nele, o sujeito reflete sobre sua atuação nesses tempos, o que gera curiosidade, problematizações, ressignificação de papéis. Ou seja, o indivíduo é convidado a exercer transformações, valorizando e reorientando sua existência. Isso também ocorre quando ele se sensibiliza com sua corporeidade. Afinal, é também por meio dela que o sujeito se torna história. Além de mobilizar as estruturas mentais e emocionais o destaque no trabalho com as histórias de vida são os desejos de mudança que ele suscita no sujeito que reflete e conta a sua vida. Como revela Chita (2008) em sua narrativa: Eu sou Tecido Chita, mas não gosto que me chamem de Tecido. Sou uma pessoa sensível, porém autoritária. Gostaria de mudar essa postura de autoritária, pois percebo que, além de fazer mal àqueles que convivem comigo, eu também sofro por não conseguir moldar-me da forma que acredito ser certo. Percebo também que sou muito opiniosa e, quando estou com a razão, tento até as últimas provar o contrário. Enfim, sou um ser humano normal, com seus defeitos e virtudes, buscando, através de um contato diário com Deus, refazer aquilo que tenho que não agrada a Deus nem tampouco ao meu próximo. As narrativas de vida é uma oportunidade para o avaliar-se, em que o sujeito se dispõe a rever sua trajetória e, com base no vivenciado, nas respostas que obtém do mundo externo, reconstrói-se, transformando sua realidade e o contexto dos que junto a ele se propõem caminhar. A avaliação do que há para fazer consigo mesmo, com os outros, com as coisas e com o seu meio natural deve permitir comparar um antes e um depois, para fazer emergir os indícios de um resultado da ação ou da atividade. À escala de uma vida, a avaliação mobiliza todas as projeções e simbolizações de que somos portadores (JOSSO, 2004, p. 204). Tendo ouvido todas as pessoas apresentarem suas histórias de vida, falei sobre a importância de construirmos espaços onde se pudesse ouvir e conhecer o outro. Refletimos sobre as repercussões desse ouvir sensivelmente em nossa vida cotidiana e no desenvolvimento de nossas relações. Descobrimos a delícia de contar, sob nosso ponto de vista, o percurso que nos constituiu e vivenciamos a oportunidade de olhar para nosso percurso e reconhecer sua beleza. Nesse momento da vivencialidade, percebemos quantos pontos em comum nos unem e como, muitas vezes, são pequenas as diferenças que nos distanciam uns dos outros. Como se pode perceber, no trabalho com a formação humana as histórias de vida, como processo formativo, tornam importante ferramenta para a descoberta e o reencantamento do ser, pois perpassam os limites entre o racional e o imaginário, permitindo que o sujeito, seja ele educador ou educando, mestre ou aprendiz, envolva-se com sua produção com toda a sua inteireza. Trata-se de um processo formativo que envolve não somente o aspecto cognitivo, o consciente, o pensamento, mas também a representação simbólica, a imaginação, a criatividade. É, na verdade, um caminho que permite a exploração do homem em sua integralidade. Considero, por fim, que o uso das histórias de vida na formação reflete a sensibilidade daqueles que direcionam essa prática, pois, com ela, toca-se a alma, pára-se para se ouvir o corpo do outro, uma atitude que revela o respeito à sacralidade do educador. 10ª Tessitura: Tecendo a colcha de retalhos A última tessitura do ateliê corpográfico constituiu-se na composição de uma colcha de retalhos. Nele, voltamos ao ponto de partida e, acompanhando as linhas, percorremos todo o alinhavar dessa formação humana. Era o momento de, mais uma vez, permitir que o corpo grafasse seu percurso de atuação no mundo, reconstruindo e ressignificando. O ambiente estava novamente organizado. Nesse dia, cheiro, saberes, retalhos, instrumentos, alimento compunham o ateliê existencial. Além do que era possível ver, sentimentos diversos impregnavam meu ser, um ser que, em seu interior, encontrava-se em estado de graça, de reconhecimento profundo de sua sacralidade e da do outro. recor como ali ia lemb partil danç uma marc vivid Em n retalh são s perío form trans anter cami se, p dinam cami fim d Sem de te de acord a tesoura m registra rava todas hados, o re a, o corpo. Sob o foi deixan as foram im Falar n as em outr osso caso, os, quando elecionado do em que ativas, e, p forma-se a iores (JOSS Para m nhar. É exp erceber-se icidade en nhar para s a vida. Fig longas, in o com a f e a agulha. ndo, mais as noss conhecime tecido base do sua mar agens com essas histór os moment a formação é realizad s os retalh , de mane or fim, o realidade O, 2004) im é viven erienciando – que pass tre o eu e o i torna-se u ura 30 – Imag iciamos o orma selec Enquanto uma vez, as tessitur nto de um , as docen ca individu o a de crian ias signific os. Isso faz requer a e o o apanha os que irão ira reflexiv tempo da a partir do ciando esse essa refle a a compre outro, e en m processo ens da ambiê processo d ionada, esc costuravam suas histó as, os mo novo ambi tes, coletiv al, respeit ças, laços, a inscrever dessa form xperienciaç do das exp compor a a, inicia-se costura, em agir consc s tempos q xividade au ender que tre ambos -projeto, qu ncia realizada e costura d olha das li , as educad rias. Circu mentos e ente, o olh amente, co ando o esp coração, flo -se no tem ação um p ão de quat eriências; o colcha ex a intercon que se e iente, pera ue o sujeit tobiográfic é história e e o cosmo. e como def na creche a colcha. nhas, manu oras teciam lando em xperienciad ar para as p locaram as aço e a cr res e por fr po. Denota rocesso de ro tempos: da escolha istencial; o ectividade xperiencia nte a avali o aprende a vivencial que como É nesse tip ende Josso Seleção do seio de ins os retalho voltas dela os, os ap essoas, a v bordas. D iação do o ases. repensar e reinvenção o de identi dos retalh tempo de entre as e a reflexão ação das e sobre si e s – parando tal ele de o de experi (2004), só s retalhos, trumentos, s da vida e s, eu lhes rendizados ivência da epois, cada utro. Essas xperiências do tempo. ficação dos os, em que alinhavar, xperiências na ação e xperiências obre o seu para ouvir- svela-se na ência que o termina no Terminado o momento da tessitura da colcha, que se deu em um ambiente de harmonia, profunda implicabilidade e integração, iniciamos o momento da avaliação. Esta não se restringia a esse momento, mas envolvia o desenvolvimento de todo o ateliê. A intenção era desvendar as repercussões que as vivencialidades até aqui experienciadas tinham deixado na vida e na prática profissional dessas educadoras. Nesse momento, relatos emocionantes tomaram conta do cenário da pesquisa. Via os retalhos tornarem-se tecidos iluminados...e a corpografia revelar essas implicações, as marcas deixadas, passaram a ser contadas. Entre as repercussões, o destaque para o encontro com a vida. Esse foi um dos pontos evidenciados por todas as educadoras, que naquele momento, falaram sobre uma necessidade de olhar para si, de não pensar apenas nas crianças, mas também em se preparar-se para recebê-las, afinal as ações do professor, segundo elas, determinam as relações e a forma de como nossos alunos se inserem no ambiente escolar. Tal realidade podemos observar nos relatos abaixo. Você me permitiu eu me ver, mas eu também sou responsável pelo outro. Então, esse outro eu tenho que cuidar porque eu já estou me cuidando. O cuidar desse outro é importante. Quero lhe agradecer! (MUSSE, 2008). O seu trabalho é maravilhoso e tive uma afinidade muito grande com você justamente pelo seu movimento de estar querendo sempre fazer as coisas. Mas assim esse trabalho com o corpo foi importantíssimo porque a partir daí, você passar pra gente não adianta nada eu querer ensinar pra minha criança a ouvir o corpo se o formador não tem essa formação. Eu não posso passar pra ele o que eu não tenho. E aí essas coisas que você começa a perceber como, por exemplo, se você ta calma sua sala também ta calma, se você esta estressa as crianças estão piores o seu trabalho nos possibilitou refletir muito mais sobre isso (SEDA, 2008). Uma outra implicação, foi a abertura dessas educadoras para o sentir, Percebia-se ao longo do trabalho sensações de alegria, de autorealização, porque participávamos de um espaço em que nós éramos as autoras da vida. Ao tocar, ao parar para olhar, as educadoras, juntamente a mim, vivenciaram emoções que marcaram seus corpos, permitindo um olhar mais aprofundado sobre si e o outro, sobre a responsabilidade em sermos grupo, em sermos seres de sensibilidade e necessitarmos sabermos desenvolvê-la na relação com os demais sujeitos que compõe nossa existência. [...] nós precisamos nos realimentar sempre. E essa realimentação se dá nas vivências, nas trocas, nos olhares, nos toques, no convívio, no expor a emoção. Então, pudemos viver nossa corporeidade, e ela passa por tudo isso (CHITA, 2008). [...] eu gostei muito porque tivemos assim vários momentos e que nos deixou muito à vontade e aí a gente deixou fluir a emoção. Então, como Devorê tava falando, a partir do dia em que a gente saía nas árvores, uma guiando a outra e a outra de olhos vendados, como a gente se sente insegura nas coisas, porque mesmo com uma pessoa ao nosso lado nos segurando, a gente tem medo de tropeçar, de cair, e tendo alguém ao nosso lado nos segurando e nos guiando. Então aquilo ali foi muito marcante foi muito bom e foi assim um crescimento enorme. As professoras ainda revelaram a importância de trabalharmos com a ludicidade e a criatividade, fato que fizeram-nas destacar justamente as vivencialidades em que elas foram mais evidentes – no Parque das Dunas (nela dançamos, experienciamos o sentidos e desenvolvemos o Sandplay) e na que representamos a preciosidade em nossas vidas em uma folha de papel. Tais experiencialidades foram significativas, de acordo com minha interpretação, porque sendo lembradas pelas professoras, significou que marcas foram deixadas, saberes foram aprendidos e novas sementes plantadas, conforme revelam Devorê e Crepe (2008). [...] muitas reflexões você me fez fazer, bastante. E acho que o momento mais marcante com você foi aquele lá no Parque das Dunas que eu fiz até com Chita, né? Que a gente pegou areia, e aquele momento do sentir, do tocar, do, por exemplo, aquilo que você fez com a gente de descer a escada, aquilo ali foi muito interessante. Você saber que tinha uma pessoa ali pra lhe se segurar, pra lhe proteger, mas você ainda num se sentia segura. Não era Chita? A gente parecia que ia pisar num... aquilo ali foi muito interessante. [...] quando você pegou o nome e rasgou. Aquilo ali é como se tivesse arrancado um pedaço da gente. Aquele ali foi um momento muito... que até hoje foi o que marcou. Aquele momento em que até o seu jeito de chegar e você não tem mais o seu Deus. Todo mundo ficou (a professora aproxima os dois braço sob o peito com os punhos cerrado, inclinando o corpo para atrás. Expressando um movimento de defesa) É tanto que a outra menina, quando você arrancou o filho, chorou e realmente foi um momento muito forte, assim. E é sempre bom os conhecimentos só veio a somar, foi sabedoria e eu até bote aí! Aspecto evidenciado e que me trouxe alegria foi que congregando os princípios defendidos as professoras reconheceram a importância da corporeificação da palavra pelo exemplo, entendendo as implicações que isso traz para o processo educativo. São nossas ações que muitas vezes determinam o desenvolvimento e a qualidade de nossas práticas de nossas vidas. Com relação a pessoa da colega, o que eu tenho a dizer é que você, assim... nos fez despertar. Eu tiro por mim, porque quando eu vivia assim muito serelepe, “vamos fazer isso, vamos fazer...” se movimentando pra organizar, a ornamentação da creche, eu muitas vezes disse meu Deus eu já fui daquele jeito. Ela ta dando uma injeção de animo para mim. Porque você assim, não só pelo compromisso que você tava tendo em desenvolver a sua pesquisa, mas a gente percebe realmente é uma pessoa que se empenha por amor (CETIM, 2008) Inclusive eu já falei sobre Priscilla numa determinada reunião, o que eu pensava no início, que ela era arrogante, metida, e depois foi tudo ao contrário, muita gente sabe disso. Mas eu quero lhe dizer que o seu trabalho me engrandeceu bastante, não só como profissional, mas como pessoa. E gostei bastante, lhe admiro bastante pela forma de você ser, pela forma de você transmitir seus pensamentos para a gente. Eu sinceramente, sabe Priscilla, às vezes me falta até palavra para expressar, sabe? (DEVORÊ, 2008) A partir desse entendimento, agora elas se dispõe e percebem a necessidade de expandir o que elas viveram em outros espaços de aprendizagem. Desejam mais mudanças e sabem que são capazes, porque aprenderam a serem mestres, não apenas porque ensinam conteúdos, mas porque aprendem com suas próprias experiências. Nós temos que levantar essa bandeira e ter essa responsabilidade, porque não ficamos até 5 meia 6 horas por acaso. Ficamos com vontade e com prazer. Porque esse prazer de ficar em convivência precisa ser transmitido para quem não está aqui, porque estes que não estão, às ovelhas que ficam soltas a gente tem que trazer para o rebanho e esse rebanho só pode caminhar junto se tivermos mais ou menos no mesmo passo. Para mim foi ótimo (TRICOLINE, 2008). Que elas não fiquem apenas no pano, onde a gente recortou, botou mensagem, mas que ela seja levada para todos os lugares. Se tiver na sua família que você plante, se é na sua escola que você também plantes isso. E até na relação com seus colegas, você plante isso. E mais que isso, que tudo isso que você plante, você se coloque no lugar do outro. Nesse momento, pare de se olhar e olhe o outro, como o outro ta se sentindo. Como é que você deixou uma amiga sua daquela forma. Porque você deixou? Que capacidade você teve de deixar. Essas coisas que eu digo... é reflexão. É mudança. Vamos priorizar o que é bom? Solidariedade, humildade, companheirismo, ser parceira, ter uma relação (SURÀ, 2008). expe conte cient emer torna proce Percebe rienciar a s mplando, e íficos, disc gir o que ne Por fim do colcha d Com em sso, e nele mos que ua complex isso perm iplinares co m acreditá Qua Term mov gent , registro e retalhos. Tece inúm espe resu depo diári pouc oção e um vi a corpor as profess idade, a in itiu que viv m os saber vamos que ndo é que a inou até sen imento da ag e deixa e que as palavra r a colcha d eras possibil cificidades, a ltados e é de is de unidos a. De retalho o da história a profunda eidade, a fo Figura 31 – oras puder teireza do êssemos a es da vida, fossemos c gente ia imag do uma terap ulha e da lin de vez em qu s de Seda, e retalhos: u idades de cres os ritmos de primordial im são como o em retalho de vida de ca alegria pr rmação hum Construção d am por m ser, sentin transdiscip com os pr apazes, com inar que ia f ia. A gente t ha, como se ando resgatar que resum nir pedacinho cimento e ap cada uma d portância pa s de tijolos q surge a colch da um (SEDA esenciei um ana ser en a colcha de re eio da re do, ouvind linaridade. incípios da o nos diz C azer isso? (a ava ali const estivesse a c é bom. e o signi , as história rendizagem. O e nossas cria ra a formação ue vamos co a, uma criaç , 2008). dos mom cantada. talho flexividade o, tocando, Congregam corporeida repe (2008 r de riso) E ruindo (com osturar). São ficado de t s de vida, o respeito às nças, isso no do educador locando em ão, coletivas entos mais vivencial, refletindo, os saberes de fazendo ): não foi bom. as mão faz o coisas que a ermos nos que nos trás diferenças, às s trás ótimos . Os retalhos nossa prática que tem um bonitos do Últim prop João Alba mesa fluxo confo Estar quan ao se sorri recon cenár profe surpr relaç autop o Fuxico Ao pen orcionou, n realizada n Na man troz – a equ s eram de , sendo viv Retorne rme o con ia eu recom do entrei na Ao che ntimento d am, partilh heciam-me ios constru ssoras pres Vivíam eendente é ão de conf oiese, da tr E, eu, f ... sar que já a fase final o dia 01 de hã em que ipe inteira coradas, m enciado na i para cas vite, fui pa eçando um creche... r gar me dep e dever cu avam da e eu extas ídos com entes, todas Figura 32 – os a festa que seus p iança e re ansformaçã inalmente p tinha viv dessa prod julho de 20 passei pelo estava reun ateriais pro preparação a, me entr ra a festa. processo etornei ao p aro com a mprido. A alegria d iada olhava as produçõ uniformiz Festa de São ! E nela q articipante speito, exp o. ude ver a c ido todas ução da di 09. ambiente ida. No esp duzidos. O da festa. egando ao Nesse dia, que eu pen rimeiro “fu maravilha, corporeida e celebrar para cada es dos alu adas com le João, após a uadrilha i s eram os p ressavam a orporeidad as emoçõe ssertação, f no qual a m aço em qu uvia-se mú fechamento um filme sava ter ter xico”. sinto uma de ali estav . Meus e detalhe. Me nos, bande nços florid vivência do a mprovisada róprios pro alegria d e ser revela s que o at ui convida esma seria e elas comp sica, cont da disser inteiro pass minado? V enorme ale a em eferv x-alunos sas coberta irinhas, pip os como pe teliê corpogr também fessores qu e ser um s da!  eliê corpo da para a fe desenvolvi artilhavam ava-se histó tação e às ou em min ivia a mesm gria, que se escência! me abraça s com tecid oca, dança dia a tradiç áfico pode ser d e, em parc er humano gráfico me sta de São da – Clube conversas, ria. Era o seis horas ha cabeça. a cena de misturava As pessoas vam, pais o de chita, . Todas as ão. ançada, o eria, numa , o ser da 5 A C ORPOREIDADE REVELADA M en C E foi-se Foi-se a hi ãe e filhos Do me grossou, o Viro ontou em s o tecido c stória const , ponto a po smo jeito q fiapinho de u fato no jo eu livro de Como Ana obrindo, de ruindo, mã d nto, fazem em c ue o rio seu voz por be rnal, saiu n história e a ponto de e Maria Mac cor em cor enfeitado. os em risco o bordado. um mundo ontraponto. fio d’água m longe se espalhou. a televisão. qui está em sua mão. xclamação hado, 1998 5.1 UNINDO OS FIOS AOS RETALHOS: A CORPOGRAFIA DA FORMAÇÃO HUMANA Festa! Foi nesse cenário que pude ver a corporalização dos saberes desenvolvidos durante o percurso da pesquisa. Nesse momento de expressividade cultural, um espaço, extra- escolar, ambientizado com criatividade e ludicidade, demonstrava a implicabilidade de um grupo –, professoras com roupas personalizadas, respeitando a tradição –, parceria, sentimento de equipe, integralidade, corpos de vida, a vivencialidade do saber. Visualizar na festa as repercussões da pesquisa, a emergência de uma formação da implicabilidade, da solidariedade, da alegria e da vida me orgulhava. Isso porque, assim como revela Duvignaud (2002), Freire (1992, 1996) havíamos nos tornado capazes de reconhecê-la como um momento de celebração da vida, de potencialização de si mesmo, de legitimação do outro, uma prática da libertação. Para Padilha (2007, p. 137) a festa também um momento de vivenciar e reconhecer a multiculturalidade. Com ela conhecemos melhor nosso contexto, as pessoas e nós mesmos, temos a oportunidade de ressignificar a nossa identidade e de apreciar as diferentes formas de ser no mundo. Ao organizarmos e prepararmos uma festa, rompemos com a lógica do dia-a-dia, do comum. Enfeitamo-nos, vestimo-nos diferentemente e resgatamos outras formas de linguagem – corporal, musical, visual, escrita, falada, cênica, que nos fazem repensar os nossos próprios valores, a forma como participamos e como nos relacionamos com as outras pessoas. Participar de uma festa é uma experiência que pode contribuir para resgatar as nossas tradições, aprender novos costumes, refletir sobre os nossos saberes e sobre o de outras pessoas, comparar nossos ritmos e a nossa gastronomia com os de outras culturas. A festa é a vivência da celebração, que se efetiva por meio da integração social. Nela, interagimos com o outro e com o mundo, experienciando o processo de reconhecimento do sagrado. Este não se vincula ao sentido de mitificação, de busca da perfeição, mas envolve o desenvolvimento do respeito profundo pela especificidade do outro, estando relacionada ao reconhecimento dos aspectos que fazem do homem um ser belo, incompleto e complexo (ESPIRITO SANTO, 2008). Na vivência da festa, congregam-se diferentes culturas, sentimentos, formas de ser, de pensar e de agir no mundo. Na festa, os sujeitos estão profundamente implicados em sua realização: nela, eles se encontram inteiros, com suas estruturas organizadas para fazer acontecer o processo. Nessa celebração, os sujeitos participam com alegria e prazer, porque, sendo movidos pelo desejo, tornam-se capazes de demonstrar sua potencialidade, sua inteireza. Essa implicabilidade é a vivência do fluxo, que, segundo Csikszentmihalyi (1999), concebe-se pela entrega total do indivíduo à experiência. Ao viver o fluxo, o sujeito mobiliza sua inteligência, suas emoções, movimenta-se de maneira a contornar obstáculos e adequar-se às situações, evidenciando o ser poiético que é. Nisso tudo encontro o sentido de nós, que fazemos a educação, nos aprofundarmos nesse tipo de prática nas instituições de ensino. A festa é um momento de descontração e recreação vivido no lazer, que no processo de formação do sujeito, revela a beleza humana, evidencia a diversidade das relações, possibilita o conhecimento de culturas e de formas de organização, estimulando também o desenvolvimento das múltiplas inteligências, já que é estimulado a criar, planejar, executar ações, pensando e sentindo em cada momento que participa. A festa é, portanto, um espaço de aprendizagem, em que, vivenciando diferentes tempos – preparação, realização e repercussão –, o sujeito é levado a evidenciar o processo educativo pela via da vida. Com a festa, nos aproximamos um dos outros, estreitamos os laços de amizade, exercitamos atitudes de solidariedade, ampliando nossa dimensão de seres sociais. A dimensão social, conforme Vygotsky (2001), é fundamental para o desenvolvimento humano. A partir dela, estruturamos o pensamento, desenvolvemos a linguagem, ampliamos nosso repertório de experiências e nos constituímos como sujeitos, já que é na presença do outro que nos construímos. No trabalho com as crianças, a ênfase nessa dimensão sempre é muito cobrada, no entanto seu desenvolvimento se restringe, de maneira preponderante, aos espaços intra- escolares. Assim, acredita-se ser suficiente desenvolvê-la nos momentos destinados às brincadeiras no parque e na sala de aula, no horário do lanche ou na execução de atividades em grupo. Para mim, não,! Como pude apreender pela descrição da última festa realizada na escola, a vivência social precisa ser ampla. Educar para a convivência, para a aceitação do outro, é um processo que deve ser desenvolvido em vários lugares, em diversos tempos, com diferentes pessoas. Um processo que também precisa ser vivido na praia, no campo, na festa, e no qual se aprecie a diversidade. Festa, sim! Porque, para enfrentarmos as incertezas, precisamos construir pensamentos que religuem os conhecimentos do mundo, estar abertos às novidades, disponíveis para as relações, desejar criar e viver a vida com plenitude, com inteireza. E isso a prática da festa nos proporciona. Reconhecendo essas implicações da vivência da festa no desenvolvimento humano, precisamos, assim como recomenda Freire (1992), encarar o desafio do novo, viver a esperança, nos desafiar e buscar a transformação com alegria. Precisamos, portanto, romper com as práticas que valorizam apenas as festas do Dia do Índio, Dia das Mães, Dia dos Pais, mas fazer da escola um lugar de festa, onde se veja e sinta a boniteza do aprender. Percebe-se, nos sorrisos, na integração da equipe, nas demonstrações de carinho, que a festa configura-se como um momento de expressão da cultura da história, das emoções, do corpo no qual as características biopsicossociais do ser são corporalizadas. Para Assmann (1995, p. 113), “toda educação, para que corresponda às características biofísicas do ser humano, tem que ser visceralmente Educação Corporalizada”. Daí a necessidade de nos comprometermos com a prática das festas na escola. Elas se constituem em mais uma possibilidade de tornamos a construção do saber significativo e prazeroso. Assim, para uma vivência da alegria e da plenitude, festa na escola! Estou feliz por, no processo de finalização da pesquisa, retornar a esse território em meio a uma festividade de início de um processo em que revisito os retalhos apresentados demonstrando a implicabilidade entre eles e as contribuições reveladas pela tessitura entre a corporeidade, as histórias de vida e a formação humana do educador para o campo da Educação. Ao remontar a minha memória corporal, deparo com uma formação fragmentadora, limitante, racional e pouco significativa. Essa educação, embora hoje conte com um arcabouço de novidades – científicas, metodológicas, didáticas e tecnológicas, continua sendo desenvolvida como em décadas anteriores, quando não se tinha a liberdade de expressão, não se pensava nas implicações de uma formação profissional e especializada e o conhecimento era considerado como privilegio de poucos. Esse fato ainda tem gerado inúmeros conflitos, pois, no mundo da informação, as pessoas perderam a compreensão até de si mesmas. (MORIN, 2006). Na Educação Infantil, cenário em que a problemática da pesquisa se desvela, as repercussões dessa realidade trazem como consequência para a atuação do docente a reprodutividade das ações que auxiliam e determinam seu modo de ser perante a dinâmica da escola. Essa reprodução implica, na maioria das vezes, olhar para a criança apenas como um ser inocente e frágil, perceber o conhecimento como um saber isolado e negar a presença da sensibilidade nos processos de ensinar e aprender (CRAIDY; KAECHER, 2001). Tal realidade estava sendo vivida na Unidade Educacional Infantil. Nesse espaço, todas as ações voltam-se para o atendimento da criança. No entanto, esse atendimento nem sempre se relacionava à questão da formação, restringindo-se aos cuidados e ao desenvolvimento de atividades pedagógicas. Segundo Oliveira (2007), essa fragilidade decorre da pobreza da formação docente que historicamente foi construída pela ação de professoras leigas. Dessa forma, ao lançar a proposta da pesquisa, busquei contribuir para a transformação dessa realidade construindo, junto às educadoras infantis, uma compreensão de Educação Infantil que superasse a ideia de um espaço em que as crianças de uma determinada faixa etária vivenciam o processo de socialização e de apreensão da linguagem oral e escrita. Assim, considero a Educação Infantil como o nível mais complexo da educação, pois é nele que, juntamente com o acompanhamento realizado pela família, a criança inicia o processo de significação da vida. A Educação Infantil é o momento da vivência de ser criança! É o nível de ensino no qual temos oportunidade de conhecer esse ser – o ser da ingenuidade e da sabedoria. Da ingenuidade, porque, sendo imaturo ainda não possui uma estrutura que permita seu desenvolvimento pleno no mundo; e da sabedoria, porque se abre para conhecer esse mundo e as relações que o movimentam colocando-se diante dele como um aprendente que tateia, vê, ouve, cheira, sente, ou seja, que vive o processo de conhecimento em profundidade. Nesse sentido, a educação que orienta a formação desses sujeitos não pode ser uma prática distante da vida. Não deve centrar-se em disciplinas estanques, nem no uso exacerbado da atividade cognitiva. A Educação Infantil deve ser compreendida como o período da florescência, momento em que, ao serem apresentados às crianças os instrumentos para elas caminharem na vida, elas os experienciam, aprendem a utilizá-los e a articulá-los, e se tornam capazes de desenvolver novas ações no mundo e de demonstrar sua inteireza como humanos. Defendo, portanto, a necessidade de desenvolvermos, na Educação Infantil, uma educação transdisciplinar, que congregue os saberes inerentes à criança – brincar, imaginar, sentir, curiosear; os saberes da experiência – tocar, ouvir, partilhar, respeitar; os da cultura e da tradição – repertório musical, lingüístico, etnia, artes, aos saberes disciplinares – português, matemática, ciências naturais –, tão exigidos pela escola e necessários para o desenvolvimento da criança. Esclareço que construir a transdisciplinaridade não se limita, por exemplo, a fazer a organização de conteúdos de forma que eles se comuniquem, mas envolve o viver, um estar entre o conhecimento e o sentimento, o corpo e o espírito, o conteúdo e a arte, o possível e o inatingível, de forma coerente, criativa, prazerosa e significativa. Visualizar essa possibilidade de trabalho justifica a impossibilidade de mantermo-nos estacionados nos livros de faz-de-conta, fingindo acreditar que fazemos a diferença. É necessário reformarmos o pensamento e corporalizá-lo, vivendo a alegria de descobrir e transformar a vida como o mais complexo e belo dos conteúdos a ser ensinado e aprendido. Se desejamos formar para a vida, precisamos desenvolver ações transdisciplinares, assim como fazemos na vivência da festa. Precisamos apropriar- nos do que é tangível e transformá-lo em sonho, pois isso amplia a existência. Necessitamos aproximar as reflexões às ações, pois isso permite que adentremos de forma flexível no conhecimento. Devemos, por fim, expandir nossas possibilidades criativas, tecer as relações com afeto e entender que não somos seres construtores de certezas, mas de incertezas, com as quais interagimos e construímos nosso viver. Para a educação-formação: transdisciplinaridade. Evidencio nesta perspectiva a importância da construção do pensamento ecossistêmico na efetivação dessa educação. Um pensamento que integra emoção, história, corpo e espiritualidade, “[...] que permite a tessitura comum entre sujeito e objeto, ordem e desordem, estabilidade e movimento, professor e aluno e todos os tecidos que regem os acontecimentos” (MORAES, 2004, p. 21) e permite a vivência cotidiana da reflexão, um pensamento que, como disse uma das participantes, no encontro em que tecemos a colcha, é capaz de transformar. Nas tessituras apresentadas, o processo de construção, ainda inicial, desse pensamento, já que entendo ser ele processual, qualitativo e temporal, permitiu a articulação entre as diferentes temáticas trabalhadas, o olhar para a educação como processo complexo, a abertura para as possibilidades vivenciais do conhecer, o reconhecimento das possibilidades intelectivas, estimulando a mudança do antigo pensar para a resolução de problemas de forma mais equilibrada. No entanto, ao relatarem suas emoções, ao articulá-las às histórias de vida, ao revelarem seus anseios e angústias, as educadoras deixavam explícito que apenas o pensamento não é capaz de transformar a ação, pois nem ele mesmo efetiva-se de forma isolada. O pensar, por mais racional que seja, está sempre relacionado a uma emoção. Na verdade, o que vivemos diante das diversas situações é o monopólio de um frente à atividade da outra, o que jamais significa a inexistência ou incompatibilidade entre ambos. Falo da necessidade de evidenciarmos as emoções nos processos de conhecimento, porque com elas encontramos o significado da vida. Para nós, seres humanos, as marcas são deixadas e reveladas como processos formativos. Foram elas que, emocionalmente, nos tocaram, que nos levaram a sentir e a ser como nos apresentamos. Para percebermos isso, basta que reflitamos por alguns instantes sobre o que foi marcante em nossa caminhada. Veremos então o abraço que recebemos num momento difícil, uma palavra dita com carinho, uma troca de olhar, o respeito expresso no silêncio e as pessoas que souberam acolher-nos, cativar-nos ou as que, não respeitando nossos desejos, nossos sonhos, nos fizeram chorar,ou até perder a esperança. Para que possamos corporalizar o sonho, já desejado por Freire (1992), de uma educação da equidade, a vivência da emoção e dos sentimentos é necessária. Precisamos do toque, precisamos sentir-nos acolhidos, emocionar-nos diante das flores de papel e das lágrimas de quem, simbolicamente, perde um filho. Dessa forma, construir uma educação transdisciplinar e uma formação humana não significa apenas saber pensar, mas também saber sentir e saber ser. Nessa dialogicidade do sentir-pensar, reconheço a circularidade da vida, que, concebida e construída por um corpo, é evidenciada nas expressões, nas interações, no movimento e nas ações que este realiza. O corpo é a escrita viva, a dimensão fundante do homem, o eu com o qual o sentido da vida é criado e recriado, e não um objeto composto de partes que, mecanicamente, se movimentam, operando o fazer, como ainda hoje é compreendido, principalmente por áreas do conhecimento em que sua atuação não é percebida como aspecto fundamental para a estruturação da ação. O corpo não é máquina! O corpo não é ferramenta, nem instrumento de consumo! O corpo é um sistema energético, constituído pelas histórias, pelo movimento, pela cultura, o qual, por ser determinante para a vida, é também determinante nos processos de educação, não podendo ser subjugado em nenhum dos níveis que esse processo compreende. Coextensivo à existência, o corpo é construído e também construtor. É com ele que ajudamos a formar e por ele somos formados. Nessa recursividade, encontramos mais um motivo para priorizar o corpo no processo de formação humana: dele dependemos para sermos! Até aqui perpassamos a circularidade entre os retalhos do pensamento ecossistêmico, da educação transdisciplinar, do corpo-eu, que constituem a formação humana. A pesquisa demonstra que essa formação é necessária, é indispensável para o homem liberta-se da ignorância e do egoísmo e para o reconhecimento da boniteza e da profundidade do ser. O núcleo dessa tríade, que se movimenta de maneira circular, ou seja, na qual o movimento de um implica o do outro – sem necessariamente ser preciso seguir a linearidade que a figura triangular impõe – é a corporeidade. A corporeidade é a dimensão vivificante da vida. Por meio dela, tornamo-nos sujeitos existenciais. Seres da sacralidade (ESPÍRITO SANTO, 2008), da comunicação, do movimento, da complexidade, da contradição e do sentimento. Pelo sentido e pelo significado que ela apresenta, deveria estar sendo desenvolvida em todos os setores de formação, nos diferentes níveis de ensino, a partir do corpo e além desse corpo. Reconhecedoras de sua corporeidade – quando descrevem a implicabilidade do ser professor com o ser pessoa; quando explicitam a felicidade de estar junto a familiares, sendo elas mesmas, com potencialidade e fragilidades; e quando registram a necessidade de cuidar do corpo, com o qual elas atuam na profissão – as educadoras me leva a construir a certeza de que excluir a corporeidade dos processos formativos – continuado, permanente, de capacitação, especialização – significa tornar-se réu das próprias falhas, traumas e depressões geradas pela ausência de sua vivência no processo de vida por nós percorrido. Ou seja, negá- la ou podá-la significa enraizar-se e comprometer-se com as antigas concepções, os antigos paradigmas, que não respondem mais às necessidades do homem atual (LE BRETON, 2003) Aliado a isso, passamos a refletir sobre o lugar desse corpo na formação humana e nos sensibilizamos para a corporeidade, que nos faz seres existenciais, seres da sacralidade (ESPIRITO SANTO, 2008) compreendendo que, nos processos formativos em que são ativadas as potencialidades do homem por meio de sua própria trajetória, ela assume lugar de destaque no que diz respeito à sobrevivência desse sujeito no mundo. A corporeidade sendo trabalhada numa dimensão biopsicossocial revela os aspectos humanizadores constituintes do homem, colaborando para a identificação, a construção e o desenvolvimento desse ser, ou seja, do nosso ser. Ao sentir as árvores, ao abraçar o outro, optamos por fazer o percurso docente com a caixa de brinquedos (ALVES, 2005), procurando não nos deter nos problemas, nas dores, nem nas desavenças pertinentes ao convívio dos diferentes, mas na alegria de poder fazer, falar, experenciar e viver a própria humanidade, constituindo-nos no mesmo ser, embora agora transformado. Percebemos, com isso, que a corporeidade exerce influência no processo educativo do sujeito, pois, sendo ela um aspecto integrante da organização humana, determinante na aprendizagem, não pode ser desconsiderada nos diferentes momentos e espaços em que o homem vive, principalmente quando se trabalha com crianças, que vivem mais profundamente e de forma inexperiente a descoberta do mundo. A corporeidade implica a existência de processos corporais, estando relacionada à estrutura biológica, psicológica, social, política, intelectual e espiritual do humano. Associa- se, portanto, à materialidade e à consciência corporal, expressando-se por meio dos esquemas e linguagens, da simbologia que demarca as emoções e os sentimentos, e da sacralidade que envolve esse corpo. Constitui-se, assim, em instância básica para o discurso, o diálogo e a vivência que tem a centralidade focada no sujeito. Se pode perceber, a corporeidade envolve as dimensões instrucional, educacional e existencial da vida. Ela amplia a percepção, estimula o desenvolvimento dos sentidos, auxilia na internalização das informações, por meio dos processos reflexivos, e nos mobiliza para a experienciação do conhecimento, porque, sendo corpo, é também energia; sendo fluido energético, é sentido, que possibilita o agir, o ser corpo existencial, com compreensão e equilíbrio. Assim, por envolver ações e sensações, a corporeidade não é estanque, nem uma “fatalidade que o homem deve assumir” (LE BRETON, 2006); ela se constitui a partir de um corpo, que, por sua vez, se constrói biologicamente, socialmente e culturalmente. É, portanto, complexa, processual e dinâmica. O que se desvela nesta pesquisa é que, sendo inerente ao ser humano, a corporeidade habita o ser, fazendo-se presente nos diferentes processos que o sujeito vivencia, sendo compreendida não somente como um movimento, uma ação – como foi primeiramente mostrado pelas docentes participantes –, mas como um campo energético. Refiro-me ao campo energético porque, mesmo em momentos de ausência, as professoras confessavam estar implicadas na vivência, como foi o caso de Seda, que, não podendo presenciar todos os encontros, em virtude da doença do marido, continuava presente pelo desejo que movia sua ânsia por transformações. Ao reviver parte de suas histórias e frisar que se encontravam com a corporeidade quando brincavam com os filhos, quando permaneciam junto à família, às pessoas que amavam, quando iam à igreja, sentindo o bem-estar de poder fazer e ser, as professoras faziam emergir o sentido que eu desejava tornar evidente: a corporeidade é dimensão articuladora, transformadora e formadora da vida. Vida corpórea e espiritual que, estando organizada em uma teia de princípios – reflexividade autobiográfica, ludicidade, criatividade, sensibilidade, reflexividade vivencial –, revela a poiese da estrutura e do sistema humano, permitindo que este amplie suas capacidades de ação no mundo, expanda seu ser, de modo a tornar-se, pela interação com o conhecimento, com as pessoas e com o mundo, ser da humanescência, da luz. Esses princípios, construídos e vivenciados na Educação (BACOR-UFRN) envolvem a teoria da complexidade (MORIN, 2005), a teoria autopoiética (HUMBERTO MATURANA; VARELA, 2001), a teoria do fluxo (CSIKSZENTMIHALYI, 1999) as abordagens da transdisciplinaridade (LA TORRE; MORAES, 2008), e da autobiografia (JOSSO, 2004; PINEAU, 2003; PASSEGGI 2000;) e entrecruzam-se com a concepção de educação como prática da autonomia, da liberdade, da esperança e do encantamento (FREIRE, 1996, 1992; ASSMANN, 1995). A reflexividade autobiográfica, a ludicidade, a criatividade, a sensibilidade e a reflexividade vivencial são, portanto, princípios compreendidos na pesquisa como aspectos estruturantes, interdependentes, com os quais os sujeitos marcam sua trajetória de vida; e inovadores no campo da formação, porque entrelaçam o conhecimento, a experiência e a vida, de maneira experiencial, fazendo – em nosso caso, do professor – um educador reflexivo. Com esses princípios, o sujeito é levado a tecer a trama da vida com amplitude, competência e beleza, garantindo a esta um profundo significado. Fio verde: a reflexividade autobiográfica Na tessitura poiética da formação humana, a reflexividade autobiográfica é o primeiro princípio-fio da teia epistemológica que emerge dessa nova forma de viver a educação. Verde, por ser uma cor, que na arteterapia (URRUTIGARAY, 2003, p. 128) representa a longevidade, a meditação, “[...] é a cor da esperança e vida nova, da energia, crescimento e juventude”. Com a reflexividade autobiográfica o sujeito convida a vida para iniciar o processo prazeroso de tecer a si mesmo, ao outro e a ela. Compreendido como processo cíclico de autoprodução em que o sujeito constrói-se a partir de um revisitar a memória e um reviver as histórias de vida, esse princípio esteve evidente, ao longo de todo o percurso, mostrando seu poder transformador bem como suas implicações no desenvolvimento humano. Essas histórias são fontes imprescindíveis na formação dos saberes conceituais, procedimentais e atitudinais e medeiam a ação do homem em seu contexto, sendo a responsáveis pela legitimação da existência dele como ser histórico, ser existencial. Seu uso na educação permite a clarificação dos saberes, facilita os processos de interação entre os conhecimentos, além de aproximar os sujeitos que dela participam Ao serem encaminhadas, durante a maioria das vivências a buscarem seus registros, a contarem sobre si mesmas, ao refletirem sobre suas vidas, sobre os caminhos percorridos, e a ouvirem o que era dito pelos colegas, as educadoras que, antes pouco pensavam em si mesmas e em seu fazer, aos poucos tomaram conta de sua identidade existencial. No penúltimo encontro, ao registrarem as dificuldades de falar sobre si mesmas para o grupo, de se apresentar como sujeitos diante do olhar do outro, as professoras deixaram transparecer em seus corpos os resquícios deixados pela formação positivista por elas vivida, que não permitia a inserção do sujeito na produção do conhecimento nem, principalmente, de suas vidas no contexto da aprendizagem, fato que as levava a esquecerem da vida em suas práticas. No entanto, ao contarem suas expectativas futuras, trazendo à tona elementos íntimos de convivência, suas dúvidas e angústias, as professoras, aos poucos, foram dando conta de seu valor, da implicabilidade da vida no processo de construção do saber. As professoras criaram um novo olhar sobre si mesmas! Agora, elas se reconheciam como sujeitos ativos, de capacidades singulares, sensíveis, com vontades e desejos evidentes e possíveis de ser colocados em prática. Esse reconstruir-se a partir da própria trajetória de vida fez com que as professoras se reconhecessem como seres autopoéticos, entendendo que não eram apenas as crianças que passavam por processos de adaptação e de maturação, mas que, qualquer ser vivo, estando no mundo, necessita cotidianamente acoplar estrutura e organização, no atendimento às exigências do sistema complexo que compõe a vida. Segundo Passeggi (2000), as histórias de vida são formadoras, na medida em que encaminham o sujeito a viver de forma reflexiva as experiências que o constituíram, favorecem a (re)conceituação das práticas e permitem, de maneira subjetiva e gradual, mudanças identitárias. Durante as tessituras vividas, as educadoras abriram-se para a vida, abandonando a ideia de que passar pela existência como expectadora era suficiente. Ao descobrirem o toque, o sorriso, o afeto, descobriram mais sentidos para a vida. Ainda sobre as repercussões desse encantar-se com a própria vida observei que as professoras passaram a sentir mais prazer em estar bem consigo mesmas, preocupando-se em cumprir com os horários em manter uma boa aparência. Em suas trajetórias autoformativas, as educadoras buscaram desenvolver projetos, uniram-se para a escrita e a publicação de trabalhos científicos, participaram de processos seletivos em programas de pós-graduação, dando continuidade à recriação da prática; ou seja, entenderam que fazer a humana docência (ARROYO, 2008) significa pensar não apenas na criança, sujeito para o qual a ação docente se volta, mas, principalmente, encontrar o lugar do docente, o ser mediador dos processos de ensino e aprendizagem. Devemos, portanto, investir na formação pela vida, porque isso proporciona a conscientização para si mesmo, o que gera uma prática pedagógica coerente com as possibilidades e necessidades dos educadores e dos educandos. Com ela presente no fazer, os professores não se restringem pelo medo do erro, porque falam do que foi vivido, e isso não pode ser negado! Na realidade, na medida em que mostram o que viveram, sentem-se mais capazes, porque se compreendem nos processos do saber-conhecer, saber-fazer e saber-ser. Nesse sentido, como afirma Gauthier (1998), o professor constrói um ofício de saberes, mas agora fundamentado na vida, o que denota maior significado. Além de assegurar os saberes que demarcam a profissionalização docente, o sentido que destaco para defender a formação por meio da reflexividade autobiográfica é o que é proposto por Pineau (2006). Falamos de uma a arte da existência, em que somos encantados pela formação de nós mesmos. Essa é uma diferença fundamental do processo formativo que apresentamos, em relação aos demais processos. Falamos, sim em saberes disciplinares, da tradição pedagógicas, dos saberes curriculares e da experiência. A diferença é que eles não se escondem em discursos, mas efetivam-se por vivências em que o corpo os vive. No que se refere a suas práticas, às implicações de viver essa reflexividade demonstraram o desejo de construção de novas relações e o reconhecimento da interconectividade entre a vida do docente, o ser docente e o ser discente. As professoras revelavam que, quando paravam para refletir, percebiam seus alunos reproduzirem o que elas faziam na sala de aula - a forma como se colocavam, como tratavam os colegas, o que enfatizou para elas a necessidade de revisitarmos nossas experiências de vida, a fim de encontrarmos o equilíbrio interior, já que nesse espaço de produção somos espelhos, cuja imagem marca a vida do outro ser aprendente. Trabalhar com a história significa, portanto, valorizar a preciosidade e a beleza do humano, principalmente se esse sujeito que por ela caminha ainda se encanta com a possibilidade de desvendá-la. Viver essas histórias, como aqui defendemos, é uma forma de corporalizar de maneira partilhada a subjetividade sociohistórica que compõe a vida (PASSEGGI, 2000) e que é capaz, juntamente com a vivência do sentir-pensar, de reencantar a educação. Para mim, corpografar essa história, reviver as lembranças que me fizeram retalhos, foi um longo percurso de descobertas. Um processo emocionante e desafiante, no qual pude reviver sonhos, recuperar projetos e desvendar escolhas ainda não esclarecidas. A reflexividade autobiográfica não apenas permitiu conhecer-me um pouco mais, mas, sobretudo, proporcionou-me o refazer: tornei-me uma pessoa mais reflexiva, busquei ajuda psicológica para fazer-me caminhar com maior facilidade por entre as histórias que me fizeram o retalho que sou, e conheci, vivencialmente, o poder transformador do uso das histórias de vida no processo de formação. Na minha prática, passei a valorizar ainda mais o conhecimento do meu aluno, buscando não apenas trazer situações cotidianas para a sala de aula, mas principalmente, parte da própria vida, do que apresentava um sentido maior para o educando, para, com base nisso, conduzir o processo de aprendizagem. Um processo da vida para a vida! Nesse caminhar, como salienta Josso (2004), tivemos - participantes e pesquisadora - que olhar profundamente para nós e ousar caminhar em busca do “eu-corpo”, de sentimentos, pensamentos, espiritualidade, razão, do “eu” de tantas contradições, conflitos e de outras belezas. Fomos instigadas a refletir sobre o nosso processo formativo, na busca de construirmos novos referenciais, novas possibilidades de trabalho, em que professores e alunos não sejam apenas formados para serem cidadãos, mas homens com autonomia, libertos da ignorância e do egoísmo, homens da boniteza, da profundidade (FREIRE, 1996), retalhos que reconhecem as suas fragilidades e, por isso, abrem-se de corpo e alma para as novas possibilidades de ação. Fio amarelo – a ludicidade Com o segundo princípio-fio, a ludicidade, o sujeito é encaminhado para mover seu corpo a favor da descoberta, da interação, do prazer e da imaginação. Esse é o fio amarelo que representa a alegria, “[...] luz, vida, ação, poder” (URRUTIGARAY, 2003, p. 126) e que está vinculada a liberação de carga de responsabilidade excessiva Em nosso contexto a ludicidade, antes restrita a compreensão de atividades recreativas, passou a ser percebida como uma dimensão inerente ao humano, cujo desenvolvimento permite o encantamento, o desenvolvimento da simbologia e a capacidade de criar e jogar com a realidade. A ludicidade é o principio que resgata a dimensão simbólica, que abre as portas da fantasia, do campo virtual, e concede ao homem o direito ao brincar. Para Maturana e Verden- Zoller (2004), a ludicidade está implicada a capacidade de amar e faz parte da complexa biologia que constitui o ser humano. Ela nos auxilia a entender a dinâmica sistêmica da vida como também opera junto a nosso pensamento permitindo a compreensão da conservação da vida. A ludicidade é dimensão humana! Faz parte da essência do homem e, como tal, precisa ser melhor explorada por ele em seu processo de desenvolvimento. Na realidade, ela precisa ser aprofundada, porque, embora seja conhecida e até trabalhada na escola, ainda restringimos sua vivência ao trabalho com crianças, como se o adulto também não necessitasse dela para sobreviver. O homem, como ser da simbologia, precisa crescer e desenvolver-se na ludicidade, para que tenha condições de tornar-se um sujeito criativo, capaz de direcionar-se frente aos desafios que o colocam em desequilíbrio. A ludicidade possibilita ao humano o sonhar, e esse é um aspecto indispensável para os que desejam viver a esperança. Para Freire (1986), o sonho permite a invenção, a representação no real, a partir do que foi simbolicamente planejado. Ele legitima a ação do homem, porque, fazendo-o sonhar, também faz com que ele busque sua realização: ou seja, o sonho é o caminho para a ação transformada, o caminho para a formação que desejo poder ajudar a construir. A ludicidade também é a dimensão da alegria! Com ela, produzimos momentos de entrega, e plenitude, de expansão das potencialidades. Por meio dela, reconhecemos a beleza da vida, tornamo-nos aprendentes ativos, porque, ao investigar o mundo, ao olhar para ele com olhos de inventor, ganhamos a liberdade de produzir diferentes sentidos para uma mesma realidade. Fazemos de conta que somos filhos, fazemos de conta que somos mestres, fazemos de conta que somos flores e, colocando-nos no lugar do outro, passamos a estabelecer laços de afetividade e companheirismo A ludicidade como revelada precisa estar presente nos processos de formação porque ela nos preenche com esperança, nos torna seres mais flexíveis e nos ensina a jogar, conforme descreve Caillois (1990), com as idéias de limites, liberdade e invenção, e, como revela Shiller (1995), com a apreciação da estética e da beleza. Aqui, mais uma vez, me remeto ao fluxo ou experiência máxima, pois a implicabilidade do sujeito nessas ações é que determinará as potencialidades nele geradas ao vivenciar o lúdico. Enfatizo, portanto, a importância da elaboração de espaços, de metodologias e de uma nova linguagem na corporalização dessa formação, pois esses são aspectos mobilizadores e ativadores das capacidades humanas. No espaço educacional, o trabalho com a ludicidade torna-se ainda mais enriquecedor, porque a fantasia passa a ser construída na coletividade, fato que expande as suas repercussões. Nesse sentido, desenvolvê-la na escola é essencial para a criação e manutenção das interações pessoais, para a significação dos saberes e para a vivência poética do processo de formação. Afinal com ela, somos convidados a experienciar as texturas, as cores, os diferentes sons, os espaços e até as relações de modo comprometido e principalmente encantador. Nas tessituras em que se desenvolveu a técnica do sandplay e se utilizou a modelagem, a contação de história e a exploração do próprio ambiente em que eram desenvolvidas as vivencialidades, as professoras demonstraram interagirem com maior facilidade, expressaram alegria registrando a relação do que viviam e sentiam com o que as crianças poderiam sentir. Conforme as palavras de Seda, ao viver a ludicidade, a partir da ação do desenhar foram aflorados os sentimentos que nela estavam trancados e o mesmo acontecia com a criança, que, não sabendo, mostrava-se pelo desenho. Interpretando essa fala, entendi que a ludicidade passou a ser compreendida como um princípio libertador do indivíduo, com a qual ele se expressa e constrói significados. Aspecto evidente foi que, durante todo o processo, as educadoras permitiram-se reconhecer como sujeitos aprendentes, abrindo-se em seu tempo para o outro. Aos poucos se colocaram como docentes brincantes, demonstrando a ludicidade de seus corpos. Aspecto para mim comprobatório da continuidade das implicações das vivencialidades na prática do docente foi que o sandplay, embora sendo uma técnica inovadora e pouco utilizada, estava sendo adaptada para o trabalho com as crianças. Isso que me levou a acreditar que a utilização de um novo recurso repercute no agir de um “novo” professor (SCHON, 1992), e que com novas metodologias de ação constroem-se processos significativos de reflexão-ação, e de transformação. Na vida das docentes essa ludicidade passou a ser melhor explorada, embora ainda timidamente, pois, apesar de ela ser inerente ao humano, desenvolvê-la frente a uma sociedade preconceituosa não é fácil; é preciso desprendimento e bastante ousadia. Mesmo assim, elas tornaram-se mais divertidas, passaram a encarar os problemas com menos dificuldades, esforçando-se para criar um ambiente de descontração e boas energias. . Com as crianças, as brincadeiras passaram a ser mais frequentes, as atividades em grupo melhor exploradas. Como numa tessitura representamos as “contações de histórias”, as docentes passaram a evidenciar momentos como esse, em que seus corpos também podiam falar, expressar-se e sentir prazer ao fazê-lo. Para mim, reportar-me à ludicidade foi resgatar a alegria de ser aprendente, foi entregar-me as surpresas sem temer. A ludicidade passou a ser vivida não apenas na escola, perpassando por toda a minha trajetória, desde o momento em que me sentava para planejar minhas atividades profissionais até os momentos em que preparava os alimentos da família, os encontros com primos, em que recebia os amigos ou quando me dispunha viver uma tarde de brincadeiras junto a minha sobrinha. Isso me fez um ser humano mais feliz! Fio azul: a criatividade O terceiro princípio-fio – a criatividade – encontra-se intimamente relacionado ao anterior, embora, como eu já tenha afirmado, falo não de princípios isolados ou hierarquicamente organizados, mas, sim, de princípios que se nutrem mutuamente e que estão profundamente implicados, não sendo possível considerá-los de maneira fragmentada. É o fio azul, por ser essa a cor que nos lembra o infinito, é a cor que pela transparência permite a transformação do real em imaginário. É ainda a cor da inteligência, que favorece a imaginação (URRUTIGARAY, 2003, p. 128). Compreendida como um bem social (LA TORRE, 2008), a criatividade participa do processo de construção social. São as pessoas inovadoras, as mentes que criam, que possibilitam os avanços sociais, medicinais, educacionais, tecnológicos. Assim, esse princípio é fundamental quando falamos sobre desenvolvimento. A criatividade é necessária à vida! Com ela, nos distanciamos do comodismo e passamos a viver no mundo das construções, das idealizações e das ações que se pautam nela diversidade. Para o atendimento às novas emergências, para a compreensão dos novos paradigmas que orientam nossas existências se não quisermos nos entregar à cegueira e à ignorância, devemos exercitar e viver com paixão esse poder de criação que nos foi concedido. A criatividade desafia o homem, leva-o a mobilizar as diferentes dimensões que o compõem, a fim de construir um sentido para o que vive. Segundo La Torre (2008, p. 27), “Uma educação orientada para melhoria social deve levar em consideração a formação de pessoas com iniciativa, capazes de desenvolver idéias valiosas ao seu redor e na profissão”. Podemos, então, inferir que, para ser um bom profissional, um bom professor, não basta apenas copiar. Já não basta transmitir; é preciso e urgente que aprendamos a criar e a recriar com base em nosso contexto e de acordo com nossas necessidades cotidianas. Na última festa essa dimensão foi fortemente explorada. Existiu uma preocupação com o cenário contextualizador da celebração. As professoras criaram um uniforme, para que pudessem ser reconhecidas como tais e até improvisaram uma quadrilha entre elas. Apesar de parecer sonho, era real: as professoras, que antes nem sentavam no chão com receio da novidade, agora haviam reencantado a pessoa criadora que nelas habitava. De acordo com as professoras, suas vidas puderam ser recriadas. Não que elas tivessem adquirido habilidades artísticas, de representação e expressão. Na realidade, elas tinham começado a desenvolver a semente deixada pelo tecido no chão, as imagens nas paredes, a diversidade de atividades. Algumas ousaram no visual, outras passaram a se produzir mais, recebendo elogios das companheiras. Mas o melhor das marcas deixadas é que elas agora percebiam-se seres de criação, sabiam que podiam modificar, recriar seu cotidiano, sua vida, sua prática docente. Apesar de as educadoras não destacarem essa evolução em seus registros, pude apreender que o trabalho com os infantes tornou-se mais criativo. Ao visitar a rotina – eu via nos murais externos as atividades que, realizadas por meio dos sentidos, demonstravam o significado do momento. Agora, as educadoras entendiam que as produções não pertenciam a uma sala, mas à grupalidade que constituía a UEI. Assim como Gardner (1995), procurei desenvolver a criatividade ao longo das tessituras envolvendo o domínio, o campo e o sujeito - ou seja, a Educação Infantil, o espaço da UEI e os docentes, respectivamente -, de maneira a desenvolver uma criação coerente e contextualizada. Nesse processo de viver a criatividade na integralidade, a invenção juntamente com a inovação foram expressões que necessitaram ser corporalizadas para a experienciação da liberdade de jogar com materiais e ideais de realidade, promovendo a resolução de problemas de ordem admistrativa e pedagógica. Acredito, sim, no potencial transformador das mentes que criam, pois elas não se destinam apenas ao desenvolvimento de uma especificidade seja da linguagem ou da comunicação, mas perpassam a vida do homem em suas atitudes mais simples, tornando-a um momento de busca de felicidade A criatividade tem caráter transformador e articula-se às idéias de originalidade e novidade. Além disso, é emocional. Como visualizamos na dinâmica das tessituras, os momentos em que as professoras demonstravam maior criatividade, preocupando-se com a harmonia das cores, com a utilização adequada de materiais, eram aqueles em que estavam comprometidas emocionalmente com o que realizavam. Para o retalho humano. Fio vermelho: a sensibilidade Falo agora do quarto princípio-fio, o que tece e revela com maior clareza a perspectiva da transdisciplinaridade – a sensibilidade. Esse é o fio que perpassa, os demais que está entre eles, que religa e tece a beleza da vida junto com eles. A sensibilidade é alimento! A força que nutre os corações que enfrentando as emergências de um novo dever- ser, buscam enfrentar e superar as barreiras da escuridão, do egoísmo e do preconceito. A sensibilidade revela-se pela capacidade de emocionar-se e é compreendida como aspecto formador. Digo formador porque, por meio dela, elaboramos as relações, nos constituímos como seres de afeto. Com ela, criamos os vínculos, mediamos as interações entre humanos e as relações deste com o meio ambiente. Essa postura dialógica, para DOWBOR (2008), permite a criação do querer bem, criando o espaço em que os sujeitos se sintam à vontade para demonstrar seu interior. A sensibilidade também é formadora, porque, estando sensível à sua realidade, o sujeito não necessita mascarar suas pretensões. Na verdade, ela as utiliza para refletir e rever sua postura diante dos acontecimentos. É fundamentalmente humana, porque, com ela, o sujeito acolhe, preocupa-se em cuidar de si mesmo, do outro e do mundo. Com a sensibilidade, vive-se a ética, a solidariedade (BOFF, 1999), descortinamos o mundo com os olhos do afeto, com os ouvidos da mansidão, a boca da doçura, o nariz e as mãos da caridade. A sensibilidade é aspecto dinamizador da autopoiese, pois encaminha o sujeito a refletir sobre o que sente, como sente e que implicações apresenta, o que foi sentido para a sua trajetória. Com ela, o sujeito é encaminhado a construir-se, marcando a si mesmo e ao outro que com ele partilha as experiências. Conforme afirma Maturana e Varela (2001), ao falamos de sensibilidade falarmos da tessitura de nossa biologia para a percepção de fatos e experiências que significativamente demarcam nossa forma de ser e de viver. Essa sensibilidade é integradora. Conforme afirma Moraes e La Torre (2004), ela envolve sentimentos e emoções que, por sua vez, constituem-se na presença do pensamento. A sensibilidade está imbricada em nosso olhar para o mundo com afeto, respeito e cuidado. Além de terem se tornado mais cordiais umas com as outras, talvez porque agora tinham corporalizado o sentido do colocar-se no lugar do outro, um outro – família, vizinho, filho, esposo, amigo- que passou a ser compreendido pelas diferenças, pelas particularidades e por sua natureza. Ao internalizar isso, as relações tornaram-se mais próximas, os olhares já não eram de reprovação, e a comunicação passou a ser mais direta, resolutiva e afetiva. Ampliou-se, ainda, o sentimento de respeito à vida, que, imbuída de fé, tornou-se presente divino, oportunidade de crescimento, de evolução e aprendizado. No que diz respeito às repercussões na vida profissional, essas foram ainda mais significativas, porque foram sendo reveladas timidamente, o que para mim proporcionou muitas alegrias. A cada dia, um novo gesto. E mesmo depois de minha ausência física, elas continuaram acontecendo, o que muito me emociona. Mais uma vez, aprendi que sempre é possível se surpreender com o ser humano. Durante o percurso, vi aflorar uma preocupação com a prática pedagógica, uma preocupação que, diferentemente da existente anteriormente, não se fundamentou no discurso, mas sim na prática. Inquietações que, embora trouxessem contribuições para o desenvolvimento das crianças, agora partiam do desejo pessoal e da busca pelo aprofundamento e pelo bem-estar na profissão. Um dos maiores aprendizados acredito que foi o de ver na criança um ser de conhecimento e dinamicidade que tem o direito à livre- expressão e que precisa ter em sua formação a caixa de ferramentas e de brinquedos muito próximas ao seu corpo, concepção que possibilitou o rompimento com a concepção de ser de fragilidade e pouco conhecimento (CRAIDY e KAECHER, 2001) e com as práticas fragmentadoras. As crianças passaram a ser olhadas com maior atenção, e as repreensões tornaram-se menos evidentes. Passo a haver preocupação com a expressividade, com a corporeificação da palavra pelo exemplo, a refletir-se sobre a postura docente, reconhecendo-se que a criança precisa ser melhor acolhida, compreendida e tocada. No meu caso, viver a sensibilidade instaurou em mim o sentimento de plenitude, de aceitação do outro e de mim mesma. Pude amadurecer nas relações e aprofundar-me no estabelecimento de parcerias. Ao vivê-la e proporcionar sua vivência com as professoras me tornei um ser humano ainda mais comprometido com o outro, com o meio, e com a vida. Fio branco: a reflexividade vivencial O quinto princípio-fio a compor a teia da corporeidade, a teia da vida é a reflexividade vivencial. Trata-se de um processo que congrega a identificação, a vivência e a reflexão das experiências que permitem a nossa comunicação com o mundo. É o fio branco, porque sua vivacidade é resultado da intercomunicação e complementaridade entre todos os fios. Branco porque “[...] é a cor que contém mais luz, trazendo claridade e alegria”. A reflexividade vivencial é o fio branco, do rito, da verdade. [..]. A reflexividade vivencial é o princípio que nos autoriza viver, transformar vivências em experiência de formação em experiências de vida (JOSSO, 2004). Por meio dela, desenvolvemos uma ação que é refletida, e temos a oportunidade de enveredar na circularidade da produção significativa do saber, momento, esse já destacado por Schon (1992), ao valorizar a formação do professor por meio da relação entre reflexão-ação. Segundo Paulo Freire (1996) é esse o princípio que nos encaminha para o desenvolvimento de uma pedagogia da autonomia, a uma educação do amor, porque com ela nos legitimamos como seres de ação, de sentidos, e de significado. Em nossas vivências, pudemos evidenciar essa reflexidade e perceber a implicação desta em nosso desenvolvimento. A reflexividade vivencial é sentido! Com ela aprendemos sobre as coisas, sobre as pessoas, sobre o humano, aprendemos a como caminhar a partir do que realizamos. O sentido é atribuído pela própria ação, que é refletida. A reflevividade vivencial é lúdica, porque para viver o conhecimento aposta-se em diferentes formas de mobilizar as relações, os saberes, os espaços. Porque mediando uma aprendizagem do significado ela prevê o uso de novas metodologias, o estímulo aos sentidos. Com ela, somos capazes de fazer amor com o mundo, porque nossos olhos vêem, nossos ouvidos, ouvem, nosso nariz sente, nossas mãos tocam. A reflexividade vivencial é criativa, porque ao experienciá-la somos estimulados a criar possibilidades para enfrentar o novo, para fazer o novo. Porque com ela nos apropriamos de nossa condição de seres autopoiéticos, vivemos constantes processos de construção e desconstrução. Para cada conhecimento vivido, uma nova possibilidade de ação. Por fim, a reflexividade vivencial é sensível, porque ela permite ao ser, desenvolver- se integralmente, com beleza, poesia. Porque ela o faz encantar-se com o que realiza. Porque não inibe ao homem, já que o que ele produz, é uma extensão de si mesmo, cabendo a ele transformar ou não, o que realiza. Com nossas vivencialidades, ficou claro a importância desse princípio, para mim pesquisadora e para as professoras participantes, que ao longo de seus relatos, estavam constantemente colocando as situações em que puderam corpografar sua vida. Agora, para elas o que realizávamos não eram apenas momentos de formação pedagógica, mas momentos de formação da vida. Esse é o princípio que revela o desenrolar de toda a pesquisa. Por meio dele, construímos o sentido para: o observar, a corporeificação da palavra, o tocar, o sentar-se ao chão. Assim como afirma Freire (1992), para fazermos educação, precisamos vivê-la. Aqui, para consolidarmos uma formação humana, foi também preciso vivê-la. Fio da luz: a Humanescência. O fio da luz é o fio da beleza. O fio que perpassa as experiências e a vida e que permite o revelar-se. É o fio da religação, da coerência, da compreensão, o fio da expansão humana. A humanescência é o fenômeno de construção de um novo espírito, no qual o sujeito se apresenta em sua complexidade, cognição, emoção, historicidade, materialidade e espiritualidade, revelando de maneira expansiva e irradiante a beleza da essência humana nos distintos momentos de ser e estar no mundo. Para Cavalcanti, (2004) a humanescência é o processo de expansão da essência humana, no qual o ser humano expande a sua luminosidade, tornando-se capaz de efetivar ações de amor, partilha com o mundo. Na vivência da humanescência, momento em que o ser é capaz de religar-se espiritualmente ao mundo, ele desenvolve ações de solidariedade, justiça e amor. Abre-se para o novo com alegria e olha para o humano, com os olhos do aprendente que é. O ser humano humanescente, é o ser da simplicidade e da humildade, o ser que cresce e desenvolve-se na presença do outro, é o ser que emociona-se e é capaz de emocionar, que sente o prazer, que trabalha, e que ao efetivar suas ações demonstra a sua inteireza e beleza. Com a humanescência nos permitimos viver as emoções com profundidade, nos interligamos aos outros seres vivos pelo sentimento do amor, criamos vínculos fortes, expandimos a nossa intuição, vivemos com plenitude, nos sentimos felizes e por isso nos tornamos seres com maior capacidade para criar, construir, trabalhar, interagir. Sabemos que ainda estamos desenvolvendo o nosso espírito humanescente, mas agora, sensíveis aos princípios da corporeidade e da vida sabemos que podemos potencializá-lo e assim ampliarmos nossas ações construindo um mundo de mais alegria, de respeito, uma educação da integração, da espiritualidade, da emoção e do reconhecimento do humano É esse o fio que busco inserir em nossa educação, quando proponho a vivência de uma formação humana. É esse olhar para si e reconhecer-se como ser de sacralidade, de intuição, de amor e vida que almejo expandir no território da educação infantil, para que possamos enfim compreender a preciosidade desse ofício que em sua essência prepara o homem para a vivência solidária, justa e fraterna no mundo. Tessituras poiéticas da corporeidade na formação do educador infantil trazem para o cenário da formação uma nova forma de sentir-pensar esse processo. Lançam sobre os educadores os fios para a corporalização de uma educação transdisciplinar que valoriza a diversidade, forma o homem em sua integralidade, reconhecendo o seu poder autocriador e transformador. É uma pesquisa que busca, na beleza, a alegria de construir uma docência humananescente capaz de irradiar sabedoria, tranquilidade, harmonia, solidariedade e todos os sentimentos e ações que favorecem a expansão humana. Com essa pesquisa, que ousou percorrer pelos retalhos da vida, as poieses da corporeidade na formação humana do educador infantil, ficou evidente a importância da corpografia no processo de reconhecimento e delimitação dessa trajetória formativa, que foi resgatada, refletida e transformada, bem como nos abriu as possibilidades de ampliação da mesma, suscitando novos questionamentos frente as novas experiências vividas. Agora, reflito sobre as possibilidadades de aprofundamento e ampliação da pesquisa, entendendo que ela não termina por aqui, pois outros retalhos precisam ser incluídos nessa poiese. Penso, por exemplo, em como seria uma proposta curricular que abrangesse essa formação humana, que saberes seriam pertinente trabalhar? Quais habilidades e conhecimentos teríamos desenvolver? E os professores como seriam preparados para enfrentar a emergência de uma nova proposta curricular? Seria possível construir um programa para a formação poiética da corporeidade? E que implicações teriam elas na formação do educando? Compreendendo esse percurso como algo que pode ser além de tecido, bordado e até descosido, vejo a necessidade de aprofundarmos cada vez mais nos processos que envolvem a formação humana nos diferentes ciclos de vida e nos diversos lugares onde se vive a educação a fim de que o corpo, as emoções, a espiritualidade possam ser profundamente compreendidos e sentidos. Como nos diz Josso (2008, p. 19), “[...] cabe a nós, como pesquisadoras formadoras, chamar atenção sobre aquelas dimensões que compõem o imaginário humano”. Isso fará com que os sujeitos, reconhecendo a sua identidade corporal, tenham a possibilidade de demonstrarem maior alegria em suas práticas, envolverem-se com maior facilidade com os sujeitos implicados, ensinando e aprendendo de forma comprometida, já que suas próprias ações são dotadas de significados e representatividade. Ao refletir sobre essa condição de inacabamento percebo-me ainda profundamente comprometida com a dinâmica, o cotidiano, as relações e os processos vivenciados na Unidade Educacional Infantil, o que me leva a registrar enquanto participante, mediadora e educadora as implicações dessa pesquisa em meu processo autoformativo. Registro que para mim foi uma experiência indescritível, cujo valor não pode ser estimado. A reflexão me leva a reconhecer que suas implicações ainda não são completamente conhecidas, porque ao revisitá-las estou sempre descortinando-me e descobrindo novos aspectos na tessitura do meu ser. No entanto, orgulho-me por ver os retalhos em suas danças poiéticas, por adentrarem na formação humana sendo reconhecedores de sua corporeidade. Talvez o mais belo aprendizado tenha sido a crença no ser humano. Olhar a cada dia para mim e para as professoras me fez crer na grandiosidade que é o ser, na capacidade extraordinária que ele possui de reconstruir-se, transformar-se frente a um gesto, uma palavra, ou um toque. Percebi que aprendi com os olhares, com as palavras, com os conflitos. Senti que aprendi a ser e a conviver, aspectos ainda esquecidos nos processos formativos (DELORS, 2006). Amadureci enquanto pessoa, me tornei ainda mais apaixonada pela prática docente, fortalecendo em mim a missão de trabalhar em favor da construção de uma educação da beleza, da equidade e da vida. Em conseqüência, passei a desenvolver a minha prática com mais desejo, resgatando os valores e princípios humanos, os saberes culturais dos alunos, fazendo-os participar corporalmente das ações educacionais. Por fim, ao caminhar junto aos demais retalhos tive a oportunidade de entender a complementaridade entre a linha, a agulha e os retalhos que sendo criadores na tessitura da colcha foram também autoras da composição das experiências da vida. Agora, cabe a nós, educadores-retalhos, ampliarmos os fios, dialogarmos com as agulhas, e tecermos uma educação humana, uma educação de vida!   REFERÊNCIAS ALVES, Rubem. Educação dos sentidos e mais. Campinas SP: Verus Editora, 2005. ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à Educação. Em Aberto, Brasília, ano 14, n. 61, p. 60 – 79 jan./mar, 1994. ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis RJ: Vozes, 2008. AMMANN, Ruth. A terapia do jogo de areia. 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A pesquisa será desenvolvida de acordo com a abordagem qualitativa, seguindo os princípios da pesquisa-ação, propõe a utilização da observação participante, as vivências corpográficas, o portfólio, e a técnica do Jogo de Areia e o registro fotográfico, para a sua vivência. Assim após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, permitindo que os dados nele colhidos possam ser divulgados junto a comunidade científica assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será penalizado(a) de forma alguma. Lembramos que a sua integridade será mantida e sua identidade resguardada. CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO Eu, _____________________________________, RG/ CPF/ n.º ______________________________, concordo em participar do estudo realizado pela pesquisadora Siomara Priscilla Barbosa, mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação, como sujeito-participante. Afirmo ter sido devidamente informado e esclarecido pela pesquisadora sobre a pesquisa, os procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto leve à qualquer penalidade ou interrupção de meu acompanhamento/ assistência/tratamento. Natal, ______ de agosto de 2008 Assinatura: ------------------------------------------ EDU TESS DAT O QU ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ O QU ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ CADOR:__ ITURA:__ A:_______ E VI: _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ E FIZ? _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ UNIVERS ________ _________ /______/__ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ APÊNDIC IDADE FE UNIDADE _________ _________ _____ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ E B - Reg DERAL D EDUCAC _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ istro viven O RIO GR IONAL IN _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ cial 1 ANDE DO FANTIL _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ NORTE _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ _________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ O QUE SENTI? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ EDU TESS DAT corp CADOR:__ ITURA:__ A:_______ Represe ográfica. D UNIVERS ________ _________ /______/__ nte na caix escreva o APÊNDIC IDADE FE UNIDADE _________ _________ _____ a de areia seu cenário E C - Reg DERAL D EDUCAC _________ _________ o que pa e as sensa istro viven O RIO GR IONAL IN _________ _________ ra você fo ções sentid cial 2 ANDE DO FANTIL _________ _________ i mais sign as em todo NORTE _________ _________ ificativo n o process ________ ________ a vivência o. O QUE FIZ? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ O QUE SENTI? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ANEXO A - Fábula da convivência Há milhões de anos, durante uma era glacial, quando parte de nosso planeta esteve coberto por grandes camadas de gelo, muitos animais, não resistiram ao frio intenso e morreram, indefesos, por não se adaptarem às condições. Foi, então, que uma grande quantidade de porcos-espinho, numa tentativa de se proteger e sobreviver, começaram a se unir, juntar-se mais e mais. Assim, cada um podia sentir o calor do corpo do outro. E todos juntos, bem unidos, agasalhavam uns aos outros, aqueciam-se mutuamente, enfrentando por mais tempo aquele frio rigoroso. Porém, vida ingrata, os espinhos de cada um começaram a ferir os companheiros mais próximos, justamente aqueles que lhes forneciam mais calor, aquele calor vital, questão de vida ou morte. E afastaram-se, feridos, magoados, sofridos. Dispersaram-se, por não suportarem mais tempo os espinhos dos seus semelhantes. Doíam muito... Mas essa não foi a melhor solução! Afastados, separados, logo começaram a morrer de frio, congelados. Os que não morreram voltaram a se aproximar pouco a pouco, com jeito, com cuidado, de tal forma que, unidos, cada qual conservava uma certa distância do outro, mínima, mas o suficiente para conviver sem magoar, sem causar danos e dores uns nos outros. Assim, suportaram-se, resistindo à longa era glacial. Sobreviveram. É fácil trocar palavras, difícil é interpretar o silêncio! É fácil caminhar lado a lado, difícil é saber como se encontrar! É fácil beijar o rosto, difícil é chegar ao coração! É fácil apertar as mãos, difícil é reter o calor! É fácil conviver com pessoas, difícil é formar uma equipe! (Autor desconhecido) CONVITE À TESSITURA Venha, una-se a mim! Busque os fios de cores e junte-os a linha de luz. Encante-se pela vida, convide outros retalhos e ensaie a construção de sua colcha, da colcha da vida. Nesse envelope está um pouco de mim... que partilho com você que também participou da minha tessitura.