UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ELAINE LUCIANA SOBRAL DANTAS EDUCAÇÃO INFANTIL, CULTURA, CURRÍCULO E CONHECIMENTO: SENTIDOS EM DISCUSSÃO NATAL / RN 2016 1 ELAINE LUCIANA SOBRAL DANTAS EDUCAÇÃO INFANTIL, CULTURA, CURRÍCULO E CONHECIMENTO: SENTIDOS EM DISCUSSÃO Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Denise Maria de Carvalho Lopes NATAL / RN 2016 2 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Dantas, Elaine Luciana Sobral. Educação infantil, cultura, currículo e conhecimento: sentidos em discussão. / Elaine Luciana Sobral Dantas. - Natal, 2016. 311f: il. Orientador: Profa. Dra. Denise Maria de Carvalho Lopes. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação. 1. Educação Infantil – Tese. 2. Cultura; – Tese. 3. Currículo – Tese. 4. Conhecimento - Educação infantil - Tese. I. Lopes, Denise Maria de Carvalho. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 373.2:7 3 ELAINE LUCIANA SOBRAL DANTAS EDUCAÇÃO INFANTIL, CULTURA, CURRÍCULO E CONHECIMENTO: SENTIDOS EM DISCUSSÃO Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Educação. Aprovada em 26 de fevereiro de 2016 pela seguinte Banca Examinadora: ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Denise Maria de Carvalho Lopes – UFRN (Orientadora) ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Adelaide Alves Dias - UFPB (Examinadora Externa) ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Zélia Granja Porto - UFPE (Examinadora Externa) ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Mariangela Momo - UFRN (Examinadora Interna) ___________________________________________________________________ Profa. Dra. Márcia Maria Gurgel Ribeiro - UFRN (Examinadora Interna) 4 Às Professoras e Professores da Educação Infantil que, cotidianamente, inventam, reinventam e transformam práticas, decidindo o que e o como precisa e pode ser experimentado pelas crianças, criando, desse modo, situações de ensinar e aprender – condições de interações com a cultura, muitas vezes adversas àquelas necessárias para o desenvolvimento de práticas pedagógicas de qualidade, mas, construindo, com e para as crianças, nas instituições, currículos. 5 AGRADECIMENTOS Agradecer às pessoas que acompanharam uma longa jornada de muitos aprendizados e contribuíram para a efetivação de mais uma etapa de vida acadêmica em nível de doutorado, me parece ser difícil, nesse momento. São muitas as pessoas a quem sou grata, não caberiam aqui tantos nomes e lembranças que envolvem generosidades, renúncias, ensinamentos, afetos e motivações. Há pessoas que foram estrelas-guias, aquelas que foram fortalezas e, ainda, as que foram fadas-madrinhas ou anjos da guarda/de amor. Dou Graças a Deus por todas as vezes que me levou em seus braços e me ensinou a esperar pelo tempo certo de todas as coisas em minha vida. Mas, uma espera com ação - com boas oportunidades de me fazer melhor a cada dia; de me mover em busca de sonhos; de aprender a discernir pelo bem, pelo justo e pelo necessário e de conhecer pessoas que são presentes em forma de luz, força e amor. Agradeço à minha família – aqueles que sentem no coração a mesma felicidade que estou sentindo; à minha orientadora, que me ensinou sobre a vida e as pessoas (como nós somos e o que nós podemos ser e fazer por nós e pelos outros), me ensinou, sobretudo, a confiar (e estudar, estudar muito); aos meus professores/mestres (o que inclui examinadores/colaboradores da tese aqui apresentada), que compartilharam seus saberes e experiências com responsabilidade, compromisso e entusiasmo; aos meus alunos-professores, que em suas indagações me fizeram buscar mais, entender outros modos de conhecer e explicar as coisas, as práticas – a educação; e aos meus amigos e amigas de todos os contextos (tempos-espaços-relações), aqueles que torcem diariamente por minha vitória e se sentem igualmente vitoriosos, aqueles que guardam suas dores, seus problemas e suas tristezas para doar auxílio e cuidado, soluções e ações, sorrisos e alegrias. A todos aqui lembrados em mente e coração e que, portanto, se identificam nas palavras escritas, MUITO OBRIGADA. 6 Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou. (Manoel de Barros, 2010) 7 RESUMO A tese tematiza questões relativas aos conhecimentos que podem constituir as experiências vivenciadas por crianças no cotidiano das instituições de Educação Infantil e que, por conseguinte, constituem os currículos por elas vividos nesses contextos, mediante os quais – juntamente a outras experiências partilhadas em outros espaços sociais – elas interagem com a cultura e se constituem como sujeitos. As problematizações geradoras do estudo são desencadeadas em contextos de imprecisões, contradições e embates acerca do que precisa constituir tais currículos. Consideramos que, historicamente, os sentidos circulantes acerca do que as crianças podem aprender na educação infantil estão sendo (in)definidos em, pelo menos, duas instâncias: uma deliberativa – documentos de políticas nacionais; e uma prática – planejamento/desenvolvimento de experiências cotidianas de professores junto às crianças nas instituições educativas. Assim, a pesquisa busca responder à questão: que sentidos são atribuídos ao currículo e aos conhecimentos que podem se constituir como objetos e objetivos da educação infantil no texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEI) e nas vozes de professores que atuam nessa etapa educativa? O estudo assumiu como aportes teórico-metodológicos os princípios da abordagem histórico-cultural de L. S. Vigotski (2000; 2005; 2007; 2009) e da análise dialógica do discurso de M. Bakhtin (1995; 2003). Desse modo, compreendendo que as significações/sentidos, enquanto produções humanas-sociais, só podem ser estudadas em seu movimento de constituição. A investigação tem como objetivo: analisar os sentidos atribuídos ao currículo e aos conhecimentos que podem/precisam se constituir como objetos/objetivos na educação infantil pelas DCNEI e por professores que atuam nessa etapa. Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa de dupla natureza – documental e empírica - com análise de documentos e entrevistas semiestruturadas, individuais e coletivas, com nove professoras da educação infantil que atuam em instituições públicas. A construção e análise dos dados se deu em um movimento dialógico de negociação e produção de sentidos sistematizados em dois campos temáticos presentes no objeto: 1) Sentidos relativos a currículo e 2) Sentidos relativos a conhecimentos. Mediante a análise empreendida, identificamos/organizamos eixos de sentidos: 1a) Sentidos sobre currículo nas DCNEI; 1b) Sentidos sobre currículo nas vozes de professoras (O que constitui currículo e processos de produção/definição do currículo); e 2a) Sentidos em torno de conhecimentos nas DCNEI (O que constitui conhecimento na/para educação infantil: diferentes patrimônios de conhecimentos, conhecimentos e saberes, conhecimentos e linguagens, conhecimentos que constituem o currículo; o conhecimento nas interações e na brincadeira; o conhecimento e as experiências educativas que integram o currículo); 2b) Sentidos de conhecimento nas vozes de professoras da educação infantil (O que as crianças podem aprender nas experiências educativas: conhecimentos como habilidades/capacidades do desenvolvimento infantil, conhecimentos relativos aos processos de alfabetização e letramento, conhecimentos nas experiências lógico-matemáticas, conhecimentos sobre o mundo físico e social, conhecimentos nas linguagens da arte, conhecimentos para os bebês; modos organizativos de conhecimentos no currículo: eixos de conhecimentos - entre DCNEI e RCNEI, experiências curriculares, interações e brincadeira). Verificamos encontros e desencontros acerca do que as crianças precisam aprender na educação infantil entre as proposições das DCNEI e as vozes das professoras. A análise do texto oficial aponta para a necessidade de maior clareza, ampliação e aprofundamento de suas definições, considerando que os professores precisam de “chaves” não disponíveis no texto, para acessar as significações nele contidas. Apontamos, ainda, a necessidade de maior investimento em formação em serviço e condições de apropriação, por parte de professores dessa etapa, das atuais proposições teóricas e oficiais para a educação de crianças muito pequenas e pequenas, fundamentais ao desenvolvimento e à reflexão de sua própria prática. Palavras-chave: Educação Infantil; Cultura; Currículo; Conhecimento. 8 ABSTRACT This thesis regards questions related to the knowledges that can constitute the experiences children have in kindergarten institutions on a daily basis that, by consequence, constitute the curricula they experience in this context, by which – alongside other experiences from assorted social spaces – they interact with culture and constitute themselves as subjects. The problematizations that generate this study unfold in a context of imprecision, contradictions and confrontations regarding what needs to constitute such curricula. Its considered that, historically, the circulating senses that children may learn in early education are being (un)defined in, at least, two instances: a deliberative one – national policies documents; and a practical one – planning/development of daily experiences of the teachers alongside their students in educational institutions. Thus, the research seeks to answer the question: “Which senses are attributed to curriculum and the knowledges that can constitute the objects/objectives of child education by the National Curricular Directives for Child Education (port. DCNEI) and by teachers acting in this educational stage?” The study was theoretically- methodologically based in the principals of historical-cultural approach of L. S. Vigotski (2000; 2005; 2007; 2009) and in the dialogic analysis of M. Bakhtin’s discourse (1995; 2003). Thereby, understanding that the meanings/senses, while human-social productions, can only be studied in their constitution movement, the investigation has as objective: to analyze the senses attributed to the curriculum and the knowledges that might/need (to) constitute themselves as objects/objectives of child education by DCNEI and by teachers that act in this stage. Therefore, a dual nature research was devised – documental and empirical, with document analysis and semi-structured interviews, both nine-person groups and individual public kindergarten teachers. The data construction and analysis unfolded in a dialogic movement of negotiation and production of senses systematized in two thematic fields present in the object: 1) senses related to curricula and 2) senses related to knowledges. With the analysis, directions of senses were identified/organized: 1a) senses on curricula of the DCNEI; 1b) senses on curricula on the voices of teachers (on what constitutes curriculum and the processes of production/definition of the curriculum); and 2a)senses regarding knowledge in the DCNEI (What constitutes knowledge in/for child education: different heritages of knowledge, knowledge and wisdom, knowledge and language, knowledges that constitute curricula; Knowledge in the interactions and playtimes; Knowledge and the educational experiences that compose the curriculum); 2b) senses of knowledge on the voices of kindergarten teachers (What children might learn in educational experiences: knowledge as abilities/capacities of child development, knowledge related to literacy processes, knowledge in logic/mathematical experiences, knowledge on the physical and social world, knowledge in art languages, knowledge for babies; Organizational means of knowledge in the curriculum: knowledge directions between DCNEI and RCNEI, curricular experiences, interactions and playtime). Agreements and disagreements were verified as to what children need to learn in child education between what is proposed in the DCNEI and the teachers. The official text’s analysis shows a need for more clarity, broadening and deepening of its definitions, considering the teachers need “keys” unavailable in the text, to access the significations it contains. We still indicate the need for more investment in service formation and conditions for proper appropriation by the teachers of the current theoretical and official propositions for young and very young child education, groundwork for development and to the reflection of their own practices. Key-words: Child Education. Culture. Curriculum. Knowledge. 9 RESUMEN La tesis trae cuestiones relativas a los conocimientos que pueden constituir las experiencias vividas por niños en el cotidiano de los institutos de Educación Infantil y que, por lo tanto, constituyen los currículos por ellos experimentados en esos contextos, mediante los cuales – juntamente a otras experiencias compartidas en otros espacios sociales – ellos interactúan con la cultura y se constituyen individuo. Las problemáticas generadoras del estudio surgen en contextos de incertidumbres, contradicciones y embates acerca de lo que necesita constituir tales currículos. Consideramos que, históricamente, los sentidos circulantes sobre lo que los niños pueden aprender en la educación infantil han sido (in)definidos en, por lo menos, dos instancias: una deliberativa – documentos de políticas nacionales; y una práctica – planeamiento/ desarrollo de experiencias cotidianas de profesores junto a los niños en los institutos educativos. Así, la investigación quiere responder a la cuestión: ¿qué sentidos son atribuidos al currículo y a los conocimientos que pueden constituirse como objetos/objetivos de la educación infantil por las Directrices Curriculares Nacionales para la Educación Infantil (DCNEI) y por profesores que actúan en esa etapa educativa? El estudio utilizó como aportes teórico-metodológico los principios del abordaje histórico-cultural de L. S. Vigotski (2000; 2005; 2007; 2009) y del análisis dialógico del discurso de M. Bakthin (1995; 2003). De ese modo, comprendiendo que los significados/sentidos, mientras producciones humanas-sociales solamente pueden ser estudiadas en su movimiento de constitución, la investigación tiene como objetivo: analizar los sentidos atribuidos al currículo y a los conocimientos que pueden/necesitan constituirse como objetos/objetivos en la educación infantil por las DCNEI y por profesores que actúan en esa etapa. Para eso, desarrollamos una búsqueda de duplo aspecto – documental y empírica, con análisis de documentos y entrevistas medio estructuradas individuales y colectivas con nueve profesoras de la educación infantil que actúan en instituciones públicas. La construcción y análisis de los datos se dio en un movimiento dialógico de negociación y producción de sentidos sistematizados en dos áreas temáticas presentes en el objeto: 1) sentidos relativos al currículo y 2) sentidos relativos a los conocimientos. Mediante el análisis hecho, identificamos/organizamos ejes de sentidos: 1a) sentidos sobre currículo en las DCNEI; 1b) sentidos sobre currículo en las voces de profesoras (sobre lo que constituye currículo y sobre procesos de producción/definición del currículo); y 2a) sentidos alrededor de conocimientos en las DCNEI (Lo que constituye conocimiento en/para educación infantil: diferentes patrimonios de conocimientos, conocimientos y sabiduría, conocimientos y lenguajes, conocimientos constituyen el currículo; El conocimiento en las interacciones y en los juegos; El conocimiento y las experiencias educativas que integran el currículo); 2b) sentidos de conocimientos en las voces de profesoras de la educación infantil (Lo que los niños pueden aprender en las experiencias educativas: conocimientos como habilidades/aptitudes del desarrollo infantil, conocimientos relativos a los procesos de alfabetización, conocimientos en las experiencias lógico-matemáticas, conocimientos sobre el mundo físico y social, conocimiento en las lenguajes del arte, conocimientos para los bebés; Modos de organización en el currículo: ejes de conocimiento entre DCNEI y RCNEI, experiencias curriculares, interacciones y juegos). Verificamos encuentros y desencuentros acerca de lo que los niños necesitan aprender en la educación infantil entre las proposiciones de las DCNEI y las voces de las profesoras. El análisis de texto oficial apunta para la necesidad de más claridad, ampliación y ahondamiento de sus definiciones, considerando que los profesores necesitan de “llaves” no disponibles en el texto, para acceder los significados existentes en él. Apuntamos, aún, la necesidad de más investimento en formación, en servicio y condiciones de apropiación, por parte de profesores de esa etapa, de las actitudes proposiciones teóricos y oficiales para la educación de niños muy pequeños y pequeños, fundamentos al desarrollo y a la reflexión de su propia práctica. Palabras-clave: Educación Infantil. Cultura. Currículo. Conocimiento. 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................. 13 1.1 CONTEXTOS DE ORIGEM E PROBLEMATIZAÇÃO DO ESTUDO 14 1.2 A QUESTÃO, O OBJETO E O OBJETIVO DA PESQUISA: PRESSUPOSTOS INICIAIS ............................................................. 30 1.3 O ESTADO DA ARTE ....................................................................... 34 1.4 A ORGANIZAÇÃO DO TEXTO ........................................................ 40 2 A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA: APORTES TEÓRICO- METODOLÓGICOS ......................................................................... 42 2.1 PRINCÍPIOS DA ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL DE L. S. VYGOTSKY PARA A INVESTIGAÇÃO DE PROCESSOS HUMANOS ....................................................................................... 46 2.2 PRINCÍPIOS DO DIALOGISMO DE M. BAKHTIN PARA A PESQUISA EM CIÊNCIAS HUMANAS ............................................ 47 2.3 SOBRE PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO E SENTIDOS .............. 50 2.4 PROCEDIMENTOS DE CONSTRUÇÃO E ANÁLISE DE DADOS .. 55 2.4.1 A Análise Documental .................................................................... 56 2.4.2 As Entrevistas Individuais e Coletivas ......................................... 57 2.5 O CORPUS DE ANÁLISE E OS SUJEITOS DA PESQUISA ........... 63 2.5.1 As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI ............................................................................................... 63 2.5.2 As Professores Participantes do Estudo ..................................... 70 3 CRIANÇAS, INFÂNCIAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: SUJEITOS, TEMPOS E ESPAÇOS DE INTERAÇÃO COM A CULTURA.......... 76 3.1 CRIANÇAS E INFÂNCIAS NA HISTÓRIA ........................................ 77 3.2 A CRIANÇA PEQUENA E SUAS ESPECIFICIDADES .................... 88 3.3 A CRIANÇA COMO SER DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO ...................................................................... 93 3.3.1 A Criança como Ser de Linguagem e Cognição .......................... 96 3.3.2 A Criança como Ser de Interações e Brincadeira ........................ 103 3.4 A CRIANÇA COMO SER DE EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA .......................................................................................... 104 3.4.1 A Educação da Criança: história e políticas recentes ................ 109 11 3.4.2 A Educação Infantil como contexto de apropriação da cultura – de aprendizagem (e ensino) ....................................................... 121 3.4.3 A Educação Infantil e a Formação dos Profissionais – mediadores de aprendizagens ...................................................... 124 3.5 EDUCAÇÃO INFANTIL COMO TEMPO-ESPAÇO DE CONHECIMENTO – DE QUE CONHECIMENTO ESTAMOS FALANDO? ....................................................................................... 128 4 A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO CAMPO DE CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO .............................................................................. 135 4.1 CURRÍCULO, CULTURA E CONHECIMENTO: ENTRE TEORIZAÇÕES ................................................................................ 136 4.2 ABORDAGENS CURRICULARES DE EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA 148 4.2.1 Educadores e Propostas Precursoras .......................................... 149 4.2.2 Modelos Curriculares Contemporâneos ...................................... 160 4.3 EDUCAÇÃO INFANTIL, CURRÍCULO E PROPOSTA PEDAGÓGICA: ENTRE SENTIDOS ................................................ 167 4.3.1 Sentidos sobre Currículo nas DCNEI ........................................... 179 4.3.2 Sentidos de Currículo nas Vozes de Professoras ....................... 181 4.3.2.1 Sentidos sobre o que constitui Currículo .......................................... 182 4.3.2.2 Sentidos sobre Modos de Planejamento/Definição do Currículo ..... 185 5 EDUCAÇÃO INFANTIL, CULTURA E CONHECIMENTO: ENTRE SENTIDOS ....................................................................................... 192 5.1 PROPOSTAS PEDAGÓGICAS E POLÍTICAS CURRICULARES NACIONAIS: CONTEXTOS DE (IN)DEFINIÇÕES ........................... 193 5.2 SENTIDOS ATRIBUÍDOS AOS CONHECIMENTOS NAS DCNEI... 209 5.2.1 Conhecimentos na/para Educação Infantil .................................. 213 5.2.1.1 Conhecimentos como diferentes Patrimônios de Conhecimentos ... 213 5.2.1.2 Conhecimentos e/como Saberes ...................................................... 215 5.2.1.3 Conhecimentos e/como Linguagens ................................................ 216 5.2.1.4 Conhecimentos que constituem o Currículo ..................................... 219 5.2.2 O Conhecimento nas Interações e na Brincadeira: eixos norteadores da prática pedagógica .............................................. 226 5.2.3 O Conhecimento e as Experiências Educativas que integram o Currículo .......................................................................................... 229 12 5.3 AS DCNEI E A CONSTRUÇÃO DE UMA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR DA EDUCAÇÃO INFANTIL ....................... 240 6 SENTIDOS DE CONHECIMENTO NAS VOZES DE PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL .............................. 247 6.1 O QUE AS CRIANÇAS PODEM APRENDER NAS EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS ....................................................... 248 6.1.1 Conhecimentos como Habilidades/Capacidades do Desenvolvimento Infantil ............................................................... 252 6.1.2 Conhecimentos relativos aos Processos de Alfabetização e Letramento ...................................................................................... 253 6.1.3 Conhecimentos como Experiências Lógico-Matemáticas ......... 255 6.1.4 Conhecimentos sobre o Mundo Físico e Social .......................... 256 6.1.5 Conhecimentos nas Linguagens da Arte ..................................... 257 6.1.6 Conhecimentos para os Bebês ..................................................... 258 6.2 MODOS ORGANIZATIVOS DE CONHECIMENTOS NO CURRÍCULO .................................................................................... 262 6.2.1 Conhecimentos como Eixos: entre DCNEI e RCNEI ................... 263 6.2.2 Conhecimentos e/nas Experiências Curriculares ....................... 267 6.2.3 Conhecimentos entre Interações e Brincadeira .......................... 268 7 CONSIDERAÇÕES (IN)CONCLUSIVAS ......................................... 275 8 REFERÊNCIAS ................................................................................ 282 9 APÊNDICES ..................................................................................... 302 10 ANEXOS ........................................................................................... 307 13 1 INTRODUÇÃO Pelos meus textos sou mudado mais do que pelo meu existir. (Manoel de Barros, 2010). O exercício de escrever uma tese de doutoramento – um texto que busca sintetizar um processo investigativo marcado por diálogos entre nossos pressupostos iniciais, as questões advindas de contextos pessoais, profissionais e acadêmicos e os sentidos e discursos produzidos e transformados em diferentes textos e contextos da pesquisa – modifica e amplia nossa existência enquanto pessoa, pesquisadora e professora. A investigação sintetizada no presente texto tematiza e busca responder questões relativas a currículo e educação infantil ou, dito de modo mais específico, aos conhecimentos que podem constituir as experiências vivenciadas por crianças no cotidiano das instituições de Educação Infantil e que, por conseguinte, constituem os currículos por elas vividos nesses contextos, mediante os quais, juntamente a outras experiências partilhadas em outros espaços sociais, elas interagem com a cultura e se constituem como sujeitos. Consideramos que essa temática sempre esteve presente nas práticas cotidianas de instituições que atendem e educam crianças pequenas. Desse modo, constitui preocupação legítima relativa às finalidades e especificidades de uma educação que, ao mesmo tempo, “diferente” daquela que se processa em contextos familiares, considere as necessidades e capacidades da criança bem pequena, propiciando, por meio de experiências significativas, seu desenvolvimento pleno como sujeito social, histórico, cultural, político. Os modos de significar essa questão podem ser percebidos em diferentes tempos e espaços na história da educação infantil, envolvendo sentidos diversos, por vezes controversos, acerca do que pode constituir as práticas institucionais desenvolvidas junto às crianças pequenas, ou seja, o currículo na/da Educação Infantil. Consideramos, como ponto de partida, que se o currículo é o conjunto de experiências vividas, planejadas e/ou não pelos adultos responsáveis por crianças nas instituições, mesmo quando não há um documento-registro de intenções e ações (proposta documentada), há a vida de relações que se processam no cotidiano e que educam as crianças sistematicamente, pois o currículo vivo/vivido consiste em 14 experiências concretas em que são compartilhados significados e sentidos sobre o mundo e sobre si mesmas e que vão sendo, com a força de ser “todo dia”, apropriados e recriados pelas crianças, mediante a mediação dos outros com quem interagem. A questão que deriva de tais perspectivas e interfere diretamente nas práticas de profissionais que atuam na educação infantil (O que as crianças pequenas precisam e podem aprender nas instituições educativas?) é central na problematização geradora desse estudo. 1.1 CONTEXTOS DE ORIGEM E PROBLEMATIZAÇÃO DO ESTUDO As inquietações relativas à sistematização de um currículo para educação infantil e, de modo especial e específico, à definição de conhecimentos objetos e objetivos de aprendizagem, foram emergindo em nós a partir de diferentes experiências profissionais, tanto como professora de educação infantil quanto, posteriormente, como coordenadora pedagógica na educação infantil da rede pública e privada e, mais recentemente, como professora formadora de professores da educação infantil. No trabalho com as crianças de pré-escola nos indagávamos em relação às reais necessidades educativas das crianças e nos angustiávamos frente à falta de orientações e materiais que julgávamos necessários e adequados. Desse modo, questionamentos sobre o quê e para que as crianças precisam aprender e como podemos ensiná-las? - pois concebemos ensinar como mediar aprendizagens. Quem, como e por que fazem as escolhas? A partir de quais orientações e segundo quais critérios? E sobre os elementos que constituem as propostas pedagógicas? Emergiam de nossas práticas nas instituições em que atuávamos, tanto nos momentos em que estávamos com as crianças, como nos encontros com nossos pares, em planejamentos coletivos. No entanto, nesses contextos não encontrávamos respostas que nos parecessem satisfatórias, o que nos instigou a buscar e investir na ampliação de nossa formação profissional. Na atuação como coordenadora pedagógica de professores da educação infantil observamos que os nossos questionamentos iniciais se repetiam nas diferentes instituições educativas, nos grupos de docentes com os quais trabalhávamos, ainda que estes não apresentassem muita consciência disso. Fomos constatando, a cada dia, a ausência de um trabalho sistematizado e com 15 intencionalidade pedagógica clara junto às crianças pequenas. Defrontamo-nos com formas de organização do trabalho que, ora assumiam uma perspectiva meramente de guarda e higienização das crianças, ora priorizavam a “preparação” para o ensino fundamental, concebida essa última como, quase exclusivamente, treino de supostas habilidades perceptomotoras. Igualmente fomos constatando a ausência de propostas curriculares documentadas ou a existência de documentos produzidos de forma meramente burocrática e externa às instituições como, por exemplo, Projetos Político- Pedagógicos, que não traziam orientações relativas ao currículo e à organização da prática pedagógica, construídos sem a participação dos professores e, sobretudo, sem serem considerados e utilizados no cotidiano das instituições. Em meio a essas constatações, acompanhávamos professores e buscávamos, junto a eles, materiais que nos dessem indicações acerca de “o quê” e “como” ensinar às crianças na educação infantil. Constatamos que, em grande medida, as práticas desenvolvidas reproduziam modos-modelos vivenciados pelos professores em sua infância e por eles interpretados/significados segundo suas próprias referências, ainda que tais vivências não fossem especificamente da Educação Infantil. Outra fonte de orientação na definição das atividades a serem desenvolvidas junto às crianças e assumida fortemente pelos professores nesses contextos eram as prescrições presentes em livros didáticos adotados pelas instituições, além de “manuais” de educação infantil. Nesses materiais, geralmente as proposições didáticas pautavam-se em perspectivas, ao mesmo tempo compensatórias e preparatórias de educação de crianças pequenas, prevalecendo exercícios diários para o “desenvolvimento da coordenação motora fina e grossa”, o que compreendia preencher, em folhas de papel com exercícios estereotipados, espaços em branco, ligar pontos ou figuras, cobrir linhas pontilhadas, formando letras e figuras, assinalar, pintar e/ou circular formas, números, letras isoladas ou figuras geralmente sem relação com as experiências cotidianas das crianças. Além dessas referências, e, concomitante a elas, passamos a observar a presença de outros modos de organização de atividades, com uma roupagem mais “atual”, identificados como “projetos didáticos”, mas que, na verdade, consistiam em explorar, de modo superficial e descontextualizado, as datas comemorativas. Essa modalidade envolvia, geralmente, uma sequência de tarefas prontas, muitas vezes para colorir, recortar e colar figuras estereotipadas de personagens e símbolos, cujas 16 significações não eram compartilhadas com as crianças, o que restringia suas possibilidades de atribuição de sentidos. Em suma, de um modo ou de outro, as práticas descritas compunham, invariavelmente, nas diferentes instituições em que atuamos, as rotinas diárias das crianças, em uma jornada de regime parcial (quatro horas) grande parte dedicada a atividades de higienização, alimentação e longos tempos de espera entre umas e outras, situação já registrada por diversos estudos (AMORIM, 2011; ANDRADE, 2004; COSTA, 2014; MOURA, 2012; MACÊDO, 2014, entre outros). Em meio a esses modos de fazer, chega às instituições, em meados dos anos 2000, distribuído pelo Ministério da Educação, o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil - RCNEI (BRASIL, 1998). Na função de coordenadora pedagógica, passamos a desenvolver estudos do documento com os professores e a utilizá-los como referência nos encontros de planejamento, em diálogo com outras publicações disponíveis na escola, como as revistas Nova Escola1 e Criança2. Essas publicações traziam artigos que “traduziam”, em linguagem mais acessível, por meio de entrevistas e relatos de prática, as proposições do RCNEI para os professores. Nesses encontros de estudo problematizávamos com os professores as concepções assumidas e práticas desenvolvidas e buscávamos respostas para as questões que iam emergindo naquele documento, cujas definições e proposições se contrapunham, de forma substancial, aos conteúdos e metodologias que vinham sendo trabalhados pelos professores, notadamente empobrecedoras das possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. A partir desse quadro, e, movidos por ele, desenvolvemos uma pesquisa monográfica3 (SOBRAL, 2007), na qual analisamos o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998) em diálogo com outros modelos curriculares de referência mundial como, por exemplo, o de Reggio Emilia na Itália, cujas propostas foram difundidas por meio do livro “As cem linguagens da criança” 1 Publicação mensal da Editora Abril, distribuída pelo FNDE/MEC para todas as instituições educativas da rede pública. Seus artigos tratam de temas pertinentes à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Essa publicação, por seus mecanismos de difusão e por sua linguagem e estrutura gráfica mais simples e atraente tornou-se uma forte fonte de orientações para os professores do país. 2 Publicação bimestral/semestral/anual (periodicidade variada) do próprio Ministério da Educação – MEC, também distribuída para as escolas públicas, com artigos que tematizam questões específicas da educação de crianças pequenas. 3 Trabalho desenvolvido com vistas a atender aos requisitos de conclusão do Curso de Especialização em Educação Infantil promovido pela UFRN e concluído em 2007, com o título Propostas Curriculares para Educação Infantil: um estudo introdutório. 17 (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999) e o High Scope, desenvolvido nos Estados Unidos e difundido por meio, entre outras publicações, do livro “A criança em Ação” (HOHMANN; BANET; WEIKART, 1979). Apontamos, nesse estudo, a necessidade de articular a produção de propostas curriculares a um permanente diálogo com as práticas pedagógicas cotidianas, os materiais teóricos disponíveis e os modelos curriculares da contemporaneidade, o que nem sempre é observado, de acordo com a produção teórica sobre o tema. Desde então, entendemos serem necessários estudos acerca do processo de construção e efetivação de propostas curriculares nas/para instituições de educação infantil, na perspectiva de valorizar as especificidades das crianças pequenas e os saberes dos educadores responsáveis por sua educação. Por meio dessas experiências foi possível constatar que, de modo geral, na legislação vigente, nos documentos oficiais e na produção teórica pertinente à educação das crianças pequenas assomava-se a preocupação com o currículo, apontando-se, inclusive, o desenvolvimento – elaboração, efetivação e avaliação – de propostas curriculares específicas para a infância, em creches e pré-escolas, como aspecto definidor da qualidade do atendimento oferecido pelas instituições (BRASIL, 2006; 2009). Essa constatação nos levou a desenvolver uma pesquisa4 (SOBRAL, 2008), na qual analisamos quais saberes eram necessários aos professores no desenvolvimento de uma proposta curricular para a educação infantil. Numa perspectiva de pesquisa-ação, desenvolvemos, juntamente à identificação e análise, uma intervenção de cunho formativo, com os professores, visando contribuir para uma reconstrução de saberes relativos às concepções de currículo, proposta curricular articulada às especificidades da educação infantil. Pudemos entrever, mediante as atividades desenvolvidas no percurso desse estudo, avanços significativos nas concepções dos professores em relação a uma proposta curricular, aos sujeitos que a constroem e realizam e, de modo especial, aos aspectos constitutivos de uma proposta curricular específica para a educação infantil. Dentre eles, destacamos as funções dessa etapa, a concepção de criança e o espaço da brincadeira, enquanto dimensão característica da criança, na organização da rotina diária. 4 Pesquisa desenvolvida no mestrado em educação na UFRN, cuja dissertação produzida foi: Proposta Curricular para educação infantil: (re)significando saberes docentes. 18 Na referida pesquisa pudemos evidenciar, com os professores participantes, que para o desenvolvimento de uma proposta curricular para a educação infantil, inúmeros saberes são necessários. Como em todo processo coletivo, a partir da pesquisa-ação desenvolvida, foram feitas escolhas mediante negociações com o grupo e alguns saberes demandaram maior aprofundamento em detrimento de outros, embora reconhecidos como igualmente importantes. Naquele contexto, observamos, ainda, que a definição de “conteúdos” curriculares para essa etapa educativa constituía motivo de ansiedade permanente para os professores, preocupação legítima dos sujeitos da prática, apesar de ser permeada por contradições, equívocos e conflitos, o que nos levou a considerar ao final da pesquisa a necessidade de estudos e/ou ações de intervenção posteriores no interior da(s) instituição(ões) de Educação Infantil com a finalidade de colaborar para a construção coletiva de uma proposta curricular documentada, com definições relativas às intenções educativas e a possíveis modos de desenvolvimento das atividades. E que, para tanto, seria preciso atenção e esforços especiais, em que pesasse não restringirmos a construção de currículo à seleção/definição de conteúdos, no sentido de definir, de modo mais objetivo, o que constitui “conteúdo”/objeto das experiências a serem vivenciadas pelas crianças nessa etapa educativa. Além dessas atuações como coordenadora pedagógica e pesquisadora, também em nossas experiências como formadora de professores de educação infantil, tanto na graduação em pedagogia5 como em cursos de aperfeiçoamento e especialização6, fomos percebendo a fluidez e superficialidade das discussões relativas ao currículo para educação infantil no que se refere, principalmente, às definições acerca de quais conhecimentos podem e precisam ser objetos de ensino e aprendizagem nessa etapa educativa. Nas discussões mantidas junto aos (com os) graduandos e pós-graduandos, a partir de estudos realizados na orientação de construção de projetos e atividades a serem desenvolvidos com as crianças e, principalmente, na análise de propostas pedagógicas de redes municipais e de instituições educativas da rede privada, fomos presenciando uma dificuldade 5 Professora Substituta do Curso de Pedagogia na UFRN, nos anos de 2008 e 2009, trabalhando com disciplinas complementares do currículo na área de educação infantil. 6 Professora Convidada pela Coordenação de Extensão do NEI-Cap./CE/UFRN, de 2008 a 2015, trabalhando com disciplinas como Currículo, Fundamentos, Políticas, Desenvolvimento Infantil e Linguagem Escrita nos Cursos de Aperfeiçoamento e de Especialização em Educação Infantil. 19 significativa dos professores em formação e/ou em exercício para identificar, documentar e selecionar os conhecimentos/conteúdos que constituem os currículos na educação infantil. Essa questão foi se colocando para nós como algo a ser pesquisado e respondido. Ancoradas nas proposições da abordagem histórico-cultural de Lev S. Vigotski (2000; 2005; 2007) compreendemos que a educação consiste em processo de (trans)formação de sujeitos humanos, mediante apropriação de práticas da cultura enquanto objetos a serem conhecidos e apropriados individualmente. Esse processo, de natureza mediada, faz-se como conversão e significação de modos sociais de funcionamento mental em modos próprios/individuais, portanto, por meio de processos de aprendizagem e desenvolvimento de modos de pensar, sentir, fazer, dizer, ser. Tais apropriações, por sua vez, não se fazem sem mediação pedagógica e simbólica dos outros e da linguagem. Portanto, as práticas partilhadas nos contextos de vidas das crianças, de modo especial, aquelas que se realizam nas instituições socialmente assumidas como educacionais, em suas múltiplas formas de realização, dadas as condições objetivas em que se desenvolvem, ainda que nem sempre compreendidas pelos sujeitos que delas fazem parte, não se fazem no vazio, mas sempre carregadas de conteúdos culturais, alguns desses sistematizados, historicamente, como campos de conhecimento, componentes curriculares, conteúdos didáticos escolarizados. Assim, em que pese a incontornável necessidade de se (re)conhecer, no âmbito da Educação Infantil, as especificidades das crianças enquanto sujeitos de educação e de conhecimento e a consequente necessidade de se considerar na organização das experiências a serem por elas vivenciadas no dia a dia tais especificidades, dentre elas sua intrínseca relação lúdica com a realidade e sua capacidade de produzir cultura, relações e sentidos próprios-singulares sobre si e sobre o mundo e que tais especificidades implicam modos diferenciados de organizar os tais objetos da cultura ou “de conhecimento”. É preciso, ainda, construir uma resposta coerente, consistente e objetiva à questão relativa ao que as crianças podem e precisam aprender na Educação Infantil. Afinal, por que, apesar de tantas publicações teóricas e oficiais ainda é dificultoso pensar no “conteúdo” dos processos de aprendizagem na educação infantil? Por meio de nossas experiências e das reflexões que elas nos possibilitaram, juntamente aos estudos que vimos desenvolvendo, fomos entendendo que tais 20 dificuldades são oriundas dos percursos históricos e sociais pelos quais essa etapa educativa vem se consolidando, que são permeados de avanços nos campos político, acadêmico e social e, ao mesmo tempo, repleto de recuos ou, no mínimo, de interdições, em meio aos necessários e legítimos debates e embates, em torno de sua função social, de suas finalidades pedagógicas, da diversidade do público atendido (as crianças e suas desiguais condições de vida), dos profissionais e suas funções e suas consequentes necessidades e condições de formação. Nas últimas décadas, temos observado ganhos legais e avanços teóricos, que reconhecem a educação infantil no contexto brasileiro como a etapa inicial da Educação Básica com função de educar-cuidar e, portanto, entendemos e defendemos que com finalidades e objetivos essencialmente educativos- pedagógicos. No entanto, ao mesmo tempo em que se articula aos outros segmentos do sistema educacional numa perspectiva de continuidade do processo educativo, a Educação Infantil guarda, em função das especificidades do sujeito a quem se destina, a criança pequena, em fase inicial e intensa de desenvolvimento, iguais especificidades frente aos outros segmentos. São inquestionáveis os avanços no plano legal que se converteram em políticas públicas materializadas em documentos oficiais. Esses avanços, por sua vez, são consequências de transformações sociais ocorridas em nosso país nas últimas décadas em diversos planos: alinhamento das políticas de desenvolvimento nacional às visões/exigências de organismos internacionais, inserção da mulher no mercado de trabalho formal e reivindicação de movimentos sociais organizados por condições de trabalho para os pais, em especial, a mulher e por uma educação de qualidade para as crianças, com expansão quantitativa do atendimento, entre outros. (ABRANTES, 1987; OLIVEIRA, 2005). A Constituição Federal de 1988 em seu Art. 208 define a educação infantil como dever do Estado, assegurando no Inciso IV, “(...) o atendimento às crianças de zero a seis7 anos de idade”. Por sua vez, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB, Lei nº 9.394/96, consolida a inclusão das creches e pré-escolas nos sistemas educativos, quando preceitua através do Art. 29 que: “A educação infantil é a primeira etapa da educação básica, e tem como finalidade o desenvolvimento integral da 7 A emenda constitucional nº 53/2006 modificou de 6 para 5 anos a idade máxima da criança atendida na educação infantil. 21 criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. ” A partir dessas produções de caráter legal, temos obtido uma profusão de documentos em que, tanto se reitera o direito da criança à educação (pública, gratuita e de qualidade) como se especifica aspectos constituintes da qualidade dessa educação. Entretanto, em que pese o reconhecido avanço na história dessa etapa educativa em nosso país em termos legais, a inclusão das crianças pequenas nas políticas de educação vem se dando por caminhos diferentes. A exemplo disso, a Lei nº 11.114/2005 amplia o ensino fundamental obrigatório para nove anos de duração e, em consonância, com a Lei nº 11.274/2006 as crianças com seis anos completos até o início do ano letivo passam a frequentar o 1º ano do ensino fundamental. Poucos anos depois, a aprovação da Emenda Constitucional 59/2009 alterou a obrigatoriedade educacional, antes restrita ao ensino fundamental, para a educação de 04 (quatro) a 17 (dezessete) anos, englobando a pré-escola, o ensino fundamental e o médio. Esse contexto legal fomenta ainda mais o debate e as preocupações em torno das especificidades do trabalho pedagógico com crianças pequenas, das necessidades de diálogo entre educação infantil e ensino fundamental e, ainda, reacende o embate de posições dicotômicas em relação às funções educativas da creche e da pré-escola. Consideramos, frente a esse cenário, a necessidade de um diálogo entre educação infantil e ensino fundamental, também reconhecendo que o modelo escolar que tradicionalmente tem sido direcionado para a educação infantil também é inadequado para o ensino fundamental. Desse modo, uma interlocução poderia fazer um movimento contrário, como proposto por pesquisadores da área: A educação infantil, com suas práticas pedagógicas, que visam ao desenvolvimento integral das crianças, portanto, focadas na(s) linguagem(s), na expressão, no espaço do brincar, na apropriação interdisciplinar de conhecimentos etc., e com seu sistema de avaliação de acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, tem muito a contribuir no diálogo com o ensino fundamental (NUNES; CORSINO; DIDONET, 2011, p. 71). No entanto, conforme problematizamos a partir de nossas experiências na educação infantil e de sua trajetória legal, as práticas, saberes, experiências e 22 propostas pedagógicas pertinentes a essa etapa ainda estão em processos de construção e discussão, como delineamos a seguir. No âmbito da Educação Infantil e no campo específico do currículo, podemos citar as proposições de Amorim (1986), Kramer (2005), Machado (1991), Deheinzelin (2003), publicados desde meados da década de 1980, que defendem um caráter pedagógico da educação infantil e propõem alternativas para sua organização curricular. Ao lado dessas produções, encontramos documentos publicados no contexto da construção democrática de uma política nacional para educação infantil pela Coordenação de Educação Infantil – COEDI/MEC, na década de 1990, que marcam a necessidade de instituir uma educação infantil que se diferencie das práticas assistencialistas, preparatórias e compensatórias desenvolvidas até então. Esse conjunto de textos e documentos, porém, introduz uma nova “polêmica” ou “falsa dicotomia” em relação a função social da educação infantil, referente ao que caracteriza a função educativa e pedagógica, de modo que considere as especificidades infantis e se distancie de práticas “escolarizantes” que se aproximem do ensino fundamental. Esse debate se insere tanto na produção científica, como se reflete nas políticas educacionais (BRASIL, 1994a). As produções ressaltam o caráter profuso e difuso de modos de organização das atividades propostas às crianças nas instituições, o que se evidencia em pesquisas nacionais encomendadas pelo MEC (BRASIL, 1996; 2009c) e estudos como, por exemplo, o de Ostetto (20078) que identificam tipos de organização das atividades no cotidiano das crianças, ou seja, de como se estrutura o “currículo”, compreendido como o conjunto de vivências propiciadas na e pela instituição educacional. Nesse estudo específico, evidencia-se que nos estabelecimentos de educação infantil as atividades são organizadas por: datas comemorativas, áreas de desenvolvimento, listas de atividades9, eixos ou áreas de conhecimento (disciplinas ou componentes curriculares), “temas de pesquisa10”, “temas geradores” e/ou “projetos de trabalho11” e, ainda, acrescentamos, por momentos da rotina, entre outros. 8 Publicado em 1ª Edição no ano de 2000. 9 Semelhantes aquelas descritas, inicialmente, em nossas experiências e observações de práticas enquanto professora e supervisora em instituições de educação infantil. 10 Modalidade desenvolvida no Núcleo de Educação da Infância NEI-CAp (UFRN). A esse respeito, ver RÊGO; CARVALHO, 1999. 11 Por vezes, práticas distantes daquelas consideradas no trabalho com projetos, que envolvem participação da criança e processos de investigação. 23 Esses modos de compreender o currículo e de praticá-lo/vivê-lo não são absolutamente excludentes. Muitos coexistem nas práticas na atualidade, de modo mais ou menos presente, a depender do grau de conhecimento e compromisso dos profissionais responsáveis por sua estruturação e pelos sentidos que atribuem à criança e sua educação, como também, das condições de trabalho que se lhes apresentam. Essas mesmas, também definidoras de ações e sentidos curriculares. Com base nas teorizações atuais sobre currículo em suas diferentes vertentes, as discussões que vêm sendo empreendidas sobre o currículo na educação infantil buscam identificar e superar características desses modos vigentes, considerando que, na maior parte dos casos, principiam e terminam por descaracterizar a educação infantil por confundir, segmentar ou reduzir, tanto sua função junto à criança, como a própria criança, enquanto sujeito do processo educacional. Mas, as posições assumidas nessas discussões, embora se aproximem em alguns aspectos, caracterizam-se também por divergências. É o que se observa, por exemplo, na produção relativa ao Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil - RCNEI (BRASIL, 1998) documento produzido e distribuído pelo Ministério da Educação, no âmbito da política de proposição de parâmetros para a educação nacional, após a promulgação da LDB – LEI 9394/96. Conforme destaca Cerisara (2005) foram muitas as divergências, mesmo entre os que fizeram críticas ao RCNEI, o que a autora a concluir que a educação infantil ainda seria, naquele contexto, uma área em processo de construção. Em que pese as polêmicas que provocou nos meios acadêmicos, o RCNEI (BRASIL, 1998) ficou por muito tempo desconhecido ou desconsiderado por grande parte de instituições em suas propostas pedagógicas. Acreditamos que sua influência se fez mais tardiamente, quando passou a se constituir, mais que referência, em “molde” para a elaboração de propostas curriculares de redes municipais e de instituições da rede privada, o que, ao nosso ver, não significa, ainda, a transposição direta desse modelo para as práticas, visto que ainda registramos em nossas experiências de docência e de investigação, considerável defasagem entre os documentos identificados como proposta curricular ou pedagógica existentes nas instituições (quando existem) e as práticas efetivamente desenvolvidas com as crianças. A pesquisa de Cirino (2008) atesta essa análise, quando tece as relações entre prática institucionalizada e propostas pedagógicas, especialmente oriundas do RCNEI. 24 Ainda sobre essa questão, Barbosa (2010) destaca que muitas propostas de municípios brasileiros para a Educação Infantil reproduzem o RCNEI (BRASIL, 1998), e apenas citam, de modo genérico, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, documento produzido em sua primeira versão pelo Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 1999), quase à mesma época que o RCNEI e que, diferentemente desse, tem caráter mandatório. Segundo a autora não se identificam nas propostas analisadas uma discussão sobre conhecimento, aprendizagem ou ensino, mas, dois extremos de princípios organizadores: por um lado, uma concepção aberta, apontando apenas para os princípios curriculares e, por outro, uma prescrição curricular extremamente fechada, em que os municípios definiam não só qual o conteúdo a ser trabalhado, mas também o como, isto é, através de qual metodologia e, em alguns casos, até o quando deveria ser ensinado, demonstrando um intenso controle sobre o trabalho docente (BARBOSA, 2010, p. 5). A autora destaca, ainda, que quase metade dos currículos por ela analisados apresentam como referência o modelo disciplinar do ensino fundamental, explicitado em listas de conteúdos e atividades, em flagrante antecipação da escolaridade das crianças, o que a fez questionar: “Como propor um currículo para crianças bem pequenas? Quais são as funções específicas de uma escola que atende bebês e crianças bem pequenas? Quais possibilidades de conhecimento podem ser desencadeadas e promovidas na creche?” (BARBOSA, 2010, p. 7). A essas questões, acrescentamos: e para as crianças de quatro e cinco anos, que aprendizagens, que conhecimentos precisam e podem ser propiciados? E se consideramos, ainda mais, as que frequentam instituições das redes públicas, creches e pré-escolas, que têm menos acesso em seus contextos familiares a conhecimentos e experiências valorizados socialmente, embora obtenham outros, de outras ordens, qual a função da educação infantil para elas? Essas, dentre outras questões constantes nos discursos teóricos e textos oficiais se presentificam também nos discursos de professores e coordenadores pedagógicos, responsáveis pelo desenvolvimento das práticas junto com as crianças. Nos estudos que desenvolvemos (SOBRAL, 2008; LOPES; SOBRAL, 2012), constatamos as dificuldades para o desenvolvimento de um currículo que respeite e considere as especificidades e necessidades da criança e, ao mesmo tempo, crie 25 condições em que possam aprender e se desenvolver em sua integralidade, o que só se faz mediante a apropriação de práticas da cultura, em contextos de interação, de compartilhamento de tais práticas, mediadas pelos outros e pela linguagem (VIGOTSKI, 2005; 2007; WALLON, 2005). Desse modo, ao mesmo tempo em que se institui legalmente a definição da educação infantil como primeira etapa da educação básica, o que implica a necessidade de propostas pedagógicas-curriculares que norteiem as práticas cotidianas nas instituições para crianças pequenas, cresce o debate em torno do que constitui currículo e como ele se desenvolve nessa etapa educativa. Temos visto que a trajetória do desenvolvimento de políticas para a educação infantil no contexto brasileiro revela que as proposições legais e documentos oficiais, ao mesmo tempo que pautados por acordos e definições advindos de organizações de âmbito mundial (ROSEMBERG, 2002; KRAMER, 2003) têm sido, em sua história mais recente, referenciada de modo direto por teorizações, consultorias, pesquisas e textos encomendados pelos órgãos competentes. Dessa forma, é possível perceber aproximações e distanciamentos, por entre os discursos, dos sentidos que constituem tais proposições. Nos últimos anos observa-se um intenso movimento na produção de documentos voltados à referenciação da área e, de modo especial, à discussão do tema currículo. É nesse contexto que se insere o “Programa Currículo em Movimento”, que vem sendo desenvolvido pela Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares para Educação Básica, vinculada à Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação e tem como objetivo o desenvolvimento do currículo da Educação Básica em todas as suas etapas/segmentos. No contexto do referido programa, o Conselho Nacional de Educação publicou, em 11 de novembro de 2009, o parecer CNE/SEB 20/2009, que revisa as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil - doravante DCNEI, bem como, aprovou, em 17 de dezembro de 2009, a Resolução nº 5, fixando-as com o objetivo de instituir, com caráter mandatório, princípios a serem observados em todo território nacional, na organização das instituições destinadas à educação de crianças de zero a cinco anos. As atuais DCNEI (BRASIL, 2009g), bem como as já aprovadas em 1999, representam um avanço considerável na consolidação da Educação Infantil como etapa educacional ao definirem algumas das dimensões básicas da organização do 26 trabalho institucional, tais como: as concepções de criança e de sua educação, o currículo e as propostas pedagógicas dessa etapa e, ainda, as definições pertinentes aos elementos que precisam compor tais propostas e efetivarem-se como ações no cotidiano de crianças e professores. No entanto, mesmo no contexto atual de implementação de políticas educacionais-curriculares voltadas para essa etapa educativa, podemos atestar que ainda não há uma referência de projeto pedagógico que possa contribuir com mais efetividade para a elevação da qualidade em educação infantil. Por outro lado, é necessário que os conhecimentos teóricos e metodológicos, pertinentes a tal referência, sejam acessíveis aos professores que atuam na etapa, numa perspectiva dialógica e participativa, tal como assevera a pesquisadora Maria Malta Campos em entrevista à Revista Educação – Especial Educação Infantil: Há um conhecimento maior sobre o desenvolvimento e a aprendizagem da criança pequena. Ela aprende muito com a interação entre pares, em ambientes estáveis e estimulantes; aspectos afetivos, cognitivos, físicos, sociais, culturais estão ligados; a brincadeira é a forma de expressão e criação por excelência, o vínculo com adultos é fundamental, mas não precisa ser um só. Há orientações que a pedagogia deveria adotar, ao propor currículos, programas e formas de organização. E espaços e rotinas não favorecem a brincadeira, não permitem que bebês interajam entre si e com os adultos, impedem o movimento e a expressão, não promovem a ampliação do conhecimento, então a qualidade da instituição é baixa. É urgente desenvolver traduções práticas sob esses critérios, abertos à contribuição de professores, famílias e às próprias crianças. Deixada à própria sorte, a maioria dos educadores não tem condições de fazer essa tradução. (CAMPOS, 2011, p. 203 - Grifos Nossos). Concordamos com a pesquisadora na sua análise. Com base em nossas experiências, pudemos constatar que o acesso dos professores, sujeitos da prática, às teorizações e documentos oficiais não tem sido, na maior parte das vezes, garantido nas instituições, também responsáveis pela formação dos profissionais. Não deixamos de reconhecer o avanço alcançado no âmbito da formação de professores que atuam nessa etapa, nos últimos anos. Em grande parte mobilizado pelo Ministério da Educação ao desenvolver em parceria com estados, municípios e universidades públicas, desde o final da década de 2000, cursos de formação inicial e continuada, seja por meio de programas como o Proinfantil, criado em 2005, com a finalidade de formar em nível médio, (modalidade normal) nível mínimo de formação 27 aceitável segundo a LDB - LEI 9394/96, para atuação nessa etapa12, seja por meio de cursos de aperfeiçoamento e especialização13, por meio dos quais milhares de professores em exercício têm ampliado e atualizado seus conhecimentos pertinentes às especificidades da educação de crianças pequenas. Mesmo assim, insistimos que há uma necessidade de construir, junto aos professores que atuam com as crianças e produzem para e com elas, currículos diários, (re)elaborações ou desdobramentos pertinentes aos documentos oficiais pertinentes à organização curricular que dialoguem com as práticas desenvolvidas, no sentido de reestruturá-las, ampliá-las e qualificá-las, visando, tanto uma atuação mais autônoma e responsável por parte do professor, como a criação de condições de educação mais condizentes com as necessidades e possibilidades das crianças. É nesse contexto que inserimos nossas preocupações e indagações relativas às significações de conhecimento e currículo para a educação infantil. A produção científica, juntamente às reivindicações dos movimentos sociais, fundamenta ou propulsiona a instituição do discurso legal e/ou oficial. Mas, consideramos que as significações oficializadas como instrumentos/fundamentos para a construção de propostas e práticas pedagógicas de instituições e profissionais que atuam, concreta e cotidianamente com as crianças, carecem de precisão e definição. Entendemos que os sentidos circulantes nos contextos das práticas são dispersos e, por vezes, divergentes nas teorizações e documentos normativos oficiais. Em meio a esses múltiplos sentidos, bem como às (im)possibilidades de sua apropriação, os profissionais responsáveis pelo trabalho com as crianças nas instituições vão, por sua vez, construindo os seus próprios modos de compreender o seu fazer e de, efetivamente, realizá-lo. As práticas observadas, tanto no âmbito de nossas experiências, como nos achados de pesquisas publicadas recentemente (o currículo em ação) apresentam-se mais que diferentes, o que é esperado e até almejado – desiguais: ora esvaziadas de conhecimentos, de intencionalidade explícita, de sistematização, ora demarcadas por uma organização curricular rígida, fragmentada em “áreas de desenvolvimento” da criança, ou “áreas de conhecimento”, disciplinas com conteúdos e atividades estereotipadas e descontextualizadas. 12 Para mais informações ver proinfantil.mec.gov.br. 13 A partir de 2010, no âmbito da política nacional de formação de profissionais do magistério da educação básica, o MEC passou a oferecer, em parceria com 15 universidades federais e em 15 estados diferentes, cursos de especialização em educação infantil destinados a professores atuantes nessa etapa. 28 Pesquisas recentes, como a de Amorim (2011) que teve como objetivo principal compreender como as políticas nacionais de educação infantil e de currículo foram (re)interpretadas e transformadas em políticas e práticas locais, a partir da análise do currículo em ação, desenvolvido com crianças de 0 a 3 anos, em creches públicas do município de Santa Rita/PB, apontam para o desenvolvimento de práticas pedagógicas/curriculares assistemáticas e improvisadas, que desconsideram, na visão da autora, as especificidades infantis e a indissociabilidade cuidado-educação. De modo semelhante, a pesquisa de Macêdo (2014) identificou na análise de episódios recortados de vivências diárias de crianças de 2 e 5 anos numa instituição de educação infantil de Campina Grande, PB, objetivos explícitos de alfabetização numa perspectiva de preparação/prontidão que naturalizava outras linguagens fundamentais para a criança, deixando-as à margem do trabalho, bem como, práticas que limitavam, controlavam e buscavam disciplinar a oralidade, o pensamento, a imaginação, o corpo da criança numa chamada Pedagogia do Controle, tal como identificada pela pesquisadora. Outra pesquisa recém-publicada e desenvolvida em parceria com o Ministério da Educação e a Universidade Federal da Bahia teve como objetivo assessorar e acompanhar pedagogicamente os municípios baianos que aderiram ao Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância). A publicação organizada por Santos e Ribeiro (2014) apresenta informações e análises acerca da educação que é oferecida em turmas de creches e pré-escolas baianas, descreve o controle dos adultos para com as crianças e, por vezes, a ausência e/ou limitação da brincadeira e de boas interações com as diferentes linguagens. O trabalho com outros conhecimentos14 foi considerado superficial e assistemático, envolvendo atividades como: recorte e colagem; identificação, com marcas no papel, de animais por meio dos atributos maior/menor, leve/pesado, etc.; observação de elementos da natureza sem retomadas relativas às suas hipóteses e sentidos sobre os acontecimentos observados, entre outros aspectos. 14 As pesquisadoras apresentam descrições e análises de práticas observadas nas instituições organizadas nos seguintes tópicos definidos como constitutivos de currículos para educação infantil: sobre as interações; sobre o brincar e a brincadeira; sobre diferentes linguagens, gêneros e formas de expressão; sobre as relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço-temporal; sobre as ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem estar; sobre o mundo físico, social, tempo, natureza, biodiversidade e sustentabilidade de vida na Terra; e sobre o acompanhamento do trabalho pedagógico e a avaliação do desenvolvimento das crianças em instituições do Pro infância. 29 Frente a situações como as citadas, muito comuns nos estabelecimentos de educação infantil em todo o país15, o que dizem os documentos mais recentes produzidos com a finalidade de subsidiar a elaboração de propostas curriculares e seu desdobramento em práticas pedagógicas? Que sentidos produzem e difundem acerca de para onde precisa ir à educação das crianças? Pesquisas como as que foram aqui apontadas nos revelam como ainda são contraditórias as práticas curriculares vivenciadas no cotidiano das instituições educativas. Lançamos então nosso olhar para identificar como as políticas curriculares oficiais têm conseguido orientar tais práticas. As contradições muitas vezes presentes nas práticas não estão também presentes nos documentos que as orientam ou visam orientar? Os professores conhecem os documentos oficiais e seus contextos de produção? De que formas conseguem traduzi-los em suas práticas? Que sentidos atribuem às suas definições e proposições? Nessa perspectiva, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil – DCNEI (BRASIL, 2009g) constituem marco principal das políticas curriculares nacionais na atualidade, seja por sua natureza mandatória, seja por representarem, em suas proposições uma síntese possível das teorizações mais contemporâneas em relação à criança como sujeito e à sua educação. O documento afirma e consolida a Educação Infantil como fundamental etapa educativa, com potencial de criar condições de aprendizagem e desenvolvimento das crianças e, portanto, a necessidade de definição do que compõe o currículo a ser praticado nas instituições envolvendo, entre outros componentes, os conhecimentos a serem apropriados pelas crianças, considerando-se suas especificidades e seus direitos como cidadãs ativas na sociedade. Consideramos, ainda, que numa perspectiva dialética, tanto as DCNEI incorporam e refletem as teorizações, como grande parte do conjunto de discussões, pesquisas e documentos oficiais atuais estão sendo pensados à luz das DCNEI16. 15 Escolhemos três pesquisas, que apresentamos de modo muito breve, que apontam as (in)definições curriculares nas práticas pedagógicas, entre outras que poderíamos também mencionar. Situações como as analisadas nas referidas pesquisas, também são observadas por nós em nossos contextos de trabalho na formação de professores, aqui já descritos, bem como no acompanhamento de instituições de educação infantil como técnica pedagógica da Secretaria Municipal de Educação Básica de Ceará-Mirim/RN, e ainda, nos relatos, discussões e conversas informais em eventos científicos e nacionais da área. Outros trabalhos são citados na apresentação do Estado da Arte e nos demais capítulos dessa tese. 16 Estaremos utilizando neste trabalho a sigla DCNEI para se referir a resolução (BRASIL, 2009g). Quando estivermos tratando do parecer (BRASIL, 2009f) ou das Diretrizes de 1999, informaremos no texto. Para uma melhor organização visual, por vezes, não indicaremos a fonte (BRASIL, 2009g) 30 Assim, ainda que sua difusão e assunção, por parte das instituições e profissionais não tenha ainda o impacto pretendido. Esse é o documento básico da Educação Infantil em nosso país, na atualidade, ou seja, é uma “voz” com posição social privilegiada em relação ao “dever ser” dessa etapa frente à população infantil. Por outro lado, ancoradas nas proposições, tanto de Vigotski (2005; 2007), como de Bakhtin (1995; 2003) compreendemos que os discursos que circulam nos contextos sociais não são apropriados pelos sujeitos de modo imediato, especular ou meramente reprodutivo. Ao contrário, no movimento de apropriação - que é de conversão, por meio do signo e, portanto, de significação, de transformação – os sentidos elaborados pelos sujeitos, em suas diferentes, – desiguais – condições de apropriação, são de natureza transformante/transformadora. Desse modo, seus modos de pensar não apenas refletem, mas também refratam os discursos com os quais interagem e que dizem a/da realidade. Com eles, sobre eles, contra eles, os sujeitos – aqui os professores – constroem suas próprias vozes e seus próprios sentidos sobre e na realidade, com e pelos quais orientam seus fazeres diários junto às crianças. Assim, decidimos, em nosso estudo, considerar os sentidos em relação a currículo e conhecimento na Educação Infantil, tanto da DCNEI como dos professores sujeitos da prática – aqueles a quem o documento se destina e que podem dar-lhe função e vida. 1.2 A QUESTÃO, O OBJETO E O OBJETIVO DA PESQUISA: PRESSUPOSTOS INICIAIS No contexto de imprecisões, contradições e embates ora discutido, temos considerado que, historicamente, as significações acerca de currículos e dos objetos/objetivos que os constituem, têm sido definidas por, pelo menos, duas instâncias – uma deliberativa e uma prática. Ou seja, os sentidos circulantes acerca do que as crianças podem aprender na educação infantil estão sendo definidos em documentos de políticas nacionais e nos contextos das instituições educativas, das práticas cotidianas de professores junto às crianças. quando mencionarmos as DCNEI, considerando que sendo nosso objeto de análise, aparecerá repetidas vezes no texto. 31 Sendo assim, definimos como questão de pesquisa: Que sentidos são atribuídos ao currículo e aos conhecimentos que podem se constituir como objetos e objetivos da educação infantil no texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEI) e nas vozes de professores que atuam nessa etapa educativa? Desse modo, compreendendo que as significações, enquanto produções humanas-sociais só podem ser estudadas na sua gênese e história (BAKHTIN, 1995; 2003; VIGOTSKI, 2000; 2005; 2007; 2009), tanto no contexto dos discursos construídos oficialmente, como nos sentidos atribuídos pelos sujeitos da prática, definimos como objeto de estudo: sentidos atribuídos ao currículo e aos conhecimentos que podem se constituir como objetos e objetivos da educação infantil identificados no texto das DCNEI e nas vozes de professores que atuam nessa etapa. Orientadas por nossa questão e pelo objeto nela recortado, definimos como objetivo da pesquisa: analisar os sentidos atribuídos ao currículo e aos conhecimentos que podem se constituir como objetos e objetivos na educação infantil identificados no texto das DCNEI e nas vozes de professores que atuam nessa etapa. Para o desenvolvimento de tal objetivo, ancoradas nas proposições da abordagem sócio histórica e do dialogismo bakhtiniano, desenvolvemos uma investigação essencialmente qualitativa, que envolve o estudo bibliográfico do tema, uma análise documental e a realização de procedimentos empíricos por meio da escuta de professores. Partimos do pressuposto de que as significações produzidas em discursos/textos oficiais passam a circular nos meios sociais-educacionais onde vão sendo apropriados de modo circunstanciado – e singular – por cada grupo e cada pessoa-profissional, de acordo com as mediações com e pelas quais com elas podem interagir. Tornados próprios, esses sentidos podem orientar suas interpretações e ações em relação ao currículo e seus desdobramentos no cotidiano da prática junto às crianças. Para analisar sentidos acerca do currículo e dos conhecimentos que constituem objetos/objetivos das experiências a serem vivenciadas pelas crianças na educação infantil estamos nos fundamentando, especialmente, numa perspectiva histórico cultural do desenvolvimento humano (VIGOTSKI, 2005; 2007; 2009). Consideramos que o planejamento e o desenvolvimento das ações cotidianas junto às crianças, tendo em vista sua aprendizagem e desenvolvimento, bem como o 32 papel mediador do adulto professor, requerem uma necessária sistematização de suas ações e intervenções pedagógicas, ainda que específicas, pertinentes às necessidades e possibilidades das crianças de aprenderem, brincarem e produzirem cultura em contextos de mediação social e simbólica e, nesse movimento, produzirem- se como sujeitos. Entendemos que a educação faz-se como apropriação da cultura, como desenvolvimento de funções psíquicas mediante compartilhamento e internalização de modos sociais de ação. Esse processo é, por sua vez, de acordo com Vigotski (2007) mobilizado por aprendizagens que se processam em condições de mediação de algum procedimento – modo de funcionamento social. Portanto, toda aprendizagem comporta algum conhecimento – modo de ação e de significação – na medida em que envolve apropriação de práticas da cultura e amplia as possibilidades das crianças de ser e estar no mundo como sujeito que intervém nas relações, se apropria dos objetos culturais (significados e sentidos) e, ao elaborar sentidos próprios, singulares, predominantemente lúdicos, produz cultura. Dito assim, podemos definir os conhecimentos que compõem os currículos na educação infantil como objetos/objetivos de aprendizagem que envolvem práticas- procedimentos-comportamentos, sentimentos, valores, ideias-concepções-conceitos da cultura, bem como símbolos, signos, significações, significados e sentidos produzidos historicamente nas relações sociais em diferentes âmbitos (acadêmico, científico, literário, artístico, cultural). Envolvem, portanto, modos de ação de dimensões diversas intimamente articuladas: corporais, cognitivas, afetivas, simbólicas, lúdicas. Mesmo compreendendo que as orientações normativas não podem comprometer a autonomia das instituições para elaborar seus projetos pedagógicos com a participação da comunidade educativa, consideramos como legítima a dificuldade de professores e outros profissionais envolvidos na organização das práticas pedagógicas das instituições e redes educacionais em definir o quê, tanto os bebês (crianças de zero a aproximadamente dezoito meses), como as crianças de dezoito meses a aproximadamente três anos e onze meses e ainda as crianças de quatro a cinco anos, podem e precisam aprender para se desenvolver de forma integral considerando suas especificidades – necessidades e possibilidades. Nessa perspectiva, temos considerado que é preciso objetivar, nas práticas educativas e propostas curriculares, “o quê” as crianças aprendem e podem/precisam 33 aprender em suas experiências, interações e brincadeiras17. Vale destacar que não estamos apontando para uma perspectiva de programação de conteúdos fixos e predeterminados por curriculistas – especialistas externos – a ser operacionalizada por professores – sujeitos da prática, compreendida como práxis – ação-reflexão- ação. Mas, conforme aqui discutido, são necessárias condições de mediação e formação, que incluam os professores, seus saberes, suas experiências e suas próprias necessidades de formação – enquanto processo de aprendizagem e desenvolvimento necessariamente mediados – nesse processo de construção curricular. Entendemos que para os professores atuarem como sujeitos ativos- participativos dos processos de construção e desenvolvimento de propostas curriculares na educação infantil são necessários saberes específicos sobre em que consiste e o que constitui tais currículos, dentre eles, que conhecimentos se configuram como objetos da cultura que podem/precisam ser aprendidos pelas crianças e, portanto, constitutivos da prática pedagógica dos professores. Desse modo, a lida com o currículo por parte de professores e gestores institucionais tem sempre uma dimensão formativa, dado que, ao mesmo tempo em que precisa instituir-se como um instrumento coletivo construído a partir do instituído – negociado socialmente – bem como da reflexão e do registro de práticas vividas e compartilhadas, também institui, forma e orienta as decisões e ações no cotidiano pedagógico, cria contextos de produção de sentidos acerca de toda a prática educativa, contribuindo, portanto, para o envolvimento, para a assunção da prática como ato ético-político e não para sua realização de forma mecanizada e alienada- alienante. Nessa perspectiva, entendemos currículo como conjunto-processo de práticas-experiências (des)organizadas e vividas efetivamente em contextos educativos em torno da cultura, de objetos de conhecimento, fundamentadas em concepções e ações compartilhadas por todos os sujeitos envolvidos na comunidade educativa, com vistas ao aprendizado e desenvolvimento integral dos educandos. Se constitui na dimensão da práxis, enquanto processo e produto (RIBEIRO, 2004) e, entendido como texto, como produção discursiva, é sempre parcial e provisório, mas 17 Termos, eixos, práticas apontadas nas DCNEI como constitutivas do currículo, que serão também aprofundados nos capítulos de análise dos dados. 34 com relativa estabilidade constitutiva de sua natureza de referência (LOPES; MACEDO, 2011). Pensando assim, não poderíamos analisar sentidos do texto curricular oficial sem dialogar com os textos produzidos nas vozes de professoras a partir de suas práticas curriculares, do currículo em ação – vivido e narrado, processo e produto – que institui e é instituído no contexto das práticas e experiências cotidianas. 1.3 O ESTADO DA ARTE A definição de nossa questão e objeto de estudo, além de resultante de nossas inserções na vida acadêmica e profissional e das reflexões que delas emergiram, também teve respaldo no estudo que empreendemos acerca das pesquisas que tematizam o mesmo objeto ou dele se aproximam. Assim, um exercício constante, desde o início de nosso percurso de investigação, foi a permanente construção do Estado da Arte mediante levantamento, sempre atualizado, de estudos sobre o tema, dos quais trazemos aqui uma breve síntese e com os quais buscamos dialogar durante nossa incursão na construção e análise dos dados sobre nosso próprio objeto investigativo. Desse modo, alguns trabalhos aqui elencados foram retomados nos capítulos que apresentam nossas elaborações em torno do tema. Considerando a natureza do nosso objeto de estudo, não trouxemos aqui as pesquisas encomendadas oficialmente pelo MEC, nem os textos/artigos publicados por renomados autores da área no contexto de disseminação/orientação de políticas curriculares nacionais, pois esse material já aparece amplamente discutido no desenvolvimento desse trabalho. No campo da educação infantil, questões relativas às especificidades de um currículo ou, mais especificamente, dos “conhecimento(s)” que pode(m) constituir-se como objetos/objetivos de práticas pedagógicas junto às crianças pequenas são pouco pesquisadas entre os estudos que analisam propostas curriculares e abordam questões relativas ao currículo e conhecimento. Em pesquisa no banco de teses da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior-CAPES, localizamos alguns trabalhos relativos à temática do currículo na/para educação infantil, entre eles, destacamos as pesquisas que analisam propostas curriculares institucionais em processos de elaboração, desenvolvimento e avaliação ou orientações curriculares/pedagógicas de redes 35 municipais/estaduais de educação infantil, como Melo (1988), Paranzini (1988), Carvalho (1990), Barros (1990), Helene (1992), Ronchi Filho (1995), Delgado (1997), Mello (1999), Batista (1999), Wiggers (1999; 2007), Mota (2001), Pena (2005), Cirino (2008), Azambuja (2009), Silva (2010), Trindade (2011) e Abuchaim (2012). As pesquisas de Melo (1988) e Barros (1990) analisam a proposta pedagógica em construção do Núcleo de Educação Infantil – NEI/UFRN no período de implantação de um currículo cognitivista concebido por David P. Weikart e baseado na teoria de Jean Piaget sobre os processos de construção do conhecimento. Os trabalhos de Paranzini (1988) e Carvalho (1990) analisam as relações entre as práticas pedagógicas desenvolvidas nas instituições educativas e as orientações das propostas curriculares das redes de ensino do Paraná e Minas Gerais respectivamente. A pesquisa de Helene (1992) faz um delineamento da história da educação infantil em São Paulo, analisando a passagem dos parques infantis para as escolas municipais e estudando as tendências curriculares que embasavam essas experiências. As três pesquisas explicitam o caráter multifacetado das práticas curriculares, pois não identificam uma única teoria que as fundamentem. Além disso, observam discrepâncias entre documentos e práticas, ausência de participação e envolvimento de professores e comunidade escolar nas decisões, e ainda descontinuidade dos processos de construção curricular devido às mudanças administrativas. Ronchi Filho (1995) e Delgado (1997) analisam propostas curriculares institucionais da CRIARTE/UFES e do NEI Canto da Lagoa/ UFSC respectivamente. Ambos os trabalhos, em contextos diferentes, identificaram as dicotomias existentes entre o “velho” e o “novo” no que se refere às teorias que sustentam as práticas cotidianas, o caráter de provisoriedade e as contradições do currículo durante os processos de construção do projeto pedagógico. A pesquisa de Delgado (1997) adentra mais no campo dos estudos curriculares, buscando delinear as relações entre currículo e cultura no contexto da teoria crítica e dos estudos da nova sociologia da educação, apontando para a necessidade de um processo de formação em serviço e de reflexão sobre o fazer pedagógico para construção de uma proposta educativa para pré-escola envolvendo diferentes atores sociais. A dissertação de Batista (1999) amparada principalmente na psicologia do desenvolvimento se propõe a apontar subsídios para a elaboração de uma proposta político-pedagógica para educação infantil. Deste modo, busca contemplar aspectos 36 que favoreçam o desenvolvimento da criança de 0 a 6 anos, levando em consideração as áreas de desenvolvimento físico, mental, social e emocional. Para tanto, apresenta a proposta de trabalho com projetos, entendida como maneira de organizar as atividades a serem desenvolvidas com as crianças privilegiando o lúdico. As pesquisas de Wiggers (1999; 2007) analisam em períodos diferentes as propostas de redes municipais do estado de Santa Catarina. A dissertação analisa o movimento de reorientação curricular do município de Florianópolis entre os anos de 1993 a 1996, constatando que a educação infantil no contexto estudado, ora se coloca numa perspectiva escolar de modo indiferenciado para crianças mais novas e mais velhas, ora reconhece as especificidades desta etapa educativa, enquanto a tese analisa as propostas pedagógicas para educação infantil elaboradas por municípios de Santa Catarina e identifica a predominância do uso do RCNEI. O trabalho de Pena (2005) que analisa o currículo do Projeto Escola Cabana de 1997 a 2004 em Belém, PA, identifica três momentos da construção curricular no projeto: o primeiro que se organiza em eixos de trabalho segmentado em áreas de conhecimentos aproximadas do modelo escolar; o segundo com a proposta de temas geradores que se distanciam das especificidades da criança atendida; e o terceiro com a ressignificação desses temas geradores de modo contextualizado ao desenvolvimento das crianças. A pesquisa de Azambuja (2009) analisa, nesse mesmo período, a orientação do currículo popular crítico de Chapecó, SC, mas o foco de análise são as implicações teóricas e práticas da pedagogia freiriana para a educação infantil. Silva (2010) pesquisou a implantação de um currículo na educação infantil do Centro Social Marista Itaquera em São Paulo, em cujo processo, aponta, como dificuldade, o atendimento às demandas dos bebês e a parceria com as famílias para a construção curricular. Pesquisa desenvolvida por Trindade (2011) analisa as experiências formativas de professoras na construção da proposta curricular para a rede municipal de Feira de Santana, BA. Por sua vez, o trabalho de Abuchaim (2012) objetivou investigar como se dá a transposição do prescrito no currículo para o planejamento e deste para o cotidiano de instituições de Educação Infantil, mais especificamente de pré-escolas, em duas instituições públicas de educação infantil do município de São Paulo. 37 A pesquisa de Mello (1999) analisa a história das ideias e o percurso da construção do projeto educacional da Creche Carochinha da USP - Campus de Ribeirão Preto, com o objetivo de orientar a construção de propostas pedagógicas em creches, dentro das perspectivas abertas pela LDB 9394/96, tecendo críticas aos modelos assistencial e escolar que estariam contidos nas propostas oficiais de educação infantil, entre estas o RCNEI. Este trabalho “inaugura” um conjunto de pesquisas que se propõem – com objetos e olhares diferenciados – a analisar criticamente o RCNEI. Além de Mello (1999) identificamos outras pesquisas que abordam questões referentes a currículos na educação infantil e, para tanto, analisam o RCNEI, como a de Bujes (2001), Barricelli (2007), Staffen (2007) e Leal (2008). Nessa perspectiva, enquanto Mello (1999) e Bujes (2001) criticam o caráter “conteudista” do RCNEI, a análise de Barricelli (2007) traz a preocupação com o esvaziamento de conteúdos nos eixos propostos pelo documento. Sobre aspectos mais pontuais do currículo, localizamos a pesquisa de Silva (2005) que busca compreender a concepção de currículo na educação de infância nos discursos de professores da rede pública e privada de ensino de Campo Grande/MS e a de Vieira (2006) que busca desvelar a relação entre arquitetura e currículo em duas escolas da cidade de Uberlândia/MG, apontando para a necessidade de uma equipe multidisciplinar nas construções dos prédios para educação infantil. O trabalho de Arruda (2007) aborda questões relativas à construção curricular e criatividade do professor que se desencadeia principalmente no currículo em ação. Por sua vez, estudo desenvolvido por Lyrio (2008) busca mostrar como o currículo “prescrito” através de grande quantidade de projetos, referenciais e atividades implementada pela secretaria de educação, é burlado, traduzido e negociado no cotidiano pelos professores que o reinventam. Estudo desenvolvido por Prates (2012) analisa as interdiscursividades entre currículo e infância, através de uma perspectiva de análise micropolítica, referente aos movimentos do currículo, no sentido de compreender as práticas curriculares que promovem uma vida mais bonita na educação infantil, que valoriza o pensamento inventivo das crianças. Pesquisas mais recentes já apontam como fundamento para suas análises, as DCNEI (BRASIL, 2009g), como a de Tussi (2011) que aborda a temática espaço e currículo e a de Amorim (2012), cujo objetivo principal é compreender se e como as políticas nacionais de Educação Infantil e de currículo são (re)interpretadas e 38 transformadas em políticas e práticas locais a partir da análise do currículo em ação, desenvolvido com crianças de 0 a 3 anos, em creches públicas do município de Santa Rita, PB, cujos resultados já foram brevemente apresentados anteriormente. Outras pesquisas, como a de Amorim (2012), analisam práticas curriculares rotinizadas, fragmentadas e reguladoras, como a de Carvalho (2011) que trata sobre o trabalho pedagógico desenvolvido no espaço institucionalizado da creche, ofertado pela rede municipal de ensino da cidade de Manaus, AM, com o objetivo de compreender a construção do currículo da e na creche, por meio do cotidiano e das práticas desenvolvidas naquele espaço. De modo semelhante, estudo de Maia (2013) tem como objetivo estudar o currículo da Educação Infantil organizado em torno das datas comemorativas do calendário civil e religioso em duas escolas de Educação Infantil em um dos cinco municípios mais populosos em relação à faixa etária de 0 a 6 anos do estado do Rio de Janeiro. Citamos, ainda, pesquisas de cunho bibliográfico que tratam da historicidade do currículo na/para educação infantil, analisando textos acadêmicos e/ou documentos oficiais, como Souza (1997), Rocha (1999), Guthiá (2002) e Silva (2003). A dissertação de Souza (1997) analisa o período de 1989 a 1996 buscando delinear a constituição da pré-escola como educação escolar na literatura especializada (75 documentos – teses e dissertações, livros, artigos de coletâneas e periódicos), examinando questões relativas a currículo, didática e trabalho docente. A tese de Rocha (1999) analisa a produção sobre a educação da criança pequena no período de 1990-1996 tomando por base os trabalhos apresentados nas reuniões anuais da ANPEd e da SBPC, mapeando temas que contribuíssem para uma pedagogia da educação infantil. O trabalho de Guthiá (2002) analisa dissertações e teses defendidas nos programas de pós-graduação em educação no Brasil no período 1990-1998 com o objetivo de identificar as orientações para a programação educacional-pedagógica para a educação das crianças de 0 a 6 anos em instituições de educação infantil. Por sua vez, o trabalho de Silva (2003) analisa as propostas publicadas por educadores da área como Assis (1985), Kramer (1991), Machado (1991) e Deheinzelin (1994) e aquelas publicadas no âmbito oficial nas décadas de 1980 e 1990, buscando delinear a organização curricular e a ordenação dos conhecimentos para educação infantil. A autora identifica “embates” no processo de configuração do currículo da educação infantil, enquanto uma construção social e política, onde vários 39 sujeitos e forças sociais buscam priorizar seus objetivos/interesses e se propõe a contribuir na definição de fundamentos essenciais das propostas curriculares- pedagógicas. Encontramos poucas pesquisas que investigam questões relativas ao conhecimento como parte do currículo. Dentre essas podemos citar o estudo de Junqueira Filho (2000) que apresenta uma proposta de organização curricular com conteúdos-linguagens e a tese de Pasqualini (2010) que investiga os princípios orientadores para a organização do ensino numa instituição de Educação Infantil de São Paulo e aponta o conteúdo como um dos eixos de análise. Mais recentemente, identificamos duas dissertações orientadas por Junqueira Filho: Ferreira (2012) e Genz Gaulke (2013). A primeira propõe uma reflexão a respeito das tensões contemporâneas em torno dos conteúdos na educação infantil, analisa propostas curriculares observando como elas vêm abordando a questão relativa aos conteúdos, tanto no que diz respeito à seleção, quanto à articulação dos mesmos. O estudo conclui que as propostas curriculares oscilam entre a adoção e seleção e a negação e exclusão dos conteúdos; atesta que essa coexistência de diferentes entendimentos sobre o conceito de conteúdo é fator determinante das tensões que dividem a educação infantil e propõe uma ressignificação do conceito de conteúdo. O segundo estudo se propõe a investigar como se constitui a relação professor-aluno-conhecimento na educação infantil em experiências pedagógicas brasileiras, portuguesa e espanhola, sustentando que há um protagonismo compartilhado entre professor e crianças na relação com o conhecimento. Duas pesquisas publicadas e desenvolvidas em contextos de grande escala também compõem esse Estado da Arte: a Pesquisa de Avaliação Diagnostica “Caracterização da Educação Infantil no Estado da Bahia” (SANTOS; RIBEIRO, 2014) já apresentada anteriormente, e outra coordenada pela Organização Mundial de Educação Pré-escolar-OMEP, realizada no Chile e na Colômbia (ZAPATA-OSPINA; RESTREPO-MESA, 2013). Esta aborda as “Aprendizagens Relevantes para os meninos e meninas na primeira infância” segundo opiniões de educadores, famílias, professores em formação e crianças de 7 a 14 anos, com a participação de sete universidades chilenas e uma colombiana. A pesquisa analisa tensões envolvidas nessas definições e defende a contextualização dos objetos-objetivos da educação nas relações entre educador e educandos, ressaltando que o processo de 40 aprendizagem não pode se orientar somente pela aquisição de ferramentas cognitivas ou técnicas, com fins instrumentais. Acreditamos que, situado nesse contexto de produções, nosso trabalho pode contribuir para o delineamento das questões históricas, políticas e sociais relativas aos modos como conhecimentos e currículo vem sendo definidos-significados na educação infantil para uma ampliação dos estudos em torno dessa temática, na medida em que propõe a análise de sentidos atribuídos, tanto no discurso oficial – DCNEI – como por professores em relação a currículo e ao que constitui conhecimento – objetos/objetivos nessa etapa. Entre os trabalhos elencados acima, apenas a dissertação de Ferreira (2012) analisa o conteúdo na proposta das DCNEI, no entanto, o foco da análise está em demonstrar que há conteúdos de aprendizagem na educação infantil e que estes estão implícitos e podem ser identificados no interior das experiências educativas apontadas no documento. Desse modo, nosso estudo pode contribuir para ampliar a discussão sobre essa questão. O texto aqui apresentado traz uma síntese do processo vivenciado em sua construção. 1.4 A ORGANIZAÇÃO DO TEXTO Após essa introdução, apresentamos no capítulo dois, os principais aportes teórico-metodológicos que embasam a pesquisa, os procedimentos de construção e análise de dados, assim como os documentos e sujeitos que compõem nossas fontes de corpus de análise. No terceiro capítulo, delineamos histórias de crianças e infâncias, discutimos como se processam sua aprendizagem e desenvolvimento, bem como suas especificidades; apresentamos nossas compreensões de educação infantil, as histórias e políticas recentes que ancoram o trabalho nessa etapa educativa, destacando sua função social de cuidado-educação, processo que poderia mesmo ser sintetizado em educação, visto que educar envolve, necessariamente, cuidar, de algum modo, com alguma qualidade, assim como envolve relações de ensino – de sujeitos professores e aprendizes em direção aos objetos de conhecimento e, por consequência, formação de profissionais professores, co-responsáveis por tais relações de/com o conhecimento – objetos da cultura que compõem objetivos e conteúdos de aprendizagem. 41 No quarto capítulo, iniciamos a discussão sobre currículo, cultura e conhecimento na educação infantil, delineando as principais abordagens curriculares históricas, as teorizações acerca de currículo e o conhecimento como parte-elemento constitutivo de propostas pedagógicas na/para educação infantil. Com base nessa discussão analisamos os sentidos atribuídos ao currículo nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e por professoras - sujeitos de nosso estudo. No quinto capítulo, apresentamos as discussões em torno do conhecimento na trajetória das propostas e estudos curriculares no contexto brasileiro, bem como nos documentos das políticas nacionais para educação infantil e analisamos os sentidos relativos a conhecimento presentes nas DCNEI, dialogando com seus contextos de produção e textos circulantes. E, no sexto capítulo, abordamos a análise dos sentidos acerca de quais conhecimentos são propiciados as crianças pequenas nas vozes das professoras. Por fim, tecemos as considerações finais que buscam dar relevo ao que conseguimos alcançar com nosso estudo. Iniciamos os capítulos com trechos de poesias de Manoel de Barros, o “poeta dos despropósitos”, do menino que carregava água na peneira, não por acaso, ou como mero adorno, mas por acreditar que as palavras desse poeta declaram outro modo de ver as coisas, de conhecer o mundo, e, no caso dos trechos escolhidos, nos colocam na perspectiva de crianças que se aproximam da cultura, do conhecimento do mundo com uma ótica bem diferente dos adultos. Mas, tal como nos apresenta o poeta, e também como afirmou Jean Piaget (2006), no início do século passado, esse “olhar” infantil traz uma outra perspectiva, uma lógica singular e válida – diferente, mas não inferior, marcada, ao mesmo tempo, pela cultura vigente, apropriada pelas crianças, e pela reinvenção que por elas elaborada; pela criação de algo novo. Assim, suas palavras poéticas nos instigam, tanto quanto as teorias, a pensar sobre o que as crianças conhecem e podem conhecer em suas experiências no/do mundo, das quais, aquelas que vivem nas instituições de educação infantil constituem uma parte relevante. Sua poesia nos mostra que pesquisar é prática que transita tanto pela ciência como por outros modos de conhecer, saber, pensar, sentir... Impressionam com outras verdades, aquelas não ditas. E, principalmente, lembram- nos que sempre haverá outro jeito de dizer, de interpretar, de conhecer a origem e a explicação para as coisas do mundo, as quais, como diz Paulinho da Viola, “estão no mundo, só que nós/as crianças precisamos/precisam aprender”. 42 2 A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA: APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá mas não pode medir seus encantos. A ciência não pode calcular quantos cavalos de força existem nos encantos de um sabiá. Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare. Os sabiás divinam. (Manoel de Barros, 2010) E quem disse que ao analisar dados construídos, achados de pesquisa, discursos de sujeitos que se entrecruzam em textos que se constituem como oficiais, também não tentamos “divinar”? Adivinhar os trajetos e processos subjacentes, não narrados, não descritos? E mesmo no narrado/dito/descrito, entender como se constitui aquele discurso, a partir de quais outros discursos. E, ainda, analisar vozes dos sujeitos da prática que indagam esses discursos e produzem outros sentidos. Compreender os contextos nos quais se produzem discursos oficiais e sentidos de professores acerca de currículo e conhecimento na educação infantil, sem perder “o condão de adivinhar: divinare”. É esse processo de pesquisa que vivenciamos e cujos princípios e procedimentos aqui apresentamos. A investigação assumiu princípios da abordagem histórico cultural de Lev S. Vigotski (1896-1934) e proposições do dialogismo de Mikhail Bakhtin (1895-1975), cujas bases teórico-metodológicas são pautadas no materialismo histórico dialético de Karl Marx (1818-1883), em que toda ciência é, necessariamente, histórica. Conforme nos explica Pino (2000), a ciência é produto da atividade humana e o conhecimento é um processo histórico que segue as leis da dialética e, sendo assim, o materialismo histórico é a aplicação do materialismo dialético à história. É o materialismo que confere à dialética seu caráter histórico, pois expressa os princípios das condições concretas da produção do conhecimento, ou seja: (a) a distinção entre o real e o conhecimento desse real e (b) a primazia do real sobre o conhecimento. O primeiro desses princípios, além de permitir escapar das concepções racionalistas e empiricistas, implica no fato de que entre o real e o conhecimento desse real existe um distanciamento em que opera a atividade produtiva do sujeito. O segundo faz do real o ponto de partida 43 do conhecimento, não de chegada como decorre do idealismo hegeliano – mas um ponto de partida que não se perde no processo de produção do conhecimento. O objeto de conhecimento não é o real em si, tampouco um mero objeto de razão. Ele é o real transformado pela atividade produtiva do homem, o que lhe confere um modo humano de existência. (PINO, 2000, pp. 50-51). Esses princípios encontram-se nas proposições, tanto de Vigotski, quanto de M. Bakhtin para a pesquisa e apontam para a centralidade, no processo de produção do conhecimento, da linguagem, do trabalho de significação em relação ao objeto de/em estudo que, em vez de imediatamente “captado”, é produzido mediante o exercício de interpretação – de (re)criação. A linguagem constitui, assim, tanto o objeto em estudo como o modo de aproximação, de apreensão e compreensão do real, pois [...] a própria compreensão não pode manifestar-se senão através de um material semiótico [...]. Afinal, compreender um signo consiste em aproximar o signo apreendido de outros signos já conhecidos; em outros termos, a compreensão é uma resposta a um signo por meio de signos. (BAKHTIN, 1995, p. 33-34). Nessa perspectiva, a produção do conhecimento na pesquisa é sempre uma negociação de sentidos que resulta em um texto possível e situado, portanto, parcial – marcado pela atividade humana em um dado contexto constituído de relações sociais e simbólicas. Por consequência, sendo a linguagem uma produção social, dialógica e ideológica – ao mesmo tempo parte da realidade, reflete e refrata esta – e produto de interações entre sujeitos (BAKHTIN, 1995), o processo de pesquisar configura-se, enquanto modo/método de construção de conhecimento sobre um dado do real, como interação entre sujeitos, visto que “Os signos só emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma outra” (BAKHTIN, 1995, p. 34), o que reconfigura a compreensão das posições e papeis de pesquisadores e pesquisados – ressignificados como sujeitos em relação, que produzem, em condições circunstanciadas socialmente, marcadas por suas posições nas relações sociais, sentidos acerca dos objetos em foco nas interações. A própria prática de pesquisa, situada e marcada pelas posições sociais que ocupam os sujeitos que dela participam, com suas visões de mundo, valores, interesses e condições diferenciadas de negociação, assume seu caráter de não 44 neutralidade e impossibilidade de absoluta objetividade. O processo de pesquisa é (de)marcado, dessa forma, por contradições, tensões, conflitos e negociações possíveis, pois o que se constrói não se faz a partir de objetos dados e meramente captados e descritos. Esses são sempre interpretados, recriados pelos sujeitos em relação, ainda que com papeis diferenciados – o pesquisador e os outros sujeitos da pesquisa e seus textos. Mas, em que pese o reconhecimento dessa impossibilidade de neutralidade na pesquisa, os princípios de Vigotski e Bakhtin nos orientam na busca – imprescindível – de rigor na descrição e interpretação daquilo que se apresenta como constitutivo do objeto de investigação. Daí emerge a responsabilidade com dimensões ética, técnica e estética na reconstrução dos contextos e sujeitos – e seus textos – bem como a busca de compreensão das relações que os constituem, o que exige esforço, tanto de aproximação/imersão, quanto de distanciamento, a ser dispendido pelo pesquisador para desenvolver a pesquisa o que, segundo Bakhtin (2003) caracteriza uma posição exotópica18. A assunção das proposições dessas abordagens para os encaminhamentos metodológicos da pesquisa deveu-se, tanto à nossa pertença a um grupo de pesquisa que já busca orientar-se teórica e metodologicamente por essas perspectivas, mas, também, pelo que recortamos como nossa questão de estudo, cuja definição foi já orientada pelos pressupostos dessas duas abordagens que tematizam processos mentais humanos de uma perspectiva que reconhecemos como sócio-histórico- cultural, ainda que com suas peculiaridades. Desse modo, nossa questão de pesquisa foi sendo construída e revisitada com o aprofundamento de nossos estudos sobre metodologias de pesquisa fundamentadas nas abordagens teóricas citadas, bem como no delineamento bibliográfico da investigação. Fomos compreendendo que para analisar documentos oficiais e suas orientações referentes ao que constitui/pode constituir currículos para crianças pequenas e, de modo especial, aos objetos de conhecimentos que compõem tais currículos, estaríamos analisando discursos e identificando sentidos que vão se tornando oficiais na medida em que se produzem no contexto das políticas curriculares implantadas pelo Ministério da Educação - MEC, enquanto instância social e política assim legitimada. Esse conjunto de sentidos tornados oficiais 18 Retomaremos mais adiante o conceito bakhtiniano de exotopia. 45 mediante processos históricos, em que se entrelaçam fatores sociais, econômicos, políticos, culturais, contribuem – ainda que não de modo linear e exclusivo – para a construção de sentidos pelos professores, sentidos estes que, por sua vez, constituem, em alguma medida, suas práticas junto às crianças. Que sentidos são esses? Em que medida esses sentidos se entrecruzam, se entrelaçam e se (des)encontram? Esses os questionamentos que compuseram nossa pergunta de partida e nosso percurso de construção de respostas possíveis. Delineamos nosso percurso metodológico assumindo as proposições de L. S. Vigotski e de M. Bakhtin, cujos aspectos principais encontram-se organizados por Freitas (2002; 2003) que reconhece, nessas duas abordagens, uma perspectiva qualitativa que prioriza, de um modo geral, as significações de sujeitos e os processos de elaboração de sentidos. Segundo a autora, é possível observar, nessas duas abordagens de orientação sócio-histórica as seguintes características:  A fonte de dados é o texto (e contexto) no qual o acontecimento emerge [...];  As questões formuladas para a pesquisa não são estabelecidas a partir da operacionalização de variáveis, mas se orientam para a compreensão dos fenômenos em toda a sua complexidade e em seu acontecimento histórico [...];  [...] A ênfase da atividade do pesquisador situa-se no processo de transformação e mudança em que se desenrolam os fenômenos humanos, procurando reconstruir a história de sua origem e de seu desenvolvimento;  O pesquisador é um dos principais instrumentos da pesquisa porque, sendo parte integrante da investigação, sua compreensão se constrói a partir do lugar sócio histórico no qual se situa e depende das relações intersubjetivas que estabelece com os sujeitos com quem pesquisa;  O critério que se busca numa pesquisa não é a precisão do conhecimento, mas a profundidade da penetração [...]. (FREITAS, 2003, pp. 27-28). Nesse sentido, considerando fundamentos da abordagem histórico-cultural (VIGOTSKI, 2000; 2005; 2007) e da análise dialógica do discurso (BAKHTIN, 1995; 2003), desenvolvemos uma pesquisa de dupla natureza – bibliográfica e empírica – na qual adotamos procedimentos da pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas individuais e coletivas com professoras da educação infantil. Discutimos, a seguir, alguns dos princípios propostos pelas referidas abordagens, discorremos sobre como estamos compreendendo os processos de 46 significação e sentidos que constituem nosso objeto de pesquisa e apresentamos os procedimentos de pesquisa desenvolvidos, bem como caracterizamos o nosso corpus de análise e os sujeitos – professores participantes. 2.1 PRINCÍPIOS DA ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL DE L. S. VIGOTSKI PARA A INVESTIGAÇÃO DE PROCESSOS HUMANOS Segundo os princípios propostos por Vigotski (2000) o método para a pesquisa que busca compreender processos psíquicos humanos é construtivo, ou seja, estuda não estruturas naturais, dadas e acabadas, mas construções em permanente transformação, visto que “O desenvolvimento psicológico dos homens é parte do desenvolvimento histórico geral de nossa espécie e assim deve ser entendido” (VIGOTSKI, 2007, p. 62), o que implica construir uma metodologia que atenda à natureza dialética, não linear e não imediata da história humana. Para o autor: O elemento-chave do nosso método [...] decorre diretamente do contraste estabelecido por Engels entre as abordagens naturalística e dialética para a compreensão da história humana. [...] A abordagem dialética admitindo a influência da natureza sobre o homem, afirma que o homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria, através das mudanças nela provocadas, novas condições naturais para sua existência. [...] Entretanto, eu e meus colaboradores acreditamos que o comportamento humano tem aquela “reação transformadora sobre a natureza” que Engels atribui aos instrumentos. (VIGOTSKI, 2007, pp. 62-63). Sendo assim, o método para Vigotski tem como fundamento uma visão sociogenética, histórico-cultural e semiótica do ser humano, pois, como sintetiza Góes (2000, p. 12) considera a sua especificidade, ou seja, “o estudo do homem enquanto ser que se constitui imerso na cultura – nas experiências coletivas e práticas sociais – e como produtor-intérprete de sistemas semióticos”. Sendo assim, sua compreensão demanda caminhos metodológicos bem diferentes daqueles utilizados nas ciências naturais – que não conseguem, por exemplo, “medir os encantos de um sabiá”, ou contextualizar sentidos de sujeitos e significações sociais. Na construção de nossa investigação, buscamos nos orientar pelos princípios metodológicos propostos por Vigotski (2007) para a pesquisa que busca investigar processos humanos: 47  Analisar processos, considerando a dinâmica dos principais aspectos que constituem sua história, e não objetos estáveis, fixos e isolados de seus contextos de produção/desenvolvimento;  Explicar as relações dinâmico-causais reais subjacentes ao fenômeno estudado, revelando sua gênese – análise genotípica, e não apenas descrever, com base em suas manifestações e aparências externas – análise fenotípica;  Compreender que formas consideradas “fossilizadas” de comportamento precisam ser estudadas no tempo presente à luz da história, ou seja, numa fusão entre passado e presente - aquele que é e aquele que foi, o que implica uma análise do desenvolvimento que reconstrói e retoma seus pontos de origem, suas fases e mudanças. Pois, “é somente em movimento que um corpo mostra o que é” (p. 68). Sobre esse processo de investigação, Freitas (2010, p. 8) reforça que o pesquisador, fundamentado no materialismo histórico dialético proposto por Vigotski, que propõe a percepção dos fenômenos humanos em seus processos de transformação, “deve se preocupar não apenas com o produto de sua investigação, mas com o processo que envolve o evento estudado, o que significa ir às gêneses da questão, buscando recuperar sua origem e desenvolvimento”, as relações que constituem sua forma presente e acessível. Ressalta, dos princípios propostos por Vigotski, a centralidade da atividade de linguagem, interconstitutivamente articulada ao pensamento, à atividade psíquica de descrição – apreensão do real – de interpretação, ou seja, de elaboração de sentidos; bem como a necessidade de considerar os problemas ou “objetos” em estudo como produções humanas sociais, históricas, intrinsecamente relacionados aos contextos em que emergem e em permanente movimento, cabendo ao pesquisador buscar apreender as relações que seus “objetos” têm com sua história e com seu entorno, relações essas não lineares, não harmônicas, mas também contraditórias. 2.2 PRINCÍPIOS DO DIALOGISMO DE M. BAKHTIN PARA A PESQUISA EM CIÊNCIAS HUMANAS Ao teorizar sobre a pesquisa nas ciências humanas a partir da perspectiva de seu dialogismo, Bakhtin (2003) trouxe uma importante contribuição para a compreensão dos processos metodológicos nessa área, principalmente com relação à natureza do “objeto” de/em estudo, aos procedimentos a serem desenvolvidos na 48 sua compreensão e aos papéis de pesquisador e pesquisados no contexto da pesquisa. Ao observar o/a papel/relação do pesquisador com o contexto da pesquisa, o autor a define como uma relação de interação que implica movimentos de idas e vindas; de imersão e distanciamento, caracterizado como uma posição exotópica. Ao buscar apreender/compreender o outro – em seu discurso, seu texto, segundo o autor: Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento. (BAKHTIN, 2003, p. 23). Esse processo acontece dialeticamente, tanto quando ele se põe no lugar do outro, o que implica um movimento de imersão - de tentar enxergar pela perspectiva do outro, por meio de procedimentos empíricos que possibilitam uma reconstrução/descrição fidedigna de sua palavra, de seus sentidos, como quando o pesquisador assume seu papel responsivo/responsável, portanto, um papel ético, não apenas técnico, de produzir algo de novo, de conhecimento – possibilitado pelo seu excedente de visão. Ou seja, pesquisar implica, também, por parte do pesquisador, um movimento inverso daquele de aproximação, de estar mergulhado no contexto do sujeito, enxergando o que ele enxerga; é o movimento de afastar-se, ou seja, de colocar-se no espaço exo, quer dizer, fora/externo. E, nesse distanciamento, com o que o pesquisador já sabe, com sua perspectiva, é possível enxergar no/do outro aquilo que o outro não vê. Sendo assim, ele consegue enxergar mais, não só porque o pesquisador não é o outro/sujeito, mas, também porque ele sabe outras coisas que o outro não sabe. Assim, conhecendo o que o outro sabe/os sentidos que expressa – em suas vozes e em seus silêncios (também modos de “dizer”) e tendo outros conhecimentos que o sujeito pesquisador não detém, ele pode fazer interpretações e “acréscimos” às visões primeiras. O conhecimento – texto/produção de sentidos - resulta dessa interação entre as perspectivas do sujeito pesquisado e do pesquisador, portanto numa relação necessariamente de (inter)ação. 49 Desse modo, os princípios do dialogismo bakhtiniano nos apontam que o real se apresenta para nós, sempre numa perspectiva semiótica, como explica Fiorin (2012, p. 167), “que nosso discurso não se relaciona diretamente com as coisas, mas com outros discursos, que semiotizam o mundo. Essa relação entre os discursos é o dialogismo”. Para analisar significações em torno de conhecimentos curriculares na educação infantil no âmbito das diretrizes oficiais, foi necessário compreender os modos como os diferentes discursos se entrecruzam tanto dos documentos, como nos sentidos atribuídos pelos sujeitos da prática. Os textos – tanto de documentos, como das transcrições das vozes/discursos de professores – são elaborados/construídos em contextos que os definem, e os modos como são “lidos” e analisados na pesquisa dizem respeito aos modos como nós – enquanto pesquisadora, fomos nos aproximando desses contextos e se apropriando/desvelando as significações que os circundam/constituem. Para Bakhtin (2003, p. 307) o texto, seja oral ou escrito, é a realidade imediata – do pensamento e das vivências - o nosso objeto de pesquisa é sempre o texto, se não houver texto, não há pensamento. “Se entendido o texto no sentido amplo como qualquer conjunto coerente de signos”, podemos dizer que, inclusive, obras de arte são textos – “pensamentos sobre pensamentos, vivências das vivências, palavras sobre palavras, textos sobre textos”. Nas palavras do autor: O pensamento das ciências humanas nasce como pensamento sobre pensamentos dos outros, sobre exposições de vontades, manifestações, expressões, signos [...] sentidos e significados dos outros, etc., realizados e dados ao pesquisador apenas sob a forma de texto. Independentemente de quais sejam os objetivos de uma pesquisa, só o texto pode ser o ponto de partida. (BAKHTIN, 2003, p. 308) O texto tem, portanto, sempre um sujeito/autor e se materializa em possíveis tipos, modalidades e formas de autoria. A cada texto, correspondem dois polos, um primeiro diz respeito ao sistema de linguagem – elementos, signos formais da língua, e o segundo refere-se às características próprias do texto – autoria, função, gênero e relações dialógicas e dialéticas19. Cabe aqui destacar, dois problemas de fronteiras do texto, abordados por Bakhtin (2003) no contexto da pesquisa. O problema das inter- 19 Relações Dialógicas entre textos de um determinado campo e Relações Dialéticas no interior de um texto. 50 relações dinâmicas dos elementos que determinam o texto como “enunciado” – a sua ideia (intenção) e a realização dessa intenção – ou seja, pode acontecer do sujeito autor modificar sua intenção inicial ou não conseguir cumpri-la. E o problema do segundo sujeito (nós, pesquisadores, por exemplo), que reproduz o texto do outro e cria um novo texto, na medida em que emoldura – comenta, avalia, objeta, etc. O acontecimento da vida do texto, isto é, a sua verdadeira essência, sempre se desenvolve na fronteira de duas consciências, de dois sujeitos. Um estenograma do pensamento humanístico é sempre o estenograma do diálogo de tipo especial: a complexa inter-relação do texto (objeto de estudo e reflexão) e do contexto emoldurador a ser criado (que interroga, faz objeções, etc.), no qual se realiza o pensamento cognoscente e valorativo do cientista. È um encontro de dois textos – do texto pronto e do texto a ser criado, que reage; consequentemente, é o encontro de dois sujeitos, de dois autores. (BAKHTIN, 2003, p. 311, Grifos do Autor.) Assim, sempre haverá o texto real e a sua compreensão e esta é obtida na análise dos significados dos signos, das palavras – signos por excelência. Ou seja, não buscamos significados diretamente nos fenômenos investigados, mas nos signos criados para designar os sentidos que se produzem nesse processo. A investigação acontece no diálogo que tecemos entre signos e significados. “Quando estudamos o homem, procuramos e encontramos signos em toda parte e nos empenhamos em interpretar o seu significado”. (BAKHTIN, 2003, p. 319). É nesse movimento dialógico que buscamos analisar os textos escritos e oficializados em documentos e os textos elaborados nas vozes dos sujeitos. Pois, a pesquisa, tanto para Bakhtin, como para Vigotski, consiste sempre, em interação de sujeitos, na qual, os dados são construídos mediante uma negociação de sentidos e o que resulta desse processo é o texto, ou seja, também produção de sentidos. A construção de dados e a sua análise, trata, portanto, de produção de sentidos. Buscamos encontrar e analisar feixes/eixos de sentidos representativos dos dados construídos no contexto da pesquisa. 2.3 SOBRE PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO E SENTIDOS A questão da significação é abordada pela psicologia histórico-cultural de Vigotski (2000; 2007) enquanto processo de internalização, por cada sujeito, do que circula na sociedade enquanto modos culturais de funcionamento inter-psíquico que, 51 ao serem internalizados propiciam, a cada um, constituir-se como um sujeito singular: “Por trás de todas as funções superiores e suas relações estão relações geneticamente sociais, relações reais entre pessoas”. (VIGOTSKI, 2000, p. 26). A abordagem histórico cultural nos possibilita compreender que o que é internalizado e que circula na sociedade, por entre as relações (ao mesmo que constitui as relações entre as pessoas com o mundo e consigo mesmas) são significações, são elaborações com base em signos – portanto, em processos de significação. Por isso, é preciso pensar nas produções dos documentos, nas ideias que os constituem, como significações, produções discursivas, sentidos – que não são naturais, nem únicos, nem estáticos, nem neutros; são históricos, sociais, culturais, marcados pela ideologia, pelas elaborações que, por determinações que são históricas, sociais e políticas, se tornam hegemônicas e passam a circular na sociedade assumindo posições mais valorizadas. Até porque, como diz Bakhtin (1995), toda palavra carrega consigo valoração, valores e interesses que têm marcas das posições sociais, marcas de objetividade e subjetividade. Como explica Smolka (2004, pp. 45-46): No jogo e na história das relações e das práticas, determinados signos e sentidos se estabilizam como “mais válidos” ou “mais verdadeiros”, se impõem e se tornam hegemônicos. É nesse jogo que se produz a ideologia, como conjunto de signos e valores que afetam e permeiam essas relações, essas práticas, esses sujeitos. A questão da significação – enquanto produção de significados e sentidos – é abordada por Vigotski (2010) ao tratar da relação entre pensamento e linguagem e afirmar a relação dialética entre esses dois processos do psiquismo humano como produto da própria história do homem, cuja unidade encontra-se no significado da palavra, que une atividade discursiva e intelectual – generalização, consciência. Enquanto tal, o significado da palavra é “uma formação dinâmica”; histórica – está sempre em movimento de (re)elaboração, sendo modificado pelos diferentes modos de funcionamento do pensamento, ao mesmo tempo que modifica a relação entre pensamento e linguagem, de modo dialético. Como afirma o autor, “[...] a linguagem não é um simples reflexo especular da estrutura do pensamento” [...]. A linguagem não serve de expressão a um pensamento pronto.” [...], assim como “O pensamento não se expressa mas se realiza na palavra” (Vigotski, 2010, p. 412). A relação entre ambos é de interconstitutividade. 52 O significado da palavra, por sua vez, é parte do processo de significação como um todo, de elaboração sígnica – de conversão dos conteúdos/formas das relações sociais em conteúdos/formas de funcionamento individual. Para o autor, nesse processo, além dos significados das palavras, na linguagem interior predomina o sentido da palavra. Desse modo, estabelece uma distinção entre significados e sentidos, embora os articule no processo de significação, aspecto salientado por Smolka (2000) e por Pino (2005). Para Vigotski (2010, pp. 465): [...] o sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada. O significado é apenas uma dessas zonas do sentido que a palavra adquire no contexto de algum discurso e, ademais uma zona mais estável, uniforme e exata. [...] o sentido real de uma palavra é inconstante. [...] Tomada isoladamente no léxico, a palavra tem apenas um significado. Mas, este não é mais que uma potência que se realiza no discurso vivo, no qual o significado é apenas uma pedra no edifício do sentido. Para o autor, os sentidos conferem um “enriquecimento” das palavras, formado por elementos intelectuais e afetivos, que as amplia, vinculados aos contextos e aos sujeitos envolvidos nas interações. Nesse sentido “A palavra incorpora, absorve de todo o contexto com que está entrelaçada os conteúdos intelectuais e afetivos e começa a significar mais e menos do que contém o seu significado quando a tomamos isoladamente e fora do contexto” (VIGOTSKI, 2010, pp 465-466). O autor sintetiza a compreensão do sentido afirmando que “O sentido real de cada palavra é determinado, no fim das contas, por toda a riqueza dos momentos existentes na consciência e relacionados àquilo que está expresso por uma determinada palavra” (Ibid, p. 466), o que envolve, além do conhecimento relativo ao significado, mas volição, sentimentos, motivações, interesses, valores. É dessa perspectiva que analisamos as vozes, tanto do documento, quanto das professoras – como elaborações constituintes e constituídas de sentidos que, no jogo das relações sociais, se tornam “mais válidas”, referências para o campo da educação infantil. Nos estudos bakhtinianos, A significação existe como capacidade potencial de construir sentido, própria dos signos linguísticos e das formas gramaticais da língua. É o sentido que esses elementos historicamente assumem, em virtude de seus usos reiterados. É, portanto, um estágio mais estável dos 53 signos e dos enunciados, já que seus elementos, como fruto de uma convenção, podem ser utilizados em diferentes enunciações com as mesmas indicações de sentido. (CEREJA, 2005, p. 202). Para Bakhtin (1995) o sentido da palavra é sempre determinado por seu contexto, portanto há tantas significações possíveis quantos contextos possíveis, no entanto ela não deixa de ser una e a normatização de seu significado é negociada em contextos de interação e convenção social. “O que faz da palavra uma palavra é sua significação”. (p. 49). A palavra, como signo, tem um caráter social, está sempre carregada de ideologia e visões de mundo, não pode ser separada, nas relações entre interlocutores, de sua significação. A significação constitui a expressão da relação do signo, como realidade isolada, com uma outra realidade, por ela substituível, representável, simbolizável. A significação é a função do signo; eis porque é impossível representar a significação (enquanto propriedade puramente relacional, funcional) à parte do signo, como algo independente, particular. [...] a significação não é uma coisa e não pode ser isolada do signo [...] (BAKHTIN, 1995, p. 51) O nosso objeto de pesquisa, da perspectiva de Bakhtin e Vigotski aqui anunciada, é analisado tendo como referência sua natureza semiótica e ideológica, pois, como já discutido, todo processo de significação – sentido e significado, é, portanto, constituído a partir de signos-palavras que são sempre criadas/produzidas/transformadas considerando sua natureza ideológica, pois são marcadas pelas relações de poder nos contextos sociais. Observamos assim, que o documento analisado nesse trabalho, apresenta e/ou sintetiza diferentes modos de significações, que alternadamente no contexto sócio político, são definidas como oficiais e se tornam hegemônicas. Por outro lado, os sentidos atribuídos pelos sujeitos da prática aos signos-significados presentem nos discursos também são diversos, pois estão implicados em processos de significação que são próprios/individuais e contextualizados. Falar em signos implica em falar em processos de significação, pois os signos ou sistemas de signos não são dados de uma vez por todas e o que os caracteriza é serem meios criados para significar, ou, em outros termos, para produzir significação. [...] Os processos de significação concretizam-se na vida cotidiana das pessoas, nas diferentes formas de práticas sociais, uma vez que a significação é uma produção social. (PINO, 2005a, p. 149). 54 Desse modo, podemos dizer que assim como Pino (2005, p. 150) descreve no processo de constituição cultural do ser humano, em que “os processos de significação são aquilo que possibilita que a criança se transforme sob a ação da cultura, ao mesmo tempo que esta adquire a forma e a dimensão que lhe confere a criança, pois as significações que a sociedade lhe propõe (impõe?) adquirem o sentido que elas têm para a criança”. As significações sociais que se presentificam nos textos que se materializam em documentos oficiais orientam os professores e profissionais na construção de suas práticas, a partir dos sentidos atribuídos por eles em diálogo com suas experiências e saberes histórico sociais. Os sentidos – modos de significar das professoras expressos em suas palavras são elaborados em função de processos de apropriação – internalização/conversão daquilo que é vivenciado, compartilhado socialmente, que vai gradativamente como um processo de transformação, não é de cópia, tornando- se próprio, individual, constitutivo da singularidade de cada um. (VIGOTSKI, 2007; SMOLKA, 2000). De modo semelhante, para Bakhtin (2003), a constituição de nossas palavras – visões de mundo, não só nossos modos/recursos de dizer, mas o material de que é feito nosso psiquismo, nossa subjetividade/consciência, que são as palavras/signos – acontece num processo de apropriação de palavras alheias, ou de palavras dos outros. Sendo assim, nessas abordagens teóricas, a linguagem tem centralidade nos processos investigativos no campo das ciências humanas e sociais, pois é constitutiva da atividade mental dos sujeitos, organiza e integra o pensamento, e é constituída/elaborada nas interações e relações sociais. A significação é a substância da atividade psíquica. Ao mesmo tempo que o pensamento/atividade mental é expresso exteriormente pelos signos, ele só existe como atividade interior sob a forma de signos. (BAKHTIN, 1995). Assim como, para Vigotski (2005) o significado se constitui como fenômeno da linguagem por sua natureza e como fenômeno do campo do pensamento. É simultaneamente, linguagem e pensamento, porque é uma unidade do pensamento verbalizado. Partindo dessas premissas, para analisar sentidos e significados que circulam socialmente, consideramos também que uma das características de uma teoria/análise dialógica do discurso é, segundo Brait (2006, p. 24) “não aplicar 55 conceitos a fim de compreender um discurso, mas deixar que os discursos revelem sua forma de produzir sentido, a partir do ponto de vista dialógico, num embate". Quando contextualizamos os processos de elaboração e aprovação de textos oficiais, podemos perceber indícios de lutas e embates na definição de diretrizes pedagógicas, e buscamos identificar o entrecruzamento de diferentes discursos na tentativa de estabelecer tais significações como consolidadas socialmente. 2.4 PROCEDIMENTOS DE CONSTRUÇÃO E ANÁLISE DE DADOS Para contextualizar historicamente os sentidos que circulam atualmente acerca do que as crianças precisam aprender na educação infantil, desenvolvemos uma ampla pesquisa bibliográfica, levantando os documentos oficiais, as pesquisas publicadas em teses, dissertações, artigos científicos e livros que tratavam de currículo na educação infantil, o que foi nos possibilitando compreender a trajetória marcada por debates, consensos e contradições deste campo de conhecimento nessa etapa educativa. Considerando o método dialético de pesquisa cujo requisito básico é, segundo Vigotski (2007, p. 68) que “estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança” e compreendendo as definições teóricas e oficiais como produções históricas, entendemos que as significações relativas ao(s) conhecimento(s) que constituem diferentes abordagens e modelos curriculares que referenciam as práticas contemporâneas, envolvem as discussões difundidas em diferentes contextos históricos. Sendo assim, desenvolvemos uma ampla pesquisa bibliográfica para compreender os modos como as questões/orientações relativas aos conhecimentos curriculares para educação infantil vêm sendo empreendidas no âmbito das políticas curriculares nacionais e se suas interconexões com os estudos acadêmicos em nosso país. Mais além, buscamos delinear como vêm se constituindo nos modelos e abordagens históricas as definições acerca de conhecimento e currículo para educação infantil, observando como ideias e propostas precursoras se aproximam e se distanciam, se encontram e se desencontram e são tomadas como fundamentos de programas de referência mundial, que, por sua vez, marcam e influenciam as políticas curriculares nacionais. 56 2.4.1 A Análise Documental Para compreender os sentidos presentes no texto do documento analisado – as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (BRASIL, 2009g), pautamo- nos na perspectiva metodológica dos estudos linguísticos que propõem uma análise contextualizada e dependente das relações dialógicas que se estabelecem no e com o texto – objeto de estudo. O conceito bakhtiniano de texto produzido pelos trabalhos de Bakhtin/Voloshinov afasta-se de uma concepção que o colocaria como autônomo, passível de ser compreendido somente por seus elementos linguísticos, por exemplo, ou pelas partes que o integram, para inseri- lo numa perspectiva mais ampla, ligada ao enunciado concreto que o abriga, a discursos que o constituem, a autoria individual ou coletiva, a destinatários próximos, reais ou imaginados, a esferas de produção, circulação e recepção, interação. (BRAIT, 2012, p. 10). Para tecermos uma análise do texto das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, considerando os fundamentos já abordados, foi necessário investigar os processos históricos de sua elaboração, as relações de poder, de autoria e seus processos de aprovação, publicação e circulação, o diálogo com seus destinatários e as perspectivas e discursos que se entrecruzam nesse processo. Pensando a educação infantil – e seu currículo, no contexto das políticas educacionais – entre elas, a que se materializa nas DCNEI, dialogamos, ainda que brevemente, com os estudos de Stephen J. Ball (LOPES; MACEDO, 2011a; MAINARDES; FERREIRA; TELLO, 2011) que, numa perspectiva definida como pós- estruturalista, orientam que as políticas educacionais precisam ser compreendidas como materializadas em textos e discursos que, por sua vez, são produtos de múltiplas influências e agendas e sua formulação envolve intenções, tensões, acordos e negociações dentro do Estado e do processo de formulação da(s) política(s). Portanto, para análise de documentos de políticas é preciso considerar que seu processo de formulação envolve a hegemonia de algumas influências – grupos de sujeitos com seus interesses, crenças, valores – e agendas – prioridades decididas no jogo das relações sociais – que são reconhecidas como legítimas, como discursos mais dominantes que outros. É preciso, nesse sentido, identificar ideologias, interesses, conceitos empregados, embates envolvidos no processo, e vozes 57 presentes e ausentes – pois mesmo no contexto de posições legitimadas, ainda há uma pluralidade de grupos em disputa. Para tanto, o texto deve ser lido, considerando o jogo das relações históricas – sociais e políticas – em que foi produzido, sempre em relação com outros textos. As políticas, para o autor, só podem ser estudadas/abordadas compreendendo sua produção como “ciclo”: O processo de formulação de políticas é considerado como um ciclo contínuo, no qual as políticas são formuladas e recriadas. Os três ciclos principais do ciclo de políticas são o contexto de influência, de produção de texto e o contexto da prática. Esses contextos são intimamente ligados e inter-relacionados, não têm dimensão temporal nem sequencial e não constituem etapas lineares. Cada um deles apresenta arenas, lugares e grupos de interesse e envolve disputas e embates. (MAINARDES; FERREIRA; TELLO, 2011, p. 157). Não assumimos, nesse trabalho, o objetivo de analisar as DCNEI (BRASIL, 2009g) e seus processos de produção e implementação como política educacional. Portanto`, não definimos como método de pesquisa a referida abordagem de ciclo de políticas, no entanto, dialogamos com alguns aspectos da análise de textos de políticas apontados por esses estudos na interpretação dos sentidos expressos/legitimados no documento. 2.4.2 As Entrevistas Individuais e Coletivas O nosso objeto de pesquisa foi se redefinindo no processo investigativo, conforme já apontamos no início desse capítulo; sua construção envolveu um longo processo de tomada de decisões condizentes, especialmente com o delineamento da pesquisa bibliográfica e documental. Fomos compreendendo que para analisar sentidos que circulam e se legitimam como discursos oficiais veiculados em documentos que se propõem a implementar políticas curriculares nacionais – que podem se materializar ou não em práticas de professores, seria necessário considerar os sentidos de tais sujeitos nesse contexto. A ampliação do objeto de pesquisa se ancora, também, na perspectiva sociogenética da análise microgenética proposta por Vigotski e abordada por Góes (2000, p. 15), na medida em que busca relacionar os sentidos “oficiais” - eventos singulares – “com outros planos da cultura, das práticas sociais, dos discursos circulantes, das esferas institucionais” – no caso, as vozes de professores sujeitos da 58 prática, no contexto da abordagem sócio histórica já definida na construção da investigação aqui apresentada. Para ouvir as professoras – sujeitos da pesquisa – partimos do pressuposto de que a construção de um documento curricular nacional, como toda produção humana/social, não é linear, faz-se numa perspectiva dialética, permeada de contradições, de paradoxos e seus desdobramentos vão sempre ser aquilo que vai sendo possível em cada contexto, não é também homogêneo, nem estático, mas, como toda produção de sentidos, inconstante, mutante. Os desdobramentos que o documento possa ter – como regulação, ou como auxílio, instrumento para produção das práticas pedagógicas, também são contextualizados e se articulam com as experiências, saberes e sentidos dos professores. Sendo assim, considerando o atual contexto das políticas curriculares nacionais, definimos como importante na construção de nosso objeto de pesquisa analisar vozes de professoras acerca do que constitui conhecimento na educação infantil, pois, buscar identificar os sentidos dos sujeitos da prática amplia nossa visão acerca dos sentidos circulantes. Não com objetivo de comparar ou avaliar os sentidos dos sujeitos, em função daqueles definidos oficialmente, mas na perspectiva de compreender diferentes contextos de produção de significações/sentidos em relação ao mesmo objeto. Assumindo nossa posição de pesquisadora-organizadora das situações de interação-encontro de diálogo com nossos sujeitos, planejamos um guia20 para realização das primeiras entrevistas semiestruturadas individuais, com o objetivo de conhecer melhor os contextos nos quais as professoras atuam, em relação aos modos/tempos de planejar e definir os conteúdos de suas práticas, identificando a existência de proposta pedagógica nas instituições em que trabalham e com base em que elas decidem/elaboram/definem o currículo e os conhecimentos que o constituem. Questionamos ainda acerca de suas concepções de currículo e sobre quais os principais conteúdos que são comumente trabalhados/desenvolvidos com suas turmas de crianças. Para a segunda parte da primeira entrevista, havíamos pontuado questões relativas aos sentidos relativos a conhecimento nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, considerando que esse fosse um documento conhecido- 20 Apêndice C 59 utilizado no planejamento das professoras e, portanto, parte de sua prática. No entanto, as professoras não citaram o documento na primeira parte da entrevista e quando questionadas sobre a existência dele e o acesso ao mesmo, elas afirmaram ter tido conhecimento sobre ele nos cursos de pós-graduação ou em momentos breves de estudo na escola, mas que não utilizavam e nem lembravam de seu conteúdo. Não se mostraram, portanto, à vontade para “conversar” sobre as DCNEI, naquele primeiro momento. Algumas, inclusive, não identificaram qual documento estaria sendo tratado. Acordamos, então, que faríamos a segunda parte da entrevista, na primeira sessão de entrevista coletiva. Com o objetivo de contribuir para suas elaborações, entregamos uma cópia da Resolução que institui as DCNEI a cada professora entrevistada e pedimos que fizessem uma leitura, grifando os trechos que mais considerassem importantes para suas práticas pedagógicas, buscando identificar, especialmente, como o documento orienta acerca do que as crianças podem aprender na educação infantil. Reconhecemos, de partida, nossa posição de participação junto às professoras na elaboração de sentidos em relação ao objeto de nossas conversas e foco de nosso estudo. As entrevistas coletivas funcionaram como um recurso metodológico para fomentar reflexões das professoras acerca do discurso do documento. No entanto, não assumimos nessa pesquisa intenções de intervir ou qualificar sentidos dos sujeitos sobre as DCNEI. Consideramos importante estabelecer o diálogo coletivo partindo do documento, para garantir a discussão das ideias e práticas das professoras em um exercício de leitura e estudo das proposições oficiais, semelhante ao que deveria/poderia acontecer em suas instituições de trabalho. Inspiradas em Kramer (2003a) planejamos as sessões de entrevista coletiva buscando garantir um clima ameno e até descontraído de conversas sobre práticas a partir da leitura das DCNEI. A relação “entrevistador- entrevistados” ficou menos tensa no grupo, pois o diálogo aconteceu com a participação de todos, ainda que saibamos, fundadas nas proposições de M. Bakhtin que nossas diferentes posições sociais e nas interações objetivas marcavam nossos discursos, nossas vozes. Mas, ao mesmo tempo em que nos esforçamos para garantir as vozes das professoras, houve, por parte delas, um empenho considerável para compreender os destaques e relações 60 que cada uma levantava na discussão. Sendo assim, apesar de termos guias21 de entrevista semiestruturada, todas faziam perguntas umas às outras e complementavam, concordavam e/ou discordavam entre si, interessadas, principalmente, em “desvendar” as proposições do texto a partir de suas experiências formativas e profissionais, num movimento em que as palavra de cada um – de cada outro - iam desencadeando palavras-sentidos em alguns ou todos do grupo. Por vezes, foi necessário, que fizéssemos sínteses orais, recuperando as ideias que iam sendo colocadas, envolvendo aquelas professoras que ainda não haviam se pronunciado – assumindo nossa posição diferenciada de pesquisadora- organizadora dos encontros – e recorrendo a leitura/apontamento de alguns trechos do documento que tratavam dos sentidos em discussão, possibilitando um melhor entrelaçamento e encadeamento de vozes no processo. Kramer (2003a) atesta, assim como nós também observamos, o quanto a interação entre pesquisadores e participantes durante entrevistas coletivas se constitui como importante e rica experiência de pesquisa – e, em alguma medida, de formação de todos os participantes. Como estratégia metodológica, os objetivos das entrevistas coletivas são: identificar pontos de vista dos entrevistados; reconhecer aspectos polêmicos (a respeito de que não há concordância); provocar o debate entre os participantes, estimular as pessoas a tomarem consciência de sua situação e condição e a pensarem criticamente sobre elas. Em uma palavra: entrevistas coletivas podem clarificar aspectos obscuros colocando-os em discussão, iluminando, portanto, o objeto de pesquisa. (KRAMER, 2003a, pp. 66-67). Na primeira sessão de entrevista coletiva, as professoras já mobilizadas pelas perguntas na entrevista individual, foram buscar as DCNEI e sua leitura. Diferente do que acontece em entrevistas individuais, na coletiva, a palavra de um sujeito vai desencadeando palavras de outros, conforme já descrito. Propusemos, nesses momentos, uma discussão mais livre, exploratória e mais geral do conteúdo do documento: partimos da estrutura, dos princípios, das definições de currículo e dos eixos/objetivos de propostas pedagógicas. Finalmente, questionamos sobre os sentidos acerca de conhecimento e de como esses aparecem no documento. 21 Apêndices D e E. 61 Observamos que o grupo de professoras interpretava o documento à luz dos sentidos – ideias, conhecimentos, sentimentos, crenças – que já haviam elaborado em suas práticas – em seus contextos de formação e profissão. Buscavam, de modo especial, relacionar, por exemplo, as proposições das DCNEI com aquilo que elas identificam a partir de seu trabalho com o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998). Na segunda sessão de entrevista coletiva indagamos, mais especificamente, sobre como as professoras compreendiam os eixos das práticas curriculares definidos nas DCNEI, os conhecimentos a serem desenvolvidos com as crianças e suas relações com o currículo por elas vivenciado nas instituições. Novamente, o foco deslizou das DCNEI para o RCNEI. A discussão foi acirrada sobre as aproximações e distanciamentos relativos ao RCNEI e os sentidos possíveis aquelas professoras acerca do discurso ali analisado. Observamos, no decorrer das entrevistas coletivas, que para leitura das DCNEI falta, às professoras, outras leituras, outros acessos para alargar suas concepções e sentidos em relação às proposições do documento. Compreendemos que isso exige condições de mediação – o caminho do sujeito até o objeto passa sempre por outro(s), é sempre mediado em contextos de interação (VIGOTSKI, 2007). Pudemos testemunhar, ainda que em condições restritas – em termos de tempo, mas não de intencionalidade e sistematicidade, que o próprio contexto da pesquisa possibilitou uma aproximação das professoras com o objeto/conteúdo das DCNEI, mediante as perguntas feitas, as intervenções, as colaborações. Mesmo assim, contingenciadas por nossas limitações de tempo e de definições de objeto e objetivo investigativo, não consideramos pertinente, nesse processo, investir, de modo mais sistemático, numa perspectiva formativa de pesquisa. As professoras fizeram tentativas – possíveis a elas – de atribuir sentidos ao que lhes foi proposto, considerando os recursos disponíveis naqueles momentos, bem como as condições de nossas interações, o que inclui, certamente, nossas possibilidades – e limitações – de encaminhamento, de intervenções. Foi possível nos aproximarmos dos modos como diversas professoras de educação infantil têm acesso aos discursos oficiais e produzem sentidos em relação aos mesmos. Por vezes, esse processo de significação se distancia daquilo que está sendo proposto como significado e sentido, a exemplo do que observamos em relação às DCNEI, conforme 62 elucidaremos nos capítulos em que apresentamos nossas interpretações aos dados construídos. Ancoramos nossas análises, inspiradas nos estudos de Smolka (2000) que abordam os processos de internalização dos sujeitos em Vigotski considerando especialmente seus processos de significação. Como sujeitos, os indivíduos são afetados, de diferentes modos, pelas muitas formas de produção nas quais eles participam, também de diferentes maneiras. Ou seja, os sujeitos são profundamente afetados por signos e sentidos produzidos nas (e na história das) relações com os outros. Isso ancora nossa escolha por enfocar não as ações mediadas como tais (uma vez que assumimos que todas as ações humanas são, por sua natureza, inescapavelmente mediadas), mas por enfocar as significações da ação humana, os sentidos das práticas, considerando que todas as ações adquirem múltiplos significados, múltiplos sentidos, e tornam-se práticas significativas, dependendo das posições e dos modos de participação dos sujeitos nas relações. (SMOLKA, 2000, p. 31) A autora interpreta os modos de apropriação das práticas de professores, aqui em nosso trabalho, nos referimos aos modos de apropriação dos sentidos oficiais, considerando que a internalização e a apropriação de meios culturais de mediação, ou seja, tornar próprio, não significa e nem sempre coincide com tornar adequado às expectativas sociais, aos significados difundidos nos discursos oficiais. “Existem modos de tornar próprio, de tornar seu, que não são adequados ou pertinentes para o outro”. (SMOLKA, 2000, p. 32). Foi nessa perspectiva que desenvolvemos as sessões de entrevistas coletivas e realizamos as seções de entrevista individual, mesmo considerando os limites desses momentos com relação a um possível – e necessário – aprofundamento das apropriações das professoras. As vozes dos sujeitos entrevistados são analisadas na perspectiva sócio histórica e dialógica já anunciada. Desse modo, são marcadas por relações de poder e de autoria – o lugar de quem pergunta diz um pouco sobre o que e para que se quer ouvir, o que buscamos considerar nos exercícios de análise do corpus que construímos. 63 2.5 O CORPUS DE ANÁLISE E OS SUJEITOS DA PESQUISA 2.5.1 As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI O contexto atual de revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil acontece no Programa Currículo em Movimento22 que está sendo desenvolvido, conforme já explicitado na introdução, pela Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares para Educação Básica vinculada à Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação. O programa tem como objetivo o desenvolvimento do currículo da educação infantil, do ensino fundamental e ensino médio. Para tanto, define como objetivos específicos: • Identificar e analisar propostas pedagógicas e a organização curricular da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio implementadas nos sistemas estaduais e municipais; • Elaborar documento de proposições para atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e Ensino Médio; • Elaborar documento orientador para a organização curricular e referências de conteúdo para assegurar a formação básica comum da Educação Básica no Brasil (Base nacional comum/Base curricular comum); • Promover o debate nacional sobre o currículo da Educação Básica através de espaços para a socialização de estudos, experiências e práticas curriculares que possam promover o fortalecimento da identidade nacional (BRASIL, 2009a). Para o alcance de tais objetivos no âmbito da educação infantil foi desenvolvida uma escuta de diferentes representações sociais, como o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil - MIEIB, a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação-UNCME, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação-ANPED que fizeram recomendações a serem consideradas na elaboração das novas diretrizes curriculares nacionais para educação infantil. Além disso, foi desenvolvido um Projeto de Cooperação Técnica entre MEC e UFRGRS para a construção de Orientações Curriculares para a Educação Infantil, 22 Estrutura Organizacional do Programa: Comitê Gestor do Programa (Equipe da SEB e consultores da área do currículo); Grupo de Trabalho no âmbito do MEC; Grupos de Trabalho da SEB (Coordenações Gerais de Educação Infantil, Ensino fundamental e Ensino Médio, Membros do CEB/CNE e Colaboradores); Comitê Nacional de Políticas da Educação Básica (Conpeb). 64 coordenado pela Professora Maria Carmen Silveira Barbosa e que resultou na publicação de quatro relatórios de pesquisa: Mapeamento e análise das propostas pedagógicas municipais para a educação infantil no Brasil (BRASIL, 2009c); Contribuições dos pesquisadores à discussão sobre as ações cotidianas na educação das crianças de 0 a 3 anos (BRASIL, 2009e); A produção acadêmica sobre orientações curriculares e práticas pedagógicas na educação infantil brasileira (BRASIL, 2009d); Contribuições do movimento interfóruns de educação infantil do Brasil à discussão sobre as ações cotidianas na educação das crianças de 0 a 3 anos (BRASIL, 2009b). Tais relatórios descrevem e analisam como os modos de conceber e organizar questões relativas ao currículo para educação infantil, ainda carece de discussão e aprofundamento na área. Concepções relativas aos conhecimentos, ou “conteúdos” são tratadas superficialmente dentro do eixo/descritor de análise “currículo” ou “organização da ação educativa”. Partindo destes relatórios que analisaram as concepções e práticas relativas à organização curricular na educação infantil – investigando especialmente a educação da criança de zero a três anos, numa perspectiva de síntese das referidas pesquisas, foi publicado um texto intitulado de “Práticas cotidianas na educação infantil – bases para reflexão sobre as orientações curriculares” (BARBOSA, 2009). O texto se apresenta com o objetivo de problematizar, inspirar e aperfeiçoar as práticas cotidianas realizadas nos estabelecimentos educacionais de educação infantil, tendo como leitor-professor aquele que trabalha com a formação e a educação de crianças de 0 a 6 anos, com ênfase no 0 a 3 anos. O documento, anuncia ainda, que se propõe a apresentar subsídios que permitam aos sistemas de ensino e, principalmente, aos profissionais responsáveis pela ação cotidiana com as crianças, não apenas pautarem, mas também interrogarem suas opções na difícil tarefa de elaborar propostas pedagógicas para bebês e crianças pequenas. O texto está disponível no Portal do MEC, porém não foi impresso e distribuído para as instituições e redes de ensino. Além da introdução, está estruturado em seis capítulos, cada um com os seguintes títulos e subtítulos: A escola de educação infantil nos contextos contemporâneos (uma sociedade em transformação; o significado da educação infantil na educação básica); Autores da escola da infância (as crianças e as infâncias: concepções plurais; os adultos responsáveis: papéis diferenciados); A pedagogia como prática teórica (como situamos a pedagogia; como entendemos o 65 conhecimento; como compreendemos o currículo); Princípios educativos para a educação infantil (perspectivas para educação infantil: diversidade e singularidade; sustentabilidade, democracia e participação; Indissociabilidade entre educar e cuidar; Ludicidade e Brincadeira; Estética como experiência individual e coletiva); Um currículo que pode emergir do diálogo entre crianças, famílias e docentes (o conteúdo da educação infantil como prática social e linguagens; a gestão da escola de educação infantil; organização da vida cotidiana; práticas educativas da professora: sentir, pensar, saber e fazer); Responsabilidade e privilégio da docência na educação infantil. De outra parte, com a responsabilidade de considerar as produções, recomendações e ações já efetivadas no âmbito do Programa Currículo em Movimento, a professora e pesquisadora Sonia Kramer, elaborou o documento “Subsídios para Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Específicas para a Educação Infantil” (KRAMER, 2009), encomendado pelo Conselho Nacional de Educação e considerado como texto referência para elaboração das novas diretrizes. Na primeira parte do texto, a autora introduz dando ênfase a importância do documento para desfazer ambiguidades que ainda são encontradas nas propostas pedagógicas, logo após, desenvolve os seguintes subtítulos: Educação Infantil – políticas públicas e documentos oficiais; Os movimentos sociais, suas ações, conquistas e demandas; Estudos da Infância e da Educação Infantil – a produção acadêmica. Na segunda parte apresenta as Diretrizes Curriculares Nacionais Específicas para a Educação Infantil. No intuito de elaborar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI, o CNE designou uma comissão23 e, em 5 de agosto de 2009, com a participação de representantes das entidades nacionais UNDIME, ANPED, CNTE, Fórum Nacional de Conselhos Estaduais de Educação, MIEIB, da SEB/SECAD/MEC e de especialistas da área de Educação Infantil, Maria Carmem Silveira Barbosa (UFRGS), Sonia Kramer (consultora do MEC), Fúlvia Rosemberg (Fundação Carlos Chagas), Ana Paula Soares Silva (FFCLRP-USP) e Zilma de Moraes Ramos de Oliveira (FFCLRP-USP), o relator da Comissão apresentou um texto-síntese24 dos pontos básicos que seriam levados como indicações para o debate em audiências 23 Comissão presidida pelo Conselheiro Cesar Callegari e tendo o Conselheiro Raimundo Moacir Mendes Feitosa como relator (Portaria CNE/CEB nº 3/2009). 24 Conseguimos localizar este texto-síntese na web, com o título “Indicações para elaboração das diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil – CEB/CNE, Brasília, 5 de agosto de 2009. O texto pontua/ ficha o texto de Kramer (2009). 66 públicas nacionais promovidas pela Câmara de Educação Básica do CNE, realizadas em São Luís do Maranhão, Brasília e São Paulo. Em 11 de novembro de 2009, o CNE aprova o parecer CNE/SEB 20/200925 que revisa as diretrizes curriculares nacionais para educação infantil e, em 17 de dezembro de 2009, aprova a resolução nº 5 que fixa as diretrizes com caráter mandatório, substituindo a resolução de 1999. O Parecer CNE/SEB nº 20/2009 que trata da Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, tem como relator o conselheiro Raimundo Moacir Mendes Feitosa. O documento ressalta que os princípios colocados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, elaboradas anteriormente (Resolução CNE/CEB nº 1/99 e Parecer CNE/CEB nº 22/98) não perderam a validade, mas precisam ser reelaborados e atualizados mediante os novos desafios colocados para a educação infantil. O que acontece com a publicação da Resolução CNE/CEB nº 5/2009 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil e revoga a Resolução anterior. Embora esse documento tenha sido publicado e distribuído nas redes de ensino, impresso em 2010 numa versão mais didática, mas sem alteração no texto, no entanto, numa estrutura diferente da resolução, optamos por trabalhar com o documento original publicado pelo conselho, no Diário Oficial da União, em 18 de dezembro de 2009. Logo após a publicação das DCNEI em 2009, são organizados seminários e encomendados outros textos26, escritos por pesquisadores da área e disponibilizados 25 O texto do Parecer esclarece que incorpora as contribuições apresentadas, nestas audiências e em debates e reuniões regionais (encontros da UNDIME – Região Norte e do MIEIB em Santarém, PA, ocorrido em agosto de 2009; o debate na ANPED ocorrido em outubro de 2009), por grupos de pesquisa e pesquisadores, conselheiros tutelares, Ministério Público, sindicatos, secretários e conselheiros municipais de educação, entidades não governamentais e movimentos sociais. Além de contribuições enviadas por diferentes entidades e grupos como: OMEP, Fóruns municipais e regionais de Educação Infantil e Universidades. 26 A Coordenação Geral de Educação Infantil – COEDI/SEB/MEC elabora orientações curriculares para implementação das diretrizes. São publicados textos com consultoria técnica especializada sobre diferentes eixos e experiências da educação infantil e disponibilizados no período de 13 de setembro a 15 de novembro de 2010 para consulta pública. Os textos que compõem estas orientações foram apresentados no I Seminário Nacional do Currículo em Movimento e publicados em mídia digital, com o objetivo de abrir o diálogo das DCNEI com os professores, são eles: O currículo na Educação Infantil: o que propõem as novas Diretrizes Nacionais? - Zilma de Moraes Ramos de Oliveira; As especificidades da ação pedagógica com os bebês - Maria Carmen Silveira Barbosa; Brinquedos e brincadeiras na Educação Infantil - Tizuko Morchida Kishimoto; Relações entre crianças e adultos na Educação Infantil - Iza Rodrigues da Luz; Saúde e bem estar das crianças: uma meta para educadores infantis em parceria com familiares e profissionais de saúde - Damaris Gomes Maranhão; Múltiplas linguagens de meninos e meninas no cotidiano da Educação Infantil - Márcia Gobbi; A linguagem escrita 67 no Portal do MEC, com o objetivo de orientar o estudo nas redes e instituições educativas das diretrizes propostas. No entanto, os textos ainda não foram disponibilizados aos professores em publicações impressas com revisões provenientes de possíveis contribuições na consulta pública. Com exceção do texto sobre brinquedos e brincadeiras, que foi revisado, ampliado, publicado e distribuído em documento impresso no formato de Manual de Orientação Pedagógica, com o título “Brinquedos e Brincadeiras nas Creches” (BRASIL, 2012). O documento foi elaborado pela professora Dra. Tizuco Morchida Kishimoto e pela arquiteta Dra. Adriana Freyberger com o objetivo de orientar os profissionais de creches na seleção, organização e uso de brinquedos, materiais e brincadeiras, apontando formas de organizar espaço, tipos de atividades, conteúdos e diversidade de materiais conforme princípios das DCNEI. Está organizado em cinco módulos: Brincadeira e interações nas diretrizes curriculares para a educação infantil; Brinquedos, Brincadeiras e Materiais para Bebês (0 a 1 ano e meio); Brinquedos, Brincadeiras e Materiais para Crianças Pequenas (1 ano e meio a 3 anos e 11 meses); Organização do Espaço Físico, dos Brinquedos e Materiais para Bebês e Crianças Pequenas; Critérios de Compra e Usos dos Brinquedos e Materiais para Instituições de Educação Infantil. Destacamos ainda, nesse processo de discussão das DCNEI, a publicação do Programa Salto para o Futuro da TV Escola (MEC) no Boletim 9 (BRASIL, 2013) com textos que se propõem como material de pesquisa e estudo para professores e servem também como base para a produção das “edições televisivas”. O boletim foi elaborado sob consultoria de Zilma de Moraes Ramos de Oliveira, que introduz a publicação composta pelos seguintes textos: As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil: uma breve apresentação, por Sílvia Helena Vieira Cruz; A experiência de aprender na Educação Infantil, por Silvana de Oliveira Augusto; e Avaliação: instrumento do professor para aprimorar o trabalho na Educação Infantil, por Marisa Vasconcelos Ferreira. e o direito à educação na primeira infância - Mônica Correia Baptista; As crianças e o conhecimento matemático: experiências de exploração e ampliação de conceitos e relações matemáticas - Priscila Monteiro; Crianças da natureza - Léa Tiriba; Orientações curriculares para a Educação Infantil no Campo - Ana Paula Soares da Silva; Avaliações e transições na Educação Infantil - Hilda Micarello. 68 Consideramos que esse conjunto de textos na forma de relatórios, pareceres, subsídios, orientações e resoluções oficiais constituem as definições atuais27 pertinentes à construção de um currículo nacional para educação infantil. Deste modo, selecionamos esses documentos que se constituem como corpus de pesquisa, pois para uma análise contextualizada e discursiva das DCNEI (BRASIL, 2009g) se fez necessário o diálogo – relações dialógicas - com esses outros textos publicados. No entanto, destacamos que o nosso objeto de análise, refere-se, especificamente, ao texto da citada Resolução que institui as DCNEI, considerando que podemos pensá-la dialeticamente numa unidade que contém a totalidade28 – exercício de síntese democrática e normativa dos discursos circulantes acerca de currículo e conhecimento na/para educação infantil. A escolha de apenas um documento – como objeto de investigação, possibilita também a aproximação do que se configura como uma análise microgenética e, portanto, minuciosa dos sentidos que compõem seu texto e/ou discurso. Góes (2000, p. 15) explicita e reforça os princípios metodológicos vigotskianos aqui já abordados, para explicar a abordagem microgenética, definindo-a “genética no sentido de ser histórica, por focalizar o movimento durante processos e relacionar condições passadas e presentes, tentando explorar aquilo que, no presente, está impregnado de projeção futura”. Nesse sentido, o diálogo com os demais documentos, efetiva também, o necessário entendimento do movimento dinâmico de produção das DCNEI. Sendo um documento/resolução normativo publicado pelo Conselho Nacional de Educação - CNE, as DCNEI assumem um caráter mandatório e se materializam como instrumento de consulta e estudo para elaboração e desenvolvimento de propostas e práticas pedagógicas na Educação Infantil. No entanto, consideramos também que a natureza de suas orientações é de ordem geral, não específica, não podem, por exemplo, comprometer a autonomia, singularidade e diversidade de instituições e redes educativas em nosso país. E, sendo assim, os sentidos relativos a currículo e conhecimento para educação infantil que se presentificam no texto oficial publicado como Diretrizes Curriculares Nacionais para essa etapa educativa, são resultantes de um processo 27 Recentemente, no contexto de finalização da pesquisa aqui apresentada, está em discussão um documento preliminar que institui a Base Nacional Comum Curricular da Educação Básica, conforme previsto na legislação nacional desde a nova constituinte e definido como um dos objetivos do Programa Currículo em Movimento. 28 Princípio do Materialismo Histórico Dialético. 69 histórico social marcado por debates, lutas e embates em torno das funções sócio política e pedagógica da educação infantil nos contextos das políticas educacionais, das pesquisas acadêmicas e das práticas pedagógicas que constituem, normatizam e consolidam esta área/campo de estudo e atuação. Discursos sobre educação infantil, criança, infância, currículo, proposta pedagógica, planejamento e prática pedagógica se entrecruzam e constituem os discursos sobre conhecimentos curriculares para esta etapa educativa. Ao longo do texto-documento, podemos identificar exercícios de sínteses coletivas marcadas por contradições, debates e imprecisões, características consideradas próprias da construção de um discurso oficial, que se pauta nas relações de poder que emergem entre grupos cujas vozes e discursos são legitimados e aqueles que são silenciados. Assim como, todos os projetos, programas, documentos e propostas oficiais que serão abordadas nos capítulos que seguem, para os quais buscamos identificar as autorias dos pesquisadores que participaram de sua elaboração, também no programa Currículo em Movimento, há um grupo de pesquisadores aqui já apresentados, envolvidos como consultores no processo – vozes escolhidas e legitimadas como oficiais. Observamos que na trajetória de políticas curriculares nacionais, há esse movimento de consulta e assessoramento dos estudiosos da área. Em cada contexto, são feitas escolhas e as vozes e discursos de determinados grupos se consolidam como definições oficiais, em um exercício de síntese das teorizações e diálogos com as pesquisas desenvolvidas nacionalmente. As vozes e discursos dos textos encomendados como subsídios para o debate em torno da revisão das DCNEI (BARBOSA, 2009; KRAMER, 2009) podem ser facilmente identificadas nos textos oficiais, no entanto, algumas vezes de modo contraditório. Assim como, podemos perceber aproximações e distanciamentos entre as DCNEI (BRASIL, 2009g) e os textos encomendados com o objetivo de orientar sua implementação nas instituições e redes educativas. É esse movimento que fazemos na análise do documento. 2.5.2 As Professoras Participantes do Estudo Definimos alguns critérios para identificar/selecionar professores experientes na educação infantil, como sujeitos de nossa pesquisa. Tendo como base, os estudos 70 de Tardif (2002) sobre os saberes profissionais dos professores, definimos como primeiro critério o seu tempo de atuação. Nesse sentido, consideramos que professores experientes já atuam há pelo menos cinco anos, pois, para esse autor, entre os três e cinco primeiros anos de carreira são construídas as bases dos saberes profissionais, numa fase conhecida como “choque de transição” – da vida estudantil para a complexa realidade do exercício da profissão. Consideramos também importante, que os sujeitos participantes da pesquisa já tenham trabalhado em turmas de crianças com diferentes idades e que tenham tido experiência de trabalho em diferentes tipos de instituições educativas – públicas e privadas. E, ainda, que tenham participado de cursos de formação inicial e continuada na área pesquisada, em diferentes instituições de ensino superior e de pós- graduação. Além de atender aos critérios elencados, também buscamos definir um grupo que tivesse disponibilidade para participação em sessões de entrevista coletiva no horário contra turno de trabalho. Fizemos, então, um levantamento inicial dos Centros Municipais de Educação Infantil – CMEI do Município de Natal que atendem crianças de creche e pré-escola. Identificamos um CMEI na Zona Norte, de fácil acesso, fizemos uma visita exploratória. Apresentamos a proposta de pesquisa e conseguimos a adesão de quatro professoras que atendiam aos critérios definidos. Por meio de informações das próprias professoras, identificamos outras três professoras de outros CMEI (localizados em Candelária, Rocas e Igapó) que estavam concluindo o curso de pós- graduação e já haviam trabalhado com crianças de creche e pré-escola. Apenas duas professoras não trabalham na rede municipal de Natal, pois consideramos importante incluir dois sujeitos que participaram de nossa pesquisa no mestrado – contexto no qual se originaram nossas indagações para esse estudo. Identificamos 09 (nove) professoras que atendiam cerca de três dos critérios estabelecidos e aceitaram participar da pesquisa, assinando um termo de compromisso29. As professoras, escolheram nomes bíblicos para serem identificadas no texto e responderam a um questionário30 de descrição e caracterização de suas experiências formativas e profissionais. Com esses dados, construímos dois quadros síntese, um com as informações características de seus processos formativos, e outro 29 Apêndice A 30 Apêndice B 71 com as informações relativas às experiências profissionais na área de educação infantil. No primeiro quadro é possível visualizar os cursos de formação inicial e continuada e as referidas instituições formadoras. Todas são pedagogas, três cursaram a licenciatura em pedagogia na UFRN, sendo que uma o realizou no Programa PROBÁSICA31. Seis fizeram o curso inicial em Universidades e/ou Faculdades da rede privada. Dentre essas, cinco fizeram um curso de Pedagogia com carga horária reduzida e em encontros semanais. Apenas duas professoras ainda não possuem curso de pós-graduação, três cursaram especialização em educação infantil pela UFRN em convênio com o MEC, uma em instituição pública estadual e três em instituições privadas. Além dos cursos de formação inicial e de pós-graduação listados no quadro abaixo, as professoras citaram a participação em alguns cursos de formação continuada/em serviço. Duas participaram do Programa de Formação Continuada de Professores Alfabetizadores – PROFA, uma do Curso de Aperfeiçoamento em Currículo, Planejamento e Organização do Trabalho Pedagógico na Educação Infantil (UFRN/MEC) e todas participam de cursos oferecidos pelas redes municipais nas quais atuam, ministrados por técnicos das secretarias municipais de educação ou por empresas parceiras, como Instituto C&A e Natura. 31 Programa de Qualificação Profissional para a Educação Básica (PROBÁSICA), criado pela Resolução nº 014/99 − CONSEPE, de 02 de fevereiro de 1999, destinado exclusivamente a professores no efetivo exercício do magistério em escolas do Estado do Rio Grande do Norte, vinculadas ao sistema estadual, municipal ou a organizações não-governamentais, com as quais a Universidade Federal do Rio Grande do Norte estabeleça Convênio e que sejam aprovados em processo seletivo próprio. 72 Quadro 1 – Características Gerais das Professoras Participantes (Formação) Professor a Id a d e Graduação Pós-Graduação Curso Instituição Curso Inst. Ana 38 Pedagogia UVA32 Especialização em Educação Infantil IFESP33 Dalila 34 Pedagogia UVA Especialização em Docência na Educação Infantil UFRN Ester 30 Pedagogia UFRN - - Eva 35 Pedagogia UFRN PROBÁSICA Especialização em Gestão Educacional INBRAD34 Isabel 47 Pedagogia UFRN Especialização em Docência na Educação Infantil UFRN Maria 34 Pedagogia UVA - - Marta 35 Pedagogia UVA Especialização em Docência na Educação Infantil UFRN Rute 35 Pedagogia UVA Especialização em Psicopedagogia e Educação Infantil INBRAD Sara 38 Pedagogia UNP35 Especialização em Psicopedagogia UNP Fonte: Elaborado pela autora. Com relação à formação inicial, alguns fatos chamam nossa atenção, atestando o quão não lineares são as relações que se tecem nos processos humanos- sociais. Em relação às professoras que cursaram Pedagogia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, poderíamos, de partida, pensar que tiveram, de um 32 Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) - instituição privada, sediada em Sobral, Ceará. Tem polos distribuídos em diferentes estados do país, sobretudo no Nordeste. Funciona com aulas nos finais de semana, na modalidade semipresencial, com carga horária reduzida. 33 Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy (IFESP) – instituição pública, vinculada à Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Norte – SEEC / RN. 34 Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Educacional e Empresarial (INBRAD) 35 Universidade Potiguar - Instituição privada, com sede em Natal/RN. Curso tem duração de 3 anos. 73 modo geral, melhores condições formativas, considerando-se a carga horária do curso, a organização curricular, o corpo de professores, entre outros fatores. Entretanto, constatamos que essas professoras não tiveram acesso, em seus percursos de graduação, a componentes curriculares específicos da área de educação infantil, visto que, à época em que realizaram o curso, anterior à reestruturação curricular orientada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para Cursos de Pedagogia (BRASIL, 2006b) que define o campo de atuação do Pedagogo a partir da Educação Infantil, esses componentes eram ofertados apenas na grade complementar, sendo assim, optativos – e não constituíram, à época, “opções” das então graduandas, nos dando indícios de que, pelo menos naquele momento de formação, a atuação nessa etapa não se configurava como foco de interesse/motivação e que a inserção no campo se fez posteriormente, por outros entrelaçamentos de suas histórias de vida/formação. Por sua vez, as professoras que cursaram Pedagogia na UVA e na UNP fizeram duas disciplinas específicas na área: Fundamentos da Educação Infantil e Estágio Supervisionado. Registramos, ainda, que entre as nove professoras, apensas três cursaram Pedagogia em Universidade Pública. No entanto, vale ressaltar que duas professoras que tiveram sua formação inicial na UVA, fizeram pós-graduação na UFRN. No segundo quadro, identificamos o tempo de experiência, as instituições, suas funções e níveis/idades das crianças com as quais trabalharam. Observamos que seis das nove professoras já atuaram em turmas de creche e de pré-escola, duas em turmas de pré-escola e uma em turmas de creche. Porém, todas trabalham em Centros de Educação Infantil há cerca de, no mínimo, 5 anos, sendo que cinco professoras já atuam há mais de 15 anos nessa etapa. Ressaltamos, ainda, que quatro professoras já atuaram ou atuam na coordenação pedagógica de instituições de educação infantil, permanecendo, concomitantemente, um turno de trabalho em sala de aula. 74 Quadro 2 – Contextos de Experiências Profissionais das Professoras Participantes P ro fe s s o ra s A n o s d e E x p e ri ê n c ia E d u c a ç ã o I n fa n ti l Instituição de Atuação Função Professora C o o rd e n a d o ra P e d a g ó g ic a C e n tr o d e E I P ú b lic o C e a rá -M ir im C e n tr o d e E I P ú b lic o N a ta l T u rm a d e E d u c a ç ã o I n fa n ti l d a R e d e P ri v a d a B e b e s 0 a 1 2 m e s e s C ri a n ç a s 0 1 a 0 2 a n o s C ri a n ç a s 0 2 a 0 3 a n o s C ri a n ç a s 0 3 a 0 4 a n o s C ri a n ç a s 0 4 a 0 5 a n o s C ri a n ç a s 0 5 a 0 6 a n o s Ana 15 x X x x x Dalila 05 x X X x x x Ester 05 x X x x x Eva 15 x x x x Isabel 05 x x x X x Maria 19 x x x X x x x x x Marta 15 x x x x x x x Rute 19 x x x x x x x x Sara 05 x x x x x Fonte: Elaborado pela autora. Ao contrário de suas instituições de formação inicial, os campos de atuação das professoras são, prioritariamente, instituições públicas de educação infantil; no entanto, seis professoras atuam ou já atuaram em instituições da rede privada. Os contextos de formação e de exercício profissional das professoras podem ser considerados representativos de boa parte das professoras que atuam na educação infantil em nosso país, especialmente em nosso estado. A inclusão de 75 disciplinas obrigatórias de educação infantil nos cursos de Pedagogia tem sido gradativa, a exemplo da UFRN, conforme trataremos no próximo capítulo. Apresentados nossos aspectos teórico metodológicos, bem como os procedimentos e sujeitos de pesquisa, trazemos no capítulo que segue, uma síntese de nossas construções conceituais acerca dos elementos que constituem nosso objeto de estudo. Nesse sentido, delineamos as concepções históricas de crianças, infâncias e educação infantil, situando as principais políticas para essa etapa educativa em nosso país e os contextos de profissionalização docente nessa área. Por fim, apontamos as definições acerca de conhecimento – objeto da investigação. 76 3 CRIANÇAS, INFÂNCIAS E EDUCAÇÃO INFANTIL: SUJEITOS, TEMPOS E ESPAÇOS DE INTERAÇÃO COM A CULTURA Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação. Porque se a gente fala a partir de ser criança, a gente faz comunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore. Então eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas. (Manoel de Barros, 2003). O que pode ser considerado como “raízes crianceiras” e “infância livre”? O que é ser criança? Como se “fala a partir de ser criança”? A educação da infância tem partilhado dessas ideias poéticas? “Cresci brincando no chão, entre formigas” – que brincadeiras são realizadas no “chão” da escola? Por que/para que as crianças brincam? Elas se educam também enquanto brincam? Se o brincar faz parte da educação das crianças, que outras especificidades compõem uma educação para as crianças? Para estudar-pesquisar sobre currículo para crianças e, mais precisamente, sobre conhecimentos que compõem esse currículo, precisamos delinear de quais perspectivas históricas e sociais estamos pensando as infâncias e as crianças, bem como estabelecer suas especificidades em relação aos modos/processos, mediante os quais, elas aprendem e se desenvolvem. E, consequentemente, definir nossa visão em relação ao papel/função social das instituições de educação infantil e dos professores nesses processos. O estudo sobre conhecimento como objeto de aprendizagem das crianças nos currículos de educação infantil fundamenta-se na teoria histórico cultural de desenvolvimento humano, dialoga com estudos no campo da história e sociologia da infância e com as funções sócio política e pedagógica construídas historicamente na/da educação infantil. Comumente, as pesquisas acerca de qualquer temática no campo da educação infantil fazem referência à história da infância, das crianças e de sua educação. Nesse trabalho, apresentar nossas construções acerca de tais aspectos 77 torna-se necessário para fundamentar, problematizar e justificar porque estamos nos propondo a pesquisar sobre sentidos de conhecimento nessa etapa educativa. Sendo assim, tratamos nesse capítulo das construções conceituais – sentidos - acerca de infância e educação infantil, situando os modos históricos como as crianças vem sendo percebidas, concebidas e educadas, assim como situamos nossas concepções/nossos sentidos pertinentes à criança e suas especificidades, bem como implicações destes para a educação a elas destinadas de modo a atender às suas necessidades, considerar e ampliar suas capacidades. Discutiremos, ainda, nossa compreensão acerca de como as crianças aprendem e se desenvolvem e qual o papel das instituições de educação infantil nesses processos, destacando-se o papel do professor como mediador de aprendizagens e de sua necessária formação para organização da prática educativa com crianças pequenas, considerando as especificidades do trabalho pedagógico desenvolvido nessa etapa, com relevo ao que constitui conhecimento. 3.1 CRIANÇAS E INFÂNCIAS NA HISTÓRIA Compreendemos que os modos de atribuir sentidos a infância e a criança são históricos. E, sendo construções histórico-sociais, não podem ser definidos de forma estática, pontual e descontextualizada. A infância compreendida como tempo/espaço de ser criança, não é determinada, por exemplo, apenas por princípios biológicos, como etapa do desenvolvimento das crianças de zero a, aproximadamente, doze anos, embora as características etárias sejam, também determinantes na definição da categoria em distinção de outros ciclos de vida e considerando, também, as peculiaridades de natureza biológica que conferem diferenças aos sujeitos humanos de menos e de mais idade. Mas, mesmo esse corte etário, sofreu/sofre modificações na história, em diferentes sociedades, mediante as transformações que as características biológicas vão sofrendo em função da inserção dos sujeitos humanos na cultura36. A criança compreendida como sujeito sócio histórico e cultural é una e, ao mesmo tempo, múltipla, concebida de modo diferente em cada tempo, ou no mesmo tempo em espaços diversos. Produções de diferentes campos do conhecimento, 36 Ver estudos de Pino (2005) acerca dos dois nascimentos da criança: o biológico e o cultural. 78 principalmente das últimas décadas, têm contribuído para que possamos compreender que as significações – significados e sentidos – que envolvem concepções, conceitos, sentimentos e valorações acerca de criança e infância variam conforme aspectos de diferentes ordens: sociais, econômicos, cultuais, de gênero, de etnia, de religião, etc. Por isso, estamos falando de crianças e infâncias, como construções múltiplas. Essa compreensão é recente e resulta de esforços diversos e processos complexos de construção, como nos diz Stearns (2006): É difícil elaborar histórias bem-feitas sobre crianças. Crianças deixam relativamente poucos registros diretos. [...] é mais fácil tratar historicamente da infância do que das crianças em si, porque a infância é em parte definida pelos adultos e por instituições adultas. [...] E mesmo ideias adultas sobre a infância não são sempre fáceis de encontrar. (STEARNS, 2006, p.13) Em relação à infância ocidental pré-moderna e os princípios do modelo moderno de infância na Europa, os estudos de Ariès (1981) são referências para estudos posteriores, já que ele inaugura a pesquisa sobre a infância no campo da história, quando publica em 1960 sua obra História Social da Criança e da Família. Apesar das críticas feitas à sua tese sobre a ausência de um sentimento de infância na Idade Média, podemos dizer que sua obra contribui para o reconhecimento das crianças – e das infâncias – como sujeitos/categorias históricos – importantes para serem pesquisadas e entendidas nos seus modos de vida na família e na sociedade. Numa análise preponderantemente iconográfica, Ariès (1981) atesta que até o século XII, a arte medieval desconhecia a infância já que não a representava. Isso sem dúvida significa que os homens dos séculos X – XI não se detinham diante da imagem da infância, que esta não tinha para eles interesse, nem mesmo realidade. Isso faz pensar também que no domínio da vida real, e não mais apenas no de transposição estética, a infância era um período de transição, logo ultrapassado, e cuja lembrança também era logo perdida. (Ibid, p. 18). O historiador analisa que naquele período as crianças viviam misturadas aos adultos, seja no trabalho, nos passeios ou nos jogos, eram tratadas de modo indiferenciado e, quando representadas, estavam nos grupos ou na multidão. Com base em indícios como esses, Ariès (1981) assevera que 79 A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII. (Ibid; p. 28). O autor (ARIÈS, 1981) descreve que os trajes da época também comprovam a indiferença em relação à criança e à infância: “Assim que a criança deixava os cueiros, ou seja, a faixa de tecido que era enrolada em torno de seu corpo, ela era vestida como os outros homens e mulheres de sua condição”. (Ibid, p. 32). Somente no século XVII é que a criança de família nobre ou burguesa passou a ter um traje que a distinguia dos adultos – o que é inferido a partir de representações pictóricas. Para Ariès, essa mudança na particularização de um traje infantil, principalmente para os meninos, numa sociedade que valorizava muito as “formas exteriores”, é uma prova da mudança ocorrida na atitude com relação às crianças. Ele observa ainda que também as brincadeiras, antes compartilhadas entre crianças e adultos, foram se diferenciando: aquelas abandonadas pelos adultos foram se constituindo como sendo infantis. No entanto, quando Ariès afirma que na sociedade medieval, tomada em seus estudos como ponto de partida, o sentimento da infância não existia, esclarece que isso não quer dizer que as crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condições de viver sem a solicitude constante de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes. (Ibid, p. 99). O autor ressalta que o primeiro sentimento da infância que surge é o de “paparicação”, “em que a criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça, se tornava uma fonte de distração e de relaxamento para o adulto”. (Ibid, p. 100) E observa que tal sentimento, se estende tanto às classes sociais mais altas como entre o povo. Tanto que, sob influência dos moralistas e educadores do século VXII, começa a se formar outro sentimento de infância, vinculado não mais à brincadeira, mas ao interesse psicológico e à preocupação com a moral e a disciplina. 80 O primeiro sentimento da infância – caracterizado pela “paparicação” – surgiu no meio familiar, na companhia das criancinhas pequenas. O segundo, ao contrário, proveio de uma fonte exterior à família: dos eclesiásticos ou dos homens da lei, raros até o século XVI, e de um maior número de moralistas no século XVII, preocupados com a disciplina e a racionalidade dos costumes. Esses moralistas haviam- se tornado sensíveis ao fenômeno outrora negligenciado da infância, mas recusavam-se a considerar as crianças como brinquedos encantadores, pois viam nelas frágeis criaturas de Deus que era preciso ao mesmo tempo preservar e disciplinar. Esse sentimento, por sua vez, passou para a vida familiar. (Ariès, 1981, pp. 104-105) Os estudos de Stearns (2006), Heywood (2004) e Kuhlmann Jr. (1998) fazem referências, no entanto, aos estudos posteriores que contestam os achados de Ariès. Segundo Kuhlmann Jr. (1998) assim como é possível identificar, a partir das imagens (gravuras, esculturas) de períodos da Idade Média uma ausência de diferenciação entre as crianças e os adultos, também é possível encontrar marcas de atenção especial, de apego e cuidado com os pequenos, diferentemente do tratamento destinado aos rapazinhos e mocinhas, desde o séc. V, em diferentes camadas sociais. Stearns (2006) cita aspectos da infância pré-moderna identificados pelos revisionistas da teoria de Ariès que algumas vezes eram mais positivos que as limitações típicas da modernidade, como por exemplo, os olhares de atenção de uma comunidade inteira voltada para a criança e as oportunidades de companheirismo entre as próprias crianças nas festas e brincadeiras livres na aldeia. Registra-se que desde os tempos mais remotos, há cuidados e atenção especial às crianças, que as diferenciam de sujeitos mais velhos. Há indícios de que já nas sociedades caçadoras – coletoras do passado foram feitos ajustes fundamentais nos modos de vida das pessoas para atender as exigências da prolongada dependência da infância, o que, segundo Stearns (2006), as diferenciou de ancestrais e primos de outras espécies primatas. Ele cita, por exemplo, o controle de natalidade ocasionado pelas dificuldades das famílias carregarem muitos filhos diante dos suprimentos alimentares disponíveis. Outro fato observado refere-se à introdução dos meninos na caça, que acontecia, de acordo com pinturas rupestres analisadas, só na adolescência. O autor registra ainda, que as crianças tinham muita oportunidade de brincar, e que só ocasionalmente ajudavam na coleta. Nas sociedades agrícolas evidencia-se o crescimento nas taxas de natalidade, tendo em vista, a participação maior das crianças no trabalho. Os povoados ficaram cheios de crianças, que eram cuidadas por todos da comunidade, 81 não apenas pelos pais. No entanto, a fome e as doenças contagiosas, principalmente, causavam muitas mortes de crianças antes dos dois anos de idade. Nas civilizações clássicas podem ser encontrados registros, tanto na legislação, como nos processos de escolarização da classe alta, que nos informam sobre os modos de disciplinamento e de punições das crianças. Segundo Stearns (2006) apesar de algumas diferenças relativas à religiosidade, educação e relações de gênero entre a China, a Índia e as regiões mediterrâneas como Grécia e Roma, os códigos legais tendiam a enfatizar preocupações semelhantes sobre obediência e hierarquia social. Mas, assim como na China, a cultura mediterrânea mostrava pouco apreço às qualidades infantis e pouco valorizavam os modos de brincar das crianças, apesar das ideias de pensadores como Platão e Aristóteles que insistiam na necessidade de regulamentar, desde cedo, as brincadeiras e jogos como modos de educar as crianças, registra-se que na Índia, a infância era época de estimular a fantasia da criança, com a oferta de brinquedos como piões e bolas de gude, a fim de mantê-las afastadas do excessivo contato com os adultos. Assim como o hinduísmo, com o advento da expansão de outras religiões no período pós-clássico, se ampliam rituais de louvor e preocupação com os cuidados maternos e paternos. Além disso, a crença de que as crianças seriam elementos divinos, se opõe às práticas de infanticídios, o que faz proliferar leis de proteção à criança em diferentes civilizações e, por conseguinte, a elaboração social de novos sentidos relativos à criança que passa a assumir, socialmente, estatuto de indivíduo/sujeito. Heywood (2004), por sua vez, considera simplista o discurso de polarização de civilizações em termos de ausência ou presença de uma consciência a respeito da infância e assevera que certamente o mundo medieval teve algum conceito (sentidos) de infância, mas suas concepções eram muito diferentes das nossas. Sendo assim, considerando a infância como uma construção social, os termos “criança” e “infância” sempre serão compreendidos de formas distintas por sociedades diferentes. Mesmo admitindo que muitas mudanças de fato aconteceram entre os períodos pré-moderno e moderno, estas não se deram de forma uniforme, no mesmo tempo, em diferentes espaços e civilizações. A influência do modelo moderno ocidental se deu de forma diversa, e coexiste até hoje com outras perspectivas de olhar a criança em diferentes sociedades. O Japão, por exemplo, manteve valores 82 bem diversos da cultura ocidental na constituição moderna da infância. (STEARNS, 2006). Nessa perspectiva, Stearns (2006) aponta três mudanças principais que separam a infância moderna da infância das sociedades agrícolas, que são: o advento da escolaridade no lugar do trabalho; o processo de redução da taxa de natalidade; e a redução da taxa de mortalidade infantil. Ele considera que o modelo moderno como um todo criou separações maiores entre infâncias e estágio adulto em relação à sociedade agrícola. No entanto, destaca que processos históricos, como por exemplo, o tráfico de escravos da África e o colonialismo europeu nas Américas, encaminharam-se em direções opostas ao modelo moderno, com aumento do trabalho infantil, das taxas de natalidade e de mortalidade. Acrescentamos que essas características presentificam-se até a atualidade em sociedades cuja organização em classes apresenta desigualdades marcantes entre camadas mais abastadas e camadas mais pobres e são demarcadoras de infâncias diversas. Além das diferenças de classe que vão constituindo as infâncias, o que define desigualdades no interior de uma mesma sociedade, Sarmento (2007) propõe que o estudo sobre as crianças e suas infâncias seja feito de forma situacional, num contexto espaço-temporal definido, visto que outros fatores concorrem, segundo o autor, para definir diferentes condições de infância. O autor propõe o estudo das concepções de infância sob a forma de imagens sociais da infância, desde o dealbar da modernidade ocidental, como propõem James, Jenks e Prout (1998 apud SARMENTO, 2007): Os autores distinguem dois períodos fundamentais: o das imagens da “criança pré-sociológica” e o das imagens da “criança sociológica”. A distinção decorre do facto de, no primeiro período, o trabalho de “imaginação” social da criança considerar o sujeito infantil como uma entidade singular abstracta, analisada não apenas sem recurso à ideia da infância como categoria social de pertença mas com exclusão do próprio contexto social enquanto produtor de condições de existência e de formação simbólica. As imagens da “criança sociológica” são produções contemporâneas e resultam de um juízo interpretativo das crianças a partir das propostas teóricas das ciências sociais. (Ibid, p. 29). Os estudos no campo da sociologia da infância propõem o entendimento de crianças como atores sociais nos seus contextos de vida, e de infância como categoria social do tipo geracional, socialmente construída. Esta, por sua vez, é estudada e 83 compreendida em relação com as outras categorias e de forma independente dos sujeitos (crianças) que a integram, já que ocupa uma posição estrutural (SARMENTO, 2008). Nessa perspectiva, são descritas “imagens sociais de crianças” que foram se tornando “discursos dominantes” na história da infância, considerando os modos como foram influenciando as relações entre crianças e adultos na família e em instituições sociais. Examinando os textos de Sarmento (2007) e Dahlberg, Moss e Pence (2003), identificamos as principais concepções históricas que se delinearam na modernidade em diferentes áreas de conhecimentos que buscam compreender a criança. Tais imagens/concepções – sentidos – não seguem uma perspectiva de evolução temporal, se constituem como dominantes em determinados períodos, e coexistem noutros. Sarmento (2007) apresenta cinco propostas de “imagens da criança pré- sociológica”. A primeira, descrita como a criança má, está associada à ideia do “pecado original” que aponta a necessidade de domesticar pela razão, fundamentada na filosofia de Hobbes acerca do controle dos “excessos” exercido pelo governo sobre os cidadãos e pelos pais sobre as crianças. Outra imagem refere-se à criança inocente, que seria fundada no mito romântico da infância como a idade da pureza, da beleza e da bondade. A criança de Rousseau, descrita também por Dahlberg, Moss e Pence (2003), que reflete a crença desse filósofo na capacidade de auto-regulação da criança em busca da virtude e da verdade, sendo a sociedade que corrompe a bondade “inata” das crianças. Nessa perspectiva, as crianças são a salvação do futuro e os adultos devem protegê-las da violência e corrupção do mundo. A imagem de criança imanente, apresentada por Sarmento (2007) ou, como descrevem Dahlberg, Moss e Pence (2003), da criança como reprodutora de conhecimento, identidade e cultura, está associada à filosofia de John Locke no século XVII que considera a criança como uma tabula rasa, que precisa ser equipada com os conhecimentos socialmente válidos numa perspectiva de preparação, prontidão para etapas posteriores. Associada a essa imagem, está também a ideia da criança – enquanto “vir a ser” – como capital humano, em quem vale o investimento com vistas à garantia de um sujeito economicamente produtivo e rentável. Sarmento (2007) apresenta, ainda, a imagem da criança inconsciente fundada na psicanálise de Freud, na qual a criança é vista como preditor do adulto, marcada 84 por relações conflituosas em relação às figuras do pai e da mãe analisadas sob a perspectiva do inconsciente e considerada, pelo autor, como determinista. O autor descreve, por fim, como predominante durante o século XX, a imagem da criança naturalmente desenvolvida, da criança científica, cujo desenvolvimento apresenta estágios definidos, segundo o autor, em bases essencialmente biológicas. Para Sarmento (2007) a psicologia do desenvolvimento, principalmente a teoria de Jean Piaget, vem influenciando a pedagogia, a medicina, as políticas e as relações diversas entre adultos e crianças, considerando-as como seres naturais antes de sociais, que se desenvolvem em um processo de maturação linear. A esse respeito, embora, Dahlberg, Moss e Pence (2003) reconheçam como uma simplificação referenciar essa imagem de criança a Piaget, visto que o próprio não teria dado tanta ênfase aos estádios e nem restringido sua explicação do desenvolvimento da criança a fatores biológicos, asseveram, assim como Sarmento (2007) que a influência piagetiana foi determinante na construção dessa imagem de criança natural, cujo desenvolvimento pode ser medido e avaliado em escalas e testes padronizados e universais. A respeito do papel da psicologia na difusão de uma imagem naturalizada de criança e de seu desenvolvimento, Sarmento (2007) cita a psicologia social de Vigotski como uma abordagem que contribui para a desconstrução desse sentido, mas considera que essa visão prevalece ainda na contemporaneidade. Na análise de Sarmento (2007) as imagens sociais da criança “pré- sociológica” são caracterizadas pela negatividade. “A criança é considerada como o não-adulto e este olhar adultocêntrico sobre a infância registra especialmente a ausência, a incompletude ou a negação das características de um ser humano completo” (p. 33). Para Dahlberg, Moss e Pence (2003), as construções de criança apresentadas fazem parte do projeto da modernidade, de discursos que “produzem uma criança pobre, fraca e passiva, incapaz e subdesenvolvida, dependente e isolada” (p. 69). Os referidos autores apresentam uma construção alternativa de imagem da criança como ativa, potente e co-produtora de conhecimento, identidade e cultura, produzida “em perspectivas construcionistas e pós-modernistas na filosofia, na sociologia e na psicologia”. Essa compreensão atual é identificada por Dahlberg, Moss e Pence (2003, p. 70) como “um novo entendimento da infância e das crianças”, considerando que 85 a infância é uma construção social, elaborada para e pelas crianças, em um conjunto ativamente negociado de relações sociais. Embora a infância seja um fato biológico, a maneira como ela é entendida é determinada socialmente [...] é sempre contextualizada em relação ao local e à cultura, variando segundo a classe, o gênero e outras condições socioeconômicas. (Ibid, p. 71). Esta construção se fundamenta especialmente no discurso do “novo paradigma da sociologia da infância” que, segundo Sarmento (2008), tem origem já na década de 90 com os “aspectos-chave do paradigma” definidos por Prout e James sobre a investigação sociológica da infância, dos quais podemos citar: 1) A infância é entendida como construção social. Como tal, isso indica um quadro interpretativo para a contextualização dos primeiros anos da vida humana. A infância, sendo distinta da imaturidade biológica, não é uma forma natural nem universal dos grupos humanos, mas aparece como uma componente estrutural e cultural específica de muitas sociedades. 2) A infância é uma variável de análise social. Ela não pode nunca ser inteiramente divorciada de outras variáveis como a classe social, o gênero ou a pertença étnica. A análise comparativa e multicultural revela uma variedade de infâncias, mais do que um fenômeno singular e universal. 3) As relações sociais estabelecidas pelas crianças e suas culturas devem ser estudadas por seu próprio direito independentemente da perspectiva e dos conceitos dos adultos. 4) As crianças são e devem ser vistas como atores na construção e determinação de suas próprias vidas sociais, das vidas dos que as rodeiam e das sociedades em que vivem. As crianças não são os sujeitos passivos de estruturas e processos sociais [...] (PROUT; JAMES, 1990, p. 8-9 apud SARMENTO, 2008, pp.23-24). Os estudos no campo da sociologia da infância se referenciam, também, nas teses formuladas desde 1992 por Jans Qvortrup sobre a infância como fenômeno social. Entre as quais, destacamos: Tese 1: A infância é uma forma particular e distinta de uma estrutura social da sociedade [...]. Tese 2: A infância é, sociologicamente falando, não uma fase transitiva, mas uma categoria social permanente [...]. Tese 3: A ideia da (essência) da criança enquanto tal é problemática, dado que a infância é uma categoria histórica e intercultural [...]. Tese 4: A infância é uma parte integrante da sociedade e da sua divisão de trabalho [...]. Tese 5: As crianças são elas próprias co-construtoras da infância e da sociedade [...]. 86 Tese 6: A infância está em princípio exposta às mesmas forças macrossociais que a adultez (e. g. forças econômicas e institucionais), ainda que de uma forma particular [...]. Tese 7: A dependência estipulada das crianças tem consequências para a invisibilidade das crianças nas descrições históricas e sociais, bem como na sua consideração como beneficiárias do Estado- Providência [...]. Tese 8: A ideologia familialista, não a parentalidade, constitui um obstáculo contra os interesses e o bem-estar das crianças [...]. Tese 9: A infância é uma clássica categoria minoritária, dado que é sujeita a tendências marginalizadoras e paternalistas (QVORTRUP, 2001, pp. 223-232 apud SARMENTO, 2008, pp. 24-25). Nessa perspectiva, Dahlberg, Moss e Pence (2003) apontam a experiência de Reggio Emilia na Itália, como referência contemporânea desse entendimento da infância numa perspectiva interacionista e construcionista de criança que a concebe como rica, ativa, capaz, competente, potente, participante, com direito e voz, que se desenvolve na interação com os adultos e outras crianças de seu meio, numa relação de trocas produtivas, não apenas reprodutivas. Os estudos culturais sobre a infância contemporânea (STEIMBERG; KINCHELOE, 2004; SARMENTO, 2007; MOMO, 2007) considerando que as crianças são produtoras de cultura e, portanto, sujeitos ativos na produção cultural da sociedade, na medida em que “interpretam” e significam o mundo social. Por outro lado, os modos como a sociedade se configura também intervém, ativamente na constituição das crianças e das infâncias. Nessa perspectiva, Momo (2007) conclui que a mercantilização da cultura infantil e as próprias configurações do mundo contemporâneo promovem a produção de uma nova infância – uma infância pós- moderna, que se constitui como aquilo que as crianças vão se tornando no interior dessa cultura – propagada pela mídia e pela sociedade do consumo. [...] os significados produzidos sobre a infância contemporânea estão centrados na promoção de pelo menos três identidades infantis: de consumo, midiática e tecnológica. As grandes corporações empresariais e midiáticas se ocupam em produzir culturalmente determinados entendimentos sobre a infância contemporânea para que eles sejam consumidos, para que façam parte do modo de vida das pessoas, regulando a sua própria existência. Ao mesmo tempo, as pessoas interferem no modo de produção, uma vez que a forma como eles consomem esses significados sobre a infância muitas vezes faz com que essas grandes corporações modifiquem os significados que haviam sido produzidos. (MOMO, 2007, p. 140). 87 Os estudos que assumem perspectivas pós-modernas sobre a infância apontam para novas formas de compreendê-la. Narodowski (2000, apud MOMO, 2007, pp. 111 – 112) anuncia o fim da infância como produto da modernidade. Considera a existência de dois pólos de atração: a infância hiper- realizada e a infância des-realizada. A primeira diz respeito às crianças que acessam a Internet, os canais de TV a cabo, os videogames, etc, sendo capazes, inclusive, de guiar os adultos no universo tecnológico. A segunda diz respeito às crianças que estão nas ruas, que trabalham desde muito cedo, e que são independentes e autônomas. Entre esses dois pólos, diz o autor, está a maioria das crianças que conhecemos. Em que pese reconhecermos a importância dessas reflexões para o entendimento das relações dialéticas e não lineares entre sociedade e cultura-sujeito, compreendemos que a infância é sempre uma construção histórica e cultural, que as crianças são diversas e vivem suas infâncias de modo diferente em cada tempo e em cada espaço, assim como coexistem modos diversos de viver a infância e, portanto, de ser criança na contemporaneidade. Em toda e qualquer cultura, classe social, etnia e/ou religião, as crianças se constituem como sujeitos situados, reais – que compartilham sentidos de seu meio, ressignificando-os de um jeito próprio, singular, ao mesmo tempo em que vão se singularizando como pessoas. Nesse contexto marcado por severas críticas aos estudos no campo da psicologia, consideramos importante destacar a necessidade de diálogo e busca de perspectivas multidisciplinares para compreender as crianças e suas infâncias. Consideramos que algumas abordagens da Psicologia – notadamente as que assumem uma perspectiva dialética e sócio genética das características humanas, em diálogo com contribuições científicas de outros campos, notadamente a filosofia, a sociologia, a antropologia, a medicina e a pedagogia, tem contribuído para a compreensão da criança não mais como ser não diferenciado do adulto; não mais como apenas um vir a ser, mas como sujeito humano em fase de desenvolvimento particularmente intenso determinado por interações – mediadas social e simbolicamente – entre a criança e o meio social através das quais ela vai se apropriando das práticas da cultura e se constituindo, de modo singular, em uma pessoa, com características ao mesmo tempo semelhantes e únicas. É consenso nas referidas áreas de conhecimento, quando tematizam a criança pequena a posição de, ao mesmo tempo em que se afirma a não 88 universalidade do “ser criança” como ser abstrato e ideal, descolado das condições objetivas de vida, o reconhecimento de que, em diferentes culturas, tempos e lugares, há características que marcam os modos de ser criança no mundo, a sua relação com o real, independentemente de sua cultura, família, classe social, etnia, religião ou gênero – ainda que cada um desses aspectos marque o como se é criança e como se vive a infância, visto que, se assumimos a perspectiva preconizada por Vigotski (2007) é gênese dos processos humanos, os modos como cada sujeito desenvolve seus modos próprios de funcionar psiquicamente, o que o torna um sujeito singular, são geneticamente sociais, vinculados às práticas culturais das quais se apropria nas interações, mediados pelos outros e pela linguagem. 3.2 A CRIANÇA PEQUENA E SUAS ESPECIFICIDADES Desse modo, como produção de sua história de vida, cada criança tem suas singularidades, características que as constituem como pessoa e lhe conferem uma contemporaneidade enquanto sujeito histórico e social. No entanto, é possível falar de especificidades que diferenciam as crianças pequenas em relação aos seres humanos de outros ciclos de vida, no que se refere aos modos de se relacionar com o mundo, de compreendê-lo e de agir nele/sobre ele, de viver, sentir, olhar, falar, aprender, simbolizar, movimentar-se e produzir culturas infantis vinculadas, principalmente, à ludicidade. Como afirma Sarmento (2007, p. 35): Com efeito, a infância deve sua diferença não à ausência de características (presumidamente) próprias do ser humano adulto, mas à presença de outras características distintivas que permitem que, para além de todas as distinções operadas pelo facto de pertencerem a diferentes classes sociais, ao género masculino e feminino, a seja qual for o espaço geográfico onde residem, à cultura de origem e etnia, todas as crianças do mundo tenham algo em comum. Como argumento desse preceito, o autor afirma que: “todas as crianças, desde bebês, têm múltiplas linguagens (gestuais, corporais, plásticas e verbais) por que se expressam”; têm “outras racionalidades”, construídas “nas interacções de crianças, com a incorporação de afetos, da fantasia e da vinculação ao real”; [...] “todas as crianças trabalham, nas múltiplas tarefas que preenchem seus cotidianos, 89 na escola, no espaço doméstico e, para muitas, também nos campos, nas oficinas ou na rua” (SARMENTO, 2007, p. 36). Finalmente, segundo o autor, “[...] as crianças são “sujeitos activos, que interpretam e agem no mundo. Nessa acção, estruturam e estabelecem padrões culturais. As culturas infantis constituem, com efeito, o mais importante aspecto na diferenciação da infância”. (Ibid, p. 36). As especificidades infantis, tão afirmadas na atualidade, também se ancoram em outras abordagens, dentre elas a psicologia de Henri Wallon (2005). De uma perspectiva assumidamente dialética e psicogenética de compreensão do desenvolvimento da criança, o autor afirma que Na espécie humana, o adulto dispõe de atividades que lhe permitem subtrair-se às pressões do ambiente imediato. Às circunstâncias externas pode opor um mundo de motivos que [...] são como que o regulador interno de sua conduta. É preciso, por conseguinte, supor á partida, um equipamento psicobiológico muito mais complexo do que o que possuem as outras espécies. Pelo contrário, a criança permanece durante muito mais tempo desarmada face às necessidades mais elementares da vida, e as ocasiões de aprendizagem que deve encontrar no meio externo adquirem então uma importância decisiva. [...] A criança permanece meses e anos sem nada poder satisfazer dos seus desejos senão por intermédio de outrem. (WALLON, 2005, pp 58-59). O autor chama a atenção para uma característica fundamental da criança pequena que é a sua vulnerabilidade/dependência em relação aos adultos (ou mais experientes), para sua subsistência e desenvolvimento. A criança pequena necessita de cuidados físicos e psicológicos constantes. Depende do outro para satisfação de suas necessidades durante um largo período de tempo, tanto nos aspectos físicos (equilíbrio, locomoção, movimentos, alimentação, higiene e saúde, etc), como nos aspectos cognitivos (construção de sua identidade e modos de exploração e significação do mundo/ da cultura) e afetivos (medo, raiva, choro, afeição, alegria, tristeza, etc). Sempre e em toda parte, as crianças precisam receber alguma preparação para o estágio adulto. Necessitam aprender a lidar com determinadas emoções, como raiva ou medo, de forma socialmente aceitável. Sempre e em toda parte, em vista do longo período de fragilidade na infância da espécie humana, crianças pequenas requerem que se lhes providenciem alimentação e cuidados físicos. (STEARNS, 2006, p. 11). 90 Mas, mesmo a vulnerabilidade e dependência infantis, guardados os primeiros anos, em que são incontornáveis, podem ser consideradas características que não apenas naturais, mas também socioculturais. Os modos e os tempos em que as crianças dependem de outros são relativos, variáveis. Ou seja, as relações que se estabelecem com uma criança em cada cultura, ou em cada família, ou mesmo numa mesma família com diferentes filhos, possibilitam formas e tempos de dependência diversos. Por exemplo, uma criança de dois anos pode em um determinado contexto social andar autonomamente pela casa, escolher e guardar objetos, alimentar-se sozinha ou ser mais dependente do outro em suas ações, conforme as interações que vivencia cotidianamente. Além da vulnerabilidade da criança pequena, Wallon destaca, ao mesmo tempo, sua capacidade de interação-comunicação com o meio social “desde as primeiras semanas e desde os primeiros dias”: O seu único instrumento vai, portanto, ser o que a põe em relação com aqueles que a rodeiam, isto é, suas próprias reações, que suscitem nos outros comportamentos [...] e as reações dos outros que anunciam estes comportamentos ou comportamentos contrários [...]. As funções de expressão precedem de longe as de realização. Antecipando a linguagem propriamente dita, são elas que primeiramente marcam o homem, animal essencialmente social. (WALLON, 2005, p. 59). O autor destaca, de modo dialético, ao mesmo tempo a vulnerabilidade da criança – suas “imperícias” enquanto ser humano em fase inicial da vida – e sua capacidade especificamente humana para afetar os outros e por eles ser afetada, afirmando, desse modo, a criança não apenas como ser incapaz e dependente, mas como capaz e potente – potência que só se realiza com a participação do meio social. Wallon ainda destaca (2005, p. 85) outra marca característica do modo de as crianças estarem no mundo e se relacionarem com ele, produzindo sentidos distintos dos adultos – interpelando as racionalidades vigentes: a ludicidade, a fantasia. Segundo o autor: Disse-se que a criança não cessa de alternar entre a ficção e a observação. Na realidade, se não as confunde, como por vezes parece, também não as dissocia. Ora absorvida por uma ora por outra, nunca desprende completamente de uma na presença da outra. Não cessa de as entrelaçar uma na outra. As suas observações não estão ao abrigo das suas ficções, mas as suas ficções estão saturadas das suas observações. (WALLON, 2005, p. 85). 91 O autor antecipa, desse modo, em texto da primeira metade do século passado, afirmações relativas às necessidades e capacidades próprias da criança, que as distingue dos humanos de outras fases da vida. Essas características têm sido abordadas em outros estudos, de outras perspectivas. Volpi (1980 apud ZABALZA, 2008) enumera alguns traços da condição infantil do ponto de vista sociológico, que são a imaturidade, irresponsabilidade, fragilidade e dependência. Destaca que tais condições não devem ocasionar uma relação totalmente permissiva, mas devem ser consideradas pelos adultos. Quando fala da imaturidade da criança, de sua relativa incapacidade de proceder/responder por si mesma em diversos contextos sociais, aponta, ao mesmo tempo, o direito do adulto ao controle, vigilância e seleção de regras ‘justas’ para sua socialização, e sua obrigação em encaminhar a criança dentro de certos limites – os erros, as incapacidades momentâneas e a violação de regras, por exemplo, não devem ser tão “proibidos”. Para o autor, esse longo tempo de dependência das crianças em relação aos adultos, possibilita, inevitavelmente, sua educação mediante um sistema de regras e normas de conduta definidas pelas instituições sociais como a família e a escola. Oliveira-Formosinho (2005) destaca que a psicologia tem chamado a atenção, nas últimas duas décadas, para que a competência da criança, desde muito pequena, tem uma latitude mais acentuada do que a sua vulnerabilidade social aparenta. Ou seja, reconhece na criança humana, suas competências sociopsicológicas que se manifestam desde a mais tenra idade, por exemplo, nas suas formas precoces de comunicação – em cem linguagens37. Neste sentido, compreendemos que ao mesmo tempo em que a criança é vulnerável/dependente do adulto, ela é capaz de aprender e se desenvolver, desde que lhe sejam dadas as condições propícias. Todas as crianças têm capacidade/competência para aprender, salvo aquelas com alguma deficiência ou transtorno fora da normalidade, no entanto, o que e como elas aprendem varia conforme as práticas culturais que vivenciam. Para Zabalza (2008) assim como a criança apresenta traços de sua condição infantil relativos à sua vulnerabilidade, também tem capacidades e potencialidades 37 Se referenciando em Loris Malaguzzi, na experiência de Reggio Emilia, na Itália. 92 que são desenvolvidas e caracterizam um desenvolvimento equilibrado, tais como: a expansividade nas experiências; o protagonismo de seu próprio crescimento – superando as dificuldades, erros e fracassos e mesmo que de forma não totalmente consciente, arriscando-se em condições seguras, propulsionando avanços; imagem positiva de si mesmo; independência; capacidade de participar e cooperar em experiência de grupo; capacidade de imaginar, fantasiar – reconstruir a realidade; e capacidade comunicativa. Sendo assim, destacamos que outra importante especificidade infantil é a capacidade de produzir cultura. Nas suas interações sociais, entre pares, as crianças produzem culturas infantis relativas à fantasia, imaginação e a brincadeira. Segundo Kramer (2006, p. 16) “a cultura infantil é, pois, produção e criação. As crianças produzem cultura e são produzidas na cultura em que se inserem (em seu espaço) e que lhes é contemporânea (de seu tempo) ”. E, ainda uma característica que diferencia/especifica a criança em relação aos adultos é a globalidade, que reflete a forma holística pela qual a criança aprende e se desenvolve. Para Zabalza (1998; 2008) a criança é um sujeito não setorizável. É inteira, se desenvolve como um todo integrado no qual o afetivo, o social e o cognitivo se constituem numa dinâmica intensa, não sendo possível, portanto, tratar isoladamente, no processo educativo, apenas uma dessas “partes”, priorizando um aspecto em detrimento dos demais. A vulnerabilidade, a capacidade e a globalidade são consideradas especificidades da criança, não como características separadas ou normativas que enquadram ou excluem as crianças de padrões considerados normais, mas numa perspectiva de compreender os modos como são e estão no mundo, independente do contexto. Dessa forma, entendemos que ainda são válidas e necessárias as contribuições da psicologia do desenvolvimento ou evolutiva, para o entendimento e a intervenção nos processos de aprendizagem e desenvolvimento da criança pequena. Sabemos, por exemplo, que precisamos conhecer e perceber nas crianças concretas as principais características que marcam seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e motor numa perspectiva integrada, entendendo que esse desenvolvimento ocorre mediante influência de fatores internos e externos/físicos e sociais. Neste sentido, delineamos a seguir estudos que tratam especificamente dos processos de aprendizagem e desenvolvimento da criança. 93 3.3 A CRIANÇA COMO SER DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO Numa perspectiva de diálogo com outras abordagens, como a história, a filosofia, a sociologia, a antropologia, a linguística e a própria pedagogia, que estudam e buscam compreender as crianças, suas interações sociais e sua aprendizagem, consideramos que as teorias psicológicas elaboradas por Vigotski (1896-1934) e Wallon (1879-1962) contribuem substancialmente para propostas e práticas que busquem promover o desenvolvimento integral das crianças pequenas, considerando suas especificidades e suas singularidades. De uma perspectiva abrangente e global, Wallon (2005) investiga a criança nos vários campos de sua atividade e nos vários momentos de sua evolução psíquica. Enfoca o desenvolvimento em seus domínios afetivo, cognitivo e motor, considerando que o sujeito constrói-se nas suas relações com o meio social na medida em que se apropria dos instrumentos histórico-culturais, dentre eles, a linguagem e o conhecimento existente. Busca compreender, em cada fase do desenvolvimento, o sistema de relações estabelecidas entre a criança e seu ambiente. Wallon (2005; 2008) define grandes etapas do desenvolvimento da criança, considerando este como uma construção progressiva em que se sucedem fases com predominância alternadamente afetiva e cognitiva: o estágio impulsivo-emocional, o estágio sensório-motor e projetivo, o estágio do personalismo, o estágio categoral e o estágio da adolescência. “O que distingue os estágios entre si é um estilo particular de comportamento. Se dúvida sua sucessão é tão rápida nas primeiras etapas da infância que nos confins entre um estágio e outro pode haver intricamento mútuo e frequentemente também alternância.” (Id, 2008, p. 119). No primeiro estágio (0 a 1 ano) as emoções são consideradas meio de interação da criança com o ambiente, orientando as práticas vividas. Mesmo sabendo que a inteligência e a afetividade compõem globalmente a criança, são as emoções que marcam as relações das crianças. Assim, este estágio demanda de atenção no atendimento à criança, precisando considerar as manifestações através do choro, dos gestos, do olhar, das expressões corporais (UBARANA, LOPES, 2012). A criança demonstra, desde as primeiras semanas, uma sensibilidade afetiva cujas manifestações se organizam gradualmente, de maneira 94 a realizar, por volta dos seis meses de idade, todo o sistema das emoções essenciais. Já muito antes seus sorrisos impressionaram os pesquisadores pela qualidade expressiva. (WALLON, 2008, pp. 119- 120). No estágio sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos) as relações estabelecidas pela criança acontecem a partir das explorações sensoriais e motoras. Além disto, a criança também desenvolve a função simbólica, sendo capaz de representar a linguagem através do ato mental. Para Wallon (2008, p. 181): A função simbólica não é a simples soma de determinados gestos. Ela é aquilo que estabelece uma ligação entre um gesto qualquer a título de significante e um objeto, um ato ou uma situação a título de significado. Aliás, ela não é adição, mas desdobramento. [...] A função simbólica é a capacidade de encontrar para um objeto sua representação e para sua representação um signo. O terceiro estágio é reconhecido como personalismo (3 a 6 anos), caracterizado pela formação da identidade, com a construção da personalidade da criança. As suas formas de ver o mundo se voltam às trocas sociais, e as relações afetivas são mais evidentes. Conforme é descrito a seguir: Na época em que quer se manifestar distinta do outro, mostra-se gradualmente cada vez mais capaz de distinguir os objetos e selecioná-los segundo sua cor, forma, dimensões, qualidades táteis, seu cheiro. Depois vem a idade de 4 anos, quando suas atitudes e suas maneiras mostram-se atenta ao que elas podem ser e parecer. É também quando começa a corar por uma incongruência ou uma falta de jeito e, inversamente, tira disso motivos de zombaria ou de diversão. [...] Gosta de rir e de se ver rir. Seu sobrenome, seu nome, sua idade, seu endereço tornam-se uma imagem de seu pequeno personagem, que transforma, aliás, numa testemunha de seus próprios pensamentos. Já apta para se observar, dispersa-se menos e dá prosseguimento à ocupação começada com mais tranquilidade e perseverança. (WALLON, 2005, p. 195). Wallon (2005) considera que o estudo das etapas que a criança percorre só pode ser compreendido, integrando os domínios funcionais que marcam o desenvolvimento infantil, são eles: da afetividade, do ato motor, do conhecimento e da pessoa (identidade). Vigotski (2007) considera os fatores orgânicos e sociais no desenvolvimento do psiquismo humano, concebe que esse resulta de uma interação entre o sujeito e o meio social. Para ele, tais interações precisam ser mediadas pelo outro e pela 95 linguagem (cultura), sendo assim, as aprendizagens impulsionam o desenvolvimento. Para ele, o estado de desenvolvimento mental de uma criança só pode ser determinado se forem revelados os seus dois níveis: o nível de desenvolvimento real – que define funções que já amadureceram - e a zona de desenvolvimento proximal – que define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, que estão presentes em estado embrionário. Assim, “o nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente” (Vigotski, 2007, p. 98). Nesta perspectiva, cabe discutir nesse processo, o papel da imitação, considerando que as crianças só conseguem imitar aquilo que compreendem de algum modo, ou seja, enquanto imitam elas podem sobrepor suas capacidades e aprender. Desse modo, para Vigotski (2007), o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento. Desse ponto de vista, aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas. (VIGOTSKI, 2007, p. 103). A ideia central de Vigotski é de que o desenvolvimento das funções mentais de cada indivíduo resulta de sua apropriação das práticas da cultura, o que se faz através de mediações – pelos outros e pelos signos – em processos de internalização, definidos pelo autor como “a reconstrução interna de uma operação externa, ou seja, uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente. [...] Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal”. (VIGOTSKI, 2007). Essa transformação é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento. Desse modo, é possível pensar em uma criança não como ser ideal ou universal, mas como ser situado, histórica e culturalmente constituído e em permanente constituição. Os conhecimentos, as práticas, os valores, ou seja, as significações constituem instrumentos fundamentais ao avanço das funções mentais das crianças. A criança aprende e se desenvolve em condições propícias à internalização, o que por sua vez, remete às condições de mediações da cultura. 96 Pino (2005) explica o conceito de “mediação semiótica” para Vigotski, considerando que esta permite à criança apropriar-se de saberes tipicamente humanos, tornando-se capazes de significar e explicar o mundo em relações comunicativas com os outros. Nesta perspectiva, Os signos permitem transformar o que é alheio à criança – seus modos de falar, de agir, de pensar etc. dos outros – em algo que lhe seja próprio, sem deixar de ser próprio dos outros. O signo realiza esse portento porque não é um mero veículo ou canal da significação – como tem entendido a teoria clássica da comunicação -, mas seu conversor, ou seja, aquilo que permite que as significações culturais possam ser incorporadas por cada pessoa, adquirindo suas peculiaridades, mas conservando o que faz delas “significações sociais”, algo que é compartilhado por todos, sem confundir isto com qualquer forma de homogeneização. (Ibid, p. 160). 3.3.1 A Criança como Ser de Linguagem e Cognição Na abordagem histórico-cultural, a linguagem é constitutiva do cognitivo humano. A linguagem verbal tem função de regulação interna e permite a comunicação, as trocas e a organização do pensamento. Nessa perspectiva, o homem aprende e desenvolve a linguagem mediante as relações sociais tecidas nas práticas de cultura, a partir da mediação do outro. Os primeiros estágios de desenvolvimento da linguagem em nossa espécie, consideradas raízes pré-intelectuais da fala, são caracterizadas pelo balbucio, choro, e primeiras palavras, que ainda não estabelecem nenhuma relação com a evolução do pensamento. No entanto, já constituem meios de contato social da criança, assim como as risadas, os sons inarticulados, os movimentos, etc. Com este pensamento, Vigotski (2005) afirma que no decorrer do desenvolvimento humano, e conforme os estímulos, mediações e interações, a criança apresenta avanços e por volta dos dois anos de idade, a fala como representação oral une-se as formas de organização do pensamento, para dar início a uma nova forma de comportamento. Esse instante crucial, em que a fala começa a servir ao intelecto, e os pensamentos começam a ser verbalizados, é indicado por dois sintomas objetivos inconfundíveis: (1) a curiosidade ativa e repentina da criança pelas palavras, suas perguntas sobre cada coisa nova (“o que é isto? ”); e (2) a consequente ampliação de seu vocabulário, que ocorre de forma rápida e aos saltos. (Ibid, p. 53). 97 Este momento vivido pela criança é marcado pelo reconhecimento das palavras ditas por outras pessoas, porém constitui-se a necessidade de aprender signos vinculados aos objetos. O que representa a descoberta da função simbólica das palavras. Como acrescenta Vigotski (2005, p.54), ao pontuar que “a fala, na primeira fase (da criança) era afetivo-conativa, agora passa para a fase intelectual [...] o pensamento torna-se verbal e a fala racional”. Nos estudos de Vigotski (2005) o desenvolvimento da fala, assim como de outras operações mentais, acontece em quatro estágios. O estágio inicial – natural ou primitivo, que corresponde à fala pré-intelectual e ao pensamento pré-verbal aqui já descrito. O segundo seria o estágio da “psicologia ingênua” – primeiro exercício de inteligência prática na criança, que se manifesta pelo uso correto das formas e estruturas gramaticais sem entendimento das operações lógicas que representam. A criança pode operar com orações com orações subordinadas, com palavras como porque, se, quando e mas, muito antes de aprender realmente as relações causais, condicionais e temporais. Domina a sintaxe da fala antes da sintaxe do pensamento. Os estudos de Piaget provaram que a gramática se desenvolve antes da lógica, e que a criança aprende relativamente tarde as operações mentais que correspondem às formas verbais que vem usando há muito tempo. (p. 57). O terceiro estágio se caracteriza pela fala egocêntrica que seria a fala em sua trajetória para a interiorização, assume para a criança a mesma função da fala interior. Numa fase em que ela, por exemplo, conta com os dedos e recorre a auxiliares mnemônicos, passa a utilizar gradualmente signos e operações externos como auxiliares na solução de problemas internos. A fala egocêntrica, desta perspectiva, está intimamente ligada à organização/planejamento do comportamento da criança. E o quarto estágio será efetivamente quando se dá o “crescimento interior”, estágio final da fala interior. Quando as operações externas se interiorizam – a criança conta mentalmente e utiliza a “memória lógica”, opera com signos interiores. Esse processo de interiorização da fala – primeiro psicologicamente (fala egocêntrica) e depois fisicamente (fala silenciosa), acontece porque sua função muda. Sendo assim, a fala interior se aproxima e por vezes, coincide com a forma da fala exterior a exemplo de quando serve de preparação para esta última, há uma interação constante entre as operações externas e internas – uma forma se transformando na outra. No entanto, convém destacar que a fusão de pensamento e fala é limitada e circunstanciada. 98 Esquematicamente, podemos imaginar o pensamento e a fala como dois círculos que se cruzam. Nas partes que coincidem, o pensamento e a fala se unem para produzir o que se chama de pensamento verbal. O pensamento verbal, entretanto, não abrange de modo algum todas as formas de pensamento ou de fala. Há uma vasta área do pensamento que não mantém relação direta com a fala. O pensamento manifestado no uso de instrumentos pertence a essa área, da mesma forma que o intelecto prático em geral [...]. Também não há qualquer razão psicológica para se considerar que todas as formas de atividade verbal sejam derivadas do pensamento. Não pode existir nenhum processo de pensamento quando um indivíduo recita silenciosamente um poema aprendido de cor [...] Finalmente, há a fala “lírica”, compelida pela emoção. Embora tenha todas as características da fala, dificilmente pode ser classificada como atividade intelectual, no verdadeiro sentido da palavra. (VIGOTSKI, 2005, pp. 58-59). Numa síntese, a fala interior se estabelece mediante um acúmulo de informações estruturais e funcionais e se separa da fala exterior das crianças quando se diferencia as funções social e egocêntrica da fala, e são as estruturas da fala dominadas pela criança que se tornam estruturas básicas de seu pensamento. Neste sentido, é que para Vigotski (2005, p. 62) “o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultural da criança”. Sendo assim, considerando que a natureza do próprio desenvolvimento se transforma, do biológico para o sócio-histórico – pois a fala interior e o pensamento verbal tem propriedades e leis especificas que se diferenciam do desenvolvimento inicial da fala e do intelecto – não se trata de uma simples continuidade ‘natural’ de estágios, mas de um processo que é sempre histórico e cultural. As palavras desempenham, portanto, um papel central no desenvolvimento do pensamento – o pensamento se constitui e é expressado por palavras, e estas são, por sua vez, constitutivas do pensamento. Essa relação se modifica, na medida em que os sentidos e significados das palavras se modificam/evoluem conforme o desenvolvimento e funcionamento do pensamento – de suas funções mentais. Considerando o papel central da linguagem – signos/palavras e significados sociais, na constituição do pensamento. Ou seja, para Vigotski (2005, p. 70), “todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las”. Buscamos entender como os conceitos em formação, se desenvolvem na criança, nesta perspectiva. 99 A palavra – dos outros, que são compartilhadas nas interações com crianças, e, portanto, são signos mediadores na formação de conceitos, se modificam nesse processo, “[...] em princípio tem um papel de meio na formação de um conceito e, posteriormente, torna-se o seu símbolo”. Vigotski (2005) descreve as fases e estágios alcançados pela criança na formação experimental de conceitos: sincretismo, complexos, pré-conceito e conceito, e destaca que todas as funções intelectuais em jogo nesse processo, seriam insuficientes sem o uso do signo, da palavra – como meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais. No estágio nomeado pensamento sincrético, o significado das palavras constitui-se como um conglomerado vago e sincrético de objetos isolados que se configuram numa imagem mental também sincrética e, portanto, instável. Partindo de impressões ocasionais, a criança agrupa / mistura diferentes elementos desordenados para denotar o significado de uma palavra, que por vezes, quando se refere a objetos concretos do ambiente da criança, pode coincidir com o significado do adulto. A formação desses amontoados sincréticos que representam para a criança o significado de uma palavra, acontece inicialmente por tentativa e erro, em seguida pela organização do campo visual da criança, e por último, compõem-se de elementos tirados de grupos ou amontoados diferentes, que já foram formados pela criança, no entanto, com a mesma coerência incoerente. (VIGOTSKI, 2005, pp. 75-76). O segundo estágio é definido de pensamento por complexos, nesta fase caracterizada pela superação parcial de seu egocentrismo, a criança passa para um nível mais elevado de pensamento que já se constitui mais coerente e objetivo, ainda que não abstrato e lógico como no pensamento conceitual. Em um complexo, os objetos isolados associam-se na mente da criança não apenas devido às impressões subjetivas da criança, mas também devido às relações que de fato existem entre esses objetos [...]. Já não confunde as relações entre as suas próprias impressões com as relações entre as coisas – um passo decisivo para se afastar do sincretismo e caminhar em direção ao pensamento objetivo [...] um complexo é, antes de mais nada, um agrupamento concreto de objetos unidos por ligações factuais. (VIGOTSKI, 2005, pp. 76-77). Neste sentindo, qualquer conexão que a criança estabelece em suas experiências concretas pode levá-la à inclusão de um determinado elemento em um complexo, que não se constitui numa unidade lógica, abrange muitas variações. Diferente de um conceito que agrupa os objetos atrelados a um atributo, “as ligações 100 que unem os elementos de um complexo ao todo, e entre si, podem ser tão diversas quanto forem os contatos e as relações que de fato existem entre os elementos.” (Ibid, p. 77). Podem ser observados, cinco tipos básicos de complexos sucessivos: associativo, coleções, cadeia, difuso e pseudoconceito. No complexo associativo a criança considera as semelhanças ou outras conexões necessárias que ela consegue perceber entre as coisas, e as agrupa em um grupo comum. Nesse estágio, a palavra deixa de ser o “nome próprio” de um objeto isolado e torna-se o nome da família de um grupo de objetos. O complexo de coleções baseia-se nas relações entre os objetos, que mesmo sendo diferentes, com nomes diferentes, podem formar um conjunto funcional conforme sua participação na experiência prática. Já a cadeia pode se constituir dinamicamente, numa sequência de elementos isolados que não se relacionam a partir de um mesmo núcleo, mas através de diferentes elos numa única corrente. Assim, o tipo e a natureza dos vínculos entre os objetos podem mudar de um elo a outro. [...] o complexo em cadeia pode ser considerado como a mais pura forma do pensamento por complexos [...] um complexo não se eleva acima de seus elementos como faz um conceito; ele se funde com os objetos concretos que o compõem. Essa fusão do geral com o particular, do complexo com os seus elementos [...] é a característica distintiva de todo o pensamento por complexos e, em particular, do complexo em cadeia. (VIGOTSKI, 2005, pp. 80-81). O complexo difuso, por sua vez, constitui-se na fluidez dos atributos utilizados pelas crianças para agrupar objetos ou imagens concretas. Seriam as generalizações possíveis, ainda com os mesmos princípios e limites das conexões concretas entre as coisas, que se baseiam em atributos vagos e instáveis, construindo complexos ilimitados/indefinidos. Por fim, os pseudoconceitos que são considerados elos de transição entre o pensamento por complexos e a formação conceitual propriamente dita, pois embora sejam aparentemente idênticos ao conceito do adulto, são psicologicamente diferentes na sua essência. Os pseudoconceitos predominam sobre todos os outros complexos no pensamento da criança em idade pré-escolar, pela simples razão de que na vida real os complexos que correspondem ao significado das palavras não são desenvolvidos espontaneamente pela criança: as linhas ao longo das quais um complexo se desenvolve são predeterminadas pelo significado que uma determinada palavra já possui na linguagem dos adultos. (VIGOTSKI, 2005, p. 84). 101 Ou seja, as palavras que são compartilhadas em contextos de interações entre crianças e adultos, estão em elaboração para a criança. O significado das palavras, da forma como é percebido pela criança nessa fase, tendo como base todas as peculiaridades estruturais, funcionais e genéticas do pensamento por complexos e suas experiências sociais, coincide, por vezes, com o significado das palavras para o adulto, na medida em que designa os mesmos objetos, possibilitando assim a comunicação / compreensão mútua. No entanto, as operações mentais envolvidas nesses processos de significação / conceituação são diferentes para a criança e para o adulto. Enquanto o pensamento por complexos contribui para a formação conceitual quando introduz modos de unificação das impressões desordenadas, criando uma base para generalizações e sínteses posteriores, os chamados conceitos potenciais ou pré-conceitos introduzem a capacidade de abstração – construção do pensamento abstrato, contribuindo para o exercício de análise, necessário na formação de conceito, além da síntese. Apesar de considerado como terceiro estágio neste processo, os conceitos potenciais aparecem de forma rudimentar no pensamento por complexos, nas abstrações ainda instáveis, no entanto bem diferente em relação aquelas desenvolvidas nos conceitos potenciais propriamente ditos, baseados no isolamento de certos atributos comuns ao objeto, e que podem ter como fonte os significados funcionais. Como acontece, com a criança até os primeiros anos de idade escolar que explica uma palavra dizendo o que o objeto designado pode fazer ou o que pode ser feito com ele. Nessa perspectiva, a criança só evolui até a formação de conceitos verdadeiros, quando consegue dominar a abstração de modo articulado com os pseudoconceitos. Um conceito aparece quando ocorre uma nova síntese, agora não no plano da experiência concreta, mas uma síntese abstrata que passa a ser o principal instrumento do pensamento. Durante um longo período de transição, o pensamento oscila entre o conceito e o complexo. [...] um conceito se forma não pela interação das associações, mas mediante uma operação intelectual em que todas as funções mentais elementares participam de uma combinação específica. Essa operação é dirigida pelo uso das palavras como o meio para centrar 102 ativamente a atenção, abstrair determinados traços, sintetizá-los e simbolizá-los por meio de um signo. Sendo assim, tanto na linha de formação dos conceitos complexos, como na formação dos conceitos potenciais, a utilização da palavra integra os processos de desenvolvimento, e esta, por sua vez, conserva a sua função diretiva na formação dos conceitos verdadeiros. Importante retomar, que todos os processos de aprendizagem e desenvolvimento na criança, se constituem como processos de internalização – apropriação – a criança vai tornando próprio os significados sociais compartilhados nas interações (sempre em contextos de mediação pelo outro – e pelos signos), o que se dá como conversão/transformação e não por simples e direta interiorização do que é externo. Essa conversão38 nem sempre tem como produto interno aquilo é próprio e pertinente aos significados que circulam socialmente. 3.3.2 A Criança como Ser de Interações e Brincadeira Na perspectiva da abordagem histórico-cultural, as interações são constitutivas do desenvolvimento humano. Ao propor como “Lei Geral” que: qualquer função no desenvolvimento cultural da criança aparece em cena duas vezes, em dois planos – primeiro no social, depois no psicológico, primeiro entre as pessoas como categoria interpsicológica, depois – dentro da criança” (VIGOTSKI, 2000, p. 26) o autor afirma o papel fundante das interações para o desenvolvimento dos sujeitos humanos, noutras palavras, que a criança é um “ser de interações”, visto que é por estas que ela compartilha os modos de funcionamento interpsicológico-social e deles se apropria, convertendo-os, singularmente, pois pelo signo, em seus modos próprios de ser. Wallon (2005), como já referimos anteriormente, também afirma essa “natureza” geneticamente social e interativa da criança, que emerge desde os primeiros dias de vida, quando ela, por meio de movimentos, sons, expressões, choro, risos, olhares (PINO, 2005) se comunica com os outros que a rodeiam, afetando-os, agindo sobre eles e sendo por eles afetada, com suas respostas, num movimento de inter-ação. 38 Ver discussão no capítulo dois a partir dos estudos de Smolka (2000). 103 Ao mesmo tempo, ambos os autores também aprofundam uma visão acerca do brincar da criança e do papel dessa atividade, considerada por Leontiev (1988) como a principal nessa fase da vida humana enquanto geradora de ações e funções mentais. Para Vigotski (2007) a atividade de brincar não é inata; tem origem nas relações da criança com seu meio, como modo de compensar necessidades e desejos não satisfeitos segundo limites que lhes são impostos. Nessa perspectiva, segundo Vigotski (apud LOPES, 2005, p. 26) “o brinquedo, entendido como a brincadeira de faz-de-conta, é uma atividade que possibilita à criança, expandir suas possibilidades de ação no mundo objetivo através da imaginação”, o que expande suas capacidades de significação e, portanto, de internalização. A respeito da relação brincadeira-liberdade-prazer, Vigotski (2007, p. 124) propõe que “não existe brinquedo sem regras. A situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento, embora possa não ser um jogo com regras formais estabelecidas a priori”. Ou seja, os papéis assumidos pelas crianças demandam comportamentos específicos, as regras se originam nas próprias situações imaginárias. É, portanto, na confluência entre a regra da cultura e a liberdade da imaginação (que se constitui na margem da regra – das práticas da cultura) que reside a riqueza do brincar para a formação pessoal e social da criança: reproduzir e produzir cultura; internalizar significações existentes transformando-as; recriando-as; transitar entre objeto e significado elaborando conceitos, ações e relações frente às coisas do mundo. Para Wallon (2005) a ludicidade é a marca primordial da infância, entendida, também, como período da vida em que todas as atividades humanas encontram-se em fase nascente. Nessa perspectiva, atividades como andar, correr, pular podem assumir feições lúdicas, por sua repetição, pelo prazer que provocam. Para o autor, os “jogos” são, inicialmente, “puramente funcionais”, depois assumem caráter de ficção, de aquisição e de fabricação” (Ibid, p. 73). Enquanto os primeiros são experimentações e repetições de ações que produzem efeitos (sons, movimentos), os “jogos de ficção” consistem nas brincadeiras de faz-de-conta, que envolvem “atividades, cuja interpretação é mais complexa” (Ibid, p. 74). Os “jogos de aquisição” envolvem exploração do ambiente, dos objetos e seres, curiosidade e busca de compreensão. Os “jogos de fabricação” por sua vez, envolvem elaborações, intervenções sobre os objetos: “reunir, combinar, modificar, transformar objetos e criar 104 novos” (WALLON, 2005, p. 74). O autor destaca que, nesses jogos, tanto as atividades de “aquisição”, como de “ficção” têm papel importante. Desse modo, afirma que brincar é um modo fundamental de a criança se relacionar com o mundo, de explorá- lo, compreendê-lo, produzir sentidos próprios. Delinear histórias e concepções de crianças e infâncias, assim como compreender suas especificidades e os modos como aprendem e se desenvolvem, abre possibilidades para entendermos os modos como a educação infantil tem se constituído historicamente, especialmente no contexto das políticas nacionais. 3.4. A CRIANÇA COMO SER DE EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA Durante muitos séculos, a família – concebida de modo diferente da perspectiva que se instituiu na sociedade burguesa – foi a única instituição responsável pelo cuidado e educação das crianças pequenas. Para o atendimento a crianças em situação desfavorável foram sendo construídos arranjos alternativos que envolveram, desde o uso de redes de parentesco, nas sociedades primitivas, ou de “mães mercenárias”, na idade antiga, até a criação das já notórias “rodas de expostos” onde se depositavam os bebês abandonados. Mediante seu crescimento, as entidades religiosas conduziam as crianças a um ofício, fato registrado já nas idades Média e Moderna. A educação materna é defendida desde o contexto da cultura democrática grega, aonde florescem as ideias de filósofos como Sócrates (469-399 a. C.), Platão (427 – 347 a. C.) e Aristóteles (384 – 322 a. C.) que demonstraram preocupação mais específica com a educação da criança pequena. Na Idade Moderna, pensadores como Erasmo (1466-1536) e Montaigne (1553-1592) segundo Oliveira (2005, p. 59) “sustentavam que a educação deveria respeitar a natureza infantil, estimular a atividade da criança e associar o jogo à aprendizagem”. A partir do século XV foram sendo criadas na Europa as primeiras instituições mais formais para atendimento às crianças em contextos desfavoráveis. Eram instituições de caráter marcadamente filantrópico ou religioso, cujos objetivos e práticas visavam especificamente essas crianças e seus destinos. Neste sentido foram sendo criadas na Inglaterra, França e outros países as chamadas “charity Nesteschools” ou “dame schools” ou “écoles petites” para atender as crianças pobres de dois ou três anos. (OLIVEIRA, 2005). 105 Nos séculos XVIII e XIX, esse atendimento foi se ampliando, no entanto, com objetivos diferentes para a educação de crianças pobres, as quais era proposto apenas o aprendizado de uma ocupação e da piedade. Nesse contexto, em asilos criados em Paris e logo disseminados pela Europa, era comum que os grupos atingissem uma centena de crianças e adolescentes ou mesmo duzentas crianças das classes operárias ou órfãs, comandadas por adultos. Oliveira (2005) destaca que em oposição às referidas práticas, alguns filósofos e educadores são considerados pioneiros em defesa de uma educação mais centrada na criança pequena, que reconheça e considere suas necessidades e especificidades, características que as diferenciam do adulto, como o interesse pela exploração de objetos e pelo jogo. Embora com ênfases diferentes entre si, autores como Comenius, Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Montessori e Decroly39 propõem uma educação que atenda as crianças de diferentes condições sociais, e reconhecem o direito destas à aprendizagem de conhecimentos culturalmente valorizados. A partir de suas ideias e proposições, vão sendo criadas instituições formais para o atendimento às crianças pequenas. Tais experiências se propagaram para outros países da Europa, e de outros continentes até a contemporaneidade. No entanto, conforme destaca Oliveira (2005) as instituições com referências naqueles modelos que foram criados para atender populações socialmente desfavorecidas, vão sendo amplamente utilizadas para orientar o trabalho educativo em instituições que atendem os filhos de alguns segmentos da classe média e alta em vários países, inclusive no contexto brasileiro. As primeiras instituições de educação infantil no país são fundadas a partir do estudo das ideias de Pestalozzi, Montessori, Decroly e Froebel. Kuhlmam Jr. (1998) cita a Escola Normal Caetano de Campos em São Paulo que traduzia as obras de Froebel como fundamento de seu projeto educativo já em 1896. Na análise de Didonet (2008), a educação das crianças brasileiras em idade anterior à entrada na escola, surge em sintonia com os modelos em vigor em outros países, absorvendo as características assistencialista e compensatória. Ao surgirem as instituições de cuidado às crianças pequenas, na segunda metade do século XVIII, as preocupações recaíam sobre as péssimas condições de vida e sobrevivência dos filhos das famílias trabalhadoras. Somente cem anos depois de seu início, com a filosofia 39 Retomaremos as proposições curriculares destes pensadores no capítulo quatro. 106 educacional e a orientação pedagógica de Fröebel, já com o nome de jardim da criança (Kindergärten), o objetivo educacional ganhou destaque. (DIDONET, 2008, p. 2) As concepções e práticas de educação infantil chegaram aqui, segundo Didonet (2008, p. 3) inspiradas no que vinha acontecendo na Europa no séc. XIX, “guardando, ainda, o modelo original dos jardins de infância para crianças de 4 a 6 anos e o de lugar de guarda, para as de alguns meses em diante, que necessitassem de cuidado e proteção em decorrência da pobreza ou do trabalho extra-domiciliar de seus pais, especialmente das mulheres”. No entanto, enquanto lá essa dicotomia foi sendo superada, aqui no Brasil ela se arraigou e aprofundou, durante cerca de mais um século: A creche, assistencial; a pré-escola, educacional. A primeira, geralmente com pessoal não qualificado ou, se qualificado, em serviço social; a segunda, com professores formados na Escola Normal. Uma, com o zelo pelos cuidados físicos, saúde, alimentação, higiene, bons hábitos e proteção; outra, com objetivo de desenvolvimento da auto- expressão linguagem, artes, movimento, socialização. (DIDONET, 2008, p.3) Esta dualidade também é descrita por Machado (1991, p. 17): “(...) com a industrialização e urbanização no início da República aparecem creches e escolas maternais destinadas aos filhos de operários, (...) já na década de vinte, a pré-escola começa a adquirir contorno de instituição educativa. ” No entanto, distinguem-se dois tipos de atendimento: estimulador do desenvolvimento afetivo e cognitivo destinado às crianças de classes favorecidas economicamente e satisfação das necessidades de guarda, higiene e alimentação voltados para as crianças pobres. Sousa (1996) também aponta para essa discriminação em relação a algumas denominações de estabelecimentos infantis nas décadas de 1920 e 1930. Segundo a autora, as creches ou asilos infantis atendiam as crianças órfãs, carentes e restringiam suas atividades à assistência médica e sanitária. As escolas maternais destinadas a atender os filhos dos operários tinham o objetivo de buscar o desenvolvimento integral da criança, preocupando-se com o caráter pedagógico associado à função assistencial, numa tentativa de diferenciá-la das salas de asilo. Os jardins de infância, também com objetivos pedagógicos, eram considerados instituições destinadas a prestar serviços às classes de maiores recursos financeiros. 107 Na Legislação Brasileira, foi a Constituição de 1934, a primeira a incluir um capítulo especial sobre a educação, estabelecendo como um dos pontos mais relevantes, a educação como direito de todos, mas sem mencionar a criança pequena especificamente. O reconhecimento das crianças, como sujeitos de direitos, tem um marco fundamental com a Declaração Universal dos direitos da criança de 1959 (ONU, 2007) que preconiza a instituição de medidas legislativas pelos governos nacionais em conformidade com os princípios proclamados, dentre eles o direito de a criança receber educação gratuita. Na década de 1960, ganha relevância, na legislação e nas políticas vigentes, a concepção de prontidão, objetivando amenizar os altos índices de repetência. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional aprovada em 1961 (Lei 4024/61) aponta uma perspectiva de inclusão dos jardins de infância nos sistemas de ensino, em seus artigos 23 e 24: A educação pré-primária destina-se aos menores de 7 anos, e será ministrada em escolas maternais ou jardins de infância. [...] As empresas que tenham a seu serviço mães de menores de sete anos serão estimuladas a organizar e manter, por iniciativa própria ou em cooperação com os poderes públicos, instituições de educação pré- primária. Sendo assim, neste contexto as políticas se efetivavam numa perspectiva de colaboração e não de responsabilidade governamental com instituições de educação infantil, estas eram mantidas por entidades filantrópicas e assistenciais. Sobre as diferentes concepções e funções de educação infantil, Nunes (2006) sintetiza em alguns pontos, a trajetória em torno de construção de políticas públicas que nos ajudam a pensar a situação da institucionalização da educação infantil no Brasil:  Os discursos higienistas e de saneamento nortearam práticas de tutela à família e à criança pobre, identificados com a segurança nacional, consolidando a organização de um arcabouço institucional. Instituições públicas e privadas (filantrópicas) compunham o sistema de proteção à infância e à juventude, solidificadas na era Vargas e se mantendo até a década de 1960. A creche ganha o sentido de intervenção e regulação social: a dependência natural da criança pequena, que precisa de cuidados, e da mãe pobre, que precisa de um patrono.  As políticas educacionais da década de 1970, voltadas à educação de crianças de 0 a 6 anos, pautaram-se na educação compensatória, com vistas à compensação de carências culturais, deficiências linguísticas e defasagens afetivas das crianças 108 provenientes das camadas populares. Influenciados por orientações de agências internacionais e por programas desenvolvidos nos Estados Unidos e na Europa, documentos oficiais do MEC e pareceres do então Conselho Federal de Educação defendiam a ideia de que a pré-escola poderia, por antecipação, salvar a escola dos problemas relativos ao fracasso escolar. (NUNES, 2006, pp.15-16). Didonet (2006) situa que apesar de a educação de crianças menores de 7 anos ter uma história de cento e cinquenta anos no Brasil, o seu crescimento deu-se principalmente a partir dos anos 1970. Na interpretação de Pinheiro (1998, p.49) a Lei N.º. 5.692/71 foi o primeiro documento legal a normatizar a ação do Poder Público em relação à pré-escola: “No seu artigo 19 recomenda, aos sistemas, velar para que as crianças, menores de sete anos, recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância ou em instituições equivalentes. ” A autora considera que, na época, predominava a ideia de se atribuir à Educação Infantil a função de suprir as deficiências familiares de atendimento à saúde e dos aspectos cognitivos. Em decorrência dessas ideias, o Conselho Federal de Educação emitiu o Parecer 2.018/74, regulamentando o atendimento a crianças carentes. No entanto, na análise de Bittar, Silva e Motta (2003, p. 36) tal lei não atribuiu a responsabilidade de “velar” pela criança a nenhum sistema de ensino, além de reproduzir uma concepção assistencialista pautada na ideia de “cuidar” e não de “educar”. Em 1975 é criada a Coordenação de Educação Pré-escolar – COEPRE do MEC e em 1981 é lançado o Programa Nacional de Educação Pré-escolar com o objetivo de expandir a atendimento com baixo custo, em espaços para comportar de 100 a 120 crianças que eram “atendidas” por mães voluntárias. Neste contexto, o MOBRAL – programa de alfabetização de jovens e adultos - passa a integrar o programa para as crianças de 4 a 6 anos redimensionando sua estrutura administrativa e pedagógica. (SOUZA; KRAMER, 1988). Para Abramovay e Kramer (1987, p. 28) o Programa Nacional de Educação Pré-escolar de 1981 se constitui em definições oficiais que travestem a pré-escola com uma roupagem nova, mas quando bem analisada, percebe-se que “o rei está nu”. Há um esvaziamento da função da pré-escola, pois sob o disfarce de que tem objetivos em si mesma, não é responsável pelo desempenho no 1º grau (ensino fundamental) ela não necessita de qualidade, podendo ser informal, não convencional, assistemática, etc. 109 Na análise de Souza e Kramer (1988) as iniciativas políticas da década de 1970, foram marcadas por grandes equívocos com a importação da abordagem de privação cultural e a proposta de educação compensatória, no entanto, impulsionou o debate sobre as funções e os métodos pedagógicos que devem nortear o trabalho na pré-escola. E ainda, contribuiu para o rompimento de uma educação assistencialista, já que propunha uma abordagem educativa na medida em que relacionava a pré- escola com a escola primária (ensino fundamental). No entanto, podemos afirmar que o marco principal na história e política da educação infantil em nosso país foi a Constituição de 1988. Sendo assim, buscamos delinear a trajetória permeada por avanços e recuos a partir do contexto de promulgação da nova constituinte, ainda em vigor. 3.4.1 A Educação da Criança: história e políticas recentes A educação infantil brasileira alcançou, nas últimas décadas, inquestionáveis avanços no plano legal que se converteram em algumas políticas públicas materializadas em documentos oficiais. Esses avanços são consequências de transformações sociais ocorridas em nosso país no último século em diversos planos: alinhamento das políticas de desenvolvimento nacional às visões/exigências de organismos internacionais, inserção da mulher no mercado de trabalho formal e reivindicação de movimentos sociais organizados por condições de trabalho para os pais – em especial, a mulher – e por um atendimento de qualidade para as crianças; expansão quantitativa do atendimento, entre outros. (ABRANTES, 1987; ROSEMBERG, 1999; OLIVEIRA, 2005). Algumas reivindicações sociais e acadêmicas no campo da educação infantil às vésperas da nova constituinte são sintetizadas em texto de Kramer40, sob o título “O papel social da pré-escola pública: contribuições para um debate”. A autora coloca a pré-escola como direito da criança brasileira a ser garantido na constituinte. Discorre sobre as dicotomias entre creche e pré-escola, enfatizando a necessidade – igualmente relevante em todos os tipos de atendimento – “de que o trabalho realizado no seu interior tenha não só um caráter assistencial, como também educativo” (KRAMER, 1988, p. 50). 40 Texto publicado originalmente em 1986. 110 Sobre o debate em torno de uma função pedagógica da pré-escola em texto publicado originalmente 1984, Souza (1988) também contribuiu para a defesa de uma pré-escola com um caráter essencialmente educativo, que deve desenvolver uma ação pedagógica voltada para os interesses e necessidades das crianças das classes populares. A Constituição Federal de 1988 em seu Art. 208 define a educação infantil como dever do Estado, assegurando no Inciso IV, “(...) o atendimento às crianças de zero a seis41 anos de idade”. Cabe ressaltar que este atendimento deve acontecer conforme os princípios constitucionais de descentralização e participação. Ou seja, é responsabilidade da esfera federal a coordenação e as normas gerais, e as esferas estadual e municipal a coordenação e execução dos programas educacionais. E cabe a população, por meio de organizações representativas, participar na formulação de políticas e no controle social das ações governamentais. (NUNES, CORSINO, DIDONET, 2011). O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990) reforça o direito constituinte da criança pequena à educação, bem como os princípios citados, na medida em que institui a participação dos diferentes conselhos na efetivação do sistema de garantia de direitos da criança. Nesse contexto, é criada a Coordenação Geral de Educação Infantil – COEDI na Secretaria de Educação Básica – SEB, do Ministério de Educação – MEC, com o objetivo de articular essa etapa com as seguintes, subsidiar a formulação da política nacional de educação infantil e prestar assistência técnica aos estados e municípios no desenvolvimento de seus programas educacionais. Finalmente, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB, Lei nº 9.394/96, consolida a inclusão das creches e pré-escolas nos sistemas educativos, quando preceitua através do Art. 29, que: “A educação infantil é a primeira etapa da educação básica, e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. ” Embora considere o reconhecimento de uma mesma função educativa das instituições que atendem crianças de zero a seis anos – a utilização dos termos creche e pré-escola, 41 A emenda constitucional nº 53/2006 modificou de 6 para 5 anos a idade de término da educação infantil. 111 diferenciando-as apenas pela faixa etária, é carregada de ranços históricos, como argumenta Didonet (2008, p. 7): A creche abriga uma diversidade de modelos de atenção, públicos e privados, muitos de péssima qualidade, outros excelentes; está associada à criança pobre, à ação assistencialista, à prestação de cuidados físicos e de saúde e alimentação. A pré-escola, embora tenha construído uma imagem melhor e esteja qualificando progressivamente seu serviço educacional, não expressa, por esse nome, o conteúdo mas o trabalho que realiza. O prefixo pré é entendido por muitos como abreviatura de preparatório, portanto, ancilar ao ensino fundamental. No contexto pós LDB/96, o que se observa é uma descontinuidade no atendimento a crianças pequenas, principalmente nos anos 1998 e 1999 nos quais se verifica um decréscimo significativo do número de matrículas na pré-escola. O diagnóstico do Plano Nacional de Educação - PNE (DIDONET, 2006) atribui essa redução à implantação do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental - FUNDEF, que contemplou separadamente o ensino fundamental em detrimento das demais etapas da educação básica. Craidy (2005, p. 59) denuncia que poucos são os estados e municípios que estabeleceram as normas para o credenciamento das creches e pré-escolas no sistema de ensino, e ainda mais raros os que realizaram essa integração. E ainda coloca que “é equivocado afirmar que só agora as creches e pré-escolas se transformaram em instituições educativas. Elas sempre foram instituições educativas, já que é impossível cuidar de crianças sem educá-las. ” Na perspectiva de discutir a dualidade entre assistência e educação, Rosemberg (2005) considera a necessária definição dos termos creche e pré-escola. Segundo ela, apesar da Constituição de 1988 e a LDB (BRASIL, 1996a) não terem definido tais termos, as mesmas não permitem que coexistam modalidades paralelas de melhor ou pior qualidade que acolham segmentos infantis diferenciados por origem econômica ou racial. A autora retoma os esforços de conceitualização que foram se desenvolvendo no interior da Coordenadoria de Educação Infantil (COEDI/MEC) para diferenciar creche e pré-escola exclusivamente quanto a faixa etária da população de crianças atendidas: “creche deve ser o mesmo que pré-escola atendendo crianças até 112 3 anos e 11 meses; pré-escola deve ser o mesmo que creche atendendo crianças de 4 anos a 6 anos e 11 meses”. (ROSEMBERG, 2005, p. 71). Os documentos publicados42 no contexto da implantação democrática de uma política nacional para educação infantil pela COEDI, no contexto de elaboração da LDB, retomavam a discussão em relação às dicotomias referentes a função social desta etapa educativa, ampliando o debate acerca da expansão do atendimento numa perspectiva de qualidade. Situamos que esse conjunto de documentos e ações marca o início de uma Política Nacional para Educação Infantil, que se caracteriza naquele contexto por seu caráter democrático de consulta às redes de ensino e aos pesquisadores da área. Considerando esse contexto de implementação de políticas para educação infantil que se materializavam em documentos oficiais, fomos compreendendo que os estudos no campo científico, juntamente às reivindicações dos movimentos sociais vão se constituindo como fundamento ou força propulsora para o discurso legal. No campo das políticas curriculares nacionais, identificamos marcadamente em sua trajetória43, que os processos de sua elaboração envolvem a ‘encomenda’ de consultorias, pesquisas e pareceres aos professores e pesquisadores atuantes na área. A Política Nacional de Educação Infantil publicada em 1994, sob consultoria de educadores como Euclides Redin, Fúlvia Rosemberg e Vital Didonet, fundamenta- se nos princípios constitucionais e reitera que a educação infantil deve ser oferecida em complementação à ação da família, cumprindo duas funções indissociáveis: cuidar e educar. O documento define então como objetivos imediatos a serem alcançados: a expansão de vagas para a criança de zero a seis anos, o fortalecimento da concepção de educação infantil e a melhoria da qualidade no atendimento, a partir de ações de formação, financiamento e divulgação de estudos na área como fundamento e incentivo para elaboração de propostas pedagógicas ou curriculares nas instituições44. 42 Trabalhos coordenados, encomendados e publicados pela Coordenação de Educação Infantil - COEDI/MEC entre 1994 e 1996, conhecidos por seu formato de carinhas: Política Nacional de Educação Infantil (1994a); Por uma política de Formação do Profissional de Educação Infantil (BRASIL, 1994), Critérios para um atendimento em creches que respeitem os direitos fundamentais das crianças (BRASIL, 1995); Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil (1996). 43 Delineamos nesse capítulo essa trajetória e aprofundamos a discussão acerca de currículo e conhecimento disseminada nos documentos oficiais nos capítulos quatro e cinco. 44 Com essa finalidade são publicadas as DCNEI (BRASIL, 1999) e o RCNEI (BRASIL, 1998). 113 O conjunto de documentos e discussões no contexto da década de 90, marcam a necessidade de instituir uma educação infantil que se diferencie das práticas assistencialistas e compensatórias implementadas nas décadas anteriores. Porém, introduz uma nova “polêmica” ou “falsa dicotomia” em relação a função social desta etapa educativa, referente ao que caracteriza esta função educativa e pedagógica, de modo que considere as especificidades infantis e se distancie de práticas “escolarizantes” que se aproximem do ensino fundamental. Este debate se insere tanto na produção científica, como reflete nas políticas educacionais. O documento intitulado “Critérios para um atendimento em creches que respeitem os direitos fundamentais das crianças” (BRASIL, 1995; 2009) composto por dois textos, o primeiro organizado por Maria Malta Campos com o título “Esta creche respeita a criança – critérios para a unidade creche” e o segundo “A política de creche respeita a criança – critérios para políticas e programas de creche” escrito por Fúlvia Rosemberg, situa-se nesse debate na medida em que define critérios e condições fundamentais para se garantir um atendimento que considere o direito das crianças aos bens culturais sem desrespeitar o direito a brincadeira e ao desenvolvimento integral na infância. Com a finalidade de orientar e instrumentalizar os Estados e Municípios na transição das instituições de educação infantil das secretarias de assistência social para as de educação, em consonância com as definições da referida Lei (BRASIL, 1996a) é publicado e distribuído o documento “Subsídios para credenciamento e funcionamento de instituições de educação infantil” (BRASIL, 1998a) que orienta e institui aos conselhos de educação a responsabilidade de normatizar, orientar e avaliar os processos de autorização e funcionamento dessas instituições educativas. No segundo volume do citado documento são publicados textos de estudiosos na área tratando de temáticas relativas às orientações prescritas pelos conselheiros que foram organizadas no primeiro volume. Um desses textos trata sobre o espaço físico nas instituições de educação infantil, no qual Faria (1998) destaca que o modo como o ambiente educativo é organizado no tocante a construção de uma pedagogia para a educação infantil45, deve considerar uma intencionalidade educativa que 45 Apresentamos na introdução deste trabalho os estudos relativos a consolidação de uma pedagogia para educação infantil, como o de Faria (1993, 1999), Rocha (1999), Strenzel (2000), Guthiá (2002), Moraes (2005), Carvalho (2006), entre outros. Trataremos desta discussão, ainda neste capítulo e aprofundamos nos capítulos quatro e cinco, principalmente a partir dos estudos de Faria (1999) e Rocha (1999). 114 possibilita superar qualquer resquício escolarizante (centrado na professora, alfabetizante, seriado, com matérias/disciplinas, etc), assistencialista (não confundir com o direito de todos à assistência) e também adultocêntrico, higienista, maternal, discriminatório, preconceituoso, reforçando o objetivo principal da educação das crianças de 0 a 6 anos que é o cuidado/educação (sem confundir com assistência/escola).(Ibid. p. 98). Nesse trecho já podemos entrever as tensões e dilemas que permeiam as orientações consideradas “oficiais” para as instituições e redes educativas. Foram as ideias dos textos ora apresentados que embasaram as discussões e implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil naquele contexto. Em 17 de dezembro de 1998, o Conselho Nacional de Educação – CNE aprova o Parecer CEB 22/98 que apresenta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1998b) e em 07 de abril de 1999 aprova a Resolução CEB nº 01 (BRASIL, 1999) que as institui com o objetivo de nortear, em caráter mandatório, a organização das propostas pedagógicas das instituições de educação infantil integrantes dos diversos sistemas de ensino, estabelecendo paradigmas para a implementação de programas de cuidado e educação da criança, com qualidade. Mas, antes de sua publicação, é produzido e distribuído, pelo MEC, o documento intitulado de Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil - RCNEI (BRASIL, 1998), que embora não tenha caráter compulsório, objetiva contribuir no sentido de qualificar as práticas e propostas pedagógicas para a educação infantil. Cabe aqui, destacar as críticas de autores como Rosemberg (2005), Palhares e Martinez (2005), Kuhlmann Jr. (2005), Aquino e Vasconcelos (2005), entre outros que apontam para a publicação do RCNEI (BRASIL, 1998) como um marco de descontinuidade nas publicações oficiais, já que teriam sido desconsiderados os trabalhos que vinham debatendo sobre a educação infantil e discutindo propostas e projetos a partir do conhecimento produzido na área pelas universidades e diferentes grupos de pesquisa. As críticas ao RCNEI vão sendo demarcadas por questionamentos como: como foram conduzidas as questões presentes nos inúmeros debates que apontavam principalmente as necessidades de investimento na formação do educador de creche e a necessidade de condições mínimas para a efetivação de um trabalho realmente educativo? (PALHARES e MARTINEZ, 2005, p. 9) O referencial curricular nacional 115 apresenta-se como uma das perspectivas possíveis de se pensar a educação infantil ou significa, de fato, a concretização de uma proposta que se torna hegemônica, como se fosse à única? (KUHLMANN Jr., 2005, p. 52). Para Aquino e Vasconcelos (2005, p. 106) o RCNEI, “embora seja um documento não obrigatório, ao apresentar uma estrutura muito definida, a tendência dos sistemas de educação infantil é a de seguir à risca, permitindo-se pouca flexibilidade ou pluralidade na formulação dos currículos locais”. Cerisara (2005), por sua vez, analisa vinte e seis pareceres dos duzentos e trinta enviados ao MEC por pesquisadores e educadores atuantes na educação infantil, contendo posições e concepções relativas ao RCNEI antes da publicação de sua versão final. Ela destaca que houve muitas divergências, mesmo entre aqueles que fizeram críticas ao documento. Conclui que a educação infantil ainda seria naquele contexto uma área em processo de construção, pois marca a necessidade urgente de refletir, discutir e produzir conhecimentos sobre as especificidades desta etapa educativa. Nesse contexto, há “consenso” relativo à indissociabilidade das ações de cuidado e educação de crianças pequenas na educação infantil, definidas nos documentos como ações complementares e integradas, conforme explicitado, por exemplo, na introdução do RCNEI (BRASIL, 1998): Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. [...] Para se atingir os objetivos dos cuidados com a preservação da vida e com o desenvolvimento das capacidades humanas, é necessário que as atitudes e procedimentos estejam baseados em conhecimentos específicos sobre desenvolvimento biológico, emocional e intelectual das crianças, levando em consideração as diferentes realidades socioculturais. (pp. 23-25). Desse modo, as ações são mutuamente inclusivas. Tradicionalmente, pensa- se estar apenas cuidado, nas situações de higiene e alimentação, e também nestes momentos, as crianças estão sendo educadas, estão aprendendo sobre si, sobre seu corpo, suas relações com o outro, suas necessidades vitais e sociais. 116 No entanto, há também fortes embates em relação essa função educativa, pois, ainda no contexto de disseminação do RCNEI são desenvolvidas pesquisas (FARIA, 1999; ROCHA, 1999) que buscam consolidar uma pedagogia para a educação infantil, cujos princípios fundamentais se opõem as concepções de educação e de currículo identificadas naquele documento. Faria (1999) critica a utilização dos termos “aluno”, “escola” e “conteúdo” na educação infantil e Rocha (1999) critica a versão escolar da educação infantil, exaltando a utilização do termo educar no contexto da educação infantil. Para ela, o termo educar46 é mais condizente com seu caráter amplo, enquanto o termo ensinar é mais restrito ao processo ensino- aprendizagem no contexto escolar. É nesse contexto de embates e debates que em 2001 aprova-se o Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2001), o qual, destina um capítulo para a educação infantil definindo metas relativas à expansão do atendimento, a elaboração de padrões mínimos de infraestrutura e a elaboração de projetos pedagógicos em todas as instituições de educação infantil. Institui-se, o que podemos marcar como o início de uma ‘nova’ Política Nacional para esta etapa educativa. As metas relativas à expansão do atendimento e a garantia de qualidade do trabalho desenvolvido nas instituições educativas, são reiteradas e ampliadas em relação às políticas disseminadas no contexto de implementação da LDB. Pois, como vimos, as diretrizes propostas na referida Lei (BRASIL, 1996a), não foram substancialmente alcançadas no prazo de dez anos, devido, sobretudo, a ausência de políticas de financiamento. É no contexto de muitos ganhos legais no campo das políticas nacionais, como a inclusão da educação infantil no Fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica e de valorização dos profissionais da educação - FUNDEB, incluindo creches e pré-escolas, resultado de grande mobilização social, bem como políticas de formação e valorização dos profissionais, que são veiculados outros documentos oficiais47 pela COEDI com o objetivo de orientar o desenvolvimento de políticas educacionais locais para o alcance da qualidade no atendimento às crianças. 46 Retomaremos essa discussão mais adiante nesse capítulo. 47 Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 2005), os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006), Parâmetros Básicos de infraestrutura para as instituições de educação infantil (BRASIL, 2006a) e os Indicadores de qualidade na educação infantil (BRASIL, 2009) 117 Os Parâmetros de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL/MEC, 2006), sob consultoria de Maria Lúcia de A. Machado e Maria Malta Campos, em sintonia com uma das diretrizes já apontadas na Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL/MEC, 2005), estabelecem parâmetros essenciais com o objetivo de estabelecer padrões de referência orientadores para o sistema educacional no que se refere à organização e funcionamento das instituições de Educação Infantil. São destacados no documento, aspectos relativos à gestão e financiamento, a formação docente, as propostas pedagógicas, a organização dos espaços e as interações entre instituição, família e comunidade. Com um caráter mais didático é produzido um documento intitulado “Indicadores de qualidade na Educação Infantil” (BRASIL, 2009) que se caracteriza como um instrumento de autoavaliação da qualidade das instituições de educação infantil. Para tanto, apresenta sete dimensões consideradas aspectos fundamentais para a qualidade: 1- planejamento institucional; 2 – multiplicidade de experiências e linguagens; 3 – interações; 4 – promoção da saúde; 5 – espaços, materiais e mobiliários; 6 – formação e condições de trabalho das professoras e demais profissionais; 7 – cooperação e troca com as famílias e participação na rede de proteção social. Os documentos e políticas atuais defendem um atendimento em educação infantil que seja complementado por outras instâncias sociais, a família, a assistência social, as unidades de saúde e outros órgãos administrativos e culturais das redes. Entende-se que a qualidade da educação de crianças pequenas, pode ser alcançada mediante políticas nacionais e locais de financiamento, gestão, formação e infraestrutura. Nesse caminho, mas ainda não de forma suficiente, estão sendo implantados projetos como o Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil – PROINFÂNCIA, que financia a construção de creches e pré-escolas e a aquisição de equipamentos para as redes municipais, conforme as orientações dos Parâmetros Básicos de infraestrutura para instituições de educação infantil (BRASIL, 2006a). Deste modo, podemos dizer, concordando com Nunes, Corsino e Didonet (2011), que apesar de grandes desafios que ainda estão colocados para o alcance da qualidade no atendimento educacional às crianças pequenas, o fato da educação infantil em nosso país constituir-se como primeira etapa da educação básica no âmbito 118 legal, insere-a num lugar de disputa no campo das políticas educacionais, sendo possível assim, a definição de recursos financeiros, diretrizes, programas e ações específicas para este atendimento, como por exemplo: [...] promover ações em torno de ampla mobilização para a inclusão das creches e pré-escolas no FUNDEB. Programas de expansão e melhoria da qualidade da educação [...] Distribuição de material pedagógico, livros de literatura, transporte escolar, merenda, construção e reforma de equipamentos físicos, formação de professores, entre outros. (Ibid, p. 74). As diretrizes da Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 2005) em desenvolvimento enfatizam a necessidade de integração e parceria entre o âmbito nacional, estadual e municipal para a efetivação de uma política para a infância, que contemple uma educação infantil pautada pela indissociabilidade entre o cuidado e a educação, com função diferenciada e complementar à ação da família, sendo reponsabilidade do setor educacional e dever do Estado. A inclusão das crianças pequenas nas políticas de educação, no entanto, vem se dando por caminhos diferentes em termos legais. A Lei nº 11.114/2005 amplia o ensino fundamental obrigatório para nove anos de duração, em consonância com a Lei nº 11.274/2006 as crianças com seis anos completos até o início do ano letivo passam a frequentar o 1º ano do ensino fundamental. E, recentemente, a aprovação da Emenda Constitucional 59/2009, alterou a obrigatoriedade educacional, antes restrita ao ensino fundamental, para a educação de quatro a 17 anos, englobando a pré-escola, o ensino fundamental e o médio. Esse ordenamento legal fomenta ainda mais o debate e as preocupações em torno das especificidades do trabalho na pré-escola, das necessidades de diálogo entre educação infantil e ensino fundamental e, ainda, retoma o embate dicotômico entre as funções educativas da creche e da pré-escola. Campos (2009) justifica a preocupação com a obrigatoriedade a partir dos quatro anos de idade, que pode desestimular ainda mais a oferta de vagas em creches. Do ponto de vista das práticas educativas, a creche continua a ser uma “estranha no ninho”. Os cursos de formação inicial de professores quase não a contemplam em sua programação de disciplinas e estágios, as secretarias de educação não adquiriram ainda um conhecimento mais especializado sobre a faixa etária que inclui bebês e crianças muito pequenas, os prédios e o mobiliário são planejados 119 segundo o modelo escolar tradicional e os materiais pedagógicos não são apropriados para o contexto da creche. (Ibid, p. 12). Para Campos (2009) a nova legislação põe em questão o direito à educação infantil em creches, pois não anima a oferta e a melhoria na qualidade do atendimento, assim como, também não garante o direito à educação de qualidade para as crianças a partir dos quatro anos de idade, pois a mudança legal precisa urgentemente ser acompanhada de políticas e intervenções na organização e na gestão das redes educacionais em todo país. O direito à educação inclui também a exigência de qualidade e o respeito às necessidades da criança em cada fase do seu desenvolvimento: o direito à brincadeira, à atenção individual, ao aconchego e ao afeto, ao desenvolvimento da sociabilidade, assim como o direito à aprendizagem e ao conhecimento. Em cada faixa etária, as condições necessárias que devem estar presentes na creche, na pré-escola e na escola são diversas: a proporção adulto/criança, arrumação dos ambientes, as necessidades de proteção, de cuidados com o corpo, de alimentação, os materiais pedagógicos e de arte, os brinquedos. (CAMPOS, 2009, pp. 13-14). Sobre essa questão, Nascimento (2011, p. 205) também questiona qual pré- escola que está sendo universalizada: “Aquela que antecipa o ensino fundamental? Ou a que atende as características e necessidades das crianças, por meio de projetos nos quais elas são protagonistas das aprendizagens? ”. A ampliação da educação obrigatória se consolida efetivamente na Lei nº 12.796 de 04 de abril de 2013, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e define, em seu quarto artigo, o dever do Estado com a educação básica: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio; II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade; [...] VIII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático- escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; [...] As alterações que merecem mais atenção e discussão, são as relativas à avaliação, controle de frequência e documentação na educação infantil, tendo em 120 vista a obrigatoriedade do atendimento às crianças de 4 e 5 anos. O Artigo 31 reforça a orientação de avaliação sem objetivo de promoção, bem como a carga horária mínima exigida. E acrescenta a necessidade de controle de frequência mínima e de expedição de documento comprobatório, proposições que podem ter implicações significativas na organização curricular da etapa. Proposto a partir de um intenso debate, o novo Plano Nacional de Educação - PNE (2011-2020), foi enviado ao congresso como Projeto de Lei nº 8.035/2010 e foi aprovado somente na LEI Nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Define entre as metas para educação infantil, a universalização, até 2016, do atendimento escolar de crianças com quatro e cinco anos, e a ampliação, até o final da vigência do plano, 2020, da oferta de educação infantil para cinquenta por cento das crianças até 3 anos. Para tanto, prevê estratégias no campo da formação, da infraestrutura, da aquisição de equipamentos e materiais didáticos, do currículo e da prática pedagógica, com vistas a “superar tanto o viés assistencial da creche, quanto o caráter preparatório da pré-escola” (NUNES, CORSINO, DIDONET, 2011, p. 87). Atualmente, está em discussão a Avaliação Nacional de Educação Infantil – ANEI, que se constitui como instrumento de avaliação externa de larga escala, com periodicidade bianual (em anos pares), prevista para ser realizada a partir de 2016, considerando os seguintes indicadores: infraestrutura; quadro de pessoal; condições de gestão; situação de acessibilidade; e recursos pedagógicos Frente a essa trajetória histórica e legal, a educação infantil ainda busca formalizar sua identidade nas práticas cotidianas das instituições. Nunes, Corsino e Didonet (2011) sintetizam alguns pontos que merecem destaque, e demandam reflexões e ações para pensarmos numa educação de qualidade na contemporaneidade, que modifique concepções e práticas excludentes. Nesse sentido, é importante:  Traduzir em práticas político-pedagógicas a ideia da unidade da criança, a indivisibilidade entre o corpo e a mente, a interdependência dos aspectos físicos, sociais, emocionais e cognitivos;  Buscar uma identidade de atendimento educacional que rompa com os modelos sanitarista e assistencialista, bem como com o modelo escolar instrucional e preparatório, dualidades que representam obstáculos para mudanças; 121  Instituir mecanismos de colaboração entre educação, saúde, proteção social, assistência, cultura, visando ao atendimento integral à criança, em complementaridade à família;  Estabelecer um currículo integrado de creche e pré-escola, de forma articulada com os anos iniciais do ensino fundamental, rompendo com as segmentações. (Ibid; p. 75). Mas, enfim, o que estamos compreendendo por Educação Infantil hoje? Frente aos desafios, embates e debates ora colocados, como pensamos a qualidade na educação de crianças pequenas? Se, Educação Infantil é legalmente primeira etapa da educação básica, e isso é, reconhecidamente um ganho e um instrumento de luta por melhorias e construção de sua identidade, em que consiste e em que se especifica a educação infantil em relação ao ensino fundamental? Se é educação, comporta falar de ensino? 3.4.2 A Educação Infantil como contexto de apropriação da cultura – de aprendizagem (e ensino) Compreendemos a educação infantil como o conjunto de processos/práticas históricas e socioculturais destinados às crianças e que circunscrevem, em cada espaço e tempo, as condições objetivas mediante as quais as crianças têm oportunidades de aprenderem e se desenvolverem enquanto pessoas/sujeitos sociais. A educação infantil foi se institucionalizando historicamente, de modo diferente e contextualizado em cada espaço/sociedade, e atualmente sob influência de estudos em diferentes campos, conforme já delineamos, caracteriza as instituições educacionais responsáveis pelo atendimento ‘escolar’ de crianças até cinco anos e 11 meses de idade (no contexto brasileiro). Notadamente, tanto no campo das políticas, como no campo científico, a educação infantil cresce largamente nos últimos anos, em meio a avanços e recuos, debates e embates em torno da construção de sua identidade e de sua função social, tendo em vista o direito das crianças a uma educação de qualidade, que atenda suas necessidades e promova o seu desenvolvimento integral, complementando e se diferenciando da educação familiar. Nesse contexto, concordamos com Lopes (2011), quando considera que a educação visa a transformação de sujeitos mediante práticas de compartilhamento – transmissão – e apropriação de modos próprios 122 de agir, de pensar, de sentir, de ser em cada sociedade. Assim, toda prática educativa envolve processos de ensinar-aprender e, portanto, tem uma natureza pedagógica, intencional e sistemática. (p. 74). Sendo assim, fundamentadas em perspectivas da abordagem histórico cultural, consideramos que a educação infantil, sendo “educação’’ envolve processos de ensino e aprendizagem. Desse modo, as instituições de educação infantil, sejam creches, pré-escolas ou centros que atendam crianças de 0 a 5 anos, são espaços de aprendizagem, sendo estas propulsoras do desenvolvimento das crianças. Sendo assim, para que ocorram as aprendizagens, precisa haver interações mediadas pelo outro e pela linguagem, o que inclui “relações de ensino” (SMOLKA, 2010). Ao tematizar as relações de ensino sob uma perspectiva histórico- cultural, eu queria retomar essa questão, que é archaica, explorando as relações entre ensinar e significar. Encontramos na etimologia dessas duas palavras a noção de signo: Signare: relativo a sinal, signo; assinalar, apontar, mostrar, assinar; In signare: marcar, fazer incidir, imprimir signos na mente; Signa facere: fazer sinais, signos; significar. Podemos assim perceber que ensinar e significar implicam formas de (inter)ação, (oper)ação mental, trabalho com signos [...] Ensinar seria, assim, um trabalho com signos, um trabalho de significação por excelência, que implica incansáveis gestos48 indicativos nas orientações dos olhares, nas configurações dos objetos, nas formas de referir, de conceituar... (SMOLKA, 2010, pp. 108-128). Nessa perspectiva, não consideramos importante fomentar o debate acerca do uso de termos mais ou menos apropriados na educação infantil, acreditamos que se criam “falsas” dicotomias entre educar, cuidar, ensinar, tratadas, em alguns contextos, como se fossem práticas antagônicas ou mutuamente excludentes49. Entendemos que educar, assim como inclui e se complementa com o cuidar – em todas as etapas ou segmentos educacionais – também envolve ensinar, compreendido como mediação. Desde nossas interações com bebês, estamos ensinando-os, “apontando signos”, inserindo-os no mundo dos signos. Inserida num contexto cultural historicamente constituído, a criança, desde seus primeiros momentos de vida, está imersa em um sistema de significações sociais. Os adultos procuram ativamente incorporá-la 48 Neste texto Smolka analisa o exemplo de Vygotsky sobre o gesto de apontar do bebê que é significado nas interações com o adulto. 49 Ver discussão das pesquisas de Faria (1998) e Rocha (1999) introduzidas nesse capítulo e aprofundadas nos capítulos quatro e cinco. 123 à reserva de significados e ações elaborados e acumulados. Na mediação do/pelo outro revestida de gestos, atos e palavras (signos) a criança vai integrando-se, ativamente, às formas de atividade consolidadas (e emergentes) de sua cultura, num processo em que pensamento e linguagem articulam-se dinamicamente. (FONTANA, 2005, p. 15). Não obstante, consideramos que não são quaisquer relações de ensino que devem se desenvolver na educação infantil, mas situações sistematizadas que considerem as especificidades das crianças e suas possibilidades de produzir culturas, aprender e se desenvolver nas interações entre pares – sejam parcerias entre crianças e crianças, ou crianças e adultos. Reiteramos que em quaisquer relações de ensino, conforme descreve Smolka (2010) há coincidências e não coincidências, os modos de significar, atribuir sentidos e aprender não são em nenhum nível de escolaridade, equivalentes nos processos de ensino e aprendizagem. Entender que a educação infantil, inclui o ensino, não significa, portanto, compreender que sua prática implique em aulas teóricas e expositivas com apoio de atividades – tarefas prontas para a criança reproduzir / ‘preencher’ as informações transmitidas oralmente e repetidamente. Mas, estamos falando de um sentido de ensino, diferente de seu significado tradicional – contraditório, inclusive em outros níveis de educação. As ações de ensinar – apontar signos, por sua vez, mediadores dos processos de internalização de significados, acontecem na educação infantil em contextos de interações que envolvem experiências e práticas cotidianas, correspondentes aos modos de ser e estar no mundo, específicos da criança pequena, especialmente pela brincadeira e impregnados, intencionalmente, de afetividade. Pensando a educação infantil nesta perspectiva, situamos que são necessários saberes específicos dos professores para desenvolver propostas e práticas curriculares que possibilitem significativos processos de ensino e de aprendizagem de modo planejado e continuamente avaliado/acompanhado. 3.4.3 A Educação Infantil e a Formação dos Profissionais – mediadores de aprendizagens Conforme situamos, as preocupações relativas à qualidade do atendimento às crianças em instituições de educação infantil, se acentuam nas políticas nacionais 124 a partir do início da década de 1990. Naquele contexto, já se diagnosticava a desvalorização e a falta de formação dos profissionais que atuam na educação infantil, especialmente na creche, muitos sem a escolaridade fundamental. As diretrizes da Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 1994a) já apontavam para a necessidade de reconhecimento profissional dos adultos que atuam na área, assegurando condições de trabalho, plano de carreira, salário e formação continuada:  O profissional de educação infantil tem a função de educar e cuidar, de forma integrada, da criança na faixa de zero a seis anos de idade;  A valorização do profissional de educação infantil, no que diz respeito às condições de trabalho, plano de carreira, remuneração e formação, deve ser garantida tanto aos que atuam nas creches quanto na pré-escola;  Formas regulares de formação e especialização, bem como mecanismos de atualização dos profissionais de educação infantil deverão ser assegurados;  A formação inicial, em nível médio e superior, dos profissionais de educação infantil deverá contemplar em seu currículo conteúdos específicos relativos a esta etapa educacional. (BRASIL, 1994a, p. 19). Tais diretrizes são retomadas e ampliadas na atual política nacional de educação infantil (BRASIL, 2005). Ações e programas de formação inicial e continuada vêm sendo disseminados pelo Ministério da Educação – MEC em parceria com Municípios e Universidades Federais. Após a publicação dos Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998) foi desenvolvido como formação continuada o curso de 180h – PCN’s em ação, o programa formava multiplicadores em cada município e estes realizavam encontros de formação com os professores da rede com o objetivo de estudar e colocar em prática as orientações do documento de referência. Mais recentemente, como ação da política nacional de educação infantil em vigor, para garantir a formação inicial, foi desenvolvido, o Programa de Formação Inicial de Professores em Exercício na Educação Infantil – PROINFANTIL/MEC – curso de nível médio na modalidade Normal, realizado pelo MEC em parceria com estados, municípios e instituições formadoras, desde o ano 2005, por meio de atividades presenciais e vivenciais. O material do PROINFANTIL (BRASIL, 2005a) envolve dois grandes volumes que tratam das áreas temáticas da Base Nacional do Ensino Médio (Linguagens e 125 códigos; Identidade, sociedade e cultura; Matemática e lógica; Vida e natureza) e da formação pedagógica, organizado em quatro módulos com áreas temáticas relativas aos fundamentos da educação e à organização do trabalho pedagógico (história, legislação e política educacional; a criança e suas interações; proposta pedagógica: conceitos, elementos constitutivos e mediadores; pressupostos teórico-metodológicos do trabalho docente). Também no âmbito das políticas de formação, o Ministério da Educação, em parceria com Universidades Federais vem desenvolvendo cursos de especialização e de aperfeiçoamento na área de Educação Infantil, desde 2010, formando professores especialistas em diferentes estados. Além destas iniciativas de formação continuada, também estão sendo incluídas, mediante reestruturações curriculares, nos cursos de pedagogia, disciplinas mais especificas na área de educação infantil, com caráter obrigatório. O currículo do curso de Pedagogia da UFRN, por exemplo, em 2009 passou a incluir dois componentes obrigatórios que tematizam a educação infantil. As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Formação de Professores, recentemente atualizadas na Resolução nº 2, de 1 de julho de 2015, reforçam a necessária formação básica para atuar na educação infantil com a inclusão de disciplinas com temáticas específicas dessa etapa. No entanto, em movimento contrário, observamos que a Lei nº 12.796 de 04 de abril de 2013, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, continua assegurando, de forma contraditória às últimas políticas educacionais, a formação em nível médio na modalidade normal para atuação na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, apesar de definir políticas de formação em serviço e incentivo para a formação inicial em curso superior. Consideramos importante ampliar a discussão acerca dos processos e contextos formativos de professores da educação infantil, considerando, como propõe Oliveira-Formosinho (2005) que são necessários saberes diferenciados para garantir a profissionalidade da docência nessa etapa, respeitando-se as especificidades das crianças e do trabalho pedagógico por elas requerido. Há na educação de infância uma interligação profunda entre educação e “cuidados”, o que contribui igualmente para a abrangência do papel da educadora em relação aos professores de outros níveis educativos. [...] O educador da criança pequena necessita de um saber fazer que 126 incorpore ao mesmo tempo a globalidade e vulnerabilidade social das crianças e a sua competência. (Ibid, p. 139) A autora propõe que a profissionalidade das educadoras deve ser baseada em redes de interações alargadas com profissionais internos e externos à instituição, famílias, órgãos auxiliares e comunidade escolar, bem como, requer a integração de práticas, serviços e saberes:  A centração na criança e na globalidade da sua educação requer integração de saberes;  A centração na educação e nos cuidados requer integração de funções;  A relação com os pais, com outros profissionais, com agentes voluntários requer interações e interfaces;  A relação com a comunidade requer interações e interfaces. (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2005, p. 139). Em nossos estudos referentes a currículo na/para educação infantil (SOBRAL, 2008), temos defendido que são necessários saberes específicos para que os professores sejam construtores ativos de propostas curriculares que se materializem como documento de intenções e práticas efetivas. Essa compreensão articula-se com a proposição de Moreira (1999, p. 30) que o processo de elaboração/efetivação/avaliação do currículo precisa ser pensado, discutido a partir de investigações sobre a prática curricular com os que nela atuam. Por conseguinte, concordamos com Sacristán (1999, p. 72) quando se preocupa com a caracterização técnica dos currículos e a sua elaboração prévia por especialistas como “fatores de desprofissionalização do professorado”. Nessa perspectiva, a participação ativa nos processos de elaboração e desenvolvimento de um currículo para educação infantil pode converter-se em fator de profissionalização docente, o que envolve, entre outros determinantes, a elaboração de saberes específicos para que os professores atuem como partícipes efetivos dos debates legal, teórico e prático que sustentam a implementação e atualização de propostas pedagógicas. Segundo Tardif (2002) esses saberes são provenientes da prática docente e de suas relações com os saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica), das disciplinas e dos currículos. Ou seja, em diferentes contextos de experiência escolar (quando 127 estudantes), profissional e formativa – processos formais e não formais de constituição de saberes, como conjunto de relações – objetivas e intersubjetivas, incluindo os condicionantes, igualmente condicionados, que enredam, nas interações, o sujeito e o meio social – que constituem os processos formais e não formais (história de vida) que ‘compuseram’ (compõem) o corpus de saberes [...] contextos como interações, relações essencialmente dialógicas, partilhadas com e entre os outros com quem as professoras interagiram durante seus percursos de formação – contextualizados em seus percursos de vida [...] (UBARANA, 2011) A elaboração de saberes é sempre resultante de processos mediados em interações sociais e como significações (VIGOTSKI, 2007). Assim, o saber é uma relação, não há sujeito de saber e não há saber senão em uma certa relação com o mundo - relação com o saber, consigo mesmo, com a linguagem e com os outros (CHARLOT, 2000). Nessa perspectiva, podemos complementar afirmando, segundo Tardif (2002, p. 11) que o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc”. (Grifo do autor). Desta forma, entendemos que para elaborar – e, sobretudo, vivenciar – uma proposta curricular em que atuem como sujeitos e não apenas como meros observadores e/ou executores passivos, aos professores são requeridos saberes próprios sem os quais eles não têm condições de, verdadeiramente, participar ativamente da construção e materialização de uma proposta. Entre estes saberes, consideramos importante que os professores conheçam os processos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, as possibilidades de intervenções e práticas de ensino, bem como os objetos de aprendizagem – os conhecimentos a serem ensinados e aprendidos na educação infantil. Entendemos que aos professores cabe ensinar – apontar signos – às crianças, possibilitando que elas aprendam e se desenvolvam e, quem ensina, ensina alguma coisa – objetos do conhecimento, e precisa tomar decisões sobre o que, quando e como ensinar. No caso da educação infantil, as ações de ensinar e aprender acontecem, ou precisam acontecer, considerando as especificidades e necessidades 128 do sujeito que aprende – a criança – sujeito do conhecimento. Sendo prática educativa, precisa ser pensada por professores. Desse modo, compreendemos que as crianças enquanto sujeitos do conhecimento, ou seja, sujeitos que conhecem, que aprendem a conhecer e intervir no mundo em que vivem, podem e precisam se apropriar de objetos do conhecimento construídos e acumulados historicamente nas instituições educativas. Mas, que conhecimentos são esses? Como são definidos? O que constitui conhecimento? São as questões que permeiam este trabalho. Apresentamos a seguir uma breve exposição teórica acerca do conhecimento. 3.5 EDUCAÇÃO INFANTIL COMO TEMPO-ESPAÇO DE CONHECIMENTO – DE QUE CONHECIMENTO ESTAMOS FALANDO? A partir do entendimento da função social da educação infantil e do papel do professor na aprendizagem e desenvolvimento integral das crianças, considerando suas especificidades na organização de currículos e práticas pedagógicas, concluímos que o conhecimento constitui/integra os processos de “ensino” e “aprendizagem” nesta etapa educativa. Mas, afinal, o que significa/constitui conhecimento? Etimologicamente, a palavra conhecimento é um substantivo que pode significar: 1. Ato ou efeito de conhecer. 2. Informação ou noção adquiridas pelo estudo ou pela experiência. 3. Consciência de si mesmo. (FERREIRA, 2004). O termo deriva do latim “cognoscere” que significa ‘procurar saber, conhecer’. Sendo entendido, no campo filosófico, como “função ou ato da vida psíquica que tem por efeito tornar um objeto presente aos sentidos ou à inteligência. Apropriação intelectual de determinado campo empírico ou ideal de dados, tendo em vista dominá-los e utilizá-los”. (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1996) Nessa perspectiva, podemos falar em “conhecimento” tanto designando a coisa conhecida, quanto o ato de conhecer (subjetivo) e o fato de conhecer. No campo da filosofia, o estudo dos problemas levantados pela relação entre o sujeito cognoscente e o objeto conhecido, se institui como teoria do conhecimento, considerada mais abrangente que a teoria da ciência, pois envolve também o conhecimento comum, não só o científico. 129 Podemos dizer que teorias do conhecimento surgem na filosofia ontológica das sociedades antigas, tanto com filósofos idealistas como Platão que situavam o conhecimento no plano das ideias, como aqueles mais realistas e naturalistas como Aristóteles. Tais filósofos deixaram algumas contribuições para a construção da noção de conhecimento, pois estabeleceram a diferença entre conhecimento sensível e conhecimento intelectual, entre aparência e essência, entre opinião e saber e estabeleceram ainda, algumas regras de lógica para se chegar a verdade. Nesse contexto, citamos ainda a filosofia do espirito do mundo de Hegel considerado radicalmente idealista, que associa o conhecimento a razão. Durante muito tempo, em oposição ao ceticismo, as teorias empiristas do conhecimento se opõem às intelectuais/racionalistas, representadas principalmente por Descartes e seu método cartesiano. O empirismo, por sua vez, representado principalmente por Locke e Hume, passa a ser questionado pela filosofia crítica de Kant, que indaga sobre as capacidades do sujeito no processo do conhecimento e do pensar. Sendo assim, critica os argumentos dogmáticos do racionalismo e do empirismo, na medida em que não examinam suas fontes de conhecimento, isto é, a razão ou a experiência. Para Kant, todo o conhecimento é subjetivo. O mundo não se manifesta como é, mas como o homem o capta. O mundo aparece ao homem. Ele é um material difuso que somente por meio da atividade do entendimento humano, por meio das formas de espaço e tempo e da aplicação das categorias, se torna um “mundo” ordenado. Permanece, pois, desconhecido o que o mundo é em si, O mundo é aquilo que dele fazemos. (ZILLES, 2005, p. 87) Se o conhecimento está vinculado à percepção, os limites deste coincidem com os limites da experiência, o que torna impossível abranger uma totalidade. Sendo assim, todo o conhecimento começa com a experiência, mas, para que percepções se transformem em conhecimento, é necessário formar conceitos, juízos e conclusões. No campo das teorias do conhecimento, emergem ainda o paradigma da fenomenologia e da hermenêutica, que se colocam com métodos distintos para esclarecer e compreender as ciências naturais e humanas respectivamente. É possível distinguir hoje os conhecimentos científicos, conforme sua natureza, objeto de estudo e metodologia de construção/conceituação em três grupos de ciências: as 130 ciências formais, como as matemáticas e a lógica (racionais, sistemáticas e verificáveis, mas não objetivas), cujo método consiste na demonstração rigorosa de seus teoremas através da lógica, sem necessidade de recorrer a experiência; as ciências empírico-formais que são por excelência racionais e objetivas, seus enunciados, leis, teorias são verificadas na observação e experimento, e as ciências hermenêuticas ou ciências da interpretação que estudam o universo da cultura, dos sentidos e significados. (ZILLES, 2005; 2006). Barbosa (2009) refere-se a uma crise da ciência, situando que os conhecimentos cotidianos foram estruturados e organizados historicamente, inicialmente pelas religiões, depois pelas artes e pelas ciências e ocuparam, por muitos séculos, o lugar de absolutos inquestionáveis. A autora destaca que desde o final do século XX, as discussões sobre as concepções de conhecimento, vem apontando que aqueles conceitos sociais, científicos, artísticos e religiosos que foram produzidos e construídos socialmente, não são únicos, nem definitivos, mas, são sempre versões parciais comprometidas historicamente com visões de mundo e de humanidade. Atualmente o conhecimento científico – aquele conhecimento que teve centralidade ao longo da história do ocidente e, especialmente, na escola – vem sendo questionado. Essa crítica não nasceu externa ao campo científico, ela foi originada pelos próprios cientistas que, diante da constatação de que a dissociação entre a vida e o conhecimento alcançou, no século XX, seu limite, procederam a uma revisão de seus princípios, conhecimentos e práticas. Equivale a dizer que eles colocaram em cheque seus métodos e suas verdades. (BARBOSA, 2009, p. 45) Temos visto que as ciências se multiplicaram com tanta velocidade, de forma tão variada e fragmentada, que passa a ser questionada. O conhecimento científico construído através de métodos analíticos específicos, não se esgota como unicamente válido. O sentido da existência humana pode ser buscado a partir de diferentes visões e níveis/tipos de conhecimentos: aqueles considerados ordinários ou do senso comum, de tradição histórica e cultural; os conhecimentos míticos oriundos do pensamento primitivo, intuitivo da realidade; e os conhecimentos filosóficos e/ou da fé/religião. Ou seja, não se reduz apenas à razão científica ou instrumental. 131 Muitos conhecimentos que eram tidos como universais e verdadeiros podem hoje ser avaliados como produtos da elaboração de uma classe social, de um gênero, ou de uma etnia com sua experiência histórica. Poderíamos tomar como exemplo as concepções que validaram a existência de uma natureza diferenciada entre brancos e negros, produzindo a escravidão, ou então a da incapacidade das mulheres em relação aos homens, que assegurou o patriarcado e ainda, a da hierarquização e discriminação entre adultos e crianças, isso é, a perspectiva adultocêntrica de compreender o mundo [...] (BARBOSA, 2009, p. 46). No entanto, entendemos que o conhecimento é sempre histórico e cultural, refere-se aos conceitos, valores, comportamentos e práticas sociais que são valorizados e legitimados nas relações sociais, em diferentes âmbitos e, por vezes, se desenvolve em contextos históricos marcados por ideologias e relações de poder. Esse processo de valoração de determinado conhecimento, em detrimento de outros em cada contexto social, pode ser compreendido, no âmbito do estudo do signo ideológico. A cada etapa do desenvolvimento da sociedade, encontram-se grupos de objetos particulares e limitados que se tornam objeto da atenção do corpo social e que, por causa disso, tomam um valor particular. Só este grupo de objetos dará origem a signos, tornar-se-á um elemento da comunicação por signos. [...] Para que o objeto, pertencente a qualquer esfera da realidade, entre no horizonte social do grupo e desencadeie uma reação semiótica-ideológica, é indispensável que ele esteja ligado às condições sócio-econômicas essenciais do referido grupo, que concerne de alguma maneira às bases de sua existência material. (BAKHTIN, 1995, pp. 44-45). Dessa perspectiva, o conhecimento se constitui em modos de ação e/ou de significação, envolve operações com signos e sentidos que são produzidos socialmente, pois nossas interações com a ‘realidade’ é sempre mediada pela linguagem - ‘conhecemos’ o mundo e as coisas do mundo interpretando os signos que os representam/definem em determinados contextos. (VIGOTSKI, 2005; 2007). Mesmo considerando que todo conhecimento é contextualizado, a crítica à ciência moderna acerca do caráter de imobilidade do conhecimento científico e de sua classificação/separação de tipos de conhecimentos – científico, cotidiano e de senso comum, em que pese sua relevância, não se configura como “impeditivo” para construção do conhecimento nas relações de ensino. (ANDRADE, 2010). Primeiro 132 porque o processo de elaboração conceitual50 acontece de modo diferentes, culturalmente desenvolvidos, de como refletimos sobre nossas experiências, “por meio da análise (abstração) e síntese (generalização) dos dados mediados e materializados pela palavra” (Ibid, p. 102). O que revela diferentes formas de relação entre os elementos da realidade e os discursos/teorias que os recriam como ‘tipos’ de conhecimento. E ainda, porque, quando tratamos da relação entre sujeito e conhecimento constituídos nas/pelas práticas sociais, precisamos considerar a relação dialética de construção de conhecimento e de constituição psíquica, nas relações de ensino. No processo de apropriação dos conhecimentos sistematizados e eleitos socialmente a criança não apenas os assimila, mas os reelabora, ressignifica e, ao relacionar-se com esse conhecimento, reorganiza todo o seu funcionamento psicológico [...] existe nesse espaço uma dinâmica muito peculiar que é a mediação didática dos conhecimentos [...] (ANDRADE, 2010, pp. 103-105). Os processos de construção curricular incluem, sempre, a definição de conhecimentos - conteúdos51, o que especialmente na educação infantil, tem sido objeto de debate, pois, segundo Sacristán (1998), ainda prevalece uma significação antes intelectualista e culturalista, própria da tradição dominante das instituições escolares nas quais foi forjado e utilizado o termo conteúdos, entendido como os resumos de cultura acadêmica que compunham os programas escolares parcelados em matérias, informações diversas. Nessa perspectiva, precisamos compreender os conteúdos de forma contextualizada histórico, social e culturalmente: A escolaridade e o ensino não tiveram sempre os mesmos conteúdos, nem qualquer um deles – a linguagem, a ciência ou o conhecimento social – foi entendido da mesma forma através dos tempos. O que num determinado momento são considerados conteúdos legítimos do currículo ou do ensino reflete uma certa visão do aluno/a, da cultura e da função social da educação, projetando-se neles não apenas a história do pensamento educativo, mas a da escolarização e as relações entre educação e sociedade. [...] O que se ensina, se sugere ou se obriga a aprender, expressa os valores e funções que a escola difunde num contexto social e histórico concreto.” (Ibid, pp. 149-150) 50 Conforme abordamos sobre a formação de conceitos e suas raízes ainda na educação infantil (idade pré-escolar), como processos de significação / apropriação da palavra – dos signos sociais. 51 Termo utilizado por Sacristan (1998) e Zabala (1998). 133 Sendo assim, os estudos no campo da didática contemporânea (ZABALA, 1998; SACRISTÁN, 1998) defendem a ampliação do conceito de conteúdo, que ultrapassa a delimitação de “resumo de saber acadêmico”, e passa a ser compreendido como “todas as aprendizagens que os alunos / as devem alcançar para progredir nas direções que marcam os fins da educação numa etapa de escolarização, em qualquer área ou fora delas, e para tal é necessário estimular comportamentos, adquirir valores, atitudes e habilidades de pensamento, além de conhecimentos.” (SACRISTÁN,1998, p. 150). A superação da classificação tradicional dos conteúdos por matéria é proposta por Zabala (1998), que defende o uso da tipologia conceitual, procedimental e atitudinal como forma mais coerente de diferenciá-los e de identificarmos estratégias específicas de aprendê-los e, portanto, de ensiná-los. Nesse sentido, mesmo compreendendo que todo conteúdo, por mais específico que seja, é sempre aprendido de forma indissociável com conteúdos de outra natureza, este autor apresenta a seguinte categorização: Conteúdos factuais [...] conhecimento de fatos, acontecimentos, situações, dados e fenômenos concretos e singulares: a idade de uma pessoa, a conquista de um território, a localização ou a altura de uma montanha, os nomes, os códigos, os axiomas, um fato determinado num determinado momento, etc. Conteúdos conceituais Os conceitos e os princípios são termos abstratos. Os conceitos se referem ao conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características comuns, e os princípios se referem às mudanças que se produzem num fato, objeto ou situação em relação a outros fatos, objetos ou situações e que normalmente descrevem relações de causa-efeito ou de correlação. São exemplos de conceitos: mamífero, densidade, impressionismo, demografia, nepotismo, etc. São princípios as leis ou regras como a de Arquimedes, as que relacionam demografia e território, etc. Conteúdos procedimentais [...] inclui entre outras coisas as regras, as técnicas, os métodos, as destrezas ou habilidades, as estratégias, os procedimentos – é um conjunto de ações ordenadas e com um fim, quer dizer, dirigidas para a realização de um objetivo. São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, calcular, classificar, traduzir, recortar, saltar, inferir, espetar, etc. Conteúdos atitudinais [...] valores, atitudes e normas. [...] Entendemos por valores os princípios ou as ideias éticas que permitem às pessoas emitir um juízo sobre as condutas e seu sentido. São valores: a solidariedade, o respeito aos outros, a responsabilidade, a liberdade, etc. As atitudes são tendências ou predisposições relativamente estáveis das 134 pessoas para atuar de certa maneira. São a forma como cada pessoa realiza sua conduta de acordo com valores determinados. São exemplos de atitudes: cooperar com o grupo, ajudar os colegas, respeitar o meio ambiente, participar das tarefas escolares, etc. As normas são padrões ou regras de comportamento que devemos seguir em determinadas situações que obrigam a todos os membros de um grupo social. (ZABALA, 1998, pp. 41-46). Em síntese, neste trabalho, entendemos o conhecimento (substantivo), enquanto “objeto” a ser conhecido – “objeto” de ensino e de aprendizagem, constitutivo da composição de currículos escolares, portanto refere-se aos seus conteúdos. Sendo assim, definimos neste estudo – considerando as teorizações aqui abordadas, os conhecimentos da/para educação infantil como objetos da cultura que podem envolver práticas, procedimentos, valores, símbolos, signos, conceitos, significados e sentidos produzidos historicamente nas relações sociais em diferentes âmbitos (da vida cotidiana, acadêmico científico, artístico, cultural). Partindo dessas construções conceituais referenciadas neste capítulo, é que analisamos o nosso objeto de estudo. Apresentamos então, as análises dos dados construídos – sentidos acerca de conhecimento na/para educação infantil – nas diretrizes oficias e nas vozes de professoras, retomando e dialogando com as propostas curriculares históricas, propostas pedagógicas de referências, abordagens teóricas e políticas curriculares nacionais aqui já brevemente apresentadas. Ou seja, aprofundamos as definições acerca de currículo e conhecimento na trajetória da educação infantil aqui delineada. 135 4 A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO CAMPO DE CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO Na cidade, um dia, contei para minha mãe que vira na Praça um homem montado no cavalo de pedra a mostrar uma faca comprida para o alto. Minha mãe corrigiu que não era uma faca, era uma espada. E que o homem era um herói da nossa história. Claro que eu não tinha educação de cidade para saber que herói era um homem sentado num cavalo de pedra. Eles eram pessoas antigas da história que algum dia defenderam a nossa Pátria. Para mim aqueles homens em cima da pedra eram sucata. Seriam sucata da história. [...] O mundo era um pedaço complicado para o menino que viera da roça. (Manoel de Barros, 2003). Quem e como decide quais conhecimentos constituem uma “educação de cidade” e uma educação “da roça”? Como os conhecimentos produzidos historicamente e que se constituem como patrimônio cultural da humanidade são selecionados e se transformam em conhecimentos escolares? Com base em que se define os conhecimentos que compõem o currículo? Estamos tratando de conhecimento, do ponto de vista pedagógico, entendendo que este se constitui como objetos da cultura que se materializam em conteúdos de ensino e de aprendizagem que são trabalhados nas instituições educativas por meio de experiências-atividades diversas que compõem o currículo. Mas, quando falamos de currículo, proposta pedagógica, projeto político pedagógico, proposta curricular, projeto pedagógico curricular, projeto educacional pedagógico, estamos falando da mesma coisa? No contexto de nossa pesquisa – no âmbito da educação infantil, como as DCNEI e as professoras abordam currículo e proposta pedagógica? Nossas análises em torno do conhecimento na/para educação infantil envolvem, necessariamente, a análise dos modos como esses conhecimentos são definidos/significados – que sentidos lhes são atribuídos. O que é currículo e como este se materializa nas práticas? Quais os modos de planejamento/definição de currículo nas instituições educativas? Para tanto, organizamos esse capítulo, apresentando, inicialmente, uma discussão acerca das teorias e tendências curriculares e suas relações com a cultura e o conhecimento e, em seguida delineamos as principais abordagens curriculares 136 para a educação infantil, buscando identificar como vem se organizando o currículo para essa etapa educativa ao longo de sua história. Abordamos, ainda, as teorizações e diretrizes oficiais acerca das especificidades de um currículo e/ou proposta pedagógica para educação infantil e, por fim, analisamos sentidos de currículo nas DCNEI e nas vozes de professoras. 4.1 CURRÍCULO, CULTURA E CONHECIMENTO: ENTRE TEORIZAÇÕES Entendemos que as definições acerca do que é conhecimento são pautadas em construções histórico-sociais e estão intimamente atreladas às concepções de educação, cultura, currículo e sociedade. Na perspectiva de Sacristán (1998) o que compõe o currículo é resultante das interpretações relativas às funções que queremos que este cumpra em relação aos indivíduos, à cultura, à sociedade na qual estamos e à qual aspiramos alcançar. Portanto, os debates sobre construção curricular e definição de conteúdos precisam considerar o caráter social da função educativa das escolas. (...) a educação é uma prática social (como a saúde pública, a comunicação social, o serviço militar) cujo fim é o desenvolvimento do que na pessoa humana pode ser aprendido entre os tipos de saber existentes em uma cultura, para a formação de tipos de sujeitos, de acordo com as necessidades e exigências de sua sociedade, em um momento da história de seu próprio desenvolvimento. (BRANDÃO, 2005, p. 73-74) Sendo assim, a discussão sobre currículo e conhecimento na educação infantil acontece no contexto de uma discussão mais ampla acerca da educação marcada por tensões entre discursos da modernidade e perspectivas pós-modernas que, como vimos, circundam os projetos educativos. Gamboa (2001, p. 94) acentua, especialmente no contexto do período de um século na América Latina, o paradoxo em querer “passar da pré-modernidade à pós- modernidade sem realizar, entretanto, a modernidade e o ideário iluminista da construção do Estado-Nação com a intervenção da educação como fator essencial nessa construção”. O autor assevera que não podemos falar de revolução que anuncia um novo modelo de sociedade sem haver significativas alterações nas relações de poder, utilizando como exemplo, as revoluções tecnológicas, 137 principalmente no campo da informática e da informação, que também estão submetidas à sociedade mercantil globalizada. “Como toda mercadoria, tanto as informações como os meios de acesso a elas, têm um produtor que lucra mais, na medida em que sua mercadoria - ou serviço, é consumida”. (GAMBOA, 2001, p. 89). Nesse contexto, alerta para o polêmico projeto de democratização dos meios de informação, analisando a qualidade das informações veiculadas e o papel da escola nesses projetos: As informações estão carregadas de estilos de vida, visões de mundo, ideologias, valores, contravalores; seus conteúdos estão sempre direcionados por interesses humanos, geralmente em proveito dos grupos que controlam essas informações. [...] as informações utilizadas nos processos produtivos, na tomada de decisões, na geração de novas descobertas e de novas tecnologias são rigorosamente controladas. Entretanto, as informações que geram dispersão, confusão, distração, divertimento, lazer ou que veiculam um modus vivendi, ideologias desmobilizadoras e concepções fantasiadas do mundo são “democraticamente” divulgadas. (GAMBOA, 2001, p. 92). Há uma preocupação, apontada pelo autor, de que as novas tecnologias continuem ofertando um conjunto de informações supérfluas, em detrimento dos conhecimentos clássicos, longamente elaborados, embora, por vezes, incompleto e segmentado, no trajeto secular das formações sociais. Frente a isso, recupera os preceitos ‘modernos’ da didática de Comenius para a formação do homem integral – nos campos da educação, cultura e política, e confronta com as tendências da educação contemporânea. [...] os processos educacionais não podem ser desvinculados da subjetividade, da vida, dos valores, da dinâmica social, da cultura, da política e das ideologias. Como consequência, nenhum processo pedagógico pode ser entendido apenas como aplicação de técnicas ou metodologias: ao contrário, esses processos só têm sentido quando estão presentes os conteúdos científico-filosóficos que capacitam o homem para seu desempenho como sujeito social e histórico, que transforma a si próprio, ao mundo e à sociedade; não apenas como indivíduo, mas como ser social e político. (GAMBOA, 2001, p. 102). Há uma tensão descrita pelo autor sobre o que precisa constituir o atual projeto da educação que seja reflexo das dinâmicas vivenciadas na sociedade global e, ao mesmo tempo, de uma política efetiva de garantia dos direitos humanos, entre 138 eles, a aprendizagem de conhecimentos mínimos necessários para sua participação ativa e não excludente, nem desigual, nesta sociedade. O que nos remete à construção do conceito de educação como cultura, definido por Brandão (2002), ao evidenciar que tudo o que constitui aquilo que chamamos de educação, acontece também dentro de um campo mais abrangente de processos sociais e de interações chamado cultura. Toda a teoria da educação é uma dimensão parcelar de alguns sistemas motivados de símbolos e de significados de uma dada cultura, ou do lugar social de um entrecruzamento de culturas. Assim também, qualquer estrutura intencional e agenciada de educação constitui uma entre outras modalidades de articulação de processos de realização de uma cultura. [...] Constitui as elaborações intencionais de uma cultura que pensa e que põe em ação as suas alternativas e estratégias de pensamento, de poder e de ação interativa, por meio das quais o seu mundo social cria, diferencia, consagra e transforma boa parte do que ela própria é em um dado momento de sua trajetória. Do que ela é e do que ela possui e continuamente – entre guerra e paz – integra para se manter e perpetuar... pelo menos por mais um tempo. (BRANDÃO, 2002, p. 139). Sendo assim, o projeto educativo da educação infantil e, consequentemente seu currículo, insere-se na discussão sobre quais sujeitos queremos formar e para qual sociedade e, ainda, que sociedade queremos construir com esses sujeitos em formação. Entendendo que “a educação não é um ato neutro, pois está carregada de interesses e de valores próprios da cultura de cada sociedade. [...] os projetos educativos são o resultado dos jogos de poder presentes em todo grupo humano”. (GAMBOA, 2001, p. 86). Sendo a educação uma prática social que objetiva a formação sócio-cultural de sujeitos de acordo com o contexto sócio-histórico vivenciado, compreendemos a partir de estudos anteriores (SOBRAL, 2007; 2008) que a construção de um currículo deve envolver questões como “por que”, “para que” e “para quem” se ensina, além de questões sobre “o que” e “como” se ensina e se aprende. Ou seja, envolve questões sobre qual conhecimento deve ser ensinado, no contexto da prática pedagógica, preocupando-se não somente com o “como”, mas com os processos de seleção e articulação de uns conhecimentos, em detrimento de outros, pensando nos sujeitos a quem se destina e nas expectativas e necessidades sociais desses sujeitos. 139 Essa discussão permeia, pelo menos, três grandes teorias de currículo que surgem em momentos históricos e espaços diferentes, mas coexistem nas práticas cotidianas vivenciadas nas instituições educativas: a teoria tradicional, a teoria crítica e a teoria pós-crítica, as quais caracterizaremos mais adiante. Situamos nossos estudos, em diálogos possíveis entre as principais perspectivas da teoria crítica e alguns aspectos da teoria pós-crítica ou pós-estruturalista de currículo. Sendo assim, compreendemos que o currículo se constitui no diálogo entre o documento que orienta a prática e a prática que mobiliza a (re)elaboração do documento num processo contínuo de reflexão e ação com a participação ativa e democrática de toda a comunidade escolar. Nem podemos dizer que se materializa/concretiza apenas no texto que instrumentaliza, nem que pode ser apenas narrado, vivenciado sem um texto/documento que norteie essa discussão. Como nos diz Sacristán (2000, p. 15), “o currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explícita do projeto de socialização cultural nas escolas”. No entanto, enfatiza a importância do documento oficial que, mesmo transformado na ação, é necessário como orientador dessa prática. “O texto curricular não é realidade dos efeitos convertidos em significados aprendidos, mas é importante na medida em que difunde os códigos sobre o que se deve ser a cultura nas escolas, tornando-os públicos”. (SACRISTÁN, 2007, p. 122). Porém, entendemos que essa cultura não é apenas reproduzida pela escola, mas construída, transformada, como podemos compreender a partir dos estudos de Moreira (1999), Silva (2006), Moreira e Silva (2005) acerca das teorias do currículo. As relações entre currículo, conhecimento e cultura, podem ser melhor entendidas, se apontamos algumas visões de currículo e de teoria curricular: 1) A tradicional, humanística, baseada numa concepção conservadora da cultura (fixa, estável, herdada) e do conhecimento (como fato, como informação), uma visão que, por sua vez, se baseia numa perspectiva conservadora da função social e cultural da escola e da educação; 2) a tecnicista, em muitos aspectos similar à tradicional, mas enfatizando as dimensões instrumentais, utilitárias e econômicas da educação; 3) a crítica, de orientação neomarxista, baseada numa análise da escola e da educação como instituições voltadas para a reprodução das estruturas de classe da sociedade capitalista: o currículo reflete e reproduz essa estrutura; 4) a pós-estruturalista, que retoma e reformula algumas das análises da tradição crítica neomarxista, enfatizando o 140 currículo como prática cultural e como prática de significação. (SILVA, 2006, pp. 12-13). Lopes e Macedo (2011) propõem uma análise do debate sobre quais conhecimentos podem/devem compor os currículos escolares, retomando essas quatro perspectivas que apresentam enfoques diferentes em torno das relações entre cultura, conhecimento e currículo. E defendem, com base em enfoques pós- estruturalistas, uma linha de pensamento que subverte a lógica dos discursos sobre currículo e conhecimento, colocando em pauta a ideia de que as lutas para ressignificar os currículos em contraposição as legitimações de relações de poder não são fixas, pois os oprimidos e opressores não são sempre os mesmos em diferentes contextos e situações. Dialogamos com essa perspectiva, na medida em que identificamos aproximações52 entre as ideias de currículo como discurso, prática cultural e prática de significação e as proposições teóricas de Bakhtin (1995; 2003) e Vigotski (2005; 2007) acerca do papel da linguagem nas interações sociais e na constituição do conhecimento sobre as coisas do mundo e as suas relações - o conhecimento/ o currículo é construído em processos de significação, de negociação de sentidos e do entrecruzamento de discursos que se materializam em socialmente aceitos/legitimados nas lutas/embates/disputas de poder que se efetivam em contextos diversos e envolvem relações de gênero, de etnia, de classe social, etc. Nesse contexto, reiteramos que compreendemos que a base e os princípios da teoria crítica sustentam nossas perspectivas atuais de pensar o currículo em suas relações com a cultura, a sociedade e a educação. Podemos dizer que a difusão das duas primeiras tendências curriculares que se contrapunham a teoria tradicional de currículo já marcava o início de discussão da teoria crítica. Moreira e Silva (2005) sintetizam que aqui no Brasil, se desenvolveu o escolanovismo representado, principalmente pelos trabalhos de Dewey e Kilpatrick e o tecnicismo apoiado principalmente no pensamento de Bobbitt, os quais correspondem a essas duas tendências, a primeira voltada para a elaboração de um currículo que valorizasse os interesses do educando e a segunda para a construção científica de um currículo que 52 Mesmo reconhecendo que as bases teóricas são diferentes e, por vezes, antagônicas. Identificamos ideias que se aproximam em alguns aspectos. 141 desenvolvesse os aspectos da personalidade adulta então considerados “desejáveis” na sociedade do trabalho – “como fazer”. A teoria crítica se efetiva nos estudos de currículo a partir da difusão da chamada Nova Sociologia da Educação - NSE que tem como representantes mais conhecidos no Brasil, Michael Apple, Henry Giroux e Michael Young, pioneiros nos estudos sobre currículo no contexto de uma corrente sociológica, segundo Moreira e Silva (2005). Esses autores atestam que depois da NSE, a teoria curricular deixa de se preocupar apenas com a organização do conhecimento escolar e de receber e aceitar ingenuamente o conhecimento definido, pois: O currículo existente, isto é, o conhecimento organizado para ser transmitido nas instituições educacionais, passa a ser visto não apenas como implicado na produção de relações assimétricas de poder no interior da escola e da sociedade contingente. O currículo é uma área contestada, é uma arena política. (MOREIRA; SILVA, 2005, p. 21). Um dos conceitos centrais para compreensão da teorização crítica de currículo, apontados por Moreira e Silva (2005), é o de “ideologia”. Pensado inicialmente como forma de imposição, a partir de cima, de certas ideias sobre a sociedade e o mundo, esse conceito foi sendo refinado e posto em relação à sociedade que resiste ou que consente. Ou seja, entende-se que a ideologia, antes de ser elaborada somente a partir de cima, se aproveita de materiais preexistentes na cultura e na sociedade, e ainda, que a ideologia não age sem resistências por parte daqueles aos quais é dirigida. O certo é que há sempre uma ideologia que orienta as formas pelas quais o conhecimento desenvolvido no currículo escolar atua para produzir identidades individuais e sociais em determinado contexto. No entanto, sobre essa discussão, os autores asseveram: Em uma perspectiva alternativa, a linguagem – na qual o conhecimento se expressa – não é tanto um meio transparente e neutro de representação de uma realidade que “existe” independentemente dela, mas um dispositivo ativamente implicado na constituição e definição da realidade. Consequentemente, nessa perspectiva, a ideologia é um dos modos pelos quais a linguagem constitui, produz, o mundo social de uma certa forma. [...] isso tem implicações não apenas para uma compreensão modificada do papel da ideologia no currículo, mas também para as próprias noções de conhecimento como representação, que constituem toda a tradição educacional. (MOREIRA; SILVA, 2005, p. 24). 142 Temos discutido, numa perspectiva dialógica que considera além das diferenças e debates que circundam as teorias críticas e pós-críticas, a necessidade de problematização de um currículo como artefato cultural, isto é, como o resultado de um processo de construção social. O currículo não pode ser compreendido sem uma análise das relações de poder que fizeram e fazem com que tenhamos esta definição determinada de currículo e não outra, que fizeram e fazem com que o currículo inclua um tipo determinado de conhecimento e não outro. (SILVA, p.135, 2005). Nessa perspectiva, compreendemos o currículo como “uma construção permanente de práticas, com um significado marcadamente cultural e social, e um instrumento obrigatório para a análise e melhoria das decisões” (PACHECO, 2001, p. 19) e refletimos a partir de Ribeiro (2004, p.11) que “não podemos pensar a organização curricular como rígida e acabada, encerrada em um documento ou o conjunto de programas dos professores. Sua retomada ocorre permanentemente, possibilitando a reflexão, ação, avaliação e uma nova ação, em um processo democrático de decisões e intenções”. Dessa forma, (...) o currículo não é o veículo de algo a ser transmitido e passivamente absorvido, mas o terreno em que ativamente se criará e produzirá cultura. O currículo é assim, um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação, recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão. (...) o currículo está centralmente envolvido em relações de poder. (...) o conhecimento corporificado no currículo é tanto o resultado de relações de poder quanto seu constituidor. (MOREIRA e SILVA, 2005, pp. 28-29). Por conseguinte, o currículo é uma construção que deve ser estudada “na relação com as condições históricas e sociais em que se produzem as suas diversas realizações concretas e na ordenação particular do seu discurso” (KEMMIS, 1988, p. 44 apud PACHECO, 2001, p. 18). Se reconhecermos o currículo configurando uma prática, e ao mesmo tempo, configurado no processo de seu desenvolvimento, “nos vemos obrigados a analisar os agentes ativos no processo. Este é o caso dos professores; o currículo molda os docentes, mas é traduzido na prática por eles mesmos – a influência é recíproca”. (SACRISTÁN, 2000, p. 166). 143 Assim como, no campo das discussões sobre o currículo, precisamos entender e, consequentemente, superar as práticas reprodutoras de conteúdos pré-definido por especialistas alheios ao cotidiano escolar. Isso só é possível, se conhecermos a história de como as diferentes sociedades, em diferentes tempos e espaços, pensaram e organizaram os conhecimentos a serem ensinados/aprendidos nas instituições escolares, percebendo ainda, que num mesmo tempo e espaço coexistem diferentes propostas de conteúdos, criadas e desenvolvidas conforme diferenças culturais e socioeconômicas. Sacristán (1998, pp.155-156) apresenta os principais argumentos que sustentam o caráter social da seleção de conteúdos: 1 – A relatividade histórica. Em cada lugar e momento se entendeu de forma diferente o que era importante para ser transmitido. Cada sociedade, por meio dos mecanismos de que dispõe para propor ou impor, selecionou um tipo de conhecimento como digno de ser propagado nas escolas, menosprezou a importância de outros conteúdos e chegou, inclusive, a impedir o acesso de alguns aos quais não se considera dignos ou apropriados para entrar no currículo. A evolução dos valores sociais, a mudança de prioridades entre certos objetivos da educação, o surgimento de novas exigências na economia, na cultura, etc., originaram a valorização de alguns conhecimentos mais do que outros, a valorização de certas habilidades nos alunos / as, o estímulo do desenvolvimento uns aspectos do indivíduo sobre outros. 2 – A seleção de conteúdos do currículo favorece mais uns do que outros. O conhecimento escolar filtrado nos currículos tem valor muito diferente para os alunos / as de acordo com sua procedência social e conforme as possibilidades de permanecer no sistema educativo. O conteúdo selecionado como dominante não é indiferente às divisões sociais entre grupos humanos: mulher-homem, criança-rural / criança urbana, aluno / a de classe média-baixa ou alta, grupos étnicos minoritários e majoritários, candidatos a operários agrícolas manuais frente a profissionais de “colarinho branco”, etc. 3 – Nem todos têm o mesmo poder decisório. [...] Os processos de decisão na confecção e renovação de currículos não estão abertos por igual a todas as partes envolvidas nem a todos os cidadãos. Os poderes públicos, os especialistas, os empresários, os pais, os alunos /as, os professores / as e os que confeccionam materiais didáticos têm uma capacidade muito desigual de interferir nessas decisões”. Esse caráter social do processo de seleção de conteúdos insere-se, ao mesmo tempo em que resulta, da contextualização já feita aqui sobre as decisões curriculares. Mesmo reconhecendo que o conhecimento é socialmente produzido, concordamos com Young (2010) quando ressalta a necessidade de garantias de que os conhecimentos sejam selecionados independentes dos interesses sociais e das 144 dinâmicas de poder a eles associadas. Com base nisso, o autor propõe uma abordagem sociorrealista ao conhecimento:  Social – porque reconhece o papel dos agentes humanos na produção desse conhecimento;  Realista – porque enfatiza a independência do conhecimento relativamente ao contexto e – um ponto crucial da sua perspectiva sobre o currículo – as descontinuidades entre esse conhecimento e o senso comum. (YOUNG, 2010, p. 12). O autor critica os currículos que promovem o “senso comum” – estes privam os alunos, especialmente os dos grupos sociais menos poderosos, das estruturas de pensamento sistemáticas que distinguem o conhecimento e que permitem uma compreensão crítica do mundo natural e social. (Ibid, p. 13). E reintroduz o próprio conhecimento no debate sobre currículo, sem negar a sua base fundamentalmente social e histórica: Contudo, tal posição requer que a Sociologia da Educação desenvolva uma teoria do conhecimento que, embora aceite a ideia de que o conhecimento é sempre um produto social e histórico, evita deslizar para o relativismo e o perspectivismo, aos quais tal ideia está associada nos escritos pós-modernistas. (YOUNG, 2010, p. 59). Os estudos revisitados53 de Young situam-se numa perspectiva crítica de currículo, que fomenta o debate, conforme discutimos, problematizando o que se entende por conhecimento escolar e quais os critérios para definir o que os constituem. Quando entendemos currículo como espaço de produção de cultura, e não apenas seleção de conteúdo, não como processos lineares de transposição didática, mas de reconstrução e recontextualização de conhecimentos reais – histórico e sociais no cotidiano da escola, a discussão do que constitui conhecimentos enquanto objetos de ensino e aprendizagem também se modifica e abre o diálogo com diferentes enfoques. Moreira e Candau (2007) tematizam currículo, conhecimento e cultura, considerando que as discussões sobre o currículo, tem sua centralidade, nas discussões sobre os conhecimentos escolares, seus procedimentos, valores e sobre as transformações e identidades que queremos construir nas relações sociais do 53 O autor publica havia publicado estudos numa abordagem pós-crítica, e recentemente revisa seus conceitos e recorre/retoma os estudos da teoria crítica. 145 cenário escolar – conjunto de esforços pedagógicos com intenções educativas. Nesta perspectiva, o currículo é entendido “como as experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades de nossos/as estudantes”. (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 18). Sendo assim, os conhecimentos escolares são oriundos de saberes e conhecimentos socialmente produzidos nos chamados “âmbitos de referência dos currículos”, que correspondem: (a) às instituições produtoras do conhecimento científico (universidades e centros de pesquisa); (b) ao mundo do trabalho; (c) aos desenvolvimentos tecnológicos; (d) às atividades desportivas e corporais; (e) à produção artística; (f) ao campo da saúde; (g) às formas diversas de exercício da cidadania; (h) aos movimentos sociais (TERIGI, 1999, apud MOREIRA; CANDAU, 2007, p.22). No entanto, essa transposição não é linear e direta, os conhecimentos produzidos nesses espaços são, selecionados, descontextualizados e recontextualizados para constituir os conhecimentos escolares no currículo formal, rompendo com os modos como são produzidos nas atividades próprias dos campos de referência. A ideia é que o currículo escolar se constitua como um espaço em que se reescreve o conhecimento escolar, que o aproxime das experiências/atividades sociais que produzem o conhecimento de origem. Arroyo (2011) tematiza a discussão acerca das experiências sociais e suas relações com o conhecimento, criticando os modos como os discursos sobre currículo separam o processo de produção do conhecimento das experiências sociais. Defende então, que todo conhecimento é uma produção social, produzido em experiências sociais e que toda experiência social produz conhecimento. Nessa perspectiva, o direito ao conhecimento inclui o direito a entender e ampliar os significados das experiências sociais dos educandos – de suas relações com o espaço, das vivências dignas ou indignas de seu tempo humano, de seus processos de socialização, de suas experiências de classe, etnia, raça, gênero, campo ou periferia - considerando que os significados que as ciências, a literatura, as artes, a linguagem, trabalham são inseparáveis dessa pluralidade de experiências. Ribeiro (2004, p. 13) também destaca, numa visão de currículo como “instrumento orientador da ação educativa em sua totalidade” que sendo este uma 146 elaboração partilhada, envolve a definição de significados sociais, culturais e políticos e demanda “constituição de visões de mundo e de conhecimentos, de identidades, de subjetividades que envolvem relações de poder, respeito às diferenças sociais, de gênero, de credo e de posturas políticas”. Os estudos atuais (CANEN, 2005; MOREIRA; CANDAU, 2007; 2014) no campo do currículo, definem seu caráter multicultural, que inclui a possibilidade de dialogar com as diferenças étnicas, religiosas, culturais na constituição da identidade e das representações sobre essas identidades, bem como, a construção crítica da cultura, promovendo o respeito as culturas da comunidade, de raiz popular e o acesso aos patrimônios culturais considerados dominantes/eruditos. Parte de uma proposta de educação intercultural, a crítica cultural implica uma renovação do conhecimento escolar e das estratégias de construí-lo e reconstruí-lo na sala de aula. Partimos do ponto de vista de que a adoção de uma perspectiva intercultural não significa uma desvalorização do conhecimento nem pretende restringir o(a) aluno(a) aos seus referenciais culturais. Consideramos que a escola deve promover um processo de ampliação dos horizontes culturais dos estudantes. A centralidade da cultura nas reflexões e propostas sobre a escola e currículo não pode jamais ter como consequência a desvalorização do conhecimento escolar cuja apreensão constitui direito de todo e qualquer estudante. (MOREIRA; CANDAU, 2014, p. 14). Além disso, esses estudos supõem um currículo que abre espaço para a ancoragem social dos conteúdos, que propicie uma maior compreensão de como e em que contexto social um dado conhecimento surge e se difunde. Pretendemos que se propicie uma maior compreensão de como e em que contexto social um dado conhecimento surge e se difunde. O que estamos propondo é que se evidenciem, no currículo, a construção social e os rumos subsequentes dos conhecimentos, cujas raízes históricas e culturais tendem a ser usualmente “esquecidas”, o que faz com que costumem ser vistos como indiscutíveis, neutros, universais, intemporais. Trata-se de questionar a pretensa estabilidade e o caráter aistórico do conhecimento produzido no mundo ocidental, cuja hegemonia tem sido incontestável. Trata-se, mais uma vez, de caminhar na contramão do processo de transposição didática, durante o qual usualmente se costumam eliminar os vestígios da construção histórica dos saberes. (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 36). A discussão acerca do caráter multicultural do currículo e dos processos de ancoragem social dos conteúdos ainda é insipiente nas práticas escolares cotidianas. 147 Momo, Lopes e Ribeiro (2015) observam uma evidente desarticulação entre a cultura contemporânea e os currículos escolares, atestando que uma tendência “monocultural” aparece fortemente nas propostas curriculares das instituições educativas, pois, tem se considerado como cultura apenas a erudita - aquela vinculada a uma concepção de classe - que remete às elites ou a um determinado grupo que historicamente vincula-se ao que é considerado modelar ou padrão - dominante. Nesse sentido, as autoras esclarecem: Trata-se, pois, de uma forma de compreender a cultura que remete para o caráter plural, multifacetado e diverso que compõe efetivamente a vida das crianças/alunos que estão em nossas salas de aula. [...] É evidente a necessidade de um currículo escolar, compreendido não apenas como a seleção e a organização de conteúdos, mas como o estabelecimento de relações, de práticas, de formas de organização e gestão, que considerem a constituição interacional, simbólica e emocional de seus sujeitos-alunos. Nesse sentido, não há a possibilidade da existência de um currículo universal, e sim o imperativo de currículos plurais que sejam construídos e vividos pelos sujeitos que habitam as escolas ao mesmo tempo em que habitam o mundo contemporâneo, regido, como argumentamos, pela diversidade cultural, pela multi-interculturalidade em movimento. (MOMO; LOPES; RIBEIRO, 2015, no prelo). Considerando a breve discussão aqui apresentada, reiteramos a necessidade de contrapor o currículo escolar as perspectivas mais aproximadas da academia “incontestável”, na qual os saberes que são socialmente válidos, são selecionados na medida em que atendem a regras determinadas pela ciência e/ou cultura dominante, como difusora de um conhecimento universal. Mas, destacamos a necessidade de definir minimamente, as significações sociais que se materializam em conhecimentos – objetos da cultura, que se presentificam nas relações sociais e multiculturais e de definem como importantes nas práticas histórico-culturais. Na educação infantil, a discussão acerca de currículo e conhecimento envolve abordagens teóricas em diferentes tempos e espaços e caracteriza-se, ainda, como um caminho em construção, conforme delineamos a seguir. 4.2 ABORDAGENS CURRICULARES DE EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA Podemos situar que as preocupações relativas à elaboração de propostas curriculares para educação infantil, bem como a reflexão sobre elas são, de acordo 148 com Spodek e Brown (1998) relativamente recentes, sendo identificadas a partir dos anos de 1960, em função de mudanças profundas no conhecimento científico sobre o papel do meio social no desenvolvimento da criança, o que suscitou a criação de programas educacionais que potencializassem esse desenvolvimento. Por outro lado, reconhecemos, a partir dos referidos autores, que desde que houve atendimento institucionalizado à criança, houve um “currículo” ou “modelo curricular” entendido como [...] uma representação ideal de premissas teóricas, políticas administrativas e componentes pedagógicas de um programa destinado a obter um determinado resultado educativo. Deriva de teorias que explicam como as crianças se desenvolvem e aprendem, de noções sobre a melhor forma de organizar os recursos e oportunidades de aprendizagem para as crianças e de juízos de valor acerca do que é importante que as crianças saibam. (SPODEK; BROWN, 1998, p. 15). Situamos ainda, que nas ideias de estudiosos e filósofos considerados precursores, já podemos entrever proposições relativas aos ‘currículos’ para educação da infância, mesmo antes da definição de modelos curriculares formais. Retomamos aqui as principais ideias e abordagens que se destacam na história da educação infantil, buscando identificar como vêm se (in)definindo propostas e modelos curriculares para esta etapa educativa, apontando brevemente os modos como os conhecimentos que constituem os currículos vão sendo propostos em cada abordagem. Identificamos já nas ideias de filósofos da antiguidade como Platão (427 – 347 a. C.) e Aristóteles (384 – 322 a. C.) preocupações relativas ao que pode constituir a educação de crianças pequenas. Para Platão, conforme relata Luzuriaga (1977), até os cinco anos, a educação da criança deve situar-se no “colo da mãe”, associada aos jogos e brincadeiras, destacando-se o valor destas na formação da mente e do corpo. Após essa idade, deveriam ser encaminhadas ao ensino das letras e dos números. Por sua vez, Aristóteles defendia que à criança de dois a cinco anos não se podia exigir trabalho intelectual o importante era desenvolver a perícia do corpo valendo-se de contos e jogos, e no período dos cinco aos sete anos a criança deveria assistir como espectador às atividades que mais tarde realizaria enquanto participante, começando a se dar importância à aprendizagem formal. (CARNEIRO, 2005). 149 A partir do século XV, as primeiras instituições criadas em países da Europa, citadas no terceiro capítulo, não tinham uma proposta instrucional formal, embora logo passassem a adotar um “currículo” como conjunto de atividades como canto, memorização de rezas ou passagens bíblicas e alguns exercícios do que poderia ser uma pré-leitura ou pré-escrita. Na análise de Oliveira (2005), tais atividades visavam à formação de bons hábitos de comportamento, a internalização de regras morais e de valores religiosos, já que se acreditava na época, que precisaria de um planejamento rigoroso de atividades na escola fundadas na ideia de autodisciplina para corrigir as crianças desde pequenas, pois elas nasciam sob o pecado. Esse atendimento foi sendo ampliado e formalizado para grandes grupos de crianças, priorizando a doutrinação, a obediência e o ensino de ofícios. Em oposição a tais práticas, na Idade Moderna, identificamos propostas e educadores considerados precursores em defender um “currículo” que considere as especificidades das crianças atendidas na educação infantil, cujas ideias influenciam os principais modelos curriculares históricos e as abordagens curriculares que são desenvolvidas na contemporaneidade. 4.2.1. Educadores e Propostas Precursoras Examinando as obras de Jan Amos Comenius (1592 – 1670) podemos encontrar orientações específicas para a educação da infância em três livros: A escola da infância (1632), Pampaedia – Educação Universal (196654) e a Didática Magna (1657). Ele propõe um “currículo” que articule as ciências em geral, a moral e a religião como seus componentes fundamentais e define que os fins da vida e, portanto, da educação, são três: “o saber, que compreende o conhecimento de todas as coisas, artes e línguas; a virtude, ou bons costumes [...] e a piedade ou religião” (LUZURIAGA, 1977, p. 139). Na obra “A escola da infância” Comenius explicita cada um desses três fins da educação, orienta que os pais devem lançar os alicerces da piedade, bons costumes e instrução desde os primeiros anos de vida. Sobre a instrução, no que diz respeito às artes liberais, Comenius as divide em três partes: as crianças aprendem para saber/conhecer coisas, para fazer coisas e para falar coisas. A primeira parte, 54 A Pampaedia é uma das sete partes da “Consultatio Catholica” que só foi editada completa em 1966. No entanto, os manuscritos da obra datam de 1945 à 1657. 150 que se refere a sabedoria da criança, nos primeiros seis anos, começa pelo conhecimento: a) Acerca das coisas físicas naturais, até o ponto em que ela possa nomear os elementos fogo, ar, água, terra e aprenda os nomes chuva, neve, gelo, chumbo, ferro etc. das árvores e de algumas das plantas mais comuns, violetas, cravos e rosas. Da diferença entre os animais, o que é pássaro, gado, cavalo, vaca etc. Finalmente, como se chamam as partes exteriores de seu corpo e para que servem, que os ouvidos são para ouvir, as pernas para correr etc. b) Da óptica é suficiente que as crianças saibam o que é escuro e o que é claro, quais são as diferenças entre as cores mais usuais e qual o nome delas. c) Na astronomia, discernir entre o Sol, a Lua e as estrelas. d) Em geografia a criança deve saber em que lugar nasceu e se vive numa vila, cidade, aldeia ou castelo. O que é campo, montanha, prado, selva, rio etc. e) Dos primeiros princípios da cronologia, o que é hora, dia, semana, mês, ano, o que é primavera, verão etc. f) A história começa para a criança quando ela consegue lembrar o que lhe aconteceu ontem, há algum tempo, há um, dois ou três anos, ainda que isso seja tratado de modo pueril e que as recordações sejam vagas, como que envoltas em névoa. g) Da economia, basta que saiba o que é ou não da família. h) Da política, a criança deve saber quem são os governantes, legisladores e magistrados e também que os cidadãos se reúnem de vez em quando em assembleias etc. (COMENIUS, 2011, pp.18- 19). A segunda parte - aprender para fazer coisas, envolve a mente e a linguagem, como: os princípios da dialética – quando a criança entende o que é pergunta e o que resposta e aprende a responder perguntas de forma direta; os fundamentos da aritmética – quando a criança aprende a contar, ordenar e classificar números/quantidades (ímpares e pares, maior ou menor, mais ou menos, muito ou pouco); a geometria – quando a criança conhece o que é grande ou pequeno, curto ou comprido, estreito ou largo, fino ou grosso e o que chamamos de palmo, côvado, passo etc; e música – quando a criança aprende a cantar de memória algumas estrofes de salmos e hinos. Ou, envolve também a mente e as mãos, que são os afazeres e as atividades físicas, como a iniciação nas artes ou ofícios – quando a criança aprende a cortar, fender, esculpir, entalhar, arrumar, encaixar, destacar, montar e desmontar, coisas que lhe são familiares. E, por último, aprender para falar coisas, que diz respeito à linguagem com o aperfeiçoamento da gramática – conseguir expressar de forma compreensível e 151 precisa tudo que sabem sobre as coisas; da retórica – cultivar gestos naturais e a imitação dos outros quando falam em sentido figurado ou alegórico; e da poética – começar de forma rudimentar com a recitação de memória de alguns versos ou rimas. Sendo assim, nessa obra, o autor introduz a caracterização das ações humanas pelos verbos conhecer, fazer e falar e define o objetivo da educação como a busca da unidade entra tais ações de forma progressiva, sendo necessário exercitá- las pedagogicamente desde os primeiros anos de vida. Para tanto, assuntos no campo da Física, da Política ou da Economia sendo tratados de acordo com a idade da criança, também devem fazer parte do currículo de sua escola da infância (KULESZA, 2011). Ainda nessa obra, Comenius aponta os sinais pelos quais é possível saber se as crianças podem sair do regaço materno para frequentar escolas públicas a partir dos seis ou sete anos, quando elas precisam de uma instrução apropriada: a) se souber tudo que deveria saber da escola materna; b) se demonstrar atenção e sagacidade para responder perguntas e também alguma aptidão para julgar as coisas; c) se revelar claramente o desejo de se instruir em outras coisas. (COMENIUS, 2011, p. 77) Já na Pampaedia, Comenius apesar de continuar defendendo a educação no regaço materno, propõe que pudesse haver uma preparação de forma suave para a escola pública pelo estabelecimento de uma classe coletiva ao final da escola materna. Seria uma escola semipública que oportunizasse as crianças irem se habituando a conviver, brincar, cantar, cultivar os bons costumes e a piedade e a exercitar os sentidos e a memória antes de começarem a aprender a ler e escrever. Essas classes atenderiam crianças entre os quatro e seis anos e seriam dirigidas por “senhoras honestas”. (KULESZA, 2011). Na sua obra Didática Magna (COMENIUS, 1997) propõe uma quádrupla divisão das escolas segundo a idade e o aproveitamento: a escola materna ou regaço materno para a infância, na qual são exercitados os sentidos externos para conhecer os objetos; a escola vernácula pública para a meninice, quando já podem ser trabalhados sentidos internos como a imaginação e memória; a escola latina ou ginásio para a adolescência, durante a qual formam-se a inteligência e o juízo sobre todas as coisas captadas através dos sentidos, somente para jovens que não almejam 152 trabalhos manuais; e as academias para a juventude, que ensinam a manter as faculdades em harmonia, formando os professores e os dirigentes do futuro. Comenius (1997) explica que são as mesmas matérias que devem ser ensinadas nas quatro escolas, sempre de forma integrada e progressiva. Ou seja, nas escolas das crianças menores as coisas devem ser ensinadas de maneira mais geral e elementar, e nas seguintes, de maneira mais particularizada e distinta. Desse modo, propõe uma programação um pouco mais ampliada e estruturada em relação àquela da obra “A escola da infância”, a ser desenvolvida nos seis primeiros anos de vida da criança, que contempla todos os “gêneros do saber” mostrando o que deve ser aprendido entre os primeiros fundamentos da metafísica, das ciências físicas, da óptica, da astronomia, da geografia, da cronologia, da história, da aritmética, da geometria, da estática, dos trabalhos mecânicos, da dialética, da gramática, da retórica, da poesia, da música, da economia, da política, da ética, da religião e da piedade. Definidas as tarefas e metas da escola maternal, ele esclarece que não é possível detalhar minunciosamente o que deve ser desenvolvido em cada ano, mês e dia como deve ser feito na escola vernácula, por dois motivos: O primeiro é que em casa não é possível aos pais seguir uma ordem tão precisa como a da escola pública, cuja tarefa é educar os jovens. Em segundo lugar, porque o engenho e a índole das crianças se desenvolvem de modo desigual, mais depressa numas, mais devagar noutras [...]; por isso a formação das crianças durante a primeira infância depende inteiramente do discernimento dos pais. (COMENIUS, 1997, p. 331). Nessa perspectiva, o autor propõe um Guia para o ensino da escola materna com o objetivo de descrever para os pais e amas, todas as coisas necessárias à formação das crianças, orientando sobre as ocasiões que devem ser aproveitadas e as palavras e gestos que podem ser utilizados. Recomenda, ainda, um livro ilustrado com figuras, que exercite os sentidos externos, principalmente a visão, para reforçar as impressões das coisas, estimular a procura de outros livros e facilitar o aprendizado da leitura, pois, todas as imagens do livro seriam acompanhadas de legendas com suas respectivas denominações. Na proposta de Comenius para a escola maternal, segundo Oliveira (2005), podemos destacar, além da utilização de recursos audiovisuais e materiais pedagógicos (quadros, modelos e livros ilustrativos), a brincadeira e os passeios de 153 acordo com a idade da criança, para o desenvolvimento de aprendizagens abstratas e da linguagem. Sua programação previa também uma “boa racionalização do tempo e do espaço escolar, como garantia da boa ‘arte de ensinar’, e da ideia de que fosse dada à criança a oportunidade de aprender coisas dentro de um campo abrangente de conhecimentos”. (Ibid, p. 64). A negação da infância como um período de preparação para a vida adulta aparece com Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) que defendia a infância com fins próprios, tendo valor em si mesma. Na análise de Manacorda (2006) Rousseau revoluciona a pedagogia de seu tempo na medida em que privilegia uma abordagem “antropológica” que focaliza a criança em oposição a abordagem “epistemológica” centrada na reclassificação e transmissão do saber à criança ‘pronta’ para aprender. Segundo Oliveira (2005, p.65), Rousseau “propunha que a educação seguisse a liberdade e o ritmo da natureza, contrariando os dogmas religiosos da época, que preconizavam o controle dos infantes pelos adultos”. Defendia uma educação fundada na criança, em suas necessidades e capacidades, valorizando o exercício físico e a higiene, mas também preconizando que a aprendizagem seria propiciada por meio da experiência, de atividades práticas, como a observação, a livre movimentação e formas diferentes de contato com a realidade, valorizando o jogo, em oposição à memorização. Propôs, ainda, que os recursos didáticos fossem construídos pela criança, o que contribuiria para a passagem da educação dos sentidos (dos dois aos doze anos) à educação da inteligência (até os quinze anos). Rousseau nega a educação tradicional com sua visão puerocêntrica, que na perspectiva de Manacorda (2006) não pode ser reduzida à espontaneidade e à permissividade, mas privilegia: O direito à felicidade, o direito à ignorância das coisas inadequadas à infância, a rejeição do método catequético, a exclusão dos estudos especulativos, a necessidade de ensinar não muitas coisas, mas coisas uteis, não as ciências, mas o gosto de cultivá-las; a condenação dos livros, “triste bagagem” da idade infantil, cujo abuso mata a ciência; a evocação constante da natureza como mestra de Emílio e do seu pedagogo; o adiamento dos estudos de história, de filosofia, de moral e o saber perder tempo. (MANACORDA, 2006, p. 243). Na perspectiva de Rousseau, o período de 2 a 12 anos se constitui numa fase do desenvolvimento de uma razão sensitiva, que consiste em formar ideias simples a partir das experiências e se desenvolve em direção à razão intelectual. A educação 154 nessa fase não deve tratar de ensinamentos precoces que a criança não seja capaz de compreender, nem ter pressa em ensinar muitos conteúdos. “O segredo da boa educação, pelo contrário, consiste em perder tempo, ou seja, em permitir que a criança veja, sinta e comece a fazer os seus juízos próprios” (STRECK, 2004, p. 43). A ideia da natureza infantil de Rousseau é ponto de partida da pedagogia de Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), que se destaca por traduzir os princípios em prática e se diferencia por unir o homem natural a realidade histórica. Para Manacorda (2006) o exemplo de Pestalozzi e suas instituições de psicologia infantil e de didática se constituem como marcos iniciais de uma nova pedagogia para o século XIX. Sugere uma educação não-repressiva, não baseada no medo das punições e considera que para impedir a rejeição das crianças contra a escola é preciso um método de ensino melhor, que atente para o interesse e para a curiosidade infantil (MANACORDA, 2006). Para Pestalozzi, “a força vital da educação estaria na bondade e no amor, tal como na família, e sustentava que a educação deveria cuidar do desenvolvimento afetivo das crianças desde o nascimento” (OLIVEIRA, 2005). O autor fez críticas à educação tradicional e adaptou métodos de ensino ao nível de desenvolvimento dos alunos por intermédio de atividades de música, arte, soletração, geografia e aritmética, além de muitas outras de linguagem oral e de contato com a natureza. Propôs exercícios preparatórios referentes aos elementos de número, de forma e de linguagem, numa perspectiva de ensino intuitivo e gradual, do concreto ao abstrato. Sua pedagogia recomenda, ainda, que o ensino não deve ser cansativo, mas não deve assumir sempre o caráter de diversão ou de jogo, ou seja, defende uma educação, ao mesmo tempo física e intelectual. (MANACORDA, 2006). Identificamos nos estudos de Spodek e Brow (1998) várias fases que distinguem o desenvolvimento dos modelos curriculares para a educação de infância. Os autores citados compreendem que a primeira fase inclui os modelos que se baseavam numa visão intuitiva da natureza na infância e das crianças, são os programas educativos que se desenvolveram nos séculos XVIII e XIX, antes do estudo científico do desenvolvimento humano, considerados Modelos Curriculares Pioneiros. Eles apontam a “Escola do Tricô”, fundada por Jean Frederick Oberlin, na Alsácia, França, por volta de 1767, como o primeiro programa concebido especificamente para crianças pequenas. Segundo Oliveira (2005) as mulheres da comunidade acolhiam as crianças pobres e lhes ensinavam a ler a Bíblia e a tricotar, 155 enquanto suas mães iam trabalhar no campo. “As crianças a partir dos 2 anos formavam um círculo em redor da “professora”, que conversava com eles enquanto tricotava” (SPODEK; BROWN, 1998, p. 15). O currículo, embora considerasse a tradição da oralidade de outras escolas da época (ainda que sem recitações), se diferenciava por incluir também jogos e trabalhos manuais, assim como por não dar grande realce à escrita e à leitura. Segundo Oliveira (2005) esses conhecimentos só eram ensinados a partir dos seis anos, embora ainda dentro de um objetivo de ensino religioso. A aprendizagem da história e da natureza se dava através de imagens e instrução direta, sem uso de outros materiais educativos. “As crianças aprendiam primeiro os nomes de objectos representados nas imagens no seu dialecto regional e, mais tarde, em francês corrente” (SPODEK E BROWN, 1998, p. 16). Outro exemplo desta fase inicial do desenvolvimento de modelos curriculares é a “Escola Infantil” (Infant School) que, diferente das Escolas de Tricô que nunca foram adotadas em outros países europeus, esta teve sua influência muito mais alargada, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. A escola infantil destinava- se a crianças dos 3 aos 6 anos, era o primeiro nível no nomeado Instituto para a Formação do Carácter, fundado por Robert Owen, na Escócia, em 1816. Manacorda (2006, p. 273) apresenta Robert Owen como um socialista utópico que pretendia “instituir um sistema de instrução e de organização do trabalho, visando restituir dignidade humana e cultura aos operários e aos seus filhos”. Para esse autor, o Instituto de Owen é considerado o início da escola moderna da infância, pois rompia com uma perspectiva assistencialista e propunha uma verdadeira ação de educação e instrução. Em sua proposta, aboliu castigos e prêmios, atividades de memorização e livros, pois acreditava “que a educação prepararia os homens para viverem em uma sociedade socialista” (OLIVEIRA, 2005, p. 66). Nessa proposta de escola infantil, os métodos e objetivos não se baseavam em nenhuma teoria do desenvolvimento, estes eram mais vastos do que os da escola primária. Nesta etapa, se desenvolviam nas crianças as competências básicas da leitura, da escrita e da aritmética, bem como aspectos do mundo físico, trabalhos manuais, canto, dança e princípios morais práticos. As crianças faziam muitas excursões e passavam muito tempo nas áreas externas, pois acreditava-se que a escola deveria ser um local de prazer e que a aprendizagem devia basear-se na razão. (SPODEK E BROWN, 1998). 156 Influenciado pelas ideias de Owen, o padre Ferrante Aporti abre em 1828 o primeiro Asilo Infantil Italiano. Embora destinados inicialmente as crianças das famílias mais abastadas, sua proposta já se diferenciava das salas de custódias existentes em algumas instituições para atendimento das crianças mais pobres. O trabalho educativo pautava-se na concepção de que a primeira infância deveria ser instruída, não apenas protegida. Para tanto, eram propostas atividades espontâneas ao ar livre, o ensino religioso com orações, salmos e hinos sagrados escritos pelo próprio padre, práticas sacramentais e trabalhos manuais. Somente no último ano, introduz “rudimentos da preparação formal do ler, escrever e fazer contas, usando o método indutivo ou demonstrativo, a nomenclatura sistemática e o cálculo mental sobre objetos concretos” (MANACORDA, 2006). Em 1873, foi criado na Alemanha o Kindergarten (jardim de infância), que se destaca em oposição às casas assistenciais e às escolas tradicionais daquele contexto. Friedrich Wilhelm Froebel (1782-1852) conheceu a experiência de Pestalozzi com as crianças de Yverdon, e se interessou pelos passeios que possibilitavam lições práticas em contato com a natureza e pelos jogos ao ar livre. No entanto, para Kishimoto e Pinazza (2007, p. 44) ele “supera a proposta de Pestalozzi de usar as coisas reais como um fundamento para o treino intelectual pelos sentidos, definindo a auto-atividade como princípio central que move a ação da criança”. Na pedagogia froebeliana a educação infantil não visa à aquisição de conhecimento, mas à promoção de desenvolvimento e o elemento fundamental no processo educativo deve ser a espontaneidade, rompendo com o conceito de educação preparatória para um estado futuro, e propondo uma educação como atividade que envolve o jogo e a auto-atividade. (KISHIMOTO; PINAZZA, 2007). Froebel concebeu materiais a que chamou “presentes” (incluíam dez conjuntos de materiais, como bolas de lã, bolas de madeira, cubos e cilindros, blocos de madeira segmentados de formas diferentes e outros materiais, incluindo bolinhas de cera com paus ou palhas afiados, quadrados e círculos de madeira e círculos ou segmentos de círculos feitos em madeira ou papel) e “atividades” (incluíam trabalhar com barro, recortar e dobrar papel, enfiar contas, desenhar, tecer e bordar). As crianças deveriam seguir instruções específicas para fazer construções com os materiais e durante o exercício destas atividades. (OLIVEIRA, 2005, SPODEK; BROWN, 1998). 157 O programa incluía ainda o estudo da natureza, o trabalho sobre a língua, a aritmética e a geometria. O autor enfatizou a atividade manual, a confecção de brinquedos, atividades que incluíam conversas, poesias, música, construções com papel, argila e blocos e o cultivo da horta pelas crianças e, ainda, elaborou canções e jogos para educar sensações e emoções. (OLIVEIRA, 2005). Encontramos ainda em Ovide Decroly (1871-1932) valiosas contribuições para a constituição de um currículo para a infância. Em oposição ao trabalho com as sensações, defendia um ensino voltado para o intelecto, no qual a criança poderia analisar um objeto concreto em toda sua complexidade e fazer uma síntese pessoal. Como Froebel, enfocou a pedagogia ativa e inovou com seu método global, descobrindo a função globalizadora da inteligência humana. Oliveira (2005) destaca que ele se preocupava com o domínio de conteúdos pela criança, e propunha que eles fossem encadeados em rede, através dos centros de interesse. Inicialmente, previu um único centro de interesse: “o homem e suas necessidades” que acabou por dividir em quatro pontos: necessidade de alimentar-se (fome, sede, respiração e higiene), necessidade de lutar contra a intempérie (frio, abrigo, aquecimento), necessidade de defender-se contra o perigo (medo, risco e segurança) e necessidade de atuar e de trabalhar (solidariedade, descanso e aprendizagem). Sendo assim, por exemplo, do ato de comer poderia surgir o estudo da alimentação, a origem dos alimentos, sua classificação, os preços, o preparo, a produção. E, com a curiosidade infantil e o desenvolvimento das crianças, surgiriam noções de geografia, história, ciências, redação, desenho, matemática. Destacou a importância da motivação e da vivência em grupo. Seu método estabelecia o ensino em fases: observação (Ciências Naturais/ Cálculo/ Geometria), associação tempo e espaço (História e Geografia) e expressão (Linguagem e Artes). O ensino visto como um todo partia do estudo da criança e dos fatos mais próximos relacionados com sua vida. (CARNEIRO, 2005). Na proposta de Maria Montessori (1879-1952) que se instaurou em meados do séc. XX, na denominada “Casa das Crianças” se propunha uma pedagogia científica e a criação de um ambiente apropriado para o desenvolvimento infantil. Para Oliveira (2005) a marca distintiva de Montessori foi a elaboração de materiais específicos para o alcance de cada objetivo educacional com orientações rigorosas relativas aos conteúdos e exercícios a serem trabalhados com as crianças. 158 Montessori elaborou procedimentos e materiais que trabalham os aspectos mental, espiritual e físico com instrumentos ligados à tarefa de cuidado pessoal e aqueles relacionados à inteligência como as letras móveis e o ábaco. Propôs a redução do tamanho do mobiliário para se adequar à utilização pelas crianças nas escolas e ainda, a diminuição de objetos domésticos cotidianos para a brincadeira na casinha de boneca. (OLIVEIRA, 2005). Na análise de Nicolau (2005, p. 13) os materiais propostos por Montessori precisam ser utilizados considerando as condições de realização autônoma e independente pela criança na escolha dos materiais e que na sala deve haver apenas um exemplar de cada, visando ao desenvolvimento de atitudes de respeito, cooperação, solidariedade. Além disso, as dificuldades de uso são graduadas cientificamente e a sequência de manipulação deve ser respeitada. Montessori enfatizou a fase dos três aos seis anos de idade, por acreditar ser esse ser o período em que principais funções, como, por exemplo, calma, tranquilidade, autocontrole, domínio dos movimentos, acuidade auditiva, capacidade de concentração, vão se desenvolvendo. Para Nicolau (2005, p. 13) o que mais se destaca em Montessori é “a organização do conjunto de materiais para a educação dos sentidos e dos movimentos, a formação da mente matemática, a alfabetização e a leitura de modo a contribuir para a normatização do comportamento”. No programa de Montessori estavam inclusos também “exercícios da vida prática”, como lavar-se, vestir-se e levantar a mesa, destinados a ajudar as crianças a funcionarem independentemente, além da leitura e da escrita, do estudo da natureza, da jardinagem, da aritmética e da geografia. (SPODEK e BROWN, 1998). A expansão dos jardins de infância froebelianos nos Estados Unidos, na Alemanha e em outros países foi fortemente marcada pela influência dos estudos de John Dewey (1859-1952), principalmente a partir de 1894 quando atua na reforma do programa Kindergarten na Escola Laboratório vinculada à Universidade de Chicago. Para Oliveira-Formosinho (2007), o diálogo com Dewey, especialmente com suas ideias difundidas em artigo publicado em 1902 sobre a criança e o currículo, abre possibilidade para significar o debate acerca do que constitui uma pedagogia da transmissão e uma pedagogia da participação nos estudos sobre pedagogia(s) da infância. 159 Ele nos faz compreender que os dois elementos do ato de ensino- aprendizagem – as crianças e o currículo - têm identidade própria. Uma proposta reflexiva para a construção de uma práxis participativa reconhece que o ato educativo integra esses dois elementos, porque a agência do aprendente, em liberdade e cooperação, recebe o conhecimento e transforma-o, isto é, participa da sua reconstrução. (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007, p.22). Nessa proposta, a educação precisa articular esses dois elementos, pois um não exclui o outro. Dewey defende que a criança deve aprender fazendo, o currículo deve iniciar com as artes e as ocupações, e os objetivos educacionais devem considerar a experiência do educando, garantindo uma interação desta com o processo de aquisição de conhecimentos. Ou seja, os interesses e as experiências das crianças são pontos de partida para atividades inteligentes e experiências ampliadas dentro de um programa organizado de estudos. (PINAZZA, 2007). Dewey (2011) propunha uma educação concebida em termos de experiência e, nessa perspectiva, tudo o que pudesse ser considerado como matéria de estudo, seja aritmética, história, geografia ou qualquer uma das ciências naturais, deveria derivar de materiais que, originalmente, pertençam ao escopo da experiência da vida cotidiana. Para tanto, o autor define critérios/características e princípios de experiência, que seriam a perspectiva de continuidade, que permite a discriminação/escolha de experiências que promovem crescimento intelectual e moral daquelas deseducativas, o princípio do respeito à liberdade individual e à formação de atitudes e comportamentos ou princípio do hábito. A característica básica do hábito é a de que toda ação praticada ou sofrida em uma experiência modifica quem a pratica e quem a sofre, ao mesmo tempo em que essa modificação afeta, quer queiramos ou não, a qualidade das experiências subsequentes, pois, ao ser modificada pelas experiências anteriores, de algum modo, será outra a pessoa que passará pelas novas experiências. (DEWEY, 2011, p. 35). Com a reforma progressiva da educação, os jardins de infância mantém alguns aspectos da pedagogia froebeliana, como a ênfase na auto-atividade, nas artes e na música, incorporam algumas ideias e atividades de Montessori e incluem atenção especial aos blocos e aos jogos dramáticos. (SPODEK; BROWN, 1998). 160 4.2.2 Modelos Curriculares Contemporâneos Com a crescente influência dos estudos sobre o desenvolvimento da criança no século XX, os modelos curriculares que se expandem a partir dos anos 1960 são classificados por Spodek e Brow (1998) em quatro categorias: (1) os programas Montessori em duas abordagens distintas, uma que mantem as orientações originais e outra que incorpora conhecimentos sobre as teorias de aprendizagem, (2) os programas behavioristas que enunciam seus objetivos em termos comportamentais e organizam fases curtas e sequenciadas de aprendizagem, como por exemplo, o DARCEE e o DISTAR (programa publicado comercialmente para ensinar língua, aritmética e leitura), (3) os programas de educação aberta, difundidos principalmente nos jardins de infância progressistas e (4) as abordagens construtivistas, entre as quais destaca-se, de modo especial, o currículo High Scope de Orientação Cognitivista. Nos estudos contemporâneos sobre Pedagogia(s) da Infância, Oliveira- Formosinho (2007) classifica, segundo modelos de pedagogia, modelos curriculares da pedagogia da transmissão, o DISTAR e o DARCEE; e da pedagogia da participação, as abordagens curriculares High Scope (Estados Unidos), Kamii Devries (Estados Unidos), Reggio Emilia (Itália), Modena (Itália), Pen Green (Inglaterra), Freinet (Brasil), Movimento da Escola Moderna (Portugal) e Associação Criança (Portugal), entre os teóricos que embasam estes modelos, destaca Piaget, Mead, Vygotsky e Bruner. A autora esclarece que “a pedagogia da participação centra-se nos atores que constroem o conhecimento para que participem progressivamente, através do processo educativo, da(s) cultura(s) que os constituem como seres sócio-histórico- culturais” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007, p. 18). E caracteriza os conteúdos na pedagogia da transmissão como capacidades pré-acadêmicas, persistência e linguagem adulta, enquanto na pedagogia da participação seriam constituídos por estruturas e esquemas internos mentais, conhecimento físico, matemático e social, metacognição e instrumentos culturais. Entre as abordagens curriculares citadas, apresentamos sucintamente as principais ideias e práticas relativas a currículo e conhecimento que são identificadas nas propostas do currículo High Scope e na experiência de Reggio Emilia. Pois, consideramos que a primeira influenciou de forma ampla e profunda os processos de 161 construção curricular em nosso país, a partir do início da década de 1980, e a segunda se tornou referência mundial em educação infantil na atualidade, o que pode ser comprovado pelo vasto número de obras que analisam e divulgam suas proposições, embasando os processos de reconstrução curricular em diferentes países e instituições. Além destas, situamos também a proposta curricular da Espanha, tendo em vista a compreensão de sua influência nas políticas curriculares nacionais, principalmente na década de 1990. Enfim, trataremos de dialogar com as principais ideias e orientações curriculares atuais para educação infantil em diferentes países da Europa na perspectiva de compreender suas influências no contexto brasileiro. A abordagem do currículo High Scope foi iniciada na década de 1960, por David Weikart, presidente da Fundação de Investigação Educacional do mesmo nome em Michigan/EUA e apoia-se no trabalho cognitivo-desenvolvimentista de Jean Piaget e seus colaboradores e na filosofia de educação progressiva de John Dewey. São identificadas quatro fases na história evolutiva do currículo High Scope, nasce numa perspectiva de educação compensatória, define-se como um currículo de orientação cognitivista na sua segunda fase, organiza sua atividade em experiências-chave na terceira fase e, finalmente, em sua quarta fase se caracteriza pelo processo de maior diálogo entre teoria e prática o que resulta na redefinição/ampliação das experiências- chave e elaboração de instrumentos de planejamento, registro e avaliação. (FORMOSINHO, 1998). Podemos examinar as características e principais orientações da abordagem curricular High Scope, em pelo menos três obras: “A criança em ação” (HOHMANN, BANET E WEIKART, 1979) que descreve sua terceira fase, “Educar a Criança” publicada originalmente em 1995 (HOHMANN; WEIKART, 2007) e “Educação de Bebés em Infantários” (POST; HOHMANN, 2007) que são publicações mais atuais. São definidos cinco princípios básicos que orientam o trabalho diário dos profissionais envolvidos na abordagem High Scope: Aprendizagem pela ação; Interações positivas entre adultos e crianças; Ambiente de aprendizagem agradável para a criança; Rotina diária consistente e Avaliação diária da criança baseada no trabalho em equipe. As crianças constroem o conhecimento através da reflexão sobre os significados das experiências vividas, enquanto são desafiadas a explorar, questionar, buscar respostas, resolver problemas e criar novas estratégias de iniciativas pessoais. Nessa perspectiva, a criança se envolve em experiências-chave, 162 que são “interações criativas e permanentes com pessoas, materiais e ideias que promovem o crescimento intelectual, emocional, social e físico” (HOHMANN; WEIKART, 2007, p. 5). Na perspectiva do paradigma cognitivo-desenvolvimentista fundamentado em J. Piaget, uma experiência, processo ou método educativo só é válido em termos de desenvolvimento se: 1) exercita e desafia as capacidades daquele que aprende, capacidades essas emergentes numa dada etapa de desenvolvimento; 2) encoraja e ajuda aquele que aprende a desenvolver o seu padrão especifico de interesses, aptidões e objetivos a longo prazo e 3) apresenta a experiência da aprendizagem quando aquele que aprende está, em termos de desenvolvimento, mais apto a dominar, generalizar e reter o objeto da aprendizagem e a relacioná-lo com experiências anteriores e expectativas futuras. (HOHMANN, BANET E WEIKART, 1979, p.12). Sendo assim, as experiências-chave estão atualmente organizadas em dez tópicos: representação criativa, linguagem e literacia, iniciativa e relações interpessoais, movimento, música, classificação, seriação, número, espaço e tempo. O educador precisa criar contextos nos quais essas experiências-chave possam ser desenvolvidas e observar/avaliar e apoiar as aprendizagens das crianças. (HOHMANN; WEIKART, 2007). A rotina diária inclui o processo “planear-fazer-rever” no qual cada criança pode expressar suas intenções, desenvolver e refletir sobre o trabalho. Além desse processo, há momentos em pequenos grupos e em grande grupo que possibilitam a experimentação de novos materiais e intervenções dos professores. As atividades são planejadas a partir da observação das ações das crianças tendo, como parâmetro, as experiências-chave. Por exemplo, se for observado que alguns insetos atraíram a atenção das crianças no pátio, é possível planejar que durante o tempo em pequenos grupos elas possam observar e desenhar os insetos (experiência-chave de representação criativa: desenhar e pintar). As experiências-chave são utilizadas para observar, planejar e avaliar as crianças, constituem em “um conjunto de instrumentos destinados a ajudar os adultos a compreenderem as crianças mais novas e a levá-los a usar essa compreensão nas suas interações diárias com as crianças” (HOHMANN; WEIKART, 2007, p. 472). Para cada categoria de experiências-chave são apontadas sugestões para os adultos sobre 163 como apoiá-las ao longo de um dia de trabalho com as crianças. Por exemplo, com a experiência chave “desenvolver melodias” da categoria música, sugere-se que o adulto ouça e mostre reconhecimento pelo uso que as crianças fazem do tom e da melodia, faça com as crianças jogos de emparelhamento de tons de voz, cante às crianças os seus comentários e faça jogos do tipo “adivinhem esta canção”. São organizadas áreas de trabalho/interesse que possibilitem diferentes tipos de atividades, podendo ser estruturadas a partir das seguintes: área da areia e água; área dos blocos; área da casa; área das atividades artísticas; área dos brinquedos; área dos livros e da escrita; área da carpintaria; área da música e movimento; área dos computadores e área de exterior. As experiências-chave para bebés e crianças são organizadas em torno dos seguintes objetivos: desenvolver o sentido de si próprio; aprender acerca das relações sociais; aprender a reter coisas através da representação criativa; ganhar competência no movimento e na música, aprender competências de comunicação e linguagem; aprender sobre o mundo físico explorando objetos; aprender os primeiros conceitos de quantidade e de número; desenvolver a compreensão de espaço e começar a aprender sobre tempo (POST; HOHMANN, 2007). Na Proposta curricular oficial da Espanha, estabelece-se um currículo obrigatório, prescritivo e, ao mesmo tempo, aberto, negociável entre os diferentes contextos. Propõe um currículo organizado por áreas curriculares, para as quais são organizados os âmbitos de experiências e blocos de conteúdos. Estes são entendidos como: O conjunto de formas culturais e os saberes selecionados para fazer parte das diferentes áreas, em função dos objetivos gerais de cada uma delas. Os conteúdos incluem fatos, conceitos, princípios, habilidades, técnicas, estratégias, valores, normas e atitudes. (GARCIA, 2004, pp. 21-22). Sendo assim, são definidos os seguintes blocos de conteúdos para cada área: Área 1- Identidade e Autonomia: Conhecimento do corpo e configuração da imagem de si mesmo; Habilidades perceptivo-motoras envolvidas na resolução de tarefas de natureza diversa; Aspectos cognitivos, afetivos e de relacionamento envolvidos em atividades da vida cotidiana; A saúde: habilidades básicas relacionadas com o cuidado de si mesmo e do ambiente. Área 2 - Descoberta do meio físico e social: As relações sociais e a atividade humana; Os objetos; Animais e plantas; A paisagem. Área 3 – 164 Comunicação e representação: Linguagem oral; Aproximação da linguagem escrita; Expressão e produção plástica; Produção e expressão musical; Expressão corporal; Relações, medida e representação no espaço. As autoras Bassedas, Hughet e Solé (1999) apresentam e defendem a proposta espanhola no que se refere à organização de conteúdos de aprendizagem na educação infantil sem que isso desconsidere as particularidades desta etapa educativa e da criança atendida. Entendem o termo conteúdo de forma ampla, como tudo o que pode ser objeto de aprendizagem e, consequentemente, de ensino. Finalmente, a Experiência de Reggio Emilia situa-se numa pequena cidade situada na região de Emília Romagna, nordeste da Itália, que criou um movimento de Educação Infantil após a Segunda Guerra Mundial, mediante a colaboração de pais, educadores e crianças. O currículo desenvolvido é considerado “emergente” idealizado por Loris Malaguzzi, influenciado por Dewey, Wallon, Claparède, Ferrièrre, Decroly, Vygotsky, Erickson, Freinet, Montessori, entre outros. (LINO, 1998; EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999). As escolas de Reggio Emilia não têm um currículo planejado com sequência de conteúdos e unidades a serem trabalhados. Malaguzzi (1999, p.100) explica que: A cada ano cada escola delineia uma série de projetos relacionados, alguns de curto, outros de longo prazo. Esses temas servem como apoios estruturas principais, mas depois fica a cargo das crianças, do curso dos eventos e dos professores, determinar se a construção virá a ser uma cabana ou um prédio de apartamento ou qualquer outra coisa [...] Os professores seguem as crianças, não seguem planos. Os objetivos são importantes e não serão perdidos de vista, mas o porquê e como se chegar até eles são mais importantes. Rinaldi (1999, p. 111) fala de um currículo emergente no qual o planejamento é um método de trabalho no qual os professores apresentam objetivos educacionais gerais, mas não formulam os objetivos específicos para cada projeto ou cada atividade a priori. Inicialmente, formulam hipóteses sobre o que poderia ocorrer, com base em seu conhecimento das crianças e das experiências anteriores, a partir das quais formulam objetivos flexíveis e adaptados as necessidades e interesses das crianças, incluindo aqueles expressados por elas a qualquer momento durante o projeto, bem como aqueles que os professores vão selecionando à medida que o trabalho avança. A autora explica: “No nosso trabalho, falamos sobre planejamento, entendido no 165 sentido de preparação e organização do espaço, dos materiais, dos pensamentos, das situações e das ocasiões para a aprendizagem”. (RINALDI, 1999, p. 115) Para Katz (1999), os projetos oferecem a parte do currículo na qual as crianças são encorajadas a tomarem suas próprias decisões e a fazerem suas próprias escolhas, geralmente em cooperação com seus colegas, sobre o trabalho a ser realizado. Presumimos que este tipo de trabalho aumenta a confiança das crianças em seus próprios poderes intelectuais e reforça sua disposição de continuar aprendendo. As atividades incluem observação direta, perguntas a pessoas e a especialistas relevantes, coleta de artefatos pertinentes, representação de observações, de idéias, de memórias, de emoções, de imagens e de novos conhecimentos em várias maneiras, incluindo encenação dramática. (Ibid, p. 38) Rinaldi (1999) explica que no início de um projeto, os professores devem reunir-se e discutir de todos os modos possíveis como o projeto poderá vir a evoluir, considerando as ideias prováveis, as hipóteses e as escolhas feitas pelas crianças. Ao fazer isso, preparam-se para todos os estágios subsequentes do projeto – mesmo se o inesperado acontecer. Além do trabalho em projetos, as crianças de Reggio Emilia – especialmente as mais jovens – engajam-se em muitas outras atividades. “A oportunidade para uma ampla gama de jogos espontâneos com blocos, dramatização, brincadeiras ao ar livre, audição de histórias, encenação de papéis, culinária, tarefas domésticas e atividades ligadas à arrumação pessoal, bem como atividades como pintura, colagem e trabalhos com argila, estão disponíveis a todas as crianças diariamente”. (KATZ, 1999, p. 45). Na abordagem de Reggio Emilia registramos ainda o trabalho no atelier – espaço rico em materiais e ferramentas onde as diferentes linguagens das crianças podem ser exploradas por elas e estudadas pelos educadores em uma atmosfera favorável e tranquila. Lá as crianças podem experimentar modalidades, técnicas, instrumentos e materiais alternativos; explorar temas escolhidos por elas ou pelos educadores, possibilitando desde o estudo das afinidades e oposições de diferentes formas e cores aos objetivos complexos da narrativa e da argumentação, da transição da expressão de imagens em símbolos até sua decodificação, do modo como as crianças foram contaminadas 166 pela exposição aos meios de comunicação, a diferenças entre os sexos em termos de preferências simbólicas e expressivas. (MALAGUZZI, 1999, p. 85-86). A prática pedagógica de Reggio Emilia se constitui a partir de linguagens múltiplas – respeitando os esforços das crianças em produzir significado de suas experiências - e de co-construção, de relacionamentos e diálogo, é rica em paradoxos e ironia, valoriza a cooperação assim como a confrontação, admite tanto a dúvida e a perplexidade como o questionamento científico. Dahlberg, Moss e Pence (2003) apresentam a proposta de Reggio como a “pedagogia de relacionamentos”, na qual conhecimento, identidade e cultura são co-construídos por crianças na relação com os outros. Podemos identificar fortes influências dessas abordagens curriculares no Brasil. Na década de 1980 são implantadas várias experiências oficiais e institucionais com base no currículo de orientação cognitivista da abordagem High Scope, nos anos 90 as políticas neoliberais se ancoram na experiência da Espanha e consultam estudiosos desse país do campo da didática, do currículo e da psicologia na elaboração dos documentos oficiais (como, por exemplo, o RCNEI) e desde então também são veiculadas no Brasil as traduções de obras que divulgam a abordagem de Reggio Emilia, considerada hoje como maior referência para educação infantil no mundo. De acordo com os relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OECD analisados por Haddad (2010), as tensões relativas aos modos como instituir orientações curriculares nacionais para educação infantil tem sido objeto de amplo debate mundial. Os países55 de tradição numa pedagogia social defendem que essas orientações devem garantir apenas princípios orientadores de práticas, buscam manter um currículo aberto e holístico no qual todas as áreas de desenvolvimento são trabalhadas através da brincadeira e múltiplas experiências em torno de um amplo projeto de trabalho. Enquanto, outros países56 definem orientações mais específicas, normativas e prescritivas com uma abordagem mais acadêmica ao currículo e à didática que prioriza as relações ensino- 55 Países nórdicos e da Europa Central, como por exemplo, a Suécia, Dinamarca e Noruega. 56 São citados países como a Austrália, Canadá, Estados Unidos, França, Holanda, Irlanda e Reino Unido. 167 aprendizagem e busca garantir a aquisição de conhecimentos, competências e habilidades organizadas em disciplinas ajustadas às faixas etárias das crianças. O desafio hoje tem sido marcar o campo do currículo para educação infantil que deve se constituir no diálogo com esses dois modelos em oposição. O relatório da OCDE (Haddad, 2010) considera que mesmo com ênfases curriculares diferentes, essas duas abordagens devem ser partes de um mesmo currículo, uma parte inclusa na outra. Cita como exemplo, a extensa rede vinculada à abordagem de Reggio Emilia, que envolve mais de 13 países. A qualidade dos programas de educação infantil tem relação também com a formação de seu professorado. Bennett (2004 apud HADDAD, 2010) destaca que quando os profissionais têm baixa escolaridade e pouca formação, existe a necessidade de um currículo mais detalhado e prescritivo, pois a construção conjunta de um currículo amplo para criança pequena requer conhecimento de psicologia infantil e formação pedagógica consistente. É urgente, portanto, discutir com mais precisão e cuidado, o objeto e a função da Educação Infantil – a aprendizagem e o desenvolvimento de criança pequena, salientando que é preciso registrar e refletir sobre currículos que atendam suas especificidades e promovam a ampliação de saberes e conhecimentos. 4.3 EDUCAÇÃO INFANTIL, CURRÍCULO E PROPOSTA PEDAGÓGICA: ENTRE SENTIDOS Os estudos no campo do currículo na/para educação infantil são poucos difundidos na teorização curricular mais geral, observamos que a discussão acerca de conhecimento e currículo está mais voltada para os educandos de etapas posteriores da educação. Identificamos poucos teóricos que tratam das especificidades do currículo da educação infantil, dos quais, citamos anteriormente, Sacristàn (1998) e Arroyo (2011). Ambos se preocupam e apontam para a necessidade de ressignificação do currículo e de seus conteúdos e experiências para se aproximar do atendimento às especificidades da infância. Observamos que as produções teóricas relativas ao currículo na/para educação infantil no Brasil, estão fortemente vinculadas aos processos de implementação das políticas nacionais materializadas em documentos oficiais. Os pesquisadores que são consultados no contexto dessas políticas, são aqueles que 168 publicam estudos, pesquisas e proposições que circundam a discussão oficial. Neste contexto, ressaltamos que a escolha das “vozes” que se tornam “oficiais”, carece de adequação às orientações dos organismos mundiais de regulação política. Nesse contexto, estamos considerando que a necessidade de se estabelecer um currículo para a Educação Infantil, no Brasil, surge no final da década de 70 e começo dos anos 80, inicialmente para a pré-escola e posteriormente também para a creche. Nesse período de tempo, acirram-se os debates sobre a função das instituições de educação infantil e inicia-se o delineamento de um projeto pedagógico para a área. É uma resposta à prática assistencialista, fruto das condições sócio-econômicas do país, que tem na marginalização da infância uma de suas mais sérias consequências [...]. (BRASIL, 1996, p. 7). Sendo assim, os debates e decisões curriculares no campo da educação infantil que se originaram especialmente a partir da década de 80, têm se intensificado nos últimos anos. Os estudos e documentos oficiais sobre currículo na/para educação infantil no contexto brasileiro tem sido marcados por debates e embates em torno de (in)definições relativas à função social desta etapa educativa. O reconhecimento teórico e legal de uma função sócio, política e pedagógica é permeado por ‘falsas’ dicotomias na medida em que se busca garantir uma ‘educação’ que rompa com o ‘assistencialismo’ e se distancie da ‘escolarização’. Nesse sentido, palavras como currículo, ensino, escola, conhecimento/conteúdo vão sendo proibidas, transformadas e substituídas no discurso sobre ‘proposta pedagógica’ para educação infantil. No início da década de 90, contexto pós nova constituinte, examinando os trabalhos coordenados, encomendados e publicados pela Coordenação de Educação Infantil - COEDI/MEC entre 1994 e 1996 identificamos as orientações para o funcionamento das creches e pré-escolas, considerando as especificidades de um currículo para essa etapa educativa. A Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 1994a) aponta o desenvolvimento de propostas curriculares específicas para a infância em creches e pré-escolas como um dos aspectos definidores de qualidade do atendimento oferecido pelas instituições. Apresenta como um de seus princípios, que “o currículo da educação infantil deve levar em conta, na sua concepção e administração, o grau de desenvolvimento da criança, a diversidade social e cultural das populações infantis e os conhecimentos que se pretendam universalizar”. (BRASIL, 1994a, p. 15). 169 Em suas diretrizes pedagógicas, define que sejam implantadas ações sistemáticas e intencionalmente educativas no interior das instituições, o que só pode ser garantido mediante uma proposta pedagógica que se fundamente “numa concepção de criança e de educação infantil e nos conhecimentos acumulados sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem na primeira etapa da vida humana”. (BRASIL, 1994a, p. 16). Para o atendimento aos princípios, concepções e diretrizes postas no documento, a Política enumera ações a serem efetivadas numa perspectiva de parceria entre os diferentes atores envolvidos na educação infantil. Entre tais ações, prevê o “incentivo à elaboração, implementação e avaliação de propostas pedagógicas, especialmente àquelas que visem à promoção da função educativa da creche” (BRASIL, 1994a, p. 24). Para tanto, o Ministério de Educação se propõe a acompanhar, avaliar e compartilhar experiências inovadoras. A partir de pesquisa, consulta e análise de propostas pedagógicas das instituições e redes de atendimento, estudos realizados por renomados teóricos da área, como Kishimoto, Oliveira, Machado, Mello e Kramer acerca da conceptualização e funções de um currículo para a educação de crianças em creches e pré-escolas, encontram-se sintetizados no documento intitulado “Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil” (BRASIL, 1996) e põem em relevo a necessidade de elaboração de propostas curriculares para a Educação Infantil no Brasil, como imprescindíveis à construção de um projeto educativo para a área, considerando-se as instâncias “das práticas sociais, das políticas públicas e da sistematização acadêmica de conhecimentos pertinentes a este segmento educacional” (BRASIL, 1996, p. 8). Entre as definições contidas nesse documento, Kishimoto (1994 apud BRASIL, 1996) enfatiza a necessidade de que, na definição de um currículo, responda-se aos seguintes questionamentos: a que criança se destina? Qual é a concepção de educação presente? O que ensinar? Como ensinar? De que forma, o que e como avaliar? Para a autora, o currículo deve incluir tudo o que se oferece para a criança aprender, abrangendo conceitos, princípios, procedimentos, atitudes, os meios pelos quais a escola oferece tais oportunidades e formas de avaliação. Enquanto Machado (1994 apud BRASIL, 1996) utiliza o termo projeto educacional-pedagógico e explica que este, numa instituição de Educação Infantil, deveria contemplar três planos. Um plano contemplaria a história da instituição, 170 funções, concepções e princípios; outro plano especificaria procedimentos e organização de cada instituição e o terceiro plano diria respeito à ação cotidiana dos educadores junto às crianças. Situamos as nossas discussões a partir da perspectiva de Kramer (1994 apud BRASIL, 1996, p.19) na medida em que define uma proposta pedagógica/currículo como um convite, um desafio, uma aposta porque, sendo ou não parte de uma política pública, contém um projeto político de sociedade e um conceito de cidadania, de educação e de cultura. Portanto, não pode trazer respostas prontas, precisa ser construída com a participação de todos os sujeitos – crianças e adultos, professores/educadores e profissionais não-docentes, famílias e população em geral – levando em conta suas necessidades, especificidades, realidade. O documento57 “Subsídios para credenciamento e funcionamento de instituições de educação infantil” (BRASIL, 1998a) orienta a elaboração, execução e avaliação da proposta pedagógica como um requisito indispensável para a autorização de funcionamento dessas instituições. Apresenta em seu segundo volume um texto intitulado “Estrutura e Funcionamento de Instituições de Educação Infantil”, no qual, Oliveira (1998) ressalta a autonomia das instituições na elaboração de sua proposta, definindo que esta condiciona a estrutura e funcionamento de cada creche e pré-escola, na medida em que orienta: A forma de intervenção do adulto, o grau de estruturação do conteúdo proposto à criança, a presença de um modelo educativo mais familiar ou mais escolar, a razão adulto-criança defendida, o lugar dado ao jogo, a forma de organização do espaço. Planejá-los envolve uma série de fatores inter-relacionados: as representações sobre a criança pequena, o papel dos professores, outros profissionais e dos pais no processo escolar, as rotinas presentes nas formas de educação escolhidas, os recursos materiais disponíveis incluindo o material pedagógico, e outros. (OLIVEIRA, 1998, p. 89). As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1999) definem, inicialmente, os princípios norteadores para a qualidade das propostas pedagógicas: Éticos (autonomia, responsabilidade, solidariedade e respeito ao bem comum); Políticos (direitos e deveres de cidadania, exercício da criatividade e do 57 Publicado logo após a LDB (BRASIL, 1996a) para orientar o funcionamento das instituições de educação infantil, conforme delineamos no capítulo anterior. 171 respeito à ordem democrática) e; Estéticos (sensibilidade, criatividade, ludicidade, qualidade de manifestações artísticas e culturais). E orientam que As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil, ao reconhecer as crianças como seres íntegros, que aprendem a ser e conviver consigo próprios, com os demais e o próprio ambiente de maneira articulada e gradual, devem buscar a partir de atividades intencionais, em momentos de ações, ora estruturadas, ora espontâneas e livres, a interação entre as diversas áreas de conhecimento e aspectos da vida cidadã, contribuindo assim com o provimento de conteúdos básicos para a constituição de conhecimentos e valores. (BRASIL, 1999, p. 1). O RCNEI (BRASIL, 1998), por sua vez, considera que para construção de uma proposta pedagógica nas instituições de educação infantil devem ser articuladas as dimensões internas e externas em que está envolvida a instituição visando atender a diversidade existente em cada grupo social. O documento aponta como imprescindíveis a discussão de aspectos como: o clima institucional (respeito, cooperação, afetividade), as formas de gestão (democrática e pluralista, espaço para formação continuada), organização do espaço e do tempo, seleção e oferta de materiais (versatilidade, diversidade, acesso, segurança) e a parceria com as famílias respeitando sua cultura e diversidade. No entanto, esse documento, conforme discutimos no capítulo anterior, foi alvo de críticas e debates. Entre os aspectos que aparecem nos pareceres58 que apreciavam o RCNEI, podemos destacar as críticas à organização do currículo em âmbitos de experiências (importados da proposta espanhola) que se descaracterizam na medida em que se instituem as áreas de conhecimentos que se aproximam das disciplinas do ensino fundamental. Vários pareceres denunciam a escolarização imposta pelo documento às crianças desde o nascimento. Mas, divergem muito em relação aos modos como definir as especificidades de currículos e conhecimentos59 por faixa etária. A pesquisa concluída em 1993 em nível de doutoramento por Faria (1999) é considerada pioneira ao se referenciar na abordagem italiana de educação infantil. Com o objetivo de contribuir para a atual discussão de projetos educativos para esta área, ela analisa a proposta dos Parques Infantis de Mário de Andrade implementada 58 Ver discussão no capítulo anterior. 59 Retomamos essas divergências no capítulo seguinte. 172 nos anos 30 em São Paulo, defendendo que se constituem numa experiência que considera as especificidades da criança e respeita o direito destas à sua infância. Propõe fomentar o debate acerca do caráter educativo da pré-escola (escolar/não escolar, extraescolar, assistencial). Aponta como heranças positivas de Mário de Andrade, que podem enriquecer uma proposta de educação infantil que almeje uma educação voltada para a criança enquanto criança (e não somente como aluno, futuro aluno, futuro adulto); que não discrimine sua origem sócio-cultural; que reconheça a existência de vários tipos de conhecimento (científico, artístico, acadêmico, não-acadêmico etc.) e que acredite na capacidade de a criança também produzir conhecimento, além de aprender novos, reconstruir outros. (FARIA, 1999, p. 195). No contexto de estudos como esse citado, que se propõem a construir uma pedagogia para educação infantil, da efervescência de publicações acerca dos fundamentos da abordagem de Reggio Emilia e de pesquisas embasadas na Sociologia da Infância60, são publicados outro conjunto de documentos61 no âmbito da COEDI que retomam e ampliam os princípios definidos nos documentos apresentados anteriormente. Analisando as diretrizes da Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 2005, p. 17) identificamos a orientação que as instituições de Educação Infantil devem elaborar, implementar e avaliar suas propostas pedagógicas a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1999) e com a participação das professoras e dos professores. Enfatizam ainda que as propostas devem explicitar concepções, bem como definir diretrizes referentes à metodologia do trabalho pedagógico e ao processo de desenvolvimento/aprendizagem, prevendo a avaliação como parte do trabalho pedagógico, que envolve toda a comunidade escolar. Na perspectiva de estabelecer os requisitos necessários para uma Educação Infantil que possibilite o desenvolvimento integral da criança até os cinco anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, os Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil (BRASIL, 2006), ressaltam, na sua primeira seção, os aspectos definidores de qualidade a serem observados nas 60 No terceiro capítulo contextualizamos os estudos no campo da Sociologia da Infância. 61 Após a aprovação do PNE (2001) conforme apresentamos no capítulo dois, são publicados pelo COEDI documentos que marcam uma “nova” política nacional para educação infantil: Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 2005), os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006), e os Indicadores de qualidade na educação infantil (BRASIL, 2009) 173 propostas pedagógicas efetivadas ou em construção nas instituições de educação infantil. Nesse sentido, consideram como propostas de qualidade aquelas que: 1- Contemplam princípios éticos, políticos e estéticos; 2- Promovem as práticas de cuidado e educação na perspectiva da integração dos aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo/linguísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser completo, total e indivisível; 3- Consideram que o trabalho desenvolvido na escola é complementar à ação da família, e a interação entre as duas instâncias é essencial para um trabalho de qualidade; 4- Explicitam o reconhecimento da importância da identidade pessoal dos alunos, suas famílias, professores e outros profissionais e a identidade de cada unidade educacional nos vários contextos em que se situem; 5- Consideram a inclusão como direito das crianças com necessidades educacionais especiais; 6- São desenvolvidas com autonomia pelas instituições de Educação Infantil a partir das orientações legais. (BRASIL, 2006, p. 34) Na discussão desses parâmetros de qualidade ainda ressalva-se que a elaboração, a implementação, o acompanhamento e a avaliação das propostas pedagógicas devem seguir os princípios de participação, compromisso, contextualização, historicidade, unidade (na diversidade), intencionalidade, consistência, coerência, provisoriedade (dinamismo) e organização (BRASIL, 2006). Nesse contexto, a publicação do livro “Educação Infantil: fundamentos e métodos” de Zilma Ramos de Oliveira, sintetiza alguns elementos/orientações relativas aos processos de construção de propostas pedagógicas para esta etapa educativa, e se torna referência básica nos cursos de formação de professores. A autora esclarece que construir uma proposta pedagógica implica a opção por uma organização curricular que seja um elemento mediador fundamental da relação entre a realidade cotidiana da criança – as concepções, os valores e os desejos, as necessidades e os conflitos vividos em seu meio próximo – e a realidade social mais ampla, com outros conceitos, valores e visões de mundo. Envolve elaborar um discurso que potencialize mudanças, que oriente rotas. Em outras palavras, envolve concretizar um currículo para as crianças. (OLIVEIRA, 2005, p. 183). Em sua perspectiva, os currículos se constituam em projetos coletivos, cujo planejamento requer ouvir professores, crianças, pais e comunidade e inclui a organização de tempos, espaços, rotinas e atividades com experiências que se 174 articulem as vivências das crianças em outros contextos. Propõe um currículo que minimize o controle pelo adulto, que capte a complexidade da cultura infantil, que põe ênfase no processo de forma aberta e flexível. “Isso envolve nova concepção de currículo, entendido como trajetória de exploração partilhada de objetos de conhecimento de determinada cultura por meio de atividades diversificadas constantemente avaliadas” (OLIVEIRA, 2005, p. 185). Faria e Sales (2007, p. 32) sugerem que uma proposta deve contemplar a história da instituição e de sua proposta pedagógica, contexto sociocultural no qual a instituição se insere, concepções norteadoras do trabalho, finalidades e objetivos, organização e gestão do trabalho, que abrange: a) currículo; b) os tempos; c) espaços, equipamentos e materiais; d) as crianças; e) as metodologias de trabalho; f) os instrumentos de trabalho do professor; g) os profissionais e suas condições de trabalho; h) o trabalho com a comunidade e com a família; i) as formas de articulação da educação infantil com o ensino fundamental; j) as formas de gestão institucional. Nunes (2006) destaca alguns aspectos que devem ser considerados na elaboração e avaliação de propostas pedagógicas para educação infantil, entre estes, podemos destacar: a necessidade de engajamento coletivo de profissionais, crianças e famílias; a organização de um espaço que possibilite interações entre crianças, crianças e adultos e adultos entre si; o rompimento com rotinas de espera e incentivo à participação de crianças; a linguagem e a brincadeira como eixos centrais do trabalho pedagógico; o estabelecimento de um ambiente cultural rico de possibilidades, com a literatura infantil, música, desenho, teatro, entre outras; e especialmente a existência de tempos e espaços para estudo e formação continuada. Em nossos estudos, temos optado pelo termo Proposta Curricular (SOBRAL, 2008) para tratar de currículo na educação infantil, pois, como vimos, há uma variação de termos utilizados por diferentes autores. Entendemos que não diferença entre currículo, proposta pedagógica62, proposta curricular, projeto educacional pedagógico, projeto pedagógico curricular. Consideramos ainda, que o currículo ou proposta curricular não corresponde ao documento / texto que o orienta, mas numa perspectiva 62 Se proposta pedagógica estiver se referindo ao Projeto Político Pedagógico, assim como consta na DCNEI (BRASIL, 2010), compreendemos que se diferencia de currículo em termos de abrangência e organização do documento. O currículo/proposta curricular pode constituir ou ser citado no PPP, que é um documento relativo à gestão integrada da instituição, que estabelece objetivos, metas e ações a serem desenvolvidos num prazo determinado. 175 dialógica, se constitui na relação entre documento e prática. Os processos de desenvolvimento curricular se definem a partir de duas dimensões: A primeira refere-se ao produto desse processo de organização e envolve a definição de pressupostos e princípios expressos em um documento orientador. A segunda, vivida, sentida e partilhada, refere- se ao processo de organização coletiva que antecede a extrapola a formulação efetiva de qualquer documento e exige tomadas de decisão, rupturas, desequilíbrios e reequilíbrios, ou seja, construção, desconstrução e reconstrução permanentes. (RIBEIRO, 2004, p. 11). Ainda assim, é preciso um texto/documento que oriente a prática e seja elaborado e continuamente avaliado a partir da reflexão sobre ela. Ou seja, o texto alimenta-se da prática e a orienta. O currículo assume um caráter formativo das práticas e um documento de identidade daquele grupo, daquela instituição, daquelas crianças, daquelas práticas. Portanto, na escrita/organização de uma proposta curricular e/ou pedagógica para educação infantil, podemos considerar a importância de definir como um de seus tópicos a Função da educação infantil e os seus objetivos, cabe nesta discussão situar os marcos legais e teóricos que sustentam a prática vivida no espaço de educação infantil, como: o que entendemos por educação infantil? Qual as funções sócio política e pedagógica desta etapa educativa? Por que as crianças de 0 a 5 anos precisam frequentar instituições educativas? Com que objetivos? O que regulamentam as normatizações oficiais? Quais as possibilidades / condições de atendimento na rede e/ou instituição? Outra parte do documento-proposta deve conter a História da proposta e da instituição, pois “toda proposta tem uma história que precisa ser contada” (KRAMER, 1999). É preciso apresentar / descrever: quem são os profissionais que atuam na instituição e/ou rede? Como são admitidos / selecionados? Quais as características / história da comunidade educativa (pais, crianças, funcionários, professores, gestores...)? E a instituição – como foi fundada, como se estrutura e de que materiais dispõe? Tecendo assim, uma caracterização histórica, física, material e pessoal da instituição. No documento podemos trazer de forma clara, considerando os processos formativos e o diálogo com todos que fazem parte da instituição, os Fundamentos teóricos norteadores que sustentam as práticas e as decisões curriculares, 176 explicitando os modos de compreender as concepções de creche/pré-escola; criança/infância; educação e cultura; currículo/proposta curricular; conhecimentos / experiências; processos de aprendizagem e desenvolvimento; brincadeira; professor/educador, entre outros temas pertinentes às práticas desenvolvidas. Não podemos deixar de lembrar que as Definições relativas à Organização e Funcionamento da Instituição também devem ser escritas e organizadas no documento, como por exemplo: aspectos relacionados a gestão administrativa – conselhos/representações; as propostas de formação docente e planejamento (atuação da coordenação pedagógica e articulações entre profissionais e turnos); as relações com a família e comunidade (articulações com as políticas sociais do município e com órgãos de controle social); a avaliação institucional participativa; a organização das crianças e turmas (agrupamentos), dos horários (tempos institucionais) e do calendário de atividades letivas e dos processos de adaptação – transições família / creche / pré-escola / escola. E, finalmente, as orientações relativas de modo mais específico, a Organização do Trabalho Pedagógico. Cabe destacar que todos os tópicos aqui já sugeridos dizem respeito ao trabalho pedagógico desenvolvido com as crianças, mas é preciso definir também na proposta, os modos de organização / articulação de objetivos e conhecimentos/linguagens a serem ensinados – aprendidos nas experiências educativas; as orientações metodológicas - atividades e organização da rotina: organização do tempo (atividades permanentes, sequências de atividades, projetos de trabalho/pesquisa), organização de espaços (internos/externos) e materiais e as formas de participação das crianças e modos de interações criança- criança, criança-adulto; além de orientar os instrumentos de trabalho: planejamento (modalidades organizativas do trabalho pedagógico), observação, registros (documentação pedagógica), avaliação (processos e instrumentos). Nesta perspectiva, entendemos que a proposta pedagógica (mesmo que se constitua como Projeto Político Pedagógico), principalmente na educação infantil, precisa conter todos esses elementos. É o currículo materializado em texto/proposta. Observamos, no âmbito do Programa Currículo em Movimento63 (BRASIL, 2009a), Barbosa (2010) analisa os textos das propostas pedagógicas de instituições e redes de educação infantil que foram enviados pelos municípios brasileiros e 63 Apresentado no segundo capítulo. 177 destaca que muitas propostas apenas reproduziam o RCNEI (BRASIL, 1998), enquanto as DCNEI (BRASIL, 1999) eram citadas genericamente nos documentos. Menciona ainda que 44% dos currículos utilizam como referência o modelo das disciplinas do ensino fundamental, explicitadas mediante listas de conteúdos e respectivas atividades, criticando a antecipação da escolaridade. No texto intitulado “Práticas cotidianas na educação infantil – bases para reflexão sobre as orientações curriculares” (BARBOSA, 2009), a autora afirma não entender como a complexidade contida no cotidiano parece que “não cabe” nas formas consideradas como modo “científico” de produzir, registrar e organizar as práticas educacionais documentadas em propostas pedagógicas. Como resultado dessa compreensão, a autora aproxima-se dos estudos pós- estruturalistas do currículo, quando ao mesmo em que propõe um currículo compreendido como as intenções, as ações e as interações presentes no cotidiano, ressalta que um currículo não pode ser previamente definido, só pode ser narrado, pois acontece no tempo da ação, emerge do encontro entre famílias, crianças e docentes. Ainda assim, reconhece que A projeção e elaboração de um currículo é importante porque nos faz refletir e avaliar nossas escolhas e nossas concepções de educação, conhecimento, infância e criança, reorientando nossas opções. E essas são sempre históricas, sempre redutoras diante da imprevisibilidade que é viver no mundo. Isto é, o currículo diz respeito a acontecimentos cotidianos que não podem ser objetivamente determinados, podem apenas ser planejados tendo em vista sua abertura ao inesperado. (BARBOSA, 2009, p. 57). A autora analisa que as propostas e ações pedagógicas presentes na Educação Infantil ainda se configuram empobrecidas, pois desprovidas da complexidade da vida social que precisam envolver e explorar. O que observa, ao contrário, é a permanência de sentidos de currículo como listagem de objetivos e conteúdos em grades fixas, organizadas pelas áreas do conhecimento ou por supostas características de faixas etárias. A concepção que se apresenta, portanto, é de currículo como movimento, como acontecimento, ao mesmo tempo que intenção, previsão, ainda que sempre provisória e lacunar frente à vida vivida nas interações e nas situações das instituições. 178 De outra parte, marcando significativas diferenças conceituais, entre outras definições, os subsídios elaborados por Kramer (2009) apontam que as propostas pedagógicas das instituições de educação infantil devem respeitar o direito das crianças à apropriação e construção dos conhecimentos e a ampliação do universo cultural. As DCNEI (BRASIL, 2009g) retomam os princípios éticos, políticos e estéticos a serem respeitados na elaboração das propostas pedagógicas definidos na antiga resolução (BRASIL, 1999). A proposta pedagógica é considerada na DCNEI (BRASIL, 2010) como sinônimo de projeto político pedagógico, que se constitui como plano orientador das ações da instituição, no qual são definidas as metas que se pretende para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças atendidas. Um documento que deve ser elaborado num processo coletivo, com a participação da gestão, dos professores e de toda comunidade escolar. Nesta perspectiva, uma proposta pedagógica deve se constituir tanto por aspectos teóricos como metodológicos referentes às práticas cotidianas desenvolvidas com as crianças em instituições de educação infantil, sendo um instrumento que norteia e documenta o trabalho pedagógico de forma reflexiva e colaborativa. Analisando o Parecer (BRASIL, 2009f) que revisa as DCNEI e a Resolução (BRASIL, 2009g) que as institui formalmente identificamos ideias e proposições que são discutidas no Parecer e não são definidas na Resolução, o que implica em certas lacunas e prejuízos para a qualidade na educação de crianças pequenas em nosso país. Nesse sentido, podemos citar como lacunas na resolução, a não definição da proporção entre a quantidade de crianças atendidas e a quantidade de professores em cada turma, assim como a ausência de uma ênfase maior para a necessidade de considerar, no planejamento curricular, as especificidades e singularidades dos bebês e das crianças das demais faixas etárias, definidas no Parecer em consonância com as ideias de Barbosa (2009) e de Kramer (2009). A nosso ver, os bebês permanecem quase invisíveis nas orientações apresentadas na resolução (BRASIL, 2009g), assim como foi verificado por Barbosa (2010) na análise das propostas curriculares de municípios brasileiros. Consideramos que as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil – DCNEI orientam os processos de elaboração, desenvolvimento e avaliação de 179 propostas pedagógicas, na medida em que tratam dos diferentes aspectos que precisam constituir o documento. Podemos dialogar com as DCNEI para identificar aspectos relativos às concepções de infância, criança, educação infantil, currículo, proposta pedagógica, desenvolvimento, aprendizagem e brincadeira. Bem como, aspectos orientadores da prática curricular, como a organização de turmas, de calendário, da gestão, da organização da rotina (tempos, espaços e materiais), das experiências promotoras de aprendizagens de linguagens e conhecimentos, dos processos de transições, acolhidas e da avaliação. O documento destaca também, o atendimento à diversidade, às especificidades das crianças pequenas e bebês e a relação com a família. Todos esses elementos que estão contemplados nas Diretrizes, devem compor a proposta pedagógica de instituições de educação infantil. Precisamos estar atentas as mudanças de paradigmas relativas a função sócio, políticas e pedagógica da educação infantil em nosso país, bem como as concepções e práticas relativas à organização curricular para esta etapa educativa. O documento rompe com orientações oficiais anteriores, como o RCNEI, por exemplo, e propõe uma prática educativa que centraliza a criança e suas relações e interações cotidianas. No entanto, quando falamos em diálogo, entendemos que as DCNEI devem ser postas em discussão com os professores – sujeitos da prática, estes devem ter acesso aos fundamentos que sustentam as proposições deste documento. Antes de aprofundar a discussão acerca dos sentidos em torno do conhecimento, consideramos importante a análise dos sentidos sobre currículo, tanto no documento como nas vozes das professoras. Ou seja, a partir de que concepções de currículo são pensados e instituídos os conhecimentos que podem/precisam constituí-lo na educação infantil. 4.3.1 Sentidos sobre Currículo nas DCNEI [...] O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. (DCNEI/BRASIL, 2009g, p. 01). 180 Na análise do conceito de currículo proposto na DCNEI, identificamos uma concepção de currículo que extrapola perspectivas tradicionais e se ancora nas teorias críticas e/ou pós- estruturalistas. Pois, é definido como “conjunto de práticas” que se organizam considerando o contexto social do educando, seus saberes prévios e experiências e promove a ampliação destes, garantindo a apropriação de conhecimentos socialmente construídos. Deste modo, tanto podemos entender o currículo como pré-definido/pré- organizado e sistematizado com base nos sujeitos que atuam na prática e nas características da comunidade escolar, como também, o currículo como narrativa que emerge dessas proposições iniciais e se desenvolve de forma viva e transformadora em cada instituição. Dito de modo geral, as DCNEI (BRASIL, 2009g), definem uma perspectiva de currículo fundamentada nas orientações de Kramer (2009), na medida em que explicita no conceito a ênfase nos processos de ampliação de conhecimentos curriculares. Haja vista, a autora já definia “o currículo como conjunto de experiências culturais onde se articulam saberes da experiência, da prática, fruto das vivências das crianças e conhecimentos que fazem partem do patrimônio cultural, na perspectiva da formação humana” (KRAMER, 2009, pp. 23-24). No entanto, as DCNEI acrescentam ao patrimônio cultural, outros patrimônios, especificando-os, como forma de discriminar os diferentes âmbitos nos quais se produzem conhecimentos – significações culturais64. O documento define uma perspectiva de currículo enquanto ações em curso, conjunto de práticas vividas pelos sujeitos envolvidos na instituição, com uma intencionalidade explícita: a de propiciar o desenvolvimento integral das crianças, considerando uma articulação e, ao mesmo tempo, ampliação de experiências, saberes e conhecimentos próprios aos contextos culturais de vida das crianças com os conhecimentos e saberes que compõem o patrimônio cultural da sociedade. Aponta-se, portanto, a necessidade de as práticas pedagógicas serem organizadas de modo a propiciarem, efetivamente, avanços nas experiências e conhecimentos das crianças. Para que tal efetivação se concretize, o documento aponta a necessidade de que o trabalho seja estruturado em uma proposta pedagógica, definida como um 64 Retomamos essa análise no capítulo cinco. 181 [...] plano orientador das ações da instituição e define as metas que se pretende para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças que nela são educados e cuidados. É elaborada num processo coletivo, com a participação da direção, dos professores e da comunidade escolar. [...] com objetivo de garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças. (BRASIL, 2009g, p. 2). Desse modo, as DCNEI instituem que o conjunto de experiências em torno dos conhecimentos a serem desenvolvidos, e que, portanto, constituem o currículo, envolvendo todo o conjunto de decisões, relações e ações cotidianas no contexto das instituições educativas. E as definições do currículo – vivido e narrado, portanto, documentado – materializam-se em propostas pedagógicas ou projetos políticos pedagógicos, que constituem o plano orientador/norteador desse conjunto de ações, que precisa ser continuamente revisado e ampliado em diálogo com as práticas desenvolvidas. Na educação infantil, as propostas pedagógicas e o currículo, precisa garantir, simultaneamente, o acesso ao conhecimento e o direito à infância com suas especificidades e necessidades. 4.3.2 Sentidos de Currículo nas Vozes de Professoras Na análise de Moreira e Candau (2007) as diferentes ideias que são associadas a palavra currículo, derivam de modos históricos como a educação é concebida, assim como das influências teóricas que se tornam hegemônicas em um dado momento e/ou contexto. Diferentes fatores sócio-econômicos, políticos e culturais contribuem, assim, para que currículo venha a ser entendido como: (a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos; (b) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos; (c) os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais; (d) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino; (e) os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização. (MOREIRA; CANDAU, 2007, pp. 17-18). 182 Identificamos nas vozes das professoras que tais ideias acerca de currículo permeiam seus processos de significação e suas práticas curriculares descritas. Para fins de análise, organizamos dois campos de sentidos das professoras, uns referentes ao que constitui o currículo e outro referente aos modos de planejamento/definição do currículo em suas práticas. 4.3.2.1 Sentidos sobre o que constitui Currículo Na análise das vozes das professoras sobre currículo, identificamos alguns eixos de sentidos: o currículo como ferramenta/instrumento que norteia a prática; o currículo como conjunto de conteúdos/objetos do conhecimento; o currículo como metodologia/estratégia de ensino e aprendizagem; e currículo como conjunto de experiências e práticas que envolvem saberes prévios e ampliação de conhecimentos. O currículo como ferramenta/instrumento que norteia a prática As professoras conceituam currículo como instrumento que orienta a prática educativa, fonte de consulta para o planejamento e organização dessa prática. Como nos exemplos seguintes: É o conjunto de saberes [...] ligados à prática; que é uma ferramenta extremamente importante ‘pra’ o planejamento de nossa atuação, de nossos conteúdos, do nosso planejamento. (Professora Dalila, Primeira Sessão de Entrevista Individual) É...currículo, a definição pra Educação Infantil que eu penso [...] a organização da prática da escola, organização é... das áreas de conhecimento na educação infantil acho que engloba tudo isso. (Professora Maria, Primeira Sessão de Entrevista Individual) Eu acho que o currículo ‘tá’ voltado pro estabelecimento de padrão, de funcionamento no geral na Educação Infantil, tanto em relação ao meio, quanto em relação a aprendizagem das crianças. (Professora Ana, Primeira Sessão de Entrevista Individual). Observamos que os sentidos de currículo como instrumento orientador perpassam a ideia de currículo padrão – um texto normativo que regulamente e institua práticas “iguais”, um currículo definido para ser efetivado – como direção para 183 o funcionamento da educação infantil. Seria assim, indiscutível, para ser posto em prática. Um currículo prescritivo – que se contrapõe as perspectivas críticas e pós- críticas de pensar e problematizar as práticas curriculares. O currículo como conjunto de conteúdos/objetos do conhecimento Considerando também o currículo como instrumentalização para a prática, identificamos sentidos de currículo como programação de conteúdos. O currículo norteia a prática, na medida em que define quais conteúdos são necessários às crianças da educação infantil. Eu acho que é o que a gente vai trabalhar com a criança, os temas, realmente os conteúdos que vai selecionar ‘pra’ trabalhar com as crianças. (Professora Rute, Primeira Sessão de Entrevista Individual) Um conjunto de habilidades, de conhecimentos que a criança precisa ter ‘pra’ poder viver assim no mundo, na sociedade de forma coerente. (Professora Ester, Primeira Sessão de Entrevista Individual) Eu entendo que é um conjunto de objetivos com os conteúdos ‘né’? Por que é aquilo que vai orientar a nossa prática em sala de aula. (Professora Sara, Primeira Sessão de Entrevista Individual) Nas vozes transcritas, observamos a ideia de um currículo pensado e definido por outros, para os sujeitos da prática efetivarem junto às crianças em seus fazeres pedagógicos. Currículo como conjunto de objetivos/conteúdos predefinidos como necessários/importantes para a formação de sujeitos em uma dada sociedade. Tais saberes e conhecimentos, seriam por sua vez, incontestáveis. Na análise de Silva (2005) as teorias tradicionais do currículo tomam a resposta à questão “o quê?” como dada (predefinida) e se concentram no “como?” – nas questões técnicas de organização do conhecimento (inquestionável?). O currículo como metodologia/estratégia de ensino e aprendizagem Nas vozes das professoras Isabel e Eva, por exemplo, identificamos sentidos de currículo como definição de estratégias metodológicas – como ensinar crianças 184 pequenas. O currículo, desta perspectiva institui o quê ensinar e preocupa-se com as técnicas, a metodologia - aproxima-se, pois de uma tendência tecnicista de currículo. Eu vejo assim, como o currículo, a maneira, o método, a maneira que você usa pra você colocar é... os seus conhecimentos em prática. Os seus conhecimentos pedagógicos ‘né’? Em prática. (Professora Isabel, Primeira Sessão de Entrevista Individual). Bem, o currículo como eu estou estudando né, no curso de formação, a gente vê que é uma forma viva, é algo que tem que ser, não é estático. Tem que ser algo maleável, é, que envolva conhecimentos através do lúdico, porque esse eixo que existe na brincadeira ele tem que ser valorizado na educação infantil, criança aprende brincando e não a coisa parada, questão de conteúdos formais, trabalhados de forma tradicionais. (Professora Eva, Primeira Sessão de Entrevista Individual). Na voz da professora Eva, podemos observar, uma problematização acerca de conteúdos formais trabalhados de forma tradicionais. Há uma preocupação com as especificidades de um currículo para educação infantil, seu caráter lúdico e o papel/lugar da brincadeira que se apoia na “forma” – metodologia de trabalho. Em oposição ao currículo estático e conteúdos formais, a professora fala de uma forma viva, de trabalhar os conteúdos na brincadeira – em movimento, e não de forma parada – tradicional. O currículo como conjunto de experiências e práticas que envolvem saberes prévios e ampliação de conhecimentos A ideia de currículo construído a partir das práticas, das experiências das crianças, aparece na voz na professora Marta, que se aproxima das proposições de articulação e ampliação de conhecimentos e experiências propostas nas DCNEI. Currículo na Educação Infantil ‘pra’ mim inclui a questão das vivências, conhecimento prévio das crianças e aquilo que a gente consegue construir na sala a partir do conhecimento que eles trazem. Sobre a família, sobre o ambiente que eles vivem, sobre a questão da natureza, aí... disso aí que a gente parte ‘pra’ o conhecimento mais teórico que é dar significado aquele conhecimento que eles já trazem de casa e levar novos conhecimentos. (Professora Marta, Primeira Sessão de Entrevista Individual) 185 De um modo geral, observamos que a ideia de currículo como prescrição, pautada nas teorias tradicionais e tecnicistas de currículo, aparece nas vozes de todas as professoras entrevistadas. A questão central do currículo no âmbito das teorias críticas e pós-críticas, refere-se ao “por quê?” – Por quê esse conhecimento e não outro? Tais teorias “estão preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder”. (SILVA, 2005, p. 17). Nesta perspectiva, as professoras seriam sujeitos/autoras dos processos de construção curricular. No entanto, ainda observamos em suas vozes, um distanciamento dessa autoria, desse entendimento de currículo como práxis, como conjunto de práticas que articula experiências e amplia conhecimentos. O que nos remeteu para buscar entender “com base em que acontece o planejamento – a definição de conhecimentos”. 4.3.2.2 Sentidos sobre Modos de Planejamento/ Definição do Currículo Nas sessões de entrevistas com professoras consideramos importante contextualizar os processos de definição de conteúdos da prática pedagógica, ou seja, buscamos investigar se existem propostas pedagógicas documentadas nas instituições em que trabalham e com base em que se define o que vai ser trabalhado com as crianças. A análise dos dados construídos acerca dos modos de planejamento/definição do currículo é importante nesse trabalho, pois contextualiza um pouco o cotidiano pedagógico e os processos organizativos que envolvem, antecedem e norteiam o trabalho com as crianças, especialmente as decisões em torno do que ensinar. Nos fornece elementos para analisar e identificar aspectos da gênese dos processos que circundam/explicam seus sentidos acerca de objetos do conhecimento constitutivos de currículos para crianças de educação infantil. Quando indagamos às professoras acerca da existência de uma proposta pedagógica/PPP nas instituições educativas, identificamos que não existe um documento formalizado na instituição, e quando existe, não é utilizado no planejamento. Esse, muitas vezes, é realizado com a coordenação e/ou grupo de professores, e definido anualmente a partir de temas gerais. Buscamos levantar informações sobre o que era fonte de consulta das professoras quando planejavam, definiam o que iria ser trabalhado periodicamente com as crianças. Indagávamos, nas 186 entrevistas, acerca da utilização das DCNEI, mas o que apareceu fortemente como instrumento de consulta foi o RCNEI. Sistematizamos os dados construídos a partir de três campos de sentidos: a elaboração/existência do Projeto Político Pedagógico/Proposta Pedagógica; os tempos/modos de planejar/definir o currículo e os conhecimentos; os subsídios/fontes para o planejamento/construção curricular. A elaboração/existência do Projeto Político Pedagógico/Proposta Pedagógica Nos estudos de Veiga (2007) temos visto a necessidade de construção coletiva do projeto político pedagógico nas instituições educativas, como ferramenta de discussão e registro das ações educativas e compromisso sociopolítico com a formação de cidadãos. Desse modo, o projeto político-pedagógico tem a ver com a organização do trabalho pedagógico em dois níveis: como organização da escola como um todo e como organização da sala de aula, incluindo sua relação com o contexto social imediato, procurando preservar a visão de totalidade. Nesta caminhada será importante ressaltar que o projeto político-pedagógico busca a organização do trabalho pedagógico da escola na sua globalidade. (VEIGA, 2007, p. 14). As vozes das professoras deflagram a inexistência desse processo coletivo de construção e reflexão acerca das práticas educativas. O PPP não existe nas instituições nas quais as professoras atuam, e quando existe, não é consultado ou está em elaboração. No entanto, há um desconhecimento por parte delas, desse processo de elaboração e do conteúdo do documento. Como podemos observar nos seguintes trechos: Existe uma proposta documentada, mas que não está é sendo aplicada. Um documento engavetado! Um PPP que não está atualizado... E que até o final de agora, ‘né’, desse ano, não foi feita nenhuma ação para atualizá-lo. Então, ele existe, mas a maioria dos funcionários não tem conhecimento. E, como a gente sabe, que é um processo dinâmico, né, então, ele tem que ser viabilizado todo ano porque são crianças diferentes, professores diferentes, gestão diferente; e então ele não pode ficar como está. Na realidade, ele é um documento que existe, mas engavetado sem uso e sem vida. Eu não tenho (acesso ao mesmo). Eu tive acesso a ele ‘pra’ tentar reformulá-lo quando fui coordenadora daqui, supervisora; mas, a gestão inviabilizou essa ação, então, eu realmente não peguei pra estudá-lo, porque eu vi que não tinha 187 como fazer, então eu realmente não me interessei em pegá-lo. (Professora Eva, Primeira Sessão de Entrevista Individual) Não, não tem uma proposta finalizada, pois é algo que vai se construindo no trabalho dos CMEIs. Um dos CMEIS tem a proposta, porém nós não tivemos contato com essa proposta, eu não tive contato. As professoras que vieram de outra escola conhecem, mas nós que éramos da outra não conhecemos. (Professora Dalila, Primeira Sessão de Entrevista Individual) A proposta ainda não ‘tá’ pronta não, ‘tá’ em processo de construção, ‘aí’ todo ano muda de diretor sabe? Um começa ‘aí’ o outro entra e não continua, ‘aí’ quando o outro entra já começa a fazer de novo, nunca termina. (Professora Rute, Primeira Sessão de Entrevista Individual) A diretora diz que lá tem, mas eu mesma nunca tive contato não. [...]afinal de contas é uma coisa que nunca está acabada. Mas tem. Agora mesmo ela está sendo reformulada. (Professora Isabel, Primeira Sessão de Entrevista Individual) Observamos que os sentidos das professoras acerca da proposta pedagógica e/ou PPP remetem para a compreensão de um documento com caráter meramente burocrático, desconhecido e, portanto, dispensável na organização de suas práticas. Pois, não há assunção por parte delas para a necessária responsabilização de professores e comunidade escolar na elaboração do documento. Não são explicitadas preocupações e/ou ações das professoras em relação ao seu envolvimento na elaboração/desenvolvimento do texto-proposta. Percebemos nesse contexto, a necessidade de compreender como as professoras planejam – definem dia a dia o currículo experienciado na prática, considerando que não há uma proposta coletiva documentada. Os tempos/modos de planejar/definir o currículo e os conhecimentos A organização do currículo acontece por dois caminhos, aparentemente antagônicos, mas que aparecem como sentidos possíveis sobre os modos de planejar/definir o currículo pelas professoras pesquisadas. Há uma prática de definir inicialmente um tema geral para o ano de trabalho e temas específicos para as turmas agrupadas por idade para cada bimestre/trimestre. E, considerando essa definição geral, normalmente feita junto à coordenação e/ou direção da instituição, cada professora vai definindo subtemas e organizando os conteúdos por eixos de conhecimentos propostos no RCNEI, assim como, para as que atuam no município 188 de Natal, no Referencial Curricular Municipal de Educação Infantil – RCMEI, elaborado, por sua vez, em consonância com o RCNEI. [...] em cima desse RCNEI que a gente usa do MEC no último planejamento que a gente fez a gente analisou alguns objetivos e a gente assim reformulou esses objetivos é... pra o que fosse realmente necessário pra gente, que a gente tivesse buscando desenvolver aqui no berçário, porque a gente viu que alguns objetivos, acho que ele não, não contemplava os alunos aqui do berçário então a gente reformulou algumas coisas, tirou algumas palavras e colocou, mas em cima daquela proposta que tá ali no RCNEI. (Professora Sara, Primeira Sessão de Entrevista Individual) A gente tem uma hora e meia por semana que a gente se junta com a coordenação da escola pra planejar dentro dos eixos temáticos e o tema do projeto principal da escola.[...] Para o ano, a gente pode trabalhar também por trimestre. Fazer um projeto por trimestre, mas sempre derivado do tema principal, do projeto principal. [...] a gente tem o projeto anual que a gente faz todos os anos e o projeto é renovado, recebe novos planos, novos temas, mas sempre englobando a comunidade como um todo. (Professora Marta, Primeira Sessão de Entrevista Individual) Nós planejamos sob a orientação da coordenação, os trabalhos são ditos ou pensados em equipe e são adaptados para os níveis e dependendo da necessidade da criança a gente vai vendo e adaptando o projeto que é geral para a individualidade da turma. (Professora Eva, Primeira Sessão de Entrevista Individual) [...] quando a gente planejava, porque agora não tem mais o tempo ‘pra’ planejar. A gente usava o RCNEI. É o de Natal. [...] A gente planeja, é, dentro do RCNEI, a gente divide por trimestre, em cada área de conhecimento que vai ser trabalhado durante o ano. (Professora Maria, Primeira Sessão de Entrevista Individual) [...] eu organizo de acordo com o RCNEI, na escola que eu trabalho, nós trabalhamos com projeto de pesquisa então a gente escolhe um tema central e dentro dele nós, é..., vamos encaixando os eixos temáticos na medida do possível e se torna um projeto interdisciplinar. (Professora Dalila, Primeira Sessão de Entrevista Individual) [...] a gente, inclusive, recebeu agora recentemente o Projeto Para lá ‘pra’ cá, também trabalhamos um material do projeto Trilhas e do projeto Natura. [...] a gente ainda é muito cobrada principalmente pela coordenação das escolas pelo RCNEI. Elas querem que a gente estabeleça assim claramente cada eixo que está sendo trabalhado naquele momento, não interessa se você ‘tá’ trabalhando vários eixos ao mesmo tempo entendeu? Se você ‘tá’ trabalhando linguagem oral e escrita e também tá trabalhando a questão do faz de conta entendeu? Elas querem que você especifique hoje nesse momento você vai trabalhar o que? É a linguagem oral e escrita? É a linguagem matemática? É natureza e sociedade? Entendeu? Elas querem que a gente delimite, aí a gente sente assim uma dificuldade em delimitar porque muitas vezes a gente trabalha vários eixos em uma atividade só. (Professora Marta, Primeira Sessão de Entrevista Individual) 189 Observamos que as professoras mencionam o trabalho com projetos, bem como, a preocupação de definição de conteúdos/atividades organizados em horários/momentos para cada eixo/área de conhecimento. Os eixos/áreas de conhecimento as quais as professoras se referem são aqueles propostos no RCNEI. Mesmo não havendo um currículo documentado/materializado em proposta, há uma orientação curricular que regulamenta o trabalho de professoras de diferentes instituições. De um modo geral, podemos afirmar que há um distanciamento entre a organização curricular planejada – um tema coletivo para toda a instituição e as experiências e saberes das crianças. Muito embora, esse tema, seja definido tendo como base alguma referência da comunidade escolar. Mesmo quando as professoras mencionam o trabalho com a pesquisa, identificamos uma preocupação maior em “encaixar” os conteúdos previamente definidos por áreas “dentro” do tema65. Fomos observando que as DCNEI não eram mencionadas pelas professoras e fomos questionando acerca de quais são suas fontes para o planejamento – currículo em construção, em desenvolvimento. Os subsídios/fontes para o planejamento/construção curricular As professoras dizem sobre a utilização prioritária e exclusiva do RCNEI como instrumento de consulta nos planejamentos, pois o consideram um documento mais prescritivo e didático. Assim como verificado por Barbosa (2009; 2010), na análise das propostas pedagógicas em todo país. Observamos, no entanto, que o RCNEI é citado pelas professoras quando fazem alusão aos eixos de conhecimento que organizam o currículo e a rotina escolar: linguagem oral e escrita, matemática, movimento, artes visuais, música e natureza e sociedade. Todas as professoras fazem referência a esse documento, como nos exemplos que seguem: Eu gosto muito de trabalhar em cima dos PCN’S (a professora refere-se ao RCNEI). Na realidade, as diretrizes curriculares estou tomando conhecimento agora sobre esse documento, então eu me baseio muito nos PCN’S. (Professora Eva, Primeira Sessão de Entrevista Individual) 65 Retomamos essa análise no capítulo seis. 190 É mais através do RCMEI que chama de Natal, olha mais através dele e é baseado pelo RCNEI. (Professora Rute, Primeira Sessão de Entrevista Individual) [...] porque na escola a gente se baseia mais pelos RCMEI, pelo o de Natal que já vem bem separados por eixos, linguagem, linguagem oral e escrita, matemática, natureza e sociedade, as artes, músicas, movimentos. (Professora Rute, Segunda Sessão de Entrevista Individual) Eu me baseio muito no RCNEI, eu contemplo os eixos, eu procuro contemplar todos os eixos, inclusive eu programo os dias da semana é... respeitando um dos eixos né? Pra cada dia. (Professora Ester, Primeira Sessão de Entrevista Individual) Eu organizo a minha prática pedagógica primeiro através das teorias que eu estudei. Durante a graduação e também pelos documentos, que, que, agora me fugiu a palavra. Que orienta a Educação Infantil. Como os parâmetros, os PCN´S e também o RCNEI que é o mais importante, a gente trabalha muito mais com o RCNEI que é mais direcionado ‘pra’ Educação Infantil. (Professora Sara, Primeira Sessão de Entrevista Individual) Verificamos a ausência de estudos sobre as DCNEI, apesar de sua distribuição nas instituições educativas. É um documento, conforme já explicamos no capítulo dois, pouco utilizado e pouco conhecido pelas professoras. Os sentidos construídos pelas professoras acerca das DCNEI relacionam-se ao seu caráter mais abrangente e menos didático que o RCNEI. Como podemos ilustrar nas seguintes transcrições: Na verdade eu vim ter conhecimento desse documento, mais, através de você. Na verdade, a gente peca muito, em não conhecer esses documentos, em não se aprofundar nessas documentações, e realmente ter esse olhar crítico, talvez assim, pelo cansaço do dia a dia, não sei. Eu acho ótimo você está fazendo esse trabalho, porque vem a esclarecer o que tem nesse documento, ‘pra’ gente analisar melhor, compreender e até nortear melhor a nossa prática. Ou as vezes, até para nos acostumarmos, com esses documentos. Tanto esse, como... Nós utilizamos mais o RCNEI, e a gente acaba por se acostumar mais, a utilizar, na nossa prática do planejamento. (Professora Sara, Segunda Sessão de Entrevista Individual) [...] Sinceramente, as diretrizes como eu disse é um documento que apesar de já está sendo estudado, é um documento que eu não tenho muito domínio. [...] As diretrizes eles não deixam claro o que eles precisam; eu acredito, que elas não deixam claro; tenho que aprender mais sobre as diretrizes, reconstruir meu saber; mas, eu acredito que elas não deixam claro até pelas discussões que nós tivemos em grupo e algumas pessoas falaram algo que faz com que a gente pense sobre isso, eles não deixam claro o que que a criança deve aprender. (Professora Eva, Segunda Sessão de Entrevista Individual) 191 [...] porque seguir, seguir realmente as diretrizes, ainda há um caminho muito longo que a gente ainda tem que percorrer, mas, assim, eu acho que ainda indiretamente, ainda segue algumas coisas, mas ainda precisamos caminhar muito. Porque, a gente ainda é muito acostumado..., sei lá, não sei explicar não. É.... você professor quando vai planejar, já ‘tá’ “taxado” (definido) todos os conteúdos, já separar pelo RCNEI. (Professora Maria, Segunda Sessão de Entrevista Individual) No capítulo seis tratamos de analisar alguns sentidos possíveis às professoras acerca de conhecimento a partir de leituras feitas das DCNEI. Apesar de não utilizar ou não ter um conhecimento aprofundado acerca do documento, elas conseguem estabelecer algumas relações entre suas proposições e as práticas desenvolvidas. Ora, de modo mais distanciado, ou mesmo antagônico, ora de modo mais aproximado – contribuições que saltam da leitura. Organizamos os dois capítulos que seguem, com as análises acerca de sentidos de conhecimento. No primeiro trazemos os sentidos de conhecimento no contexto das DCNEI, e no segundo, os sentidos das professoras. Para tanto, buscamos identificar suas raízes nos diferentes modos históricos como vem se instituindo os conhecimentos de currículos na educação infantil – nas abordagens curriculares e teóricas que fundamentam as políticas e as práticas educacionais. 192 5 EDUCAÇÃO INFANTIL, CULTURA E CONHECIMENTO: ENTRE SENTIDOS Isto porque a gente foi criada em lugar onde não tinha brinquedo fabricado. Isto porque a gente havia que fabricar os nossos brinquedos: eram boizinhos de osso, bolas de meia, automóveis de lata. Também a gente fazia de conta que sapo é boi de cela e viajava de sapo. Outra era ouvir nas conchas as origens do mundo. (Manoel de Barros, 2003). Porque, como diz o poeta, brincando com a natureza, aprendemos sobre ela. Porque podemos dirigir automóveis, viajar e entender todas as coisas do mundo enquanto estamos brincando. Brincadeiras, linguagens, experiências, interações, conhecimentos, saberes, práticas sociais, eixos curriculares, crianças, planejamento, espaços, cotidiano, currículo, vida – Educação Infantil. O que propõem as Diretrizes Curriculares Nacionais para essa etapa educativa acerca de quais conhecimentos podem/precisam constituir os currículos? Nesse capítulo, analisamos sentidos em torno do conhecimento nas diretrizes curriculares nacionais, dialogando com outros textos publicados no contexto de revisão e aprovação da referida Resolução, considerando a apresentação feita no segundo capítulo, quando também apresentamos nossas considerações acerca dos processos de significação que permeiam os processos de produção das DCNEI, buscando contextualizar e entender os discursos negociados e legitimados como oficiais. Partindo das discussões que desenvolvemos no capítulo anterior, ampliamos nosso olhar, nessa parte do texto, acerca do conhecimento que constitui o currículo para a educação infantil. Consideramos importante delinear como vêm se definindo historicamente, em diferentes contextos, os currículos e os conhecimentos que os constituem, para fomentar nossa análise das DCNEI. Pois, mesmo fazendo um recorte para análise, não poderíamos compreender as atuais políticas curriculares, sem situá- las historicamente, compreendendo os contextos nos quais foram produzidas. Sendo assim, situamos as discussões em torno de conhecimentos nas propostas pedagógicas e políticas curriculares nacionais, e por fim, tecemos nossas análises acerca dos sentidos que compõem as DCNEI. Analisamos, ainda que 193 brevemente, alguns desdobramentos das DCNEI em documentos atuais acerca de conhecimento e currículo na educação infantil. 5.1 PROPOSTAS PEDAGÓGICAS E POLÍTICAS CURRICULARES NACIONAIS: CONTEXTOS DE (IN)DEFINIÇÕES Conforme a trajetória da educação infantil no Brasil, delineada no terceiro capítulo, vimos que os processos de institucionalização foram se dando de forma dicotômica, em meio a debates e embates acerca de sua função educativa. Retomamos aqui, na perspectiva de delinear, o diálogo e as tensões em torno dos conhecimentos que devem constituir os currículos de educação infantil em nosso país, situando as principais abordagens teóricas, propostas de referência e proposições dos documentos oficializados em políticas curriculares nacionais. Observamos que os fundamentos dos precursores citados no capítulo anterior orientam as propostas e práticas pedagógicas de educação infantil em nosso país, desde as primeiras instituições fundadas. Como por exemplo, a Escola Normal Caetano de Campos em São Paulo, sobre a qual o historiador Kuhlmam Jr. (1998) descreve em detalhes os rituais cotidianos embalados por canções (canto para as filas, para as refeições, saudações aos visitantes, canto de despedida), os exercícios de linguagem, as atividades físicas, o recreio, passeios e excursões, a ginástica, os brinquedos e jogos organizados e os vinte dons inspirados na pedagogia froebeliana. Citamos ainda, a pesquisa de Silva (2005) que analisa uma experiência em Mato Grosso nos anos 1970 com o projeto Casa-Escola Infantil do Bom Senso que adotou a metodologia montessoriana. No entanto, naquele contexto, os projetos de educação infantil pública vão se constituindo numa perspectiva mais compensatória. Entre os estudos que delineiam as formas de organização e sistematização de um currículo para educação infantil, identificamos a partir da análise de Junqueira Filho (2004) que por volta dos anos 1970, quando a educação infantil tinha como função social definida legalmente apenas o cuidado de crianças, não era considerada escola com função educativa, o currículo era organizado por atividades. Conforme reforçado nas palavras de Marinho (1978, p. 95 apud JUNQUEIRA FILHO, 2004, p.107): 194 A Lei 5.692/71 e o Parecer 853/71 CFE substituem o currículo de matérias da escola tradicional, pelo núcleo comum, apresentado em vivências, atividades, áreas de estudo e disciplinas. Não se trata do ensino de matérias pelas matérias em si, em nível de 1º ou 2º Grau. A lei liberta a escola da obrigação de seguir programas rígidos impostos e fiscalizados pela autoridade superior. Todos os aspectos do currículo deverão assegurar a unidade da educação em todas as fases do desenvolvimento do educando e de sua integração na comunidade. O núcleo comum integrado em vida deve reunir a teoria à prática em projetos com os de culinária, horticultura, artesanato, marcenaria, que proporcionam não só habilidades e técnicas de trabalho, como ampla oportunidade de aquisição de conhecimentos. Sendo assim, ele chama atenção na proposta da autora para o uso da expressão vivências, anterior às atividades. Na proposta de Marinho O currículo por atividades no jardim da infância e na escola de 1º grau é assim descrito: O currículo do Jardim da Infância consiste de vivências e não de aulas a serem ministradas e repetidas. Em situações naturais de vida semelhantes ao ambiente familiar deverá o currículo abranger: - a saúde; - a vida social; - o prazer da música; - o trabalho criador das artes plásticas; - convívio com a natureza e o mundo variado das coisas; - a observação e o comentário espontâneo da experiência; - a fantasia no reino encantado das histórias; - a formação de hábitos indispensáveis à vida; - a comunicação da linguagem oral relacionada a situações e conhecimentos de vida. A escola de 1º Grau acrescenta aos aspectos acima enumerados os recursos da leitura e da escrita. (MARINHO, 1978, p. 92 apud JUNQUEIRA FILHO, 2004, p. 107) Sobre essa experiência, Junqueira filho (2004, p. 109) observa que naquela época, “as vivências e atividades se apresentavam como algo diferente e antagônico de conteúdos”. O autor considera que, atualmente, “devido aos estudos relativos à questão dos conteúdos programáticos em educação, elas podem ser consideradas como conteúdo sem nenhum problema ou preconceito”. A concepção de pré-escola como “jardim de infância” que se apresenta na proposta analisada, teria sido inaugurada com o movimento da Escola Nova, cujos princípios básicos, são, segundo Kramer (2005, p. 28): “a valorização dos interesses e necessidades da criança; a defesa da ideia do desenvolvimento natural; a ênfase no caráter lúdico das atividades infantis; a crítica à escola tradicional, porque os 195 objetivos desta estão calcados na aquisição de conteúdos; e a consequente prioridade dada pelos escolanovistas ao processo de aprendizagem”. Desse modo, o currículo que deriva desses princípios tem sempre como centro as atividades e teria sua origem na Europa, com Froebel e os primeiros jardins de infância, passando por Decroly e sua proposta de organização das atividades escolares em “centros de interesses”, até Montessori e sua preocupação com uma “pedagogia científica” e um “método pedagógico” capazes de orientar eficientemente a ação escolar. A experiência da Escola da Vila em São Paulo, instituição privada conhecida através da publicação da obra “A paixão de conhecer o mundo” de Madalena Freire (200766) e dos Cadernos da Escola da Vila (1995) é considerada referência importante para pensarmos nas especificidades de currículos e conhecimentos para a educação infantil. Nos relatórios reflexivos de sua prática pedagógica, Freire (2007, p. 50) já afirmava que “a busca do conhecimento não é, para as crianças, preparação para nada, e sim vida aqui e agora”. No entanto, nesse mesmo período, coexistiam – como ainda hoje – práticas curriculares de educação infantil visando a preparação de crianças para o ensino fundamental, priorizando os “exercícios de prontidão para a alfabetização”, práticas veiculadas nos programas de educação compensatória instaurados, principalmente a partir dos anos 1970, conforme apontamos no segundo capítulo, como o MOBRAL e Programa Pré-escola para Todos. Essa perspectiva compensatória-preparatória da educação infantil, com conteúdos tais como coordenação motora fina e grossa, reprodução de letras e números e noções espaço-temporais, trabalhados através de atividades sem relação com as experiências reais das crianças foi se consolidando em diferentes âmbitos desse atendimento, seja em propostas de instituições da rede privada, com a adoção de materiais didáticos estruturados, como livros e cartilhas, seja em instituições da rede pública, com práticas e materiais semelhantes. No contexto de discussão da nova Constituinte de 1988, citamos os estudos como os de Souza (1988), Kramer (1988) e Abramovay e Kramer (1987) em que discutem, a partir da definição de uma função pedagógica para a educação infantil, orientações práticas envolvendo objetivos e atividades e se inserem no debate acerca do que constitui conhecimento e currículo para a pré-escola, assim como o de Assis 66 Primeira Edição em 1983. 196 (1987) que discute princípios para elaboração de propostas curriculares para a educação pré-escolar enfatizando a necessidade de se pensar, a partir da concepção acerca da função da escola para crianças, o que, para que e como elas aprendem. Souza (1988) problematiza as diferentes concepções de aprendizagem e de organização do trabalho pedagógico que permeiam as relações entre pais, professores e comunidade. Na sua análise as formas dicotômicas como as atividades da pré-escola se apresentam são decorrentes da falta de clareza entre professores e pais acerca do que constitui a função educativa e de como ocorre à aprendizagem. Se, para os pais, aprender significa assimilar conhecimentos específicos de maneira rígida e controlada, suas expectativas e concepções não aceitam currículos centrados nas necessidades, possibilidades e interesses da criança, que tenham a brincadeira como eixo da prática pedagógica. A coexistência, numa mesma comunidade, de pré-escolas com objetivos diferentes contribui para construir ainda mais as expectativas das famílias: ora a pré-escola se apresenta como dando ênfase a uma aprendizagem ao mesmo tempo generalizadora e espontânea, ora dando ênfase a um adestramento precoce da criança no que concerne ao aprendizado da leitura e escrita. [...] No entanto, se nem os educadores de uma maneira geral definem com precisão, para si mesmos, os limites de atuação do trabalho pedagógico na pré-escola, como esperar que as famílias compreendam e aceitem sem desconfiança o que a pré-escola oferece? (SOUZA, 1988, p. 18). Ao discutir modos de definir conhecimentos – objetos/objetivos de aprendizagem das crianças – bem como modos de organizar o currículo e o trabalho pedagógico rompendo com dicotomias em relação à função social da educação infantil e assumindo uma função eminentemente pedagógica, Kramer (1988) destaca que o currículo da pré-escola precisa articular: (i) a realidade sociocultural da criança, considerando os conhecimentos que ela já tem (se se considera a criança como um ser social que apreende e aprende os valores, a linguagem, o saber, enfim, do meio em que vive); (ii) seu desenvolvimento e as características próprias do momento que está vivendo (se se consideram as teorias do desenvolvimento infantil e os estudos de caráter cognitivo, psicomotor, linguístico e socioafetivo); e (iii) os conhecimentos do mundo físico e social (se se considera importante, 197 do ponto de vista político, articular a pré-escola com a escola de 1º grau). (KRAMER, 1988, pp. 54-55). Para a autora, o trabalho pedagógico que se fundamenta e se desenvolve considerando tais articulações na constituição do currículo, possibilita que a criança vá se desenvolvendo na medida em que conhece o mundo, favorecendo necessariamente: o desenvolvimento da linguagem e demais formas de expressão, bem como a construção, pela criança, da leitura/escrita; o pensamento lógico-matemático e a construção das relações matemáticas básicas (espaciais, de classificação e seriação etc.); as experiências com os objetos e a aquisição das noções relativas ao mundo físico (cor, espessura, tamanho, e tantas mais; além de animais, vegetais etc.); a maior exploração da sua realidade sociocultural e as diferenças e semelhanças que têm com o mundo social mais amplo em que está inserida (habitações, família, profissões, transporte, rua, favela, o campo e a cidade etc.). (KRAMER, 1988, p. 55). De modo mais estruturado, os estudos de Amorim (1986), Machado (1991), Deheinzelin (2003) e Kramer (2005), publicados desde o final da década de 1980, defendem um caráter pedagógico da educação infantil e propõem alternativas para sua organização curricular. Tais estudos se colocam, naquele contexto, como oposição e enfrentamento às práticas de educação compensatória e assistencialista disseminadas pelas políticas nacionais, e por outro lado, são criticados por instituir currículos prontos e “conteudistas” para crianças pequenas. Em sua obra Atirei o pau no gato – a pré-escola em serviço, Amorim (1986, p. 13) definia que a “educação pré-escolar se ocupa precisamente de atualizar as experiências e conhecimentos que a criança, na faixa de dois e seis anos de idade, constrói em seu cotidiano. Atualizá-los e desdobrá-los para que se construam as primeiras relações com o conhecimento especializado”. Nessa proposta, seriam trabalhadas as relações de linguagem – oral, escrita, dança, música, teatro, desenho e outras artes; as relações lógicas – as classificações, as seriações e o conceito de número, entre outros; as relações espaço-temporais e a psicomotricidade – as referências adotadas para conceber e quantificar o tempo, as ordenações espaciais, 198 as formas e sentidos , a coordenação motora fina e a construção do esquema corporal; as relações sócio-afetivas – vínculos afetivos e suas formas de convivência social. Na sua obra A fome com a vontade de comer – uma proposta curricular de educação infantil, Deheinzelin (2003) agrupa os conteúdos em quatro grandes áreas: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências e Arte, para as quais especifica blocos de conteúdos: Língua Portuguesa – Literatura e Lingüística; Matemática – Aritmética e Geometria; Arte – Música, dança, teatro, desenho, pintura, escultura; Ciências – Ciências físicas, biológicas e sociais. Para cada bloco ela define os conteúdos específicos, a título de exemplo, apresentaremos os de aritmética: “as contagens, relações entre quantidades, operações elementares entre quantidades: adição, subtração, multiplicação e divisão, e os registros destas quantidades e operações...” (Ibid, p. 97). Na publicação coordenada por Kramer (2005) – Com a pré-escola nas mãos – uma alternativa curricular para a educação infantil, são apresentados temas geradores (o homem e suas diferenças, trabalho, família, cidade e campo) e é proposto uma organização dos conteúdos por áreas de conhecimento: Conhecimento linguístico (linguagem oral, grafismo e linguagem escrita, expressão plástica, expressão sonora e corporal), Matemática (classes, séries, noções de número, noções espaciais, topológicas e geométricas), Ciências Naturais (ser humano, animais, vegetais, astros, força e movimento, calor, luz, som, água, ar e materiais), Ciências Sociais (a criança e a família, a criança e a escola, a criança e o contexto social mais amplo). Para cada bloco temático apontados nas grandes áreas, são propostos conteúdos específicos, por exemplo, no bloco “vegetais” devem ser estudados: - Conhecimento dos vegetais (partes do vegetal e funções); - Constatação das necessidades dos vegetais (água, ar, terra, luz) através da observação e realização de experiências; - Conhecimento das diversas fases do desenvolvimento do vegetal. (Ibid, p. 66) No texto, é orientado que para cada tema gerador sejam selecionados os conteúdos das diferentes áreas possíveis de serem trabalhados de forma contextualizada. Provavelmente, tais estudos tiveram impacto nas práticas curriculares e pesquisas que se delineavam naquele contexto. A pesquisa desenvolvida por Silva (2003) analisou profundamente essas abordagens 199 considerando,entre outras questões, por que a definição de um currículo aflora na década de 1980 e mobiliza políticas específicas para a área. Citamos ainda, um projeto de educação por multimeios produzido mediante convênio entre a Fundação Roberto Marinho e o Ministério da Educação – MEC, para capacitação de professores da pré-escola. O material impresso em dois volumes – Professor da Pré-escola I e II, produzido pelas professoras Monique Deheinzelin e Zélia Vitória Cavalcanti Lima (BRASIL, 1992), apresenta elementos que visam subsidiar a organização da prática pedagógica na educação infantil, destacando, de modo semelhante aos estudos teóricos citados anteriormente, eixos de conhecimentos e orientações didáticas, como música e dança, expressão artística, ciências, jogos e brincadeiras, aritmética, entre outros. O currículo orientado por eixos de conhecimentos permanece fortemente nas políticas curriculares da década de 1990, sendo alvo de críticas e debates a partir de estudos que se propõem a repensar essa lógica considerada “escolarizante” e afirmar modos de organização curricular que têm a brincadeira como centro das interações. Cabe o desafio de analisar as principais proposições teóricas e oficiais, considerando os enfrentamentos, contradições e interrogações que permeiam esse diálogo. No documento que apresenta a Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 1994a), identificamos proposições acerca dos conhecimentos a serem propiciados as crianças pequenas, nos três objetivos integrados definidos para essa etapa educativa: (1) favorecer o desenvolvimento infantil, nos aspectos físico, motor, emocional, intelectual e social; (2) promover a ampliação das experiências e dos conhecimentos infantis, estimulando o interesse da criança pequena pelo processo de transformação da natureza e pela dinâmica da vida social, e, (3) contribuir para que sua interação e convivência na sociedade seja produtiva e marcada pelos valores de solidariedade, liberdade, cooperação e respeito. (BRASIL, 1994a, p. 16) Entre as diretrizes que devem nortear propostas pedagógicas para educação infantil, o referido documento, orienta ações pedagógicas envolvendo o desenvolvimento e construção do conhecimento pela criança na interação com o adulto e com outras crianças em oportunidades que: desafiem o raciocínio e permitam descobrir e elaborar hipóteses; possibilitem o enfrentamento de problemas e a exploração do meio ambiente, físico e social; incorporem a diversidade de expressões 200 culturais; deem espaço para o brincar e valorizem o trabalho cooperativo, considerando os ritmos e particulares de cada criança. Consideramos que o documento “Critérios para um atendimento em creches que respeitem os direitos fundamentais das crianças” (BRASIL, 1995) define critérios e condições fundamentais para se pensar em currículo e conhecimento para a educação infantil. De acordo com o texto, a creche respeita a criança na medida em que atende aos seus direitos fundamentais, tais como: à brincadeira, à atenção individual, a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante, ao contato com a natureza, à higiene e à saúde, a uma alimentação sadia, a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão, ao movimento em espaços amplos, à proteção, ao afeto e à amizade, a expressar seus sentimentos, a uma especial atenção durante o período de adaptação à creche e a desenvolver sua identidade cultural, racial e religiosa. Entre os critérios para políticas e programas de creche, destacamos o que se refere ao reconhecimento de que as crianças têm direito a ampliar seus conhecimentos. Para tanto, o documento pontua que deve ser possibilitado que as crianças tenham acesso à produção cultural da humanidade através de meios adequados para promover seu desenvolvimento de forma integral, sem submetê-las a um modelo escolar rígido. Sendo assim, considera que os brinquedos, materiais e livros são instrumentos importantes nesse processo. No documento intitulado “Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil” (BRASIL, 1996), as autoras consultoras destacam entre os elementos que precisam constituir o currículo / proposta pedagógica para educação infantil, a definição de conteúdos – objetos de conhecimento que as crianças devem aprender na educação infantil. No texto “Educação Infantil e Propostas Pedagógicas”, publicado no documento “Subsídios para credenciamento e funcionamento de instituições de educação infantil” (BRASIL, 1998a), Assis (1998) já apresenta subsídios para a discussão em curso acerca da definição de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e aponta duas tendências polêmicas referentes aos propósitos dos programas de educação infantil: a. ênfase nos aspectos do desenvolvimento da criança, reduzindo suas oportunidades e experiências ao processo de “socialização” 201 e especialização de aptidões em “hábitos e habilidades psicomotoras”, principalmente; b. ênfase numa visão de treinamento, mais “escolarizada” de preparação para uma suposta e equivocada “prontidão para alfabetização e o cálculo”, em especial. (ASSIS, 1998, p. 70). Frente a esse cenário, a autora propõe que as propostas pedagógicas das instituições possibilitem o acesso a conhecimentos, valores e modos de vida verdadeiramente cidadãos, num contexto em que cuidados e educação se articulem de forma prazerosa, envolvendo a ludicidade, as brincadeiras espontâneas, os jogos, as danças e cantos, as múltiplas formas de linguagem, criação e movimento e as relações afetivas. Em seu texto, no mesmo documento, Oliveira (1998) propõe que os ambientes educativos possibilitem a exploração do lúdico e o engajamento das crianças em atividades culturais, valorizem as experiências cotidianas através de diálogos e trocas afetivas e combatam uma pedagogia centrada no professor, dando oportunidades de participação da criança reconhecida como interlocutora inteligente que constrói significados em situações estimulantes. Sugere o trabalho com as linguagens verbais, dramáticas e plásticas desde cedo com as crianças, envolvendo a organização para as crianças e com elas, de variadas atividades culturais, com diferentes materiais e em espaços físicos e rotinas que possibilitem a imersão no mundo da cultura e a construção coletiva de um patrimônio de conhecimentos. Nesse mesmo sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1999, p. 01) ao orientarem a necessidade de integração e diálogo entre as diversas “áreas de conhecimento e aspectos da vida cidadã” para contribuir com o acesso das crianças aos “conteúdos básicos para a constituição de conhecimentos e valores”, definem que os conhecimentos sobre espaço, tempo, comunicação, expressão, a natureza e as pessoas devem estar articulados com os cuidados e a educação para a saúde, a sexualidade, a vida familiar e social, o meio ambiente, a cultura, as linguagens, o trabalho, o lazer, a ciência e a tecnologia. Já os objetivos definidos no RCNEI (BRASIL, 1998) explicitam intenções educativas e estabelecem capacidades que as crianças poderão desenvolver como consequência de ações intencionais do professor. Agrupados por faixa etária (0 a 3 anos e 4 a 6 anos), são definidos conteúdos específicos (na forma de capacidades/ procedimentos) de cada área de conhecimento, organizados por blocos: identidade e 202 autonomia, movimento (expressividade, equilíbrio e coordenação), música (o fazer musical, apreciação musical), artes visuais (o fazer artístico, apreciação em artes visuais), linguagem oral e escrita (falar e escutar, práticas de leitura, práticas de escrita), natureza e sociedade (organização dos grupos e seu modo de ser, viver e trabalhar, os lugares e suas paisagens, objetos e processos de transformação, os seres vivos, os fenômenos da natureza), matemática (números e sistema de numeração, grandezas e medidas, espaço e forma). Identificamos algumas pesquisas e publicações da área67 que apresentam análises que se contrapõem em relação aos conhecimentos instituídos pelo RCNEI (BRASIL, 1998). Arce (2007) faz críticas ao modo desestruturado e espontaneísta como o currículo se apresenta nesse documento, enquanto Barricelli (2007), considera que o documento coopera ainda mais com a falta de clareza nos conteúdos voltados para a criança na educação infantil. Já Bujes (2001) denuncia que a concepção de conhecimento como patrimônio cultural e científico universal, desqualifica as outras ordens de saberes que não estão contempladas no documento, e critica ainda, o modo como esses conhecimentos estão organizados numa ordem e disposição disciplinar e prescritiva. Já Faria (1999) critica a tendência na valorização do “conteúdo” ensinado na pré-escola e não nos conhecimentos criados pelas crianças e/ou pelos educadores. Segundo ela, apesar de um discurso que respeita as diferenças de idade, sexo, etnia, classe e cultura, este respeito não é em relação ao conhecimento produzido pelas próprias crianças, pela cultura infantil, mas refere-se sempre ao como ensinar o conhecimento já produzido. A pesquisadora se opõe aos termos “aluno”, “escola” e “conteúdo”, e justifica: Não ser aluno, e/ou fazer atividades diferentes das escolares, não significa deixar de lado o desenvolvimento cognitivo das crianças, assim como não significa despreocupar-se com o “conteúdo” que será trabalhado com elas (mas, também, não há necessidade de ter-se um currículo por disciplinas...). Para corresponder a uma real melhoria na qualidade de vida, no concerne a uma pré-escola, significa garantir formas de expressão além da expressão verbal e do pensamento científico enfatizadas pela escola, significa garantir o lúdico – enquanto 67 Citamos na introdução deste trabalho as pesquisas de Mello (1999), Bujes (2001), Silva (2003), Barricelli (2007), Starffen (2007) e Leal (2008) que analisam questões relativas à currículo. Além de pesquisas que investigam questões referentes as políticas nacionais, e analisam o RCNEI, como Molina (2004), Almeida (2004), Nascimento (2005) e Sommerhalder (2010). 203 diversão, atividade pelo prazer, geralmente negligenciados pelas instituições de ensino e educação (FARIA, 1999, p. 207). Nesse sentido, Faria (1998) ressalta que para o adulto-professor ser capaz de proporcionar esses processos de reconstrução pela criança do conhecimento já produzido, bem como de criação coletiva da cultura infantil através da imaginação, ele precisa ter conhecimento teórico sobre o brinquedo e o brincar, e muita paciência e disciplina para observar, sem interferir em determinadas atividades infantis, oportunizando assim o surgimento do inesperado e a construção de outros conhecimentos. A tese de Rocha (1999) com o objetivo de definir elementos de consolidação de uma pedagogia para a educação infantil, procura tratar de conhecimento na educação das crianças pequenas como uma dimensão vinculada aos processos gerais de constituição da criança: a expressão, o afeto, a sexualidade, a socialização, o brincar, a linguagem, o movimento, a fantasia, o imaginário, entre outras linguagens. Utiliza o referencial de abordagem de Reggio Emilia (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999) como fundamento principal de suas ideias e proposições. Da perspectiva dessa pesquisadora, não é objetivo da educação infantil ensinar “conteúdos”. Porém, reconhece que permanece um problema suscetível de debates nessa etapa educativa, relativo aos conhecimentos específicos que precisam compor a formação dos professores de creche e pré-escola, considerando os diferentes aspectos, saberes e experiências exigidos pela criança. Mas, esse debate se dá de forma descontínua, envolve estudos e pesquisas que coexistem com perspectivas diferentes de pensar os conteúdos de currículos para crianças pequenas, ou seja, a discussão acerca da presença ou não de conteúdos na educação infantil, varia de grupo para grupo de pesquisa, o que podemos perceber notadamente nos eventos científicos e nas publicações da área. Identificamos, por exemplo, nos módulos68 do PROINFANTIL (BRASIL, 2005), especificamente, nos módulos 2 e 4 da coleção que contemplam as interações, linguagens e brincadeiras e os conhecimentos/linguagens enquanto aspectos constitutivos do currículo, uma justificativa, para o fato de que as áreas de 68 Publicados em parceria com professores das Universidades Federais, para compor os materiais didáticos de um curso de formação de professores em nível médio na modalidade normal, consolidando assim, uma das ações implementadas da Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 2005), conforme apresentamos no capítulo três. 204 conhecimento (língua portuguesa, matemática, ciências naturais e sociais) só serem tratadas no último módulo, para enfatizar a centralidade na infância e na criança – nas suas interações, práticas culturais e manifestações artísticas – e não somente no ‘conhecimento’. E o que constitui conhecimento na/para educação infantil? Se não são os objetos aprendidos-ensinados nas práticas culturais, nas interações, nas brincadeiras e também – por que não? – nas manifestações artísticas. Porque as interações, experiências, brincadeiras, linguagens, práticas culturais são tratadas à parte – separadas do que convencionaram chamar de eixos de conhecimentos? O texto enfatiza que a formação cultural e a dimensão artística continuam sendo primordiais, mas que as crianças têm direito, também, aos conhecimentos, “que explorados de forma viva e criativa, poderão contribuir para o seu processo de crescimento, fornecendo instrumentos para a sua ação e para o conhecimento do mundo” (BRASIL, 200569, p.12,). Observamos ainda, que nas duas primeiras dimensões propostas pelo documento intitulado “Indicadores de qualidade na Educação Infantil” (BRASIL, 2009) são apresentados indicadores relativos à consolidação de uma proposta pedagógica e ao planejamento sistemático de atividades que possibilitem as crianças construírem sua autonomia, se relacionarem com o ambiente natural e social, terem experiências agradáveis e saudáveis com o próprio corpo, se expressarem por meio de diferentes linguagens plásticas, simbólicas, musicais e corporais, terem experiências variadas e estimulantes com a linguagem escrita e reconhecerem suas identidades valorizando as diferenças e cooperação. No contexto de produção e distribuição destes documentos, são publicados livros (alguns resultantes de pesquisas acadêmicas, outros que se constituem como manuais com orientações para implementação das políticas nacionais veiculadas, bem como as traduções de obras que divulgam a abordagem italiana de educação infantil e ainda estudos que se contrapõem às ideias correntes), dos quais podemos citar aqueles que tangenciam as questões relativas aos conhecimentos constitutivos de currículos para educação infantil, como Junqueira Filho (2006), Oliveira- Formosinho, Kishimoto e Pinazza70 (2007), Faria e Salles (2007), Arce e Martins (2007, 2009), Barbosa e Horn (2008), entre outros. 69 Unidade 1 do Módulo 4 do Volume 2 do Material de Formação do PROINFANTIL. 70 Já tratamos um pouco desta publicação nos capítulos três e quatro. 205 Junqueira Filho (2006) propõe a seleção e articulação de conteúdos por meio de linguagens geradoras que se constituem naqueles conteúdos-linguagens que as crianças “querem porque precisam” aprender mais do que quaisquer outros em determinados momentos/contextos de suas vidas. Ele define dois momentos do planejamento curricular, o primeiro refere-se aos tipos de conteúdos-linguagens selecionados pela professora para receber as crianças – a parte cheia do planejamento -, e o segundo diz respeito aos temas-assuntos-linguagens que emergem nas interações das crianças com aqueles pré-selecionados – a parte vazia do planejamento. Entre os conteúdos-linguagens do primeiro momento ele sugere uma lista que contempla as linguagens: oral, espaço-temporal, plástico-visual, sonoro-musical, gestual-corporal, do jogo simbólico, visual e verbal, lógico-matemática, da natureza, culinária, da alimentação, da higiene, do sono, dos cuidados, sentimentos e afetos em geral, escrita, da acolhida e da despedida. E orienta que os conhecimentos-linguagens a serem desenvolvidos na parte vazia são específicos de cada grupo, das escolhas, interações e diálogos produzidos nas relações cotidianas. Os projetos ou temas de estudo desenvolvidos não podem, nesta perspectiva, ser transferidos para outras turmas. Em Faria e Salles71 (2007) encontramos uma síntese com orientações prescritivas para a elaboração de propostas pedagógicas em instituições de educação infantil. Embora as autoras apontem para uma definição de currículo que vai além da seleção de conteúdos, objetivos, atividades e metodologias a serem trabalhados pela escola, estabelecidos por faixa etária, orientam a organização do currículo como um dos elementos constitutivos de uma proposta, no qual devem ser apontadas “as experiências a serem trabalhadas com as crianças na IEI, organizando todos os saberes, conhecimentos, valores e práticas que possibilitem o cuidar e educar crianças de 0 a 6 anos de idade” (Ibid, p. 32). As autoras propõem que o currículo seja construído considerando as relações da criança com os conhecimentos da natureza e da cultura. Para tanto, as autoras destacam a diferença entre “conhecimentos informais” – aqueles saberes, instrumentos, atitudes, valores, procedimentos, estratégias, conceitos, que são apropriados nas relações cotidianas em práticas sociais das quais as crianças 71 Publicação revisada e atualizada após a publicação das novas diretrizes. 206 participam em diferentes espaços, e os “conhecimentos formais” – aqueles produzidos e sistematizados ao longo da história da humanidade cujo aprendizado ocorre por meio de interações entre sujeitos e de estratégias intencionalmente organizadas, geralmente no espaço escolar. Consideram também que nos processos de seleção e organização dos conteúdos de trabalho deve ser possibilitado que as crianças vivenciem o máximo de experiências, numa perspectiva de ampliar seus conhecimentos sobre o mundo. Neste sentido, tais possibilidades de exploração não podem ser restritas a conteúdos e formas fechadas que não se abrem para os interesses cotidianos dessas crianças. Sendo assim, elas apresentam uma possibilidade de organização dos conhecimentos considerados referência para o currículo de educação infantil, que são os conhecimentos sobre linguagens: linguagem oral, linguagem corporal/movimento, o brincar como linguagem, linguagem plástica e visual, linguagem musical, linguagem escrita; os conhecimentos relativos à sociedade e à natureza e o conhecimento matemático. As publicações de Arce e Martins (2007, 2009) fazem severas críticas às ideias veiculadas nos estudos que tratam da construção de uma pedagogia para a educação infantil que secundarizam ou mesmo eliminam o ato de ensinar nesta etapa educativa. Consideram que o conhecimento não é apenas resultado das ressignificações, construções infantis, e sim algo selecionado e trazido pelo professor com a finalidade de transmissão. E defendem, além do ato de ensinar na educação infantil, a organização do currículo por áreas de conhecimento. Em síntese, as autoras preocupam-se com uma tendência que “desqualifica a escola como locus privilegiado para o ensino e o professor como sujeito insubstituível na transmissão de conhecimentos” (Id. 2007, p. 60). De outra parte, Barbosa e Horn (2008) ao abordarem o trabalho com projetos pedagógicos na educação infantil, defendem que o desenvolvimento de um currículo apenas disciplinar nesta etapa educativa se contrapõe a própria construção do conhecimento científico que neste momento realiza uma relação sistêmica, pois cada vez mais, as disciplinas entram em conexão, compartilham seus conhecimentos na busca de compreender e tomar decisões. As autoras destacam a conquista da ciência em questionar sua relação com a verdade, que não é absoluta e sim construída e histórica. “Conhecer é estabelecer um diálogo com a incerteza” (Ibid; p. 24). 207 As autoras consideram que os conteúdos fundamentais das disciplinas devem ser dominados pelos professores, mas não se constituem em programas de trabalho com as crianças. Certamente o professor precisa conhecer profundamente a história de cada campo de conhecimentos, as fragilidades de seu processo de produção, os questionamentos atuais e as especificidades de cada disciplina, para então, poder ensinar aos seus alunos uma postura de pesquisador quanto ao conteúdo que estuda. Para tanto, salientam que uma boa aprendizagem depende de um currículo significativo para as crianças e também para os professores. Um currículo não pode ser a repetição contínua de conteúdos, como uma ladainha que se repete infindavelmente no mesmo ritmo, no mesmo tom, não importando quem ouça, quem observe ou o que se aprende. Afinal, sabe-se que o conhecimento não é verdade imutável, mas algo transitório, inacabado, imperfeito e em contínua pesquisa. Os projetos abrem possibilidade de aprender os diferentes conhecimentos construídos na história da humanidade de modo relacional e não-linear, propiciando às crianças aprender através de múltiplas linguagens, ao mesmo tempo em que lhes proporcionam a reconstrução do que já foi aprendido. (BARBOSA; HORN, 2008, p. 35). Examinando as ideias de Junqueira Filho (2006), Faria e Salles (2007) e Barbosa e Horn (2008) não identificamos preocupações relativas ao uso dos termos “ensino”, “escola” e “conteúdo” como contrários a uma educação infantil que atenda as especificidades da criança, assim como, não fazem assunção ao papel do professor como principal, se não único, transmissor de conhecimentos, como asseveram Arce e Martins (2007). São propostas que reconhecem a legitimidade da função educativa de ampliar os conhecimentos das crianças, de modo significativo, contextualizado e compartilhado. Citamos ainda a experiência do currículo construído no NEI-Cap / UFRN, amplamente divulgado nas publicações dos Cadernos Faça e Conte desde 1998. Inicialmente, a instituição organizava sua prática com base no programa do Currículo de Orientação Cognitivista, de base piagetiana, proposto por D. Weikart da abordagem High Scope (MELO, 1988; BARROS, 1990). Sob influência do estudo das obras “A paixão de conhecer o mundo” (FREIRE, 1983) e “Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular para a educação infantil” (KRAMER, 1989) o currículo passou a ser desenvolvido através de temas de pesquisa, que “funciona como articulador e fio condutor das diversas áreas do conhecimento, contribuindo, para que 208 o descobrir/aprender sejam movidos pelo prazer, através de uma atuação ativa, crítica e criativa” (RÊGO; CARVALHO, 1999). Na escolha dos temas de pesquisa são considerados o contexto sociocultural das crianças, as áreas de conhecimentos e o nível de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Professores e crianças aprendem conhecimentos das diferentes áreas, partindo da curiosidade e consequente envolvimento do grupo na pesquisa. Assim, “o tema de pesquisa não se constitui só em um aglutinador de conhecimentos sobre o assunto, mas, acima de tudo, em um provocador de construção/ampliação/resgate de conhecimentos significativos” (CARVALHO, 2006, p. 26). Rêgo (2006) menciona o debate atual acerca da presença de conteúdos na educação infantil, no qual, de um lado defende-se que deve ser possibilitado o acesso à cultura e ao conhecimento às crianças pequenas, e de outro, ressalva-se os conteúdos das áreas disciplinares e escolarizantes que, portanto, não devem ser “ensinados” na educação infantil. Segundo ela, essa é uma visão de conhecimento dissociado da cultura, seria necessário romper com esse hiato entre conteúdo e cultura e entender que o processo de produção do conhecimento constitui uma atividade humana construída sóciohistoricamente. Sobre esse embate, ressalta um posicionamento do grupo vinculado à referida instituição educativa: Acreditamos que a organização das atividades pedagógicas, seja através das linguagens, da pedagogia de projetos ou do jogo, necessariamente incorpora os conteúdos das áreas, pois eles sempre estarão presentes, sustentando as relações de ensino e aprendizagem de qualquer nível educativo. Não é o caso de excluir a discussão dos conteúdos na educação infantil, pois não é isso que vai garantir uma prática voltada para as especificidades da faixa etária. (Ibid; p. 12). Mais recentemente foram publicados textos organizados por Corsino72 (2009), com o intuito de subsidiar as instituições educativas nos processos de elaboração de suas propostas pedagógicas. Na apresentação da obra, a autora já assevera que o fato de as instituições de educação infantil serem entendidas como espaços-ambientes educativos não significa adotar o modelo escolar vigente, que costuma ter uma prática pedagógica voltada para conteúdos segmentados e fragmentados e atividades dirigidas por 72 Alguns desses textos foram publicados anteriormente em Boletim do Programa Salto para o Futuro da TV Escola – O cotidiano da educação infantil (BRASIL, 2006). 209 professores com alunos cumprindo tarefas e passando grande parte do tempo dentro de uma sala de aula. Esse modelo tem sido fortemente questionado. Trata-se de pensar um trabalho que vincule o lúdico ao educativo, que entenda o pedagógico como cultural, que desconstrua a ideia de aluno, de aula e conceba o sujeito criança, num espaço de convívio coletivo, onde as mais diversas interações possam estabelecer-se. (CORSINO, 2009, pp. 09-10 - Grifos Nossos) Nunes (2006) também critica a forte presença do ensino fundamental nas práticas pedagógicas em instituições de educação infantil, pautadas em conteúdos escolares organizados em áreas de conhecimentos e avaliados com ênfase na cognição. Conforme discutimos no terceiro capítulo, esse debate se insere no contexto de pensar uma educação infantil com função pedagógica e com especificidades frente ao ensino fundamental. Assim, a educação infantil – a construção de suas práticas, de suas propostas pedagógicas, de seus currículos - ao mesmo tempo em que precisa diferenciar-se da etapa educativa que a sucede, precisa articular-se numa perspectiva de continuidade. A definição do conhecimento que compõem os currículos e a prática educativa vem sendo abordada, como vimos, de modos descontínuos, e muitas vezes, antagônicos. E, no contexto das atuais DCNEI, como estão propostas as definições acerca desses conhecimentos? No âmbito do programa currículo em movimento, dos textos publicados recentemente, é que dialogamos com os sentidos de conhecimento que compõem o discurso das DCNEI. 5.2 SENTIDOS ATRIBUÍDOS AOS CONHECIMENTOS NAS DCNEI Em síntese, observamos que as DCNEI, propõem um currículo que objetiva articular os saberes e experiências das crianças com os conhecimentos construídos socialmente em diferentes âmbitos, para tanto, define como eixos estruturantes da prática pedagógica, as interações e a brincadeira, que por sua vez, devem ser desenvolvidas garantindo uma lista descritiva, porém genérica, de experiências diversificadas. Art. 9º As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantindo experiências que: 210 I - promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança; II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos; IV - recriem, em contextos significativos para as crianças, relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço temporais; V - ampliem a confiança e a participação das crianças nas atividades individuais e coletivas; VI - possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia das crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar; VII - possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e reconhecimento da diversidade; VIII - incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza; IX - promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura; X - promovam a interação, o cuidado, a preservação e o conhecimento da biodiversidade e da sustentabilidade da vida na Terra, assim como o não desperdício dos recursos naturais; XI - propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das manifestações e tradições culturais brasileiras; XII - possibilitem a utilização de gravadores, projetores, computadores, máquinas fotográficas, e outros recursos tecnológicos e midiáticos. Parágrafo único - As creches e pré-escolas, na elaboração da proposta curricular, de acordo com suas características, identidade institucional, escolhas coletivas e particularidades pedagógicas, estabelecerão modos de integração dessas experiências. (DCNEI / BRASIL, 2009g, p. 04). O esquema a seguir ilustra o modo como entendemos as proposições curriculares das DCNEI (BRASIL, 2009g): 211 Figura 1 – Esquema de Elementos do Currículo nas DCNEI Fonte: Construído pela Autora Desse modo, institui um currículo orientado/organizado por experiências, que precisam ser garantidas nas práticas cotidianas que tem como eixos as interações, e a brincadeira. No entanto, no parágrafo único do artigo citado acima, as DCNEI enfocam que os modos de organizar/integrar tais experiências são/podem ser específicos e diferentes em cada instituição/rede educativa, pois devem ser coerentes com suas identidades pedagógicas e peculiaridades locais, sendo assim, discutidas e definidas coletivamente em cada contexto. Podemos entender que as práticas, metodologias, atividades, projetos, concepções que cabem e estruturam tais experiências, podem variar conforme os sentidos atribuídos pelos sujeitos da prática? O que nos possibilita mais questionamentos: entre linguagens, conhecimentos, práticas sociais, interações, brincadeira e experiências – o que diferencia, aproxima e distancia tais elementos constitutivos de currículos para crianças pequenas? Como organizar tais elementos em uma proposta curricular documentada, vivida e compartilhada na instituição educativa? Que sentidos podemos identificar nas proposições curriculares das DCNEI? Consideramos que o conjunto de definições apresentadas nas DCNEI, assume a forma de princípios mais gerais, cuja interpretação exige referências, implica elaboração e reelaboração de sentidos, o que não se faz sem mediações, pois 212 as palavras não são transparentes, ao contrário, demandam “chaves”73, como nos ensina, poeticamente, Drummond. De um modo geral, observamos que a formulação de suas sistematizações, encontram-se “cifradas”, cuja decifração requer “chaves”, outros conhecimentos, outros saberes, outras experiências, assim como, o diálogo com outros elementos que compõem as condições concretas em que as práticas se realizam. Sendo assim, ressaltamos que nossas análises, portanto, se constituem em sentidos possíveis por meio de nossas interpretações, de nossas possibilidades de diálogo com o texto analisado. Tecemos nossas análises, identificando os sentidos de conhecimento em diferentes trechos das DCNEI. Além do artigo nove já citado anteriormente, elencamos abaixo outros artigos, os quais utilizamos continuamente nas análises. Desse modo, estaremos nos remetendo aos referidos/citados artigos sem necessidade de citá-los novamente, evitando assim, a repetição constante no decorrer do texto. Art. 3º O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. (DCNEI/BRASIL, 2009g, p. 01). Art. 4º As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (DCNEI/BRASIL, 2009g, p.01). Art. 8º A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças. (DCNEI/BRASIL, 2009g, p. 02). Organizamos a análise dos dados construídos em três campos, relacionados aos modos como identificamos os sentidos sobre o conhecimento no texto das DCNEI, 73 Uma análise inicial do documento foi publicada em 2012, na qual discutimos esse discurso “cifrado” das DCNEI que demanda/requer “chaves”, muitas vezes, não disponíveis no texto. (LOPES; SOBRAL, 2012a). 213 são eles: conhecimentos na/para educação infantil; conhecimento nas interações e na brincadeira - eixos norteadores da prática pedagógica; e o conhecimento e as experiências educativas que integram o currículo. 5.2.1 Conhecimentos na/para Educação Infantil As DCNEI (BRASIL, 2009g) não traz explicitamente uma definição sobre conhecimento, no entanto, pudemos entrever as concepções que sustentam seus discursos nos contextos/modos como a palavra conhecimento aparece numericamente em suas diretrizes/orientações. Fomos identificando os sentidos acerca do que constitui conhecimento na/para educação infantil, considerando-o de partida, como “objetos/objetivos/conteúdos” das práticas pedagógicas – ‘”aquilo” que as crianças podem/precisam se apropriar nos seus processos de aprendizagem e desenvolvimento. Ou seja, os objetos da cultura que podem se materializar como conhecimentos no currículo para essa etapa educativa. Organizamos nossa análise considerando quatro eixos de sentidos identificados no texto/documento analisado: conhecimentos como diferentes Patrimônios; conhecimentos como saberes; conhecimentos como linguagens; conhecimentos que constituem o currículo. 5.2.1.1 Conhecimentos como diferentes Patrimônios Para enumerar e classificar os conhecimentos que precisam ser “articulados” no currículo, o texto os apresenta, no artigo três, relacionados em/como “patrimônios”. O que significaria patrimônio? Etimologicamente essa palavra está relacionada aos bens materiais, riqueza e/ou herança paterna/patriarcal – anterior. Na discussão sobre conhecimentos curriculares, poderíamos entender como conjunto de conteúdos/conhecimentos construídos e consolidados em determinados momentos da história e/ou contexto/espaço social, como bens culturais - objetos/práticas/significados sociais - vinculados aos diferentes campos/âmbitos de conhecimentos. Assim, teríamos os patrimônios cultural, artístico, científico, ambiental e tecnológico, constituídos por conhecimentos específicos? Entendemos que o patrimônio cultural envolve/engloba conhecimentos e saberes de um povo de uma determinada sociedade contextualizada historicamente, 214 tanto no campo artístico, como no campo científico. Os conhecimentos do patrimônio científico, por sua vez, podem incluir aqueles do patrimônio ambiental e tecnológico. Sendo assim, quais seriam os critérios para categorizar/classificar tais conhecimentos? O termo cultura – no campo da Antropologia - corresponde aos diversos modos de vida, valores e significados compartilhados por diferentes grupos e períodos históricos. No entanto, quando um grupo compartilha uma cultura, compartilha um conjunto de significados construídos, ensinados e aprendidos nas práticas de utilização da linguagem. Entendemos assim, Cultura como prática social - não como coisa (artes) ou estado de ser (civilização), mas como conjunto de práticas por meio das quais significados são produzidos e compartilhados em um grupo. (MOREIRA; CANDAU, 2007). O termo “cultura” estaria empregado nessa definição, referindo-se apenas aos conhecimentos considerados como mitos, crenças e saberes da cultura popular – aquela não comprovada cientificamente? Os termos “ambiental” e “tecnológico” estariam em categorias separadas, para ressaltar os rumos, desdobramentos da ciência na atualidade? Como já discutia Barbosa (2009): Nos últimos cinqüenta anos, acompanhamos mudanças importantes nos modos de produzir e de organizar os conhecimentos nas sociedades ocidentais contemporâneas. Por exemplo, a ecologia, que até pouco tempo atrás era uma pequena parte do conhecimento da biologia, atualmente forma um campo científico amplo, com várias conexões com ciências como a economia, a sociologia, a engenharia. Portanto, de um conhecimento disciplinar, ensinado apenas em um semestre do ensino médio, ela passou a permear todo o sistema educacional, tanto na concepção de prédios auto-sustentáveis, quanto ao compor situações cotidianas onde as crianças bem pequenas possam vivenciar e aprender princípios ecológicos. (BARBOSA, 2009, pp. 45-46) Analisando o discurso de Barbosa (2009, pp. 45-46) podemos entrever os motivos pelos quais os conhecimentos aparecem no artigo analisado acima, organizados em diferentes patrimônios, que não são excludentes, mas se complementam e no currículo. Nesse contexto, percebemos que a classificação e nomeação de patrimônios de conhecimentos utilizada no texto analisado, parece ser feita com o objetivo de ressaltar as diferentes naturezas, variedades de conteúdos que precisam compor os 215 currículos para crianças pequenas, trazendo à tona, nas entrelinhas, o discurso sobre a crise da ciência e de sua legitimidade como representação e explicação única da realidade. Desse modo, fica evidente, que não está se tratando apenas de conhecimentos científicos, como aqueles que precisam ser escolarizados. 5.2.1.2 Conhecimentos e/como Saberes Observamos inicialmente, no artigo três, sentidos de conhecimentos que se contrapõem/diferenciam de saberes, pois definem “currículo como conjunto de práticas que articula os saberes das crianças com os conhecimentos”. Sendo assim, aparece uma diferenciação entre saberes e conhecimentos, saberes como aqueles conhecimentos do senso comum, do cotidiano das crianças – oriundos de suas experiências em casa ou na comunidade, com as mídias, pessoas e objetos que tem acesso fora da instituição educativa. E os conhecimentos, por sua vez, são considerados como aqueles construídos histórico e socialmente e legitimados em diferentes âmbitos/patrimônios da humanidade. Destacamos, ainda, no artigo citado, a utilização do termo/verbo “articular” de modo a “promover” o desenvolvimento integral das crianças, em substituição aos termos mais incisivos e relativos aos processos de aprendizagem - propulsora do desenvolvimento infantil, como “apropriação e/ou ampliação” de saberes e conhecimentos. Tais termos, aparecem mais adiante do texto, no artigo 8º, especificamente no seguinte trecho “acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos”, assim como no inciso III, do artigo 7º que trata da função sociopolítica e pedagógica que deve ser cumprida pelas propostas pedagógicas das instituições de educação infantil, quando se ressalta a necessidade de possibilitar “tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto a ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas” (BRASIL, 2009g, p. 02, grifos nossos). No entanto, observamos que saberes e conhecimentos já aparecem, no artigo sete, como aditivos/somativos, constitutivos do currículo – compõem aquilo que as crianças precisam ampliar/aprender nas práticas cotidianas. Há, então uma discussão implícita no texto que permeia diferentes discursos no campo do currículo - o que aproxima e o que diferencia saberes e conhecimentos? 216 Oliveira74 (2010) destaca entre as proposições das DCNEI, a necessidade de: · trabalhar com os saberes que as crianças vão construindo ao mesmo tempo em que se garante a apropriação ou construção por elas de novos conhecimentos; [...] · oferecer oportunidade para que a criança, no processo de elaborar sentidos pessoais, se aproprie de elementos significativos de sua cultura não como verdades absolutas, mas como elaborações dinâmicas e provisórias; Entendemos que o termo cultura engloba, nesse texto, todas significações sociais e sentidos pessoais construídos nas interações e relações com os conhecimentos de diferentes patrimônios históricos da humanidade. Analisando com mais cuidado, podemos entrever que a autora trata dos saberes das crianças também como conhecimentos, seriam aqueles conhecimentos prévios, que vão se alargando, sendo ampliado – apropriados e/ou construídos75 – propiciando então conhecimentos novos – renovados. No entanto, esses conhecimentos – elementos significativos de sua cultura – constituem sentidos – elaborações dinâmicas e provisórias e não verdades absolutas. 5.2.1.3 Conhecimentos e/como Linguagens Barbosa (2009) define que os campos de aprendizagem das crianças na educação infantil são as práticas sociais e as linguagens. Considerando que as práticas sociais envolvem conhecimentos profundamente interdisciplinares como – alimentação, aprendizagem das diferentes linguagens, brincadeiras, relações sociais, higiene e controle corporal, movimento, repouso e descanso, cultura popular, recepção e despedida das crianças – e que as linguagens não podem estar separadas de tais ações. Sendo assim, as práticas sociais são composições de linguagens e estas são saberes da ação, conforme podemos analisar no seguinte trecho76. 74 Analisando o texto das orientações curriculares que se propõe a apresentar as novas diretrizes curriculares (OLIVEIRA, 2010), observamos que as proposições e diretrizes do parecer (BRASIL, 2009f) e da resolução (BRASIL, 2009g) são apresentadas indistintamente. Em várias passagens do texto, não fica explicitado qual texto/documento está sendo citado/apresentado, sendo denominado como “as DCNEIs ‟. 75 Termos utilizados por duas abordagens diferentes que estudam o desenvolvimento humano difundidas por Vigotski e Piaget respectivamente. 76 Optamos por trazer esse trecho do texto de Barbosa (2010), mesmo considerando extenso, para elucidar sua discussão acerca de linguagens e práticas sociais. 217 Os seres humanos, ao nascerem, trazem como herança o desejo de se comunicar e se relacionar. Na experiência com parceiros, o bebê é ajudado a significar as situações vividas e a construir sistemas semióticos pelos quais vai se apropriando das múltiplas linguagens do seu meio: de início, as gestuais e expressivas e depois as linguagens simbólicas em sua presença como ação, como saber e não como conhecimento sistematizado. As crianças nascem com a possibilidade de construir linguagens: a linguagem do olhar, a linguagem do gesto, a linguagem do toque. As linguagens são aprendidas pelas crianças desde muito cedo nas interações que estabelecem com outros seres humanos. Por exemplo, as crianças pequenas desenvolvem a linguagem oral por viverem num ambiente onde está é continuamente utilizada. Além disto, as pessoas importantes para elas constantemente as incluem – olhando em sua direção, esperando respostas, fazendo caretas e olhares específicos. Durante muito tempo a linguagem trabalhada na escola permaneceu vinculada apenas a uma área do conhecimento, a que trata da língua portuguesa. Porém, hoje, o termo linguagem vem sendo utilizado socialmente para referir diferentes manifestações e expressões culturais, científicas e da vida cotidiana. Vários são os campos do conhecimento que utilizam o termo linguagens para refletir sobre a organização de seus sistemas de signos. Assim, outras formas de linguagens como o desenho, a modelagem e a matemática estão presentes no mundo como significação, expressão, comunicação e produção, mas nem todas as crianças têm acesso a elas. Primeiro, porque nem todas as culturas valorizam as mesmas linguagens e oferecem para todos a oportunidade de desenvolvê-las. Segundo, porque nem sempre os adultos responsáveis pela educação das crianças pequenas acreditam em seu potencial para a aprendizagem das linguagens e muitas vezes evitam experiências com linguagens simbólicas e expressivas mais sofisticadas, por acreditarem que as crianças não as compreenderão por sua pouca idade. Talvez, por exemplo, pensem que a física, como uma disciplina, com suas fórmulas e esquemas, esteja longe da educação infantil, porém sabemos que muitas das vivências cotidianas na sala, na caixa de areia, no parquinho, apresentam às crianças as noções concretas dos conceitos da física. Há, uma pré-história da física – como linguagem espacial - nos pátios da educação infantil. Neste sentido, as linguagens são saberes da ação: simbólicos, expressivos, científicos, artísticos e tecnológicos que demonstram a capacidade humana para falar, escrever, manipular, expressar e produzir um número ilimitado de pensamentos e experiências independentemente do conhecimento formal das disciplinas sistematizadas, hierarquizadas e lineares. (BARBOSA, 2009, pp. 84- 85). Nessa perspectiva, a autora propõe um currículo orientado pelas e nas ações cotidianas, no qual os conhecimentos ensinados e aprendidos nas práticas sociais da cultura se constituem em/como diferentes linguagens. Sendo assim, as linguagens constituem os conhecimentos, os modos de conhecer, as ações e as práticas 218 culturais. Assim como, podemos dizer, que conhecemos, na medida em que, significamos as coisas do mundo, mediados pelos signos. Nas DCNEI, os conhecimentos e as linguagens aparecem como constitutivos das experiências, aprendidos nas interações e brincadeiras. Em oposição, aos currículos organizados em torno de grupos/conjuntos de linguagens e/ou eixos de conhecimentos. No entanto, o documento nos apresenta uma perspectiva de compreender que “conhecimentos” e “linguagens” como objetos da cultura específicos. No artigo oitavo, por exemplo, quando se refere aos “processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens” que devem ser garantidos no currículo, os conhecimentos e as linguagens aparecem explicitados de forma aditiva e não inclusiva, são conteúdos de natureza diferente no currículo. As linguagens são citadas em várias partes do texto-documento analisado, mas, como conteúdos – objetos de aprendizagem, e não como eixos organizativos do currículo. Como vimos, nas propostas pedagógicas anteriores as DCNEI, delineadas no início desse capítulo, as linguagens sempre estiveram presentes como constitutivas e articuladoras do currículo, falava-se, inclusive, na organização do currículo da educação infantil, por linguagens, como por exemplo, nos estudos de Rocha (1999) e Junqueira-Filho (2000; 2006), bem como nas proposições do materiais-textos do PROINFANTIL (BRASIL, 2005a) e dos Indicadores de Qualidade (BRASIL, 2009). Políticas recentes que foram difundidas, inclusive no contexto de aprovação das DCNEI (BRASIL, 2009g). Os textos de Kramer (2009) e de Barbosa (2009) que foram produzidos no âmbito do programa Currículo em Movimento (BRASIL, 2009a) também fazem referência as linguagens como eixos/campos do currículo. Kramer (2009) propunha que os eixos da prática pedagógica seriam a linguagem e a brincadeira, que articulariam/integrariam os diferentes campos de saberes e conhecimentos, por ela propostos77. E, Barbosa (2009), como citamos, propunha as práticas sociais e as linguagens. Enquanto as DCNEI, apesar de destacar as linguagens em alguns trechos/diretrizes do documento, assim como os conhecimentos, como objetos/conteúdos que constituem experiências curriculares, apresentam, ao nosso 77 Retomaremos essa discussão mais adiante. 219 ver, definições “cifradas” acerca do que constitui essa diferenciação entre linguagens e conhecimentos. Notamos, inclusive, que na descrição das experiências a serem garantidas no currículo, feita no artigo nove, o termo conhecimento não aparece quando os objetivos se referem as linguagens e formas de expressão, somente é utilizado nos objetivos relativos as experiências com o mundo físico e social. Entendemos, no entanto, que há um conhecimento acerca das diferentes linguagens que precisa ser desenvolvido nos currículos, e ainda que, a linguagem constitui os modos de conhecer/significar a realidade – as coisas do mundo. Identificamos, portanto, nas DCNEI, aquela ideia difundida nos primeiros estudos acerca de conhecimentos78, que categorizavam o campo das artes como contrário ao campo da ciência. Nos discursos de que não se pode falar com conhecimento no campo das artes, pois não constitui ciência. Desse modo, ao mesmo em que aponta as diferentes naturezas do conhecimento no artigo segundo, já discutido anteriormente, o texto-documento analisado, se contrapõe ao já anunciado em seus artigos posteriores. 5.2.1.4 Conhecimentos que constituem o Currículo Oliveira (2010) destaca alguns pontos que consideramos relevantes à orientação curricular que estão no texto do parecer (BRASIL, 2009f), mas que não foram elencados na resolução (BRASIL, 2009g). Seriam orientações necessárias aos processos de definir quais conhecimentos devem ser propiciados as crianças da educação infantil, considerando as especificidades de seus ciclos etários. Como os trechos que seguem: [...] as DCNEIs apontam que as instituições de Educação Infantil, na organização de sua proposta pedagógica e curricular, necessitam: [...] · selecionar aprendizagens a serem promovidas com as crianças, não as restringindo a tópicos tradicionalmente valorizados pelos professores, mas ampliando-as na direção do aprendizado delas para assumir o cuidado pessoal, fazer amigos, e conhecer suas próprias preferências e características; [...] · Considerar, no planejamento do currículo, as especificidades e os interesses singulares e coletivos dos bebês e das crianças das demais faixas etárias, vendo a criança em cada momento como uma pessoa inteira na qual os aspectos motores, afetivos, cognitivos e linguísticos integram-se, embora em permanente mudança; 78 Delineamos parte desses estudos no capítulo três. 220 · abolir todos os procedimentos que não reconheçam a atividade criadora e o protagonismo da criança pequena e que promovem atividades mecânicas e não significativas para as crianças; [...]. (Oliveira, 2010, p. 10 - Grifos nossos). Quais seriam os “tópicos tradicionalmente valorizados pelos professores”? Como planejar/construir um currículo que considere as especificidades etárias? De que modo se garante que as experiências educativas não se consolidem nas práticas cotidianas como ‘atividades mecânicas e não significativas para as crianças’? O que constitui uma “atividade criadora”? Quando analisamos as proposições das DCNEI, especialmente, as experiências listadas, no artigo nove, que precisam ser garantidas nas propostas e práticas pedagógicas/curriculares da educação infantil, não consideramos que tais orientações estejam acessíveis – demandam, como observamos, inicialmente, “chaves” – outras leituras, outros textos – para decifrá-las. Podemos identificar nas experiências elencadas, ao nosso ver, ainda de modo genérico, os conhecimentos/linguagens – objetos, práticas e significações sociais – ‘aquilo’ que é preciso propiciar às crianças para que aprendam e se desenvolvam como pessoas e sujeitos sociais, considerando que esses processos resultam da apropriação de práticas culturais. No entanto, cabem nas experiências ora apresentadas, conteúdos e atividades oriundos de diferentes perspectivas didáticas e/ou pedagógicas. Os sentidos construídos pelos leitores – professores/sujeitos da prática – podem ser diversos, condizentes com suas experiências e seus saberes. Oliveira79 (2015) apresenta uma possibilidade de localizar nas experiências os conteúdos de ensino e aprendizagem, destacando os seguintes conhecimentos: conhecimento de si e do mundo físico e social; tradições culturais brasileiras; gêneros textuais orais e escritos em diferentes suportes; quantidades, medidas, formas, orientações espaciais e temporais; misturas e transformações; cuidados com a saúde; tempo histórico; natureza – a vida e suas transformações, seres vivos; biodiversidade e sustentabilidade da vida na Terra. A autora propõe que as experiências curriculares (corporais, sensoriais, afetivas e cognitivas) das crianças no cotidiano da EI devem acontecer em contextos que viabilizam e ressignificam conhecimentos de diferentes naturezas, os quais ficam, muitas vezes, implícitos para as crianças, embora devam ser conscientes para o 79 Conferência realizada no Seminário do Fórum Estadual de Educação Infantil / RN, em outubro de 2015. 221 professor, e sedimentados nas propostas de mediação pedagógica. Sendo assim, mesmo que o currículo das crianças seja organizado e vivido por experiências educativas, os professores precisam ter clareza de quais conhecimentos estão sendo “ensinados” – mediados e aprendidos. Nesse sentido, como exercício para fins de análise, vamos identificar possibilidades de sentidos que podem se derivar das proposições em alguns conjuntos de experiências descritos no artigo nove das DCNEI. Analisando, por exemplo, o inciso III que destaca a garantia de experiências que “possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos”. A possibilidade de derivar, dessas proposições, orientações para a organização de práticas cotidianas pertinentes à inserção das crianças na cultura oral e escrita implica, ainda, conhecimentos relativos à linguagem – em que consiste, quais seus elementos constitutivos, qual(is) sua(s) funções, como funciona – como se dá sua aprendizagem, como pode ser ensinada de modo a considerar, tanto as especificidades das crianças pequenas como sujeitos aprendizes, como as propriedades essenciais da linguagem, tanto oral, quanto escrita. Nesses termos, torna-se preciso saber como propiciar que cada criança aprenda e desenvolva, vivenciando, brincando, a linguagem oral – dizer e ouvir, ouvir e ser ouvida, compreender e fazer-se compreender em situações diversas, com diferentes objetivos. Do mesmo modo, faz-se necessário pensar situações em que a criança possa ser introduzida na cultura escrita de forma significativa, em que cada uma seja incitada a experimentar, brincando, possa aprender sobre o que e para que se lê e se escreve e, gradativamente, experimentar como se lê e como se escreve, em situações em que a escrita é linguagem e, como propôs Vigotski (2007) um outro e complexo modo de dizer, de pensar, de agir. É preciso saber quais situações são pertinentes às crianças, inclusive considerando as diferenças entre as “muito pequenas”, com até três anos, e as de quatro e cinco, cujas possibilidades aumentam – mediante as condições que lhes sejam propiciadas. É preciso, portanto, um saber fazer que produza experiências que não descaracterizem, nem a criança, nem a linguagem. Exemplo dessa necessidade são os muitos casos de instituições onde crianças com um, dois, três, quatro e cinco anos permanecem o dia inteiro sem que lhes sejam propiciados momentos intencionalmente destinados a conversas, a trocas verbais, ou 222 mesmo em que a conversa se faça presente nos diversos momentos da rotina, em que as crianças sejam postas no lugar de interlocutoras efetivas; casos em que as crianças não são convidadas a falar, a se expressar por meio de gestos, olhares, sorrisos, movimentos e palavras; casos comuns de relatos como: “ele/ela não fala nada; não gosta de falar; não sabe falar”; em que não há, igualmente, momentos de cantar, de brincar com as palavras, de aprender outras palavras – com as quais podem dizer e compreender o mundo e a si mesmas. De modo semelhante, em muitas creches e pré-escolas não são planejadas, de modo intencional e sistemático, práticas diárias de ler ou contar histórias diversas para as crianças, de ler ou dizer poesias e outros textos, por meio dos quais elas podem aprender sobre as palavras e seus sentidos, sobre outros lugares e tempos, sobre jeitos de ser e de sentir, o que pode consistir em conteúdos e formas para exercitarem e desenvolverem sua capacidade de imaginação, além de ideias sobre o mundo, sobre as pessoas e sobre si mesmas. Em muitos espaços e rotinas as crianças não são convidadas/ensinadas a manusear livros, revistas e outros portadores de textos escritos para que possam, por meio desse exercício reiterado – diário – aprender, desde o primeiro ano de vida, o que são esses “objetos” em nossa cultura, para que servem, o que fazemos com eles e o que fazem conosco. Igualmente, em muitas instituições, as crianças também não presenciam ou participam de situações em que pessoas escrevem com uma finalidade significativa à vida, ao grupo, em que elas sejam incitadas a observar e perceber o que as pessoas estão fazendo nessas ações: o que produzem no papel, no quadro, na parede; o que escrevem, para que, para quem, onde, com que materiais, com que procedimentos. Por meio de ações como essas as crianças são introduzidas na cultura escrita, passam a interagir com a linguagem escrita, mediadas por outras pessoas e, nessas experimentações, começam a constituir sentidos acerca dessa prática, de seus instrumentos, de seus usos e funções em suas/nossas vidas, sem que, com isso, se incorra em uma “escolarização precoce”, como muitos criticam, mas em uma inserção das crianças nas práticas de leitura e escrita em condições pertinentes e próprias a elas e à própria linguagem escrita. Mas, há outros caminhos. Em muitas instituições, há práticas diárias – intencionais e sistemáticas – com a escrita, mas, orientadas por outros sentidos relativos ao que é a escrita e como é/pode ser aprendida. Mas, são práticas que se revelam reducionistas e caricaturais em relação à escrita e às possibilidades das 223 crianças. Tomando como referência práticas tradicionalmente desenvolvidas no Ensino Fundamental – onde também podemos considerá-las impróprias – são muito comuns as situações onde as crianças, desde muito cedo, são conduzidas a realizarem “tarefinhas” em que têm que copiar a grafia de letras e/ou memorizar seus nomes e valores sonoros, de modo descontextualizado, em que as letras, descoladas dos textos, são descaracterizadas e esvaziadas de sua natureza simbólica, em que a escrita não é experimentada como uma prática cultural, uma atividade com usos e funções significativos às pessoas. Na análise do inciso IV, o qual, aponta experiências que – “recriem, em contextos significativos para as crianças, relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço temporais”. As derivações para a prática pedagógica, passam também pelos sentidos possíveis oriundos na interpretação dos sujeitos – interlocutores. São necessárias “chaves” para decifrar quais conhecimentos podem ser desenvolvidos nas experiências curriculares. Pois, envolvem definições teórico e metodológicas acerca da construção do conceito de número pelas crianças, de suas diferentes formas de registro de quantidade, dos modos como as crianças aprendem/compreendem as diferentes relações quantitativas, e de como esse aprendizado envolve outros conteúdos e operações relativos aos modos históricos como os números foram sendo criados/representados, os princípios aditivos, multiplicativos e características/atributos dos números – ordenação, classificação, seriação, etc. Oliveira (2015) destaca, desse conjunto de experiências, que as crianças podem aprender sobre números, medidas, formas e as relações espaço temporais. Mas, o que constituem esses conteúdos nas práticas educativas? Observamos, em muitos contextos, o trabalho com números a partir de atividades descontextualizadas, nas quais as crianças, por exemplo, precisam fazer relações entre numerais e conjuntos de objetos sem ter vivenciado situações em que pudessem representar tais quantidades utilizando estratégias e símbolos alternativos, ou situações concretas de contagem, associação, pareamento e registro de quantidades. As formas, muitas vezes, se apresentam para as crianças em “tarefinhas” para colorir ou marcar no papel, sem situações e materiais concretos em que elas possam manipular e identificar suas características/composição bidimensional e tridimensional e possam planificá-las em diferentes vistas/ângulos. 224 Como derivações dessas proposições, Oliveira (2015) orienta, por exemplo, como poderiam ser organizadas experiências que garantissem o aprendizado das relações espaciais em diferentes ciclos etários. Os bebês podem aprender a:  Explorar o ambiente deslocando-se (rolar, arrastar, engatinhar, andar, correr) e sentindo as texturas de diferentes tipos de solo, a presença de maior ou menor luminosidade etc.  Entrar e sair de caixas de diversos tamanhos ou em tuneis elaborados com diferentes materiais, passar por baixo de mesas, subir em caixas, subir e descer degraus.  Deslocar objetos no espaço, encaixar, empilhar, guardar, puxar, empurrar, transportar objetos.  Passear por diferentes espaços. Crianças de 2-3 anos podem aprender a:  Conhecer os diferentes locais da unidade, identificar seus usos e nomeá-los.  Brincar de pega-pega, de esconde-esconde.  Percorrer o espaço montado com obstáculos criando circuitos motores com elásticos esticados, tecidos de texturas e transparências variadas, cordas penduradas, bancos, pneus etc.  Carregar e empilhar caixas e outros objetos (vasilhas e potes, embalagens, blocos de madeira, tubos e cones de papelão, ou outros materiais não convencionais).  Montar cabanas de diferentes tamanhos.  Orientar-se corporalmente em relação a: em frente, ao lado, em baixo, em cima, atrás, na frente. Crianças de 4-5 anos podem aprender a:  Produzir cenários para dramatizar.  Fazer maquetes, construir com blocos, fazer dobraduras e esculturas utilizando técnicas e materiais variados.  Desenhar aspectos de um ambiente conhecido em diferentes superfícies colocadas em diferentes planos (parede, chão, mesa etc.) usando lápis, tinta ou carvão.  Explorar novos modos de arranjar os espaços e os brinquedos da sala e do pátio.  Descrever os locais que costuma frequentar e as ações que faz neles. Nas experiências propostas pela autora, as crianças aprendem conhecimentos relativos as relações espaciais, em situações diferentes daquelas nas quais elas são postas a marcar, pintar ou circular desenhos localizados em folhas de papel, identificando seus tamanhos, localização, formatos, etc. A partir do inciso II – “favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical” podemos tecer ainda, uma possibilidade 225 de análise de sentidos possíveis. Em muitas instituições – das redes públicas e privadas – entre as diferentes linguagens mencionadas, as crianças são convidadas a experimentarem o desenho, a despeito de suas riquíssimas possibilidades simbólicas, apenas como “treino da coordenação motora fina” por meio do uso do lápis para colorir dentro de desenhos prontos, estereotipados, cujas formas e significados são, muitas vezes, alheios às possibilidades, necessidades e interesses das crianças. Desse modo, reduz-se o desenho, enquanto linguagem/prática cultural, e as crianças, em sua capacidade de aprender e produzir cultura. Nessas atividades, elas são homogeneizadas, como criaturas em série, tal como os “desenhos” que lhes são propostos. Apagam-se suas singularidades, bem como as possibilidades de que estas se constituam nas experiências. E ainda mesmo quando a elas – às crianças – é dada a possibilidade de “experimentar” produzir o seu desenho, em muitas instituições suas produções são desconsideradas, pois ainda não aproximadas dos modelos propostos, são apenas “riscar papel”. Reiteramos assim, que a discussão acerca de quais conhecimentos constituem as experiências curriculares na/para educação infantil, se apresenta/define de modo muito genérico nas DCNEI, envolve, conforme estamos apontando, diálogos com outros textos, outras referências para a prática. Os sentidos sobre conhecimentos, se constituem, certamente, na discussão, não só sobre ‘o que’ ensinar, mas envolve o ‘como’ ensinar. E, ainda, ‘por que’ esses conhecimentos e não outros, essas experiências e não outras, ou quais experiências se adequam as possibilidades e necessidades de aprendizagem e desenvolvimento em cada ciclo etário. Tais questões, nos apontam a necessidade de boas condições de mediação e estudo com os professores, para que os significados que circulam nas teorizações acerca do que constitui tais conhecimentos e de como as crianças os aprendem, sejam por eles apropriados/compreendidos. A discussão aqui empreendida sobre o conhecimento que integra, compõe as experiências – dos múltiplos sentidos e práticas em que pode desdobrar-se a partir do que está proposto no documento analisado, representa apenas uma das muitas dimensões a considerar nas interfaces entre documentos e as práticas pedagógicas. Que rumo tomar, portanto, demanda saberes não disponíveis a todos os professores que atuam na Educação Infantil em nosso país, dadas as condições desiguais em que têm acesso aos saberes necessários à docência nessa etapa. 226 Outros sentidos e práticas são possíveis. Múltiplos, diversos e pertinentes às crianças. Mas, tal como para cada uma das experiências propostas, implicam outras significações, o que remete, tanto à formação dos professores, quanto a uma ampliação das orientações para os professores, principalmente se consideramos suas díspares experiências formativas, bem como suas singulares possibilidades de apropriação. 5.2.2 O Conhecimento nas Interações e na Brincadeira: eixos norteadores da prática pedagógica No texto das DCNEI, as interações e a brincadeira aparecem como eixos norteadores das práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da educação infantil, conforme citado no artigo nove. No entanto, podemos observar a que a utilização desses termos enquanto elementos constitutivos do currículo, aparece no decorrer do texto, em trechos de artigos anteriores como, por exemplo, no artigo terceiro, quando define que a criança, “nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura”. Observamos que o trecho citado, informa/orienta as ações/experiências e/ou conteúdos que compõem/ou precisam compor as interações possibilitadas nas práticas cotidianas. Também no artigo 8º que destaca, a simultaneidade de garantia de direitos da criança, colocados de forma dicotômica, aqueles direitos relativos à educação- aprendizagem e aqueles relativos as condições de viver sua infância. Entre estes últimos, estão citados, o direito à brincadeira e à interação com outras crianças. Numa perspectiva histórico cultural de desenvolvimento humano, temos compreendido que as interações são sempre mediadas pelo outro e pelos signos. Ou seja, as crianças constroem/elaboram – se apropriam de significados sociais/conhecimentos em suas vivências cotidianas, na medida em que estas são planejadas e desenvolvidas com boas intervenções em contextos de mediação simbólica. Mesmo quando se trata da brincadeira, consideramos a necessidade de planejamento, as crianças aprendem a brincar em contextos nos quais, elas interpretam e transforam suportes e significados culturais. E, por meio da brincadeira, 227 enquanto brinca, ela se apropria de significados que estariam longe de suas experiências concretas de vida. A brincadeira, atua, desse modo, na zona de desenvolvimento proximal. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento. (VIGOTSKI, 2007, p.122) Nesta perspectiva, o brincar se constitui como atividade principal da criança, não necessariamente, devido aos tempos dedicados à brincadeira na primeira infância, nem aos modos como a brincadeira acontece, mas, principalmente, porque provoca transformações importantes nos seus modos de ser, estar e agir no mundo. O que é, em geral, a atividade principal? Designamos por esta expressão não apenas a atividade freqüentemente encontrada em dado nível de desenvolvimento de uma criança. O brinquedo, por exemplo, não ocupa, de modo algum, a maior parte do tempo de uma criança. A criança pré-escolar não brinca mais de três ou quatro horas por dia. Assim, a questão não é a quantidade de tempo que o processo ocupa. Chamamos atividade principal aquela em conexão com a qual ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos psíquicos que preparam o caminho da transição da criança para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento. (LEONTIEV, 1988, p.122) Diante dessas proposições, podemos pensar: como organizar uma proposta tendo tais eixos curriculares? Como efetivamente, esses eixos se articulam na prática? Kishimoto (2010) orienta que as interações que compõem os eixos curriculares são assim explicitadas e caracterizadas:  Interação com a professora ― O brincar interativo com a professora é essencial para o conhecimento do mundo social e para dar maior riqueza, complexidade e qualidade às brincadeiras. Especialmente para bebês, são essenciais ações lúdicas que envolvam turnos de falar ou gesticular, esconder e achar objetos.  Interação com as crianças ― O brincar com outras crianças garante a produção, conservação e recriação do repertório lúdico 228 infantil. Essa modalidade de cultura é conhecida como cultura infantil ou cultura lúdica.  Interação com os brinquedos e materiais ― É essencial para o conhecimento do mundo dos objetos. A diversidade de formas, texturas, cores, tamanhos, espessuras, cheiros e outras especificidades do objeto são importantes para a criança compreender esse mundo.  Interação entre criança e ambiente ― A organização do ambiente pode facilitar ou dificultar a realização das brincadeiras e das interações entre as crianças e adultos. O ambiente físico reflete as concepções que a instituição assume para educar a criança.  Interações (relações) entre a Instituição, a família e a criança ― A relação entre a instituição e a família possibilita o conhecimento e a inclusão, no projeto pedagógico, da cultura popular e dos brinquedos e brincadeiras que a criança conhece. (Ibid; pp. 02-03). No texto publicado sob sua consultoria destaca-se que a qualidade das interações entre professores e crianças pode facilitar ou dificultar o diálogo e as ações de reciprocidade. Defende, portanto que as professoras estabeleçam uma relação que envolve corpo e olhar numa perspectiva se igualdade. Como, por exemplo, sentar na roda junto às crianças no lugar de observar de fora, e inclinar-se para ‘olhar’ nos olhos das crianças, no lugar de olhar de cima, impondo ação. “Essa forma de interação possibilita a construção de uma cultura partilhada entre a professora e a criança, criando um fluxo positivo que potencializa a aprendizagem”. (BRASIL, 2012, p. 16). Nesse texto, são organizados doze itens especificados a partir das experiências propostas no artigo nove das DCNEI. Para cada item, são propostas algumas possibilidades de experiências, com orientações metodológicas de como organizar os objetos, as atividades, as interações e brincadeiras. Sendo assim, para o item (a), conhecimento de si e do mundo, são listadas de modo prescritivo, possibilidades de experiência corporal, experiência com cores, experiência com sons, experiências corporais e afetivas, exploração e conhecimento do mundo e experiências expressivas. No item (b), linguagens e formas de expressão, aponta modos de valorizar as interações e a brincadeira, orientado experiências / situações educativas com expressão gestual e verbal, expressão dramática, expressão plástica e expressão musical, com listas de sugestões práticas. O item (c), narrativas e gêneros textuais, orais e escritos, lista sugestões para ampliar as experiências de narrativas infantis, bem como, os principais objetos e atividades que podem ser utilizados, e ainda, 229 especifica com exaustão, diversas sugestões para ouvir histórias e recontar e para ampliar essa vivência. Já no item (d), a brincadeira e o conhecimento do mundo matemático, apresenta uma lista de brincadeiras para pensar sobre como medir e quantificar. No item (e) orienta a organização de tempos para brincadeiras individuais e coletivas. E no item (f) aborda orientações sobre modos de organizar os espaços e as interações para possibilitar brincadeiras livres: cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem- estar. O item (g), brincadeiras e vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, para favorecer a identidade e diversidade, sugere uma série de situações e ações que favorecem essas vivências e construção da identidade e diversidade culturais. Detalha, inclusive, um passo a passo, para ajudar na criação de normas para o convívio no dia a dia. No item (h), brincadeiras: mundo físico e social, o tempo e a natureza, são listas algumas sugestões de experiências relativas ao mundo físico, mundo social, natureza e tempo, em quatro blocos separados. E, para os itens (i) brincadeiras com música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura, (j) brincadeiras, biodiversidade, sustentabilidade e recursos naturais, (k) brincadeiras e manifestações de tradições culturais brasileiras e (l) brincadeira e tecnologia, são também listadas orientações sobre como organizar tais experiências nas interações e práticas cotidianas, especialmente, por meio da brincadeira. O documento orientador, define, portanto, modos de intervenção nas interações e brincadeiras, assumindo a perspectiva de que a criança, aprende e se desenvolve, na brincadeira, especialmente aquela voltada ao faz de conta, e o professor precisa possibilitar experiências que envolvem interações e brincadeiras que promovam o acesso e a apropriação de conhecimentos. 5.2.3 O Conhecimento e as Experiências Educativas que integram o Currículo Observamos a assunção, no documento, de uma perspectiva curricular orientada por experiências, cujas escolhas em relação ao que e como serão desenvolvidas/integradas são da responsabilidade, de cada instituição e de seus profissionais. Mas, o que constitui experiências educativas? Porque as experiências 230 integram e organizam o currículo nas DCNEI? As experiências são atividades ou conjuntos de atividades? Como podemos pensar/estruturar um currículo orientado por experiências? Como vimos nas análises anteriores, os objetivos definidos para serem garantidos/alcançados nas experiências preveem conteúdos/objetos da cultura a serem desenvolvidos – ensinados e aprendidos na educação infantil. Estamos considerando que esses objetos/objetivos do currículo constituem o que estamos chamando de conhecimentos, sejam de linguagens, de procedimentos, de valores, de concepções/conceitos, assim, como de sentidos/significados sociais acerca das coisas do mundo, das práticas culturais. A discussão em torno de experiências educativas na educação infantil, não é recente. Podemos identificar a ideia de um currículo que considere, possibilite e amplie experiências das crianças, desde algumas propostas precursoras apresentadas no capítulo anterior. Com ênfases e fundamentos teóricos diferentes, a experiência aparece nos currículos propostos por Rousseau, Froebel, Montessori e Dewey. Em Rousseau, vimos que a criança aprende por meio da experiência livre, prática e direta com o meio, e que tais experiências contribuem para a passagem da educação/razão sensitiva para a educação/razão intelectual, sem pressa de ensinar conteúdos de forma precoce. Enquanto, Froebel propõe uma educação como atividade que envolve o jogo e a auto-atividade, a partir de instruções e materiais concretos (presentes). Assim como Montessori, que aperfeiçoou a ideia de experiências com materiais elaborados cientificamente para o desenvolvimento do intelecto e de tarefas da vida prática. Identificamos nos fundamentos pedagógicos da educação progressista proposta por Dewey (2002; 2007; 2011) e de sua teoria da experiência humana, educativa e reflexiva, embasamentos para nossa compreensão dos sentidos de experiência nas DCNEI. Para Dewey, conforme vimos no capítulo anterior, a criança deve aprender fazendo, suas experiências devem ser consideradas na organização curricular e ampliadas por meio de sua interação com os objetivos educacionais a serem desenvolvidos. Para tanto, ele propõe que independente da “matéria de estudo” o currículo deve derivar das experiências da “vida cotidiana”. Na educação, tais experiências, assumem ou são definidas/organizadas por meio de princípios como a continuidade, a liberdade e a formação de atitudes e comportamentos. As abordagens interacionistas, no campo da psicologia, também referenciam a valoração da experiência nos processos de aprendizagem e desenvolvimento da 231 criança. Piaget e Inhelder (2003) explica em sua teoria cognitivista que as experiências físicas e lógico-matemáticas, e as experiências sociais (interações e transmissões) se constituem fatores que impulsionam o desenvolvimento mental, somadas a maturação orgânica e ao processo de equilibração constante80. Vigotski (2007) nos fala de interações sociais – sempre mediadas por outros e pelos signos, que possibilitam processos de apropriação de práticas culturais/conhecimentos. Dessa perspectiva, as experiências sociais/educativas das crianças com os objetos do meio/da cultura, precisam envolver sempre a mediação simbólica, por meio de intervenções, questionamentos e informações. A linguagem, nesse sentido, constitui e medeia o conhecimento, o desenvolvimento cognitivo. Consequentemente, tendo como base, tais fundamentos filosóficos, psicológicos e pedagógicos, as abordagens curriculares mais recentes, considerando perspectivas diferentes, propõem a organização/sistematização do conhecimento na/para educação infantil por meio de experiências. Como vimos, no capítulo anterior, a abordagem High Scope propõe as experiências-chave no desenvolvimento do currículo, já a abordagem curricular da Espanha, organiza o currículo em âmbitos de experiências e a proposta de Reggio Emilia propõe a centralidade das relações entre crianças e suas experiências cotidianas que se desencadeiam em projetos em pequenos grupos, exploração/experimentação de materiais disponíveis livremente, construção de sentidos e formas de expressão em diferentes linguagens. Barbosa (2009) considera que a ampliação dos conhecimentos cotidianos e científicos das crianças precisa estar presente nos objetivos, finalidades, organização e práticas cotidianas dos estabelecimentos educacionais, para tanto, ressalta que é preciso priorizar, selecionar, classificar e organizar conhecimentos de modos mais próximos das experiências dinâmicas das crianças e não da visão fragmentada da especialização disciplinar. Nesse sentido, define que: O objetivo da educação infantil, do ponto de vista do conhecimento e da aprendizagem, é o de favorecer experiências que permitam às crianças a apropriação e a imersão em sua sociedade, através das práticas sociais de sua cultura, das linguagens que essa cultura produz, e produziu, para construir, expressar e comunicar significados e sentidos (BARBOSA, 2009, pp.47-48). 80 Que envolve, por sua vez, os mecanismos de assimilação, acomodação e equilibração, na interação com os objetos do meio. 232 Dessa forma, a autora propõe “o currículo em ação”, onde há lugar para a ludicidade, tempo para a construção de cultura de pares, espaço para o encontro e interlocução entre as crianças e os professores, tendo como base a articulação de princípios educativos, considerando os conhecimentos explícitos e o que está oculto nas práticas cotidianas. Como a dar força às suas proposições, a autora afirma que os contextos sociais e familiares podem ter destaque na formulação destes princípios e dos conhecimentos curriculares e esclarece que “o ensino de conhecimentos sistematizados e tradicionalmente vinculados à lógica escolar não dão conta do universo complexo dos mundos da infância porque, ao seccionar o cotidiano em disciplinas, reduz o poder do pensamento complexo das crianças” (BARBOSA, 2009, p. 51). Em função disso, defende que a vida social em sua complexidade precisa estar presente no currículo da educação infantil. As experiências educativas aparecem e são propostas, então, em oposição ao currículo organizado por eixos/blocos/áreas de conhecimentos e/ou disciplinas curriculares. Nos subsídios elaborados por Kramer (2009), a autora propunha eixos de saberes e conhecimentos como organizadores das experiências de aprendizagem a serem ampliadas: - As crianças, o cuidado e o conhecimento de si e do outro: experiências sensoriais, expressivas, corporais, que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito/consideração pelos ritmos, desejos e necessidades do corpo; planejamento e organização pessoal, de saúde, cuidado e auto- cuidado. - As crianças e o conhecimento do outro e do mundo social: experiências sócio-afetivas, de planejamento, organização pessoal e social; cuidado com o coletivo; experiências que despertem a curiosidade acerca do mundo social e que levem a conhecer, produzir e inserir-se na cultura. - As crianças e a Arte: experiências estéticas e expressivas com a música, artes visuais e plásticas, cinema, fotografia, dança, teatro, literatura. - As crianças, a leitura e a escrita: experiências de narrativa, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos. - As crianças e o conhecimento matemático: experiências de exploração e ampliação de conceitos e relações matemáticas. - As crianças e a natureza: experiências que possibilitem o contato, o conhecimento, o cuidado (a preservação) da biodiversidade e a sustentabilidade da vida na Terra (KRAMER, 2009, p. 24). 233 Kramer (2009) propõe que as experiências a serem garantidas no currículo, se organizem em torno das crianças e de grupos/eixos de saberes e conhecimentos. Barbosa (2009) de um modo diferente, propõe, como citamos anteriormente, que os campos da organização curricular são as práticas sociais e as linguagens – que envolvem também experiências com as diversas áreas do saber e suas linguagens. No entanto, o currículo por experiências, proposto nas DCNEI, rompe com eixos/blocos de conhecimentos propostos na organização curricular do RCNEI, assim como, também se distancia da proposta de Kramer (2009), apesar de citar/utilizar parte das experiências descritas no seu texto, e de Barbosa (2009). Pois, ambas traziam as experiências como constitutivas do currículo e de suas práticas cotidianas, mas a primeira propunha para organizar as experiências, eixos de saberes e conhecimentos, e a segunda por meio de linguagens e práticas sociais. Enquanto as DCNEI, conforme ilustramos na figura 1 no início desse capítulo, define que linguagens e conhecimentos se constituem como objetos de aprendizagem e se desenvolvem, portanto, “dentro” das experiências, que devem ser propiciadas, por sua vez, tendo como eixos as interações e a brincadeira. Mas, o que constitui experiência? Na discussão de Augusto (2013), identificamos vários modos, os quais no referimos ao termo experiência em nosso cotidiano. No dia a dia, recorremos à experiência para resolver problemas práticos, dos mais simples aos mais complexos. Em situações menos práticas, em que é preciso contornar dificuldades, dizemos, de modo reflexivo: é preciso aprender com a experiência. No mundo profissional, a experiência agrega valor ao trabalho especializado, complementando e, muitas vezes, se sobrepondo à formação universitária. Também usamos a palavra experiência para nos referirmos ao modo de funcionamento de muitos campos das ciências, um modo que pressupõe procedimentos e protocolos para verificar ou demostrar certa hipótese. Esse termo também é usado pelos artistas em sentido contrário ao do cientista, menos ligado à repetição de procedimentos, mas, sim, ao imprevisto, à surpresa, à inovação, características típicas das vanguardas. (Ibid; p. 03). Na prática pedagógica, experiência educativa diferencia-se de vivência. Augusto (2013) lista alguns exemplos de vivências que comumente não constituem uma experiência transformadora: 234 Uma análise de um dia vivido na instituição de Educação Infantil pode apontar uma lista de inúmeras atividades pelas quais as crianças e professores passam e que pouco as afetam, atividades com pouco ou nenhum desafio, como: preencher fichas de tarefas simples, ligar pontos, colorir desenhos prontos etc.; conhecer uma grande quantidade de informações extraídas dos livros, sem conversar com os colegas sobre os sentidos que isso tem para cada um; longos períodos de espera conduzidos de forma heterônoma pelos adultos; exercícios repetitivos de coordenação motora, preparatórios de alfabetização, entre outros. (AUGUSTO, 2013, p. 04) Na análise desta autora, a criança pode se envolver nas propostas que lhe são feitas com a curiosidade própria da experimentação dos cientistas, a criatividade da inovação dos artistas experimentais, a prática que conduz todas as ações no dia a dia e /ou a sabedoria da memória de situações já vividas. Mas, a mais importante característica da experiência educativa reside na sua capacidade de transformação. A experiência é fruto de uma elaboração, portanto, mobiliza diretamente o sujeito, deixa marcas, produz sentidos que podem ser recuperados na vivência de outras situações semelhantes, portanto, constitui um aprendizado em constante movimento. Aprender em si mesmo, como processo que alavanca o desenvolvimento, é uma experiência fundamental às crianças e compromisso de uma boa instituição educativa. (Ibid; p. 05) Essa perspectiva se aproxima, das experiências propostas por Dewey (2007; 2011) como organizativas e estruturantes do processo educativo. Quando ele se refere, aos aspectos gerais de uma experiência reflexiva, o filósofo enumera os processos extremamente importantes na prática científica, o que pode fundamentar, por exemplo, o trabalho com projetos de pesquisa na educação infantil. São eles (1) perplexidade, confusão e dúvida devidas ao facto de que uma pessoa estar envolvida numa situação incompleta, cujo carácter não está ainda completamente determinado; (2) antecipação hipotética – tentativa de interpretação dos elementos dados, atribuindo-lhes uma tendência para produzir certas consequências; (3) exame cuidadoso (observação, inspecção, exploração e análise) de todas as considerações possíveis que definam e clarifiquem o problema; (4) a consequente elaboração de uma tentativa de hipótese para o formar mais preciso e mais consciente, porque mais adaptado a um maior âmbito de circunstâncias; (5) tomar uma posição em relação à hipótese projectada como um plano de ação que se aplica ao estado das coisas existente: fazer alguma coisa para produzir o resultado previsto e, desta forma, testar a hipótese. (DEWEY, 2007, pp. 138-139). 235 Ressaltamos que as experiências de aprendizagem não podem ser confundidas por projetos de trabalho e/ou de pesquisa, no entanto, o projeto pode funcionar como uma maneira de organizar o processo, assim como uma atividade ou uma sequência didática. Ou seja, tais modalidades metodológicas81, envolvem, ou podem envolver, conjuntos de experiências. Uma experiência, se constitui numa atividade, na medida em que assume, por exemplo, suas características de liberdade, continuidade e transformação. Em recente revisão e atualização de sua publicação anterior, as autoras Faria e Salles82 (2012) alteram o discurso produzido acerca do currículo na educação infantil, definindo a organização curricular por campos de experiência. Deste modo, propõem os três grandes campos: Eu no mundo social e natural; Linguagens e Artes; e Matemática, nos quais as autoras buscam agrupar as diversas experiências, relacionadas aos saberes e conhecimentos, a serem trabalhadas numa instituição de educação infantil. Para cada campo de experiência, no entanto, as autoras estruturam eixos de experiências que o constituem, e para cada eixo, elas listam os objetivos, experiências, ações do professor e os saberes e conhecimentos que podem ser construídos pelas crianças na vivência de tais experiências. Assim, definem para o Campo Eu no mundo social e natural, três eixos: 1) Experiências relacionadas aos saberes e conhecimentos sobre o mundo social; 2) Experiências relacionadas aos saberes e conhecimentos sobre o mundo natural e físico; e 3) Experiências relacionadas aos saberes e conhecimentos sobre si mesmo e sobre o outro. No campo Linguagens e Artes, elas categorizam da seguinte forma: 1) Experiências relacionadas aos saberes e conhecimentos sobre linguagem corporal, movimento, teatro e dança; 2) Experiências relacionadas aos saberes e conhecimentos sobre o brincar como linguagem e cultura; 3) Experiências relacionadas aos saberes e conhecimentos sobre a linguagem verbal e a literatura; 4) Experiências relacionadas aos saberes e conhecimentos sobre a linguagem e as artes visuais e plásticas; e 5) Experiências relacionadas aos saberes e conhecimentos sobre a linguagem e a arte musical. Por fim, no Campo Matemática, elas listam 81 Discutimos sobre modalidades metodológicas e experiências mais adiante. 82 A referida obra foi distribuída pelo FNDE através do PNLD na categoria formação docente, no ano de 2013, entre as obras que constituem um kit com 20 livros de formação docente para cada instituição educativa. 236 experiências relacionadas aos saberes e conhecimentos sobre números e quantidades, medidas e noções espaçotemporais. Consideramos que tais reformulações feitas pelas autoras, se adequam de forma antagônica as concepções e proposições de um currículo organizado por experiências nas DCNEI (BRASIL, 2009g). As experiências descritas no documento, não cabem numa estrutura organizada por áreas de conhecimentos, pois se contrapõem ao seu modo compartimentalizado/fragmentado de organização curricular. No interior dos Campos de Experiências, as autoras, separam e diferenciam os eixos de experiências relacionando-as com eixos de conhecimentos específicos e aproximados, por exemplo, dos eixos do RCNEI. Mas, como organizar um currículo por experiências, considerando a aproximação dessas com aquelas encontradas/vivenciadas na vida cotidiana, e, portanto, de natureza interdisciplinar? Oliveira (2015) ressalta que as experiências foram pensadas por possibilitarem, o reconhecimento do protagonismo da criança, a valorização do sentido pessoal que cada criança empresta às vivências propostas e aos conhecimentos nelas construídos e o caráter prático-reflexivo que devem assumir as práticas pedagógicas propostas às crianças. A autora orienta que os planejamentos dessas experiências, precisam: Assegurar um caráter vivencial, interdisciplinar e mobilizador da autonomia infantil. Ser produzidos para uma realização diária, semanal, mensal ou por períodos mais longos, no caso de projetos. Ser acompanhados e avaliados pelo registro continuado das observações críticas e criativas dos professores sobre as atividades realizadas, em especial das brincadeiras e interações das crianças. Para esse planejamento – gestão e avaliação - das experiências educativas, Ferreira (2013) organiza um quadro que lista os campos de experiências de aprendizagem relacionando-os às perguntas que contribuem com a gestão do trabalho pedagógico e aquelas que contribuem para a reflexão sobre a aprendizagem da criança, como estratégias para observar, acompanhar, registrar – avaliar, tanto as práticas pedagógicas desenvolvidas, como as aprendizagens das crianças, nas suas interações e brincadeiras – eixos da prática curricular. O desafio que se coloca para a elaboração curricular, segundo Oliveira (2013), consiste em transcender a prática pedagógica centrada no(a) professor(a) e garantir 237 experiências que possibilitem “o encontro de explicações pela criança sobre o que ocorre à sua volta e consigo mesma, enquanto desenvolve formas de sentir, pensar e solucionar problemas” (Ibid; p. 06). Deste modo, não se trata de pura transmissão de uma cultura considerada pronta, mas, de promover interações nas quais as crianças busquem compreender o mundo e a si mesma, através de processos de significação e construção de cultura, de um modo muito próprio e marcado pelo momento histórico. Na proposta do currículo organizado por experiências, Augusto (2013) esclarece que os saberes das crianças devem ser validados pela escola e considerados desde o planejamento do professor, visando à sua articulação aos novos conhecimentos83. Desse modo, espera-se que a criança possa envolver-se em processos de significação tomando os novos conhecimentos e diferentes modos de aprender como parte de sua própria experiência. Nessa perspectiva, não é possível pensar que se deve focar uma área de conhecimento como uma experiência específica, pois estas são sempre interdisciplinares. Em síntese, podemos compreender, considerando as DCNEI, que a experiência educativa deve expandir/ampliar os saberes prévios das crianças, articulando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, por meio de, ao nosso ver, processos de significação das crianças. Augusto (2013) orienta que na educação infantil a experiência está circunscrita por condições de interação, de diversidade e de continuidade84. Fundamentada em Vigotski, a autora assevera que a experiência é sempre construída na interação, portanto, “é sempre simbólica, mediada pela cultura, inscrita na história do sujeito que, dialeticamente, dialoga com a história de seu tempo, de seu meio, de outros homens. ” (Ibid, p. 23). Sobre as condições de diversidade, a autora explica que é importante selecionar as experiências com base nos enfoques do planejamento do professor, sendo assim, mesmo considerando que para a criança, a experiência é sempre total, integrada e integradora de sentidos, é possível articular propostas diversas em atividades individuais e coletivas, regulares e sistemáticas, constituindo campos mais amplos de experiências, conforme aquelas propostos no artigo nove das DCNEI. 83 Assim como, proposto nos estudos de Dewey, apesar do filosofo não ser citado pela autora. 84 Ver também princípios de Dewey apresentados no capítulo e retomados brevemente nesse capítulo. 238 No entanto, mesmo considerando que a diversidade de experiências se constitui como base fundamental para as possibilidades de elaboração das crianças, Augusto (2013, p. 26) assevera que “é a continuidade que promove a exploração, a investigação, a sistematização de conhecimentos e a atribuição de sentidos”. Nesse sentido, é preciso pensar sobre estratégias de gestão do tempo85 no planejamento pedagógico, considerando que: A exploração de uma enorme diversidade de materiais e situações, em si, não promove a experiência, se a criança não tiver o tempo necessário para retomar uma atividade iniciada em outro momento, apropriar-se de procedimentos, testar novos usos dos mesmos materiais, sistematizar conhecimentos. (Ibid, p. 25). Sobre a gestão do tempo pedagógico na educação infantil, tem se colocado questionamentos que desafiam as práticas pedagógicas, tais como: Como deve ser feita a proposta às crianças? Será um tempo de apropriação individual ou um tempo de compartilhar experiências? Por que todos/as precisam sempre fazer tudo, juntos? Isso é mesmo necessário? E é o melhor para as crianças? E no caso de propostas coletivas, como conciliar os tempos individuais e o tempo do grupo? Que alternativas ou opções oferecer aos que já concluíram o que estavam fazendo? Sobre isso, a autora orienta que: No seu planejamento diário, o professor deve destinar tempo às propostas que ele fará ao grupo e também tempo para que as próprias crianças inventem seus problemas, coloquem-se desafios de criação, desenvolvam seus projetos pessoais em qualquer situação, seja em ateliês de arte, no parque etc. A criança tem muito que aprender sobre seu tempo de produção e o professor, consequentemente, deve organizar modos de apoiar essa importante aprendizagem. Observando atentamente como as crianças vivem o tempo de criação, será possível criar alternativas à gestão da sala, para que não haja homogeneização desnecessária. (AUGUSTO, 2013) Identificamos que a obra de Faria e Salles (2012), assim como, uma publicação organizada por Oliveira, Maranhão, Abbud, Zurawski, Ferreira e Augusto (2012)86, retomam a gestão do tempo curricular tendo como base as modalidades 85 A autora cita, por exemplo, as propostas de Lerner (2002) no campo da didática que possibilitam a utilização de modalidades organizativas na gestão do tempo pedagógico, como as atividades permanentes, as sequências didáticas e os projetos coletivos. 86 Que também compõe o acervo de obras distribuído pelo FNDE, em 2013. 239 organizativas, já propostas no RCNEI (BRASIL, 1998) e ainda possíveis de organizar as experiências educativas. Desse modo, orientam que pode acontecer a instituição de tempos mais estáveis e permanentes para as atividades, o que propõe uma aproximação com vistas à construção de familiaridade com determinadas práticas, que exigem o desenvolvimento de hábitos e comportamentos específicos. É o caso, por exemplo, da roda para conversar, da roda para ler e contar histórias e dos momentos de alimentação; bem como, a proposição de sequências didaticamente pensadas para inserir graus crescentes de desafios às crianças, sempre baseadas em avaliações das aprendizagens e na projeção de novos objetivos e ainda, a organização de projetos coletivos que permitem à criança aprender com seus pares e ser apoiada na pesquisa, investigação, sistematização e comunicação de novos conhecimentos, utilizando seus próprios recursos, além de outros que ela pode ter acesso no ambiente da Educação Infantil, tais como livros, vídeos, instrumentos e materiais específicos etc. Sendo assim, as modalidades metodológicas parecem ser uma possibilidade para o desenvolvimento de experiências curriculares. No entanto, observamos que a organização em campos/conjuntos de experiências propostos nos estudos citados, não aparece diretamente proposta nas DCNEI. Ao contrário, o documento define, como vimos, que os modos de integração/articulação das experiências podem se orientar de modo diferente para cada instituição/rede educativa. Como forma de instrumentalizar os professores acerca das proposições curriculares nas DCNEI, vimos que foram publicados textos apresentados no I Seminário Nacional do Currículo em Movimento. No entanto, não podemos deixar de observar que tais orientações curriculares deixam marcas de imprecisões e polêmicas nas (in)definições curriculares, na medida em que os textos foram encomendados, escritos e publicados separados por eixos de conhecimentos e linguagens – linguagem escrita, matemática, ciências, entre outros, em contraposição, portanto, as discussões atuais. Por outro lado, entendemos a dificuldade para escrever orientações curriculares, considerando, ao mesmo tempo, as especificidades e as relações entre conhecimentos de diferentes naturezas a serem ensinados-aprendidos nas experiências cotidianas da educação infantil planejadas de maneira intencional. Ainda mais considerando que as linguagens e/ou conhecimentos, enquanto práticas culturais a serem aprendidos pelas crianças não são – como não são em nenhum 240 contexto educativo – inteiramente correspondentes aos objetivos pré-definidos e nem iguais para todos os aprendizes. Reiteramos, que em nossas análises do documento-texto que institui as DCNEI (BRASIL, 2009g) encontramos, assim como, nos textos e contextos com os quais dialogamos, contradições e imprecisões relativas a currículo e conhecimento na/para educação infantil. No entanto, consideramos que tais contradições são próprias desse movimento que envolve negociação se sentidos e significados acerca do que constitui uma educação infantil de qualidade na contemporaneidade. Desse modo, podemos dizer que as definições/proposições das DCNEI são adequadas as discussões mais atuais – aqui amplamente delineadas – acerca das especificidades de currículos para educação infantil. O texto apresenta uma síntese produtiva, importante e avançada, dentro dos padrões possíveis a que são submetidos, por ser um documento oficial em formato de diretrizes. Sendo assim, precisa ser estudada, discutida pelos professores, em diálogo, assim como o exercício feito nessa tese, com outros textos, outras referências para área. 5.3 AS DCNEI E A CONSTRUÇÃO DE UMA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR DA EDUCAÇÃO INFANTIL São muitos os desafios postos, pela circulação de novos sentidos e significados, acerca do que trabalhar com as crianças, nas interações e na brincadeira, por meio de campos de experiências87. Pois, como podemos perceber na trajetória de propostas curriculares para educação infantil, as DCNEI marcam uma ruptura como os modos de organização que vinham sendo propostos, principalmente, por eixos de conhecimentos e/ou por linguagens. Observamos, no entanto, que os modos como são definidos e delimitados, os campos de experiências, em diferentes propostas publicadas após as DCNEI, também são diversos. Portanto, consideramos pertinente, discutir/analisar, ainda que brevemente, um documento que está atualmente em discussão/elaboração/revisão com definições acerca do currículo da educação básica em nosso país. 87 O termo campos de experiências não aparece proposto nas DCNEI, e sim nos textos que circulam no contexto de sua aprovação, os quais apresentamos e discutimos. O currículo organizado por Campos de Experiências aparece, oficialmente, no texto preliminar que define a base nacional comum curricular, que apresentaremos brevemente nesse tópico. 241 Como vimos no capítulo três, a Lei nº 12.796 de 04 de abril de 2013, alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, em alguns aspectos, entre esses, destacamos a nova redação dada ao Art. 26, destacando a necessidade de sistematização do currículo, desde a educação infantil, incluindo a polêmica necessidade de uma base nacional curricular que seja comum e determinada. Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. É nesse contexto, como meta do novo Plano Nacional da Educação – PNE, aprovado em 2014, que o documento preliminar que propõe a base nacional comum curricular para educação básica está sendo discutido. Foi disponibilizado, recentemente, em setembro de 2015, para consulta pública, que deve se encerrar em meados de março de 2016. A documento foi elaborado a partir de princípios definidores de direitos de aprendizagem dos educandos, conforme destacamos abaixo: O objetivo da BNC é sinalizar percursos de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes ao longo da Educação Básica, compreendida pela Educação Infantil, Ensino Fundamental, anos iniciais e finais, e Ensino Médio, capazes de garantir, aos sujeitos da educação básica, como parte de seu direito à educação, que ao longo de sua vida escolar possam:  desenvolver, aperfeiçoar, reconhecer e valorizar suas próprias qualidades, prezar e cultivar o convívio afetivo e social, fazer-se respeitar e promover o respeito ao outro, para que sejam apreciados sem discriminação por etnia, origem, idade, gênero, condição física ou social, convicções ou credos;  participar e se aprazer em entretenimentos de caráter social, afetivo, desportivo e cultural, estabelecer amizades, preparar e saborear conjuntamente refeições, cultivar o gosto por partilhar sentimentos e emoções, debater ideias e apreciar o humor;  cuidar e se responsabilizar pela saúde e bem-estar próprios e daqueles com quem convive, assim como promover o cuidado com os ambientes naturais e os de vivência social e profissional, demandando condições dignas de vida e de trabalho para todos;  se expressar e interagir a partir das linguagens do corpo, da fala, da escrita, das artes, da matemática, das ciências humanas e da natureza, assim como informar e se informar por meio dos vários recursos de comunicação e informação; 242  situar sua família, comunidade e nação relativamente a eventos históricos recentes e passados, localizar seus espaços de vida e de origem, em escala local, regional, continental e global, assim como cotejar as características econômicas e culturais regionais e brasileiras com as do conjunto das demais nações;  experimentar vivências, individuais e coletivas, em práticas corporais e intelectuais nas artes, em letras, em ciências humanas, em ciências da natureza e em matemática, em situações significativas que promovam a descoberta de preferências e interesses, o questionamento livre, estimulando formação e encantamento pela cultura;  desenvolver critérios práticos, éticos e estéticos para mobilizar conhecimentos e se posicionar diante de questões e situações problemáticas de diferentes naturezas, ou para buscar orientação ao diagnosticar, intervir ou encaminhar o enfrentamento de questões de caráter técnico, social ou econômico;  relacionar conceitos e procedimentos da cultura escolar àqueles do seu contexto cultural; articular conhecimentos formais às condições de seu meio e se basear nesses conhecimentos para a condução da própria vida, nos planos social, cultural, e econômico;  debater e desenvolver ideias sobre a constituição e evolução da vida, da Terra e do Universo, sobre a transformação nas formas de interação entre humanos e com o meio natural, nas diferentes organizações sociais e políticas, passadas e atuais, assim como problematizar o sentido da vida humana e elaborar hipóteses sobre o futuro da natureza e da sociedade;  experimentar e desenvolver habilidades de trabalho; se informar sobre condições de acesso à formação profissional e acadêmica, sobre oportunidades de engajamento na produção e oferta de bens e serviços, para programar prosseguimento de estudos ou ingresso ao mundo do trabalho;  identificar suas potencialidades, possibilidades, perspectivas e preferências, reconhecendo e buscando superar limitações próprias e de seu contexto, para dar realidade a sua vocação na elaboração e consecução de seu projeto de vida pessoal e comunitária;  participar ativamente da vida social, cultural e política, de forma solidária, crítica e propositiva, reconhecendo direitos e deveres, identificando e combatendo injustiças, e se dispondo a enfrentar ou mediar eticamente conflitos de interesse. (BRASIL, 2015) Considerando as especificidades das crianças atendidas na educação infantil o texto preliminar que institui a base nacional comum curricular para esta etapa educativa, com base nos princípios acima, define como direitos de aprendizagem: CONVIVER democraticamente, com outras crianças e adultos, com eles interagir, utilizando diferentes linguagens, e ampliar o conhecimento e o respeito em relação à natureza, à cultura, às singularidades e às diferenças entre as pessoas; BRINCAR cotidianamente de diversas formas e com diferentes parceiros, interagindo com as culturas infantis, construindo conhecimentos e desenvolvendo sua imaginação, sua criatividade, suas capacidades emocionais, motoras, cognitivas e relacionais; 243 PARTICIPAR, com protagonismo, tanto no planejamento como na realização das atividades recorrentes da vida cotidiana, na escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo linguagens e elaborando conhecimentos; EXPLORAR movimentos, gestos, sons, palavras, histórias, objetos, elementos da natureza e do ambiente urbano e do campo, interagindo com diferentes grupos e ampliando seus saberes e linguagens; COMUNICAR, com diferentes linguagens, opiniões, sentimentos e desejos, pedidos de ajuda, narrativas de experiências, registros de vivências e de conhecimentos, ao mesmo tempo em que aprende a compreender o que os outros lhe comunicam; CONHECER-SE e construir sua identidade pessoal e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento nas diversas interações e brincadeiras vivenciadas na instituição de Educação Infantil. (BRASIL, 2015). Para tanto, propõem um arranjo curricular por campos de experiência, e para cada campo proposto, apontam objetivos de aprendizagem que se desdobram dos seis direitos de aprendizagem definidos anteriormente. Sendo assim, são elencados cinco campos de experiências, assim nomeados: o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; escuta, fala, pensamento e imaginação; traços, sons, cores e imagens; espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Nesse sentido, o documento explicita que “os objetivos de aprendizagem são apresentados a partir das quatro áreas do conhecimento tendo como referências campos de experiências potencializadores das relações das crianças com múltiplas linguagens e conhecimentos. ” (BRASIL, 2015, p. 16). Esclarece, citando o parecer das DCNEI (BRASIL, 2009f) que as experiências de aprendizagem criadas para atender os objetivos propostos, são “experiências concretas na vida cotidiana que levam à aprendizagem da cultura, pelo convívio no espaço coletivo, e à produção de narrativas, individuais e coletivas, por meio de diferentes linguagens”. (BRASIL, 2015, p. 20). E, assevera ainda, que as diversas experiências que podem ser desenvolvidas em instituições de educação infantil, “não ocorrem de modo isolado ou fragmentadas, mas são promovidas por um conjunto de práticas que articulam os saberes e os fazeres das crianças com os conhecimentos já sistematizados pela humanidade. ” (BRASIL, 2015, p. 20). Diante disso, acrescenta que os Campos de Experiências são “conjuntos formados considerando alguns pontos de convergência entre os elementos que os orientam” (BNCC/BRASIL, 2015, p. 20). Um campo de experiência propõe uma relação da criança com a aprendizagem que vai além da realização de atividades – muitas vezes, mecânicas e 244 repetitivas, comuns em creches e pré-escolas, como pintar, escrever, desenhar, contar e / ou recortar. Se configura como diversos tipos de situações que propiciam às crianças experiências que envolvem sua história de vida, suas percepções, relações e interações com as pessoas e as coisas do mundo que a cerca. Analisando os Campos de Experiências propostos na BNCC, identificamos que foram organizados, tendo como base, os tipos de interações sociais das crianças com o meio/com o mundo em que vive, ou seja, os modos como as crianças interagem com a cultura e se apropriam dos significados elaborados socialmente. Envolvem mecanismos, processos de aprendizagem e desenvolvimento da criança enquanto sujeito humano com funções mentais superiores que envolvem linguagem-cognição, emoções e motricidade. Não podem, desse modo, ser compreendidas com a ótica de separá-las/agrupá-las em áreas de conhecimento. O documento, inclusive, explica textualmente, como os conhecimentos e linguagens das diferentes áreas, estão inclusos em todos os campos de experiências propostos. Desse modo, os campos de experiências não são blocos/agrupamentos de conhecimentos e linguagens, mas se organizam em torno de formas de ação e interação das crianças pequenas em seus exercícios/desafios cotidianos de compreender e construir sentidos sobre o mundo e sobre si mesma. Assim, o que varia de um campo para outro é a natureza da experiência, relativa aos modos/processos/desafios que a criança utiliza/enfrenta em sua vida, especialmente na primeira infância – de 0 a 6 anos. Na análise de cada um dos campos de experiências, podemos entrever, portanto, que as relações das crianças com o meio que constituem cada campo, se aproximam e/ou se fundamentam nas teorias sociointeracionistas que estudam o desenvolvimento humano, entre as quais, as abordagens de Henri Wallon e Vigotski. A descrição feita no texto de cada campo, remete aos processos de aprendizagem e desenvolvimento88 por meio de interações sociais e mediações simbólicas. No Campo de Experiências “o eu, o outro e o nós” considera-se as interações entre crianças e entre crianças e adultos e o papel dessas interações na constituição de seus modos próprios de agir, sentir, pensar e diferenciar-se dos outros e, ao mesmo, reconhecendo-se como sujeitos humanos pertencentes aos grupos sociais que partilham práticas culturais, ampliando seus conhecimentos de si – no coletivo, e 88 Ver discussão no terceiro capítulo. 245 do outro. Lembra-nos, portanto, uma das dimensões do desenvolvimento humano – domínios funcionais, apontada por Wallon (2005), a da pessoa/sujeito – seus processos de constituição, diferenciação e pertencimento. Já o segundo campo “corpo, gestos e movimentos” está organizado claramente, sob o fundamento dos estudos sobre o ato motor – outro domínio funcional nos processos de desenvolvimento da criança, apresentados por Wallon (2005). São pensadas nesse campo, experiências de contato com o mundo por meio do corpo e de suas possibilidades de deslocamentos e gestos, que contribuem para o conhecimento de si e do mundo. No terceiro campo “escuta, fala, pensamento e imaginação” são organizadas experiências que consideram a relação entre linguagem e pensamento, ancorando-se certamente, nos estudos de Vigotski (2005) acerca da mediação simbólica e da linguagem como constitutiva do pensamento. Organiza, portanto, as experiências da criança por meio da linguagem em situações de comunicação e interação social. O quarto campo “traços, sons, cores e imagens” traz à tona o discurso das múltiplas linguagens, incluindo as artísticas, e a necessidade de interação das crianças com sentidos e expressões culturais diversas para constituição de sua sensibilidade estética e de sua identidade sócio cultural. O quinto e último campo de experiência “espaços, tempos, quantidades, relações e transformações” considera a “dimensão funcional” do “conhecimento” em si, das relações das crianças com o conhecimento produzido em diferentes âmbitos culturais, e de suas formas de ação para compreender e explicar o mundo. Em síntese, o documento orienta que: Os Campos de Experiências colocam, no centro do projeto educativo, as interações, as brincadeiras, de onde emergem as observações, os questionamentos, as investigações e outras ações das crianças articuladas com as proposições trazidas pelos/as professores/as. Cada um deles oferece às crianças a oportunidade de interagir com pessoas, com objetos, com situações, atribuindo-lhes um sentido pessoal. Os conhecimentos aí elaborados, reconhecidos pelo/a professor/a como fruto das experiências das crianças, são por ele/a mediados para qualificar e para aprofundar as aprendizagens feitas. (BNCC/BRASIL, 2015, p. 21) Para reconhecer os conhecimentos possíveis e necessários de serem elaborados pelas crianças, os professores precisam se apoiar em estudos acerca da natureza e dos processos de sistematização/organização desses conhecimentos em currículos. Para planejar e fazer boas intervenções, os professores precisam conhecer 246 os processos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças e suas possibilidades em cada experiência educativa. Ou seja, mesmo que o currículo se apresente para as crianças por meio de experiências integradas, cabe ao professor, porém, planejar/definir o que e como as crianças aprendem em suas experiências. Isso, envolve saberes curriculares – acerca das especificidades dos campos disciplinares/ âmbitos de conhecimentos e sua realização interdisciplinar na vida cotidiana. Nos seminários de mobilização e discussão da BNCC, já tem se apontado como necessário, o aprofundamento teórico e prático em contextos que possibilitem boas condições de mediação, junto aos professores. Consideramos que os objetivos propostos em cada campo de experiência, podem ser mais específicos e relacionados aos diferentes ciclos etários, mesmo no contexto de uma política nacional – da definição de conhecimentos mínimos necessários. Podemos identificar, no contexto das atuais políticas curriculares nacionais, um movimento aproximado do que Haddad (2010, p. 433) nomeia de abordagem holística de currículo, na qual “todas as áreas de desenvolvimento são trabalhadas através da brincadeira e amplo projeto de trabalho que encorajam a aprendizagem ativa e as múltiplas experiências nos maiores domínios de desenvolvimento”. No entanto, nos preocupamos com as condições objetivas de funcionamento destas experiências educativas nas instituições mediante as concepções de professores relativas a conhecimento e currículo na/para educação infantil. Já que consideramos, ainda atual e legítima, a preocupação de Kramer (apud BRASIL, 1994, p. 25): [...] ao “implantar” um novo currículo ou método que desconsidera as práticas existentes, as secretarias e universidades não percebem que mesmo errôneas, preconceituosas ou equivocadas aos nossos olhos, as práticas concretas feitas nas creches, pré-escolas e escolas – e aquilo que sobre elas falam seus profissionais – são o ponto de partida para as mudanças que se pretende implementar. Não podem, portanto, ser deixadas de lado por aqueles que concebem as novas alternativas, sob pena de se cristalizarem como um discurso cheio de palavras bonitas, mas vazio de sentido. Cabe o desafio.... Ouvimos, então, no contexto dessa pesquisa, os sujeitos da prática. As professoras que atuam cotidianamente na implementação de currículos junto às crianças. Apresentamos no capítulo seguinte, nossas análises acerca dos sentidos de professoras acerca de conhecimentos que podem ser propiciados na educação infantil. 247 6 SENTIDOS DE CONHECIMENTO NAS VOZES DE PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL A gente examinava a racha dura das lagartixas Só para brincar de ciência. [...] Não era mister de ser versado em Darwin pra se saber que os carrapichos não pregam no vento. Que, apois: Sábio não é homem que inventou a primeira bomba atômica. Sábio é o menino que inventou a primeira lagartixa. (Manoel de Barros, 2010). Brincar de ciência e de poesia, experimentar, examinar e inventar/imaginar coisas, aprender sobre lagartixas e carrapichos e, por que não?, sobre a bomba atômica. Quais conhecimentos precisam fazer parte do cotidiano de crianças pequenas em instituições de educação infantil? O que constitui o conhecimento nessa etapa educativa - aqueles construídos, social e historicamente, nas ciências, nas artes, nas linguagens, nas culturas locais e globais e/ou nas experiências individuais da vida prática? O que, efetivamente, as crianças pequenas podem/precisam aprender? No contexto da discussão sobre currículo e conhecimento ora apresentado, quais os modos como os sujeitos da prática – os que se responsabilizam por sua organização – estão definindo os objetos do conhecimento a serem trabalhados com as crianças? O que se constitui como conteúdo da prática pedagógica e das experiências propostas/vividas pelas crianças? Nos capítulos anteriores, buscando dialogar com os modos como o conhecimento vem sendo definido em modelos e propostas curriculares para esta etapa educativa. Nesse contexto, vimos que o debate em torno de quais conhecimentos devem ser ensinados às crianças pequenas não é recente, pois, identificamos, desde os modelos precursores, modos diferentes de pensar e definir os objetos de conhecimento que podem compor os currículos na educação da infância, assim como no contexto brasileiro, nas principais propostas e políticas curriculares materializadas em documentos. Temos discutidos que os modos como vêm sendo definidos os conhecimentos de currículos na/para educação são diversos e, por vezes, antagônicos. Isso reflete-se nos sentidos das professoras sobre o que precisam ensinar às crianças? E se precisam ensinar, como ensinar? 248 Organizamos nossas análises das vozes de professoras que atuam na educação infantil, em duas seções intituladas: o que as crianças podem aprender nas experiências educativas e modos organizativos de conhecimentos no currículo. 6.1 O QUE AS CRIANÇAS PODEM APRENDER NAS EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS Observamos nas vozes das professoras, que as questões sobre o que ensinar estão muito atreladas ao como ensinar. Elas pontuam o que trabalham com as crianças, sempre fazendo referências ao como fazem. Para facilitar nossa identificação dos conhecimentos/conteúdos da prática curricular, sublinhamos alguns objetos e listamos para análise. Eu gosto muito de trabalhar a questão lúdica, é, leitura, escrita através de contos, faz de conta. O que mais eu gosto de trabalhar? Brincadeiras que envolvam movimento ‘pra’ desenvolver a parte coordenação motora ampla, a fina através da massinha de modelar, através de recorte e colagem e assim atividades, eu tento fazer atividades mais lúdicas porque são crianças pequenas, eu trabalho a, com crianças de 2 anos e 6 meses então tem que ser uma coisa que chame a atenção delas. [...] a ênfase no lúdico. (Professora Eva – Primeira Sessão de Entrevista Individual) Precisam aprender noções né? Acredito que noções que irão ajudar a criança a sistematizar o conhecimento, ampliar esse saber, noções de regras, noções de números, noção de escrita. Pra você compreender um texto, compreender, você precisa ter questões de interpretação, de... é... enfim, pra criança tem que ensinar, assim, noções pra que ela possa construir seu saber. (Professora Eva – Segunda Sessão de Entrevista Individual) [...] dentro das atividades permanentes tem as rodas de conversa, aula de contos, dias de parque, mas os conteúdos é... cada dia da semana, a gente, pelo menos eu, toco num eixo. Na segunda feira, a gente trabalha a linguagem, matemática e questão de linguagem a gente trabalha muito com a produção de textos lidos, textos coletivos, é..., escrita espontânea de palavras, a diferenciação entre letras e numerais; matemática, a gente trabalha quantidades, é... noções topográficas, né? Nessas áreas a gente vai entrar de acordo com as necessidades que a gente ‘tá’ vendo [...] de acordo com o tema gerador do projeto [...] o último agora no segundo trimestre foi sobre Vinícius de Morais, sobre o centenário de Vinícius de Morais a gente fez uma relação da vida e obra dele e aproximou da obra Arca de Noé dele. [...] como é um projeto mais voltado para a linguagem e a literatura ‘né’, a gente, vai atrelado assim... matemática normalmente a gente conseguia trabalhar também, a gente fazia palavras cruzadas, contagem de letras, das palavras, mas só que, apesar, também que a gente mostrava é..., mostrou também a questão da biografia dele, da vida dele e veio toda aquela questão polêmica dele do alcoolismo, que ele teve várias mulheres, então a gente mostrou um pouco disso aos alunos, algumas outras coisas, arte também, deu pra gente trabalhar bastante, porque com as músicas, com os temas que a gente ia 249 escolhendo a gente ia produzindo alguma coisa, a gente trabalha com manuseio de diversos materiais, diversas técnicas também, foi muito bom esse projeto! (Professora Dalila – Primeira Sessão de Entrevista Individual) O que é mais trabalhado com as crianças, nessa turma que eu ‘tô’, é a questão do movimento, é a questão da identidade e autonomia, é a questão da linguagem oral e a escrita, a matemática também através de jogos, é..., brincadeiras. [...] O ano passado com os bebês era a coisa mais difícil do mundo. Pra mim, foi a melhor e pior experiência. A melhor, porque foi uma das melhores turmas que já trabalhei; os bebês são muito bons. Mas, a pior, assim, as atividades, pra mim foi um desafio muito grande porque eu nunca tinha trabalhado, foi o primeiro ano, eu sempre acostumada a trabalhar com crianças maiores. Ahhh... era tudo tão difícil (risos). Meu Deus do céu, geralmente eram atividades mais coletivas assim, nada muito individual, a questão da estimulação, dos sabores, da textura. (Professora Maria – Primeira Sessão de Entrevista Individual) A gente olha (no RCNEI), que tem a idade ‘né’? Como a turma é de 3 anos, aí eu olhava de 0 a 3 anos, os conteúdos de 0 a 3 anos, aí geralmente a gente planejava, planeja assim, o que mais ou menos vai trabalhar durante o ano, aí vê um tema ‘pro’ primeiro bimestre, primeiro trimestre. Esse ano a gente trabalhou o que no primeiro trimestre? Sobre os direitos das crianças sabe? Que era um tema geral da escola que foi definido com o grupo, a gente trabalhou no primeiro trimestre o direito a uma boa adaptação na escola, a gente trabalhou como adaptar a criança no início do ano, aí a gente já separou também os outros dois temas dos outros dois trimestres, mas que é flexível se quisesse mudar, mudava, mas já tinha deixado pré estabelecido mais ou menos e as meninas até desenvolveram no segundo trimestre foi o de brincadeiras, as crianças tem o direito a brincadeiras que enfocou o folclore e agora no fim do ano era... não lembro direito, mas era alguma coisa com também com direito das crianças. [...] Foi trabalhado... nas datas por exemplo o dia das mães lá a gente não faz festa das mães, sabe? Faz o dia da família, aí trabalha naquela semana a família, faz um evento alguma coisa ‘pra’ família toda sabe? Não ter aquela coisa de ser só a mãe porque tem criança que não tem mãe, que mora com a avó, que mora só com o pai entendeu? Aí é o dia da família, dia dos pais do mesmo jeito aí os pais vão ‘pra’ escola e eles fazem oficinas com as crianças, tem pais que vão contar histórias, tem pais que fazem alguma coisa de arte com as crianças. São duas datas no ano, dia das mães e dia dos pais. Aí lá também tem a brinquedoteca, tem um ateliê de arte que a gente usa. [...] a gente tenta adaptar tudo ao projeto sabe, mas tem coisa que realmente não dá não, aí coloca outros conteúdos, sabe? Extra. [..] de linguagem dá pra englobar tudo nos projetos né? Produção, a parte de conhecimento das letras, contextualizar, a gente não trabalha lá com letras individualizadas não. Matemática, aí matemática é que as vezes... os números não dá pra trabalhar, as vezes no projeto, aí faz outras coisas, natureza e sociedade geralmente dá pra gente trabalhar dentro do projeto, como esse projeto da adaptação a gente trabalhou a família, trabalhou a escola. (Professora Rute – Primeira Sessão de Entrevista Individual) Então, eu uso muito a brincadeira, brincadeira. Porque são crianças muito pequenas e a parte mesmo do conhecimento é... pedagógico, pra alfabetizar mesmo, é difícil; mas, eu trabalho com crachá, a partir do crachá, os meus alunos, a maioria já identifica a primeira letra do nome deles, é, trabalho muito com contação de história, reprodução 250 gráfica né? Desenhos, desenho muito, que é pra eles irem se apropriando da coordenação motora fina deles, é... com muito movimento, dança, boto dança, vídeo. [..] só mais a questão de, da coordenação motora como eu disse a você, a coordenação motora do movimento, da identidade e autonomia né? [...] Assim, eu gosto de trabalhar com eles teatro, faço teatrinho pra eles [...] Teatro, receitas, danças, é.... o que mais? é.... Mímicas, eu boto muito eles pra fazerem mimicas comigo, brincando é.... lembrar assim ... São coisas assim que exigem deles atenção, concentração e de certa forma até disciplina ‘né’? Pra que eles já vão se apropriando desses conhecimentos assim pra que mais lá na frente não venham ter tantas assim dificuldades. [...] Esse meu último projeto que eu trabalhei com as crianças [...] levei pra compor a roda e senti eles instigados, e como vem a alimentação com frutas na escola e lá é cercado de plantas também, e cai árvores e eles sempre tem aquele contato, aí eu lancei, comecei a instigar o trabalho sobre as frutas. (Professora Isabel – Primeira Sessão de Entrevista Individual) A gente trabalha dentro de uma proposta de letramento e alfabetização, que a gente sabe que não é prioridade na educação infantil a questão da alfabetização e sim mais do letramento, procuramos trabalhar mais com a literatura, poesia. [...] Eu na minha turma priorizo a questão do letramento pra elas, com as crianças de 4 a 5 anos e 11 meses, eu procuro assim letrar, trazer coisas que incluam elas na sociedade letrada como por exemplo, saber o que tem num rótulo, numa embalagem, saber um nome que tem na frente do ônibus que ela pega pra ir e vir pra escola, o desenho animado que ela mais gosta de assistir e traz um DVD pra sala de aula a gente procura saber o que é que tem na capa daquele DVD, um livro que a gente vai ler, uma historinha a gente procura ver o nome do autor, do ilustrador, esses detalhes que passam despercebidos por muita gente que fazem toda a diferença. [...] A secretaria ‘tá’ oferecendo um material pra gente trabalhar matemática e a coordenadora já agendou umas oficinas pra gente trabalhar com as crianças o uso da matemática na brincadeira com boliches, dados. [... ] Agora no segundo trimestre a gente tá trabalhando natureza, aí estamos dando ênfase a plantas e animais, estamos construindo um jardim na sala cada um tá trazendo sua mudinha, estão aprendendo a cultivar, já recebemos algumas visitas de bichinhos na escola, como gato, cachorro, galinha (risos) tá uma festa lá e estamos planejando uma visita ao Parque da Dunas. (Professora Marta – Primeira Sessão de Entrevista Individual) Trabalho muito a questão da linguagem, desenvolvimento da linguagem, tanto oral quanto escrita, a relação do que se fala ao que é escrito, trabalho muito texto coletivo, a produção de texto coletivo com eles, fazer com que eles achem determinadas letras e palavras que já está estudando, de se expressar, de contar, eu gosto muito. É, trabalho muito, quantificação. [...] ‘pra’ mim os conteúdos vão surgindo a partir dos projetos [...] A partir dos projetos que eu vou trabalhando eu vou vendo quais conteúdos eles podem se encaixar, que contemplem também os eixos, entendeu? Eu sinto dificuldade nessa parte, nessa questão, que conteúdo? [...] a gente está desenvolvendo o projeto de literatura eu ‘tô’ trabalhando especificamente a do patinho feio, então daí eu comecei a destrinchar, o quê? É... animal ‘né’, a questão, em termos de natureza e sociedade, eu contemplei essa questão, animais terrestres, animais aquáticos, trabalhei a questão, que tipo de 251 cobertura do corpo, bípedes, quais animais são bípedes, aí a gente mostra o significado de bípedes, outras aves, se elas são patos, que outras aves? Né, aí lá vai matemática já mostra atividades práticas mesmo, a gente construiu vários patinhos, quantos patinhos nó fizemos? Aí já vou trabalhando quantificação, hoje em dia eu trabalho bem mais ludicamente do que antes, você vai aprendendo com as vivências e assim eu vou descobrindo os conteúdos na medida que eu vou destrinchando os temas, aí vai aparecendo, vai surgindo, aí eu começo a pontuar, estou trabalhando isso, isso e isso. (Professora Ester – Primeira Sessão de Entrevista Individual). As crianças do berçário, a princípio, a gente trabalha mais a questão do psicomotor ‘né’, a partir do momento que ela vai desenvolvendo esse psicomotor a gente vai trabalhando também a questão da identidade e da autonomia dessa criança. Mesmo no berçário e dentro disso a gente já vai trabalhando a leitura, desde aqui do berçário a gente já trabalha a leitura, mostrando palavras e lendo também, muita contação de história e é isso, a questão da pintura está dentro do motor ‘né’? A coordenação motora fina que a gente trabalha muito, motor tanto na questão de se locomover como a questão do pegar, do manusear. [...] A gente trabalhou projetos com animais, projeto com animais que é algo que chama muito a atenção deles e a gente trabalha logo todos os eixos em cima desse projeto, não sei se você pode ver aqui, a gente tem um caranguejo, temos ali o espaço ‘pra’ contar histórias, temos ali atrás, aqui atividade com cachorro, aranha, eles já olham para cá quando a gente canta a música da dona aranha eles já olham pra cá ... (Professora Sara – Primeira Sessão de Entrevista Individual). [...] Na verdade, linguagem, matemática. E linguagem a gente trabalha mais voltada ‘pra’... ‘pro’ conhecimento total da leitura e da escrita né, um conhecimento que a gente sabe que ele não vai aprofundar na Educação Infantil, mas que ele tenha esse conhecimento inicial, esse convívio com a leitura, com a escrita, que ele perceba com essa leitura e escrita se dá. Em matemática a questão dos números que estão envolvidos no nosso dia- a- dia, no cotidiano, nas formas, as cores que estão inseridas na matemática e também em artes, no movimento. Tudo isso assim mais voltado dentro das brincadeiras né? A gente trabalha a brincadeira como parte primordial dessa descoberta da criança, a leitura dentro da brincadeira, o conto, o trabalho é mais voltado ‘pra’ essa área. (Professora Ana – Primeira Sessão de Entrevista Individual). Numa tentativa de síntese dos sentidos acerca do que constitui conhecimento a ser ensinado e aprendido na educação infantil, organizamos alguns eixos de sentidos organizados por blocos/grupos de conteúdos apontados nas vozes das professoras. Cabe esclarecer que os eixos de sentidos aqui separados em subseções são derivados da análise do que encontramos/identificamos nos dados construídos e não se constituem, portanto, como uma proposição de organização curricular e nem se adequa ao proposto em nenhum documento-texto estudado. 252 6.1.1 Conhecimentos como Habilidades/Capacidades do Desenvolvimento Infantil Identificamos conhecimentos relativos à preparação das crianças para as etapas posteriores da vida escolar, fundados numa perspectiva de educação compensatória e preparatória. Pois, quando as professoras citam o trabalho com coordenação motora ampla e fina, por exemplo, referem-se as atividades de movimentação ampla, de recorte e colagem, de pintura, de manipulação de objetos – pegar, deslocar-se, manusear, de desenho (reprodução gráfica), como modos de desenvolver a coordenação de seus movimentos. Ou seja, o conteúdo trabalhado nestas atividades refere-se à coordenação motora ampla e fina. Assim como, quando identificamos na voz da professora Isabel, sua preocupação em realizar atividades que desenvolvam a atenção, concentração e disciplina, estas capacidades psicológicas constituem o conteúdo das atividades. As capacidades psicológicas apontadas aproximam-se da perspectiva de planejamento, e, portanto, de organização dos conhecimentos do currículo, que Ostetto (2007, pp. 183-184) identificou em sua pesquisa: O planejamento por áreas de desenvolvimento revela uma preocupação com os aspectos que englobam o desenvolvimento infantil. Nessa direção, várias são as áreas contempladas, sendo mais comum a indicação dos aspectos físico-motor, afetivo, social e cognitivo. [...] aspectos para determinar objetivos a partir dos quais serão organizadas atividades que estimulem as crianças naquelas áreas consideradas importantes. Por exemplo: Desenvolvimento afetivo – Objetivos: estimular a criatividade; estimular a motivação; estimular a curiosidade. Atividades: 1) Artes plásticas (desenho, pintura, construção com sucata, recorte e colagem, etc); 2) Música; 3) Dramatizações; 4) Histórias. Sabemos que coordenação motora ampla e fina constitui um modo de se referir a habilidades, a procedimentos, que são próprios do ser humano, e que durante muito tempo, foi legitimado como sendo, o modo correto de se referir a esse conjunto de habilidades e procedimentos que as crianças, os humanos precisam desenvolver na educação infantil. Essas proposições teóricas e metodológicas estiveram presentes em propostas curriculares mais anteriores aos anos 80. Desde, então outras discussões foram aparecendo, como os próprios estudos da corporeidade, da 253 cultura corporal e dos movimentos e nos modos como isso foi se processando, foi se transformando e foram aparecendo outras significações. No entanto, assim como delineamos na introdução desse trabalho, em nossas experiências profissionais e em pesquisas recém-publicadas, temos visto que algumas práticas, consideradas contraditórias, perpetuam até os dias atuais. E, apesar de não compor os últimos discursos teóricos e oficiais para educação infantil, ainda aparece nos sentidos elaborados pelas professoras no contexto de suas práticas pedagógicas. 6.1.2 Conhecimentos relativos aos Processos de Alfabetização e Letramento Conhecimentos relativos aos processos de alfabetização e letramento das crianças aparecem, sob diferentes perspectivas, em todas as vozes das professoras entrevistadas. São citados genericamente como: leitura e escrita. E algumas vezes, especificados, como: identificação de letras e palavras; identificação da primeira letra do nome; reconhecimento do nome no crachá; relações entre a fala e a escrita; produção de textos; gêneros textuais – receitas, contos, poesia, música, rótulos, etc; contação de histórias; interpretação de textos; obras literárias – suas características. Observamos que, por vezes, os sentidos sobre a alfabetização são restritos ao aprendizado das letras e memorização do nome. E, também identificamos, nos relatos das professoras, boas experiências de leitura e escrita que propiciam seu aprendizado em contextos letrados envolvendo diferentes gêneros textuais e sua funcionalidade em práticas sociais. Embora, pudemos entrever que nas turmas menores, o trabalho com conhecimentos da linguagem escrita é mais “problemático” para as professoras. Podemos identificar modos de significar e desenvolver tais conhecimentos, quando as professoras relatam sua preocupação em garantir a brincadeira e atender as cobranças de aprendizagem da linguagem escrita, muitas vezes, envolvendo práticas tradicionais e já superadas, como nos seguintes trechos: [...] vá fazendo outra atividade com brincadeiras, com eles. “E hoje não tem aula não?” “Hoje não vai ter atividade não?” “E o caderno não vai usar ‘pra’ nada não?” [...]E eu tenho que pedir. Ei, tire seu caderninho que a gente vai fazer uma atividade, agora você vai escrever o “azinho”, vai fazer uma letrinha. (sentido de crítica) Então se a 254 gente não levar essa questão de usar o lápis e papel, “pra” eles não houve aula, ‘né’? Aula “pra” eles é escrever no caderno. Escrever o nome. E, a família pergunta, ‘né’? [...] Eu botei essa criança, essas crianças pra fazerem a vontade na folhinha, uma história bonitinha. Você vai escrever uma história que já conhece, aquilo que mais gostou. Saiu um milhão de três porquinhos, um monte de chapeuzinho vermelho, ‘aí’ eles misturavam uma história na outra. Mas, como é que eu descobria que estavam escrevendo isso? Chamava ‘pra’ perto de mim: “me conte aqui o que você escreveu”. Uma linha tinha 4 letras, mas ele me contou tanta coisa (risos) naquelas quatro letras, que quase não termina. E nessa outra linha você escreveu o quê? Aí, lá vai, duas letras numa linha, quatro letras noutra, outra cheia de letras que parecia o alfabeto, mas ele me contou uma história maravilhosa que tinha três porquinhos, chapeuzinho vermelho, lobo mal, cobra. Minha nossa! Estava todo mundo ali. Mas esse, esse era um menino. Mas, eu encontrei outros que era bolinha, bolinha, bolinha, bolinha, bolinha. “Que lindo! O que você escreveu aqui, meu amor? ” “Ah, professora eu escrevi uma história que, era uma vez... (risos), no final foram felizes para sempre. Porque, assim, eles já conhecem a linguagem dos contos de fadas, então, na hora que eles vão contar, eles sabem o que tão contando, agora, ‘pra’ escrever, ‘aí’ é outra etapa. (Professora Marta – Trechos da Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). [...] na minha turma, as vezes os alunos são novatos na escola, a maioria não vem de outras escolas, nunca estudou num colégio e assim, parece que a família já passa isso ‘pra’ eles. Que a gente tem que ver que a criança ‘num’ é um copo vazio, elas aprendem a vida toda, toda a trajetória na família, na sociedade. Então, quando ela chega na sala de aula, ela vem com aquele conceito que aula é escrever no caderno. [...] principalmente nos níveis 4, a gente que trabalha com o nível 4, sofre muito. (Professora Ana - Trechos da Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). Na experiência descrita pela professora Marta, observamos a presença de conhecimentos por parte das crianças, acerca das narrativas dos contos de fadas, das características desse gênero textual. O que nos leva a crer que são conteúdos trabalhados por meio de práticas de contação de histórias e leitura de livros literários. Há uma preocupação com a presença da alfabetização na educação infantil, ao uso do caderno, ora, se é um caderno de registro, no qual as crianças, podem experimentar escrever em contextos sociais significativos, e com isso, aprender sobre como se escreve e como se lê, não há porque se preocupar. O importante é ressignificar/substituir as práticas de cópia exaustiva de letras isoladas, por boas situações de produção de textos. Foi possível perceber que os sentidos das professoras sobre os conhecimentos envolvidos nos processos de alfabetização e letramento, se aproximam das perspectivas teórico e metodológicas difundidas na atualidade que consideram o direito das crianças a viver as especificidades da infância, sem, contudo, 255 negá-las o direito aos conhecimentos/capacidades relativos a apropriação da linguagem escrita tão difundida e necessária nos contextos sociais. 6.1.3 Conhecimentos como Experiências Lógico-Matemáticas O conhecimento lógico matemático e as relações espaço temporais aparecem de modo muito incipiente, quando as professoras se referem, principalmente, aos números e a quantificação. Apenas uma professora menciona noções topográficas e outra, o trabalho com formas. Com base, nas descrições feitas, percebe-se que tais conteúdos estão sendo propostos, principalmente, nas situações cotidianas de contagem ou em atividades elaboradas a partir dos temas trabalhados – para contar objetos e/ou animais referentes ao projeto em desenvolvimento. Em outros trechos transcritos da entrevista coletiva, pudemos verificar situações semelhantes: Porque hoje mesmo eu ‘tava’ na sala de aula e eu contei com os alunos, quer dizer, fiz uma atividade, que eles não perceberam que estavam aprendendo os números. Vamos contar quantos danoninhos tem aqui, e eu pensei "não sei quantos danoninhos tem aqui, vamos contar?" E contei “um, dois, três”. [...] Porque a gente, eu trabalho com o nível 1, mas a gente ‘tá’ ensinando a questão dos números, de quantidade e numeral, e eles nem percebem que ‘tão’ aprendendo. (Professora Eva – Trecho da Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). No nível 4, nós contamos um a um perguntando quem tem mais, menino ou menina, que a gente conta separado, uns tem mais e outros tem menos, junta ‘pra’ saber quantos têm somando. Quem tem mais, meninos ou meninas? Do maior ao menor. Qual a diferença, qual a principal diferença entre eles? E faz a mediação. Tudo num contexto que eles estejam aprendendo. Você não vai dizer ó, subtração é isso, adição é aquilo. (Professora Marta – Trecho da Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). É. E quando a gente começar a fazer a brincadeira, quem tem mais, quem tem menos, eles vão lembrando ‘pra’ descobrir quem tem mais, quem tem menos e vão para o quadro. (Professora Rute - Trecho da Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). As situações cotidianas, os jogos e atividades contextualizadas são boas oportunidades para aprender sobre os números, mas não precisam envolver somente e sempre a contagem. Sabemos, que a construção da ideia/conceito do número, mesmo em seu aprendizado inicial, envolve uma série de outras informações – atributos/características do número. Portanto, contar não é garantia de que a criança conhece os números. Desse modo, a criança aprende por meio de experiências nas quais elas precisem fazer relações, comparações, composições, sequênciações, etc. 256 6.1.4 Conhecimentos sobre o Mundo Físico e Social Os conhecimentos sobre o mundo físico e social são citados no contexto do trabalho com temas de projetos coletivos. Estes, parecem ser definidos tanto com base em datas cívicas/comemorativas no calendário escolar, como, em alguns casos, oriundos de temas definidos no planejamento anual da instituição. São citados conteúdos como: folclore, dia das mães, dia dos pais, família, escola, plantas, frutas, sabores, aromas, animais – suas características e classificações. Observamos, nas vozes das professoras, acerca dos conhecimentos que constituem os projetos coletivos desenvolvidos nas instituições, que os conteúdos são, muitas vezes, esvaziados de seus significados sociais e tratados de modo isolado e não encadeado em processos de pesquisa. Como vimos, por exemplo, no projeto sobre literatura com a obra do patinho feio, na definição de trabalhar as características do pato, a quantidade de patos, e as representações do pato através de desenhos e escrita, como conteúdos do projeto. O projeto constitui-se, portanto, como lista de atividades alusivas ao tema definido, conforme analisado por Ostetto (2007). Observamos que as atividades “interdisciplinares”, na verdade, se constituem como uma soma de atividades específicas de cada eixo relacionadas de algum modo ao tema estudado. Embora, em alguns trechos de suas vozes, também pudemos entrever, esforços para um encadeamento de conteúdos e atividades nos projetos. Outros projetos são citados quando as professoras, em suas leituras do documento-texto que institui as DCNEI, comentam e identificam o patrimônio cultural, como os significados compartilhados nas comunidades, em sua história e tradições local, como citamos nos seguintes trechos: Lá onde eu trabalho, que é no Bairro das Rocas, é cultura viva, ‘né’? Então, a gente sempre faz, uma vez por ano, um projeto voltado para a comunidade. E a gente procura sempre valorizar o que se tem no bairro, na cultura do bairro. As danças que tem no bairro. (Professora Dalila – Trecho da Primeira Entrevista Coletiva). Aqui em Ceará-Mirim a gente pode destacar o dia do município ‘né’? Que enfatizam bem isso, essa questão da cultura. A questão regional. As próprias festas juninas também. Que é uma data que envolve a cultura e a história de um povo. (Professora Eva - Trecho da Primeira Entrevista Coletiva). 257 6.1.5 Conhecimentos nas Linguagens da Arte O conhecimento acerca de outras linguagens e formas de expressão, principalmente no universo da arte, é citado minimamente e de modo muito genérico, como: manuseio de diversos materiais, técnicas de arte, cores e texturas. A pintura e o desenho, como já observamos, aparecem como ‘atividades’ para trabalhar os conteúdos de coordenação motora. Na leitura das DCNEI, uma das professoras entrevistadas, destacou o inciso II do artigo 9º que define a garantia de experiências que “favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical” e relatou o seguinte episódio de sua prática: Eu lembrei de uma vez, que é muito interessante, o desenho da criança. Então, a gente fez o passeio com eles no município, e descemos pelo mercado, entramos e visitamos o mercado. Quando a gente voltou ‘pra’ sala, como foi o único prédio que a gente visitou, eu pedi que eles desenhassem. E na minha concepção de professora, eles iam desenhar a frente do mercado, era na minha visão. Mas, teve um aluno que fez um monte de quadrados, e fui chamando de um por um e perguntando o que você desenhou. Ele disse: Tia é o mercado. O que é que tem aqui? Sabe aquele canto que a gente passou que vende leite? Aquele que vende feijão? E ele foi dizendo cada um dos espaços que ele viu dentro do mercado. E na minha mente eu via o quê? Mais a parte externa, a fachada, porque ‘pra’ mim, na minha mente, pra eles iria ser fácil de desenhar e o dele ‘tava’ lá, tipo uma plantinha mesmo, ele foi dizendo cada um dos espaços, até os banheiros ele mostrou no desenho: “tia aqui é o banheiro”. Muito bem, parabéns! Parabéns ‘pra’ criança ‘né’? Por isso que é importante perguntar, questionar se pegasse ali, não ia entender nada. Pois é, a importância ‘da’ gente valorizar esse trabalho dos desenhos deles, ‘né’? Quando a gente pergunta, a gente vê, que vai além do que a gente pensou. (Professora Ana - Trecho da Primeira Sessão de Entrevista Coletiva). A professora destaca em seu discurso, o modo como orienta/pensa uma única representação gráfica possível. E a criança desafia, e rompe com o instituído, criando modos singulares de produção. No entanto, o desenho enquanto possibilidade de representação e os conhecimentos/procedimentos envolvidos nessa linguagem precisam ser ensinados, propiciados as crianças nas experiências cotidianas. 258 Não identificamos nos sentidos das professoras sobre os conteúdos da arte – linguagens artísticas – nenhuma menção aos elementos que compõem os desenhos, a abordagem triangular proposta por Ana Mae Barbosa – trabalhada amplamente no RCNEI (1998), que envolvem conhecimentos acerca das produções artísticas, de sua contextualização, apreciação e criação – como características, tendências, técnicas, materiais, suportes – em diferentes eixos como artes visuais, teatro, dança, música. Observamos, em contraposição, que tais linguagens são, por vezes, trabalhadas de forma fragmentada, como uma atividade isolada ou em projetos. Por exemplo, como vimos, no projeto sobre animais, aprende-se e canta-se a música da “Dona Aranha”. 6.1.6 Conhecimentos para os Bebês Consideramos importante destacar, ainda, um outro eixo de sentidos que observamos nas vozes das professoras, que se refere aos “conhecimentos que devem ser ensinados” aos bebês. Os conteúdos são apontados com destaque para os aspectos psicomotores, incluindo a coordenação motora já citada, e para a construção da identidade e autonomia. No trecho abaixo, podemos observar como esse aprendizado da autonomia dos bebes, relaciona-se a sua inserção nas práticas escolares, sua adaptação escolar. Sabemos que o professor precisa estar atento ao desenvolvimento psicomotor da criança para que ocorra seu desenvolvimento integral, pois, especialmente, no primeiro ano de vida a criança constrói conhecimento a partir da ação. O ato mental se desenvolve no ato motor. (WALLON, 2005; 2008). Na medida em que a criança pega, manipula, explora o corpo e os objetos, e com o tempo amplia sua ação com a capacidade de sustentação e deslocamento, ela vai conhecendo-os. Observamos o medo e a insegurança das professoras na organização curricular para os bebes, para definir quais conhecimentos eles precisam ter acesso. A professora Maria, como vimos nos trechos apresentados no início do capítulo, cita a preocupação em não desenvolver atividades individuais, e sim coletivas. E propõe atividades de estimulação de sons, aromas, sabores. Em diálogos na entrevista coletiva, a professora Sara, também compartilha suas aflições e sentidos elaborados: [...] quando a gente trabalha com uma criança de mais idade a gente tem um pensamento, mas quando chega um bebê, como é que aquele bebê vai aprender? O 259 que é que vou ensinar? Logo na primeira vez, eu fui logo pensando, no começo, no começo do ano: Um bebê? O que é que esse bebê vai aprender? O que eu vou ensinar a esse bebê? Ai meu Deus! Gente, são bebês. O que eu vou fazer com eles? E depois eu fui vendo... Gente, o bebê, ele assimila tudo, ele presta atenção em tudo. Hoje, meus alunos, quando eu chamo para fazer... Vamos Pintar? Eles já chegam, assim... E a coisa mais linda, é quando a gente diz: Vamos fazer a rodinha? Eles sentarem e irem ‘pra’ lá engatinhando, eles já saberem como é. Quem quer ouvir a história? Eles já se organizam, vem engatinhando, arrodeiam a gente, um quer sentar no colo. É uma graça. Então, eles assimilam, eles têm conhecimento de mundo, siiim. Então, eles pensam, sim. A gente tem que fazer atividades, não coisas sem sentido ‘pra’ eles. São bebês, mas tem que ter algo que tenha significado ‘praquela’ criança ali. (Professora Sara - Primeira Sessão de Entrevista Coletiva). A situação descrita ilustra como os bebês aprendem e se desenvolvem nas interações sociais que lhes são possibilitadas. As práticas sociais “ensinadas” diariamente vão sendo apropriadas/compreendidas por eles na mediação simbólica. A professora aponta espaços, signos, relações, modos de interagir nesses espaços. Considerando as análises feitas, ainda que brevemente, nessa primeira seção, podemos dizer que os sentidos das professoras acerca do que deve ser ensinado, revelam o quanto essa questão se constitui importante de ser abordada. Pois, as professoras acabam recorrendo, inclusive, a outras fontes não legitimadas, do ponto de vista do discurso acadêmico, de pesquisa. Apesar de citar, demasiadamente, como fonte de consulta para seus planejamentos, o RCNEI (BRASIL, 1998), como vimos no capítulo quatro, observamos, que algumas ideias acerca do que constitui conteúdo do currículo, estão vinculadas às propostas curriculares que não correspondem as orientações desse documento, e nem se encontram mais discutidas na atualidade. Os estudos disseminados no RCNEI e em outros documentos posteriores, aqui citados, não restringem, por exemplo, o trabalho com o “movimento” e/ ou “cultura corporal”, aos exercícios de coordenação motora fina e ampla. Assim como, fazem críticas ao currículo organizado por datas comemorativas, ou por listas de atividades ‘forjadas’ a partir de temas coletivos de ‘projetos’, sem encadeamento e pesquisa entre elas. E ainda, não propõem um trabalho restrito com as linguagens da arte. Podemos identificar, marcas de trabalhos mais ‘antigos’ sobre currículo na educação infantil, nas vozes das professoras. Se buscarmos materiais/manuais de professores pautados em abordagens behavioristas de aprendizagem, utilizados em grande escala, nas décadas de 70 e 80, e mesmo, em algumas propostas de trabalho com livros didáticos e apostilas na educação infantil, nos dias atuais, pautados em 260 perspectivas compensatórias e preparatórias de educação infantil, que por sua vez, tem origem desde a didática moderna difundida por Comenius, que propunha a educação maternal e/ou pré-escolar com o objetivo de preparar as crianças para o trabalho intelectual, como delineamos no capítulo quatro. As condições nas quais as professoras elaboram esses modos de significar, sentidos sobre o que ensinar, são diversas. Não aprofundamos nossas análises, neste sentido, mas, podemos entrever que estão relacionadas aos contextos de suas experiências como estudantes, como profissionais em ação e em formação. Os saberes das professoras – da experiência, são construídos em diferentes âmbitos de sua vida. Revelam um pouco, de como elas elaboram no exercício da docência, aquilo que foram se apropriando em diferentes contextos. No exemplo, dos sentidos acerca dos conhecimentos nos processos de alfabetização e letramento, podemos entrever, que, diferentemente, de outros temas na educação infantil, é um tema que foi bastante difundido nos contextos de formação inicial das professoras, assim como, em formações continuadas, conforme explicitamos no capítulo dois. Desse modo, de uma perspectiva histórico cultural, a partir da qual, os modos de entender, os modos de significar são elaborados nas relações sociais a partir de mediações, a partir de situações de compartilhamento, que são marcadas pelas posições sociais, pelas relações que eles travam, nos contextos sociais, podemos constatar que os sentidos das professoras, foram, então, assim elaborados – com base nesses contextos de mediação e nos referentes sociais aos quais elas tiveram acesso, sobre o que ensinar. Poderíamos afirmar, que tais saberes/sentidos sobre o que ensinar, foram elaborados nos cursos de formação inicial e continuada. No entanto, elas apontam elementos que “certamente” não estão sendo tratados nesses cursos. Presumimos, então, que elas trazem de outras fontes, de outros referenciais. Pode ocorrer, pois, conforme estudos de Tardif (2002) que enquanto alunos nos cursos de formação inicial os professores não conseguem modificar suas crenças anteriores – saberes do senso comum, de suas experiências escolares – e, quando ingressam no exercício docente reativam essas crenças para solucionar seus problemas profissionais. Isso é possível, na medida em compreendemos, conforme discutimos no terceiro capítulo, que o que formam os saberes dos professores, os saberes que orientam suas práticas, suas concepções, suas visões, suas ideias, suas crenças, conhecimentos, eles são oriundos de diversas fontes, essas fontes são múltiplas 261 (TARDIF, 2002). E se, nos reportarmos, aos estudos de Vigotski, como vimos, entendemos que é na história de vida, na história de como o sujeito vai se constituindo, que vão se dando seus processos de significação. Ou ainda como diz Bakhtin (2003), que as palavras que são nossas, que representam nossas visões de mundo, elas são apropriadas nas relações sociais, em um processo que ele chama de apropriação de palavras alheias, ou de palavras dos outros, que elas não brotam de dentro de mim. Nesse ponto, ele se aproxima de Vigotski (2005; 2007), quando ele diz que nosso psiquismo, nosso modo de funcionar psiquicamente, de significar, e a significação envolve esse trabalho com signos, com as palavras e seus significados e sentidos, ele acontece pelo processo de apropriação e de internalização - apropriação, conversão - entre aquilo que é vivenciado, compartilhado socialmente – que vai gradativamente como um processo de transformação, não é de cópia, tornando-se próprio, individual, constitutivo da singularidade de cada um. E nesse processo estão em jogo, os contextos como sendo essas instâncias, que envolvem espaço, tempo, relações, sujeitos marcados pela história, pela ideologia, pelas posições. Então, quando você diz que se apropria de algo em determinados contextos, tem a ver de como você se situa nesse contexto, a posição que você ocupa e a relação que você estabelece com os outros que interagem também nesse contexto. Para Bakhtin, a linguagem e os sentidos vão se produzindo nas interações. Uns vão se estabilizando como modos próprios de pensar, que não estão prontos, mas estão ali, vão se estabilizando em cada situação de interação, considerando que não estamos “zerados”, pois, você tem palavras que são próprias, suas e foram sendo apropriadas, internalizadas, elaboradas neste processo ao longo das interações sociais de sua história de vida. Então, as professoras vão se apropriando desses modos de pensar, de dizer, de significar, nesses contextos que não são só da formação inicial e continuada, mas em contextos anteriores, que envolvem inclusive sua própria formação, sua própria experiência de aprender como estudantes. Muito do que a gente faz, depende também de como a gente aprendeu, dos professores que tivemos e dos significados que circulam nos meios onde vivemos. Por exemplo, devem circular essas ideias de coordenação motora fina e grossa, que marcaram e tiveram força em alguns contextos de vida das professoras, de modo que mesmo que os estudos mais atuais apresentem outras significações, ou seja, outros processos de significação foram se elaborando, e dentro desses 262 processos, esses significados e sentidos foram sendo reelaborados, mas alguns permanecem, pois, se constituem como processos de significação que acabam tendo mais forças do que outros (BAKHTIN, 2003), conforme já discutimos, dadas as relações e interações nesses contextos. Com base nos estudos de Rosseti-Ferreira et al. (2004) que consideram que as relações de constituição dos sujeitos nos contextos são pensadas dialeticamente, Umbarana (2011) nos ajuda a compreender que o contexto é definido, portanto, em função de relações entre a pessoa, dos outros com quem interage e as práticas da cultura, em circunstâncias marcadas por – e que, por sua vez, marcam – capacidades, interesses e objetivos específicos, considerando-se a posição que ocupa a pessoa e as outras em seus diferentes modos de participação nas práticas sociais, com diferentes possibilidades de produção de sentidos, em um momento sócio-histórico determinado. Os sentidos das professoras acerca do que ensinar aos bebês e/ou as crianças pequenas na educação infantil, são, então constituídos, conforme discutimos por suas visões de mundo derivadas de processos de significação em diferentes contextos. Tais sentidos acerca do conhecimento que as crianças precisam aprender em seus diferentes ciclos etários, constituem e organizam seus fazeres diários, e tornam-se práticas “sistemáticas” em sua repetição cotidiana e, assim, põem as crianças e seus professores – e todos da instituição, em um curso/percurso em que o que se aprende e se desenvolve, nem sempre se aproxima dos sentidos pertinentes ao que é próprio para uma educação infantil de qualidade, mas, é o que se coloca como possível e necessário nesses contextos. E, como práticas compartilhadas, vão sendo apropriadas pelas crianças, como modos de ser, de sentir, de agir, de pensar e de estar no mundo. 6.2 MODOS ORGANIZATIVOS DE CONHECIMENTOS NO CURRÍCULO A professora Sara faz uma síntese acerca dos sentidos elaborados/construídos por ela, acerca dos conhecimentos propostos pela DCNEI. Observamos que a professora busca identificar quais conhecimentos podem ser possibilitados por meio das experiências educativas descritas no artigo nove do documento-texto. Embora ainda cite/destaque “experiências psicomotoras”, certamente referindo-se as atividades no campo da Psicomotricidade e/ou Exercícios 263 de Coordenação Motora, não citados/referenciados nas DCNEI, os demais conteúdos – procedimentos/habilidades/capacidades citados estão inter-relacionados com os objetivos definidos nas/para as experiências propostas no texto oficial – objeto de análise, como podemos perceber no trecho descrito: Esse documento, norteia a minha prática pedagógica, direcionando os conteúdos que proporcionem o aprendizado integral das crianças, conteúdos que promovam conhecimentos do mundo, de si, do outro. Que possibilitem experiências psicomotoras, é... que tenha autonomia, que tenha a ampliação da linguagem, que tenha o respeito com o outro, com a diversidade. Conteúdos que construam a identidade da criança. Que levem a criança a ter o cuidado com a natureza. Que tenham o conhecimento da cultura brasileira, o acesso à tecnologia, como computadores, máquina fotográfica, e, entre outros. (Professora Sara, Segunda Sessão de Entrevista Individual). No entanto, consideramos, tendo como base os diálogos que tecemos com as professoras acerca das proposições das DCNEI, que para garantir que os conjuntos/tipos de conhecimentos que constituem as experiências propostas no documento-texto, sejam trabalhados e sistematizados nas propostas e práticas curriculares, há um longo caminho de encontros e desencontros, construção de sentidos e significados de modo diversos. Os modos como as professoras traduzem as orientações oficiais para suas práticas cotidianas, tem relação com suas experiências e processos de apropriação, assim como analisamos na seção anterior. Mesmo considerando, conforme explicitamos no capítulo dois, que não objetivamos com esse trabalho, intervir na qualificação dos sentidos possíveis elaborados pelas professoras, apresentamos nesta segunda seção, aqueles sentidos, que foram sendo discutidos coletivamente e retomados nas últimas entrevistas individuais, acerca dos modos como as DCNEI propõem a definição e organização de conhecimentos no currículo. Os quais organizamos em três eixos de sentidos: conhecimentos como eixos – entre DCNEI e RCNEI; sentidos sobre experiências curriculares; e sentidos sobre interações e brincadeira. 6.2.1 Conhecimentos como eixos: entre DCNEI e RCNEI Identificamos nas vozes das professoras os sentidos que lhe foram possíveis interpretar na leitura das DCNEI. Os modos de olhar as proposições do documento, pelas professoras, estão carregados de suas experiências cotidianas. Tanto nas 264 entrevistas individuais como nas coletivas, elas buscavam identificar nas experiências listadas no artigo nove do documento, as áreas de conhecimento com as quais elas trabalham a partir do RCNEI. Eu percebo assim... Há uma troca de nomenclatura, mas as atividades dos eixos, praticamente, são as mesmas. (Professora Eva – Primeira Sessão de Entrevista Coletiva). Elas apresentam os eixos – as interações e as brincadeiras, mas quando você subdivide, você vê [...] A linguagem, a Matemática, movimento... Natureza e Sociedade. (Professora Rute - Trechos da Primeira Sessão de Entrevista Coletiva) Dentro dessa proposta (DCNEI), a gente observa que ela abrange, acho que, todos os eixos temáticos (do RCNEI). [...] Ele deixa bem claro, até diz assim: as práticas pedagógicas que acompanham a educação infantil devem ter como eixos as interações e as brincadeiras. E ‘aí’, elas são discriminadas. Ela não explica, não é? Não discrimina, natureza, sociedade, mas dentro do que ela ‘tá’ falando a gente específica, identifica qual é a área. (Professora Rute – Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). Não discrimina cada um, mas, assim... Mas, nivela de uma forma quase contemplável. [...] Ele não discrimina os eixos, como a gente vê no RCNEI. [...] Ele coloca dois, dois eixos: a interação e as brincadeiras. [...] Dentro desses dois eixos, ele engloba todos que a gente já conhece, ‘né’? (Professora Dalila - Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). Porque elas (a professora refere-se as experiências) dão conta de toda diversidade, digamos assim, temáticas que tem lá (no RCNEI). Na parte da linguagem, na matemática, natureza e sociedade, em movimento. [...] Autonomia e brincadeira está gritante. (Professora Ester - Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). Na construção de sentidos acerca de como as DCNEI orientam a organização dos conhecimentos no currículo, as professoras encontram como solução, encaixar cada conjunto de experiências propostas nas DCNEI dentro dos eixos de conhecimentos propostos no RCNEI. Na realidade, só mudou aqui o nome, porque no RCNEI, tem, eles falam de eixos, e aqui fala de linguagem... então, a linguagem textual, a linguagem verbal, a linguagem plástica, a linguagem matemática, entendeu? Que engloba todos esses, digamos assim, conteúdos a serem trabalhados, incluindo nessas [...] tem que estar incluída as interações, digamos as trocas, ‘né’? (Professora Isabel – Trechos da Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). [...] como guias de expressão gestual, verbal e musical (lendo), pra mim, é a mesma coisa, com nomes diferentes. [...] a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo 265 físico e social (lendo) – Natureza e Sociedade. (Professora Rute – Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). [...] se dá pela quantidade de medidas (lendo) - Matemática. (Professora Maria – Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). O RCNEI quando diz movimento, ele deixa bem amplo e aqui não, ele já, delimita. Gesto, gestual, a linguagem gestual, então tudo que, venha com gestos, expressão gestual é movimento. Eu entendo assim, se eu estiver errada, vou ter que estudar mais. [...] É como que cada um desses (incisos – conjuntos de objetivos/experiências das DCNEI, pegasse vários eixos (do RCNEI) pra se formar. (Professora Ana - Trechos da Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). Os saberes são ditos, de forma, por áreas, mas não por áreas como era antigamente, por áreas de conhecimento, que deixaram de ser natureza e sociedade... deixaram essas áreas claras e passaram a ser mais, é.... niveladas. Mas, que a gente consegue, na leitura, identificar que eixos seriam esses. (Professora Eva, Segunda Sessão de Entrevista Individual) Da análise das entrevistadas ressalta as relações discursivas em torno daquilo que elas conhecem melhor e utilizam em suas práticas cotidianas, mesmo que, por vezes, como vimos, de modo controverso. Quando chamamos atenção sobre o parágrafo único do artigo nove das DCNEI: “as creches e pré-escolas, na elaboração da proposta curricular, de acordo com suas características, identidade institucional, escolhas coletivas e particularidades pedagógicas estabelecerão modos de integração dessas experiências”. As professoras se posicionaram seguramente acerca de como organizariam/articulariam as experiências propostas: Eu acho que vai muito do RCNEI e das áreas de conhecimento. Assim, ‘pra’ associa- las, né? [...] Eu acho assim, eu acho que o RCNEI foi aquele documento muito utilizado. Na verdade, a gente não sabe exatamente quando, mas o RCNEI desde que entrou na educação, que nos acostumamos a planejar segundo o RCNEI, sempre recorrer a ele, qualquer dúvida [...] Ultimamente a gente vem trabalhando com a proposta de projeto de pesquisa, mas de qualquer forma a gente acaba associando ao RCNEI. Então assim, esta DCNEI pode ser a maior referência que a gente tem, porque, assim, a gente consegue vivenciar todas essas experiências, mas a gente sempre associa ao RCNEI. (Professora Ana – Trechos da Segunda Entrevista Coletiva). Elas falam, assim, a questão dos eixos, da interação e da brincadeira, a gente pode incluir dentro do nosso planejamento nas próprias áreas de conhecimento [...] (Professora Maria, Segunda Sessão de Entrevista Individual). 266 Ela diz que é.... pra trabalhar os diversos conhecimentos dentro, através das interações e brincadeiras, que ela cita todos, não com o nome eixos, mas cita várias... assim, as linguagens, as diversas linguagens, a matemática [...] ela cita os eixos de uma forma diferente [...] porque é isso mesmo que a gente quer que a criança faça, mas a gente nunca utilizou, a diferença é só essa. Mas que vem bem explicado pelos eixos, porque ele já vem, até como se fosse um objetivo, que a criança promova, [...] Para planejar, vai pelos eixos, que é mais fácil de separar. Eu acho que eu dividiria por eixos e viria qual experiência caberia em cada eixo. (Professora Rute, Segunda Sessão de Entrevista Individual). As professoras justificam que os sentidos de conhecimentos organizados em eixos como propõe o RCNEI, é algo já instituído e difícil de romper nas instituições educativas. No entanto, conforme já havíamos observado, uma das professoras assevera que esta vinculação ao RCNEI acontece mais em torno de sua organização por eixos de conhecimento, na utilização desses eixos no planejamento e organização curricular. Temos visto, em nossas análises, que os sentidos acerca do que constitui conhecimento nem sempre coincide com aqueles propostos no referido documento. [...] a gente é cobrada por isso, ‘pra’ usar aquilo ali (RCNEI) como referência pra profissão, de processos, de planejamento. Nós somos cobradas, de alguma maneira, nós somos induzidas a seguir aquilo ali. Mas independente de.... Quando é bom, a gente tem um norte, quando a gente tenta fugir daquilo ali, a gente tem que... voltar ao RCNEI. (Professora Marta - Trechos da Segunda Entrevista Coletiva). Eu acho que já, já conseguiu se desvincular em relação a conteúdo programático e até de conhecimento, mas assim, da área de conhecimento, ainda não. Se a gente já não vincula mais aquele conteúdo, que ficou no projeto da coordenadora, ela pergunta, sim, mas que eixo você deseja contemplar? É a primeira pergunta que se ouve. (Professora Rute - Trecho da Segunda Entrevista Coletiva). Quando chega no planejamento semanal, eu não sei vocês, mas eu tenho uma dificuldade maior com a temática, enquanto eixo separado. Pronto, eu tenho essa dúvida, ‘aí’ a coordenadora faz, e a matemática? Qual é o dia da semana que você vai trabalhar o eixo da matemática? Não, a matemática ‘tá’ inclusa no dia a dia, mesmo mediante os outros eixos, quando eu faço uma contagem, quando você faz uma comparação, mas ela já vai vendo o que é que tem o dia pra matemática. Segunda, por exemplo, tem que ser, vamos supor, música e movimento. Mas, mas tem que ter o dia da atividade de matemática. [...] E se a gente observar de um jeito prático, organizar o planejamento. Porque tem momentos que eu mesma vou observando, hoje eu ‘tô’ trabalhando que eixo? Quando eu olho... estão lá quase todos os eixos envolvidos, ‘aí’ eu vou colocar finalmente qual? E não posso colocar todos os eixos, então assim, eu coloco o que mais... o que mais aparece e a gente percebe que dentro desses dois eixos (a professora refere-se as interações e brincadeira) a gente já engloba tudo... coloca lá os dois eixos e eu vou trabalhar uma diversidade de atividades que contemplam vários eixos (aqui referindo-se aos eixos do RCNEI). O 267 que vai nortear cada um é o meu objetivo. (Professora Ester - Trecho da Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). Acho que é o planejamento dessas experiências, não é? É... dentro desses eixos que ela (DCNEI) colocou. A gente vai, vai correlacionar as experiências pensando nas interações e brincadeiras, e também dentro de ver o que a gente já conhece, ‘né’, do RCNEI, a gente não vai poder mais, assim, pensar numa atividade e separar em um eixo. (Professora Dalila - Trecho da Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). Observamos que as professoras foram identificando, nas suas práticas, que apesar de cotidianamente organizarem as rotinas e os currículos por eixos de conhecimentos, acontecem, certamente, atividades/experiências de natureza interdisciplinar. E já apontam possibilidades de organizar um currículo por experiências. Consideramos então, importante de analisar ou pelo menos, situar, os sentidos elaborados pelas professoras acerca do que consistem, então, as experiências, as interações e a brincadeira – propostas/citadas nas DCNEI. 6.2.2 Conhecimentos e/nas Experiências Curriculares Pudemos entrever nas vozes das professoras, tentativas de compreender o que constitui experiências educativas, tal como estão propostas nas DCNEI. Pelas diretrizes a gente percebe que elas pedem que a gente envolva as crianças em situações de experiências, que levem essas experiências para a questão da sistematização do saber, pelo menos é o que eu percebo. Então, quando a gente pega essa sistematização e vai através do lúdico, a criança vai compreender melhor, vai assimilar melhor e mais rápido, o processo de aprendizagem vai ser mais rápido do que se fosse apenas uma questão de memorização, porque a memorização a gente sabe que é hoje e não é amanhã ‘né’? A gente esquece o que a gente memoriza, agora o que a gente apreende a gente não esquece. (Professora Eva – Segunda Sessão de Entrevista Individual). Na questão das Diretrizes, ela coloca, que o currículo, ele deve integrar interações e brincadeira, ‘né’? Dentro das interações estão todos os eixos que a gente tinha separadamente nos Referenciais. Lá estão separados, e aqui eles estão integrados e não se define quem é quem. Eles se integram entre si, pelo menos foi dessa forma que eu percebi. Pronto, quando ele diz garantir experiências que os alunos integrem conhecimentos em relação aos números, a gente percebe que ‘tá’ relacionado a linguagem matemática. Ela coloca muito a questão de experiências entre crianças e crianças, entre crianças e adultos, a sociabilidade da criança no geral... a gente percebe que relaciona muito à autonomia, a integração, natureza e sociedade... que todos esses eixos, eles vão se integrando. Tem um ponto de ligação entre um e outro. 268 A gente só teria que perceber, quais são as experiências que se precisa garantir para que essas crianças de 2 a 5 anos saiam com todos os conhecimentos que são necessários na educação infantil. A gente percebe que tem muito a preocupação da brincadeira como eixo norteador desse processo de aprendizagem. Antes a gente trabalhava separado, agora não, eu trabalho uma atividade que integra, linguagem, matemática e natureza e sociedade. (Professora Ana, Segunda Sessão de Entrevista Individual). A experiência ‘aí’ é a vivência, ele tem que vivenciar situações do cotidiano dele, ‘aí’ vão ter várias... Promover conhecimentos de mundo, é... De habilitar meios ‘pra’ que eles vivenciem essas experiências e esses meios vem através de brincadeiras e interações. (Professora Rute – Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). Por isso elas são práticas, ‘né’? Não é a teoria, é a prática. O tanto como eles vivenciaram, é... a vivência prática.(Professora Ana – Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). As experiências vivenciadas [...] de certa forma essa troca. Porque, assim... Uma criança, essa criança que já tinha a experiência de descascar a banana, de aprender, que tem esse contato, essa experiência que ela já vivenciou, pega aquela outra que ela vê, que pega a banana e não sabe o que fazer com a banana, quando ele chega ‘pra’ o que não sabe, que ele vai e ensina como é que ele tem que fazer, já tá havendo a interação, essa troca de conhecimento. (Professora Isabel – Segunda Sessão de Entrevista Coletiva). Apesar de compreender a dificuldade de romper com os sentidos e significados elaborados ao longo dos anos, em suas experiências, tanto no campo escolar, como no acadêmico e profissional, consideramos um esforço de entendimento por parte das professoras, acerca do que pode constituir uma experiência na educação infantil. Elas contemplam, em suas definições, que as experiências precisam se aproximar da vida cotidiana da criança e que devem promover a aprendizagem de conhecimentos por meio de interações e brincadeira. Ou seja, as interações e a brincadeira, constituem as experiências. 6.2.3 Conhecimentos entre Interações e Brincadeira As práticas pedagógicas que constituem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, que por sua vez, precisam constituir e propiciar boas experiências educativas. (BRASIL, 2009g). De acordo com Oliveira (2011, p. 78), As interações fazem a mediação do desenvolvimento humano, ou seja, tornam-se recursos para a transformação das formas humanas de ação, pois fornecem ao indivíduo recursos para ele apropriar-se 269 ativamente de formas de aprender, memorizar, emocionar-se, conversar, solucionar problemas e outras ações humanas que foram e estão sendo culturalmente desenvolvidas. Acrescentamos que essa mediação é feita pelo outro – adulto e/ou criança – e, pela linguagem (VIGOTSKI, 2005; 2007). Identificamos nas vozes das professoras, sentidos possíveis e preocupações em torno de como garantir um currículo organizado por brincadeira, mediante as práticas tradicionais já tão enraizadas nas instituições de educação infantil, que desconsideram, muitas vezes, o papel das interações – mediadas - e da brincadeira no desenvolvimento das crianças. Como podemos exemplificar no trecho abaixo, representativo de vozes de outras professoras: Eu me lembro de uma atividade que eu faço, eu gosto muito de fazer com as crianças, que é o faz de conta. Meus alunos têm idade de creche ainda, que é de 2 anos e 6 meses, apesar de que a nossa escola, ela é um Centro de Educação Infantil, ela não é creche, mas aceita essas crianças. Então, eu estava fazendo o faz de conta e brincando com as crianças, dizendo que queria tomar chá, que estava precisando açúcar. “Tia vamos botar mais açúcar” Chegou a merendeira e disse: “ah, vamos começar a dar lanche aqui na sala, porque não estão fazendo nada”. Eu tive que parar (risos), eu não estou fazendo nada! Então, a ideia que ela tinha como merendeira, como alguém de fora, que eu não estava fazendo nada, é a mesma ideia, às vezes, que o gestor tem, que os pais, tem [...] Uma mãe chegou ‘pra’ mim e disse: “por mim não existia recreio, porque esses meninos chegam tão sujos em casa, que não era pra ter recreio”. Meu Deus! Minha querida, nós estamos vendo agora esse ano a importância do brincar, eu vou ter que dar uma aula sobre a importância do brincar para os pais, ‘pra’ ter essa conscientização do brincar, do se sujar, do se divertir, do jeito que eles estão em casa aprendendo brincando, eles estão na escola. Essa visão, a maioria das pessoas não tem, que é a brincadeira, como também é importante. (Professora Eva - Trechos da Primeira Sessão de Entrevista Coletiva). As professoras destacam a importância da brincadeira e manifestam entendimento de seu papel na aprendizagem das crianças. Buscam, entender o lugar da brincadeira como eixo do currículo, da prática pedagógica, a partir do proposto no documento, no entanto, muitas vezes, os sentidos sobre brincadeira estão voltados para seu caráter metodológico – como recurso pedagógico que promove a aprendizagem. Quando ele fala das brincadeiras e das interações, sendo o foco principal. É que a gente vê, que na sala de aula isso não acontece ‘né’? A brincadeira, ela torna como se fosse um momento de lazer e não feita, é.... colocada como base para a 270 aprendizagem. Então a educação infantil, que eu vejo, hoje estou na coordenação, no ano passado quando começou essa entrevista, sua tese, eu estava em sala de aula. Tentei colocar a brincadeira como, como prioridade na sala de aula, isso consequentemente, interação entre as crianças, mas a gente via muito, a direção dizer: “só faz brincar com essas crianças? E as atividades? ” Os pais reclamaram que as crianças não têm atividade por escrito ‘pra’ poder ver. Então a gente ‘vê’ que tem que ter uma desconstrução da ideia de ensinar na educação infantil, pra poder essas diretrizes serem implantadas realmente em salas de aula. Que ela vai melhorar a aprendizagem, com certeza, porque como toda criança, a brincadeira ela é fundamental, ‘pra’ que a criança aprenda. Diferente de um lápis e papel que a criança vai ficar só repetindo algo que já está escrito, posto lá, que na maioria das vezes, as atividades são xerografadas, atividades prontas que a criança só faz preencher. Então é diferente de você aprender brincando, você vai aprender vários conceitos através das brincadeiras que você levaria tempo para aprender na escrita, como a questão de regras, normas, de cores, de números, enfim de escrita mesmo. (Professora Eva – Segunda Sessão de Entrevista Individual). O documento fala que tudo o que a gente trabalhar em torno do brincar, de forma lúdica, existe sim o conhecimento em relação ao que você vai trabalhar, seja por mídia, seja tamanho, seja quantidade de patas, por exemplo, quando você está trabalhando quantidade, então assim, você vê que de forma mais prazerosa existe uma interação. [...] É tanto que tem colegas que eu percebo, assim, tem colega que é... vê, assim, que entende que é pra brincar, brincar, e eu não entendo que é brincar, por brincar. Eu acho que o brincar deve ser intencionado, então quando fala assim “que envolva situações prazerosas, brincadeiras e tal” tem gente que leva a brincadeira a sério. E ‘cadê’ o conteúdo dentro dessa brincadeira? [...] por isso, acho que, ao mesmo tempo que explica (a professora refere-se a como as DCNEI orientam sobre a brincadeira), não sei se você entende, também deixa, assim, também deixa solto. (Professora Ester, Segunda Sessão de Entrevista Individual). Sabemos que as brincadeiras, são sim, linguagem, enquanto atividade e modo de as crianças se relacionarem com o real e, portanto, contextos de aprendizagem e desenvolvimento. E que assumem características que as distinguem de outros modos de atividade (VIGOTSKI, 2007; BROUGÉRE, 1998; LOPES, 2005), tais como: a liberdade, a regra e a imaginação (fantasia), a ação voluntária da criança – a decisão de iniciar e findar a participação – a possibilidade de câmbio de papeis e de retomadas infinitas, entre outras. Assim, nem sempre podem ser “controladas pelos adultos”, muito embora eles possam, enquanto responsáveis pelas crianças, possam exercer o papel de mediadores e participantes da brincadeira, no sentido de ampliar suas possibilidades como experiência da criança e, assim, no cotidiano das instituições, podem favorecer situações com que produzam repertórios/narrativas/significados/sentidos que podem, por sua vez, enriquecer as brincadeiras das crianças, pois consideramos que, 271 Todas as formas de brincadeira aprendidas pelas crianças são enriquecidas com o trabalho feito no conjunto das experiências por elas vividas nas outras dimensões, como: a da linguagem verbal e contação de histórias; a dimensão das linguagens artísticas e também dos saberes que a criança vai construindo enquanto pensa o mundo social e o da natureza; a dimensão do conhecimento de medidas, proporção, quantidades, e a importante dimensão da experiência de cuidar do outro e de si. Conforme o olhar sensível dos professores acompanha e estimula as crianças a explorar eventos físicos ao brincar, a produzir desenhos, a desenvolver sua corporeidade e a realizar um conjunto valioso de aprendizagens, elas podem revolucionar o seu desenvolvimento, o que, por sua vez, alimenta os conteúdos das brincadeiras de faz de conta que criam. (OLIVEIRA, 2011, pp. 88-89) No entanto, para as professoras, a brincadeira tem sido apontada como atividade meio, para ensinar conteúdos específicos do currículo “de forma lúdica”, como podemos observar em alguns trechos de seus discursos: Eu acho que a brincadeira é como algo, assim, inerente da criança, ‘né’? É o que favorece, para o professor poder chegar na criança, a questão da aprendizagem. Eu acho que é o que promove, na verdade, a interação e a aprendizagem da criança pequena, é a brincadeira. Você coloca uma atividade, não tem interesse nenhum, ‘aí’ quando você diz assim: “vamos contar aqui quantos palitos, vamos contar quantas tampas”. De repente, eles dão as respostas que você esperava lá na atividade. Existe até uma fala de uma coordenadora, que ela diz, que depois do nível 2 os professores querem, porque já querem entrar, na ansiedade de entrar, no letramento, na alfabetização, então acabam esquecendo um pouco de movimento, brincadeira. Mas, que é criança ‘né’? É criança, igual àquela que está no berçário, no nível 1, no nível 2, que precisa desse momento da brincadeira, que ela pode aprender também. (Professora Isabel - Primeira Sessão de Entrevista Coletiva). Eu acho que a brincadeira, ela sendo bem colocada, ela ajuda demais, porque tem tantos jogos ‘aí’ que são brincadeiras e ao mesmo tempo faz a criança raciocinar, pensar ‘né’? Em possibilidades e meios de chegar e ganhar aquele jogo. E brincadeiras que faz também com que a criança [...] Eu acho, assim, que a brincadeira quando a gente pretende planejar, a gente deve encaixar nos/esses eixos temáticos que são lançados pelo RCNEI ‘né’? E a gente tem que fazer uma brincadeira pedagógica e mediada, não é brincar por brincar. Assim, porque brincar por brincar a gente deixa eles a vontade no faz de conta ‘né’? Quando a gente brinca com um direcionamento a gente tem que ‘tá’ encaixando em algum eixo temático, ‘aí’ a gente faz uma brincadeira envolvendo conhecimento matemático, com linguagem, ‘aí’ a gente vai levando. (Professora Ester - Primeira Sessão de Entrevista Coletiva). Pra quem já tá no nível maior, já tem a possibilidade de fazer isso. Agora quem tá no berçário, já tem uma certa dificuldade de fazer isso. Eu já trabalhei no berçário, e eu tinha dificuldade de relacionar a brincadeira com o eixo temático, até por causa da idade. E com os maiores não. Flui melhor essa questão de relacionar. (Professora Dalila - Primeira Sessão de Entrevista Coletiva). 272 Kishimoto (2006) faz uma classificação de tipos de brinquedos e brincadeiras: (a) brinquedo educativo (jogo educativo), (b) brincadeiras tradicionais infantis, (c) brincadeiras de faz-de-conta e (d) brincadeiras de construção. A autora explica que o uso do brinquedo com fins pedagógicos precisa ser bem debatido, pois a associação do brincar e do educar numa mesma situação merece atenção especial. Mesmo considerando que o brinquedo educativo assuma duas funções: 1 – Função lúdica: o brinquedo propicia diversão, prazer e até desprazer, quando escolhido voluntariamente; e 2 – Função educativa: o brinquedo ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão do mundo. (KISHIMOTO, 2006, p. 37) Segundo a análise desta autora, mesmo considerando a riqueza de situações de aprendizagem propiciadas pelo brinquedo educativo, não temos como garantir que os conhecimentos construídos pelas crianças sejam aqueles planejados pelo professor. Para tanto, é necessário que haja um trabalho pedagógico posterior ao momento do jogo, com intervenções e estímulos para a sistematização de conceitos. Como podemos refletir a partir da situação descrita por Kishimoto (2006, p. 37): Se a criança está diferenciando cores, ao manipular livre e prazerosamente um quebra-cabeça disponível na sala de aula, a função educativa e a lúdica estão presentes. No entanto, se a criança prefere empilhar peças do quebra-cabeça, fazendo de conta que está construindo um castelo, certamente estão contemplados o lúdico, a situação imaginária, a habilidade para a construção do castelo, a criatividade na disposição das cartas, mas não se garante a diferenciação das cores. Essa é a especificidade do brinquedo educativo. É importante destacar que para se constituir, efetivamente, como brincadeira, conforme já citamos, a atividade precisa atender suas características fundamentais: a liberdade (de entrar e sair da brincadeira, de escolher e trocar de papeis), a regra (mesmo o faz de conta é regido por regras sociais de como funciona/se comporta a personagem/objeto assumido) e a imaginação. Para tanto, para se propor no currículo estratégias que garantam a organização de tempos e espaços para a brincadeira, considerando as necessidades de aprendizagem das crianças e a oferta de diferentes 273 oportunidades lúdicas, Moyles (2002, p. 106) determina que para brincar de modo efetivo, as crianças precisam de: - companheiros de brincadeiras, espaços ou áreas para brincar, materiais para brincar, e que o brincar seja valorizado pelas pessoas que as cercam; - oportunidades para brincar em partes, em pequenos grupos, sozinhas, perto de outras pessoas, com adultos; - tempo para explorar, através da linguagem, aquilo que fizeram e como elas podem descrever a experiência; - tempo para continuar o que iniciaram (uma vez que muitos trabalhos valiosos não são concluídos); - experiências para ampliar e aprofundar aquilo que já sabem e aquilo que já podem fazer; - estímulo e encorajamento para fazer e aprender mais; e - oportunidades lúdicas planejadas e espontâneas. Entendemos que alguns fatores têm contribuído para dificultar a compreensão pelos professores da natureza do brincar, enquanto atividade da criança, do valor das interações e da brincadeira no desenvolvimento das crianças, conforme ressalta Oliveira (2011, pp. 86-87): Um deles é a visão de que o ensino tem de ser necessariamente centrado no professor e na transmissão por este de uma cultura estável, que é apresentada às crianças de modo incontestável. Outro fator é o sentido popular de que educar é coagir e disciplinar os pequenos seres. [...] Há ainda o problema de que a identidade da Educação Infantil ainda não está clara para muitos professores, em grande parte por ser insuficiente a formação inicial deles para aprofundar as especificidades da educação de crianças bem pequenas. Na falta de uma compreensão de como os ambientes de aprendizagem e desenvolvimento dessas crianças poderia se organizar, muitos adotam práticas e posturas típicas de uma visão tradicional da escolarização, copiadas de modelos mais próximos de uma visão estereotipada e ultrapassada do Ensino Fundamental, obrigando todas as crianças a fazerem as mesmas coisas do mesmo jeito. As orientações curriculares precisam ressaltar aspectos sumamente importantes para o desenvolvimento do planejamento das ações cotidianas junto às crianças, tendo em vista sua aprendizagem e desenvolvimento, bem como o papel mediador do adulto professor e a necessária sistematização de suas ações e intervenções, pedagógicas, sim, ainda que específicas, pertinentes às necessidades e possibilidades das crianças de aprenderem, brincarem e produzirem cultura em contextos de mediação social e simbólica. 274 Assim como, reiteramos a necessidade de investimento em formação continuada – em contexto/em serviço – em cada instituição. Como propõem Ferreira e Zurawski (2011), um plano de formação com estratégias que não apenas evidenciem e questionem, mas que ajudem aos professores perceberem o quanto algumas concepções “contraditórias” marcam suas práticas pedagógicas, por meio de situações formativas que desestabilizem essas concepções e o façam vivenciar novos e diferentes modelos de aprendizagem. Para tanto, as autoras ressalvam que um desafio que se coloca nesse processo formativo, envolve pensar em como transformar práticas muitas vezes sustentadas em concepções construídas a partir de modelos experimentados durante toda a vida do professor, e, portanto, na maioria das vezes arraigadas e difíceis de abandonar. Delineamos aqui, alguns dos múltiplos e possíveis sentidos acerca de conhecimentos que foram sendo assumidos pelas professoras – profissionais responsáveis por sua configuração como práticas pedagógicas. As professoras, precisam interpretar as palavras e transformá-las em sentidos que possam, por sua vez, orientar ações, práticas cotidianas. O que implica outros conhecimentos, outras mediações que propiciem a “tradução” do que está proposto nas DCNEI. Dessa perspectiva, podemos pensar que em contextos desiguais de acesso às significações circulantes, produzem-se modos, não apenas diversos, singulares, de apropriação e produção de sentidos – como é próprio desses processos – mas modos desiguais de compreender e, portanto, de construir referências para a ação. Tais desigualdades se refletem, ainda que não linearmente, nas práticas cotidianas que são pensadas e desenvolvidas para e com as crianças nas instituições e, desse modo, constituem condições de viver/experimentar a infância não apenas diversas, mas desiguais. 275 7 CONSIDERAÇÕES (IN)CONCLUSIVAS Não preciso do fim para chegar. (Manoel de Barros, 2010). Identificamos, por meio de nossas experiências – e das reflexões que elas nos possibilitaram, juntamente aos estudos que vimos desenvolvendo, que as discussões no campo de currículo e conhecimento na/para educação infantil, são marcadas por contextos de imprecisões, contradições e embates. E, mesmo, considerando significativos avanços no campo teórico e legal, as significações em torno do que as crianças podem/precisam aprender para se desenvolver ainda carecem de maior precisão/definição. Fomos entendendo, no entanto, que tais dificuldades/imprecisões são oriundas dos percursos históricos e sociais pelos quais esta etapa educativa vem se consolidando, que são permeados de avanços nos campos político, acadêmico e social e, ao mesmo tempo, repleto de recuos ou, no mínimo, de interdições, em meio aos necessários e legítimos debates – e embates – em torno de sua função social, de suas finalidades pedagógicas, da diversidade do público atendido – as crianças e suas desiguais condições de vida –, dos profissionais e suas funções e suas consequentes necessidades e condições de formação. Nesse contexto, considerando que tais significações são (in)definidas, portanto, em contextos deliberativos – em documentos de políticas nacionais, assim como, nos contextos das práticas cotidianas nas instituições educativas, analisamos, nesse trabalho, os sentidos atribuídos ao currículo e aos conhecimentos que podem/precisam se constituir como objetos/objetivos na educação infantil pelas DCNEI e por professores que atuam nessa etapa. Partimos do pressuposto de que as significações produzidas em discursos/textos oficiais passam a circular nos meios sociais-educacionais onde vão sendo apropriados de modo circunstanciado – e singular – por cada grupo e cada pessoa-profissional, de acordo com as mediações com e pelas quais com elas podem interagir. Tornados próprios, esses sentidos podem orientar suas interpretações e ações em relação ao currículo e seus desdobramentos no cotidiano da prática junto às crianças. 276 Constatamos, mediante a análise dos dados construídos, a existência de encontros e desencontros acerca do que as crianças precisam aprender na educação infantil entre as proposições das DCNEI e as vozes das professoras participantes como sujeitos de nosso estudo. No entanto, observamos que esse movimento – entre aproximações, distanciamentos, contradições e exercícios de sínteses possíveis, tanto pode ser identificado no interior/contexto do discurso do texto-documento analisado, como nas elaborações discursivas das professoras. Destacamos, para a análise feita, que, sendo um documento/Resolução normativo publicado pelo Conselho Nacional de Educação - CNE, as DCNEI assumem um caráter mandatório e se materializam como instrumento de consulta e estudo para elaboração e desenvolvimento de propostas e práticas pedagógicas na Educação Infantil. No entanto, a natureza de suas orientações é de ordem geral, não específica, não podem, por exemplo, comprometer a autonomia, singularidade e diversidade de instituições e redes educativas em nosso país. E, sendo um documento que se materializa, enquanto política educacional, os sentidos relativos a currículo e conhecimento para educação infantil que se presentificam no texto oficial publicado como Diretrizes Curriculares Nacionais para essa etapa educativa, são resultantes de um processo histórico social marcado por debates, disputas e negociações possíveis em torno das funções sócio política e pedagógica da educação infantil nos contextos das políticas educacionais, das produções acadêmicas e das práticas pedagógicas que constituem, normatizam e consolidam esta área/campo de estudo e atuação. Em nossas análises, observamos que discursos sobre educação infantil, criança, infância, currículo, proposta pedagógica, planejamento e prática pedagógica se entrecruzam e constituem os sentidos sobre conhecimentos curriculares para esta etapa educativa. Ao longo do texto-documento, pudemos identificar exercícios de sínteses coletivas marcadas por contradições e, por vezes, imprecisões, características consideradas, portanto, próprias da construção de um discurso oficial, que se pauta nas relações de poder que emergem entre grupos, cujas vozes, constituídas por e portadoras de sentidos são legitimados enquanto outras são silenciadas. Como vimos, os estudos e documentos oficiais sobre currículo na/para educação infantil no contexto brasileiro, embora apresentem consenso em relação à função social dessa etapa educativa – educar-cuidar promovendo o desenvolvimento 277 integral das crianças em complementação à ação da família – desdobram-se em diferentes visões e mesmo falsas dicotomias no que tange a proposições mais específicas na direção de uma “educação” que, ao mesmo tempo, assuma essa função social, considerando as especificidades infantis, rompa com o “assistencialismo” e se distancie da “escolarização”. Essa ruptura entre sentidos pode ser observada na trajetória de políticas, propostas e teorizações discutida nesse trabalho. Observamos que os discursos sobre currículo e proposta pedagógica, obscurecem o tratamento dado aos conhecimentos que o constituem como objetos/objetivos a serem aprendidos e considerando-se as aprendizagens como propulsoras de desenvolvimento das crianças. Muitas vezes, na perspectiva de se contrapor às práticas tradicionais de transmissão “conteudista”, vigentes, ainda fortemente, no ensino fundamental, as orientações e estudos no campo da educação infantil se negam a falar de conhecimento, de “conteúdo” e de “ensino” nessa etapa educativa. Comumente, encontramos em textos da área, a oposição aos currículos que prescrevem conteúdos fixos e fragmentados por áreas de conhecimentos, comuns no ensino fundamental – ainda que igualmente questionáveis naquela etapa – mas são difíceis de encontrar orientações e propostas curriculares que tratem da natureza e das formas de organização de conhecimentos escolares na educação infantil, o que acontece, no contexto da elaboração das DCNEI e mais recentemente da BNCC. Na análise das políticas curriculares – através de seus documentos, observamos que a produção científica e as reivindicações dos movimentos sociais fundamentam ou propulsionam a instituição do discurso legal e/ou oficial. Desse modo, as produções sobre currículo na/para educação infantil no país, são veiculadas no contexto de políticas curriculares. Os consultores que normalmente trabalham com outros objetos de estudo em suas pesquisas na área de educação infantil, publicam sobre currículo através de textos encomendados para elaboração de documentos oficiais sob forma de consultoria ao MEC ou na perspectiva de analisar/criticar tais formulações – como desdobramentos desses documentos. Nesse movimento de consulta e assessoramento dos estudiosos da área, são feitas escolhas e as vozes e discursos de determinados grupos se consolidam como definições oficiais, em um exercício de síntese das teorizações e diálogos com as pesquisas desenvolvidas nacionalmente. 278 Mas, as significações oficializadas como instrumentos/fundamentos para a construção de propostas e práticas pedagógicas de instituições e profissionais que atuam, concreta e cotidianamente com as crianças, carecem de precisão e definição. A análise do texto oficial aponta, em que pese o reconhecimento do avanço que muitas de suas proposições significa para a história da etapa, enquanto síntese “negociada” de sentidos vigentes e em disputa, para a necessidade de maior clareza, ampliação e aprofundamento de suas definições, considerando que os professores precisam de “chaves” não disponíveis no texto, para acessar as significações nele contidas. O documento apresenta proposições atuais e coerentes com os estudos da área acerca do que precisa constituir um currículo que atenda as especificidades da criança e considere/amplie suas capacidades/saberes – conhecimentos. Da análise feita, identificamos sentidos de currículo como conjunto de experiências educativas que promovem/possibilitam a ampliação/apropriação de conhecimentos. Tal perspectiva, aproxima-se das abordagens/teorias críticas e pós-estruturalistas de currículo, entendido como processo, prática, discurso e ao mesmo tempo, como produto/texto pensando/elaborado/desenvolvido no cotidiano pedagógico por todos os sujeitos que nele atuam, considerando as escolhas/decisões coletivas e a identidade educativa-pedagógica de cada instituição. Desse modo, analisamos que sentidos de conhecimentos se presentificam no documento, em relação aos diferentes patrimônios da humanidade, aos saberes, às linguagens e aos “conteúdos” – objetos/práticas da cultura que são apropriados nas experiências educativas que compõem o currículo, por meio de interações e brincadeira - eixos da prática/proposta pedagógica de Educação Infantil. No entanto, conforme discutimos, tais sentidos apresentam-se, por vezes, “cifrados” – demandam “chaves” para sua interpretação. Os sentidos, por nós, identificados e discutidos nas análises, são aqueles possíveis no diálogo que tecemos com o documento-texto e outros textos/contextos. Assim como, aqueles sentidos, por vezes, controversos, interpretados/elaborados pelas professoras participantes da pesquisa, também foram resultantes dos diálogos possíveis entre o discurso da DCNEI e seus saberes e experiências na área. Da análise das vozes das professoras, identificamos sentidos relativos ao currículo como instrumento/guia para a prática educativa, assim como sentidos sobre o que constitui esse currículo e como ele se define no cotidiano pedagógico. Os sentidos das professoras acerca do que as crianças podem/precisam aprender foram 279 sendo definidos/elaborados com marcas de perspectivas, por vezes, antagônicas. Mesmo afirmando a referência ao RCNEI, as professoras citaram conhecimentos/práticas difundidas em abordagens mais tradicionais – preparatórias para as etapas posteriores. Assim como, identificamos um certo esvaziamento de conteúdos/conhecimentos na prática pedagógica/curricular descrita/narrada nas entrevistas. Embora, também foi possível verificar, mesmo de maneira incipiente, algumas referências aqueles conhecimentos e práticas/atividades que atendem as especificidades/necessidades das crianças nessa etapa educativa. Cabe o desafio: é preciso trazer e tornar o discurso oficial mais próximo e em diálogo com as práticas cotidianas na educação infantil. O estudo nos possibilitou vislumbrar, ainda que em indícios identificados nas vozes das professoras, que a realização dessa aproximação não é tarefa exclusiva do próprio documento, por sua própria natureza/finalidade de fornecer diretrizes/orientações, apontar direções às instituições e profissionais para a organização de práticas condizentes com a função e objetivos da Educação Infantil e com as necessidades e possibilidades das crianças enquanto sujeitos concretos e diversos. E que, exatamente por essa natureza, o documento assume formulações que condensam sentidos diversos referentes a componentes de significativa complexidade, o que lhe confere um caráter de inacessibilidade aos professores, cujos processos/condições de apropriação – que se fazem, igualmente, por mediações sociais e simbólicas – não lhes possibilita, pelo contato imediato com o documento, apreender seus sentidos de modo mais aproximado, o que requer desdobramentos do documento em outras formulações e em outros processos de compartilhamento. Consideramos importante, portanto, garantir a circulação de textos oficiais no contexto das instituições e destacamos a importância do conhecimento, por parte dos professores, desta trajetória legal, oficial e teórica. No entanto, entendemos que os saberes e práticas que são desenvolvidas cotidianamente nas instituições de educação infantil precisam dialogar, no intuito não de reproduzir, obedecer a determinações legais, mas de compreendê-las e colaborar com elas – recriando-as e ressignificando-as – em processos de discussão-reflexão permanentes, o que implica, por sua vez, condições existentes nas instituições, ancoradas pelas redes de ensino, de exploração – mediada – do(s) documento(s) de forma viva, intensa e sistemática. A realização do trabalho nos possibilitou vislumbrar, nos encontros em que, ainda que (de)marcadas por nossas diferentes posições sociais, vivenciamos 280 interações – entre nós (com nossas diferentes vozes/sentidos) e com o documento e seus sentidos, em um movimento de palavras e contra-palavras, de responsividade – produção de respostas às palavras dos outros – que potencializavam, ampliavam, no contexto das interações, a elaboração de sentidos pelas professoras sobre os conteúdos ali tratados, as proposições apresentadas. As professoras, assim como as crianças, guardadas as diferenças produzidas, não apenas pelo ciclo etário, mas pelo desenvolvimento de funções psíquicas mais elaboradas ao longo de suas experiências de vida, são seres de interação e mediação, condições às suas aprendizagens e desenvolvimento, à sua participação e formação. Nessa perspectiva, pensamos que as discussões e proposições apresentadas nesse trabalho, contribuem para estabelecer esse diálogo entre professores e definições oficiais relativas ao currículo na/para educação infantil. Pois, defendemos a participação ativa dos sujeitos da prática nos processos de construção, desenvolvimento e avaliação das propostas curriculares. Os sentidos atribuídos por professores às questões pertinentes à organização do trabalho pedagógico precisam estar contidos/refletidos nos textos curriculares das instituições. Assim, mesmo compreendendo que as orientações normativas não podem comprometer a autonomia das instituições e dos profissionais na elaboração de seus projetos pedagógicos junto à comunidade educativa – processo que é formativo, pois gerador de situações em que são exigidas decisões, saberes, conhecimentos – consideramos legítima a dificuldade e consequente necessidade de professores e coordenadores pedagógicos, profissionais mais diretamente responsáveis pelas decisões relativas ao que as crianças de zero a cinco anos podem e precisam vivenciar para se desenvolverem como pessoas integrais em suas especificidades etárias e culturais. Entendemos o desafio que representa o exercício de definir e propor, como política pública que visa ao geral e ao singular, ao nacional e ao local, orientações curriculares, considerando, ao mesmo tempo, as especificidades dos sujeitos – as crianças – bem como as especificidades dos processos educativos que envolvem, inescapavelmente, relações entre sujeitos e conhecimentos – práticas da cultura – de diferentes naturezas, a serem ensinados-aprendidos nas experiências cotidianas da educação infantil, também uma prática da cultura que, para sua realização, precisa ser planejada, intencional e sistematicamente. Ainda mais considerando que as linguagens e/ou conhecimentos, enquanto práticas culturais a serem aprendidos pelas 281 crianças não são – como não são em nenhum contexto educativo – inteiramente correspondentes aos objetivos pré-definidos e nem iguais para todos os aprendizes. Mas, na perspectiva de caminharmos na direção de práticas que criem condições menos desiguais de desenvolvimento para as crianças propomos, tanto programas de formação inicial e continuada de professores para essa etapa em que possam viver experiências geradoras de saberes, conhecimentos, sentimentos e atitudes, como também a produção e difusão em contextos e processos formativos, entre os quais as próprias instituições, de orientações ou referências mais objetivas em relação à “o quê” e “como fazer”, já proposto por Campos (2011). Nesse sentido, ressaltamos a necessidade de maior investimento em formação em serviço e condições de apropriação, por parte de professores dessa etapa, das atuais proposições teóricas e oficiais para a educação de crianças muito pequenas e pequenas, fundamentos ao desenvolvimento e à reflexão de sua própria prática. E, dessa forma, considerando a função social, ética e política da educação infantil de contribuir para a criação de condições de aprendizagem e desenvolvimento das crianças visando ao seu desenvolvimento pessoal e social, em um contexto que não é apenas diverso, mas desigual, como a sociedade em que vivemos, pensamos que é preciso discutir, com mais precisão e objetividade, de modo a instrumentalizar professores, cujas bases de apropriação são, reconhecidamente diferentes, posto que derivam de condições de acesso injustamente desiguais, o que as crianças podem e precisam aprender em suas experiências na educação infantil. Ainda que isto implique outros riscos de incompreensões e equívocos. Até porque, tentar escapar ao risco, implica, já, cair em outro. Como nos diz o jagunço Riobaldo, das veredas do grande sertão: “viver é perigoso” (ROSA, 1986). 282 8 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Miriam; KRAMER, Sonia. “O rei está nu”: um debate sobre as funções da pré-escola. Cadernos Cedes. 2. reimp. 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Teoria do conhecimento. – 5. ed. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. 302 9 APÊNDICES APÊNDICE A UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORANDA: ELAINE LUCIANA SILVA SOBRAL ORIENTADORA: DOUTORA DENISE MARIA DE CARVALHO LOPES FICHA DE IDENTIFICAÇÃO NOME: _____________________________________________________________ TELEFONE: ___________________ E-MAIL: ______________________________ INFORMAÇÕES SOBRE EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL ATUAL 1 INSTITUIÇÃO: ______________________________________________________ IDADE DAS CRIANÇAS / TURMA:________________________________________ 2 INSTITUIÇÃO: ______________________________________________________ IDADE DAS CRIANÇAS / TURMA: _______________________________________ INFORMAÇÕES SOBRE EXPERIÊNCIAS ANTERIORES NA EDUCAÇÃO INFANTIL ( ) ATUAÇÃO NA REDE PRIVADA – Período: ___/___ a ____/______ ( ) COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA – Período: ___/___ a ____/______ ( ) DOCÊNCIA COM BEBÊS DE 0 A 12 MESES – Período: ___/___ a ____/______ ( ) DOCÊNCIA CRIANÇAS DE 01 ATÉ 02 ANOS – Período: ___/___ a ____/______ ( ) DOCÊNCIA CRIANÇAS DE 02 ATÉ 03 ANOS – Período: ___/___ a ____/______ ( ) DOCÊNCIA CRIANÇAS DE 03 ATÉ 04 ANOS – Período: ___/___ a ____/______ ( ) DOCÊNCIA CRIANÇAS DE 04 ATÉ 05 ANOS – Período: ___/___ a ____/______ ( ) DOCÊNCIA CRIANÇAS DE 05 ATÉ 06 ANOS – Período: ___/___ a ____/______ INFORMAÇÕES SOBRE FORMAÇÃO INICIAL Graduação:__________________________________________________________ Universidade: ________________________________________________________ Período: _____/________ a ______/_________ Pós-graduação: ______________________________________________________ Universidade: ________________________________________________________ Período: _____/________ a ______/_________ INFORMAÇÕES SOBRE OUTROS CURSOS (Formação Continuada - Aperfeiçoamento na área de Educação Infantil): ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 303 APÊNDICE B UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E CURRÍCULO BASE DE PESQUISA: PROCESSOS DE APRENDER E ENSINAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL TERMO DE COMPROMISSO Eu, ___________________________________________________________, aceito participar como sujeito da pesquisa de doutoramento, desenvolvida pela Professora Mestre Elaine Luciana Silva Sobral e orientanda (orientada) pela Professora Doutora Denise Maria de Carvalho Lopes, que tem como objeto de estudo: “Significações relativas aos conhecimentos constitutivos de currículos para educação infantil que compõem o discurso das atuais diretrizes curriculares nacionais para essa etapa educativa e suas implicações na organização de propostas curriculares e práticas pedagógicas, considerando perspectivas de professores”. Desse modo, comprometo- me a participar de entrevistas individuais e coletivas, ciente de que serão publicadas em consonância com os princípios éticos da pesquisa. ___________________________________________ Assinatura do(a) professor(a) 304 APÊNDICE C UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E CURRÍCULO DOUTORANDA: ELAINE LUCIANA SILVA SOBRAL ORIENTADORA: DOUTORA DENISE MARIA DE CARVALHO LOPES GUIA DA PRIMEIRA SESSÃO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL  Como você define currículo na educação infantil?  Com base em que você organiza sua prática pedagógica cotidiana?  A instituição na qual trabalha tem uma proposta curricular? Como ela foi construída e o que contempla? Orienta sobre o quê as crianças devem/precisam aprender na educação infantil? Que relações você pode estabelecer entre a proposta e sua prática?  Se não tem proposta, o que você trabalha com as crianças? Como você seleciona, planeja e desenvolve tais objetivos/objetos de aprendizagem?  Você conhece as DCNEI publicadas em 2009/2010?  Que relações podem ser tecidas entre a proposta curricular/prática pedagógica desenvolvida na instituição em que trabalha e as DCNEI?  O que as DCNEI dizem acerca dos conhecimentos que podem constituir os currículos para crianças pequenas?  Você considera que as DCNEI têm contribuído ou pode contribuir para organização e desenvolvimento de sua prática pedagógica cotidiana? Como? 305 APÊNDICE E UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E CURRÍCULO DOUTORANDA: ELAINE LUCIANA SILVA SOBRAL ORIENTADORA: DOUTORA DENISE MARIA DE CARVALHO LOPES GUIA DA PRIMEIRA SESSÃO DE ENTREVISTA COLETIVA Retomada das três últimas questões da entrevista individual:  Que relações podem ser tecidas entre a proposta curricular/prática pedagógica desenvolvida na instituição em que trabalha e as DCNEI?  O que as DCNEI dizem acerca dos conhecimentos que podem constituir os currículos para crianças pequenas?  Você considera que as DCNEI têm contribuído ou pode contribuir para organização e desenvolvimento de sua prática pedagógica cotidiana? Como? 306 APÊNDICE F UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E CURRÍCULO DOUTORANDA: ELAINE LUCIANA SILVA SOBRAL ORIENTADORA: DOUTORA DENISE MARIA DE CARVALHO LOPES GUIA DE ENTREVISTA COLETIVA Segunda Sessão  Como vocês identificam a concepção de currículo presente nas DCNEI? Como o documento propõe a organização curricular na educação infantil? Que relações vocês estabelecem entre os eixos propostos nas DCNEI e os eixos trabalhados em suas práticas cotidianas?  Vocês disseram que consultam muito o RCNEI durante o planejamento de suas práticas. Que aproximações e distanciamentos vocês percebem entre as DCNEI e o RCNEI?  O que as DCNEI dizem acerca dos conhecimentos que podem constituir os currículos para crianças pequenas?  Se vocês passarem a consultar as DCNEI para definir ‘o quê’ e ‘como’ trabalhar com as crianças, em que trechos do documento podemos encontrar tais orientações? Comente-os.  Você considera que as DCNEI podem contribuir para organização e desenvolvimento de sua prática pedagógica cotidiana? Como? 307 10 ANEXO A – Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA RESOLUÇÃO Nº 5, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2009 89 Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil O Presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no art. 9º, § 1º, alínea “c” da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, com a redação dada pela Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, e tendo em vista o Parecer CNE/CEB nº 20/2009, homologado por Despacho do Senhor Ministro de Estado da Educação, publicado no DOU de 9 de dezembro de 2009, resolve: Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil a serem observadas na organização de propostas pedagógicas na Educação Infantil. Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil articulam-se com as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e reúnem princípios, fundamentos e procedimentos definidos pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, para orientar as políticas públicas na área e a elaboração, planejamento, execução e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares. Art. 3º O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. Art. 4º As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. Art. 5º A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, é oferecida em creches e pré- escolas, as quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social. § 1º É dever do Estado garantir a oferta de Educação Infantil pública, gratuita e de qualidade, sem requisito de seleção. § 2° É obrigatória a matrícula na Educação Infantil de crianças que completam 4 ou 5 anos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula. 89 Resolução CNE/CEB 5/2009. Diário Oficial da União, Brasília, 18 de dezembro de 2009, Seção 1, p. 18. 308 § 3º As crianças que completam 6 anos após o dia 31 de março devem ser matriculadas na Educação Infantil. § 4º A frequência na Educação Infantil não é pré-requisito para a matrícula no Ensino Fundamental. § 5º As vagas em creches e pré-escolas devem ser oferecidas próximas às residências das crianças. § 6º É considerada Educação Infantil em tempo parcial, a jornada de, no mínimo, quatro horas diárias e, em tempo integral, a jornada com duração igual ou superior a sete horas diárias, compreendendo o tempo total que a criança permanece na instituição. Art. 6º As propostas pedagógicas de Educação Infantil devem respeitar os seguintes princípios: I – Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. II – Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. III – Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais. Art. 7º Na observância destas Diretrizes, a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve garantir que elas cumpram plenamente sua função sociopolítica e pedagógica: I - oferecendo condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos civis, humanos e sociais; II - assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado das crianças com as famílias; III - possibilitando tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto a ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas; IV - promovendo a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância; V - construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa. Art. 8º A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças. § 1º Na efetivação desse objetivo, as propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil deverão prever condições para o trabalho coletivo e para a organização de materiais, espaços e tempos que assegurem: I - a educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algo indissociável ao processo educativo; II - a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural da criança; 2 309 III - a participação, o diálogo e a escuta cotidiana das famílias, o respeito e a valorização de suas formas de organização; IV - o estabelecimento de uma relação efetiva com a comunidade local e de mecanismos que garantam a gestão democrática e a consideração dos saberes da comunidade; V - o reconhecimento das especificidades etárias, das singularidades individuais e coletivas das crianças, promovendo interações entre crianças de mesma idade e crianças de diferentes idades; VI - os deslocamentos e os movimentos amplos das crianças nos espaços internos e externos às salas de referência das turmas e à instituição; VII - a acessibilidade de espaços, materiais, objetos, brinquedos e instruções para as crianças com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação; VIII - a apropriação pelas crianças das contribuições histórico-culturais dos povos indígenas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros países da América; IX - o reconhecimento, a valorização, o respeito e a interação das crianças com as histórias e as culturas africanas, afro-brasileiras, bem como o combate ao racismo e à discriminação; X - a dignidade da criança como pessoa humana e a proteção contra qualquer forma de violência – física ou simbólica – e negligência no interior da instituição ou praticadas pela família, prevendo os encaminhamentos de violações para instâncias competentes. § 2º Garantida a autonomia dos povos indígenas na escolha dos modos de educação de suas crianças de 0 a 5 anos de idade, as propostas pedagógicas para os povos que optarem pela Educação Infantil devem: I - proporcionar uma relação viva com os conhecimentos, crenças, valores, concepções de mundo e as memórias de seu povo; II - reafirmar a identidade étnica e a língua materna como elementos de constituição das crianças; III - dar continuidade à educação tradicional oferecida na família e articular-se às práticas socioculturais de educação e cuidado coletivos da comunidade; IV - adequar calendário, agrupamentos etários e organização de tempos, atividades e ambientes de modo a atender as demandas de cada povo indígena. § 3º - As propostas pedagógicas da Educação Infantil das crianças filhas de agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da reforma agrária, quilombolas, caiçaras, povos da floresta, devem: I - reconhecer os modos próprios de vida no campo como fundamentais para a constituição da identidade das crianças moradoras em territórios rurais; II - ter vinculação inerente à realidade dessas populações, suas culturas, tradições e identidades, assim como a práticas ambientalmente sustentáveis; III - flexibilizar, se necessário, calendário, rotinas e atividades respeitando as diferenças quanto à atividade econômica dessas populações; IV - valorizar e evidenciar os saberes e o papel dessas populações na produção de conhecimentos sobre o mundo e sobre o ambiente natural; V - prever a oferta de brinquedos e equipamentos que respeitem as características ambientais e socioculturais da comunidade. 3 310 Art. 9º As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantindo experiências que: I - promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança; II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos; IV - recriem, em contextos significativos para as crianças, relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaço-temporais; V - ampliem a confiança e a participação das crianças nas atividades individuais e coletivas; VI - possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia das crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar; VII - possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e reconhecimento da diversidade; VIII - incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza; IX - promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura; X - promovam a interação, o cuidado, a preservação e o conhecimento da biodiversidade e da sustentabilidade da vida na Terra, assim como o não desperdício dos recursos naturais; XI - propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das manifestações e tradições culturais brasileiras; XII - possibilitem a utilização de gravadores, projetores, computadores, máquinas fotográficas, e outros recursos tecnológicos e midiáticos. Parágrafo único - As creches e pré-escolas, na elaboração da proposta curricular, de acordo com suas características, identidade institucional, escolhas coletivas e particularidades pedagógicas, estabelecerão modos de integração dessas experiências. Art. 10. As instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, garantindo: I - a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e interações das crianças no cotidiano; 4 311 II - utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (relatórios, fotografias, desenhos, álbuns etc.); III - a continuidade dos processos de aprendizagens por meio da criação de estratégias adequadas aos diferentes momentos de transição vividos pela criança (transição casa/instituição de Educação Infantil, transições no interior da instituição, transição creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental); IV - documentação específica que permita às famílias conhecer o trabalho da instituição junto às crianças e os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança na Educação Infantil; V - a não retenção das crianças na Educação Infantil. Art. 11. Na transição para o Ensino Fundamental a proposta pedagógica deve prever formas para garantir a continuidade no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, respeitando as especificidades etárias, sem antecipação de conteúdos que serão trabalhados no Ensino Fundamental. Art. 12. Cabe ao Ministério da Educação elaborar orientações para a implementação dessas Diretrizes. Art. 13. A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário, especialmente a Resolução CNE/CEB nº 1/99. CESAR CALLEGARI 5