UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL MARIA GORETE NUNES PEREIRA POTIGUARA DE SAGI: da invisibilidade ao reconhecimento étnico. NATAL 2015 MARIA GORETE NUNES PEREIRA POTIGUARA DE SAGI: da invisibilidade ao reconhecimento étnico. Texto de dissertação apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito para obtenção do título de mestre em Antropologia Social. ORIENTADOR: Prof.º Dr.º Edmundo Marcelo Mendes Pereira NATAL 2015 MARIA GORETE NUNES PEREIRA POTIGUARA DE SAGI: da invisibilidade ao reconhecimento étnico. Texto de dissertação apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito para obtenção do título de mestre em Antropologia Social. Aprovado em: 04/05/2015. BANCA EXAMINADORA _________________________________________ Prof.º Dr.º Edmundo Pereira – UFRN, Orientador ________________________________________ Prof. Dr. José Glebson Vieira – UFRN (titular) __________________________________________ Prof.º Dr.º José Gabriel Correa – UFCG (titular) _________________________________________ Prof.ª Dr.ª Rita de Cássia Maria Neves – UFRN (suplente) AGRADECIMENTOS Inicialmente agradeço a DEUS, o Senhor Todo Poderoso do Universo, que me concedeu concluir esse trabalho apesar de todas as adversidades que enfrentei durante os anos de pesquisa – 2013 e 2014, não me deixando fraquejar. Agradeço ao meu amado, querido e inseparável companheiro Josenilson Ferreira de Andrade que me apoiou durante todo o percurso do meu fazer antropológico, pelo carinho e paciência demonstrados a mim, por ter me sustentado nos momentos mais difíceis que passei. Eu não teria conseguido chegar aqui sem a sua colaboração, obrigada! Agradeço a todos os moradores de Sagi que me acolheram no seio de sua “comunidade” e permitiram que eu realizasse essa investigação. Principalmente, àqueles que denominei de “meus interlocutores” ao contribuírem diretamente com o corpus narrativo desse trabalho. Não esquecendo jamais o casal Manoelzinho e Sandra que estiveram comigo durante todo o processo etnográfico, contando e recontando a história dos seus parentes. Por me disponibilizarem seu arquivo pessoal, permitindo-me acessar todos os documentos acerca da participação ativa da liderança local no movimento indígena do estado. Agradeço a minha amiga e colaboradora Jussara Galhardo pelas palavras de conforto e incentivo para que eu concluísse esse trabalho com êxito, pela paciência e atenção que me demonstrou durante os períodos de angustia quando eu não sabia para onde ir. Agradeço a minha família pela compreensão demostrada quando eu não podia estar presente no seu cotidiano, me poupando muitas vezes por ocultar-me seus problemas para não me perturbar. Deixando-me livre para concluir meu trabalho. Obrigada mamãe, minha irmã Selma, meus filhos: Shaulyn, Shang-ly e Shyng-ly por entenderem que eu nem sempre podia estar com eles. Obrigada a meus sogros: Dona Lourdinha e Seu Santos por muitas vezes abrirem mão da companhia de seu filho, para que eu não ficasse desamparada. E, a meus netos mais próximos: Vinícius e Shelly, aos quais peço meu perdão! Por não ter dado a atenção que eles tanto cobraram de mim. Agradeço ao meu orientador e aos professores que contribuíram diretamente com o resultado dessa pesquisa: Roseli Porto, Rita Neves, José Glebson (estes dois últimos por suas ricas contribuições em minha qualificação) e, especialmente, a Prof.ª Julie Cavignac que me acolheu como membro da Base de Pesquisa CIRS, mesmo antes de ser aluna de mestrado. Vocês sempre serão lembrados por fazerem parte da minha história acadêmica. RESUMO O processo de autoafirmação étnica indígena no Estado do Rio Grande do Norte é bem recente e tem se apresentado como contraponto à historiografia oficial que nega a presença desses atores sociais no Estado. O objetivo dessa pesquisa é investigar um grupo que se autoafirma como Potiguara, na praia de Sagi (RN), valorizando aspectos relacionados à sua identidade, organização social e processo de territorialização. Além de seus objetivos etnográficos, fazendo uso da observação participante e da produção de um conjunto de entrevistas, o trabalho analisa, em especial, a geração de uma história de origem, baseada no parentesco e na territorialização, da invisibilidade à reorganização identitária em meio de conflitos e demandas por reconhecimento étnico. PALAVRAS CHAVES: autoafirmação étnica, redes de parentesco, representação histórica e territorialização. ABSTRACT The process of indigenous ethnic self-assertion in the State of Rio Grande do Norte is very recent and have been represented as a counterpoint to the official historiography denying the presence of these social actors in the state. The purpose of this research is to investigate a group that identify themselves as Potiguara on the beach of Sagi (RN), valuing aspects related to their identity, social organization and territorial process. In addition to its ethnographic purposes, using the participant observation and the production of a set of interviews, the work analyzes, in particular, the generation of a history of origin, based on kinship and territorialization, from invisibility to identity reorganization amid conflicts and demands for ethnic recognition. KEYWORDS: ethnic self-assertion, kinship networks, historical representation and territorialization. LISTA DE SIGLAS ABA – Associação Brasileira de Antropologia APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil AGU – Advocacia Geral da União AMIRN – Assembleia de Mulheres Indígenas do Rio Grande do Norte ANAÍ – Associação Nacional de Ação Indigenista ANPUH – Associação Nacional de História APOINME – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural CAI – Comissão de Assuntos Indígenas CERES – Centro de Ensino Superior do Seridó CGETNO – Coordenação-Geral de Etnodesenvolvimento CFB – Constituição Federal do Brasil COEPPIR – Conselho Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial CODEM – Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias CTL – Coordenação Técnica Local DIRED – Diretoria Regional de Educação DSEI – Distrito Sanitário Especial Indígena DFDA – Delegacia Federal do Desenvolvimento Agrário DPE – Defensoria Pública Estadual DPU – Defensoria Pública da União EJIRN – Encontro de Jovens Indígenas do Rio Grande do Norte FJA – Fundação José Augusto FUNAI – Fundação Nacional do Índio FUNASA – Fundação Nacional da Saúde IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente MCC – Museu Câmara Cascudo MPE – Ministério Público Estadual MPF – Ministério Público Federal MEC – Ministério da Educação e Cultura PFE – Procuradoria Federal Especializada PGR – Procuradoria Geral da República RBA – Reunião Brasileira de Antropologia SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão SEJUC – Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial SESAI – Secretaria Especial de Saúde Indígena UERN – Universidade Estadual do Rio Grande do Norte UFPB – Universidade Federal da Paraíba UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte UNB – Universidade de Brasília UNEB – Universidade do Estado da Bahia UFAM – Universidade Federal do Amazonas LISTA DE TABELAS Tabela 1: Especialistas da memória............................................................................ 15 Tabela 2: Interlocutores da pesquisa............................................................................ 16 Tabela 3: Quadro das demandas da Aldeia Sagi Trabanda – 2013.............................. 54 Tabela 4: Mesas Temáticas do Seminário Direitos Indígenas, 2013........................... 61 Tabela 5: Quadro da Moção de Sagi aprovadas na 29ª RBA, 2014............................. 62 Tabela 6: Dados classificatórios – segundo a liderança indígena local....................... 86 Tabela 7: Descendentes da Família Cândido............................................................... 105 Tabela 8: Profissão dos cadastrados pela CTL/NATAL/FUNAI................................ 109 Tabela 9: Pescadores de Sagi, 2014............................................................................. 116 LISTA DE MAPAS Mapa 1: Localização das comunidades indígenas no RN, 2009. ............................. 42 Mapa 2: Localização geográfica de Sagi..................................................................... 81 Mapa 3: Visão aérea de Sagi. Fonte: Google Earth, 2014........................................... 83 Mapa 4: Rota de turismo pelo litoral do RN................................................................ 125 Mapa 5: Fluxos Migratórios dos Potiguara entre os estados do RN e PB pelo litoral 135 Mapa 6: Identificação das moradias dos Potiguara ao longo de 8km de praia............ 145 Mapa 7: Localização da “Aldeia Sagi Trabanda”. Fonte: Google Earth, 2014......... 169 LISTA DE FOTOGRAFIAS Fotografia 1: Família Nascimento................................................................................... 18 Fotografia 2: I Audiência Pública, 2005.......................................................................... 38 Fotografia 3: Representantes Indígenas de Sagi, na I AIRN, 2009................................. 41 Fotografia 4: Mesa de abertura – I AIRN........................................................................ 43 Fotografia 5: Apresentação dos Potiguara de Sagi na II AIRN, 2011............................. 45 Fotografia 6: III Audiência Pública, 2012........................................................................ 46 Fotografia 7: I EJIRN, 2012............................................................................................. 50 Fotografia 8: I Assembleia da Microrregional da APOINME......................................... 51 Fotografia 9: III AIRN/2013............................................................................................ 53 Fotografia 10: Seminário Municipal, 2014...................................................................... 55 Fotografia 11: Painel fotográfico da liderança indígena do estado do RN...................... 63 Fotografia 12: Representantes dos Grupos: Paraupaba e Motyrum-Caaçu, 2008.......... 65 Fotografia 13: VIII Assembleia da APOINME, 2009..................................................... 66 Fotografia 14: Local conhecido pelos moradores de Sagi como “barreiro”.................... 96 Fotografia 15: Paleontólogos do MCC/UFRN analisam o “barreiro”............................. 97 Fotografia 16: O pescador Temístocles preparando o seu covo para a pescaria.............. 113 Fotografia 17: O pescador João dos Santos colocando chumbada na rede de pesca....... 114 Fotografia 18: O pescador Isaías Amaro tece sua rede de pesca..................................... 115 Fotografia 19: Tartaruga Pente......................................................................................... 117 Fotografia 20: Oficina de artesanato: criança pintando um maracá................................. 127 Fotografia 21: Parte interna da barraca de artesanato na praia de Sagi........................... 129 Fotografia 22: III AIRN, 2013......................................................................................... 138 Fotografia 23: Entrevista na casa do Sr. Ramos. Aldeia Jaraguá/PB............................... 140 Fotografia 24: Barraca dos pescadores – Cutia................................................................ 149 Fotografia 25: O Sr. Temístocles mostrando a localização das moradias – Cutia........... 152 Fotografia 26: “Espaiado de Mestre André” em Urubu................................................... 154 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12 ESCOLHA DO CAMPO DE PESQUISA .................................................................... 12 METODOLOGIAS......................................................................................................... 15 TRABALHO DE CAMPO: idas e vindas à Sagi............................................................ 18 ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS............................................................................ 23 1. AFIRMAÇÃO ÉTNICA NO RIO GRANDE DO NORTE.................................. 25 1.1. O PROCESSO DE ETNOGÊNESE DOS GRUPOS INDÍGENAS NO RN........ 26 1.2. A QUESTÃO INDÍGENA CHEGA À ACADEMIA E A OUTROS ESPAÇOS DE DISCUSSÃO NO ESTADO.......................................................................... 30 1.3. MOBILIZAÇÕES POLÍTICAS DOS POVOS INDÍGENAS NO ESTADO...... 36 1.4. O MOVIMENTO INDÍGENA LOCAL RECEBE APOIO DE OUTRAS INSTITUIÇÕES.................................................................................................... 58 1.5. OS POTIGUARA DE SAGI SE INSEREM NO CAMPO INDIGENISTA.......... 64 1.6. INSTALAÇÃO DA FUNAI NO ESTADO......................................................... 73 2. POTIGUARA DE SAGI........................................................................................... 80 2.1. CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA E POPULACIONAL............................. 80 2.2. BREVE HISTÓRICO DE SAGI........................................................................... 88 2.3. GENEALOGIA.................................................................................................... 101 2.4. SUSTENTABILIDADE....................................................................................... 105 2.4.1. Agricultura................................................................................................... 106 2.4.2. Pescaria........................................................................................................... 110 2.4.3. Turismo........................................................................................................... 120 2.4.4. Artesanato........................................................................................................... 126 3. TERRITORIALIZAÇÃO EM SAGI ..................................................................... 130 3.1. REAFIRMANDO UM ETNÔNIMO: POTIGUARA............................................ 133 3.2. LUGARES DE MEMÓRIA AO LONGO DA PRAIA ....................................... 141 3.3. PARENTESCO E MORADIA EM SAGI ........................................................... 157 3.4. PROCESSOS DE OCUPAÇÃO DAS TERRAS ................................................. 3.4.1. SAGI .................................................................................................................. 3.4.2. SAGI TRABANDA ........................................................................................... 162 162 168 CONSIDERAÇÕES FINAIS: HISTÓRIA, PARENTESCO E TERRITORIALIZAÇÃO............................................................................................. 180 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 183 ANEXOS........................................................................................................................ 188 A) MOÇÃO..................................................................................................................... 188 B) DECLARAÇÃO DA APOINME............................................................................... 189 C) CERTIDÃO DE PROPRIEDADE E ÔNUS............................................................. 190 D) CERTIDÃO DO CARTÓRIO .................................................................................. 192 E) PARECER TÉCNICO................................................................................................ 193 F) CERTIDÃO DE NASCIMENTO............................................................................... 197 G) GENEALOGIA DA FAMÍLIA CÂNDIDO.............................................................. 198 H) CARTA DE IRACI CASSIANO............................................................................... 210 I) CARTA DOS POVOS INDÍGENAS DO RN............................................................ 211 J) NOTIFICAÇÃO DO IDEMA..................................................................................... 212 12 INTRODUÇÃO ESCOLHA DO CAMPO DE PESQUISA Trabalhar com políticas públicas afirmativas na Secretaria de Estado da Educação e da Cultura – SEEC, no Núcleo de Educação do Campo e da Diversidade – NECAD, me impulsionaram em busca de conhecimentos que me propiciassem adquirir uma fundamentação teórico-metodológica adequada para melhor direcionar minha prática pedagógica em benefício das demandas educacionais dos grupos etnicamente diferenciados. Minha aproximação com a temática indígena deu-se em junho de 2007, quando passei a representar a SEEC nas reuniões do Grupo de Estudos sobre a Questão Indígena no Rio Grande do Norte – Grupo Paraupaba1. Desde então, tenho me esforçado a compreender e a acompanhar, de perto, a emergência étnica dos grupos indígenas organizados, participando direta ou indiretamente dos seus encontros e eventos. Considerando a presença desses atores sociais no estado e, consequentemente, suas demandas, se tornou necessário no NECAD/SEEC o trabalho de profissionais qualificados para gerenciar as ações relacionadas a essa diversidade étnica. Sendo, portanto, imprescindível o papel de um servidor público, que não apenas compreendesse, mas também atuasse como mediador e/ou facilitador do processo educativo, quanto à acessibilidade desses grupos aos seus direitos garantidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 2 : O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos: I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências; II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e 1 Desde sua formação, em fevereiro de 2005, o GP é coordenado pela mestre em Antropologia Jussara Galhardo e tem sua sede no Museu Câmara Cascudo-MCC/UFRN. Tem como objetivo colaborar e articular ações voltadas para as reivindicações, demandas sociais e políticas das comunidades indígenas do RN perante o poder público. Participam do Grupo: lideranças indígenas locais, professores, pesquisadores, bolsistas, estudantes da UFRN e representantes de outras instituições – Fundação José Augusto (FJA), SEEC, FUNAI, colaboradores políticos (PT/RN), bem como das lideranças indígenas dos Potiguara da Paraíba e da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), entre outros membros da sociedade civil. 2 A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 13 científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias (LDBEN, Art. 78). O cumprimento desses dispositivos legais tem como meta principal possibilitar ao sistema de ensino colocar em prática esses direitos, dando liberdade para que cada escola indígena defina, de acordo com suas particularidades, seu respectivo projeto político pedagógico. Da mesma forma, deverá proporcionar aos grupos etnicamente diferenciados a oportunidade de recuperar suas memórias e reafirmar suas identidades, dando-lhes acesso aos conhecimentos técnico-científicos da sociedade nacional, enquanto evidencia a abertura para que de fato a escola possa responder à demanda da comunidade, ao oferecer aos educandos o melhor processo de ensino-aprendizagem. No ano de 2008, outro fator contribuiu para que eu intensificasse minha busca por “novos” saberes. Isso aconteceu com a promulgação da lei que alterou a LDBEN/96,3 obrigando a inclusão da temática indígena no Currículo Escolar das Escolas de Educação Básica. Foi assim que decidi cursar antropologia social para compreender o porquê dos povos indígenas terem direitos tão específicos, sobretudo a uma educação diferenciada, partindo de um entendimento sobre sua origem. Mais do que interesse profissional, existe um interesse pessoal com relação à questão indígena, pois como meu trabalho envolvia a problemática da diversidade, que me conduzia a lidar diretamente com diferentes atores sociais – ciganos, indígenas, quilombolas e apenados-, sentia-me compelida a ter que me envolver mais intensamente junto às necessidades peculiares dos indígenas referentes às políticas públicas afirmativas. Sendo assim, fui indicada pela então coordenadora do setor 4 como responsável por questões que envolvessem tais demandas no estado, atribuição que me responsabilizo desde o ano de 2007 e que me impulsionou a adquirir conhecimentos sobre essa temática, com a qual tenho desde então forte identificação. Mais tarde, no ano de 2009, minha afinidade com essa questão se concretizou quando decidi me dedicar a estudos acadêmicos, tendo como objeto de pesquisa o entendimento da diferenciação étnica do conjunto de famílias que se apresentava como “Potiguara de Sagi”. Ainda no ano de 2008, por meio de reuniões do GP, tive conhecimento de que certos moradores da praia de Sagi, litoral sul, procuraram o movimento indígena do estado e o próprio GP com vistas a dar visibilidade ao seu grupo, e de sua intenção pelo reconhecimento 3 Nº 11.645/08, publicada em 10 de março de 2008, aprovada pelo então Presidente da República – Luiz Inácio Lula da Silva. 4 Na época, a Professora Francisca Ednaide de Sousa Rêgo. 14 étnico. Diante de tantas atribuições na SEEC, não pude acompanhar as primeiras visitas e trabalhos desenvolvidos pelo GP nessa localidade, ficando atenta, no entanto, às discussões registradas em relatórios e atas, além de contatos informais com membros do grupo. Entretanto, foi apenas no ano de 2009, por ocasião da I AIRN 5 , que mantive meu primeiro contato com os representantes indígenas de Sagi que participavam desse momento político, de importância ímpar para o reconhecimento étnico dos indígenas do estado. No último dia do referido encontro, reuni-me com esses representantes, entre os quais estavam: o Sr. Manoel Leôncio do Nascimento, vulgo Manoelzinho, que mais tarde tornou-se cacique de sua comunidade; o Sr. Carlos Leôncio do Nascimento; o Sr. Temístocles Inácio da Silva; a Sra. Cacilda Maria Pessoa Jerônimo e Osmar Jerônimo Pessoa, vulgo Mazinho. Falei-lhes sobre minha intenção de estudar o grupo, o que foi bem aceito pelos presentes. Com essa aceitação inicial, pude elaborar o anteprojeto, que posteriormente me conduziu a pleitear uma vaga no mestrado em Antropologia Social/UFRN com sucesso. Durante o processo etnográfico, busquei respostas para as questões: De onde vieram os habitantes de Sagi que naquele momento se apresentavam como indígenas? Quantos são na atualidade? Qual o grau de parentesco entre eles? Como está se desenvolvendo o processo de reconhecimento étnico? Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelo grupo, quanto ao acesso aos direitos às políticas indigenistas? E que conquistas já foram por eles alcançadas? Assim sendo, esse trabalho teve como objetivo principal investigar o processo de emergência étnica de Sagi, valorizando aspectos relacionados à sua identidade, sobretudo suas redes de parentesco e narrativas históricas. É neste contexto que fui me dando conta que participava de um grande processo que envolvia muitos atores na afirmação de uma “história indígena”, de uma contra-história (CLIFFORD, 2003) que buscava recuperar a presença indígena no estado e as condições de sua emergência étnica. Este fato se articulava tanto com mobilizações políticas que aconteciam na última década, de articulação de um movimento indígena no estado, quanto com conflitos vividos pelo grupo por conta da expulsão de seus territórios tradicionais. Conduzi a investigação pautada nos seguintes objetivos específicos: pesquisar a etnogênese do grupo que começava a se afirmar publicamente como “Potiguara de Sagi”, através da produção narrativa de sua formação, ressaltando as conexões com antecessores 5 I Assembleia Indígena do Rio Grande do Norte – AIRN, que aconteceu no Hotel PRAIAMAR, em Natal – Dezembro/2009. Organizada e realizada pelo Grupo Paraupaba, junto a FUNAI de João Pessoa/PB, o movimento indígena da Paraíba: (Marcos Potiguara, Caboquinho Potiguara, Capitão Potiguara e Iolanda Potiguara, dentre outros) e indígenas no Estado. 15 indígenas vindos da Paraíba; e registrar suas lutas e reivindicações no campo interétnico presente hoje no Estado do Rio Grande do Norte. METODOLOGIAS Essa pesquisa etnográfica traz dados numa abordagem qualitativa, apesar de usar também dados quantitativos para melhor apresentar a questão enfatizada. Contém quadros demonstrativos e tabelas, tendo como fonte principal uma pesquisa de campo, na qual foram produzidas informações sobre os indígenas de Sagi no seu habitat natural. O trabalho de campo aconteceu em duas etapas. A primeira foi realizada, intensivamente, no período de 04.11.2013 a 14.02.2014, totalizando cem dias de permanência com os indígenas, onde pude observar seu cotidiano, durante suas atividades laboriosas e relações de convivência. Tive assim, a oportunidade de conhecer mais profundamente os grupos familiares investigados por meio de narrativas orais que comecei a organizar em séries históricas (VANSINA, 2010), com o aporte dos indicados pela comunidade como “especialistas da memória” (LE GOFF, 2005, p. 425), utilizando a metodologia da “etnografia da fala” (GOFFMAN, 2002; HYMES, 1970) para recuperar os contextos de produção dessas narrativas e poder pensá-las a partir desses contextos: Manoel Leôncio do Nascimento (cacique Manoelzinho), Temístocles Inácio da Silva, Antônio Dias e José Amaro da Silva. MAPEAMENTO DOS “ESPECIALISTAS DA MEMÓRIA” Nº NOME FAMÍLIA IDADE 01 Antônio Dias DIAS 66 anos 02 José Amaro da Silva AMARO 73 anos 03 Manoel Leôncio do Nascimento CÂNDIDO 46 anos 04 Temístocles Inácio da Silva CÂNDIDO 68 anos Tabela 1: Especialistas da Memória Fiz, metodologicamente, conexões de genealogias e histórias de famílias para uma melhor compreensão da rede de parentesco dos grupos familiares que se dispuseram a contribuir com a presente investigação, numa articulação com os repertórios da fala e numa relação entre “narradores” e “ouvintes”, formando um contexto performático de enunciação (PEREIRA, 2008, p. 93) que tinha como uma de suas principais tarefas apresentar uma história de ocupação da região. 16 Também foram consultados registros pessoais a exemplos de cartas e fotografias, que puderam propiciar informações importantes, bem como foram examinados documentos em cartórios, documentos em associações e pareceres técnicos sobre o grupo pesquisado (vide os anexos). Entrevistei no período da primeira etapa, trinta e uma pessoas: vinte indígenas de Sagi e cinco da Paraíba, quatro parentes consanguíneos 6 dos indígenas, que não se auto reconhecem como tais e duas pessoas não-indígenas. Dentre essas, qualifico como meus principais interlocutores àqueles que foram entrevistados mais de uma vez e que num processo contínuo de interação contribuíram com o corpus narrativo dessa pesquisa. Além dos quatro “especialistas da memória” já referenciados, acrescento: José Carlos Leôncio do Nascimento, Cacilda Maria Pessoa Jerônimo, Sandra Silva Teles, Maria Roseno da Silva, João dos Santos Neto, Janaína Vieira da Silva, Isaías Amaro da Silva e Osmar Pessoa Jerônimo, totalizando doze interlocutores que mantiveram contato constante comigo durante a produção dialógica do conhecimento. MAPEAMENTO DOS MEUS INTELOCUTORES Nº NOME FAMÍLIA IDADE 01 Antônio Dias DIAS 66 anos 02 Cacilda Maria Pessoa Jerônimo JERÔNIMO 62 anos 03 Isaías Amaro da Silva AMARO 50 anos 04 Janaína Vieira da Silva SILVA 38 anos 05 João dos Santos Neto SANTOS 40 anos 06 José Amaro da Silva AMARO 73 anos 07 José Carlos Leôncio do Nascimento CÂNDIDO 51 anos 08 Manoel Leôncio do Nascimento CÂNDIDO 46 anos 09 Maria Roseno da Silva ROSENDO 70 anos 10 Osmar Pessoa Jerônimo JERÔNIMO 30 anos 11 Sandra Silva Teles TELES 37 anos 12 Temístocles Inácio da Silva CÂNDIDO 68 anos Tabela 2: Interlocutores da pesquisa A segunda etapa da pesquisa foi realizada no período de 20 a 27 de junho do ano de 2014, a qual objetivou concluir a genealogia de uma das famílias, apontada por meus interlocutores, como sendo uma das primeiras responsáveis pela formação de Sagi, bem como esclarecer algumas dúvidas quanto à ocupação de terras em “Sagi Trabanda”. Para isso, contei com os colaboradores: Ailton Araújo e sua esposa Maria da Paz Dias; Zélio do Nascimento e sua esposa Marinalva da Silva. 6 Segundo o cacique Manoelzinho, o parente é aquele que tem uma relação de parentesco “próxima”, como: pai, mãe, irmãos(ãs), tios(as), sobrinhos(as) e primos (as), mesmo os de graus distantes, desde que a memória consiga recuperá-lo e que tenha “o mesmo sangue”. 17 No dia 27 de junho do mesmo ano, fui à Baía Formosa/RN em busca de mais informações sobre o grupo familiar pesquisado. Ao chegar lá, entrevistei, em sua residência, a senhora Antônia Cândida Martins e sua filha Maria Verônica Madeiro da Costa, as quais contribuíram para a conclusão do recorte genealógico da família Cândido. Finalizei o trabalho de campo em Sagi, reunindo no dia 26 de junho do ano de 2014, no alpendre do quiosque onde eu estava hospedada – local escolhido pelos interlocutores – dez pessoas responsáveis pela produção dos conhecimentos registrados por mim: Manoel Leôncio do Nascimento (cacique), sua esposa Sandra Silva Teles, João dos Santos Neto, sua esposa Janaína Vieira da Silva, Zélio do Nascimento, sua esposa Marinalva da Silva, José Amaro da Silva – Vilazio, seu filho Isaías Amaro da Silva, Ailton de Araújo e sua esposa Maria da Paz Dias. Na ocasião, fiz uma leitura do texto sobre a organização familiar do grupo e seus percursos históricos, deixando-os à vontade para que fizessem seus comentários. A cada assunto lido, eu perguntava se eles concordavam com o que estava escrito, deixando-os livres para fazer as devidas correções e, caso quisessem, acrescentarem algumas ponderações (PEREIRA, 2012, p. 42). Isso porque quando escrevi uma história dos Potiguara de Sagi, retirei algumas informações que julgava impertinentes, principalmente sobre as que envolviam questões conflituosas e de intimidade. No entanto, os próprios atores ali presentes chegaram num consenso de que os fatos deveriam ser registrados de acordo com o relatado. Em linhas gerais, o texto foi bem aceito e legitimado pelos presentes, conforme Vansina (2010, p.155): se existe uma “verdade histórica”, esta “está sempre estreitamente ligada à fidelidade do registro oral transmitido”. Portanto, durante todo o percurso investigativo, que corresponde às duas etapas do processo etnográfico, entrevistei trinta e sete pessoas, sendo trinta e uma na primeira etapa e seis na segunda, das quais treze (35% dos entrevistados) aceitaram o uso do gravador. Dos doze interlocutores com os quais mantive contato quase que diariamente, só obtive autorização para a gravação de áudio em poucas oportunidades, o que resultou num total de dez gravações. Vale ressaltar que em três dessas gravações a entrevista se estendeu a um coletivo presente. As demais conversas, que proporcionaram boa parte das informações produzidas, foram registradas apenas no caderno de campo. Isso exigia um esforço maior, pois ao término dos diálogos tinha que fazer imediatamente minhas anotações e transcrições de informações que eram preciosas e que não poderiam ser perdidas. Na produção das narrativas foi observado todo o contexto da fala, uma vez que durante as elocuções, não é só a fala que importava, mas também, a ideia de performance, 18 gestos, corpos, silêncios, tons e todos os aparatos (HYMES, 1970). Foi com esse entendimento que registrei as conversas informais e as entrevistas. Conforme Goffman (2002, p, 110, 113) afirma, pensando os enquadramentos (footing) através de suas mudanças: “A entrada e a saída de assunto em si envolve uma mudança de tom e uma alteração da capacidade social, na qual os envolvidos pretendem atuar”. TRABALHO DE CAMPO: idas e vindas de Sagi Em 24 de agosto do ano de 2009, visitamos a comunidade 7 de Sagi, meu primeiro contato com os indígenas e a terceira visita do Grupo Paraupaba. Estávamos realizando reuniões para levantamento das demandas dos grupos indígenas do Estado, sobre os quatro eixos 8 temáticos escolhidos para discussão na I Assembleia Indígena do Rio Grande do Norte (AIRN) realizada, então, em novembro do ano de 2009. Foi nessa oportunidade que conheci algumas famílias, entre as quais a do Sr. Manoel Severino Nascimento, vulgo Manuel Pau D’arco, que nos apresentou seus filhos e netos (cf. foto 1); o Sr. Temístocles Inácio e sua esposa Maria de Canã; bem como Dona Joana Virgílio do Nascimento e seu irmão Manuel Virgílio do Nascimento, vulgo Bio. Fotografia 1: Família Nascimento. No centro, o Sr. Manoel Pau D’arco acompanhado de sua esposa, filhos e netos. Em sua casa, 2009. Foto: Jussara Galhardo. 7 O termo comunidade é utilizado pelo grupo para se referir a si mesmo como coletivo e ao lugar onde habita. 8 Território e Sustentabilidade; Educação; Saúde; Organização, direitos indígenas e identidade. 19 Minha segunda visita à comunidade aconteceu quando o setor em que trabalho na SEEC recebeu um telefonema 9 do senhor Osmar Jerônimo, até então, presidente da Associação dos Moradores e Amigos de Sagi (AMA Sagi), solicitando o comparecimento de uma comissão àquela localidade para fazer uma visita à Escola Municipal Manoel Francisco de Melo, localizada no centro de Sagi. Segundo denúncia realizada pelos pais dos alunos a essa Associação, esta estava impossibilitada de dar início às aulas, pois se encontrava em péssimo estado de conservação, precisando urgentemente de reformas. Fui designada pelo meu setor na SEEC para tal trabalho 10 e convidei a coordenadora do Grupo Paraupaba como parceira nessa vistoria, a qual foi realizada no dia 27.02.2010 em toda escola, incluindo as salas de aula, banheiros, cozinha e área de lazer, com registro de imagens em fotografia e vídeos. Por fim, elaborei um relatório que foi encaminhado para o Secretário de Estado da Educação e Cultura, Ruy Pereira, que havia solicitado a averiguação da denúncia. O Secretário de Educação do Município de Baía Formosa foi notificado a se apresentar a SEEC para prestar os devidos esclarecimentos quanto aos problemas 11 denunciados pelos pais dos alunos, mas, no entanto, não compareceu. Dois anos após a vistoria (2012), quando voltei à Sagi, pude perceber que a fachada da escola havia sido restaurada. Perguntei ao presidente da Associação sobre a abrangência dessa reforma, ele me respondeu 12 : “Sim, depois daquela denúncia o prefeito mandou reformar a escola. Só que já tá precisando de uma limpeza”. A terceira visita à Sagi foi durante o Carnaval do ano de 2012. Meu objetivo era conhecer melhor os atores sociais com os quais eu iria desenvolver minha pesquisa de mestrado. Sendo assim, passei uma temporada de cinco dias nessa localidade e pude observá- los como se comportam em épocas festivas e no cotidiano. Na oportunidade, constatei que é costume local os pais levarem seus filhos, até mesmo os de colo, quando saem para se divertir. Visando estreitar o vínculo de amizade e interação com eles, adquiri e vesti uma camiseta do bloco denominado “A Gota Serena – 100 futuro 100% álcool”, cujo organizador 9 No dia 21.02.2010, na sala do NECAD. 10 Na equipe estava além de mim, a coordenadora do GP, Jussara Galhardo, o presidente da Associação Osmar Jerônimo e uma mãe de aluno: Gerlane do Nascimento. Como a diretora da escola não se encontrava no povoado, sua mãe, Dona Arlete, que também é funcionária da referida escola, abriu suas portas para a vistoria. 11 Problemas identificados: a escola tem quatro salas de aula, uma dessas ocupada por uma família, cuja casa foi derrubada pela maré alta; paredes caindo o reboco, aparecendo às vigas de ferro das colunas; a instalação elétrica danificada, inclusive com algumas gambiarras; janelas quebradas; salas de aula sem ventilação; bebedouro sem funcionar, entre outros. 12 Em conversa informal com a autora, em sua casa no dia 22.01.2014. 20 foi Osmar Jerônimo, o Mazinho. Desse modo tive uma oportunidade única de interação com aqueles que, posteriormente, se tornaram meus interlocutores. Apesar de conhecer a comunidade de Sagi desde o ano de 2009, apenas em novembro do ano de 2013 surgiu à oportunidade de uma aproximação mais intensa e proveitosa por ocasião da III AIRN 13 . E assim, determinada a trabalhar com eles, um mês antes do evento, em outubro do ano de 2014, fui ao povoado e aluguei uma casa para passar uma temporada de três meses aproveitando as férias do final do ano para dar início a minha pesquisa de campo. A casa localizava-se à Rua do Rio, onde moram 30 famílias das 82 cadastradas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Ia a campo e voltava para minha casa com informações que deveriam ser imediatamente registradas. Durante o tempo de permanência nessa localidade tive a oportunidade de observá-las em sua rotina diária. E assim, no dia 04 de novembro do ano de 2013, um dia antes do início da Assembleia, cheguei à Sagi, com meu companheiro, que me auxiliou com os registros fotográficos e as gravações em áudio. Durante esse período, todas as tardes, me encontrava com o cacique Manoelzinho e sua esposa Sandra. Juntos tiravam as dúvidas que iam surgindo na proporção em que eu escrevia as primeiras informações sobre o movimento indígena, a questão judicial das suas terras e a origem das famílias que habitavam a comunidade. Todos esses dados foram registrados no meu caderno de campo. Nos intervalos dessas conversas com o casal supracitado, eu realizava entrevistas isoladas buscando comparar algumas informações, que muitas vezes apresentavam variações, as quais foram registradas em sua íntegra. Também aproveitava o tempo para registrar a genealogia das primeiras famílias que vieram da Paraíba para morar em Sagi, eixo central das narrativas que aos poucos ia reunindo. À noite sentava-me à calçada, esperando alguém para conversar, e, nessas oportunidades, que foram muitas, sempre estava presente o cacique Manoelzinho. As conversas eram sempre longas e muito interessantes. O cacique em sua meia-idade – 46 anos – já é um líder respeitado por muitos de seus parentes e grande conhecedor da “história de seu povo”. Ele tem um acúmulo de narrativas significativas, por viver e compartilhar experiências com os mais velhos, sempre estando disposto a ouvi-los, como ele próprio informa. Outros, ao passarem por mim na calçada como João dos Santos, Janaína Vieira, Carlos Leôncio, Cacilda Jerônimo, sempre paravam e rendia uma boa conversa até tarde da 13 Que aconteceu no espaço comunitário de Sagi, conhecido por “Bar de Carlos”, em novembro de 2013. 21 noite. Sem dúvida nenhuma, foram momentos muito construtivos, sobretudo me reporto aqui ao principal casal de interlocutores, Manoelzinho e Sandra, que doaram o seu tempo e atenção às indagações que eu fazia no dia a dia em que estive com eles. O cacique Manoelzinho tem documentado todas as ações do movimento indígena de que participou em nome dos interesses da comunidade. Mesmo sendo semianalfabeto, só sabe escrever o seu nome, tem um senso de organização e de responsabilidade reconhecidos pelos demais. Quando interrogado sobre algum documento, ele prontamente o identifica em seus arquivos. O acervo que ele organiza é composto não apenas de atas, listas de frequências, relatórios, abaixo-assinados, declarações, ofícios recebidos e enviados, resoluções, portarias, mas também por registros pessoais dos eventos de que participa. São fotografias, filmagens, áudios, pen-drives, CDs e DVDs. Disponibilizou-me toda essa documentação, o que facilitou significativamente a organização das ideias e das informações para a efetivação da presente pesquisa. Considerando que meus interlocutores não permitiram o uso frequente do gravador, senti dificuldade quando, já “fora” do campo, iniciei a elaboração do texto etnográfico, pois à proporção em que o desenvolvia, dúvidas surgiam, exigindo outros momentos de intercâmbio para realizar mais entrevistas, tirar dúvidas e completar informações. Assim, precisei voltar a Sagi para complementar a genealogia da família Cândido, uma das famílias fundadoras da rede de parentesco em que se organizam, bem como para conversar com meus interlocutores quanto aos detalhes de suas falas que não haviam ficado claros para mim. E, por fim, para elaborar um croqui das casas das famílias que moram no terreiro de seus genitores. O primeiro retorno foi no dia 19 de abril do ano de 2014, ocasião em que representantes de todas as famílias cadastradas pela FUNAI comemoravam o seu dia, reunidos no quintal da casa de Zélio Nascimento, em área ocupada pelos indígenas chamada de Sagi Trabanda, debaixo de um pé de castanhola, onde foi oferecido um almoço, patrocinado pelos presentes. Dançaram o toré 14 no início e no término do evento. Passei o dia inteiro com eles e aproveitei para fazer algumas anotações no meu caderno de campo. Quando me referi que os presentes às comemorações do dia do índio só compareceram representantes das famílias cadastradas pela FUNAI não quero dizer que é esse órgão quem comprova a identidade dos que são ou não indígenas, uma vez que a finalidade do 14 Dança circular praticada por boa parte dos índios do Nordeste. 22 cadastramento é apenas permitir o acesso destes aos direitos garantidos pela legislação vigente. Quando especifico a presença dos cadastrados nos eventos, quero afirmar que apenas estes se autodeclaram indígenas, fazendo valer sua vontade através de um levantamento oficial. E que, portanto, participam afirmativamente das mobilizações do movimento indígena local. Enquanto que os demais, por não se autorreconhecerem como tais, não foram cadastrados, nem tampouco referendados nesse trabalho, que tem como interlocutores da investigação aqueles que se identificam como Potiguara de Sagi. No segundo retorno, permaneci mais um pouco, pois cheguei no dia 20 de junho do ano de 2014, que antecedeu o sábado 21, dia da “I Festa do Milho de Sagi” planejada, organizada e desenvolvida pela liderança indígena local. Esse evento foi realizado em Sagi Trabanda, na lateral do Campo de Futebol, em frente à casa de Zélio Nascimento, e teve o patrocínio de simpatizantes do movimento indígena e de algumas instituições. Os organizadores do evento fizeram comidas típicas para vender: pamonha, canjica, mugunzá, arroz doce, milho assado, milho cozinhado, macaxeira cozida e frita, galinha caipira torrada, espetinho e bebidas (quentão, cerveja e refrigerantes). A festa iniciou com a dança do toré e em seguida foi animada por duas bandas que tocaram até o amanhecer do domingo. Esse período de permanência foi significativo para a conclusão do meu trabalho. Hospedei-me em uma quitinete, cedida pelo Sr. Ailton de Araújo, localizada junto aos arredores da festa. Essa estadia foi gratificante para mim porque tive a oportunidade de conviver com outras duas famílias, por praticamente uma semana. Destas obtive informações importantes sobre como se deu o processo de ocupação das terras de Sagi Trabanda, entrevistando dois casais 15 : o Sr. Ailton de Araújo e sua esposa Maria da Paz Dias; e o Sr. Zélio Nascimento e sua esposa Marinalva da Silva. Permaneci em Sagi até a quinta-feira, dia 26 de junho do ano de 2014, e no dia seguinte, pela manhã, fui a Baía Formosa onde passei o dia inteiro. Aproveitei o tempo para entrevistar em sua residência a Sr.ª Antônia Cândida Martins, 77 anos, e sua filha Maria Verônica Madeiro Costa, indicadas por outros narradores, sobre a genealogia de seus pais e avós respectivamente. O pai de Dona Antônia, João Cândido, vulgo Josu, foi o único dos três irmãos que vieram da Paraíba, ainda pequenos, com seus pais Cândido Martins e Emília Cândido Martins, que não fixou residência em Sagi, migrando para Baía Formosa, onde mora um número significativo de descendentes. 15 Os casais foram entrevistados na casa do Sr. Ailton de Araújo, no dia 23.06.2014. 23 Em sua maioria, não se autodeclaram indígenas, ainda que esta presença esteja clara nas narrativas sobre seus antepassados. Apenas um de seus netos – Antônio Madeiro da Costa – que se casou com uma de suas “primas”, que mora em Sagi, Maria Isabel de Lima, filha de Nilson Cândido Serafim de Lima, neta de Cândido Serafim e bisneta da antecessora da família, Antônia Cândido. Após o casamento, Antônio, conhecido por Toinho Madeiro passou a residir em Sagi, onde exerce o mandado de vereador. A primeira filha do casal recebeu o nome de Maria Cândida de Lima Madeiro, em homenagem à bisavó materna e tia/avó paterna. ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS A partir das indexações do material construído junto aos meus interlocutores, quatro temas se destacaram dos demais e de alguma forma organizaram as narrativas compiladas e as muitas situações conversacionais vividas: a etnogênese do grupo pesquisado, a partir de migrações vindas da Paraíba; o envolvimento dos indígenas de Sagi com o movimento indígena do Estado; sua organização territorial; e a questão das terras identificadas por eles como Sagi Trabanda. Diante disto, e tomando o processo político e de conflitos por que o grupo passa, sobretudo na última década, este trabalho, além de exercitar uma breve etnografia do grupo indígena, se dedica, em especial, ao modo como nossos interlocutores foram selecionando memórias (vividas e relatadas) para produzir uma “representação histórica” (TONKIN, 1992) de quem sejam, de onde vieram, como estão e para onde vão. Para produzir uma contra- história, que lembra o “desacordo” (CLIFFORD, 2003, p. 298) com a sua invisibilidade nas narrativas oficiais e no senso comum. Assim, organizei esta dissertação em três capítulos. No primeiro, faço uma retrospectiva histórica da formação de um campo indigenista no Estado, através dos relatos de lutas e conquistas em vários espaços públicos de discussão, desde o momento em que os indígenas do Estado resolveram sair da invisibilidade a que foram relegados – resultado de uma política de dominação – até o reconhecimento étnico, ao se autoafirmarem publicamente como indígenas. Destaco nesse momento a inserção dos Potiguara de Sagi no movimento indígena estadual e seu envolvimento em discussões políticas nacionais. 24 No segundo capítulo, apresento além da caracterização dos grupos familiares investigados, um breve histórico acerca de sua organização social, observando, sobretudo, a formação de seus laços de parentesco e o desenvolvimento de economias de subsistência. A partir das narrativas dos meus interlocutores, traço um recorte genealógico de uma família que foi citada como uma das primeiras a chegar à Sagi e fixar residência, dando origem ao lugar. No terceiro capítulo, dentro dos conflitos territoriais pelos quais o grupo indígena tem passado, apresento processos relacionados a este, de geração de unidades identitárias, como a escolha do etnônimo Potiguara; de seleção de memórias e lugares para a formalização de uma história de migrações e assentamentos; para, por fim, recuperar as ocupações recentes das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas por empreendimentos múltiplos ligados ao uso de áreas ambientais para fins industriais e turísticos. 25 CAPÍTULO 1 AFIRMAÇÃO ÉTNICA NO RIO GRANDE DO NORTE Este capítulo objetiva fazer uma reconstituição histórica das mobilizações sociais que levaram, nos últimos anos, ao reconhecimento étnico no estado do Rio Grande do Norte. Trata-se de uma recuperação dos processos constitutivos acerca das conjunturas que vêm ocorrendo em solo potiguar, a partir das redes de relação que articulam indígenas, agentes de Universidades e do Poder público, tomando como palco de visibilização de demandas étnicas reuniões, assembleias, audiências e seminários. Desta forma, a partir de um conjunto de cenas, se apresenta a organização de um campo indigenista local (LIMA & BARROSO-HOFFMAN & PERES, s/d 16 ), de articulações com redes mais amplas. Nesse trabalho, a ideia de indigenismo é pautada na concepção de Lima (1995): Assim, pode-se considerar indigenismo o conjunto de ideias (e ideais, i.e., àquelas elevadas à qualidade de metas a serem atingidas em termos práticos) relativas à inserção de povos indígenas em sociedades subsumidas a Estados nacionais, com ênfase especial na formulação de métodos para o tratamento das populações nativas, operados, em especial, segundo uma definição do seja índio (LIMA, 1995, p. 14,15). Não pretendo aqui reunir uma multiplicidade de estudos sobre esse tema, apenas coloquei uma pequena parcela do meu entendimento sobre o indigenismo fazendo um recorte nessa pesquisa, para apresentar o processo histórico da formação desse campo no estado. Continuo citando Lima, “inspirado nas indagações de Said”: Estudar indigenismo enquanto discurso implicaria em trabalhar não apenas com os textos publicados pela administração colonial sobre as populações nativas. Demandaria o uso de documentos tão amplos quanto textos de Etnologia da época, a literatura de ficção em geral, as notícias de imprensa, iconografia etc., por um período vasto e diversificado da chamada história brasileira, cruzando-os com a temática da construção de discursos sobre a sociedade brasileira, da delimitação simbólica e política do território brasileiro, bem como dos modos concebidos para seu povoamento (LIMA, 1995, p. 16). Para entender como se formou esse campo indigenista no estado é necessário entender como aconteceu esse processo desde as primeiras discussões até a sua formação. Por esta razão, esse capítulo se organiza em seis partes: na primeira, procuro relatar o processo de 16 Partindo dos autores, a ideia de campo indigenista procura reunir o conjunto de atores sociais, entre agentes governamentais, não-governamentais e indígenas, que na última década tem se articulado para o reconhecimento da presença e dos direitos dessas populações no Estado. Trabalhando com a ideia de “cena indigenista”, os autores procuram apresentar momentos em que estes atores se articulam. 26 etnogênese dos grupos que se autoafirmam indígenas no Estado do Rio Grande do Norte a partir do ano de 2005; em sequência destaco ocasiões em que a temática indígena ganhou a academia e outros espaços públicos de discussão. Apresento como esses grupos estão se mobilizando politicamente e como suas articulações com instituições parceiras se processam; faço um relato histórico da inserção dos Potiguara de Sagi no campo indigenista e finalizo com o processo de instalação de uma Coordenação Técnica Local – CTL da FUNAI em Natal/RN. 1.1. O PROCESSO DE ETNOGÊNESE DOS GRUPOS INDÍGENAS NO RN Até recentemente não havia relatos da existência de indígenas no Rio Grande do Norte, este fato estava sendo reforçado pelos registros oficiais que difundiam a ideia de “desaparecimento” e de “extermínio” dessas populações (CASCUDO, 1995 [1955]; LYRA,1998). Inclusive os censos do IBGE 17 a partir do século XIX passaram a não- reconhecer a presença desses atores sociais em suas classificações 18 , resultando no apagamento de sua presença no Estado. Conforme afirma Oliveira (1999, p. 130): “[...] a inclusão e contagem dos índios como “caboclos” nos censos do século passado e sua substituição por “pardos” neste século (XX) viria tão somente confirmar os pressupostos quanto à sua desaparição e insignificância no presente”. Assim, ao serem inclusos na categoria “pardo 19”, através dos registros nos censos do IBGE, os povos indígenas passaram a ser diluídos simbolicamente na faceta da miscigenação. Conforme continua afirmando Oliveira (1999) ao explicar sobre a função dessa categoria (pardo) nos censos do Brasil, que é: [...] a de servir como instrumento do discurso da mestiçagem e reunir evidências numéricas que reforcem as suposições ideológicas quanto à tendência ao “branqueamento” progressivo da população brasileira, no plano das análises regionais leva a confundir em um todo homogêneo fenômenos absolutamente distintos entre si (OLIVEIRA, 1999, p. 131). 17 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 18 Conforme afirma Guerra (2011, p.239, anexo A), até o ano de 1844 havia registro da presença indígena no RN de 6.795 pessoas. No entanto, seis anos após essa data, 1850, (citando Cascudo, 1955, p. 44), estes “desaparecem” do censo, sendo, portanto, identificados pela categoria “mestiços”. 19 É um termo usado pelo IBGE para configurar um dos cinco grupos de "cor” ou “raça" que compõem a população brasileira, junto com brancos, pretos, amarelos e indígenas. 27 Ainda discutindo sobre essa questão, Oliveira (1999) diz que, em muitos estados, a categoria censitária “pardo” passou a representar uma parcela expressivamente numérica da população brasileira, a título de exemplo: “no Rio Grande do Norte, em 1940, os “pardos” representavam 43% da população total, passando em 1980 a ser a categoria dominante, com 56,7%” (idem, p.133). Todavia, foi a partir da validação da Constituição Federal de 1988 que os povos indígenas passaram a ser repensados como grupos etnicamente diferenciados (tratarei dos avanços desse aparato legal mais adiante). Nos anos de 1960, o censo registrou a presença de uma categoria: “não declarados” no Rio Grande do Norte, que sinaliza o “aparecimento” de um número de pessoas que não se identificava nem como “pardo”, nem com nenhuma outra categoria apresentada no questionário 20 . No entanto, foi no ano de 1990, que sua presença parcial foi registrada nos registros oficiais do Estado, como sendo 1.480.486 “pardos” e um número de 394 que se autodeclararam “indígenas”. Contudo, foi apenas no ano de 2000 que os termos demográficos apresentaram um registro total de 3.168 autodeclarados “indígenas”, enquanto que os “pardos” foram de 1.454.665 pessoas. Esses resultados não afirmam que houve uma “explosão demográfica” dessa população no estado, mas apenas sinalizaram autoafirmações indígenas que até então não haviam sido reveladas (ver GUERRA, 2011, p.72-76). Assim sendo, o censo demográfico do IBGE no ano de 2010 computou uma população indígena autodeclarada em 2.597 em todo o Estado. Entretanto, essa contagem demonstrou, no entanto, do ponto de vista dos processos mais locais, deficiência na apresentação dos dados, a exemplo da comunidade 21 dos Mendonça do Amarelão em João Câmara/RN, cujo levantamento de dados feito pelos próprios membros desse grupo familiar aponta uma população em torno de duas mil pessoas. Neste contexto, as informações do censo e sua deficiência técnica foram questionadas por Tayse Campos, Coordenadora da Microrregional da APOINME/RN 22 , e pertencente àquele grupo étnico (BARTH, 1998) 23 , em ocasião da II Assembleia Indígena do RN – AIRN/2009, realizada em Goianinha (RN). Na oportunidade, a coordenadora afirmou 20 Esses registros aparecem com os seguintes dados censitários do IBGE: em 1960 são declarados 599.227 “pardos” e 191 “não declarados”; em 1970 não houve classificação por cor; e em 1980 os “pardos” somam 1.077.560 e sem declaração: 6.163 pessoas. Fonte: IBGE/RN. 21 O conceito de comunidade registrado nesse trabalho se estrutura a partir de um senso de pertença a uma coletividade, fundado nas relações de parentesco (afinidade, filiação adotiva) e vizinhança entre seus membros (WEBER, 1994). 22 Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e do Espírito Santo. 23 Uma das características de um grupo étnico é marcar distinção em relação aos demais grupos sociais com que tem relações. 28 que os dados do censo foram resultados do treinamento técnico dos recenseadores, que ao cadastrarem os entrevistados não lhes perguntavam, nem lhes davam explicações sobre a possibilidade de escolher sua “raça”, segundo as opções do questionário. Sendo assim, o potencial de decisão dos entrevistados ficou prejudicado e isso resultou em dados provenientes de opiniões pessoais dos recenseadores, tendo a aparência como forte parâmetro. De todo modo, mesmo não representando oficialmente o número real dos indígenas no Estado, o exercício do censo teve como resultado positivo tornar público o desejo de muitos cadastrados em serem registrados como “indígenas”. De certa forma, isso despertou a necessidade de articulações entre seus pares. Enquanto que a história oral desses grupos fortalece sua identidade indígena, a carga imposta pelo sistema político ideológico dominante, gerador de uma história oficial que inviabiliza em sua narrativa a presença desses grupos, desconsidera a dinâmica desses atores sociais, fossilizando-os na história do passado colonial, levando em conta apenas os aspectos relacionados à sua ocupação geográfica, desconsiderando aspectos socioculturais, sua gênese e sua memória social. É por esta razão que nos últimos séculos, os povos indígenas foram referenciados como “caboclos”, “mestiços24” e, muitas vezes simplificados a uma classificação como “rurais” ou pessoas do “campo” (GUERRA, 2011, p. 45, 57, 69 e 70). O silêncio sobre a origem desses grupos perdurou durante muito tempo, podendo também estar ligado a uma estratégia que culturalmente foi repassada por gerações, possivelmente uma defesa contra possíveis discriminações e preconceitos advindos da sociedade em geral, por vezes de violência física. Portanto, nesse trabalho, procuro utilizar o atributo da invisibilidade “enquanto artifício descritivo” evitando certo “plano da análise comparativa”, que segundo Oliveira (2004, p. 62): “continua a ser caudatária de uma etnologia das perdas e das ausências culturais”. Do ponto de vista dos processos mais locais, faço uso da metáfora da “invisibilidade” já no título dessa pesquisa, para destacar que desde o início da formação do povoado de Sagi, a região é lugar de moradia do grupo investigado, apesar de permanecerem não reconhecidos enquanto grupo étnico (BARTH, 1998), até o momento em que se autoidentificaram e de se apresentaram publicamente como grupo diferenciado. 24 Na região litorânea a “mistura”, que implica em perda – da cultura, da língua, etc. – aconteceu no século XVI, enquanto que no Amazonas foi só a partir do século XVIII. 29 Apesar desses grupos etnicamente diferenciados no estado serem citados na historiografia oficial como “desaparecidos” e/ou “exterminados25”, reaparecem no cenário público através de um fenômeno conhecido por “etnogênese” (OLIVEIRA, 2004; GRUNEWALD, 2004). Conforme afirma Luciano do povo Baniwa 26 : Desde a última década do século passado vem ocorrendo no Brasil um fenômeno conhecido como “etnogênese” ou “reetinização”. Nele, povos indígenas que, por pressões políticas, econômicas e religiosas ou por terem sido despojados de suas terras e estigmatizados em função dos seus costumes tradicionais, foram forçados a esconder e a negar suas identidades tribais como estratégia de sobrevivência – assim amenizando as agruras do preconceito e da discriminação – estão reassumindo e recriando as suas tradições indígenas (LUCIANO, 2006, p. 28). O ressurgimento desses grupos na contemporaneidade, especificamente no Nordeste e, particularmente, no Rio Grande do Norte é explicado pela antropologia como etnogênese. Explicando sobre esse processo, Bartolomé (2006) explica que: O termo etnogênese tem sido usado para designar diferentes processos sociais protagonizados pelos grupos étnicos. De modo geral, a antropologia recorreu ao conceito para descrever o desenvolvimento, ao longo da história, das coletividades humanas que nomeamos grupos étnicos, na medida em que se percebem e são percebidas como formações distintas de outros agrupamentos por possuírem um patrimônio linguístico, social ou cultural que consideram ou é considerado exclusivo, ou seja, o conceito foi cunhado para dar conta do processo histórico de configuração de coletividades étnicas como resultado de migrações, invasões, conquistas, fissões ou fusões. Entretanto, mais recentemente, passou a ser usado também na análise dos recorrentes processos de emergência social e política dos grupos tradicionalmente submetidos a relações de dominação (Hill 1996:1). [...] Em síntese, a etnogênese é parte constitutiva do próprio processo histórico da humanidade e não só um dado do presente, como parecia depreender-se das reações de surpresa de alguns pesquisadores sociais em face de sua evidência contemporânea. [...] Em alguns casos, a etnogênese pode ser resultado indireto e não planejado de políticas públicas específicas. [...] Trata-se da dinamização e da atualização de antigas filiações étnicas às quais seus portadores tinham sido induzidos ou obrigados a renunciar, mas que se recuperam, combatentes, porque delas se podem esperar potenciais benefícios coletivos. Em certas oportunidades isso se deve a desestigmatização da filiação nativa, mas frequentemente também às novas legislações que conferem direitos antes negados, como o acesso à terra ou a programas de apoio social ou econômico (BARTOLOMÉ, 2006, p. 39, 41, 45). Ainda falando a respeito desse processo, Arruti (1996), outro pesquisador diz que: 25 A extinção não física, mas extinção administrativa, de classificação, ou seja, no final do século XIX, as aldeias deixaram de existir, em seu lugar foram formadas vilas e assim, os índios passaram a ser brasileiros “misturados” (OLIVEIRA, 2004). 26 Professor Gersem dos Santos Luciano, do povo Baniwa, defendeu sua tese de doutorado em outubro de 2011 no Programa de Pós-graduação em Antropologia – UNB, leciona na UFAM, admitido por concurso. público/2009, sendo cedido ao MEC por dois anos, onde exerceu a função de coordenador da Coordenadoria de Educação Escolar Indígena da SECADI. Fonte: www.ufam.edu.br. 30 As ‘emergências’, ‘ressurgimentos’ ou ‘viagens da volta’ são designações alternativas, cada uma com suas vantagens e desvantagens, para o que, de forma mais clássica e estabelecida, a antropologia designa por etnogênese. Esse é o termo, ainda assim, conceitualmente controvertido, usado para descrever a constituição de novos grupos étnicos (ARRUTI, 2006, p 50-54). Contudo, a saída desses grupos do anonimato para a autoidentificação étnica no estado, não foi surpresa para o campo acadêmico, uma vez que a pesquisadora Cavignac 27 (2003) já havia registrado a possibilidade desses povos autóctones “ressurgirem”, reivindicando seus direitos: A ‘afirmação étnica’ se é contextualizada, corresponde, antes de tudo, a uma vontade política que nem sempre se expressa no modo identitário. Além disso, cada vez mais, os membros dessas ‘comunidades’ são profundamente integrados à sociedade envolvente. Devido à alta mobilidade das populações nordestinas, encontramos, no RN, mais registros de uma memória diluída, marcos de uma história pouco gloriosa e, por isso, invisível ou encoberta, do que grupos organizados e que se afirmam como tais. [...] Porém, a ausência de reivindicação étnica no estado não impede que, num futuro mais ou menos próximo, esses grupos passam a redescobrir sua história e acionem, com toda legitimidade, uma das identidades possíveis, sejam ela indígena ou negra (CAVIGNAC, 2003, p. 8 e 9). Assim, como já havia acontecido em outras regiões do Nordeste (OLIVEIRA, 1999), esses grupos ressurgem de maneira organizada através da emergência de novas identidades ou por meio da reinvenção de etnias já reconhecidas. Como por exemplo, dos grupos familiares que se autodeclaram indígenas no estado, três se autoafirmam como pertencentes à etnia Potiguara. São eles: os Mendonça do Amarelão do município de João Câmara, os Eleotério de Catu localizados entre os municípios de Canguaretama e Goianinha, e, mais recentemente, os Potiguara de Sagi em Baía Formosa. Já o grupo familiar de Assu se autodeclara como Caboclos de Açu. Por sua vez, os que vivem na Lagoa de Tapará, no município de Macaíba, se autodefinem como de etnia Tapuia. Entretanto, o processo de ressurgimento desses grupos etnicamente diferenciados não passa despercebido dos olhares atentos dos pesquisadores do campo acadêmico, no qual são organizadas varias atividades que contribuíram para visibilizar a presença desses atores sociais no solo potiguar. 1.2. A QUESTÃO INDÍGENA CHEGA À ACADEMIA E A OUTROS ESPAÇOS DE DISCUSSÃO NO ESTADO 27 Dr.ª Julie Cavignac – Professora e pesquisadora do Departamento de Antropologia – DAN/UFRN. 31 Concomitantemente, surgem no âmbito acadêmico às primeiras iniciativas no estado do Rio Grande do Norte que chamariam atenção sobre a temática indígena, voltadas, sobretudo, aos aspectos históricos e culturais, enfocando principalmente os indígenas do estado vizinho, os Potiguara da Paraíba. Uma dessas iniciativas aconteceu na UFRN durante a 50ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sediada em Natal, no ano de 1998. Na ocasião, foi exposto o projeto: “Pindorama Ta-Agá: imagens do Brasil indígena”,28 que compunha exposições fotográficas, mostra de vídeos, trabalhos de artistas locais e uma mostra fotográfica do Centro Indigenista Missionário (CIMI), de Brasília (DF), além da presença de representantes indígenas da Aldeia São Francisco de Baía da Traição (PB). A partir daí, foram sendo desencadeadas outras atividades, que culminaram com a criação de um grupo de estudo que viabilizou a articulação sistematizada de ações indigenistas no Estado (falarei sobre o assunto mais adiante). No ano seguinte, 1999, a Fundação Cultural Capitania das Artes, em parceria com a Biblioteca Municipal Esmeraldo Siqueira (SILVA, 2007, p. 134), em Natal, promoveu outro encontro com o tema: “Cunhaú e Uruaçu: uma história de massacres”, no qual a pesquisadora Jussara Galhardo (MCC/UFRN) 29 participou e apresentou um documentário com o mesmo tema do evento. O vídeo “Cunhaú e Uruaçu uma história de massacres” (GUERRA, 1999) teve como objetivo 30: “mostrar a história dos episódios ocorridos em Cunhaú e Uruaçu durante o século XVII, numa abordagem sob os pontos de vista: histórico, político-econômico, religioso e cultural”. De acordo com nota explicativa no início do documentário: Foram ouvidas as opiniões de historiadores, religiosos, pesquisadores, sociólogos e antropólogos sobre o assunto, como também as demais pessoas, considerando como estas percebem a história, como a interpretam, seja através da religiosidade, das crenças ou das manifestações artístico-culturais. Entre os vários aspectos apresentados no documentário, o que se refere a aliança dos indígenas com as forças holandesas, constituiu mais uma estratégia de defesa contra a opressão e violência dos colonos portugueses que apenas uma mera participação coadjuvante ao lado do oportunismo do holandês (cf. GUERRA, 1999). No mesmo ano, o processo de beatificação dos “Mártires de Cunhaú e Uruaçu31” junto ao Vaticano (SILVA, 2007, p. 124-126; GUERRA, 2011, p. 41, 42), também contribuiu, 28 Esse trabalho foi produzido pelo Centro de Estudos dos Povos Indígenas (CEPI), grupo coordenado por Jussara Galhardo. Não houve continuidade nos anos seguintes. 29 Museu Câmara Cascudo/Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 30 Conforme informe no próprio DVD (GUERRA, 1999). 31 Mártires de Cunhaú e Uruaçu ou Protomártires do Brasil é o título dado aos 30 cristãos martirizados, no interior do Rio Grande do Norte. Foram vitimas de dois morticínios, ambos no ano de 1645, no contexto das 32 mesmo que de maneira negativa, para evidenciar a temática indígena no Estado. Em sequência, outros eventos impulsionaram essa discussão. Como por exemplo, no ano 2000, as comemorações do “descobrimento” do Brasil mobilizaram os povos indígenas do país a se posicionarem contra a esses festejos. Nesse momento “histórico” para o país e de revolta e protestos para os povos indígenas no Brasil, a pesquisadora Jussara Galhardo produz outro trabalho em vídeo intitulado: “Brasil outras histórias outros 500” (GUERRA, 2000), na oportunidade foram entrevistados os Potiguara da Paraíba e outras lideranças que estavam em protesto na Bahia. O antigo cacique Djalma, da Aldeia São Francisco (PB) deixa claro a sua insatisfação com o momento de festividade, afirmando em um trecho do documentário 32: “O Brasil não foi descoberto, o que ocorreu foi uma invasão pelos portugueses e holandeses. O Brasil já era indígena... Não temos nada que comemorar não, aí estamos dando mais força pra eles”. Ainda no ano 2000, Jussara Galhardo e um educador da Fundação José Augusto (FJA), Aucides Sales, entraram em contato com a professora Dr.ª Julie Cavignac (DAN/UFRN), e expuseram sobre a existência de grupos familiares que apontam origem e identidade indígenas, mas que era necessário desenvolver estudos e pesquisas acadêmicas que se voltassem para essa realidade pouco percebida no Estado. Para tanto, foi criado um projeto de extensão de nome “Tapera: em busca dos lugares de memória 33” e, também, foi iniciada a pesquisa: “Remanescentes indígenas e afrodescendentes no Rio Grande do Norte”, ambos coordenados pela referida professora, visando realizar trabalho de campo e registro de narrativas dos grupos Eleotério de Catu (Canguaretama) e os Mendonça do Amarelão (João Câmara). O Projeto “Tapera34” vem discutido sistematicamente entre pesquisadores e alunos da UFRN, desde 2001, “questões ligadas à memória, ao patrimônio, à tradição e a etnicidade, centrando suas atenções no Rio Grande do Norte 35”. Essas ações se iniciaram em 2002. O referido projeto foi aprovado pela Pró-reitoria de Extensão (PROEX/UFRN), vinculada ao invasões holandesas no Brasil. O primeiro na Capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho de Cunhaú, município de Canguaretama; outro em Uruaçu, comunidade do município de São Gonçalo do Amarante. Foram beatificados pelo Papa João Paulo II em 5 de março de 2000. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mártires_de_Cunhaú_e_Uruaçu. 32 Trecho da entrevista gravada por Jussara Galhardo. Disponível no DVD “Brasil outras histórias outros 500” (GUERRA, 2000). 33 Jussara Galhardo trabalhou como pesquisadora voluntária nesses projetos ligados à Base de Pesquisa: Cultura, Identidade e Representações Sociais - DAN/UFRN. 34 Foi elaborada uma home-page: www.tapera.cchla.ufrn.br, na qual estão divulgados todos os trabalhos produzidos pelos integrantes do projeto. 35 Informações disponibilizadas no site: http://cchla.ufrn.br/tapera/oprojeto.htm. Acesso em 14.11.2014, às 10h. 33 Departamento de Antropologia (DAN), e à Base de Pesquisa Cultura, Identidade e Representações Simbólicas (CIRS). E, até os dias atuais, cumpre com sua proposta inicial de reunir “informações de cunho antropológico, histórico e arqueológico e a sua disponibilização na internet 36”. Durante a Campanha da Fraternidade (CF), no ano de 2002, denominada: “Fraternidade e Povos Indígenas – por uma terra sem males”, a Arquidiocese de Natal, em parceria com o Museu Câmara Cascudo (MCC) e o DAN, ambos vinculados à UFRN, realizaram diversas atividades de fortalecimento e de conhecimento sobre a problemática indígena no Estado (SILVA, 2007, p. 73, 74; GUERRA, 2011, p.196). Uma das atividades 37 para dar visibilidade à presença indígena no estado aconteceu durante a programação da CF/2002, através da mesa-redonda: “Presença Indígena no Rio Grande do Norte”, que reuniu no auditório da Biblioteca Central Zila Mamede (BCZM)/UFRN professores da UFRN, da UERN, bem como de pesquisadores e membros da sociedade organizada. A participação de representantes indígenas no próprio estado ainda era muito tímida, sendo, portanto, a presença política dos Potiguara da Paraíba indispensável nesses primeiros momentos, que foram cruciais para o avanço nas discussões sobre a problemática indígena no Rio Grande do Norte, até então, assunto ignorado pelo poder público e pelo senso comum. Posterior a essas discussões, nos anos de 2003 e 2004, foram realizadas as primeiras pesquisas acadêmicas (SILVA, 2007; GUERRA, 2007) 38 em grupos indígenas identificados no Estado, por meio da Base de Pesquisa CIRS, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Julie Cavignac, que incentivou estudos, pesquisas e dissertações de mestrado, bem como visitas realizadas por estudantes e pesquisadores às comunidades indígenas locais. As pesquisas realizadas por esse departamento apresentaram repertórios da história oral e memória social dos grupos estudados, marcados por uma identidade diferenciada ligada a antecessores indígenas. Esses esforços resultaram em monografias, relatórios, trabalhos apresentados em Congressos, na Reunião Brasileira de Antropologia (RBA), na Associação Nacional de História (ANPUH), em Semanas de Humanidade e em publicações de revistas como, por exemplo, MNEME 39 . 36 Idem. 37 Informações sobre outros eventos que evidenciaram a temática indígena no Estado, em ordem cronológica dos acontecimentos (de 1998 a 2007) podem ser observadas no Quadro elaborado por Silva (2007, p. 140-145). 38 GUERRA, Jussara Galhardo Aguirres. Mendonça do Amarelão: caminhos e descaminhos da identidade indígena no Rio Grande do Norte, 2007; SILVA, Cláudia Maria Moreira da. “...Em busca da realidade...”: a experiência da etnicidade dos Eleotérios (Catu/RN), 2007. 39 A revista eletrônica MNEME é uma publicação semestral do Departamento de História do CERES/UFRN. 34 Por sua vez, o Museu Câmara Cascudo, ao identificar a existência desses grupos indígenas 40 que buscavam o reconhecimento étnico no Estado, por meio do seu diretor Prof. Jerônimo, e da pesquisadora Jussara Galhardo, enviou uma carta ao presidente da FUNAI, em dezembro de 2004, que na época era o Dr. Mércio Pereira Gomes. Nesse documento foi relatado o assunto relacionado a esses atores sociais, que por meio de narrativas orais, manifestam suas conexões com antepassados indígenas e apresentam um forte sentimento de pertença aos territórios tradicionalmente ocupados por suas famílias (GUERRA, 2011, p. 197). Ao tomar conhecimento sobre o assunto, o Presidente da FUNAI contatou a direção do MCC/UFRN, informando sobre sua vinda à Natal 41 . A reunião aconteceu na própria instituição, no primeiro dia de fevereiro de 2005, com a presença de representantes de algumas instituições 42 e principalmente com os maiores interessados nessa reunião, os representantes das comunidades indígenas: do Catu, Vandregecílio Araújo da Silva, conhecido por Vando, José Luiz Soares, Josimar Santana e Awá-Catu; e do Amarelão, Irmã Terezinha de Galles e a professora indígena Maria Ivoneide Campos da Silva (cf. Ata/GP, 2005 43 ). Esses indígenas expuseram seus problemas e necessidades, reivindicando, principalmente, a falta de reconhecimento oficial sobre sua presença no estado. Como resultado desse primeiro encontro ficou acordado que seria criado um grupo, já composto com aqueles que estavam presentes na reunião. Daí em diante seria trabalhada a possibilidade de se realizar uma primeira audiência pública, cujo intento seria chamar a atenção da sociedade civil e do poder público para a problemática indígena local. Assim, no mesmo mês e ano em que houve essa reunião, fevereiro do ano de 2005, foi criado o Grupo de Estudo sobre a Questão Indígena no Rio Grande do Norte, mais conhecido como Grupo Paraupaba (GP). O nome do grupo foi escolhido em homenagem a Antônio Gaspar Paraupaba, importante “liderança indígena potiguar, que no século XVII, agregou forças com diferentes grupos étnicos e lutou contra a opressão dos colonizadores, que 40 Localizados nos municípios de: Canguaretama, os Eleotério (Catu); e João Câmara, os Mendonça do Amarelão. 41 Conforme Fax nº278/2005-FUNAI-DF. 42 Mércio Pereira Gomes – Presidente da Fundação Nacional do Índio – FUNAI; Jerônimo Rafael Medeiros – Diretor do MCC/UFRN; Jussara Galhardo Aguirres Guerra – Antropóloga e pesquisadora/MCC/UFRN e Mário de Carvalho Silva – historiador e pesquisador, ambos funcionários da instituição; Fábio Santos – Coordenador da Coordenadoria de Defesa das Minorias/Secretaria Estadual de Justiça/RN (CODEM/SEJUC); José Eudes Cabral – Assessor do Deputado Estadual Fernando Mineiro; Cláudia Moreira – pesquisadora – DAN/UFRN. 43 Todas as informações contidas nesse trabalho sobre os eventos organizados e realizados pelo Grupo Paraupaba foram disponibilizadas por Jussara Galhardo, conforme Atas e/ou Relatórios de viagens cedidos pela coordenadora do GP. 35 teimavam em escravizar os povos indígenas no estado” (cf. Ata de Criação do GP, 2005). Diante da formação do GP foram elencados como objetivos específicos: Promover a realização de estudos e reflexões sobre a temática e a questão indígena no Estado; Realizar eventos culturais sobre essa temática; Articular e colaborar com as políticas de afirmação de identidade das comunidades indígenas do RN; Valorizar e fortalecer suas lutas políticas; Promover e respeitar a autonomia cultural, política, econômica e o direito à autodeterminação dos povos indígenas do Estado; Colaborar e articular ações voltadas para as reivindicações, demandas sociais e políticas das comunidades indígenas do RN perante o poder público (Ata do GP, 2005). Logo após a criação do GP e o incentivo de políticas públicas afirmativas, tiveram início as mobilizações das lideranças indígenas do estado, que se fortaleciam por meio de intercâmbio com os parentes 44 e com o apoio do movimento indígena da Paraíba, resultando, em apenas alguns anos, no autorreconhecimento de cinco grupos etnicamente diferenciados no Rio Grande do Norte, 45 que resolveram sair da invisibilidade e lutar por seus direitos específicos, garantidos pela Constituição Federal 46 . Incentivados pelo GP, os Mendonça do Amarelão e os Eleotério de Catu iniciaram a busca pelo reconhecimento étnico. Para tanto, se organizaram e compareceram a VI Assembleia da APOINME, que aconteceu no período de 5 a 10 de junho de 2005, em Baía da Traição sob o tema: “Força e resistência na construção de uma nova história”, objetivando “legitimar a nova forma de luta coletiva perante o movimento indígena no Nordeste, ao mesmo tempo em que pretende firmar alianças e obter apoio para a questão étnica no estado do Rio Grande do Norte” (cf. GUERRA, 2011, p. 201 e 202). Assim sendo, esses grupos emergentes evidenciam sua presença no estado como atores sociais de sua formação, politizando memórias expressas em narrativas para apresentar uma representação histórica (TONKIN, 1992 47 ) do ponto de vista dessas populações, apontando para narrativas silenciadas pelos discursos autorizados e pleiteando seus direitos específicos em várias ocasiões de discussões, fortalecendo sua luta por reconhecimento por meio da realização de audiências públicas, assembleias, encontros, seminários, protestos e 44 No cap. 2 falarei sobre a concepção de “parente” para grupo pesquisado. 45 Esses grupos residem nos municípios de João Câmara (Mendonça do Amarelão), Canguaretama (Eleotério), Açu (Caboclo de Açu), Baía Formosa (Potiguara de Sagi); Macaíba (Tapará). 46 A atual Constituição, promulgada em cinco de outubro de 1988, expressa os direitos dos povos indígenas em um capítulo específico, intitulado “Dos índios”, no Título “Da Ordem Social”, em oito artigos isolados e em um artigo, no “Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”, referente à demarcação dos territórios indígenas. 47 Como afirma Tonkin (1992, p.2): “Fatos e opiniões não existem livremente, mas são produzidos pela gramática e as grandes convenções discursivas que são então interpretadas por ouvintes”. 36 manifestações públicas 48 , protagonizando uma ampla discussão com diversos setores do poder público. 1.3. MOBILIZAÇÕES POLÍTICAS DOS GRUPOS INDÍGENAS NO ESTADO A partir do ano de 2005, os indígenas do Rio Grande do Norte resolveram se organizar com vistas a comprovar sua presença no estado por intermédio de vários momentos de discussões. Inicialmente, estas foram planejadas e organizadas pelo GP, em parceria com os grupos indígenas e demais parceiros institucionais. Posteriormente, os próprios atores sociais, interessados na divulgação de seu autorreconhecimento étnico, se empenharam na busca de iniciativas políticas, à medida que se tornaram protagonistas na reelaboração de sua própria história na contemporaneidade. Essa organização e ações planejadas proporcionaram a esses grupos indígenas não apenas o conhecimento sobre os seus direitos, mas, sobretudo, conseguiram o amadurecimento político e formas de luta para a concretização de seus objetivos. Assim, serão apresentados cronologicamente os eventos realizados, que contribuíram significativamente para o fortalecimento da luta indígena no Rio Grande do Norte. O primeiro momento de discussão foi a Primeira Audiência Pública 49 , que teve como tema: “Comunidades Indígenas do RN: afirmação de suas identidades”. Foi realizada na Assembleia Legislativa de Natal, em 15 de junho de 2005 (GUERRA, 2011, p. 202-206). Esse foi um momento histórico na política indigenista estadual, sobretudo porque a historiografia local 50 insistia na negação de populações indígenas no estado e após séculos de “ocultamento”, havia chegado o momento dos indígenas no Rio Grande do Norte 48 As informações referentes ao processo de “etnogênese” dos indígenas no RN, apresentadas nesse trabalho, foram pautadas em consulta de documentos cedidos pelas Coordenações do Grupo Paraupaba – MCC/UFRN e da Microrregional da APOINME/RN, bem como por meio do arquivo pessoal do indígena de Sagi Manoel Leôncio do Nascimento. 49 Na ocasião desse evento, o Deputado Estadual Fernando Wanderley Vargas da Silva, vulgo Mineiro - Partido dos Trabalhadores – PT, coordenou a audiência. Jussara Galhardo do GP abriu a audiência com a leitura do documento introdutório. A mesa foi assim composta: Procurador da República Federal – Sr. Yordan Moreira Delgado; Administrador Regional da FUNAI/João Pessoa/PB – Sr. Petrônio Machado Cavalcanti Filho; Reitor da UFRN – representado pelo Prof. Luiz Assunção do Departamento de Antropologia – DAN/UFRN; Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos – Sr. Fábio Santos; Diretor do MCC/UFRN – Prof. Jerônimo Medeiros, representando o Grupo Paraupaba – GP e o MCC/UFRN; Prof. Carlos Guilherme do Valle (DAN/UFRN), representando a CAI/ABA. As lideranças indígenas presentes: José Ciríaco Sobrinho – “Capitão” - GT Indígena/UFPB e o Cacique Geral dos Potiguara – Caboquinho; representantes dos Mendonça do Amarelão; dos Eleotério do Catu e dos Caboclos de Açu (conforme Relatório da CAI-ABA, 2005). 50 Registrada por exemplo por Cascudo (1995) e Lyra, (1998). 37 evidenciarem sua presença. Sobre a importância desse momento histórico para essas populações, o relatório 51 final da CAI-ABA afirma: A audiência pública foi, portanto, um evento importante nos processos de emergência étnica no Rio Grande do Norte (...). Contudo, o evento deve ser visto como apenas uma etapa, aliás bastante especifica e limitada, de um processo muito mais amplo, que exigirá certamente o fortalecimento e a maior mobilização política, além da definição mais precisa das demandas e reivindicações das comunidades indígenas (Relatório Final, CAI-ABA, p.3). Contrariando até mesmo os dados oficiais do censo IBGE/2000, que computaram um número de 598 indígenas, os indígenas presentes no evento representavam 2.650 indígenas que se autoafirmam no estado, conforme registra o mesmo relatório da audiência: Os Eleotério vivem no distrito de Catu, município de Canguaretama, totalizando aproximadamente uma população acima de quinhentas pessoas, que estão em conflito com a Usina Estiva, que tem ocupado sistematicamente suas terras. [...] Os Mendonça do Amarelão vivem no município de João Câmara, reunindo mais de 200 famílias, por volta de duas mil pessoas, que vivem hoje em terras que foram regularizadas por meio da mobilização junto do MST. Trata-se do Assentamento Santa Terezinha com extensão de 25 hectares. Os Caboclos do Açu constituem uma comunidade de aproximadamente 150 pessoas, vivendo de “meia”, portanto sob regime de patronagem, no interior do estado. Estão em situação de conflito direto com os proprietários locais (Relatório Final CAI-ABA, p.1). No início da audiência, foi apresentado o discurso de abertura pela coordenação do Grupo Paraupaba, seguido de apresentações e discussões dos indígenas e instituições presentes, no tocante às demandas indígenas do estado, que incluíram assuntos relacionados à: territórios tradicionais, educação e saúde diferenciadas. O discurso inicial da coordenadora do GP destacou a importância do evento: Assim sendo, foi considerada de extrema importância a organização desta Audiência Pública, quando será possível conhecer de modo mais detalhado a situação vivida pelas comunidades indígenas do estado, seus problemas, suas demandas e reivindicações. Esse evento será certamente um momento crucial na história dos índios do Rio Grande do Norte. História esta tão esquecida nas escolas, nos livros didáticos e na sociedade em geral, precisando, portanto, ser relida, ser abordada de forma crítica e, principalmente ser amplamente incluída nos currículos escolares em nível municipal e estadual, recuperando a memória e a contribuição indígena em nosso estado no ambiente escolar e acadêmico e na sociedade em geral. Esse é o desafio: questionar a validade única e incontestável das “versões oficiais” e lançar mão dos avanços de estudos que relativizam o senso comum e as ideias que rejeitam, de modo etnocêntrico, as formas de diferenciação étnica e indígena. Para tanto, é preciso ouvir o “outro”, as comunidades indígenas que vêm se afirmando no Rio Grande do Norte, cuja própria versão da história é muito mais legítima e 51 Esse Documento Pós-Audiência Pública foi assinado pelo representante da CAI/ABA (arquivos do GP, 2005). 38 culturalmente autorizada que os saberes e discursos hegemônicos (cf. arquivo do GP, 2005. Datado e assinado por Jussara Galhardo em 15 de dezembro de 2005). As demandas foram apresentadas oralmente em plenária pelos representantes indígenas 52 de cada comunidade e entregue um dossiê para cada membro da Mesa (cf. foto 2). No entanto, nenhuma dessas solicitações teve retorno, exceto uma iniciativa isolada da Secretaria de Estado da Educação e da Cultura – SEEC/RN, por meio de alguns membros do Comitê Gestor Estadual de Educação do Campo – COGEC/RN, que se propuseram a realizar visitas nas comunidades com vistas a conhecer os problemas existentes no tocante à educação, sem, no entanto, terem alcançado avanços significativos nesse sentido. Fotografia 2: I AUDIÊNCIA PÚBLICA. Local: Assembleia Legislativa/Natal, 2005. Vando/Catu entrega o abaixo assinado ao Procurador da República. Foto: Leniton Lima. Ainda assim, essa audiência gerou visibilidade dentro do processo de “emergência étnica” (OLIVEIRA, 2004) no estado, tendo sido divulgada pela imprensa local e transmitida pela “TV Assembleia/RN”. Outra questão importante discutida nessa ocasião foi a criação de uma unidade administrativa da FUNAI no Rio Grande do Norte. Logo após esse evento, foram formadas delegações que participaram das discussões sobre a questão indígena nas Conferências Estadual e Nacional da Secretaria de Políticas de 52 Os Mendonça do Amarelão representados na mesa pela Professora Maria Ivoneide Campo da Silva, os Eleotério de Catu/Canguaretama, representados por Vandregecílio Arcanjo da Silva, conhecido por Vando e os Caboclos do Açu por Luiz do Carmo, fazendo-se ouvir por meio de um abaixo assinado, entregue por Vando ao Procurador da República, solicitando o reconhecimento oficial dessas comunidades como indígenas (cf. foto 2). 39 Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, resultando na elaboração de um Plano Estadual de Políticas da Igualdade Racial juntamente com o Conselho Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – COEPPIR/RN, no qual as demandas indígenas foram contempladas (GUERRA, 2011, p. 207, 208). Em outubro de 2005, Natal sedia o I Seminário Macrorregional para o Desenvolvimento das Ações em Saúde Indígena, ocasião em que a FUNASA 53 toma conhecimento “da presença indígena” no estado. A coordenadora do GP foi convidada para o evento e se fez presente, no entanto, apesar dos seus esforços “não fluíram ações concretas por parte da FUNASA Regional e o assunto foi esquecido” (GUERRA, 2011, p. 214 e 215). A Segunda Audiência Pública, também ocorreu na Assembleia Legislativa de Natal, em 24 de abril de 2008, tendo como objetivo principal “dar agilidade a alguns aspectos pendentes da I Audiência Pública 54”, entre esses a questão da titulação das terras. As populações indígenas perderam o acesso a esses “territórios tradicionalmente ocupados55”, devido às ameaças de fazendeiros locais e de proprietários de usinas, faltando terra para a auto sustentabilidade desses grupos, resultando na perda de autonomia econômica e política. Quanto à educação e saúde diferenciadas, também continuaram sem respostas do poder público. Mais uma vez, o Deputado Estadual Fernando Mineiro presidiu a mesa, que contou com a participação de representantes das comunidades indígenas do estado – sendo acrescentada a de Banguê 56 , do município de Assu, e a de Sagi do município de Baía 53 Fundação Nacional da Saúde 54 Conforme Ata/GP, 2008. 55 De acordo com a CF (1988): “§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. Essa expressão é recorrente entre os indigenistas quando se referem à terra povoada pelos indígenas desde o início de sua ocupação. 56 Essa comunidade foi desmobilizada com a morte da liderança, o Sr. João “Brabo”. Confirmando essa afirmação, Tayse (via áudio em whatsapp, em 12.06.2015), informou que a última reunião que aconteceu na comunidade foi em maio de 2012, por ocasião da mobilização de mulheres para a I AMIRN em Assu/RN, onde estavam presentes além dela, Luiz e Valda (ambos de Catu), Sandra (Sagi), Martinho (FUNAI) e cerca de vinte a vinte e cinco pessoas da comunidade. Nessa oportunidade, lembra-se Tayse: “Dona Zélia afirmou que quem era caboclo era Seu João Brabo e ele saindo da comunidade as outras famílias não se reconheciam como descendente de indígena”. Segundo afirmou Luiz (via áudio em whatsapp, em 21.06.2015) sobre essa questão: “a minha percepção é que tá havendo uma repressão por parte da dona da fazenda, por eles trabalharem de meia com ela nas terras, eles sentem ela como sua madrinha. E isso, com a saída do Seu João Brabo, com o falecimento dele houve um enfraquecimento por parte dos nativos, dos próprios indígenas, que sei que tem lá e estão negando a identidade, precisaria o movimento voltar lá pra entender o que está aconteceu de verdade”. Mesmo a assembleia acontecendo em Assu nenhum dos que estavam ali presentes demonstrou interesse em participar do evento. Até mesmo os filhos do Sr. João que foram morar em Assu, não se fizeram presentes. 40 Formosa 57 , do movimento indígena da Paraíba e das instituições: Museu Câmara Cascudo, Grupo Paraupaba, Fundação José Augusto, Conselho Indigenista Missionário (CIMI)/NE, Comissão de Assuntos Indígenas (CAI-ABA), Fundação Nacional da Saúde (FUNASA), Coordenadoria Estadual de Promoção da Política de Igualdade Racial (COEPPIR)/RN. Assim como na primeira audiência pública, também não houve representação do Ministério Público, apesar do convite. Após a exposição dos indígenas quanto às suas demandas, o cacique Potiguara Caboquinho e o Capitão Potiguara, ambos do movimento indígena da Paraíba, propuseram que eles se organizassem para realizar a I Assembleia Indígena no RN (AIRN), cuja agenda seria discutida pelas comunidades (cf. Ata do GP, 2008). Na tarde do mesmo dia, no Pátio da Ciência/MCC/UFRN, realizou-se o I Encontro das Comunidades Indígenas do RN, com o apoio e organização do Grupo Paraupaba e do movimento indígena da Paraíba. Como encaminhamento, ficou acordado sobre a formação de uma comissão para a entrega do abaixo-assinado realizado pelos indígenas no RN ao Ministério Público, bem como a realização de reuniões nas comunidades locais pelo movimento indígena da Paraíba e GP, com vistas à preparação da I AIRN, para fortalecimento da luta indígena no Estado. Devido a problemas políticos entre as lideranças indígenas da Paraíba, não foi possível contar com o apoio desses parceiros nas reuniões preparatórias para a I AIRN. Coube, então, ao Grupo Paraupaba realizar esses encontros in loco, nas cinco comunidades indígenas, quando na oportunidade foram apontadas pelos próprios interessados suas demandas específicas quanto aos três eixos temáticos a serem discutidos nos grupos de trabalho durante o evento: território, saúde e educação. Apresento mais adiante, na página 42, um mapa (1) com a localização dessas comunidades indígenas no Estado. A Primeira Assembleia Indígena do Estado do Rio Grande do Norte (I AIRN) teve como tema: “Reconstruindo a cidadania”. Realizou-se no Bello Mare Hotel, Ponta Negra /Natal, no período de 11 a 14 de dezembro de 2009, sob o patrocínio da FUNAI/João Pessoa/PB 58 e organização do Grupo Paraupaba – GP/MCC/UFRN, APOINME/CE, Apesar de deixar os contatos deles na comunidade, para tirarem qualquer dúvida ou até mesmo fazer um estudo de identidade, até o presente momento, ninguém foi procurado pelo grupo. 57 Quando o debate foi aberto para a plenária, o advogado Luciano Ribeiro Falcão, até então, responsável pela questão territorial da comunidade de Sagi, denunciou as dificuldades que esses indígenas vinham sofrendo como vítimas da especulação imobiliária, cujo processo tramitava na Justiça Estadual. A partir desta data, o grupo familiar de Sagi passa a ter visibilidade com relação a sua identidade étnica indígena, por meio de seu interlocutor em audiência. 58 No dia 09.09.2009 uma comissão formada por: Jussara Galhardo – MCC/UFRN, Gorete Nunes – SEEC, Luciano Falcão, Advogado e assessor do GP e Manoel Leôncio, da Comunidade Indígena do Sagi, compareceu a 41 movimento indígena da Paraíba, representado pelo cacique Caboquinho e Claudecir da Silva Braz, vulgo cacique Cal – Organização dos Povos Indígenas da Paraíba – OPIP e parceiros, destacando-se a SEEC e a Editora IMEPH. A I AIRN objetivou discutir a questão indígena do estado a partir dos próprios atores interessados, representados pelos 26 delegados 59 (a delegação de Sagi, foto 3), escolhidos durante as reuniões preparatórias nas comunidades. O evento promoveu cinco mesas de discussões: Identidade Étnica e Organização, Território e Meio Ambiente, Saúde Indígena, Etnodesenvolvimento e Direitos Sociais e Educação Indígena e a Lei 11.645/2008. A primeira mesa foi coordenada pelo administrador da Regional da FUNAI/PB, Petrônio Machado Cavalcanti Filho, que salientou a importância de todas as comunidades participarem das discussões dos “Territórios da Cidadania”. Fotografia 3: Representantes Indígenas de Sagi, na I AIRN, 2009. Da direita para esquerda – 1ª fila) Osmar, Cacilda e Vilázio. 2ª fila) Carlos, Manoelzinho e Temístocles. Foto: Jussara Galhardo. sede da FUNAI de João Pessoa para apresentar um dossiê contendo o planejamento e orçamentos para a realização da Primeira Assembleia Indígena do Rio Grande do Norte. O referido órgão se comprometeu a patrocinar o evento, para o qual disponibilizou a quantia de (treze mil, seiscentos e cinquenta e oito reais), para o pagamento de hospedagem e alimentação de oitenta pessoas convidadas, entre os quais 30 delegados representantes das comunidades indígenas do estado. 59 Sendo 8 delegados de Sagi: Osmar Jerônimo, Manoel Leôncio, Antônio Nascimento, Gilvan dos Santos, Cacilda Jerônimo Temístocles Inácio, Carlos Leôncio e Uilton do Nascimento; 8 do Amarelão: Francisca Batista, Tayse Campos, Adailton Barbosa, Rozania Barbosa, Ivoneide Campos, Claudiane Pedro, José Raimundo e José Batista; 8 de Catu: Valda Arcanjo. Luís Soares, Nataniel Raimundo, Vangerlânia Araújo, Wellington Soares, João Benedito, Joaquim Simão e Vandregecílio Araujo; e 2 dos Caboclos: Antônio Luís Lopes e Antônio Luís Filho. 42 Mapa 1: Localização das comunidades indígenas no RN, 2009. Fonte: Grupo Paraupaba. 43 Nessa ocasião, o Prof.º Dr. José Augusto Laranjeira Sampaio, antropólogo da UNEB e da ANAÍ/BA, falou sobre os povos indígenas no Nordeste brasileiro e os processos de “emergência étnica”. Em seguida, o Prof.º Dr. Edmundo Pereira, antropólogo e professor do DAN/UFRN, debateu sobre autonomia, participação e organização dos povos indígenas. Passa-se a palavra para Jussara Galhardo, antropóloga do MCC/UFRN, que discutiu sobre aspectos relacionados à identidade indígena, história oral e memória social dos grupos indígenas do Estado. Por sua vez, Gustavo Hamilton Menezes, FUNAI/DF, falou da necessidade de reelaborar a pedagogia nacional, bem como incentivou a UFRN buscar meios para debater a temática indígena nos fóruns acadêmicos (cf. foto 4). Fotografia 4:. Mesa de abertura da I AIRN. Natal, 2009. Foto: Arquivo Grupo Paraupaba/MCC/UFRN Após as ponderações dos antropólogos, os indígenas presentes à mesa se pronunciaram. Inicialmente Tayse Campos, indígena Potiguara dos Mendonça do Amarelão/João Câmara, falou da participação política dos indígenas no RN e sugeriu encaminhamento para a eleição de duas indicações (um coordenador e um vice) para representar a microrregional da APOINME no Estado. Luís Soares, indígena Potiguara do Catu dos Eleotério, Canguaretama, chamou a atenção sobre a importância de se ter orgulho da identidade étnica indígena e apresentou uma monografia de Nataniel (também dos Eleotério de Catu) que fala da história e memória indígena dos Eleotério. As demais mesas formadas abordaram discussões específicas acerca das demandas de cada comunidade, das quais seus representantes expuseram os problemas relacionados a 44 território, meio ambiente, saúde, etnodesenvolvimento e direitos sociais. A última mesa 60 foi coordenada por Jussara Galhardo e tratou da Educação Indígena e da implantação da Lei 11.645 nos currículos das escolas de educação básica do Estado. O auge das discussões aconteceu durante a formação dos grupos de trabalho, que apresentaram as demandas dos grupos indígenas do Estado, ali representados. O documento de apoio e base para essas discussões foram as atas elaboradas nas reuniões preparatórias para a AIRN feitas anteriormente pelo GP em visita nas comunidades. Após a apresentação dos resultados dos GTs em plenária, houve uma eleição para a escolha dos articuladores dos trabalhos da APOINME na Microrregional do RN. José Luiz Soares da Aldeia, do Catu, coordenou a votação, que apresentou os seguintes resultados: Tayse Michelle Campos (Mendonça do Amarelão) obteve quinze votos, sendo eleita titular, e Osmar Jerônimo de Sagi, com nove votos, foi eleito suplente (Ata do GP, 2009). O evento foi concluído com a elaboração de uma moção de repúdio 61 sugerida em plenária pelo indígena Luiz Soares da comunidade de Catu acerca da ausência dos convidados que foram: as prefeituras municipais de Baía Formosa, de Canguaretama, de Goianinha, de Assu, de João Câmara; Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional; Ministério Público Federal; Ministério Público Estadual; Fundação Nacional da Saúde e Ministério do Desenvolvimento Agrário. Os representantes indígenas apontaram ser fundamental a presença de representantes dessas instituições públicas nessa ocasião, considerando que diante da magnitude do encontro, essas parcerias tornam-se indispensáveis para que, de fato, a questão indígena venha repercutir politicamente no Estado, envolvendo o poder público nessas ações. A Segunda Assembleia Indígena do Rio Grande do Norte (II AIRN) aconteceu na Casa de Cultura Popular “Palácio Antônio Bento”, no município de Goianinha/RN, no 60 Nessa mesa, Thiago Garcia – MEC/DF – destacou a importância da Lei 11.645/08 nas escolas para não- indígenas, chamando a atenção quanto a não confundi-la com a Educação Escolar Indígena – EEI, que é específica para os aldeamentos indígena. Prof. Dr.º José Augusto, vulgo Guga falou da necessidade de se fazer um diagnóstico das escolas indígena no RN. Em seguida, Luís Soares – professor da comunidade Catu evidenciou sobre os projetos que estão sendo desenvolvidos na Escola Municipal João Lino da Silva, cujo currículo valoriza a língua Tupi e a dança do Toré, como uma expressão cultural de força identitária. Maria Ivoneide Campos da Silva – professora indígena na comunidade do Amarelão falou da falta de compromisso dos professores e do preconceito por parte dos gestores, enquanto que o Deputado Fernando Mineiro – PT, incentivou os indígenas a se organizarem e participarem ativamente das discussões políticas do movimento indígena. Enquanto que a Prof.ª Maria Gorete Nunes Pereira – representante da SEEC/RN, salientou a necessidade do estado e municípios focarem na formação continuada para professores das escolas públicas para esses desenvolverem projetos voltados para a inclusão da temática indígena em sala de aula (Lei n.º 11.645/08) e apresentou o projeto que vem trabalhando na Escola Municipal Nazaré Duarte, Goianinha/RN, na qual trabalha como coordenadora pedagógica (cf. Ata do GP, 2005). 61 Moção assinada por todos os presentes ao evento em 13 de dezembro de 2009 (arquivos da FUNAI-João Pessoa/PB. 45 período de 22 e 23 de novembro do ano de 2011. Recebeu apoio institucional da Coordenação Técnica Local/CTL-FUNAI/RN e contou com as parcerias de Jussara Galhardo (GP/MCC/UFRN), Professora Rita Neves (UFRN) e do Professor Glebson Vieira (UERN), tendo sido planejada, organizada e coordenada pelos representantes indígenas 62 que tiveram um maior protagonismo nesse evento (Ata da APOINME/RN, 2011). A foto abaixo apresenta a delegação de Sagi. Fotografia 5: Apresentação dos Potiguara de Sagi na II AIRN, 2011. Local: Casa de Cultura – Goianinha/RN. Foto: Gorete Nunes. É importante destacar que a I e II audiências, bem como a I AIRN, foram planejadas e organizadas pelo GP e indígenas, sendo apoiados por instituições parceiras, conforme especificado anteriormente. Já a partir da segunda assembleia, houve um maior envolvimento dos indígenas, com o apoio logístico da coordenação da Microrregional da APOINME/RN 63 , na pessoa de Tayse Campos. Isso mostra que o GP tem cumprido um de seus principais objetivos 64: “assessorar os grupos indígenas locais em busca do fortalecimento de suas identidades”, resultando em avanços na conquista dos seus direitos. 62 Tayse Campos – Coordenadora da Microrregional da APOINME/RN – Amarelão/João Câmara; Valda Maria Arcanjo – Coordenadora da Microrregional de Mulheres da APOINME/RN e José Luiz Soares, representante do Comitê Regional da FUNAI/RN – Nordeste II, ambos da aldeia Catu/Canguaretama; Sandra Silva Talles – da aldeia Sagi Trabanda/Baía Formosa. 63 Todas as informações contidas nesse trabalho relativas ao movimento indígena local sob a liderança da Microrregional da APOINME/RN foram disponibilizadas pela coordenadora Tayse Campos por meio de Atas. 64 Conforme registro em Ata do GP,2005. 46 Outro momento de relevância foi a Terceira Audiência Pública, que aconteceu na Câmara Municipal de Vereadores de Canguaretama (cf. foto 6), no dia 21 de março do ano de 2012, com o tema: “Educação Escolar Indígena, Identidade e Autonomia para um Futuro Igualitário”, tendo como objetivo discutir com as autoridades e parceiros institucionais presentes a questão dos direitos dos indígenas do Estado a terem uma educação diferenciada, sendo enfatizada a Escola Municipal João Lino da Silva (Catu/Canguaretama). Fotografia 6: III AUDIÊNCIA PÚBLICA. Local: Câmara de Vereadores/Canguaretama. Foto: Arquivo Grupo Paraupaba, 2012. Estiveram presentes na audiência, além de representantes indígenas 65 , autoridades e parceiros das instituições públicas: FUNAI/RN – Martinho Andrade; GP/MCC/UFRN – Jussara Galhardo; SEEC – Gorete Nunes; Luciano Falcão – Advogado Popular e os Vereadores de Canguaretama: João Paulo Pessoa, Carlos Fagundes e Luciano Júnior, sendo representado, por sua mãe Fátima Moreira – atual vice-prefeita da cidade (Ata do GP, 2012). 65 Estavam presentes os indígenas do Catu/Canguaretama: Valda Arcanjo – CMI/APOINME/RN e Maria José – Diretora e Coordenadora Pedagógica da Escola João Lino da Silva –Vangerlânia Araújo, Luiz Soares – CR/FUNAI/NII, Williane – Associação dos Povos Indígenas do Catu; Aldeia Sagi Trabanda/Baía Formosa: Manoel Leôncio do Nascimento – cacique Manoelzinho, Temístocles Inácio, Janaína Vieira da Silva e Zélio do Nascimento; bem como, uma representante dos Mendonça do Amarelão – João Câmara – Tayse Campos – APOINME/RN. 47 Um dos resultados dessas mobilizações até então realizadas deu-se em 07 de agosto de 2012, quando, o então Secretário de Educação de Canguaretama, Jonas Cavalcanti, foi à Subcoordenadoria de Organização e Inspeção Escolar – SOINSPE/SEEC/RN e formalizou a solicitação da autorização, funcionamento e reconhecimento da Escola Municipal João Lino da Silva como a Primeira Escola Indígena do Estado do Rio Grande do Norte. Esse processo, de nº 476557/2012-6, encontra-se em tramitação com algumas pendências voltadas especificamente para a adequação do Projeto Político Pedagógico e a reelaboração do Regimento Interno com vistas a atender a demanda diferenciada da Educação Escolar Indígena (EEI), daquela escola. Considerando que essa experiência é nova para o Estado, faz-se necessário, portanto, a colaboração de um técnico especialista em EEI, para orientar a elaboração de currículos diferenciados, com horário de tempo integral, contendo disciplinas específicas, além de uma organização curricular que atenda a diversidade cultural desses grupos sociais. Seguindo a sequência de acontecimentos políticos, aconteceu nos dias 29 e 30 de maio de 2012 a Primeira Assembleia de Mulheres Indígenas do Rio Grande do Norte (I AMIRN). Teve sede em Assu/RN, mas especificamente na Floresta Nacional do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio). Sem dúvida, foi um momento de relevância na luta desses grupos emergentes rumo à conquista dos seus direitos, tendo como protagonista celebrado o movimento indígena estadual. Entretanto, antes de sua realização, aconteceu no dia 13 de abril, no mesmo local e ano, uma reunião preparatória para mobilização e formação de uma comissão organizadora. Na ocasião, a comissão foi formada pela Coordenadora de Mulheres Indígenas da Microrregional da APOINME/RN Valda Arcanjo da Silva de Catu/Canguaretama/RN, Francisca Tapará de Macaíba/RN, Rozânia do Amarelão/João Câmara/RN, Elaine Leôncio de Sagi Trabanda/Baía Formosa/RN e Vanda dos Caboclos de Açu/RN. Uma das atribuições dessa comissão foi visitar as comunidades indígenas do Estado visando mobilizar as mulheres no sentido de organização e articulação desse momento importante para elas, além da escolha de delegadas para participarem da I AMIRN. Foram escolhidas 22 delegadas 66 , sendo: cinco do Amarelão, cinco do Catu, quatro dos Caboclos, quatro de Sagi e quatro de Tapará. 66 Amarelão: Ivoneide Campos, Rozânia Barbosa, Damiana Barbosa, Jaciara Soares e Tayse Campos; Catu: Vangerlânia Arcanjo, Vandregefferson Arcanjo, Valda Arcanjo, Lauana Soares, Micarla da Silva; Caboclos: Francinete Silva, Vanderlange Neta, Zélia Barbosa, Celina da Silva; Sagi: Cacilda Jerônimo, Elaine Leôncio, Janaína Vieira, Rizalva do Nascimento e de Tapará: Francisca Bezerra, Zuleide Bezerra, Antônia Conceição e Luzinete Tavares. 48 A reunião preparatória contou com a representação de certas instituições 67 , tendo sido acordado que a FUNAI alocaria os recursos para hospedagem e alimentação dos indígenas com a contrapartida dos municípios envolvidos 68 . Na oportunidade, a secretária Maira (SMDSH) falou sobre uma nova proposta da Secretaria quanto à construção de uma agrovila na comunidade dos Caboclos, com moradia e criação de um centro comunitário (cf. Relatório do GP, 2012). De acordo com o programado, a I AMIRN aconteceu no final do mês de maio do ano de 2012 e a primeira mesa temática, “MULHERES INDÍGENAS: Movimento, Políticas e Direitos”, foi moderada por Francisca Bezerra (Tapará/Macaíba). Nesse momento foram apresentados diversos temas, dentre estes a “Situação das Mulheres Indígenas do RN” por Valda Arcanjo (APOINME/RN). Por sua vez, Ceiça Pitaguary – Coordenadora do Departamento de Mulheres da APOINME - discursou sobre a “Importância das Mulheres no Movimento Indígena”. As falas dos representantes do poder público69 foram bem enfáticas com questões relacionadas a gênero e aos direitos da mulher. A segunda mesa denominada: “Políticas Públicas e Política Indigenista” foi coordenada por Valda Arcanjo. Na oportunidade, o indígena Weiber Tapeba (CR/FUNAI/CE) falou sobre o tema “Regularização das Terras e Territórios Indígena”, antes atribuído ao Sr. Paulo Barbosa da Coordenação Regional da FUNAI/CR/CE, que não pôde comparecer ao evento. Depois, Weiber esclareceu sobre o seu tema “EDUCAÇÃO: Território Etnoeducacional (TEE)”. Em seguida, os representantes institucionais70 também elucidaram seus discursos. No segundo dia do encontro, as representantes indígenas se dividiram em cinco grupos de trabalho (GTs) para discutirem os problemas de suas comunidades relativos à educação, saúde indígena, gênero, terra, território e desenvolvimento sustentável, definindo prioridades e estratégias. Na oportunidade foi redigido um documento final e cópias foram enviadas para as lideranças indígenas do Estado, aos parceiros e aos órgãos: federal, estadual e municipal. 67 FUNAI – Martinho Andrade, UFRN/MCC/GP – Jussara Galhardo, SEEC/RN – Gorete Nunes, ICMBio – Mauro, Prefeitura de Açu/Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Habitação – SMDSH – Secretária Maira Oliveira e pelo IBAMA – Amauri Gurgel. 68 A prefeitura de Assu forneceu material logístico e lanche, enquanto que as demais prefeituras se responsabilizaram pelo translado (ida e volta) dos indígenas de suas comunidades até Assu. 69 Ádna Martins – CODEM/SEJUC/RN – explicou sobre os “Direitos Humanos”; Léia Vale – COGER/CGPDS – sobre “Equidade de Gênero”; e Rogério Souza – MPF /RN – sobre a “Lei Maria da Penha” (Lei nº 11.340). 70 Lúcio Wanderley – CR/FUNAI/CE – falou sobre: “Política da Previdência Social”; a Lylia Galetti – CGETNO/FUNAI não pode comparecer, mas enviou os slides e Martinho Andrade – CTL/FUNAI/RN apresentou o tema: “Gênero e Etnodesenvolvimento Econômico”; e Socorro Almeida – DFDA/RN – conclui falando sobre: “ATER Indígena” (cf. Ata da APOINME/RN, 2012). 49 As agendas propostas nesses encontros são resultado dos processos sociais que estão em curso no país, nos quais representantes indígenas do Estado participam ativamente dessas discussões, subsidiando assim, a organização dessas mesas temáticas nos encontros locais. Na sequência dos eventos políticos aconteceu em seguida à AMIRN o Primeiro Encontro de Jovens Indígenas no Rio Grande do Norte (I EJIRN). Foi sediado em João Câmara, na Câmara Municipal de Vereadores, durante os dias 18 e 19 de outubro do ano de 2012. Esse encontro foi resultado de um encaminhamento dos jovens indígenas na II AIRN em 2011, quando pleitearam esse evento e registraram essa demanda em ata. Em 18 de junho do ano seguinte foram iniciadas as discussões para a realização do encontro, em reunião na CTL/FUNAI/RN. Em 28 de agosto aconteceu no mesmo local outra reunião para a formação de uma Comissão 71 , que visitaria as comunidades, visando à mobilização dos jovens para participarem do encontro (cf. Ata da APOINME/RN, 2012). O referido encontro foi promovido pela coordenação da microrregional da APOINME/RN e contou com a colaboração da CTL//RN/FUNAI, Câmara de Vereadores e Secretaria Municipal de Educação de João Câmara, Grupo Paraupaba-MCC/UFRN, Subsecretaria da Juventude (SEJUC/RN), Prefeitura Municipal de Açu e Grupo Motyrum Caaçu (artesãos indígenas do Amarelão – João Câmara/RN). Durante as visitas de mobilizações às comunidades foram escolhidas vinte e quatro delegações 72 , sendo: cinco dos Caboclos, cinco do Amarelão, cinco de Catu, cinco de Sagi Trabanda e quatro de Tapará (cf. foto 7). A primeira mesa temática, “Organização, Participação Social e Autonomia dos Jovens Indígenas do RN”, foi moderada por Elayne Leôncio de Sagi Trabanda. Tayse Campos, falou sobre a “Importância da participação dos Jovens no Movimento Indígena”. Por sua vez, Luiz Soares do Catu, que é representante titular do Comitê Regional (CR/Nordeste II/FUNAI), falou sobre a “Afirmação da Identidade Indígena”. Ainda do Catu, Vandré Arcanjo desenvolveu o tema “Jovens Indígenas do RN: A atuação no Movimento Indígena do Estado”. Do movimento indígena da Paraíba, Francinaldo Potiguara, representante da Organização dos Jovens Indígenas da Paraíba (OJIP/PB) falou sobre a “Organização Social e 71 A comissão foi formada por Tayse Campos – Coordenadora da APOINME/RN; Valda Arcanjo – CMI/APOINME/RN; Elayne Leôncio – Liderança jovem da Aldeia Sagi Trabanda; Rafael de Souza – Liderança jovem do Amarelão/João Câmara; e Carlos Henrique – servidor da CTL/FUNAI/RN. 72 Representando os Caboclos: Celina da Silva, Vanderlange Neta, Janiele da Silva, Erivan da Silva e Juliana Soares; do Amarelão: Rafael de Souza, Anderson Barbosa, Rozânia Barbosa, Sara Soares, João Paulo da Silva; do Catu: Keline Soares, Rogério Avelino, Vandregeffson Arcanjo, Ladislau Soares, Carla da Silva; de Sagi: Micarla Nascimento, Wdeiferson do Nascimento, Alef do Nascimento, Rafaela Amaro e Elayne Leôncio; e de Tapará: Frankwellintong Bezerra, Luciene de Lima, Maria José de Lima e Maria da Guia de Lima. 50 Autonomia”. Para encerrar as discussões da mesa, Valda Arcanjo elucidou o tema “Mulher Indígena no RN” (cf. Ata da APOINME/RN, 2012). Fotografia 7: I EJIRN. Local: Câmara de Vereadores/João Câmara, 2012. Foto: Jussara Galhardo. Após a conclusão da segunda mesa 73 , formaram-se os grupos de trabalho, quando os participantes discutiram sobre os eixos temáticos voltados para a educação, a saúde indígena, o esporte e lazer, terra e território, além de etnodesenvolvimento, organização e participação social. Após as apresentações das demandas em plenária, encaminharam uma síntese das reivindicações por meio de uma ata com cópias aos órgãos competentes. No ano seguinte, aconteceu a Primeira Assembleia Microrregional da APOINME/RN no período de 24 e 25 de abril de 2013. Foi sediada no “Auditório das Aves” do Instituto de Biociências no Campus da UFRN/Natal e promovida pela coordenação da microrregional da APOINME/RN e por representantes das comunidades indígenas do Estado. Contou com o apoio da CTL/FUNAI/RN, do GP/MCC/UFRN, ICMBio/Assu, IBAMA/RN, 73 Durante a segunda mesa temática: “Políticas Públicas”, foram discutidos os seguintes temas: “Direitos dos Jovens, Políticas de Segurança e Inclusão Social” – Ádna Lígia – CODEM/SEJUC e “Educação Indígena: políticas de inclusão no Ensino Superior” – Célia Maria da Silva da CTL/FUNAI/PB (cf. folder do evento). 51 Prefeituras de Assu e de Canguaretama, do Professor Deusimar Freire Brasil/UFRN e do Grupo Motyrum 74 UFRN. Depois das boas vindas aos participantes do encontro e dos agradecimentos aos parceiros, Tayse Campos dos Mendonça do Amarelão formou a primeira mesa de discussão (cf. foto 8), composta pelos indígenas: Adriano dos Caboclos de Açu; Manoel Leôncio do Nascimento da Aldeia Sagi Trabanda; José Luiz Soares e Valda Arcanjo da Aldeia Catu e Francisca da Conceição Bezerra de Tapará. Fotografia 8: I Assembleia da Microrregional da APOINME. Local: Auditório da Aves/IBC/UFRN, 2013. Mesa de abertura do evento. Foto: Jussara Galhardo Tayse Campos inicia sua fala esclarecendo sobre a organização da APOINME, seus eixos prioritários de luta, as instâncias onde pode atuar e afirma que “esse evento é para acontecer a cada cinco anos”. Em seguida apresenta o relatório de sua gestão na microrregional da APOINME/RN referente ao quadriênio de 2009 a 2013. Posteriormente, os participantes da mesa fazem um debate e avaliam a atuação da microrregional nos últimos quatro anos, destacando os avanços e as dificuldades encontradas (cf. Ata da APOINME/RN, 2013). 74 Programa de ensino, pesquisa e extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “Motirũ, Motirõ, Motyrum: União de pessoas para construir algo coletivamente, uns ajudando os outros”. Conforme home-page: https://pt-br.facebook.com/Motyrum. Acesso em 15.11.2014, às 13h 20min. 52 Na ocasião, Tayse Campos comunica sobre seu afastamento da microrregional, decorrente de questões pessoais, mas José Luiz Soares sugere que ela permaneça no cargo e que se escolha um suplente para ajudá-la no trabalho da coordenação. Ele explica: “no momento em que o movimento indígena do RN está vivendo, seria mais prudente que você continuasse na coordenação da APOINME 75”. Sendo assim, Tayse Campos concordou com a proposta de Luiz e após a votação, Francisca Tapará foi eleita como sua suplente e a mesma continuará como coordenadora por mais quatro anos. O segundo dia de encontro foi inusitado, pois, ao invés das discussões continuarem em sala fechada, resolveram propor outro modelo de trabalho e partiram em passeata para as ruas junto com os apoiadores. Assim, no dia 26 de abril, às dez horas, realizaram um Ato Público, saindo da Praça Cívica em Natal, seguindo para a sede do IBGE, onde de frente ao prédio fizeram “um protesto em repúdio ao Censo do ano 2010, porque não reflete um número confiável, por não aproximar da realidade populacional das comunidades indígenas do RN e cobrar que o IBGE capacite melhor os recenseadores quanto à questão da autodeclaração étnica” (cf. citação na Ata da APOINME/RN, 2013). Dando sequência à cronologia da luta indígena no Estado realizou-se nos dias 06 e 07 de novembro do ano 2013 a Terceira Assembleia Indígena no Rio Grande do Norte (III AIRN) 76 . Diferente das demais assembleias, esta foi realizada em uma comunidade indígena, desta vez em Sagi, mais especificamente no salão do “Bar de Carlos”, local onde ocorrem todas as reuniões e eventos comunitários no lugar. Como em todas as assembleias indígenas que aconteceram no Estado, essa programação foi marcada por um momento de discussão entre as lideranças indígenas (cf. foto 9). Os trabalhos foram iniciados com a “dança do Toré77” em que participaram todos os indígenas presentes. Pediram às bênçãos do deus Tupã para iniciarem seus trabalhos. Em seguida, formou-se uma mesa de avaliação de todos os eventos do movimento indígena acontecido no Estado, com a participação de um representante por aldeia. Após desfeita essa 75 Conforme Ata oficial disponibilizada pela Coordenadora da Microrregional da APOINME/RN, Tayse Campos. 76 A III AIRN foi organizada pela APOINME-RN junto aos demais representantes indígenas do Estado, além do apoio da CTL/FUNAI de Natal, por meio de Martinho Alves de Andrade Júnior. Desta vez, o GP participou apenas como colaborador. 77 Desde o ano de 2009, logo após a I AIRN, os indígenas do Estado, com o apoio dos Potiguara da Paraíba, começaram a se organizar e passaram a dançar o toré. Segundo Grünewald (2008): “O toré ganha visibilidade (e a relevância atual) a partir de um processo social que se inicia na primeira metade do século XX. Hoje, o toré está inclusive totalmente incorporado ao movimento indígena no Nordeste como forma de expressão política. Trata-se, a princípio, de uma dança ritual que consagra o grupo étnico. [...] Esta prática cultural passou, assim, a circular ideologicamente como sinal diacrítico dessa ampla indianidade e, até hoje, é ensinada de grupos reconhecidos a grupos que pleiteiam reconhecimento indígena em todo o Nordeste”. Disponível no site: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252008000400018&script=sci_arttext. 53 primeira mesa, deu-se início a outras discussões, para as quais foram convidados representantes de várias instituições. Fotografia 9: III AIRN/2013. Local Sagi. Elaine Leôncio, representante jovem dos Potiguara de Sagi, apresenta a demanda da I EJIRN. Foto: Gorete Nunes. No entanto, os organizadores do evento reclamaram sobre a ausência de representantes da Secretaria de Educação do Estado (SEEC), que nem sequer justificou a sua ausência ao encontro. Além disso, os documentos e atas enviadas pela APOINME/RN a essa instituição acerca da educação escolar indígena e da implementação da Lei nº 11.645/08 no Estado continuam sem respostas. Com a formação dos grupos de trabalhos e seus eixos temáticos sobre “saúde, educação, sustentabilidade e território”, a delegação indígena elenca seus problemas e aponta as estratégias para soluções. Após o encontro, foi elaborada uma ata e, em seguida, encaminhada uma cópia aos órgãos competentes. Logo abaixo, elaboro uma síntese dos problemas apresentados pelos indígenas da Aldeia Sagi Trabanda, nos GTs realizados na III AIRN (cf. Ata da APOINME/RN, 2013): 54 QUADRO DAS DEMANDAS DOS POTIGUARA DE SAGI – 2013 GT DEMANDAS SOLUÇÕES APRESENTADAS EDUCAÇÃO 1. Construção de uma escola indígena 2. Qualificação específica para professores indígenas 1. Acompanhar o projeto de construção da escola indígena, com os recursos do Banco Mundial executado pela SEEC/RN; 2. Cobrar da mesma instituição a formação inicial em EEI para professores indígenas, conforme previsto nas ações do PAR. SAÚDE E PREVIDÊNCIA SOCIAL 1. Péssimas condições de funcionamento e atendimento no posto de saúde – PSF 1. Enviar pedido de contratação de Agentes de Saúde Indígena para as Secretarias de Saúde Municipais; 2. Solicitar uma reforma para o PSF. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 1. Mulheres e jovens desinformados, sem nenhuma qualificação para o trabalho. 1. Realização de oficinas sobre direitos indígenas, artesanato, sabão/sabonete, corte, costura; 2. Beneficiamento das frutas nativas; 3. Recuperação de atividades tradicionais culturais; 4. Desenvolver atividades de prevenção contra drogas, alcoolismo; 5. Prevenção da violência contra a mulher. TERRA E TERRITÓRIO 1. Não dispõem de terra para o cultivo de alimentos de subsistência, nem para a criação de animais. 2. Problema ambiental na ponte do rio Cavaçu 1. Regularização das terras indígenas pela FUNAI; 2. Desapropriação de áreas para plantio de roçados e hortas comunitárias, moradia e criação de animais; 3. Desenvolver projetos de apoio à pesca de peixes e crustáceos; 4. Construção de infraestrutura para produção de alimentos, bem como garantir o acesso a áreas de plantio e colheita de frutas nativas, mesmo que estejam em propriedades particulares. Tabela 3: Quadro das demandas da Aldeia Sagi Trabanda – 2013. Ainda no ano de 2013, a Associação Comunitária Amarelão (ACA) elaborou um projeto com a assessoria do Grupo Paraupaba para concorrer ao Prêmio Cultura Indígena/MINC, em sua 4ª edição Raoni Metuktire 78 , tendo sido contemplada na categoria de premiação para “iniciativas culturais que envolvam mais de uma comunidade ou povo indígena 79”. Assim, as ações do projeto “Jepuruvõ Arandú (utilizando sabedoria) – despertando o índio nas escolas do Rio Grande do Norte, segundo a Lei nº 11.645/08” proporcionou a realização de seis seminários no ano de 2014, nos municípios 80 onde vivem os cinco grupos 78 Nesta edição 2013, o homenageado foi o cacique Raoni Metuktire, líder do povo Mebengokre, conhecido internacionalmente. 79 Segundo registro no próprio projeto. 80 João Câmara – os Mendonça do Amarelão, Canguaretama, Goianinha – os Eleotério de Catu, Assu – os Caboclos de Açu, Baía Formosa – os Potiguara de Sagi e Macaíba – os Tapará. 55 indígenas do Estado em processo de autoafirmação étnica (cf. foto 10 - Seminário de João Câmara/RN). Fotografia 10: Seminário Municipal. Local: IFRN – Campus João Câmara, 2014. Foto: Lenilton Lima O objetivo principal dessa iniciativa, de acordo com o documento original do projeto enfoca: Valorizar e divulgar a realidade etnocultural e indígena nas escolas e secretarias municipais do Estado do Rio Grande do Norte (Lei 11.645-2008; LDB-1996), onde estão inseridas as comunidades indígenas do estado, por meio de uma ampla divulgação de informações que trabalhem diretamente com professores e alunos, além dos gestores das secretarias municipais, no intuito de oferecer subsídios para a conscientização e para o desenvolvimento de práticas pedagógicas voltadas para o combate ao preconceito, aos estereótipos, bem como desenvolver atividades que possibilitem à descriminalização étnica em sala de aula e fora delas e que estejam de acordo com a realidade diferenciada das comunidades indígenas (cf. Projeto: “Jepuruvõ Arandú”, 2013, p. 3). O Seminário Estadual – a etapa final do projeto – está programado para ser realizado no ano de 2015. Nessa ocasião, serão apresentados os resultados das ações desenvolvidas em salas de aula nesses municípios. As experiências pedagógicas de maior relevância e êxito deverão ser selecionadas por uma comissão local formada por técnicos das instituições parceiras responsáveis pelos seminários municipais. Serão contempladas quatro experiências inovadoras nas categorias: Ensino Infantil, Ensino Fundamental Séries Iniciais, Ensino Fundamental Séries Finais e Ensino Médio, 56 Educação de Jovens e Adultos. A comissão estadual elegerá dois projetos por município, ao todo serão 12 projetos, que serão apresentados ao fórum do seminário estadual, que escolherá – com premiação – os dois melhores trabalhos desenvolvidos no Estado. Para a concretização desse projeto se articularam: Grupo Paraupaba, na organização e coordenação junto à ACA; Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN – Campus de Canguaretama e de João Câmara; Universidade Estadual – UERN – Campus de Assu; SEEC/DIRED e Secretarias Municipais de Educação e Cultura – SEMEC. A coordenação geral do projeto está sob a responsabilidade de Tayse Campos, ao passo que as monitoras e palestrantes – Jussara Galhardo-GP-MCC/UFRN e Gorete Nunes -81 desenvolveram uma metodologia voltada principalmente para estimular professores e gestores a reflexões e percepções, que resultem em novas práticas pedagógicas em sala de aula, repercutindo nos currículos escolares com vistas ao rompimento de velhos paradigmas sobre a realidade dos indígenas no Estado e, consequentemente, no país como um todo. Parte dos recursos do projeto investiu na aquisição, a preço de custo, de seiscentos exemplares do livro “Mendonça do Amarelão: os caminhos e descaminhos da identidade indígena no Rio Grande do Norte” (GUERRA, 2011), junto a DVDs com gravações de textos acadêmicos e vídeos. Esse material didático-pedagógico foi entregue para a delegação indígena, professores e gestores participantes dos seminários municipais. Um último evento registrado nesse trabalho, que marcou os avanços políticos conquistados pelos indígenas do Estado foi a realização do I Seminário sobre Educação Escolar Indígena no Rio Grande do Norte, que aconteceu no período de 21 a 23 de julho do ano de 2014, na Escola Municipal Indígena “João Lino da Silva”. Conforme informado anteriormente, essa escola se encontra com um processo de autorização e funcionamento tramitando na SOINSPE/SEEC 82 , como a primeira escola indígena do Estado e está localizada na Aldeia Catu dos Eleotério – Canguaretama. Esse espaço de discussão foi planejado e organizado pela liderança indígena de Catu, sob a coordenação do cacique Luiz Soares em parceria com as demais comunidades indígenas do Estado. Teve apoio do IFRN – Campus de Canguaretama; CTL/RN/FUNAI; Prefeitura 81 Jussara Galhardo apresentou o tema: “Lei 11.645: como pensar uma educação que respeite a diversidade etnocultural no Brasil?” e Gorete Nunes dialogou sobre a “Inserção da temática ‘história e cultura dos povos indígenas’ nos currículos da Educação Básica”. 82 No ano de 2012, a subcoordenadora desse setor de Inspeção Escolar, a professora Maria Auxiliadora da Cunha Albano, me convidou a participar de uma reunião com o então secretário de educação de Canguaretama, para decidir a situação da escola João Lino da Silva. Ficando acordado que esta permaneceria municipalizada e, na ocasião, foi dada a entrada no processo de nº 476557/2012-6-SEEC para autorização de funcionamento dessa instituição como escola indígena. O referido processo encontra-se na escola, onde as equipes da SEEC e SEMEC estão visitando periodicamente, para resolverem as diligências. 57 Municipal de Canguaretama e da SEEC; Coordenação de EEI do Estado da Bahia; da Coordenação Geral de EEI/MEC; da Prefeitura Municipal de Baía da Traição/PB e da Prefeitura Municipal de Goianinha/RN. Foram realizadas mesas temáticas que propiciaram esclarecimentos acerca da “importância da implantação de escolas indígenas no Estado e da necessidade de uma educação diferenciada para crianças e jovens indígenas”. O início do evento se deu com uma concentração por meio de prece e, na sequência, a dança do toré. E logo após o ritual de abertura pelos indígenas presentes foi formada a primeira mesa de discussão. Nesse momento, Sueli Potiguara falou sobre o tema “Gestão Escolar Indígena: com base em relato de experiência pelos gestores das escolas indígenas”, relatando sua experiência como gestora da Escola Pedro Poty, localizada na aldeia São Francisco em Baía da Traição/PB. Na segunda mesa, formada por Sônia Barbalho – representante da Secretária Municipal de Educação de Baía da Traição, Joelma Potiguara e a Coordenadora da EEI do Governo da Bahia, Rosilene Tuxá falaram sobre o tema “Políticas de EEI” de acordo com suas experiências nos estados da Paraíba e Bahia. No terceiro dia do encontro houve ainda duas mesas temáticas. A primeira com a participação de Jailton Figueiredo – Professor Potiguara e aluno do PROLIND/UFCG83, Flávio Ferreira – coordenador de extensão do IFRN-Campus Canguaretama, Glebson Vieira – Professor do DAN/UFRN e Ivoneide Campos – Professora da comunidade do Amarelão. O tema em debate foi “Formação de Professores Indígenas”. E, na última mesa, Tayse Campos – Coordenadora da APOINME/RN e representante indígena na CNEEI/MEC 84 , ao lado de Jailton Figueredo – Professor Potiguara falaram sobre o tema: “Controle Social – Participação indígena nos conselhos de acompanhamento da política de educação escolar indígena”. Tendo sido encerrado os trabalhos com a apresentação do resumo das discussões. Portanto, o estímulo à participação dos indígenas do estado nesses momentos de discussões tem possibilitado avanços significativos no campo indigenista, o que tem sido evidenciado através do fortalecimento do movimento indígena estadual, contribuindo para uma melhor visibilidade desses grupos que lutam pelo seu reconhecimento junto às instâncias públicas com a colaboração de parceiros. 83 Programa de Formação Superior e Licenciatura para Indígenas/Universidade Federal de Campina Grande. 84 Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena/Ministério da Educação e Cultura. 58 1.4. O MOVIMENTO INDÍGENA LOCAL RECEBE APOIO DE OUTRAS INSTITUIÇÕES Como já foi mencionado anteriormente, até poucos anos atrás o Rio Grande do Norte era um dos estados brasileiros entre os quais não havia registro oficial da presença de populações indígenas em seu território. No entanto, na última década, as narrativas orais de cinco grupos etnicamente diferenciados, que se autodeclaram como indígenas, se posicionam contrariamente aos discursos autorizados, numa busca em favor do seu reconhecimento pelo poder público e, consequentemente, da promoção dos seus direitos. Esses atores sociais têm alcançado, em um campo indigenista marcado por múltiplas articulações entre índios e não-índios, o respeito e a colaboração das instâncias governamentais e não-governamentais, tanto dentro do estado (UFRN, IFRN, SEEC, COEPPIR, CODEM/SEJUC, MPE, SEMEC, CTL/FUNAI/RN), como na região Nordeste (APOINME, FUNAI-João Pessoa/PB e FUNAI – Fortaleza/CE) e nacionalmente (MEC, FUNAI, MPF, FCP 85 ). Diante das discussões com esses atores, as lideranças indígenas locais têm participado de vários momentos políticos e mostram visivelmente a questão étnica como ponto de partida para suas reivindicações em respeito à conquista de suas terras. Como exemplo das propostas deliberadas em plenária na I AIRN realizada em 22 de dezembro de 2009 aconteceu o primeiro Encontro de Sensibilização sobre a questão da Educação Indígena, no gabinete do Ex-Secretário de Educação – Professor Ruy Pereira (já falecido), com o objetivo de discutir e definir encaminhamentos práticos acerca da educação escolar indígena, bem como da implantação da Lei nº 11.645/2008. Nesse momento estavam presentes além dos técnicos pedagógicos 86 do NECAD/SEEC, duas representantes indígenas da comunidade dos Mendonça do Amarelão, as professoras: Maria Ivoneide Campos da Silva - Coordenadora Administrativa da ACA e Francisca Batista de Melo Silva – vulgo Chiquinha, bem como do Grupo Paraupaba sendo representado por Jussara Galhardo e da FUNAI/PB – Célia Maria da Silva. Desse encontro foram feitos alguns encaminhamentos dentre os quais a realização de uma reunião com a UNDIME, no sentido desta articular um momento com os Secretários de Educação dos Municípios onde as comunidades indígenas estão localizadas com vistas a 85 Fundação Cultural Palmares, criada em 1988, é uma instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura que tem a finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira. 86 Francisca Ednaide Rêgo Pinto, Gorete Nunes, Magda Benfica, Nerione Garcia, Elenita Freitas e Zacarias Anselmo. 59 reelaboração dos projetos políticos pedagógicos das escolas, visando a inclusão da temática indígena em seus currículos. Outro ponto encaminhado foi a proposta de formação de uma equipe para realizar discussões com os professores das comunidades indígenas para esclarecimentos sobre a legislação e sua implementação. Também ficou acordado que representantes dos órgãos competentes realizariam visitas às comunidades indígenas para tomarem conhecimento de suas demandas e buscarem soluções (ficando determinado um calendário de visitação). No entanto, com o falecimento do Prof. Ruy Pereira, nenhuma dessas ações foi viabilizada e todo o planejamento foi esquecido, até o momento. Enquanto isso, o Grupo Paraupaba e o Museu Câmara Cascudo/UFRN, junto às instituições parceiras e representantes indígenas do Estado, continuam realizando encontros, coordenando programas e projetos de extensão universitária e credenciando bolsistas (alunos da UFRN) para realização de pesquisas e trabalhos de campo, entre outras atividades. Entre os projetos, de extensão universitária, desenvolvidos por meio dessa instituição, podem ser citados dois: o primeiro, “Paraupaba – a questão indígena no Rio Grande do Norte” (2008/09/10), que teve como objetivo estimular e promover ações para o desenvolvimento de uma reflexão sobre a questão indígena no Estado, agregando esforços conjuntos com outras instituições e com membros da sociedade civil numa perspectiva de respeito à diversidade étnico-cultural no Rio Grande do Norte. Esse projeto possibilitou a realização de uma pesquisa que promoveu estudos entre os quatro primeiros grupos indígenas no Estado, preocupando-se em conhecer a realidade sociocultural desses grupos familiares que se autoafirmam indígenas e que se articulam no sentido de sua visibilidade e conquista de direitos diferenciados. Para tanto, foram cumpridas inúmeras visitas às comunidades indígenas no Estado, assim como realizados trabalhos de campo com bolsistas credenciados e voluntários. O segundo projeto foi denominado “Mocepi – valorizando a história e a cultura indígenas em sala de aula, de acordo com a Lei 11.645/08” (2010-2011). Teve sua execução apenas em parte por motivos dos recursos terem sido muito escassos para o desenvolvimento das ações a que se propunha. Ainda assim, foram realizados debates com alunos e professores nas comunidades de Sagi-Baía Formosa/RN e de Catu-Goianinha/RN cujos tópicos se voltaram para a “valorização” da história e cultura indígenas. Outros projetos de extensão universitária vêm sendo desenvolvidos na atualidade (2013-14). Além do já citado anteriormente, “Jeporuvõ Arandú”, há também o projeto “O MCC/UFRN mostra: índios, os primeiros brasileiros do MN-UFRJ” em apoio aos trabalhos 60 da exposição itinerante do Museu Nacional-UFRJ, que por três meses esteve aberta ao público no MCC/UFRN. Com a implantação de uma Coordenação Técnica Local – CTL no Rio Grande do Norte, a FUNAI promoveu em outubro de 2013 o I Seminário sobre Direitos Indígenas, no Auditório do IBAMA/RN em Natal, com o apoio da UFRN e da APOINME. Segundo o folder do evento esse momento: “representa a consolidação de esforço para promover reflexão e discussão sobre os direitos dos Povos Indígenas” contribuindo assim: “[...] para pôr a temática indígena em evidência no Estado do Rio Grande do Norte [...] e propiciar espaço de articulação e produção de conhecimento que estejam a serviço dessas comunidades indígenas”. Esse acontecimento contou com a participação de representantes indígenas do Estado, bem como por um número significativo de autoridades especializadas em cada assunto apresentado nas dez mesas temáticas, que se sucederam durante os dois dias do evento. Segue abaixo um quadro dos temas das palestras com o nome dos seus respectivos palestrantes 87 : MESAS TEMÁTICAS DO SEMINÁRIO DIREITOS INDÍGENAS DIA MESA TEMA PALESTRANTE 08 I Etnogênese e os povos indígenas no Nordeste Maria Rosário Gonçalves de Carvalho- UFBA II Os Direitos Indígenas e a Convenção n.º 169 da OIT Dr.ª Juliana Melo – UFRN/DAN III Competência e atuação da procuradoria especializada /FUNAI com ênfase nas portarias 839/10 e 755/11 Dr. Flávio Chiarelli Vicente Azevedo – PFE/FUNAI/DF e Dr.ª Maria Vital da Rocha – AGU/CE IV Competência do MPF para atuação na promoção e proteção dos Direitos Indígenas, sob a luz da CF de 1988 e Perícia Antropológica do MPF Dr. Luciano Mariz Maia – Procurador Geral da República e Dr. Sérgio Brissac – Analista Pericial do MPF/CE V Competência e atuação da Defensoria Pública da União e Estadual na defesa dos direitos coletivos e individuais dos povos indígenas Vinícius Freire Vinhas – DPU/RN e Francisco de Paula Leite Sobrinho – DPE/RN 09 VI Competências da FUNAI: abordagem geral (conceitos e diretrizes) e papel da Ouvidoria da FUNAI Paulo Celso de Oliveira – Ouvidor da FUNAI/DF VII Considerações sobre a Lei de Acesso à Informação e Serviço de Informações ao Cidadão – SIC/FUNAI Patrícia Sommer – Ouvidoria da FUNAI/DF VIII Políticas de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável Carolina Comandulli – Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável – FUNAI/DF IX Considerações acerca do procedimento de demarcação de terras indígenas Aluízio Ladeira Azanha – Diretoria de Proteção Territorial – FUNAI/DF 87 Conforme folder do evento. 61 X Papel da Coordenação da Regional e Coordenação Técnica Local na promoção e proteção dos direitos dos indígenas no Rio Grande do Norte Martinho Andrade – CTL FINAI Natal/RN Tabela 4: Mesas Temáticas do Seminário Direitos Indígenas. Natal, 2013. O evento supracitado objetivou, sobretudo, o entendimento sobre os direitos indígenas garantidos pela Constituição Federal promulgada em outubro de 1988. Sabe-se que apesar de ter completado 26 anos de promulgação, os povos indígenas seguem lutando pela sua consolidação. Os resultados e encaminhamentos do seminário ainda não foram disponibilizados pela CTL/FUNAI/RN por meio de ata. No entanto, houve alguns desdobramentos que chegaram até a comunidade de Sagi no que se refere à questão judicial que envolve a terra da Aldeia Sagi Trabanda. No período de 1 a 7 de agosto de 2014, a UFRN sediou a 29ª Reunião Brasileira de Antropologia e na oportunidade, representantes de três comunidades indígenas – Os Mendonça do Amarelão, Os Eleotério de Catu e os Potiguara de Sagi – foram convidados a participarem do evento. O cacique Manoelzinho, entre outros, participou de uma roda de discussão, em uma “conversa na calçada” (org. Prof.ª Julie Cavignac), sob o tema “A cultura na economia da “cultura” – atividades sustentáveis: turismo e conflitos”. No último dia do simpósio especial, dia 06 de agosto foi debatido o tema: “Violações aos direitos indígenas: ditadura militar e regime tutelar”. Ocasião em que o professor Glebson Vieira entregou ao coordenador do evento o antropólogo e pesquisador João Pacheco de Oliveira Filho uma moção onde foi solicitado ao Ministério da Justiça Federal, à Secretaria Geral da Presidência da República, à Procuradoria Geral da República e à Presidência da FUNAI: A imediata constituição de um grupo técnico de identificação e delimitação territorial para garantir a regularização fundiária da Terra Indígena Potiguara de Sagi e pede providências urgentes para solucionar a ação de reintegração de posse que desalojará oito famílias e privará pelo menos oitenta e duas famílias de dispor de terras para a produção de sua subsistência (Trecho do texto original, datado em 06.08.2014). Esse documento foi elaborado pelo professor Glebson Viera (DAN/UFRN), conjuntamente com Gorete Nunes (GP), Jussara Galhardo (GP/MCC/UFRN) e com a participação dos atores interessados: o cacique Manoelzinho e Zélio Nascimento, ambos de Sagi Trabanda, que estavam participando do evento. 62 De acordo com o Informativo n° 13/2014 de 17.09.2014 do Conselho Deliberativo do CNPq, as 17 Moções aprovadas na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia foram encaminhadas, aos respectivos órgãos, via correios. Entre as quais, a de Sagi foi a primeira citada (cf. ANEXO A), conforme publicação no site da ABA 88 : Tabela 5: Quadro da Moção de Sagi aprovadas na 29ª RBA, 2014. Nesse evento, no grupo de trabalho 62 89 , “Museus indígenas e etnomuseologia: experiências de construção e reconstrução de saberes e subjetividades” apresentamos90 a comunicação “Museu Câmara Cascudo/UFRN: novos paradigmas, novos caminhos junto às comunidades indígenas do Rio Grande do Norte” o qual teve como proposta: Despertar para uma nova parceria da antropologia com a museologia gerando novas possibilidades gerenciais, novos caminhos epistemológicos e metodológicos e uma maior aproximação com a sociedade, sobretudo com os grupos sociais, detentores de memória e de saberes próprios que precisam ser recuperados e valorizados como patrimônio da cultura viva e pulsante (cf. objetivo do projeto apresentado ao GT 62). O Museu Câmara Cascudo (MCC) 91 atualmente está redefinindo suas metas e um novo plano conceitual para compor as exposições de longa duração, mas é válido salientar que há tempos, por meio dos trabalhos desenvolvidos pelo GP, essa instituição abriu seus portões para interagir com os indígenas no Estado, buscando conhecer suas realidades a partir de suas próprias narrativas, memória social e identidade étnica. Para tanto, já foram criadas diversas oportunidades de debates, reuniões, palestras, projetos conjuntos e trabalhos de campo com a parceria e protagonismo desses atores sociais. Recentemente, no período de 24 de julho a 26 de setembro do ano 2014, o MCC sediou a Exposição “ÍNDIOS: os primeiros brasileiros” do Museu Nacional-UFRJ, sob a 88 Disponível no site: http://www.portal.abant.org.br/index.php/imprensa/outros. Acesso em 19.11.2014, às 12h. 89 Coordenado por: Mariana de Campos Francozo (Univ. de Leiden); Christiano Key Tambascia (Univ. Estadual de Campinas – IFCH). 90 Elaborado pela autora: Jussara Galhardo Aguirres Guerra e coautora: Maria Gorete Nunes Pereira. 91 O atual Museu Câmara Cascudo, órgão subordinado diretamente a Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) foi fundado no início dos anos de 1960. Criado inicialmente como Instituto de Antropologia – através da Lei Estadual nº 2.694, de 22 de novembro de 1960, foi a primeira instituição de pesquisa da Universidade do Rio Grande do Norte (federalizada em 18/12/1960, conforme lei 3.849). Nº TÍTULO REMETENTE/S DESTINATÁRIO/S ENCAMINHAMENTOS 1 Imediata identificação e delimitação territorial para regularização fundiária da Terra Indígena Potiguara do Sagi CAI MJ, SG, PR, PGR e FUNAI Enviada por e-mail (Ofício nº 032/2014/ABA/PRES), dia 04/09/14 63 curadoria do Prof. João Pacheco de Oliveira. Para possibilitar um diálogo da realidade contemporânea dos indígenas do Estado (foto 11), foi organizada a exposição: “Indígenas no RN: identidade étnica e contemporaneidade” sob a curadoria da antropóloga Jussara Galhardo A. Guerra. Mais de cinco mil pessoas visitaram as referidas exposições em três meses, entre escolas, universidades e demais interessados. Fotografia 11: Painel fotográfico da liderança indígena do estado do RN, da direita para a esquerda: Tayse Campos – Mendonça do Amarelão, Cacique Luiz Catu e Cacique Manoelzinho – Sagi. Local: MCC/UFRN. Fonte: Arquivo GP, 2014. Durante os dias 24 e 25 de julho de 2014, aconteceu no MCC mais uma ação de extensão voltada para a exposição do Museu Nacional, a oficina “Índios: os primeiros brasileiros”, ministrada pelo Prof. Dr. Edmundo Pereira (MN/UFRJ), promovida pelo Museu Nacional com apoio do Museu Câmara Cascudo /UFRN. Foi uma discussão que possibilitou esclarecimentos a respeito da exposição, que estava aberta ao público, bem como facilitou o entendimento da leitura proposta na disposição dos acervos exibidos. Em outros espaços institucionais, mais especificamente, no IFRN, aconteceu nos dias 11 e 12 de agosto de 2014 no auditório do Campus Central o I Seminário sobre Diversidade Etnicorracial: estudos afro-brasileiros e indígenas, visando discutir questões sobre diversidade étnico racial do Rio Grande do Norte em diálogo com ações afirmativas institucionais. Nessa ocasião, estiveram presentes lideranças indígenas do Estado, entre as quais o cacique Manoelzinho e Zélio do Nascimento da Aldeia Sagi Trabanda, além de 64 representantes institucionais 92 convidados para a mesa temática “Questão indígena no RN em perspectiva”. De acordo com as informações contidas no folder do evento, o seminário objetivou: Fortalecer a implantação dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas – NEABI no IFRN; subsidiar a implementação e o desenvolvimento de políticas e ações de ensino, pesquisa e extensão sobre as várias dimensões das relações étnico- raciais nos campi do IFRN e propiciar a formação continuada sobre os estudos Afro- Brasileiros e Indígenas (cf. folder do evento). As ações realizadas por essas instituições evidenciam não apenas o reconhecimento da presença dos grupos indígenas no estado, ao possibilitar a participação desses atores sociais nas discussões que envolvem a diversidade etnicorracial, bem como mostram que os espaços de formação acadêmica estão preocupados com a implementação das políticas públicas afirmativas na educação superior. 1.5. OS POTIGUARA DE SAGI SE INSEREM NO CAMPO INDIGENISTA A partir do ano 2005, três grupos indígenas 93 iniciaram sua luta no Rio Grande do Norte, com vistas ao reconhecimento de suas identidades étnicas perante o poder público e a sociedade civil. Quanto aos Potiguara de Sagi, só se aliaram junto a seus parentes, por ocasião da I AIRN, no ano de 2009. Nesse período estavam dramaticamente enfrentando grandes dificuldades, quanto à questão de suas terras, e haviam perdido recentemente o processo judicial, que tramitava na Comarca de Canguaretama/RN. O advogado da causa, Luciano Falcão, 94 sabendo da origem étnica das famílias de Sagi envolvidas no processo, se apresentou na plenária da II Audiência Pública (2008) e expôs sobre as dificuldades que esses indígenas estavam enfrentando contra a especulação imobiliária. E, no mesmo ano, procurou o Grupo Paraupaba, desta vez, com Manoel Leôncio do Nascimento, o qual falou sobre sua relação de parentesco com os Potiguara da Paraíba e que desejava participar das reuniões do GP assim como do movimento indígena do Estado. Terminada a reunião, Jussara Galhardo foi convidada a conhecer os indígenas de Sagi. 92 Jussara Galhardo-GP/MCC/UFRN; Prof. Glebson Vieira-DAN/UFRN e Martinho Andrade-CTL-FUNAI/RN. 93 Os Mendonça do Amarelão – João Câmara; Os Eleotério de Catu – Canguaretama e Os Caboclo de Açu. 94 Advogado OAB/RN 6115. 65 Assim sendo, em 17 de agosto de 2008, em companhia do advogado Luciano Ribeiro Falcão, a antropóloga realizou a primeira visita ao povoado de Sagi, lá permanecendo por dois dias. Oportunamente participou de reuniões e conversas informais, bem como realizou algumas entrevistas, nas quais ela percebeu que: Por meio de seus repertórios foram reveladas conexões muito presentes com os indígenas Potiguara da Paraíba. Ao que tudo indica, parte dos que vivem em Sagi pertence ao povo Potiguara que migrou dos aldeamentos da Baía da Traição e se estabeleceu na região no início do século passado. Assim sendo, percebe-se que existe uma memória social indígena, mas que está latente, não tendo ainda despertado de forma coletivamente organizada para a autoafirmação étnica e, consequentemente, para a garantia de direitos diferenciados agregados a essa realidade (cf. relatório de viagem – arquivo do GP/2008). No período de 27 a 29 de junho de 2009, Jussara Galhardo e um grupo de oito pessoas retornam à comunidade e se instalam por três dias na casa de uma parceira do GP (foto 12). Na ocasião desenvolveram atividades específicas: duas alunas de Ciências Sociais e bolsistas do GP, Louíse Branco – que mais tarde escreveu uma monografia sobre os índios de Sagi 95 - e Nátaly Santiago Guilmo, realizaram entrevistas, orientadas por Jussara Galhardo 96 , com os moradores mais antigos da localidade, que afirmaram sua origem indígena e, assim, foram registradas a genealogia de algumas famílias. Fotografia 12: Representantes dos Grupos: Paraupaba e “Motyrum-Caaçu”. Na janela: Louíse e Rosânia. Sentados: na frente Jussara Galhardo, no meio – Luiz e Ivoneide Campos. Foto: Arquivo do GP/MCC/UFRN, 2008. 95 BRANCO, Louíse Caroline Gomes. SER ÍNDIO NA PRAIA: Emergência étnica e territorialidade no Sagi. 2012, UFRN. 96 O roteiro, elaborado e orientado por Jussara Galhardo, continha perguntas relevantes para o entendimento daquele grupo social, buscava o entendimento a partir da: genealogia do entrevistado; sua origem – de onde ele e sua família vieram e há quanto tempo; a causa da migração (caso tenha ocorrido); as perspectivas em relação ao auto reconhecimento étnico; a atividade realizada para o sustento da família; a importância do cemitério para a família do entrevistado, opinião sobre a criação da Associação dos Potiguaras no Sagi; identidade e memória. 66 A partir do ano de 2009, Manoel Leôncio do Nascimento, o Manoelzinho, juntamente com outras lideranças indígenas do Rio Grande do Norte, inicia uma peregrinação 97 em busca do reconhecimento étnico dos indígenas de Sagi, apoiados por representantes do movimento indígena da Paraíba, por meio da participação em eventos realizados em outros estados. Um deles, o primeiro destes, foi a VIII Assembleia da APOINME, que aconteceu em Jaboatão dos Guararapes/PE, no período de 21 a 23 de novembro de 2009. Nessa ocasião, tanto os representantes indígenas do Rio Grande do Norte quanto os do Piauí foram ouvidos pelos representantes dos povos indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (cf. foto 13). No encerramento do encontro foi elaborado um documento final, no qual se evidencia o reconhecimento e o apoio da APOINME aos indígenas no RN e no Piauí. Fotografia 13: VIII Assembleia da APOINME. Local: Jaboatão dos Guararapes/PE, 2009. Foto: Luciano Falcão. Em dezembro do ano 2009, com a publicação do Decreto nº. 7.056/2009 que adota medidas para a “reestruturação da FUNAI”, muitos grupos indígenas resolveram protestar 97 Segundo afirma Oliveira (2004, p. 34): “Desde V. Turner (1974), os antropólogos sabem que as peregrinações podem ser importantes meios para a construção de uma unidade sociocultural entre pessoas com interesses e padrões comportamentais variados. Não são poucos nem inexpressivos os autores que consideram as viagens como fator importante na própria constituição das sociedades (Fabian 1983; Anderson 1983; Pratt 1992 e, mais recentemente, Clifford 1997)”. 67 contra essa medida governamental e se organizaram em marchas em todo Brasil. Vão e se instalam na sede da FUNAI em Brasília, determinados a “ficarem acampados por tempo indeterminado até que tivessem uma conversa com o Presidente da República e o Presidente da FUNAI 98”. Em janeiro do ano de 2010, parte uma delegação do Rio Grande do Norte para Brasília com o apoio institucional da FUNAI de João Pessoa/PB e do Grupo Paraupaba. Essa comitiva foi composta por representantes indígenas de Sagi – Manoel Leôncio – Manoelzinho, Temístocles Inácio, Carlos Leôncio; de Catu – Luiz, Jaqueline, Natan e Manoel. Em solidariedade aos representantes do Estado, também participaram dessa marcha Jussara Galhardo e Luciano Falcão, que advogava a questão das terras de Sagi Trabanda. Ao falar sobre o desfecho dessa manifestação Jussara Galhardo conclui: Após mais de sete dias que estavam acampados, uma pequena comissão foi designada (Caboquinho, Capitão e Luciano) para conversar com o presidente da FUNAI – Márcio Meira, que falou em ir à Baía da Traição para conversar com os Potiguara e Tabajara da PB e RN. Por fim, os acampamentos foram muito cansativos e talvez não tenha sido uma decisão muito acertada a de unir mais de 700 indígenas em condições muito precárias, considerando que tiveram que retornar para suas aldeias espalhando o vírus da gripe e outras doenças adquiridas durante a estada em Brasília (cf. Relatório de viagem – arquivo GP, 2010, p. 87). Em fevereiro de 2010, logo após participarem da I AIRN, representantes do Estado 99 dirigem-se a Pernambuco, com vistas a legitimar sua identidade junto a Regional da APOINME, fundada em abril de 1995, sediada em Olinda/PE. Seu coordenador, Manoel Uilton dos Santos, vulgo Uilton Tuxá, afirma em documento entregue as lideranças, que essa organização apoia a luta dos indígenas emergentes no Estado do RN, conferindo a cada representante das comunidades uma Declaração de Reconhecimento pela APOINME (ANEXO B). No que diz respeito aos indígenas de Sagi, o referido coordenador confere aos mesmos em declaração oficial 100 “como sendo da etnia indígena Potiguara e que a citada comunidade faz parte da área de abrangência dessa regional” e solicita ao poder público, que 98 Conforme relatório de viagem (2010, p.86) da Coordenadora do Grupo Paraupaba/MCC/UFRN – Jussara Galhardo. 99 Os representantes de Sagi foram: Manoel Leôncio do Nascimento, Temístocles Inácio da Silva e Osmar Jerônimo. Foram ainda representantes do Amarelão – João Câmara; do Catu – Canguaretama/Goianinha e dos Caboclos de Açu. 100 Conforme a Declaração de Reconhecimento datada em fevereiro de 2010. 68 respeite a “legislação indigenista brasileira e os tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário 101”. A partir da participação de representantes indígenas de Sagi na I AIRN/2009, bem como após a consolidação de sua autoafirmação pela Regional da APOINME/PE, lideranças desse grupo, se sentiram mais motivados a buscarem seus direitos em outras instâncias. Portanto, relatarei alguns momentos que subsidiaram o fortalecimento do movimento indígena no Estado do Rio Grande do Norte, enfatizando principalmente a participação ativa da liderança indígena de Sagi nos eventos, encontros, reuniões, mobilizações e protestos, tendo em vista que o objetivo desse registro é apresentar a inserção do grupo pesquisado nas discussões políticas nas esferas local e nacional dentro do campo indigenista que vem se formando na última década. Assim sendo, no período de 08 e 09 de fevereiro de 2011, aconteceu, em Baía da Traição/PB um encontro entre os Potiguara da Paraíba e os indígenas do Rio Grande do Norte objetivando formação do Território Etnoeducacional (TEE-PB/RN) unificado. O antropólogo Thiago Almeida Garcia, Coordenador Geral de Educação/FUNAI, esclareceu aos participantes sobre o objetivo do encontro, citando um dos parágrafos do texto informativo entregue aos presentes: Essa política propõe construir um novo modelo de planejamento e gestão da educação escolar indígena tendo como principal referência à forma como os povos indígenas se organizam, as suas especificidades sociolinguísticas, políticas, históricas, geográficas e suas relações intersocietárias (cf. Trecho do texto informativo sobre os TEEs, p. 1). Thiago Almeida ainda destacou o Decreto nº 6.861, publicado pela Presidência da República em 27 de maio de 2009, que trata sobre a educação escolar indígena, definindo sua organização em TEEs, chamando a atenção para outra citação do referido texto: Um dos pontos importantes desse decreto é que a definição dos territórios etnoeducacionais será feita a partir de consulta aos povos indígenas, aos entes federados, à Fundação Nacional do Índio, à Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena, à Comissão Nacional de Política Indigenista e aos Conselhos Estaduais de Educação Escolar Indígena. Dessa forma buscamos garantir que cada território seja implementado com a efetiva participação dos povos indígenas e das instituições que trabalham na educação escolar indígena (cf. Trecho do texto informativo sobre os TEEs, p. 2). 101 Idem. 69 Mas, apesar das lideranças indígenas do RN terem levado o diagnóstico educacional das suas comunidades durante esse evento, levantamento esse realizado na I AIRN/2009, não foi possível consolidar um pacto entre os dois estados de forma unificada, pois houve divergências políticas entre os Potiguara da Paraíba 102 . Foi alegado que seus interesses divergiam das necessidades do RN, cujo movimento estava apenas no início, em contrapartida ao estado vizinho que já estava bem amadurecido nas discussões sobre a EEI. Até o presente momento, o TEE/PB/RN não foi efetivado, nem há informações concretas quanto a se haverá ou não um pacto unificado ou separado sobre o assunto. 103 Outro momento de fortalecimento político para os indígenas do Estado aconteceu em março de 2011, na II Assembleia de Mulheres Indígenas, realizada pela Regional da APOINME em Rodelas/BA. Nesse espaço de discussão, foram eleitas as coordenadoras de mulheres indígenas das microrregionais. A coordenadora da microrregional do RN, Tayse Campos, indicou como representante das mulheres indígenas do Estado do RN, Valda Arcanjo, a qual aceitou prontamente a responsabilidade, dando início às discussões sobre a realização de uma assembleia de mulheres no Rio Grande do Norte, cujos encaminhamentos foram discutidos pelas mulheres indígenas na II AIRN no ano de 2011. No período de 12 a 15 de dezembro do ano de 2011, tanto Valda Arcanjo como Tayse Campos participaram da 3ª Conferência Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres que aconteceu em Brasília/DF. Na solenidade de abertura estavam presentes: a Presidenta Dilma Rousseff e a Ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para as Mulheres entre outras representantes das demais secretarias federais, além de representantes dos movimentos sociais de cada estado brasileiro (cf. Ata da APOINME/RN, 2011). Na oportunidade foram criados os GTs que discutiram sobre os temas “As mulheres no momento atual do desenvolvimento econômico e social do país”, “Autonomia Econômica e Social: igualdade no mundo do trabalho e desafios do desenvolvimento sustentável”, e “Desafios de um projeto com igualdade entre mulheres e homens, enfatizando o potencial agro industrial e energético”. Durante as discussões nos grupos de trabalho houve a incorporação das dimensões de raça, etnia, orientação sexual e geracional. Em visita às comunidades indígenas do RN, por ocasião da preparação para a II AIRN, Valda Arcanjo apresenta às mulheres indígenas do Estado o relatório dos GTs da 3ª Conferência, com vistas a fortalecer a luta dessa categoria no movimento indígena local (cf. 102 Enquanto um grupo apoiava os indígenas do RN, outro apresentava opiniões contrárias, alegando que a demanda da Paraíba estava mais avançada, uma vez que no RN, essa discussão estava apenas começando. 103 Desde 2009 até o início de 2014, foram pactuados 24 TEEs em 11 estados brasileiros. Fonte: MEC. 70 Ata da APOINME/RN, 2011). Sandra Teles, casada com o cacique Manoelzinho, foi escolhida pela comunidade para representar as mulheres indígenas de Sagi. Valda Arcanjo ao falar sobre os encontros realizados com as mulheres indígenas nas comunidades do RN, durante as reuniões preparatórias para a I AMIRN, 2012, esclarece: Essa mobilização feita por nós mesmos indígenas nas comunidades do RN, no momento foi muito gratificante pra mim, por contatar com as comunidades e ouvir os relatos das necessidades de cada uma daquelas comunidades. Mesmo sendo comunidades distantes, pretendo articular com a APOINME para que possamos dar apoio no que diz respeito a uma melhor afirmação nos municípios em que está localizada cada comunidade, como também elaboração de projetos onde possa levar oficinas de capacitação em várias áreas como artesanato e outros meios que possam gerar renda para as mulheres das comunidades indígenas, pois é o que mais as mulheres reivindicam para sua renda familiar, quando no momento vivem da mínima renda do esposo (cf. e-mail recebido pela autora em maio de 2012). Continuando a descrever sobre a trajetória política da luta dos indígenas do Estado, Manoelzinho de Sagi estava entre os representantes indígenas do RN no evento “Rio + 20104” que aconteceu no período de 13 a 22 de junho de 2012, no Rio de Janeiro. Na oportunidade, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) fez um comunicado aos Povos Indígenas do Brasil por ocasião da cúpula dos povos 105 , chamando a atenção para três pontos 106 : 1º) Os direitos territoriais indígenas e a situação das terras indígenas no Brasil – destacando as ameaças aos direitos indígenas; 2º) Violência e criminalização das lideranças indígenas – enfatizando os povos indígenas em situação de isolamento e risco; e 3º) Os grandes projetos e o direito à consulta prévia, livre e informada. Esses encontros têm possibilitado uma melhor visibilidade às populações indígenas do RN e, também, tem fortalecido as mobilizações indígenas locais. Nessas ocasiões de discussões políticas, as lideranças apreendem sobre os seus direitos e ganham confianças para buscá-los. É por isso que, mais uma vez, representantes das comunidades indígenas 107 do Rio Grande do Norte, formaram uma comissão e foram à FUNAI/Brasília/DF, no dia 14 de agosto do ano de 2012, para se reunir com representantes do Ministério da Justiça, o Ministro José Eduardo Cardozo; da Advocacia Geral da União – AGU, Dr. Luiz Inácio Adams e a Presidenta da FUNAI/DF, a Dr.ª Marta Maria de Amaral Azevedo. O objetivo desse encontro era buscar, das autoridades presentes, soluções para os problemas que estão enfrentando em suas respectivas comunidades, ficando acordado que as demandas apresentadas seriam 104 Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – CNUDS onde governantes e membros da sociedade civil se reuniram para discutir sobre como transformar o planeta em um lugar melhor para se viver. 105 Evento paralelo à CNUDS (Rio+20) organizado por entidades da sociedade civil e movimentos sociais de vários países, aconteceu no Aterro do Flamengo - RJ. 106 Conforme cópia de documento (arquivo pessoal do cacique). 107 Manoelzinho também estava representando os indígenas de Sagi. 71 encaminhadas para os órgãos competentes. No entanto, até o presente, nenhum desses setores, efetivou uma resposta satisfatória. No dia 15 de fevereiro de 2013, as lideranças indígenas do RN 108 participaram de uma reunião na Ouvidoria da FUNAI/DF, na sede da FUNAI, com a ouvidora Patrícia Sommer. Mais uma vez foram tratar das demandas dos povos indígenas do RN, cobrando um posicionamento desse órgão indigenista. Em conformidade com a ata disponibilizada pela microrregional da APOINME/RN, os assuntos apresentados nessa reunião foram: a questão do processo judicial da comunidade de Sagi Trabanda; a educação indígena e sua regularização nas escolas nas comunidades e apoio aos jovens que necessitam estudar fora destas. Ainda foi pautada a questão da saúde indígena, quando solicitaram a realização de diagnósticos sobre a saúde dos indígenas nas comunidades do Estado, bem como a definição de cobertura do DSEI 109 para atender às demandas específicas desses grupos. Também foi sugerida uma melhor atuação da Regional (CR Nordeste II), quanto a responderem aos documentos ou ações encaminhadas pelo RN. Os representantes ainda falaram sobre um assunto preocupante – o Projeto RN Sustentável – ao solicitar à FUNAI/DF que se manifeste oficialmente junto ao Banco Mundial, quanto às ações desse órgão internacional executadas pelo Governo do Estado no que afeta as questões indígenas nesse empreendimento. Após a exposição dos problemas, Patrícia Sommer, disse que era possível que a AGU defenda a comunidade de Sagi nesse processo judicial, e pede que seja encaminhada uma cópia dos autos do processo para que ela possa ter um entendimento com a Procuradoria. Reafirma ainda que, todas essas denúncias serão tratadas com a Procuradoria da AGU. Após concluída a pauta, as denúncias foram repassadas para formulários específicos e assinados por Tayse Campos e Luiz Soares. Nesse mesmo dia, 15 de fevereiro de 2013, às 14 horas, aconteceu na 6ª Câmara da Procuradoria Geral da República/Ministério Público Federal – PGR/MPF, em Brasília/DF, uma reunião com a Procuradora Dra. Maria Eliane Menezes de Farias e o antropólogo e analista pericial Jorge Bruno Sales Souza, ambos da PGR/MPF, para tratarem das demandas 108 Tayse Michelle Campos da Silva – Amarelão/João Câmara, Coordenadora da Microrregional da APOINME/RN e representante suplente do Comitê Regional da FUNAI – Nordeste II; José Luiz Sores – Catu/Canguaretama, representante titular do Comitê Regional da FUNAI – Nordeste II; Valda Maria Arcanjo da Silva – Catu/Canguaretama, Coordenadora de Mulheres da Microrregional da APOINME/RN; Antônio Adriano Lopes – Caboclo/Açu; Zuleide Maria Bezerra – Tapará/Macaíba; e Manoel Leôncio do Nascimento – Sagi/Baía Formosa. 109 Distrito Sanitário Especial Indígena. 72 dos povos indígenas do RN, juntamente com as mesmas lideranças referenciadas anteriormente. Os assuntos tratados inicialmente nesse encontro foram sobre as ações dos povos indígenas encaminhadas ao Ministério Público Federal do RN e que não foram atendidas. Os representantes também solicitaram a presença de um analista pericial do MPF para realizar visitas às comunidades indígenas do Rio Grande do Norte para elaboração de relatórios sobre a situação encontrada nessas localidades. No tocante à educação escolar indígena, eles solicitaram que o Ministério da Educação regularizasse as escolas das comunidades indígenas do RN, bem como pediram apoio necessário para os jovens que precisam estudar fora das comunidades. Quanto à questão da saúde indígena os representantes chamaram a atenção para que a Secretaria Especial de Saúde Indígena/SESAI, para que esta realize diagnósticos sobre a saúde nas comunidades indígenas do RN e insistiram quanto à definição de cobertura do DSEI para atender aos indígenas. Como encaminhamento para as lideranças indígenas do RN ficaram os seguintes procedimentos: encaminhar à 6ª Câmara o detalhamento das demandas, se possível com fotos; enviar o documento com a resposta da AGU sobre o processo da comunidade de Sagi, assim como o vídeo da audiência judicial. Por fim, coube a 6ª Câmara reconduzir o processo judicial de Sagi da alçada estadual para ser julgado na instância federal, o que significou um grande avanço relativo à questão territorial dos Potiguara de Sagi. Quanto à demanda de educação escolar indígena, ficou acordado que seria encaminhada ao Grupo de Educação Indígena da 6ª Câmara, e também, seria acionando o MEC. Já no tocante à saúde indígena essa questão seria encaminhada ao Grupo de Saúde Indígena da 6ª Câmara que deverá acionar a SESAI/MS. Também ficou decidido sobre a criação de um Núcleo Indígena no MPF/RN, ao mesmo tempo seria reclamado a esse órgão seu silêncio pela falta de respostas e contatos com o movimento indígena no Estado. A partir da aproximação dos Potiguara de Sagi com o GP e com outros indígenas no Estado, o grupo se fortaleceu cada vez mais sob a liderança de Manoel Leôncio do Nascimento 110 , que conforme os relatos apresentados, vem representado a comunidade desde o início da sua autoafirmação étnica. 110 Conforme relatarei mais adiante, Manoelzinho, como é reconhecido pela comunidade, se tornou o cacique do grupo pesquisado. Conta com o apoio de outros parentes, o que tem resultando no fortalecimento de sua liderança. Bisneto de uma das primeiras moradoras/fundadoras de Sagi vem se destacando como líder do seu 73 Todavia, diante de alguns 111 impasses que estavam afligindo a comunidade de Sagi, aconteceu uma reunião local no dia 26 de março de 2013, visando resolver os problemas que os inquietavam. Para tanto, a mesma contou com a presença de 45 indígenas da própria comunidade, representantes de instituições 112 parceiras, como também, a convite de Jussara Galhardo, compareceram representantes dos Potiguara da Paraíba 113 , totalizando 56 pessoas. Esse encontro teve dois objetivos: escolher e empossar o cacique da aldeia local e decidir sobre a atuação do advogado Luciano Falcão na questão da terra de Sagi Trabanda. Na ocasião, Manoelzinho pede para sair da liderança do grupo porque estava se sentindo injustiçado por alguns parentes, que estavam insatisfeitos com a sua atuação. No entanto, por decisão unânime dos indígenas presentes na reunião, ele foi aclamado como seu legítimo cacique 114 , tendo sido formalizada assim, sua posição política no grupo. Diante do que foi apresentado, é possível observar e analisar a participação ativa dos Potiguara de Sagi sob a liderança do cacique Manoelzinho nas discussões políticas e nas ações de reivindicação dos seus direitos, em diversos momentos de construção histórica, vivenciados pelos indígenas do Estado. Nesse contexto, procurei apresentar essas ocasiões, enfatizando a presença de representação do grupo pesquisado. 1.6. INSTALAÇÃO DA FUNAI NO ESTADO Respondendo a diversas reinvindicações dos povos indígenas do Estado, a FUNAI instalou-se em Natal/RN, em maio do ano 2011, por meio da CTL/RN, visando atender as demandas sociais dos indígenas. Está vinculada à Regional Nordeste II, localizada em grupo familiar, encabeçando uma luta em busca das reivindicações dos seus direitos, articulando com a FUNAI e o movimento indígena nacional. 111 Relacionados à liderança do grupo e a atuação de Luciano Falcão na causa jurídica. 112 Martinho Alves de Andrade Júnior (Coordenador da CLT/FUNAI/Natal/RN), Jussara Galhardo Aguirres Guerra (Coordenadora do GP/MMC/UFRN), Maria Gorete Nunes Pereira (SEEC/NECAD/RN e Membro do GP), Lenilton Lima – fotógrafo (República das Artes – Natal/RN), Dennys Luca Xavier (Assessor do Deputado Estadual Fernando Mineiro – Natal/RN), Louise C. Gomes Branco (Coletivo Libertário Formigueiro) e os bolsistas do CRDH/UFRN: Allyne Macedo, Poliana Brito de Paula e Magnos da Silva Marques. 113 Potiguara: José Ciríaco (capitão Potiguara), Claudecir da Silva Braz (cacique Cal – Aldeia Monte Mor), Sandro Gomes Barbosa (cacique geral dos Potiguara/PB), Alcides da Silva Alves (cacique – Aldeia São Francisco) e Francisco José dos Santos (Pajé – Aldeia São Francisco). 114 Para os Potiguara de Sagi, o termo “cacique” representa um líder que comanda o grupo, que toma a dianteira nas decisões de ordem política e social e os representam “fora” da comunidade. 74 Fortaleza/CE. Falando sobre o processo que culminou com a instalação desse órgão no Estado, Jussara Galhardo 115 , afirmou: Isso se deu após diversas ocasiões de discussões nos eventos políticos – audiências, debates, assembleias, reuniões) em que foram discutidos assuntos relativos à autoafirmação étnica, reivindicações políticas e sociais dos indígenas no Rio Grande do Norte. Isso se deu ao longo de mais de seis anos, tendo a contribuição do Grupo Paraupaba-MCC/UFRN, do movimento indígena Potiguara-PB e da anterior coordenação Regional da FUNAI de João Pessoa-PB, ao lado de outros parceiros que tiveram a iniciativa de levar esse debate – até pouco tempo silenciado e esquecido – ao conhecimento do poder público e da sociedade civil do Estado (cf. depoimento registrado em Ata do GP, 2011). O Prof. Dr. Glebson Vieira, também pesquisador da questão indígena, vinculado atualmente ao DAN/UFRN e membro do GP, também destacou a importância da CTL/RN/FUNAI em Natal, de acordo com comentário disponível na web: A instalação da Coordenação Técnica Local (CTL) da FUNAI em Natal é de fato uma grande conquista. Ela é fruto da mobilização das comunidades indígenas do RN. Do ponto de vista das contribuições da CTL/FUNAI em Natal, é possível falar, em primeiro lugar, do reconhecimento, por parte do Estado brasileiro, acerca da existência de comunidades indígenas no RN e da legitimidade de suas demandas, contrastando com o “apagamento” dessas identidades étnicas, muito presente até bem pouco tempo no cenário local. Outra contribuição, que a meu ver, será consequência, em médio prazo, da presença da FUNAI no RN, refere-se à possibilidade do “aparecimento” de outras comunidades pleiteando o reconhecimento como indígenas (cf. entrevista disponível no site: http://www.cchla.ufrn.br/interlegere/10/inter-legere.htm. Acesso: 20.12.2014). A presença da FUNAI possibilitou uma maior visibilidade para esses grupos indígenas no Estado. No entanto, a luta estava (está) apenas começando, visto que a demarcação de terras indígenas é um processo longo, complexo e desgastante, exigindo perseverança das lideranças indígenas, as quais devem manter um diálogo constante com o movimento indígena, com as organizações governamentais e não governamentais em prol de suas lutas. A coordenação da CTL/Natal tem contribuído com seus esforços na elaboração, em tempo hábil, das documentações exigidas processualmente nessas questões fundiárias. Mesmo após a instalação da FUNAI no Estado, o processo da Aldeia Sagi Trabanda, continuou tramitando na justiça estadual, sendo representado por um advogado popular. Até o dia 26 de março do ano 2013 116 quando a comunidade se reuniu e quarenta e cinco dos indígenas presentes no encontro decidiram pelo afastamento do advogado Luciano Falcão do 115 GUERRA, Jussara Galhardo Aguirres. Mestre em Antropologia-UFPE. Coordenadora, desde a fundação, do GP/MCC/UFRN. 116 Conforme registrado no capítulo 1 desse trabalho. 75 processo judicial. Consequentemente, a referida ação foi transferida para alçada federal, mais especificamente, passou a ser matéria de responsabilidade da Advocacia Geral da União (AGU). Objetivando tomar conhecimento acerca do andamento das ações processuais envolvendo os indígenas de Sagi, compareci à sede da CTL/FUNAI em Natal, após agendamento prévio, para conversar com Martinho Andrade, seu coordenador. O encontro aconteceu no dia 18 de dezembro do ano 2014, tendo sido autorizado sua gravação, bem como disponibilizados alguns documentos relevantes. A conversa foi importante porque me esclareceu algumas dúvidas no tocante aos autos processuais relacionados aos Potiguara de Sagi. Conforme o coordenador me informou, há uma ação da AGU que foi realizada logo após uma reunião 117 que aconteceu na comunidade, quando os indígenas decidiram retirar o advogado popular da questão judicial envolvendo a terra indígena movida contra eles por Waldemir Bezerra. Mas, quanto à decisão não era tão simples assim. Segundo Martinho Andrade 118: “Eles teriam que ter feito um documento destituindo o advogado e entrar com esse documento lá na justiça para informar. Ou eles ou o próprio Luciano. Isso só veio acontecer em junho ou julho, quando o próprio Luciano fez o documento de renúncia”. No entanto, a suspensão de Luciano Falcão do processo não foi oficializada no fórum imediatamente. Ele saiu do caso, de acordo com a vontade da comunidade em março, mas apenas em julho isso foi documentado através de sua renúncia 119 . Nesse período, entre março a julho, a FUNAI não ficou parada, ou seja, logo encontrou uma alternativa junto a Procuradoria Geral Federal (PGF), em defesa dos indígenas por meio de uma apelação, conforme continuou explicando Martinho Andrade: Quando a AGU entrou, ela não entrou em defesa dos índios, ela entrou em defesa da FUNAI. Como eles tinham um advogado constituído ainda, a AGU não poderia entrar em interesse deles – é regulado isso em portaria. A gente achou essa possibilidade através de uma orientação da procuradoria geral da FUNAI. Então, se tem índios a FUNAI tem interesse, por via input indireta houve um recurso de apelação (cf. entrevista gravada e copilada pela autora, na sede da CTL/FUNAI de Natal, em 18.12.2014). 117 No dia 26 de março de 2013. 118 De acordo com entrevista gravada e copilada pela autora, na sede da CTL/FUNAI de Natal, em 18.12.2014. 119 Solicitei a Luciano Falcão uma cópia ou dados referenciais dos documentos emitidos por ele enquanto advogado dos indígenas, via e-mail no dia 16.12.2014, no entanto, não obtive nenhuma resposta. 76 Logo no mês de abril do ano de 2014, houve uma decisão desfavorável do Tribunal Regional Federal 120 em relação aos réus do processo (os indígenas), repetindo a mesma sentença da justiça estadual, ou seja, instituindo o direito de posse da referida terra a Waldemir Bezerra, alegando entre outras razões: [...] conforme declarado pela própria FUNAI, o processo demarcatório ainda não foi concluído, eis que os Réus, somente em 11.07.2011, formalizaram o pedido de regularização fundiária, de modo que, até o seu final, não se pode reconhecer essas terras como sendo indígenas. O indigenato expressa-se no reconhecimento de que determinadas terras, que são efetivamente utilizadas pelos povos indígenas, a estes pertencem desde os tempos da colonização, sendo nulos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse dessas terras, por particulares. (cf. Apelação Cível 566120-RN – 0010610-70.2013.4.05.9999, p. 4). Mas, segundo Martinho: 121 “a AGU novamente entrou com um pedido para poder reverter essa decisão do TRF 122, que confirmava aquilo que a justiça estadual tinha dito”. Essa solicitação foi enviada ao Desembargador do TRF, no dia 02 de junho do ano 2014, pelo Procurador Federal Ricardo Ramos Coutinho (PRF/PE) 123 referente à Apelação Cível 124 esclarecendo alguns pontos desconsiderados pela Terceira Turma do TRF da 5ª Região, que decidiu, por unanimidade, rejeitar as apelações encaminhadas ao Poder Judiciário. Entre esses destaco: A embargante FUNAI, em sua apelação, esclarece acerca do reconhecimento da identidade étnica indígena de acordo com a Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada pelo Estado brasileiro, bem como pelo próprio pleito e autorreconhecimento da Comunidade Indígena Sagi-Trabanda, pertencente a etnia Potiguara, originária do município de Baía Formosa/RN, não apreciados pelo acórdão recorrido. [...] A existência da comunidade indígena vem a ser inquestionável, ante o seu autorreconhecimento e a reivindicação na demarcação de suas terras, enquanto o acórdão embargado não poderia negar tratar-se de terra indígena a área disputada sem a realização de prova antropológica judicial. [...] O TRF da 1ª Região tem, na aplicação dos dispositivos constitucionais e legais, decidido que direito dos índios à posse de suas terras vem a ser diferenciada em relação a estabelecida pelo Código Civil, independentemente de demarcação, que tem o caráter declaratório ou não constitutivo (cf. Documento enviado em 02.06.2014 ao TRF pela AGU/PGF, em oposição aos presentes EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, referente ao AC nº 566120-RN – 0010610-70.2013.4.05.9999, de 24.04.2014, p. 2, 3). 120 Apelação Cível 566120-RN – 0010610-70.2013.4.05.9999. Relator: Desembargador Federal Geraldo Aponiano, em 24.04.2014. 121 Conforme entrevista gravada e copilada pela autora, na sede da CTL/FUNAI de Natal, em 18.12.2014. 122 Tribunal Regional Federal. 123 Procuradoria Regional Federal da 5ª Região – Recife/PE. 124 AC nº 566120-RN – 0010610-70.2013.4.05.9999, de 24.04.2014. 77 Continuando, Martinho Andrade explicou sobre a argumentação usada por Waldemir Bezerra no tribunal, sendo assegurada por um de seus funcionários 125 , que atuou como sua testemunha no processo sobre o seu “direito de posse”: Uma coisa é você dizer que é o dono daquilo ali, outra coisa é você dizer: quem tem a posse. É uma matéria que não é muito fácil de se conversar sobre ela, porque as vezes a gente confunde. Ele [Waldemir Bezerra] tá pedido a reintegração de posse, como se ele tivesse a posse. E a única coisa que ele tem como argumento favorável é que ele mantinha uma pessoa ali paga e essa pessoa chegou lá (na audiência) e confirmou, que é o tal do vigia. Não necessariamente para manter a posse você precisa estar lá pessoalmente. Se você manter uma pessoa ali, contratada para fazer aquele trabalho e você é responsável pela aquela pessoa, você mantem a posse (cf. entrevista gravada e copilada pela autora, na sede da CTL/FUNAI de Natal, em 18.12.2014). Quando perguntei ao coordenador da CTL/RN sobre a localização do processo que saiu da justiça estadual para a federal, ele me informou 126 que “está no TRF, lá em Pernambuco, em Recife, lá é onde ficam esses desembargadores do TRF”. Assim, na atualidade, o processo encontra-se na instância regional. Continuei perguntando: E que avanços foram conquistados? Ele sofreu aquela ação de apelação, eles responderam com a confirmação daquilo que tinha acontecido aqui no Estado. Mas houve um recurso da AGU, que não sei quando foi impetrado, se foi em agosto ou setembro. Mas para caracterizar isso é uma coisa muito complicada: a decisão não se revoga, ela é analisada e pode subir pra outra instância. Chegando ao supremo federal, pode ser que tenha uma chance de que isso seja revertido, pode ser que não. Mas é um jogo, de ações, de liminar... eu tenho pouco acesso a isso. Só espero que dê certo! (cf. entrevista gravada e copilada pela autora, na sede da CTL/FUNAI de Natal, em 18.12.2014). Ainda, procurando saber do entrevistado sobre o seu entendimento quanto à contribuição do parecer técnico emitido pela 6ª Câmara (Brasília/DF), ele afirmou que 127 “gostaria mais que o ministério público se pronunciasse do que a FUNAI, porque como ele é parte do processo”. Para Martinho, o TRF desconsiderou o esforço do MP quanto à elaboração do parecer pericial solicitado a 6ª Câmara, ao explicar que 128 “obviamente, cabe ao MP reconhecer isso e agravar. Eles estão sabendo, pois houve uma reunião com a procuradoria da AGU e o MP e eles foram informados”. 125 A mãe desse funcionário se autoafirma indígena e foi cadastrada pela FUNAI no ano de 2013. 126 Conforme entrevista gravada e copilada pela autora, na sede da CTL/FUNAI de Natal, em 18.12.2014. 127 Idem. 128 Idem. 78 Esclarecendo sobre a parte da área exigida por Waldemir Bezerra na justiça, ele ainda complementou 129 : “é uma discussão que é muito importante de se entender: esses 75 ha, em nenhum momento, foram colocados como uma necessidade dos índios. Os 75 ha é uma necessidade do Waldemir Bezerra, foi ele quem moveu a ação contra os índios”. A terra tradicionalmente ocupada, apresentada pelos indígenas em suas narrativas, vai além dessa área delimitada e exigida por Waldemir Bezerra, cabendo à FUNAI, do ponto de vistas dos antigos moradores de Sagi, demarcá-lo. De todo modo, esse quinhão disputado judicialmente encontra-se incorporado no território tradicional indígena. De acordo com as cópias dos documentos emitidos pelo Cartório Judiciário de Baía Formosa acerca da área em litígio, se pode constatar que houve uma contradição nas informações apresentadas. O primeiro documento – cuja cópia encontra-se anexada no processo judicial 130 – (cf. Anexo C), também citado pelo Procurador do TFR, como um documento fidedigno, sob o qual se concedeu a reintegração de posse a Waldemir Bezerra, certifica 131 : [...] um registro de uma Propriedade de Ônus de uma área de 75 há. [...] localizada no Distrito de Sagi, município de Baía Formosa/RN a mesma de propriedade da Firma EMPISEL – Empreedimentos Pituba Serviços LTDA, [...] representando pelo Sócio Majoritário, o Sr. Thomaz Soares de Mello. [...] CERTIFICO AINDA, que consta o registro de um Contrato Particular de Compra e Venda deste Imóvel, registrado em 13.02.2007 neste Cartório, [...] celebrado em 15.06.2005, tendo como promitente comprador Waldemir Bezerra de Figueredo, tendo como objeto o imóvel com área de 75 hectares, desmembrado da área maior, denominada Fazenda Sagi (cf. cópia do documento disponível no anexo C desse trabalho). O segundo documento (cf. Anexo D), emitido em 03.09.2013, pelo mesmo Cartório, constatou 132: “a INEXISTÊNCIA da matrícula da referida área”. Assim, surge a questão: qual dos dois documentos é o “verdadeiro”, o que afirma o contrato de compra e venda de uma área pertencente anteriormente ao Sr. Tomas de Melo e “vendida” em 2007 ao Sr. Waldemir Bezerra, ou o documento mais recente que afirma a inexistência de registro cartorial dessa área? Portanto, cabe à justiça decidir ou pela história reunida pelo grupo que se autoafirma indígena, com todos os interlocutores governamentais e não-governamentais que o assessoram e que há quase um século e meio vive na região pela qual desenvolveu um sentimento de 129 Idem. 130 Processo nº 0001772-71.2007.8.20.0114 – Comarca de Canguaretama. 131 Certidão de Propriedade e Ônus, datado de 13.02.2007. 132 Conforme Ofício nº 013/2013, expedido pelo Interventor Jeremias Duarte Ribeiro, em resposta ao ofício nº 05/2013-SEEC/GS, datado de 20.08.2013 solicitando informações sobre o referido imóvel pelo subsecretário Osvaldo Gomes Neto, considerando a construção de uma escola indígena financiada pelo Banco Mundial. 79 pertença ou, simplesmente, tomar uma decisão abalizada em documentos cartoriais que se contradizem, que são dúbios quanto à legitimidade do proprietário dessa terra. O coordenador da CTL/Natal ainda fala sobre os trabalhos futuros da FUNAI em Sagi, comunicando que 133 “nosso trabalho de identificação a gente espera começar o quanto antes. Há uma possiblidade de ser feito a partir de 2015. Aí a gente vai ter o limite exato do território indígena de Sagi”. Diante de todo o resumido, com base nos dados reunidos neste capítulo, podemos afirmar que no ano de 2005 se reiniciou no Estado do Rio Grande do Norte um novo período da história indígena local, marcado pela “presença” dessas populações no solo potiguar, ainda que dentro de movimentos múltiplos, locais e estatais, de invibilização. Essa história está sendo recontada pelos próprios atores sociais, no jogo de suas muitas interlocuções e reescrita através da luta desses grupos etnicamente diferenciados que assumiram seu protagonismo em um processo de recuperação histórica, de forma a subsidiar suas terras, que foram perdidas pela violação dos direitos dos seus antecessores, mas que estão sendo recuperadas através das armas maiores que eles dispõem: o discurso e a mobilização política. 133 Idem. 80 CAPÍTULO 2 POTIGUARA DE SAGI Neste capítulo, após apresentar alguns dos atores, discursos e práticas encontradas no campo indigenista que vem se formando no Estado, dentro do qual a afirmação étnica de Sagi vem se articulando, destacarei alguns elementos históricos e de organização social do grupo pesquisado. Apresentarei a genealogia de uma das famílias mais numerosas, que segundo os interlocutores dessa pesquisa, deu origem ao povoado de Sagi, cujos descendentes, na contemporaneidade, reivindicam o direito de permanecerem nas terras pertencentes a seus antecessores indígenas. Finalizando o capítulo, relatarei sobre as atividades desenvolvidas pelo grupo, como meio de subsistência, tais como: agricultura, pescaria, turismo e artesanato. Enfatizando os aspectos favoráveis e desfavoráveis encontrados por eles, na produção de sua sustentabilidade. 1.1. CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA E POPULACIONAL A praia de Sagi encontra-se localizada ao extremo sul do litoral do Estado do Rio Grande do Norte, pertencente ao município de Baía Formosa 134 e faz fronteira com a Paraíba, através do Rio Guaju. Em seu entorno há reservas de Mata Atlântica, com vários mananciais como: lagoas, rios, fontes, nascentes e cachoeiras. Limita-se ao sul com Mataraca/PB, ao norte com a Mata Estrela 135 e Baía Formosa, a oeste com a plantação de cana de açúcar pertencente à Destilaria Baía Formosa (Vale Verde Empreendimentos) e a leste com o Oceano Atlântico, conforme pode ser observado no mapa abaixo 136 : 134 Distando 90 km de Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte e a 120 km de João Pessoa/PB. Em 31 de dezembro de 1958 o município foi emancipado de Canguaretama, ocupando uma área de 245,510 km², sendo apenas 0,3682 km² em perímetro urbano. Segundo o Censo do IBGE, em 2014 sua população foi estimada em 9.116 pessoas. Disponível no site: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=240140. Acesso em 13.10.2014, às 09h 10min. 135 A maior reserva natural do Estado. 136 Mapa do RN. Disponível no site: https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome- instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=mapa+do+rn+completo. Acesso em 29.10.2014, às 13h 20min. 81 Mapa 2: Localização geográfica de Sagi. Entretanto, nessa pesquisa, o espaço geográfico denominado Sagi, abrangerá uma extensão de oito quilômetros de praia praticamente deserta, sendo três quilômetros ao sul até a divisa RN/PB – Rio Guaju – e de cinco quilômetros ao norte, até os parrachos137 de Urubu, isso porque considerei a memória dos grupos familiares investigados ao relatarem sobre seus parentes indígenas que moraram nesse percurso de praia que vai desde a “Boca da Barra138” até os “espaiado de Mestre André139”, durante as migrações da etnia Potiguara entre Baía da Traição/PB à Vila Flor/RN (tratarei dessa questão mais adiante). Segundo Cascudo (1968, p.120), a palavra Sagi é de origem tupi e seu significado é “de uçá-gi, rio dos uçás, dos caranguejos uçás”. Entretanto, de acordo com o depoimento de Joaquim Rosendo, 45 anos, registrado por Branco (2012, p. 42), o nome Sagi é originário de um tipo de comida muito consumida pelos primeiros moradores. Elaine Leôncio do Nascimento, filha do cacique Manoelzinho, fala sobre uma informação que lhe foi repassada por Vandregercílio Arcanjo da Silva, vulgo Vando, indígena 137 Local da praia formada por recifes de corais rasteiros. 138 Expressão recorrente usada por vários entrevistados, quando se referem ao encontro do Rio Guaju com o mar, na divisa do RN/PB e menos recorrente, “Boca do Rio”. 139 Expressão usada pelos moradores de Sagi quando se referem à localidade da praia, também conhecida por Urubu, sendo menos recorrente, onde morou a família de Mestre André – indígena que migrou de Baía da Traição/PB com sua família. 82 Potiguara de Catu/Canguaretama-RN, que ouviu dos anciãos de sua aldeia que Sagi vem de “sa" – de caranguejo uçá; e de “sai” que significa olho em tupi. Segundo o seu entendimento: como o caranguejo sai do rio, Sagi significa “olho do rio”. Assim sendo, seja o nome “Sagi” referido a um alimento, de um tipo de caranguejo, ou até mesmo da palavra olho, o que se percebe é a preocupação dos antigos indígenas em nomear esse lugar de moradia, com um nome cujo significado tivesse relação com o espaço onde eles viviam, já demonstrando algum conhecimento ambiental e histórico. Há nesse povoado (mapa 3) uma população de aproximadamente oitocentas pessoas 140 , das quais, duzentas e cinquenta e sete se autoafirmam indígenas potiguara 141 , formado oitenta e duas famílias cadastradas pela FUNAI. Entre essas, há vinte e três pessoas que também foram cadastradas, mas que são de “fora”, ou seja, não foram contadas como indígenas, mas, no entanto, mantêm relacionamentos conjugais com indígenas. 142 Assim sendo, nessa pesquisa, quando me referir a essas famílias oficialmente reconhecidas pela FUNAI, usarei a expressão “comunidade143”. Essa categoria é usada pelos indígenas quando se refere ao grupo que apoia a liderança nas tomadas de decisões. O cadastro realizado pela FUNAI é fundamental para os indígenas, não apenas porque representa uma formalização exigida pelas instâncias públicas, mas de acordo com a sua principal função promove à acessibilidade aos benefícios garantidos pela Constituição Federal, entre estes: aposentadoria, auxilio doença, auxílio maternidade, bem como o direito a cestas básicas. Conforme afirma o cacique Manoelzinho: Onde a gente tá num paga nada, quando chega o tempo de aposentar é só preencher um documento, quem num tá no movimento tem que pagar e ir atrás do sindicato, tem que ter tempo de serviço e ter contribuição pra chegar lá e ganhar um pouquinho mais, tem que ter 65 anos, aonde a gente tá, com 60 já pode se aposentar e a mulher com 55 (Entrevista realizada no dia 20.12.2013, na casa do cacique). Da mesma forma, o cadastro pode ser um fato gerador de conflitos intergrupal. Nos meses de abril e maio de 2013, a FUNAI por meio da CTL/RN 144 entregou ao cacique Manoelzinho sessenta e duas cestas básicas para serem distribuídas entre as trinta e duas 140 Conforme informação da Associação dos Moradores e Amigos de Sagi – AMA/Sagi – 2010. Essa associação enfrenta sérios problemas de ordem administrativa e financeira, encontrando-se inativa. 141 Desde 2008, esse grupo luta pelo reconhecimento étnico, conforme Oliveira (2004) afirma encontra-se no processo de “etnogênese”, que segundo o antropólogo, esse processo é pensado como um fato social, que abrange tanto a emergência de novas identidades quanto a reinvenção de etnias já reconhecidas. 142 Relatório datado de 28 de agosto de 2013. 143 Da mesma forma que Grünewald (2004, p.170), quando se refere ao caso dos Atikum estamos diante de uma “comunidade indígena que se formou numa situação histórica”. 144 Coordenação Técnica Local – instalou-se em Natal no segundo semestre do ano de 2011. 83 famílias que se autoafirmavam indígenas e que, na época, haviam sido cadastradas provisoriamente pela liderança indígena local. Mapa 3: Visão aérea de Sagi. Fonte: Google Earth, 2014. A distribuição desse benefício gerou desarmonia na comunidade, entre os que não foram contemplados, tendo em vista que as cestas, só podiam ser entregues àqueles necessitados, ou seja, aos chefes de família desempregados e sem renda própria. Todavia, os que tinham carteira assinada ou emprego fixo não podiam receber tal vantagem. Mesmo assim, retrucaram em ser beneficiados, mas sem êxito. Esse fato gerou um clima tenso entre eles e a liderança indígena local. Ao explicar sobre o período de cadastramento, o cacique Manoelzinho informou 145 : “o pessoal do cadastro ficaram três dias fazendo o cadastro em Sagi, quem não fez nesse prazo, só quando o pessoal voltar depois de fazer nas outra comunidade”. Esse alerta foi repetido às pessoas da comunidade, para que os interessados não perdessem a segunda oportunidade, caso contrário, ficariam de fora do cadastro e, consequentemente, não poderiam 145 Conforme entrevista realizada no dia 20.12.2013, na casa do cacique. 84 receber os benefícios garantidos aos “regularizados”, tendo que esperar dez anos para o próximo recadastramento. Mas embora esse cadastro tenha sido realizado pela própria FUNAI, não representa o quadro real da população indígena em Sagi, tendo em vista que existem outras classificações entre os moradores, que não foram contempladas oficialmente por esse órgão, como por exemplo: além dos 237 cadastrados pela FUNAI, há 163 “parentes consanguíneos” dessas famílias 146 , que por diversos motivos, deixaram de se cadastrar no período de sua realização, permanecendo de “fora” dessa contagem. Quando perguntei a quatro 147 dessas pessoas, citadas pelos meus interlocutores como “parentes” sobre os motivos pelos quais não fizeram o cadastramento alegaram-me as seguintes razões: i) falta de esclarecimento – não sabiam do censo; ii) medo de perderem o emprego – trabalham com empresários que são contra o movimento indígena; iii) porque têm terras particulares e têm medo que a FUNAI “se aposse delas”; ou ainda, iv) por não confiarem na liderança indígena local. Segundo Manoelzinho, ainda existe outra classificação, que não foi contemplada no cadastro, referente àqueles que negam sua indianidade étnica, conforme ele explica 148 : “aqui no Sagi, 90% da população é indígena, mais muitos não quer se cadastrar, tem vergonha de ser indígena, mas nós todo é parente”. Considerando essa afirmação, à liderança local realizou outro levantamento 149 de informações, no qual foram computados 56 “parentes consanguíneos” que moram em outras localidades e 124 pessoas não cadastradas, porque não se autorreconhecem como indígenas, apesar dos parentes afirmarem o contrário. Esse último caso representa um número significativo de pessoas que, até o momento, não optam pela autoidentificação étnica, apesar de morarem em Sagi e conviverem com seus “parentes”. Continuando a conversa informal com uma das quatro pessoas, que me pediram para não serem identificadas sobre sua posição em relação ao movimento indígena local, esta 150 afirmou-me que isso se dá devido ao preconceito: “ficam apontando a gente como índio, mas 146 Essas informações foram levantadas pela liderança indígenas local, na minha presença, quando na oportunidade registrei uma lista nominal desses parentes, no meu caderno de campo, na casa do cacique em 22.01.2014. 147 As quais me pediram para não serem identificados nesse trabalho. Duas destas foram entrevistadas formalmente e duas por meio de conversas informais. 148 Conforme conversa informal, que aconteceu na calçada da casa da autora, no dia 22.01.2014. 149 Realizado na casa do cacique Manoelzinho, nos dias 23 e 24.01.2014, na presença da autora. 150 Entre os quatro com que mantive contato, este foi o que mais se posicionou negativamente ao movimento indígena local. No entanto, no término da pesquisa, fui informada que essa mesma pessoa cogitava a possibilidade de se cadastrar. 85 eu não sou índio”. No entanto, quando questionei sobre o seu parentesco com indígenas, ela respondeu: “É, mas eu não sou, meu pai é que era caboco151, não índio, não quero que me chame de índio, não tenho nada a ver com índio! Índio é preguiçoso, eu sou trabalhador”.152 Para Grünewald (2004), os Atikum se consideravam caboclos, no entanto, aceitavam a denominação “remanescentes indígenas”, dada pelo órgão tutor, ele afirma: “são raros os Atikum que cotidianamente se dizem índios, preferindo mencionar que esses eram seus antepassados. Se chamam de caboclos e reservam aquela primeira categoria como forma de garantir acesso a determinados recursos” (GRÜNEWALD, 2004, p. 170). Entre os Potiguara da Paraíba também há essa identificação, conforme afirma Vieira (2010): O termo caboclo longe de representar uma categoria homogênea, tal como poderia ser depreendido se levarmos em conta apenas o fato da mistura ter se intensificado no período colonial, e reforçado pela classificação pejorativa de comportamentos, revela processos de identificação que são múltiplos. Ser caboclo não parte de uma essência ideal ou fixa, isto é, como “índio manso” ou “índio domesticado”, índio cristão”, como por exemplo, dar a entender as ações do Estado-nação; refere-se a um termo que demarca a história da relação com a chamada civilização e que particulariza modos de ser e de estar que se alternam (Viegas, 2007). (VIEIRA, 2010, p. 105). Outro motivo demonstrado pelos que não se autorreconhecem como indígena está relacionado a terem um padrão de vida “melhor” em relação aos demais, conforme os depoimentos 153 a seguir: “já tenho emprego, uma casa e uma terrinha, não preciso ficar brigando”; “tenho meu negócio, pra que me expor? não preciso disso!”. E ainda: “quem tá nessa briga é porque não tem terra pra trabalhar, mas eu já tenho a minha!” e continua: “Esse povo gosta é de confusão, não tem o que fazer, mas eu tenho o que fazer, não tenho tempo de ficar brigando”. Esses depoimentos evidenciam que as pessoas que já têm um meio de subsistência garantido, independente da demarcação de terra e de serem parentes das que se autoafirmam, não apoiam o movimento indígena local, enquanto que os envolvidos na luta pela consolidação dos seus direitos dependem de uma definição política territorial a seu favor para garantir o sustento de suas famílias. Nesse contexto, percebi que a diferenciação étnica em Sagi se assemelha muito ao grupo indígena Tremembé do Ceará, pesquisado por Valle (2004, 151 Essa expressão no contexto da etnicidade está sendo reelaborada pelos atores sociais, durante o processo de “emergência étnica” no estado e longe da negação de uma identificação diferenciada, esta é acionada como valor simbólico, caracterizando como autoidentificação indígena. 152 Vale ressaltar que, de fato, o termo índio é de uso mais recente. Localmente, o termo mais antigo e usado para marcar indianidade é o de caboclo. 153 Esses depoimentos são das quatro pessoas que pediram para não serem identificadas nesse trabalho. 86 p. 290), onde havia: “os índios, os índios que não querem ser índios, os que não são índios e os que não são índios, mas acham que são”. Assim sendo, apresento abaixo uma tabela de classificação geral com uma síntese dos dados levantados pela liderança local e FUNAI, cujo elo identificador do parentesco está definido por pertencimento a “troncos” familiares reconhecidos pela história dos seus antepassados, a qual apresenta memória e identidade indígenas. CLASSIFICAÇÃO GERAL Cadastrados pela FUNAI 257 “Parentes consanguíneos” não cadastrados 163 Negam a indianidade étnica, apesar de serem reconhecidos pela comunidade 124 Total de indígenas que moram em Sagi 544 Parentes que moram em outras localidades 56 Tabela 6: Dados classificatórios – segundo a liderança indígena local Nessa pesquisa, dada à complexidade da situação classificatória relatada, serão considerados indígenas apenas os cadastrados pela FUNAI, os quais serão identificados como “Potiguara de Sagi”, enquanto grupo etnicamente diferenciado. Isso porque durante o processo investigativo, foram eles que saíram da invisibilidade étnica, para a autoafirmação pública de sua identidade, ao ponto de pedirem para serem registrados como famílias pelo órgão indigenista. Apenas lembrando que não estou aqui afirmando que é a FUNAI quem comprova ou não a indianidade de um povo, pois isso se dá por meio do autorreconhecimento, e mesmo para alguns dos que não se autorreconhecem, conforme aprovado pela Convenção 169 154 : “nenhum Estado ou grupo social tem o direito de negar a identidade a um povo indígena ou tribal que como tal ele próprio se reconheça (OIT, 2011, p. 8)”. Estou apenas apontando, para os fins específicos deste trabalho, como indígenas os que passaram a se autoidentificar como pertencentes à etnia Potiguara. Reportando-me a política de contagem da FUNAI, quanto ao número de famílias cadastradas, o critério considerado pelos recenseadores como “família” compõe: pai, mãe, filhos do casal, avô(ó), tio(a) e sobrinhos(as), que moram na mesma casa. No entanto, o conceito de “família” utilizado nesse trabalho vai além desse critério, levei em conta as 154 Convenção n° 169 sobre povos indígenas e tribais e Resolução referente à ação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, da qual o Brasil é signatário foi ratificada pelo Congresso Nacional em junho de 2002, através do Decreto Legislativo nº 143, de 20.06.2002, publicado no D.O.U. de 21.06.2002. 87 narrativas orais dos meus interlocutores, quando afirmam que “família” são todos os parentes que descendem do mesmo tronco velho 155 . Este tipo de ideologia do parentesco, especialmente sublinhada nas contendas políticas em que o grupo tem de se apresentar etnicamente, pode também ser pensada socialmente, uma vez que através da recuperação da genealogia das famílias mais antigas do lugar, 156 evidencia-se complexa rede de matrimônio e aliança por compadrio, dentro do que Augé (1975) classifica como “família extensa”: “extensão no tempo e por intermédio de laços de casamento, das relações entre pais e filhos. Numa sociedade de filiação indiferenciada (cognática), ela corresponde, idealmente, a um grupo formado por um casal e as famílias conjugais de todos os seus descendentes” (AUGÉ, 1975, p. 51). Assim sendo, parente para meus interlocutores é todo aquele que tem relação com uma pessoa, cuja história familiar se reporta a antecessores indígenas. No entanto, há variações quanto a essas concepções, por exemplo, para o cacique Manoelzinho 157: “uma pessoa adotada e registrada por um casal indígena não é considerada indígena, porque não tem o mesmo sangue”. Conforme diz Woortmann (1987, p. 149): “Sem dúvida, “sangue” é a categoria central para a definição dos vínculos especiais que unem os parentes”. Como afirma Vieira (2010) ao pesquisar sobre a “produção de parentes” no caso dos Potiguara da Paraíba: “Os usos de tais expressões acentuaram a importância do sangue na produção do parentesco como uma substância que liga as pessoas aos seus parentes através das gerações pelo que é compartilhado e herdado e que fomenta a configuração de uma unidade social abrangente” (VIEIRA, 2010, p. 97). Ainda há outro contexto em que parente é entendido pela comunidade como sendo um estatuto político, por exemplo: um senhor, que trabalha como vigia de um empresário, que entrou na justiça em disputa pelas terras indígenas, é filho de uma viúva cadastrada, mas segundo a liderança local, ele jamais terá o direito de se cadastrar, nem tampouco de ser reconhecido como indígena porque “traiu” seus parentes ao apoiar um inimigo comum, 155 Segundo Vieira (2010): “De forma geral, a observação de que os antepassados eram “caboclos velhos” denota a composição de famílias em torno de um “tronco comum”, os chamados “troncos velhos”, que formam a base de uma “comunidade de sangue” ou “comunidade de parentes” cujos descendentes são tratados como “pontas de rama”. O uso dos termos “tronco” e “rama” sugere a recorrência de metáforas botânicas no estabelecimento de ligações a um só “tronco” e no acionamento de relações com um núcleo comum de parentes, independente de o vínculo ser de alianças ou de descendência. Do ponto de vista genealógico, os “troncos velhos” correspondem à geração dos avos; há casos, não tão comuns, que incluem os bisavós e os tataravós, parentes de terceira e quarta gerações acima de ego” (VIEIRA, 2012, p. 47 e 48). 156 Veja-se anexo G. 157 Em conversa informal, na sua casa, no dia 18 de dezembro de 2013. 88 priorizando o seu emprego. O cacique Manoelzinho afirmou 158: “ele nunca terá um pedaço de terra entre nós e nunca será um dos nosso, pelo menos enquanto eu for vivo!”. Portanto, apesar do cacique Manoelzinho afirmar que o “parente tem que ter o mesmo sangue”, as relações de parentesco vão além da consanguinidade: como o envolvimento na “causa”, ou por aliança (quando os indígenas se casam com não indígenas, ou por ocasião do batismo, nas relações de compadrio). Nessa concepção, a noção de parente é mais abrangente que a noção de indígena, porque uma pessoa pode ser “parente” de outra, sem ser indígena. Assim sendo, a noção de família ultrapassa ao da identidade étnica. Ao mesmo tempo, dentro do contexto estudado, a produção da indianidade tem gerado constante produção e debate sobre a parentalidade. Concluo essa discussão com a concepção de Woortmann (1987) sobre parentesco: A rede sociológica é, no entanto, informada por um outro conjunto de categorias ideológicas definidas em termos de parentesco: família, parente e aparentado. [...] E o que distingue as três categorias umas das outras é o grau de obrigação devido. [...] é a ideia de que elas implicam graus de solidariedade, o que tem a ver, naturalmente, com o significado mesmo do parentesco – um conjunto de pessoas em que se pode confiar; um conjunto de pessoas que se pode ajudar (WOORTMANN, 1987, p. 159, 166 e 167). Por fim, no contexto do movimento indígena local, ultrapassando as fronteiras de Sagi, parente representa aquele que está junto na luta pela reinvindicação dos direitos indígenas, buscando como grupo a recuperação de suas terras. 2.2. BREVE HISTÓRICO DE SAGI Até a década dos anos de 1950, Sagi tinha pouca relação com as demais áreas urbanas do Estado, porque não havia estradas nem rodagens que ligassem o povoado a outros lugares. O deslocamento das pessoas era feito por longas caminhadas a pé e/ou em lombo de animais como jumento, burro mulo ou cavalo. Por esse motivo, o único acesso possível que tinham era por meio da praia às cidades de Baía Formosa, a sede do município, localizado a 10 km ao norte e/ou aos aldeamentos dos Potiguara, ao sul, na Paraíba, com uma distância de 25 km. 158 Idem. 89 No entanto, meus interlocutores relatam que quando eram pequenos ouviam seus pais falarem de uma estrada muito antiga que ficava distante de Sagi, cujo percurso era diferente do atual. Segundo o Sr. Carlos Leôncio: A estrada antiga vinha até a Ilara (uma lagoa) e não passava pelo caminho da estrada nova, passava pela Lagoa Grande, distante uns três quilômetros daqui e o Seu Manu era o morador mais antigo de lá. Também morava lá o pai de Maria Roseno 159 , Seu José Rosendo, mas essa estrada era estreitinha e só passava um carro alto porque tinha no meio um lerão de areia, andava mais gente a pé e a cavalo. Quando o pessoal dos Maú – Bastião, Fernando e João Maú – vinha fazer festa aqui, há mais de 70 anos atrás e já tinha essa estrada – (Entrevistado em sua casa no dia 04.02.2014). Nessa época, existia um serviço de mensageiro, que hoje é obsoleto, mas que naquele tempo era necessário e relevante para as pessoas do lugar. Durante muitos anos, o Sr. José Leôncio, pai do cacique Manoelzinho e do Sr. Carlos Leôncio, foi o mensageiro de Sagi. Sua tarefa era entregar cartas, recados, remédios e dependendo da situação, esse serviço se ampliava. O Sr. Carlos lembra 160 : “Papai ia entregar até porco, tanto daqui pra Formosa, como pra Barra de Camaratuba e Baía da Traição. Esse serviço era a pé, pela praia, numa maré de vazante, era só pagar e ele ia, quando a maré enchia ele já tava de volta”. O Sr. Temístocles também relata que conheceu um mensageiro que ia de Baía Formosa à Baía da Traição: Ele ia numa maré e voltava na mesma, uma distância de 10 légua, o nome dele era Antônio Tragino, era um senhor baixinho, perna pequenininha, andava a pé pela praia, eu alcancei ele. Ele saía de Formosa de 4h da manhã, pra levar uma carta em Baía da Traição – nessa época não existia correio – antes da maré encher a tarde, chegava a Formosa, aí qualquer coisa que queria mandava o mensageiro buscar ou levar. Esse morreu bem fraquinho, andava com um pau se sustentando, acabou-se de uma vez, findou não andando mais, de tanto viajar a pé. Ele parou de viajar e ficou todo elétrico, se tremendo todo, assim ó! – (Conforme entrevista in loco – em Cutia no dia 26.01.2014). Continuando a falar sobre a importância desse antigo ofício, o Sr. Carlos Leôncio afirma que quando seu pai não podia fazer essas viagens, ele as cumpria em seu lugar, a depender da urgência do serviço. Suspira um pouco e descreve sobre um episódio dramático em que teve de correr disparado pela praia até Baía Formosa em busca de ajuda para salvar a vida de uma parturiente, cujo parto estava complicado. Isso ocorreu apesar desta ser auxiliada por sua avó, experiente parteira, que por sua vez, já herdara esse conhecimento de sua mãe Dona Antônia Cândido, então bisavó do Sr. Carlos, que relata: 159 Apesar do nome correto da família ser Rosendo, devido a um erro do Cartório de Baía Formosa, D. Maria foi registrada como “Roseno”. 160 Conforme entrevista gravada e transcrita pela autora. Na casa do Sr. Carlos Leôncio, no dia 04.02.2014. 90 Eu mesmo, quando já tava taludinho, já corri três vezes até Formosa, sem parar, atrás de um carro pra levar mulher pra parir. Uma vez foi Vanira, que mora lá encima, esposa de Zé Marreca. Eu tava lá em casa e nem papai, nem o marido dela estava, aí ela botou pra morrer, que passou da hora de ganhar o menino e minha avó era a parteira na época e disse que tava atrás de uma pessoa pra ir a Formosa buscar um carro porque o menino num nascia, mas ninguém queria ir, porque já tava escuro e tinha medo do batatão, a maré tava baixa. Aí eu disse: quem vai sou eu! E fui até a casa de Seu Juvenal em Formosa pra pegar o carro dele, quando eu ia correndo encontrei o filho de Seu Antônio Félix – Severino Félix, que hoje tá em Minas, ele disse: Tá indo pra onde nessa pressa? Respondi: Vou pra Formosa buscar um carro que Vanira tá morrendo! Ele disse: vou mais tu! E a gente correu até a subida de Bubu. Quando chegamos, falamos com S. Juvenal, ele disse: meu filho, meu carro tá sem gasolina. E agora? Como é que a gente faz? Ele respondeu: fale com Juba e ele vai até a Penha buscar gasolina ou fale com Antônio que tem uma Toyota que ele faz a viagem. Fizemos carreira pra casa de Juba e ele foi com a gente até a Penha porque o carro dele não tinha gasolina pra vim até aqui. Quando chegamos no meio do caminho, tome chuva! Quando chegou ali na Ilara tem uma pontezinha tava tudo cheio d’agua, quase que o Toyota não passa. Num tem o pé da ladeira pra chegar até aqui? Pois bem, do lado de cá tinha um cajueiro, que era tão limpo que parecia isso aqui (casa), lá era onde o carro traçado vinha, até ali, que era onde a gente chamava de “rodoviária”, quando chegamos lá, a gente continuou o caminho subindo a ladeira correndo no escuro, isso é o que não entendo: era um escuro tão grande, com chuva, o caminho estreito e a gente corria, sem vê nada e não se perdia, nem batia em nada. Quando cheguemos na casa de Vanira, inventamos uma cama de pau, botemos um colchão, cobrimos com plástico e levemos ela até o carro, porque ela não conseguia sentar na cadeira, mas graças a Deus ela pariu e tá aí, conseguiu se salvar com o filho! – (Entrevistado em sua casa no dia 04.02.2014). O “pé da ladeira” que o Sr. Carlos Leôncio se refere é o início do morro que dá acesso a Sagi. Era um aclive muito alto, que na época isolava a estrada carroçável do povoado – hoje, apesar de calçada, a ladeira ainda é bastante íngreme –, os carros não subiam esse morro de areia e, portanto, o povoado ficava isolado. Para chegarem até esse local, os moradores de Sagi tinham que caminhar pelo meio da mata, numa trilha, subindo e descendo morros de areia, até o ponto que eles chamavam de “rodoviária”. Quando lá chegavam, ficavam à sobra de um cajueiro, esperando por um carro de tração, ou pelo caminhão que vinha buscar mangaba durante o período de safra para que pudessem se deslocar. Nessa época, havia um só tabuleiro de mangaba que ia de Sagi até a estrada principal, onde hoje é a BR-101. De acordo com a Sr.ª Maria Roseno 161 , as mangabas verdes eram coletadas para serem vendidas e as maduras “do chão” serviam de alimento para a família e eram servidas com pirão de peixe. Dona Maria continua: “como não tinha mesa, a gente sentava tudo no chão, numa roda e eu dava a comida as criança”. Continua contando 161 Entrevistada em sua casa no dia 20.01.2014, conforme registro no caderno de campo. 91 sobre as opções de alimentos: “eles comiam abóbora ou batata doce machucada com leite de cabra, de gado ou de coco. Eu também dava a eles calambika”162. Dona Maria lembra que mesmo sem uma renda fixa seus filhos nunca passaram fome. Além dessas iguarias havia a coleta de frutas típicas da região, como caju, cajarana, manga, mangaba, murici, araçá. Ela afirma 163 : “como não tinha geladeira, as fruta era colocada numa bacia grande, coberta com um pano limpo, as criança ia lá e comia sempre que tinha fome”. Ainda falando sobre a época das mangabas, o Sr. Carlos Leôncio relata: Eu era muito pequeno e me lembro muito bem que saía umas cinquenta pessoa de madrugada – uma hora da manhã – para os tabuleiro de mangaba que ia daqui até a pista. Quem tinha a perna boa, andava mais – ia pra Garaturuba, pra Lagoa D’agua. Quando dava quatro hora da tarde, tava todo mundo na Ilara, quem tinha dois ou três saco de mangaba se ajuntava ali. Passava o dia todinho catando mangaba e comia farinha com mangaba, peixe com mangaba. A água levava num cabacinho, quando era no verão só tinha água nas lagoa, mas quando tava longe e secava a cabaça nós tomava água nos cincho, que é uma planta parecido com a folha do pé de abacaxi, é uma planta parecida com agave, só que embaixo fica água. Onde desse fome, parava e comia. Eu com sete anos já pegava uma caixa de mangaba com 30 quilo. O ponto de encontro era na Ilara, quem chegava ficava esperando por Seu Batista, que quando chegava trazia aquele pacotão de bolacha, cada pessoa que tinha ali ele dava um pacote, ele trazia a três quarta ou o caminhão carregado de caixa vazia e entregava as caixa a nós pra encher de mangaba, quando enchia as caixa nos botava encima do carro, de um em um pra não atrapalhar e ele pagava a nós, pela quantidade de caixa que a gente entregava a ele. Quando terminava de carregar o caminhão já era seis ou sete hora da noite, a gente apagava o fogo, ficava tudo no escuro e (faz um movimento com as mãos) ia embora. Chegava em casa dez ou onze da noite e ia tomar café com peixe e farinha seca – (Entrevistado em sua casa no dia 04.02.2014). Hoje, os tabuleiros de mangaba se reduzem a poucas “braças de terra”, pois a usina derrubou praticamente toda a mata nativa de onde os moradores de Sagi retiravam boa parte do seu sustento. Continuando os relatos, o Sr. Carlos Leôncio fala sobre as andanças que faziam sem se preocupar com as distâncias, pois andar a pé não era empecilho nem mesmo para se divertirem: Nessa época a gente andava muito a pé, hoje se andar daqui prali a gente cansa logo, naquele tempo, ninguém ficava em casa, o pessoal era muito animado, aonde tinha uma festa a gente ia. Os homem mandava a mulher engomar a roupa, botava numa toalha, botava na cabeça e ia embora. Bebia e dançava a noite todinha e quando era no outro dia vinha embora a pé e num cansava. Hoje daqui pra Formosa só vai se for de carro ou de moto, mais de primeiro! E, aqui no Sagi era só um miolinho, um pouquinho de casa de taipa com um candieiro. Eu sei disso porque sempre gostei de conversar com o povo veio. Eles dizia que época boa era a deles, porque aqui e no Guaju tinha muito vinho – a bebida deles era vinho – pra brincar o coco de roda e o Pastorinho. Hoje mesmo, o Sagi é assim calçado, mas não tem uma festa que preste. 162 É um alimento feito com farinha de castanha pilada e farinha de mandioca, acrescentadas ao suco do caju. 163 Entrevistada em sua casa no dia 20.01.2014, conforme registro no caderno de campo. 92 Quando tem uma festa é cheia de bagunça – (Entrevistado em sua casa no dia 04.02.2014). Partindo dessas memórias, ele passa a falar sobre uma festa que era bem conhecida na região e as pessoas vinham a pé, ou em animais, de São José de Mipibu/RN, Canguaretama/RN, Sibaúma/RN, e também, seus parentes da Paraíba: Mataraca, Baía da Traição e Rio Tinto, na qual havia a participação de jovens e idosos. A festa tinha dia para começar, geralmente era a Festa da Padroeira, mas não tinha hora para acabar, conforme ele explica: Tem uns 40 anos que eu ainda via uma lapinha aqui em Sagi no meio da rua, o cordão vermelho e o cordão azul, quem ganhava aquela flor dava dinheiro e era o dono da festa. A moça mais bonita da festa, pegava aquela flor e caminhava no meio da multidão e a pessoa que ela escolhia, botava aquela fita no ombro e oferecia a flor bem cheirosa – botava perfume na flor. O homem como é abestalhado ficava com a flor e dava muito dinheiro a ela. Aí, o cordão que vendesse mais flor, era o que ganhava. Cada moça vendia muitas flor, num era só uma não, era muita. Na época, papai é quem tocava – (Entrevistado em sua casa no dia 04.02.2014). Até a década de 1950, os habitantes de Sagi desfrutavam de uma vida simples e com certa autonomia, em que o meio de subsistência era produzido pela caça, pesca, agricultura e coleta de frutos silvestres, que era abundante na região. No entanto, na década de 1960 já se podia comprar alguns produtos alimentícios que chegavam ao povoado no lombo dos animais e eram vendidos na “budega164” do Sr. Cecílio e na vendinha do Sr. Narciso. O Sr. Carlos Leôncio relata que quando era menino, sua mãe o mandava comprar café torrado em panela de barro e pisado em pilão. O café não era pesado, porque não tinha grama na vendinha, mas era medido numa colher, enquanto que o açúcar bruto era vendido por quarta, enrolado em papel de embrulho: O papel servia pra enrolar a bolacha regalia, que era aquelas bolacha grande, num sabe? o café e o açúcar amarelado, Seu Narciso dobrava e a gente levava pra casa. O café era torrado num caco de barro e pilado num pilão, cada pacote de café em grão, era pilado com um lito de açúcar. Dona Maria José torrou muito café pra Seu Narciso e Seu Cecílio! eles botava numa vasilha, tampava e vendia de colher em colher. A bolacha eles comprava em saco grande e vendia a granel. Os dois era indígena e a vendinha era de taipa, coberta de palha, como as casa – (Entrevistado em sua casa no dia 04.02.2014). De acordo com as memórias do Sr. Carlos Nascimento, o Sr. Narciso comprava esses alimentos na Penha – antigo nome de Canguaretama – ou em Nova Cruz. O percurso era 164 Um pequeno armazém que vendia de tudo um pouco. 93 trilhado com o auxílio de animais. Ele ainda lembra o nome de dois cavalos, que faziam o transporte: Sorriso e Boneco. O pai dele, o Sr. José Leôncio, como não tinha montaria, aproveitava essas viagens, em que os caçoares iam vazios para trazerem mercadorias e levava os seguintes produtos: coco, milho, feijão, jerimum e carvão, com destino as feiras daquelas cidades, enquanto ele viajava no meio da carga. O Sr. Carlos afirma 165: “Quando a coisa tava braba, quando o tempo ficava ruim de chuva e o roçado não dava nada, a gente ia pro mato cortar madeira pra fazer carvão, esse era o único jeito de não passar necessidade”. Ele continua: E quando não tinha farinha aqui, comprava na Pituba 166 , comprava nada! trocava por peixe, e a farinha era medida num litro quadrado, feito de tábua, desse tamanho assim e dessa largura, dava mais ou menos um quilo de farinha e a gente ia a pé. Quando a pessoa ia de cavalo, deixava o cavalo do lado de cá e atravessava a pinguela e continuava a pé até Pituba. Quando chegava em casa ia comer peixe com pirão feito da farinha – (Entrevistado em sua casa no dia 04.02.2014). Observei nesses relatos, que sempre havia um meio de sobrevivência que evitava situações mais críticas de fome nas famílias. Isso acontecia devido às alternativas que se dispunham diante dos que desejavam trabalhar seja na pescaria, na agricultura, na troca do excedente por outros produtos e na coleta dos frutos silvestres. Ainda outros, usavam armadilhas para caçar tatu, cutia e nambu. Este último, por exemplo, era caçado a noite, nas “posturas” 167, mas, quando o caçador as encontrava, destruía os ovos, ensacando as fêmeas que ficavam se batendo, desorientadas com o facho de luz direcionado para elas, tornando-se assim, uma presa fácil para os caçadores. Hoje, a caça da cutia e do nambu é proibida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). No início dos anos de 1970, toda a água utilizada nas casas era levada no dorso das pessoas, em galões, latas e/ou em potes. A água era tirada das cacimbas à beira do rio. A “luz” que dispunham era à base de candeeiro a gás (querosene), ou fogueiras. Todo o alimento era cozido em fogão à lenha, ou a carvão. Em meados da mesma década, após a construção da primeira estrada, embora com toda dificuldade de acesso ao povoado, o prefeito de Baía Formosa mandou construir um cacimbão onde às pessoas pegavam água e abasteciam suas casas com água potável. Com a 165 Conforme entrevista gravada e transcrita pela autora. Na casa do Sr. Carlos Leôncio, no dia 04.02.2014. 166 Pequeno povoado vizinho a Sagi, também pertencente ao município de Baía Formosa. 167 São esconderijos, principalmente dentro do canavial, onde as fêmeas põem seus ovos e ficam com os machos protegendo seus filhotes contra o ataque dos predadores. 94 propulsão a motor foi disponibilizada energia até às 10h da noite. Os usuários não pagavam por esses serviços (água e energia), que eram oferecidos gratuitamente. As casas da região eram construídas “de taipa e cobertas de palha”. O Sr. Carlos Leôncio, fala sobre o tempo em que as pessoas iam a um barreiro “pegar o barro” para construírem suas casas: A gente, pra dá uma de rico dizia: eu vou tapar a minha casa de barro, aí pegava uma bacia ou um saco e ia buscar o barro no ombro, isso aqui meu (aponta para o ombro) ficava no sangue. Quando os parente tinha um dinheirinho pagava os caba que tinha cavalo com caixote, enxia e era ligeiro, mas quando não tinha como nós, era sofrimento. E pra cavar! Era com picareta, era rojão! As casa daqui tudinho num pegou barro de fora era só dali e ficava bem lisinha (as paredes). É um barro no meio da areia, a gente tirava a areia, descobria o barro debaixo, era um barro liguento – (Entrevistado em sua casa no dia 04.02.2014). Dona Cacilda 168 também tem na memória a época em que “as casa aqui era tudo de barro e nós tirava o barro de um barreiro aqui perto”. Esse barreiro que Dona Cacilda e o Sr. Carlos Leôncio se referem fica localizado no quilômetro três, na saída de Sagi para o rio Guaju. Percebi que, enquanto realizava as entrevistas, alguns dos meus interlocutores sempre falavam sobre as casas de taipa e citavam esse “barreiro” como local de onde o barro era retirado. Entretanto, foi apenas no dia 27.01.2014, enquanto estava realizando uma entrevista na casa da irmã do Sr. Temístocles, Dona Jacira Inácio, sobre a genealogia de sua família, acompanhada de Dona Cacilda, que minha curiosidade sobre esse barreiro se aguçou. Nessa oportunidade, conheci um jovem 169 que após conversarmos, ele me convidou para conhecer a sua genitora, uma professora aposentada, também mestre 170 que morava na casa ao lado da que estávamos. Desde 1989 esta senhora, Dona Ana, já viúva, tem casa de veraneio em Sagi e sobre isso ela lembra 171: “agora, no dia 26 de janeiro completam 25 anos que vim morar aqui. Era uma casa de taipa que meu marido comprou porque adorava pescar. Quando o mar avançou destruiu várias casas e a minha foi atingida também”. Logo que chegou a Sagi e conheceu os “nativos”, ela afirma que teve uma impressão que a descreveu assim: 168 Em conversa informal na casa da autora no dia 05.01.2014. 169 Élamo Rocarte de Azevêdo Souza, mestre em Estudo da Mídia/UFRN com a dissertação de Mestrado: As Representações das Festas no Mês de Junho no Fotojornalismo de Periódicos Luso e Brasileiro. 170 Ana Maria de Azevêdo Souza – 54 anos, mestre em Geografia/UFRN com dissertação de Mestrado: O Culto Religioso Produzindo Novos Territórios. A (re)Invenção de Cunhaú. 171 Entrevistada gravada em sua casa, no dia 27.01.2014. 95 Aqui é uma região indígena, nunca tive dúvida sobre isso. A dominação foi tão grande que os índios esqueceram o toré, tiveram que esquecer o Deus Tupã e a magia das águas. Abandonaram as ervas naturais e passaram a usar remédios de farmácia. As cascas que eles arranjam aqui dentro dessas matas, isso cura, mas dizem que é macumba – (Entrevistada em sua casa no dia 27.01.2014). Dona Ana chama a atenção sobre as propriedades medicinais da Lagoa de Araraquara 172 . Ela falou que essa lagoa recebeu um nome estrangeiro dado pelos turistas, passando a ser conhecida turisticamente pela denominação de “Lagoa da Coca-Cola” e ela reafirmou 173: “aquela água tem o poder de cura”. Disse-me também que sempre gostou de passear com seus filhos na praia, quando um certo dia, se deparou com algo que ela identificou como sambaqui 174 . E sobre isso ela disse 175: “encontramos esse lugar que eu chamo de sambaqui, porque tem muitas conchas e alguma coisa como cerâmica. Pra mim é um cemitério de índio”. Assim, na concepção dela, esse barreiro citado acima pelos meus interlocutores é um sambaqui. Ela notificou ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional sobre o “achado”, mas até a presente data, nenhum representante veio ao local, que continua exposto, sem nenhuma proteção. Na tarde desse mesmo dia, acompanhada de Élamo e de Dona Cacilda, fui conhecer o tal barreiro. Quando a gente vai se aproximando do local, a superfície de areia da praia se modifica, começando a aparecer várias conchas misturadas com a areia. Em nenhuma outra parte da praia se observa essas conchas, exceto nesse local. Continuando a caminhada por uma estrada feita pelos “bugreiros”, essas conchas vão se intensificando até que se pode observar o que os moradores de Sagi chamam de “barreiro”. O local é camuflado pela vegetação e pela areia, o que torna a parede de conchas “protegida” dos curiosos, porque não sabendo de sua origem, ninguém tem parado para observá-lo. O formato original do morro foi modificado devido às escavações dos moradores de Sagi para retirarem o barro, restando apenas um paredão de conchas com camadas de cores e texturas diferentes, onde podem ser vistas as marcas das picaretas no barro, usadas por eles para construírem suas casas de taipa (cf. foto 14). Minha primeira impressão ao deparar-me com “barreiro” foi que este, aparentemente, pareceu-me ser uma construção antiga feita pela mão do homem. Tendo em 172 Nome de origem tupi: de arará kûara, arará (variedade de formiga) e kûara (buraco), buraco das ararás. Disponível no site: http://www.girafamania.com.br/girafas/lingua_guarani.html. 173 Entrevistada gravada em sua casa, no dia 27.01.2014. Disponível no site: http://www.girafamania.com.br/girafas/lingua_guarani.html. 174 É uma palavra de origem tupi: tamba (concha) ki (amontoado), que significa “monte de conchas”. 175 Entrevistada gravada em sua casa, no dia 27.01.2014. 96 vista ser formada visivelmente, por vários materiais orgânicos, especificamente por conchas, que com a ação do tempo e da natureza formou-se um morro fossilizado 176 . Fotografia 14: Local conhecido pelos moradores de Sagi como “barreiro”. Foto: Josenilson Andrade. Nenhum morador de Sagi suspeita da possibilidade desse “barreiro” ser um sambaqui. Exceto Dona Cacilda que me acompanhou ao local e o Sr. Carlos, que participou de uma conversa informal 177 conosco sobre a visita que fizemos ao local. O Sr. Carlos perguntou: “Cacilda, tu lembra daquele barreiro de lá? Que tinha muito lixo? O primeiro barreiro era o de lá!, tu lembra?” Dona Cacilda respondeu: “lembro, e foi nesse (barreiro) que a gente foi”. Esse diálogo mostra que o “barreiro” que conheci tinha sido um antigo depósito de lixo, apresentando, portanto, mais um indício da possibilidade desse local ser um sambaqui. 176 Os sambaquis, colinas artificiais de conchas contendo restos de ocupações humanas sobrepostas, têm sido estudados desde o século passado, quando se iniciaram as pesquisas arqueológicas sistemáticas no Brasil. [...] Os sambaquis têm sido sistematicamente destruídos desde o início do período colonial para a obtenção de cal extraídos das conchas. [...] A alta concentração de conchas favorece a preservação dos materiais orgânicos depositados nos sambaquis, bem como dos indivíduos ali enterrados (Neves, 2004:p.181,182). 177 Na casa da autora no dia 06.02.2014. 97 Como a dúvida se intensificou ao conhecer o local, comuniquei sobre o fato ao Museu Câmara Cascudo/UFRN por meio de Jussara Galhardo, entregando-lhe algumas fotografias do “barreiro”. A mesma agendou com uma comissão178 uma visita à Sagi, que aconteceu no dia 25 de junho de 2014. Na oportunidade, os paleontólogos (cf. foto 15), fizeram uma avaliação do local (cf. ANEXO E), chegando ao seguinte laudo técnico: As conchas observadas durante o percurso são espécies holocênicas, facilmente encontradas a partir da inframaré ou em poça de intermarés e associados a depósitos de intermarés. Embora se tenha conhecimento de aproveitamento dessas espécies na alimentação humana atualmente, não se verificou indícios dessa atividade no material encontrado. As características dessas conchas sugerem depósitos naturais na zona de intermarés, removidos mecanicamente e descartados como rejeito em trechos do supralitoral. Pelas características mencionadas, entendemos que a ocorrência de conchas no trecho visitado não caracteriza a estrutura de sambaqui (cf. documento: AVALIAÇÃO DE POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE SAMBAQUI EM DEPÓSITOS DE DUNAS NA PRAIA DE SAGI, BAÍA FORMOSA/RN, p. 4). Fotografia 15: Paleontólogos do MCC/UFRN analisam o “barreiro”. Foto Lenilton Lima. A partir da década de 1970, o cenário da história de Sagi, mudou radicalmente com a instalação de uma usina de açúcar construída nas imediações do povoado. Tendo em vista a aquisição da matéria-prima para a moagem, o proprietário dessa empresa adquiriu avultados hectares de terra com o intuito de desenvolver essa atividade econômica. Assim, os canaviais foram se multiplicando, se estendendo e muitas estradas foram sendo construídas para facilitar o transporte da cana – do campo à destilaria. Isso resultou no desmatamento de uma grande área de Mata Atlântica e consequentemente, no “descobrimento” de Sagi. 178 Formada pelos paleontólogos: Prof. Ms. Claude Luiz de Aguilar Santos e Profa. Ms. Maria de Fátima Cavalcante Ferreira dos Santos, a antropóloga Ms.Jussara Galhardo e o fotógrafo Lenilton Lima. 98 Tendo em vista que não havia estrada do povoado à usina, os primeiros cortadores de cana que moravam em Sagi faziam uma verdadeira maratona para chegar ao trabalho. De acordo com o Sr. Carlos Leôncio 179: “eles saíam de uma hora da madrugada e iam pra Mata dos Caibo, quando chegava lá ainda tava escuro, eles acendia uma fogueira e ficava esperando o trator ou a gaiola que vinha de cinco, pra cinco e meia buscar eles”. E, continua: “eu lembro disso porque quando eu era pequeno ouvi muita gente reclamando desse trabalho, que era muito difícil, mas eles precisava do dinheiro no final da semana pra fazer a feira”. Um dia, um dos encarregados da usina, “chefe das máquinas” caminhando pelo meio da mata, para direcionar o desmatamento encontrou as belezas paradisíacas de Sagi, e não demorou muito, conheceu uma das jovens do lugar com quem se enamorou. Em consequência disso, ele autorizou a construção de uma estrada de acesso até o povoado e pediu a seus moradores que não falassem ao Prefeito sobre esse assunto, porque o mesmo não queria desviar a atenção turística de Baía Formosa, pois tinha planos de investimento para a cidade. Essa é a versão oficial, conhecida pelos entrevistados e por todos os moradores de Sagi, com exceção de um destes, que me confidenciou, ter arquitetado para que a estrada dos canaviais chegasse até Sagi e pediu para não ser identificado nesse trabalho. Ele ainda esclarece: Na época, entre 78 e 79 eu tinha de 15 a 16 anos chegou aqui uma firma de Patos pra fazer a desmatação dessa usina. Essa firma era de Dr. Valdeci Rodrigues, que era deputado lá. Quando eu comecei a trabalhar nessa firma daqui até a usina era só mato. Um dia eu ia passando por lá e o mestre Assis se engraçou de mim e disse: Neguinho, tu num quer esse final de semana ficar aqui pastorando essas máquinas que a gente vai viajar? – era quatorze máquina – que quando eu vier lá pra terça- feira te dou um negocio. Eu disse: fico! Que ficar foi esse que eu comecei a trabalhar nela vigiando e com 17 anos já tava guiando as máquina (Entrevista realizada na casa da autora em Sagi, no dia 25.02.2014). E sendo conhecedor das dificuldades que as pessoas do povoado enfrentavam por não disporem de uma estrada de acesso até Sagi, ele planejava uma maneira de conduzir as máquinas até lá e sempre que possível, avançava naquela direção. Quando o desmatamento chegou a Lagoa Grande, ele disse a seu chefe 180: “Assis, fala com ele, (o encarregado) pra gente abrir a estrada até Sagi. Ele disse: puxe pro lado de lá, depois a gente fala com ele. Era dois trator na frente com corrente derrubando o mato e eu atrás arregaçando os cipó de sucupira que era dessa grossura assim!”. Com a ajuda das mãos, gesticulava demonstrando a grossura dos trocos da mata que tinham de destruir para a construção da estrada. 179 Entrevistado em sua casa em 04.02.2014. 180 Conforme entrevista confidencial, na casa da autora em Sagi, no dia 25.02.2014, registrada no caderno de campo. 99 Após vários meses de tentativas e sempre direcionando as máquinas para seu objetivo, finalmente Assis falou com o encarregado e ele autorizou a estrada, conforme afirmou 181: “mas só conseguimos até o topo do morro, até na “rodoviária”, quando foi subir o morro, pronto, a estrada morreu”! Assim, a estrada foi feita até o início do morro, trouxeram da usina as caçambas com piçarro e outras máquinas pesadas para compactar o solo. Mas o problema de acesso continuava segundo ele informa 182: “a ladeira era muito alta e em pé, passei um mês trabalhando e quando colocamos o piçarro, nenhum carro traçado conseguia subir, se tentasse atolava ou descia de ré, ninguém queria mais continuar!”. Como o trabalho estava sendo em vão, não apresentando resultado, ele pensou 183 : “como o encarregado das máquinas é solteiro, vou convidar ele pra conhecer as meninas bonitas do lugar, se ele se interessar por alguém, ele deixa eu continuar o trabalho” e passou a insistir nesse convite, mas o encarregado sempre desistia quando via que tinha de escalar o morro para chegar a Sagi. Um dia, quando já sem esperanças, o encarregado lhe chamou e disse 184: “ei, Neguinho – era assim que ele me chamava –, hoje eu vou conhecer as meninas com você! Aí eu disse: vá lá pra casa! – minha casa era de taipa bem pequeninha, eu dei uns camarão a ele e a gente foi beber lá em Seu Cecílio, eu já na malícia!” O rapaz todo feliz, saiu convidando as meninas solteiras para conhecer o seu chefe. Logo, o encarregado “gostou” de uma delas – hoje, esta senhora é casada com outra pessoa e mora no povoado. Mas o rapazinho não desistia do seu objetivo e continuou o relato: A moral da história é que eu ficava dando corda ao encarregado: você todo de bota, chega num carro possante e deixa aqui e vai até a casa da menina a pé. Chega lá todo suado e sujo de areia preta, porque o carro não pode subir essa ladeira! No outro dia ele disse: como é que a gente faz pra passar a estrada? Aí eu disse: libere a máquina grande e deixe comigo! (Entrevista realizada na casa da autora em Sagi, no dia 25.02.2014). A máquina a qual ele se referia era a única capaz de realizar o serviço tão desejado. Ele continua 185: “tinha um tal de Luminoso de Patos que me ensinou a passar as dezesseis macha dessa máquina e a como butar a areia pra fora, aprendi o macete, aí eu disse: vou arrombar até Sagi”. Mesmo recebendo uma ordem direta de abrir a estrada, o rapazinho não 181 Idem. 182 Idem. 183 Idem. 184 Idem. 185 Idem. 100 podia dizer a ninguém que tinha recebido o aval do seu chefe, porque essa era uma tarefa “irregular”, tendo em vista que não seria interessante para o prefeito esse acesso a Sagi, pois desvirtuaria as atenções de Baía Formosa. Continua relatando: Aí o encarregado dizia: vai dá cadeia. Eu dizia: vai não! qualquer coisa, eu digo que eu fiz sem você saber. Aí comecei a cavar e o morro começou a baixar. A máquina potente inclinava a lâmina, aí eu saía arrastando a areia de cima pra baixo e espalhando – aprendi guiar as máquina vendo os outro fazer. Trabalhava no fim de semana sozinho, aí quando o pessoal chegava de casa perguntava: quem tá fazendo essa estrada? ninguém sabia responder e eu ficava bem caladinho! (Entrevista realizada na casa da autora em Sagi, no dia 25.02.2014). Mas como era um trabalho árduo, cansativo e clandestino – realizado à noite e nos finais de semana –, esse rapaz percebeu que não conseguiria concluir essa tarefa sozinho. Portanto, convidou um colega, que também tinha se agradado de uma moça do lugar. Esse motorista por fim, casou-se com a referida moça e constituiu família em Sagi. Ele comenta: É agora ou nunca! pegando um fim de semana esticado, que tinha um feriado grande e tendo mais de cinquenta tambor de óleo, com duzentos litro cada um – eu era tão irado que levantava sozinho o tambor pra abastecer o trator. Aí eu chamei Bigode, o nome dele era Antônio, mas eu chamava assim. Aí eu disse: o senhor fica mais eu nesse fim de semana? Ele ficou me ajudando e nos arregaçamos a estrada até perto da igreja, quando foi pra amanhecer a terça-feira, a estrada tava arrombada e o povo começou a perguntar: quem foi? quem foi? Aí eu disse: foi a usina. E até hoje ninguém aqui sabe que foi eu que consegui dá um jeito pra trazer as máquina até aqui (risos) – (Entrevista realizada na casa da autora em Sagi, no dia 25.02.2014). Com todo esse esforço, apenas veículo de tração subia a ladeira. Os carros comuns ficavam atolados, porque mesmo rebaixando o morro para a construção da estrada, quando chovia, a água que descia das encostas dos morros arrastava o piçarro dificultando a passagem de veículos pequenos. Mas, na gestão seguinte, conforme ele encerra sua fala 186: “o prefeito que ganhou mandou ajeitar a estrada, aí desceram o morro e os carro começou a subir. Com o tempo, a ladeira foi calçada, porque ele (prefeito) queria ganhar a eleição de novo”. Com a acessibilidade, chegou também o “progresso”. E assim, no início da década de 1980, o novo prefeito de Baía Formosa autorizou o melhoramento da estrada, ligando a atual BR/101 ao povoado. Com a estrada, chegaram à energia elétrica, a água encanada e os investidores tanto do sul do país quanto do exterior. 186 Idem. 101 2.3. GENEALOGIA Durante minha pesquisa ficou evidenciada a relação de parentesco entre os moradores de Sagi, principalmente quando eu mantinha contato com as pessoas que, de uma forma ou de outra, diziam-se ser parentes e isso me deixava cada vez mais intrigada, levando- me muitas vezes a me questionar: se essas pessoas são todas parentes, então qual parentela elas têm em comum? Assim, passei a buscar informações que me conduzissem a esse(a) antepassado(a). Iniciei a genealogia de quem estava disposto a me ajudar, sempre voltando no tempo, ou seja, partindo da pessoa entrevistada (do ego 187 ), aos avós e bisavós. Até que o emaranhado confuso que havia em minha cabeça foi se dissipando e consegui, com a colaboração dos meus interlocutores, chegar a uma configuração familiar. Seguindo a concepção do pesquisador Grünewald (1990), que ao estudar os Atikum passa a “pensar genealogia” (GRÜNEWALD, 1990, p.171) de acordo com as palavras de Foucault como “acoplamento do conhecimento com as memórias locais, que permite a constituição de um saber histórico das lutas e a utilização deste saber nas táticas sociais” (idem, p.150). Assim, ao relacionar todas as informações produzidas pelos “especialistas da memória” (LE GOFF, 2003) e interlocutores, foi identificado o elo que havia entre os parentes da comunidade. E isso só foi possível quando encontramos a raiz de uma das famílias mais antigas da localidade, a família Cândido, que se estabeleceu em Sagi no final do século XIX e desde então foi se entrelaçando com as famílias Martins, Serafim, Leôncio, Nascimento, Félix, Araújo, Santos, Vicente, Claudino, Lobo, Marcelino, Moreira, Inácio, Lima, Silva, Madeiro, Costa e Ribeiro, resultando em sete gerações de parentes. Além da família Cândido, também foi identificada a família Amaro como uma das primeiras famílias a formarem o povoado de Sagi, fixando residência ali desde o início do estabelecimento de moradias em Sagi Trabanda, mantendo laços conjugais com as famílias Conceição, Rosendo, Cruz e Borges. A família Amaro é representada em Sagi pelo Sr. José Amaro da Silva, 73 anos, conhecido por Vilazio, cuja esposa é Maria Roseno da Silva. O casal teve quinze filhos, dos quais dois morreram após o batismo e onze estão vivos; quarenta e seis netos e quatorze 187 De acordo com Batalha (1995, p. 753): ego significa “o eu a partir do qual se estabelece a rede de parentesco”. 102 bisnetos, conforme informações dadas por eles, em entrevista realizada em sua residência, no dia 20 de janeiro do ano de 2014. O pai do Sr. Vilazio veio de Baía da Traição/PB e casou-se com Lídia Maria da Conceição. Ele nasceu em Sagi Trabanda e lá se casou. Criou todos os seus filhos e ainda reside. Três filhos do casal e uma neta construíram suas casas no “terreiro” da casa do pai/avô (cf. Croqui II, p. 161), mas existem espaços projetados para a construção de mais quatro casas, até o final do ano, sendo três para os filhos e uma para a neta que mora com eles. Dona Maria afirmou 188: “Aqui tem lugar pra construir casa pra todos os meus filhos”. A família Dias também foi citada como uma das primeiras famílias de Sagi, sendo representada pelo Sr. Antônio Dias, mas não foi possível traçar a genealogia dessa família, devido ao esquecimento desse interlocutor que não conseguiu falar nem mesmo sobre os nomes dos seus dezessete filhos. Durante o processo investigativo percebi que algumas famílias ficaram de “fora” dessa rede de parentesco, apesar de estarem registradas no cadastro da FUNAI no ano de 2013 foram elas: Albuquerque, Almeida, Alves, Avelino, Barbosa, Bezerra, Cardoso, Delfino, Ferreira, Freire, Gomes, Morais, Nunes, Severino, Viana, Vieira, Vitorino e Zidoro. Isso acontece porque essas famílias se uniram entre si, num período mais recente da história dos Potiguara, não entrando na classificação das famílias mais antigas. Assim, partindo das memórias dos meus colaboradores e do levantamento de dados realizado pela liderança indígena local, selecionei uma dessas primeiras famílias a formarem Sagi, no intuito de traçar uma genealogia que exemplificasse os processos de geração de parentes no lugar, a família Cândido. Utilizei os seguintes critérios nessa escolha: a sua significância na reconstrução de uma identidade indígena local; por ser reconhecida como uma das primeiras famílias que veio da Paraíba e constituiu família no povoado até os dias atuais; por ser uma das mais numerosas e por último; pela cooperação dos seus parentes entre si, que me possibilitaram reconstruir um recorte genealógico de sua representação. Segundo o cacique Manoelzinho afirma: Os mais velho dizem que aqui só tinha quatro casa e uma delas era da mãe do meu avô, minha bisavó Antônia Cândido. As quatro era de família diferente, só sei que tinha a família Conceição. A pessoa mais idosa que está viva fez cento e sete anos esse mês (janeiro), mas não está lúcido é João do Espírito Santo Claudino – João Marreco – (conversa informal na casa do Cacique em 10.12.2013). 188 Entrevistada em sua casa no dia 20.01.2014. 103 A família Cândido é representada em Sagi a partir da memória de três irmãos: Antônia Cândido, Oliva Maria da Conceição – conhecida por Santina Cândido e João Cândido. Seus parentes não trazem registrado na memória nenhuma informação sobre seus pais, exceto que estes vieram da Paraíba com seus três filhos pequenos. No entanto, contatando Dona Antônia Cândida, filha de João Cândido que mora em Baía Formosa foi fácil identificarmos os pais dos três irmãos que originou essa família em Sagi. Isso foi possível quando ela me apresentou uma cópia da sua certidão de nascimento, registrada no 2º Cartório Judiciário de Canguaretama/RN sob o Nº 3.433 (cf. ANEXO F). Dona Antônia nasceu em 19 de outubro de outubro do ano de 1937 em Baía Formosa – 77 anos, filha de João Cândido Martins e Domitila Cândida Martins e os avós paternos são Cândido Martins e Emília Cândida Martins. Portanto, esse documento possibilitou não apenas a identificação dos primeiros Cândidos a chegarem em Sagi, mas também foi possível perceber que existe uma flexão de gênero no nome (ou sobrenome) das mulheres da família Cândido, conhecidas por Cândida. Não se tem conhecimento se isso foi um erro de Cartório (nesse caso específico) ou se foi uma opção entre os familiares. O fato é que o nome da esposa do Sr. Cândido Martins é Emília Cândida e a esposa do seu filho João Cândido é Domitila Cândida, entretanto não sabemos se Cândida era o “nome” delas antes do casamento, ou se elas o receberam após se casarem com eles, ou se já usavam esse “nome” por serem parentes – provavelmente primos – como é prática em Sagi. Portanto, esse “sobrenome” no feminino acompanha os nomes próprios das primeiras mulheres da família e como não tive acesso a outros documentos ou informações mais minuciosas, o que não é relevante nessa pesquisa, tendo em vista que o levantamento de genealogias não é inviabilizado pela inexistência de documentos inscritos, resta à dúvida quanto ao uso da flexão desse sobrenome. A genealogia dessa família foi construída considerando a memória dos parentes entrevistados em suas residências, em datas diferentes. Houve vários momentos de interações entre eles. Relaciono os seus nomes: Antônio Cândido Serafim, neto de Dona Antônia Cândido e seus bisnetos: o cacique Manoelzinho e Maria Isabel de Lima; Os irmãos: Temístocles Inácio da Silva, Jacira Inácio da Silva e Antônio Inácio da Silva, que por sua vez, são netos de Dona Santina. Há ainda a filha de João Cândido – Dona Antônia Cândida Martins e seus filhos: Antônio Madeiro da Costa e Maria Verônica Madeiro da Costa. Os primeiros citados – o neto e os bisnetos de Dona Antônia e os netos de Dona Santina – que moram em Sagi, relataram que Dona Antônia foi parteira e quando morreu com 104 mais de 100 anos, a filha dela Joana Cândido Serafim seguiu sua profissão. Não souberam informar sobre o marido de Dona Antônia, apenas disseram que ele tinha o sobrenome de Serafim, que foi passado para seus oito filhos. Quanto à irmã de Dona Antônia – Oliva Maria da Conceição – é importante registrar que o sobrenome dela difere do de seus irmãos e poucas pessoas a conheciam pelo nome de “Oliva” – pois na comunidade era conhecida por Santina Cândido. Isso foi esclarecido por uma de suas netas – Dona Jacira e reconhecido por Maria das Dores do Nascimento– vulgo Zita 189 , atual esposa do Sr. Temístocles, que informou: “eu alcancei ela viva e ela dizia que se chamava Oliva, mas a gente não acreditava”. Outro aspecto que me chamou a atenção foi que o sobrenome “Conceição” foi aludido pelo cacique Manoelzinho como sendo de uma das quatro primeiras famílias a residirem em Sagi. Ninguém soube explicar se ela herdou o nome de uma de suas avós, como é comum entre os filhos homens do povoado, ou qual é a verdadeira explicação nesse caso. Senti dificuldade quanto à identificação dos descendentes de alguns homens dessa família, em virtude dos pais registrarem seus filhos e até netos com o seu próprio nome, sem diferencia-los, acrescentando no final deste, Junior ou “Filho”. A seguir, alguns exemplos: José Leôncio do Nascimento, esposo de Joana Cândido Serafim – um dos filhos do casal recebeu o mesmo nome do pai; José Inácio da Silva, esposo de Mariquinha Cândido Serafim – um dos seus filhos tem o mesmo nome do pai; José Cândido Serafim – esse nome é do filho e do neto de Antônia Cândido; João Inácio da Silva, também é o nome do filho e do neto de Santina Cândido. Já Manoel Inácio da Silva, marido de Santina Cândido, deu ao seu filho o seu nome, mas acrescentou o sobrenome “Filho”. Da mesma forma, Antônio Inácio, cujo filho se chama Antônio Inácio Filho. No início da pesquisa, esses nomes idênticos geraram uma certa confusão nas informações, porque os interlocutores usavam o mesmo nome para pai, filho e neto, sem diferenciá-los. Mas, entre eles há uma distinção por meio de apelidos. Assim como entre os Potiguara da Paraíba pesquisado por Vieira (2010, p.61): “Os nomes genéricos geraram semelhança entre eles, assim como entre os homens, o que exigiu a invenção dos apelidos como mecanismo de singularizar as pessoas”. Quando percebi que esse era um costume local, passei a instigá-los com mais veemência quanto à confirmação das informações, visando fazer a distinção entre eles, registrando corretamente os descendentes de cada um. 189 Conforme conversa informal em sua casa no dia 23.01.2014. 105 Encontra-se em anexo, um Quadro Demonstrativo da Genealogia da Família Cândido (ANEXO G), distribuída em sete gerações. Como não foi possível identificar todos os membros dessa família, por ser numerosa e também, por muitos terem migrado para outras cidades, registrarei apenas àqueles que a memória dos meus interlocutores conseguiu recuperar. Portanto, farei um recorte genealógico dos parentes e de acordo com o que foi informado, farei uma observação na última coluna da tabela, com o nome do local onde moram/moraram, bem como utilizarei alguns símbolos conforme nota no final do quadro. Portanto, a tabela abaixo mostrará uma síntese das sete gerações, partindo de um único casal que chegou a Sagi no final do século XIX, com três filhos dos quais as duas mulheres (Dona Antônia e Santina Cândido) viveram no povoado até falecerem e onde as suas sementes brotaram, criaram raízes e até os dias atuais lutam pelo direito à recuperação de suas terras. Entretanto, o único filho do casal, João Cândido, vulgo Josu, foi morar em Baía Formosa e lá permaneceu até sua morte em janeiro de 2014. QUADRO QUANTITATIVO DOS DESCENDENTES DO CASAL CASAL FILHOS NETOS BISNETOS TRINETOS TETRANETOS PENTANETOS Cândido Martins = Emília Cândida Antônia Cândido 08 40 95 91 32 Santina Cândido 06 23 46 46 08 João Cândido 09 28 56 53 06 PARCIAL 03 23 91 197 190 46 TOTAL 550 Tabela 7: Descendentes da Família Cândido Tendo em vista que as duas irmãs receberam o sobrenome dos esposos e não o dos pais, o sobrenome Cândido(a) continua até os dias atuais apenas entre os descendentes de João Cândido. Exceto uma filha do casal de primos: Antônio Madeiro da Costa, neto de João Cândido e Maria Isabel de Lima, bisneta de Antônia Cândido, que recebeu o nome de Maria Cândida de Lima Madeiro seguindo o costume de suas antecessoras. Esse foi o resultado do recorte genealógico realizado entre os descendentes dos três filhos do casal Cândido Martins e Emília Cândida: 03 filhos, 23 netos, 91 bisnetos, 197 trinetos, 190 tetranetos e 46 pentanetos, totalizando 550 descendentes recuperados pela memória dos interlocutores. Isso só foi possível porque me reportei a três “egos”: o cacique Manoelzinho, bisneto de Antônia Cândido, Temístocles Inácio, neto de Santina Cândido e Antônia Cândido, filha de João Cândido. 2.4. SUSTENTABILIDADE 106 Sagi compõe um povoado localizado no extremo sul do litoral do estado do Rio Grande do Norte, sendo oito quilômetros de praia semidesertos, que está na rota de turismo do Brasil. Contudo, os moradores desse lugarejo não têm nesse empreendimento turístico um meio de sustentabilidade. Muito pelo contrário, essa atividade impacta o ambiente natural onde reside um grupo de mais de duzentas pessoas que dele depende para desenvolver suas atividades de subsistência. Assim como desde o início do povoamento em Sagi, o grupo indígena pesquisado, identificado como Potiguara de Sagi também depende da pesca e da agricultura como meios essenciais de subsistência. Já o turismo e o artesanato são desenvolvidos por um pequeno número de pessoas. Para tanto, apresentarei essas atividades desenvolvidas no povoado, em ordem de relevância para o grupo, de acordo com os tópicos: pescaria, agricultura, turismo e artesanato. 2.4.1. Agricultura Apesar de não possuírem terras para o plantio de seus roçados, os Potiguara de Sagi têm na agricultura seu maior meio de subsistência, conforme foi enfatizado por Tayse Michelle Campos da Silva – coordenadora da microrregional da APOINME/RN, que informou 190 “entre as comunidades indígenas do Estado, Sagi é a que mais desenvolve a agricultura”. Falando sobre essa prática, o cacique Manoelzinho afirma191: “se você pegar do TECNARÃO 192 subindo até o Guaju, todo mundo trabalhou e fez roçado ali, mas hoje num pode mais”. Atualmente, essa prática encontra-se restrita, porque falta terra para o plantio de seus roçados. Apesar de disporem do mar, dos rios e dos manguezais para a pescaria, os indígenas não podem comprar o equipamento apropriado para o desenvolvimento de uma pescaria satisfatória, resumindo-se a uma prática secundária. Portanto, passam a depender dos roçados como opção alternativa de auto sustentabilidade, como esclareceu o Sr. Temístocles: Essa terra é muito boa, tudo o que plantar dá: batata, feijão, melancia, jerimum, roça... Mas no começo eu passei muita fome aqui no Cutia, porque o que a gente plantava, só dava de ano em ano e a pescaria, as condição era pouca pra comprar o 190 Em uma conversa informal, em 05.11.2013, por ocasião da III AIRN, em Sagi. 191 Em conversa informal com a autora em 15.12.2013, em sua casa. 192 Empresa de produção de lavras de camarão localizada no início de Sagi, que encontra-se desativada. 107 material, foi quando fui plantar em Lagoa D’agua e as coisa melhorou – (Conforme entrevista “in loco” – em Cutia no dia 26.01.2014). Quando o Sr. Temístocles afirmou que a “coisa melhorou” foi quando ele passou a plantar em outra área, trabalhando em duas roças, em épocas diferentes, colhendo duas vezes por ano, não faltando mais comida, pois conforme ele continua falando: Quando eu comecei a trabalhar em dois canto... vamos dizer: eu plantava no verão, no mês de outubro pra colher no outro ano, de setembro envante, aqui eu plantava no mês de janeiro ou fevereiro, dependendo do inverno, aí pronto, quando começava a comer era feijão, batata, melancia, jerimum, milho. Aí acabou a necessidade – (Conforme entrevista “in loco” – em Cutia no dia 26.01.2014). Ele ainda falou que antes dos “parentes” terem essa ideia de plantarem em lugares diferentes, tinha período, em que “o inverno era fraco” e que eles chegavam até mesmo a “passar fome”. Em muitas ocasiões de desespero foram obrigados a tomar atitudes extremas, conforme ele mesmo confessa contristado: A gente roubava a roça dos outro. Era quinem caboco, o que tinha o pé maior ficava atrás pisando no rasto de nós que ia na frente levando tudo: batata, jerimum, o que tivesse no caminho pra matar a fome, quem via o rasto pensava que era uma só pessoa, mais deixa que era cinco ou seis. Vai todo mundo num rato só, por onde o primeiro passar, todo mundo tinha que passar também, no mesmo caminho, no mesmo passo, no mesmo rasto, quinem caboco, entendeu como é que é? – (Conforme entrevista “in loco” – em Cutia no 26.01.2014). Foi assim, que depois de tantas dificuldades enfrentadas, eles passaram a plantar não apenas em dois roçados, mas ampliaram o plantio para as margens das lagoas e dos rios. Há mais de cinquenta anos que a maior área plantada fica localizada às margens do Rio dos Paus, cercada por canaviais. Mas, recentemente, o proprietário da usina, mandou seu vigia destruir os roçados de três agricultores/indígenas: Isaías Amaro, Nilson e Severino dos Santos. Isso tem acarretado problemas sérios para eles, que desfrutavam do seu trabalho diário, retirando da terra uma excelente fonte de alimentos tanto para o consumo de sua família como para a venda do excedente e hoje, se sentem impossibilitados de plantar, como afirmou o Sr. Isaías Amaro: O vigia da usina arrancou um bocado de roça minha: pé de melancia, abóbora, banana, macaxeira, milho, batata. Meu roçado é uns cem metro e dá uns trinta de largura. Tem muita vagem pra se plantar, mas ele empatou, ninguém pode plantar. Eu planto há três anos, mas meu tio João Rosendo plantava há mais de trinta. Como ele não pode mais trabalhar por conta da saúde, ele mandou e eu continuei no canto dele. Outro tio meu, Raimundo Rosendo – tio Doca, planta ali também tem trinta 108 ano plantando, parou por conta dele. Arrancou a roça de Nilson, que é primo de Manoelzinho (cacique), plantou três vezes e ele arrancou. Já foi serviço do pai dele há muitos anos, o pai dele morreu, Deus levou ele, aí Nilson continuou trabalhando e arrancou o de Severino também. Toda essa área que a gente tá plantando já foi dos pai da gente, dos avô da gente, família da gente que vem plantando todo ano. Toda semana eu trazia uma carroça de banana pra vender aqui, toda semana. Tira o sustento da gente, dos filho da gente porque a gente tira pra comer e o resto nós vende. Aqui no Trabanda cada um de nós tem um roçado e a gente planta também no roçado coletivo, depois que eu limpar meu roçado vou me juntar com os outro pra limpar o roçado comunitário. Minha vivência é essa: roçado e pescaria pra dá comida a minha família – (Entrevistado em sua casa no dia 28.01.2014). Apesar de terem destruído três roçados, outros agricultores ainda continuaram plantando nessa área “proibida”, como o Sr. Isaías Amaro diz193: “Temisto, Seu Manoel Pau D’arco e o genro dele Eduardo e Edvaldo, também plantam lá. Tem outro primo de Manelzinho, Marksuel que planta na área do pai dele, todo esse pessoal tira a alimentação dali”. Ainda não se sabe por quanto tempo eles continuarão plantando, nem tampouco se sabe qual o motivo que levou a terem escolhido esses três agricultores para destruírem os seus roçados. Quando perguntei se era devido ao tamanho da terra utilizada para o plantio, Isaías respondeu: Ele não disse por que escolheu nós, mas não é pelo tamanho da roça, não! É porque num querem mesmo. As outra roça de Tio Doca ele arrancou, mas ele continua trabalhando no sítio de bananeira, que é o maior de todos, até a cerca que ele colocou pros bicho não entrar e destruir a roça dele, o vigia foi lá e arrancou, estaca por estaca e o arame. Toda semana uma pessoa vinha buscar uma camioneta cheia de macaxeira dele, o mais que agravou foi o meu. Minha roça tava dessa altura, o milho já bonecando e ele derrubou tudo, ficou tudo lá, no chão! – (Entrevistado em sua casa no dia 28.01.2014). O Sr. Isaías Amaro fica indignado quando fala sobre o roçado que perdeu, demonstra um semblante triste e permanece cabisbaixo, enquanto responde às perguntas direcionadas a ele, que enquanto consertava uma rede de pesca retrucou 194: “é, agora só resta pescar”. Mas a pescaria não é suficiente para prover o sustento de sua família, daí se justifica sua tristeza. De acordo com o cacique Manoelzinho 195 , o encarregado da Usina começou a destruir os roçados no ano de 2013 e desde então três roçados já foram destruídos: “os roçado arrancado foram de três família, mas tem outros roçado plantado nos paul: tem de Zezito, Temisto, Manoel Pau D’arco, D. Luzia, Doca, Zélio, Juarez, Martinho, tem muita gente ali dento, é porque não trabalho lá com eles pra vê o que tá acontecendo”! 193 Entrevistado em sua casa no dia 28.01.2014. 194 Idem. 195 Em conversa informal em sua casa, no dia 29.01.2014. 109 Mas ele continua falando que acredita que nenhum outro roçado será destruído, por que 196: “ele (o vigia) disse que não era mais ele que ia arrancar os roçado, era o IDEMA197, ele disse que não ia se meter mais nisso não”. Fala sobre a área plantada: “aqui tá o rio subindo... é paul desse lado e paul desse, tá entendendo? A nascente do rio é na Lagoa do Junco, tem plantado até os bambu, tem um canto mais estreito e outros mais largo, mas é todo cercado pelas cana”. Considerando que o vigia havia afirmado que não mais destruiria nenhum roçado, mesmo temeroso, o Sr. Isaías Amaro retornou a sua área de plantio no paul e, conforme ele me informou satisfeito sobre isso – no dia 19 de abril, momento em que retornei à aldeia para as comemorações locais – ele me falou: “plantei muito milho e se Deus mandar chuva, vou tirar uma boa safra de lá”. Portanto, o quadro abaixo é o resultado do cadastramento realizado pela FUNAI em 2013 e apresenta as profissões informadas pelos indígenas, nessa ocasião. Conforme se pode observar pelos números, a ocupação que prevalece entre os Potiguara de Sagi é a agricultura, considerando que, das 130 pessoas que informaram sua ocupação, 63 são agricultores, representando um percentual de 48,5% dos indígenas cadastrados. QUADRO DOS CADASTRADOS (POR PROFISSÃO) – FUNAI/2013 CADASTRADOS – INDÍGENAS – OCUPAÇÃO INFORMADA SIM NÃO SIM NÃO PESCADOR AGRICULT. ARTESÃO PROF. OUTRAS 257 23 44 = 33,8% 63 = 48,5% 10 = 7,7% 02 = 1,5% 11 = 8,5% 150 TOTAL: 280 SUBTOTAL: 130 150 Tabela 8: Profissão dos cadastrados pela CTL/NATAL/FUNAI Percebe-se que, em segundo lugar fica a ocupação de pescador, entre as quais, das 130 informadas, 44 exercem, ou dizem exercer esse ofício, que equivale a 33,8% desse total. As demais profissões somam 23 pessoas, que representam 17,7%, ou seja, somam juntas, menos que o percentual da segunda colocada. Assim sendo, nos dias atuais a situação dos Potiguara de Sagi por mais difícil que seja, não é mais tão árdua como no passado, quando “passavam fome” e até mesmo, eram impelidos a ter que “pegar” alimentos nos roçados dos outros. Sobre essa mudança, o Sr. Temístocles afirmou 198: “hoje na cidade, as família tem ajuda daquela bolsa que o governo dá”. Mesmo assim, esta não é suficiente para suprir as necessidades diárias dessas famílias, 196 Idem. 197 Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente – IDEMA/RN. 198 Conforme entrevista in loco. Cutia, 26.01.2014. 110 que necessitam de terra para plantar seus roçados. Caberá, portanto, ao órgão indigenista, quando em uma futura demarcação de suas terras, levar em conta os vários mananciais existentes na região, onde a água é abundante, a terra é fértil e a produção seria garantida para esse grupo indígena. 2.4.2. Pescaria Os pescadores de Sagi são cadastrados na Colônia de Pescadores e Aquicultores de Baía Formosa, Z11, criada em 27 de agosto de 1949, estando presidida pelo Sr. Arnaldo e pelo vice-presidente indígena, João dos Santos Neto, que reside em Sagi, onde foram cadastrados 57 pescadores, sendo 25 homens e 32 mulheres. Considerando que o vice- presidente é indígena, sempre que se faz necessário, são realizadas reuniões no próprio povoado, para tratarem de assuntos de interesse comum como: aposentadorias, benefícios, entre outros. Todos os associados portam uma carteira de identificação feita pela Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP) e são assegurados pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), o que possibilita aos pescadores o direito de receberem alguns benefícios como: auxílio doença, auxílio maternidade, aposentadoria e durante o ano, recebem três parcelas para preservarem a piracema – período em que os peixes sobem os rios para desovarem. Pagam uma mensalidade que é investida na própria Colônia, no intuito de suprir despesas com viagens do presidente à Natal para tratar de problemas de documentações dos sócios, para a compra de material de expediente e de limpeza da sede, bem como para o pagamento dos salários de duas funcionárias da instituição. Em 24 de janeiro do ano de 2014, o vice-presidente da Colônia em entrevista em sua casa afirma que, dos 57 cadastrados, apenas 14 pescadores, sendo 13 homens e uma mulher, estão na ativa, os demais, só recebem os benefícios, não exercem a profissão continuamente. Mas ele não os denuncia, porque é consciente que estes precisam dos benefícios oferecidos pelo governo para ajudar na subsistência de suas famílias. O mais grave é que dois dos pescadores ativos estendem suas redes de pesca nos rios e isso impossibilita a piracema. Sugerimos à direção da Colônia que chamasse esses pescadores e os notificassem sobre o 111 crime ambiental que estão praticando, caso não parassem, que fosse formalizada uma denúncia junto ao órgão competente. Em virtude de ser uma região “boa de peixe” o litoral de Sagi é procurado por pescadores de várias zonas de pesca do litoral do Estado, bem como da Paraíba. A pescaria tanto é boa em alto mar como nos rios, nos mangues e nas pedras, como afirmou o Sr. Temístocles quando visitamos Urubu 199: “Até hoje tem muita gente que pesca nessas pedra, eu mesmo já pesquei muito aqui! Ainda venho de Sagi pescar aqui e no inverno dá muito siri mole, desse tamanho assim! Na maré baixa dá tanto aratu, que é uma beleza!”. Continua falando sobre uma região de pesca muito valorizada na região: O irmão de Deodato, o Sr. Tragino pescou muito aqui. Ele conhecia um lugar que se dá o nome de taci, quando arreia a rede os peixe tá encima. João Paulo, pai de Valdemiro, avô da mulher de Galego, ele dava uma jangadinha de madeira do sul – não era de isopor não – pra Tragino ensinar onde era o taci, e ele morreu e nunca ensinou! – (Conforme entrevista in loco – em Cutia no dia 26.01.2014). Quando perguntei ao Sr. Temístocles como eles pescavam quando não existia rede de pesca na região, ele respondeu 200 : “Nesse tempo, quando eu era menino, tudo era na linha: mero, ariacó era os peixe que se conseguia pegar na linha. Não existia rede!”. A pesca era completamente artesanal e nem sequer utilizavam a vara, era apenas um anzol preso por uma linha de nylon, que eles jogavam ao mar enquanto a outra extremidade ficava presa na mão do pescador. Eles adquiriam esse material – anzol e linha – por meio da troca por peixe, com seus parentes de Sagi, que comercializavam mercadorias, trazidas para o povoado em cima do lombo dos animais. Não tinham condição financeira para adquirir o material para a pescaria de peixes maiores. E quando perguntei se ele lembrava do tempo em que as redes apareceram em Sagi, ele respondeu: Quando eu era rapazinho, as rede que aparecia era de fio e o material era comprado em Natal ou João Pessoa. Os pescador juntava três linha de fio torcida e fazia uns cordão. Esses cordão era torcido num carro de tábua. Botava um novelo daquele fio preto e começava a rodar... Ia no mato, pegava tucuna, raspava e botava numa gamela – um pedaço de pau cavado – a água ficava quinem vinho e botava a linha dento da tinta de tucuna pra zaprezar o peixe, era assim, pra puder pescar – (Conforme entrevista in loco – Cutia em 26.01.2014). Essa rede era artesanal, desde o momento de tecerem os cordões até sua finalização. Inicialmente, juntavam três fios de algodão e os torciam em um “carro” de tábua, “que girava, 199 Entrevista gravada pela autora, por ocasião da visita in loco aos lugares de memória e moradia, localizados entre Sagi e Urubu, no dia 26 de janeiro de 2014. 200 Idem. 112 parecido com um carretel” e para unir os fios, eles os mergulhavam numa mistura feita da raspa de uma árvore com água. Os pescadores teciam essas redes, no entanto, não as usavam, devido aos custos para a compra do material, eles a faziam por encomenda, ou seja, o interessado entregava-lhes o material e eles as confeccionavam. O Sr. Carlos Leôncio ainda traz na memória o nome dos pescadores de Sagi, na época em que ele era menino 201 : “os pescador daqui era papai, pai veio (avô), Seu Nino, Geraldo Amaro, Zebola, João Paulo, Valdemir e lá embaixo (Cutia) era Temisto, Olê, Deodato e João de Canã, que tinha uma jangada grande daquela madeira do sul”. Fala sobre as dificuldades que os pescadores passavam naquela época para conseguir madeira para construir um barco de pesca e para isso precisavam do esforço de três a quatro parentes: A madeira pra fazer a jangada era comprada em Pitimbu/PB, uns 70km de João Pessoa, eles comprava quatro pau bem roliço. Eles ia a pé e voltava com a madeira por dentro d’agua, pegando carona nos barco de pescador conhecido até Baía da Traição ou mesmo até Formosa, quando chegava aqui, ia furar a madeira no trado 202 – um ferro, com uma curva no meio, numa ponta um fuso, na outra uma cabeça de pau –, fazia um espontão – uma espécie de lança pra fisgar o peixe – com um pau branco tirado da mata e juntava três a seis pau pra fazer a jangada. A do meu avô tinha seis pau, pescava quatro homem, num bote pequeno tinha três pau. Quando o barco ficava encharcado que não prestava mais, uns quatro ano de uso, aí fazia tudo de novo – (Entrevistado em sua casa em 18.01.2014). Mas, a abundância de peixes nessa região tem trazido muitos problemas para o pescador local, principalmente quando pescadores de outras colônias invadem sua área e danificam suas redes com seus barcos potentes sem considerar que seus colegas precisam delas para sustentar suas famílias. Quando isso acontece é feita uma denúncia na colônia pertencente àquele pescador, no entanto, nem sempre é possível identificá-los, acarretando perdas e, consequentemente prejuízos, para os pescadores locais, que ficam vários meses sem pescaria, por não disporem de dinheiro para a aquisição de outras redes. Ainda há os que praticam a pesca irregular da lagosta – pescam lagostas no período de reprodução, quando esta é proibida – e, mesmo quando liberada, só se pode fazê-la com armadilhas especiais como covos 203 (cf. foto 16), mesmo assim alguns pescadores “de fora” desconsideram essa orientação e utilizam equipamentos sofisticados de mergulho e barcos especiais, tornando-se páreos desiguais para os pescadores artesanais. 201 Entrevista gravada na casa do Sr. Carlos Leôncio no dia 18.01.2014. 202 Uma ferramenta usada por carpinteiro para furar a madeira. 203 Armadilhas portáteis construídas artesanalmente com diversos materiais. 113 Fotografia 16: O pescador Temístocles preparando o seu covo para a pescaria. Foto: Jussara Galhardo. O pescador local só consegue tirar do mar o suficiente para o consumo, devido à falta de recursos para a aquisição de equipamentos de pesca, e raramente há sobras para serem vendidas, mas quando “o mar tá bom pra peixe” eles o vendem para ajudar na compra de outros itens alimentícios, como fala João dos Santos 204: “a gente vende ao pombeiro” – que é o atravessador, ou aos donos de pousadas, que estão sempre dispostos a comprar o peixe fresco, por uma quantia menor. De acordo com João dos Santos há dois tipos de redes utilizadas pelos pescadores locais: a primeira é chamada de rede grande (malha maior) usada no verão 205: “essa rede a gente usa de outubro a meados de abril e com ela a gente pega: robalo, pescada branca e xaréu” e a rede fina que é usada no inverno206: “de abril em diante, depois da quaresma, até o final de setembro”. Eles compram as malhas 48/100 metros e as preparam com chumbadas e boias, para fisgarem peixes menores como: guaiuba, chicharro, serra e bonito. Grande parte dos pescadores locais tecem suas próprias redes (cf. fotos 17 e 18), entre esses acompanhei o 204 Entrevistado em sua casa no dia 24.01.2014. 205 Entrevistado em sua casa no dia 24.01.2014. 206 Idem. 114 trabalho de João dos Santos assim como o de Isaías Amaro, os quais foram entrevistados em suas casas, quando faziam suas redes de nylon comprado em carreteis. Fotografia 17: O pescador João dos Santos colocando chumbada na sua rede de pesca. Foto da autora. A rede quando pronta é colocada em um barco. Os pescadores João dos Santos e Batista levam até oito redes ao mesmo tempo, mesmo a embarcação sendo pequena. E, quando chegam ao local, onde percebem que tem muito peixe, as “largam”, deixando na boia uma bandeira marcando o lugar. Esse tipo de pescaria é mais perto da costa e mais rápida, segundo João dos Santos 207: “no verão, a gente sai de três horas e volta às cinco da tarde, no inverno sai de três e volta de nove pras dez horas da noite”. Essas redes que eles “largam” no mar são chamadas de “rede boieira”, porque fica boiando na superfície da água, conforme diz João dos Santos 208: “em cada braça a gente usa três boia e coloca um pisca e fica esperando até a hora de puxar. Dura duas hora pra largar e a gente espera oito hora pra puxar. É como se fosse uma rede de arrasto em alto mar, por isso hoje nós num usa mais”. 207 Idem. 208 Idem. 115 Fotografia 18: O pescador Isaías Amaro tece sua rede de pesca. Foto da autora. Esse tipo de pescaria é uma prática predadora porque arrasta toda vida marinha que se emaranha na rede e também arrasta outras redes pequenas que encontrar pelo caminho. Por esse motivo os pescadores locais não costumam praticá-la. Confirma João dos Santos 209: “nós não faz essa pesca mais porque é arriscada, nós tem medo de dá prejuízo aos outro”. Portanto, a pescaria mais usual, atualmente, feita por esses pescadores é através da rede fundada, que para eles é a forma correta de disporem a rede no mar, porque evitam acidentes e prejuízos para si e para os outros pescadores. A rede fundada fica submersa e o local é marcado por uma bandeira presa a uma boia. João dos Santos afirma 210: “hoje eu pesco com meu irmão, a gente leva vinte e quatro rede no barco, quando chega lá, a gente divide uma corda de seis braça e coloca as rede em fila: duas fila com seis, uma com sete e uma com cinco”. Preocupados com a maneira correta da distribuição dessas redes no mar, os pescadores locais seguem todo um ritual para não prejudicarem o trabalho deles, nem tampouco o dos outros. Passam a “afundar” suas redes, utilizando boias menores, numa distância maior para que estas não subam a superfície, para isso eles prendem-nas com uma 209 Idem. 210 Idem. 116 âncora, que as mantêm presas embaixo d’agua, esticadas e fixas, evitando se emaranharem uma nas outras. A embarcação mais utilizada na pescaria local é a baitera 211 . Em Sagi, apenas um pescador: João dos Santos tem um barco de madeira movido a remo e/ou a motor, que ele pesca com seu irmão José Batista dos Santos. Quando vão fazer a limpeza do barco, leva-o até o rio Guaju, onde sobem um pouco a correnteza e o encosta rente a um banco de areia, tornando-se mais fácil para fazer tanto a limpeza como a manutenção do barco. Segue abaixo uma tabela demonstrando o número de embarcações que existem no litoral de Sagi, o local onde ficam atracadas, bem com o nome dos seus respectivos proprietários. QUADRO DOS PESCADORES LOCAL EMBARCAÇÃO QUANT. PESCADORES Guaju Baitera 03 Isaías Amaro Zélio Nascimento Antônio Félix ( Galego) Sagi Baitera 09 Ramos Jerônimo Severino Gomes Orlando Jerônimo Manoel Leôncio do Nascimento João Maria Zenilton Romildo Ismael Gilvan dos Santos João dos Santos Neto Barco 01 João dos Santos Neto Guajiru Baitera 03 Ailton Araújo João Dias Francisco Dias Cutia Baitera 01 Manoel Félix TOTAL 17 16 pescadores Tabela 9: Pescadores de Sagi, 2014. Essa tabela apresenta uma síntese da situação de pesca na região: há quatro lugares de pescaria: Guaju, Sagi, Guajiru e Cutia. Dezesseis baiteras e apenas um barco, somando dezessete embarcações pertencentes a dezesseis pescadores. Nem todos estão ativos, ou seja, apesar de terem a baitera não vão ao mar frequentemente, preferem pescar nos rios, ou nos manguezais. A baitera de João dos Santos é utilizada apenas para conduzir ele e seu irmão a bordo do barco com as redes e outros equipamentos de pesca. 211 Pequeno barco de pesca artesanal. 117 Há cerca de 30 anos a região litorânea de Sagi é monitorada pelo Projeto Tartaruga Marinha (TAMAR/ICMBio) 212 (cf. foto 19), que em sua totalidade alcança uma área de 33 km de praias no Rio Grande do Norte, que vai desde os municípios de Natal à Baía Formosa. O monitoramento é realizado por cinco técnicos, cada um é responsável por uma área de 6 a 7 km de praia, para tanto utilizam bicicletas ou motos. Fotografia 19: Tartaruga Pente. Fonte: Projeto TAMAR 213 . Em Sagi, esse trabalho é realizado pelo indígena tartarugueiro 214 José Carlos Leôncio do Nascimento – 51 anos, irmão do cacique Manoelzinho, que há dez anos monitora uma área de7 km de proteção, que se estende do Rio Guaju a Cutia. Segundo ele afirma 215 , trabalha com “carteira assinada pela firma CAPELA do Rio de Janeiro” e que “a vigília é feita todos os dias, a partir da meia noite, durante o período de outubro a maio de cada ano, quando acontece a desova”. O trabalho de monitoramento implica em acompanhar e descobrir os locais onde as tartarugas sobem à praia, identificado através da observação dos rastros deixados por elas durante a maré baixa. O técnico segue esses rastros e descobre onde os ovos foram postos, fixa um marco no local, com o número do registro e do ninho, anotando as seguintes 212 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. 213 Disponível no site: http://tamar.org.br/base.php?cod=32. Acesso em 20.08.2014. 214 É o técnico responsável pelo acompanhamento da desova das tartarugas em um determinado trecho da praia. 215 Conforme entrevista realizada em 22 de janeiro de 2014, em sua casa. 118 informações num bloco: nº do registro – a ordem de subida da tartaruga à praia; data e hora da identificação; em qual quilômetro da praia foram encontrados. Iniciando pelo Rio Guaju, a praia é sinalizada com uma placa fixada a cada quilometragem, facilitando a localização do ninho. Nessa placa ele faz as seguintes anotações, segundo as tipologias adotadas. Registrando como por exemplo, o resultado dessa subida, conforme as iniciais: ML: meia lua – quando a tartaruga sobe a praia, faz meia lua e volta ao mar sem fazer ninho em nenhum lugar. Quando na volta, ela cruza essa linha, isso indica que ela não voltará a esse local nesse ano. No entanto, se a meia lua for perfeita, entre 13 a 15 dias ela voltará para a segunda desova. Cada tartaruga desova duas vezes por ano, e a distância entre um ninho e outro é de 50 a 100 metros, para o norte ou para o sul; SD (Sem desova) cava o ninho, mas por algum motivo não desova, pode ser por observar alguém por perto, algum barulho, o sol estar nascendo, etc.; CD (com desova) a tartaruga demora de uma hora e meia a duas horas para desovar. Assim que a tartaruga põe os ovos, o tartarugueiro, que estava escondido esperando- a, segura-a antes de ela voltar ao mar: tira suas medidas – tamanho e largura, do casco e da parte inferior do peitoral, anotando os dados em um anel que ele prende em uma de suas nadadeiras. Quando a tartaruga já está cadastrada, o técnico faz apenas a notificação em seu registro de controle. Após 40 a 45 dias da desova, se os dias forem quentes, os filhotes nascem, em sua maioria fêmea, porém se os dias forem frios e chuvosos, pode perdurar por até 60 dias para saírem os filhotes sendo, nesse caso a maioria, macho. Quando as tartarugas nascem, o técnico conta o número dos filhotes através das cascas dos ovos deixados no ninho aberto e registra os dados no seu caderno de acompanhamento de acordo com as siglas: TR (Transferência) indica que dependendo do local onde a tartaruga marinha põe seus ovos, às vezes se faz necessário transferi-los, por ficarem num local de fácil acesso aos predadores – geralmente as raposas – ou até mesmo por ser passagem de bugres, motos ou pedestres, que podem encontrar o ninho e destruí-lo ou mesmo pelo avanço do mar. Mesmo assim, não havendo tanta incidência, em alguns casos, é preciso transferir o ninho, essa transferência só pode ser realizada de madrugada, porque a luz e o calor do sol podem impedir o nascimento dos filhotes. Nesse caso, os ovos são contados e colocados numa caixa, com areia do próprio ninho, em seguida transferidos para um ninho preparado pelo técnico, que tem todo o cuidado quanto à arrumação correta dos ovos, comprimindo-os com 119 areia, batendo forte – como faz a tartaruga fêmea com as patas traseiras, para que os filhotes possam nascer com segurança. Nessa temporada – de outubro/2013 a fevereiro/2014 – foram realizadas três transferências: uma com 160 ovos, outra com 138 e a última como afirma o técnico 216 : “quando estava fiscalizando os ninhos na minha rotina, percebi que em alguns trechos da praia a maré havia avançado e em um dos ninhos, os ovos estavam todos descobertos consegui salvar apenas seis ovos, mas fiz a transferência com sucesso”. Também é realizado um trabalho de salvamento quando uma tartaruga é encontrada emaranhada em redes de pesca. Para se fazer o resgate, muitas vezes é preciso a ajuda de outros pescadores para que ela possa voltar ao mar com segurança, e outras vezes, é necessário chamar o IBAMA, mas nem sempre essa tarefa é bem sucedida, tendo em vista que as redes cortam bastante e muitas não tem conseguido sobreviver. Muitos pescadores encontram tartarugas mortas emaranhadas nas redes de pesca, que temendo serem punidos, cortam as redes e as soltam ao mar, é comum encontrar tartarugas mortas no perímetro da praia. Muitos encontram os ninhos descobertos e antes de avisarem ao “tartarugueiro” retiram alguns ovos para consumo próprio, apesar da proibição. O hábito de comer tartaruga era comum nessa região, fazia parte da alimentação das pessoas do lugar, como lembra o Sr. Carlos Leôncio: Na época do meu avó ele pegava tartaruga e tratava aqui na frente, tinha dia que ele e outros pescador pegava mais de cinco tartaruga e tratava aqui na praia, não esperava nem desovar, era só pegamos, trazendo pra cá, pra tratar e levar pra casa pra comer e tinha um senhor na Barra de Cunhaú que tinha uma criação de mais de 50 tartaruga dentro do cercado, isso era comum nessa região! – (Conforme entrevista realizada em sua casa, em 22 de janeiro de 2014). Este senhor ainda traz na memória um incidente que envolveu um dos seus primos, conforme ele afirma 217 : “quando um técnico do IBAMA flagrou ele na maré (em Cutia) tratando uma tartaruga, numa baitera, a uns 200 metro da praia, quando ele percebeu que estava sendo filmado, jogou a tartaruga no mar, com tudo e lavou a baitera e veio pra terra”. Quando chegou a terra, negou o crime, mas diante da prova incontestável, se identificou como primo do tartarugueiro, o técnico do IBAMA disse que em consideração ao seu primo, não iria levar o caso adiante, mas que ele aprendesse a lição e não fizesse mais isso, tendo em vista que o registro do crime ficaria guardado para qualquer eventualidade. 216 Conforme entrevista realizada em 22 de janeiro de 2014, em sua casa. 217 Idem. 120 Mas, apesar de tudo, segundo o técnico, atualmente há uma melhor conscientização entre eles e até mesmo entre os frequentadores da praia, no tocante à preservação dos ninhos. Isso se atribui ao respeito conquistado pelo técnico por seu trabalho de preservação. O Sr. Carlos afirmou 218 : “hoje, quando alguém encontra um ninho descoberto, que a maré cavou, me comunica imediatamente e eu fico muito feliz, porque sei que meu trabalho tá dando certo”. Mas, para isso acontecer, continua ele “antigamente, tive que tomar algumas providências”. A atitude que ele tomou foi amedrontar os “predadores” – entre esses, parentes – que matavam as tartarugas para comer e/ou roubar seus ovos, avisando-os que se continuassem com essa prática iria chamar reforços e eles seriam presos, mas nunca foi necessário tomar essa medida extrema. Nessa temporada reprodutiva, referente a um período de cento e dez dias, iniciando em 14 de outro de 2013 até o dia 04 de fevereiro de 2014, quando por ocasião da segunda etapa da entrevista, o “tartarugueiro” informou o resultado da temporada: 27 tartarugas subiram a praia; 25 desovaram; 4 ninhos foram destruídos por raposas e 3 ninhos foram levados pela maré. Portanto, apesar de Sagi ser uma localidade onde a pesca é favorável – além do mar existem dois rios: Guaju e Cavaçu, na região, e oferecer uma potencialidade em grande escala para o desenvolvimento dessa atividade, atualmente, há um número reduzido de pescadores ativos – apenas 16. Há, entretanto, uma grande deficiência e falta de incentivo por parte dos órgãos competentes para ampliar o número de profissionais que pretendam desenvolver essa prática de sustentabilidade. 2.4.3. Turismo O desenvolvimento turístico em Sagi iniciou-se recentemente. Não sei se posso chamar de “desenvolvimento”, uma vez que nenhum investimento foi realizado no povoado e poucos sobrevivem dessa atividade. Apenas em 2006 o prefeito de Baia Formosa, por ser empresário na área 219 , estendeu seu negócio até o rio Guaju, oferecendo passeios turísticos. 218 Conforme entrevista realizada em 22 de janeiro de 2014, em sua casa. 219 Há uma parceria/acordo entre o Prefeito de Baía Formosa – proprietário de uma Pousada a beira mar, localizada a 12km de Sagi – com a CVC (Agência de Viagem). 121 O percurso passa pela Lagoa de Araraquara, que é um dos pontos turísticos do Estado do Rio Grande do Norte e recebeu o nome de “Lagoa da Coca-Cola” pelos turistas, devido à tonalidade da água, ser de cor escuro-avermelhada. Essa cor é provavelmente resultado da filtração da água pelas raízes das plantas: pau-ferro e barbatimão, que cerca toda a lagoa, conhecida pelos habitantes locais como “babatenô”. Eles acreditam que essas plantas têm efeito cicatrizante e quando as pessoas tomam banho na lagoa saem com a pele e o cabelo hidratados. Nessa lagoa o turista pode tomar banho e tirar fotos. A entrada de acesso é pela guarita, localizada em Cutia e fiscalizada pela Usina ECOAÇÚCAR. Os “bugreiros” fazem a segunda parada no Ombak Bar, em Sagi, cujo proprietário é paulista e em seguida, finalizam o passeio no rio Guaju, onde seis mulheres indígenas vendem alguns produtos, por conta própria, sem nenhum apoio dos empresários locais. Mas, poucos turistas se interessam em consumi-los porque os “bugreiros”, antes de saírem de Baía Formosa os orientam a levarem água e lanche. Conforme se pode perceber, quem está faturando com o turismo na região são os empresários, que têm recursos para investimentos, enquanto que os trabalhadores, moradores do lugar, ficam à margem dessa atividade lucrativa. De acordo com as entrevistas realizadas com o cacique Manoelzinho e seu irmão Carlos Leôncio percebi que não há nenhum interesse político em investir no turismo em Sagi, porque isso iria gerar concorrência com o turismo de Baía Formosa, que é o foco dos investidores. Conforme afirmou o Sr. Carlos Leôncio: O prefeito não queria a estrada aqui porque podia desviar o turismo de Formosa, mas quando a estrada foi feita o outro prefeito tentou fazer uma pousada naquele terreno onde hoje é o posto de gasolina, como não conseguiu a licença pra construção, vendeu a área e não queria que o turismo viesse praqui e fosse pra Formosa (Conforme conversa informal realizada na casa da autora no dia 26.01.2014). No entanto, em Sagi existe apenas uma pequena pousada com seis dormitórios e um bar pertencentes a uma família indígena. Em Sagi Trabanda existe um condomínio, construído desde o ano de 2006, por um empresário norueguês e administrado por uma imobiliária paulista, com vinte e quatro apartamentos, que recebem frequentemente turistas independentes da rota dos passeios realizados pelas agências de turismo. Contudo, essa atividade turística provocou um agravante em uma das modalidades pesqueiras da região, afetando diretamente os pescadores de mariscos e caranguejos. Uma vez que para manter o fluxo de turistas ao condomínio foi construída em 1999 uma ponte sob o 122 Rio Cavaçu, que dá acesso a Sagi Trabanda, tendo em vista que quando a maré enche se torna o único acesso automotivo àquele empreendimento imobiliário. Essa construção tem provocado sérios problemas no manguezal. Nas margens desse rio, no início da ponte, localizado no lado de Sagi, um senhor construiu um pequeno bar onde vende, além de bebidas, um passeio ecológico de canoa, cujo percurso sobe o rio uns duzentos metros, adentrando o manguezal, fazendo uma parada para um banho à base de argila – uma areia negra do mangue. Ele é conhecido por Toreba e afirma 220: “essa argila deixa a pele macia, todas as turista gosta do passeio. É só alegria!”. Param nesse bar carros particulares, além dos “bugreiros”, cujos pacotes vendidos aos turistas oferecem o passeio ecológico. Visando ampliar os negócios ele contrata de dois a três jovens ajudantes, por temporada. Apesar de se auto afirmar indígena, ele ainda não se cadastrou, sendo, portanto, a única pessoa do lugar que tem lucrado com o turismo. O rio Guaju fica localizado na divisa do RN/PB e faz parte dessa rota de turismo no Estado, mesmo assim, não foi projetada pelos empreendedores nenhuma infraestrutura para acolher os turistas, quando chegam ao rio. Entretanto, seis mulheres, por iniciativa própria, se aventuram no turismo como meio de subsistência de suas famílias e, para tanto, construíram suas barracas de varas de mangue, cobertas de palha, à margem do rio, onde vendem seus produtos, praticamente, duas vezes por semana ou todos os dias na alta estação – período de veraneio. Mas apesar de cansativa e pouco rentável, essa atividade proporciona uma pequena fonte de renda para essas famílias. Assim, visando atender aos turistas trazidos pelos “bugreiros” de Baía Formosa, e levar para casa o sustento de seus filhos, essas mulheres caminham a pé três quilômetros de Sagi até o Guaju, empurrando um carro de mão, cheio de mercadoria – uma destas é ajudada pelo marido, que sendo pescador aproveita para pescar e preparar o churrasco de camarão e o peixe assado na brasa. Dona Cacilda 221 fala sobre elas: “Mira, Vanderléa, Neide e Flávia vende água de coco, água mineral, cerveja, churrasco”, enquanto que Gerlane vende apenas artesanato e desde janeiro//2014, Risalva está vendendo sabonete de argila. Após um dia cansativo de trabalho pesado elas ainda têm 3 km de volta para casa. Esse retorno se torna ainda mais difícil e cansativo quando coincide com a maré alta, exigindo delas mais esforço, porque a caminhada será feita na areia fofa. E quando o tempo não está tão atrativo, apresentando céu nublado ou mesmo chuvoso, os turistas não fazem o passeio e, 220 Conforme conversa informal com a autora, em sua barraca, no dia 28.12.2014. 221 Em conversa informal na casa da autora, no dia 06.02.2014. 123 consequentemente, elas são obrigadas a fazer o percurso de volta, levando em seus carrinhos toda a mercadoria que levaram. No dia seguinte, a rotina é a mesma. Realizei mais de uma vez esse percurso a pé e constatei quão cansativo e desgastante é para essas pessoas trilharem esse caminho todos os dias para ir trabalhar e ainda mais esforço fazem ao ter que empurrar carrinhos-de-mão. Mas, há outras atividades desenvolvidas nesse rio, onde essas pessoas ganham alguns “trocados”. Posso citar uma brincadeira de criança que virou uma modalidade desportiva: o “esquibunda”, que consiste em esquiar nas areias com um pedaço de madeira, similar a uma prancha. É praticada pelas crianças e jovens do lugar e agrada aos turistas, que descem as dunas até caírem nas águas do rio Guaju. Outra atividade também apreciada pelos passeantes partiu da iniciativa de Antônio do Nascimento, que tornou-se uma alternativa de subsistência para sua família. É um atrativo conhecido no estado por “aerobunda” (tirolesa). Ele construiu uma estrutura de madeira, com cordas presas nas extremidades, onde os aventureiros sentam numa cadeira, também presa às cordas e descem de morro abaixo. Sua irmã esclarece 222 : “o turista sobe o morro e senta numa cadeira, que desce numa corda amarrada até o rio. Meu irmão cobra R$ 5,00 (cinco reais) por pessoa para praticar essa aventura”. Ela continua informando que além dessas atividades, há cinco canoeiros que fazem passeios com turistas, em sua canoas, subindo o rio Guaju, até o manguezal, onde no final do percurso, tem um banho de argila, que eles acreditam ter efeitos medicinais. Segundo Risalva 223 , são eles: “Antônio, Wêdma, Orlando, Francisco e Jonas”, mas para permitir esse passeio, ela continua 224 : “o bugueiro exige 50% de cada canoeiro, que leva de uma vez seis pessoas, cobrando R$ 15,00 (quinze reais) por cabeça. Ou dá o dinheiro na hora que o turista sobe na canoa ou o passeio não acontece”. Risalva, indignada, conclui dizendo225: “Pior ainda é que o prefeito está planejando cobrar uma porcentagem dos barraqueiros para oferecer o trabalho de tratorista para limpar a praia e recolher o lixo!”. Portanto, podemos afirmar que as pessoas do povoado sobrevivem do turismo? Como? Se as atividades desenvolvidas por elas estão relacionadas apenas como apoio em serviços gerais no condomínio, como garçom ou garçonete nos bares ou como barraqueiras no rio Guaju? Ou através de iniciativas desportivas visando conseguir alguns “trocados”? Até 222 Entrevistada no dia 27 de junho de 2014, ocasião em que li o esboço do Capítulo 2 para os interlocutores, que contribuíram com suas informações preciosas, para a realização desse trabalho. 223 Idem. 224 Idem. 225 Idem. 124 mesmo a profissão de “bugreiro” tem suas vagas preenchidas pelos motoristas de Baía Formosa. Em síntese, as tarefas menos rentáveis são as executadas pelos moradores de Sagi. Procurei saber, de um ex-vereador do lugar se há algum projeto em andamento para a melhoria das condições de trabalho dessas pessoas. No entanto, não obtive nenhuma resposta concreta. Assim sendo, conforme os relatos apresentados, as atividades turísticas desenvolvidas pelos indígenas de Sagi estão longe de ser consideradas satisfatórias e muito menos, sustentáveis. Segundo um site de pesquisa 226 , o turismo: “se tornou uma das principais atividades econômicas do Estado. [...] é a que mais emprega, [...] ocupando o posto de segunda fonte de renda estadual (Receita estimada de US$ 216.131.752 em 2002, segundo dados da SETUR- RN)”. E, de acordo com o mapa (6) apresentado na página seguinte, Sagi está incluída na rota de turismo do litoral do Estado do Rio Grande do Norte. Assim, visando maiores informações sobre o potencial turístico dessa região, pesquisei uma postagem no youtube, com um título: Um Paraíso Chamado Sagi, enviada ao site no dia 25 de setembro do ano de 2010, pelo jornalista José Vieira Neto 227 , cujo conteúdo faz parte de uma reportagem iniciada em Baía da Traição, seguindo pela trajetória do litoral até a praia de Sagi, o mesmo destaca 228 : A pequena vila de pescadores, no litoral sul do Rio Grande do Norte, não é o que se pode chamar de destino turístico. É, no entanto, um paraíso já descoberto por aventureiros que dispensam o conforto e busca de belezas naturais. E além do mar com ondas fortes e baías suaves, tem rios e lagoas, dunas e mangues (cf. publicação em site citado em nota de rodapé). Esse vídeo é interessante porque pode ser visualizado tanto o percurso de Baía da Traição à Sagi, conforme registro no início desse capítulo, como também, mostra as aventuras praticadas no rio Guaju, como por exemplo: as atrações do banho no rio, o banho de argila e o “esquibunda”, encerrando a reportagem no rio Cavaçu, que o jornalista o denomina de rio Sagi. 226 O turismo no Rio Grande do Norte se tornou uma das principais atividades econômicas do estado e é a atividade que mais emprega, visto sua abundante riqueza de atrações naturais e por ser um estado nordestino e ter um clima tropical agradável. Ele é responsável também pelo principal papel que alavanca o desenvolvimento do estado, já ocupando o posto de segunda fonte de renda estadual (Receita estimada de US$ 216.131.752 em 2002, segundo dados da SETUR-RN) e de maior empregador da iniciativa própria. Disponível no site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Turismo_no_Rio_Grande_do_Norte. Acesso em 08.11.2014, às 20h. 227 Trabalha na “RCTV (rc.tv.br) e na TV Correio, afiliada da Rede Record na Paraíba, no programa Correio Espetacular, veiculado aos sábados, a partir das 13h30min”, conforme nota disponível no site: http://www.youtube.com/user/jvncom/about. 228 Disponível no site: http://www.youtube.com/watch?v=0V0Tv84G12w. Acesso em 01.11.2014, às 12h38min. 125 Mapa 4: Rota de turismo pelo litoral do RN 229 . Outro vídeo 230 , cujo tema: “Banho na “Lagoa da Coca-Cola””, poderá contribuir com o vislumbre da Lagoa de Araraquara, já referenciada anteriormente. É uma produção independente, postada do mesmo site, sendo compartilhada pelo turista Daniel Amaral Santos, em 22 de março do ano de 2014. O selecionei, entre tantos outros, pelo fato de apresentar um mergulho nessa lagoa conhecida pelos turistas como “Lagoa da Coca-Cola”. O objetivo desse vídeo é apresentar a lagoa como opção turística da região e, posteriormente, uma 229 Disponível no site: http://www.natalguia.com.br/mapa_praias_gig.html. Acesso em 01.11.2014, as 20h. 230 Disponível no site: https://www.youtube.com/watch?v=fE5xzj-Db9c. Acesso em 01.11.2014, às 14h17min. 126 oportunidade econômica para os indígenas que vivem em Sagi, caso o órgão indigenista venha a demarcar suas terras. 2.4.4. Artesanato As primeiras iniciativas realizadas quanto ao desenvolvimento dessa atividade artística no povoado de Sagi aconteceram por ocasião das ações de um projeto elaborado pela Associação Comunitária Amarelão – ACA, João Câmara/RN, em parceria com o Grupo Paraupaba. Esse projeto foi contemplado pelo Prêmio Cultura Indígena 231 na edição Xicão Xucuru/MINC (2007/2008). Entre as mais de 500 iniciativas que concorreram à premiação, esse foi selecionado entre os 102 contemplados. O referido projeto intitulado: “Motyrum Caaçu232: unidos pela arte” (o nome é de origem tupi e significa Mutirão no Mato Grande), teve como objetivo difundir o artesanato entre os Mendonça do Amarelão e as comunidades indígenas do Estado, por meio de oficinas e, posteriormente, constituir o primeiro grupo de artesãos indígenas do Estado do Rio Grande do Norte. No dia 26 de março do ano 2009 aconteceu na comunidade de Sagi a 1ª oficina de artesanato, ministrada pela coordenadora do projeto, Tayse Campos, em parceria com o Grupo Paraupaba, representado por sua coordenadora Jussara Galhardo. Nessa oficina os alunos, jovens e adultos indígenas produziram: pulseiras, brincos, tererês e filtro de sonhos, usando sementes, linhas e missangas, bem como colares de conchas. Enquanto que as crianças produziram maracás de cabaças (cf. foto 20), os quais eram pintados para serem utilizados na dança do toré. Dentre os que participaram dessa oficina, com 3h de duração, se destacaram Dona Cacilda Jerônimo, Micarla Nascimento e Rivânia Nascimento. A primeira senhora até hoje produz outras modalidades de artesanato como: crochê, tenerife e colchas de retalhos. A segunda casou-se e migrou para Minas Gerais com o esposo e a última continuou com o artesanato como meio de subsistência. 231 Esse prêmio homenageia uma liderança importante de Pernambuco – Xicão Xucuru – que lutou pela demarcação do território tradicional e pela valorização da identidade Xuuru. 232 O Grupo Motyrum-Caaçu participa anualmente da Feira de Artesanato Internacional – FIART, que acontece em Natal, no Centro de Convenções, junto a outros grupos indígenas como: junto aos Fulni-ô de PE e Pataxó da BA e de Minas Gerais. 127 Fotografia 20: Oficina de artesanato: criança pintando um maracá. Foto: Jussara Galhardo. Segundo o cadastramento realizado pela FUNAI, no ano de 2013, dos indígenas que informaram sua ocupação, apenas 7,7% são artesãos, dentre esses escolhi uma jovem senhora para registrar sua história, por ter me sensibilizado com a sua persistência e determinação para desenvolver essa arte como profissão. Assim, no dia 23 de janeiro do ano de 2014 entrevistei Rivânia do Nascimento Silva, esposa de Everaldo Rosendo da Silva e mãe de dois filhos: Manoel Rosendo e Glória Maria. Essa senhora foi a primeira indígena de Sagi a se dedicar ao artesanato, procurando um meio de desenvolver seu próprio negócio. No ano de 2003, a turista Cláudia, de Mato Grosso do Sul e seu esposo da Argentina, construíram a primeira barraca de artesanato em Sagi. Na época, todo o artesanato vendido era comprado de artesãos de outras localidades e a proprietária confeccionava roupas indianas. Mas, como esta precisava de uma pessoa que tivesse talento em bordar e fazer crochê contratou Rivânia, que lhe prestou seus serviços habilidosos. No ano seguinte, essa comerciante fez-lhe o convite para trabalhar como ajudante e vendedora no seu pequeno negócio, mas essa oportunidade foi passageira, logo o casal voltou para a Argentina e a artesã ficou desempregada. Mas, posteriormente, no ano de 2006, construiu sua própria “lojinha” de frente para o mar, no terreno de sua sogra – Dona Jacira Inácio da Silva. Um local vizinho a um bar e 128 cachaçaria, então parada obrigatória para os “bugreiros”, com seu passageiros turistas. Tudo ia bem, mas com um ano de funcionamento, ela lamenta 233 : “o mar levou minha barraquinha, mas não desisti, construí outra e menos de um ano e foi derrubada de novo, é assim, todo ano o mar bota abaixo e eu construo outra vez. Meu sonho é ter meu próprio negócio!”. No ano de 2011, sua amiga Irani, que é agente de saúde na destilaria, sabendo do seu sonho, disse à amiga que lhe repassaria o que ela sabe sobre essa arte, mas demonstrando um espírito solidário, Rivânia responde a sua amiga: “eu aceito se você deixar eu chamar umas pessoas que também tem interesse de aprender, pra gente compartilhar o conhecimento, ela aceitou e passei a rebanhar pessoas que eram queridas pra mim, a maioria era da minha própria família”. Uma vizinha amiga disponibilizou o local para a realização das oficinas, sem cobrar nada. No início do grupo “era uma união muito grande, pensei até em formar uma associação ou uma cooperativa e para isso fui duas reuniões no SEBRAE, em Natal, mas elas não quiseram”. O trabalho em equipe não estava se desenvolvendo de maneira esperada: Muitas vezes, botar negócio com a família só dá confusão. A maioria só queria ganhar dinheiro e achava que ia ganhar dinheiro de imediato, aí não deu certo, começou as desavenças e as fofocas. Começou com onze pessoas depois foi caindo, caindo, só ficou eu e Cacilda, que até hoje persevera, mas cada uma em sua casa. Eu até entendo, porque elas se deslocavam de longe, vinham abertamente, trabalhavam e não via o dinheiro entrar, mas todo negócio é assim, nada no início dá lucro – (Entrevista gravada em sua casa, no dia 23.01.2014). Depois desse incidente, Rivânia ficou desestimulada, mas não parou de produzir suas peças de artesanato, deu apenas uma parada junto ao grupo: “porque engravidei e como era uma gravidez de alto risco, não queria me aborrecer, nem perder a cabeça com quem não queria nada”. Mas, mesmo tendo durado pouco tempo, o curso possibilitou a Rivânia desenvolver melhor sua arte, passando a bordar, pintar e a criar peças em tenerife. No projeto original, tinha dois coqueiros dentro da barraca, porque na orla havia nove coqueiros que foram todos derrubados pela maré alta e dois reaproveitados na construção da barraca. Mas atualmente ela é simples, no entanto, muito aconchegante e bem organizada. Há um balcão com uma variedade de peças artesanais, um provador, roupas de banho e, principalmente, roupas indianas. Há também bijuterias sendo algumas peças criadas pela própria Rivânia, que utiliza como matéria prima quengas de coco, tingidas com tinta spray, formando conjuntos composto por: cinto, colar e brinco. Um trabalho ímpar de criatividade e inovação. 233 Conforme entrevista gravada em sua barraca de artesanato no dia 23.01. 2014. 129 Passou três anos reconstruindo a barraca atual (cf. foto 21), mas até o momento não retirou nenhum lucro, mas durante esse tempo continuou bordando, criando suas bijuterias. Em junho do ano 2013 a reabriu definitivamente, ou pelo menos, até a força da natureza assim permitir. O marido, que no início era contra seu projeto, apoia suas ideias, ao mesmo tempo em que venceu a timidez ajudando-a diretamente no balcão como vendedor. Fotografia 21: Parte interna da barraca de artesanato na praia de Sagi. Foto da autora. Apesar de ter no turismo o seu meio de subsistência, não paga nenhuma comissão a bugreiros que conduzem os turistas, como ela mesma afirma: “quem quiser comprar a mim, que compre, mas não dou comissão a ninguém, é por isso que tudo o que entrar é lucro, porque não pago nada a ninguém”. Considerando os relatos apresentados podemos constatar que as atividades de subsistência desenvolvidas na comunidade não podem ser consideradas como sustentáveis, visto que a sustentabilidade envolve atitudes justas, no tocante aos aspectos econômico, social e cultural. No entanto, a forma precária como esses trabalhos são desenvolvidas em Sagi, estão longe de serem considerados satisfatórios para os moradores daquele povoado. 130 CAPÍTULO 3 TERRITORIALIZAÇÃO EM SAGI A atual Constituição Federal, promulgada em outubro do ano de 1988, rompeu com as falhas das anteriores Cartas Magnas 234 , que intencionavam incorporar o índio à comunhão nacional. Trouxe uma série de inovações no tratamento da questão indígena, assim como novos paradigmas diante das formas usuais de se pensar os povos indígenas na relação do Estado e sociedade brasileira. Houve, portanto, um avanço significativo no tratamento dessas questões, até então intocadas dentro dos arcabouços e ditames dos períodos anteriores na história política do Brasil, sobretudo, no período militar (1964-1985). A nova Constituição consagrou pela primeira vez na história, um capítulo específico e alguns artigos 235 , nos quais expressa os direitos dos povos indígenas brasileiros, além de atribuir ao Ministério Público o dever de garantir esses direitos e de intervir em todos os processos judiciais que digam respeito a seus interesses. Do ponto de vista territorial, embora a propriedade das terras ocupadas tradicionalmente por essas populações seja da União, sua posse permanente é dos próprios índios, aos quais se reserva a exclusividade do usufruto das riquezas aí existentes. Conforme destacam os seguintes artigos: Art. 20 – São bens da União: XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. (...) Art. 22 – Compete privativamente à união legislar sobre: XIV – populações indígenas. (...) Art. 49 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional: XVI – autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais (BRASIL, 1988). Do ponto de vista dos grupos sociais que a partir destes garantem sua sobrevivência material e simbólica, o território é percebido não apenas como um espaço de sobrevivência, mas também como um lugar de pertencimento do coletivo, no qual os atores sociais compartilham modos de vida, costumes, memória e história de seus antepassados. Não é à toa que o direito à terra é, sem sobra de dúvida, o centro das reivindicações por direitos dos povos indígenas, pois da sua garantia, dependem todos os demais direitos, como moradia, subsistência, saúde, reprodução cultural, entre outros. 234 As Constituições brasileiras, antes da atual (1988) somaram seis, aprovadas nos anos de: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967. 235 Intitulado: "Dos índios", no Título "Da Ordem Social", em oito artigos isolados e em um artigo específico: "Ato das Disposições Constitucionais Transitórias", referente à demarcação dos territórios indígenas. 131 Nessa pesquisa, a visão de território é pautada na concepção de Oliveira (2004), o qual diz que processo de territorialização é “o movimento pelo qual um objeto político- administrativo vem a se transformar em uma coletividade organizada, formulando uma identidade própria, instituindo mecanismos de tomada de decisão e de representação, e reestruturando as suas formas culturais” (OLIVEIRA, 2004, p.24). Essa dimensão territorial é percebida como sendo estratégica na relação existente entre o Estado-nação e as populações etnicamente diferenciadas. Além disso, o processo de territorialização é também: [...] um processo de reorganização social que implica: i) a criação de uma nova unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; ii) a constituição de mecanismos políticos especializados; iii) a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais; iv) a reelaboração da cultura e da relação com o passado (idem, 2004, p.22). [...] O processo de territorialização na concepção indígena permite que cada grupo étnico repense a “mistura” (OLIVEIRA, 2004, p.28). Little (2002) também tem essa mesma concepção ao afirmar 236 “o fato de que um território surge diretamente das condutas de territorialidade de um grupo social implica que qualquer território é um produto histórico de processos sociais e políticos” e passa a definir territorialidade 237 “como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu “território” ou homeland238”. No caso estudado, em meio a processos de organização política em contexto de conflito material e simbólico. De um ponto de vista histórico, as populações indígenas que hoje habitam o Nordeste provêm de grupos indígenas que foram envolvidas em dois processos de territorialização com características bem distintas: um verificado na segunda metade do século XVII e nas primeiras décadas do século XVIII, associado às missões religiosas; o outro ocorrido neste século e articulado com a agência indigenista oficial (OLIVEIRA, 2004, p.24). Desta forma, antes do final do século XIX já não se falava mais em povos e culturas indígenas no Nordeste. Destituídos de seus antigos territórios, não eram mais reconhecidos como coletividades, mas sim, referidos individualmente como “remanescentes” ou “descendentes” indígenas, passando a ser identificados como “índios misturados” de que 236 Little, 2002, p.3. 237 Idem. 238 A palavra inglesa “homeland” tende a ser traduzida como “pátria” em português. Mas o significado mais comum de pátria faz referência a um Estado-nação, o que desvia o termo “homeland” de seus outros significados possíveis referentes às territorialidades de distintos grupos sociais dentro de um Estado-nação (citando Sack, 1986: 19). 132 falam as autoridades, a população regional e, por vezes, eles próprios. Da mesma forma, os registros de suas festas e crenças foram sendo realizados sob o título de “tradições populares” (OLIVEIRA, 2004, p.26). Segundo a historiografia oficial, o Rio Grande do Norte era um dos estados do Nordeste que não se reconhecia a existência dessas populações. Ideologia de invisibilidade reforçada pelo ensino nas escolas através de livros didáticos que só abordam o indígena no passado, apresentando-o por meio de imagens estereotipadas, quinhentista, desaparecendo assim do contexto atual. Esses idealizadores desconsideram que as populações indígenas “nunca estiveram paradas, estagnadas num tempo lendário intocável” (LIMA, 2004, p. 417), pelo contrário, sempre estiveram em movimento. Ainda, falando sobre as deficiências dos manuais escolares, que privilegiam a história europeia enquanto que ignora o protagonismo indígena, Grupioni (2004) afirma que estes: [...] continuam a ignorar as pesquisas feitas pela história e pela antropologia no conhecimento do outro revelando-se deficiente no tratamento da diversidade étnica e cultural existente no Brasil, dos tempos da colonização aos dias atuais, e da viabilidade de outras ordens sociais. E é com esse material, equivocado e deficiente, que professores e alunos têm encontrado os índios na sala de aula. Preconceito, desinformação e intolerância são resultados mais que esperados desse quadro (GRUPIONI, 2004, p. 491). Assim sendo, contrariando essas abordagens transmitidas pela escola, diante de quadros de necessidades e da possibilidade de mediações políticas com atores não-indígenas (como vimos no capítulo 1), os indígenas do Rio Grande do Norte emergem publicamente O que ocorreu de fato foi que esses povos empregaram certas estratégias de resistência, dentre as quais o ocultamento de suas identidades como formas de resguardar suas vidas. Isto não quer dizer que o grupo tivesse esquecido sua formação histórica, ou que um conjunto de relações não estivesse em curso tendo especialmente as redes de parentesco (consanguíneo e aliança) como de organização. Na contemporaneidade, como vimos, é a partir dessas relações que estes se reorganizaram e fortalecem politicamente, buscando seu reconhecimento e seus direitos específicos. No tocante às terras que declaram como sendo ocupadas tradicionalmente pelos indígenas no Estado, em especial as de Sagi, pode-se afirmar que atinge uma dimensão agravante, tendo em vista que os atuais especuladores imobiliários da região, não aceitam, obviamente, o reconhecimento de seus direitos a terra. Desconsiderando o que afirma Carneiro da Cunha (1994, p. 133), dentre outros autores: “As populações indígenas têm 133 direito a seus territórios por motivos históricos, que foram reconhecidos no Brasil ao longo dos séculos”. Portanto, em sequência, organizarei de maneira resumida o modo como os indígenas relatam o processo de ocupação das terras que reivindicam como de “ocupação tradicional”, o que se articula com a recuperação e afirmação de um etnônimo: Potiguara, bem como com a organização de narrativas de forma a representar uma história de família, migração e assentamento. 3.1. REAFIRMANDO UM ETNÔNIMO: POTIGUARA Segundo as narrativas orais compiladas, os antecessores indígenas que migraram das aldeias Potiguara da Paraíba, especialmente dos municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto, se estabeleceram na praia de Sagi, no final do século XIX. Além de ressaltarem a origem indígena, narram que chegaram ao local muito antes do povoado existir. Conforme afirmou o Sr. Antônio do Nascimento, vulgo Dedem, nas primeiras entrevistas realizadas por Jussara Galhardo 239 : “Isso aqui foi a gente que criou. Meu pai, meus bisavó... foi quem fundou isso tudo aqui. Isso aqui não foi prefeito, não foi ninguém não... Foi a própria comunidade mesmo, que fundou isso aqui240”. Desde o início de sua autoafirmação, os indígenas de Sagi se identificam como “Potiguara de Sagi”. Utilizam esse etnônimo porque este está presente nas narrativas de sua origem étnica, pelos conhecedores de sua história, os “mais velhos” (pais e avós); e é assegurado pelos depoimentos dos Potiguara da Paraíba, cujo parentesco é evidenciado ao citarem várias conexões entre as famílias das duas localidades 241 , bem como pelos relatos das migrações que faziam pela praia de Baía da Traição/PB à Vila Flor/RN 242, “a pé, parando aqui e acolá 243” para se alimentarem e descansarem. Muitas dessas paradas resultaram em moradia ao longo da praia, onde os Potiguara fixaram residência. Além de Sagi, encontram-se relatos de residências na “Boca da Barra”, Barreiras, Cutia e Urubu. Seguindo a proposta de Vansina (1965, p.19 apud Pereira, 2009), 239 Conforme Relatório de Viagem – RV, por Jussara Galhardo (RV/GP, 2009). 240 Entrevista gravada pela pesquisadora, na casa de Dedem, no dia 28.06.2009. 241 Vê carta de Iraci Cassiano (anexo H). 242 “Muitas pessoas se dirigiram também a Vila Flor/RN, por ser considerado um antigo aldeamento indígena e pelo fato de muitas famílias residentes nas localidades potiguara terem migrado de lá” (VIEIRA, 2010, p. 132). 243 De acordo com o depoimento oral da professora Iolanda Potiguara durante a III AIRN, 2013. 134 podemos considerar o conjunto de narrativas compiladas como “uma série de documentos históricos, mesmo que sejam documentos verbais”. Quando perguntei ao cacique Manoelzinho 244 se ele conhecia ou sabia de alguém que veio morar em Sagi vindo de Vila Flor, ele respondeu: “De Vila Flor aqui num tem ninguém, todos vieram da Paraíba ou nasceram aqui. Eu mesmo tenho parente em sete comunidade da Paraíba: Grupiúna, Monte-Mor, Jaraguá, Marcação, Camurupim, São Miguel e Estiva Veia”. Conforme assegura o relato, os indígenas que moram em Sagi ou nasceram lá ou vieram da Paraíba. Essa afirmação é confirmada através de relatos de outras narrativas registradas por Branco (2012). Entre os indígenas 245 que vieram da Paraíba e fixaram residência em Sagi, foram destacados: Joana Virgílio dos Santos que nasceu em Lagoa do Mato/PB e morava em Coqueirinho/PB e veio com seu irmão Manoel Virgílio dos Santos (Bio): “há mais de 40 anos Dona Joana mora em Sagi” (BRANCO, 2012, p. 47) e até hoje tem primos que moram na aldeia Galego/PB e uma irmã que mora na Barra de Camaratuba/PB; Severino Gomes do Ramo Santos, que também “passou por esse processo de migração” (idem, p. 45); e o Sr. Manoel Severino do Nascimento, vulgo Manoel Pau D’arco que veio de Laranjeiras/PB e tem familiares em Pau D’arco/PB, bem como um filho – Antônio do Nascimento, na aldeia Galego (idem: p. 54). Na página seguinte apresento um mapa (5), no qual destaco os fluxos migratórios dos Potiguara, entre as cidades de Vila For/ RN e Baía da Traição/PB, durante o final do século XIX. Conforme afirma Lopes (2003), no período colonial, essa primeira cidade era a antiga aldeia de Igramació: Cascudo informou que: “... a região sempre fora habitada pelos índios tupis, plantando, caçando, pescando...”, o que foi confirmado pelo resultado de escavações arqueológicas feitas na cidade de Vila Flor, onde se encontraram artefatos de tradição Tupi-Guarani nos estratos inferiores, demonstrando a utilização da área como aldeia indígena anteriormente ao estabelecimento do aldeamento (LOPES 2003, p.174). 244 Conforme conversa informal com a pesquisadora no carro, durante uma viagem de ida a Paraíba, quando fomos visitar seus parentes Potiguara, no dia 19.01.2014. 245 Esses indígenas citados nesse parágrafo foram reconhecidos por meus interlocutores como “troncos velhos” dos potiguara que vieram da Paraíba no início do povoamento de Sagi. No entanto não os entrevistei nesse trabalho, exceto o Sr. Manoel Pau D’arco, porque Branco (2012) já os havia registrado em sua monografia. Entrevistas essas, orientadas pela antropóloga Jussara Galhardo (RV/GP, 2009 a 2011). 135 Mapa 5: Fluxos Migratórios dos Potiguara entre os estados do RN e PB, pelo litoral. 136 De acordo com as narrativas dos interlocutores dessa pesquisa, essas migrações aconteceram por vários motivos relacionados, como por exemplo, a necessidade de trabalho, conforme podemos observar na carta de Iraci Cassiano (anexo H): “muitos desceram do Rio Grande do Norte por conta da Fábrica do Rio Tinto (Fábrica de Tecidos)”. Esse mesmo motivo também foi citado pelo Sr. Ramos 246 – conforme detalhes apresentados mais adiante – , ao se referir ao motivo pelo qual seus familiares migraram de Vila Flor: “com o objetivo de trabalharem na Cia de Tecidos de Rio Tinto/PB”, ou devido ao trabalho escravo247, que “forçaram” eles a migrarem para outros lugares, de acordo com as narrativas do Sr. Manuel Pau D’arco: Meu pai falava que teve problema com o chefe do Posto da Aldeia Forte porque ele mandava que os caboco fosse puxar o carro de boi para limpar o Sítio de Coqueiro. Meu pai revoltou-se com essas coisa e desabou da Baía da Traição. [...] No tempo da morosa, no tempo que era na base da escravidão, esse Castelo Branco chegou e usava cinta de coqueiro, que hoje num tem, acabou tudo. Aí ele pegava o carro de boi e um bucado de índio como boi, aí foi por isso que muito índio desertou (Conforme entrevista realizada por Jussara Galhardo Aguirres Guerra, na Praia de Sagi / RN. Data: 27 de agosto de 2008). Os indígenas citados posteriormente migraram da Paraíba, acompanhados de algum membro de sua família, como pai, mãe ou irmão(ã). No entanto, uma pessoa que também migrou e me chamou a atenção foi a Sr.ª Cacilda Maria Pessoa Jerônimo, 62 anos, que na época era uma adolescente de 13 anos e veio acompanhada dos pais de José Carlos Leôncio do Nascimento, que eram compadres dos pais dela, enquanto que a sua família permaneceu na Paraíba 248 . Em Sagi, Dona Cacilda se casou e estabeleceu-se até os dias atuais, foi entrevistada em sua casa, no dia 03 de fevereiro de 2014 e afirmou que há 28 anos ficou viúva, quando seu esposo Orlando Jerônimo faleceu em pleno roçado, com uma parada cardíaca, após tentar apagar um fogo que se alastrava no roçado vizinho. Ela criou seus seis filhos, dependendo de seu trabalho junto à agricultura e a pescaria. São eles: Orlando Jerônimo Filho, Otávio Jerônimo Pessoa, Orlandinês Jerônimo Pessoa, Hortência Jerônimo Pessoa, Osvaldo Jerônimo Pessoa e Osmar Jerônimo Pessoa, dependendo da agricultura e da pescaria. Os seis filhos lhe deram dezenove netos e quatro bisnetos. Dona Cacilda é filha do casal Acácio Feliciano Pessoa e Lutealda Rosa Cândido que 246 Conforme citação registrada na pagina 140 desse trabalho. 247 Em virtude dos colonizadores tratarem os indígenas como escravos eles fugiam pelo litoral, de acordo com o registro de Lopes (2003, p. 83): “Aí se reuniram grupos Tupi e tapuias, como relatado pelo Padre Vieira que fugiram do litoral de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande, por: ‘... temor que tem do trato dos Portugueses...’”. 248 Segundo Woortmann (1995, p. 285): “o compadrio não é apenas uma forma de “parentesco ritual” ou de “parentesco fictício”, isto é de um paraparentesco. Ele é parte da própria estrutura do parentesco”. 137 teve trinta filhos, mas só criaram quatro: Acácio Feliciano Filho, Francisco de Assis Pessoa, Iracema Cristina Pessoa e Cacilda, conforme registrado no meu caderno de campo. Segundo afirma Cláudia Moreira, quando ela estava realizando sua pesquisa de campo entre o grupo indígena de Catu, precisou ir à Paraíba e, nessa ocasião, Baía Formosa foi citada “por alguns Potiguara de Baía da Traição como um antigo núcleo de ocupação daquela etnia 249”. A mesma ainda registra 250 sobre um “episódio ocorrido em Baía Formosa” que a fez “considerar a possibilidade de uma ideia difusa sobre a possível continuidade histórica entre os Potiguara e os índios do Rio Grande do Norte”. Na oportunidade, ela estava a passeio na localidade, onde aconteceu o seguinte, conforme ela mesma afirma: Fui abordada por alguns agentes de passeios turísticos na região. Ao narrarem seu roteiro de viagem, ouvi-lhes falar muito ‘empolgados’ sobre uma visita à “reserva indígena Potiguara”, como parte do passeio, cujo ponto de saída era Baía Formosa/RN. [...] O que veio confirmar certa apropriação, feita pelos regionais em determinados contextos, de uma história pensada a partir de elementos políticos e culturais comuns, definidos historicamente. Não obstante, é preciso considerar a proximidade geográfica dessas áreas e a busca pelo “exótico” por parte desses agentes em suas atividades turísticas (SILVA, 2007, p. 132). No entanto, o que a pesquisadora não previa era que àqueles “agentes turísticos” não estavam oferecendo um passeio apenas “em busca pelo exótico”, mas também estavam se referindo ao grupo indígena Potiguara que mora realmente em Sagi e não aos que moram em “Baía da Traição como parte da história indígena do RN”. Ela acreditava que eles estavam confundindo a história, no entanto, havia fundamento para o que estavam narrando. Como se pode observar, em várias situações sociais, a relação de parentesco com os Potiguara da Paraíba foi evidenciada. Todavia, há um evento em que esse vínculo intensificou-se ainda mais, foi durante a III Assembleia Indígena do Rio Grande do Norte, que aconteceu em Sagi, nos dias 6 e 7 de novembro de 2013, quando o cacique Caboquinho e sua irmã, a professora Iolanda da aldeia Forte/Baía da Traição/PB e Claudecir da Silva Braz – a cacique Cal da aldeia Monte-Mor/PB vieram pessoalmente fortalecer esse vínculo, reiterando que não importa a separação política entre os dois estados vizinhos (PB e RN), pois o que importa é, conforme assegurou a professora Iolanda durante aquele evento, que “somos todos Potiguara e, portanto, um só povo” (cf. foto 22). 249 SILVA, 2007, p. 131, conforme nota de rodapé. 250 SILVA, 2007, p. 131. 138 Outro objetivo da presença deles no evento foi solicitar o apoio do movimento indígena do Estado às várias famílias indígenas Potiguara do RN que moram em aldeias da Paraíba e que de certa forma, estão sendo desconsideradas pela liderança indígena atual daquele estado. Na oportunidade, Iolanda lê uma carta (cf. ANEXO H) que trouxe de uma parente, da mesma aldeia, que não pode comparecer à Assembleia: Iraci Cassiano Soares, 70 anos, parteira aposentada pela FUNAI e a primeira prefeita indígena do Brasil, que também assegura os laços de parentesco entre os Potiguara de Sagi. Após sua leitura, a carta foi entregue ao cacique Manoelzinho. Diz um trecho da carta: Bem, tenho o conhecimento de várias histórias do nosso Povo Potiguara, umas que presenciei outras que foi contada pelos meus pais. Como os indígenas daqui iam para Vila Flor e os de Vila Flor viam para cá. As famílias que tenho o conhecimento das famílias dos Santanas, os Eufrasina, a família Gome, Cassianos, Costas, Emilianos, Domingos, os Sinésios, os André, Galdinos, Avelinos, Julião, Freires, Afonsos, Padilhas, Trigueiros, Taginos, Paulinos, Cardosos, Pereira, Conceição, Nicácio, Mendonça, Santos, Cândidos, Ferreira e tantos outros que no momento não estou lembrada eles andavam muito de praia. Então uns moram aqui outros moram em Vila Flor, Sagi e assim foram se espalhando. Inclusive aqui no Sagi mora uma família que é bem conhecida que é a de Siurinha, Joana, Bio e Rita, eles moravam em Coqueirinho (aldeia). Muitos desceram do Rio Grande do Norte por conta da Fábrica Tecidos de Rio Tinto – (Carta datada de 06.11.2013). Fotografia 22: III AIRN, 2013. Local: Sagi. Da esquerda p/direita - Em pé: Ramos e Iolanda; Sentados: Tayse Capos e Cacique Caboquinho. Foto da autora. 139 Um dos encaminhamentos dessa Assembleia foi enviar a Sr.ª Maria Augusta Assirati – Presidente da FUNAI/DF, uma “Carta dos Povos Indígenas do Rio Grande do Norte” (ANEXO I), dando apoio às famílias que moram na Paraíba e que estavam presentes na assembleia entre os quais, os representantes: Severino Ramos da Cruz (Vila Flor/RN), José Batista dos Santos (Natal/RN) e José Arlindo da Silva (Barra de Cunhaú/Canguaretama/RN). Assim sendo, no dia 20 de novembro do ano de 2013, os organizadores do evento enviaram a Carta a esta instituição, objetivando que a mesma tomasse as devidas providências quanto ao problema suscitado na III AIRN, 2013, sabendo-se que essa é uma de suas atribuições: “proteger os direitos dos povos indígenas”. Essa atitude mostra que para os Potiguara, as fronteiras administrativas entre Estados não são relevantes porque eles interagem através das “fronteiras sociais”, de acordo com a concepção de Barth (1998): Se um grupo conserva sua identidade quando os membros interagem com outros, isso implica critérios para determinar a pertença e meios para tornar manifestas a pertença e a exclusão. [...] Na medida em que os atores usam identidades étnicas para categorizar a si mesmos e outros, com objetivos de interação, eles formam grupos étnicos neste sentido organizacional (BARTH, 1998, p. 195 e 196). Visando conferir de perto essas conexões, o cacique Manoelzinho, Jussara Galhardo e eu fomos à Paraíba no dia 19 de janeiro do ano de 2014. A primeira pessoa que visitamos foi a parteira indígena Iraci, conhecida na aldeia Forte como Nancy, a qual confirmou a autoria e envio da carta e demonstrou alegria com a nossa visita, justificando sua ausência na assembleia, pois na ocasião, encontrava-se em outro evento. Mostrou-se solidária aos “parentes” no RN e demonstrou preocupação, principalmente, com os que enfrentam problemas no recenciamento nas aldeias da Paraíba. Segundo Dona Nancy 251: “muitos estão afastados, por ocasião do recadastramento, pois a liderança indígena atual os deixou em observação, fora do cadastro, entre estes se encontram lideranças antigas, isso porque suspeitam de suas identidades”. A indignação da anciã é estampada em seu rosto quando questiona 252: “como podem duvidar da autoafirmação étnica dos próprios parentes que lideraram por muitos anos aldeamentos aqui na Paraíba? Isso é uma falta de respeito! Só porque essas famílias vieram do Rio Grande do Norte?”. Instigados por essa indignação e pelos depoimentos dos indígenas que foram à assembleia em busca de ajuda dos seus parentes do RN, no mesmo dia, à tarde, fomos à aldeia 251 Entrevista gravada e transcrita pela autora, realizada na casa da Sr.ª Iraci Cassiano, conhecida por Nancy, no dia 19.01.2014. 252 Idem. 140 Jaraguá em Rio Tinto, território da Paraíba. Chegando à casa do Sr. Severino Ramos da Cruz (cf. foto 23), fomos bem recebidos por sua família. Os depoimentos foram marcados por desabafos, tristeza e insatisfação, tendo em vista que o Sr. Ramos é uma das pessoas que se encontra “afastada” pela liderança indígena local, que o colocou em “observação” por duvidar de sua identidade indígena. Essa suspeita surgiu em virtude do Sr. Ramos ser de Vila Flor, município do Rio Grande do Norte. De acordo com as afirmações do Sr. Ramos, mais de cem pessoas se encontram em “observação”, assim como ele, sem poderem ser recadastradas. Entre essas, entrevistamos na casa do Sr. Ramos, no mesmo dia, seus convidados: o Sr. José Arlindo da Silva, 67 anos, que afirmou: “meu pai dizia que era caboco e meu bisavô era da Barra de Cunhaú”/RN; e o Sr. José Batista dos Santos, 60 anos: “o nome do meu pai era Paulo Soares dos Santos, que era índio e minha mãe era Joana Batista de Lima e morava em Natal, nas Rocas”. Continuando a entrevista, o Sr. Ramos fala sobre seus familiares que saíram de Vila Flor/RN e vieram para a Paraíba, no início do século XIX, quando sua avó – Isabel Neta dos Prazeres e seu tio vieram a pé, pela praia, ela trazendo quatro filhos: João Luiz da Cruz, que Fotografia 23. Entrevista na casa do Sr. Ramos. Aldeia Jaraguá/PB. Da esquerda p/direita - em pé: Jussara, José Arlindo, Gorete Nunes e José Batista. Sentados: cacique Manoelzinho, o Sr. Ramos, sua esposa e filha. Foto: Josenilson Andrade. 141 mais tarde tornou-se o seu pai, José Luiz da Cruz, Valdomiro da Cruz e Cícero da Cruz, com o objetivo de trabalharem na Cia de Tecidos de Rio Tinto/PB. Seus parentes, até hoje moram em Vila Flor, no centro da cidade, em frente à praça, mas não se identificam como indígenas. Conforme afirma o Sr. Ramos na ocasião da visita 253 : “há muito tempo negam a sua identidade, para não sofrerem represálias, mesmo com a mudança dos tempos, continuam se negando, afirmando que são caboclos, mas o caboclo é o índio que encobre a sua indianidade”! O Sr. Ramos apresenta a Certidão de Nascimento de sua avó, que nasceu em Vila Flor, no dia 10 de dezembro de 1903, registrada no Cartório de Canguaretama/RN, que nessa época, era um só município, pois ainda não havia sido desmembrado. Seu avô, João Francisco da Cruz, era afrodescendente, conforme afirma o Sr. Ramos 254: “meu bisavô abarcou na praia, após um naufrágio e a embarcação que ele vinha era da África, mas meu avô nasceu em Sibaúma/RN e com o tempo casou-se com minha avó que era indígena e a mistura aconteceu!”. Mas quando sua avó veio para a Paraíba com seus filhos, seu avô não a acompanhou, ficando em Vila Flor. Já na Paraíba, seu pai, João Luiz da Cruz, casou-se com sua mãe, também afrodescendente, Maria José da Silva Cruz, que nasceu na aldeia Monte- Mor/Marcação/PB, acontecendo mais “uma mistura”. Sua esposa, Maria José Sena da Cruz, é indígena e tem parentes “consanguíneos” cadastrados em Baía da Traição. No entanto, na aldeia Jaraguá ela não é reconhecida como indígena. Assim, não quero com esse relato assegurar que os indígenas do RN têm autoridade para afirmar que esses senhores citados posteriormente são indígenas, pois a autoafirmação é quem os determina como tais. Apenas estou enfatizando que os indígenas da Paraíba reconhecem os seus parentes no Rio Grande do Norte. Fundamentada nos depoimentos apresentados pude constatar que a relação de parentesco dos indígenas de Sagi com os Potiguara da Paraíba é bastante evidente, por essa razão, esse grupo não tem dúvida quanto a se identificar como Potiguara de Sagi utilizando o mesmo etnônimo dos seus parentes da Paraíba. 3.2. LUGARES DE MEMÓRIA AO LONGO DA PRAIA 253 Entrevista gravada e transcrita pela autora, realizada na casa do Sr. Ramos, no dia 19.01.2014. 254 Idem. 142 Durante este processo de produção dialógica do conhecimento, os especialistas da memória local (LE GOLF, 2003) relataram sobre a existência de vários lugares de moradia na região litorânea de Sagi, que resultaram das migrações realizadas pelos primeiros indígenas, em suas andanças entre Baía da Traição/PB e Vila Flor/RN. Já na obra de Malinowski (1984), ao longo de algumas das viagens do Kula, o etnógrafo relata de certos lugares que eram relacionados a momentos de narrativas míticas e históricas. Nora (1993, p. 28) chama a estes sítios de “lugares de memória”, “lugares onde se ancora, se condensa e se exprime o capital esgotado de nossa memória coletiva”. Assim, objetivando conhecer melhor essas memórias que se tecem em histórias, e que se ancoram em lugares, no dia 18 de janeiro do ano de 2014, entrevistei em sua residência, o Sr. Antônio Dias Moreira, 66 anos, que nasceu em “Sagi Trabanda”. Seu pai Francisco Dias nasceu em Camaratuba/PB e sua mãe Josefa Dias era “índia de Baía da Traição”. Ele teve três esposas, com as duas primeiras teve 17 filhos, mas apenas a atual é indígena e com ela não tem filhos. Quando perguntei sobre os seus filhos, o Sr. Antônio disse: “não lembro do nome de todos, tão tudo espaiado por aí!”. Mas, através do cadastro da FUNAI foi possível saber o nome de quatro deles, cuja mãe é Ana Lúcia da Silva: Alcides Dias, Aloíze Dias, Francisco de Assis Dias e Francinete Dias Moreira, a mãe destes é Ana Lúcia da Silva, todos moram em Sagi. O Sr. Antônio Dias relata, que quando tinha 16 anos, todas as casas na região do Rio Guaju até Urubu eram de taipa coberta com palha de coco. Ele continua 255 : “Um rico colocou umas teia grande, aí todo mundo, aqui no Sagi, passou a botar teia nas casa de taipa, só depois é que fizero as casa de tijolo e só tinha quatro casa desse lado (Sagi) e três na outa banda (Trabanda)”. E as famílias que moravam nessas casas vieram todas da Paraíba. Quando perguntei se ele conhecia essas famílias, respondeu 256: “do lado de lá (Trabanda) morava o pai de Vilazio (José Amaro da Silva), o pai de Geralda dos Santos (João dos Santos) e o meu pai (Francisco Dias)”. – E do lado de cá (Sagi)? “só lembro de D. Antônia Cândido, a bisavó de Manezinho”. O Sr. José Amaro da Silva – Vilazio, também se recorda 257: “meu pai veio de Baía da Traição solteiro, aqui se casou, criou nós e quando morreu ficou três morador aqui: João Fulô, Chico Dias e Chicó Caeira”. Esses relatos mostram que Sagi e Sagi Trabanda são duas localidades distintas, separadas pelo rio Cavaçu, mas que formam uma única comunidade. A primeira é um distrito 255 Entrevistado em sua casa no dia 18.01.2014. 256 Idem. 257 Entrevistado em sua casa no dia 23.01.2014. 143 litorâneo, local de residência de 75 famílias, equivalente a 91,5% das famílias cadastradas pela FUNAI/20113. Há também pessoas não-indígenas, que são investidoras nacionais e internacionais que “compraram” terras e construíram residências para moradia própria, bem como casas para alugar, pousadas e bares, que recebem turistas, durante todo o ano, mas com maior intensidade no período de veraneio – de novembro até o carnaval. A segunda, denominada pelos indígenas de “Aldeia Sagi Trabanda”, recebeu esse nome por ficar do outro lado do Rio Cavaçu, ou seja, na “outra banda de Sagi”, ou como eles chamam “trabanda” do rio. Moram nessa localidade sete famílias, que representam 8,5% dos que se cadastraram como indígena. É essa terra que se encontra em processo de disputa. Segundo os narradores, em Sagi Trabanda moravam os primeiros habitantes do povoado que migraram da Paraíba, local em que enterravam e enterram seus mortos e plantavam e plantam os seus roçados. O cacique Manoelzinho confirma: Tinha um pessoal que morava aqui e uns que morava lá. Trabanda é a outra banda do Sagi, do outro lado do rio. Aí ficou o nome da aldeia e o nome da tribo que pegou Sagi e Guaju e ficou Guajiru, que é um ponto de pescaria e lá tem muito dessa frutinha. Quando fizemos a reunião e falamos pro pessoal, quem trabalhava na divisa disseram: esse nome era o que nós já imaginava. Esse era o nome que a gente poderia dá a nossa tribo. Só tá faltando o pajé, mas nós já temos um nome, mais ainda estamos pensando (Entrevista gravada na casa do cacique, no dia 20.12.2013). Todavia, em virtude da dificuldade na travessia do rio, que enche com as marés – quem quisesse se aventurar a atravessá-lo teria que passar por uma “pinguela” 258, que ligava as duas margens, sem nenhuma segurança. O lado de Sagi se desenvolveu mais rapidamente devido a uma melhor acessibilidade, enquanto que a Aldeia Sagi Trabanda ficou mais “isolada”, por encontrar-se cercada pelo rio Cavaçu e o oceano Atlântico. É por isso que quando a estrada foi construída pelas máquinas da usina na década de 1970, não atingiram a aldeia, que permaneceu “protegida”. Continuando a entrevista, o Sr. Antônio reafirma que a “beira” da praia foi local de moradia de muitos “caboco” – quando se refere a seus parentes nunca usa índio – que migraram da Paraíba. Segundo o Sr. Antônio, a “Boca da Barra”, localizada a 3 km ao sul de Sagi, moravam Geraldo “Cacheiro”, sua esposa Rosa e os filhos: Novinho e Ezídio. Nas “Barreiras” – 500 metros do Rio Guaju, moravam o Sr. Francisco Cândido (Chico Caindo), que saiu de lá e foi morar em Gameleira/PB e o Sr. Manoel Cazuza, que ao sair de lá foi morar em Pituba. 258 Ponte estreita, improvisada com troncos, sem nenhuma proteção. 144 Ainda morou em Barreiras o Sr. Manuel de Alexandria, pai de Maria de Canã, sogro de Temístocles Inácio – que se aproximou no momento em que eu estava entrevistando o Sr. Antônio e confirmou o relato –, com seu filho João de Canã, ambos vieram de Baía da Traição. No entanto, quando o Sr. Manoel morreu, João de Canã foi morar em Cutia. Nessa época, também moravam lá: Joaquim Pereira, sua esposa – D. Luzia Pereira e mais cinco filhos, até que este veio a falecer e a família migrou para outro lugar. O Sr. Antônio continua afirmando que 259: “havia umas cinco casas lá” (em Cutia). Considerando as narrativas dos meus interlocutores, dos entrevistados, bem como das conversas informais que mantive com os moradores de Sagi, durante o processo etnográfico que realizei naquela comunidade, apresento na página seguinte o mapa (6), com a localização dos lugares de moradias ao longo do litoral, que corresponde a oito quilômetros de praia praticamente deserta. É uma representação espacial dos lugares de memória de um grupo, que busca o seu reconhecimento étnico e, consequentemente, a consolidação dos seus direitos. Visando ampliar meus conhecimentos sobre os antigos moradores do Guaju e Barreiras, entrevistei no dia 04 de fevereiro do ano de 2014 o Sr. Carlos Leôncio do Nascimento, 51 anos, em sua residência. Apesar da pouca idade em relação a outros indígenas de Sagi, ele demonstrou conhecimento acerca de seus parentes antigos que viveram nessas localidades. Ele inicia sua conversa afirmando que: “desde pequeno gosto de ouvir os mais velho, com a idade de sete anos eu acompanhava meu pai pra todo canto que ele ia e ficava horas e horas ouvindo ele e os mais velho conversando”. Ele ainda lembra que 260 “do lado de lá (Guaju/PB) morava um ex-combatente de guerra, Seu Aprígio, mas a maré alta começou a cavar e a derrubar tudo, os coqueiro e até a casa dele, aí ele desistiu e foi embora pra Barra de Camaratuba, onde morava a família dele, ele ia e vinha todo dia, pela praia”. Quando perguntei sobre as famílias que moravam do lado do Rio Grande do Norte, ele me respondeu: “do lado de cá, na minha época, só morava umas duas pessoa: Geraldo Amaro e a família de Dona Anita, que depois eles se casaram e passaram a morar do lado de lá, mas como as barreira estava caindo e derrubando as casa, eles vieram pro lado de cá e morou muito tempo 261”. 259 Entrevistado em sua casa no dia 18.01.2014. 260 Conforme entrevista gravada e transcrita pela autora, na casa do Sr. Carlos Leôncio, no dia 04.02.2014. 261 Idem. 145 Mapa 6: Identificação das moradias ao longo de 8km de praia – da “Boca da Barra” à Urubu 146 O cacique Manoelzinho também fala sobre o percurso entre Barreiras e Sagi onde moraram dois indígenas: Geraldo Vila e Lucas Claudino que é seu primo. Ele continua 262 : “Lucas criou os filho dele lá. Era um sítio de coqueiro todo cercado e ele criava gado dentro. Tinha um cacimbão que era uma maravilha! A comunidade todinha ia buscar água lá no poço dele”. Dona Cacilda e Carlos Leôncio também falaram sobre esses moradores que tanto moraram quanto cultivaram seus roçados nessa região, até que foram “obrigados” a saírem de lá. Entretanto, Cutia, localizada a 4 km de Sagi, por ser um local muito sombreado por coqueiros e por ter uma excelente “região de pesca”, também serviu de moradia para muitos “caboco”. Conforme afirma as narrativas do Sr. Antônio, sendo confirmada por Ednaldo Jerônimo Gomes, vulgo Dai (54 anos), filho de Jerônimo Gomes, que veio da aldeia Galego/PB e o Sr. Temístocles, 68 anos, que também se aproximou na hora da conversa, tornando-se uma entrevista coletiva. Na roda de conversa, que se formou na calçada da casa do Sr. Antônio, no dia 18 de janeiro, os demais presentes confirmaram 263 que João Cassiano era pescador e agricultor, sua esposa Rita Cassiano e seu filho André Cassiano foram os primeiros a morarem em Cutia. Plantavam roças de mandioca, feijão, melancia, jerimum e criavam cabras. André Cassiano faleceu ao cair num buraco: “morreu no buraco do tatu”, diz o Sr. Antônio, quando foi “pegar o tatu, a barreira caiu em cima dele e ele morreu, aí D. Rita saiu de lá e foi morar noutro lugar”. Nessa época, como não tinha cemitério por perto, todos os que faleciam na “redondeza” eram enterrados do outro lado do Rio Guaju/PB, num povoado conhecido por “Coelhos”. Para enterrar André Cassiano, por exemplo, caminharam uns 10 km pela praia na maré baixa, carregando o defunto em uma “padiola” – um pau, onde em cada extremidade era colocado um punho de rede. O falecido ficava dentro da rede, que era suspensa pelos ombros dos carregadores, que se reversavam entre eles. O Sr. Antônio lembra: Quando morria um aqui, a gente ia carregando numa rede até os Coelho, depois que enterrava a gente trazia a rede de volta, lavava e dava pra outro dormir, era assim, lavava e estava nova de novo. A primeira enterrada aqui no cemitério foi de rede, depois os rico começou com caixão, agora só enterra no caixão, as coisa mudou muito por aqui (Entrevistado em sua casa em 18.01.2014). 262 De acordo com conversa informal na casa do cacique, no dia 20.12.2013. 263 Nessa roda de conversa tanto o Sr. Temístocles quanto Ednaldo juntaram-se ao Sr. Antônio quanto à recuperação de sua memória. Quando um dos dois interviam em sua fala, o Sr. Antônio mudava a expressão facial, aprovando com um leve sorriso no rosto o desenrolar das narrativas. 147 O costume de enterramento dos mortos em caixão foi uma influência urbana, que chegou ao povoado com as pessoas de outras localidades que passaram a viver em Sagi. Para o Sr. Antônio, “rico” são as pessoas “de fora”, que têm condições de comprar um caixão. Observando essa prática, hoje os indígenas não enterram mais os seus mortos em redes. Essa trajetória, até o povoado Coelhos/PB era realizada sempre que morria alguém no entorno. Mas, quando o morto era uma criança ou um recém-nascido, evitava-se fazer essa longa caminhada até a Paraíba, sepultando-os num local conhecido como “Cemitério de Anjos”. Isso aconteceu até o ano de 1911 quando foi separada uma área em Sagi Trabanda para ser destinada ao sepultamento dos falecidos. A primeira antepassada indígena a ser enterrada lá foi Dona Tereza Vicêncio da Conceição, vinda da Aldeia Tramataia/PB, e, em sua homenagem, o cemitério quando restaurado e inaugurado, no ano de 1954 recebeu o seu nome. Meus interlocutores relatam que existiram dois cemitérios antes desse período (1911), nos quais eram enterrados os pequeninos quando mortos: o primeiro era localizado em Sagi Trabanda, onde hoje se encontra entre dois blocos de residências em um condomínio particular; o segundo ficava entre Sagi e Guaju, ambos estão desativados. Segundo Dona Cacilda: “era enterrado nesse cemitério os anjinho que não dava tempo de batizar, aqueles que era pagão”. A existência desses cemitérios de “anjos” foi em épocas distintas, ou seja, não existiram simultaneamente. Continuando o relato das narrativas, me informaram que após a saída dos Cassiano de Cutia, outras famílias passaram a morar lá, conforme afirma o Sr. Temístocles 264 : A família Barcaça: Maria e sua irmã Conceição, mãe de Deodato, casado com Ziza e a família dos Tragino: Antônio e Manuel Tragino. Deodato morou em Cutia mais de 30 anos e lá criou todos os seus filhos: Raimunda, que casou-se com Cledionor, Matilde, Antônio, Manoel, Dorgival, José, Marli, Manâncio, e João (cf. entrevista gravada e transcrita pela autora no dia 18.01.2014, na calçada da casa do Sr. Antônio Dias). Informam ainda que este último, ao morrer, sentiu fortes dores, possivelmente uma crise fatal de apendicite. No entanto, seus parentes acreditaram ter sido algo relacionado a “comida estragada”. A família traumatizada com a perda do ente querido, deslocou-se para Baía Formosa, onde até hoje Dona Ziza mora com sua filha Marli. No mesmo período, também moravam lá, outros dois casais: Edinho e Dôra; Temístocles e Maria de Canã. O Sr. Temístocles lembra que havia entre quatro a cinco casas 264 Entrevista gravada e transcrita pela autora no dia 18.01.2014, na calçada da casa do Sr. Antônio Dias. 148 de taipa, todas cobertas de palha. Quando alguém se “mudava” a casa ficava abandonada e logo era destruída pela ação do vento. Em “Urubu”, localizado a 1 km de Cutia, moraram Mestre André e sua esposa Dona Fulô, indígenas, que vieram de Baía da Traição. Em dias atuais seu irmão Zico, ainda mora no local e é casado com Nazaré. Esse casal teve três filhos: Preto, Edite e Anerita. Pescavam e vivam da agricultura, plantando jerimum, batata, milho e feijão. Dona Fulô é viva, tem mais de 90 anos e mora com sua filha Edite, em Baía Formosa. Ela é sobrinha do avô do cacique Manoelzinho. Objetivando conhecer as localidades registradas na memória dos interlocutores, no dia 26 de janeiro de 2014, num domingo pela manhã, acompanhada do Sr. Temístocles 265 – 68 anos e do meu companheiro, fizemos a trajetória a pé, de Sagi a Urubu. Parando em cada local de referência, ao longo da praia, embalada pela memória desse experiente indígena. Essa caminhada proporcionou-me rememorar com meu interlocutor, momentos significativos da história do seu povo. São quase cinco quilômetros de praia deserta, onde só se vê o mar de um lado e os morros cobertos pela vegetação do outro. Encontramos ao longo das ribanceiras dos morros, quatro marcos de localização de tartarugas marinhas até chegarmos ao pontal de Cutia. Nossa primeira parada foi na barraca de pescador construída por Ednaldo Jerônimo, vulgo Dai, que nos informou na entrevista anterior, que há mais de 30 anos, havia construído a primeira barraquinha de vara, coberta de palha, mas que há uns 10 anos atrás, por temor a cobras a cobriu com telhas. Dai relata 266: “aí chegou o IDEMA e mandou derrubar tudo, a mandado do prefeito, mas eu num queria a terra de ninguém, só queria fazer uma sombra pra guardar o material de pesca, mas os homem mandou aí eu derrubei tudo”. No entanto, cinco anos depois, Dai reergueu no mesmo local outra barraca, que permanece até os dias de hoje e nós a visitamos 267 . Faço aqui uma breve descrição do lugar: a barraca é coberta de telha de amianto e serve como base de apoio para os pescadores (cf. foto 24). Tem duas jangadas encostadas na lateral. No seu interior, existem alguns artefatos de pesca, mas apesar apenas os visualizamos, não pudemos entrar no recinto, porque a porta estava fechada com um cadeado. A localização da barraca é no início do primeiro sítio plantado pelos Cassiano. 265 A genealogia completa do Sr. Temístocles pode ser observada em Branco (2012, p. 47,48). 266 Conforme entrevista gravada e transcrita pela autora no dia 18.01.2014, na calçada da casa do Sr. Antônio Dias. 267 Quando a autora e o Sr. Temístocles fizeram o percurso a pé entre Sagi e Urubu, no dia 26 de janeiro de 2014. 149 Nessa oportunidade, constatei o que Dai havia me informado anteriormente 268: “tem um poço de água doce. Ainda é o poço original, só que pra não entrar mais sujeira, a gente se juntou e construiu a boca com tijolo e fez uma tampa de cimento, os turistas pra tirar foto”. Deixamos a areia da praia e fomos por um caminho trilhado pelos indígenas no local onde existiam suas roças, seguindo para o lugar de moradia dos Cassiano, quando de repente, o indígena sai da trilha e me mostra um local específico dizendo 269: “lembra da história que lhe contei sobre a botija que me deram? Pois foi aqui, foi aqui mesmo que tinha uma botija e eu por ignorância, perdi, mas me arrependo até hoje, o cabelo loiro, que tinha nesse local era o sinal, tenho certeza que não era coisa ruim”. O Sr. Temístocles aqui se referiu a uma entrevista que lhe fiz, como também a outras pessoas de Sagi, quando cursava uma disciplina no DAN/UFRN (2012), como aluna especial. A avaliação final foi à elaboração de um artigo científico 270 sobre narrativas orais, no qual registrei o relato deste senhor sobre a botija: 268 Conforme entrevista gravada e transcrita pela autora no dia 18.01.2014, na calçada da casa do Sr. Antônio Dias. 269 Entrevista gravada pela autora, por ocasião da visita in loco aos lugares de memória e moradia, localizados entre Sagi e Urubu, no dia 26 de janeiro de 2014. 270 De acordo com entrevista registrada por Pereira (OS POTYGUARA DE SAGI: registrando suas memórias lendárias, 2012, p. 20 e 21). Fotografia 24. Barraca dos pescadores – Cutia. Foto: Josenilson Andrade. 150 Quando foi um certo dia, a tarde, elas vieram: Penha, Maria, só elas duas. Já era quatro e meia pra cinco horas. Aí encheram as latas, nesse tempo, as latas era de gás, essas lata de gás, que tinha um jacaré desenhado. Aí encheram as latas, aí Penha disse: Dona Maria, eu vou aqui urinar. Aí Maria disse: tá certo! Ficaram as duas lata, assim e Penha saiu pro lado pegando o morro. Aí foi fazer a obrigação dela. Aí quando ela chegou, aí viu aqueles cabelo, assim, fora da terra. Só o cabelo, cabelo grande, assim quinem o seu. Aí ela se ajeitosse e foi. Quando chegou disse: Dona Maria, ali no baixio, tem tanto cabelo. Maria disse: que história é essa Penha. Ela disse: é, venha ver! Penha disse: eu me baixei aqui, ói aqui os cabelo. Maria disse: tou vendo. Maria não me falou nada. Aí, quando foi bem com uma semana ou menos, a gente tava trabalhando lá e descia pra tomar banho cá e levar água pra casa. Aí Maria contou a estória, aí eu disse: e aonde é, minha veia? Aí ela disse: é aqui, vem vê. Mas Gorete, ó! faça de conta que vocês tão vendo. O cabelo tava fora da terra, loro assim quinem o seu, você acredita? Você pode confiar, que eu peguei uma vara, que trouxe lá do roçado, que foi lá, que ela me disse. Eu peguei a vara e enfiei assim, no pé do cabelo, chega ia macio, a vara, dentro do cabelo e eu quinem um besta, e num cavei, ainda hoje estou arrependido. Você acredita, Gorete? Ainda hoje tou arrependido, porque num fui até o fim. Depois eu voltei lá, num acertei mais nunca com o canto – (Entrevista gravada e transcrita pela autora, na casa do Sr. Temístocles, no dia 26.06.2012). Apesar de me indicar o local onde estava a botija, na época do relato o Sr. Temístocles afirmou que não encontrou mais o “canto” dela, mas quando perguntei sobre isso ele afirmou 271: “o canto eu sei, como vou me esquecer? só não encontrei mais o cabelo loiro! Quando eles dão uma botija é pra gente tirar em três dia, senão ela desaparece, essa ainda demorou demais! é porque tinha dado a mim, estava só me esperando, mas eu num soube aproveitar!”. Continuando a caminhada em Cutia, o Sr. Temístocles não parava de relembrar sobre cada história contada pelos mais velhos, bem como sobre as histórias vivenciadas por ele. Seguindo a trilha ele faz uma parada, suspira fundo e afirma 272: “eu não alcancei os Cassiano, mas a casa dele era aqui. Veja! Não existe mais nada, mas quando eu morava aqui, Seu Deodato dizia que era aqui mesmo, e o roçado dele ficava daqui praquele alto e era todo cercado porque Dona Rita criava cabra”. Segundo ele, aos 12 anos de idade, fazia o percurso de Sagi para Cutia a pé, para comprar leite de cabra para seu irmão mais novo “que não se dava com outro leite”. Nessas andanças ele conheceu Dona Maria de Canã, que posteriormente tornou-se sua esposa. Ela faleceu em 2013 aos 83 anos de idade e o viúvo, se casou novamente, sendo sua esposa atual, uma das filhas do Sr. Manoel Pau D’arco. O Sr. Temístocles relata: Quando eu vim morar com Maria de Canã, a cacimba era lá embaixo, a gente carregava água numa lata de querosene. Aqui nasceu nossa filha Lucimar, que mora 271 Entrevista gravada pela autora, por ocasião da visita in loco aos lugares de memória e moradia, localizados entre Sagi e Urubu. No início de Cutia, no dia 26 de janeiro de 2014. 272 Idem. 151 em São Paulo. Quando Maria descansou dela, fiz uma farinhada pra tirar a goma pra fazer a comida da menina. Plantava a mandioca nas Vassouras e fazia a farinha em Lagoa D’agua, perto de Araraquara. Nesse tempo não tinha peso, media a farinha em cuia, tirei umas dez cuias de farinha (Conforme entrevista in loco – em Cutia, no dia 26.01.2014). Em Cutia existem dois sítios de coqueiros, o primeiro foi plantado pelo Sr. Cassiano e encontra-se localizado num morro vizinho ao segundo, que foi plantado pelo Sr. Temístocles e o Sr. Deodato, donos das últimas moradias existentes ali. A localização das casas permitia uma visão ampla do mar, bem como possibilitava observar quem se aproximava delas por ambos os lados. O acesso até o cume do morro – onde as moradias eram localizadas – era possível através de um caminho estreito e íngreme. No entanto, nos dias atuais, há uma estrada de areia, de difícil acesso, que só sobem bugres ou carros de tração, possibilitando os passeios turísticos na região. Na época dos “Cassiano”, o primeiro sítio era maior, hoje existem apenas poucos coqueiros, mas o segundo, por ter sido plantado depois, tem mais coqueiros e, portanto, mais sombra e é bem cuidado pelos encarregados da usina, cujo proprietário afirma ser “dono da terra”. Assim sendo, visando investir no turismo, construiu no cume do morro uma guarita, que dá acesso a Lagoa de Araraquara 273 , onde os bugreiros pagam uma taxa ao vigia, para que o turista tenha acesso a essa “exótica” fonte de “beleza natural”. Ao chegarmos entre os coqueiros do segundo sítio, o Sr. Temístocles parou e passou a mostrar-me os lugares onde havia as primeiras moradias do lugar (cf. foto 25), afirmando: A casa de Conceição, a mãe de Deodato ficava aqui ó, dessa palha até ali... Deodato e a mulher produziu os filho todo aqui. Deodato morou aqui mais de 30 anos. Hoje Dona Ziza (mulher de Deodato) mora em Formosa. Bilia, a irmã de Deodato, morou aqui nesse meio e Deodato morou aí perto desse coqueiro. O banheiro deles era ali, perto da guarita, vamos lá! essas árvore é aricuri e tem outras árvore aqui no meio e esse era o banheiro da família de Deodato. A casa do irmão de Maria (João) era aqui, perto dessa moita, quando ele foi embora pra Cabedelo ficou só eu e Maria. Quando eles vieram morar aqui a casa dos Cassiano já não existia mais. Maria plantava aqui, nesse baixio, isso tudo era cheio de rama de batata, a gente criava tanto galinha! Maria saiu daqui chorando! (Conforme entrevista in loco – em Cutia, no dia 26.01.2014). 273 Esse é o verdadeiro nome dessa lagoa, mas foi apelidada de “Lagoa da Coca-Cola”, em razão de suas águas escuras. “Essa cor é devida à composição química do solo rico em iodo e ferro e à pigmentação das raízes das árvores ao seu redor. Os habitantes da região creem que suas águas possuem virtudes curativas e rejuvenescedoras. A lagoa está localizada no interior da reserva da "Mata Estrela". A natureza e a fauna do parque são de grande beleza e diversidade”. Conforme nota disponível no site: http://www.brasilrn.com/_pt/VisiteAttractionFiche.php?idmenu=3&idtpattraction=2&idattraction=87. 152 Enquanto apontava para a localização das casas e falava sobre os seus ocupantes, a emoção do Sr. Temístocles era visível na expressão do seu rosto e percebida pelo timbre de sua voz, suas lembranças o reportaram para a época em que morava ali. E, ele diz 274: “Olha! Olê, irmão de Maria, morou bem nesse canto, quando ele foi embora pra Cabedelo, eu vim morar aqui com Maria, ainda tem o canto...”. Como as casas eram construídas de material perecível - varas e palhas -, quando abandonadas pela ação do vento e da chuva, esse material desaparecia, ficando apenas uma elevação de barro [canto] coberto pelo mato. Mais adiante, ele fez uma parada em frente a uma moita e disse: Na época que eu morava com Maria isso aqui se chamava Moita Grande. Esse canto era respeitado, as pessoas não passava sozinho a noite, tinha medo. Não era todo cabra que passava aqui não. Nesse lado tinha uma barreira, agora não se vê porque a maré aterrou, é a pedra do guaxinim, a pessoa se escondia nela e ninguém via – (Conforme entrevista in loco– em Cutia, no dia 26.01.2014). 274 Entrevista gravada pela autora, por ocasião da visita in loco aos lugares de memória e moradia, localizados entre Sagi e Urubu. Em Cutia, no dia 26 de janeiro de 2014. Fotografia 25. O Sr. Temístocles mostrando a localização das moradias no segundo sítio de coqueiros em Cutia. Foto: Josenilson Andrade. 153 Quando perguntei a razão das pessoas terem medo dessa moita, ele respondeu 275 : “porque era mal assombrada! Se via coisa estranha, do outro mundo! mas esse medo era só de noite! Durante o dia, era tudo normal”. Um pouco à frente, subimos num morro e nos deparamos com um baixio, cercado por morros de areia e coberto por uma vegetação rasteira, onde o Sr. Temístocles exclama: Vamos descer! (pausa) Era aqui a nossa cacimba, a gente carregava água numa lata de querosene nas costas, ou num pote de barro como pudesse, até lá em cima onde a gente morava, todo dia era a mesma coisa, tinha de fazer esse serviço. Agora tá tudo seco, faz muito tempo que não tem mais água nesse baixio, quando chovia ficava uma lagoa, a água era bem azulada, quando era no verão, a gente cavava a cacimba. Olhe aqui, uma moita de guajiru, ela dá essa frutinha que fica roxinha quando tá madura, tem uma massinha, come! é bem docinha. Como tem muito dela por aqui a gente pensou e deu o nome de Guajiru a nossa tribo (Conforme entrevista in loco – em Cutia no dia 26.01.2014). Para sair do baixio, subimos o morro e continuamos o percurso, seguindo para o último marco de referência narrado pelos meus interlocutores, mais um lugar de memória e de etnicidade: a moradia de Mestre André, localizada no quilômetro oito da praia. Nesse percurso, o Sr. Temístocles desabafa 276: “se eu ainda tivesse aqui, eu ia lutar por isso aqui. Pra criação aqui é uma beleza! e pra roçado? Tudo o que a gente planta, dá”. Cala-se, faz uma pausa, suspira fundo e diz: “né história de ouvir dizer não! É história mesmo!”. Ele se refere à sua história, a “história de seu povo”, memória a que se reporta, ao retornar aos lugares onde tudo aconteceu. Considerando a importância da memória na constituição da história do grupo familiar investigado, foi fundamental compreender a diferença entre memória e história. Para tanto, esse trabalho está fundamentado na distinção feita pelo historiador francês Nora: [...] uma se opõe a outra. A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado (NORA, 1993, p. 9). Além disso, como propõe um outro historiador, Le Goff (2003), a história é um certo tipo de organização das memórias. No caso desta pesquisa e da luta dos Potiguara de Sagi, memórias politizadas para apresentar uma história de um passado indígena e intimidade com 275 Idem. 276 Idem. 154 um certo território. Ainda embalados pela memória do Sr. Temístocles chegamos a “Urubu” e nos deparamos com um cenário bem diferente de Cutia (cf. foto 26). Nesse local, o mar é bravio devido aos arrecifes à beira da praia, fazendo uma curvatura em forma de enseada, que segundo meu interlocutor é conhecida como “espaiado de Mestre André”. Segundo o Sr. Temístocles 277: “Na época dele (Mestre André) eu não me lembro, mas eles tirava água pra beber duma cacimba aqui perto, vamos lá!”. Chegando a cacimba, pudemos observar que também foi reformada como a primeira, localizada no início de Cutia, sendo a água aparentemente limpa e apropriada para o consumo. Andamos mais um pouco e paramos. Ele continuou afirmando: Aqui tinha uma moita de cardero e a casa de Mestre André era aqui, mas a moradia aqui é mais esquisito (isso em comparação com Cutia, que tem uma vista mais ampla). Ali em baixo (por trás de onde estaria a casa) ele plantava feijão e milho na época, jerimum, batata... Ele era um senhor baixinho... isso aqui (aponta para a visão que se tem do mar em frente ao local da casa) é tudo parracho, você anda na maré baixa e quando a maré cava é só pedra, (pausa). Eu pescava polvo aqui nas pedras com Deodato e Maria! – (Conforme entrevista in loco – em Urubu no dia 26.01.2014). 277 Entrevista gravada pela autora, por ocasião da visita in loco aos lugares de memória e moradia, localizados entre Sagi e Urubu, no dia 26 de janeiro de 2014. Fotografia 26. “Espaiado de Mestre André” em Urubu – Km 8. Foto: Josenilson Andrade. 155 A moradia da família de Mestre André localizava-se em uma elevação de terra no centro da enseada. A cacimba ficava há uma distância de duzentos metros, o roçado era na parte de trás onde seria a casa, que era localizada de frente para o mar. Essa parte da praia difere dos outros lugares em que passamos até então, é coberta por pedras cortantes, que para andar sobre elas exige-se prática e habilidade. E isso os pescadores têm de sobra, pois mesmo à noite, com a ajuda de candeeiros, fisgam nesses arrecifes várias espécies de mariscos, crustáceos e peixes pequenos, que durante a maré baixa ficam presos nas pedras. O Sr. Temístocles continua relatando: Pesquei muito de nylon quando morava em Cutia e de noite pescava aqui: lagosta, aratu das pedra. Naquela época tinha tanta tainha que a gente matava com varão de ferro, tinha maré que dava tanta tainha que a gente pegava numas bacia de alumínio grande, porque não existia tarrafa. Deodato botava facho aqui! – (Conforme entrevista in loco – em Urubu no dia 26.01.2014). Na época, em que havia moradores nessa área – Cutia e Urubu – eles sobreviviam exclusivamente da pesca e da agricultura. As narrativas sobre as migrações dos indígenas Potiguara que percorreram caminhos entre Baía da Traição/PB à Vila Flor/RN, e também, seu percurso contrário, vão além do quilômetro oito. No entanto, considerando que o objetivo dessa caminhada era traçar um recorte geográfico delimitando esse trecho, foi exatamente o que fizemos nessa investigação, enfocando principalmente, as paradas efetivadas pelos indígenas, que resultaram em moradias fixadas ao longo desses deslocamentos. Portanto, a entrevista in loco, encerra-se nesse ponto, a continuidade da trajetória poderá ser retomada em pesquisas futuras. Entretanto, ao nos preparamos para retornar à Sagi, o Sr. Temístocles suspirou fundo e disse: Leonardo de Brasília 278 não chegou até aqui. Eu falei pra ele sobre as família que morou aqui, mas ele não quis vim, nunca veio até aqui como você. Porque eu acredito na história contada assim, mostrando aonde aconteceu, apresentando o setor. Porque o direito é garantido de acordo com a história, eu conto do meu jeito, mas o que vale é a caneta (Conforme entrevista in loco – em Urubu no dia 26.01.2014). Ao final de sua fala, o Sr. Temístocles demonstrou a importância do registro escrito de sua história oral, da “história” de seu “povo”, depositando assim, expectativas positivas no presente estudo, o qual poderá proporcionar um respaldo e suporte políticos para o processo que se encontra tramitando na justiça. Na verdade, ao mapear esses lugares de memória, fica 278 Antropólogo enviado pela IV Câmara – Brasília/DF, para fazer um Parecer Pericial sobre a questão das terras de Sagi Trabanda que está em litígio. 156 claro que aflora o sentimento de pertença a um território 279 que não se restringe apenas à Sagi, mas engloba uma área de oito quilômetros de praia, além de uma extensão maior que abrange os mananciais da região, onde estão localizados os seus roçados e onde existiam os tabuleiros de mangaba. Esses anseios estão muito presentes no discurso do Sr. Temístocles, que destaca com veemência o tempo em que cada um de seus antepassados viveu nessa região. Conforme afirma Nora (1993, p. 8 e 9): “Cada gesto, até o mais cotidiano, seria vivido como uma repetição religiosa daquilo que sempre se fez, numa identificação carnal do ato e do sentido. Desde que haja rastro, distância, mediação, não estamos mais dentro da verdadeira memória, mas dentro da história”. Posteriormente, quando o indaguei sobre a razão pela qual ele saiu de Cutia, embora o agradasse tal moradia, o Sr. Temístocles respondeu: “tempo bom é esse! A vida aqui era muito difícil, tinha que buscar água na cabeça quase um quilômetro, e na cidade a gente tem água encanada, energia elétrica, aqui era tudo a base de candeeiro. Assim, quinem eu, muitos foi embora pra cidade e não quis voltar mais!”. Mas, quando instiguei: Então, se vocês conseguissem essa terra de volta, não teria ninguém para cuidar dela? Teria sim. Muita gente quer um pedaço de terra pra plantar e num tem, e o que a gente sabe fazer é plantar e pescar, pra pescar é difícil porque a gente num tem dinheiro pra comprar o material e pega só uns peixinho pequeno, a agricultura é mais certo, mesmo morando na cidade, se a gente tivesse esta terra de volta... eu mermo vinha aqui todo dia pra trabalhar, eu ia ficar muito feliz! Porque hoje, quando a gente planta um roçado vem o vigia e destrói tudo, mas na terra da gente a coisa era diferente (Conforme entrevista in loco – em Urubu, no dia 26.01.2014). As moradias foram sendo abandonadas por décadas, devido ao reordenamento de uma vida mais urbanizada, mas, ainda assim, a relação dos Potiguara com a terra continua, principalmente porque representa seu sustento e o de suas famílias. Um aspecto importante é que devido ao custo baixo de manuseio, é possível cultivá-la sem depender de terceiros ou de condições favoráveis, devido aos mananciais existentes na região. Como diz o Sr. Temístocles: “É só butar a enxada nas costas e sair pra plantar, em pouco tempo é colheita na certa”. Portanto, apesar de ter havido, no passado, vários lugares de moradia ao longo da praia, conforme já mencionado, com o passar do tempo, essas moradias foram se extinguindo, continuando apenas na memória dos mais velhos, a exemplo do Sr. Temístocles. 279 Para os povos indígenas, o território tem um significado que vai além de uma área geográfica produtiva, abrange um lugar de memória dos seus ancestrais. 157 Posteriormente, as pessoas foram se concentrando em Sagi, que passou a se desenvolver como povoado, devido à construção contígua de várias casas, por pessoas da mesma família. 3.3. PARENTESCO E MORADIA EM SAGI Conversando com duas pessoas mais velhas em Sagi: o Sr. Manoel Severino do Nascimento, vulgo Manoel Pau D’arco280 e D. Luzia Bernardino da Silva281, me afirmaram que independente do gênero dos filhos, quando casados recebem um “pedaço de terra” para que construam suas casas perto da deles. Percebi nas entrevistas realizadas, que eles se preocupam em organizar a moradia do novo casal para que esta fique “no terreiro282” da casa dos pais. A situação aqui apresentada se assemelha à análise que Comerford (2003) fez da relação estre os espaços territoriais na região da Mata, no estado de Minas Gerais, onde ele realizou sua pesquisa. No contexto dessa sociedade o parentesco constitui um princípio organizador básico, das relações e do espaço, conforme ele mesmo afirma: “as formas de sociabilidade dos camponeses dessa região delimitam territórios, que eu denomino de parentesco porque é nas práticas e nas retóricas de familiarização que eles se definem e porque têm o parentesco e a família como referência discursiva básica” (COMERFORD, 2003, p. 41). No exemplo das duas famílias apresentadas acima, observei que no centro do terreno fica a casa dos genitores, e no entorno, as casas dos filhos. Cada filho casado recebe uma casa do seu pai, quando esse tem condições para fazê-la. A casa, com raríssimas exceções, é construída pelo rapaz, desde que fique no “terreiro” do pai da moça. Na maioria das vezes é o rapaz quem sai da casa do pai para morar com sua esposa na casa construída perto do pai dela. Isso prevalece quando o rapaz é de uma família de “fora”, ou seja, seus familiares não são e/ou não se autorreconhecem como indígena. 280 Conforme conversa em sua casa no dia 24.01.2014, informou à autora que chegou ainda jovem em Sagi acompanhado de seu pai e tem parentes em Baia da Traição. Apesar de ser um migrante recente e ter uma memória muito fresca sobre esse período da história do seu “povo”, não foi incluído como especialista da memória nesse trabalho, porque suas memórias já haviam sido registradas por Branco (2012). 281 Entrevistada no dia 27.01.2014, enquanto caminhava pela rua. Nessa ocasião, nos encontramos e mantivemos uma conversa informal. 282 Na organização das famílias indígenas, os terreiros são muito importantes, não apenas porque as casas são construídas perto dos “parentes”, mas porque há facilidades de trocas e um adensamento relacional fortalecendo o vínculo familiar. 158 Essa preocupação é compreensível, pois apesar dos casamentos, aparentemente, serem duradouros, quando acontece uma separação, a moradia da filha e dos netos, fica garantida sob a guarda do pai/avô. Afirma o Sr. Manoel Pau D’arco283: “gosto de vê meus fios tudo perto de mim. Ali é a casa de um, ali, a casa do outro...” e saiu apontando a residência de cada filho, construída perto de sua casa. A casa dele, apesar de ser pequena por dentro, tem no quintal uma enorme “latada” – espaço coberto com telha – onde ele recebe os filhos, netos e bisnetos, para um almoço, reunião ou festa de aniversário. Durante o processo etnográfico, observei essa organização familiar apenas entre essas duas famílias: Nascimento e Bernardino. Entretanto, quando solicitei ao cacique Manoelzinho que ele esboçasse um croqui, destacando as famílias que ele conhece em Sagi, em que os pais constroem as casas dos filhos em seu “terreiro”, ele desenhou um croqui, que apresento a seguir (na página 159), onde um número maior de famílias se organiza segundo esse costume local. Enquanto um grupo de cinco pessoas conversava 284 , ele desenhou a organização territorial de cinco famílias, entre as quais, duas mães se destacaram: Dona Luzia Bernardino e Vanira Claudino, que ao ficarem viúvas tornaram-se chefes de suas famílias. Após a conclusão do croqui, o cacique foi apresentá-lo a mim e aos seus parentes que estavam presentes: sua esposa Sandra, Zélio Nascimento e Ailtom Araújo, identificando o nome dos moradores de cada casa, enquanto eu fazia as devidas anotações. Partindo dos exemplos apresentados pelo cacique (Croqui I), observei que entre os Potiguara de Sagi tanto os filhos como as filhas moram no “terreiro” dos pais, desde que eles disponham de terra para a construção dessas casas, como é no caso das famílias destacadas pelo cacique. Também se percebe pelo croqui I, que não importa o grau de parentesco entre os familiares, há uma tendência para que se mantenham todos juntos, tanto netos, sobrinhos, tios, como primos. Há uma tendência de casarem-se entre primos, assim como acontece com os Potiguara da Paraíba, identificado por Vieira (2010): No caso das escolhas matrimoniais dos Potiguara, há uma tentativa de manutenção de uniões com os próximos (parentesco e/ou residência), identificadas de maneira especial na recorrência de casamentos entre primos combinado com os casamentos entre grupos de irmão (dois irmãos se casam com duas irmãs) ou um par de irmão/irmã unindo-se a outro par (VIEIRA, 2010, p.67). 283 Conforme entrevista realizada em sua casa, no dia 15.01.2014. 284 Na casa onde eu estava hospedada, por ocasião da I Festa do Milho/2014, no dia 23.06.2014. 159 Croqui I: Esboço da organização social das famílias que moram no “terreiro” dos genitores, elaborado pelo Cacique, em 23.06.2014. 160 Em sequência, apresento abaixo uma reelaboração (Croqui II) do croqui desenhado pelo cacique, visando demonstrar como os grupos familiares se organizam sócio espacialmente em Sagi, a partir das cinco famílias destacadas: Nascimento, Félix 285 , Dias, Claudino e Amaro, identificadas pelo cacique. Assim, no croqui II utilizo as seguintes representações: os genitores – em negrito: o grau de parentesco – entre parênteses; e a localização das casas, sob aproximação. Nessa época o povoado ainda não era dividido em ruas, nem calçado, portanto, as casas ficam em ruas diferentes, apesar de terem sido construídas no mesmo terreno. De acordo com o croqui II, na subida do morro, logo após a entrada de Sagi se destaca, ao lado direito, a moradia da família Claudino, cujas casas são construídas numa duna, por isso destaco essa elevação com uma linha curva e na parte inferior ficam as casas que estão no nível da rua. No final da descida do morro, à esquerda, inicia-se a rua Praia do Rio, onde moram as famílias Nascimento, Félix e Dias. As linhas paralelas do croqui II representam as ruas, há casas construídas tanto de um lado como do outro lado da rua. Isso se dá porque quando as casas foram construídas as ruas ainda não eram pavimentadas. A família Dias mora em casas que ficam tanto na lateral da casa do Sr. Antônio, como por trás desta. E, como ficam localizadas num morro, destaco também essa elevação. No fim dessa rua, atravessando a ponte sob o rio Cavaçu, inicia-se Sagi Trabanda, onde mora a família Amaro. Os pontos ou estrelas destacadas correspondem às casas que ainda não foram construídas, mas que estão planejadas e algumas destas já com alicerces, conforme a representação do croqui II, a seguir: FAMÍLIA CLAUDINO – Alto da Boa Vista/Sagi Vera (filha) José (neto) Ana (filha) Djalma (filho) Gustavo (neto) Betânia (filha) Josy (neta) Antônio (filho) VANIRA (matriarca) Eva (filha) Silvania (filha) OBSERVAÇÃO: As casas foram construídas num alto. A linha curva representa o formato do morro. 285 Dona Luzia Bernardino ao se casar com Antônio Félix os filhos passaram a usar o sobrenome do pai. Portanto, a família Bernardino passa a ser reconhecida como família Félix. 161 FAMÍLIA NASCIMENTO Giselda (filha) Clóvis (filho) Gilson (filho) OBS: As linhas paralelas representam as ruas Rua da Praia Manoel Pau D’arco (patriarca) Walker (neto) Gerlane (filha) Rita (sobrinha) Mª das Dores (filha) Rua do Rio FAMÍLIA DIAS FAMÍLIA FÉLIX Assis (filho) José (irmão) Vânia (sobrinha) Ana Lúcia Marluce (sobrinha) Luzia (matriarca) Paulo (filho) (ex-mulher) Galego (filho) Antônio Dias (patriarca) Xavier (sobrinho) Artur (neto) Rua do Rio Luiz (filho) Vitória (neta) Manoel (filho) FAMÍLIA AMARO / SAGI TRABANDA José (filho) Josivaldo (filho) Isaías (filho) Vilázio (patriarca) Josenildo (filho) Casas projetadas Joseane (filha) Júlia (neta) Josikelly (filha) Jéssica (neta) CROQUI II: Distribuição espacial de cinco grupos familiares, conforme sua organização social. 162 Tomando como referência as famílias observadas, pude perceber que os filhos, geralmente, exercem a profissão do pai, por isso estão sempre juntos, seja na pescaria, no roçado, ou como ajudante de pedreiro, como no caso de Carlos, filho do cacique Manoelzinho, que apesar de morar em Sagi, está construindo a casa do seu filho que está noivo na sua gleba de terra em Sagi Trabanda. No entanto, as filhas acompanham as mães. A maioria trabalha em sua própria casa, cuidando dos irmãos pequenos, dos afazeres domésticos e das refeições quando as mães saem para a roça, ou mesmo para pescarem. E, no final de semana, elas se unem para organizar a casa, num trabalho mais completo. Assim sendo, podemos observar como se dá as relações de parentesco e o processo de organização territorial das famílias em Sagi. Sem sombra de dúvida, é uma extensão da organização dos Potiguara da Paraíba (Vê VIEIRA, 2010). 3.4. PROCESSOS DE OCUPAÇÃO DAS TERRAS 3.4.1. SAGI Além dos oito quilômetros de praia delimitados nessa pesquisa, que compõem os lugares de moradia e de memória dos Potiguara de Sagi, ainda se inclui como lugar de pertencimento desse grupo, os mananciais da região e as reservas de Mata Atlântica, onde se localizavam os tabuleiros de mangaba, partindo desde as imediações do povoado até onde hoje se encontra a BR-101. Como vimos, com base nas narrativas orais dos interlocutores que contribuíram com esse trabalho, foram os indígenas Potiguara – migrantes da Paraíba, há mais de um século atrás –, que formaram o povoado de Sagi. Local onde residem e plantam seus roçados, coletam frutos silvestres e pescam tanto peixes como crustáceos, desde o início da ocupação por seus antepassados, pelo que desenvolveram um sentimento de pertença ao lugar que passou a ser seu território, do qual se sentem os legítimos e únicos donos. 163 Ao relembrar desses tempos passados, quando ainda menino e chegou a Sagi com o seu pai, vindos de Baía da Traição, o Sr. Manoel Pau D’arco afirmou286: “Quando a gente chegou aqui, plantava aonde queria, ninguém era dono da terra, fazia um roçado aqui, outro ali e ninguém mandava na terra, era da gente mesmo. Até que chegou o Sr. Manuel de Melo, o pai de Tomás, e tudo mudou pra gente”. Esses personagens, influentes política e economicamente, que “apareceram” nessa região, muito tempo depois dos primeiros habitantes do lugar e passaram a se afirmar como “donos” dessas terras, contribuíram drasticamente para mudar a condição de “paraíso” em que os indígenas viviam desde o início do povoamento daquela localidade. Relatando sobre esse período da história de Sagi, o Sr. Temístocles afirmou: Quando eu era novo, eu lembro de tudo: o Sr. Manuel de Melo era muito rico e quem tem dinheiro você sabe como é ele tomou conta dessas terras de Sagi até a Barra de Cunhaú, a pessoa rica tem carro e se apossa mais rápido da terra e a gente, coitado de nós... O homem era desembargador, tinha poder demais, ninguém ia contra o homem, o que ele dizia era lei. Ele morava na Fazenda Estrela, lá tinha uma vila, que era perto de Formosa. Seu Tomás num comprou terra de ninguém, ganhou só na lábia. Aí ele morreu! (Conforme entrevista gravada pela autora, por ocasião da visita in loco aos lugares de memória e moradia, localizados entre Sagi e Urubu, no dia 26 de janeiro de 2014). Quando perguntei: Mas, com o falecimento do Sr. Manuel de Melo a posse das terras foi partilhada entre os herdeiros? Ele respondeu 287: “Foi, ficou com Tomás, Frederico e João Maria. Frederico se candidatou a prefeito de Formosa, passou quatro ano e depois botou o irmão Tomás que passou mais quatro ano e assim ficou, um saía, outro entrava [na prefeitura]”. Quanto à divisão das terras “conquistadas” pelo Sr. Manuel de Melo, o Sr. Temístocles continuou afirmando 288: “Tomás ficou com Sagi e a Fazenda Pituba289 e Frederico ficou com a Fazenda Estrela e Formosa”. – E João Maria? Perguntei. Ele respondeu: “como era meio doido num ficou com nada, o mundo é dos mais esperto!” (risos). Falando sobre a ocupação das terras de Cutia o Sr. Temístocles relatou que290: “os Cassiano era dono de tudo, tudo era dele”. Perguntei: – Mas, e quanto à família do Sr. 286 Em conversa informal com autora, em sua casa, no dia 24.01.2014. 287 Idem. 288 Idem. 289 É outro povoado pertencente ao município de Baía Formosa, localizado a 6km de Sagi onde Tomás de Melo morava. E, quando prefeito recebia as pessoas em sua residência. Para tanto, os interessados em falar com ele precisavam se descolar 12 km (ida e volta). 290 Conforme entrevista gravada pela autora, por ocasião da visita in loco aos lugares de memória e moradia, localizados entre Sagi e Urubu, no dia 26 de janeiro de 2014. 164 Deodato? Ele respondeu291: “Deodato e a mulher produziu os filho todo aqui e aqui morou mais de 50 anos. Bilia, a irmã de Deodato morou aqui nesse meio e Deodato morou aí, perto desse coqueiro”. Ao perguntar sobre o motivo pelo qual o Sr. Deodato saiu de Cutia, ele disse292: “Quando o filho de Deodato morreu eles foram pra Formosa, abandonou as terra”. E, quando questionei sobre a razão pela qual as outras pessoas haviam saído do lugar, afirmou293: “A usina comprou essas terras a Tomás de Melo e Tomás não comprou de ninguém. Aí é onde tá o rolo! Ele se apossou. As família teve que sair daqui. Mas quando ele chegou aqui, as família já morava há mais de 100 anos”. Nos dias atuais, essa área pertence, cartorialmente, à Destilaria Baía Formosa. Em conformidade com os relatos apresentados nessa pesquisa, existiram dois tipos de motivações para migrações entre os Potiguara de Sagi: a primeira pela morte de um ente querido e a segunda pelo fato de serem expulsos da terra pelos que se afirmavam posseiros. Isso se intensifica ainda mais na atualidade, quando os empresários interessados nos empreendimentos imobiliários e turísticos, buscam acima de tudo “desocupar” àquela área e, para tanto, utilizam de variados artifícios, recorrendo até mesmo à justiça para atingir seus objetivos (tratarei dessa questão mais adiante). Os indígenas de Sagi enfrentam problemas relacionados desde as últimas décadas. O cacique Manoelzinho, por exemplo, evoca o tempo em que era menino e tinha conhecimento de que nessa época já havia desavenças envolvendo as terras de Sagi. Ele afirmou 294: “Desde 77, aqui em Sagi acontece desgraça, desde que eu me entendi de gente, dos meus 7 a 8 anos que a pisada aqui no Sagi é essa! Desde que eu era pequeno que via briga por conta de terra”. Esses relatos de discórdia entre os moradores de Sagi e o Sr. Tomás de Melo são corriqueiros entre os interlocutores. Segundo estes, o Sr. Tomás foi o responsável direto pela destruição de muitos roçados plantados na região, até mesmo antes do pai dele chegar à Sagi. Por isso, não foi por acaso que se criou um clima de animosidade entre eles. Conforme afirmou o Sr. Temístocles 295: “Muita gente botou ele em questão, aí ele teve que dividir umas terras: aqui é sua, aqui é sua! Tinha os dia dele falar com o povo na 291 Idem. 292 Conforme entrevista gravada pela autora, por ocasião da visita in loco aos lugares de memória e moradia, localizados entre Sagi e Urubu, no dia 26 de janeiro de 2014. 293 Idem. 294 Conforme registro no caderno de campo, através de conversa informal na casa da autora, no dia 05.12.2013. 295 Conforme entrevista gravada pela autora, por ocasião da visita in loco aos lugares de memória e moradia, localizados entre Sagi e Urubu, no dia 26 de janeiro de 2014. 165 Pituba. A família de Galego 296 foi uma que brigou e conseguiu suas terra, quem não brigou, perdeu”! Quando perguntei a Galego sobre essa disputa, ele confirmou: Pra gente conseguir ficar com nossa terra, tivemo que pastorar os trabalhador, que Tomás mandava de madrugada pra colocar uma cerca dividindo a terra. E nós, com foice e machado na mão, num deixava. Eles colocava, nós derrubava, até que ele chamou nós pra conversar. Aí a gente num aceitou como ele queria e continuava a briga. Depois de muito tempo ele deixou nós colocar a cerca no canto certo, mas deu muito trabalho. Nós quase mata ele! (Conversa na casa da autora, em 28.01.2014). Falando o que pensa sobre a família Melo, o cacique Manoelzinho descreveu alguns traços da personalidade de Manuel de Melo e de seus filhos Frederico e Tomás de Melo, ao afirmar que: Já ouvi muita gente dizer aqui que seu Manuel de Melo era uma pessoa boa, mas o filho dele Tomás era um carrasco. Desde que eu me entendi de gente eu nunca vi Tomás com boas intenções aqui dentro, mas dizem que o pai dele fazia acordo com as pessoas que trabalhavam com ele e quando queriam sair ele dava um pedaço de terra. Eu sei que Tomás tinha um irmão Frederico, ele é vivo e mora em Natal. O povo aqui gostava muito dele, ele era um cara político, ajudava o pessoal com material de barco, ele foi prefeito em Baía Formosa e Tomás também foi prefeito, mas o povo daqui só gostava de Frederico e o povo de Formosa também. Ele era um caba aberto pro povo (Conforme entrevista realizada em sua casa no dia 27.01.2014. Gravada e copilada pela autora). No entanto, a representação histórica de meus interlocutores dá conta de que esses indígenas nunca aceitaram dominação, pois continuando a falar sobre a peleja entre Tomás de Melo e seus parentes que plantavam seus roçados entre as localidades de Sagi ao rio Guaju, relatou o cacique Manoelzinho: A parte do TECNARÃO era um sítio de coqueiro de Lucas Claudino, meu primo, onde ele morava e criou os filho lá, mas Tomás tomou com a justiça, com a polícia. Eu tava lá e vi, era um sítio todo cercado, tinha coqueiro e ele criava gado dentro. Severino, o filho dele, que mataram no Rio de Janeiro, em Cabo Frio, deu de garra de uma foice pra rolar a polícia de lá de cima” (Em conversa informal, na casa da autora, em 04.12.2013, conforme registro no caderno de campo). O local do roçado citado que foi “tomado” por Tomás e vendido a uma firma chilena, chamada TECNARÃO 297 . Falando ainda sobre essa “negociação” o Sr. Carlos, irmão do 296 É a família Félix, sua mãe é Luzia Bernardino e seu pai Antônio Félix (falecido). 297 Na qual funcionava um laboratório de lavras de camarão, que hoje se encontra desativada, restando apenas um vigia que “pastora” o prédio deteriorado com as instalações hidráulica e elétrica bastante danificadas. 166 cacique afirmou que: “Tomás mandou derrubar todo o plantio de coqueiro e vendeu a área298 a TECNARÃO, por muito dinheiro, há uns dez anos atrás”. No entanto, Lucas Claudino não se deu por vencido e as narrativas dão conta de que este enfrentou o Sr. Tomás de Melo se “apossando” de outro terreno localizado numa área acima da anterior e lá plantou outro sítio. O cacique complementou 299: “Meu primo se apossou de outro terreno ali em cima e fincou o pé e formou um sítio. No primeiro (sítio) num foi disputa não, ele saiu na marra com a polícia. Depois ele vendeu o sítio, mas lá, ele perdeu pra Tomás”. Geraldo Vila, outro agricultor local, que se sentiu prejudicado, também tinha um roçado vizinho ao de Lucas Claudinho, o qual Tomás de Melo tentou tomar, no entanto, não conseguiu conforme relato do cacique: Tomás queria tomar aquela área de Geraldo Vila, que vai desde aquela pousada pra cá, que vai pela beira da praia até a Assembleia de Deus. Mas como Seu Geraldo tinha muita intimidade com o Tenente Hélio, que era filho natural daqui, filho de Seu Vicente, marido de minha tia e naquela época era do exercito e rival de Tomás, aí ele encasquetou em cima de Tomás e não permitiu que prendesse ele. Mas, o resultado dessa peleja foi que Tomás não permitiu que o Seu Geraldo colocasse roçado em nenhuma área local, passou de 8 a 9 anos sem puder botar um roçado aqui, vivia de caranguejo, aratu, siri, massunim e da mangaba. Isso porque não deu o braço a torcer. Pelo gosto de Tomás tinha lhe dado cadeia, mas como não tinha mais poder pra fazer isso..., mas num tomou a terra! (Conforme entrevista realizada em sua casa no dia 27.01.2014. Gravada e copilada pela autora). Entretanto, essa área de 3 km, que vai de Sagi ao rio Guaju, que antes tinha roçado de Geraldo Vila, Lucas Claudino, Cacilda Jerônimo, Zé Marreca e Doca foi vendida por Tomas de Melo a empresários do sul do país, assim como também de Natal. Assim, apresentarei abaixo (Fig. 1) como era a antiga localização dos roçados até o ano de 2000. Figura 1: Localização dos roçados nominalmente até o início do século XX (ano 2000). 298 É justamente na área desse laboratório, que fica localizado o “barreiro” citado pelos indígenas, que a geógrafa Ana reconhece como um suposto sambaqui, e, no qual os paleontólogos do MCC/UFRN não encontraram nenhuma evidência. 299 Conforme entrevista realizada em sua casa no dia 27.01.2014. Gravada e copilada pela autora. Geraldo Vila Rio Guaju Oceano Atlântico Lucas Claudino Cacilda Zé Marreca Sagi Doca 167 Cacilda Jerônimo também falou sobre o tempo em que tinha um roçado nessa área e que o perdeu, porque se sentiu enfraquecida, uma vez que, sendo viúva e sozinha não teve forças suficientes para enfrentar Tomás de Melo, conforme ela mesma afirmou contristada: A minha parte do roçado foi invadida por eles, o roçado era meu e de compadre Zé Marreca, a parte dele, ele ganhou, eu num tava, perdi minha parte. Eu cerquei de arame, eles foram lá e derrubaram tudo. Eu fazia farinha de lá, trazia na cabeça, num cesto. Quando eu cheguei no outro dia, tava lá tudo pinicado, quem pinicou foi o velho Juarez e Mestre Paulo a mando de Tomás. Doca também tinha roçado lá, mas fez um acordo com eles (Em entrevista gravada na casa da autora, no dia 04.01.2014. Nessa ocasião a autora estava entrevistando o Sr. Carlos Leôncio e Cacilda chegou e participou da conversa.). Carlos Leôncio concordou com o relato de Cacilda Jerônimo, dizendo que nessa época ele trabalhava na pousada dos paulistas 300 e quando recebeu ordem de destruir o roçado dela – que se localizava na área “comprada” pelos atuais proprietários –, ele baixou a cabeça e confessou 301: “Eu saí de lá por causa dela (aponta para Cacilda). Eles mandaram eu entrar lá e arrancar as roças, aí eu disse: rapaz, desse jeito num dá pra mim não. Perdi o emprego, mas num arranquei as roças”. Cacilda complementou: A luta de nós pela terra é de muito tempo, ninguém ficou na terra de mão beijada, não! Eu até procurei Omar com meu filho mais velho e disse: vamos fazer um acordo. Ele disse: não tem acordo, aquela terra é minha, eu comprei de Tomás. Eu respondi: não senhor, aquela terra é minha, eu planto lá há muito tempo. Meu filho queria embrabecer com ele, aí eu disse: deixe meu filho, deixe! (Em entrevista gravada na casa da autora, no dia 04.01.2014. Nessa ocasião a autora estava entrevistando o Sr. Carlos Leôncio e Cacilda chegou e participou da conversa). Essa área, que antes era lugar de moradia de muitas famílias Potiguara migrantes da Paraíba, e que ao longo do tempo serviu de roçado para muitos indígenas – conforme os relatos apresentados no decorrer desse trabalho – encontra-se nos dias atuais, nas mãos de outras pessoas de “fora” do grupo. De acordo com o que afirmou o Sr. Carlos Leôncio: Nessa área que os parente plantava, hoje pertence a seis paulista: Carlão, Omar, Jares, Ricardo, Marcão e o outro eu não tou me lembrando... Carlão e Ricardo são os mais rico. Ricardo é o dono dos chalé lá de cima, ele contratou Maria arquiteta, aquela que administra o condomínio, pra cuidar daqui também, ele comprou as terra há uns 10 anos atrás por R$ 70.000,00 (setenta mil reais) a Paulo da Pituba – que era o administrador de Tomas (Entrevistado na casa da autora no dia 04.01.2014). 300 Toda a terra de Sagi foi sendo vendida gradativamente. 301 Em entrevista gravada na casa da autora, no dia 04.01.2014. Nessa ocasião a autora estava entrevistando o Sr. Carlos Leôncio e Cacilda chegou e participou da conversa. 168 Continuando a falar sobre os atuais posseiros dessa área, o Sr. Carlos relatou que 302 : “depois da TECNARÃO – que é de Dona Ana lá de Barra de Cunhaú – vem a pousada dos paulista, depois vem Didi, depois Ivo, esses dois mora em Natal, pra lá (rio Guaju) é da Marinha, mas quem tá comandando é Lúcio Jorge que toma conta. Cercaram tudo”! Assim, apresentarei abaixo (Fig. 2) a mesma área citada anteriormente, só que com os nomes dos atuais “posseiros” dessas terras, para se ter uma melhor visualização: Figura 2: Atuais “posseiros” da área – Sagi ao Rio Guaju. As terras localizadas entre Sagi e Urubu também são marcadas por relatos de conflitos entre os indígenas e os “posseiros” da região. Como por exemplo, Sagi Trabanda situada logo após o Rio Cavaçu, que tem uma disputa que alcançou os tribunais de justiça – tratarei especificamente dessa questão mais adiante. Enquanto que nas localidades de Cutia e Urubu, como já registrado posteriormente, os indígenas que moravam lá migraram por falecimento de entes queridos ou porque as terras foram negociadas por Tomás de Melo ao proprietário da Destilaria Baía Formosa. Como nesses lugares moravam pequenos grupos familiares, foi fácil desalojá-los. Simplesmente foram expulsos das terras, sem fazerem qualquer objeção. 3.4.2. SAGI TRABANDA Identificada pelos indígenas como “Aldeia Sagi Trabanda”, lugar de moradias, roçados e onde se situa o cemitério local – no qual há enterramento de seus antecessores há mais de um século –, esse território encontra-se localizado na margem oeste do Rio Cavaçu. Esta área está em litígio devido a um processo de reintegração de posse movido contra eles 302 Idem. Rio Guaju Oceano Atlântico TECNARÃO Pousada dos paulistas Didi Sagi Ivo i Lúcio Jorge 169 por Waldemir Bezerra de Figueiredo. Visando compreender melhor como tudo isso aconteceu, relatarei sobre essa disputa a partir do seu início. No ano de 1982, Tomás Soares de Melo loteou uma área situada logo após o Rio Cavaçu de frente ao mar (cf. mapa 7) e negociou a venda desses lotes a pessoas de outras localidades do país e até com estrangeiros. O Sr. João Holandês 303 foi um dos que comprou um de seus lotes, sendo o primeiro a construir 304 no início do loteamento, nesse mesmo ano. Considerando o fato desse senhor ser estrangeiro, houve a necessidade temporária de voltar ao seu país de origem para regularização de seu passaporte. Quando retornou a Sagi, percebeu que o local onde havia deixado sua “boate” tinha sido vendido a um grupo norueguês para a construção de um condomínio pousada (existente até hoje) com 24 apartamentos, distribuídos em dois blocos 305 , sendo administrado por uma firma paulista. Mapa 7: Localização da “Aldeia Sagi Trabanda”. Fonte: Google Earth, 2014. 303 Conforme afirma o cacique Manoelzinho: “Esse João Holandês mora hoje na Aldeia Galego/PB com o indígena Antônio Nascimento, filho de Manoel Pau D’arco e registrou a terra lá na Paraíba no nome de Antônio, porque os Potiguara queriam expulsar ele de lá, mas como vivia com um índio, aceitaram desde que passasse o documento da terra para o índio que morava com ele”. 304 Construiu uma boate muito luxuosa. A energia para seu funcionamento era própria, provida por um gerador particular e também havia um poço artesiano. 305 Entre esses blocos de apartamentos se encontra localizado um Cemitério de “Anjos” – local onde os antepassados indígenas enterravam suas criancinhas. 170 Para evitar conflitos com o novo “proprietário”, o Sr. João abriu mão do seu investimento, não denunciando a questão na justiça. Deu por encerrada a disputa, perdendo o seu empreendimento. Conforme afirmou o cacique Manoelzinho: A primeira pessoa que morou nesse loteamento foi João Holandês e Marinho Holandês. Ele comprou o lote e foi embora, como não podia ficar direto aqui, de tempos em tempo tinha que voltar pra Holanda. Quando ele voltou, trouxe dois contende cheio de roupa, geladeira, TV, pra dá ao povo e construíram lá um bar grande, era tanta luminária que dava gosto de vê. Eles tinham um tempo determinado pra voltar. Eles passaram algum tempo pra banda de lá, quando voltaram Waldomiro Bezerra tinha tomado o terreno deles. Eles já tinham pagado tudo do terreno, todas as promissoras. Mas Waldomiro botou eles na justiça também. Tem loteamento ali que tem cinco dono, quem já viu isso? Mas a gente foi no cartório, eu, Temisto e Ivanio, o tabelião disse: tá vendo aqui? Ele comprou mais não pagou! Lá não tem registro de nada. O Ministério Público Federal mandou um documento pro cartório perguntando quem é o dono dessa terra, o cartório respondeu: ninguém. 306 (Conforme registro no caderno de campo, através de conversa informal na casa da autora, no dia 05.12.2013). Essa narrativa apresenta a cadeia dominial do lote com venda a pessoas diferentes, primeiro para João Holandês, depois Waldemir Bezerra e por último, ao Grupo Norueguês. O empresário Waldemir Bezerra afirma ter “comprado307” do Sr. Tomás de Melo 506 lotes dessa terra para a construção de um resort, entre esses, a área do condomínio. Enquanto isso, os indígenas apenas observavam os acontecimentos dessas transações, enquanto que as terras localizadas, principalmente, de frente para o mar, iam sendo passadas e repassadas para diferentes proprietários. Para cada transação que ia sendo consolidada, uma família era atingida diretamente, pois seu roçado, do qual era retirado o sustento, estava sendo destruído e, em seu lugar, construções iam sendo edificadas. Diante dos contextos regionais de subjugo político, as famílias desalojadas nada tinham a fazer, senão lamentarem sua perda, desenvolvendo entre si sentimentos de revolta e de injustiça. Aquela terra de plantio, que antes existira ali, agora dava lugar a uma área privada, cercada de estacas e arames. Maria da Paz Dias, 45 anos, esposa do Sr. Ailton Araújo, 46 anos, moradores de Sagi Trabanda, afirmou 308: “Onde hoje é o condomínio era um plantio de coqueiro e cajueiro e meus pais morava lá”! Isso mostra que a área loteada já tinha ocupação anterior, porém essa foi desconsiderada por Tomás de Melo. 306 O trabalho de transcrição realizado, não técnico, se baseia em uma aproximação fonética, tentando retratar o português oral de nossos interlocutores. 307 Conforme consta no processo nº 2008.002756-7, p.3, alínea a: “no dia 15.06.2008 celebrou contrato de compra e venda para a aquisição da Fazenda Sagi, localizada no município de Baía Formosa, tornando-se possuidor do imóvel, podendo dele gozar e dispor livremente”. 308 Conforme entrevista gravada pela autora em sua casa, no dia 26.06.2014. 171 Mas, quando os indígenas que tinham roça na localidade perceberam que a destruição dos roçados iria além do loteamento, decidiram se unir e dividir entre si as terras que ainda não estavam cercadas, com o objetivo de impedir o avanço da posse de terceiros. Sabendo que os roçados não estavam sendo respeitados, planejaram a construção de suas residências. Apesar dos indígenas viverem no povoado de Sagi desde a sua formação, há quase um século e meio, foi apenas no ano de 2000, que se iniciou a disputa judicial por essas terras. Conforme afirmou o cacique Manoelzinho 309: “A gente vive ali há muitos anos, mas desde 2000 a gente começou a se organizar e construir as casas, mas como eu não pude fazer a minha esperei mais um pouco, mas Zélio e Ailton construíram a casa deles”. Os Senhores Ailton Araújo e Zélio Nascimento foram os primeiros a construírem suas casas entre os roçados e na vizinhança do cemitério como garantia de que com eles morando lá, suas terras ficariam protegidas e não seriam vendidas. No entanto, como não dispunham de dinheiro para a compra material de construção imediatamente, as casas só foram concluídas no ano de 2004. Posteriormente, foi a vez do Sr. José Amaro, Vilazio, e de Manoelzinho construírem suas casas. Entretanto, a construção da casa do cacique Manoelzinho não foi bem sucedida, porque o empresário Waldemir Bezerra denunciou a obra como irregular: primeiro alegando que aquela terra lhe pertencia e, segundo, porque aquela área era de proteção ambiental – uma APP. A referida casa, que já estava praticamente concluída, além do plantio de diversas árvores frutíferas em seu sítio, foi derrubada pela ação da polícia no ano de 2003. Conforme relato do cacique 310: “Aí no início da construção da minha casa o velho Paulo311 começou a trazer a polícia. O sítio já tava feito, mas a polícia não respeitou e derrubou a casa e destruiu o sítio”. Essa casa não pôde mais ser construída. A partir daí, o empresário Waldemir Bezerra não parou nos lotes, procurou os indígenas e mandou desocupar a área, que segundo ele totalizava 75 ha e havia sido “comprada” a Tomás de Melo. Tratava-se, portanto, da mesma terra em que os indígenas estavam dividindo entre si e construindo suas casas, abrangendo o cemitério e uma parte dos seus roçados, pois segundo aquele especulador. Porém, de acordo com o relato de Manoelzinho, essa terra já havia sido vendida a mais de uma pessoa, em época diferente: 309 Entrevista realizada em sua casa, gravada e copilada pela autora no dia 27.01.2014. 310 Entrevista realizada em sua casa, gravada e copilada pela autora no dia 27.01.2014. 311 O “velho Paulo” era o encarregado de Tomás de Melo e gerente da Fazenda Pituba, responsável direto pelas negociações das terras de Sagi. 172 O velho Paulo passou a terra pra Ivo de João Pessoa 312 . Em 2007 passou a mesma terra pro Bezerra. Aí Bezerra entrou com outra ação de reintegração de posse. Fomos no cartório e várias vezes o tabelião batia de frente com a gente. Pra onde nós, era barreira (Conforme entrevista realizada em sua casa no dia 27.01.2014. Gravada e copilada pela autora). No momento em que Waldemir Bezerra exigiu que eles desocupassem a área, proibiu os indígenas não só de construírem suas casas, mas também de plantarem na área, além de fazer ameaça de destruição contra o cemitério – no qual há sepultamentos de entes queridos desde o ano de 1911 –, violando o espaço sagrado desse grupo familiar. Então, a partir daí, o desrespeito atingiu todos os moradores de Sagi, tornando-se um problema coletivo. No entanto, apenas dez pessoas 313 se posicionaram contra a atitude do empresário e constituíram dois advogados 314 para sua defesa. Essa causa estava tramitando na justiça estadual 315 , sendo disputada pelo Presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do RN, Waldemir Bezerra, conforme nota publicada na época: Dez indígenas respondem ação de reintegração de posse da Fazenda Sagi (75ha), movida pelo presidente do Conselho, Waldemir Bezerra de Figueiredo, na Comarca de Canguaretama, através do processo nº 0001772-71.2007.8.20.0114. Na fazenda está situado, inclusive, o Cemitério da comunidade. A defesa dos indígenas iniciou o incidente processual de Exceção de Incompetência argumentando tratar-se de terra tradicionalmente ocupada por indígenas nos termos do art. 231 e parágrafos, da Constituição Federal de 1988. Antes de proferir decisão, a Juíza de Canguaretama oficiou a FUNAI-DF indagando se a área em disputa (Fazenda Sagi) incide sobre terra indígena. Em 18/08/11, os Potiguaras ingressaram com representação no Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte para que a FUNAI seja RECOMENDADA a instaurar o PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA SAGI TRABANDA (Disponível no site: http://wwportaldomar.org.br. Acesso em 20.11.2014). No dia 09 de junho do ano de 2008, os desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, concederam a reintegração de posse da área em questão a Waldemir Bezerra. Essa decisão judicial conduziu o advogado dos interessados na questão, Luciano Falcão, a buscar alternativas em defesa de seus clientes. Foi quando em conversa com os 312 Segundo o cacique, certo dia quando ele estava com seu filho no cemitério, esse senhor adentrou no local com uma caminhonete a derrubar o portão do cemitério e, por muito pouco, não atropelou seu filho. O cacique fez um boletim de ocorrência na delegacia de Baía Formosa, mas nada foi apurado. 313 Cacilda Maria Pessoa Jerônimo, Antônio do Nascimento, Ailton de Araújo, Raimundo Rosendo da Silva, João Rosendo da Silva, João dos Santos Neto, Manoel Leôncio do Nascimento, Antônio do Nascimento Filho, José Manuel Félix e Evaldo Rosendo da Silva. 314 Luciano Ribeiro Falcão (Projeto Direito Para Todos / Núcleo de Estudos Brasileiros/Brazil Foundation) e Waleska M. D. R. de Medeiros (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio Grande do Norte- FETARN). 315 Até o ano de 2013, quando a ação judicial foi transferida para a Agência Geral da União – AGU. 173 envolvidos no processo, despertaram para a questão da indianidade do grupo. De acordo com o relato do cacique: Luciano Falcão estava por aqui em conversa com a gente, aí Seu Manoel Pau D’arco e Temisto começou a falar, aí Luciano perguntou: aqui tem esse povo? vocês têm parente em Baía da Traição? A maioria se levantou e disse: sim. Aí ele foi especulando as história e matou a charada. A gente sabia que era índio, mas o que faltava era uma pessoa pra levar o problema pra frente, porque a gente nem sabia por onde começar (cf. entrevista realizada em sua casa no dia 27.01.2014 e gravada pela autora). Ao serem revelados os laços de parentesco dos moradores de Sagi com os indígenas da Paraíba, naquela ocasião, o advogado constituído presumiu que se tratava de um grupo indígena. Dessa forma, reuniu a todos e decidiram procurar o Grupo Paraupaba no MCC/UFRN. E, em várias reuniões do GP junto com outros representantes indígenas do Estado, expuseram sobre seus problemas territoriais, como também esclareceram sobre sua relação de parentesco com os indígenas Potiguara da Paraíba. Assim, posicionaram-se por sua autoafirmação étnica, pela luta e regularização de seu território, que ocupam tradicionalmente. Desde então, juntaram-se a outros grupos indígenas no Estado, que lutam pelo reconhecimento de sua identidade. Isso de fato, fortaleceu os Potiguara de Sagi na defesa de sua causa. Manoelzinho relata sobre essa articulação: Nós sabemos que nossos familiares estão em Baía da Traição tudinho e outros tão aqui, mas a gente não sabia que rumo tomar pra correr atrás de nosso direito. E a gente não tinha uma luz pra nos guiar, foi quando a gente procurou o grupo Paraupaba e começou a gente viajando pra João Pessoa e encontrar o pessoal de lá e eles vindo pra cá também. Aí pronto, fomos procurar as famílias aqui e encontramos 13 famílias, mas não era só 13 tinha uma ruma. Depois passou pra 42. É tanto, que nesse levantamento aí tem 287 que tão fora do cadastro da FUNAI, que são parente de sangue (cf. entrevista realizada em sua casa no dia 27.01.2014 e gravada pela autora). Ainda no ano de 2008, a pesquisadora Jussara Galhardo visitou a comunidade, a partir de um convite feito pelo referido advogado e Manoelzinho, registrando sua opinião em relatório: Há dois advogados que estão defendendo a causa em favor da comunidade de Sagi contra o assédio especulativo-imobiliário, que tem causado grandes problemas. Juntos recorreram ao Tribunal de Justiça do RN contra a decisão liminar concedida contra o empresário Waldemir Bezerra de Figueiredo, proprietário da empresa Imobiliária Bezerra Imóveis, consistente na reintegração de posse da Fazenda Sagi, de 75 ha. Em março de 2007 houve uma reunião, o Sr. Waldemir Bezerra enviou uma advogada (acompanhada de um policial civil) à Comunidade de Sagi para fazer uma reunião e apresentar uma proposta de acordo. O Secretário da Associação dos 174 Moradores e Amigos de Sagi, Bráulio Marques, entrou em contato com o Núcleo de Estudos Brasileiros e com Falcão Advocacia Popular, os quais enviaram representantes para participarem da reunião de “acordo”. Durante a reunião a advogada afirmou que o empresário adquiriu a fazenda Sagi no ano de 2005, medindo 75 ha. Ocorre, porém, que para comprovar a existência da suposta propriedade apresentou um contrato de PROMESSA DE COMPRA E VENDA, título este insuscetível de comprovar a propriedade, principalmente num local onde existe um pequeno cemitério. O lugar é trabalhado pelos agricultores locais, que não dispõem de fontes de renda, tendo a necessidade, portanto, de plantar e pescar para alimentar a si e a seus familiares. Inclusive há um cemitério, local de seus mortos, com sepultamentos datados de 1911, portanto, um patrimônio histórico da comunidade, que está ameaçado de ser “engolido” pela especulação imobiliária na região (Conforme Relatório de viagem – arquivo do GP, 2008). Assim, enquanto o processo judicial está tramitando, os indígenas estão impossibilitados de construírem no território ocupado por eles. Como por exemplo, no ano de 2013, o cacique tentou construir uma casa para seu filho – Carlos Antônio Leôncio da Silva –, que está noivo e pretende se casar, mas ao iniciar a pequena obra, localizada perto da casa anteriormente destruída pela ação policial, foi prontamente impedido. Isso aconteceu no dia 04 de julho do ano de 2013, enquanto estavam na edificação, receberam a visita de um técnico do Instituto de Defesa do Meio Ambiente do Estado – IDEMA/RN, que estava em uma vistoria 316, para “verificar possíveis irregularidades de residências instaladas às margens do Rio Cavaçu/Sagi 317” (cf. ANEXO J). Desabafa o cacique: “o dinheiro vale muita coisa, esse pessoal de fora chega, constrói e o IDEMA, nem a prefeitura empata, mas nós se for fazer uma casinha... vem a ordem pra parar”. Na ocasião, segundo o referido documento, o responsável pela obra foi orientado pelo técnico do IDEMA 318: “verbalmente a paralisar a construção de tal residência, uma vez que a mesma está sendo instalada em APP do Rio Cavaçu/Sagi”. E no dia 17 de julho do ano 2013, aquele jovem (filho do cacique) foi notificado formalmente para suspender a construção, pois, segundo continua a aditar o documento 319: “o não atendimento da presente NOTIFICAÇÃO ACAUTELATÓRIA acarretará na adoção das medidas legais cabíveis”. Assim, desde essa advertência oficial, a construção foi paralisada. No entanto, outras casas estão sendo construídas nessa mesma área, identificada pelo IDEMA como Área de Proteção Permanente – APP, por pessoas de “fora” da comunidade O cacique Manoelzinho indignado desabafou: 316 Em atendimento ao ofício nº 0001772-71.2007.8.20.0114-077- Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Canguaretama/RN. 317 Conforme Processo nº 2013-064867/TEC/DOEXT-1797. 318 Idem. 319 Idem. 175 Pra falar a verdade eu já perdi até a fé, porque esses ano todim aqui, esses cara de fora chega, faz, faz e não chega um infeliz lá pra dizer: tá embargada. A gente, na hora que bota um tijolo, os homem chega, leva pra delegacia e já tá processado. Não dá pra entender! Quem tá pagando o pato somos nós. É por isso que eu tou vendo a hora acontecer uma desgraça (Conforme entrevista realizada em sua casa no dia 27.01.2014. Gravada e copilada pela autora). Além destes, há relatos de outros enfrentamentos relacionados à questão de terras. Outro exemplo é o que aconteceu com Rivânia, uma dona de casa indígena com o “encarregado” de Tomás de Melo, conhecido pelos moradores de Sagi como Paulo da Pituba. Numa oportunidade, em seu relato, esse senhor decidiu destruir sua casa, para força-la a sair de sua terra, o que facilitaria sua venda. Só que ele não contava com a ajuda de seus parentes. Conforme o Sr. Carlos Leôncio relatou: Foi quando ele destruiu a casa de Rivânia. Derrubou tudo dentro da casa dela e no outro dia ficou de voltar pra vê se ela tinha saído e nós ficamos de tocaia, avisaram a ele e ele não apareceu, se tivesse vindo tinha morrido. Nós fomos de estrovenga na mão, de noite porque ele disse que vinha terminar o serviço, ficamos esperando, mas um peste foi avisar a ele. Nós juntamos e fomos levantar a casa dela que ele derrubou e nós fizemos de tijolo, se juntou todo mudo e ele num foi mais lá. (Conforme conversa informal na calçada da casa da autora, no dia 10.02.2014). Há outro conflito entre os indígenas e os empresários da região, que está relacionado à destruição dos roçados plantados na área do pau 320 que “pertence” a Destilaria Baía Formosa, localizada nas imediações da cidade de mesmo nome. Essa empresa protagonizou o desmatamento dos tabuleiros de mangaba na década de 1970, para o plantio da cana de açúcar, matéria prima para a produção do álcool e do açúcar naquele estabelecimento. Apesar de continuarem plantando nas áreas do pau, os indígenas sentem-se acuados, haja vista não terem segurança quanto à colheita, resultado de seu trabalho. Convivem com a incerteza de que, a qualquer momento, suas roças possam ser destruídas, fato este corriqueiro desde 2013. Mas quando perguntei a Isaías Amaro, um dos agricultores prejudicados pela ação da usina, sobre qual a razão pela qual ele não levou o caso a justiça quando teve o seu roçado destruído pelo vigia da referida empresa, ele afirmou: Chamei os outro pra ir comigo denunciar, mas eles não quiseram ir por conta de que eles diz que a terra é da usina e eu não vou sozinho. Mas a área é da gente trabalhar, mas eles não querem ir. Quanto mais gente fosse mais forte era, a gente podia ir ao Ministério Público fazer a denúncia, mas sozinho eu não fui falar por mim e os outro. Se tivesse uns 4 ou 5 que fosse! A gente não vai brigar com a usina a gente quer a área pra trabalhar (Entrevistado em sua casa no dia 28.01.2014). 320 Terra úmida e fértil localizada às margens dos rios, área alagada boa para o plantio de roças. 176 Considerando o conjunto das narrativas orais reunidos dos indígenas de Sagi quanto à questão de terras para a construção de suas casas e o plantio de seus roçados, constatei que a história que destas resulta é marcada por enfrentamentos com os grandes latifundiários que se “apossaram” dessa região desde os primórdios da ocupação territorial desse povoado. E, nos dias atuais, essas mesmas terras são cobiçadas pelos empresários que pretendem investir no turismo. Utilizo o termo citado acima entre aspas, em conformidade com a Certidão expedida pelo Cartório Único Judiciário de Baía Formosa, datado de 03 de setembro de 2013 (cf. ANEXO D), no qual o tabelião Jeremias Duarte Ribeiro constatou “a inexistência da matrícula da referida área mencionada”, ou seja, que não há no cartório nenhum documento comprobatório que indique a aquisição dessa terra por nenhum proprietário, sendo, portanto, uma área tomada por posse. É imprescindível destacar que durante o processo de posse da terra conhecida por “Sagi”, os latifundiários desconsideraram os direitos dos primeiros habitantes da região à referida terra. Não respeitaram as pessoas e nem as famílias inteiras que viviam e plantavam nessa área, desde antes da chegada deles à região. Simplesmente, se apossaram dessas terras, retirando do caminho àqueles que insistiam em permanecer nela. Apesar de várias tentativas do movimento indígena do Estado, junto à FUNAI e ao Ministério Público Federal, o processo continuou por muito tempo na justiça estadual. Mas, durante a III AIRN, então realizada em Sagi no ano de 2013, o Procurador Ronaldo Sérgio compareceu ao encontro e na oportunidade foi conhecer Sagi Trabanda em companhia do cacique Manoelzinho. Ele demonstrou interesse pela questão, conforme relato abaixo: Quando terminou a assembleia, o Dr. Ronaldo Sérgio foi com a gente vê o terreno. Eu perguntei pra ele se o cara que desapropriou o cemitério tinha direito de fazer isso, se ele não era dono de nada porque não existe nenhum documento dessa terra, mas ele não deu resposta. Disse que não podia adiantar nada até conhecer a documentação da terra que está na justiça estadual e que já foi solicitado pelo MP à Comarca de Canguaretama. Ele disse: “Eu preciso analisar esse documento pra poder lhe dá uma resposta” (cf. entrevista realizada em sua casa no dia 2/.01/2014 e gravada pela autora). Mas foi apenas por ocasião do Seminário sobre Direitos Indígenas, organizado e realizado pela FUNAI e UFRN, no período de 07 a 09 de outubro do ano de 2013, no IBAMA/Natal, que o processo tomou outra dimensão. Foi exatamente o Procurador da República Ronaldo Sérgio Chaves Fernandes que começou a agir pessoalmente. 177 Pouco mais de um mês após esse evento, em 12 de setembro do mesmo ano, o referido Procurador enviou à Juíza de Direito da Vara Única da Comarca de Canguaretama um requerimento 321 solicitando: “a remessa imediata dos presentes autos à Justiça Federal para fins de pronunciamento e decisão acerca da existência de interesse jurídico que justifique a presença da FUNAI no processo”. Nesse documento (19 páginas), o Procurador destaca entender que se a FUNAI tem interesse jurídico na reintegração de posse das terras ocupadas pelos Potiguara do Sagi é porque, segundo ele, existe um forte indício de que estes moradores sejam indígenas. Assim, ele afirmou no referido documento 322 que assim como reza a Constituição Federal e o Estatuto do Índio, compete à instância federal e não estadual julgar se estas terras estão ou não “incorporadas ao patrimônio da União e ao usufruto dos indígenas”. Ainda, nessa mesma notificação, o Procurador destaca que em 03 de julho do ano dede 2012 a FUNAI 323 “forneceu informações a respeito do andamento do procedimento de reivindicação da terra dos Potiguara de Sagi”, bem como enviou outro recurso de apelação à Procuradoria 324 “por meio do qual pugna pelo reconhecimento da nulidade do processo em epígrafe em virtude da incompetência absoluta da Justiça Estadual para processar e julgar o feito e da ausência da intimação da União e do Ministério Público Federal para intervir no feito”. Na oportunidade, cita, como um dos argumentos de sua solicitação, alguns trechos do Parecer Pericial realizado em Sagi Trabanda, no período de 21 a 24 de maio do ano de 2013, em atenção à sua própria solicitação em nome do Ministério Público Federal 325 , que destaca alguns elementos de identificação étnica na comunidade de Sagi. O referido documento citado pelo Procurador Ronaldo Sérgio foi o Parecer Pericial nº 70/2013, realizado pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão e Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, redigido em 30 de julho do mesmo ano, contendo 40 páginas e se concentrando em cinco eixos analíticos divididos em seções: 1) Metodologia; 2) Existem índios no Rio Grande do Norte? 3) A história do parentesco; 4) A época da abundância e atual ameaça territorial e 5) Conclusão” (p.1). Além disso, apresenta registros fotográficos do cemitério, do lixão, da ponte de concreto, entre outros lugares. 321 Referência dos Autos nº 0001772-71.2007.8.20.0114 sobre a Ação de Reintegração de Posse. Autor: Waldemir Bezerra de Figueiredo. Réus: Cacilda Maria Pessoas e outros (p. 2). 322 Idem. 323 Idem, p. 6. 324 Idem. 325 Conforme os autos do inquérito civil nº 1.28.000.001078/2011-76. 178 O antropólogo que realizou a perícia passou três dias no povoado – de 21 a 24 de maio do ano de 2013 – sob a responsabilidade da Subprocuradora Geral da República, Membro Titular da 6ª CCR Maria Eliane Menezes de Farias, e tendo como parte interessada, seu solicitante, o Procurador da República do RN Ronaldo Sérgio Chaves Fernandes. O pesquisador priorizou como metodologia a observação participante e entrevistas como principais técnicas para o levantamento de dados. O foco do trabalho 326 “incidiu na identificação étnica do grupo e como esta gera um pertencimento comunitário”. Desenvolveu o parecer no contexto da invisibilidade, no qual a indianidade do grupo foi frequentemente contestada na relação com os órgãos oficiais 327 . Com o objetivo de 328 : “avaliar, de forma mais profunda, os laços identitários reivindicados pela comunidade de Sagi-Trabanda” o antropólogo, a analista processual, Carla Negócio, e a Subprocuradora da República, Maria Eliane, visitaram Baía da Traição no dia 22 de junho do ano de 2013 e, na ocasião, conversaram com o pajé Francisco, 70 anos, que os informou 329 “várias pessoas se casam em Sagi-Trabanda, como também é comum pessoas de lá virem morar em Baía da Traição, inclusive apontou uma casa próxima da sua no qual é composta por familiares da comunidade de Sagi”. Comprovando, portanto, a estreita relação de parentesco entre os Potiguara de Sagi com os Potiguara da Paraíba. Registra também, um breve histórico sobre o início do povoamento de Sagi, sobre as famílias vindas de Baía da Traição e sobre moradores indígenas de Sagi Trabanda. Destaca as dificuldades que os indígenas vivenciaram quando Tomás de Melo passou a herdar a terra de Sagi, o qual exercia seu domínio por meio de ameaças, coagindo e causando medo aos trabalhadores locais, numa atitude incessante pelo poder, buscando se legitimar como proprietário da região. Aborda, ainda, o ápice da discórdia que ocorreu entre os indígenas e um “empresário de fora”, Waldemir Bezerra, que: [...] não compartilha nenhum símbolo ou identificação local, agindo de forma desrespeitosa. [...] a primeira coisa que iria fazer seria destruir o cemitério para construir um resort e, [...] iria fazer questão de não empregar nenhuma mão de obra local, pois os moradores são desqualificados e preguiçosos (cf. PP– 6ª CCR/MPF nº 70/2013, p. 24 e 25). 326 De acordo com o Parecer Pericial – 6ª CCR/MPF nº 70/2013, nota no rodapé, p. 2. 327 Tal como INCRA, FUNAI, Prefeituras e MPF. 328 Idem, p. 28. 329 Idem. 179 Ao tratar da questão da localização da casa do cacique que foi derrubada pela ação da polícia, o antropólogo afirmou 330 que “a casa de Manoelzinho é uma das mais distantes e está sobre a área pleiteada por Waldemir Bezerra, havendo dezenas de casas mais próximas do rio que nem sequer foram notificadas”. Isso demonstra que a posição imparcial do perito não o impediu de perceber a perseguição política em que os indígenas de Sagi vêm enfrentando no decorrer de sua história de resistência. E, conclui o trabalho afirmando que: Tal como os Potiguara de Baía da Traição, é bem possível que os Potiguara de Sagi sejam um dos povos indígenas mais antigos a sobreviver no mesmo lugar desde a chegada dos colonizadores há 500 anos, pois a proximidade e história com os Potiguara de Baía da Traição asseguram um passado amplamente registrado pela historiografia da região (citando Campanilli, 2010). Em termos de memória oral e de parentesco a ligação com os Potiguara de Baía da Traição é evidente, o que corrobora a hipótese da comunidade indígena de Sagi-Trabanda ter sido formada como um aldeamento Potiguara. [...] Logo, a necessidade de regularização como terra indígena não representa apenas uma garantia territorial, mas é o símbolo de resistência secular no qual está em jogo a recuperação de uma identidade indígena estigmatizada e perseguida durante anos (cf. PP– 6ª CCR/MPF nº 70/2013, p. 36, 37 e 39). Esse parecer pericial contribuiu para reiterar o que está sendo registrado nesse trabalho acerca da história dos Potiguara de Sagi, quanto a questão da sua identidade étnica e a luta pela terra desde o início da dominação do lugar pela família Melo. Além dessa grande disputa judicial, os Potiguara de Sagi têm enfrentado outras ações judiciais no tocante às questões ambientais que têm implicado em protestos e manifestações contra a Prefeitura de Baía Formosa. Em virtude de esta dificultar a resolução dos problemas impactados, criando-se, dessa forma, um clima tenso com a gestão administrativa do município, além de outras pelejas de dimensão menor, que não chegaram a gerar processos, mas que foram registradas em boletins de ocorrências. 330 Idem, p. 32. 180 CONSIDERAÇÕES FINAIS: HISTÓRIA, PARENTESCO E TERRITORIALIZAÇÃO O processo de pesquisa junto ao grupo indígena Potiguara de Sagi, tomando como palco sua inserção no campo indigenista recentemente formado no Estado do Rio Grande do Norte, parece ser, ao final, um bom exemplo do modo como os grupos étnicos fazem seleções de repertórios simbólicos e matérias para se apresentarem como distintos (BARTH, 1998). No caso em particular, através dos processos de territorialização (OLIVEIRA, 2004) pelos quais este vem passando nas últimas décadas. Minhas investigações centralizaram-se em levantar informações sobre o processo de organização do movimento indígena no Estado, bem como a inserção dos Potiguara de Sagi na luta pelo autorreconhecimento de sua identidade. Contando com a colaboração dos interlocutores dessa pesquisa, produzi uma representação histórica local que apresenta a presença dos Potiguara na formação de Sagi, a partir daí, tracei um recorte genealógico acerca de uma das primeiras famílias a morar no povoado, utilizando como critério para sua seleção, a relevância desta na constituição do grupo investigado. Um primeiro ponto que recuperei, a partir de redes locais, marcadas por relações diádicas (BARNES, 1987), a formação de um campo indigenista no Estado do Rio Grande do Norte, com ênfase na formação de um movimento indígena local, a partir de mobilizações políticas organizadas pelos atores sociais e agentes indigenistas, que resultaram em diversas ocasiões de discussões, tais como: audiências públicas, assembleias, reuniões, encontros, mobilizações étnicas, protestos e manifestações públicas, que tem viabilizado a promoção da superação da invisibilidade étnica no Estado. Neste cenário, em especial a partir de conflitos locais, os indígenas de Sagi reafirmaram uma identidade e uma trajetória migratória que os liga aos Potiguara da Paraíba. Por meio de suas narrativas, foi possível encontrar o elo com um de seus antecessores mais antigos, pertencente a uma das quatro primeiras famílias a chegarem à Sagi, vindos da Paraíba no final do século XIX – a família Cândido. Somando mais de 150 anos de história vivenciada em Sagi desde a sua formação, mediante o registro da genealogia dessa família, foi possível recuperar nominalmente, mais de quinhentos descendentes. Priorizando a memória e as narrativas orais como base para a construção do conhecimento acerca dos Potiguara de Sagi, busquei identificar os laços de parentesco com 181 os indígenas da Paraíba, através dos fluxos migratórios destes até chegarem à Sagi, onde permaneceram como lugar de pertencimento e moradia até os dias atuais. Além disso, demonstrei como diante do contexto político, certas memórias foram especialmente selecionadas para formar uma “história” do grupo, que dá conta do período de formação de Sagi, passando pelo processo de desapropriação, chegando até os conflitos atuais e a mobilização política associada a agentes regionais não-indígenas e a mediadores dos Potiguara da Paraíba. Num segundo ponto, pautada nos relatos dos “especialistas da memória” (LE GOLFF, 2003) registrei um breve histórico sobre os primeiros indígenas a chegarem à Sagi, recuperando cronologicamente uma representação histórica, fundada no parentesco e na migração, com fins de reconhecimento étnico, pensada como resultado de todos os processos em curso, resultando em uma “história local”, em um contra-história de invisibilidade. Ao final, o ponto alto de discussão entre os Potiguara de Sagi continua sendo a questão da terra ocupada tradicionalmente por eles, pois uma vez que vivem praticamente da agricultura, dependem dela para suprir suas necessidades de subsistência. Entretanto, os investidores locais estão desconsiderando a história de pertencimento desses indígenas a essa terra, e isso vem causando entre eles revolta por se sentirem injustiçados. Portanto, vale ressaltar que foi a recuperação dos conflitos fundiários que estes têm vivido nas últimas décadas, que tem gerado conflitos, novos processos de territorialização e organização política. Desde o início da formação de Sagi, o grupo pesquisado se sente “dono” daquelas terras, até que passaram a enfrentar problemas com latifundiários da Família Melo e posteriormente (década de 1970) com os proprietários da Usina de produção de açúcar e álcool localizada naquela região. Sendo muitas vezes expulsos dessas terras como se fossem intrusos ou invasores, entretanto, na sua memória, carregam fortes recordações de seus antecessores que tanto labutaram para retirar desta o sustento diário de sua família. Muitos desses problemas resultaram em ação judicial, chegando até mesmo à intervenção da justiça estadual. Uma nova faceta dessas questões judiciais veio com o uso predatório do Meio Ambiente, que tem prejudicado diretamente, o principal meio de subsistência do grupo: a pesca de pequenos peixes e crustáceos no rio Cavaçu, localizado no seio da comunidade. Os conflitos se acentuaram quando a área, identificada pelo grupo por “Aldeia Sagi Trabanda” passou a ser alvo da especulação imobiliária, quando a Empresa Bezerra Imóveis afirmou ser proprietário daquela localidade, desconsiderando a sua “história” e o senso de pertencimento do grupo a uma terra “descoberta” por seus antepassados. 182 Mas, com a autoafirmação étnica esse grupo passou a ter essas questões judiciais assessoradas diretamente pelo Ministério Público e pela FUNAI, que diante da presença desta no Estado por meio da instalação de uma CTL em Natal/RN, passou a interver em defesa de seu território. Há uma atividade desenvolvida na região que faz parte de um fluxo economicamente rentável no Estado e no país, mas que, no entanto, não tem produzido nenhum resultado positivo para os indígenas de Sagi: o turismo. Os grandes empresários dessa atividade financeira desconsideram a presença desse grupo etnicamente diferenciado na região e praticam o turismo, excluindo o grupo dessa fonte de renda. Espero que este trabalho tanto sirva para pensar, a partir do Estado do Rio Grande do Norte, os processos de etnogênese associados aos de territorialização, gerando a produção política de uma “história” local; quanto sirva também de instrumentos e contribuição para uma mudança tanto na historiografia de formação do Estado, como de subsídio para as legítimas reivindicações indígenas das famílias de Sagi. Que tanto contribua para o entendimento e superação dos processos de invisibilidade de grupos sociais, quanto para o entendimento e reconhecimento das identidades, protagonismos e direitos desses grupos. 183 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APOINME. Microrregional do RN. Atas realizadas nos Encontros Estaduais, Regionais e Nacionais. Natal/RN, 2011-2013. ARARAQUARA, Significado de. Disponível no site: http://www.girafamania.com.br/girafas/lingua_guarani.html. Acesso em 25.10.2014, às 13h. ARRUTI, José Maurício Andion. Etnogêneses indígenas. In: Povos Indígenas do Brasil - 2000-2006. São Paulo: ISA - Instituto Socioambiental, 2006, p. 50-54. AUGÉ, Marc; AGHASSIAN, Michel; GRANDIN, Nicole. Os domínios do parentesco: filiação, aliança matrimonial, residência. Direção de Marc Augé. Lisboa: Edições 70, 1975. BATALHA, Luís. Breve análise sobre o parentesco como forma de organização social. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Universidade Técnica de Lisboa. Lisboa, 1995. 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Informativo n° 13/2014 | 17/09/2014 - Conselho Deliberativo do CNPq Encaminhamento das Moções aprovadas na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia Para ter acesso ao texto de todas as moções aprovadas, clique em: http://www.portal.abant.org.br/index.php/imprensa/outros. Moção 1 A Assembleia Ordinária da Associação Brasileira de Antropologia/ABA, realizada em Natal no dia 06 de agosto de 2014, solicita a imediata constituição do grupo técnico de identificação e delimitação territorial para garantir a regularização fundiária da Terra Indígena Potiguara do Sagi (Baía Formosa/RN) e pede providências urgentes para solucionar a ação de reintegração de posse que desalojará 08 famílias e privará pelo menos 82 famílias de dispor de terras para a produção de sua subsistência. Justificativa Os Potiguara do Sagi, que estão no litoral sul do RN (município de Baía Formosa) há mais de dois séculos, tiveram a seu desfavor uma ação de reintegração de posse movida por um empresário do ramo imobiliário. A área em litígio é constituída por faixas de terras que estão ocupadas com moradias e sendo utilizadas para o desenvolvimento de atividades agrícolas e pesqueiras, de coleta de frutos e de crustáceos, bem como de lugares de memória, como cemitérios e espaços de antigas moradias e de circulação de pessoas. Tendo início em 2007, tal ação cível, que estava na jurisdição estadual, foi deslocada em 2013 para a justiça federal a partir de solicitação da Advocacia Geral da União (AGU). No voto do desembargador/relator do TRF/5ª Região, emitido em 24 de abril de 2014, a antiguidade da presença indígena naquela região não foi considerada, além disso, não foi demonstrado conhecimento acerca das demandas pela regularização fundiária apresentadas em 2008 na segunda audiência pública e ratificadas nas três assembleias indígenas do RN (2009, 2011 e 2013). Vale salientar que a autoafirmação étnica-indígena no RN tem revelado um processo político e cultural significativo que contradiz com a historiografia e o imaginário locais de que no RN os indígenas desapareceram. Encaminhamento: Ao Ministério da Justiça À Secretaria Geral da Presidência da República À Procuradoria Geral da República À Presidência da FUNAI Nº TÍTULO REMETENTE/S DESTINATÁRIO/S ENCAMINHAMENTOS 1 Imediata identificação e delimitação territorial para regularização fundiária da Terra Indígena Potiguara do Sagi CAI MJ, SG PR, PGR e FUNAI Enviada por e-mail (Ofício nº 032/2014/ABA/PRES), dia 04/09/14 189 ANEXO B: DECLARAÇÃO DE RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE ÉTNICA DOS POTIGUARA DE SAGI – APOINME 190 ANEXO C: CERTIDÃO DE PROPRIEDADE E ÔNUS 191 192 ANEXO D: CERTIDÃO DO CARTÓRIO – BAÍA FORMOSA 193 ANEXO E: PARECER TÉCNICO SOBRE O “BARREIRO” DE SAGI UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE MUSEU CÂMARA CASCUDO DEPARTAMENTO DE PALEONTOLOGIA VISITA TÉCNICA À PRAIA DE SAGI – RN, em 25 de junho de 2014. AVALIAÇÃO DE POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE SAMBAQUI EM DEPÓSITOS DE DUNAS NA PRAIA DE SAGI, BAÍA FORMOSA, RN. INTRODUÇÃO A pedido da servidora da UFRN, Mestre em Antropologia, Jussara Galhardo Aguirres Guerra, ao Departamento de Paleontologia do Museu Câmara Cascudo, UFRN, foi agendada e realizada uma visita à Praia de Sagi, município de Baia Formosa, com o objetivo de verificar, analisar e interpretar a possível ocorrência de conchas e área de dunas, como possível estrutura de sambaqui, de acordo com informações da mestranda em antropologia Maria Gorete Nunes Pereira, que desenvolve trabalho de pesquisa na área, colhendo dados para sua dissertação. A visita ocorreu no dia 25 de junho de 2014, com a presença da equipe do Dep. de Paleontologia, composta pelos Professores: Claude Luiz de Aguilar Santos e Maria de Fátima Cavalcante Ferreira dos Santos; Estagiários do Dep. de Paleontologia: Lucas Henrique, (aluno do curso de Geologia), Olda (aluna do curso de Biologia) e Antropóloga Jussara Galhardo pesquisadora de Assuntos Indígenas, todos do Museu Câmara Cascudo, por morados locais. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA A área visitada corresponde às faixas de intermaré e supra maré, no trecho situado entre o vilarejo da Praia de Sagi – RN e a foz do Rio Guaju, numa extensão de aproximadamente 2,25 km. Figura 1 194 Fig. 1: Faixa de dunas percorrida durante a visita. No percurso o perfil de praia (figura 2) exibe uma topografia com declive moderado, com presença de afloramentos de arenitos de praia, (conhecidos popularmente como recifes de arenito), na zona de arrebentação durante ao nível da maré baixa. Na faixa de intermaré há depósitos de areia média a grossa, com presença de conchas e fragmentos de algas coralináceas, seixos e fragmentos de arenito ferruginoso. Fig. 2 – Perfil de praia. O limite superior entre a zona de intermaré e supramaré é marcado por topografia de erosão pela ação de ondas de marés altas (figura 3), com depósito arenoso contendo eventualmente, concentrações de organismos marinhos já mencionados no parágrafo anterior (gastrópodes e bivalves de pequeno porte - menor que 4 cm). A presença essas conchas foi constatada também em áreas do supra-litoral (figura 4), em sedimentos arenosos sobrepostos a depósitos de dunas que recobrem relevos do Grupo Barreiras (figura5). Esta unidade rochosa aflora em vários trechos do percurso, nas dunas exibindo feições de falésias variando entre composição ferruginosa (figura 5), consolidada e argilo-arenosa com coloração cinza (figura 6). 195 Fig. 3 – faixa de intermaré com relevo de erosão por ondas de maré no canto superior esquerdo. Fig. 4 – Depósito de conchas (gastrópodes, bivalves e algas coralináceas) e seixos rolados. Fig. 5: Afloramento de arenito ferruginoso do Grupo Barreiras Fig. 6: Afloramento areno-argiloso do Grupo Barreiras. DISCUSSÃO - As indicações de ocorrências das conchas estariam acima do limite da maré alta em sedimentos dunares, nas proximidades de afloramento um argilo-arenoso, o “barreiro” (figura 6), que de acordo com informações dos moradores presentes, já foram utilizados como fonte de material para edificação de “casas de taipa”. Não houve, entretanto, confirmação dessa informação, pois nenhuma evidencia da presença de conchas foi encontrada no local. A presença de conchas marinhas foi observada nos depósitos em nível superior à faixa de intermaré, logo no início da zona de supramaré, mas sem qualquer relação evidente com o afloramento mencionado acima. Este tipo de ocorrência sugere depósito marinho em nível superior ao conhecido na atualidade, o que estaria relacionado ao recuo do nível do mar. Porém, alguns aspectos foram observados: A – Não foi registrada a presença de evidencias de restos de cerâmica ou quaisquer outros vestígios materiais da atividade ou permanência humana da área em questão. 196 B – As espécies de conchas encontradas no local diferem das já registradas em outras praias do litoral do RN, onde se verifica a seleção e quebra intencional das conchas, formando depósitos onde fragmentos líticos ou de cerâmica podem ser encontrados. C – A topografia do depósito com presença de conchas não é compatível com depósitos de supramaré. D – Embora a morfologia do depósito arenoso possa ser atribuído à ação eólica, não temos elementos para afirmar se o nível de energia eólica teria competência para o transporte dos fragmentos de conchas até a faixa em questão, que exibem os mesmos aspectos de desgaste natural pela ação das ondas observados nos fragmentos jacentes na faixa de intermaré. E – Foi constatada a presença de homens e máquinas atuantes na retirada e transporte de areia na faixa de intermaré, que segundo informações colhidas no local, destina-se ao uso em processos de composição de filtros para recursos hídricos provenientes de poços. É possível que as conchas presentes nos depostos nas vizinhanças do limite de supramaré resultem do descarte de porções da areia recolhida na praia. F – Há evidencias de uma “estrada” utilizada por veículos motorizados ou de tração animal, paralela à linha de praia, que no local em questão passa entre o depósito de conchas e o afloramento do “barreiro”. CONSIDERAÇÕES FINAIS As conchas observadas durante o percurso são espécies holocênicas, facilmente encontradas a partir da inframaré ou em poça de intermarés e associados a depósitos de intermarés. Embora se tenha conhecimento de aproveitamento dessas espécies na alimentação humana atualmente, não se verificou indícios dessa atividade no material encontrado. As características dessas conchas sugerem depósitos naturais na zona de intermarés, removidos mecanicamente e descartados como rejeito em trechos do supralitoral. Pelas características mencionadas, entendemos que a ocorrência de conchas no trecho visitado não caracteriza a estrutura de sambaqui. Prof. Ms. Claude Luiz de Aguilar Santos Profa. Ms. Maria de Fátima Cavalcante Ferreira dos Santos 197 ANEXO F: REGISTRO DE NASCIMENTO DE ANTÔNIA CÂNDIDO 198 ANEXO G: QUADRO GENEALÓGICO DA FAMÍLIA CANDIDO, 2014. 1ª GERAÇÃO 2ª GERAÇÃO 3ª GERAÇÃO 4ª GERAÇÃO 5ª GERAÇÃO 6ª GERAÇÃO 7ª GERAÇÃO Cândido Martins Emília Cândido Martins (+) 1) Antônia Cândido (+) 1) Joana C. Serafim José Leôncio do Nascimento (+) . 1) Arlinda Leôncio. do Nascimento Antônio dos Santos (+) 1) José dos Santos Severina Félix dos Santos Maria dos Santos - 2) Dulce dos Santos Pedro Justino Josivaldo - 3) Genival dos Santos Não Informado – NI - 4) Severino dos Santos Tânia Dias da Silva Santos 1) Sandro da Silva Santos Maria Carolina Delfino Ana Luíza Delfino dos Santos 2) Samara da Silva Santos Bruno Delfino 1) Breno Delfino dos Santos 2) Bento Delfino dos Santos 3) Benício Delfino dos Santos 3) Suênia da Silva Santos - 4) Sayonara da Silva Santos Simeão Lira de Sousa 1) Aghata Sofia da S. de Sousa 2) Agnes Velentina da S. Sousa 5) Francisca dos Santos Pai: NI 1) Fagner - 2) Jhonathas - 6) Gilvan dos Santos Maria das Dores Félix Geovânia Félix dos Santos - 7) Gilvanda dos Santos Pai: NI Leandro dos Santos Aline de Fátima Moreira Paloma Moreira dos Santos Dayane dos Santos - 8) Francisco dos Santos Verônica Claudino da Silva Silvania Pai: NI Yan José Neto dos Santos Eliane do Nascimento Silva 1) Maria Luíza Santos Silva 2) Lázaro dos Santos Silva 3) Willame dos Santos Silva 9) Mª das Neves dos Santos NI OBS: Mora em SP 10) Erivan dos Santos NI - 11) Roseli dos Santos - - 12) Reginaldo dos Santos (+) - - 2) Neusa Leôncio do Nascimento (+) Pai: NI 1) Edmilson Leôncio (+) - - 2) Luiz Leôncio NI OBS: Tambaú/PB 3) José Carlos Leôncio NI - 4) Ednaldo Leôncio NI - 1) João Branco Leôncio NI OBS: Cabedelo/PB 2) Ângela Leôncio NI - 199 Cândido Martins Emília Cândido Martins 1) Antônia Cândido 1) Joana C. Serafim José Leôncio do Nascimento (+) 3) Nair Leôncio do Nascimento (+) Pai: NI 3) Ane Coeli Leôncio NI - 4) José Leôncio NI - 5) Jorge Leôncio NI OBS: Cabedelo/PB 4) Natelssa Leôncio do Nascimento / Zé Baé Três filhos NI OBS: Cabedelo/PB 5) Manoel Leôncio do Nascimento / Diva (+) Maria Luzinete Leôncio Pai: NI 1) Dayana/ Pai: NI 1 filho: NI 2) Rodrigo - 6) José Leôncio do Nascimento (+) Mª das Neves Vidal do Nascimento 1) José Carlos Leôncio do Nascimento a)Antônia da S. Nascimento 1) Micarla da S. Nascimento Deo Itauã Nicássio 2) Niêdija da S. Nascimento - 3) Carla Danielle da Silva Nascimento - b) Kátia Delfino Cardoso 4) Carlos Afonso do Nascimento - c) Rayra Avelino da Silva 5) Mirella Avelino do Nascimento - 2) Antônia Leôncio do Nascimento Antônio Joaquim da Silva 1) Aline Nascimento da Silva Jefferson Ália Vitória 2) Alef Silva do Nascimento - 3) Alisson S. do Nascimento - 3) Manoel Leôncio do Nascimento Sandra Silva Teles 1) Carlos Antª Leôn. da Silva - 2) Alessandro Leôncio Silva - 3) Elaine Leôncio Silva - 4) Francisco Leôncio do Nascimento Edenilza Raimunda da Silva 1) Stephlane Vinício Leôncio do Nascimento - 2) Stwart Deived Leôncio do Nascimento - 3) Slayne Grazielly Leôncio do Nascimento - 5) José Leôncio do Nascimento Ivanoska 1) João Victor do Nascimento - 2) José Venícius do Nascimento - 6) Maria Leôncio do Nascimento Luciano Paulo do Nascimento 1) Iara Lúcia do Nascimento Pai: NI 1 filho: NI 2) Jaciara L. do Nascimento Carlos Samuel do Nascimento 3) Naiara do Nascimento Mauro Maiara do Nascimento 4) Luciana Paula do Nascimento - 200 Cândido Martins Emília Cândido Martins 1) Antônia Cândido 7) Francisco Leôncio do Nascimento (+) - - - 8) Maria Leôncio do Nascimento - - - 9) Leda Leôncio do Nascimento NI - - 2) Mª Cândido Serafim Vicente (+) 1) Mª das Graças Vicente Luiz Delfino Filho Sem filho - - 2) Maria dos Anjos Vicente Edgar Lobo Sem filho - - 3) José Vicente Mãe: NI 1) Karine Torquato - - 2) Karol Torquato - - 3) Marcelo Torquato NI OBS: Mora no RJ 4) Maria Vicente Agrício 1) Jacira NI OBS: Baía Formosa/RN 2) João NI OBS: Baía Formosa/RN 3) Santana C. Serafim (+) João do /Esp.Santo Claudino – 107 anos (João Marreco) 1) Josefa Claudino a) Severino Marcelino 1) Gilberto Claud. dos Stos Deiziane Borges da Silva 1)Kaíke Gabriel Clau. da Silva - 2)Andrielle Claudino da Silva - 2) Gilmar Claudino dos Santos / Adriana Moreia Ariane Moreira dos Santos - 3) Givanildo Claudino - - b) Bionor 4) Nívia Bezerra da Costa Vitória Bezerra da Silva - c) José Félix Neto 5) Poliana Félix da Silva - - 6) Ana Paula F. da Silva - - 7) Shirley Félix da Silva Igor Marcos M. Viturino Cauã Marcos da Silva - 2) Jair Claudino Solange Moreira da Silva 1) Jailkson Claudino da Silva - - 2) Jailson Claudino da Silva - - 3) Jair Claudino da Silva Nelsivâmoa Ruan Carlos Claudino - 4) Janaína Claudino da Silva Paulo Miguel Barbosa Mateus Claudino - 3) Lucas Claudino a) Maria Lobo (Neta) 1) Alandi Claudino a) Betânia Claudino 1) Gustavo Claudino - b) Maria Gorete Pai: NI 2) Alessandra Claudino - 3) Alisson Claudino - 2) Severino Claudino (+) Isabel Aragão 1) Denilson Claudino - 1) Fabrício Alb. Claudino - 201 Cândido Martins Emília Cândido Martins 1) Antônia Cândido 3) Santana C. Serafim João do /Esp.Santo Claudino – 107 anos (João Marreco) 3) Lucas Claudino a) Maria Lobo (Neta) 3) Walter Claudino Vera Lúcia Albuquerque 2) Fabíola Alb. Claudino - 3) Fabielle Alb. Claudino - 4) Mª Aparecida Claudino Rui Delfino Cardoso 1) Renata Delfino Cardoso Rafael Amaro da Silva Raoni Cardoso da Silva 2) Ricardo da Silva Cardoso - b) Maria Isabel 5) Patrícia Claudino NI OBS: mora no RJ 6) Márcio Claudino NI - 7) Marcia Claudino NI - Mais 5 filhos NI OBS: Total = 13 filhos 3) Lucas Claudino / NI NI - Pituba/RN 4) José Claudino (+) Vanira dos Santos 1) Verônica Claudino Francisco dos Santos 1) José Neto dos Santos Eliane Nascimento Filho 1) Maria Luíza Santos Silva 2) Lázaro dos Santos Silva 3) Willame dos Santos Silva 2) Silvania dos Stos Claudino Pai: NI Yan 2) Vânia Claudino da Silva Jalmir Feliciano da Silva 1) Danielle Feliciano da Silva Pai: NI Laís 2) Vanessa Felic. da Silva / NI Edson Venício 3) Ana Cláudia Felic. da Silva Pai: NI 1) Isabelle Feliciano 2) Iasmim Feliciano 3) Adriano Feliciano da Silva Tayse Andrielle Feliciano 4) Marcelo Feliciano da Silva Rosa 1) Beatriz Feliciano 2) Anne Emanuelle 3) Betânia Claudino Alandi Claudino Gustavo - 4) Eva Claudino José Adauto Filho 1)Flávio Adauto da Silva - 2)Gabriel Adauto da Silva - 5) Mônica Claudino a) NI Josy Claudino da Cruz Fiolayne Avelino Daniel Avelino Claudino b) José Romário Filho 1)José Romário Neto - 2)Inês Romário Claudino - 6) Antônio Claudino Sandra 1)José Antônio Claudino - 2)Mateus Claudino - 3)Alessandro Claudino - 4)Alessandra Claudino - 1)Rebeca Claudino da Silva - 202 Cândido Martins Emília Cândido Martins 1) Antônia Cândido 3) Santana C. Serafim João do /Esp.Santo Claudino – 107 anos (João Marreco) 4) José Claudino (+) Vanira dos Santos 7) Djalma Claudino Keila 2)David Claudino da Silva - 3)José Claudino da Silva - 8) Ana Claudino a) Lúcio 1)Suzane Silva Gomes - 2)Nazareno Gomes da Silva - b) Pai: NI 3)Catarina Claudino da Silva - 4)Jaime Claudino da Silva - 5)Ivanira Claudino da Silva - 6)Eloá Claudino da Silva - 9) Silvania Claudino - - 5) Djalma Claudino (+) Josefa (Zefinha) NI - - 6) Jaime Claudino (+) NI - OBS: mora no RJ 7) Vanira Claudino (+) NI - OBS: mora no RJ 8) Moça Claudino João Marcelino 1) Sheila NI - 2) Sandra Dinita 1)Fernanda NI 2)Danilo - 3) Sérgio NI - 4) Mariquinha C. Serafim José Inácio (Porcínio) 1) Ramos Inácio NI - OBS: mora no RJ 2) Geminha Inácio José Alagoas 1) Welliton Inácio NI - 2) Jeová Inácio Mãe: NI Maia - 3) Marta Inácio - - 3) José Inácio (Zequinha) Zélia Delfino Cardoso Camila Mila - - 4) Concebida Inácio Ednaldo 1) Débora NI - 2) David NI - 5) Antônio Inácio NI - OBS: mora no RJ 6) Paulo Inácio = Solange Liliane - - 7) Marcossuel Inácio - - - 8) Elaine Inácio Geraldo Madeiro 1) Naiane - - 2) Daniel - - 3) Marcus Paulo - 5) Cândido Serafim de Lima (+) Isabel C. da Silva 1) Roberto Serafim de Lima - - - 2) Nilson Cândido S. Lima 1)Maria Isabel de Lima Antº Madeiro da Costa Neto 1)Mª Cândida de L. Madeiro - Antony Gabriel de Lima Madeiro - 203 Cândido Martins Emília Cândido Martins 1) Antônia Cândido 5) Cândido Serafim de Lima (+) Isabel Claudino da Silva Maria de Lourdes da Silva Lima 2)Ana Cristina de Lima Gildo Amaro da Silva Paulo Henrique Amaro de Lima - 3) Ivan Serafim de Lima NI Paula - - NI - OBS: mora no RJ 4) Everaldo Serafim de Lima Quatro filhos NI OBS: mora no RJ 5) Antônio Cândido Serafim – 74 anos – 18.03.1940. Tereza Marreca 1) Janaína da Silva Serafim Solteira - 2) Marcelo da Silva Serafim/ NI Quatro filhos: NI NI 3) Marcos da Silva Serafim/NI 1 filho: NI NI 4) Márcio da Silva Serafim/NI 1 filho: NI NI 6) José Cândido Serafim (+) / NI 1) Evaristo Cândido (+) NI - OBS: morava em JP 2) Vanildo Cândido (+) NI - OBS: morava na PB 7) Pedro Cândido Serafim (+) Antônia 1) Luzinete Cândido NI - - 2) Valdete Cândido NI - - 3) Maria Cândido Otávio de Araújo 1) Valdir Cândido de Araújo NI - 2) Consuelo C. de Araújo NI - 3) Vilani Cândido de Araújo NI - 4) José Cândido Mãe de Zecarlos José Carlos # Cleide Dois filhos: NI OBS: mora em BF 8) Mila C. Serafim (+) - - - OBS: morreu solteira 2)Oliva Mª da Conceição (Santina) Manoel Inácio da Silva 1) Antônio Inácio (+) Mª do Carmo (Nega) 1) Antônio Inácio Filho (Rei) - - - 2) Temístocles Inácio da Silva Maria Joana da Conceição 1) Lucimar Jean - 2) Maria (+) - - 3) Jacira Inácio da Silva Raimundo Rosendo da Silva (Doca) Everaldo Rosendo da Silva Rivânia da Silva. do Nascimento 1)Manoel Rosendo da Silva - 2)Glória Mª Rosendo da Silva - 4) Alice Inácio da Silva NI - - 5) Berenice Inácio da Silva NI - - 6) Maria Inácio da Silva NI - - 7) Manoel Inácio da Silva NI - - 2) João Inácio da Silva (+) a) Maria Padre 1) Vanja Inácio da Silva Antônio Pereira 1) Priscila Pereira da Silva - - 2) Alisson Pereira da Silva - - 3) NI - - 2) Mª das Neves Inácio a) Celson 1) Celson Júnior - - b) Pai: NI 2) Clarice - - c)Pai: NI 3) Camille - - 204 Cândido Martins Emília Cândido Martins 2) Oliva Mª da Conceição (Santina) Manoel Inácio da Silva b) Terezinha 3) José Inácio da Silva (Dede) - - - 3) Joaquim Inácio da Silva (+) Maria Ribeiro 1) José Inácio Ribeiro Francisca 1) João Paulo NI - 2) João Victor NI - 2) Auzenir Inácio Antônio Padre 1) Sebastiana Inácio NI OBS: mora em BF 2) Antônio Inácio - - 3) Inês Inácio /NI Mércia NI - 4) Maria de Lourdes Inácio José Cândido Serafim 1)Milla Inácio NI OBS: mora em BF 2)Luiz Inácio NI OBS: mora em B. da Traição 5) Mariquinha Inácio (+) / NI Antônio Inácio NI - 6) Antônia Inácio Ribeiro/ NI 1)Cláudia Inácio NI OBS: mora em BF 2)Elinaldo Inácio NI OBS: mora em BF 4) Maria Inácio da Silva (Mª Grande) João Santa 1) Antônia Inácio (+) Manoel Madeiro 1)Marta Inácio Madeiro Tereza - 2)Antônia Inácio Madeiro 3)Emiliano José OBS: Barra de Camaratuba/PB Jonas OBS: mora em Barra de Camaratuba/PB 4)Antônio Inácio Madeiro NI - 2) Jandira Inácio (Bila) NI - Tambaú/PB 3) Geralda Santos Nascimento a) NI 1)João dos Stos Nascimento Tatiana Valentim 1)João Lucas Valentim Stos - 2)Mateus Henrique V. Stos - 2)Mônica Stos do Nasc. a) José Inácio da Silva 1)Alice do Nascimento - 2)Maria Eugênia S. da Costa - b) Cirilo Costa 3)Maria Gabriela S. da Costa - b) Assis Queiroz 3)Aucilente dos S. Nasc. - - c) NI 4)Renato dos Santos - - 4) Ivanira Santos Silva José Claudino 1)Silvia Claudino da Silva - - 2)Ana Claudino da Silva a) NI 1)Catarina Claudino da Silva - 2)Jaime Claudino da Silva - 3)Ivanira Claudino da Silva - 4)Eloá Claudino da Silva - b) Lucivaldo Gomes 5)Nazareno Gomes da Silva - 6)Suzane Silva Gomes - 3)Eva Claudino da Silva José Adauto 1)Flávio Adauto da Silva - 2)Gabriel Adauto da Silva - 4)Antônio Claudino da Silva Sandra 1)Mateus - 2)Alessandro - 3)José Antônio - 4)Alessandra - 5)Djalma Claudino da Silva Keila 1)Rebeca Claudino da Silva - 2)David Claudino da Silva - 3)José Claudino da Silva - 205 Cândido Martins Emília Cândido Martins 2) Oliva Mª da Conceição (Santina) Manoel Inácio da Silva 4) Maria Inácio da Silva (Mª Grande) João Santa 4) Ivanira Santos Silva José Claudino 6)Verônica Claudino da Silva Francisco dos Santos 1)José Neto dos Santos Eliane Nascimento Silva 1)Maria Luíza 2)Lázaro 3)Willame 2)Silvania dos Santos / NI Yan 7)Vânia Claudino da Silva Jalmir 1)Marcelo Claudino - 2)Adriano Claudino / Tayse Andrielle 3)Danielle Claudino OBS: mora em Mataraca/PB 4)Vanessa Claudino - 5)Ane Claudino - 8)Betânia Claudino / NI 1)Gustavo - 9)Mônica Claudino Pai: NI 1)Josy Claudino da Cruz Filayne Daniel Avelino Claudino 2)José Romário Neto - 3)Inês Claudino Romário - 5) Antônio (Bistota) Maria Pereira 1)Antônio dos Santos Givalda Luiz Isidoro 1)Cristine - 2)Cristiano - 3)Cristina - 2)Edvaldo dos Santos Maria Conceição da Cunha Jéssica dos Santos Cunha Willame do Nascimento Maia Santos do Nascimento 3)Edilma dos Santos NI OBS: mora em BF 4)Eliane dos Santos NI OBS: mora em BF 5)Eleni dos Santos NI OBS: mora em BF 6)Sérgio dos Santos - - 6)José dos Santos Ademilia Miguel Salustiano 1)José Nilton dos Santos Luciana Freire 1)Leila Freire Santos Edson da Silva Zidoro Álvaro Zidoro Freire 2)Laura Freire Santos - 3)Lúcio Freire Santos - 2)Viviana dos Santos / NI Viviane dos Santos - b) Marinaldo A. de Melo Lohan dos Santos Alves - 3)Alena dos Santos NI - 4)Alenice dos Santos - - 7) João Inácio (+) - - - 5) Maria Pequena Não teve filho - - - 6) Manoel Inácio da Silva Filho NI - - - 3) João Cândido Domitila C. Martins 1) Antônia Cândido Martins Pedro Madeiro da Costa 1) Eugênio Madeiro da Costa a) Mirian Alexandre 1)Eugênio Madeiro da Costa Filho - - b) Janeide Avelino 2)Euclenes Avelino Madeiro - - c) Teilza Guimarães 3)Teilde de Lourdes Guimarães Madeiro. Pai: NI Felipe - d) Ivonete Ferreira Madeiro 4) Karoênia Ferreira Madeiro - - 5)Kaênio Ferreira Madeiro - - 6)Kauen Ferreira Madeiro - - 206 Cândido Martins Emília Cândido Martins 3) João Cândido Domitila C. Martins 1) Antônia Cândido Martins Pedro Madeiro da Costa 2) João Madeiro da Costa a) Válbia Rubia de Menezes 1) Ohanna Maria Menezes Madeiro da Costa - - 2) Virnna Maria M. Madeiro - - b) Ivonete Porfírio 3)João Madeiro da . Júnior a) Leonoura de Moura Leitão 1) Juan Gustavo de Moura Madeiro - 2) João Gabriel de M. Madeiro - b) Mãe: NI 3) João Vitor Alexandre Madeiro - 4) Túlio Anacleto da Costa Mãe: NI 1) Gabriel Jose Martins Anacleto - 2)Pedro Lucas Tiere Anacleto - 5) Meryelle Anacl. da Costa a) Jeremias Duarte Willian - b) Pai: NI Wesley - c) Mônica Carvalho 6) Maria Antonia - - 7) Maria Eduarda - - 3) Simião Madeiro da Costa a) Niralva Vicente 1)Richarlisson Vicente Madeiro - - b) Joelma Cândido do Rosário 2)Joellyngton do Rosário Costa - - c) Adenilda Viturino 3)João Pedro V.Madeiro - - 4) Lourenço Madeiro da Costa Lucrécia Maria Ferreira da Cruz Madeiro 1) Ledja Lorena Ferreira Madeiro da Cruz - - 2) Lívia Karine Ferreira Madeiro da Cruz - - 3) Letícia Louise Ferreira Madeiro da Cruz - - 5) Antônio Madeiro da Costa a)Aparecida Cardoso 1) Antonione Madeiro Cardoso da Costa Isa Beatriz Celine Madeiro - 2) Ânela Júlia Madeiro Cardoso da Costa - - 3) Antônia Heloísa Madeiro C. da Costa - - b) Elisângela M. da Costa 4)André Marcolino da Costa - - c) Maria Isabel de Lima 5)Maria Cândida de Lima Madeiro - - 6)Antoni Gabriel de Lima Madeiro - - 6) Mª da Conceição M. da Costa Rodrigo Madeiro da Silva - - 207 Cândido Martins Emília Cândido Martins 3) João Cândido Domitila C. Martins 1) Antônia Cândido Martins Pedro Madeiro da Costa Rosivaldo Beija da Silva 7) Mª Verônica M. da Costa a) Valdézio L. Figueredo 1)Vinícius Madeiro de Figueiredo Davi Lucas Custódio Madeiro de Figueiredo - b) Pai: Não Declarado – ND 2)Vívian Maria Madeiro - - 8) Mª Adelaide M. da Costa Marcílio Braziliano 1) Marcelly Brasiliano Madeiro - - 2) Marlon Madeiro Brasiliano - - 3) Mateus Madeiro Brasiliano - - 2) José C. Martins Guacira Nobre Donália Cândida Nobre Hélio Padilha da Costa Leonor Cândida da Costa - - 3) Eunice Cândido Martins José Paulo da Silva (+) 1) Maria Francisca NI - OBS: mora em JP/PB 2)Maria das Graças NI - OBS: mora em JP/PB 3)Maria José - - - 4)Maria de Lourdes NI - OBS: mora em Acari/RN 5Raimundo NI - OBS: mora no RJ 6) Cícero Marluce 1)Suênia NI OBS: mora em JP/PB 2)Suede NI - 7) Severino Severina 1)Josenildo NI - 2)Patrícia NI OBS: mora em JP/PB 8)Francisco NI - OBS: mora em Montanhas/RN 9) Antônio NI - OBS: mora em Camurupim/PB 4) Antônio Cândido Martins (+) NI - - OBS: morava no RJ 5) Durval Cândido Martins (+) / NI NI - - OBS: morava em Brasília/DF 6) Fernando c. Martins (+) / NI NI - - OBS: morava no RJ 7) Maria das Dores C. Martins Antônio Severino Marques 1) Francisco de Assis Sem filhos - - 2) Francisca / NI + Mariana - - 3) Aurilete Cândido da Silva Lourival Primo do Nascimento 1) André - - 2) Lenival Marília 1) Isac - 2) Lenine - 3) Genival Mércia Gomes 1) Tairine - 2) Tayse - 3) Thaís - 4) Gabriel - 4) Fábio Márcia 1) Fernanda - 2) 1 filho: NI - 5) Emerson (Joca) Rosa 1) (Lindinha) (Kaúna) 1) Artur 2) Thaylla 2) Carla - 208 Cândido Martins Emília Cândido Martins 3) João Cândido Domitila C. Martins 7) Maria das Dores C. Martins Antônio Severino Marques 3) Aurilete Cândido da Silva Lourival Primo do Nascimento 6) Milene Odilon Madeiro 1) Diógen / NI 1 filho: NI 2) Yvirgin / NI Sury 7) Nirli Jersivaldo Batista de Mendoça Raquel - 8) Cireide João Gaspar 1) Maicon - 2) Amara Hélio Ferreira Joana Noraide NI (RJ) OBS: mora no RJ 4) Antônia Cândido da Silva Pedro Belarmino de Araujo (+) 1) Cristiane Cândido de Araújo / Sílvio Monte Sem filhos - 2) NI - - 5)Arisvaldo (+) NI - OBS: mora no RJ 8)Josefa C da Silva José Guilermino da Silva Sem filhos - - OBS: cria dois filhos adotados 9) Alice Martins Cavalcante Bianor Cavalcanti 1) Jonas José Cavalcante a) Célia Barros 1) Jonas José Cavalcante a) Célia Barros 1) Doalice (+) Cláudio 1) Beatriz - 2) Cláudio Filho OBS: mora em Tibau do Sul/RN 3) Raquel / José NI 2) Cândido / Celi NI - 3) Joabe - - 4) Jonaim - - 5) Jonaina Pai: NI 1) Kalebe - 2) 1 filho: NI - 6) Saraína - - b) Judith Alves Cavalcanti 7) Lucimar Alves Cavalcanti NI - 2) Maria da Selva Cavalcanti Francisco Cipriano dos Anjos 1) Francisco Cipriano Nenem 1) Romário - 2) Rodrigo - 3) Francisco Neto - 4) Eduarda - 5) 1 filho: NI - 2) Nerecinor Daniele Viana 1) Antoni - 2) Danilla - 3) Flávio - - 4) Efigênia Antônio 1) Júlia - 2) Vitória - 3) João Cavalcanti Alderina Anacleto Bejamim 1) Bruno a) Cristiane 1) Artur - 2) Vitória - b) Paula 3) Ana - 2) Marcelo - - 3) Pedro Duarte 1) Manuelle João Lucas 209 Cândido Martins Emília Cândido Martins 3) João Cândido Domitila C. Martins 9) Alice Martins Cavalcante Bianor Cavalcanti a) Ana Cristina (Berguinho) b) (Etinha) 2) 1 filho: NI - 4) Francisco Canindé Maria Merces 1) Maria Cecília Pai: NI Leonardo OBS: mora em Recife 2) Danielle - - 5) Deodato Cavalcanti Laurinetti Bezerra Cavalcanti 1) Denones a) NI 1) Jonh Kennedy - 2) Lady Dayanna - b) Janigley 3) Lázaro - 4) 1 filho: NI OBS: mora em Goiás 2) Lailton Rozangêla Mandu 1 filho: NI - 3) Cliston Elizângela 1) Deodato Neto - 2) 1 filho: NI - 4) Leusson - - 5) (Moça) - - 6) Ana Cristina / NI NI - 7) (Lula) /NI Sem filhos - 8) Cideones - OBS: mora em Goiás 9) Gideones / NI NI - 10) (Pia) - OBS: mora em Goiás 210 ANEXO H: CARTA DE IRACI CASSIANO 211 ANEXO I: CARTA DOS POVOS INDÍGENAS DO RN 212 ANEXO J: NOTIFICAÇÃO DO IDEMA 213